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lrandé Antunes

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ANALISEDETEXTOS · fundamentos e práticas

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l\'.Clrnm. 372 .4 A636a 2010


Autor: Antunes, lrandé.
Título: Análise de textos : fundamento

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124121211 i\c
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AS
O que se ensina na escola acerca do texto? Muito pouco~ Só muito
recentemente se vê uma ou outra menção a questões da coesã.o, da
coerência, da intertextualidade, da relevância sociocomunicativa, da im-
plicitude e de outras propriedades do texto.
No momento, um dos desafios para os professores é descobrir o que
incluir em seus programas de estudo da língua, para além da simples
repetição das categorias da morfologia e da sintaxe.
São bem oportunos todos os esforços por orientar e apoiar o trabalho
dos professores em tomo das questões textuais, sejam questões de sua
produção, sejam de sua compreensão. A exploração dessas questões
pode contribuir muito para que o professor vá descobrindo como am-
pliar seus programas de estudo da língua e, melhor dizendo, como
preencher suas previsões de estudo com questões que são, de fato,
relevantes para a ampla e atuante educação linguística de seus alunos.
É o que Irandé Antunes faz neste livro: explorar questões do texto
coeso, coerente, relevante e adequado contextualmente.
.. .,, ... "' ... ·•.. ....,,_... . " ,~-··

. ..,P'> A~ 3~

Estratégias de Ensino
f1·f1é Antunes~~
1. O e11si110 (/() espa11llol no Bmsil, João Scdycias Jorg. l
2. Português 110 cnsi110 médio r f()rmaçcio do profrssor.
Ck:cio Bun:1.cn & Miírcia Mendonça l'orgs.]
3. G('11rros cntnlisndorl's - lei mmento eJor111a('1io do J1rofesso1; Inês Signorini [org. I
4. A .forma1âo do pro.frssor ite pvrt.ug11ês - q11e lí11r1ua vm1ros cnsi11,,r?.

;ANÁLISE DETEXTOS
Paulo Coimbra Gu edes
5. Muito cúém da gmmâtica - por WH ensino dr línguas sem P<'tlm.~ 110 ca111i11ho,
Jrundé Antunes
6. g11.~i11ar o l1msilriro - respostas a 50 pery1111U1.~ d<' proji'.~SOl'l'S de /í11y11a 111atcm11.
Celso Ferrm:czi
7. Ser11â11Urn 1u1rn a eclucaçcio Msica. Celso Ferr;irczi fundamentos e práticas
8. O professor pes1111ismlor - i11tmd11çtio á 1.ies11ui.w1 qualitativa.
SI.cita Ma ris Bortoni-Ricardo
9 . LPtra111e1110 e1111;J,\, ,\:1aria Cecília 1vlollica & Marisa Leal
lü. U11y1.1a, te:rto e e11si110 --- 011t.ra escola possfrel. l.nmdé 1\11!.unes l lll lllll 1111111111 11111 11111 111111111111111111
1111111 lllll lllll
l J . l::11si110 e apmuli::1111e111 de lí11111111 i11ylesn - w11vasns com t'SJl<'Ôlllistas, 1241 2 12 11
Diógenes Ci1ndído rlc Lima (org.)
12. Da redação l'scolar ao l<'xlo - u111 11111111tal de rt'd11çiio. Paulo Coimbra Guedes
l 3 . /,i•trr1111cnto1> mlÍILi11Jos. t'sco/n e incl11stio sori11/, f{oxanc l~ojo
·.
'I
·r 4. Ubms? Qw' lí11y11a é essa?, /\udrci Gcs:;cr '.
. \
15. Oidáticn de lí11y11as 1•s/rangeims. Pierre Martinez
~~ . '•
16. A palm>ru e a sent:ençrr -- eswclo in.trod11lúrio. Ronaldo de Oliveirn Bali:;la
17. Coisas que todo professor de J1ort11g11iis pr('cisa s11/1er. Luciano Amaral Oliveira
' .
18. Ghreros l e:d.rrais l'r e11sino, /\ . Paiva Dionisio. 1\. R. .\.fochado, i'vl. t\. lkzcrra (orgs.)
19. As mtlei11s do texto - constrni11do smtidos. Chíudia Roncara li
20. Protl111âo textual 1w 1111iversid11(fo, Désirée .\foll'a-Rotb. Graciela Rabuskc Hendgcs
2 l . i\ rrrílise de te~1:Los -ji.111dar11e111os e1-mit icns. Irandé Antunes
.22. /Jlrim1ários escolares - polítirns, fom 111s (.-; usos, Odenc Lúcin de Sabóia Carvalho,
M11n;osfü1gno (orgs.)
). 3. l11nles e111 escolas prí/Jlicns mio fi111cio1111?. Diógenes Cândido de l.imu (org.)
.24.. Dli:ionários 1111 teoria e na prática - co1110 1) pnru q1.1r:!rn oiioji·itos,
Claud ia Xatara. Clcci Regina 13evilm;qua, Philippe Hcné Marie Humblé
}. 5. Cirrwros text11ais- reflexões e 1msi110. /\cir !viário Karwoski. BeatriY. (;aydec;-:ka,
t<u ri 1n Siebc1teicber Brito (orgs.)
l.6. l.N m111c11tos de re,e.\·istim'ia- pol'Sia. gn!fite, músim. dw1(Yi: hip-hop. Ana Lúcia Silva Sou7.a
}. 7. l'asq11lsar 110 laliiri11lo - a u•:,;e. um desajio possível. Francisco Pcrujo Serrano
~.,...... ........ ... . ........

CAPAR eononAçho: Andréia Custódio


Riv1sAo: Marcos Ba g no
EonoR: Marcos Marcionilo
CONSELHO Eo1rnn1At: Ana Stahl Zilles fUnisinos)
Carlos Alberto Fa raco [UFPR]
Egon d e Oliveira Rangel [PUC-SPJ
Gilvan M üller de O liveira [UFSC, lpolJ
Henrique Mo nteilgudo [Universidade de Sant iago de Compostela]
Kanav illil Raj ago palan [UNICAMP]
Marcos Bagno (UnB]
Maria Marta Pereira Scherre [UFESJ
Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SPJ
Roxane Rojo [UNJCAMP]
Sa lrna Tannus Muchail (PUC-SPJ
Stella Maris Bo rtoni-Ricardo [UnBJ

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

/\672
Antunes, lrandé, 1937-
An álisc de textos: fundamentos e práticas / lrandé Antunes. - A cada dia que 11iuo, mais me co11venço de que
S5o Paulo : Parábo la Editori;1 I, 2010.
(Estrat~ias de ensino; 211 0 desperdício da vida
está no amor que não danws,
Inclui bibliografia
ISBN 978 ·85·7934-022 ·2 nas / orças que uão uscrmos,
n.a prudência egoísta que nada arrisca'. e que,
1- língua portuguesa - Composição e exercícios - Estudo e ensino.
2. Análise do discurso. 3. Linguagens e linguas - Estudo e ensino. esquivando-11os do sofrimento,
'1. Linguístic;1· Estudo e ensino. 1. Título. li. Série. perdem os também a felicidade.
10-3916. C00:469.8 (Drummond, Definitivo)
CDU 811.134.3'42

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cm qualquer sistema ou banco de dados sem penniss~o por escrito da
Parábola Editorial Ltda.

ISBN: 978-85-7934-022-2
'!"ed ição, 1'' reimpressão: setembro d e 2011 - conforme novo aco rdo ortog ráfico da Língua Portuguesa
«:i do texto: lrandé Antunes
o da edição brasileira: Parábola Editorial, São Paulo, setembro de 201 O
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A João Antunes Victor,


um pedacinho de voz que veio fazer parte
da gr:incle sinfon ia do interdiscurso humano.
,.....,.....'t.._. ,.,.. . ,

Sumário

Sobre peixes e linguagem


1\1arcos Bagno ........................ ................... .............................. ............................ l 'I

Introdução ...... ..... ... .......... ................. ........ .... ....... ........... ...... ...... ............................. 13
Cw11uo 1
Uma visão sumária das pr:íticas pedagógicas de análise de textos ............................. 21
C:A1•fTUI O 2
Noçôcs preliminares sobre o texto e suas propriedades ............................................. 29
2.l O conceito de textualidade ............................. ..... ................ ............ ........... ... 29
2.2 O conceito de tcxro ......... .... ........ ............. ........... ........... ..... ........ ............... .. 30
C,wt1ULO 3
Questões envolvidas na a11:ílise de textos ...................................... ............................. 45
3.'I Por que analis<i r t·cxtos? ...................... ............................................ ............. . 46
3.2 O que é que sr.: fn quando se am1lisa urn rcxt:o? ............................. .............. 49
3.3 Com que fi11 <1 iidadcs se deve fazer a ;rnálise de textos? .................. .......... ..... 50
3.4 Que textos analisar? ...... ...... ........ ................... ... ........ ....... ............ .... ............ 52
3.5 Que elementos analisa r? ...... ......................................................................... 55
3.6 À luz de que princípios analisar? ................................................................... 58
3.7 O que eyitar nessas atividades de análise de texto? ........................................ 59
3.8 Como analisar textos 0 11 que procedimcnros de análise adornr? .................... 61
4
C11pf fULO
Fundamentos para a análise de textos: o foco cm aspectos globais ................. ... ........ 65
4.1 O universo de referência ... .... .. ................ ......... .... ............. ........... ... ............... 66
4.2 A unidade semântica ..................................................................................... 67
4.3 A progressão do tema .................................................................................... 68
4.4 O propósito r..:omunicativo ............................................................................ 69
4.5 Os esquemas de composição: ripos e gê11cros ................................................ 70
4.6 J\ relevância informativa ....... ............................... ........................................ 74
4.7 As relações com ourros textos ....... ........ ............ ................ ................ ......... ... 75
C\l'ITUIO 5
Práticas de análise de textos quanto a sua climcnsiio global.. ..................................... 79
). 1 Análise do co111cnt::írio "A mcrcadori,1 alucinógcna" .................................... 80
5.2. AnáliRe d11 crônicn "Talvez o úlrimo dci;cjo" ................................................ 87
...... ' ........,.......... ..
~.._,__

"':.IQS!J ...

5.3. Análise da fábula "Os urubus e os sabiás" ............................................... .... 96


5.4 Análise do texto expo~irivo "A geografia linguística no Brasil" ................. 10.3 Sobre peixes e linguagem
5.5. Análise do poema "A missa dos inocentes" ................................................ 109
Cwtru1 .o 6
Fundamentos para a análise de textos: o foco em aspectos de sua construção ......... 115 Marcos Bagno
6.1 A coesão e a coerência ................................................................................. 117
6.2 Os tipos de nexos texrun is ............................................ ............................... 118
6.3 Recursos de constituição dos nexos textuais ................ ..... ........................... 121
C/\PÍ I ULO 7
Práticas de análises de textos quanto a aspectos de sua construção ......................... '143
e ocorre frequentemente a ideia de q ue nós nos
7.1 Análise da fábula "Os urubus e os sabiás" ................................................. 144
7.2 Análise do texro expositivo "Quinhentos anos de história linguísrica" ............ 158 relacionamos com a linguagem assim como os
7.3 . Análise da crônica "Nós, os brasileiros" .................................................... 164 peixes se relacionam com a água. Fora da água, o
7.4. Análise do comentário "O maiúsculo e o minúsculo" ................................ 170 peixe não existe, toda a sua natureza, seu desenho,
7.5 E a gramática na consrr11ç;1o desses textos? ................................................. 174
seu organismo, seu modo de ser estão indissociavelmente vincula-
8
C,\ l'ÍI ULO
dos à água. Outros a nimais até conseguem sobreviver na água ou
Fundamentos para a análise de textos: o foco em aspectos da adequação vocabular .... 177
se adaptar a eJa, como focas, pinguins, sapos e sa lamandras, que
8. l A relevância da adequa~ão vocabular de um texto .................................. .... 'J 78
8.2 Uma questão fundam ental: o critério da associação semâ ntica entre levam uma existência anfíbia. N.las os peixes n~o: ser peixe é ser
as pal:tvras do tc·xto .................................. ............. ........................................... J 79 na água. Com os seres humanos é a mesma coisa: não existimos
8.3 As palavras e suas combinações preferencia is ............................. .. .............. 180 fo ra da linguagem, não consegu imos sequer imaginar o que é não
8.4 O uso de sinônimos ..................................................................................... 181
ter Linguagem - nosso acesso à realida<le é mediado por ela de
8.5 O uso de hiperônimos ................................................................................. 183
8.6 A questão dos vocabulários técnicos ........................................................... 184 forma tão absoluta que podemos dizer que para nós a realidade
8. 7 Os efeitos de sentido prcrcndidos por meio de recursos morfossintáticos .... 185 não existe, o que existe é a tradução que <leia nos faz a linguagem,
C:\PfTUl.O 9 implantada em nós de forma tão intrínseca e essencial quanto nos-
Pnít·icas de análises de textos quanco a aspectos de sua adequação vocabular ......... 187 sas células e nosso código genético. Ser humano é ser linguagem .
9.l. Análise do comentário ''A li ber<h1dc e o consumo 1" .................... ......... .... 187 Mas a comparação com o peixe também pode se aplicar a
9.2 Análise da anedota "Boateiro" ................................................ ................... . 195 uma outra dimensão da linguagem, que é a única forma como
9.3. Análise do comentário "A geração digital entra em cena" .......................... 200
a li nguagem realmente adquire existência: a dimensão textual.
9.4. A título de sugestão: a análise do vocabulário de um poema ...................... 206
9. 5. Análise de algumas "escolhas ao contrário" .............................................. 208 Abrir a boca para fa lar, empunhar um instrumento para grafar o
C\PfTI li.O 1 o que quer que seja, ativar a memória, raciocinar, sonhar, esquecer...
Uma espécie de síntese: como no fi nal de uma longa conversa ............................... 213 todas essas atividades humanas só se realizam como textos. Só
Quanto às práticas de análise ............................................................................ 214 tem linguagem. o nde tem texto. No entanto, por alguma miste-
Quanto aos critérios de ::rnálisc.......................................................................... 21 5 riosa razão, os estudos linguísticos durante quase dois milênios
Quanro aos textos ............... ................. ......................... .......................... ......... 215
desprezaram esse caráter essencialmente textua l da linguagem hu-
Quanro a aspectos do léxirn cm uso nos textos ................................................. 216
Quanto à exploração dos fatos gramaticais ................ ....................................... 2·16 mana . Talvez justam ente por ele ser tão íntimo e in evitável quan-
Referências bibliográficas ........................................................................................ 220
to respirar, algo qu e fa zemos tão intuitjvamente que nunca nos
Referências bibliográficas dos textos analisados ............................................... 223 detemos pa ra refletir sobre isso, é q ue o caráter textual de toda
. ; ,.

manifestação da linguagem tenh a sofrido esse soberano desprcw.


E as consequências desse desprezo, para a educação, configuram Introdução
J tragéd ia pedagógica qu e tão bem conhecemos: a redução does-
tudo da língu::i, na esco la, à palavra solta e à frase isolada.
Uma palavra solta, uma frase isolada são um peixe fora
d'água. O texro é o ambiente natural para qualquer palavra,
q ualquer frase. Fora do texto, a palavra sufoca, a frase estre bu-
cha e morre. E como pode o peixe vivo viver for a da <igua fria ?
enso em quem qtta1ldo escrevo um livro como este?

P
A ideia de que uma frase se sustenta sozinha é uma das inúmeras
heranças que recebemos da Antiguidade clássica. Massa bem os q ue Pen so nos professores <le português do ensin o fun-
os primeiros estudos sobre a linguagem tinham um caráter emi- damental e rnéd io; pe nso nos al unos de letras ou de
nentemente filosófico, metaffsico m esm o, pois os filósofos gregos ped agogia, q ue se p repara m para assumir a função
não t inham preocupações linguísticas propriamente di tas, muito de professor ou de oriento dor na li das do e nsino de línguas.
menos preocupações didáticas: o que interessava a eles era desco - Penso , na ve rda de, em trazer urna espécie de reforço à práti-
brir de q ue maneira (e se é que) a linguagem refletia o funcionam en- ca da análise de textos, privilegiando., é claro, aspectos da sua
to ela alm a, que po r sua vez (e se é que) refl etia o funcionamento do textualidade.
mundo natura l, que por sua vez (e se é que) refletia a organização Pretendo, portanto, a po iar aq ueles que desejam "fazer mo-
do universo. Pa ra isso, bastava a frase, a senten ça isolada, o autn- rada " no domínio ampl.o e complexo d as questões textuais; pre-
telos logos, ou seja, o enunciado completo em si m esmo, por que sua tendo t raze r-lh es a lgum as pistas para a caminhada no meio do
estrutu ra mínima servia aos propósitos ela investigação metafísica. labirinto que é a amllise de texto enq uanto atividade pedagógica.
O desastre se opera quando essa autossuficiência (suposta) da frase Não cabe, pois, descer a especulações mais a profundadas, a defi-
isolada é transferida pa ra os estudos da língua em si mesm a e, pi or nições e metalinguagens mais apuradas. Com o c uidad o de fazer
ainda, pa ra o ensino ela língua. O peixe morro, que pode ser aberto recortes, sem abrir mão da consistê ncia teó rica e da ser iedade m e-
e estripado para se sa ber o que tem lá dentro, se tomou o objeto todológica, pretendo apenas mostra r um pouco d e com.o se pode
do ensino de línguas, quando esse objeto deveria ser o p eixe vivo fazer análises de textos ce11tradas cm elementos q ue, de fato, sã o
e bulindo, c m cardume, dentro de seu ambiente natural, líquido, determinantes para a construção de sua textualidade e de sua
aq uoso: lago, lagoa, riacho, rio, praia, alto-mar - a água-texto. função interacional.
lra ndé Antunes, incansável defensora dos peixes vivos, Vamos lá .
prossegue aqu i cm sua luta contra o uso do peixe m o rto, estripa - Facilmente se pode comprovar a d ificu ldade de alguns pro-
do e malcheiroso, q ue ainda infecta o nosso ensino de língua s, cm fessores para fazer esse tipo de a n<Ílisc. Su brnctidos dura nte anos,
pleno século XXI. É com ela que aprendemos o que de veri a ser desde a l.unos e depoi.s como professores, a uma prática de análi-
óbvio: que cnsürnr línguas não é pescar, mas mergulhar na ;:\gua se que se esgotava na identificação de categorias gramaticais ou
do texto e nadar entre os peixes. Devería ser óbvio, mas não é. sintáticas, eles deixam de perceber os aspectos mais relevantes de
J.)or isso,
. , d
so po e mos comemorar, aplaudir e agradecer mais esse construção da textualidade. Al.é m dos limites dessas experiências
manifesto em defesa da linguagem, da língua e do texto qu e, na reducionistas, muitos professores não tiveram oportunidade, em
água vivifica da pelo espírito huma no, são urna coisa só! seus cursos de formação , de entrar e m contatC? com teorias sobre

-
; 44.•-·~····o.•1• .......

o texto e s uas propriedades o u não souberam encontrar nessas A superação desse problema, consequentemente, também re-
teorias impli cações para futuras análises. quer, por um lado, o estudo das questões eminentemente textuais,
De fato, a competência para a exploração da linguagem, cm. como aquelas relativas aos critérios da coesão, da coerência, da
eventos da comunicação oral e escrita, s upõe, por um lado, uma re levância informativa, da interrextualidade e de tantas outras,
fundamentação teórica ampla, consistente e suficien temente clara presas às con dições contextuais em que acontecem as ações de
que contemple aspectos fund amentais de sua construção e de seu' linguagem. Por outro lado, exige que se instaure na escola, com
funcionamento. As conexões que podem ser criada s em um rexro regularidade, a p rática da análise dessas questões textuais em
e que apoiam sua interpretação ultrapassam aquelas p revistas pe- exemplares reais, orais e escritos, q ue circu lam ou circularam
las determinações morfossintáticas. Ultrapassam porque o desti- em nossas atividades sociais. Esse prisma de an álise das regula-
nat:irio vai sendo instruído para esta belecer diferentes nexos entre ridades textuais faria com que se obscurecesse aquele o utro viés
diferentes pontos do texto - por vezes, pontos até d istantes - , com que se costuma analisar o que os alunos escrevem na escola :
nexos que não se devem apena s a elementos de ordem morfológi- o viés da correção gramatical, segundo o qual " basta o texto não
ca ou sintá tica . Em outras palavras, a construçã.o dos sentidos se ter erros gramaticais para estar bom"'
deve a o utros elementos para além daqueles de ordem gramatica l. A teoria apenas, sem a prática chi a ná lise, pode representar
E.m gera 1, os estudos 1.inguísticos q ue integram os cu rrículos urna abstração, um conj unto de hipóteses, de s uposições, sim-
dos cursos de letras a inda incidem muito sobre aspectos da mor- plesmente. Em termos de linguagem, pode parecer uma referênci a
fossintaxe das línguas, em detrimento de questões sobre a cons- a algo que não pertence à nossa experi ência concreta de fa lantes e
tru ção e a circulri ção das ações de linguagem . Consequentemen- ouvintes. Por s ua vez, a análise, apenas, não se desenvolve sem os
te, o olhar de professores e alunos sobre a construção do texto fundamentos de princípios teóri cos consistentes. Teor ia e análise
ainda é um olhar quase exclusivamente gramatical. Ainda falta, se alimentam mutuamen te.
em muitos cursos, uma abordagem consistente de teorias sobre:: Pareceu-me o portuno, então, oferecer aos p rofessores e alu-
a textualidade, o que poderia ser poss ível pela exploração dos nos, a partü <le um conju nto de ' lembretes' teóricos, algumas in-
princípios da linguística de texro. dicações e a lguns exemp los de como se pode perceber cm textos
Por outro lado, fa lta ao professor uma prática contínua de elementos de sua construção, de sua relevâ ncia comunicativa e
aná lise, que possibilite o desenvolvimento da capacidade de en- de como se pode ultrapassar, na s arivi <lades de aná lise, a simp.les
xergar os elementos que, para além do gramatical, são centrais identificação de elementos de sua superfície.
para o entendimento do texto. Nã.o por acaso, se formou nos Sabemos quanto os sentidos e intenções expressos no q ue
professores e nos a lun os uma visão de análise p resa excl usiva - dizemos são resultado de determ inações contex tuais, textua is,
mente ao que a parecia n a s uperfície do texto. J\tlesmo depois de lexicais e gramaticais, que atuam para além cio que apare~e na
tantos apelos a favor de análises de caráter textual, a in da vigora, s uperfície. Cada um desses conj untos d e determinações promo-
na ma ioria das escolas - concretamente entre professores, coor- ve a instauração d aqueles sentid os e intenções, de maneira que
denadores de ensino e gestores - e entre os a lunos, urna prática urn não pode prescindir do s outros . As determinações' gra~a­
de análise que equi vale à mera identificação de ca tegorias grama- ticais, por exemplo, iso ladamente, são insu ficientes. Ou seja,
ticais. Para al.unos e professores, até mesmo o sentido do termo Lima ação linguística não se faz apcnàs com gramática, ou ape·
'análise' remete somente para essa identificação. nas com léxico, embora gram ática e léxico re.nham uma função

- UFMG -Fa(llldade d L lTOS


BIBLI T A 1
--~----

-~=- --
Anairse de lextos - lundamen{()s e prélticas (lRANDt AN'i'u[ E's]

determinante na construção da coerência e da relevância dos


sentidos ativados. podem ter sua significação exatamente em função do to,d~ . Q uer
d izer, não é possível isolar o que é pontual, ou o que e : m zples-
Os professores têm procurado entender esse pon to quando
mente gramatical, ou o que nada tem a ver com o sentido ou a
propõem a conveniência de se estudar a 'gram:frica contextua-
função global do que é dito. Em um texto, tudo se interdepende .e
lizada ' ou 'a gramática no texto', conforme dizem. 1'fas ainda
tudo concorre para a expressão coerente e rel.evante de seu senti- /
falta, me parece, vivenciar satisfatoriamente essa p roposta. As
do e de seus propósitos comunicativos. ,.
atividades realizadas sob o rótulo de gramática contexn!alizada
têm consistido, quase sempre, na p rática de retira~ do tex to um
Chamo a atenção, portanto, para esse cuidado de, nas anali-
ses q ue fazemos, i~ão separar, não isolar o que é gl~bal do. que é
fragmento para indicar as classes ou categorias morfossintáticâs
desses fragmentos ou de partes deles. pontual e vice-versa, o que é lexical do que é gramatical; afmal, o
1 rexro é um tecido único, cujo resultado globa l decorre exatamen-
Espero poder ajud<IJ' um pouco os Por sinal, vale a pena voltar a referir a
te dos efeitos consegu i.dos por .m eio de cada um dos nós, feitos
grande dificuldade dos professores para em~
professores a desfazer ess<ls conf;,. 1
sões. Mesmo assim, q uero sugerir textualmente, e pressupostos contextualmente. , .
- aos professores de totlos us níveis - prestar ao ensino da gram;:itica esse viés tex-
Co nvencida, como já mostrei anteriormente, de que as anali -
um escudo ma is amplo e a profunda- tual. Confusos, ficam entre as alter~iativas:
do da q uestão da "g rarn{ltic~1 "'. Nesse ses supõem uma boa fundamentação teói:ica, optei por organizar-
semidu, existe nu flrnsil mna farta ensinar gramática ou não ensinar gramática,
este trabalho da seguinte forma:
biblingrn fia que se ocupa do ohjero 1 como se uma d as alternativas pudesse valer
'gram~tica ' e, conse<iucnremence, de soz inha~ . );;'- em um primeiro momento, apresento uma breve funda-
seu cns.ino. Vai.e a pena co nsultar, ' mentação teórica acerca de questões pertinentes ao bloco
emre ourrns, Bagno (2000, 2001, Pretendo trazer, nas p<íginas deste livro,
2007, 2009), Antu nes (2007), Faracu urna contribuição no sentido d e poder via- em estudo; .
(2008), Neves (2000, 2002, 2003, 1 )> logo ern seguid a, apresento análises de textos relativas a
bilizar análises que incidam sobre questões
2006, 20l0), .\•fa rto~ e Silva (1994,
da construção coesa, coerente e relevante de pontos pertinentes a esse bloco.
2004j, Perini (1 985, 1997, 2006,
2008, 2010), Trnvagli~ (1996, 2003). textos, o que, naturalmente, inclui contexto, Ou seja, na exploração de cada bloco, consta uma breve funda-
texto, léxico e grmnática. . mentação teórica e, depois, uma amostra de an<~ lises. O v~l~1:'1e de
As questões envolvidas nesse conjunto são numeros1ssunas conceitos e de noções teóricos relativos às questões textuais e imen-
e, além d isso, se interdependem e carecem de limites bem defi- so; não poderia, no curto espaço deste livro, senão levantar alguns
nidos, o que exige do analista, do ponto de vista metodológico, pontos - os que me parecem mais pertinentes - para entender me-
algum cri tér io de segmentação e de análise. Por isso, decidi sele- lhor um pouco do que acontece nos textos que fazemos e recebemos.
cionar algumas q uestões e visualizá-las em três grandés blocos, Uma decisão me pareceu importa nte e tem a ver com a ex-
que envolvem: ploração dos itens da gramática o u dos fatos gra.ma ticais, melhor
~~"' :...,·" """'·' .•, v ••o,;,":";"~'~..,....•'.·/>~"""''·...-.:..•+:•."' •'.'"""'·•;.o-:""'"•'-·'"•''••·.•;o.:.;o.-..:.,..;,,, "'"""'';•.~.:· -"•",l.•9';1... ;c10.•., •; , .. -··~· ·····•~"''"""'>I'<·•"····- '<'•:•...;..,...o.. ·•l'>'•.•-···• :
• .'> d izendo. Valendo-me de que procedimentos pretendo dar con-
~ · aspectos globais elo texlo,
1

f ta dessa exploração? Desenvolver a análise, numa seção à parte,


~ · aspectos de sua construção; 1 como fiz em relação aos aspectos globais do texto, aos as?ectos
.~ · aspectos cte sua adequação vocabular
de sua construção e de sua adequação vocabular? Não fa n a sen-
~\.>.o,....•...,.,"'..... ,..., .. ..,..,""CO,•t't••l>-{i.•..,_.,..,..-.r.'Y'<f•>'•··-/)llC-.;<o;•;>•.•.......,,.,.,_'.>(•,"'V,....:..-...,~.,<'.•r.>/<l""<V~"'°'-.:<M'»•-···"~'·..,.;•{•<>•,..<1 ....•... ..,....,..o\•_.,....~V....,._.,......:~Â
tido a não ser n uma perspectiva de linguagem fora dos usos e
É preciso ter em mente, no entanto, que em um tex to, um
inteiramente virtual ou hipotét ica, o que não se aplica aos propó-
item de sua construção ou o utro de seu vocabulário, por exemplo,

-
sitos de qua lquer abo.rdagem pedagógica.
----..-----'·"'~'"'"IJ,.'#H •+•
~.,..

Apoiada nessa concepção, decidi pelo seguin te: fazer, ao final Uma o utra decisão que tomei deveu-se à necessidade de fazer
da análise de cada texto, considerações acerca de como determi- um recorte n a natureza dos textos que seriam objetO de análi-
nados elementos gramaticais concorreram para a efetivação do se. Convin ha delimitar entre os text os: orais, escritos, p uramen te
aspecto textual em estudo. Po.r sinal, va le destaca r o seguin te: ver bais, multimodais, não verbais etc. Impossível tratar de t odos.
à med id a que fu i analisa ndo cada bloco, já fui tecendo conside- Escolhi, então, os tex tos escritos, apenas ve rbais ou não m ultim o-
rações sobre um ou outro item gramatica l que fora m decisivos dais, por serem os m ais frequentes nas ativida des d~ sala ~e a ula
para a construção do sentido. Q uer dizer, fui experimentando na e por demandarem ainda u ma p rática de aná lis~ 1~a ~ cons~st.ente
pele a impossibilidade de d ar conta dos sentidos d o texto, dos e relevante. Pretendo, assim, trazer uma contnbmçao mais ime-
recursos de s ua construção o u de sua adeq uação voca bula r, sem d iata ao t rabalho dos professores e ajudá-los na compreensão
recorrer à consideração de itens da gramática. ' de como a construção e a compreensão dos sentidos e das inten-
De fato, especificar, isoladamente, no âmbito da construção dos ções ext>ressos nos textns são funções do context:o, do léx ico e da
sentidos, os fenôme nos gramaticais é como esvaziar o texto de um g1'amática. . . .
de seus componentes fundamentais. Tudo o que u'm texto signi fica : Talvez eu possa neutralizar um pouco a 1de1a equ ivocada de
• res ulta dos elementos contextuais cm q ue esse texto fu n- que a gra má tica basta; o u a ourra de que a gramática se esgota na
cion a corno parte de um evento comunicativo; simples classifi cação de s uas categorias . .
• resulta do conhecimento de mundo ativado pelo conjunro Talvez, afinal, eu possa a judar na descoberta, clara e perti-
de elementos contextuais e textua is; nente, do q ue devemos fazer com os textos que trazemos às nos-
• resu lta das unidades lexicais postas ou pressupostas na sas ;:iulas de línguas.
superfície do texto; .
Queriu que a 111i11ha voz tivesse um formato de ca11to
• res ulta das unidades gramaticais em suas m últiplas cate- (Manoel dt: l~arrns , Me11J(5rias inventadas: a infâ11cial
gorias, relações e funções.
Q uer d izer, em um texto, os sentidos são expressos pela con- Antes de iniciar esta conversa (assim mesmo: me sinto conver-
junção de todos esses fatores. Mesmo no âmbit o do ma is espec i- sando com os professores- atua is e futu ros), gostaria de externa r
ficamente linguístico, léxico e gra mática mistu ram-se, fundem-se. meus agradecimentos a todos os professo res com quem mantenho
As unid ades do vocabulário significam porq ue fazem parte de contato n os momentos de form ação. Coi:n eles, eu percebo onde
uma cons trução gramatical; esta, por sua vez, sign ifica porq ue persiste a indefiniçã o, o conceito confuso, a hipó tese infundada, a
inclui os va lo res semâ.nticos das unidades lexicais. . ·'certeza' errada. Por isso, escrevo como se estivesse respondendo
Ou seja, uma análise de textos, n a perspectiva mais ampla, a eles. Por isso, sou insistente, enfá tica, até redundante, às vezes.
será tanto mais pertinente quan to ma is a liar o linguístico às situa- .Meu desejo é q ue nada se perca pelo caminho. M ostro por onde
ções onde as interações aco ntecem. Na perspectiva do linguístico, não se deve ir; mas também tenho o cuidad o de ind.icar o mell~or
será tanto rnais pertinente quanto mais conseguir aliar o léx ico à jeito de cam inhar. M ais: meu grande desejo é q ue todos nos p~­
gramát ica e vice-versa . séssemos a ca minho, sem trégua, na busca de um encontro mais
N este traba lho, a a ná lise das categori as grama ti ca is vem, po r- sign ificativo com as questões linguísticas, aquelas mais bra ndas,
tanto, depois d a análise de cada texro, exatamente para fac ilitar a de quando "a luz da língua miga lha" e aquelas mais "ensopadas
inregração pretendida entre a g ramática e os outros componentes. de precisão", usad as "debaixo da luz. fone· do sen tido ".
Agr~deço, em especial, a Marcos Marcionilo, meu editor, que
tem apoiado esse meu gost0 d , .
da . e estar com os professores através
. palavra escrita e que tem acreditado nas possibilidades de se
u~augura~_ou ~e s~ f~rtalecer um novo mo,.nen.to para o processo
da ed ucaçao lmgu1st1ca em terras brasileiras.
Sou grata ainda à professora Ana L1'1na . 1
. h .. . . " . . '
.
'm1.n 1a amiga e "co1n -
pa n . eua de JOrnada nas hdes à volta de textos e de . .
Uma visão sumária das práticas
· · . seu ensrno.
pedagógicas de análise de textos

s manuais didáticos costumam trazer uma séri.e de

O q uestões relativas ao texto que enca..beça as lições


de cada unidade. A seção cio livro em. que aparecem
essas questões é apresentada, normalmente, sob o
titulo de interpretação do texto, com.preensão do texto ou outros
similares.
Em pr.incípio, tais questões, na sua maioria em fo rma de per-
guntas, propõem-se a avalia r a compreensão do aluno a respeito
do material proposto para leitura. Poderiam representar atividades
de análise de textos e, em certa medida, o são. Entretanto, fogem a
esse propósito, pois, frequentemen te, traz.em propostas de ativida-
des que extrapolam o texto, que incidem sobre opiniões pessoais
acerca de aspectos temáticos abordados ou que, para serem resol-
vidas, dispensam a consulta ao que foi lido. Por esses prismas, a
rigor, não são, propriamente, atividades de aná.lise de texto.
Contudo, levando em consideração esses exercícios de in-
terpretação, até podemos reconhecer que começa a haver nos
manuais didáticos um empenho maior em explorar as diferentes
estra tégias e habilidades de construção dos sentidos do texto. A
avaliação d esses manuais, a cargo do Programa N acional do Li-
vro Didático (PNLD), desde a década de 1990, tem constituído

-
um parâmetro de qualidade já para sua elaboraçã.o.
Conseq uentem ente, grande parte dos manuai s did áticos e que não exigem a mobilização de cálculos interpretativos o u de
atesta, no momento, uma razoável melhoria em relação aos estratégias de raci.ocínio mais complexas.
exercícios de leitura e compreensão, se comparados a publica- Na mesma perspectiva de uma aná li se pouco relevante, pode-
ções dos anos 1970 e - 1980, por exemplo. A propósi to, vale mos lembrar a reincidência de propostas para q ue o aluno iden-
referir um estudo feito, em 1996, em manuais de ensino de lín- tifique informações objetivas e explícita s na cadeia do texto. A
gua portuguesa, pelo p rofessor Marcuschi , no qua l fo i possível orientação dessas questões se esgota , nat uralm ente, na simples
atestar que ta is exercícios reduzem " rodo o traba lh o de compre- recuperação do que aparece na superfície - com todas as le-
ensão à identificação de informações objetivas e superfic ia is " tras - provocando, na maioria dos casos, situações de extrema
(p. 64) . obviedade. São, assim, ativid ades que não desenvolvem no aluno
A razo ~ível melho ria de que se falou logo atrás não significa competências para a compreensão interativa, isto é, para a par-
que esses ma les do tra ba l.ho com o texto tenham desaparecido to- ticipativa construção dos sent idos e das intenções expressos no
ta lmente. Ainda persistem, em manuais, e persistem, sobretud o, texto e contidos em seus co ntexros de uso .
nas atividades que são de inteira au toria dos professores, o u seja, Todas essas marcas da orientação do traba lho l.evam a que se
em atividades cri adas especificamente para a sala de a ula . perca de vista os aspectos glob;1is do texto, quer dizer, aquilo que
Na pr~t i ca, o que essas atividades têm privi l.egiado? lhe confere centralidade e unidade se1nântico-pragmática, como
Reféns ela concepção de que a gramática sua concentração temática ou a fi11<1 lid8cle comunicativa predo-
' Em minh;1 J i~scrra.;1iu de mestra · minante. Consequentemente, são mais a bund antes as propostas
tio, sob orientaçiio d o Prof. M nr-
é que constitui o objeto ou o foco principa l
cuschi. ana li sei qu atro rnlcções de do estudo da língua, as atividades a partir que incidem sobre questões pontua is, que, isoladas do resto, per-
língua portuguesa, pa ra o ensino dos textos têm servido, principalmente, como dem seu efeito em relação à sua d imensão
fun da mental , e a conclusiio, apoia- : É evid ente que nem rodos os
da em mu iros d ados, confirmou a
oportunidades de exemplifica r o uso de de- global. Por vezes, como d issemos, para serem
cxen:ícios a parrir de rex ros rêm
h ipótese de que a g ra mática ":1trn· terminada categoria morfológica ou de iden- resolvidas, d ispensam até o recurso ao tex to. essa config urn ção. M as é eviden-
pela" e ri ra do c;i minho ourros Vale a pena trazer o exem pl o de uma re também q ue a inda acontecem
tificar a ocorrência dessas categorias, como
campo s ele estu do da língua (ver mu iros deles na prática d o d ia a
;\nru ne~, 1986). tem sido sobejamente mostrado em tantos atividade, uma apenas que seja, para se ter dia escolar po r esse Brasil afora. O
trahalhos sobre o ensino da língua 1• uma ideia mais clara de como os textos não exercício que aqui se mostra co mo
servem para análises de categorias eminen- exemplo dara de 2008, o que com·
Com tais ativid ades de reconhecimento da classe o u da sub-
prova a falta de arua lizaçiio clns
classe grama ti ca l das un idades, fica a im pressão - nos profes- temente textuais; servem, conforme tenho novas proposrns de traba lho com
sores, alunos e pa is de alunos - de que se est á cumprind o a mostrado, como can1po de amostra da ocor· o texto. Em geral, como di sse, os
exerdc ios cr iados pelos professores
função primordi al de ensino da língua, que é - na concepção rência de uma ou outra classe de pa lavra, ele
- sobrerndo aqueles d es tinados ils
deles - "ensina r gramática" (nem se percebe q ue isso é a penas um o u outro fenômeno morfossi ntático 2• avaliações - rêm esse per fil. Mud a
uma partez inh a - a mais externa - da gramática!) apena s o contelído, nll depe 11d~ncln
do classe gramatica l que está acndo
Ao lado dessa fixação nas classes de pal avras, têm tido a mplo cst:ud3d a. Gosta ri a de caclnr ur
lugar os exercícios ele simples transcrição de t rechos d o texto, que a o missão d a fonteondlJ colhi
esta amostra dcvc•to ao f to de tt•
nos quais se pode identificar, por exemplo, falas ou descrições de
la recebido de uina praítucirll tm
um determinado personagem. São exercícios de cópias, simples- exercício de tnl11 da aul11,
mente, presos à sequência em que os itens apareceram no texto,
Analise de LexLos - fundainenLos e p1âlicas lRllJWJ..AN

Vamos ao exemplo. b) "Se eu fosse um padre eu citaria os poeLas


Rezaria seus versos, os mais belos,
r-.. .·---=· irrn: ...,_.. , _ _ ..., ••- ........_ . .._........,. ..............- -••~·~""O.:•:.<'•l.C.:o.:•;o;..a._"t.•:'U•'""''.....,....,......~..........................,., ,,,..,....V't#</"~ .......... -1 Desses que desde a infância me embalaram."
l LEIA. i {Maria Quintana)

i O patinho feio i Futuro do pretérito _ __ _ _ _ _ _ _ _ __ __ __ _ _ _


i~ 1
;
··Não serei o poeta de um mundo caduco.
Era o mais feio de todos
Só fazia trapalhadas
i Também não cantarei o futuro.
Nem cantar ele sabia 1 ~ Estou preso à vida e olho meus companheiros."
Nadava que nem louco
i i {Carlos Drummond de Andracle)
Se brincava mnguém entendia (.
~
~ Futuro cio presente - - -- - - - - - - - -- - -- -- -
,.:_,,,,........... ....... ........ ...r..-...,................ ......... . . .:,..·,...
Tentou fazer amizades ~ ~·~"'"'tlltl'V·-···~:.,. ~....i·tr~•)o....~...~• ..,..., - , . ..." ........ "l ......... ~ ~ -.........:;..~,

Tentou uma duas três vezes


Tiraram sarro dele Como fica evidente, a fina l.id ade p revista para aqui. lo que
Dizi.am que era avesso. seriam análises de texto se esgota na gram;foca e, mais especi-
ficamen te, na mera identificação de suns categorias. Até mesmo
Um dia o patinho cansou os versos são convertidos em frases. E a poesia deixa de existir;
Comprou um bilhete para a lua
sucumbe.
Já era tempo futuro
Mudar de planeta foi como atravessar a rua O problema de atividades desse ripo nasce em momentos an-
teriores à sua elaboração; ou seja, nasce na seleçã o, pelos profes-
INDIQUE OS TEMPOS VERBAIS DOS VERBOS DESTACADOS NA 2ª ESTROFE. sor es, dos iten s dos progra ma s o u dos p lanejamentos de ensino.
Sem atenderem às orientações mai s consistentes, dadas em uma
farta liter atur a acadêmica e em doc umen tos oficiais, os profes-
D epois de mais umas "questõezinhas" em torno dos tempos sores não se d istanciam m uiro dos tradi cionais programas e in-
verbais, apa recia o seg uinte desafio: cluem, na ordem de sempre, a passagem, uma a uma, de cada
classe gramatical. Dessa forma, os planeja-
.. ........ ~ ~· . ..
mentos d e ensino da língua fe itos nas escolas
NJ\S F'RASr-:s /\ SEG UIR. CIRCULE OS VERBOS QUE ESTAO NO PUTUí{Q DO Í não têm sabido ver para além da gramática,
-' No contato com os professores,
costumo esc utar ;1 queixa de qu e
PRESP.NH E NO PUTUHO DO PRETÉRITO E ESCREVA-OS ABAIXO l gestores, orientadores e os próprios
de modo que, como se tem reiterado, estudar
pa is resiste m a um ensino que t'C·
a) "Sera assim. amíga: urn cerLo dia
1 uma líng ua tem equivalido, apenas, a estudar
~ nha no centro outras questões que
esLanclo nós a conlemplar o poenle ! questões de sua gramática. Ben:i d izendo, de não 3quel.as puramente gromnrl•
se11tiremos no rosLo, de repente. i' uma gra mática fora de qualquer contex to 3 •
cais. Ou seja, os que resistem rnni·
1 bém se aliam e se reforçam murn o•
o beijo leve de urna ara11ha Iria." ! Guiados por esses pla nejamentos, os pro- menre. Uma das soluções é, do lado
(Vinícius de Morais) '
1
1 fessores privilegiam levantar qu estões a paitir das mudanç:is, promovc: r tnmh~ m
o1i:rnça si
Pu1u10 cio presente 1 Je fragmentos dos textos, ou deles retirados,
fragmentos que são, na prática , convertidos e o peso concedidos aí à compreensão e à ela boração de textos.
~ Pode r<1rccer i11s i ~Lê 11c ia desnc-
o:csstiria nas rnes 111;1s observações. em frases descontextualizadas (mesmo que Contentam-se em, melancolicamente, lamentar as mudanças ope-
Pude. Acei1:0. ·Entreta nto, quando, sejam versos de um poema), sem referência radas e, zelosamente, vigia r pela manutenção de um programa
cm minhas andanças por di ferentes
ru11.cks d o Brasil, enrro em conra-
ao todo do qual são partes sign ificativas. que já não responde às necessidades sociais de agora.
tu di reco com os problemas que os Tais fragmentos, assim soltos, ganham intei- Por vezes, me parece que professores, pais e alunos " não q ue-
pn1fcssorcs levanram , l'.o nstato que
ra autono mi.a, perdem seus vínculos com as rem ver" a inoperância, a irrelevância e a deficiência desse ensino
oi11da não é de1nais mostrar os e<1uí-
vo.:os em que a escol.i rcm caído, li- 1 sequências anteriores ou posteriores do tex- que não desenvolve as competências n ecessárias à significativa
1ni1.111do-se ao si mp lismo das classi- to, n ão têm au toria nem se enquadra m numa atuação das pessoas na vida profissional e nas situações sociais
lu:.11;ê1cs e fugindo à cx1>lornçiio das
q11estües emine11tcn1 c11te textuais.
determ in ada cena enun ciativa. Não parecem mais diversas. Esse não querer ver p ode parecer bem mais cômo-
l'ortanto, fica aqui , 111ais uma vez, ser uso representativo <la língua escrita ou ela d o que procurar as saídas para novas opções e novos desafios.
111i11 ha insisrenre pa lavra em fa1•or língua oral, da prosa ou da poesia, desse ou A esse propósito, valia a pena aveúguar o que se ensina na
de um ensino Jc lí11gt1a que renh a
wmo objero a a1 ividacle - sempre daquele registro. Para o q ue se destinam, o escola acerca do texto. Muito pouco, não? Só mais recentemen te,
fu111.:iona l - d a in1cr:1çiio verbal. esse ncia l é qu e esses fragmentos contenham se vê nos livros didáticos - sobretudo naqueles manuais desti -
unidades da e.lasse gra matical ou fatos da nados ao ens.in o médio - uma ou outra menção a questões da
questão morfoss intá tica em estudo4 • coesão, da coerência, da intertextualidade, da relevância socio-
É natu ral, portanto, que, diante d as orientações e propostas comunicativa , da implicirude e de outras propriedades do texto .
de ver os textos com perspectivas mais amplas, de entend er a O tópico 'gêneros textuais' tem s ido objeto de ma is referências;
gramática como um dos constituintes dos sentidos ex plicitos e mas, ainda assim, muito s uperficialm ente, fora de práticas qu e
imp lícitos, os professores fiqu em meio perdidos e tenh am dificul- levem o aluno a entender íl centralidade de suas questões. Em
dade de discernir sobre o que fazer. geral, passa-se muito brevemente e, claro, superficialmente, de
Nesse p artic ular, se percebe que o pro fessor, ao opta r por um gênero a ou tro, sem exp lorar suas q uestões ma is perti.nentes.
essa gramática contextualizad a, sente-se como se estivesse train- Parece que as regularid ades tex tu ais são dadas por sabidas
do sua função p edagógica primeira, que, segundo a visão de tan- e seu aprofundamento vai sendo adiad o, na suposi.ç ão ingênu a
tos séculos, é en sinar a gramática das palavras e das orações. de que o estudo daquela grn mática autônoma, independente de
Esse professor sente-se fracassado se seu al uno, mesmo no ensi no qualquer con texto, tudo explica e provê toda a competência ne-
fundamental, não sabe, por exemplo, o que é um substa ntivo, cessária às interações. As análises revelam, sobejamente, que n ão
um adjetivo, uma oração subordinada etc. Pode até não sa ber ler se escreve ou não se compreende um tex to apenas com gramática.
nem escrever; não importa; isso fica para depois. M uito menos com a ciência de sua nomenclatura morfossintáti-
Aos p ais dos alunos, aos alun os, aos próprios professores, ca. Quando o escritor Luís Fernando Veríssimo, em uma de suas
parece embromação um programa que se desvie daquela ordem Cl'Ôni cas5, diz que sempre foi p éssimo em
das classes gramaticais, com rodas as suas subdivisões: artigo, nu- porcuguês e que a intimidade com a gramá- 1.< A crôui:~·~e ~~e fa lo i11 ritu la· se
1 "O gigolô das pa lavras" e está pu·
meral, s ubstantivo, adjetivo, pronome, verbo etc. Alega m que o tica é dispensável, tanto que ele, assim péssi- hlicada em: Crô11iras sdcârmada1
co nhecimento dessas classes é condição de s ucesso nos exames de mo, ganha a vida escrevendo, está exa ra men - e comentadas por Maria ela Glórl11
concursos e vestibulares. Furta m-se, no entanto, ao trabalho de te refer indo-se a essa gramática que se esgota 13ord ini, 4, Po rto Alegre: L&PM,
1.982, p - 10-12 .
analisa r como são feitas as provas desses exames, ou qua.1 o lugar na mera classificação de s uFts unidades.
No momento, um dos desafios para os professores é desco-
brir o q ue indu ir cm seus programas de estudo da l.íngua, para
além da simptcs circulada pelas categorias da morfo logia e da
sintaxe.
Não resta d úvida, pois, que são bem oportunos rodos os es-
fo rços por orientar e apoiar o trabalho dos professores em ror- Noções preliminares
no das q uestões textuais, sejam questões da sua produção, sej am
da sua compreensão. A explo ração dessas questões, com certeza,
sobre o texto e suas propriedades
pode contribu ir mu ito pa ra q ue o professor vá descobrindo como
ampliar seus programas de estudo da língua e, melhor dizendo,
como preencher suas previsões de estudo com q uestões que são,
de fato, relevantes para a ampla e atuante educação lingu ística de
seus alunos.
É o que va.mos tentar fazer nas próximas páginas: explorar ques- 2.1 O conceito de textualidade
tões do texto coeso, coerente, relevante e adequado con.-textualmente. ..
omo fundamento p::ira a compreensão do que é o tex-

e
Escrever é outro modo de falai: to, tem-se desenvo lvido o conceito de textualidade, a
Ler é outro modo de ()tlL'ir.
qual pode ser entend ida como a característica estru-
(Marcos Bagno, O espelho dos 110 111es )
tural das atividades sociocomunicativas (e, portanto,
tam bém Lnguísticas) executadas entre os pa rceiros da comuni-
cação. Logo, todo enu nciado - que porta sempre uma fu nção
comunicativa - apresenta necessariamente a característica da
textualidade o u uma "con(ormidade textual''.
Quer dizei; em qualqu er língua, e em q ualquer situação de
interação verbal, o m odo de manifestação da ati.vidade comuni-
cativa é a textualidade ou, concretamente, um gênero de texto
qualquer. Daí que nenhuma ação de linguagem acontece fora da
rextualidade. "Desde que da exista, a comunicação se dá de for-
ma textual" (Schmidt, 197 8: J 64). Na mesma direção, afirmou
.M arcuschi em uma de suas au las: "No momento em que alguém
abre a boca para falar, começa um texto".
Perde sentido, então, aquela perspectiva ascendente da lin-
guagem, segundo a qual, primeiro, se aprendem as palavras, de-
pois as frases, pa ra enfim , se chega r ao texto. Todos os segmentos
de nossa atividade de linguagem, desde os primeiros balbucies,

- --- - - - -
são encendidos e cJassificados como partes funcionais de um todo eminentemen te ( uncionaJ, no sentido de que a ele recorremos com
integrado: o texto. urna finalidade, com um objetivo específico, nem que seja, simples-
Fazer da textualidade o o bjeto de ensino não é, pois, ceder às mente, para não ficarmos calados.
teorias da moda, ou um jeito de - como dizem alguns- deixar as Assim, nada do que dizemos é destituído de uma intenção. O
aulas mais motivadas, mais prazerosas, menos monótonas . É mui- sentido do que dizemos aos outros é parte da exp ressão de um
to mais qu e isso: é uma questão de assumir a textualidade corno o ou mais obj etivos. Falamos com a intenção de "fazer algo " . O
princípio que manifesta e que regula as atividades de linguagem. sucesso de nossa atuação comunicativa está, sobretudo, na iden-
Ocorre que essa tex tualidade não acontece de forma a bstra- tificaçã o dessa intençã.o por parte do interlocutor com quem jnte-
ta. Acontece sob a forma concreta de textos, linguística e socia l- ragimos. Por isso mesmo é que, no percurso da interação, vamos
mente t ip ific ados, conforme veremos a seguir. tb ndo as instruções necessárjas para que o outro vá fazendo, com
eficácia, essa identifica ção. Como d.iz Schmidt (J 978 : 80), o texto
e um "conjunto ordenado de instruções".
2.2 O conceito de texto O princípio de que fa lamos sempre para cum prir determi-
nado objetivo é sobejamente .referido por todos os autores que
O rnais consensual tem sido adrnit.ir que um conjunto aleat:ó- se ocupam do tex to. Por exemplo, Adam (200 8: 107) declara
rio de palavras ou de fras es não constitui urn texto . .Mesmo in tui - que " o texto não é um a sequência de palavras, mas uma sequên-
tivamente, uma pessoa tem esse discernimento, até porque não é cia de atos " . H alli.day e H as:rn (1989: 52) definem texto como a
muito difíci l tê-lo, uma vez que não andamos por aí esbarrando "linguagem que é funcional. Por linguagem ftmciona l, queremos
em não textos. Por mais que esteja fora dos padrões consi derados rcfcrjr aquela linguagem que cumpre alguma função em algum
cultos, eruditos ou edificantes, o que falamos o u escrevemos, em contexto". N a mesma linha, Schmidt (1978: 170) defi ne o con-
situações de comunicação, são sempre textos. ceito de texto corno "um conjunto-de-enunciados-em-função".
Também não é difícil explicitar ess<is intuições, se nos fi- Consequ entemente, todo rcxro é expressão de um a atividade
xarmos na anál ise de como acontece a interação ver bal entre as .,ocia l. Além de seus sentidos linguísticos, reveste-se de uma rele-
pessoas nas d iferentes situações de sua vida soci al. Vamos tentar vâ ncia sociocom unicativa, pois está sem pre inserido, como parte
apresentar fu ndamentos teóricos dos pontos que p retendemos constitutiva, em outras atividades do ser humano. Nas palavras
ana lisa.r; e111bora o faça mos, neste ponto do livro, de uma forma de Marcuschi (2008: 23), "não existe um uso significativo da lín-
muito sumá ri n, uma vez que, nos sucessivos ca pítu los de an;Hise, gua fora das inter-relações pessoais e sociais situadas" .
vamos desenvolvê-los um pouco mais. Assim , compreender um texto é uma operação q ue vai além
2.2. ·1. Primeirnmente, podería mos começar por lembrar q ue de seu aparato linguístico, pois se trata de um evento comunica-
recorremos a um texto qua nd o temos alguma pretensão comun i- tivo em que operam, simultaneamente, ações linguísticas, sociais
cativa e <i queremos expressar. Oomen, conforme ci tação de Scb- e cognitivas.
midt (1978 : 167), afinT1a que "não se instaura um texto sem uma 2 .2.2. Um segundo aspecto que deriva desse primeiro ponto
função comunicativa "; propõe ai nda que o texto tem seu fluxo é o fato de q ue o texto, como expressã o verbal de uma atividade
controlado pel a respectiva função comunica tiva que exerce. social de comunicação, envolve, sempre, um pa rceiro, um inter-
Dessa forma, todo texto é a expressão <le algum propósi- locutor. Não, simplesmente, pelo fato de q ue temos uma com-
to comunicativo. Caracteriza-se, portanto, como uma atividade p:rn hia quando fa lamos e, assim , não o faz~mos sozinhos. Mas,
[Cí,p ~ Noções preliminci;<;s sobre o texto e suas crojJrieclades

sobretudo, pelo fato de que construímos no ssa expressão verbal ....................,,~.-·...--. --~--.~~----~---.-.........,.,.---------~

com o outro, em parceria, a dois; de maneira que o tex to va i Mamífero voraz


tendo um fluxo conforme acontece a interação entre os atores da
É preciso 100 pontos para ganhar um reJó9 io de plástico. Teremos imenso prazer
ação de linguagem. em lhe mostrar o nosso pais. Já esLá nas lojas Tok & Stok a Linha GarcJen Verão
Dizemos o que julgam os ser de interesse do o utro escutar. 97. Dizia-se lá em casa que éramos de origem francesa. Tenho um pequeno museu
Pressup om os esse interesse e arrisca mo -nos a responder a ele. Daí em casa.
o dialogismo reconhecido por Bakhtin (1995) como característi- Seu próximo passo é Ler um carLã.o com 6 meses de anuidade grátis.
ca fundam ental da linguagem. Não d .izemos as coisas gratui ta - - Jamais abandonarei a senhora.
Bom mesmo é viver numa r:al)ana no meio do mato. O próprio banco ajuda a des-
m ente ou aleatoriamente. Esforçamo-nos, qu ase sem notar, para
cobrir quais são os mell10res produtos para monLar sua carteira ele investimentos.
sermos, em ca da contex to, relevantes, dizendo o que supomos
ser da necessidade, do interesse ou do gosto do outro. Em última
instância, é isto m esmo: n ão fa la mos sozinhos, no sentido de que D a ria para p erceber em alg uma dessas passagens uma unida-
o texto q ue construímos é uma resposta ao de semântica, o u reconhecer qualquer núcleo de sentido? Daria
'Criei c~sas passagens, sin11)k>11ic11 -
tc.:, ju11ta ndo palnvras e fra ses que íui que s upomos ser a pergunta do outro. para di zer sobre quê é cada uma? Da ria para fazer, a partir delas,
rct:olhcndo numa rev ista. E111 c·on- 2.2.3. Um terceiro aspecto a se cons i- t1 m res umo, uma síntese? Alguém poderia reconhecer aí uma fun-
t,1tos com professores e a l1111os, fu i
dera r su m ariam ente diz r espeito ao foto <le ção comunicativa pert inente a determinado contexto?
11·,tando a cstranhe?.a que causava
u 'sem scnriJo' de ambas as peças. que o texto é caracterizado por um a orienta- Corno se vê, são passagens construídas a par t ir de p a lavr as
J\ ç justific:itivas pa ra a h ip(>rc:sl~ dl' ção temática; quer dizer, o texto se constrói o u de frases so.lt:is, o que nos faz voltar aos termos com que ini-
que 11ão constitu ía m 1·extos c·cn1:ra-
va m-sc 11:1 '' fa lra de um:i u11id:1dc
a fJartir de um tema., de inn tópico, de uma cia mos esta seç5o: um conjunto aleatório de palauras ou de frases
de scnrido possível". É curioso que, ideia central, ou de um núcleo semântico, não constitui urn texto .
du ranrc mu ito tcrnpo, os alu no~ fizc- que lh e dá co ntinui dade e unidade . Com base n os pontos até aqui leva ntados, podemos recapitular
r:1111 arivich1dcs de forma r frase~ sol-
1.1s, sem que ninguém q11csrio11:1ssc a Para explicitar esse p rincípio (tão p resen- i.:m seguida o que tem sido proposto na linguística de texto como
di~r5 ncia cnrrc isso e o exerôcio rc:tl te às nossas intuições), ve ja mos, por exem- as propriedades do texto, ou seja, como critérios que n os permitem
d,i linguagcm. É que, de bto, o r~·x to
n5o "cs wva previsto no progn1111:1".
plo, as segu intes passagens, que têm, naturaJ- reconhecer um conjunto de palavras como sendo um texto.
men te c::i ras de texto 1 • Em síntese, a questão seria: o que um conjunto de palavras
precisa ter para funcionar e ser identificado corno um texto?
-.-.----·---·--------·-"""'---·-~-----
A resp osta a essa q uestão já se encontra d efinid a na literatura
Religiosidade
i,obre a linguística de texto. Por exemplo, Beaugrandc e D ressler
MonsLro planos soxo cantor pela denúncia de polêmico paguei fazer sobre pre- ( 198 J ) propõem como propr ie<lades ou critérios d a tcxtualida-
tendem enfermeira menino milllõos presenLe viva-voz telefone estar risco com tle: a coesão, a coerência, a intencio nalidade, a aceitabilidade, a
mercado o. in forma tividade, a intertextualid ade, a situacionalidade . São, na
Compulador completo íicar frontal você veloz se para esperar doméslico brincando visa o deles, sete propr iedades, p ortan to .
mamífero moda.
Nos est udos q ue tenho feito, na sequência dessa e d e outras
Relógios cartas sobre expectativa inteiro promoção empregadas sabatina campa-
nha novo queijo compra Brasil meninos. propostas, optei por fazer uma pequena re<?rdenação no qua-
tlro dessas sete propriedades, concedendo certa saliência àquelas
,___ _ _ _...,.___ ..., ....................... ..... li114111.J•lfl!!Jlllfill!IL(llllllil'l',...,,_
~·----"lllllllllllli •.•"... "'""'"._~.--

propriedades que, mais diretamente, perten - dar uma justifica tiva, uma ordem, fa zer o re·
r'
i Rmuii·o .:011111111 o cn1 c11di1uc11to
Sobre n co esão e :1 coerê ncia,
d c~s;1 i11tr11d o11.1/idc1de 0.:0111 0 um cem à construção mesma do texto. Assim, lato de um fato, convencer, expressa r LllTI sen- aprcbentci crn Lutm· com palavras:
co nceito cq ui valc111e ;1 questão ti mento, apresentar um plano, uma pessoa,
proponho, como propriedades do texto, a 1 coesão <' coerência {São Pa ulo: Pll -
d:t~ i111c11çcics com < /llC /fsam o,; a
li11~1wge111. N:'io é hem ;1ssim . A coesão, a coerência, a informatividade e a in- um lugar, fazer uma proposta, ressaltar as rábola Edirori a l, 20 05), a lém d e
explicações bem a.:essíveis, um fa r·
mrcnciona li1fa clc de que se trara tertextualidade. Proponho, como condições qualidades de um prod uto, pedir ou oferecer ro conjumo d e e xempl os. Sobre as
aqui correspunde à disposiçtio dv
f.tfa11tc de som e11tc di:;er fOi sas q11c•
de efetivação do texto, a intenciona lidadc 2 , a njuda, fazer um desabafo, defender-se, pro- propried ad es da int encio na lida de e
aceitabilidade e a situacionalida de. testar, reivindicar, dar um pan::ccr, sintetjzar d a aceira b ilidade, sugiro a leirura
têm se11tido. que stio c·oerettlc>>. A
do .:apírulo 4 d e meu livro : Lí11g 11n,
ou tra q uestão - :1 da 'intt•nçiio com Para justificar essa reordenação, a lego uma ideia, expor uma teoria; enfim, fazem os, texto e ensino {Sã o Pa ulo: Parábola
que fa la mos' - rcm :1 ver ..:0111 a di·
mcn são pragmâ rico-f1111cio11:tl el a que a intencionalidade e a aceitabilidade re- 11 dia todo e todos os dias, inúmeras ações de Edito rial , 2009). Sobre a propric·
dadc da info rmatividade, po dc-'c
ling uagem, 110 sentido de que todo metem aos interlocutores e não ao texto pro- linguagem, cada uma, parte constitutiva de
ver o cap írulo 7 desse mesmo li vro .
,11<• de li11g1tc1gem é 11111 fa::er, /11)is
priamente. Quer dizer, pela intcncion;d idade, uma situação social qualquer.
é carregado de 11111,1 i11te11(1in 011 " Volro " justificar por que, nes te
de 1m111 (inalidade. S:io dif,•rcnrcs, propõe-se que o interlocutor que fa l::i se dis- En1 resumo, proponho para o texto, es- ronro t10 li vro, faço <!pe nas um a
pois, os do is conccims. 1':1rn um ;1 põe a dizer somente aquilo que tem sentido pecificamente, as propried ades da coesão, da s11ni'1ria aprcsen ra~ãn das propric·
revi são desses e de ourros c:o11c:eiros 1hdcs do rex ro : no> <:apíru los dcsti-
da rcxtua lid ad~. suv, iro ;1 lcinir~ de
e é, portanto, coerente. Pela aceitabilidade, <:oerência, da informatividade e ela intertex- 11a dos à an<Íli>e. prcte11do dcscnvul·
Cosrn V:i l (2000), hem co mo :1 de admite-se q ue o ouvinte, simultaneamente, tua lidade 3• As o utras são condi ções fun da- ! ver corn m.ais dcrn lhc esses e ourrns
Antu nes (2009). tnentaÍS para que OS teXtOS SC efct ivcn1. poll1o>. Aqu i, Lrngu a penas o q ue
empreende todo o esforço necessário para
cons ide ro essencia l p<i ra a comprc-
processa r os sentidos e as .i ntençôes ex pres- Retoma.ndo o a bsoJu tarncnte bâsi~o para ens;'ío das qucsrücs.
sas. Como se vê, essas duas propriedades não são propriamente a compreensão dessas quatro prop riedades,
do texto. Embora lá se reflitam, 1·emete111 para a di spon ibilid nde lembramos os segujntes pon tos 4 :
cooperativa das pessoas envo lvidas na interação. • a coesão concerne aos modos e recursos - gramaticais e
O mesmo cabe afi rmar da situacionalidade: uma condi ção lexica is - de intcr-rclnção, de ligação, de encadeamento
para que o texto- q ue é pa rte de uma atividade socia l - aconte- entre os vários segmentos {pa lavras, orações, períodos,
ça. Nenhum texto, como sabemos, ocorre no vazio, cm abst rato, parágrafos, blocos su pcrparngráficos) do texto. Embora
fora de um contexto sociocultural determinado. Tod o ele está an- seus recursos tra nspa reça m na superfície, a coesão se fun-
corado num a situação concreta ou, melhor d izendo, está inse rido
nu m co ntexto social qua lquer. Uma conferência, por exemplo,
.
damenta nas relações de natureza semântica que ela cria
e, ao mesmo tempo , sin aliza . Ou seja, pela coesão se pro-
é parte da programação de um evento e é por ela reg ul ada cm move a continuidade do texto que, por sua vez, é uma das
todos os detalhes. Uma simples conversa é parte de um relncio11 a- condições de sua unidade;
mento interpessoal que prevê variadas finalid ades . • a coerência concerne a um outro tipo de encadeamento,
Essa inserção el a .linguagem em nossa a tividade sociaJ é tão o encadeamento de sentid o, a convergência conceitual,
óbvia que até mesmo temos dificuldade de percebê-la . O :.i bso luta- aquela que confere ao texto interfnetabilidade -- local
mente evidente é que fa lamos sempre em um lugar, onde acontece e global - e lhe dá a unidade de sentido que está sub-
determinado evento social, e com a finalidad e de, intervindo na jacente à combi nação linea r e superficial dos elementos
condução desse evento, executar qualquer ato de linguagem: ex- presentes ou press upostos. A coerência vai. além do com-
por, defender ou refutar um ponto de vista, fazer um comentário, ponente propriamente linguístico da ~omunicação verba l,

) 1 .;
--- - - -'.--- ~
'
-----
'-- -~~-
ou seja, inclui outros fatores além daqueles puramente N esse caso, a intertex tu::i lida de assume um aspecto dinâ-
lingu ísticos, fatores que estão implicados na situação em m ico, na medida em que significa mais do que o simples
que acontece a atuação verbal; daí que a coerência decor- trânsito do outro texto ou da outra voz. Quem recorre à
re não só dos traços .linguísticos do texto, mas também de palavra do outro , o faz ou para apoiar-se n essa palavra,
outros elementos constituintes da sin lação comunicativa; o u para confirmá-la ou para refutá-la. Ou seja, o recurso
• a informatividade concerne ao grau de novidade, de im- à palavra do outro responde sempre a -·----·-------- __ _
previsibilidade que, em um cerro contexto comunicativo, alguma est ratégia arg urnenrativa 5 . ' É de grande relevância a consul -
o texto assume; con cerne ainda ao efeito interpretat ivo De qualquer forma , propriedades e condi- ra à obra de Koch et ai., intitulada
fm ertextualidade - diálogos /JOS·
que o caráter inesperado de tais novidades produz. Essa ções devem centralizar os estu dos e as a nál is~s síveis. São Paulo: Cor re'L Ediro ra,
nov idade decorre, portanto, da quebra do que era previsí- q ue fazemos em torno do texto . .É fundamen- 2007. Além de considerações reó:
vel, do que era esperado para aquela situação de com uni- d ricas, as autoras apresentam fartos
ta 1 ampliar nosso repertório acerca o qu~ exemplos de gêneros tex tuais, onde
cação, seja em relação a aspectos ligados à fonna (decor- procurar ver nesses .materiais. Quando folt<) são explorndos d iferentes aspectOs
rentes de mane.i ras diferentes de se dizer o já dito), seja em uma visão clara dos elementos q ue são neccs- da interte xtualidade.

refa ção a aspectos ligados ao conteúdo (decorrentes de sários para se constituir um texto (e é muito • Minha prete nsão co m csre livro
· é, exara mente, oferecer elementos
ideias e conceitos novos) . De qua lquer fo rma , todo texto, Prov<Ível que tais elementos fa 1tem para mlll- pa ra que os professores possam
ein a lguma medida, comporta algum grau de inform ati- ~OS prOfeSSOres!), ValTIOS <1 ele, Simplesmente, ampl ia r CSS<l compreens~fo do que é

vidade. O contexto de uso é que determina um teor mais para reconhecer e.lasses e ca tego rias da gram<l- 11111 texto e possam, ass im, i11te1:vir
no d ese nvolvimento da cornpetên-
alto o u ma is baixo d e informatividade. Logo, nem sempre tica, sem que .p rocuremos averiguar en1 que
eia dos alunos para a produção, re-
o texto me lhor e mais adequado é aquele com um grau de ta is classes e categorias intervêm pa rn faze r, ..:cpção e a ná lise de textos de forma

inform atividade mai.s alto. Os avisos, como: "Trânsito in- da quele conjunto de palavras, uma unidade re leva nte e significmiva.
6
terrompido", " Devagar. Escola '', " Reduza a velocidade" de sentido comunjcativamentc fun ciona1 •
Mesmo numa a bo rdagem sum ári a como esta, dá para per-
e outros se melhan tes são de baixa informatividade mas
' ' ceber que um texto n ão se constitui apenas de elementos gra-
por isso mesmo, é q ue são adequados ao seu contexto de
fu ncio na menta; maticais e lexicais. O texto é um traça do que en volve material
linguístico, facu ldades e operações cognitivas, além de diferentes
• a intertextualidade concerne ao recurso de inserção, de en-
fato res de ordem pragmática ou con textual.
trada, cm um texto particular, de outro(s) texto(s) já em
Possivelmente, uma das maiores limitações que tem aconteci-
circulação. Na verdade, todo texto é um intertex t~ - di-
do em nossas aulas de língua s tem sido a pressuposição ingênua
zem os especialistas - no sentido de que sempre se parte de que um texto resulta a penas de um conjunto de elementos
de modelos, de conceitos, de crenças, de informações jâ linguísticos. Ou seja, nessa s uposição reduzida, as palavras bas-
veicu lados em outras .i nterações anteriores. O u seja, dada tam; a gramática basta. Por isso, ficamos tateando por sobre elas,
a própria natureza do processo comunicativo, todo texto como se rodo o sentido expresso estivesse na cadeia dessas pala-
contém uutros textos prévios, ainda que não se tenha intei- vras e na s ua gramá tica de composição.
ra consciência disso. Mas há uma intertextualidade explí- O conjunto de propriedades q ue mencionamos possibilita-nos
ci.ta, que tem luga r quand o citamos ou fazemos referência o lh ar para o tex to - seja elo a luno, seja de um o utro autor - e
direta ao que esrá dito em outr o texto, por outra pessoa. perceber ai, por exemplo:

-- - - -

-- --
- - - · · _ ...........~......... ··•·•• ª'"···· ...,.. ........,..... '·" ., ····'"h ....... ·.·.•:-..••.'•\:~··.................,......... ''·'· ·.•.•. Jo .• · ··;> ........... ~ ......~

texto é qua lqu er passagem , de qualquer exte11são, desde q ue


recursos ele sua coesélo, ~
fatores (explícitos e impficilos) ele sua coerência (linguistica e pragmálica), f. constitua urn todo unificado e cumpra, uma determinada função
pistas ele sua concen1racão Lem<l Lica. ..,!':. comunicativa .
aspectos ele sua relevância sociocornunicaliva. ;~ Na ver dade, essR compreensão não é tão ' Hallid aycHasan(l989)chatna rn a
traços de; intertextualidacle,
infundada assim, pois pode ter como supor- atenção para esse ripo de te xros ("os
criLérios de escollla (Jas pa lavras: 1exros mínimos"), absoluwmcnrc
sinais elas intenções pretendiclas. te a trad icional diferenciação, feita em quase
funcionais, e .:urtos, porque adequa- 1
marcas da posição do auto1cm relação ao que é <liLO. todas as gramática s e manua is d idáticos, en- dos a seus co nrexros de circu laçi'ío.
estratég ias ele argumentação ou ele convencimenlo, tre oração e frase . Segundo essa d iscrim ina- Pela f11 11cionalidc1dc que apresen·
efeitos de sentido decorrentes de um jogo qualquer de palavras, ção, por exemplo, o pedido de auxilio fei to
L_....c1.c1_:;.~~.ção do eslilo e do ll ível de Jingua~=J~.: ~11.Lre ~:~'.Los outros elementos. por alguém, medi a nte o grito §oc01To f, mes- 1
mo numa situação comun icativa co ncr eta, é
podcri,1 on prestar-se a <ltividadcs de.
' 1:rcquc11tclllent:e, frilo o:rn ·1·cxtus
O fato de apem1s nos fix armos em ques- dassi fi cado como frase. Assim, ta mbém, os lini.;uav.cm nas LJr i111 ciras séries do
1
n.: leva nrcs e ad~q1"1dos ·. É que , • tões de gramá tica, so bretu do naquelas liga- avisos: Atenção, desvio à esquerda!; Curva ensino íundamcnrnl. Assim, seriam
,1n l;ido da cocrénda, dois ourros deixados de lado us exerdcios com
i: ritérios siio fund a mcmais pa ra
emprest:t r qu <ilid:td<: ~os tcx t·os, a
das à norma-padrão, nos fez deix ar de ver
mui tos ou tros componentes também · fun-
perigosa; Propriedade privada e tantos o u-
tros exemplares <l o' que Halliday e H asa n
frases in vcnw das e fura de qualquer
contexto connmi.:.11 ivo.
l
,,1hcr: s11,1 rel1wú11â,1 - o texto deve dam e ntais para a comunicação rclcvanre 7 e (1989) ch a m ara m de '-' tex tos nJ1111mos
, . ''R .
(ugir a obvicdades e ao jó sahido - e
adequada socialme nte. É hora , portanto, de Como se vê, as fun ções implicadas nesses enunciados não
s11a a deq uaçào co11textual - o t t'x-
10 deve conformar-w às condições abri r nossa cap acidade de per cepção e de contavam e, assim, aquilo que, de fa to, constituía um texto era
d.1 si.ruaçiio social de que foz par- proc urar e ncontrar nos m ateria i:; que lemos visto como uma frnse . O texto - inclus ivamen te aquele de geo-
i e. D ~ssn fo r ma , síio bn11s /c'x/os

.1q11clcs que apre~e111.1111 <·ocri!ucia, e ouvimos tr:1ços de sua coerência g lobal e de grafia, biologia, história, que os al unos liam - se local izava fora
n•lc11à11â,1 co1111mit«lliva e ,u/equa- sua funcion a lidade comunicativa. da sa la e, p ortanto, não e ra cons iderado obj eto de estudo.
1 ç,/o cont1·xt11a/. N('ssc t-rip~ . o,;[1hem
2.2.4. Merecem um comentário ta mbém A centralização na frase levou a escola a outra redução: a
1odas as u urras rroprie<l:.idcs, i n-
du,ivamcnre a coesiio e a correção dois aspectos do texto: de concebe r o texto como uma espécie de s uper-sen tença, :J lgo
~ rarnaticc1I. (a) a moda.lidade - fa lada ou esc ri ta; como uma unidade grama tical mais ampla, umn esp écie de perío-
(b } e a extensão cm que ele se realiza . do grande, que se forma ju ntando-se un idades me nor es, em vistas
É comum , até mesmo entre a lguns professores, a impressã o à formação de uma un.i dade maior.
d e que a fala não é textual; ou seja, texto é apenas o escrito. Daí, Compor um texto, conferir-l he unid ade, su põe uma integra-
uma outra suposição: a de q ue a língua falad a n ão é regulada pela ção estrutural bem diferente daquela pensada para unir as várias
gram;hica. A fala seria qu alquer co isa fo ra d as normas morfos- partes d e um período. D esde a con figuração convencionada para
sintáticas. Algo meio caótico. As regras - e muitas! - ser.iam cada gên e ro , a té os deta lhes de como .responder às determina-
privativas d a escrita; por isso, elas é que servi ria rn de parâ metro ções pragmáticas de cada situação, a h abilidade de promover a .
para a avaliação da fa la. H á quem acr edi te que fala bem, em sequenciação das partes de um texto ultrapassa as inj unções esta-
qualquer situação, quem fala conforme a escrita correta. belecid as pelas estruturas gramaticais. Depende do que se tem a
Outra compreensão infundada diz respeito à crença de que o di zer, a quem dizer, com q ue fina lidade, com .que preca uções, em
texto , para ser reconhecido como tal, tem que ser grande. Ora, fu nção d e quais resu ltados etc.
- -~---
" 1
- - --- - · -
• "'''"' ............,~ ......~~ \A.\fl 40 """"""'" ... ·'""'"• ....... ; ..• ,. '·'''
•i.tWW.............
.........----~~·..,..•i·~~/l·'.ll'''''''"W
.........
~- .. ···

Ninguém aprende, pois, a ler ou a escrever cartas, por exem- os professores co ntra uma visão demasiado linguística da co-
plo, com o exercício de analisar e compor fra ses, nem mesmo municação verbal. O êxiro de uma transação verba l resulta de
aquelas mais complexas, assim como, para aprender a falai; não urna sérje de fatores, que se inter-relacionam e se integram em
treinamos, como iniciação, a junção de palavras ou de frases. As s istemas amplos e complexos.
leis do texto são outras e, embora sejam previsíveis, estão sujeitas Ou seja - como temos mostrado ern o utras oportunidades
às condições concretas de cada situação. ---~out~palavras, o mais - para o processamento textua .I, em hora de fala o u de escrita,
previsível para o texto é que sua coerênciã e relevância socioco- de.: escuta o u ele leitura, ativamos quatro grandes conjuntos de
municativa são dependências contextuais, e muito do que deve ser conhecimento, a saber:
---- ···'lll"""' ·- ~ --- _ _.__ --· •••"(•"!• •••:V ...... u..
dito e feito vai sendo decidido na hora mesma de sua realização. .......... ,.............,

Essas observações não significam que não estejam definidos


os ter.mos ou as co ndições de uma competência textual. Já mos-
(a) 0 con11ecimenlo finguíslico (compreendendo aqui o lexical e o gramalican:
(b) 0 conhecimento de mundo. o conl1ecime11l0 geral. ou o que se conhece com
o nome de ·conhecimento enciclopéclico· (que_ i nc~ui os prolólipos, os esquemas.
J
l
tramos, nas referências às propriedades e condições da textua li- os cenários. ou os modelos de c;venlos e ep1sódws em vigor nos gwpos a que ;
dade, o que é requisitado para que se constitua o objeto texto. peíLencemos): ~
Queremos chamar a atenção, no entanto, é para a natureza dessa (e) o conhecimento re!erenLe a modelos globais de LexLO{que inclui as regularidades ~
competência, que é bem dife rente daquelas estabelecidas para o ele construçM dos Lipos e gêneros); ~

nível da oração ou do períod o. Em termos bem simples, quere-


(cl) 0 conhecimento sociointemcional. ou oco11/lecimento sobre as aCõfs verbais (Que 1
inclui o saber acercri da realização social das ações verbais ou de corno as pessoas
mos ressa ltar que, para compor um texto, as regras da boa for-
mação de orações e períodos são insu ficientcs, em bora um texto de~~~~~~~~~~~~:~~-~~~~~:~.~~~.~.~~~:~=~~~~:'.:~.~~~-~---~--~ ~-··· ..
- que não aqueles textos mínimos compostos de uma ou duas Numa visão bem ampla, esses sistemas de con hecimento en-
palavras - seja fo rmado com orações e períodos. Assim, o texto, volvem o conhecimento das operações cognitivas, das estratég ias
suas leis, s uas regular idades de funcionam ento, seus critérios de e dos procedimentos que faze1.11 a rotina das pessoas ern seus
sequenciação e boa composição precisam ser o centro dos pro- eventos de interação verbal.
gramas de ensino de línguas, se f1retendemos, de fato, promover Desse pequeno esquema, pode-se conclu ir que um programa
a competência das pessoas para a multiplicidade de eventos da de ensino de língua s restrito às classes de palavras e às suas fun-
interação social. ções sintáticas é, incontesta velmente, po bre e irrelevante.
Tnsisto em lembrar que, tradicionalmente, temos olhado o Talvez por isso os res ultados de nossas aulas de llnguas não
tex to como uma criação puramente linguística, formad a com renha m convencido a sociedade de q ue o professor de línguas -
palavras, apenas - de diferentes classes gramaticais - , reuni- sobretudo o profess or de língua m aterna - é uma figura muito
das, conforme certas regras sintáticas, em ora ções e períodos. significativa para a elevação dos padrões de desenvolvimento da
Tem toda relevância, portanto, ressa ltar que a construção e a sociedad e. As imensas desigualdades socia is que marcam a reali-
compreensão dos sentidos expressos .resu ltam de vários siste- dade brasileira têm um grande reforço na escola q ue não alfa be-
mas de conhecimento e de várias estratégias de processamento. tiza, na escola q ue .não form a leitores ~ríticos, na escola que não
O conhecimento do sistema .linguístico, se é necessário, não é, desenvolve o poder de argumentar - oralmente e por escrito -
contudo, suficiente para dar conta de todas as operações que ele criar, de colher, de analisar e relacionar dados, de expressar,
precisam ser feitas . Pretendemos com essa observação advertir cm prosa e em verso, os sentidos culturais em ·circu lação .

-
•jiiélllll*4""4--~-- --· "'"" .....- ".' ' I•

Mesmo sabendo ela n5o onipotência da esco la, acreditamos Na verdade, o que temos mesmo são textos e111 classes de gê-
que sua atuação constitui um fator de grande peso na resolução neros, uma vez que, por exemplo, dentro do gênero carta, temos
dos problemas sociai s de uma comunidade e na sua ascensão a diferentes perfis, conforme também diferentes propósitos: carta
níveis mais altos de rea li:t.ação humana. de a presentação, de convite, de cobrança, de solicitação, de agra-
Represent a muito pouco, na economia dos va lores sociais dçcimento, de congratulação etc.
e éticos, centrar-se na discriminação ele classes e categorias De qua lquer forma, é relevante lembrar que todos os gêneros
gramaticais. l:orrespondem a modelos convencionai s de comun icação, social-
Infelizmente, a in da é preciso fazer esse a lerta. mente estabelecid os (nunca, porér.n , modelos rígidos!), os quais
2.2.5 . Na a línea (c} do esquema apre- regu lam nossa ativid ade socia l de uso da linguagem. Compor um
( onforme já adn:~rti, limito-me, sentado, fizeIT}OS menção ao 'conhecimento rcxro, assim, corresponde a uma operação de cumprir um cerro
nt·,n: ponto do tmhalho, ~ rrnzer
referen te a modelos globais de texto (que in- modelo textua l, e, por outro lado, compreem,ler um texto supõe
110.;i\e$ l'l<!m i-:cr:i is acerca <lo ponro
tm quc~t,io, uma vez que, nos capí- clui as regularidades de construção dos tipos o enquadramento desse texto em determin;Jdo gênero. Daí por
1t1l1•s segui111cs, dc~rinados às ,ináli- e gêneros)">. que, em geral, frente à tarefa de produzir um determi nado gê-
'<:~., n:romo 1·:1is pontos, cm ho ra <>
fa\:1 d.: furn1:i 1t:io mu iru aprofunda -
Noções relativas a essa questão elos ti- nero, seguimos, pra tica mente, o mesmo modelo, Uma carta q ue
da . A q uestiio dos gêneros textuai s f.JOS e gêneros textuais têm gan hado espaço escrevemos, por exemplo, tem. a mesma cara qu e a de outros de
' é dc111a sindo complexa e e~ igiria um
nos estudos e nas pesqu isas sobre a lingua- nosso grupo, de nosso tempo. Por outro !.ado, o entendimento do
.:~paço que a nar11 reza des te tniba lho
11ão pcnnirc. !lugcrimos, 110 enrnn w, gem, sobretud o no âmbito dos programas de ~ênero textua l é, à partida, condição el e sua inrcrpretabili<lade.
aos profc~~nrcs que procurem :un- pós-grad uação. M ui tas dissertações e reses Uma histori nha q ue rem o seguinte começo: Tudo aconteceu 110
pliar o c:swdo da qm·~râo (leiam, por
cxemplCl, a scg1111d:1 p:irtc do livro de
têm se debruçado so bre tai s questões e têm tempo em que os bichos falauam ... já regula a sua compreensão,
Marcuschi. 2008). proposto a.lternati vas de incl uí-las nas pro- no sentido de que traz as marcas convencionais do quadro em
"' Proposras tk' cxplor:iç:fo dos grnmações de ensino. T<1mbém aiguns ma- q ue deve ser percebido: uma narrativa de ficção.
gê nero~ 1cxt'll:i is cm arividodes <lc Em geral, os di ferentes contex tos socia is - os chamados
nuais didáti.cos - princ ipalmente âqueles
<.: nsino podc111 S<'f visras em O.livei-
ra {20 10), A11rn11cs (2 009), Moço destinados ao ensino .médi o - j ~1 exploram domínios discursivos - são marcados por dctcnninadas rotinas
{200\1), Marc u.~chi (2008), Guedes tais aspectos do mundo textua l!(>. co~~uniCãi];as,p;is°, costumeiramente, utili za m um mesmo con-
(2008), Sd111c11 wl)' e Dolz (2004),
De fato, entendendo q ue a ampliação da junto de gêneros. Assim, o domínio juríd ico, o domínio jo rn alís-
C:ost.i (2000, 2008). Dionísio el
ai. (orgs.) (2010). Faraco e Tezza com petência textual elos a lunos representa tico, o domínio religioso, entre outros, costumam servir-se dos
(2002). Al~uns livros didáticos um dos objet ivos centrais do ensino, é neces- mesmos gêneros, dentro, é claro, da natural fl exibilidade que a
t.unbém j:í exploram a quesrào dos
;:éncro~ 1ver, por cxrmplo, Faraco
sá ri o ultrapassar o nível das considerações prática da linguagem implica :
(20 03), Fa r:1co &. Teiz:1 (2002, teóricas para chegarmos ao ca mpo concre- A questã.o dos tipos de texto é mais simples, pois está me-
200.1 ); Abourrc et ai. (2008JI.
to das ações de linguagem. Nesse campo, o nos sujeita a fatores de ordem pragmática do que os gêneros.
que ex iste é o gênero de texto; quer dizer, no De fato, os tipos são marcados por características linguísti0as e
âmb ito das atividades concretas de linguagem, o que temos são estruturais, como, por exemplo, o modo de seleção lexical, a es-
os gêneros: crônicas, contos, poemas, cartas, avisos, entrevistas, co lha dos tempos verbais. Distribuem-se em cinco categorias, ou
anúncios, declarações, atestados, atas, editoriais, notícias, arti- .;cja: os tipos narrativo, descritivo, expositi vo, d issertativo e ·in-
gos, notas de esclarecimento etc. junrivo. Cada uin desses tipos pode acontecer ria composição de

-
' '
- ----
---..........
""'"'"'''"'" .....,.........., ............... .

diferentes gêneros. Por exemplo, no tipo narrativo, se inserem os


gêneros notícias, fábu las, contos, romances, crônicas etc.
Vale advertir, no entanto, q ue um mesmo texto pode conter
sequências narrativas e descritivas, ou um outro, sequência s ex-
positivas e descritivas erc. De qualquer forma, todo tex to é re-
g ulado por determinações do tipo e do gênero que real.izam. É Questões envolvidas na
a .convicção desse princ.ípio que nos faz perg unta r, por exemplo,
d1.ante de uma situação concreta de comunicação: como é que se análise de textos
faz uma notícia? Como se faz um requerimento?
Convém advertir ainda que os tip os e gêneros não são cate-
gorias dicotômicas, antagôn icas; mantêm uma relação comple-
mentar, no sentido de que "os textos rea lizam gêneros e todos os
gêneros realizam sequências tipológicas diversifica das", segundo
observação de Marcuschi (2008: 160). enh o referi do as naturais dificuld ades presentes na
M.ais uma vez pa rece oportuno lembrar a pertinência de uma
programação de estudo centrada nas questões tex tuais. O exer-
cício de formar frases serve para isso mesmo: aprender a formar
frases soltas, o 4uc eq uiva lc a atrofiar o conhecimento explíciro
do que se deve fazer para interagi r verbalmente. Eleger 0 fun-
T anál.ise c.le textos, exa.tamente P
. orquc a tarefa de 'ana-
lisar' impli ca 'separar os elementos' de um conjunto,
e em um texto nada é separável tota lmente. Tudo
) )

está intimamente en trelaçado e se interdepende . Uma questão-


zi nha que p arece ser só de gra mática pode estar inteiramente
cionamento da ling uagem - que somente acontece ~ 111 textos relaciona da com o entendimento g loba l do qu e é dito . De ma-
- como uma das prioridades do estudo sig ni fica promover a neira que vale a pena não perd er de vista, em qualquer momen-
possibilidade da efetiva participação da pesso::i, co1T10 indivíduo, to, a relação de cada recurso com a visão de conjunto do texto.
cidadão e trabalhador. Embora se possa foca lizar um ou outro as pecto particular, o
Os cacos d a vida, colados, formam uma estranha xícara . foco do entendimento deve ser essa dimens ão globa l. É que, no
Sem uso, fundo, nada no texto é a bsolutamente porticu la r, no sentido de
Ela nos espia do <i parador.
que cada unidad e constitui um elo d o sentido maior expresso
(Drummo nd, Poemas)
pelo to do.
Consciente, pois, desses limites (os elementos de construção
de um texto são inseparáveis) e dessa possibilidade (o particular
pode ser visto em função do global), consentim os em desenvolver
algumas questões pertinentes à análise de textos e, cm capítulos
t;Cguintes, apresentar alguns exemplos dessas análises.

- --- - - -
"'•• ..... , .• ~·· @Ai '

3.1 Por que analisar textos? Já é tempo, portanto, de deix<l r de lado 1 PJrcce que estou insbtindo nu1rn1
a prática tão comum da análise de frases sol- qu cs1ão j ~ .~a biJ a J e tudos, ou mi·
zeudo uma espécie de "drnvn no
tas, inventadas; frases a rtificiais, sem con-
Tenho insistido na irrelevância de um en sino cen t rado na molhad o'·. Par<:cc, apenas, pois,
textos rea is, exatamente ao contrá rio do que qua nd o vejo certas atividad ~~ q ue,
análise de frases e de pares de frases soltas . N ão sem raz5o: é ainJa ag,or:1 , frc<111 elll:1' mentc, siio
tH.:ontece quando falamos ou ouv imos, escre-
consensual, no â mbito da lingufstica de texto, o princípio de que 1
propostas nas e~colas. fico com
vemos o u lemos • a certeza ele qL1C aind:i é prec iso
muitos fatos da língua, sobretudo aqueles relativos a seu fun cio-
No capítulo anterior, abo rdei a questão voltar a insisrir, a arg u1nentcl r em
namento, não cabem nos linlites da frase. Basta citar os recursos favor do texto. Não é a nali , ando
das diferenças entre texto e frase, enfatizan -
da coesão, o s qnais ultrapassa m, quase sempre, a fronteira si ntá- frasL·s q ue desenvolvemo~ nossa~
do q ue o texto não é um a fr ase grande, uma com petêm:i:1s pa rn rc:ccber e pro-
tica da fr ase e, até mesmo, de pares de frases.
frase de m a ior d ime nsão , uma frn se estendi- du zir, de for ma co mpreen,iva e
De faro , so mente 11 0 tex to é poss ível encontra r justificati va rele::va ntt: , texto s d<: difrrentes gêne-
da. As regras que especificam a fo rmação de ro~, ra m:111hos e comp lcx idci d('s.
r elevante para, por exemplo, a escolha dos artigos (definido ou
frases são limitadas e s5o apenas de ordem
indefinido), da s expressões dêiticas (de pessoa , tempo e lugar), sintárico -scmântica, uma vez q ue não env o l-
para a compreensão ele relações semânticas enrre fr ases encadea- ve m as determ in ações decorren tes dos mu itos fatores pragm5ti-
das sem a presença de co nectivos explícitos; pa ra as proprieda- ws presen res n um context o socia l de comunicaçã o. É poss ível
des referenciais de sllbsta ntivos e pronomes, scrn falar nn s mui tas prever, por exe mplo , o conjunto de estruturas de frases aceito
funções textua is e discursivas da reperição de uma pa lav ra ou da pela gramática de uma língua. Mas o conjun to de tex tos pos-
subst ituição de urn a por outra equiva lenH: . !.Íveis numa lín gua é p ratica men te imprev isível, cla<la a sempre
Enfim, a frase - como unidade iso.lada - é bastante limi - imensa hete rogeneid ade de contextos e el e funções q ue, cm cada
tada. É um recorte, uma espécie de fragmento de um hipotét ico i11 stância, po dem provocnr o surgimento cio 'novo' e do ' inusi-
contexto. Como t;:i l, n5o deixa ver a imensa complexid ade ci o r,1do', ap esar dos esqu emas de coer ção a qne a in teração verbal
funcionamento sociocomuni cativo da .linguagem. Mesmo aquela não pode fu gir ele todo. É por isso que, em se trata ndo de texto,
frase retirada de um texro r epresenta muito pouco, se n ão é vista é mais acei:tad o fa .l ar em ' regu laridades' do q ue em 'regras'.
cnquanro parte constitu tiva desse m esm o tex to. No momento Um texto, ran1bém, difere de um conjunto de frases porque,
em que se isola a frase, el.a perde s uas amarras com o q uadro neste espaço, qualquer fra se pode seguir-se a qualquer outra . A
conce itua i, referencial e discursivo de q ue faz pa rte. Perde, por- ordem em que e.las aprecem não afeta em nada o sentido do con-
tanto, seu senti do maior. Como m uito bem d iz M arcos Bagno junto, uma vez que nã.o há exigências de continu idade o u restri-
(2009: 11 9) : ções contextua is. No âmbito do tex to, ao contrário, temos que
assegurar uma sequência da qual resu lte a unidade, a coerência,
Arra nca r a frase do texto pa ra tenta r ana lis<\-Ja isoladamente linguística e p ragmática, prete nd ida . Por vezes, urna p a lavra que
seria o mesmo que arrancar um tijolo de urn edifício completo a parece no primeiro parágrafo já aponta para a direção argumen -
e anal isar esse tijolo em seus aspectos materia is (peso, larg ura,
tativa assum ida e, assim, condiciona o sentido de uma outra que
compri mento, cornposição química ...) sem levar em rnnsidera-
ção o pa pel que ele descrnpcnba nesse edifício, em que posição
\.:Onsrn bern mais ad ian te.
ele se encontra com relação aos demais tijolos, q uanto peso ele
Um aluno (m esmo já adulto ) treinado em. formar fra ses
suporta e por aí vai... - competência que ele adq uiriu na escola , e que não ser ve em
•pi-·'"""''""''....---~··~-\·-· ,... ,. ''"' ·''.

..1- ;s: .te~to foi -me dado por 11111n nenhum outro lugar soci.al - , quando soli-
3.2 o que é que se faz quando se analisa um texto?
(' ro fessora que o recolheu, c111 citado a fazer um texto, acaba por escrever
r 1987, cm 11 m .:urso de cduc:iç;io
de 1oven~ e adulros, qu e •tconrccin
uma série de frases soltas, encadeadas apenas Uma consulta ao dicionário Aurélio nos dá conta de que a
numa escola situada na área metro- por centrarem-se no mesmo tema, como se palavra 'análise', entre outros sen tidos, significa:
poliran:i cio Recife. pode ver em seguida 2 •
Decomposição de um rodo cm su:l s partes constituintes: aná-
,---- -----~-~-ª---·-~-------· lise de uma amostra de minério; análise de um organograma.
Exame de cada parte de um todo, tendo em vista conhecer
E A Escola e grande sua natureza, suas proporções, sua funções, suas relações etc.
(destaque nosso) (p. 91).
( a escola e branca
i a escola e muito boa
Pois bem: analisar textos é procurar descobrir, entre outros
~ aescola eboa pontos, seu esquema de com.posição; sua orientação temática, seu
~ e na esca que nos aprerndemos propósito comunicativo; é procurar identificar suas partes cons-
~
~ E na escola que no ficamos inleligenle tituintes; as funções pretend idas para cada uma delas, as relações
~
E na escola que nos mudamos e que guardam. entre si e com elementos da situação, os efeitos d~
~ a escola e mu iLo enportante sentido decorrentes de escolhas lex i.cnis e de recursos sintáticos. E
J.~:
~
E na escola que nos aprenclemos o educação
sinào rocê a escola nos não sabia dinada
procurar descobrir o conjunto de suas regula ri.clades, daquilo que
costuma ocorrer na sua produção e ci rcu lação, apesar da imensa
~ nd escola eu rendo aminha palria diversidade de gêneros, propósitos, formatos, suportes em que
eles podem acontecer.

L_ -- ______ :~·~~~;;:::~------··-- O exame de tais regu larid::ides é que nos permite levantar
expectativas e construir modelos de como os textos são construí-
dos e funcionam. O conhecimenro desses modelos é fu ndamental
Se examina rmos bem, podemos constatar que a ordern em para a ampliação de nossas competências comun icativas, uma
que cada frase aparece não importa para o entendimento do todo. vez que - insisto - somente nos com un icamos através de tex-
Poderíamos a lterar sua sequência; poderíamos começar do fim. tos, nem que eles tenham apenas uma palavra.
Não haveria problema. Estamos, apenas, diante de um conjunto Vale advertir que buscar descobrir essas regularidades tex-
de frases solta s, com as quais alguém pensou estar fazendo um tuais é mais do que perguntar sobre "o que diz o autor". É, além
texto. Na verd ade, esse 'alguém' está apenas demonstrando que disso, perguntar como é dito o que é dito, com que recursos lexi-
aprendeu a fazer o que lhe foi reiteradamente ensinado, mesmo cais e gramaticais, com que estra tégias discursivas, quando e por
em poucos anos de escola, embora não tenha podido perceber que é dito, para quem e para provocar que efeitos, .implícita e ex-
que essa aprendizagem carece, inteiramente, de relevância comu- plicitamente. É muitíssimo mais, ainda, que identificar as e.lasses
nicativa e social. gramaticais de palavras, ou a função sintática de determinados
O texto é diferente da frase; é diferente de um conjunto de termos, sobretu do quando isso é feito sem referência aos sentidos
frases. Exige um estudo específico. expressos no texto.

-
.... , .. ~,, . . . . . . . . . · - - · · - - · ·· · · · - · - - . t

Assim, o que as pessoas fazem, o que podem fazer com a Lin- Em term os bem gerais, objetivamos promover o desenvol·
gHagem - inev itavelmente, cm textos - é que é a grande ques- vime nto de diferentes competências comunica tivas. Em termos
tão. Em fun ção di sso é que existem as palavras, n ão importam os m~is específicos, objetivamos ampliar nossas ca pacidades de
nomes e as classificações que tenham. compreens5 o, nosso entendimento do que fazemos quando nos
dispomos a processar as informa ções que ouvimos ou lemos.
Em síntese, com a análise de textos, pretendemos desenvolver
3.3 Com que finalidades se deve fazer a análise de textos? nossa capacidade de pe rceber as propr iedades, as estratégias, os
meios, os recursos, os efeitos, enfim, as regularid ades implicadas
Na terminolog ia escolar do ensino de português, tornou -se no funciona mento da língu a e m processos com uni.cativos de so-
comum a expressão interpretação de texto, fruto de uma pdti - 1.: icdades concretas, o q ue envolve a produçã o e a circ ulação de
ca de a nálise que consta logo a seguir aos textos que compõem todos os tipos de " textos-e m-função".
cada unidade do livro didático, co1no já referim os. Em geral , essa A própria atividade de a nálise - re iterada e cons istente - é
a nálise é fe ita segundo uma espécie de roteiro, materia li zad o cm fundamental para desenvolver nossa ca pacida de de perceber, de
perguntas de diferentes espécies e fina lidades. enxergar, de ide ntificar os fenô menos o u os fatos q ue ocorr~m
Nesses exercícios, é poss.ívd e ncontrar de tudo: desde per- nos textos. Evid entem ente, nossas ativ idades de fa la 0L1 ele esc ri ta
guntas de mera localiz:ição de informações explícirn s - c ujas res- ta mbém ganham com a p.d tica da análise, pois, por ela, p;issa-
postas são de inteira o bvieda de - , até aque las qu e, para se rem mos a enten der melhor certos aspectos cios
' Em mr us livn>~, dou ("X.:mplos de
respondidas, inde pendem da leitura do texto. J\lém disso, é possí- processos cognitivos, linguísticos, textuais e algunl(ls :1rividcides d ~ anúl isc de
vel ern.:ontrn r ta mbém - sob retudo cm man11ais mais recentes - pragmáticos en volvidos em nossas interações texto qu.: se ~iru:1111, ,·xacamente,
solicitações de atividades qu e exploram habilidades mais comple- 11e~se p;ira mar reduzido e sím plis-
ve rba is.
1:1 dr "'apontar '' ch1ssc gra mari-
xas de leit ura, como, por exemplo, aquelas ligadas às estratégias Assim é qne podemos propor, como fina - ,·al, a fun ção sintáti c<1, o nlimcro
ele inter pr e tação por i11 ferênc ia ou por outro tipo de implícito. lidades d a aná l.isc em questão , o desenvol.vi- de sílabas ele uma palavrn, ou sua
d:1~sifü:açiío quanto ã lucali:i:ação
O fato el e esses exc rdcios de interpretação consta rem, pratica- mento de: da sfl<1ha tôni<:a ". Todo o ernpen ho
mente, depois de todos os tex tos e a forma meio mecâ nica com que • competências para a com preensão; ncci:ss:írio par:t o êxito do pro-
cesso tl c compree11s5o do texLO é
eles têm sido vivenciados provocaram uma espécie de desgaste da • competências para a a ná lise e, meio esq uecido. Nessas anó lises, a r,ra-
atividade, de maneira que os exercícios de inte rpretação passara m ind ireta n lente, m:írica pa rece ser suficiente. Mar-
a significar uma atividade meio simplista de encontrar resp os tas • competê ncias para os usos <ln fala e ' cos Bag no (2 009: 166 - l68) conclui
sob re o que ~cria o ensi no dessa
para urn conjunto de perguntas . As estratégias bem comp lexas de da escrira. grnm:íti ca su ficiente - que não
compreender um texto, de lograr a lcançar o " miolo " de seus senti- Como se pode ver, os objetivos implicn - deve aco nreccl' na escola - por
dos e intenções deixam, q uase sem pre, de ser desenvo lv idas. Todos dos na p rática d a análise de textos são bem oposição à ed ucação lingubrica,
que deve preencher os objetivos de
conhecemos a prática tão comum nas escolas de "gram a ticalizar" a mplos e fu ncionais. Insisto: ultrapassam a qualq uer ensino de língua. Sob re o
o texco, no sentido de tomá-lo, si mplesmente, como um conjunto descoberta de categorias gramaticais e sin- que é ed ucação linguística e seus
de unidades gramaticais, cujas classes e funções precisam ser iden- táticas, simplesmente3 . Orientam-se, como desdobra mentos, ver, no mesmo li·
vro,p. 155-165; ver ainda Borconi·
tificadas. Por isso, parece-nos pertinente pen sar um pouco so bre as a pontei acima, para o desenvolvime nto de · Ri ca rdo (2004).
final.idades de analisar textos. É o que faremos a seguir. d ife rentes competências.

-
De fa to não parece ha ver outro caminho senão o da com- análise de aspectos pertinentes à natureza, à função, à construção
petência . As exigências atuais, muito mais que noutras épocas, do texto.
recaem sobre pessoas capazes de atuarem socialmente, com Vale, no entanto, apontar alguns cuidados que devem ser to-
versatilidade, com criatividade, com fl uência, com desenvol- mados quanto a essa escolha do material a ser objeto de análise.
t ura, com clareza e consistência, na discussão, na análise e na No que se refere à oralidade, deve ser de interesse da escola
condução das mais diferentes situações sociais - do espaço promover diferentes situações de interação, com distintas finali-
familiar ao espaço do trabalho. Isso desloca, necessariamente, dades e destinadas a grupos variados de interlocutores (ora mui-
os objetivos do ensino da língua na direção da reflexão investi- tos, ora poucos), do mesmo ou de outros grupos. Na verdade, a
gadora, da análise dos usos sociais da língua - escrita e falada, escola deve assegurar ao aluno a convivência com a diversidade
verbal e multimodal - e da aplicabilidade relevante do que se de .intervenções e de contextos da comunicação oral pública, para
ensina, do que se aprende. que ele possa ultrapassar a simples oralidade da conversa infor-
Nessa perspectiva, cresce o significado do interesse pela aná- mal entre pares do mesmo grupo social.
lise, pelas perguntas, pelas hipóteses, muito mais do que pelas Nessa perspectiva, cabem as inicia tivas para promover ati-
respostas. Tivemos (ou, temos?) urna prática pedagógica baseada vidades que ponham o aluno em contato real com gêneros orais
em certezas irrefutáveis; sem sombra de dúvidas. Nem sequer ad- mais complexos e formais corno: debate, seminário, apresentação
mitíamos um depende: a resposta era sempre em termos de um ele traba.lbos em grupo, defesa ou justificativa de pontos de vista,
sim ou de um nã,o categórico; um certo ou um errado definitivo. de propostas, exposição de pontos teóricos ou de ideias, entrevis-
ta, apresentação de pessoas, de programas, de eventos etc. Sã.o
A finalidade da análise, portanto, é promover esse estado de
situações que exploram não apenas as competências do a luno
pergunta, de busca; esse querer ver; mais por dentro, a engre-
para o planejamento e a condução de um evento comunicativo
nagem de funcionamento da linguagem. Nessa direção, não há
como também as competências para a escuta e a participação
outro jeito: vamos chegar ao texto.
colaborativa e relevante em grupos.
A análise de textos orais deve ter, portanto, um largo espaço
3.4 Que textos analisar? nas atividades de sala de aula. Em geral, a escola tem providen-
ciado poucas oportun.idades de reflexão e de estudo a partir de

~~--- .._._, ___


Como resposta a essa pergunta, só nos cabe dizer:
.. ~---

todos os textos, de qualquer lípo ou gênero, ele~~~~;;;;;;;a;;;;ou função, lexlos


atividades orais. A escola parece afinar com a impressão ingênua
de muitos que imaginam ser a oralidade livre de qualquer coer-
ção e, portanto, não requerer qualquer empenho de estudo ou
v~rb~~ (orfüs ou e~critos) e não verbais e textos mullimodais (imagens, c/Ja(qes. aprimoramento.
lnslonas em quadrmhos. gráUcos, labefas, mapas) podem ser obje/;o de análise. Em se tratando da análise de mater.iai.s escritos, vale reco-
mendar que os textos:
Evidentemente, a escolha desse material se prende a deter- • sejam adequados, quanto à temática, à estruturação lin-
minadas circunstâncias, como, por exemplo, o tipo ou o gênero gu ística e ao taman ho, à faixa etária dos alunos;
em estudo ou alguma particularidade relacionada a um deles. De • remetam para diferentes contextos geográficos e cultu-
qualquer forma, a motivação da escolha deve ser, sobretudo, a rais, não se limitando, porta nto, a informações ou dados

- - -

' ---
---
'
- - -
____ ___
.....-"..'""""""' ...... ...._,...........,.. .

r 4
A t\111\ li~c
dos livro' did:ít1LOS tem
r vide11<.:indo qu e pou(o si: fo l;1 ou
esp ecíficos ele uma determinada região ou de
um determinado grupo; nessa mesma linha,
3.5 Que elomentos analisar?
111111ro ro11.:o S(' 111os1ra da vida na~
é recomendável a escolha de textos que ex- Grosso modo, podemos dizer que tudo pode ser analisa do
p1:q111.:n.i- cid:ulcs ou 110 meio rural.
1'1111: cm ~cr:il. qu ando aparece111 plorem também a realidade do mundo rural4 ; em tex tos. De fa to, neles toda a língua, em suas múltiplas cli-
r emis ou perw 11agc11s da rcalid::i- • procedam de campos sociais diferentes, tais mcnsões, pode estar presente. Evidentemente, um determinado
,k do c:1mpo, sr recorre a figuras
'"' i111agcns fo lcló ricJs, s imp lista,,
como: ciência, arte, política, religião, econo- rc xto não abarca todos os fotos linguísticos e todos os aspectos
.:.11 i,·Jwrais e, muitas veze~. c heias mia, trabalho , e ntrete nim ento, informação, res ponsáveis por sua funcion a lidade sociointerativa. Contudo -
de v i~õcs preconceiruos,1s lá c mbu · ' publicidade, literatura - c m prosa e em ver- repito - os textos são o campo natural para a análise de todos
titia ~. Chico B1"nto que o dig:i!
so - e, assim, renham como suportes o jor- os fenômenos da comtmicação humana. Neles é que os aspectos
nal, a revista, o fôlder, o livro, a enciclopéd ia, da produção e da recepção de nossas atuações verbais se tornam
o formu lário, o livro de literatura, o folheto de corJcl, o acessíveis à observação.
cartaz, entre outros; Essa abertura de possibil idades não implica que, m etodolo-
• revelem a diversidade de gêneros e m circu lação nos dife- gicamente, não escolhamos um recorte entre as questões a nalisá-
rentes grupos sociais, como: editoriais, artigos de opinião, veis. O " tudo " que é possível ver em textos será desapontaJor e
exposições de divu lgação científica, notícias, notas de es- improdutivo se não for submetido a um determinado recorte em
clarecimento, trechos de reportagens, trechos de entrevis- torno daqueles fenôme nos a serem observados e descritos.
tas, anúncios, avisos, cartas, convi tes, declara<.;ões, con - No en tanto, va le a pena cha mar a atenção para o ponto
ros, fábu las, crôn icas, poemas, histórias em quadrinhos, a partir do qua l é feito esse recorte: que o texto - como tem
riras, charges, <.:<:l rtuns, grMicos, pa ra citar apenas esses; acontecido tradi ciona lm ente - não seja reduzido a um campo
• sej;.1 m representa tivos de diferen tes dialcros regionais e so- de exempli fi.e;;1~ão de urna certa questão gram:Hicn l; por exem -
cia is (prestigiados e esti.gmatizados) e J e diferentes regis- plo, o número de pa lavras oxítonas, o número de subsrantivos,
tros (na esc;i la do mais forma l até o mais informnl); de adjetivos 011 outra categori.a gramatical qun lquer. Quer dizer,
• sejam d iversificados quanto à sua forma de Hpresenrnção o fenômeno o bservn do não constitui uma questão propriamente
e, dessa maneira, explore m diferentes recursos visuais textual, como seria, por exemplo, o amplo con junto dos recur-
(imagens, fotos, figu ras, desenhos de variados tipos, ta- s os léxico-gram aticais que promovem a coesão e a coerência ou
man hos, cores e formatos de letra s); os efeitos de sentido que o uso de determinados substa ntivos ou
• seja m d iversificados, ainda, qua nto a seu tamanho e a seu adjetivos poderia provocar.
gra u de complex idade (os a lun os nJo podern ficar lim ita- Em suma, o texto é que deve ser o centr o, o o bjet o dos es-
dos à leitura de textos curtos ou mais simples); t udos, d as análises, das descrições. A gramática, evi dentemen-
• preservem a unidade de sentido e a relevância do conteú- te, está presente como componente funcionalmente essencial e
do, no caso de sofrerem adaptações ou s upressões; insubstituível. O que se tem que descobrir é, exatamente, essa
• indiquem os elementos de seu contexto de produção, tais funcionalidade de cada recurso gra matical.
como autoria, suporte, luga r e época de publicação; Dentro dessa conveniên cia de se proceder a um recorte das
• quando for per tinente, preservem a forma gráfica do s u- questões a serem exploradas , e de se escolher ora um, ora o utro
porte origina t. (oco de a ná lise, um critério poderia se r:
-r.-"""·----""'"'""""'"' .

(a) o exame do t.exw como um todo ou ·--~--,. as expressões referenciais que introduzem os objetos do relerência:
(b) o exame de uma ou outra de suas paaes
as reLomadas dessas expressões referenciais. que asseguram a continuidade
'-------· -~-----·---·-·-·----··---·-M ·-.. . . . ----! relerenciaJ pretendida, seja pela subsliluicão pronominal (análoras, caláioras
pronominais e clêiLicos LexLuais). seja pela substituiçêo lexical (por sinônimos.
Assim é que propomos, como primeiro (e mais rel evante)
hiperônimos ou expres.sões equivalentes);
foco de análise, a dimensão global do texto, a dimensão que, na as diversas lunções da repetição de palavras ou ele seg mentos maiorns;
verdade, representa o eixo de sua coerência; ou seja: as elipses:
r-- - . .,., -- . . "' ·-· - --
~ • o universo de referência - real ou fictício - para o qual o Lexto remele.
-~ ~
aspectos do signiílcado deu mau nidade, de uma expressão ou alé de um morlema:
o caráter polissémico das palavras em decorrência de seu trânsito para um outro
· seu campo discursivo de origem ou de circulação (lsLo é. campos cienLHico. didá- campo de referência:
tico. juridico. religioso. político. de informacào. de entretenimento. li lera rio ele.). os segmentos em relação de sinonímia. anLonim ia. l1 ipcronimia e paronímia:
seu Lema ou sua ideia central: a associação semânlica en11e palavras {ou as cadeias ou rooes de elementos a!ins
sua função comunicaliva prerJominante; que se distribuem ao longo do texto);
seu propósilo ou sua i nLonção mais especiíica; J a concordância verba l e nominal e suas relações com a conlinuidade LemáUca do
•I
a vinculação do tilulo ao núcleo centrnl; todo ou de urna passagem;
o critério rla subdivisão cm paragralos; os valores sinLálico-scmànlicos da conexão interlrásica. possibilitados pelo uso
a direção argumentativa assumida; 1 de preposições. conjunções. advérbios e de respeclivas locuções:
as representacões, as visões ele mundo. as crenças. as concepções que o texto o uso cios dêiticos pessoais. espaciais e temporais e a relação clessas expressões
deixa passar. explicita ou implicitamen.Le: 1 com elementos do contexlo:
os padrões de organizaçao decorrenlES do lipo que o texlo materializa; por cxem· a ocorrência de paréllrases e suas marcas indicalivas;
pio. no caso de LcxLos narrativos. a fidelidadeao esquema ria narraliva: a ordenação 1 a presença ele eslrnturas sintàlicas paralelas;
na sequência cios fatos: a harmonia entre personagens. tempo, espaço e enredo: os efeitos de se11Lido pretenrJidos peta alLeraç.ão na ordem rnnónica das palavr CtS
as parlicu laricJades da superestrutura ele cada gênero (blocos. parles. subdivisões: (inversão ou deslocamento de um Lerrno. por exemplo):
formas de organização, ele aprescnlação e ele sequência dessas parles); os eleitos de senliclo (ênlase. reileração, relutação. ambigui<lac1e. humor. grada
seus esquemas de progressão Lemática:
seus recursos de encadeamento, de articulação entre parágrafos ou períodos, a
lim de lhe conlerir a necessária continuidade:
' ção, contraste) pretoncliclos pela escollla ele cJeterminada palavra ou por certos
~ecursos morlossinlâlicos e gráficos (aspas. ilcilico. sublinhado. diierent.es cores.
tamanhos e disposições das letras ou figuras etc.):
a sí ntose global ele suas ide.ias ou informações: os efeitos de senlido pretencliclos pela Lransgressão de qualquer um dos padrões
o disccmimenLo entre as ideias principais e aquelas oulrclS secunclárias; morlossintálicos e semânticos estabelecidos:
sua adequação às especificidades dos desLinal.arios envolvidos: as marcas de ironia;
sua relevância comunicativa na exposição de daclos. de inlormações, de argumen- as marcas de envolvimento do <1utor lrente ao que é dilo:
Los. isto é, o grau de novidade das informações. o que determina o seu nivel (alto. os comentários do enunciador sobre seu próprio discurso:
rneclia110 ou baixo) de in formatividade; aforma (direta ou indi reta) de como o i nLerlocuLor está presente ou apenas suposlo:
o grau de adequação clesse nível à situacão comunicativa; as 'fa las· que se Jazem ouvir:
suas re.lações com outros textos, o q11e inc.lui, mais especificamente. as remis- os implícitos ou ·vazios' de sentidos:
SÕ€S, as alusões. as parálrasES. as paródias ou as ciLações literais. os dilerenLes usos e correlações dos tempos e modos verbais:
as marcas das especificidades de uso da oralidade ou da escrita;
Com um outro foco de análise do texto, agora centrado em o nfvel de maior ou menor lormalidade da linguagem ulilizada:
aspectos mais pontuais de sua construção, propomos que sejam a presença de sinais que Indicam a distribuição elas informações ern itens. em
objetos de observação: ponLos disllntos:
as marcas de polidez convencionais: A análise dos textos pode acontecer, como vimos, q uer no
1 1 '' t<lc 11tc 111c 111e, t<>cla ,, gramática
aspcclOs da ponluação. da 01Lografia das palavras e da 1 plano global, quer no plano local, e, ainda, sob di versos aspec-
d ti ltni.:11.1 l• componrnre dos sen-
aprC?SenLacào g1áfica do LexlO. subordinados. sempre. à tos. Vale salientar, contudo, que qualquer análise, de qualquer
lttl•>'> Jo tc'Cro e dc:l'e ser, por isso
1l1c\lno, ohjcro de aná lise também.
coerência eà relevà ncia: 1 segmento deve ser feit:a, sempre, em função do sentido, da com-
O t111 c prnp(>mu~ é que se 11lrrapas-
~l' :1 vis~o esta 11q11c, L·n gessada e :
e outras questões que se ponllain a descobecLo em uma
ou ouLra a11á lise". ~
i /ncensão, da coerência, da interpretahilidade do que é dito. O
simp lisra d;1s classes de p;1!.1v r~s • r..,. . •,·~o.>
.... I • • ;•'~;o.O;o.~ * ...,,,o;,·n,.;,...,,,,.,'..~•.Y.·
l.Oi1•"•'to'•;1.4o(•.. .•. .'.:f
.............. ' ' ' ' . ,,,...,.,:,; \;,1,:,:.-,'1',(• .•#.!""'''(! •· '"•'
q ue significa admi tir que, em qua.lquer análise, a qu estão maior é
.:c:1Hr:i da s c1pc11 as c m nspecros de sempre a compreensão do que se diz e de como e para que se diz o
' liª morfo logia . Como renrativ:1 Enfim, é quase impossível en umerar
de reve r n o~sos co ucciws acerca exa ust ivamente o que pod em os a nalisar nos que é dito. A análise das formas pelas formas
,k,ses po111os de gram;írica , vale a '> ignifica muito p ouco. As form as se expr es- " P:i r;i que fique claro que c~sas
textos. Uns podem oferecer uma gama maior oh,t•rvaçõt"s têm :ipoio c:imhém na
pc11.1 ler, cm llari c Basso (2006),
de elementos; o utros, m enos, na dependênci a !>am para significa r; co mo recursos ou m eios rc;1Jid:1de amai, lcmhro 11111 comcn-
.1~ considcraçõc~ at:rrca das d asses
de palavras {p. 108-124). A consul- d e uma série de fatores, que, como sa bemos, q ue possibi.li tam o entend imento mútuo dos t:írio que ouvi, em finais Je de.1.c111 -
1.1 .1 Neves (2002) e :1 l'cri ni (2008 , bro de 2009, em rede m1ciona 1 de
são dererminanres para sua composição. De interlocutores envolvidos.
2 0!0) rnmbém é lrnstanre releva me rrlrvisiio, >l prop{1sito da prcp;1ra-
(~iío ohrns qnc dcsc rcvern questões qualquer forma, fica evidcnre q ue muito se No ensino ela 1.íngua , o apel.o m.a ior deve o;:'í o p:H'•l <lS provas do vc~t i bu lnr de
d:i g rani:í tica d11 por t u.guês nu ma ' ser ori.e nrado para a <.lescobcrta e a com.pre- 2 010. O comcnrúio foc:ili z:1vn "os
pode ver, para além da forma e das classes de princ ipais erros que se comeh!lll no
pc:rs pcctiv;1 ;1111pla, :l hc rr,1 e bem
pa lavras e frases que entr::im na composição ensão dos sentidos, das in tenções e da função dia :1 dia". Pan1 ranrn, o saipt do
1 u;1 i ~ co11sis rc111c que os livros de
i.:r:i rnát i..:a tradicio nais). do material Jinguístico com qu e interagimos. com que as co is as s5o ditas . O fun damental, pro~r:Hna recorria ;111111;1 ce na: dois
jovens, numa cotWt'rS<11;"111 11111:1 la n·
portanto, é perce ber a função pretendida
..:honer.:. ~a sequência da conversa,
/Jara cada uso, para cada escolha. Em tudo iam incorrendo cm "erro,", que um

3.6 A luz de que princípios analisar? q ue dizem os, como se sabe, as escolhas não profossor (mestre en1 li11g11ísric:1)
i:1 classificando como exemplos de
são aleatórias. pk1111as1110, solet:ismo, barbarismo,
Toda análise é orientada por um corpo de princípios que .re- Em geral, fica -se muito no estudo das for- cai.:ófato e o ut ros "vk ius··. Pcnsc:i
ço1nigo mesma: quanto d;1s ;Huais
gulam seu percurso. No cnso cm questão, os p rincípios q ue nos mas linguísticas, como se nada mais houvesse
visôcs da ling11ísti c;1 d~ l't·xru, chi
o rien tam são de duas orden s: um teórico, outro prático-aplicativo. para além delas 6 • É, porta nto, na perspectiva socioli11guísric,1, do inter:1cioni s-
O primeiro res ul ta das defini ções da lin g 11 ísti ca textual, de ver a interação verbal acontecendo que se mo fu ncional ainda falta chegar
iis escola~! 1'<âo há uma coi;a ma i~
que considera o texto co mo "o fenôm eno lin guístico origina l'', deve empreender o trn ba lho de análise dos
irrC'levamc do que andar :i caça de
ou "a forma necessá ri a" de a comunicação verbal acontecer. rextos que circulam ou que circularam entre erros. Por que a escob resisrc ran-
O segundo princípio, de na tureza a plicat iva, resulta do pri- nós (e, ampliand o, no mundo alargado das ro c11\ assumir novas '' isôcs, no\las
propost~s 1Je esrudo da líng11a?
m eiro e imp lica que todo e n sino de língua tem como objetivo ~o munidades em que se fala o português!).
maior: ampliar a competência comunicativa das pessoas. Ora,
tal competê ncia é, essencia lmente, d iscursiva. Ou seja, a com-
p etência de uma pessoa cm termos ling uís ticos se ava l.i a pela 3.7 Oque evitar nessas atividades de análise de texto?
capacidade que essa pessoa tem de, falando, esc uta ndo, lendo
e escr evendo, atuar por meio de diferentes disc ursos, em dife- Na perspectiva q ue elegemos aqui, é natural que se evite re-
rentes práticas socia is e de obter, com esses discu rs os, os fins cor rer à prática - q ue foí tão comum - de retirar do texto um
a que se propõe. ou outro segm ento, apenas, para ident ificar a cl asse gramatical
•ff""'""'·,....-----~-.,····· ......... .

ou a função sintática de certas palavras, ou para classificar tais conhece o caráter significa nte e significador da linguagem, mesmo
pa lavras segundo um ou outro critério morfossintático. Por sinal, que não saiba apontar as classes a que suas unidades pertencem.
tal prá tica nem chegava a ser aná lise textual, uma vez que estava Parece que nunca é demais perguntar: por que a escola ainda
cm jogo apenas a identificação e a classificação das unidades, em gasta tanto tempo com nomeações e classificações de unidades?
geral despregadas do texto e do contexto onde elas se s.i tuam.
A propósito dessas habilidades de identificação ou de clas-
sificaçã.o, parece pertinente a.firmar que pode ser útil recorrer a 3.8 Como analisar textos ou que procedimentos de
atividades desse tipo, desde que esteja em jogo, primeiramente, a análise adotar?
percepção de como as unidades a serem classificadas são signifi-
cativas para a compreensão dos sentidos e das intenções. Evidentemente, os procedimentos de análise são muitos e po-
Por exemplo, identificar o sujeito de uma oração como su- dem variar de uma situação a outra, na dependência de muitos
jeito indeterminado pode se r relevante se procurarmos descobrir fatores, como a própria finalidade da análise, inclusive. Diante
por que o autor escolheu, entre outras possibilidades sintáticas, dessa imensa possibilidade de variação, talvez seja mais produti-
::iq uela do sujeito indeterminado. Do contrário, identificar por vo enumerar os princ ipais procedimentos a serem evitados. Nos
identificar nã.o leva a muito longe. A opção por indeterminar o ca pítulos seguintes, quando teremos oportunidade de realizar as
sujeito tem, sempre, r:azões pragmático-discursivas diversas: pode análises, vamos mostra ndo como empreendê-las e vamos sugerin-
não ser conveniente, politicamente, indicar os agen tes responsá- do a lgumas altern ativas.
veis por certas ações. O melhor, pois, é apelar para um "se" que Podería mos relembrar, portanto, que convém evi tar:
indetermi na, ou seja, que esconde as responsabi lidades (" Fala-se • restringü-se à extrapolação do tema abordado, detendo-se
cm p rorrogação do mandato do presidente", por exemplo). Em em comentários que, mesmo afins, não estã o apoiados em
"O Banco mentiu", temos um substantivo como sujeito expresso, passagens do texto;
mas saber isso é muito pouco. Mais vale atentar pa ra o uso dessa • reduzir a análise à mera oportunidade de exemplificação
metonímia, que de inocente não tem nada. de uma unidade linguística em estudo;
Ou seja, por essas poucas considerações já poden1os ver o • recorrer à a náli se, simplesmente, para identificar a classe
g uanto ag uelas atividades de meras identificações e classificações ou a categoria gramatica l. das unidades; ou, ainda, iden-
nos privam de perceber o mais relevante: por que fazemos deter- tificar a função sintática de termos ou de orações, sem
minadas escolhas Linguísticas. O mal, portanto, não está apenas atentar para a função que tais elementos desempenham
no que tais ativida des foca lizam; está, sobretudo, naquilo que na construção e expressão dos sentidos;
elas não nos deixam ver. • fragmentar o texto, retirando dele frases e palavras, sem
Em princípio, não escolhemos uma palavra porque cJa é subs- o cuidado de manter a contextualização original dessas
tantivo ou adjetivo. Quando atuamos verbalmente, escolhemos as unidades;
pa lavras pelo que elas significam, pelo que elas possibilitam que se • reduzir o estudo do voca bulário a questões de sinonímia
diga o que se quer dizer, do jeito que nos convém dizê-lo. Do contn.1- e antonímia;
rio, a fala seria privativa de quem conhece, explicitammte, todos os • não discriminar, pela análise, os aspectos globais do texto
elementos da metalinguagem. Na verdade, é usuário da língua quem e outros pontua is e periféricos;

- 1

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~· .~ '
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omitir a indicação da fina lidade ou <los propósitos ma is tex tos ou, mais especificamente, as razões últimas para ultrapas-
imed iatos da análise; sarmos os limites estreitos de um ensino que não privilegia os usos
• privilegia r as informações dadas explicitamente; ela linguagem., o que implica admitir um ensino que não focaliza a
• concentrar-se num único modelo ele a nálise, de forma a dimensão do texto, do discurso, da interação verbal.
cair numa rotina sem interesse e motivação. E minhas p alavras - que, originalmente, fazem parte de um
Ou seja, o importante é manter o in teresse por um estudo çapírulo do livro Língua e ensino: dimensões heterogêneas (ver
flexível, aberto, amplo, q ue atin ja o que é fun da mental no uso da bibliografia ), são as seguintes:
linguagem: sua função como mci.o de promover a interação entre
as pessoas para cumprim.e nto das mais diferentes funções comu- Basta de tanto ensino centrado em irrelevâncias, em saberes
nicativas. Esse interesse, uma vez ativado , nos torna capazes ele ir inócuos e improdutivos, que 11 iio servem senão para o d ia do
exame. Rnsta ele rantas expecratívas frustracb s, de tantos en-
descobrindo, de ir inventando e rei nventand o cada dia jeitos mais
tusiasmos cerceados, por pa rte de alunos e professores. Basta
significativos de atuar com nossos alunos. de tanto tempo perdido, de ta nro esfo rço , de ranro investimen-
A propósito desse ponto, vale a pena destacar o cuidado tlc to para nada ou para muíto pouco. Nossos ideais de cidadania
não imprimir à análise uma espécie de fórmula , como se todo tex- reclamam por uma escola eficiente: escola que ensine a ler, a
to seguisse, com absoluta rigidez, um modelo absolutamente es- escrever, a esc utar, a interpre tar, a anal.i sar, a pensar sobre a
tive] e fo sse independente de suas condições de produção e circu- linguagem, a se emoc ionar d iante de um texto literá rio. Escola
empreendedora, prestigiada pel::i eficácia de consegu ir prepa-
lação. Um rexro concreto, apesar de poder ser enquadrado num
rar os indivíduos para participarem da sociedade, ativamente,
protótipo q ualquer, q ue o faz ser reconhecido como de determi-
positivamente, cootribu indo para resolver os problemas que
nado gênero, está sujeito a variações que dependem das decist>es ela enfrenta.
dos agentes do discurso no curso das inter::ições. Bem sabemos
como essas interações acontecem de forma ilimitada e em cons- As necessid ades atestada s soc.ia lmente é que deviam definir
tante varia ção. Nossas análises, portanto, devem acomodar-se às oc; programas. A escola precisa te r os o lhos voltados para fora de
condições concretas de cada o bjeto e podem t razer um elemento 'ii mesma, a fi m de enxergar com ma is amplidão o que precisa ser
particular, que se origina na própria particul aridade histórica do l;cito ou quais as competência s que devem ser desenvolvidas para
texto concreto. que todos possam garantir sua qua lidade de vida e sua efetiva
Assim é que as amílises q ue apresentamos nos capítulos se- rarticipação na sociedade.
guintes não têm o estatuto de fó rmul as, de modelos. São apen;ts Muiro mais ainda quando se trata da popul ação menos fa-
propostas - não exaustivas, é claro - do muito que se pode ver vorecida. O s pobres, sem eufemismos, precisam, exatamente, de
nos textos, ou do mergulho que se pode dar desde a sua superfície uma escola qu e os a jude a sair da pobreza, que os ajude a fazer
até o fundo ele seus sentidos textuais e contex tu ais. Espero qu e pl:inos, a ter perspectivas, a desejar melhorias, a lutar por elas,
essas propostas possam gerar mu itas outras, capazes de deixar as a acreditar que elas são possíveis e que a fatalidade não existe.
questões textuais, cada vez mais, no centro da sa la de aula. Precisam de uma escola que lhes ensine que não há um Deus
Para encerrar este capítulo, gostaria de retomar umas palavras que quer a pobreza, muito menos a miséria, nem reserva prêmio
que já expus cm momento anterior. É que elas parecem expressar, pa ra quem sofre mais aqui na terra. Os pobres, repito, precisam
com certa fo rça, a síntese de minha proposta para a análise de de uma escola que lhes ensine a vencer a· pobreza, a encontrar

-
1, 1
caminhos para viver d ignamente, qualifica dos como cidadãos há-
bei s, como profissionais, capazes de a tuar no mercado de traba-
lho, conforme as exigências d e cada época e de cada lugar.
Paradoxalmente, os pobres é qu e têm sido mais lesados no
seu direito a uma escola que, de fato, desenvolva competências .
. ..

Na verdade, a escola os exclu.i, quando lhes ensina o que el.es já Fundamentos para a análise de textos:
sa ben:i ou o que eles não p recisam saber; depois, a sociedade os
exclui, porque eles não sa bem o que precisariam sa ber. Concre-
o foco em aspectos globais
tamente, no campo do uso <la língua, não sabem ler textos mais
complexos, d e gêneros mais especialjzados; não sabem intervir
cm situações mais forma is da comunicação pública, não sa bem
escrever textos ma is fo rm ois, mais elaborados. Ficam excluídos,
assim, de todas as situações em que podi am atuar, d iscutindo,
analisando, solicitando, concordando, refutando, recla mando, pr.im eiro in.teresse, na análi se de rc xros, deve estar
reiv.indicando, exp licando, informando, acerca de suas situações
de trabalho e de vida . Não podem fazer isso, porque não sabem
como fazê-lo, ou porque fora m convencidos de que não sabem.
Mas passaram anos a fio - os poucos que conseguiram ficar -
procurando dígrafos, separando sílabas, s ublinhando palavras,
O or ientado para a apreensão de seus aspectos glo-
ba is, ou seja, p ara o enten dimen to do texto como
um todo, daquilo qu e o perpa ssa por in teiro e que
confere sen tido às suas partes e a seus segme ntos const itutivos.
De fato, pode n8o ter muita relevância de ixar de captar uma
decorando coletivos, classificando sujeitos (eles próprios "des-
classificados"), escrevendo frases, fazendo cópias e outras tantas ou o utra particubiridad e, um ou outro porm enor; mas é de
atividades, que só se justificam no domínio in terno da escola, em i;xtrema importânc ia apreend er os e lementos que definem o
que a lgumas coisas devem ser aprendidas para que sejam sabidas sentido e os pro/J Ósitos globais. Reitero que a compreensão
quando o p rofessor perguntar sobre elas. E Já se vai a oportuni.- ,C!,·lobal do texto d eve ser u ponto de partida e o ponto de che-
dade de suscitar o entusiasmo dos alunos, o possível gosto por gada de qualquer análise.
ampliar suas habilidades linguísticas, por tomar consciência de Em geral, como j:.1 temos referido , as amí lises mais comuns
q uão vasto é o poder das pa.lavras. E os pobres ficam sem mais empreendidas na escola incidem sobre fra gmentos, sobre ques-
esse poder, qu e não aconteceu. Perdeu -se o sabe r, perdeu-se o po-
tões pontualmente loca lizadas o u sobre p3rti.cul aridades morfos-
der " que não foi, mas q ue po deria ter si.do ... "
sintáticas das classes de pa lavras, obscurecendo, assim, a visão
Vale lembrar que qualquer cri.ança, na cid ade, no campo, na
.favela, na roça, qu ando exposta a sítuações motivadoras, que inteira do que é dito e fJor que isso é feito .
lhes despertem o in teresse, é capaz de aprender, sustentam os psi- Entre mu it os dos asp ectos que caracterizam essa visão
cólogos da aprendizagem . inteira do texto, se lecionamos a lguns qu e podem ser obj eto
de c uid a dos especiai s em nossa s aná !ises, co nform e enume-
ramos abaixo.

1
> >

--~
4.1 O universo de referência importância tê-los em vista. Afina l, n lingua- ' Por vezes. os professores se quei·
gem é uma atividade interativa, entre dois xa rn de que, no momenro, não sa·
m1 mais interlocutores, um dizendo a o utro, be111111ais como ensinar a /í11~11a ou
Um texto tem como enquadramento cognitivo entidades, re- o que fazer em sala de aula. :-.lão me
lações, propri edades de um mundo r ea l ou de um mundo fictício. um perguntando ou respondendo a outro, de parece que os professores renham
D esde o início, por vezes já n o seu título, encontram os sina liza- modo que, literalm ente, ninguém fala ou es- razão para se senrirem rão deso·
rienrados assim. Já são tão comuns
ções do universo e m que a seleção dos sentidos deve ser empre- creve para ninguém. Pressupomos seniprc a
as indicações de outros rumos, de
endida. Lem bro-me de uma fábula de Rubem Alves que começa presença de um outro. o utras perspeccivas e, consequen-
Esse princípio p arece extrem amente ba- tcmenre, tle outras atividades! São
assim: Tudo aconteceu no tempo em que os bichos falavam ... O
comuns, por exemplo, as orienta-
segm ento grifado já indica que se trata de um mundo fi ctício, de nal de tão óbvio que é. No entanto, nas au las ções para qu<' se prefira a escrita de
um mundo simbólico, no interior do qua l as informações e ideias de português, ainda presenteme nte, aconte- textos - mesmos c;urros - e se deixe
a cscrica de frases solt<\S. dcspro-
têm que ser entendidas. cem atividades de formar fra ses soltas, p ara
posiradas, dest:ontexrualizadas, ou
Como subpro priedacle desse universo de referê ncia, podemos treinar esse ou aquele ponto da g ramática, de tex tos "para ninguém". escritos ,
ou de escrever textos sem ne nhum inte rl o - si1nples nientc, parn rre ino. ~in ­
proc urar identifica r, rnais especificamen te, o campo socia l-discur-
guém aprendeu a usa r a linguagern
sivo em q ue ele se insere, confo rme ele se d estine aos ca mpos cutor previsto para ocupar o 1ugar do o ut ro treinando primeiro, ou t:omeç,111do
científico, didcírico, religioso, político , a rt ístico, de d ivu lgação, de lado. Um exerc.ício de não linguagem, afin al' . pela p roduçiío de frases para só
depois c hei;ar a faze r rcxros. Qua l-
entreten ime nto, entre muitos o utros. Como regular o que e o co.m o dizer, se não
quer palavra já era lllll r:cxro, por-
Na verdade, um texto ass ume determ inadas formula ções, é
expresso em certos níveis de forma lidade, em certos formatos e ;l sabem os com que m interagimos ?
Em síntese, é de extrema im portâ ncia cm
' que, independcnremenre de wa for-
m a, já trazia um propcísiro e j:i era
.1 um pedaço de uma inrerlrn:uçéío.
suportes n:l dependência das normas, sociais e di scurs ivas, que nossas análises identificar o universo de refe-
deco rrem do univer so de referência e do campo socia l cm que rência ativado e, a partir da í, reconhecer ou-
o evento co mu nicarivo se insere e vai circula r. Por isso é que a tros elementos que defin em a totalidade dos sentidos expressos.
produção e a recep ção social das ações verbais consrirucm verda -
dei ras " rotinas comunicativas" .
Em relação a esse item, pode ser lembrada a qu estão tão 4.2 A unidade semântica
pertin ente da adequação contextual do texto. Presen temente, as
discussões cm torno do born texto têm destacado a primazia da Um texto se desenvo lve em torno de um tema, ou de um tó-
sua adequação a seu contexto de produção e circulação . Com pico ou, ainda, d aquilo qu e, convcnciona lmente, se costuma cha-
a reiteração desse princípio, espera-se, entre outros resu ltados, ma r de .ideia central. Essa uni dade fun ciona como um fio, um
en fraquece r a vi sã o reduzida - tão arraigada e ntre professo res eixo, que faz cada parte, cada scgrne nto convergir para um cen-
e público em geral - de q ue, para um texto ser bom, " basta que tro. Essa unidade é que permite a cla bo.ração de uma síntese ou
ele esteja correto" . Um texto, em p rincíp.io, pode até não estar de um resumo, o ent endin1e nto dos títu los e s ubtítulos, a locali-
correto, mas se estiver socia l e discursivamente adequado a seu zação dos subtópicos, o discerni.me nte> entre as idei.as principais e
contexto de circulaçã.o, é um bom texto. aquelas o utras secund árias.
Ainda no inter ior dessa adequação contextual, me rece Em princípio, é essa unidade temática que deixa o texto
destaca r a questão dos destinatários previstos. É de extrema como um conjunto demarcado, como um terreno delimitado. É

'- ~ ,
1 Jlodc-se perceber n dificu ldade de ela, ainda, que n os leva a procur ar saber: a implica admitir que, acerca do mesmo (o rema), a lgo diferente
que pergunta o texto constitui uma esfJécie vai sendo acrescentado.
cNMI "unid~cle tcrn;iticn" e "essa ar-
de resposta. Faz parte de nossa competência discursiva alimentar a expec-
t1col.1ç.io" cnrre as v~ri;is parte~ dn
rcxto. Fm muitos casos, c:ada P•H.Í· Vale lembrar que, para a unidade cm tativa <leque nosso parceiro de interlocução não vai ficar, indefini-
w.1fo p;ir,·ce um 1exrinho ii parte. questão, concor rem os difer entes rec ursos damente, dizendo o mesmo, ou sej::i, fixado no mesmo ponto. Es-
d,· 11111<1 sequên.:ia, de um enc:adca·
da coesão, os quais vão costurando o texto, peramos que a fila das ideias ande, no sentido de que coisas novas
1111:1110. de um;l cnnrinuiclaclc, <llle, promovendo a articulação entre suas várias vão sendo acrescenrndas, embora acerca do mesmo tema. Ou seja,
110 final, rcsulr.1 na unidade prc1e11
partes, de mane ira que se pode reconhecer contamos com a previsibi lidade de identifi car o que se diz do tema.
d1d.1. Cois.is que podiam. 11111itri
11<'111, ser <'nsinadas. S<'r e:v:{l/,,mrlas
uma sequência de fatos, de informações, de Ocorre que, no texto, tudo precisa esta r cm convergência; nido
1ias ath·id,ul<·s de s,1/a d1• '""ª· faz ideias, de argumentos, de comentá ri os etc. 2 precisa estar encadeado. Assim, a prog ress5o esperada para o de-
pcn.1 ver a qual idade de nlg1111' tl'X·
''"de al uno~ no fin ;d do c11si110 111é-
Um entendimento mais consistente cio senvolvimento do tema pn:cis.1 estar cn1 articulação: os segmentos
dio. h1ltou temfn> dt: t'>rudo ? ponto em discussão nos leva à re levâ nc ia de entre si (por exemplo, um pan-lgrafo co1T1 outro ou com outros an-
reconhecer o ponto de vista a partir do qual tt:cedentes e consequentes ) e todos com o tema central. O resu.ltado
o tema é tratado. O u seja, mesrno restrito a um tema partic ul ar, dessa progressão articulada é :J integração das várias par tes em um
o auror ass u me d t:tcrm in ado ponto de vista, o qua l rnmbém de- todo. Lembremo-nos de que, cli<rnte do que ouvi rnos ou lemos, ex-
f ine as cond ições de sua coerênci a glo b al. Por isso é q ue rcxtos perimentamos a sensação ele que est:1111os d iante de uma unidade,
sobre um mesmo tcm:i podem se desenvolver à volta Je pontos de que somos capazes de n:·co11heccr seu começo e seu fim.
de visrn diferentes. Constitui, p6rtan to, pdtica de grandL: relevância identifi-
Essa unidade temática não é privativa da comunicação t:S- car o plano de progressão do tema, ou o esq uema sob o qual
crita. Os gê neros orais rambém se realizam dentro desses parâ- ele avançou.
metros de unidade, embora, cm a lgumas circunstâ ncias, esses
parâmetros seja m mais frouxos, como é o caso <la conversação
informal. Assim, uma conferência, uma palestra, u111 debate, uma 4.4 O propósito comunicativo
aula e outros eue11tos similares sào sempre em torno de um deter-
111i11ado tema. Nenhum texto acontece sem uma final idade qualquer, sem
Daí que a aná lise dos elementos q ue caracteriza m essa un id::i- que se pretenda cumprir com elt: determinado objetivo. Não é à
de tendtica do texto, ora l o u escrito, recobra um a im portâ ncia toa q ue costumeiramente pergunta mos a que rn nos fa la: "O q ue
fu nd a me ntH I nn exploração dos usos das linguagens. você quer dizer com. isso?" O " qu ere r d izer '' é constitutivo do
d izer; é anterior a e.le.
Esse propósito, que é pa rte de qu alquer ativ idade ele lingua-
4.3 A progressão do tema gem, pode ser ap ontado con10: expor, expl icar, convencer; persua-
d ir, defen der um p onto de vista, propor uma ideia, apresen tar um a
Como vim os, :l concen tração do texto e m de t e rm inado pessoa, um even to, uma ideia, relatar um fato, descr ever um even-
tema lh e dá un ida d e. Evid entem ente, em se u percu rso, esse to, dar uma not ícia, d ivulga r um rcsu.ltado, informar etc. A série
terna vai-se desenvol vendo, o u melhor, vai progredind o, o q ue desses propósitos é praticamente inesgotável. Além disso, eles não

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'
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..._,,..

são mutuamente excludentes: pode-se relatar um fato com o pro- 20-23), que, como outros autores, considera os tipos de texto
pósito de convencer alguém de alguma coisa; pode-se trazer uma como uma questão definida linguísticamente, isto é, por catego-
informação com o propósito de de.fender um ponto de vista. De rias pertinentes ao sistema da língua e não às s ituações sociais e
qualquer forma, entender um texto supõe a habilidade de identifi- às pretensões retóricas que ocorrem no domínio da enunciação.
car esse prnpósito e, por vezes, discernir enrre o que é o propósito Por exemplo, se o modelo de uma carta é definido por seus
e o que são as estratégias para se conseguir esse propósito. propósitos comunicativos, por s ua for ma de composição e apre-
Os teóri cos da argum entação advogam que toda ação de li n- sentação {com b locos consensualm ente estipulados), os tipos se
guagem é, essencialmente, argumentativa, no sentido de que há de.finem por categorias linguísticas, so bretudo aquela s de nature-
sempre, c.lara ou velada, uma pretensão de se conseguir a adesão za sintática.
do interlocutor e ganhar sua concordância. Nesse sentido é qu e se Assim é que um texto do tipo n<1rrativo privi legia o uso dos
diz que não existe n eutralid ade nas atividades de linguagem. Ou tempos verbais pr etéritos, privilegia o uso de exp ressões que de-
seja, nad<'l do qu e se diz é totalmente despoj ado ele alguma inten- notem sequência temporal dos fatos (o antes, o durante e o de-
ção, seja ela clara, declarada, seja ela velada. O povo sabe d isso pois) e a local ização dos agen tes nos cenários referidos, privilegia
quando reconhece q ue alguém falou com uma segunda intenção. a referência a e ntidades, a seres concretos ou abstra tos, entre ou-
Existem elementos verbais e não verbais que servem como pis- tros aspectos. Em outro ripo, o descritivo, os objetos de referência
tas para o reconhecimento de tais intenções {primeiras e segun- apresentam-se parados, estáticos, sem remissão a um a progr essão
das!). Reconhecê-las é alcançar o cerne da compreensão discursiva. tempora l, a uma mudança de tem po, o que vai se refletir na pre-
ferência pelo ve rbo no presente ou no imperfe.ito do indicativo.
Em um texto ex positivo, predominam as estratégias de transmis-
4.5 Os esquemas de composição: tipos e gêneros são de um saber já consubstanciado em um corpo de princípios
teó ricos ou de explicação de um fenômeno, em gera l, apoiado
Os texros obedecem a padrões regulares cm dados reais, m a is ou men os objetivos. As relações de ca usa e
V;dc :1 pena a leitu ra de "Gê1wros
ll.'). t11:1 is: definiç<io e funcionalida- 1 de organização, em decorrência do tipo e, so- consequência são com uns nesse con texto. Lembramos ainda os
Jc", 11111 ca pítulo de livro cm que bretudo, do gênero que materializam. Todos t:extos de definição {A Terra é um planeta), de apresentação de
Mnn;usc·hi (2 010) d esenvolvc com
11 1.lÍ', dcra lbe as noções de tipo e
sofremos mais essa coer\'.50 socia l.: nossas um conceito {Os gêneros textuais são ações sociodiscursivas.),
11.cncro de rexro, hem como :1 s tli- ações de linguagem obedecem a modelos es- ou de uma ideia {A virtude está no meio), represen ta ntes de urn
fcr..:n ç:i ~ fund:lmentais entre uma
tabelecidos linguística e socialmente. saber universa l, cm que predomina o tempo p resente, exatamente
1· t1111r.1 c:.1regoria, sem folar nas
olhc r1".11/•t"~ que foz sobre gêneros Sem entrar em muitos detalhes, pode- como expressão <le algo que é atemporal. Nos textos <lissertati-
l <'X lu ai~ t.: ensino de línguas. Muito mos consid erar que os tipos de texto3 são vos, comumente reconhecidos co1.no opinativos ou de comentá-
provci tt>S~1 também é a lciru ra da
M'l/.llml:i parte de seu livro Pl'odn-
categorias teóricas, qu e nbrangem um con - rios, como um edito ri al, predominam os argumentos em favor de
\'•l" /r"r/111d, análise de gêneros e junto de determinações d e natureza linguís- 11ma posição, com verbos, em geral, no presente do indicativo,
f11 111p11 •1•11S t1f/, onde questões rela-
tica, ta is como aspectos lexicais, sequên cias co mo forma de expressão de um estado permanente de concep-
t u 11i.1<J .1, :i tipos, gêneros de rcxro.
do111 li110' discursivos, ~uporrcs, sintáticas, variações dos tem pos verbais etc. çno do tema - q uase sempr e polêmico -pelo menos no tempo
r 111 1·1· 1n1tr.1s , são rclac iu11aJ:1s ao A propósito dos tipos textuais, pode- da cena discursiva. Nos textos injuntivos, prevalecem as formas
c 11" i110 de lín111111 (ver f) . 145-2251.
mos lembrar a posição de M orcuschi (20 1O: verbais no itnperacivo, uma vez. que são gêneros instrucionais, ou
seja, que trazem instruções de como executar determinad as ações como o texto é composto, é desenvolv ido. É esso forma compo-
ou segu ir <lete rminado programa. sicion al, portanto, que regula o número de blocos ou de partes
Os tipos, reiteramos, são definidos po r propriedades linguís- qLJe um determinado texto deve ter. É essa forma que regula o que
ticas e não são p ropriamente tex tos empíricos (ver ainda .M ar- deve aparecer em cada um desses blocos bem como a sequência
cushi, 201O: 23). Quer dizer, um a descri ção não constitui um cm que eles devem ocorrer.
exemplar concreto de texto qu e circula cm determi nado grupo Por exemplo, e.m gera l, a resenha ele um li.vro deve conter,
social. O que ex iste, o que circu la, de fato, são gêneros de texto, pelo menos, três blocos: a contextualização gera l da obra, a apre-
que, eventualrnenre, podem incluir sequ ências descritivas, mais sentação de seu conteúdo e de seus objetivos, o parecer sobre
ou menos exten sas. Uma fá bula, por exemplo - que é um gênero sua consistêncio e relevância. O utros blocos podem ser eventual-
- pode incl uir (e quase sempre inclui) rrcchos do tipo descritivo. mente incluídos, conforme determinadas ci rcunstâncias, mas não
Um anúncio de venda deu.ma casa (outro gênero) tnmbém inclui, qualquer mn. Não teria senti do incluir rrnma resenha a justifi ca-
norma ln1ente, trechos J c ca ráter descritivo, uma vez que é do tiva de mercado para o preço da obra ou a defesa de deta lhes da
interesse do vendedor apresenta r seu produto . vida privada do autor o u cio ed itor do li vro .
Ou seja, os gêneros é que constituem textos empiricos, é que Vale a pena ter em conta o seguintt.:: nem sem pre é fácil iden-
constituem textos reais em circulação, os quais são regulad os tam- tificar o gênero a que pertence um texto; ou seja, por vezes, é di -
bém por tipos de sequências sintáticas e re lações .l ógicas. São, nssim, fícil reconhece r, com rotaJ segurança, se se trata desse ou daquele
modelos "mais ou menos estáveis", como propôs Hakhtin, embora gênero. É conu1111 ficarmos na dúvida se se trata de um cclitor.ial,
flexíveis (uns mais que outros) e sujeitos a variações contextuais. de um artigo de opinião ou até mesmo de uma crônica. Quase
São clefi11iclos por propriedades sociod iscursivas, diferentemente, :-cmprc, convém recorrer ao suporte pa ra chegar a uma conclu-
portanto, dos tipos, como vimos, que são definidos por proprieda- '>à o. Por vezes, é .ma.is fácil reconhecer a que gênero o texto não
des linguísticas. Cumprem funções comunicativas específicas, quer 1
pertence do que o contrárjo.
dizer, real izam-se com propósitos comunicativos determinnclos e De qu alqu er maneira, a importância de se acerta r, exata-
foc ilmenre reconhecíveis pela comunidade cm que circulam. Dessa ;1 mente, na identificação cio gênero não é tão grande ass im. Im -
forma, os gêneros variam com o tempo, com as condições históri - f1 portante é reconhecer as ca racter ísticas textua is qu e o fazem
cas de cada gru po, o que significa dizer que alguns podem desapa- 1 ca ir nesse ou naque l.e gê nero e não cm outros bem diferentes.
recer, outros se transmudai; outros, surgir. Faraco e Tezza (2003) nos ad vertem de que convém resistir "ao
A verdade é que temos consciência de que nossas ações de desejo de engaverar a linguagem em cl ivi:;ões csr:rnques. Na vida
linguagem e, consequentemente, nossas opções tex tua is não são rt'.al, a linguage m e as intenções costumam se ali mentar umas às
a bsolutamente originais: há um consenso geral so bre como se faz outras" .
uma resenha, uma car ta, um edital de concurso, como se faz a Portanto, a competência comunicativa que se espera seja al-
apresen tação ou a resenha de um livro etc. Ou seja, procuramos cançada pela aná lise de textos deve incid ir, na turalmente, sobre
nos conformar aos modelos preexistentes, já em circulação em o co11hecime11to das particularidades dos tipos e dos gêneros de
nossos grupos. texto. ~1 'a lvez, por essas vias, con:;eguiremos nos convencer de qu e
Esses modelos de gêneros abarcam o que se tem chamado de os conhecimentos gramaticais, se são necessários, são ta mbém
a forma composicional do gênero: trocando em miúdos, a fo rma insufic ientes ..

: 1

---- ~- --
4.6 A relevância informativa Vale a pena, portanto, conceder importância a esses graus de
11ovidade que, em certos contextos, os textos devem apresentar
A propriedade que contempla a rele11ância iuformativa do tex- para que possam ser considerados como de boa qua lidade.
to tem a ver com s ua rnaior ou menor novidade, seja ela expressa
pela forma, seja d a ex pn:ssa pelo conteüdo. Assim, quanto mais
um tex to apresenta novidades, q uanto mais foge a o bviedades 4.7 As relações com outros textos
(formais ou conceitua is), ma.is ele é releva nte. Noutras palavras,
quanto mais prev isível é a interpretação de um texto, menos ele Já fazem parte do dia a <lia ped agógico uma ou outra referên-
é informativo, menos ele requisita a habi lidade interpretativa do cia à propriedade discursiva da intertextua lidade, embora essas
interlocuror e, dessa forma, m enos suscita o seu interesse. referências ainda busquem apoio em noções ba sta nte restritas e
Isso não significa que todo texto tem que trazer, se mpre, um superficia is.
a lto grau de novidade. Os avisos que regu lam a circulação de De fato, de certa maneira, todas as questões eminentemente
veículos n uma cidade, por exemplo, não apresen tam (nem po- textuais, como coesã o, coerência, informatividade, intertextua-
dem apresentar!) nov id ades, nem fo rmais nem de conteúdo. Ou lidade, entre o utras, não ocupam lugares privi legiados nos pro-
seja, o grau de novidad e .req uisitado para um texto é determinado gramas de ensino, por vezes nem m.e smo daqueles das fac uldades
por razões contexrua is. Em cada situa<;ão sociod iscursiva é que se de letras. Além disso, não silo muitos os li vros didáticos que re-
pode avaliar s ua relevâ ncia informativa. O bom texto, portanto, servam espaço para esses tipos de conteúdos linguísticos. Como
é aquele q ue tra z um grau de informa t ividade adeq ua do às suas temos sublinhado, não sem razão, portanto, os conteúdos gra-
circunstâncias de circu lação. maticais - da ordem da morfossin taxe - têm monopolizado os
A imprevisibilidad e que faz subir a relevfü1c.:ia do texto pode estudos da língua, seja ela materna, seja ela estrangeira. Parece
in cidir, como avançamos acima, em aspectos fo rm ais (o texto ex- que basca saber gra1nática, ou, pior ainda, basta saber a que clas-
pressa o mesmo, mas d ito sob oütras fo rmas, ele o utros jeitos) se gramatical uma pa lavrn pertence ou que fun ção sintática um
ou em aspectos do conteúdo (o texto traz novas info rmações ou termo preenche, para ter a co.mpetênci.a textual e d iscursiva sob
ide.ias) ou pode conjugar novidades forma is e nov id ades concei- cujas regularidades nossas ações verbais acontecem.
tuais. De qualquer forma, a relevância do que dizemos assume Vale a pena, portanto, ressaltar a relevância do estudo das
g rande significado na avaliação de sua qu alidade. propriedades ou das regularidades propriamente textuais e d iscur-
O olhar demasiado linguístico, demasiado gramatical com sivas, desd e o fund amental, com a finaljdade cla ra de se apreender
que os professores tên1 ava liado a linguagem dos alunos obscu- o que é essencialmente constitutivo das ações de linguagem 4 • Com
receu o peso da relevância informativa no cálcu lo da qualidade esse propósito, a segu ir, introduzimos o leitor 4
Ex istem excelentes abordagen s d o
do texto. Nlui.tos acred ira rarn (e alguns a in da acreditam!} que cm noções da intertextualidade. O objetivo conceito de in terrexrna lidadc. Re-
basta o texto estar correto para ser born. A ênfase nessa correcão dessa introdução é apresentar alguns funda- meto o le itor a: Ma rcusch i (2002),
Koch (2002; 2004; 2007 ), C har,1u-
privou prnfessores e a lunos de perceberem outra s deterrninacÕes mentos que podem apoiar a análise de textos.
deau e Maingueneau (2004); Di~·
textuais, bem mais relevantes socialmente. Um texto é um ev~nto Não nos cabe, pois, esgotar aqui esse tema, cini (2005), ~faing11 en ca11 (2006);
em que convergem, a lém de elementos linguísticos, outros de or- tão amplo, tão complexo e tão significativo Sant'Anna (1985), en1rc mui10s
o utros.
dem cognitiva e social. na compreensão do que, de fato, representa a

-
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _................__ _ _-L.L~-....... - - - - -nlBLtQTECA_ _ _ _ _ _ _ ___
UFMG - Faculdade de L tras
, _ , ;7; 1 j)J :o;

linguagem 11<1 criação e na sustentação de todas as mani festações uma espécie de cópia do o utro, isto é, seja produzi.do conforme
históricas e cu lturais da ação do homem sobre o mundo. o modelo de outros que se destinam aos mesmos contextos ou
Comecemos por referir a noção mais ampla de interrextua- às mesmas finalidades sociais de uso. Uma notícia, por exemplo,
lidade, aquela q ue diz respeito à ideia de que tudo o que se ex- respeita um modelo de notícia ; por isso, todas as notícias têm
pressa pelas diferentes linguagens remete a toda a experiência algo em comun:1 e são, natura lmente, intertextuais, q uer dizer,
humana da interação verbal e, portanto, pertence a uma grande retomam elementos de outros textos. "Nessa visão, todo novo
corrente de <liscu rsos construídos ao longo do tempo. Nem temos texto em pírico, portanto, é necessariamente construído com
possibilidade de encontrar o ponto de origem desse ou daquele base no modelo de um gênero, isto é, ele pertence a um gênero"
conceito, dessa o u daq uela ideia . Tudo é fe ito uma linha que nun- (Bronckart, 1999: 138).
·1
ca se pa rtiu e qu e, contin uadamente, avança através dos tempos h Em um sentido estriro, têm s ido propostos outros conceitos
e de todos os espaço!; ocupados pelo homem. de intertextualidadc, agora explícita, em oposição àq uela ante-
Nesse sentido bem vasto, situarnos a intertextualidade a111- rior, que, im plicitamente, foz pa rte de rodo e qua lquer discurso.
/Jla, aquela q ue é, portanto, constitutiva de qualquer atividade Nessa intertextualid ade exp lícita - que aparece expressa na
de linguagem. Trocando em miúdos: por essa intertcxtua li dade superfície - pode.m os cnumt.ra r: as a lusões, as remi ssões - mais
ampb , nenhum texto é a bsolutamente origina l, nem pertence por ou menos diretas e, as mais ó bvia s delas, as paráfrases e as cita-
in teiro à a utori a de quem o disse ou escreveu. Nossa voz ca rrega ções, sobretudo a que.las <J llC tra i'.cm a indicação do discurso fonte.
neccssa rinmcnte as vozes de todos que nos antecederam, tenha- Vale ressaltar que ncnhu rna ocorrência de intertextua lidade é
mos consciência disso ou não. gratuita o u é aleatória. Ou seja, sempre q ue nos valemos das pala-
Assim a intertextualidade está intrinsecarnentc presente cm vras do outro, o fazemos com a lgum propósito, ou como estratégia
C<lda evento de linguagem. Na verdade, snstentamos, cm cada para fins de algum efeito di scu rsivo. Assim, podemos recorrer à
evento de linguagem, urna linha discursiva q ue começou não !;ei palavra do outro para ma rcar determinado posicionamento, para
quando. Isso não significa dizer que nos repetimos indefin ida mente, apoiar nossas concepções, nossos pontos de vistas, para dar força
ou q ue não renovamos o u refazemos nossas concepções e nossos a nossos argumentos, como se qu iséssemos dizer q ue não somos
modos de expressá-las. Q uando expomos um conceito, quando apenas nós quem p ensa assim ou diz o que nós d izemos . Também
o reforçamos, ou quando o reelaboramos ou o refutamos - até podemos recorrer à intcrtextua lidaclc explícita para ampliar, p ara
mesmo quando o introduzimos-, esrnmos na complementai; ou até mes mo para refurar o que o outro diz.
' A noçiiu dr i111cncx111a 1idade é
urna das ma is bonir:is, das 111:1is con tinuidade inquebrável dess<1 linha; não nos De q ualquer forma, impl ícita o u explicitamente, a palavra
sig nifü::itivas co11rrih11içiks da li11 - é dada a condição de desconsiderá -la. Ou seja, do outro está embutida cm n ossa pn lavra . Por exemplo, neste
g nísrica 111odcrn:1. (. pena que ";i~
é a partir dos discursos já feitos que criamos, exa to momen to, somente me é possível falar: de intertex tualiclade
muira s noçi\es de g r:1111 ~ ri l':i" n,io
deixe m rcmpo pa r:i <" p roft·ssorcs que recriamos, que ressign.ifíca mos os nossoss. porq ue já tive acesso a outros textos que tratam dessa questão.
ex plora rem a significa<;iio da des- Também se pod e fazer referência àquela Huscamos, n a verdade, a pa lavra do outro para fazer coro com a
co berta dess,1 " linli:i d isn 1rsiva"
q ue no~ coloc:i, a nús todos , 11:1
intertextualidade que decorre da própria pa- nossa e, assim, reforçar nossas pos.ições.
"mulr id:lo do l:umo /nq11e11s", dn droni zação social da linguagem cm uso. As Na prática da produção ou da divulgação do conhecimen-
homem "falador" e mll'or d<J gra n- to cientifico, o recurso à intertextu ali dade é rotina, pois, para
convenções sociais que regulam essa padron i-
de discur~o humano.
z:ição fazem, natura lmente, que um texto seja n definíçã.o de qua lquer o bj eto de pesq ui sa, sempre partimos de

-- ~-~- --
um co rpo de p rincípios já definidos pa r::i esse
•· Um po11 10 4uc poderia ser cxplo-
objeto. Não há saída: nossos textos estão
r,Hl11, no ;i mbito da i11tencx111alida-
ancorados em outros textos prévios, textos
de, t' n qucstiio dos prov~rhi (>S, i11-
dusivnr11cnte em su:1 s vari ctçôcs rc-científicos, literári.os ou do saber comum. As
gi o11 :1 i ~. Os provérbios s5u c111inen-
con exões que se vão esta belecendo emre es-
lt'lllC111 c pol.ifôn icos, intcrrcx t uais,
110 $Cnlldo de q u e remercm p;1ra um ses sa beres é que geram concepções ma.is in- Práticas de análise de textos
hipt' rcnu11çiador, que, por ~mi vez,
rcpn:~cnra a sabedoria popular. Rc-
cnrro.:r a eles nmfere a q11em o fo7 o
tegradas e favorecem um entendimenro mais
global do mundo 6 •
quanto a sua dimensão global
"c~t mmo de membro ele 1111rn con111-
Uma notícia de jornal, publicada pelo Diá-
11idndc" (ver M.;Jingucnen u, 2006:
rio de Pernambuco, de 30 de janeiro de 201 O,
94). T;1111hér11 pode se r útil o i:srudo
do~ slogans, sejam el es do dom ínio com eçava com o seguinte trecho: São Pedro
puhlici1.írio ou do domínio polí-
não deu trégua para os /JOulistanos. N inguém
1ico. FeclrnnJo ess.1s observações,
poderia lembra r o repertório Jus pode entender esse trecho se não recupera os
cu11tos de (adas, ou da~ fáb ulas, saberes que correm pel<is concepções culturais aremos a seguir análises de alguns textos, foca.lizando as-

F
q11 i; :lfrnvcssn séculos d!! ~nu n.:i:1çiio
de certos grupos, ou seja, os textos do saber
coletiva , 1111 rna dcrnon sl'r:açiio clara
pectos g lobais de sua organização e construção. Para tan-
da mais global inrcrtcxt11:1lidade. comum, aquele que atribui a São Pedro a de- to, vamos nos apoiar nos fundamentos teóricos que foram
Q111111ta misa bonita e sig11i(ic11tit•a
cisão de onde, q uando e qua nro chover. É esse apresentados no capítu lo anterior, destacando , assim, a
p111·a além da análise si11/,ílil't1!
saber que nos dispensa de sobrecarregar o que pretensão de <la r maior import:lncia à visão de con junto do texto.
dizemos com informações já sabidas. A metodologia de, primeiro, trazer os princípios teóricos e,
Fazer da intertextualiclade objeto de análise é, pois, exercitar í. depois, realizar as aná lises, pretende ressa ltar <l compreensão de
a exploração da linguagem naquilo que ela tem de mais constitu- q ue nossas análises supõenz um corpo teórico de princípios, a
tivo e relevante, como expressão da inexorável condição humana partir dos qu a is sã o definidos os po ntos mais re levantes e, con-
de seus agentes. sequentemente, são estabelecidas as prioridades de observação.
Por essa merodologia, queremos evidenciar ain<la que as aná-
A vida é indivisível. Mc:smo lises devem ser cio texto, isro é, J evcm apoiar-se nas pa lavras e em
A que se julga ma is dispersa
muitos outros tipos de sinais que aparecem na sup erfície do texto,
E pertence a um eterno diálogo
A tnais inconsequente conversa . <Hé mesmo para, a partir daí, chegar àqueles sentidos que não estão

(M;\rio Quinta na, Pequeno poema didático)


expressos explicitamente. Somente assim podemos fugir a urna aná-
lise feita segundo as impressões de ca da um e, assim, eventualmente
A co111p.reensão de rod os esses pontos - que constituem adi- inconsistente. Aquilo que apontamos como dito no tex to deve estar
mensã.o global do texto - representa uma condição fund amenta l respaldado pelo que, de fato, consta lá, na sua superfície ou nas
para que se empreenda a atividade de analisar a linguagem, em cnrrelinhas. Deve estar autorizado pela presença de uma palavra, de
rodas as s uas manifestaç ões concretas. Tudo no texto vai dar ao uma expressão, de um sinal qualquer. Do dito é que se parte para o
global. Lá é que todos os sentidos se justificam. não clico; ou para os diferentes tipos do dizer implícito.
Va mos às an::llises.

1
---~ --
anense de textos qusnto asuadlmensao global

5.1 Análise do comentário "A mercadoria alucinógena" conforto. protegido pela aparência de razão que Lodos nngem ser sua liber-
dade. Supremo fingimento. O consum idor não vai morrer de overdose dessa
droga. EJe só teme ser barrado nos parlais eletrônicos do imenso festim
psicodélico. Moneria de !rio e de abandono. Ele só Leme passar um dia que
seja longe do seu pequeno gozo alucinado.
Enquanto o consumidor imagina que é um ser racional. dotado cte juízo e
de bom senso. a puDliciclade na rv abandona progressivamente essa ilu- (Eugênio Bucci. vc;.t São Paulo: 29 de abril de 1998.
são. Em vez de argumentar para a razão do telespectador, ela apela para
as sensações. para as revelações mágicas mais impossíveis. A marca de Quanto ao universo de referência
ctücleLes promeLe transportar o lreçiuês para um Lal ··mundo do sabor" e l
. (a) O comentário aborda uma queslélo do mundo real, do cotidiano concreto
mostra o qaroLo-propagancla leviLanclo em outras esleras cósmicas. O ado ~
das pessoas, que eslão inev i. tavelmenLe expostas aos muilos apelos do
çanLc laz surgirem cio nacla violinisL<is e guiLarristas. O guaran,i cm IJLa ~
consumo ele mercadorias. Não se Lrala, porLanto. de um mundo fictício,
provoca visões amdzônicas no seu bebedor umano. que passa a enxcrçJa r ~
um ín(Jio, com rosto pinLaclo de bravura. no que seria o páliclo semblante ~ onde os objetos referidos adquirem conLornos eminentemente simbó licos.
de um tax ista. Seri a o ta l relrigeranle uma versão comercial das l)cberaçiens ;: (b) Se insere no Clornlniodo jornalismo, concroLarnenLe no campo social-clis-
cio Scinlo Da i me? Não, nacla disso. São apenas os l)araLos astrais cJa nova · cursi vo elo jornalismo íormaclor do opinião, que objeliva cleixar os leitores ~
tent!Anr,ia ela publicicla<le. Estamos na era elas mercaclorias alucinóqr·nas. ' mais críticos e conscientes frente a deLormi naclas questões da vida. "
lmaginariamonle ci lucinógenas. (e) Por adequação às exigências discu rsivas próprias desse campo e do ~
Eclaro qu e 11inquém ha ele acredi Lar que uma goma de mascar, um aclo- suporte em que está pul1licado (a revista Veia), eslá expresso com um certo 1
Ci:lnle. ou u111 guaraná proporcionem a Lransm igracão elas almas. Ninguem nível de formalidade, o que impUca dizer tora das formulacões mais típicas 1
leva os comerciais alucinógenos ao pé da IWa. mas cada vez mdis qen1 e da oraJidacle coloquial. 1
se cleixa scch1zir por eles. t que o encanLO elas mercallorias não esta nelas. (d) Os cleslinatários p1evislos são os leilores ~a :evisla, i~entilicáveis como J
mns lora clclas - ea pulJliciclacle sabe disso muito IJen1 Ela salle q11 P esse pErLencentes. em geral. a uma classe. no m1111mo. medianamente Jetiada .~.:
encanto resitle 11a rclacão imaginária que ela. publicidacle, fabrica entre e crfl.ica.
a mercacloria e seu consumidor. Pode parecer um insulLO à inteligência (e) Essa condição dos possíveis leitores jusliíica a opção do autor por um l
tio Lelespoctador, mas ele bem que gosta. É Ludo mentirn. mas é a maior tipo mais elaborado de abordagem do problema e. consequentemente. por t
viagem. l)icl10. /\ julgc1r pelo crescimento clessas campanhas, o público uma seleção vocabular mais espec ial izada e mais distanLe do comum in- :
vihra rio ser LraLaclo como quem se esgueira pelos supermercados à caLa formal A esse propósito. vejamos o Lrecho: O consumidor não vai morrer
de alucinações. de O[lerdose dessa droga Ele só Leme ser banado nos portais eletrônicos do
Por isso .. a pu l)liciclaclc se clespe momenLa nea mente ele sua alegacla luncão imenso festim psicoclélico.
civica - a cio inlormar o compra dor pa ra que ele exerça o seu cli reiLo de
escolha conscienle na l1ora da compra - e apenas oferece o lranse. a le-
Quanto à unidade temática
licicJade eLérea . irrea l e imaLerial, que nada tem a ver corn as propriedades
Jisi cas (ou qurmicas) do procl uLo. A pu bHcidade é a fabrica do qozo 1icUcio {a) Não é cill1cü':PêrCeb-etQ'ú8õ'C:'õíl1·9·;;·~ ,ri·c; ·A"(rieécàCiàíiâ.·a1~cinó58iià~--se·"
- e esl.e go7.o é agrande mercadoria dos nossos l.em pos. conlortavelmonLe desenvolve em tomo de um mesmo lema: a publicidade na tv, delimitado
esconcJida atrás das bugigangas oferecidas. Quanto ao consumidor. com- por uma perspectiva - a de que a publicidade apela para os efeitos mági-
pra satislcito a alucinação imaginária. Ele também está cercado de muito cos dos produtos que apresenta.
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4AAQU aoc.;,JC sj ;· .._.._ . _ ' Ull
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'
·a;)ris pistas para o reconhecimento desse tema. nessa perspectiva. são a fâbiica do gozÓ fJctlcio e este gozo é a grande mercadoria dos nossos 1
t muitas. A primeira e mais obvia delas é o titulo, que já aponta para um
objeto de referência a mercad01ia (da qual a publicidade se encarrega de
tempos, co11Jortavelmenle escondida aLJás das bugigangas oferecidas); de-
pois. em relação ao consumidor: compra satisfeito a alucinação imaginária
fazer a apresentação) e para a especificação dessa mercadoria. alucinógena e está cercado de muito conforLo, protegido pela aparência de razão que
(pelos efeitos que lhe sào atri buidos). lodos fingem ser sua liberdade.
(e) O início do texto sinteLiza esse tema, afinnando que a publicidade na
TV, em vez de argumenlar para a razão do telespeclador. apela para as ~
. .,~~~;. ,?•..!:~:~.~~p~~~-~~~ ~~ ~~,~~,.!:~]~~~.~!!.,~. ~. ~11:~L~~--~.~~~•~•:• ,.N··•· .., • •··~,_v.J nv•m

sensações. para as revelações mágicas maís Ímpossíveis. f


~ Quanto ao propósito comunicativo
(d) Com base no reconhecimenLo desse Lema, uma das passagens mais sig- ~ t ........ ., ~ ~·:,. :\<.:.;:..... .•Jlll•.... ,.. ... ·- .......................~...............",......,.. .,,. • "-'" -0.;lO."«......... ;.;• "'""l
nificalivas do texto é a seguinte: A publicidade é a fábrica do gozo líclícío ~ O comentário em análise Lem claramente um propósito de esclarecimento i
- e este gozo é a grande mercadoria dos nossos tempos. confortavelmente ~ e ele advertência do leitor (mais especiticarnenle, do leitor consumidol). em
escondida atrás das bugigangas oferecidas (vejamos o úllimo parágrafo). Í relação à cilada escondida nas ofertas de produlos de consumo. apresen·
~ -·-~ ·~- ~· J
t lados em peças publiciLá rias que lhes atribuem poderes mágicos e aluei-
"""·..,,_.,.........:.-..:.:.;.,:.;.-_.: ...... ... • ., •• ' . ,.p.-_..;._ •• •.·.·· •• ., ••. , . . . • •• •.•

Quanto à progressão do tema .: nanLes. O autor relorça essa sua pretensão de adverLência qu ando explicita
Q....... ~............ """' .................... .......... l'.l')ll~•,.:•:"<:• ....'1 ••1.............. •........ ,..;.·.· .• ,.,.'' ......... :•;•· ..... '· ... :...•.·(·•·'~" ............ ',.,. . ......,. ·•·•·• •1' • ....... ,. ' ..... ~ ... :... :. . ., • •:• •·.· ••, . ~· !: que, por esse viés aJucinógrno, a publicidade abre mão de sua !unção ,
~ /\ perspecLiva ele que a publicidade é criadora ele sonhos uLópicos conli- ~ f! civica . que é: a de jn/omwr o comprador paJa que ele exerça o seu direito ~

~ nua. primeiramenle. com: ~ ~ de escolha conscienle na hora da comprn e. assim, promete o Lranse. a fe- ~
1 (a) a apresenlação detalhada de alguns objetos em que esse poder mágico l licidade etérea, ineal e imaterial. ctue nada tem a ver com as propriedades Í
pode acontecer: o chiclete, o adoçante, o guaraná. Cada um desses obje- '
tos é apresentado com a discriminacão minuciosa dos elei tos qu e provoca f
fí~ic:~~ou_~-~í1.!!.~G_!~ do prodLJ~<:_---~~--·--·~·~w.· VA~-----~.l
no consumidor: transportar, pela levilação. para ·esferas cósmicas·; fazer ~
surgir do nada; provoca r visões. As situações descritas Juncjo.nam como 1 Quanto aos esquemas de comfJosição
do texto, con fonnc seus t ipo e gênero 1 i
' Ev id entemente, o profcs~or pod e
~e programar par~1, di:intc tk cad:i
uma espécie de argumenLo de sustentação do tema: a publicidade na tv novo gê nero, ex plorar s uas ~a 1-.1c­

l
é a/uciJJógena. Está provado. Taxativamente é realirmad.o: Eslamos na era ··(;Í~;:;d~~~;;;~~~~~~i;ü;;-de~;~ext~·;i~.~~·1 rcrís ri..:a s func ionais e form:i is. As-
das mercadorias aJucinógenas. lmaginaJiamente alucinógenas. naLt vo. pois o autor cu.ida em expressar seu ponto de 1
s im , ,, prnpósiro de 11 111 i:omc nt<írio,
de 1111\a c rô nica, de um tex to expo -
(b) Em seguida. o autor se anLecipa a uma possivel objeção do Jeitor: a vista: apublicidade na lv abandona progressivéll~en - : s itivo, por exemplo, pod e ap rofun -
propaganda não tem todo esse poder. pois Ninguém leva os comerciais te a ideia de que o consumidor é um seI 1acio11al. dar com os alunos as especificida-
des rcxruais d esses exempl:ircs de
alucinógenos ao pé da letra. ou acredita que uma goma de mascai. um dotado de juízo e de bom senso: não argumenta para
tcxros. Com isso, ao mesmo rempo
adoçante. ou um guaraná proporcionem a transmigração das a/Jnas. a razão do telespectador e apela para as sensações. cm que opra por um p rogrnma de

(c} E. imediatamente, já responde a essa objeção com a observação de que para as revelações mágicas mais impossíveis Essa CSt udo centrado em questões tcx tu-

o encanto das mercadorias .não esw nelas, mas fora delas. Esse encanto opinião é sustentada. com argumentos consisten- :iis, pê>e o est udo da gram,ítica nn
lu gar qu e lhe cabe: o d a co tl stru.,:5o
esLá na .relação imaginária que ela, publicidade. fabrica enlre a mercadorÍa
e seu consumidor, o quaJ. Lern consci.ência desse jogo enganoso, desse
Jnslllto à lnteligéncia, dessa menlira. que proporciona a maior viagem.
L&!S, em relação à verdade:ira 1.unção da propaganda
e ao modo como a rv se vale dos dHerentes recursos ----·:i l··
do sentido em textos .

(d) No último parágraio, o tema se mantém pela lotmulação da conclusão. ~b~ ~:~:~m conta osuJJOrte em queocomentarlo foi publicado (a-~i
primeiramente em relação à publicidade como wn todo: (A publicidade é ta VeJeJ), podemos reconhecer esse gênero como um comenlárlo opio ...
embora. como já referimos, nem sempre o reconhecimento do gênero possa v - merece lembrar - resullantes de nossas experiências discursi:v:es 'rui~
ser absolutamente exato. rtores Por exemplo, o autor supõe que sabemos estabelecer certos liames ·
(c) O plano composicional do texto conforma-se a esse gênero: um pon- e. assim. entender por que o guaJaná em lata provoca visôes amazônicas;
~ to de vista sobre urna questão controvertida é apresentado; em seguida, ou quais são os portais eleuônicos do .imenso festim psicodélico Ou seja.
~ poss'.veis objeções são levantadas, para, no final. argumentos relevantes e já conhecíamos muito do que é dito no texto, o que implica a inevitável
i cons1stentes serem defend.idos. Percebe-se um percurso que culmina com condição ele intertextualidade da linguagem.
~ a resposta ao problema considerado. não obstanLe as objeções lembradas. (e) No àmbilo da intertextualidade mais restrita. podemos destaca,r a refe-
(d) Do ponto de vista do conteúdo, o comentá.ri.o em análise aborda uma rência feita ao refrigerante. como uma versão comercial das beberagens do
questão de ordem político-social. alheia. portanto. a circunstâncias da es- Santo Daime. o que exige um conhecimento específico do objeto reterido
f: fera pessoal e privada do autor. Isso justifica a opção do auLor por uma (um chá alucinógeno). ainda há pouco nomeado em uma reportagem da
.[ formulação que, do ponto de vista formal, se caracteriza pela omissão de revista IstoÉ (10/ fev./20l0).
~ marcas (verbals e pronominais) de primeira pessoa do singular
f... :•.•·"-•"'""•'.."•)<f•••:•.-.·•·•·'•'•'......., ..;..,.,•. ,;.........i-..,,,,,, ...... ,. •.• ..,.~..w..-..r•""':•.,.,..,.,..I",.,,..,,_..., ""'•!>t.•.•.•• ,• ..• ' ,,-,··:• ............... '"·, ••,.:-~,..,,.,,., ..,..,._., ••.,.,.,..,.•• ,., ........., ., .........,•• •"'

b.12 Observações sobre alguns fatos gramalicais verificados no


Quanto à relevância informativa comentári.o "A mercadoria alucinógena"
t '·"'"''• "' ,................,.,.~.·•'• .....,...,,.:~.:•"•'•'•'"';•:•:........~~'7:•1>,••""'"~''":'u...:.~·:~--..;·.·········.... .,.,.., ..,.,...•. ,,.•.,,;.,,. '" .,.,.,,~~·,.., ..... ,........., ...,., ....... , .,.,.,,, • ........... ~
:: {a) O comentâ rio não se prende a obviedades. Utiliza metaforicamente o An tes de iniciar estas observações, gostaria de reforçar a ideia
f. universo dos alucinógenos P8:1'ª. caracte1izar as intervenções da publicida- de que sã.o inúmeros os fatos gramaticais qu e ocorrem em uma
~ de, que oferece o tlanse. a fel1c1dade etérea, irreal e imaterial. passagem com a dimensã.o do comentário em aná lise. Não seria
~ (b) O enquadramento do texto nesse universo mobiliza uma série de co- ~ metodologicamente adequado dar conta, neste espaço, de todos
nhecimentos prévios do leitor e oferece elementos para que seja 1 ampliada esses fatos. Tenho que me deter, assim, em um ou outro aspecto
a compre~nsão que se pod_e ter da ~ublicidade. O principal inte.resse do ( mais saliente, na perspectiva integrada dos sentidos criados, re-
come.ntáno -- ou sua nov.tdade maior - está em atenuar um pouco o ~ pito. Isto é, os tais .fatos gramaticais serão vistos como recursos
'gozo alucinado' atribuído socialmente à publicidade e em tirar do foco 1 ou como partes da criação dos sentidos expressos. Vários desses
seus poderes mágicos e encantatórios. fatos já foram explicitamente levados em conta quando analisa-
~ (c) Ness.a.direção: ~autor define ~ara? leitor o que _seria a 'função cív.ica· 1 mos os aspectos globais do texto, o q ue reforça nossa convicção

;~~~;:.i~J~~~;s~e:::~. li~~~,~~~:.:º;;~~~~~~a~;1::::it~=e~: ~:a~~~~e~ê~ 1


~ são ele opinar e advertir ao mesmo tempo, ressalta que a grande mercadolia
0 1 de que não se pode separar a gramática dos outros componentes.
Vejamos, por exemplo, entre o utros itens:

l dos nossos tempos é o gozo fictício propagado pela publicidade (a) a simultaneidade temporal sinalizada pela expressão em destaque entre
,..,. ·'>•. , "'"·•;•.•··,....·.: ...... "' .•,.,................. ,.,."'·', .,., .• ;,. ,.,, '>',...,..,,..,..... ,........ ,..,,-. .....,.,,..,..,......,.,•....,~,,,....,,.,,, .•.•~;•,•"c'I.••'>~~·,......,........"\.... ,...........,..,..............:,... ,"..,;"'"'
o que o consumidor imagina e o que a publicidade 1az em relação a isso:
Quanto às relações com outros textos Enquanto o consumidor Ímagjna que é um ser racional. doiado de juízo
........., ..,.., ' .... '·" ...... '·'·"'·'•'"-··· ........................,....,, ..,........., .........,..,............. "'•' ...... ~"""" ,,............,.~. ...---.-.-.~"]
:"'•. ·-· ,,
~ (a) No âmbito daq11ela intertexLualidade ampla. podemos destacar a conlor-
- e de bom senso, a publicidade na TV abandona progressivamente essa
Ilusão:
~ mação do texto às .regularidades do gênero comenlário opinalivo. (b} a equivalência possibilitada pelas relações semânticas entre imaginar e
(b) ~od~~os destac~r ainda todo o conhecimento que está pressuposto iludir-se é sinalizada pelo uso do demonstrativo 'essa·. em: o consumJdor
1 ou 1mpUcJto e que Já faz parte de nosso repertório de saberes. Saberes imaglns. g;ue é um ser racioaa/... e a TV abandona ~a iluSSo;
- -

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(e} a pergunta retórica: Seria o tal zetfÍgelânte UJna versão comercial das mo uso da expressão "Por isso", com valor conclusivo e como recurso de
beberagens do Santo Daime? Ou seía. a pergunta feita com propósitos de articulação entre dois parágrafos: Par issQ. a publicidade se desoe momen·
apenas interessar o leitor. sem pretensão, portarito.·de·obter u]na'íesposfa. taneillneme de sua alegada funçã o cMca - a de informar o comprador
que, na verdade, já é sabida: para qu~ ele exerça oseu clheito de escolha consciente na hora da compra
(d) o recurso ele uma negativa contundente. taxativa. revelando segurança. - e wnas oferece o uanse. a felicidade etérea. Merece subli nhar ain-
certeza da parte de quem afirma, em: Não, nada djsso; da, nesse IragmenLo, a mel.áfora criada em a publicidade se desoe de sua
(e) o uso da primeira pessoa do plural. em: Esta1nos na era das mercadorjas alegada função cMca (ou seja. não cumpre sua principal função), o que
~ alucinógenas, um recu rso do autor para se fazer incluir entre os envolvidos justifica a ocorrência do "apenas" depois (sem função cívica. apublicidade
~ na questão analisada; na verdade. um recurso que expressa a disposição somente oferece a J.elicidatte eLérea);
~ do enunciador para aproximar-se do interlocutor e !avorecer a interação: (!<) a indicação da mudança de tópico feita pela expressão sublinhada em:
.~ (IJ as marcas de plural do verbos ubHnhado, em O adoçanle faz swgirem do
4

1 Quanto ao consumidm: a propósito. outras mq:>ressões com a mesma lun-


~ nada violi1úslas e guitanislas. Essas marcas favorecem a identificação dos 1 ção poderiam ser exploraclas:
t agentes (violinistas e guitarristas) envoJvidos na predicação de ·surgir': os '
,, ~ (1) a rel omad.a referencial possibili tada pela expressão em destaque. em:
~ termos não estão na ordem canônica (sujeito, verbo, complemento), o que ~ ··Quanlo ao coosumiclor, compra salisteito a alucinação imaginária. O co11-
: poderia dificultar a imerpretação do trecho; por isso, as marcas de pJuraJ ~ swmdor não vai morrer de overdose dessa droga·· (a aluei. nação imaginá·
no verbo funcionam como sinais que indicam a clependência entre verbo ~ ria). Fica evictente aqui a runcionaHclade dos termos hiperonimicos. pelos
e sujeito; 1quais os objeLos já referidos podem ser categorizados e .inclui.dos em um
r (g) O USO, outra vez. de urna linguagem contundente. Cheia de certeza . em: ~ determ i.nado conjunto. O uso do demonsLraUvo é determinanLe para marcar
r
~ É clmo que ninguém há de acreditar /./ Ninguém leva; além ela repetição r essa retomada.
~ '~ •1,•.•:,,;.,...'.1'.1'.•>;~;o;•,
~ do indefinido. a expressão 'é claro' reforça esse parecer de certeza com que , '•" ····•"•'•'• • •• • A · •1• ••• , •• , , ,: 1.,. , '• : , I ""' •'•:• '• o OO'o. 1 .1'•_ •/;1,1,, ... I','- '•••; ... ,,..,.lo'. <'.I ....... ,1,, ,• '• '•'•'• · , .. ., ,,-,>O":.

~ a afirmação é fei ta;


~ {h) o uso de vários pronomes no trecho seguinte. com diferentes referentes 5.2. Análise da crônica "Talvez o último desejo"
~ textuais: Ninguém leva os comerciais alucinógenos ao pé da letra. mas '"'"""'""·'·"""•' .... "" ...... '·""' ..... . .. . . .. "" .... "'' ....... "''"' .. ·'" """" "'"'" '"" '' . . ... ............
' '"~

~ cada vez mais gente se deÍXa seduzir por eles (os comerciais alucinóge-
1 nos). É que o encanto das mercaclorjas não está uelas (nas mercadorias}, . T,; cm o úLT1Mo º"."º . . . 1
~ mas fora delas (das mercadorias} - e a pubUcidade sa/Je disso (do Jato de Pergunta-me com mutla senedade uma moça 1 ~rn~ l1s t:.a qual e o m~u marnr 1
J que o encanto das mercadori.as está fora delas) muito bem. E@ {a publici-
. ~ade)_sa~e que esse enc~n.to (o enca~to das mercadorias) .res1.·de na relação
.. desejo para o ano de 1950. E a resposLa na Lu ra l e d1zei:-lhe que dese10 m1uta
paz. prosperidade pública e particular para Lodos, saúde e clin.heiro aqui em
~

que ela. publ1c1dade, fabnca em:re amercadona e~ consumi- casa Que mais há para dizer?
11magmána
dor (da mercadoria): saber indicar com clareza. em um trecho como esse, Mas a verdade. a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que re-
a sequência referencial para objetos diferentes. sem dú vida, é uma compe- presenta o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo.
tência gramático-textual pertinente; olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara : Te dana!
(i) o uso de uma linguagem informal, com termos da gíria popu.lar. em: É. Sim. te clana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bi-
tudo mentira, mas é a major Viagem, biclw, que revela a disposição do ct1os. ao continente. ao país. ao Estado. à cidacle, à população, aos paren-
autor para se sintonizar com a questão do ·mundo alucinógeno"abordad.a Les. amigos e conhecidos: danem-se i Vou para longe me esquecer de tudo,
no comentário; vou a Pasârgada ou a qualquer ouLro lugar.
' ,.
.,, . 1. 1 . •'1 '"'"'

Isso eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te Tem que cu idar do mundo e viqiar o mundo. e grilar os seus brados de . 'I J.
dana. meu bem! Doravante pode fazer o que enLender, pode ir. pode vol- alarme qu e ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças pre·
~

~ tar, pod G pegar dancarinas, pode fazer serenalas. rolar de bo.rco pelas visfveis e carpir junto com os clemais as desgraças aconLeciclas; não que o
~' ca lcadas. pode jogar Ju tebol. enLrar na lin l.1a Quimbanda. pode amar e mundo lhe agradeça nem saiba seq uer que esse eslúpido coração existe.
~ clesa mar, pode tudo. que eu não ligo1Chegar junLo ao respeilável pú blico Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz - o miste·
i e comun icar-lhe: Dana i-vos. respeitável público. Acabou-se a adulação. 1ioso sentimenlo de !raternidade que não acha nenhuma China demasiado
não me importo mais com as vossas reacôes, do que gostais e do que não longe. nenhum negro clemasiado neg ro. nenhum enle demasiado e,slranho
gostais; nutro a maior indilerença pelos vossos apupos e os vossos aplau-
para o seu lado senUr e gemer e se sa ber seu irmão.
sos e sou incapaz de esti ra r um detio pa ra aca riciar os vossos senLimenLos.
E Lem o pai morto e a mãe viva. L.ão poclerosos aml)OS. cada um na sua
lde l)a ixa r noutro centro, respei tável pú lJlico, e não amoleis o esc ri~Ja que
de vós so liberlou i solidão eslra nl1a. Lão longe de nossos IJracos.

Chegai junto da pátria e dizer o mesmo: o doce. o suavíssimo. o libérrimo E tem a pátria que é coisa que ninguém explica. e Lem o Ceará, valha-me
te dana! Que me importo conligo. pátria? Que crescas ou aurnenLrs. que Nossa Senhora. Lem o velho pedaço ele chão sertanejo que é meu. pois meu
sofras ele inundação ou de seca. que vendas café ou compres ervillias de pai o cleixou para mim como o seu pai já lho deixara e váiias geraçàes
lata. que simu les eleiçàes ou enQulas golpes? Elege quem Lu quiseres. antes de nós passaram assim ele pai a lill1o.
o voto é Leu, o lombo é leu. Queres de novo a esporn e o cl1ic0Le cio peão E tem a ccJsa lciLa pela nossa mílo, tocla caiacla de bra nco e com janelas
gorclo que se lez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o pc1ulista azuis. Lern os cachorros e as roseiras.
de olho lundo? Escolhe à vonlade - que me impo1la o comandc1nte se o E Lem o sangue que é mais y105so que a água e alfl laços que ninguém
navio não é meu? A casa é lua. se1ve-te. pátria. que páLria não lenho mais. desata, e não adi anta pensa r nem dizer que o sangue não importa, porque
Dizer Le dana ao dinl1eiro, ao bom nome. ao respeiLo. à amizacle e ao amor. irn porLa mesmo. E tern os amigos que são os irmãoi:> a(IOli vos. Lão amacios
Desprezar parentela, irmãos, Lios, primos e cuntwc1os. clesnrezar o sançiue uns quanto os oulros.
e os lacos afins, me sentir como filho de oco ele pau, sem comprornisso E Lem o respeilável p(1tJlico qu e há vinle anos nos aLura e lê. e em geral
nem aíelos. entende e aceilcl, e escreve e pede providências e colabora no que pode. E
Me dei lar numa rede branca armacla debaixo ela jaqueira. ficar balancanrlo tem que se ganhar o dinheiro. e lem que se pagar imposto para possuir a
,. devagar para espantar o calor. roer casta nfla de ca ju confeitada sem 1eceio 1 terra e a casa e os l)ichos e as planLas: e Lem que se cumprir os horários. e
de engordar, e ouvir na vilrolinlia porláUl Lodos os cliscos de Noel r~ osa . ~ : aceitar o tralJal 110 . e cu icJar da corn ida e cJa cama. E há que se Ler medo dos
com Arnci e Marília BatisLa. Depois abrir sobre o roslo o (1Ili rno rorna nce ~ :: soldados. e respeilo pela autoridade, e paciência emdia de eleição. Há que
po licial ele /\gatt1a Christic e c1ormir docemenLe do monnaco. ; Ler coragem para conlinuar vivendo. Lem que se pensar no dia de amanhã.
Mas não faço. Queria tanlo. mas não laco. O inquieto coração que ama e se i embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de
assusLa e se acha responsável pelo céu e pela terra. o insolente coracão não ~ ~
amanhã. se a gente o deixasse em paz. se cuidaria sozinho, tal como o de
' deixa. De que serve. pojs. aspirar à li berclade? O in iscrável coração nasceu 1 ~~ ontem se cuidou.
cali vo e só no cativeiro pode viver. O que ele deseja é mesmo servidão e ~ E assim. em voz da bela liberdade. da solidão e da música, a triste alma
Lranquiliclacle quer reverenciar. quer aju dar. quer vigiar, qu er se romper 1
todo. Tem que espreiLar os desejos do amado. e lhe razer as vont.ades. e 1 tem mesmo é que se debater nos culdados. vigiar e amar e acompanha r
medrosa e impole~le a loucura geral. o ~uici~io g~ral. E ad~lar o ~úblico. e
atormentá-lo com cuidados e bendizer os seus caprichos, e dessa subm is- os amigos e menll r sempre que for preciso e 1amais se dedicar a s1 própna
são e cegueira Lira sua única lelicidade. 1 1 e aos seus desejos secretos.
••. ,J\ •.• ,,.•.>:••.. ,...,._._...... -,.., ...,."""'lt ÇJb; .....

1.. \,11 .. rím1~a foi publicada origi- Prisão de sele portas. cada uma com sete techadu- Q uanto à unidade temática
1111ltnc11tc cm Rochel de Quciroi, IaS, trancadas com Sete Chaves. por que Jular con tra ....~-~·--~------
u:1111 Í/n•mfre, 11ma '.'IH/e, 11111 açude. as Luas grades? (a) A crônica se desenvolve em torno da descrição de 'um possível desejo'
H10 de .J:111c1ro: Jose Olympio.
da autora, na passagem d.o ano de 1950. Em resposta a uma jornalista que
I ·.. ··... O único clesabafo é descobrir o mísero coração den-
1

lhe pergunta ·qual o seu maior desejo parn o ano que se inicia·. a autora
1 tro do peíLo. sacudi-lo um pouco e botar na boca toda a amargura do ca li-
• veüo sem remédio. antes de o aposlrolar. Te dana. coracão. te dana! começa por detalhar o que seria seu real desejo. na verdade. um incon-
~ fessável desejo. para. depois. descrever sua rendição aos imperativos do

Í. ...'~:·:.d~-~~··::~.·:=;~~~:~;~~~~~J;:~~~?;~~~!~:o~'.~~~:~. J 'coração'. à ·servidão do amo( que falai mente guia o desuno humano. Os
pormenores desse desejo e as razões pelas quais ele não pod e ser acatado
é que vai marcando, passo a passo. o percurso do texto. 1
.. o;·ir: ,.,•••_........... ,,....... '•'• • ·~·'•"·~·
. ........ -•. ••• ·' '" . . . . . . . : ••• -,.,-,............1•;1. . ·1~, ~
... ~."
.........,, ...., ... ~ ..,~
............... •

Quanto ao universo de referência


,·.·.- ................. ·•:• ·........... -, .. . Quanto à progressão do tema
~ (a) A crônica em análise Lem como de1iniçâo referencial um elemento da 1
f ~~· ~ :~~i;~~;~r~~i~ ~o~ ~~~~~:··~ ~~:1·~:::,~v~~~f1~::~~: qu~·;;;n;~;=~~~~
~ realiclade. concretamente da real idade psicoJógico-aleliva do sujei to -
um ~ 0 1
! desejo do autor para o ano de 19!>0, que começava naqueles dias. Eviden- ~
i temente. o eu do texlO pode referir-se ou não à pessoa lJsica de Rachel de t 1 (b) O ponto de partida é a confissão desse desejo: .. que tudo se danei". üm
~ Queiroz. como pode represenlar qualquer um de nós numa circunstância desejo senLido. mas inaceilavel e. por isso. inconfessável (a verdade verda-
~ semelhante. deira que eu falar não posso). Esse desejo, nos cinco parâgralos seguintes.
~ (b) O texto pertence ao dornfnio da Jileratura. mais especificamenLe da é detalhadamente descrilo. Que se dane o mundo. que se dane o homem
J literatura que costuma ser pu blicada em suportes do jornalismo e que se 1 amado. que se dane o publico leitor. que se dane a pâ.Lria. o dinheiro. o
1. bom nome. o respeiLo. a amizade, o amor. Que se dane a parentela. A cons-
~ destina à abordagem meio despretensiosa. embora literária. dos latos do
! dia a dia. • ciência de que esse desejo não é de todo Jegfümo. pois fere os princlpios
elementares da boa convivência. eslá expressa já no Ululo. pelo recurso ao
(e) Por se tratar de uma crônica literária. o texlo 6Slá expresso em um
advérbio ·talvez': Ta lvez o tiltimo desejo.
eslilo bem cuidado, con/orm e os padrões prestigiados da Hngua. No en-
tanto, por determinações do gênero que materializa (crônica). preclom ina (e) O tem.a avança na coufissão da autora de que ·o seu maior desejo· seria
uma linguagem jnfom1al. próxima dos relatos pessoais típicos da ora li- tomar essa atitude de desprezo por tudo. Mas não o faz. E ai prossegue no ·
• dade coloquial (basta ver a expressão Te dana!, que aparece do começo detalhamento de Lodos os motivos por que não o Jaz, repassando quase
ao fim). Lodos os elementos considerados no bloco anterior: o amado. o mundo, a
pátria. a parentela. o respeitável público ele.
(d) Os deslinalários prevjslos são os supostos inLHessados pela Jileraw-
ra. leitores . .n a sua maioria. pertencentes a um gru po com certo grau de (d} E como aberLura e coroamento desses detalhes, sobressai a ideia dê
letramento. que o desejo de mandar que ·tudo se danei· não é viável porque o.insolente
co1âção não deixa.
(e) O conjunto desses elemenLos leva a autora para uma fonnulação dis-
cursiva mais elaborada e para opções linguísticas mais prestigiadas. dei- (e) Essa ideia da total submissão às leis do corâção é expressa nos frag·
xando. assim, o texto em condições de adequação contextual satisfatória. mento~ O miserável coração nasceu cativo e só no caliveiIO pode viver; 1
PrJs/to,.cJ.e sete parlas. cada uma com sele fechaduras, uancadss com sete

,,
- ~-----
chaves. por que lutar conLia as luas grades?: caUveho sem remédio. Ou Q uanto aos esquemas de composição do texto, conforme
seja, render-se à servidão do amor constitui um destino incorrigível, uma se us tipo e gênero
espécie de sina latal de nós todos. da qual não podemos rugir. Prisfio de
sete portas. cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, .
(a} A ~ÔAf~~~ ~~~s~~· d~·~·;,~·~~it~l·; ·~~;~~Ô~~~·;;;;~~~..(;~~m pri~eira
por quo lutar conlra as luas gracles. pessoa) de um estado de espírito da autora. se constitui nu~a es~éCle. d~
descrição desse esLado. Primeiramente. a descrição de sua disposição 1111-
(Q A aceitação da impotência humana. frente aos imperativos do coração,
cial de-'mandar que Ludo se dane'. Depois, a descrição das razões impostas
se expressa ta mbém no. lragmenl.o: /1a1.ernidade que não acha nen huma
pelo coraçêo. que impede. sob coer?~º· a concretizaça o desse desejo. Ou I
Cllina demasiado 1011ge. fsto é. a 1ealidade objetiva se neutraliza frente à
seja. o texto é eminentemenle descnt1vo. l
incorrigivel serv iclÉio do amor.
(g) Com.o clissemos na abertura clesse tópico. lodo o texto é costuraclo
(b) Quanto ao gênero. se enquadra na ca teg?ria crôn~ca'_: ui~ gêner~ .ªª · t
que surgiu na relacão da líLeraLura com a 1mp1ensa (os pnme1ros cro J
em 1.0111 0 da expressào de um desejo e da imposs ilJilidade de se render nistas recebiam co rno missão escrever um relato dos !atos da semana ~
a eJe. Constitui. assim. uma peca só: razões de um desPjo, cleLalhada- ou dos cos LUmes que marcavam a vida socidl). Daí ·uma ca racterislica j
ment.e descrito. que não pode ser cumprido. por razões que sã o também i
i clisLinLiva ela crõn ica: seu terna são episódios do colidiano. naquilo que i
apresen tadas. eles têm ele deLall1e e que. aos olhos comun s. po- .1
J
(h) A consciência clessa impossibi liclade se 111anitesta. no íinal ela crônica .. dem não significai nada. Aos olhos do cronista.
'· no entanto. esses cJeta 111es se conv-re leJn er.n r·na·Le-
. Como item do progr:1111(1 ,
, ["h \ 1'<1 () professor
hoa O l) <'iÍO seria
um n

com a expressão: Te dana. coração. Ou seja, é melllor entregar-se. deixar


cxplor:Jr com os a lunos a~ car:ic-
que o coração comande. sem queslionamenLos. rial para relatos e clescrições chei os de eslilo. de tcrí~ri.:as dis<.:urs iv:is e tex tuais do
.". ' ·•. '' '· . ... . . ' ' .. . mu ita graGa e ele mu ito enca nlo literário. Ocupam gê ncrn crôn ica, de pois, é d:iro,
.. os grandes ·1ornais brasileiros. con·s·1t'turn
· do ..1)ara de ntúcccr-lhe, opo rr11 n id .1des de
leitura '° aprc.:iação dessr género,
Quanto ao /1ropósito comunicativo o leitor, uma pausa dian.Le das noL1cras dos tristes riio bc 111 reprcs«11tado n:is p.íginas
i, casos. das crises e das tragéd ias. Quase sempre. Ja li rcrn tui·a nm;ional, d\' toda s n~
(a) O texto em aná lise. como vimos. pertence ao clomfnio lilerário e. como ' essas crõn icas se transformam depois em rrvros época~ e estilo~.
capaz. d ~ tntcrc~
1 sar nté 111csmo º' leitores não mui to

.. t.a l, tem urna finaliclade de encantamento. sobretudo: isto é, não Lem pro- , de grande aceitação do pü l) lico in.Leressado pela a fic ionados pe la k irura .

,~--]
1
priamente um propósito informativo ou expositivo acerca de um ponLo con- [(; ......boa escrila . ........... , ••
·-~•.•,>.··•:-•...... :.· ,,.,,,.,,... . . . ........ ,• .. •;
celLual qualquer.
(b) Mais especificamenLe. a crónica Talvez o úllimo clesejo responde a um Quanto à relevância informativa
objetivo de caráter expressivo. cenl.rado na exposição das paJLicuJa1idades. , .............. -. .. v •• ........... ,...:-..•.-e~io• ......,..._ __ _ ,
'•"º"•:.;.,'-'"·'•''•"''••:•'f'•'·'"-'"~'

mesmo eventuais. daquele que esLá com a palavra No entanto. a crônica de "(~)·~~~~:~·;·:~~;;·~ ~·~~."~~·~·rónica em análise está na forma l~o cheia de
Rachel pode servir rJe apoio à re(Jexào sobre a contingência humana. que deLalhes graciosos como é lella a rlescrição do estado de esp1nLo do e.ou11-
é destinada à liberdade. mas. paradoxalmente. se mantém cativa e irreme- ciadoL A sequência em que esses detalhes são descri Los é suflciente p~ra
diavelmente presa às convenções. as razões da própria vida e aos laços que prender 0 l.ei tore para susci Lar nele o encontro com esse inevitável corúhto
vao atando os seres uns aos outros. entre 0 que nos dá vontade de fazet, por vezes. e a coerção natural da vida:,
qu~. nop deixa presos às convenções e normas sociais.

'I'
- , __ _
-~
': -~
Quanto às relações com outros textos
- · - - 41oo, ,,.._,.. ~ .,...........-:.:..;..•.,._,.""''·"'·;•--..:•.-f"~.r1;•

(a) A crônica "Talvez o último desejo·· revela intertextualidade. sobretudo


..••.1.-.•.,.,~.,....:n;~·-•-........,,..,..,,4o0~-"'l~ ...von.: .-o~ ,.., l de que deve esconder o que sente: esta é toda a verdade e deve ser dita
enfaticamente;
no sentido amplo do Lermo. pois se conlorma à configuração esLruturaJ do (c) a linguagem expressiva da con fisst!o pessoal, inserida no domínio da \
gênero e à outra do tipo descritivo-narrativo de um relato. Além disso. são i UteraLura. favorece o uso de meláloras e meton imias, como. entre ~utras: ·1
muitas as referências feitas à realidade física e cultural da vida da auto- · abrir os braços para o mundo. oll1ar para ele bem de frente e lhe dJzeI na
ra, o Que mobiliza o conhecimento do leitor em relação aos esquemas de cara: T~ da.na!: · osangue{. ..) ata Jacas que ninguém desata: a amargura do 1
organização dessa realidade. Analisemos, por exemplo. quanto de outros cativeiro sem remédio: 1
• textos está presente no seguinte fragmento: rede branca aJmada debaixo (d} a inserção de vários segmentos descrilivos na narrativa favoreceu a ~
i
~
da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o caJor. roer castanha
de caiu conleilada sem receio de engordar, e ouvir na vilrolinha porláUI lo·
ocorrência de enum erações, como em: Ao planeta com Lados os seus ho- ~
1 mens e bichos. ao continente, ·ao país, ao Estado, à cidade. à população. ~
í dos os discos de Noel Rosa, com Araci eM'aJJJja Bal1sta. Depois abrir sobre i aos parentes. amigos e conhecidos. A ponLuaçao adotada pelo uso das
'
~ o rosto o ú/limo romance policial de Agatlla Christie e dormir docemente
~ sucessivas virgulas sinaJiza esse ca ráler enumeraLivo do trecho:
~
~ aomormaço.
~ (e) o caráter li.terá.rio da crônica em análise. desenvolvida em Lorno de uma
~ (b) Como exemplos ele i.mertextu.a lidade restrita, pode ser ci.tada a alusão l! confissão pessoal e me.lo esponLâ nea. justif ica o uso rei.lerado da conjun-
~ ao poema de Manuel Bandeira "Vou-me embora pra Pasárgada". além das
j ção ·e· (polissíndeto. como se chama), no trecl10 segu.inLe e em muitas
~ reJerênci.as já leitas a nomes da realiclade arLística nacional. A autora es- ~ outras passagens: E adular o público e os amigos e mentir sempre .que
~ pera que o leitor sa iba reconhecer esses lances de intertextualidade e o
~ for preciso e jamais se dedica1 a si própria e aos seus desejos secretos.
1 signilicado que lhes íoi atribuido. A referência ao poema de Bandeira. por ~ (. ..) E Lem o paL., E tem a pátria: g tem a casa; E tem o sangue: E tem o
~ exemplo, cond iz com a disposição que está sendo descrita peta autora:
1
mandar que ludo se dane! Nada mais coerente. portanLo, que 'Iugir' para
~ respeitável público que .. nos aLUra e fé. e ... entende e aceita, e escreve e
;;
~ pede providÊncias e colabo1a no que pode; E tem que se ganhaJ o dinheiro,
uma Lerra ·onde se é amigo do rei· e se pode tudo fazer.
,,.... - ~- __,...._ .. ,. _.................... ~----..... ...-- ..... -~-· - ..,..,.._~ s
:
e tem que se pagar imposto... Observe-se também o paraleLismo sintático
desse trecbo. reforçado pela repetição da forma verbal 'tem'; o teor quase
5.2.1. Observações sobre alguns ratos gramaticais verificados na
crônica "Talvez o último desejo"
i informal da confissão pessoal em análise propicia a ocorrência de recursos
enfáticos. como os que acabamos de pontuar:
Ao longo das an á lises precedentes, fui pontuando um ou ou- (O a prôclise no inicio da frase. em: Me dei111r numa rede branca. situa a
tro item grama tica l q ue mais diretamente concorreram pa ra os confissão num contexto de informalidade. o que se aiusta à pretensão de
sentidos globais do texto. A lém desses itens, va le destacar, por expor ·sentimentos bem pessoais'. Por sinal. a crônica em análise mescla
exemplo, que: palavras do vocabulário inlorrna l (lhe dizer na cara: Te dana!; vallw-me
1
Nossa Senhora: roer castan11a de caju. adular): com oulras menos comuns e
até eruditas (brado. cmpir. apostrofar, misero), além de construções com.o:
I'
(a) o uso recorrente da primeira pessoa do singular (eu, me, meu, mim), 1.
em todo o texto. condiz com a especificiclade do gênero: wna espécie de o seu pai já J.b.o deixa_ra;
desa bafo. de confissão pessoal acerca d.e sentimentos que parecem. .não (g) o uso do advérbio ·talvez' no título já i nd i.ci a a. desconfi ança da autora
abertamente confessá veis: de que seu desejo não deve ser confessa do:
(b) a repetição e a redundância em: Mas a verdade, a VeJçlade verdacleira (h) há ..:um diálogo na crônica,
t1á um interloculor invocado (o coração). o
que eu falar nao posso, também é coerente com a illlDwsaoda nruradora quG.~S't.ra s1nal1zado no uso da segunda pessoa em: PiisSo àe sete
•liiif!lll!..,.lllJfll"'*
____.... _._ ....... .. ..

portas, cada uma com selefechaduras. trancadas com sete cJ1aves. poI que
lutar contra as lUas gtâdes. Te ela.na, coração, te dan.a!
(i) A crônica nnaliza. enfaticamente. com uma expressão bem populdr.
f
~

~
1 - Não. assim nêo pode ser. CanLar sem a Litu lação devida é um desres-
peito à ordem.
E os urubus. em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que can-
bem Upica das circunstâncias de desabalo ou xingamento; nada mais coe- tavam sem alvaras...
rente diante de um "Coração" que não se deixa domar: Te dana. coração. woRi'.L: Em terra de urubus diplomados não se ouve canto de sabiá.
te dana!
{Rubem Alves. Estórias de quem gos1a dE escrever.
...... ,. <-• ........ .
CorLez Edil.Ora: São Paulo. 1984: 6.1 -6~). J !

5.3. Análise da fábula "Os urubus e os sabiás"


Quanto ao universo de referência
f"'y,,-..,., ....

~ Os uHusus i:: os SM.i1As (~)"ê)"·~~;~o . r~J~~~~";~r~--~ ~-u ~do da riccão. para urn. luga·~ ·~ . ~~ t~J~~~.. i
em que "os bichos falavam", pelo que se sal)e. um lugar ~ um Lempo que 1

~~ Tudo aconloceu nu rna lerra cl istanLe. no tempo emque os bicl1 os lalavoin... não exisliram. Na verdade, essa ida a um ·111 undo que não existi u· é ape- ~
~ Os urul)US, aves por naLureza l)ecadas. mas sem grancles doles para o can- nas um pretexto para se pôr em queslllo algum.elemento do ·mundo que
~ Lo. decicliru m que. mos rn o conLra a na Lu reza . eles 11averiam de se Lorrle:1r existe'. Os animai.s 'falanLes· preencl1 em a representação dos ve:rcladeiros
·'
~ grandes ca ntores. , 'falantes ': nós. os humanos. Ou seja, o mundo fictício que serve de cenário
~ E para isLo lundaram escolas e irnporLaram prolessores. gargarejc1 rc1 m J ao aconLecimento constituí uma metá fora do mundo das decisões insti-
~ dó-ré-mi lá. manrlararn impr imir diplomas, e lizeram compelições entre si. ~ tucionais. onde a burocracia. por vezes. ravorece a negação dos valores
humanos mais inlrinsecamente natura is (Em terra de urubus diplomados
' para ver quais clelos seriam os mais importa ntes e Leriam a permissão de :
não se ou11e canto de sabiá).
mandar nos outros.
(b) Poderia ser considerado como penencente ao domínio da literatura.
Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos.
Afinal. trata-se de uma fábula. Entretanto. a julgar pelo titulo do livro em
e o sonho de cada urubuzinho. inslrulor em inicio de carreira. era se
que eslá publicado, EsLórias de quem gosta de escrever. o Lexto também
Lomar um respeitável urubu Ulular. a quem Loclos chamavam por Vossa
poderia ser inserido no dominio pedagógico. mais especificamente na-
Excelência.
quele domínio que remele para os espaços i nslitucionais encarregados de
Tudo ia mui lo bem aLé qu e a doce Lranquilidade l1a hierarquia elos urubus conferir poderes - los urubusl deôdiram que. mesmo contra a natureza,
foi esLremecidc:i. A íloresLa foi invadicla por bandos de pinLélssilgos Lagare- eles haveriam de se lomar grandes cantores e de legitimar a atu ação das
las. qu e brincavam com os canários e raziam serenaLas com os sa l)iás. pessoas nesses espaços: Cantar sem a lillilação devida é um desrespeito
Ps velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa e eles con- à ordem.
vocara m pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito. (c} Percebe-se um certo nível de formal idade. conlorme a nom1a prestigiada
- Onde estão os documentos dos seus concursos? d.a língua. até mesmo por se LrnLar de um LexLo com pretensões pedagó-
E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imag ina- gicas e por ter como cena a .inslalaçã o de procedimentos formais que. na
do que Lais coisas houvesse. Não t1avíam passado por escolas de canto. hierarquia das instituições. controlam as decisões burocráticas.
porque o ca nto nascera com elas. E nunca apresentaram um diplornd para (d) Os destinatários previstos são os leitores interessados pelas questões
provar que sabiam ca ntar. mas cantavam. simplesmente... inst:itv.g~~ne.is·; das quais decorrem muitos de nossos direitos sociais. Tais

~"' . _.,
...·~1· .:....i
n .:1. 1;1·~
º oll. • ·,~
11 .....;..; , ~ IMJlse de l.eKl.Os quanto a aua dtmens6o global
... .,_
: CIH ji-..
O(. ....

leitores representam. na sua maioria. o grupo que deLém certo giau de 1 (b} Na verdade. há um esquema de desenvolvimento bem claro: uma situa•
letramento. 1 cão de desequilibrio é criada, frente à constatação de que o ·estabelecido'
(e} O conjunto desses !atores leva o autor para uma formulação discursiva 1 (Os umbus não tinham grandes doles para o canto'J não satisfaz. Ou seja,
mais elaborada e para opeões l[ng uisticas mais presLigiadas, (por exemplo, ~ diante dessa limitacão. um confLiLo é cri.ado e uma decisão é tomada: os
enLre muitas outras passagens: E as pobres aves se olharam perplexas. por- ~
que nunca haviam imaginado que tais coisas lwuvesso). deixando, assim.
o Lexto em condições tie adeq uação contextual salislatória.
i urubus (representanLes do poder - eram ·becac1os') decidem tomar-se can-
Lores. e, mais qt1 e isso. institucionalizam (com ·papel passado' e tudo) o
direito de cantar na íloresta. O desJecllo, autorilario e irrncional. ratifica a
' '
'4' • ·""''-•'<7"'>•'·'';·;·:~.;,..:,:,.-:•···'"•'·' 1.a;. ,.
.1 ._.:.-. ·~ .... ,
1

• 1 • , , '·"', • " •. • ,- ·• • • .. • i

ideia de que. por vezes. a vida natural - por mais leg fLima que sejam suas
demandas - perde dianLe das convenções sociais.
Quanto à unidade temática
(c} A SEQuência (temporal ou causal) das acões é indicada linguísticamen-
(a) o percurso da fábula em análise cespeita uma sequência de latos que ~ te. sobretuclo no início dos sucessivos parágralos: Tudo acont.eceu; E paJa
consLiLui o núcleo da metátora criada: a irracionalidade dos humanos. na isto..; Foi assim que. .. : Tudo ia muito bem até crue... : eas pobres aves...; E os
'
avaliação de determinados direitos sociais. se assemelha à dos urubus, \ urubus... Essas mesmas marcas (e a segmentação em parágrafos) também
que. investidos de poder (eram ·urubus becaclos'}. dec idem ·quem pocle ou ~ podem ser v i s~a~ como sinalizações d~s nllcJeos maiores em que o texto !
não cantar na iloresla', mesmo que essa decisã o conLrarie as leis .runda- !
1
se organiza: o 1n1c10 cio processo. as acoes que o desenvolvem. a mudança li
mentajs da natureza. A 'atuação dos urubus' - desd e a sua investidura no it geradora do con ílilo. a reacão'
a essa rnud.ança e o desenlace final. ,t
!lo"I".-·.........
poder até a última decisão - consLitui o Ho que marca o texto, do início l
'' ., ,, > . . . . . . . . . . . . . . - .........

ao fim. i ~ Quanto ao propósito comunicativo


-.••. ,.. .............. --.~.> ........... · - - ..,,.... ~ - ....-. ,....,,......-......___ ~ • --~ .............'" .............. ./",.. ,__.._..., ~

Q uanto à progressão do tema (a) O tex lo. como todas as fábulas. parece ser apenas uma narraliva cuna.
~•"'' .. ,, ... >.'o:J',','o"''f"•'J'•ll·...- ...............,,:,..... y." < '"• 1 ~··-· <~l~......._ ........-;tl·"f'"'--"'"'·"''"·'•••' ........., ...,_.,,_, ..... I•"' ' ........ T.o•l"No',ol-l"l"..''""'''"··h
. sem ouLro grande proi..>ós ilo que .não contar um laLo ou relaLar uma trama
f (a) A progTessão do Lema osLá vlnculada à sequência dos ratos: o proje- " que têm como atores animais personiíicados, numa representação meta-
1 Lo or.iginal dos urubus ou suas pretensões de se tornarem. cantores: (Os Jórica da convivência enLre humanos. Sabemos, no enlanlo, que a fábula,
1 urubus, aves por nalllreza becadas. mas sem grandes dotes para o can- por trás dos episód ios na1rados. pretende fazer 11ma avaijação dos compor-
f to, decidiram que. mesmo cont.ra a naluwza. eles 11averiam de se tomar tBmentos 1Ulnanos e trazec um ensinamenLo, o qu e vem expresso no final
grandes C81ltores); as providências tomadas para que suas pretensões se com a indicação: MORA L
concretizassem (fundaram escolas e importaram professores. gargarejaram (b} No caso em análise. o ponto visado é a prepotência de alguns deten-
dó-ré-mi-fá. manda1am imprimir diplomas. e fizeram competições entre si); tores do poder. que abusam da autoridade para ra:.mr valer suas vontades,
a chegada das outras aves a esse ·novo munclo de urubus canLores': are- mesmo se essas contrariam o que é uma prerrogaliva garantida pela natu-
ação dos urubus por considerarem-se vítimas de uma invasão (Os vellws "! reza: [Os umbusl decidiram que. mesmo contra a nalureza. eles haveriam
u1ub11s entorta.mm o bico. o rancor encrespou a Lesla e eles convocaJam ;; de se tornar grandes canwres". E. como culm inância d.e suas poderosas
pjntassilgos, sabiás e canários pa1a um inquél1lo); o desfecho irracional ~ manobras, em uníssono. expulsaram da /Joresla os pa.ssarin1ws que C81lt:a-
com a expulsão da floresta dos pássaros que. apesar de naturalmente can- I vam sem alvarás... Ou seja. a burocracia das inslitu ições - que por .vezes
tores. não tinl1am documentos que os autorizassem a exercitar suas ap- ~ está travesticla das mais nobres intenções - pode comprometer a própria
tidões (E os urubus, em uníssono, expulsaJam da florest() os passannhos aUrmação das condições humanas fundamentais, mesmo contrariando o
m~~~~~~
"l""' ' tt"rt!tM ..,..
1
1 que é.~s legitimo (o canto nasce1a com elas las aves!).

-~ -
' I' 1
"""""ª*"'411'!4-"

Quanto aos esquemas de composição do texto, conforme Q uanto às relações com outros textos
seu tipo e gênero
r(~j'A'i~t~~l~;l~a li.dad~ 't;é~i~';"é' ~~~e·l ~-~~~';;~·~·l~dos os textos: .cada
'l
f ~~)"D~~·~~·· ;;~;;;·~~-;~:-·; ·~~~'~·~· ~~·~. ~~·~;~~~~·~;··~~~·· •~;·~~~~·~·~ vl;·;~~-~·~;j·~· ~·~• ;.~·~~~ ) um está em relação intertextual com Loclos os outros do mesmo tipo e
t imagrnános. que fazem parte de uma trama maior, a qual Lem lugar num f ~ do mesmo gênero. Além disso. todo o conLeú.do expresso Jaz parte de um
t espaco (a lloresta} e envolve, como agentes. seus habitantes (as aves). . acervo prévio de informações que nos laz reconhecer uma noresta. as ativi-
~ Nessa trama. º.co~re um ~~nflit~ ('urubus· ~ersus as 'outras aves'). cu jo J dades dos pássaros, com suas dilerentes habilidades. e. metaforicamente.
,' desfecho consL! Lui a matena prima para o Jrn al ela narrativa: los urubus! .~ o comportamento de certas pessoas que assumem a liderança em determi-
: em unÍsso110. expulsaram da !/aresta os passarinlios que cantavam sem ~ nadas inslituiçõos. suas arrog~ n c i as e Lodas as estraLégias de que lançam
: alvarás... A predominância dos verbos no pretérilo períeito - desde a i: mão para conseg uir seus intentos. (IOs urubus! fundaram escolas. importa-
! abertura: Tudo aconteceu... - marca a cronolog ia retroativa dos fatos ram professores. gargarejaram dó ré-mi-tá. mandaram imprimir diplomas.
narrados. Esse caráter narrativo também se evidencia no contraste en- Jizeram compelíçôes enue si. orga11iza1am concursos e se deram nomes
tre os parcigraros narralivos (vejamos os primeiros. por exemplo. onde ~
se mosl ra a cronolog ia das ações) e os não narrativos. onde aparecem ,
inlonnaçcies complem entares para a mell1or avali ação dessas ações (veja- 1
pomposos - para ver quais deles seriam os mais impor1.a11tes e leriam a 1
permissão ele mane/ar nos outios). Esse trecho não poderia ser entendido se
não resgat21ssemos aí o conhecimento inlerLextua t que temos dos escrue-
!i
mos o seg uinte parágralo: E âS pobres aves se o/fiaram peJplexas. porque ~ mas que já vimos ou elos quais nos lalara m. ?
...........,.-.,e
nunca JJaviam imaginado que tais coisas lwuvesse. Não haviam passado '
por escolas de canto. porque o canl:o nascera com elas. E nunca c1/Jte-
5.3. l. Observacões sobre alguns falos grarnalica is veri 1icados na
sentaic1m um diploma para provaI que sabiam cantar, mas caniavam.
simplesmenle). . lá bula "Os urubus e os sa biás"

(1)) QuanLo ao gênero, são evidentes as caracterislicas da íábula: a cria- A análist: já realizada accrc~1 de aspectos dn significação glo-
cao de uma narrativa com animais. que. personalizad~s. protagonizam bal da fábu la cm questão já con siderou aspectos da gramática
uma cena Qualquer. em que se pode reconhecer, metaloricarnente. a aLU ' envo lvi dos, como era natural acontecer. Entreta nto, gostaria de
ação de humanos como preLextos para a defesa de um determinado va lor destacar a ind a os itens desc ritos n seguir.
moral. Porma lmente. esse preLexto é sinalizado no tina! com a pa lavra:
MORAL. (a) Em: Os urubus, a11es por nawroza t;ecadas é dada. no lragmento subli-
...J nhado. uma inlormacão adicional: valo consi.derar que não basta identificar
esse fragmento como um aposto - sua função si nláLica: vale chamar a
Quanto à relevância informativa atenção para a função textual do ITagmento: uma inserção pela qual se
... ·~· .... ·....
'; . .. ·' acrescenta uma inlormação que é relevante para o sentido geral do texto
~ (a) O inLoresse despertado pelo lábula em queslã·~ re~id;, --~~~r;~~~ ·;a - os urubus lint1am um poder. aquele simbolizado pelâ 'beca·. o qual,
~ abordagem meta fórica dada à crítica cenLra l: as insLiLuições (e suas 1.e[s} no quadro geral do episódio relaLado. não sig11iticava mui.Lo, pois eles não
f podem. desconsiderar as determinações naturais de seus membros. A re- tinham os poderes orillndos do canto: nesse ponto. vale ressaltar o sentido
. levânc1a remete à decisão do narrador de. concedendo destaque a uma de oposição da conjunção em: aves por natureza becadas.....mM...sem gran-
nova rorma textual - uma íábula - expressar um conteúdo que. se já é des dotes para o canto.
conhecido. parece novo pela formulação que assume. (b) V:oia outra inserção textualmente significativa aparece em: [os uru·
-----.,..-""""'.-...,7,,... . ,. . ."\:.~-~·:o;.;·--U.:•·--------------' but:JillMtJJiam que, mesma concrt1 ft natarezs, eles hsvGiiam de s<a:tomM ·
11111
--=
• • • • • • • • . ..• .., -......... ,,,., ...... ,........
-y.~

grandes cantores; pelo fragmento sublinhado fica expresso que ·as aves (h) o paralelismo sintático dos dois segmentos, o que constitui um nexo
becadas', para realizarem seu intento. estavam dispostas~ a contrariar de coesão:
a natureza; destaquemos os sentidos de oposição (' contra') e de con- (i) o fato de os dois verbos estarem na passiva . o que tira da evidência o
cessão ('mesmo') expressos nesse Lrecl10: esses sentidos são de muita ·agente' causador das ações descritas;
relevância para a coerência global do texto, pois. no final do episódio,
(j) o detaltle de que o segundo segmento (A noresta foi invadida) estabelece
outra vez, a natureza será contrariada quando ·as aves sem alvarás forem
um sentido de 'causalidade' em relação ao primeiro:
proibidas de cantar'.
• (k) o Lato de aindicação do ·agente' somenteaparecer no segundo segmento.
(e) Em: E para ifilQ fundara m escolas. é imprescindível retomar o segmento \ •:•>"-'.•'"•"'''~'°''1•:•:(•·,.,,,, . ,..,.,•••h~ \).'O'~'"•:"''"'"°""''•'-'"~•'-'•,...,:,, ,,.,.~.t-'"'""'"·'•*•'-'"·'""•••V••;•!·•·•"..J'\'"•':•»·.•· .;• i;•,i . ..-,.;11•:••.,.., •;,,•;:·..-.·.•,.....;,~., ..,.,,,.,.. ..:oo:v"•'•'•"""'<'..,.>CY.''llll"'...,.b

anterior 'tornar-se grandes ca nLOres ·: a identificação do elemento a que o


Ou seja, reconhecer os itens gramaticais de um texto - indi-
pronome se refere é fundamental para que se estabeleça a continuidade
cando, inclusive, suas nomendaturas e classificações - é muito
da narrativa : o mesmo se pode afirmar do trecllinho com que se inicia o
pouco; é preciso ir além para identificar as funções textuais que
parágrafo seguinte Foi assjm que eles 01ganizamm concwsos; ou seja. o
esses itens desempenham. Na da acontece af gratuitamente.
que tem relevância. para entender o que é dito. é identi!icar os elementos
Passemos em seguida a um outro texto.
rereridos por esses itens gramaticais:
(d) no trecho: Tudo ia muito bem até Oll.ft a doce tranquiliclade da /Jierar.-
quia dos urubus loi estremeckla, é signi!icativa a locução 'aLé que·, uma
5.4 Análise do texto expositivo "A geografia
lndicação de l empo terminar . emrelação à conLi nuidade temporal expres-
sa pelo uso do pretérito imperleilo em: Tudo jg muno bem;
linguística no Brasil"
(e} em termos de concordância verbal, merece destacar os usos do verbo r.,.,.•,, ,,, _,........•,~. v..-~ ····~· ";···:~:):~:~.~;·:'·~;~:::;;~:;;~:···:~ · ~·~·:~:;~·· ·"'" ··~·. .~. -.-~.,. . u.,·~····-·••"·1
'haver' (como auxiliar ou como verbo principal). com eKigências de con-
corcrnncia diferentes . no trecho: E as pobres aves se olfwram pe1plexas,
porcrue nunca l1aviam imamnado que tais coisas lwuv~_g. Não llaviam É por meio da língua que o homem ex pressa suas ideias. as ideias de 1
i
passarlo por escolas de canto: o uso do verbo como auxiliar também pode- sua geração, as ideias da cornunidacle a que penence, as .ideias de seu
ria ser visto em: eles lJaveriam de se tomar grandes canlores, tempo. A lodo inslante. utiliza-a ele acorclo com uma tradição que lhe
(D em: E as pobres aves se olharam pemlexas, porque nunca .liavjam ima- íoi lransmiLida, e conlribui. para sua renovação e constante transforma-
ginado que tais coisas houvesse. Não JJaviam passado por escolas ele can- ção. Cada Ialanle é. a um Lempo, usuári.o e agente moditicador de sua
lo. porque o canto nascera com elas. E nunca ~1taram um diploma língua. nela imprimindo marcas geradas pelas novas situações com que
para pro11ar que sabiam cantar. mas cantavam. simplesmente, as marcas se depara. Nesse sentido. pocle-se alirrnar que. na Hnqua. se projeta
de plural nos verbos sublinhados funcionam como sinais que conl.irmam a a cultura de um povo, compreendendo-se cuJLu ra no seu senLido mais
manulenção da mesma referência feiLa em ·as pobres aves '; estas marcas amplo, aquele que abarca "o conjunto dos padrões de comportamento.
de plural sjnalizam. pottanto. a coesão do texLo. mais especificamente, sua das crenças. das instituições e de ou tros valores espirituais e materiais
continuidade referencial; transmitidos coleUvamenLe e caracLerísticos d.e uma sociedade.". segun-
(g}em: a doce Lranquilidade da hierarquia dos umbus foi estremecida. do o novo Auréli o. (...}
A floresta foi Invadiâa por bandos de pintassilgos tagarelas. poderia Ao falar. um individuo transmite, além da mensagem contlda em seu dis-
ser explorado: curso. uma série de dados que perm iLe a um inLerlocutor alento nao só

111:
depreender seu estilo pessoal - seu idioleto- . mas também filiá-lo a um Q uanto ao universo de referência
deLerminado grupo
(a) O lexto remete ao mundo da exposição científica, às atividades de for-
A entonação, a pronúncia. a escolha vocabular, a preferência por determ i- mação ou d.e aprend izagem, concretamenLe, à divulgação de noções teó-
nadas conslruc.ões Irasais, os meca nismos morfológicos que lhe são pecu- ri.cas que fundarnenLam e expJícam as variações de uso das lf nguas e sua
liares podem servir de índices que iclentiliquem:

ll
ligação à bistória eà culLura dos povos que as latam. Dessa forma. tem uma
(a} o pais ou a região de que se origina: { lunção cogi1itiva. enquanto assegura a transmissão dos saberes próprios

(b) 0 ~rupo s~cial d~ q~e raz parle (seu grau de insLrucão. sua íaixa elária.
de uma delerminada área.
seu mvel soc1occonom1co. sua ati vi clacle profissiona l); (b) Como convém a um texto dessa naLu reza. a linguagem uli_Hzada pri- '
ma por ser objetiva, atemporal e. pralica mente. impessoal: (E por mejo ~
(e) a situaçã o (lormal ou informa1) em que se enconLra. (...) ~ ii ~
ela língua que o lwmem expressa suas ideias...; Nesse senUdo. oode-.se j
O.Brasil, e~ decorrência elo proces~o- ele povoamento e colonização a que 1 11 afirmar CJUe. .. : Ao falar. 11111 indivíduo Lransmite_.). Ou seja, o enunciador
101 submelldo bem como das concJ1coes em que se deu sua independên· l parece ausentar-se e dar a voz a um outro - universal - . supostamente
eia polílica e seu poslerior desenvolvimento, apresenta grarrdes contrastes ~ conliável, Lanto que as lormulações assumem um caráter de generalização
! ('o ti.ornem·; ·cada lalante'; 'pode-se alirmar que·: 'o indivíduo·, 'o falante')
regiona is e sociais. estes úllimos perceptíveis mesmo em grandes cenlros i'
urr;anos, em cuja periferia se conce11lram comuniclacJes rnan l idas à mar í Essa aJJordag ern genérica do objeto Lam lJémse evidencia pela ausência ele
' '
gem do progresso. uma localização cspacotemporal: as al innações pa recem ser vál idas. inde·
pendentemenLe das circunstàncias particulares da producao do discurso
Um retralo liel. aluai. ele nosso pais leria de colocar lado a lado: execulivos
(dai o uso dos vcrl)OSno presente 1·expressa', ·uliliza·. ·contribui' etc.!; dai
de grandes empresds; técnicos que manipulam, com desenvollu ra, o com-
a opção por re!eréncias nominais genéricas ou indeliniclas: 'um individuo';
pulaclor: operários ele pequenas, médias e grancles indústrias; vaqueiros i
isolados em laliíúnclios; corLadores de ca na; pescaclores arLesanais; plan- i 'o l10mem', ·o (a lant.e'; 'pocle·se aCirmar'}.
(e) Evidentemente. nesse universo, a norma é que a linguagem assuma um
laclores ele mandioca em 11llmildGs rocas; pombeiros que comerciam pelo i
1 caráter de maior lormalidade. BasLa ver o seg ulnle parágrafo: OBrasn. em
serl.ã o: indígenas acullUrados. (...)
decorrência do processo ele povoamenlO e colonização a que Joi submeli- '
Detentores da anligos costumes porlugueses aq ui reelaborados pelo do bem como das condições em que se eteu sua independência política e
comato com outra terra e outras genles ou. já ern acelerado proces- J seu poslerior desonvolvimemo. apresenla grandes contrastes 1egionais e l
so de rn esLiçagem éLn.ica e linguísli ca. esqueci(Jos das origens. es· sociais, estes l.íllimos perceplíveis mesmo em grancles centros urbanos. f,
~ ses l1om e11s e mulh eres guardam, na sua lorma de expressão oral. as em cuja periferia se concentram comunidades JJJéWUdas à ma1gem do pro- ~
l marcas de nossa identiclade lin gui sLico·cullural e a respos La a muitas , gresso. Esse nível de lormalidade se reflete, ainda. no uso de um vocabulá- 1
indagações e a diversas hipóLeses sobre a história e o eslado atual do rio especiaHzado. reslrilo a um deLerminado conjunlo ele leitores: usuário. 1
i português do Brasil. idioleto, entonação. pronúncia. escollia vocabular. construçôes !rasais.
a .. . :
mecanismos morfológicos. indígenas acullwados" . enlce outros.
(Sílvia F Brandão. A geograliA li11guíslica no Brasil.
·1 Esrc 1exro reúne qua rro fragmc11· (d) Os destinatários previstos são as pessoas interessadas em questões de
los diícn:11tcs do li vro da Pruf·•
Sao Paulo: Álica. 199 1. p.b· 17 Adaptado)'1.
linguagem. sejam proJessores. alunos, ou outros prolissionaís, por algum
!.1l\'l.1 13r,tntl iio (fragmentos que ~e ····•'.•··•·•.-.- ..... _._.,., ....
t•n,0111r:1111 entre as páginas 5 e 17).
motivo. atentos a Lemas dessa natureza.
O 1i1 ulo do texto correspo nde :io (e) O conjunto desses itens deixa o texto em análise na condição de intei-
1(111lt1 du livro . 1amente adequado às suas circunstâncias de sua produção e circulaçao.

- -·
111'
- - - ---=-----=-·- -
. . . . . . . . , ......... 41"'

Quanto à unídade temática ~ a muitas fndagaçôes e a diversas /1ipól escs sobre a história e o estado 1
~ atual do português do Brasn. Como se vê. o Lema atravessa o texto -

~·:~~;:,~:i~,·~~~:~~~:~~~~:~;:.~~~~,c~~~::~:~~~;~:',~~.~:~v~!l
do i
· inicio ao íim - assumindo em sua continuidade acréscimos que só reite- j
ram seu núcleo maior.
verdade, Cada talante é, a um Lempo. usuac10 e agente mocl1f1cado1 de sua ,,._ ...... _.(

Jingua. Ou ainda. cada lalame de uma língua contúbui para sua renova-
ção e constante transformação. Essa ílexibilldade se manifesta claramenLe. Quanto ao fJropósito comunicativo
. .
< pois. pelo próp1io discurso. o falante pode ser füiado a um detem1inado (a) O texto expõe alguns princípios teóricos. com a finalidade de lunda-
gmpo. Os falos hislóricos que marcam a constituição de um grupo ou de mentar a argumentação a favor ela ilegitimidade e da inconsistência de
uma naccio, por exemplo. são determinantes para a definição de sua iden- Lodas as apreciações preconceituosas relativas às variedades linguísticas.
tidade Jinguíslico-cul/ural. Não será dilerent.e em relação ao eslado awal
(b) Dessa forma, a exposição desenvolvida tem. ao Hrn e ao cabo, uma
do porwguês elo Brasil. Aqu i reside o principal recado do tex to: toda 1ingua ·
pretensão argume11Lativa. enqua nLo defende a legitirniclade de as línguas
é indissociavel de seus contextos 11isrórico-culturais. Com o português do '.
assumirem fonnas diferentes. conforme as roaliclades tambémdilerentes de
Brasil não é dilerente: os lwmens e mul/1eres que viveiam um cerlo ·pro- ;'
cacla grupo ou comunidade de lalanLes.
cesso de povodmenl.o e colonização· guardam. na sua forma cie expresstto ::
oral, as marcAs de sua ictenlidacle 1inguíslico-cultural.
Q uanto aos esquem as de composição do text:o, conforme
seus tipo e gênero
Quantu à progressão do terna
(a) Em gecal. a compos.ição de um texto do tipo expositivo depende da op-
(a) A prog ressão do lema se dá a parLir da referência à função do uso da
ção do autor para apresentar o conleúdo Lemálíco objeto de sua exposição.
Jlngua: um meio de o homem expressar suas ideias. as ideias de sua gera-
Uma espécie de esquema é segujdo, conforme se pretenda partir do mais
ção. as ideias da comunidade a que pertence. as ideias de seu tempo. Essa
geral para o mais especifico (como aconteceu nesLe caso em estudo) ou
alirmação se1ve de gancho para a inlrodução de um tópico que vai dominar do mais especHico para o mais geral. Normalmente. um Lexto expositivo
toda a exposição: o ratante usa a língua conforme as particularidades cul- carrega uma pretensão explicaliva. o que não apaga sua quase habitltal
turais de seu grupo. que. assim. transparecem em sua tala. como "índices" orientação argumentativa.
de idenlilicação dos sujeitos e dos grupos.
(b) Quanto ao gênero - um Lexto expositivo. com aplicações didáticas ~
(b) Dessa vinculação da língua a suas circunstâncias de uso resulta a he- : - pode-se destacaI o carát.ec eminentement.e explicativo de seu conteú- ;!
Lerogeneidadc desses usos (Cada /alante é. a um tempo, usuário e agente J do. quase sempre aliado a alguma o~e~tação argurnent~tiva, embora. por ~
modÍÍicador de sua língua.) Ct1ega-se. porLanto. à compreensão da 11isLorici- ~ vezes. discreta e sutil, como na re fe re n cJ ~ ª.t~m reuat~ flel .•atual. de nosso ~
dade das 1inguas e daí à análise do que poderia ser um retrato fiel de nosso ~ pais. especialmente no que se relere à 111swna do poiiugues :!
país. o quàl - em decorrência do processo depovoamento e colonização a ~~,,ç~.~A~...VN.,.;.1(_.n;.ol•'";•>'..:i<;ll•l•;.1'»••:-.•(Ji,lo>:.:•,,..•,•'' ,),.~•. • ~11 '" •º·"" "' • .R • ,,.;., -..i-..1 ' " ,.,,, ·'' , ..,,.,, >'l'fo·.-,.,••,,..,,, . ...t.••1 _.,-~ , , ,.....,..,.,,.,, ~..,._,,.,~

que foi submelido bem como rias condições em que se deu sua independên-
cia polílica eseu posterior desen volvirnento - pro piei a a mesUçagem élni-
ca e.linguística de seu povo. além d.e grandes contrastes regionais esociais.
(e) O remate ela abordagem do tema reitera o ponto inicial: na sua forma
de eKpress~o oral. cada povo revela as marcas de sua identidade UngufsU-
Quanto à relevância inforrnativa
(aJo int;~~s~ ci;p-;itaa7r;~i;(.e;L~";;~·~·;;·é í·i·;~..ci~~.º~:··~·.;.~~.·t'~. ctü~'ci.~8~~.
conteúdo e das prelerrsões argumenLat1.vas envolv1.das na sua expos1çao.
As considerações conceituais apresentadas constituem uma certa novida.-
I
co-cullural. No caso brasileiro. negar esse princípio seriá.perder a resposla de e sao oportunas. se temos em conta as concepções simplistas que ainda

Jí .
..,...., _
........... . . . . . . . . .,. 1'•UIY•1'1't

" ····1'".t

predominam na esco'la e até mesmo entre pessoas das comunidades letra- geral com que ·os sujeitos envolvidos· sao retecidos, o queé bem d1féte't'I~é't
das. As variações no uso da língua, sobretudo aquelas de certas regiões ou por exem plo, da referenciação expressa em um Lexto narrativo; a pretensao
de certos grupos, em geral. são vistas. simplesmenLe, como erros e como dedesenvolver ideias teóricas e ele garanti r a recomendada neutralidade da
prelextos para a discriminacão preconceituosa. divulgação cienliJica impõe essa ausência de referências pessoais;
l-~'•'oi'.
. . ' .,,r.;i;-..,.,0..•"N'~"-""'''~""°'''•'!\:1_.,.,,,,,,,......,-''"•'1),•;>~·o·~· • '• •~'1.U•11':f':1\~.•"fll;•;<;Jto:.-M.,.,.~;.';':1,-.,~
(c) o cará.Ler enu merativo e especificador d.o parágralo seguinte, o que mLLito
-•.V,.,,'11;1") .,.., .......... ._... , ' ...,.,,-.'. •' •l'_....

bem se ajusta à intenção expositiva do texlo: Um rellato fiel de nosso pajs atual
Quanto às relações com outros textos
~.:,...,,....,••..•••, ... •:1.>o.>,;o·.(o;.•,..,,,,.:t.A•.1""'''';•,~ "''t 1 '•"-'• ·.,•:'••!' , 11. ••~'• ,,. .•,. .•,'f,1.i.1,.,... .,, ••.-,.a• "'"· •'•~:. '·''' •: ·~·""'•~•'.'lo•.•,:o'.;·•,.,o, •i•;r,.,• /'~~'~""''' •.•a\;•~t;...,,.,,,, ·" "'~''1
teria de colocar lado a lado: execulívos de gmndes empresas: lécnicos que
'. {a) A interLextualidade. em primeira instáncia. eslá presenLe em decorrên- ~ man.ipulam, com deseiwoltura. o comput.ador: operários de pequenas. médias
eia de sua conlonnidade a um tipo e a um gênero Lex lual, reconhecíveis ~
1 e grandes indúsl!1as. vaqueiros isolados em Jal.ilúndios. Qortadores de cana;
em nossa memória de usuário da Hngua Ou seja, como leitores, podemos i J aescadores artesanais: plant.adores de mandioca em humildes roças: pombei-
. recuperar. pela observação de sua composição. modelos culturalmente se- ~ ill1 que come1ciam pelo sertão: indígenas aculwrados; o anúncio de que se
~ dimentados por gerações anteriores de usuários e, ponanto. dísponíveis ~ traLa de um retraw Liel de nosso país juslilica uma enumeração tão detalhada;
_ em nosso repertório de iulormação. Do ponto de vista do conteúdo, é in- (d) a relação de causaliclade do segmento seguinLe expressa pelo vaJor semân-
"1 terLextual toda a ga ma de consideracões que é rei La em relação à história
1 . Uco da expressão sublü111ada: O Brasn, emdecorrência do processo de povoa-
· da língua portuguesa no Brasil (processo de povoamento e. colonização: :1, . menw ecolonizacão a quefoi submetido(...) apresenla gmndes conlrasles; esse
inclependéncia políUca e posterior desen volvimenlOJ bem como ao con- ~ : desLaqueé relevanle Larnbém porque revelaa possibilidadede se criar relações
tingente de tipos que representariam um tetralo fiel. aluai. de nosso pais: ~ '. lógicas ou argumentativas interfJasais Jora do uso das conjunções causais.
executivos; Lécnicos: operários; vaqueiros: corLadores ele cana: pescadores !i '.. , oi~•• ·•· , , •, :,.•.••,';:,,,o'•,•,:, ....... ,.. •, l · 1.•o•:·,f,1,,1, '"•o.\·.•,• " ' ' " • .•• -,-, ·1 1 • • ._,,.,., ·.' .,, • • ,;, ,.,, , .•. ·,• ' ;•;1_,_,,,,. ....,.1,• ..1;.<«-;io

1
artesanais, planLadores de mandioca: pombeiros: indígenas acullwados.
~i (~) Como ocorrência de intertextualidade restri ta . vale destacar a citação 1·
5.5. AnáUse do poema "A missa dos inocentes"
literal do verbeLe ·cultura· em Aurélio. o Dicionário. ~

• ·-'"''- ~......-..,.~. ~~..,..,v.· ..- ...~:;.:r,..,•.. •;•.•1~··,· • ,,,..,,.,....,.. ..,.,_,- • .... ,,,,.,- ,,,.,,., .., ...,, •• , • • ~ A MISSA DOS INOCENTES

5.4.l Observações sobre alguns Jalos gramaticais verificados no Lexlo Se não lora abusa r da paciência di vina
expositivo "A geografia linguística no Brasil" t: u maneiaria rezar miss<J pelos meus poemas que não
!conseguiram ir além da terceira ou quarta linha.
Destacando mais espccifica menrc outro item da gramática, Vflimas dessa mortalidade infanLil qu e. por ignorância dos pa is.
podemos ch amar a atençã o para, por exemplo: Dizima as mais inocentes criaLUrinhas. as pobres..
Que ti n1am tanto azul nos oi lws.
~ (a) o us~·de ~~-;~cu rso de ênf~~;·pr~~-~ nte na const;~ê~· ::1t";~;· 1~-~j;·da M

Tanto que dar ao mundo!


· língua flM o homem exp1essa suas ideias": de fato. di zer que ·o homem Eu mandaria rezar o réquiem mais profundo
~ expressa suas ideias por meio da lín91iagem· é menos contundente. tem Não só pelos meus
,: menos forca; vale salientar que não basta ser liel ao conleúdo: é preciso Mas por todos os poemas inválidos que se arrasLam pelo mundo
~ eslar atento às intenções pretendidas: a ênlase, quando se quer sa lientar a E cuja comovedora beleza ulLrapassa a dos outros
i consistência de um argumento. é lundament.aL Porque esl.á. antes e depois de Ludo,
~ (b) o uso reiterado de expressões relerenci.ais que não especi ficam muito de No seu inaUngi vel anseio de beleza!
i quem estamos falando: 'o homem". ·cada falante', ·um indivíduo', ·povo·.
(Mário QuinLana. Qiúnlana de Dolso. PorLo Alegre: L&PM, 2006. p. 92)
1 Ou seja, o que deve ser observa.do é o carater um Lanto quanto neutro ou
- --
11111
--- - -
1OH - - - ~-~
~H de textos - tu ndamentos e p1f

Ames de qualquer tentativa de análise, vale ter cm contn que Vale lembrar o desabafo de Ba.~~eira e seu apelo p~ra que assumisse-
o poema constitui um gênero literário hem particular, sob rerndo 1t mos uma formulação menos ng1da, quase coloqurnl. como acontece
na sua forma de composição, que tradicionalmente se opõe à pro- í
no poema em apreço.
sa. Além disso, a função poética predominante nos poemn s res- i
(d} Os destinatt1Tios previstos são todos os leitores e nenhum em particular.
tringe nosso olha r sobre eles: procurar usufruir das emoções que
Em tese. os destinatários da poesia são lodos que queiram se dar ao luxo
provocam, pelos jogos de sentido provocados, pelas metáfora s
de curtir o prazeJ de encantar-se com os jogos artísticos possibilitados
criadas, pelos efeitos de harmonja criados a partir da sonorização
pelas palavras.
de seu material linguístico. Longe, portanto, de tomar os poemas
- textos curtos, em geral - para identificar substantivos o u ou- (e} o conjunto desses itens oeixa o texto em análise na condição de jntei-
tras classes de unidades linguísticas. Nem mesmo o puro entend i- ramente adec1uado às suas circunstâncias ele sua produção e circulação.
mento do poema é suficiente. Isto é, 'ler', apenas, um texto dessa
natureza é pouco. é preciso sent i-lo.
Que prá tica de análise de poemas na esco.la concorra pa ra o
;:i Quanto
...._, à unidade temática
descnvolvirnenro dessa capacidade de o leitor pen etra r no mundo
do sentimento, no mundo do simbólico, do gosto e do cncant;1 -
a} A unidade t~má Lica d~ poe~1a 0~1 an.áli;o ó d~d·a p~I ~ ·a·n~Jog.ia ~;itr·~···~
menro estético. os poemas pensados e que-ridos. mas inlerrompjdos logo no seu começo ~
(os poemas inválid os) e as c1iancas mortas prematuramente. A imagem da ;
Quanto ao universo de referência morte mobili.za. os esquemas do domíni o religioso. e o poema passa a girar .
em torno de dois eixos: o da infância - (as mais inocentes criaturinhas) e
(a) O LexLo Lem corno enquadramento o contexto da literatura. o universo. o da morte (rezar missa. réquiem. paciencia divina). eixos que convergem
por excelência. das represent.acões simbólicas. das visões metafóricas. das
na referência a mol1alidade infantil e que já são anunciados na (ormulação
comparações e analogias que se esgotam na tinalidade maior de. simples- ~
r
do titulo A missa dos inocentes.
mente. encanlàr.
(b) A ancllise do lflulo já resLringe o espaco onde encontrar o núcleo das
'
......_ . . _ ___ J
_...,_._....~----.,..._......

~ imagens. da realidade simbolizada. Por um lado, a expressão ·a missa'. Quanto à progressão do tema
1 já nos encaminha para o domioio religioso; a outra. ·dos inocentes· nos (~j O..te~;, 1;~ j~~~ge~ do poeta. percorre um curso que v;Í..do~~;~~~ ~~Ó~· ,~
, sugere qualqu er coisa ligada a in(ância. provavelm ente. De rato. na in -
prios poemas (meus poemas) até Lodo e qualquer outro {todos os poemas '
terpreLação meLa(órica do poema, ·os inocentes'. as criancinhas, são os
inválidos que se arraslam pelo mundo).
poemas que não conseguiram ir além da terce.ira ou quana .lintia. e que
tiverem. portanto, morte prematura. A 'missa· rezada é por eles, Vflimas (b) Em princ.í.pio. o larnenlo se csLencle a Lodos os poemas crue tiveram !
dessa morlalidade infanUJ. morte prematura; pretende-se mandar rezar missa. rezar o réquiem mais !
(c} o grau maior ou menor de Iormalidade da linguagem de um poe- profundo por eles. No final. o poeta exalta esses poemas não consumados. !
ma depend e de muitos !atores, inclu.sivamente da vi.ncuJação da sua exatamente por eles não terem assumido os !'imites de nenhuma Jonna.
produção a um a determinada escola literária. O projeto literário do concreta e poderem representar, assJm, a beleza pJena Ou seja, os poemas
Modernismo brns tl eiro propôs um relaxamento .o.os n1veis mais altos vítimas da mortalidade i_nJantil acabam por consLituir uma comovedora be-
da tormaJi dade linguística que marcaram escolas literárias anlefiores. leza que ultrapassa a dos outros já existenLes.
--------------------
:591F

Quanto ao propósito comunicativo Quanto às relações com outros textos


-------------·--.........-...."r.'t'!.~··~~.----
(a) O propósito fundamental de um poema não é iníormar: não é expor
- -------
(a) A intertextualidade mals ampla está na própria co:ofom1ação d.o texto
um conLeúdo. tazer uma advertência. ~ - seguramenLe. como já irisamos. às regularidades do gênero poema. A memória das experiências de leitura
despertar no leitor o prazer estético pelo jogo artístico das palavras e pelas ~ 1
prévia nos taz reconhecec aí uma amostra do interdiscurso em circulação. •
imagens evocadas por esses jogos. 1 (b) Como ocorrência mais restci.La de inte1textualidade. podemos referir as
• (b) Entretanto. um poema- ou qualquer outro gênero liLerário- pode preen- 1 alusões que são Jeitas e que são dadas corno supostamente conhecidas:
j
';i
cher uma [unção argumenlatlva. por exemplo, na delesa de um ideaJ social ou 1.
~
rezar míssa, rezar o réquiem mais protundo, pelo menos no inLerior da cu!·
l poUtico ou ainda como instrumenlo de denúncia frente às práttcas sociais que ! Lura ocidental. o primeiro verso. Se não fora abusar da paciência divina é
r" ameacam as liberdades individuais ou os direitos de grupos e comunidades. .
. uma clara reuLilizacüo de uma expressão que. habilualmente. antecede a
"!í (c) No caso em anáJise. pode-se perceber um Cio de renexã.o que exalta a Jorrnulaçã o ele um pediclo mais polido.
,. suprema perfeição ou originaliclacle do que ainda não ga nhou forma Porque
está. aotes e depois ela LUdo. No sw ioati11gível anseio de beleza. Parece
s.~.l. Observacões sobre alguns laLos gramalicaís verilicados no
poder-se reconhecer uma espécie de melancolia JrenLe à constatação de
poema ''A missa dos inocenles"
que a concretude da vida. se érea lizaçao. também é lirn ile. A beleza supre-
ma esLá. exatamente, no 'inalingível' . naquilo que aincla não é. Osonho. o Algumas peq uenas observações pode m ser fe iras. Por exem-
projelo parece ser sempre mais encanlador que a realidade concreLa. pl o, ve ja mos : ~ ~---~

Quanto aos esquemas de cumposição do texto, conforme


t~~pov: verba;~~:~r:~ados< ::~:;1~0 m.m
(a) a correlação enLre os abusar i
da paciência divina / E'a mandaria_ rezar mjssa e_ciue se confirma na reite- ;
seu tipo e gênero
ração de mais adianle: Eu mandana rezar o réqwem:
(a) Esse poema poderia ser reconhecido como do Upo descritivo: o objelo (b) o sentido de adiç.ão expresso pelas expressões sublinhadas em: Não só
são as impressões do eu lírico frenle a seu o!fcio ele lazer poemas. uns não
pelos meus. Mas por Lados os poemas jn válidos que se arraslam;
abonados. outros morlos premaluramente.
(e) o uso dos ponLos de exclamação. no final de dois versos (inclusivamen- ,.
(b) O gênero. é claro. é o poema. organizado em versos. diSlri!Juidos numa
te. no último), o que se ajusla muito bem ao caráter expressivo do poema: 11
única esLrofe. O poema em análise não explora os recursos da rima ou
outros mais comuns em produções de escolas li terá rias não modern istas. (cl) o emprego elas expressões sublinhadas. em cuja /dos poemas/ como-
!!:............ ,, ............. -..,.,,,,.,,,.,.,..
... ..,,.,,._.,•.., ... .......... ,,._.. .._........
' _ '' , - ....... .................... .
._ •,;,
vedora /Jeleza u/Lrapassa a cios outros I Porque eslá. anles o degoís de
wdo; o uso do rclalivo ·cujo' lern se restringido <l contextos mais lormais.
Quanto à rei evância informativa
e tem suas especificidades. aqui respeit.adas (não vem preced ido nem
(a) O inLeresse despertado pelo poema não decorre. simplesmenLe. de seu i í segu ido de arligo, concorda em gênero e número com o substanlivo que

conteúdo. Decorre da beleza e da graça criadas a parlit da analog ia entre i~. ·\ u1e segu e); a exp ressão anles e depois de tudo é ca Legórica. não cleixa
poemas que não conseg uem ír além da Leiceíra ou l]Uarla linl1a e crianças r margem a qualquer senão:
Vítimas dessa mortaliclade iilfanUI que. por ignorância dos pais. Dizima as (e) o uso do dimlnulivo em as mais inocentes criatw1nhas tem um valor
mais inocentes crialUrinhas. Essa analogia é apenas um pretexlo para se ' elaramente afeli vo
i :m 11a~~n.. ia com a analogia c~ada enLre os poemas
abordar aIdeia (meio melancólica} ele quea beleza maior está no inati ngivel. 1 nao escritos e as cnanças vitimadas prematuramente.
..,...........,..._.•
_~ .. ,,., .

(D Ou seja, mesmo um poema, escriLo, sobreLudo. para ·encanta r' nao pres-
cincle - nem poderia - das dete1minações gramaticais. Todas as ativi-
dades da linguagem se fazem TAMBÉM com gramática; mas '"se não fora
abusar da paciência dos meus leitores", eu diria que nào se fazem APENAS 1:
com gramática. I

r•~"'fVo'• ~ • ··'-'• · ._, -·•:"".• .,


g
';t
Fundamentos para a análise de textos:
En fim: o que p retendemos com essas a nálises foi propor algu-
mas a lternativas de como explorar textos, na perspectiva de seus o foco em aspectos de sua construção
aspectos gl.obais. Con10 d jssemos a nteriormente, tais a lternativas
não assu mem o caráter de receitas ou de fórmu las rígidas. Outras
formas de ver o texto, de compreender seus mecan.ismos <le cons-
trução, de entender suas estra régias para a prod ução do sentido
e a expressã o de intenções, outras formas,
' Vale a pt:n;1 a lcir11r;1 de m11il'Os repito, podem ser dcscobcrras ou rci nventa- udo o q ut.: pretendemos explorar neste capítulo concer-

T
out ros livro~ q ue 1·G111 se ~ve111'11rn ­ d:.1s pelos professores. O funda m.ema ! é quc
Jo nessa l:1 refa de propor :in(iliSl'S ne à construção, à arquitetura <lo texto propriamente
de textos. Lembro. p<>r exemplo: o texto - na s ua composição, na construção dita, ou seja, às opções d isponíveis no quadro das re-
~loinguenca u (200 1); hlr,1co e Tc1.· de seu sentido e de scus propósitos - venha
7.:1 (20 0 2. 2003), Disc i11 i (2005),
gula ridades textu ais p ara fozer sub ir as pdrcdes de sua
p ~1 ra o centro da sala de au la, texto onclc,
Koch e 1:.lias (2006). lbri (200 1, sustentação.
!001.}, llari e Basso (2006); .\llar- apenas onde, os r ecursos do léxico e da gra - Como na co nstrução de um ed ifício, é preciso que se sa iba
n is hi (20ll8), Gil c:1 ,i/ii (2009), mática encontram seu pleno significado 5•
i\ ba urre 1•/ .ilii (20 08 ); cnrrc (>lllTOS. como se jun tam os vários elernen tos, os vários materia is que hão
de resultar num tod o coerente, pensado para desenvolver certas
funções. A quesbio maior, no entanro, não é junta r as partes,
dar-lhes uma junção; é fazer com q ue dessa junção resulte um
todo funcional, com sentido e propósiros claros, de forma que se
reconheça um propósito com unicativo, uma proposta de intera-
ção, uma negociação de sentido, uma ação de linguagem, enfim .
Em s uma, importa responder às seguintes questões:
• que recursos existem pa ra que se possa co nsegui r a cons-
trução do texto, seu <lesenvolvimento, sua armação?
• compor, construir um texto supõe que tipos de ações, de
providências, de decisões, de recursos?
• os textos - sobretudo aqueles 'não mínim os' - contêm
uma sucessão de segmentos: parágra fos, perío dos, o ra-
ções, palavras . .Nlas como da r uma arrumação, como es-
colh1,;r uma sequência para es<;cs segmentos?

1 ':j
- - -
Insisto em q ue, na maioria das escolas, essas nã o são questões 6.1 A coesão e a coerência
que se propõem para os a.lu nos nas suas ati vidades de leitura e de
escrita. N os ciclos mais avançados do ensino, a classificação das A coesão é uma das propriedades q ue fazem com que um
orações, por exemplo, ocupa muito ma is tempo do q ue a explici- con junto de pa lavras funcione com o um texro. Qu er dizer, para
tação daquilo que é preciso sa ber para ler e escrever com sentido que um grupo de palavras ou de frases constit ua um text o, é ne-
claro e ben1 expresso, com info rmações relevantes e adequadas às cessá rio q ue esses conjuntos apresentem um encadeamento, um a
condições dos interlocutores. articu lação, elos de ligação, afina l. Dessa arrumação art iculada
A saíd a para esse tão grave i m passe - que se a rrasta resu lta um fio que confere ao conjun to sequência , conti nuidade,
há tanto , t anto tempo - é trazer as quest ões textuais para un idade.
o centro do ens ino. É co nstru ir à vo lta delas o núcl eo d os Essa conti nuidade transparece já na superfície do texto. Po-
p rog ramas de ensi no. E a[, têm pr imazia no pl a neja mento dernos reconhecê-L1, form al mente, em seus d iferentes tipos de
de estudo as p roprieda des, as regu laridad es de co 1zstru ção nexo. Até podemos contar alguns 1nui tos desses nexos.
e recepção dos textos, o que signi fica a d- No entanto, essa contin uid ade se estabelece pela articulação
'Exis tt·m ::Hualm enrc n111ita' o brn s
mi t ir q ue teria pr im azia o entendimento dos sentidos, sobretudo; que r dize r, é de natu reza semântica, pois
que Wlt:\111 dC'SS:lS q ut·srê>CS da COl' · de como acontecem, na vida real das pes - provê a continuida de do sentido q ue o texto expressa , a continu i-
s ão e da t:ocrência 1cxruais, ohrn'
soas, as atividades de linguagem, o qu e dade das ações de linguagem que o te xto real iza.
de fáci 1 rH;,·~so pn ra o s professo-
res . Alé111 di s~o. r1 lg 11ns li vros di · elas fa zem para a tuare m verb a !men te Ou seja, a coesã o visíve l funcion::i como marcas d a coerência,
d:íticos - sob re tudo a4ue lei; para umas com as out ras. como sü1ais o u com o inst ruções para o cálcu lo de a lgum tipo
o ensi no médio - i•í 1r:izem boas
considcrnçõcs acerc:i dessas rro·
Essas considerações parecem d ispensá- de interpreta bilidadc possível. Por isso mesmo, a coesão é mais
p ried adt'S t"t·xru ais (ver, por exe 111 · veis. N ão são, no entanto, se nos da mos oo ti pica mente linguística do q ue a coerência; isto é, se materi aliza
pio, Ahaurrt· C't ai. lOOX). Rcmcro, traba lho de procura r saber o que, de foto, nas ocorrências de vários recursos morfossintáticos e lexicais, ou,
pois, fü lc:itorcs par:1 consu lta, eu
tre o utros , :i Koch ( 1993), J Koch a inda aconrece nas salas de au.la desse Brasil nou tros term os, se faz pel a mcd.iação d as relações semânticas en-
& Travag li:1 (1 9961; ,1 Jfo.:h e Eli:1s afo ra (por razões que não esbarram apenas tre pa lavra s e catego rias gra maticais.
(2006); a Bronckarr ( 1999), a Cosrn A íntima ligação da coesão com a coerência decorre do fato
nos professores!}.
\1,11 (199 1; 2000), a l'v1:1i ng ne n(·au
(200:1), a ;\ I Hllll<~S ( f 996 , 2005), :1 Vamos, pois, ex plicitar os modos de fun - de ;1mbas estarem a serviço do caráter semâ ntico do texto, de sua
Discini (2005), a 1\d:1 111 (2008), a cio namento dos rccu rsos necessários para se relevância comunicat iva e inreracional. Daí, a natural dificuldade
Man.:uschi (2008), - onde potlcm
t:ncom r:1r prin cípios 1·eóricos e
promover a construção de um texto e, assim, de se separar coesão e coerência . A primei ra está ern fu nção da
fa rras a n:í lises d cJ fun cion a 111e11ro ampl iar nosso entendimento daquelas ques- segunda. Uma prov[· a out ra, po is o q ue está na superfíc ie (sonora
desses princípios c 111 rcxros de difr·- tões tex tua is. ou gráfica) do tex to (a coesão) está para possibil itar a expressão
rcntes tipos e gêneros. Vale a p1-n.1
referir ainda a coleç:io d idática d:i Ev identemente, sen a im possível esgotar de um sentido, a construção de uma ação de linguagem (a coe-
l'rot' . .\!lagda Soares, l'o r t 11g 11 (}s : a tota lidade desses recursos . Selecionamos, rência). Não se pode separar a forma d o sentid o; mais especifica-
uma proposta para o letrame11to.
então, aqueles mais diretamente relaciona - mente, não se pode isolar a coesão da coerência.
\.io Paulo: Moderna, 1999, onde
1.1 se: pode co nsta tar um:i reoricn rn · d os à coesão e à coerênci a 1• Consequ entemente, e numa dimensão ma is linguística, n5o se
çfo do t'. 11s ino da lí ngua na perspec- pode separar o léxico e a gramática d o conteú do e da função do
r1v.1 de ' eus usos.
texto. Quer dizer, o sentido de um texto resulta da s propriedades

- -~- ~
1 J
lexicais e gramaticais das palavras que o constitul:m (alérn, é cla- ,--·~ ...... ....... .. . o~ n~x~s d~ ·~;~ 1 ~a;ê 1~.c~·a .· .......... M .. ~.- ........ - - ·-

ro, d e determinações pragmáticas de seus contextos de produção ; os nexos de conliquidade,


e circulação). os nexos de associação e
Não pode existir um tcxto 2 coeso e coerente sem léxico e sem os nexos de conexão ou sequenciação.
gramática. Por sua vez, fo ra do uso, o léxico é apenas uma pos-
sibilidade, é aprnas um rol de palavras, disponíveis para atuali- Os termos com q ue se denomi nam esses nex os já dizem mui-
za rem um senti.do quando entram na cena do texto. A gra mática, to das s uas particularidades. Ass im, vejamos.
também, fora do uso é um conjunto de categorias e regras abstra- a) Os n exos de eq u ivalê ncia acontecem quan do o s dois
tas, que, como o léxico, rêm o caráte r ape nas de poss ibilidndes. pontos do texto apresenta m entre si mn tipo qu a lq ue r de
É interessante pensarmos que, no fun cionamento do dia a equivalência semântica . Por exemplo , no com enrário A
<lia da linguagem, nem percebemos como esses recursos rnor- mercadoria alucinóge11a, pode-se reconhecer um elo de
fossint<hicos e lexica is vão se e ncaixando, e, por eles, o que d i- equiva lê ncia entre as duas oco rrências da expressão 'o
zemos resulta coeso e coerente, ou seja, vai cons um idor', oco rrências que a parecem no início e no
' h 1dentemcntc. se rn;í <:onsicle- ganhando sentido, :ick:quação e pr oprieda- final do texto: Enquanto o consu.midoi: imagina que é urn
t:llli lo aqui o 1ex1v /JCrl r1/.
1 de. E não pe rcebemos tais recu rsos porque, ser racional e O consumidor 1lão vai morrer de overdose
Por isso mesmo, «au~am .-stra- mesmo intuitivamente, os empregamos, pois dessa droga. Ou seja, trnra-se de um nexo de eq uivalên-
11h.1 rnento os cxcn.:ício~ ('Scolares
dL· lormílr fra ses sol tas. dl' juurJ r
não rnstum:1111os prod uzir pc<,:as de lingua- cia porq ue, nos <lois pon tos, o objeto de referênc.ia é o
p.1 ln\"rns alea10r ia mc111·c:. cxt• rckio~ gem desconecta das, isto é, so ltas e descontí- mesmo . T r ocando em m iúdos: nos dois pontos do tex-
•1uc ainda hoje J<:ome-:t<m em aul:1~ to está -se r eferindo ao mesmo objeto. Igualmente, entre
nua s, a ponto de não se pode r reconbeccr em
dr li11g11ag~111 . ("Como p11de o p<:i-
X\' vivo viver fo ra d':ígua fri a?''). cada uma delas a lgum tipo de fu nciona lidade as expressões 'O guaraná em lata' e 0 tal refrigerante' , 4

comu11 i.cativa 1• acontece um nexo de equivalência. Naturalmente, essa


retomada constitu i u m elo de coesão, de artic ulação.
Sem d úvid a, m uitos outros elos de eq uiva lência aconte-
6.2 Os tipos de nexos textuais ceram, promovendo a continuidade requisitada para a
s ua coerência.
l:..l a lliday e I-fa sa n, e m um de se us tra balhos de 1989, distin- b) Os nexos de contiguidade acon tecem qua ndo, entre dois
guem tipos diferentes de nexos, conforme eles criem, e ntre dois pontos do tex to, se esta belece uma re.laçâo de quase
ou mais pontos do texto, uma relação de eq ui va lência, ou, dife- equ.ivnlê ncia, o u, pelo menos, de uma cqu.ivalência q ue
rentemen te, um a relação de contigu idade o u, ainda, de associa- é ap enas p arcia l. Por exemplo, cm A mercadoria aluci-
ção. Ad mitem, a ssim, q ue os n exos, como ci os, unem d ois pontos nógena, aparecem as expressões 'a pu blicidade na TV' e,
do texto, esta belecendo entre eles tipos d ife rentes de ilação . Além simples mente, 'a p ublicidade'. Efetivamente, não há en-
desses três, existem os nexos cri ados p ela ocorrência de con jun- tr e os do is objetos uma equivalência, pois a publicidade,
ções, p reposições, advérbios e respectivas locuções. como se sabe, existe para a lém da T V. Mas ta m bém n ão
Ou seja, podemos perceber nexos de diferentes na turezas, a se pode negar que existe entre as duas expr essões uma
saber: forte contiguidade, tanto assim q ue os objetos em q uestão

-
PJ $

·'
são nome::idos p ela m esma palavra (publicidade) . Apenas, Cumprem, exatamente, a função de ligar esses segmentos,
uma é mai s específica que as outras. estabelecendo entre eles a lgum tipo de relação semântica (re-
c) Os nexos de associação ocorrem quando duas ou mais pa- lação de causa lidade, de fina lidade, de condicionalidade, de
lav ras guar<lam uma relação de proximidade semântica, de temporalidade, de oposição, de junção, entre o utras).
m a neira que uma lembra a outra, o u, como se diz colo-
quia lmenre, uma tem a lguma coisa a ver com a outra. Esse Um conjunto de elos da mesma na tureza
tipo de nexo é bastante comum em todos os tipos de texto; constitui uma cadeia de elos. Assim, p ode- ' Lim iro-me aqui a aprcscnrar ns
noções fundamenta is quc nos pos·
o m;:iis com um entre todos, opinam os autores Ha lliday e mos p erceber cm um texto cadeias de nexos sibiliram enrender como se dá n co -
Hnsa n (J 976 e 1989). São nexos que decorrem d:i rrópri a de equivalência, cadeias de nexos de conti- esão do rexto . No capírulo :.ci;u in·
te, mostro, em ccxcos, ca~os de s un
un idade sem5. ntica <lo texto, o u resultam da exigência de guic.iade ou cadeias de nexos de associação .
ocor rê ncia.
que um texto deve concentrar-se nurn dete rminad o tema Quanto mais um texto é atravessado por es-
o u tópico. Se, por exemplo, em um comentá rio, se fab de sas cade ias mais coes.ivo el e é".
um m.csmo tema, é natural que as palavras <.:stcja m cm cc>n- Os nexos e as cadeias d e nexos acontecem 'i\..:erCc\ das ca deins do texro, é pro·
vc rgência semântica com esse rema. Daí que a maioria dos por meio de um grnpo de recursos linguísti - v1;:itos:i a lcinirn du li vro de C lá ud in
cos, lex icais e grama tica is, como pa ssamos a Roncarn ti (20W).
nexos que acontecem nos textos são nexos por associ<i <;ão
semâ ntica . Voltando à a nálise cio tcxro "A rncrcndoria a lu- considerar em seguida 5 .
c inógcna ",podemos consta tar que cada pa lavra cst:í em a l-
gu m tipo de ligação semâ ntica com outras, ou pelo me nos,
com o utra. Vejamos a lguns desses nex os, por exemplo: 6.3 Recursos de constituição dos nexos textuais
1v -> telespectador:
publicidade -> com erciais; Retomando os qua tro tipos anteriores de nexos (por equiva-
111ercadorias -> fmgig1111gas; lência, por contigu idade, por associação, por conexão), podemos
mercadoria -> COllS /1111 idor;
perceber que uns se valem mais especificamente do léxico, outros
juízo -> razZío; da gramática, outros do léx ico e da gra má tica. De q ua lquer for-
11iolunistas -> guitarristas; ma, esta belecer Umires entre o que é resul tado do léx.ico o u da
baratos astrais -> mercadorias aluâ nógenas gramática é, na mai oria das vezes, redu zir os fatos e cair na impre-
- > go.zn alucinado -> alucinação imaginária -> felicidade
cisão. Prefiro apontar os recu rsos da coesão e seus efeitos na cons-
etérea, i1'real e imaterial -+ gozo lictício; trução co erente dos sentidos e d:i s intenções do texto, sem tentar
cam/1anhas -> fJúblico, e mui tas o u-
situar, com precisão, se se tra ta de um cio de ............ .
tras sequências de itens. natureza apenas gra matica l O ll apen a ~ lexical. ; 6 Em meu livro Lutar com µala11ra1,
reservo um ca p.ítu lo inreiro (c11pít11·
d) Os nexos de conexão ou sequenciação acontecem pela lo 5) a esse tó pico da ' repetição do
ocorrência das expressões comumente c ha madas de co nec- 6.3.2 A repetição de pa lavras8 palavras', co m forrn s explíco(fllln
e, ma is a inda, mu icos excinploa do
tivos, ou seja, as conjunções, as preposições, a lguns advér- lvluitas vezes, incluímos entre as condi- rextos e m qu e se pode verificar Ili
bios e respectivas locuções. São nexos que figuram , prefe- m(iltiplas funções da rcpcrii;~o do
ções de um bom texto a recomend ação de não
pdh1vr::i s em um ccxro.
rencia lmente, entre parágrafos, entre períodos ou orações. l'ep etir palavras. Qu er dizer, gene ra lizamos
- - -- -
.'' )
.-~.- ~~- ~ !
---~~
nos termos d a recomendação e, aí, a repetição tornou-se, através vezes {ver Antunes, 2005: 75). Poderíamos, porventura, afirmar
dos tempos, um item estigmatizado. Faltou pontuar qua is repe- qlle, nesse caso, a opção do autor foi devida à falta de um voca-
t ições devemos evitar, pois repetir palavras é um procedimento bulário mais amplo?
praticamente inevitável uma vez que representa uma consequên- Voltemos ao que disse acima: a repetição de palavras te m suas
cia da f)rópria concentração temática do texto. Se um texto é regularidades. Por exemp lo, é muito provável que a maioria das
sobre ' publici dade', por exemplo, sobretudo se tem um a dimen- repetições sejam de palavras q ue estão vin culadas ao tema centra l
são que ultrap assa d uas ou tr ês linhas, com o desenvo lvê-lo sem do rexto, (veja-se, no comentá rio "A m ercadoria alucinógena" , a
vo ltar a falar em 'publicidade'? A recorrência da pa lavra - o u o repetição da palav ra 'publici dade' ou da palavra 'consumidor') .
fato <le a reutil iza rmos - é um sinal de que est:Jmos concentra- Também é provável que pa lavras pouco repetidas tenham apenas
dos no m esmo núcleo temá tico. uma relação pontual com um ou outro aspecto do texto e não
Porta nto, a repetição é uma marca da concentração temática tenham, portan to, gra nd e ligação com seu tópico principal.
do texto . Eb pode incidir tanto no âmbito da contin uidad e re- Em todo caso, não se pode defin ir os limites quantitativos
fe re ncial, qu anto no âmbito de sua pred icação. D a í que, a rigo r, da repetição de pa lavras. Q uant;1 s palavras se pode repetir em
ta nto pode te r relevâ ncia a repetição de u.m su bsta ntivo, de um um texto? Essa é uma q uestão muito con1pl.e xa que depende da
pronome, quanto de um. verbo ou de adje tivo. N a v erd ~1de, a re- natureza e da fun ção do texto: li te rá rio ou não; apelativo ou não;
l'.
pe tição de uma unidade, de qualquer classe g rama t i c~11 , pode ter exp licativo ou não; desenvolvido corn uma grande concentração
relev5nc i;,1 para a construção do texto. temática ou em reposta a um tóp ico partic ular etc. Ou se ja, é im-
Ta is cons iderações não significam que a reperiçi'ío de palavras possível estipular q ua n tas vezes uma mesma palavra pode ocor-
se ja a bsolutame nte livre e não tenha suas regu l:uidades. Tem, sim . rer. Mais vale averiguar por que, para q ue (ou com que funções)
Prime iramente, nã o se trata de repetir por repetir, sem nwis nem uma pala vra volta a ocorre r.
menos. T rata-se de repetir com uma determi na <la fu nção text ua l Um a outra regularida de J a ocorrê nc ia da repetição tem a ver
ou <li scursiva, como, por exemplo, para reiterar uma refe rência com a sua distribuição ao longo do texto. Assim , em geral, uma
e, assim, ma rcar a unidade sem ân tica do texto, pa ra prod uzir um posição muito propícia para o a parecimento de uma repetição é
efeito de ênfase, de reforço, ele contraste, p a ra ind icar o tópico de o início dos par ágra fos (a pa rtir do segundo), um sinal de que o
uma correçã o ou de uma r eformu lação etc. Ou se ja, a re/Jetição tópico desenvolvid o no pa nigrafo anterior continua. O fina l de
de palavras é um recurso textual e discursi11amente funcional, que um parágrafo ta m bém reprcscnr:i um ponto de localização privi-
não acontece por acaso e aleatoriamente. legiado, quando se p rcrcndc ma rca r o fechamento do tópico em
A intu ição natural dos fa lantes percebe esse va lor fun cional a ndamento naque le ponto d o texro.
da repeti<;ão e se vale dele em muitos contextos, sabendo que está Além disso , um a regulari da de já comprovada em análises de
pretendendo conseguir certos efeitos de sentido parti.c ula res. O que ed itoriais (ver Antu nes, 1996) é a de que, no último parágrafo,
que r faze r o povo quando diz: Mulher é mulher!; A cidade está costuma ocorrer a re pe tição de uma ou mais palavras que apare-
linda, linda!; Esperei, esperei, esperei até m e cansar, e o utras mais? ceram no primeiro. Isso pode ser visto. como um s inal de que se
Não será um grande simplismo julgar a repetiçã.o de p a lavras, está pretendendo fechar o tóp ico centra l, normalmente anuncia-
indi scriminadamente, apenas como índice de pobreza voca bu lar? do no primeiro parágrafo.
Drummond escreveu, em um texto de umas 10 linhas apenas, a D e qua lquer forma, essas sã o regularidades previstas. Sabe·
peq uena história de uma flor, na qua l esta palavra apa rece seis mos como as circunstâncias de cada interação podem a lterar tais
#$

' .Já vi previsi bilidades. N ão se p ode negar, contudo,


a r~co111c11d;1çi:io de u 11 1 pro- conceito tem. que fi car m uiro c laro e, portan to, precisa ser e n-
fessor q ue Jdinio " niio ma is de as múltip las funções da repetição de pa lavras tendido com precisão.
quarro quê~" n11n1n rC"daç:io. Como
nem se pode aprovar a recomendação gené- Em geral, as paráfrases são in iciadas com expr essões como:
se podr prever q1w11t.is p.1lavras
dessa ou daquda forma podem rica - tão com um nos encontros de ensino 'ou seja', 'isto é', ' quer d izer', 'por outras palavras', 'n outros te r-
ap;ireo.:cr rm um tcxro ? O que se da redação - de que "não se d eve repetir mos', 'dizen do de o utro modo', expressões q ue já preparam o
pode pn·v1•r é o que· tl1z1•r. " quem
p a lavras em um texto " 7 • ouvinte ou o leitor para uma form ulação seguinte de equivalência
e por que ft1::c:-1o. Q1n11110~ 'luê,,
qu:intos s uhst:rnrivm ou o.:oi~a~ dti Em um bom programa de estudo de lín- conceitual. As paráfrases deco rre m tanto de mecanism os sintáti-
gênero só o dc~cnvolvimrmo da in- guas, deve constar um espaço para a questão
teraç5o v:ii dizer.
cos (como no caso da formnção da passiva) quanto de mecanis-
da coesão, e, com o apoio de muirns a náli- mos lexicais que explora m os sentidos das palavras.
ses, se deve prever as normas de como tirar A identificação dos segmentos pa rafrásicos tem sua impor-
fJroveito da repetição de palavras ou a consideração de como, tância no entendimento dos textos, pois, a lém dessa s ua função
qua ndo e quanto e vitá-la. O mais são confusões quc, apesa r de esclareced ora , eles im p lic.:am que, naque le ponto o nde ocorrem ,
cxtrema n1 entc sin1p listas, só fazem a trapalh ar q ue m cst;.Í hab itu a-
o tema não a va nç n para o 'n ovo', já q ue os dados ela informaçã o
do a conv iver, em textos orais e esc ritos, co.m pa lav r;1s quc se re-
ante rior são apenas retom ados para cx:plica<.;Ões o u reform ula-
pcten1-, por fo rça da própria exigência da coerência das intc ra<.;ões
ções m a is esp ecíficas.
ling uísticas.

6.3.3 O para lel ísmo


6.3.2 A pará frase
Para lelis1no: o nome j5 suge re uma espécie de aproximação,
Um outro recurso pelo qual se cria m laços coesivos é a pa-
de itens que gua rda m algum tipo de concomitância. No caso do
nífrasc, um recurso p elo q ual se volta a dizer o mes1110 que se
paralelismo como recurso textua l, a aproximação mais comum é
disse antes, porém com outras palavras. A parMrasc rcm assi m
de ordem sintática, isto é, dois ou mais segmentos são construídos
alguma coisa em comum com a repetição, e nqua n to, embora sob
com a mesma estr utura forma l, embora com sentidos difer en tes.
uma outra formu lação, o m esmo é dito outra 11ez. É nesse scnti-
<lo q ue cln é c.:oesiva. Ou seja, urn segme nto rex rua l só pode se r É exatam ente essa similaridade sintática que dá ao par alelismo o
considerado p;uâfrase se está arti c.:ulado, pe la equ ivalênc ia (mais caráter de reiteraçt'ío, que rcforçn a dimensiio da con tinuidade do
o u menos próxima) de sen tid o , a um o utro a nter ior. Não teria texto e rc presenrn um de seus recursos coesivos .
sen ti do, pois, proc ura r uma paráfrase on de dois segmentos não O para lelism o constitu i, assim , u m recurso textual que cri a
se retomam sema nticamente. A paráfrase se destaca, então, como uma ha rmonia fo r ma l en tre do is o u ma is pontos, o que, além de
um recurso da continuidade semântica do texto. promover a co esão cntrc esses pontos, produz um efeito agradá-
J\ p;1rMrasc te.m a fun ção discursiv a Jc p re te nd er o fe recer vel de a rtic ulação e e ntrelaça mento.
um escla recime nto m a is es pecífico de um pon to, ou, re-cxp li- Obser vemos no texto que ven ho tomando como apoio o se-
d -lo, co m o utras p a la vras, a fi m de deix á-lo ma is claro, .m a is guinte fra gm ento :
preciso. É reite.rativa, portanto. Por isso m esmo é q ue as parn- A m arca de chicletes fJromete transpnrtar o freguês para um
frases são com un s em textos expl icativos, em tex tos ex positi- tal "mundo do sabor " e mostra o garoto-propaganda levitando
vos, de t ransm issão do conh ecimento, quando um de Lc rmi nad o em outras esferas cósmicas. O a~a1lte faz surg'hfim do nada

1.
1
- -- --
1

--
violinistas e guitarristas. Q guaraná em lata provoca visões ama- ,.ri pert inente para essa preferência 11ão é, como se costuma apregoar
nas análises pouco consisten tes, evitar a repetição . Evidentemen -
zônicas no seu bebedor urbmzo, que passa a enxergar um índio,
com rosto pintado de brauura. te, como vimos logo ard s, o recurso à repetição tem s uas fu n-
Como se pode ve1; o iníc.io de cada período obedece à mesma ções, o que lim ita, inclusive, o n ú mero de sua ocorrência.
estrutura sintática: A motivação m aior para o recurso da substitu ição, sobretudo
(a) o su jeito {urna descri~ão definida - A marca de chicletes; O d aquela que envolve um par de expressões lexicais, recai sobre o
adoçante; O guaraná em lata}; teor de informação q ue, nessas expressões, é m aior do que numa
(b) o verbo no p resente cio indicativo (pro- simples rep etição. Ou seja, da r continuidade a u ma referência
' O pn rnlcl ismo n3o rr m rc:cehido
niete; faz; provoca) ; usando descriçücs definidas di fe rentes pode contribu ir para ele-
qua~l· ncnhumJ ntenç:io J o~ li vros (e) um com p lemenro verbal (transportar o var o teor de info rn1atividad e do texto. Por exemplo, voltar a
,liJ;íticos. Tamhém não <.:on st:i das freguês; surgirem ... violinistas e guitarristas; referi r o o bjeto de discurso 'consunú dor', por 'o freg uês', 'o com-
p.wrns dos programa!. de ensino da
li ngua. ~em mesmo quando são ex- i1isões anwzônicas) . prador '; volta r a referir 'o guaraná em lata' por 'o t al refrigeran-
1Jlorndo~ quesnics de :1n:ílisi: 1>inní- Ess.1 coincidência de estrutura sintática te' p ode t razer a vantagem de acrescentar m ais in formações ao
ri <.:a, um a vez que cssih :1n:ílis.:s in-
estabe lece, para o conj llnto do fragmen to, repertório do leitor o u, pelo menos, reavivar
cidem sobre frnses isoladas e 11unc:1
~obrt· pares dt' frasi:"s cun~t i 1·ui 111:es um l a~o q ue, se é fo rma l, não deixa ta m bém sua memória qu a nto à possibilidade de de- " Podemos ver outros exemplos
de um texto. A k b, cm 11111 c urso de ser também sem5ntico. Esse Jaço, como mais adiante quando nos o..:u1)11re·
sign adores eq ui v,1lentes par a o mesmo o bjeto mos d<1s análises dos rexco~.
de língua, a prioridade deveria re-
todos os o utr os, é reiterativo, con stitu i uma de referência ".
cair ~obre o conjunto de o /1er11r1l('S,
/1roc:etfimentt>S, C:i/mté,~11/S. Yl'!!,llfa- espécie de repeti ção e fu nciona , por isso mes- Esse ma is a lro teor inform ativo das exp ressões lex icais tam-
rid<1tfes, enfim, da consrru\·:'i o r da mo, co mo elemento de art iculação do texto,
rccc pç:fo de rcx: ros d<! ri.1'tlS, de gê-
bém. explica a fo lta ele acréscim o d a infor maçã o nas s u bstitu i.ções
neros e: ck funções d ifl'rl'lll'Cs.
a lém de p roduzir um efe ito agradável de har- p ronomina is. O bservemos os trechos:
monia e compa tibil idadc 8 • "Ninguém leva os comerciais alucinógenos ao pé da letra,
Até nu.:smo um levantamento sum ário de ocorrênci:.l de pa- mas cada vez mais gente se deixa seduzir por eles." e
ralelismo cm diferentes gêneros (ver Antunes, 2005) most ra que " É que o encanto das m ercad orias não está nelas, mas fora
esse recurso é usa do mu it:u freq uentemente, ::;obretu d o cm textos
delas - e a pu bl.icidade sa be disso" .
explicativos, em textos dn li teratu ra ou d a publicidade. Ta mbém,
Podemos ver que os pronomes apenas r etomam uma .refe-
n o mesmo lcvanramcnro, se p ode ver o efeito desagradá vel da
rência anter.i ormente feita, mas não a defin em o u a categor iza m
q ue bra do paralelismo (por exemplo: " O homem e a mulhe r m u-
em uma classe identificável de itens. No exempl o anteriormente
dara m tanto no modo de pensar, agir e também fisicamente"; ou,
<lado, a expressão 'o guaraná em lata' é s ubstit uída p or 'o tal
ainda, "a mulher tem li berdade de expressão e de lutar "), o que
refrigerante' . Essa substituição tem um valor inform ativo m ai.o r
viria a rdorça r nossa pretensão d e incluir entre os programas de
que aquela poss ibil itada p el.o uso do pronome, p ois informa ou
estudo tb língua esses recursos da co nstrução do texto.
ativa a m emór ia do leitor sobre o fato de que o item 'o guaran á
em lata' p er tence à classe dos ' refrigerantes' .
6.3.4 A subslituição de unidades do léxico
De qu alquer forma, a substitujção de uma exp ressão por ou -
Existem motivações discursivas qu e levam o a utor de um tex- tra em um texto tem moti vações discursivas ma iores que, sim -
to a p refe rir s ubstit ui.r um a pal avra a r epeti-la . A motivaç5.o 1na is plesmente, evitar a repetição de palavras. Pelo contrár io, pode

- - -- - -
1
haver situações em que é melhor repetir a pa lavra (cm nome da
cla reza o u da p recisão , por exemplo) do que substituí-la por uma
outra. Por isso, falar ou escrever são momentos de decisões. Al-
1 semânticas. A refer ência a 'chi.cletc', 'guaran á', 'adoçante' p ode,
no decorrer do texto, ser retomada pela expressão ' bugigan gas'
ou 'produto' , por exemplo. Por isso é que os hiperônimos pos-
gumas deh1 s, toma das antes do início da interação. Outras, to- sibilitam uma economia muito gran de no estabelecimento das
m ad as no decorrer da interação, frente à(s) demanda(s ) do(s) cadeias textuais. São nomes que têm o va lor sem â ntico de ca-
inrcrloc utor(es) e dos propósitos em curso. tegorizar, isto é, de reunir, n uma classe, iten s diferentes, sob o
Nas substituições de expressões realizadas no decorrer de um enfoque de algum traço com um entre eles. Isto é: muitos itens p o-
texto, pode-se su bstituir uma palavra por outra que seja: dem preencher as condições pa rn serem reunidos, por exemplo,
na cat egoria de produto ou de bu giga ngas. O léxico da língua
a) sinónima: conta com um grande nú.m ero de itens lexicais gerais (substanti-
IJ) hiperônima;
e) ou eqLlivalenLe conforme uni Clâclo conLexLo.

Como se pode ve1; os dois primeiros tipos de s ubstiruiç:io se


J vos, sobretudo) ou d e itens lexicai s com um valor semântico que
abarca, que compreende o de muitos outros itens específicos, em
relação àqueles gera is. O termo 'produto', por exem.p lo, tem um
valor semântico que o deixa c;.1paz de retomar uma r eferência a
ligam às determinações lexicais das expressões; estão, por ;.1ss im um sem números de itens, como 'chid ete, guaraná, adoçante' e
d izer, inse riras no léxico da língua (por exemplo, <l rclnçfi o entre tudo o que é res ultado de uma f1roduçãu. Entre o s verbos, um
'menino' e 'garoto', ou a rel ação entre 'óleo de c~111ola ' e ' produ- hiperônímo bem comum é u verbo ' fo1.c r'.
to' ). O terceiro tipo, <W contrário, se liga à instâ ncia de cada t<.:xto Esse tipo d e substituição rep resenta, po rtanto, uma gran-
onde ocorre e depende, fu n damentalmente, dos limi tes contextuais de po ssibilidade de variação lexica l em um texto. Além disso,
a q ue as ex pressões correspondem (por exemplo, 'a queda do Air- o uso d e hiperôn im os permite uma operaçã o textual cognitiva-
Lms /\ 330 em maio de 2009' e 'a tragédia no litoral brasileiru') . mente muito relevante q ue é essa da ca tegorização, ou seja, do
A substitu ição por um sinônimo não é tão comum com o enquadramento de vária s referências numa determinada catego-
pode parecer, q uando levamos em conta a predominânci;1 dos ria n uma determina da classe de seres, o que favorece, por outro
li vros d idát icos em exercita r a substitui.ção de pabvras por um '
lado, esse caráter rcs umi rivo qu<.! a progressão tem ática do texto
si nôn imo. Problem as relativos à sin onímia estã o na ra iz dessa deve ir toman do ao longo de se u curso .
restrição: nem todas as palavras têm s inônir.uos, nem rodas as pa- Daí q ue a substitui ç5o de palavras por outras, repito, não
hwra s d adas co mo s inônimas são intersubstituíveis cm qua !quer tem importância s impl esm ente por possibil itar a não repetição.
contexto. Ccrtam.entc, por esses limites, p esquisas têm mostrado Esse é o seu efeito menor.
qu e a prefe rência maior recai sobre os outros tipos de s ubstitui- O terceiro tipo de substituição - aquele em que urna ex-
ção (vçr, por exemplo, Antunes, 1996; 2005). pressão é substitu.íd a por o utra equivalente contextualmente -
A substituição por um h ip erônimo, essa sim , é bastante co- tem-se revelado também bastante produtiva nos texros analisa-
mum, desde q ue não se trate de textos de uma palavra ou de dos (ver, por exemplo, Antunes, 1996, 2005; Adam, 2008; Mar-
uma linha só. O hiperônimo tem a grande vantagem de fun cionar cusch i, 2008; Discini, 2005; Koch e Elias, 2006, entre o utros ).
como urna espécie de coringa, que, por seu caráter d<.! genera li- Consiste na operação textual de se substituir uma expressão
dade, pode ocupar muitos lugares ou preencher ornita s condições (pode ser um nome próprio) po r uma 'descrição definida' que
,.,.,. • •• •·•··~""*·•; •l"l'"_.,,,,~··w

preencha, naquele contexto determinado, as condições de uma uso desse recurso tem seus limites e impõe condi ções p ara se u
equivalência semântica. Por exemplo, em uma fábula de Millôr ::idequado func ionamento, t0mando-se como foco as ligações que
Ferna ndes, a referênóa a uma galinha que entrou em greve e re- se devem empreender para identificar seu p ercurso.
solveu n ão mais cumprir suas obrigações de fêmea é retomada pela Comecemos pelo m a is geral: a rigor, qualquer expressão no-
expressão 'a doidivanas'. O bservemos que não se trata de um sinô- minal pode ser substituída por um pronome. Ou, noutros termos,
nimo nem de um hipcrônirno, mas de um a expressão pela qual se na continu idade de um texto, uma expressão é, cm princípio,
caracter iza ou se define uma outra po.r meio de uma descrição que, can didata a ser retomad a mais tarde por uma expressão referen-
naquele contexto, serve como equivalente ou uma espécie de sinô- cial pronom inal. . .
nimo textual, válido apenas naquele contexto. Muitos dos d lculos Existem restrições p ara o uso dessas ex pressões referencia is
p ara esse t ipo de substituição são de n arureza pronominais. Restrições de ordem gramatical e, mais aind a, restri-
' ·' lnsi ~to em lem bra r qu ~ :1 ma io· inferencia l e mobil.izam. nosso conhecimento ções de ordem textual. Entre as prim eiras, poderíamos dest~car a
1 ia dos 1ivros did:íticos - mes mo

.1qudes par:i o t'nsino m ~<l ío - n~o


de mundo (por exemplo, é desse tipo o nexo concordância de gênero e n úm ero entre a expressão referenctal em
,· x plor~in o valor textua l dos hipc- visto numa revista nacional, que estabelecia a jogo e a expressão pronominal correspondente ('o homem' e 'e le';
1ê111imos ou de~~as exprc~s ões de equivalência referencial entre 'os pollticos mi- 'os meninos' e 'eles'; 'a igreja' e 'ela'; ' as facul dades' e 'elas' etc.).
l·quivalêrn.:ia comcx tual. No enran-
to, esses sifo rec ursos qu e c ntTa rn no
neiros' e 'a turma do pão de q ueij o' ). Entre as segun das restrições, merece destacar o cu idado par a não
l 111u.:ionamenro de rodo rcxro e no De qualquer forma, essas expressões são dificul ta r a ilação p retendida entre a expressão retomada e a outra
,.,1Jhdecirnenro de sua coerênc ia. muito comuns nos textos, exata n1en te peb
1rnplica Ili co11 hccirncntos li 11guís· q ue a retoma. A cla reza de um rexto, sem dú-
flex ib ilidade de eq uivalência que p odem as- Fora do ;lmhiw da suhstiru ição
11
riens e conhccin11:11ros cm:idopécli- vida, passa por essa continuidade referencial pronom i11:1I (as ch:1111<1d:is 'cndófo-
' º '' o que os to rna bem mais rel e· sumir. U ma mesma expr essão pode, va riando que vai se esta belecen do a partir das ligações, rns' ), pode mos le mbrar a função re·
v:1mcs co rrumicnivamen rc q ue, por
suas condições de referência, alterar seu va- dos nexos que se vão construindo. O s prono- fcrencial dos pronomes qu e aconre-
nl·mplo, a classi licaçâo de orações.
lor de equ ivalência 10 • cc q ua ndo fazemos referência a ob·
mes - de todos o s ti pos - têm essa função jcros prc~m res na ~itiw çi\o (são as
Alarga r o estu do do léx ico, para abranger esses asp ectos de ch:unadas 'exóioras'). D~ qua lquer
textual de ir promovendo as cadei as de refe-
equ ivalê ncia semântica, apenas possfveJ na instâ nci.a do tex to, é fo r rn::i, os pro nomes rêm um g ra nde
rência que vão dando ao texto articulação pc~o no proces~o ela rcfcrcncíação
um imperativo par a q uem pretende amp liar a comperência comu-
e un idade. Qualquer descuido nesse ponto r~xrual. Muito da c lareza do texto
nica tiva dos fa la ntes. Ficar na lista d e sinônimos e de antôn .imos pode provir do u.-o dessa c lasse de
pode p rovocar uma imprecisão refe rencia l,
é insuficiente; a inda mais por q ue, na maioria d as vezes, isso é pa lavras. Em ral perspectiva, é que
ll ma Opacl "
.d.,de rpfcrencia
"
l' de consequências eles d~v.; in ser esrndados.
visto em relação a uma lista de palavras so ltas ou a uma sé rie de
pertu rhado ras, q uase sempre 11 • l . .· . ·
fr ases desco nectad as.
D uas considerações podem ser int roduzidas aq m. A pnm eira
Surpreenda mos, pois, os significativos papéis d o Jéxico na es-
tem a ver com o foto de - fala ndo de su bstitui çã o p ronominal
tru turação do texto; na construção de seus sen tidos e na expres-
- se falar apen as em continuidade referencial. Evidem emenre,
são de suas intenções.
um t exto também é pr ovid o d e um a continuida de predicativa,
no sentido de que os sent idos atribuídos no âmbito da pr ed ica-
6.3.5 A substituição pronominal
ção ta mbém p odem ser reiterados. Ou seja, se pode adm itir, para
Um recurso muito comum em todos os textos é a substituição 0 texto, urna continuidade referencial assim como se pode ad-
de uma expressã o nominal por um. pronome. Evidentem ente, o m itir uma continuidade predicativa. Por isso é q ue o pronome

- --
----~---
1 :
'•l(·~· ., • • .t • ..
~Jii.!.*.~-iu~_....-... 'Pll9 aan&llse de textos: o rooo em upect.OI d'e rtil~"''"""'vi' · ··~-....~""""'•\•,".
1:.'

também pode retomar - inteira ou parcia lmente - t ermos de colocação em rel ação a outras unidades da oração. Para esses
urna predicaçã o anterior. Em suma, os pronomes não retomam enfoques, os lirnites da frase isolada são suficientes.
apenas expressões n ominais (a publicidade na TV ~ ela); podem Está fora de dúvida, portanto, a rel.evância de se explorar o uso
retomar também parte de uma predicação ou uma predicação dos pronotT1es n uma perspectiva textual. Isso implica, primeiro, ul-
inteira, como em: Seria o tal refrigerante uma versão comercial trapassar o aspecto puramente morfológico de seus usos: a subclas-
das beberagens do Santo Daime? Não, nada disso. si ficacão de seus vários tipos; em segundo lugar, implica ultrapassar
A segunda con sideração tem a ver com o foto de o pronome o vié; sintático de seus usos, o que, por sua vez, nos tira das frases
não funcionar apenas como 'pa.la vras de retomada textu al'; isto e sequências de orações e nos leva até os textos. A relevância de se
é, o pronome não func i.ona apenas sob a fo rma de uma expres- conhecer as 1.nnrcas morfossintáticas dos p rono.mes deriva do fato
são que retoma outra antecedente, como cm: " Pode parecer 111n de elas poderem funcionar como pistas para a indicação e a identi.-
i11su!to à inteligência do telflE2.ectador, mas ele bem que gosta"; fi cacão corretas das entidades referidas. Portanto, seus pormenores
ou se refere a um.a outra subsequente, como em: "Você nào vai de ci1ssificação só têm sentido se postos a serviço dos textos.
enco11trar ofertas tão boas quanto esta: [) VD players /-/-lfoster Em suma, somente no texto se pode apreender as funções dos
em 12 vezes sem juros". pronomes no estabelecimento da intcrpretabi lidade da lingua-
O pronome também pode referir um elemento ela situJção gem, quer esses pronomes estej:1m ancorados na situação extra-
extralinguística, presente no momento dn interaçã o, o que não linguística, quer estejam presos às referências feitas no interior do
implica nenh uma reromad:t, como em: De quem é isto?, dito, texto propria mente. Pretendemos analisar, no ca pítulo seguinte,
evidentemente, diante de um objeto a que se faz referência e que a lgumas dessas funçôes em textos de diferentes gêneros.
esteja acessível a ambos os interlocutores. Ma is U111.<1 consideração: na literatura lin- 1i ch~irolb inclu i a repe tição -

Na verdade, a idcntific;i ção do o bjeto de discurso cm refc- p;uística (entre o utros, ver Bcrn<'l rdez, 1982; nc,sc sen tido ma is a lll plo - entre

rênci.:i constitui uma comlição fundame 11 ral pa ra o efetivo en- C haroll es, 1978), o termo repetição também "' "me tarrcgras J ,i coc r0ncia". Se·
l\undo e le , para que um rc xco sejn
tendimento de qualquer texto. Mu itas di ficu ldacles, nessn á rea , é usado para refer ir o proced imen to geral da (micro º" 111amiestrut11ml111e11te)

provêm, exata mente, da inabilidade das pessoas para, quando reiteração, o qua l engloba o s recursos: ela coercnrc, é necess,írio que compor·
rc em seu desenvolvimento lin ea r
fala rn ou esc revem, empreenderem, com precisão, a indicJção de pará frase , cio pa ra leiismo, d::i repetição pro- d cmcnros de esrritac.1:.orrêru:iiL
onde está o apoio para a re/erência feita por u11i pronome. Na pr iamente d ita e ela su bstitu ição 12 • · · -···

conversação coloquial, sobretud o nos eventos de narração, essa De fato, em rodos esses recu rsos, é possível perceber que a l-
inabil idade chega a lim ites perturbadores: fo la-se, por exemplo, guma coisa é retomada, q ue a lguma co isa se mantém e, portanto,
de duas mu lheres diferentes, e, na sequência do discurso, se usa é reiterada, seja no domínio da continu idade referencial, seja no
um 'ela', cuja referência não se sabe para quem remeter. domínio da continuidade pred icJtiva. É nesse sentido amplo do
O reducionismo com q ue tem sid o fe iro o estudo dos prc>no- termo ' repetição' q ue Bernardcz e CharoUes apontam a repetição
mes deve-se à abo rdagem q uase sempre intrnoraciona l e descon- como um a das cond ições ela coerência. Por sin al, em um tex to
textualizada que lhe tem si do dispensada. De fato, os p ronomes bem organizado , eleve predominar um equilibrio en tre o que é
são vistos, nessa perspectiva, como uma partícula gramatical de retomado (informações já conheci das) e o que é proposto como
substitu ição, apenas, estudada preferencialmente nas sua s impli- não sabido (informações novas). Qualquer desequi líbrio para um
cações morfossintáticas, co m ên fase, ainda, nos padrões de sua desses lados de ixa o texto .inadequado.

- -
1 ' ' '
__
.,..._...,...., ....,.................. , . ;

No âm bito dessa reiteração a rnpb , tan to se constroem ne- li nguísticos também estejam cm contiguidade, isto é, co-ocorrain
xos de equivalência com o nexos de contiguidade. Os nexos de c m um mesmo tex to.
8Ssociação res ultam , ao cont rário, da associ ação semântica entre Essa probabilidade de co-ocorrência de um gru po de palavras
palavras, como será v.isto a seguir. a fins já corresponde a uma expectativa natural da s opções que
tom amos q uando fala mos ou escrevem os. O princípio fu ndamen -
6.3.6 A associação semântica enLre palavras ta l é: o percurso convergente de sentido, esperado para um texto
coeren te, leva à ocorrência de palavras semanti.c amente afins, as
Já neste
capítulo, q uando falei dos t ipos de nexos coesivos qu ais constituem ca deias de sent ido (isotopias}, qu e arrastam os
por associ ação semântica, adiantei alguma noção sobre como tais sentidos para um determinado ponto d e unidade.
nexos se constituem. En.1 linhas gerais, esse tipo de nexo ocorre Um texto coe rente é provido, assim, de uma espécie de re-
sempre q ue duas ou mais pa lavras gua rdam a lg um tipo de co nti- dundância ou, noutras pala vras, de reitera ção semântica , cm
guidade semâ ntica. eq uilíbrio, é claro, com a q uebra dessa mesm ice, pela imrodu ção
Essa contiguidade pode provir de determinações do próprio de novos elementos. Ainda assim, algo dessa mesmice se s ustenta
léxico da língua {como entre 'felicidad e'~ 'gozo'), como pode no senrido de que os novos tópicos devem estar, de alguma fo r-
provir de associações provocada s pelo nosso conhecimento de ma, apoiad os em outros j;;1 presentes o u press upostos no tex to.
mundo (com o en tre 'guaraná' e 'visões amazônicas'). Por isso N o coment<\rio "A mercado ria alucinógena ", a entrada da refe-
mesmo é que ela s são muitas em um texto. Se es palham, como rência a 'guaraná' é s ubsequente às o utras referências a 'a ma rca
água q ue encharca um terreno. de chicletes' e 'adoçan te', objetos que partilham os mesmos cam -
Os autores Halliday e H asa n (:1 976) pro- pos d a experiência .
' O :irgumcnro de que :i formação põem que esse tipo de nexo coesivo é o mais Po r esse conjunto de considerações, fica evidente o papel es-
tlc Ír:ises solrns uiío precn..:hc as
~nndiçõcs <lc dt!scnvolvi mcnl<> da
denso e o mais recorrente. Constitu em ca- truturante d o léxico na construção do texto. Uma falha gritante
-:ompctênci~ rcxtual cnconrr:1 aqui deias, cu jas fron teiras nem sempre podem ser no estudo das línguas tem a ver com a falta de percepção dessa
l;t lllbé111 um fund at11t'nto. Fr;1ses
identificadas. O teor de unid ade semântica fu nção textual do .léxico. De fa to, na maio ria das escolas, o estu-
' oltas, quase sempre, mohilizam
1111idadcs lexicn is de di forentes c<1m- evocado para o te.x to coerente é, em grande do do voca bulário se esgota , qu ase sem pre, como tenho referido,
pos Sl.'111ânricos, o que rompc com parte, devido a essa proximidade <le sentido em explorações de seus sign ificados o u na procura de pala vras
,1, cNi!jênci:is textuais de uma cu11-
v.: ri;ê11<.:ia de sc11t ido.
entre as expressões lexicais ou entre as cons- que têm o mesmo sentido. Tud o é visto em sepa rado: unidade
truções léxico-gramaticais q ue ocorrem 13• por unidade, cad a u n:ia por sua vez. Como peças i.s olad as. Não
A raiz desse recurso tex tual está na p rópri a relação entre a são expl orad as as redes sem ânticas qu e se cri am no percurso do
linguagem e nossa experiência e.mpfrica. Assim, itens que, em texto; não são expl.orados os fios que, por conta do vocabulário
uma situação particul ar da experiência, mantêm a lgum tipo de em uso, armam o texto e susten tam sua coesão e coerência. Em
p roxim idade, ou divi.dem o mesmo es paço físico ou cultural, suma, falta urn estudo do vocabulário na ótica de suas articula-
tendem a ser refe ridos também em situação de contiguidade. ções e de seu papel como fator da construção do texto.
Ou seja, por exemplo, se os objetos 'm esa' e 'cadeira', 'padre' e Espero nas análises que se seguem poder o fer ecer amostras de
' igreja' d ividem o mesmo espaço físico-cu ltural e revelam, assim, como as redes criadas pelas unidades lexicais do texto fun cio nam
urna contiguidade espacial, é muito provável que seus refe rentes corno fios que sustentam sua interpretabilid acle lin guística.

- -

- ~ ~-
6.3.7 O uso de expressões conectivas·1'1 texto, no entanto , eles podem ser expressos por um advérbio ('fi-
nalmente' ), por uma locução adverbial ('em suma') e até mesmo
Um outro tipo de nexo se efetiva pelo emprego de palavras de por um grupo nominal.
conexão, chamadas por isso mesmo conectivos, isto é, palavras Para um entendimento mais consistente dessa classe de itens
que têm a função de ligar duas orações, dois períodos, dois pará- linguísticos, convém distinguir entre os conectores argumentati-
grafos, dois blocos s uperparagdficos. vos propriamente ditos e os organizadores e marcadores textuais
· ··· · · ····· Na tradição do trabalho escolar, essa (ver Adam, 2008: 179). A incidência e a função desses conectores
"'A questão dos conec rores é mui· classe de palavras tem sido vista, preferen-
ro am pla e wmplexa. Para rrnrií·la variam de acordo com os gêneros textuais em que ocorrem.
com profundidade, é necessá rio um 1 cialmente, na sua dimensão sintática, sub- Os conectores argumentativos cumprem a função de expres-
c~ rudu muito mais abrnngente, o metida, quase exaustivamente, aos famosos
q ue:: não é o casn Jq11i. Entre ta nto, l sar a orientação argumentativa dos enunciados, conforme seja
sugi ro, para aqueles que pretendem esquemas que cu minam com a dassificação pretendido exprimir uma oposição, urna concessão, um con-
pesquisar, mais cxaustivamc11rc, a das orações. Esse vi és marcadamente sintá- tra-argumento, uma explicação, urna justificativa, uma hipótese,
qucsrão dos conectores, a lc::iwrn de rico de expJoração das palavras de conexã o o acréscimo de um argumento, entre outros. São fundamentais
Koch (1987), hívero (1987}, Adam
(2008), Neves (2000), Perini, obscureceu seu teor semântico e, sobretudo, na interpretação dos t extos, sobretudo naqueles gêneros que têm
(2010). Na obra de Neves, é possí- sua função textual, que passou assim a um
vd encontra r um e~rudo dct,1 lhado
propósitos eminentemente argumentativos ou persuasivos, como
e consis tente das prep<1siçõcs, da s segundo plano, mais aind a pelo fato de tais edi toriais, pareceres, propostas, justificativas, defesas, j ustificati-
conjun ções, dos ad vérbios e rcspcc· classifi cações incidirem sobre orações cria- vas, entre tantos outros.
rivas locuções, çom fo rra ah(>n aç<io
de exemplos colhid os cm rex ros
das a p ropósito ou retiradas de tex tos, per- Os conectores do segundo grupo - os organizadores ou
da liternturn ou d;1 imprensa at unl dendo assim m uito de sua fu nção em relação marcadores textuais - exercem a função de instaurar e indicar a
(veja-se, por exemplo, roda a rn;1- ao todo d e que era m partes.
téria sohre a coordem1 çiio co111 a
ordenação dos diferentes segmentos do texto, seja esta ordenação
conjunção 'mas', p. 755-770). Ern Na verdade, a re.levância dessa classe de de natureza espacial (em cima, embaixo, rnais adiante, anterior-
Koch e Fá vero é possível en<:ontrar palavras, se decorre de sua função cone<:tiva, mente, na base, em um segundo nivel, no próximo capítulo etc.}
uma distrihu içfo das conjunções
não deixa de funda r-se tam bém nas relações ou de natureza temporal (antes, depois_. em seguida, após, na vés-
qu e foge à classificação rrndicional
de 'subordinadas' e 'coorde nadas'. semânticas e nas pretensões argumentati- pera, no dia seguinte etc.). Outros tipos de marcadores podem ser
" Em geral, os livros didriticos e vas que elas estabelecem entre os segmentos citados, tais como os 111.arcadores enumerativos, os marcadores
muitas gramáticas pedagógicas res- textuais. Enquanto ligam, vão marcando a de 1nudança de tópico, os marcadores de digressão, os marcado-
rringem o âmbito dos conec tivos i1
d a%e das conjunções, di vidi11do-as orientação das argumentações, vão dando res de exemplificação, os marcadores de paráfrases, por exemplo.
cm coordenati vas e subord inat ivas. pistas da sequência de sentidos ou dos atos Como se pode perceber, o est udo dessas "palavrinhas" é de
f\ lém d isso, exp loram de forina
rornlmente insuficiente as particu-
de linguagem efetivados. São como pedri- grande importância no desenvolvimento de nossas habilidades de
l:iridadcs de usu dessas expressões, nhas que vão indicando por onde vai o ca- comunicação, pois funcionam como instruções que nos orientam
como a ques tão do ordem ern que minho, em que d ireção vai a argumentação ... no percurso do texto, na verdade, um caminho que devenios per-
apnrecem: se na primeira oração, se
11 :1 oraçfío seguinre (ver Neves, por
Não se pode deixar de prestar atenção a elas. correr na determinação de apreender seu núcleo temático e sua
l'Xc111plo, 2000: 782, a propósito Canonicamente, esses conectivos são re- finalidade básica.
da ordem da s consrruçôes com a
conjunção 'ou'}.
presentados pelas conjunções, pelas preposi- Talvez possa ser produtivo enumerar aqui a lgumas dessas ex-
....... .....i ções e respectivas locuções 15 • N o âmbito cio pressões mais comuns, com indicação de seus contextos de uso .
Co nvém s ub li nha r que, na altura do ens ino funcbmc nta l 0 11 mé- ou, alteIDânCifJ OU , ., '
dio, não d eve constituir interesse maior classificar, 111or(ológica disfunç~cP
ou sintaticamente, ta is expressões. Por vezes, uma mesma expres- isto e exr.mplilicaç,1o
são pode funcio nar como conjunção ou como advérbio (ver, Ne- ou. ou melhor. ou antes. dito de outro moclo. em ouLras palavras, refommlação,
ves, 2000: 272, a propósito do item ' mas'). O que convém, antes mais precisamente; precisão. correção
de tudo, é destacar essa função geral dos conectores ele marcar as ou
re@cação do
operações ou os proced imentos textuais que vão ocorrendo e de que foi dito antes
si nalizar para o interl ocutor que orientações estão sendo dadas
~:~'Y.~~adé,. «>pi 9fei\o, eléQvai~eo~ã:,~~~~ ~ .. ·
ao percurso do texto. . :h'::- ~· • r
:..:.:!•:: '•r: l.r-'
,, :!.«~·~
.-.:..,)";$~~ '\'U

'" É bolll adwrrir que as l'xprcssõcs Ass irn, a título de uma rnaior explicita-
reunidas nc'te csquc111:1 ahJ1\:<1111 mas. porém, contudo, no entanto. entretamo. por out10 lado. em oposição, contraste,
apenas ;is cxpressiie~ cm conrexros ção de corno se opera a con exão dos scnridos compensação, e11quanLO que. ao passo que; res1rição
de concxiio intcroraciono1. Conexões e das intenções em nosso s textos, vejamos
entre o wrh(>t: ~cu' co111pk111c11ms -
a lgumas dessas expressões e os sentidos que
ondeenn:a 111 ~s prcpo,i.,:iks. sohrctu-
do - 11ão cstiio i11d11ídas ;1q11 i. Mui tas cxpressan1. Por uma questão did ntic:i, vou
das exprcssfics cat:n log;1d:1s .:01110 de reuni-la s em um mesmo grupo, sejam elas, porque. como. pois. porquanLo, por causa cJo, em virtucle ele, lima causatidadéº
conex;Jn silo advérb ios qu,· 1':1111hC:111 vez que, já que. em vísLa ele. dado que. füJsde que. vi8l0 que, visto
ligam sq;rrn.:11tos do 1·exln. mais especificamente, conectores argumenta- como;
tivos ou marcadores textuais 1r' .

ec:: t , olJ'1~ o.. tí'MM ~sim


1éltto ;s,emil O!Jc;o C1nt(e11~ rí!1at~~ 9,f;l.Ç,Píl
'.ê!J@nc1~àh
a fim de que, para que. com o propósiLO de, com a pretensão de. finalidade
priorfda(J~ óà
com a intenção de, com o objetivo de. com a linalidade ele. com o
rele~licial
intuito ele:

em cima. acima. abaixo. acliante. na l.lase. mais acima. em um se- distri/JuiçJo


gundo nlvel; es]Jacial
a$$fw1:aesse mn ~ .
' ~~~]~J,f,1ii:t'ã'r. . .
:;~ :-1•:\t~'I. ~i~
I". ,.·~·~l.,,J1~ . 17 Conforme N eves (2000: 771), .:011vé111 <li ~ri11~ t1ir disjunção i11c/11siva {em que os elementos se so-

e. aincla. assim como. alííls. a·lélll clísso, além do mais. além de acréscimo de um · . ; mam) e a disitt11ção exclusiva (cm qu e o.~ t:lc111t:nws se c:xclucm).
tu.do. não só (...) mas tamlióm, não apenas (..) mas ainda. enlim. nem dado novo. ele um 1
~ Orações reduód as de ge rúndio têm Ín;qu c 111·c inc 1HC va lor ca usal, assim como as reduzidas ele in finirl-
(para adíçao ele segmenLos nega Li vos ou privativos): argumento. adição. . · vo introduz.idas pda prt:posiçiio 'por' e, ,1inJ:1, os d1:1modos ;1posros circunsrnncinis (Preocu/)(.fdo com
enwneraç~o de '~ os resultados dos exames, ficou i; rn ca s,1 cs rudondo).
Uens r9 As construções com co ncessivas, scgu 11do Ncvt:s (2000: 865), podem se r vistas rl :'.lS suas rc loçllc1

com as advers<Hivas bem como com as o utras c:1usnis e condicionais. De qualquer forma, vale a peno
acencuar a re le vância argumento tiva elas concessivas, o que confinna a necessidade de um estudo l'l'lllll
aprofu ndado dos conectores, sobretudo 110 cm ino médio.

- - - -- - -
Ili

( :onv<:m '>uhlinhar que, na altur<i do ensino fundamental ou mé OU, allelllclflCiil 011


dio, nfü> deve constituir interesse maior classificar, morfol<5KiCLT disiuncão'
011 sintaticamente, tais expressões. Por vezes, uma mesma expres- isto é ou seja, quer dizer. por exemplo: exGmplilicacao
são pode funcionar como conjunção ou como advérbio (ver, Ne- ou. ou melhor. ou antes, dito de outro moclo. em out1as palavras. retormulacão.
ves, 2000: 272, a propósito do item 'mas'). O que convém, antes mais precisamente; precisão. corrécào
de tudo, é destacar essa função geral dos conectores de marcar as ou
reliticacão do
operações ou os procedimentos textuais que vão ocorrendo e de que /oi dito antes
sinalizar para o interlocutor que orientações estão sendo dadas de lato. na verdade. na realiclarJr>. com efeito. eletivamente. afinal conlim1aç.ão.
ao percurso do texto. com certeza; admi<:são
1" [~ bom <ld\'t.'rtir IJUC a• l'Xpn;~sÕC>
Assim, a título de uma ma ior exp li cita- mas. porém. contudo, no entanto. entretcJnto. por outro laclo. em oposicão. contraste.
r~unidas neste 1:,qucm.1 ah.11\:.1111
ção de como se opera a conexão dos sentidos compensação. enquanto que. elo passo que; reslricão
~~~~~~~~~~~~~~

dn:oncxão inrerorncion:il. Coucxi>e~ e das intenções em nossos textos, ve jamos mesmo. até, até mesmo. no maximo (situ.irn no lopo t1a escala): qradaçào
,·mn: o verbo e seus co111plc1ncnl0s - ao menos. pelo menos, no mfnirno. (silu<lm no plc1no mais l>aixo
algumas dessas expressões e os sentidos q ue
llllLk ent ram as prcposiçõc•, w hrc1 u· da escala):
dn- não es tão incluídas aqui . .\1uita'> expressam. Por uma questão didática, vou
d.1' expressões C;\t:1logadns c0t110 dt• reuni- las em um mesmo g rupo, sejam elas, porque. como. poís. porq11an10. por CcJusa (le. em vir lucle de. uma causalidade1s
ço nexiio silo nd\'érhios <[li<' r,1111hé111 vez que. já q1re, em vista ele, dado que;. tlesde que. visto que. visto
lig,1111 scgmenro~ do tcxlO. m<iis especifica mente, conectores argumenta- como;
tivos ou marcadores textuais 1". de modo que. de maneira que. clt> sorte que, tJe ro1ma que. a Lal consequêncic1.
ponto que. por conseguinte. 1>or isso. cons("Quentcmente. ern con·
Exprf'ssôes conecli11as· elo tipo arqumentalivo ou do lipo marcndo Valores srnw11icos sequência disso. dar em decorrÊ ncia disso. com isso. tanto (assim)
res /orq,lfliz,1dores lf'Xlaais que (é passivei um cruzcJmento semântico entre as rrl,Jcões de con-
sequência. de causd e de conclusaoJ.
a fim de que. para que, com o propósito de. com a prc-tens<lo de. finalidade
em p1imc:ro luqar. p1imeirrimentE notadamenie. mormente. antes prioridade 011
com a intenção de. com o objetivo de. com a Jinalidade de. com o
de mais nada ant6s de tudo. acima de tJdo em particular princi reievJncia
pal'l1entr sobretudo. primordialmtnte. prioritariamente. intuito de;
embora conquanto. ainda que. apesar ele que. 1lnda assim. mesmo concessãd
em cima. acima. abaixo. adiante. na base. mais acima. em um se- cfislribuiç,jo que. a despeito de, não obstante. mcJlgrado. em que pese !'>e t>E;m
gundo nível: esf)dciat que. por mais que por muito que. 1
assim. desse modo clessa lorma dessa maneira. isto é. quer dizei, contitmac,~o.
a ScJDE r, l)Or exc·rnplo. pois, que; itustrac.1o.
iuslilicaçào ,- Conforme Neves (2000: 77 1), conv.:111 di>ti11g11ir rlisju11çcio i11d11siva (em que os clcmc11tm w '"
mam) e a disjunção exc/11sit'tl (cm quem clc111c11ros se excluem).
e. ainda. assim como. aliás. além disso. além do mais. além de acréscimo de um
Ludo. não só(...) mas Lambérn. não apenas(...) mas ainda, enlim. nem dado novo. de um " Orações red uzidas de gc ri'.1nd io tê111frcq11c11rcmcnlc 1·a lor causal, ass im como as reduúd:1; d1· 111'111111
(para adição de segmenlos negativos ou privativos): argumento. adiç,?o. vo introduzidas pela preposição ' por' e, :i i11d a, os clrn 111ados apostos circunstancia is (Pre1101/1c1do r 11111
enumeração de os resultados dos exames, fico u cm c:isa cs111tln 11do).
itens •• As construções com concessivas, segundo Neves (2000: 865), podem ser vistas nas'"·'' 1d.1\'" ~
qucJ11to a. ern r1.;l,1r,.io a. 110 que concerne a. a propósito: çom as adversati vas bem como com as o urras ca usa is e condi cionais. De qualquer for111.1, l'.1 k· 1 I" 11 1
dbfl lllfil ou
.1ee11t11nr a relevância arg11mcnrntiv:1 da~ concessivas, o que confirma a necessidade de: u111t·,111.l111u.1rn
/íll/(Írl/1Ç ) (/(
.1prnfund.1do do.., l:one..:tore~, ~nhrc:t11do nn t•m inn médio.
1 pie
loqo portanto. ent~o. assim emconclu~o. desse modo. dessa lor· conclusJo para enxergar as categorias do mundo textual. Basta ouvir l' h:r
ma. enl1m com base em..: posto isso: .10 redor e a dificuldade de alguns professores de não sabere111 "
como. tanto quanto. tanto como, 1ni1is que menos que tal qual. tal compa1cJCâo que ensinar terá fim.
como. cio 1J1esmo modo que, na mesma medicla em que. Uma consic.lcração que me parece pertinente tem a ver com
provavelmenLe. talvez. quem sabe. será que: eventualidade o fato de que os valores semânticos dessas relações (de oposição,
conJormr St'i.J UldO consoante. de acordo com. como:
1
aceitaÇdo. de causalidade, de consequência etc.) podem ser expressos por
conformidade outros recursos que não as expressões conectoras. Por exemplo,
se. caso. a menos que, salvo se. exceto se. a não ser que. contanto condicionalidade . uma relação de causa e efeito pode estar significada por um ver-
que, desde que. sem que (é sinônimo de "se não"), (a pri;posiçao toanulaçJo de bo, como 'decorrer', 'resultar', 'provir' etc. Também vale a pena
'sem· seguida de um infinitivo tem valor de condicional negtilivo): l1ipólese.
notar as relações semânticas possibilitadas pelas chamadas ora-
por esta cateqoria p<Xle-se indicar tempo anterior (antes que. pri·
ções reduzidas.
tempowlidã1ie
meiro que. desde que). tempo JXJSLGrior (depois. a seguir. após, em Vale a pena mais uma observação: evidentemente, a grade
segllida daqui a pouco. mais ldrdt>, até que). tempo imedíatamen· de expressões apresentada acima é apenas uma amostra de como
le postaior (logo que, mal, apenas. nem bem); tEmpo sinw/l,1neo: !

(quando. rnquanto. ao mesmo lempo ern que. durante o tempo ern se poderia fazer a exploração desse material, destacando, assim,
que): tempo p1oporcional (à medicla que à proporcão qur, cnquéln· suas funções na estruturação <lo texto. Ou seja, não se trata de
to). lempo í11icial (logo que. as~irn que: dcscte que. desdt> quc111clo.
uma enumeração exaustiva; muitas outras expressões ainda po-
mal. apends); tempo lfnnínal (até que. até quando). tempo po11tuc11
(aqora. hoje. c1qora que. hojt que. c1tualmente. nesse momento}, deriam ser citadas.
açõfs reilaadas (cada vez que toda vez que. sempre que) aeôts Além disso, convém notar que uma mesma expressão pode ter
frequrnws (às ve:tes. po1 vezes. de vez em quando. com tre(lufo
eia. lrcqut ntr·mt·nte. habitualmE·nte, assiduamente, regularmente, valores semânticos diferentes e, assim, preencher uma função de
normalrnt>ni('. sempre); ações raras (rcHds vezes. nem sempre. uma organizador espacial {por exemplo: primeiramente), ou uma outra
vez ou oulrd, poucas vezes): açôes cc1sur1is(csporaclicarnente. even· de enumeração ou de indicação de relevância (pensemos na fluidez
tualmentr. Cclst1alrnenle. por acaso). àÇóes pontuais (agora. ja. nes
se instante), rJçôes d111alivas (enquc1nto. tO<lo o dia. o mês intriro. semântica dos conectivos 'e' ou 'mas', só para citar esses dois).
a tarde toda) 1
Na verdade, também as expressões concctoras são polissê-
micas, até mesmo porque podem ocorrer associações entre seus
'' É interessante a distirn;~o feira entre os condicionais f;1ctua is ou reais: SI! eu digo é porque sei;ª' co 11 sentidos, como acontece, por exemplo, entre a lgumas temporais
dicionais contr;i factua is 011 i rrcais: Se eu tivesse ,1sc1s e ns cond icionais cvc11tu:1 is: Se chouer ,1111111z/1<i. i\ e as condicionais 21 , as causais e ns temporais
mc'lna distinção pode ser apontada parn :h con\truç<iC'> concessiva~.
etc. Neste último caso, a associação é intei- ' Neves (2000: 799) aprc'<'nt.1 t'\< 111
pios dessas associ:içôc.:,, 1.11, "'1110 :
ramente justificável, pois a causa é sempre
"Fssa é a história de 11111 sold.uln
Insistindo na tecla de sempre, lembro que a relevância de se anterior à consequência. Também merece qu e se senria em ca~a sol11l'11ll' qn .111
explorar a relação de conjunções, de preposições, de advérbios e notar que, por vezes, as conexões entre seg- do vadiava pela cid,1d1."."

respectivas locuções está no trabalho de explicitar os efeitos que mentos do texto, como períodos ou parágra- Ter cm conta a possihd1d.1d•· dt'
s.is associações é t1ti l pmqtH', '"
o uso desses itens promove no estabelecimento da sequência do fos, se fazem sem o concurso de conectores ~im, podemos ><iir d,1q11d1·<; ""li"'
texto ou da orientação argumentativa que pretendemos atribuir explícitos; são junções sem marcas, que mo- mas rígido> e 111 f.1 li\'l'i' ""11 q111• "
conjunçõo:, ün c1.1"1h..11l.1s d, ~ .t
aos enunciados. Me ocorre reiterar que muito há o que explorar bilizam outros recursos para dar conta des- h.í ,,., 11 los.
em sala de aula de um curso de línguas, se abrimos os horizontes sns conexões.
Jogo, pommtO. ent:ao. assim, em conclusao. desse modo. dessa for-
ma. enfim. com base em_: posto isso:
concJusSo "(I.
~-

.'
'1 para enxe rgar as categorias do mundo tex tual. Basta ouvir e ler
ao redor e a dificuldade de alguns professores de não saberem o
compatacào que ensinar terá fim.
Uma consideração que me parece pertinente tem a ver com
o fato de que os valores semânticos dessas relações (de oposição,
de ca usalidade, de conseq uência etc.} podem ser expressos por
outros recursos que não as expressões conectoras. Por exemplo,
uma relação de caus<i e efeito p ode estar significa da por um ver-
bo, como ' decorrer', 'resultar', ' provir' etc. Também vale a pena
notar as relações semânticas p ossibili tad as pelas chamadas ora-
ções reduzi das.
Vale a pena mais uma observação : ev identemente, a gra de
<le expressões apresentada acima é apenas uma a most ra de como
se poderia fazer a ex ploração desse material, destacando, assim,
suas fun ções n'1 estru turação do texto. Ou seja, não se trata de
uma enumeraçiio exa ustiva; muitas o utras expressões ainda po-
deri am ser c itad as.
Além disso, convém notar que uma mesma expressão pode ter
valores semânticos d ife rentes e, assim, preencher uma fun ção de
orga nizador espacial (por exemplo: primei ramente) , ou u.m a outra
de enumeração ou de indicação de relcvânci:i (pensem os na .fluidez
semântic~1 dos conectivos 'e' ou 'mas', só para citar esses dois}.
Na verdade, também as expressões conectora s são polissê-

io
. . . ..
É interessante a distinção feirn cmre as conr.liciouais foc1na is ou reais: Se 1•11 digo é /1orc111r sei; a~ con-
·1
cfü:ionai~ .:onrrafn ctua is 0 11 ir re,1is: Se e11 /Ít1esse asas e ns ~·;•ndic io 1rnis cwntm1is: Se choul'r amc111i?ã. A
micas, até mesmo porque pod em oco rrer associações entre seus
sentid os, como acontece, por exemplo, entre a lgumas temporais
e as concliciorrni s2 1, as causa is e as tem porai s
111cs rna disri11ção pude ser :1ponrada par:1 :1' consrruçõcs .:uncessivas.
__ _J etc. Neste último caso, a associaçã.o é intei- 21 J\"cvcs {2000: 799) aprcsenla exem·

pios dessas rissuc iaçõcs, tais como:


ramente justificáve l, pois 3 crnsa é sempre kEss;1 .! a hi~ríiria de um soldado
Insistindo na tecla de sempre, lem bro que a relevâ ncia de se anterior à consequência . Também merece que se sentia cm casa so mente quan·
expl.orar a relação de conju nções, de prepos ições, de advérbios e nota r qu e, por vezes, as conexões entre seg- do vadi:1va pela cidade...
Ter cm. conr:i a possibilidade dcs·
respectivas locnçôes está no tra balho de explicitar os efeitos que mentos do texto, como períodos ou parágra-
sas associações é útil porque, 01·
o uso desses itens promove n o csrabel.ecimenro da sequência do fos, se fazem sem o concurso de conector es sim, podemos sair daqueles csque·
texto ou da orientação argumentativa que pretendemos atribui r explícitos; são junções sem m a rcas, q ue mo- mas rígidos e infalíveis com ql•C n1
conjunçiks são clas~ ific.id:i s dc~dc
aos enunciados. M e ocor re r eiterar que mu iro há o que explorar bilizam outro s r ecursos para dar conta des- 1 h3 sé..:u los.
em sala de aula de um cu rso de línguas, se abrimos os horizontes sas conexões.

f 1]( l
O que não se pode p erder de vista é a imensa signi ficação q ue
essas expressões desempenham no curso de uma interação. Afi-
na I> ns pa lavras não têm apenas um significado descritivo. Elas
assumem no percurso do texto um outro valor, p elo fato de pode-
rem ser vir de apoio a uma determinada intenção argumenta t iva .
Para ilustrar esse ponto, posso dar um exemplo: há dias, na porta Práticas de análises de textos
de um teatro, um vendedor nos oferecia bombons, chicletes e ou-
t ras cois inh as doces e fin a lizava sua ofer ta com a informação: "O
quanto a aspectos de
show <lura duas horas'>. Pensei: ele nã o está a penas nos in forma n-
do a duração ci o show. Está, com essa a firma ção, a rgumcnrando
sua construção
a favo r da co nveniência de comprarmos os bombo ns, e mbora de
uma fo rm<i sutil, à espera de que capte.mos o teor argumentativo
de sua .inform ação: 'se o show d ura tanto tempo> vocês de ve m ter
à mã o a lgum docinho'.
Em suma, no â mbi.to do discurso é que as pa lavras c umprem,
integra lm e nte, s ua função de s ignificar, de mediar a com unicaç5o om base nos fundam enros teóricos que aborda111os no
e ntre dois ou ma i.s interlocutores . Fora d isso, o traba lho co1~1 a
linguagem se reduz a uma especulação que corre o risco ele se
tornar simplista, falseada e ineficaz.
Não percamos tempo. Não podemos.
No ca pítu lo segu inte, vamos empreen<ler a an á lise ele a lguns
e capítu.lo a nte ri o r>vamos empreender agora atividades
de a nál ise de textos, na perspectiva dos recursos e dos
aspectos que foram rc.lev;:rntes para sua construção.
É importanre fri sar que seria impossível dar conta de todos
os recursos. Na verdade, esses são quase inumerâtJeis. Vamos,
textos, centra ndo-nos nesses aspectos de sua const r ução. assim, concede r prioridade àqueles que assumem, em cada texto
escolhido para aná lise, uma fu nção mais salien te, no sentid o de
fazer subir as fJaredes de sun sustelltaçcio, corno disse no início do
capítulo anterior.
Apesa r de nos fi xarm os cm pontos locais dessa sustentação,
nã o vamos perder de vista n totalidade cio texto, sua unidade
sem ântica e pragmá tica; ou seja, não vamos perder de vista a
ativ idade de li nguagem que ocorre sob a mediação do texto que
a nalisamos.
Não separan1os, assim, o linguístico - quer na sua dimensão
gramatical quer na sua dii:ncnsã o l.exical - dos outros consti -
tuintes do ato verba.\. Temos em m ente que> pela linguagem> o
fun damental é a interação que se produz entre dois ou ma is inte r-
locutores, numa situação socia l de m útua cooperação> para que a
,,.
'!

r
.1 Tenho

ll
insi~cido em ponruar q ue
ll r1jlungem não é ape nas a cx-
r>rtsNilo de um sc nriclo. Q uer dizer,
n co mpreens.io de um texro não se
expressão de um sentido e de uma intenção'
aconteça com sucesso.
A seguir, tomamos outra vez como base
1 - Não. assim não pode ser. Ca ntar sem a tilulação devida é um desres-
peito à ordem.
E os urubus, em uníssono. expu lsara m da tl oresta os passarinhos que can-
l''íl"t.1 11.1 idcntificaçiio apenas de de nossa análise a fábula de Rubem Al- tavam sem alvarás...
'''"' <.Ontc1ídos. É prci.:iso ir ,1lém, ves, detendo-nos agora em questões de s ua
p.ir.1 reconhecer também a i11te11- 1 MORAL: Em terra de urubus diplomados não se ouve canto de sabiá.
r1>••. pmpúsito co1111111icatil'<>
o
construção.
1.om que esse sentido é expresso. (Rubem Alves. Estórias de quem gost.a de escrever.
l l.1hiwalme11re, os objcrivos das Co1tez Edilora: SCio Paulo. 1984, pp. 61-62).
.11 1vidJdes de comprcensiio de texto
1 rm-~c concentrado em Jescohrir
"o que o amor disse"; "qun l a s ua
7.1 Análise da fábula
Como referi no cap.ítul o ::interio r, diante da ev idente dificul-
111,·n ~agem ''. Convém a 11,1 lisar flor "Os urubus e os sabiás"
</li<' ()li COI// que /Jl'f!/ Cl/S[fo u /Ili · dade de se esgotar a tota lidade dos elementos analisá veis, vamos
for disse o que rlisse. Apoi:ido
...
,-,_ -,- -·--··-·-·--·--..... .... ........,:
_ - .,,_ ................, ... '''"
110
fixar-nos n aqueles que m ais dirern mcnte estilo vinculados à s ua
M·nrido (lo que diic nrns. ...sr:111 as
ÜS URUBUS E OS SA1311\S coesão e à sua coerência.
i11h'11ç<!es. e
aí que 1110 1':1 () pcri~o ...

Tudo aconteceu numa Lerra clistante. no Lempo cm


que os bicl1 os ICJ lavani... Os uru!Jus. aves por natu rnza becaclas . mas sem
A seleção vocabular como recurso da coesão do texto
"O s uru bus e os sao1as
L. , "
grandes t1oLes pa ra o ca nto. dec idiram que. mesmo conLra a nalu reza. eles .... --· ... ,. i'
haveriam de se torna r grancles can Lores. (:
(a) Ql)servemos a concentração de iLens lexicais vinculados aos mundos ~
E para islo rundararn escolas e importa ram prolessores. gargarejaram em que o Lexlo nos coloca: ~
dó-ré-mi-lá. rnanclaram imµrimir diplomas, e lizeram compelições eulrc si, o mundo do acontecimento narrado: Tudo aconteceu rwma trna clistallle (ce- 1
para ver quais dclt~s seriam os mais imporla11les e teriam a permissão de nário). no 1.emoo em aue.. Tudo ia muito bem a..t.é iwf_(localizacão temporal):
mandar nos ouLros. o mundo da liccào: bictws falantes. urubus cantores, urubus professo- ,i
Foi assim que eles organi zaram concursos e se deram nomes pomposos, eo res. aves perplexas. aves que decidf m. que expulsam... J
sonho de cada urul.Juzinho. instrutor em início de carreira. era se tornar um o munclo das aves: floreslcJ. aves. u1ub11s. bandos. passarinhos. sabiás.
respeitável urubu l.ilular. a quem LOclos chamavam por Vossa E:xcelência. pintassilgos. canários. bico...
Tudo ia muito bematé que a cloce tranquilidade da t1ierarquia dos uru bus o mundo da música: canto, ca11Lo1 . gargarejar ctó-ré-mi·fá. tagarela.
~ foi estremecida. A íloresla loj inva(lida por bandos de pinLassilçios Lagare- serena la...
l Jas. que brincavam com os ca nários e raziam serenaLas com os sa biás. o mundo da atuação pedagóg ica: escola, professores. instrutor. tor-
nar-se. concurso. compeUções. documenLO. diploma. lilulação, convo-
. Os velt10s urubus enLorLararn o bico. o ra ncor encrespou a testa e elos con-
car, inquél1Lo, caLTeira. /Jíerarquia. ULUiar. expulsar..
vocaram pi nLassi lgos. sabiás e cana rios para um inquérito.
• o mundo da inLransiçiência e da arrogâ ncia da burocracia: mesmo con-
' - Onde eslão os (1ocu1m:nLos dos seus concursos?
tra a natureza, nomes pomposos. respeitável urubu tiwlar. desrespeito.
E as pobres aves se olharam perplexas. porque nunca haviam imag ina· Vossa Excelência, ordem. em uníssono. rancor. convocar, /JÍerarquia,
cio que Lais coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de ca nLo, inquérito. alvarás...
porque o ca nto nascera com elas. E nunca apresenLaram um diploma para (b) Como se pode observar. a seleção vocabu lar feita para o texto já lun·
provar que salJiam ca ntar. mas cantavam, simplesmente.. cioria como um dos 1ecursos ele sua coesão e de sua coerência, pois cada
,...,,

sedent os de poder. arroqantes. prepotentes e dominadores: (examinemos


núcleo ~ e ilcns é convergenle e susLenta uma perspectiva de conlinuidade.
os sentidos dos verbos em: E para isco fundaram escolas e i111oortaram
Além disso. os vários núcleos interagem (os urubus queriam ser como as
professores, (..) mandaram imprimir diplomas. e fizeram compelições (.)
o11lras aves: a escola era de canlo. os urubus reieilavam a compelência ina-
lei das aves cant.oras; os urubus as proibiram de cantar sem o diploma dado 1
organizaram concursos e se deram nomes oomoosos... A seleção de verbos
desse Lrecho. é claro, remete para agentes munidos de auLoridade. perten-
pelas .es_ colas ele.). Essa inleração tios vários nú cleos Lemátlcos do texto cenles a um lugar de mando e de decisões Essa coerência na represenLa·
~o nst1t~ 1 uma ~o nd icâo de sua uniclaôe global. lslo é. esses nlicleos em ção da figura do urubu é sustentada Lambém pela oposição com o outro
.: mteraçao compoem um quadro de referência . onde as coisas so articulam grnpo de personagens: os passa rinhos ou as outras aves que. 1agarelas.
~ convergern entre si e ganlrnrn coerência. Ern suma, pode-se perceber nã~ brincavam e faziam serenai.as, cumprindo as deLerminações que ll1es foram
~ apenas os lugares do mundo socloculllual para onde o Lexto nos remete outorgadas pela naLUreza. Não pretendem tornar-se outra coisa: porque o ~
~ {os ·~spaços naturais. esponláneos· o os ·espaços insti tucionalizaclos arLi- .f caJJ/o nascera com elas. nem prelendem provar que sabiéWJ canlar. pois 1
f 11c1a1s e arrogantes'). como ainda a interação pretendida para esses vários ~
~

ca111.avam. simplesmelll.e.. '


~ lu_gares _(os urubus querem ser como os passa1inhos): i nsli tucionalizar essa ~ {e) Só em análises dessa natureza. voJLo a dizer. se pode entender como o \
~ 1 e l e n_s ao é o recurso de qu e se valem os urubus, mesmo aJeaLoriarnenLe; léxico co11stilUi um recurso da construção do Lexlo. Um recurso não apenas ~
l1cam mterdependentes. assim, os lugares de quem tem o poder e os luga- em relação aos senLi dos expressos. mas. sobreludo. na direção das rela- ~
. çõcs cüadas. para que se garanla a lota lidade em vias ele ser conseguida. ~
\:i

i.
res cJe quem deve obedecer.
(c} Se o que prelendcmos é entender cada vez mais como se dá a conslru-
çao de _um l.exto. podemos concluir que uma exploracão vocal)uJar clessa
·
; Reparemos que a arrogâ ncia dos urubus. no seu empenho por manter a •
~ burocracia, é reiterada. do princípio ao fim (aves beca.Q~ las hecas. em
I
ordem e mais relevante do que simplesmenle apresentar o síqnilicado de '. nossa cullllra. estão ligadas a conlextos de poderl. decidiram \quem pode .
~
<

) ~CJl~v~as supostam ente desconhecidas. ou exerci Lar. em rrases. a sua subs- decidir?!, mesmo conJ.ra a nawreza. rancor. encrespar a lesla. Ululação 1
~ LJlu1c_ao por ~ utras sinônimas ou anlônimas. Nesses Li pos ele exercicío, o ·~ devida. decidir em uníssono. expulsar. mandar nos ouuos...J e é posta em 1
~ i~al ~ que nao se pocle perceber como a simples escoll1a das palavras iá ~ oposicão à serenidade do mundo naLural dos passarinhos.
~ icpresenla um :ecurso ela coesão e ela coerência do lexlO. Quer dizer. o que ~ (0 Podemos perceber ainda o quanLo uma análi se dessa naLureza mobiliza
~ vale ressa~ Lar e que a escolha de cada palavra eslâ prêsa a uma razão de ~ nosso conhecimento de mundo ou traz à tona os esquemas culturais - e
i orde~11 r~ a1or. a uma_ razão de. ordem textual garanlir a sua convergência ~ seus valores simbó.licos - que predomi nam em nossa realidade. Repare-
i mos na intencão do autor dequestionar a inconsistência de certas medidas
~ semanlica. ~sua un1dacle. 1ns1sto: n~o se pode perceber essa reg ularidade
~ pela pwduçao ou análise de lrases sol tas. ~ inslilucionais, o que está. rnetaloricamente. representado pelo conjunto de
~ (d) Co~vé~ observar ainda que não é a uniclade lexiccJI isolada que garanLe \ decisões Lomadas pelos urubus mesmo cont.ra a nawreza: tuclo isso exprns·
li a coeren.c1a do Lexto, mas a convergência de contextos emque um determi-
nado º?l: to ele referência so apresenLa. Por exemplo, não é. simplesmente,
~ so por palavras que se ajustam a conjuntos semanticamente a!ins - em
ordem a uma macrouniclade.
a repet1~ao_ da palavra 'urubu· que garante unidade. mas a permanência. {g) Uma análise assim como esta é consistente ainda pelo rato de se apoiar
a constancia das atitudes aLribuídas no lexLo a esse ·objelo do discurso' no Lexto. nos sinais de sua superficie - que sã.o as palavras que o cons·
ou. noutra.s palavras. a essa classe de personagem: querem tomar-se can· tituem e as relações por elas expressas. Na verdade. dessa forma, esLamos
tores. decidem (mesmo contra a nalureza), querem ter nomes pomposos tentando ver como o texto loi-se Jazendo, como as palavras foram promo-
enLor_ta~ o bico. encrespam a Lesta. convocam os passarinhos. impõe~ vendo a conslrução de uma unidade. Do lado do leitor. lica evidente a trillla
cond1çoes. co_nseguem unanimidade. expulsam as aves que cantam sem que precisa ser [eita para o êxito na compreensão do que é dito.
alva1ás. Ou seia. a seleção lexi.cal vai sustentando uma imagem de ·1m1bus·
-

-- ----
-F'-'""'........
Pi . _ ........ li"•--.. -·-

Quanto à natureza dos nexos coesivos ~ (b) Os nexos de con/.iguidacle ocorreram quando a mesma classe de objetos
~ foi referida. mas não o mesmo membro dessa classe. Por exemplo, entre
1.embramos que esses nexos, tal como fo i apresentado no ~ a referência a ·urubus· e a ouLra a ·cada urubuzinllo' não há equlvalência
capítulo 6, pod em ser nexos de equivalência, nexos de contigui- ~ referencial: LraLa-se de duas unidades diferentes do mesmo conjunto de ob·
dade., nexos de associação e nexos de conexão ou sequenciação . jeLos. Ou seja. não llá equivalência. mas há contiguidade relerencial, pois,
Vejamos como esses nexos se constituíram no texto em análise. como disse. Lrata-se da mesma classe de membros. De qualquer lorm a. vale
No momento, fixo-me nos três primeiros, pois os nexos de cone- salieolar que pela contiguidade referencial. se eslã assegurando também a
xão e sequenciação serão analisados, no tópico seguinte, quando i conti nuidade que a consLrução do texLo requisita.
nos ocuparmos dos recursos grama t icais. (e} Os 11Gxos de associação são os mais rrequenLes em Lodo Upo de texlo.
como decorrência da exigência de conLinuidade da própria c0€rêncla ou
corno rorma de assegurar a inexistência de rupLu ras ou desconLinuidades.
Todo Lexto supõe um fio. que não se pode parlir... Assim. as referências. ,:
• urubus_, eles; as prcclicações. os aLribu Los. as relações vão se associando e criancio urna i1
rede de aproximações Corno já mostrei. ex iste uma associação clara enLre !:
urubus --. si (Jízerw11 compelicões eJ71 re si): 'u rubus· e ·aves·: enlre ·aves becadas · e ·interesse pelo poder': enLre 'es- ~
urubus__. urul)us: cola' e ·prolessor': enlJc 'canários. sa.biás' e ·canto': entre ·interesse pelo }
urubus - > os velllos urubus; poder' e ·exigência ele concursos. de diplomas. de alvarás' ele. Ou seja,
numa oll1ad a ma is cuicJadosa podemos perceber que nada no texlO eslá
' Vai..: , a lieJlla r que •>ll l't'OS 11 c xos de
pi nLassi lgos. canários e sa bifls -> as pobres aves:
dHo por acaso: ou nada está solto: ludo está Fm inlerdependéncia. Nas
''111111'.tlência podem ser encontra- pintassilgos. canários e sabiás-> os passarinhos: 1rases isoladas. a unidade req uisilada é apenas aquela restri La a seu i nte-
dos un texto <:rn ard 1isc. .F111'1';1rru 1-
''"' .11·numcr:i -los cx:1usril';1111cn tc
1 as pobres aves-> elas 2. rior. No texto, a p1imeim lrase se arlicula com a segunda: a seg unda com a
para 11:in alo ngar cin clcn1n si<1 ,,
O recurso à elipse também pode implicar umnexo terceira .. ; loclas sG articulam entre si, e nada pode ser dito som o apoio do 1
1>10..:l'di111ento de an:íli~e . Mas, na
de equivalência relerencial. uma vez que é possiveJ contex Lo preceltenLe ou subsequenLe. Mas a gente só enxerga isso quanclo ~
,,i1.1 de aula, uma an51ise exaustiva
pode aco nrccc r sem pro ble111:1. resga tar. na procura pelo sujeito de cada verbo. a se lança na escrita e na análise de texLOs! ~
.... ,,,, "· '·' '" ' .....
_ "'· ...,.,,,' ·• ' ....... .....
_

' Oh~rrvem os que o que t·sr<.Í t>m retornada à referência anterior, corno no trecho: E
io1to aq ui não é sim plesmc11tt· iden- para islo 111udaram escolas e imoorlaram protesso- Ainda a propósito de nexos de equivalência referencial, veja-
1il1c,1r as ocorrênc ias d1: elipse,
1111111:1 a ritud c de mcr;1 proc ura po r
res. gargarejaram dó-ré-mi·lá. mandaram imprimir mos o segu inte fragme nto de texto:
diplomas, e fizeram compeUçôes entre si, para ver
~-·õ'"i;p;~;~·; Aô:· p·;d·c~. .Í[;~~;~;:~·,s·;·~;~~~· h~·~'";;··;~~;d~;. ·~-\;;~;~..~;t~;
lllto' do mundo sin r:ítico. O que
,·~ r;\ e111 jogo é reconh ecer cm que ouais cfeles seriam os mais imporlanles e Leriam a
\11lltt·~ 10~ a mesma referência vol-
permissão de ma11dar nos outros o mesmo recurso na do Brasil e em transmiti r ~ (1) "verdadeiro" aspecLo civilizado. Ele
11111 .1 <•Lllrrer, para assim se pod er
rr\.'11pcr.1r a continu idade rderen- da elipse. numa siluação de equivalência referen- (2) visitou pessoalmente a Exposição Universal da Filadéllia (1876). l á (3)
lln l do rexto, q ue é co11diçfo de sua cial. pode ser vislo no Lrecho: E as pobres aves se teri.a conhecido Alexander Graham Bell, IDIB (4) lhe (b) apresentou sua (6)
\'Ol'r(·11ci;1. Volto a insis tir: o que
olharam petplexas, potq11e nunca haviam imaginado mais nova invenção. o Lelefone. Ao Lestá-lQ.. (7) o Imperador (8) teria dito QQ..
1111/1111/,1 11ão é recu11/Jl'cer uni fato
JlT11111111ical , si mples111ente; o que que lais coisas 11ouvesse. Não tiaviam vassado por inventor americano (9) que. (10) estando disponível no mercado. o Brasil
llll(J•llf<1 ,; a11t1/i11r o concurso desse escolas de canto, porquo o canlo nascera com elas seria o 2fill. ( 1J) primeiro comprador.
/11/11 J.ll'olmati,-a/ prir.1 a co11stru ç'10
E nunca apresentaram um diploma para provar crue (Palha de S.Pauto, Mais. 19/ 11/2000).
,{,, .-111•s1111 e dt1 coerê11cia do texlo.
~bja1J1 canlar, mas cantavam. simplesmenLe1...
--·$•(•$"")$-b,. ., __
q_;_; ~T••,1-'.1'"""7'"....;.· ••1••• '" ·~' ' ' "'"l>•,..7•(*""'••" " Cj u:; ti) J.J

~
De saída, podemos dizer que esse fra gmen to apresenta uma nos segmentos anteriores, havia um o utro poss1vel r eferen
grande densidade coesiva, po is, apenas no â mbito da continui- te para o pronome (Alcxander G raharn Be lJ ), a lém de a
da de referenc ia l, se veem onze nexos . Al.guns comentários acerca primeira referência ao Imperador esta r um tanto di.s tante e
d esses nexos podem ser releva ntes; vejamos: terem ocorrido outras retomadas pronominais a ntes;
• Em (1), o pronome 'seu' poderia irnplícar ambiguidade: • em (9) , o inventor americano, verificamos a substituição
'o asp ecto verdadeiramente civilizado' era do Brasil ou do da r eferência a Alexa nder G raha m Bell por uma expres-
Imperador ? Formalmente, o pronome poderia retomar um são que, nesse contex to, o caracteriza (o inventor ame-
o u outro antecedente; a dúvida se desfaz quando apela- ricano); a conveniência de um procedimento como esse
mos, primeiramente, para a proximida de entre a referê ncia não é, simplesmente, ev itar a repetição de uma palavra, é
a Brasil e o pronome e, cm segundo, q ua ndo consideramos possibi litar o acrésci mo de uma informação que torna o
a imprevisibilid ade ele a lguém "se empenhar em transrnitir texto m ais informativo e relevan te;
seu verdadeiro aspecto cívilizado ". Pelo menos nt:sse con- • em (10), podemos ver que o te rmo elíptico aí é 'o telefo -
texto, essa in terpretaç5o não seria muito p rov<1vel; ne', uma vez que não reria coerê nci a aceita r, como 'a lgo
• cm (2 ), (Ele (2) visitou ...), não bá dúvida de q ue o prono- dí spon ívcl no mercado', o utro o bjeto senão o telefone ('o
me retoma a rt:ferência a 'O imperador'; o único referente Imperador', ' Alexa ndt: r Gra banl BcU' ? N ão te ri a sentido);
possível no contexto ;-1 nrcrior ('Brasil ') não era coe rente podemos ve r, por esse viés, como é s ignificativa a inter-
com o n úc leo do pred ic;ido ('visitou') , que, no contex- pretaçã o que se apoia também cm nosso conhecimento de
to 'visita r pessoa lmente', ex igia a refer ência a um agente mu ndo e não apenas nos aspectos forma is do e nunciado;
humano; • en.1 ( L1), igualmente, é clara a conveniênc ia de se apelar
• em (3), é fac ilmente ide ntifi ca da a retomada de uma loca- ' 1• para a coe rência do q ue é d ito: nesse contexto, o telefone
li zação espac ial (Ext>osição Universal da Filadélfia -?Lá); é o único o b jeto comp rável; só nesse sentido se pode esta-
• cm ,gue (4) lhe (5) apresentou sua mais nova inve11çãu(6), belecer um nexo acei tável.
se identifica m facilmente os referentes dos pronomes, o J\ análise qu e empreendo a partir desse fragm ento revela:
que supõe a consíde raçã o não apenas dos pronomes mas .. • ... .. • • ... . ........ <. .~I

também das predicações cm que eles aparecem; por exem - {a) a !unção coesiva que os pronomes e oulrds expressões relcrenciais as-
plo, a c iênc ia de que ' a mais nova invenção' nã o era do sumem na consLruGàO de um Lexto:
Imperador permite que se identifique os referc11 tes do
(IJ) a necessidade ele se extrapolar o formal, ou a mera expressêo linguísti-
'q ue', do 'lhe' e do 'sua ' - Alexander Graham B el/;
ca . para se recuperc:ir a legilimiclílcle de um nexo:
• cm (7), 'ao testá -l o', ta nto a proximidade em relação ao
(e) o predominio da coerência na procura inLerpreLaliva de qualquer nexo.
o bjeto de referência ('telefone' ) quanto o nosso conheci-
Isto é, se empreendemos a ali vidade de esLabelecer os nexos em um texto,
mento de mundo nos 1.e vam a reconhecer o antecedente
ó porque alimenLamos a hipótese ele que oxisle um sen/Jdo prelendido
do pronome e a estabelecer a continuidade requerida para
que jusli!ica a ligacão de dois ou mais elementos. A gramáUca representa
o enunci a do;
um dos cornponenles desse senlido. Atenção: apenas uM dos componenLes
• cm (8 ), (o Imperador), o nexo é da do pela rep etição li teral
Existem ournos. que não podem ser perd idos de vista!
1
d a palavra; nesse caso, esse recurso é o ma is indicado, pois, t .... ~~,.,,,.,,' '". "" . ' ·'"'"·""' ""''"''"'~""""4""'~--~---------

- 1

---~ - -
dl ana !Ises de Lextos quanto a aspeotoe de sua coneuuç&o .i

Até aqui an a li.sam os os nexos que se construíram no âmbi- p anffrase, o paralelismo de estruturas, o uso de expressões concc-
to da r eferenciação atualizada , o que implica uma concentração toras e seq uenciadoras.
no levantamento de expressões nominais (com substantivos ou Assim, no texto em análise, como amostra desses recurs os,
p ronomes com o núcleos). Vale salientar, no entanto, que pode merece observar:
ocorrer uma equivalência d e sentido entre d uas expressões com - d.as pa lavras ' fl: oresta ' ; ' uru b u ' ; ' av e'
• a rcpet1·ç;:10 · ; 'pas s·'ar·1·-
va lor de adjetivo ou entre duas predicações, por exemplo, o que nho' ; 'sabiá'; 'canto', 'canta r'; 'escola ', 'concurso'; 'd iplo-
estaria fo ra do âmbito refere ncial, mas não deixaria de consti- ma'; repa remos que a reiteração na escolha dessas pal.a-
tuir um nexo coes ivo. Podíamos lembrar a vrns já é indício dos núcleos tem áticos do texto; portanto,
• Sou rcsremunha da difirnl<Lidc 1
conriguidade de sentido entre os atos de 'en- a repetição de cada uma fu ncio na como marca de que os
dos professores para tr:1r;ir das crespar a testa' e 'entortar o bico' ou entre túpicos centrais do tex to se mantêm;
quesrõcs grnmarica is no e nsinu 'a quebra da tranquilida de dos uru hus' e 'a • a substitu i<,:ão de uma palavra por outra equivalente, como
da língua . É que a tr;uliç:i o lhe~
proporcionou o estudo de 11111:.1
tagare.lice dos passarinhos que brincavam e aconteceu no nexo entre ' pintassilgos, ca nários e sab.iás'
gram:11ica à p :1rtc, fora do texto. faz iam se renatas'. É muito significati vJ tam - e 'as pobres mies'; entre ' documentos de seus concursos'
Esrnmos vendo, pdas amí lises fci bém a associação entre as difer entes atribui-
tas, q ue rnda :1 g ran1:í1i..::1 ocorre
e 't~is coisas' (substituições pelo uso de um h iperônimo);
nos r.:xros . E é, :1í, no tl·xro, qu e ções de sentido, corno já temos sublin hado . entre 'pintassilgos, canários e s:lbiás' e 'elas'; entre ' os ve-
po de mo, ver <:omo essa grn m:ítica Examinemos, por exem pl o, a p roximidade lhos urubus' e 'eles' (substituições por pronomes); n1ere-
se efo 1iva e que /i111ções tli sc11rsiv:1s
semântica entr e as predicações ' fu ndar esco- ce destat:ar o uso do pronome •Tudo', no i.nício do texto
cada L1111 n de sua' <><.:orrên.:ins cum -
pn:. ü que imporr.i não é a valiar las de ca nro' e 'importar professores, garga- (Tu do aconteceu ... ), numa espécie de a núncio de tudo que
os valores d as 1111idades isolnd<1s; rejar cló-r é-m i-fü, i1nprim ir di.plomas, fazer vai ser n:1 rrado (uma substitu ição de n;Hurez;1 catafó rica,
mas .:0 1110 es~n s 11nid:u lcs cu1nprt'111
no r<.:xto as fu nçõe s de :is~cgu r:i r a
competiçôes' etc. Ou seja, a continu idade que apon ta para os trechos seguintes) e, co ntrariamen-
cxpressiio de 11111 sentido e de umn que prom ove a coe rência não se fund a ape- te, o uso do pron ome 'Tudo', no meio do tex to (Tudo ia
i11le11('ãO, o qu<.: 1·x igc cncsri " eco - nas no âmbito das referências que são feitas.
Prê11cia. O cami11lH> não é csruda r mu ito bem) , que resume a narração fei ta até esse ponto
gra 111 ~ rica, isnlad.1111ente. O ca1ni-
Ela se estende a rodas as dimensões do texto (uma substituii;ão, portanto, de natureza a nafórica, que
nhn é ver como :1 g r:i rn fiiica possi- e nlca nça também o âmbito da atribuição e
bilita cm textos o cumprimcnro das
retoma portes anteriores); rep:1remos
da predicação {o que envo lve :1S expressões
funçõ~s comun i..:a tiva s. ainda no uso do demon strativo ' isto' ' 1n; isro na rdcvânci;i de a 11.ílises
predicativas e os prcdicodos verbais) 4 • dàu co nra dessas o perações
no seguinte trecho: lO s urubus 1 deci- qut•
texru ais dr promover '" li gações,
diram que (. . .) haveriam de se tornar a continuidade e a L111idade cio
Quanto aos recursos coesivos utilizados grandes cantores. E para isto ... ; vale r<"xru. Represe nta rnu i i·o pouco se
restl' ing ir à idcnti fic::içiio ela clus•c:
A análise q ue fizemos até este ponto compreendeu os t ipos identifica r aí outro nexo coesivo, que
de palavra a que penem:c o termo
de nexos coesivos estabelecidos no texto: nexos de equiva lência, tem como antecedente uma p redica- ' isro', por exe mplo. É pMnome de·

ele contiguidade, de associação. O estabelecim.enro desses n exos ção inteira e como term o de retomada mo 11H rativo, e daí? Q ue funçtlc1
tem? Para que serve nos tcxtol
envolve a utilização de difer entes recursos, pelos quais a pretendi- um pronome demonstrativo 5; que (Hzem os e receben1os? Como
da Ii.gação entre dois pontos se efetiva. Lemb ramos q ue se situam • merece observar ainda a funçã o coesi- po demos er11prcgá-lo hc111 ? Qur
conscquênci.1s 1eria cm c111rrc:14t\-l11
entre esses recursos a r epet ição d e uma pala vra, a associação va do termo ' assim ', no trecho em que
i11 a dequ :1cl~ 111c11tc?
semântica entre elas, sua substituição por o utra equ ivalente, a os passarinhos declaram que nunca
•p•~-'"'' __.,................. . . ,. .. "~as te~ - tundsmentog eprétloei

apresentaram um diploma para provar que sa/Jiam cantar, ,, os segmentos numa terra distante e Em terra de urubus
\

e os urubus respondem que assim não podesa Cantar sem diplomados, fica deli mitado para o .l eitor o espaço em
a titulação devida é um desrespeito à ordem; vejamos que que as afirmações seguintes valem; da mesma forma, o
o termo 'assím' tanto retoma a predicação anterior corno segm ento no tempo em qite os hichos fa lavam também
pode ser projetado para a afirmação seguinte; em um outro funciona como um delimitador, agora temporal, dos fatos
trecho: Foi assim que eles organizaram concursos, o termo n arra dos; ou seja, a val idade desses fatos é demarca da
'assim' também retoma toda a predicação do parágrafo por esses limites de espaço e tempo; em Tudo ia muito
anterior; bem até que..., a expressão sublinhada também tem wn
• um outro recurso coesivo presente no texto em anál ise é valor temporal: o va lor de um tempo terminal (até que,
o uso de estrutu ras paralelas, ou do paralelismo, como até q ua ndo), o que representa para o leitor uma pista de
se costuma chamar, um expediente que cria uma espé- que vai ter início uma situação nova;
cie de re iteração, provocada pela similaridade expressa
• em: aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes
na seleção das fonnas sintáticas; vejamos o pa ralelismo para o canto, o conectivo subl inhado expressa uma oposi-
s in t;hico-scm ântico conseguido no seguinte trecho: 1os
ção: as aves tinham poder (s im bolizado pe.lo uso da beca);
urubus] fundararn escolas e importaram f1rofessores, ~ar­
não t inham o dote do canto;
gare jaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir dif7lmnas, e
fizeram competições (todos os verbos estão no mesrno
• em decidiram que, mesmo contra a n a tureza, eles have-
riam de se tornar grandes cantores é expresso, ao mesmo
tempo e modo, adota m a mesma regência e rodos têm
tempo, um sentido de oposição e de concessão; ou seja,
como complemento a mesma classe de palavras; igual re-
tornar-se grandes cantores era uma pretensão que con-
cu rso ocorre em relação a outros trechos (por exemplo,
trariai1a a natureza dos urubus (sentido de oposição), o
a doce tranquilidade da hierarquia dos urubus fo i estre-
que não imped iu a tentativa de se conseguir (sentido de
mecida . A floresta fo i invadida; bandos de fJintassilgos
co ncessão); q uer d izer, no nexo q ue comumente chama-
(.. .) brincava m com os canários e faziam serenatas com
mos de concessivo, subjaz também um valor semântico
os sabiâs); como se pode perceber, essa co incidência de
de op osição; a concessão der iva exa -
determinados fatos gra maticais constitui um recurso da
tamente da desconsideração a essa • Vale a pena i:essalta r esse Ycd or
reiteração exigida pela coesão e pela coerência do texto.
oposição estabelecida; a lém disso, a de oposição presente na s co11ccs·
si\•as, comumenre vistas, nos livroN
concessão implica u ma o rie ntação
Quanto aos recursos de conexão sintático-semântica de gramática, bem distinta s (e d is·
argumentativa favon1vel ao objeto rnntes) das adversativas e J e ro dns
A pr.imeira observação que podemos fazer inc ide sobre o nú - da declaração: os urubus, ainda que as locuções que exprimem se11tido
co11td rio.
mero de ocorrência da conjunção aditiva 'e' (11 ve1.es), propi- contrariando a natureza, reali.zaram i.. ···-·----········ ....
ciada pelo caráter narrativo do texto, no qual as referências aos seu projeto6 ;
fatos vão-se somando na sequência e na continuidade do texto. • em: para ver quais deles seriam, a palavra sublinhada
Além d esse tipo de conector, podemos apontar: inicia um segmento em que se declara a finalidad e ou
• o uso de expressões que cumprem a função de indicar o objetivo atribuído aos term os do enuncia do anterior;
a delimitação do espaço onde os fatos ocorrem; assim , essa finalidade poderia ser exp ressa por meio de outras
lllllllllllllJ7""1"'4""'54_......,~.--•'"'·•"-'" '"" "' "

Mais especificamen te, das ações de linguagem - concretizadas


expressões como: a fim de, com o fim de, com a fina lidade
<lc, com o objetivo de, com a pretensão de etc.
.'
1
em gêneros tex tuais - às r egula ridades gramatica is. Por essa ó ti -
• cm: E as pobres aves se olharam perplexas, porgue nunca ca, as questões sclec.ionadas nos programas devem ser questões do
haviarn imaginado que tais coisas houvesse, a con junção texto; a parti r delas é que se deve fazer a programação com vistas
sublinhada expressa um sentido de causa em a exp licitar, s istematizar, amplia r os conteúdos gramaticais impli -
Pode-se explorar ou1ra~ cxpres-
' õeo; que têm o mesmo va lor d e relação ao segm ento an terior do enunciado, cados na cons rrução e na compreensão desses textos em estudo.
c.111~:i lidadc, inclusivamenrc, o uso que é, assim, a sua consequência 7 • Por exemplo, se o q ue está progra mado é o estudo de gêneros
,Jc v..:rbos que impli.:am esse va lor,
do tipo narrati.vo, será pertinenre explorar os fotos gramatica is
c011H> us verbos prouoçar, rrs1t!ta r,
..:c111sor, produz ir etc.
Uma últ ima observJ<;ão pode ser fe ita implicados na descr ição de cená rios, os recursos referenciais para
em relação às intenções pretend idas para esse a presentação e retomada d as personagens, as di ferentes fu nções
texto . Embora ele tenha as determin ações tipo lógicas p róprias d e dos tempos e modos verbais, certas Jocuções (de qualquer natu -
urna narrativa, o que sobressa i em suas linhas é um claro propó- reza} q ue in d ican1 sequência de fatos, ou sucessão de episódios,
sito de denúncia, de crítica a uma situação comum no m undo das as diferen ças entre a sintaxe <lo discurso direto e a do discurso
avaliações inst itucionais, no cálculo dos v::i lo rcs das q u::d ificações indireto, pa rn citar apenas estes itens. Se o que esrá programado
profiss iona is, contrariando, por vezes, poderes e capacidodes de- é o estudo de um gênero do t ipo inj untivo (como as in struções
correntes da própria condição natural de sermos o q uc somos. de uso de um apa relho, por exemplo}, será pertinente estudar
Na verdade, a h isrorinha cri ada q uer promover a reflexão sobre o modo im perativo dos verbos, as características g ram aticais de
a artificia lidade e a ilegitim idade da atribuição de valores às pes- uma formula ção cen trada numa sequ ência de procedimentos ob-
soas com ba se, simplesmente, cm elementos externos à sua con- " jctivos. Se se trata, ainda, de um texto expositivo, sob a voz de
dição de existir como humanos. um enunciador im pessoal, pode-se explorar os modos de deixar
a enunciação acim a de qua lq uc.r circunstâncio de lugar e tempo
7.1.1. Observações sobre o esLudo da gramálica ern relação à labula o u, ain da, os recursos de genera lização e de indeterminação do
··os urubus e os sabiás·· sujeito, caso isso convenh a ao teor g lo bal do tex to.
Como se pode ver na seção precedente, muitos c..los faros gra- Ist0 é, a exp licitação da g ra mática vai chega ndo qua ndo a
maticnis presentes no tex to cm análise fo rn m o bj eto d e comentá- construção do texto vai exigindo. Dessa fo rma, vê-se a gramá-
r ios, so bretudo aqueles ma is d iretamente ligados à coesão. Voltar tica como , de fato, não te11do fina lidade em si mesma . Vai-se à
a com end -los aqui m e parece pouco relevante. gramática p a ra explicitar melh o r como se deve usa r, nos textos
Ocorreu-me, em vez disso, fazer com os p rofesso res algu mas q ue fazemos e recebemos, essa ou aquela categoria gramatica l em
reflexões a partir das qua is eles podem cri ar suas experiências de vistas aos efeitos de sentido que se pretende obter.
análises e de estudo d as q uestões gra mm ica is. Vamos Já . Nessa p erspectiva, a gr;:imática sai do foco. É o texto que
Urna primeira reflexão - bem geral - me parece mu ito im- assw ne esse lugar. A primazia será a exploração d as estratég ias
portante e tem a ver com o que ensinar: não devem ser os progra- e dos recu rsos (gramaticais e não gramaticais) que podemos uti-
mas de gramática que vão ditar o que estudar e o que analisar nos lizar nas mais variadas circunstâ ncias de nossas interações so-
textos. Essa opção imp lica um m ovimento q ue vai da gram ática ciais. A primazia será explicita r os modos de se conseguir que um
ao texro. O caminho deve ser o inverso: do texto à gramática. conjunto de pa lavras funcione como um texto, com o uma ação
anâllses de textos quaol.O easpectos de sue conslruç!lo

relevante de linguagem , em função de um determinado propósito Recife. e os espanhóis. no imenso terriLório. t1oielbrasileiro j que Iica a leste
comunicativo, em um determinado context o social. do meridiano de Tordesilhas. (__) A partir do século XIX , preocupadas em
Em suma , explicitação e análise das categorias gramaticais, '·branqu~ª!.'.' ~IP?Pu lação brasiJeüale em substituir a mão de-obra escra~a,
dentro de um /Jarâmetro de utilidade; ou seja, para que possamos as elites tdo país ~ co meçaram a lançar projetos de colonização,' desti nados a
nos comunicar melhor. alrair imigrantes europeus e asiáticos.
~ Diante de Ludo isso. Hca evidente qu e. clesde 1b00 até o linal do Império, o
~: lsrasiil loi um espacolmullilinguele um enorme laboratóriollinguístico.I
7.2 Análise do texto expositivo "Quinhentos anos de (Rodollo llari. Re n a ~o Basso. OPorwguês da genle- a língua que estudamos a
história linguística'' Unnua que talamos. São Paulo: ContcxLo, 2006, pp. 60-61. Adaptado}.
: .. "•"' . ..•
~ -_ •. .... . ......... ...
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1 -,
Í QUINHENTOS f1 NOS DE 1-!ISTÓHIA LJNGU]STfCA ' Q uanto à seleção vocabular como elem ento da coesão do texto
~ <

[ Ao longo de 500 anos de história. a si luação linguíslica do !Brasilj foi 1 M esmo nu ma pri meira leitura , já é possível perceber, entre os
I supercomplexa, pela presença das linguas indígenas (desde sempre), do ~ dois últ imos tex ros, grandes d ife renças, em relaçã o à con strução
!Põrtug·~ ~dos ·Colonizador~s.: das Hnguas !aladas pelos[SSêravõSãiiTCãnõSJ 1 e às estratégias de sequenciaçã o e de rn nstitui.ção da un id ade re-
(a partir de 1532) e, depms. das Hnguas europeias e asiáticas !aladas querida. Tais d iferenças têm a ver, antes de tudo, com determina-
.1~.~1.?;~}~~H~.~~~es. No processo de implantação do~~ no contia.ente ções do tipo e do gênero dos do.is textos: um. narrativo , do gênero
'SU)fi;1rtt~J.\lt1~·~sr~; enconlramos praLicamenLe todas as situações ele conlaLO fá bula; o o utro, expositivo, do gênero 'lição d.id ácica', 'trecho de
linguístico possíveis. Ou seja. ª.~ist.?.!~ª da implantação do ~Ôrl~9uêsJ no .., um Ji vro de divu lgação científica'. Uma das diferenças fla grantes
Brasil foi urna histó1ia de§ulL~i· ~-~~sm~1 é o número bem red uzido de retomad as pronomina is oo segund o
Por ocasião do[~.§~cobrimen0.ldizem os especialisLas, vivia nolBrasilluma texto. No ent anto, são evidentes ta mbém as marcas lexica is de
i população nativa esLimada em seis milhões de ·ndigenas. Sempresegundo u ma densa concentração temática, como passamos a con siderar
~ os especialistas, essoslindigenaslfaiavam cerca de 340 Línguas que eram cm segu id a .
~ obviamente não indo-europeias e pertenciam a troncos linguíslicos mui Lo Para a anál ise deste texto, me ocorreu pô r em destaque ter-
dilerenles entre si. Portanto. o multiJinguismo já existia no continente mos que se repetiam. Dá para perceber, então, que deter.mi.nados
.sul-americano, antes da ·colonização' portuguesa. Os j'PõrLu~ preci-·
termos reincidem n uma frequência ma.i or, com o 'língua', 'por-
saram aprender e usar essas línguas indígenas por razões ele sobrevi-
t uguês', ' Brasil' (e derivados), e, ern me11or número, ' indígena',
vência e pa ra impor seu domínio aos 1iativos. Por sua vez. o Lráíico de
'escravo' , 'colon ização'; na verd ade, um a seleção de termos que
scravos que Lerrnina olicialmenLe em 18!:>0, mas que na prá lica durou até
j á apo n ta para uma uni<la de temática relacion ada à h istória da
o linal do século XIX. trouxe para o!Brasil lalguns milhões de frícanos,
falantes dellin guasJpertencenLes ao tronco niger-congo. Por mui Lo tempo, o língua portuguesa no Brasil. O número de ocorrência do vocá-
elemenLO lindíge.najloi predominante na população rural. e o elemento ·e~ bu lo ' língua' e derivados é uma pista confiável de q ue, p or esse
na população dos cenlros urbanos. Para complicar o quadro. lembre-se de campo , transita o desen volvimento do tem a cent ra l do texto.
queos~Ôrlug ueses ncio !oram os únicos europeus que Lentaramestabelecer Podemos confirmar, assim, um dos princípios q ue regem a
:COiônias no aluai terrilório brasileiro: por perlodos mais OU menos extensos. construção coerente de um texto: as palavras selecionadas devem
os írance.ses estiveram no Rio de Janeiro e no Maranhão. os holandeses. no guardar entre si contiguidade sem ântica. Umas, mais que OLl tras,
constituem centro desse núcleo temático (por isso mesmo a pare- conceito de m ulti lin gu ismo é reiterado ainda • Por isso é que - insisto Cnr.ot p
cem mais vezes). O utras, se fi cam nas adjacências, nem por isso q uando se faz referência a troncos linguísti- lcninramento d.is pnlnvros de um
texto, parn reconhecer, puro e 1lm•
deixam de ter algu m tipo de vinculação com, pelo menos, uma cos muito diferentes entre si. Ou seja, as pa- ple,~mcnrc, a que classe s mmatlcal
outra presente no texto. lavras vão acontecendo na dependência de elas pertencem, é deixa r de perce•
ber os laços que das ..:riam no texro
Observemos, por exemplo, a associação implicada nas ex- outras, atadas a outras, em vista a uma uni-
e a coerênc ia qu e d isso rcs ulrn .
pressões 'população ru ral' e 'populaçã.o dos centros urbanos' dade semântico-pragmática esperada 9 •
com a reiterada referência à 'população brasileira', também re- Merece destaca r o fra gmento 'DIANTE DE TUDO isso', que apa -
ferida como 'popub ção nativa' ou ' nativos' . Da mesma forma, rece no fina l do texto e que tem, evidentemente, urna funç ão de
podíamos reconh ecer a associação entre a referência a 'coloniza- retomada resumitiva; o pronome indefinido ' isso' presta-se m uito
ção' e as outras a 'escravos' e a 'indígenas', uma associação que bem a essa fu nção.
se deve mais ao nosso conhecimento da história do que ao nosso Como tenho in sistido, resulta artificia l separar o lexical do
conhecimento linguístico. Ig ualm ente, a refe rência a 'imigrantes gramatical, até porq ue certos valores semânticos expressos se de-
europeus' dá acesso a que se fale na p resen- vem, ao mesmo tempo, à gramática e ao léx ico. Na verdade, am-
" l'od l· ser (1fil, ue~sc mom en to,
c h a 111~1r a •i rcnç:\o p:i rn ~qu i lo que ça de ' portugueses', ' fra nceses', ' hol.andeses', bos estão a se rv iço dos sen tidos e dos propósitos comunica tivos
é "for:i do 11on11:i l" em um t<'X W . 'espa nhóis' no territóri.o bras il eiro, o que, do texto e, ass im , tomam a mesma direção se mântico-pragmática
Ou scj•l , vcj~nH>S que, cm um rexw
conw o que <.:~t:imos a na li sando,
cm cadeia, já conduz à rcfcrênci.<l a 'o conti- esperada. Reparemos, por exemplo, na coe-
11iio :ich:1 111os mu iw prodvd 4ut: nente su l-americano'. A alusão ao projeto de rência lexica l entre as a lusões à história da "' Vou prefe rir n:io :.1:guir ra1-11do·
apa (CÇ<I 111 p :1 lavr.1s .:omo: ·e~rrcla s •• "bnmq uea r" o Brasil reitera, por oposição, mt"ntc a o rd em em que , no rc~ro
'pen itêucia ·, ·nu:rrt1·.. "conl:ession;.\-
colonização brasileira e o fragmento ' Po r
~111n:rior, os difrrcntcs asp1·cws de
ria ', 't:ncri.:i:i' <'tC. O n1ícleo tc1mí ri- ns referências ao elemento negro presente ocasião do descohri111e11to', um frag mento sua construção foram .1nali~:tdoA
co do 1cx 10 não kva a :l$Soci~ções no Bras il pela presença de alguns milhões de qLte poderia ser enquadrado, também , no Ess;~ preferência aponta para n
com o s domínios onde essas pala-
a1.{,ncanos'.
• X
â mbito da conexilo temporal, um contexto cmwcniência de niio se fnn a lccer
vr~s se l1hcrevcrn. ro ri 11as rígidas de a n:í lisc, 11 qu e
O termo 'multi.J ingui smo', não por pura mais cornumente vi sto como gramatical. a.:aba, às vezes, por '·cnp,cssnr" n
co incidência, está presente no primeiro e no último parágrafos, Mesmo ass im, isto é, sem perder de vista a ri vid ad e e criar um a csp<!cie de
fó rmula mecanic,1mcntc rcpcti clu.
sina liza ndo qu e o tema perpassa exaustiva rnentc o texto. As vá- essa conjunção entre o lexical e o gra mati- Vou me deixar levar, um pouco,
rias alusões a dat;:is ta mbém constituem um sin a 1 da convergência cal, vejamos ::1lguns nexos criados no texto, pelo que o texto vai s ugcri 11do, s~m
tem:üica do texto, no q ue se refere à sua local ização temporal: deixar, conrudo, de con~idcra r 01
mais especifica mente, no âm bito das relações
aspectos de sua c1J11S lrtl(•'''·
Ao longo de SOO anos de história; (a partir de J 5.32); A partir . . 'º.
gramaticais
do século X IX; oficialmente em 185 O; até o fi1ZaÍ do século X IX;
desde 1500 até o final do Império. Essas a lusões já corroboram Quanto à natureza dos nexos estabelecidos
a particularidade de que o tex to aborda aspectos da história do
Brasil. Sumariamente, podemos afirmar que predominam nexos de
Por sua vez, defin ir a situação linguística do Brasil como su- contiguidade, sobretudo em relação à cadeia de expressões re-
percomplexa ganha respa ldo na dedaração posterior do 'multi- ferenciais. Na verdade, as referências aos mesmos objetos não
/inguismo' {não por acaso, as duas palavras são formadas com acontecem em grande número, como ocorreu cm relação à fá-
prefixos que se aproximam semanticamente - supe1~ multi). O bula Os urubus e os sabiás. Podemos recon hecer um nexo de
equiva lência, por exen1plo, nas ocorrências da expressão ' o Bra-
sil', que, por sua vez, aparece, mais no final, substituída por 'o
r seg mentos que reafirmam essa orientaçao do texLo para a dimensao hls·
Lórica do tema LraLaclo: além clisso, cumprem a !unção de demarcar um
país'. Va le o bservar que, com a expressão 'o português' (no sin-
gul a r), se está referindo à 'Jfngua '; com a expressão 'os portugue-
'1 determinado período de tempo em relação ao qual o tema é pertinente;
(e} no seguinte trecho: PorLanlo. o mullilinguismo já existia no continente
ses' (no plural ), se está referindo ao 'povo de Portugal'. sul-americano ames da colonizacão po1Lt1guesa. pode-se reconbecer tam-
1
Foram mais frequentes os riexos por conriguidade ('línguas bém. pelo termo destacado, uma alusão temporal; uma outra observação
indígena s' e 'línguas europeias e asiáricas') e aq ueles por associa - perlinenLe tem a ver com o uso da expressão ·portanto', que se jusUiica.
ção, como já mostrei no tópico anterior {ver, por exemplo, 'tráfi- como conclusão. às afirmações dos segmentos imedialamente anteriores:
co de escravos' e ' mão de obra escrava'; 'milhões de a fri canos' e vivia no Brasil uma população nalíva estimada em seis mil/Jões de indíge-
'elemento negro', para ficar apenas nesses casos). nas(...) que falavam cerca de 340 línguas(...) pertencenles a lloncos linguis-
O que é pertinente, nessas análises, é ressaltar essa prox im i- Ucos muilo diferentes enlre si:
dade de refcrênci.a ou de sentido que acontece nos textos coesos e (d) o segmento Para complicar o quadro. sobretudo pelo valor semântico
coe rentes, seja por identidade, seja por contíguidade ou, a penas, da palavra ·complicar', avanca. para o leitor. a expectativa ele que outros
por associação . No texto, as palavras não são autônomas, no ~ argumentos. ma.is sérios ainda, vão ser apresenLados;
sentido de que cada un:ia se basta. Elas estão em rede, um a ligada ~ (e) merece sa observada a correlriç~o semânU.ca enlre o fragmento 'A partir
à outra e às outras. O texto é um grande terreno de grandes vi - ij do século XJX· (com destaque para a expressão 'a parllr de'} e o outro ·co-
zinhanças. Esse senti.do da co-textualização mais amp la perde-se 1 meçaram a lança r projetos'; isto é, a expressão 'a pari.ir de· indica o ponto
nas atividades de formar frases soltas. 1 inicial de alguma coisa. o qu e cslâ e m. coe rê ~cia com a consLrução ~sp~c­
: Lual seguinte ·começar a'; oulra vez, J1 ca ev1denle. nessas convergenc1as
Quanto aos recursos da conexão sintático-semântica •. ! ponLuais. a reiteração que dá unidade ao texto;
i (l} uma observação semelhanle poderia ser leila em relação à correlação
Como já adiantei um pouco no item precedente, ocorrem nes-
te texto muita s expressões de va lor temporal - sob a forma sin-
! entre ·desde J!JOO a/€ o final do Império· e o tempo verbal no passado em ·o
Brasil for: ou seja. o vertJo com valor de Lempo concluído (o Brasil !01) en-
tática de adjuntos adverbiais tempora is - o que, como vimos, en- l contra apoio na expressão ·até'. indicadora. por isso mesmo. de um limite.
contra pleno apoio na temática central desenvolvida, que explora 1 de um Lempo linal:
elementos históricos da língua portuguesa no Brasil. Tais adjuntos (g} pode-se consLalar um senlido de Cdusalidade no segmento sublinhado
merecem se r destaca dos, portanto, pela sua vinculação a aspectos em: A parUr do século XIX, oreocupadas em "branauear" a oopulação bra-
do tema tra tado, ou seja, pela coerência que empreendem . . sileira e em subslíluir a mâo-de-obra escrava. as elites do país começaram
Ass im , vejamos: a lançar proieLOs de colonização:
.........,..,.,,:....,.,.,..,,,.._:•~~l.....__~.---............._..__,_..,,.,~""'"-"~-,,.,.
~'-•"1• ..--.·...... ~ ........... .,.,,,, _,..."'---·~-~":'<.
(h) o segmento com que o texto linali za - DIANTE DE TUDO ISSO - ao
(a) Ao longo de 500 anos de história e Por ocasião do descobrimenlo sã o mesmo Lempo que retoma e sinLetiza o conteúdo dos trechos anteriores
dois íragmenLos com valor Lemporal. que, não por mera coincidênc.ia. ini- ('tudo isso '). situa o espaço frente ao qual se pode dize[ que o Brasil foi um
ciam o primeiro e o segundo parágralos. reiteranclo. ass.im. a delimilação espaço multílíngue e um enorme laboralório Iiaguistico.
do Lema na direção de suas circunstâncjas llistórjcas;
(b) desde sempre: Por muito tempo; por períoclos maís ou .menos exten- Enfim, podemo-nos debruçar so bre o texto e procurar per-
sos: A parlir do século XIX: desde 1500 até o final do Jmpél?o são outros ceber nele rodos esses elos, que, lexical o u gramaticalmente,
"llJ\...~"·*""·""""'Y-~3f<,-

linguística ou pragmaticamente, o deixam com sentido e capaz 9. Escri tora brasileira? Ué, mas no B1asil ex istem editoras?
de constüuir urna in terloc ução relevante. 10. A culminância lo.i a ob~ervação d~ uma c1llica berlinense. num ~rtigo
A an :.í lise desta ú ltima seção contém a exploração dos recur- sobre umromance meu editado por 1a, acrescenLando. a alguns elogios. a
sos gra matica is mais salientes em função da coesão e da coerên -
1~ grave re.strição: "porém não pa rece li vro brasileiro. pols não faJa nem de
cia . A par t ir da s categoria s analisadas, o professor pode progra - \ plantas. nem de índios. nem de bichos."
m ar a exp loração e sistem atização d e um outro po nto m a is per- , 1LDiante dos três poemas sobre o Brasil, esquisitos para qualquer brasi-
tinente. Po uco a pouco , os alunos vão p erce bendo q ue não ex iste leiro, pensei mais uma vez que esse uesconhecimenlo não se deve apenas
gram ática fora do tex to . , à natural (ou inalural} alienação estrangeira quanlo ao geogralicamente
fora de seus interesses, mas também é culpa nossa. Pois o Que mais expor·
lamos de nós é o exótico e o rolclórico.
7.3. Análise da crônica "Nós, os brasileiros" 12. Em uma feira elo livro de F'ra nkfurL. no espaço brasileiro. o que se via
,.:: .. . .... . . .
''•. ~·· ' '
eram livros (não mu ito bern arrumados), mu ita ca ipirinl1a na mesa. e tele-
~ visões mostra ndo carnaval, luLebol, 11raias e. . maLos.
~ Nos. os BHf\SI LE1flos
13. E eu , mu lher essencia 1menLe urbana, escritora das geografias interiores
~
~
L Uma ecliLora europeia me pede que traduza poemas ele autores eSlran· de meus personagens neuróli cos. me sonLi lão clcslocada quanto um maca-
geiros solJro o IJrosil. co em uma loja de crista is.
2. Corno sempre, elos falam ela li ores ta amazônica, uma floresLa mu i Lo pou- 14. Mesmo que LenLasse explicar. ninguém clCredilarla que eu era Lão brasi·
co rea l. aliás. Um bosque poético, com ··mulheres de corpos aJvíssi mos ~ leira quanLo qualquer neg ra de origem alrica na vendendo acarajé nas ruas
~
esnreilando enlre os Lroncos das árvores e 0J11os de serpeflles l1ir1.as aca ri- ,~ de Salvador. Porqu e o Brasil é Ludo isso.
cia ndo esses corpos como dedos amorosos ". Não Ja ltam llores azuis. 1ios i J[) E nem a cor rle meu cal)elo e ol hos. nem 1neu sobrenome, nem os livros
cristalinos e liqres mágicos. que li na inlância. nem o iclioma que lalei naquele tempo, além do porLu·
3. Traduzo os poomas por dever de ofício. mas com uma secreta e nunca guês. me lazem menos nascicla e vivicld nesta Lerrc1 ele tão surpreenclenLes
realizada - vonlade de inserir ali um grãozinho ele realidade. misturas: imensa, clesaproveilacla. instigante e (por que Ler medo da palavra?)
maravilhosa.
4. Nas minhas idas (nem tantas) ao Exterior. onde convivi sobreLuclo com
escri Lores ou professores e esLudanLes universilários - porLanto, gente (Lya Lu!L. Prnsat r transgreclit: Rio CIG laneiro: Recorei, 2009, 49-~1).
razodvelmenLo culla , lui invariavelmente surpreendicla com a profunda
ignorência a rcspeilo ele quem. como e o que somos.
Tra ta-se de uma crôni ca, sob a fo rm a de um relato pessoal,
5. /\ sonhom é bras ileira? ComcnLaram espanLados alunos de uma Univer- entrerrieado, no entanto, de comentários acerca da questão en-
sidacfe america na lamosa - Mas a senhora é loira i volvida nesse relato: a imap;enz que os estrangeiros têm do Brasil
6. Depois de ler nurn Congresso de escriLores em Amsterdã um Lrecho de é irreal e fantasiosa. Na verdad e, a crôn ica n ão deix a d e apresen-
um de meus romances traduzidos em inglês, ouvi de um sent1or eleganLe, tar um teor argumentativo, uma vez que a estratégia de relatar
clono de um anliquário Jamoso. que segurou comov ido minhas duas mãos: e comentar os episódios preencheu a função de, tal como argu-
7. Que maravi lha! Nunca imaginei que no Brasil houvesse pessoas cullas! mentos, comprovar o ponto de vista defendido pela a utora já no
8. Pio1ainda, no Canadá, alguém exclamou incrédulo: parágcafo introdutório.
•fiP-....-....- ...... ~,... ....... _. . ..... ..

Os comentá rios q ue preenchem a crônica se apoiam em ex- as palavras: poemas, romance. escriLores. auLores, 12 M io se 1ra ta, porrnnro, de rcduilf l
periências vivid as pela autora, que assume, assim, em primeira professores, universidades. estudantes, livros, edito- o lcvanrnmcnto do voc:ibulá no do
· - ·' rrxto ao critério d e dar o sig ni fica ·
pessoa, o papel de narradora parri.cip::itiva. Aliás, o fato de todo 1'~ ra. traduzir. inglês. enLre ouLras: essas assoc1açoes 1a do desconhecido de cenas palavras.
o relato acontecer em primeira pessoa já constitui um recurso ~ seriam suficientes para nos aponLar em que direção TrMn -se de rom•ll" o l~xico do rexm
~ vai a unidade semântica do textd 2: como pism par;1 rcconbccimcmo de
reiterativo, um meio de marcar a coesão e a coerência do texto. ~- s11as informações. suas ideias. seus
1\tlas vamos a mais d etalhes ace rca da construção da crônica (c) um outro tipo de repelição pode ser visLO na re- argumenros principais. sua unidade
Nós os brasileiros. corrência de estruturas sinl.áLicas - o paralelismo - scma:11iq, sua cocrêpd:l, enfim.
, COffiO já detinimOS; O paralelismo, de fato. COnSlilUi Uffi Por esse vi~s, fica cvidenrc ,1indo

As funções textuais decorrentes de aspectos da seleção


1 recurso de reiteração, uma vez que urna deLerrninada que não tem S(.'tltido solicitar a es
~ lorma de consLru c,ão sintática - ou uma estrutura de criia de um rexro a partir de um con
vocabular ~ junto de palavras com que se pode
~ consLrução dos segmentos - se repele: esse lipo de ·rrcim1r' sua complic<.1da ortugrafin.
Tomemos como referência, p ara este texto, as palav ras q ue ~ repelicãO é reileraLivO e, portanlO. CO€SÍVO; Observe- Nesse caso, a associação pel;1 qu<d

se repetem . Partindo do pressuposto de que a ocorrência de re- mos o paralelismo presenLe na sequência de segmen- se itinrou esse grnpo de palanas não
fo i scm;\11tica; foi gráfica. E ni:1gué11:
petições, mesmo em um texto da .r xosa literária não é a leatória LOS coordenados a seguir: E nem a COI de meu cabelo fob Oll es~revc 3 parti r da prt•rensâo
' ' e Ol}IOS, nem meu SOIJ!BlJOfll e, nem OS livros C(U8 li na 1 de junta r p:davras que apresentam os
podemos descobrir, nessas repetições, fu nções d iscurs ivas sign ifi-
,: iJJfâiJCi8, 11em 0 idi0/n8 (}LJ8 fafei J18QUefGleJnpO; lllCSlllOS sons ou as mesmas lcrrns. l\
cativas. Vejamos, por exemplo: ~ . g<.:11te fa la ou escreve para dizer coi·

,~,:· ... ,,., '• .·~~····· . . .- . . ....~.. ••• ,,,..,.., ')li..... _. '· ~ - ..........._ "''"" ~·.• W'. ......
•l'I•~
~ (d) igualrnenle. Lern uma composição reilmatJva o sas que cêm sentido. coisas scmami

1(a) a repetiç5o da palavra 'Brasil' e de seus derivados ('ürasileiro '/"bra- ~ segmento: Não faltam flores 8?.IÚS, rios cristalinos 1 cn mcnt~ a fins t:, pnrtal11 r~'. coerente\.
i sileira·) - conslil.ui para o leitor urna insliuçãoacerca de um dos Lópicos i e /.igres mágicos (expressões referen ciais !armadas . .
1. Lratados, possivelmenLe o principal. já Que é a pa- 1 por substantivos no plural 1sem delerrninanlel sequidos ele um ad1et1vo): o
~. outro segrnenLo com que a au~ora , no linal, leclla suas considerações lam-
I
" Po r si11af, a ocorrência dc an-
l<J vra que se repele o ma ior número ele vezes: essa
1ti11i111os, 11;1 sequência cio tex to, conclusão pode ser respaldada pela constalação de bém apresenta paralelismo em sua conslrução (uma sucessão de atri bu-
t111Hi>l- 111 é sinal de arricu l;1ção ent re que palavras que expressamseu contrârio. corno ·es- LOs): nesta terra de Lão surpreendenLes mislmas: ime11sa, desaproveitada,
p.trllº~ cio rcxto ou ele su:i coesão. O inslíganle e (por que Ler medo da palavra ?) maravílliosa:
q11l precisa ser ex plorado é :1 re la-
0
trangeiro", e 'fxLerior". também ocorreram mais de
~· .lo de co111inuiclade criada no rex- uma vezl!: corrobora ainda essa conclusão a relerên· (e) a a!irmaçâo de que a imagem do Brasil é. para os estrangeiros. muito
111 pc J.1s dois ou 111ais anttmi:nos. É eia reiLcrada a 011Lros países ou a cidades de outros oouco real encontra coerência. na sequência do Lexlo. com out~as expres~
11111ito po11co significarivo apcnas
países: ou seja, uma pista que regularrnenle pode sões. tais como: bosque JJoéUco. tigres m~. seroenles /?1rlas acan·
H11 hcr que tal pal;wra correspondt"
"º .111rônit11<) de uma ourra. ser dada como indicaçao da trilha por onde vai o ! ciando cwos como dedos amorosos:
terna central do Lexto é a evidênci a das repelições: i (0 no final , o segmenLO Porque o Brasil é wdo issaé claramente resumilivo:
(b) se tomarmos a repetição como reileração - num sentido bem amplo lo pronome indefinido 'isso' presta-se rnuiLo bem a essa retomada, que. pr~-
- podemos consLatac que. se as palavras nao se repetem literalmente. se ticamenle. reilera Lodas as a1irmações que foraJn feitas antes sobre o Brasil;
repetem seus valores semânticos nas associações que são feitas. até mesmo (g) o segmento Mesmo que tentasse explicar estabelece com o Lrecl10 ante-
quando há oposição entre tais valores: observemos, por exemplo. em relação rior uma relação de concessão, Lanto assim que. em seu lugar, poderiamo8
a ·Brasi I' (e a tudo que delese /ala e se con llece). as associações perceptívejs usar um outro conectivo concessivo como ·ainda que', ·ernbora· etc.; vale
entre itens corno floresta. plantas. rios, bichos. ílores. carnaval. caipirinha. a pena considerar a correlação entre os tempos verbais em Mesmo que
lutebol. praias, matos; igualmente, podemos reconhecer as associações entre ~~atasse expUca1, ninguém g,~redilaria: o primeiro verbo exprimindo uma

-
hipólese requer. na orac<Jo seguinle. um outro verbo que também exprima
uma possibilidade Jutura;
Quanto a outros aspectos da construção do texto
(!1) com o Lrecho nesta terra de Ião surpreenclences misturas. podemos res- Nem sem pre a continuida de depende da presença exp lícita de
gatar. além da referência a 'Brasil' ('nesta Lerra'). a ide.ia de que o país é conectivos ou de exp ressões que denotem a lgum tipo de sequê n-
o resultado de diferentes expressões culturais. como está explicitado no cia. É o caso da crônica em a11é:1lise, como veremo s a seguir.
lrecbo imediaLamente anLerior (eu era Lãa b1asilei1a quanto qualquer negra D e fo to, a contin uidade da c rô n ica é perce bida pela sucessão
de Oiigem africana vendendo acarajé nas ruas de Salvadoi).

Em suma, outra vez comprova mos que a seleção vocabuLu de


.. . ' de fatos da mesma naturez.a, que, por s ua vez, corroboram o p on -
to cen tral comentado: a imagem que se te111 do Brasil no Exterior
é irreal. Da í que:
um tex to é reg ida pelo impe ra tivo d e em p rest;.1r-Jhe contjnuid adc ,•• '' •h'•··.......,,.,.,., ..................,......~ ... ,,.•.• "'"'' ........, ........, ...........,. .•.,..~ ......."' ...... ' • , ...... ~··· ,.......... •-.,. ...,,,. .... _._. ••.•••• ' ........:l
<'l,11•".'•'-.'Y;,..,.............

e unida de. Qua lq ue r ruptur a com essa reg ul a r idade é justificá ve l: ~ (a) nos dois primeiros pa rágralos, o Lema é posLo. assim como a disposição
o bser ve-se q ue a ocorrê ncia d as palavras marncu, loja, cristais - ela auLora frenle a ele (vonlade de inserir ali lnos poemas que traduzi um
que foge tota l~11ente a os eixos semânticos do rexto - se explica aràozin/10 de reali.f!.M!fl):
pelo fato de ta is pa lavras p erte ncerem a um rrfr 5o popular (" T ifo
(IJ) o 3º. parág raro prepara o leiLor para a série ele episM ios (Nas min /1as
est ranho ~ua n to u~n macaco cm uma loja de c rista is" .), esse, s.im ,
como refra o, rclacrnn ado ao aspecto temático tra ta do n a crônica . iclas (nem tan1.as) ao Sxlerior), a parLír dos quais é1 constaLação da autora
De out~·a fo rma, não tcri::i sentido assoc iar pa la vras tã o clisra nrcs (d imagem que se 1em do Brasil no Fx1e1ior é irreaf) vai ser demonsLrada:
se11.1anttca111ente das ourrns q ue constituem o fio central do texto. ~ {e) nos parag rafos seguinLes. (do 4º ao 9°). os episódios se suceclem: a se·
C? q~1 e se r: rn r eveJado ev ide nte nessas :rncí. lises é que a de- quência entre eles é marcada simplesmente pela passagem de um episódio
pcndencia scmant1 ca entre as pa rtes de um texto vem tam bém a ou Lro: essa passagem. por vezes. foi si rtdlizada por expressões que supu-
(sobre~ud ~?) pe lo léxico . A co ncentração do ensino el a líng ua c m nliam uma ligaçã o com algo anterior. como no inicio elo séLi. mo parágrato
dass1f1caçoes e nomencla turas dos itens ela grn m;l tjca nos p ri vo u Pior ainda (pior cio que aquilo que loi narrado no item a11Lerior) ; também
de perceber esse asp ecto . Prnricarne nte, de ixa mos de la do 0 léx ico se pode perceber uma relacão de conlinuiclade sinalizacla pela expressão
e_ vimos_o tex to, a pe nas, como uma peça con str uída pela gra má -
A culminância. cujo sentido exprime uma relação de comparação (com·
n ca . Ev1dcntc1n ente, só há um sentido recu pcd vc l em Uma edito-
paraçâo de superioridade) com algo dilo anLeriormenLe: essas expressões
ra europeia n~e pede que traduza poemas de a uto res estran geiros
indicam ainda que se LraLava de episódios análogos - por isso, um pode
sobre ~ Brasil porque as pa l:ivras estã o arrum ncl as segundo ;i s
ser vislO como ·pior' que ouLro ou corno ·o pior ele Lod.os' ('a culminância');
d~tenm~1 açõcs da gramá ric_<t d a l.íngua . .Mas ta is dete rminações já
sa? sab1das por todos os b ian tes nativ os e não respeitá-las, im- (d) do 10º ao 14º parágralos. a auLora se concentra na sua avaliação dos
plica, nat ura lmente, compron1eter o que se pre tende dizer. E isso episód ios relatados ('pensei mais uma vez que... '); comeca por admi tir que
ninguém qu er. Le m bremos, por exemplo, qu e ni nguém , mes mo a imagem de um Brasil irreal néio é devida simplesmente a visões de es-
um an alfa beto, diri ~ "E uro peia editora uma me gn e pede tra du- â Lrangeiros (mas também é culpa nossa. Pois o que mais exoorta~os .de
za poemas cstrange1ros de a urores Brasil sobre o. " Pois é: va le a ~ nm
é o exótico e o lolclóríco): vale a pena considera r o uso da pnmena
pena não s~pa ra r léx i.co e gram<hica, para que fiqu e bem explíc ito
que os sentidos dos textos são expressos pela conjunção dos dois
- esses mesm os - léxico e g ramática - submetidos às circ uns-
tâ~1cias em q ue ocorre o evento comunicativo. N essa persp ectiva,
l pessoa do plu ra l nesse segmento. expresso nos pronomes ·nossa'. ·nos· e
no verbo ·export ar', uso que recupera a reJerência a 'Brasil ' e que explicita
a nacionalidade da autora:
(e) o 12º e o 14º parágrafos se iniciam com o coneclivo aclilivo ·e·. como
vejamos m a is a lgumas observações acerca da c rônica em aná lise.
1 marcador de um lio em conti nuiclade;
-- -- ~-

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(1) vale a. pen.a considerar ta~bém ?s comentários do enunciador sobre J incentivo permanenLe à pesquisa cientifica da complexa realidade lin·
seu próprio cliscurso. o que 11cou evidente empassagens como: Traduzo 1 1 guislica nacional e à ampla divulgaçã o de seus resultados. eslimulan·
os poemas por dever ele olfcio. mas com uma secret.a - e nunca realizada 1 ~ cio com isso, por exemplo, um registro mais adequado. em gramáticas
~ vonlacte de Ínserh aJj ~m grâo~inl10 de realidade. Ou em: Nas minhas 1 ~ e dicionários, da norma-padrão rea l. bem como das demais variedades
idas (.nem lantasJao Extenor; Ou arnda em: (nor a11e ler medo da palavra?)
:' do português, viabilizamio uma comparação sistemática de todas elas.
Esse.s comentários. já que são inserções que logem ao fio das ideias. vêm ·
como Iorma de subsidiar o acesso escolar (hoje tão precarizado) ao pa-
;~.~:~A:~d~s :o~"~~av~::.:.?.e~ ~u .parê1n_:~~::,. . ,,,....... ,-........, . . . ,. . . . .., ·-.. . , ,j . drão oral e escriLo.
~ (5) Apesar de termos essas Lareras maiúsculas à trenle. .roi uma questão mi·
~ núscula que. a partir d.e uma grosseira simplificação dos ratos, acabou por
7.4. Análise do comentário "O maiúsculo e o minúsculo" ~ tomar corpo em prcjuizo de todo o resLo: a presença de pa lavras da língua
r"''''°'
~
•'< • ' < ' ..... W N " ,·

.• inglesa em nosso cotidiano.


i . o MAIÚSCULO E o MINÚSCULO I (6) Uma observacão cuidadosa e honesta dos fatos nos mostra que. propor·
~ ~ f: cionalmente ao tamanho do nosso léxico (composto por cerca de 500 mil
~ (1} E lasti má vel quando alg uém simplUica em demasia as rea lidaelf3S com.. ~ ~ pa lavras). esses estrangeirismos não p~ssam d.e uma insignificante gota
~ plexas: perclc a prnporção dos ratos e se põe a fazer alirrnações desprovidas 1 H d'ág ua (algumas poucas dezenas) num imenso ocea no.
~ de Qualquer lundamento. EnquanLo essas simplilicações permanecem nos ~ ~ (7) Mostra-nos ainda mais (e aqui um dado lunàamental): muitos deles.
f limites esl ritos do idiossincrático. parece não haver maiores problemas. pelas próprias ações dos ralantes. estão já em pleno relluxo (a maioria terá,
i afinal cada um acrediLa naquilo que bem lhe apraz. Contudo. quando essas
~ ~implHic;a.ções uHrapassa1r.1~a is ~[rni~e~ e con~eça rn a sustentar ações com
~ repercussão pa ra além do 1d1oss1ncraL1co, a situaçã o se torna. no mini mo.
l preocupante.
ii l::~:_~U~~QU~:.::~~~~~~a;;~~;:~~~~;d
~ (2) É o que tem oconido uJlimamenle com cerla discussão em rorno da
Foca lizando, m ais especificamente, os recursos que promo-
;j língua. Nessa área. há . sem dúvida. questões maiúsculas a serem enfrenta·
das. O Brasil precisa desencadear um amplo debato com vista â elaboração vem a arti culação entre partes do texto, merecem destaque os
de uma nova poHLica linguística para si. superando os efeitos deletérios de pon tos seguintes.
urna süuaçao ainda muito mal resolvida entre nós. • O títul o O maiúsculo e o minúsculu já ind ica q ue se tra-
(3) Essa nova poliLica deverá. entre outros aspectos. reconhecer o caráter ta de uma q uestão con sidera da em seus opostos, o que
multilingue do país (o lato de o português ser hegemõnico não deve nos se co nfirma ao longo do texto: qu estões maiúsculas são
cegar para as muitas línguas indígenas. europeias e asiáticas que aqui to das aquelas relacion adas a 'uma nova política de trata-
se falam. mu lliplicidade que consLitui parte significa ti va do patrimôni o m ento das questões linguísticas'; a qu estão min úscula é a
cultural bras ileiro). Ao mesmo tempo, deverá reconhecer a grande e rica dos 'estrangeirismos linguísticos' .
diversidade do português ralado aqui. vencendo de vez o miLo da língua • Essa oposição é mais claramente ex plicitada no q u in to
única e homogênea
parágrafo: A pesar de termos essas tarefas mai úsculas à
(4) Será preciso incluir. nessa nova política. um combate sistemático a frente (aquelas ligadas à 'nova política '), foi urna questão
Lodos os preconceitos linguísticos que afetam nossas relações sociais minúscula (a presença de palavras da língua inglesa cm
1 e que consLiluem pesado fator de exclusão social. E incluir, ainda. um nosso co tid i:rno ) que (...) acabou por tomar corpo. Esse
··-·--·-- - ..--or;:::::::;:i·..~"!.!.;'"!!.!"!.!!..~
·

"
• - .•..-tv.llJiJ µ 4

fato é retomado logo a seguir, pelas expressões ~ es- ' questões linguísticas', ' línguas indígenas', 'observaçao
trangeirismos, muitos deles, a maio ria. cuidadosa e honesta', 'acesso escolar', 'patrimônio cultu-
• A informação de q ue os estrangeirismos vêm a partir de ral brasileiro', 'complexa realidade linguística nacional',
uma grosseira !iimplificação dos fatos reitera o que é dito entre muitas outras.
no início: É lastimável quando alguém simplifica em de- • A formula ção com que se inicia o ú ltimo parágrafo (Mos -
masia as realidades complexas. É dessa 'simpbficação' que tra-nos ainda mais) também estabelece coesão com opa -
resu lta u ma questão min úscula, a qua l, por isso mesmo, rágrafo anterior, pois, além da elipse de sujeito, q ue re-
não representa m ais que uma insignificante gota d'água toma a expressão 'Uma observação cuidadosa e honesta
(algumas poucas dezenas) num imenso oceano. Como se dos fatos', instrui o leitor para o acréscimo de mais um
vê, as ideias vão se re iterando umas às outras. Cada uma argumento (ainda m ais).
vai, em algum ponto, mantendo o fio da conversa. • A referência a uma grosseira simplificação dos fatos -
• No âmbito da r eferenciação , são frequentes as retomadas o q ue está na linha do min úscula - remete depois p ara
corrcferenciais, que implica m volta a um mesmo objeto 'Uma o bservação cuidadosa e honesta dos fatos' - o que
de discurso anteriormente r eferido; evidentemente, essas resu.l tará no domínio do maiúsculo. M anrém -se assim a
retomadas sào elos fo rtes que vão marcando a continu i- oposição an unciad a desd e o título.
dade semântica do texto. • No trecho, "É lastim ável quando alguém simplifica em
• Nesse ;'l mbito da corrcferên cia, vejamos, p or exemp lo, no demasia as rea lid ades complexas: perde a proporção dos
p r imeiro p arágrafo, as expressões essas simplificaçôes o u fatos e se põe a fazer afirmações desprovidas de qualquer
a tais limites, a lém do pronome 'lhe' que ta mbém r etoma fundamento", os dois-pontos sin a lizam que vem a seguir
co.rrefcrencia.lmeote a expressão 'cada um '; no segundo uma exp licação d a afi rmação anterio r. I~ p reciso juntar
parágrafo, em 'discussão em torno da língua', o termo cm os d o is segmentos para a panhar o sent ido do todo. Essa
destaqu e é retomad o por 'nessa área '; no fina l ci o m esmo ideia <le 'simplificação', já vim os, é reiterada depois no
pa rágrafo, é dito que O Brasil precisa desencadear um quinto parágrafo.
amplo debate com vista à elaboração de uma nova políti- • Outras ocorrências, envolvendo r etomada s pronominais
ca; esta expressã.o é retomada logo a seguir em 'Essa nova ou adverbiais, também podem ser vi.s ta s: (Brasil: si; Bra sil:
política ', no terceiro e no quarro parágrafos, deixando, aqui) .
portanto, os três pa nígra fos bem ama rrados. Além des- • O uso ele 'contudo', no primeiro parágrafo, s ina liza a
ses elos, va le referi r q ue o terceiro e o quarto parágrafos oposiçã o entre as simplificações q ue ca bem nos limites
cons istem numa descrição acerca do que seria 'essa nova estritos do idiossincrático e as outras que ultrapassam tais
política', urna política vo.ltada para as grandes questões limites. Essa oposição já antecipa a outra, que cons istirá
linguísticas do país, o que será, s.ignificativamente, reto- num dos eixos m ais significa tivos do texto: o minúsculo
mad o depois, no início do quinto par<1grafo, pela expres- - UJTl a simpli ficação para além do idiossincrático.
são essas tarefas maiúsculas. • Outras oposições p o dem ser perce bidas entre: 'simplifi-
• Muitas expressões referenciais aparecem delimitadas pelo car' e 'realidades complexas'; entre: 'limi tes estritos do
uso de ad jetivos restritores ou especificadores, como em idiossincrático' e 'pa ra :ilém do id iossincrático'; entre

- ---
----~ -

1
Anál!se de textos - lundamenLos e praticas

'diversidade do português falado' e 'língua úni'ca e ho- e de forma relevante, pelos fato res gramaticais. Isolar, na pers-
mogênea'; tais oposições são tão coesivas quanto as re- pectiva dos sentidos e das intenções pretendjdos, a contribuição
laçõ es de equivalência, pois mantêm o foco temático em de cada um desses fatores torna-se uma tarefa pouco sjgnificativa
desen volv imento. além de pratica mente impossível.
• A referência, na primeira p essoa do plura l em: uma situa- Pelas análises que acaba mos de fa zer, pode-se perceber como
ção ainda muito mal resolvida entre nós e cm nossas re- o uso de pronomes (pessoais e demonstrativos), de expressões
lações sociais evidencia a pretensão do autor de incluir-se nominais indefinidas e definidas, de ad jetivos restritores ou es-
entre as pessoas envolvidas no problema ana lisado. pecificadores, de numera is, d e conjunções, ele preposições e locu -
• O caráter rnultilíngue do país é mais adiante especificado, ções, de advérbios, de afirmações explicativas ou interrogativas
pois são referidas as muitas línguas indígenas. europeias e (precedidas ou não dos respectivos sinais), de vírgulas e parênte-
asiáticas que aqui se falam. ses, para citar apenas estes itens, contribu iu para a expressão do
• O qua rto parágrafo começa com o trecho: Será preciso que se pretend ia dizer. Merece referir ai nd a - além dos sentidos
incluir... , para mais adiante reiterar: E incluir ainda ... São postos e pressupostos nas pa lavnas - a própria arrumação das
marcas da conti nuidade do texto tanto a conjunção ad i- palavras na estruturaçã o sin tática dos enunciados, o que implica
t iva, qu anto a repetição do verbo, q uanto a presença do também a efetivaçã o da coesão e d a coerência.
advérbio 'ainda'. Enfim, a construção ele um texto se faz ele forma integrada,
• O a utor se permite posicionar-se ante o que afirma nos indissociável; cada constituin te textual se s uperpondo a ourro ou
segmentos entre parênteses, como: (hoje tão precarizado) aos outros, sem falar em todos aq ueles elementos que estão impli-
e (e aqui u1n dado fundamental); (algumas poucas deze- cados contextua.lmentc, ou seja, fora do texto. Quer dizer, a cons-
nas}; (a maioria terá, como em qualquer outra é/Joca da trução de todo tex to supõe procedimentos que, simultaneamente,
história da língua, vida efêmera). O uso dos p arênteses asseguram a contin uidade do s senti J os e a unicfade semântica e
indica exatamente a entrada de uma outra voz: aquela pragmática ex pressos na materi alidade das palavras e nas pressu-
do autor, diferente da voz p ública do sa ber científico posições contextuais envolvida s.
divulgado. Em outras pa lavras: o sentido de qualquer texto se constrói
• Ou seja, por essa pequena amostra - n ão exa ustiva - na articulação : entre parres e todo, entre o lexical e o g.rarnati-
já se pode concluir pela densidade coesiva do texto em cal, entre o linguístico e o pragmático; entre o texto e a situação
aná lise, o qu e favorece, em m u ito, a apreensão de como de comunicação. Qualquer isolamento d e um desses elementos
os sentidos vão-se articulando para res ultar em um todo reduz a significação e a func ionalidade das ações de linguagem.
inteligível e interpretável. O ideal é que sejam sistemáticas, sejam frequentes análises de
textos pautad as por referenciais como os que temos explicitado
aqui. Em do ze anos de estudo escolar da língua - do fu nda-
7.5 E a gramática na construção desses textos? mental ao fim do ensino médio - é bem possível que alunos e
professores vejam, em qualquer texto, muito mais que exempJa-
Tenho reforçado, n estas análises, a convicção de que todo res soltos de classes de palavras o n de fo nções s intáticas de seus
texto se constrói pelo concurso de vários fatores, inclusivamente termos. É bem possível qu e vejam as múltip las fun ções que todas
ás catego rias (lex ica is, gramaticais, textuais e pragmática s) de-
sempenham para que faça sentido tudo o que é dito.

Se, de um lado, um texto é urna unidade semântica, e não


gramat ical, de outro, os sign ificados são compreendidos por meio
de uma "colocação em pa lavras", e, sem uma teoria de "colocação
das palavras", is to t:, sem uma gramática, não há como explicitar Fundamentos para a análise de textos:
uma interpretação do sentido de um texto (destaque meu).
(Ma ria 1lclcna M. Neves, fnsi110 de línguas e vi11êncin de li11g11agl!m, 20 1O: 200)
o foco em aspectos
da adequação vocabular

' l

Chcp;n m;1is perto e contempla as palavras


Cada uma
'fc111 mil fa ces :;ecreras sob a face neutra
(Carlos Drummond de Andrade, A rosa do p ovo)

m dos índices <le um bom desempenho comunicativo,

U sobretudo daquele forma l e soci::ilmente prestigiado,


é um repertório voca bu lar a mplo e diversificado. Em
outras palavras, a disponibi licbde <le var iar o voca bu-
lário - inclusivamente par::i in clu ir expressões menos comuns,
mais especializadas ou mais próprias de um determinado domí-
nio social - marca nossa atuac,.:ão li nguístic<1 como representati-
va de um grupo socia l letrado e culto.
Longe, portanto, de ser a estrita fid el.idade às regras da nor-
ma-padrão o que nos confere maior prestígio social, até porque
essa norma nem sempre está claramente definida, além de aq uela
"estrita fidelidade" nem sempre ser socialmente funcional.
Como se não bastassem essas razões, va le lem brar que as
normas gramaticais básicas - inclusivamente aquelas que sub-
jazem, aos ditames da 11or111a-padrão - já fazem parte de nossa
1 •
l· ...
·' ..,.

competência linguística in terna lizada . A própria natureza inte- Em qua lquer grupo social, as situações de uso da lingua-
rativa da linguagem coíbe qualquer uso que venha contrariar gem são imensamente diversificadas. Variam os eventos so ci,a is
aquelas " normas básicas", para q ue não fiquem comprometidas em que atuamos; variam os interlocutores; variam os propósi-
no ssas p retensões comunicativas. tos com que interagimos; variam o s gêneros textuais cm que nos
Em s uma, utT1 repertório voca bular mnplo e diversjficado é expressamos; o u seja , tudo é bastante próprio de cada situação
condiçã o de uma atuação comun icati va socia lmente participati- comunicativa . Daí po r que as atividades de linguagem supõem
va, funcional e .relevante. uma grande versatilidade de quem as executa, sobretudo em um
Desse modo, a ampliação do repertório lexical do aluno deve mundo caracterizado por uma explosã o de mais e novos modos
ser um dos objetivos p rioritários do ensino de línguas. No entanto, de interação; sobretudo em um mundo cada vez mais dependente
pelo que tem sido sobej amente discutido, a primazia cios objetivos d a info rmação escri ta ou digital.
de ensino tem sido dada ao ca mpo da gra mática, com todas as Alargar as possibilidades lexicais de as pessoas terem acesso
confusões que, secularmente, se interpusera m na história de seus às informaç<Jes, de poderem entrar no mundo da comunicação
conceitos e apkações. Consequentemente, o estudo do léxico: esf1ecializada, no domínio da divulgação científica não pode d ei-
.•.. '1
x ar de ser objetivo de uma esco la que preten da ser a grande força
(a) roí se resLringindo a exercícios cJeidenl.i!icação do sig11 ificacto clélSpa lavras supos- ~ de elevação das condições d e vida dos grupos sociais.
LamenLe desconllecidas: ~ Para chegar a re::i lizar esse o bj eti vo, proponho a consideração
(b) tem carecido do apoio das pistas conlexluais e daquelas outras pre.senleS no de a lguns pontos.
texlo pMa a idenlilicaçào desses signHicados:
(e} Lem-so lixaclo na exploração ele sinônimos e anLônimos;
(d) tfm priviJegíaclo o estudo do senlido literal das palavras:
{e) Lem-se concentrado em aliviclades de subsliLuir em frases palavras de signilica- 8_2 Uma questão fundamental: o critério da associação
dos idênlicos ou opostos: semântica entre as palavras do texto
(1) enlim, Lern descartarJo. no estudo do léxico. a perspectiva do Lcxto e do discurso.
O parâmetro da coerênc.ia global impõe, naturaJmente, o cri-
tério da associação semântica entre as palavras do texto. Vim.os ,
8.1 Arelevância da adequação vocabular de um texto em ;rnál ises anteriores, corno os n úcleos de sentido que assegu-
ram a u nidade do tex to cond icionam palavras com sentidos afi ns
N as análises anteriores, tivem os oportunidade de demonstrar a se fazerem presentes, marcando, dessa man eira, a d efinição des-
o quanto a seleção lex ica l de um texto co ncorre para o esta be- ses núcleos.
lecimento de sua coerência, par;.1 a definição ele sua unidade se- Nessa perspectiva, a escolha das palavras já está, grosso
mântica. De fato, equivalências, contiguid ades e associações se- modo, definida desde a seleção do tema, desde a direção da ar-
mânticas em um texto constituem a condição de sua unidade e de g umentação o u do o bjetivo pretendido. Até certo ponto, a área
sua funcionalidade comunicativa. Evidentemente, essa condição é semâ ntica cm que recaem as pa lavras é prévia à própria realiza-
assegur ada pelo concurso do léxico e da gramática. Mas não resta ção da in teração. No curso que se abre pelo início do texto uma
dúvida de que o léxico tem uma funçã o sign ificativa na esrrurura- ou o utra digressão pode acontecer; mas, do ponto de vista global,
<;ão do texto, na construção de seus sentidos, na definição de sua certas palavras já estão excluídas pelo fato de " não terem na da a
adequa ção às condições sociais de seus contextos de uso. ver" com a d ireção dos sentidos pretendidos.

- --
F
l.i.Jl&U.:!l!;J,!...&...,..1.ijj~-- paT! aanél!se de textcs: orooo em asp9ctàe ô! ad;Qiiilô~W'** •PI :z 1!.
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Esse po nto é de fu ndamental importância na construção e na for mando pares ou segm entos mais ou m e- 1 Lembro n perti11encia de u
• • ,; • 1
compreensão elas atividades discursivas. A intuição de que um nos estáveis ou fixos e, por isso, prevlSlvets . piora r com os alunos us eh ma•
das 't:xpre~~ões idiomáucaa', tio
texto tem com eço, meio e fim aponta para essa condição da uni- Essa sel.eção das palavras, na form ação vin c11 h1das ~ s perccpções culrnralt
dade semâ~tica pretendida, o que implica uma convergência de regular de combinações, acaba por constituir de cada região e de cado grupo
um traço que mani festa a ident idade cultural Nesse âmbi to da cstabilicl t1dc dt
sentido possibilitada pelas pa lavras sema nticamente afins.
cerws segmcmos, co nvém lembru
Vimos, por exemplo, na fábula O s urubus e os sabiás, a rede de uma língua. Po r exemplo, no Brasil o leite o i1Hcresse que pode r~r a explora•
cr iada por palavras que se articulavam mutuamente, criando um original, com gordura, é ' leite integra.!'; sem ção dos prové rbios - sem dú vida, o
grande ex pressão da inruiçuo natl1
ou outro núcleo, responsável, no fin al, pela unidade p reten dida . gordura, é ' leite desnatado'; em Portugal, os
ra 1cios fa l<i nrcs.
E xplorar esse ponto no estudo do vocabul ário representa mesmos produtos sã o chamados, respectiva -
uma exigência de um ensino que o bjetive, de faro, o desen volvi- m ente, ' leite gordo' e 'leite m agro' . Particu-
mento de competências tex tuais, discursivas, interacionais mais laridades lexicais que, ele certa forma , m anifestam o ângulo de
amplas e mais eficazes. Lamentavelmente, essa não tem sido a visã o d e cada cultura .
direçã o d as atividades escolares. Essas expressões, em geral, cristalizam-se a ponto de não ad-
Passem os a o utros pontos também significativos no âm bito mi tirem a inserção de uma outra pa lavra ou a t roca de uma por
d a exploração Jcxi.cal. um seu s inôn imo. A ' lo nga distância' nunca seria a 'comprida
distância'; n em 'val e a pena' poderia ser ' vale o sofrimento', por
exemplo. O 'mercado fina ncei ro' nunca poderia ser 'o mercado
8.3 As palavras e suas combinações preferenciais bem fin anceiro' , assim como o 'cartão de crédito' nu nca poderia
ser 'o cartão de bom créd ito'; e assim por diante.
O arr::i njo das p::i lavras na .l inha do tex to, j<í sa bemos, não é Ou seja, se somos l.ivres p ara esco lhe r as pa lavras n ão
aleatória . Mais do que isso, qua lquer palavra n ão po <le vir com somos tão livres assim q uando se trata de combin á- las. Esse é
qualquer uma o utra . Elas ta mbém, as palavras, têm suas compa- m a is um m otivo q ue fundament a a necess id a de d e se ala rga r
n hias preferidas. Formam pares, selecionam-se mutuamente; por as pers pectivas ele expl oração das questões lexicais. Muito há
vezes, até se convertem em expressões fixas, em construções cris- 0 que ve r p a ra além d os significa d os d as pa lavr as, sobr etud o
talizadas que pa ssam a funcionar como se fossem 'palavras com- se elas não são vi stas co m o unid ades autônomas. A solução
postas'. É o caso, p o r exemplo, de 'ód io mortal', de 'm odéstia à é vê-la s acontecendo nos m ais diferentes gêneros e contextos
parte', 'risco de vida ', 'custo de vida ', 'zona de reba ixamento', discursivos.
' faixa etária', 'q ualidade de vida ' e tantas outras.
Esse fenômeno - que conce rne à co-ocorrência de pal avras
num m esmo segmento - é explorado cm linguística sob o t ermo 8.4 O uso de sinônimos
de colocação. A eJe é atribuído, inclusivam ente por Halliday e
Hasan (19 76), uma função coesiva pre ponderante, po.is se insta u- No meio acadêmico, já é consensual o princípio de que não
ra pelo fato de as palavras tenderem a ocorrer junto a determina- existe sinônimo perfeito. Intuitiva mente, os fa la ntes, em geral,
das outras e não junto a qualquer uma. Noutras palavras, deter- também têm consciência desse princípio quando dizeni : Maria
minadas p alavras rendem a vir juntas com determin adas outras, 11ão é bonita, é linda. Maria 11ão está contente; está feliz .
O u seja, expJic itamente ou não, somos capazes de perce ber Nesse âmbito da sinonímia, vale a pena lembra r a multissignifi-
q ue os sent idos das p alavras que parecem idênticos admi tem cação possível pa ra as palavras, por conta dos contextos em que elas
u ma espécie de gra daçã o, a dm item d etalhes de diferenciação aparecem (vejamos, por exemplo, os sentidos da pa lavra 'cultura'
q ue os deixam levem ente diferentes, a ponto d e nã o po derem no âmbito da ed ucação e no âmbito da análise clinica; da palavra
ser considerad o s como intersubstituíveis. Esses d etalhes de di- 'céd ula' no campo das finanças e no campo das eleições partidárias,
fe renciação decorrem da própria açã o <los fa lantes em suas ati- da palavra ' operação' no mundo médico e no mundo político, para
vid ades de linguagem , onde, sem d úvida, os sentidos d as pala - ficar apenas nestes três exemplos). Deter-se no estudo dos significa-
vras vão apanh ando ajustes, vã o sofrendo extensões o u restri - dos das palavras fora do texto - que é sempre contextualizado - é
ções, vão apanhand o, enfim, outros valores para a lém daqueles apanhar, apenas, um dos aspectos que definem as condições de se u
já sedimentados. funcionamento: o do seu signi fica do conceitu ai básico.
Isso impl ica admitir que os significados das palavras and am, N ão menos significat iv as são aq ueb s relações de equivalên-
deslizam, movem-se, diferenciam-se, por acréscimo ou por .re- cia referencial (de qu e fal ei no capítulo 6) criadas no interior de
dução de tra ços semânticos. Os sema ntic.istas são unân imes e111 um texto. Lembro a fábu la de M ill ô r Fernandes A galinha reivin-
admitir, para além dos significa dos conceituais elas palav ras, os dicativa, em cujo co.meço é aprese ntada urna galinha em greve,
significados afet ivos que as palavras vão adquir indo ao longo do que é, no fin a .!, referida como 'a doidivanas'. Evidentemente, não
tempo. Por isso é que ' bonito' e 'lindo' não correspondem exata- se trata de sinônimos, conform e as determinações do d icionário,
mente ao mesmo e, portanto, não são inters ubstituí.veis. mas, no interior daquele texto, as du as expressões funcionam,
O s domínios sociai s em que predom inam as representações inconfund ivelmente, como estabelecendo uma equiv<llência igual
da s diferenças - vistas, na maioria das vezes, como julga men- àquela proposta para os sinônimos.
tos de valores - são farto s na geraçã o d esses significados afeti- A escola precisa estar atenta a todos esses aspectos que afetam
vos . Lembrem os o recurso d os eufe mi smos os significados das pala vras - matéria com que construímos nos-
1
l bri (2001: 68-77) explora, cm - um recurso d itado, sobretud o , peb s re- sas atividades de linguagem. Precisa afastar-se daquela concepção
1t•no~, inclusive, os difcrenres :i~­
pc~ros relacionados a esse~ clrmen·
gra s da polid ez co municativa - que se ex- engessa.da de linguagem, em que tudo parece inalterável, intocável,
1m ~onceiruais e aferi vos do sentid o. p ressam por diferen tes modos de se aten uar apesar dos múltiplos usos, contcxros e funções em q ue essas pala-
Vn lc ,, pena se inspirar :1í para niar
esses julgamentos de valores. O ' vel ho' é, vras comparecem. As línguas mortas - isto é, as línguas não faladas
ornr.1> oportun idades de au:íl isl'
doN ~c ntidos das pa lavra s par:i a lém ateouadamente, denominado de 'idoso'; a - é que não mudam. (Seria a língua da escola uma língua morta?)
1lt" >c u> lim ites conce iruais . ' ve lhi.ce', de 'a terceira idade' o u a in da de 'a
m elhor idade' 2 •
Os recursos metafóricos e metonímicos, tão comuns nos usos 8.5 O uso de hiperônimos
- especializados e rnais triviais - da linguagem, também. favore -
cem, cm muito, esse deslizamento dos sentidos das fJalavras. Afi.nal,, Em trabalhos anteriores (ver Antunes, 1996, 2005), tive opor-
os falantes vão interferindo no destino das palavras à medida que tunidade de mostrar a funcionalidade dos hiperônimos no esta be-
lhes parece conveniente face às suas necessidades de interação. É lecimento dos nexos coesivos e das relações de coerência. As equi-
im possível, pois, pensar em palavras cujos significados não se mo- valências referenciais, por exemplo , que são ensejadas pelo uso de
bilizem , nilo se modifiquem, não ganhem acréscimos o u reduções. hiperônimos, respondem pela maio ria dos nexos que envolvem
•• 1 •li li 111'111111' .1 .1 111111 11.

relações lexic:-iis. As restrições impostas à equiva lência pela sinon í- Somente em um estudo contextu alizado d a língua p ode-se
mia dcsa pa reccrn quando se trata da hiperonímia, pois, neste âm- perceber essas estr atégias tão com uns de se assegurar o êxito de
bito, as possibi lidades de significação, ex atamente por serem gera is nossas atividades de linguagem.
ou inespecífi cas, aba rcam m uito mais contextos. Muitos itens lexi-
ca is pode m ser retomados por outros como 'elem ento', 'produto',
'disposit ivo', ' procedimento', 'medida', 'fato', 'jogo', 'veículo', en- 8.7 Os efeitos de sentido pretendidos por meio de recursos
tre mi lhões de o utros. A hiperonimia é funcio nal exatamente por morfossintáticos
possibilirn r essa relação de correspondência (ver, por exem plo : a
equiva lência entre 'o recente assalto' e 'os investigadores do crime') . Em portu guês, dispo mos de certos recursos m orfossintáticos
que provocam nos enunciad os d iferenças de signi ficado relevan -
tes . Lembre mos, por exem plo, as a lterações ele sentido eviden-
8.6 A questão dos vocabulários técnicos ciadas pela posição de um elemento na sequência do e nunciado .
São bem d iferentes scm a ntica mcnrc ;ls expressões 'um certo dia' e
Cada setor da vida social é marcad o por difere nciaçõ es pd t i- 'um dia certo' ; 'a lguma ideia' e ' ideia a lguma'; 'me u fi lho ' e 'filho
cas que inclue m situações, objetos, mecanismos, procedimentos, meu', 'o ga lo velho' e 'o velho ga lo'; entre outras.
a
próprios .realização operacional desses setores. É natu r:-i l, por- O que m e interessa sublinh a r ;1 qui é que o estudo do léx ico
tanto, qu e haja especia lizaçõ es lexicais ou, por outra s pa lavras, deve supe rar a simples ide ntificaçã o dt.: seus significa dos dicio-
que cada dom ínio da experiência dispon ha de seu vocahul:fr io na rizados p a ra abranger as espec ificações, os des.lizamenros, as
específico, isto é, selecione um conjunto de pa lavras que recebe m, expa nsões ou restrições de sentido que as pala vras sofrem. Tal
nesse d o mínio, um s igni ficado específico e p ermite m, com ma is o bjetivo somente é possível pela análise pers istente de textos r eais,
êxito, a interação entre seus membros. orais e escritos, que acontecem nas 111;1is difer entes agêrn.:ias e n os
O vocabu lário da á rea m éd ica, d a á r ea pedagógica, da ârca m a is diverso s suportes da comu nicaçã o diá r ia .
jo rnalística, e ntre o ut ras, tem s uas especi ficidad cs ma rcantes. Uma o utra alteração de sentido, nesse â mbito d a m orfossin-
Con hecê-la s é uma cond ição de bo m desempe nho e de c rescente tát ica, tem a ver co m a questão da plu ral ização. Isto é, não é tão
sucesso. Afi na l, essas espec ificações lexicais constit ue m s ignifica- indiferen te assim pluralizar ou não um a palavra .
tivos elementos de nossas particularidades c ultura is. Com efeiro, o rec urso <la plurali zação anul a (ou, pelo menos ,
No â mbito desse ponto da especialização, podemos inserir a atenua) o nível de a bstraçã o d a pa lavra, ou seja, converte-a para
adequação vocabular requerida pelos contextos m;:iis form ais de um patamar inconfundíve l de conc retud e. O exemplo mais co-
uso da linguagem, que nos faz falar e m, por exemplo, 'a pr etensão mum corresponde às fo rmas ' hem' (substa nt ivo abstrato) e ' bens'
bélica iraniana', •a elevação do índice de precipitação no Nordes- (substantivo concreto).
te', 'a desacelercição do processo de maturidade', 'o potencia l de Essa partic ularidade semâ ntica da s palavras, a t relada ao uso
crescimento da leitura', entre outros dizer es, que poderiam parecer do plural, nã o é explorada no estudo d o léxico. J\tluito frequen-
estra nhos numa sit uação social de informalidade. O contaro com temen te, testemunhamos a d ifi cu ldade dos alunos em discernir
textos mai.s ou menos distantes desse nível informal é imprescindí- os contextos em que uma palavra pode ou não ser p luralizada.
vel para que possa mos nos adeq uar a contextos pú blicos d a comu- 'A liberdade' é urna coisa; ' as liberdades', outra bem difere nte.
nicação, em geral, m ais formai s que as conversas da vida privada . O mesmo se poderia dizer de 'o vinh o', 'os vinhos'; 'a água', 'as
águas'; 'o a mor', 'os a mores'; 'o jogo', 'os jogos' e milhões de
outros pares. A expressão 'os analfabetos' designa entidades con-
táve.is e, assim, admite o plural. A expressão 'o analfabetismo',
perde seu sentido geral e abstrato se for pluralizada.
O u sej a, a questão de passar uma pa lavra do singular para
o plura l não pode ser vista apenas como um procedimento mor-
Práticas de análises de textos quanto a
fo lógico de acrescentar um 's', ou um 'es' etc. Pôr uma palavra
no plural tem consequências semânticas significa tivas que, não
aspectos de sua adequação vocabular
respeitadas, provocam sérias incoerências discursivas. Ness:l di -
reção, va le lembrar que muitas são as palavras cujo uso mais
frequente é o da forma singula r, como ' desenvolvimento', 'cres-
cimento', 'economia', 'globalização', 'agricu ltura', exat::imenre
pelo teor de abstração de seus significados.
onscientes da relevâ ncia da adequação vocabular de

e
É significativo, além disso, que se mantenha uma sintonia
entre os níve is de abstração em que as entidades são re l::iciorrndns: um texto, vamos, em seguida, examinar alguns textos
por exemp lo, soa esquisito d izer que "Em nosso deco rrer do dia ou fragmentos de tex tos e procurar perceber passa-
gens que ilustrem um ou outro dos princípios desen-
a dia, nos relacionamos com a humanidade". (O din a dia não
está próximo e concreto demais para que nos relacionemos com volv idos no capítulo anterior:
• a associação semântica entre as palavras do texto;
a humanidade, tão geral e abstrata?)
• as palavras e suas combinações preferenciais;
Esses e outros são detalhes muito significativos quando se
• o uso de sinônimos;
pretende acertar no domínio da adequação voca bular, no campo
• o uso de hiperônimos;
da 'palavra certa' para o 'lugar certo'. Como vimos, até mesmo o
• o vocabulário técnico ou es/Jecializado;
domínio gramatical interfere no êxito dessa adequ ação.
• os efeitos de sentido fJretendidos por meio de diferentes
Na verdade, por estas análises, estou querendo frisa r que:
recursos morfossintáticos.
Passemos às anál ises.
o eslUdo do léxico é mui Lo signilicaLivo para quem deseja ampliar suas compe-
tências comu nicalivas;
esse esLudo deve ser amplo. a lim de alingir outros mecanismos de sign ilicacao
para além daqueles puramente lexica is: 9.1. Análise do comentário "A liberdade e o consumo 1"
somente a insl1i ncia dos textos rea is propicia o con 11ecimenLo de todas as possi- ~"""~~o;•X>')C'>'A>'f//>~:...-."'·~-,, .................... lll'•Vf,•6Y·•~"""'....-11~---~--------

bilidades de senLido que o léxico de urna lingua pode abranger. A L113EnD/\DT:' r.. O CONSUMO

tem horas que a gente se pergunta... Quantos morreram pela liberdade de sua pátria? Quantos foram presos ou es-
por q ue é q ue não se junca pancados pela liberdade de dizer o que pensam? Quantos lutaram pela liberui-
tudo numa coisa só? ção dos escravos? No plano inLelectual, o Lema da liberdadeocupa as melhores
(fernando Anirelli, SinLaxe à vo111ade) cabeças. desde Platão e Sócrates. passaJH1o por Santo Agostinho. Spinoza.
i. \" ,·
···.....
":

Locke, Ilobbes, Hegel, KanL. SLuart Mil!, Tolstoi e muitos ouLros. Corno conci· no cotidiano e na prolissão. Para outras. é apenas o prazer de saber que a
lfar a liberdade com a inovilLí veJação restritiva do Estado? Como as liberclades dislância não mais cerceia a corn uriicacão. por boba que seja.
essenciais se Lransforma m em direitos do cidaclão? Essas questões pusera m Hâ ainda uma ultima JílJerdade. ma is nova. ainda elitizada: a intemel e o
em choque os melhores neurônios da filosolia. mas não foram as únicas a correio eletrônico. É um correio sem as peripócias e demoras do carteiro,
galvanizar conlrovérsias.
instantâneo. sem remorsos pelo tamanho da mensagem (que se dane o
Mas vivemos hoje em uma sociedade em que a maioria já não sorre agres de.sLinatário do nosso auacl1melll megabáitico) e que eslá a nosso dispor.
sões a essas liberdades tão vitais. cuja conquista ou reconquisla desen- onde quer que estejamos. E acoplado a ele vem a we!J. com sua cacofonia
. cadeou descomunais energias lísicas e intelectuais. Nosso apelile pela ele iniormações. excessivas e desenconLradas. onde se compra e vende.
liberdade se aburguesou. Foi arraido (corrompido?) pelas Leolaçõcs da so- consomem-se lilosona e pornografia. arte e empulhacão.
1J ciedade de consumo. Causa cerlo desconiorLo inlelecLUal ver subsliluidas por objetos de con-
i Oquequevotaé percebiclo
~
•'
como liberdade para um pacato cidadão conlempo1â11 eo
. fala o que quer, vive sob o manto da lei (ainda que capenga) e
sumo as discussões lilosólicas so.b r~ libc rd acl ~ ~o l1 e roi~m~ d~s atos que ~
levaram à sua preservação em mu lllplos dorn1n1os da ex1stencia humana. ~
~ tem dire.ilo de mover-se livremente? Mas assim é a nossa nalu1-eza, só nos preocupnmos com o que não temos ~
iO primeiro Lemplo da Jiberdacte burguesa é o supermercado. Em qu e pesem ou com o que eslá ameacado. Se llá um consolo n.isso. ele esLâ. no saber 1
que a preern i nência de nossas 1i berdados consumistas marca a vi Lória de i
as angustiantes restrições do cont.racl1 eque, são as prateleiras alJunuan·
temenLc supridas que salis(azern a liberclade do consumo (não faz muiLas lrnvermos conquisLaclo as outras liberda.dos , mais vi Lais. Mas, inlelizmenl.e. ~
~
'
;!
•~· décadas, nas praLelci ras dos nossos armazéns ora fa1Lava ma nleiga. ora
i leiLe. ora leijão). Não houve icleal comunista que resistisse às LenLacões
do supermcrcaclo. Logo depois da queda do Muro de Berlim, comer uma
deleiLa r·se com a alienação do consumismo esla lora do l10nzonle ele mu1· 1
Los. E. se o lilósolo .foaozint10 TrinLa Lcrn ra1.ão, niio é por desdenhar dos
luxos. mas por não poder clesl rulá-los.
i
!
bana na virou urn ícone ela liberdade no Leste Europeu. (Claud io de Moura Caslro, Veja, 8 ele ~ÇJ~SLO d~-~º-~:.i:.J
A seguncld liberdade moclerna é o Lransporle próprio. BMW ou t>iciclela, o que
conla é a scnsdçJO ele poder senlar-se ao veiculo e resolver em que direção par·
Quanto à associação semântica entre as palavras do texto
Lir. Podemos alé nJo ir a lugar alqum. mas é gosLoso saber que hil um veiculo
parado apona. concedendo permanentemente a lil:>erdacle de ir. seja aoncle 101. Volta mos a recon hecer que todo o vocabulário d e um texto
Alguém já disse que a Vespa e a LanibrelLa tiraram o Jervor revolucionário que est á, fu ndamenta lmente, vincul ado à ideia centra], ao núcleo que
poderia leJ levaclo a llj lia ao com unismo. repr esenta a sua un idade semâ ntica.
A Lerceira liberdade é a televisã o. É a janela para o mundo. É a liberdade Assim, p ôr em relação os co nceitos de 'liberdade' e 'consumo'
de escolller os ca nais (reslriLos em paises Lol.aJitários), de ver um programa implica n aturalmente mover-se pelos sent idos próximos a esses
iml)ecjJou um jogo, ou estar tão perto elas notícias quanlo um presidonLe con ceitos, sejam esses senti do s equ iva lentes, apen as próx imos,
d.a República - que nos momemos cl ramálicos pode assisLi r às mesmas contíguos ou até n:iesmo opostos . .Daí por que nenhuma pala vra
cenas pela CNN. É esLar próximo ele reis, heróis, criminosos. superaLlelas está 'solta' ou comparece sem critério, de fo rma aleatória - o
ou caJajesles meLarnorloseados em apresenLaclores de TV. que já é sobejamente sa bido.
Urna "Jil)erdade" recente é o lelefone celular. É o gostinlto todo especial Com base nessa pequena introdução, j::1 podem os afir mar que
de ser ca paz ti e !alar com qualquer pessoa. em qualquer momento, anele é significativa tod a a seleção voca bu lar do texto A liberdade e o
quer que se esLeja. lmportanLc? Para alg umas pessoas. é uma revolução consumo, que fa la em:

-- -

- - ---==-=----- -
_...,_..............
._....,.,.....,._,......,....-


·~~.....,...,,,,,...,...._.,_~---·

liberdade, liberta{:ão
.... ·•···· ,................ ··~···-···"'"""'"""'_"""" __
• supermercado, contracheque, prateleiras abundantem en·
li.
• liberdades co11sum istas, te supridas, armazéns, manteiga, leite, feijão, banana; faz
• liberdades essenciais, referência a transporte próprio; BM \XI ou bicicleta, veí-
• liberdades vitais; culo, Vespa, Lambretta, em que direção parti1~ liberdade
• liberdade burguesa; de i1~ seja aonde for; fala em: televisão, canais, programa,
• apetite pela Liberdade; jogo, notícias, assisti?; cenas, apresentadores, T V; fa la em:
• a liberdade de escolher; telefone celulm; gostinho ... de ... falar com qualquer pes-
• a liberdade de i1~ seja aonde for soa, em qualquer momento, prazer de saber que a distân-
e, por outro lad o, se refe re a : cia não m ais cerceia a comunicação, por boba que seja;
• consumismo; e ainda, faz refe rência a: internet, correio eletrônico_, car-
• objetos de consumo; teiro, mensagem, destinatário, attachrnent m egabáitico,
• ideal comunista; we b, informações etc .
• sociedade de consumo; O que pretendo ressa ltar com este levanta mento é o critério
• resistência às tentações do supermercado, entre o utras mais gera l e n1ais deter m ina nte para a seleção voca bular de um
coisa:;. texto, q ue é, na ver dade, sua vinculação aos tófJicos em torno dos
No âm bjto d a q uestão em apreço, vale a pena presta r atcnc,;ão quais os sentidos se desenv olvem. Portanto, a ad equação vocabu-
n as cli.fe renças de sentido da pala vr a 'liberdade', quando p lura - lar do texto é, antes d e tudo, uma questão .ligada à coerência, seja
lizada . D e fat0, a p luralização dessa palavra implica traze r sua em relação a seu tóp ico global seja em .relação a particularidades
referência para o nível do concreto, especifica mente para o nível em que esse tópico se desmembra .
dos ui ferentes ' tipo s de liberdade', ou melh o1; de s ituações cm
que se pode vivenciar a possibilidade da escolh a pessoa l. Como Quanto a outros itens mais pontuais
disc ut imos no ca pítulo anterior, a p luralização é um rec urso mo r- _.. --"-~ ..--~-~·

fossintá tico q ue expr essa uma mudança no m o do de perceber os {a) a ativação de conhecimentos enciclopédicos. algumas vezes mobili-
ob jetos de referência : como co isas abst ratas (incontáveis, po rtan- zados. como nas referências a: Muro de Berlim. Leste europeu: CNN;
t o) e co isas concretas (d iscretas e contáveis). Vespa. [.ambretta: ,Joãozinho Trinta, além das releréncias que apare-
Na verdade, a Liberdade de que fa la o autor é desmembr ada cem logo no primeiro parágralo a: Platão e Sócrates. Santo Agostinho.
em várias 'liberdades': a li berdade de consumo, a li berdade do Spinoza, Locke. Hobbes, Hegel. Kant. SWarl Mil/. Tolstoi:
transpo rte pú blico, a liberdad e da televisão , a liberd ade do tele- (b) o recurso a metáforas. como em: janola para o mundo (televisão). tem-
fone celular, a liberdade da internet. Ou seja, o efe ito da p lurali- plo da liberdade (supermercado): sob o manto da lei; (a alienação do
zação é trazer para o âmbito das situações concretas o exercício consumismo está) fora do t10rizonle de muilos. o rervor revolucionário;
d a liberdade, enq uanto entidade a bstrata. apetite pela liberdade;
Essa m ultip licidade de libe rdades at iva outros domínios de {e) o recmso a rn.etonímias. como em: os mell1ores neurônios ela filosofia:
.referência, o q ue .leva, natur almente, o tex to para uma seleção (o tema da liberdade) ocupa as melhores cabeças:
vocabular especializada, conforme cada um desses domín ios. Daí (d) a correlação semântica e pragmática entre as referências a: 'infom1a-
por q ue encon tra mos referência a: ções. excessivas e desencontradas · e 'filosojja e pornografia. a1te e

1 '1
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emp11//1ação ': enLre ·conci liar a liberdade' e ·a ação restritiva do EsLa- Em suma, é difícil apontar em um texto coerente e bem ar-
do '. ou entre ·11eroísmo ·e ·preservação· (da Jiberdade); enLre ·uma ú!Li- ticulado todos os casos <le 'adequação vocabular' . Por critérios
ma liberdade'. mais nova. ainda eUtizada'; entre ·vilória de havennos 1 diferentes, toda s as pa lavras, cm gera l, se aj ustam, como já re-
conquislado as outras liberdades·: entre 'só nos preocupamos com o • feri, às determ in ações dos sentidos e das intenções pretend idos,
que não Lemos ou com o que eslá ameaçado'. o que caracteriza contex- seja em relação ao tópico g lobal, seja em relação aos subtópicos
tos de significaliva adequação vocabular;
particulares.
(e) a diversidade prelendida na enumeração de: reis. 11eróis. criminosos. Par a ap anhar esses sentidos, o que transparece como signifi-
superallelas OH cafajestes para ressaltar a redução de tudo isso a ·apre- cativo é o exercício de uma aná lise mais am pla, orientada pela in-
senLac1ores de ~v-; terpretabilidade do texto, o que ultrapassa a simp les con ferênc ia
(f) a oposição sublinhada em: 'peripécias e demoras do carteiro· o o ca rti dos significados das pa lavras supostamente desconhecidas.
Ler· inslanLJneo· cio correio eletrônico; ou as ou lras oposições ex pressas
orn: 'compra e vencte ': 'lilosoJia e pornogra fia', ·arte e empul hação'. es 9.'1.1. Observações sobre alguns laLos gramaLicais veriíicados no
sas úllim as corrohoranclo a ideia de ·in formações cfesencorll radas·: comentário "A. llberdadc o o consumo"
(g} o uso d0 uma expressa o cofoq uial ·que se dane o (1esLi nalário do nos-
so aLLacl1mer1l mcgabáilico', uma escolha que se ajusta ao cril óli o ele No d esenvo lvimcmo do tópico anterior, já consideramos
liberdaclGrm cliscussão; um ou o u tro item da gra m ática e sua função na constituição
(11) o valor alelivo cio cl irninuLivo em: t o goslinl10 lodo especia l ele ser dos sen tid os do texto. E nt retanto, p reten<lemos destacar agora
capaz de lalar com qualquer pessoa ·: o utros aspectos q ue fo ram significat ivos no texto e q ue podem
ser objeto ele exploração no dese nvolvimento dos programas do
.. (i) <1 sr:quc~ ncia
cfecrescenle presente em: Quantos morreram pela liberda
ele de sua 1x.Hria? QuanlOs fo1am presos ou espancados pela /ibcrdacle estudo escolar.
ele dizer o que pensam:> E a sumarização disso em: Q11a11Los lutaram Nessa persp ect iva, cha mamos a atenção pa ra:
pela liberlação dos escravos: • as perg untas reróricas que ap:ucccrn no início do texto e
em seu p ercurso; são r crgu nras q ue não cumpr em a fun-
(j) os pares que tendem a ser recorrenLes. como em: ·pacalo cidadão'. ·so-
fre agressões·. 'objetos de consumo' . ·resistir às tentações', ·compra e ção de interroga r, de enco ntrar respostas para eventuais
vende·. ·existência humana': dúvidas; antes, cu mprem a fun ção de despertar o interesse
do leitor, conv oc::im o interlocutor para entrar no clima
(k) o uso de l1iµerônimo em: 'BMW ou bicicleLa', reLornados depois por
da interação, s ugerindo qu e ele pode encontrar ali res-
'veículo': a esse propósito é signiricativa a ocorrência da expressão
'Essas queslôcs ·. no final cio primeiro parágraJo, ele pois de serem lei Las postas para questões que são s ignificativas (o mínimo, o
nada menos que se.is perguntas; menos r elevante q ue se podia fazer aqui era apenas reco-
nhecer que se trata de fra ses interrogativas, ma.readas por
(1) a escolha de pa lavras menos usuais (cercear. deleilas-se. deslrular.
galvanlL:ar conlrovérsias. acoplado) como recurso de adequação a um um sinal de .interrogação );
conlexLo público. corno é o caso da divulgação em revislas de grande • a demarcação do contexto onde a afirmação ganha va-
circu lação, embora o suporte ·revista' já condicione certa aproximação lidade: No 'f1lano intelectual, o tema da liberdade ocupa
com o coloq uial (corno já 1oi moslrado em: 'que se dane). as melhores cabeças (outra vez lembro que é muito pou-
co ficar na classificação desse segmento como adjunto
,1.•( !I''

~~~~~~~:: btlaae deanéllses de Lextoa Quanlo aaepecl.Os desua adequaçlo vooabullr

-· 1 Noçf'leq ~o bre o proce~~<> de rcfc- adverbia l [de lugar?] e não perceber que se • a ênfase pretendida cm: com qualquer pessoa, em qual·
ron~in~uo que nconrccl' nn scqt1ên- trata de uma 'demarcação' do ca mpo onde quer momento, onde quer que se esteja; vemos que n ão
r c:l11 tio~ rc.x tos precisa ser um dos
ltc11s do prog r::11n a de csrudo da lín-
se pode aceitar o que é dito); houve a preocupação de evi tar a repetição de palavras;
1111r1. Somcn1 c por cS>l' meio se pod e •a ocorrência de uma retornada lexica l não hou ve o emp enho em tornar a linguagem mais convincen-
<tprccndcr quando convém o uso do correfer enciaJ (chamada também de aná fora te, q ue é o que im porta n esse contexto;
u1·t1gu definido ou <lo indefinido,
t' ou1r.t\ p:tr ricula ridadcs para ga·
indireta) em: É um correio sem as peripécias • o uso do advérbio em: infelizmente, deleitar-se com a alie-
r.111ri1
,t da rcza d:1 continui dade e demoras do carteiro; é a r eferência a 'cor- nação do consumismo está fora do horizonte de muitos, o
rdcrcn<:i,tl do rcxro.
reio' que permite o uso da expressão referen- qual expressa o sentimen to de desagrado do autor diante
Ourra qucst~o que pode ser
cial definida em ' o carteiro ' 1 ; do que é afirmado .
l'x r lor:ula, no â mbir.o das re lações
• o envolvimento do autor frente ao que é dito,
l'11m: a> pa lavras, é o uso ela 'p:ir- Ou seja, advérbios, artigos, n umerais, interrogações, plurais,
1n11 í111 i:1', isro é, de pa lavras q ue ou , noutras palavras, o comentári.o que o enun-
l' Xpressa rn ·partes' d e um conjun to, parênteses e outras tanta s categor.ias gramaticais são partes cons-
o u de u111;1 'sé rie ', co mo vi111os c 111
ciador faz de seu próprio discurso em: Nosso titutivas de um sentido q ue está cm co nstrução. Sua relevância
rt•l;ir,;iio n 'co rr~ i o' e· 'ca rreiro'. apetite pela liberdade se aburguesou. Fui atraí-
está, justamente, em possibilitar a expressão desse sentido.
O u seja , hâ muiro o q ue ex· do (corrompido?) pelas tentações da sociedade
piorar. O qu e é preciso é c11 xc rµ,1r de consU1no. Por essa razão, a pergunta entre
11 1\-111 ...
p arênteses. (Vale a pena fazer um levantamen-
1
9.2 Análise da anedota "Boateiro"
to de todos os segmentos que estão entre parênteses e reco- i A íirn de não adorar rigidamcmte

a mesma configuração de :in.í lisc,


nhecer a estratégia discursiva do autor de ir entremeando o Ex perimentemos agora analisa r um tex- vamos adorar agora u ma scq uêoc io
te>..1:0 - a princípio, objetivo - com ponderações de ordem to com outro teor de inform ação e o utro p ro- mais solrn, fora dos esqucmns dn ~
a n.ílis(·s anteriores.
pessoal, p or vezes, sem restrição: um pacato cidadão/... ] que p ósit o comunicativo 2 •
/ ...}vive sob o manto da lei /ainda que capenga];
r
~•.w~ -·-~ .·.~~--~·~--
• a seq uên cia n1arcada pelo uso dos numer ais no in ício dos BOATEIHQ
parágrafos: O primeiro templo; A segunda liberdade, A •
terceira liberdade. Outras marcas dessa sequência a pare- . Diz que era um sujeiLo lâo boateiro que chegava a arrepiar. Onde houvesse
cem em: Uma liberdade recente; Há ainda uma última um grupinho. ele eslava na conversa e. em pouco tempo. eslava inlorman-
liberdade . O uso do artigo indefinido, n esses dois últim os
segmentos, atesta que se trata de 'outras liberdades' ainda
não referid as (são, portanto, novos objetos de d iscurso só
•l~~n~·/:!~~~~;r~~as '~.º.~~:::~~e:~~;[~·~: u~~:r~:~?;me~~~t.ª:s::~~~~:
1 0

sas. O boateiro encheu LanLo que um coronel resolveu dar·l.he uma lição.
~~ Mandou prnnder o sujeito e, no quarLel. levou-o até um paredão. colocou o
agora int roduzidos);
pelotao de fuzilamento na frenLo, vend ou·l'he os olhos e berrou:
• o uso da primeira pessoa do plural, para indica r a preten-
são do enunciador de p ertencer ao grupo de que se fa la: - Fogooooo 11 !
u111. correio sem as peripécias e demoras do carteiro, (... ) Ouviu-se aquele barulho de tiros . e o boate.i ro ca iu desmaiado.
que está a nosso disp01; onde quer que estejamos; trata-se, Sim, caiu desmaiado, porque o coronel queria apenas dar·ll1e um susLo.
com o se pode observar, de um recurso morfossintático Quando o boateiro acordou na enlermaria do quartel. o coronel falou
que aca rreta um cerro efeito de sentido; para ele:
a lllH1l2~'ii\;li~ll""'"'"'"'•....,,.....-""'ª-.itli•JU•,._-

":'?:
- Oll1e. sou pi lan1ra, islo foj apenas para ll1e dar uma lição. Pique espa lha ndo - Mandou p render o sujeito, (a força jntencional do ver-
mais boalo idioLa por ai. que eu lhe mando prender oULra vez e ai nao vou bo 'mandar'; a expressão referencial [o sujeito], que, ao
luzi lar com bala de teslim. não.
mesmo tempo, cria distância e expressa informalidade);
Dar soltou o cara que saiu meio esca ldado pela rua elogo na primeira esquina f - O boateiro encheu tanto (uma metáfora cr iada pela
enconLrou uns conhecidos. gíria t ípica dos con textos inform ais);
- Quais são as 11ovidades?- perguntaram os conhecidos. J - lo coronell berrou (uma escolha somente a propriada
I O boateiro olhou pros lados. tomou ar de cumplicidade e disse baixinho: ~
~
p or se tratar de um contexto episódico);
l- O nosso exército está completamente sem munição. 1 - Olhe, seu pilantra (um chamamento que condiz com a
atuaçã o meio irresponsável do boateiro );
~ (Slanislaw Ponle P1eta, Garoto linlia clura. Rio de Janeiro:
-Daí soltou o cara (uma expressão típica de um vocabu-
l Civilizaç8o Hrasi leiri1. 19/b.)
~ .........•,• ,,., '~ ,. 10• • '• ,.. '• ,,,,~,,,.,,.,.,,., .•, .........v.••,•,.,.~...,,._ ........_,"•"':•;•:•-••.•-I:o '.-,.,-,_,,.,,_,.;•,•1·~. '''"·'•'• ' ••, " , " lário que beira os pad rões da gíria);
Logo de sa ída, podemos destacar: - boato idiota (palavras que formam um par bem
• a escolha do vocabuli rio - bem próx imo do nível co lo - com patível);
quia l - o q ue se ajusta ao texto, uma vez que se t rata da - aí não vou fuzil.ir com h;lla ele festi m , não (a repetição
narra<;ão de um ep isódio meio a n edótico, com p ropós ito da negativa costum a ser uma regularidade do português
cômico, inclu sive; coloqui.al) ;
• o títu lo, 'Boateiro', p elo que já se pode pr esumir por o nde - o cara q ue sa iu mei.o escaldado (uma metáfora bem
vai o c urso das informações trazidas; próxima também dos usos ma is comuns da linguagem );
• a expressão de uma a meaça, formu lada exp.licita rncntc - O boateiro olhou p ros lados (uma combi nação que é
c m: Fique espalhando mais boato idiota por aí, q11e eu lhe bem típica das situações in forma is de comunicação).
rnando prender outra vez; N aquele nível d a conuergência semântica das palavras em re-
• mnrcas da oralidade própria dos contextos informa is; lação aos eixos da unidnde preten.didn, pode-se apontar:
por exemplo, o in ício do texto com a expressão ' Diz q ue • o dom ínio da insti tu ição mi litar (coronel, quartel, man-
e ra ', um começo bem apropriado na contagem de boatos, dar prendei~ dar uma lição);
qui:i ndo não é conveniente explicitar 'o age nte' do verbo • o domínio do castigo pela boataria (prisão, pelotão,
'd izer '. Nesses casos, portanto, é mais conven iente apelar fuzilamento, uenda 11os olhos, barulho de tiros, cair
para u ma indetermi nação do sujeito, com o acontece na desmaiado).
seq uênóa da narrativa : 'prenderam o novo Presidente', • A referência a bala de festi111 encontra justificativa na dis-
' Mataram agorinha um card eal', confor.m e costmn amos posição do corone l d e apenas dar um susto no boateiro
fazer cm nossas conversas do dia a dia; ou dar-lhe 'uma lição'.
• exp ressões com gosto de coloquia li dade, corno cn1: Outra vez se confirrna o pr incípio ele que a seleção vocabular
- [um boa te iroJ que chegava a arrepiar (uma palav ra que de um texto constitui uma r ede, sus tentada por nós, c ujas pon-
sugere a imagem do trivia l); tas nem sempre são imediatas umas às o utras. A sequ ência, na
- Onde houvesse um grupinho (um diminutivo com co- verdad e, é dada pelo sentido, que foge à linearidade estrita d as
notação visivelmente coloquial); palavr as no tex to.
,,.-.-....•---"W""l\""H""• 't~'"'~lf'r . . . fltl"V~t9J.
,
'
9.1.2. Algumas observações sobre falos gramaticais verificados na • Vale referir que também podem ser vistos u m ou outro
anedota "BoaLeüo" uso ma.is comum em contextos formais, corno, por exem-
p lo: levou-o até um paredão; vendou-lhe os olhos.
Sem perd er de vista as o bservações feita s n a seção anterior,
Todas essas considerações m e fazem lembrar u m trechinho de
podemos destacar:
Dr ummond, escrito como parte d e seu diário .
• as marcas da transcrição de um discurso direto (como em, N esse trechinho, se pode ler o seguinte:
por exemp.lo, Olhe, seu pilantra, isto foi apenas para lhe
dar uma lição);
• a mudança de turnos entre os p articipantes da interação,
sin alizada pelo uso dos t ravessões;
• o uso d a expressão ' Daf', como marca da ordem sequen-
r~~::,~~~:~~~~~ig;,~ca:~~·:-,~=~ ~:~.~·;:,:::iço
~ pú bl.ico que me mandou observações sobre uma cron 1ca que publ1que1no
1
Jornal do Brasil. Problema: ac/18ro wm adeauado a palavra msla. a exores-
cial da nar rativa; são medida e insubsUWível. nemmais nem meoos. Chego à conclusão de
• o sentido de encerramento de um a enumeração em: en- que escriLor é aquele que não sabe escrever. pois quem não sabe escreve
fim , essas boasas; sem eslorço. .Já Manuel Bandeira era de outra opinião: "Se você faz uma
1
t\ propósito deste caso, lembro q ue
6 1nu Íl'<I produrivo ;rna lisa r os efeitos
• o uso dos chamados 'verbos d o d izer', qu e coisa com diliculdade, é que não tem jeito para ela." Ouvido (grilos meus).
dl· 'c1111Jo pretendidos por cercas sã o fr equentes em narrativas cm discurso (Carlos Drummond de And rade. O o/Jservador no escriLório:
1 11:111sgrc~sões às regras cl:1 gram;Í-
direto, como em: perguntaram os co nhe- págioas de diário. Rio de Jandro: Rccord. 1985)
1 1il::1, c1u:rndo se pe rcebe claramente
•jllc se rrara de uma rrans{\ressào cidos; O boateiro (... ) disse ba ixinho, por ..,-~~··- .....- ......- ...- -............._.. - - - ~.--:•'>'•'•"'

, l11 t\'1Kional, em função ele aiga.1111 exemplo; M erece destaque a explicitação do problema de Drummond:
1 p1np6~ iro. Rachel de Queiroz, e m
11111.1 de suas crônicas, fol:i nos 'cs-
• a repet ição dos segmen tos em: o boateiro achar 0 tom adequado, a palavra justa, a expressão m edida e
l l'l'io,' que, ao contrário d:i ' arrai:t caiu desmaiado. Sim, caiu desmaiado, o que insubstituível, nem mais nem m enos. No utras palavras, conse-
1 1111(1d .1 ', c~crevem sem esforço, sem

p,1lk-ccr (ver Rachel de Q ueiroz.


configura uma reiteração bem adequad a ao guir um a adequação vocabular que garanta coerência, clareza e
/O:stado c/1• S . /'(lu/o . 22 rnar. 2003). teor enfát ico d o rela to em curso; ~l cgância de estilo, talvez, a uma carta de resposta a uma diretora
11111.1 :HÍ\·idade inrcress:imc para • o uso do p ronome 'lh e' corno complemento de serviço público. O fato de se tratar d e uma resposta a observa-
m 11 i1111os poderia ser coicrnr, nos
1t111"111cios, nos texms Jiter;írios, nos
direto em eu lhe mando prender outra vez., o ções anteriormente fe itas, o fato de se tratar de uma autoridade
l l' ~t<" la11111odsticos e em cantos ou- que remete para um contexto de informa lida- constituem exigências que o neram o tra balho do escritor de en-
1ros, cxe111plos dessas transg ressões, de, onde figu ram omras normas gramaticais
d1c i;1s dr ranw significado! É ver ;1
contra r a palavra justa, sem mais nem menos.
h11~11.1 a.:0111ecendo... para além daquelas prescrita s pela gramática Dian te dessa confissão de Drummond, só podemos admitir
trad icionaP; qu e 'a procura das palavras' exige empenho, ca utela, apreciação,
• a representaçã o meio icônica feita em rogooooo !!!, con- até que achemos a ' palavra justa', ou seja, aquela que nos p~re­
seguida não apenas pela reincidência da vogal como pelo ça capaz de dizer o que queremos dizer, a qu em e pelos motivos
uso repetido do ponto de exclamação; que sabemos. Essa competência supõe experiência, persistência ,
• a alternâ ncia entre o artigo .indefinido e o artigo definido te ntativa, disposição para analisar, maturação. Somos do nos das
em 'uns con hecidos' e 'os conh ecidos', o que sinaliza um pa lavras, mas, d ialeticamente, somos servos de seus limites se-
elo de correferencialidade entre as duas expressões. mântico-pragmáticos.Traem-nos q uando não as pomos cm seus
1 lllfDI l'ITll l!A

devidos lugares, so bretudo quando n ão estamos n a área soberana sem controles remolos nem comp ut.riclores equivaleria a uma idade das
da literatura, o nde a servidão a elas é atenuada. trevas. Todas têrn extrema fac ilidade em li dar co m novas tecnologias.
O certo é que ::is palavras têm suas acomodações costumeiras,
1~ Pesqui sas feitas nos Estados Unidos mostraram que 70% das crianças
ma is o u menos previstas pelos limites da língua, mais ou menos ~ daquele país usam compuLador em casa ou na escola. Algumas apr~n-
prev ista s pelos contextos em que vão ser vir de mediação. • deram com 18 meses a manusear o mouse. Em 1994. 50% dos jovens
Voltemos às nossas análises. consideravam "in" acessar a inLerneL Essa porcentagem pulou para
88% no ano passado.
E no Brasil? Pesquisa exclusiva encomendada por Época ao Instituto Vox
9.3. Análise do comentário Populi. realizada em cinco capitais (São Paulo. Rio de .Janeiro. Porto Ale-
"A geração digital entra em cena" gre, Recile e Belo Horizonte} confirma que os brasi leiros estão se digi tali-
r· . _ .....
.~ .,, ........ ·••·• .... ,........ -.. -.-•• -•• _ ·- =-~ ... -••, .. _.,- 'j ·- ...... ,. • • '
zando. Crianças como as pa ulistas .Julia e Ana Luiza, o baia no André e o
~ A GE l~1\ÇÃQ DIGIT AL EN TR r\ EM CEMf\ carioca Leonardo não são exceções. A maioria cios jovens de sua geração
~! sabe usar aparelt1os corno corn putddor. vicleocassel.e. rnicro·ondas e ra-
.Julia Ba ldacci Orlovsl<y IJri11ca de boneca e faz roupinhas como toda crian- diorrelógio. Muitos cios que têm computaclor passa m longas horas rodand.o
ca de b anos raz ia na época de sua mãe e conlinu a fazendo aincla hoje. programas. jogos ou acossanclo a lnlorneL Quanclo ligaclos à recle mundlal
Com uma dilorença: ela desenJ1a no compu Laclor os vesLidos. que clopois navegam pelos si tes mas tambóm não perdem a oportunidade ele frequen-
. são impressos em Leciclo. O li rn da vellia brincadeira de casinlia? Não. tar salas de bale-pa po.
:~ sinal dos Lcnwos. A nova geração. nascida sob o signo da revolu ção ua (HC'iLor Sl1irn izu e Frances Jones. t;poca.
r: informalica . sa i)€ 111anGjar computadores com a mesma agi lidJde com qu e Sdo Paulo. Globo, 19/ 10/ 1998. Fragmento).
l suas avós manejavam dedal. agu llrn e linha. MuiLO dilerenle de seus pais,
que só foram conhecer os recursos do micro quanclo adultos. a maior parle
~ no ambiente de trabalho.
O comentár io em análise parte de um confronto entre dois
grupos:
A geracão que amava os Beatles e os Rolling Stones tem pesadelos diá
• o da geração mais nova (a das cr ianças), nascida sob o
rios com os manuais de instrucâo elos aparelhos eletrônicos. Seus lilhos
signo da revolução da informática, já sa bendo manejar
nem precisam se valer deles. Leonardo Sá Freire de Oliveira. de 9 anos.
aprendeu a li(.Jar o ap<irell10 de som aos 2 anos para apreciar seus CDs computado res, e
~ prediletos. Depois. con heceu o videocassele. o videogame e o compula- • o da geração ma is antiga (a dos pa is, a dos avós), que
dor. Aos 4, decepcionou-se com a au la de inlorrnálica da pré-escola que ~ só fora rn conhecer os recursos do computador quando
frequenLava porque os micros eram antiquados. "Não Lern Windows? Enlão i adultos.
não quero", cleclarou à proJessora alônita na época. Os pecfagogos reagem ~ Esse confron to é apem1s o ponto de partjda, pois o que o
desconcertados ao fenômeno que ameaça rugir ele seu controle. Corno lidar ~ comentário pretende ressaltar são as babil.idades dessa geração
com crianças assim ? ~ nova no uso da para fern áli a eletrônica. Todas têm extrema faci-
André Mati as RilJeiro. de 4 anos. não saJ)e Jer nem escrever. mas desde 1 lidade em lídar com novas tecnologias. Na verdade, a referência
os 3 mexe no micro. Pa ra ele. o m
. ouse é mai s ra.·cil de movimentar q.ue a 1· à geração mais antiga constitui apenas o pano de fundo, que dá
caneta. /\ na Lui za Pires da Cunha, de 10, desmonta e monta aparell1 os mais realce àquela nova geraçã.o que sabe manejar computadores
eleLrôn icos desde pequena. Para crianças como essas. a vida de hoje com a mesma agilidade com que suas avós manejavam dedal,
ai'iiê enausee de textoe qufll'lto ee.speotos de sua adequiQSo voOábuÍM .,.. ,•. '.,,.,.,..,,_._._

agulha e linha. O eixo pl"incipa l do texto gira, assim, em torno um simples pormenor constitui , ao con w .frio, uma es~
dessa precoce desenvoltura das crianças, um fenôm eno frente ao tratégia dos a utores para reforçar a importâ ncia, nesse
qual os pedagogos reagem desconcertados, pois não sabem como contexro, do grupo dos ' novos', o propósito maior do
lidar com crianças assim. comentário.
D aí que a seleção do vocabulário, para ser semanticamente Em relação ao grupo dos pais e avós, um gru po anônimo, o
adequada, vai ordenar-se por esses dois eixos e seus respectivos que melhor corresponde ao contexto é apresentá-lo como a:
desdo bramentos, com evidente concentração, é claro, no eixo re- • geração que amava os Beatles e os Rolling Stones,
la rivo à 'nova geração'. Vejamos. • a que somente con heceu os recursos do computador
Em rela çã o a este eix o, 'as pa lavras certas' com eçam por pri- qu~ndo adultos, a maior parte no ambiente de trabalho;
vilegiar o que seria próprio do grupo das meninas: • e tinl1 a pesadelos diários com os manuais de instrução dos
• brincar de boneca, fazer roupinhas, vest:idos, tecidos, at7arelhos eletrônicos.
brincadeira de çasinh a (d estacand o os dois diminutivos • Ta mbém não é por acaso qu e, em relação a esse gru po, se
sublinhados); fal e em 'pesadelo', e em relação às 'avós' (daquela época! )
• para , depois, no desenvolvimento, incidirem sobre micro, se fa le em dedal, agulha e linha.
mouse, controle remoto, novas tecnologias, aparelhos A distância entre os dois mundos é ressaltada pela afirmação
eletrônicos, inform ática, videocassete, videogame, com- de que a nova geração:
putador, internet, rede mundial, sites, salas de hate-papo, • 'não sabe ler nem escrever' mas 'desde os 3 mexe no mi-
entre outras. No âmbi to específico dos verbos usados, cro' e 'movimenta o mouse com mais fa cilidade que a
vale referir os verbos digita lizm~ acessar, ligar, manusear, ca neta'.
1nanejar, navegar etc. A maior concentração do texto à volta da ' nova geração' ,
• Co.m o se pode ver, são palavras ligadas a esse mundo como já ressaltei, evidenci a que a pretensão do comentário é dar
da info rm;fri ca, das novas tecnologias , confirmand o-se, mai or importância a esse grupo. O outro entra no curso do texto,
assi m, o princípio de que o critério mais segu.ro para a pa ra, no confronto, ressaltar a proeza dos que parecem ter nasci-
seleção das /7alavras de um texto é a sua concentração do já sendo capazes de 'manejar' os aparelhos eletrônicos. Os pe-
temática. dagogos também entram em cena, mas como fi gurantes de uma
• Vale considerar que algu mas dessas palavras - que cons- peça em que os protagonistas são, sem dúvida, a nova geração.
tituem vocábulos específicos dessa á rea da informática - Ou seja, o que se pretende com essa pequena amostra de aná-
são pa lavras que emigra ram de o utras áreas ('navegar', lise é ressaltar que o fundamento, a base da seleção vocabular de
por exemplo) e que for am aqui ressignificadas. De fa to, um texto tem raízes nos eixos que fa zem a sua unidade semânti-
as palavras podem adqu irir novos significados conforme ca. Em fidelidade a esses eixos, em consonância com eles, é que
remetam para essa ou aquela área. se escolhe uma ou outra palavra e, por outro lado, se deixa de
• É in teressante destacar a inda que os representantes da escolher m uitas outras.
nova geração têm nome e sobrenome; têm a idade apon-
tada, o lugar de origem declarado; ou seja, têm uma iden-
tidade particular que é declarada. O que poderia parecer ' Na verd ade, as pa lavras - com seus sentidos, postos e pres*
supostos - é que materia liza m a expressão do que se pretende
dizer e faze r verbalmente. Em certo sentido, as palavras que hão
de aparecer em um comentano, em um editoria l, em um arti - • a ocorrência dos doi s-pontos em Com uma diferença: ela
go de opinião, por exemplo, são previsíveis, desde que se con he- desenha no computador os vestidos, que depois são im«
ça a d ireção de seus núcleos semânticos ou de suas pretensões pressas em tecido. Este sin alzinho indica que vamos ter
intenciona is. acesso a uma explicação que foi previamente anunciada;
Em q ualquer análise, toda exploração do vocabulário deve pelo visto, a linha da continuidade vai sendo garantida;
ser feita nessa perspectiva do sentido glo bal e de seus eventua is • o senti do a largado <lo advérbio 'hoje', para significar não
desdobramentos. Tal procedimento reforça a importância que se 'o dia' mas 'a época' em que acontece a enunciação;
deve dar ao texto como totalidade: em seus sen tidos e em suas • a passagem do discurso indireto para o discurso direto
intenções. Procurar os significados desconhecidos das pa la vras e as modificações que isso acarreta na sequência do tex-
só tem sentido se as encaixamos nesse universo da compreensão to, como cm: "Não tem Windows? Então não quero ",
global do que é dito. declarou à professora atôni.ta na épo- .. ·········---------- _
ca. Observemos o LISO das aspas, que Pretendo mostnH com cs~es CO·
4

9.1..3. Observações so.bre aJguns tatos gramaticais verificados no marcam a introdução da fala Literal ment.:í ri os o quanto aparecem 110 1
texws questões que, incvitavclmcn·
comentário "A geração digita l enLra em cena" de um outro en unciador, expressa, re, esrão ligadas à gra miíricn d a lln·
naturalmente, na primeira pessoa do g ua c m uso e que podem, por isso
Vejamos como poderíamos nos apoiar em uma ou outra pas- singular; o fim das aspas e a volta a 1 mesmo, ser objeco de es tndo 11 111
sagem do tex to para desenvolver comentários que ressa.ltassem: salas de aul a. Ou seja, 11ão falta 11
u111 verbo· ein terceira .Pessoa marcam 1 que e11sinar...
• a propósito de 'roupiizhas - casinha-', o valo r afetivo que o fim desse discurso direto"; 1. ·····---······
as expressões de grau, em muitos contextos, conferem • a rede de retomadas pronominais, adverbiais ou lexicais
aos su bstantivos ou adjetivos; esses valores, pejorarivos que promovem a continuidade referencial do texto e lhe
ou não, di fere m dos sentidos canônicos de g randeza o u emp restam un idade e coerência, como em: - na época
pequenez; aliás, esse comentário poderia ir além para ex- de sua mãe; - Muito diferente de seus pais; - A geração
plorar o fato de q ue, no dia a dia, esses sufixos de grau que amava os Beatles e os Rolling Stones (uma descrição
podem ser acrescentados em, praticamente, todos os no- definida oracional q ue cria uma relação de equivalência
mes da línglla (por exemplo, euzinho, e/azinha, tudinho, referencia l); - Como lidar com crianças assim?; - Para
nadinha, pertinho, cedinho, adeusinho, tchauzinho, até crianças como essas; Essa porcentagem pulou para 88%;
loguinho), o que realça esse poder do falante de intervir e - 70% das crianças daguclc país - A maioria dos jovens de
provoca r a lterações de sentido nas palavras; sua geração; Muitos dos que têm computador, para citar
• conforme referi, a indicação completa dos nomes dos apenas esses casos;
componentes da nova geração é significativa nesse con- • a ocorrência de expressões conectivas, de diferentes va-
texto, o que, sem dúvida, ultrapassa o simples recon he- lores semânticos, como, por exemp lo: quando, para, de-
cimento de que se trata de nomes próprios; igua lmente pois, porque, mas, mais ... de que, desde, também, com.o,
não é aleatória a omissão dos nomes e de outras marcas m as também; descobrir as articulações expressas por es-
identitárias do grupo dos pais e avós; "na somb ra", po- sas palavrinhas representa uma habjlidade significativa
dem ficar a nônimos; para quem pretende entender o que ouve ou lê.
Enfim, essas e outras ocorrências podem servir de referência por o nde vai o sentido das pa lavras, mesmo de certas escolhas
para que sejam definidas nossas programações de estudo da lín- pontuais.
gua. Afina l, os fatos que observamos nas análises são previsíveis Daí por que, no texto em análise, vale a pena partir da cons-
dentro das regularidades de outros textos, inclusive aqueles que tatação de que se trata de um texto poético, cujo propósito -
havemos de ler e de escrever. todos sabemos - é causar emoção estética, e cujo tema explora
aspectos do objeto histórico-social 'língua'.
Por esses ângulos, é de se destacar:
9.4. Atítulo de sugestão: • a metáfora criada em torno da semelhança entre 'língua'
a análise do vocabulário de um poema e 'elástico'; essa metáfora expressa a ideia da flexibilidade
das línguas: língua que, com a passagem do tempo, se
,-,.,~. ·~·-•••.,n.•~'"''"·'"'•"'••··~·,.,,,.,.,.,."""'·'·'·''•'"~""·'"'"1';·;;;~;;:·"·'"·""•-•••·~·-··.,..,,.. ""' •"'"""''""'"•'•·' "'~"'"'"''"·'•l espicha; Língua que deixa de ser tensa, deixa de ser sisuda
e se amacia e amolece;
i Esta língua é como um E·lâst ico ~ • a compreensão de que essa flexibilidade das línguas não
as enfraquece; pelo contrário - e continua a metáfora - ,
~ Que e p1 · li
~ ~ 'o elástico' já não se pode niais trocar de tão gasto, nern
i ~

~
se arrebenta mais, de tão forte;
1 • as expressões 'No início' e 'Com o tempo' já indicam que
~
~
ndo
.. '
11
~
está em jogo a referência a um tempo em passagem; essa
i
~
i perspectiva é reiterada depois pela diferença dos tempos
verba.is em era tensa e se foi amaciando. Um tempo pre-
1 · !olhas de baoaneira sente parece ser o ponto de cbegada dessa passagem: um
elástico que já não se pode mais trocar;
• alusões às circunstâncias que marcaram a história da lín-
gua portuguesa no Brasil. podem. ser vistas nas referência a
uma língua que espicharam pelo mundo, que incorporou
os termos nativos, que foi amolecendo nas folhas de ba-
Um e l ~s l1 co assim como é a vida naneira as expressões mais sisudas;
Que nunca volta ao ponlo de partida. • a antoním.ia implicada em 'amolecer' e expressões 'sisu-
das ·' é mais clara ainda entre 'tão gasto' e 'tão forte'.
(Gilberto Mendonça Teles. F'a lav.ra. l isboa : DinaHvro. 1989, p. 95-96.)
A compreensão desses itens é, sem dúvida, significativa para
Mais uma vez, me parece evidente que a escolha das pala - termos acesso aos sentidos pretendidos para o poema e, daí, às
vras obedece, sobretudo, a critérios relacionados ao gênero, a emoções ou ao gosto que ele desperta em nós.
seus propósitos comunicativos, à sua unidade semântica. Esses Passemos ago ra a uma outra experiência de linguagem, onde
critérios é que definem por onde vão as palavras, ou melhor, a poesia é pouca, e a melancolia pode ser mui ta.

-
9. 5. Análise de algumas "escolhas ao contrário" o homem e a mulher, os q uais não ser iam privilegiados;
urna qDestã.o de coerência , portanto).
É previsível que um tex to, escrito para ser publicado num • (o homem e a mulher) dois seres que são rnuito importan-
suporte prestigiado pelos meios soóais m a is letrados, exiba uma tes na vida atual (Pela formulação do enunciado, pode-se
seleção voca bular adequada. A própria contextualização em jogo conclu ir que, antigamente, o homem e a mulher n ão ti -
impõe o respeito a esse cri tério de qualidade. Consciente disso, nha m importância , o que seria insustentáve l).
julguei que poderia cair numa red undância pouco funciona l de- • esse conceito lo da liberdade] transformou as mulheres
ter-me em aná lises sucessivas de textos que não apresentam ocor- em dias m elhores - (Pode-se perce ber a[ mais do que
rências proble.r náticas de adeq uação vocabulcir. um problema: o mais grosseiro ser.ia a p retensão de iden-
Ocorreu-me, então, trazer par a análise pequenos trechos de tific'1 r ' mu lher' com ' di as', ou seja , 'a mulher' passa a
textos de a lunos que apresentam problemas nesse âmbito da 'es- ser ' di as'. Uma solução, pa ra deixar a escolha das pa la -
colh a certa da palavra certa ' . Meu intui to é que, por esse meio, vr as adequada, pode ria ser usar um a outra pa lavra no
seja possíve l apreender com mais exatid5o os motivos que levam lu gar de 'transformou ' e acrescentar outra que, ta lvez,
a uma inadequação vocabular. Será, pois, uma 'análise ao contrá- csti.vessc n a m en te do autor q uando qu is fazer essa ob-
rio', assim como se exam inássemos um objeto malformado para servação; a lgo como: 'esse conceito res ultou em novas
descobrir melhor seus padrões regulares de formação. condições para a situ ação das mu lh eres; m elhor ainda
O s fra gm entos que serão a na lisa dos fo ram colhidos em reda- seria dizer: ' as p ráticas decorrentes dessa concepção re-
ções de al unos, no final do ensino médio. Tratava-se de uma dis- sultaram em .. .'
sertação cu ja temática explorava questões ligadas às diferenças • honlCm e mulher essas d uas raças humanas (A p lura liza-
de gênero: homem e mu.lher. ção do termo 'raça', é nesse caso inadequada, poi.s , em-
Anotei fragmentos que me pareciam apresentar prob lemas ele bora existam muitos tipos de raças, não se pode adm itir
inadequação vocab ular e, pa ra este trabalho, selecion ei alguns. Os mais do que uma para a espécie hum ana; um termo no
meus comentários apa recem ao lado, entre parênteses. Vam os lá. plura l implica a existênc ia de mais de uma entidade da
• O mundo tem pélssado por constantes mudanças e os mesma espécie, entidades concretas e contáveis).
seres vivos são responsáveis por .isso - (A referênc ia a • Na rctça humana, homem e mulher sem pre estiveram ju n-
'seres vivos' abarca um domínio demas iado amplo, que, tos (L\ expressão destacada, com função de localizador da
inclusivamente, ultra passa o hurnano , o que gera uma o. predi cação feita, é imprópria; 'hom em e mulher, juntos',
desproporção em relação ao domínio mais restrito das onde? Na ' raça hurnana'? Além disso, não dá para saber
mudanças; além di sso, nem todos os seres vivos assumem se - no âmbito da origem e da evolução da raça humana
as responsabilidades atri buídas no enunciado). - o homem e a mulher sempre estiveram juntos; ou seja,
• O homem e a mul her são seres hurnanos privilegiados (A não se pode dizer qualquer coisa ... )
pa lavra 'humanos' está a mais : os conceitos de 'homem' e • a classe social masculina (Não existe uma 'classe socinl'
de 'mu lher' já esgotam toda a espécie humana; a afirma- q ue seja diferenciada pelo sexo; a expressão em destaque
ção do a luno aponta, implicitam ente, para a possi bilidade é, portanto, inadequada; a impressão que dá é que fa lta o
ele existirem, dentro do humano, outros seres a mais que conhecimento em co rno cio conteúdo que niuitas pa lavras
___.,._
F""
..............,,..... _..... .
[c42LIW.Q.a J Práticas deanálises ele textos quanto a aspectos de sua adequação vocabular

têm e imp licam, lacuna que a escola poder ia suprir pelas • está havendo varias crianças a bandonadas (O uso da
ativ idades de leitura e de análise de textos). locução 'está h avendo' implica um sentido aspectual de
• a convivência entre pessoas do sexo oposto (Na verdade, continuidade, que não é compatível com o complemento
o 'sexo oposto' só se define em relação ao sexo do enun - 'crianças abandonadas', já que esse item do mundo r eal
cia dor; fora de uma contextualização explícita o que exis- não acontece em um pr ocesso continuado: a criança n ão
te são sexos opostos - tomando como r eferên cia, é cla ro, 'vai-se aban donando'; ela é ou não abandon ada; além dis-
uma classificação bipartid a da sexualidade; o adequado so, o quantificador 'vários' também é inadequado, pois
seria fa lar em 'pessoas de sexos diferentes') . seu uso se aplica a um contingente de objetos menor d o
• en tre os sexos femininos e masculinos (Os dois adjetivos que o das 'cria nças abandonadas').
não podem esrar no p lural, pois não existe mais ele um • o salário do homem é sempre mais reniunerado (o 'ho-
sexo feminino nem mais de um sexo ma sculino; as in- mem ' é que mais ou menos remunerado' ; não, o salário).
d icações de plu ral implicam não correspondência com o • a mulher, desva lorizad a por ter um sexo ma is frágil (O
m undo rea l e constituem, assim, sinal de incoerência). . ' verbo 'ter', nesse caso, está inadequado, pois 'a mulher
• o sexo feminino era visto como a senh ora do lar (A ex- não tem un1 sexo mais frágil'; ta mpouco o uso do inde-
pressão cm destaque designa uma entid ade bastante geral finid o 'um' estó apropriado; ou seja, 'a mulher não tem
e a bs trata , não se a rticulando, assim, com o nível con - um sexo mais fr;.í gil '; ela, popu l.armente, É O sexo ma.is
e.reto cm que aparece a o utra 'senhora d o lar'; ' mu lh er' e fnígil': o uso do definido é fund am ental para sinalizar a
'senh o ra do lar' é qu e correspond em. ao mesmo nível de ideia pretendid a do s uperlativo relativo).
enquadramento sem ântico) . • o m undo continua mudando de uma forma tecnologica-
• mu lheres que possui uns salários inferiores (A combin a- mente (A indicação da circunstância de modo, feita nes-
ção 'poss uir sa lá rio' n ão costuma ocorrer; p arece incom - se caso, não é compativel com o verbo 'mudar' : p ode-se
pa tívcl; o verbo ' possuir' p ode ser usado como s in ôn im o mudar lentamente, rap idam ente, brusca mente, m as não
de 'ter' mas não em todos os contextos) . 'tecnologicamente'; a alusão a 'tecnologia' t em sentido se
o p retendido é indica r a á rea ou o dom ínio onde aconte-
• o homem e a mu lher só conseguirão ... quando se unirem
cem as mudanças).
por causas justas: robalheira, egoísmo, injustiça (A enu-
Por essa pequena nm ost ra, concluímos que pode ser útil a
meração cm destaque não cabe no domínio 'gera l, hipe-
análise dos textos dos a lunos, com todas as tentativas bem ou
roním ico', da expressão 'ca usas justas'; fa ltou, é cla ro,
ma/sucedidas, explicando-se as razões de uma e de outra coisa,
um segm ento como ' luta contra .. .'; aí, sim, caberia m os
sem o ranço de quem ' procura erros' para corrigir, ou para justi-
termos d a enumeração feita).
ficar o rebaixamento das notas.
• os meios de comunicações (Nesse caso, o uso do p lu ral dei- Por essa pequena amostra, fica evidente ainda que o professor
xa a pa lavra inadequada; comunicações são o bjetos concre- de línguas precisa incluir, em suas atividades pedagógicas, a análise
cos, contáveis, frequentemente referidos, p or exemplo, em das condições textuais de adequação das palavras, o que supõe:
congressos para designar os trabalhos apresentados; é de se • considerar os efeitos de sentido provocados pela inserção
des tacar a dificu ldade dos alunos para discernir os efeitos de qualquer palavra na vizinhança com outras OLl na se-
de sentid o provocados p elo uso das marcas de p lu ra l). quência do texto;
• destacar, a inda, os efeitos de sentido derivados de certos
recursos gramaticais (como o uso de um plural, de um
dimin utivo, de uma di ferença aspectual do verbo etc.);
• ter em conta o gênero, o propósito comu nicativo, os in-
terlocutores previstos, o nível mais ou menos forma l da
linguagem; Uma espécie de síntese:
• não se limitar àqueles exercícios de procu rar, fora dos
contextos de uso, o significado de palavras desconhecidas.
como no final de uma longa conversa
Em suma, o estudo do léxico deve constituir uma das priori-
dades do ensino, considerando seu papel na con strução do sen6-
do global do texto, na expressão de seus propósitos comunicati-
vos, no recíp roco entendimento pretendido pelos interlocutores.
Essa persp ectiva va.i além da superficia li dade das análises que
privilegiam o 'correto' cm detrimento do 'sentid o' e da ' intenção' s tó picos sobre que fa lamos fo ra m muitos. Não po-
com que as coisas são ditas.
O ensino, para não ser tão desperdiçado, rem que a mpliar-se!

Acordar não é de dentro.


Acordar é ter saída.
O dia ser di.ferent. e. O domínio das questões linguíst~­
cas é muito vasto; tem desdobramentos uns depo is
dos o utros. Vão dar lá em tempos adâmicos, em ter-
ras dos pri meiros gritos e balbucios humanos.
No caso do Brasil, as questões lingu ísticas têm raízes lá em
(João Ca hr:il de Melo Neto)
Pedro Álvares Cabra l, ou em tempos mui to an tes de suas cara-
velas, lançadas ::io Tejo e daí ao .m ar pa ra ala rgar os reinos - da
terra e do céu. T êm raízes ainda na .imensa heterogeneidade de
povos indígenas e <1 fri canos, uns anfitriões, outros convidados
forçados, aos quais se juntaram ma is ta rde asiáticos e outros eu-
ropeus, a lém dos lusos.
Estudar a língua implica, pois, aceitar fazer uma viagem para
desco bór essas ra Í7.es e os troncos que elas sustentam; para desco-
brir as flores e os frutos que pendem de seus galhos . Para usufruir
da sombra de sua imensa copa, na certeza de que essa língua está
viva, crescente a inda, transmudando-se a cada dia, graças à inter-
venção de cada de um de seus falantes.
Não desfiguremos, portanto, nós, brasileiros, essa oportuni-
dade tã o fascinante de descobrir a língua que fala mos, a língua
que escrevemos e lemos. Com toda a história de multiculcw·alis-
mo que ela carrega. Entremos no encantamento desse caminho
AnáUse de textos - fundamentos e pralicas liiiANlf.LlNruNns] [êAji11uL]:tõJ Uma espécie de slnLese: como no lfnal de uma longaconversa

tão plura l, mas, por isso mesmo, tão cheio de mu.ltissignificações. que se pretende obter dizendo assim ou assado, pudesse superar o
Aceitemos nos despir de velhos conceitos, cheios de ranço e de exercício da sala de aula e atingisse a prática da comunicação diá-
mofo, que nos faziam reduzir a língua a um sistema impessoal, ria, onde uma multiplicidade de fenômenos, velhos, reinventados,
a-histórico e des-humano, esgotável apenas por um conjunto de novos, estão a cada momento acontecendo.
regras dogmaticamente definidas. Livremo-nos da impressão pre-
conceituosa de que o português falado no Brasil não passa de uma
caricatura desvirtuada da verdadeira língua portuguesa. Quanto aos critérios de análise
Envolvida nesse clima de aurora (que se segue a toda noite!),
queria trazer, à guisa de síntese, alguns lembretes à volta de coisas Tudo o que é dito tem que ser entendido em seu sentido e em
que fui dizendo ao longo de nossa conversa. Vamos lá. sua intenção comunicativa global. Até mesmo o que parece ape-
nas pontual se ex plica, de alguma forma, por alguma vinculação
com a dimensão macro do texto. Daí que a primaz.ia da análise
Quanto às práticas de análise deve recair sobre o entendimento das ideias, das informações,
dos enredos que perpassa m o texto por inteiro. A funçã.o predo-
Na verdade, não h<:1 uma única fórmula de análise. Nem devía- minante, o objetivo global, as ideias principais, o ponto de vista
mos pretender que houvesse. Cada texto, com sua especificidade dominante, tudo, enfim, que caracteriza o texto como um todo
de organizaçã.o, de desenvolvimento, de escolha das estratégias de deve constituir o interesse primeiro de qualquer análise. A práti-
abordagem, de seleção dos padrões de linguagem, é que vai ins- ca de tornar fragmentos somente se justifica se esses fragmentos
pirando os ângulos e os procedimentos de análise. Convém, por- são vistos como partes constitutivas de um todo. O sentido de
tanto, que não engessemos nossas práticas de análise. Que saiba- qualquer texto resulta da unidade criada pelas sucessivas amarras
mos renová-las, reinventá-las. Que saibamos surpreender, mesmo que vão sendo feitas ao longo de seu percurso. N ada aconteceu
naquilo que o texto tem de regular e de estável, a novi.dade ou o isoladamente. Nada pode ser visto como peça a utônoma.
jeito original de interpretar o que é dito. Se não, as análises viram
exercício mecânico, pura rotina didática, cujo sentido se esvazia
no próprio obscurecimento da função com que devem ser feitas. Quanto aos textos
Sei que existe um corpo de princípios que asseguram as regulari-
dades textuais; mas sei também que, de certa forma, o texto é que Começando pelo óbvio, digo que textos de qualquer nature-
vai ditando as veredas por onde a análise nos deve .levar: com um za, literários ou não, de qualquer tipo, gênero, ou modalidade,
pé no repertório teórico que constituímos e com outro na linea- de qualquer tamanho, em circulação nesse ou naquele suporte,
ridade do texto que temos diante de nós. O ideal maior seria que representantes desse ou daquele dialeto, não importa, podem ser
fizéssemos da análise uma prática não apenas escolar, convertida objeto de análises em sala de aula. O repertório é inesgotável;
em tarefas de classe ou em dever de casa; mas que a estendêsse- cada vez mais inesgotável. Os planos pensados para o curso é que
mos ao exercício cotidiano da leitura e da escuta que fazemos por podem ir indicando que gêneros ou que modalidade explorar. Os
onde andamos. Ou seja, o ideal seria que o interesse por analisar interesses dos alunos (mesmo aqueles que contrariam os nossos!)
texros, por examinar a fo rma como as coisas são ditas, os efeitos também devem ser levados em conta. É interessante ainda que

UFMG .. Faculdade d L t1·as


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incluamos nesse rol os próprios textos dos alunos, que podem palavras, foi a condição de insuficiência da gramática quando se
ser analisa dos em seus acertos e cm suas tentativas malsucedidas . trata de realizar um evento comunicativo. Fatores como o reper-
Está consensualmente provada a eficácia de se perceber onde fa- tório de saberes acumulados, inclusive aqueles especificamen te
lhamos, em vista de como fazer melhor mai s adiante. De man eira textuais, as normas sociais que regulam a interação verbal, tudo
gera l, o propósito de trazer o texto para o centro da atividade é parte constitutiva das ações de linguagem. O destaque q ue a
pedagógica, pouco a pouco, nos faz enxergar a língua por parâ- gramática ganhou na história dos estudos escol ares - a ponto de
metros bem mais amplos e funcionais. O prej uízo maior de não atropela r outras áreas do saber linguístico - decorre das concep-
termos nos centrado no texto foi o que a gente deixou de ver! cõcs reducionistas e simplistas com que as línguas (e, conscquen-
~emente, a gra mática ) foram vistas. Abrindo nossos horizontes,
portanto, podemos enxergar nos textos uma ação de linguagem
Quanto a aspectos do léxico em uso nos textos que somente pode completar-se pela presença de vários fatores,
inclusive categorias, fenô menos e fatos da grarnática, que, dessa
O léxico precisa se r visto na sua dupla função: a dos sentidos forma, não são os ún icos. Pelo contrário, se arricu lam com outros,
que ativa e a do papel que cumpre na construção do texto. No de forma q ue os sentidos criados resu ltam da conjunção de todos;
que concerne à primeira fun ção, convém destacar não o significa- por exemplo, da conjunção do léxico e da gramática; do linguís-
do particular de cada palavra, mas as relações de significado q ue tico e do textua l; do textual e do pragmático. O eixo dos progra-
elas mantêm urn as com as o utras, o que supõe o cuidaJo de não mas de estud o da língua <leve ser, portan to, as especificidades de
consiJerá-las isoladamente. A sinoním ia, a antonímia, a hipero- cada gênero, que vai pedindo, a lém de outras, lições da gramá-
nímia, por exemplo, são textua lmente relevantes porq ue criam tica q ue se ajusta à adequação de sua leitura e de sua produção.
uma rede de .ligações entre urn e o utro ponto do texto. E, por esse Evidentemente, tais lições de gramática precisam passar por uma
viés, chegamos à segunda função do léx ico: constituir us fios que crescente ampliação e por uma sistematização consistente, sem
tecem a malha da unidade de sentido pretendida na interaçéio. Os perder, no enta nto, sua condição de elemento-parte-de-um-todo,
pontos do texto que as palavras ocupam se articu lam pa ra garan- elemento nem mais nem m.e nos relevante q ue o utros . .Essa sis-
tir que a unidade não se perca. Ass im é qu e, por exem plo, uma tcmatiz:1ção envolve classifi cações e nomencl aturas específicas
palavra que ocorre logo no primeiro parágrafo pode se justificar (apresentadas não dogm aticamente e na n1edida certa), que têm
pela convergência criada com uma o utra que aparece no ú ltimo sentido apenas como recurso de nomeação dos fatos da gramáti-
parágrafo. Logo, toda aná lise do léxico sen.í tanto ma is significa- ca. Nessa abertura de horizontes, ;:i inda , a grnmática ganha sen-
tiva quanto mais considerar a interdependência <las palavras na tido e função; dei xa ele ser uma "gram ática de regras" para ser
construção de um sentido global para o q ue é dito. uma "gram;foca de opções", conforme propõe Adam (2008: 75).
Só assim ela perde o critério maior COIT'I q ue, ao longo de muitos
séculos, ganho u visibilidade: o critério do certo e do errado. Em
Quanto à exploração dos fatos gramaticais suma, o estu do da gramática tem seu luga r. Desde que se entend a
0 que é esta gramática; desde que se aceite o caráter inev itavel-
Um ponto bastante reiterado em nossas observações foi o mente provisório de muitas de suas determinações; desde que se
de q ue não se faz um texto apenas com gramática ou, noutras tenha como referência de sua validação os usos sociais (literários
ou não) efetivados agora e não, simplesmente, o que prescrevem ou' a língua empregada pelas aeromoças nos av isos mecani·
camente fundamentais. Língua comum; mútua e func io nária.
as gra mó ricas; desde que ela represente possibilidades de uso e
Língua diária; isto é, líng ua à luz do dia.
não a única alternativa de um dizer aceitável; desde que ela não
esgote todas as priori dades de estudo da língua. Para o Prof. José Jvlas no entardecer da linguagem, por volta das q uatro e m eia
Borges Nero, da Un iversidade Federal do Paraná, existe, para o em nossa a lma, começa a surgir um veio leve de angústia. As
coisas puxa m uma longa sombra na memória, e a própria pa-
ensi no da língua, uma hierarquia de prioridades:
lavra tarde fica ma is triste e morna, contrastando com o azul
(a) alfabeti'.lar adequadamente o aJuno (e por isso entendo fresco e bra nco da pa lavra m anhã. À tarde, a luz da língua
conseguir que o aluno seja capaz de ler e escrever textos) migalha. E, por ser já meio escu ra, o mundo perde a nitidez.
é objetivo de prioridade 1; Calar, a tarde não se ca la, mas diz menos o que veio a dizer.
(b) ensinar língua padrão é objetivo de p.ri.oridade 2; Por isso, poucas vezes se usa esta língua rouca do ciciar d as
(c) iniciação científica é o bjetivo de prioridade 3. cigarras, que cede à luz m inguante da sintaxe, mas meio bêba-
Uma escola que não conseguiu satisfazer o objetivo de d a de escuridão .
prioridade 1 fracassou solenemente. (... )
Uma escola que não conseguiu satisfazer os objetivos de Pois quando a Língua cm si mesma anoitece, o escuro espatifa
prioridade 1 e 2 não tem por que pretender atingir os ob- o sentido. O sol, c~focclado, vira pó. E a linguagem se perde
jetivos de prioridade 3 (destaque meu). dos trilhos, de por onde ir. Tateia, titubeia e, com a lguma sor-
Não se trata, po rtanto, de escolher entre ensinar ou não gra- te, tropeça, esbarrando cm regras, arrastando a mobília das
mática; trata-se de clarificar certos conceitos, dar-lhes consistên- normas, e deixando no carpete apenas as marcas de ond e um
dia estivera m outros móveis. A noite, son ha nossa língua.
cia e definir prioridades e procedimentos que nos con<luzam a
uma efetiva competência comunicativa. Traduzindo: trata-se de
Espero, "nestas ma 1traça das linhas", ter despertado a vonta-
deixar os alunos lendo, escrevendo, falando, entendendo, e aman-
de de se viver essa língua que é 'usada de dia' e um pouco dessa
do a língua portuguesa, de ontem e de hoje (sobretudo aquela
líng ua do 'entardecer da linguagem' . Para que se perca a insipidez
"amaciada nas folhas da bananeira").
de uma língua q ue nem tem hora, nem lugar, nem é de ninguém:
Gostaria de fec har toda a conversa que üvemos dando a pala-
a 'língua morta' das at i.vidades inventadas nos leilões de notas e
vra a André Lau renti no que, em se u texto A lua da língua, nos di'.l:
créditos da escola (por vezes, com a bênção do santo padroeiro!)
Existe uma .língua para ser usada de di a, debaixo ela luz forte
cio sentido. Língua suada, ensopada de precisão . Q ue nós fa-
bricamos especia lmente para leva r ao escritório, e usar na fei - Compra FALE/UFMG
ra o u ao telefone, e joga r fora no bar, sa bendo o estoque longe Livraria: 210 1b.ll f ~) '? 1 ..\..d.~
de se aca ba r. Língua clara e cbã, ocupada com as obrigações N. 0 do P.rocesso:J3õ:z,;;?,0j):ilílJs?.o,1J9G
N .0 do empenho: .JoJJ <ii'Q?o'2,.1?c2<
de exped iente, onde traba lha sob a pressão exata e d icionária, 0
N. da N. F..=-1.-'1~-r;....)--:---~---,:,---:-::-­
c umprimentando pessoas, conferindo o troco, desfazend o en- Data da N. F~ : oJ I QJ I dZoW.......
p;a nos, sendo utenciosamente sem mais para o moment0. É a Preço: R$_~9 ~'.,----...,,,,__----
Modalidade eompra:_K:...,a-......,.~.,,.o..
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lín)!,ua q ue Cristina usou para expl icar quem quebrou o cabo
dn escova n::i p ia do banheiro, num dia de sol em Forta leza .
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