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GERALDO PIRES DE SOUSA C. SS. R.

AU DI, FILIAI
PÁGINAS PARA MOÇAS

V EDIÇÃO

1953
EDITORA VOZES LTDA., PETRôPOLIS, R. J.
RIO DE JANEIRO - SÃO PAULO
I M P R I M A T U R
POR COMISSÃO ESPECIAL DO EXMO.
E REVMO. SR. DOM MANUEL PEDRO
DA CUNHA CINTARA, BISPO DE PE­
TRôPOLIS. FREI LAURO OSTERMANN,
O. F. M. PETRôPOLIS, 19-8-1953

TODOS OS DffiEITOS RESERVADOS

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À jovem leitora

Eis aqui um livro que é teu. Não foi escrito


para mais ninguém. Quer conversar contigo só
e com tua mocidade.
Procura . . . "abrir feliz clareira na selva es­
cura em redor de ti" . . .
Fá-lo tão somente para que possas respirar a
sós, combinar as cores de tua vida, acender a cha­
ma do teu amor cristão, compor as linhas de teus
quadros de cada dia, guardar os gestos de fidalga
e filha de Deus.
Querem pouca e, ao mesmo tempo, muita coi­
sa as singelas páginas deste livro. Vão tentar isto
apenas :
"arrancar tua alma à torrente
onde se dissipava. . . e restituir-lhe os traços qu6
perdeu". No fim da leitura - posso esperá-lo ? -
sentirás um par de asas sobre o� ombros. E as
horas floridas de tua mocidade não serão como
a rosa que tomba da roseira, sem um rumor no
espaço. Tombarão, ao contrário, como fruto ama­
durecido que sacode a folhagem e cai como uma
bênção sobre o chão.

O A utor

Araraquara (E. de S. Paulo), 27 de Fevereiro de 1935.

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O coração que mudarás

bate dentro do teu peito. Fala dentro de ti as


muitas linguagens em que é velho mestre. Cinge-se
com essa auréola de encanto e grandeza, j usto
motivo para o orgulho dos que te criaram e for­
maram. Tem portas que não cedem a outras vio­
lências q ue não às da bondade . . . Enfim, é livro
que Deus vai ler quando for av.rtliar a tua vida.
Como importa conhecê-lo, mudá-lo, vigiá-lo,
enobrecê-lo !
As páginas que te esperam, uma por uma, que­
rem te contar coisas que viram do teu coração.
Vão te dizer o que ele andou fazendo, pensando,
planej ando, desejando. Com isso ele estava brin­
cando ! - dir-te-ão. Por causa disso ele estava em
pranto desfeito ! - explicar-te-ão aqui e ali.
A medida que vires as atitudes e os sentimen­
tos, as resoluções e os gestos desse centro da tua
vida, irás mudando de tática em tratá-lo, irás ti­
rando-lhe esses ares de sonâmbulo, essas surpre­
sas de criança.
Ao longo do livro encontrarás os rastilhos
que te convidam a descer à fonte, ao seio da luz.
Trilhos abertos para um exame mais profundo
andam-te ao alcance em cada folha.
O trabalho de mudar é longo e penoso, pare­
ce ingrato, muitas vezes. Ora, mesmo assim, nada
de desânimo ! Não tem o coração a rigidez da ro­
cha nos traços e perfis. E até a rocha vê o tempo
mudar-lhe as feições. Não trabalhas sozinha. O

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dono das vontades e dos corações anda com sua
graça a lhe cair das mãos. Oferece-a, distribui-a,
improvisa-a, e sempre está pronto a dar sem me­
dir nem pensar. Como moça cristã, sobej am-te
recursos religiosos e morais de toda espécie.

Audi, filia . . .

A árvore floresceu e enfeitou-se. Perfumou-se


como noiva. De sua existência sabe a vizinhança
pelos recados da brisa que lhe leva os olores. Em
torno de sua fronte há um mundo de sons. Zum­
bidos de abelhas, cantos de aves, cicios de vento,
voos de beij a-flores, vozes humanas e transeun­
tes que falam da fronde. Nem com as trevas emu­
decem os sons. A árvore sonha e uos sonhos suas
flores cantam, umas às outras, coisas do futuro . ..
Sobre sua vida desceu a primavera, e ei-la
toda enfeitada de flores e de sonhos. O coração, a
inteligência, a fantasia, o teu ser todo está numa
floração promissora, vista e comentada. Há, por
isso, vozes em redor de ti, dentro de ti, a respeito
de ti. Vozes maternas e amigas, vozes enternece­
doras e convidativas, vozes do tempo e da eterni­
dade. Alegria, Esperança, Bondade, Beleza, Felici­
dade, Dor - todas falam numa sucessão inténnina.
Mas tua fronde florida despertou igualmente
vozes mundanas e tentadoras, aduladoras e enga­
nadoras. Ronda pela vizinhança o tentador com
seus reinos efêmeros de ventura, de prazer e de
glória . . .
E também cada folha deste livro quer ser uma
voz, com um quê de amigo e materno. Cada pá­
gina procura apresentar-te uma voz que vem de
Deus e para ele leva.

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Dez minutos apenas - eis o tanto de tempo
que te peço para ouvires essas vozes numa refle­
xão diária. Para ser útil a leitura, farás assim :
Primeiramente recolhe-te em Deus e pede­
Ihe sua luz para tua inteligência.
Leitura calma e pausada vem depois disto.
De permeio com ela irás colocando
Perguntas sinceras: Que acabei de ler?
Que devo concluir de tudo isso ?
Que tenho feito neste assunto ?
Que farei no futuro ?
Ref/ele sobre as respostas, deixando-as des­
cer bem no fundo da alma.
A bre o coração e apresenta teus afetos e sen­
timentos a Deus.
Junta as mãos e reza, para que a força do Al­
tíssimo renove tua alma, tua vida.
No fim de tudo coloca um bom propósito p a­
ra o dia. - Escu ta, filha, as vozes que assim se te
a presentam. Verás dentro de ti transfigurações
abençoadas ; tua alma andará "cingida de reca­
mos'', motivando um j usto interesse de Deus por
ela. Ouvindo-as, serão mais seguras essas horas
que a mocidade te oferece de ponteiros enfei­
tados.
1
1. À sombra de ciprestes . . .
Muita moça imaginativa improvisa urna ala­
meda de c-iprestes e por ela caminha numa densa
sombra de tristeza. E' que se põe a pensar em
"muitas" coisas de sua vida passada, presente e
futura. Compara-se a outras mais felizes, cuj as
risadas e perene sorriso lhes atraem a felicidade.

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As outras têm tudo : carinho e conforto em
casa, amigas e festas, vestidos e passeios, s aúde
e sossego de espírito. Nem lhes falta um encan­
tador amor.
Mas o segredo de tal tristeza não está na di­
ferença de sorte ; está sàmente na lembrança que
de si mesma levanta a moça. As outras, se come­
çarem a pensar em si próprias, acabarão tristes.
Pois é esta a lei : quando nos recordamos de nós
e nossas ambições, ficamos tristes. Alegres nos
tornamos à medida que nos lembramos de Deus.
Quando mais se alegra uma boa filha ? Quando
se lembra da felicidade de seus paizinhos. Serás
feliz, j ovem leitora, à medid a que te preocupa­
res com Deus, com as coisas e interesses dele.
Por que essa contínua recordação das tuas
penas ? Não é prudente pegá-las e com elas for­
mar um mosaico, pedrinha por pedrinha. Teu
Mestre e Amigo não sofreu muito mais do que
isso ? Por que, depois, essa insistente preocupa­
ção com tuas faltas e teus pecados ? E' melhor
entregá-los à misericórdia de Deus, num sincero
e eficaz arrependimento. Então lucrarás, como
o filho pródigo, que viu sua tristeza ceder lugar
à festiva recepção que lhe fez o p ai, quando a
seu regaço voltou contrito.
A alegria é a lembrança que se tem de Deus.
"Senhor, eu estou ardendo em febre ; mas sei que
sois feliz ; eis que eu me sinto feliz convosco" -
exclama um pobre doente. - Trata de ser ale­
gre e feliz, cristã. Farás o mais expressivo elo­
gio daquele a quem amas. Corta teus ciprestes.
Nem a Igrej a, tua Mãe, aprova a tristeza. Ao
batizar-te, exprimiu um desej o a teu respeito :

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Que ela, Senhor, alegre te sirva na tua Igrej a !
Tens um direito à alegria cristã, mas tens igual­
mente o dever de procurá-la pela pureza de cons­
ciência e fiel cumprimento dos deveres.

2. De mãos vazias?
A fé coloca tesouros no coração e luzeiros na
inteligência de toda cristã. Passa com as mãos
de fada pelas fibras, pelas cordas da lira-coração,
e eis que a cristã é uma deslumbrada, é uma can­
tora e poetisa no mundo em que Deus a colocou.
Queres te convencer disso ? Escuta o que a fé
te expõe sobre o mundo : E' a terra um templo
que o Criador levantou para sua glória. Nesse
templo pôs o homem como um sacerdote para
oferecer-lhe o sacrificio do louvor, pelo reto uso
das criaturas. Tem de lhe bendizer o poder di­
vino, celebrar-lhe a bondade de Pai e os desve­
los de Deus Providente. Pois no mundo o ho­
mem encontra não só o necessário, mas t ambém
o conveniente, o útil e o agradável à vida. A arte,
por exemplo, procura surpreender a natureza e
se envaidece e se exibe quando consegue apa­
nhar-lhe ao vivo os encantos mostrados numa
paisagem, numa cena da vida, nos traços de um
ser humano, no anfiteatro da natureza. Mas tu­
do isso Deus espalhou com profusão pela terra,
num oceano de cores e de luzes, de matizes e de
contornos, para que a criatura humana se des­
lumbre em sua presença.
"Percorri o céu e a terra . . . (vi tudo aos meus
p és, digamos) e ofereci a Deus meu sacrifício de
louvor" - canta David. Ora, j ovem cristã, há
quanto tempo vives percorrendo a terra, vendo a
sucessão de anos, a mudança de pessoas, a va-

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riedade de alegrias e de emoções ! E onde fica
o teu sacrificio de louvor? Eu sacrifiquei, imo­
lei, diz o real cantor. E se tu não fizeres o mesmo,
leitora, és estátua muda no templo onde tudo
canta e engrandece ao Senhor. Sê grata, portanto,
até por um raio de sol, por uma brisa perfuma­
da, por uma manhã soalheira, por uma nesga de
luar, por um saboroso fruto, por uma catita flor,
por uma silenciosa estrela.
De passagem lembrar-te-ei as três. normas
aconselhadas pelos homens de vida intensamen­
te cristã: aceita, agradece, receia. Aceita a dádi­
va do Senhor, agradece-lhe o presente das cria­
turas, mas teme as contas que hás de dar sobre
o uso ou abuso delas.

3. Gente ruim . . .

Estás convencida de que há muita ruindade


no mundo. Trazes talvez o coração dilacerado por­
que te ofenderam com todos os requintes da ma­
lícia, por mero prazer de verem as tuas lágrimas.
Ou então tudo isso atingiu a pessoas de tua pre­
dileção. Bem desej arias, agora, chamar o fogo
do céu para acabar com semelhantes criaturas.
Mas, assim pensando, não sabes que espírito te
anima. Em parte, leitora, tens razão quando te
revoltas contra a maldade. Pois a indignação con­
tra o mal, a simpatia pela vítima, a censura do
indigno, tudo isso é lícito. Oxalá tenhas sempre
alma indignada diante de tudo quanto é vil. Há
tão pouco disso no mundo 1 São poucas ainda as
almas que vibram indignadas contra as baixezas
da vida ! Hoj e se quer imitar "o meigo Nazare­
no", se olvidam as palavras pesadas que ele pro­
feriu contra a maldade e fingimento dos fariseus.

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Mas só em parte tens razão, leitora. Justamen­
te indignada contra a maldade humana, não se­
jas má tu também. Eis uma exigência da mais
dementar lógica. Não sabes que é possível ao ho­
mem indignar-se porque o próximo foi mau, e
ser ao mesmo tempo também mau para com ele ?
Na face recebe uma bofetada e com a mão dá
outra no próximo ; sofre o mal e pratica o mal.
Condenas, por exemplo, a companheira que foi
má e lhe "invej as a maldade tornando-te má.
Por isso nada de brados invocadores de chamas
do céu contra os maus siquemistas.
E, depois da lição que tiraste, terás então uma
atitude. Ei-la: tirarás consolo para tua alma. Aos
tiranos devemos os mártires, às maldades e hu­
manas misérias devemos o heroísmo da caridade.
ódio de fariseus, vileza de Judas deram-nos um
Crucificado Redentor. Prova é isso de que do mal
pode nascer o bem. Consola-te com tal conside­
ração e consola também a outros.
Um dia, ofensora e ofendida estarão diante de
Deus. Uma, nele terá o Juiz, e a outra, o Pai. N a
estrada d a vida não t e ajuntes aos salteadores,
mas caminha ao lado do samaritano caridoso ; sê
consoladora de quantas vítimas encontrares.
Protesta contra o mal, consola-te com o be1:1.1
que dele pode advir e lembra-te da p alavra de
Job, vendo em tudo a p ermissão de Deus e ben­
dizendo-lhe o nome ( Bellouard, livremente citado ) .

4. O que mais importa ...


Já é sabido que futilidades e bagatelas se tor­
nam de suma importância, conforme o meio e
as cabeças. As vezes forma-se até um conselho

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riedade de alegrias e de emoções ! E onde fica
o teu sacrifício de louvor? Eu sacrifiquei, imo­
lei, diz o real cantor. E se tu não fizeres o mesmo,
leitora, és estátua muda no templo onde tudo
canta e engrandece ao Senhor. Sê grata, portanto,
até por um raio de sol, por uma brisa perfuma­
da, por uma manhã soalheira, por uma nesga de
luar, por um saboroso fruto, por uma catita flor,
por uma silenciosa estrela.
De passagem lembrar-te-ei as três. normas
aconselhadas pelos homens de vida intensamen­
te cristã : aceita, agradece, receia. A ceita a dádi­
va do Senhor, agradece-lhe o presente das cria­
turas, mas teme as contas que hás de dnr sobre
o uso ou abuso delas.

:J. Gente ruim ...


Eslí1s co11v1·ncid11 de qu1• hú muita ruindade
no m1111clo. Trnzl's lalv1·z o 1·or111:íio clilnccra<lo por­
Cjllt' 11� of'Pnd1·1·11111 com lodos os 1-.�quinles da ma­
Hc i11, por nwrn pr11z1..- dl' v1•1·<·111 ns tuns lúgrimas.
011 <•11líio ludo isso nlin�iu n Jl<'Ssoas de tua pre­
dilt>�·íio. Bem dcsejndns, a�m·n, chamar o fogo
do cl·u para acnb a r com semelhantes criaturas.
Mas, assim pensando, não sabes que espírito te
anima. Em p arte, leitora, tens razão quando te
revoltas contra a maldade. Pois a indignação con­
tra o mal, a simpatia pela vítima, a censura do
indigno, tudo isso é lícito. Oxalá tenhas sempre
alma indignada diante de tudo quanto é vil. Há
tão pouco disso no mundo ! São poucas ainda a s
almas que vibram indignadas contra as baixezas
da vida ! Hoj e se quer imitar "o meigo Nazare­
no", se olvidam as palavras pesadas que ele pro­
feriu contra a maldade e fingimento dos fariseus.

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Mas só em parte tens razão, leitora. Justamen­
te indignada contra a maldade humana, não se­
jas má tu também. Eis uma exigência da mais
dementar lógica. Não sabes que é possível ao ho­
mem indignar-se porque o próximo foi mau, e
ser ao mesmo tempo também mau para com ele ?
N a face recebe uma bofetada e com a mão dá
outra no próximo ; sofre o mal e pratica o mal.
Condenas, por exemplo, a companheira que foi
má e lhe "invej as a maldade tornando-te má.
Por isso nada de brados invocadores de chamas
do céu contra os maus siquemistas.
E, depois da lição que tiraste, terás então uma
atitude. Ei-la: tirarás consolo para tua alma. Aos
tiranos devemos os mártires, às maldades e hu­
manas misérias devemos o heroísmo da caridade.
ódio de fariseus, vileza de Judas deram-nos um
Crucificado Redentor. Prova é isso de que do mal
pode nascer o bem. Consola-te com tal conside­
ração e consola também a outros.
Um dia, ofensora e ofendida estarão diante de
Deus. Uma, nele terá o Juiz, e a outra, o Pai. N a
estrada d a vida não t e ajuntes aos salteadores,
mas caminha ao lado do samaritano caridoso ; sê
consoladora de quantas vítimas encontrares.
Protesta contra o mal, consola-te com o bei;n
que dele pode advir e lembra-te da palavra de
Job, vendo em tudo a permissão de Deus e ben­
dizendo-lhe o nome ( Bellouard, livremente citado ) .

4. O que mais importa . . .


Já é sabido que futilidades e b agatelas se tor­
nam de suma importância, conforme o meio e
us cabeças. As vezes forma-se até um conselho

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de família p ara resolver sobre a cor do chapéu,
sobre o combinado do vestido.
Queres saber, entretanto, o que mais importa
na vida ? Ei-lo:
Não é o que nós parecemos ser. -Iludem as
aparências a nós, que somos suj eitos ao erro.
Mas não iludem a Deus. Na escolha de um rei
para Israel, impressionou-se bem o profe t a quan­
do diante de si viu a bela estampa do filho mais
velho de Isaí. Disse-lhe, contudo, o Senhor que
este não era o escolhido.
Não é o que imaginamo s ser. - Sonhamos
com perfeições que não possuímos, salvamos da
censura certas qualidades que convictamente re­
conhecemos em nós. Muita moça se tem em con­
ta de boa filha, de devotada irmã, de sincera
amiga, de esclarecida cristã. Enumera a list a de
suas conhecidas, aponta-lhes os defeitos e absol­
ve-se deles. Oxalá a realidade correspondesse a
tap.ta imaginação! Quantas vezes é mais acerta­
do aquilo que o Senhor disse : "Pois que me di­
zes : Estou rico e cheio de bens, e de nada pre­
ciso : e não conheces que és um infeliz, miserá­
vel, pobre, cego e nu" ( Apoc 3, 17) !
Não é o que se , diz de nós. - Conforme os
olhos que nos encaram hão de sair nossas quali­
dades na avaliação do p róximo. As outras pessoas
podem errar a teu respeito, ou por fragilidade e
apaixonamento, ou por malquerença e superfi­
cialidade. Quantas vezes o bem que de ti afir­
mam não passa de uma calculada adulação, ou
interesseiro fingimento!
Não é o que afirmamos de nós. - Tudo o que
dizemos de nós é poesia, afirma um escritor. Foi

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dl'licado cm classificar uma coisa que outros cha­
mam de mentira. Em todo caso não quer o Sábio
<pie o homem sej a j uiz de si mesmo. Realmente,
a mentira, o orgulho, a ingenuidade, o amor pró­
prio trazem cores irreais em suas p alhetas, quan­
do pintam nossas qualidades.
O que mais importa é a moça conhecer-se a si
mesma e saber o que é na realidade. Pois aos
olhos de Deus valerá tão somente aquilo que
for rea!.
5. As filhas de Milton
Não, leitora ; nem p or nada te iguales a essas
afamadas moças que roubaram ao mundo um te­
souro de poesia. Além disso, faltaram gravemente
ao carinho p ara com o pai cego. Milton, sacudido
.
de repente pelo gênio de asas velozes, erguia-se
de seu canto, vinha p ara a sala onde estavam
as filhas e recitava-lhes versos imortais, pedindo
que lhe escrevessem no p apel a inspiração. Mas
as moças punham-se a rir, a rir do pobre louco
e maníaco. Deixavam-no declamar.
Não sei se teu pai é um gênio de poesia, se é
cego também. Sei apenas que várias são as ma­
neiras de assistir os p ais. E j ustamente da filha
eles esperam o auxílio carinhoso, onde os ares
da dadivosa alegria aj udam mais do que a habi­
lidade das mãos, ou a reserva de forças físicas.
Muita moça bem podia ajudar mais aos seus pais.
Em geral, trabalham pouco a favor dos "paizi-1
nhos" Eu sempre ouvi, comovido, a história da
senhorita que, já pronta p ara um baile de gala;
deixou tudo e sentou-se ao lado do pai para lhe
servir de datilógrafa. Durante três horas ficou
escrevendo a conferência ditada.

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Sendo duas ou três as filhas em casa, é fácil
uma confiar na outra e o pai ficar à espera de
todas. Ou então vem logo a comparação. Uma
acha que ela é sempre a incomodada, a obriga­
da a desvelos, quandó filhas são t ambém as ou­
tras. A moça esclarecida não se impressiona com
esse argumento. Pois sabe que o dever é indivi­
dual, é pessoal. Se ela o cumpre, está em paz
com a consciência, forma o coração, entesoura
bênçãos dos p ais. Mesmo sem igual dedicação
dns irmãs, o de v e r nada perde de sua feição e
de sua fecundidade para a vicia. As virgens pru­
dentes nuo upagurum suus lâmpadas, pretextan­
do 11ue ns outrus cinco virgens us tinham apaga­
<l11H. .l uHt11mc11tc por isso figuram como modelo
11<� 111·1111<�11cin.
<:rido 1111e us filhu <lc Mil ton não se davam
1·011111 cl11 Hl'1·i1�d11de de sua obrigação diante de
11111 pui "gf�nio" e, portanto, incompreendido. Po-
1·(·111 nossas moças não se esqueçam da lição e
tragam cm vi v a chama o coração devotado.

6. Tal homem és tu . . .
Não foi, sem dúvida, pequeno o susto do rei,
quando o homem de Deus lhe atirou tais palavras
no rosto. Com elas indicava a David o autor de
um roubo cometido contra o pobre dono de uma
única ovelha.
Matar a ovelha a um pobre não está no mes­
mo degrau de malícia como tirar a graça de Deus
a uma alma. Por isso, leitora, venho dizendo-te que
precisas ter zelo pela salvação do próximo. Não
basta amá-lo, é preciso aj udá-lo seriamente a se
salvar. Vai nisso um dever de j ustiça também.

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Pois, sem o saberes, talvez é possível que tenhas
feito mal ao próximo. Prej udicaste-lhe, quem sa­
be, a alma por alguma palavra menos boa, por
algum olhar mais provocante, por algum vestido
menos modesto. E daí em diante ela vive le­
sada, mas reclamando diante de Deus a graça
que lhe roubaram. Por exemplo, entre amigasj
são tão comuns conversas descaridosas, male­
dicências habituais, e até, hoj e em dia, a moça
conta anedotas que j á não são meras e inocen­
tes anedotas. Que a alma do próximo receba dano
nesse ambiente, é inegável.
Para reparar tanta inj ustiça, a leitora terá
zelo. Com ele irá fazendo a restituição que lhe
toca. David exclamou, logo, diante da berrante
inj ustiça : Esse homem terá que restituir quatro
vezes mais do que tirou! E tratava-se, na apre­
ciação dele, tão somente de uma ovelha tirada
ao pobre. Alma e ovelha diferem muitíssimo no
valor. Portanto, cristã, restituirás mais do que
quatro vezes o roubo, o dano feito ao teu próximo.
O comodismo da moça que é cristã só para si ;
que reza só p ara as suas intenções ; que se sacri­
fica unicamente em vista de seus interesses, pas­
sa a ser inj ustiça. Se fechas tua boca, sonegando
um bom conselho, um amável convite a alguma
criatura esquecida de sua alma, estás retendo o
"alheio" - Tu és essa mulher! Que pena, se de
ti valesse o que na mente do profeta era também
triste verdade a respeito do rei!
Zelo, zelo, j ovem cristã! Que glória, se de ti
valer como elogio a sentença acima! Tu és essa
mulher, salvadora da alma alheia !

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Audl filla 17
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7. Alma derramada

Como uma torrente que se espraia e inunda a


vizinhança, desej ava alguém ter a sua alma. De­
sejo foi esse, sem dúvida, prejudicial. De fa to,
muitas são as criaturas que têm a alma derra­
mada por toda parte. São as cristãs distraídas,
desconhecedoras da vida interior.
Eu venho, leitora, entusiasmar-te por essa vi­
da recolhida. Mesmo sem deixares teus afazeres,
podes viver recolhida, nas proximidades da ver­
dade, do belo, do bom, do amor a Deus. Antes
de tudo é uma necessidade essa vida interior. Nos­
sa existência é uma alternativa contínua <le re­
flexões e de ações. Mas as últimas dependem das
primeiras. Toda a conduta de um homem depende
do curso habitual dos seus sen timentos, de suas
idéias. Onde está nosso tesouro cstú nosso cora­
ção também. Tudo, porlunto, tiramos do nosso
interior. Já o Divino Mestre o disse: O homem
bom tira bens do sNI hom tesouro. Sendo boa,
leitora, tcrús no fundo do coração um tesouro de
amor, d e onde vuis 1 irnn<lo nt �>s virtuoso� . E de
onde, se r:ão do cornc:iio, fuzcm os muus nascer a
maldade ? E' do in terior qu e procedem os atos
viciosos.
Quanto mais perfeitos, por conseguinte, forem
os sentimentos interiores, tunto mais virtuosos e
meritórios hão de ser os atos que deles procedem.
Feliz a moça que olha muito p a ra o mundo in­
terior de sua alm a ; que medita, no silêncio de seu
quarto ou à sombra do templo de Deus, sobre as
coisas que se passam l á por dentro da alma. Fe­
liz, porque descobrirá muita erva daninha e pu-

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rificará esse campo, p ara que nele só haja trigo
que o Filho do homem p lantou.
Sem vida interior, prezada j ovem, tua alma
assemelha-se a uma estrada batida na qual as
aves comem toda semente que Deus lhe confia.
Um bando de imaginações e devaneios atravessa
tua inteligência e distrai teu coração. A vaidade,
o amor próprio exagerado, o apego às comodi­
dades, a afeição aos bens e às afeições de cria­
turas - tudo isso faz da alma uma praça de
feira. Cada qual vai gritando e apregoando suas
boas qualidades, enquanto Deus vai s e retirando
de mansinho. E desce o crepúsculo e depois o es­
fumado das coisas. Já não impressionam as ver­
dades da religião àquela que vive "derramada co­
mo torrente invasora da planície"
E desce em seguida a noite na qual não se
pode trabalhar, como no-lo assegura o Mestre.
Que erro, j ovem, pensar ser a vida interior
obrigação p ara religiosos do convento! Queres te
conhecer bem a fundo ? Leva e cultiva uma vida
de reflexão. Queres conhecer o próximo, tuas ami­
gas, o coração humano, enfim ? Apega-te a essa vi­
da de introspecção de ti mesma. Com ela serás
boa historiadora dos feitos de teu coração e boa
profetisa sobre o futuro dos que te cercam.

II

1. Aquarelas da infância e programa para hoje

A criança que brinca a teu lado, que se de­


pendura em teu pescoço, que te dá seu s inocentes
beij inhos, é uma mestra inigualável. Todos os dias
desamarra o navio de sua fantasia, nele iça as ve­
l rn1 a lvas da inocência, empunha os remos e sin-

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gra, não para "os mercados de competições'', mas
p ara os países em que moram fadas. Ela é a fe­
liz afilhada da Mãe d'água. Vê tanto castelo no
fundo das águas, de cada poça formada pela chu­
va faz um lago para os seus naviozinhos de ·pa pel !
"E' nas praias dos mundos infinitos que se
reúnem as crianças. O azul sem fim paira imó­
vel sobre elas, enquanto a água tece rendas a
seus pés. E' nas praias dos mundos infinitos que
as crianças se encontram para brincar. Fazem ca­
sinhas de areia, divertem-se com as conchus; seus
barcos ( desej os) são folhas secas que, sem cui­
dado, entregam ao mar profundo. Não sabem na­
d,ar, nem deitar redes (fingir) . Enquanto o pes­
cador de pérolas submerge para uch ú -l a s , e os
mercadores singram nos seus barcos t'lns brin­
cam com seixos, j ogando-os, espulhando-os.
Vem .a marô, e us ondns, a)H'sar de 111orlífcras,
sobem can tando e a Jll"llÍa hl'ill111 sorridente. As
ondas sfi o como miit·s q111· c1111t11111 h11l11d11s pa ra
adormecer os filhos. Brinca o 11111r, l'olg11 e ri com
as crianças. As horrnscas cavalgam ns nu vens
pelo céu e pelos mures uivam uns ondus; navios
soçobram, anda a morte ils sollus... , mus us crian­
ças continuam brincando nu pr uiu " (Tugore) .
Por que, senhorita, não po<lerús gunrdur e de­
fender esse p atrimônio da inffrncin cm tua vida
de moç a ? Sê como a criança : colocn-tc sobrancei­
ra às competições e "sempre ruma paru terras de
ideais, sem indagar dos mercados em que há lu­
cros e interesses, danos e inj ustiças".
Até os céus apreciam essa alma infantil : "Se
não vos fizerdes pequenos como este pequeno
(que estava ao· lado do Mestre) , não entrareis

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no reino dos céus". Alma sonhadora, alma dó­
cil, alma sem fel, alma sem cálculos, alma de
criança em manhã de primeira comunhão - oh !
bendita alma !

2. Estão sempre de mal


Depois de uma certa revolta, lá no paraíso,
carne e espírito estão em contínua demanda. Não
se dão ; estão de mal. Ao menos enquanto a cris­
tã leva a sério seus compromissos perante Deus
e sua salvação.
O corpo não quer sofrer nada, nada lhe pode
faltar, tudo há de ser segundo seus desej os. Em
toda posição e lugar procura seus cômodos: as­
sentado, em pé, deitado, andando. Quer alimen­
to que o agrade. Negam-lhe tudo isso ? Dá em
grito, como criança manhosa. Fazem-lhe a von­
tade ? Torna-se caprichoso, exi gente, impossível.
Até com o sol e chuva, vento e frio ele se implica
e deles se queix a.
Da alma vive recebendo tudo: vida, movimen­
to, beleza, vigor, graça e agilidade. Mas ainda as­
sim não lhe quer obedecer. Se errou e vão puni-lo,
reclama, protesta. Cuidado com ele, senhorita! E'
uma grande ameaça que nele tens contra tua sal­
vação e felicidade. Pois é um insensível às amea­
ças de Deus, outorga todas as liberdades aos sen­
tidos e instintos perversos, a ponto de embotar a
inteligência e enfraquecer a vontade. Quantas es­
cravas traz ele acorrentadas às suas exigências !
Queres um remédio para tantos males e tantas
audácias do corpo ? Fala-lhe da morte, da cova no
cemitério, da hediondez de sua .decomposição. E
depois não passes um dia sem contrariá-lo, sem
lhe fazer uma p irronice . . .

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3. Teu papel
"No fundo de todas as glórias do homem lê-se
o nome de uma mulher ; em toda casa que flo­
resce acha-se o trabalho de uma mulher ; em toda
ação generosa e heróica está a mulher, e sempre
ela, inspiradora, amiga, guarda, arca-santa dos
povos" (Neera) . Concordo com esse elogio e as­
sim ficarei com o direito de dizer depois "floridas"
verdades.
De fato, até na obra-prima de Deus - na Re­
denção do gênero humano - figura a Bendita
entre todas as mulheres, Maria, a Mãe santíssima
de Jesus.
Mas como precisa ser grande, essa que é o
fundo azul de todas as áureas celebridades ! E
quem te garante, leitora, não ser idêntica a tua
missão, hoje ou amanhã ? Filha e irmã que és, j á
tens onde traçar tuas luminosas órbitas, arrastan­
do contigo um satélite, alguém em casa. Expondo
sua miséria, dizendo-se órfão, sem fé e sem amor,
um poeta aj untou a última pincelada no quadro:
sou um órfão a quem falta até a irmã mais velha.
Que pena, se, vendo-te tão alheia à sua alma, ti­
vesse teu irmão de dizer-me que lhe falta tam­
bém uma irmã mais velha! E nota-te uma coisa:
irmã mais velha é a que toma ares de mãe devo­
tada ao irmão, omissão feita dos anos a menos.
Noiva ou amiga, se és, tens como gravar o no­
me da virtude, do ideal, no sensível coração de
quem te quer, de quem te obedece às ordens de
um olhar afetuoso, de um carinho discreto. Está
escrito que· o primeiro degrau pisado p or Deus,
quando desce à terra, é o coração de uma vir­
gem. Não podes tolerar ao redor de ti estátuas

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roladas, flores fanadas, ações mesquinhas, rotei­
ros triviais e voos rasteiros. Cristã <1uc ôs, her­
deira de um nome e de uma tradição de sacrifí­
cio, irmã de mártires de outras eras, seria triste
se, por falta de sacrifícios e imolações, se npn­
gasse a glória e a graça de Cristo na almn de
quem está preso a teus encantos, ao fluido de
tua bondade.
Consolo te sej am estas palavras. Levam consi­
go a chave para compreenderes a razão de muito
sacrifício tão inexplicável a teus olhos, nos dias
de tua mocidade radiosa. Não sabes qual o ce­
nário preparado para o futuro. Deixa que Deus
mexa nos b astidores de tua vida. Ao abrir-se o
pano de boca, na hora marcada, ficarás deslum­
brada e chorarás de contentamento. Espera só
mais um pouco.

4. Sempre pronta . . .
Das virgens prudentes afirmou o amável Mes­
tre que estavam sempre prontas e de lâmpadas
acesas nas mãos. Não lhes faltava, portanto, nem
o óleo nem a luz, com que deviam ir ao encontro
do esposo para o festim.
Semelhante elogio há de merecer também a
moça esclarecidamente cristã. A luz da graça no
coração não é ainda tudo. E' preciso que a j o­
vem sej a sempre pronta :
A servir - a Deus, o que é uma honra ; a ser­
vir o próximo, o que é caridade e imitação daque­
le que disse : Eu não vim p ara ser servido, mas
para servir. Hora por hora, vem escoando diante
de ti o dia e por elas te pedem um serviço, uma
dedicação em casa, p ar a com os pais, fora de
casa nos compromissos de trabalho ou de amor

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do prox1mo. Não deixes que as horas, mensagei­
ras de Deus, fuj am de mãos vazias. Pois, nesse
caso, serão um dia tuas acusadoras diante do dono
do tempo e da eternidade. /

A obedecer. - O Mestre, a cuj o aceno giram


os astros, move-se o mar, voltam as estações e des­
locam-se as montanhas, obedeceu ao Pai, a José
e a Maria, em Nazaré. Foi submisso aos fiscais
de impostos, aos verdugos, e contin�a sujei to aos
sacerdotes. Por isso "lhe deu o Senhor um nome
que está acima de todos os nomes" Lúcifer re­
cusou obedecer e hoj e o que é ? ! Não achas que
é uma tola pretensão nossa, essa revolta contra a
obediência ? Não te convences que é apngar tua
lâmpada de virgem prudente, qunndo teimosa­
mente resistes à obediência ?
A dar. - Amar niio é rccehcr alguma coisa ;
é dar-se, é entregar-se. A mou nos o Mestre e
-

por isso deu-nos ludo: seu Pui, sua Mãe, seu


paraíso, seu pcrdiio, sua nlmn, seu Corpo e San­
gue, seu Coraçiio. E lu, qnc lhe deste até agora ?
Talvez um nmor ussim u conln-golus, p esado, me­
dido, dividido. - Deus cncnrnu-se no próximo e
toma-lhe us fciçôcs. Com o l'u m i n lo lem fome, com
o sedento padece sede, com o nu tirita de frio. E
em que altura anda o que tu lt•ns dad o u este Deus?
Com prazer reconhecemos n Deus n um a hóstia
consagrada, e por que não o re conh e cermos com
fé nas espécies, nas aparências do próximo ?
A esquecer-se. - Um egoísmo brutal exige
que refiramos tudo a nós mesmos. Mas isso não
é atitude de cristão e menos ainda é auréol a para
uma alma de mulher. Sou tão egoísta! queixam­
se certas moças. Que belo, quando sentem o erro

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nessa vereda do coração. Mais nobre será comba­
ter, todos os dias, em alguma coisa, esse egoísmo
que lhes punge a alma.
A .devotar-se. - Os campos da devoção são
vastos e férteis. Sempre se colhe neles mais de
cem por um. E' verdade, a colheita tarda, às ve­
zes ; é verdade, p arece haver no campo, que absor­
ve nosso devotamento, a erva má da ingratidão.
Mas o Filho do homem mandará seus anj os amea­
lhar no celeiro o trigo do nosso sacrifício, grãozi­
nho por grãozinho. Devotamentos nos pensamen­
tos, nos desejos, nas p al avras, nas ações e sobre­
tudo no sacrifício. "És um homem de desej o" -
foi o louvor que o anj o trouxe a Daniel.
A morrer. - E' das prontidões a mais impor­
tante. Não se saíram bem aquelas virgens que, à
hora do banquete, tiveram ainda de comprar o
óleo. Mas se a leitora for cuidadosa em ser pronta
nos pontos que expusemos, sê-lo-á também neste
último. Nunca estará de luz apagada na morte,
quem em vida teve fulgores na alma, teve cinti­
lações e virtudes.

5. Cuidado com esse amigo!

Suponho-te dona de uma amizade. O amigo


foi escolhido por ti ou foi recomendado por ou­
tra. Aceitou silenciosamente tua amizade. Con­
versa quase todos os dias contigo. Conta-te muita
coisa, descreve-te mundos encantados e realidades
da vida. Gosta de estar a sós contigo, mas não re­
clama se o deixas a wn canto, se lhe interrompes
a prosa, se lhe dizes um nome menos bonito. De­
pois de algwn tempo acaba tomando conta de
tuas idéias. Já é pelas pupilas dele que enxer-

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gas o mundo e medes as coisas e pesas as pessoas.
As vezes o próprio Deus fica entregue à definição
desse amigo.
Que amigo será esse ? me perguntarás curiosa.
E' o livro que lês, pretende ser. o livro que
agora estás lendo. Mas sobre esses amigos tenho
uma palavra bem séria a dizer-te. Dá muita im­
portância às amizades com livros, e cerca-te de
muito cuidado em aceitá-los ! Pois um livro só
vale, quando hos leva a ver com clarividência o
que nos cerca, o que nos espera. Ele nada mais
é do que um instrumento de ótica intelectual
mais ou menos graduado, pelo qual examinamos
a vida. Tanto vale, quanto mais perto de Deus
te leva. Se não for assim, fecha-o. Não pode ser
bom amigo e em caso algum conselheiro apreciado.

6. Lógica simplista
Tenhamos sem p re medo 1'1 lógicn simplista,
inaplicúvcl i\ comph·x id1 1<k d<' cnl'IH'lcres e de cer­
tas sitnnçõcs 11co11s1•1l111-11os conhec id o escri­
tor patrício. E' um co11st•lho qtw lrnz cores de
Evang elho.
De fulo, n utilude do próximo nem sempre
cabe dentro de um simpfos rnciocínio que nivela
tudo sob a tesoura de um silogismo. São tantas
as atenuantes desconhecidas que enfraquecem um
princípio, que seria imprudência pôr no esqua­
dro tudo que vemos nas pnlnvras e ações do
próximo. Fulana devia agir assim ; não agiu e po­
dia agir; logo, errou, faltou. Mas as veredas trilha­
das pela fulana, nos pensamen tos e nas ações, per­
feitamente só a Deus ficam conhecidas. Para ti,
leitora, provàvelmente haverá muita encruzilhada
desnorteadora, se te meteres a julgá-las com a

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lógica simplista. Seria preciso que conhecesses a
fundo a alma de tua amiga, de teu próximo ; que
estivesses ao par de todas as imfluências e cama­
das que a compõem e norteiam ; que pudesses apon­
tar o que as heranças lhe deixaram na razão, no
coração, na fantasia, no senso prático da vida.
Por cima de tudo precisarias contar o número
e a medida de vozes interiores e de graças e de
tentações que a rodeiam. Podes realizar tanto
prodígio ? Se não o podes, és um tanto temerária
nas tuas condenações. Não é em vão que os Li­
vros Santos dizem: Deus é misericordioso porque
.'labe de que barro somos feitos.
Nós, ao contrário, somos juízes e intérpretes
injustos, ignorantes e caprichosos. Muito influi o
sentimento na aplicação de certas conclusões.
Principalmente na tua vida, leitora. Como a tem­
pestade carrega as folhas, assim também o senti­
mento em ti é tempestuoso e precipita as senten­
ças. O mais garantido remédio contra esse mal
está no sistema de cultivar os pensamento s bené­
volos. O pensamento benévolo é o mais acertado
na vida, porque se avizinha mais do pensamento
de Deus. E, portanto, está com a verdade. Já,
mais de uma vez, temos julgado o próximo ao cla­
rão de coisas e fatos inegáveis. Achámos que só
podia haver uma significação para este ou
aquele procedimento de alguém. Mas depois, de
repente, o mesmo fato teve uma explicação tão
diferente e tão óbvia, tão natural e tão simples,
que nos quedamos abobados por não o termos
achado antes. '

1) Sempre tive como irânico e intolerável o sorrisinho de


N. Mas vi que errei, ao vê-lo nos lábios de N., meia hora
antes de sua morte. - ABsim se penitenciou um simpli,sta.

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Por isso acertadamente aconselhava um juris­
ta! "Desconfiai dos casos muito simples". Coi­
sas opacas tornam-se depois tão transpa'l'eutes,
que nelas vemos nosso erro.

7. Mais próximo do céu


Vitor Hugo escreve :
Estamos próximos do céu, senhor'\•
Pois sois bela e eu sou velho ...

Será realmente assim ? Estará mais perto do


céu quem for belo ou quem for velho ? Nesse caso
velhice e beleza seriam sinônimos de santidade.
Bem prejudicados ficariam os moços . e as feias . ..
Não pode ser.
Vê, leitora, o apóstolo dos leprosos - leproso
ele também - em Molokai. Era feio e desfigu­
rado, ao morrer, esse célebre pudrc Damião. Mas
estava tão perto de Deus! Clcúpntru, mordida
por uma serpente, era h<'ln. E ninguôm, por isso,
a coloca mais próximo de l><'us.
Teresinhn c•rn moçn <' .ili l1io chrgncln ao céu.
Voltaire morrl'll vc'lho e• loni.w elo cfa1. Diz o Evan­
gelho que os puros ele corn�·íio veriio n Deus. Lo­
go, esturuo pert in ho dei<•, i nclC' penc lc n te da beleza
ou feiura do corpo ( IMlomml ). - A beleza fí­
sica é dom dado por Deus e ninguém condena
a jovem que cuida desse dom, sem ul trapassar
os limites do razoável e do modesto. Mas descon­
fie dele, como se desconfia de muita felicidade
na vida. Creia que a beleza sem u bondade não
passa de pena de pavão, de flor sem perfume.
Ter a beleza dos templos artísticos que elevam
a Deus a mente dos que a visitam: eis um belo
programa. Diante de uma jovem extremosamente
boa, perde a que apenas é bela e nada mais.

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"Mulher formosa é livro de uma só pagma. Aque­
la qu� é bondosa é livro de muitas, de inúmeras
folhas" ( Catilina).
Negou-te Deus a beleza ? Não maldigas a tua
sina. Em troca - do que não te deu, o Senhor cer­
tamente te haverá concedido qualquer outra pren­
.da. Ele faz como um pai bondoso: nunca deixa
uma filha sem algum mimo, quando reparte
presentes.

1. Penitência da Inteligência
Não é mau o termo acima, usado por muitos
para significar o exame de consciência. Realmen­
te é uma penitência esse exame, porque custa
à natureza o recolher-se e refletir. Não é lá mui­
to do agrado humano essa indagação da vida do
nosso mundo interno.
Acresce ainda que é doloroso para a vaidade
o inteirar-se de umas quantas misérias e faltas.
A consciência não adula, não disfarça, não faz
distinções e nem toma nota das qualidades e po­
sição da cristã. Diz-lhe as coisas pelo nome, ao
menos quando ela não a violenta e contradiz com
teimosia, ou não a faz adormecer.
Mas tal exame de consciência, sendo peni tên­
cia, é assim mesmo necessário. E' preciso que a
jovem se conheça a si mes:rp.a, saiba dos caminhos
que o coração trilha, possa dizer o nome de uns
quantos sentimentos que lhe caminham pelo mun­
do interno. E' indispensável que se ponha diante
do dever de cada dia e indague do desempenho
que dá às suas disposições. Vitórias e derrotas,
surpresas e imprudências, reservas e ousadias

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tudo isso se mostrará aos olhos da cristã que é
fiel ao seu exame diário de consciência. "Sem exa­
me, diz um autor, em dez anos, em vinte anos,
sereis o que sois agora, com os mesmos defeitos,
sem uma virtude a mais".
Por isso, leitora, toma nota desta penitência
tão útil quão necessária. Marca-lhe uma hora à
noite. A sós contigo e teus pensamentos, irás in­
dagando da maneira de teu procedimento diante
de Deus, de ti mesma, de teu próximo. Em se­
guida examinarás os deveres de teu estado na­
quele dia. A moça fiel a tal exame livra-se de
se ver censurada por outros, porque descobre ela
mesma os próprios defeitos que tem. Livra-se de
figurar en tre as almas v ulga res e apáticas, inca­
pazes de umn inicintivu, entregues à corrente do
tempo que as arrasta às margens da eternidade.
Vamos, lei tora, resolve te a ser uma peniten-
-

te. pela penitêncÍil do exame da consciência.

2. Duas jovens cristãs


- Quem és tu que vens assim de mangas tão
compridas, envolta nesta túnica talar, e de véu
branco dominical ?
- E tu, quem és, com essas vestes sem man­
gas e tão decotadas e curtas, de sapatos altos e
cabelos cortados ?
- Sou uma cristã do século XX.
- E eu, uma cristã dos primeiros séculos de fé.
- Teu nome ?
- Domitila, Agueda, Cecília, Inês, como quei-
ras chamar-me.
O meu pode ser Haydée, Mimi, Aida, Zizi.
- Que nomes !

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- Achas graça? Pois são muito eufônicos.
- Mas não são cristãos.
- E donde vens e para onde vais ?
- Venho das catacumbas de Lucila. Passei a
noite na cripta com os meus irmãos. Só na solidão
e no silêncio da noite é que nos é possível, sem
perigo, adorar a Deus.
- E vais . . .
- Após pequeno descanso, visitar, na Suburra,
llilla escrava enferma, recolher o sangue e os
despojos de uns mártires sacrificados hoje no
Coliseu, cortar ramos de oliveira e apanhar flo­
res para o seu túmulo. E tu?
- Volto de um baile social.
- De llil1 baile ? Como as meninas pagãs do
meu tempo ? E social ? Então a sociedade cristã
vive agora a bailar? E o grande perigo para tua
alma? !
- Isso mesmo pergunta meu confessor.
- E? . . .
- Digo-lhe sempre que nenhum. São todos
moços educados.
- Moços educados por fora e por dentro? ...
- Só posso ver-lhes o exterior.
- De sorte que te preocupas só com o que
aparece!
-· Sim, senhora.
- Olha, menina: na cripta, para adorarmos a
Deus, ficamos as mulheres de um lado, e os ho­
mens do outro. Não te parece que deve ser assim?
- Pois nós, para dançarmos, temos os nossos
braços seguros por esses jovens da melhor so­
ciedade.
- E tu, menina do século XX, te julgas como
Aquiles, invulnerável ? Donde está tua fortaleza?

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- Faço as nove primeiras sextas-feiras, co­
mungando nesses dias.
- Nove primeiras sex l 11s-f<•ir11s para Jesus e
os demais dias do mês pal'll o mundo?
- ! ! . ..
- Nós comungamos lodus as noites . . . nas
catacumbas.
E' muito comungar.
E' amar muito a 11w-1so Sl•nhor.
Eu o amo também.
Sei, sim; nas novl' pri11wit·us sextas-feiras,
pela manhã.
- Vós viveis em tempos de perseguição. A
Eucaristia é que é n voss u for1_,'.u.
- E a vós, mcninm1 cristãs, ninguém vos
persegue'?
- Niíol
- - Niio ! E 11 vaidade ? . . . as amizades ? . . . as
leilnrns '!. os espetáculos e cinemas? . . .
Mas lu queres que me encerre num conven­
to, como religiosa ?
- Sim, se tudo isso são verdadeiros perigos.
Se não o são . . .
- Há de tudo. Os costumes variam tanto ! . . .
- Olha, minha menina: os Mandamentos de
Deus são invariáveis. E por que te vestes assim,
com estes braços e colo tão despidos? Com estas
vestes tão . . . ?
- Mas ! . .. é a moda.
- E por que não há de haver moda cristã ?
- Achar-me-ão ridicula. Queres que me vis-
ta como tu, com uma túnica tão comprida e am­
pla, com este véu dominical?

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- Só quero ver em ti menos transparências.
Sabes gramática ?
- Estudo para professora.
- Muito bem. Pois os verbos transparecer, des-
cobrir, adivinhar . . . não se devem aplicar aos tra­
jes da mulher cristã, nas suas relações com o cor­
po. Deve bastar-lhe o verbo cobrir. . . Tu me
compreendes.
- Perfeitamente.
- Não te alegres por te acharem de talhe
delgado, de . . . Rejubila-te quando te acharem
um anj o de pureza e de beleza sobrenatural.
Compreendes ?
j •

- S nn, snn.
- Pois medita sobre tudo isso, e adeus,
senhorita Mimi.
- Adeus, Cecília.
Que perfeito instantâneo religioso de muitas
j ovens ! ! E . . . teu também, leitora ? !

3. Coisas fugidias
Vai branca e fugidia, E toda resplandece
a nuvem pelo ar. no brilho do luar.
Roça de leve a lua, Mas pouco a pouco passa
embebe-se no luar. e perde-se no ar.

A nuvem passou pela lua e tornou-se um véu


de prata. Leve foi a brisa que soprou pelo céu e
carregou consigo aquele véu, entregou-o à noite
fê-lo escuro, fê-lo sumir.
Tens aí uma imagem de tua vida, leitora. Os
hens, a felicidade do mundo, não são porventura
um luar ? Não conhecem crescentes e minguantes?
E não dura tão pouco tempo a "lua cheia" do
encanto e deslumbramento?
E ainda mais precário do que o luar é a nu-

Audl filia - S 33
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vem que por ele passa. E' a vida que teve momen­
tos, semanas, anos de felicidade. No fim de con­
tas, nada mais foi senão um véu que a brisa car­
regou, justamente quando ele se "embebia no
luar e todo resplandecia nesse brilho". A alegria
de uma festa profana, luar luminoso, é também
outra nuvem branca e fugidia. Roça de leve a
lua e depois se torna: um véu escuro, um luto.
E quando essa ventura com que sonhas não
passa porque te não foge, passa porque te cansa.
Só uma ventura existe que sacia, ventura
cujas águas não permitem voltar a sede. Dela falou
o Mestre: Quem beber da água que eu lhe der,
nunca mais terá sede. Sabes onde correm as
fontes dessa água ? Na palavra de Deus, na Eu­
caristia, na amizade com Deus, acharás a água­
fonte para a vida eterna. Então a vida não é mais
nuvem fugidia . . .
4. Lugares sempre risonhos . . .
Tais são os lugares onde deixamos um devo­
tamento do coração. E' como raio de sol o coração
devotado. Deixa sempre a luz irradiar ao redor de
si e desconhece assim as trevas.
O primeiro beneficiado com o devotamento é
o próprio coração. Serás tu, leitora, a primeira pes­
soa que lucra com o zelo apostólico de tua alma.
Aos méritos unes a alegria para tua alma. Quan­
to mais ela se devotar, tanto maiores lhe são os
méritos e com estes a alégria. Gente egoísta é
sempre gente triste. E' como se os frutos apodre­
cessem numa árvore que os não deixasse colher,
nem cair de seus ramos.
Dá muito, cristã, num devotamento de após­
tola ! Dá teu tempo, teus encantos, tuas habilida-

34
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des, tua influência, teu dinheiro, tua oração, tua
paciência, teu bom exemplo. "Mas, em dando tu­
·

do, não tenhas em vista a alegria que receberás


como um salário do céu. Faze tudo isso para
mostrar ao mundo a caridade. Quanto à alegria,
considera-a no caso como um mimo feito por Deus,
a quem o agradecerás".
Outra lei garantidora do puro apostolado man­
da buscar os devotamentos onde podes te sacrifi­
car ainda mais. Dito foi de um apóstolo dos le­
prosos: Quem procura almas em tais corpos, cer­
tamente procura tão sàmente as almas. Que mais
lhe poderiam dar os pobres doentes ? Olha, moça
cristã, dá preferência aos tais apostolados onde
apenas se encontram ,a/mas e faltam as compen­
sações, tão apreciadas pela natureza.
As contrariedades surgidas no trabalho, as más
interpretações de outros à vista de teu zelo, não
devem ser motivo de uma desistência. Delas te
aproveites como purificadoras da intenção. Ne­
las reconheças o sinal do céu. Pois tudo que traz
o aplauso de Deus tem no reverso a oposição e
maledicência humana. Nem o Mestre amado es­
capou de tão infalível lei.
5. Sob as intuições do coração
Compreender a maldade é difícil. Escusa-se a
fraqueza, pe�doa-se à paixão, mas à maldade ne­
ga-se o direito à indulgência. Assim, pois, não vês
por que razão haja de ser ingrata esta ou aquela
criatura. Exclamas, com razão: Pois se o meu
amigo houvesse falado mal de mim, eu certa­
mente o suportaria . . . Mas tu, que junto comigo
tomavas doce refeição ? . . . Com tais palavras ex­
ternou sua admiração também o rei David.

s• 35
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Entretanto, leitora, ainda que tua inteligência
não entenda o mistério da maldade humana, terá
teu coração intuições e cristãs generosidades a
respeito delas. O que a luz da inteligência não
ilwnina, há de queimá-lo o fogo do coração. Justa­
mente aqui valerá o que se diz do coração: é cego
que tudo vê, surdo que tudo ouve, mudo que tudo
diz, mago que tudo pressente.
E ouvindo o coração terás clemências inespera­
das. Sabe Deus o que anda a trás da maldade que
encontras na vida ! Quem sabe, numa palavra ve­
nenosa, está o desabafo de uma dor; na inveja ca­
luniadora, uma decepção que se vinga ; na injus­
tiça ferina, uma fraqueza que se bate contra os
golpes da existência. Nessa maledicência perse­
guidora é bem possível que ande disfarçado um
amor que desespera.
Mas seja como queres: a pessoa má é de fato
culpada de sua ma ld1uh�. Nes ta conjuntura eu te
lembraria a p a l a v ra e la grande alma que foi
Mme. Swctchin e: "Niío digas que não se deve ter
compaixão do culpado. Este dela necessita por
ser culpado. Pois o inocente, oprimido pela sorte
ou pelos homens, tem dois asilos que nunca se
lhe fecham: Deus é a própria consiência. Am­
bos, porém, faltam ao culpado. Seu asilo, seu
único asilo, é a nossa compaixão".
E' mais vantajosa para ti uma jornada sob as
intuições de um coração cristão, do que conquis­
tas e compreensões sob as luzes da inteligência
fria e insensível.
6. Conhecer o próximo
Teu coração traça diàriamente órbitas de devo­
tamento, de ação. Nada mais j usto do que pro-

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curares conhecer o proxrmo que nessas órbitas se
encontra contigo. Pois não é possível ignorá-lo
com aplausos da caridade e tranquili<lade de
uma consciência nitidamente cristã. Nem a tal
ignorância se conforma uma alma que sente a
fascinação do apostolado.
Mais ainda. A tua felicidade, tua e dele, de­
pende em parte do que sabes sobre o caráter, o
gênero de vida, o talento de quem te cerca. Com
tal conhecimento evitarás atritos desnecessários
nas relações cotidianas. As tão funestas "cinca­
das" no trato com o próximo quase que se torna­
rão com isso impossíveis. A leitora ficará sabendo
a que categoria pertence esta ou aquela criatu­
ra. Sabendo-a urtiga, não irá procurar em seus
ramos uvas doces e convidativas. Sabendo-a es­
pinheiro, não se admirará que lhe venham a fal­
tar saborosos figos. Quem sabe ficará ciente de
que a companheira fulana de tal não passe de
leve caniço, à mercê de todas as brisas e impres­
sões e de convites das amiguinhas. Nesse caso não
lhe exigirá palavra empenhada em coisas mais
importantes.
Mas para conhecer as boas e más qualidades,
as sombras e luzes da alma do próximo, há um
meio infalível e indispensável e primordial: o co­
nhecimento de si mesmo. Se tu, j ovem leitora,
acompanhares teu coração por todas as veredas e
vielas da vida ; se lhe analisares todas as roupa­
gens com que se apresenta ; se lhe medires todas
as audácias e covardias, todos os devotamentos e
todas as traições, por microscópicas que sejam,
então será ótima leitora dos corações alheios.
Não só leitora. Digo mais: passarás a verda­
deira profetisa. Já escreveu ilustre senhora que

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nós somos profetas para os outros, porque somos
historiadores para nós mesmos.
Dois escolhos hão de se evitar neste ponto.
Nem tudo que se passa contigo acontece também
aos outros, como tão pouco só a ti sucede isso ou
aquilo na vida. - Queres saber quando é exata
a visão sobre teu próximo ? Quando o estudas sem
paixão, com vagar e sob os olhos de D eus . . .
7. Tanto quanto . . .
Eis a fórmula matemática, compêndio de toda
a ciência da salvação da alma. Tanto usarás d as
criaturas, quanto te levarem à posse de Deus.
Tanto as deixarás, quanto te estorvarem essa
gloriosa posse.
E não fogem desse princípio as mais insinuan­
tes criaturas, nem as mais eloquentes na sua lin­
guagem de amor. Tenham encantos, cantem melo­
dias para êxtases, levem carícias e sedas nas mãos,
tragam sempre cheia a taça do prazer . . . mesmo
assim, leitora, aplica-lhes o "tanto quanto" e acer­
tarás com o caminho que leva ao coração de Deus.
Tanto quanto é na tua vida o ritmo de um
pêndulo. Relógio que guarda o ritmo costuma ter
os seus ponteiros marcando as horas sem atraso
e sem adiantamento. Se a cristã tiver cuidado de
sempre balançar-se no tanto quanto, irá marcan­
do com acerto as horas de sua vida e baterá acer­
tadamente a hora da sua salvação. No uso e na
privação da criatura está essa abençoada ordem
que tem o nome de "ordem do amor", quando se
respeita a fórmula da salvação . .
Ora, j ustamente n a mocidade é tão difícil
guardar o ritmo do coração ! Há moça cristã que
inverte até a ordem e tanto abandona as criaturas,

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quanto mais perto de Deus elas se acham. Não
faltam as j ovens que tanto sacrificam a posse de
Deus e de seu agrado, quanto mais encantos e ven­
turas esperam encontrar num ente criado. Nem
deixam de figurar aqui as lágrimas das que cho­
ram a perda de uma criatura, apesar da nefasta
inversão que ela vinha motivando na vida da
cristã.
Observando-se a fórmula da salvação, põe o
Criador mais amores na vida de seus eleitos. O
coração acostumado a ver um limite não o ultra­
passa imprudentemente, e com isso poupa-se do­
lorosas chagas. As mãos também não se ferem
nos espinhos que nascem nas criaturas, quando
não se respeita a ordem estabelecida pelo Cria­
dor, no uso e na privação do mundo criado.
Se uma cristã sustenta o "tanto quanto" até
um grau heróico, é uma santa, é um modelo p ara
outra. - Vamos, leitora : põe tua vida no ritmo
desse pêndulo, e ele prende teu coração irrequie­
to ! Serás feliz e farás felizes a muitos.

IV

1. Teu irmão vive


E por isso não precisas chorar como Marta e
Maria, aos pés do Mestre : Ah ! nosso irmão não
teria morrido, se houvesses estado aqui ! És feliz,
senhorita, possuindo um bom irmão; e mais ainda
o serás, se souberes cultivar um belo amor de
alma-irmã.
Foi a Providência que pôs o irmão ao lado da
irmã. Ela terá que ir melhorando suas maneiras,
suas idéias, na conveniência com a irmã, dona de
modos mais amigos, de i déias mais nobres, de ati-

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tudes mais generosas. E ele poderá ir se exer­
cendo na observação do carúlcr do homem, na
paciênci a diante de seus defeitos. Que belo, esse
amor de irmão e irmã ! Não en trou por portas
travessas, foi aceito sem i n l cressc. Surge e vive
sem luta, sem violência, s p m êxtases tolos e sem
e clipses inexplicú v e i s . Os d i scretos carinhos de
que usa p a r e c e q u e rd'ori,·11111 os direitos para mú­
tuas verd ades q u e 1•l t•s se dizem, para mútuas
censuras que H<� -fu z1• 111 d i u n l c de erros próprios da
idade. "Eu q 1 1 p ro 110 ))(' i j o de minha noiva o en­
canto que s1•1 1 l i 1111 d 1� m i nh a irmã"- escreve-nos
um j ovem p1H' l 1 1 p a l l'il' i o . De fato, é a irmã a pri­
mcirn com p n 1 1 h 1· i r11 do i rmiio, snn primeira amiga,
n que lhe faz p rPss1• n l i r ns doçuras inocentes do
amor de mulher.
Tu, lci l orn, nüo deves ser tão somente uma
espécie de camareira do irmão (e muitas nem isso
o são) , dando-lhe o nó da gravata, apresentan­
do-lhe o chapéu, as luvas, o cigarro, etc. Faze­
te amar por ele. Sê pronta em atendê-lo, ainda
que sej a " ingrato e malcriado" Com j eito tenta
corrigir-lhe os defeitos. E olha : não faças troça
do irmão mais novo, quando começa a ser gente,
a olhar para os ternos, a falar mais grosso, a fa­
zer sua corte às outras filhas de Eva . . . Não se­
j as indiscreta, revelando coisas que te contou
numa hora de carinho. Mas também não te re­
duzas à condição de "cúmplice e camarada" para
muita deslealdade, grande e pequena . Tanta mo­
ça faz questão da companhia do irmão nos dias
de bailes e de cinemas. Entretanto, à mesa da co­
munhão vemo-la sempre sozinha . . . Para refazer
a felicidade das irmãs, em Betânia, ressuscitou-

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lhes Jesus o irmão falecido. Tanto estimava a
fragrância dessas flores !

2. Todos os dias . . .
Há certas realidades de todos os dias. São reali­
dades inegáveis, tangíveis, tremendas. Com elas
tens de contar. Viver no esquecimento delas é in­
digno de uma cristã, máxime quando é j ovem
ainda.
Todos os dias Deus é ultraj ado, esquecido,
desprezado, blasfemado, odiado . . .
Todos os dias Jesus Cristo renova seu amo­
roso sacrifício do Gólgota sobre o altar, sempre
que numa matriz ou capela se celebra a santa
Missa. Seus inimigos procuram crucificá-lo no­
vamente maldizendo-lhe o Evangelho. "Como é
evidente que nosso Senhor, se voltasse ao mundo,
seria crucificado de novo e mais depressa do que
a primeira vez !" (Gay) .
Todos os dias a santa Igreja é atacada, criam­
se leis que a perseguem, lhe cortam a indepen­
d ência, a dignidade, a honra, a obediência de
seus filhos.
Todos os dias, oculto no Tabernáculo, o Di­
vino Mestre pergunta-te : E' pouco o que tenho
feito por ti ? Nada me custou o amar-te ?
Todos os dias milhares ide vidas desapare­
cem . . . Uma hora ! Que é isso ? E' um desfile de
sessenta minutos breves ? Um minuto ? Significa a
morte de cem pessoas e o nascimento de cem crian­
ças. Uma centena de agonizantes e outra centena
de recém-nascidos. Numa hora : seis mil cadáve­
res e seis mil berços ! E p ara quantos correu tal­
vez em vão o sangue de nosso Senhor ! Até ao

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fim do mundo, disse alguém, nosso Senhor estará
em agonia.
Todos os dias milhares de almas deixam-se
talvez arrastar e seduzir pelo pecado e ofendem a
Deus, expõem-se ao inferno, ou, quem sabe,
nele caem.
E eu, entretanto, em que vivo pensando ? Pen­
so em divertir-me, em distrair-me, em ofender a
Deus também ? Preocupa-me tão somente a fri­
volidade, a futilidade, o prazer, o nada ?
Pobre coração, que passa insensível ao lado
de tanto amor, de tanta dor, de tanto risco, de
tanto ódio, sem sensibilizar-se.
Pobre cabeça que um nada distrai e que tanta
coisa não pode enchê-la (P. Plus) .
Por isso, leitora, grava em tua alma o "in­
compreensível, o ser10 da vida humana" -
aconselha-te o P. Plus.

3. Leituras e aventuras
Nossa mocidade feminina l ê muito. Lê por
ocupação e lê por distração. Num e noutro caso a
·leitura exerce uma influência considerável em
sua vida. Que o alimento influa no organismo e
na saúde, ninguém o contesta. Muita moça, de
saúde fraca, vê-se constrangida a seguir uma dieta.
Ou, então, a que é de boa saúde, tem lá um ou outro
alimento que a prejudica. Os livros, senhorita, apre­
sentam-nos idéias. Os capítulos são os vários pratos
de um banquete. As idéias entram pela inteligên­
cia como o pão desce ao estômago, transubstan­
ciam-se em nós, mudam-se em nós correm pelo
sangue "da alma", dão-lhe vitalidadé própria _ e
colorido especial. Uma boa leitura é suficiente
para vigorar a alma, como uma sadia refeição

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basta para restituir as forças depauperadas. Mas
na hipótese de uma alimentação malsã ou de uma
deficiente digestão, ou no caso de não possuírem
os alimentos a necessária força nutri tiva, que acon­
tecerá ? Depois de algum tempo o organismo se
enfraquece, o sangue depaupera-se, a saúde tor­
na-se fraca e o indivíduo anda sem energia para
o trabalho. E no caso de haver algum veneno no
alimento ? Sendo um tóxico ativo, a morte é ins­
tantânea ; sendo de lenta atuação, o envenena­
mento será progressivo e a morte chega devagar,
mas sem falta (Landriot) .
Por isso é uma verdadeira aventura de mau
gosto pegar a moça de qualquer livro e lê-lo. Só
porque ele vem recomendado por uma amigui­
nha, ou muito falado, não deixa de ser alimento,
sobre o qual é necessário estar bem informada.
Que pena não ter muita moça o mesmo "luxo" pa­
ra ler, como o tem para comer ! N a comida repara
em tudo, de tudo tem medo, indaga "das mistu­
ras que podem fazer mal" Mas não é de seu uso
tal luxo em se tratando dos pratos para o espírito,
dos livros. O manj ar de fino gosto, apresentado
pela fé, não é apreciado, porque a tal leitora tem
um paladar estragado. Estragaram-no as leitu­
ras de . . . todos os temperos.

4. Quando Deus compara . . .


São exatas as imagens e poéticas ao mesmo
tempo. Referindo-se à contrição de Efraim, diz
" que ela não teve mais duração que as nuvens
da manhã e que o orvalho transitório da m adru-
gada" (Os 6, 4) .
Nuvens da manhã! Não serão assim teus bons
propósitos pela manhã, na igrej a ? Tuas reflexões,

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num quarto de hora de meditação, esgarçam-se
como as nuvens da manhã, mal comece o sol das
ocupações e afazeres ?
Orvalho da madrugada . é a devoção de cer­
tas senhoritas. Vão à missa, à comunhão, fazem
suas piedosas leituras, etc. Tudo forma um lindo
e irisado estendal de orvalho. Mas ao morrer a
madrugada, ao desaparecer a manhã, evapora-se
a piedade, a modéstia, o véu de gotas de bons
propósitos. Já ao meio dia nem se conhece a cria­
tura piedosa, a dona do "orvalho da madruga­
da". E' que, encontrando-se com o mundo e a so­
ciedade, com a vida e seus rcvolutcios, a senho­
rita deixou a piedade.
Por isso, leitora, cuida, antes de tudo, de teres
uma piedade convicta, arraigada, uma piedade
sol, uma piedade astro, que traça sua órbita se­
rena e firmemente. A piedade que é apenas ex­
terior, formalista, é piedade de boca, mas não
de coração. E' falsa e precária. Diga-se o mesmo
daquela que é pueril, agarrada a uma série de
atos que bem se prestam à malignidade de in­
terpretações. Enche-se de escrúpulos pela omis­
são de um conselho e perde o remorso na vio­
lação de um preceito. Orvalho da madrugada é
uma piedade mundana das moças que querem ser­
vir a Deus e ao mundo. Em suas mãos revezam-se
perfumados livros de rezas com duvidosos ro­
mances ou folhetins e revistas. E a piedade sen­
timental ? Parece-se muito eom as precedentes e
é falsa por isso. Pois Deus quer ser amado com
toda a seriedade de nossa vontade e de nosso
coração. Doçuras e contentamentos que nos der
ser-nos-ão sempre benvindos. Mas, se nos falta­
rem, não faltemos também nós a Deus.

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Cristo censurou os j udeus que o procuraram
só porque comeram dos pães (Jo 6, 26) . Piedade
sentimental . quer só os pães de nosso Senhor.

5. Quem me consolará?
Célebre senhora fez esta pergunta e tentou
respondê-la. E acertou na sua resposta. Eis as
suas palavras :
"Quem me consolará ? - Só eu, disse o estudo
- pois tenho numerosos segredos para reanimar
a tua existência . . . Desde então os livros vieram
morar comigo, povoaram-me a soledade. Mas
com eles aprendi que tudo é pranto e p us-me a
·

chorar também.
Quem me consolará ? - Só eu, disse o luxo.
Então não tenho sedas e pérolas, colares e vesti­
dos ? Experimentei o luxo, mas apenas notei que
andava vestida de . luto. E chorei.
Quem me consolará ? - Nós, disseram-me as
viagens; levar-te-emos a ver flores d esconhecidas
e distantes. Mas, vencidas pelas antigas sombras,
mal conseguiam as sombras de novas árvores
ocultar em mim o pranto.
Quem me consolará ? - Nada, nada que se
encontre neste mundo . . . Uma voz, entretanto,
me disse : Desce ao fundo de teu coração ; o se­
gredo da felicidade não está fora, mas dentro de
ti. Deus o dá. Se não está Deus contigo, renuncia
para sempre à felicidade" (Mme. Valmore) .
E' bem possível que a nossa leitora j ulgue
ser diferente o seu coração. Na sua inexperiência,
não seria para estranhar que se considerasse um
caso de outra solução. Então pensa encontrar con­
solo em prazeres, viagens, companhias, sports,
footings, etc. Mas no fim desse rosário de ilusões

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hú de exclamar, como a sra. Valrnore : Sem Deus
não há consolo e felicidade.
Para algumas, a n atureza torna-se cúmplice
desse erro. Favoreceu-as com excesso. Deu-lhes
formosura, riqueza, fino espírito ; armou um ce­
nário ·de luxo e de admiração em redor desse
ídolo. Mas também essa chegará a mesma con­
clusão : sem Deus e sem consolo são expressões
da mesma coisa, da mesma realidade. Tantas
outras j á o disseram dentro d a mesma miragem
de ventura. E por que será outra a solução para
a tua pergunta, j ovem, que te sentes iludid a ?

6. Tu és avara
- Não ; nunca. fui avara dirás diante d a mi­
nha ufirmativa. Assim mesmo, creio que é mais
ousudu do que verdadeira a tua afirmação. Não
serú difícil mostrar como a avareza ainda exis­
te, uté em bem formados corações femininos. Se
por uma exceção não se der isso contigo, fiquem
aqui meus sinceros parabéns e melhores votos
para a perseverança de tão bela virtude.
Mas são várias as formas de avareza.
Existe a aoora do dinheiro. - Muita moça
j ulga-se livre do demasiado apego ao dinheiro.
Mas por que então retarda tanto o pagamento das
pequenas ou grandes dívidas que tem ? Por que
é tão econômica em se tratando de tal despesa
reclamada pela caridade, e tão liberal em se tra­
tando de outra ? Fulana é toda carinho para con­
seguir um novo vestido de baile com os pais. E
se uma lista para pobres lhe vem pela segunda
vez à casa, alega que há tempos j á a subscre­
veu . . . com pequena. importância. Não é uma
forma de avareza ?

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Existe a moça avara do tempo. -São as que
nunca o têm p ara os outros. Andam sempre ocupa­
díssimas . . . consigo mesmas. Por isso não po­
dem dar cinco minutos a um doente, nem uma
hora por mês para os interesses de alguma asso­
ciação. Em se tratando de Deus, cresce-lhes a ava­
reza do tempo. Sobej am-lhes noites e madruga­
das para as festas e divertimentos. E onde está o
tempo quando a religião reclama por missas, co­
munhões, etc ? Quantas nunca dispõe de tempo,
mas quem as procura tem de ouvir que não estão
em casa. Estão distribuindo o tempo em visitas e
exibições de vaidade. Está s livre dessa avareza ?
Existe a ,a vara do coração. - O coração só
se .abre para receber e não para dar. Nele encon­
tram portas abertas as adulações, as palavras mei­
gas, as deliciosas maledicências. Mas de suas por­
tas trancadas nunca saem p alavras de simpatia,
de compaixão, de iniciativas caridosas, de per­
dões generosos. Parece que a moça tem medo
de esvaziar esse cofre, à medida que lhe retira
as moedas da bondade . . . Nem agora crês que
tens um pouco de avareza na vida ? Tanto me­
lhor se, de consciência tranquila, puderes respon­
der-me negativamente. Em todo caso há lugar
aqui para uma boa resolução : Jamais serei avara.

7. O apostolado do sorriso
Existe tão simpático apostolado ?
Existe, sim, tão real como a tua pergunta, lei­
tora. E' o sorriso um grandioso recurso de Deus
quando, de dentro de uma alma, quer falar a
outra. Aos nossos sentidos fala pelo aroma da
flor e pelos sons d a h armonia. E às almas fala

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também por essa melodia do coração, por essa
nota amável que é um sorriso.
Logo, é possível falar aos outros pelo sorriso.
Podes, então, leitora , dizei· com teu sorriso coisas
de p az, de inocência, de alegria, de felicidade,
de abnegação, de benevolência. E' um apostolado
silencioso, esse do 1-;orriso. Fala da luz e do dia,
como os raios da n u rora anunciam a tarefa da
manhã. E' ele lodo recordativo. Lembra às al­
mas os di a s (� I l i q u e podiam sorrir. Apostolado
afável, discrc l o, l w 1 11 acei to, acariciador.
Em cc rl 11s oc11sil1es, cm determinados cená­
rios, tem o so l ri so e i 1 1 l i l 11ções e convi les de estrela
'

dos Magos. E c n l tio conduz os convidados a Deus.


Como convida li p n ci ênci a , se cm casa a mãe ata­
refada, acabrunhada, o n o t a nos lábios da filha
resignada. Como torna suave o dever se, apesar
de sua austeridade, a moça o recebe com o me­
lhor dos seus sorrisos ! Que seda põe ele numa
p alavra pontiaguda, dolorosa para ser aceita,
mas imperiosa para ser pronunciada ! O sorriso
amável de Francisco de Sales converteu um ami­
go furioso. E por que não poderá o teu sorriso
ter magias para converter e melhorar as pessoas
de tua convivência ?
Mas semelhante sorriso é, às vezes, uma dá­
diva da natureza, e em geral é conquista de al­
mas que se dominam e possuem a si mesmas.
Moças que desabafam seu s resentimentos, que
apregoam os sacrifícios de seus dias, que medi­
tam sobre ingratidões e incompreensões humanas
- essas não sabem sorrir apostàlicamente. Ainda
mais. Para sorrir como apóstola é necessário não
sorrir diante do que não é casto e nobre.

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V
1. Exata comparação
A criança, j á o notaste, leitora, sorve como
uma flor todos os carinhos, afagos, sorrisos e mi­
mos que lhe dão os pais, irmãos e amigos. Recebe
em abundância e por nada agradece, pois nem
tem consciência do que lhe dão com tanto amor.
E' uma indiferença que se lhe nota nos traços,
mesmo quando é objeto do maior arroubo' do
coração materno.
E nós nos braços de Deus somos outras tan­
tas crianças. Há variações nessa infância, mas
nunca se lhe apagam os traços. Assim, leitora,
recebes mimos e afagos de Deus a cada hora.
O s beij inhos que te davam nos dias de criança
ainda existem nos lábios de Deus ; da Virgem Ma­
ria, das santas d a tua devoção. Continua, porém,
a mesma inconsciência de tua parte. Vais sor­
vendo tudo e por nada agradeces. Nem os santos,
assevera-nos criterioso autor, sabem agradecer
por quanto recebem do céu.
Está aí uma dívida que não podes negar.
Do contrário, farás algum sacrifício e logo ima­
ginarás que Deus daí em diante j á te deve muito.
Está aí uma dívida que dificilmente pagarás
por completo.
Não há dia em que te vej a órfã dos carinhos
de Deus. A luz do sol, o encanto das manhãs e
das tardes, o sorriso de quem te ilumina a vida ,
as sedas que h á nas p alavras dos q u e t e deram
a existência, as inocentes satisfaçõe s do coração
moço de tuas primaveras - eis aí um pouco
desse carinho, na ordem natural. E agora •abre­
se ainda o rico coração de Deu s p ara as carícias

Audl filia - 4 49
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da graça sobrenatural . Como .Jo ã o reclinou a ca­
beça sobre o Coração do Mestre, assim tens a tua
continuamente reclin ada e apertada sobre o co­
ração de Deus. Sempre de continua a ser Pai,
mesmo quando a fil ha o <leixa. Por que então
ser ingrata, esquccc1ulo tudo isso, ou exigindo a
s atisfação de desej os vãos, de caprichos inúteis,
como prova de que D eus é também teu Pai, e
não apenas Pai . das outras ? Por que tardar
em lhe volta r arrependida aos braços, quando
uma falta, um pecado, um erro dele te afastou ?

2. És moça moderna
Criatura com ares de rapaz, garota, um pou­
co dona de si mesma e preocupada com qualquer
escândalozinho, a fim de que não p asse desperce­
bida ; senta-se e coloca os pés à modern a ; entra
e sai como entende ; usa de camaradagens com
os amigos ; bate record de alguma coisa ; gasta o
coração em flertes ; há de ler tudo, tudo há de ou­
vir e olhar : assim muitas moças entendem o mo­
dernismo feminino. Erram e compromentem uma
atitude para as companheiras.
Entre t a n to, a moça tem o direito de ser mo­
derna, de ser de seu tempo. O tempo é alguma coi­
sa providencial cm n ossa vida, j á que Deus dirige
os povos e conta com as evoluções deles. O Cria­
dor não gosta de formas envelhecidas e entregou
o mundo a uma sadia evolução e libertação de
coisas antigas. O amável Mestre e Senhor é apolo­
gista de uma evolução razoável. Ninguém, como
ele, enxotou com velharias e tradições, das quais
algumas eram até milenárias. Ninguém, como ele,
rasgou novos leitos para o impetuoso caudal da

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vida. Reclama para o vinho novo o< ln•M l n m ­
bém novos.
Mas seria falta de critério j urur q 1 1 1 · 1 1 1 d o
presta, s ó por ser moderno. Que erro lamc11 li'1 vc l ,
se a moça fosse aceitando idéias, tomando u l i tu­
des, copiando maneiras e moqos, tão somente pclu
razão de s erem modernos, dê hoj e ! Que falta de
critério, receber com bandeiras e festões em
triunfo toda e qualquer inovação !
Muita coisa, nos modos de uma moça razoà­
velmente moderna, pode desagradar a outras que
se aferram ao antigo. Nascem daí censuras, discus­
sões, infundadas antipatias. Mas por que não se
fica com a norma do Mestre e Senhor? "Ninguém,
bebendo vinho velho, quer logo do novo, porque
diz : o velho é o melhor". E vice-versa também. Es­
tás acostumada ao vinho velho, l eitora ? Fica-te
com ele, se teu paladar por nada tolera o novo.
Mas não teimes em negar o vinho novo sua utili­
dade, seu S"abor, seu oportunismo. Vinho novo em
odres novos, e remendo de pano novo em vestido
novo e . . . ambos se conservam, n a sentença do
Mestre. - Há um eritério fácil para acertar no
assunto : acompanhar a voz da Igrej a, ",a eterna­
mente j ovem e bela esposa do Cordeiro".

3. Pergunta por eles!


Três espíritos conduzem o homem na terra :
o terrestre, que o entrega ao fogo das paixões ; o
humano, que o acorrenta a um fatal egoísmo ; o
divino, que o desambienta da terra, da sua pe­
quena individualidade, e fá-lo viver para os anos
eternos. Nisso está a vida cristã n a sua integri­
dade : fazer do espírito divino guia e fanal da
criatura remida.

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Assim, pois, a moça cristã terá que lutar pela
palma do espírito divino. Do contrário, será cris­
tã de nome. Dominada por idéias e ambições deste
mundo, batizada e santificada p ela graça. Entre­
gue ao espírito humano, calculista, e de visão re­
duzida, ficará inerte, morta, estéril em frutos pa­
ra a vida eterna. Só as almas cristãs cheias do es­
pírito divino são belas, poderosas e tranquilas. E
só no meio delas é que deves figurar, leitora.
De fato, só vales o que vale o espírito que te
anima. Pergunta por ele num sincero exame de
teus desejos e planos, de tuas alegrias e tristezas,
de tuas repulsas e ofertas. "Não sabeis de que
espírito sois" - disse o Mestre aos d i scípulos, de­
sej osos de o vin g are m nu cicl n d e de Siquém. E
certamente a sentcnçu de C risto te atinge. Não sa­
bes do cspiri lo que lc move, quando procuras
servir a dois senhores .i un lamente : ao mundo e
a Deus. No templo, a Deus ; nos salões e na rua,
ao mundo. Na igrej a, à tua alma ; nos ócios ele­
gantes, :'i tua srnsualidade. No pobre enxergas a
Deus que te pede esmola, mas não o vês no pró­
ximo cheio de defeitos e ingratidões. Ao primei­
ro dás uma moeda e ao outro o veneno de uma
maledicência.
Pergunta por ele, e verá s que o espírito huma­
no j á tomou posse de tua alma, enfeitou-a, fez-se
dono, requereu "despej o" do espírito divino. Pois,
do contrário, como explicar essa estranheza que
mostras diante da doutrina cristã sobre a h umil­
dade, a p aciência, a abnegação, o desapego d e
bens, a fome e a sede de j ustiça. O espírito divino
é fruto sazonado, mas tua vida cristã anda enfei­
tada tão somente de folhagens viçosas e farfa-

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lhantes. Cuidado : lembra-te da figueira virente,
mas desprovida de frutos !

4. O tesouro de umas palavras


Há um livro em que toda p alavra é um pre­
sente de Deus. Portanto, presente de rei também.
Já conheces esse livro. E' o santo Evangelho de
nosso Senhor. Basta ver uma de suas sentenças :
Se não vos fizerdes pequenos como (esta) crian­
ça, não entrareis no reino dos céus.
De fato, a criança já possui no mundo um rei­
no, que é o feudo de sua fantasia e de seu cora­
ção. De vê-lo sempre, é que vive sorrindo num
encanto de quantos a contemplam. Parece sus­
pensa por um fio de luz a um mundo de sonhos.
E' a feliz afilhada da Mãe d'água. No espirito da
criança há um veio saudável de poesia nativa.
Ao lado da poesia há a inocência e a humildade
inconsciente. Não admira, portanto, dissesse, cer­
ta vez, uma criança a um sacerdote : O sr. tem
um anjinho dentro do coração !
Quando a idade avança, secam as duas árvores
primaveris : a humildade e a borbulhante poesia.
Ora, não é coisa invejável· guardar "a alma
de criança", dentro da moldura de um corpo que
cresce e floresce para a vida ? Que belíssimo con­
·selho, pois, nos dá o Mestre ! E isso na recorda­
ção das vantagens de simples ordem material !
Aj unte a leitora todas as luzes de sua fé, e verá
sobretudo o esplendor da ordem sobrenatural. Ve­
rá os encantos de Deus, diante de quem se guar­
da pequeno. Teresinha de Jesus descreveu muito
bem esses arrebatamentos do Pai Celeste.
Por isso, leitora, é que tanto deves temer a in­
tromissão no mundo dentro da tua alma, nas nor-

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mas de tua vida, nos gestos de teus sentimentos.
O mundo foi sempre falso, fingido ; sempre aplau­
diu o fingimento e para ele educou seus adeptos.
A tal "sociedade" nunca viu florescer essas ár­
vores primaveris da infância. Não queiras ser
grande, emancipada rle formas e atitudes que tanto
recordam os di as mais belos da vida.
Que p avor tem a mocidade feminina de enve­
lhecer depressa 1 Mas das velhices a pior e mais
temível, n mais funesta também, é a velhice . : .
d a alma, d o corac.�iio. Dessa velhice Deus livra
os que o nm urn.

5. Não acredites nessa gente . . .

Quem não estima os poetas, os donos de fino


pincel, os homens que da palavra - argila huma­
nizada - modelam seus tipos imortais ? M as eles
têm um fraco : vivem endeusando a mulher, can­
tando-lhe o corpo antes de tudo. E no mesmo
trilho andam os demais artistas.
Lendo e vendo-os, ficas assim a primeira ado­
radora de teu próprio corpo. Com os pecadores
em versos concordas "que, enquanto houver mu­
lher formosa, haverá n a terra poesia" Entretan­
to, para inspirar até um poema, basta a bon­
dade que faz empalidecer todos os outros encan­
tos femininos. Com esse frágil corpo ocupam-se
as modas, as perfumar.ias e os institutos de beleza.
Teu dever, leitora, é outro que o de cuidar
excessivamente dessa pele, dessas linhas e plásti­
cas, desses ângulos de lábios e fundos de olhos e on­
dulados de cabelos e coloridos de unhas, etc. An­
tes de tudo, és cristã e não uma pagã enfeitada,
ou, como diria S. Bernardo, uma filha de B abi-

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lônia. Mas a cristã tem, quando não degenerada,
certas intuições hauridas da fé. E, assim sendo,
fica ao p ar de umas quantas verdades e por elas
se governa, como se lhe marcassem o roteiro de
sua alma. Vou lembrar-te uns pontos :
Teu corpo é uma casa para a alma. Por isso
pensa no hóspede que deve habitá-lo por "pouco
tempo"
E' teu corpo um instrumento . . . ; pensa, por­
tanto, j ovem, no artista que de tal instrumento
se há de servir.
E' teu corpo um templo . . . ; lembra-te, por
conseguinte, da divindade que deve enchê-lo com
sua presença e maj estade.
Teu corpo é um criado . . . ; pensa no dono
que há de governá-lo, fiscalizá-lo.
Teu corpo é um j ardim de Deus . . . ; não es­
tranhes quando nele desabrocharem as rubras
rosas das chagas e sofrimentos. - Como te dão
pouca honra os declamadores que louvam a casa
e se esquecem do seu dono !

6. Ordo amoris
Leva a vida de u m j usto e de um santo quem
sabe amar às direitas todas as coisas. Disse-o um
grande gênio e um grande santo : Agostinho de
Tagaste.
Amar às direitas significa amar segundo a or­
dem, no respeito à j erarquia dos valores. Nisso
está também a mais formosa educação do cora­
ção. Da inteligência se diz que é culta quando co­
nhece as verdades. Tu, j ovem que lês, terás "um
coração culto'', se respeitares a ordem do amor.
No trono sentar-se-á Deus, teu Pai e Criador.
A direita dele estará teu Redentor, Mestre e Ir-

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mão, Cristo Senhor. Depois pelos degraus do tro­
no, irão se assentar as criaturas, envolvidas to­
das pelos raios divinos, transfiguradas pela vizi­
nhança da eternidade.
Enfim, teu amor está suj eito ao princípio es­
tabelecido por Santo Agostinho : Tudo o que ama­
res, ou serás tu mesma, ou estará acima ou abaixo
de ti. Amas o ouro, a riqueza, as honras, os de­
leites da terra ? Cuidado : não te prendas a tais
coisas, porque tu mesma és muito mais do que
tudo isso. O ouro é "uma terra brilhante", en­
quanto tu brilhas na luz de Deus, feita à sua ima­
gem. Por que, moça, descerás os degraus desse
trono, amando ap aixonadamente vestidos e futili­
dades? Ama aquilo que, ao menos, ombreia con­
tigo, que é da mesma altura e valor.
Já o Senhor traçou a ascensão p ara teu co­
ração : amar o próximo como , a ti mesma, e a
D eus acima de todas as coisas. Quanto importa
à moça saber amar a si mesm a ! Sem tal amor
próprio ordenado, não saberá como amar a seu
próximo.
Já leste como deves amar a ti mesma e o que
em ti existe hoj e e existirá amanhã. Guardando
a ordem, não inverterás a escala dos valores.
Quem é uma j ovem virtuosa ? Aquela que obser­
va o ordo amoris, a ordem do amor. Possui, de
fato, genuína e áurea virtude.
Agora, vem a propósito uma observação de
Agostinho, o astrônomo que descobriu as órbi­
tas do astro rei, que é o coração humano. "Não
vês a Deus, por enquanto. Ama, por isso, o pró­
ximo para mereceres vê-lo ; amando ao próximo
"limpas os olhos" para veres a Deus" - Vamos,
leitora : não sej as "uma desordeira em coisas do

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coração". Já basta a desordem que talvez exista
nas tuas gavetas e guarda-vestidos . . .

7. Sem mobílias inúteis . . .

Certa mocidade de certo país, distante do


nosso, adotou para os cartões de convites às fes­
tas as finais s. m. i. Sem mobílias inúteis, isto é,
sem . os pais. Devia a convidada comparecer,
m,as sem trazer "peças inúteis", gente que ape­
nas vinha estorvar a livre expansão da alegria,
ou fiscalizar as liberdades que se esperavam ou
j á se prometiam para os salões.
Estar à vontade é ser independente - eis o
sonho de muita moça e de muitas que gentilmente
vão lendo estas linhas. Qualquer controle lhe é
pesado. O menor limite às suas vontades lhes p a­
rece violação de fronteiras. E lembram aos p ais
que outras moças são boas e comportadas, go­
zando, contudo, de mais liberdade. Que são pie­
dosas e "da igrej a'', tendo, porém, livres e sem
vigilância suas saídas e entradas.
Ora, creia-me a senhorita, a tal independência
da vontade dos pais não é possível, nem vanta­
j osa para uma moça. Na mocidade é indispensá­
vel uma autoridade moral mais experimentada
que a sua para aconselhar e dirigir. Quem não
aceita essa dependência dos p ais, rejeita tam­
bém toda e qualquer outra. E então l á se vão as
reservas, vêm as tolices, aparecem as falsas apre­
ciações. Não tardará muito e a tal independente
sacode igualmente a dependência religiosa. Fica
entregue a uma mentalidade muito vaga, na qual
as cores dos compromissos 1 são mais do que
esfumadas.

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Mais. Quando alguém pode fazer o que enten­
de, entrega-se logo àquilo que atrai. E esse atraen­
te não é o dever, mas sim o prazer. Acompanhar
a correnteza é mais convidativo do que enfrentá-la.
Há na vida urna lei elementar que diz : Quem
não se suj eita a exigências mais nobres há de
servir a imposições mais vis. Por isso seremos
sempre dependentes, ou da autoridade moral dos
superiores, ou dos nossos caprichos e das nossas
paixões, e de quan tos sabem explorá-las. Em com­
paração com a tirania das últimas, é até um rei­
n a do a dependência aceita com amor. - Deus,
para nos dar a liberdade de filhos seus, que fez ?
Deu-nos mandamentos que nos livram de escra­
vidões e dependências vergonhosas.

VI
1. Amigas que escolherás a dedo . . .
Quais são ? As páginas dos livros que queres
ler. Pois a influência dessas amigas é terrível. Pró­
prio é da amizade encontrar semelhantes ou fa­
zê-los tais. E' ilusão pensar a senhorita que um
livro não lhe fará mal, ainda que mau sej a. Deva­
gar, ela tornar-se-á cúmplice de certas atitudes
citadas no livro, depois aceitar-lhe-á as idéias,
lhe provará as descrições. Finalmente, entregar­
se-á ao livro como ele j á se entregou à sua leitora.
E então acontece aquilo que Perreyve chama
de "magno ilogismo" Vemos muita leitora ser ami­
ga de livros, conviver com eles, quando não teria
,
coragem de ser amiga e conviver com . . . auto­
res desses livros. O autor passa por ser inconve­
niente por causa das coisas que escreve. Entre­
tanto, essas coisas que ele escreveu tornam-se ín-

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timas confidentes da candíssima leitora ! A moça
escusa-se de uma má companhia, porque o povo
falaria dessa duvidosa companhia. Fecha a porta
da sua casa a tal pessoa, mas aceita-lhe o livro
mau de que é autor !
Queres a amizade de umas p áginas ? Aceita
aquelas que te fazem melhor, que te entusias­
mam por um nobre e possível ideal, que te levam
para mais perto de Deus. Se te causarem o contrá­
rio, larga-as. Não são de Deus ; vêm do demô­
nio. Disse Lacordaire : "E' o demônio que inspira
todos os livros que não são inspirados por Deus".
Indaga primeiro se o livro merece tua intimidade.
Pois que é a leitura senão uma íntima conversa,
de alma a alma, no silêncio de um canto, à luz
de uma lâmpada, à noite calm a ? Mesmo que tua
melhor amiga viesse te apresentar uma pessoa
desconhecida, não a aceitarias logo de coração es­
cancarado, não lhe porias nas mãos todas as cha­
ves de teus cofres. E por que és tão sem cerimô­
nia em aceitar e ler, em relatar e em recomen­
dar as páginas de um livro ? ! - Outra coisa : re­
flete bem na responsabilidade que assumes, quan­
do aconselhas um livro a uma amiguinha. Ficarás
responsável pelo mal que lhe provier da leitura.

2. Desejando asas
E' esse um desej o real do cantor de Deus nos
salmos. Suspira pelas asas das pombinhas para
voar até perto de Deus. Muita moça parece vi­
ver suspirando pelas asas para qualquer eleva­
mento do nível em que paira. Mas nem todas sa­
bem o que desej am.
A sas de mariposas - assim chamemos às de­
sej adas por certos grupos de j ovens. Nelas há ful-

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gores de sol, matizes de flor ; agradam, encan­
tam. Em troca, são asas fragílimas, delicadíssi­
mas e nada abrigam. Imagens elas são dos pra­
zeres, de cuj a taça j á tantas vezes os lábios hu­
manos se retiraram desiludidos.
A sas de andorinhas - demos-lhe tal nome às
desej adas por outro grupo de moças. São asas
ligeiras, irrequietas, em contínuo movimento, eter­
nas desenhistas de caprichosos arabescos. Bem
representam a vida que se move, que vai a toda
parte. Na atividade febril de seus voos desco­
nhecem a p az.
A sas de águia - �uj o destino é buscar as nu­
vens, e pairar nas alturas, como se desprezassem
o resto do mundo. Parecem agitá-las aquelas j o­
vens desej osas de glória, de honras, de aplausos.
Mas também essas não servem para a felicidade.
Asas de . . . galinha. - Delas falou o Salva­
dor, referindo-se ao agasalho que oferece aos pin­
tinhos. Simbolizam esse meio tão singelo e comum
em que se vive na família. São asas para a vida
cotidiana, p ara a monotonia dessa vida caseira,
com a repetição dos mesmos deveres, dos mesmos
sacrifícios pouco avaliados e aplaudidos.
Que farias, leitora, com tuas asas de mariposa,
de andorinha, de águia ? Deixarias a órbita desses
deveres diários. Procurarias um ambiente mais
cheio de emoções, porém mais b aldo de paz e sos­
sego. Fica-te com as asas dessa ave doméstica,
belo símbolo do devotamento, da tolerância, d a
calma d e quem vive sob u m sorriso d e Deus.
De tudo que expusemos conclua-se quanto er­
ram as j ovens que sempre desej am outras pes­
soas ao redor de si, outras esferas p ara a ativi-

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dade das suas ânsias. Cada planta cresce bem no
lugar que os céus lhe destinam .

. 3. Teu irmão assinaria isso?


Doente, deserdado da fortuna, aceitava tudo
com alegria e doçura, o pobre Rodrigues de Abreu,
poeta da " Casa Destelhada" Resignado, escrevia :
Eu não tenho direito nenhum de ser triste ! E'
verdade que minha mãe era a melhor de todas as
mulheres, e me queria mais que aos meus irmãos,
porque eu era fraquinho . . .
E um dia minha mãe morreu :
E eu fiquei, d esde ai, com meus pulmões atacados
por não dormir, a pensar na mãe que me queria . ..
E' verdade também que minha noiva, um dia,
para sempre fugiu de minha vida ;
e as minhas coisas douradas
se evaporaram no ar.
Ficaram mais tristes as estradas,
distanciou-se o horizonte,
secou a água da fonte . . .
Mas não tenho direito nenhum de ser triste!,

Mas por que não tem direito à tristeza, esse


pobre rapaz ? O que ele nos respondeu, se for dito
de ti, leitora, é um elogio que vale por monumento.
Tenho uma suave irmã que não me foge,
que me adora com loucura,
e que, depois que eu fiquei chupado e doente,
cuida de mim com muito mais ternura.
Tenho uma irmã que é boa como todas as irmãs . . .
Não tenho direito nenhum a ser triste
porque, quando fico triste,
minha irmã se entristece . . .

Ah ! se tudo acima fosse também verdade a teu


respeito, no trato com teus irmãos ! És boa como
todas as irmãs? Tua ternura não é p ara os de
fora ?

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4. Questões do coração
Eis aí o título com que se comentam certas tra­
gédias da vida. E' a expressão mais acertada que
há para muitas atitudes inexplicáveis na vida.
Pois na ordem do bem, do h eróico, há de se di­
zer a mesma coisa. Diante de uma santa, d e uma
mártir, de uma puríssima virgem, terás de dizer
o mesmo, leitora : questão de coração.
Tens aí a chave para explicar o devotamento
de uma mãe, o carinho de uma filha, as lutas de
uma moça que não quer andar corrente abaixo
com as outras. Tudo é ques tão de corações fiéis a
Deus, ao dever. Até nossas rusgas, nossos ressen­
timentos, nossas "zangas" com Deus, tudo se re­
duz a uma questão de coração.
Assim, pois, nisso vem dar o pleno desenvol­
vimento do programa de cristã em tua vida. Re­
conhecidamente valerás o que amares. Já o disse
Santo Agostinho : "Amas a terra ? serás terra.
Amas a Deus ? E responde-te a Escritura : Sois
deuses e filhos do Altíssimo" ( SI 81, 6) . Mas amas
com o coração. E' ele quem escreve a tua história
e de algum modo antecipa os j uízos de Deus. Com
a lanterna na mão, o Altíssimo sondará se teu
coração o amou. Teresinha de Jesus vivia conven­
cida desta verdade. Repetia que Deus nos j ulga­
ria sobre o amor.
Ora, diante de tal realidade, importa muitís­
simo resolver as questões do coração. Hão de ser
tais que os céus possam aplaudi-las, que Deus as
possa recompensar. Muita moça cristã tem mui­
tas dessas questões. Mas a que se reduzem, en­
fim ? A ninharias, a futilidades. Não é trigo e sim
palha que anda lá pelo moinho do coração. Ques-

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tões de egoísmo estreito, de amor próprio con­
trariado, preferido, ferido. Outras vezes é o des­
peito que se apoderou do coração e lhe suscita
um rol de questõezinhas. - Entretanto, prezada
leitora, está escrito com todos os clarões do sol :
Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração.
Eis a grande, a única e verdadeira questão do
coração, questão de vida e de morte.
Dize-me : Como estás resolvendo esta questão ?

5. Não te reconheces?
Finíssimas são as habilidades do amor pró­
prio em distinguir entre cada um de nós e os ou­
tros. Sabe ambientar-se tão bem, que chega a pas­
sar despercebido a muita gente. Vê, leitora, se te
reconheces no confronto que se segue :
"Assim julgamos os ou- Assim julgamos a nós
tros : mesmos :
Fracassaram por- Fiz o que pude,
que não fizeram o que mas as circunstâncias
deviam; foram mais poderosas ;
Piedosas como são, Ninguém é perfei-
não deveriam ter esse to neste mundo, e j á é
defeito, que tanto pre- muito ter piedade, e o
j u dica à religião ; resto não se deve re-
parar;
Ao se ouvir N., pa­ Se todos me aj udas­
rece que no mundo só sem, quanta coisa eu
é importante o que ela conseguiria !
faz ; Está-se obrigado a
Com o dever nin­ atender às circunstân­
guém discute ; cias ;
Com muita simpli­
Mais simplicidade, e cidade me arrisco a
perderiam essa "pose" ; não ser distinta;·

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Um pouco mais de Com muita paciên­
paciência, e evitariam cia cedo terreno aos
muitas bobagens ; a trevidos ;
S e n h o r, elas vos Eu, se preciso for,
abandonarão ! darei minha vida por
vós; morrerei por vós,
A culpa é toda e Senhor.
somente dela ; Errei, porque a ser­
pente me enganou ;
E' preciso escolher Saber conciliar tu­
entre Cristo e o mundo. do é uma espécie de
caridade" (Bellouard) .

Longa, bem longa poderia ser esta lista de


confronto. Pode toda j ovem de boa vontade sur­
preender-se em flagrantes injustiças nas compa­
rações com o próximo. Mais ainda se a compara­
da for de algum modo uma criatura antipática, ou
rival, ou desafeta . . . Como faz bem ter a vista
aguçada e boa, em tais casos de ilusões, leitora.
E Deus também delas anda muito ciente e intei­
rado. Só enganas a ti mesma , portanto.

6. Para que serve uma rosa?


Perguntou assim Ardigó, depois de desfolhar
uma bela rosa vermelha . . . Anos depois cortou­
se uma veia, e perguntou ao médico que tentava
salvá-lo : Para que serve a vid a ? - Realmente,
rosa e vida podem ser inutilidades. A primeira,
arrancada de sua haste, despoj ada de sua s péta­
las e de suas fragrâncias, j á não possui motivo
de existir. Igualmente a vida, s ep arada de Deus,
desfolhada da fé e do amor, não tem significa­
ção real. Hirfa de espinhos, triste de cores e per­
fumes, não pode senão pungir a alma (Maffi) .

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Tua vida de 15, de 17 ou de mais anos, é tam­
bém ela uma inutilidade desfolhada, despetalada,
sem fragrância e sem cores ? não fuj as à resposta !
Vê : o mundo, a sociedade, com seus salões e
divertimentos, com suas elegâncias e viagens, não
servem para a haste de tua vida . Há tempo que
notaste tudo isso. E' daí que te vem esse vazio
que sentes na alma, mesmo diante dos triunfos
para o amor próprio. Tua vida, rubra pelo san­
gue de um Redentor, não quer florir na ponta
de semelhante haste.
Mas queres saber quando se torna flor e fruto
e sabor, essa vida de primavera ? Ouve, guarda,
realiza o conselho do Mestre : Permanecei em
mim e eu permanecerei em vós. Eu sou a videi­
ra e vós sois o sarmento. Se ele não ficar com a vi­
deira, secará . . . Unido à videira, dará fruto.
Muita moça revolta-se contra tal realidade.
Clama e brada contra tal desígnio da Providência.
E depois ? Depois perguntar-se-á como Ardigó : Pa­
ra que serviu a capitosa flor, a rubra rosa da mo­
cidade, da vida ? E também por esse valor pergun­
tará o Juiz na outra vida. Está escrito : Não apare­
cerás de mãos vazias diante de mim !
Logo, leitora, o tempo, o tempo é de valor ra­
ríssimo. E que fazes dele ?

7. Tua história?
O castelo de sonho, onde eu vivia,
e que erguera com tanto enlevamento,
veio a rolar por terra, enfim, um dia,
num doloroso d esmoronamento.
Culpa foi minha ! Como poderia
resistir o castelo, um só momento,
se era tão falsa a areia em que se erguia,
e se era assim tão poderoso o v ento ? (A. Amaral)

Audl filia -'-- 5 65


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Sobre muita areia erguem j o vens frequente­
mente seus cas telos <le ventura. Umas, contando
com a amiz ade de amiguinhas de infância, de
belas posições, j ulgam-:s e felize s para todo sem­
pre. Outras, aduladas pela natureza que as pren­
dou, aplaudidas pe l a sociedade, endeusadas por
inegáveis triunfos, quase se j ulgam confirmadas
na felicidade. Sempre será assim, sempre serão
queridas, sempre colherão as rosas e essas, por
mercê de um capricho único, j amais hão de mur­
char. Quanta areia falsa !
O ouro corria como água por minhas mãos -
diz-nos Eva Lavalliere. Mas também nos conta
que, erguido sobre esse ouro, não lhe ficou em
pé o castelo da paz, da felicidade. O ouro não pas­
sava d e areia.
Hoje vivo em humílimo casebre, . . .
casebre, sim, mas flóreo e sossegado . . .

Essa é uma das mais importantes lições da


vida : contentar-se com a água, com a luz, com a
paisagem, com "o rio que nos viu criança", com
o meio em que Deus nos colocou com amável
tessitura de sua Providência. Nessas condições, h a­
verá sempre flores e sossego na tua alma de cristã,
de filha, de moça . . .

VII

1. Muito obrigada . . .
Assim falas, até quando uma criança te es­
tende a mão com uma flor singela. E teu sorriso é
fundo azul para essas áureas palavras. Mas, leito­
ra, vale aqui a verdade do aforismo oriental :
Agradecemos por uma vela e não agradecemos

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pelo sol que Deus nos dá. Quero lembrar-te um
tesouro dado pelo Criador : a inteligência.
És criatura racional, dona de uma inteligên­
cia que o s pais e mestres cultivaram, que a convi­
vência com o próximo vai aperfeiçoando. In teli­
gência, que é ? E' rédea de ouro que segura a exal­
tada fantasia ; é fio de luz que em feixes vai li­
gando os pensamentos ; é mão hábil que consegue
reunir, num col�r de pérolas, as palavras indó­
ceis ; é atmosfera onde giram em ordem as idéias,
como se fossem átomos agrupando-se por uma
recôndita atração. Das letras da natureza pode
fazer um poema, um hino ao Criador. Dos cla­
rões dos astros pode tirar claridade para as sen­
das que levam ao Pai das luzes. Da n atureza ar­
ranca os segredos ; d a arte surpreende as aqua­
relas e os mágicos senários. Luz misteriosa, ei-la
que desce aos abismos do coração humano, des­
venda-lhes arcanos, canta-lhe melodias, conquista­
lhe um feudo. E de tudo faz uma torrente de ven­
tura na qual vai carregando o homem.
Já te encontraste com gente abobada, com es­
ses ceguinhos de espírito, privados da luz da ver­
dade, do raciocínio ? Quanta alegria lhes fica rou­
bada, quanto palácio de fada lhes está fechado,
quanta palavra do céu lhes é letra misteriosa !
Bendito sej a Deus, leitora, que não te privou
da inteligência. Mais ainda sej a louvado, se per­
mitiu e facilitou aos teus o amanho deste terreno,
a lapidação desta j óia. Searas que vierem, cinti­
lações que s e desprenderem desta inteligência, se­
j am outros tantos hinos a Deus. Pois nossa inte­
ligência nada mais é que uma fagulha do Sol Di­
vino. Respeita-a por isso, e engrandecerás o
au tor de tanta luz.

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2. Olhai e vede . . .

Exigem alguns mestres que a cristã fuj a o


mais possível do mundo exterior. Querem que vi­
va de cortinas fechadas, sem olhar a vida por aí,
a s regiões e os cenários da natureza. Pois em tudo
estão vendo alimento para a sensualidade, es­
torvo p ara o recolhimento em Deus.
Entretanto, o divino Mestre toma por outro
caminho. Não corre as cortinas, afasta-as ; escan­
cara de p ar em par as j anelas e estende sua vista
na contemplação da natureza. Mostra-nos o sol,
os ·campos risonhos, as aves do céu. Exclama :
Vede os lírios do campo, olhai a s aves do céu ;
olhai p ara a figueira, p ara as searas amadureci­
das ! Numa palavra, vive observando a natureza,
e conhece-a, dela tira lindas comparações.
Também a cristã há de olhar para a vida dos
homens, obs ervá-la atentamente, sem preconcei­
tos na alma. Não é assim que procede o Mestre
quando faz desfilar os homens com suas ocupa­
ções, tais como os surpreendeu n a vida ? Suas
parábolas conhecem o homem que ara olhando
p ara trás e rasga sulcos sinuosos. Nelas ap arece
o p astor lutando contra o lobo, buscando a ove­
lha tresmalhada ; o fariseu que trombeteia vai­
dosamente sua oração. Passam o rico avarento,
as crianças brincalhonas, as núpcias, os cortej o s
fúnebres. É-lhe o mundo dos sentidos um meio
de progresso e não uma cilada p ara a perdição.
O mundô material é obra-prima de Deus, é uma
p artitura de imortal maestro. Feita nos moldes
do Mestre, a meditação sobre a vida e a natu­
reza eleva, enobrece o coração. E de tudo resulta
alegria, reconforto.

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Mas, isto posto, fica de p é uma verdade : nem
a todos é fácil entender esta misteriosa linguagem
da criação. Há quem mal lhe soletre as letras.
Há os que ficam deslumbrados dela, como os
curiosos ante os hieroglifos das sepulturas dos
faraós. Por estarem acostumados a decifrar os
sinais aos ímpe tos de um coração corrompido,
transformam em fórmulas mágicas a escrita de
Deus. Não chegam assim ao reino do Senhor, mas
vão perder-se nos domínios do demônio. - Só ao
espírito purificado e inteiramente possuído de
Deus, revela-se o Criador na vida e natureza, que
para outros se mudam em nuvens misteriosas.
Outra verdade importante, senhorita. O Divino
Mestre não está com os que dizem "olhe-se tudo,
tudo se conheça e aprecie". Pelo contrário, afir­
ma : Se o teu olho te escandaliza, arranca-o !
Primeiro, pois, aprenderás, cristã, como achar
a Deus, abstraindo-o do mundo visível. Mais tarde
te será dado contemplar a natureza ao lado do
Criador. Nada de exageros no caso, porque é bem
clara a fórmula dentro da qual Cristo Senhor es­
tabelece a relação entre o mundo dos sentidos e
o mundo do espírito. Não desprezarás o mundo,
mas, sim, o transfigurarás. Então a linguagem do
Senhor é compreensível : Olhai, vede as aves, os
lírios, o homem que ara, que planta, que deita as
redes, que faz um b anquete, etc.
De um livro para professoras, escrito por Co­
hausz, tomei, em livre citação, os p ensamentos
acima. São todos ele s para ti, que vives neste mun­
do, aos clarões de uma idade primaveril, leitora.

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3. C omparações que são programas

De si própria cantava a saudade "que viera


ao mundo para ser boa, p ara dar de seu sangue a
quem quisesse". E não é idêntico o programa
d a j ovem cristã ? Ser boa como uma saudade,
devotada como quem dá gotas de seu sangue -
eis em outros termos o que Deus, a família e a
sociedade dela esperam. Foi feita para ter pie­
dade . . . , para olhar e s entir com caridade .
Para da vida em cada rude oceano
arrojar, através da imensidade,
tábuas de salvação, de suavidade,
de consolo e de afeto soberano ( S. Cruz ) .

Quer o Espírito Santo que ela sej a "como


um sol no firmamento, corno uma lâmpad a sobre
dourado candelabro, corno uma coluna de ouro
sobre pedestal de prata". Há de ser qual outra vi­
deira formosa, cheia de frutos, em oposição à
roseira silvestre, que é dona de flores garridas
e . . . expostas.

4. E' a bondade que te faz formosa . . .


E' ela, rosa de ternura, que te p erfuma
disse-o bem o poeta. A formosura das linhas é fria.
Comunicativa é a que nasce d a bondade. Fra­
grância tem ela nos ares e nas palavr-as benévo­
las. Nunca é demais repeti-lo ao coração de uma
j ovem cristã. Tanta s são hoj e as vozes, os retra­
tos, os elogios que decantam a beleza da "plástica",
que a pobrezinha dá crédito a quanto ouve.
De outro lado, no mundo há falta de bondade.
e de benevolência. J á lhe vai rareando essa mú­
sica d e benevolência. Esse anj o descido do céu,
para cantar na terra, parece que emudece aos

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poucos. Entretanto, que poder têm as palavras
benévolas, leitora ! Preciosas amizades nasceram
porque as ouviram. Velhos e musgoso s preconcei­
tos desfizeram-se diante delas. Até inimizades qua­
se mumificadas não lhes resistiram ao sol aquece­
dor. Na inimizade o silêncio é muitas vezes ,alimen­
to a robustecê-la ; novas explicações geram com­
plicações, novos mal-entendidos. Só resta entregar
a solução à p alavra benévola. Devagar ela irá
desfazendo enredos, preconceitos, ressentimen tos.
Certamente queres que a felicidade estej a a
teu lado e te acomp anhe por onde fores. Pois bem.
Sê benévola em tuas p al avras, que são outros tan­
tos acenos de mãos para que a ventura se apro­
xime. E' sabido que a felicidade tem força de
produzir a santidade. Com tua p alavra benévola
farás feliz a muita gente, e de gente feliz D eus
modela seus santos.
A benevolência apressa as conversões, expul­
s a as melancolias e até exorciza a Satanás, bane-o
p ara longe das almas. Por isso Faber acha que
p aga a pena p assar pelo fogo, só p ara se ter opor­
tunidade e conquistar o direito de pronunciar
p alavras benévolas. Mas, graças a Deus, não pre­
cisas atravessar fogueiras em busca de ensej as
p ara tuas benevolências.
Onde cai a sombra de teu próximo, está com
isso traçado um campo p ara a p alavra benévola.
Portanto, em toda a parte e em todos os tempos te
sobej am oportunidades. E o sacrifício de pro­
nunciá-la é bem pouco. Que sacrifício faz a fonte
ao entregar sua água em borbotões ?
Palavras benévolas - diz Faber - fazem-nos
felizes, diminuem nossa irritação, afugentam nos-

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sos aborrecimentos, avizinham-nos de Deus, ele­
vam a t em pera tura do nosso amor, dão-nos a
paz no Senhor. De D e u s nos obtêm muitas gra­
ças, inclusive a graça da pureza.
E nota-te uma preciosi d a de, leitora. Elas te al­
cançam a graça da contrição. Pois tudo que nos
enternece a alma leva-nos à contrição, a qual
n a d a mais é do que uma ternura do coração
para com D e u s.
A benevol ência faz-nos verazes, inimigos da
falsidade, sinceros em tudo. Já leste que a be­
nevolência é o prisma pelo qual Deus olha o mun­
do, e o modo de Deus ver as coisas é sempre o
modo verdadeiro.

5. Levante-se, senhorita . .
porque a filha de seu rei vai beber ! - intimava
a j ovem pricesa Luísa, à criada, que ficara as­
sentada nesse momento.
- Não s ah e vossa Alteza que eu sou filha do
seu D eus ? - respondeu-lhe a criada. E acertad a­
mente lembrou à vaidade daquela criatura um
título bem nobre. E' possível que a senhorita te­
nha em casa criadas e empregadinhas. Então não
se esqueça que tem a servi-la "uma filha de Deus"
Não poderá tratá-la como uma peça, como um
manequim. Respeite-lhe a dignidade, sem feri-la
com p alavras e olhares desprezivos. Poupe-lhe des­
necessários vexames, porque é de carne o coração
que a criatura traz no p eito. E por que não reco­
nhecer, às vezes, a nobreza de alma de uma cria­
da que "se emprega e aguenta a dona de casa e
mocinha vaidosa", só p orque p recisa amparar
uma mãe j á velha, ou irmãos ainda novos ?

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Se a criada contraria os j ustos desej os da lei­
tora, ou lhe faz mal os trabalhos designados, fa­
ça-lhe ver o erro, mas sem aqueles ares de des­
prezo de sobranceria ofensiva. Quem a está ser­
vindo é, no seu posto e na sua condição, imagem
de Cristo. Como então tratá-la fora dessa moldura
divina ? A princesa Luísa reconheceu seu orgu­
lho e corrigiu-se. Não és princesa, leitora ; deixa
o orgulho, a exigência, a sobranceria.

6. Proibição de mãe

Tua alma tem uma mãe carinhosa, sábia, ex­


p erimentada, sempre moça, sempre formosa. Essa
mãe não dá muitas ordens, respeita tua liberdade
no que lhe é possível. Mas sabe ser enérgica,
quando a energia lhe é motivada por fundados
receios sobre tua salvação, sobre a pureza de
teus costumes. Daí as leis que tua mãe, a Madre
lgrej a, te dá sobre a leitura de livros.
Primeiramente proíbe-te rigorosamente os li­
vros ímpios. E tais são os que intencionalmente e
declaradamente zombam, fazem troça das coisas
e pessoas sagradas ; ou que as desacreditam e ri­
dicularizam. Figuram nesta lista quantos propa­
gam a heresia e o cisma, a apostasia ; quantos, es­
critos por gente não católica e tratando ex profes­
so de questões sagradas, são inimigos da verda­
deira religião ; quantos atacam um dogma qual­
quer ou defendem erros condenados pela Santa Sé,
e se mostram inf ensos ao culto divino, à disciplina
eclesiástica, à j erarquia, à vida sacerdotal, à vo­
cação religiosa. Põe nesta lista, leitora, os livros
que ensinam ou recomendam a susperstição, os
sortilégios, a adivinhação, a magia, o espiritismo.

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Também aqueles que, sem a devida aprovação,
p ropagam e popularizam revelações, visões, pro­
fecias, milagres recém-dados, devoções novas. Nem
menos severa é a Igrej a a respeito das Bíblias
mutiladas, falsificadas, desfiguradas, que os pro­
testantes espalham com tanto zelo.
D epois ela te proíbe os livros nocivos à pureza
e santidade dos costumes cristãos.
Tais são as páginas que celebram os vícios,
mostram em quadros realistas o "encanto" do pra­
zer e o apontam corno a única felicidade neste
mundo. Por isso não se admitem livros que fa­
zem a a pologia do duelo, do suicídio, do divór­
.
cio, ou de outros crimes. Os enaltecedores e defen­
sores de sociedades condenadas ( maçonaria, es­
piritismo, teosofismo ) te silo igualmen te interdi­
tos. Depois seguem-se os cscri los obscenos, dos
quais muitas vczrs só o t i tulo diz <lo conteúdo.
Proihiçii.o e n n :' d c m as 11 l gl'('.i 11 tem contra quem
publica, vc n d ( , l'<' l (� m . dú c m p r('slado livro de tal
'

j aez. - E ngorn, senhori t a , sc rú s fácil em com­


prar livros e rom :mccs n té nos trens ?

7. Na colmeia de tua família


Chegou a última abelha . . .
foi essa, que após as outras veio,
a que trouxe à colmeia mais perfume,
a que furtou do bosque a abna das rosas . . . ( Cassiano)

Cada filha há de pousar sobre as pequenas


flores dos sacrifícios da vida cotidiana, delas hau­
rindo o mel como abelha diligente. Mas do cora­
ção, dos lábios, das mãos, pode a moça retirar o
néctar, como das rosas o retiram as abelinhas. Di­
go mal. Propriamente não retira, mas dá essas fio-

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res para encanto dos seus. Faz amorosamente o
dom do coração, o dom dos lábios, o dom das mãos.
Dom do coração é a simp atia radiosa, com­
passiva e sincera, um que de ternura e de bondade.
O dom de outra coisa é sempre algo estranho a
ti mesma, não é um pedaço de teu ser. Até o
pobre da rua sente que a ternura de um olhar o
sossega, que o nutre a simpatia e o s acia a com­
paixão. E' curioso : o próprio D eus pede-nos, pri­
meiramente, o coração. Queixa-se que o honram
com os lábios e as mãos, quando o coração está
longe dele.
Dom dos lábios é a palavra que, ouvida, faz
bem, porque é leal como a verdade. Nem sequer
a criatura irada pode fazer pouco dessa boa p a­
lavra que lhe é dada em resposta. Pois está es­
crito "que a boa p alavra é como um bei j o nos
lábios" ( Prov 24, 26 ) . Tem, portanto, a seda de um
íntimo carinho. Para quem sofre, ouvir essa boa
palavra é como sentir o bálsamo e o óleo nas cha­
gas doloridas. E' como se sentisse uma gota de
orvalho sobre a ressecada corola d e sua alma. Que
grande dom, esse dos lábios ! Principalmente quan­
do o silêncio significa uma desdenhosa indife­
rença por tua p arte.
"O dom das mãos é o complemento do sorriso
e das palavms e muitas vezes a prova de sua sin­
ceridade. Enquanto a mão está estendida, os lá­
bios deixam cair a p alavra e o coração desprende
a fragrância de sua ternura. E' então total a tua
caridade. E' total a união entre quem dá e quem
recebe"
Assim fazendo, serás tu . a abelha que trou-
xe mais perfume à colmeia .

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vm

j . Escreves muito?
Dia por dia, noite por noite, Deus nos d á as
:folhas da vida. Dá-no-las p ara que escrevamos ne­
Jas sem lacunas e sem p reocupações sobre o nú­
jllero das que ainda lhe ficam nas mãos. Teus anos
j á viram, por conseguinte, muita folha sair da
jUão do Altíssimo. Já viram teu rosto inclinado
5obre elas, enchendo-as com feitos e atos.
Há quem tão somente escreve futilidades nes­
eas folhas. São as j ovens que fazem de tudo uma
futilidade. Desde os vestidos até aos atos de c ari­
dade, desde as atenções sociais até às exigências
da piedade. Na família lhes é fútil o dia, o cari­
pho com os seus. Na sociedade só têm uma preo­
cupação : de elegantes futilidades.
Há quem escreva inutilidades nessas folhas.
São essas ações de cada dia, ou de determinadas
ocasiões, fcitas todas sob uma rotina de alma fria,
de coração "de fogos ap agados", pois não há em
tudo um pouquinho de amor de Deus. São a s pro­
sas inúteis, as visitas inúteis, as leituras inúteis,
os devaneios inúteis, os propósitos inúteis.
Mas, louvado seja Deus, há quem nelas escre­
va coisas que os céus aplaudem. Assim escrevem
::ilmas amigas de Deus, revestidas d a candura da
graça, com os méritos de boas açõe�. São as j o­
vens que escrevem p ara a eternidade, " para o
livro d � vida".
Tu, leitora, não s abes quantas folhas tem D eus
em mãos. Pouco importa sabê-lo. Mai s importa
estar de alerta para não lhe entregares folhas
em branco, folhas borradas, folha s amassadas,
folhas . . . que ele não possa ler, que n em possam

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os anj os levar. Pouco importa que tuas comp a­
nheiras não liguem para essas folhas, essas fo­
lhinhas que são os dias. A cristã esclarecida vai
escrevendo o que o dever lhe dita, o que a fé lhe
impõe, o que a caridade lhe inspira. Ao lado das
linhas, acompanhando-as, iluminando-as, lhe ca­
minha o coração. Ou, melhor, ele vai à frente,
com amor, com a intuição que só ele possui, den­
tro de um peito de moça cristã e generosa. Nes­
sas folhas até uma letra pode valer por frases.
Basta que haj a muito amor divino em seus traços.

2. A liturgia do trabalho
Quem enobreceu e elevou o trabalho, deu-lhe
também uma liturgia a ser copiada por quantos
o imitam por dever e amor. Na oficina de Na­
zaré o Mestre entrava como num templo. Enquan­
to as mãos manej avam os instrumentos do ofício,
ia-lhe a alma erguendo suas intenções santifica­
doras e redentoras. Olhos no céu, coração afeito à
vontade do Pai, Cristo Senhor trabalhava de sol a
sol. Cansava-se, suava, feria às vezes suas mãos
numa l asca de madeira. Trinta anos de oficina e
apenas três anos de vida pública e agitada ! Trin­
ta anos de exemplo e três somente de doutrinação
que nos deixou ! Trinta anos de trabalho silencio­
so e unicamente três anos de p alavras.
Hoj e, para ser uma cristã às direitas, há de
a moça não só trabalhar, mas também santifi­
car esse trabalho, dentro de uma liturgia. Há de
torná-lo perseverante, recolhido, paciente, preso à
vontade de Deus, guiado pelas preocupações su­
periores da alma e da religião. E' sabido que Cris­
to se estampa nos seus irmãos e nas suas irmãs.
Perpetua-lhe, por exemplo, a santidade, a bon-

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dade, o espírito de verdade, a cristã que é vir­
tuosa, generosa, estu di osa . E a que trabalha está
p erpetuando o trabalho de J esus em Nazaré. Mas
porque o Me stre " trabalha sempre'', e até ao fim
do mundo isso fará, segue-se que a sua imitadora
há de trabalhar a vida toda. Por isso , leitora, en­
quanto durar o dia e tiveres luz, tens de traba­
lh ar. Descansarás no . "sétimo dia", a p ós tua
morte.
Trabalhando, cuidarás em fazer do teu traba­
lh o uma prece efetiva. D ar-lhe-ás um ritmo de
exercício de pie d ad e , um reeolhimento de quem
está fazendo a vontade do Pai do céu. As portas
do céu batem nossos corações e nossos quefaze­
res. Trabalhando e rezando chamamos a vida.
Em ambos os casos a yida responde-nos, porque
se vê respeitad a . E assim tornam-se plenos e fér­
teis os nossos dias, embora continuem com as
feições de uma monotonia irritante.
Acreditas, agora, minha j ovem cristã, que tua
agulha, tu a vassoura, tua tesoura, tua máquina
de costurar ou de escrever; teus livros, teu pia­
no, teu tear na fábrica, teu livro-caixa - enfim,
todos os instrumentos de teu lidar, podem tornar­
s e outros tantos "livros de reza"?
Se o acreditas, aprende então a rezar nesses
livros inigualáveis !

3. Já há de sobra
Manzoni descoloriu a descrição do amor no
seu livro "Os noivos". Sabemo-lo pelas correturas
que foram eneontradas no seu original. O afama­
do literato recolheu as tintas muito vivas, tirou a
roupagem muito sedutora com que vestira o
amor. Mas se o fez, j ustificou-se com muita sa-

78
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bedoria. Tu, j ovem, que ouves tanta melodia no
coração, poderá s lucrar com a exposição.
Manzoni diz : "Concluo dizendo que ao mun­
do o amor é necessário, mas que também j á exis­
te em abundância e nem é precisso que outros lhe
estimulem a cultura. Fàcilmente, isso se inten­
tando, desperta-se onde não precisa existir ain­
da. Há outros sentimentos de que o mundo pre­
cisa igualmente, e que um escritor deve procurar
despertar, com vivo empenho e com todos os re­
cursos de sua pena : a comiseração, a caridade,
a mansidão, a clemência, a abnegação. Oh ! disto
não há fartura! Glória a quem os cultivar ! Mas
o amor, em geral, existe 600 vezes maior do que é
necessário para a conservação da nossa ilustre
esp é cie. Acho imprudência cultivá-lo, alimentá-lo
por escrito s : estou convencido de que não entre­
garei ao p apel as mais belas inspirações que so­
bre este tema possa ainda ter qualquer dia. Pois
tenho certeza de uma coisa: se o fizesse, me ar­
rependeria mais tarde"
Que pena ficar a voz de Manzoni tão esque­
cida no meio dos bardos de um sentimento, do
qual há excesso prej udicial e mesmo precoce ! Por
aí pode a leitora tirar uma conclusão prática p a­
ra a sua vida. Qual ? A de cultivar, primeiro, ou­
tros sentimentos que podem fazer a moldura e o
fundo azul para o amor, quando soar a hora de
amar como cristã e irmã das virgens e mártires
de eras remotas e gloriosas.

1. Só amizade?
De coração bem sensível e generoso costuma
ser toda moça bem formada. Dentro do peito o
1-{uarda, dele reparte afeições, como quem de uma

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barra de ouro cunha moedas. Assim ap arecem
as moedinhas das amizades. Amizades com outras
moças, companheiras de colégio, de trabalho.
Amizades com rap azes, parentes ou admiradores
conhecidos desde a infância ou aceitos após a
primeira impressão.
Algumas j á perderam até o número dos ami­
gos. São tantos ! Alguns elas se escolheram e os re­
servaram para si. A outros aceitaram como per­
tencentes às amiguinhas. Soma feita de tudo, não
lhes cabem as moedas no áureo cofre do coração.
Mas escuta uma coisa, leitora. A moedinha
" amigo" tem ares de ser falsa. Foi cunhada, hoj e
circula de mão e m mão como legítima . Sê-lo-á
na realidade ? Há gent e sisuda que em tal ami­
zade vê, se não o sinônimo, ao menos o começo
de um outro sentimento. Descobre no eufemismo
um prelúdio sinf ônico do amor. Entre rapaz e
moça dificilmente pode haver uma simples e mera
amizade. Exceção é feita somente em casos es­
peciais e raros, quando eles se conhecem desde
crianças, não podem nem pensam em casar-se. J á
tentaram suas experiências rapazes e moças bem
intencionados. Queriam apenas a fragrância d e
lírios, a facilidade de uma mútua compreensão
que os a j udasse na vida. Mas tiveram de de­
sistir diante das urtigas da afeição sensual que
lhes invadiu o j ardim. A mais equivocada no
caso é sempre a moça. CompreendE!-se. Pois nela
a tendência natural vive mais calada, enquanto a
inclinação da alma entoa seus hinos ao cavalheiro
desconhecido. Por isso não percebe nem entende a
diferença desse sentimento no rapaz, no qual a na­
tureza tem outra voz e canta em outra tonalidade.
Com muita graça observa um escritor que, na geo-

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grafia dos sentimentos, essas duas reg10es, "amor
e amizade'', não têm limites precisos, múxime na
mocidade. E a leitora quererá ter uma questão de
limites dentro do coração ?
Um outro acha que, sendo a senhorita dona
ainda de todos os seus dentes, fàcilmente poderú
picar a alma do rapaz. O melhor é desconfiar d a
moedinha . . .

5. Mas que censura!


Fino observador assevera uma coisa, para
cuj a citação peço licença à leitora. Ei-l a : "Anda­
mos desacostumados de admirar as mulheres pelos
dotes do espírito, dotes que se nos assemelham
um fenômeno, diante dos quais não podemos
ficar indiferentes. Porque a verdade, a triste ver­
dade é que a imensa maioria delas só há para
louvar a beleza - e essa mesma tão artificial,
tão postiç à , tão complexa de cremes e de pinturas,
que fora mais j usto elogiar o artista do que a
obra de arte".
Não creio que te zangues com a observação
do escritor. Concordarás, sem dúvida, lembrando­
te de uma s quantas amiguinhas ou conhecidas que,
infelizmente, se encarregam de dar razão a se­
melhante crítica. Mas eu gostaria que fizesses a
ti mesma uma pergunta pertin az. Também eu
dou mais valor ao exterior do que ao interior d e
minha pesso a ? cuido mais do q u e aparece e des-·
cuido do invisível ? sou das que querem viver para
dentro de si, ou me p erco em dissipação estéril
e ilusóri a ?
Lembro-me ainda quando certa moça d e culto
espírito ap areceu numa roda, onde até então pre­
valeceram moças enfeitadas e apenas elegantes.

Audi filia - 6 81
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Pôs todas as outras numa sombra, muito embora
seus dotes físicos não fossem mais do que me­
díocres. Dá-se com a virtude o mesmo que se p as­
sa com o espírito. Coração virtuoso anda sempre
de cetro e coroa, a v assalando outros que apenas
são bons por mero dote da natureza e influência
do meio.
Sê, antes de tudo, boa e virtuosa, leitora. Serás
livro de muita s páginas ricas em emoções para o
coração de quem te conhecer, de quem te amar.

6. Formável, deformável, transformável


Esses obj etivos valem por um programa quan­
do aplicados ao coração. Diante de semelhante
programa não pode haver indiferença por parte
da j ovem cristã.
Teu coração é formável. - Da pedra tira-se
até uma flor. As catedrais góticas osten tam-nas
em quantidade. Da m a d e i ra faz.se o arabesco mais
curioso que c a p richosamc n lc se i magina uma fan­
tasia de a r t i s t a . E l a m l H'.:m u cora1Jio amolda-se_ às
expressões 11uc lhe dão a p a i x ão, a fé, a vida cris­
tã, a vida pagã. Há nele base para expressões de
santos, de criminosos, de heróis, de cobardes. Não
há quem não lhe note a mudança para melhor,
quando em melhorá-lo se empenha com p aciên­
cia, com método, com os devidos recursos. Muita
moça j á mudou seu coração. Eva Lavalliere, "a
mulher mais feliz do mundo" - atriz de fama,
de talento, de riqueza, de beleza - formou seu
,
coração para outros e ntusiasmos. Não digas, lei­
tora, que tens um coração . . . assim, assim. Pois
poderá mudar-lhe as expressões e até o ritmo,
na j ornada p ara o bem.
Teu coração é deformável. - Isso, agora, j á

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é coisa bem triste, e mais ainda : é uma dolorosa
e aflitiva ameaça. Há tantas histórias de cora­
ções que se deformaram, e todas tão cheias de
luto, de lágrimas ! Judas Iscariotes - eis aí um
coração que se deformou. Do puro entusiasmo
pelo Mestre, foi descendo os degraus da miséria,
até ao amor pelo dinheiro. Quem sabe, em dias
que j á se foram, notavas nobreza, pureza e devo­
tamento dentro do teu coração. E hoj e ? Não es­
tará mudado o semblante de tua alma ?
Teu coração é transformável. - E nisso vai
um doce consolo p ara todos. Não há confirmação
no mal p ara o coração de quem vive. Assim não
h á também lugar para o desespero de quem luta
e não vê os louros da vitória. Achaste muita
feição de miséria, de egoísmo, de insensibilidade
no teu coração ? Diante de tal realidade repete-te
sempre que o coração é transformável. Se antes
era como deserto, torna-se j ardim florido, de fon­
tes borbulhantes, de fragrâncias convidativas, se
a graça de Deus o toca, se tua cooperação e tra­
balho com ela trabalham.
Tudo que transforma para melhor teu coração
sej a-te, pois, benvindo. Dor, humilhação, injusti­
ça, ingratidão, orfandade - Deus as manej a como
artista da "expressão"

7. Dirás a mesma coisa?


Dentro do meu p eito tenho três corações : um
de fogo p ara D eus, outro de carne para meu pró­
ximo, outro de bronze p ara mim - dizia Vicente
Fcrrer, santo e apostólico missionário.
Vamos lá, j ovem cristã, de falo há também em
leu peito alguma coisa de fogo, de carne, de bron­
ze. Mas será na ordem citada pelo santo ? E' bem

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possível que o mundo tenha as labaredas de teu
coração, teus caprichos e vontades tenham suas
compaixões e o próximo fique com o duro bronze
d a indiferença, do egoísmo cruel, do ódio e d a
vingança.
Tanta cristã é vagarosa em se aquecer pelas
coisas de Deus, ou tão teimosa em ficar tíbia
diante dos convites divinos. Se de fato tivesse
um coração em chamas por Deus, iria inegàvel­
mente receber o braseiro de amor que é Deus n a
hóstia consagrada.
Almas suaves para consigo - eis como o Es­
pírito Santo chama as criaturas que fogem dos
sacrifícios onde quer ' que os encontrem, mesmo
n a sombra do dever de cada dia. Entretanto, esse
coração de carne, senhorita, o deves empregar n a s
relações c o m o próximo, que reclama tua benevo­
lência e teu perdã o ; que abusa da tua paciência,
que exige heroísmo de tua p a rte, com uma sem­
cerimônia alarmante. P a r a teus caprichos e "sua­
vidades" hús ele contar com o coração de bronze .
Nada de ter mu i la pen a de ti mesma, n a d a de
enternecer teu corncii o dian te d e algum sacrifí­
cio, nada de lhe lembrar sofrimentos passados,
ingratidõcs suportadas, amizades traídas.
E nota-te uma coisa : esse coração de carne, es­
se coração b e névolo e compassivo p ara com o pró­
ximo, é um sol fecundo na sociedade. Pois toda
ação compassiva conduz a outra. Um só ato des­
se gênero deita raízes em toda parte e das raí­
zes brotam novas plantinhas. Um só ato benigno
não morre, mas estende as ondas invisíveis de
sua influência através de séculos.
Tendo no coração fogo p ara Deus, carne p ara
o próximo e bronze p ara ti mesma, serás feliz

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e farás felizes a inúmeros seres. E a felicidade,
o contentamento interno é a atmosfera n a qual
se fazem grandes coisas por Deus.

IX
1. Eis a vida . . .
seguir umas quiméreas vagas ;
lançando a mão em sangue aos cardos e aos espinhos;
rolar no p ó ; gemer; deixar pelos caminhos
mil farrapos de carne e o sangue de mil chagas.
(Amadeu Amaral)

Mas não será p éssimismo falar em tanto san­


gue, em tantos espinhos e cardos ? Naturalmente
muita leitora dará razão aos versos acima. E
oxalá não o fizesse, só porque vende por muito
pouco a felicidade. Pois fá-la depender de uma
chuva, de um baile, de um encontro, de uma ami­
z ade fingida, do corte de um vestido, do feitio de
um chapéu.
Se de fato teve "de sorver o horrendo fel que
anda em todos os vinhos", nem por isso surpre­
endida se deve mostrar. Já o Mestre da vida lhe
falou de uma via-crucis, pela qual ele caminha
sereno, resignado e feliz. Já a mãe de sua alma,
a poética lgrej a, lhe mandou rezar a Salve, Rai­
nha. E que termos lhe p ôs nos lábios ? Filhos de
Eva, desterrados, gemendo e chorando neste vale
de l ágrimas.
Se nossa leitora não aprendeu a encarar a vida
como uma surpresa, até de sofrimentos, é pagã
nns idéias. Se não aprendeu a tirar doce sabor do
sofrer, é ainda noviça n a fé.
Nada de queixumes de impropérios, de revol­
tns contra a vida, prezada leitora. Na mocidade
{• clu um mimoso presente de Deus, uma cintilante

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J oia, um rico tesouro. Trata-se somente de en­
gastar essa j óia, de escondê-la num cofre, de
a d aptá-la ao meio. As chagas que Deus abre na
vida cicatrizam depressa ou cessam de pungir.
"Eu chego a pensar q�e Deus se esqueceu de
mim, porque sou feliz em tudo e na<la tenho
para sofrer", dizia-nos esclarecida j ovem. Pela
manhã, o sol se anuncia pela púrpura de seu b er­
ço no horizonte. Pela tarde, fala-nos de seu p alá­
cio por rubra rosa que desfolha sobre as monta­
nhas. E na vida, Deus fala da sua presença quan­
do o sangue do sofrimento tinge nossos caminhos.

2. Eu não esperava por isso !


Quem anda a semear ventos pela vida, tempes­
tades, por força, há de colher. Mas aqui ouço a
queixa de mais de uma j ovem :
Mas eu nunca semeei, na minha lida,
s enão aquilo que em meu ser está:
um pouco de piedade comovida,
sem tentação que fosse má;
Rudes torm entas vieram dar comigo,
no entanto, uma após outra, nas estradas
crmo.s, por onde silenciosa vim . . . (A. Amaral)

Tua queixa não altera o princípio, citado até


por São Paulo : Cada um colherá de acordo com
o que semear. Em geral, o nosso próximo só nos
dá aquilo que de antemão lhe havemos dado. E'
ele como o eco : responde à nossa própria voz.
A p alavra bondade, carinho, devotamento, vem
ao nosso ouvido, surge em nossa vida, à medida
que a vamos "gritando" ao ouvido, ao coração
do p róximo. Se não colhes p aciência, afabilida­
de, boas maneiras, olhares amigos, discrições be­
n évolas, é porque não as pronunciaste em tua vi­
da pelos modos de teu agir e proceder. A vida

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nunca sonega aquilo que, antes, nós mesmos lhe
não havemos negado.
Entretanto é bem possível que contigo se dê
coisa semelhante à do poeta : colheram-te tormen­
tas, quando apenas semeaste brisas. O primeiro
que colhe tormentas é o próprio Deus. E quantas
j á não vieram de tua vida !
Há pelo mundo afora uma nefanda seara de
tormentas, para a qual, dia por dia, cada um de
nós vai con tribuindo. Há até heranças nesse pon­
to. lngratidões sobej am, que vão p assando de ge­
ração para geração.
Por que então te queixas que "as outras são
ingratas" ? Por que não queres esquecer a ine­
gável ingratidão com que se pagou a "tua como­
vida bondade" ?
Não contando nem esperando por demais com
a precária gratidão humana, terás menores com­
pensações para teu amor próprio, e mais pura se­
rá tua intenção no semeares a bondade sem deva­
neios com possíveis colheitas . . .

3. Justificando leituras . . .
Leio para conhecer a vida. - No p araíso Eva
seguiu o mesmo princípio : queria conhecer o
bem e o mal, ao pé da árvore da vida. E perdeu­
se. Teu livro, leitora, é talvez outra árvore d a
ciência d o b e m e d o m a l . Mas tão somente para
te abrir os olhos, com os quais verificarás que não
(� i nocente. Conhecer a vida é conhecer as suas
leis básicas. E uma delas afirma que ninguém po­
de contar consigo nas horas difíceis. Da leitura p o­
d c rú soar uma hora dificílima para ti, e, nesse
ewm, que farás ?

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Mais: a vida não é uma paisagem, um tabu­
leiro onde os homens se movem com seus pen­
samentos, desej os e atos. E' uma realidade com­
plexa que tem suas meadas ligadas a um outro
mundo, invisível por enquanto. Tem duas faces:
a do temp o e a da eternidade. De acordo com
a convicção sobre este princípio, sairá a respos­
ta do interrogado autor dos livros que lês.
A leitura não me prejudica. - Tenho para
mim que é temerária essa afirmação. De que tro­
féus é dona a leitora, para garantir que está
"blindada" contra o fogo das paixões e de encan­
tos de um livro ? Onde pesou a força das suas
reservas morais ? Só o soldado que volta do fogo
pode saber se é de fato coraj oso.
E' verdade que até com o veneno o organismo
se costuma, pelo menos em doses pequenas. Lon­
ge de mim, porém, supor que tu sej as do número
das insensíveis ao veneno, por vício j á antigo de
tomá-lo em leituras prej udiciais.
Além disso, vale aqui a frase de Gillet : uma
j ovem nunca lê rnn romance sem ao mesmo
tempo vivê-lo. Essa facil idade em sentir as emo­
ções alheias é que conslilui o perigo dos romances,
dos livros insi n u a n tes,_ nas mãos de uma moça.
Tudo isso n ão proíhe por completo a leitura.
Previne apenas, para que não se tomem muito
a fácil certas verdades, nem se lhes enfraqueça
a força de princípio. Urge que a moça sej a boa
observadora de si mesma, e sempre sincera reve­
ladora dos flagrantes erri que se surpreende ao
ler as p áginas de uma ficção, ou de uma crua
realidade, imprópria para a delicadeza d e sua
idade e frescor de seus sentimentos.

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4. Bênção roubada . . .
Aproveitando-se da cegueira do pai, roubou­
lhe J acob a bênção, seguindo à risca os conselhos
que lhe dera a mãe. Era, portanto, dono de uma ri­
quíssima bênção, à qual os carinhos d a Providên­
cia preparavam dias de ventura.
Foi feliz ? Sofreu menos na vid a ? Não ; essa
lhe deu golpes formidáveis. Colocou-lhe diante dos
olhos o ódio do irmão mais velho, encheu-lhe os
ouvidos com o pranto de Raquel, enlutou-lhe a
velhice com a túnica ensanguentada do filho ido­
latrado, José. Por fim, ao menos para prová-lo,
arrancou-lhe do lado Benj amim.
Convém que a leitora se note esse conexo dos
fatos. Assim não se inscreverá entre as que rou­
bam bênçãos maternas e paternas, por meio de
falsos carinhos, de falazes promessas, de fingidas
atitudes. As desobediências ocultas, as companhias
que põem em sobressalto o coração materno, tudo
isso pode ser esquecido pela filha que ilude e
obtém uma bênção. Mas será bênção semelhante
à semente caída sobre . . . pedra. Não medra.
Há outras moças que experimentam roubar a
bênção de Deus. São a s que praticam uma tal
qual vida piedosa. De manhã, vão à comunhão,
de dia, às companhias, de noite, ao divertimen­
tos e mundanismos perigosos. São partidárias de
modas e extravagâncias, de leituras e de princí­
pios liberais, mas ao mesmo tempo não dispen­
sam a bênção de Deus. Até na confissão pouco
sincera, pouco eficaz no propósito, vão buscar
a graça de Deus. Com ela se retiram, ao menos
na aparência. Mas é bênção roubada. Por quê ?
Porque o exterior, as a parências são de uma cria­
tura, quando a voz é d e outra.

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- As mãos são de Esaú, mas a voz é de J a1cob,
observou o cego Isaac antes de abençoar ao filho
que o iludia. Entretanto, Deus não se deixa ilu­
dir, nem tão pouco lhe leva a b ênção quem pro­
cura a falsida·d e.
Sobre tua mãe, j ovem leitora, uma coisa é
certa : quando a vires morta diante de ti, hás de
te lembrar das bênçãos furtadas a seu bondoso e
ingénuo coração. Sentirás desej o de acordá-la, de
lhe falar a verdade sobre teus carinhos . Será
tarde demais para semelhante confissão e emen­
da. Emenda-te agora ; não lhe roubes bênçãos de
coração iludido. Dize-me : tens merecido as que
j á te foram dadas?

5. Descrenças inúteis e injustas


Marinheiro que vai ao mar não estranha as
tormentas. Nem conta sempre com manhãs lumi­
nosas e calmas. Sabe enfrentar as primeiras e
agradecer as �egundas.
Pelos m ares da viela velej am moças que só
querem munhãs quentes e promissoras. Enume­
ram, como pontos ele escala para seus corações, re­
mansosos portos de amizades hospitaleiras. Mas
surpreende-as a tempestade, quebra-lhes o leme a
tormenta, prepara-lhes arrecifes a enseada de mui­
ta amizade. E então ei-las descrentes dos homens '
e de Deus. Já não admite ouro e diamantes no
cascalho e na canga da miséria humana.
Acertado seria se chorassem por causa do rom­
pimento de uma amizade, por motivo de traição
1 ) Uma leitora afirma que "sabe muito bem o que são
os homens", para querê-los ainda. Confundiu- os homens com
"o homem". E por fim achou que o autor protegia . . . a classe
unida. Declaro-me inocente no caso.

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de uma alma fraca ou má. Mas esse choro há de
ser como o choro diante de uma beleza mutilada.
Todos nós choramos diante dela, sem contudo des­
crermos do ideal da beleza, que ainda nos pode
surpreender com esplêndidas indenizações. E' às
vezes sobre a ruína de seu coração que a vida re­
ergue mais tarde uma ventura sólida e durável.
De outro lado urge meditar no seguinte : A
fonte da infidelidade em nossa vida é o lado hu­
mano que nela trazemos. Quanto mais "divini­
zar-se" nossa vida, quanto mais unida estiver a
Deus e mais p autada ipelos princípios do Evan­
gelho, menores lhe serão as desilusões, menos vio­
lentas lhes serão as tormentas.
Por que, enfim, te sentes bem, leitora, ao lado
de uma alma verdadeiramente virtuosa ? E' por­
que sabes que nela predomina o lado divino, a
face luminosa de nossa vida de cristãos.
Por isso, buscar amigas e confidentes no mun­
do fútil dos salões, dos footings, das soirées e ve­
raneios, é estender as velas para caçar vendavais.
Enquanto nesse quadrante uivam todas as tormen­
tas, há serenos espelhos pela face de outros ma­
res. Em vez de descrer dos homens, procura a
cristã prudente outros céus e outras terras em que
cintilam estrelas e viçam mimosas flores de co­
rações amigos.
6. Estás de mal com a vida?
A vida é um "bluff" Assim estava escrito num
papel cor de rosa de perfumada carta. Oxalá o
caráter da senhorita, que a escreveu, fosse firme
como o talhe de sua letra !
Como esta, muitas moças acusam a vida. Cha­
mam-na de falsa, de fingida, de fileira. Dizem que

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ela não passa de um logro, que o melhor é mor­
rer logo . . . Entretanto, não faz tempo, essas mo­
ças andavam de braço dado com a vidinha de seus
18 anos. E riam - elas e a vida - como boas
amigas ; diziam-se até gracinhas. Gente séria in­
comodava-se com a algazarra desse "pessoal".
E tu, leitora, não a chamaste <tb criatura neu­
rastênica ? Disseram-te amigas que a vida era uma
luta, urna preparação para o futuro temporal e
eterno. Mas tu inventaste um nome mais bonito
p ara essa amiguinha : que era um feitiço, uma
dança, uma alegria, uma lenda, uma surpresa
diária, um romance . . . E agora ?
Novamente exageras. A vida nii.o te pregou
mentira alguma. Tu, sim, te enganaste. Nela não
houve engano, mas houve e rro no teu procedi­
mento. Pediste-lhe o qu e niío poc l i n te dar e por
isso recebeste um não cnlc!-(úrico. Entretanto é
de ou t r a form a q u e d c v c·s fazer a pergunta e as­
sin alar 11 csperniH,'.11 .
D ize-mc : E' con formar-se com
n v i d a q u e d e ve
t eu s dcsc,i os, 011 que com ela hão de
são esses
combinar ? E' a vida que seguirá tuas ilusões, tuas
inexperiências, ou és tu quem precisa seguir-lhe
as leis e máximas e esperar por seus frutos?
Dizia o Mestre amado que em espinhos não se
colhem figos, nem em urtigas se procuram uvas.
E a inteligente leitora foi tão ingênua, que nos
espinheiros, nas urtigas da vida, procurou por sa­
horosos figos e doces uvas ! Mas por que ralhar
com a urtiga, em nada aparentada com a videira ?
Por que ficar de mal com a vida, que em tudo se­
gue as normas de Deus, que produz os frutos cor­
respondentes ao clima e solo deste mundo, que
j á não é o paraíso de outrora ?

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Vamos, faze as pazes com a vida e não te mos­
tres emburrada com ela, com os dias que a com­
põem nos numerosos anos.

7. Felicidade de cada dia e de cada hora . . .


- Fiel ? E' nome de cachorro. Assim pretendeu
um poeta ridicularizar a fidelidade. Enganou-se ;
foi pessimista de mau gosto e provàvelmente não
soube ser fiel em sua vida. A leitora não deixe de
crer na fidelidàde. Ela existe por aí, em coisas
grandes e nas bagatelas sem importância. Anda
pelo mundo até sob os trajes da pobreza, do aban­
dono, sob os olhares de gente simples, mas boa.
O que mais importa é a fidelidade em coisas
pequenas, em nonadas, digamos. Seria erro des­
prezá-la, quando se assemelha às pequenas palhe­
tas de ouro carreadas pela torrente da vida.
E' virtude que tem os ares de nada, ares de
criança sonhadora, mas é ao mesmo tempo título
de grandeza na hora da recompensa. "Vem, servo
fiel, entra na paz de teu Senhor ! "
J á pensaste bem n o que vem a ser a fidelida­
de ? E' o dom do coração humano a uma tarefa, a
um amor, a um ideal, mas um dom estável,
definitivo.
E' a dádiva e a perseverança. Dar-se é fácil.
Há horas que o facilitam, o convidam, o recebem
sob flores e carícias. Há entusiasmos que o impõem
e o festej am ao som de fanfarras e clarins. Há
exemplos que o arrastam e fascinam. Mas per­
severar na dádiva - eis a fidelidade.
Murchas estão as flores, mudos os clarins, dis­
tantes as carícias, desfeitos os arcos de triunfo
- e ainda continuas a ser a mesma na entrega

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do coração, da alma, da dádiva de ti mesma ? En­
tão és fiel, fiel como essas estrelinhas de Deus
que, vistas ou não, aparecem n a nesga de céu
que o Senhor lhes destinou.
E' grande e bela virtude essa fidelidade a um
dever que não escolheste, apesar de nascidas sim­
p atias por um outro. Não é grande o soldado
que enfrenta mudo e heróico o perigo, no ponto
em que o colocarem ? Escuta, moça cristã : Deus
te colocou em pequenas t rincheiras ( que são os
dias e suas obrigações ) e espera que sustentes o
fogo das obrigações de teu estado, que sej as fiel
nessa guerrilha de cada dia. Se deixares a posi­
ção, nela não te encontrará a glória, quando pas­
sar revista às almas fiéis. Dize-me : estás agora
na tua posição de alma fiel ?
X
1. O -poço é fundo . . .
Que sede sentem as criaturas, sequiosas da
fonte da felici dade e v en t u r a 1
Não és, por sinal,
daquelas q u e quere m viver de si mesmas, bebendo
em fonte pró p ri a 't Ne sse caso, leitora, não sà­
mente co n s e g u i rá s embriagar-te com as águas do
amor próprio ou com elas te envenenarás.
Há moças que imitam a samaritana e saem
para fora de casa, pelo mundo e por suas praças
em demanda de alguma ·fonte que lhes sacie a
sede. De cântaro na mão, entram nos salões, en­
tregam-se às viagens, aos passeios, às visitas, às
amizades. Aguas turvas e salobras, porém, é o
que conseguem retirar desses poços. Entretanto,
j unto à fonte· está sentado o Mestre que conver­
teu e ainda converte a samaritana de Siquém e
suas irmãs de hoj e.

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- O poço é fundo - observou a samaritana a
nosso Senhor. Diga-se o mesmo de todos os poços
que o mundo oferece. E' preciso cavar muito, de­
sentufüar muita terra para dar com pobre veio de
água. Quanto tem de cavar o avarento para encon­
trar "a água" que lhe desaltere a sede de ouro !
Quanto se esforça e cansa a vaidosa para chegar
às águas de um triunfo efêmero ! . . O poço é fun­
.

do . . E há rixas e contendas por causa <le suas


.

águas. Pois são tantas as sama:ritanas que vão de


cântaro ao ombro retirá-las de poços tão fundos !
De tudo isso j á fizeste talvez dolorosa expe­
riência, leitora, ou então em outras amiguinhas
observaste a verdade enunciada pela samaritana :
O poço é fundo . . . Ainda mais. As águas - ale­
grias, prazeres, divertimentos, satisfações dos sen­
tidos e do mundo - do poço são também pouco po­
táveis para a nobreza e dignidade da alma huma­
na. "Deste poço bebeu Jacob e seus filhos e seus
rebanhos" Aí está ; também os irracionas podem,
em rebanhos, saciar sua sede nessas águas.
Para ser feliz, sem o tormento da sede, é ne­
cessária a presença do Ser dos seres que vivem,
que conhecem e que amam, :isto é, Deus. Ah ! lei­
tora, se conhecesses também tu o dom de Deus ! . . .

2. Que fica para Ele?


De cálculos vive o mundo cheio. Mas nem to­
dos podem servir de incitamento para o bem. Cer­
tamente a leitora cristã tirará conclusões salutares
da seguinte observação. Calculou uma revista cien­
tífica que, em vivendo o homem 70 anos, consagra
3 anos à instrução 3 anos à toilette
8 anos às distrações 6 anos às refeições

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5 anos às idas e vindas 6 anos às leituras
3 anos às p alestras
24 anos ao sono . E' tudo. Onde fica, porém,
o tempo consagrado ao dono da vida, a Deus ?
E' verdade, tudo que se ffiz com pura intenção,
pode tornar-se elevação da alma a Deus, suposto
que se viva na graça santificante.
Mas isto não basta. Deus tem direito a momen­
tos que oficialmente lhe são consagrados. Por
exemplo, os minutos da missa aos domingos e dias
santos lhe pertencem e n ão lhe podem ser rou­
bados. Os instantes reservados aos a los dn cul­
to, da oração, igualmente caem sob esta lei. A
quantos anos j á sobe o tempo que a leitora de­
dicou a Deus ? Somando todos os instantes que
j á tens entregue à oração da manhã e da noite,
aos terços, às visitas ao SS. Sacramento, às missas
e comunhões, etc., alcançarias tu um elevado
número de anos, ou caberia tudo dentro de uma
sem an a ?
Faltar a esse serviço é faltar à finalidade da
vida. Vida assim é inversão da ordem, é como as­
tro fora de sua órbita. Vida só com folhas e flores
é figueira que Deus amaldiçoa porque, ao pro­
curar-lhe os frutos não os encontrou.
Não digas : Mais tarde servirei a Deus. O fu­
turo é incerto e não te pertence ; o presente é a
única moeda que tens no áureo cofre de um co­
ração devotado. Por isso, desde j á cuida em
seres "uma serva de Deus".

3. Concordas com tal desejo?


Como uma criança que colhesse flores,
numa sombria e trágica floresta . . .
assim Deus te conserve na :vida (A. Amaral) .

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Hás de viver no mundo e lidar com ele. Será
preferível colher flores nessa floresta tão sombria,
vivendo uma contínua ingenuidade e simplici­
dade, que não crê na malícia humana, nem conta
com a corrupção das coisas ? Ou melhor ficarú a
desconfiança, a atenção, a prudência da serpente
diante de princípios e fatos da sociedade ?
Tenho para mim que é mais acertado estar
convicto de que o mundo só tem uma definição :
corrompe e quer ser corrompido. Por isso não
convém acariciar sonhos sobre um mundo aonde
não vão as penas, as cobardias, as misérias e cor­
rupções humanas. Dirá a senhorita que na sua
idade é melhor ter uma ilusão e por ela viver
embalada. Ao que respondo com o poeta :
Uma ilusão ?
Antes vê-la fugir como uma luz perdida,
que possuí-la na mão como um pouco de lama.

E' necessário que a cristã acredite ser o mun­


do uma paisagem que, vista de longe, encanta, e
que, de perto, enj oa. Acresce uma circunstância :
a fé atira luzes intensas sobre a terra e as cria­
turas. O Evangelho fala claramente nos que são do
mundo, nas incompreensões do mundo. O mais cer­
to é, portanto, contar com as misérias do mundo.
Não digo que a j ovem mereça parabéns por havê­
las experimentado. Deixe à Providência a dose de
dissabores que há de sorver nesse dourado cálice
dos encantos do mundo. Mas ao menos creia nos
que j á lhe sentiram o travo, j á lhe receberam os
golpes, j á lhe notaram as ciladas. Ingenuidades de
criança, que busca flores de ventura numa trágica
floresta, pode servir apenas como bela figura.
Errado seria, por outro lado, pretender a moça
ler tudo, ouvir tudo, conhecer tudo, para ficar

-
Audi filia 7 97
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ciente mun do e contra ela se pre­
da ruindade do
caver.Esquece um a verdade : nossa vontade nem
sempre acompanlta as in tu içõ es da inteligência.
Podemos conhecer o mal e continuar quere ndo e
amando es se mal.

4. Dedinho queimado
São Francisco de Sales saiu-se com tal expres­
s ão ,ao responder às l amúrias de certa pessoa ví­
tima de uma inj ustiça. Achou que ela não devia
fazer tanto barulho, tanta gritaria, a exemplo das
crianças que só se aquietam quando a mamãe
assopra o de dinho queimado".
"

Muitas senhoritas parece que têm dedinhos


queima do s Só vend o as com os ares de vítimas, com
. -

os semblantes de quem cspcrn a tortura ! Mostram-se


inconsoláveis, repetem seus sofrimentos, declamam­
nos em prosa e Vl'J'so. E' o berreiro da criança que
queimou o dcdinho. Estão elas à espera de algum
que se desmnncl w t•m compaixão, em reparações,
cm recon hl'cimcn lo da dor. Só então .cessa o pranto.
O pior é c1ue por qualquer coisa tais criaturas
se queimam. O simples olhar mais severo do pai
ou da mãe j á lhes é brasa no dedo. A mera p ala­
vra quente de impaciência ou de ligeira irritação,
pronunciada por alguma pessoa de casa ou de ami­
zade, é chama incendiária. Ora, não fica bem a
uma cristã, "confirmada" para sofrer e se encon­
trar com a cruz, ter ares de delicada, de inconsolá­
vel sofredora. Para tal não ser, deveria pertencer
a outro mundo que não o nosso. Deveria trazer um
outro nome, em vez do que traz como discípula do
Crucificado.
Além disso, a leitora não ignora uma impor-

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tantíssima circunstâcia no caso. Os tais dedinhos
queimados - sofrimentos pequenos e frequen­
tes - servem-lhe muitíssimo para as j ornadas
de apóstola. Acreditam-na no céu j unto ao te­
souro das graças, purificam-lhe a intenção, ex­
piam-lhe as faltas e oferecem energias para a
alma que se vê trabalhada para se converter.
Tenho até receio que as páginas deste livro
haj am queimado algum dedo que por elas passou.
Mas então reconheça a vítima que sua pele é por
demais sensível e muito a impedirá na ascensão
do Calvário da vida, sem o qual não amanhece o
dia da gloriosa ressurreição.
5. Assi m procedem na família
Na família tudo é contagioso. Das moléstias j á
o sabes, sem dúvida. Passa fàcilmente de uma pa­
ra outra pessoa em casa. Mas diga-me o mesmo dos
estados da alma. Contagiam muito e ràpidamente.
Nervosia, mau humor, manhas e caprichos com
encantadora facilidade aninham-se nas várias cria­
turas que formam a casa. Se de manhã a irmãzi­
nha amanhece emburrada, não tarda a mesma ex­
pressão de malcriação no rosto e nas atitudes dos
outros. Se a mãe levanta-se nervosa, se a filha dá
para gritar naquele dia, horas depois do apareci­
mento de tudo isso j á se notam gritos e nervos
por todos os cantos. O fecho do tempo é claro e
ameaçador.
Tenha por isso a moça por lei não dar largas
a seus sentimentos anti-sociais. Coíba o mau hu­
mor, abafe as explosões de nervos, não apregoe
o que lhe dói. Do contrário, a casa . . . é de loucos.
Não deixa de ser um fato curiosíssll:no a pose
que se tem fora de casa. Vistas em reuniões, pa-

99
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recem encarnações de bondade, de delicadeza,
muitas moças que, na realidade, nada disso pos­
suem. Diante de estranhos sabem dominar-se.
Mas em casa são sombrias, entregam-se a movi­
mentos de mau humor, respondem, gritam, dis­
cutem, regateiam sacrifícios, desentendem, nada
"adivinham". Nenhum esforço j á empregaram
para serem amáveis e encantadoras.
Que esquisita aberração essa, de reservar to­
dos os encantos para desconhecidos ou especta­
dores e de guardar para os de casa todos os de­
feitos do caráter !
Mas não é difícil encontrar o motivo. E' in­
vencionice do amor próprio o tomar belas rou­
pagens e sedas, quando estranhos nos observam.
Desej amos ser vistos pelo lado luminoso da vida.
Queremos deslumbrar os observadores, o que j á
não nos p reocupa em casa. Na família é-nos im­
possível fazer uma tão bela figura. Ninguém aplau­
dirá nossa habilidade de comediante. Lá dirão
pelo nome os defeitos que temos, as ilusões que
nutrimos. Daí então esse descuido de tanta mo­
ça, que só quer ser vista e aplaudida quando está
enganando a humanidade incauta. - Assim não
farás, leitora. O melhor de teu coração, os en­
cantos da virtude, pertencem, antes de tudo, aos
teus . . .

6. Pesando as responsabilidades . . .

Há quem diga em versos :


Tem alicerces de areia:
o que constróis cada dia;
vida que corres tão cheia,
para a morte tão vazia . . .

100
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Aí está, leitora: não podes construir sobre areia,
levando uma vida de mil futilidades e cuidados
que nada têm que ver com "o único necessário".
Por isso j á agora, com flóridas prima veras, tens
de construir para o futuro. Pois muitas vezes n
vida toda se prende à senda trilhada na moci­
dade. Colheitas de ventura ou de tristezas têm
suas sementeiras nessas horas que parecem en­
feitadas, cada qual com flores mais garridas.
Não pretendas figurar entre as moças que tão
sàmente querem divertir-se na mocidade, contan­
do com a seriedade para os dias de amanhã. Com
flertes, danças e frivolidades atrevem-se a frequen­
tar "o curso preparatório" para a vida. Preten­
dem saber amanhã o que hoj e não estudaram.
Contam com improvisações de caráter, de renún­
cia, de sacrifício, quando hoj e nadam à mercê de
todas as correntes. E estão certas de que serão
esposas fiéis, castas, devotadas, vivendo por en­
quanto como j ovens egoístas, levianas, sensuais...
Alicerces de areia . . . vida vazia.
Não ; respeita em ti o que serás amanhã. Res­
peita o amor, o casamento, a maternidade, a vida
religiosa, o estado livre. Curva-te respeitosa diante
da vida, tal como Deus a fez com as suas gran­
dezas, suas funções, seus mistérios.
A entrada do coração de toda j ovem seriamen­
te cristã há de estar um querubim com flamej an­
te espada para afugentar o mal que entra por meio
de voluntária e pequenas cobardias, vilanias,
impurezas, pensamentos de orgulho e de egoís­
mo. Os pais costumam ter filhos que se parecem
com seus próprios e mais secretos pensamentos
- afirmou célebre moralista. Amanhã terás de
formar consciências e corações, almas e caracte-

101
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res, leitora. Misteriosamente os seres nascidos de
ti retirarão o que tens de melhor ou de pior.
A j ovem que hoje luta contra seus defeitos, que
escalar a senda do ideal, está acumulando energias
para as vontades que dependerem da sua no futuro.
Ninguém quer a morte do riso, do contenta­
mento, ida alegria na vida da moça. Mas que ao
lado disso haja um programa baseado no prin­
cípio : A mocidade não foi criada para o prazer,
mas para o . . h eroísmo.
A moça muitas vezes atira-se loucamente às
diversões, porque não lhe "confiam" alguma coi­
sa grande, cheia de responsabilidades. Por isso,
toma tua vida - urna repleta de responsabilida­
des - e carrega-a com alma ·coraj osa, confiante,
resoluta. Assim procedendo, não constróis alicer­
ces sobre areia . . .

7. E ele se lembrará ainda?

Uma criatura carregada de delitos é sempre


um alvo interessante para a misericórdia de Deus.
Faz parte integrante da massa resgatável, pela
qual o Filho de Deus morreu . . . Por isso, apesar
de teus erros, os céus de ti se lembram e "se in­
teressam por ti".
Não conheces a palavra do Mestre, que se
diz vindo ao mundo não por causa dos j ustos se­
não por motivo dos pecadores, por causa das ove­
lhas que se perderam da casa de Israel ? Até hoje
soam os sinos festivos que, segundo o Mestre,
denotam a alegria que invade o céu no dia da con­
versão de um pecador. Por isso teus pecados não
obstam a generosas iniciativas e afetuosas recor­
dações de Deus.

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No amor virginal existe, sem dúvida, uma j óia
de raríssimo valor; mas no amor penitente há
um perfume que inebria o céu. E de tal modo,
que um penitente d á-lhe tanta alegria, como 99
j ustos que perseveram no bem.
E', sem dúvida, bela e encantadora a inocên­
cia ilibada. Mas a inocência recuperada com ge­
nerosidade e guardada sem vacilação traz em si
um que de mais .delicado, de mais forte, de mais
comovente. Pedro negou ao Mestre, três vezes.
Depois, por três vezes, repetiu que o amava. E
mereceu a confiança do Mestre, dele recebendo
as chaves do reino de Deus na terra.
Cristã, sê generosa depois da queda ; sê mais
delicada, mais amorosa, mais zelosa para com
Deus - e "ele terá confiança em ti".

XI

1. E por que não?


Quantas vezes no bonde, no ônibus, na rua,
estás sàzinha com teus pensamentos, sem conver­
sar com ninguém ! E então te ocupas com os outros,
com teus negócios, ou não pensas em nada. E por
que não te preocupas com Deus, pensando nele?
Tens tempo de ler e não o deixas de fazer.
Mas tuas leituras versam sobre futilidades e fi­
cções que ou fazem sonhar o coração ou o embru­
tecem. Por que não lês, de tempos em tempos, ao
menos, alguma coisa séria, páginas que te façam
melhor ? Por mais ocupada que estej as, mesmo nas
ruas, achas tempo de consultar o espelho ou espe­
lhinho da tua bolsa para lhe ouvir as adulações
ou avisos. Por que não acharia s tempo para des-

103
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cer ao fundo d a alma e lhe verificar a -beleza ou
deformidade, num exame sério ?
Por ambição, por necessidade, por amor a "al­
guma criat u ra , suportas mil fadigas, aborreci­
"

mentos e até humilhações. Quantas vezes abafas


tuas impaciências diante de um chefe exigente,
perante um noivo esquisitão ! Por que não fazes
o mesmo em se tratando de Deus ?
Fazes cara feia até para uma mosca imper­
tinente, torces o nariz quando alguma coisa te
desagrada . Por que não tens os mesmos gestos
perante coisas que ferem ou molestam a tua fé ?
Achas que Judas foi um traidor, que Pedro
foi um acobardado, que os apóstolos foram tími­
dos na Paixão do Salvador. E por que não tens
iguais indignações quando te acontece trair, es­
conder e disfarçar alguma e x igên ci a da tua fé ?
Admiras Vcrônica com seu sucl úrio, Simão Cire­
ncu com seu auxílio, as mulheres judias com sua
corajosa compnixiio, o hom samaritano com sua
dcsin tPressada caridade, a c:rnanéia com a sua sin­
gela fé, Mad alen a com seu sincero arrependimen­
to. E por que não ser como esses modelos ?
Bendizes a vinha com seu fruto, a seara com
sua riqueza, e por que hás de mostrar em tua vi­
d a tão somente folhas, frondes e ramos, sem fru­
tos e sem nad a para Deus? - Com Bellouard te
faço essas perguntas, e Deus te ouça as respostas
e resoluções !

2. À espera de teu aparte

Uma senhora procura certa vez um célebre


pregador e diz-lhe que tem o costume de ler mui­
to e ler sem escolher.

104
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- Mas por que procede a sra. deste modo ?
Está correndo perigo sua alma, diz-lhe o sacerdote.
- Pode ficar tranquilo, reverendo ; não me
fazem o menor mal tais leituras. Leio só para me
distrair.
E disso está absolutamente certa ?
- Perfeitamente certa.
- Assim sendo, continue a ler, minha sra.
Apenas, de vez em quando, antes de tais leituras,
ponha-se de j oelhos e diga : Meu Senhor, vou ler
este romance para vos agradar; sei que nele en­
contrarei doutrinas errôneas, maus exemplos e
conselhos perversos. Mas pouco importa. Vou lê-lo
para cumprir minhas promessas de batismo, para
aumentar a vossa glória e garantir a salvação de
minha alma.
- Ora, reverendo, o sr. compreende : eu não
posso fazer uma oração como essa.
- E por que não ? Pois se a leitura é boa, a
sra. pode e deve rezar assim.
- Mas . ?
- Então, minha sra., a tal leitura não é tão
inofensiva como me diz ; diga logo com franque­
za : em tempos idos, quando era mais piedosa,
não teria gosto por ela, não é ?
- Sim, devo confessá-lo.
- E continuará com suas leiturinhas inocen-
tes ?! Em tempos idos a sra. tinha mais gosto pelos
trabalhos sérios, pelos exercícios de piedade, era
mais exata em tudo. Hoj e .
- Concordo com tudo o que diz, reverendo.
- Muito bem ; a sra. acaba de confessar o seu
ledo engano� acaba de condenar a sua conduta
como perigosa para a salvação. Escolha então
entre a vida e a morte . . .

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E o seu aparte, senhorita de romances e folhe­
tins? Já sei : não dá, porque não passa de urna
desculpa convencional.
3. Coração luminoso
Pois quando o coração vai adiante
Como urna lâmpada, e alumia a senda,
Muitas coisas aclaram-se, que em treva
Ocultas ficam, aliás (Longfellow) .
Aqui há mais do que poesia. De fato, põe o
coração luz no que pensas, no que dizes e fazes.
Até no gesto da tua mão há transparências, quan­
do bom e formado é o coração. Vai-se a austera
carranca do dever, se a luz do coração o ilumi­
na. Transfigura-se o sacrifício desconhecido, se
sobre ele caem os fulgores desse pequeno coração
que tens no peito.
Por isso Deus o cobiça tanto. Por isso diz-lhe
o mundo galanterias. Eis o motivo por que às
portas do coração vêm bater criaturas. Daí o em­
penho das verdadeiras cristãs em palmilhar as
sendas da vida, tendo ao lado a chama votiva
do coração. E não ouves como todos os dias a lgre­
j a, tua mãe, exclama no sacrifício da eucaristia :
Para cima os corações ?
Mas, não o esqueças, pode também o coração
deitar sombras, escurecendo a razão, amedron­
tando a vontade, transviando a consciência. Quan­
ta palavra de bondade ficou despronunciada, por­
que o coração fechou os lábios da j ovem que
ia dizê-la ! Quanto olhar de compaixão não foi dei­
tado a alguma criatura, porque o coração fez bai­
xar as pálpebras num frio egoísmo ! E mais de
uma moeda de carinho e meiguice foi falsificada,
porque, ao cunhá-la, o coração negou a sua liga
de ouro.

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Para tal desventura basta deixá-lo entregue
:'is paixões. Permita-se-lhe uma longa série de pe­
t(Uenas cobardias, de insignificantes traições, de
"anódinas" infidelidades, -e está feito o mal.
Compreendes agora qual o motivo que leva o
Súbio a mandar vigiar as portas do coração. Es­
tú nele a fonte da vida. Erram as que pretendem
clarear as águas, tornando atitudes de improvi­
sada bondade, mas deixam a descoberto a fonte
que é o coração. Não caias nesse erro. Põe um
anj o ao lado do teu coração. E escuta uma ver­
dade : onde reina o pecado, o coração perde sua
luminosidade . . .

4. Aos olhos dele . . .


Aos olhos do divino Mestre, do grande amigo,
do generoso Salvador, não fugia o trabalho da
mulher, n ão escapavam suas preocupações e seus
alvoroços. Ao lado do evangelho para o homem,
há um evangelho para a mulher. Vê-se-o a té nas
comparações.
O reino dos céus é semelhante a um grão de
mostarda que o homem planta no seu campo, e ao
fermento que uma mulher mistura em três me­
didas de farinha. O amável Mestre está vendo o
trabalho rude feito pelo homem no campo, como
a humilde ocupação da mulher que prepara o
pão para o lar. O primeiro simboliza a atividade,
a segunda é imagem da bênção interna do reino
de Deus. E' interessante ver o paralelismo de
Cristo nas suas parábolas e explicações. No dia
do juízo dois estarão trabalhando no campo, e
duas trabalharão no moinho de mão, quando lhes
vem a surpresa da hora. Mostra-nos depois o pas-

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for que perdeu e procura a ovelha, e a mulher
<[UC perdeu um dinheiro, das 10 dracmas que pos­
suía. Vê o homem correndo pelas matas à pro­
cura da ovelha, e a mulher varrendo a casa e
olhando por debaixo dos móveis, à cata d a moe­
da perdida. Fala-nos dos homens de Nínive que
fizeram penitência e se levantarão co:qtra os ou­
vintes (do Mestre) , e lembra a rainha de Sabá
que virá depor contra as mulheres que o não aten­
diam. Recorda o leproso nos dias de Eliseu, e
a viúva pobre nos dias de Elias, em Israel.
Vê daí, leitora, como estás no mesmo plano
moral com o homem, em face das normas dadas
por nosso Senhor. Ele quer que o homem sej a
operário no campo de seu reino, e conta contigo
como "mulher que deita o fermento para o pão".
Conta com o homem como pastor por vales e
montes atrás de ovelhas, mas faz questão de tua
lida tranquila, "da luz que acendes" p ara acha­
res a moeda, a alma perdida de teu próximo,
num apostolado compatível com a tua natureza,
posição e recursos. - O grande Faulhaber, no
seu livro "Tipos de senhoras da Escritura", apre­
seiita-te o que acabaste de ler.
Só resta amares muito 'o Mestre que tão de
perto olhou a vida da mulher, que nela foi bus­
car imagens para suas verdades, j óias para os
modelos que propunha. Foi tão gentil que ·até
comparou tuas lides com a vida da flor mais cas­
ta que conhecemos : do lírio. Pois ao lírio empres­
tou afazeres femininos : "Vêde os lírios ! Não tra­
balham, nem fiam . . . mas nem Salomão, na sua
glória, se vestiu j amais como um destes".
E isso fez, quando conjuntamente às aves do
cfa1 entregou o denotarem o trabalho do homem.

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"Vede as aves do céu, que não semeiam, nem
ceifam, nem recolhem em celeiros . . . " .
Logo, leitora, não faças pouco do teu trabalho,
não o desprezes porque é humilde e singelo, pou­
co aplaudido. Aos olhos dele não fica esquecida
nem uma luz que acendes.

5. As três peneiras . . .
O que o poeta conta de um pequeno é aplicá­
vel a muita gente grande. Pois a miséria humana
é de toda a idade. Trazemos no peito a fonte
perene de onde manam as águas salobras, de on­
de brotam os erros e as paixões. Vai aqui um con­
to mimoso, leitora. Depois de lido o enredo, per­
gunta-te a ti mesma se não és parecida com o
pequeno Raul.
"O pequeno Raul entrou em casa a correr e,
muito excitado, disse :
- Sabes, minha mãe, lá nã escola dizem que
Antônio .
- Espera um pouco, meu filho ; antes de me
contares tudo isso, lembra-te das três peneiras.
- Mas quais peneiras, minha mãe ?
- Sim ; a primeira chama-se Verdade. Tens
certeza de que é certo o que vais dizer-me ?
- Se é certo, não sei . . .
- E a segunda chama-se Benevolência. Será
benevolente essa notícia ?
- Não, minha mãe, não é . . .
- E a terceira chama-se Necessidade. Enten-
des que é necessário dizer o que te disseram desse
teu camarada ?
- Não, minha mãe, também não é necessário.
- Pois, se não é necessário, nem benevolente,

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nem, talvez, certo, será preferível, meu filho,
calares a tua boca"

6. Quebrando estátuas . . .
No templo de tua alma, no decorrer dos anos,
mãos piedosas colocaram vária s estátuas. Algu­
mas datam dos dias da infância. Outras vieram
depois. Infelizmente é tão humano quebrar as es­
tátuas do santuário do coração, que ·receio te sintas
tentada a fazer o mesmo.
Uma estátua que muita moça reduz a pedaços
é a da fidelidade. Corações j uvenis, uma vez
desiludidos, põem-se a descrer desse ideal. É-lhe
a vida a pura negação da fidelidade, batizam de
ingênuas as almas que ainda lhe rendem culto.
Mas, por inegáveis que sej am a s traições huma­
nas, nunca por isso se há de quebrar a bela estátua
dessa virtu de. E' raro encontrar almas fiéis, mas
a raridade não obsta à sua realidade.
Queres, leitora, responder às amargas dúvi­
das do coração ? Abre as páginas da história de
todos os tempos, Acharás essas esplêndidas ter­
nuras, cuj a fidelidade foi até à morte, numa assi­
natura de lágrimas, de devotamentos, de imola­
ções e de sangue.
Que é um santo, que é uma santa ? Um cora­
ção fiel, heroicamente fiel aos homens, a D eus,
durante a vida toda. Mas os santos vivem ainda
em plêiades luminosas, mesmo agora nos tempos
·

modernos
Cuidado com as conversas d e amigas que zom­
bam e descrêem da fidelidade. Tais conversas per­
tencem ao rol das prosas proibidas. Cautela com
os romances e escritores que "analisam" o coração

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humano, e terminam dizendo que ele é capaz só
de traições, hipocrisias e fingimentos.
Se assim fora, por que ordenaria o Senhor que
o amássemos de todo o coração ? Estaria nesse
caso pedindo o impossível. E por que louvam os
Livros Sagrados "o amigo fiel, o coração fiel" e
bendizem quem os encontra, se tudo é tão so­
mente um sonho irrealizável ? De outro lado, é
certo, seria loucura lançar-se pela vida na con­
vicção de que as flores do coração não murcham,
nem lhe conhecem ocaso os raios da fidelidade ;
de que toda p alavra humana é verdadeira e es­
tável todo sorriso, toda promessa.

7. Os romances e o coração
Não diz o título que se falará dos romances
do coração. Tão somente tem em vista a leitura
de romances e suas consequências para o cora­
ção. São eles fatores de muita transformação na
vida de uma j ovem. Quem está com a palavra é
a senhorita Paula H., acadêmica e fiel obser­
vadora ·de suas companheiras.
"E' fácil - diz ela - o extravio da sensibili­
dade na leitura dos romances. A todas as aspira­
ções vagas do coração o romance dá um nome ;
para todos os desej os dele acha uma resposta :
o amor. Quer ser resposta para tudo, solução de
tudo ; segredo de tudo é o amor na frase dos roman­
ces. Pois, se não falassem do amor, seriam tão
lidos os romances clássicos e prosaicos ?
E está nisso o perigo dessas ficções. Captam
todas as forças do coração e imobilizam-nas so­
bre este único sentimento. Para o coração que
procura dissipar seus sonhos, ou saciar sua fome,
só têm uma palavra, sempre a mesma : o amor.

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Repetem-nas a cada página, a cada folha. Não há
romance que não faça do amor uma terra pro­
metida. Se lhe descreve os sofrimentos, fá-lo com
tais cores que até desperta o desej o de suportá­
los. Prefere-se experimentá-los a desconhecer os
horiz01:1tes onde a vid a torna um tal acento de
exaltação.
Daí então as ilusões. Muitas moças fitam seus
olhos num horizonte quimérico, à espera de algu­
ma revelação. Passam perto da verdade corno so­
nâmbulas, porque não estavam acostumadas a
vê-la com a legítima feição".
Ora, por mais que o romance deslumbre com
suas cores e luzes, uma coisa é inegável : não há
sentimento humano capaz de encher e felicitar o
coração humano. Só Deus é maior que o coração hu­
mano e por isso só Ele pode lhe dar a plenitude da
ventura. Quanto mais depressa a jovem cristã com­
preender isso, ou, pelo menos, crer nessa verdade,
tanto mais próxima está da verdadeira felicidade.
Qu anto ao amor humano, que tanto os roman­
ces exploram, hás <le pensar como o grande Man­
zoni : Já se falou muito dele, e no mundo existe
com abundância e sobra ; urge falar de outros sen­
timentos, igualmente indispensáveis à humanidade.
xn
1. Da tua altura . . .
Conchita foi uma santa j ovem espanhola, fa­
lecida em 1927. Esteve em Lisieux, corno piedosa
peregrina. Rezou muito para a santinha das ro­
sas e nesse mesmo dia notou que Teresinha a
atendera : começaram os sintomas de doença.
Visitou o museu da santa : casa da família, os
livros, o uniforme de colegial, os cadernos, os sa-

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patinhos, as sandálias. E escreveu : "Quanto há
para uma meditação, à vista de tudo isso ! Uma
santa que leva a vida quase igual à nossa ; que
vive numa "vila", rodeada do carinho de seu pai,
de suas irmãs ; que come, j oga, estuda, passeia e
se traj a, tendo o coração em chamas de amor !
E por isso deixava labaredas de amor divino em
tudo. Não fez a mesma coisa que nós fazemos ?
Mas com que diferença, meu Deus !"
Eis aí, leitora, uma consideração muito acer­
tada. De fato, a santa fez coisas comuns, mas de
um modo extraordinário. Trata-se, pois, em tua
vida, do "extraordinário no modo" com que fazes
tuas ações de cada dia. Deus quer teus atos singe­
los e modestos, mas praticados de um jeito copia­
do à Teresinha, aos santos, a Cristo Senhor.
Palavras comuns, como se revestem de encan­
to nos lábios de quem as pronuncia com jeito todo
seu! Não é daí que nascem tantas satisfações na
vida de todos os dias ? Com a virtude e o ideal dá­
se o mesmo. Formam-se da elevação com que a
alma encara as tarefas diárias e do "extraordiná­
rio" sentimento que põe em tudo. Em linguagem
cristã chamamos de boa intenção o primeiro re­
quisito para ser invulgar nos deveres vulgares .
Tcresinha quis apenas ser "qual criança que deita
fl ores diante de seu pai".
Admiras, agora, que o Pai celeste haj a conce­
cl ido à santinha o privilégio de nos mandar rosas
do céu ?
Da tua altura foi . . . a amada flor de Lisieux.
Por conseguinte, seus braços, seu s passos, seus
gPs l os são da altura e largura dos teus. Imita-a ;
s(� "l• x:traordinária" nas coisas corriqueiras de
c udu diu l

Audl filio. - 8 113


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2. As moças de Rama
Vai aqui um quadrinho da vida de tuas cole­
gas, lá na Palestina, há milhares de anos. Se o
conferires com as cores de hoj e, verás que não
está desbotado e ainda guarda o seu cenário mo­
derno. Saul i a à procura do profeta, e "quando
subiu pela encosta da cidade, encontrou umas
moças que saíam a buscar água e lhes disse :
Está aí o vidente ? Elas ( todas ao mesmo tempo !)
respondendo disseram : Está aqui; ei-lo aí tens
diante, vai depressa, porque veio hoj e à cidade
porquanto hoj e é o sacrifício (festa) do povo no
alto. Ao entrar na cidade, achá-lo-ás antes que
suba ao alto para comer. Nem o povo comerá,
a menos que ele não tenha vindo. Pois ele é o que
benze a oferta, e depois comem os que foram con­
vidados. Sobe por isso agora, porque hoje o
acharás" (1 Rs 9, 11-13) .
Ouve-se na prosa atropelada, rica em repeti­
ções, o marulhar do veio da conversa. As moças
contam ao recém-chegado as novidades da terra.
Descrevem-lhe o porquê, o onide, o como da festa ;
lembram-lhe que não se deve ir sem ser convida­
do e que cerimônias hão de ser observadas na
hora . . . , um mundão de coisas pelas quais nin­
guém lhes perguntou.
O quadrinho nos mostra o gosto de prosear,
tão comum nas primaveras das filhas de Eva.
Uma coisa me consola, quando me lembro da
morte - escrevia N. - é que, depois da morte,
poderei conversar com todas as amigas falecidas.
De fato, é a palavra um dom do céu e trocá­
la sàbiamente em palestq1s úteis e recreativas com
pessoas que nos entendem, é dádiva de Deus.

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"As palavras compostas são um favo de mel, a
doçura da alma, a saúde dos ossos" (Prov 16, 23) .
Assim o Sábio se manifesta nos Provérbios. Infe­
lizmente, nem sempre a prosa e a tagarelice da
j uventude se assemelha ao chafariz que deita
água limpa na praça pública. Nem tão pouco é
como a prosa de suas companh eiras ·de Rama,
apressadas informantes do simpático Saul.
Eu quisera que a leitora examinasse a limpi­
dez desta fonte que lhe brota do coração. Mais
adiante voltarei a ajudá-la neste ponto.

3. Um ambiente prejudicial . . .
E' comum desej ar-se a moça uma vida sem
sofrimentos, sem contrariedades, sem dores e
amarguras. Compreende-se que tudo isso se apre­
sente ao coração. Mas convém lembrar à leitora
umas verdades, que também fazem parte do sím­
bolo a crer e professar.
Filhos de sangue, filhos de dor, não podemos
salvar-nos entre as delícias. Ninguém poderá con­
testar a certeza deste princípio. Sem o sofrimen­
to o coração humano afeiçoa-se d a terra e sente
peso em elevar-se até o céu. Só o sofrimento
pode destruir o enganoso encanto que nos atrai
para a terra. E' ele um remédio violento, mas
indispensável para que os venenos da vida e, mes­
mo, os seus manás mais saborosos não alterem nos­
so organismo. E' a dor que impede a alma de am-
1 l icntar-s.e no mundo e sentir-se bem aqui. Quan­
l o lucra a virtude n as labaredas do sofrimento !
Nós todos temos por suspeita a valentia do solda­
do que não cheirou a pólvora dos combates. E tu,
l1•ilora, deves suspeitar de tuas virtudes e de tua re­
l i f.(iiio, se ainda não a viste debaixo do fogo dos pe-

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sares. Quanta piedade é ilusória, porque, colocada
no meio de contratempos, deserta das igrej as,
descrê de Deus e maldiz os homens !
Um dia Pedro viu o Mestre entre nuvens de
glória e felicidade, no Tabor. E logo achou que
"seria bom ficar ali" para sempre. Mas o Espí­
rito Santo faz notar "que Pedro não sabia o
que dizia". Ora, não queira a leitora pertencer
ao número dos que não sabem o que estão dizen­
do. Entre eles figuraria, se quisesse estranhar o
sofrimento, como um intruso neste . . . paraíso
terrestre, neste Tabor de transfiguração. Nossa
mãe, a Igrej a, nos dá o amável nome de "dester­
rados num vale de lágrimas".
O mais acertado, por isso, é não deixar que o
coração viva ferido, enquanto os espinhos vão
rasgando as mãos. Tal se faz, quando se abraça
o sofrimento em união com o de Cristo para
obedecer à vontade do Pai celeste. Outro não
foi o procedimento de Paulo apóstolo. Vem daí
aquela alegria na qual vivia submerso, apesar
das dores que dele fizeram um mártir.

4. Bonum verbum . . .
A boa palavra é a cada passo louvada, reco­
mendada e abençoada por Deus nos Livros San­
tos. Gestos de bênção ela provoca igualmente em
quantos a ouvem. A boa palavra é ouro precioso,
e desse ouro a leitora tem a mina, tem os veios,
tem as pepitas à disposição. E' dona de tudo.
Pode cunhar moedas e com elas enriquecer-se.
E afortunar também aos outros.
A boa palavra - afetuosa ou amável - é pa­
ra almas sofredoras qual bálsamo que lhes pene­
tra pelas fibras mais profundas do coração, lhes

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acalma as penas mais vivas, lhes cicatriza as mais
dolorosas chagas. Para almas robustas e vigoro­
sas é qual aragem refrescante e perfumada a lhes
aumentar a alegria de viver e de agir. Para al­
mas transviadas é luminosa e convidativa esteira
na demanda da verdade. E quando uma alma
frouxa, vacilante em face do dever, intimidada pe­
rante dificuldades, se encontra com o "verbum bo­
num", que acontece ? Ei-la resoluta, firme e dis­
posta, como que despertada por um choque elétrico.
Compreende-se por que o Sábio censura quem
esconde essa riqueza, fecha esse ouro numa arca
de silêncio mal colocado. Fique a senhorita con­
vencida_ de que mais numerosos são os pobres
que procuram uma boa palavra, do que os men­
digos que buscam uma moeda à porta das casas.
Acontece, porém, que tais pobres são quase sem­
pre "pobres envergonhados". Não gostam que se
lhes note a indigência ; não a confessam. Pelo con­
trário, procuram disfarçá-la. Ostentam um luxo
de sentimentos, de coragem e resolução, de ideais
e de energia em persegui-los. Nada de ilusão,
leitora. Atrás de tudo isso pode haver muita ne­
cessidade acanhada. Por isso, poupando os justos
melindres de cada um, faze tua esmola do bo­
num verbum, deixa em toda parte o ouro dessa
mina inesgotável. Cuida s empre em melhorar o
teu coração, pois assim o ouro da palavra será
puríssimo, de valioso quilate. Não sabes que está
escrito "que do seu coração o j usto tira os seus
l <'souros" ?

ã. Teus encontros . . .
Todas as manhãs te encontras com a luz e a
bendizes. E' possível que nem tomes em conta essa

lt7
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aurora de cada dia, novo sorriso de Deus. Quan­
do estiveres pensando em intérminas noites de do­
res, saberás então o que é a luz da alvorada.
Todos os dias te encontras com os teus. Serão
os pais, os irmãos, os superiores, as amigas, que
vão encher esta lista. Grande virtude é saber tra­
tá-los ao mesmo tempo com o coração na boca e
a dedicação nas mãos e o respeito em tudo.
Todos os dias te encontras com ·desconhecidos,
com indiferentes. E eles, ao passarem por ti, de­
veriam levar alguma coisa para a vida. Devias ser
como a árvore em flor, a árvore umbrosa. Sempre
ela dá alguma coisa a quem lhe passa por perto :
ou p erfume, ou sombra, ou a melodia de suas fron­
des. Tua modéstia, teu contentamento, um que de
virtude a desprender-se de ti, há de ser essa "al­
guma coisa" que o próximo levou.
Quem sabe, todos os dias te encontras com
uma inimiga, urna desafeta, uma . rival. Não
basta seguir então as normas ele uma esmerada
educação. E' preciso mais. E' indispensável ter
no encontro fidalguia de cristã, a té nos sentimen­
tos mais escondidos no recôndito do coração. In­
tuições de alma eucarística ; eis, numa palavra, o
que terás no encontro com o próximo, que tam­
bém é outro Cristo.
Um dia te encontrarás com a esperança, "que
tem olhos azuis de criança'', com a felicidade,
"sombra toda em ouro acesa" E nesse dia não te
esqueças de Deus, nem dos deserdados <la ven­
tura. Tão pouco olvides a fragilidade do teu sol
e de seus raios.
Um encontro, porém, é indispensável e também
de suma importância : o da solidão. Pois na so-

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lidão pode a alma encontrar-se consigo e rever­
se de perto, diz o poeta ; pode, como num j ardim,
passear sua longa tristeza. Só a solidão nos permi­
te reconhecer e aperfeiçoar o nosso Eu,
arrancá-lo à torrente onde se dissipava
e restituir-lhe os traços que perdeu . . .

6. Teu lado fraco . . .


Luísa Hensel foi, sem dúvida, uma criatura
original. Menina ainda, esmurrou um garoto que
caçoava dos vestidos pobres e rasgados de uma
criança. Mocinha depois, surrou um moleque que
se atrevera a dizer-lhe uns nomes incovenientes.
Moça prendada em corpo e talento, teve um fraco
pelos bailes. Mas não quis continuar a ser pé de
ouro nos salões. Por quê? Porque se aborrecia
com as adulações dos rapazes. Retirou-se p ara
seu quartinho e pôs-se a estudar as estrelas e as­
tros de D eus, manej ando um possante telescópio.
De protestante converteu-se em fervorosa católica.
E quando, j á coroada com a fama de poetisa e li­
terata, um príncipe lhe pediu a mão, respondeu :
Quem é um príncipe para se comparar contigo,
ó Filho de Maria, filho do carpinteiro ! Fez voto
de virgindade e com ele morreu.
Não quero que imites a valentia de Luísa em
esmurrar moleques e atrevidos. Insisto somente
na imitação de seu nojo diante de louvores. Pois
são poucos os homens que podem viver sem lou­
vores, porém ainda menor é o número dos que
podem ser louvados sem perigo. Em se tratando
de filhas de Eva, há uma agravante no perigo.
Ser louvada é o sonho, é o desejo, é a preocupa­
ção de muita moça. Se não lhe louvam ao menos

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11 dol i rn , o conj u n to do vestido, hão de louvar-lhe
w1 1 1 n · s <le graça ou de bondade que vai dando de si.
Esse fraco é explorado e nunca desaparecem
o s ex ploradores, porque sempre há de sobra " ter-

1'1 1 8 p ro me t id a s" para eles. Mas - terás de con-


1·ordur comigo - os que te louv am estão dizendo
com isso el o conceito que se f azem de ti. O louvor
{� sempre uma con descendência de quem louva,
e xceção feita nos casos que confirmam a regra.
Tomam-te p or criança gulosa de uma doce pala­
vra, de uma enfeitada sentença. Que pena , Luísa
Hensel, não teres entre as moças mais -companhei­
ras do gesto nobre, do que colegas de idade !
Moça louvada a cada passo é, no mínimo,
cria tura narcotizada. Depois faz-se um mosaico
dos louvores ou vidos e a i de quem lhe tocar numa
d as pedrinhas tão bizarras ! - Para enganar a
primeira mulher, o diabo louvou-lhe a "futura"
ciência e imortali d a de . E que acontecerá, quando
se lhe louvar a presente cultura beleza e gran­
1
deza de coração e emotividade "artística" !

7. Esta tristeza não é minha . . .


habita o meu coração como o
viajante que, batido pela tempestade,
se abrigou numa casa d esconhecida do caminho . . . (S.).
Assim h á de ser a resposta d a moça cristã, ze­
losa da pureza de sua inocência, fiel cumpridora
de seus deveres de cada dia. Se notar em si a
tristeza, tem de estranhá-la como o dono de uma
casa ao ver dentro dela um desconhecido.
Ser triste não quadra na mocidade. Não afir­
mo que até a dor, o sofrimento, as visitas de Deus
Crucificado, as inj ustiças, os infortúnios tenham
de ser recebidos com a alma num alvoroço de

1 20
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alegria. Já é ex1g1r atitudes de santos prendados.
Mas, analisando essa tristeza, a j ovem conclua
sempre : ela não é minha . . . , é que de certo
minha alma estava distraída
e como as janelas abertas sobre a
noite recebem o vento frio

minha alma recebeu esta tristeza não minha . . .


Por isso não viva de alma distraída - de j ane­
las abertas ao vento frio das noites deste exílio.
Chame a esperança de dias melhores, a certeza
de riquezas que os dias vão amealhando silencio­
sos na casa do Pai dos céus. De lâmpadas ace­
sas, de mãos com cinco talentos, de veste nupcial
para o banquete do Filho do rei, levada aos om­
bros do Bom Pastor, envolta nos raios da Luz que
é Cristo Senhor, acariciada no colo das mais amo­
rosa das mães - a Virgem Maria - com o nome
escrito no livro da vida e nas palmas das mãos
de Deus - dize-me, leitora, tens ainda motivo p a­
ra ficares com uma tristeza que não é tua ? Va­
mos ; fecha as j anelas de tua alma ; não deixes
ficar distraída essa alma amiga da graça e eleita
do Senhor.

XIII

1. O que faltou aos sofrimentos de Cristo . . .

eu o supro n a minha própria carne, escreve­


nos Paulo, "o preso de Cristo". Há nisso uma ver­
dade de cuj as águas deve abeberar-se a leitora.
Certamente é uma sofredora, j á p adeceu muito
no corpo e na alma, no coração e nos sentidos.
Talvez viva até meio amortalhada na dor, que
nunca a deixou por mais tempo.
Sabe a cristã que nós somos uma continuação

121
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de Cristo, mas do Crucificado também. "O Mes ­

tre aceitou no seu coração a plenitude dos sofri­


mentos, não pudessem embora esgotá la seu cor­
-

po, sua sensibilidade de homem e seu espírito


criado Não havia lugar suficiente em seu corpo
.

para todas as chagas, na sua sensibilidade para


todos os espasmos, no seu espírito para todas as
am arguras A nós - irmãos dele - cabe entrar
.

com o que lhe falta. Essa extensão da sua pessoa


permite-nos, pois, sofrer por ele, com ele e nele
o que a vida tem de cruel. Um doente sobre seu
leito, um ferido na sua ambulâ ncia, um mutilado
que se arrasta penosamente, um operário que se
esgota no trabalho, uma criança enjei t ada, uma
criada humilhada, uma mãe ou esposa na penúria,
um inocente caluniado (e você atormentada, lei­
tora !) - todos nós, por entre todas as misérias
que Deus nos envia, carregamos um fragmento
do santo lenho. Estamos com Jesus que sofreu
em nosso nome, e no momento estamos nós sofren ­

do em lugar dele e em vista de uma redenção


comum"
Que bela oração, a de Pascal, a respeito do so­
frimento ! Senhor - escreve ele - eu não peço
isenção de dores, porque isso é a recompensa dos
bem-aventurados. Peço, porém, que não :tne aban ­

doneis às dores da natureza sem as consolações


de vosso Espírito, o que seria a maldição dos
j udeus e dos pagãos. Não ambiciono uma pleni ­

tude de venturas sem sofrimentos, porque isso é


a vida da glória ; não peço, entretanto, um cúmulo
de males sem consolo, porque -seria de j udeu
fazê-lo. Fazei-me sentir o conj unto das dores da
natureza ( pois meus pecados o merecem ), mas

122
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dai-me as consolações do vosso Espírito : nisso
está o verdadeiro sentido do cristianismo

2. O segredo da mocidade
Dizem as más línguas que as senhoritas não
envelhecem. Se a mãe da minha leitora estiver
viva, não duvido em concordar com a sentença
que prolonga a mocidade às moças. Pois enquanto
nos vive a mãe somos moços; só envelhecemos,
após a sua morte - escreve Pie.
De fato, a mãezinha viva é uma voz evocativa
da infância. Desde os nomes com que nos chama,
até aos olhares com que aprova ou desaprova
alguma coisa ; desde os cuidados de que nos cer­
ca, até às perguntas que nos faz, às coisas que
nos conta, às lembranças que nos desperta -
tudo isso disfarça a idade. Compreende-se que a
moça sinta estar perto de si o berço, a infância.
De outro lado é fato também que a ausência da
mãe nos envelhece depressa. Sentimos mais de­
pressa o peso dos trabalhos. Já não têm as mesmas
harmonias, os encantos que o mundo oferece.
Agora uma p ergunta : a alma da moça católi­
ca sente que tem uma mãe na lgrej a ? Por outra :
é a leitora uma boa filha da lgrej a ? Amor, res­
peito e obediência e devotamento definem a bon­
dade de uma filha. Se a j ovem que lê estas linhas
nem obedece, nem ama, nem respeita as ordens
e normas da Igrej a, então não lhe dá carinhos de
filha. Se nem conhece os cinco preceitos dessa
mãe, provando está a ausência da afeição filial.
E tudo com enorme prej uízo para a sua vida. Pois
a mocidade da alma somente esta mãe a sabe con­
servar. Seus filhos obedientes e carinhosos des­
conhecem crepúsculos p ara a alma.

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Viver com a Igrej a e com ela sentir - eis um
belo programa para o idealismo de tuas prima­
veras, leitora. Antes de tudo tens de te ufanar
dessa filiação. Mais do que nunca, o deves hoj e
em dia. Em tempos idos não havia tantas apósta­
tas da fé, tantas fujonas da casa materna, como
agora infelizmente se vêern. Ser uma católica às
direitas, e, por conseguinte, zelosa apóstola, há
de ser tua primeira preocupação. E depois disso
j á se poderá dizer que a senhorita não envelhe­
ce, mas fica sempre "cada vez mais moça"

3. Vestida com o sol


O ser humano tem direito de levar consigo al­
guns sinais da sua dignidade real. Um traj e
digno é um triunfo de sua soberania - expunha
célebre conferencista às senhoras de Paris. A ques­
tão dos vestidos foi sempre considerada por Deus
e faz as torturas das moças vaidosas e os tormen­
tos da moda. E' curioso como até nos Livros San­
tos vem mencionado o vestido. Das vestes de nosso
Senhor, na Transfiguração, diz o evangelista "que
se tornaram resplandecentes e extremamente bran­
cas, como a neve, quais nenhum lavandeiro so­
bre a terra as pode fazer tão alvas" (Me 9, 2) . De
Maria, Mãe de Jesus, sabemos que "apareceu ves­
tida de sol e coroada de estrelas", conforme lhe
aplicam a passagem do Apocalipse. Do que ven­
cer na luta está escrito "que será vestido com
vestes brancas" Para as bodas do Cordeiro lemos
que sua esposa "se vestirá com finíssimo linho,
b ranco e resplandecente.
Teu vestido, leitora, é uma parte de tua reli­
gião. Pois o cristianismo consiste no predonúnio

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do espírito sobre o corpo. Esta lei presidirá tunto
às funções elevadas da alma como ils minúcias
dos vestidos. Até nas dobras do vestido devemos
glorificar e enaltecer a D eus. E' isso trazê-lo glo­
rificado em nosso corpo, na frase do apóstolo.
O Mestre de todos naturalmente devia deixar­
te também uma palavra neste assunto. Deixou-a,
de fato. Fez uma escala de valores e quer que
te governes por ela. Queres ouvi-la ? Ei-la aqui :
Porventura não é mais a alma do que a comida,
e o corpo mais que o vestido? (Mt 6, 25) . Alma,
alimento, corpo e no fim o vestido : nisso está a
j erarquia dos valores cristãos.
Ora, em nossa vida tudo é solidário e conexo.
O predomínio de um elemento é prejuízo para
os outros.
Está o teu vestido em pri�Tfjo lugar? Então
fizeste de eixo de tua vida, . •·'>iu ilo que a traça
come" Como de dentro da álma a intensa vida
do espírito transborda para fora, da mesma for­
ma tua frivolidade leva seus estragos para o fun­
do da tua alma. Ela então só terá um cuidado :
brilhar.
Nesta altura, leitora, passas a figurar entre
uma classe de gente severamente censurada pelo
Mestre. "Tudo fazem (os fariseus) p ara serem
vistos. Por isso usam filactérias mais largas e
franj as mais compridas" (Mt 23, 5) . - Como
era observador nosso amável Senhor e Mestre ! E
como saberá ele te observar com tuas mangas e
franjas e plissês e transparências e larguras e
aperturas !
Continuando na inversão da escala que Cristo
te deu - alma, alimento, corpo e vestido - se­
rás uma frívola. E oxalá não sej as merecedora

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1 1 1 1 1 ·1 1 1 1 1 p 1 1 1·1 1 1;i10 do l\l(•sl 1·(� : por fo ra sois vós (fa-
1fo1• 1 1s ) :w p u lcms cn i ndos e por dentro estais
d 11•ios dl' ll li( l lll't'osi c ladc . . .

·1 . l�ndcrcço ermdo . .
'l'udo Isto h á de passar . . .
IH· nnco uonho de amor, passará como pass a,
polns ondus em fúria, uma garça de neve. . . (A. A.) .

Em busca <la v.entura bate a moça e m muitas


porlus. Dão-lhe um endereço e ei-la pela rua pro­
curando a porta, atrás da qual mora um encanto.
E bule alvoraçada. Recebem-na. Mas, ainda na
soleira da casa, a pobrezinha percebe que se en­
ganou. A amizade, a camar.adagem com outras
companheiras já lhe tem aberto a s portas. En­
lretanto, tudo isso não a faz s entir-se feliz.
Agora ela espera que um grande e belo amor
lhe fará a felicidade. No dia em que puder amar
e ser amada, dar um coração e receber outro -
oh ! então será feliz, muito feliz. Pois todos lhe
afirmam, lhe garantem, já lhe deixaram enco­
mendada tamanha ventura. Não serei eu o pessi­
mista a pôr um borrão preto no teu quadro cor
de rosa. Mas é do prudente prevenir-te de uma
coisa. Esse amor natural não passa de um sonho,
tão breve é a sua duração : voo de garça sobre
as águas agitadas. Não passa nem perde seus
encantos o amor que deita suas raízes no sobre­
natural e ama no Senhor. Esse, nem as geadas
dos cabelos brancos tiram-lhe o viço.

5. Tuas greves de vencida . . .


Não conheces o sistema d as greves ? Tornou-se
Lão comum, tão universal que nem admiraç!io
causa. Mas diante de umas tantas greves me quedo

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um tanto admirado. De que greves ? Das tuas
greves, leitora. Vou provar que és bem grevista,
em se dando oportunidade. Se errar, dar-me-ei
por feliz em registar o erro.
Já não fizeste a greve . (J.o silêncio ? Fcchou­
se tua boca e ninguém em casa ouviu as palavras
que, de teu coração, deviam sair quentinhas co­
mo de ninhos de beij a-flores. Antes tua voz en­
chia a casa, era um som de sino pondo festa lá
dentro. Muitas vezes cantavas até. Diluías e re­
partias em sons o contentamento de tua alma.
Mas lá um dia a mãezinha censurou-te, o pai
negou-te um pedido, alguém te contradisse com
teimosia . . . e a cigarra cantora calou-se. Nem
canta nem fala. Incomoda com seu silêncio, mor­
tifica a irmãzinha que mora no mesmo quarto,
aborrece os que se sentam à mesma mesa. Eis
a senhorita emburrada. Ou não responde, ou re­
truca com monossílabos que ferem como ponta­
das de alfinetes. A greve dura dias. As vezes é
caprichosa, e só "para o uso de casa", porque
com estranhos a senhorit a é cascata de prosa e
tagarelice.
Já não fizeste a greve de . .fom e ? Disseram­
.

te umas tantas verdades, puseram termo a umas


tantas coisinhas, desvendaram uns t antos segre­
dinhos, e agora a filha inventa de não comer. Fá­
lo acitosamente, para ser vista, lamentada, in­
terrogada. Sente-se feliz quando lê no semblante
dos seus uma certa preocupação, uma indisfar­
çada contrariedade. E isso lhe enche a alma de
contentamento mesquinho e inútil.
Já não fizeste a greve . . da alegria ? A vida
.

disse-te alguma verdade ou te mostrou alguma


realidade, porque, enfim, não és fada privilegia-

127
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da a não ser nos castelos que tu mesma levantas
e mobilias. Por causa disso estás distraída, tran­
cada em casa, esquiva a tudo e a todos, com
olheiras de criatura culpada.
Mas com que direito fazes tantas greves? E
que pouca elegância há nesse rosto de preço fixo,
onde se lê quanto custou uma desilusão , uma
censura !

6. São assim tuas alegrias?


Encantado com a alegria de sua filha, menina
ainda, escrevia bondoso poeta paulista :
Como é li nda a alegria em ti, como é divina,
- esplendor natural da saú d e harmoniosa,
música a fluir de uma alma de menina !
Nem malícia, nem fel, nem resquício de mágoa:
é a alegria que vem como o perfume à rosa,
como ao fogo o fulgor, e a espuma à queda d'água.
(A. Amaral)

Filha e moça que és, tens de ser alegre. A pri­


ma vera precisa engalanar-se com flores, enfeitar­
se de sol. Do contrário, o estio e o outono saem
prej udicados, não colhem frutos. Na vida é assim
também. Os estios em tua casa, os outonos que
a vida te pôs ao lado n as pessoas da tua fanúlia,
todos têm direito aos guizos de tua alma.
Mas essa alegria há de ser tal como o poeta a
descreve : fulgor, perfume, espuma. Não a pro­
cures, portanto, nas conversas e anedotas que têm
malícia e d eixalll fel nas almas. Não a chames nas
p alestras descaridosas que ferem as almas do pró­
ximo. Em vão também a procuras nas luzes e
festas mundanas. São flores de estufa, sem viço
e sem as cores das que foram acariciadas pelo
sol, essas alegrias tão ruidosas, tão anunciadas,
tão esperadas, tão fingidas na sociedade.

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Tua alegria não conheça minguantes. Sej a as­
sim uma . "alegria de asas abertas, borboleta
que sem esforço no ar se libra" Ter um sorriso
assim . que "cintila no olhar, cintila nos den­
tes e vai iluminando, em pouco, o rosto inteiro,
como a alma doura o céu das manhãs transparen­
tes". No seu enlevo, o pai via sorrisos até nos de­
dos da filha : "sorris com todo o rosto, e com os
dedos também . . . " .

Já sabes : o sorriso é também uma forma da


caridade para com o próximo, é também uma
cor da paciência e pode ser ao mesmo tempo uma
prece de sacrifício.
Santifica-o, pois.

7. O verso de dois pés


Não sei se com razão são usadas certas figu­
ras por homens de espírito e de fantasia. Sei ape­
nas que podem servir d e programa à moça que é
prudente.
Disseram j á que "toda moça é um verso de
dois pés" De muitos versos nasce a poesia. Assim
querem os entendidos que a mocidade feminina
sej a de fato um poema, um enfeite , uma canção,
um allegro na vida, como diriam os músicos.
Mais. Prendado poeta católico chegou a escre­
ver em pros a : Uma terra sem poetas é como um
lar onde falta a mulher, esposa, mãe., filha, irmã.
Elas vivem p ara fazer o homem sonhar ; formam
uma espécie de aristocracia. A menina derrama n a
família a luz de s e u sorriso, inspira coisas d e fada.
Não falta quem chame a j ovem na casa uma
alvorada que acorda todas as alegrias e j oga
poeira de sol pelos cantos e recantos. O próprio
Manzoni diz que não pode haver tristeza numa

Audi filia - 9 129


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choça ou num p alácio, em que morem filhas mo­
ças e formosas.
Mas façamos umas distinções, leitora. Moci­
dade e beleza tão sàmen te ainda não significam
tantos elogios e belas comparações. Se faltar a
bondade, que adianta a formosura ? Que belo
verso de dois p és, essa moça que bate os p és e
sapateia quando a contrariam em c as a ! Que du­
vidosa canção, que insuportável allegro, essa cria­
tura de cara-mostruário do preço dos sacrifícios
que faz ! Onde se viu lal alvorada que desperta
tormentas, suscita desuniões, por causa de seus
c aprichos e suas manhas, seus comodismos e suas
exigências descabíveis ?
Não confies, por isso, em tuas prendas, leitora.
Examina- te, corrige-te sempre. Trata de viver ao
lado de Cristo, que ilumina toda criatura que dele
se aproxima. Recebe-o na Eucaristia e terás lumi­
nosas intuições, espontâneos devotamentos, enér­
gicas atitudes diante de teus defeitos. S ó assim
serás mais do que um verso, do que uma ·alvora­
da, do que uma canção em casa. Ser-lhe-ás o en­
feite e coração. Ser-lhe-ás, depois, a saudade, a
sombra da ventura que se foi, o perfume da flor
que não existe mais, quando a deixares na hora
marcada por Deus. Dirão os p ais nessa hora : Por
que deixámos p artir nossa filha ? a luz de nossos
olhos, a chama votiva de nosso lar ?

XIV
1. Experiências inegáveis . . .
Cada um de nós recebe golpes na vida que dei­
xam cicatrizes. Nem a pele fina de teus 18 anos
ficará isenta .de uns tantos arranhões da vida.

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Eles formarão tua exper1encia. E essa irá aumen­
tando com os anos, formando, por assim dizer, as
rugas da alma.
-Por exemplo, um dia creste numa amizade
desinteressada, num amor sincero e límpido como
a luz das manhãs de nossos dias. Depois . . . , fe­
chada em teu quarto, desfeita em pranto, confes­
saste que houve engano da tua parte. Iludiram-te,
brincaram com a candura de tua fé. Outra vez
confiaste numa amiga de anos e em suas mãos en­
tregaste uma j óia oculta, segredo de sete chaves
lá no teu coração. E ela traiu-te o segredo e com
isso afugentou a felicidade que rondava por perto.
Agora, então, que farás ? Maior do que o pri­
meiro seria o segundo erro : o de _ descrer da fi­
delidade na vida humana. Não. A lição deve ape­
nas pôr a teu lado, na j ornada da mocidade, um
espírito prevenido. O símbolo d a vida não é o
da j ustiça que tem os olhos vendados. A vida
precisa ter os olhos bem abertos diante dos pe­
rigos nascidos ou da maldade ou fragilidade hu­
manas. Já não te disse o Mestre no Evangelho
que "é preciso ter a simplicidade das pombinhas
e a prudência da serpente" ? Erro foi de tua par­
te, leitora, pretender voar pela vida batendo asas
de branca e ingênua pombinha.
Muitíssimo auxilia neste ponto o exame do
próprio coração. Enumera uma vez as grandes e
pequenas traições, as falsas ou imprudentes j uras
que ele inspirou na tua vida, e compreenderás
melhor os arabescos de corações alheios. Recorda
u ma vez a espantosa habilidade de teu coração
em interpretar subtilmente compromissos assumi­
dos, ou dourar com desculpas atitudes dúbias ou
reprováveis no teu agir com relação ao p róximo.

o• 131
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Não estranhes que outros descrevam com seus
corações as mesmas órbitas, tão conhecidas do
teu. - Sobretudo nada de inj ustiças para com
esse coração. Muita, muita coisa pode-se pedir a
esse pobre coração humano. Pois j á escreveu, na
sua história, com a mesma tinta, páginas magní­
ficas e páginas vergonhosas. Podes lhe pedir muita
coisa, mas não lhe deves pedir tudo.
Avalia agora que tesouro nós temos no Cora­
ção fidelíssimo do mais amável e poderoso amigo
e Mestre, Cristo Senhor !
Além disso, a desilusão é, de certo modo, las­
tro p·ara o coração. Ai dele se for como palha no
oceano da vida !

2. Sou incapaz de semelhante coisa!


Próprio é dos santos uma viva e acentuada
desconfiança de si mesmos. Nenhum deles teria
coragem de dizer-se incapaz disso ou daquilo. E'
que se conhecim frágeis, suj eitos ao erro e ar­
rebatamento, ví timas de ilusões, merece d ores do
abandono de Deus. Como se saiu mal São Pedro,
ao afirmar que não abandonaria o Mestre, acon­
tecesse o que acontecesse !
Mas não é raró a j ovem retrucar, a avisos
bem ponderados, sua imunização diante de certos
erros. Em casa a mãe ouve essas palavras, quando
avisa, fala de sobressaltos que sente. Ao próprio
sacerdote a cristã declara-se firme e impecável,
ao lhe notar receios e dúvidas a seu respeito.
Mas é erro, leitora, tanta convicção de virtu­
de. Nunca te apóies com tanta segurança sobre
teus recursos morais, sobre teus hábitos adquiri­
dos numa esmerada educação. Aguarda os des-

132
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falecimentos que não se explicam, mas que tam­
bém não se negam. Vive de alerta contra 'ªs sur­
presas, as conspirações das circunstâncias do am­
biente. Não sabes que anda alguém como leão,
procurando devorar-te ? Não ouviste falar de um
es p írito que, expulso de uma casa, procura sete
companheiros piores do que ele e volta à antiga
morada ? E depois, tua alma tem mudanças brus­
cas na sua atmosfera interior. A pobrezinha co­
nhece o frio repentino, o calor enervante, a tor­
menta desorientadora, as geadas assassinas de
muita florada e colheita.
Não disse o Mestre que devíamos vigiar, "por­
que o espírito é pronto, mas a carne é fraca" ?
Pi r todos os poros da pele podem entrar as incons­
tâncias e cobardias diante do dever e da virtude.
Vigia, pois, as pequenas infidelidades ; repete
diante das tentações veniais a p alavra de uma
alma nobre : Elas são mortais p ara o meu coração.

3. Um programa para cada dia . . .


Ei-lo aqui como convite à tua vontade :
Nunca faças o que não desej arias que Deus
visse ;
Nunca fales o que não desej arias que Deus
ouvisse ;
Nunca escrevas o que não desej arias que
Deus lesse ;
Nunca leias o que não desej arias mostrar a
Deus ;
Não cantes o que não seja h armonioso para
Deus;

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Ni'ío vús aonde não quererias que Deus te
encontrasse ;
Nunca empregues o tempo de maneira que
receies ouvir Deus te perguntar : Que
fazes ?
Assim, com tal programa, viverás ao l ado de
Deus ; ou, melhor ainda : dentro de seu coração.
E que belo ponto para exame de consciência não
te oferece o acima exposto !

4. Coração porta-alfinetes
H á nos toucadores umas pequenas almofadas
chamadas porta-alfinetes. Guardam-nos sem sen­
ti-los sequer. E pelas casas, dentro do peito de
muitas j ovens, há corações que guardam muito
amor, recebem muito carinho, sem senti-lo tam­
bém. Tanto não os sentem que os desconhecem, não
os agradecem, não os retribuem. Coração porta­
alfinetes ! Muita mãezinha poderia me contar a
história de algum deles. Muitos irmãos, muitas ir­
mãs ou amigas, poderiam encher horas dizendo :
Era uma vez um coração de irmã, d e amiga . . .
E, quem sabe, até o Deus de amor está lembra­
do de corações :que dele receberam tudo, exigiram
tudo, provaram tudo, mas continuam sem lhe sen­
tir a bondade, como as almofadas os alfinetes.
Num ponto convém que tenhas um coração
porta-alfinetes. E' no sofrimento. Já escreveu al­
guém que toda mulher tem de viver crivada de
sofrimentos pequenos e grandes, como uma al­
mofada carrega alfinetes. Mas levará tudo sem
dizer nada, sem reclamar, quieta como o porta­
nlfinetes de teu toucador.

1 34
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5. Nada simpático
Inegàvelmente, à primeira vista não é nada
simpático o d ever. Apresenta-se com are s de pou­
cos amigos. Não traz "o ,melhor dos seus sorrisos"
nos lábios com que dita uma obrigação. Vários
motivos lhe dão essa fisionomia.
E' obrigatório . . e por isso não pede, nem
.

convida. Mand a : senhorita, faça isto e deixe aqui­


lo ! Por assim dizer, leitora, pega-te p elo braço e
coloca-te no teu posto sem olhar para o tempo
que há no céu. Despede-se novamente com um a
ordem : Teu lugar é aqui, ouvist e ?
E' múltiplo . . . e p o r isso se faz encontradiço
em toda p arte. Não há vereda ou atalho <,Ia vida
e do dia em que ele não estej a à espera de tua
graça. Nas várias relações sociais, nos diversos
compromissos religiosos, ei-lo escondido, sempre
pronto a ditar uma ordem. Varia, como os lu­
gares e as pessoas com que convives, lidas, te
divertes, trabalhas.
E' incessante . . . , quase importuno. Pois pega
de uma criatura no berço e só a deixa na sepul­
tura. Está dentro de cada hora da vida, de cada
palavra da boca, de cada desejo do coração, de
cada . ato da vontade livre. Quando falas com
Deus, ei-lo a teu lado. Se pensas no passado ou in­
dagas do futuro, logo o dever exclama : Presente !
E' prosaico . ., nada possuindo de poético, de
.

emotivo para a fantasia da j ovem leitora. Pois


todo o mundo tem um dever a cumprir, vive às
voltas com ele. Por ser tão "de cada dia", figura
entre ·as coisas fora de menção. Raras vezes se
erguem arcos de triunfo para celebrar o cum­
primento do dever. Mais raro ainda lhe é acen­
derem uma chama votiva.

135
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Mas assim mesmo, leitora, o dever é sagrai/o
por ser a expressão d a vontade de Deus. E' aben­
çoado porque melhora e dignifica o homem que
o cumpre. O que faz a água fria com o ferro em
brasa, faz o dever com a vontade do homem fiel :
tempera-a, enrij a-a, dá-lhe resistência.
O dever é como uma fornalha. Devora por isso
a ferrugem d a vontade que se entrega às suas cha­
mas, tornando-a incandescente na presença do
ideal.
Pobre moça que foge dos seus deveres, que os
sonega, que os ilude, que os regateia e deles se
esquece ! Pois a vida não tem bens suficientes para
indenizar do esquecimento de um só dever . . .

6. Puros devaneios e veleidades inúteis?


E' sabido que na vida cultivamos muitas
idéias, tão somente p ela volúpia inú til de p ensar.
Nelas se nos d e para uma simples beleza, lhes sen­
timos um a graç a de flor. Não passam de aquarelas
efêmeras do espírito, de p aisagens meigas da
imaginação. São lindas, mas nada criam. São co­
mo plantas aquáticas sem um grão de vida, sem
um fruto. - Assim pensa, em versos, um poeta
deslumbrante.
Com o bem e o ideal p o de acontecer o mesmo.
Receio que, em lendo estas páginas, queira muita
leitora apreciar tão somente as cores de pensa­
mentos, as flutuações d a fantasia. Apenas a in­
teligência e a imaginação vão voando atrás das
p al avras. E o coração fica de lado, sem um fru­
to, sem um grão d e vida, sem uma resolução des­
lumbrante em face do ideal cristão.
Entretanto, o livro quer ser esteira aberta p ara

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à quilha de tua vontade, j ovem cristã. Procura
trazer, de todos os quadrantes, brisas impulsoras
para a tua nau. Volta e meia se te depara uma
p alavra que vem de D eus. Mas desta vale a fra­
se : não pode voltar sem frutos à presença do
Senhor. Diante dela hás ·de ser, necessàriamente,
ou pedra que lhe veda a germinação, ou estrada
que a entrega às aves ·do céu, ou espinheiro que
a sufoca, ou terra boa que produz na razão de
cem por um.
Pouco adiantarás n a vida com a contemplação
de "aquarelas e paisagens para o espírito". Que
lucra o marinheiro que sonha com brisas favorá­
veis quando murchas e fechadas lhe estão as ve­
l as da nau, adormecida no porto ?
Devaneios e veleida des matam o homem e j á
mataram o preguiçoso - n o dizer d a Escritura.
Resolver e agir, avançar e empurrar a meta, à
proporção que se avança - eis a reta para tua
grandeza, leitora.

7. Vejo os homens como árvores . . .

Assim respondeu a Cristo Senhor o cego por


ele miraculado e perguntado sobre o que via. No
alvoroço d a alegria que despertava a luz, ·após
tantos anos de cegueira, o pobrezinho exagerou, a
imaginação lhe deu o tamanho das árvores aos
homens.
Mas, perdoemos ao cego semelhante excesso.
Tu, leitora, não mereces perdão, quando dás aos
homens a altura de árvores. Isto fazes ao exa­
gerares as qualidades de tuas amiguinhas, de teus
amiguinhos ( !) , de teu eleito. E' comum a moça
aumentar o tamanho, a s qUalidades, o valor, a

137
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apariçao da pessoa por quem é amada e a quem
ama por sua vez. Culpada de tanta mentira é a
fantasia. Deram-lhe por isso entendidos o nome
de "louca de casa" Com essa louca muita moça
tem amizade. E' frequente entre a s jovens a ex­
clamação : Mas eu tenho uma .imaginação !
A propósito lembro os perigos que tal fantasia
de rédeas soltas pode acarretar. Conta-se de uma
louca que, pela manhã, descia ·ao rio e nele la­
vava algumas tantas peças de roupa. Deixava-as
numa alvura de causar invej a. Depois, ao voltar,
atirava-as ao ·chão, sapateava sobre elas, j ogava-as
na lama e ·atirava-as pelo campo afora. Olha,
senhorita, essa louca é a tua fantasia. De repente
te apronta uma das suas. Se não a vigias, ela anda
devaneando por toda parte e isso chama-se perder
o tempo. Mais. Nos seus devaneios caminha à
beira do pecado. Do campo romântico, cai para
o sentimental e deste passa com facilidade para
um terreno malsão.
Durante meses a cristã trouxe sem mancha a
túnica da graça. Agora põe-se a fazer como a
louca das roupas : atira ao chão a candura da al­
ma, os pensamentos brancos, a graça santifican­
te. E tudo porque não vigiou a louca imaginação.
Entendes a presente linguagem, que nada mais é
senão um outro modo de discorrer sobre os tais
pensamentos maus. - Vejo os homens como ár­
vores ! E a moça de fantasia deixa-se levar num
arrebatamento de paixão e aumenta as pequenas
boas qualidades da pessoa querida ; ou, então,
na exagerada antipatia, faz da criatura com pe­
quenas falhas uma "árvore", cuj as folhas repre­
sentam os numerosos e variados erros e defeitos
da antipática.

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8. Abelha ou mosca?
E' bem diferente a atividade de uma e de ou­
tra. Uma vive entre p étalas, entre perfumes, à
busca de uma doçura que lhe forme o favo sa­
boroso. A outra é impertinente no seu voej ar,
sabe apenas pousar sobre chagas e feridas. Causa
noj o, é temida, é perseguida, é de fato uma fonte
de contágio em muitos casos.
A moça cristã torna-se abelha quando é cari­
dosa nas suas conversas. E' mosca, se de pref e­
rência pousar sobre as chagas de erros e faltas na
vida do próximo. Fica-lhe tão bem ser abelha,
procurar o que há de doce e agradável nos atos
do próximo, o que há de belo e nobre no seu
procedimento 1 Entretanto, não é enxame de abe­
lhas que se reúne, mas bando de moscas que se
aj unta sobre feridas, essa roda de moças que es­
tão conversando e rindo e fazendo suas críticas
sobre o próximo.
Falam mal dos seus superiores, das suas mes­
tras, das suas amigas, das suas rivais, das desco­
nhecidas e conhecidas. Nem a religião, nem Deus
e os seus santos lhes escapam . . . Essa maledicên­
cia nasce ou da invej a e perversidade, ou da vai­
dade e leviandade, ou da conivência pusilânime.
Em falando do próximo, leitora, presume an­
tes de tudo o bem. Presumi-lo não é ainda crer ce­
gamente nele, sem razão ; pois a bondade não ex­
clui a prudência que proíbe a confiança indis­
creta. Significa apenas aceitar a honestidade e
bondade do próximo, até ·que venham as provas
em contrário. Depois desculpa-o nos erros e nas
faltas. Pois a cristã condenará sempre o erro,
mas terá pena de quem erra. Todas as circuns-

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tâncias que podem inocentá-lo ou a tenuar lhe -

a culpabilidade, sej am-te benvindas. Mas se tudo


conspira para mostrar ·que o pró�imo é mau, é
perverso ? Então, em vez de condená-lo, dele te
compadeças, p edindo a Deus que o converta.
Pergunta te : Se eu estivera nas mesmas con­
-

dições de fulana ou sicrana, não faria o mesmo ou


até pior ainda ? Termina agradecendo a Deus
que te livrou de tais e tantas faltas. - Termina­
das essas reflexões, p artirás como abelha que
leva o melhor da flor : seu n éctar.

XV

1. Ela o queria assim . . .


Preciso de que alguém me compreenda e que
me queira tal qual sou, sem querer forj ar ideais
numa costelinha de Adão. - Assim expunha uma
j ovem o program a de seu coração, relativo ao
companh ei ro de vida.
Está certo, ninguém deve dizer o sim do amor,
na sol eni d a d e das núpcias, sem ter certeza de ser
compreen d i do. Uma moça que não é compreen­
dida pelo seu e lei to, nem o será depois pelo es­
poso, viverá certamente numa contínua soledade.
E d e soledades, diz o poeta, que pior do que a
de um ermitão é aquela de dois em companhia.
Mas, de outro lado, por que j ulgar-se uma cai­
xinha de segredo ? Por que s e ter em conta d e
uma esfinge n o deserto, d e um enigma e m en­
cruzilhada ? Há vaidade nessa convicção de muita
j ovem. Nem tão misteriosos lhe são os labirin­
tos do coração, nem tão pouco intuitivo é o ver­
dadeiro amor de um esposo, para que restem sem
compreensão os anseios de sua alma de moça. Não

140
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lhe é o coração um mar profundíssimo, mas sim,
em geral, um lago sereno e transparente. Muito
a ajuda neste ponto a prática integral da reli­
gião, as luzes vivas d a piedade. Assim fugirá de
toda hipocrisia que desvia as vistas dos que a pro­
curam compreender e surpreender com amor e
bondade.
De outro lado, é inegável, quem procura com­
preender o seu eleito é fàcilmente compreendida
por ele. Há uma permuta de impressões, de des­
vendamentos. Parece haver até uma mútua re­
flexão de almas.
Diz a Escritura que mesmo das pedras pode o
S enhor tirar seus eleitos e pregadores d e suas gló­
rias. Ora, será então um erro forj ar uns quan­
tos ideais numa costelinha de A,dão ? Andará mal
o moço que tiver uma lista das qualidades que
necessàriamente há de exigir de sua noiva ? E
por que p o derá essa mesma costelinha exigir uns
quantos ideais do rapaz ? Nesse mútuo exigir há
não poucas vezes um amável plano da Providên­
cia, desejosa de levar os homens à p erfeição pe­
las veredas do coração. Por isso, vivam as exi­
gências e b em-aventurados os exigentes!

2. Sétima sensível . . . .
Não sei se a leitora estuda música e j á se en­
controu com a sétima sensível. Basta-lhe, em todo
caso, saber que se trata de uma dissonância, ansio­
sa de ser resolvida numa consonância agradável.
Ora, alguém comparou a moça, antes <lo casa­
men.to, a uma sétima sensível. Afirmou que, en­
quanto solteira, sente a jovem a ânsia de algu­
ma felicidade, de algo a lhe resolver a dolorosa

141
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dissonância. Teria ele acertado, se tal houvesse
afirmado com referência à escolha de qualquer
estado de vida. Pois a j ovem que não se casa, e
vai servir a nosso Senhor no convento, não é dis­
sonância. Tão bela consonância é, que os peque­
nos, os pobres, os velhos, os necessitados de uma
harmonia na vida, se sentem agasalhados e con­
fortados perto dela. Aquela que permanece vir­
gem, sem família própria, tem muitas vezes a
beleza de uma canção. Vive isolada, mas como
árvore frondosa, acolhedora e com os frutos que
lhe são peculiares.
Quantas vezes, após um casamento feliz, a
moça continua uma dissonância ! Continua irri­
tante sétima sensível, incapaz de descer para a
agradável consonância que lhe está tão próxima?
E por quê ? Porque a primeira missão da mulher é
o devotamento. Só ele lhe resolve as desarmo­
nias da alma. Com este devotamento conta o Cria­
dor, contam as criaturas, conta a própria felici­
dade da j ovem. E' a mulher uma chama que se
apaga quando não tem o que iluminar e aquecer.
A cristã sabe que a Deus compete lhe indiear
o cantinho no qual tem de luzir como estrela pro­
videncial e meiga. Nesse cantinho há de dar lar­
gas ao seu coração, numa dedicação constante,
sobrenatural, paciente, imoladora. Isto fazendo,
j á resolveu a sétima sensível na sua existência. Já
é uma linda consonância. Ao ouvi-la, os homens
caminham mais confortados pelas sendas deste exí­
lio . . . Longe de ti, leitora, a idéia de prenderes a
tua felicidade tão somente ao casamento. Ela está,
antes de tudo, dentro de ti e nas esferas de teu
devotamento a Deus, ao próximo, à tua alma . . .

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3. Essa inconstância !
Ontem dizias e cantavas, em todas as tonalida­
des, que a vida era uma festa constante e perene.
Hoj e exclamas que é uma farsa sinistra. Ontem
tinhas cores vivas p ara lhe colorir todos os por­
menores. Hoj e nem sabes como denegri-la sufi­
cientemente. Mas ontem como hoj e exageravas.
Ontem falavas como uma tonta e hoj e monoÍo­
gas como uma desesperada. Vendo-se a tonta,
tem-se pena da desesperada e vice-versa.
De onde te vem tal inconstância ? Da falta de
uma convicção serena sobre a vida e sua finali­
dade. Há um livro que define muito bem a vida,
muito bem lhe traça os horizontes e limites, as
perspectivas e normas, as finalidades e os deve­
res. E' o Evangelho. Ali vês tua vida comparada a
um campo . Há nele um tesouro oculto. Cumpre
guardá-lo p ara g arantir o tesouro. Mais adiante
ele te diz que a vida é uma seara, que deve ser
vigiada p ara que não lhe semeiem de p ermeio
a cizânia e o j oio. Verás, depois, como a compa­
ram a uma árvore que ocupa lugar, sem dar fru­
tos por algum tempo. E ainda o Mestre te falará
de uns talentos confiados à vida, em cuj o fim ele
exigirá outros tantos talentos equivalentes aos que
entregou. Por fim lerás que essa vida se iguala
à prontidão do servo que fica vigiando, até que
chegue inesperadamente o amo.
A isso aj unta a palavra de teu catecismo -
coitado, j á vive esquecido ! - no qual leste um dia,
com alma crente : Estamos neste mundo p ara co­
nhecer, servir e amar a Deus, p ara depois ser
feliz com ele na glória . . . Até hoj e não apareceu
filosofia que nos desse definição m ais bela, mais
cabal, mais abençoada, do que a do catecismo.

143
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A vida não tem, portanto, a missão de realizar
teus sonhos de mariposa deslumbrada com a luz,
ou chorosa pelas asas que perdeu. É-lhe missão
conduzir-te para mais perto de Deus . . . Diante
dela os ingratos não se lembram de agradecê-la,
os gozadores a maldizem ou profanam, e só os
santos sabem bendizê-la. Não a insultam por cau­
sa dos sofrimentos que traz ou pelas alegrias
que lhes rouba e recusa. Com tal base é impos­
sível a inconstância de ventarola.

4. Fruto proibido . . .
Prová-lo é sentir-lhe depois o travo. Várias
podem ser as formas e aparêndas desse fruto,
mas o sabor final é sempre o mesmo. Já o disse­
ram aquelas que sempre colheram esses frutos,
aquelas que j amais deixaram a sombra de árvo­
res de tais pomos.
Mas a alegria que me oferece um fruto proi­
bido ? ! Essa alegria é bilhete branco. Não traz a
sorte grande da alegria verdadeira e completa e
saudosa. Pois não p assa de uma ilusão tentadora­
mente vestida, fingidamente acariciadora.
E' uma alegria breve. - Tem ares de um
compasso "allegro", escoa como as notas de uma
valsa apressada. Deixa ao invés sulcos de remor­
sos, de vergonha, de desânimo, e mesmo se atre­
ve a abalar os alicerces da crença.
E' uma alegria falsa. - Foi abatida, foi aba­
fada a voz da consciência p ara se possuí-la. Mas
alegria é harmonia de sen timentos, de vozes in­
ternas. Como tê-la, se a consciência está berran­
do, está protestando ?
E' uma alegria vã. - Queres uma p rova ? Ei­
la no afã com que a pecadora procura outra <listra-

144
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ção, outro narcótico. Pois percebeu que foi lo­
grada. Deu muito mais e muito pouco recebe u
de volta.
E' uma alegria louca. - Tod a culpa merece
castigo, no grau de sua grandeza. Este virá -cedo
ou tarde, neste ou no outro mundo. O que motiva
o erro neste ponto é a distância do tempo de aj us­
te das contas. Para nós, cristãos, essa distância
não existe, visto os termos claros e ameaçadores
do nosso Mestre : Eu virei à hora em que menos
esperais. E depois d a morte vem o j ulgamento e
depois dele a pena a ser paga pela loucura de
alegrias estouvadas.
Por isso, leitora, escolhe tuas alegrias e exa­
mina-as ao clarão da lâmpada do santuário, à
sombra das asas de teu anj o da guarda. Já são
tão poucas as alegrias nesta vida, e queres ain­
da ser iludida e errar ao es-colhê-las?
Do berço à tumba - há u m caminho
Que todos têm de transpor:
- De passo a passo - um espinho,
De légua em légua - uma flor!

Se de passo a passo procuras uma flor, encon­


trarás o espinho, e o remorso que punge.

5. O que as outras falam


"Mas também não inclines teu coração a ou­
vir todas as palavras que dizem" ( Ecle 7, 22 ) .
Conselho de sábio é esse que acabas de ler. E'
comum fraqueza das moças essa demasiada im­
portância que dão ao falatório das outras. Omi­
tem deveres, tornam-se como as amigas pouco
aj uizadas, só porque receiam que delas se fale.
Sobre o assunto nota-te, leitora, três normas. Ser··
vir-te-ão de conforto e encoraj amento.

Audi filia - 10 145


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Os outros não podem deixar de julgar-nos. -
Digamos ou façamos o que quisermo s, sempre a
vida em so cie dade nos suj eita ao j ulgamento do
p róximo. E' i ss o coisa inevitável. Nem o próprio
Mestre da hum ani da d e - Cristo Senhor - pas­
sou inj ul gado pelos seus conterrâneos e contem­
po râneos E o discíp ulo não pode estar acima do
.

Mestre. Exato ou falso, severo ou indulgente - o


próximo faz j uízo sobre cada um de nós.
E' n ecessário ligar uma certa importância a
esse juízo. - Louvor e censura são u ma espé­
cie de sanção com que a sociedade denuncia as
faltas e assinala os méritos (Bellouard) . Assim,
tal censura bem pode revel ar nossas faltas reais
e verdadeiras, apontar defeitos inegáveis, influir
no exame de nossa consciência e desfazer nossas
ilusões. Se de um lado essa apreciação pode ser
merecida por nós, de outro l ado pode o p róximo
ser até sincero, quando nos j ulga deste ou da­
quele modo. Em mu itos casos existe, além disso,
a boa intenção por parte dele. - Quando somos
j ulgados e louv ad o s, temos então mais um motivo
de j úbilo Ficam assim patentes nossas reservas
.

desconhecidas ; ficamos mais encoraj a dos e ani­


mados vendo nossas aptidões e responsabilidades ;
ficamos defendidos contra o pessimismo. Pois
nem sempre o louvor alheio é adulação ou fin­
gimento calculado.
Erras muito, leitora, se desprezas por com­
pleto tanto o louvor como a censura das outras.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra. No meio está
a verdade.
Não se ligue demasiada importância ao falató­
rio alheio. - Na censura de que somos objeto
pode ter a p alavra a ignorância do próximo, a

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malícia, a bobagem, a inveja, o despeito de quem
nos cerca. Nesse caso não impedem que sej am
retas nossas intenções e reais nossas qualidades.
O louvor com ·que nos incensam pode nascer
de uma culpável complacência, de um secreto de­
sej o de receber louvores em retribuição, ou mes­
mo, às vezes, provém de uma perniciosa cumpli­
cidade no mal. Tal louvor nada significa. E' an­
tes uma amostra da bondade do próximo, do que
j ustiça aos nossos méritos.
Assim, leitora, não percas o equilíbrio de tua
alma, nem a linha de tua conduta diante do que
os outros dizem. Pergunta-te às vezes : Que dirá
de mim o Deus dos céus ? (Segundo Bellouard) .
6. Felicidade, onde moras?
Felicidade? Hei de atingi-la ! Salto muralha
por muralha, ergo-me, voo, agito todas as asas
da alma, atrás desse enganoso mito . . . (H. Fontes)

Será então verdade tudo isso que diz o poeta ?


Será preciso agitar todas as asas da alma, saltar
por muitas muralhas, voar, para possuí-la ? Não ;
apenas três coisas são necessárias :
"Sabe a.baixar-te para recolhê-la
Sabe sorrir para não assustá-la.
Sabe ser boa para conservá-la . ..

Ela não está nem muito oculta, nem muito


distante, nem muito alta. Irradia de toda alma
unida a Deus" (S. Sylvain) .
7. Queres uma vida assi m?
Parece um apaixonado aquele caudal, lá na
serra. Vem saltando por sobre pedras, espumando
de raiva nas laj es, atroando a selva com o esca­
choar de suas cachoeiras ruidosas. Corre, arrasta
na sua correnteza, no mesmo gesto desequilibrado,
pau e flor que se lhe atirem nas águas . . .

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Depois . . . Lá em baixo, os homens represam­
lhe as águas e obrigam-no a cantar baixip.ho a
toada dos humildes, a entrar silencioso em casa
pelos canos em que o conduzem.
Há vidas que são assim : correntezas, corredei­
ras encachoeiradas, estonteantes. Há moça cuj a
existência é um rUinor contínuo, llill esbravejar
sem tréguas, um arrebatamento habitual. Quem
entrega sua vida às paixões vem dar nisso. De­
pois inculpa o gênio, os nervos, o caráter, o am­
biente, os outros, as outras . Para que tal não
aconteça, leitora, grava na memória o seguinte :
Sob o regime das paixões tem se uma vida
-

sem nexo. - Pois a paixão é caprichosa, volúvel


como a nuvem do céu, como o caniço do brejo ;
vive à mercê das ocasiões e dos acontecimentos.
Já observaste isso na vida, naturalmente, das . . .
amigas. E não terão elas observado o mesmo em
tua vida ?
Sob o regime das paixões tem-se uma vida
sem ordem. - Pois cada paixão manda e proíbe,
convida e rej eita, suj eita-se e revolta-se às cegas.
Reunidas destronam a consciência, baralham a
razão, escravizam a vontade e lá por dentro im­
plantam o governo, onde todos mandam e nin­
guém obedece.
Sob o regime das paixões tem-se uma vida
sem fecundidade. - Há tão somente uma sucessão
intérmina de sensações e prazeres, sem regra e
sem obediência à voz de Deus. Não existe o cuida­
do de agradar ao Criador e Pai, falta por comple­
to a preocupação de amealhar méritos que fiquem,
nem se cogita seriamente da alma e seu destino.
Ordem e paz, vida serena e fecunda, só existem

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quando Deus nos governa e as paixões lhe ouvem
a voz, seguem-lhe as normas e respeitam-lhe a s
proibições . . . Se deixares tuas paixões, bravias
como uma corredeira, alguém um dia ira apro­
veitar-se delas, escravizando-te, cristã e leitora.

XVI

1. Cansaço de muita gente . . .


Fulana está cansada. Ela não sabe, ninguém
sabe por que e de que está cansada. Mas o está.
O doutor j á o disse, ou então a mãe o assegurou,
ou finalmente a própria senhorita o afirma com
indiscutível seriedade.
Por estar cansada, fulana não vai à missa, não
reza, não lê livros, ao menos os que tratem de
piedade. Todos lhe concedem o direito de descan­
sar, de reduzir e diminuir ao mínimo todo esforço
de pensamento, de palavra, de amabilidades
costumeiras:
Mas, isso tudo não obstante, fulana lê durante
horas a fio um emocionante romance ; tem j á os
olhos congestionados de tanta leitura. Por cansaço
omitiu a missa, mas agora vai ao baile, porque
alguém notaria a sua ausência, a espera com o
auto à porta. Cansada, quedou-se muda e som­
bria. Mas agora é j á um sorriso perene.
"Portanto, nossa fulana está e não está cansa­
da. Tem 39 graus de febre e ao mesmo tempo 36
graus e pouco. Tem medo da friagem e corre a
enfrentá-la. Todos a lastimam por estar cansada,
e por não estar cansada ninguém lhe presta inte­
resse. Que pena ter o mundo a seu serviço uma
senhorita que não se cansa, quando Deus, para

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servi-lo, possui nela uma cristã que se cansa de­
pressa" (Bellouard) .
Dize-me, leitora ; não está cansada . por ho­
. .

rário, a exempio desta preciosa fulana senhorita ?


Ou, pelo menos, j á algum dia te sentiste muito
cansada porque se tratava de Deus, e muito dis­
1
posta ao soar a hora do mundo, da sociedade ?
Os deveres sociais, numerosos e fatigantes que
fossem, nunca te -viram cansada, quem sabe. Con­
tudo, o pobre sino da matriz, logo pela manhã,
te encontrou cansacdissima para as funções reli­
giosas ou atos de piedade !
O melhor é confessar: tenho sido pouco sin­
cera, fingid a mesmo, com Deus e meus compro­
missos religiosos. Mais : para os trabalhos da ação
católica no teu setor és, possivelmente, uma eter­
na cansada. Sê-lo-ás também diante das exigên­
cias de . . . um rancho, na ocasião do carnaval ?
2. Desejo de uma infeliz
Infeliz de quem no silêncio do coração desej a
morrer, enquanto resta um sacrifício que fazer,
uma felicidade a procurar, uma necessidade para
prevenir ou uma lágrima p ara enxugar. Tens aí
um aforismo de Mme. Swetchine.
Não é inoportuno repetir esse conceito às leito­
ras. São numerosas entre elas as ,desej osas de
uma morte . camarada. Cansaram-se depressa
e agora anelam pelo fim, pelo repouso. E' ver­
dade, tal desej o lhes fica apenas na superfície da
alma. De resto, a vida nelas entoa todos os lieder
de sua primavera.
Mas ainda assim não é nobre desej ar a morte,
quando os sacrifícios bradam as chamas de qual­
quer altar sagrado. Se desapareceres, jovem, é

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possível que ·determinada felicidade, a surgir em
dia tal e tal, se perca no horizonte para nunca
mais voltar. Quanta moça, com todos os ·defeitos
que tem, é ainda um raio de sol dentro de casa !
Nele se aquecem os velhos pais, ou brincam as
singelas esperanças da irmãzinha.
Que é melhor : enxugar uma lágrima, mesmo
com as mãos a sangrar, ou ter o repouso da des­
caridade ?
Pois aí podemos medir da nobreza do desej o
daquela também que só suspira por se ver livre
de sacrifícios, embora queira viver num vale de
lágrimas. Longe com tais desej os. Procuremos a
felicidade apesar dos cardos e abrolhos deste mun­
do. Faremos assim o mais doce e expressivo elo­
gio daquele a quem amamos. Por demasiado se
esquecem as boas cristãs que ao próximo devem
não somente o ensino de suas virtudes, como tam­
bém o exemplo de sua felicidade, de seu contenta­
mento, não obstante as chagas dolorosas, as penas
cruciantes e teimosas da vida.
Se sofres, não precisas te "fechar na alva túni­
ca ondeante dos sonhos" Orna-te com a estrela­
da veste de um ideal cristão, com a rubra túnica
que o Crucificado te legou na cruz.

3. Região desconhecida
Sabes qual é a região mais desconhecida ? Não
é aquela que nem os mapas geográficos assina­
lam, ou mencionam apenas como terra de índios
e florestas virgens. Essa região desconhecida não
fica nos gelos dos polos. Fica pertinho de ti, den­
tro de ti mesma.
Tal se dá porque, em geral, o homem não co­
nhece a si mesmo. Estuda muita coisa, fica ao par

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da vida do seu próximo, mas desconhece a si mes­
mo. Tão triste realidade não derruba a verdade
do princípio, que a ciência mais necessária é o
conhecimento de si próprio.
O grande Bossuet afirmava convictamente :
"A ciência mais necessária é o conhecimento de si
mesmo. Mais vale conhecer todos os defeitos que
temos, do que estar ao par dos segredos do Es­
tàdo, dos enigmas da natureza" Os gênios des­
cobriram segredos da natureza, enquanto os santos
descobriram os defeitos que tinham e os comba­
teram galhardamente. Foram maiores por isso do
que os sábios. A prece mais bela de Agostinho,
gênio e santo, é aquela em que diz : Senhor, fazei
que eu me conheça a mim e a vós !
Quanto erras, moça, quando ficas querendo
mal a quem te ajuda nesse conhecimento, por
críticas e exatíssimas observações ! Olhos estra­
nhos vêem melhor e são meno s interessados do
que os teus, tão benignos em apontar os defeitos
próprios. To da verdade que entra em tua alma é
saudada pelo anj o que se aj oelha à sua soleira.
Ele venera-a como um raio de luz saído de Deus.
Pois é uma verdade que te vai corrigir, melhorar,
aproximar de Deus. A ilusão a nosso respeito
nunca nos melhora ou nos torna mais queridos
a Deus e aos homens.
Pràpriamente, se pensasses bem, terias horror
às amigas que te cobrem os defeitos, ou lhes dão
nomes muito bonitos, e muito quererias às "anti­
páticas", que rasgam a tela onde te estampas num
colorido lindo, mas irreal.
E se neste livro alguma página espelhou tua
alma e teus defeitos, não lhes faças por isso uma
careta, nem passes adiante, amuada. No dia do

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j uízo o grande ledor dos corações porá tudo às
claras. Ficarás menos surpreendida, se de ante­
mão souberes os nomes das falhas que te serão
lembradas.
4. Calotes do mundo
Não é de hoj e que o mundo promete coisas
de fadas e paga com surpresas de bruxas. Linda,
inteliaente, querida pela Áustria inteira, Maria
Antonieta corria pelos corredores do palácio, al­
voroçando a todo mundo : Felicitem-me : sou noi­
va do rei de França, serei rainha da França !
Realmente, era noiva, e depois esposa de Luís
XVI. E depois, era a prisioneira da revolução, com­
parecia à Assembléia Nacional e era guilhotinada
na praça pública, sob as pragas da multidão.
Que mundo caloteiro e cruel ! Que crepúsculo
de sangue preparou para os lindos sonhos de uma
noivinha boa e feliz !
Maria Baschkiseff era j ovem e endeusada pe­
la mãe, por ser bela e artista na pintura. Ganhou
renome ; seus quadros entraram p ara o Salão de
Paris. Conquistou o segundo lugar na lista dos
prêmios. Depois veio o grande prêmio dado por
um pastel apreciadíssimo. Enquanto esperava por
ele, martirizou-se, passou as noites em febre, deli­
rando com a glória. Veio o diploma e com ele o
louvor, a menção honrosa, a glória de um renome.
Mas - que dura realidade ! - não encheu o cora­
ção da j ovem. Despeitada, desiludida na sua espe­
rança, Maria toma do diploma e, num gesto de
criança travessa, amarra-o à cauda de um cão­
zinho. Teve mais alegria em ver o animal divertir­
se com o tal canudo, do que em expô-lo na sala.
E sempre o mundo é assim caloteiro, e nega-

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ceador ao mesmo tempo. Entretanto, o erro é nos­
so. Dá-nos o mundo o que tem, ell}- toda a insu­
ficiência que lhe é natural. Nós é que j á d evía­
mos estar ensinados no assunto. Fomos feitos
para outras aventuras e sentimos o logro quando
procuramos narcóticos.
Amável recurso da Providência é essa desilu­
são, esse logro. "Vieste ao mundo para deixá-lo",
observa Agostinho, o santo e o filósofo. Por isso
tenha-se n a conta de feliz quem não chega a ter
ilusões sobre as "belezas e alegrias da vida" O
canto de alegria deve ser apenas para consolo no
trabalho e não para o deleite de quem descansa.
Quando a j o vem cristã não quer "acreditar" nessa
realidade, Deus se encarrega de fazê-la "sentir"
esse martírio.
5. Ânsias e brisas
Dentro do peito trazemos, na frase do poeta,
um oceano de vagas e brisas. Justamente a alma
feminina é ninho de ânsias, de agitações. Preci­
samente na mocidade encrespam essas brisas de
ânsias o sereno espelho da alma. Importa por isso
saber apanhar essas brisas, com elas enfunar as
velas do veleiro da vida e assim velej ar por
imensidões.
Muita moça entrega-se ao cismar futuros e
coordenar devotamentos. Parece que a felicidade
passou por ela e lhe disse b aixinho ao ouvido
alguma coisa. Eis agora nossa j ovem toda en­
tregue a sondar rumos e consultar o coração com
seu poder divinatório.
Mas, cuidado, leitora. Nada de pôr bem longe
a meta de tuas ânsias. Olha, teus deveres estão
a teu lado. Os de hoj e precedem aos de amanhã,

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e quem larga o presente não pode ·alcançar o fu­
turo. Nada de atropelos : as horas do dia suce­
dem-se com suas particularidades de sossego, de
agitação, e sonho, e. repouso. Assim também
vão soando as horas de teu coração.
E' uma arte difícil, porém necessária, o saber
esperar pelos minutos que te separam de uma
felicidade, de um divertimento, de um sacrifício,
de uma alegria. Nem tudo se pode ter a cada mo­
mento. O que é antecipado é como fruto que não
amadureceu sob o fogo do sol, como flor que não
se abriu no viço de cores e fragrância. Queres por­
ventura pertencer ao número das que não com­
preendem esse misterioso sentido da vida ? Nunca 1
Pois então resolve-te a adotar o princípio : Cada
palavra, cada livro, cada oração, cada cruz, cada
sorriso - tudo, enfim, tem sua hora de chegar, de
apresentar-se, de te dizer alguma coisa. Até o
Deus da eternidade tem "sua hora e seu dia".
Quando, por conseguinte, lá dentro do coração
houver atropelo de perguntas e respostas impõe
silêncio a tais vozes. E' a ilusão de muita moça
pensar que o ruído das palestras e festas pode
abafar o vozerio do mundo interno. Pelo contrá­
rio. O mundo só traz para as praias do coração
o escachoar de seus vagafüões fugidios.
6. E assim serás fiel
Tudo se adquire, mas nada se obtém sem luta.
Ciência, virtude, caráter - são louros de pelej as.
Entra na lista das conquistas a fidelidade. Quan­
tas j uras faz a mocidade 1 E' tão fácil em dar sua
palavra de honra 1 Mas também raramente se
vê pelej ando pela fidelidade nos compromissos.
Para seres fiel, leitora, observa o seguinte :

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Cultiva sempre o ideal da fidelidade . . . Nada
enobrece tanto corno um ideal luminoso. Nele crê,
porque, do contrário, não o procurarás. Nele fita
os olhos, embora ao redor de ti haj a tanta infi­
delidade à p a l avra. Não significa essa fé que se­
j as, entretanto, cega às inegáveis realidades e
traições que te cercam, que observas dia por dia,
às vezes até com dolorosa surpresa.
Não te entregueis aos cegos instintos ido cora­
ção . . . E' certo, algumas espontaneidades fogem
ao controle da razão. Borbulham e brotam à tona
da alma, antes que a consciência possa intervir.
Ora, j á sabes que, de tudo que nasce em nós, só
pode vingar e viver aquilo que é aprovado pela
consciência. Tentarás em vão caminhar atrás des­
se ceguinho de nascença, que é o coração. O po­
brezinho envereda logo por trilhos proibidos e
desmancha num relance a seriedade de tua pala­
vra empenhada.
Escolhe tuas ternuras . . . Há moças que que­
rem colher braçadas de flores no j ardim da ami­
zade. Mas a amizade vicej a com raridade de edel­
weiss dos Alpes. Disse um pensador que cada sé­
culo, quando muito, pode apontar três casos
de verdadeira amizade. Pode haver pessimismo
no aforismo, sim. Não obstante, é certo que não
é possível fazer de teu coração uma colmeia,
onde todas as abelhas da vizinhança possam
encontrar favos de mel.
Tem em alta conta os compromissos ,do cora­
ção . . . Por isso não pronuncies sem reflexão pa­
lavras "que comprometem seriamente na amizade
e solenemente no amor". Do contrário, tua fideli­
dade será como o fiel da balança : pende sem-

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pre para a concha mais pesada� mais atraente
e sedutora.
7. Múmia perfumada . . .
Dentro das milenárias pirâmides repousam
as múmias dos faraós do Egito. Silenciosas, per­
fumadas, recamadas de ouro e j óias, lá se que­
dam tranquilas e . . . sem vida. Ao lado delas
um grãozinho de trigo vale mais.
Discordas ou duvidas ? De um grãozinho de
trigo poderá n ascer uma loura espig a ; desta virá
a cândida farinha e depois o pão, a vida. Sim.
O grãozinho é uma coisa viva ; a múmia é um
cadáver enfeitado.
O mundo, leitora, tem princípios enfeitados, e.
antigos, vistosos e . . . mortos como as múmias.
Comparados a uma palavrinha do Evangelho -
grãozinho de trigo - que valem ? Fica, portanto,
com o que lês no livro de Deus e não queiras mor­
rer de fome, com as mãos cheias de j qias de múmias.
O mundo quer que a mocidade se enfeite, sej a
garrida. Inventa modas, promove exibições, canta
e celebra, em prosa e verso, em sons, em estátuas,
a beleza feminina. Mas, que adianta ser uma mú­
mia festej ada e inútil? E' preferível ter a modés­
tia e a pequenez do insignificante grãozinho de
trigo, mas, como ele, ter a vida em si.
Receio que alguma leitora pertença ao número
das múmias, porque traz um corpo ornado, perfu­
mado, vistoso, mas arrasta-se como inutilidade
p ara Deus. Não tem a vida da graça santificante.
Perdeu-a por graves descuidos e desamorosas de­
sobediências :'i lei do Pai celeste. Para os céus é
múmia sem vida. Nada lhe valem suas ações, não
há méritos eternos no que faz e no que diz.

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Vamos, leitora, trata de ser alguma coisa viva,
unida à Vida, unida à Videira ! Trata da tua vi­
talidade cristã, como criatura santificada e santifi­
cadora do que faz. Por p equena e insignificante
que sej as, terás a fecundidade do grãozinho de
trigo. És vida e trazes a vida contigo e a suscitas
e alimentas em outros. - Já ouviste falar no cam­
po-santo ? E' nome dado ao cemitério. E nome
muito bem escolhido e fortemente expressivo. Pois
para ele irá teu corpo de cristã, mas como grão de
trigo entra n a covinha que lhe destinaram, para
ser o berço de uma colheita. Há de ser calcado
aos pés, desfaz-se na terra, mas ressuscita gracioso
e abençoado. Assim teu corpo não pode baixar à
sepultura como a múmia ; irá como princípio de
vida, destinado a ressuscitar imortal, impassível,
luminoso, glorioso. Mas agora tens de tratá-lo como
se trata o grãozinho de trigo : esconde-o, guar­
dando-o na modéstia, na mortificação. Faze de
teu corpo um digno sacrúrio de nosso Senhor, a
quem recebes n a Eucaristia. Pois ele diz : O que
come a minha carne e bebe o meu sangue tem
a vida eterna e cu o ressuscitarei no último dia
(Jo 6, 55) . - Despede-te, logo e para sempre, das
múmias perfumadas, tu que és grãozinho de trigo
nas mãos de Jesus Cristo . . .

XVII
1. Dirigida . . .
Quem é uma dirigida ? E' uma criatura que
tem um diretor. Assim a definiu com ironia La
Bruyere. Não diz que essa j ovem ou senhora sej a
mais humilde, mais suj eita, menos apegada às
comodidades da vida. Tão somente se nota e se

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sabe que é dirigida porque tem um diretor. Já
isso, leitora, é um mal, porque mostra o pouco
esforço em melhorar seu caráter e seu gênio, em
vencer os defeitos. Serás também tu uma diri­
gida . . . , só porque tens um diretor?
O fado sobrenatural deve prevalecer na esco­
lha do diretor. Há quem o escolha porque é céle­
bre, porque as amiguinhas falam dele, porque é
espirituoso, porque é chie lembrar-lhe o nome em
certas rodas. Pois não há modas para a alma?
Simplicidade e sinceridade é o outro elemento
para uma direção frutificante. Isso de aj untares
nas tuas confissões cores e contornos, palavras e
rodeios, turvam a clareza da idéia que sobre ti de­
ve fazer o sacerdote. De todo o ouro de desculpas,
de circunstâncias atenuantes que aj untas, sai ape­
nas num ídolo de ouro p ara tua vaidosa adoração.
Sobriedade não falte nesse assunto. Necessitas
mais de ação do que de palavras. Precisas andar
e não perderás o tempo conversando sobre o ca­
minho j á velho conhecido, j á tantas vezes indi­
cado. Depois . . . por que demorar tanto e falar
,tanto no confessionário ? As almas são como as
árvores. Não crescem aos saltos, aos arrancos vi­
síveis, de semana em semana. E' lenta a evolu­
ção, a floração, a frutificação. Quanto tempo rou­
bas ao sacerdote ocupado, se dele exiges que te
ouça inutilmente !

2. Vale por doze . . .


- Vamos lá ver o homem que me disse tudo
quanto tenho feito ! - bradava a samaritana aos
homens nas ruas de Siquém. Tanto falou, contou ,
convidou, repetiu a mesma coisa, desarmou a mes-

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ma desculpa, que reuniu muitos homens e os levou
ao poço, a cuj a borda se assentava Cristo Senhor.
Que por doze apóstolos valha uma mulher re­
soluta, afirmou criterioso autor. E ainda ajuntou
que até para pregar sobre os telhados valia a pro­
porção. E por que a leitora não há de valer por
doze, trabalhando como apóstol a ? Para aliviar a
pobreza dos pequenos e dos grandes, é comum a
moça desdobrar-se em muitas atividades, repartir
entre várias associações o seu tempo, o seu di­
nheiro, a sua generosidade. Mas o maior pobre é
aquele cuj a alma anda faminta, sedenta da j us­
tiça, cega pelas paixões, pelo respeito humano.
Se é preceito da caridade aj udá-lo na miséria,
dando do supérfluo que se tem, quanto mais não
o será valê-lo na indigência espiritual, dando do
muito que se tem em auxílios religiosos. Senta­
da à mesa do Pai de família, saboreando todas
as graças que ele, com carinho e com amor, lhe
oferecc, poderá a moça esquecer-se do lázaro,
cuj a alma mendiga uma migalha do banquete
espiritual ?
E depois, leitora, é velha tradição de glória
esse apostolado feminino. Com o apóstolo dos po­
vos - São Paulo - trabalharam "auxiliares no
Evangelho". Nos primeiros dias da Igrej a figu­
ram nomes de Lídia, Prisca, Tabita, Priscila. E'
um veio de ouro que vem atravessando toda a his­
tória da Igrej a, o tão fecundo apostolado femi­
nino. Hoj e em dia a Igrej a apela para "suas fi­
lhas'', organiza-as, orienta-lhes o trabalho, mos­
tra-lhes searas infindas. Faz questão de ver "as
mãos que respigam no campo do Senhor", mas
no valor de doze segadores apostólicos . . . E tu
quererás perder o teu tempo só com teus chapéus

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e vestidos, com tuas visitas e modas, com tuas
leituras e ocupações exclusivamente pessoais ?

3. Gênio atropelado . . .
- Lucas, vamos depressa ! asshn dizia o
pai do célebre Giordano, mal o filho começava a
enamorar-se das lindas cores da tela que plasma­
va. Mal temperava as tintas e se enlevava no som
das cores, na meditação profunda de seus ideais
a serem reproduzidos numa linguagem colorida,
j á soava a voz do pai : Lucas, va.mos com isso !
- Por fim o povo lhe deu o apelido de Luca
Fapresto.
Esse pai tão apressado nós o temos perto de
nós. Tu o tens a teu lado, leitora. Mal começas a
refletir, a meditar, a consagrar uns minutos ao re­
colhimento, e j á alguma coisa te atropela. Ou é a
lembrança do trabalho que vem depois, ou é a re­
cordação de algum compromisso. Começas a pre­
parar as tintas para colorir tua alma numa flora­
ção de atos de virtude, e eis que soa a voz do mun­
do, "essa cachoeira barulhenta", e te espanta os
belos pensamentos, faz das tuas cores um borrão.
Por isso toma-te o tempo para a introvisão
de tua alma. Hoj e em dia muitíssimo se aconse­
lha o refletir, o meditar. A ninguém é hnpossí­
vel a meditação singela, e para todos é de uma
fertilidade espantosa a reflexão calma e serena.
Não me digas que não sabes meditar. Oh ! como
és experimentada na meditação de uma palavra
que alguém pronunciou e trouxe alvoradas em
teu coração ! Como sabes tirar todo fel de um vo­
cábulo, com que te mimosearam num momento
de cólera ou de despeito ! Chegas até ao grau de

Audl filia - 11 161


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visao, que abrange todos os horizontes das pos­
sibilidades e <los matizes da palavra ouvida.
Para meditar na palavra que salva e vivifica,
não necessitas de outra coisa e de outro método.
Recolhe-te, não te deixes atropelar como o pobre
pintor da Renascença. Não ligues importância "ao
vamos com isso".
Sairás rica d e ss a região de mundos internos.
Terás a visão contínua desse lago interno, todo
coalhado de astros que um céu diferente lhe dei­
ta sobre as águas.
Nas páginas deste livro vou tentar "abrir feliz
clareira na selva escura em derredor de ti". E
tudo para que possas respirar a sós, combinar as
cores de tua vida, as linhas de teus quadros, a
harmonia de teus gestos cristãos. Do silêncio sai­
rás sentindo um p ar de asas nos ombros . . .

4. Encanto desfeito
Muita coisa é bela e singela na criatura hu­
mana, enquanto lhe passa despercebida, ou en­
quanto só existe para a sua imediata vizinhança.
A consciência do que ela possui j á muitas vezes lhe
altera os modos e o procedimento. Só em Deus
a consciência das próprias perfeições nada desfaz.
De certo a leitora concordará com essa obser­
vação. Pois talvez j á tenha visto 'ª realidade do
conceito das atitudes das amiguinhas. Eram tão
boas, tão niveladas com as outras, enquanto nin­
guém lhes citou as prendas. Depois, cônscias de
quanto possuía111, foram perdendo aquela frescura
infantil nas expressões de suas vidas. Miséria é,
bem humana, essa fragilidade de encantos. Pare­
ce fazer p arte daquela "ciência do bem e do mal'',

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na qua:l Eva nos instruiu por própria iniciativu
e responsabilidade.
Fulana sabe que é elegante, que é bela, que
tem ares de fada - diz-se frequentemente para ca­
racterizar a vaidade ou exibição de certas senho­
ritas. Não há negar, a humildade cristã pode cor­
rigir esse fraco, embora reconheça e não desfaça
os dotes dados por Deus. Mas fá-lo j ustamente
combatendo a preocupação com as prendas na­
turais que uma cristã possa trazer consigo.
Por aí, j ovem leitora, verás como é importante
não provocar os tolos elogios da sociedade, de ra­
pazes deslumbrados. Concordarás ser prudente
não dar crédito às adulações de quem com isso
te há de tirar aquela doce ignorância sobre teus
encantos.
Feliz, sem dúvida, é a moça que explora seus
encantos, mas para semeá-los pelas vizinhanças
que a cercam, que se banha · n a luz d e seus devo­
tamentos, que mede o tempo pelo sino de suas
cristalinas risadas. Com razão diria, pois, o poe­
ta : "Ela por aqui andou . . . ; eu sei, andou, sim",
se passasse por qualquer recanto da casa que a
agasalha com amor. O raio de sol não precisa di­
zer-nos que passou sobre as corolas das flores. De
quem teriam elas, então, o viço e o colorido e a
\
fragrância ?
Há tudo isso na vizinhança que te cerca, em
casa, na igrej a, na sociedade ?
5. Um amor desamoroso
Não há, nos termos, uma contradição. Como
existe um amor sem obras de amor, existem obras
de amor sem um amor verdadeiro. Disse-o cla­
ramente o homem que em vida foi uma chama

1 6:J
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de caridade : E ainda que distribua todos os meus
bens para o sustento dos pobres, se não t iver ca­
ridade, nada sou ( 1 Cor 13, 3 ).
Em muita caridade de moça anda uma boa
porção de vaidade e exibição. Caridade social,
então, é muito tentadora para certos espíritos.
Recorrer a bailes, a garden-party, aos chás para
moldura da caridade, não deixa de ser perigosís­
sima cilada para a retidão de intenção indispen­
sável a toda virtude.
Poucos são os benfeitores (e menos ainda as
benfeitoras) que, m ais ou menos, não dizem co­
mo o demônio : Tudo isso te darei, se, prostran­
do-te, me adorares. Quer-s� que o pobre bendiga o
benfeitor, que o louve e reconheça, que o con­
sidere como um semideus.
E depois, não é elegante, cm certas rodas, abo­
toar rosas, com dedos rosados, em quantos tran­
seuntes se apresen tam ? Essa caridade elegante,
praticada d i n n t e de rep órtere s e fotógrafos ! Ir à
casa do pobre , subir-lhe as escadas pobres e em­
pinadas, sentir o "perfume" du pobreza, para de­
pois notar o contraste do ambiente confortável,
ao voltar para casa, p ara a "vila" luxuosa . . . ,
quem mo garante não ser tentador revezamento
para os nervos de certàs criaturas ?
Mas o pobre não se ilude. A esmola do amor
próprio, da vaidade que se exibe, é-lhe uma hu­
milhação. Aceita o auxílio e odeia o doador. De
onde vem, senhorita, que os deserdados da sorte
tão comumente se revoltam contra os "capita­
listas", apesar d a "caridade" que deles recebe­
ram? Não ; caridade de manto não é bálsamo p ara
chagas do infortúnio. E' preciso que ela tenha
mãos e coração de genuína virtude. Deus tão

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pouco se ilude com aparências. Por isso deixou o
conselho apostólico : Quem dá esmola, faça-o na
simplicidade ( Rom 12, 8 ) .
6. Foi por esbanjar
Deus nos havia dado algo com que alimentar
nosso coração e nosso espírito até à velhice mais
adiantada. A provisão está bem calculada para
o caminho todo. Mas nós a gastamos nesciamen­
te, acabando com ela antes do tempo.
Não deixou de ser p rofunda na sua observa­
ção a autora deste conceito. De fato é assim nossa
vida. Para cada idade Deus mediu as alegrias,
pesou as amáveis surpresas. Até o tempo tão di­
fícil de suj eição, dos castelos e das esperanças, dos
receios e das apreensões nos dias da mocidade,
estava repartido entre o alimento para o coração
e para o espírito.
Entretanto, quis a jovem cristã buscar a liber­
dade, sorver o mel de flores de outros j ardins,
adiantando-se, atacando a reserva que Deus lhe
havia preparado para outros dias. Que lhe acon­
tecerá ? O que acontece a quem tirou e gastou o
dinheiro que "estava em caixa para os tempos
vindouros". Muita moça pede "dinheiro adianta­
do'', "satisfação adiantada" e depois desanima no
trabalho, no cumprimento do dever, porque tem
de aguentar o peso d as obrigações sem mais
recompensas.
Outra coisa não fez o filho pródigo, clássica
figura da parábola do Senhor. "Pai, dai-me a
a parte que me cabe na herança !" E partiu. e es­
banjou sua fortuna. O melhor, leitora, é deixar
a fortuna nas mãos de Deus, esperando que te dê
<'m troco miúdo as pequenas satisfações, os amá-

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veis deslumbramentos para o coração e para o
espírito. Lá, quando menos esperas, a Providên­
cia te fará uma surpresa de sorte grande, mas
sem tocar n o fundo de reserva que j á possuis.
E', pois, tolice e imprudênda andar invej an­
do as companheiras que esbanj am a provisão p ara
a vida ; já é loucura e insensatez pretender imi­
tá-las, ou revoltar-se contra quem te impede
semelhante erro.
Mandou-nos o Senhor lhe pedir o pão de cada
dia, e não o de cada semana ou de cada mês.
A massa desse pão pertencem as alegrias e con­
tentamentos d e cada dia. Não digas : Preciso apro­
veitar a mocidade para gozar. Olha, estás adian­
tando o gasto. No plano de Deus tudo está cal­
culado, até para os dias dos cabelos brancos . . .

7. Um por que . e 11 respostas


Certamente, com 1 1 respostas a uma pergunta,
fica satisfeita a curiosidade do interrogante. Não
sei se, de fato, me fazes esta p ergunta ; s ei, en­
tretanto, que mais de uma vez a ti mesma j á a
tens feito.
Por que não posso seguir os meus instintos
de moça ?
Porque . . eles não são · a única voz em ti, e,
.

preferindo-os, cometes uma grande inj ustiça con­


tra as outras vozes da tua vida.
Porque . . . na existência representam a p arte
animal; a razão e a consciência falam a lingua­
gem humana. No irracional o instinto é, por isso,
a primeira lei; no homem a consciência é a
p rimeira norma.
Porque . . em nosso complexo o instinto tende
.

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p ara baixo, a descer; a razão tem a ânsia da cha­
ma : quer subir.
Porque . . em si os instintos são todos merece­
.

dores da mesma consideração : o tigre por devo­


rar e o rouxinol por cantar não merecem críticas
diferentes. Se distinguimos entre bons e maus ins­
tintos, é porque a consciência os dassifica. Ora,
com isso, reconhecemos a esta o direito de domi­
nar sobre aqueles e de j ulgá-los.
Porque . . . seguir os instintos como regra su­
prema, é seguir a esmo por um caminho. E' ao
mesmo tempo dar água a um ferido e matá-lo
brutalmente. E', para uma moça, ficar virgem
sem merecer estima e tornar-se mundana sem in­
correr em censura. E' ser Nero :aprovado e Vi­
cente de Paulo tolerado . . .
Porque . . . segui-los é fazer pouco da fé e da
consciência. Pois esta não intervém para dirigi­
los, nem aquela para precisar, robustecer e aper­
feiçoar a consciência.
Porque . . . é sacrificar a liberdade, é desfazer
na vida a continuidade de uma linha de conduta,
voluntàriamente aceita.
Porque . . ceder ao instinto é torná-lo um deus
.

e :aj oelhar-se diante de um bezerro de ouro, a do­


rando-o como um selvagem.
Porque . . os instintos não conhecem compro­
.

missos de honra, nem promessas, nem direitos de


um coração sobre outro.
Porque . . , vivendo com eles, perderás o j eito
.

de viver de outra forma, com outro programa.


Perderás o senso do invisível, a capacidade p ara
o sobrenatural. "O homem que é animal não per­

cebe as coisas que são do espírito" - afirma-nos


Suo Paulo.

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E porque . . . , sendo o instinto carregado de
heranças e sujeito a taras, seria cingir-se a ou­
tros, continuar p reso aos que precederam e lega­
ram suas paixões e seus erros aos descendentes.
Nesse caso, leitora, o homem ficaria obrigado a
repetir os mesmos gestos, a atolar-se na mesma
lama, a beber do mesmo veneno como seus
ascendentes.
Eu paro aqui com a exposição de Bellouard.
Não quero atirar os teus pensamentos brancos
na torrente de lama e lodo, cuj o berço fica na
obediência ao instinto.
Agora sabes, de sobejo, por que não deves se­
gui-los. Sabes que benefício tens na razão, na cons­
ciência, na fé, nas normas do Evangelho. Que
culpada serias, depois de tudo isso, se te entre­
gasses aos teus instintos, em pleno viço da natu­
reza, em plena floração de alma e corpo !

xvm

1. Almas contemplativas!
vão rolando
por esta vida, como os rios quietos . . .
Rolam os rios, - árvores e tetos,
céus e terras, tranquilos, espelhando . . .
Fecundam. plantações, movem engenhos,
dão de beber, sustentam. pescadores,
suportam barcos e carreiam lenhos . . .
Lá se vão, num rolar manso e tristonho,
- cumprindo o seu destino sem clamores,
e sonhando consigo um grande sonho. (A. A.)

Á beira dessas águas senta-se Deus. Para os


seus moinhos, só quer dessas águas contemplativas.
Sempre soube descrobri-las. Mas nunca foi pri­
vilégio de ninguém ser o que o poeta canta e Deus
procura. Podes, leitora, figurar entre as almas

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contemplativas pelo amor à meditação, à leitura
refletida, aos retiros de cada ano.
Corno nos risos, há também variedade entre as
ahnas contemplativas. Há diferença de caudal, <l.e
andamento, de berço e de reflexão do ambiente.
Já agora com os anos da mocidade podes ser um
límpido regato, no qual até as estrelas de Deus
vêm se espiar pela madrugada.
Não faças pouco da meditação e nem lhe se­
j as avara com o tempo. Não penses em compli­
cá-la. E' coisa complicada olhar a aurora e o cre­
púsculo no céu ?
2. De que vínheis falando pelo caminho?
Duas vezes caiu esta pergunta dos lábios do
Divino Mestre. Uma vez motivou-a o cuidado dos
. apóstolos com os primeiros lugares no reino. Ou­
tra vez foi a tristeza dos discípulos de Emaús, es­
candalizados com a morte do Messias.
Mas que vexante pergunta seria esta para mui­
tas j ovens que falam pelos caminhos, pelas ruas !
E' verdade, um refinado adulador escreveu que
a palestra de muitas moças é corno a conversa
"das frondes de árvores que orlam o caminho".
Ouve-se-lhe o farfalhar das folhas, o ciciar de
uma para outra. Embora não se entenda o que
conversam, é poético ouvi-las. Não ; nem sempre
é poético e romântico o que passa pelos lábios
das j ovens.
Ao contrário do que São Paulo aconselhava
aos efésios, "saem de suas bocas palavras más, pa­
lavras para a destruição da fé, palavras que fazem
mal a quem as ouve" Compreendes, leitora, que
é urna desgraça andarem os lírios arrancados, j us­
tamente por quem devia cultivá-los, velar sobre

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eles e deles se ufan.ar. De outro lado, que contas
dará a D eus - que pesa toda palavra simples­
mente inútil ! - quem em sua palestra profere
o que nem se deve nomear entre cristãos? - A
desculpa alegada no caso é a vontade de rir e di­
vertir-se. Mas o riso é como o sal do Evangelho.
Espalhado indiscretamente, esteriliza e envenena
a vida; em dose prudente, torna-se amena e sa­
borosa. Por isso ria-se do que é risível, mas de
modo que Deus possa ouvir o riso, sem ansioso
indagar sobre o motivo dele.
Estou certo de que a leitora não pretende
figurar entre os iconoclastas, que p artem estátuas
das virtudes colocadas no templo ·do coração pe­
los carinhos de uma mãe, e vigiada com amor pe­
los anj os do céu.
3. O cavalheirismo de nosso Senhor . . .
Aquele a quem amamos como Mestre, Salva­
dor, Amigo e Modelo, foi em tudo um homem per­
feito e acabado. Teve as perfeições humanas, des­
de a beleza dos traços até à delicadeza do cora­
ção, desde a riqueza da inteligência até à elegân­
cia das formas no trato. Não admira, por isso, que
tenha sido um perfeito cavalheiro no seu lidar
com as senhoras que o procuravam.
De fato, excetuando as sombras que o misté­
rio oculta, podes ver esse traço amável na vida
de teu Deus e Senhor. Nas suas comparações não
se esquece de mencionar o humilde, mas devotado
trabalho da mulher. Encontra-se com a samarita­
na, mas depois de ter procurado e preparado esse
encontro. Queria corrigi-la sem vexá-la com a pre­
sença dos discípulos, os quais despachara a com­
pras na cidade. Pede água à mulher, é p or ela

170
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tratado como j udeu. Não se impacicnlu com u
curiosidade feminina daquela 'Criatura. Niio u cen ­
sura porque não vive bem, mas fú-la dizer <[UC
não tem marido, lembrando-lhe apenas 1111c os
outros cinco homens de sua convivência lamht'�m
não o eram. A samaritana fez como a criança que
se vê embaraçada : em vez de responder à per­
gunta, apresenta outra. Tática genuinamente fe­
minina também . Tanto conquistou o transviado
coração de pecadora, que esta foi melhorando o
tratamento que lhe dava. De j udeu , passou a cha­
má-lo senhor, profeta, Messias. Tanta sede sentiu
d a água por ele prometida, que, largando o cân­
taro, foi buscar os homens da cidade a fim de
beberem daquela água . . . Que cavalheirismo em
corrigir um erro moral na vida de uma mulher !
Outra cena. A mãe de dois discípulos pede ao
Mestre um lugar de destaque para os filhos. "De­
creta que estes meus dois filhos se sentem no teu
reino, um à direita e o outro à esquerda" Exces­
sivo, sem dúvida, tal amor materno, mas com­
preensível na pobre senhora. Responde-lhe o Se­
nhor : "Vós não sabeis o 'que pedis . . . " Disse bem,
porque ela viera industri ada pelos finórios discí­
pulos que muito bem sabiam o que pediam e com
muita tática punham a mãe pela frente . . . Não
a censurou, não lhe negou o desej o, afirmou ape­
nas que não estava em mãos dele fazer o que
ela rogava . . .
Pegue a leitora do Evangelho e leia a história
de Madalena, das irmãs de Lázaro, da mulher in­
fiel. Verá sempre a delicadeza em velar o erro,
em poupar a confissão pública, em fazer uma
misericórdia às escondidas . . . Portanto, não tenha
receio de se aproximar do Mestre. Será recebida

171
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com todo cavalheirismo de homem perfeito, ao
lado da misericórdia de um Deus paternal.
4. Isso anima
A inocência é uma gota de água no mundo,
enquanto o arrependimento é o oceano que a cer­
ca e salva (Lacordaire) . Por causa de faltas e
erros da tua vida, não tens direito de apiJ.gar a
lâmpada com que hás de ir ao encontro do Esposo.
Os cristãos que palmilham a estrada batida
pelo filho pródigo são mais numerosos do que os
outros, que nunca deixaram a casa paterna. Dei­
xaste-a um dia pelo p ecado ? Volta pela estrada
do arrependimento, com a palavra salvadora :
Vou procurar meu Pai !
Alguma tempestade desfolhou teus lírios?
Andas triste pelo teu j ardim desfeito ? Animo ! O
j ardineiro prudente, vendo a geada .matar-lhe os
lírios, pl a n t a logo outras flores belas e aprecia­
das também. Um a terra da qual se arrancam os
espinheiros e agora produz frutos abundantes,
agra d a mais do que uma outra que nem espinhos
e nem frutos ostenta (S. Gregório) .
Que vem a ser uma ovelha que o pastor
achou ? E' aquela que ele carrega sobre os ombros,
cheio de alegria. Estás sobre os ombros de Deus,
como arrependida e penitente ? Estás bem, não
há dúvida . . .

5. Tu e os outros . . .
Znqueu é um tipo que deves conhecer mais de
perto, entre os muitos que desfilam pelas pági­
nas do Evangelho. De profissão era fiscal, vi­
vendo ús voltas com o público sacrificado e ca­
lotei?J>. De estatura era pequeno ; de índole, curio-

172
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so. Por ser pequeno e curioso, queria e não po­
dia ver muita coisa. No meio do povo nada di­
visava. E por cima era tímido. Não ousava abrir
passagem para ver de perto a Cristo Senhor.
Aqui aparece uma qualidade que se recomen­
da : era independente e esperto. Por isso corre na
frente ·do povo e sobe a uma árvore, lá na curva
da estrada. Escondido entre os ramos, espera p elo
Mestre. Riem-se muitos, outros caçoam do im­
provisado e ridículo trepador. Que o façam ! Za­
queu teve sua recompensa. Foi visto, foi convida­
do pelo Mestre e pôde hospedá-lo em sua casa.
Assim como ele, deves também tu, leitora, ser
independente em muita coisa. Não deves dizer
sempre : As outras não fazem isso e por que de­
verei eu fazê-lo ? Zaqueu não viu ninguém subir
a uma árvore, mas subiu assim mesmo. Os outros
não precisavam de tal recurso, por serem maio­
res do que ele. As outras que pretendes imitar,
moça e leitora, podem ser mais altas do que tu.
Por isso . E ignoras porventura que o Espírito
Santo é sempre individual na formação das al­
mas ? Para cada uma tem caminhos especiais. Ca­
da criatura tem seu alimento particular. Morre
aquela que o rejeita sob o pretexto de que não é
o mesmo para todas.
"Emancipando-te das outras, respeita-lhes os
direitos. Quantas criaturas deixam pelas estra­
das de sua existência ruínas fumegantes ou co­
rações dilacerados ! E, apesar disso, j amais pen­
sam em reconstruir o que destruíram com tanta
leviandade. Tua descaridade, por exemplo, um
dia magoou profundamente alguma companheira.
Mais adiante tua severa crítica abateu uma ou­
tra. Ali tua língua leviana roubou o bom nome a

173
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tal pessoa; mais adiante temeràriamente insinuas­
te más intenções no procedimento de uma desa­
feta. Hoj e, com muita impertinência , recomendas­
te um livro que era perigoso. J á pensaste em re­
parar o erro, à medida de tuas forças ? Fazes co­
mo Zaqueu, "que p agou o quádruplo do que de­
fraudara ao próximo ?" ( Cohausz) .
6. Aniversário . . .
Em casa pões uma nota festiva quando se
apresenta o aniversário ,de teus pais. Tuas amigas
não ficam esquecidas quando a vida lhes rouba
mais um ano. E até estás bem lembrada do ani­
versário de algum rapaz, eom o qual apenas sim­
patizas e cuj a ausência te causa um mal-estar,
e te deixa de mau humor.
Quero lembrar-te um aniversário de alto va­
lor para a cristã : o aniversário de teu batismo. São
Vicente Ferrer, todos os anos, mandava celebrar
uma missa na capela em que fora batizado, em
Valença. São Luís, o santo Rei de França, fazia-se
ehamar Luís de Poissy, em memória do lugar que
o vira tornar-se filho de Deus pelo Batismo.
De fato, leitora, foi um grande dia em tua vida,
esse de teu batizado. Marcou tua feliz redenção
do pecado original ; viu-te consagrada em tem­
plo de Deus ; trouxe-te o título .e a glória de
uma filha de Deus ; elevou-te a uma vida sobre­
natural e conferiu-te o direito à glória no . reino
de Deus. Foi ele que te levou às mãos da Igreja,
tua santa e sempre solícita mãe espiritual.
Desse dia data o nome que tens, o nome com
que tua mãe sonha e devaneia.
Procura saber em que dia cai esse grande
acontecimento. Marca-o para o celebrares com ver-

174
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<ladeira unção cristã. Teus pais gostam de cele­
brar teu aniversário natalício. E Deus gosta imen­
samente mais de festej ar contigo teu nascimento
p ara a glória eterna.
Muita coisa podes perguntar a ti mesma, nesse
aniversário. Pergunta, por exemplo, pelo sinal da
cruz, traçado sobre o teu peito e tua testa. Indaga
da vela acesa - símbolo de tua fé - que coloca->
ram em tuas mãozinhas de criança. Ainda sen­
tes o seu clarão em tua vida?
E a veste cândida, simbolizad a pela toalha ?
Veste de inocência, veste de candura ! A todas as
perguntas alguma voz dentro de ti responderá com
exatidão. Como vês, h á assunto bastante para
encheres o dia abençoado de teu batismo . . . Não
te esqueças : foi o maior dia em tua vida ! En­
grandece-te celebrando-o, agradecendo a Deus
tudo quanto recebeste nas águas do batismo.
7. A força do silêncio . . .
Longe, lá longe, vai o rio serpenteando : afas­
tando-se em cada contorsão ; fugindo mais e mais
até se perder no sertão maj estoso, vago, imenso,
mudo . . . Por quê ? Busca o silêncio das florestas
que lhe polvilham ouro sobre as águas. Quer bus­
car a terra boa para levá-la depois pelas várzeas
em que se erguem searas.
No silêncio religioso das montanhas, presos a<)'
claustro dos granitos, estão os minérios que fas­
cinam. Da solidão do oceano encanta-se a pé­
rola. Sempre no silêncio, e do silêncio, vivem e
saem os tesouros do mundo material, os vultos
também do mundo espiritual.
Profetas, artistas, sábios, heróis, partiram do
deserto quando queri am pôr em reboliço o mun-

175
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do. Os verdadeiros grandes são silenciosos como
a majestade de Deus, das estrelas e da morte. Só
o dever lhes abre a boca. Caminham silenciosos,
como que esmagados sob o peso das idéias inefá­
veis ou mortais. São logo conhecidos pelos gran­
des programas que trazem na alma. Deus os co­
nhece de longe . . .
Mas não será tempo perdido falar em silêncio
aos loquazes dias de uma mocidade feminina ?
Creio que não. Esse silêncio fértil em abençoados
frutos pode ser abraçado por ti, leitora, nos dias
de retiro. Por isso, não te esquives a um convite
para retiro recluso em algum colégio. Mas todos
os anos devias te entregar a esse acolhedor si­
lêncio. Sairias com a alma mais limpa, com os
horizontes mais l argos, com a vista mais aguçada.
Não é bom sinal ter a moça sempre medo de fi­
car sozinha com seus pensamentos e seu coração.
Ao sair do silencioso retraimento, quanta ri­
queza lhe carregarão as horas da vida ! Mesmo
em casa, pel a manhã, ou à hora do repouso, à
noite, lhe é possível encontrar-se consigo e rever­
se de perto.
As folhas deste livro são j ustamente para as
horas de tal silêncio. Dele nasceram e p ara ele
convidam.

XIX

1. Hoje, como ontem . . .


Sou moça de hoje, do tempo moderno . Tens
direito de falar assim, pois j á vimos que a Pro­
vidência de Deus intervém no desenvolvimento do
tempo, que forma o fundo para a tua vida. Mas,

176
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sendo de hoj e, hás de ficar com umas quantas
coisas que eram de ontem.
És cristã, tanto hoj e como ontem . . .
És mulher, tanto hoj e como ontem . . .
Portanto, como cristã, estás suj eita à lei de
Cristo ; como mulher, estás ligada aos deveres de
tua finalidade p articular.
Não tens, pois, em dias de hoj e, o direito de
proceder como se não fosses nem uma nem ou­
tra coisa. Não é necessário ter muita inteligência
para compreendê-lo. Basta apenas o bom senso
e uma alma leal. Se quiseres manter esses dois
programas de cristã e de mulher, não andarás,
primeiramente, emburrada com a lgrej a por te
proibir umas tantas atitudes modernas.
Depois, j á o sabes, não te entregarás a todos
os instintos. Há muita moça que, p ara ser moder­
na, afirma a igualdade de direitos entre o espírito
e o instinto. Não quer chamar pelo nome os er­
ros que outrora eram batizados de pecados. Pre­
fere falar em "amor livre, direito ao prazer, à
emancipação", etc. Além disso, como manterá lu­
minosos os dois lados de sua vida - cristã e mu­
lher - a j ovem ·que vende o pudor por umas se­
das elegantes, sobre umas areias movediças de
praia, sobre os encerados salões, por entre as pá­
ginas de uma leitura livre ?
Ser moderna a custo de auréolas é uma ilusão.
E' tentar viver numa outra atmosfera do que a
n atural. Todas as mudanças do tempo, de costu­
mes, de idéias, de métodos, que não arranham nem
a cristã nem a mulher, podem ser aceitas por ti,
leitora. E serás feliz e serás aprovada por Deus
e por tua consciência.

Audl filia - 12 177


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2. Fechou-lhes a porta
- Nós tivemos que fechar a porta desta casa
paterna a algumas de nossas filhas - dizia Pio
XI, no Vaticano, a 4.000 mocinhas que o foram
visitar. Ajuntou que fez isso com pesar, porque
de resto aquelas filhas eram boas. Faltava-lhes,
porém, aquele sentimento que não pode ser di­
minuído na mulher, principalmente na mulher
cristã.
E agora, senhorita, a quem dás razão : à mo­
dista ou ao representante de Deus ? Quem me­
lhor entende dos valores de teu destino : ela, que
busca teu dinheiro, ou ele, que se preocupa com
tua alma ?
Escuta duas histórias. Perpétua foi atirada ao
circo e contra ela investiu um touro furioso, ati­
rou-a aos are4 esperou-a e arrastou-a pelo chão.
Num momento de sossego que lhe deixou o animal,
a santa notou que estava pouco composta. Já .em
agonia quase, compôs-se decentemente . . . Nem na
inconsciência de um instante quis faltar ao pu­
dor. Isabel, irmã de Luís XVI, era l evada à gui­
lhotina. Uma lufada de vento tirou-lhe do ombro
o véu que a cobria. E a condenada à morte pediu
ao carrasco lhe repusesse o véu sobre o ombro . . .
Com quem está novamente a razão : com uma
cabecinha de mocinha, para quem nada é demais,
ou com essas heroínas do pudor?
3. Ideal renegado . . .
Por duas maneiras pode a mulher renegar o
seu ideal feminino : pelo orgulho e pelo egoísmo.
Orgulhosa, ei-la que não quer suj eitar-se na fa­
mília e no lar que funda. Acha "mesquinhos" os
cuidados materiais de dona, de mãe de família,

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de esposa devotada. Consumir-se dentro de casa,
sem ser vista e aplaudida - é nova forma de
escravidão. Antes de tudo quer mostrar sua
personalidade . . .
E a egoísta ? Já começa bem cedo com a prá­
tica da idolatria de si mesma. Moça, pensa primei­
ro em si, e depois, se lhe sobrar tempo, nos outros
que moram em casa. Entre os outros figuram ga­
lhardamente os p ais. Mas esse tempo nunca lhe
sobra, porque muitos cuidados lhe exigem seus
caprichos e suas ocupações "pessoais". Erra o
endereço quem lhe pede que se incomode e aju­
de aqui e ali.

4. Três vidas e três mesas . . .


Tens como criatura humana, três vidas
A vida animal do corpo.
A vida intelectual do espírito.
A vida sobrenatural da graça.
A primeira nasce na terra .e alimenta-se do
pão que a terra lhe dá. A segunda é um s opro de
Deus, que fez o homem à sua imagem. Seu alimen­
to é a ciência. Sua finalidade, a glória humana, re­
servada a todos os que deixam ao mundo obras de
gênio. E' ela que faz os artistas e os sábios.
A terceira nasce do batismo e tende para a ·

visão de Deus na glória celeste.


Para conservar estas três vida s são indispen­
sáveis três mesas, sem cuj a existência o homem
não as pode conservar.
A primeira mesa tu a tens na casa de teus p ais,
agora ; mais tarde, deverás procurá-la com teu tra­
balho. Está escrito que o homem haja de comer o
pão no suor de seu rosto. E palavra divina tam�

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bém é que "não deve comer aquele que não
trabalha".
A segunda mesa está nas escolas, nos colégios,
no estudo doméstico. Seus pratos estão nos vá­
rios livros que te colocam na mão. Dize-me uma
coisa : não fazes "regime", assentada à mesa dos
livro s ? Muito errarias, porque tens obrigação de
desenvolver essa vida da inteligência. Moça al­
guma tem o direito de deixar extinguir-se em seu
espírito a luz que Deus nele assoprou.
A terceira mesa está na casa de Deus, e leva o
qualificativo de santa. Com isso distingue-se das
outras e por ela recebes o pão da vida etern·a.
Ter essa última vida em toda a su a plenitude,
em toda a sua linda floração, é acabada santi­
dade. - És amiga só da primeira mesa, leitora ?
Aprecias também a segunda ? Que feliz, se fores
assídua à terceira mesa ! . . .
5. O adulador silencioso .. .

E' de fato silencioso e ao mesmo tempo elo­


quente. Não fala, mas seduz ; não discorre, e ten­
ta e engana. Mudo como é, insinua, exagera e
mente. E' ótimo dissimulador. Tanto atrai que
uma moça, quando o tem consigo, o consulta de
meia em meia hora.
Gente desocupada j á chegou a calcular quan­
tos minutos, ao dia, uma senhora lhe consagra.
Dos 6 aos 10 anos, dá-lhe sete minutos por dia ;
dos 10 aos 15, um quarto de hora ; dos 1 5 aos 20,
vinte e dois minutos ; dos 25 aos 30, uma meia
hora. Daí para cbna acabou-se o interesse do pes­
soal curioso . . Se a vida durar 70 anos, passados
foram diante dele - do adulador - nada me­
nos do que oito meses. Esse adulador está no teu

180
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quarto, está dentro da tua bolsinha e há quem o
traga nas capas dos livros de reza. E' teu espelho.
Consulta-o, mas com discrição e o menos pos­
sível. Lembra-te, diante dele, da alma que trazes
e que não tem espelho p ara se retratar. Que seria
se a pudesse ver com todos os descuidos, ·deslizes
e manchas que traz aos olhos de Deus e de sua
fidalga assistência !
Quando morre uma de tuas amiguinhas e vai
para o regaço de Deus, é bem possível que então
o Senhor lhe faça ver o estado de tua alma, leitora.
E como a verá diferente do que se imaginava !
6. Eu e minha toilette . . .
A cristã que existe dentro de ti, leitora, tem
umas perguntas a te fazer. Podes responder-lhe
bem baixinho, mas com toda a sinceridade. Ei-las :
Admites que na tua toilette possa haver um
problema moral ; que ela interessa não só à mo­
dista, mas também à lgrej a ?
No caso de intervenções eclesiásticas, tomas a
atitude de filha confiante e submissa ?
Admites que ela, tornando-te mais elegante,
pode tornar-te também mais provocante, mais
tentadora ? e assim se converte numa das formas
de escândalo ?
Dás-lhe demasiado tempo e dela fazes uma
grande preocupação ?
Dás-lhe uma verba roubada à caridade, à j us-
1 iça (costureiras que não são pagas !) , às precisões
d n religião ?
Admites que a liberdade de seguir as modas
l rm limites nos quais se encontra com o pudor
11lnrmado ?
E - bem baixihho vai a pergunta - quando

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notas a responsabilidade de que estás perturban­
do outros, te desculpas, ·dizendo : Por que olham
·

para mim?
Não és uma herege da palavra <lo Senhor, ao
garantir que é impossível agradar a dois senho­
res, ao mesmo tempo, ao mundo e a D eus ?
7. Tiranias em casa
Meu pai e eu fazemos sempre o que eu quero,
afirmava uma j ovem. Até Taine, filósofo, achou
espirituosa a afirmação.
Realmente, há moças que são tiranas em casa,
contando com a cumplicidade da natureza que
as fez prendadas e bondosos os pais. Abusam do
poder de fascinação e tornam�se autoritárias, im­
periosas, acostumadas a ser atendidas em todos
os seus caprichos. Não sei quantas irmãs tem á
leitora em casa. Não sei se é filhinha d e mamãe,
se é filha única. Sei apenas que, nesse caso, o
perigo de uma tirania é muito maior.
Moça de coração formado compreende que não
deve abusar da condescendência de seus pais.
Prej udica a si mesma, prejudica às suas irmãs
e desorienta o bom senso dos pais. Precisa ne­
cessàriamente limitar os seus desejos, sonegar as
vontades de criatura caprichosa.
Há uma tirania que te fica muito bem, j ovem
e amiga. E' aquela que põe em assédio o coração
dos pais pouco religiosos, e não lhes dá sossego
até que os vê de j oelhos à mesa da Eucaristia.
Com Deus podes igualmente usar do método do
carinho. Dá-lhe gosto esse ar de filha que pro­
cura arrancar-lhe todas as bênçãos. E' doce vio­
·
lência que o agrada. Teresinha de Jesus era mestra
no assunto. Podes estudar com ela. - A outra

l82
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tirania é uma ameaça para o teu futuro. Que­
rerás, corno esposa, talvez, que se façam tuas
vontades e caprichos.
Assim fica difícil "achar um heróico consor­
te" para as variações do teu querer.
8. Sua Excia., senhorita N.
Quando urna jovem tem os traços de sua perso­
nalidade bem acentuados, e só por isso uma ex­
celência. Grifo o advérbio, pois quero que valha
tanto da firmeza corno da beleza moral dos traços.
Por isso é necessário que desenvolvas tua per­
sonalidade. Nas florestas o Criador não pôs duas
folhas iguais. Na sociedade humana não há duas
pessoas de idêntica expressão física e moral. Mas
desenvolver sua personalidade não denota dar ple­
na liberdade aos instintos. Na árvore podam-se
os galhos "ladrões" Ai de ti, se não podares o
que é unicamente instintivo em tua pessoa ! Tão
pouco significa esse orgulho de opor tua pessoa
à pessoa dos outros, contrariando-lhes a s idéias,
os planos. Não é também essa tola originalidade
no modo de vestir, de andar, de falar, etc. Muito
menos quer dizer essa indisciplina e revolta con­
tra suj eição e autoridade.
Desenvolver sua personalidade é para a moça
criteriosa o cuidado em não deixar inúteis os dons
recebidos. Feição te dá, antes de tudo, tua alma.
Tanto valerás quanto valer tua alma. Aperfeiçoa-a,
portanto, pela vida interior, pela oração, pelos
sacramentos, por todos os contactos com D eus.
Eles, de certo modo, divinizam tua alma. A me­
dida que crescer tua fé, acentuar-se-á também
a feição moral de tua personalidade.
Vamos aos dons particulares que recebeste :

183
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meiguice, inteligência, sensibilidade, aptidões di­
versas, etc. Não te é lícito enterrar esses talentos.
Deus em ti os colocou para deles te utilizares.
Pequeno foi o dote? Não te desoles por causa dis­
so. O Senhor j amais colhe onde não plantou .e só
exige os j uros de acordo com o capital. Cabe-te,
porém, explorar corno avara o pouco que rece­
beste. Foi grande e gentil o dote ? Vê lá, não te
envaideças com ele e trata-o com respeito. És
formosa, és rica, és inteligente, t ens sensibilida­
de artística ? Então grava bem na memória esse
princípio : os do-iis da graça e da natureza têm a
finalidade dos gênios. Só para os outros, como
o gênio de Beethoven, de Chopin, etc., foi para
gerações vindouras.

XX

1. Vestida como eles . . .


Muita moça faz como o lírio do campo : não
tece nem fia e anda mais bem vestida do que Sa­
lomão, em toda a sua opulência. A flora do cam­
po é vestida por Deus, ao passo que a moça ocio­
sa é enfeitada pela condescendência dos pais.
Estás entre tais lírios de casa, leitora ? Nin­
guém exige que pegues do fuso e da agulha, se ou­
tras ocupações te absorvem com razão e com pro­
veito. A qualidade do trabalho é Deus que deter­
mina pela condição da família. Mas de qualquer
modo tens de trabalhar. Ou tuas mãos fiam ou
teu espírito lida, dia por dia.
Já se foi o tempo que sentenciava ser o traba­
lho inimigo da beleza. Já vai longe a época na
qual o trabalho era só para o escravo. Depois
que o Filho de Deus e sua Mãe augustíssima vi-

184
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veram trabalhando em Nazaré, cessou a glorifica­
ção do ócio e a difamação do trabalho.
Os primeiros cristãos escreviam como epitá­
fio nas sepulturas : Rezai por ele, porque não pode
mais trabalhar.
O Espírito Santo escreveu um poema à mu­
lher, mas à que é boa, virtuosa e . . . trabalhadora.
Podes lê-lo nos Livros Santos (Prov 31, 10 ss) .
Desconfio muito que estas linhas venham cair
nas mãos de alguma desocupada. Destas que fa­
zem consistir seu trabalho em mudar de vestidos,
em puxar o tempo pelas orelhas, em ir da j ane­
la ao espelho e deste à rua e desta ao sofá para
ociosas leituras. Pois saiba tal criatura que igno­
ra o primordial dever das mãos femininas : o tra­
balho unido à oração.
Quem sabe, alguma pobrezinha vive se la­
mentando do muito trabalho. Não é lírio que nem
tece e nem fia ; não anda vestida na opulência
de um rei. Pelo contrário. Trabalha de estrela a
estrela, e mal dá conta do necessário em casa.
Quem não conhece essas heroínas de irmãs, mo­
ças ainda, que se matam lidando pelos irmão­
zinhos menores, dos quais ficaram sendo mães 1
Benditas criaturas, chamas que vos consumis
aquecendo outros ! Deus toma nota de cada fio
de linha que puxais atrás de uma agulha, de cada
passo dentro e fora de casa, e marca o dia em
que virá em pessoa recompensar-vos por tudo.
Cuidai de uma coisa apenas : santificai vosso tra­
balho pela reta intenção e pela alegria cristã !

2. Filha de Deus e tua criada . . .


Ao entrar em tua casa não sabia este livro o
que iria encontrar. Entrou e caiu nas mãos de

185
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uma senhorita que é dona e dá ordem a alguma
empregada. E a esta j ovem dona tem ele muito
que dizer.
Diz-lhe que tenha os olhos abertos para os sa­
crifícios de uma criada. Esta não tem liberdade
de comer quando tem fome, de sentar-se quando
está fatigada. Quebra algum obj eto ? Logo dirão
que o fez porque aquilo não custou seu dinheiro,
porque não está acostumada a lidar com coisas
finas. E' o desprezo atirado à necessitada, à sua
condição de menos formada. Dão-lhe alguma coi­
sa ? E querem que reconheça a grandeza da dá­
diva. Amanhece a j ovem dona aborrecida e de
mau humor ? A criada o saberá no primeiro en­
contro. Se nesse dia anda depressa, censurada é
por ser atropelada. Anda devagar? E tem de ou­
vir que serve para ir chamar a morte. Quando a
pobrezinha se atrapalha, lembr.a-1he a "meiga se­
nhorita" seus ares de tonta. Num lance de boa
vontade ela oferece-se para explicar alguma coi­
sa de seu alcance ? E' batizada de oferecida. Sua
tristeza e até suas lágrima s são sinônimos de fin­
gimento, porque a sinceridade é privilégio da do­
ninha, máxime ao lidar com . . . a mãe enganada.
Um dia, o coração dessa criada tocou os sinos
do amor e ela enfeitou-se de flores, começou a
receber alguma cartinha de seu eleito, que está
longe e trabalha honestamente. Mas, que horror !
A p atroazinha escandaliza-se, ela que recebe pos­
tais de moços e de artistas de Hollywood ! Parece
que a pobre não pode ter coração, a não ser com
licença e fiscalização da senhorita.
E se a empregadinha é mais bonitinha que a
filha de casa ? Então . começa outra história
nessa altura.

186
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Uma pergunta, senhorita. De certo pertences a
uma obra de apostolado . social. Mas j á cui­
daste de ser após tola j unto à empregada? Olhas
para seus deveres religiosos, animas a boa von­
tade, vences a ignorância dessa alma remida por
Deus ? Faz-lhe uma festa : convida-a para ir
comungar contigo . . .

3. Espírito deste mundo . . .


Dentro dele estás vivendo e sabes que com ele
não podes viver. Não ignoras que é contra os
axiomas de nosso Senhor. Mas talvez ignores que
o maior mal deste espírito é convencer as almas
de que não é tão perigoso como o pintam. "O
mundanismo consiste numa infinidade de coisas,
aceitáveis isoladamente, mas prejudiciais em seu
conjunto. Reunidas, velam-te a face de Deus, es­
fumam-te linhas austeras do dever, apagam-te a
luminosidade da religião.
Afundar-se numa poltrona macia não é, em si,
um mal. Ter um leito fofo tão pouco é anticristão :
Vestir sedas, carregar jóias, deitar-se tarde e le­
vantar-se tarde ; conduzir a vida por sendas sua­
ves, apreciar uma boa mesa - tudo isso reunido
dentro da vida é um perigo. Fàcilmente afasta o
coração e a vista " do reino de Deus" (Plus) .
E, contudo, nosso Senhor disse :
"Primeiramente buscai o reino de Deus e o
resto vos será dado". O espírito do mundo quer
inverter a ordem : primeiramente a terra com suas
flores e prazeres, e depois o céu com suas exigên­
cias divinas . . .
Aí tens um padrão para medires do grau de
mundanismo em tua vida. Serás cada vez mais
aprimorada cristã, quanto mais te isolares do

187
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mundanismo. Se o meio em que vives te obriga a
acompanhar certas "sendas suaves", paralisa-lhes
o narcotismo com voluntárias renúncias, de todo
o tamanho e de toda a qualidade . . .
4. Receitas . . . para doçuras religiosas . . .
Quantas devoçõezinhas têm nossas moças ! São
verdadeiras receitas p ara uma doçura religiosa,
para gulodice espiritual de criaturas cuj o p aladar
aprecia a variação. Mutuamente se comunicam as
fórmulas e por elas se entusiasmam. Santa Tere­
sinha, por exemplo, j á entrou em muita receita . . .
Com tais devoções, puramente sentimentais e
chiques, fica esquecida a devoção central : a euca­
ristia. O Crucificado - tão eloquente em suas
chagas - desaparece diante de santinhos e santi­
nhas de rosto mais "engraçado". E depois o exa­
gero de muita moça converte tais devoções em
verdadeiros talismãs para a obtenção de favores;
principalmente temporais.
Que acontece ? Um dia a receita não produz o
resultado esperado. E então a moça abandona-a
e afirma "saber por experiência" que pouco adian­
ta ter devoções . . .
Dos males e dos ridículos é ainda esse o
menor . . .
Leitora, és dona de muitas receitas religiosas ?
Se forem sempre eucarísticas as elevações de tua
alma e as lembranças de teu amor, parabéns.
Figuras entre as predestinadas.
5. Sempre entre as prudentes
Solícito de tua felicidade, dá-te nosso Senhor
o conselho da vigilância e da oração. Deixou-te
até a bela comparação das virgens prudentes que,

188
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à hora marcada, se apresentaram para o ban­
quete de núpcias. Acesas lhes andavam as lâm�
padas, nem tiveram necessidade de comprar óleo,
j ustamente naquele instante.
Essas duas atitudes são genuinamente cristãs,
sendo incompreensível sua ausência na vida de
toda j ovem esclarecidamente cristã. "Pois são de
cada dia e de cada tempo os perigos e tentações ?
Em todo lugar podes encontrá-las : no deserto e
no povoado, no templo e em casa, no mundo e
no convento ; - em todo o tempo : na j uventude e
na tua velhice, na oração e no trabalho ; na doen­
ça e na saúde, de dia e de noite ; - por todos os
modos : pela astúcia e pela violência, pelas s u­
gestões interiores do espírito maligpo, e pelas s en­
sações exteriores dos sentidos, pela prosperidade
e pela adversidade, pela alegria e pela tristeza".
Não admira que, ensinada pelas tentações, es­
crevesse uma alma : Antigamente eu me fiava
em mim mesma, agora conto comigo (fraca) . In­
teligência, imaginação, coração, sentidos - tudo
é porta para elas. Dos olhos então está escrito
que por eles, como o ladrão pela j anela, entra
a morte. - Vigia a reza, leitora. Não te fies na
calma aparente dos dias que talvez te corram
tranquilos. Nada há tão tranquilo como o dina­
mite antes de . . . explodir. Nunca te tomes por
invulnerável. O ovo, antes de ser quebrado, tem
até aparência de mármore. E é tão frágil. - En­
tendes agora por que rezas "Não nos deixeis cair
em tentação" ?

6. Deslumbrada . . .
Restabelecendo os fatos, deturpados por lou­
cas comparações, escreveu um nosso poeta :

189
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Eu sou homem - nada m enos,
Tu és mulher - nada mais ;
Eu sou empregado público,
Tu minha noiva bem cedo . . .
Eu sou Artur Azevedo,
Tu és Carolina Morais . . .

Lembra-te destes versinhos, leitora, quando a


narcose de um amor humano te inspirar exage­
ros ou arrancar madrigais ao teu eleito. Ele, só por
ser teu noivo, não ficou sendo perfeito. Não impro­
visou qualidades. Se apenas tinha uma educação,
não passou a ter também um caráter firme, às
três horas da tarde, do dia tal e do mês tal e tal,
data em que noivou. Até então era respeitador
da religião, e, portanto, não o deves tomar por
muito religioso. Nem engraçadamente invoques
em seu favor o parentesco com um tio padre.
Ele, por sua vez, fará de ti uma deusa. Dará
nomes bonitos até para os teus defeitos, morais
e físicos. E' verdade que, em geral, os rapazes
de hoj e não amam os êxtases de seus antepassa_,
dos. Mas sempre ficam narcotizados porque são
humanos. Não creias nas adulações explicáveis do
tonto. Lembra-te do que afirma Artur Azevedo.
Todo deslumbramento é perigoso para teu
equilíbrio moral. Com ele fàcilmente te tornas
uma revoltada contra todas as raznáveis pondera­
ções dos pais e amigas. Chegas mesmo a imitar o
tolo que se apaixona por um bilhete de loteria só
por achá-lo lindo. E depois verifica que, além de
lindo, é branco .

7. Como areia entre os dedos


fugia-lhe a vida, como areia de ouro caía no
chão - disse de si j ovem poetisa de outras ter­
ras. Acentuava que era vida perdida, vida frus-

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trada a sua. Nas mãos de certas j ovens parece,
ainda hoj e, não ser outro o destino da vida. Co­
mo a criança levanta a areia e deixa-a cair-lhe
das mãozinhas, assim dia por dia vão essas j o­
vens fazendo escoar as horas de ouro, de valor
imenso nos anos da mocidade.
Inutilizam-na, tornando-a ociosa, mole. Que
pena se a leitora figurasse entre as adeptas do
mínimo incómodo na vida 1 Pensas talvez que tens
o direito de buscar o n éctar de todas as flores ?
Nisso eu veria a revelação de fé superficial. Sa­
bes que a cruz de nosso Senhor não pôde ser car­
regada pelo imperador revestido de seda e de in­
sígnias ? Heráclio teve de despir tudo isso e a
cruz deixou-se levar por ele.
Para não ser areia fugidia, fez o Senhor que
tua vida tivesse a unção dos sacramentos nas
horas mais assinaladoras ; que se movesse dentro
de 10 preceitos divinos e se governasse por cinco
preceitos maternos da lgrej a.
A cristã cabe fazer de sua existência uma ele­
vação litúrgica, uma prece, uma cerimónia ri­
tual, um amor vivificante, enfim. Por que não
fazes de tua alma uma p ágina do Evangelho e de
teu corpo o suporte desse livro santo ? Tua casa
(bonita e singela) pode tornar-se um oratório.
A mesa, a cama, a oficina e o escritório, a cai­
xa da loj a ou da tábua de bater roupas, mudar-se
podem num altar. Das ocupações diárias, dos atos
prosaicos, te é dado fazer um acontecimento refü
gioso, um rito de eternidade no tempo provisório.
Já escreveu São Pedro que "tu pertences a mna
casta sacerdotal" A j ovem amante da pureza
de sua alma, cuidadosa em elevar suas inten-

191
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ções a Deus, em cuj a graça vive - está longe de
perder a vida como areia entre os dedos.
Responde à tua consciência : foram areia os
anos que se escoaram entre tuas mãos ? Mas de mãos
vazias ninguém pode aparecer diante do Deus e
Homem que as tem . cheias de sangue da cruz !

XXI

1. Lê e crê . . .
Das tuas prendas hão de lucrar outros tam­
bém. Já te disseram que és bela e j á teu retrato
figurou entre as "belezas" estampadas por revis­
tas. Não precisas negar o que for realmente exato.
Reconhece a prenda, mas lembra-te de que com
ela Deus conta para a tua salvação e para teu
apostolado cristão. Que a beleza sej a uma prenda
perigosa, ninguém 'que te queira bem o há de
negar. Deves vigiá-la e manej á-la com precaução,
dela usando só para propagar o que é nobre, belo,
digno do teu destino eterno e da salvação do pró­
ximo. Seria rebaixar a prenda de Deus, se tão so­
mente a quisesses contemplar no espelho ou no
tolo deslumbramento de gente. fútil. Que horror,
se dela te servisses para tentar teus irmãos re­
midos por Deus ! Não queiras ser Eva sedutora.
Há tantas no mundo !
És rica ? E ouve, leitora, uma verdade que te
fará riquíssima se a seguires : a riqueza não te
foi dada para satisfazer tuas fantasias e ociosi­
dades perigosas. Ela não te dispensa do traba­
lho, porque as mãos calejadas de nosso Senhor
são uma censura divina para todas as senhori­
tas "cristãs" que têm medo de ferir as mãos num
insignificante calozinho.

192
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A riqueza é uma espec1e de empréstimo que
Deus te fez. Pedir-te-á conta de cada tostão. Ai
dos ricos ! exclamou o Mestre. Pois tão grandes e
tão sérios são os seus deveres para com os ou­
tros, que se expõem a descuidá-los por causa do
conforto da vida.
És inteligente ? Olha, não exibas a inteligência
inútil e vaidosamente. Tão pouco faça s menos
caso das ocupações que não são "intelectuais".
Cultivar a inteligência à custa do coração é um
erro fatal. Deus e o próximo te querem, antes de
tudo, de coração inteligente e devotado. Servir-se
a moça da sua inteligência para conhecer os meios
e recursos ao seu alcance na prática do bem ; p a­
ra melhor compreender a extensão dos seus de­
veres e de suas responsabilidades, é simplesmente
invej ável. Que bela atividade para a inteligência,
o penetrar na floresta sagrada das verdades reli­
giosas e de ver de perto as belezas que encerra !
Beleza, inteligência, riqueza - que fazem de ti
e delas que fazes tu ?
2. Ele te dirá . . .
O exame, no fim do ano, diz se a alma vadiou
ou estudou. O exame diante do espelho falará da
expressão do rosto e do seu asseio. O exame da
tua consciência cristã contar-te-á de que e spírito
és tu.
"Não basta conhecer em que consiste o espírito
mundano. Já sabes que os traços que o revelam
são :
- ausência do sobrenatural nas idéias ;
- ausência do sobrenatural no conj unto geral
da vida.
Queres saber se é este o espírito de teu íntimo ?

Audl filia - 18 193


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Examina tuas idéias :
Sobre Deus. - Não acho exagerada a exigên­
cia que me faz de procurar o seu reino, a sua von­
tade, o seu ·agrado, antes de tudo e em toda parte ?
Sobre o Evangelho e os axiomas de nosso Senhor
- em matéria de ·caridade : - "oferecer a ou­
tra face para ser batida"
- em matéria de riqueza : "ai dos que estão
agarrados aos bens"
- em matéria de sacrifício. "se alguém quiser
ser meu discípulo tome todos os dias a sua cruz" ;
- em matéria de perigos p ara a alma : "ar­
ranca teu olho se ele te escandalizar".
Sobre as diretivas da Igreja
no que concerne aos bailes,
aos divertimentos e espetáculos,
às leituras e às modas . . .
Examina tuas ações :
Descobres em ti horror ou gosto da superfi-
cialidade
- na piedade ?
- no trabalho ?
- nas relações ?
Aprecias ou aborreces a "artificiosidade"
- no trato contigo mesma ?
- no arranjo de teus negócios ?
- nos teus deveres religiosos ?
Finalmente, pergunta se amas ou aborreces
a futilidade
- que se mostra incapaz de prender a tua
atenção a uma idéia ou reflexão ;
- que te entusiasma por ouropéis e aparên­
cias . . . " (P. Plus) .

194
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3. Coração teimoso . . .

Mas não queres d�r-me ouvido,


Triste monjolo teimoso !
Dei-te o meu conselho em vão . . .
Continuas lacrimoso
no teu eterno gemido,
tão tristonho, tão sentido,
que até me causa aflição . . . (L. Queirós ) .

A poetisa desistiu de aconselhar o monjolo -


tão nosso conhecido na roça - porque "o seu
monjolo dorido era o monj olo-coração". Tens aí
o grande, o maior teimoso deste mundo de Deus.
Dia e noite geme e chora, faz ruído dentro do
peito e nunca está contente, nunca cessa de pedir,
nunca se dá por convicto. Fere-se nos espinhos
e a eles volta. Proibiram-lhe de ir beber naque­
la fonte. Eram salobras suas águas. Mas ele voltou.
Disseram-lhe que de ilusões não viveria. Mas ele
tornou a chamá-las, foi longe para buscá-las. A vi­
saram-no de que tornaria a entornar a água que
lhe enchia o côncavo. Não acreditou e a cada
instante enche-se dela e com grande estrondo e
gemido a derrama a seu lado, qual teimoso mon­
j olo. - Aproveita-te da teimosia de teu coração.
Torna-o um teimoso apaixonado do dever, da vir­
Lu<le, de Deus, do coração do Salvador, dos cari­
nhos da Mãe de Jesus . Por favor, leitora : não
dl�s razão ao teu teimoso, quando quer fugir de
rnsa e andar pelas praças do mundo.
Manhas e teimas curam-se de começo. Já ago-
1'11 de ves enfrentar as primeiras teimas do cora-
1:iío e suj eitá-lo em coisas pequenas. Por exemplo,
con traria esse teimoso, quando te faz um mun­
diío ele perguntas e teima pela resposta.

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4. Teus flertes . . .
Flertar é brincar apenas; é passa-tempo e nada
mais. E' coisa da idade, de moça em geral. As­
sim falam muitas j ovens, assim procedem muitas
das tuas amiguinhas, guiadas por . . . ti, talvez.
Mas vamos analisar com calma e realidade o
assunto, leitora. Dizes que o flerte é brinquedo. Mas
de que e com quê ? Brincar com uma folha seca
é inofensivo p assa-tempo ; brincar com uma ví­
bora_ é coisa arrisca díssima ou fatal. Ora, o flerte
é um brinquedo com o coração, com a consciên­
cia, com a alma.
Com o coração. - Flertas e brincas com o teu
coração, com o alheio, nas várias temporadas de
passeios e de estações. Mas o coração não é bola
de tênis, que atiras ao parceiro e dele recebes de
volta. Não é apenas "órgão vital" no organismo.
Para nosso Senhor é tudo. Ele - ao falar do co­
ração - fala com seriedade de assustar. "Amarás
o Senhor teu Deus de todo o teu coração ; do co­
ração nascem as invej as, os homicídios, os adul­
térios" Pede que se lhe dê o coração, fala do Pai
que lê no coração. Como vês, ele não ri ao falar
do coração. Insinua que o vigies, que o guardes
e defendas . . .
Brincar com o coração é brincar ao mesmo
tempo com dois destinos presos a ele : o desta e o
da outra vida. Sabes que o cenário de heroísmo e
de desesperos, a lareira das chamas votivas e das
incendiárias é o coração. Tudo, na vida, relativo
a Deus e ao próximo, se resolve numa questão
de coração.
Brincando com o coração, a moça' mostra que
não liga importância à vida dele. Pois fàcilmente

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a entrega a qualquer compromisso. Nesse brin­
quedo ele sai manchado, sai gasto ( o flerte rou­
bou-lhe as pétalas mais formosas) , sai usado.
Passa a figurar depois como "coisa de segunda
mão". Por cima ganha j eito e gosto de ser falso.
Durante anos de flerte acostumou-se a fingir que
gostava. Habitua-se a ser superficial, expondo­
se a não compreender um grande amor que o
·
procure. E depois fica sendo como rio espraiado.
Dispersa suas ternuras, transborda, sai do tra­
çado roteiro.
Moça que flerta não pode ter um amor verda­
deiro e cristão. Nem o primeiro, porque não pode
contentar-se com um só amor. Nem o segundo,
porque não se suj eita a querer um só amor. Acos­
tumou-se a ter sobre sua mesa vários e perfumosos
buquês de flores. O dia que tiver um só, colocado
sempre pela mesma mão, estranhará, achará uma
falta enorme.
Quem foi abelha, voando de flor em flor, con­
tentar-se-á em ficar presa dentro de um j ardim
fechado pelas austeras normas da moral cristã ?
Pode haver exceções e quanto a conversões
neste ponto podes esperá-las, em se tratando de
tuas amigas. Ao tratar-se de ti mesma, apressa-as,
começa desde j á com elas. - Era isso que eu ti­
nha a dizer-te, leitora, acompanhando de certa
distância a exposição de Bellouard.

5. E brincas com ela?


E' a consciência a mestra da vida moral, o pa­
ladar do bem e do mal, a voz secreta que ordena,
a testemunha que tudo vê, o juiz implacável que
absolve ou condena. Tê-la a seu favor é um p a­
ra íso na alma, mesmo quando o mundo condena

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o que se faz. Mas é um suplício horrível ter que
ouvir as censuras da consciência dia e noite, ainda
que todos batam palmas pelo que se fez.
Como vês, leitora, é teu imenso tesouro e inve­
j ável fortuna, essa consciência. E' serena estrela
a luzir dentro da tua alma, inundando-a de doce
p az . Na família, que adora sua filha única, po­
derá alguma coisa suprir a falta dessa criatura,
se a morte a levar? Tua consciência é uma outra
"filha do coração". Nad a a supre.
Mas o flerte mete-se a brincar com a consciên­
cia também. Esta, mal ele começa com seu brin­
quedo, avisa a moça, protesta com discrição ou
com violência.
Aos protestos, às censuras, ao pranto da cons­
ciência, a moça dos flertes responde, sem nm cari­
nho, sem um consolo, com uma cara emburrada
e zangad a. Fica de mal com a pobrezinha.
O resultado, leitora, não tarda a aparecer. O
tal brinquedo deixa empanada a limpidez de vis­
tas. A consciência insensivelmente torna-se incer­
ta, confusa, indecisa. Já não distingue com pre­
cisão entre o bem e o mal, entre o ilícito e o lí­
cito. As tintas empalidecem, os contornos se des­
fazem. Como as sentinelas na guerra tomam a
sombra por inimigo, ela toma o prazer p elo de­
ver. Vencida na clareza do seu pensar, emudece
no seu falar. Já não sabe como se exprimir. Fica
tua vida moral entregue ao regime do vago e do
incerto.
Mais ainda. Ela perde sua lealdade , começa a
adaptar-se, a esperar, faz concessões forçadas, en­
tra em negócios com o coração, compra-lhe con­
ceitos e vende-lhe a lei moral. Por fim, chega o
dia em que se torna também venal. Não brada :

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E' proibido. Diz apenas : E' desculpável, não é
mau . . .
Tudo isso Bellouard achou no flerte inocente
das moças ! E Deus acha ainda muita outra coisa.

6. Cuidando do fogo
Toda moça cristã. é por natureza uma vestal :
está destinada a guardar o fogo que Deus acen­
deu. Para o mundo, portanto, a leitora terá de
guardar a fé. O primeiro fogo a iluminar e aque­
cer é a fé. Sem ela o mundo perece, os ideais
desaparecem, o homem maldiz sua vida.
Mas, senhorita, receio que não estej as cum­
prindo bem a missão. Primeiro, porque não au­
mentas, nem esclareces, nem realizas a tua fé.
Depois, porque não te preocupas em espalhá-la,
em despertá-la em todo o mundo. Vamos : por
nada admitas que se apague esse fogo ! És ves­
tal assinalada por Deus.
Ao mundo guardarás o pudor. A medida que
surgirem desafios e inj úrias ao pudor, irás opon­
do tua resistência, mostrando como ele é belo
·
ornamento e insubstituível encanto na mulher.
Vendo-te recatada, com rosas do pudor n·o rosto,
o mundo lembrar-se-á do paraíso que perdeu. Irá
procurá-lo, então.
Em teus cuidados figura também o verdadeiro
amor, que mais e mais vai desaparecendo no mun­
do. Este apenas conhece o amor-prazer, o egoísmo
elegante ou brutal. Para os triunfos desse amor
não há flores de virtude, mas lágrimas, ao invés.
"Por isso a j ovem cristã deve guardar o amor
humilde, generoso, sorridente e bom ; esse amor
fiel, profundo, ardente e calmo ; amor que faz vi­
ver e nada consegue matar; esse amor p elo qual

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se amam outros corações na terra e com eles se
sobe até à fonte do amor - Deus".
7, Gotas do tempo
A vida coITe como um caudal. Desde o ber­
ço com ele se assemelha. De pequena fonte, avo­
lumando vai suas águas, subindo a arroio, a re­
gato, a rio. Rola sem cessar as suas águas, va­
riando de rumos, de margens, de cenário. Agos­
tinho, o sábio e o santo, chama os momentos fu­
gazes e rápidos da vida "gotas de tempo".
Então será coisa desprezível, o tempo ! dirás,
leitora. Não ; valem muito essas gotinhas. Deus
se vende por um momento de tempo, dando seu
coração e seu reino a quem o ama. Empregado
na prática do bem, no cumprimento dos deveres
de cada dia, o tempo vale ouro.
O tempo, só por não voltar mais, j á vale como
uma saudade e um tesouro. Sabes quem te reco­
mendou aproveitasses bem o tempo ? Teu Mestre
e Salvador. Pois mandou que trabalhássemos en­
quanto nos durasse a luz !
Gotas do tempo caem no oceano da eternidade
e continuam a valer o que valem essa imensa, in­
compreensível eternidade.
E agora escuta uma coisa. Deste tesouro tens
vários ladrões. O pecado é o primeiro. Alma em
pecado é vida de tempo perdido para Deus. O
segundo é a falta de reta intenção no cumpri­
mento das obrigações. E' o desleixo dessas obri­
gações o terceiro l adrão. E depois há uma "amá­
vel quadrilha" de salteadores deste teu ouro.
Quem? As mui gentis amigas, que representam as
amizades inúteis e prej udiciais. Trata de conhe­
cê-las e guardar-lhes os nomes. Amizades que te

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melhoram e não te desviam do dever - essas são
mensageiras de Deus, são imagens dos anj os
invisíveis.
8. Vais ficando para trás?
"Atualmente, a educação dos moços obedece
a um método mais de acordo com a moral cristã
e as necessidades sociais. Os moços j á têm cons­
ciência esclarecida de seus deveres, tão múltiplos,
e da grandeza que há em cumpri-los. Aprende­
ram a fazer uma outra idéia da mulher, não a
desprezando como boneca ou como um ser peri­
goso e inferior. Sonham com a pureza que dese­
j am guardar por seu amor ; tencionam tomá-la
por companheira intelectual, colaboradora social,
auxiliar em todos os instantes e para todas as coi­
sas e, ao mesmo tempo, metade "do próprio ser e
tabernáculo onde querem deixar o coração. Uma
geração de moços atinge hoj e a virilidade tendo
ainda o frescor do sentimento, j unto à integri­
dade das forças. Vibra ao menor sopro de amor
e de liberdade ; aspira a continuar na família a vida
de fervor religioso e de apostolado cuj o valor en­
tendeu nos dias da mocidade"
O autor de tão belas palavras chega a profe­
tizar que as moças em breve perderão a realeza
da virtude, porque o certo irá parar nas mãos
dos moços da nova geração. De fato, vemos em
nossa pátria um belo surto de regeneração entre
a mocidade masculina. Olhe a moça para essa
plêiade de rapazes pertencentes às várias associa­
ções de caráter religioso e social.
Se a leitora quiser contar apenas com a idade
gentil, com as prendas dessa idade ; se não cuidar
de reformar o coração e alargar as esferas de um

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puro e generoso devotamento cristão - é bem
possível que não sej a digna dele" (do moço) ,
no dia em que lhe entregar o coração, e dele rece­
ber um outro p ara guardá-lo no sacrário do
próprio peito.
De certo a senhorita dirá que o autor destas
linhas está torcendo para os moços. Não ; eu gosto
de enciumar as boas vontades. Falando aos mo­
ços, ponho as moças em poético pedestal de gran­
deza moral. Mas, dirigindo-me às leitoras, digo­
lhes que não está fora de perigo ficar a palma d a
vitória nas mãos dos rapazes.
Por isso não mereci aquela censura feita p or
uma j ovem, que acompanhava a irmã noiva, quei­
xosa do noivo, ao ouvir-me defender este último :
- Clory, eu j á te disse que não vale a pena
acusar um homem a outro homem ; isso é uma
classe unida . . .
XXII
1. Nada se improvisa !
Lendo as páginas de um romance, a senhora
armou um palco na imaginação e dentro dele pôs­
se a realizar complicados heroísmos, como esposa
dedicada. Nisso a mãezinha, lá de dentro de casa,
chamou a filha para aj udá-la. E a "heróica" se­
nhorita levantou-se resmungando, mal humorada,
e foi fazer o serviço com rosto de parca.
Um quadrinho singelo, mas frequente na vi­
da das j ovens. Amanhã ou depois, a leitora terá
de escolher um véu : de virg em, de noiva, de irmã.
Cada véu traz uma lista de e xi gências morais,
cita .uma l adainha de prendas que o coração, que
as mães devem apontar, que o caráter deve lem­
brar. Erro seria supor a leitora que tudo isso virá

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dentro da corbeille de noiva, nos tecidos do há­
bito religioso, nos fios de véu de virgem . . . Nada
de improviso, senhorita. Só terás, amanhã, o que
hoj e plantares e cultivares. E' uma das piores
ilusões da mocidade feminina, esse cálculo errado.
Já vimos a primeira vocação da mulher : é o de­
votamento, mesmo a custo do seu sangue. Foi
feita a mulher mais para tornar os outros felizes,
do que para ser ela mesma feliz. Não se prepa­
rar para isso é trair a própria missão dada pelo
Criador, reclamada pelo coração e por todas as
forças vivas do próprio ser.
Ora, quem em casa é uma comodista, uma
egoísta por convicção e feição, uma que sempre
deixa o serviço para a irmã, etc., que traz o cora­
ção vazio de ideais, pobre em generosidade; que
anda com as mãos sem as provas da seda de seus
agrados e sacrifícios - terá tudo isso amanhã
como esposa, como virgem, como religiosa. Ár­
vore sem frutos, com pouca sombra, mera inutili­
dade sobre o lugar que ocupa. Serás isso ?
2. Grãozinhos de areia . . .
Dia por dia ela (a prudente j ovem) foi se im­
pondo um ato de mortificação totalmente de­
sinteressado. Ora priva-se de um passeio ou de
uma simples voltinha agradável ; ora, entre dois
caminhos, escolhia o menos agradável. De uma
poltrona cômoda passava a sentar-se numa cadei­
ra ; cessava de ler, justamente quando a curio­
sidade começava a despertar-se. Aparentemente
era de pouco valor o que ia fazendo.
Entretanto nisso firmou-se a energia da heroí­
na que ela soube mostrar diante dos rudíssimos
golpes d a vida. Houve sadia e cristã filosofia por

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p arte da j ovem, que não fez pouco desse exercí­
cio da vontade. Os grãozinhos de areia são, iso­
ladamente, coisa anódina. Reunidos, formam as
dunas, que enfrentam a fúria ·do mar e lhe detêm
o avanço pel a terra adentro.
Pequenas contrariedades feitas à tua vontade,
leitora, formarão essa duna contra a qual os v a­
galhões de p aixões resolutas e teimosas irão se
quebrar, cantando no embate o teu triunfo de
cristã prudente. Não faças pouco das p equenas
mortificações . . .
3. No mundo das coisas pequenas .
Os pequenos defeitos e a s pequenas virtudes !
Nem um nem outro devem ser tratados com
ares de pouco caso. As vinhas não perecem sob
as p atas de animais. Morrem vítimas de um ser
microscópico : a filoxera. Os corais insignifican­
tes - até no meio do mar ! - formam suas ilhas
indestrutíveis. Os formidáveis diques da Holan­
da são combatidos, não pelo elementar vigor das
ondas, mas por um inseto que j á vinte vezes pôs
em perigo o país. Atos de grande virtude, de he­
roísmo moral, são raros. Nascem de circunstân­
cias especiais e têm a vida toda para palco e es­
colha da hora de sua realização.
Ocasião p ara praticar pequenas virtudes não
faltam dentro das horas de cada dia e nas do­
bras de conversa. A prática contínua de pequenas
virtudes supõe uma paciência real e uma grande
reserva de energia. Receber polidamente os im­
portunos, não apoquentar-se com os ·mal educa­
dos, não ceder à tentação de criticar ordens, fe­
char os olhos sobre desatenções habituais . . . eis
aí, senhorita, uma p equena e grande virtude.

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Até o sorriso contínuo pode muito bem ser a
prova da virtude que tens. Parece ser o clarão da
chama que dentro de ti arde e se consome pelo
bem.

4. Sem ordem e utilidade . . .

E' de grande utilidade seguir um programa de


vida. Com ele, leitora, evitarás o desperdício de
tempo, os fatais esquecimentos, a s incoerências
e hesitações. Tua vida precisa ter o seu leito e os
seus trilhos. Não lhes estreites nem alargues de­
mais essa bitola.
A hora de levantar e de acomodar-se, o tempo
reservado à toilette, ao exercício físico, aos atos
religiosos, à leitura, ao trabalho - uma jovem
cristã e esclarecida os traz bem fixos e os guarda
sem contínuas mudanças.
O inglês manda pedir tempo às pessoas que
não o têm. Por quê? Porque gente muito ocupa­
da costuma ter seu método, e gente metódica é
disciplinada também. Vence com isso ociosidade
e inércias que roubam o tempo ao desocupado.
Diga a leitora se os seus dias vivem à mercê
dos caprichos ou se obedecem a um programa.
No primeiro caso eu a lamentaria. Teria a vida
desorganizada e . . . d esorganizante. Pois é p eça
fora do lugar, causando embaraços a outros. No
segundo caso, é feliz ; possui a base para reco­
lher-se em si mesma e ser "caudal" fertilizante
através -da sua jornada.
A hora de levantar-se diz muito mais sobre o
caráter e o dia de uma moça, do que muita outra
atitude vistosa. Quem a tem e guarda fixa, garan..:
te-se o dia, santifica a manhã e foge da ociosidade
perigosa, j ustamente quando entre os lençóis.

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5. O célebre tambor
A tristemente conhecida Mme. Maintenon não
queria que nos livros para as mocinhas se escre­
vesse a palavra amor. Substituí- a pelo termo
tambor . . E a mudança não é de todo descabida.
.

Um termo muito se assemelha a outro quanto ao


efeito. Rufando os tambores, tremem os vidros
e calam-se, por abafadas, as vozes por perto. E
quando no coração de uma moça o tal amor-apai­
xonado bate caixa, não há voz esclarecida, amiga
ou materna, que se consiga fazer ouvir.
As faculdades tremem ao rufo surdo desse co­
ração. A fantasia, de louca que era, fica doida fu­
riosa e pinta a pessoa querid a com todas as cores
vivas e insinuantes, tendo só tintas fúnebres para
quem quer que venha substituí-la. A vontade nem
mede os passos que dá, corre aos saltos atrás do
coração. A sensibilidade é quase um cristal. O me­
nor choque a faz vibrar.
Cuidado, senhorita, com esse tambor-coração !
Por isso nunca brinques com ele. Apenas acom­
panha-o nos casos em que te sej a lícito um amor,
e, isto feito, não descanses da vigilância. O apai­
xonamento é possível ainda e perigoso sempre,
sobretudo na mocidade.
6. Com aroma nas mãos . . .
As piedosas mulheres que se dirigiam ao se­
pulcro de Cristo traziam aromas consigo.
Sepulcros há muitos ainda hoj e, leitora, nos
quais "um cristão" vive sepultado j á em vida.
Há sepulcros frios, sepulcros vazios.
"Todas as mentes que não pensam em Jesus
são sepulcros frios. Todos os corações que não
amam a Jesus são sepulcros vazios. Todas as al-

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mas que não vivem com Jesus são sepulcros ári­
dos. Todas as almas que não padecem cm� ele são
sepulcros , remexidos". Ora, à moça cristã cabe
levar aromas e perfumá-los, chamando neles a
vida cristã com sua fragrância de virtudes.
Oração, exemplo, sacrifício, conselho - eis os
adequados meios para seres apóstola. Hoj e em
dia o apostolado tomou um nome que denota dis­
ciplina e unidade de vistas e de obediência. Cha­
ma-se Ação Católica. A leitora não se faça de ro­
gada para pertencer à fileira das "que trazem
aroma nas mãos e buscam sepulcros onde j azem
cristãos".
A união do apostolado é difícil, mas indispen­
sável também. Os maus são fortes porque se
unem. Da união nasce a ação concentrada e es­
sa impõe o sacrifício das idéias e dos métodos
pessoais. Cuidado, leitora, não queiras impor teu
modo de ver nas associações, com prejuízo da
ação em conj unto.
Isso de andar por caminhos individualistas é
imitar as varas desunidas no feixe do apólogo.
Separadas, foram quebradas com facilidade.
E' muito tentador para uma senhorita da "so­
ciedade" o sistema de fazer prevalecer suas idéias,
como se a sua posição, por si só, lhe assegurasse
visões mais nítidas do que as têm as sentinelas
de Israel. Ação em comum é como oração em
comum : Deus associa-se às almas unidas.
7. Galeria de moças
Vamos fazer uma parada apreciação dos vá­
rios tipos de moças, que se tornaram afamadas e
modelares n a história d e Deus.
Rebeca. - Foi gentil p astora e obsequiosa cria-

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tura. Baixou seu cântaro, dando de beber ao servo
e emissário de Abraão, e depois ainda tirou água
para todos os camelos da caravana . Trabalho pe­
noso, mas que denotava o amor dessa moça às
lidas caseiras. E assim ela mesma deu o sinal pe­
dido pelo emissário desejoso de saber que moça
devia ser a noiva de Isaac.
Raquel. - Que alma bela e que coração en­
cantador devia possuir essa criaturinha ! Pois, pa­
ra merecer-lhe a mão, Jacob trabalhou durante 1 4
anos, d e sol a sol.
Sara. - Moça sem sorte quanto aos preten­
dentes à sua mão. Briga com as criadas e estas lhe
recordam o "azar que teve com sete pretenden­
tes". Fechada no quarto, a pobrezinha põe-se a
rezar e a chorar durante 3 dias. E disse coisas
que mostram a pureza de sua vida. Disse : "Se­
nhor, vós sabeis que eu conservei minha alma li­
vre da concupiscência ; que nunca me ajuntei com
os que se divertiam, nem fiz amizade com o s que
procediam levianamente !" Deus atendeu às ora­
ções da pobre moça. Pouco depois era noiva feliz
de um noivo que o anj o lhe apresentara : Tobias.
A filha de Jefté.- Outro nome não se lhe sabe.
Foi a filha sacrificada pelo ju ramento estouvado
do pai. Ele j urara imolar a Deus a primeira pes­
soa que lhe saísse ao encontro, se voltasse vito­
rioso para casa. Vence o inimigo e, para celebrar­
lhe o triunfo, a filha corre ao seu encontro, num
j usto alvoroço de alegria. Ciente da rude promessa
p aterna, a moça não vacilou. Ofereceu-se a mor­
rer para que o p ai cumprisse o j uramento. Que
dedicação ao pai ! - A filha de Jefté saiu em com­
panhia das moças do lugar, a errar pelas mon­
tanhas, chorando sua desdita : não podia ver um

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descendente seu, ia morrer virgem. Hoj e em dia,
leitora, seria paganismo uma moça chorar sua
vida virginal. Pois diante de si tem outros admi­
ráveis exemplos de ilibada virgindade.
Marta. Que moça prestimosa, mas também
-

"um tanto implicante" com a irmã que a deixara


pôr sozinha a mesa para o Divino Hóspede da
vila de Betânia ! Marta é um belo modelo de amor
ao irmão, para cuj a doença reclamou a presença
do Mestre.
Madalena. - Era moça formosa, rica e inteli­
gente e mesmo literata. Arranj ou uma corte de
admiradores, foi se esquecendo d o papel que lhe
cabia como mulher e, por fim, ficou pessoa por
demais conhecida e evitada na cidade. Vieram
até demônios tomar conta da infeliz. O Mestre a
converteu, louvou-lhe o desprendimento, o gran­
de amor, puro e sincero, que lhe enchia o cora­
ção. Vês, leitora, o pecado não impediu Mada­
lena de ser criatura privilegiada por Deus e lou­
vada no Evangelho. Que consolo !
Salomé. - Filha do pecado, dançarina tenta­
dora e servil tirana ! Dançou diante de Herodes,
agradou-o tanto que lhe arrancou uma louca pro­
messa. Ouve o cruel conselho e vai pedir ao rei
- não um vestido, um colar - mas a cabeça de
João Batista . . . Isso de dançar e de agradar a
muita gente, senhorita, traz sempre uma triste
associação de idéias. P arece que se vê o prato
com a cabeça do profeta, do homem de Deus, nas
mãos da moça dançarina . . .
Míriam. - Foi amável figura de irmã, quan­
do entre os j uncos, à b eira do Nilo, ficou vigian­
do o cestinho no qual estava escondido o irmão­
zinho de poucas semanas. Depois, recebido o re-

- 14
Audi filia 209
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cado da filha de Faraó, que se condoera do pe­
queno, corre a buscar-lhe a mãe, e assim salva­
lhe a vida.
Mais tarde Mfriam acompanhou o irmão, j á
então homem de Deus e guia do povo, pelo deser­
to, rumo à terra prometida. Era profe tis a e "pri­
madona" do coro das cantoras e dançarinas que
celebravam os triunfos do povo eleito. Era cota­
díssima. Mas um dia o "ciúme e a invej a" lhe
invadiram a alma. Míriam murmurou contra o
mano e contra ele levantou o povo. "Então só por
meio dele é que o Senhor vos fala ?" - Duro e
severo foi o castigo do céu por causa desse pe­
cado. Míriam ficou leprosa, sua "carne tornou-se
branca como a neve". Separaram-na do povo. So­
mente diante das orações do mano amado por
Deus é que lhe voltou a saúde. Míriam não viu
a terra prometida. Morreu no deserto.
Isso de ciúmes e invej as pode acabar tràgica­
mente, não, leitora ? E que dizer das tuas revol­
tas contra o homem de Deus - o confessor, o
teu Bispo, o Santo Padre - quando ele reclama
contra erros e faltas da tua vida ? Não digas :
Só por meio dele é que Deus fala ? Assim falou
Míriam, a infeliz leprosa.
Dina. - E' uma figura dos tempos patriar­
cais. Mas j á naquele tempo a moça era a mes­
ma que hoj e. Gostava de passear e conhecer o
povo de um lugar. Assim Dina saiu, fazendo um
footing, para ver as mulheres daquele povoado
(Salém) . Lá se foi toda faceira com os encantos
que a natureza lhe dera. Era de fora e logo cha­
mou a atenção sobre si. Por ela apaixonou-se
Hemor, preso num enamoramento violento. Sen­
do filho do chefe da terra, fez processo muito sim-

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ples : furtou a moça. O fim foi uma mortandade
que os irmãos de Dina fizeram no lugar, magoa­
dos pelo procedimento do rapaz. - Muitas vezes
os footings, o desejo de ver "as moças do lugar",
as idas e vindas para a exibição, não se revestem
de tanta segurança para o espírito, como as pas­
seadoras supõem. A moça volta para casa e o
coração fica na rua . . .
A s {ilhas ide Sião.
- O austero profeta Isaías,
antevendo a calamidade a cair sobre o povo, cha­
mou à ordem as vaidades das moças de Sião.
Elas se enfeitavam "à moda oriental", como se
fossem fadas caídas do céu. Não ligavam para as
misérias da nação, para a seriedade das prova­
ções. Queriam ser vistas e admiradas : na rua,
no templo, nos passeios, nas grandes festas reli­
giosas e populares.
- Pois que as filhas de Sião se elevaram -
disse mais o Senhor, fala Isaías - e andaram
com o pescoço emproado, e iam fazendo acenos
com os olhos e gestos de mãos, passeavam com os
seus ruidosos pés, e caminhavam a passo mesura­
do ( de melindrosas, leitora ) . . . o Senhor torna­
rá calva a cabeça das filhas de Sião, e despoj á­
las-á do seu cabelo ; tirará o adorno dos calça­
dos, e os diademas, os colares e as gargantilhas,
os braceletes e os garavins, as barreiras e as ligas,
as cadeias de ouro e os vasos de essências e as
arrecadas ; os anéis e os pingentes de pedras pre­
ciosas caídos sobre a fronte ; os vestidos de reser­
va e as charpas, os volantes e as agulhetas, o s es­
pelhos e delicados lenços, os listões e as roupas
de verão (Is 3, 16 ss) .
Mas que arsenal de vaidade ! Em que fortuna
ficaria tudo isso e quanta caridade ficou impe-

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dida por toda a verba, indispensável para a lista
do toucador !
A palavra do Senhor cumpriu-se. Escravas,
sangrando os p és pelas pedras, queimando-se so­
bre a areia candente do deserto, com uma corda
à cinta, lá se foram tangidas para o exílio, as mo­
ças, as melindrosas de Sião, as surdas aos avisos
d o "austero" profeta . . .
Leitora, hoj e mesmo passa um sério exame
ao teu toucador e guarda-vestidos. Se encontrares
a desordem neles - tão comum no futurismo das
j ovens modernas - expulsa-a. Mas se encontra­
res o luxo fútil, descaridoso, desnecessário e tal-
vez injusto . esconjura-o!
Não digas : Ando no luxo porque posso. Pelo
dinheiro podes, talvez. Mas pela caridade - que
impõe a todos a obrigação de dar o supérfluo -
não podes esbanj ar esse dinheiro, como se tão so­
mente a ti ele pertencesse. Do contrário, por que
mandaria nosso Senhor aj untar "com a riqueza
tesouros e amigos no céu" ? . . .

XXIII
1. Os ares da sua graça
Em Spoleto todo o mundo conhecia o j ovem
Francisco Possenti. Rodeavam-no as moças e dele
falavam nas suas p alestras, e em toda parte. E
com simpatia e ciúmes. Nos bailes tinha-se por
vencedora aquela que fosse eleita para uma dan­
ça. Ao girar pelo salão, ao s reflexos dos cristais,
como uma rosa levada com outra na mesma ara­
gem de vaidade e na mesma onda de harmonias,
a preferida exultava de felicidade.
Francisco sabia quanto valia para o mundo fe-

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mmmo. E as moças encontravam nele um rapaz
de fina educação, de irrepreensível moral. Os
pais quedavam-se tranquilos, cientes de que nada
ameaçava a filha que se apoiasse nos braços da­
quele moço. Sabiam que de seus olhos não sairia
fulgor algum nocivo. Nenhum aperto de mãos se­
creto. Nenhuma palavra ambígua ou indiscreta.
Mas um dia o filho do governador deixou tudo
e foi, arrependido, despir-se das vaidades, inter­
nando-se num convento. Viveu em penitência,
fez-se santo. Agora o conhecemos pelo nome de
São Gabriel da Virgem Dolorosa, lídima glória da
Ordem dos Padres Passionistas.
Quem lhe mudou a alma ? Ouve, leitora.
Piedosa e meiga era a irmã de Francisco,
Maria Luísa. Juntos passeavam pela floresta, en­
quanto ela suavemente o advertia para que dei­
xasse as vaidades e ilusões d a mocidade. Havia
um quê na voz, no olhar de Maria Luísa que, agra­
dando ao irmão, lhe descia ao fundo da alma.
Eram . os ares da sua graça de cristã profunda­
mente piedosa e toda de Deus.
- Sê bom Francisco ; deixa essas tolices ; po­
·
des fazer tanto por Deus. Vamos rezar j untos?
O mê s d e Maio o s viu aj oelhados na igrej a.
Mas veio a doença e emoldurou de ouro aquela
alma de santa, escondida nas formas agradáveis
de Maria Luísa. Sua paciência deslumbrou o ir­
mão. Veio a morte e deixou na alma do moço uma
serena e saudosa visão da irmã. Chamava-a de
santa. Então os ares daquela graça, sempre lem­
brada, fizeram desaparecer da vista de Francisco
os ares das outras graças, todas mundanas e fúteis.
Veio depois a misericórdia divina e completou o

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trabalho de santificação. Assim deve a Igrej a um
santo aos ares da graça daquela alma de Deus.
E tu, leitora, que ares ou encantos desprendes
de ti mesma ? Eles levam a Deus ou afastam dele ?
Recordam dias de inocência, apresentam-se satura­
dos do sobrenatural ? Ou então dizem tão somente
que és da terra e arrastas para a terra ? Olha, cris­
tã : isso faz parte do teu exame de consciência.

2. Mais do que perigo


Acima se falou de bailes e da conversão de um
moço que os apreciava. Bela oportunidade para
te dizer, leitora, umas verdades sobre o assunto.
Em si as danças não merecem censura. Pois se
destinam ao recreio, ao divertimento e não visam
satisfações sensuais. Tornam-se más quando usa­
das com má intenção, ou de modo a excitar as
próprias ou alheias paixões, ou por qualquer ou­
tra circunstância repreensível.
Havendo atitudes incovenientes, aproximações
indiscretas, contactos reprováveis, o caso é outro.
Temos não só um perigo ou ocasião de pecado,
mas uma verdadeira imoralidade. Uma verdadei­
ra desobediência ao mandamento que diz : Não
pecarás contra a castidade !
Não podem, portanto, ser admitidas. Não pode
frequentá-las uma cristã que teme a Deus. E o
pecado será, em caso contrário, não só de quem
dança, mas de quem aprecia uma coisa má.
Infelizmente, a quase maioria das danças, ou
em clubes, ou em famílias, entra nesta reprovação.
Por si mesmas, independentes dos cuidados e das
reservas dos que as dançam, são elas más por suas
plásticas e aproximações, por suas evoluções e fer­
matas. Vale aqui a p alavra dos Bispos franceses :

214
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São divertimentos imorais por sua natureza e por
isso também proibidos e condenados, sempre e em
toda parte. São uma revolta contra a lei divina.
Por conseguinte, leitora, não podes ser toleran­
te neste ponto. Nem podes usar meias medidas.
Nem te adianta dizer que o confessor não te proi­
biu a dança. Nem te escusa o procedimento das ou­
tras. Nem te defende do pecado a presesça dos p ais.
Graças a Deus, devagar vai aparecendo uma
reação no mundo feminino que se dá mais à re­
ligião. Mas urge intensificá-la.
Não sabes que os inimigos da religião querem
j ustamente isso : que a moça católica não vej a
nada de mal nos bailes?
Agora vou lembrar-te outras circunstâncias de
peso neste assunto. Os vestidos de baile são uma
ofensa aberta contra o recato e pudor. Formam
ao mesmo tempo grave tentação para o mundo
masculino dos salões. E escandalizam a quem
apenas os observa.
Vem a circunstância do tempo. Dá-se tempo
demais aos bailes e desse tempo se faz uma ocasião
de encontros combinados entre rapaze s e moças . •
.. Daí nascem as familiaridades perigosas. Hoj e
é tão fácil dançar uma moça o tempo todo com
um par. D ança-se à noite, pela noite afora. Há
bebidas e o que a elas se segue.
Não pense a leitora que sej a tudo. Ao lado
dos perigos obj etivos, que existem para todos, há
os perigos subj etivos, que existem apenas para
vários indivíduos.
1) Nem a austeridade d a Quaresma, tempo de penitência,
Impede tanta moça de ir ao baile.

215
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Para uma moça que peca gravemente, sempre
ou quase sempre que dança uma dança honesta
( tão rara hoj e !) , é o baile evidentemente ocasião
próxima de pecado e, portanto, divertimento p roi­
bido. Diga-se o mesmo de quem a ele assiste nas
mesmas condições.
Que fazer se por uma razão muito séria não
pode urna j ovem abster-se de um tal baile hones­
to ? Recorra à oração, vigie o coração e procure
afastar o perigo, de próximo para remoto.
Mas se os pais mandam que a filha vá aos
b ailes ? Neste ponto a filha não está obrigada a
obedecer.

3. Para teu espírito e teu coração . . .


De velho, mas saboroso livro da nossa litera­
tura, retirei os conceitos que agora te apresento.
Vinho velho, de 300 anos j á passados, que pala­
dar o rej eitará ?
"Inventaram os homens a geografia, para co­
nhecerem todas as terras e todos os mares. Es­
tenderam-se à cosmografia, para compreenderem
também o elementar, o etéreo e dentro dos ce­
lestes círculos a máquina universal . Particulari­
zaram com a astronomia o conhecimento e moto
dos astros. Investigaram a natureza dos animais
não só terrestres, mas no profundo das águas, as
virtudes escondidas das ervas e das árvores, as
propriedades das duras pedras. Tudo finalmente
por oculto e remoto que se possa imaginar.
Só do perfeito conhecimento de si mesmos não
tratam, estando isto tanto mais perto. Contentam­
se com o geral da espécie humana, sem descer
cada um a seu indivíduo, sendo o que lhe im­
porta mais.

216
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Grande m1seria olharmos para o que está tão
longe e não para o que temos a nossos pés. Não
queremos ver-nos a este espelho, por nos não ver­
mos tão feios, como somos.
Todos os infortúnios vêm ao homem de se não
conhecer. O homem de maiores méritos deve
sempre entender que há outros, que os têm avan­
taj ados. Um daqueles p adres do deserto, que só
comia tremoços, se imaginava o mais abstinente.
E vivia outro abaixo, que só se sustentava das
cascas dos mesmos tremoços, que esperava em
um regato de água, em que aquele primeiro as
costumava lançar a certa hora.
Não te tenhas por melhor que os outros, p ara
que Deus te não tenha por pior que todos. Nunca
faz mal suj eitar-se a todos, e muitas vezes faz
mal antepor-se a um só.
E' verdade que o homem que compreendeu
tudo o mais, .não se pode conhecer a si mesmo, co­
mo notou Filo. Por isso dissemos em outra p arte
que, pondo Adão nome a todos os animais, confor­
me a natureza de cada um, não quis Deus que o
pusesse a si próprio, porque não acabaria de se
conhecer, para se poder definir.
Finalmente, nesta n avegação d a vida o piloto
é a prudência e o astrolábio é o conhecimento de
si próprio, que em todos os mares ensinará os ru­
mos por que se há de navegar ao porto da for­
tuna" ( An tônio Macedo, Eva e Ave) .

4. Figura bíblica
Certamente conheces a simpática figura de
Rute, nos Livros Santos. Atrás dos segadores ia a
moça respigando no campo de trigo. A tarde levava

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enorme feixe sobre a cabeça, garantindo assim a
fartura em casa.
Rute é a imagem da moça que, nos campos de
Deus, vai atrás dos apóstolos recolhendo almas,
num apostolado paciente, disciplinado e sobre­
natural. Hoj e em dia a Ação Católica arrebanha
a s j ovens e quer convertê-las numa ala intérmina
e incansável de respigadoras. Quer mudá-las em
ondas portadoras das graças e invasoras de tudo :
das casas, das ruas, dos campos, das praças, dos
escritórios, das salas, das fábricas. E sempre, com
a obsessão de salvar a alma do próximo, ganhan­
do-o para Cristo e sua lgrej a.
Mas semelhante apostolado há de ser primei­
ramente sobrenatural. Sentes, leitora, uma queda
natural ao trabalhares com esta ou aquela alma ?
Tens d e servir-te dessa queda como meio que te
facilita o trabalho. Vigia, porém, esse atrativo.
Do contrário ele invadirá os campo s reservados
à graça e aos seus métodos. Dá-se o contrário ?
C au sa - te re pulsa uma determinad a alm a ? Nem
por isso deixes de olhá-la como Deus a olha, co­
mo Cristo a olhou do alto da cruz.
Com Deus e por Deus e para Deus - eis o le­
ma para salvar as almas. Primeiramente preci­
sas contar com os recursos da graça e deves pro­
curá-los por uma vida pura, devotada e piedosa.
Apostolado paciente - porque a paciência é
outra cruz redentora. Sobretudo purifica e mos­
tra a nobreza de intenções de quem trabalha. Nada
de prantos e pessimismos. As lágrimas nunca re­
erguem ruínas sobre as quais têm caído. Os sal­
gueiros e'"" chorões j amais deram fruto saboroso.
Apostolado disciplinado - porque Deus ama
a ordem em tudo. Moça teimosa em sustentar

218
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suas idéias e seus hábitos perante a autoridade
que a orienta, não possui o espírito do Senhor. Por
isso vencerá a alma simples e dócil, instrumento
humilde e eficaz nas mãos ungidas da autoridade
religiosa.

5. Que desilusão !
Suponho que tens um pai que te enche de re­
voltas. Quando eras criança, tudo nele era adorá­
vel. Depois, tristemente, ficaste sabendo, estás sa­
bendo ainda, de umas quantas coisas. E não po­
des negá-las. E não consegues desculpá-las. E
não te é dado impedi-las.
Trata-se de defeitos graves, que até j á provo­
caram a intervenção, aliás inútil, de outros pa­
rentes. Entre todos os defeitos o que te revolta é a
inj ustiça de teu pai para com pessoas de tua es­
timação. Tudo ele interpreta mal. Desafia-te a
que lhe enumeres o que os outros fizeram por ti.
E tu, leitora, és dona de um terrível segredo. Em
dolorosíssima situação, tal pessoa , vítima de in­
j ustiças, te valeu numa discrição comovedora.
Não podes revelar teu segredo. O mundo viria
abaixo. E todos os dias te tentam neste ponto . . .
Leitora, nada de desânimos. Se os defeitos
existem inegáveis, existem também curáveis em
teu pai. Reza por ele, sacrifica-te por ele, tem pa­
ciência. Não te ponhas a analisar as faltas ou as
inj ustiças, as explosões ou as queixas de teu pai.
Mas como poderei respeitá-lo assim ? Respeita-lhe
a investidura da paternidade. Essa nada lhe tira.
E por que viverás comparando o teu pai com
o pai das outras amigas? Enveredando por este

219
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caminho, acabas naquela pergunta irreverente :
Mas por que Deus me deu tal pai?
Nas horas de. irritação, o silêncio é teu me­
lhor conselheiro. Se achares prudente dizer algu­
ma coisa, espera que volte a calma nas pal avras
e no rosto de teu pai.
Depois falarás, rezando. Se nem isto adian­
tar, cala-te, envolvendo-te naquela paciência re­
dentora.

6. Coração cruel
Seis longos anos viram a eclosão de uma ami­
zade respeitosa. Tua amiguinha era um fio de
ouro na tessitura de tua vida. E sempre foi boa.
Nunca te deu um conselho mau, magoou-te com:
uma indiscrição. Bem pouco recebia de ti, em re­
tribuição. Tu te fazias de rogada para uma vi­
sita, para uma telefonada, etc.
Um belo dia essa amiguinha esqueceu-se, li­
geiramente. Houve excesso de sua parte, adian­
tando-se-lhe o coração, transpondo uma fronteira
de carinho. E foi quanto bastou para te esque­
ceres de tudo. Um recado malcriado foi tua res­
posta cobarde. Pois na hora acolheste tudo com
o melhor sorriso e cumplicidade. Nem indagaste
de mais nada, leitora, na tua revolta.
Chamo a isso crueldade. Se a amiguinha er­
rou, devias mostrar-lhe o erro, indagar-lhe do arre­
pendimento e bom propósito. Não adianta alegar
como desculpa o acanhamento. Pois esse acanha­
mento não impediu a telefonada grosseira e ofen­
siva. Não adianta lembrar que precisavas defen­
der-te do perigo. Poderias afastá-lo, talvez, com

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uma simples censura ou queixa ou ameaça d e
romper as relações de amizade. 1

De resto, há pouco tempo não te lembras ?


- havia ao redor um verdadeiro perigo. Mas de
tua parte não houve a fugida. Houve, pelo con­
trário, a procura e o encontro com o perigo, sob
os comentários da vizinhança.
Acabo me convencendo de que, cruel como fos­
te, não mereces ter uma amizade nobre, que pos­
sa contar com reservas de perdão para uma hora
de fraqueza.
Não só perdão como também amparo e estí­
mulo para se corrigir. Por que desistes de melho­
rar esta amiguinha, tão acessível aos teus conse­
lhos, tão escrava da tua simpatia ?
Entretanto, há bem pouco, tentavas "con­
verter" um rapaz mais do que extraviado, verda­
deiro perigo para teu bom nome.
Foi necessário que essa amiguinha te conven­
cesse de que estavas te expondo e perdendo o
tempo .
O maior sofrimento da amiguinha abandonada
e expulsa foi pensar : Deram ao meu gesto a pior
das interpretações possíveis ! Como se meu p as­
sado não falasse a meu favor !
Contei, leitora, sem querer, um trecho de
tua vida ?

7. Mais frágil do que o vidro


Em tua casa há, talvez, taças, copos, louças que
foram de teus bisavós. Tão frágeis e ainda se con­
servaram ! Mas tua vida é ainda mais frágil que
1 ) Se, apesar disso, o perigo persistisse - andarias acer­
tada, fugindo.

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um vidro. Pois o tempo de sua duração é incerto
e depende de um nada, de um acidente.
Quanto erro, portanto, se contas com a dura­
ção da vida para adiar sempre tua conversão !
Aqui vale o conselho de Agostinho, santo e pen­
sador : Corrige-te hoje por causa de amanhã.
Há moças que reconhecem os erros de hoj e e
esperam corrigi-los, mais tarde, amanhã. Não é
este o método que os santos aconselham. Outras
há que temem a morte. Agostinho desaconselha
esse medo, por vão e ineficaz. Diz assim : "Por
que tens medo do que não conseguirás evitar,
ainda que temas ? Teme antes de tudo aquilo
que, temendo, podes impedir. O medo não impe­
dirá a chegada da morte. Mas bem pode impedir
que te condenes depois da morte". A vida só tem
uma finalidade que lhe dá imenso valor : ser a
preparação de uma santa morte.
Nada mais nobre do que o homem entregar
sua vida ao Criador num gesto fidalgo de resigna­
ção e preparação cristã. Nada mais profana a vi­
da do que uma morte estóica, pagã, revoltada con­
tra os desígnios de Deus. Por isso, leitora, na flo­
ração de tua vida pensa no fruto que colherias
no fim de seu ciclo. Prepara o gesto de fidalga
e cristã, para que na tua morte haj a um que do
martírio de uma Inês, de uma Cecília, de uma
Agueda, de uma Teresinha de Jesus. E' mais uma
tradição cristã as que moças devem conservar e
reproduzir na sua vida.
1NDICE

A jovem leitora . . . . . . . . . . • 5 3. Teu Irmão assinaria Isso? 61


O coração q!Ul mudarás . . . 7 4. Questões de coração . . . . . 62
Audi, filia • . . • . . • • . . . • . . • . . • 6 5. Não te reconheces? . . • . . 63
6. Para que serve uma rosa? 64
I 7. Tua história? . . . . . . . . . . • 66
1. A sombra de clprestes . . . 9
VII
2. De mãos vazl11.11 . . . . . . . . 11
3. Gente ruim . . . . . . . . . . . . . . . 12 1. Muito obrigada . . . . . . . • . . 66
4. O que mala Importa . . • 13 2. Olhal e vede . . • . . . . . . . . . 68
6. As filhas de Miiton . . . • 15 3. Comparações que são pro-
6. Tal homem (11 tu . . . . . . 16 gramas . . . . . . . . . . . . . . 70
7. Alma derramada . . . . . . . . . 18 4. E' a bondad"B que te faz
formosa . . . . . . . . . . . . 70
II 6. Levante-se senhorita . . . . . 72
l. Aquarelu da lnttmcla . . • 18 6. Proibição d e mãe . . . . . . . . 73
2. Estão sempre ele mal . . . . 21 7. Na colmeia da familla . . 74
3. Teu papel . . . . . . . . . . . . . . . . 22 VIII
4. Sempre pronta . . . . . . . . . • . 23 1. Escreves multo? . . . . . . . . • 76
6. Cuidado uom HH amigo 25 2. A llturgla. do trabalho . . 77
6. Lógica 1lmpll•la . . . . . . . . 26 3. J'á há de so!J.ra. . . • • • • • • . . 78
7. Mais próximo do ctlu . . . 28 4. Só amizad e ? . . . . . . . . . . . . . 79
6. Mas que censura! . . . . . . 81
III 6. Formável, deformâvel,
1. Penitência d11 l ntoll11"ênc la 29 transformâvel . . . • • . 82
2. Duas jovtm• 1•r l • l ll.I . . . . . 30 7. Dirás a mesma coisa . . • . 83
3. Coisas fu1ldl111 . . . . . . . . . . 33 '
4. Lugares 11nrn11rn rl•nnhos 34 IX
5. Sob ae l n lul�no• do co- 1. Eis a vida . . . . . . . . . . . . . . 86
raçllo , , , . , , , , , , , . , . . . 35 2. Eu ;não esperava por Isso 86
6. Conhecer o 11róxlmo . . . . 36 3. J'ustlfica.ndo leituras . . . . 87
7. Tanto qu11n l o . . . . . . . . . . . . 38 4. Bênção roubada 89
6. Descrenças Inúteis e In-
lV justas . . . . . . . . . . . . . . . 90
1. Teu lrmn.o vlvn , . . . , . ... 39 6. Estás de mal com a vida? 91
2. Todos 011 dln.1 . . . . . . . . ... 41 7. Fidelidade de cada dia e
3. Leituras a u.v•nl 11r11• , ,.. 42 cada hora . . . . . . . . . . 93
4. Quando Deu1 r.umpnr11 , .. 43 X
5. Quem me oon1ularA T , , .. 45
1. O poço é fundo 94
6. Tu és avara . . , , , , , , . . ,. 46
2. Que fica para ele? . . . . . 96
7. O apóstolo do rl10 , . . ... 47
3. Concordas com tal desejo? 96
4. Dedlnho queimado 98
V
6. Assim procedem na fami-
1. Exata comparaollo , , , , , , , 49
lla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
2. És moça mod erna , , , , , , , 60
6. Pesando as responsabili-
3. Pergunta por ele11 , , , , , , , 61
dades . . . . . . . . . . . . . . . 100
4. O tesouro de um1111 pala-
.............. . . . 63 7. E ele se lembrará ainda 102
vras
6. Não acredites nel!Ra 1•1110 64 XI
6. Ordo amorls . . . . . . . , , , , , , 66 1. E por que não ? . . . . . . . . 103
7. Sem moblllas Jndtel1 , , , 67 2. A espera d e teu aparte 104
3. Coração luminoso . . . . . . . . 106
VI 4. Aos olhos d ele . . . . . . • . . . 107
1. Amigas que escolheru a 5. As três peneiras . . . . . . . . 109
dedo . . . . . • . . • • . • • • • • 68 6. Quebrando estâtuas . . . . . 110
2. Desejando asas , • ,, .., , , 59 7. Os romances do coração Ul

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XII XVIII
1. l >n tua altura . . . . . . . . . . . 112 1. Almas contemplativas ! . . . 168
:l. AH moçus <le Rama . . . . . . 114 2. De que v1nheis falando
a. llm ambiente prejudicial 115 pelo caminho? . . . . . . 169
4. Bonum Verbum . . . . . . . . . 116 3. O cavalheirismo de nosso
ú. Teus encontros . . . . . . . . . 117 Senhor . . . . . . . . . . . . . . 170
6. Teu lado fraco . . . . . . . . . . 119 4. Isso anima . . . . . . . . . . . . . . . 172
7. Esta tristeza não é minha 120 5. Tu e os outros . . . . . . . . . 172
6. Aniversário . . . . . . . . . . . . . . 171
XIII 7. A força do .sH'!,w::io 175
1. O que !li.Irou aos sofrimen-
tos de Cristo . . . . . . . 121 XIX
2. O segredo da mocidade 123 1. Hoje como ontem . . . . . . . 176
3. Vestida com o sol . . . . . . 124 2. Fechou-lhes a porta . . . . . 178
4. Endereço errado ........ 126 3. Ideal renegado . . . . . . . . . . 178
5. Tuas greves de vencida 126 4. Três vidas e três mesas 179
6. São assim tuas alegrias ? 128 5. O adulador silencioso . . . 180
7. Verso de dois pés . . . . . . 129 6. Eu e minha toilette 181
7. Tiranias em casa . . . . . . . 182
XIV 8. Sua excia., srta. N. . . . . . 183
1. Experiências inegáveis . . 130
2. Sou incapaz de semelhan- XX
te coisa . . . . . . . . . . . . 132 1. Vestida como eles . . . . . . 184
3. Um programa para cada 2. Filha de Deus e tua criada 185
dia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 3. Espirit.o deste mundo . . . 187
4. Coração porta-alfinetes . . . 134 4. Receitas . . . para doçuras
- 5. Nada simpático . . . . . . . . . . 135 religiosas . . . . . . . . . . . 188
6. Puros devaneios e veleida- 5. Sempre entre as prudentes 188
des Inúteis . . . . . . . . . 136 6. Deslumbrada . . . . . . . . . . . . . 189
7. Vejo os homens como ár- 7. Como areia entre os dedos 190
vores . . . . . . . . . . . . . . . . 137
8. Abelha ou mosca? . . . . . . 139 XXI
1. Lê e crê . . . . . . . . . . . . . . . . . 192
XV 2. Ele te dirá . . . . . . . . . . . . . . 193
1. Ela o queria assim 140 3. Coração teimoso . . . . . . . . . 195
2. Sétima sensivel . . . . . . . . . . 141 4. Teus flertes . . . . . . . . . . . . . 195
3. Essa inconstância! • • • . . . . 143 5. E brincas com ela? . . . . . 197
4. Fruto proibido . . . . . . . . . . . 144 6. Cuidando do fogo . . . . . . . 199
5. O que as outras falam . . . 145 7. Gotas do tempo . . . . . . . . . 200
6. Felicidade, onde moras ? 147 8. Vais ficando para trás ? 201
7. Queres uma vida assim? 147
XXII

XVI 1. Nada se improvisa! . . . . . 202


2. Grãozinhos de areia . . . . . . 203
1. O cansaço de 'muita gente 149
3. No mundo das coisas pe-
2. Desejo de uma infeliz . . . 150
quenas . . . . . . . . . . . . . . 204
3. Região desconhecida . . . . . 151
4. Sem ordem e utilidade . . . 205
4. Calotes do mundo . . . . . . 153
5. O célebre tambor . . . . . . . 206
5. Ãnsias e brisas . . . . . . . . . 154
6. Com aroma nas mãos . . . . 206
6. E assim serás fiel . . . . . . 155
7. Galeria das moças . . . . . . 207
7. Múmia perfumada 157
XXIII
XVII 1. Os ares da sua graça . . . 212
1. Dirigida . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 2. Mais do que perigo . . . . . 214
2. Vale por doze . . . . . . . . . . . 159 3. Para teu espirito e teu
3. Gênlo atropelado . . . . . . . . 161 coração . . . . . . . . . . . . . 216
4. Encanto desfeito . . . . . . . . . 162 4. Figura biblica . . . . . . . . . . . 217
6. Um amor desamoroso . . . . 163 5. Que desilusão! . . . . . . . . . . 219
6. Foi por esbanjar . . . . . . . . 165 6. Coração cruel . . . . . . . . . . . . 220
7. Um por que e 11 respostas 166 7. Mais frágil do que o vidro 221

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