Você está na página 1de 13

ECONOMIA VIVA de Rudolf Steiner

Primeira conferência (24 de julho de 1922)


Do industrialismo à economia mundial....................... 5
O surgimento da Ciência Econômica. Os três períodos da vida econômica moderna: economia instintiva
(Inglaterra), economia industrial e economia estatal (Alemanha). Contraste entre Inglaterra e Alemanha no século
XIX. Transições instintivas e conscientes para o industrialismo. O solo virgem da Índia e a antiga economia agrária da
Europa Central. A emergência do Estado na economia alemã em lugar dos ideais de 1830 e 1840 (liberalismo). A
inabilidade para ingressar na economia mundial. A ausência de contrastes entre âmbitos da vida, particularmente entre a
vida cultural, a jurídica e a econômica. A ordem social tríplice. Limitações no pensamento econômico. Economia e teoria
da luz. Inviabilidade dos conceitos científico-naturais. Invalidade das regiões econômicas isoladas. O mundo como um
organismo econômico e social global.

Segunda conferência (25 de julho de 1922)


O processo econômico ...................................................... 12

A questão do preço e a impossibilidade de sua definição. Os três fatores do processo econômico: natureza, trabalho e
capital. O processo econômico em moto perpétuo. A troca como essência da economia. Flutuação de preços. A teoria
usual acerca de terra, trabalho e capital. Economia animal. Trabalho aparente. Trabalho humano excedente à provisão
própria. A insensatez da concepção marxista do trabalho. A irrelevância do trabalho em si. Trabalho direcionado pelo
espírito: criação de valor econômico. Intercâmbio de valores. Preço e interação de valores. Estática e movimento na
economia. A polaridade entre a natureza e o capital.

Terceira conferência (26 de julho de 1922)


A Ciência Econômica ........................................................ 19
A forma própria da Ciência Econômica. Ética e Ciência Natural. Religião e economia na Antigüidade.
Distinção entre mandamento e lei. A emancipação do direito e do trabalho em relação à vida religiosa. O surgimento do
egoísmo e a busca da democracia. Divisão do trabalho e altruísmo. Trabalho individual para a comunidade. Impossibilidade
econômica do egoísmo. Divisão do trabalho e altruísmo. Contradição entre egoísmo e economia mundial. Trabalho e
auto-sustento. O preço médio. O comerciante intermediário.

Quarta conferência ( 27 de julho de 1922)


A divisão do trabalho e a criação de valores .............. 26
O efeito barateador da divisão do trabalho. Origem do capital pela divisão do trabalho. O capital emancipado da terra
pelo espírito. Capitalismo e finanças. Dinheiro: espírito realizado. O espírito valorizando o capital. Investimentos.
Empréstimos. A circulação do capital. A diversificação de capacidades no trabalho. A relação entre dois pólos de
valor, mercadorias e dinheiro. Natureza essencial da mercadoria e do dinheiro. Mobilidade de pensamento. Observação
interior do processo econômico.

Quinta conferência (28 de julho de 1922)


A produção e o consumo de valores.............................. 34
A polaridade entre produção e consumo. O processo econômico como processo orgânico. Valorização e desvalorização.
Valores criados por tensão e movimento. Analogia entre cinética e energia potencial. Crédito pessoal para projetos e taxa de
juros. Crédito real. Estancamento do capital em terras e seu desaparecimento no espírito. A inexistência de valor da terra.
Valores reais e valores aparentes.
Associações. Distribuição da força de trabalho. Realocação de habilidades.

Sexta conferência (29 de julho de 1922)


O preço correto .................................................................. 41
A fórmula do preço correto. A oposição entre terra capitalizada e produção de bens. Duas taxas de juros. O significado
econômico da atividade intelectual. Consumidores puros. Bens e forma de pagamento. Pagar, emprestar, doar.
Capital e empréstimo. Vida cultural e doação. Doação: juros sobre a terra. Associações regulando as doações.

Sétima conferência (30 de julho de 1922)


Os fatores da formação de preço ................................... 48
Compra, empréstimo e doação, três fatores da formação de preço. Os fatores do repouso. A ficção do preço do trabalho.
Determinação recíproca de valores. Produtos do trabalho. O preço correto e a falsificação do preço. Origem do
arrendamento. Arrendamento como doação compulsória. Criação de renda inerente ao processo econômico. A agricultura
como entidade singular. A desvalorização constante do capital industrial. Auto-sustentação com agricultura. A
necessidade de estabelecer o equilíbrio. Meios de produção. Capital industrial. Mercadorias. Bens. A necessidade das
associações.
Oitava conferência (31 de julho de 1922)
Sobre oferta e demanda ................................................... 55
Conceitos econômicos vigentes. A idéia de oferta e demanda. Oferta, demanda e preço como fatores primários. O papel
do direito. O papel das capacidades individuais. Impossibilidades econômicas: permuta entre direitos e
mercadorias, entre capacidades e direitos. ‗Mais-valia‘: conceito moral, e não econômico. Ciência Econômica
e Ciência Natural. Associações para produção, consumo e distribuição. A economia da troca, do dinheiro e das
capacidades humanas.

Nona conferência (1 de agosto de 1922)


As formas de capital.......................................................... 63
Valores indiretos nas relações econômicas. Conceito de ‗economias regionais‘. Distância entre despesa e
receita. O papel da doação. A associação. Capital mercantil (Inglaterra), de empréstimo (França) e industrial (Alemanha).
Capital de empréstimo e autoridade. Capital industrial. Matérias- primas e conceitos de poder. A procura de mercados e
a prudência humana. Capital mercantil e competição. O surgimento da concorrência. O controle financeiro subtraído
ao ser humano. A
‗circulação monetária sem sujeito‘ e o ‗imperialismo sem objeto‘.

Décima conferência (2 de agosto de 1922)


Das associações ............................................................. 71
Circulação de valores. Lucro. O lucro em ambos os lados da troca. Criação de valores pelo intercâmbio.
Transformação de mercadoria em dinheiro. As associações e o ‗senso comum objetivo‘. Vantagem (lucro) como meio
de pressão. Capital de empréstimo (empreendimento) como meio de sucção. Interesse, reciprocidade humana e
empréstimo. Imaginação e juízo econômico. Altruísmo objetivo em lugar de moral subjetiva. Ordem social
trimembrada: a vida econômica entre a vida jurídica e a vida cultural-espiritual.

Décima primeira conferência (3 de agosto de 1922)


As condições e conseqüências de uma economia mundial 79
Evolução da vida econômica. Economias privadas. Economias nacionais. Economias estatais. O Estado como
organismo econômico e cultural. Vantagem mediante a consolidação das economias. David Ricardo e Adam Smith. A
Inglaterra como líder do comércio mundial. Origem do padrão-ouro para as moedas. Transição do comércio mundial para a
economia mundial. Economia mundial como o fim da consolidação. Economiamundial como uma economia fechada.
Relação entre mercadorias e dinheiro. A não-depreciação do dinheiro. Consumo total por toda a humanidade.
Inadequação da mentalidade econômico-nacional para a economia mundial. Economias fechadas e doações livres. A
não-capitalização da terra. Relação entre produção de alimentos, doações livres e vida cultural.

Décima segunda conferência (4 de agosto de 1922)


Dinheiro ............................................................................... 87
Dinheiro e preço. Fatores subjacentes à formação de preço. A valorização do dinheiro. Dinheiro como meio de troca –
concorrente desleal da mercadoria. Dinheiro de compra, dinheiro de empréstimo e dinheiro de doação. A transição do
dinheiro de empréstimo para dinheiro de doação. Correção da função do dinheiro. O envelhecimento e a renovação do
dinheiro. O dinheiro velho como dinheiro de doação. Administração associativa do empréstimo e da doação. Dinheiro e
controle da economia.

Décima terceira conferência (5 de agosto de 1922)


A economia do espírito..................................................... 95
O valor econômico das produções intelectuais. A premissa das necessidades culturais. O cultivo do solo como ponto de
partida para a atividade econômica. A atividade cultural-espiritual como trabalho economizado. A avaliação da
produção intelectual pelo trabalho físico economizado. Relação entre produção agrícola e produção intelectual. Balanços
inerentemente compensatórios.

Décima quarta conferência (6 de agosto de 1922)


Conceitos vivos para a economia mundial ................. 102
A Ciência Econômica moderna. Conceitos vivos para a economia. Paralelismo entre valores reais e falsos valores.
Contabilidade mundial. Meio de troca, a qualidade principal do dinheiro. Valor nominal e valor real do dinheiro. A
polaridade entre trabalho despendido e trabalho economizado. A natureza como base de valor. Trabalho acumulado e
trabalho poupado. Dinheiro como soma total dos meios de produção. Relação entre população e área de terra. Valores
monetários: padrão-ouro e padrão natural. Preços como relação entre número de habitantes e área cultivável. A economia
como valor econômico.
1a Palestra - 24 de julho de 1922
Do industrialismo à economia mundial

Hoje quero iniciar fazendo uma espécie de introdução, para amanhã passar ao que, de certo modo,
deverá constituir um tratado global sobre questões sócio-econômicas que o homem moderno é levado a
formular para si mesmo.
A ‗Ciência Econômica‘* tal como se fala a seu respeito na atualidade é, de fato, uma criação
recente. No fundo ela não surgiu senão na época em que a vida econômica dos povos modernos começou
a tornar-se muito complexa em comparação com as condições econômicas de tempos anteriores. E como o
presente curso se destina, em particular, aos estudantes de Economia, será necessário demorar-nos, à guisa
de introdução, na peculiaridade do pensamento econômico moderno.
Não será necessário retrocedermos muito na História para perceber que já no século XIX a vida
econômica se transformou com relação a condições anteriores. Basta os Senhores se lembrarem de
que em certo sentido a Inglaterra, por exemplo, estava constituída essencialmente de modo moderno,
quanto à sua economia, já na primeira metade do século XIX; de maneira que, no decorrer daquele
século, pouca coisa mudou radicalmente na estrutura econômica inglesa. As grandes questões que nos
tempos modernos se relacionam, em sentido social, com os problemas econômicos, já existiam na Inglaterra
na primeira metade do século XIX; já naquele tempo, as pessoas que se empenhavam em desenvolver
uma mentalidade moderna a respeito de assuntos sócio- econômicos podiam fazer seus estudos na
Inglaterra, ao passo que, por exemplo, na Alemanha tais estudos não teriam surtido frutos. Na Inglaterra,
foram particularmente as importantes relações comerciais o que se haviam formado até o primeiro terço do
século XIX, tendo-se criado, no âmbito da economia inglesa, uma sólida base no capital comercial como
correlato da formação da estrutura comercial. Lá não havia necessidade de se recorrer, para a economia
moderna, a um ponto de partida diverso do que resultara, como capital comercial, das condições comerciais
consolidadas que, conforme dissemos, já existiam até no primeiro terço do século XIX. A partir dessa época,
tudo na Inglaterra transcorreu com uma certa conseqüência lógica. Contudo não devemos esquecer que toda a
economia inglesa só foi possível na base construída sobre a relação da Inglaterra com as colônias, em
especial com a Índia. Toda a economia nacional inglesa não teria sido possível sem essa relação da Inglaterra
com suas colônias; em outras palavras, a economia nacional inglesa, com sua capacidade de desenvolver
grandes núcleos de capital, foi construída sobre a possibilidade de poder recorrer a regiões economicamente
virgens. Não devemos es- quecer-nos disso, mormente se agora quisermos passar da economia nacional
inglesa para a alemã.
Estudando esta última, verificaremos que no primeiro terço do século XIX ela ainda correspondia aos
costumes econômicos tradicionais tal qual existiam essencialmente desde a Idade Média. Na Alemanha do
primeiro terço do século XIX, os costumes e as relações econômicas ainda eram inteiramente antiquados. Por
isso, todo o tempo de vida econômica na Alemanha era diferente do da Inglaterra durante o primeiro terço e
ainda na primeira metade do século XIX. Na Inglaterra já se contava com costumes de vida rapidamente
mutáveis, por assim dizer. A tendência geral da vida econômica permanece essencialmente a mesma, porém já
é orientada para hábitos rapidamente mutáveis. Na Alemanha estes ainda permanecem conservadores. A vida
econômica pode continuar a passos de tartaruga, adaptada à circunstância de as condições técnicas
permanecerem mais ou menos inalteradas por muito tempo, e de tampouco as necessidades se alterarem
rapidamente. Ora, no segundo terço do século XIX ocorre uma reviravolta nisso. Com o
desenvolvimento da mentalidade industrial, houve uma rápida assemelhação com as condições inglesas.
Na primeira metade desse século a Alemanha era essencialmente um país agrário, mas rapidamente se
transformou em país industrial — muito mais rapidamente do que qualquer região da Terra.
Todavia, isso ainda estava relacionado com outra coisa. Poder-se-ia dizer que na Inglaterra se deu
instintivamente a transição para uma concepção industrial da economia nacional. No fundo, não se sabia como
isso ocorreu; foi tal qual um fenômeno natural. Na Alemanha, é verdade, reinava o elemento medieval no
primeiro terço do século XIX, sendo ela um país agrário; porém, paralelamente ao fato de as condições
econômicas exteriores serem de tal molde que quase podiam ser chamadas de medievais, o pensar dos
homens modificava-se profundamente. Os homens conscientizavam-se da necessidade de sobrevir algo
novo, pois o que existia já não era oportuno; assim, a transformação nas condições econômicas na
Alemanha do segundo terço do século XIX deu-se muito mais conscientemente do que na
Inglaterra. Na Alemanha as pessoas estavam mais cônscias — na Inglaterra elas nada sabiam — do modo
pelo qual haviam entrado no moderno capitalismo. Se os Senhores lessem hoje o que, naquela época, se
discutia sobre a chegada do industrialismo, teriam a impressão de ser muito esquisita a maneira de pensar
das pessoas na Alemanha daquele tempo. Elas encaravam francamente como uma perfeita libertação dos
homens, como a salvação da humanidade — chamando de liberalismo, de democracia — o desvencilhar-se
de ligações antigas, da tradição corporativa, e a transição para a posição perfeitamente livre — como o
chamavam — do homem na vida econômica. Por isso, jamais observamos na Inglaterra teoria alguma
sobre a economia nacional tal como a desenvolveram pessoas que receberam sua formação no auge
daquela época que acabo de caracterizar. Schmoller 1, Roscher2 e outros extraíram suas concepções do
apogeu dessa economia nacional liberalista.* O que edificaram, fizeram-no em plena consciência. O inglês
teria considerado insípida tal teoria econômica. Teria dito que não é apropriado refletir sobre tais coisas.
É interessante, por isso, observar a diferença radical no tratamento de tais questões na Inglaterra —
quero mencionar apenas pessoas já bastante teóricas como Beaconsfield3 — e na Alemanha, onde falava
gente como Richter 4, Lasker5 e até Brentano.6 Portanto, na Alemanha se entrou conscientemente nesse segundo
período.
Sobreveio então o terceiro período, o período estatal propriamente dito. É que ao se aproximar o último
terço do século XIX o Estado alemão se consolidou, no fundo, pelas meras vias do poder. Não se
consolidou o que os idealistas de 1848 ou também já dos anos trinta pretendiam; o Estado se consolidou pelas
meras vias do poder. Esse Estado também se apoderou gradativamente — em plena consciência — da vida
econômica, sendo essa vida totalmente permeada em sua estrutura, no último terço do século XIX, pelo
princípio oposto ao anterior. No segundo terço havia-se desenvolvido com base nas concepções
liberalistas, mas agora desenvolvia-se inteiramente sob as condições do princípio de Estado. Era isso o
que conferia a marca global à vida econômica na Alemanha; ocorre que toda essa evolução englobava
elementos de consciência. Não obstante, tudo isso também se passava inconscientemente.
O ponto mais importante nisso tudo é que se criava — não apenas no modo de pensar, mas em toda a
maneira de agir economicamente — um contraste radical entre a economia inglesa e a que surgia como
economia da Europa Central. Ora, era justamente este contraste que indicava a direção em que se
desenrolavam as relações econômicas. Toda a economia do século XIX, tal qual se projetou pelo século
XX adentro, não teria sido imaginável sem o antagonismo entre o oeste e o centro europeus: o modo de
vender, de apresentar as mercadorias, de fabricá-las. E assim a economia inglesa se tornou paulatinamente
possível com base na propriedade da Índia, e agora sua ampliação é devida ao contraste entre as economias
do oeste e do centro europeus. Ora, a vida econômica não se baseia no que se percebe na atividade do
âmbito reduzido de cada região; ela se baseia nas grandes inter-relações do mundo lá fora.
Foi com esse antagonismo que o mundo se abriu à era da economia mundial — mas sem poder entrar
nela. É que na realidade a economia mundial baseava-se nos elementos instintivos que se haviam
desenvolvido e que acabo de apontar mencionando o antagonismo entre a Inglaterra e a Europa Central.
No século XX existia praticamente o fato — sem que o mundo o soubesse ou percebesse — de esse
antagonismo se tornar cada vez mais presente, mais profundo. Surgiu então a seguinte questão
importante: as condições econômicas resultaram desses contrastes, projetando-os mais e mais para o
futuro; porém, paralelamente à constante recrudescência desses antagonismos, não se conseguia achar um
modo de levar adiante uma cooperação econômica. Era essa a grande questão do século XX: o contraste havia
criado a economia e a economia havia aumentado o contraste; o contraste carecia de uma solução. E
levantou-se o problema: como é que se solucionam os contrastes? Ora, a evolução histórica demonstrou que
os homens não foram capazes de solucionar o problema.
Tal como eu falei agora dever-se-ia ter falado em 1914, ainda na época da paz. Mas então sobreveio,
em lugar de uma solução, o resultado da incapacidade de se achar uma solução no sentido da História
Universal. Encarando-se a coisa do lado econômico, foi essa a doença que sobreveio então.
Ora, no fundo a possibilidade de qualquer evolução se deve a contrastes. Quero mencionar apenas
um desses contrastes: pela razão de a economia inglesa se haver consolidado numa época bem anterior à
da Europa Central, os ingleses não eram capazes de estipular para certas mercadorias preços tão baixos
como era o caso na Alemanha, resultando daí a grande oposição da concorrência; porque o made in
Germany era questão de concorrência. E uma vez terminada a guerra, surgiu a pergunta: pois bem, agora que
os homens se trucidavam em vez de buscar uma solução por meio dos antagonismos, como é que poderão
levar a cabo as coisas? Eu sentia então que primeiro deveríamos encontrar as pessoas capazes de
compreender os contrastes que teriam de ser criados numa outra esfera; porque a vida é baseada em
contrastes, e só pode existir quando há contrastes interagentes. E foi assim que em 1919 ocorria dizer:
apontemos então para os contrastes para os quais, em verdade, tende a evolução da História
Universal — os contrastes no âmbito econômico, no jurídico-político e no espiritual-cultural, ou seja, os
contrastes da trimembração.7
O que, no fundo, justificou naquela época a idéia de que a trimembração deveria ser introduzida no
maior número possível de cabeças? Quero dar uma explicação exterior: o mais importante teria sido
introduzir a trimembração no maior número possível de cabeças antes de se manifestarem as
conseqüências econômicas que sobrevieram desde então.8 Devemos lembrar-nos de que, na época em que a
trimembração seria mencionada pela primeira vez, ainda não nos encontrávamos diante das dificuldades
monetárias existentes hoje; pelo contrário: tivesse sido compreendida a trimembração naquele tempo, as
dificuldades jamais poderiam ter surgido. Porém deparávamo-nos com a impossibilidade de as pessoas
demonstrarem um senso realmente prático de tais coisas. Procurávamos explicar a trimembração, e como
resultado as pessoas perguntavam: ora, tudo isso é muito belo e nós o compreendemos; mas o importante
seria que controlássemos o declínio da moeda. Bem, a única coisa que se podia responder a essa gente era: é
isso o que pretende a trimembração. Acostumem-se à trimembração; pois ela constitui o único meio de
oposição ao declínio da moeda. Era justamente esse o propósito da trimembração; não obstante, as pessoas
continuavam indagando como se faria isso. Ora, elas não compreendiam a trimembração, embora não
deixassem de afirmar compreendê-la.
E hoje a situação nos obriga a dizer o seguinte: — Falando atualmente para pessoas como os
Senhores, já não se pode fazê-lo da mesma forma como antes, pois tornou-se necessária uma outra
linguagem. É isto o que pretendo proporcionar-lhes nestas conferências. Pretendo mostrar-lhes como hoje
a pessoa pode abordar tais questões, especialmente diante de jovens que ainda têm a possibilidade de colaborar
na estruturação do que, de algum modo, deve ser estruturado.
É da maneira como acabei de falar-lhes que se pode caracterizar hoje uma época como o século XIX, isto
é, apontando para os contrastes em sentido histórico e econômico. Porém poder-se-ia remontar também a
tempos anteriores, abrangendo a época em que as pessoas começaram a refletir sobre a economia.
Contemplando a história desta última, vemos que outrora tudo ocorria de maneira instintiva. A complicação da
vida econômica só se deu propriamente na época moderna, quando as pessoas consideraram necessário refletir
sobre essas coisas.
Minhas palestras destinam-se em primeiro lugar a estudantes, e por isso falo de modo a fazê-los chegar a
compreender a Ciência Econômica. Portanto, quero explicar agora o que hoje importa essencialmente. A
época em que se deveria refletir sobre Economia era uma em que os pensamentos não mais conseguiam
abarcar um campo como esse. Simplesmente não havia mais as idéias necessárias para tal. Quero
demonstrar-lhes a justeza disto mediante um exemplo da Ciência Natural.
A coisa é a seguinte: — Como homens, possuímos nosso corpo físico, que tem um peso como outros
corpos físicos. Depois de um almoço ele fica mais pesado do que antes. Seria até possível conferir na
balança. Isso quer dizer que participamos da gravidade — uma qualidade de toda substância ponderável
—, mas esta não serviria para muita coisa no corpo humano; quando muito, poderíamos passar pelo mundo
quase como autômatos, e não como seres conscientes. Já indiquei em muitas ocasiões o que precisamos
para formar conceitos dotados de valor — o que é necessário para o homem poder pensar. O cérebro
humano tem um peso de uns 1.400 gramas, se pesado isoladamente. Se deixássemos esses
1.400 gramas exercer pressão sobre os vasos sangüíneos que se encontram na base da abóbada craniana,
estes seriam esmagados. Não viveriam por um só instante caso nosso
cérebro fosse constituído de forma a fazer, com seus 1.400 gramas, pressão sobre o crânio.
A existência do princípio de Arquimedes é uma grande dádiva para o homem, isto é, o fato de todo corpo
perder na água tanto de seu peso quanto pesa o líquido que ele desloca.
Portanto, um corpo imerso na água perde uma parte de seu peso correspondente ao peso do
corpo d‘água de tamanho igual ao dele. O cérebro flutua no líquido cerebral, perdendo nisto
1.380 gramas de seu peso; pois é esse o peso do corpo d‘água do mesmo tamanho do cérebro humano.
A pressão que o cérebro exerce sobre a base é de apenas 20 gramas, peso que a base consegue suportar. Se
nos perguntarmos agora para que serve isso, deveremos dizer que não conseguiríamos raciocinar
mediante um cérebro que fosse apenas massa ponderável. Não pensamos mediante o que é substância
ponderável, e sim mediante a impulsão, o movimento ascensional. Primeiro a substância deve perder seu
peso, para podermos pensar. Pensamos mediante aquilo que levita da Terra.
Contudo, o estado de consciência estende-se por todo o corpo. O que é que nos torna conscientes em todo
o nosso corpo? Nosso corpo contém 25 trilhões de hemácias. Essas 25 trilhões de hemácias são diminutas;
mesmo assim possuem peso, por conterem ferro. Cada uma dessas 25 trilhões de hemácias flutua no soro
sangüíneo, perdendo tanto de seu peso quanto desloca de líquido. Sendo assim, em cada uma dessas
hemácias é produzida uma impulsão 25 trilhões de vezes. O que impulsiona para cima, desse modo,
nos faz conscientes em todo o nosso corpo. Podemos dizer o seguinte: quando engolimos alimentos, primeiro
estes têm de ser despojados de seu peso e transformados, para poderem servir- nos. Essa é uma exigência do
organismo.
Os homens desaprenderam de pensar dessa maneira e de considerar isso como algo abalizado, na época
em que se tornou preciso pensar em termos econômicos. Desde então contaram exclusivamente com
substâncias ponderáveis, não se preocupando com a transformação sofrida, por exemplo, por uma substância
no organismo, com respeito a seu peso, pelo fato de estar sujeita à impulsão.
Mas há ainda o seguinte: — Recordando-se de seus estudos de Física, os Senhores não ignorarão que na
Física se fala de espectro. Através do prisma se produz uma gama de cores: vermelho, cor-de-laranja,
amarelo, verde, azul, índigo, violeta. Na extensão do vermelho ao violeta, o espectro parece luminoso.
Também sabemos que para além da área luminosa se supõem os raios assim chamados infravermelhos, e
para além do violeta os raios ultravioletas. Falando-se apenas de luz não se abrange, portanto, todo esse
fenômeno; deve-se dizer que a luz é polarmente transformada para os dois lados. Deve-se mencionar que para
além do vermelho a luz submerge no calor, e para além do violeta nas reações químicas; e que nesse processo,
por assim dizer, desaparece como luz. Portanto, se alguém proferisse uma teoria exclusiva da luz, proferiria
apenas um aspecto — e, com isso, uma falsa teoria da luz. Na mesma época em que se deveria ter começado
a refletir sobre Economia, o modo de pensar da Física encontrava-se num estágio que produzia uma falsa
teoria da luz.9
Mencionei estes fatos pelo motivo de existir aqui uma analogia válida. Observem essa... agora não
economia humana, mas sim economia de pardais ou economia de andorinhas! Trata-se também de uma
espécie de economia; porém essa economia do reino animal não tem muito valor para o reino humano. No
caso do hamster, podemos até falar de um capitalismo animal. O elemento essencial da economia animal
consiste em que a natureza oferece os produtos e o animal, como ser isolado, se apodera deles. De certo modo
o homem participa dessa economia animal, porém tem de superá-la.
A economia que pode começar por ser denominada economia humana é comparável ao que, no
espectro, é visível como luz, enquanto devemos comparar com a parte do infravermelho aquilo que
ainda se estende para a natureza. Trata-se aí, por exemplo, do campo da agricultura, do campo da geografia
econômica, etc. Não é possível delinearmos o estudo da economia rigorosamente nessa direção. Ele se estende
a um campo que deve ser apreendido de modo totalmente diferente. É isso o que se dá, por um lado.
Por outro lado, porém, ocorreu que sob nossas condições econômicas muito complexas, de certo modo,
os homens paulatinamente perderam o raciocínio econômico. Tal como ao aproximar-se do ultravioleta a
luz cessa de aparecer como tal, na economia a atuação humana cessa de ser puramente econômica.
Freqüentemente expliquei de que maneira aconteceu isso. Vemos tal fenômeno surgir realmente apenas no
século XIX. Até então, a vida econômica é relativamente dependente da habilidade de cada indivíduo. Um
banco prosperava se houvesse um indivíduo capaz nesse banco. Cada pessoa por si ainda tinha valor. Gosto
de contar aquele bonito exemplo de quando uma vez o Barão de Rothschild recebeu a visita de um
emissário do rei da França. Este queria pedir um empréstimo. Rothschild estava ocupado, tratando com
um negociante de couros, e solicitou que se pedisse ao emissário do rei para esperar um pouco. Então o
homem ficou muito indignado ao saber que devia esperar enquanto um comerciante de couro estava na sala.
Quando o criado veio e lhe pediu que aguardasse um pouco, ele não acreditou. ―Diga ao
senhor Rothschild que eu venho como emissário do rei da França!‖ Quando o criado trouxe
novamente a resposta dizendo que ele esperasse, o homem correu para dentro da sala exclamando: ―Sou
o emissário do rei da França!‖ Rothschild disse: ―Por favor, sente-se, pegue uma cadeira!‖ O
homem repetiu: ―Sou o emissário do rei da França!‖ E Rothschild:
―Por favor, pegue duas cadeiras!‖
O que, naquela época, ocorria na vida econômica estava ligado conscientemente à personalidade
humana. Mas as coisas mudaram. Hoje em dia bem pouca coisa, na totalidade da vida econômica,
depende da personalidade isolada. A atuação humana na economia já entrou fortemente naquilo que eu
gostaria de equiparar ao ultravioleta. Trata- se daquilo que trabalha no capital como tal. As massas de
capital trabalham por si sós. Uma vida supra-econômica sobrepõe-se à vida econômica, o que essencialmente
é devido à força própria das massas de capital. Por isso podemos dizer o seguinte: se hoje quisermos
realmente compreender a vida econômica, deveremos encará-la como colocada entre dois campos, dos quais
um leva para baixo, à natureza, e o outro para cima, ao capital. Entre estes encontra-se o que temos de
apreender como a verdadeira vida econômica.
Disso, porém, resulta que as pessoas nem sequer tinham a noção necessária para delimitar, para
situar corretamente a teoria econômica como tal no âmbito de todos os conhecimentos. Pois veremos que, por
curioso que pareça, somente aquela esfera que ainda não cabe na atuação econômica propriamente dita,
e que podemos equiparar ao infravermelho, é que pode ser captada pela razão humana. Pode-se ponderar,
quanto a ela, da mesma forma como se ponderam outros processos: como se cultivaria a aveia, a cevada, etc.;
qual seria, na mineração, o melhor método para extrair as matérias-primas. No fundo, é somente sobre isso
que podemos refletir corretamente com a razão que costumamos empregar na ciência dos tempos
modernos.
Isso tem um imenso significado. Lembrem-se do que eu dei como sendo o conceito de que se necessita
na ciência. Nós ingerimos substâncias pesadas como alimento. O fato de elas nos serem úteis é devido à
circunstância de constantemente perderem seu peso dentro de nós, ou seja, de se transformarem
completamente. A transformação ocorre de modo diferente em cada órgão. No fígado ocorre
diferentemente do que no cérebro ou nos pulmões. O organismo é diferenciado, e as condições
variam para cada órgão. Presenciamos uma constante alteração da qualidade correspondente aos vários
órgãos.
Temos uma situação mais ou menos análoga ao falar, no âmbito de uma economia nacional, do valor
de uma mercadoria, por exemplo. É um absurdo definirmos uma substância como o carbono e depois
perguntarmos: como se comporta essa substância dentro do corpo humano? Até em sua ponderabilidade
o carbono se torna algo completamente diferente do que é lá fora; tampouco tem sentido indagarmos o
valor de uma mercadoria: este varia dependendo de ela estar exposta numa loja ou estar sendo
transportada de um lugar a outro.
As idéias da Ciência Econômica devem ser bem móveis. Devemos perder o costume de construir
conceitos que possam ser definidos. Devemos conscientizar-nos de estarmos lidando com um processo
vivo, e de que dentro de um processo vivo os conceitos devem ser maleáveis. Ocorreu, porém, que as
pessoas procuravam apreender os conceitos ‗valor‘, ‗preço‘, ‗produção‘, ‗consumo‘, etc. pelas
idéias existentes. Porém estas de nada valiam; por isso não foi possível estabelecer uma teoria
econômica. Não podemos responder mediante os conceitos costumeiros, por exemplo, à pergunta: o que
é valor, o que é um preço? Devemos observar algo, relativamente ao valor e ao preço que lhe
correspondem, sempre na circulação em que se encontra. Se indagarmos, por exemplo, pela simples
qualidade física do carbono, não chegaremos a saber coisa alguma do que acontece, por exemplo, no pulmão,
embora o carbono se encontre também no pulmão; é que toda a configuração é diferente no pulmão.
Assim, o ferro encontrado na mina é algo bem diferente do que no processo econômico. A economia se
interessa por qualidades do ferro bem diferentes de sua simples ―existência‖. Temos de contar com fatores
instáveis como estes.

Há 45 anos conheci uma família em cuja casa vi um quadro que, penso eu, havia estado no sótão
por uns 30 anos. Enquanto se encontrava no sótão e não havia ninguém que soubesse algo desse quadro
além de sua simples existência num canto, ele não tinha valor algum no processo econômico; mas no
momento em que os donos reconheceram ser valioso, o quadro adquiriu um valor de trinta mil florins —
uma soma apreciável naquele tempo. De que dependia o valor? Exclusivamente da opinião que as pessoas
formavam do quadro. Este não havia sido removido de seu lugar — só que as idéias formadas pelas
pessoas a seu respeito mudaram. Assim, de objeto algum importa o que ele ‗é‘ por si só. E
particularmente os conceitos da Ciência Econômica não podem ser desenvolvidos com base na realidade
exterior; eles têm sempre de ser desenvolvidos com base no processo econômico. E dentro desse
processo a coisa se transforma constantemente. Devemos, portanto, ter em conta a circulação no processo
econômico antes de falarmos de coisas como valor, preço, etc. Não obstante, observamos nas atuais
teorias econômicas que estas principiam com definições de valor e preço. O primeiro, porém, de que
precisamos é a descrição do processo econômico; só daí resultarão as coisas que contam hoje em dia.
No ano de 1919 era lícito, pelo motivo de tudo ter sido destruído, pensar que as pessoas se
tivessem convencido da necessidade de começar com algo novo. Ora, não foi assim que ocorreu. O
reduzido número de pessoas que, naquele tempo, acreditavam ser preciso começar de novo tampouco
tardaram em recair no comodismo: nada se pode fazer. Nesse meio-tempo sobreveio a calamidade, a
desvalorização da moeda nas regiões do leste e do centro, e com isso uma completa revolução nas
camadas sociais; porque cada desvalorização tem de acarretar uma depauperação das pessoas que vivem
daquilo que equiparamos ao ultravioleta. Isso ocorre, em realidade, talvez com maior freqüência do que já se
percebe hoje; mas é inexorável. Com isso somos remetidos, antes de mais nada, ao conceito do organismo
social, pela razão de ficar patente que a desvalorização da moeda é uma conseqüência da antiga
delimitação em Estados, a qual intervém no processo econômico. É preciso compreendermos esse
processo, mas primeiro devemos compreender o organismo social. Ocorre que o conceito de organismo
social, em todas as teorias
econômicas, de Adam Smith até às mais modernas, em realidade se restringe a pequenas regiões. Elas nem
10

sequer se preocupam com a necessidade de uma analogia adotada, por mais simples que seja, ter de ser
concludente. Os Senhores já viram um organismo bem desenvolvido apresentando-se da seguinte
maneira: — Aqui está, por exemplo, uma pessoa, aqui uma segunda pessoa, aqui uma terceira, e assim
por diante (ver figura 1). Seriam bonitos organismos humanos, colados dessa forma uns aos outros; mas
isso não existe em organismos desenvolvidos. Não obstante, é o caso com relação aos Estados.
Organismos precisam de um espaço vazio entre si. Quando muito, os diferentes Estados podem ser
comparados às células de um organismo, e somente toda a Terra, como corpo econômico, pode ser comparada
a um organismo. Devemos ter isso em conta. Uma coisa palpável desde que temos a economia mundial é
que os diferentes Estados não podem ser comparados senão a células. A Terra toda, tomada como um
organismo econômico, é o organismo social.
Tal fato não é levado em conta em lugar algum. É que toda a teoria da Ciência Econômica
encalhou numa posição que não corresponde à realidade, pois desejava-se estabelecer princípios válidos
para uma célula isolada. Por isso é que ao estudarmos a teoria econômica francesa encontramos uma
constituição diferente da que encontramos nas teorias inglesa, alemã ou outra. Porém, como economistas, não
podemos prescindir da compreensão do organismo social como um todo.
Era isso o que eu queria expor-lhes hoje, à guisa de introdução.
2a Palestra - 25 de julho de 1922

O processo econômico

Os primeiros conceitos e pontos de vista que teremos de desenvolver justamente no campo da


economia não poderão deixar de ser um tanto complicados, e isto por uma razão inteiramente objetiva. Os
Senhores devem imaginar que a economia, mesmo quando considerada como economia mundial,
encontra-se num constante movimento; tal como o sangue corre através do corpo humano, os bens fluem
como mercadorias, por todas as vias possíveis, pelo corpo econômico inteiro. Nesse processo econômico,
temos de considerar como sendo o elemento mais importante aquilo que se desenrola entre compra e venda.
Ao menos é isso o que vale para a economia atual. No decorrer destas palestras teremos de abordar os mais
diversos impulsos atuantes no corpo econômico; contudo, a economia se apresenta como tal ao homem no
momento em que ele deve comprar ou vender alguma coisa.
Todo pensar instintivo de cada pessoa, por ingênuo que seja, culmina naquilo que se passa entre
comprador e vendedor, sendo disso que, no fundo, tudo depende.
Verifiquemos o que se dá quando, na circulação econômica, efetuam-se compra e venda. O que
importa ao homem é o preço de uma mercadoria, de um bem qualquer. A questão do preço é, contudo,
aquela em que terão de desembocar as mais importantes discussões econômicas; pois é no preço que
culmina tudo o que atua como impulsos e forças na economia. Por isso, primeiro teremos de dirigir nossa
atenção ao problema do preço, o que, todavia, absolutamente não é simples. Basta imaginarmos o caso
mais trivial: no lugar A existe uma mercadoria qualquer que tem seu preço nesse lugar; ela não é
comprada aí, mas transportada para mais adiante. É necessário acrescentar ao preço o que foi pago pelo
transporte para o lugar B. O preço muda no curso da circulação. É o caso mais simples, mais banal, diria eu.
Não há dúvida de que haja casos muito mais complexos.
Suponhamos que uma casa numa cidade maior tenha um certo preço em dado momento. Depois
de quinze anos, a mesma casa custa, talvez, seis ou oito vezes mais. Ao falar desse aumento de preço, nem
precisamos levar em conta que, porventura, o aumento possa ser causado pela desvalorização da
moeda. Nem queremos levar isso em consideração. O aumento do preço pode simplesmente ter sido
causado pelo fato de, nesse ínterim, haverem sido construídas muitas outras casas na redondeza, outros
edifícios que contribuam para incrementar o valor da casa. Pode haver dez ou quinze outras
circunstâncias para o aumento do preço da casa. No fundo, jamais estaremos realmente em condições de
oferecer uma explicação generalizada para cada caso, no sentido de determinarmos inequivocamente,
para certo lugar, as condições que fixam o preço de um bem, digamos, de casas, ferragens, cereais ou
qualquer outro. Por enquanto, não podemos dizer muito mais do que o seguinte: devemos observar como o
preço oscila conforme o lugar e o tempo. E talvez possamos acompanhar uma ou outra das condições pelas
quais, num certo lugar, o preço veio a ser o que é. Mas não pode haver uma definição generalizada de como
o preço se compõe; isso é realmente impossível. Por isso, assombra-nos sempre de novo ver como, em
livros usuais sobre economia, fala-se como se fosse possível definir o preço. Não é possível defini-lo; pois
o preço é concreto em cada lugar, e toda definição em termos de economia nem sequer se aproxima do
assunto.
Por exemplo, uma vez me aconteceu o seguinte caso: — Em determinada região, os terrenos eram
bem baratos. Havia uma sociedade que tinha como membro um homem bastante famoso. A sociedade
comprou todos os terrenos baratos e em seguida fez com que o homem famoso construísse para si uma
casa nessa região. Depois os lotes foram colocados à venda, e por preços bem mais elevados do que fora
pago na compra, pelo único motivo de o homem famoso ter construído sua casa nas proximidades.
Essas coisas demonstram quão indeterminadas são as circunstâncias de que depende o preço de algo no
processo econômico. Os Senhores podem naturalmente dizer que tais coisas deveriam ser controladas. São
os adeptos da reforma agrária e outras pessoas afins que se opõem a elas, querendo de certa forma
estabelecer, por meio das mais diversas medidas, uma espécie de preço justo para os bens. Isso é inteiramente
possível; contudo, no sentido da economia o preço não se altera com isso. Quando ocorrem coisas como as
do nosso exemplo, em que os lotes foram vendidos a um preço mais elevado, seria possível ti- rar novamente
o dinheiro dessa gente impondo-lhes um alto imposto territorial. Neste caso é o Estado que embolsa o
dinheiro; mas nem assim se apreendeu a realidade, pois de qualquer modo o preço aumentou. Podemos
adotar contramedidas, que no entanto apenas disfarçam a questão. O preço é sempre aquele que haveria
resultado sem tais medidas. Apenas se desloca o problema, e não se segue um raciocínio econômico
dizendo, após ter disfarçado a situação pelas medidas adotadas, que os lotes não aumentaram de preço
depois de dez anos. Trata-se do seguinte: a economia deve colocar-se com as duas pernas na realidade, e na
economia só se pode falar das condições prevalecentes naquela época e naquele lugar em questão. A quem
vise ao progresso da humanidade deverá ficar claro que as coisas podem ser diferentes; mas por ora elas
devem ser consideradas em sua realidade momentânea. De tudo isso os Senhores podem perceber quão
impossível é abordarmos algo como esse conceito importantíssimo da economia — o preço — querendo
apreendê-lo por meio de uma definição de contornos nítidos. Desse modo não chegaremos a resultado
algum na teoria econômica. Devemos enveredar por caminhos inteiramente diferentes; temos de estudar o
processo econômico em si.
Nem por isso o problema do preço deixa de ser o mais importante; devemos dirigir-nos a ele enfocando o
processo econômico e procurando captar, por assim dizer, o ponto em que, em qualquer lugar e tempo, o
preço de uma coisa qualquer resulte das circunstâncias econômicas subjacentes.
Verificando as teorias econômicas mais em uso, os Senhores geralmente encontrarão enumerados três
fatores mediante cuja interação se desenrolaria todo o processo da economia. São eles: a natureza, o
trabalho humano e o capital. Certamente se poderá dizer, por ora, que ao se acompanhar o processo
econômico como um todo constata-se em seu âmbito algo que se origina da natureza, algo que é o
resultado do trabalho humano e também algo que é empreendido ou ordenado pelo capital. Porém não
se conseguirá apreender de maneira viva o processo econômico simplesmente colocando lado a lado a
natureza11, o trabalho humano e o capital. Tal enfoque levará, particularmente, às mais diversas
unilateralidades — é isso o que mostra a história das teorias econômicas. Enquanto alguns pensam
que todo valor repousa na natureza, e que o trabalho humano não acrescenta qualquer valor especial à
substância dos objetos naturais, outros opinam que todo valor economicamente significativo é agregado a
um bem 12, a uma mercadoria qualquer pelo fator que chamam de trabalho cristalizado dentro destes. Em
3
contrapartida, se os Senhores colocarem lado a lado o capital e o trabalho1 , encontrarão pessoas dizendo ser
o capital o único que possibilita o trabalho, sendo o salário extraído do capital acumulado; já outros
dizem: não, o trabalho é o que produz valores, sendo o que o capital ganha apenas a mais-valia subtraída do
resultado do trabalho.
O fato é o seguinte: encarando as coisas de um ponto de vista, dá-se razão a uma pessoa;
encarando-as de outro ponto, quem tem razão é a outra pessoa. Tal tipo de abordagem da realidade nos
parece quase como certos tipos de contabilidade: colocando um item num lugar, obtém-se um resultado;
colocando-o em outro lugar, obtém-se resultado diverso. Pode-se falar, com base em razões aparentemente
bem fortes, numa mais-valia que é descontada do salário de trabalho e da qual se apropria o capitalista.
Com base em razões igualmente boas, pode-se dizer que no contexto da economia total é ao capitalista que
se deve tudo, podendo ele pagar seus operários apenas com o que lhe sobra para os salários. Para as duas
opiniões existem razões muito boas e muito más. É que todas essas reflexões nem sequer conseguem
aproximar-se da realidade econômica; são úteis como base para agitadores, mas de modo algum
constituem algo que interesse numa teoria econômica séria. Deveremos encontrar outras bases se quisermos
falar com certa razão de um progresso do organismo econômico. Ora, até certo ponto todas essas posições
têm sua justificativa; e se Adam Smith, por exemplo, vê no trabalho empregado nos bens o fator primordial
para a formação de valores, não há dúvida de que também para tal posição se possa encontrar excelentes
razões. Um homem como Adam Smith certamente não racio- cinava sem fundamento: mas também ali a
base é que se pensa poder captar algo que está parado, podendo-se extrair disso uma definição, esquecendo
que no processo econômico tudo está em movimento contínuo. É relativamente fácil estabelecer conceitos a
respeito de fenômenos da natureza, mesmo os mais complexos, em vista das concepções de que se
necessita para uma teoria econômica. Na economia os fenômenos são infinitamente mais complexos, mais
instáveis, mais variáveis do que na natureza; são muito mais flutuantes e mais difíceis de apreender por
conceitos fixos.
A verdade é que se deve empregar um método totalmente diferente. Tal método lhes parecerá difícil nas
primeiras aulas; porém os Senhores verificarão que dele resultará algo possível de servir de base para uma
verdadeira teoria econômica. Pode-se dizer o seguinte: para o processo econômico que estamos
enfocando, confluem a natureza, o trabalho humano e — enquanto se focalize o aspecto puramente
exterior da economia — o capital. Isto em primeira instância!
Para prosseguir, dirijamos logo nossa atenção ao elemento do meio, o trabalho humano,
procurando formar uma concepção a seu respeito descendo ao reino animal — ontem já fiz tais alusões —
e observando, em vez de a economia humana, a economia dos pardais ou das andorinhas. Aí vemos que a
natureza forma o fundamento para a economia. O pardal também tem de executar uma espécie de trabalho. No
mínimo ele tem de pular de um lugar a outro a fim de encontrar os grãozinhos, precisando às vezes pular
muito num mesmo dia até encontrar seus grãos. A andorinha, ao construir seu ninho, também tem de efetuar
uma espécie de trabalho; ela tem muito o que fazer. Não obstante, não podemos chamar isso de trabalho no
sentido econômico. Se o fizermos, isso de nada nos adiantará em nossas concepções econômicas; pois
observando a coisa mais de perto, teremos de dizer que o pardal ou a andorinha são, na realidade, organizados
de tal modo que forçosamente executam aqueles movimentos para encontrar sua alimentação. Eles não
poderiam conservar-se sadios caso não pudessem movimentar-se dessa maneira. Trata-se de uma extensão
de seu organismo, pertencendo-lhes assim como suas pernas e asas. Portanto, ao querermos estabelecer
conceitos econômicos, poderemos desconsiderar aquilo que aqui se pode chamar de trabalho fictício.
Em tais situações onde se usufrui da natureza diretamente, e onde o ser isolado executa o trabalho
fictício exclusivamente para sua satisfação e de seus próximos, devemos desconsiderar esse trabalho fictício
caso queiramos determinar o que é valor — valor no sentido da economia. Eis o que nos preocupa em
primeiro lugar: aproximar-nos de uma concepção do valor na economia.
Se observarmos, portanto, a economia animal, poderemos dizer que o que nela forma valor é
exclusivamente a natureza. Ora, quando passamos ao homem, ou seja, à economia humana, sem dúvida temos
também, do lado da natureza, o ponto de partida no valor natural; porém no momento em que as pessoas
não trabalham apenas para si próprias ou para seus próximos, mas começam a cuidar-se mutuamente, logo
vem ao caso o aspecto referente no trabalho humano. No momento em que a pessoa não apenas usa para
si os produtos da natureza, mas entra em alguma relação com outras pessoas e permuta bens com elas,
também sua ação relativa à natureza torna-se trabalho. Temos nisso um lado do valor na economia. Este
resulta da aplicação do trabalho humano aos produtos da natureza, ou seja, do fato de termos na
circulação econômica produtos da natureza modificados pelo trabalho humano. É aí que realmente
começa a nascer um valor na economia. Enquanto intocado no lugar original, o produto natural não possui
outro valor senão aquele que também teria para o animal. O valor para a economia humana começa no
momento em que fazemos o primeiro passo para inserir o produto natural transformado no processo de
circulação econômica. Nesse caso podemos caracterizar esse valor econômico pela seguinte frase: o valor
econômico, visto por este lado, é o produto da natureza transformado pelo trabalho humano. Não
importa se o trabalho humano consistir em cavarmos, racharmos lenha ou transportarmos o produto
de um lugar para outro. Tratando-se por ora da determinação do valor em geral, podemos dizer o
seguinte: o que forma o valor é o trabalho humano, transformando um produto da natureza de modo que este
possa ingressar no processo de circulação econômica.
Levando isso em conta, os Senhores logo apreenderão a qualidade totalmente flutuante do valor de
um bem que circula na economia — pois o trabalho é algo que existe permanentemente, aplicado ao bem
econômico. Sendo assim, não podemos realmente definir o que seja o valor; podemos apenas dizer que o
valor aparece num certo tempo e num certo lugar pelo fato de o trabalho humano transformar o produto
natural. É então que aparece o valor. Para começar, não podemos nem queremos definir o valor, mas apenas
apontar o ponto em que ele aparece. Quero mostrar-lhes isso num esquema que evidencie o seguinte: como
pano de fundo, por assim dizer, temos a natureza (fig. 2 à esquerda); e temos o trabalho humano aplicado
à natureza; e o que se evidencia em decorrência da in- teração entre natureza e trabalho humano é um lado
do valor. Não seria uma imagem errônea se, por exemplo, disséssemos: olhando um plano negro,
qualquer coisa negra através de algo claro, vemo-lo em azul; porém o azul se modifica de acordo com a
maior ou menor espessura da parte clara. À medida que o deslocamos, a intensidade do azul varia, é flutuante.
Tal é o caráter do valor na economia, pois este nada é senão o transparecer da natureza através do trabalho
humano ambulante por toda parte.
Tais elementos não nos fornecem, por enquanto, mais do que algumas indicações abstratas; contudo
estas nos servirão de guia nos próximos dias, a fim de encontrarmos os fatos concretos. Como é costume em
todas as ciências, começamos com o mais simples. Vemos, pois, que o trabalho não tem, por si só,
qualquer determinação no contexto econômico. Não faz diferença alguma se uma pessoa racha lenha ou
se, por ser gorda, coloca-se sobre uma roda* — há gente que faz isso — e, pulando sempre de degrau
em degrau, fica mais magra; é possível que ela realize a mesma quantidade de trabalho que aquela pessoa
que racha lenha. É um perfeito absurdo a maneira como, por exemplo, Marx encara o trabalho, buscando sua
equivalência no que é gasto no organismo humano pelo trabalho — pois se gasta o mesmo tanto, não
importando se a pessoa racha lenha ou dança sobre a roda. No sentido econômico, não importa o que ocorre
com o homem. Já vimos que a economia faz divisa com elementos não-econômicos. Visto no sentido
puramente econômico, de modo algum é legítimo reiterar que o trabalho desgasta a pessoa — pelo menos
para estabelecermos o conceito de trabalho no contexto econômico. Este desgaste, contudo, tem um
significado no sentido indireto, por fazer com que se tenha de cuidar das necessidades da pessoa. Quanto às
considerações de Marx a esse respeito, trata-se de um colossal contra-senso.
Ora, o que será necessário para acompanharmos o trabalho no sentido do processo econômico? Para isso
é necessário, por enquanto, abstrairmos completamente do homem e observarmos a forma como o trabalho se
insere no processo econômico. O trabalho numa roda, como o descrevemos, não se insere de forma
alguma, pois fica totalmente preso à pessoa; rachar lenha, isso sim, já se insere no processo econômico. E
podemos perceber que em todos esses casos se trata do fato de a natureza ser modificada pelo trabalho
humano. Só enquanto a natureza é transformada pelo trabalho humano é que produzimos valores econômicos,
pelo lado que estamos contemplando. Se, por exemplo, consideramos útil à saúde física trabalhar na
natureza e, nos intervalos, dançar um pouco ou fazer eurritmia*, isso deve ser julgado a partir de outro ponto
de vista; contudo, o que fazemos nos intervalos não pode ser denominado trabalho em sentido econômico,
nem ser considerado como formativo de valores econômicos. Poderá ter um valor sob outro aspecto;
é preciso começarmos por formar conceitos nítidos dos valores econômicos como tais.
Existe uma outra possibilidade, bem diversa, de surgir o valor econômico. Para tal devemos ter em
mente o trabalho em si, tomando-o como um fato dado. Como acabamos de ver, esse trabalho em si é algo
totalmente neutro, irrelevante em sentido econômico. Todavia torna-se criador de valor econômico
quando dirigido pelo espírito 14, pela inteligência humana — e, neste caso, devo variar um pouco meu
modo de expor as coisas. Mesmo nos casos mais extremos, os Senhores poderiam pensar que o que em si
não é trabalho estivesse sendo transformado em trabalho pelo espírito humano. Se alguém resolve
colocar em seu quarto uma roda para emagrecer, não existe nisso qualquer valor econômico. Se, porém, ele
colocar uma corda em torno da roda e fizer tal corda acionar uma máquina, teremos tornado produtivo, pelo
espírito, algo que nem sequer é trabalho. O efeito secundário consiste no emagrecimento da pessoa; mas o
que realmente conta aqui é o fato de o trabalho ser conduzido em determinada direção pelo espírito, pela
inteligência, pelo raciocínio, ou talvez pela especulação, e de os trabalhos serem colocados em certas inter-
relações, etc. Assim sendo, podemos dizer o seguinte: temos aí o segundo lado daquilo que forma valores na
economia. Estando o trabalho ao fundo e em primeiro plano o espírito que dirige o trabalho, aí transparece o
trabalho através do espírito, produzindo novamente valor econômico.
Veremos que esses dois lados existem em todo lugar. No esquema (fig. 2, à esquerda) desenhei o valor
econômico, através do qual aparece a natureza; agora devo desenhar o que acabo de expor, de modo que
temos lá atrás o trabalho e na frente o que é espiritual e confere ao trabalho uma certa alteração (fig. 2, à
direita).
São estes, essencialmente, os dois pólos do processo econômico. Os Senhores não encontrarão
outras maneiras de se produzirem valores econômicos: ou a natureza é modificada pelo trabalho ou o
trabalho é modificado pelo espírito, sendo que amiúde o espírito se manifesta exteriormente na formação de
capital; é por isso que no contexto da economia o espírito deve ser procurado na configuração dos capitais, ou
pelo menos tem aí a sua expressão exterior. Contudo chegaremos a apreender isso ao contemplarmos o
capital como tal e, depois, o capital como meio monetário.
Assim os Senhores podem perceber que não é possível falarmos de uma definição do valor econômico
— pois precisamos ter em conta de quantos fatores isto depende, de quantas pessoas tolas e inteligentes
depende o fato de, em algum lugar, o trabalho ser mo- dificado pelo espírito. Isso depende de uma porção
de condições flutuantes. Todavia podemos ter certeza de que sempre vale o que é evidente, ou seja, que
nesses dois opostos polares devem ser procurados os fatores que formam valor no processo econômico.
Ora, se for esse o caso, teremos a seguinte situação: ao nos encontrarmos num processo
econômico relacionado com compra-e-venda em algum lugar, presenciamos essencialmente uma troca de
valores. Seria efetivamente errôneo falar de troca de bens, pois não encontramos outra troca senão a de
valores. No processo econômico o bem é um valor, seja ele produto da natureza modificado ou trabalho
modificado. O que se permuta são valores, e isto é o que importa. Sendo assim, os Senhores terão de
compreender o seguinte: quando em algum lugar ocorre compra-e-venda, dá-se uma troca de valores. O
que resulta, então, no processo econômico quando valor e valor, por assim dizer, se confrontam a fim
de permutar-se, é o preço. Os Senhores não encontrarão um preço em lugar algum senão onde valor e valor
se confrontam no processo econômico. Por isso não é possível refletirmos sobre o preço pensando apenas
na troca de bens. Se os Senhores comprassem uma maçã por, digamos, cinco centavos, poderiam dizer que
trocam um bem pelo outro bem — a maçã contra os centavos. Desta maneira, porém, jamais chegarão a
uma visão econômica. A maçã foi colhida em algum lugar, foi transportada, e talvez haja acontecido muita
outra coisa à sua volta. Foi o trabalho que a modificou. Os Senhores não estão lidando com a maçã, e sim
com o produto natural modificado pelo trabalho humano que representa um valor. Na economia sempre se
deve partir do valor. Da mesma forma, os cinco centavos representam um valor, e não um bem — pois esses
cinco centavos não são outra coisa senão o sinal de que junto à pessoa que quer comprar a maçã existe um
outro valor que ela permuta pela maçã.
O que eu quis frisar é o fato de hoje havermos chegado a compreender que é errôneo falar de bens na
economia, devendo-se falar de valores como o fator elementar; e que também é errôneo querer apreender
o preço de outra maneira que não o jogo de valores. Valor contra valor resulta no preço. Uma vez que o
valor é algo flutuante, não podendo ser definido, o que resulta como preço na permuta de valor contra valor é
algo flutuante ao quadrado.
De tudo isso podemos deduzir que é totalmente inútil querermos apreender de alguma maneira o
valor e o preço para termos uma base firme na economia, e até mesmo para querermos intervir num processo
econômico. O que deve ser considerado nesse caso é algo completamente diverso, que deve estar por
detrás, e de fato está. Isso nos é demonstrado por uma observação muito simples.
Imaginem o seguinte: a natureza nos transparece através do trabalho humano. Se, por exemplo,
extrairmos ferro em determinado lugar sob condições extraordinariamente severas, o que resulta como
valor é um objeto da natureza modificado pelo trabalho humano. Se, em outro lugar, o ferro for extraído
sob condições mais leves, provavelmente resultará um valor bem diferente. Vemos, portanto, que não é
possível abordar a coisa pelo valor — temos de olhar por detrás deste. Devemos remontar àquilo que
forma o valor, chegando talvez às circunstâncias mais constantes sobre as quais se poderá exercer uma
influência direta — pois no momento em que introduzirem o valor na circulação econômica, os Senhores
deverão deixá-lo flutuar conforme o organismo econômico. Ao observarmos a composição sutil do glóbulo
sangüíneo — que é diferente na cabeça, no coração ou no fígado
—, não nos adiantará dizer que queremos encontrar uma definição para o sangue — pois não é isso o que
queremos; o que queremos é unicamente saber quais os alimentos mais favoráveis para cada caso. Do
mesmo modo, não adianta discutir sobre o valor e o preço, tratando-se, isso sim, de buscar os fatores
primários — que, formados corretamente, resultarão no preço correspondente, que assim surgirá por si.
Em nosso estudo de Economia, é impossível determo-nos na esfera das definições de valor e preço;
porém devemos sempre remontar ao ponto de partida, ou seja, àquilo de que, por um lado, o processo
econômico extrai sua nutrição e que, por outro, o regula: a natureza, por um lado, e o espírito, por outro.
A dificuldade de todas as teorias econômicas dos últimos tempos foi o fato de elas sempre terem
começado por querer apreender o flutuante. Para quem consegue discernir as coisas, dessa forma não
resultam definições erradas, e sim, no fundo, muitas corretas. Quem diz que o trabalho corresponde ao que
tem de ser reposto no corpo humano, não passando de substância consumida, engana-se redondamente, pois
não enxerga as coisas mais banais. Mas acontece que até pessoas bastante instruídas tropeçaram ao
elaborar suas teorias de Economia, por quererem observar em condições estáticas as coisas que se encontram
em fluxo. Pode-se fazer isso em relação às coisas da natureza — até se deve fazê-lo, muitas vezes; neste
caso, basta observar de uma maneira bem diferente o que é estático. Quando, na observação da natureza,
falamos de movimento, consideramo-lo como que composto de pequenas situações subseqüentes de repouso.
Pelo fato de procedermos à integração, também consideramos o movimento como algo composto de
situações de repouso.
Não é possível apreender o processo da economia com base neste tipo de conhecimento.
Por isso devemos dizer o seguinte: o que importa é começarmos por apreender a teoria econômica pela
maneira como, de um lado, aparece o valor ao ser a natureza modificada pelo trabalho, ou seja, ao
transparecer a natureza através do trabalho; e, do outro lado, pelo modo como aparece o valor ao ser visto
o trabalho através do espírito. Esses dois modos de surgimento do valor são polarmente distintos, tal qual no
espectro um pólo, o pólo luminoso, o amarelo, é distinto do pólo azul ou violeta. Podemos, portanto, reter a
seguinte imagem: tal qual de um lado aparecem no espectro as cores quentes, também de um lado se
evidencia o valor natural, que se manifestará mais na formação de renda15 da terra ao percebermos a
natureza modificada pelo trabalho, e de outro aparece mais o valor que se manifesta no capital ao
enxergarmos o trabalho modificado pelo espírito. Aí pode surgir, pois, o preço, quando valores de um
pólo se confrontam com valores do outro, ou até quando valores dentro de um pólo entram em interação.
Cada vez que se tratar de formação de preço, verificaremos que os valores entram em interação. Isto
significa que devemos desconsiderar totalmente tudo o que existe além disto — até mesmo a matéria —, e
ater-nos primeiramente à maneira como se formam valores de um lado e de outro. Só então poderemos adentrar
o problema do preço.

Você também pode gostar