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INTRODUÇÃO
O Cerrado é o segundo bioma brasileiro em com SILVA & NICOLA (1999), ocorrem na área
extensão que tem sofrido com pressões 10 espécies de carnívoros, sendo quatro delas
antrópicas impostas pelo avanço das fronteiras ameaçadas de extinção no Paraná.
agropecuárias (MUELLER, 1995 apud Apesar das espécies de carnívoros
SILVEIRA, 1999). Estima-se que no presente ocuparem uma grande diversidade de habitas e
restam menos de 35% de Cerrado na sua forma terem uma ampla distribuição em todo o mundo,
natural (MANTOVANI e PEREIRA, 1998 apud é notável a carência de informações sobre grande
SILVEIRA, op. cit.), sendo que destes apenas parte delas. Neste sentido, pesquisas com este
1,6% estão em áreas protegidas (SILVEIRA & grupo se fazem prementes, pois os carnívoros
JACOMO, no prelo apud SILVEIRA, op. cit.). representam espécies chaves para os
Este avanço vem fragmentando e isolando de ecossistemas, sendo importantes reguladores de
forma irreversível, pequenas populações populações de presas animais ou importantes
geneticamente inviáveis. dispersores de sementes, mantendo o equilíbrio
O Parque Estadual do Cerrado (PEC) é um tanto das comunidades animais como vegetais
exemplo pois trata-se de uma das últimas (SILVEIRA, op. cit.).
reservas de vegetação savânica do Estado do Este trabalho teve como objetivo verificar a
Paraná (UHLMANN, 1995), e também um utilização dos diferentes ambientes do PEC pelos
importante refúgio para a fauna local. De acordo carnívoros lá ocorrentes.
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Bióloga, MSc. em Conservação da Biodiversidade pela UFPR. E-mail: paula@biositu.com.br;
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Bióloga, MSc. em Conservação da Biodiversidade pela UFPR. E-mail: fernanda@biositu.com.br;
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maior número de registros fotográficos (n=48); e a irara, Eira barbara, porém nenhum registro
do cachorro-do-mato foram obtidas apenas três fotográfico foi obtido.
fotos, sendo uma delas de dois indivíduos juntos, Com relação à família Procyonidae, foram
o que pode estar associado ao período registrados para o PEC o quati Nasua nasua e o
reprodutivo. Além destas espécies, há suspeita da mão-pelada Procyon cancrivorus. Assim como
ocorrência da raposinha-do-campo (Leucalopex os canídeos são onívoros, e desempenham
vetullus), tendo sido encontrados rastros importante papel na frugivoria. Destas duas
pequenos, característicos desta espécie nas espécies somente o quati foi fotografado (n = 3)
margens do rio Jaguariaíva e em áreas de em diferentes ocasiões, porém sempre nas áreas
transição entre o pinnus e a lavoura. No entanto, de reflorestamento de Pinnus spp.,
maiores esforços de campo devem ser provavelmente por utilizá-las para o
direcionados para a confirmação deste registro. deslocamento para as áreas de lavoura, onde
A família felidae caracteriza-se pelo encontram alimento disponível em grande
habito especialista de sua dieta. No PEc foram quantidade.
registrados o puma (Puma concolor), a
jaguatirica (Leopardus pardalis), o gato-do-mato- b) Uso da área
pequeno (Leopardus tigrinus) e o gato-mourisco
(Herpailurus yagouarundi). O puma, a Pode-se dizer que o PEC, de maneira
jaguatirica e o gato-do-mato-pequeno foram geral, é utilizado em sua totalidade, o que se
registrados através da obtenção de fotografias, (n explica pelo seu reduzido tamanho e por tratar-se
= 2, 2, e 1, respectivamente) e o gato-mourisco de um dos únicos fragmentos ainda conservados
foi registrado mais de uma vez através de da região.
visualizações. As espécies de carnívoros observadas
A família Mustelidae é caracterizada por utilizaram diferentemente os ambientes do
indivíduos de diferentes hábitos, podendo ser Parque, conforme mostra a tabela 2. Os métodos
solitários, andar aos pares ou em grupos utilizados possibilitaram também o registro de
familiares. No PEC as espécies registradas foram outras espécies na área (tabela 3).
a lontra Lontra longicaudis, o furão Galictis cuja
Tabela 2: Espécies de carnívoros ocorrentes nas diferentes unidades fitofisionômicas do parque e seu entorno
ESPÉCIES CL/CS CC/CCA CSS FE/FEA CHH FG RF LV FES
Puma concolor P P A A A P P A P
Leopardus pardalis A P A A A A P A P
Herpailurus yagouaroundi P P P A A A A P A
Leopardus tigrinus A A A P A P P A P
Chrysocyon brachyurus P P P P P A P P P
Cerdocyon thous A P A P A P P P P
Procyon cancrivorus A A A A A P P A A
Nasua nasua A P A A P A P P P
Eira barbara A P A A A A A A A
Lontra longicaudis A A A A A P A A A
CC/CS- campo limpo/ Campo sujo; CC/CCA- Campo cerrado/ campo cerrado alterado; CSS- Cerrado Sensu stricto;
FE/FEA- Floresta Ecotonal/ ecotonal alterada; CHH- Campo higro/hidrófilo; FG- Floresta de galeria; RF-
Reflorestamento de Pinnus; LV- Lavouras; FES – Floresta Estacional Semidecidual; P- Presente; A- Ausente.
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Tabela 3: Demais espécies ocorrentes nas diferentes unidades fitofisionômicas do parque e seu entorno
ESPÉCIES CL/CS CC/CCA CSS FE/FEA CHH FG RF LV FES
Ozotoceros bezoarticus A P P A A A A A A
Mazama americana A A A A A A P P P
Mazama gouazoubira A P A P A A P P P
Mazama sp A P A A A A P P P
Lepus capensis P P A P A P P P P
Sylvilagus brasiliensis P P A A A A P P P
Dasypus novemcinctus P P A P A P A P A
Euphractus sexcinctus P P P A A A A P A
Tamandua tetradactyla A A A A A A P A A
Myrmecophaga tridactyla P P P A A A P A P
Hydrochaerys hydrochaerys A A A A A P A A A
CC/CS- campo limpo/ Campo sujo; CC/CCA- Campo cerrado/ campo cerrado alterado; CSS- Cerrado Sensu stricto;
FE/FEA- Floresta Ecotonal/ ecotonal alterada; CHH- Campo higro/hidrófilo; FG- Floresta de galeria; RF-
Reflorestamento de Pinnus; LV- Lavouras; FES – Floresta Estacional Semidecidual; P- Presente; A- Ausente.
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chave. A fragmentação limita o potencial de km2, e para fêmeas adultas de 25 a 176 km2
dispersão e colonização de espécies, pois cria (SHAW, 1988). Para a jaguatirica, o tamanho do
barreiras a estes processos, reduzindo a território e da área de vida pode variar em função
habilidade ou possibilidade de obtenção de do tipo do habitat e da abundância de presas.
alimentos para algumas espécies, já que algumas EMMONS (1998) no Parque Nacional de Manu
precisam movimentar-se por grandes áreas para (Peru), estimou a área de vida para fêmeas
se alimentar. Além disto pode dividir populações adultas entre 1,6 e 2,5 km2 e para machos adultos
em subpopulações que não mais se encontram, entre 5,9 e 8,1 km2. CRAWSHAW (1995) para o
causando deriva genética, e outros problemas Parque Nacional do Iguaçu (Paraná), estimou
associados a pequenos tamanhos de população. uma área de vida para seis indivíduos adultos
Em 1997, quando se deu início aos estudos (dois machos e quatro fêmeas) de 11,3 km2. Para
de fauna no Parque Estadual do Cerrado, de fato o Pantanal mato-grossense (CRAWSHAW &
encontrou-se uma maior diversidade de espécies, QUIGLEY, 1989) a área de vida estimada para
que hoje não é observada na área. A exemplo duas fêmeas adultas foi de 0,8 a 1,5 km2. Da
pode-se citar a presença do cateto (Tayassu mesma forma, a área de vida do lobo-guará pode
tajacu), evidenciada pela presença de amostras variar de acordo com a disponibilidade de
fecais em uma das trilhas existentes na área e que recursos e períodos do ano. No Parque Nacional
serviam de presa dos felinos ocorrentes na região. Serra da Canastra, o tamanho da área de vida da
Da mesma forma, ao longo do desenvolvimento espécie variou entre 12 e 30 km2 (DIETZ, 1984).
deste estudo, verificou-se a diminuição na Cabe ressaltar que as áreas de estudo
obtenção de registros de carnívoros, tendo a caça citadas acima são áreas bastante grandes, sendo
predatória como a principal causa desta que o Parque Nacional do Iguaçu possui 186.000
diminuição. ha, as áreas do Pantanal chegam a quase 600.000
Somente no primeiro ano do trabalho foi ha e o Parque Estadual Morro do Diabo possui
constatado o abate, por fazendeiros da região, de 35.000 ha. Estudos realizados no Parque
dois lobos-guará, sendo um filhote e uma fêmea Nacional de Emas que possui cerca de 132.000
(encontrada morta com tiros de chumbo), e de um ha sobre a viabilidade de populações de
puma. Provavelmente o número de animais mamíferos que ali ocorrem, mostraram que seria
abatidos seja muito mais expressivo uma vez que necessária uma área de 907.400 ha para manter
a caça na região é uma atividade corriqueira. uma população mínima de 500 indivíduos de
Associado a isso tem-se o caráter cultural de puma na região, a fim de garantir a variabilidade
"uso" destas espécies, que estão intimamente genética da espécie (SILVEIRA, 1999).
ligadas ao folclore regional. Essas espécies Levando-se em consideração o tamanho da
encontram-se ainda afetadas por outros aspectos área disponível do Parque Estadual do Cerrado e
bioecológicos como a baixa densidade natural, dos outros fragmentos florestais existentes que
exigências alimentares, e o próprio tamanho de não ultrapassam 4.000 ha, e o tamanho de área
território. necessária para viabilizar populações das
Com relação ao puma, por exemplo, a área espécies de carnívoros estudadas, pode-se inferir
de vida necessária varia de 32 a 155 km2 no que as mesmas podem estar extintas
Pantanal (CRAWSHAW & QUIGLEY, 1984) e ecologicamente, ou seja, ocorrerem na área, mas
98 km2 no Parque Estadual Morro do Diabo (SP) não desempenharem sua função ecológica
(CULLEN, 1999). No Arizona a área de vida (REDFORD, 1997 in VALLADARES-PÁDUA,
estimada para machos adultos foi de 124 a 162 1997), uma vez que o tamanho destas áreas não
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