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Revista Do CBPF
Revista Do CBPF
Na vanguarda
da pesquisa
[ E X P E D I E N T E ]
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Fernando Henrique Cardoso
O Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) foi, juntamente com o
Instituto de Física da Universidade de São Paulo, uma das alavancas para o
MINISTRO DE ESTADO desenvolvimento da física no Brasil. Sua fundação, em 1949, teve como pano
DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA de fundo a corrida nuclear pós-guerra, tendo sido motivada pela importância
Ronaldo Mota Sardenberg
política que a pesquisa científica adquiriu naquele período e pelo entusiasmo
SECRETÁRIO DE COORDENAÇÃO com a descoberta do méson pi por Cesar Lattes.
DAS UNIDADES DE PESQUISA
Mas daí já se passaram 50 anos. O que é o CBPF hoje, entrando em um
João Evangelista Steiner
novo milênio? Esta publicação tem o objetivo de mostrar o que se faz hoje no
DIRETOR DO CBPF CBPF, uma das fábricas de fazer ciência de nosso país. Nela, você vai descobrir
João dos Anjos (interino)
uma instituição multifacetada e dinâmica com linhas de pesquisa ricas e inter-
ligadas. Não faltarão indicadores da produção científica, além de dados sobre
COMISSÃO EDITORIAL
(em ordem alfabética) o programa de pós-graduação, pioneiro na área de física e entre os melhores
Alexandre Malta Rossi
do Brasil. Recordamos também a criação do CBPF, através de emocionantes
Alberto Passos Guimarães
Alfredo Ozorio de Almeida depoimentos de seus fundadores, Cesar Lattes, José Leite Lopes e Jayme Tiomno.
João dos Anjos Como parte do recente processo de incorporação ao Ministério da Ciência
Ronald Cintra Shellard e Tecnologia, o CBPF preparou detalhado relatório técnico. Tomando este por
Rosa Scorzelli
base, partimos agora para a divulgação de nosso trabalho para um público
amplo, prestando, assim, contas à sociedade, que financia através dos impos-
tos nossa instituição.
Integrando uma tradição científica ímpar ao dinamismo
das novas gerações de pesquisadores, o Centro Brasileiro
EDITOR de Pesquisas Físicas enfrenta os grandes desafios da atua-
Cássio Leite Vieira lidade, contribuindo para o desenvolvimento cientifico e
REPORTAGEM
tecnológico de nosso país.
Renata Ramalho
AGRADECIMENTOS
Ana Maria Ribeiro de Andrade (MAST) Energias extremas do universo 6 Íons pesados relativísticos 48
Antonio Augusto Passos Videira (UERJ) Moléculas e superfícies 10 Os bárions charmosos 51
Alicia Ivanissevich
(revista Ciência Hoje/SBPC) Brilho intenso no céu 13 A ciência e tecnologia das biocerâmicas 54
Ivanilda Gomes Ferreira
Departamento de Informação
Precisão e sensibilidade 15 Uma nova entropia 57
e Documentação (MAST) Modelagem de Sistemas Naturais 18 Quatro andares de ciência e tecnologia 60
CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS FÍSICAS
Fenômenos e materiais magnéticos 21 Uma nova cosmovisão 62
Rua Dr. Xavier Sigaud, 150 Mensageiros do espaço 24 A supercondutividade 66
22290-180 – Rio de Janeiro – RJ, Brasil
Tel.: (0xx21) 2586-7249
A estrutura eletrônica da matéria 29 Física do charm 70
Fax: (0xx21) 2586-7400 Efeito túnel e estabilidade nuclear 32 O impacto dos materiais avançados 73
Homepage: http//www.cbpf.br Computação aliada à ciência 36 O vocabulário das partículas elementares 79
A microscopia do novo milênio 39 Laboratório de raios cósmicos 82
Caos e mecânica quântica 42 Técnicas para espionar a matéria 85
Biominerais magnéticos 45 Um pouco de história 88
REVISTA
REVISTA
DO CBPF
DO1 CBPF 1
O CBPF foi fundado em 1949 por um
[ t o m e n o t a ] grupo de eminentes físicos brasilei- CBPF, A MISSÃO.
A missão institucional do CBPF é realizar
pesquisas científicas em física
ros. Teve, juntamente com o Instituto e sua aplicações, bem como atuar
como centro nacional de formação,
treinamento e aperfeiçoamento
de Física da Universidade de São Pau- de recursos humanos em ciência
e tecnologia.
2 REVISTA DO CBPF
[ T O M E N O TA ]
DESPERTANDO VOCAÇÕES. O CBPF tem em seu programa de sa em física. Nos gráficos abaixo,
podem ser visto o número de arti-
Iniciação Científica 65 alunos. Outros 16 freqüentam o programa
gos publicados por pesquisadores
de Vocação Científica, voltado para estudantes de 2o grau, que são
e alunos do CBPF em revistas inter-
selecionados entre os melhores alunos das escolas públicas e pri-
nacionais arbitradas, bem como a
vadas do Rio de Janeiro.
média anual de artigos publicados
por pesquisador.
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do CBPF foi reconhecida pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp) como integrante de seu Centro MÉDIA ANUAL DE ARTIGOS PUBLICADOS
Multidisciplinar de Excelência. Pronex... Seis grupos de pesquisa 3,5
do CBPF participam do Programa de Núcleos de Excelência, do
3,0
Ministério da Ciência e Tecnologia. CTPetro... Projeto do CBPF, na
área de catalisadores, sistemas orgânicos e polímeros, acaba de 2,5
ser aprovado pelos disputados Fundos Setoriais do Petróleo
(CTPetro), sob coordenação do Conselho Nacional de Desenvol- 2,0
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REVISTA DO CBPF 3
[ T O M E N O TA ]
4 REVISTA DO CBPF
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Rio de Janeiro. Abriga também a Coordenação de Engenha-
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ria Operacional (CEO) da Rede Rio de Computadores, sendo
essa rede financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). O
PUBLICAÇÕES. O CBPF divulga suas atividades de pesqui-
sa através de três publicações: Notas de Física, Notas Técnicas e
CBPF é um dos cincos pontos de presença do atual backbone
Ciência e Sociedade – esta última voltada para a história e filoso-
da rede.
fia da ciência, bem como a política científica. Além disso, a sé-
rie Monografias de Física é destinada à publicação de notas de
PRÊMIOS E BOLSAS DE PRODUTIVIDADE. cursos. Promove também a divulgação científica através da pro-
Vários pesquisadores do CBPF foram agraciados com prêmios dução de vídeos, bem como a organização de cursos, en-
nacionais e internacionais. Atualmente, a maioria de seus pes- contros, seminários e exposições.
quisadores tem Bolsas de Produtividade em Pesquisa con-
cedidas pelo CNPq.
O APOIO. Para garantir
A TESE DO ANO. O prêmio da Sociedade Brasileira de Físi- a qualidade da produção científi-
ca para a melhor tese de doutorado em física foi concedido ca, há no CBPF, além de um departamen-
em 1999 a um estudante do CBPF, por seu trabalho na área to de administração, três coordenações de
de física estatística. apoio à pesquisa: de atividades técnicas, que
faz o apoio à infra-estrutura experimental e
informática; de formação científica, que coorde-
FORMAÇÃO DE GRUPOS DE PESQUISA. Nos últimos na os cursos de mestrado e doutorado; e a
dez anos, o CBPF contribuiu para formar 23 grupos de pesquisa, no de documentação e informação científica, res-
Brasil e no exterior. Foram sete grupos em universidade federais ponsável pela Biblioteca e pela divulga-
e estaduais do estado do Rio de Janeiro, além de 14 grupos ção da produção científica e edito-
em outros estados (Rio Grande do Norte, Pernambuco, Minas rial da instituição.
Gerais, Alagoas, Paraná, Paraíba, Rio Grande do Sul, Ceará e Es-
pírito Santo) e mais dois na América Latina (Peru e Argentina).
CARÁTER REGIONAL... O CBPF já formou mestres e doutores de todas as universidades fluminenses, com ênfase naqueles
originários da Universidade Federal do Rio de Janeiro (55% deles). Nacional... Nos últimos 15 anos, um terço dos alunos
formados pelo CBPF era de 16 estados brasileiros. Latino-americano... Nesse mesmo período, formou alunos de 14 países,
com ênfase nos da América Latina – vale ressaltar que o CBPF é a sede do Centro Latino-americano de Física (CLAF), sendo que
estes dois centros mantêm com o CNPq convênio para a concessão de bolsas de doutorado e pós-doutorado a estudantes
latino-americanos. Internacional... Por ano, o CBPF recebe, em média, 15 pós-doutorandos e outros 35 pesquisadores visi-
tantes, em sua grande maioria provenientes de países estrangeiros.
DETECTORES. Detectores de raios X, bem como a eletrônica e o software associado a eles, foram desenvolvidos e construídos
no CBPF e vendidos a universidades brasileiras e estrangeiras de prestígio, como Weizman Institute (Israel) e Queens University
(Canadá). Detectores de partículas foram também desenvolvidos para grandes colaborações internacionais na área de física
de altas energias, como o experimento Dzero, voltado para analisar o choque de prótons com sua antipartículas, e o Obser-
vatório Pierre Auger, que investiga os chamados zévatrons (raios cósmicos ultra-energéticos).
REVISTA DO CBPF 5
[FÍSICADE ALTAS ENERGIAS] GRUPO DE RAIOS CÓSMICOS
DE ALTAS ENERGIAS
Ronald Cintra Shellard
COLABORADORES
Energias extremas
João Carlos dos Anjos (doutor)
Ademarlaudo França Barbosa (doutor)
Geraldo Cernicchiaro (doutor)
Johana Chirino Diaz (doutoranda)
Fernando Vizcarra Siguas (doutorando)
no universo
A existência de raios cósmicos de altas energias é um dos problemas mais
intrigantes na astrofísica e na física das partículas atuais. Há décadas
que a solução dos paradoxos apresentados por essas partículas com ener-
gias macroscópicas desafia a criatividade e engenhosidade dos físicos.
Um dos primeiros tanques instalados pelo Observatório Auger para a realização de testes. Ao fundo, vêem-se
as cordilheiras dos Andes. A cor dos tanques foi escolhida para não agredir o ecossistema local.
6 REVISTA DO CBPF
CBPF
[FÍSICADE ALTAS ENERGIAS]
REVISTA DO CBPF 7
[FÍSICA DE ALTAS ENERGIAS]
El Sosneado
Malarg e
nitrogênio não pode ser visto a olho nu, mas apenas por CONSÓRCIO INTERNACIONAL. O desafio oferecido para a
telescópios especiais. compreensão da origem e a natureza de raios cósmicos
Ao chegar à Terra, o chuveiro pode cobrir uma área com com energias extremas motivou um grupo de cientistas a
diâmetro de alguns quilômetros, sendo que, nessa fase, é formar um consórcio internacional e a construir um
formado por elétrons e sua antipartícula (pósitrons), raios laboratório para observá-los. Em outubro deste ano,
gama (ondas eletromagnéticas muito energéticas), múons completa-se a primeira etapa da construção do Observatório
(‘parentes’ do elétron),, além de poucos prótons e nêutrons. Pierre Auger, na província de Mendoza (Argentina). Dentro
8 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA DE ALTAS ENERGIAS]
REVISTA DO CBPF 9
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA] GRUPO MOLÉCULAS
E SUPERFÍCIES
Moléculas
Carlton A Taft
Colaboradores
Paulo Mello (doutor)
Shi Kwat Lie (doutor)
Carlos Henrique da Silva (doutor)
e superfícies
Do meio ambiente à neurobiologia, passando pela cor-
Água, gases e outros complexos podem produzir im- sas em níveis internacionais, o Grupo de Moléculas e Superfí-
portantes reações químicas nas superfícies, por exemplo, de cies do CBPF utiliza computadores potentes e velozes – as
óxidos, metais e ligas. O modo como essas substâncias chamadas estações de trabalho – e programas de ponta.
interagem, bem como as conseqüentes alterações superfi- Neste artigo, o leitor vai conhecer algumas das áreas em
ciais, têm interesse para diversas áreas interdisciplinares. que o nosso grupo tem desenvolvido suas pesquisas e dado
Assim, a meta do cientista que se dedica ao estudo contribuições (ver ‘Grupo faz parte de programa de excelên-
interdisciplinar da física, química, biologia e engenharia de cia’). Começaremos pelos inumeráveis compostos formados
moléculas e superfícies é desenvolver uma compreensão ca- pelo elemento químico carbono, passando por plásticos que
paz de prever e entender várias propriedades dessa interação, conduzem eletricidade e moléculas que carregam informação
para obter controle sobre numerosos fenômenos de impor- no cérebro, para chegar a um dos produtos mais importan-
tância tecnológica, como monitoramento e controle de polui- tes para a indústria química de hoje, os catalisadores.
ção ambiental; corrosão de superfícies metálicas; estabilidade
das interfaces em materiais usados para armazenar combus- ÁLCOOL E BOLAS DE CARBONO. A química orgânica destaca-se
tíveis; destruição pela ação da luz de materiais que causam pelo número e pela complexidade das substâncias que o
poluição de águas; eliminação de perigosos po- elemento carbono pode formar. Conhecem-se hoje
luentes atmosféricos, industriais e orgânicos. cerca de 7 milhões desse compostos, contra
A partir da década de 1990, com o avan- aproximadamente 100 mil de todos os ou-
ço das técnicas computacionais, os mo- tros elementos. Assim, esse ramo da quími-
delos teóricos começaram a ser usados
para melhorar nossa compreensão das
FIGURAS CEDIDAS PELO AUTOR
10 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA]
REVISTA DO CBPF 11
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA]
H H H H H H
12 REVISTA DO CBPF
GRUPO DE FÍSICA NUCLEAR E ASTROFÍSICA [ A S T R O F Í S I C A ]
Sergio B. Duarte
Edgar de Oliveira
COLABORADORES
Emil de Lima Medeiros
Alejandro Dimarco (pós-doutorando)
REVISTA DO CBPF 13
[ A S T R O F Í S I C A ]
14 REVISTA DO CBPF
[ F Í S I C A D E A LT A S E N E R G I A S ] GRUPO DO EXPERIMENTO DELPHI
Ronald Cintra Shellard
Precisão e
Maria Elena Pol
sensibilidade
Depois de 11,5 anos, o detector Delphi encerrou sua carreira com uma ficha de bons
serviços prestados à física: fotografou dezenas de milhões de colisões da matéria
contra a antimatéria, dados que levaram à descoberta de novas partículas e à confir-
mação de importantes previsões teóricas.
CERN
sua antipartícula iluminaram pela última vez o detector Delphi,
localizado no acelerador LEP (sigla, em inglês, Grande Colisor
de Elétrons e Pósitrons), um túnel de 27 km de com-
primento, escavado a 100 metros de profundidade,
abaixo de uma planície próxima ao lago Léman, na
fronteira da Suíça e França, onde funciona o Centro
Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern).
Encerravam-se 11,5 anos de uma extensa coleção
de dados sobre as partículas criadas nesses choques de
matéria contra antimatéria. Em cada um dos quatro
pontos onde foram coletados os dados, há um com-
plexo conjunto de sensores que fotografam os resul-
tados da colisão. São os detectores Aleph, Delphi, L3
e Opal, operados, cada um, por cerca de 400 físicos (ver tam- A Z0, juntamente com mais duas partículas (W+ e W-), são res-
bém nesta edição ‘Quatro andares de ciência e tecnologia’). ponsáveis pela transmissão da chamada força fraca, que está relacio-
Pesquisadores do CBPF e de outras instituições brasileiras par- nada com o chamado decaimento radioativo beta (emissão de
ticiparam do experimento (ver ‘Brasil participou da construção, elétrons pelo núcleo atômico) – sem entrar em detalhes, vale ressal-
coleta e pesquisa’). tar que as outras três forças conhecidas são a gravitacional, a eletro-
Nos primeiros anos dos experimentos, a energia do LEP foi magnética e a força forte.
suficiente para produzir o parente pesado do fóton, a partícula
Z zero, indicada comumente pela sigla Z0. Essa partícula foi in- FATORES EXÓTICOS. Por sete anos, o Delphi fotografou deze-
ventada ainda em 1957 pelo físico brasileiro José Leite Lopes, nas de milhões de Z0s, permitindo um estudo estatístico de to-
que foi movido essencialmente por considerações estéticas das as facetas dessa partícula, bem como um teste das previ-
sobre a simetria da natureza. sões feitas com base no chamado Modelo Padrão, um pode- >>>
REVISTA DO CBPF 15
[ F Í S I C A D E A LT A S E N E R G I A S ]
CERN
Figura 1. Delphi, um dos quatro rem os físicos) confirmaram, com
detectores que funcionaram no grande precisão, que devem ser
acelerador LEP, do Centro Europeu
três os tipos de neutrinos existentes
de Pesquisas Nucleares (Cern).
na natureza, conforme indicava a
previsão do Modelo Padrão – os
três tipos de neutrinos (partículas
roso ferramental teórico usado hoje sem carga) são o neutrino do elé-
pela física para estudar as partículas tron, o neutrino do múon e o neu-
subatômicas. trino do tau (figura 2).
O grau de sensibilidade atingido Outro resultado espetacular des-
pela combinação dos quatro detec- sa fase inicial do experimento foi a
tores do LEP foi tão grande que, na medida da massa do Z0, foi medida da transformação (ou decaimento) do Z0 em quarks
necessário levar em conta fatores exóticos do ponto de vista da pesados do tipo bottom (‘parentes’ mais pesados dos quarks
física das partículas. As marés da Terra (e não do mar!) influen- up e down, sendo que estes dois últimos formam os prótons e
ciam o comprimento do anel de colisão, que, por sua vez, deve nêutrons)
ser levado em consideração na estimativa dessa massa. Essas A precisão dessas medidas permitiu ainda extrair uma pre-
marés são deformações na crosta terrestre causadas pela atra- visão para a massa de um presumido quark, o top. Esses cál-
ção gravitacional da Lua. culos foram confirmados pelos experimentos que levaram à
Outros fatores, como a passagem de trens em uma linha descoberta dessa partícula superpesada realizados no acele-
férrea a um quilômetro do anel, provocam pequenas pertur- rador Tevatron, do Fermilab, próximo a Chicago (Estados Uni-
bações no campo dos ímãs do anel e também que ser leva- dos). O refinamento das medidas feitas a partir dos dados
dos em conta. E até mesmo o regime de chuvas em Gene- coletados pelo Delphi mostraram que a massa do top calculada
bra, onde está localizado o LEP, afeta essas medidas. teoricamente era praticamente a mesma da partícula real.
Na verdade, esse resultados refletem o poder de previsão dos
QUARK SUPERPESADO. Logo no início da operação do LEP, o cálculos teóricos feitos hoje na física, bem como o nível de con-
Delphi e os outros detectores (ou experimentos, como prefe- sistência do próprio Modelo Padrão.
16 REVISTA DO CBPF
[ F Í S I C A D E A LT A S E N E R G I A S ]
REVISTA DO CBPF 17
[MODELAGEM DE SISTEMAS NATURAIS] GRUPO DE MODELAGEM
DE SISTEMAS NATURAIS
Affonso Augusto Guidão Gomes
Modelagem de
sistemas naturais
Tradicionalmente voltada para a meteorologia, a área de
18 REVISTA DO CBPF
[MODELAGEM DE SISTEMAS NATURAIS]
A construção de modelos teóricos tem sido há muito e zooplâncton requer o uso de modelos mais específicos.
usada em vários campos do conhecimento, da sociologia, A descrição dessa comunidade, respectivamente, de peque-
biologia e medicina à física, química e mesmo matemática. No nos animais e vegetais aquáticos exige, por exemplo, o estudo
passado, porém, essa abordagem costumava ser praticamen- dos efeitos da absorção de luz na descrição das atividades
te ‘estanque’, isto é, mantinha-se dentro dos limites de cada fotossintéticas do fitoplâncton.
uma dessas áreas.
Hoje, no entanto, a modelagem de sistemas, sejam eles PRESAS E PREDADORES. O modelo mais adequado para siste-
naturais ou artificiais, é marcada por um alto grau de interdisci- mas de interesse limnológico que tenham diversos subsistemas
plinaridade, o que confere aos modelos maior poder de previ- em interação é o chamado modelo do reservatório generali-
são teórica e proximidade com os dados experimentais. E isso zado, que pode ser definido como uma coleção de comparti-
ocorre, em parte, graças ao fato de a modelagem de sistemas mentos entre os quais há troca de substâncias (produtos dis-
reunir profissionais que, até pouco tempo atrás, trabalhavam solvidos na água etc.) e/ou produtos (plantas, animais etc.).
praticamente isolados. Em sua versão original, esse modelo continha apenas o
numero de ocupação dos compartimentos (animais e plan-
LAGOS, RIOS E BACIAS. Vejamos, por exemplo, o caso da tas), considerando assim a total uniformidade espacial entre
limnologia, um tema extremamente ativo tanto em sua abor- cada um dos compartimentos. Porém, sabemos que essa
dagem experimental quanto teórica. Trata-se da descrição do uniformidade é uma hipótese que deve ser testada para cada
comportamento de lagos, rios e bacias hidrográficas, o que, sistema natural que se quer modelar.
sem dúvida, faz desse tema um assunto de amplo interesse Em certos casos, efeitos de trans-
para o Brasil, dada a diversidade de climas e regiões geo- porte entre os compartimentos de-
gráficas no país, bem como para a área de modelagem de vem ser levados em conta, porém
sistemas naturais. isso obviamente aumenta a comple-
Na abordagem física mais clássica, pode- xidade do modelo do ponto de vis-
Para ba do Sul
se obter uma boa descrição da di- ta matemático. Um exemplo no qual
nâmica do comportamento da esses efeitos devem ser incluídos é
massa de água de um lago caso Rio de Janeiro o caso da modelagem de animais
sejam conhecidos seu contor- migrando ao longo de uma costa,
no geométrico, bem como a como no caso de crustáceos, pois
direção e a velocidade do vento V o número de ocupação de cada
em cada ponto de sua borda. compartimento varia com o passar
Se também for conhecido o do tempo.
perfil de seu fundo, podemos ir IV 21”45·
Uma aplicação possível do mo-
além: obter a dispersão de produ- delo do reservatório generalizado é
tos dissolvidos em determinada dado pela descrição de redes tróficas
região do lago – para isso, os pes- (ou redes de alimentação) constituí-
quisadores usam um ferramental das por diversos peixes, entre presas
matemático de amplo alcance, as e predadores, que vivem em gran-
equações de Navier-Stokes. Os des massas de água nas quais há
produtos dissolvidos na água não III nutrientes suficientes para os peixes
precisam ser necessariamente po- não predadores.
MARINA SUZUKI, TESE DE DOUTORADO, UENF (1997).
luentes. Podem ser também com- Alguns peixes usam como defe-
postos nitrogenados produzidos sa regiões protegidas dessa massa
pela ação biológica de microrga-
nismos existentes nesses ambien-
tes aquáticos. Figura 1. Localização
0 1Km
Esses temas envolvem apenas das cinco estações de coleta
da lagoa Iquipari, no norte
o estudo do movimento dos flui-
fluminense, em mapa baseado
dos em escala mesoscópica (es- I II em foto de satélite fornecida
cala de 10 quilômetros). Por outro pelo Instituto Nacional
lado, a presença de fitoplâncton 41”2· de Pesquisas Espaciais. >>>
REVISTA DO CBPF 19
[MODELAGEM DE SISTEMAS NATURAIS]
20 REVISTA DO CBPF
[ M A G N E T I S M O ] GRUPO DE MAGNETISMO
Alberto P. Guimarães
Ivan S. Oliveira
Armando Y. Takeuchi
Fenômenos e
Luiz C. Sampaio
Geraldo C. Cernichiaro
COLABORADORES
Ana P. Alvarenga (pós-doutoranda)
Elis H. C. P. Sinnecker (pós-doutoranda)
Roberto S. Sarthour (pós-doutorando)
Ângelo M. S. Gomes (pós-doutorando)
Vitor L. B. de Jesus (pós-doutorando)
materiais magnéticos
Os fenômenos magnéticos fascinam tanto por seus aspectos científicos básicos
quanto por inúmeras possibilidades que apresentam para aplicações práticas,
REVISTA
REVISTA DO CBPF 21
[ M A G N E T I S M O ]
22 REVISTA DO CBPF
[ M A G N E T I S M O ]
UFSM (4)
UFRS (10)
EXTRAÍDO DE HARRY Y. MCSWEEN, JR. ‘METEORITES AND THEIR PARENT PLANET’, CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS, 1999.
Figura 4. Trem que emprega o princípio da levitação magnética.
24 REVISTA DO CBPF
[ M E T E O R Í T I C A ]
Mensageiros
do espaço
Os meteoritos representam material extraterrestre que percorreu o
espaço cósmico em torno do Sol por 4,5 bilhões de anos antes de colidir
com a Terra. O estudo desses viajantes espaciais tem contribuído
enormemente na elucidação da origem e da evolução do Sistema Solar.
A Terra é constantemente atingida por ob- de matéria planetária aos quais temos acesso atualmente – um
jetos sólidos que circulam pelo espaço. São os chamados bilhão de anos mais antigos que a mais antiga rocha terrestre
meteoróides. Quando esses corpos entram na atmosfera conhecida. Há evidências de que alguns meteoritos sobrevi-
terrestre, passando agora a ser denominados meteoros, veram praticamente inalterados desde a origem dos planetas.
todos eles – inclusive os menores, com massas abaixo de Meteoritos têm sua origem em asteróides, bem como em
uma fração de grama – são aquecidos por fricção até chega- cometas que liberam fragmentos no espaço atraídos pela gra-
rem à fusão e à incandescência, o que produz traços lumino- vidade terrestre. Há ainda meteoritos cuja origem está em
sos. Já os fragmentos desses corpos que não se vaporizam outros corpos celestes, na Lua ou em Marte, por exemplo.
completamente, chegando à superfície da Terra, recebem a Esses corpos Iniciam, então, uma vida de peregrinação, peram-
nome de meteoritos (figura 1). bulando pelo espaço por milhões de anos, à mercê da ação de
Embora hoje se compreenda que a queda de meteoritos seja forças gravitacionais, magnéticas ou elétricas, antes de serem atraí-
conseqüência natural de processos do Sistema Solar, no passa- dos pela gravidade de um planeta, satélite ou mesmo pelo Sol.
do ela foi atribuída à intervenção divina ou mesmo negadas
(ver ‘Físico alemão provou origem cósmica’). Atualmente, es- FOGO NO CÉU. Os meteoritos são violentamente freados pela
tudos científicos e análises sofisticadas de meteoritos revelam atmosfera terrestre, na qual entram com velocidades que va-
importantes informações sobre o Sistema Solar e seu entorno. riam de 15 km/s a 30km/s. Os atritos a que são submetidos
provocam um aquecimento de sua superfície, fazendo com
PEREGRINAÇÃO NO ESPAÇO. As teorias modernas baseiam-se que a temperatura nela chegue a milhares de graus. Um fe-
em informações científicas fornecidas principalmente pela as- nômeno luminoso é então visível da Terra: a chamada estrela
tronomia, astrofísica e meteorítica. Esses objetos extraterrestres cadente, no caso de uma poeira; e uma bola de fogo muito
são reconhecidamente os mais antigos e mais primitivos pedaços brilhante, quando se trata de um meteorito. >>>
REVISTA DO CBPF 25
[ M E T E O R Í T I C A ]
CORBIS
de 10 mil toneladas, são muito pouco desacelerados quan-
do atravessam a atmosfera terrestre. E assim chocam na
Terra com extrema violência, formando as crateras de im-
pacto (figura 2).
Índices geológicos e mineralógicos permitem identificar
esse impactos, que, ao produzirem temperaturas e pressões
muito elevadas, modificam as rochas. Esses choques, que
cavam crateras de diâmetro superior a dez quilômetros, pro-
duzem níveis brutais de energia. Assim, ocorre uma violenta
elevação de temperatura no material terrestre da zona de
impacto, que se funde, vaporiza e projeta estilhaços de ta-
manhos variados a centenas e até milhares de quilômetros
da cratera. Essas rochas fundidas e vitrificadas são chama-
Figura 2. Cratera causada pelo impacto de um meteorito no das tectitos.
estado do Arizona (Estados Unidos). O local é conhecido por Diversos indícios levam à hipótese segundo a qual, 65
cratera de Barringer, que tem 1.300 metros de diâmetro e
milhões de anos atrás (ou 65 Ma, na linguagem da área), um
175 metros de profundidade.
desastre ecológico tenha sido provocado pela queda de um
corpo celeste de muitos quilômetros de diâmetro. É atribuído
A travessia pela atmosfera modifica a superfície do meteorito, a esse evento o desaparecimento de numerosas espécies
que, submetido a enorme ‘estresse’ mecânico e térmico pro- vivas, em particular o dos dinossauros.
duzido pela frenagem, perde matéria na forma de vapor e Graças a perfurações petrolíferas realizadas na península do
poeira. Freqüentemente, fragmenta-se em milhares de peda- Yucatan (México), bem como à observação de anomalias no
ços, cuja superfície se cobre de uma crosta (crosta de fusão) campo gravitacional terrestre naquela região, a cratera foi lo-
e, às vezes, com buracos característicos (regmaglitos), perma- calizada, no vilarejo de Chicxulub. A datação das rochas encon-
necendo intacto seu interior. tradas durante a perfuração permitiu datar o impacto em 65 Ma.
26 REVISTA DO CBPF
[ M E T E O R Í T I C A ]
REVISTA DO CBPF 27
[ M E T E O R Í T I C A ]
28 REVISTA DO CBPF
[ESTRUTURA ELETRÔNICA] GRUPO DE ESTRUTURA ELETRÔNICA
Diana Guenzburger
Joice Terra
COLABORADORES
Donald Ellis (doutor)
Zeng Zhi (doutor)
Javier Gomez Romero (doutorando)
Patrícia Antunes Granzotto (mestrando)
Etienne Silva Ramos (graduando)
A estrutura eletrônica
da matéria
Os elétrons e os núcleos se acoplam para formar átomos, moléculas e
REVISTA DO CBPF 29
[ESTRUTURA ELETRÔNICA]
R=K, Cs K Si Al O
30 REVISTA DO CBPF
[ESTRUTURA ELETRÔNICA]
REVISTA DO CBPF 31
[ESTRUTURA ELETRÔNICA] [FÍSICA NUCLEAR]
MARCUS ALMEIDA/ÍCONE
Antes do advento dos computadores, só sistemas muito
simples, como pequenas moléculas – por exemplo, hidro-
gênio (H2), gás carbônico (CO), óxido de nitrogênio (NO) –,
podiam ser estudados pela teoria quântica. E mesmo estes
precisavam de uma simplificação.
Depois da década de 1950, graças ao aparecimento de
uma nova teoria – conhecida por funcional da densidade
(ou densidade local) – conferiu-se maior rapidez aos cálcu-
los, permitindo assim a investigação de moléculas grandes e
sólidos mais complexos.
32 REVISTA DO CBPF
GRUPO DE FÍSICA NUCLEAR
Odilon A. P. Tavares
Efeito túnel e
Sérgio J. B. Duarte
COLABORADORES
Alejandro Dimarco (pós-doutorando)
Marcello Gonçalves (pesquisador visitante)
estabilidade nuclear
Desde o início do século 20, as transformações de à desintegração alfa – as variedades nucleares do chumbo,
um núcleo atômico em outro, fenômeno conhecido por radi- mercúrio, tungstênio e o ouro presentes na natureza são
oatividade, têm sido objeto de importantes investigações teó- alguns poucos exemplos.
ricas e experimentais, bem como das mais diversas aplicações Foi somente na década de 1920, com o advento da
por físicos e químicos em todo o mundo. Por outro lado, a mecânica quântica, que a radioatividade alfa pôde ser com-
produção de novos elementos químicos além dos que ocor- preendida, a partir dos trabalhos pioneiros – e independen-
rem na natureza vem sendo também perseguida desde a tes – publicados em 1928 pelo físico russo George Gamow
década de 1940 e, mais recentemente, intensificaram-se os (1904-1968), bem como pelo físico norte-americano Edward
trabalhos em direção à produção de elementos superpesados. Condon (1902-1974), juntamente com o físico inglês Ronald
Certas variedades de núcleos atômicos presentes na nature- Gurney (1898-1953). Mais especificamente, foi através de
za – por exemplo, de urânio, tório, rádio e samário – são conhe- um mecanismo quântico conhecido por efeito túnel que se
cidas por se desintegrarem espontaneamente, emitindo pe- ampliou a compreensão sobre esse fenômeno (ver ‘Barrei-
quenas partículas nucleares que, em 1909, foram identificadas ra é transposta mesmo sem energia suficiente’).
como sendo núcleos de átomos do gás hélio pelos físicos e
químicos ingleses sir Ernest Rutherford (1871-1937) e Thomas FISSÃO ESPONTÂNEA. Duas décadas mais tarde, físicos nucle-
Royds (1884-1955). ares experimentais em diferentes laboratórios no mundo pas-
Essas partículas são conhecidas desde 1898 como ´partí- saram a observar o fenômeno conhecido por fissão espontâ-
culas alfa’. Vale acrescentar que, naquele mesmo ano, a nea, no qual o núcleo se divide em dois fragmentos de mas-
transmutação nuclear (transformação de um núcleo em ou- sas comparáveis. O urânio 238, bem como elementos mais
tro) recebeu o nome de ‘radioatividade’, dado pela física e pesados (transurânicos), são os melhores exemplos de nú-
química polonesa Marie Curie (1867-1934). cleos que exibem esse fenômeno.
REVISTA DO CBPF 33
[FÍSICA NUCLEAR]
quando usamos as idéias da mecâ- imposta pela barreira – m é a massa da esfera, v a velocidade e g a aceleração da
gravidade. Em b, esquema mostra uma partícula subatômica de massa » 10-27 kg e energia
nica quântica para descrever o mo-
cinética T » 10-12 joule atravessando uma ‘barreira de potencial’ de energia P>T e largura
vimento das partículas subatômicas. b » 10-14 m. Esse fenômeno, denominado efeito túnel (ou tunelamento) ocorre porque no
Aqui, esse movimento é descrito por mundo subatômico sempre há uma probabilidade (pequena, porém não nula) de que a
uma onda associada à partícula, que partícula vença a barreira.
Normalmente, parte da energia total disponível para a No entanto, há casos – e modos – de fissão nuclear em
fissão é gasta como energia de excitação dos próprios frag- que os fragmentos são produzidos praticamente sem ener-
mentos. A fissão espontânea tem sido também descrita me- gia de excitação. Trata-se aqui da assim chamada ‘fissão fria’
diante o efeito túnel, em que a barreira de potencial a ser (figura 3a),, que vem sendo investigada durante os últimos dez
transposta tem, agora, uma forte componente nuclear atra- anos, tanto do ponto de vista experimental quanto teórico.
tiva, devido à força forte que age no núcleo para mantê-lo
coeso, competindo com a componente repulsiva, relativa às RADIOATIVIDADE EXÓTICA. Em 1975, um grupo de físicos nu-
cargas elétricas positivas dos fragmentos. cleares brasileiros, trabalhando no CBPF, anunciou a possibi-
lidade de que núcleos atômicos pesa-
dos viessem a se desintegrar esponta-
34 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA NUCLEAR]
30
a
ANTES
24 238
U
18 DEPOIS
P
a
α
234
Th
P um conhecimento básico de mate- T~197 MeV
S 200
12
mática poderá se aventurar ao cál-
culo da probabilidade (p) de uma
ENERGIA T ou P (MeV)
6 T~4,7 MeV
partícula vencer a barreira de po-
100
0 30 60 90 120 150
tencial. Isso é feito pela fórmula ANTES DEPOIS
p » 10-G, onde G=7,7bÖm(P-T)/h,
234 100 134
U Zr Te
ENERGIA T ou P (MeV)
12 ANTES
b S
157
Ta
sendo h=6,6x10-34 joule.s, também
P chamada constante de Planck, em 0 6 12 18 24 30
6
156
Hf
DEPOIS
p homenagem ao físico alemão Max
b
S Planck (1858-1947). P
100
T~1 MeV Na radioatividade alfa e na
T~74 MeV
0 30 60 90 120 150 desintegração por emissão de
SEPARA˙ ˆ O, S (fm) 50 ANTES DEPOIS
próton – esta última observada 234
U 206
Hg 28
Mg
Figura 2. Em a, barreira de potencial para em um pequeno número de nú- S
a desintegração do urânio 238 em tório
cleos ricos em prótons –, a barrei- 0 6 12 18 24 30
234 mais uma partícula alfa. A probabili- SEPARA˙ ˆ O, S (fm)
dade de tunelamento é muito pequena
ra de potencial a ser transposta
(p » 10-39). Em b, a probabilidade de tune- é essencialmente criada pela re- Figura 3. Em a, processo semelhante ao
lamento para o tântalo157 decair em pulsão eletrostática entre a car- descrito na figura 2, porém agora para a
háfnio 156 emitindo um próton é bem ga positiva da partícula alfa (+2), fissão fria do urânio 234 produzindo
maior que no caso anterior (p » 10-21). As zircônio 100 e telúrio134. Em b, a desinte-
ou a do próton (+1), e a carga
unidades para as grandezas dos eixos ver- gração exótica do urânio 234 em mercú-
positiva do núcleo residual, res- rio 206 e magnésio 28. Em ambos os
tical e horizontal são, respectivamente,
milhões de elétron-volt (1MeV=1,6x10-13 pectivamente, Z-2 (figura 2a) ou exemplos, a probabilidade de tunelamento
joule) e milionésimos de bilionésimo de Z-1 (figura 2b). é mínima, porém não nula (p » 10-47). As
metro (ou 1 fm = 10-15 m). unidades para as grandezas dos eixos ver-
tical e horizontal são como na figura 2.
provação do fenômeno na revista cientifica inglesa Nature Recentemente, físicos e químicos nucleares tanto norte-
(vol. 307, n.19, p.207 e 245, 1984), bem como na revista de americanos quanto russos relataram evidências experimen-
divulgação científica Ciência Hoje (vol. 3, n. 14, p. 18, 1984)). tais da produção de elementos superpesados com número
Hoje, são conhecidos 18 casos da chamada ‘radioativi- atômico acima de 112 (Z >112) (figura 4). Esse resultado
dade exótica’, em que fragmentos de carbono 14, oxigênio foi possível graças, em parte, a previsões teóricas feitas com
20, neônio 24, magnésio 28 e silício 34 podem ser emitidos base no efeito túnel, as quais indicaram não só a via de pro-
de núcleos mais pesados que o chumbo (Z=82). O efeito dução, isto é, os pares de fragmentos mais favoráveis para
túnel novamente aqui se aplica (figura 3b) para avaliar obtenção de elementos superpesados em reações nucleares
quantitativamente as taxas de desintegração e, conseqüen- de fusão fria, como também o período de sobrevivência des-
temente, prever possíveis novos casos de radioatividade (ver ses novos elementos. n
‘Modelo compara núcleo a gota liquida’).
REVISTA DO CBPF 35
GRUPO DE COMPUTAÇÃO E REDES
Márcio Portes de Albuquerque (doutor)
Computação
Nilton Alves Jr. (mestre)
Ismar Thomaz Jabur (engenheiro)
Ricardo Baia Leite (mestre)
Marita Maestrelli Leobons (analista de sistemas)
Marcelo Portes de Albuquerque (doutor)
Bruno Richard Schulze (doutor)
COLABORADORES
Aline da Rocha Gesualdi (mestre)
Jaime Paixão Fernandes Jr.
aliada à ciência
Sandro Luiz Pereira Silva
Denise Coutinho Alcântara Costa
Fernanda Santoro Jannuzzi
BELL LABS
A física utiliza a computação para a realização de simula- quisadores, estejam na fronteira do conhecimento atual, co-
ções numéricas complexas, e a computação usa as descober- mo projetos na área de redes de computadores e pro-
tas científicas para construir dispositivos e computadores cada cessamento de imagens, que visam aliar a computação às
vez mais elaborados e eficientes. novas descobertas científicas, bem como aqueles que utili-
Inúmeros projetos com aplicações tecnológicas nasceram zam tecnologias avançadas voltadas ao ensino e à divul-
ou tiveram importantes aplicações em laboratórios de física em gação da física moderna.
todo o mundo. A popular World Wide Web, por exemplo, nas-
ceu da necessidade de manipular e divulgar grandes volumes ALTA VELOCIDADE. Na área de redes de computadores, o
de dados no Cern, o laboratório de física europeu para pes- CBPF participa do ambicioso projeto Rede Metropolitana de
quisas nucleares, com sede em Genebra (Suíça). Alta Velocidade (Remav), juntamente com a Universidade Fe-
Aplicações em ambientes de computação paralela, na qual deral do Rio de Janeiro, o Instituto de Matemática Pura e
várias tarefas são realizadas simultaneamente pelo computa- Aplicada, a PUC Rio de Janeiro, a Fundação Oswaldo Cruz e a
dor, tiveram grande avanço devido às simulações numéricas de empresa de telecomunicações Telemar.
colisões de partículas realizadas em laboratórios de pesquisa O Remav permite o desenvolvimento de técnicas nos mol-
em física de altas energias, como o Fermilab (Estados Unidos). des da Internet 2, a nova estrutura de comunicação em
No CBPF, o Grupo de Computação e Redes tem a preo- altíssimas velocidades que possibilita o desenvolvimento de
cupação constante em pôr em prática projetos tecnológi- projetos que integrem em alta qualidade vídeo, voz e dados.
cos que, além de corresponderem aos anseios dos pes- O Rio de Janeiro foi o primeiro estado brasileiro a disponibilizar
36 REVISTA DO CBPF
[ I N F O R M Á T I C A ]
O CBPF é também um importante pon- O esquema da Rede Rio 2 pode A Rede Rio oferece conexão à
to de presença da Rede Rio 2, da Fun- ser visto na figura 2. O principal objeti- Internet a 70 instituições diretamente e
dação Carlos Chagas Filho de Amparo vo dessa rede é oferecer à comunidade mais de 50 indiretamente, estando liga-
à Ciência do Estado do Rio de Janeiro. acadêmica do Rio de Janeiro o acesso da à Rede Nacional de Pesquisas a
Abriga em suas instalações a Coordena- à Internet. Para isso, dispõe de um anel 100Mbps. Conta ainda com um enlace
ção de Engenharia Operacional (CEO) em fibra óptica interligando instituições direto aos Estados Unidos de 26Mbps.
dessa rede metropolitana. em alta velocidade (155Mbps). Ela foi pioneira na criação de um
Lab. Ravel/COOPE backbone de alta velocidade no Brasil.
CIET/SENAI
LLS Os engenheiros da CEO gerenciam
IRD
CENPES
ANP ETFQ os diversos equipamentos dessa re-
SUAM
REDETEC de, implementando novas tecnologias
PRODERJ CMRJ
CARIOCA
IPLAN/RJ de comunicação e garantindo a se-
CEPEL SEFCON
gurança da rede entre outras atividades.
HEMORIO UNIGRANRIO
INMETRO
UFRJ UENF
CETEP/Quintino G.L.CASTRO
TELEPORTO
IEN CEFET/Campos
Figura 2. O CBPF é um importante
ponto de presença da Rede Rio 2
FIOCRUZ TELEMAR
rede rio
de computadores LNCC
UCP
64K
e participa do projeto Rede
Metropolitana de Alta Velocidade.
CNEN 128K
J.BOT´ NICO IBC 256K Em função dessa estrutura
UNIRIO 384K
CETEM
ON
M. ˝NDIO
512K moderna, grupos de pesquisas
UFF CEN 1M
C. TERESIANO
2M
têm maior agilidade na troca de
PINEL CPRM 10M informação e estão interligando
26M
FURNAS
PUC-Rio CBPF UNIVERCIDADE 100M seus laboratórios. O CBPF
IMPA INT
IMPSAT
155M
mantém também a Coordenação
FESP UFRRJ
FAPERJ
USU de Engenharia Operacional,
Enlace Internacional
E. AMERICANA
IUPERJ
UERJ/Resende
que é responsável pelo
UERJ UFRJ/P. Vermelha funcionamento da Rede Rio.
IPEA
ABC BN RNP >>>
CEP FGV
FAA TCE PRT Enlace Internacional
IBPI Enlace Internacional
MAST DATASUS BNDES UVA
EMBRAPA CEFETE/RJ
FINEP FUNARTE
IME ECEME
REVISTA DO CBPF 37
[ I N F O R M Á T I C A ]
38 REVISTA DO CBPF
[ N A N O S C O P I A ] GRUPO DE NANOSCOPIA
Aníbal Omar Caride
Susana I. Zanette
A microscopia
COLABORADORES
Valéria B. Nunes (mestre)
José Gomes Filho (mestre, engenheiro)
do novo milênio
Desde o século 17, quando o microscópio óptico foi inventado, até
meados do século 20, quando surgiram novos tipos desses equipa-
mentos, era impossível a visualização de objetos de dimensões
REVISTA DO CBPF 39
[ N A N O S C O P I A ]
Laser
Amostra
REVESTIMENTOS E PELÍCULAS. O fotodetector
Varredu mede as deflexões do braço causadas pelas
r a
rugosidades da amostra quando ela é varrida
Cer mica
piezoelØtrica pela ponteira. Os resultados dessas medidas são
transferidos para um computador que, utilizan-
do um software especificamente feito para isso,
não compartilhada com nenhum outro aparelho de observa- transforma a informação em uma imagem da superfície. Um
ção nessa escala – é a visão dos objetos em três dimensões. exemplo é mostrado na figura 2, onde temos a imagem de
O AFM é composto basicamente por uma ponta (ou son- um filme de grafite obtida em nosso laboratório.
da) que varre a superfície da amostra em estudo. Assim, me-
São inúmeras as aplicações que decorrem desse tipo de
de-se a força de interação entre os átomos da ponta e os da
pesquisa. Investigar a superfície de uma amostra resulta no
superfície, e os resultados são transformados em imagens da
conhecimento de propriedades chamadas tribológicas, como
amostra, com a ajuda de recursos computacionais.
rugosidade, dureza, rigidez, elasticidade, atrito, entre outras,
que serão usadas na indústria, por exemplo, para obter re-
ATRAÇÃO E REPULSÃO. São várias as forças envolvidas nessa var- vestimentos de alto impacto, películas protetoras, etc.
redura, mas fundamentalmente resumem-se a dois tipos: as de
atração e as de repulsão. As primeiras, chamadas forças de van BACTÉRIAS MAGNÉTICAS. Mas a utilidade de um AFM não pára
der Waals, cuja origem é química, atuam a distâncias que variam por ai. Com pequenas modificações introduzidas no microscó-
de 100 nanômetros a algumas unidades dessa escala – um pio de força atômica, é possível estudar cargas superficiais, do-
nanômetro equivale a um bilionésimo de metro, ou seja, 10-9 mínios elétricos e magnéticos e muitas outras propriedades.
metro. Já as forças repulsivas agem quando a ponta entra em Ou seja: é possível fazer pesquisa básica em materiais (ver
contato com a superfície e têm sua origem no princípio de exclu- também nesta edição ‘O impacto dos materiais avança-
são de Pauli, nome dado em homenagem ao físico austría- dos’). Na figura 3, vemos uma imagem de uma
co Wolfgang Pauli (1900-1958), Nobel de física de bactéria magnética que tem cristais de
1945 – em termos práticos, esse princípio impe-
de que dois corpos ocupem o mesmo
lugar no espaço.
Um esquema simplificado
LABORATÓRIO DE NANOSCOPIA JORGE S. HELMAN (CBPF)
do microscópio AFM é
mostrado na figura 1,
onde vemos uma amostra –
apoiada sobre uma cerâmica espe- Figura 2. Imagem
cial (piezoelétrica) que serve para po- tridimensional de um filme
sicioná-la -, cuja superfície é percorrida por uma de grafite obtida com microscópio
ponteira suportada por um braço de apoio, chama- de força atômica. Na figura, as medidas
de comprimento e extensão estão em
do cantilever. Nesse braço, incide a luz de um laser, que se
nanômetros (bilionésima parte do metro)
reflete na superfície do cantilever, vai para um espelho e final- e as de altura, em angström (1Å equivale a um
mente alcança um fotodetector de quatro seções. décimo de bilionésimo de metro).
40 REVISTA DO CBPF
[ N A N O S C O P I A ]
LABORATÓRIO DE NANOSCOPIA JORGE S. HELMAN (CBPF) – BACTÉRIA CEDIDA PELO LABORATÓRIO DE BIOFÍSICA (CBPF)
REVISTA DO CBPF 41
[CAOS QUÂNTICO] GRUPO DE CAOS QUÂNTICO
Alfredo Miguel Ozorio de Almeida
Caos e
Raúl Oscar Vallejos
mecânica quântica
As áreas de caos e mecânica quântica nasceram há cerca de cem anos, mas permaneceram
praticamente isoladas até a década de 1970. Hoje, o estudo quântico de sistemas não lineares,
às vezes chamado caos quântico, já avança em direção às aplicações tecnológicas: é bem
provável que dependam dessa teoria as propriedades dos futuros dispositivos eletrônicos.
42 REVISTA DO CBPF
[CAOS QUÂNTICO]
REVISTA DO CBPF 43
[CAOS QUÂNTICO]
CAOS QUÂNTICO.
O Grupo de Caos Quântico do CBPF mantém e sedia o projeto ‘Sistemas Hamil-
tonianos: Caos e Quantização’, que é um dos projetos do Programa de Núcleos
de Excelência (Pronex) e envolve pesquisadores da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, PUC Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Figura 6. Microfotografia de um pon-
Universidade Estadual de Campinas e Universidade Federal de Minas Gerais.
to quântico, isto é, um transistor de
dimensões menores que um mícron O objetivo do projeto, em linguagem mais técnica, é estudar o limite
(milionésimo de metro). As partes semiclássico de sistemas quânticos cujo limite clássico seja caótico. Os conheci-
claras são os eletrodos, que definem mentos já estabelecidos sobre esses sistemas formam um instrumento podero-
as bordas deste ‘bilhar’ diminuto. A so para a compreensão de fenômenos em física atômica e nuclear e, mais
curva indica a trajetória hipotética de
recentemente, em física da matéria condensada.
um elétron atravessando o transistor.
44 REVISTA DO CBPF
GRUPO DE BIOFÍSICA
Darci M. de Souza Esquivel
Eliane Wajnberg
Lea Jaccoud El-Jaick
Biominerais
Geraldo Cernicchiaro
COLABORADORES
Leida Abraçado (mestranda)
Marcos André P. O. Guedes (iniciação cientifica)
magnéticos
Você já observou as trilhas de formigas trazendo comida para o
formigueiro? Já pensou como é que o pombo-correio se orienta para
voltar ao lar quando está distante dezenas de quilômetros? Essas são
REVISTA DO CBPF 45
[ B I O F Í S I C A ]
Anomalia 0.24
BÚSSOLA VIVA. Somente no caso de microrganismos mag-
MagnØtica do néticos, a magnetotaxia, um mecanismo de resposta passiva,
Atl ntico Sul é bem compreendida do ponto de vista da física.
Em 1975, pela primeira vez , foram observadas peque-
nas partículas de um material magnético formando uma ca-
deia linear dentro do citoplasma de uma bactéria. A magnetita,
40” um óxido de ferro biomineralizado e fortemente magnético,
Figura 1. Gráfico mostra a variação da intensidade do campo foi encontrado como constituinte dessas partículas.
magnético terrestre sobre o Brasil. A chamada Anomalia Mag- A resposta passiva nesses microrganismos leva-os a se
nética do Atlântico Sul, onde a intensidade do campo é mais comportarem como uma ‘bússola viva’. Desde então, vários
fraca, abrange Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e parte
estudos têm mostrado a presença de material magnético
do oceano Atlântico.
biomineralizado em outras espécies.
a b
FARINA, M. ET AL. NATURE (1990) 343, 256-258
Figura 2. Em a, microscopia eletrônica de transmissão de diferentes bactérias magnéticas, mostrando cadeias de partículas de
magnetita biomineralizadas em várias formas. Em b, microscopia eletrônica de varredura de um agregado multicelular (I) e
microscopia de transmissão de um corte ultrafino desse agregado (II), mostrando partículas magnéticas nas células e uma
ampliação dessas partículas magnéticas (III), que são de sulfeto férrico e não magnetita.
46 REVISTA DO CBPF
[ B I O F Í S I C A ]
REVISTA DO CBPF 47
[FÍSICA NUCLEAR] GRUPO DE FÍSICA NUCLEAR
Edgar Corrêa de Oliveira
Emil de Lima Medeiros
Íons pesados
Odilon de Paula Tavares
Sérgio Barbosa Duarte
COLABORADORES
Airton Deppman (pesquisador visitante)
Eduardo de Paiva (pesquisador visitante)
João D. T. Arruda-Neto (pesquisador visitante)
Marcello Gonçalves (pesquisador visitante)
Alejandro Di Marco (pós-doutorando)
relativísticos
Suzana de Pina (pós-doutoranda)
der mais sobre a matéria que forma das galáxias aos seres vivos.
48 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA NUCLEAR]
DESCRIÇÃO LABORIOSA. É a natureza da interação entre os interagem entre si através da chamada força forte, responsá-
glúons que possibilita, após a colisão, um novo rearranjo de vel pela coesão do núcleo atômico.
quarks, bem como dos próprios glúons, para formar novas Enfatizando: tudo isso pode nos levar a uma descri-
partículas, que aqui denominaremos hádrons – em uma de- ção laboriosa para a compreensão detalhada do fenôme-
finição mais técnica, hádrons são um grupo de partículas que no das colisões nucleares relativísticas. Assim, simular teori-
camente esses choques é tam-
bém tarefa complexa, pois ne-
TÉCNICA USA SORTEIO PARA SIMULAR COLISÕES NUCLEARES les são por vezes criadas milha-
res de partículas, o que exige
No CBPF, o Grupo de Física Nuclear do núcleo atômico), possamos descre- ferramentas matemáticas pode-
e Astrofísica tem desenvolvido a si- ver a colisão de hádrons com núcleos rosas e um longo tempo de
mulação dos processos de colisão atômicos, bem como as colisões entre computação.
usando a técnica de cálculo conhe- núcleos.
cida como método de Monte Carlo, Atualmente, colaboram com o Gru- CASCATA DE MINIRREAÇÕES. En-
que se baseia no sorteio de eventos. po de Física Nuclear e Astrofísica pes- tretanto, para simplificar os cál-
O método de Monte Carlo permite quisadores do Instituto de Radiopro- culos, podemos ignorar os de-
que, a partir do conhecimento dos teção e Dosimetria, do Conselho Nacio- talhes do processo de produ-
mecanismos básicos de interação en- nal de Energia Nuclear, e do Instituto ção de partículas nas colisões
tre prótons e nêutrons (constituintes de Física da universidade de São Paulo. entre hádrons – ou interações
hádron-hádron, no jargão da >>>
REVISTA DO CBPF 49
[FÍSICA NUCLEAR]
50 REVISTA DO CBPF
GRUPO DE BÁRIONS CHARMOSOS [FÍSICA DE ALTAS ENERGIAS]
Anna Maria Freire Endler e
Edgar Corrêa de Oliveira
Os bárions charmosos
Apesar de difíceis de produzir e complexos do ponto de vista teórico, os bárions
REVISTA DO CBPF 51
[FÍSICA DE ALTAS ENERGIAS]
Para buscar entender a matéria, temos hoje laboratórios Um fato experimental importante é que quarks e glúons não
gigantes, como o Fermilab (Estados Unidos) e o Cern (Suíça), são observados livremente na natureza, como, por exemplo, ob-
dedicados inteiramente à compreensão dos processos de in- servamos os elétrons. Isso torna muito mais difícil, mesmo que
teração entre partículas elementares. Nessas máquinas, de indiretamente, a confirmação da existência dessas partículas.
proporções gigantescas, partículas carregadas são aceleradas Outro fato importante tem a ver com a colisão dos cha-
até que atinjam velocidades próximas à da velocidade da luz, mados hádrons, partículas caracterizadas por um par quark
ou seja, 300 mil km/s. A colisão entre elas resulta na produção antiquark (os chamados mésons) ou trios de quarks (os
de um número formidável de novas partículas. Esse número bárions), como mostra a figura 1. Quando levados a colidir
depende da energia liberada na interação e nas energias atin- entre si, os hádrons fazem surgir novos quarks e antiquarks
gidas pelos aceleradores ele pode chegar a algumas centenas dessa família. Daí, a multiplicidade de novas partículas pro-
de partículas. venientes de novos arranjos de quarks e glúons após as co-
lisões em aceleradores.
DESCRIÇÃO BONITA E FUNCIONAL. Uma das mais importantes Falamos, então, de quarks up (u) e down (d) primaria-
confirmações feitas em experimentos nos aceleradores de mente para descrever prótons e nêutrons e, para completar a
partículas foi a de que prótons e nêutrons são formados por descrição das partículas, temos ainda os quarks charm (c),
constituintes ainda menores da matéria, os chamados quarks strange (s), bottom (b) e top (t), cada qual com massa e
– o nome foi dado pelo físico americano Murray Gell-Mann, características próprias.
que se inspirou em uma passagem (“Three quarks for Muster É uma descrição bonita e funcional, pois reduz a compreen-
Mark!”) do romance Finnegan’s Wake, do escritor irlandês são de centenas de partículas ao relacionamento intrincado
James Joyce (1882-1941). de seis quarks e respectivos antiquarks, mais oito glúons.
Para formar prótons e nêutrons, os quarks estão grudados
uns aos outros por forças fortíssimas mediadas pelos glúons – DOTADOS DE CHARM. Ao longo de décadas, esses laboratórios
a palavra tem origem em glue, que, em inglês, significa cola. Pre- têm desenvolvido centenas de experimentos para investigar o
vistos há décadas pelos físicos teóricos, os quarks eram conside- papel dos quarks. Esses trabalhos envolvem a cooperação de
rados, na década de 1960, como meras conveniências mate- pesquisadores de todo o mundo. Entre esses experimentos,
máticas para se estudar sistematicamente as propriedades das está o de sigla E781 (Selex), com o qual o Grupo de Bárions
partículas. Entretanto, para a surpresa de muitos, as experiências Charmosos do CBPF colaborou (ver ‘Experimento criou 15
para se verificar a estrutura do próton – através do es- bilhões de colisões’).
palhamento de elétrons em prótons – revelaram que estes últi- Bárions charmosos são hádrons com três quarks e que
mos realmente possuem constituintes puntiformes. contêm ao menos um quark charm. São muito menos co-
a b c
up down charm
up up up
Figura 1. Exemplos de bárions, partículas formadas por três quarks. Em a, representação de um próton (componente do núcleo
atômico), que tem carga elétrica +1 e é formado por dois quarks up (carga elétrica +2/3) e um quark down (-1/3). Em b, um
nêutron, outro componente nuclear, que tem carga elétrica nula, sendo formado por dois quarks down (-1\3) e um up (+2/3).
A combinação dos seis quarks existentes pode formar várias outras partículas, como o lambda (item c), constituído por um up,
um down e um quark charm, este com carga elétrica +2/3. Partículas formadas por um dupla de quarks são denominadas
mésons. Um exemplo são os glúons (aqui representados pelas linhas que unem os quarks), que podem momentaneamente
formar um par quark e antiquark.
52 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA DE ALTAS ENERGIAS]
nhecidos que os mésons charmosos, por exemplo, compos- delos de partículas com os quais a física trabalha hoje. Assim,
tos por um par quark e antiquark, com pelo menos um deles em breve, os físicos esperam ampliar seu conhecimento sobre
sendo um charm. a natureza e as propriedades dos constituintes da matéria que
Desde 1975 que experiências procuraram investigar os são dotados de charm. n
bárions charmosos. Somente quatro anos depois, obteve-se
um prova direta de que essas partículas existem – em particular,
a partícula lambda charmoso (LC) foi detectada em vários
experimentos, sendo que sua massa concorda com o que pre-
diz a teoria (ver também nesta edição ‘A física do charm’).
Do ponto de vista experimental, os bárions charmosos são
mais difíceis de serem produzidos que os mésons, devido ao
fato de serem mais pesados e possuírem estados de rota-
ção (spins) diferentes de zero. Isso, por sua vez, torna o estudo
teórico dessas partículas bem mais complexo.
No entanto, estudar os bárions charmosos tem suas re-
Edgar Corrêa de Oliveira e Anna Maria Freire Endler
compensas: eles representam um excelente teste para os mo-
REVISTA DO CBPF 53
[ B I O M AT E R I A I S ]
GRUPO DE BIOMATERIAIS
Alexandre M. Rossi
Joice Terra
Elena Mavropoulos (tecnologista)
Elizabeth L. Moreira (tecnologista)
A ciência e tecnologia
das biocerâmicas
54 REVISTA DO CBPF
[ B I O M AT E R I A I S ]
REVISTA DO CBPF 55
[ B I O M AT E R I A I S ]
56 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA ESTATÍSTICA] GRUPO DE MECÂNICA ESTATÍSTICA
Constantino Tsallis
Aglaé Cristina Navarro de Magalhães
Evaldo Mendonça Fleury Curado
A energia é um dos conceitos da física com aplicação bém baixo. E para se manter assim será necessário que o
mais visível no dia-a-dia. Para mover um carro, por exemplo, é nosso sistema imaginário (caixa mais bolas) permaneça isola-
necessário obter energia através da queima do combustível. do do meio externo. Mas é muito difícil evitar que algum tipo
Para os eletrodomésticos funcionarem, depende-se da ener- de interação com o ambiente ocorra.
gia elétrica. Mas nem toda a energia gerada está disponível Assim, depois de uma interação qualquer com o exterior
para ser transformada em trabalho útil. Para saber o quanto – por exemplo, uma trepidação ao ser mudada de lugar –, é
dessa energia pode ser considerada ‘livre’ – disponível para bem provável que as bolas se desorganizem, pois há muito
consumo –, é necessário conhecer um outro conceito: o de mais formas de deixar as bolas espalhadas do que de colocá-
entropia. las arrumadas em um canto. Em outras palavras: o grau de
A entropia está relacionada à ordem e desordem em um desorganização (ou entropia) de um sistema físico que interage
sistema. É ela que caracteriza o grau de organização (ou de- com o exterior tende a aumentar com o passar do tempo.
sorganização) de um sistema físico qualquer. Quanto mais
desordenado o sistema, maior será sua entropia. UNIVERSO DESORDENADO. Algo semelhante se passa entre as
A imagem de uma caixa que contenha bolas nos fornece bolas de nossa caixa e os sistemas físicos do universo: am-
uma boa analogia para entender o conceito de entropia. Se bos, com o passar do tempo, tendem a se tornar cada vez
as bolas estiverem ordenadas em um canto, a entropia será mais desorganizados – e isso, conseqüentemente, representa
baixa, pois o grau de desorganização desse sistema é tam- aumento da entropia. >>>
REVISTA DO CBPF 57
[FÍSICA ESTATÍSTICA]
NOAA
58 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA ESTATÍSTICA]
Sentados: Constantino Tsallis e Aglaé Cristina Navarro de Magalhães; em pé: Evaldo Mendonça Fleury Curado.
acaso e de modo independente – nesse caso, a entropia de tos. Mais tarde, o conceito passou a ser aplicado sempre que
dois diminutos volumes de ar pode ser simplesmente adicio- era necessário basear-se em componentes microscópicos para
nada para se chegar à entropia total do sistema. Porém, fazer uma descrição macroscópica de um sistema.
quando ocorre um rodamoinho, a simples adição dos volu- Para calcular a entropia, foi proposta uma equação co-
mes de ar já não é mais capaz de descrever a entropia nhecida como fórmula de Boltzmann-Gibbs (ver ‘Fórmula clás-
desse evento – em termos mais técnicos, diz-se que os mo- sica surgiu no século 19’). Porém, a fórmula mostrou ter li-
vimentos das moléculas de ar durante esse fenômeno atmos- mitações. Ela falha, por exemplo, ao tentar explicar a comple-
férico tornam-se altamente correlacionadas, e a entropia de xidade de fenômenos como um ciclone, como já vimos, ou a
um volume de ar passa a interferir na entropia de outros geometria fractal das moléculas de DNA e de outras ma-
volumes em sua vizinhança. cromoléculas (figura 2). Em resumo: a fórmula clássica
mostrou-se inadequada quando a quantidade de entro-
FRACTAIS E DNA. Assim que foi inicial- pia de um sistema é basicamente não aditiva.
mente proposto, em 1865, o conceito Para determinar a entropia em sistemas não aditivos, foi
de entropia foi utilizado para melho- necessário buscar uma nova fórmula. Várias expressões
rar o desempenho das máquinas ne- foram propostas, mas nenhuma se mostrava eficien-
cessárias à Revolução Industrial. Ele te do ponto de vista térmico. Porém, a partir de
ajudava a descrever as trocas de calor analogias matemáticas, Constantino Tsallis, pesqui-
e o trabalho realizado pelos equipamen- sador do Grupo de Mecânica Estatística do CBPF,
desenvolveu, a partir de meados da década de
1980, uma equação que é uma generalização da
fórmula clássica.
Com ela, é possível calcular tanto a
entropia de sistemas aditivos quanto de
Figura 2. não aditivos. Por algum tempo, a
Alguns aspectos nova fórmula permaneceu sem
fractais das que fosse comprovada pratica-
moléculas de DNA
mente. Porém, trabalhos recentes
e de outras
macromoléculas têm demonstrado sua eficiência.
têm sido Desde então, a nova fórmula tem
explicada com sido utilizada para calcular a entropia em
sucesso usando diversos sistemas, em áreas como turbulên-
a nova fórmula
cia, física de altas energias, estudo dos organis-
para o cálculo da
entropia proposta
mos vivos, física do estado sólido, teoria da in-
em meados da formação e até mesmo campos das ciên-
década de 1980. cias humanas como a lingüística. n
REVISTA DO CBPF 59
[ F Í S I A D E A LTA S E N E R G I A S ] LAFEX GRUPO DO DZERO
Alberto Santoro
Hélio da Motta
Moacyr Souza
Gilvan Alves
Mário Vaz
Maria Elena Pol
Francisco Caruso
COLABORADORES
Quatro andares de
Jorge Molina (doutorando)
ciência e tecnologia
A busca de novas partículas e a verificação experimental de teorias comple-
xas da física, embora por si só tarefas de grande importância científica, são
apenas parte do que se passa em um experimento de física de partículas.
60 REVISTA DO
60 REVISTA
CBPF DO CBPF
[ F Í S I A D E A LTA S E N E R G I A S ]
PIONEIRISMO NO BRASIL. O Laboratório de Cosmologia e Figura 2. Um dos detectores do FPD já instalados no acele-
rador Tevatron, do Fermilab. Todos os detectores – em um
Física Experimental de Altas Energias (Lafex) tem participado
total de seis – já se encontram em operação.
ativamente do experimento Dzero desde 1991, tendo atuado >>>
REVISTA DO CBPF 61
[ F Í S I A D E A LTA S E N E R G I A S ] GRUPO DE COSMOLOGIA E GRAVITAÇÃO:
Mário Novello
Ívano Damião Soares
José Martins Salim
Luiz Alberto Oliveira
Nelson Pinto Neto
Bartolomeu Figueiredo
e telescópios.
62 REVISTA DO CBPF
[ C O S M O L O G I A E G R AV I TA Ç Ã O ]
Uma nova
cosmovisão
O objetivo maior da ciência é o de gerar uma Figura 1. Ainda na década de 1920, a descoberta extraordinária
representação racional do mundo. Essa atividade ganha di- do astrônomo Edwin Hubble mostrou que as galáxias
mensão máxima quando essa representação se propõe a encontram-se em um estado dinâmico de afastamento mútuo
ou expansão. Com isso, abriu-se caminho para a popularização
englobar a totalidade do que existe, isto é, o universo consi-
da imagem da ‘Grande Explosão Primordial’
derado como uma estrutura única e solidária. (em inglês Big Bang) como origem do cosmos atual.
O ramo da ciência que se propõe a analisar essa estrutu-
ra única é a cosmologia, que se desenvolve através da aplica-
ção do conhecimento global das leis físicas ao universo como
um todo. Portanto, essa área do conhecimento é, na prática, sico e matemático inglês Isaac Newton (1642-1727) – e a
o maior teste de coerência dessas leis. estrutura geométrica do contínuo espaço-tempo, que permi-
Em particular, a cosmologia assume o caráter de um gran- te aos observadores estabelecer o conceito fundamental de
de e único laboratório capaz de testar efetivamente fenôme- intervalo (ou separação) entre eventos.
nos do microcosmos na área de altas energias que estão Deformações ou tensões na tessitura do espaço-tempo
longe de poderem ser testados em laboratórios terrestres, passam a ser equivalentes à atuação de forças gravitacionais:
pois temperaturas extremamente elevadas, inatingíveis no atual geometria torna-se força ou, em outras palavras, a massa de
estado de desenvolvimento científico e tecnológico, poderiam um corpo deforma o espaço e essa deformação determina
ser alcançadas nos primeiros instantes do universo. Desse como as outras massas devem se movimentar.
modo, o microcosmo, representado pela teoria das partículas Os notáveis sucessos da teoria no que toca a fenômenos
elementares, e o macrocosmo – a estrutura global do uni- gravitacionais e eletromagnéticos na escala de nosso Sistema
verso – estão se fundindo em um único e ambicioso projeto Solar a estabeleceram como o quadro conceitual de fundo
de pesquisa. no qual se pôde assimilar a extraordinária observação do
astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953), na
EXPLOSÃO QUENTE. A moderna cosmologia relativística tem década de 1920, de que o universo astronômico se encon-
como suporte observacional as evidências produzidas pela traria, como um todo, em um estado dinâmico de expansão
chamada astronomia profunda e, como quadro conceitual (o chamado ‘afastamento uniforme das galáxias’).
de fundo, a teoria da relatividade geral, que permite caracteri- Mais tarde, os estudos do físico russo George Gamow (1904-
zar o cenário global em que ocorrem os acontecimentos físi- 1968) sobre o comportamento da matéria em um estádio
cos. Na linguagem técnica da cosmologia, dá-se a esse cená- primordial muito denso e quente iriam servir para consolidar, já
rio o nome contínuo espaço-tempo, que é formado pela ‘uni- na década de 1970, o chamado modelo padrão da ‘Grande
ficação’ das três dimensões espaciais (x, y e z) e da dimensão Explosão Quente’ (ou, em inglês, Hot Big Bang).
temporal (t). É nele que acontecem os processos físicos rele-
vantes em escala cósmica. UMA DISCIPLINA DA FÍSICA. Hoje, as observações de que dis-
Em 1917, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) pomos nos delineiam o panorama de um universo muitís-
promoveu, em sua teoria da relatividade geral, uma fecunda e simo vasto, bem como expansivo – ou seja, transiente, dinâ-
imprevista combinação entre a interação gravitacional – a for- mico, evolutivo – e notavelmente homogêneo – mais ‘liso’, ou
ça universal de atração entre as massas, descoberta pelo fí- uniforme, que a superfície de uma bola de bilhar. >>>
REVISTA DO REVISTA
CBPF 63 DO CBPF 63
[ C O S M O L O G I A E G R AV I TA Ç Ã O ]
SPACE TELESCOPE SCIENCE INSTITUTE
64 REVISTA DO CBPF
[ C O S M O L O G I A E G R AV I TA Ç Ã O ]
BOOMERANG COLLABORATION
REVISTA DO CBPF 65
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA] GRUPO DE ESTRUTURA ELETRÔNICA E FENÔMENOS
COLETIVOS DA MATÉRIA CONDENSADA
Amós Troper
COLABORADORES
Alexandre Lopes de Oliveira (doutorando)
e Viviana P. Rammuni (doutoranda)
A supercondutividade
Descoberta há exatos 90 anos, a supercondutividade é hoje um dos campos mais
66 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA]
CERN
Além da descoberta do fenômeno da super-
condutividade, Kamerlingh-Onnes foi o primeiro
a obter hélio na forma líquida. Por essas e outras
contribuições à física de baixas temperaturas,
denominada criogenia, ele ganhou o Nobel de fí-
sica de 1913.
REVISTA DO CBPF 67
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA]
Foi, no entanto, na década de 1920 que surgiu um desdo- POR QUE NEM TODOS SÃO? Apesar da abrangência teórica, a teo-
bramento mais consistente dessa teoria: a mecânica quântica, ria BCS se deparou com dificuldades frente a alguns fatos teóri-
com a qual os físicos hoje tratam os fenômenos na escala dos cos e fenômenos experimentais. A primeira limitação da teoria é
átomos e das moléculas. Porém, só em 1957 surgiria uma teo- que ela não pode apontar de antemão que material será um
ria microscópica (ou quântica) para a supercondutividade, atra- supercondutor. Ela também não responde, por exemplo, a uma
vés dos trabalhos dos físicos norte-americanos John Bardeen pergunta simples: por que todos os sólidos não são super-
(1908-1991), Leon Cooper e John Schrieffer. E ainda hoje a condutores? E a resposta para esta última questão ainda perma-
teoria BCS, batizada com as iniciais dos autores, é a referência nece um mistério – sabe-se, no entanto, que bons condutores
para os estudos da área. O trabalho rendeu aos três o Nobel de eletricidade (cobre, alumínio entre outros metais) não são
de física de 1972. bons supercondutores (ver ‘O que é um bom supercondutor?’).
Ainda em 1956, Cooper publicou um artigo no qual fazia A teoria BCS também sugere que não poderia haver
uma previsão teórica importante: os elétrons durante a fase supercondutividade a temperaturas acima de 25 kelvins apro-
supercondutora, isto é, quando as vibrações da rede cristalina ximadamente (ou 248 graus celsius negativos), pois o aco-
não interferem nas trajetórias dessas partículas, formam pares e plamento que mantém os elétrons formando pares de Cooper
passam a se comportar como se fossem uma entidade única. seria desfeito por vibrações da rede, por exemplo.
Esse acoplamento ganhou o nome de pares de Cooper, e sabe-
se, com base em experimentos, que, quanto menor a temperatu- ARRANHÃO NO STATUS. Porém, no início de 1980, verificou-se
ra do material, mais pares desse tipo são formados. que tipos especiais de cerâmicas eram supercondutoras a tem-
CERN
supercondutores não é um campo magnético que
homogênea. Há aqueles age sobre ele, para que a
que se mostram mais efi- supercondutividade não
cientes na condução de seja destruída, por exemplo,
eletricidade, porém neles pela ação de um relâmpa-
o fenômeno só surge a go ou de outra fonte mag-
temperaturas muito bai- nética exterior, o que seria
xas, o que inviabiliza cer- outro fato a inviabilizar sua
tas aplicações do mate- aplicação.
rial. Outros se tornam Por fim, é preciso que
supercondutores a altas ele conduza uma alta den-
temperaturas (cerca de sidade de corrente elétri-
200 graus celsius negati- ca, sendo esta talvez sua
vos), mas nem sempre característica mais impor-
conduzem uma quantida- tante do ponto de vista
Seção de um cabo supercondutor empregado em ímã tam-
de de corrente elétrica bém supercondutor usado do acelerador LHC.
prático. Hoje, em situações
(ou densidade de cor- especiais, cabos supercon-
rente) suficiente. dutores já substituem os
Um bom supercondutor deve ter relativamente barato – para temperatu- centenários fios de cobre (ver figura).
três características básicas. Sua tempe- ras mais baixas, é preciso usar hélio líqui- Nosso trabalho de pesquisa en-
ratura crítica, a partir da qual surge a do, matéria-prima cara e escassa. Essa volve colaborações com doutorandos
supercondutividade, deve ser alta. O passagem da condutividade para a su- do próprio CBPF, bem como com pes-
ideal é que seja acima de 80 kelvins percondutividade deve acontecer de ma- quisadores da Universidade Federal
(193 graus celsius negativos), pois, neira ‘brusca’ – os físicos preferem o ter- do Rio de Janeiro, da Universidade
nesse faixa, é possível refrigerá-lo com mo ‘sharp’ (em inglês, pontiagudo). Federal Fluminense e da Universida-
nitrogênio líquido, que é abundante e Um bom supercondutor deve ainda de do Estado do Rio de Janeiro.
68 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA]
peraturas por volta de 70 kelvins (ou cerca de 200 graus celsius magnéticos –, há ainda uma extensa gama de pergun-
negativos). Desde então, vários outros materiais têm demons- tas a serem respondidas. Talvez, a principal delas seja quais me-
trado o fenômeno da supercondutividade a altas temperatu- canismos microscópicos possibilitariam a supercondutividade
ras, acima de 100 kelvins – vale ressaltar a descoberta recente a altas temperaturas?
de um composto promissor, à base de boro e magnésio Esta e outras questões permanecem em aberto. No en-
(MgB2), que vem sendo objeto de intensos estudos teóricos e tanto, elas conferem um fascínio extra ao fenômeno da
experimentais. supercondutividade e, com certeza, servem como uma moti-
Mesmo antes de enfrentar as dificuldades com a su- vação a mais para os cientistas dessa área. n
percondutividade a altas temperaturas, a teoria BCS já ha-
via sofrido outros arranhões em seu status de teoria de
referência: discrepâncias experimentais em relação ao cha-
mado efeito isotópico, que está relacionado com a massa
do átomos que formam um supercondutor – contrarian-
do a teoria BCS, experimentos mostram que a variação no
fenômeno da supercondutividade não é tão intenso. No
entanto, pesquisadores brasileiros vêm mostrando, desde
o início da década de 1990, que é possível explicar esses
desvios experimentais dentro do âmbito da teoria BCS.
(ver ‘Teoria aprimorada ainda é consistente’).
REVISTA DO CBPF 69
GRUPO DE FÍSICA DE PARTÍCULAS CHARME
João dos Anjos
A física
Javier Magnin
Ignácio Bediaga & Hickman
Jussara M de Miranda
Alberto Correa dos Reis
COLABORADORES
Cecília Uribe (doutoranda)
André Massafferri (doutorando)
do charm
Espectômetro
da experiência E-791
Dotado de fenomenologia particularmente rica, o estudo
detector de posição
trilhas de silício
identificação de partículas
das chamadas partículas charmosas tem sido, além de um
Cerenkov
detector de posição
câmaras multifilares laboratório para testar e refinar teorias sobre a interação
imãs defletores
de partículas carregadas
detector de energia
calorímetro eletromagnético
entre a matéria, um instrumento poderoso para a obser-
detector de energia
calorímetro hadrônico
absorvedor de partículas
vação de partículas que, até recentemente, driblavam os
parede de aço
detector de múons
cintiladores plásticos mais rigorosos experimentos.
gravitacional).
Figura 1. Tabela com os tipos, as car- Antes de mencionarmos o segundo grupo de partículas
gas elétricas e as massas dos bósons elementares, vale aqui uma breve descrição das quatro forças
de calibre – as massas estão em GeV
da natureza. São elas: a força gravitacional, que mantém a Ter-
(bilhões de elétrons-volt).
ra girando em torno do Sol ou que traz de volta à superfície
70 REVISTA DO CBPF
[FÍSICA DE ALTAS ENERGIAS]
FERMILAB
sas variam de 0,51 MeV (massa do elétron) até 1,7 GeV (massa do tau). Os etapas. Primeiramente, deve ocorrer a destruição
neutrinos foram inicialmente tidos como partículas sem massa, porém sabe- das partículas que estão colidindo e a liberação de
se hoje que eles devem ter uma massa pequena segundo, os últimos resul-
seus quarks constituintes. Depois, esses quarks de-
tados de dois importantes experimentos nessa área, SuperKamiokande
(Japão) e Sudbury Neutrino Observatory (Canadá).
vem interagir com um glúon e produzir um par de
quarks charm. A última etapa tem a ver com o cha-
REVISTA DO CBPF 71
[FÍSICA DE ALTAS ENERGIAS]
q c
FENOMENOLOGIA RICA. Enquanto o estudo da produção dos
hádrons charmosos tem ajudado a aprofundar o conheci-
H2 mento sobre como a matéria interage através da força forte, a
Hc
desintegração dessas partículas tem permitido testar de modo
rigoroso um dos maiores desenvolvimentos teóricos do sécu-
Figura 4. Processo típico de produção de hádrons pesados. No dia-
lo 20: teoria eletrofraca, na qual estão unificadas duas forças
grama, os hádrons iniciais (H1 e H2) destroem-se na colisão e
produzem um par charm-anticharm (c e c), que posteriormen- fundamentais da natureza, a eletromagnética e a fraca.
te forma dois hádrons pesados charmosos, um dotado de um Além de ser capaz de realizar testes refinados para os mo-
quark charm (HC) e outro de um anticharm (Hc ). A letra g repre- delos atuais de partículas, a física dos hádrons charmosos tem
senta um glúon (partícula mediadora da chamada força forte). se mostrado frutífera também na observação experimental de
partículas. É essa fenomenologia particularmente rica que faz
dessa área uma das mais ativas e promissora dentro do campo
da física de partículas. n
72 REVISTA DO CBPF
GRUPO DE MATERIAIS AVANÇADOS [ F Í S I C A D A M AT É R I A C O N D E N S A D A ]
Elisa Baggio Saitovitch
Izabel de Souza Azevedo
O impacto
Magda Bittencourt Fontes
COLABORADORES
Dalber Ruben Sanchez Candela (doutor)
Jorge Elias Musa Carballo (doutor)
Jorge Luiz Gonzalez (doutor)
Ana D. Alvarenga (doutora)
dos
Maria da Penha Cindra Fonseca (doutora)
materiais
Edson Passamani (pesquisador visitante)
Li-Yang (pesquisador visitante)
Sergio García García (pesquisador visitante)
Julio Antonio Larrea Jiménez (doutorando)
Ada Petronila López (doutoranda)
Marcos Morales (doutorando)
Armando Biondo (doutorando)
Pablo E. Munayco Solorzano (mestrando)
avançados
Mariella Camarena (mestranda)
Alexandre Mello (engenheiro
Eduardo S. Yugue (engenheiro)
Wilson Vanoni (físico)
Henrique Duarte (técnico)
Ivanildo de Oliveira (técnico)
Walmir F.de Mendonça (técnico)
Vicente Cunha (vidreiro)
Fernando L. Stavale Jr. (iniciação científica)
André França de Souza (iniciação científica)
Jean-Philippe Dockier (iniciação científica)
Henrique Duarte da Fonseca (iniciação científica)
Júlio Alberto Guanabara Baliociam (iniciação científica)
REVISTA DO CBPF 73
[ F Í S I C A D A M AT É R I A C O N D E N S A D A ]
Metal não-supercondutor
S N
Nitrogênio líquido
Disco supercondutor
O TC TEMPERATURA (em kelvins) Supercondutor
Figura 1. Comparação da variação da resistência elétri- Figura 2. O ímã induz no material supercondutor correntes elétricas
ca segundo a variação de temperatura para um su- que, por sua vez, geram um campo magnético em seu interior. O cam-
percondutor e um metal normal. Tc é a chamada tem- po magnético criado no ímã faz com que os dois materiais se repilam,
peratura crítica, abaixo da qual a resistência elétrica fenômeno conhecido pelo nome de efeito Meissner. Para levitar, a força
em um supercondutor é nula. de repulsão deve ser igual ao peso do ímã.
Importantes linhas de pesquisa de ponta em materiais avan- absoluto (273 graus celsius negativos), esse físico holandês
çados estão presentes no CBPF, com um interesse voltado para descobriu que a resistência elétrica se tornava nula no mercúrio
as propriedades físicas e potencialidades tecnológicas desses ma- (Hg) resfriado a 269,2 graus celsius negativos. Ele entendeu
teriais. Nossa capacidade instalada na área de física da matéria que o metal passava, abaixo de uma certa temperatura (tempe-
condensada, iniciada na década de 1970 pelo físico e químico ratura crítica ou simplesmente Tc), para um novo estado, que
brasileiro Jacques Danon (1924-1989), tem uma posição de chamou estado supercondutor, com base no surgimento de
destaque tanto no cenário brasileiro quanto internacional. propriedades elétricas extraordinárias (figura 1).
Passaremos agora a detalhar um pouco mais as áreas a Onnes, que recebeu o prêmio Nobel em 1913, tinha cons-
que se dedica o Grupo de Materiais Avançados do CBPF. ciência da importância de sua descoberta para a ciência, bem
como de seu potencial comercial. Um condutor elétrico sem re-
I. SUPERCONDUTORES. O fenômeno da supercondutividade foi sistência pode conduzir sem perdas corrente elétrica a grandes
descoberto por Heike Kamerlingh-Onnes (1853-1926), em distâncias. Onnes, por exemplo, manteve uma corrente circulan-
1911, em Leiden (Holanda). Estudando as propriedades elétri- do em um fio de chumbo (Pb), resfriado a 4 kelvin (269 graus
cas dos metais a temperaturas muito baixas, próximas do zero celsius negativos) durante um ano! Batizou essa corrente ‘per-
74 REVISTA DO CBPF
[ F Í S I C A D A M AT É R I A C O N D E N S A D A ]
EXTRAÍDO DE HTTP://SUPERCONDUCTORS.ORG/LINKS.HTM
sistente’, pois ela circulava sem a aplicação de uma voltagem (ou,
tecnicamente, diferença de potencial).
LEVITAÇÃO MAGNÉTICA. A propriedade que distingue um su- FORMANDO PARES. Um SC tem a capacidade de conduzir cor-
percondutor (SC) de um condutor perfeito é o diamagnetismo, rente elétrica sem dissipação de energia, o que não acontece
que impede que as linhas de força de um campo magnético com um condutor comum. Em metais como cobre e alumínio, a
penetrem no material. Essa propriedade, conhecida como efei- corrente flui quando elétrons migram de um íon para outro, co-
to Meissner – em homenagem ao físico alemão Walther lidindo com impurezas ou imperfeições na estrutura (ou rede
Meissner (1882-1974) –, dá origem a um dos fenômenos cristalina) desses materiais. Nesse caso, os choques fazem com
mais intrigantes relacionados à supercondutividade: a levitação que os elétrons sejam espalhados em todas as direções, per-
magnética (figura 2). dendo com isso energia na forma de calor (figura 4a).
O estado supercondutor pode ser destruído de três modos: Em comparação com um condutor convencional, o mo-
a) elevando a temperatura do material acima da temperatura vimentos dos elétrons em um SC é muito diferente. Vibrações
crítica (Tc); b) aplicando uma corrente elétrica maior que a cor- atômicas são responsáveis por unificar a corrente total, for-
rente crítica (Ic); c) sujeitando o material a um campo magnético çando os elétrons a se agruparem em pares (os chamados
acima do valor crítico (Bc). Esses fatores têm um papel importan- pares de Cooper). Assim, elétrons, que normalmente se re-
te quando se trata de construir dispositivos para aplicações. pelem, passam a ‘sentir’ uma atração profunda em um SC
(figura 4b). Em pares, eles passam então a se comportar
ALTAS TEMPERATURAS. Em 1986, no Laboratório de Pesquisa como se fossem uma partícula única. Nesse estado, ao per-
da IBM, em Rüschlikon (Suíça), os pesquisadores Alex Müller e correr a rede cristalina do condutor, eles são capazes de supe-
Georg Bednorz descobriram um composto cerâmico cuja tem- rar todos os obstáculos que causam a resistência.
peratura de transição supercondutora jamais havia sido obser-
vada: 30 kelvin (243 graus celsius negativos). Assim, eles inau- a b
guravam a era dos supercondutores HTc (sigla, em inglês, para
supercondutividade a altas temperaturas).
O composto, tipo perovskita, formado pelos elementos quí-
micos lantânio, bário, cobre e oxigênio – (La2-xBax)CuO4 –, serviu
para que ambos ganhassem o prêmio Nobel de 1987. Os as-
pectos importantes são o aumento da Tc, bem como o fato de
se tratar de um óxido. Ainda em 1987, com a substituição do
lantânio pelo ítrio (Y), o valor de Tc foi para 92 kelvin (181 graus
Figura 4. Em a, representação artística do movimento dos elé-
celsius abaixo de zero).
trons em um condutor convencional. Em b, movimento do par
Pela primeira vez na história da supercondutividade, um de elétrons (par de Cooper) em um supercondutor.
grupo de pesquisas conseguia um material com Tc acima do ni- >>>
REVISTA DO CBPF 75
[ F Í S I C A D A M AT É R I A C O N D E N S A D A ]
EXTRAÍDO DE HTTP://WWW.AMSUPER.COM/
MECANISMO CONTROVERSO. A busca sua transmissão através de longas
de mecanismos responsáveis pela distâncias, o estudo da superconduti-
supercondutividade a altas temperatu- vidade adquire cada vez mais rele-
ras ainda permanece um dos proble- vância. Por outro lado, a descoberta
mas mais relevantes na física da maté- de novos materiais, a caracterização e
ria condensada. o aperfeiçoamento daqueles já co-
Estudos do efeito de altas pressões nhecidos, juntamente com as formas
sobre a temperatura crítica de cerâmicas de utilização e questões teóricas, são
Figura 5. Fio supercondutor
supercondutoras permitem definir as um desafio e estímulo para o estabe-
substituições de um elemento químico lecimento de novas parcerias entre ci-
por outro que possam aumentar ainda mais os valores dessa ência básica, desenvolvimento e indústria.
temperatura e proporcionar um melhor entendimento dos as- Temperaturas críticas supercondutoras próximas àquela do
pectos básicos dos materiais de HTc. nitrogênio líquido também criaram uma nova perspectiva para
O mecanismo por trás da formação dos pares de Cooper é aplicações tecnológicas que podem ocorrer nas áreas de ener-
ainda controverso para explicar a supercondutividade nos gia elétrica e da construção de ímãs para campos magnéticos
cupratos (compostos de óxido de cobre). intensos, bem como de eletromotores e sensores.
Fitas e fios supercondutores feitos de supercondutores HTc
NOVAS IDÉIAS. Os novos supercondutores a alta temperatura, tornaram-se tema de grande interesse em todo o mundo devi-
como o La1.85Ba0.15CuO4, violam os limites previstos pela teoria do às suas altas correntes críticas, pois essa característica permite
BCS, batizada assim em homenagem aos seus idealizadores, os visualizar importantes aplicações tecnológicas que talvez tragam
físicos norte-americanos John Bardeen (1908-1991), Leon ao nosso dia-a-dia progressos tão importantes quanto os cau-
Cooper e John Schrieffer, que ganharam o Nobel de 1972 por sados pela tecnologia baseada nos semicondutores.
esse trabalho.
Teóricos, como o físico norte-americano Philip Anderson, da O FUTURO ESTÁ CHEGANDO. Já existem aplicações importantes
Universidade de Princeton, em Nova Jersei (Estados Unidos) e de cerâmicas supercondutoras na geração, no armazenamento
premio Nobel de 1977, estão buscando teorias que incluam e na transmissão eficiente de energia. Elas também têm sido
novas interpretações. Entre elas, está, por exemplo, a possibilida- usadas na detecção de pequenos sinais eletromagnéticos e no
de de formação de pares de Cooper também por interação desenvolvimento de tecnologia mais rápida e compacta para a
magnética – na teoria convencional, essa interação é elétrica. telefonia celular.
Uma parte da informação para entender a superconduti- Já sendo comercializados, os chamados SQUID (Supercon-
vidade a altas temperaturas está no comportamento de um SC ducting Quantum Interference Device), sensores de campo mag-
durante seu estado não supercondutor: o material mostra pro- nético com muito baixa intensidade que podem funcionar tanto
priedades elétricas e magnéticas diferentes daquelas encontra- refrigerados por nitrogênio líquido quanto hélio líquido (4,2 kel-
das nos condutores convencionais. vin), empregam cerâmicas supercondutoras. Cabos flexíveis su-
Uma vez entendida a base do mecanismo nesses materiais, percondutores também já são realidade. Por exemplo, a empresa
valores mais altos da temperatura crítica podem ser atingidos. American Superconductor está usando supercondutores para fa-
zer cabos multifilamentares de vários quilômetros de extensão.
FITAS E FIOS. Em um mundo preocupado com formas limpas e Para breve, espera-se a aplicação de supercondutores na
econômicas de energia, bem como com seu armazenamento e construção de trens velozes que usariam o princípio da levita-
ção magnética, bem como de computadores
76 REVISTA DO CBPF
[ F Í S I C A D A M AT É R I A C O N D E N S A D A ]
EXTRAÍDO DE HTTP://WWW.NSF.GOV/NANO/
II. FÉRMIONS PESADOS. Férmions PROBLEMA INTRIGANTE. A questão
pesados são compostos metálicos de como o estado férmion pesado
que, abaixo da temperatura do aparece a partir dos elétrons na ca-
hélio líquido (4,2 kelvin ou 269 mada incompleta continua sendo
graus celsius negativos), apresen- um dos problemas mais atuais e in-
tam propriedades físicas que re- trigantes da física da matéria con-
velam um aumento excessivo da Figura 6. Pirâmide feita de átomos de germânio densada. As teorias existentes tra-
massa efetiva dos elétrons de con- formada espontaneamente sobre uma base de tam, em geral, de problemas de im-
dução. Nos condutores conven- silício. Esse tipo de técnica poderá ajudar no de- pureza única, ou seja, tratam de um
senvolvimento de dispositivos eletrônicos extre-
cionais, como fios de cobre, por composto que possui apenas um
mamente pequenos.
exemplo, os elétrons de condução elemento magnético inserido na
são os responsáveis pela corrente rede cristalina. Já no caso dos fér-
elétrica. mions pesados, o elemento magnético faz parte da rede.
Férmions pesados são formados por um elemento mag- Apesar do grande esforço teórico e experimental que tem
nético com camada eletrônica incompleta – em geral, a cama- sido dedicado por pesquisadores de todo o mundo, ainda falta o
da f – que pode ser uma terra rara (cério ou itérbio) ou um entendimento mais profundo das propriedades desses materiais.
actinídeo (urânio ou tório) e um metal de transição (por Esse tema de estudo de física básica visa ao entendimento de
exemplo, ferro, cobalto, níquel, cobre, entre outros). Algumas fenômenos que são introduzidos com a descoberta de novos
vezes, um férmion pesado pode conter também em sua com- materiais com propriedades físicas incomuns. O acúmulo desses
posição germânio ou silício. conhecimentos pode levar à descoberta de uma aplicação prática
para os férmions pesados ou para os conceitos neles envolvidos.
PROPRIEDADES EXÓTICAS. As propriedades físicas em baixas
temperaturas são governadas pela competição entre duas III. FILMES FINOS. Nanociência e nanotecnologia são áreas
interações principais: a interação magnética entre os elementos emergentes que estão levando a um conhecimento e controle
magnéticos, bem como pela interação elétrica exercida pelos elé- sem precedentes dos blocos constituintes da matéria. É o mun-
trons de condução sobre os elétrons da camada incompleta do funcionando em escalas dos nanômetros (ou bilionésimos
dos elementos magnéticos. A interação magnética atua de for- de metro), tamanhos compatíveis com os de moléculas ou de
ma a tornar o material magnético – em geral, com ordem tipo átomos enfileirados.
antiferromagnética –, enquanto a interação elétrica tende a cance- Duas abordagens têm sido usadas com sucesso na produ-
lar o magnetismo. ção de amostras nanoestruturadas:
EXTRAÍDO DE HTTP://WWW.NSF.GOV/NANO/
REVISTA DO CBPF 77
[ F Í S I C A D A M AT É R I A C O N D E N S A D A ]
78 REVISTA DO CBPF
GRUPO DE TEORIA DE CAMPOS [ T E O R I A D E C A M P O S E PA R T Í C U L A S E L E M E N TA R E S ]
E PARTÍCULAS ELEMENTARES
O vocabulário das
José Abdalla Helayël-Neto
Alexander William Smith
Francesco Toppan
Sebastião Alves Dias
COLABORADORES
partículas
pesquisadores visitantes
e bolsistas de pós-doutorado,
doutorado, mestrado
e iniciação científica
elementares
Para descrever uma partícula elementar,
vários conceitos e métodos teóricos tiveram
que ser desenvolvidos. Com eles, tentamos
entender uma nova e estranha realidade
na qual as partículas se transformam de
matéria em energia e vice-versa.
REVISTA DO CBPF 79
[ T E O R I A D E C A M P O S E P A R T Í C U L A S E L E M E N TA R E S ]
80 REVISTA DO CBPF
[ T E O R I A D E C A M P O S E PA R T Í C U L A S E L E M E N TA R E S ]
REVISTA DO CBPF 81
[ F Í S I C A D E A LT A S E N E R G I A S ] LABORATÓRIO DE ESTUDOS
DE RAIOS CÓSMICOS
Luiz Carlos Santos de Oliveira
Cesar M. G. Lattes (pesquisador emérito)
Neusa Amato
Laboratório de
Elly Silva
Carlos E. Lima (doutorando)
Margaret de Queiroz (mestre)
Gabriel Azzi (engenheiro)
Terezinha Villar (microscopista)
Jomar S. B. Rocha (iniciação científica)
raios cósmicos
O estudo das interações produzidas pelos raios cósmicos, particu-
larmente pelos de energia extremamente alta, tem servido como
uma sonda para investigar o comportamento da matéria e de seus
constituintes elementares.
Placa de chumbo
Camada sensível
forma – ou decai, como preferem os físicos – em um pósitron e Cesar Lattes, bem como Occhialini e o inglês Cecil Powell (1903-
um elétron. Quatro anos mais tarde, seria a vez do mésotron 1969), este último líder da equipe do Laboratório W. W. Wills, da
(hoje, denominado múon), partícula com propriedades seme- Universidade de Bristol (Inglaterra). O méson pi (partícula res-
lhantes às do elétron, porém com massa superior. ponsável por manter o núcleo atômico coeso) confirmou as
Em todas essas descobertas, as emulsões nucleares desem- previsões teóricas de dois físicos japoneses, Hideki Yukawa
penharam um papel destacado. Porém, uma dessas descober- (1907-1981), em 1935, e Shoichi Sakata, em 1942.
82 REVISTA DO CBPF
[ F Í S I C A D E A LT A S E N E R G I A S ]
A-jato
REVISTA DO CBPF 83
[ F Í S I C A D E A LT A S E N E R G I A S ]
Madeira condensada
cientistas daquele país levaram um grupo de físicos a pedir a em aceleradores. Esses eventos são denominados ‘exóticos’ por
intervenção de Yukawa junto a Lattes. O objetivo era propor alguns pesquisadores, por não se enquadrarem exatamente
uma colaboração envolvendo os estudos de raios cósmicos nos modelos físicos conhecidos, e, se forem confirmados expe-
de altas energias a ser desenvolvido no monte Chacaltaya rimentalmente, poderão ser o indício de um novo tipo de
(5.220 metros de altitude), na Bolívia, local que Lattes já havia interação ainda desconhecida. n
usado, ainda em 1947, para expor emulsões nucleares (tipos
especiais de chapas fotográficas) e detectar mésons pi.
Nascia, assim, em 1962, a Colaboração Brasil-Japão (CBJ),
com o objetivo de estudar as interações de altíssimas energias
produzidas pela radiação cósmica e detectadas a partir de equi-
pamentos mais sofisticados expostos naquele monte: as cha-
madas câmaras de emulsão nuclear (ver ‘Câmaras duplas
usam piche como alvo’).
Até hoje, a CBJ expôs 24 câmaras de emulsão, com as
quais estudou os principais aspectos relativos à produção
múltipla de partículas na região de energia cobrindo o inter-
valo de 1013 a 1017 elétrons-volt (ver ‘Laboratório prepara teles-
cópio para múons cósmicos’)
Da esq. para dir.: Luiz Carlos Santos de Oliveira,
Entre as descobertas mais espetaculares da CBJ, podemos Margareth Q. N. Soares e Gabriel Luís Azzi.
citar os eventos centauro, que até hoje são objeto de pesquisa
84 REVISTA DO CBPF
[ F Í S I C A D A M AT É R I A C O N D E N S A D A ] GRUPO DE CORRELAÇÃO ANGULAR
Henrique Saitovitch
Paulo Roberto de Jesus Silva
José Thadeu P. D. Cavalcante (engenheiro)
Técnicas para
espionara matéria
A física conta hoje com um amplo arsenal de técnicas capazes
de extrair da matéria informações cada vez mais detalhadas,
em nível atômico. Entre essas técnicas, está a CATD, que se
REVISTA DO CBPF
REVISTA
85 DO CBPF 85
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA]
T. WICHERT – PROCEEDINGS OF THE XXIII ZAKOPANE SCHOOL ON PHYSICS, ZAKOPANE (POLÔNIA), ABRIL DE 1988, PP. 95-144
em que são imersos, justamente para
não interferir nas propriedades que são
o motivo de interesse.
detector 1
Esses isótopos-sonda irão funcio-
nar como ‘espiões’, enviando para o
exterior ‘informações’ sobre o que esti-
Figura 1. detector 2
ver acontecendo à sua volta, através das
Representação da
atuação de um radiações gama emitidas (figura 1). Es-
isótopo-sonda imerso sas radiações, invisíveis e sem carga elé-
em rede cristalina trica, podem ser detectadas, mas não
com detecção da medidas e/ou registradas diretamente.
radiação gama feita
Assim, depois de detectadas, são ‘trans-
por dois detectores.
figuradas’, por intermédio de equipa-
mento adequado, em pulsos eletrôni-
de vários tipos de materiais. Dentre elas, com potencial parti- cos que podem ser devidamente conformados e registrados.
cularmente poderoso para a investigação dos sólidos, está a
correlação angular tempo-diferencial (CATD), a qual passare- CATD. E aí se faz uso de propriedades relacionadas à emissão
mos a detalhar. de radiação gama nuclear: uma constatação bem inicial é a
de que a detecção dessas radiações em vários pontos
CASCATA NUCLEAR. Como toda a técnica, a CATD tem suas eqüidistantes em torno da amostra indica que a intensidade
peculiaridades e exigências. No caso, é necessário introduzir, medida é praticamente a mesma para todos os pontos. Em
química e/ou metalurgicamente, na rede cristalina da amostra linguagem mais técnica, diz-se que a intensidade de radiação
em estudo os chamados isótopos-sonda emissores de radia- é isotrópica. No entanto, é conhecido que a intensidade da
ção gama – esta uma radiação emitida pelo núcleo atômico, radiação gama nuclear detectada em uma determinada dire-
enquanto os raios X têm origem nas camadas eletrônicas dos ção depende de propriedades de orientação do estado nu-
átomos. clear naquele momento da emissão.
O fato de os isótopos-sonda serem átomos cujos núcleos A aparente isotropia deve-se ao fato de que uma enorme
emitem radiações gama deve-se ao caráter de instabilidade quantidade de isótopos-sonda – lembram dos cem bilhões?–
desses núcleos no que se refere a um excesso de energia foi introduzida na amostra, incorrendo em praticamente to-
acumulada que tende justamente a ser liberada sob a forma das as possibilidades de orientação dos estados nucleares.
T. KLOS ET AL. – PROCEEDINGS OF THE VII INT. CONF. ON HI, BANGALORE (ÍNDIA), SETEMBRO DE 1986, PP. 573/580
desse tipo de radiação. Nesse processo, denominado decai-
mento, o núcleo livra-se do excesso de energia e torna-se
Z
então estável, caráter extensivo ao átomo como um todo.
Átomos cujos núcleos decaem emitindo radiações são co- 15º
nhecidos como radioativos. Essa liberação da energia pode z
se dar em várias etapas, ou seja, o núcleo vai emitindo radia-
ções gama com diferentes valores en- 25º
tre si, até atingir o seu estado-base es-
z x
tável. Diz-se, então, que o núcleo de- x y
caiu através de uma ‘cascata nuclear’, z
que é característica para um determi-
y
nado átomo radiativo.
86 REVISTA DO CBPF
>>>
[FÍSICA DA MATÉRIA CONDENSADA]
SAITOVITCH, H. ET AL. ANAIS DO X CONGRESSO BRASILEIRO DE CATÁLISE – PROCEEDINGS OF THE XII INTERNATIONAL CONGRESS OF CATALYSIS.
REVISTA DO CBPF 87
Um pouco de história
Assim [...] seria erigida, no solo do Rio de
ACERVO MAST
CASSINOS E CONTADORES. A fundação em 1949 do Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas – mais conhecido pela sigla CBPF
– foi favorecida pelo cenário político do pós-Segunda Guerra.
Porém, sua história começou a germinar ainda no início da dé-
cada de 1940, alimentada por resultados de repercussão inter-
nacional obtidos por físicos brasileiros.
Mario Schenberg (1914-1990), por exemplo, em colabora- Grupo de professores na frente da Faculdade Nacional de
ção com o físico russo George Gamow (1904-1968), descobriu Filosofia, no Largo, no largo do Machado, bairro do Catete
(Rio de Janeiro), na década de 1940. Da esq. para dir.Alcântara
o chamado Processo Urca. O trabalho explica os mecanismos
Gomes, Elisa Frota-Pessoa, Jayme Tiomno, Joaquim Costa
envolvidos na explosão de estrelas gigantes, fenômeno denomi-
Ribeiro, Luigi Sobrero, Leopoldo Nachbin, José Leite Lopes e
nado supernova, destacando o papel desempenhado pelos Maurício Peixoto. Com exceção de Alcântara Gomes e Sobrero
neutrinos. Essas partículas sem carga – e supostamente sem – este um matemático italiano –, os outros foram sócios
massa – não teriam dificuldade em viajar da região central às ca- fundadores do CBPF.
madas mais externas, roubando calor do caroço estelar. Isso
leva à diminuição da pressão no interior da estrela, o que acaba
‘puxando’ as camadas externas para a parte central. Na área experimental, Marcello Damy de Souza Santos, de-
Para compensar essa perda de energia, o caroço estelar pois de passar os anos de 1938 e 1939 na Inglaterra, projetou
deverá esquentar e, como esse calor não tem como escapar, no Brasil contadores de partículas cerca de dez vezes mais velozes
as camadas externas expandem-se, produzindo uma explosão que os então disponíveis para os grupos que pesquisavam raios
luminosa, a supernova. O nome peculiar foi proposto por cósmicos, partículas energéticas que vêm do espaço e, ao se cho-
Gamow, que viu no fenômeno uma analogia com a velocida- carem com átomos da atmosfera terrestre, formam um tipo de
de com que o dinheiro ‘sumia’ das mãos dos apostadores no chuva de partículas.
Cassino da Urca – mais tarde, sede da hoje extinta TV Tupi. Os contadores de Damy foram fundamentais para a obten-
O trabalho de Gamow e Schenberg, com o título ‘Neutrino ção, a partir de1939, dos primeiros resultados originais nas pes-
Theory of Stellar Collapse’, foi publicado na revista Physical quisas com raios cósmicos feitas por uma equipe em São Paulo
Review (59, 539-547, 1941). liderada pelo físico ítalo-russo Gleb Wataghin (1899-1986).
88 REVISTA DO CBPF
[UM POUCO DE HISTÓRIA]
REVISTA DO CBPF 89
[UM POUCO DE HISTÓRIA]
LIVROS
Físicos, mésons e política Topics on cosmic rays Cientistas do Brasil,
a dinâmica da ciência na sociedade, 60th anniversary of C. M. G. Lattes, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,
Ana Maria Ribeiro de Andrade, Hucitec/Mast/ José Bellandi Filho Carola Chinellato São Paulo, 1998.
CNPq, São Paulo-Rio de Janeiro, 1999. e Ammiraju Pemmaraju (orgs.), Unicamp, Depoimentos de importantes pesquisado-
A mais detalhada e bem-documentada histó- Campinas, 1984, 2 volumes. res que trabalharam no Brasil, sendo os tex-
ria da criação e dos primeiros anos (1949- Obra em dois volumes para comemorar tos, em sua grande maioria, reproduções de
1954) do CBPF e de seus protagonistas, atra- os 60 anos de idade de Lattes. Traz relação perfis publicados pela revista de divulgação
vés do enfoque da chamada Nova História de trabalhos do homenageado, bem como científica Ciência Hoje, da SBPC. Inclui depo-
Social e Cultural das Ciências. Útil também artigos primários de colaboradores e depoi- imento de físicos eminentes ligados à histó-
para entender os laços entre políticos, cien- mentos. ria do CBPF. Traz iconografia.
tistas e militares nas décadas de 1940 e 1950
no Brasil, que levaram à criação em 1951 do Perfis, História da ciência no Brasil
então Conselho Nacional de Pesquisas. Traz de Francisco Caruso e Amós Troper (org.), CBPF, acervo de depoimentos,
iconografia e índice onomástico. Rio de Janeiro, 1997. Centro de Pesquisa e Documentação de História
Coletânea com 35 artigos publicados na sé- Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio
Cesar Lattes e a descoberta do méson pi, rie Ciência e Sociedade, com destaque para Vargas, FINEP, Rio de Janeiro, 1984
Francisco Caruso, Alfredo Marques e Amós Troper o rico acervo de cartas do físico José Leite Resumo dos depoimentos de 69 cientistas
(eds.), CBPF, Rio de Janeiro, 1999. Lopes, um dos principais físicos brasileiros brasileiros ou que trabalharam no Brasil. O con-
Coletânea de artigos para comemorar os 50 do século 20 e fundador do CBPF. junto dos textos transcritos e revistos, deposi-
anos da descoberta da partícula méson pi, tados no CPDOC, é um material valioso para
reunindo depoimentos de cientistas brasilei- A formação da comunidade científica no Brasil, entender a implantação da ciência no Brasil.
ros e estrangeiros envolvidos na descoberta, Simon Schwartzmann, Finep-Companhia Editora
bem como artigos de pesquisadores e histo- Nacional, Rio de Janeiro-São Paulo, 1979. Ciência na periferia a luz síncrotron brasileira,
riadores da ciência. Traz iconografia. A pesquisa documental da obra é comple- Marcelo Baumann Burgos, NESCE-Universidade
tada com depoimentos de pesquisadores Federal de Juiz de Fora, 1999.
Cesar Lattes 70 anos a nova física brasileira, que ajudaram a construir a ciência no Brasil. Análise da fundação do Laboratório Nacional
Alfredo Marques (ed.), CBPF, Rio de Janeiro, 1994. Vasta bibliografia e cronologia abrangente e de Luz Síncrotron, examinando, entre outras
Obra em comemoração dos 70o aniversário detalhada ao final. tópicos, a origem do projeto e a inserção do
de Cesar Lattes, reunindo desde depoimentos CBPF. Detalha o contexto político em que se
históricos até artigos primários relacionados ao deu a implantação do LNLS, instalado em
tema. Traz iconografia. Campinas (SP). O livro tem origem em tese
de doutorado defendida no Instituto Univer-
sitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
ARTIGOS E TESES
A Faculdade Nacional de Filosofia Descreve a história de quatro aceleradores Bernhard Gross y la física
e a criação de instituições científicas: construídos nas décadas de 1960 e 1970 de rayos cósmicos en el Brasil,
o caso do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no CBPF. Destaca o processo de decisão, artigo de Martha Cecilia Bustamante
Ana Elisa Gerbasi Coelho de Almeida, bem como o uso das máquinas na pesqui- e Antonio Augusto Passos Videira,
dissertação de mestrado apresentada à Faculdade sa científica, sob o viés da chamada nova publicado na revista mexicana Quipu
de Educação, da UFRJ, em abril de 1992. sociologia da ciência. (vol. 8, n. 3, pp. 325-47, set.-dez. ,1991).
Reproduzida em agosto de 1995 na série Ciência Relato detalhado sobre as pesquisas pionei-
e Sociedade, publicada pelo CBPF (CBPF-CS-007/95). A física no Brasil, ras em raios cósmicos no Brasil feitas, ainda
Através da perspectiva da história da educa- artigo de Joaquim Costa Ribeiro, na década de 1930, pelo físico alemão
ção, a tese resgata, por meio de entrevistas, publicado em As Ciências no Brasil, Bernhard Gross, no Instituto Nacional de
o papel do físico José Leite Lopes e de ou- de Fernando de Azevedo (org.), Editora UFRJ, Tecnologia. Gross apoiou a fundação do CBPF.
tros professores da Faculdade Nacional de Rio de Janeiro, 2a edição, vol. I, 1994.
Filosofia na criação do CBPF. Panorama sobre o desenvolvimento da pesquisa A física no Brasil,
em física no Brasil até meados da década de de Shozo Motoyama, capítulo de A História das
Os aceleradores lineares do general Argus 1950, escrito por um de seus principais e mais ciências no Brasil, de Mario Guimarães e Shozo
e sua rede sociotécnica, importantes protagonistas. Motoyama (org.), Edusp, São Paulo, 1979.
Ana Maria Ribeiro de Andrade e Aldo Carlos O texto relata desde as primeiras aulas prá-
de Moura Gonçalves, publicado em Revista da ticas de física até o estádio dessa disciplina em
Sociedade Brasileira de História da Ciência, meados da década de 1970 no Brasil. Traz ta-
n. 14, julho-dezembro 1995. bela com as principais linhas de pesquisa em
física no país em 1978.
90 REVISTA DO CBPF
[UM POUCO DE HISTÓRIA]
RISCO FORA DA UNIVERSIDADE. Aproveitando a repercussão na O programa de pós-graduação era coordenado por Lattes,
imprensa da época, professores da FNFi mobilizaram-se e fun- Leite Lopes e Tiomno, que também ministravam cursos regula-
daram o CBPF. A iniciativa, porém, trazia consigo um risco: fazer res. Vários físicos estrangeiros de renome internacional também
pesquisa fora da universidade com o apoio da iniciativa privada deram aulas nesses cursos, entre eles, só para citar alguns
– a luta pela pesquisa dentro da Universidade do Brasil era tida exemplos, o austríaco Guido Beck (1903-1988), o norte-ameri-
como causa perdida, devido à resistência das gerações mais an- cano Richard Feynman (1918-1988) – em 1965, Nobel de físi-
tigas e tradicionais que dominavam politicamente a instituição. ca – e o italiano Emilio Segrè (1905-1989), descobridor do
Porém, o apoio político – e principalmente financeiro – do antipróton e Nobel de física de 1959.
então ministro João Alberto Lins de Barros foi fundamental para A iniciativa do CBPF contrastava com o espírito do autodidatis-
que a recém-fundada instituição tivesse garantido seu pronto mo e da retórica bacharelesca, ambos presentes na Universidade
funcionamento. João Alberto entusiasmou-se pela idéia e viu na do Brasil, onde professores obtinham o título de doutor depois
fundação de um centro de física um caminho para as aplica- da defesa pública de trabalhos que, em geral, eram meramente
ções da energia nuclear voltadas para o desenvolvimento in- compilações da literatura, sem contribuições inéditas resultantes
dustrial do Brasil. de pesquisa própria. Inspirados pelo doutorado no CBPF, pes-
Fundou-se, então, o CBPF em 1949, como uma sociedade quisadores de ciências biológicas no Rio de Janeiro criaram pós-
civil, com a participação de cientistas, políticos, militares, empre- graduação para essa área.
sários, amigos e familiares, perfazendo ao todo 116 sócios fun-
dadores, entre eles Cesar Lattes, José Leite Lopes e Jayme DE VOLTA À COMPETIÇÃO. Nas décadas de 1950 e 1960, o CBPF
Tiomno (leia depoimentos exclusivos nesta edição). Em 15 de deu contribuições de alta relevância e impacto internacional tanto
janeiro daquele ano, na primeira reunião, foram aprovados os para a física teórica quanto experimental – nesta última, especial-
estatutos, bem como escolhidos o conselho e a primeira dire- mente, na área de raios cósmicos. No início dos anos 60, proje-
toria – esta última, formada estrategicamente por João Alberto
(presidente), contra-almirante Álvaro Alberto (vice) e Cesar
ATUAL ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO CBPF
Lattes (diretor científico).
CTC Conselho Técnico-Científico
REVISTA DO CBPF 91
[UM POUCO DE HISTÓRIA]
tou e construiu aceleradores lineares de elétrons e, na área da internacionais na área de física de partículas. Com isso, sua pro-
matéria condensada, por exemplo, criou o primeiro laboratório dução científica voltou a atingir nível de excelência internacional.
Mössbauer da América Latina, graças ao pioneirismo do químico
brasileiro Jacques Danon (1924-1989), passando a ser líder em ATUAÇÃO NACIONAL. Em três momentos distintos, o CBPF desem-
aplicações desse efeito a diferentes ramos da química e da física – penhou um papel fundamental no cenário científico nacional, ao
o efeito Mössbauer está relacionado com a emissão de radiação contribuir para a criação de outras instituições de renome, como
(do tipo gama) por núcleos atômicos quando submetidos a do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), em 1952,
campos magnéticos. sediado no Rio de Janeiro (RJ); do Laboratório Nacional de Com-
Em 1972, o CBPF recebeu autorização do governo, através putação Científica (LNCC), em 1980, transferido recentemente para
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe- Petrópolis (RJ); e do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS),
rior (Capes), para conceder diplomas de mestre e doutor em fí- em 1985, instalado em Campinas (SP).
sica. Desde então, tem mantido um elevado padrão de excelência Juntamente com o Instituto de Física da Universidade de São
em sua pós-graduação, nível reconhecido não só por avaliações Paulo, o CBPF desempenhou um papel seminal na formação
periódicas da Capes, mas também por instituições brasileiras e in- das primeiras gerações de físicos brasileiros e latino-americanos,
ternacionais (para um perfil atual do CBPF, ver ‘Tome nota’ nas bem como no desenvolvimento da física no Brasil. Ao longo de
primeiras páginas desta edição). sua existência, tem abrigado grupos de excelência em várias
Em 1975, depois de grave crise institucional devido a dificulda- áreas da física e, além de um Conselho Técnico-Científico, conta
des orçamentárias, o CBPF foi incorporado ao CNPq, passando a com uma estrutura moderna de administração para dar su-
ser um dos seus institutos de pesquisa. Nesse novo âmbito, pôde porte aos trabalhos de pesquisa (ver tabela com a ‘Estrutura
voltar a se desenvolver, reconstituindo seu quadro de pesquisa- organizacional do CBPF’).
dores e dando ênfase ao desenvolvimento da pesquisa básica. Incorporado recentemente ao Ministério da Ciência e
Na área experimental, graças ao apoio do CNPq, modernizou seus Tecnlogia (MCT), o CBPF buscará agora ampliar sua atuação
laboratórios, tornando-os novamente competitivos. Foi pioneiro nacional – compatível com a nova situação institucional –, bem
especialmente na participação nacional em grandes colaborações como reforçar seu papel internacional. n
Lembranças de um fundador
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Os primeiros indícios da física no Brasil remontam à época do descobrimento, quando o padre José Anchieta (1534-1597) relatou a
utilização de princípios da ciência pelos índios. Outros personagens, como Bartolomeu de Gusmão (1685-1724) e José Bonifácio de
Andrada e Silva (1763-1838), também foram marcos dessa história.
No entanto, a consolidação da física no país se deu com a implementação da escola da disciplina na Universidade de São Paulo, em
1934. A partir do contato com físicos como Gleb Wataghin (1899-1986), Marcello Damy e Mário Schenberg (1916-1990), formou-se uma
importante geração de físicos brasileiros. Esse novo grupo, do qual fazia parte Cesar Lattes, foi o responsável pela implementação
de uma das mais importantes instituições de pesquisa da América Latina: o CBPF.
LIGAÇÃO DE MADRUGADA ses jovens pesquisadores resultaria na em 1943, quando Cesar Lattes e José
No final dos anos 1940, a física brasileira fundação de uma das principais institui- Leite Lopes, dois dos mais importantes
viveu um de seus grandes momentos. ções nacionais de pesquisa: o CBPF. físicos brasileiros daquela geração, se
Uma nova geração despontava, toman- A idéia da criação de um grupo para conheceram em São Paulo. A possibili-
do para si a responsabilidade da cons- realizar trabalhos em física nuclear e físi- dade foi discutida novamente quatro
trução da ciência no país. O esforço des- ca de partículas no Rio de Janeiro surgiu anos mais tarde, quando Lattes, que
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fora para a Inglaterra realizar as pesqui- Estudos Avançados de Princeton, tam- tarde que o dinheiro vinha de um fundo
sas que o levariam à descoberta do bém nos Estados Unidos, deu um curso de combate ao comunismo”, diverte-se.
méson pi em raios cósmicos, estava de sobre partículas elementares. “O gozado é que o CBPF era considera-
passagem pelo Brasil. No entanto, a Embora ainda não existisse o Conse- do um antro de comunistas.”
perspectiva de fundar um centro amplo lho Nacional de Pesquisa (CNPq; mais tar- Com a fundação do CNPq e a elei-
como o CBPF só surgiu em 1948, em de, Conselho Nacional de Desenvolvimen- ção de Getulio Vargas, em 1951, iniciou-
Berkeley (EUA), onde o físico detectou to Científico e Tecnológico), foi criado um se um período mais tranqüilo. Lattes foi
os mésons pi produzidos artificialmente programa de bolsas de estudo com ver- levado para uma conversa com Getulio
em um acelerador de partículas. bas levantadas por Lattes e pelo ministro. por Lutero Vargas, filho do novo presi-
Nos Estados Unidos, Lattes conhe- dente. “Getúlio me fez algumas pergun-
ceu Nelson Lins de Barros (1920- COMBATE AO COMUNISMO tas sobre bomba atômica, depois disse
1966), funcionário do consulado brasi- O espaço da rua Álvaro Alvim logo se que daria posse ao CNPq e que poderí-
leiro e irmão do ministro João Alberto tornou pequeno para o centro de pes- amos contar com seu apoio.” Segundo
Lins de Barros (1897-1955). Em visita quisas. Um acordo com a Universidade Lattes, a promessa do presidente foi
ao Brasil, o físico reuniu-se com Leite do Brasil (hoje, Universidade Federal cumprida, e até seu suicídio o CBPF não
Lopes e João Alberto para discutir a cria- do Rio de Janeiro) possibilitou a cessão sofreu com a falta de verbas.
ção da nova instituição. O ministro se de uma área de 600 m2 no campus da
entusiasmou e deu total apoio à idéia. Praia Vermelha, e a verba para a cons- FEYNMAN E A MAÇANETA
Lattes deixou uma procuração com seu trução foi doada pelo banqueiro Mário Nesse mesmo ano, Feynman retornou
colega e regressou a Berkeley. “No dia de Almeida. “Pedimos autorização para ao Brasil em licença sabática. Sua presen-
15 de janeiro de 1949, João Alberto me colocar o nome dele no prédio, e ele ça no CBPF foi bastante produtiva, e ren-
ligou de madrugada: estava fundado o perguntou por quê”, diz Lattes. Ele e o deu algumas histórias. Lattes conta que,
CBPF”, conta. engenheiro Paulo Assis Ribeiro, que o certa vez, tinha dado ordem a um rapaz
acompanhava, explicaram que queriam que cuidava da portaria para que não
BOLSAS DE ESTUDO incentivar outras pessoas a realizar do- deixasse que sujassem a porta do ba-
Em seu primeiro ano, o CBPF funcionou ações, e o banqueiro concordou. nheiro, que havia sido pintada. “Eu disse
na rua Álvaro Alvim número 21, e por O prédio ficou pronto em 1950. Na a ele: quando vier alguém, você ensina
três meses contou com uma verba doa- mesma época, Leite Lopes e Jayme como abrir a porta.”
da pelo próprio João Alberto, que assu- Tiomno, que estavam no exterior, volta- A primeira pessoa que apareceu foi
miu a presidência. Lattes foi nomeado di- ram ao Brasil e ao CBPF, onde trabalha- justamente o físico norte-americano. O
retor científico, e voltou ao Brasil um mês ram com física teórica. O grupo respon- rapaz, muito obediente, dirigiu-se a ele
depois da fundação. Ele e o ministro par- sável por essa área seria complementado para ensinar como girar a maçaneta.
tiram então em busca de novas verbas pela chegada do físico austríaco Guido “Feynman ficou indignado. Ele passou
para financiar a instituição, tarefa que foi Beck (1903-1988). duas horas gritando que era um físico al-
facilitada pela notoriedade obtida com a tamente qualificado, e que não precisava
descoberta do méson pi. GETULIO E A BOMBA que ninguém lhe ensinasse a abrir a por-
O trabalho no CBPF não se limitava a Novas dificuldades surgiram quando o ta do banheiro”, conta.
pesquisas em física. “Leopoldo Nachbin ministro João Alberto adoeceu e se afas- Lattes relembra com carinho os
era um dos pesquisadores”, lembra Lattes, tou da instituição. Lattes teve de buscar companheiros dos primeiros anos do
referindo-se ao renomado matemático mais verbas, e foi com o vereador Paes CBPF. Embora a partir de 1955 ele te-
brasileiro (1922-1993). A participação Leme, amigo do ministro, pedir ajuda ao nha se dedicado a construir outros cen-
desses cientistas e o desenvolvimento de presidente da Confederação Nacional tros de excelência, seu afastamento da
seus trabalhos logo fez com que a institui- das Indústrias, Euvaldo Lodi (1896- instituição nunca foi completo. Hoje,
ção se destacasse, e no ano da fundação 1956). – o vereador fazia diariamente passados mais de 50 anos da funda-
o centro recebeu a visita de importantes uma campanha contra Lodi no rádio, ção, ele vai sempre que possível ao
pesquisadores estrangeiros que ministra- acusando-o de desviar verbas do Serviço CBPF, que funciona em um prédio com
ram cursos de especialização. Richard Social das Indústrias (Sesi). seu nome. A explicação para tamanha
Feynman (1918-1988), da Universidade Lodi concordou em contribuir com dedicação vem de sua mulher, a profes-
de Cornell (Estados Unidos) e prêmio 100 contos por mês. Lattes era o encar- sora Martha Lattes, que ajudou na cons-
Nobel de física de 1965, veio pela primeira regado de receber a verba, mas nunca trução do projeto. “O CBPF é fruto de
vez ao CBPF. Cecile Morette, do Instituto de assinou um recibo. “Descobri bem mais uma paixão.” n >>>
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Um centro de pesquisa no Rio de Janeiro, dedicado à física teórica e nuclear. Esse era o sonho de José Leite Lopes, um dos
fundadores do CBPF. O centro fundado em companhia de vários físicos, entre eles Cesar Lattes e Jayme Tiomno foi em grande
parte idealizado por Leite Lopes, um pernambucano cuja primeira graduação foi em química.
Leite, como é chamado pelos companheiros, além de participar da fundação do CBPF, foi chefe de seu departamento de física
teórica e organizou os primeiros seminários. Ainda hoje, freqüenta o centro pelo menos duas vezes por semana, e orgulha-se do
desenvolvimento da instituição. Há físicos formados no centro trabalhando em todo o país , diz ele.
Física no Rio de Lattes,, ao voltar do exterior, ir para o Quando Lattes foi passar uma tem-
As primeiras idéias de fundar um centro Rio de Janeiro e não para São Paulo. Em porada no Rio de Janeiro, ele e Leite se
de pesquisa no Rio de Janeiro ocorre- 1946, Leite voltou ao Brasil e fez o que reuniram com o almirante Álvaro Alberto
ram a Leite Lopes quando ele ainda era aconselhara ao colega: instalou-se no (1889-1976), que era representante do
recém-formado em física. Leite fez a pri- Rio de Janeiro, onde foi contratado pela Brasil na Comissão de Energia Atômica
meira graduação, em química, em sua ci- FNFi para dar aulas de física teórica e física da Organização das Nações Unidas
dade natal, na Escola de Química do Re- superior. (ONU). Na casa do ministro, Leite desco-
cife, e lá se interessou por física nas aulas Em Bristol, Lattes fazia as pesquisas briu que a mulher de João Alberto era fi-
de Luiz Freire (1896-1963). Ele decidiu que o levariam à descoberta do méson pi lha da segunda mulher de seu pai, com
vir para a então capital do país para cur- (ou píon). Quando veio ao Brasil, en- quem havia perdido contato. “Ficou tudo
sar física na Faculdade Nacional de Filo- quanto esperava o resultado de chapas em família”, brinca.
sofia (FNFi), onde estudou com parte do fotográfica que havia exposto na Bolívia, O ministro se propôs a financiar um
grupo que mais tarde fundaria o CBPF: ele e Leite conversaram mais uma vez so- centro de pesquisa em física com o pró-
entre os colegas do físico pernambucano bre a possibilidade de fundarem o centro. prio dinheiro. Decidiu-se, então, pela fun-
estavam Elisa Frota-Pessôa e Jayme A descoberta do méson pi e sua dação de uma organização particular.
Tiomno. detecção no acelerador de Berkeley (Es- Lattes deixou uma procuração com Leite
Uma vez formado em física, Leite tados Unidos) por Lattes ajudaram a Lopes e regressou a Berkeley. Em 15 de
Lopes foi trabalhar com Carlos Chagas Fi- concretizar o ideal de uma instituição vol- janeiro de 1949, o CBPF foi fundado.
lho (1910-2000) em biofísica. Seu inte- tada para a pesquisa física. A detecção “Assinei como procurador do Lattes e es-
resse maior, no entanto, era na área de fí- teve repercussão no exterior, mas foi no queci de assinar por mim”, diverte-se Lei-
sica teórica voltada para física nuclear e de Brasil que o resultado foi amplamente di- te, que nem por isso deixa de ser fun-
partículas. Como não havia grupos que vulgado na imprensa, uma iniciativa que dador. “Minha assinatura está na ata da
desenvolvessem pesquisas nessa área no ficou a cargo de Leite Lopes. Além disso, reunião”, lembra.
Rio de Janeiro, o jovem foi para São Paulo, Leite ainda tratou de propor à congre- Pouco tempo depois, Lattes voltou
onde passou a integrar a equipe de Má- gação da FNFi que se criasse uma cadeira de Berkeley e foi morar no Rio de Janei-
rio Schenberg (1914-1990). Lá, Leite co- de física nuclear para Lattes. ro. Leite, porém, conviveu por pouco
nheceu Cesar Lattes, com quem discutiu a tempo com ele. O físico pernambucano
necessidade de montar um centro de Em família logo voltou para Princeton para mais
pesquisas na capital. Em Berkeley, Lattes conheceu Nelson Lins uma temporada. Lá estava também
de Barros, irmão do então ministro João Jayme Tiomno.
Temporadas no exterior Alberto (1897-1955). “Ele mandou o
Pouco tempo depois, Leite partiu para Nelson conversar comigo no Rio para ver Centro internacional
Princeton (Estados Unidos), e Lattes para como estavam as coisas”, lembra Leite. O Na volta ao Rio de Janeiro, Leite Lopes en-
Bristol (Inglaterra). Os dois se correspon- físico disse que não estavam fáceis. A uni- controu o CBPF em endereço novo. A ins-
diam, e acalentavam o sonho do centro versidade não dava apoio à iniciativa, e tituição, que no início funcionava na rua
de pesquisas carioca. Em suas cartas, o era difícil obter verbas para a construção Álvaro Alvim, no centro da cidade, mu-
pernambucano ressaltava a importância do centro. dou-se para um pavilhão construído no
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terreno da universidade com o dinheiro Tiomno no departamento de física teóri- no entanto, o afastaria por dois períodos
do banqueiro Mário de Almeida. Leite as- ca, mas se encantou e decidiu ficar. da instituição. Assim que começou a dita-
sumiu o departamento de física teórica, e Outra importante participação foi a de dura, Leite pediu demissão do cargo, e
passou a selecionar jovens para se formar Richard Feynman (1918-1988), físico partiu para a França, de onde regressou
e trabalhar na instituição. norte-americano ganhador do prêmio em 1967. Seu regresso foi motivado por
Um acordo firmado com a universi- Nobel de física de 1965. Ele visitara o CBPF uma petição de estudantes que pediam
dade fez com que os cursos dados no no ano da fundação, e voltou no seu ano sua volta. O Congresso estava funcio-
CBPF fossem reconhecidos, e alguns sabático para uma temporada mais longa. nando, e havia uma nova constituição.
professores passaram a dar aulas tam- Ele e Leite passaram trabalhar juntos. Por Leite acreditava que poderia ser o início
bém na Universidade do Brasil (hoje, anos, durante o verão no Brasil, Feynman da abertura política.
Universidade Federal do Rio de Janeiro). freqüentou o CBPF, contribuindo bastante Dois anos mais tarde, porém, o Ato
Com a fundação do Conselho Nacional para os trabalhos desenvolvidos. Institucional número 5 (AI-5) aposentou
de Pesquisa (mais tarde, Conselho Na- Em 1959, Leite foi um fundadores compulsoriamente vários cientistas, entre
cional de Desenvolvimento Científico e da Escola Latino-americana de Física, eles Leite Lopes, que regressou à França
Tecnológico), no mesmo ano, o CBPF juntamente com o mexicano Marcos em 1970,, onde mais tarde se tornaria
passou a contar com uma verba específi- Moshinski e o argentino Juan José professor emérito na Universidade de
ca e bolsas de estudo. Vinham alunos de Giambiagi (1924-1996). Inspirado por Estrasburgo. Havia governos ditatoriais
diversas partes do Brasil, da América Lati- essa idéia, o físico brasileiro propôs a cria- em toda a América Latina, e o trabalho
na e de outros países. ção do Centro Latino-americano de Física científico no continente foi extremamente
(CLAF), com sede no CBPF. Essas inicia- prejudicado.
A vez da América Latina tivas ajudaram a desenvolver e a integrar Assim que possível, no entanto, Leite
O físico austríaco Guido Beck (1903- a física em todo o continente. retornou ao Brasil e ao CBPF, onde se
1988), que na época estava na Argenti- tornou diretor científico novamente. Mes-
na, também mudou-se para o Rio de Ja- Tempos difíceis mo sem fazer concessões quanto a suas
neiro. A princípio, ele veio por um perío- Em 1960, Leite assumiu a direção cientí- idéias, ele foi um dos primeiros cientistas
do curto para trabalhar com Lopes e fica do CBPF. O golpe militar, em 1964, a voltar após o AI-5.
Em 1949, quando o CBPF foi fundado, Jayme Tiomno não estava no Brasil. No entanto, sua participação no processo de
elaboração e formação do CBPF faz com que ele seja conhecido como um dos principais fundadores. Tiomno e sua mulher,
a física Elisa Frota-Pessôa responsável pelo primeiro trabalho realizado no CBPF e publicado em revista científica tiveram um
papel importante no estabelecimento do CBPF como um centro de ensino e pesquisa.
Sonho de pesquisa Lopes, jovens estudantes do curso de sidade de São Paulo (USP) formavam
No início dos anos 1940, a quase au- física da faculdade. Essa mobilização de a primeira geração de físicos brasilei-
sência de pesquisas na Faculdade Na- alunos em um grupo contava também ros. Com bolsas oferecidas pelo físico
cional de Filosofia (FNFi), da Universi- com o matemático Leopoldo Nachbin Mário Schenberg (1914-1990), Leite
dade do Brasil (hoje, Universidade Fe- (1922-1993), aluno da Escola Nacio- Lopes, Tiomno e Elisa partiram, suces-
deral do Rio de Janeiro), estimulou a nal de Engenharia. “Leite Lopes costu- sivamente, para a USP.
idéia de fundar um centro de física no mava dizer que éramos os três mos-
Rio de Janeiro. A falta de oportunida- queteiros (ele, Jayme e eu), e d’Artagnan Discussões em Princeton
de para vir a realizar pesquisas teóricas (Nachbin)”, diz Elisa. Alguns deles fo- No final da década de 1940, jovens cien-
e experimentais incomodava Jayme ram depois para São Paulo, onde cien- tistas brasileiros dessa geração foram
Tiomno, Elisa Frota-Pessôa e José Leite tistas estrangeiros trazidos pela Univer- para o exterior, onde tiveram a oportu- >>>
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nidade de trabalhar com grandes no- trabalho no exterior, só voltando ao Brasil fundou o laboratório, a faculdade não
mes da comunidade científica interna- em meados de 1950. tinha condições de desenvolver as aulas
cional. Em 1948, Tiomno, que havia se No Brasil, o CBPF começava a fun- práticas”, conta Elisa. Ela levava então seus
demitido da FNFi para ser contratado cionar. Sua sede era na Rua Álvaro Alvim, alunos para ter essas aulas no CBPF,
pela USP, foi para Princeton (Estados número 21. Lá, foram desenvolvidas as onde tinham contato com pesquisado-
Unidos), para trabalhar com o físico John primeiras pesquisas. Como Lattes assu- res. A instituição logo passou também a
Wheeler. “Me avisaram que ele era duro, miu a direção científica do CBPF, a seção ter bolsistas de iniciação científica, que
exigente, e que o trabalho não seria fá- de emulsões nucleares ficou a cargo de muitas vezes permaneciam no CBPF
cil”, diz ele. “Anos mais tarde, o Wheeler Elisa. Juntamente com Neusa Margem, mesmo após a formatura – eles passa-
comentou que nunca tinha trabalhado ela pesquisou o decaimento do méson vam a estudar nos primeiros cursos de
tanto quanto comigo”, conta. pi (ou píon) em elétron e neutrino (esta pós-graduação em física do país.
Durante essa estada, Tiomno cola- uma partícula sem carga), utilizando para A preocupação do casal com a edu-
borou com os prêmios Nobel Eugene isso microscópios emprestados até pela cação levou-os a participar da implanta-
Wigner (1902-1995), Chen Ning Yang polícia. O mesmo tema de pesquisa es- ção da Universidade de Brasília (UnB)
e, mais tarde em Londres, com Abdus tava sendo desenvolvido sem sucesso em 1965. O agravamento da situação
Salam (1926-1996). nos Estados Unidos e por isso ela che- política, no entanto, afastou-os da nova
Em Princeton, a criação de um cen- gou a ser aconselhada a desistir. No en- universidade, e eles voltaram ao CBPF.
tro de física no Rio de Janeiro voltou a tanto, as duas físicas obtiveram resulta- A seguir, passaram seis meses como
ser discutida. As providências para a fun- dos antes dos americanos. cientistas visitantes em Trieste (Itália), em
dação estavam avançadas no Brasil, e um programa de pesquisas em física de
Cesar Lattes foi para os Estados Unidos Notas de física partículas. Tiomno então venceu con-
fazer uma reunião com os físicos brasi- Embora Tiomno tivesse convites para curso de cátedra na USP, onde organi-
leiros que estavam trabalhando em uni- permanecer no exterior, ele queria tra- zou novo grupo de física teórica, que
versidades americanas. Participaram da balhar no CBPF, que havia ajudado a foi a base do atual Departamento de
reunião Leite Lopes, Tiomno, Walter fundar. Ele começou a desenvolver ati- Física Matemática, de prestígio interna-
Schützer (1922-1963), Hervásio de Car- vidades no Rio de Janeiro assim que cional. Elisa, continuando seus traba-
valho (1916-1999), bem como o físico chegou, mas teve que morar em São lhos experimentais, reorganizou o Labo-
japonês Hideki Yukawa (1907-1981). Paulo por um tempo, para compensar ratório de Emulsões Nucleares da USP,
Yukawa ganharia o Nobel de física no sua licença remunerada na USP. Em realizando pesquisas em física nuclear.
ano seguinte, por sua teoria de 1935 1952, Tiomno mudou-se definitivamen- Com o Ato Institucional número 5
que previu a existência do méson pi. te para a então capital do país, e assu- (AI-5), Tiomno e Elisa foram aposenta-
Pouco depois, o CBPF foi criado no miu a chefia do departamento de pu- dos compulsoriamente – assim como
Rio de Janeiro por um grupo que reu- blicações do CBPF. Ele logo criou Notas Mário Schenberg e José Leite Lopes – e
nia cientistas, professores, políticos, mili- de física, publicação que existe até hoje. impedidos de retornar ao CBPF. Sem
tares, empresários, amigos e familiares, A distribuição, segundo Tiomno, era perspectivas no Brasil, eles partiram para
entre os quais estavam Leite Lopes e melhor que a da publicação da Acade- o exílio, mas retornaram ao país assim
Elisa Frota-Pessôa. mia Brasileira de Ciências (ABC). “Nós que a situação política permitiu. Elisa e
a mandávamos para os departamen- Tiomno passaram então a trabalhar na
Primeiros passos tos de física de muitas universidades Pontifícia Universidade Católica do Rio de
No primeiro ano do CBPF (1949), estrangeiras”, diz ele. Um dia, ele rece- Janeiro, onde foram acolhidos por anti-
Tiomno conseguiu enviar físicos de re- beu uma carta da Sociedade America- gos discípulos e companheiros. Essa si-
nome internacional para trabalhar na na de Física que pedia para optar en- tuação durou até que viesse a abertura
instituição. Em uma conferência, en- tre registrar Notas de Física como uma política. Com ela, o CBPF recebeu de vol-
controu o norte-americano Richard pré-publicação ou uma publicação. ta seus ‘exilados’, entre eles o casal, que
Feynman (1918-1988), que estava es- Optou pela pré-publicação. “Assim os ainda teve importante atuação científica.
tudando espanhol, propondo a ele que trabalhos podiam ser publicados em Hoje, eles vão pouco ao campus da
estudasse português e fosse ao Rio de revistas internacionais de ciência, que Praia Vermelha, onde fica o prédio que
Janeiro passar uma temporada no CBPF. não aceitam republicar artigos”, explica. abriga o CBPF. Mas não deixam de acom-
Feynman aceitou o convite, e voltou panhar o que acontece lá. “O centro cres-
outras vezes ao país. A física francesa Experiências didáticas ceu muito, e vários ex-alunos nossos ain-
Cecile Morette, que estava nos Estados Tiomno assumiu também a chefia do de- da estão lá. Muitos outros estão espa-
Unidos, foi outra das convidadas de partamento de ensino e criou o labora- lhados por universidades e institutos bra-
Tiomno. Ele, no entanto, continuou seu tório didático do CBPF. “Quando Jayme sileiros e estrangeiros”, diz Tiomno. n
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