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r

por Sara Mourão Monteiro

amos discutir aqui o ensino da leitura e da


escrita nos primeiros anos do ensino fundamental. Isso será
feito explorando-se as especificidades de cada uma das ações
que o compõem: a ação de aprender, a ação de ler e a ação de
escrever. A relação entre estas ações será examinada a partir
da apresentação de algumas aplicações, no trabalho a ser
desenvolvido em sala de aula, dos pressupostos apresentados
ao longo deste artigo.

Aprender: ação que envolve procedimentos,


condições de aprendizagem em sala de aula
e interações verbais
As ações que as crianças realizam em sala de aula para
aprender são, em parte, orientadas pela visão de aprendiza-
gem que norteia os planejamentos de ensino elaborados pelos 11'

profissionais na escola. Ou seja, os pressupostos em torno do


conceito de aprendizagem que orientam o projeto de ensino , .
que assumimos em nossa prática docente acabam por con-
figurar as estratégias didáticas usadas para mobilizar e pro-
mover os processos de aprendizagem das crianças. Por isso é

12 GUIA DA ALFABETIZAÇÃO
-

ae cre

GUIA DA "ALFABETlZAÇAo 13
i-\PRENDER A LER E A ESCREVER

14 GUIA DA ALFft.BETlZAÇÃO
-
muito importante que tenhamos clareza e possamos escritos - aptidões relacionadas ao processamento
discutir nossas ideias e crenças sobre o processo da leitura e à elaboração do texto escrito. Estas são
de aprendizagem ao elaborarmos e oficializarmos as dimensões da língua escrita que se apresentam
nossos projetos pedagógicos. como desafios para as crianças quando elas iniciam
Desta forma, para que possamos discutir o apren- o aprendizado da leitura e da escrita.
der a ler e a escrever, precisaremos primeiro explicitar O segundo aspecto que deve ser levado em conta é
como compreendemos o processo de aprendizagem o fato de o processo de aprendizagem ser uma cons-
da língua escrita pelas crianças, buscando articular os trução interna do aprendiz, cujo sucesso depende
pressupostos dessa compreensão, as ações que pode- fundamentalmente do encaminhamento de ações es-
mos planejar em nossas práticas de ensino e o valor pecíficas, próprias do contexto escolar, que podem ser
que atribuímos ao ensino da língua escrita na escola. chamadas de procedimentos de ensino-aprendizagem
- formas de proceder que crianças eprofessores adotam
para aprender e ensinar no contexto da escola. O con-
. ,Oprimeiro aspecto a ser escl~reCido ceito de procedimentos de ensino-aprendizagem está
".é o fato de que aaprendizaqern escolar, associado à noção de que o processo de aprendizagem
'doponto ele vista daperspectiva sócio-
do tipo escolar depende de certas atitudes e ações que
histórica, deve ser compreendida como uma
devem fazer parte das propostas de ensino para que
ação que mobiliza processos internos de '.
dese~volvimento. Marc() Cecéhini afirl11a, ocorram, de fato, alterações nos estados de compre-
. na lntroduçâoà coletânea Psicologia e .. ensão dos alunos. É preciso levar em consideração,
Pedagogia /, que a aprendizaqerndeve . ainda, que o aprender se concretiza em procedimentos
. serconsid~rad~" como um fator de :', específicos que estão relacionados às especificidades
desenvolvimento. [...] No piaria pedagógico, do objeto de conhecimento e às metas de aprendiza-
~o~stitui ~ baseteóri~a de uniprinCípió···· gem. Isso significa que não aprendemos coisas dife-
pedaqóqico geral: a única boado~ênda é á rentes da mesma maneira ou através dos mesmos pro-
que precede o desenvolvimento': cedimentos. Na alfabetização, por exemplo, quando
se tem como objetivo o desenvolvimento da fluência
em leitura de palavras e frases pelas crianças, pode-se
Essa forma de ver a aprendizagem reafirma o valor
tomar como procedimentos de ensino-aprendizagem
educativo do ensino. O ensino escolar precisa colocar
o reconhecimento do próprio nome e de nomes dos
a criança frente a novos conhecimentos e desafios in-
colegas em fichas e listas de nomes.
telectuais para promover seu desenvolvimento. Desse
ponto de vista, a alfabetização deve se basear naquilo
Garantia de condições de aprendizagem
que para as crianças a aprendizagem da língua escrita
A partir das metas e dos procedimentos de ensino-
pode lhes apresentar como novidade em relação ao
aprendizado definidos no plano de ensino, torna-se
conhecimento por elas construído no uso que até
necessário garantir as condições de aprendizagem
então faziam da linguagem oral em seu cotidiano: l.
para que as crianças possam estar envolvidas plena-
a situação de interlocução - na comunicação oral é
mente com as atividades da escola: a ambientação e
fácil reconhecer e produzir as condições da intera- organização do espaço escolar, os recursos materiais,
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ção verbal (quem fala e para quem, de que, onde e a organização do tempo e a rotina das atividades es-
'eo
o
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quando) porque os interlocutores estão presentes, na colares, enfim, tudo aquilo que possibilita colocar
comunicação escrita as pessoas são obrigadas a criar em prática as estratégias e os procedimentos para
a situação de interlocução; 2. a compreensão do signo que ocorra a aprendizagem. Vale ressaltar que estas
linguístico - através do processo de alfabetização a condições não existem previamente no contexto es-
criança deverá compreender que os sinais gráficos colar, ou seja, elas não estão dadas pelo contexto. Elas
da escrita são usados para representar a linguagem precisam ser criadas pelos gestores e professoras da
verbal, que por sua vez se realiza por meio deunida- escola. As implicações de se criar condições favorá-
des da fala compostas pela união do significado e de veis à aprendizagem das crianças estão relacionadas
um conjunto de sons articulados; 3. as c,apacidades mais diretamente às decisões pedagógicas, como ve-
envolvidas na elaboração e compreensão dos textos remos a seguir.

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•••• _~ A LER E A ESCREVER

Organização do espaço escolar o terceiro aspecto a ser considerado sobre a


forma como compreendemos a aprendizagem diz
respeito ao papel da linguagem no ato de apren-
der. Podemos dizer que a aprendizagem na escola
se apoia fundamentalmente no uso da linguagem.
Deste pressuposto decorre a ideia de que a prática
de ensino é, fundamentalmente, uma atividade lin-
guística; e de que o processo de aprendizagem é
situado nas interações verbais que se estabelecem
em sala de aula entre professores e alunos. Para
compreendermos a importância da linguagem na
ação de aprender, Antônio Augusto Gomes Batista
afirma, em Aula de Português, que é preciso consi-
derar que "ela não pode ser compreendida como
. ",' - . -', ~,-:;_.' ,:
um veículo ou instrumento de transmissão, mas
:::'-'.
como um processo de produção. Isso se dá porque
a atividade linguística ou o discurso é uma ação. É,
por um lado, uma ação que supõe condições: agen-
tes (os interlocutores), certas relações sociais entre
Recursos didáticos e outros eles, uma finalidade, uma materialidade e certos
instrumentos sobre os quais se exerce essa ação (a
língua, a corrente discursiva que antecede a produ-
ção de um novo discurso, o conhecimento prévio de
mundo). É, também, por outro, enquanto ação, um
ato constitutivo"
Assim, os sentidos e as formas que os discursos
assumem se dão no uso da língua como atividade
situada, vale dizer, são resultados de seus contex-
tos de produção e recepção (como entendem, aliás,
João Wanderley Geraldi, Carlos Franchi e Sírio Pos-
senti), que no caso da aprendizagem escolar podem
ser identificados nos diálogos que se estabelecem
nas relações e processos pedagógicos vividos por
professores e alunos.
Planejamento e rotina de trabalho
Outro pressuposto que sustenta esse aspecto
~---.-.------.--'--'.'."'---"--'-'--."'~--"'---'--" .... :.~- ...••.--_.• -:;-7.;.--- .. .:
da aprendizagem escolar, que nos vem de Mikhail
'11 Há uma rotina diária de trabalho .: '., '.
Bakhtin, é a compreensão da interação verbal come

§}g~I2}~;~;~~!~~~~fr)'
.
desenvolvimento das habilidades de leitura e
um fenômeno socialmente constituído. Podemos
dizer, então, que o que as crianças e professores di
zem em sala de aula é resultado do tipo de relaçõe:
sociais que se estabelecem na classe e do papel qUI
escrita de palavras, frases e textos; a aquisição cada um desempenha neste contexto. Assim, aquik
do sistema de escrita e o desenvolvimento da que é dito em sala de aula, as razões pelas quais SI
consciência fonológica; e o desenvolvimento -," ".- -, diz o que é dito, as estratégias utilizadas para s
de outras formas de linguagem}? Esta dizer o que se tem para dizer e, ainda, para quen
rotina assegura o tratamento sistemático
se dirige a palavra nos processos de interlocuçâ.
e progressivo do ensino da língua ~scrita -.
na sala de aula são aspectos reveladores de corno o
(estabelecimento de momento~diáriq~ para
leitura junto às crianças, por exemplo)? .. sujeitos, inseridos num dado contexto de ensine
aprendizagem, se veem e veem os outros (ser

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- \
Episódio: Leitura de palavra em sala de aula \ \
\

.GUIA DA ALFABETIZAÇAo 17
APRÊNDER A LER E A ESCREVER

interlocutores); e de como essa percepção exerce


influência na atitude de aprendizagem dos alunos
e, consequentemente, naquilo e na forma como ele
se torna capaz de aprender. Por fim, caso se consi-
dere que a atividade de ensino-aprendizagem seja
constituída pela atividade linguística dos sujeitos
nela envolvidos, é possível dizer que os aspectos
que constituem as condições de produção do dis-
curso acabam por determinar aquilo que é ensinado
e aprendido no cotidiano da sala de aula.
No episódio abaixo podemos observar os con-
teúdos dos discursos produzidos pela professora no
momento em que ela faz intervenções no processo
de aprendizagem dos alunos e as abordagens comu-
nicativas que constituem as interações em sala de
aula. Os alunos estão realizando uma atividade que
envolve a leitura da palavra "borboleta" que foi reti-
rada de uma história lida pela professora. A palavra
foi selecionada tendo-se em vista o objetivo da ati-
vidade: leitura de palavras compostas pelo grafema
r em final de vocábulo e de sílaba interna.
A abordagem de ensino da professora parece
estar relacionada com a ideia de que as crianças são
capazes de perceber e analisar os valores dos gra-
femas quando lhes são oferecidas informações so-
bre tais valores e, ainda, considerando-se a palavra ~
ro
como unidade da abordagem didática do processo ~
o
de alfabetização. Nesta perspectiva, o que se pode ~
observar em relação ao conteúdo da fala da profes- @

sora quando esta se dirige às crianças? Que tipo de


interação verbal caracteriza a relação professora- Diagrama 1
crianças em sala de aula?
As linhas de 1 a 7 mostram que a interação neste
episódio inicia-se pela orientação de uma atividade
de leitura de palavras pela professora. Neste mo-
mento a abordagem comunicativa é de autoridade:
a professora apresenta a atividade e orienta a ação
das crianças em sala de aula. Em seguida, quando
a professora acompanha a realização da atividade
de uma dupla de trabalho, ao perceber que uma
criança (C) não aprendeu ainda o valor do grafema
r em final de sílaba interna, a professora novamente
orienta as ações das crianças (linhas de n a 14), as-
sumindo seu papel de autoridade para fazer com
que a criança C conseguisse identificar a dificuldade
que estava enfrentando na leitura da palavra.
A partir desse momento, a professora assume
também uma postura dialógica, criando oportu-
nidade para que sejam feitas descrições que abor-

18 GUIA DA ALFABETIZAÇÃO
dem aspectos do sistema de escrita em seus cons- Ler e escrever: dois processos que
tituintes (como nas linhas 18 a 24). Há também compõem uma mesma aprendizagem
momentos em que são feitas generalizações, como Muitos estudos desenvolvidos nas áreas da lin-
nas linhas 30, 31 e 40, por meio de situações inte- guística, da psicolinguística e da sociolinguística
rativas ou não. Este episódio evidencia, portanto, têm buscado compreender os processos de leitura
que o aprender é também resultado das interações e escrita. Esses estudos acabam por criar modelos
verbais que constituem a realizaçâo das atividades dos quais é possível inferir os conhecimentos ne-
pedagógicas realizadas em sala de aula, que são, cessários aos atos de ler e escrever que, consequen-
por sua vez, determinadas pelo papel de cada um temente, devem ser aprendidos pelas crianças ao
de seus integrantes. longo da alfabetização. Desta forma, podemos dizer
Sobre a ação de aprender podemos dizer, em sín- que a alfabetização tem conteúdos específicos rela-
tese, que ela envolve: 1- procedimentos de ensino- cionados aos atos de ler e escrever. Para alfabetizar
aprendizagem; 2- condições pedagógicas para que precisamos ter uma noção desses conteúdos, pois
as crianças compreendam aspectos da língua escrita eles dizem respeito ao que precisa ser ensinado ao
que se diferem das situações de uso da língua oral longo do processo de alfabetização.
e desenvolvam capacidades necessárias à leitura e De um lado, o processamento da leitura en-
produção de textos escritos; e, por fim, 3- interações volve o reconhecimento da palavra escrita, a com-
verbais estabelecidas entre crianças e professoras preensão do texto que está sendo lido e a busca e
(ver Diagrama 1). exploração do sentido que o texto tem para o lei-

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, APRENDER A LER E A ESCREVER

Diagrama 2 fonemas e grafemas, para codificar e decodificar,


requer o desenvolvimento da capacidade de ana-
lisar as unidades da língua oral (palavras, sílabas,
fonemas) e relacioná-Ias ao sistema de escrita, de
reconhecer o traçado das letras, a direção da es-
crita e a palavra escrita.
Estamos falando, então, de um conjunto de
capacidades e conhecimentos que precisam ser
r---------------------------;--------------"-'---------1 aprendidos, portanto, precisam-ser ensinados às
crianças. No projeto de ensino é indispensável que
! l I

, se definam as metas de aprendizagem e, com base


nelas, se estabeleçam os procedimentos de ensino-
aprendizagem. Com esse projeto, as professoras
terão os parâmetros para o planejamento da sua
rotina de trabalho e das atividades didáticas que
serão propostas às crianças. Vale ressaltar que
colocar um projeto de ensino em ação requer da
professora uma postura flexível que permita a ela
o acompanhamento do processo de aprendizagem
das crianças. Buscando-se assim o equilíbrio entre
tor. Estes mecanismos abrangem estratégias que, o processo de ensino e de aprendizagem.
articuladas entre si, formam um emaranhado de
capacidades cognitivas necessárias a cada uma de- As capacidades e os eixos do
les (ver Diagrama 2). projeto de ensino em alfabetização
De outro lado, o processamento da escrita en- Quando analisamos o conjunto das capacidades
volve a grafia das palavras de acordo com as regras a serem desenvolvidas pelas crianças ao longo dos
ortográficas, a organização do texto e, também, primeiros anos do ensino fundamental, notamos
os sentidos e os motivos que levam uma pessoa a que elas pertencem a eixos distintos do processo de
produzir o texto. Assim como na leitura, os me-
canismos envolvidos no processamento da escrita
demandam diferentes estratégias e capacidades lin- Diagrama 3
guísticas por parte de quem escreve, como se vê no
Diagrama 3, ao lado.
Desta forma, ao longo do processo de alfabe-
tização as crianças precisarão: 1. compreender o
princípio da base alfabética do sistema de escrita;
2. apreender as regras de registro ortográfico das

palavras; 3. adquirir fluência no processo de leitura;


4. desenvolver as habilidades de leitura, resultantes ---------------------------r---------------------------j
da compreensão do funcionamento da modalidade : :
escrita; 5. aprender a estruturar adequadamente : :

aquilo que escreve, tanto no nível da frase, como no


do texto; 6. identificar e apreender os usos da língua
escrita no contexto social.
Esses conhecimentos estão ligados ao desen-
volvimento de determinadas capacidades que
precisam ser desenvolvidas ao longo do processo
de alfabetização: são as metas de aprendizagem.
Por exemplo, o conhecimento das relações entre

20 GUIA DA ALFABETIZAÇÃO
a escrita estão descritos pelas autoras citadas acima Estas duas variáveis estão presentes no processo de
em Psicogênese da Língua Escrita. aprendizagem das crianças de modo articulado e
não por uma relação de causa e efeito. A implica-
Cadeias sonoras e correspondências ção disso na abordagem didática do ensino da lei-
A outra perspectiva a ser considerada no pla- tura é a necessidade de se associar procedimentos de
nejamento pedagógico está ligada a duas variáveis distinção, segmentação e manipulação de unidades
presentes na aprendizagem da leitura: a análise das sonoras como palavras, rimas, sílabas e fonemas e
cadeias sonoras da língua e as informações sobre as de seus correspondentes na escrita, explorando-se,
correspondências entre letras e sons às quais a criança com a criança, a relação entre o sistema fonológico e
vai tendo acesso, tanto por meio do ensino formal da o sistema de escrita. Desta forma, os procedimentos
língua escrita quanto em situações cotidianas viven- de ensino-aprendizagem de análise fonológica, em
ciadas nos contextos sociais em que estão inseridas. qualquer nível de conceitualização da língua escrita,

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--
\

palavras-chaves: "mariposa" - "cavalo" - "macaco".


A seleção destas palavras teve como critério a pos-
sibilidade de as crianças experimentarem a segmen-
tação silábica de palavras compostas por diferentes
números de sílabas e começadas por-sílabas iguais.
Vale ressaltar, no entanto, que na seleção do grupo
de palavras a serem analisadas pelas crianças, tão
importante como os aspectos lingüísticas a serem
explorados nos processos cogníiívos das crianças,
são os seus significados. O trabalho pedagógico
centrado em palavras potencialmente significativas
para a criança ou que através dele seus significados
tornam-se objetos de sua atenção - situações pe-
dagógicas em que os sentidos das palavras possam
ser reconhecidos, socializados, apreendidos pelo
alfabetizando - faz com que a alfabetização seja um
processo de apropriação cultural.
Os procedimentos de ensino, neste caso, podem
ser a identificação de número de sílabas de palavras, a
comparação de palavras quanto ao tamanho, com base
no número de sílabas e a identificação de palavras que
começam com a mesma sílaba (veja o Quadro 1). Na
segunda-feira a atividade proposta é uma brincadeira
de passar o lápis a cada sílaba das palavras pronun-
ciadas pelo grupo de crianças ("mariposà' - "cavalo"
- "macaco"). Com essa brincadeira as crianças terão
a oportunidade de contar e comparar a quantidade
de sílabas das palavras selecionadas. Na terça-feira,
as crianças serão orientadas a pronunciar lentamente

o trabalho pedagógico centrado em


palavras significativas para a criança
faz com que a alfabetização seja um
processo de apropriação cultural

devem ser seguidos de explicitação e exploração de a palavra "cavalo': segmentando e identificando cada
seus correspondentes na escrita. sílaba da palavra. Em um segundo momento, cada
Vejamos um exemplo de um planejamento di- criança receberá uma ficha com a palavra "cavalo"
dático baseado em procedimentos de análise fo- escrita. A professora deverá, então, mostrar a repre-
nológica relacionados aos seus correspondentes sentação gráfica de cada uma de suas sílabas. Logo em
na escrita. Considere que este planejamento tenha seguida, com a ajuda da professora, as crianças serão
sido pensado para uma turma em que a maioria das orientadas a circular as sílabas da palavra. Na quarta-
crianças se encontra no nível silábico. O objetivo feira, será proposta a mesma sequência de atividades
de ensino é fazer com que as crianças segmentem com a palavra "macaco': Em seguida, as crianças serão
palavras em sílabas e que observem como esta uni- orientadas a comparar novamente o número de síla-
dade da palavra oral é representada na escrita. Para bas das duas palavras ("cavalo" e "macaco") e contar
concretizar esse objetivo, foram selecionadas três o número de letras das palavras, que estarão escritas

GUIA DA ALFABETIZAÇÃO 23
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APRENDER A lER E A ESCREVER

no quadro da sala. Nesta atividade, a professora levará Vale lembrar ainda que as atividades que concre-
as crianças a observarem que as duas palavras anali- tizam esses procedimentos de ensino-aprendizagem
sadas têm o mesmo número de sílabas e de letras, o devem estar apoiadas na interação em sala de aula,
número de letras usadas em cada sílaba e a variação na contextualização do trabalho em textos e temas
e a manutenção de letras na escrita das sílabas das de interesses das crianças e na ação reflexiva por
palavras. As crianças serão orientadas a identificar a parte das crianças, como princípios pedagógicos.
sílaba "ca"nas duas palavras. Na quinta-feira se repe- No eixo da escrita e leitura relacionadas ao pro-
tirá a mesma sequência de atividades com a palavra cessamento da palavra, o objetivo geral do projeto
"mariposa': Mas, agora, a professora deveráchamar, de ensino é fazer com que as crianças desenvol-
a atenção das crianças para o fato de as palavras "ma- vam as habilidades envolvidas ao processamento
riposa', e "macaco" começarem com a mesma sílaba. da' língua escrita - os mecanismos da codificação
Depois da atividade oral, as fichas das três palavras se- e decodificação. As metas de aprendizagem para
rão exploradas em pequenos grupos com as seguintes a leitura são: o reconhecimento de palavras em
orientações: 1. colar as fichas no papel ofício; 2. fazer fichas, a leitura de palavras novas com sílabas já
um desenho para cada uma delas; 3., marcar com uma conhecidas (no exemplo de planejamento didático
cruz a palavra que tem a maior quantidade de sílabas; apresentado anteriormente há momentos em que
4. colorir de vermelho as sílabas iguais no início das atividades de leitura de palavras poderiam ser pro-
palavras "macaco" e "mariposa"; 5. dizer outras pala- postas); a leitura, em voz alta e silenciosa, de frases e
vras que comecem com a sílaba "ma': como a sílaba pequenos textos com palavras conhecidas e/ou com
colorida nas duas palavras. Na sexta-feira, a atividade palavras novas com sílabas já conhecidas são metas
proposta é uma brincadeira de encontrar outros no- de aprendizagem no que diz respeito ao mecanismo
mes de animais que começam com as mesmas sílabas da decodificação. Para o alcance destes objetivos, a •
da palavra "cavalo".A professora deverá escrever os professora poderá lançar mão de procedimentos de
nomes dos animais no quadro para que as crianças ensino-aprendizagem de leitura do próprio nome
possam lê-Ias coletivamente. e de nomes dos colegas em listas de nomes; leitura

, ,

» Segmentação » Seqrnentação » Segmentação » Segmentação e » Identificação


e identificação e identificação e identificação identificação das de uma mesma
da quantidade das sílabas da da quantidade sílabas da palavra sílaba que
de sílabas palavra "cavalo'; de sílabas das "mariposa'; aparece no início
das palavras oralmente e, palavras "cavalo" oralmente e, de palavras,
"mariposa'; em seguida; na e "macaco" em seguida, na oralmente e,
"cavalo" e escrita. oralmente e, escrita. em seguida, na
"macaco'; em seguida, na escrita.
» Identificação
oralmente. escrita. de uma mesma
» Identificação sílaba que
de uma mesma aparece no início
sílaba que das palavras
aparece nas "mariposa"
duas palavras e "macaco';
em posições oralmente e,
diferentes, em seguida, na
oralmente e, escrita.
em seguida, na » Identificação
escrita. de palavras que
começam com a
mesma sílaba.
• ~
,
~
, • A • __ ••

24 GUIA DA ALFABETIZAÇÃO
-
de palavras e frases pelas crianças com o objetivo Diagrama 4
de desenvolver a fluência; leitura de pequenos tex-
tos com autonomia. Com relação aos mecanismos
envolvidos na escrita de palavras, são metas de
aprendizagem para as crianças a escrita de palavras
usando letras que representem fonemas e a escrita
palavras, frases e pequenos textos com autonomia.
Neste caso, os procedimentos mais adequados estão
"apoiados na escrita compartilhada e autônoma de r····..··· ··· ~..··..: · ::·.,·, ·..·.1
palavras e frases.
O principal objetivo do trabalho no eixo da pro-
dução e leitura de textos escritos é o desenvolvi-
mento das estratégias necessárias para a compreen-
são e produção de textos. Ao longo do trabalho, as
professoras podem estabelecer como metas para o
desenvolvimento da leitura a ampliação do vocabu-
lário pelo aluno e a compreensão de um texto curto
lido pela professora e com autonomia. Na escrita, a
meta a ser atingida é a produção compartilhada de
textos adequados ao gênero, aos objetivos, ao leitor
visado (planejamento, produção e revisão). A lei-
tura oral da professora com perguntas de compre- de histórias, livro didático, jornal, cartaz, folhetos
ensão de textos diversos (identificação do assunto, e revista em quadrinhos. Vale ressaltar que, neste
localização de informações explícitas, interpretação, eixo do planejamento do ensino, a manutenção
avaliação) que serão propostas em conversas cole- dos espaços e dos tempos na rotina escolar para a
tivas sobre textos, livros e revistas lidos e as ativi- leitura e escrita como práticas concretas capazes
dades de leitura de pequenos textos e de livros com de mobilizar o interesse das rrianças 'para os di-
poucos textos são atividades que concretizam os versos materiais de escrita que circulam em outros
procedimentos de ensino-aprendizagem neste eixo. contextos sociais tem sido considerado o fator mais
Por outro lado, a produção compartilhada de textos importante na promoção do seu letramento. Além
(toda a turma, pequenos grupos ~.duplas de alu- disso, é preciso considerar que a escola é ela mesma
nos), seguida da cópia, que compreende três etapas um contexto social que, por seu caráter formador,
de operacionalização: o planejamento, a produção tem privilegiado a leitura literária como uma prá-
e a revisão, é um forte procedimento na promoção tica de liberdade e reflexão coletiva dos adultos e
das habilidades de produção textual. das crianças que dela participam.
Considerando a discussão feita até aqui sobre as
Práticas e contextos sociais metas e os procedimentos de ensino-aprendizagem,
No eixo dos usos da escrita podemos dizer que podemos dizer que o ensino da leitura e da escrita,
o principal objetivo é promover o desenvolvimento ao longo do processo de alfabetização, deve abran-
de habilidades que permitam às crianças participar ger atividades que tomem como eixos do trabalho
de práticas sociais de leitura e de escrita e delas se pedagógico a palavra, o texto escrito e as práticas de
apropriarem. Para isso, é preciso que se estabeleça leitura e de escrita (ver Diagrama 4).
como metas de aprendizagem o uso da escrita em O trabalho com as palavras como unidade de
situações do cotidiano escolar apoiadas na intera- análise por parte das crianças tem como objetivo fa-
ção por meio da língua escrita; registrar coletiva- zer com que elas compreendam o sistema de escrita
mente os trabalhos/projetos/ estudos/história da e aprendam as correspondências entre grafemas e
aprendizagem na turma; registrar coletivamente as fonemas. Estas atividades precisam ser propostas de
vivências dos diferentes grupos da escola; explorar forma sistemática através de um planejamento di-
os suportes de escrita e de gêneros textuais: livros dático baseado nas metas de aprendizagem estabe-

GUIA DA ALFABETIZAÇÃO 25
--------'---- - - --~

APRENDER A LER E A ESCREVER

lecidas mediante avaliação diagnóstica e processual.


Muitas professoras adotam a contextualização, a
I análise linguística, a diversidade de procedimentos
de ensino-aprendizagem e a exploração do aspecto
lúdico como princípios da abordagem didática que
escolheram para suas práticas docentes. Neste sen-
II tido, elas acreditam que as crianças são observado-
I ras dos fenômenos linguísticos e por isso tornam-se
I capazes de refletir sobre a língua, podendo construir
i a compreensão sobre a escrita enquanto um sistema
I
-,! de signos e de manifestação da linguagem.
! O trabalho com os textos é imprescindível no
I
processo de alfabetização. Sem abordá-los, a apren-
i
i -dizagem das crianças pode se voltar apenas pata o
!
í aspecto mecânico do processo de leitura e escrita.
'1 O objetivo é fazer com que as crianças aprendam
iI
a apreciar (no sentido pleno da palavra: gostar,
i estimar, prezar, avaliar, julgar, analisar) um texto
escrito. Compreender o texto em todos seus aspec-
tos. Ter o texto como unidade de análise. Produzir
III um texto, observar semelhanças e diferenças entre
I

i o texto escrito e o oral. Observar a construção do


texto - quais palavras o autor usou para dizer o que
IIli disse, como o autor organizou a ideia apresentada,
I!! reconhecer nesses aspectos a intenção do autor e as
habilidades ou a falta dela no autor. O texto como
objeto de apreciação.
No nível das práticas sociais, o estimulo e a prá-
tica da leitura e da escrita como atos de liberdade,
de pensamento, de entretenimento, de estudo etc.,
exigem reflexões em torno daquilo que conduzi
que oriental que mobiliza as crianças para o apren-
der a ler e a escrever. A implicação pedagógica que
decorre desse pressuposto é que o contexto de le-
tramento, no qual O processo de alfabetização se
insere, é construído não apenas pela abordagem
teórico-metodológica de ensino de alfabetização zidas no cotidiano da escola (leitura de jornais,
adotada pelas professoras, seja ela baseada ou não de revistas, de livros de literatura), somando-se
na exploração didática de materiais autênticos de àquelas mais comuns nas ações de aprender (Ie-
escrita e/ou na criação de possibilidades de uso da tramento escolar).
escrita pelos alunos; mas também, e talvez funda-
, I
mentalmente, dos eventos e das práticas efetivas de Aprender a ler e a escrever: processos
"1
leitura e escrita que se instauram em sala de aula distintos que constituem a alfabetização
e as que os professores são capazes de promover, Os leitores podem ter ficado com a impressão,
inserindo os alunos no mundo da escrita. a partir da discussão da temática do aprender a ler
Nesse último caso, vale ressaltar que a imple- e a escrever, como foi apresentada neste artigo, de
mentação de práticas efetivas de leitura e escrita que aprender a ler e aprender a escrever sejam pro-
na escola depende da definição objetiva sobre cessos idênticos. Vale ressaltar, então, que embora
quais e com qual intensidade elas são introdu- as ações de ler e de escrever tenham como o foco a

26 GUIA DA ALFABETIZAÇAO
------------"--------------------'----""- -

e objetivos que a pessoa tem ao produzir o texto.


Embora sejam ações complementares, ler e escre-
ver demandam operações que diferem do ponto de
vista da natureza dos processos cognitivos envolvi-
_ dos. Estas operações podem ser aprendidas e desen-
volvidas de forma integrada, mas é preciso que se
considerem as especificidades de cada uma e o fato
de que o alicerce da alfabetização é o aprendizado
da leitura, já que o desenvolvimento das operações
que a constituem são, fundamentalmente, os meios
para a compreensão da língua escrita por parte do
alfabetizando. Assim, o aprendizado da escrita deve
decorrer do aprendizado da leitura.

Sara Mourâo Monteiro é professora da Faculdade de


Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita -
Ceale/UFMG. Publicou, entre outros textos, "Dimensões da
Proposta Pedagógica para o Ensino da Linguagem Escrita em
Classes de Crianças de Seis anos'; com M. C, Baptista (UFMGI
FAE/Ceale, 2009) e "Exercícios para Compreender o Sistema
de Escrita nos Livros de Alfabetização" (Autêntica, 2004).

REFERÊNCIAS
, I

escrita, elas se diferenciam tanto nas operações cog-


nitivas nas quais se apoiam quanto em relação aos
procedimentos de ensino-aprendizagem que devem
orientar o processo de alfabetização.
Vimos anteriormente que o ato de ler envolve o
reconhecimento da palavra escrita, a compreensão
do texto que está sendo lido e a busca e exploração
do sentido que o texto tem para o leitor. Por ou-
tro lado, ao escrever precisamos grafar palavras de
acordo com as regras ortográficas, organizar o texto
para que ele expresse as ideias que se quer apresen-
tar de modo coerente de acordo com o leitor que se
visa, o que está relacionado como sentido e motivo

GUIA DA ALFABETIZAÇÃO 27

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