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CULPA E RESPONSABILIDADE*
Questões fundamentais da teoria da responsabilidade**

Claus Roxin
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Munictuc

I. Culpa e necessidade preventiva como pressupostos da


responsabilidade penal
Denomina-se responsabi Iidade, na sistemática do crime, uma
(outra) valoração que se segue à ilicitude e, em regra, desencadeia a
punibilidade. Enquanto com o predicado da ilicitude o facto é aprecia-
do do ponto de vista de que viola a ordem do dever-ser jurídico-penal

• Tradução por Maria da Conceição Valdágua, assistente da Faculdade de Direito


da Universidade de Lisboa, do § 19 do vol. I do Tratado do P1·of. Claus Roxin, em
curso de publicação, com o titulo Strajrecht, Allgemei11er Teil. Bmu/1: Grundlage11.
Der Aujbau der Verbrechen:slehre (Munique, Editora C. H. Bcck).
•• Observações da tradutora:
a) O autor teve em conta, exclusivamente, a literatura e jurisprudência publica-
das até ao ftnal do ano de 1990;
11) Os §§ citados sem indicaçao do diploma legal ou da obra de que fazem parte
são §§do Código Penal alemão vigeme (StGB), salvo se do contexto resultar que se
trata de remissões do autor pam outros §§ deste seu livro;
c) Foram mantidas as citações abreviadas e as siglas tal como se encontram no
texto alemão. As informações complementares mais importnntes relativas a essas
siglas e citaç{>e-~ abreviadas são fornecidas no índice respectivo, que se encontra a
seguir à tradução e é da exclusiva responsabilidade da tradutora;
d) Fomm suprimidos os números de margem, pelo.\ quais se repane a matéria de
cada um dos §§ do Prof. Roxin. Mas foram mantidas, sem alteraçao. as remissões do
autor p.1ra os números de margem. quer deste§ 19, quer de outros§§ do livro.

RPCC <1 (1991) 503

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Cú\US ROXIN CULPA E IIE'SPONSAiiiUDADE

e é proibido por ser socialmente danoso, a responsabilidade significa alternativa de comportamento lícito. De outro modo, não seria possível
uma valoração do ponto de vista da responsabilização jurídico-penal ao legislador, sem violação do princfpio da culpa, exigir a actuação
do agente. Segundo os critérios do direito penal, é merecedor de pena lícita e o suportar do perigo, nos casos do § 35 I 2. Se, não obstante
quem realiza os pressupostos que fazem surgir como «responsável» isto, renuncia em regra a uma punição, nos termos do § 35 I I, fá-lo,
uma acção tipicamente ilícita. sem embargo da existência de culpa (diminufda), porque entende que,
São pressupostos da responsabilidade penal, entre outros, a capaci- nessas situações excepcionaiS', uma necessidade preventiva de punição
dade de cu lpa(§§ 19 e 20), a possibi lidade de conhecimento da ilici- só se veri lic a nos casos especiais do § 35 I 2.
tude (§ 17) c a normalidade da situação em que a acção foi praticada, Como se mostrará, pode comprovar-se a presença. mais ou menos
a qual falta quando se verificam detenninadas formas de perigo (§ 35) marcada, de factores preventivos como estes cm todas as causas de
e de excesso de legítima defesa(§ 33). Além disso, há casos de exclu- descu lpa (ou melhor: causas de exclusão da responsabilidade) e tam-
são da responsabilidade na parte especial, no direito penal secundário bém nas causas de exclusão da culpa em sentido restrito (inimputabi-
e no domínio supralegal. Os mais importantes de entre e les serão pos- lidade, erro inevitável sobre a proibição)'. Dantes, tais factores não
teriormente tratados. passavam completamente despercebidos, é certo; mas eram descurados
Em casos excepcionais, nomeadamente quando existe uma causa no plano cientílico e a sua autonomia era ignorada, pelo que, tradicio-
de exclusão da pena ou falta uma das chamadas «Condições objectivas nalmente, se denomina somente «culpa» a categoria do delito que se
de punibilidade», pode a punibilidade estar afastada, apesar de haver segue ao ilfcita. Isto, porém, constitui wna redução indevida do âmbito
uma acção ilfcita responsável. Isso, porém, não é devido a razões de do problema, uma vez que o reconhecimento do facto de que o legisla-
direito penal, mas sim a ponderações de interesses alheias ao direito dor, mesmo quando existe culpa, renuncia à pena onde ela lhe não
penal, que devem integrar-se numa outra categoria valorativa adicional parece indispensável do ponto de vista preventivo, contribui de modo
(cf. infra, § 23). relevante para a solução de controversos problemas da exclusão da
A responsabi lidade depende de dois dados, que terão de acrescer responsabilidade. E também só reconhecendo que a culpa e a necessi-
ao facto ilfcito: a culpa do agente e a necessidade preventiva de uma dade de prevenção são pressupostos, igualmente importantes, da res-
sanção penal, necessidade esta que deve ser extraída da lei. O agente ponsabil idade penal é que a dogmática do direito penal pode harmoni-
actua com cu lpa quando realiza um ilícito penal, embora, na situação zar-se com a teori a dos fins da pena, relativamente à qual se reconhece
concreta, (ainda) pudesse ser alcançado pelo apelo que emana da nor- hoje que só a cu lpa e a necessidade de prevenção, cm conju nto, podem
ma e possufsse uma capacidade suficiente de autocomando, tendo, por desencadear uma sanção penaF.
isso, acesso, no plano psíquico, a uma alternativa de comportamento
lícito. Uma actuação que seja, nestes termos, cu lpada carece, em regra,
1 Mais desenvolvidameme infra, §§ 20-22. Sobre o problema «prevenção e ca-
de ser reprimida penalmente, por razões preventivas, uma vez que,
pacidade de culpa•, em sfntese, LACKNER, K/einklteclu - FS, 1985, p. 245.
quando o legislador abrange um comportamento num tipo legaLde 2 Em sentido concordante, SCHONEMANN, 1984. p. 169 («exacto em toda a li-
crime, assenta em que ele, a verificarem-se a ilicitude e a culpa, tem, nha»); AMI!LUNO, 1984, p. 98; lACKNER, Kltinknec/11-FS. 1985, p. 262; RUOOlPHJ,
normalmente, de ser combatido com recurso aos meios de carácter 1982, pp. 27 e segs. Ampla discussão do problema em YOUNO-WHAN·KtM, 1987. Em
punitivo. A necessidade preventiva da punição não precisa então de sentido critico (mas visando a fommlação anterior da minha doutrina, que relativi-
qualquer fundamentação especial, pelo que a responsabilidade penal se zava mais a ideia de culpa): SCHONEBORN, ZStW, 88 (1976), pp. 369 e segs.;
BURKIIARDT, GA, 1976, pp. 32 1 e segs.; STRAT8NWSRTH, 1977, pp. 21 e segs., 28 e
ve ri fica, desde logo, com a existência da culpa.
segs.; ZII'F, ZStW, 89 ( 1977), pp. 707 e segs. e 710 e seg.; SEELMANN, Jura, 1980,
Mas não é assim em todos os casos. No estado de necessidade pp. 509 e scgs. A nova formulação da minha concepção é desenvolvida, em diálogo
desculpante (§ 35), por exemplo, o legislador assenta, com razão, em com a critica, cm Bockelmann-f·s, 1979, PJ>. 279 c scgs.: ZStW, 96 (1984), pp. 641
que o perigo ainda poderia ser suportado, tendo assim o agente a e segs.: SclnvZStr, 104 ( 1987), pp. 356 e segs.

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CLIIUS ROXIN CULPA E Rli:SPONSABIUDADf.

O reconhecimento do facto de que, ao lado da falta de culpa, u. Do conceito psicológico a o con ceito nor mativo de culpa'
também a falta de necessidade preventiva da punição pode levar à
exclusão da responsabilidade não significa que esta categoria do delito Uma «Culpa», como categoria do del ito autónoma, só pôde ser
esteja sujeita à incerteza jurídica que afecta todas as asserções e laborada depois de se ter imposto na dogmática do direito penal a
cientfficas acerca do que seja ou não necessário, do ponto de vista da separação entre o ilfcito e a culpa (a este respeito, mais desenvolvida-
prevenção especial ou da prevenção geral. Com efeito, no plano da mente, § I O, números de margem 68 e scgs.). A distinção baseou-se na
interpretação do direito vigente está fora de causa permitir-se ao juiz ideia, que dominou o sistema «clássico» de direito penal, de que todos
conceder a impunidade de acordo com as suas próprias ideias de os elementos objectivos do .delito devem localizar-se no ilfcito e todos
poHtica criminal; devem, isso sim, ser apuradas as suposições cm que os elementos subjectivos na culpa (mais desenvolv idamente § 7,
a lei assenta, no domínio preventivo. Isto não confere uma margem de números de margem 11 e segs.). Arrancando deste ponto de partida, o
liberdade de decisão maior do que aquela que, fora deste campo, é pensamento naturalfstico do fmal do século XIX, que tentava recondu-
concedida à interpretação do direito vigente e à evolução da dogmática zir todos os conceitos jurídicos a dados empíricos, apreensfveis nos
do direito penal. termos das ciências da natureza, desenvolveu o conceito «psicológico»
Também não é exacto que os efeitos protectores, próprios do Es- de culpa, que dominou até ao princfpio do presente século. Nos termos
tado de direito, que decorrem do principio da culpa, sejam afectados desta concepção, a cu lpa era considerada como a ligação subjectiva do
pela necessidade preventiva da punição. Segundo a opinião aq ui defen- agente com o resultado. O dolo c a negligência eram considerados
dida, a pena pressupõe sempre a culpa, pelo que nenhuma necessidade << formas de cu lpa», enquanto a imputabilidade se caracterizava como
preventiva de penalização, por maior que e la seja, pode justificar uma <<pressuposto da culpa>> ou <<pressuposto da pena». Foram defensores
sanção penal que contrarie o princípio da culpa. A reivindicação de famosos de um tal conceito psicológico de culpa - com numerosas
que s~ja reconhecida uma necessidade preventiva da pena, como um divergências entre si - v. Buri4 , v. Liszt5 , Lõffier6, Kohlrausch, nas
pressuposto adicional da punibilidade, significa apenas mais uma pro- suas publicações mais antigas7 , e Radbruch 8•
tecção perante a intervenção do direito penal, na medida em que já não Nas primeiras décadas do nosso século, o conceito psicológico
é somente o quantum permitido de prevenção a ser limitado pelo de culpa cedeu o lugar ao conceito no•mativo de culpa, ainda hoje
princípio da culpa, mas também a possibilidade de punição do compor- dominante. É considerado <<pioneiro no sentido desta nova [...]
tamento culpado a ser restringida pelo requisito da indispensabil idade concepção>>9 o trabalho de Frank Acerca da Construção do Con-
preventiva. ceito de Culpa [Über den Aufbau des Scllllldbegriffsl, do ano de
Do exposto resulta que o conceito de culpa do StGB é recortado
em termos mais amplos do que o empregado aqui, na medida em que
abrange todo o domfnio da responsabilidade. Quando o § 35 diz do ' Exposição de1alhnda cm ACHE.NBACH, 1974. De base filosófica e tendo em
agente em es~do de necessidade que ele actua «Sem cu lpa>>, isso vista, no plano dos efeito~ jurídicos, a medida da pena: CRASNICK, 1987. Obra básica,
sign ifica: <<sem responsabi lidade, embora com culpa (reduzida)». O de carácter filosófico-jurfclico e j urídico·penal: ARTH. KAUFMANN, Das Schuldprin·
facto de o legislador ainda não conhecer a distinção entre culpa e zifJ, 1961, 2 1976.
responsabilidade não pode impedir-nos de fazer, na linguagem • Sobretudo em Ober Causalitiit und dere11 Veranrwartung, 1873.
científica, esta diferenciação terminológica, radicada na própria maté· ' Sobre as diferentes fonnutações do seu conceito de culpa nas diversas edições
do seu Tratado, cf. ACIIENliACH, 1974, pp. 38 e segs.
ria, tal como a circunstância de o § 33 dizer apenas que o agente «não 6 LÕFFLER, 1895.
é punido>> não pode influenciar a interpretação a dar a esse preceito, 7 KOHLRAUSCII, 1903: KOHUV\USCII, 1910, pp. 180 e segs.
como caso de exclusão da responsabilidade. 8 RADBRUCII, ZStW, 24 (1904), pp. 333 e segs.
9 MEZGER, Straj'R, 2 1932, 3J949, p. 267.

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CULPA e Rli:SPONSABIUDADii:
CUlUS ROXIN

1907'o. Frnnk partiu da observação de que o ~stado de nec~s~idade com o facto ou a possibilidade de uma tal ligação (dolo ou negli-
desculpantc _ que então vinha sen~o, pr?gress~vamente, admutdo - gência); 3) a configuração normal das circunstâncias em que o agente
não ern explicável através do concetto pstcológtco de culpa: «Na ver- actua". Ele encontrou como fio unificador, como «breve síntese dos
dade, se 0 conceito de culpa não a~range mrus do q~e a soma do dolo vários elementos da culpa» 15, o conceito de censurabilidade: «Culpa
e da negligência, e se estes c:_on~r~tem na produçao, consctente ou é censurabilidade [...]: um comportamento proibido é atribuído à
imprevidente, do resultado, entao _e mcomprecnsí~cl que a culpa possa culpa de alguém, quando se lhe pode dirigir uma censura por ter opta-
ser exclufda por estado de necessrdade. Com efctto, também o agente do por ele16.»
que actua em estado de necessidade sabe o que faz. É, pura e simples- A elaboração do conceito notmativo de culpa foi continuada por
mente, ilógico [..."1 negar o seu dolo".» Goldschmidt17, em termos que exerceram Im·ga inl1ullncia. Ele tentou
Frank acentuou também o carácter insatisfatório da concepção de deduzir a ccnsurabilidade, cuja fundamentação Frank não desenvolve-
que a imputabilidade é <<pressuposto da culpa>> (i. e., pressuposto do ra, da violação de uma especial <<norma de dever». S~gundo
dolo ou da ncgligBncia): <<Na verdade, também um doente mental Goldschmidt, ao lado da «norma de direitO>>, que exige um comporta-
pode querer a acção e ter a representação mental dos elementos que mento exterior c cuja violação é o fundamento da ilicitude, existe,
fazem dela um crime; pode, até, saber que ela é um crime"». Segun- «implicitamente», uma «norma de dever», que impõe a cada um
do Frank, a imputabilidade «não é pressuposto da culpa; pertence, sim, «configurar o seu comportamento interior do modo necessário para
à culpa»'>. corresponder às exigências que a ordem jurídica faz, a respeito do seu
Um outro argumento contra o conceito psicológico de culpa, que comportamento exterior»18• No entanto, para Goldschmidt, pode-se
Frank não aduz mas é, de resto, muito discutivo, consiste em que na «violar uma norma de dever sem se agir com culpa, na medida em que
negligência inconsciente não é detectável uma ligação psíquica do se puder invocar uma causa de desculpa, um caso de exclusão da
agente com o resultado. Se se quiser continuar a sustentar o seu violação do dever>> 19• A ideia mestra das causas de desculpa - que ele,
carácter de culpa, terá de se lançar mão de um outro conceito de culpa. nesta base, distinguia das causas de justificação e das causas de exclu-
Frank retirou da sua análise a consequência de que a culpa não são da culpa- via-a Goldschmidt na inexigibilidade. «0 não se deixar
consiste apenas na ligação psíquica do agente C0'11 o resultado, mas motivar pela representação mental do dever, apesar de existir exigibi-
sim em três «elementos>> de igual importância: I) a constituição lidade, é violação do deverW.>>
psíquica normal do agente; 2) uma ligação psíquica concreta do agente Com base nos trabalhos de Frank e Goldschmidt, FreudenthaF'.
construiu então uma causa geral supralegal de exclusão da culpa,
constitufda pela inexigibilidade: quando <<para o não cometimento do
facto punível teria sido necessária uma capacidade de resistência tal
•• FS da Faculdade de Direito da Universidade de Gic(lcn, 1907, pp. 3 e segs. que, normalmente, não se pode exigir a ninguém, falta o poder e, com
(Citamos este estudo pela separata que foi então simultaneamente publicada.) ACHE.'<·
BACH, 1974, pp. 101 e segs., relativiza a imponância deste breve «escrito de oca-
sião», que mal cmm cm detalhes, observando que a viragem pam o conceito nonna-
tivo de culpa já estava previamente traçada pela influência exercida na ciência do "FRANK (cf. n. 10), p. 12
direito penal pelo pcnsamenoo neo-kantiano, referenciado a valores. Ma.~ isto não "FRANK (cf. n. 10), p. 12.
diminui o mérito. que cabe a FRANK, de ter sido o primeiro que, coerentemente, levou 16 FRANK (cf. n. 10), p. 14.
a cabo e fonnulou, em tem1os consistentes, a reestruouraçfio. que se impunha, da 17
GOLDSCitMTDT, 19 13; COLDSCHMIOT, Frank - FS. 1930, vol. I, p. 428.
teoria da culpa.
11 I'RANK (cf. n. I 0), p. 6.
'* GOLDSCilMIDT, 19 13, p. 17.
19 GOLDSCHMIDT, 19 13, p. 34. ,
ll FRANK (Cf. n. 10), p. 8. 20 GOLDSCIIMIDT, Frank- FS, 1930, vol. I, Jl. 442.
ll FRANK (cf. n. 10), p. 9. 21 t~\llUDIJNTtV1l.., 1922.

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CU.IJS ROXIN CIJU'II E RESPONSA.BIUDADE

ele, a censura; e, com a censura, falta a culpa»n. Uma tal causa geral categoria do delito que se segue ao ilícito, se trata, não de urna simples
de exclusão da culpa da inexigibilidade é ainda hoje largamente admi- faCiualidade psíquica, mas sim de uma valoração do facto, de tipo
tida nos crimes negligentes e nos delitos omissivos; mas, nos factos diverso da violação do dever. Mas o conceito de ccnsurabilidade só
dolosos, apesar das numerosas vozes concordantes que inicalmente a abrange de modo incompleto a espécie de valoração a efectuar, porque
apoiaram, não se impôs ao fim e ao cabo, por causa da incerteza está orientado apenas no sentido da culpa. Esta valoração não diz res-
jurídica que a e la está ligada2J (cf., mais dcscnvolvidamente, o § 24, peito apenas à questão de saber se se pode fazer ao agente uma censura
número de margem 115). (de cu lpa), mas é, sim, um juízo sobre se ele, dos pontos de vista do
O conceito normativo de culpa sofreu mais uma mod ificação com direito penal, deve ser responsabilizado pelo seu comportamento.
a doutrina da acção final, na medida em que esta localizou logo no tipo A censurabi lidade é condição necessária, mas não suficiente, da
o dolo c o dever objectivo de cuidado nos del itos de negligência e, responsabi lidade; tem de lhe acrescer a necess idade preventiva de
deste modo, retirou, essencialmente, à cu lpa, precisamente os ún icos sanção (cf. números de margem I e segs.). Assim, por exemplo, o
elementos que, nos termos do conceito psicológico de culpa, forma- excesso de legítima defesa (§ 35) é culpado e, portanto, censurável,
vam o seu conteúdo. Surgiram então, como os três «elementos» da desde que não se verifiquem os pressupostos do § 20; mas, apesar
ccnsurabilidade, já só a imputabilidade, a possibilidade de consciência disso, o agente não é responsabilizado, porque o legislador, em relação
da ilicitude (hoje § 17) e a exigibilidade de um comportamento con- aos estados de afecto asténicos, não considera necessário reagir com a
forme à norma (que falta nos casos dos §§ 33 e 35). Esta alteração foi, pena a excessos de legítima defesa. O conceito normativo de culpa tem
em primeira linha, introduzida a partir da doutrina finalista da acção e de ser, portanto, aperfeiçoado, tomando-se um conceito normativo de
do ilícito, mas também foi apoiada pela tese de que deste modo é que responsabilidade.
o conceito normativo de culpa é realmente desenvolvido com coerên- Tamb6m necessita de ser esclarecida a relação entre a valoração e
cia. Na verdade, disse-se, os elementos subjectivos (o objecto da valo- aquilo que 6 valoraclo, num conceito normativo de responsabi lidade.
ração) saíram elo conceito de culpa, permanecendo lá «Somente o cri- É que é inteiramente errónea a opin ião de que a responsabi lidade se
tério cl~ ccnsurabilidade» (a valoração do objecto)'lA. Maurach/ZipflS toma num «puro juízo ele valor» com a el iminação elo dolo da «culpa»
denom1nam a concepção elaborada por Frank c Goldschmidt «conceito e. a. sua localização no tipo. Do mesmo modo por que se tem de
complexo de culpa», po1:que contém, lado a lado, e lementos psíquicos dtstmgUlr entre a base factual da ilicitude e o j uízo de ilicitude, e tal
e elemc1~tos valoradores. Segundo estes autores, ta l conceito não per- como <<O ilfcito» constitui o objecto da valoração juntamente com o seu
mite «apreender a culpa como puro juízo de va lor». Isto só teria sido predicado de valor, tem de se distinguir entre a base factual da respon-
conseguido pela doutrina da acção final. sabilidade e o juízo de responsabilidade, entendendo-se a «acção res-
ponsável» como uma unidade constituída pela valoração e por aquilo
III. Para uma crítica do conceito normativo de culpa que é valorado.
Fazem parte da base factual da responsabilidade em sentido restri-
A razão esrá do lado do conceilo normarivo de culpa e esle repre- to todas as circunstâncias que, para além do ilícito, são decisivas para
senta um grande progresso em relação ao conceito psicológico de a r:esponsabilidade26• São elementos em parte subjectivos, em parte
culpa, na medida em que nele se exprime o entendimento de que, na ObJectivos, como a constituição psíquica do agente, a sua consciência
real ou virtual da ilicitude e a falta de situações de desculpa.
n FRP.UI)EI'(f"tiAL, 1922, p. 7.
"Em Sentido crftico, sobretudo, SCHUMACUER. 1927; SCfiAf'FSTElN, 1933. "' Em sentido inteiramente concordame, no que rcspei1u uo «tipo de culpa>>,
.,. WllLZllL. Srra}R", p. 140 . 2
AR1l·l . KAUFMANN, 1976, p. 182; assim, também, STRATENWCRTII, AT", número de
25
MAUll,\CII/ZU>r , ATil 7, 330/23. margem 51O.

510 RPCC -4 ( 1991) RI'CC 4 (1991)


511
CUU'A F. RF.SPONSABIUDADF.
CI.AUS IIOXIN

Da base faclual da responsabilidade em senLido lato faz parte os pressupos1os substanciais de que depende a censurabilidade. Esta
1ambém 0 ilfcilo Lfpico, pois é pelo .r~clo global que o a~enle é respon- questão, que tem por objecLo o conceito material de culpa, é objecto de
s·tbilizado. Todos os elemeo1os do thcllo são ponanlo, mdtreclamente, respostas divergentes, também entre os defensores de uma doutrina
c~ilérios de culpa e de responsabilidade: A queslão de saber se se normativa da culpa. Em seguida, serão abordadas as cinco concepções
localiza o dolo no tipo ou na culpa só dectdc, pon:mto, da peneoça do mais importantes, de entre as que hoje (em numerosas variantes) se
dolo à base faclual da responsabilidade em sentido lato ou em sentido apresentam como rivais (n."' I a 5). Após isso, terá lugar uma breve
restrito27 • análise crítica da rejeição radical do princípio da culpa, que de tempos
O termo «responsabilidade>>, tal como o de censurabilidade (ou a a tempos volta a ser sustentada, nomeadamente com base em premis-
ilicitude, cm relação ao facto ilícito), designa, no sentido rigoroso da sas sociológicas e psicológicas (n.• 6).
palavra, apenas o predicado de valoração, não a própria base factual
valorada. No entanto, é usual incluir-se nestes conccilos a própria base
factual va lorada, onde isso seja exigido pelo contexto. A <<responsabi- 1. Culpa corno «poder agir de outra maneira•
lidade>> deverá então ser entendida como acção responsável.
«Na sequência de uma longa Lradição jurídica e ftlosófica»29 , o
conteúdo da culpa é, tradicionalmenle, definido <<como o poder de
IV. A determinação d o conteúdo da culpa no direito penal opção da pessoa, relativamente à formação da sua vontade ilícita». «A
(o conceito material de culpa) culpa 1...] fundamenta a censura pessoal, dirigida ao agente, de que ele
não omitiu a acção ilícita, embora pudesse tê-la omitido.» Também o
Também para a concepção aqui defendida a culpa continua a ser BGH:IO aderiu a esta concepção: «Culpa é censurabilidade. Com o
um pressuposto decisivo da responsabilidade penal (embora não o juízo de desvalor da culpa é censurado ao agente que ele não se tenha
único). Quando se faz depender a punibilidade da culpa do agente, isso comportado licitamente, que se tenha decidido pelo ilícito, apesar de
tem como objectivo traçar um limite ao poder punitivo do Estado (em ter podido compottar-se de maneira lícita, de ter podido decidir-se pelo
especial, às necessidades públicas de prevenção). No âmbito do trata- que é confotme ao direito. A profunda razão ele ser da censura da culpa
mento das teorias dos fins das penas foi exposto por que é que, devido está cm que o homem é, por natureza, dotado da capacidade de auto-
a razões de Estado de · direito, uma tal lim itação é preferível a uma determinação ética, livre e responsável, c, portanto, é capaz de se
concepção assente num fim puramente preventivo (cf. o § 3, números decidir pelo direito contra o ilícito [ ... )»
de margem 43-49)18• Mas esta concepção não se pode manter, apesar da sua plausibili-
A resposta à questão de saber se e em que medida o princípio da dade no plano da filosofia do quotidiano. Ainda se poderia aceitar ela
culpa pode desempenhar esta tarefa depende do conteúdo que se con- basear-se na premissa indemonstrável do livre arbfLrio31• Com efeito,
fere ao conceito de culpa. O conceito normativo de culpa diz apenas
que um comportamento culpado tem de ser «censurável». Mas ele é de
natureza inteiramente formal e não responde à questão de saber quais 29
WELZel.., SlrfR" . p. 140. Citação seguinte: toe. cí1., p. 138. Em sentido seme-
lhante ARTII. KAUFMANN, ' 1976, pp. T/9 e segs.
"' BGIIS1, 2, p. 200.
11
" Muito muis importante é reconhecer·se que na configuração da estrutura do A exposição representativa desta matéria. no campo do direito penal. é a de
dolo (por exemplo. na delimitação do dolo eventual) já entram em linha de conta pon- ENCISCft, 21965. Rigorosamente determinista: DANNIJR, '1977. Uma ampla exposição
derações de culpa; cf. o§ 12. número de margem 26, c o§ 7, número de margem 77. da posição contrária. indetemlinista, encontra-se cm DREftER, 1987 (especialmente
" J'IUSTilR, 1988, fundamenta o direito penal da culpa no direito constitu- acerca de DANNER: pp. 337 e segs.). Exposições de carácter geral: POTHAST (editor),
cional. 1978; POTHAST, 1980. Relativamente ao século XIX: l•tOI..UIAUER. 1970.

512 RPCC 4 ( 1991) RPOC 11 (1991) 513


CUIUS ROXJN
- CUU'A e RESPONS;JJ/UDADt;
este nos termos relativamente estreitos em que, exclusivamente, é mos~8 :<<O agente, na situação em que se encontrava, teria podido agir
aincla hoje sustentado pelos seus defensorcs32, constitui uma hipótese de outra maneira, no sentido de que, segundo a nossa experiência de
na qual se pode, apesar de tudo, assentar, uma vez que um determmts- casos idênticos, um outro no seu lugar teria, nas circunstâncias concre-
mo rigoroso também não é s usceptível de verificação empírica e, além tas e com o emprego de uma força de vontade que, possivelmente,
disso, é inexequível no plano práticoll. No entanto, esta doutrina faltou ao agente, possivelmente agido de outra maneira.»
falha, porque, mesmo que se assente no pressuposto da existência de Mas, partindo de uma posição indeterminista, é impossível basear
uma liberdade de decisão, teoricamente pensável, não é, indis- umâ censura ética, dirigida a uma pessoa concreta, em aptidões que
cutivehnente, passível de verificação científica a existência de um outras pessoas talvez tenham , mas faltam justamente ao agente! Isto
poder de o agente concreto agir de outra maneira, no momento do não é apenas ilóg ico, mas também um abandono do ponto de partida de
facto. Bockelmann:~<~ denom ina mesmo «rematado disparate»!!.' a supo- que tem de ser possível ao próprio agente uma decisão livre.
s ição «de que o homem mentalmente são pode agir livremente e a
essência da doença mental consiste precisamente na supressão do
livre arbítrio>>. Isto poderá ser exagerado; mas, em qualquer caso, é
certo o seguinte: se, para se afirmar a existência de culpa, se está a 2. Culpa como atitude interior reprovada pelo dircito
pressupor um substracto empírico, cuja presença, em princípio, não se
pode comprovar, então o princípio i11 dubio pro reo terá de levar, em Segundo uma doutrina, fundada por Gallas~9 • a culpa é <<censurabi-
todos os casos, à absolvição. Será então impossível um dire ito penal lidade do facto, atendendo à atitude interior, reprovada pelo direito,
da culpa. que nele se manifestou>>. A diferença entre o ilicito e a cu lpa é, para
Os defensores da doutrina do poder agir de outra maneira esta doutrina, a diferença <<entre o desvalor de acção do facto e o des-
procuram evitar esta consequência, na medida em que assentam, valor de atitude interior, realizada no facto». No dominio da culpa é
não no poder do agente concreto, mas sim no «poder de que, se- proferido, «numa visão generalizadora, orientada por critérios de valo-
gundo as regras da experiência, dispõe o homem médio»36 , na capaci- ração ético-sociais», um juízo de desvalor sobre a <<atitude global do
dade «da maior parte dos homens>>l7. A «censura da culpa dirigida agente perante as exigências do direitO>>, na medida em que ela se tiver
ao indivíduo>> passa então a ser formu lada nos seguintes ter- actualizado no facto concreto.
Seguem esta doutrina sobretudo Jescheck40 (atitude interior juridi-
damente defeituosa) e Wessels4 t (atitude interior juridicamente re-
provável, atitude defeituosa do agente).
n Cf., por exemplo, UlNCKNER, 1972, p. 19; HENKEL, 1 19n. pp. 254 e segs.,
com mais referências bibliográficas. Da literatura mais antiga: Wlli..Zilt., ZStiV, 60
(1941), pp. 428 e scgs.
"Cf. a este respeito, sobretudo, BOCKELMANN, ZStiV, 75 ( 1963), pp. 386 e segs. AT', § 37 r 2 b. Ao que parece, a ideia remonta a OOttNA, ZStW, 66
38 JllSCI-IECK,
'' DOCK!>LMANN, ZStW, 75 (1963), p. 380. ( t 954}, pp. 511 e segs. Úerrada a invocação. que JtlSCHECK faz, de I!NOtSCH, pois este
" Mais reservados nn fonna, mas chegando a igual resultado: JllSCilECK, Al", rejeita precisamente «a transposição para uma outra pessoa ou para o 'género huma-
§ 37 I 2 b; STR.ATENWERTil, AT>, Rn. 513; ~IASSEMI.!R, StrajR2 , pp. 229 e segs. De no'• (ENGISCH. 1963, 2 1965, 25). MAIWALO,I.Ack11er- FS, 1987, pp. 149 e segs.,
entre a literatura especíahnente dedicada a esta matéria: NOWAKOWSKI. Riulu - FS, romece uma análise critica, quer do conceito «social• da culpa, quer, em geral, da
1957, pp. 56 e segs.; MANOAKIS, ZStW, 75 (1963), p. 516; AGUEIREOO DIAS, ZStiV, nova teoria da culpa.
95 (1963), pp. 228 e segs.; SCHREIBER, Riclllerakademie Trier- FS. 1983, pp. 76 ,. GALLAS, ZStiV. 67 (1955), p. 45 (=Beitrlige zur Vert>rechcnslehre, 1968,
e segs. p. 56).
36 MANGAKtS, ZStW, 75 (1963), p. 5 17. 40 JESCHECK, AT', § 3& 11 5.
>7 LENCKNI!R, t972, p. 19. " WllSSEl.S, A71<), § 10 I 3.

Sl4 llPCC 4 (1991)


ltPCC .. (191}1) 515
CLAUS ROXIN CULPA E R6SPON$ABIUDADf.

É de objectar a esta concepção que ela não vai, substancialmente, Schmidhliuser deixa expressamente em aberto a questão do livre
para além do carácter formal da censurabilidade, visto que não avança arbítrio": «Co~ esta constataçã_? ~ão se toma. de modo algum, posição
qualquer critério de onde se retire por que é que a atitude interior do quanto à questao do hvre arbnno em sentido filosófico. Nomeada-
agente é reprovada pelo direito: admite-se a existência de uma atitude ment~, com ist<: não se responde de modo positivo nem de modo
interior reprovada pelo direito logo que o legislador profere uma cen- negallvo à .questao de saber se e~le agente, tal como ele é, e na situação
sura e responde afirmativamente à questão da punibilidade. É certo que em que fo1 pratJca?o o facto, tmha, em absoluto, a possibilidade de
Gallas42 indica um elemento de carácter substancial quando, em deter- respeitar o valor VIOlado. Temos de nos bastar com a verificação da
minado passo, observa que o desvalor da atitude interior existe, em existên~ia, ao tempo do facto, de contacto mental do agente com o
regra, quando há desvalor de acção, e inexiste <<somente quando ao valor v1olado e, neste sentido, também da existência de um indevido
agente falta o poder, apesar de actuar com dolo». Mas isto é idêntico comportamento menta l, relativamente a esse valor.>>
ao poder agir de outra maneira e está sujeito às objecções que lhe são A objecção'* de que, na negligência inconsciente culpada, falta um
de opor. «CO~tacto mental com o valor violado>> responde Schmidhiiusef"9 que
Além disso, a afirmação ou negação da culpa, em vários casos, basta q~e o agente, «como pessoa, tenha à sua disposição, ainda que
mal pode expl icar-se com o carácter defe ituoso ou irrepreensível da mconsc1entemente, ao tempo do facto, o valor respectivamente le-
atitude interior. Na verdade, a atitude interior do agente, que certa- sado>>. Isto é uma achega ~ecunda, na medida cm que tal «disponibili-
mente pressupõe uma posição consciente, não é, na negligência in- dade~ se a!>roxun.a da 1de1a da «permeabilidade ao apelo normativo»,
consciente, dirigida a nada de desvalioso; e, inversamente, pode o q~e e aqu1 cons1derada de importância decisiva para a culpa (cf.
autor de um homicídio, cometido para satisfação do instinto sexual, numeros de margem 34 e segs.). Mas, com os conceitos de «contacto
revelar no facto uma atitude interior extremamente baixa, mesmo mental» e de «não tomar a sério no comportamento mental>> não se
quando tenha de ser absolvido, nos tcnnos do § 20, por falta de ini- des1gna de modo feliz aquilo que, porventura, ambas as concepções
bições. pretendem, Igualmente, exprimir. Na verdade, como é que se pode,
A doutrina da culpa da atitude interior encontrou em mconsc1entemente, não tomar algo a sério, no «comportamento men-
Schmidhlluser43 uma configuração autónoma. Para ele, culpa é «atitude tal»? Tomar ou ~ão. tom:u- algo a sério, no plano mental, pressupõe uma
interior antijurídica, rellltiva ao facto concret0»44 • No entanto, diversa- tomada de pos•çao 1ntenor e, portanto, também o conhecimento daqu i-
mente de Gallas e seus seguidores, ele indica o conteúdo deste critério: lo sobre que se toma posição.
«Culpa jundico-penal é um comportamento mental violador de bens ju- Por outro lado, ao doente mental, que avalia a ilicitude do facto
rídicos[ ... ]; com ela, pretende-se s ignificar que o agente viola, também mas não tem a capacidade de agir «de acordo com esta avaliação>>, nã~
falta ? <~contacto_ me~tal com o valor>>, embora actue sem culpa.
com o seu comportamento mental, o bem jurídico violado com o seu
comportamento voluntário, ou seja: [... j que não o tomou a sério»'s. em-
50
Schm tclhauser.opoe a ISto que num tal caso não podemos entender o
bora «estivesse, mentalmente, em contacto com o respectivo valor»«>. age_n~e no sentJ~o.d~ que. <<o seu facto ilícito provém de não ter tomado
a seno o bem Jund1co v1olado». Ora, é certo que o facto ilícito, aqui,

42 GAL.I"AS, ZStiV, 67 ( 1955), p. 45 ( =Bcltr'Jge zur Verbrechenslelue, 1968, p. 56).


43
A fonnutação da sua doutrina sofreu, ao longo dos anos, diversas alterações: 47
cr. LB AT', 1970, 10/3 e segs.: LB AT'. 1975, 1013 e segs.; S1uB AT'. 1984. 7/4 e SCJIMIDHÃUSER, LB AT', 10/6.
segs.; Jtscheck- FS, 1985. pp. 485 e segs. "ROXIN. ZStW, 83 (1971), p. 389: ROXIN, lfellkei - FS, 1974, pp. 178 e segs.;
"SCHMIOHÃUSER, Jescheck - FS, 1985. p. 491. SCH/;CII/LENCKNER", 1982. número de margem 11 7, anterior ao§ t3.
-" SCHMIDHÃUSER, L8 AT', I 0/6. SCI IMIDHÃUSER, Jescheck- FS, 1985, p. 492.
0
4t, SCHMIDHÃUSER, U) AT', 10/12. ' SCHMIDHÃUS8R, Jescheck- FS, 1985, p. 494.

~16 JUICC .. (1991)


lli'CC. ( 1991) 517
CU.US ROXIN CUI.l'll E RliSI'ONSIIIJIUDADE

proveio de o agente não ter podido agir de outra maneira, apesar de no mau sentido~. Também Engisch$4. infere o dever de suportar a pena
«tomar a sério o bem jurídico». Mas, com isto, encontramo-nos nova- da «responsabilidade pela culpa relativa ao carácter»: «A culpa relativa
mente em face do poder agir de outra maneira, e não perante o não ao carácter é compensada através da imposição e assunção de uma
tomar o bem jurídico a sério no comp011amento mental, como funda- deterrnmada forma de actuação sobre o carácter.» Figueiredo Diass'
mento da censura da cu lpa. des1gna a culpa como <<ler que responder pela personal idade que fun-
Portanto, também a doutrina de Schmidhiiuser não invalida as damenta um J!fctlo tfp1co»; o homem é culpado «Se manifesta no facto
objecções fundamentais que podem ser opostas ao critério da atitude qualidades pessoais jurídico-penalmente desvaliosas e, neste sentido,
interior. uma personalidade censurável».
A ob~~o q~e logo ocorre contra doutrinas deste tipo é a de que
3. Culpa como ter de respOnder pelo seu próprio carácter é contrad1tono atnbu1r a uma pessoa a culpa por algo relativamente ao
qual ela está inocente, nada pode fazer: a estrutura do seu carácter".
Esta doutrina assenta numa base determinista e pa1tc da ideia de Em parte, os defensores desta doutrina ladeiam a dificuldade com
que cada um é, sem mais, responsável pelas caracterfsticas que o construções metafísicas. Assim, Schopenauer vê, por detrás de um
levaram à prática do facto, responsável por ser assim como é. O seu carácter empú·ico pl.enamentc determinado, um carácter inteligível,
qt~e se determma a s1 mesmo em opção livre; c ainda hoje Figueiredo
antepassado mais importante, no campo da filosofia, é Schopenauer'1,
segundo o qual cada agente sabe que «era perfeitamente possível uma D1ass7 - numa forma semelhante, modificada em termos existen-
acção inteiramente diversa, que poderia ter-se verificado se ele fosse cialistas - lança mão de uma «opção fundamental>>, através da qual
«O homem se decide a si mesmo, criando o seu próprio ser ou afirman-
outro: foi esta, e só esta, a razão determinante dos acontecimentos.
É certo que a ele não era possfvel uma acção diversa, porque ele é este do a sua própria ess€ncia». Mas estas suposições são tão insusceptíveis
~e prova como o poder agir de outra maneira no momento do facto. Por
e não outro, porque rem um carácter ~m esta configuração concreta;
mas, em si mesma, ela era possfvel. A primeira vista, a responsabili- ISSo,. elas podem ser objecto de crença filosófica, mas não podem
dade, de que ele tem consciência, respeita apenas ao facto; mas, no serv1r de base a uma concepção empírico-racional do direito penal.
fundo, respeita ao seu carácter: ele sente-se responsável por este e é A melhor via para se apoiar uma concepção da cu lpa que proclame
por este que também os.outros o responsabilizam.>> .
o ter. de .responder pela própria maneira de ser é, decerto a de re- )

Esta concepção tem muitos seguidores, também no direito penal. nunc1ar mtemunente à retribuição e a uma censura moral contra o
Diz Heinitzs2: «Na vida, uma pessoa responde por aquilo que é, sem se ag~nte, limi~r o direito penal a fins preventivosss e entender a culpa
tomarem em consideração as múltiplas razões que levaram a que se ma1s no sent1d0 de uma responsabilidade social. Saber se os pressu-
tenha tomado assim.» Dohna$3 denomina «uma lei fundamental da postos desta amda se podem designar por «culpa» e se o respectivo
vida em sociedade que cada um tenha de responder por aquilo que faz,
na medida em que constitui emanação da sua personalidade; que o
homem seja tratado em função daquilo que ele é, tanto no bom como ,., l!-'>~OJSCH, 1963 ('196j), pp. '4 e seg. No seu trabalho •Charaktcnniingel und
ChurnkterschuJd». 1980, pp. 87 e segs., DURKHARDT elabora umu 1coria modificada
da culpa relativa ao caráciCr, na base de um diálogo crlliCO CIUC ar leva a cabo,
sobretudo com ENGISCH.
" SCIIOPENAUER, Über die FreilteiJ <les \Villens (1839), obras comp1elas, ediL " FIGUEIREDO DIAS. ZSJW, 95 ( 1983), pp. 240, 242 e ~eg. Bsla concepção é de-
por I'Rii. VON LÕHNEYSEN. vol. 3. 1962. p. 618. Mais cilações de SCIIOPENAUER em talha~unenle exposta no seu livro Ul>e•·dade, Culpa, Dirrito Peua/, ' 1983.
ENGISCH, 1963 (' 1965), pp. 46 e segs. Cf.• pOr exemplo, AR1'11. KAUFMANN, 21976, pp. 279 c seg., COntra ENGISCH.
51 HEINJTZ, ZStW, 63 (195t), p. 74.
n FIGUEIREDO DIAS, ZStlll. 95 (1983), p. 240.
SJ GRAF ZU OOIINA, ZStW, 66 (1954), p. 508. "Ass'un, por exemplo, NOWAKOWSKI, Rittlu - FS. 1957. pp. 56 e segs.

SIS RPÇÇ 4 (1991) RPCC 4 (1991) 519


CU.US IIOXIN CULPA E RESPOI'ISA.BIUDMJE

efeito jurídico ainda se pode denominar «pena» seria sobretudo uma maneira modificada, se realiza a s i mesmo: a anomalia psíquica não
questão terrn inol6gica. destrói o princípio pessoal e o ser- livre». No entanto, ele propugna a
Mas há razões procedentes contra uma tal doutrina, que deCOJTcm absolvição, porque entende que uma culpa com fundamento ético
de ela esvaziar o princípio da culpa também da sua substância polftico- exige um acto «de comunicação pessoal» entre o juiz e o arguido; este
-criminal, na medida em que não consegue explicar por que é que o acto faltaria quando a personalidade do agente se furta à «contempla-
doente mental ou qualquer outro inimputável não actua com culpa. Na ção compreensiva» do juiz62. A inimputabilidade seria «conformadora,
verdade, também este se limita a actuar em conformidade com a estru- antes que de uma causa de exclusão dn culpa, de um verdadeiro
tura natural que lhe foi dada. obstáculo à determinação da culpa».
Engischs9 opina que, no caso da criança, do doente mental ou do Mas, com a ex igência de uma comunicação pessoal entre o juiz e
ébrio, o facto, ou não é expressão da sua personalidade, ou 6 apenas o argu ido, introduz-se um novo critério, que não está incluído na ideia
«expressão de uma personalidade que não se mostra .capaz de ~er donde parte esta concepção da culpa e também não é convincente63 . É
influenciada através da pena»; segundo ele, a segunda htp6tcse verifi- que a culpa e a pena não podem depender da possibilidade de com-
ca-se sobretudo «quanto a crianças e jovens não responsáveis, relativa- preensão do respectivo juiz, necessariamente variável de caso para
mente aos quais não se pode negar o nexo entre o facto e a personali- caso, antes têm de ser objectivamente determináveis.
dade». Mas, no primeiro caso, se assentarmos em que todos os E também não se poderá dizer, em relação a· todos os casos de
fenómenos empíricos são, rigorosamente, determináveis, não se vê inimputabilidade, que a personalidade elo agente se furta completa-
como seja possível detectar uma «personalidade» que não se exprime mente à compreensão do juiz. No que respeita aos jovens que ainda
no comportamento real do agente. E, no segundo caso, cm que o facto não são capazes de culpa, é perfeitamente possível verificar-se uma
do inimputável é expressão da sua personalidade, a pena, p~ra esta comunicação pessoal; e esta pode também ter lugar no caso de adultos
doutrina, já não depende absolutamente cm nada da culpa (CuJa exts- inimputáveis, quando a sua anomalia não retira ao facto todo e qual-
tência seria de afirmar), mas sim de meras ponderações de ordem quer sentido objectivo, nem impossibilita a apreensão desse sentido,
pragmática. Assim, «no caso daqueles psicopatas cujo comportamento antes radica na falta de inibições.
criminoso radica no próprio carácter>>, Engisch quer prever a possibi- Assim, a ideia da culpa relativa ao carácter sossobra, também nesta
lidade de impunidade, quando esta for indicada de um ponto de vista sua variante, perante o problema da inimputabilidade.
pragmático, mas nada tem a opor à ideia de que «também se pode e
deve aplicar-lhes penas sem atenuação, na med.ida em que tal se revele
salutar»60. Isto, porém, significa renunciar aos efeitos protectores do 4. Culpa como all'íbuição, em função de necessidades de prevenção geral
princípio da culpa, em favor da pura prevenção especial, justamente
naquele domínio em que eles teriam de se afirmar. E também não se Na esteira de concepções de teoria do s istema social (Luhmann),
compreende bem como é que, com o auxHio de um pri ncípio da cu lpa Jakobs64 elaborou um «conceito func ionalista de culpa», que entende a
relativa ao carácter, se podem traçar limites às necessidades ele punição
decorrentes da prevenção geral.
Figueiredo Dias61 acentua, ainda mais claramente do que Engisch, ., Sobre o diálogo da culpa (diálogo da responsabilidade): HAFI', 1978; NEU·
que «também o existir psiquicamente anómalo ou doente, na sua MANN, 1985, pp. 271 esegs.; KUI\'Z,ZSIII', 98 ( 1986), pp. 831 escgs.; SCHll.D, 1983,
pp. 58 e seg. e 73 e segs.
63 ROXIN, ZStiV, 96 (1984}, pp. 648 e scgs.

"ENOISCH, 1963 (' 1965}, p. 57. .. JAKOBS, AT, 17/18 e segs.; JAKOOS, 1976; JAKOBS, 1982 (iii GOPPINGER/
"'llNGISCH, 1963 (' 1965), p. 58. ORESSER}, pp. 127 e segs.; JAKOBS, 1982 (iii HUNRICHS), pp. 69 e scgs. É muito se-
61 t' IGUiliREOO DIAS, ZStW, 95 (1983), p, 24R melhante a posição do ACIIENBACH, 1984. pp. 135 e segs., o qual, no entanto, quer

520 RJ«:" (1991) RJ'CC '(1991) 521


CU.US ROXIN CULPA 1!. RESPONSA81UOADE

culpa como uma atribuição, em tennos de prevenção geral. Para Ja- divíduo passa a depender, não já de circunstâncias existentes na sua
kobs65, a culpa é «determ inada em função do fim»: <<Só o fim confere pessoa, r~as sim_ daquilo que se ~agina ser necessário para exercitar
conteúdo à cu lpa.>> Este fim consiste, para ele, na prevenção geral, que o~ c1dadaos na f1delldade ao ~lretto, para estabilizar a confiança deles
entende, <<não no sentido de intimidação, mas sim no de exercício de na ordem. Isto torna-se mle u·amente claro quando Jakobs pretende
fidelidade ao direito». O «fim orientador, que detennina o conteúdo da cons1derar culpado e punir também um agente completamente incapaz
culpa», é «a estabi lização da confiança na ordem, que foi afectada pelo de autocomando, que cede a instintos de intensidade anómala enquan-
comportamento delituoso». Com a atribuição de cu lpa c a pun ição a to não forem conhecidos métodos capazes de levar à cur:1 da sua
ela ligada pretende-se confinnar que <<está ce1t0 confiar-se em que a doen_ça. De modo semelhante argumenta Jakobs quanto ao reincidente,
nom1a é que está cena». O facto punível frustra as expectativas da relativamente ao qual não tem dúvida em reconhecer que a capacidade
comunidade jurídica e esta <<frustração é compensada, na medida em para acatar o direito está diminuída, entendendo, porém, que tal deve
que não é e la, mas s im o comportamento frustrante a ser interpretado ser 1gnorado, por razões de ordem social. Opina cle6 7: <<Como não é
como erro>>, quer dizer: considerado culpado e punido. <<A excu lpação t~lerável premiar com benevolência a energia criminosa, as maiores
só é discutível quando existe a possibilidade de se resolver o conflito ~~r,culdades de acatamento do direito que possam decorrer dos ante-
de outra maneira.>> Jakobs aduz o seguinte exemplo: «Assim, a excul- nores factos puníveis são problema do agente; não diminuem, por-
pação daqueles delinquentes por tendência que cedem a instintos de tanto, a culpa.»
anormal intensidade só começou a ser discutível depois de a medicina J_<ant63 censurou, como violação da dignidade da pessoa humana
ter conseguido apresentar receitas para o tratamento deles.» A capaci- esta m~trumental!zação do indivíduo, que passa a constituir apenas u~
dade de culpa não é aqui, ponanto, algo que existe ou não existe, uten~ího ao serviÇO de mtcresses de estabilização social: «O homem
podendo, por isso, ser averiguado no plano empírico. Pelo contrário: Jam~1s pode ser trata~o como meio para a prossecução de objectivos
«A autonomia é atribuída, como capacidade, se tal for adequado ao alhe1os e ser confundido com os objectos do direito das coisas· a isso
fim; e só pode faltar se existir a possibilidade de o conflito ser resol- se op~ a sua personalidade congénita.» Ora, como no anigo 1'da GG
vido de outra maneira.» a d1~n1dade d_a pessoa humana (e justamente no sentido kantiano) é
Depõe contra esta doutrina, antes de mais, o facto de ela renunciar constdcrada «Intangível», uma doutrina como esta que Jakobs defende
à função, que cabe ao princípio da culpa, de restringir o âmbitdo da depara com ObJecções, no plano do dire ito constitucional.
punibilidade, em relação à prevenção geral 66• A punibilidade do in- Acresce q~~ nã? temos medida para apurar aquilo que é necessário
para a «estabilizaçao da confiança na ordem» e quando é que uma
perturbação da ordem pode ser <<resolvida de outra maneira>>, sem
pumção. Deste modo, sujeita-se a resposta à questão de saber o que
1ambém substituir o conceilo de •culpa• pelo de «impulação subjectiva». Também deva entender-se por culpa à discricionariedade do legislador ou do
NEIJMANN, ZStiV, 99 (1987), pp. 567 e segs., assume uma posição próxima da de JUIZ e a uma hesitante incencza.
JAKOBS. HAPT, AI•, p. 127, considera a pena irrenunciável, mesmo que não se vcri·
fiquem ra7.ÕCS de prevenção especial ou de prevenção geral que a reclamem; no Por último, é de pergun~ar se uma concepção do direito penal
entanto, na substlincia das coisas conco,·da com JAKODS, quando opina que o 1em1o puramente on entada no sentido da prevenção geral não destrói ou
culpa é um simples «modelo linguístico•. que carac1eriza «O fmCJJsso do indivfduo reduz de antemão a sua eficácia preventiva, precisamente por causa
perante exigências da sociedade, que silo Ião imponantes que 1em de se reagir com dessa sua onentação. Na verdade, se começa a constar entre a popula-
uma pena contrn esse fracasso».
" JAKOilS, 1976, pp. 8. 14. I O, 3 1, 32, 10. li, 17 (pela ordem das citações).
66 Cf., mais desenvolvidamente, ROXIN, SchwZ, 104 (1987), pp. 356 e segs. V.,
67
além disso, as crfticas de SCIJONEMANN, 1984, pp. 153 c segs.; SCHONEBORN, ZSrW, lAKOilS, AT, 17/26.
61
92 (1980), pp. 682 e segs.; ARTH. KAUF!.IANN. Jura, 1986, pp. 229 e seg. KANT, Die Metaplrysik du Si/11!11, 1797, § 49 E.

522 RI"CC ~ (1991)


I{PCC 4 { I!XJI)
523
CLAUS ROXIN CULP1l E RESPONSAIJtUDADf!

ção que o «Se>> e o «como>> da pena não dependem do que foi praticado de uma análise de ciências experimentais. Na verdade, a psicologia e a
nem da atitude pessoal de quem o praticou, mas stm daqULlo que ao psiquiatria vêm afinando, cada vez mais, critérios de apreciação, <<com
juiz se afigura necessário para o restabelectmento da conflança ~-a os quais podem ser empiricamente reconstituídas e graduadas segundo
ordem, e que a culpa pode ser, por exemplo, negada no caso de exis- a sua gravidade as limitações da capacidade de autocomando» H_
tirem estabelecimentos terapêuticos adequados e aftrmada no caso d_e Quando se verifica esta permeabilidade ao apelo normativo, assen-
eles faltarem, isso provocará inquietação e dificilmente poderá estabi- tamos na suposição- que não podemos nem queremos demonstrar,
lizar o sistema social. É que não pode ser favorável à «conftança ~a no sentido do livre arbítrio- de que o agente tem também a capaci-
ordem>> o facto de o cidadão ser obrigado a concluu· que a afirmaçao dade de se comportar de modo confonne à norma e se toma culpado,
ou negação da sua culpa poderá não depender da sua pessoa, mas stm se não utiliza nenhuma das altemativas de comportamento que, em
de factores que nada têm a ver com ele, de modo que ele se toma um princípio, estão ao seu alcance, no plano psíquico. O indeterminista
joguete das circunstâncias existentes. declarará que está certa, no plano empírico, esta suposição da liber-
dade. Mas poderão igualmente aceitá-la tanto aquele que diz que não
sabe se tal suposição está certa e, portanto, se declara agnóstico (é o
s. Culpa como actuação contrária ao direito, a despeito da e~istência de caso do autor, quanto a este ponto), como o determinista. Na verdade,
permeabilidade ao apelo normativo tal suposição não diz que o agente podia realmente agir de maneira
diferente - é justamente isso que não temos a possibilidade de sa-
Segundo a posição aq~i defendida: a culpa de~e entender-se como ber - , mas sim, apenas, que ele é tratado como livren, desde que
actuação contrária ao dtretto, a despe1t0 da ex1st~ncta . de permeabth- exista uma capacidade de comando intacta e, com ela, a penneabili-
dade ao apelo nonnativo6~. Com isto, pretende-se Stgmftcar que a culpa dade ao apelo normativo. A suposição de liberdade é aqui uma <<pro-
de um agente deve ser afinnada quando ele, pela _sua constituição posição normativa>>, uma regra de jogo social, cujo valor para a colec-
mental e psíquica, estava, ao tempo do facto, dtspomvel para o apelo tividade é independente da solução do problema do livre arbítrio, com
da nonna, ou seja, quando (ainda) linha ao seu alcance, no plano que se debatem a teoria do conhecimento e as ciências da natureza.
psíquico, <<possibilidades de se decidir pelo comp01tamento onentado O que se passa com a liberdade, no mundo do direito, não é diverso do
no sentido da norma»70, quando existia no caso concreto aquela posst- que acontece com a igualdade. A ordem jurídica, ao assentar na igual-
bilidade de comando psíquico que, na maior párte da.~ situações, é dada dade de todos os homens, não faz a asserção absurda de que os homens
ao adulto são de espírito (quer se entenda que ela é livre, quer se são realmente todos iguais: emite, sim, a injunção de que os homens
entenda que é detenninada). Aqui não estamos, portanto, perante uma tenham, perante a lei, um igual tratamento.
hipótese insusceptível de ser comprovada, mas stm perante o resultado A concepção, aqui defendida, de que o direito penal se pode abster
de tomar posição na disputa tilosófica e científica em tomo do livre
arbítrio pode considerar-se hoje dominante. Lackner73 resume a !itera-
" Sobre isto, cf., mais desenvolvidameme, ROXtN, ZStlV, 96 ( 1984),_ PP· 652 _e
seg.; ROXIN, SchwZStr, 104 (1987), p. 369. Este critério enquadra-se na hnha tradt-
cional de FRANZ VON LISZT, que caracterizava a imputabilidade como <<capactdade
11 ALllRECHT, GA, 1983, p. 193, com mais referências bibliográficas. Cf. tam-
normal de ser detenninada por motivos» (v. LISZT, 1905, pp. 43, 85, 219 e passwt).
A expressão «permeabilidade ao apelo normativo>> («nonnauve Ansprech~arkett») bém 8AURMANN, 1980, p. 238.
surge, pela primeira vez, no importante trabalho de NOt-L, H. Mayer - l·S, 1966, , 72 Semelhante, nesta medida, a posição de SCHREtSBR, Der Nervenarzt. 48
p. 219. Apresenta, também, semelhanças a posiçllo de GtMHERNAT, Henkel- FS, (1977), pp. 242 e segs., que denomina <<culpa a utilização defeituosa de um poder
1974, pp. JSI e segs. Este, porém, rejeita em absoluto o concetco de culpa. que, no plano prático, nos atribuímos reciprocamente» (p. 245).
13 LACKNER, Kleinknecht- FS, 1985, p. 249.
7~ A1.8RECHT, GA, 1983, p. 207.

RPC,:C ~ (1991)
524 RPCC 4 ( 1991) 525
ClAUS ROXIN CULPA E RESPONSA8/UDADE

tura acerca deste ponto, de extensão a perder de vista, constatando que, Para Schünemalll176 , o livre arbítrio «não é um simples facto
«de acordo com o estado actual dos conhecimentos, não existe - e, biofísÍCo, mas slrn uma parte da chamada reconstrução da realidade
provavelmente, jamais existirá - um método que perm ita fazer. uma sob o prisma da sociedade e s itua-se [... 1. pelo menos na cultura oci-
afirmação, susceptível de verificação científica, acerca da capactdade dental, numa camada deveras e lementar [... ]». Ela estaria «colocada
de um homem determinado evitar uma acção determinada, numa situa- nas estruturas elementares da nossa comunicação em sociedade, sendo,
ção determinada». Isto, segundo ele, «já não é hoje posto seriamente desde logo, por isso real».
em causa». (t.~fíiiaOn~ assenta cm que «não é, de facto, susceptível
Apesar disso, a minha tese de que a suposição da liberdade é uma de se provar de modo exacto que urna pessoa podia decidir-se e
proposição normativa, independente de dados empíricos e igualme~te agir livremente numa situação concreta». No entanto, em seu en-
aceitável para deterministas c indeterministas, tem encontrado vtva tender, a liberdade «não pode ser posta fundamentalmente em
oposição da parte dos indeterministas: causa, uma vez que a liberdade existencial do homem (... ) é (... ),
Dreher" opina que o problema da liberdade, para o direito penal, ao fim e ao cabo, idêntica à sua capacidade de autodeterminação
«não é utl)a questão que se possa rodear, mas sim, pura e simples- mental (...)».
mente, a questão essencial». Segundo ele, a liberdade c a responsabi- Parece-me que todas estas afirmações, contrariamente àquilo que
lidade são «urn elemento irrenunciável da vida do homem em socie- pensam os seus defensores, mais confirmam do que rebatem a posição
dade [... ) Como, para nós, a realidade é só aquela que vivenciamos, o aqui defendida. Na verdade, nenhum dos meus opositores considera a
princípio não necessita de prova, quer no plano mental quer no plano liberdade susceptível de ser provada no plano empírico. Ora, aquilo
empírico>>, situando-se «fora do domínio que é acessível a uma prova>>. que eles, com acentos tónicos diversos entre si, aduzem em favor da
Griffel" entende que a liberdade c culpa não são apenas um admissão da liberdade, já eu disse há muito tempo: «Sentimo-nos legi-
princípio de regu lamentação juríd ica, antes se fundam cm asserções timados a estabelecer a 'propos ição normativa' de que um homem,
relativas ao plano do ser. Elas poderiam «justificar-se, perante a cuja capacidade de c:omando psíquica permanece, numa determinada
própria consciênc ia e perante a colectividade, como uma opção no situação, intacta, pode agir livremente, porque a imagem espontânea
plano da teoria do conhecimento, que faz todo o sentido, é passível de que tem de si mesmo o homem normal assenta nesta consciência de
concordância no plano intersubjectivo c susceptfvel de fundamentação liberdade e porque não é possível um ordenamento da vida do ho-
racional». Não bá,..djjlé Griffel.L <<nenhuma objecção fundada contra a mem em sociedade que faça sentido sem uma atribuição recíproca
suposição de que existe realmente livre arbítrio no caso concreto, de liberdade78 .» Estamos, portanto, de acordo em que o direito penal
desde que não se verifiquem circunstâncias especiais». A liberdade, tem de partir da liberdade, embora e la não seja passível de uma prova
diz, «é uma experiência interior [ ... ] inegável [ ...] Mas não é possível exacta.
verificar empiricamente se esta vivência não será, porventura, engana- O único ponto de divcrgllnc ia parece consistir em que os meus
dora.» A liberdade, segundo Griffcl, 6 «tão pouco passível de prova em adversários opinam que um determ inista ou agnóstico não pode nem
sentido c ientffico e11acto como, por exemplo, a dignidade da pessoa deve tomar uma tal posição. Segundo e les, teríamos de acreditar na
humana [ ... )». liberdade, teríamos de nos declarar seus «adeptos», para podermos

,.. DREllER, 1987. em viva polémica contm a minha concepção (loc. cit.. 52-56). 7. SCHÜNEMANN. 1984, pp. 163 c 166, que retoma e desenvolve a sua argumen-
Citações feitas no texto: toe. ât., 59, 396. tação em GA, 1986, pp. 293 e scgs., c 1989. pp. 147 e segs.
"GRIFFEL. ZStW, 98 (1986). pp. 29 c scgs. (43, 42, 35 e seg.). Cf., além disso, 71 AR1R KAVFMANN, J11r0. 1986, pp. 226 e 227.
GRIFFEL, GA, 1989. pp. 193 e scgs. 71 ROXIN, ScllwZStr. 104 (1987), p. 369.

RI'CC • (1991) RPCC 4 (1991) 527


526
CúiUS ROXIN CUU'A. E RESPON$A.BIUDADP

basear nela regulamentações jurídicas. Mas uma tal exigência não é pelos comandos, a um comportamento conforme ao dire ito. Dar que
possível nem necessária, no plano científico19• quando al~uém v!ola as leis penais, isso provoque uma perturbação d~
Na concepção aqui defendida, a cu lpa é um dado misto, empírico- con_sc1ên~ta JUrídtca da genenll tdadc das pessoas (e, com isso, insatis-
-nonnativoeo. A existência, em princípio, da capacidade de autocoman- façao e msegurança), que cessa quando as normas afinnarn a sua
do c, com ela, de permeabilidade ao apelo normativo é verificável no . .
validade . de uma punição do agente. Se os delitos ficassem
através ~

plano empírico8 ' (sem, com isto, se negar que na del imitação da zona 1nte~ramente unpu~es, as normas P<?rderiam largamente a sua força
de fronteira desta penneabilidade intervêm valorações; mas tal acon- mouvado:d e a SOCiedade mergulhana, cada vez mais, na anarquia.
tece com todos os conceitos jurídicos). Já a possibilidade de um ~aqut resu lta que a intervenção do direito penal é inlítil e despro-
comportamento lícito, que se extrai daquela verificação, é, pelo porciOnada, quando, cm face da constituição mental c psíquica da
contrário, atribuída nonnativamente (pelo menos na opinião de quem pess~a, ou das c.ir~unstâncias existentes na situação concreta, não se
não se quer comprometer com uma posição indeterminista). JUSt•ftca a supostçao de que aquela é motivável pela lei. É 0 que se
Assentando em que a questão da possibilidade real de agir de outra p~~a c?m pessoas com doenças mentais ou psíquicas, ou gravemente
maneira fica por responder, um tal conceito de culpa não é idóneo para d1mmutdas na su~ capacidade de motivação, bem como com pessoas
legitimar, em desfavor do agente, urna retribuição e censuras morais82 . que ~~a não armgtram a maturidade, ou pessoas que não tinham a
Ele apenas fundamenta o ter de responder, em tennos de direito penal, poss1bthdad: de obter um conhecimento da nonna. Na generalidade
por um comportamento social defeituoso, e protege de intromissões dos .c~sos, n_ao se espera dessas pessoas que s igam a nonna. Se violam
mais intensas, que seriam possíveis com base num direito puramente a.le~, 1~s? nao faz gor~r expectativas sociais nem perturba a consciên-
preventivo. Mas toma, do conceito tradicional de <<poder agir de outra Cia JU~tdtca da. generahdade dos indivíduos. Ninguém se sente impeli-
maneira» (supra, números de margem 18 e segs.), tudo aquilo que é do a tmttar tats pessoas porque, aos olhos do públ ico, a val idade da
apreensível no plano forense. Nessa medida, pode ser também aceite nom1a não é resrringida por factos como esses.
por quem assuma uma posição indeterminista. Esta não tem de estar . C~ conceito. de cu lpa aqui defendido baseia-se, pottanto, numa
necessariamente ligada à retribuição e a censuras morais, que, em JUSllftcação soctal da pena c, nessa medida, assemelha-se à doutrina
qualquer caso, são criticáveis do ponto de vista da política criminal. su~tentada por alguns defensores da culpa referida ao carácter
De resto, este conceito de culpa tem a vantagem de satisfazer as (numeros de _margem 25 e segs.) e ao conceito funciona lista de culpa
exigências decorrentes de uma concepção que restringe o âmbito do de Jakobs (numcros de margem 31 e scgs.). Mas tem em consideração,
direito penal àqui lo que é absolutamente indispensável para a socie- ~el~or do que estes, a função protectora, liberal, própria do Estado de
dade. A paz e a certeza jurídicas resultam, numa sociedade, da expec- d trctto, que cabe ao prin.cípio da culpa. Na verdade, para e le, a culpa
tativa de que os homens são, em regra, levados, pelas proibições e não depende d.e necess.'dadcs de prevenção especial ou prevenção
geral, rea •s ou 1magmánas, vagas e s ujeitas a alterações, mas sim da
capactdade de comando psíquico do agente c, por isso, de um critério
"BACKBS, Mailwfe r-PS, 1988, pp. 53 c segs., faz a defesa da concepção aqui que fixa um limite ao poder punitivo do Estado e é, cm princípio,
sustentada e mostra que ela está em concordância com as modernas investigaçl!es no susceptJvel de uma verificação empírica. Quando um delinquente por
campo das ciências sociais. tendêncta, que cede a instin1os de imensidade anonnal, ou um agente
11~> Analisando crilicamenlc a nova dogmática da cu lpa. mns tendendo. em muitos que actua em estado de afecto, ou um psicopata, não podia ser atingido
pontos, para uma posição concordante: TIBMEYER, GA, 1986, pp. 203 e segs.;
TIEMEYER, ZStW, ]()() (1988), pp. 527 e segs.
pelo apelo emanado da nonna, tem de ser absolv ido. As necess idades
ª'Isto é posto Cl1l dúvidn, sem razão, por IJIZRNSMANN. 1989, p. 219. estaduais, em si mesmas legítimas, de se actuar através de uma pena
12 Em senlido concordame, quanto a este ponto, w. HASSBMIJR, Sti'OjR2 , pp. 238 sobre aquele que viola o direito e, com isso, se exercitar a fidelidade
e segs. dos cidadãos ao direito cessam aqui, por causa da liberdade do in-

528 RPCC 4 ( 1991) R.PCC. ( 1991)


S29
CU.US ROXIN CULPA E RESPONSABIUDADE

divíduo, sem que tal seja insuportável do ponto de vista da sociedade Baurmannss, que propugna um abandono do conceito de culpa, quer
(cf. número de margem 37). Nos casos em que a defesa da sociedade até substitu ir este «pelo conceito de permeabilidade ao apelo normati-
perante agentes perigosos mas não culpados toma realmente impres- vo», acerca do qual opina: <<Com isto, a determinação dos pressupostos
cindíveis reacções estaduais, isso exige uma justificação adicional, das intervenções do direito criminal deixaria de estar dependente de
para a aplicação de uma medida de segurança, mas não pode repercu- bases metafisicas também no seu núcleo de referenciação pessoal,
tir-se no conceito de cu lpa. visto que a peiTneabilidade ao apelo nonnativo, contrariamente ao que
Necess ita, pois, de ser couigida a frase, tão frequentemente citada, acontece com o poder agir de outra maneira, é uma característica
de Kohlrausch83 , de que a culpa como poder individual é <<uma ficção empírica, embora muito complexa, da pessoa, que tem um conteúdo
necessária ao Estado». Um direito penal da culpa não é, de maneira determinável, completamente independente das especulações sobre o
nenhuma, <<necessário ao Estado», porquanto os fins preventivos do livre arbítrio.» Mas então a disputa fica reduzida à questão, puramente
Estado podem ser prosseguidos com muito menores restrições através terminológica, de saber se chamamos ou não «Culpa>> à realização do
de um puro direito de medidas de segurança. ilícito, quando esta tem lugar apesar de existir permeabilidade ao apelo
A culpa, pelo contrário, é uma <<suposição que assegura a liber- normativo.
dade», dirigida contra excessos da pena estadual. O princípio da culpa Kargl86 , diferentemente, é de opinião de que, na minha doutrina, a
não agrava o cidadão (porque as necessidades preventivas se imporiam permeabilidade é, simplesmente, pressuposta, pelo que se iria juntar à
sempre, com total independência da sua vinculação à culpa), antes o «liberdade admitida como existente» uma «possibilidade de motivação
protege84 • Na medida em que mantém a prossecução dos fins preven- admitida como existente», não menos fictícia do que aquela. Mas há
tivos dentro dos limites do Estado de direito, e le está, simultanea- aqui um mal-entendido: o que se tem em vista é, precisamente, apurar
mente, ao serviço de uma política criminal racional. a existência da permeabilidade ao apelo normativo em termos empiri-
camente controláveis.
Sobretudo, não se conseguiu até hoje encontrar uma alternativa
6. Os adversários do princípio da culpa para o principio da culpa, com o auxmo da qual possam detenninar-se
os pressupostos do direito de intervenção estadual, de um modo que
O conceito de culpa é, não raras vezes, considerado inservlvel realize mais perfeitamente a ideia de Estado de direito. Quando se quer
para o direito penal c inteiramente rejeitado. Mas estes ataques diri- assegurar, frente ao princfpio error iuris nocet, a impunidade do erro
gem-se mais contra um direito penal rctributivo fundado na culpa, inevitável sobre a proibição; tornar possível, em certas circunstâncias,
contra a inferência de censuras morais do juizo de culpa ou contra o a não aplicação da pena nos casos de estados de afecto intenso, psico-
indeterminismo e, por isso, não atingem a posição aqui defendida. patias e neuroses; conseguir uma atenuação obrigatória da pena no

"KOHLRAUSCH, Giiterhock- FS. 1910. p. 26. " BAURJitANN, 1980. pp. 255 c 238. No seu livro Zweckratio11alitãt im Strafrtcht
"SCHilNEMANN, 1989, p. 151, opõe a esta «tese do carácter mais favorável» que ( 1989), BAURMANN vê •a dependência de medidas de direito criminal da penneabi-
«não em todos os casos, é ceno. mas nalguns deles (nomcadameme nos faCios lidade ao apelo normativo» apenas •como reivindicaçllo de política legislativa•
ocasionais, sem perigo de reincidência), o actual direito penal da culpa prevê, para as (p. 294) e propugna um «direito de medidas de seguranç.1 referido ao facto•. no qual
sanções. pressupostos menos exigentes do que um direito de medidas de segunmça, n «função protectora• do princípio da culpa deverá ser exercida pelos critérios da
neutral cm relação à culpu». O direito penal da culpa não teria, portanto, upcnas • clanosidade social» c da «molivabilidade» (p. 302); ll este respeito, mais descnvol·
efeitos;, boJwm partem. Mas toda a experiência mostra que, se não estivesse prevista vidamente, SEili.MANN, ZStW, 102 ( 1990), p. 882.
qualquer pena para tais factos, também aqui seria afmnada (e com razão!) a existên- 16 KAR()t.., 1982. p. 246; quanto a KARGL, cf. SEELMANN, ZStW, 102 ( 1990).
cia de um perigo de reincidência e se recorreria a medidas preventivas. p. 879.

530 JU'CC 4 (1991) Jli'CC 4 0991) 53 1


CU.US ROXIN CULPA. E RESP()NSA.JJIUDADE

caso do § 21 e combater a agravação da pena prevista, para a reinci- guração que o liberte de elementos irracionais e faça dele um bastião
dência, no§ 48 (entretanto revogado, sob o impacte da crítica) - para do Estado de direito, destinado a delimitar as intervenções estaduais,
citar apenas alguns exemplos, a que posteriormente acrescentaremos em termos susceptíveis de verificação empírica.
outros~' - , então só um princípio da culpa coerentemente aplicado
fornece os utensílios dogmáticos para se atingir esses objectivos de um
Estado de direito". Como já se expôs (§ 3, número de margem 52), o V. Culpa como fundamento da pena e como critério da medida
princípio da proporcionalidade não é apto para isso. da pena
É vaga a tese, defendida por KargJR9 , de que «um direito penal
assente unicamente nas instituições básicas de direito constitucional» é Após a investigação de Achenbach93 distingue-se, mais claramente
preferível ao direito penal da c ulpa. De resto, o BVerfG vê o princípio do que dantes, entre a culpa como fundamento da pena c a culpa como
da culpa ancorado precisamente na «instituição básica» da dignidade cri tério da medida da pena.
da pessoa humana. A culpa como fundamento da pena respeita à questão de saber
Scheffler90 quer subst,ituir o princípio da culpa por um sistema de quais são os pressupostos de que depende a existência de culpa e, com
direito penal fundado, exclusivamente, na criminologia e elabora, para ela, em regra, também a existência de responsabilidade penal. Na culpa
este efeito, um sistema91 que combina um «princípio da responsabiliza- como conceito sistemático de direito penal, de que aqui nos ocupamos,
ção objectiva» com o princípio da proporcionalidade. Mas, como re- trata-se desta cu Ipa como fundamento da pena, do «Se» da pena, da
su lta do que foi exposto, é demasiado optimista a sua opinião de que, previsão legal a que está ligada a aplicação da pena.
nesse sistema, «nada se perde da capacidade do direito penal da culpa Diferentemente, a culpa como critério da medida da pena respeita
para a resolução de problemas>>. à previsão legal a que está ligada a medida judicial da pena e, portanto,
A afirmação que, para além disto, faz Sack92 , de que as orientações ao «conjunto dos factores que são relevantes para o grau da pena no
modernas da criminologia tendem para uma explicação da criminali- caso concreto»...
dade que não permite «imputar o comportamento desviante (abwei- Devem separar-se os dois conceitos, porque têm pressupostos
chendes Verhalten) ao indivíduo» e de que o comportamento desviante diversos. Enquanto na culpa como fundamento da pena se averigua a
tem de ser visto, pelo contrário, como parte integrante do sistema capacidade de culpa e a possibilidade de conhecimento da proibição, a
social e imputado a este, deVeria levar, consequentemente, à abolição culpa como critério da medida da pena depende sobretudo dos factores
de toda e qualquer sanção por violações do direito. Mas isto seria uma designados no § 46. O tratamento deles tem o seu lugar adequado na
reivindicação incompatível com as condições de existência da socie- teoria da medida da pena e, portanto, ainda não é de empreender neste
dade e, portanto, não realista. É mais realista e mais construtivo para a lugar.
sociedade trabalhar no próprio conceito de cu lpa e dar-lhe uma confi- No entanto, a culpa como fundamento da pena e a culpa como
critério da medida da pena não se encontram lado a lado, completa-
mente isoladas uma da outra. Quando a permeabilidade ao apelo nor-
17 Com maior desenvolvimento também ROXIN, SclnvZStr, 104 (1987), pp. 385 mativo, que decide da existência da culpa como fundamento da pena,
e segs. se apresenta diminuída, nos tennos do§ 21, ela repercute-se também
" Em sentido divergente. quanto a este ponto, OtMBilRNAT ORDEIG, ll~11ke/- na culpa como critério da medida da peua. Por outro lado, elementos
FS, 1974, pp. t59 e seg.~.
19 KARGL, 1982, p. 437.
90 SCHEFFLER, 1985.
•• SCHF.FFLIJR, 1987, p. 138. " ACHENBACtt, I974, pp. 2 e segs.
•, SACK, 1975, p. 363. ·"' ACHENBACH, 1974, p. 4.

532 RPCC 4 (1991) RJ'CC I (1991) 533


Ct.AUS ROXIN CUU'A E RESPONSABIUDADE

da culpa como <<por egoísmo» (§ 315 c I) ou «por rudeza de sentimen- reconhecer ou não a incapacidade: mesmo quando se entenda poder
tos» (§ 17, n.• 2, TierSchG) podem ser empregados pelo legislador, em afinnar-se a existência de um mfnimo de capacidade de comando
casos excepcionais, para a fundamentação da culpa, embora nada te- psíquico, deverá ser ainda possível a ilibação da responsabilidade
nham a ver com a permeabilidade ao apelo normativo, antes designem penal, onde isso seja admissível da perspectiva da prevenção geral.
graus qualificados de culpa. Nesses casos, a punibilidade não tem lugar E também no erro sobre a proibição a impunidade não deverá depender
logo que existe a simples culpa dolosa, mas só quando existe um grau de uma absoluta inevitabilidade, que dificilmente chegará a existir,
qualificado de culpa. mas sim do facto de o agente ter <<razões suficientes para supor que
tem o direito de praticar o facto», como acertadamente diz o Código
Penal suíço (artigo 20). Estas «razões suficientes» existem sempre que
VI. Causas de exclusão da culpa e causas de d esculpa? o agente tenha satisfeito as exigências normais de fidelidade do cida-
dãos ao direito e, portanto, não forneça motivo para a aplicação de
Uma parte da litcratura95 distingue entre causas de exclusão da sanções crim inais. Isto será posteriormente exposto com mais detalhe
culpa c causas de desculpa. Nas causas de exclusão da culpa, que (§ 2 1, números de margem 39 e segs.).
abrangeriam a falta de capacidade de culpa e o erro inevitável sobre a Quando se insiste em que as «causas de exclusão da culpa>>, ao
proibição, faltaria de antemão toda e qualquer culpa, porque o agente invés das «causas de desculpa», não oferecem qualquer margem para
não podia aciUar de outra maneira. Nas causas de desculpa, entre as uma renúncia benevolente à punição (quer dizer: para uma não aplica-
quais se contariam sobretudo o excesso de legítima defesa (§ 33) e o ção da pena por falta de necessidade preventiva da punição), está-se a
estado de necessidade desculpante (§ 35), subsistiria, pelo contrário, fomentar um rigorismo punitivo que é erróneo do ponto de vista da
uma culpa diminuta, pelo que o legislador estaria af a usar de especial polftica criminal, pois contradiz a opinião geralmente aceite, em
benevolência ao renunciar à censura da culpa, em si mesma ainda princfpio, de que a culpa é uma condição necessária, mas não condição
possfvel. suficiente da pena estadual.
Reside aqui, nas <<Causas de desculpa», a base do entendimento de
que, nelas, não se trata apenas de questões de culpa, mas também de
outros pontos de vista. Nesta obra, elas são interpretadas como causas VII. A doutrina da responsabilidade pelo facto, de Maurach
de exclusão da responsabilidade, por falta de necessidade preventiva
da punição. Mas isto não justifica a distinção rad ical entre <<causas de A doutrina da <<responsabilidade pelo facto»97 , fundada por Mau-
exc lusão da cu lpa» e «causas de desculpa», porque não é fundamental- rach, intercala entre a ilicitude e a c ulpa a «responsabilidade pelo
mente diverso o que acontece com as <<causas de exc lusão da culpa»96 • facto», como categoria adicional própria, e, correspondentemente,
Também a incapacidade de culpa tem zonas periféricas, por exemplo, sustenta que, ao lado das causas de justificação e das causas de exclu-
os estados de afecto intenso e as neuroses graves, nas quais não podem são da culpa, existem causas especiais de exclusão da responsabili-
excluir-se completamente considerações de ordem preventiva para se dade, das quais se indicam como as mais importantes o estado de
necessidade do § 35 e o excesso de legítima defesa do § 33. Nestes
casos, diz-se, «não é o agente individual que é desculpado, mas sim
., Com especial ênfase: SCI! / SCH 1 LENCKNER23, número de margem 108, ante· toda e qualquer pessoa que é ilibada de responsabilidade, relativa-
rior ao § 32; JESCIUlCK. AT'. § 43 II; SK-RUDOLPHI, números de margem 5 e seg.,
anteriores ao § 19.
,. Também U<l "·IIIRSCH, número de margem 182, anterior ao§ 32, acentua que
97 MAUIIACll. Sclwld und Verantwommg, 1948. Hoje. dcsenvolvidamcnte, em
entre causas de exclus§o da culpa e causas de desculpa nilo há «nenhuma diferença
fundamental». MAURACI1/ZIPF. A'!Yt', §§ 31 e segs.

534 Rl'CC <4 ( 1991) RPCC.: • ( 1991) 535


CVIUS ROXJN CULPA E RESPONSAIJIUDADE

mente a uma determinada situação>>. A actuação seria aqui «não cor- Também não convencem os resultados práticos a que chega a
recta, é certo (o desvalor de acção subsiste), mas - tendo em conta a doutrina da responsabilidade pelo facto. Na verdade, a participação
natureza humana em geral - perdoável em tennos gerais, não apenas num facto praticado em estado de necessidade, que fique impune nos
desculpável no caso individual»9&. As consequências práticas do reco- tennos do § 35, ou num excesso de legítima defesa, deve ser conside-
nhecimento de tais «causas de exclusão da responsabilidade» respeita- rada, em regra, punível (cf., mais desenvolvidarnenle, o§ 22, números
riam, sobretudo, as duas questões: em primeiro lugar, a participação de margem 7 e seg.). Mesmo a posição, segundo a qual estaria fora de
não seria punível, no caso de faltar a responsabilidade do autor pelo causa a aplicação de urna medida de segurança nos casos dos §§ 33 e
facto; e, em segundo lugar, estariam excluídas medidas de segurança, 35, não é convincente. É certo que, por via de regra, quando se verifi-
no caso de faltar a responsabi lidade pelo facto, mesmo que o agente, carem os pressupostos do § 35, um facto praticado por um doente
além disso, não tivesse capacidade de culpa. mental não constituirá indício de perigosidade, ficando excluída, por
Em face do que foi exposto, é fácil ver que esta doutrina parte de este motivo, uma medida de segurança, nos termos do § 63. Mas, se
uma observação exacta. Realmente, no caso do chamado «estado de um homicídio, em s i coberto pelo § 35, é cometido em circunstâncias
necessidade descu lpante», bem como no caso do excesso de legítima que mostram que o doente mental é perigoso para a colectividade- por
defesa, a não punição não assenta em considerações acerca da culpa exemplo, porque ele fica «embriagado» quando vê sangue-, então é
individual, mas sim na ideia de que, em geral, uma actuação que radica inteiramente razoável aplicar-se uma medida de segurança. Por maio-
nessas situações excepcionais não carece de ser punida. Trata-se, por- ria de razão assim será, quando alguém tende a cometer, por perturba-
tanto, não de uma exclusão da culpa. mas sim de uma exclusão da ção, medo ou susto, excessos de legítima defesa que põem em perigo
responsabilidade penal. A proximidade desta doutrina com a concep- a vida de outrem 101 •
ção aqui defendida revela-se até na terminologia adoptada.
Mas os defensores da doutrina da responsabilidade pelo facto reti-
ram deste ponto de partida, que é correcto, consequências que não VIU. C ulpa referida ao facto e culpa na condução da vida
merecem concordância. Com efeito, a responsabi lidade pelo facto não
é, como diz Zipf99, uma <<fase que precede a culpa», de modo que, no O StOB, ao indicar os pressupostos da pena, parte da culpa referi-
caso da sua exclusão - de modo semelhante ao que se passa com a da ao facto concreto. Quer dizer: só a culpa existente no próprio
exclusão da ilicitude - , já não poderia colocar-se a questão da exis- momento da realização do facto típico (cf. o teor literal do§ 20) é que
tência ou inexistência de cu lpa: o que é exacto é, pelo contrário, que pode ser tomada como base da responsabi lidade penal. Se ela falta, não
tanto a ilicitude corno a culpa são inteiramente de aftrmar nos casos do
§ 35 e do excesso de legítima defesa. Como já várias vezes ficou posto
em relevo, a pena, aí, só não é aplicada porque não há razões preven-
cia de uma categoria autónoma, situada entre a justificação e a culpa, no facto de as
tivas que forçosamente a requeiram. Estes casos não estão mais afas-
• causas de exclus§o da eulp8», especialmente o wado de necessidade desculpante,
tados, antes estão mais perto da punibilidade do que aqueles em que a ~rem, na realidadç, • causas de diminuição da gravidade do ilfcito». Em primeiro
culpa fica, de antemão, excluída too. lugar, isto contradiz o teor literal da lei. E, sobretudo, da perspectiva do facto ilicito
não se pode explicar a estrutura do § 35 I I como «privilégio das pessoas próximas».
O facto de as circunstâncias que excluem a responsabilidade terem (também) como
" MAURACH I ZtPF, AT/l', 31/3. efeito a diminuição da gravidade do ilícito não justifica a criação de uma nova
99 MAURACH I ZtPI', AT/1 1, 31/1.
categoria sistemática. Tal como aoontece noutros casos, o grau do ilfcito material
' 00 Também LX "·InRSCtt, námero de margem 174, anterior ao § 32, refere que a realizado apenas tem relevância para a medida da pena.
doutrina da responsabílidade pelo facto inverte «a ordem de sequancia das valora· "" Assim JESCIIECK, AT ', 1978. § 39 V 2, e, seguindo-O, LK ••- 1-URSCH, mí-
ções». BACtOALUJlO, Arm. Ktmfmamt - GS, 1989, 463, quer fundamentar a cxistên- mero de margem 174, anterior ao § 32.

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CULI'A E RESPONSABIUDAOE
CU.US ROXIN

é permitido lançar mão, em sua substituição, de uma «culpa na con- pode justificar sem contradição desde que se aceite a proposição de
dução da vida>> ou uma «culpa na decisão da vida>>, localizada no que não tem o direito de invocar a falta de culpa ao tempo do facto
passado, que tenha feito do agente, através da sua própria conduta de- aquele que provocou ele mesmo, culpadamente, essa falta de culpa,
feituosa, aquilo que ele é hoje. Na verdade, uma condução da vida através de um comportamento anterior. A compatibilidade desta tese
«culpada» não é uma realização culpada do facto típico; c só esta é com o princfpio da culpa é problemática, uma vez que a culpa prévia
punível. é uma culpa diferente daquela em que o agente incorre através do co-
Além disso, uma tal cu lpa na condução da vida, ao conn·ário do metimento culpado do facto. Os problemas especfficos suscitados por
que acontece com o critério, aqui empregado, da «permeabilidade ao esta doutrina serão tratados nos lugares respectivos.
apelo normativo da situação em que o facto é praticado>>, seria ina-
preensível no plano forense c extingu iria a eficácia do princípio da
cu lpa, como instrumento limitador ao serviço da ideia de Estado ele
direito, pois essa eficácia decorre precisamente da referenciação do
princípio da culpa ao facto típico. ÍNDICE DAS CJTAç0ES ABREVIADAS E SIGLAS
Também as doutrinas da culpa relativa ao carácter pe1manecem no
Achcnbach, 1974- Achcnbaclt, Historische um/ dogmatisclle Gr~mdlagen der stra·
terreno da culpa referida ao facto concreto, quando recorrem ao [rechtssystemariscllm Schuldlelve. t974.
carácter, como base da afim1ação da existência da culpa, apenas na Achenbach, 1984 - Achenbach, in Gnmd[ragen dcs modernen Strafreclussystcms
medida em que ele se tiver revelado na realização concreta do facto (cdit. por Schünemann}, 1984, p. 135.
típico. Amelung, 1984 - Amelung, in Grundfragen des modernen Strafrecht:uystems (edil.
Apesar elo reconhecimento generalizado do princfpio da culpa por Schnnemann}. 1984, p. 85.
referida ao facto concreto, é duvidoso e discutido o problema de saber AT - Allgemeiner Teil (Pm1e Geral).
se a praxe e a ciência do direito penal, para justificar a punição em 13aul"mnnn, !980 - Baunnann, inSeminar: Abweichendes Verhalten (edit. por LU·
grupos de casos especiais, não lançam mão, claramente ou de modo derssenJSack}. vol. IV, 1980, p. 196.
camuflado, de construções que se afastam do princípio da culpa refe- Bemsmann, 1989 - Bemsmann, •Emsclwldigunf1• durch Norsrand, 1989.
rida ao facto concreto. Esta problemática já foi exposta, no contexto da BGH - Bundcsgerichrshof (Tribunal de Justiça Federal alemAo).
alternativa «d ireito penal referido ao facto e direito penal referido ao BGIISt - Emsclleidungen des Bwulesgerichtshofes in Strafsachen (colccrúnea ofi·
cial das decisões do BGH}.
agente» (supra, § 6, números· de margem 13 e segs.).
BVerfG - Bundesverfassungsgerichr (l'ribunal Constitucional Federal alemão}.
Independentemente da questão relativa à possibilidade de uma Danncr, '1977 - Dan.ner, Gibt es einenfr eien Willen?, ' 1977.
«Cu lpa na condução da vida», Neumann formulou, no seu livro sobre Der Nervenarzt - Der Nervenarzt (t-cvista alemn).
lmpwação e «Culpa Prévia» [Zureclmung und «Vorversclwlden»] 1<'12, Dreher, 1987 - Dreher, Die Willens[reiheit, 1987.
a tese de que em determinados casos, que. desde há muito tempo são Engisch, 1963; 2 1965- Engisch, Die Lehrt »>n der Willens[reiheit in der srraf·
discutidos, a imputação de um comportamento como cu lpado só se rechrspllilosot>hischen Doktrin der Gegenwart, 1963; 2 1965.
F1-cudcnthal, 1922 - Freudenthal, Schuld um/ Vorwurf im ge/tenden Stra[recht,
1922.
101
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do, em parte, às reOexõcs de C<JráCier normológico de I IRUSCHKA, StrajR' , 1983. mutung al.r marerielle Gnmdprinzipicn des Srmfreclus, 1988.
Também Sl"IMTBNWERl'H. Arm. Kauji>wml - GS, 1989, 495, defende ugorn a tese de FS - Festschrifi, Festgabe (colecrânea de estudos de diversos autores. publicada em
que o agente «é responsável por um delito doloso que comete em estado de exclusão homenagem a detenninada pessoa ou instituiç§o, ou para comemorar derennina·
da culpa, quando provocou esse estado de modo evitável e. pelo menos, pôde prever do aconlecimento).
que evenrualmeme comereria um tal delito nesse esrado».

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