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ACESSO AOS DIREITOS DOS

POVOS INDÍGENAS NO
SUL E SUDESTE DO PARÁ
ACESSO AOS DIREITOS DOS POVOS
INDÍGENAS NO SUL E SUDESTE DO
PARÁ

Bernardo Tomchinsky

1ª edição

Marabá, 2020
A quem pertence esta cartilha?

- Nome:

- Território:

- Aldeia/Comunidade:

- Área do território:

- Quantidade de comunidades no território:

- População do território:

- Situação do território:

- Data de criação do território:

- Documento de criação do território:


SUMÁRIO

A quem se destina esta cartilha? 1


Quem são os povos indígenas do Sul e Sudeste do Pará? 2
Leis para quem? 4
Direitos humanos Universais: para todos e em todo o mundo! 8
Legislação indigenista: Direito indígena, dever do estado 9
A quem recorrer quando nossos direitos não são respeitados? 12
Direito à demarcação e proteção do território 17
Licenciamento ambiental, o que é? 21
Documentação civil básica 26
Direitos sociais e previdenciárias 28
O que é racismo e preconceito? 31
Direito à saúde 32
Direito à educação 34
Direito a manifestações e violência do estado 38
Escravidão e o Direto a liberdade 40
Representatividade e organização Social 42
Proteção ao conhecimento tradicional e pesquisas científicas 44
Protocolos de consulta prévia 46
O Bem viver e Plano de vida 48
Outras referências para consulta 51
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
Constituição do Brasil de 1988, Artigo 231

Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para


ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do processo.
Constituição do Brasil de 1988, Artigo 232

Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a


participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com
vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua
integridade.
OIT 169/1989, Artigo 2, parágrafo 1

Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos


humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As
disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens
e mulheres desses povos.
OIT 169/1989, Artigo 3, parágrafo 1

Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:


consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,
particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que
sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-
los diretamente.
OIT 169/1989, Artigo 6, parágrafo 1
A quem se destina esta cartilha?

Os povos indígenas ocupavam o território brasileiro bem antes da chegada dos


europeus. Mais de 5 milhões de indígenas pertencentes a 1400 diferentes povos
viviam na região que corresponde ao território do Brasil, por volta do ano 1500,
cada um com sua rica cultura, costumes, história e língua própria.
A chegada dos invasores não indígenas trouxe muitos problemas para esta
população, com episódios violentos visando o seu extermínio ou a integração na
nova sociedade, incluindo raptos, escravidão, estupro, tortura, conversão
religiosa forçada, assassinatos, apropriação de territórios, proibição de práticas
culturais e de falar na língua ou de usar nomes próprios.
Neste processo, morreram muitos indígenas e várias etnias foram
exterminadas. Atualmente, sobrevivem no Brasil cerca de 900 mil indígenas
pertencentes a mais de 300 povos diferentes. Destas etnias, algumas possuem
pouquíssimos membros, outras perderam aspectos culturais importantes como a
língua original, rituais e tradições, outras vivem sob constante conflito ou
ameaças, outras não possuem um território demarcado e outras tantas não
conseguem acessar os seus direitos básicos.
Apesar desses direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, o estado
brasileiro permanece omisso sobre a questão indígena ou pratica ações
criminosas contra esta população, assim como determinados setores da
sociedade que enxergam nos povos indígenas e sua cultura um empecilho para as
suas ambições e crenças pessoais. Desta forma, a sobrevivência de cada povo
depende das estratégias de resistência que cada grupo adotou. A história dos
povos indígenas do Sudeste do Pará não é diferente, cada uma das etnias que
habita a região precisou enfrentar muitos desafios para sobreviver e garantir os
seus direitos.
O conhecimento sobre quais são estes direitos coletivos e individuais,
garantidos nas diferentes leis escritas existentes, é importante para a luta dos
povos indígenas por dignidade e para sua sobrevivência. Esta cartilha tem como
objetivo listar alguns dos principais direitos garantidos aos povos indígenas e a
quem recorrer na nossa região para conseguir acessá-los, em relação à saúde,
educação, racismo, proteção territorial, proteção do conhecimento,
manifestações pacíficas, organização social, entre outros.

1
Quem são os povos indígenas do Sul e Sudeste do Pará?

No Brasil, existem 896,9 mil indígenas, pertencentes a 305 etnias e que falam
274 idiomas diferentes, segundo dados do censo indígena de 2010 do IBGE. Em
todo o estado do Pará, vivem cerca de 70 mil indígenas de mais de 50 etnias, em
mais de 80 territórios indígenas que estão em diferentes fases de demarcação ou
em áreas urbanas de pelo menos 50 municípios paraenses.
No Sul e Sudeste do Pará, área compreendida entre os rios Xingu e Tocantins-
Araguaia, habitam cerca de 15 mil indígenas de pelo menos 18 povos indígenas.
Esses indígenas vivem em 21 terras demarcadas ou homologadas, em projetos de
assentamento agrário ou nas cidades.
Convivem na região, povos que viviam aqui desde antes da chegada dos não
indígenas, incluindo os Amanayé, Anambé, Araweté Bïde, Assurini do Tocantins,
Gavião (Akrãtikatêjê, Kykatêjê e Parkatêjê), Kayapó Mebêngôkre (Gorotire,
Kôkraimôrô, Kuben Kran Krên, Kôkraimôrô, Kararaô, Mekrãgnoti, Metyktire ),
Xikrin Mebengôkre, Parakanã Awaeté e Suruí Aikewara e outras etnias que
migraram em um período mais ou menos recente como os Atikum, Guajajara
Tenetehara, Guarani Mbya, Tembé, Kaingang, Kanela, Karajá, Krahô, Xerente e
Warao (da Venezuela).
Apesar das diferenças históricas e culturais, muitos dos desafios encontrados
por estes diferentes povos para a sua sobrevivência são semelhantes.

CONTATO DAS LIDERANÇAS INDÍGENAS DA REGIÃO

2
POVOS INDÍGENAS DO SUL E SUDESTE DO PARÁ
POVO TERRITÓRIO POPULAÇÃO* MUNICÍPIO**
TI Barreirinha 86 Paragominas
Amanayé
TI Sarauá 184 Ipixuna do Pará
Anambé TI Ananbé 161 Moju
Senador José Porfírio,
TI Araweté
Araweté Bïde 467 São Félix do Xingu e
Igarapé Ipixuna
Altamira
Assurini do Tocantins TI Trocará 708 Baião e Tucuruí
Kanaí 36 Canaã dos Carajás
Atikun Ororobá 72 Itupiranga
Omã 70 Redenção
Gavião Akrãtikatêjê, TI Mãe Maria & Bom Jesus do
1000
Kykatêjê e Parkatêjê Faz. Mabel Tocantins
Guajajara Tenetehara Guajanaíra 31 Itupiranga
Guarani-M´bya Nova Jacundá 72 Rondon do Pará
Altamira, Matupá,
TI Menkragnoti 1264 Peixoto de Azevedo e
São Felix do Xingu
Santa Cruz do Xingu,
TI Kapôt Nhinore sem dados Vila Rica e São Felix do
Kayapó Mebêngôkre
Xingu
(Gorotire, Kôkraimôrô,
Bannach, Cumaru do
Kuben Kran Krên,
Norte, Ourilândia do
Kôkraimôrô, Kararaô, TI Kayapo 4548
Norte e São Félix do
Mekrãgnoti, Metyktire)
Xingu
Pau d´Arco, Floresta do
TI Las Casas 409
Araguaia e Redenção
São Félix do Xingu e
TI Badjonkore 230
Cumaru do Norte
Senador José Porfírio,
TI Trincheira-
746 São Félix do Xingu,
Bacajá
Altamira e Anapu
Xikrin Mebengôkre
Parauapebas, Água
TI Catete 1606 Azul do Norte e
Marabá
TI Apyterewa 729 São Félix do Xingu
Parakanã Awaeté Itupiranga e Novo
TI Parakanã 1787
Repartimento
Brejo Grande do
TI Sororó & Araguaia, Marabá, São
Suruí Aikewara TI Tuwa 513 Domingos do Araguaia
Apekuokawera e São Geraldo do
Araguaia
* dados da SESAI, SEDUC e CIMI (2020); **segundo documento de registro da criação de cada Território.

3
Leis para quem?

Todo cidadão brasileiro e estrangeiro deve respeitar a Constituição do Brasil


dentro do território brasileiro. A nossa Constituição, ou Carta Magna de 1988, é
um documento elaborado a partir da Assembleia Constituinte de 1987-1988 que
contou com a colaboração de diversas pessoas para ser redigida.
As leis dela são válidas para todos e os governos (Federal, Estadual e
Municipal) e o judiciário devem respeita-la em todas as suas ações, políticas
públicas e decisões.
Nossa Constituição fala sobre os direitos e deveres de todos os cidadãos e os
objetivos e obrigações do estado, incluindo o poder executivo (presidente,
governadores e prefeitos), legislativo (senadores, deputados federais e estaduais
e vereadores), judiciário (juízes, procuradores, defensores, entre outros), exército
e outras instituições e agentes públicos. A constituição prevê penalizações para
os governos, agentes públicos e cidadãos que não respeita-la.
Entre os diversos temas abordados na constituição está a proteção do
território e demarcação de terras indígenas, educação, saúde, meio ambiente,
seguridade social, empregos, aposentadoria, impostos, penalizações, eleições,
funcionamento do estado, entre muitos outros importantes para a nossa vida.
A nossa Constituição tem abrangência nacional. O Governo Federal e o
Parlamento (Senado e Câmara Federal) podem, através de seus representantes
eleitos ou de sugestões encaminhadas pela população organizada, propor e votar
mudanças nesta Constituição ou criar novas leis.
Estados e Municípios também possuem suas leis próprias, mas estas não
podem sobrepor ou divergir das leis federais.
O Brasil também pode decidir seguir leis e acordos internacionais que
deverão ser obedecidos no país. Por exemplo, a lei 169 de 1989 da Organização
Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados
Independentes (OIT 169) foi ratificada e sancionada (aprovada e validada) pelo
congresso brasileiro e pelo governo federal e por isso ele deve ser obedecida em
todo o território brasileiro. Esta é uma lei muito importante para a defesa dos
direitos dos povos indígenas no Brasil e iremos conhecê-la melhor nesta cartilha.
Quando existem grandes impasses e dúvidas sobre questões relativas aos
direitos dos povos indígenas para serem compreendidas ou julgadas, elas são
levadas para tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal, e o
4
entendimento deste colegiado servirá de referência para todas as futuras
decisões dentro do tema debatido.
Existem muitas leis, cada qual com algum impacto nas nossas vidas. A
constituição brasileira possui 250 artigos/leis originais de 1988 e mais de 100
emendas constitucionais, que foram alterações pontuais no texto original
adicionadas ao longo dos anos. Entender estas leis parece ser algo difícil e chato,
mas é muito importante conhecê-las para saber quais são os nossos direitos e
como e a quem recorrer para conseguir que elas sejam respeitadas.

A ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO


O Brasil é uma república federativa constitucional presidencialista. Significa que é
uma república porque o chefe do estado é eleito pelo povo; é federativo, porque é
organizado pela união dos estados e municípios; é constitucional porque segue a
constituição; e é presidencialista porque o chefe do estado e de governo é o
presidente da república. O estado brasileiro está organizado em três poderes
independentes entre si:
- Executivo: representado pelo presidente da república, eleito pelo voto direto com
mandato de quatro anos, podendo ser reeleito para mais um mandato, e os ministros
e secretários escolhidos por ele. O poder executivo tem a função de governar o
estado e administrar os interesses públicos, segundo as leis existentes, através de sua
estrutura, das políticas públicas implementadas e da execução orçamentária. Fazem
parte do poder executivo federal todos funcionários dos ministérios, autarquias,
fundações ou empresas públicas federais.
- Legislativo: composto pelos senadores e deputados federais no congresso nacional,
eleitos por voto direto, com mandatos de oito e quatro anos, respectivamente.
Possuem a função de criar e votar leis federais e fiscalizar as ações do poder
executivo.
- Judiciário: organizado em diversas jurisdições (comum, trabalho, eleitoral, militar) e
instâncias (níveis), com o objetivo de defender os direitos de cada cidadão, promover
a justiça e na resolução de conflitos, a partir da interpretação das leis existentes.

5
Estados e Munícios, como entes da união, também possuem a divisão entre
os poderes, de acordo com normativas relacionadas. O chefe do executivo do
estado é o governador, da prefeitura é o prefeito. Os representantes legislativos
do estado são os deputados estaduais, das prefeituras os vereadores. Todos eles
são eleitos pelo povo para mandatos de quatro anos. É importante estabelecer
contato com cada um deles para garantir que as demandas dos povos indígenas
sejam conhecidas e atendidas e seus direitos respeitados.

Como a constituição é organizada?

A constituição é um conjunto de leis sobre um país. Ela e as leis são organizadas em


partes que costumam possuir:
- Número de referência da lei;
- Data de publicação da lei;
- Ementa com um breve resumo sobre a lei;
- Preâmbulo do texto que explica sobre o que trata a lei, mas não é comum;
- Título da lei como uma das possíveis divisões dos artigos da lei;
- Capitulo é a divisão dos títulos de uma lei, quando necessário;
- Seção é a divisão dos títulos ou capítulos, quando necessário;
- Artigo é a unidade básica do texto da lei em questão;
- Parágrafos, incisos e alíneas são subdivisões dos Artigos e são usados para explicar
situações particulares, exceções ou detalhes das leis.

Qualquer pessoa ou população que se sentir prejudicada em relação a perda


de algum direito pode processar a instituição responsável por esta violação, seja
ela o Estado ou alguma empresa privada, para a garantia destes direitos ou para
buscar indenizações.
Todo processo judicial possui um rito, que parte da denúncia de um
interessado, como a própria pessoa, comunidade, ministério público, defensoria
pública ou de fonte anônima. Esta denúncia será levada para um tribunal
escolhido de acordo com o teor da denúncia, das partes envolvidas e da
localidade. Se acatada/aceita pelo tribunal, a denúncia será investigada e
apurada e será julgada em um tribunal por um juiz, júri (cidadãos escolhidos) ou
colegiado. As decisões de um tribunal podem ser contestadas e recorridas pelas
partes envolvidas no processo, o que levará o julgamento para outras instâncias
superiores, podendo chegar até o Supremo Tribunal Federal.

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OUTROS TERMOS JURÍDICOS
- Cláusula pétrea: são leis que não podem ser mudadas na constituição por emenda.
- Convenção, Tratado ou Declaração Internacional: pactos e acordos criados em
conferências internacionais para estabelecer entendimentos comuns entre os grupos que
participaram da sua criação. Pode ter força de lei nos países que a adotam e a ratificam.
- Decreto: é uma ordem emitida por autoridade superior que, dentro da legislação
existente, traz uma ordem ou resolução com validade imediata após publicação. Pode ser
contestada pelo legislativo quando for emitida pelo poder executivo.
- Diário Oficial: publicação onde todo ato do governo, legislativo e judiciário deve ser
publicado e divulgado.
- Emenda constitucional: mudança pontual nas leis existentes.
- Estatuto: é um regulamento ou conjunto de regras que fala sobre como determinada
organização ou coletivo deve funcionar; ou um conjunto de leis sobre determinado
assunto.
- Instrução normativa: norma sobre determinado aspecto administrativo de instituição.
- Lei: é uma regra escrita e estabelecida pelo poder competente. Para ser criada ela passa
por um rito, de acordo com a instituição que a cria. De acordo com o artigo 5 da CF88,
ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da
lei.
- Medida provisória: pode ser emitida pela presidência da república, dentro da legislação
existente, com força de lei, mas precisa ser aprovada no congresso em até 120 dias para
manter a validade.
- Ofício: documento oficial utilizado para diversos fins (solicitação, notificação,
comunicação, reinvindicação), com número de registro.
- Portaria: ato administrativo ou documento emitido por uma autoridade com instruções
sobre aplicação de leis ou regulamentos, recomendações, normas, nomeações ou outros
atos.
- Portaria interministerial: ato administrativo ou documento emitido por mais de um
ministério, quando o tema é abordado por mais de uma pasta.
- Projeto de lei: nova lei ou alteração em lei existente, precisa ser aprovada no congresso
e sancionada pelo presidente para ter validade. Em alguns casos, entra em vigor antes de
completar este processo.
- Recomendação, notificação ou requisições: são emitidas pelos órgãos de fiscalização ou
ministério público em processos específicos para outras instituições, a fim de melhorar o
atendimento público, alcançar direitos ou procurar explicações para fatos analisados.
- Regimento: conjunto de regras ou normas sobre o funcionamento de uma organização.
- Resolução: norma usada para disciplinar assuntos relacionados ao congresso nacional.

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Direitos humanos Universais: para todos e em todo o mundo!

Os direitos humanos são direitos básicos e universais para todo e qualquer ser
humano de todo o mundo, sem distinção de qualquer espécie, seja origem
nacional ou social, riqueza, etnia, raça, cor, religião, gênero, orientação sexual,
idade ou qualquer outra variante, garantidos desde o nascimento e que não
podem ser retirados.
São direitos humanos universais que seres humanos nasçam livres e iguais em
dignidade e direitos, que possuam direito a vida e à liberdade, a saúde, educação,
paz, propriedade, que são proibidos castigos cruéis e a escravidão, a garantia do
acesso à justiça plena, liberdade de ir e vir, liberdade de pensamento, liberdade
religiosa, entre outros.

- A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi escrita pela Assembleia Geral
das Nações Unidas (ONU) em 1948 depois do fim da Segunda Guerra Mundial. O
Brasil, assim como todos os países que participam da ONU, devem respeitá-la e
considerá-la na sua legislação nacional.

- A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 é outro tratado sobre


direitos humanos que o Brasil segue e reafirma os direitos humanos dos povos
que vivem nos países americanos.

No caso dos direitos humanos, garantidos pela lei brasileira e por


organizações internacionais, quando eles forem violados por uma nação é
possível fazer uma denúncia para tribunais internacionais que poderão investigar
e julgar a conduta de um país ou de um governante.
Alguns destes tribunais internacionais importantes são a Corte Interamericana
de Direitos Humanos e o Tribunal Internacional de Justiça da ONU. As violações
dos direitos dos povos indígenas pelo estado brasileiro já foram levadas para
estes tribunais em diferentes momentos, com algumas vitórias importantes para
estas populações. As denúncias podem ser feitas pelas próprias organizações
indígenas ou por outras representações.

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Legislação indigenista: Direito indígena, dever do estado

Cada povo indígena possui suas leis e normas próprias, criadas dentro da sua
cultura, na qual sabem o que é certo ou errado. Por exemplo, como tomar as
decisões coletivas, com quem posso casar, como dar o nome para uma criança,
quem irá cuidar das crianças que nascem, onde posso morar dentro da aldeia ou
comunidade, como plantar, caçar, pescar, como dividir com os outros as caças e
produções, como são tomadas as decisões coletivas, entre outras questões que
permitem as boas relações do grupo. Estas regras não precisam ser escritas, pois
são de conhecimento da sociedade local.
Entretanto, por viverem dentro do território brasileiro, os povos indígenas
também estão sujeitos as leis que estão escritas na Constituição Federal e em
outras leis e textos do Brasil.
O Brasil já teve diversos tipos de governo que mudaram ao longo da história
como o Império, a Primeira República, Segunda República, o Estado Novo, a
Ditadura Militar, e a República Federativa (período atual). Em cada um destes
períodos existiu uma constituição (conjunto de leis) própria. A constituição de
1988, também chamada de constituição cidadã por ter sido escrita por
representantes eleitos, é a sétima nesta sequência e a única que vale
atualmente. Cada constituição tratava das questões do país de acordo com o que
quem a escreveu acreditava na época, influenciando o que o nosso país é hoje
em dia.
Mesmo antes da independência do Brasil de Portugal, haviam leis específicas
para governar o país que tratavam também sobre questões relacionadas aos
povos indígenas. As leis sobre os direitos específicos dos povos indígenas são
conhecidas como legislação indigenista. Ou seja, além das leis gerais para
indígenas e não indígenas, existem leis específicas sobre os direitos dos povos
indígenas e o governo deve obedecê-las.
Por suas particularidades, outras leis também possuem impacto direto na vida
dos povos indígenas, como aquelas sobre meio ambiente, mineração, educação,
saúde, seguridade social, entre outras que veremos aqui.
O estatuto do Índio (Lei no 6001/1973) trouxe diversas questões sobre a
relação do estado e da sociedade com os povos indígenas. Esta lei de 1973
considerava os indígenas incapazes que deveriam ser tutelados (sua vida e seus
bens seriam administrados) por um órgão indigenista. Ele também considerava
9
que seria necessário adotar uma política integracionista, onde as diferentes
culturas indígenas seriam incorporadas pela sociedade não indígena. Apesar de
ter sido substituído pela Constituição Federal de 1988, alguns artigos desta lei
continuam servindo de referência. Recentemente, foi proposto pelo Congresso
Nacional um novo texto para o estatuto do índio com diversas modificações, mas
que ainda não foi aprovado. O Código Civil (Lei no 10.406/2002), junto com a
constituição de 1988, reafirma a autonomia e capacidade jurídica dos indígenas.
A legislação indigenista atual reconhece o direito dos povos indígenas
manterem as suas próprias culturas e conservarem os seus territórios, colocando
o governo federal como responsável pela proteção destes direitos.
O artigo 231 da Constituição Federal de 1988 é o mais direto sobre a questão
indígena:

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,


crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os
seus bens."

Este artigo e outros só foram incluídos pela militância do movimento indígena


e de outras instituições parceiras durante a elaboração da constituição de 1988.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é o órgão dentro do Governo Federal
que é responsável pelas questões indígenas. Até 1967, o Serviço de Proteção do
Índio (SPI) possuía esta responsabilidade, quando foi extinto para a criação da
FUNAI. A atuação deste órgão muda bastante de acordo com o governo no poder
e de seus coordenadores indicados por esse governo. Por isso, a participação dos
indígenas e de suas organizações como fiscalizadores e agentes responsáveis e
soberanos (com poder sobre suas decisões) é fundamental na luta por seus
direitos, independente do governo no poder. É importante destacar que a
Constituição de 1988, no artigo 232, garante que os indígenas possuem
capacidade processual, ou seja, individualmente ou de forma organizada, os
indígenas podem ingressar com processos em qualquer esfera na defesa dos seus
direitos e interesses.
A Política Nacional de Desenvolvimento dos Povos e Comunidades
Tradicionais (Decreto no 6.040/2007 da Presidência da República) trata sobre
vários aspectos relacionados ao desenvolvimento dos povos indígenas e

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comunidades tradicionais, desde autodeterminação, território, segurança
alimentar, cultura, saúde, políticas públicas, acesso a direitos e produção.
O estado do Pará criou em 2019 o Conselho Estadual de Política Indigenista
(CONEPA/PA, lei 8.611/2018 e Decreto 93/2019 PA) para discutir, implementar e
monitorar políticas públicas voltadas para os povos indígenas. Ele possui em sua
composição representantes dos povos indígenas e diferentes grupos temáticos.
Existem documentos internacionais que tratam sobre os direitos dos povos
indígenas:

- A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU (2007)

- A Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização


dos Estados Americanos (2006)

Autoidentificação e Autodeterminação
Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam
e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados
e transmitidos pela tradição. (Decreto no 6.040/2007, art. 3.)

Dois conceitos fundamentais para a legislação indigenista e nos direitos humanos


é a autoidentificação e a autodeterminação. Elas dizem sobre o direito de cada
um, individualmente ou de forma coletiva, se identificar como indígena ou
pertencente a outro grupo étnico. Esta autodeterminação deve ser respeitada
em relação aos seus direito coletivos, liberdade, autonomia e soberania, suas
escolhas e sua capacidade de autogovernar. Dessa forma, ninguém de fora da
comunidade, seja o estado ou sociedade, pode classificar por conta própria se
outra pessoa é indígena ou não indígena ou decidir por ela questões próprias.

Este processo de autoafirmação é importante na luta pelos direitos, e aparece


desde a identificação do nome e em documentos, acesso ao território, acesso a
direitos por indígenas que vivem em áreas urbanas e a outras políticas
indigenistas.

11
A quem recorrer quando nossos direitos não são respeitados?

Para cada situação é necessário recorrer a instituições específicas para acessar


nossos direitos. O Acesso à Justiça é um direito fundamental garantido a todos
pela Constituição, e cabe ao estado garantir ele.
Legalmente, segundo a constituição brasileira, questões coletivas os povos
indígenas, devem ser representadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
que, apesar desta atribuição, muitas vezes está ausente ou distante da questão
indígena por motivos diversos. Além dos escritórios regionais em Belém,
Altamira, Marabá, Itaituba, Paragominas, Redenção, Santarém e Tucuruí no
estado do Pará, há na cidade de Brasília a 6ª câmara temática do MPF que é
responsável por questões relacionas às populações indígenas e povos
tradicionais. A figura que atua no MPF é conhecida como Procurador e atua nas
causas de forma gratuita. É obrigação dele representar ou acompanhar os
indígenas em suas demandas coletivas. As solicitações ao MPF podem ser feitas
presencialmente ou via ofício (documento) pela internet no site:
http://www.mpf.mp.br/mpfservicos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DO PARÁ (MPPA) é outra instituição
importante na fiscalização das leis e se elas estão sendo cumpridas pelo estado.
Quando provocado, ele pode entrar com ação nas diferentes instituições para
acessar estes direitos. Não é incomum o MPPA agir junto com o MPF na defesa
dos direitos dos povos indígenas e em outras questões importantes como o meio
ambiente e a saúde. O nome da pessoa que representa o MPPA é Procurador
estadual.
A DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL atua na defesa dos direitos individuais e
coletivos, principalmente dos necessitados, grupos minoritários e desassistidos,
incluindo crianças e adolescentes, no exercício dos direitos humanos básicos. O
profissional da Defensoria Pública é chamado de Defensor e pode, quando
solicitado, atuar em questões relacionadas aos povos indígenas. Eles estão
espalhados por todo o estado e atuam nas mais diversas áreas, como direitos
humanos, execução penal, meio ambiente, previdência, questões agrárias,
militar, direitos difusos e coletivos, infância e adolescência, direito da família e do
consumidor.
É importante a presença de representantes do poder público, Procuradores
ou Defensores, em reuniões com agentes de fora da comunidade, como a Vale,
12
DNIT e Eletronorte, para evitar qualquer tipo de má fé. Eles podem ser
convidados para essas reuniões pela própria comunidade e atuam de forma
gratuita. Mesmo sem necessitar no momento do auxílio do MPF, MPPA ou da
Defensoria Pública é interessante conhecer e possuir o contato dos seus
representantes na região para esclarecer dúvidas e solicitar orientações.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) tem por finalidade proteger e
promover os direitos dos povos indígenas; formular, coordenar, articular,
monitorar e garantir o cumprimento da política indigenista do estado brasileiro;
administrar os bens do patrimônio indígena; promover e apoiar levantamentos,
censos, análises, estudos e pesquisas científicas sobre povos indígenas; monitorar
as ações e serviços de atenção a saúde dos povos indígenas; monitorar as ações e
os serviços de educação diferenciada para os povos indígenas; promover e apoiar
o desenvolvimento sustentável nas terras indígenas; despertar o interesse
coletivo para causa indígenas; exercer o poder de polícia em defesa e proteção
dos povos indígenas; prestar a assistência jurídica aos povos indígenas; e
promover estudos para a demarcação e regularização fundiária das terras
indígenas (Portaria no 666/2017 FUNAI).
Para alcançar este objetivos, a FUNAI tem papel articulador entre governo
federal, estadual, municipal e outros órgãos, para efetivar a execução das
políticas indigenistas, garantindo as especificidades que o tema requer. Ela foi
criada em 1967, com o fim do Serviço de Proteção do índio (SPI), e tem suas
atividades descritas na Constituição de 1988. A FUNAI já teve em seu quadro
diversos indigenistas importantes que colaboraram com a demarcação de Terras
Indígenas e na defesa dos direitos dos povos indígenas. Apesar destas
atribuições, a FUNAI não tem a mesma autonomia administrativa do MPF e da
Defensoria e por isso depende muito da atuação de seus dirigentes e das
prioridades dos governos que se revezam no poder.
No Pará, a FUNAI possui Coordenações regionais em Tucumã (Kayapó Sul do
Pará), Marabá (Baixo Tocantins), Itaituba (Tapajós), Altamira (Centro Leste) e,
para o norte do estado, em Macapá (Amapá e Norte do Pará). Também existem
coordenações técnicas locais em Redenção, Ourilândia do Norte, São Félix do
Xingu, Tucumã, Novo Progresso e Pau D´Arco (Kayapó Sul do Pará), Marabá,
Tucuruí, Água Azul do Norte, Novo Repartimento, Capitão Poço, Paragominas,
Tomé Açu e Belém (Baixo Tocantins), Santarém, Itaituba e Jacareacanga (Tapajós)
e Altamira e Santarém (Centro Leste). A sede da FUNAI, onde atua o seu
13
presidente, está em Brasília dentro do Ministério da Justiça. O presidente da
FUNAI é escolhido pelo presidente da república.
ESTADOS e MUNICÍPIOS devem obedecer a Legislação Federal, o que significa
que devem acatar integralmente a legislação indigenista e assumir as suas
responsabilidades junto com os povos indígenas, inclusive na proteção do
território e de seus cidadãos, educação, saúde e acesso a direitos básicos. Seja
por má administração, falta de recursos ou desconhecimento, muitas vezes eles
estão ausentes e é necessário abrir notificações ou processos para ter seus
direitos garantidos. Antes de recorrer a judicialização, é interessante procurar
meios de resolver estas questões através do diálogo com os representantes
eleitos (prefeitos, vereadores, deputados estaduais, governador, deputado
federal, senador) e secretários estaduais e municipais. Cada um destes possui
funções específicas na gestão pública ou formulação de leis e políticas públicas.
Lembre-se que todo representante eleito possui mandato de quatro ou oito anos
(apenas para senadores) e, apesar de aparecerem com mais frequência durante a
época de eleições, eles possuem obrigações com a população durante todo este
período. Em alguns municípios, a população indígena tem peso considerável na
escolha destes políticos e pode se organizar para eleger parentes indígenas ou
representantes comprometidos com a causa indígena.
Toda instituição pública possui uma Ouvidoria, que é um setor onde é
possível fazer denúncias contra a má conduta dos agentes públicos.
É importante que os povos indígenas se organizem para lutar por seus
direitos. As associações indígenas são uma forma de garantir maior
representatividade dos povos indígenas frente ao estado e a sociedade, mas elas
devem seguir normas para que funcionem de acordo com a lei, como veremos
mais à frente.
O movimento indígena possui algumas representações organizadas em nossa
região. É interessante participar delas para saber o que está acontecendo e se
envolver mais com as questões indígenas enfrentadas por outros povos. Algumas
destas instituições atuantes são a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB), a Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
(COIAB) e a Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA).
Os povos indígenas também podem contratar profissionais do direito para
orientá-los e representá-los em questões específicas, mas, na maioria das vezes,
eles cobram por seus serviços. Como o direito é um campo amplo, os advogados
14
costumam ser especialistas em algumas áreas, por isso, ao contratá-los é
importante saber qual é a sua especialidade e a familiaridade com questões
indígenas. Os advogados são reunidos na Ordem dos Advogados do Brasil, que
possui em alguns locais representações que atuam com povos indígenas e grupos
vulneráveis.
Outra estratégia interessante para sensibilizar a sociedade e pressionar as
autoridades é divulgar a situação para jornalistas e canais de notícia
familiarizados com a questão indígena. Mas cuidado, alguns jornalistas e jornais
atuam contra os povos indígenas.
Também é interessante criar suas próprias formas de comunicação para
divulgar suas atividades, cultura ou realizar denúncias. Plataformas digitais
gratuitas como o YouTube, Facebook, Whatsapp, Blogs ou Site próprio são de
fácil uso, principalmente pelos mais jovens que possuem facilidade com novas
tecnologias. Existem vários recursos tecnológicos acessíveis para gravar, registrar
e compartilhar fotos, vídeos e áudios de tudo o que acontece nas comunidades.
Estas gravações podem inclusive ser utilizadas como prova em denúncias e
processos.
Outras instituições que podem colaborar com os povos indígenas para a
defesa de seus direitos são o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão
Pastoral da Terra (CPT), Universidades e Instituições de Ensino e Pesquisa, além
de organizações não governamentais.
Algumas organizações que enfrentarem desafios semelhantes aos dos povos
indígenas que podem se tornar parceiros estratégicos na região são o Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM), Movimento
Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Articulação
Internacional dos Atingidos pela Vale, Justiça nos Trilhos, comunidades
extrativistas, pescadores, ribeirinhos e outros povos e comunidades tradicionais.
Outras questões que serão abordadas nessa cartilha podem ser resolvidas por
instituições específicas, como no caso da saúde, educação, segurança e meio
ambiente.

15
CONTATOS DE INSTITUIÇÕES PARA DEFESA DOS DIREITOS

✓ MPF Regional:
✓ MPF Brasília (6ª câmara):
✓ MPPA:
✓ Defensoria do Pará:
✓ OAB regional:
✓ Advogado:
✓ Jornalista:

CONTATOS DA FUNAI:

✓ FUNAI Regional:
✓ FUNAI Brasília:
✓ FUNAI outra:

OUTRAS ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS PARCEIROS


✓ CIMI:
✓ CPT:
✓ MAB:
✓ MAM:
✓ MIQBIC:
✓ MST :
✓ Justiça nos trilhos:
✓ Atingidos pela Vale:

16
Direito à demarcação e proteção do território

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes.
3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a
pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com
autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes
assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos
sobre elas, imprescritíveis.
5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do
Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua
população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional,
garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por
objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a
exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado
relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não
gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na
forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e


econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma
permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e
quilombolas, respectivamente, o que dispõem os art. 231 da Constituição e art. 67 e 68 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações;
(Decreto no 6.040/2007 PR, art.3º, II).

17
A constituição de 1988, no artigo 231, garante a demarcação e regularização
de todas as terras indígenas tradicionalmente ocupadas ou necessárias para a sua
sobrevivência, para a realização de práticas culturais dos povos indígenas ou para
usufruto e posse permanente das populações indígenas, sendo dever do governo
federal a sua proteção. A constituição previa a demarcação de todas as terras
indígenas do país em até cinco anos, ou seja 1993 (Art. 67 ADCT). Entretanto até
hoje, segundo a FUNAI, das 585 Terras Indígenas identificadas no Brasil, 126
ainda seguem em estudo e muitos povos vivem em áreas de conflito e
ameaçadas enquanto o processo de demarcação não é concluído. Já segundo o
CIMI, são 1.294 territórios indígenas no Brasil, dos quais apenas 63% estão sob
estudo ou demarcados, enquanto os demais não possuem nenhuma garantia.
A maior parte das terras indígenas está na região norte do país, mas mesmo
aquelas tituladas e regularizadas seguem ameaçadas pelo governo e pela ação de
invasores. Não é exagero afirmar que a demarcação das terras indígenas é
fundamental para a sobrevivência dos povos indígenas e que negar o acesso à
terra é negar o direito de existir. Estes territórios garantem a realização de
práticas culturais, a sua segurança alimentar, acesso a medicamentos naturais,
conservação de locais sagrados e a proteção contra não indígenas.
A dificuldade em se demarcar novas terras indígenas se dá pela má vontade
do governo federal e por muitas delas serem áreas de disputa e conflitos com
grileiros, madeireiros e outros invasores. A situação se torna mais crítica com a
desmobilização da FUNAI, a falta de ação do governo federal em encaminhar
processos avançados de demarcação e a judicialização de processos em
andamento.
O processo de demarcação possui um rito que envolve o estudo, delimitação,
declaração, homologação e regularização do território, sob a coordenação da
FUNAI. Cada etapa depende de procedimentos específicos e acarreta maior
segurança na proteção destes territórios. Por exemplo, as Terras Indígenas
homologadas só precisam da assinatura do presidente e do registro em cartório
para serem regularizadas; as declaradas também precisam da assinatura do
ministério da justiça; as delimitadas precisam de laudo antropológico; e as em
estudo também precisam de um estudo antropológico mais complexo para
seguir no processo. Atualmente, segundo a FUNAI, no Brasil são 468 Terras
Indígenas regularizadas, 13 homologadas, 49 declaradas, 28 delimitadas e 126
em estudo. Já o CIMI contabiliza 1296 territórios indígenas no Brasil.
18
Processo de demarcação das Terras Indígenas no Brasil

EM ESTUDO DELIMITADA DECLARADA HOMOLOGADA REGULARIZADA

• falta estudo • falta laudo • falta a assinatura do • falta a assinatura do • documentação


antropológico antropológico e ministério da justiça presidente e registro completa
concluido autorização do no cartório
ministério da justiça

A história Indígena não começa em 1988!


Uma discussão sobre a demarcação das terras indígenas é a tese do marco temporal que
defende que as áreas tradicionais eram apenas aquelas ocupadas por populações
indígenas em 1988, quando foi escrita a constituição.
Sabemos que desde a invasão do Brasil pelos não indígenas, a partir de 1500, as
populações indígenas foram expulsas de forma violenta dos territórios onde viviam.
Assim, no ano de 1988, a maior parte dos indígenas que sobreviveram já não estavam
mais em seus territórios tradicionalmente ocupados, ficando confinados aos locais que
sobraram.
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal julga ações que discutem a validade da tese
do marco temporal e que terão influência em todos os demais processos de demarcação
em andamento e mesmo em áreas já regularizadas.

No Sul e Sudeste do Pará, quase todas as terras indígenas estão homologadas


e regularizadas ou em processo, alguns indígenas moram em áreas da reforma
agrária de responsabilidade do INCRA, em território privado e outros em áreas
urbanas.
As terras indígenas são patrimônio da união e de usufruto exclusivo das
populações indígenas, sendo proibidas atividades de exploração mineral,
arrendamento de terra para cultivo ou venda para outras pessoas. Apenas o
Congresso Nacional pode autorizar, em terras indígenas, a exploração e o
aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais.
A Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas
(PNEGATI) (Decreto 7.747/2012) foi criada com o intuito de proteger os
territórios indígenas e conservar os seus recursos naturais.
O Plano de Gestão de Terra Indígena (PGTI), Plano de Gestão Territorial e
Ambiental, Plano de Gestão Socioambiental ou Plano Territorial de
Etnodesenvolvimento, são ferramentas importantes elaborados pelos indígenas
como protagonistas, junto com a FUNAI e outros parceiros, com validade jurídica,

19
para o monitoramento, proteção e manejo dos territórios considerando a
sociobiodiversidade, recursos naturais e dinâmica cultural e territorial.
Nestes documentos, de acordo com suas especificidades, podem ser
apresentadas informações sobre a população indígena e a sua história; como ela
vive; quais problemas enfrentam; a relação com o governo e o resto da
sociedade; eventuais conflitos; descrição do território e sociobiodiversidade;
quais os recursos naturais, como são utilizados e por quem; quais as ameaças ao
território; quais os planos futuros e projetos da comunidade dentro de uma
discussão mais ampla sobre a perspectiva da comunidade e bem viver.
Apesar da proteção dos territórios indígenas ser responsabilidade do Governo
Federal e da FUNAI, as comunidades precisam ser protagonistas neste processo,
assumindo a responsabilidade de monitorar e proteger seus territórios. Para isso
é necessário conhecer o território bem. Alguns povos indígenas do Brasil criaram
grupos de guardiões que fazem o monitoramento de seus territórios contra
invasores. Outros territórios possuem brigadas de combate a incêndio apoiadas
pelo IBAMA ou pelo estado, que possuem como função também a proteção dos
territórios contra incêndios e o plantio de mudas.

Quais as ameaças ao meu território? (*Marque quais destas situações ocorrem no seu território)

Assaltos e violência Invasão de grileiros


Ausência do estado
Invasão de castanheiros e extrativistas
(FUNAI/SESAI/Prefeituras/Estado/outras)
Conflitos com fazendeiros Invasão de caçadores
Contaminação da água Invasão de madeireiros
Contaminação por agrotóxico linhas de alta tensão
Contaminação da comida/peixes/água Mineração
Desmatamento Ocorrência de incêndios criminosos
Estradas/rodovias Redução da caça
Ferrovia Remoção de marcos de demarcação
Represamento de cursos de água ou
Garimpo
falta de água potável
Saneamento básico e esgoto não
Hidrovia
tratado
Território pequeno para o tamanho da
Hidrelétrica
população
Incêndios Tráfico de drogas
Incidência de novas doenças Violência do estado

20
Licenciamento ambiental, o que é?

Qualquer empreendimento que tenha impacto ambiental no Brasil necessita


passar por um processo de licenciamento ambiental para ser autorizado, que
será acompanhado pelo órgão ambiental responsável municipal, estadual ou
federal (IBAMA), dependendo da sua abrangência e impacto (Resolução no
237/1997 CONAMA, Lei Complementar no 140/2011 e Decreto no 8437/2015).
Empreendimentos que tenham impacto na vida dos povos indígenas precisam
conter no estudo um componente indígena, de acordo com a recomendação e
acompanhamento da FUNAI (Portaria Interministerial no 418/211, Portaria
Interministerial no 60/2015 MMA/MINC/MJ, Instrução Normativa no 2/2015
FUNAI).
O licenciamento ambiental é fundamental para prevenir e reduzir danos
socioambientais de qualquer tipo de empreendimento e para estabelecer
compensações sobre estes impactos. Após o processo de licenciamento, a
autorização para o empreendimento existir pode ser emitida ou não, de acordo
com a análise técnica dos estudos produzidos e do cumprimento das
condicionantes estabelecidas. Estradas, fábricas, ferrovias, projetos de
mineração, hidrelétricas são alguns dos empreendimentos que precisam passar
por este processo para implementação, operação ou ampliação de suas
atividades.
O órgão ambiental responsável deverá elaborar um termo de referência para
indicar os parâmetros necessários para a elaboração do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) que o empreendimento deverá realizar, de acordo com o tipo e
a abrangência do impacto. Este órgão deverá consultar a FUNAI sobre a
necessidade de estudos de componente indígena, quando o empreendimento
tiver impacto sobre as comunidades indígenas. Se o empreendimento tiver
impacto em algum patrimônio histórico e artístico do Brasil deverá ser
consultado o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), ou o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em áreas de
assentamento, e no caso de impacto em comunidades quilombolas, deverá ser
consultada a Fundação Palmares.

21
O EIA irá estudar todos os aspectos socioambientais afetados pelo
empreendimento, com uma proposta inicial de ações para controlar e reduzir os
eventuais danos. Entre os impactos estudados estão a poluição de solos, das
águas, do som e do ar, impactos na vegetação e nos animais, e o impacto nas
populações humanas afetadas ou que vivem próximas do empreendimento,
levando em consideração todas as fases do empreendimento, desde a sua
implementação até a sua desativação, incluindo obras de acesso, eletrificação,
drenagem e toda a infraestrutura necessária para o seu funcionamento. O EIA
deverá ser aprovado pelo órgão ambiental para a continuidade do processo.
Junto do EIA é produzido um Relatório de Impacto Ambienta (RIMA), com as
informações contidas no EIA de forma mais acessível e resumida.
O Componente indígena será necessário quando o empreendimento for gerar
impacto para os povos indígenas e seus territórios. Neste caso, a FUNAI deverá
ser consultada e participar do processo de licenciamento ambiental. Apesar de
sabermos que os impactos socioambientais costumam ser maiores do que os
apontados nestes estudos, existe uma legislação específica que trata sobre o
procedimento do licenciamento ambiental e que considera o tipo de
empreendimento, a localização dele e a distância dos territórios indígenas.
O estudo do componente indígena deve ser realizado por uma equipe
multidisciplinar considerando todos os impactos negativos do empreendimento
nas comunidades afetadas, como na disponibilidade e acesso aos recursos
naturais, caça, alimentos, água, locais sagrados, saúde da população e poluição.
Esta etapa é monitorada por uma equipe da FUNAI.
Necessidade de Estudo de Componente Indígena para empreendimento na Amazônia Legal
Fonte: portaria interministerial no 60/2015 MMA/MINC/MJ (Anexo I)
Tipo de empreendimento Distância da Terra Indígena
Rodovias e hidrelétricas 40 km
Ferrovias, portos, mineração e termoelétricas 10 km
Linhas de transmissão 8 km
Dutos 5 km

Quando os estudos de EIA-RIMA, do componente indígena e outros


necessários, segundo o termo de referência elaborado pelo órgão ambiental
licenciador, estiverem prontos, são realizadas as audiências públicas (Resolução
no 09/1987 CONAMA). A audiência é muito importante para garantir que todos
sejam escutados, para o esclarecimento de dúvidas e para realizar

22
questionamentos sobre os resultados dos estudos. A FUNAI e o órgão ambiental
devem garantir a participação de todos nas audiências e que ela seja realizada
dentro das terras indígenas com a tradução na língua indígena para a melhor
compreensão da comunidade afetada, se for necessário. Todos os
questionamentos levantados durante a audiência e após alguns dias dela serão
analisadas pelo órgão ambiental licenciador e pela FUNAI, que após análise
poderá solicitar complementação dos estudos.
Seguindo o rito do licenciamento ambiental, se aprovado o EIA-Rima, é
emitida uma Licença Prévia para a implantação das atividades preliminares do
empreendimento.
Deve ser realizado então pela empresa solicitante um Plano Básico Ambiental
(PBA), com o detalhamento das ações que serão realizadas para reduzir os
impactos socioambientais, incluindo projetos, programas ou outros tipos de
compensação. A FUNAI deve acompanhar este processo e aprovar ou não junto
da comunidade indígena o PBA. É muito importante o envolvimento de toda a
comunidade no PBA, pois a partir dele que serão definidas as condicionantes de
operação do empreendimento.
A OIT 169, que será melhor vista a seguir nesta cartilha, garante que antes do
início de qualquer empreendimento ou ação que terá impacto na vida dos povos
indígenas, eles devem ser consultados previamente, de forma clara e com a
autonomia de autorizar ou não a sua execução.
Com a aprovação do PBA proposto é emitida uma Licença de Instalação, que
será trocada por uma Licença de Operação quando as condicionantes forem
atendidas de acordo com o processo de licenciamento ambiental e o calendário
aprovado.
Todo o processo de licenciamento ambiental deve ser transparente a
acessível para todos, com o registro oficial de todas as etapas e divulgação em
meios digitais ou impressos (resolução no 06/1986 CONAMA). As audiências
devem ser bem divulgadas com antecedência e serem em locais acessíveis para
toda a população afetada participar.
Se qualquer etapa do licenciamento ambiental desrespeitar o rito existente, a
legislação vigente ou a autonomia dos povos indígenas, ou se a comunidade
considerar que houve qualquer violação ou má fé no processo, o Ministério
Público Federal pode ser acionado para intervir no processo de licenciamento
ambiental.
23
Como é o processo de licenciamento Ambiental (Cartilha Funai)

Solicitação do Empreendimento
- Para o orgão ambiental licenciador responsável (municipal, estadual ou federal/IBAMA)
de acordo com o tipo de empreendimento;
- O órgão licenciador irá elaborar um termo de referência com os estudos necessários.
Estudo de Impacto ambiental (EIA)
- Deve ser elaborado de acordo com especificação do termo de referência emitido pelo
órgão ambiental;
- Funai é consultada sobre a necessidade de realização de estudo do Componente
Indígena;
Audiência Pública
- Deve ser bem divulgada com antecedência e aberta para toda a população afetada
participar;
- Resultados do Estudo de Impacto Ambiental e do Relátorio de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA) são apresentados para as comunidades afetadas;
- São recolhidas sugestões e questionamentos;
- FUNAI e Orgão ambiental analisam o resultado e emitem parecer técnico;
- Òrgão ambiental aprova o EIA-RIMA ou solicita adequaçãos;
Licença Prévia (LP)
- Autoriza a continuidade do processo e atividades preliminares do empreendimento com
condicionamentes que devem ser atendidas;
Plano Básico Ambiental (PBA)
- Documento que traz as medidas mitigadores e compensatórias em relação as atividades
do empreendimento que aparecem no EIA-RIMA;
- Deve trazer solução para todas as questões levantadas no EIA-RIMA, inclusive em
relação as populções humanas afetadas;
- As comunidades afetadas devem ser escutadas durante a elaboração do PBA;
- A OIT 169 garante a consulta prévia, livre e esclarecida aos povos indígenas;
- precisa da aprovação da FUNAI e da comunidade afetada;
Licença de Instalação (LI)
- Com a aprovação do PBA pelo órgão ambiental, é emitida a Licença de Instalação para o
empreendimento com as condicionantes do PBA;
Execução do PBA
- A realização das ações planejadas no PBA devem ser realizadas como condicionamente
para a liberação de operação plena do empreedimento;
- A FUNAI deve acompanhar as ações do PBA relacionadas aos povos indígenas;
Licença de Operação (LO)
- Licença concedida pelo órgão ambiental para o inicio das atividades do empreednimento
de acordo com a realização das condicionanates;
- Se o empreedimento não cumprir todas as condicionantes previstas, ou cometer algum
crime ambiental, a LO poderá ser cancelada.

24
Compensação monetária ou não monetária?

A compensação dos empreendimentos para as comunidades afetadas pode ser


feita de forma monetária (em dinheiro) ou não monetária (como projetos ou
obras de infraestrutura).
A compensação deve ser relacionada aos impactos do empreendimento. Por
isso é importante que todos os impactos apareçam no EIA/RIMA e sejam
discutidos na audiência pública e com toda a comunidade afetada. Apesar dos
impactos destes empreendimentos, a compensação negociada não substitui as
obrigações do estado com a comunidade indígena como com a saúde, educação,
segurança e infraestrutura.
Os impactos podem ser pontuais, durante a implementação inicial do projeto,
ou duradouros, durante toda a existência do empreendimento e até depois que
ele deixar de existir.
A comunidade tem a autonomia de negociar como será esta compensação
durante o processo de licencimento ambiental. As empresas sempre querem
aumentar os seus lucros reduzindo os gastos com a compensação ambiental, por
isso é preciso negociar bem e estar atento. Caso a comunidade sinta-se
prejudicada durante este processo, o Ministério Público Federal pode ser
acionado para atuar.
A compensação entra como uma condicionante para o funcionamento do
empreendimento e caso ela não seja cumprida, o empreendimento pode perder
a sua licença de funcionamento.
É importante que toda a comunidade se envolva durante este processo de
licencimento ambiental e na discussão sobre as condicionantes. Quanto mais
comunidades do territorio se envolverem nesta negociação, mais representativa
é a voz desta população frente ao estado e a empresa.
O dinheiro, apesar de trazer certa liberdade para a comunidade decidir sobre
o seu uso, é limitado e deve ser bem utilizado para não acabar rápido sem trazer
benefícios concretos para a comunidade. Algumas vezes, a compensação em
forma de projetos produtivos ou etnodesenvolvimento ou obras de infraestrutra
como escola, estradas ou posto de saúde, terá um impacto positivo maior por um
longo período, considerando que todo o projeto possui um prazo para terminar.
Esta é uma decisão que cabe à comunidade.

25
Documentação civil básica

É direto do indígena ter em seu documento de identidade o nome indígena e a


etnia, se assim quiser. Antigamente, alguns cartórios não aceitavam os nomes
indígenas e inventavam outros nomes e sobrenomes para os indígenas. Hoje,
existe a compreensão de que é direito ter o nome escrito no documento da
forma que o cidadão quiser. Decisões judiciais recentes em todo o país
permitiram que indígenas alterassem seus documentos para incluir o nome
indígena e etnia (Resolução conjunta 03 de 2012).
Declaração de nascimento vivo (DNV) fornecido pelo hospital, maternidade ou
equipe de saúde comprovando o nascimento de qualquer pessoa, seja ele na
cidade ou na comunidade. É um documento gratuito. É importante que este
documento esteja preenchido corretamente com a etnicidade (indígena) da
criança para a correta emissão dos outros documentos.
Registro Civil de Nascimento (RCN) ou certidão de nascimento, é realizado em
cartórios de registro Civil de Pessoas Naturais, previsto e regulamentado pela Lei
6016 de 1973. Ele é gratuito e para fazê-lo é preciso o documento de
identificação dos pais e a declaração de nascimento vivo (DNV) ou o registro
Administrativo de Nascimento de Indígenas (RANI). Nele, pode aparecer a etnia e
o nome indígena da criança, se os pais quiserem.
Registro Administrativo de Nascimento de Indígenas (RANI) era um documento
emitido pela FUNAI que serve como comprovante de nascimento ou registro civil
do indígena. Atualmente ele não costuma ser mais emitido para novos nascidos,
pois não substitui a carteira de identidade ou outros documentos básicos. Para
indígenas que já possuem o RANI, ele poderá ser utilizado na emissão de outros
documentos.
Carteira de Identidade ou Registro Geral (RG) é um documento de identificação
civil emitido pelos órgãos de segurança dos estados, com validade em todo o
território nacional. A emissão dela é gratuita e deve ser feita nos órgãos de
segurança de cada estado ou em outras instituições credenciadas. É direito incluir
no documento o nome indígena e a etnia. Para quem já possui este documento,
mas deseja incluir no sobrenome a etnia, é possível procurar o cartório civil ou
ingressar com ação junto da Defensoria Pública do estado ou ao Ministério
Público para realizar esta alteração, com o acompanhamento da FUNAI.

26
Geralmente, é necessário levar foto 3x4 e certidão de nascimento para a sua
emissão (Resolução conjunta 03 de 2012).
Cadastro de Pessoa Física (CPF) é um documento da Receita Federal do Brasil
emitido em agências do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal ou Correios
com custo ou em entidade pública conveniada de forma gratuita. Ele é necessário
para abrir conta em banco, solicitar empréstimos, declarar impostos de renda, e
para receber alguns dos benefícios sociais ou solicitar alguns outros documentos.
A inscrição é feita pela internet e necessita de documento de identificação e
título de eleitor para maiores de 18 anos.
Título de Eleitor é o documento que permite que um cidadão vote em seus
representantes nas eleições ou se candidate a cargo eletivo. Ele é exigido para a
emissão de uma série de outros documentos no Brasil, para prestar concursos
públicos e para acessar outros direitos em nosso país, sendo facultativo para
cidadãos com mais de 16 anos e obrigatório para os com mais de 18 anos
alfabetizados. Ele é feito pela primeira vez em cartórios eleitorais de forma
gratuita, com a apresentação de RG ou certidão de nascimento, comprovante de
endereço e comprovante de quitação militar para homens com mais de 18 anos.
Carteira de Trabalho e Previdência Social é um documento utilizado para
registrar a vida profissional das pessoas. Ele é importante para conseguir algumas
garantias previdenciárias e direitos trabalhistas. Ela é gratuita e pode ser tirada
em diferentes locais, dependendo do município. Atualmente, ela está sendo
transformada para o formato digital.
Certidão de Casamento ou Atestado de União Estável, são documentos que
comprovam a relação estável entre duas pessoas registrado em cartório civil. Ele
é gratuito para pessoas com baixa renda.
Atestado de óbito é um documento assinado por profissional médico ou por
duas testemunhas que declara a morte de uma pessoa. É utilizado para a emissão
da Certidão de óbito, que registra a morte em cartório de Registro Civil. Os dois
documentos são gratuitos.

Quem pode ajudar nestes casos: FUNAI, MPF, MPPA, Defensoria Pública,
Secretaria de Assistência Social do Estado e dos Municípios, Cartório de Registro
Civil Local, Advogado particular.

27
Direitos sociais e previdenciárias

Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,


o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de


iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos
à saúde, à previdência e à assistência social.

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social.

Os indígenas são cidadãos plenos e têm direito a todos os benefícios sociais e


previdenciários do Estado Brasileiro. Entre os direitos sociais estão a emissão de
documentos básicos, acesso a saúde, seguridade e previdência social e
programas de transferência de renda.
Cada um destes benefícios possui regulamentação própria e especificidades.
Por isso é importante consultar as instituições responsáveis para saber o que é
necessário para acessá-los. Eles também podem estar relacionados com a
disponibilidade de recursos e políticas públicas priorizadas por cada governo,
como o bolsa família, bolsa verde, minha casa minha vida e o luz para todos.
Alguns benefícios precisam de comprovações para serem acessados, como de
tempo de trabalho que pode ser feito com a Carteira de Trabalho para
assalariados, comprovações de estado de saúde, RANI, declaração da FUNAI ou
certidão de nascimento ou de óbito. Nos casos de indígenas que precisem
acessar aposentadoria e salário maternidade, que não possuem vinculo
empregatícios e que realizem atividade rural, o acesso ao INSS deve seguir as
normas da Resolução 76 de 2009, que define procedimentos relativos ao
reconhecimento dos períodos de atividade rural na condição de segurado
especial. Para acessar esses benefícios, enquanto segurado especial, os indígenas
devem procurar a Funai, para emissão de certidão de exercício de atividade rural,
em conformidade com a Instrução Normativa nº 77 de 2015.

28
LISTA DE DIREITOS SOCIAIS E PREVIDENCIÁRIOS
Nome O que é? Responsável
Aposentadoria por Para artesãos ou indígenas habitantes de área rural
INSS
idade com 60 anos para homens e 55 para mulheres.
Aposentadoria por
Aposentadoria por incapacidade permanente. INSS
invalidez
Pago a dependentes ou companheiro da vítima que
Pensão por morte INSS
faleceu
Benefício para a pessoa com mais de 65 anos que
Pessoa idosa não possui renda suficiente para manter a si mesmo e INSS
a sua família
Auxilio Reclusão Auxílio pago a dependente de pessoa presa INSS
Auxílio pago a pessoas com deficiência que não
Pessoa com
possui meios de prover a própria manutenção, nem INSS
deficiência
de tê-la provida pela sua família
Benefício para garantir assistência financeira
Caixa
Seguro desemprego temporária ao trabalhador dispensado com carteira
Econômica
assinada
Salário Benefício pago por até 120 dias após o Caixa
maternidade nascimento/adoção de criança Econômica
Indenização paga em decorrência de acidente que
Caixa
Auxílio acidentes reduza permanentemente a capacidade para o
Econômica
trabalho
Auxílio pago ao trabalhador que necessite ficar mais Caixa
Auxílio doença
de 15 dias afastado por motivo de doença ou acidente Econômica
Programa do governo federal para subsidiar a
Minha casa minha Caixa
aquisição da casa própria para famílias de baixa
vida Econômica
renda
Programa do governo federal para acesso a energia Distribuidora
Luz para todos
elétrica em regiões desprovidas de energia
Desconto na energia elétrica de consumidores de Distribuidora
Tarifa Social
baixa renda de energia
Auxílio pago a famílias em situação de pobreza ou
Caixa
Bolsa família extrema pobreza (famílias com renda mensal de até
Econômica
R$ 178,00 por pessoa)
Auxílio pago a famílias em situação de pobreza ou
extrema pobreza que desenvolvam atividades nas
áreas de florestas nacionais, extrativistas, Caixa
Bolsa verde
assentamento agroextrativista e povos e populações Econômica
tradicionais. Ministério do Meio Ambiente que faz o
levantamento dos beneficiários.
Benefício pago a pescadores artesanais registrados
Seguro defeso durante o período de defeso, quando a pesca está INSS
proibida

29
Para acesso aos benefícios sociais para famílias de baixa renda é importante
realizar o Cadastro Único do Governo Federal, que pode ser feito pela
Assistência Social dos Municípios. A maior parte dos municípios do Pará possui
Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) que deve ofertar e orientar
ações relacionadas aos direitos sociais de forma gratuita. A Assistência Social
também atua na proteção de populações vulneráveis, como crianças, idosos e
portadores de deficiência.
Caso haja alguma dificuldade de acessar estes benefícios é possível solicitar
auxílio para a FUNAI, Defensoria Pública, Ministério Público, CRAS ou advogados.

CONTATOS LOCAIS

✓ Centro de Referência da Assistência Social (CRAS):

✓ Secretaria Municipal de Assistência Social:

✓ Assistente social:

30
O que é racismo e preconceito?

Racismo é crime! Discriminar qualquer pessoa por sua etnia, cor, origem, religião,
gênero sexual ou orientação sexual é considerado crime no Brasil, passível de
processo, punição e até prisão!
A lei no 7716 de 1989 caracteriza como crime de racismo o impedimento de
ingresso em estabelecimentos públicos e privados, restaurantes, hospedagem
em hotéis, matrícula em escola, circulação em espaços públicos, acesso a
transportes públicos ou a não contratação de pessoas em função da etnia, cor ou
origem das pessoas.
Casos de racismo e preconceito podem ser identificados em discursos de ódio,
no uso de palavras pejorativas ou ofensivas, nas piadas sobre a origem das
pessoas, sobre a língua ou modo de falar, sobre a forma de vestir, de cortar o
cabelo, no desrespeito às práticas culturais, ou na responsabilização injusta e
infundada de que determinado grupo é responsável pelos problemas de outros.
Como cidadão brasileiro, todo indígena deve ter seus direitos respeitados,
inclusive na proteção de suas práticas culturais, no direito de ir e vir, de falar a
sua língua, liberdade de pensamento, de realizar as suas tradições e práticas
religiosas. Quando alguém se coloca contra estes direitos em função da etnia ou
origem da pessoa, este ato pode ser configurado como crime de racismo. A fala
de algumas lideranças religiosas de que indígenas devem ser convertidos e
abandonar suas tradições por que elas são erradas também pode ser
interpretado como racismo e crime.
A discussão sobre preconceito e racismo é complexa. Mas podemos
considerar que o racismo e as diferentes formas de preconceito existem porque
uma parcela da sociedade aprendeu a não tolerar essas diferenças. Quando o
preconceito e racismo incomodar determinado grupo ou indivíduo, ele deve
denunciar esta prática e registrar boletim de ocorrência, para que as pessoas
racistas sejam processadas e penalizadas.

A quem recorrer em casos de racismo: FUNAI, MPF, MPPA, Defensoria,


Advogado particular, Polícia Civil, Ouvidoria (no caso de agentes públicos em
atividade), sempre que possível comprovando estas situações com fotos, vídeos,
outros registros ou testemunhas.

31
Direito à saúde

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.

Em relação à questões da Saúde, a SECRETÁRIA ESPECIAL DE SAÚDE INDÍGENA


DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (SESAI) é responsável por coordenar a Política
Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, realizar ações de educação em
saúde e monitoramentos epidemiológicos e pela execução da atenção básica de
indígenas que vivem dentro dos territórios indígenas (Lei no 8.080 de 1990, Lei no
12.314 de 2010, Decreto no 3.156 de 1999, Decreto no 9.797 de 2019). Estados e
municípios são responsáveis pelos atendimentos de média e alta complexidade e
de populações que vivem em áreas urbanas, articulados com a SESAI e dentro do
Sistema Único de Saúde (SUS). A sede da SESAI fica em Brasília no Ministério da
Saúde.
A atuação da SESAI nos territórios indígenas é dividida em DISTRITOS
SANITÁRIOS ESPECIAIS INDÍGENAS (DSEI) cuja equipe é contratada por
organizações terceirizadas pelo governo. O Brasil possui 34 DSEIs e no estado do
Pará atuam sete distritos: DSEI Altamira, DSEI Guamá Tocantins, DSEI Amapá e
Norte do Pará, DSEI Kaiapó do Mato Grosso, DSEI Kaiapó do Pará, DSEI Parintins e
DSEI rio Tapajós, cada um com uma equipe e coordenação própria escolhida pela
SESAI e pela organização contratada. Cada DSEI é dividido em polos de saúde,
que funcionam como postos de saúde dentro ou fora das comunidades.
O DSEI e a SESAI-MS devem respeitar os direitos dos povos indígenas,
incluindo questões culturais relativas à saúde e o direito a consulta prévia em
tratamentos de saúde e medicamentação, e podem ser responsabilizados pelo
mal atendimento às populações indígenas.
Em alguns municípios com maior fluxo de indígenas ou um sistema de saúde
mais estruturado, existem as Casas de Saúde Indígena (CASAI) que podem ser
usadas por indígenas de todas as etnias da região durante o tratamento da
saúde.
Todo Indígena também possui o direito de ser atendido no Sistema Único de
Saúde (SUS), incluindo hospitais e postos de saúde Municipais e Estaduais, se

32
assim precisar. A recusa ao atendimento de indígenas por qualquer profissional
ou setor do SUS, se configura como negligência ou racismo, e é crime passível de
punição.
Algumas etnias possuem convênios e acordos com empresas que impactam o
seu território e a sua vida, como mineradoras ou empresas de energia elétrica, e,
por isso, possuem planos de saúde particulares que possibilitam o atendimento
pela rede privada de saúde quando precisarem.
Os indígenas possuem representação nos conselhos de saúde de alguns
Municípios, do Estado do Pará e da SESAI/DSEI. É importante conhecer como
funcionam estes conselhos e quem são os seus representantes para cobrá-los e
fiscalizar as ações dos governos. A ouvidoria de cada instituição pode ser utilizada
para denunciar a má atuação de profissionais públicos. Também podem ser
abertos processos para a garantia ou expansão desses direitos, como a
construção de postos de saúde em comunidades maiores, contratação de mais
profissionais, aquisição de automóveis, aquisição de materiais ou a reforma ou
construção de mais CASAIs.

CONTATOS DA SAÚDE:

✓ Assistência Social (CRAS):

✓ CASAI:

✓ Conselho de Saúde DSEI:

✓ Conselho de Saúde Estado:

✓ Secretaria Municipal da Saúde:

✓ DSEI local (polo local):

✓ DESEI (coordenação regional):

✓ Hospital regional:

✓ Posto de saúde:

33
Direito à educação

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,
a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

Art. 201. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
nacionais e regionais.
§ 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada
às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem.

A educação é uma questão central para qualquer sociedade. Ela deve ser
garantida pelo estado de forma gratuita, com qualidade e respeito à diversidade.
Várias comunidades indígenas encontram na educação escolar uma estratégia
importante para valorizar e fortalecer sua cultura, através do ensino das línguas
maternas, transmissão de práticas culturais e para o preparo dos mais jovens
para entender e conviver com a sociedade não indígena.
No Brasil o Ministério da Educação (MEC) é responsável pelas políticas
nacionais de educação e por coordenar as ações referentes à educação indígena,
que serão desenvolvidas pelas Secretarias de Educação dos Estados e Municípios
(Decreto no 26 de 1991). Faz parte da estrutura do MEC o Conselho Nacional de
Educação (CNE), órgão responsável, dentre outras coisas, pela elaboração de
Resoluções e Diretrizes para a educação escolar de todo o país, inclusive a criação
de resoluções que garantem o direito à educação escolar indígena, intercultural e
bilíngue.
Nos estados, há as Secretarias Estaduais de Educação e os Conselhos
Estaduais de Educação. No estado do Pará, existe na Secretaria de Estado de
34
Educação (SEDUC) a Coordenação de Educação Escolar Indígena (CEEIND). Nos
municípios há as Secretarias Municipais de Educação e os Conselhos municipais
de educação e, em alguns deles, coordenações para a educação escolar indígena.
Em alguns estados, como Amazonas e Tocantins, os povos indígenas, a partir de
sua organização, conseguiram a criação de Conselhos Estaduais de Educação
Escolar Indígena. Essa é ainda uma luta importante dos povos indígenas do
estado do Pará, pois aqui só temos o Conselho Estadual de Educação e nele há
somente dois indígenas para representar os interesses de todos os povos
indígenas do estado.
Os estados e municípios seguem diretrizes de ensino da Base Nacional
Curricular Comum (BNCC). A BNCC é um documento normativo para as escolas
de todo o país para a construção dos currículos no Ensino Infantil, Fundamental e
Médio. Esse documento, porém, não trata das especificidades e dos direitos
educacionais dos povos indígenas, conforme previsto nos artigos 210 e 231 da
constituição de 1988.
Nem sempre a educação escolar oferecida pelos estados e municípios está de
acordo com as necessidades dos povos indígenas. Para a construção de uma
educação escolar indígena que respeite o projeto de cada povo indígena, os
estados e municípios devem seguir as normativas e diretrizes que constam nos
artigos 78 e 79 da Lei Federal no 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional; e, principalmente, a Resolução n° 05/2012 do CNE que Define
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na
Educação Básica. A regulamentação sobre as normas da Educação Básica do Pará
está na Resolução no 01/2010 do Conselho Estadual de Educação.
Apesar da garantia legal de que que as escolas indígenas possam adotar a
língua materna no ensino e que sejam respeitados aspectos culturais de cada
povo, os estados e municípios têm dificuldade de atender estas especificidades.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas indígenas é um documento que
deve ser elaborado pelas próprias comunidades indígenas, com a participação
das lideranças, professores indígenas, pais e estudantes. O PPP é um documento
no qual cada comunidade indígena descreve qual a importância da escola para o
seu povo e como a educação escolar indígena na aldeia deve ser feita, incluindo
a decisão da comunidade sobre qual a língua em que se realizará o ensino na
escola, práticas pedagógicas, conteúdos ensinados, atuação dos professores,
calendário escolar, entre outras especificidades. Este documento é muito
35
importante para que os estados e municípios compreendam quais as
necessidades de cada comunidade. Algumas etnias e comunidades da região já
elaboraram o seu PPP e utilizam este documento para garantir um ensino escolar
indígena adequado e de qualidade na comunidade.
É importante destacar os direitos de autodeterminação e de consulta prévia,
livre e esclarecida (OIT 169/1989 e CF88), que garantem que a população
indígena deve ser consultada antes de atos dos estados e municípios também
relacionados a educação que irão ter impacto nas suas vidas.
Caso seja necessário ou se assim desejar, é direito dos indígenas poder se
matricular em escolas públicas ou particulares fora de territórios indígenas.
Comunidades com muitas crianças em idade escolar podem demandar a
instalação e construção de escolas dentro das comunidades para o estado ou
município. Nestas escolas é importante a presença de professores indígenas que
conhecem a cultura local e que estejam aptos para ensinar os mais jovens.
Professores não indígenas que atuem nestas escolas devem respeitar as tradições
e a cultura local. Uma das grandes dificuldades na implementação destas escolas
é o apoio e envolvimento do estado e municípios nesta questão, pois acabam
dependendo dos recursos disponíveis e dos políticos e administradores atuantes.
O estado do Pará e alguns municípios possuem coordenações especiais de
educação escolar indígena que podem ser procuradas. A presença de indígenas
em conselhos municipais e estaduais de educação é importante nesta luta.
Uma discussão importante que deve ser feita em cada comunidade, é se é
mais vantajoso implementar uma escola estadual ou municipal nela. Pode ser
levado em consideração a facilidade de diálogo, capacidade financeira, estrutura
das secretarias de educação, participação nos conselhos de educação, respeito as
tradições e cultura, forma de contratação dos professores e outras questões
pertinentes. Cada caso é um caso.
Muitas instituições de ensino superior público e gratuito da região, como a
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Para (UNIFESSPA), Universidade do
Estado do Pará (UEPA), Instituto Federal do Pará (IFPA), Universidade Federal
Rural da Amazônia (UFRA) e a Universidade Federal do Pará (UFPA), possuem
programas ou ações para a inclusão de indígenas, com cursos específicos,
processos seletivos especiais e auxílios de permanência para os alunos durante os
cursos (Portaria no 389/2013 MEC). O ingresso de alunos nestas instituições é
feito através da prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) ou de
36
processos seletivos especiais dentro de calendários divulgados anualmente. Estas
instituições e seus professores podem ser parceiros estratégicos para a defesa
dos direitos dos povos indígenas.
O ministério da Educação possui o Programa Universidade Para Todos
(Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) para auxiliar no
pagamento de cursos superiores em instituições privadas de ensino. A inscrição
nestes programas obedece a um cronograma com calendário divulgado
anualmente e obedece alguns pré-requisitos que devem ser consultados antes do
cadastro.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) garante o direito dos
alunos de todas as etapas da educação básica em instituições públicas terem
acesso a merenda escolar de qualidade durante o período de aula. Esta merenda
deve ser fornecida pelos estados e municípios de acordo com a cultura local,
através de repasse do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
O PNAE garante que ao menos 30% da merenda fornecida nas escolas públicas,
incluindo as indígenas, seja adquirida de pequenos agricultores ou da própria
comunidade, contribuindo com a geração de renda, respeito às tradições
alimentares e acesso a alimentação de qualidade.
Algumas organizações importantes para discutir a educação escolar indígena
e aberta a participação de todos os povos indígenas são o Fórum Nacional de
Educação Escolar Indígena (FNEEI), O Grupo de Trabalho de Educação Escolar
Indígena do Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará
(FREC-SUPA) e a Associação dos Professores Indígenas do Sul e Sudeste do Pará
(APISSPA) que realizam reuniões periódicas.

CONTATOS DA EDUCAÇÃO

✓ Conselho municipal de educação:

✓ Conselho estadual de educação:

✓ Secretaria Municipal:

✓ Secretaria Estadual:

✓ Fórum Estadual de Educação Indígena:

37
Direito a manifestações e violência do estado

É direito de todos se manifestarem de forma pacífica. As manifestações são atos


importantes para chamar a atenção para reinvindicações coletivas. Elas podem
ser feitas de várias formas como com o fechamento de estradas, em frente a
edifícios institucionais ou em diferentes meios de comunicação.
Em qualquer estratégia adotada nas manifestações é importante realizar um
bom planejamento para que ela chame a atenção das pessoas desejadas. Para o
fechamento de estradas e rodovias, onde há risco de conflito, é importante
contar com a presença de advogados, defensores ou outros parceiros, se
antecipando para qualquer situação de conflito, ou avisar a polícia rodoviária
para que ela supervisione os motoristas. Também é importante avisar
autoridades competentes, assim como a mídia para gravar o ato. É interessante
criar comissões para organizar as manifestações onde cada um possui uma
responsabilidade no ato como alimentação, transporte, segurança, gravação do
ato ou comunicação.
A manifestação só poderá ser desmobilizada com a ordem de um juiz
competente e com a apresentação da procuração pelas autoridades policiais. O
grupo pode adotar como estratégia o não cumprimento da ordem do juiz, o que
pode trazer outras consequência que devem ser avaliadas. É importante que os
manifestantes não utilizem nenhum tipo de violência para não justificar prisões
ou a violência do estado.
O papel da polícia militar, civil, municipal, federal, rodoviária ou do exército,
também é regulamentado por lei. É necessário saber identificar quando um
policial atua de maneira agressiva, arbitrária, violenta ou autoritária em
diferentes situações.
Cuidado com o abuso de autoridade de policiais! Os agentes policiais devem
atuar dentro da lei, sempre estar identificados nas abordagens e explicar o
motivo desta abordagem. Registre a ação dos policiais com vídeos e imagens
para inibir ações ilegais ou exageradas deles. Estes registros poderão ser
utilizados como prova em denúncias e investigações.
A proteção do território indígena é de responsabilidade do governo federal e
pode ser realizada pela FUNAI, Polícia Federal, Ibama e Exército. Entretanto,
estados e municípios, também possuem responsabilidade na segurança pública e
na proteção de todos os seus cidadãos, incluindo indígenas, e na proteção do
38
meio ambiente. A Polícia Militar, Polícia Civil, Bombeiros, Guarda Municipal,
Polícia Ambiental ou outras forças de segurança podem atuar dentro das terras
indígenas para a proteção das pessoas, na investigação de crimes e na atuação
contra crimes ambientais. A entrada destes agentes de segurança depende da
autorização da comunidade ou da Funai, ou pode ocorrer em situações
específicas, em faixas de fronteira com outros países, ou ainda com ordem
judicial ou crime em flagrante.
Os indígenas também estão sujeito ao Código Penal, podendo ser
responsabilizados por crimes praticados, a partir de investigação, julgamento e
eventual condenação dentro dos ritos processuais. Todos os tipos de crimes
previstos, penalizações e rito processual estão descritos no Código Penal
(Decreto Lei no 2.848/1940). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), garante
tratamento diferenciado para pessoas indígenas acusadas, investigadas ou
condenadas, de acordo com as especificidades de cada cultura (Resolução
287/2019).
É necessário considerar como a questão cultural pode trazer diferentes
interpretações sobre o que é crime, dentro das relações internas de cada
comunidade e povo.
Quando o crime é realizado contra um indígena, é importante registrar um
Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia, se possível apresentado provas
para aumentar as evidências; denúncias também podem ser feitas ao Ministério
Público, a FUNAI ou a outras forças policiais. Especificamente sobre violência
doméstica (dentro de casa) e familiar contra a mulher, é possível fazer denúncias
pelo telefone no número de telefone 180.
Qualquer prisão, dentro ou fora da terra indígena, só poderá ser feita com
delito (crime) em flagrante, por meio de intimação judicial ou após condenação.
Neste caso, o policial não pode usar de violência, a não ser que se sinta
ameaçado. Ele deve informar o motivo da prisão no ato e avisar aos parentes
para onde a pessoa está sendo levada. As forças policiais possuem ouvidoria e
corregedoria para investigar má conduta dentro das corporações.
É importante manter uma boa relação com as diferentes forças policiais, que
podem se tornar parceiros importantes na defesa dos territórios e da segurança
dos povos indígenas. Em questões relacionadas ao abuso de autoridade, podem
ser procurados os Ministérios Públicos, Defensoria, OAB, advogados particulares
ou a ouvidoria das instituições envolvidas.
39
Escravidão e o Direto à liberdade

Todo ser humano é livre e é vedado qualquer tipos de trabalho forçado e


degradante.
A escravidão foi abolida do Brasil em 1888, mas são recorrentes as situações
de trabalho análogo (parecido) à escravidão no Brasil. Os artigos 146, 147, 148 e
149 do Código Penal tratam sobre crimes contra a liberdade pessoal e define
trabalho análogo à escravidão (art. 149) como aquele em que seres humanos
estão submetidos à:

- restrição de locomoção do trabalhador;


- jornada exaustiva que podem causar danos físicos aos empregados;
- servidão ou trabalho por dívidas;
- condições degradantes de trabalho.

A pena se agrava quando o crime for cometido contra criança ou adolescente


ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Alguns indícios de escravidão moderna são ameaças físicas ou psicológicas por
parte dos patrões, proibição de sair do trabalho, falta de proteção para trabalhos
pesados, fornecimento de má alimentação durante o trabalho ou de moradias de
baixa qualidade, inexistência de contrato ou carteira assinada para trabalho
longos ou desrespeito aos direitos trabalhistas.
O Sudeste do Pará é uma das regiões do país onde foram flagrados mais casos
de trabalho análogos à escravidão pela justiça do trabalho, principalmente em
atividades agropecuárias e no garimpo.
Quando o trabalho escravo é identificado, é necessário fazer uma denúncia
para o Ministério Público do Trabalho ou para a Polícia Militar, dependendo da
situação.
Outros trabalhos degradantes e ilegais, que devem ser denunciados às
autoridades competentes são a exploração sexual (prostituição) e o tráfico de
drogas. Estas atividades, quando próximas das comunidades, costumam trazer
problemas maiores como doenças, entrada de pessoas de fora, violência física e
psicológica e podem ser penalizadas com a prisão das pessoas envolvidas.

40
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei no 8.069/1990) é um
conjunto de leis relacionadas à proteção das crianças e dos adolescentes. Ela
descreve o Trabalho infantil como o emprego de crianças em qualquer trabalho
que as priva de sua infância, interfere na capacidade de frequentar a escola
regularmente e é considerado mentalmente, fisicamente, socialmente ou
moralmente perigoso e prejudicial. O ECA prevê, em certas condições, o trabalho
de crianças e jovens com mais de 14 ou 16 anos. A mendicância com crianças,
caracterizado pelo pedido de esmola na rua por crianças com a supervisão dos
país, pode ser considerado crime, segundo o ECA, com a responsabilização dos
supervisores e risco de perda de guarda das crianças.
É importante diferenciar situações estabelecidas entre povos indígenas,
dentro de suas práticas culturais e tradições, com situações vivenciadas na
relação de trabalho entre indígenas e não indígenas para a caracterização
criminal de trabalho análogo à escravidão, trabalho forçado ou trabalho infantil.
Por exemplo, para alguns povos indígenas é comum que crianças participem de
atividades na roça, coleta, caça ou pesca. Ou que sejam realizados trabalhos
coletivos para a construção de casas, derrubada de mata, coleta da castanha ou
plantio da roça, que são regulamentados pelas regras locais segundo cada
cultura.

CONTATOS DE INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA


✓ Bombeiros:

✓ Exército:

✓ Polícia Federal:

✓ Polícia Militar:

✓ Polícia Municipal:

✓ Polícia Ambiental:

✓ IBAMA:

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Representatividade e organização Social

Nas diferentes sociedades indígenas e para cada etnia, dentro de sua cultura, as
normas sociais e as decisões são tomadas de forma diferente. Estas normas
dizem respeito a como cada um deve se relacionar com outras pessoas, com
quem pode casar ou a quem deve respeito ou para quem pedir conselhos em
cada situação. Entretanto, a sociedade não indígena tem dificuldade de entender
e respeitar estas diferentes formas de organização.
Para se relacionar com a sociedade não indígena em aspectos específicos
como comercialização de produtos, captação de recursos financeiros e
representatividade social, os povos indígenas podem se organizar em associações
ou cooperativas, que são instituições com personalidade jurídica.
As associações são organizações que têm por finalidade a promoção de
assistência social, educacional, cultural, representação política, defesa de
interesses e articulação política e social. Quando constituída com personalidade
jurídica, uma associação precisa ser formalizada em cartório, com endereço,
registro de estatuto, ata de constituição e ata de eleição da diretoria. A Ata é um
documento que registra o que ocorre em uma reunião com a assinatura dos
presentes atestando veracidade. No estatuto da associação é descrito os
objetivos da associação, como ela foi constituída, quem são os seus participantes
e como é feita a eleição e controle das suas atividades. Quando há
movimentação financeira é necessário fazer prestação de contas.
A cooperativa é uma forma de associação de pessoas com interesses comuns,
geralmente econômico, monetário ou não. A sua constituição possui legislação
própria, desde a formação até a prestação de contas e divisão de lucros e
benefícios. Ela pode ser interessante para a produção e comercialização de
produtos diversos e artesanatos, onde todos os cooperados possuem o mesmo
peso nas decisões.
É interessante que dentro das terras indígenas onde existem muitas
comunidades sejam formados conselhos das lideranças para a discussão e
tomada de decisões conjuntas sobre questões que irão afetar todo o território,
como a proteção contra invasores, queimadas, impactos de empreendimentos de
fora, saúde e educação, ou para resolução de conflitos internos. Estes conselhos
podem ser organizados de diversas formas de acordo com cada cultura.

42
Outras formas de organização, sem necessidade de personalidade jurídica,
que os povos indígenas podem participar são Conselhos, Assembleias,
Articulações, Coletivos, Redes de apoio, Fóruns, Federações, Confederações, cada
uma com características próprias.
Algumas destas organizações importantes são a Federação dos Povos
Indígenas do Pará (FEPIPA), Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia (COIAB), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COICA). Quanto maior e
mais organizada, maior a representatividade destas organizações. Também é
importante a participação de indígenas nos conselhos municipais e estaduais de
educação, saúde, assistência social, da criança e do adolescente e de meio
ambiente.
É cada vez mais frequente a participação de indígenas em eleições, ocupando
importantes cargos nas câmaras de vereadores, prefeituras, assembleias
legislativas estaduais e federal. Como estratégia, é importante que todos os
parentes se mobilizem para viabilizar a candidatura dos que possuem mais
chances de serem eleitos, evitando a divisão de votos ou o voto em pessoas não
comprometidas com a causa indígena.

CONTATOS DAS ORGANIZAÇÕES E REPRESENTANTES INDÍGENAS

✓ APIB:

✓ COIAB:

✓ FEPIPA:

✓ Associação indígena que me representa:

✓ Outras associações indígenas:

✓ Lideranças de outras aldeias:

✓ Conselheiro Estadual de Política Indigenista:

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Proteção ao conhecimento tradicional e pesquisas científicas

Os povos indígenas são detentores de muitos conhecimentos sobre o uso dos


recursos naturais e da sociobiodiversidade, incluindo animais e plantas
medicinais. Estes conhecimentos são valorizados pelos não indígenas para a
criação de remédios e outros produtos que podem ser comercializados e gerar
lucro. Entretanto, na maioria das vezes, quando isso ocorre não é realizada a
divisão justa dos benefícios vindos destes conhecimentos tradicionais. O uso
incorreto e ilegal destes conhecimentos e recursos por outras pessoas é
conhecido como biopirataria.
O Protocolo de Nagoya é um tratado internacional adotado pelo Brasil e
outros países sobre o acesso aos recursos genéticos (plantas, animais e fungos),
ao conhecimento tradicional associado e a repartição justa e equitativa dos
benefícios derivados de sua utilização (Decreto Legislativo 136/2020).
O acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético é
regularizado no Brasil pelo Conselho Nacional do Patrimônio Genético (CGen) do
Ministério de Meio Ambiente e pelo Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio
Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen). Neste sistema as
empresas e pesquisadores precisam notificar o governo com o que estão
trabalhando e pesquisando, para identificar o detentor ou o dono do
conhecimento no caso da geração e divisão de benefícios.
Uma forma da comunidade registrar seus próprios conhecimentos e protege-
los é com a elaboração dos Protocolos Bioculturais. Eles são ferramentas para
registrar os conhecimentos e práticas de um determinado povo, como o uso de
plantas, animais, ou medicamentos e procurar garantir a manutenção,
conservação e acesso a estes recursos, território e como reafirmação da
identidade cultural.
As comunidades possuem total autonomia para permitir ou não o ingresso de
um pesquisador ou empresa dentro do seu território, ou para decidir se irá
participar ou não de uma pesquisa. Legalmente, o ingresso de qualquer pessoa
não indígena nas comunidades, inclusive pesquisadores ou mesmo religiosos, só
poderia ocorrer após autorização da FUNAI. Contudo, comunidades indígenas
organizadas possuem a autonomia de permitir ou não o ingresso de
pesquisadores e outras pessoas estranhas em seus territórios. A permanência de

44
pesquisadores e a realização de pesquisas dentro de territórios indígenas
depende da autorização da comunidade e de cada pessoa envolvida.
A comunidade pode “testar” o pesquisador antes do começo das pesquisas
para conhecê-lo melhor e saber o seu comprometimento com a causa indígena.
Toda pesquisa com pessoas deve possuir um Termo de Anuência Prévia ou
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), por meio do qual o
pesquisador irá explicar de forma compreensível quais os objetivos do seu
trabalho, como ele será realizado e os possíveis impactos positivos e negativos. A
pesquisa também deve obter a autorização do Conselho de Ética em Pesquisa da
sua instituição ou do Ministério da Saúde.
Algumas pesquisas podem ser importantes para a comunidade, como o
resgate de tradições, a busca por uma alimentação de melhor qualidade, registro
da língua, geração de renda, monitoramento do território, mas outras também
podem ter impacto negativo ou expor questões delicadas da comunidade. Os
próprios indígenas podem participar como pesquisadores ou envolver os alunos
das escolas da comunidade na pesquisa como forma de acompanhar e controlar
o que está sendo feito pelos pesquisadores.
É possível solicitar condições ou contrapartidas dos pesquisadores como a
apresentação das autorizações para pesquisa que eles possuem, apresentação
dos resultados, cópia de todas as publicações e documentos produzidos, ou ajuda
em outras questões relacionadas à pesquisa, como no monitoramento do
território, na elaboração do projeto político pedagógico da escola, na produção
de materiais didáticos para as escolas, plano de manejo das plantas e animais ou
no desenvolvimento de projetos produtivos.

CONTATO DE PESQUISADORES E UNIVERSIDADE PARCEIRAS

✓ UEPA:

✓ UFRA:

✓ UNIFESSPA:

✓ IFPA:

✓ Outras:

45
Protocolos de Consulta Prévia

Apesar das garantias constitucionais escritas nas leis do Brasil e por organizações
internacionais, os direitos dos povos indígenas são frequentemente ignorados ou
desrespeitados. Nestas leis está escrito que devem ser respeitadas as práticas
culturais e organizações dos povos indígenas e que eles devem ser consultados
previamente antes de qualquer atividade que terá impacto nas suas vidas, mas
sabemos que raramente isto acontece.
A Organização Mundial do Trabalho, entidade que faz parte da Organização
das Nações Unidas, em sua convenção no 189 de 1989 (OIT 169), trata sobre
povos indígenas e Tribais. A OIT 169 foi aprovada pelo Brasil em 2003 e passou a
ser adotada pelo país. Entretanto, a cada 20 anos, o país precisa reafirmar o
interesse em permanecer nessa convenção, para que ela mantenha validade.
A OIT 169 é um dos instrumentos mais importantes e utilizados em todo o
mundo para a defesa dos povos indígenas. Ela trata sobre as responsabilidades
dos estados com estas populações na defesa da igualdade e dos direitos
humanos, respeito às práticas culturais e autoidentificação, proteção dos
territórios, além da garantia do direito à consulta prévia, esclarecida, livre e de
boa fé em ações que terão impacto na vida destas comunidades.

Como deve ser a consulta prévia garantida pela OIT 169?

✓ Prévia: antes do início de qualquer atividade que terá impacto na comunidade;


✓ Esclarecida: em linguagem adequada para que seja compreendida por todos e, se
for necessário, na língua indígena;
✓ Livre: com a liberdade da comunidade aceitar ou não aceitar;
✓ De boa fé: de forma transparente e sem tentar enganar as pessoas afetadas.

Uma das dificuldades alegada pelo estado em respeitar os direitos indígenas é


o desconhecimento sobre como cada um dos povos indígenas se organizam.
O Protocolo de Consulta Prévia é um documento, onde cada povo explica
para as pessoas de fora como deve ser realizada esta consulta prévia. Para isto, o
protocolo apresenta informações sobre quem é povo indígena, sua história, onde
vivem, quem fez e como foi feito o protocolo, como são tomadas as decisões
coletivas, como devem ser realizadas as consultas e outras informações que cada
povo achar importante. O protocolo pode especificar em quais períodos a
46
comunidade poderá ou não ser consultada, de acordo com seu próprio
calendário considerando festas ou períodos de luto; em quanto tempo e como as
decisões são tomadas; se é permitida ou não a participação de policiais ou outras
pessoas de fora durante as consultas; se elas devem ocorrer dentro das
comunidades ou em outros locais; e em qual língua deve ser feita a consulta.
Cada protocolo é específico de cada povo, de acordo com suas realidades e
objetivos, podendo ser escrito na língua própria ou bilingue. Os Kayapó, por
exemplo, elaboraram um protocolo em vídeo na língua deles.
Vários povos no Brasil já fizeram seus protocolos que estão sendo utilizados
como ferramenta na luta por seus direitos. Já foram elaborados os protocolos
dos povos Krenak, Yanomami e Ye´kwana, indígenas do Oiapoque, Wajãpi,
Munduruku, Munduruku e Apiaká, Kayapó-Mekragnoti, Guarani M´bya do Rio de
Janeiro, Warao de Belém, do Território Indígena do Xingu, Juruna, Indígenas do
Tumucumaque e Rio Paru d´Este, Irantxe-Manoki, Panará, Yandé Peara Mura,
Indígenas da Região Serra da Lua, Waimiri-Atroari, além de outros povos e
comunidades tradicionais como quilombolas, extrativistas, pescadores e ciganos.
Para ter validade, os protocolos devem ser feitos pela própria comunidade
com a participação de todos, homens e mulheres, jovens e anciões e lideranças.
Para ter maior representatividade frente ao Estado, os protocolos devem
representar determinado grupo ou território. A elaboração dos protocolos
necessita do diálogo de um grande número de pessoas, levando certo tempo
para ser construído. O protocolo dos Munduruku, por exemplo, foi consolidado a
partir da reunião de mais de 130 aldeias deste povo.
Quando pronto, o protocolo deve ser bem divulgado para autoridades,
parentes, parceiros e empreendimentos que afetam a sua vida, garantindo que
todos saibam sobre a sua existência para que seja respeitado em consultas
futuras. Recentemente, os protocolos de consulta prévia foram utilizados no
embate de alguns povos indígenas contra o Estado na implementação de
empreendimentos que iriam afetá-los. O Ministério Público Federal também tem
utilizado eles para a elaboração de suas recomendações. Os protocolos também
podem ser utilizados em outras ações que afetarão a sua vida, como na saúde e
educação.
Os protocolos de consulta prévia não afetam as decisões individuais de cada
aldeia ou comunidade, mas ele deixa claro quais decisões são coletivas e quais são
individuais.
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O Bem viver e Plano de vida

Na elaboração dos Protocolos de Consulta Prévia, dos Planos Básicos Ambientais


ou dos projetos de Etnodesenvolvimento e de Gestão Territorial, uma questão
bastante discutida é sobre o que cada povo indígena e comunidade quer para si e
para o seu futuro.
Será que as imposições colocadas pelos outros, não indígenas, são válidas
para a sua comunidade? Este é uma questão delicada que necessita da reflexão
de cada grupo, sem influência externa.
Quando percebemos que existem formas diferentes de vivenciar o mundo,
com outras referências culturais e históricas, fica claro que não precisamos
aceitar a imposição do modelo de sociedade e mundo vivida pelos não indígenas.
Por exemplo, uma árvore ou animal pode ter um significado diferente para
indígenas e para não indígenas. Um animal pode ser apenas um bicho qualquer
ou ser um parente, inimigo, fazer parte da história ou mitologia de um povo ou
ainda ter outros usos e significados. Ao observar todas estas relações
percebemos as diferentes formas de vivenciar e manejar os mundos existentes,
segundo cada cultura.
A partir de todas estas questões, fica claro que apenas a própria comunidade
conhece o seu mundo e sabe o que é melhor para ela. Pessoas de fora não tem a
capacidade ou legitimidade de compreender ou decidir estas questões para os
diversos povos indígenas.
Frente à diversidade cultural de cada povo e o dever legal de se respeitar a
cultura e a existência de cada povo indígena, o Estado e a sociedade devem
respeitar as diferentes formas de viver dos povos indígenas. Um nome dado a
estas outras formas de viver dos povos indígenas é o bem viver. Este bem viver
pode considerar as relações entre as pessoas, ou de pessoas com o meio
ambiente, com os animais, plantas, rios, locais sagrados, encantados, espíritos da
floresta, conceitos próprios de felicidade, respeito, união. Cada povo pode ter a
sua ideia própria de bem viver.
Esta concepção de bem-viver não é simples, já que cada povo já vive de
acordo com o seu bem viver, mas ao mesmo tempo sofre assedio e influência da
sociedade não indígena ou de outros grupos indígenas.

48
Para os não indígenas, por exemplo, todas as relações sociais são mediadas de
forma superficial por dinheiro: quanto custa a árvore? quanto custa o animal?
quanto custa a saúde? quanto custa a terra? quanto custa a vida? Será que esta
forma de enxergar o mundo, através do dinheiro, consegue representar a cultura
indígena e garantir a sua sobrevivência?
A discussão do que é o bem viver é um exercício interessante para cada povo
indígena, importante para a construção dos protocolos de consulta prévia ou até
mesmo para discutir a compensação de empreendimentos que irão afetar a sua
vida.
Um outro conceito elaborado a partir do bem viver é o Plano de Vida, um
documento elaborado por toda a comunidade onde é discutido e apresentado o
que a comunidade quer para o seu futuro sobre diferentes aspectos como saúde,
educação, cultura, território e meio ambiente, atividades produtivas ou outros
temas relevantes para o grupo. Estes documentos sempre levam em
consideração a perspectiva e cultura de cada povo, por isso cada etnia, povo e
comunidade pode ter o seu próprio plano de vida.
Alguns povos indígenas do Brasil e de países vizinhos já elaboraram
documentos onde apresentam o que é o seu plano de vida. Junto ao protocolo de
consulta prévia, o plano de vida serve de referência para que pessoas de fora da
comunidade, como o estado e empreendimentos, entendam como a comunidade
se organiza e como ela deve ser respeitada em atividades que irão impacta-la.
É fundamental que tanto o Protocolo de Consulta Prévia, o Plano de Vida ou a
discussão sobre o Bem viver, sejam realizados pelas próprias comunidades
indígenas, envolvendo todos, lideranças, jovens e anciões, homens e mulheres.
Parceiros de fora da comunidade, não indígenas ou outros parentes, com
experiência na elaboração destes documentos e discussões, podem ajudar a
comunidade nestes processos.
A construção do plano de vida leva algum tempo de acordo com as discussões
levadas na comunidade. Ele pode ser escrito de diversas formas e deve ser bem
divulgado quando concluído para que todos o conheçam.

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Violação dos meus direitos
Liste todas as vezes que os seus direitos foram desrespeitados e violados

Qual direito foi desrespeitado:


Quem desrespeitou:
Quando aconteceu:
O que aconteceu:

Qual direito foi desrespeitado:


Quem desrespeitou:
Quando aconteceu:
O que aconteceu:

Qual direito foi desrespeitado:


Quem desrespeitou:
Quando aconteceu:
O que aconteceu:

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Outras referências para consulta

- Coletânea da legislação indigenista brasileira: Legislação Fundamental,


Cidadania, Ordenamento Territorial, Meio Ambiente, Educação, Seguridade Social,
Cultura, Organização da união, Etnodesenvolvimento, Defesa, Pesquisa. Disponível em:
http://www.funai.gov.br/index.php/projeto-editorial/livros?start=1

- Direitos das pessoas indígenas em conflito com a lei (CNJ, 2020). Disponível em:
https://www.ibccrim.org.br/media/posts/arquivos/arquivo-16-07-2020-14-26-16-637806.pdf

- Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Disponível em:


http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/direitos-sociais

- Licenciamento Ambiental e Comunidades Indígenas (FUNAI). Disponível em :


http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cglic/pdf/Cartilha_Licenciamento_Web.pdf

- Manual de jurisprudência dos direitos indígenas (MPF, 2019). Disponível em:


http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/manual-de-atuacao/manual-
de-jurisprudencia-dos-direitos-indigenas.pdf

- Ministério Público Federal 6ª Câmara: populações indígenas e comunidades


tradicionais. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6

- Noções gerais de legislação indigenista e ambiental (Funai, 2013). Disponível em:


http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cgmt/pdf/Nocoes_Gerais_de_Legislacao_Indigenista_e_Ambi
ental.pdf

- Observatório de Protocolos de Consulta Prévia. Disponível em:


http://observatorio.direitosocioambiental.org/protocolos/

- Questões de educação escolar indígena: da formação ao projeto de escola (Veiga


J e Salanova A, 2001). Disponível em:
http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cogedi/pdf/Livros/Questoes-de-educacao-escolar-
indigena/Questoes_de_educacao_escolar_indigena.pdf

- Sobre a legislação escolar indígena (Grupione LDB, Secchi D, Guarani V, 2002).


Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/vol4c.pdf

- Sobre proteção e acesso ao conhecimento tradicional (Silva, MT, Soldati GT,


Dallgnol AH, 2020) https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Cartilha-Sociobiodiversidade-
web%281%29.pdf

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Realização:
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA)
Pró-reitora de Extensão (PROEX)
Instituto de Estudos em Saúde e Biológicas (IESB)
Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia (PDTSA-ICH)
Capes PROCAD Amazônia
Rede de Apoio Mútuo Indígena do Sul e Sudeste do Pará

Autor:
Bernardo Tomchinsky

Colaboração:
Maria Cristina Macedo de Alencar
Richelly de Nazaré Lima da Costa

Tomchinsky, Bernardo.
Acesso aos direitos indígenas no Sul e Sudeste do Pará /
Bernardo Tomchinsky. Marabá: Rosivan Diagramação & Artes Gráficas,
2021.
56 p. :il.

ISBN 978-65-999583-1-9

1. Cidadania. 2. Povos indígenas. 3. Direito. 4. Soberania. I Titulo.

CDU 342,71
T656a

Elaborado por Verônica Pinheiro da Silva CRB-15/692.

Imagem da Capa: Gusmão HNB, Baldassa TT. 2020. MapBox. Disponível em:
https://deolhonosruralistas.com.br/car-indigenas/
Contra capa: a) TI Parakanã; b) TI Menkragnoti, Kayapó, Baú, Paraná e Badkonkre; c) TI Mãe Maria; d) TI
Trocará; e) TI Nova Jacundá; f) TI Xikrin do Rio Catete; g) TI Anambé; h) Guajanaíra; i) TI Las Casas; j) TI
Barreirinha e TI Sarauá; k) TI Trincheira Bacajá, TI Apyterewa. TI Araweté Igarapé Ipixuna, TI Koatinemo, TI
Arara da Volta Grande do Xingu, Ti Arara e TI Kararao; l) TI Sororó e TI Tuwa Apekuokawera
b)
a)

d)

f)

c)
e)

i)
g)

h)

j)

k)
l)

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