Você está na página 1de 30

MARTÍN F.

ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

As teorias psicológicas das emoções frente a Tomás de Aquino

ECHAVARRÍA, Martin F. La teorías psicológicas de las emociones frente a Tomás de Aquino.


In: BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

Neste espaço, o nosso propósito é estabelecer relações entre a doutrina tomista das
paixões da alma e as teorias das emoções da psicologia contemporânea. O conceito de paixão
geralmente é, em Santo Tomás, evidentemente mais amplo que o de “paixão da alma”, pois
“paixão” é, antes de tudo, um predicamento. Por sua vez, o âmbito do apetitivo em Santo Tomás
não se reduz às paixões da alma, pois alcança, por um lado, o apetite natural e, por outro, a
vontade1. Por isso alguns autores, não sem razão, advogam por manter a terminologia tomista,
não aceitando então uma equivalência entre a palavra emoção e a palavra paixão 2, pois se
perderia muito da riqueza conceitual da linguagem de Santo Tomás ao se fazer uma modificação
para coincidir com a linguagem da filosofia e da ciência contemporâneas. Assim sendo, parece-
me, contudo, patente que, em muitos aspectos, os temas estudados por Santo Tomás sob o nome
de “paixões da alma” coincidem com aquilo que hoje a psicologia contemporânea estuda sob o
nome de “emoções”. Se a palavra “emoção” às vezes abarca fenômenos afetivos que, sob uma
perspectiva tomista, não colocaríamos no apetite sensitivo, mas na vontade, é preciso atribuir
isso mais à fragilidade teorética do pensamento contemporâneo, que muitas vezes, assim como
dizia Santo Tomás dos filósofos antigos, não consegue transcender o plano da imaginação3, do
que a uma não-coincidência sobre a mesma coisa estudada. Um sinal desta correspondência
pode ser encontrada no fato de que René Descartes utiliza as palavras “emoção” e “sentimento”

1
Cf. M. F. ECHAVARRÍA, El corazón: Un análisis de la afectividad sensitiva e la afectividad espiritual en la
psicología de Tomás de Aquino, Espíritu LVX (2016) 151, 41-72.
2
Cf. N. E. LOMBARDO, The Logic of Desire. Aquinas on Emotion, The Catholic University of America Press,
Washington, DC 2011, 8. “A emoção é um conceito ambíguo, mesmo que emoções individuais como raiva, medo,
desejo e alegria pareçam fenômenos familiares e concretos da vida humana”. 16-17: “Desde meados do século
XX, acadêmicos tomistas que escrevem em inglês frequentemente identificaram o que ele chama de paixão da
alma (passiones animae) com emoções, passando a traduzir passio como “emoção” em detrimento do que seria
uma tradução mais literal: “paixão”. Essas traduções são bastante enganosas. Embora haja precisão em considerar
muitas paixões como emoções, Aquinas também fala dos afetos (affectiones ou affectus) que não são paixões, mas
podem corresponder claramente à categoria de emoção, como certos tipos de alegria ou amor. Deste modo, a
equivalência de paixão com emoção exclui uma categoria do fenômeno psicológico que não deveria ser excluído.
Além do mais, Aquino também escreveu sobre uma categoria chamada paixões do corpo (passiones corporalis)
que abarca fenômenos que não hesitaríamos em descrever como emoções, por exemplo, coceiras, pontadas, fome
e sede”.
3
Cf. S. Th. I, q. 75, a. 1, co.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

para se referir às antigas paixões da alma, uma vez que, em sua antropologia, a palavra paixão
passou a ter um significado distinto. A partir de Descartes, este uso passou à filosofia moderna
e, dela, à psicologia4.

1 Das paixões às emoções: Santo Tomás, Descartes, Darwin

Houve muitas investigações filosóficas quanto às paixões desde a antiguidade, e


provavelmente o tratado antigo mais importante seja o que se encontra na Retórica de
Aristóteles. Todavia, nenhum outro tratado, seja antigo ou medieval, pode ser comparado, em
sistematicidade, profundidade e extensão, ao Tratado das Paixões de Santo Tomás. Esta obra,
originalíssima, foi o escrito mais importante e influente até a chegada do Tratado das Paixões
de Descartes5. Então, de algum modo, o modelo cartesiano e o modelo tomista também são
interpretações competentes à psicologia atual, conforme veremos a seguir, e por isso vale a
pena, primeiramente, falar um pouco deles para depois abordar as teorias psicológicas
contemporâneas. Mesmo porque, de algum modo, a postulação de William James se reduz a de
Descartes; e a de Magda Arnold, a de Santo Tomás, como veremos em breve.
Simplificando um pouco, a posição de Tomás de Aquino sustenta que as paixões são
movimentos de potências afetivas designadas com o nome de “apetite sensitivo” que se divide
em duas potências: o apetite concupiscível, que se dirige ao bem prazeroso, e o apetite irascível,
que se dirige ao bem árduo. Estas paixões seriam ativadas por um juízo precedente, mas que
não é do intelecto, mas sim da faculdade estimativa ou cogitativa (respectivamente no animal e
no homem), que é uma potência cognitiva do juízo particular sensorial, essencialmente distinta

4
Cf. A. MALO, Antropologia dell’affettività, Armando Editore, Roma 1999, 21: “A concretização cartesiana da
paixão é particularmente importante tanto do ponto de vista da história da filosofia e da psicologia quanto da
própria antropologia cartesiana. De fato, pode-se dizer, sem chance de erro, que tanto a filosofia quanto a
psicologia moderna aplicaram a tese antropológica cartesiana em seu progresso, bem como as modificações
impostas pelas novas visões do homem e pelas descobertas das ciências experimentais, especialmente a fisiologia
e a neurologia, as quais também precisam ser debatidas.
5
LOMBARDO, The Logic of Desire: “Quando Tomás de Aquino terminou a Prima Secundae da Summa
Theologiae em 1271, as questões 22-48 provavelmente constituíram a maior fonte de discussão sobre as paixões
jamais escritas”; ibid 2: “Em conformidade com tão grande projeto expansivo, o Tesouro das Paixões não teve
precedente histórico como o que se encontrou na Prima Secundae, porque o desenvolvimento de Aquino sobre as
paixões também representou uma síntese original entre todos os maiores pensadores que lhe estava disponível, em
especial Aristóteles, Agostinho, Nemesius de Emesa, João Damasceno, e seu professor Alberto Magno; ibid, 4:
Em seu livro, Passions and Action: The emotions in Seveneenth-Century Philosophy [Paixões e Ação: As emoções
na Filosofia do Século XVII], Susan James devotou um capítulo ao Aquinate. Dentre todos os medievais, ela
afirma que ele foi o que exerceu a maior influência sobre os primeiros teóricos modernos que trataram das paixões,
e que talvez tenha eclipsado a Aristóteles. Eileen Sweeney argumenta que Descartes e Hobbes deveriam ser
entendidos ‘como reação que visava a construção de alternativas ao arranjo das paixões feitas pelo Aquinate’”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

da inteligência, que faz juízos de outra ordem (universais e necessários). A esta estimação
particular, segue-se um movimento tendencial que teria como sede o órgão do coração. Na
paixão, pode ser distinguido dois aspectos complementares, o formal e o material.
Formalmente, a paixão seria uma tendência ou inclinação de atração a um bem, ou de retração
a um mal. Portanto, a paixão seria uma realidade psicossomática, ativada por uma cognição que
seria uma espécie de juízo sensorial, que nos dispõe à ação. Materialmente, a paixão seria um
movimento corporal (modificações do sangue em torno do coração); e formalmente, uma
inclinação. No total, há onze gêneros de paixões, distinguidas por seus objetos e dispostas em
pares opostos, seis do apetite concupiscível (amor/ódio; desejo/aversão; gozo/tristeza) e cinco
do irascível (esperança/desesperação; audácia/temor; ira). Diferente do apetite sensitivo, com
suas paixões, é o apetite intelectivo, ou vontade, que também é uma potência afetiva, mas cujos
atos são seguidos de um juízo do intelecto. Somente os movimentos do apetite sensitivo são
chamados de paixões, porque nelas ocorrem uma transmutação no órgão corporal do apetite
sensitivo (o coração), paixão que recebe o nome de “passio animalis”, justamente por ser
consequência de um ato anterior de cognição. Os afetos da vontade não são chamados de
paixão, não porque não sejam atos de afeto, já que na vontade há amor, desejo, esperança, gozo,
etc., mas sim porque não há transmutação corporal, já que a vontade e seus atos são de natureza
imaterial. A razão e a vontade podem, contudo, influir sobre as paixões de duas maneiras: desde
o ponto de vista do objeto, a razão universal pode suscitar os movimentos do apetite sensitivo
mediante a razão particular ou cogitativa, pois esta lhe está sujeita como a causa particular está
para a universal, por isso é possível formar virtudes no apetite sensitivo; desde o ponto de vista
subjetivo, os atos intensos da vontade podem “redundar” sobre o apetite sensitivo de tal
maneira, que o apetite sensitivo se move na mesma direção da vontade6. Por sua vez, atos
intensos e desordenados do apetite sensitivo podem obscurecer a intelecção e arrastar a vontade.
A influência da razão sobre as paixões não é de modo despótico, mas político, ou seja, supõe
que estas têm um espaço próprio e não são meros instrumentos inertes nas mãos da razão. Por
causa disto, as paixões podem ser ativadas diretamente, antecedendo assim ao juízo da razão
(paixões antecedentes ou primeiros movimentos da sensualidade7), ou posteriormente ao juízo

6
A. BERRO, Afectividad e corporeidad: el concepto tomista de redundantia, in Filosofía del Cuerpo, Actas de la
XXXII Semana Tomista, Buenos Aires 2007.
7
Sobre o conceito de “sensualidade” em Santo Tomás, cf. M. F. ECHAVARRÍA, Estudio preliminar. La
"sensualitas" según Tomás de Aquino, em TOMAS DE AQUINO, Cuestiones disputadas sobre la verdade.
Cuestión vigésimoquinta: La sensualidad, Editorial de la Universidad Católica de La Plata (Argentina) 2013, 7-
109.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

racional8.
A posição de Descartes é muito distinta. Para começar, sua concepção sobre o corpo
humano é mecanicista e a relação da alma com o corpo é mais funcional do que substancial,
mediante a glândula pineal. Por causa disso, a emoção não pode ser uma realidade hilemórfica,
ou seja, composta de uma forma (a tendência) e uma matéria (as modificações orgânicas), como
em Santo Tomás, mas a composição é vista como as mudanças fisiológicas e as emoções se
relacionando como causas extrínsecas. Além disso, em Descartes, a estrutura total das
faculdades e atos é foi completamente modificada. Assim como os estóicos, todos os atos da
alma são chamados “pensamentos”. Dentre estes, Descartes chama “ações” a todo ato que tem
seu início na alma, identificando-as com os atos da vontade. Desta natureza não seriam apenas
os atos apetitivos da vontade, mas também os juízos. Por outro lado, as “paixões” da alma
seriam todos os pensamentos que são reação a algo exterior à alma, como as coisas exteriores
captadas pela sensação ou as modificações fisiológicas interiores, que produzem as emoções 9.
Desta maneira, primeiramente, fica destruída, de certo modo, a diferença fundamental entre
cognição e apetites. O juízo, um ato cognoscitivo, passa a ser um ato de vontade. A emoção,
um ato do apetite, passa a ser uma forma passiva de pensamento. Em segundo lugar, a emoção
é concebida como uma espécie de percepção e, portanto, algo de ordem cognitiva, a qual
depende do movimento dos espíritos animais10. Embora Descartes não elimine completamente
o aspecto tendencial das emoções, que era o centro da concepção clássica e tomista, pois afirma

8
Uma apresentação breve e resumida da doutrina das paixões em Santo Tomás pode ser encontrada em L. WHITE,
The passions of the soul (Ia IIae, qq. 22-48), em S. POPE (ed.), The Ethics of Aquinas, Georgetown University
Press, Washinghton, DC 2002, 103-115. Para um desenvolvimento mais amplo, cf. M. F. MANZANEDO, Las
pasiones según Santo Tomás, Editorial San Esteban, Salamanca 2004. Sobre o rol da afetividade em geral
(incluindo o apetite sensitivo e o intelectivo), cf. LOMBARDO, The Logic of Desire.
9
R. DESCARTES, Les passions de l’âme (1649), trad. esp. Las pasiones del alma, Editorial Tecnos, Madrid 1997,
83-85 (art. XVII): “Ao considerar todas as funções que pertencem somente ao corpo, saberemos facilmente que
não resta nada que devamos atribuir à alma, exceto nossos pensamentos, os quais são principalmente de dois
gêneros, a saber: um às ações da alma, outro às paixões. Aquelas que são suas ações se referem a todas as nossas
volições, porque experimentamos que provém diretamente de nossa alma e parecem depender tão somente dela.
Como, ao contrário, se podem geralmente denominar de paixões a todos as classes de percepções ou
conhecimentos que se encontram em nós, porque muitas vezes não é nossa alma quem as produz tais como são,
pois sempre as recebe das coisas por meio de suas representações”.
10
Ibid., 95-96 (art. XXVII): “Depois de considerar em que diferem as paixões da alma de seus outros pensamentos,
parece a mim que podem ser definidos, em geral, como percepções, sentimentos ou emoções da alma que se
referem particularmente a ela, e que são causadas, mantidas e fortalecidas por algum movimento dos espíritos”.
Cf. MALO, Antropologia dell’a affettività, 27: “A análise da paixão a partir da consciência chega, deste modo, a
estes resultados: a paixão é uma idéia ou percepção obscura e confusa, já que é um objeto da consciência que
carece de clareza e de distinção dos objetos relacionados aos atos do pensamento; relaciona-se a uma determinada
crença (acredita-se que é causado por uma realidade externa ou pelo próprio corpo) e tende a uma determinada
ação (retirar a mão em caso de queimadura, fugir em caso de medo, etc.)”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

que as emoções preparam para a ação, contudo prima a concepção da emoção como sensação
e, portanto, como ato da consciência privada do sujeito. Esta concepção passará, por meio do
empirismo inglês, à psicologia contemporânea, especialmente a de William James, como
veremos imediatamente. O conflito, contudo, já não seria entre o apetite superior da vontade e
o apetite inferior da sensualidade, mas entre a mente e o corpo, origem das perturbações
anímicas que chamamos emoções11.
Ainda que não tenha sido aceita em todos os seus detalhes, esta concepção das emoções
foi a que passou ao empirismo. Assim, por exemplo, em Hume, as emoções são um tipo
particular de impressões, as impressões de reflexões, e, portanto, são tidas como variedades do
conhecimento sensorial12, fazendo desaparecer o aspecto tendencial, que é o formal na noção
de paixão e de apetite.
É preciso ainda acrescentar a estas influências as filosofias românticas do século XIX,
a perspectiva pós-moral de Nietzsche e a psicologia dinâmica de Herbart, que eliminou a noção
de faculdade e transformou a vida anímica em uma luta de forças conscientes e inconscientes13.
Soma-se a tudo isso o evolucionismo, que merece um tratamento à parte, porque além de ter
produzido uma influência geral sobre a maioria das teorias das emoções da psicologia
contemporânea, constitui também uma escola específica dentro do campo das teorias das
emoções. Efetivamente, a moderna psicologia das emoções tem uma estreita dependência
teórica da que parece ser hoje a prima philosophia de nosso tempo: o evolucionismo
darwiniano. O próprio Charles Darwin ocupou-se do tema das emoções em sua obra de 1872,
A expressão das emoções no homem e nos animais, que muitos consideram ser a origem da
psicologia das emoções contemporânea. Embora realmente trate sobre a “expressão” das
mesmas, ainda seria necessário consultar os Princípios da Psicologia de Spencer, que ali

11
DESCARTES, Las pasiones del alma, 122 (artigo XLVII): “Todos os combates que costumamos imaginar entre
a parte inferior da alma, que chamamos sensitiva, e a superior, que é a razão, ou entre os apetites naturais e a
vontade, consistem simplesmente na oposição que existe entre os movimentos que o corpo, através de seus
espíritos, e a alma, através de sua vontade, tendem a provocar ao mesmo tempo na glândula”.
12
D. HUME, A Treatise of Human Nature, OUP, Oxford-New York, NY 200, 181 (Bk2, part I, sect. 1): “Como
todas as percepções da mente podem ser divididas em impressões e idéias, assim as impressões admitem uma
outra divisão entre original e secundário. Esta divisão das impressões é a mesma que eu formalmente fiz uso
quando as distingui entre impressões de sensação e de reflexão. Impressões originais ou impressões de sensação
são aquelas nenhum antecedente de percepção de surgido na alma, seja da constituição do corpo, dos espíritos
anímicos ou das aplicações de objetos aos órgãos externos. Secundária, ou impressões reflexivas, são aquelas que
procedem de alguma daquelas fontes de origem, seja imediatamente ou pela interposição de uma idéia. Do primeiro
tipo, são todas as impressões do sentido e todas as dores e prazeres corporais; do segundo, são todas as paixões
com suas emoções atreladas.
13
Cf. M. F. ECHAVARRÍA, Corrientes de psicología contemporánea, Scire, Barcelona 2013, 18-22.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

mesmo foram citados por Darwin14. Nesta obra, defende-se a tese de que as distintas formas de
expressão das emoções (como arrepiar os cabelos por temor ou cerrar os dentes ao se irritar)
tiveram ou têm tido algum papel importante para a sobrevivência, ou seja, como preparação
para ações e para emitir sinais para seus congêneres. Através de suas observações, Darwin
concluiu que havia elementos comuns na expressão das emoções em todas as raças humanas, e
também entre homens e animais, havendo assim um padrão de comportamento emocional inato.
Estes estudos de Darwin têm tido uma influência capilar na psicologia contemporânea, para
além das escolas. Influenciaram os estudos da psicologia comparada, especialmente o
funcionalismo e a psicologia comportamental; influenciou Freud; influenciou também, por fim,
a atual tendência evolucionista na psicologia das emoções, como a de Paul Ekman15.

2. A teoria de James-Lange, seus seguidos e detratores, na esteira cartesiana

2.1 A TEORIA DE JAMES-LANGE

Embora haja teorias das emoções em outros dos grandes fundadores da psicologia
contemporânea (como Ribot e Wundt), a mais importante e influente dessas teorias foi a de
William James, também conhecida como teoria de James-Lange.
A experiência da emoção é complexa. Implica, em primeiro lugar, o sentimento da
modificação orgânica. Trata-se das sensações somáticas interoceptivas: sensações viscerais e
musculares, sentimentos de dor, de irritação cutânea, etc. É evidente que a maior parte das
vivências emocionais implica o sentimento da modificação corporal: por exemplo, na angustia,
se sente uma opressão na garganta, no peito e nas vísceras que não é outra coisa senão a
informação acerca do próprio estado corporal. Isso se deve aquela dimensão “material” das
emoções, ou talvez de sua manifestação, consistindo no funcionamento de vários sistemas
orgânicos (muscular, circulatório, visceral, endócrino) e, em particular, na ativação ou inibição
do sistema nervoso vegetativo (simpático ou parassimpático), que produz estas modificações
orgânico-vegetativas, bem como outras (palpitações, sudoração, etc).
A observação deste fenômeno (e a influência da filosofia moderna das emoções) levou
a William James e a Carl Georg Lange a postular que a emoção não é senão uma variedade da

14
CH. DARWIN, The Expression of the Emotions in Man and Animals, John Murray, London 1872, 9.
15
Para uma visão geral dos fundamentos filosóficos da psicologia contemporânea, cf. M. F. ECHAVARRÍA, Da
Aristotele a Freud. Saggio di storia della psicologia, D’Ettoris, Crotone 2016.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

sensação. Trata-se de reduzir a emoção à experiência das modificações corporais posteriores a


uma percepção ou a uma idéia. Esta teoria sintetiza-se com a célebre afirmação: “não choro
porque estou triste, mas estou triste porque choro”. Segundo James, a sequência pode ser
resumida assim: 1) A percepção de um estímulo, ex.: vejo um urso chegando; 2) A reação
orgânica (visceral ou vasomotora), ex: disponho-me a fugir; 3) A sensação da disposição
corporal, ex: o medo, que não seria outra coisa senão o se sentir disposto a fugir. Em síntese:
1) Percepção; 2) Reação orgânica; 3) Emoção-sensação16. Enquanto James falava de reações
viscerais de modo genérico, Lange defendia que as modificações corporais eram
fundamentalmente de caráter vasomotor.
No fundo, a teoria de James-Lange é herdeira da concepção cartesiana, segundo a qual
a emoção não seria senão a reação da alma diante das modificações corporais. Seja devido a
uma influência cartesiana direta, seja por conta do influxo ser mais indireto ou inconsciente,
provavelmente através da filosofia empirista, caso não se trate de uma mera coincidência, é
possível traçar uma linha teórica direta de Descartes até William James, com uma diferença:
em James desapareceu inteiramente todo o aspecto tendencial da emoção, que era essencial na
concepção clássica. Além disso, desapareceu a cognição que antecede a reação corporal, sendo
a emoção uma percepção ou uma idéia, termo genérico que no pensamento moderno,
especialmente no empirista, designa qualquer representação mental. Deve-se relacionar este
último com a teoria ideo-motora de James. Para este autor, que além de ser funcionalista na
psicologia foi um dos fundadores do pragmatismo filosófico, toda idéia move a uma ação. A
única maneira de controlar nossas ações seria prestar atenção à idéia que queremos ter para nos
dirigir em um certo momento. Deste modo, perdeu-se a diferença entre a simples captação,
imaginativa ou intelectual, de uma coisa, e o juízo valorativo, que a julga como boa ou má e,
portanto, é capaz de ativar a ação. É nesta direção que Magna Arnold fará sua crítica,
argumentando que não basta a percepção ou a mera idéia para desencadear a emoção e a ação,
mas que também é necessário haver um juízo valorativo.

16
Cf. W. JAMES, What is an Emotion?, “Mind” 9 (1884) 34, 188-205, 189-190: “Nosso jeito natural de pensar
sobre esses padrões de emoção é que a percepção mental de algum fato excita o afeto mental que é chamado de
emoção, e isso é o que mais tarde crescerá de um estado da mente para a expressão corporal. Minha tese, pelo
contrário, é que a modificação corporal segue diretamente a PERCEPÇÃO do fato excitável, e que nosso
sentimento destas mudanças, tão logo aconteçam, é a emoção. O senso comum diz que quando perdemos nossa
sorte, ficamos tristes e choramos; quando encontramos um urso, ficamos assustados e corremos; quando somos
insultados por um rival, ficamos com raiva e atacamos. A hipótese a ser aqui defendida diz que a sequência desta
ordem está incorreta, que um estado mental não é imediatamente induzido por outro, mas que as manifestações
corporais devem primeiramente serem interpostas entre eles, sendo mais racional dizer que nós entristecemos
porque choramos, temos raiva porque atacamos, temos medo porque trememos, e não que nós choramos, atacamos
ou trememos porque estamos tristes, com raiva ou com medo, como o caso sugere”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

2.2 CRÍTICOS E CONTINUADORES DA TEORIA DE JAMES

A teoria de James-Lange, em relação a seus fundamentos fisiológicos, foi refutada,


pouco tempo depois, por dois autores: Walter Cannon e Philip Bard. Eles desenvolveram aquilo
que se conhece como “teoria de Cannon-Bard”17. Esta é uma teoria sobretudo fisiológica, que
em seus detalhes excede o interesse de nosso estudo, o qual está centrado nas teorias
psicológicas. Basicamente, o que estes autores defendem é que há duas vias nervosas
independentes para a excitação das modificações fisiológicas do sistema autônomo e para o
sentimento das emoções. Esta teoria também é conhecida como “teoria talâmica”: Os estímulos
sensoriais chegariam até o tálamo; a partir dele, por vias separadas, seguiriam duas linhas de
excitação distintas: uma dirigida até o córtex, onde se produziria a experiência das emoções, e
outra até o hipotálamo, que ativaria as reações somáticas que são características das emoções.
Uma tentativa de conciliação entre ambas as posições foi a teoria dos dois fatores ou
teoria de Schachter-Singer18. Segundo estes autores, a experiência da emoção derivaria de uma
combinação entre a ativação fisiológica e fatores cognitivos. Quando, por causa de um estímulo,
se dá uma ativação do sistema autônomo, o sujeito buscaria claves para interpretar esta ativação.
Deste modo, o fator cognitivo seria fundamental para a transformação da mera ativação
fisiológica em sentimento ou emoção. É bem famoso o experimento realizado por estes
pesquisadores para provar sua tese: a um grupo de indivíduos injetou-se epinefrina, e a outro,
um placebo. Aqueles que foram injetados com epinefrina, sentiam um estado fisiológico
semelhante à ira ou à euforia, mas não consideravam estar irritados, a não ser que se criasse
uma situação ambiental que lhes permitisse situar em um caso de ira ou de euforia causado por
um ambiental ativante. Esta teoria foi criticada principalmente por dois motivos. Não houve
êxito em numerosas tentativas de replicar experimentalmente os resultados, e a teoria centra-se
exclusivamente nos aspectos autônomos da emoção, descuidando o aspecto central do
processamento das emoções. Seja como for, o que se demonstrou através destes experimentos
é que não há uma total identificação entre a ativação do sistema autônomo e a emoção, e que
há uma vinculação essencial entre os fatores cognitivos e o despertar de uma verdadeira

17
Cf. W. B. CANNON, The James-Lange Theory of Emotion: A Critical Examination and an Alternative Theory,
“American Journal of Psychology” 39 (1927), 106-124.
18
Cf. S. SCHACHTER - J. E. SINGER, Cognitive, Social, and Physiological Determinants of Emotional States,
“Psychological Review” 69 (1962), 379-399.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

emoção.
A teoria de James-Lange teve, em tempos recentes, uma espécie de ressurgimento. Um
exemplo disso é o que representa a teoria das emoções do fisiólogo português Antonio Damasio.
Este autor distingue entre o que se chama “emoções” e os “sentimentos”. As primeiras seriam,
de modo simplificado, os movimentos corporais posteriores a uma cognição. Os segundos, a
sensação ou cognição de tais modificações corporais.

Vejo a essência da emoção como o conjunto de mudanças do estado corporal que são
induzidos na multidão de órgãos pelos terminais dos neurônios, sob o controle de um
sistema cerebral dedicado, que está respondendo ao conteúdo de pensamentos
relacionados a uma entidade ou acontecimento determinado [...]. Adverte-se que, por
enquanto, deixo fora da emoção a percepção de todos as mudanças que constituem a
resposta emocional. [...] reservo o termo sentimento para a experimentação das ditas
mudanças19.

A diferença mais importante desta teoria a respeito da de James é que Damasio chama
“emoções” às modificações fisiológicas, enquanto chama “sentimentos” ao que James chamava
“emoções”, ou seja, a sensação das modificações corporais posteriores, neste caso, a um
“pensamento”.
Esta teoria, mesmo com a sofisticação neurológica com que expõe Damasio, é
excessivamente simplista, deixando de lado setores importantes da experiência. É evidente que
a maior parte das emoções (não necessariamente todas) tem como sua causa material, ou talvez
como seu efeito, a ativação dos sistemas autônomo, muscular e visceral, vasomotor,
endócrino... ativação que pode ser “sentida”. Por isso muitas vezes se intercambia o termo
“emoções” por “sentimentos”. Este sentimento do corpo é vitalmente importante: se algo é
captado como mal, “dói” a nós, inclusive fisicamente, então nos sentimos mais inclinados a
evitá-lo. Porém, a emoção não se reduz às sensações interoceptivas. Isso é facilmente
comprovável pelos movimentos autônomos, viscerais e musculares pela via artificial e não
“intencional”, como nos experimentos de Schachter e Singer. É neste nível que podem influir
técnicas como as de relaxamento. Estas técnicas não enfrentam o objeto angustiante, mas seus
efeitos orgânicos, que podem permanecer fisicamente como contraturas que dispõe ao
reaparecimento da angústia. Porém, a causa da angústia é psíquica e moral, devendo ser
enfrentada em seu próprio nível.

19
A. R. DAMASIO, Descartes' Error. Emotion, Reason and the Human Brain, G.P. Putnam’s Sons, New York,
NY 1994, trad. esp. El error de Descartes. La emoción, la razón y el cerebro humano, Crítica, Barcelona 2003,
135.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

Por outro lado, o aspecto tendencial ou conativo, que é o que diferencia essencialmente
a emoção da cognição, não é suficientemente ressaltado por este autor, como tampouco foi por
James e Lange. Se a emoção é um ato do apetite, e não uma mera cognição, não é porque isso
implica ao sentimento, nem por que é um mero movimento muscular ou visceral, mas sim
porque é uma inclinação para algo. A disposição corporal (muscular, visceral) é o aspecto
material de uma disposição apetitiva mais ampla, que representa a atitude do vivente diante de
um bem ou um mal; a sensação dessas mudanças é uma cognição concomitante. Porém,
formalmente, o apetitivo é uma inclinação.
Além disso, a partir de uma avaliação tomista, na teoria de James, e nas outras que se
movem em sua linha, há uma confusão entre o que Santo Tomás chama de “paixão animal”
(passio animalis) e “paixão corporal” (passio corporalis). Embora seja uma questão duvidosa,
onde se discute se Santo Tomás manteve esta distinção em seu pensamento maduro, por estar
completamente ausente em seu tratado das paixões da Summa theologiae20, é assim que ele
explicava no Comentário às Sentenças:

Já que a dor começa na lesão e termina na percepção do sentido, ali se cumpre a razão
da dor. Porém, a razão da tristeza começa na apreensão e termina no afeto. Por isso, a
dor está no sentido como sujeito, e a tristeza, no apetite. Isso evidencia que a tristeza
é uma paixão animal e a dor é uma paixão mais corporal21.

E em De veritate:

A tristeza e a dor diferem nisto: a tristeza é uma determinada paixão animal, ou seja,
ela começa na apreensão do dano e termina na operação do apetite, e depois na
transmutação do corpo. Porém, a dor atua segundo uma paixão corporal. Por isso disse
Agostinho em Sobre a Cidade de Deus XIV, 7, até o final, que “a dor diz respeito aos
corpos”; e, por isso, começa na lesão do corpo e termina na apreensão do sentido do
tato; portanto, a dor está no sentido do tato, por onde é apreendida, como se disse 22.

20
A respeito do caráter cognoscitivo ou apetitivo da dor em Santo Tomás, Victorino Rodríguez afirma que, no
Aquinate, teria que se diferenciar uma dor-sensação de uma dor-emoção; cf. V. RODRÍGUEZ, Presupuestos
psicológicos para una moral del dolor, “La Ciencia Tomista” LXIII (1957), 613-639.
21
Super Sent., lib. 3, d. 15, q. 2, a. 3, qc. 2, co. Para todos os casos, a tradução é nossa, a partir do texto em latim
de E. ALARCÓN, Corpus Thomisticum, (www.corpus-thomisticum.org).
22
De veritate, q. 26, a. 3, ad 9: “Ad nonum dicendum, quod tristitia et dolor hoc modo differunt: quod tristitia est
quaedam passio animalis, incipiens scilicet in apprehensione nocumenti, et terminatur in operatione appetitus, et
ulterius in transmutatione corporis; sed dolor est secundum passionem corporalem. Unde Augustinus dicit, XIV
De civitate Dei, cap. VII, in fine, quod dolor usitatius in corporibus dicitur; et ideo incipit a laesione corporis, et
terminatur in apprehensione sensus tactus, propter quod dolor est in sensu tactus ut in apprehendente, ut dictum
est, in corp. art”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

Na concepção jamesiana, toda emoção é concebida segundo este modelo, ou seja, o de


uma modificação do corpo apreendida pelo sentido. A diferença reside em que, por sua vez,
essa modificação do corpo teria origem em um conhecimento. Contudo, a emoção,
propriamente, seria o conhecimento desta modificação corporal. Em Damasio, contudo, se
chama “emoção” ao próprio movimento corporal causado pela apreensão, reservando o nome
de “sentimento” ao conhecimento sensorial posterior. Porém, esse movimento corporal não tem
explicitamente uma dimensão constitutiva “formal” que seria a inclinação, como é o caso no
Aquinate. Desta forma, Damasio mostra, paradoxalmente, que caiu em um dos erros de
Descartes.

3. A teoria comportamental: John B. Watson

John Watson, pai do comportamentalismo, defende uma concepção positivista radical


da Psicologia, preferindo chamá-la de “ciência do comportamento”. A Psicologia, para poder
ser uma verdadeira ciência, deveria concentrar-se naquilo que verdadeiramente pode estar
sujeito à experimentação. Isso não se aplicaria à mente, pois é inacessível a uma investigação
pública e objetiva. A única coisa que seria observável: a “conduta”. Esta não seria outra coisa
que a “resposta” a um “estímulo” ambiental, que se reduziria a movimentos musculares ou
glandulares. A partir deste ponto de vista antropológico, Watson moveu-se para a linha do
mecanicismo do Tratado sobre o homem de Hobbes. Watson define as emoções da seguinte
maneira23: “um padrão de reação hereditário que implica mudanças importantes nos
mecanismos corporais como um todo, mas especialmente nos sistemas glandular e visceral”.
Deste modo, as emoções ficaram reduzidas a (parte) das reações fisiológicas ante um estímulo,
desaparecendo do horizonte da psicologia das emoções os aspectos cognitivos e tendenciais das
mesmas. A sequência seria, portanto, a seguinte: Estímulo -> Emoção (=ativação muscular e
endócrina).
Em conformidade com a tese darwiniana, e também com o associacionismo, Watson
busca reduzir ao mínimo as reações emocionais inatas, chamadas de “emoções básicas”, sendo
todas as demais o resultado de aprendizagem. Assim, todas as emoções poderiam ser
decompostas em três emoções fundamentais: temor, ira e amor. O temor seria o conjunto de

23
Nós aqui resumimos as idéias que este autor expõe no cap. VII de J. B. WATSON, Behaviorism, Kegan Paul,
Trench, Trubner & Co. Ldt., London 1925, 108-131. Uma excelente exposição e juízo sobre a obra de Watson é a
de A. FARIÑA VIDELA (ed.), J. B. Watson y la subjetividad humana, Fundación Arché, Buenos Aires 1983.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

condutas que surgem ante determinados sons, como ruídos fortes, ou pela perda da base em que
a pessoa se apóia; a ira, o conjunto de movimentos espontâneos que surgem ante a limitação
dos movimentos; o amor, os movimentos posteriores à excitação genital. Todas as demais
emoções não seriam outra coisa senão uma mescla destas emoções, associadas, além disso, a
novos estímulos promovidos pelo condicionamento.
Em geral, Watson valora negativamente a maioria das emoções, pois lhe parecem um
entrave para o exercício de uma conduta eficaz24. Por isso, este autor advoga por educar as
crianças de modo a reduzir ao mínimo os estímulos afetivos (como beijos e abraços). Diante de
um bom desempenho escolar, por exemplo, o melhor seria dar um tapinha no ombro.
O reducionismo de Watson, tanto metodológico quanto antropológico e ético, é gritante,
e não faz justiça à riqueza da vida humana. Ao tema que nos ocupa, a eliminação dos aspectos
cognitivos e tendenciais das emoções desnaturalizam-nas totalmente e torna praticamente
impossível distingui-las de outras condutas a não ser pela diferença de nomenclatura. A emoção
fica reduzida a seus aspectos materiais ou, mais ainda, a seus efeitos externos.

4. A teoria psicanalítica de Sigmund Freud

Embora Freud tenha acentuado a importância do afetivo na vida humana, não utilizou a
palavra emoção, nem fez nenhuma classificação das emoções básicas. Para Freud, o “aparato
anímico” (Seelicher Apparat), nome que usa para designar a alma (Seele), seria uma realidade
provavelmente distinta, mas emergente, do orgânico, que estaria a serviço das necessidades
congênitas do organismo. Este aparato anímico seria composto basicamente de representações
(aspecto cognitivo) e de afeto (aspecto apetitivo). O afeto não seria outra coisa senão a energia

24
Watson usa este argumento da eficiência para atacar a religião; Cf. WATSON, Behaviorism, 113: “Quanto mais
o behaviorista examinar os conjuntos de reações dos adultos, mais ele descobrirá que o mundo dos objetos e as
situações que envolvem as pessoas trazem reações mais complexas do que o uso da eficiência ou a manipulação
do objeto ou da situação exigiria. Em outras palavras, o objeto parece despertar milhares de reações corporais
acessórias que as leis do hábito eficiente não exigem. Posso ilustrar isso usando o exemplo da pata de um coelho
negro. Para nós, o pé de coelho é algo que deve ser cortado da carcaça do animal e jogado fora. Alguém ainda
pode jogá-lo para o cachorro comer. Porém, para muitos, o pé de colhe negro não é um objeto que pode ser
encarado dessa maneira simples. Ele precisa ser seco, polido, colocado no bolso, cuidado e guardado com zelo.
Ele o examina de vez em quando; quando está em apuros, pede orientação e ajuda, e em geral reage a isso não
como sendo um pé de coelho, mas da mesma forma que um homem religioso reage a uma divindade. A civilização,
até certo ponto, libertou o homem dessas reações supérfluas diante de objetos e situações, mas, como indiquei em
minha primeira palestra, muitas ainda persistem, principalmente no domínio da religião. O pão é algo para se
comer quando está com fome. O vinho é algo para beber durante as refeições ou ocasiões festivas. Mas tais objetos
simples, comuns e sem emoções, evocam a se ajoelhar, a orar, a inclinar a cabeça, a fechar os olhos e a todo um
peso de outras respostas verbais e corporais, quando são oferecidas ao indivíduo na igreja sob o disfarce de
comunhão”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

do aparato anímico, que carregaria as diferentes representações. Esta energia afetiva seria de
natureza essencialmente sexual e recebe o nome latino e “Libido”25.
A alma seria um sistema energético que tende ao repouso. As necessidades orgânicas
gerariam um excesso de excitação que produziria um desequilíbrio energético. Tal desequilíbrio
levaria a produção de atos psíquicos internos ou a condutas externas cuja finalidade seria
desfazer-se desse excesso de excitação para recuperar o estado de homeostasis. Deste modo,
toda operação é explicada a partir da necessidade e, portanto, desaparece o ato que procede do
ato, isto é, da plenitude de perfeição.
Freud entende o aparato anímico como um sistema de gestão de quantidades de energia
psíquica. Tal energia é concebia segundo o modelo das energias físicas e, portanto, como
material e quantitativa. Esta energia, inicialmente desligada, iria se depositando em
determinadas representações adquiridas através do sistema senso-perceptivo. A destinação de
determinadas quantidades de energia a determinadas representações ou conjuntos de
representações (complexos) chama-se “catexis” (Besetzing)26.
O afeto é concebido por Freud a partir de um materialismo energético e quantitativo.
Uma representação, ou um complexo de representações, seria tanto mais importante quanto
mais energia psíquica fosse depositada nela. No fundo, para Freud, o aparato anímico é uma
máquina psíquica, cujas peças são as representações e complexos, e cujo movimento depende
do deslocamento de energia. Por sua vez, tais movimentos de energia dependem das alterações
do organismo (por circunstâncias internas ou por estímulos externos) que dão lugar a uma
necessidade. A tradução psíquica das necessidades são as “pulsões”. A Libido seria a energia
da pulsão sexual ou erótica. Este aspecto mecanicista da teoria de Freud depende
fundamentalmente do mecanicismo psíquico de Herbart27.
Como é de conhecimento geral, Freud defendeu duas teorias dualistas das pulsões. Na
primeira, contrapôs as pulsões de auto conservação, ou egoicas, às pulsões sexuais. Na segunda,
a pulsão de vida, o Eros, que reuniu os dois grupos de pulsões recém mencionados, à pulsão de
destruição, ou de morte. Enquanto na primeira teoria se dá a entender que ambas as pulsões, a
de auto conservação e a sexual, têm cada uma a sua própria energia, na segunda, a Libido é a

25
Para uma exposição completa e sucinta da doutrina mecanicista do aparato anímico em Freud, Cf.
ECHAVARRÍA, Corrientes de psicología, 26-30.
26
J. LAPLANCHE - J. B. PONTALIS, Diccionario de psicoanálisis, Labor, Barcelona 1981, 49: “Conceito
econômico, a catexis faz com que certa energia psíquica se ligue a uma representação ou grupo de representações,
a uma parte do corpo, a um objeto, etc.”
27
Cf. P.-L. ASSOUN, Introducción a la epistemología freudiana, Siglo XXI, Buenos Aires 2001, 129-139.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

energia do Eros, enquanto que a pulsão de morte, à medida em que o ser vivo tende a perder
toda sua energia e morrer, não parece ter uma energia própria. Parece existir uma dualidade
pulsional, mas não uma dualidade energética neste ponto do desenvolvimento do pensamento
de Freud28.
Freud diz que na pulsão se pode distinguir quatro aspectos: sua meta ou fim (Ziel), seu
objeto (Objekt), sua fonte (Triebquelle) e seu empuxo (Drang)29. O empuxo relaciona-se com
a dimensão quantitativa e energética da pulsão. A fonte é a zona do corpo na qual se situa a
necessidade que dá origem à pulsão. O fim é a descarga dos excessos de energia. O objeto,
aquilo no qual a energia se deposita ou descarrega, e que não teria uma relação per se, objetiva,
natural, com o fim. Amar, enquanto fenômeno afetivo, não seria senão, em termos qualitativos,
a direção de uma pulsão até um objeto. Economicamente, ou seja, desde o ponto de vista da
administração da energia psíquica no interior do aparato anímico, não sendo mais do que a
inversão de um determinado punhado de energia em uma representação ou em um complexo,
ou em um órgão ou sistema orgânico, catexis que torna esse objeto importante para mim, e que,
em última instância, não consegue repousar nessas representações, precisando, no fim, realizar
sua descarga diretamente sobre uma realidade física.
Dos destinos do afeto dependeria, segundo Freud, a aquisição de sintomas neuróticos.
Estes seriam a consequência de um afeto “estrangulado” pelo mecanismo de repressão. Esta,
por sua vez, dependeria das atitudes éticas do sujeito30. A neurose, por isso, seria um dos efeitos
patológicos da moral sexual cultural31. As exigências éticas, por sua própria natureza, seriam
patogênicas na medida em que sempre resultaria no impedimento de uma quantidade de energia
afetiva (sexual) encontrar a sua saída normal (mediante o coito), ficando assim trancada no

28
Para um resumo da doutrina freudiana das pulsões, LAPLANCHE-PONTALIS, Diccionario de psicoanálisis,
324-327.
29
Ibid, 324: “[A pulsão é um] Processo dinâmico que consistem em um empuxo (carga energética, fator de
motilidade) que faz tender o organismo para um fim. Segundo Freud, uma pulsão tem sua fonte em uma excitação
corporal (estado de tensão); seu fim é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; graças ao objeto, a
pulsão pode alcançar seu fim”.
30
Cf. S. FREUD, Cinco conferencias sobre psicoanálisis (1909), em Obras completas, vol. XI, Amorrortu, Buenos
Aires 1991, 21: “Em todas essas vivências [reprimidas] estava em jogo o afloramento de uma moção de desejo
que se encontrava em aguda oposição aos demais desejos do indivíduo, provando ser inconciliável com as
exigências éticas e estéticas da personalidade. Havia sobrevindo um breve conflito e, ao final desta luta interna, a
representação apareceu diante da consciência como portadora daquele desejo inconciliável que sucumbiu à
repressão, sendo então esquecida e jogada à força para fora da consciência juntamente com as recordações relativas
a ela. Portanto, a não-conciliação dessa representação com o ego do enfermo era o motivo da repressão, e as forças
repressoras eram os reclames éticos, entre outros, do indivíduo”.
31
Cf. ID., La moral sexual cultural y a nervosidad moderna (1908), em Obras completas, vol. IX, Amorrortu,
Buenos Aires 1996.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

inconsciente, donde, por causa do mecanismo de deslocamento, geraria os sintomas neuróticos,


que não seriam outra coisa senão formações substitutivas do desejo imoral reprimido. No desejo
imoral é que estaria a base não somente de toda neurose, mas também de toda a civilização. O
que seria o desejo incestuoso e o posterior desejo de parricídio, ou seja, o Complexo de Édipo.
Como sintomas sociais destes desejos reprimidos, teriam surgidos a moral e a religião 32. A
psicanálise, em conformidade com Nietzsche, coloca-se a si mesma como um disciplina pós-
moral e pós-cristã, a qual, ao tornar consciente as raízes inconscientes reprimidas da culpa,
possibilitaria a superação tanto da moral como da religião33.
Façamos uma breve valoração da concepção freudiana. A posição de Freud, embora
mais rica psicologicamente que a do comportamentalismo radical de Watson, é reducionista,
tendo como defeito básicos o mecanicismo e o biologismo. Quanto ao tema de que estamos
tratando, não encontramos em Freud uma classificação sistemática das emoções, mas sim a
soma de uma redução teórica da multiplicidade de tendências a duas pulsões básicas e, por sua
vez, uma redução destas pulsões ao aspecto qualitativo de uma realidade mais básica, de ordem
física, as quais são as quantidades da energia afetiva. Muitas vezes já foi sugerido que a
distinção entre uma pulsão de vida (Eros) e uma pulsão de destruição ou de morte poderiam ser
exemplificadas com a distinção clássica e tomista entre o apetite concupiscível e o apetite
irascível. Em nossa opinião, embora não reste dúvida de que há um certo paralelismo entre
ambas as distinções, a diferença teorética é ainda maior, pois se centra na absoluta ausência da
noção de bem em Freud e, correlativamente, na destruição da noção de apetite que se define
por sua referência ao bem, que, ademais, é o que permite distinguir em Santo Tomás o apetite
concupiscível, referente ao bem deleitável, do apetite irascível, referente ao bem árduo. Com
efeito, embora em Freud apareça mais explicitamente que nas outras teorias o aspecto
conotativo ou tendencial das emoções, contudo, não apenas quase não se dá importância aos
outros fatores (cognitivos e fisiológicos), mas também a própria concepção tendencial está
viciada pela total ausência da noção de bem em sua teoria. O apetite não é outra coisa que uma
tendência ou posicionamento tendencial frente a um bem, ou ao seu contrário, um mal. Para
Freud, por outro lado, toda tendência é conservadora ou, até mesmo, regressiva: é um voltar a
um estado anterior, onde não há ganância nem tendência perfectiva. A tendência, neste caso,

32
Cf. ID., Totem y tabú. Algumas concordancias entre la vida de los salvajes e de los neuróticos (1913), em Obras
completas, vol. XIII, Amorrortu, Buenos Aires 1994.
33
Cf. M. F. ECHAVARRÍA, La psicologia di F. Nietzsche de il suo influsso nella psicoanalisi, “Sapientia” 60
(2005) 21, 89-107.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

não é senão a inércia.


Por outro lado, é preciso observar que o tratado das paixões do Aquinate se encontra
marcado no contexto do tratado moral da Summa. Neste contexto, as paixões aparecem como
causa de atos humanos e como participantes da voluntariedade e, portanto, como elementos
essenciais da vida moral. Não há nesta visão uma contraposição entre a vida moral e o equilíbrio
afetivo, mas, ao contrário, a “tranquilitas animi”34 e a “salus mentis”35 são explicitamente um
efeito da virtude da temperança. A vida moral autêntica não supõe uma repressão, mas uma
canalização do afeto, obra da razão. Para Freud, contrariamente, a moral é sempre repressiva e
violenta e, portanto, neurotizante. Assim, passa-se de uma visão moral das paixões não para
uma visão biosanitária, técnica, mas simplesmente para uma visão pós-moral.

5. A “appraisal theory” de Magda B. Arnold e sua inspiração tomista

No início da década de 60, deu-se em várias áreas da Psicologia um giro cognitivo.


Assim, por exemplo, na psicologia acadêmica, no estudo dos temas da percepção e do
pensamento, com autores como Miller, Bruner e Neisser; e na psicoterapia, com autores como
Beck e Ellis36. O âmbito da psicologia das emoções não foi uma exceção, embora tenha se dado
de modo autônomo, e não como um efeito destes outros dois âmbitos. A principal responsável
por este giro foi a psicóloga checa-americana Magda B. Arnold37. Esta teoria é conhecida como
"appraisal theory" (teoria da apreciação). O detalhe menos conhecido é que esta famosa

34
Cf. S. Th. II-II, q. 141, a. 2, ad 2: “ea crica quae est temperantia maxime possunt animum inquietare, propter hoc
quod sunt homini essentialia, ut infra dicetur. Et ideo tranquilitas animi per quandam excellentiam attribuitur
temperantiae, quamvis communiter conveniat omnibus virtutibus”.
35
Cf. Sententia Ethic., lib. 6, l. 4, n. 9: “Et dicit quod quia prudentia est cira bona vel mala agibilia, inde est quod
temperantia vocatur in Graeco soffrosini, quasi salvans mentem, a qua etiam prudentia dicitur fronesis.
Temperantia autem, in quantum moderatur delectationes et tristitias tactus, salvat talem existimationem, quae
scilicet est circa agibilia quae sunt hominis bona vel mala”.
36
Seja como for, não se deve confundir a posição de Arnold, inspirada em Santo Tomás, com a de autores como
Albert Ellis, inspirada no estoicismo e de fundo completamente relativista. Cf. A. ELLIS, The Road to Tolerance,
Prometheus Books, New York, NY 2004.
37
Cf. S. A. SHIELDS, Magda B. Arnold: Pioneer in research on emotions, em D. A. DEWSBURY - L. T.
BENJAMIN - M. WERTHEIMER (eds.), Portraits of pioneers in psychology, vol. VI, American Psychological
Association, Washington, DC 2006, 223-237. Para uma apresentação geral das idéias desta autora, que inclui sua
biografia, cf. S. PARENTI, Magda Arnold, psicóloga delle emozioni, D’Ettoris, Crotone 2017. A revista
“Cognition & Emotion” dedicou um número inteiro (Issue 7, 2006) a Magda Arnold sob o título Magda B. Arnold’s
Contributions to Emotion Research and Theory. Uma pessoa fundamental para entender a conversão desta autora
ao catolicismo e para seu conhecimento da obra de Santo Tomás foi o sacerdote jesuíta John Gasson, também
psicólogo, que foi seu aluno em um seminário e a fez notar a semelhança de suas idéias com as da psicologia
tomista. Disso resultou não somente a conversão de Arnold, mas também uma amizade e uma colaboração
intelectual que duraria para toda a vida.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

psicóloga era tomista, e que sua célebre teoria das emoções está explicitamente inspirada na
concepção tomista das paixões38.
Arnold parte de um exame crítico das várias grandes teorias das emoções anteriores
(Aristóteles, Santo Tomás, Descartes, Darwin, Jame e Lange, Dewey, McDougall e Freud, entre
outros). Considera, com razão, que as dificuldades das teorias modernas da emoção repousam
sobre o empobrecimento e distorção da teoria das emoções por causa de Descartes, em
comparação ao acerto da teoria aristotélico-tomista das paixões39. Ao analisar as teorias
contemporâneas, encontrou debilidades em todas, e por isso propôs sua própria teoria40.
A tese central de Arnold é a seguinte: As emoções são basicamente inclinações. Estas
inclinações seriam de natureza psicossomática. Não se trataria de movimentos puramente
mentais ou espirituais, mas uma realidade composta por um aspecto psíquico e um aspecto
fisiológico. Esta autora considera que cada emoção teria um padrão de reações corporais
específicas, estudadas por ela com minuciosidade. Estas inclinações psicossomáticas seriam
ativadas por uma cognição prévia e, por isso, propõe chamar o sistema orgânico subjacente de
“sistema estimativo”41. Contudo, não bastaria uma cognição de qualquer tipo. A mera sensação

38
Cf. R. R. CORNELIUS, Magda Arnold’s Thomistic Theory of Emotion, the Self-Ideal, and the Moral Dimension
of Appraisal, “Cognition & Emotion” 7 (2007), 976-1000.
39
Cf. M. B. ARNOLD, Emotion and Personality I (Psychological aspects), Columbia University Press, New York,
NY 1960, trad. esp. Emoción y personalidad. Primera parte: Aspectos Psicológicos, Losada, Buenos Aieres 1969,
107: “Ao comparar com uma definição similar, como a de Aristóteles, que é psicossomática no melhor sentido do
termo, a explicação fantasiosa e mecanicista de Descartes é certamente um retrocesso”. Ibid., 108-109: “Às vezes
tendemos a considerar tais manifestações [refere-se ao primitivismo da psicologia das emoções de Descartes] como
comodamente conscientes ao nosso conhecimento superior, mas desculpar tais faltas porque, naquela época
anterior, o conhecimento atual não estava à disposição daqueles homens. Porém, é preciso recordar que Aristóteles
e Tomás de Aquino, que escreveram muito antes de Descartes, não dispunham de mais dados concretos sobre os
mecanismos cerebrais, e, não obstante, chegaram a um conhecimento dos processos psicológicos que ultrapassam
muito ao de Descartes”. Ibid. 109: “Seria inútil especular sobre o modo como teria se desenvolvido a psicologia
da emoção (ou a psicologia em geral, se for o caso) caso tivesse seguido a tradição Aristotélico-Tomista em vez
de começar do zero com Descartes. Talvez a ruptura com a tradição religiosa tenha impossibilitado, a princípio,
retornar para antes de Descartes e utilizar os conhecimentos anteriores, de modo que, quando os ânimos se
acalmaram, os novos pontos de vista Cartesiano-Kantianos, agora firmemente estabelecidos, promoveram a
convicção de que, antes de Descartes, não exista outra coisa a não ser o prejuízo teológico”.
40
EAD., Emoción y personalidad. Primeira parte, 181: “Desde o momento em que a psicologia se converteu em
uma ciência, foram propostas principalmente três soluções: (1) que a percepção desperta a emoção e depois a
emoção causa mudanças corporais, (2) que a percepção induz mudanças corporais que se sentem como emoção;
(3) que a percepção desperta tanto a emoção quanto as mudanças corporais. Houve muitos psicólogos que viram
o problema implicado nas relações causais entre estes três fatores, mas nenhum deles resolveu o problema
adequada e consistentemente”.
41
EAD, Emotion and Personality II (Neurological and Physiolocal Aspects), Columbia University Press, New
York, NY 1960, trad. esp. Emoción y personalidad. Segunda Parte: Aspectos neurológicos y fisiológicos, Losada,
Buenos Aires 1970, 49: “Queremos demonstrar que esta apreciação e a subsequente experiência de gostar ou
desgostar são conduzidas por um sistema especial que recebe transmissões do sistema sensorial. Isso inclui a
conexão aferente desde os receptores sensoriais até a formação reticular do tronco cerebral, os núcleos talâmicos
intraliminares e de linha média e o córtex do lóbulo límbico. Sugerimos chamar este sistema de transmissões de

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

não seria suficiente para despertar a emoção, senão, no máximo, o que esta autora chama de
sentimentos de gosto e desgosto, como o sentimento de desgosto diante de um sabor amargo,
ou o sentimento de gosto de uma carícia. Os sentimentos seriam reações a sensações pontuais.
As emoções, por sua vez, seriam fenômenos que abarcariam a totalidade do animal ou do ser
humano e, portanto, supõe uma cognição mais elevada. Tampouco bastaria qualquer imagem
ou conceito para ativar a emoção, pois há cognições neutras, que não despertam nenhum efeito
emocional, como uma imagem qualquer, ou uma cognição abstrata, como um número, por
exemplo. A cognição que ativa a emoção deve ser de natureza valorativa, ou seja, deve apreciar
o que foi previamente percebido ou imaginado como um bem ou um mal para sujeito
considerado globalmente e concretamente, hic e nunc. Esta cognição é designada por Arnold
com palavras distintas: “juízo sensorial”, “estimação”, “avaliação”, “apreciação imediata ou
intuitiva”, e estaria especialmente vinculada com o sistema límbico, que propõe que seja
denominado, por causa de sua função, de “sistema estimativo”. Embora não mencione em sua
obra principal, Emoción y personalidad, em outros escritos Arnold reconhece que essa
avaliação corresponde ao que, em Santo Tomás, é a potência estimativa, no animal, e cogitativa,
no homem42. Este reconhecimento da atualidade da doutrina de Santo Tomás provavelmente
foi influenciado pelas teorias anteriores de dois psicólogos católicos: Gemelli e Michotte43.
Com base nestas idéias, Arnold define as emoções da seguinte maneira:

sistema estimativo, porque está a serviço da apreciação das sensações aferentes. Esta apreciação se torna
progressivamente mais exata à medida que as transmissões chegam ao tálamo e ao córtex límbico”. Ibid., nota 2:
“Chamar “sistema límbico” ao sistema total não seria apropriado, porque a única “borda” a que se referia Broca é
a borda interior do hemisfério. Uma vez que estamos propondo uma função definida para este sistema,
demonstraremos mais adiante [...] que esta função é atendida por vias cerebrais, espinhais e periférica, sendo então
preferível indicar esta função com um nome mais apropriado. De modo análogo ao “sistema sensorial” e o “sistema
motor”, os quais são sistemas que transmitem funções especiais”.
42
Cf. EAD., The Internal Senses: Functions or Powers? Part II “The Thomist” 26 (1963) 1, 15-34 (ver
especialmente 20-24). Outro importante psicólogo e psiquiatra de inspiração tomista, Rudolf Allers, mestre de
Viktor Frankl, havia anteriormente chamado a atenção sobre a importância da vis cogitativa para a psicologia das
emoções; cf. R. Allers, The vis cogitativa and Evaluation, “The New Scholasticism” 15 (1941) 3, 195-221; ID.,
The Cognitive Aspect of Emotions, “The Thomist” 4 (1942), 589, 584-648. Sobre este autor, cf. M. F.
ECHAVARRÍA, Aportes de Rudolf Allers a la fundamentación antropológica de la psicoterapia, “Espíritu” 62
(2013) 146, 419-431.
43
Cf. ARNOLD, Emoción y personalidad. Primera parte, 176-177: “Tanto para Michotte como para Gemilli, a
emoção como “conexão funcional” ou “relação especial percebida” entre o sujeito e o objeto pode explicar como
ela é despertada. Um objeto é visto em uma relação especial com a pessoa, e isso lhe afeta de uma forma particular;
daqui sente emoção para com a coisa, que pode ou não culminar em uma ação apropriada. O que desperta a emoção
não é uma “fria” percepção, mas uma estimação prática que exige algum tipo de ação. Tanto Michotte como
Gemelli deram uma explicação psicológica adequada. Trata-se de uma teoria equilibrada, mas que não está
completa”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

A inclinação sentida para qualquer coisa apreciada intuitivamente como boa


(benéfica), ou afastamento de qualquer coisa apreciada intuitivamente como má
(prejudicial). Esta atração ou aversão é acompanhada por um modelo de mudanças
fisiológicas organizadas para a aproximação ou afastamento. Os modelos diferem para
as diferentes emoções44.

A avaliação que ativaria as emoções seria um juízo sensorial, intuitivo, que poderia ser
inconsciente, e que não deve ser confundido com o juízo reflexivo e abstrato da inteligência 45.
Em um segundo momento, a inteligência poderia intervir, aceitando ou rejeitando as avaliações
estimativas particulares e impondo, mediante a vontade, outra orientação ao afeto 46. Não se
trata de uma racionalização das emoções, segundo a crítica posterior de Robert Zajonc, que
entrou em debate com Lazarus neste tema47. O juízo que ativa as emoções é individual, não
universal, é sensorial, não intelectivo, é automático e instantâneo, não reflexivo48.
Arnold distingue as emoções basicamente por seus objetos, seguindo nisso claramente
a Santo Tomás. Assim explica Arnold:

44
Cf. EAD., Emoción y personalidad. Primera parte, 193-194. Na primeira exposição de sua teoria, Arnold definia
assim as emoções: “Nós sugerimos que uma emoção ou um afeto pode ser considerado como a inclinação sentida
por um objeto julgado como apropriado, ou afastamento de um objeto julgado como inapropriado, reforçada por
mudanças corporais que mudam de acordo com o tipo da emoção”, M. B. ARNOLD - J. A. GASSON, Feelings
and Emotions as Dynamic Factors in Personality Integration, em IDD., The Human Person. An Approach to an
Integral Theory of Personality, The Ronald Press Company, New York, NY 1954, 294.
45
Cf. ARNOLD, Emoción y personalidad. Primera Parte, 186: “não se prestou muita atenção à diferença entre os
juízos que unem os dados sensíveis particulares concretos com objetos particulares também concretos, ou
acontecimentos em uma certa experiência sensorial, e os juízos que generalizam estes dados sensoriais a
acontecimentos. Por fim, sucede que tanto os juízos “sensoriais”, que meramente encontram a relação entre os
dados sensoriais, quanto os juízos reflexivos, que os compreendem, são chamados de juízos e normalmente estão
inclusos no termo “percepção”. Contudo, há uma diferença significativa entre os dois, entre o juízo sensorial e o
juízo reflexivo. Quando o elefante prova o solo com sua pata, faz um juízo sensorial. Quando um físico prova uma
hipótese por experimento, faz juízos intelectuais. O que chamamos de apreciação ou estimação é parecido com o
juízo sensorial. Na experiência emocional, tal apreciação é sempre direta, imediata, é um juízo sensorial e inclui
um juízo reflexo somente como avaliação secundária. [...] Tais juízos sensoriais são diretos, imediatos, não
reflexivos, não intelectuais, automáticos, “instintivos”, “intuitivos””.
46
Cf. EAD., Emoción y personalidad. Segunda Parte, 295: “No ser humano, as emoções não constituem as únicas
tendências de ação, embora sempre continuem influenciando. Vimos [...] que os seres humanos são motivados por
uma apreciação que é tanto um juízo sensorial como um juízo racional ou reflexivo. A decisão final para a ação é
uma eleição que ou concorda com a eleição original ou se opõe a ela. No homem, a eleição da ação dirigida a uma
meta é essencialmente um querer racional, uma tendência para o que é apreciado reflexivamente como bom
(agradável, útil ou de valor). Estas inclinações racionais para a ação são o que organizam a personalidade humana
sob a guia do auto-ideal [Self-ideal]”. Cf. A. KAPPAS, Appraisals are direct, immediate, intuitive, and unwitting…
and some are reflective..., “Cognition & Emotion” 20 (2006) 7, 952-975.
47
Cf. R. ZAJONC, Feeling and Thinking: Preferences Need no Inferencer, “American Psychologist” 35 (1980),
151-175; R. S. LAZARUS, Thoughts on the Relations Between Emotion and Cognition, “American Psychologist”
37 (1982), 1019-1024.
48
Cf. ARNOLD, Emoción y personalidad. Primera parte, 184: “A apreciação que desperta a emoção não é
abstrata, não é o resultado da reflexão. É imediata, não deliberada”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

As emoções diferem segundo seus objetos e suas condições (avaliadas como benéficas
ou prejudiciais). Portanto, distinguimos as emoções positivas (que tendem aos bons
objetos) das emoções negativas (que tendem a se afastar dos objetos prejudiciais). As
emoções também diferem segundo seu grau de impulsão. Portanto, distinguimos as
emoções impulsivas (inclinando-se ou afastando-se de um objeto quando as condições
são favoráveis) das emoções competitivas (que luta ou busca por algo quando as
condições são desfavoráveis)49.

É evidente que as emoções de impulsão são as que Santo Tomás considera como paixões
do apetite concupiscível e as emoções de luta ou competição são as que o Aquinate considera
como paixões do apetite irascível. Que esta coincidência não é mera casualidade, demostra o
fato de que, na continuação, Arnold classifica 11 emoções, chamando-as de “básicas”, que
coincidem exatamente com os 11 gêneros de paixões classificados por Santo Tomás. Todas elas
se organizam por pares contrários (exceto a ira, igual no Aquinate). As emoções impulsivas
são: amor/ódio; desejo/aversão; alegria/tristeza. As emoções de luta ou competitivas são:
esperança/desesperança; audácia/temor; ira. Na sequência, reproduzimos o quadro das emoções
propostas por Arnold50.

EMOÇÕES IMPULSIVAS
Objeto Objeto não presente Objeto presente Tipo de emoção
indiferentemente
presente ou
ausente
Objeto adequado AMOR DESEJO ALEGRIA positiva
(benéfico)
Objeto inadequado ÓDIO AVERSÃO TRISTEZA negativa
(prejudicial)
EMOÇÕES DE LUTA
Dificuldade Objeto não presente Objeto presente Tipo de emoção
Objeto adequado Julgado como ESPERANÇA positiva
(benéfico) alcançável
Julgado como não DESESPERANÇA negativa
alcançável
Objeto inadequado Pode-se vencer AUDÁCIA IRA Positiva
(prejudicial) Deve-se evitar MEDO

Nota-se que as teses de Arnold são uma espécie de renovação da concepção tomista das

49
Cf. EAD., Emoción y personalidad. Primera Parte, 208; ARNOLD-GASSON, The Human Person, 298.
50
Ivi.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

paixões, assim como a de James foi da de Descartes: caráter tendencial das emoções, ativação
por uma capacidade judicativa sensitiva (estimativa-cogitativa), distinta da inteligência, caráter
psicossomático da emoção, possibilidade de uma regulação superior das emoções pela
inteligência e vontade. O que falta na concepção de Arnold (não na de Tomás de Aquino) é
desenvolver mais a idéia de que as emoções podem ser também ativadas de cima-baixo, porque
a inteligência e a vontade podem usar dos sentidos internos ou centrais para mover as emoções,
e também porque um afeto intenso da vontade pode arrastar consigo os movimentos
propriamente emocionais (redundantia).
Na linha de Arnold, moveu-se o mais famoso teórico cognitivo das emoções, Richard
Lazarus51. Este autor desenvolveu sua teoria para explicar o enfrentamento do stress. Segundo
Lazarus, haveria uma avaliação primária, da qual seguiriam as emoções, avaliação que seria
intuitiva e automática, e uma avaliação secundária, posterior e fruto da reflexão, donde seguiria
o enfrentamento do objeto estressante. A avaliação primária equivale ao juízo sensorial de
Arnold, e a secundária, ao juízo intelectual. Esta é uma das teorias das emoções mais estudadas
e discutidas da psicologia contemporânea, e é uma mostra, pouco conhecida, do impacto do
tomismo na psicologia científica.

6. O problema nature-nurture: Evolucionismo e construtivismo social

6.1 TEORIAS DA PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA

Ainda que o evolucionismo darwiniano tenha influenciado a psicologia contemporânea


de uma maneira capilar que transcende as diferenças entre escolas, na psicologia das emoções
há uma corrente que se conecta especialmente com as teorias de Darwin sobre esses temas.
Nesta linha darwiniana, moveu-se a teoria biológico-hereditária do psiquiatra Robert Plutchik
(1927-2006). Este autor defende que as emoções não devem ser estudadas somente a nível
neurofisiológico, nem por mera introspecção, mas que se trataria de uma resposta total do
animal, visando a sobrevivência, de origem evolutiva52. Por seu caráter evolutivo, as emoções
seriam comuns ao homem e aos animais de toda a escala evolutiva. As emoções básicas
classificar-se-iam de acordo com a sua utilidade para o cumprimento das funções protótipas de

51
Cf. R. S. LAZARUS, Psychological Stress and the Coping Process, McGraw-Hill, New York, NY 1966.
52
Cf. R. PLUTCHIK, The emotions: Facts, Theories, and a New Model, Random House, New York, NY 1962,
55.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

sobrevivência, que se daria em toda a escala evolutiva, independentemente das diferenças


fisiológicas. As funções fundamentais e suas emoções correspondentes seria, para todo animal
e para o homem, as seguintes: Proteção (temor), destruição (ira), reprodução (alegria),
reintegração (tristeza), adesão (receptividade, acolhida, confiança), rejeição (aversão),
exploração (expectativa), orientação (surpresa). As emoções poderiam ser organizadas por
pares opostos: alegria-tristeza; confiança-aversão; temor-ira; surpresa-expectativa. Da
combinação destas emoções básicas, surgiriam outras emoções “avançadas”.
Nesta linha evolucionista também se move Paul Ekman53. Este psicólogo é famoso por
causa de seus estudos sobre a expressão facial das emoções. Seu maior êxito foi demonstrar que
há uma série de emoções cuja expressão facial não está determinada culturalmente e que,
portanto, são reconhecidas em todas as culturas, em linha com a tese continuísta darwiniana. A
partir desta e de outras experiências, Ekman afirmou que há seis emoções básicas: Temor,
surpresa, alegria, tristeza, ira e aversão (ou asco). Ainda que posteriormente tenha ampliado sua
lista para onze emoções (diversão, desprezo, alegria, vergonha, excitação, culpa, orgulho,
satisfação, prazer, sensorial e vingança), aquela continua sendo a mais conhecida. Os méritos
das pesquisas de Ekman não podem ser negados, e eles estão demonstrados em seu aspecto
prático pela elaboração de instrumentos para detecção de mentiras fundadas em seus estudos.
Contudo, na classificação das emoções, nos parece que teve um vício fundamental: A expressão
facial das emoções não pode ser confundida com a emoção mesma. Por outro lado, mesmo que
os movimentos musculares envolvidos na emoção não sejam a expressão, mas parte integrante
desta, e sejam universalmente idênticos, contudo, isso é só um aspecto da realidade da emoção,
o seu aspecto material, o aspecto formal da emoção é determinado pela cognição que gera esses
movimentos, ou melhor, pelo objeto que tal cognição apresenta. Este objeto é um bem que atrai
o apetite, ou um mal que o faz se afastar. É o bem que “informa” a reação emocional, a qual
provoca os movimentos musculares, ou como aspecto material, ou como efeito. Também se
criticou metodologicamente a teoria de Ekman, porque se baseou no uso de fotografias, um
estímulo estático, em vez de optar pela perspectiva “ecológica” da observação das emoções em
movimento e em seu contexto social.
O que chama a atenção é que a psicologia evolucionista, que do ponto de vista
ideológico poderia ser considerada como propensa ao abandono da noção de natureza, tão
central na concepção tomista das emoções, seja justamente a corrente que mais fortemente

53
Cf. P. EKMAN (ed.), Darwin and Facial Expression: A Century of Research in Review, Academic Press, New
York, NY 1973. ID., Are There Basic Emotions?, “Psychological Review” 99 (1992), 550-553.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

parece afirmar este princípio: há emoções que são universais e naturais, e estas tenderiam a um
fim, a sobrevivência. Embora o conceito de natureza em Santo Tomás e nestes autores seja bem
distinto, permanece o fato de que as emoções básicas não são apreendidas, mas são modos de
reação inatos. Este é um dado muito importante, que com frequência é ignorado por tendências
mais propensas a acentuar a importância dos fatores ambientes, como a comportamental, a
psicanálise e, como veremos, o construtivismo social. Muitas emoções são reações naturais sem
mediação cultural, como muitos temores que servem de base natural às fobias, como o temor
do escuro, de altura, de estranhos ou a serpentes, por exemplo54. Esta revalorização dos fatores
naturais também levou a uma recuperação do conceito de temperamento e do seu papel na
constituição da personalidade55.
Seja como for, o problema geral das teses evolucionistas na psicologia das emoções é o
pressuposto, não analisado criticamente, da orientação das emoções à sobrevivência e ao seu
caráter evolutivo56. O que quer dizer “sobrevivência”? Trata-se do indivíduo, ou da espécie? É
uma hipótese necessária, sem a qual não se poderia teorizar a universalidade das emoções? Não
demonstra esta universalidade simplesmente que todos os seres humanos compartilham uma
natureza comum? Por outro lado, a concepção materialista de quase todos esses autores faz com
que a influência das faculdades superiores e da cultura sobre as emoções seja quase
completamente ignorada.

6.2 AS EMOÇÕES NO CONSTRUTIVISMO SOCIAL

Se as perspectivas evolucionistas na psicologia das emoções acentuam a importância da


natureza (entendida evolutivamente), o construtivismo social se coloca no extremo oposto,
defendendo, contrariamente, que as emoções são o resultado de uma construção histórica. O
construtivismo é um movimento heterogêneo. Na psicologia, o primeiro autor que se definiu
como construtivista foi Jean Piaget. Além de Piaget, também são construtivistas autores como

54
A. V. HORWITZ - J. C. WAKEFIELD, All We Have to Fear. Psychiatry's Transformation of Natural Anxieties
into Mental Disorders, OUP, New York, NY 2012.
55
Cf. KAGAN, The Temperamental Thread. Hoto Genes, Culture, Time, and Luck Make Us Who We Are, The
Dana Foundation, New York, NY 2010.
56
Cf. D. ULICH, El sentimento. Indroducción a la psicología de la emoción, Herder, Barcelona 1985, 176: “com
base em uma decisão preliminar de tipo categorial, considera-se como já demonstrado algo que, na realidade, só
dado como hipótese (que as emoções têm, por exemplo, uma “função de sobrevivência”). Como vimos ao estudar
Plutchik, baseando-se na “continuidade evolutiva” da filogênese do homem, considerou-se como já demonstrado
aquilo que ainda precisa ser provado, a saber, a função de sobrevivência das emoções. Ato contínuo, basta atribuir
as emoções disponíveis a determinados fins de sobrevivência e a “teoria” da emoção está pronta”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

George Kelly, fundador da psicoterapia das construções pessoais, e Paul Watzslawick, um dos
teóricos da psicoterapia sistêmica. As fontes filosóficas também são muito diversas, indo desde
Kant, positivismo e pragmatismo, até filosofias hermenêuticas, estruturalismo e pós-
estruturalismo, e diversas formas de marxismo cultural.
No campo da psicologia das emoções, há que destacar particularmente a três autores:
Rom Harré57, Paul Gergen58 e Jim Averill59. Este último define as emoções como

um rol social transitório (uma síndrome constituída socialmente) que inclui a


avaliação que um indivíduo faz de sua situação e que é interpretado como uma paixão
em vez de uma ação60.

Averill foi discípulo de Richard Lazarus e, por isso, continua mantendo que as emoções
são ativadas por uma avaliação (appraisal). A esta base cognitivista, Averill acrescenta o
construtivismo. Para este autor, as emoções são realidades múltiplas, basicamente consistindo
em papéis sociais, ou seja, um conjunto de respostas prescritas socialmente e que, portanto,
dependem das regras sociais que regem nessa sociedade. Isso leva a uma espécie de concepção
relativista das emoções, onde elas seriam completamente diversas nas distintas culturas. E
mesmo que Averill use a palavra clássica “paixão” em sua definição, não se trata, como em
Santo Tomás, essencialmente de um movimento psicossomático, mas de uma interpretação
mediada socialmente: “é interpretado como uma paixão”.
Tem-se criticado com frequência o construtivismo por causa de seu escasso fundamento
experimental, como recorda inclusive Cornelius, que se declara um construtivista moderado61.
É uma teoria cara a certos filósofos e sociólogos, mas com pouca base empírica se compararmos
com as teorias baseadas em James, Arnold, Lazarus e evolucionismo. A partir de um ponto de
vista tomista, é evidente que as emoções são comuns a todos os homens, ou seja, têm uma base
natural. Porém, isso não implica ignorar a importância da influência social na ativação e,
sobretudo, na modulação das emoções. Em primeiro lugar, é preciso recordar a diferença entre

57
Cf. R. HARRÉ (ed.), The Social Construction of Emotion, Brasil Blackwell, Oxford 1986.
58
K. J. GERGER - K. E. DAVIES, The Social Construction of the Person, Springer, New York, NY 1985.
59
Para uma apresentação sintética desta posição, cf. R. R. CORNELIUS, The Science of Emotion. Research and
Tradition in the Psychology of Emotion, Pretice-Hall, Upper Sadle River, NJ 1996, 149-183.
60
Cf. J. R. AVERILL, A Constructivist View of Emotion, em R. PLUTCHIK - H. KELLERMAN (eds.), Emotion:
Theory, Research and Experience, vol. 1, Academic Press, New York, NY 1980, 312; citado em CORNELIUS,
The Science of Emotion, 152.
61
Cf. CORNELIUS, The Science of Emotions, 187-188.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

as concupiscências naturais e as concupiscências não naturais62. As primeiras são as que têm


ligação com o que é estritamente necessário para a sobrevivência, como os desejos por comida
e bebida, e as segundas, com desejos que pressupõe uma captação cognitiva mais complexa,
que Santo Tomás reconduz à cogitativa63. Mesmo aquilo que é desejado naturalmente pode ser
de fato mais complexo por considerações que procedem das potencias superiores, passando a
ser, deste modo, uma concupiscência não natural, como se no desejo por comidas preparadas
de modo especial, ou nas variedades culturalmente transformadas da atração sexual, por
exemplo. Algo parecido ocorre com as outras paixões, como o temor, por exemplo.
Além disso, e pelo mesmo motivo, o apetite sensitivo pode ser educado. Há virtudes e
vícios inerentes às potências que elicitam os atos emocionais, como a fortaleza e a temperança,
e seus vícios contrários. Por sua vez, estas virtudes integram-se ao edifício do caráter segundo
uma ordem hierárquica. A justiça, geral ou legal, bem como seu vício contrário, têm um papel
estruturante, são “forma” das outras virtudes (ou vícios) morais64. Aristóteles sustentava que
era distinta a virtude moral segundo os distintos regimes, político, monárquico ou aristocrático,
e o mesmo vale para os regimes corruptos e para os vícios65. Nesta linha, pode-se dizer que o
modo de canalizar os movimentos emocionais nas distintas culturas podem ser muito variados.
Referia-se a isso um autor culturalista como Erich Fromm através do conceito de “caráter
social”66. Não obstante, esta variabilidade na organização social e moral das paixões seriam
incompreensíveis sem a base comum da natureza humana. Afinal, o homem é, por natureza,
social e, por isso, também são suas emoções. Todavia, quando a influência social é exagerada,

62
Cf. S. Th. I-II, q. 30, a. 3, ad 3: “Como já dissemos, a concupiscência é um apetite do bem deleitável. Ora, de
dois modos um bem pode ser tal. Ou porque é conveniente à natureza do animal, como a comida, a bebida e coisas
semelhantes e tal concupiscência do deleitável se chama natural. Ou porque é conveniente ao animal em virtude
de uma apreensão; assim, quando é apreendido algo como bom e conveniente, e por consequência, com isso há
deleite. E esta concupiscência do deleitável se chama não-natural, denominando-se de ordinário cobiça. Ora, as
concupiscências da primeira espécie, as naturais, são comuns ao homem e aos animais, porque a uns e a outros há
algo que lhes é naturalmente conveniente e deleitável. E, por isso, o Filósofo as denomina comuns e necessárias.
As da segunda espécie, porém, são próprias aos homens, que tem a propriedade de buscar algo como bom e
conveniente, além daquilo que a natureza exige. E por isso diz ainda o Filósofo que as concupiscências da primeira
espécie são irracionais; as da segunda, porém, são acompanhadas da razão. E como coisas diversas se fundamentam
diversamente, as desta última espécie Aristóteles também as denomina próprias e adventícias, i. é, superiores às
naturais”.
63
Cf. S. Th. I-II, q. 30, a. 3, ad 3.
64
Cf. S. Th. I-II, q. 58, a. 6.
65
ARISTÓTELES, Política, l. VIII, c. 1 (1337 a 12-19).
66
E. FROMM, The Fear of Freedom (1941), trad. esp. El miedo a la libertad, Planeta-De Agostini, Barcelona
1993, 263: “O caráter social [é] ... o núcleo essencial da estrutura do caráter da maioria dos membros de um grupo;
núcleo que se desenvolveu como resultado das experiências básicas e dos modos de vida comuns do mesmo
grupo”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

eliminando a base natural, perde-se de vista a possibilidade de comunicação intercultural, que


se funda na natureza comum e na capacidade das potências superiores do homem alcançarem o
universal. As emoções não são uma pura construção social, embora os distintos modos de
organização social possibilitem distintos modos de canalizar as energias emocionais.

7. Inteligência emocional e Psicologia positiva

Não podemos terminar sem antes dizer algo sobre a dita “inteligência emocional”. Ainda
que se costume colocá-la mais ao lado da psicologia da inteligência do que da teoria das
emoções, é importante dizer algo sobre ela por causa da matéria que trata. “Inteligência
emocional” é a expressão com que o psicólogo divulgador, Daniel Goleman, sintetizou duas
das “inteligências múltiplas” do célebre pesquisador Howard Gardner. Este autor tornou-se
famoso por defender que era preciso renovar a teoria da inteligência, considerando a
inteligência não uma mera capacidade de cálculo, como presunçosamente havia sido concebida
pela psicologia da inteligência do século XX, mas como uma capacidade multidimensional67.
Haveria, por isso, muitas inteligências: além da lógico-matemática, haveria uma inteligência
linguística, uma inteligência especial, uma inteligência musical, uma inteligência cinético-
corporal, etc. Haveria também uma inteligência interpessoal, que seria a que nos torna hábeis
para se relacionar com os demais, e uma inteligência intrapessoal, que nos torna capazes de
compreender a nós mesmos. São estas duas “inteligências” as que foram sintetizadas por
Goleman com a expressão “inteligência emocional”.
O que seria a inteligência emocional? A capacidade de compreender nossas próprias
emoções e as alheias, e, consequentemente, nos comportarmos de modo inteligente no âmbito
da vida emocional. Realmente, definir o que significa se comportar de modo inteligente é tão
difícil como responder a pergunta da ética clássica (por exemplo, ao final da Ética Eudemia) “o
que significa viver segundo a razão?”68. Porque, em última instância, a inteligência emocional
aparece exatamente para responder a esta inquietude. Que se trata disso, demonstra-se pelo fato
de que o famoso livro em que Goleman apresenta este conceito começa com uma citação (sem

67
Cf. H. GARDNER, Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences, Basic Books, New York, NY 1983.
68
ARISTÓTELES, Ética Eudemia, VIII, 3 (1249a 21-1249b 25). Albert Ellis, um psicoterapeuta cognitivista, que
centra sua Terapia Racional Emotiva no descobrimento das premissas irracionais que estão por trás da frustração
de seus clientes, por exemplo, considera racionais só as premissas fundamentadas na própria experiência.
Desestimula, assim, as premissas fundamentas nas experiências alheias e, com isso, desestima como irracional a
fé, tanto humana quanto sobrenatural. É muito importante, por isso, definir o que significa “viver segundo a razão”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

referência de edição, páginas, etc.) da Ética de Aristóteles. A citação é esta:

Qualquer um pode se irritar, isso é algo muito simples. Porém, irritar-se com a pessoa
adequada, no grau exato, no momento oportuno, com justo propósito e de modo
correto, isso, certamente, não é tão simples 69.

Embora autores como Goleman apresentem a inteligência emocional em um contexto


extra-moral, como uma espécie de habilidade que pode ser treinada, a mesma exigência está
presente na perspectiva moral. Ser inteligente emocionalmente significa ser prudente.
Na realidade, ainda que a concepção de inteligência de Gardner seja muito distinta da
de Santo Tomás, pois é materialista e adaptacionista70, contudo, a idéia de que haja distintas
inteligências (no sentido de distintas disposições e hábitos) já estava presente em Aristóteles e
Santo Tomás71, e inclusive a idéia de que estas diferentes disposições têm sua base em
diferenças psicológicas72: a inteligência teorética e a inteligência prática, os hábitos da
inteligência, da sindérese e da sabedoria, os hábitos das distintas ciências teóricas e práticas, o
hábito da prudência, etc. e suas respectivas disposições (partes integrais) nos sentidos internos
(disposições da memória, da cogitativa e da imaginação), bem como as disposições orgânicas

69
Cf. D. GOLEMAN, Emotional Intelligence, Bantam Books, New York, NY 1995, trad. esp. La inteligencia
emocional, Kairós, Barcelona 2006, 23.
70
Cf. H. GARDNER, Inteligencias múltiples: la teoría en la práctica, Paidós, Barcelona 2015, 33: “uma
inteligência implica a habilidade necessária para resolver problemas ou para elaborar produtos que são de
relevância em um contexto cultural ou em uma comunidade determinada”.
71
Cf. M. F. ECHAVARRÍA, Virtudes intelectuales e inteligencias múltiples. Actualidad de la psicología tomista
de la inteligencia, em ID (ed.), La formación del caráter por las virtudes: Estudios Interdisciplinarios, vol 2:
Prudencia, Justicia y Amistad: Propuestas Terapéuticas y Educativas, Scire, Barcelona 2015, 209-233.
72
Cf. ARISTÓTELES, Metafísica, l. II, 3 (994b 32-995a 12). Sententia Metaphysicae, lib. 2, l. 5, n. 4: “Deinde
cum dicit alii vero hic osendit quomodo homines in consideratione veritatis propter consuetudinem diversos modos
acceptant: et dicit, quod quidam non recipiunt quod eis dicitur, nisi dicatur eis per modum mathematicum. Et hoc
quidem convenit propter consuetudinem his, qui in mathematicis sunt nutriti. Et quia consuetudo est similis
naturae, potest etiam hoc quibusdam contingere propter indispositionem: illis scilicet, qui sunt fortis imaginationis,
non habentes intellectum multum elevatum. Alli vero sunt, qui nihul volunt recipere nisi proponatur eis aliquod
exemplum sensibile, vel propter consuetudinem, vel propter dominium sensitivae virtutis in eis et debilitatem
intellectus. Quidam vero sunt qui nihil reputent esse dignum ut aliquid eis inducatur absque testimonio poetae, vel
alicuius auctoris. Et hoc eiam est vel propter consuetudinem, vel propter defectum iudicii, quia non possunt
diiudicare utrum ratio per certitudinem concludat; et ideo quasi non credentes suo iudicio requirunt iudicium
alicuius noti. Sunt etiam aliqui qui omnia volunt sibi dici per certitudinem, idest per diligentem inquisitionem
rationis. Et hoc contingit propter bonitatem intellectus iudicantis, et rationes inquirentis; dummodo non quaeratur
certitudo in his, in quibus certitudo esse non potest. Quidam vero sunt qui tristantur, si quid per certitudinem cum
diligenti discussione inquiratur. Quod quidem potest contigere dupliciter. Uno modo propter impotentiam
complectendi: habent enim debilem rationem, unde non sufficiunt ad considerandum ordinem complexionis
priorum et posterium. Alio modo propter micrologiam, idest parvorum ratiocinationem. Cuius simulitudo quaedam
est in certitudinali inquisitione, quae nihil indiscussum relinquit usque ad minima. Imaginntur autem quidam, quod
sicut in symbolis conviviorum non pertinet ad liberalitatem, quod debeant etiam minima computari in ratiocionio,
ita etiam sit quaedam importunitas et illiberalitas, si homo velit circa cpgmotopme, veritatos etiam minima
discutere”.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

próprias da natureza de cada indivíduo. Entre essas diferentes inteligências, dissemos, está essa
forma de inteligência prática que é a virtude da prudência. Deste modo, o tema das emoções
está colocado na mesma perspectiva na qual o Aquinate se interessou para tratar das paixões da
alma: a perspectiva moral. Ou a capacidade de compreender as emoções próprias e alheias se
ordena ao verdadeiro bem, e assim temos a prudência e suas partes, ou se ordena a outros fins,
e assim temos falsas formas de prudência (prudência da carne)73.
O tema da inteligência emocional é, de fato, um dos tantos temas onde a ética de
inspiração aristotélica teve seu reaparecimento no contexto da psicologia contemporânea. O
outro é a chamada “psicologia positiva”, que reintroduziu o conceito de virtude na discussão
psicológica74. A psicologia positiva, fundada pelo psicólogo americano Martin Seligman,
pretende ser uma nova área da psicologia, cujo objetivo seria “entender a emoção positiva,
aumentar as fortalezas e virtudes e oferecer caminhos para encontrar o que Aristóteles
denominou como ‘boa vida’”75. O centro de estudo desta nova linha da psicologia seria,
basicamente, a felicidade e a formação do caráter pelas virtudes, ou seja, o tema da ética
aristotélica, ainda que utilizando os métodos de investigação da psicologia moderna. Seligman
pretende empreender isso de uma maneira tão empírica, que não seja preciso recorrer a uma
teorização filosófica que defina o que é bom para o homem, aceitando a premissa de que toda
ciência autêntica deve ser puramente descritiva, sem realizar juízos de valor. É bastante
duvidoso que, por este caminho, seja possível distinguir a virtude do vício76. Seligman e sua
equipe recorrem a estudos interculturais para detectar aquelas qualidades humanas que seriam
consideradas positivas em todas as culturas, chamando-as de “virtudes oblíquas”. A listagem
final de virtudes seria a seguinte: sabedoria, justiça, fortaleza, temperança, espiritualidade e
amor; uma listagem que, salta à vista, está muito próxima às clássicas virtudes morais e
teologais. A emoção madura seria a que é modelada por estas virtudes77. Acreditamos que a

73
Cf. S. Th. II-II, q. 55, a. 1 e 2.
74
Cf. M. F. ECHAVARRÍA, Caráter, eudaimonía e libre arbitrio. Actualidad de la ética de la virtud en la
Psicología, em M. C. ORTIZ DE LANDÁZURI - C. GONZÁLEZ AYESTA, La filosofía hoy: En la academia e
en la vida, EUNSA, Pampona 2016, 223-239; K. KRISTJÁNSSON, Virtues and Vices in Positive Psychology: A
Philosophical Critique, CUP, Cambridge 2013.
75
Cf. M. E. P. SELIGMAN, Authentic Happiness: Using the New Positive Psychology to Realize Your Potential
for Lasting Fulfillment, Free Press, New York, NY 2002, trad. esp. La auténtica Felicidad, Vergara, Barcelona
2003, 11.
76
Cf. B. J. FOWERS, An Aristotelian Framework for the Human Good, “Journal of Theoretical and Philosophical
Psychology” 32 (2012) 1, 10-23.
77
C. PETERSON - M. E. P. SELIGMAN, Character strengths and virtues: A handbook and classification, OUP,
New York, NY 2004.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

contribuição de Seligman abre uma via para que os psicólogos recuperem uma imagem mais
integral da emoção madura e da personalidade amadurecida, ainda que isso não possa ser
realizado plenamente no campo puramente empírico. É necessário o recurso das instâncias
sapienciais do conhecimento, especialmente da filosofia e da teologia moral. Neste ponto,
cremos que uma releitura da II-II da Summa seria muito mais proveitosa para os psicólogos78.

Conclusões

A teoria das emoções é um dos âmbitos da psicologia contemporânea mais interessante.


Há muita investigação empírica, mas também muita elaboração teórica com conexões vitais
com a história da filosofia. De um ponto de vista conceitual, o enfoque da psicologia
contemporânea começou sendo profundamente dependente da visão cartesiana, mediada pelo
empirismo. Contudo, um enfoque tão central e inovador como a appraisal theory não teria
existido se não fosse pela influência direta e profunda da concepção tomista das paixões. Esta
influência possibilitou conceitualizar as emoções como movimentos tendenciais
psicossomáticos ativados por uma avaliação intuitiva ou “juízo sensorial”. Esta foi uma
aquisição que as teorias posteriores assimilaram, independentemente de suas diferenças de
orientação (como a evolucionista ou a construtivista). Estamos convencidos de que, assim como
no campo das emoções, teríamos uma grande surpresa a respeito da influência de Aristóteles e
Santo Tomás se indagássemos outros campos da psicologia. Um exemplo bastante conhecido é
o do conceito de “forma” da Psicologia da Gestalt, que proveio a estes autores mediante
Brentano.
Por outro lado, o contexto original do Tratado das paixões em Santo Tomás é o da
moral. Este aspecto moral reaparece, de certa forma, em algumas tendências contemporâneas
no estudo das emoções. Em primeiro lugar, porém negativamente, na psicanálise de Freud, que
vê a moral como essencialmente repressora e neurotizante. Depois, nas mais recentes teorias da
inteligência emocional e da psicologia positiva, onde, obscuramente, reaparece a noção de
virtude como fundamental para a regulação emocional e para a compreensão do que é uma
personalidade madura. Neste ponto, estamos convencidos de que uma releitura da segunda parte
da Summa, principalmente da II-II, proveria uma base sólida de “teologia da personalidade”

78
Para uma análise tomista da psicologia positiva, cf. C. S. TRRUS, Aquinas, Seligman, and Positive Psychology:
A Christian Approach to the Use of the Virtues in Psychology, “The Journal of Positive Psychology” 12 (2017),
447-458.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG
MARTÍN F. ECHAVARRÍA
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS DAS EMOÇÕES FRENTE A TOMÁS DE AQUINO
BONINO, S-T, MAZZOTA, G. Le emozioni secondo san Tommaso. Città del Vaticano: Urbaniana
University Press, 2019, pp. 47-81.

para poder enquadrar adequadamente os temas de investigação relativos à ação, ao caráter e às


virtudes da psicologia recente.

ESTUDOS.INSTITUTOSANTOATANASIO.ORG

Você também pode gostar