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ROBERTO RODRIGUES:

SINGULAR EXPRESSÃO DO MODERNISMO, ALUNO CONTESTADOR.

Flavio Mota de Lacerda Pessoa


UFRJ/EBA/PPGAV/doutorando.

Introdução
“A Escola de Belas Artes nas mãos de cretinos: os agiotas da arte nacional”1 brandia
a manchete de um artigo publicado em 1929, no matutino Crítica, um tablóide diário de oito
páginas que alcançou um sucesso tão estrondoso quanto breve 2, sob a tutela do jornalista
pernambucano Mário Rodrigues. Foi a primeira “escola profissional” do dramaturgo e
também jornalista Nelson Rodrigues, de seu irmão Mário Filho 3, mais conhecido jornalista
da imprensa esportiva, e também de seu outro irmão, o peculiar ilustrador Roberto
Rodrigues, autor do bombástico artigo em questão e então aluno da escola. Neste artigo,
seguido de outro com o mesmo teor, Roberto não hesitou em atacar nominalmente
professores e alunos da Belas Artes, numa época em que todo aspirante a artista plástico
sonhava ter seus trabalhos selecionados para o salão: “O Salão da Escola de Belas Artes é
uma arapuca: a polícia deve intervir”4. Fazia acusações graves que envolvia abusos, formas
de suborno mal disfarçadas e assédio sexual:
“ser membro do júri da exposição oficial é uma profissão leve como a
do gigolô. O sujeito pede dinheiro emprestado e não paga. Fuma
charutos e janta na casa dos artistas. Tem até direito de falar sobre
arte e fazer declarações de amor às expositoras.”5
E nomeou os “agiotas”. Eram professores com nome de peso no meio artístico e
acadêmico: Eliseu Visconti, Edgar Parreiras, Helios Seelinger. Suas acusações eram
claramente emocionais e partidárias, muitas delas explicitamente levianas. Eliseu Visconti,
por exemplo, tuberculoso, cuspia no chão, segundo ele, “no intuito de disseminar a doença
entre os alunos”. Na biografia de Nelson Rodrigues, Ruy Castro afirma que além de não ter
sido expulso da Belas Artes, Roberto recebera menções honrosas em dois salões. A direção
da escola temia o poder de seu pai. O episódio resume exemplarmente a linha editorial não
apenas de Crítica como da imprensa da época: empresas familiares, com forte envolvimento
político, onde a avidez pelo “furo jornalístico” e o escândalo perdia para a investigação mais
apurada dos fatos 6.
Se este perfil da Crítica era predominante na imprensa brasileira destes últimos
momentos da República Velha, é também bem possível que a família Rodrigues talvez
tenha sido a única a pagar com sangue pelo deplorável hábito de disseminar calúnias. Em
1929, um natal mórbido aguardava a família Rodrigues. Um tiro no ventre à queima-roupa
tiraria a vida do ilustrador de Crítica, em plena redação do jornal. A autora do disparo, a
jornalista Sylvia Serafim, ex-Thibau, respeitável dama da sociedade carioca e também
jornalista, era o assunto de capa na edição daquele dia. Entrava em juízo naquele 25 de
dezembro , um processo de desquite amigável entre a madame e o dr.João Thibau Jr. A
Caravana da Crítica assim noticiou:
“HÁ UMA GRANDE CURIOSIDADE PÚBLICA EM CONHECER OS MOTIVOS DA
SEPARAÇÃO DO CASAL THIBAU JR. Seria o conhecido radiologista doutor João de Abreu
o causador direto da dissolução do lar de seu ilustre colega?” A reportagem, exemplo
clássico de sensacionalismo, levantava a sugestão jocosa de uma relação extraconjugal

1
CASTRO, 1992, 76.
2
O sucesso de Crítica seria abreviado pelas mortes trágicas de Roberto, em 1929, e de seu pai Mário, no ano
seguinte. CASTRO, 1992, pp.82-110
3
Mário Filho, (1908-1966) editor do Jornal dos Sports, a quem é atribuído uma importância central no
desenvolvimento do esporte e da imprensa esportiva no Brasil. A partir de 1968, dois anos após sua
morte, o estádio Municipal, popularmente Maracanã, foi oficialmente batizado como seu nome,
4
CASTRO, 1992, 75.
5
Ibidem.
6
TEIXEIRA, 1966, pp.
entre a então madame Thibau e o doutor radiologista João de Abreu, amigo íntimo do casal.
Segundo o jornal, o suposto amante teria recomendado à senhora uma simples aplicação de
raio x nas pernas como solução para que ela se livrasse de “expressões capilares
pronunciadamente espessas”7. Inspirada em fontes de credibilidade duvidosa, a própria
matéria afirmava que a “Caravana da Crítica”, não podendo resistir à curiosidade quanto aos
rumores em torno do caso, havia ouvido testemunhas e “o rumorejar dos linguarudos.”, a
reportagem levantava a suspeita de que o médico já mantinha uma relação adúltera com a
jornalista, e que a “depilação” mal sucedida teria não apenas posto fim ao tórrido romance
como provocado o desquite da senhora com seu esposo.
A Madame já tinha comparecido pessoalmente na redação da Crítica, no dia
anterior, quando tentara em vão, uma última apelação para que desistissem de publicar a
reportagem, alegando ser o seu desquite de caráter estritamente pessoal e sem maiores
problemas, negando veementemente qualquer relação entre o procedimento médico
desastrado do dr. Abreu e o seu processo de desquite. Saíra de lá com uma promessa vazia
do próprio Roberto: “vamos ver o que se pode fazer.” Voltaria furiosa no dia seguinte ao
mesmo escritório situado à Rua do Carmo. Desta vez, havia passado antes numa loja de
armas “A espingarda mineira” e comprado um pequeno revólver “Gallant”, calibre 22, que
cabia na palma de sua mão. Estava decidida a honrar seu nome com o sangue de um
Rodrigues, fosse o Mario ou um de seus filhos. Sua bala matou os dois. Mario morreria de
desgosto, meses depois.

Figura 01 - Crítica, 25 de dezembro de 1929. (detalhe da primeira página).


O desenho de Roberto mostrava o dr. Abreu tocando a perna de Silvia Thibau.

Jamais ninguém relatou o dramático episódio da família Rodrigues com os requintes


de pormenores da saborosa narrativa de Ruy Castro, esmiuçando as causas e
consequências da tragédia aqui resumida. Sobre o brutal desfecho na biografia de Roberto
Rodrigues, o que nos interessa destacar aqui é a motivação do crime porque ela contribui
para compreendermos muito da personalidade do artista, do meio em que fora criado e, por
consequência, nos ajuda a compreender a sua obra, sua linha gráfica e suas motivações
temáticas, seu espírito peculiar e seu gosto mórbido que muito iria influenciar a visão de
mundo de seu irmão mais célebre, Nelson Rodrigues. Seus desenhos são repletos de
elementos trágicos, mórbidos, boêmios, erotizantes, cotidianos, nacionais. Embora Roberto
tenha tido a vida interrompida aos vinte e dois, quando Nelson tinha ainda 18, houve tempo
para uma modesta parceria. Uma crônica de um jovem Nelson ilustrada por Roberto sobre a

7
Crítica, 25 de dezembro de 1929, p.1
rotina melancólica de uma violinista de um café decadente. A temática unia os irmãos. A
experiência jornalística também.
Para uma análise crítica mais atenta aos aspectos gráficos e iconográficos de
Roberto, acredito que o texto do crítico Teixeira Coelho oferece uma contribuição
fundamental. Coelho traça uma leitura iconográfica da produção de Roberto, onde esboça
uma organização que identifica cerca de cinco eixos temáticos mais recorrentes, onde
veremos já representadas algumas das obsessões compartilhadas por seu irmão Nelson. O
ensaio foi publicado no catálogo da exposição “Roberto Rodrigues” realizada no A.S. Studio,
em São Paulo, entre 10 de novembro e 11 de dezembro de 1993.

Modernidade e imprensa
Julieta Sobral chama atenção para “a vivacidade e o prazer com que toda uma
geração de artistas cariocas mergulhou na pluralidade de experimentações propostas pela
modernidade dos anos 1920 8. Atribui esta ebulição cultural às transformações sociais e os
avanços gráficos tecnológicos do meio editorial. A imprensa foi o veículo pelo qual grandes
nomes da literatura e das artes gráficas contribuíram para disseminar e popularizar a
estética modernista. Ou seja, a arte impressa, que entra no século XX já consciente de sua
valoração artística, se estabelece como o principal canal de experimentação e disseminação
dos valores estéticos modernistas.
“Mais interessados em dialogar com a cidade do que em
teorizar sobre a modernidade artística,, não tiveram dificuldade em
encontrar um lugar para a arte no novo cenário urbano, criando uma
linguagem gráfica moderna e ao mesmo tempo popular. 9
Impressos em geral, jornais e revistas constituíam veículos estratégicos na
assimilação do processo modernizador. Proliferavam-se no decorrer das primeiras décadas
do século XX, atendendo a vários segmentos, gêneros e interesses e a estética modernista
estava presente tanto em seu conteúdo quanto em sua forma e em seus aspectos visuais,
no design editorial, bem como nas ilustrações. Entre tantos célebres periódicos que
marcaram forte presença na vida cotidiana da Belle Èpoque brasileira, a revista Paratodos
foi a que publicou os trabalhos mais significativos da obra de Roberto. Contava com uma
equipe de colaboradores que representava uma seleta nata das letras e das artes gráficas
do país: Álvaro Moreira, Henrique Pongetti, Guilherme de Almeida, Menotti del Piccia,
Augusto Frederico Schmidt, Manuel Bandeira e Alcântara Machado, Guevara e J.Carlos,
que assinava também o projeto gráfico do periódico, e o próprio Roberto Rodrigues.
Paratodos surgiu em 1918, como uma revista dedicada ao cinema e assim
permaneceu até o ano de 1926. Até então, prevalecia em suas páginas mais imagens
fotográficas do que desenhos. Trazia em suas capas, sempre a fotografia das estrelas dos
filmes em cartaz. A partir de 1926, com o surgimento no mercado da revista Cinearte, o
conteúdo da Paratodos se expandiu e passou a atender a múltiplas manifestações artísticas.
Além de teatro, música e cinema, publicava crônicas, poemas e contos ilustrados. Segundo
Sobral teria sido o “palco principal para o talento do J.Carlos designer”.10 Parece justo
afirmar que a revista foi também o palco principal do ilustrador Roberto Rodrigues.

8
SOBRAL IN: CARDOSO(org.).O design brasileiro antes do design. São Paulo: Cosac
Naify, 2005.
9
Ibidem, p.124
10
Ibidem, p.141.
Um artista de seu tempo
O aluno contestador da introdução é também um artista panfletário da estética em
que acredita. As críticas agudas que faz à direção da Escola de Belas Artes, carregada de
rancor e acusações levianas está também ancorada em sua visão crítica sobre a orientação
pedagógica e a preferência estética da Academia, que considerava medíocre. Os artistas
que ele acreditava serem realmente talentosos e dignos de presença nos salões eram
justamente os recusados pelo júri, apontado por ele como responsáveis pela mediocridade
reinante na escola.
A obra de Roberto permite diferentes possibilidades de classificações, mas a
princípio, dois grupos principais de desenhos podem ser mais claramente identificados
mesmo ao olhar mais leigo ou incauto. Havia a demanda diária para o matutino dirigido pelo
pai e havia aqueles que fazia para a sofisticada revista Paratodos, e ainda para a menos
conhecida Jazz, editada pelo próprio ilustrador em parceria com seu irmão, Milton; uma
experiência que durou poucos números. Comparando os desenhos para o jornal e para as
revistas, percebe-se de imediato que eram finalidades, conceitos e técnicas visivelmente
distintas. Para a Crítica, o objetivo era ilustrar a reportagem policial; transmitir ao leitor a
noção da cena do crime, que máquina fotográfica nenhuma havia registrado. Nada mais do
que uma representação gráfica do sensacionalismo habitual. Traço expressivo, sem dúvida,
ainda que menos apurado. O crítico Teixeira Coelho, no entanto, defende que desconsiderar
o valor desse conjunto de trabalhos seria um equívoco.”São desenhos pesadamente
expressionistas, brutalistas, murais de Orozco miniaturizados dotados da força narrativa
exigida pela finalidade a que se destinavam (...)” 11 O crítico exalta a representação do mal
que o artista não se preocupava em filtrar ou esteticizar.
Já nos trabalhos publicados nas revistas, salta aos olhos um tratamento gráfico de
maior força expressiva, uma composição visual elaborada com o devido tempo e cuidado,
além da exploração de temáticas mais literárias, de emoções mais profundas e menos
apelativas. Prevalecia uma estética de aparência gráfica próxima ao art decó, embora bem
menos geométrico que o traço de J.Carlos ou Belmonte. Analisando o caráter iconográfico
de seus trabalhos, observamos peculiaridades que os destaca de qualquer outro de sua
geração. Não vemos em sua obra qualquer referência à exaltação policrômica recorrentes
no modernismo nacional. Diferente de outros ilustradores de seu tempo, o contraste do preto
e branco predomina em seus trabalhos. Roberto muitas vezes lança mão de grandes áreas
completamente negras, seja no fundo de suas cenas, no céu ou nas ruas. Ou ao contrário,
carrega de nanquim as vestimentas dos personagens principais. Ternos e vestidos negros,
muitas vezes representando o luto, são usados para contrastar com linhas e hachuras. Seus
motivos são geralmente urbanos: regiões boêmias das cidades, festas da elite, cafés
decadentes. Outros modernistas como J. Carlos ou Di Cavalcanti também exploraram o
meio urbano, mas sob perspectivas mais vivas, alegres e positivas. No imaginário de
Roberto, predominam figuras lúgubres, deprimidas. Nem mesmo os ambientes festivos são
representados com leveza. Roberto parecia querer debochar da alegria forçada da elite
moralista, decadente e melancólica. O já mencionado crítico Teixeira Coelho estabelece
uma classificação onde distingue na obra de Roberto diferentes grupos de desenhos, de
acordo com as temáticas abordadas, das quais destacamos três: a série negra, onde o
ilustrador enfatiza a presença da morte e a dor da ausência; a série erótica, que oscila entre
o idílico e o orgiástico, mas também é usado para profanar, desafiar ou contestar as normas

11
COELHO, Teixeira. “Uma gramática do momento”. In: Catálogo exposição “Roberto Rodrigues
(1906-1929)”. São Paulo: AS Studio, 1993, p.20.
reinantes; e a terceira, que Coelho define mais simplesmente como clima genérico, prefiro
situar como representações do cotidiano, e a vida na metrópole moderna. De todo modo,
essas classificações não passam de um difícil exercício de análise, de fronteiras muito mal
definidas.

Figura 02 - O Último Romântico, ilustração publicada


na revista Paratodos, em 1928, ilustrando texto de Henrique Pongetti.
Catálogo da exposição Roberto Rodrigues, fig.6, p.15 12.

Carregada de melancolia, “O último romântico”, inspirada em Henrique Pongetti é


certamente uma das ilustrações mais icônicas de Roberto. Grandes massas escuras
contrastam com as linhas leves e a claridade dos demais momentos da cena. A expressão
corporal e facial do personagem exala sua dor. O corpo jogado sobre um caixão anônimo,
as mãos descansam sobre as pernas parecem ligeiramente ocupadas em despetalar uma
flor. Seus olhos tristes fixam o caixão à sua frente, que imaginamos ser de sua finada
esposa.Parece alheio a tudo mais a sua volta. Os cabelos esvoaçantes sugerem uma forte
ventania, que aumenta a dramaticidade da cena.

12
Catálogo exposição “Roberto Rodrigues (1906-1929)”. São Paulo: AS Studio, 1993, p.20.
Figura 03 -Senhorita sempre a mesma no amor de todo ano,
parte de uma série de ilustrações publicadas na revista Paratodos, em 1929.
Catálogo da exposição Roberto Rodrigues,detalhe da fig.7, p.17 13.

Já a série intitulada “Senhorita sempre a mesma no amor de todo ano” nos remeterá
ao universo dramático do irmão dramaturgo. Tal como as personagens mais provocantes de
Nelson, seja em “A dama do lotação” ou “Engraçadinha”, a personagem feminina
provocante, insaciável e poligâmica aparece nesta breve narrativa visual. Na imagem de
dezembro, o champagne e os trajes brancos sugerem uma festa de reveillon. A senhorita,
de cócoras, se agacha ao rés do chão, pernas afastadas e a saia arqueada deixando a
mostra sua peça de roupa mais íntima. Num descuido, deixa expor um mamilo. Atrás dela,
um homem está agachado praticamente na mesma pose, quase sugerindo um encaixe
promíscuo. No chão, confetes e serpentinas lembram a liberalidade momesca. Ao fundo,
vemos sentada à janela, uma perna feminina, minimamente coberta pelo vestido que cai em
direção à cintura. Pelas imagens de fundo, o clima é de fim de festa, ignorado pela
personagem principal da série.

13
Catálogo exposição “Roberto Rodrigues (1906-1929)”. São Paulo: AS Studio, 1993, p.20.
Figura 04 “Elle não toma cocaína, mas dá o pó às pequenas”
Catálogo da exposição Roberto Rodrigues, fig.10, p.25 14.

Na ilustração “O homem insaciável e suas três fêmeas”, de acordo com Coelho, um


tema recorrente em Roberto, a sensualidade adquire um apelo mais cafajeste. Roberto a
dedica a Gondin da Fonseca, o que nos leva a supor ser um retrato do homenageado.
Dominada por uma composição “decó orientalista” como define Coelho, ele está à vontade
na varanda de sua casa, vestido com uma casaca sob o torso nu. Está acompanhado de
três mulheres também à vontade. A seu lado, uma delas recosta-se sobre ele. As demais,
acomodadas no chão. Na legenda da ilustração, Roberto esclarece: “ Ele não toma cocaína,
mas dá o pó às pequenas.” Testemunhando esta cena um tanto ousada, Roberto escolhe
como cenário nada mais do que um convento. À frente do portão, nota-se a presença de
duas freiras que olham na direção do grupo. Este confronto não nos parece casual. A ideia é
contrastar a devassidão com a moral cristã. Moral que interessa a uma elite dominante
quando serve, à luz da sociedade, de alicerce a manutenção das hierarquias e convenções
sociais, mas que é negligenciada nas intimidades das festas restritas, em que esta mesma
sociedade esquece as etiquetas e formalidades em prol de vícios e prazeres inconfessáveis.
Se Roberto e Nelson deram asas às mesmas obsessões, talvez encontrem a origem delas
no berço da família de jornalistas, na reportagem policial da década de 1920, do crime
passional que coletavam e absorviam cotidianamente.

Notas conclusivas
Por este aspecto, sobressai a importância crucial de se dedicar a devida
consideração ao contexto cultural que envolve a produção das imagens que escolhemos
pesquisar. Toda imagem pressupõe a transmissão de uma informação, uma opinião, uma
ideia que pode reforçar ou contrapor discursos dominantes, seja por seu conteúdo, seja por
meio de estabelecer novas ordens estéticas. observamos que a obra de Roberto Rodrigues
por um lado confronta aberta e diretamente a valoração estética acadêmica da Escola de
Belas Artes e ao mesmo tempo, procurava expor as feridas e a hipocrisia de uma elite
moralista e devassa. Por outro lado, por mais anacrônica que pareça uma acusação de
machismo a uma mente da década de 1920, não podemos deixar de observar que sua
condução no caso da Madame Thibau, e dos artigos contra a Escola de Bela Artes também

14
Catálogo exposição “Roberto Rodrigues (1906-1929)”. São Paulo: AS Studio, 1993, p.20.
reforçava os valores retrógrados de uma imprensa que abusava de um poder das formas
mais escusas e imorais, e reforçava os valores machistas de uma sociedade falocrata,
patriarcal interessada em restringir ao máximo, o espaço e o papel feminino na vida social e
pública. Roberto defendia e exaltava a estética modernista de seus colegas, mas não
parecia tão engajado na busca consciente pela brasilidade, que os modernistas,
paradoxalmente, foram buscar no modernismo internacional15. A brasilidade de Roberto, se
existe, é espontânea, como o próprio se declarava. Seus temas o envolviam, era sua vida
cotidiana.

Referências Bibliográficas:
CARDOSO, Rafael. The Brazilianness of Brazilian Art. In: Third Text. 26:1. 2012. pp. 17-28
CASTRO, Ruy. O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues. São Paulo: Companhia
das letras, 1992,
COELHO, Teixeira. “Uma gramática do momento”. In: Catálogo exposição “Roberto
Rodrigues (1906-1929)”. São Paulo: AS Studio, 1993, p.20.
PESSOA, Flavio. O trágico ilustrador. Revista Designe, Rio de Janeiro, número 2, ano 2,
pp.67-74, 2000.
SOBRAL, Julieta. in: CARDOSO(org.).”O design brasileiro antes do design”. São Paulo:
Cosac Naify, 2005.
TEIXEIRA, Nelson W. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1966.

15
CARDOSO, Rafael. The Brazilianness of Brazilian Art. In: Third Text. 26:1. 2012. pp. 17-28.

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