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Parashat Vaieshev – A Prisão de Iossef: Ele era Escravo ou Prisioneiro?

Na narrativa da Torá a personagem Iossef, foi vendido a dois grupos


diferentes (midianitas e ishmaelitas). Parece que ele foi comprado por duas
pessoas diferentes (Potifar, capitão da guarda e, um homem egípcio sem
nome). Estas constatações levam a duas histórias distintas, cada uma das
quais, coloca Iossef em uma posição diferente, quando ele encontra o
Copeiro e o Padeiro chefe.

Mas, afinal quem comprou Iossef?

O problema da história da venda dupla de Iossef é bem conhecido, bem


como a solução acadêmica.

[veja Baruch Schwartz, "How the Compiler of the Pentateuch Worked: The
Composition of Genesis 37,", no The Book of Genesis: Composition,
Reception, and Interpretation (eds. Craig A. Evans, Joel N. Lohr e David
L. Petersen ; Leiden: Brill, 2007), páginas 263 a 278, e Joel S. Baden, The
Composition of the Pentateuch: Renewing the Documentary Hypothesis
(New Haven: Yale University Press, 2012), capítulos 1 a 12, 34, 44.]

Neste artigo, o Rabino Zev Farber procura desvendar um problema que


ocorre mais adiante na história, começando com a questão da identidade
do tal “homem egípcio” que comprou Iossef.

Vendido por midianitas, a Potifar (versão E)


Numa versão da história do desaparecimento de Iossef, Reuven convence
seus irmãos a não assassinarem ele. Em vez disso, apenas a jogá-lo num
poço. Enquanto os irmãos se sentaram para comer, um grupo de midianitas
encontra Iossef e o remove do poço. Eles então, levam Iossef ao Egito e o
vendem para alguém chamado Potifar, capitão da guarda:

‫ֹוטיפַ ר֙ ְס ִ ֣ריס ּפַ ְרעֹ֔ ה ַ ׂ֖שר הַ ּטַ ּבָ ִ ֽחים‬


ִ ֽ‫ל־מצְ ָ ֑ריִם ְלפ‬
ִ ֶ‫וְהַ֨ ְּמ ָד ֔ ִנים ָמכְ ֥רּו אֹ ֖תֹו א‬

E os [midianitas] o venderam no Egito a Potifar, um dos oficiais do faraó,


o capitão da guarda.

[Note que, o texto massorético diz que, os que venderam eram os


“Medanitas”. Porém, isto é visto pelos acadêmicos, como um erro do
escriba, dado que tanto “Midianitas” e “Medanitas” são termos escritos do
mesmo modo e, os dois grupos são relacionados. A Septuaginta e a Torá
Samaritana, trazem “Midianita”]

Esta versão é geralmente identificada como parte do texto da tradição E.

Vendido pelos ishmaelitas para “um homem egípcio” (versão da tradição J)

Na outra versão do desaparecimento de Iossef, os irmãos pegam Iossef e


arrancam sua túnica. Quando viram um bando de ishmaelitas passando,
Iehudá convence seus irmãos a não matarem Iossef, mas a vendê-lo aos
ishmaelitas. Eles concordam, e os ishmaelitas levam Iossef ao Egito e o
vendem lá a Potifar, novamente identificado, como o capitão da guarda,
embora aqui ele também seja chamado de "um homem egípcio".

֙‫ּפֹוטיפַ ֩ר ְס ִ ֨ריס ּפַ ְרעֹ֜ ה ַ ׂ֤שר הַ ּטַ ּבָ ִחים֙ ִ ֣איׁש ִמצְ ִ ֔רי ִמּיַד‬
ִ ‫הּורד ִמצְ ָ ֑רי ְָמה וַּיִ ְק ֵ֡נהּו‬
֣ ַ ‫ְיֹוסף‬ֵ֖ ‫ו‬
‫הֹור ֻד֖הּו ָ ֽׁש ָּמה‬
ִ ‫אלים אֲ ֶ ׁ֥שר‬ ִ ֔ ֵ‫הַ ּיִ ְׁש ְמע‬:

Iossef foi levado ao Egito, e Potifar - oficial de Faraó, capitão da guarda -


um homem egípcio, o comprou dos ishmaelitas que o levaram para lá.
Essa versão da venda e o que se segue é geralmente identificada como a
história da tradição J.

Potifar ou um homem egípcio?

Como já observado pelos comentaristas tradicionais, o verso 39: 1 refere-


se ao homem que comprou Iossef como, "Potifar, um oficial do Faraó, o
capitão dos guardas, um egípcio". Este modo de se expressar e se referir a
ele é estranho, muito extenso. Especialmente após 37: 36. E
particularmente estranha é o complemento de que, ele era "um homem
egípcio". Ora, eles estavam indo ao Egito! Nós esperaríamos algo mais de
um oficial do faraó e de um capitão da guarda real?

Explicações tradicionais‍

O Midrash Agadá interpretou o termo ‫< מצרי‬mitzrí> (egípcio) como uma


alusão a ser “esperto (‫< )ערום‬Arum>”, evitando assim o problema da
superfluidade.

[‫מדרש אגדה (בובר) בראשית פרשת וישב פרק לט סימן א‬


‫ גבר ערום‬.‫]…איש מצרי‬

Já o rabino Samson Raphael Hirsch (1808-1888) interpretou o termo


literalmente, mas sugeriu que ele serviria, tanto para lembrar ao leitor o
contraste entre os “covardes” egípcios e o piedoso Iossef, quanto para
enfatizar o quão impressionante era, o escravo estrangeiro Iossef, para que
tenha recebido uma promoção, em uma terra estrangeira.

[‫רש”ר הירש בראשית פרשת וישב פרק לט פסוק א‬


(‫ אם כי דבר זה מובן מאליו )א‬,‫כמה פעמים הוא מדגיש כי פוטיפר היה איש מצרי‬
‫ ואולם מכירים אנחנו את הניגוד שהיה‬.‫ביחס לפקיד בחצר המלכותית במצרים‬
‫ מכירים בייחוד את הגאוה בהתיחסו אל‬.‫קיים בין המצרים לבין כל שאר האומות‬
‫ ניגוד גדול עוד יותר היה קיים בין המוסר ואורח החיים של המצרי‬.‫שבטי נוודים‬
‫ המלה “מצרי” מדגישה את הניגוד‬.‫ כפי שהוא נקרא להלן‬,”‫לבין “הנער העברי‬
‫הזה ומבהירה את הנסיונות שהנער עמד בהם כדי לשמור על טהרתו בתוך בית‬
‫ מלה זו גם רומזת על הכשרון‬.‫ – עד שה’ זיכהו בקרבתו‬,‫מצרי אצל אדון מצרי‬
‫ שנקנה מידי‬,‫ זה הנער העבד בן שבט הנוודים האסיאטי‬,‫ושאר הרוח של יוסף‬
‫ הפקיד‬,‫ ושעלתה בידו לשאת חן בעיני פוטיפר‬,‫סוחרים נוודים אסיאטיים‬
‫ שנוסף על כך עוד היה – מצרי‬,‫המלכותי‬.]

O Comentário Acadêmico

Os dois comentaristas tradicionais denotam perceber que a expressão, "um


homem egípcio" está mesmo fora de lugar, e imaginam que tal termo
funciona como um comentário extra, sobre "Potifar, um oficial do faraó, e
capitão dos guardas".

É mais plausível, porém, que no texto original da tradição J, os ishmaelitas


tivessem vendido Iossef a um egípcio sem nome, que o emprega, fica
impressionado por algo e promove Iossef ao administrador de sua casa.

Com tal versão da história, um redator posterior trabalhando com a versão


combinada das tradições sobre Iossef, adicionou a frase: “Potifar, um
oficial do Faraó, capitão da guarda” ao verso, para fazer as duas tradições
sobre a venda - a dos midianitas de uma versão, e a dos ishmaelitas de
outra versão – parecerem que eram uma só. A conexão realizada pela
edição fica assim:

‫הּורד ִמצְ ָ ֑רי ְָמה וַּיִ ְק ֵ֡נהּו‬


֣ ַ ‫ְיֹוסף‬
ֵ֖ ‫ו‬

Agora, Iossef foi levado ao Egito, e

֙‫ּפֹוטיפַ ֩ר ְס ִ ֨ריס ּפַ ְרעֹ֜ ה ַ ׂ֤שר הַ ּטַ ּבָ ִחים‬


ִ

Potifar, oficial do faraó, capitão da guarda,


‫הֹור ֻד֖הּו ָ ֽׁש ָּמה‬
ִ ‫אלים אֲ ֶ ׁ֥שר‬
ִ ֔ ֵ‫ִ ֣איׁש ִמצְ ִ ֔רי ִמּיַד֙ הַ ּיִ ְׁש ְמע‬

um egípcio, o comprou dos ishmaelitas que o trouxeram para lá.

[Joel Baden também observa essa frase como uma inserção redacional, um
daqueles casos, nos quais "o redator inseriu uma palavra ou frase, numa
fonte tradicional, para “corrigir” uma inconsistência flagrante de outra".
Veja Joel S. Baden, The Composition of the Pentateuch: Renewing the
Documentary Hypothesis (New Haven: Yale University Press, 2012), cap.
6, loc. 4683 (versão Kindle)]

O Mestre Egípcio sem nome de Iossef (História da tradição J) ‍

O fato de o nome Potifar ser um comentário redacional de 39: 1 é


substanciado pela evidência de que, no restante do capítulo, o homem é
sempre citado sem nome, seja como “um egípcio” ou “o mestre dele (de
Iossef).”

:‫הֹור ֻד֖הּו ָ ֽׁש ָּמה‬ִ ‫אלים אֲ ֶ ׁ֥שר‬ ִ ֔ ֵ‫הּורד ִמצְ ָ ֑רי ְָמה וַּיִ ְק ֵ֡נהּו… ִ ֣איׁש ִמצְ ִ ֔רי ִמּיַד֙ הַ ּיִ ְׁש ְמע‬ ֣ ַ ‫ְיֹוסף‬ֵ֖ ‫ו‬
‫גוַּיַ ְ֣רא אֲ ֹד ָ֔ניו‬:‫ לט‬:‫הֹ וָה֙ אֶ ת יֹוסֵ֔ ף ַוי ִ ְ֖הי ִ ֣איׁש ַמצְ ִ ֑ליחַ ַוי ֕ ְִהי ְּב ֵ ֥בית אֲ דֹנָ ֖יו הַ ִּמצְ ִ ֽרי‬-ְ‫ב ַוי ִ ְ֤הי י‬:‫לט‬
‫יֹוסף ֵ ֛חן ְּבעֵ ינָ ֖יו‬
֥ ֵ ‫דוַּיִ ְמצָ֨ א‬:‫לט‬:‫הֹ וָ ֖ה ַמצְ ִ ֥ליחַ ְּבי ָֽדֹו‬-ְ‫הֹ וָ ֖ה ִאּת֑ ֹו ְו ֹכ ֙ל אֲ ֶׁשר ה֣ ּוא עֹ ֶׂ֔שה י‬-ְ‫ִ ּ֥כי י‬
‫יתֹו‬
֗ ֵ‫ה ַוי ֡ ְִהי ֵמאָ ֩ז ִה ְפ ִ֨קיד אֹ ֜תֹו ְּבב‬:‫לט‬:‫יתֹו ְוכָל יֶׁש ל֖ ֹו נ ַ ָ֥תן ְּבי ָֽדֹו‬ ֔ ֵ‫ְׁש ֶרת אֹ ֑תֹו ַוּי ְַפ ִק ֵ ֙דהּו֙ עַ ל ּב‬ ֣ ָ ‫ַוי‬
‫יֹוסף‬
֑ ֵ ‫הֹ וָ ֛ה אֶ ת־ ֵ ּ֥בית הַ ִּמצְ ִ ֖רי ִּבגְ ַל֣ל‬-ְ‫וְעַ ֙ל ּכָל אֲ ֶ ׁ֣שר יֶׁש ֔לֹו ַוי ָ ְ֧ב ֶרְך י‬

Agora, Iossef foi levado ao Egito, e ... um egípcio o comprou dos


ishmaelitas que o trouxeram para lá. HaShem estava com Iossef, e ele se
tornou um homem de sucesso; ele estava na casa de seu mestre egípcio.

Seu mestre viu que HaShem estava com ele, e que HaShem fazia tudo
prosperar em suas mãos.
Iossef, por isso, achou graça aos seus olhos e o satisfez; ele o fez
superintendente de sua casa e o colocou no comando de tudo o que tinha.
Desde o momento em que o fez superintendente em sua casa e sobre tudo
o que tinha, HaShem abençoou a casa do egípcio por causa de Iossef.
Bereshit 39: 1 - 5

O mesmo vale para todas as menções à esposa do mestre, que - como


Baruch Schwartz (Hebrew University of Jerusalem) observou com
maestria, numa palestra a Sociedade de Literatura Bíblica - nunca foi
chamada, de fato de "esposa de Potifar" na Bíblia Hebraica.

Iossef preso por seu mestre e entregue ao principal encarcerador (História


da Tradição J)

Graças à assistência do HaShem, Iossef foi extremamente bem-sucedido


na casa de seu mestre. Mas as coisas pioram depois que Iossef recusa os
avanços da esposa de seu mestre, e se vê acusado de agressão sexual.

‫סּורים‬ ֑ ִ ֲ‫ירי] הַ ֶ ּ֖מלֶ ְך א‬ ֥ ֵ ‫וַּיִ ַּקח֩ אֲ ֹד ֵ֨ני יֹוסֵ֜ ף אֹ ֗תֹו וַּֽיִ ְּת ֵ֙נהּו֙ אֶ ל ֵ ּ֣בית הַ ּסֹ֔ הַ ר ְמ ֕קֹום אֲ ֶׁשר [אֲ ִס‬
‫הֹ וָה֙ אֶ ת יֹוסֵ֔ ף וַּיֵ ֥ט אֵ ָל֖יו ָ ֑חסֶ ד וַּיִ ֵ ּ֣תן ִחּנ֔ ֹו ְּבעֵ ינֵ ֖י ַ ׂ֥שר‬-ְ‫כא ַוי ִ ְ֤הי י‬:‫ לט‬:‫וַֽ י ְִהי ָ ׁ֖שם ְּב ֵ ֥בית הַ ּֽסֹ הַ ר‬
‫ירם אֲ ֶ ׁ֖שר ְּב ֵ ֣בית‬ ֔ ִ ‫כבוַּיִ ֵּ֞תן ַ ׂ֤שר ּבֵ ית הַ ּסֹ֙ הַ ר֙ ְּביַד יֹוסֵ֔ ף אֵ֚ ת ּכָל ָ ֣האֲ ִס‬:‫ לט‬:‫ּבֵ ית הַ ּֽסֹ הַ ר‬
‫כגאין׀ ַ ׂ֣שר ּבֵ ית הַ ּסֹ֗ הַ ר ר ֶ ֹ֤אה ֶ ֽאת‬:‫לט‬:‫ה‬ ֵ֣ ‫הַ ּ֑סֹ הַ ר וְאֵ֨ ת ּכָל אֲ ֶ ׁ֤שר עֹ ִׂשים֙ ָׁ֔שם ה֖ ּוא הָ יָ ֥ה עֹ ֶ ֽׂש‬
ַ‫הֹ וָ ֥ה ַמצְ ִ ֽליח‬-ְ‫הֹ וָ ֖ה ִאּת֑ ֹו ַוֽאֲ ֶׁשר ה֥ ּוא עֹ ֶ ׂ֖שה י‬-ְ‫ּומה֙ ְּבי ָ֔דֹו ּבַ אֲ ֶ ׁ֥שר י‬
ָ ֙‫ּכָל ְמא‬

E o mestre de Iossef o levou e o colocou na prisão, o lugar onde os


prisioneiros do rei estavam confinados; ele ficou lá na prisão. Mas
HaShem estava com Iossef e mostrou-lhe amor inabalável; ele deu-lhe
favor aos olhos do carcereiro-chefe. O principal carcereiro deixou Iossef
cuidar de todos os prisioneiros, e o que foi feito lá, foi ele quem fez. O
principal carcereiro nem prestava atenção a nada que estivesse sob os
cuidados de Iossef, porque HaShem estava com ele; e o que quer que ele
fizesse, HaShem fazia prosperar.

Bereshit 39: 20 – 23
Aparentemente aceitando a alegação de sua esposa como verdadeira, o
mestre de Iossef prendeu Iossef, colocando-o em uma prisão controlada
por um carcereiro principal (não, pelo mestre de Iossef). Quando Iossef
sobe a escada da prisão (cuja descrição indica ser como um calabouço ou
poço), do mesmo modo que com seu mestre anterior, ele encontra favor
aos olhos do carcereiro-chefe, que o promove e deixa responsável pelo
“funcionamento” da prisão.

A continuação da história de Potifar (História da tradição E): Iossef era


apenas um escravo

A continuação da história na tradição E, apresenta Potifar no capítulo 40:


[É assim que Richard Elliot Friedman divide também, o texto na sua obra,
The Bible with Sources Revealed (São Francisco: Harper Collins, 2003),
ad loc.]

֙‫א ַוי ֗ ְִהי אַ חַ ר‬:‫ מ‬//:‫ֹוטיפַ ר֙ ְס ִ ֣ריס ּפַ ְרעֹ֔ ה ַ ׂ֖שר הַ ּטַ ּבָ ִ ֽחים‬ ִ ֽ‫וְהַ֨ ְּמ ָד ֔ ִנים ָמכְ ֥רּו אֹ ֖תֹו אֶ ל ִמצְ ָ ֑ריִם ְלפ‬
:‫ מ‬:‫ֵיהם ְל ֶ ֥מלֶ ְך ִמצְ ָ ֽריִם‬ ֖ ֶ ‫הַ ְּדבָ ִ ֣רים הָ אֵ֔ ּלֶ ה ָ ֥ח ְט ֛אּו ַמ ְׁש ֵ ֥קה ֶ ֽמלֶ ְך ִמצְ ַ ֖ריִם וְהָ אֹ ֶ ֑פה לַ אֲ ֹדנ‬
‫גוַּיִ ֨ ֵּתן אֹ ֜ ָתם‬:‫ מ‬:‫אֹופים‬
ֽ ִ ָ‫יסיו עַ֚ ל ַ ׂ֣שר הַ ַּמ ְׁש ִ֔קים ו ַ ְ֖על ַ ׂ֥שר ה‬ ֑ ָ ‫בוַּיִ ְק ֹ֣צף ּפַ ְרעֹ֔ ה ַ ֖על ְׁשנֵ ֣י סָ ִר‬
‫ד ֠ ַוּיִ ְפקֹ ד‬:‫ מ‬:‫יֹוסף אָ ֥סּור ָ ֽׁשם‬ ֖ ֵ ‫ְּב ִמ ְׁש ֗ ַמר ֵ ּ֛בית ַ ׂ֥שר הַ ּטַ ּבָ ִ ֖חים אֶ ל ֵ ּ֣בית הַ ּ֑סֹ הַ ר ְמ ֕קֹום אֲ ֶ ׁ֥שר‬
‫ְׁש ֶרת אֹ ָ ֑תם וַּיִ ְ ֥היּו י ִ ָ֖מים ְּב ִמ ְׁש ָ ֽמר‬
֣ ָ ‫יֹוסף ִא ָ ּ֖תם ַוי‬֛ ֵ ‫ַ ׂ֣שר הַ ּטַ ּבָ ִ ֧חים אֶ ת‬

E os midianitas o venderam no Egito a Potifar, um dos oficiais do faraó, o


capitão da guarda. Algum tempo depois, o copeiro do rei do Egito e seu
padeiro ofenderam seu senhor, o rei do Egito. Faraó ficou irado com seus
dois oficiais, o copeiro e o padeiro-chefe, e os colocou sob custódia na
casa do capitão da guarda, na prisão, no lugar onde Iossef estava
confinado. O capitão da guarda encarregou Iossef deles, e ele esperou
neles; e eles continuaram por algum tempo sob custódia.

Bereshit 37: 36; 40: 1 - 4


Aqui Iossef estava na casa do capitão da guarda novamente. E, no entanto,
os detalhes neste parágrafo são difíceis de corroboram:

Custódia ou Prisão? - Os dois homens foram colocados em “custódia


(<Mishmar> ‫ ”)משמר‬na casa do capitão da guarda, ou na “prisão (<Sahar>
‫ ”)סהר‬onde Iossef estava trancado?

[Note a diferença! Cada um destes termos, está relacionado a uma duração


do tempo. O termo que menciona custódia, é uma situação temporária,
enquanto o rei decide o que deve ser feito com os prisioneiros. Já a prisão,
especialmente aquela que tem um "carcereiro chefe", implicava uma
permanência mais longa, uma sentença recebida. No primeiro caso, existia
até no antigo Israel e Iehudá (ver Melahim Alef 2:27, Irmiahu 37: 15).
Este último caso, por outro lado, não existia no antigo Israel, mas poderia
ter existido no antigo Egito. Não obstante a isso, os textos egípcios
poderiam apenas descrever situações de trabalho forçado a longo prazo,
como punição. Veja a discussão na obra de Richard Elliott Friedman e
Shawna Dolansky, The Bible Now (Oxford: Oxford University Press,
2011), páginas 140 a 142.]

Ausência do Carcereiro Chefe - O capitão da guarda coloca Iossef no


comando dos homens. Mas, se os homens estão na prisão, o principal
carcereiro não deveria estar encarregado deles? (como ele é responsável
por Iossef, tal qual indicado no final do capítulo 39)?

Duas aberturas – O começo da história é estranha e parece conter uma


duplicação. Note que no verso 1, temos o termo copeiro (‫משקה‬
<mishkeh>) e padeiro (‫< אופה‬ofeh>) - a palavra “chefe (‫< שר‬sár>)” não
aparece – então, menciona-se o termo, pecado (‫< חטאו‬hatôh>) contra “o
rei do Egito (‫< מלך מצרים‬méleh Mitzraim>)”.
Então, no verso 2, somos informados de que o faraó ficou, na verdade
irado (‫< קצף‬katzaf>) com seus dois eunucos (‫< סריסיו‬sarissav>), com o
copeiro-chefe (‫< שר המשקים‬sar HaMashkim>) e com o padeiro-chefe (‫שר‬
‫< האופים‬sar HaOfim>).
A sugestão de Ibn Ezra‍

Para tentar resolver estas inconsistências, Ibn Ezra (ao comentar 40: 4)
sugere que, a prisão estava dentro da casa do capitão da guarda, e que
Potifar - capitão da guarda - teria controle direto, sobre os acontecimentos
nessa prisão.

[‫ ושם היה יוסף‬,‫]ולפי דעתי שבית הסהר היה בבית שר הטבחים‬

Em primeiro lugar, essa sugestão, parece ir contra a leitura simples dos


versos no capítulo 39, que implicam que a prisão estava sob o comando de
outra pessoa.
Em segundo lugar, ela contradiz o sentido simples dos versos iniciais do
capítulo 40, que implicam que Potifar - o capitão da guarda - teria controle
direto sobre onde Iossef estava, e parecia desconhecer o tal carcereiro
chefe.
E por último, este comentário não explica a duplicação dos textos iniciais.

Por que a história dos sonhos do padeiro e do copeiro é complicada?

Esses três problemas indicam a possibilidade de o texto conter mais de


uma versão da história.

‫ֵיהם ְל ֶ ֥מלֶ ְך‬


֖ ֶ ‫ְך־מצְ ַ ֖ריִם וְהָ אֹ ֶ ֑פה לַ אֲ ֹדנ‬
ִ ֶ‫ַוי ֗ ְִהי אַ חַ ר֙ הַ ְּדבָ ִ ֣רים הָ אֵ֔ ּלֶ ה ָ ֥ח ְט ֛אּו ַמ ְׁש ֵ ֥קה ֶ ֽמל‬
‫ִמצְ ָ ֽריִם‬

Algum tempo depois, o copeiro do rei do Egito e seu padeiro ofenderam


seu senhor, o rei do Egito.
‫גוַּיִ ֨ ֵּתן אֹ ֜ ָתם‬:‫ מ‬:‫אֹופים‬
ֽ ִ ָ‫יסיו עַ֚ ל ַ ׂ֣שר הַ ַּמ ְׁש ִ֔קים ו ַ ְ֖על ַ ׂ֥שר ה‬
֑ ָ ‫וַּיִ ְק ֹ֣צף ּפַ ְרעֹ֔ ה ַ ֖על ְׁשנֵ ֣י סָ ִר‬
‫ְּב ִמ ְׁש ֗ ַמר ֵ ּ֛בית ַ ׂ֥שר הַ ּטַ ּבָ ִ ֖חים‬

Faraó ficou irado com seus dois oficiais, o copeiro e o padeiro-chefe, 4 e


os colocou sob custódia na casa do capitão da guarda,

‫יֹוסף אָ ֥סּור ָ ֽׁשם‬


֖ ֵ ‫ל־ּבית הַ ּ֑סֹ הַ ר ְמ ֕קֹום אֲ ֶ ׁ֥שר‬
֣ ֵ ֶ‫א‬

na prisão, o lugar onde Iossef estava confinado.

‫ְׁש ֶרת אֹ ָ ֑תם וַּיִ ְ ֥היּו י ִ ָ֖מים ְּב ִמ ְׁש ָ ֽמר‬


֣ ָ ‫ת־יֹוסף ִא ָ ּ֖תם ַוי‬
ֵ֛ ֶ‫֠ ַוּיִ ְפקֹ ד ַ ׂ֣שר הַ ּטַ ּבָ ִ ֧חים א‬

O capitão da guarda encarregou Iossef deles, e esperou por ele; e eles


continuaram por algum tempo sob custódia.

Bereshit 40: 1 – 4

Na versão inicial o copeiro (‫< משקה‬mashkeh>) e o padeiro (‫< אופה‬ofeh>)


pecaram contra o rei do Egito ( <méleh mitzraim> ‫)מלך מצרים‬, que os
envia para a prisão, onde encontram Iossef, que também era cativo.
Esta é a história da tradição J, cuja continuação do relato parece ter sido
perdida, até depois da nomeação de Iossef como vizir.

[Richard Elliott Friedman, por exemplo, retoma a história da tradição J


com a aparição dos irmãos no Egito no capítulo 42. Como Iossef saiu da
prisão e assumiu uma posição de poder no Egito na narrativa da tradição J
(a menos que mais versões da tradição J estejam ocultos, nos capítulos 40
e 41).]

Na outra versão, o faraó fica zangado com seu copeiro e padeiro-chefe e os


envia sob custódia na casa do capitão dos guardas, onde Iossef estava
escravizado. Nesta versão, Iossef nunca foi promovido, nunca foi acusado
de agredir a esposa de seu mestre, e não era um prisioneiro. Ele era
simplesmente um escravo na casa de Potifar, capitão da guarda, e passa a
ter o poder de interpretar sonhos. Esta é a história da tradição E.

[Levando em consideração a terminologia e o fluxo narrativo, o restante do


capítulo 40 parece ser a história da tradição E, com uma edição notável:
‫ֹלמֹו הַ ַּמ ְׁש ֶ ֣קה וְהָ אֹ ֗ ֶפה‬
֑ ֲ‫ו ַַּיֽחַ ְלמ ּ֩ו חֲ ֨לֹום ְׁשנֵיהֶ֜ ם ִ ֤איׁש חֲ ֹלמֹו֙ ְּב ַ ֣ליְלָ ה אֶ חָ֔ ד ִ ֖איׁש ּכְ ִפ ְת ֣רֹון ח‬
‫סּורים ְּב ֵ ֥בית הַ ּֽסֹ הַ ר‬ ֖ ִ ֲ‫אֲ ֶׁשר֙ ְל ֶ ֣מלֶ ְך ִמצְ ַ ֔ריִם אֲ ֶ ׁ֥שר א‬
Certa noite, ambos sonharam, cada um com seu próprio sonho, e cada
sonho com seu próprio significado - o copeiro e o padeiro do rei do Egito,
que estavam confinados na prisão.
Embora a história comece com o relato dos sonhos da tradição E, o final
do verso descreve os homens como estando na prisão, a parte ofendida é
"Rei do Egito" e os títulos dos homens são meramente "copeiro" e
"padeiro" (não chefes). Embora não saibamos o que acontece a seguir
nesta versão - a menos que haja mais versos desta versão ainda não
descobertos -, parece que a interação de Iossef com esses dois homens faz
parte dela. Outro ponto, de acordo com o método de observar mudanças no
nome, é provável que 41: 46 primeira cláusula, que se refere a Iossef como
tendo 30 anos (registrar datas e idades exatas é uma característica do texto
sacerdotal - P) e chama o Faraó de “Faraó, rei do Egito” indicando ser um
verso de tradição P. Richard Elliott Friedman também faz essa afirmação;
ver Richard Elliott Friedman, AThe Bible with Sources Revealed (San
Francisco: Harper Collins, 2003), página 101.]

Supondo que a frase ‫ ויתן אתם‬seja um exemplo de um termo que existia


nas duas fontes, mas que tenha sido usado apenas uma vez no texto
composto, as duas fontes teriam a seguinte leitura:

Iossef na prisão (tradição J)


‫ֵיהם ְל ֶ ֥מלֶ ְך‬
֖ ֶ ‫ַוי ֗ ְִהי אַ חַ ר֙ הַ ְּדבָ ִ ֣רים הָ אֵ֔ ּלֶ ה ָ ֥ח ְט ֛אּו ַמ ְׁש ֵ ֥קה ֶ ֽמלֶ ְך ִמצְ ַ ֖ריִם וְהָ אֹ ֶ ֑פה לַ אֲ ֹדנ‬
‫יֹוסף אָ ֥סּור ָ ֽׁשם‬
֖ ֵ ‫ [וַּיִ ֵּ֨תן אֹ ָ֜תם] אֶ ל ֵ ּ֣בית הַ ּ֑סֹ הַ ר ְמ ֕קֹום אֲ ֶ ׁ֥שר‬,‫ִמצְ ָ ֽריִם‬

Algum tempo depois, o copeiro do rei do Egito e seu padeiro ofenderam


seu senhor, o rei do Egito, [e os colocou] na prisão, o lugar onde Iossef
estava confinado.

Iossef como servo na casa de Potifar (tradição E)

‫ וַּיִ ֨ ֵּתן אֹ ֜ ָתם ְּב ִמ ְׁש ֗ ַמר‬,‫אֹופים‬


ֽ ִ ָ‫יסיו עַ֚ ל ַ ׂ֣שר הַ ַּמ ְׁש ִ֔קים ו ַ ְ֖על ַ ׂ֥שר ה‬ ֑ ָ ‫וַּיִ ְק ֹ֣צף ּפַ ְרעֹ֔ ה ַ ֖על ְׁשנֵ ֣י סָ ִר‬
‫ְׁש ֶרת אֹ ָ ֑תם וַּיִ ְ ֥היּו י ִ ָ֖מים‬
֣ ָ ‫ת־יֹוסף ִא ָ ּ֖תם ַוי‬
ֵ֛ ֶ‫ ַ֠וּיִ ְפקֹ ד ַ ׂ֣שר הַ ּטַ ּבָ ִ ֧חים א‬:‫ֵ ּ֛בית ַ ׂ֥שר הַ ּטַ ּבָ ִ ֖חים‬
‫ְּב ִמ ְׁש ָ ֽמר‬

O faraó ficou irado com seus dois oficiais, o copeiro-chefe e o padeiro-


chefe, e ele os colocou sob custódia na casa do capitão da guarda. O
capitão da guarda encarregou Iossef deles, e ele cuidou deles; e eles
continuaram por algum tempo sob custódia.

[Quem não souber ler o texto em Hebraico, nem tiver familiaridade com o
estudo acadêmico da Bíblia Hebraica, pode achar difícil ver a divisão das
fontes, porque o verbo principal, no qual “o faraó” ou “o rei do Egito”
envia os dois homens para a prisão (ou para custódia), está cumprindo uma
função dupla. Esse é um problema comum em narrativas emendadas,
especialmente em cenas de morte (quantas vezes um personagem pode
morrer?) Nos casos em que o redator estava unindo duas histórias com
roteiros muito semelhantes, ele às vezes era forçado a cortar uma frase que
tornaria a narrativa ilegível se continuasse no texto. Joel Baden observa
esse fenômeno, e se refere a ele como, “lugares onde duas fontes usaram a
mesma frase e o redator a definiu apenas uma vez”. Veja Joel S. Baden,
The Composition of the Pentateuch: Renewing the Documentary
Hypothesis (New Haven: Yale University Press, 2012), cap. 6, loc. 4683
(versão Kindle). No nosso caso, a frase ‫ ויתן אתם‬foi incluída em uma das
fontes e, ou em alguma locução equivalente, e foi removida da outra.]
A história da tradição E continua com Iossef interpretando os sonhos dos
dois homens, provando que ele tem esse presente, e pedindo ao copeiro-
chefe, que será restaurado a sua posição no palácio, que trouxesse seu
nome até Faraó (40: 14-).

[A fonte da tradição E tem uma forte afinidade com histórias de sonho.


Além dessa história e do relato dos sonhos de Faraó, a tradição E também
registra o sonho de Avimelech (Bereshit 20: 6 - 7), no qual a divindade lhe
diz que Sárah era mesmo irmã de Avraham, o sonho de Iáacov com os
mensageiros, subindo e descendo uma escada. Beit-El (Bereshit 28: 11b-
12), e o sonho de Iáacov de um mensageiro mostrando-lhe as ovelhas e
cabras malhadas (Bereshit 31: 10-13).]

Tal pedido só faz sentido para um escravo que deseja liberdade; seria mais
do que presunção, um pedido assim vindo de um prisioneiro acusado de
tentar estuprar a esposa de seu mestre! No entanto, o copeiro-chefe
esquece de Iossef (40: 23) até o episódio dos sonhos de Faraó, dois anos
depois, na Parashat Miketz.

Descrição de Iossef, da parte do chefe do copeiro: Apenas um escravo

O faraó teve vários sonhos que o deixaram em pânico. De manhã, ele pede
a seus conselheiros que lhe declarem o significado dos sonhos, mas sem
sucesso. Nesse ponto, seu chefe copeiro faz uma confissão:

‫יּפַ ְרעֹ֖ ה ָק ַצ֣ף‬:‫מא‬:‫מר אֶ ת חֲ טָ אַ֕ י אֲ ִנ֖י ַמזְ ִ ּ֥כיר הַ ֽ ּיֹום‬ ֹ ֑ ‫ַוי ְַדּבֵ ר֙ ַ ׂ֣שר הַ ַּמ ְׁש ִ֔קים אֶ ת ּפַ ְרעֹ֖ ה לֵ א‬
‫יאו ַַּנֽחַ ְל ָ ֥מה‬:‫ מא‬:‫עַ ל עֲבָ ָ ֑דיו וַּיִ ֵּ֨תן אֹ ֜ ִתי ְּב ִמ ְׁש ֗ ַמר ּבֵ֚ ית ַ ׂ֣שר הַ ּטַ ּבָ ֔ ִחים אֹ ֕ ִתי ו ֵ ְ֖את ַ ׂ֥שר הָ אֹ ִ ֽפים‬
‫יבו ְָׁ֨שם ִא ֜ ָּתנּו נַ ֣עַ ר ִע ְב ִ ֗רי‬:‫ מא‬:‫ֹלמֹו חָ ָ ֽל ְמנּו‬
֖ ֲ‫חֲ ל֛ ֹום ְּב ַ ֥ליְלָ ה אֶ ָ ֖חד אֲ ִנ֣י וָה֑ ּוא ִ ֛איׁש ּכְ ִפ ְת ֥רֹון ח‬
‫יג ַוי ִ ְ֛הי‬:‫ מא‬:‫ֹלמֹו ּפָ ָ ֽתר‬ ֖ ֲ‫ֹתינּו ִ ֥איׁש ּכַח‬
֑ ֵ ‫֚עֶ בֶ ד ְל ַ ׂ֣שר הַ ּטַ ּבָ ֔ ִחים וַּנְ סַ֨ ּפֶ ר ֔לֹו וַּיִ ְפ ָּתר ָל֖נּו אֶ ת חֲ ֹלמ‬
‫ּכַאֲ ֶ ׁ֥שר ָ ּֽפ ַתר ָל֖נּו ּכֵ ֣ן הָ יָ ֑ה אֹ ִ ֛תי הֵ ִ ׁ֥שיב עַ ל ּכ ִַּנ֖י וְאֹ ֥תֹו ָת ָ ֽלה‬

Então o chefe dos copeiros disse ao faraó: “Lembro-me dos meus erros
hoje. Certa vez, o faraó ficou irado com seus servos, e colocou eu e o
padeiro-chefe em custódia na casa do capitão da guarda. Sonhamos na
mesma noite, ele e eu, cada um tendo um sonho com seu próprio
significado. Um jovem hebreu estava conosco, escravo do capitão da
guarda. Quando contamos a ele, ele interpretou nossos sonhos, dando uma
interpretação para cada um de acordo com seu sonho. Como ele nos
interpretou, assim aconteceu; Fui restaurado no meu ofício e ele (= o
padeiro) foi enforcado.”

Bereshit 41: 9 – 13

O principal copeiro descreveu Iossef como um jovem hebreu e um escravo


do capitão da guarda. O copeiro-chefe e o padeiro-chefe estavam em
custódia (‫ )משמר‬no capitão da casa do guarda.

Nesta versão, não ouvimos falar de um carcereiro chefe nem da palavra


prisão (‫)סהר‬.

Além disso, não ouvimos nada sobre Iossef ser um prisioneiro acusado de
crime, nem dele trabalhar para o chefe dos carcereiros. Ouvimos apenas
sua posição como servo do capitão da guarda. Isso tem todos os sinais
reveladores da história da tradição E.

Aqui, Faraó (não "o rei do Egito") ficou irado com seus servos - o
principal copeiro e padeiro-chefe - e os enviou sob custódia (e não para a
prisão!) aos cuidados de Potifar, o capitão dos guardas; onde Iossef estava
como um escravo (não como prisioneiro condenado). Quando conhecem o
pobre rapaz que lhes traz comida, ele se oferece para interpretar seus
sonhos e eles aprendem que ele tem essa capacidade.

Nesta versão da narrativa, Iossef nunca foi realmente vendido por seus
irmãos. O que ocorreu, é que ele foi foi "roubado" de sua terra natal,
depois que seus irmãos o deixaram para morrer num poço. E ele acabou
como um escravo em uma casa importante. Esta versão da narrativa, não
mencionada nada sobre o caso frustrado, com a esposa de seu mestre, nada
sobre uma prisão, e nada sobre HaShem tornar Iossef agradável aos olhos
de seus senhores.
Nesta versão da narrativa, a intervenção da divindade é meramente vista
como a capacidade de Iossef de interpretar, com precisão, os sonhos das
pessoas. No entanto, isso é suficiente para Iossef, que, usando essa
habilidade, passa à posição de vizir, ao lado do Faraó, durante o tempo de
crise do Egito.

O problema do poço

Iossef foi descrito, duas vezes, como estando num “poço” ( <bor> ‫)בור‬.
Isso cria um problema significativo, uma vez que esses versos estão na
versão da tradição E, mas a ideia de que Iossef estava em apuros,
caracteriza a história da tradição J.

Iossef pede ao chefe dos copeiros que fale sobre ele ao Faraó:

‫ית ּנָ ֥א ִע ָּמ ִ ֖די ָ ֑חסֶ ד ו ְִהזְ ּכ ְַר ַ ּ֙תנִ י֙ אֶ ל ּפַ ְרעֹ֔ ה‬
ָ ‫ִ ּ֧כי ִאם זְ כ ְַר ַ ּ֣תנִ י ִא ְּת ָ֗ך ּכַאֲ ֶׁשר֙ יִ ֣יטַ ב לָ֔ ְך וְעָ ִ ֽׂש‬
‫אתנִ י ִמן הַ ַ ּ֛ביִת הַ ֶ ּֽזה‬ ֖ ַ ֵ‫וְהֹוצ‬

Mas lembre-se de mim quando você estiver bem; por favor, faça-me a
gentileza de me mencionar ao Faraó e, assim, me tirar deste lugar.

‫ּומה ִ ּֽכי ָׂש ֥מּו אֹ ִ ֖תי ּבַ ּֽבֹור‬


ָ ‫יתי ְמ ֔א‬
ֽ ִ ‫ִ ּֽכי ֻג֣ ֹּנב ֻּג ַּ֔נ ְב ִּתי ֵמ ֶ ֖א ֶרץ הָ ִע ְב ִ ֑רים ְוגַם ּפֹ ה֙ ל ֹא עָ ִ ׂ֣ש‬

Pois de fato, fui roubado da terra dos Hebreus; e aqui também não fiz nada
para que eles me colocassem no poço.

Iossef começa pedindo para ser removido desta "casa", a saber, a casa de
Potifar. E isso se encaixa bem com a história da tradição E.
No entanto, Iossef termina com uma afirmação defensiva, dizendo que,
mesmo aqui no Egito, ele não fez "nada" para merecer ser colocado neste
"poço".
Isso não se encaixa bem na história da tradição E, já que nesta versão ele
não estava numa prisão, e ninguém o acusou de fazer nada errado.

O tema do poço retorna depois que o chefe dos copeiros fala com o faraó,
dois anos depois, e o faraó deseja pedir a Iossef que interprete seu sonho.

‫ֹלתיו ַוּי ָ֖ב ֹא אֶ ל‬


ָ ֔ ‫וַּיִ ְׁש ַ ֤לח ּפַ ְרעֹ ה֙ וַּיִ ְק ָ ֣רא אֶ ת יֹוסֵ֔ ף ַוי ְִריצֻ ֖הּו ִמן הַ ּ֑בֹור ַו ְיגַּלַ ח֙ ַויְחַ ֵּל֣ף ִׂש ְמ‬
‫ּפַ ְרעֹֽ ה‬

Então Faraó chamou Iossef, e ele foi levado às pressas para fora da
masmorra. Ele se barbeou e trocou de roupa e entrou diante de Faraó.

Novamente, isso parece fazer parte da história da tradição E, uma vez que
segue a confissão do chefe dos copeiros, e se refere ao rei do Egito como
faraó. E, no entanto, a história considera que Iossef estava num poço, e
precisava ser limpo, antes que pudesse ser levado perante Faraó. Existem
três modos de tentar resolver este problema:

1 - O tema do poço pode fazer parte de um texto da tradição J que acabou


perdido, e foi incluído como parte do texto editado posteriormente.

2 - O tema do poço é uma edição, tentando vincular a história da tradição


J, a maioria das quais foi cortada, dentro da história da tradição E.

Estes dois casos sofrem do mesmo problema. Se este material foi cortado
da tradição J, ou se foi uma tentativa do redator de imitar a tradição J, por
que não usar o mesmo termo que a tradição J usou por todo o tempo, ou
seja, "prisão (‫< בית הסהר‬beit HaSahar>)?"

Por qual motivo, usar o termo "poço"?

É possível que o redator tenha escolhido esse termo porque, no início da


história da tradição E, Iossef havia sido jogado num poço, por seus irmãos.
Mas, talvez seja exagero atribuir tal elaboração ao redator.
3 - O termo poço, faz parte de outra fonte, talvez da fonte P (sacerdotal),
que foi preservada aqui em apenas alguns fragmentos.

Isso parece possível, mas, como não existe nada da tradição Sacerdotal por
si só, e nem sabemos o que uma versão história da tradição P trazia sobre
esta seção (se houver), a possibilidade permanece tão especulativa que é
difícil concluir algo.

[Outra possibilidade teórica seria que o termo "poço" é metafórico: Iossef


simplesmente odiava ser escravo na casa de Potifar. Só que essa
abordagem é muito difícil de aceitar. Iossef afirma defensivamente:
"mesmo aqui, eu não fiz nada", significando que sua condição implicava o
contrário, que as pessoas acreditavam que ele fez algo errado. Mas não há
nada no texto da tradição E, que implique que ele estivesse com problemas
com seu mestre. Além disso, se for meramente metafórico, por que o
redator registra o texto na terceira pessoa, no capítulo 41 e por qual motivo
Iossef precisaria ser limpo?]

Enfim, toda solução proposta traz consigo seus próprios problemas. Talvez
discussões e análises acadêmicas adicionais ajudem a elucidar esses
problemas um dia.

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