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Formação em Teologia

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Volume 07

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Formação em Teologia

PENTATEUCO - De Êxodo a Deuteronômio - A Ação de Deus


libertando e formando o Seu Povo (Parte 5)
Sempre recomendamos o trabalho da memória. Na importantíssima jornada
do Pentateuco, é crucial não perdermos de vista que esse grupo de livros foi escrito
para tratar a idolatria que estava enraizada no coração daquelas pessoas,
preparando-as para receber a verdade de Deus em seus corações e descartar todo
engano. O próximo passo nos é mostrado no Livro de Êxodo, quando percebemos
que a idolatria cria relações impessoais e supersticiosas. O “deus” na idolatria é
sempre impessoal, cria lacunas na forma de exercitar a fé, abrindo espaço para a
superstição e deformando o olhar humano para a natureza e demais criação.

I Contexto Histórico de Êxodo


O Livro de Êxodo revela a condição terrível em que os hebreus estavam. A
escravidão não era somente social, era também cultural, estando cativos tanto no
corpo quanto na alma, debaixo de um jugo político, social e religioso. Porém, rico
em misericórdia, Deus jamais esqueceu Seu povo ou Suas promessas, intervindo
na história do povo. Quando esse grupo de cinco livros foi escrito, essa potente
mensagem alcançou o coração do povo. Fundada na ideia de que o Deus criador
de tudo é alguém que chama as pessoas pelo nome, há um retorno à consciência
de que Deus trata face a face, e deseja uma viva relação, íntima e pessoal.
A expressão hebraica referente a Êxodo é “shamõt”, significando “Estes são
os nomes de”, mas comumente traduzimos Êxodo como “saída”. Porém, precisamos
saber duas coisas: 1) Essa palavra aparece na tradução da Septuaginta e não no
texto hebraico; 2) A palavra, de fato, significa “saída”. Então, podemos combinar
essas duas ideias pois ambas são úteis para entender o livro/mensagem de Êxodo.
Mas, não podemos desconsiderar a essência histórica-genealógica dessa palavra,
que também se refere à “saída” do cativeiro egípcio, pois essas pessoas que foram
libertas têm nomes, histórias e um único Deus.

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Para que possamos entender melhor este contexto, é necessário conhecer


alguns personagens. Sekenere, líder egípcio, expulsou um grupo de uma etnia
chamada hicsos, possivelmente naturais da China, na região da Mongólia. Essa
dinastia dominou o Egito e trouxe grande destruição. E por que isto é importante?
Justamente no processo de recuperar a soberania do Egito é que encontramos a
narrativa bíblica que conhecemos. Acompanhe o texto:

“Então subiu ao trono do Egito um novo rei, que


nada sabia sobre José. Disse ele ao seu povo:
‘Vejam! O povo israelita é agora numeroso e mais
forte que nós. Temos de agir com astúcia, para
que não se tornem ainda mais numerosos e, no
caso de guerra, aliem-se aos nossos inimigos,
lutem contra nós e fujam do país.’” (Êxodo 1: 8-10)

A expressão “um novo rei que nada sabia sobre José” pode nos soar
estranha em virtude de lermos, nos últimos capítulos de Gênesis, a respeito da
história de José. Porém, não sabemos dos acontecimentos que sucederam à morte
de José, nem quanto tempo transcorreu até que a história narrada em Êxodo 1
ocorresse. José tinha aproximadamente 39 anos quando seu pai e seus Irmãos
foram morar no Egito. Ele viveu por mais 71 anos (Gênesis 50: 26). As perguntas
são: como José se tornou um desconhecido? E de que forma isso aconteceu? Assim,
“A história do Êxodo começa onde Gênesis termina, cerca de trezentos anos mais
tarde.”¹ Contudo entre o momento que José foi governador do Egito até este texto,
o império egípcio foi dominado pelos hicsos, e ainda que Sekenere tenha
conseguido expulsá-los, não muda o fato de que o Egito foi, temporariamente,
dominado por outra nação. E neste curto intervalo, a relação de gratidão pela
influência positiva de José, se perdeu.

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“Então disse Faraó a seus irmãos: Qual é o vosso


negócio? E eles disseram a Faraó: teus servos são
pastores de ovelhas, tanto nós como nossos pais.
Disseram mais a Faraó: viemos para peregrinar nesta
terra; porque não há pasto para as ovelhas de teus
servos, porquanto a fome é grave na terra de Canaã;
agora, pois, rogamos-te que teus servos habitem na
terra de Gósen. Então falou Faraó a José, dizendo: teu
pai e teus irmãos vieram a ti. A terra do Egito está
diante de ti; no melhor da terra faze habitar teu pai e
teus irmãos; habitem na terra de Gósen, e se sabes que
entre eles há homens valentes, os porás por maiorais do
gado, sobre o que eu tenho. E trouxe José a Jacó, seu
pai, e o apresentou a Faraó; e Jacó abençoou a Faraó”.
(Gênesis 47: 3-7)

A nova geração de egípcios não conhecia essa história e não tinham nenhum
vínculo com o povo hebreu, não os viam como amigos, mas os enxergavam como
ameaça, e a amizade foi substituída por rivalidade.
Traçando uma linha histórica, vemos que Sekenere começa a batalha contra
estes inimigos, e Amoses termina a reconquista do território egípcio, até que
Tutmoses realiza a expansão do território. Note que estes nomes egípcios carregam
a terminologia “moses”. Algumas dúvidas pairam sobre o significado do nome de
Moisés, e temos duas explicações significativas, uma é a explicação egípcia,
postulando que “moses” quer dizer “filho de”. Tutmoses seria filho de Tot, o deus
da sabedoria. O nome de Ramsés, um dos faraós do Egito, por sua vez significaria
“filho de Rá”, que era a divindade do sol.

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Logo, a expressão “Moses” revelava o pertencimento à nobreza egípcia, pois essa


pessoa era “filho” de uma divindade egípcia. Por esse raciocínio, a tradução do
nome seria algo como “filho de”. A segunda explicação para o nome é hebraica:

“Tendo o menino crescido, ela o levou à filha do


faraó, que o adotou e lhe deu o nome de Moisés,
dizendo: "Porque eu o tirei das águas." (Ex 2 :10)

O nome Moisés está relacionado com o verbo “tirar” em hebraico. Atente que
as duas explicações, tanto a hebraica como a egípcia, não são excludentes, podendo
ser conjuntamente consideradas.
O próximo nome importante é Ratsepsut, filha do Faraó, que adota Moisés.
Dentro da cultura egípcia antiga, não era comum uma mulher deter tamanha
autoridade, visto que o Faraó tinha dado um decreto para matar as crianças,
mesmo que a mulher fosse nobre, salvar um bebê hebreu, criando-o dentro do
palácio, era uma atitude muito chamativa. Obviamente, as pessoas sabiam que
aquele filho não era de sangue, sendo no mínimo curioso e no máximo um espanto.
Que mulher era essa, com tanta autoridade, a ponto de conseguir bancar um
estrangeiro dentro do palácio? Na história egípcia, a única personagem que se
encaixa nesse perfil é Ratsepsut, ela se destaca por ser alguém que conseguia
impor suas ideias, e com forças suficiente para trazer uma criança estrangeira para
casa e criá-la na corte como filho, justamente o caso de Moisés.
A história segue informando que esta mulher se casa com Tutmosis III, um
homem sem firmeza ou voz ativa, e de pouca autoridade. Por conta de sua
personalidade imponente, a rainha tem o domínio das ações. Na sequência aparece
Amenoses II, este é o faraó que debateu com Moisés na ocasião do Êxodo. Estes
nomes servem de referência, no caso de querermos pesquisar mais sobre o tema.

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A Pedra de Armana é o documento que atesta a veracidade histórica e


mostra a relação do povo hebreu com a história egípcia, eventos tão antigos que os
documentos foram, literalmente, gravados em pedras. A Pedra de Armana atesta
que Canaã perdeu a independência e foi dominada por um grupo chamado abru,
que os pesquisadores entendem se tratar do povo hebreu. Esse documento mostra
que Canaã era habitada por outros povos, mas que num determinado período da
história foi conquistada. Perceba que essa evidência histórica corrobora o ensino
bíblico que narra a famosa conquista da terra prometida. Liderados por Josué, os
“abru” conquistaram Canaã, e existem registros históricos que revelam que o povo
hebreu realmente andou por estas regiões.

II Moisés
Moisés é o grande personagem do Livro de Êxodo, e nasceu numa época de
transição, onde os hebreus, que eram pastores de ovelhas, foram escravizados e
tornaram-se trabalhadores braçais, que fabricavam tijolos sob a tutela de feitores:

“(...) os filhos de Israel suspiraram por causa da


servidão, e clamaram; e o seu clamor subiu a Deus por
causa de sua servidão. E ouviu Deus o seu gemido, e
lembrou-se Deus da sua aliança com Abraão, com
Isaque, e com Jacó; e viu Deus os filhos de Israel, e
atentou Deus para a sua condição.” (Êxodo 2: 23-25)

O medo dos egípcios em relação ao povo de Deus fez com que usassem a
estratégia “trabalhar até morrer” para dominar o povo e impedir seu crescimento.
Ao perceberem que essa tática não deu certo foram ainda mais longe, ordenando
a morte de crianças (Êxodo 1:15).

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Swindoll diz que a vida de Moisés pode ser dividida em três segmentos, o
primeiro transcorreu ao longo dos primeiros 40 anos de vida, criado como um
nobre, alguém importante, Moisés aprendeu o conhecimento e a cultura egípcia. O
segundo período se passou no deserto de Midiã, onde ele foi formado pela solidão,
pastoreando o rebanho do seu sogro, assimilando o conhecimento e a cultura do
deserto, e aprendendo com o próprio Senhor. E no terceiro momento, Moisés estava
novamente no deserto, desta vez com o povo, pondo em prática o que aprendeu nas
duas fases anteriores, bem como ministrando e sendo ministrado pela lei de Deus.
Moody vai ainda mais longe dizendo que Moisés “passou seus primeiros 40
anos pensando que era alguém. O segundo quarenta anos, ele passou aprendendo
que era um ninguém. Os últimos quarenta passou descobrindo o que Deus pode
fazer com um ninguém”. Seja como for, vivemos em um desses três momentos em
nossas vidas.

III A missão de Moisés

Moisés foi o homem escolhido por Deus para conduzir o povo no processo
de libertação:

“Por isso desci para livrá-lo das mãos dos egípcios e


tirá-los daqui para uma terra boa e vasta, onde
manam leite e mel: à terra dos cananeus, dos hititas,
dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos
jebuseus. Pois, agora o clamor dos israelitas chegou
a mim, e tenho visto como os egípcios os oprimem.
Vá, pois, agora; eu o envio ao faraó para tirar do
Egito o meu povo, os israelitas." (Ex 3:8-10)

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“O Senhor falou a Moisés: Vá ao faraó e diga-lhe


que assim diz o Senhor: Deixe o meu povo ir para
que me preste culto.” (Ex 8:1)

Os textos acima mostram o coração de Deus, sensível ao clamor e ao


sofrimento do povo. Também mostram o comissionamento de Moisés, que agiu
como um embaixador da parte de Deus, para transformar o cativeiro em liberdade,
e celebrar culto a Deus. Atente a este detalhe, a missão de Moisés não era fazer o
povo entrar na terra prometida, mas fazê-los sair do Egito. Isso ele cumpriu.

IV A vontade de Deus

A história de Moisés é um exemplo emblemático do quanto a vontade de


Deus é soberana, nada podendo impedi-la. Ora, Moisés havia sido criado como
membro da realeza egípcia, e para todos os efeitos, ele devia ter permanecido um
nobre pelo resto de sua vida, mas Deus tinha outros planos, o versículo a seguir
trata do episódio que engatilhou a vontade de Deus sobre a vida de Moisés:

“Certo dia, sendo Moisés já adulto, foi ao lugar onde


estavam os seus irmãos hebreus e descobriu como
era pesado o trabalho que realizavam. Viu também
um egípcio espancar um dos hebreus. Correu o olhar
por todos os lados e, não vendo ninguém, matou o
egípcio e o escondeu na areia.” (Ex 2 :11,12)

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A seguir, o versículo que retrata o clímax da narrativa, o resultado do poder


de Deus sobre a vida de Moisés, a liberação do povo hebreu:

“Naquela mesma noite o faraó mandou chamar


Moisés e Arão e lhes disse: "Saiam imediatamente do
meio do meu povo, vocês e os israelitas! Vão prestar
culto ao Senhor, como vocês pediram.” (Ex 12 :31)

V Moisés e a lei

No Pentateuco, a sequência da narrativa é: promessa, depois lei. Primeiro


veio a promessa a Abraão. Tempos depois, por Moisés, veio a lei, cuja função era
organizar socialmente a vida da nação que acabara de nascer, e servir como
referencial ético e moral. Mas a sua função especial era de ser um “documento vivo”
da aliança que Deus estava firmando com seu povo. Um povo separado entre todos
os outros como propriedade particular:

“Logo Moisés subiu o monte para encontrar-se com


Deus. E o Senhor o chamou do monte, dizendo: ‘Diga
o seguinte aos descendentes de Jacó e declare aos
israelitas: Vocês viram o que fiz ao Egito e como os
transportei sobre asas de águias e os trouxe para
junto de mim. Agora, se me obedecerem fielmente e
guardarem a minha aliança, vocês serão o meu
tesouro pessoal dentre todas as nações. Embora
toda a terra seja minha, vocês serão para mim, um
reino de sacerdotes e uma nação santa’. Essas são
as palavras que você dirá aos israelitas." (Ex 19:3-6)

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“Porquanto não crestes em mim, para me


santificardes diante dos filhos de Israel, por isso
não introduzireis essa congregação na terra que
lhes tenho dado.” (Números 20: 12)

Este último versículo relata o pecado de Moisés. Crer sem santidade limita e
distorce o testemunho que damos de Deus. E podemos, ao invés de refletirmos a
misericórdia de Deus, refletir a nossa ira.

VI Padrão narrativo e literário


Dillard e Longman II dividem o Livro de Êxodo em três partes:

• Parte um: Israel no Egito (Êxodo 1: 1-13; 16). Deus salva Israel da escravidão
egípcia.

• Parte dois: Israel no Deserto (Êxodo 13: 17-18; 27). Deus dá a Israel a Sua lei.

• Parte três: Israel no Sinai (Êxodo 19: 1-40; 38). Deus ordena a Israel que
construa o tabernáculo.

Parte I
É a parte com mais ação do livro. O relato de Êxodo é uma das histórias
fundamentais do Antigo Testamento, narrando o evento da salvação do antigo
Israel. Abaixo, a estrutura dessa parte da narrativa, distribuída em capítulos.

• Capítulo 1. Imediatamente, somos informados do problema: o povo de Deus


é forçado à escravidão no Egito, e Faraó teme o crescimento dos israelitas
de tal maneira, que recorre a formas cruéis de controle populacional (Êxodo
1: 18-22).

• Capítulo 2. Somos apresentados ao principal personagem: Moisés.

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• Capítulos 3 e 4. São de transição, revelando os eventos providenciais que


empurram Moisés para fora de Egito, em direção ao deserto, onde ele
passará a maior parte de sua vida futura. No fundamental capítulo três,
Moisés aprende mais acerca da natureza de Deus, bem como sobre o foco
de sua própria missão: ser o agente humano de Deus para a libertação de
Israel no Egito.

• Capítulos 5 a 12. Narram o embate de Moisés com o faraó, o qual se revela


também em uma disputa entre divindades, já que Moisés representava a
Javé, e o faraó a si próprio e aos deuses egípcios.

A sessão mais dramática da Parte 1 retrata o embate entre Moisés e Faraó,


intensificado pelo evento das pragas. Acompanhe no gráfico:

Pragas 1-3 Pragas 4-6 Pragas 7-9 Padrão narrativo

Moisés aparece
Água feita em Enxames de Saraiva sobre a
perante faraó junto
sangue (7.14-24) moscas (8.20-32) colheita (9.13-35)
ao rio
Rãs cobrem toda
Pestes nos animais Gafanhotos cobrem Moisés comparece
terra do Egito
(9.1-7) a terra (10.1-20) perante faraó (na
(8.1-15)
corte real?)
Piolhos cobrem a Trevas cobrem a Gesto simbólico de
Úlceras no povo e
terra do Egito (8.16- terra do Egito Moisés e Arão
no gado (9.8-12)
19) (10.21-29) longe de faraó

Observando o gráfico, notamos que existe um padrão narrativo nas pragas


de 1 a 3, de 4 a 6, e de 7 a 9. É interessante notar na primeira linha que todos os
eventos aconteceram junto ao rio. O Nilo era o cenário do embate entre Moisés e
Faraó, e a conversa entre os dois era informal.

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Pragas 1-3 Pragas 4-6 Pragas 7-9 Padrão narrativo

Moisés aparece
Água feita em Enxames de Saraiva sobre a
perante faraó junto
sangue (7.14-24) moscas (8.20-32) colheita (9.13-35)
ao rio

Na segunda linha, o cenário é outro. O embate entre Moisés e Faraó


provavelmente ocorre na corte real egípcia, por isso tem um caráter de audiência,
consequentemente mais formal.

Rãs cobrem toda Moisés comparece


Pestes nos animais Gafanhotos cobrem
terra do Egito perante faraó (na
(9.1-7) a terra (10.1-20)
(8.1-15) corte real?)

Percebemos que na última linha do gráfico o padrão narrativo se desenrola


em cenário completamente diferente. Nem no palácio, nem em frente ao rio; é um
evento que está acontecendo longe. Outra diferença que percebemos é que não
existe um diálogo entre Moisés e Faraó, mas uma ação simbólica, isto é, um gesto
profético. Através deste gesto, Moisés e Arão estão apontando simbolicamente
para o embate espiritual entre Deus e Faraó, entre Deus e os falsos deuses do Egito.

Piolhos cobrem a Trevas cobrem a Gesto simbólico de


Úlceras no povo e
terra do Egito (8.16- terra do Egito Moisés e Arão
no gado (9.8-12)
19) (10.21-29) longe de faraó

O embate culminou com Deus libertando Israel da escravidão. A travessia


do Mar Vermelho é a síntese da obra divina de salvação, pois num único ato Deus
traz libertação e julgamento, dividindo o mar e fechando de novo as águas. Pela
primeira vez Deus é apresentado como alguém que guerreia pelo seu povo.

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“O SENHOR é homem de guerra; SENHOR é o seu


nome. Lançou no mar os carros de Faraó e o seu
exército; e os seus capitães afogaram-se no mar
Vermelho.” (Ex 15: 3,4)

Parte II
A narrativa segue seu curso, três meses após deixar o Egito, Israel chega ao
Monte Sinai, um local onde permanece por quase dois anos. Dando mais precisão,
o restante de Êxodo, todo o Levítico e a primeira parte de Números (até 10: 11)
passam-se no Sinai.
O primeiro evento de maior impacto no Sinai foi a entrega da lei. Deus se
manifestou de forma impressionante, surgindo na montanha entre fumaça e fogo
(Êxodo 19.16-19). A montanha se tornou em espaço santo por causa da Sua
presença, Moisés sobe o monte e recebe os Dez Mandamentos (Êxodo 20:1-17), bem
como o chamado Livro da Aliança (Êxodo 20: 22-24; 18). Do primeiro ao quarto
mandamento, vemos que as leis abrangem os fundamentos da relação divino-
humana. Já os últimos seis tratam da relação dos homens entre si.
As várias leis que compõem o Livro da Aliança (nome proveniente de Êxodo
24: 7) detalham os Dez Mandamentos. Uma resposta cultural-histórico-redentora
do povo de Deus para a época, por exemplo, a lei sobre o boi escorneador (Êxodo
21: 28-36) é uma especificação do sexto mandamento para uma sociedade agrária.
A lei foi dada no contexto da aliança, e Êxodo 19-24 nos mostra que a lei está na
forma de um tratado de aliança.

Parte III
A última seção se ocupa em mostrar as instruções de Deus acerca da
construção do tabernáculo (Êxodo 25: 1-40; 38). Um conjunto de ordens de caráter
extremamente detalhista.

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A seção se abre com uma solicitação dos materiais, com os quais o tabernáculo
será construído (Êxodo 25: 1-9). A presença dos materiais preciosos no deserto só
pode ser explicada como resultado dos denominados despojos dos egípcios (Êxodo
12: 33-35). Desse modo, Deus providenciou os materiais para a sua própria casa.
A maior parte do restante do livro ocupa-se com as instruções para construir
as várias partes do tabernáculo, suas mobílias e as vestes dos sacerdotes (Êxodo
25: 10- 31; 18). Dizemos sobre o tabernáculo:

• Símbolo primário da presença de Deus em Israel.

• Mostra o fato de que um Deus santo habitava no meio do povo israelita.

Quando Israel acampava durante a peregrinação pelo deserto, o


tabernáculo era montado no centro do acampamento. Cada tribo possuía sua
posição ao redor dele. De acordo com a tradição do antigo Oriente Médio, o centro
do acampamento era o lugar da tenda do rei. Considerando-se que Deus era o rei
de Israel, sua tenda adequadamente se encontrava no centro. Quando a tenda era
desarmada e Israel se punha em marcha, a arca, localizada no Santo dos Santos
do tabernáculo, liderava a marcha, da mesma maneira que um rei do Oriente Médio
conduziria o seu exército em batalha.
A área do tabernáculo era dividida em diferentes partes: um átrio (Êxodo 27:
9-19), um santo lugar e o santo dos santos (Êxodo 26: 31-35). Quanto mais perto do
santo dos santos, mais perto da presença de Deus. Isso era perceptível pela
qualidade do material e pela acessibilidade. Quanto mais próximo do santo dos
santos, melhor era o material e mais restrito o acesso.
O Livro de Êxodo nos revela um Deus que liberta, um Deus de aliança e um
Deus que vive em meio ao seu povo. O salmista diz:

“A salvação vem do Senhor; sobre o teu povo seja a tua bênção.” (Sl 3:8)

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Esse grande ato de salvação se torna o paradigma das libertações futuras.


Isso fica claro quando os profetas predizem o cativeiro babilônico e a restauração
final de Israel. Na mente dos profetas, o cativeiro babilônico vinha a ser um segundo
cativeiro egípcio, que seria seguido no final das contas por uma peregrinação pelo
deserto de volta à Terra Prometida (Isaías 35: 5-10; 40: 3-5; 41: 4-21. Oséias 2: 14-
16). Na realidade, tal restauração aconteceu após o decreto de Ciro e sob a
liderança de homens como Esdras e Neemias.
O Novo Testamento traz Cristo como nosso redentor. Quando falamos sobre
redenção, nos referimos à liberdade. Podemos nos enriquecer espiritualmente e
nos aprofundarmos sobre o verdadeiro significado da liberdade, pegando o texto
do antigo testamento que fala sobre libertação e comparando aos textos que
apresentam Jesus Cristo como nosso libertador. De um lado temos a libertação no
Antigo Testamento, do outro lado temos a libertação a partir da cruz. Junte isso em
seu coração, pois tanto o mar vermelho quanto a cruz revelam facetas diferentes
do mesmo Deus, o libertador.

VII Levítico e a santificação como critério de Deus


O Livro de Levítico é escrito ao povo que foi liberto de um jugo cultural
idólatra. Após a libertação, o chamado de Deus é para a santificação e a adoração,
ou seja, Deus pretende remover o entulho espiritual, cultural e emocional
acumulado por gerações. Ao retirar isso, o povo de Deus estaria desimpedido para
experimentar um novo contexto de vida, numa nova terra, numa nova cultura, com
um novo comportamento e uma nova realidade de adoração.
Nenhum povo será realmente santo sem ter antes experimentado o que é ser
realmente livre. Por meio deste livro, reconhecemos o cuidado de Deus em trazer a
lei como forma de aperfeiçoar e amadurecer o seu povo com a finalidade de
experimentarem plenamente as bênçãos da terra da promessa.

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Nossa primeira orientação é que Levítico seja lido junto de Hebreus, pois o
contexto imediato de Levítico remete a cultura e sociedade judaicas. Ler Levítico
sem as lentes do Novo Testamento deixará o leitor restrito à religião judaica, sem
conseguir fazer uma conexão com o Evangelho. Fazendo essa ponte pode-se
entender o Livro de levítico como uma “sombra” do Livro de Hebreus, e que a
temática levítica é santificação.
Se há um tema no qual às vezes a igreja se perde e confunde, às vezes
tomando atalhos perigosos, é o tema da santificação. Quando transformamos
santidade em regras e rituais, estamos caminhando para longe do verdadeiro
significado exposto no livro levítico. Se um livro no Antigo Testamento investe todas
as suas páginas falando sobre santificação, a primeira conclusão é que o tema é
muito importante para a Bíblia, e mais importante para Deus.
O nome Levítico provém da Septuaginta, e a palavra significa "Relativo aos
levitas". No hebraico, entretanto, wayyiqra significa “e Ele chamou”. Podemos
traduzir a frase inicial do livro como "chamou o SENHOR a Moisés." (Lv 1:1) ou “e
Ele chamou Moisés”. Levítico é uma história instrutiva, que tem a intenção de
informar o leitor sobre o que ocorreu no passado, construindo um pano de fundo
para a lei (instrução). Wayyiqra precisa ter seu significado estendido, para que
possamos compreender essa vida de santidade e atender ao chamado de Deus.
Não podemos deixar de nos referir ao testemunho de Cristo sobre Levítico,
em Mateus (8:4), quando faz menção ao Livro de Levítico (14:1-32), Jesus usa a
expressão em hebraico wayyiqra, Ele não usa a expressão “levítico”. Outro fato
interessante é perceber que o Livro de Levítico começa com a letra “E”. Qual o
significado? A expressão traz uma ideia de continuidade:

• “Estes são os nomes de” (Êxodo)

• “E”, “Ele chamou“ (Levítico)

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A pessoalidade de Êxodo precisa invadir as páginas de Levítico. Essa é a


consequência inevitável de começar o texto deste livro com essa expressão.
Pessoalidade e chamado, libertação e santidade. O Deus pessoal chama para uma
aliança, o Deus que liberta espera santidade.
No tempo de hoje, existe uma sequência bíblica que muitas vezes é
quebrada. Quando fazemos este paralelo entre Êxodo e Levítico precisamos
entender que a libertação vem primeiro; depois vem a santificação. É impossível
viver santificação, sem ter experimentado a libertação. Quando tentamos empurrar
e exigir das pessoas santificação, sem que elas tenham experimentado a libertação,
estamos dificultando o acesso ao Evangelho, e corrompendo a sua mensagem.

Nota pastoral
Meu filho fará 15 anos. Hoje ele já é batizado, mas quando tinha 8 anos, eu
percebi que, por ele ser filho do pastor, existia uma certa cobrança da igreja de um
padrão comportamental. Não podemos exigir santidade das pessoas, muito menos
de crianças, só porque são filhos de pessoas piedosas e tementes a Deus. Não se
esqueça que homens e mulheres tementes a Deus podem ser pais de filhos ímpios
e incrédulos, veja o caso de Samuel, sacerdote e profeta, homem temente a Deus,
mas seus filhos eram corruptos e incrédulos (e esses exemplos são numerosos e
significativos em nosso meio).
Então, certo dia me dirigi à igreja: “Eu quero que vocês tratem o meu filho
como se fosse ele fosse um incrédulo. Não tratem o meu filho como se fosse alguém
santificado. Ele não se batizou, não tem consciência de conversão. Se vocês
tratarem o meu filho como alguém “santo”, vocês estarão criando obstáculos e não
vivendo santidade. Testemunhem de Cristo ao invés de cobrar santidade de uma
criança, testemunhem a santidade de vocês, para que esse testemunho de vocês
revele Cristo ao coração dele”.

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Exigir santidade de quem não é livre tem gosto de morte. Alguns anos se
passaram e ele se batizou. Neste novo contexto a relação mudou, pois, a expectativa
por santidade faz parte das relações de comunhão. Não se esqueça: não existe
possibilidade de alguém experimentar a santificação, sem antes ter sido liberto.
Muitas vezes, dentro da igreja, começamos a exigir dos nossos filhos que eles
tenham uma vida santa, irrepreensível, sem que nunca tenham experimentado um
processo de conversão genuíno. Eles nunca tiveram uma experiência de serem
encontrados e resgatados do pecado por Cristo. Sendo assim, é tolice exigir
santidade das pessoas que estão ao nosso lado, sem que antes elas estejam
experimentando libertação. Libertação é o primeiro passo e sempre será assim, só
podemos falar sobre santidade para quem experimentou a libertação. Quanto
menos você sabe sobre libertação, menos você sabe sobre santificação. Não inverta
a ordem, o prejuízo é muito alto. Somos escolhidos, libertos e santificados, sem
nunca sair dessa sequência.
À esta altura de nossos estudos, já temos os dois fundamentos que nos
auxiliarão a ler esse livro tão precioso. Recapitulando:

• Primeiro - O Livro de Levítico só faz sentido para quem experimentou o ser


escolhido por Deus, e para quem já viveu a libertação de Deus. A experiência
com o Redentor precisa ser real pois a leitura se torna uma busca consciente
por santificação.
• Segundo - Entender os princípios que se encontram no texto, diferenciando
os protocolos e rituais específicos (que se limitam à liturgia e sociedade
hebraica antiga) dos princípios que servem a todo cristão.

Também podemos ver no Livro de Levítico um resquício de literatura legal


(lei).

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Devemos entender que a revelação na Bíblia é progressiva, assim, neste


momento, a santidade é baseada na obediência à lei, sendo uma santidade limitada
se compararmos ao Novo Testamento, onde a consciência de santidade se expande.
Uma vez mais, lembramos da importância de usar o Livro de Hebreus como
referência em sua leitura de Levítico, e também, com objetivo de trazer uma melhor
compreensão da relação lei-obediência-santidade, o Livro de Gálatas é muito
importante. Ali, Paulo nos ensina que a lei é “aio”, que conduz o povo até chegarem
à maioridade e receber a herança do próprio Evangelho, que é o Cristo vivo. Nós
encontramos a essência da mensagem neste versículo:

“Portanto santificai-vos, e sede santos, pois eu sou


o Senhor vosso Deus. E guardai os meus estatutos,
e cumpri-os. Eu sou o Senhor que vos santifica.”
(Levítico 20: 7-8)

É neste livro na Bíblia onde mais aparece a expressão “disse Deus”. Fica a
pergunta: se neste livro aparece a maior quantidade de expressões do tipo “disse
Deus”, por que ele é tratado com irrelevância por alguns? Isso significa que a nossa
forma de ler o livro precisa mudar. É necessário compreendermos que Levítico é
um convite. Além disso, ensina que a história da libertação continua com a história
da santidade, isto é, o processo de libertação só continua no processo de santidade:

“Se em Gênesis nós vemos o remédio de Deus para a ruína do


homem, no livro de Êxodo nós vemos a resposta de Deus para o
homem e no livro de Levítico nós vemos a provisão para a
necessidade do homem. Em Gênesis nós vemos a semente da
mulher, em Êxodo nós vemos um sangue de um cordeiro e em
Levítico nós vemos o sacerdote e o altar do sacrifício.

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Gênesis apresenta para nós o problema do pecado, Êxodo a


possibilidade da salvação e em Levítico a provisão para o culto.
Agora que fomos salvos, existe a possibilidade de cultuar ao nosso
Deus.” ²

Se você ler Levítico como se fosse mera burocracia, de fato o livro não vai
servir para a sua vida. Contudo, se você ler Levítico como o encontro que promove
a santificação, o livro terá um grande impacto sobre a sua vida de santidade.
Quando finalmente entendemos que Deus é aquele que nos liberta, o nosso culto
começa a ser um espaço de reconhecimento, gratidão e louvor. É uma tentativa de
trabalhar para a glória e louvor do nosso Deus.

VIII Estrutura narrativa

Dillard e Longman III propõem a seguinte estrutura para o livro:

I. Leis sacrificiais (Lv 1.1-7.38)

A - Instrução para a expiação (1.1-6.7)


• Lei do holocausto (1) • Lei da oferta pelo pecado (4: 1; 5:
13)
• Lei da oferta de cereais (2)
• Lei da oferta pela culpa (5: 14; 6:
• Oferta da comunhão (3) 7)

B - Instruções aos Sacerdotes (6.8-7.38)

lI. Narrativa sacerdotal (8.1-10.20)

A. O início formal do sacerdócio (8: 1; 9: 24)

B. Os limites no sacerdócio - Nadabe e Abiú (10)

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III. Leis para proteger a pureza ritual (11.1-16.34)

A. Os animais que se devem comer e os que não se devem comer (11)

B. A purificação da mulher depois do parto (12)

C. As leis acerca da lepra (13-14)


• Julgando a doença (13) • Purificando a doença (14)

D. Imundícias do homem e da mulher (15)

E. O Dia da Expiação (16)

IV: Código de santidade (17-27)

A. As leis (17: 1; 24: 23)

• Proibição de comer sangue (17) • Festas solenes do Senhor (23)

• Casamentos ilícitos (18) • Lei do tabernáculo [a lei acerca


das lâmpadas] (24: 1-9)
• Repetição de diversas leis (19-20)
• Pena do pecado de blasfêmia (24:
• Leis acerca dos sacerdotes e 10-23)
sacrifícios (21-22)
• Ano sabático (25)

B. Bênçãos e maldições (26)

• A recompensa da obediência (26: 1-13)

• O castigo da desobediência (26: 14-46)

• Ofertas ao Senhor (27)

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IX O sistema sacrificial
A proposta do livro é fornecer diretrizes aos sacerdotes e leigos sobre o
comportamento apropriado na presença de um Deus santo. Portanto, a ênfase
recai na objetividade da informação.

O sacrifício
A atividade mais importante de adoração durante o Antigo Testamento. É a
morte da vítima sacrificial que torna o rito efetivo, e a manipulação do sangue
destaca a morte. O sacrifício é um modo de tornar o profano puro de novo, e
restabelecer a comunhão com Deus. Sendo assim, o sacrífico é:

• Uma oferta

• Noção de comunhão.

• Expiação

Holocausto
O nome em português desse sacrifício vem diretamente da tradução grega.
Já o termo em hebraico significa "ascendente". e deriva do fato de que o aroma
perfumado do sacrifício sobe (ascende) aos céus em forma de fumaça. E a lei
permitia a substituição de ofertas por formas que fossem proporcionais a condição
econômica do adorador:

• Gado (Levítico 1: 3-9) aos mais ricos

• Carneiros e cabritos (Levítico 10- 13) aos de condição intermediária

• Pássaros (Levítico 14-17) aos mais humildes.

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A oferta de cereais (Levítico 2: 6; 14-23)


Essa expressão é traduzida por "tributo" (v. Juízes 3: 15,17-18; 2 Samuel 8:
6; 1 Reis 4: 21), e era um presente dedicado ao Senhor do pacto, muitas vezes feito
junto ao holocausto que o precedia (Êxodo. 29: 40-41; Números 15: 1-10; 28: 5-8).

A oferta da comunhão (Levítico 3; 7: 11-38)


O termo hebraico para esse sacrifício vem da palavra hebraica que significa
"paz". Esse tipo de sacrifício revela a parceria entre o adorador e Deus, e entre os
próprios adoradores. Vale ressaltar que essa ênfase em comunhão e paz não exclui
o caráter expiatório:

“A refeição compartilhada, que é o resultado desse sacrifício, é


uma celebração do pacto. Cada um adquire um pedaço da oferta:
o Senhor (Levítico 3: 3-4), o sacerdote (7: 28) e os adoradores.” ³

A oferta pelo pecado (Levítico 4: 1-5; 13; 6: 24-30)


Tem por objetivo a remissão dos pecados não intencionais.

A oferta pela culpa (Levítico 5: 14; 6: 1; 7: 1-10)


É o sacrifício (oferta) pela reparação do erro cometido (pecado intencional).

Sacerdócio
Grande parte do livro é dedicado à instrução dos sacerdotes, que eram
restritos à linhagem designada por Deus.
O Livro de Levítico é um convite que diz “VEM”, é um chamado à adoração e
santificação. O nosso desafio é que a leitura de Levítico ecoe no coração, como um
chamado para vida.

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X Números, a geografia e a geopolítica do Pentateuco


Temos uma referência na língua portuguesa muito clara no título do Livro
de Números. Junto com Levítico, talvez o Livro de Números seja um dos textos que
mais afugenta os crentes, afinal de contas, o que tem de espiritual neste livro? É
fácil encontrar pessoas que pulam os nomes e os números até encontrarem uma
narrativa mais “fluida e agradável” no texto. Porém, por que não conseguimos ver
um senso de espiritualidade nestas listas?
Como nos demais livros do Pentateuco, o título que temos em português é
originário da Septuaginta. No hebraico, o título do livro é “b’ midbar”, isto é, "no
deserto". Esse título indica o ambiente de todo o livro, à medida que os israelitas se
deslocam do Sinai (Números 1: 12) para o deserto de Parã (10: 12) e, finalmente,
para as planícies de Moabe (22: 1; 36: 13). Do mesmo modo que Êxodo e Levítico,
Números inicia-se com a conjunção "e", mostrando a continuidade que existe entre
os livros do Pentateuco. Perceba que no texto original, ao invés de termos uma
referência numérica, temos uma referência geográfica. O deserto é um pano de
fundo para muitas histórias que estão sendo contadas pelo Pentateuco, é um lugar
de preparação, revelação e construção do caráter:

“Números cumpre um papel importante ao narrar a transição da


velha geração que deixou o Egito e pecou no deserto para a nova
geração que se encontrava na iminência da Terra Prometida. O
livro, então, apresenta ao leitor uma visão de recomeço e
esperança.” 4

Há dois recenseamentos no livro (Nm 1 e Nm 26), e essas duas listas se


contrapõem, mostrando duas gerações distintas. Nm 1-25 conta a história da
primeira geração, que pecou ao duvidar do poder do Senhor e pereceu no deserto,
sendo substituída por seus descendentes, apresentados no segundo censo.

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XI Gênero literário e estrutura

“Encontramos muitos tipos diferentes de gêneros literários neste


livro: "narrativo (Nm 4.1-3), poesia (21.17-18), profecia (24.3-9),
canto da vitória (21.27-30), oração (12.13), bênção (6.24-26), sátira
(22.2235), carta diplomática (21.14-19), lei civil (27.1-11), lei de culto
(15.7-21), decisão oracular (15.32-36), lista do recenseamento
(26.1-51), arquivo do templo (7.10-88), itinerário (33.1--49)." 5

Classificamos o gênero do Livro de Números como histórico-instrutivo. As


divisões mais comuns dos estudiosos são baseadas na cronologia ou na geografia:

Números Narra os eventos do primeiro dia do segundo mês até o décimo nono dia de
peregrinação no deserto.
1:1; 10: 11

Números
21:10; 36.13 Narra os cinco meses durante o quadragésimo ano no deserto.

Números
10:12; 21: 9 Não datado, mas incluso nos quarenta anos.

Essa divisão didática é extremamente útil para guiar o leitor do início ao fim
dos quarenta anos de peregrinação no deserto. Preste atenção à classificação
geográfica na tabela a seguir (e se possível, tenha um mapa da região):

Números: 1: 1; 10 :10 Deserto de Sinai

Números: 10 :11; 20:13 Área ao redor deCades

Números: 20:14-36:13 De Cades à Moabe

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XII Construção narrativa


Segundo Dillard e Longman III, Números pode ser esboçado da seguinte forma:

A - O fim do antigo - A primeira geração do povo de Deus sai do Egito em marcha


pelo deserto (Números 1: 1; 25: 18).

• Preparação e inauguração da marcha do povo santo de Israel (1: 1-36).

• Preparação e organização ritual da marcha (1: 1; 10: 10).

• O início da marcha (10: 11; 10: 36).

B - O ciclo da rebelião - Morte e libertação do povo santo de Israel com elementos


de esperança, exceto o declínio final e morte (11: 1; 25: 18).

• Ocorrências frequentes de rebelião e expiação, cada uma envolvendo a morte e/ou


ameaça de morte da primeira geração (11.1-20.29).

• O fim da primeira geração: declínio e sinais de esperança (21.1-25.18).

C- O nascimento do novo - A segunda geração do povo de Deus. Fora do Egito,


eles preparam a entrada na Terra Prometida (Números 26: 1; 36: 13).

• A preparação e a organização do novo povo de Deus para entrar na terra


prometida.

• Essa segunda geração será fiel e entrará na terra da promessa ou se rebelará e


fracassará como a primeira geração?

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XIII Pecado e julgamento x Otimismo e esperança


Existe na mensagem de Números certo otimismo, uma esperança, pois
apesar de falar de pecado e julgamento, precisamos nos pautar no ensino do livro
de Isaías: O julgamento que aparece na Bíblia está a serviço da salvação, pois
sempre vem com uma possibilidade de salvação. Em outras palavras, o juízo bíblico
não é um Deus humilhando o ser humano por causa de seus erros, mas é um convite
ao arrependimento, para que as pessoas voltem à intimidade do relacionamento
vivo com o criador. Vemos os dois lados da história: pecado e julgamento (Números)
1:25), otimismo e esperança (Números 25-36).
Em Levítico, vemos nitidamente uma ênfase no culto e na pureza da vida
diária, ao passo que no Livro de Números a ênfase está no caminhar, na
peregrinação, trazendo a ideia de que perseverar é essencial. Se Levítico fala para
nós que santidade é primordial na vida cristã, o livro de Números mostra que
perseverar na geografia árida, em meio aos desertos é essencial. Quem não
persevera não consegue chegar. O Livro de Números mostra um povo que foi
chamado à santidade (Levítico), sendo desafiado a perseverar diariamente.
Perseverar em santidade no deserto! Eis o desafio! Ler o Pentateuco é seguir um
eixo teológico: Deus escolhe, Deus liberta, Deus chama à santidade. O homem, com
ajuda do próprio Deus, é desafiado a persistir. Seu primeiro ato é a escolha, seguido
da libertação, da santificação e culminando na perseverança.

Reforçando a ideia temos o seguinte eixo:


• Escolhidos
• Libertos
• Santificados
• Perseverantes

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XVI Deuteronômio: um renovo da aliança


Seguindo o padrão, o nome do livro vem da Septuaginta, Deutero significa
“segundo”, e Nomos significa “lei”, as duas palavras juntas trazem o sentido de
"segunda lei" ou "repetição da lei". Essa expressão está em Deuteronômio 17, onde
o rei é instruído a fazer uma "cópia desta lei". O episódio em que Moisés quebra as
tábuas da lei não promove uma alteração da norma. Acontece que Deuteronômio
contém uma segunda versão da lei proferida no Monte Sinai, conforme registrado
em Êxodo, Levítico e Números. Em grande parte, o livro consiste em inúmeros
discursos, ou sermões, proferidos por Moisés nas planícies de Moabe. De acordo
com Dillard e Longman III, Deuteronômio “é a crônica de uma cerimônia de
renovação da aliança”, na qual Israel reafirma sua submissão a Deus, e o propósito
de preservar na Sua lei (Deuteronômio 29: 1; 31: 29). Neste livro Israel se prepara
para dois desafios: a vida sem Moisés e as guerras para a conquista da terra.
Segundo Meredith Kline (1963), Deuteronômio possui o mesmo plano e
estrutura dos tratados internacionais conhecidos da cultura hetéia do segundo
milênio a.C. Kline defendeu que o relacionamento de aliança entre um rei vitorioso
e um povo subjugado foi o paradigma que definiu a relação entre Deus, como
suserano, e seu povo vassalo, Israel. Os tratados do segundo milênio apresentam
uma introdução da história da relação passada entre o suserano e o vassalo. Era
recontada, enfatizando a benevolência do rei. As condições estabeleciam as leis
detalhadas aceitas pelo vassalo em sua submissão ao suserano. A exigência mais
proeminente era de submissão exclusiva do vassalo ao senhor do tratado. As
condições incluíam, em geral, preceitos sobre o tributo a ser prestado ao senhor.
No contexto da relação de Israel com Javé, tal tributo consistia, em parte, na
observância da lei e nos sacrifícios exigidos, conforme especificado nas leis de
culto. Os tratados do segundo milênio também compreendiam uma longa lista de
bênçãos e maldições, em razão da obediência, ou não, das condições do pacto.

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Em suma, o Livro de Deuteronômio apresenta características de “tratado”,


correspondente aos documentos do segundo milênio. Esse registro comprova sua
historicidade e mostra que a datação de Deuteronômio é compatível com o tempo
de Moisés. Além disso, por seu conteúdo único, cremos se tratar de um livro
inspirado, a Palavra de Deus.
Podemos dizer que Deuteronômio funciona como a Constituição de Israel,
definiu a ordem social, o código penal, os princípios legais e procedimentos
jurídicos. Como documento, o livro administrou a vida do povo em seu pacto com
Deus. McBride afirmou que o livro deveria ser entendido como o precursor do
constitucionalismo ocidental moderno.

XV Discurso e exposição do decálogo


De acordo com Dillard e Longman III, Deuteronômio foi, por muito tempo,
compreendido como uma série de três discursos de Moisés ao povo de Israel nas
planícies de Moabe, onde cada declaração começa especificando o local exato no
qual foi proferida. Leia os exemplos: "Além do Jordão, na terra de Moabe"
(Deuteronômio 1: 5); "Além do Jordão, no vale defronte de Bete-Peor, na terra de
Seom" (4: 44; 49: 5) e "em Moabe" (29.1).
O primeiro discurso de Moisés (caps. 1-4) fala do passado e conta a viagem
do povo de Israel até a entrada na terra. O segundo (caps. 5-28) fala do futuro e da
vida de Israel sob a lei na terra. No terceiro (caps. 29-32), a nação é orientada para
a renovação do pacto. Esses discursos são encerrados com a narrativa da morte de
Moisés (caps. 33-34).

Christensen afirmou que Deuteronômio é um poema didático, composto


para ser lido publicamente como música no antigo Israel durante o culto, e
frequentemente, expõe os 10 mandamentos, explicando-os em situações reais do
cotidiano do povo:

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“Por exemplo, a proibição do terceiro mandamento contra o mau


uso do nome de Deus é explicada de diversas maneiras que
refletem a necessidade de aceitar Deus com seriedade (Dt 13.1-
14.21), não tolerando os falsos profetas (13.1-5) ou a maldade,
mesmo entre a família e amigos, ou cidades inteiras (13.6-18).
Aceitar a Deus com seriedade, respeitando o seu nome, inclui
observar as leis das dietas especiais de Israel (14.1-21). O
mandamento para não se profanar o nome de Deus tem sua
analogia com o nono mandamento, que proíbe o falso testemunho
contra os outros. O nono mandamento é por sua vez exposto
através de exemplos de falsa acusação e outras questões de
relações entre vizinhos (24.8-16).” 5

Quase não há dúvida de que Deuteronômio tivesse um lugar dentro do culto


de Israel: uma renovação da aliança era, em si, um evento de profunda
religiosidade. E os levitas foram ordenados a ler periodicamente o livro da lei de
Moisés, relativo à cerimônia da Festa dos Tabernáculos (Dt 31: 9-11). O chamado
"Cântico de Moisés" (Dt 32) foi ensinado por ele mesmo à nação (Dt 31: 19,30). Outro
poema que registra a bênção sobre cada tribo pode ter sido musicado em algum
momento. A afirmação de que Deuteronômio tenha sido composto a partir de um
raciocínio musical carece de fundamentação, mas, por outro lado, é visível que a
importância do texto foi tão marcante na vida do povo, que se transformou em
canções, ou ainda foi utilizada em canções para fixar no coração do povo sua
história e lei, já que música e poesia são meios comuns para se transmitir tradições
culturais. O livro retrata o que seria um Israel ideal, apresentando uma nação com
"um Deus, um povo, uma terra, um santuário e uma lei". A identidade nacional é
desenvolvida, sendo proposta uma relação viva entre Deus e o povo, tendo em vista
que cada tribo deveria se enxergar como membro de um único organismo.

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No hebraico, a frase “elleh hade varyim” significa “estas são as palavras”,


expressão apresentada como o nome do livro. Isso sugere a necessidade de
atentarmos para a mensagem desse livro, pois “estas são as palavras”. Logo, essa
é a verdade que precisamos conhecer e aprender, mais do que isso, a ênfase é para
experimentar a palavra dentro de nós, transformando-se em parte de nós ao se
fazer morada interior. O Livro de Deuteronômio foi o clamor para que o povo
recebesse a palavra e deixasse que a mesma fizesse parte íntima da sua
constituição. Não o mero pensamento ou sentimento, mas genuína transformação
e condução da vida.
É comovente ver essa relação da aliança entre Deus e o homem, Deus
convidando o povo a um acordo com Ele e escutar as Suas palavras. Quando este
acordo é selado, são colocadas as bênçãos sobre o Monte Gerizim e as maldições
sobre o Monte Ebal. Lendo o Antigo Testamento, percebemos que o acordo foi
quebrado, e o povo falhou em obedecer. Ficaria no monte da benção quem cumpriu
o acordo, e ficaria no monte da maldição quem não cumpriu. A grande questão é
que todo o povo não conseguiu, tornando-se alvo das maldições que aparecem no
Livro de Deuteronômio. O mesmo vale para nós, que por vezes quebramos a aliança
com Deus, e junto de Israel, nosso lugar é o Monte Ebal.
Ao caminharmos para o Novo Testamento, percebemos que Jesus foi o único
que realmente guardou a lei e cumpriu todas as exigências. Portanto, entendemos
que Jesus foi o único digno, merecedor de todas as bênçãos que estavam neste
contrato que foi firmado entre o povo e Deus, e que o povo é merecedor da
maldição. O que Cristo está fazendo na cruz?... Ele está trocando de lugar com o
povo. Em suma: Cristo se dirige ao Monte Ebal para assegurar nosso lugar no
Monte Gerizim, e o povo que não cumpriu seu papel assume o lugar de receber as
bênçãos em Cristo Jesus, que cumpriu toda a lei, mas assume o lugar de maldição.

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Este conceito é conhecido na teologia como doutrina da substituição, ou seja,


Cristo substituiu o pecador, neste caso, Cristo substituiu o povo, que, só recebeu as
bênçãos, pela obediência e perfeita obra de Jesus, e assim, todas as maldições que
deveriam estar sobre o povo e nós, foram lançadas nEle. Ler o Pentateuco é atender
ao chamado de um encontro com a Palavra, e guardá-la, pois é Cristo:

“Quem tem os meus mandamentos e lhes obedece,


esse é o que me ama. Aquele que me ama será amado
por meu Pai, e eu também o amarei e me revelarei a
ele. (...) Respondeu Jesus: Se alguém me ama,
guardará a minha palavra. Meu Pai o amará, nós
viremos a ele e faremos nele, morada.” (João 14: 21,23)

Não tem como amar ao Senhor sem guardar Suas palavras. O objetivo é que
esta palavra nos traga libertação e desejo de santificação. A santificação levará a
uma vida de perseverança, que levará a uma profunda conexão com Deus. O
próprio João fala, no início da sua carta, que Jesus Cristo é a palavra que sai da
boca de Deus. Então, para conhecê-lo pessoalmente, “essas são as palavras”.

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Notas
1 Swindoll
2 Wilson Porte
3 Dillard e Longman III 4 Dillard e Longman III 5 Dillard e Longman III

Bibliografia sugerida
PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H Wayne
House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson. 2020)

KLEIN, William W. HUBBARD, Robert Jr. BLOMBERG, Craig L. (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy Yamakami. Hans
Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova, 2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard, Tremper


Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

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