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Formação em Teologia

Volume 05

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Formação em Teologia

PENTATEUCO- Cosmogonia - A Origem de Todas as Coisas


(Parte 3)

I A história antes da história


Antes de entrarmos diretamente no Livro de Gênesis, vamos estudar sobre
a maneira que os povos, em especial egípcios e hebreus, entendiam a criação das
coisas; uma visão que expressa, não só como tudo veio a existir, mas a ideia de
mundo presente na mentalidade desses povos. Precisamos conhecer as
cosmogonias, além da visão judaico-cristã, porque elas explicam como as nações
se relacionavam com o tema divindade e como interagiam com o sobrenatural,
influenciando as ações e eventos que vemos na Bíblia.
Cosmogonia é um grupo de doutrinas ou princípios que explicam a origem
do universo e das coisas dentro dele (e até mesmo a origem de um “deus”). Tais
princípios podem expressar uma cosmogonia científica, mítica, religiosa, etc.,
assim, no caso dessas civilizações antigas, vemos uma cosmogonia religiosa
apresentada numa narrativa (exposição de acontecimentos) que contém a teoria
explicando a origem de tudo.
Também era comum, entre nações e culturas, haver muitas explicações para
a origem do mundo, que competiam por prestígio e pelo afeto do povo, por exemplo,
em uma cidade havia uma cosmogonia “A”, enquanto noutra cidade predominava
uma cosmogonia “B”, criando-se rivalidade entre ambas. Vale ressaltar que nem
todos que saíram do Egito, rumo à Terra Prometida, acreditavam em Iavé como
sendo o criador de todas as coisas, alguns misturavam várias cosmogonias vindas
de muitos lugares, como Enûma Eliš, que é o mito de criação babilônio (herdado
pelos egípcios), e um dos mais conhecidos, além de outros que veremos. Enfim, o
pensamento da Antiguidade em relação ao início dos tempos era bastante
sincrético e até divergente da cosmogonia narrada no Livro de Gênesis.

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Contudo, se todos os povos tinham uma cosmogonia, isto é, seu jeito de


explicar a formação das coisas – como no Egito, em que havia várias formas de
explicar essas origens –, o que há de especial na cosmogonia judaico-cristã? Talvez
seja o jeito único no ensino da relação criação-criador, onde Deus é único e está
“fora” da criação, até mesmo entre historiadores céticos, existe a percepção de que
nenhum povo tinha explicado a criação da forma que os hebreus o fizeram, e nesse
sentido, a cosmogonia israelita é vista como incrivelmente original.

II O pensamento dos hebreus antes da cultura judaica

Atualmente, dezenas de cosmovisões disputam o coração e a mente da


sociedade, só para citar algumas: Estoicismo, Gnosticismo, Existencialismo,
Capitalismo, Marxismo, Dualismo, Pragmatismo, Niilismo e assim por diante, de
modo que muitas vezes acreditamos em ideias cuja fonte é uma dessas filosofias
ou outras, e infelizmente, na maioria dos casos nem nos damos conta disso. Não foi
diferente com o povo de Israel, ex-escravos recém libertos, analfabetos, ignorantes
em muitos sentidos e primitivos em todos os aspectos, o povo hebreu foi seduzido
várias vezes ao longo de sua história por ideias, filosofias, religiões e cosmogonias
que ofenderam o Senhor, e para trata-los, preveni-los e protegê-los do paganismo
dos povos ao redor, Deus levantou como líder deles Moisés, um homem altamente
inteligente e erudito, educado em toda cultura e conhecimento, e que sabia das
crenças e idolatria para desviar o povo de Deus dos enganos. Sobretudo, Deus lhes
deu a cosmovisão definitiva através do Pentateuco (Torah) para que assim o povo
pudesse se tornar a nação que deveria ser, desenvolvendo-se como país (economia,
política, segurança, saúde, educação, meio-ambiente, cidadania, religião, etc.) por
meio do Pentateuco.

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Ainda tendo em mente o Pentateuco, vemos que o povo está saindo do Egito,
e não só isso, estava saindo de um festival de deuses, mitos e cosmogonias. Junto
disso, o Senhor estava ministrando sabedoria ao povo, para verem que a diferença
entre “o que se crê” e “o que se entende” cria distorção e divisão, compromete a
identidade e afeta os relacionamentos, tanto entre pessoas, como com Deus. O
Pentateuco é um espelho que mostra o estado em que Israel se encontra, também
aponta o mal que originou seu problema e o remédio para tal, e a raiz do seu pecado
é uma cosmogonia que cria uma cosmovisão que os desvia de um estilo de vida
aprovado pelo Senhor.
O Pentateuco mostra que a fé é protegida pelo coração, e o coração é
protegido pela mente (conhecimento - cosmovisão), isto é, a vida é protegida pela
maneira como vemos e entendemos o mundo e a existência (Cosmovisão) a partir
da fonte (Cosmogonia) que aceitamos. Foi assim no deserto com Israel, é assim no
deserto conosco. O agora é como foi no passado, outrora o Pentateuco forneceu ao
povo de Deus uma cosmogonia/cosmovisão que o tornou íntegro e pleno, dando-
lhe solidez e direção, e não precisariam mais ficar quebrados e perdidos. O Senhor
pode fazer o mesmo por nós, assim como o fez com Abraão, Isaque, Jacó, José e
Israel, dirigindo-os e conduzindo-nos, para poder morar em terras enganosas e
idólatras, mas vibrantes e férteis se habitadas debaixo de um relacionamento com
o Deus Pai, trazendo cura à terra, prosperidade à vida e saúde ao nosso interior.

III Cosmogonia das cidades egípcias

As cosmogonias egípcias são explicadas através de documentos e artefatos


históricos encontrados no decorrer da história. Neste momento não abordaremos
a história bíblica, mas com base nas descobertas arqueológicas, responderemos:
Qual era o sistema de crenças do povo egípcio? Como criam na vida? Quem era o
deus dos egípcios? Quem era esse homem egípcio que estava em contato com os
israelitas?

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Um dos vizinhos de Israel, antes de tudo, falamos de um povo que é


politeísta, ou seja, que crê em várias divindades. Na narrativa dos egípcios sobre a
criação, vários deuses estão envolvidos, através de uma estrutura básica presente
em praticamente todas as cosmogonias egípcias. Lembre-se que um mesmo povo
poderia ter várias explicações para a origem da vida, por exemplo, imagine que
você está no Rio de Janeiro, e existe uma cosmogonia carioca; quando está em São
Paulo, você se depara com uma cosmogonia paulista; em Minas Gerais a
cosmogonia é completamente diferente. Para cada lugar existe uma explicação de
como a vida surgiu, quem a criou e a sustenta.
Abaixo, conceitos básicos da estrutura da cosmogonia egípcia mais popular:

• Num - A divindade essencial, originária das águas primordiais, onde tudo é


criado. Curiosamente, tempos depois, vamos encontrar na filosofia grega o
pensamento de que tudo se origina da água.

• Atum - Também conhecido como Amon-Rá, criou todas as coisas na


natureza. Existe uma hierarquia dentro da criação, Num gera Atum, que
gera todos os seres viventes. Esse é o pensamento básico da cosmogonia
egípcia em que se acreditava.

Heliópolis - Mais conhecida como a Cidade do Sol, se localiza ao sul da cidade do


Cairo. Sua principal divindade é Rá, o grande criador. Provavelmente, você o viu
em filmes que retratam o antigo Egito. Em Heliópolis, Rá é o grande criador, Atom
(Atum) faz a atmosfera (Shu) com um cuspe. Shu (Atmosfera) e Tefenut (Umidade)
criaram Geb, que é a terra. Nut é o firmamento.

De saída do Egito, e durante a passagem pelo Mar Vermelho, muitos hebreus


tinham o pensamento distorcido, duro e incrédulo, passavam por uma guerra
interna entre crendices e a fé no Deus único.

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Ao caminhar no deserto, lembravam do Egito e suas cosmogonias, lembravam que


no Egito havia o Atom, Nut e se perguntavam: Será que vale a pena seguir esse
Deus chamado Iavé? Será que ele é confiável? Como eles lidavam com esse fato?
Estavam divididos, mas alguns se convenceram e se renderam ao Senhor (caso do
próprio Moisés), contudo, muita gente não, ocasionando todos os problemas que
vemos no deserto. Realmente, a religião egípcia deixou uma grande marca no
coração hebreu.

Mênfis - foi a grande capital nos períodos antigo e médio da história, sua divindade
principal era Ptah, e a criação acontecia a partir da palavra e do sexo.
Essa cosmogonia apresenta um elemento familiar, como um eco da história
de Gênesis, mostrando a criação como uma atividade artística e feita com beleza.
Talvez seja uma das poucas narrativas egípcias que exibem essa característica. A
relação de um artesão com sua obra-prima, a natureza. A maioria das cosmogonias
é violenta e dramática.

IV Cosmogonia de Enuma Elish


A divindade principal é Apso, o seu poder era a água doce, e ele era casado
com Tiamat, a deusa do mar.
Existiam vários deuses violentos que estavam promovendo o caos. Eles
foram criados pelo próprio Apso, que, ao perceber a situação fugindo do seu
controle, resolve matar todos esses deuses para resolver o caos criado por tanta
violência, é quando outro deus, chamado Ao, fica sabendo do plano de matar os
deuses e assim, Ao mata Apso.
Essa cosmogonia explica que a vida começa numa briga de deuses, da
mesma forma que a mitologia grega mostra rivalidade e conflito entre os deuses.

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V O pensamento filosófico-religioso e a Babilônia


A religião mitológica babilônica é a matriz de todo pensamento filosófico
religioso corrompido. As religiões de todos os povos, que cruzaram o caminho do
povo de Deus ao longo da Bíblia, são variantes e adaptações. Veja os paralelos
entre uma cosmogonia e outra:
Danka, que era a esposa de Ea, dá à luz a Marduk. Como foi dito, Apso é
assassinado por Ao. Tiamat, que era a esposa, jura vingança e se casa com outro,
chamado Kingu. Ea, mais uma vez, descobre o plano e começa uma guerra
mitológica entre os deuses egípcios, numa verdadeira briga por território. Marduk
assume o reino. Primeiro ele passa no teste criado por Tiamat para ver quem seria
seu general nessa batalha por vingança. Depois Marduk, mostrando o seu valor e
a sua força, toma o reino de Apso, que é o criador dos deuses. Por fim, Marduk se
revolta e luta contra Tiamat. Seu triunfo o torna o grande vencedor entre os deuses.
A criação é um resultado dessa guerra O fim da guerra é estabelecido por ele..
Começa com Marduk porque, das tripas de Tiamat, ele faz o ser humano, a terra e
tudo que existe.
Percebemos que a cosmogonia egípcia do Enuma Elish explicava que o
criador de todas as coisas foi Marduk. Da saliva da Tiamat, Marduk cria chuva.
Chamamos a sua atenção para um detalhe: Babilônia é conhecida nos escritos
antigos como “Cidade da chuva”.
O artefato que narra e explica essa cosmogonia é uma pedra antiga
chamada “Pedra Branca”, encontrada durante escavações arqueológicas, nessa
pedra está escrito toda a narrativa do Enuma Elish. Ela termina com louvores a
Marduk e dizendo os 50 nomes de Marduk, o “deus sol”.
Entretanto, qual a importância disso para o nosso estudo? Marduk, o criador
na cosmogonia babilônica, é “o deus-sol”, ou seja, Ninrode, o personagem que
temos estudado até agora.

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Neste ponto há uma fusão entre um ser humano real, chamado Sargom,
identificado na Bíblia como rebelde (Ninrode), e uma narrativa mitológica, de forma
que fica impossível saber a fronteira entre o homem e o mito. Ninrode é
fundamental para entendermos os cinco primeiros livros da Bíblia, e esse pano de
fundo é o ponto de partida para entendermos a forma de ler o Pentateuco.

VI Intenção hermenêutica do Pentateuco


A criação é o ato inicial e fundamento da revelação, assim, Deus começa a
se revelar ao homem através da sua criação, gerando os seguintes resultados:

• Fortalece a fé; • Fonte de consolo, louvor e gratidão;

• Dá confiança; • Ensina humildade e mansidão.

Surpreendentemente, o Livro de Jó mostra que o consolo chega à vida de Jó


quando ele é impactado por um conhecimento profundo do Deus que cria e governa
todas as coisas. A doutrina da fé só pode ser entendida a partir da própria fé
(Hebreus 11.3), e de maneira nenhuma pode ser subestimada pelos cristãos.

VII Creatio Ex Nihilo


“Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra. E em
Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor, o qual foi concebido pelo
Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi
crucificado, morto e sepultado, desceu ao inferno, no terceiro dia
ressuscitou dos mortos, subiu ao céu, e está sentado à direita de Deus
Pai Todo-Poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio
no Espírito Santo, na santa Igreja Cristã - na comunhão dos santos, na
remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na Vida Eterna.
Amém.” (Catecismo Menor – Lutero)

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Apesar das muitas variações e deformações, a igreja cristã nunca teve


dificuldade de entender que Deus é o criador de tudo. A palavra criar em hebraico
tem uma peculiaridade, “Bara” só é usada para se referir ao ato criativo do próprio
Deus, o mesmo pode ser dito das palavras em grego no Novo Testamento: ktizien
(Mc 13:19); poien (Mt 19:4); phemelionun (Hb 1.10) e plassein (Rm 9:20).
A expressão “Creatio Ex Nihilo” significa “Criar a partir do nada”, e isso traz
algumas dificuldades, a primeira é a contestação de Aristóteles, “Ex nihilo nihil fit.”
(Nada é feito do nada). O argumento postula que existe uma causa para todas as
coisas, logo, tudo precisa ser “causado”. A criação bíblica não é necessariamente
uma oposição a esse raciocínio lógico, e o detalhe crucial é que a causa da criação
não é material e sim espiritual e divina. Além disso, jamais será possível explicar
como tudo foi criado apenas pela matéria, em última análise, a “matéria” não pode
jogar luz suficiente na real causa da criação.
Resolvida a causa, partimos para a segunda questão, que está relacionada
aos meios. Há especulações de que Deus possa ter iniciado Sua criação a partir do
caos, é o que muitos sugerem ao analisar a expressão de Gênesis 1 “A terra era sem
forma e vazia”. Pelo raciocínio cristão, entendendo que a matéria não é eterna,
então tudo foi criado pelo “poder da Sua palavra”, Deus falou e então as coisas
vieram a existir, e ainda que o caos faça parte do ato criativo de Deus, isso não
muda o fato da Creatio Ex Nihilo.

VIII O Pai, o Filho e o Espírito Santo na criação


Deus criou todas as coisas por meio do Filho (Salmo 33:6; Provérbios 8: 22;
João 1:3; João 5: 17; I Coríntios 8:6; Colossenses 1: 15-17; Hebreus 1:3) e por meio
do Espírito (Gênesis 1:21; Salmo 33:6; Jó 26:13; Jó 33:4; Salmos 104:30; Isaías
40:13; Lucas 1:35). Analisando, perceberemos que o Filho e o Espírito Santo não
podem ser vistos como meros agentes secundários, e o pensamento contrário à
trindade vem de uma teologia equivocada sobre Deus e a criação.

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Arianos, Socinianos e Remonstrantes, ao sabotarem a doutrina da criação, tornam


a trindade invisível no texto sagrado, segue o argumento: Se o Pai incumbiu o Filho
de criar, logo, o Filho é o verdadeiro Criador. O Filho é Deus! Por outro lado, se o
Pai e o Filho criaram juntos não se trata de uma criação “pelo” Filho, mas “com” o
Filho. A Bíblia é muito clara em afirmar a criação “por” e “pelo” Filho, some-se a
isso o fato de que o uso da palavra “Bara”, e seus equivalentes em grego (como já
foi visto), é exclusividade do ato criativo de Deus. Essas palavras são factíveis tanto
ao Filho como ao Espírito Santo.

IX O objetivo da criação

A vontade de Deus - Para o cristão é importante reconhecer que não há nada


maior, mais agradável e perfeito que a vontade de Deus, como ensina Paulo (Rm
12:2), se perguntarmos por que Deus criou o mundo e o homem, nenhuma resposta
é completa sem mencionar a vontade de dEle, que criou porque quis criar:

“Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque


tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram
criadas.” (Apocalipse 4: 11)

A bondade de Deus - Deus não criou o mundo por alguma necessidade ou para
receber alguma coisa, mas para dar e comunicar-Se. A razão para a criação é a
Sua bondade e amor, não para consigo mesmo, mas para com os seres humanos.

A glória de Deus - O objetivo final de toda a criação é a glória de Deus. Toda obra
das mãos de Deus está diretamente ligada à Sua glória, pois não existe nada mais
nobre e mais excelente, nada mais puro e mais digno.

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“A todos os que são chamados pelo meu nome, e os que criei


para a minha glória: eu os formei, e também os fiz.” (Is 43:7)

“E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo,


para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para
louvor da glória de sua graça, pela qual nos fez agradáveis a
si no Amado.” (Efésios 1: 5,6)

O mundo foi feito por esta razão, para que pudéssemos nascer. E nascemos
para poder conhecer o criador do mundo e nosso Deus. E “Nós o conhecemos para
que pudéssemos adorá-Lo.” ¹

X Cosmovisão e criação
Devemos entender que, assim como as cosmogonias egípcias afetaram a
forma do povo de Deus se perceber e se relacionar com o Senhor, a cosmovisão
cristã equilibra o modo como lidamos com tudo ao redor. O cristianismo superou o
desprezo pela natureza, que torna o ser humano em um predador cruel, que destrói
e desfaz o meio ambiente e toda criação em geral. Na rota oposta, o cristianismo
superou a deificação da criação, que torna qualquer elemento da natureza,
inclusive o próprio ser humano, em um alvo de adoração. O homem que transforma
a natureza num deus se torna refém de todo tipo de idolatria e superstição.

XI Hermenêutica do Pentateuco
De volta à hermenêutica, encontramos, de um lado, a matriz do pensamento
religioso babilônico, e do outro, o darwinismo do pensamento evolucionista. Usar
as “lentes” de Darwin para interferir na leitura do Pentateuco é um problema grave
e, infelizmente, cada vez mais comum. Ler o Pentateuco de acordo com a ótica
evolucionista faz pouco sentido e traz muita confusão.

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Precisamos nos despir dessas estruturas, seja babilônica, evolucionista ou


qualquer outra, para que o texto volte ao seu lugar de origem: ser a voz de Deus,
tendo em nós primazia.
Por mais que muitos na comunidade científica queiram jogar a ciência
contra a fé, não são as descobertas do Darwinismo que rivalizam com nossa fé, a
oposição real são as filosofias, que sempre se opuseram ao pensamento e fé
judaico-cristã, como as denominadas Materialismo e Naturalismo.
Evolução não é uma criação da modernidade, os filósofos gregos, como
Anaxímenes, Heráclito (evolução panteísta), os Atomistas (evolução materialista) e
Aristóteles já ensinavam certo tipo de evolução. Segundo Haeckel, Darwin não
descobriu fatos novos, o que fez foi utilizar/combinar os fatos com exclusividade,
sintetizando o pensamento em sua teoria das espécies. Então temos:

• Luta pela vida - Cada ser é forçado a se desenvolver e se aperfeiçoar. Caso


contrário, perecerá.

• Seleção natural - A própria natureza seleciona aqueles que são melhor


constituídos (a fêmea dá preferência ao macho mais aperfeiçoado).

• Transmissão do aperfeiçoamento - As propriedades positivas adquiridas na


luta pela sobrevivência são transmitidas à descendência.

O que precisa ser esclarecido é que o darwinismo junta fatos biológicos com
filosofia monista. O Monismo estabelece que uma potência pura (átomos, caos ou
células) é o mesmo que nada, e a partir disso, do “nada”, tudo pode se desenvolver.
Não cabe ao estudo atual usar contra-argumentos científicos, mas explicitar:

• O pensamento evolucionista não é uma novidade.

• O que afasta o pensamento cristão do evolucionismo.

• Percepções simples da nossa fé que demonstram que o Deus criador


sustenta a tudo em graça.

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Quanto ao segundo argumento, pode-se dizer que o evolucionismo prega


que seres superiores são formados a partir de seres inferiores. Seguindo essa ideia,
o homem descende do macaco. O ponto de contestação é o seguinte: Se o homem
foi criado à imagem de Deus, é incompatível vincular seu surgimento a imagem de
um macaco. Finalmente, a nossa fé nos dá um testemunho inequívoco de que a
teoria da evolução é insustentável. Se, por um lado essa teoria ensina que na luta
pela sobrevivência os mais fortes sobrevivem, por outro a própria Biologia contesta
essa premissa, pois os organismos tidos como “inferiores” ainda existem. A fé não
briga com a Biologia, mas a corrobora, ensinado que sobrevivemos apesar das
nossas fraquezas. Não foram as nossas fraquezas pessoais a causa da nossa
destruição. O Deus da graça, criador, é o mesmo Deus que mantém o universo, e
todos os organismos, sejam superiores ou inferiores, para o louvor de Sua glória.

XI Os Rivais do criacionismo de Gênesis

Os verdadeiros rivais à forma cristã de ler Gênesis precisam ser revelados,


e são justamente essas duas filosofias que se transvestem de ciência e agridem o
pensamento cristão. Ao resistir à criação divina, ou rejeitar a Deus como criador,
sobram duas alternativas: ou se explica a matéria a partir da mente, ou se explica
a mente a partir da matéria. O primeiro caso é a premissa do panteísmo, enquanto
o segundo caso constrói o materialismo.

Panteísmo - Retrata o universo como procedente de um princípio básico (Deus),


sendo o próprio universo a emanação de Deus. Spinoza é o pensador que restaura
o Panteísmo ao lugar de honra na filosofia moderna. No pensamento de Spinoza,
Deus e o mundo se relacionam como essência e forma, isto é, são a mesma coisa,
vistas de ângulos diferentes. De acordo com esse raciocínio, Deus não é a causa de
tudo, mas é o próprio tudo. Esse conceito pode ser visto nas religiões e filosofias
orientais, revelado em frases como: “O Deus que habita em mim saúda o Deus que
habita em você”.

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Materialismo - Pensamento que busca explicar a criação de todas as coisas a partir


de átomos materiais indestrutíveis, onde processos físicos e químicos, obedecendo
à leis fixas, são responsáveis pela criação do universo. O materialismo tem raízes
na filosofia grega, mas reaparece na Alemanha do século XIX, através de
Feuerbach, o pai do materialismo alemão.
O Materialismo admite a multiplicidade de “princípios causadores”, os quais
são entendidos como partículas indivisíveis da matéria. De fato, é uma filosofia
edificada sobre a negação de toda a filosofia, e por isso é inerentemente
autocontraditória, pois rejeita tudo o que é absoluto e, ao mesmo tempo, faz com
que os átomos sejam absolutos.
Nega a existência de Deus e deifica a matéria. Se tudo que existe são átomos,
de onde vem a pretensão de explicar aquilo que não é material (metafísico)? Tão
grandiosa quanto o mistério da existência do espírito, é a explicação para o
significado da matéria. O reducionismo da filosofia materialista não consegue fugir
do mistério, seja em explicar o que é espírito, seja em explicar o que é matéria.

XII Mito ou História?


É possível que você tenha uma resposta a esta pergunta: Gênesis 1 é mito ou
história? Se não compreendermos que o pensamento hebraico trabalha com
intencionalidade, jamais faremos a leitura correta do texto bíblico. Somos treinados
a pensar dentro de um mecanicismo, abrigado na funcionalidade do pensamento
grego. E esse pensamento nos leva a perguntar: Como funciona? Para que serve?
E quando essa forma de pensar olha para a narrativa de Gênesis, quer saber como
o céu foi criado, como a lua foi criada e quando foi. O pensamento grego busca uma
explicação técnica e funcional para as coisas, sendo que a mentalidade bíblica não
se propõe a explicar a mecânica do universo, e sim revelar a intenção do autor.
Então a pergunta certa a se fazer ao ler o texto é: Qual é a intenção?

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Insistimos, ao inspirar pessoas para escrever o Pentateuco, o Espírito Santo mostra


Sua finalidade: combater a idolatria das pessoas recém libertas do Egito.
Este estudo buscq criar uma nova percepção que auxilie o olhar do leitor da
Bíblia. Assim, durante a leitura dos cinco primeiros livros da Bíblia, recomendamos
que você NÃO se limite à questão “Como funcionam as coisas?”, mas, sim, à
verdadeira intenção que a Escritura apresenta, pois da mesma forma que o texto
bíblico ministrou ao coração daquele povo necessitado, eu e você também
precisamos desses cinco livros em nossas vidas. O Pentateuco é um instrumento
que combate e nos protege contra a tendência de criar deuses falsos, de criar falsas
explicações para vida, de explicar as coisas do nosso jeito e esquecer de que, se
existe um criador, é Ele quem organiza a vida, mesmo quando não entendemos.
Além disso, ao cabo desses muitos conceitos, ficarão algumas perguntas: a
narrativa do Pentateuco é mitológica com sentido espiritual, é meramente
mitológica, ou é histórico-teológica? A escolha definirá os resultados do tipo de
leitura que fazemos, um deles é o método histórico-crítico, que faz sua escolha
esvaziando o sentido espiritual e teológico, confinando o discurso bíblico a uma
versão existencialista e pós-moderna da fé judaico-cristã, ficando confinada a
meros insights ético-morais. Esse método tem o seu embrião em 1779, por meio da
afirmação de um estudioso que simplesmente dizia que havia poesia na Bíblia. Tal
afirmação encontra na sociedade da época um espírito racionalista, de
desconfiança crescente, e a noção de que existe “poesia” foi atacada através do uso
dessa desconfiança como “método” para ler o texto bíblico. Assim, antes, o texto
bíblico era entendido como revelação, a narrativa da intervenção de Deus na
história. Posteriormente, nessa época de primazia pela racionalidade, na mão dos
críticos, a Escritura foi transformada num texto suspeito e cheio de segundas
intenções. Foi tido como um mosaico de narrativas mitológicas e manipulações
literárias, com cada vez menos peso de eternidade, ou seja, um texto de palavras
vazias que não trazem vida eterna.

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A posição ortodoxa entende que o Pentateuco tem o objetivo de combater a


idolatria, apresentando um Deus criador como resposta à dúvida humana. Já a
posição liberal (histórico-crítica) se opõe, especula, fragmenta e não diz a verdade,
é tendenciosa e carnal. Lembrando, a tradição vê a Bíblia como a Palavra de Deus.

XIII Arqueologia bíblica


Assim como o relato da criação em Gênesis, existem outros documentos que
relatam criação registrados por outras civilizações do antigo Oriente Médio, a
descrição mais antiga da criação é a história sumeriana de Eridu, descoberto na
cidade de Nippur, a história é relatada num único tablete fragmentado, a narrativa
talhada no documento indica que os deuses An, Enlil, Enki e Ninhursag criaram
pessoas de cabeça negra e estabeleceram condições para os animais viverem e
reproduzirem. Depois, a realeza dos deuses desceu do céu e fundou as primeiras
cidades: Eridu, Bad-Tibira, Larsa, Sippar e Shuruppak. Um relato sumeriano mais
completo está em cinco tabletes do início do segundo milênio a.C., também foram
descobertos na cidade de Nippur e estão expostos no Museu do Louvre (Paris).
Interessante perceber que há documentos de culturas diferentes falando
sobre a criação, sobre o dilúvio e até mesmo um paralelo babilônico para a queda.
Para esse fato temos duas posições distintas: a primeira é a dos críticos, com base
nas diversas narrativas sobre esses eventos, afirmam que se tratam de narrativas
mitológicas, onde cada povo, a partir da sua cultura, tenta explicar a origem da vida
e seus significados através dos elementos que possuem. Já a segunda posição
percebe dados comuns à todas as narrativas, crendo haver um evento primordial,
presenciado e testemunhado, mas que, ao longo da história, foi traduzido e
distorcido para dentro das culturas existentes. Cremos que a segunda alternativa
é verdadeira, entendendo que quanto mais longe de Deus, mais distorcidos se
tornaram esses relatos históricos. Segue abaixo um quadro mostrando os pontos
em comum da narrativa bíblica de Gênesis e o relato de Enuma Elish ².

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Relato de Enuma Elish Relato Bíblico

Deus governa os céus e a terra Deus criou os céus e a terra


(IV. 20-25;V.I,135) (Gen 1:1)

Caos aquático separando os céus da terra Uma condição sem forma e vazia
(IV. 137-140) (Gen 1:1-2)

A luz é pre-existente na criação do sol, lua e A luz foi criada antes dos luminares
estrelas (I. 102;V.I-12) (Gen 1:3-5)

O número 7 é usado com frequência Sétimo dia; descanso da criação


(IV. 46 ;V.17) (Gen 2:2-3)

O homem foi criado do barro misturado com O Homem foi feito do pó da terra
sangue (VI. 33) (Gen 2: 7)

É dado ao homem cuidar da terra (no lugar O homem foi designado para cuidar
dos deuses menores) (VI 8.34) do jardim (Gen 2:15)

Sabendo dessas coisas, precisamos voltar ao texto com uma convicção


profunda de que o dono da história está nos apresentando-a exatamente da
maneira que precisamos recebê-la em nossos corações. Agora, estamos
preparados para ir adiante e estudar o Livro de Gênesis.

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Notas
1 Bavnick
2 Enuma Elish, Tabletes I-V. Cos I:390-402

Bibliografia Sugerida
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