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ANTROPOLOGIA TEOLOGICA
O fato é que alguns livros da Bíblia, em especial, Gênesis 1-11, são inegavelmente
carregados de linguagem mitológica e arquetípica. Os elementos mitológicos (como a
criação do mundo, árvores sagradas, dilúvios e a criação do homem), são encontrados
em diversas outras histórias dos povos antigos, assumindo formas de arquétipos:
A mitologia, assim como o método parabólico de ensino nos tempos de Jesus, era uma
forma bastante popular de contação de histórias e transmissão de informações e
conhecimentos. Especificamente as narrativas, “tiveram a intenção de dar sentido e
direção a um determinado povo no presente, e […] as narrativas bíblicas não são
diferentes de outras histórias” [1], como afirma Gordon Fee.
Sinceramente, não sei como surgiu o conceito pejorativo de “mito como uma mentira”,
mas para alívio do leitor, estarei longe de definir ele assim, ou como uma historinha
contada por pessoas desprovidas do conhecimento científico. Pelo contrário: minha
apresentação sobre o mito neste texto será de uma verdade.
Como disse o mitólogo Mircea Eliade, “o mito é considerado uma história sagrada e,
portanto, uma história verdadeira, porque sempre se refere a realidades”. O mito é
verdadeiro porque ele conta uma história de origem, de como as coisas foram criadas
até termos a realidade que conhecemos hoje. De fato, sabemos que a queda é real
porque existe o pecado hoje, sabemos que Abraão e os demais patriarcas existiram
porque o povo judeu existe, bem como o restante dos seus elementos históricos.
Grosso modo, quando nós também contamos histórias dos nossos antepassados e dos
nossos parentes, estamos celebrando o mito dos antepassados. Perceba que a
questão da precisão factual de forma alguma altera esta verdade. Compreender os
mitos significa viajar através do tempo, adentrar pelo fantástico nas páginas e saber
como as coisas são e como elas se tornaram o que são. Os mitos bíblicos contam a
história de um povo, o povo santo de Deus, nos conduz pelos caminhos da criação,
queda, redenção e justiça, nos conduz à Verdade.
Pelo simples fato que expliquei anteriormente, devido à verdade que os relatos bíblicos
contém em relação ao que os outros mitos não possuem.
O relato de Ea, no Enuma Elish, criando o homem com sangue e ossos, parece ser
semelhante à Gn 2:23, mas não expressa a verdade que existe hoje: a humanidade
como administradora responsável de toda a criação, criada à imagem e semelhança do
Criador. O que ela expressa é uma definição de uma humanidade reduzida tão
somente à escravidão dos deuses
Essas, dentre outras, são as pequenas sutilezas entre os mitos que no fim fazem uma
grande diferença: nos mitos bíblicos temos a Verdade, revelada a nós pela Fé. Os
outros mitos podem mostrar realidades, mas em comparação bíblica, eles apenas
contém verdades.
Mas então, Gênesis é um mito? Com as devidas explicações dadas, com certeza,
Gênesis é um mito (especialmente Gn 1-11). Sobre a literalidade e exatidão dos fatos
relatados, não me atreverei a afirmar categoricamente sobre isso: me inclino para o
lado da não literalidade, mas compreendo que este assunto na teologia ainda está
longe de ter uma conclusão. O que posso afirmar é que de acordo com o mito, a Bíblia
é riquíssima em verdade pois ela descreve com precisão a criação, corrupção e
restauração da natureza humana. Acredito que nenhum crente se atreverá a se opor a
isto.
Uma das primeiras referências da Torá e, por assim dizer, do Pentateuco, está nos
manuscritos de Qumran, pertencentes a uma comunidade que vivia no deserto próximo
ao Mar Morto, entre os Séculos II a.C. e I d.C. Um fragmento de manuscrito encontrado
na Caverna 1, onde parte da biblioteca dos qumranitas foi depositada apresenta a
expressão kw(s)prym, isto é: Todos os rolos do Pentateuco (cf KIBUUKA: 2020, p. 22).
O nome Gênesis deriva do grego (Γένεσις), que vem significar: origem. Em hebraico,
bereshit ()ְּבראִׁש ית,
ֵ no princípio. Podemos também ouvir sua definição como o Primeiro
Livro de Moisés. Em suma, o Livro das Origens. Gênesis tenta dar respostas aos
primeiros enigmas do homem: o cosmo, a vida e a morte, o bem e o mal, o indivíduo e
a sociedade, a cultura e a religião. É um livro sobre as origens. Trata do “Como” e dos
“Porquês“. Questões primordiais da compreensão da existência humana. Tais repostas
recebem uma abordagem teológica, sobretudo, quando da reforma Sacerdotal do
judaísmo, 520-516 a.C. Tenta dar um trato histórico, mesmo que, com isso, pareça
mítico. Em se tratando do gênero em que foi escrito pelo autor sagrado, a formulação,
concatenação de fatos e ideias, aproxima-se de relato histórico. Outrossim, fica-nos
impossível crer que seja revestido de historicidade. O Gênesis também não pode ser
entendido como mito, embora utilize de expressões míticas, desmitificando-as. Aí está
a grande aventura de se compreender o Gênesis: história e mito se misturam,
enamoram-se, dialogam. Nada mais expressa a grandeza criativa de Deus, que desafia
os conceitos básicos de compreensão. Ele, o Todo, só pode ser compreendido a partir
de sua totalidade. É uma história, sem historiografia. Não permite a literalidade,
também expurga o relativismo. O Criador, Yhaweh/Elohin, é! Isto basta.
Antes de examinar o conteúdo bíblico-teológico dos dois relatos da Criação (Gn 1-2), é
importante considerar as cosmogonias provenientes do contexto histórico em que foi
formado o texto de Gênesis. Antes, poderemos nos perguntar: o que é Cosmogonia?
Cada povo tem seu mito fundador sobre a origem do mundo. Cada cultura conta sua
história e suas lendas. Princípios religiosos, míticos ou científicos tentam explicar a
origem do universo e influenciam a nossa visão de mundo. No contexto do Brasil, e até
mesmo sul-americano, podemos ver e ouvir, comumente, narrações sobre cinco
cosmogonias: Yorùbá, Maxakali, Grega, Maia-quiché e Judaico-cristã (cf RIBEIRO:
1986, p. 83).
Nos tempos em que nascia o povo hebreu, assim como quando ele tentou manter sua
fé e sua liberdade, as narrativas do Antigo Oriente Próximo, isto é, a civilização egípcia
e os vários povos que dominaram a região da Mesopotâmia, nas proximidades dos rios
Tigre e Eufrates, como os sumérios, amonitas (ou amoritas), assírios e caldeus;
acreditavam em uma cosmogonia em que a formação do universo é resultado de lutas
entre deuses. A criação do ser humano era uma forma de resolver o desconforto que
existia no mundo divino. Claro, estamos falando do politeísmo presente nas culturas
vizinhas. Na Mesopotâmia, presente no poema Enuma Elish, por exemplo, relata que
os deuses surgiram de um caos primordial. Os Egípcios tinham divindades diversas.
Acompanhando sentimentos humanos e fenômenos da natureza. O politeísmo não era
parte da crença do povo hebreu. Acreditavam em Yahweh, Deus único, mesmo que
seja apresentado com outro nome: Elohim, El Shaday. A fé monoteísta entre os
hebreus é um fato.
O autor do Gênesis toma a imagem do mundo tal como a ciência de então a via. Ele a
simplifica e estiliza em seres e grupos elementares. Divisão e oposição são os
princípios de ordem e harmonia (Eclo 33,7-15), classificação e nomenclatura são
princípios de conhecimento organizado. Essa visão empírica é projetada globalmente
no momento do primeiro existir, e aí entram em ação dois princípios dinâmicos: o alento
de Deus que gesta e transforma o Caos em Cosmo, e a Palavra soberana de Deus,
que dá ordem para o existir, designa lugar e nome. Por fim, abençoa (Gn 1,10).
As Escrituras abordam o tópico dos sexos em muitas ocasiões, mas descobrimos seu
tratamento básico nos capítulos iniciais de Gênesis. Este fato é em si uma indicação
inicial de quão intimamente entrelaçado este assunto está com a narrativa bíblica em
geral, e quão importante um tema deve ser para qualquer teologia que surja fielmente
dele. Portanto, quanto mais atentamos para Gênesis 1-2, mais aparente será que os
temas de gênero são sutilmente difundidos por toda parte.
Primeiro, e talvez o mais óbvio, o homem é criado antes da mulher (cf. 1 Co 11. 7-9 e 1
Tm 2.13).
Quarto, o adam é criado para ser um lavrador e guardião da terra, enquanto a mulher é
criada para ser a ajudante de adam, para resolver o problema multifacetado de sua
solidão. O tipo de ajuda que se espera que a mulher forneça tem sido motivo de
considerável debate. No entanto, não é difícil descobrir o cerne da resposta. Se fosse
pela nomeação dos animais, a tarefa já estaria concluída. Se fosse puramente para o
trabalho de cultivar a terra, um ajudante do sexo masculino seria quase certamente
preferível. Embora os homens possam, sem dúvida, achar a companhia de mulheres
muito agradável e vice-versa, além do primeiro fluir do amor jovem, é na companhia de
membros de seu próprio sexo que muitos homens e mulheres optam por passar a
maior parte do tempo. A ajuda primária que a mulher deveria fornecer era auxiliar adam
na tarefa de povoar a terra por meio da gravidez, fato que é sublinhado no julgamento
posterior sobre a mulher. O problema da solidão do homem não é um problema
psicológico de solidão, mas o fato de que, sem ajuda, o propósito da humanidade não
pode ser alcançado.
Quinto, o adam foi criado do pó, com Deus soprando nele o fôlego da vida. A mulher foi
criada com carne e osso do lado de adam enquanto ele dormia profundamente. O ser
da mulher deriva do homem, o ser do homem da terra – a adamah. Adão foi “formado”
enquanto a mulher foi “construida”.
Sexto, o adam foi criado fora do Jardim e antes de sua criação; a mulher foi criada
dentro dele. A mulher tem uma relação especial com o mundo interno do Jardim; o
adam tem uma relação especial com a terra fora do Jardim. Além disso, ao contrário da
mulher, o adam provavelmente testemunhou a atividade de formação do jardim de
Deus como parte de sua preparação para o próprio cultivo da terra.
Oitavo, adam recebe a tarefa de nomear os animais, como um sinal e preparação para
seu domínio sobre o mundo, enquanto a mulher não. É adam que também nomeia a
mulher, duas vezes (primeiro de acordo com sua natureza como “mulher” em 2.23,
depois por seu nome pessoal “Eva” em 3.20), enquanto ela não o nomeia.
Homens e mulheres são criados para diferentes propósitos básicos. Esses propósitos,
quando buscados em unidade e com apoio mútuo, podem refletir, no mundo, a própria
forma de governo criativo de Deus. A vocação do homem, conforme descrito em
Gênesis 2, corresponde principalmente às tarefas dos primeiros três dias da criação:
nomear, domar, dividir e governar. A vocação da mulher, em contraste, envolve
principalmente encher aterra, glorificar, gerar, estabelecer comunhão e trazer uma nova
vida – todas as tarefas associadas aos segundos três dias da criação. As diferenças
entre homens e mulheres não são meramente acidentais, mas essenciais para o nosso
propósito. Elas também são profundamente significativas, relacionadas aos próprios
padrões fundamentais de operação de Deus. Deus nos criou para sermos homem e
mulher e, assim, refletirmos seu próprio governo criativo em seu mundo.
Expressar a diferença sexual por uma vasta gama de formas culturalmente conjugadas
pode mostrar a beleza de nossas diferenças particulares. Nossas diferenças são mais
do que meros sortimentos aleatórios e instáveis de contrastes entre duas classes de
pessoas. Longe disso. Nossas diferenças são musicais e significativas,
inseparavelmente interligadas.
Gênesis não enfatiza tanto a diferença entre homem e mulher, mas a profundidade e o
amor de sua união em uma só carne. Homens e mulheres são diferentes, mas essas
diferenças não foram projetadas para nos polarizar ou nos colocar uns contra os
outros. Em vez disso, eles devem ser expressos em atividades unificadas, porém
diferenciadas, dentro do mundo e em nossos laços mais próximos uns com os outros.
Não se trata de diferença de um para outro, mas da diferença para cada um. O que
torna a mulher única é sua capacidade de complementar o parto em profunda união
com o homem. Os animais também são auxiliares, mas apenas a mulher é uma
contrapartida adequada para o adam em sua vocação; apenas a mulher é a esposa
com quem ele se torna uma só carne. As diferenças entre homens e mulheres são,
precisamente, as características que os tornam adequados um ao outro.
Desde meados deste século, a revisão da noção do pecado original, tal qual exposta
por santo Agostinho e codificada pelos concílios de Cartago (418) e de Trento (1546),
esteve na ordem do dia da inflexão teológica. Contra os pelagianos, Agostinho defende
um pecado de origem entendido como falta hereditária para todo descendente de
Adão, com a consequência penal da condenação eterna para aqueles que dela não
são libertados por Jesus Cristo. Segundo essa perspectiva, ele lia tanto a encarnação
do Filho de Deus como o costume da Igreja de administrar o batismo até mesmo às
crianças.
Foi no Ocidente, em Cartago, na África, que se pós pela primeira vez, em 411, a
questão do pecado original. Enquanto a Igreja da África praticava o batismo das
crianças, Celéstio, defensor do grupo de Pelágio, não admitia que a criança de pouca
idade pudesse ser batizada “para a remissão dos pecados". Ele foi citado perante um
sínodo de padres de Cartago, que fora convocado a pedido de Paulmo de Milão, e
questionado a respeito de seis pontos, agrupados em quatro principais artigos de
acusação:
- Adão tinha sido criado com natureza mortal e não a adquiriu pelo pecado
(ponto 1).
- Seu pecado não teve influência sobre todo o gênero humano: as crianças
nascem, pois, na condição em que estava Adão antes do pecado e a morte nao e para
ninguém consequência do pecado de Adão (pontos 2, 3 e 4)
- Cada homem tem a possibilidade de não pecar, possibilidade que sempre
existiu, porque podemos ganhar a vida eterna pela observância da Lei, bem como pelo
seguimento do Evangelho (ponto 5).
- Sempre houve homens impecáveis, ou seja, sem pecado (ponto 6).