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LENDO O ANTIGO TESTAMENTO

Autor: Leônidas Ramos Ghelli

O Antigo Testamento é uma literatura hebraica. Foi escrito por hebreus


num contexto histórico, social e religioso hebreu. Os leitores originais eram
hebreus, quer morassem na Palestina, quer morassem na Babilônia, ou em
qualquer outro lugar. Sendo assim, qual a importância do Antigo Testamento
para nós, os cristãos? Todos os cristãos concordam que o Antigo Testamento
deve fazer parte do Cânon Cristão. Mas como devemos fazer a leitura do
Antigo Testamento? Como o Antigo Testamento se relaciona conosco e com o
Novo Testamento? Pensando nestas questões venha comigo: LENDO O
ANTIGO TESTAMENTO.

O Antigo Testamento é história. História de Israel. Não é história secular


e nem foi escrita com características modernas. É a história de um povo que se
entendeu eleito. Eu sei que a história é humana e ligada ao tempo, mas eu já
disse: é história de Israel. Não é história de Deus. Deus não tem história. O
Antigo Testamento não é uma teogonia no sentido de contar a estória de um
deus, sua origem ou genealogia. O Antigo Testamento é a história de um povo,
sua origem e genealogia.

A história de Israel no Antigo Testamento começa em Abraão. Até o


capitulo 11 Gênesis fala da história universal. É um tanto vaga, mas é
universal. É a origem do mundo, sua depravação, destruição e restauração.
Mas em Abraão a história é particularizada. A pluralidade torna-se
singularidade. É a origem, o Gênesis de um povo. E os fios vão urdindo a teia,
tramando a história. Eventos e momentos históricos num longo processo
determinado: Egito, Êxodo, Peregrinação, Conquista de Canaã, Organização
Tribal, Monarquia Unida e Dividida, Exílio e Pós-exílio, Período
Intertestamentário e finalmente a história converge em Cristo na plenitude dos
tempos.
O Antigo Testamento é história, mas também é revelação. História é
humana, revelação é divina. Isso é um paradoxo! Na linguagem de Kierkegaard
uma “contradição de dores”. Quem pode compreender isso? A história é a de
Israel. A revelação é a de Deus. É Deus se revelando na história de Israel.

A revelação é algo espiritual. Com isso não quero dizer que nós
devemos ler o Antigo Testamento procurando um sentido espiritual por traz do
sentido literal. Isso é alegorização no pleno sentido alexandrino da
hermenêutica. O que garante a autenticidade de uma alegoria é o Novo
Testamento e não a capacidade criativa do pregador. Por espiritual eu entendo:
é a participação ativa de Deus no desenrolar da história de Israel, ao mesmo
tempo em que se faz conhecido e se faz conhecer o seu Nome, seus atributos,
sua natureza e seus caminhos: seus mistérios. O Antigo Testamento é história,
é revelação e é espiritual.

A partir dessas definições eu começo a marcar o centro do entendimento


da relação Antigo/Novo Testamento. O Antigo Testamento explica
historicamente o Novo Testamento. O Novo Testamento explica
espiritualmente o Antigo Testamento. Esta última frase pode soar estranha,
mas é isto mesmo. O que proponho é um princípio hermenêutico. A relação
Antigo/Novo Testamento é uma pista de mão dupla: um entendimento vem;
outro entendimento vai. Vários autores elaboraram propostas diferentes para
este princípio hermenêutico do Antigo Testamento. Eichrodt propôs a aliança;
Kaiser, a promessa, Von Rad, as recitações dos grandes atos de Deus;
Westermann, a forma do Cânon e por aí vai. O que eu proponho é a
centralidade do Cristo como elo de compreensão dessa relação, pois, entendo
que todos os outros princípios estão, de certa forma, inseridos nessa cristologia
do Antigo Testamento.

Falar de Jesus no Antigo Testamento é um anacronismo absurdo, mas


falar do Cristo não é. O Cristo está lá no proto-evangelho na figura daquele que
pisará a cabeça da serpente, na figura do grande profeta semelhante a Moisés,
na figura do Ungido do SENHOR nos Salmos, na figura do servo sofredor, do
filho do Homem ... e em tantas outras figuras na Torá, nos Profetas e nos
Escritos. Ele está lá para nos conduzir à leitura e à compreensão do Antigo
Testamento. Cristo é o princípio hermenêutico e o elo de ligação dessa relação.
O Antigo Testamento explica historicamente a chegada do Cristo e o Novo
Testamento é a continuação dessa história. O Novo Testamento explica
espiritualmente a presença do Cristo no Antigo Testamento.

Quando lemos o Antigo Testamento com esse entendimento as


dificuldades começam a cair. Cristo torna-se o centro da compreensão e os
abusos e equívocos são rejeitados. Não precisamos transformar nossas igrejas
em sinagogas, nem nos convertermos ao judaísmo messiânico e muito menos
elaborar uma espécie de idolatria de Israel para valorizar o Antigo Testamento.
Só precisamos compreendê-lo historicamente. Também não precisamos matar
ou discriminar os Judeus acusando-os de deicídio. Só precisamos
compreender o Antigo Testamento espiritualmente, reconhecendo que Cristo
veio para cumprir as Escrituras e que em última análise quem matou Jesus não
foram os Judeus e nem os Romanos, mas ele morreu por nossos pecados.

Então com o advento do cristianismo tudo acabou para os judeus? A


resposta é: NÃO. Talvez Karl Barth esteja com a razão ao afirmar que: “Israel
ainda tem a missão de demonstrar a indignidade humana, e ao mesmo tempo,
tornar-se uma demonstração da graça gratuita de Deus”.

Leônidas Ramos Ghelli – Pastor Batista Nacional. Teologia/STEB;


Especialização em Bíblia Tradição Profética/Metodista-SP; Licenciatura em
Filosofia/Metodista-SP; Mestre em Teologia Ensino e Leitura da Bíblia/EST-RS.

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