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No tratado Sanhedrin 39a, o Talmud Bavli fala da resposta do Rabbi Abahu a um escarnecedor

que lhe disse o seguinte: “seu Elohim é um brincalhão... Porque Ele fez o profeta Yechezkel
(Ezequiel) deitar-se sobre seu lado esquerdo por 390 dias e depois sobre seu lado direito por
40 dias.”

O escarnecedor achou estranha a natureza destes atos simbólicos e viu nisso uma
oportunidade de zombar da Fé dos judeus em um Elohim justo e sensato.

Um representante justo suporta a punição devida a toda comunidade

Rabbi Abahu respondeu: “Quando uma nação se rebela contra seu rei, se este for cruel, ele
matará a todos; se ele for misericordioso, matará metade deles; se ele estiver cheio de
misericórdia, ele fará com que os principais dentre eles sofram, poupando a maioria. Assim
também o Eterno castigou Yechezkel para apagar os pecados de Israel.

No comentário sobre o Sefer Yechezkel (Livro de Ezequiel), Rabbi Mosheh Eisemann continua:
“O conceito deste tsadik (justo) sofrer em lugar da comunidade, está elaborado sobre o Sefer
Chassidim (Livro dos Devotos). A passagem começa com uma discussão da responsabilidade
comum que repousa sobre toda a nação de Israel: “Todo Israel é responsável uns pelos outros.
O pecado de um é o pecado de todos.” Desta forma, em sua confissão no Yom Kippur o Kohen
Gadol (Sumo Sacerdote) declara: “Eu tenho pecado junto com todo Israel.” Ele diz isso tendo
pecado ou não. Isto é para que o povo tivesse um senso de amor e responsabilidade uns para
com os outros e aprendessem a corrigir uns aos outros.

Um tsadik (justo) como representante.

O sefer chassidim então cita o sofrimento de Yechezkel (Ezequiel) conforme descrito no


capítulo quatro. Vejamos:

Pois este é o caminho perante HaShem. Quando algo é decretado e eles não se arrependem,
então a punição deve vir. Agora, se o tsadik é feito para sofrer, então esta punição é suportada
por ele.

Um castigo severo tinha sido decretado sobre Israel nos pecaminosos dias do rei Menashe
(Manassés) e do rei Yehoyakim (Joaquim). No entanto, o povo simplesmente foi exilado, não
sofrendo uma punição física severa.

O Midat HaDin (atributo de justiça; penalidade severa) argumenta: “Por que eles foram
tratados tão suavemente ?” Assim disse HaShem a Yechezkel (Ezequiel): “Aceite o sofrimento
sobre ti mesmo. Deste modo o Midat HaDin não terá como reivindicar, pois quando ele ver o
sofrimento do tsadik (o justo que não merecia ser punido), não terá como exigir a punição
sobre todo o povo. Assim, de acordo com o sefer chassidim, o Midat HaDin do Eterno, que
busca uma punição para a comunidade inteira é satisfeita quando a punição é dispensada
apenas ao tsadik (pessoa justa) representante.

Para entendermos este conceito, devemos voltar à ideia que temos discutido ao longo deste
comentário: a unidade essencial da assembleia de Israel. Enquanto cada pessoa criada é a
imagem de Elohim e em si mesmo é um microcosmo, a justiça de Elohim, no entanto, pode
dirigir-se à comunidade de Israel como um todo na capacidade que uma pessoa justa (tsadik)
tem para salvar toda comunidade com o seu mérito.

Quando toda comunidade é considerada uma unidade indivisível, então, de fato, a culpa por
uma má ação individual é atribuída a todos. Embora não se possa dizer que o tsadik tenha
pecado como indivíduo, por fazer parte da comunidade que pecou e tendo em vista sua
solidariedade, ele assume a responsabilidade pelos pecados da comunidade... E por isso
mesmo, o sofrimento de um pode ser visto como o sofrimento de todos. [Ver. loc. cit.:
Maharal: “Um rei misericordioso pune os grandes da comunidade, que é a parte equivalente
ao todo. Ver capítulo quatro do RaMChaL, Mesilat Yesharim, que discute a tensão entre a
severidade de Elohim (Midat HaDin) e a sua Misericórdia (Midat Rachamim), mencionando a
possibilidade de rachamim (misericórdias) amenizar Dinah (severidade) na medida em que um
tsadik suporte sobre si o castigo devido a toda comunidade]. Assim Yechezkel (Ezequiel) expia
seu povo, porque a culpa comum é amenizada pela dor de toda comunidade sofrida por um de
seus componentes indivisíveis - um tsadik representante.

Rebbe Nachman de Breslov, neto do Rabino Yisrael ben Eliezer, o Baal Shem Tov, escreveu
sobre o efeito expiatório do sofrimento de um tsadik em Likutey Moharan II, 8.6: “Saiba que,
por vezes, o perdão dos pecados acontece pelo mérito coletivo da comunidade, há porém,
momentos em que os membros da comunidade não são suficientemente dignos de terem seus
pecados perdoados em seus próprios méritos. O tsadik é então obrigado a comprometer-se a
sofrer por causa do povo de Israel. “certamente ele levou as nossas doenças e carregou as
nossas dores”. (Yeshayahu 53.4). A comunidade em geral é salva do sofrimento e da doença,
mas não o tsadik, porque ele comprometeu-se a sofrer em nome de todo o povo de Israel.

No livro: “Trust-me: A Anthology of Emunah and Bitachon.” dos Rabinos Eliezer Parkoff e
Eliezer Linas,( publicado pela Feldheim Publishers, 2002, ISBN 1583305319 &
9781583305317),lemos o seguinte:

“A opinião de Rabbi Elazar é que... Assim como o agricultor coloca o jugo somente no boi, que
pode arcar com o ônus, assim também HaShem coloca o ônus da punição pelas transgressões
do mundo sobre o tsadik (o justo representante). Isto serve para proteger o mundo, ao expiar
transgressões, mesmo que nós não possamos compreender plenamente como isso funciona."

O grande filósofo e cabalista judeu Rabbi Mosheh Chaim Luzatto (o RaMChaL) nos dá algumas
dicas em “Derech HaShem” (O Caminho de HaShem), seu resumo clássico do judaísmo: “Todos
os homens foram originalmente ligados um ao outro, como nossos sábios ensinam: todos os
israelitas são fiadores e responsáveis uns dos outros”. (Tratado Shavuot 39a. Talmud Bavli).
Como resultado deste princípio, sofrimento e dor podem ser impostos a um tsadik (pessoa
justa) como expiação para sua geração inteira. Este tsadik então deve aceitar o sofrimento
com amor em benefício de sua geração, assim como ele aceita que o sofrimento lhe seja
imposto para o seu próprio bem. Ao fazer isso ele beneficia sua geração e, ao mesmo tempo,
ele mesmo é elevado a um grau muito maior.

Como foi feito a este tsadik, será feito em um dos líderes da comunidade no mundo futuro,
como discutido anteriormente. Tal sofrimento inclui também casos em que o tsadik sofre
porque toda sua geração merece grande castigo, beirando a aniquilação, mas é poupada via
sofrimento do Tsadik. Expiando sua geração através de seu sofrimento, este tsadik salva essas
pessoas neste tempo e também os beneficia muito no Olam Haba (mundo vindouro). Além
disso, há algo especial, um tipo maior de sofrimento que trata o tsadik, que é ainda maior e
mais aperfeiçoado do que os que foram discutidos acima. Este sofrimento maior providenciará
a ajuda necessária para trazer uma cadeia de eventos que levam a humanidade como um
todo, à perfeição final. De acordo com o plano original, é necessário que o homem passe antes
por, pelo menos, algum sofrimento, assim, tanto ele como o mundo poderiam atingir a
perfeição. Isto se tornou necessário porque um dos conceitos básicos da situação do homem é
de que HaShem conteve sua Luz escondendo sua face (presença). Isto ocorreu por causa da
corrupção e dano espiritual causados pelos muitos pecados do homem, que retrocedeu ainda
mais causando maior afastamento da presença de Elohim. O mundo e tudo o que nele há está
degradado, portanto, exige que a sabedoria insondável do Eterno traga uma série de eventos
para atingir sua retificação. Entre os elementos mais importantes desta sequência é a
exigência de que o homem seja punido por sua maldade até que o atributo de justiça (Midat
HaDin) seja satisfeito. No entanto, HaShem “arranjou” as coisas, selecionando pessoas
perfeitas para corrigir as coisas para e em nome de outros, como tem sido discutido.

O Midat HaDin portanto, diz respeito a estes tsadkim (justos) e não para todo o mundo em
geral, indivíduos como estes, são perfeitos e são, portanto, dignos apenas do bem. A única
razão pela qual sofrem é para o perdão e benefício de outros, e o atributo de justiça deve,
portanto, ser satisfeito com uma pequena quantidade de sofrimento, ou seja, o sofrimento de
um tsadik compensaria uma grande quantidade de sofrimento daqueles que realmente
pecaram. Além disso, o mérito e o poder destes tsadkim também são aumentados por causa
de tal sofrimento, e isso lhes da ainda maior capacidade de corrigir a sua própria geração e
também poder corrigir todos os danos espirituais causados desde o início do tempo dos
primeiros pecadores. É óbvio que indivíduos como estes acabarão sendo os maiores líderes no
Olam HaBa (Mundo Vindouro), e serão os que estarão mais próximo de HaShem.

Fonte: “Derech HaShem.” Rabbi Moshe Chaim Luzatto (o RaMChaL)

“A realidade e necessidade da expiação vicária por substituição penal, é parte integrante do


judaísmo clássico.” (Derech Yisrael/ O caminho de Israel)

Exemplos nos Midrashim.

Sobre a amarração de Yits’chak no monte Moriyah, lemos o seguinte no Midrash Bereshit


(Genesis):

“Meu pai, meu pai.” Chorava Yits’chak.

“Aqui estão o fogo e a lenha, mas onde esta o cordeiro para o sacrifício?”

Avraham respondeu: “HaShem escolherá o cordeiro para o sacrifício meu filho, e se não, você
vai ser o cordeiro.”

Yits’chak pôs as mãos no rosto e chorou. Mas Yits’chak se controlou e confortou a Avraham:

“Não se sinta angustiado meu pai... Cumpra a vontade do Criador através de mim! Que meu
sangue seja uma expiação para o futuro povo de Israel.”
No midrash Shir HaShirim Rabbah 1.14.1 é dito:

“O meu amado é para mim como um cacho de henna (kofer). O cacho refere-se a Yits’chak,
que estava amarrado no altar como um cacho de henna (kofer), porque ele expia (kapar) as
iniqüidades de Israel.”

É importante dizer que, no hebraico, as consoantes B e V são essencialmente idênticas, assim


como as consoantes F e P também são, de modo que as palavras com K,F,R ou com a raiz
consonantal K.P,R são muito próximas. Por isso, segundo este entendimento, “Kofer” é uma
indicação de “Kapar”.

Em outro Midrash Lemos o seguinte:

“Moshe disse a HaShem: Chegará o tempo em que Israel não terá um Templo ou
Tabernáculo... O que vai acontecer com eles então? HaShem respondeu: Eu tomarei um de
seus justos, e o manterei como penhor (garantia) por vós, a fim de que eu possa perdoar todos
os seus pecados.”

(Shemot Rabbah 35.4)

Exemplos no Talmud.

O dito Talmudico é claro ao dizer que a morte de um tsadik (justo) é uma expiação pelos
pecados das pessoas comuns. Vamos ver algumas citações:

“Disse o Rabino Ammi: Por que o relato da morte de Miriam está colocado ao lado das leis da
Parah Adumah (Novilha Vermelha)? Para nos informar que assim como o ritual das cinzas da
Parah Adumah faz expiação, o mesmo acontece com a morte do tsadik que faz kaparah
(expiação; cobertura de pecados) pela vida que deixaram para trás.” (Moed kattan 28 a)

“Rabbi Eleazar disse: Por que o relato da morte de Aharon está perto do relato da deposição
das vestes sacerdotais? Para nos informar que, assim como os paramentos do Cohen
(sacerdote) eram meios para efetuar kaparah (expiação), da mesma forma a morte das obras
de justiça expiam.” (Moed katan 28 a)

“E O Senhor disse ao malach (anjo; mensageiro) que destruiu o povo: É suficiente. Rabbi
Eleazar disse: Ha Kadosh Baruch hu (O Santo, Bendito seja Ele) disse ao malach: Leve um rav
(grande; homem virtuoso) dentre eles, pois através de sua morte muitos pecados serão
expiados...”

(Berachot 62 b)
Exemplos em Qumran.

Os manuscritos do Mar Morto, encontrados nas cavernas de Qumran, ensinam que a dor em
lugar do próximo e até mesmo a difamação universal de um tsadik (justo) pode efetuar a
expiação:

“Sua sabedoria será grande. Ele vai fazer expiação por todos os filhos de sua geração. Ele será
enviado para todos os filhos de sua geração. Sua palavra será como a palavra do Céu e seu
ensino será de acordo com a vontade do Senhor. Seu sol arderá eternamente. O fogo será
aceso em todos os cantos da Terra. Sobre as trevas ele brilhará. Então a escuridão se afastará
da Terra assim como a profunda escuridão da terra seca. Falarão muitas palavras contra ele.
Haverão muitas mentiras. Inventarão muitas histórias caluniosas sobre ele. Dirão coisas
vergonhosas sobre ele. Ele derrubará a geração má e haverá grande ira. Quando ele surgir
haverá mentira e violência e o povo vagueará nos seus dias e ficarão confusos.” (4Q541)

Exemplos no Zohar.

O ensinamento da expiação vicária e da substituição penal pelo sofrimento de um tsadik


(justo), também é parte integrante do Zohar (principal obra cabalista):

“Daí o Tasdik é (ele mesmo) verdadeiramente uma oferta de expiação. Mas quem não é justo é
desqualificado como oferta em razão do defeito que sofre, e é, portanto, como os animais
defeituosos, dos quais esta escrito: Eles não será aceitos por ti. (Vayikrá/Levítico 22.25). Por
isso é que os tsadkim (justos) são sacrifício e expiação pelos pecados do mundo.” (Zohar; seção
1 pg 65)

“Nós aprendemos que, enquanto Israel está em cativeiro não pode trazer ofertas, a menção
dos filhos de Aharon seria sua expiação. Por isso temos aprendido que Avihu e Nadav foram
iguais aos seus dois irmãos Eleazar e Ithamar, para que juntos, fossem reconhecidos como os
setenta anciãos que estavam associados com Mosheh, por isso suas mortes foram expiação
por Israel.”

(Zohar; seção 3 pg 56).

“Quando HaShem deseja dar a cura ao mundo. Ele fere um representante tsadik (justo) dentre
eles com aflições e sofrimentos, e através deste justo dá a cura para todos, como está escrito:
mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades e pelas suas
pisaduras fomos sarados (Yeshayahu/ 53.5). Um tsadik nunca é atingido, a não ser para trazer
a cura para a sua geração e para fazer expiação por ela.(Zohar; seção 3, pg 218)

“Os antigos sábios têm opiniões divididas sobre Yiov (Jó), alguns mantêm a opinião de que ele
era um tsadik dos gentios e outros que ele era um tsadik de Israel, que foi ferido para fazer
expiação pelos pecados do mundo” (Zohar; Seção 3, pg 231)
Exemplos em fontes antigas.

A doutrina da expiação vicária e substituição penal pelo sofrimento do Tsadik (justo) também é
encontrada em fontes primitivas:

“E quando sua carne tinha sido queimada e ele estava prestes a expirar, Eleazar levantou os
olhos a HaShem e disse: Tu sabes HaShem, que, embora eu poderia ter salvo a mim mesmo, eu
estou morrendo por causa da Lei (Torah). Tenha misericórdia do teu povo Israel e aceite nosso
castigo como expiação por eles. Faça do meu sangue sua purificação e leve minha vida em
troca de deles.” (IV Macabeus 6.26-29).

“E estes homens, portanto, depois de terem dado a vida... Através de suas mortes nossa nação
foi purificada, tendo eles se tornado uma expiação pelos pecados de nossa nação; e por meio
do sangue destes homens justos e piedosos e da expiação pelas suas mortes HaShem salvou
Israel...”

(IV Macabeus 17. 21-22).

Uma nota.

*É importante dizer que o IV livro de Macabeus foi escrito, provavelmente, na primeira


metade do Século I d.C. em idioma grego. Trata-se de uma homilia que ressalta a
superioridade da razão sobre a paixão, utilizando, inclusive pensamentos de origens pagãs.
Contudo, em nível de estudo, a inclusão de algumas passagens servem para que se saiba que a
opinião da comunidade que utilizava estas palavras, tinha o mesmo entendimento sobre
expiação de outros grupos judaicos em tempos e locais diferentes.

Exemplos na Literatura contemporânea

No livro, “Expiação na morte de um Tsadik.” (Rabbi Elchanan Lewis), lemos o seguinte:

“Pergunta”: Como pode a morte de um tsadik tornar-se expiação?”

“Resposta”: O tsadik não é simplesmente uma pessoa, um indivíduo que tem impacto apenas
em si mesmo; ele é uma personalidade corporativa, uma figura pública que afeta a todos
aqueles que estão ao redor dele; a perda de um tsadik é, portanto, uma perda pública e não
apenas a perda de um indivíduo ou de uma única família. Os Tsadkim (justos) não estão aqui
para si mesmos, mas para os outros. Esta é a forma como eles vivem e é assim que eles
também morrem. Assim, como a morte serve como expiação daquele que falece, a morte de
um tsadik faz “kaparah” (expiação) para toda sua comunidade

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