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1.

(PUC-RIO) FELIZ ANIVERSÁRIO


A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a
visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-
marinho, com enfeites de paetês e um drapejado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio
por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços
fossem cortados – e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum
deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas com babados
cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata.
Tendo Zilda – a filha com quem a aniversariante morava – disposto cadeiras unidas ao longo das
paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara
fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua
posição ultrajada. “Vim para não deixar de vir”, dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida.
As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que
atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os
paetês.
Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois. E como Zilda – a
única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e
tempo para alojar a aniversariante -, e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os
croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao
lado; a nora de Ipanema na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a
concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta.
E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos.
LISPECTOR, Clarice. “Laços de família”. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, pp. 59-60.
a) – Observe:
1) “Mas a partir do século XVIII, as famílias burguesas não aceitaram mais essa mistura (…)” – voz
ativa
2) Mas a partir do século XVIII, essa mistura não foi mais aceita pelas famílias burguesas … – voz
passiva analítica
Realize a transposição da frase a seguir para a voz passiva analítica, processando modificações, se
necessárias:
“O antigo corpo social único, ao contrário, englobava a maior variedade possível de idades e
condições.”
b) No texto “Feliz Aniversário”, a festa de aniversário da matriarca é motivo para o encontro da
família. De acordo com o outro texto, “os membros da família se unem pelo sentimento, o costume e o
gênero de vida.” Qual desses três fatores melhor se relaciona com a reunião familiar descrita no texto
“Feliz Aniversário”? Justifique a sua resposta.
RESPOSTA:
a) Ao contrário, a maior variedade possível de idades e condições era englobada pelo antigo
corpo social único.
b) O fator seria o costume, pois, no texto, reunião é feita apenas para atender a uma regra
social : a comemoração do aniversário da matriarca da família. Não havia um sentimento de
desejo, por parte das personagens, para esse encontro, pois os valores e o estilo de vida daquelas
pessoas eram completamente diferentes.
2. (UNICAMP) “Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida
porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais fácil ser um santo que uma
pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais
profundas? Mas era uma piedade de leão.” (Clarice Lispector, “Amor”, em Laços de família. 20ª ed.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990, p. 39.)
Ao caracterizar a personagem Ana, a expressão “piedade de leão” reúne valores opostos, remetendo
simultaneamente à compaixão e à ferocidade. É correto afirmar que, no conto “Amor”, essa
formulação

a) revela um embate de natureza social, já que a pobreza do cego causa náuseas na personagem.
b) expressa o dilema cristão da alma pecadora diante de sua incapacidade de fazer o bem.

c) indica um conflito psicológico, uma vez que a personagem não se sente capaz de amar.

d) alude a um contraste moral e existencial que provoca na personagem um sentimento de


angústia.
3.(ITA) O livro de contos “Laços de família”, de Clarice Lispector, reúne textos que, em geral,
apresentam
a) dramas femininos relacionados ao adultério.
b) personagens femininas envolvidas com reflexões pessoais desencadeadas por um fato
inusitado.
c) dramas femininos ligados exclusivamente ao problema da solidão.
d) personagens femininas lutando por causas sociais.
e) personagens femininas preocupadas com o amor à família.
4.(UFGD) Aponte a alternativa que apresenta características ou elementos temáticos presentes na obra
“Laços de Família” de Clarice Lispector.

a) Fluxo de consciência, desencanto, questionamento das convenções sociais, cotidiano da classe


média.

b) Narrador onisciente, ceticismo, erotismo, luta de classes.

c) Exame de consciência, conformismo, relações de poder, cotidiano da classe operária.


d) Narrativa em primeira pessoa, lirismo, papel da mulher na sociedade, consciência de classe.

e) Fragmentos de narrativa, proselitismo, comédia de costumes, fatos das colunas sociais.

5.(PUCCAMP) – Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!.
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta
não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não
sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem
propriamente um pensamento qualquer. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:
– Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
– Eu também! Jurou a menina com ardor.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de
volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em
quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei a correr naquele estado!”. A galinha tornara-se a
rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando
suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.
No excerto acima, do conto “Uma galinha”, Clarice Lispector, a autora de LAÇOS DE FAMÍLIA,
a) utiliza a ave para projetar nela a condição da mulher enquanto fêmea reprodutora, dona de
casa e ser reflexivo.
b) alegoriza a condição da mulher moderna, emancipada das estritas funções domésticas, e no entanto
saudosa delas.
c) estabelece uma analogia entre a criação artística e o parto, mostrando o quanto há neles de
sofrimento e o nenhum reconhecimento que obtêm no mundo moderno.
d) afasta-se do tema que estrutura seu livro e pratica uma forma singular de humor, num conto ao
mesmo tempo cruel e anedótico.
e) vale-se da uma galinha para simbolizar nela a crise de uma família de classe média cujos laços
afetivos há muito se desataram.
6.(UFV) Em grande parte das narrativas que compõem “Laços de Família”, Clarice Lispector
privilegia as personagens femininas que vivem o tradicional modelo da dona-de-casa e desempenham
papéis estabelecidos para a mulher, em uma sociedade opressora e de valores masculinos.
Observe as situações transcritas e assinale a alternativa cuja citação NÃO confirma a observação
anterior:
a) Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o
tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram
filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia
aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma
legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha – com persistência, continuidade,
alegria. (“Amor”, p. 18.)
b) Interrompendo a arrumação da penteadeira, Laura olhou-se ao espelho: e ela mesma, há quanto
tempo? Seu rosto tinha uma graça doméstica, os cabelos eram presos com grampos atrás das orelhas
grandes e pálidas. Os olhos marrons, os cabelos marrons, a pele morena e suave, tudo dava a seu rosto
já não muito moço um ar modesto de mulher. (“A imitação da rosa”, p. 36.)
c) Ela, a forte, que casara em hora e tempo devido com um bom homem a quem, obediente e
independente, respeitara; a quem respeitara e quem lhe fizera filhos e lhe pagara os partos, lhe honrara
os resguardos. O tronco fora bom. (“Feliz aniversário”, p. 67.)
d) Tinha quinze anos e não era bonita. Mas por dentro da magreza, a vastidão quase majestosa
em que se movia como dentro de uma meditação. E dentro da nebulosidade algo preciso. Que
não se espreguiçava, não se comprometia, não se contaminava. Que era intenso como uma jóia.
Ela. (“Preciosidade”, p. 95.)
e) Quem sabe se sua mulher estava fugindo com o filho da sala de luz bem regulada, dos móveis bem
escolhidos, das cortinas e dos quadros? Fora isso o que ele lhe dera. […] O homem inquietou-se.
Porque não poderia continuar a lhe dar senão: mais sucesso. E porque sabia que ela o ajudaria a
consegui-lo e odiaria o que conseguissem. Assim era aquela calma mulher de trinta e dois anos que
nunca falava propriamente, como se tivesse vivido sempre. […] Às vezes ele procurava humilhá-la,
entrava no quarto enquanto ela mudava de roupa porque sabia que ela detestava ser vista nua. (“Os
laços de família”, p. 118.)

7. (UFGD) Com relação a Laços de família, de Clarice Lispector, é correto afirmar:


I.Nesta coletânea de contos, as personagens – sejam adultos ou adolescentes – debatem-se nas cadeias
de violência latente que podem emanar do círculo doméstico. Homens ou mulheres, os laços que os
unem são, em sua maioria, elos familiares ao mesmo tempo de afeto e de aprisionamento.

II. E, como se pouco a pouco se desnudasse uma estratégia, o cotidiano dos personagens de Laços de
família, cuja primeira edição data de 1960, vai-se desnudando como um ambiente falsamente estável,
em que vidas aparentemente sólidas se desestabilizam de súbito, justo quando o dia-a-dia parecia estar
sendo marcado pela ameaça de nada acontecer.

III. O texto de Clarice Lispector não costuma apresentar ilusória facilidade. Seu vocabulário não é
simples, as imagens voltam-se para animais e plantas, quando não para objetos domésticos e situações
da vida diária, com frequência numa voltagem de intenso lirismo. Assinale a alternativa CORRETA:

a) As alternativas I e II estão corretas.


b) As alternativas II e III estão corretas.

c) Apenas a alternativa I está correta.

d) Apenas a alternativa II está correta.

e) Apenas a alternativa III está correta


8. (UFES) É CORRETO afirmar que nos contos de “Laços de família”, de Clarice Lispector,
a) tal como em “Gota d’água”, de Chico Buarque & Paulo Pontes, aparecem personagens proletários e
malandros do submundo carioca.
b) tal como em “O país d’el rey”, de Roberto Almada, busca-se no Brasil urbano e pós-moderno o
espaço privilegiado para a ação.
c) tal como em “Noite na taverna”, de Álvares de Azevedo, ocorrem casos de homicídio, suicídio e
antropofagia.
d) tal como em “Quincas Borba”, de Machado de Assis, são insistentes as chamadas e referências a
um suposto leitor.
e) tal como em “O burrinho pedrês” de Guimarães Rosa, os personagens não se envolvem em
questões de caráter político-partidário.
9. (UFV) Leia o seguinte comentário sobre o conto “Feliz aniversário”, da obra “Laços de Família”, de
Clarice Lispector:
Bastante legível, mesmo num primeiro contato com o texto “Feliz aniversário”, é a desmontagem de
cunho crítico-social das diversas situações nele apresentadas através da “festa” – momento de
“encontro” familiar, onde diversos sentimentos, regras e condutas são expostos. “Feliz aniversário”
bem esboça a lógica dos contos constantes do livro “Laços de Família”. Os “laços”, de família,
constituem-se ao mesmo tempo em proximidade, distância, dilaceramento e prisão. Na festa, as
semelhanças e as diferenças, em especial as de classes, ficam reunidas para o cumprimento do
instituído. Assim, cercadas as personagens, mais visíveis se tornam a artificialidade, a revolta, o
despeito e o ódio: todos os sentimentos mascarados sob a aparência de um “feliz” aniversário. Menos
visível – porque mais ausente – estará também sendo tecida a linha de vida e do amor […].SANTOS,
R. Corrêa dos. “Clarice Lispector”. São Paulo: Atual, 1986. p. 58.
Reflita sobre o texto crítico anterior em sua relação com as afirmativas I, II e III:
I – A “desmontagem do cunho crítico-social das diversas situações” apresentadas no conto “Feliz
aniversário” pode ser observada na forma irônica com que a narradora vê a miséria humana através do
olhar crítico da velha, a ponto de comparar os membros de sua família a “ratos se acotovelando”.
II – “Os ‘laços’, de família, constituem-se ao mesmo tempo em proximidade, distância, dilaceramento
e prisão”. Isso se pode verificar na maneira sutil e minuciosa com que Clarice Lispector descreve o
perfil psicológico da personagem Anita, que, no conto, é denominada: “Mamãe”, “Vovó” e “D.
Anita”.
III – A “artificialidade, a revolta, o despeito e o ódio: todos os sentimentos mascarados sob a aparência
de um ‘feliz’ aniversário” são experimentados apenas pela velha aniversariante.
Assinale agora a alternativa CORRETA:
a) Apenas a afirmativa I é verdadeira.
b) Apenas as afirmativas I e II são verdadeiras.
c) Apenas as afirmativas I e III são verdadeiras.
d) Apenas a afirmativa II é verdadeira.
e) Apenas a afirmativa III é verdadeira.
10. (UNICAMP) No conto “Amor”, de Clarice Lispector, após ver um cego mascando chicletes, a
personagem passa por uma situação que, segundo o narrador, ela própria chama de “crise”:

“O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as
coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais
altas.” (Clarice Lispector, Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p.23.)
Essa crise, que transforma a relação da personagem com o mundo e com a família,

a) nasce do colapso da vontade de viver da personagem, em razão do doloroso prazer com que passou
a ver as coisas.

b) revela o conflito vivido pela personagem entre o tipo de vida que havia escolhido e as coisas
que passou a desejar.
c) constitui, para a personagem, uma alteração no modo de vida que antes a fazia sofrer e do qual
agora havia se libertado.

d) remete à excitação da personagem por ter conseguido harmonizar sua antiga vida com os novos
desejos e sensações.

11. (FATEC) Sobre “Laços de Família”, é correto afirmar que


a) consiste numa obra experimental, de caráter regionalista, que trabalha os problemas enfrentados
pelo nordestino ao chegar na cidade de São Paulo.
b) consiste numa obra de tensões psicológicas geradas no cotidiano, até mesmo no seio familiar,
as quais se estendem à dimensão filosófica do homem.
c) o livro, que se compõe de contos, não mantém unidade de estilo, em virtude da versatilidade da
autora.
d) se trata de um livro de contos voltados para a temática ecológica, cada um deles abordando um
aspecto crítico da falta de preservação ambiental no Brasil.
e) se trata de um livro de contos de abordagem estritamente social, que aponta, criticamente, para a
violência dos grandes centros urbanos.
12. (PUCCAMP) Leia com atenção os seguintes excertos de contos do livro Laços de Família, de
Clarice Lispector:
“Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam
uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a
mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua última
palavra.” (“Feliz aniversário”)

“Olhando os imóveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não
havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto – ela o abafava com a mesma habilidade que as
lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar,
cuidando do lar e da família à revelia deles.” (“Amor”).

Em ambos os excertos destaca-se um dos temas estruturadores do livro Laços de Família, já que nele a
autora
a)explora o imaginário feminino, cuja natureza idealizante liberta a mulher de qualquer preocupação
existencial.

b) denuncia o conformismo burguês da mulher, fazendo-nos ver que seus inúteis desvaneios a afastam
da realidade.

c) satiriza a hipocrisia dos laços familiares, propondo em lugar deles a harmonia de um mundo
politicamente mais aberto e mais democrático.

d) desvela as tensões entre o universo íntimo e complexo da mulher e as condições objetivas do


cotidiano em que ela deve desempenhar seu papel.
e) revela a solidez íntima da mulher, mais preparada para o sucesso das relações familiares do que o
homem, obcecado por valores materiais.


13. (UFU) Todas as afirmativas a seguir referem-se à obra “Laços de família”, de Clarice Lispector,
EXCETO:
a) Há, na obra, a presença de personagens frágeis e desajustadas que se escondem por trás de uma
máscara, apresentando momentos de lucidez que as despertam para a rotina cotidiana.
b) O título da obra configura-se como uma ironia, pois é evidente a decadência do relacionamento
afetivo das personagens, quase sempre excluídas do âmbito familiar. Os laços familiares são apenas
aparentes.
c) A predominância do foco narrativo em primeira pessoa revela que as personagens atuam,
timidamente, à mercê dos laços familiares que revigoram a harmonia das relações cotidianas.
d) Há, na obra, o predomínio de um monólogo interior, conferindo à narrativa o caráter nitidamente
introspectivo e a permanente tematização da situação da mulher na cidade, que se moderniza e
aprofunda as desigualdades sociais.

14. (U.E. Londrina) No livro de contos Laços de Família encontra-se, aprofundada, uma tendência de


Clarice Lispector já anunciada em seu primeiro romance. Trata-se da
a)busca de um novo modo de narrar que correspondesse ao modo de comunicação primitivo de suas
personagens, nordestinos explorados pela sociedade.

b) tentativa de renovar a estrutura e andamento do conto para melhor caracterizar a alma popular,
observada por meio do humor e da sátira, principalmente entre os “italianinhos” da década de 20.

c) preocupação em denunciar a existência de um grupo marginalizado e explorado pela sociedade,


focalizando, ao mesmo tempo, as relações, entre o homem e o meio, numa linguagem concisa e
despojada de artificialismos.

d) tentativa de penetrar a mente humana, o que significou o rompimento com uma narrativa
ligada a acontecimentos exteriores e a necessidade de utilização de uma linguagem, carregada de
metáforas originais.
e) inovações linguísticas e temáticas exigidas por uma nova concepção de arte, que denuncia os falsos
valores da época em que viveu e que antecipava, em muitos aspectos, os ideais da Semana de 22.

15. (FUVEST) A respeito de Clarice Lispector, nos contos de Laços de Família, seria correto afirmar
que:
a)parte frequentemente de acontecimentos surpreendentes para banalizá-los.

b) elabora o cotidiano em busca de seu significado oculto.


c) é altamente intimista, vasculhando o âmago das personagens com rara argúcia.

d) é regionalista hermética.

e) opera na área da memória, da autoanálise e do devaneio.

16. (UFGD) Leia o fragmento a seguir do conto “Uma galinha”, de Laços de Família (1960), de
Clarice Lispector.

―Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga,
pairava ofegante num beirai de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo
de se refazer por um momento. E então parecia tão livre. Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como
seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É
verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo
crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no
mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma‖
Considerando as questões de gênero, tão em voga na atualidade, mas muito antecipadas pela escrita
intimista de Clarice Lispector, como pode ser a Galinha – protagonista do conto – compreendida num
aspecto sociocultural?

a) Como uma metáfora da mulher traída.

b) Como uma metáfora da mulher de rua.

c) Como um símbolo de sofrimento milenar.

d) Como a alegoria da condição feminina.


e) Como a alegoria da disputa entre os sexos.

17. (UFU) Leia o trecho adiante.


“A arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte
também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente.”
Ernst Fischer
Tendo em vista a reflexão anterior sobre a função da literatura, assinale a afirmativa correta.
a) Em “Laços de família”, a literatura se coloca a serviço da expressão estética e de um
questionamento incessante do fazer literário, além de discorrer sobre os problemas existenciais e
psicológicos do ser humano.
b) Em “Morte e vida severina” e “São Bernardo”, a literatura apresenta uma função estritamente
social, ao propor uma discussão sobre as injustiças causadas pela má distribuição de rendas e pela
estruturação do sistema latifundiário.
c) Em “Conversa de bois”, narrativa em que aparecem elementos fabulosos, o autor ausenta-se da
descrição dos aspectos regionais e da discussão sociológica, política e econômica do sertão.
d) Em “Sentimento do mundo”, a poesia coloca-se a serviço de uma causa histórica, uma vez que
sinaliza uma insatisfação com o presente e afirma as preocupações estéticas como desnecessárias para
aquele momento político.

18. (UEL) No livro “Laços de família”, de Clarice Lispector, o conto “Feliz aniversário” apresenta
uma reunião familiar para uma festa de aniversário. Identifique a única opção que contém a
caracterização correspondente à personagem da aniversariante:
a) “… arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos
à data, espalhara balões sugados pelo teto…”
b) ” … como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e
rostos ansiosos?”
c) “… na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de
Olaria…”
d) “… não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras
isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava.”
e) “… servia como uma escrava, os pés exaustos e o coração revoltado.”
19.(UFRS) Leia, a seguir, a síntese de um conto do livro “Laços de Família”, de Clarice Lispector.
Numa manhã bem cedo, a menina saiu de casa para ir à escola. As ruas estavam desertas, ainda era
noite e “as casas dormiam nas portas fechadas”. Caminhando sozinha, ela avistou, ao longe, dois
rapazes vindo em sua direção. A menina se amedrontou e ficou indecisa sobre qual atitude tomar: dar
a volta e sair correndo, ou enfrentá-los. Vencendo o próprio medo, a menina decidiu continuar
caminhando, na expectativa de que nada lhe acontecesse. No momento em que cruzaram com ela, os
rapazes lhe tocaram o corpo com as duas mãos e saíram correndo, deixando-a paralisada.
Trata-se da síntese do conto intitulado
a) “Feliz Aniversário”.
b) “Preciosidade”.
c) “Amor”.
d) “A Imitação da Rosa”.
e) “Os Laços de Família”.
(MACKENZIE) Texto para as questões de 20 a 22

Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A
aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe

de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror
aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a
presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira,

desprezava-os. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho,
pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu
coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar
sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando,
ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida qu falhava. Clarice Lispector, “Feliz
aniversário”. In: Laços de família

20. No excerto, está presente um

a) narrador onisciente que descreve cena familiar construída a partir da perspectiva da mãe
aniversariante, valendo-se, para isso, do discurso indireto livre.
b) narrador observador que procura caracterizar uma comemoração entre familiares – a festa de
aniversário da mãe –, posicionando-se de forma neutra e objetiva.
c) narrador protagonista que, confundindo-se com a personagem mãe, rememora uma festa de
aniversário conflituosa.

d) narrador de terceira pessoa que, ao retratar a festa, utiliza também a voz em primeira pessoa da
protagonista, formalizada em discurso indireto.

e) narrador onipresente que, valendo-se apenas da observação direta, descreve as reações negativas da
família, na ocasião em que se comemora a festa de aniversário da mãe.

21. No fragmento em análise, a repetição da expressão ela era a mãe  conota


a) o orgulho de uma senhora que, embora não gostasse muito dos familiares, fica surpresa ao ver a
família reunida.

b) a preocupação da protagonista ao se reconhecer responsável por familiares que desprezava.

c) a importância que o narrador atribui à matriarca nos destinos daquela família que, no fundo, não
merecia nenhuma atenção.

d) a percepção irônica daquela situação, motivada pelo sentimento de frustração da personagem.


e) o ódio da mãe por se sentir rejeitada por todos, justamente num momento de confraternização
familiar.

22. Considere as seguintes afirmações:


I. No excerto transcrito, a descrição inicial  não só caracteriza o ambiente da narrativa como também
aponta, conotativamente, para a ideia de desconstrução de um modelo familiar.

II. A frase E como a presilha a sufocasse, no contexto em que está inserida aponta, denotativamente,
para o incômodo provocado pelo traje de festa e, conotativamente, para a angústia existencial da
personagem.
III. É índice da contemporaneidade de Clarice Lispector a visão idealizada das relações familiares,
inscrita, por exemplo, no sentido do título do conto (“Feliz aniversário”) e da coletânea (Laços de
família).
Assinale:

a) se todas as afirmações estiverem corretas.

b) se nenhuma afirmação estiver correta.

c) se apenas as afirmações I e II estiverem corretas.


d) se apenas as afirmações II e III estiverem corretas.

e) se apenas a afirmação II estiver correta.

23.(UEM) Leia o fragmento a seguir e assinale o que for correto.


“O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que
olhou para o homem parado no ponto.
A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham
avançadas. Era um cego.
O que havia mais que fizesse Ana aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava
sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles.
[…] Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos.”(Clarice Lispector,
“Amor”, In: “Laços de família”)
01) O conto “Amor”, de Clarice Lispector, não é um dos mais típicos da autora, já que está centrado
sobre uma problemática social, a do deficiente visual; mais especificamente, sobre o descaso a que o
“diferente” é submetido em uma sociedade que privilegia a norma. Como integrante dessa sociedade, a
quais
protagonista Ana passa a questionar a legitimidade de sua organização e os valores sobre os
está erigida.
02) A prosa de Clarice Lispector, inaugurada em 1944, com a publicação
de seu primeiro romance, “Perto do coração selvagem”, aparece em um cenário
literário em que predominava a narrativa regionalista (romance de 30 ou ciclo nordestino), que, de
modo geral, tratava das relações do homem com a seca e com a miséria, denunciando as relações de
favor entre os poderosos e a política do coronelismo. Seu texto de caráter introspectivo, portanto,
contrastava com a prosa em vigor. O uso intensivo do discurso indireto livre para captar o pensamento
das personagens, como se verifica no recorte acima, faz quase desaparecer a história propriamente
dita: ao invés da narrativa de acontecimentos, com começo, meio e fim, tem-se a revelação do
universo psicológico das personagens, com base na memória e na emoção.
04) No conto “Amor”, como é comum nos textos de Clarice Lispector, acontece um momento, que a
crítica costuma chamar de EPIFANIA ou de REVELAÇÃO, em que a personagem, mediante uma
imagem ou um acontecimento qualquer, defronta-se repentinamente com uma verdade que lhe confere
uma nova maneira de “ler” a realidade. Em outras palavras, um acontecimento que parece banal,
desprovido de importância, provoca uma iluminação repentina na consciência da personagem. Em
“Amor”, a imagem do cego mascando chiclete desencadeia em Ana um processo de autoconhecimento
que a leva a refletir acerca da legitimidade da organização da sua vida cotidiana.
08) No quadro da terceira geração do Modernismo no Brasil, pode-se afirmar que Clarice Lispector e
João Guimarães Rosa inauguram um novo estilo literário. Clarice Lispector inova em relação à: 1)
temática (sondagem do universo psicológico de suas criaturas); 2) estrutura da narrativa (ruptura com
a linearidade/ fluxo da consciência); 3) linguagem (transita entre a prosa narrativa e as imagens típicas
da poesia). Guimarães Rosa confere à temática do regional um caráter filosófico, recriando o mundo
sertanejo pela linguagem, a partir da apropriação de recursos da oralidade, da criação de neologismos,
dos desvios de sintaxe, entre outros.
16) Com base no conto destacado e na obra de Clarice Lispector em geral, pode-se afirmar que, para a
autora, a literatura é um caminho para explicar a realidade da vida. Por isso, em sua ficção, sempre há
a preocupação com a explicação das causas sociais e políticas dos acontecimentos que condicionam a
vida das personagens, e o enredo assume importância maior no texto.
SOMA: 14
24. (UFSM) “Então subia, séria como uma missionária por causa dos operários no ônibus que
‘poderiam lhe dizer alguma coisa’. Aqueles homens que não eram mais rapazes. Mas também de
rapazes tinha medo, medo também de meninos. Medo que lhe ‘dissessem alguma coisa’, que a
olhassem muito. Na gravidade da boca fechada havia a grande súplica: respeitassem-na. (…) Se a
olhavam, ficava rígida e dolorosa. O que a poupava é que os homens não a viam. Embora alguma
coisa nela, à medida que dezesseis anos se aproximava em fumaça e calor, alguma coisa estivesse
intensamente surpreendida – e isso surpreendesse alguns homens”. Preciosidade (“Laços de Família”,
de Clarice Lispector.)
Com base no fragmento, assinale verdadeira (V) ou falsa (F) em cada uma das afirmativas.
( ) Evidencia-se o receio de uma jovem de ser tocada ou desrespeitada pelos homens.
( ) A moça é comparada pelo narrador a uma religiosa devido à humildade de sua postura.
( ) O temor de ser tocada não é justificado, pois a jovem é incapaz de surpreender.
( ) O narrador, em 3 pessoa, confunde-se com a personagem pela utilizaçã o do discurso indireto
livre.
A sequência correta é
a) V – F – F – V.
b) V – V – V – F.
c) F – V – F – F.
d) V – F – V – F.
e) F – V – F – V.

25. (UEL) Conto “Feliz Aniversário” (Laços de Família, 1960), de Clarice Lispector (1920-1977). Na
cabeceira da mesa, a toalha manchada de Coca-Cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante
piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se
ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou
mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe
de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e
netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse.
Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração. Rodrigo, com aquela carinha
dura, viril e despenteada, cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela
cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a
aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à
luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo
devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, respeitara; a quem respeitara e que
lhe fizera filhos e lhe pagara os partos, lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera
aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à
luz aqueles seres risonhos fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns
comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se
acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.
(LISPECTOR, Clarice. Feliz Aniversário. In: Laços de Família. 28. ed. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1995. p. 78-79.) Ainda que Clarice Lispector tenha morrido um dia antes de completar
cinquenta e sete anos, a problemática das mulheres de terceira idade faz-se presente em muitos de seus
contos. “Feliz Aniversário” registra tal tema. Neste conto, sentada à cabeceira da mesa preparada para
a comemoração de seu octogésimo-nono aniversário, D. Anita:
a) Vê, horrorizada, sua descendência constituída por seres mesquinhos.
b) Lembra-se, saudosa, da época em que seu marido era vivo e com ela dividia as dificuldades
cotidianas.

c) Contempla seu neto, Rodrigo, a trazer-lhe ao presente a imagem do falecido marido quando jovem.

d) Rememora, com rancor, sua vida de mulher, seja enquanto esposa, seja enquanto mãe, mostrando-
se indignada com a atual falta de afeto de filhos, netos e bisnetos.

e) Mistura presente e passado, deixando emergir a saudade que há tempo domina seu cotidiano.

(IFG) Considere o seguinte texto para responder às questões de 26 a 29.

Texto 02
“Os laços de família” Clarice Lispector
         A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e
recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. A filha, com seus
olhos escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria e frieza assistia.

      – Não esqueci de nada? perguntava pela terceira vez a mãe.

       – Não, não, não esqueceu de nada, respondia a filha divertida, com paciência.

         Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da
despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam

suportado; os bons-dias e as boas-tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a
fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em
sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. “Perdoe alguma palavra mal dita”, dissera a velha
senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, a
gaguejar – perturbado em ser o bom genro. “Se eu rio, eles pensam que estou louca”, pensara Catarina
franzindo as sobrancelhas. “Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais
um”, acrescentara a mãe, e

Antônio aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé, observava com malícia o marido, cuja
segurança se desvanecera para dar lugar a um homem moreno e miúdo,

forçado a ser filho daquela mulherzinha grisalha… Foi então que a vontade de rir tornou-se mais forte.
Felizmente nunca precisava rir de fato quando tinha vontade de rir: seus olhos

tomavam uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais estrábicos – e o riso saía pelos olhos.
Sempre doía um pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra: desde

pequena rira pelos olhos, desde sempre fora estrábica.

(…)
         – Não esqueci de nada…, recomeçou a mãe, quando uma freada súbita do carro lançou-as uma
contra a outra e fez despencarem as malas.

           – Ah! ah! – exclamou a mãe como a um desastre irremediável, ah! dizia balançando a cabeça
em surpresa, de repente envelhecida e pobre. E Catarina? Catarina olhava a

mãe, e a mãe olhava a filha, e também a Catarina acontecera um desastre? Seus olhos piscaram

surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente possível
remediar a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma coisa, seria inútil

esconder: Catarina fora lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda
do tempo em que se tem pai e mãe. Apesar de que nunca se haviam

realmente abraçado ou beijado. Do pai, sim. Catarina sempre fora mais amiga. Quando a mãe enchia-
lhes os pratos obrigando-os a comer demais, os dois se olhavam piscando em cumplicidade e a mãe
nem notava. Mas depois do choque no táxi e depois de se ajeitarem, não tinham o que falar – por que
não chegavam logo à Estação?

       – Não esqueci de nada, perguntou a mãe com voz resignada.

        Catarina não queria mais fitá-la nem responder-lhe.

       – Tome suas luvas! disse-lhe, recolhendo-as do chão.

      – Ah! ah! minhas luvas! exclamava a mãe perplexa. Só se espiaram realmente quando as malas
foram dispostas no trem, depois de trocados os beijos: a cabeça da mãe apareceu na janela.

     Catarina viu então que sua mãe estava envelhecida e tinha os olhos brilhantes.

O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-
se no seu chapéu novo, comprado no mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar
excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida.
Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade
deu-lhe à boca um gosto de sangue. Como se “mãe e filha” fosse vida e repugnância. Não, não se
podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho na bolsa, e
fitava-a sorrindo. O rosto usado e ainda bem esperto parecia esforçar-se por dar aos outros alguma
impressão, da qual o chapéu faria parte.

A campainha da Estação tocou de súbito, houve um movimento geral de ansiedade, várias pessoas
correram pensando que o trem já partia: mamãe! disse a mulher. Catarina! disse a velha. Ambas se
olhavam espantadas, a mala na cabeça de um carregador interrompeu-lhes a visão e um rapaz correndo
segurou de passagem o braço de Catarina, deslocando-lhe a gola do vestido. Quando puderam ver-se
de novo, Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar se não esquecera de nada…

         – …não esqueci de nada? perguntou a mãe.


         – Também a Catarina parecia que haviam esquecido de alguma coisa, e ambas se olhavam
atônitas – porque se realmente haviam esquecido, agora era tarde demais. Uma mulher arrastava uma
criança, a criança chorava, novamente a campainha da Estação soou…

         Mamãe, disse a mulher. Que coisa tinham esquecido de dizer uma a outra? e agora era tarde
demais. Parecia-lhe que deveriam um dia ter dito assim: sou tua mãe, Catarina. E ela deveria ter
respondido: e eu sou tua filha.

       – Não vá pegar corrente de ar! gritou Catarina.

      – Ora menina, sou lá criança, disse a mãe sem deixar porém de se preocupar com a própria
aparência. A mão sardenta, um pouco trêmula, arranjava com delicadeza a aba do chapéu e Catarina
teve subitamente vontade de lhe perguntar se fora feliz com seu pai:

        – Dê lembranças a titia! gritou.

         – Sim, sim!

         – Mamãe, disse Catarina porque um longo apito se ouvira

e no meio da fumaça as rodas já se moviam.

        – Catarina! disse a velha de boca aberta e olhos espantados, e ao primeiro solavanco a filha viu-a
levar as mãos ao chapéu: este caíra-lhe até o nariz, deixando aparecer apenas a nova dentadura. O trem
já andava e Catarina acenava. O rosto da mãe desapareceu um instante

e reapareceu já sem o chapéu, o coque dos cabelos desmanchado caindo em mechas brancas sobre os
ombros como as de uma donzela – o rosto estava inclinado sem sorrir, talvez mesmo sem enxergar
mais a filha distante. LISPECTOR, C. Laços de Família. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1998, p. 94
26. O trecho proposto para análise foi retirado de “Laços de Família”, obra escrita por Clarice
Lispector e publicada, pela primeira vez, em 1960. Sobre ele, é correto afirmar que
a) as várias perguntas acerca de um possível esquecimento de alguma coisa são, na verdade,
tentativa de estabelecer um diálogo entre mãe e filha, cujo relacionamento é distante e vazio.
b) o texto apresenta uma mãe e sua filha que se encontram pela primeira vez e, por isso, ainda não
possuem um laço maior de proximidade entre elas.

c) o texto retrata uma família que mantém um laço forte de proximidade entre seus membros, com
destaque para mãe e filha. Daí a palavra “laços” no título.

d) Catarina mostra-se triste, durante todo o percurso feito de táxi, por perceber que o relacionamento
entre sua mãe e seu marido é frágil.

e) em “O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer”, percebe-se o quão tímidas eram
mãe e filha.

27. O trecho de “Os laços de família” apresenta o relacionamento da família de Catarina. Sobre tal
relacionamento, considere as proposições a seguir:
I. “Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado” explicita uma
relação de tolerância e falsidade entre a sogra e o genro.

II. Na hora da despedida, Catarina sente vontade de rir porque percebe o comportamento falso da mãe
e do marido, que querem passar por sogra e genro exemplares.

III. “Catarina fora lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida” ilustra um
desencadeamento de um processo epifânico no relacionamento entre mãe e filha, isto é, processo de
revelação, de tomada de consciência da personagem.

Assinale a única alternativa que contém somente a(s)

proposição(ões) verdadeira(s).
a) I e II

b) I, II e III
c) II e III

d) I e III

e) III

28. Em “Ninguém mais poderia te amar senão eu”, o termo “te” se refere

a) a Catarina.

b) ao chapéu.

c) a Severina.
d) ao genro de Severina.

e) ao taxista.

29. Clarice Lispector (1926-77) é um dos principais nomes da geração de 45 e uma das principais
expressões da ficção brasileira de todos os tempos. Dentre várias contribuições, podemos citar a
introdução em nossa literatura de novas técnicas de expressão. Sobre essa

autora e sua produção, é incorreto afirmar que


a) seus temas são essencialmente humanos e universais, tais como: as relações entre o eu e o outro, a
falsidade das relações humanas, a condição social da mulher, o esvaziamento das relações familiares.

b) o fluxo de consciência em sua obra quebra os limites espaço-temporais. Por meio dele, presente e
passado, realidade e desejo se misturam. O fluxo de consciência cruza vários planos narrativos, sem
preocupação com a lógica ou com a ordem narrativa.

c) trata-se de uma escrita intimista e psicológica. É também social, filosófica, existencial e


metalinguística.
d) processos epifânicos são comuns na prosa de Clarice Lispector. Isso significa que as personagens,
mergulhadas num fluxo de consciência, passam a ver o mundo e a si mesmas de outro modo, a partir
de fatos banais do cotidiano, como um encontrão, porexemplo.

e) Clarice Lispector põe em xeque os modelos narrativos tradicionais e relativiza os limites entre
a poesia e a prosa. É, ainda, alvo da crítica literária que rejeita toda a sua produção por trazer à
tona personagens femininas

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