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a) revela um embate de natureza social, já que a pobreza do cego causa náuseas na personagem.
b) expressa o dilema cristão da alma pecadora diante de sua incapacidade de fazer o bem.
c) indica um conflito psicológico, uma vez que a personagem não se sente capaz de amar.
5.(PUCCAMP) – Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!.
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta
não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não
sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem
propriamente um pensamento qualquer. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:
– Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
– Eu também! Jurou a menina com ardor.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de
volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em
quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei a correr naquele estado!”. A galinha tornara-se a
rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando
suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.
No excerto acima, do conto “Uma galinha”, Clarice Lispector, a autora de LAÇOS DE FAMÍLIA,
a) utiliza a ave para projetar nela a condição da mulher enquanto fêmea reprodutora, dona de
casa e ser reflexivo.
b) alegoriza a condição da mulher moderna, emancipada das estritas funções domésticas, e no entanto
saudosa delas.
c) estabelece uma analogia entre a criação artística e o parto, mostrando o quanto há neles de
sofrimento e o nenhum reconhecimento que obtêm no mundo moderno.
d) afasta-se do tema que estrutura seu livro e pratica uma forma singular de humor, num conto ao
mesmo tempo cruel e anedótico.
e) vale-se da uma galinha para simbolizar nela a crise de uma família de classe média cujos laços
afetivos há muito se desataram.
6.(UFV) Em grande parte das narrativas que compõem “Laços de Família”, Clarice Lispector
privilegia as personagens femininas que vivem o tradicional modelo da dona-de-casa e desempenham
papéis estabelecidos para a mulher, em uma sociedade opressora e de valores masculinos.
Observe as situações transcritas e assinale a alternativa cuja citação NÃO confirma a observação
anterior:
a) Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o
tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram
filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia
aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma
legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha – com persistência, continuidade,
alegria. (“Amor”, p. 18.)
b) Interrompendo a arrumação da penteadeira, Laura olhou-se ao espelho: e ela mesma, há quanto
tempo? Seu rosto tinha uma graça doméstica, os cabelos eram presos com grampos atrás das orelhas
grandes e pálidas. Os olhos marrons, os cabelos marrons, a pele morena e suave, tudo dava a seu rosto
já não muito moço um ar modesto de mulher. (“A imitação da rosa”, p. 36.)
c) Ela, a forte, que casara em hora e tempo devido com um bom homem a quem, obediente e
independente, respeitara; a quem respeitara e quem lhe fizera filhos e lhe pagara os partos, lhe honrara
os resguardos. O tronco fora bom. (“Feliz aniversário”, p. 67.)
d) Tinha quinze anos e não era bonita. Mas por dentro da magreza, a vastidão quase majestosa
em que se movia como dentro de uma meditação. E dentro da nebulosidade algo preciso. Que
não se espreguiçava, não se comprometia, não se contaminava. Que era intenso como uma jóia.
Ela. (“Preciosidade”, p. 95.)
e) Quem sabe se sua mulher estava fugindo com o filho da sala de luz bem regulada, dos móveis bem
escolhidos, das cortinas e dos quadros? Fora isso o que ele lhe dera. […] O homem inquietou-se.
Porque não poderia continuar a lhe dar senão: mais sucesso. E porque sabia que ela o ajudaria a
consegui-lo e odiaria o que conseguissem. Assim era aquela calma mulher de trinta e dois anos que
nunca falava propriamente, como se tivesse vivido sempre. […] Às vezes ele procurava humilhá-la,
entrava no quarto enquanto ela mudava de roupa porque sabia que ela detestava ser vista nua. (“Os
laços de família”, p. 118.)
II. E, como se pouco a pouco se desnudasse uma estratégia, o cotidiano dos personagens de Laços de
família, cuja primeira edição data de 1960, vai-se desnudando como um ambiente falsamente estável,
em que vidas aparentemente sólidas se desestabilizam de súbito, justo quando o dia-a-dia parecia estar
sendo marcado pela ameaça de nada acontecer.
III. O texto de Clarice Lispector não costuma apresentar ilusória facilidade. Seu vocabulário não é
simples, as imagens voltam-se para animais e plantas, quando não para objetos domésticos e situações
da vida diária, com frequência numa voltagem de intenso lirismo. Assinale a alternativa CORRETA:
“O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as
coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais
altas.” (Clarice Lispector, Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p.23.)
Essa crise, que transforma a relação da personagem com o mundo e com a família,
a) nasce do colapso da vontade de viver da personagem, em razão do doloroso prazer com que passou
a ver as coisas.
b) revela o conflito vivido pela personagem entre o tipo de vida que havia escolhido e as coisas
que passou a desejar.
c) constitui, para a personagem, uma alteração no modo de vida que antes a fazia sofrer e do qual
agora havia se libertado.
d) remete à excitação da personagem por ter conseguido harmonizar sua antiga vida com os novos
desejos e sensações.
“Olhando os imóveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não
havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto – ela o abafava com a mesma habilidade que as
lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar,
cuidando do lar e da família à revelia deles.” (“Amor”).
Em ambos os excertos destaca-se um dos temas estruturadores do livro Laços de Família, já que nele a
autora
a)explora o imaginário feminino, cuja natureza idealizante liberta a mulher de qualquer preocupação
existencial.
b) denuncia o conformismo burguês da mulher, fazendo-nos ver que seus inúteis desvaneios a afastam
da realidade.
c) satiriza a hipocrisia dos laços familiares, propondo em lugar deles a harmonia de um mundo
politicamente mais aberto e mais democrático.
.
13. (UFU) Todas as afirmativas a seguir referem-se à obra “Laços de família”, de Clarice Lispector,
EXCETO:
a) Há, na obra, a presença de personagens frágeis e desajustadas que se escondem por trás de uma
máscara, apresentando momentos de lucidez que as despertam para a rotina cotidiana.
b) O título da obra configura-se como uma ironia, pois é evidente a decadência do relacionamento
afetivo das personagens, quase sempre excluídas do âmbito familiar. Os laços familiares são apenas
aparentes.
c) A predominância do foco narrativo em primeira pessoa revela que as personagens atuam,
timidamente, à mercê dos laços familiares que revigoram a harmonia das relações cotidianas.
d) Há, na obra, o predomínio de um monólogo interior, conferindo à narrativa o caráter nitidamente
introspectivo e a permanente tematização da situação da mulher na cidade, que se moderniza e
aprofunda as desigualdades sociais.
b) tentativa de renovar a estrutura e andamento do conto para melhor caracterizar a alma popular,
observada por meio do humor e da sátira, principalmente entre os “italianinhos” da década de 20.
d) tentativa de penetrar a mente humana, o que significou o rompimento com uma narrativa
ligada a acontecimentos exteriores e a necessidade de utilização de uma linguagem, carregada de
metáforas originais.
e) inovações linguísticas e temáticas exigidas por uma nova concepção de arte, que denuncia os falsos
valores da época em que viveu e que antecipava, em muitos aspectos, os ideais da Semana de 22.
15. (FUVEST) A respeito de Clarice Lispector, nos contos de Laços de Família, seria correto afirmar
que:
a)parte frequentemente de acontecimentos surpreendentes para banalizá-los.
d) é regionalista hermética.
16. (UFGD) Leia o fragmento a seguir do conto “Uma galinha”, de Laços de Família (1960), de
Clarice Lispector.
―Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga,
pairava ofegante num beirai de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo
de se refazer por um momento. E então parecia tão livre. Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como
seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É
verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo
crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no
mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma‖
Considerando as questões de gênero, tão em voga na atualidade, mas muito antecipadas pela escrita
intimista de Clarice Lispector, como pode ser a Galinha – protagonista do conto – compreendida num
aspecto sociocultural?
18. (UEL) No livro “Laços de família”, de Clarice Lispector, o conto “Feliz aniversário” apresenta
uma reunião familiar para uma festa de aniversário. Identifique a única opção que contém a
caracterização correspondente à personagem da aniversariante:
a) “… arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos
à data, espalhara balões sugados pelo teto…”
b) ” … como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e
rostos ansiosos?”
c) “… na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de
Olaria…”
d) “… não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras
isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava.”
e) “… servia como uma escrava, os pés exaustos e o coração revoltado.”
19.(UFRS) Leia, a seguir, a síntese de um conto do livro “Laços de Família”, de Clarice Lispector.
Numa manhã bem cedo, a menina saiu de casa para ir à escola. As ruas estavam desertas, ainda era
noite e “as casas dormiam nas portas fechadas”. Caminhando sozinha, ela avistou, ao longe, dois
rapazes vindo em sua direção. A menina se amedrontou e ficou indecisa sobre qual atitude tomar: dar
a volta e sair correndo, ou enfrentá-los. Vencendo o próprio medo, a menina decidiu continuar
caminhando, na expectativa de que nada lhe acontecesse. No momento em que cruzaram com ela, os
rapazes lhe tocaram o corpo com as duas mãos e saíram correndo, deixando-a paralisada.
Trata-se da síntese do conto intitulado
a) “Feliz Aniversário”.
b) “Preciosidade”.
c) “Amor”.
d) “A Imitação da Rosa”.
e) “Os Laços de Família”.
(MACKENZIE) Texto para as questões de 20 a 22
Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A
aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe
de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror
aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a
presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira,
desprezava-os. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho,
pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu
coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar
sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando,
ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida qu falhava. Clarice Lispector, “Feliz
aniversário”. In: Laços de família
a) narrador onisciente que descreve cena familiar construída a partir da perspectiva da mãe
aniversariante, valendo-se, para isso, do discurso indireto livre.
b) narrador observador que procura caracterizar uma comemoração entre familiares – a festa de
aniversário da mãe –, posicionando-se de forma neutra e objetiva.
c) narrador protagonista que, confundindo-se com a personagem mãe, rememora uma festa de
aniversário conflituosa.
d) narrador de terceira pessoa que, ao retratar a festa, utiliza também a voz em primeira pessoa da
protagonista, formalizada em discurso indireto.
e) narrador onipresente que, valendo-se apenas da observação direta, descreve as reações negativas da
família, na ocasião em que se comemora a festa de aniversário da mãe.
c) a importância que o narrador atribui à matriarca nos destinos daquela família que, no fundo, não
merecia nenhuma atenção.
II. A frase E como a presilha a sufocasse, no contexto em que está inserida aponta, denotativamente,
para o incômodo provocado pelo traje de festa e, conotativamente, para a angústia existencial da
personagem.
III. É índice da contemporaneidade de Clarice Lispector a visão idealizada das relações familiares,
inscrita, por exemplo, no sentido do título do conto (“Feliz aniversário”) e da coletânea (Laços de
família).
Assinale:
25. (UEL) Conto “Feliz Aniversário” (Laços de Família, 1960), de Clarice Lispector (1920-1977). Na
cabeceira da mesa, a toalha manchada de Coca-Cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante
piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se
ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou
mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe
de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e
netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse.
Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração. Rodrigo, com aquela carinha
dura, viril e despenteada, cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela
cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a
aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à
luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo
devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, respeitara; a quem respeitara e que
lhe fizera filhos e lhe pagara os partos, lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera
aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à
luz aqueles seres risonhos fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns
comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se
acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.
(LISPECTOR, Clarice. Feliz Aniversário. In: Laços de Família. 28. ed. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1995. p. 78-79.) Ainda que Clarice Lispector tenha morrido um dia antes de completar
cinquenta e sete anos, a problemática das mulheres de terceira idade faz-se presente em muitos de seus
contos. “Feliz Aniversário” registra tal tema. Neste conto, sentada à cabeceira da mesa preparada para
a comemoração de seu octogésimo-nono aniversário, D. Anita:
a) Vê, horrorizada, sua descendência constituída por seres mesquinhos.
b) Lembra-se, saudosa, da época em que seu marido era vivo e com ela dividia as dificuldades
cotidianas.
c) Contempla seu neto, Rodrigo, a trazer-lhe ao presente a imagem do falecido marido quando jovem.
d) Rememora, com rancor, sua vida de mulher, seja enquanto esposa, seja enquanto mãe, mostrando-
se indignada com a atual falta de afeto de filhos, netos e bisnetos.
e) Mistura presente e passado, deixando emergir a saudade que há tempo domina seu cotidiano.
Texto 02
“Os laços de família” Clarice Lispector
A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e
recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. A filha, com seus
olhos escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria e frieza assistia.
– Não, não, não esqueceu de nada, respondia a filha divertida, com paciência.
Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da
despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam
suportado; os bons-dias e as boas-tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a
fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em
sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. “Perdoe alguma palavra mal dita”, dissera a velha
senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, a
gaguejar – perturbado em ser o bom genro. “Se eu rio, eles pensam que estou louca”, pensara Catarina
franzindo as sobrancelhas. “Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais
um”, acrescentara a mãe, e
Antônio aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé, observava com malícia o marido, cuja
segurança se desvanecera para dar lugar a um homem moreno e miúdo,
forçado a ser filho daquela mulherzinha grisalha… Foi então que a vontade de rir tornou-se mais forte.
Felizmente nunca precisava rir de fato quando tinha vontade de rir: seus olhos
tomavam uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais estrábicos – e o riso saía pelos olhos.
Sempre doía um pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra: desde
(…)
– Não esqueci de nada…, recomeçou a mãe, quando uma freada súbita do carro lançou-as uma
contra a outra e fez despencarem as malas.
– Ah! ah! – exclamou a mãe como a um desastre irremediável, ah! dizia balançando a cabeça
em surpresa, de repente envelhecida e pobre. E Catarina? Catarina olhava a
mãe, e a mãe olhava a filha, e também a Catarina acontecera um desastre? Seus olhos piscaram
surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente possível
remediar a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma coisa, seria inútil
esconder: Catarina fora lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda
do tempo em que se tem pai e mãe. Apesar de que nunca se haviam
realmente abraçado ou beijado. Do pai, sim. Catarina sempre fora mais amiga. Quando a mãe enchia-
lhes os pratos obrigando-os a comer demais, os dois se olhavam piscando em cumplicidade e a mãe
nem notava. Mas depois do choque no táxi e depois de se ajeitarem, não tinham o que falar – por que
não chegavam logo à Estação?
– Ah! ah! minhas luvas! exclamava a mãe perplexa. Só se espiaram realmente quando as malas
foram dispostas no trem, depois de trocados os beijos: a cabeça da mãe apareceu na janela.
Catarina viu então que sua mãe estava envelhecida e tinha os olhos brilhantes.
O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-
se no seu chapéu novo, comprado no mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar
excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida.
Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade
deu-lhe à boca um gosto de sangue. Como se “mãe e filha” fosse vida e repugnância. Não, não se
podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho na bolsa, e
fitava-a sorrindo. O rosto usado e ainda bem esperto parecia esforçar-se por dar aos outros alguma
impressão, da qual o chapéu faria parte.
A campainha da Estação tocou de súbito, houve um movimento geral de ansiedade, várias pessoas
correram pensando que o trem já partia: mamãe! disse a mulher. Catarina! disse a velha. Ambas se
olhavam espantadas, a mala na cabeça de um carregador interrompeu-lhes a visão e um rapaz correndo
segurou de passagem o braço de Catarina, deslocando-lhe a gola do vestido. Quando puderam ver-se
de novo, Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar se não esquecera de nada…
Mamãe, disse a mulher. Que coisa tinham esquecido de dizer uma a outra? e agora era tarde
demais. Parecia-lhe que deveriam um dia ter dito assim: sou tua mãe, Catarina. E ela deveria ter
respondido: e eu sou tua filha.
– Ora menina, sou lá criança, disse a mãe sem deixar porém de se preocupar com a própria
aparência. A mão sardenta, um pouco trêmula, arranjava com delicadeza a aba do chapéu e Catarina
teve subitamente vontade de lhe perguntar se fora feliz com seu pai:
– Catarina! disse a velha de boca aberta e olhos espantados, e ao primeiro solavanco a filha viu-a
levar as mãos ao chapéu: este caíra-lhe até o nariz, deixando aparecer apenas a nova dentadura. O trem
já andava e Catarina acenava. O rosto da mãe desapareceu um instante
e reapareceu já sem o chapéu, o coque dos cabelos desmanchado caindo em mechas brancas sobre os
ombros como as de uma donzela – o rosto estava inclinado sem sorrir, talvez mesmo sem enxergar
mais a filha distante. LISPECTOR, C. Laços de Família. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1998, p. 94
26. O trecho proposto para análise foi retirado de “Laços de Família”, obra escrita por Clarice
Lispector e publicada, pela primeira vez, em 1960. Sobre ele, é correto afirmar que
a) as várias perguntas acerca de um possível esquecimento de alguma coisa são, na verdade,
tentativa de estabelecer um diálogo entre mãe e filha, cujo relacionamento é distante e vazio.
b) o texto apresenta uma mãe e sua filha que se encontram pela primeira vez e, por isso, ainda não
possuem um laço maior de proximidade entre elas.
c) o texto retrata uma família que mantém um laço forte de proximidade entre seus membros, com
destaque para mãe e filha. Daí a palavra “laços” no título.
d) Catarina mostra-se triste, durante todo o percurso feito de táxi, por perceber que o relacionamento
entre sua mãe e seu marido é frágil.
e) em “O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer”, percebe-se o quão tímidas eram
mãe e filha.
27. O trecho de “Os laços de família” apresenta o relacionamento da família de Catarina. Sobre tal
relacionamento, considere as proposições a seguir:
I. “Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado” explicita uma
relação de tolerância e falsidade entre a sogra e o genro.
II. Na hora da despedida, Catarina sente vontade de rir porque percebe o comportamento falso da mãe
e do marido, que querem passar por sogra e genro exemplares.
III. “Catarina fora lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida” ilustra um
desencadeamento de um processo epifânico no relacionamento entre mãe e filha, isto é, processo de
revelação, de tomada de consciência da personagem.
proposição(ões) verdadeira(s).
a) I e II
b) I, II e III
c) II e III
d) I e III
e) III
28. Em “Ninguém mais poderia te amar senão eu”, o termo “te” se refere
a) a Catarina.
b) ao chapéu.
c) a Severina.
d) ao genro de Severina.
e) ao taxista.
29. Clarice Lispector (1926-77) é um dos principais nomes da geração de 45 e uma das principais
expressões da ficção brasileira de todos os tempos. Dentre várias contribuições, podemos citar a
introdução em nossa literatura de novas técnicas de expressão. Sobre essa
b) o fluxo de consciência em sua obra quebra os limites espaço-temporais. Por meio dele, presente e
passado, realidade e desejo se misturam. O fluxo de consciência cruza vários planos narrativos, sem
preocupação com a lógica ou com a ordem narrativa.
e) Clarice Lispector põe em xeque os modelos narrativos tradicionais e relativiza os limites entre
a poesia e a prosa. É, ainda, alvo da crítica literária que rejeita toda a sua produção por trazer à
tona personagens femininas