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Programa de

Análise Matemática
1. Primeiras Noções 4
Números Racionais e Representação Decimal 8
Números Irracionais 9
Números Reais 11
Séries Infinitas 11
Funções, Limite e Continuidade 15

2. O Início do Rigor na Análise Matemática 22

3. O Cálculo Diferencial 27
Reta Tangente 28
A Diferencial 29

4. Referências Bibliográficas 32

02
03
PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA

1. Primeiras Noções

Fonte: Ibra1

P roposição é qualquer afirma-


ção, verdadeira ou falsa, mas
que faça sentido. Por exemplo, são
Escreve-se, simbolicamente, “P →
Q”, que tanto se lê “P implica Q”,
como “P acarreta Q” ou “Q é conse-
proposições as três afirmações se- quência de P”. P é a hipótese e Q é a
guintes: tese do teorema. Por exemplo, a pro-
a. Todo número primo maior que posição A acima é um teorema, que
2 é ímpar. pode ser escrito na forma D → E,
b. Na geometria plana a soma onde D e E são as proposições se-
dos ângulos internos de qualquer guintes:
triângulo é 180°.  D: n é um número primo
c. Todo número ímpar é primo. maior do que 2.
 E: n é um número ímpar.
Observe que dessas três pro-
posições, as duas primeiras são ver- Outro exemplo de teorema:
dadeiras, mas a terceira é falsa, pois Se duas frações a/b e c/d são
9, 15, 21, etc., são números ímpares iguais, então:
que não são primos.
Teorema é uma proposição
verdadeira do tipo “P implica Q”,
onde P e Q também são proposições.

1 Retirado em https://www.ibraeducacional.com.br/cursos/single/1020

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Esse mesmo teorema pode D, quer dizer, valendo D, tem de va-


também ser escrito assim: ler E, ou seja, é necessário valer E.
A recíproca de um teorema P
→ Q é a proposição Q → P, que tam-
bém se escreve P ← Q. A recíproca
de um teorema pode ou não ser ver-
dadeira. Por exemplo, a recíproca do
Observe que quando se enun- teorema “todo número primo mais
cia um teorema A → B, não se está do que 2 é ímpar” é “todo número
afirmando que a hipótese A é verda- ímpar é primo maior do que 2”. Isto
deira; apenas que, se for verdadeira, é falso, pois nem todo número ímpar
então B também será. é primo. O Teorema de Pitágoras é
Chama-se Lema a um teorema um exemplo de teorema cuja recí-
preparatório para a demonstração proca é verdadeira. O teorema assim
de outro teorema. Corolário é um te- se enuncia:
orema que segue como consequên-  Se ABC é um triângulo retân-
cia natural de outro. gulo em B, então AC2 = AB2 +
Muitos autores utilizam a pa- BC2;
lavra “proposição” para designar os
teoremas de uma certa teoria, reser- E a recíproca tem o seguinte
vando a palavra “teorema” para enunciado:
aqueles resultados que devem ser  Se ABC é um triângulo, com
ressaltados como os mais importan- AC2 = AB2 + BC2, então ABC
tes. é retângulo em B.
Num teorema “P → Q”, diz que
Quando a recíproca de um te-
a hipótese P é uma condição sufici-
orema é verdadeira, escrevemos o
ente de Q, isto é, basta a hipótese P
teorema, juntamente com sua recí-
ser verdadeira para que a tese Q
proca, na forma P ↔ Q. Neste caso,
também seja. Esta tese Q, por sua
qualquer uma das proposições P e Q
vez, é condição necessária de P, ou
é ao mesmo tempo necessária e sufi-
seja, a hipótese P sendo verdadeira,
ciente para a validade da outra. É
a tese Q também necessariamente
por isso que, neste caso, o teorema
será verdadeira. Assim, com refe-
também se enuncia assim: a condi-
rência às proposições atrás, D é con-
ção necessária e suficiente para que
dição suficiente para que E seja ver-
a proposição Q seja verdadeira é que
dadeira, e E é condição necessária de

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a proposição P também seja verda- A negação de uma proposição


deira; ou então, a condição necessá- A será denotada por Ã. Por exemplo,
ria e suficiente para que a proposi- a negação da proposição “todo nú-
ção P seja verdadeira é que a propo- mero primo é ímpar” tanto pode ser
sição Q também seja verdadeira. “nem todo número primo é ímpar,
Observe que P→ Q é o mesmo ou “existe um número primo que
que “vale Q se valer P”; ou ainda, não é ímpar”, ou ainda “existe um
“vale P somente se valer Q”. Por isso, número primo par”.
um outro modo habitual de enunciar Estas duas últimas formas são
um teorema com sua recíproca, P ↔ preferíveis à primeira por serem
Q, consiste em escrever “P se e so- afirmativas. A negação da proposi-
mente se Q”. P → Q é a parte “vale P ção “todo homem é mortal” é “nem
somente se valer Q”, e Q → P é a todo homem é mortal”; mas, em
parte “vale P se valer Q”, proposição forma afirmativa, deve ser “existe
esta que também costuma ser escrita um homem imortal”. Em nosso es-
mais abreviadamente na forma “P se tudo de análise, nem sempre é fácil
Q”. Note ainda que a proposição P ↔ construir a negação de uma proposi-
Q significa que P e Q são proposições ção.
equivalentes. O princípio da não contradição
No caso do teorema de Pitágo- afirma que uma proposição não
ras, podemos juntar o teorema e sua pode ser verdadeira e falsa ao
recíproca num só enunciado, das di- mesmo tempo, ou seja, não pode ser
versas maneiras seguintes: verdadeira juntamente com sua ne-
 A condição necessária e sufici- gação. Em outras palavras, deno-
ente para que um triângulo tando a negativa de uma proposição
ABC seja retângulo em B é que por Ã, se A for verdadeira, então  é
AC2 = AB2 + BC2. falsa.
 Dados três pontos distintos A, O chamado princípio do ter-
B e C, a condição necessária e
ceiro excluído afirma que qualquer
suficiente para que AC2 = AB2
+ BC2 é que o triângulo ABC proposição A ou é verdadeira ou é
seja retângulo em B. falsa. Em outras palavras, ou A é ver-
 Seja ABC um triângulo. Então, dadeira, ou à é verdadeira, não
 ABC é retângulo em B ↔ AC2 = sendo possível uma terceira alterna-
AB2 + BC2. tiva.
 Um triângulo ABC é retângulo Observe que um teorema “A →
em B se e somente se AC2 = B” não é equivalente nem implica z
AB2 + BC2.
. Por exemplo, o teorema “Se

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x é um número real, então x < 0 → provas. De fato, trocando A por e


x2 > 0” é verdadeiro, mas não se im-
B por à em obtemos
plica nem é equivalente a “x ≥ 0 →
exatamente
x2 ≤ 0”.
A contraposição é frequente-
Todavia, é verdade que “A →
mente usada em demonstrações. Va-
B” é equivalente a . Esta úl-
mos dar um exemplo disso, primeiro
tima proposição é chamada de con-
provando, por demonstração direta,
traposição ou posição contraposta à
que o quadrado de um número par
proposição “A → B”.
também é par. De fato, número par
Teorema: Sejam A e B duas
é todo número n da forma n = 2k,
proposições. Então, vale a seguinte
onde k é um inteiro. Então, n2 = 4k2
equivalência:
= 2(2k2), que é da forma 2k’, onde k’
Demonstração: Faremos pri-
é o inteiro 2k2. Isto completa a de-
meiro a demonstração no sentido →.
monstração do teorema.
Para isso, nossa hipótese é que A →
Consideremos agora o teo-
B, isto é, que “se A for verdadeira, B
rema: se o quadrado de um inteiro n
também é”: queremos provar que
for ímpar, então n também será ím-
“se for verdadeira, Ã também é”. par. Podemos provar este teorema
Então, começamos supondo ver- diretamente, mas isto é desnecessá-
dadeira. Ora, a à não fosse verda- rio. Basta observar que as proposi-
deira, pelo princípio do terceiro ex- ções “n é par” e “n é ímpar” são a ne-
cluído, A seria verdadeira; e pela hi- gação uma da outra, de forma que
pótese do teorema (A → B), B seria este último teorema é o contraposto
verdadeira. Mas, pelo princípio da do teorema anterior, portanto, equi-
não contradição, não podemos acei- valente a ele.
tar isto (visto que estamos supondo As chamadas demonstrações
por redução ao absurdo, ou simples-
verdadeira). Então, não podemos
mente demonstrações por absurdo
também aceitar a à não seja verda-
ou ainda demonstrações por contra-
deira, donde, Ã é verdadeira, o que
posição. Para provas que A → B co-
conclui a demonstração desejada de
meçamos supondo A verdadeira e B
que .
falsa. Esta última é a chamada “hi-
Finalmente, temos de provar a
pótese do raciocínio por absurdo”,
recíproca, isto é, a implicação ←,
uma suposição apenas temporária,
vale dizer Mas até chegarmos a uma contradição,
isto decorre do que acabamos de um absurdo. Somos estão forçados a

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remover a hipótese do raciocínio por Números Racionais e Re-


absurdo e concluir que B é verda- presentação Decimal
deira.
Como aplicação, vamos de- Os números reais são o ali-
monstrar o teorema mencionado cerce primeiro da Análise Matemá-
atrás, de que Num plano, por um tica. Recordaremos inicialmente
ponto fora de uma reta não se pode certas propriedades elementares dos
traçar mais que uma perpendicular à números reais.
reta dada. Vimos que esse teorema Vamos considerar a conversão
se escreve na forma A → B, onde A e de frações ordinárias em decimais,
B são as proposições: com vistas a entender quando a de-
 A: Num plano é dada uma reta cimal resulta ser finita ou periódica.
r e um ponto Como sabemos, a conversão
 B: No plano dado não existe de uma fração ordinária em decimal
mais que uma reta s perpendi- se faz dividindo o numerador pelo
cular a r, tal que
denominador. Se o denominador da
fração em forma irredutível só con-
A negação de B é que existe
tiver os fatores primos de 10 (2 e/ou
mais que uma perpendicular; ora,
5), a decimal resultante será sempre
para afirmar isto, basta supor que
finita; e é assim porque podemos in-
existam duas, assim:
troduzir fatores 2 e 5 no denomina-
 : No plano dado existem dor em número suficiente para fazer
duas retas distintas, s e t, per- esse denominador uma potência de
pendiculares a r, tais que
10. Exemplo:

Vamos provar que essa propo-


sição nos leva a um absurdo. Com
efeito, sejam S e T os pontos de in-
terseção de s e t com a reta r, sendo
que esses pontos são distintos, ou s e
t não seriam distintas. Ora, os ângu-
los em S e T são todos retos; mas isto Fonte: Escola Educação
é absurdo, senão a soma dos ângulos
do triângulo PST seria maior do que Vemos, por esses exemplos,
180º. Concluímos, pois, que a pro- que uma fração ordinária em forma
posição B é verdadeira. irredutível se transforma em deci-

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mal finita se seu denominador não ocorrendo este último caso se o de-
contém outros fatores primos além nominador q contiver algum fator
de 2 e 5. primo diferente de 2 e 5.
O que acontece se o denomina-
dor de uma fração irredutível conti- Números Irracionais
ver algum fator primo diferente de 2
e 5? Consideremos o exemplo da
conversão de 5/7 em decimal, ilus-
trada abaixo. Na primeira divisão
(de 50 por 7), obtemos o resto 1; de-
pois, nas divisões seguintes, vamos
obtendo o resto 5, já que ocorreu an-
tes, sabemos que os algarismos do
quociente voltarão a se repetir, re-
sultando no período 714285. Essa Fonte: Escola Educação
repetição acontecerá certamente,
pois os possíveis restos de qualquer Podemos conceber números
divisão por 7 são 0, 1, 2, 3, 4, 5 e 6. cuja representação decimal não é
Vemos também que o período terá nem finita nem periódica. Esses são
no máximo seis algarismos. os chamados números irracionais.
Admitindo a existência deles vamos
examinar algumas consequências
interessantes desta suposição.
É fácil produzir números irra-
cionais; basta inventar uma regra de
formação que não permita aparecer
período. Podemos conseguir isso,
por exemplo, utilizando dois algaris-
mos quaisquer, como dois e zero, co-
Fonte: Escola Educação locando o 2 seguido de um zero, de-
pois o 2 seguido de dois zeros, etc.
Este último exemplo e os ante- Vamos escrever esse número deci-
riores nos permitem concluir que mal com espaços separando os vá-
toda fração irredutível p/q, quando rios grupos de algarismos para me-
convertida à forma decimal, resulta lhor compreensão.
numa decimal finita ou periódica,

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O resultado é: como se demonstra que a soma dos


ângulos de qualquer triângulo é
0,20200200020000... 180°. Entretanto essa demonstração
não é tão simples e não será feita
Aqui, como se vê, os três pon-
aqui.
tos significam que o modo de forma-
Parece que o primeiro número
ção do número já está explicitado e
irracional a ser descoberto foi √2.
continua indefinidamente. Outros
Em geral, é difícil saber se um dado
exemplos:
número é irracional ou não, como é
 21,71771177711...;
o caso do número π. Mas é relativa-
 0,35355355535555...;
 0,17117711177711117777... mente fácil demonstrar que o nú-
mero √2 é irracional. Vamos fazer
Um exemplo importante de essa demonstração raciocinando por
número irracional é o conhecido nú- absurdo. Se √2 fosse racional, have-
mero π, dado aqui com suas primei- ria dois inteiros positivos p e q, tais
ras 30 casas decimais: que √2 = p/q, sendo p/q uma fração
irredutível, isto é, p e q primos entre
Π= si, ou seja, eles não têm divisor co-
3,141592653589793238462643383 mum maior do que 1. Elevando essa
279... igualdade ao quadrado, obtemos 2 =
p2/q2, donde p2 = 2q2.
(Agora os três pontos não têm Isso mostra que p2 é par, don-
o significado dos exemplos anterio- de concluímos que q também é par
res, mas apenas o de que os algaris- (se p fosse ímpar, p2 seria ímpar), di-
mos se sucedem indefinidamente, gamos p = 2r, com r inteiro. Substi-
sem nenhuma lei de formação expli- tuindo na equação anterior, obte-
citada.) mos:
O fato de não vermos período
nas aproximações de π, por mais que 4r2 = 2q2, ou q2 = 2r2.
aumentemos essas aproximações,
não prova que π seja irracional, pois Daqui concluímos, como no
é concebível que o período tenha mi- caso de p, que o número q também
lhões, bilhões, trilhões de algaris- deve ser par. Isto é absurdo, pois es-
mos - ou mais! Sabemos que π é ir- tão p e q são ambos divisíveis por 2
racional porque isto pode ser de- e p/q não é fração irredutível. O ab-
monstrado rigorosamente, assim surdo a que chegamos é consequên-

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cia da hipótese que fizemos no iní- A totalidade dos números raci-


cio, de que √2 fosse racional. Somos, onais, juntamente com os irracio-
assim, forçados a afastar essa hipó- nais é o chamado conjunto dos nú-
tese e concluir que √2 é irracional. meros reais.
A demonstração que acaba-
mos de fazer é, na verdade, apenas a Séries Infinitas
demonstração de que não existe nú-
mero racional cujo quadrado seja 2. Assim como no caso das se-
Afirmar que √2 é um número irraci- quências, quem já cursou Cálculo
onal só é possível no pressuposto de deve ter adquirido alguma familiari-
que já estamos de posso dos núme- dade com as séries infinitas. Aqui
ros irracionais, mas isto requer a iremos retomar o estudo dessas sé-
construção lógica desses números. ries a partir do que se costuma tratar
numa primeira disciplina de cálculo,
Números Reais acrescentando resultados adicio-
nais, como o critério de convergên-
cia de Cauchy, que será fundamental
para o estudo das séries de funções
posteriormente.
Vamos iniciar nossos estudos
das séries infinitas com exemplos
simples. Essas séries surgem muito
cedo, ainda no ensino fundamental,
quando lidamos com dízimas perió-
dicas. Com efeito, uma dízima como
Fonte: Mundo Educação
0,777... nada mais é do que uma pro-
gressão geométrica infinita. Veja:
Número real é todo número
que é racional ou irracional. Observe
que os números naturais (N) e os nú-
meros inteiros (Z) são casos particu-
lares de números racionais, de
forma que quando dizemos que um Mas quando se ensinam essas
número é racional, fica aberta a pos- dízimas, não é preciso recorrer às sé-
sibilidade de ele ser um número in- ries infinitas, pode-se usar o proce-
teiro (positivo ou negativo) ou sim- dimento finito que utilizamos ante-
plesmente um número natural. riormente, assim:

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S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + ... = 1
- (1 – 1 + 1 – 1 + ...) = 1 – S, donde a
equação S = 1 – S, que nos dá S = ½.
Voltando às séries infinitas, o
Como decidir então? Afinal, S
que significa “soma infinita”? Como
é zero, 1 ou ½?
somar um número após outro, após
Para encontrar uma saída para
outro, e assim por diante, indefini-
dificuldade como essa que vimos
damente? Num primeiro contato
com a Série de Grandi, temos de exa-
com séries infinitas, particularmen-
minar cuidadosamente o conceito de
te séries de termos positivos a ideia
adição. Somar números, sucessiva-
ingênua e não crítica de soma inde-
mente, uns após outros, é uma ideia
finida não costuma perturbar o estu-
concebida para uma quantidade fi-
dante. Porém, lidar com somas infi-
nita de números a somar. Ao aplicá-
nitas do mesmo modo como lidamos
la a somas infinitas, por mais que so-
com somas finitas acaba levando a
memos, sempre haverá parcelas a
sérias dificuldades, ou mesmo a con-
somar. O processo de somas sucessi-
clusões contraditórias, como bem
vas não termina; em consequência,
ilustra um exemplo simples, dado
não serve para definir a soma de
pela chamada “Série de Grandi”:
uma infinidade de números.
O conceito de soma infinita é
S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + ...
formulado de maneira a evitar um
envolvimento direto com a soma de
Esta série tanto parece ser
uma infinidade de parcelas. Assim,
igual a zero como igual a 1, depen-
dada uma série infinita a1 + a2 + a3 +
dendo de como encaramos. Veja:
... + na + ... contentamo-nos em con-
siderar as somas parciais S1 = a1, S2
S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + ... = (1-1) +
= a1 + a2, S3 = a1 + a2 + a3, etc.
(1-1) + (1-1) + ... = 0.
Em geral, designamos por Sn a
soma dos primeiros n elementos da
Mas podemos também escre-
sequência (na), que é chamada a
ver:
soma parcial ou reduzida de ordem
n associada a essa sequência:
S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + ... = 1 - (1-
1) - (1-1) - (1-1) - ... = 1.

E veja ainda o que podemos fa-


zer:

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Desse modo formamos uma Se uma série converge, seu ter-


nova sequência infinita (Sn), que é, mo geral tende a zero.
por definição, a série de termos na.
Se ela converge para um número S, Seja uma série de redu-
definimos a soma infinita como sen- zida Sn e soma S. Então, na = Sn –
do esse limite: Sn-1 → S – S = 0, como queríamos
demonstrar.
O leitor deve ter-se familiari-
zado, em seus estudos das progres-
Este último símbolo indica a sões geométricas no ensino médio,
soma da série, ou limite S de Sn. Mas com a série geométrica de razão q:
é costuma indicar a série (Sn) som
esse símbolo, mesmo que ela não
seja convergente. Frequentemente
usamos também o símbolo simplifi-

cado com o mesmo signifi- Esta série é de importância


cado. A diferença S – Sn = Rn é apro- fundamental no estudo das séries.
priadamente chamada o resto de or- Sua reduzida Sn é a soma dos termos
dem n da série. Às vezes, quando de uma progressão geométrica:
consideramos certas séries particu-
lares, a reduzida de ordem n pode
não conter exatamente n termos, de-
pendendo do índice n onde começa-
mos a somar. Supondo tende a
Como se vê, a noção de série zero, de forma que essa expressão
infinita generaliza o conceito de so- converge para 1/(1 – q), que é o li-
ma finita, pois a série se reduz a uma mite se Sn ou soma da série geomé-
soma finita quando todos os seus trica:
termos, a partir de um certo índice
são nulos. Mas é bom enfatizar que
há uma real diferença entre a soma
de um número finito de termos e a
soma de uma série infinita. Esta úl- Notemos que a série é diver-
tima não resulta de somar uma infi- gente se pois, neste caso, seu
nidade de termos – operação impos- termo geral não tende a zero.
sível; ela é, isto sim, o limite da soma
finita Sn.

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O teorema anterior nos dá Em consequência, a série e


uma condição necessária para a con-
vergência de uma série. Essa condi- converge ou diverge, conforme
ção, todavia, não é suficiente. É fácil a integral que aí aparece seja conver-
exibir séries divergentes cujos ter- gente ou divergente, respectiva-
mos gerais tendem a zero. Por exem- mente, com N → ∞.
A primeira somatória é a soma
plo no entanto, a sé-
das áreas dos retângulos sombrea-
rie é divergente, dos a figura a seguir, entre as abscis-
pois sua reduzida de ordem n é. sas X = 1 e x = N. Esses retângulos
jazem sob a curva y = f(x), devido ao
fato de esta função ser não-cres-
cente. Isto prova a primeira desi-
gualdade na figura, pois a integral é
Teorema (Critério de conver- a área sob a curva. De maneira aná-
gência de Cauchy). Uma condição loga prova-se a segunda desigual-
necessária e suficiente para que uma dade, bastando observar que a úl-
tima somatória na figura é a soma
série seja convergente é que das áreas dos retângulos sombrea-
dado qualquer ε > 0, exista N tal que, dos da figura b, que supera a área
para todo inteiro positivo p: sob a curva y = f(x) entre as abscissas
x = 1 e x = N.

Teste da integral. Um outro


teste de convergência de série de
muita utilidade é o chamado teste da
integral, porque se baseia na compa-
ração da série com integral de uma O teste da integral segue ime-
função. diatamente das desigualdades: e a
Seja f(x) uma função positiva, integral converge, basta fazer N → ∞
contínua e decrescente em na primeira dessas desigualdades
. Então: para se concluir que a série con-
verge. Reciprocamente, se a série
converge, fazemos N → ∞ na se-
gunda desigualdade e concluímos

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PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA

que a integral converge, o que com- as quais eram encaradas como dife-
pleta a demonstração. rentes variáveis ligadas à curva, em
vez de serem vistas como funções se-
Funções, Limite e Continui- paradas de uma única variável inde-
dade pendente. Mas, aos poucos, uma
dessas variáveis - no caso, a abscissa
O leitor vem se familiarizando de T - foi assumindo o papel do que
com a ideia de função desde o ensino chamamos a variável independente.
médio. Tendo em conta a importân- A palavra “função” foi introdu-
cia desse conceito no Cálculo e na zida por Leibniz em 1673, justamen-
Análise, vamos retomá-lo neste tó- te para designar qualquer das várias
pico, começando com alguns aspec- variáveis geométricas associadas
tos de sua evolução histórico a partir com uma dada curva. Só aos poucos
de século XVII. Embora a ideia de é que o conceito foi-se tornando in-
função possa ser identificada em dependente de curvas particulares e
obras do século XIV, foi só a partir passando a significar a dependência
do século XVII que ela teve grande de uma variável em termos de ou-
desenvolvimento e utilização. Isso tras. Mas, mesmo assim, por todo o
porque, nessa época surgiu a Geo- século XVIII, o conceito de função
metria Analítica, e muitos proble- permaneceu quase só restrito à ideia
mas matemáticos puderam ser con- de uma variável (dependente) ex-
venientemente formulados e resol- pressa por alguma fórmula em ter-
vidos em termos de variáveis ou in- mos de outra ou outras variáveis (in-
cógnitas que podiam ser representa- dependentes).
das em eixos de coordenadas.
Uma das questões que ocupou
a atenção dos matemáticos no século
XVII foi o problema de traçar a reta
tangente a uma dada curva. Nesse
problema intervêm várias grande-
zas, com a ordenada do ponto de
tangência T, os comprimentos da
tangente OT, de subtangente AO, da
normal TN e da subnormal AN. E as Ao lado da definição de função
investigações que sobre isso se fa- surgia o conceito de continuidade.
ziam giravam em torno de equações Euler entendia por contínua a fun-
envolvendo essas várias grandezas, ção que fosse dada por uma única

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PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA

expressão analítica, e por descontí- se valeu dessas séries foi o físico-ma-


nua quando fosse dada por expres- temático Joseph Fourier em seus es-
sões diferentes em diferentes partes tudos sobre propagação do calor em
de seu domínio de definição. Mas sólidos. Com efeito, Fourier realizou
isso resultava em interpretações muitas investigações sobre esse fe-
contraditórias. Por exemplo, por um nômeno, partindo de uma equação a
lado, a expressão: derivadas parciais, chamada “equa-
ção do calor”. O procedimento de
Fourier, que ficou consagrado até os
dias de hoje, consistia em obter so-
luções particulares da equação, com
as quais se montava uma série infi-
Estaria definindo y como fun-
nita com coeficientes a determinar.
ção contínua de x por ser dada por
Estes eram encontrados pela impo-
uma única expressão analítica.
sição de certas condições à solução
Acontece que essa integral pode ser
do problema, dentre as quais as cha-
facilmente calculada com a substi-
madas “condições iniciais”. Isso re-
tuição t = xs y = x se x ≥ 0 e y = -x se
sultava em cartas funções serem co-
x ≤ 0.
nhecidas pelo seu desenvolvimento
Agora, de acordo com Euler, a
nas tais séries trigonométricas. Eis
função seria descontínua por ser
um exemplo simples de tal função:
dada por diferentes expressões ana-
líticas em diferentes partes de seu
domínio, uma clara contradição com
a interpretação anterior.
O exemplo de função que aca-
bamos de dar, em termos do pro- Observe que os termos dessa
cesso infinito de integração, mostra série são funções regulares, bem
que as ideias de função e continuida- comportadas. Isso fazia supor aos
de então adotadas eram inadequa- matemáticos da época que a soma
das, coisa que se tornou ainda mais infinita também fosse uma função
evidente com o tratamento de fun- bastante regular. O próprio Cauchy
ções por outro processo infinito, o chegou a lidar com séries infinitas
das “séries trigonométricas”. Essas como se fosse assim. Acontece que a
séries já haviam sido utilizadas em soma da série em pauta pode ser ob-
meados do século XVIII por Daniel tida em forma bem simples, e revela
Bernoulli no estudo das vibrações de um fenômeno surpreendente: ela
uma corda esticada, mas quem mais

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tem uma infinidade de pontos de Diz-se que um ponto x é ponto


descontinuidade, agora pontos onde interior de um dado conjunto C, ou
ocorrem rupturas no gráfico da fun- ponto interno a C, se esse conjunto
ção. De fato, efetuada a soma (cujo contém um intervalo (a, b), o qual,
procedimento não será considerado por sua vez, contém x, isto é
aqui), obtemos Segundo essa defi-
nição, todos os elementos de um in-
tervalo aberto são pontos interiores
cujo gráfico, ilustrado a seguir, é um
desse intervalo. O interior de um
segmento retilíneo que se repete pe-
conjunto C é o conjunto de todos os
riodicamente, com a aparência de
seus pontos interiores. Assim, o in-
uma serra, exibindo descontinuida-
tervalo (a, b) é seu próprio interior;
des nos pontos x = nπ. Como os ter-
é também o interior do intervalo fe-
mos da série inicial que define a fun-
chado [a, b].
ção são todos eles funções contínuas
Diz-se que um conjunto C é
e muito regulares, concluímos que
aberto se todo ponto de C é interior
foi o processo de soma infinita que
a C, isto é, se o conjunto coincide
fez surgir as descontinuidades do
com seu interior. É esse o caso de um
gráfico.
intervalo (a, b) do tipo que já vinha
sendo chamado “aberto”.
De um modo geral, vizinhança
de um ponto é qualquer conjunto
que contenha a internamente. Mas,
Exemplos de funções como es- a menos que o contrário seja dito ex-
ses dois que demos aqui deixam plicitamente, “vizinhança” para nós
claro que os conceitos de função e significará sempre um intervalo
continuidade então em voga eram aberto. Em particular, dado ε > 0, o
mesmo inadequados. intervalo V ε(a) = (a – ε, a + ε) é uma
Sempre que falarmos em “nú- vizinhança de a, chamada natural-
mero” sem qualquer qualificação, mente vizinhança simétrica de a, ou
entenderemos tratar-se de um nú- vizinhança ε de a. Às vezes interessa
mero real. Como os números reais considerar uma vizinhança ε de a,
são representados por pontos de excluído o próprio ponto a, a cha-
uma reta, através de suas abscissas, mada vizinhança perfurada. Vamos
é costume usar a palavra “ponto” em denotá-la V’ ε(a):
lugar de “número”; assim, “ponto x”
significa “número x”.

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Diz-se que um número a é o um elemento de C ou não, mas se


ponto de acumulação de um con- não for certamente será ponto de
junto C se toda vizinhança de a con- acumulação de C. O leitor deve to-
tém infinitos elementos de C. Isso mar cuidado para não confundir
equivale a dizer que toda vizinhança ponto de aderência com ponto de
de a contém algum elemento de C di- acumulação. No caso de sequências,
ferente de a; ou ainda, dado ε > 0, V’ um ponto de aderência pode ou não
ε(a) contém algum elemento de C. coincidir com um elemento de se-
Um ponto de acumulação de quência, e se não coincidir, será
um conjunto pode ou não pertencer ponto de acumulação do conjunto de
ao conjunto; por exemplo, os extre- valores da sequência.
mos a e b de um intervalo aberto (a, O conjunto dos pontos aderen-
b) são pontos de acumulação desse tes a C é chamado o fecho ou aderên-
intervalo, mas não pertencem a ele. cia de C, denotado com o símbolo
Todos os pontos do intervalo tam-
bém são seus pontos de acumulação Como se vê, é a união de C
e pertencem a ele. com o conjunto C’ de seus pontos de
Um ponto x de um conjunto C acumulação. Por exemplo, o fecho
dz-se isolado se não for ponto de do conjunto A considerado há pouco
acumulação de C. Isso é equivalente é o conjunto.
a dizer que existe ε > 0 tal que V’ ε(x)
não contém qualquer elemento de C.
Chama-se discreto todo conjunto
cujos elementos são todos isolados.
Por exemplo, o conjunto: Diz-se que um conjunto é fe-
chado quando ele coincide com seu
fecho (C = ou seja, quando
ele contém todos os seus pontos de
acumulação: É esse o caso de
um intervalo [a, b], do tipo que já vi-
É discreto, pois seus pontos
nha sendo chamado “fechado”. É
são todos isolados. Seu único ponto
também fechado o conjunto B que
de acumulação é o número 1, que
acabamos de considerar.
não pertence ao conjunto.
Vamos introduzir uma noção
Diz-se que um número x é
referente a dois conjuntos A e B, que
ponto aderente a C, se qualquer vizi-
é utilizada com frequência quando
nhança de x contém algum elemento
, embora esta condição não
de C. Isso significa que x pode ser

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seja necessária na definição que va- Observe que, em todos esses


mos dar. Diz-se que um conjunto A casos e outros parecidos, a variável x
é denso num conjunto B se todo deve aproximar um certo valor, sem
ponto de B que não pertencer a A é nunca coincidir com esse valor, e
ponto de acumulação de A, de sorte que o valor do qual x se aproxima
que se juntarmos a A seus pontos de deve ser ponto de acumulação do
acumulação, o conjunto resultante domínio da função. Essas observa-
conterá B. Em particular, A ser den- ções ajudam a bem compreender a
so em R significa que todo número definição que damos a seguir.
real é ponto de acumulação de A. Por Dada uma função f com domí-
exemplo, o conjunto Q é denso em nio D, seja a um ponto de acumula-
R; também é denso em R o conjunto ção de D (que pode ou não pertencer
dos números irracionais. a D). Diz-se que um número L é o li-
Historicamente, o conceito de mite de f(x) com x tendendo a a se,
limite é posterior ao de derivada. Ele dado qualquer ε > 0, existe δ > 0 tal
sugere da necessidade de calcular li- que.
mites de razões incrementais que
definem derivadas. E esses limites
são sempre do tipo 0/0. Por aí já se
vê que os exemplos interessantes de Para indicar isso escreve-se
limites devem envolver situações
que só começam a aparecer no Cál- ou lim f(x) = L, omitindo a indicação
culo depois que os alunos já adqui- “x → a” quando for óbvia.
rem familiaridade com as funções A condição pode ainda ser es-
mais complicadas, como as funções crita das seguintes três maneiras
trigonométricas. Aliás, os primeiros equivalentes:
limites interessantes a ocorrer no
Cálculo são os das funções

Com x tendendo a
zero. Isso acontece no cálculo de de-
rivada da função y = sem x. Mais
tarde, no estudo das integrais im- As definições de limite e conti-
próprias, surge a necessidade de nuidade são gerais e abrangem tam-
considerar limites de funções como bém os casos chamados limites à di-
reita e à esquerda, bem como conti-
nuidade à direita e continuidade à
com x tendendo a 1.

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esquerda. Essas noções surgem esquerda respectivamente. Eviden-


quando lidamos com uma função f temente, para que isso seja possível
cujo domínio só tenha pontos à di- é preciso que x = a seja ponto de acu-
reita ou à esquerda, respectiva- mulação dos domínios restritos. Di-
mente, do ponto x = a, onde deseja- remos que x = a é ponto de acumu-
mos considerar o limite. Por exem- lação à direita do domínio D se ele é
plo, a função y = √x tem domínio x ≥ ponto de acumulação do domínio
0; podemos considerar seu limite restrito a valores x > a; e ponto de
com x → 0 segundo a definição da- acumulação à esquerda se é ponto de
da, porém isso resultará numa apro- acumulação do domínio restrito a
ximação de x = 0 somente por valo- valores x < a. Por exemplo a função
res positivos. Daí escrevemos, para f(x) = x/│x│, que é igual a =1 se x >
enfatizar esse fato, “x → 0 +”. Igual- 0 e a -1 se x < 0 tem limites laterais
mente, o limite de √-x com x → 0, em x = 0:
será um limite com “x → 0-“.
De um modo geral, sendo f
uma função cujo domínio D só con-
tenha pontos à direita de um ponto Ela será contínua à direita em
x = a, que seja ponto de acumulação x = 0 se definirmos f(0) = 1; e será
de D, então o limite de f(x) com x → contínua à esquerda nesse mesmo
a, se existir, será um limite à direita. ponto se pusermos f(0) = -1.
Ao contrário, se D só contiver pontos A definição de limite de uma
à esquerda de x = a, o limite de f(x) função se estende aos casos em que,
com x → a, se existir, será um limite ou a função, ou a variável indepen-
à esquerda. Esses limites são indica- dente, ou ambas, tendem a valores
dos com os símbolos infinitos. Dizer que uma variável
tende a +∞ significa dizer que ela
respectivamente. Diz-se que f é con- fica maior do que qualquer número
tínua à direita (resp. à esquerda) em k > 0. Analogamente, x < k, qualquer
x = a se f está definida nesse ponto, que seja k, em particular k < 0, é
onde seu limite à direita (resp. à es- uma “vizinhança de -∞”.
querda) é f(a).
Se o domínio de f contiver
pontos à direita e à esquerda de x =
a, devemos restringir esse domínio
aos pontos x > a ou x < a para consi-
derarmos seus limites à direita e à

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2. O Início do Rigor na Análise Matemática

Fonte: Moodle2

O desenvolvimento da teoria das


funções que apresentamos
nesta apostila é obra do século XIX.
da e integral, não tinham uma fun-
damentação lógica adequada. Os
matemáticos sabiam disso e até fo-
E só foi possível depois de um longo ram muito criticados em seu traba-
período (de cerca de um século e lho. A mais contundente e bem fun-
meio) de desenvolvimento dos mé- damentada dessas críticas partiu do
todos e técnicas do Cálculo, desde o conhecido bispo e filósofo inglês Ge-
início dessa disciplina no século orge Berkeley, numa publicação de
XVII. 1734. Houve também respostas a es-
Até o início do século XIX as sas críticas, bem como, durante todo
ideias fundamentais do Cálculo, o século XVIII, tentativas de encon-
como os conceitos de limite, deriva- trar uma fundamentação adequada

2 Retirado em https://moodle.fct.unl.pt/

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para o Cálculo, embora sem maiores Não obstante o pouco que se


consequências. A mais importante fez, durante todo o século XVIII, em
dessas tentativas foi a que empreen- termos de rigor na Análise Matemá-
der Lagrange no final do século, e tica, foi em meados desse século que
que está associada à séries de fun- surgiu um doas problemas que se
ções. tornou o mais fértil no desenvolvi-
No século XVIII ainda não ha- mento da Análise no século seguin-
via muita motivação para o estudo te, e que consiste em expressar uma
dos fundamentos. Os matemáticos dada função em série infinita de se-
desse século tinham muito mais do nos e cossenos. Mais especificamen-
que se ocupar em termos de explorar te, dada uma função periódica f, de
as ideias do Cálculo, desenvolver no- período 2π, determinar os coeficien-
vas técnicas e usá-las na formulação tes an e bn de forma que:
e solução de problemas aplicados,
em Mecânica, Hidrodinâmica, Elas-
ticidade, Acústica, Balística, Ótica,
Transmissão do Calor e Mecânica
Celeste. Em consequência disso, não Esse problema surgiu em 1753,
havia uma separação nítida entre o em situação particular, num traba-
Cálculo e suas aplicações, entre a lho de Daniel Bernoulli em seu estu-
Análise Matemática e a Física Mate- do da corda vibrante, em que se pu-
mática; e ficava diminuída, ao me- nha a questão de expressar a função
nos em parte, a importância do ri- que dava o perfil inicial da corda
gor, pois muitas vezes os resultados como série de senos. As vibrações de
empíricos já eram um teste do valor uma corda esticada já haviam sido
desses métodos. Assim, por exem- estudadas por Jean le Rond d’Alem-
plo, um problema físico que se tra- bert em 1747; e logo em seguida por
duzia numa equação diferencial, co- Euler, depois por Daniel. Tratava-se
mo o movimento de um pendulo ou de determinar uma função de duas
as vibrações de uma corda esticada, variáveis satisfazendo uma equação
já tinha garantidas, por razões físi- diferencial parcial, a chamada equa-
cas, a existência e a unicidade da so- ção das ondas. Euler achava que o
lução. Isso está exemplificado na perfil inicial da corda pudesse ser in-
produção científica dos mais impor- teiramente arbitrário. D’Alembert
tante matemáticos do século, dentre achava que só podiam ser admitidas
os quais destacam-se Leonhard funções dadas por uma expressão
Euler e Joseph-Louis Lagrange. analítica, como um polinômio ou

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mesmo uma série de potencias; ou Situações novas apresentadas


em termos das funções transcenden- por Fourier evidenciavam a necessi-
tes familiares, como as funções tri- dade de uma adequada fundamenta-
gonométricas, a exponencial ou lo- ção dos métodos usados no trato dos
garitmo. Isso porque se entendia a problemas. Era preciso aclarar de
derivação como operação que trans- vez o significado de “derivar” ou “in-
forma as funções umas nas outras tegrar” uma função, fosse ela dada
segundo um formalismo algébrico por uma “fórmula” ou não. “Derivar”
bem determinado: xn em nxn-1, sem x não podia significar apenas aplicar
em cos x, etc. Como derivar f(x) se uma “lei algébrica” a uma “fórmula”,
ela fosse dada por uma lei qualquer? assim como “integrar” não podia
O modo como Bernoulli tratou mais ser apenas “achar uma primi-
o problema diferia bastante dos mo- tiva”. Essas maneiras de encarar as
dos adotados por d’Alembert e Eu- operações do Cálculo eram, a partir
ler. O importante a notar aqui é que de então, insuficientes.
essas investigações acabaram envol- Cauchy foi o protagonista
vendo seus autores numa controvér- principal do novo programa de tor-
sia inconclusiva, Cada um mantinha nar rigorosos os métodos da Análise.
sua própria opinião e nada podiam O ponto de partida de Cauchy em
decidir, justamente porque lhes fal- sua fundamentação da Análise foi a
tavam ideias precisas dos conceitos definição de continuidade: a função
de função e derivada. f(x) será contínua em x num inter-
A questão posta por Bernoulli valo de valores dessa variável se, pa-
permaneceu dormente por cerca de ra cada valor de x nesse intervalo, o
meio século até que fosse retomada valor numérico da diferença f (x+a)
pelo eminente físico-matemático – f(x) decresce indefinidamente com
Jean-Baptiste Joseph Fourier em a. Em outras palavras, f(x) é contí-
seus estudos sobre propagação de nua se um acréscimo infinitamente
calor. Nesses estudos surge várias pequeno de x produz um acréscimo
vezes a necessidade de desenvolvi- infinitamente pequeno de f(x).
mentos do tipo. E a possibilidade Essa definição está muito pró-
desse desenvolvimento, em toda a xima da que utilizamos hoje em dia,
sua generalidade, apresenta-se, no em termos de ε e δ. Aliás, essa sim-
início do século XIX, como um pro- bologia também é devida a Cauchy,
blema central da Análise Matemá- que a usa em várias demonstrações,
tica.

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embora ela só se universalize a par- sobre dezenas de matemáticos que


tir da década de sessenta, com as frequentavam suas preleções.
preleções de Weierstrass em Berlim. A partir de 1856, Weierstrass
Karl Weiwestrass estudou di- ministrou diversas disciplinas sobre
reito por quatro anos na Universi- teoria das funções, às vezes a mesma
dade de Bonn, passando em seguida disciplina repetidas vezes, e vários
para a Matemática. Abandonou os de seus alunos, que mais tarde se
estudos antes de se doutorar, tor- tornariam matemáticos famosos, fi-
nando-se professor do ensino secun- zeram notas dessas disciplinas,
dário em Braunsberg, de 1841 a como Adolf Hurwitz, Moritz Pasch e
1854. Durante todo esse tempo, iso- Herman Amandus Schwarz. E mui-
lado do mundo científico, trabalhou tas das ideias e resultados obtidos
intensamente e produziu importan- por Weierstrass estão contidos nes-
tes trabalhos de pesquisa que o tor- sas notas ou simplesmente foram di-
naram conhecido de alguns dos mais vulgados por esses seus alunos, por
eminentes matemáticos da época. cartas ou em seus próprios trabalhos
Um desses trabalhos, publicado em científicos. Weierstrass, através de
1854, tanto impressionou Richelot, suas preleções, exerceu decidiva in-
professor em Königsberg, que este fluência na modernização da Aná-
conseguiu persuadir sua Universi- lise.
dade a conferir a Weierstrauss um
título honorário de doutor. O pró-
prio Richelor foi pessoalmente à pe-
quena cidade de Braunsberg para a
apresentação do título a Weiers-
trauss, saudando-o como “o mestre
de todos nós”. Weierstrass deixou
Braunsberg e passou por vários pos-
tos do ensino superior, terminando
professor titular da Universidade de
Berlim, de onde sua fama se espa-
lhou por toda a Europa. Tornou-se
um professor muito procurado, que
mais transmitia suas ideias através
dos cursos que ministrava do que
por trabalhos publicados; e dessa
maneira exerceu grande influência

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3. O Cálculo Diferencial

Fonte: Vintepila3

D iz-se que uma função f, defi-


nida num intervalo aberto I, é
ante. Em mecânica, onde frequente-
mente se consideram funções do
tempo t, como s(t), x(t), etc., é co-
derivável em se existe e é fi-
nito e limite da razão incremental mum a notação da derivada com a
letra encimada por um ponto, como
Com x → x0. Esse limite
é, por definição, a derivada da fun- Pondo x = x0 + h, podemos es-
ção f no ponto x0. Para indicar esse crever a derivada das seguintes ma-
limite usam-se as notações neiras:

esta
última sendo o quociente de diferen-
ciais, como explicaremos logo adi-

3 Retirado em https://www.vintepila.com.br/servicos/ensino-a-distancia/eu-vou-te-ajudar-em-pro-

blemas-de-calculo-diferencial/

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Essa é a derivada no sentido Reta Tangente


ordinário, o ponto x0 sendo interior
ao domínio da função. As noções de Voltemos à razão incremental
derivadas laterais, à direita e à es- que representa o declive da reta se-
querda, são introduzidas de maneira cante PQ, onde P = (x0, f(x0)) e Q =
análoga: (x, f(x)) como ilustra a figura abaixo.
Quando x → x0 o ponto PQ se apro-
xima do P e f (x0) é o valor limite do
declive da reta secante. Isto sugere a
Essas definições se aplicam definição de reta tangente à curva y
mesmo que x0 seja extremo es- = f(x) no ponto P como aquela que
querdo ou direito, respectivamente, passa por esse ponto e tem declive f
de um intervalo onde f seria defi- (x0). Sua equação, em coordenadas
nida. Como exemplo, considere a (x, Y), é então dada por:
função f(x) = (√x)3, que está definida
somente para x ≥ 0; portanto, não é
derivável no sentido ordinário em x
= 0. No entanto, existe e é zero sua
derivada à direita nesse ponto, pois
f(h) – f(0) = h√h.
A derivada de uma função f é,
por sua vez, uma função do ponto
onde é calculada. Podemos, pois,
considerar sua derivada, que é cha-
mada a derivada segunda de f e indi-
cada com as notações
. De um
modo geral, podemos considerar a É interessante examinar a na-
derivada de ordem n ou derivada n- tureza do contato dessa reta com a
ésima, definida recursivamente co- curva y = f(x). Para isso, observamos
mo a derivada da derivada de or- que a diferença de ordenadas da
dem, n -1 e indicada com as notações curva e da reta, correspondentes à
. Uma função mesma abscissa x, isto é, f(x) – Y,
com derivadas contínuas até a or- tende a zero com x → x0. Mas não é
dem n é chamada função de classe só isso; também tende a zero o quo-
Cn. ciente dessa diferença por x - x0, isto
é:

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Diz-se que a função f é diferen-


ciável em x = x0 se existe uma reta
Que tende a zero com x → x0. do feixe que tenha coma curva y =
Vemos assim que a diferença de or- f(x) contato de ordem superior à pri-
denadas f(x) – Y, ou distância entre meira no ponto P = (x0, f(x0)). É
a curva e a reta tangente ao longo de imediato que isso implica f derivável
uma paralela ao eixo OU, tende a em x = x0. Portanto, derivabilidade
zero “mais depressa” que x - x0. Em e diferenciabilidade são aqui concei-
vista disso dizemos que o contato da tos equivalentes.
curva com a reta tangente no ponto
A Diferencial
P considerado é de ordem superior à
primeira. A diferencial da função f no
Outro modo de introduzir a ponto x0 é definida como sendo o
reta tangente consiste em definir produto dy = f (x0) ∆x, onde ∆x = x -
essa reta como sendo, dentre as re- x0. De acordo com esta definição, a
tas do feixe pelo ponto P, aquela que diferencial da função identidade, x
tem com a curva um contato de or- → x, isto é, dx = ∆x, de sorte que, em
dem superior à primeira. Sendo a geral, dy = f (x0) dx. Daqui segue
função derivável, vamos mostrar também que a derivada é o quoci-
que essa condição de fato determina ente das diferenciais: f (x0) = dy/dx.
a reta tangente univocamente como Mais precisamente, f (x0) = (df/dx)
sendo aquela de equação. De fato, o (x0), onde df = dy = f (x0) dx.
referido feixe de retas é dado por Pondo ∆y = f(x) – f(x0), é fácil
ver que ∆y – dy = f(x) – Y, de sorte
onde
que essa diferença ∆y – dy é de or-
m é um parâmetro variável. A condi-
dem superior à primeira com x →
ção de que essa reta tenha com a
x0, significando isso que ∆y apro-
curva contato de ordem superior à
xima dy, tanto melhor quanto mais
primeira,
próximo estiver x de x0.

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Prova-se, sem dificuldade, que


se f e g são deriváveis num ponto x,
o mesmo é verdade de f + g e [f(x) +
g(x)]’ = f’(x) + g’(x). É igualmente Cujo limite, com h → 0, pro-
imediato verificar que (af)’ = af’, duz o resultado desejado. O caso de
onde a é uma constante. As deriva- um quociente geral f/g pode ser tra-
das do produto e do quociente exi- tado como produto: f/g = f ∙ 1/g.
gem mais trabalho e são considera-
das a seguir.
Se f e g são deriváveis num
ponto x, então o mesmo é verdade de
fg e (f(x)g(x))’ = f (x)g’(x) + f’(x)g(x).
Se, ainda, g(x) ≠ 0, então:

No caso do produto, observa-


mos que a razão incremental se es-
creve:

Agora é só fazer h → 0 para ob-


termos o resultado desejado.
Quanto ao quociente, conside-
remos primeiro o caso em que f = 1,
ou seja, 1/g. Temos de considerar a
razão incremental

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PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA

4. Referências Bibliográficas
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