Você está na página 1de 24

3.

A TRANSFORMAÇÃO DECISIVA (1936-1944)

O ano de 1936 constitui 'um marco fundamental 1. O MINISnRIO DA EDUCAÇÃO E SAúDE


na história da arquitetura brasileira, especialmente pela NO RIO DE JANEIRQla
visita de Le Corbusier, convidado pelo Ministro da 1. O concurso e a decisão de Gustavo Capanema
'Educação e Saúde, Gustavo Capanema, para assessorar
a equipe de arquitetos encarregada do projeto do edifício O concurso de anteprojetos para o edifício do
do ministério. Ao contrário da primeira estadia do Ministério da Educação e Saúde2 , realizado em 1935,
foi ganho por Archimedes Memória, professor catedrá-
mestre franco-suíço, em 1929, de conseqüências somente
tico de arquitetura na Escola de Belas-Artes, com um
indiretas, não perceptíveis de imediato, como a conver- projeto acadêmico, decorado em estilo marajoara3 • O
são de Lúcio Costa, a segunda teve repercussões bem regulamento do concurso previa uma seleção de cinco
profundas. A ex;periência transmitida. por Le Corbusier, projetos, dentre os quais seria posteriormente feita a
nas seis semanas de trabalho intensiYQ_ desenvolvido escolha definitiva. No entanto, a comissão, composta
com a equipe, mffuenciou_ profundam.e_nte_~ ~ _l ovens por arquitetos acadêmicos, selecionou apenas três das
brasileiros _qy_e_ dela faziam pa_!'te, _!!1.9~!fi~ando~o~ pro- trinta e quatro propostas apresentadas, eliminando,
fundamente com esse breve contato. Desse traoallio--; entre outras, as do pequeno grupo identificado com
resultou o célebre edifício- do M inÍstério da Educação as teorias funcionalistas.
e Saúde, concluíslo _!,m.- 1943, ma rcÕda - tiãnsforriiãção Mas o Ministro da Educação, Gustavo Capanema,
decfsivâ da ar.9.uitetura contemporânea- no Brasil. No- que presidira o júri, sem direito ao voto, não era da
'entãn to,- por m ãio-r qÜe- seja sua impÕÍ-tânciâ, não se mesma opinião. Pretendia ele afirmar-se perante as
pode desconsiderar outras realizações desse período; gerações futuras com um edifício marcante; havia com-
não se tratava de uma obra isolada, mas da afirmação preendido perfeitamente que os estilos históricos já
faziam parte do passado, nada se podendo esperar dos
de um notável movimento, que se desenvolveu desde
pastichos ou elucubrações imaginárias totalmente des-
então em profundidade. por essa razão que, depois vinculados das· necessidades do presente. Não ignorava,
de analisar a importância e _o alcance do Ministério da por outro lado, a tentativa de regeneração da arqui-
Educação e Saúde, depois de ressaltar o lugar que tetura, lançada pelo movimento racionalista europeu;
indubitavelmente lhe cabe, deve-se também destacar a este era muito polêmico e parecia nessa época estar
evolução paralela de outras manifestações significativas, perdendo um pouco do impulso mas tinha a seu crédito
cujos autores foram os irmãos Roberto, Attílio Correa realizações que haviam causado sensação e oferecia
Lima e, finalmente, Oscar Niemeyer, que afirmou toda um caminho para o futuro da arquitetura. Assim, o
a pujança de sua criatividade no conjunto da Pam- Ministro percebeu de imediato como poderia aproveitar
pulha. O sucesso internacional da nova arquitetura a sitüação, se conseguisse construir a primeira obra de
brasileira deveu-se a essas concepções expressivas, mar- Caráter monumental, coerente com a arquitetura que
cadas por um cunho todo particular, e divulgadas em
la . Plantas e fotos do edifício foram reproduzidas nas principais rc•
1943 pela exposição das fotografias de R. Kidder-Smith vistas de arquitetura. Cf. H . MINDLIN, L ,a,chilecture modnne au Brésil
no Museu de Arte Moderna de New York e pelo livro . Paris, sem data , pp. 196-199 (fotos, plantas, corte).
2. Revista da Diretoria da Engenharia, n.9 18, set. de 1935 p. 510.
,

que se seguiu 1 . 3. Ou seja, inspirado na civilização pré-colombiana que se 'desenvol-


veu na Ilha de Maraj6, conhecida unicamente através de peças de cerâ-
mica! O caráter aberrante dessa idéia evidencia o alcance da vaga nacio-
1. P. L. GOODWIN, Brazil Builds: Architeclure New and O/d, 1652- nalista, que insatisfeita com o neocolonial passou a pesquisar fontes pura-
mente deco~ativas, numa das raras manifestações de arte loc.al 1 anteri0res
l942, Ncw York, 1943. ao cstabel cc1mcnto dos portugueses.

,81
pensava ser. a representativa do século XX 4 • Na ver- do que a situação de um arquiteto, o programa da nova
arquitetura; do trabalho em equipe, poderia resultar
dad;, Gropi:is, Mies Van der Rohe e outros haviam
proJetado usm_as,_escolas, resi?ências, conjuntos de apar- um projeto melhor e mais significativo, do qu~ ~qude
t~~entos, pavilhoes de exposição, em suma, obras utili- realizado individualmente. Por outro lado, _eI111:mava,
tarias representativas da sociedade contemporânea. Mas pelo menos parcialmente, a impressão de arbitrariedade
o tema do palácio só havia sido objeto de estudo por que causava sua escolha. . , .
O grupo inicialmente previsto por Lucio Co~ta
par!e de L~ C~rbusier e, dentre seus três grandes
proietos, dois nao foram construídos: o Palácio da era composto por mais três arquitetos, Carlos L;ao,
Sociedade das Nações em Genebra (1927-1928) e o Jorge Moreira, Affonso Reidy, ~endo _logo a~pha~o
Palácio dos Sovietes em Moscou (1931); só o Cen- para seis membros. De fato, Moreira pleiteou a mclusao
tr?~oyus, ~edificado em alguns de seus princípios de Ernani Vasconcellos, com quem elabora o antepro-
basicos, foi construído na capital soviética. Mas a URSS jeto apresentado no concurso, merecendo, Pº!tanto, um
estava distante, isolada, com o que não alcança o edifício lugar na equipe; a fundamentada ponderaçao de Mo-
grai:i,de repercussão mundial. Por conseguinte, havia um reira, que se sentia numa posição delica_da perante seu
vazio a ser preenchido, não hesitando Gustavo Capa- colaborador habitual, foi logo reconhecida. A . entrada
nema nessa tentativa. de Ernani Vasconcellos acarretou a de Oscar Niemeyer,
Não cabia anular o resultado do concurso. Assim, que praticamente se impôs a seus colegas, afirmando
os prêmios em dinheiro foram pagos aos classificados, sua energia e decisão por esse ato de vontade: com
mas o Ministro decidiu não executar o' projeto vencedor, efeito, quando ainda estudante da Escola de Bel~s-Artes,
convidando Lúcio Costa, um dos participantes desclas- fizera um estágio gratuito como desenhista na fi~ma ?e
sificados, para apresentar um projeto novo. Essa atitude Warchavchik e Lúcio Costa, tornando-se, depois, aJU-
constituiu-se num verdadeiro desafio. A tarefa atribuída dante deste; por conseguinte, reivindicou para si o
a Lúcio Costa era um ato arbitrário, encoberto por mesmo tratamento dado a Ernani Vasconcellos, o que
minúcias de ordem jurídica, mas Capanema não dis- lhe foi assegurado. Constituído definitivamente em prin- ,
punha de outro recurso para alcançar a solução que cípio de 1936, o grupo que iria projetar o Ministério ·
lhe parecia fecunda. A escolha de Lúcio · Costa era da Educação e Saúde era bastante homogêneo: todos
lógica e fundamentada: sem dúvida alguma, era ele a os seis arquitetos eram formados pela Escola de Belas-
figura de maior destaque dentre os adeptos da arqui- Artes do Rio de Janeiro, onde tinham vivido, de um
tetura "moderna", pelo papel que havia desempenhado lado ou de outro da barricada7 , a luta pela reforma
na tentativa de reforma da Escola de Belas-Artes em frustrada de 1930-1931; é verdade que havia uma dife-
1930-1931 e, a seguir, pelas posições teóricas e práticas rença de dez anos entre o mais velho e .o mais moçoR,
assumidas; apresentava-se claramente como o líder dos mas se se excetuar Lúcio Costa, diplomado desde 1924,
jovens arquitetos cariocas adeptos do funcionalismo. todos haviam terminado seus estudos num tempo muito
Assim, nenhum destes poderia protestar, caso Lúcio curto de 1930 a 19349 • Todos enfim comungavam
Costa houvesse pura e simplesmente aceito a missão das mesmas preocupações e dedicavam uma admiração
que o ministro pretendia lhe confiar. Porém, a ambição ilimitada à obra de Le Corbusier.
pessoal não era um dos traços dominantes do caráter 2. A estadia e as duas propostas sucessivas
de Lúcio Costa; embora não tivesse qualquer escrúpulo de Le Corbusier
em combater por todos os meios uma arquitetura que
ele considerava nociva, não achava justo beneficiar-se A equipe se lançou de imediato ao trabalho, defi-
individualmente com uma oportunidade inesperada que nindo os princípios de um primeiro projeto, que não
julgava serem os demais tão merecedores quanto ele. lhe pareceu satisfatório. Então cogitaram de consultar
Ponderou a Gustavo Capanema que, além do seu, Le Corbusier em pessoa, tendo sido Lúcio Costa encar-
outros três anteprojetos apresentados no concurso - regado de convencer Gustavo Capanema da necessidade
5
Carlos Leão, Affonso Reidy e Jorge Moreira - , mere- do convite ao mestre franco-suíço 10 . Houve inicialmente
ciam ser considerados, por suas características "moder- 7. De u~ lado, Lúfio Costa como diretor, e · Reidy como assistente
nas"'. Propôs então fossem seus autores convidados a de ~archavch1k na cade11!- de composição arquitctônica; do outro Leão
Moreira, Vasconcellos e N1emeyer como alunos.
participar, juntamente com ele, da elaboração do novo 8. Lúcio Costa nasceu em Toulon 1 em 1902· Moreira em Paris cm
projeto. Tratava-se de uma atitude prudente, ditada por 1904; L,cão e Niemeyer, no Rio cm 1906 e 1907: respectiv~mente; Reidy,
em Pa!'1s, em 1,909, e. Vasconcellos, no Rio, cm 1912. :2 curioso observar
um sentido de justiça e, talvez, por uma certa insegu- que tres. dos seis arquitetos nasceram na França. O fato de terem vivido
rança6: ao transferir a responsabi1idade da obra para num meio europeu, como Reidy, facilitou evidentemente os contatos dos
jovens brasileiros com o Velho Mundo e contribuiu para a orientação que
uma equipe, Lúcio Costa colocava em evidência, mais adotaram.
9 . Reidy recebeu o diploma em 1930, Leão cm 1931 Moreira em
4. Não procedem as afirmações do sumário biográfico de . Lúcio Costa, 1932, Vasconccllos cm 1933, e Niemcyer cm 1934. '
redigido ~or José Carlos C. Coutinho (L. COSTA, Sobre Arquitetura, Porto 10. t bastante restrita a documentação referente às negociações que
Alegre, 1962, p. 352), segundo. as quais. o ministro, teria sido convencido precederam a vinda e a estadia de Le Corbusier no Brasil. Os arquivos
pelo pr6pri0 Lúcio Costa da 1mportânc1a da arquitetura nova. O ,tcst~- pessoais de Capancma poderiam proporcionar muitos dados, mas não são
munho de Rodrigo Mcllo Franco de Andrade, um dos assessores malS di- acessíveis. :2 preciso então lançar mão do testemunho dos principais inte-
retos de Gwtavo Capancma, confirma . que há muitos anos era ele já scn- ressados: o ministro, Lúcio Costa e Le Corbusier. Pictro Bardi diretor
sivcl ao problema e que sua decisão foi tomada com toda a convicção, do Musell de Arte de São Paulo, conservou uma importante corre'spondên•
ditada por um forte desejo pessoal. eia, trocada cm novembro e dezembro de 1949 entre ele, Lúcio Costa
5. Cf. supra, p. 76. . Warchavchik e Lc Corbusier, quando este levantou a questão dos honorári~
6. Lúcio Costa agiria da mesma forP?ª- três anos !"a1s tarde, quando que erroneamente julgava lhe serem devidos , Agradecemos a Bardi, que
do projeto do Pavilhão do Brasil na Expos1çao Internac1onal de New York pretende publicar essas cartas num livro sobre Le Corbusier no Brasil, a
(d. in/ra., p. 107) .. No entanto, quand,o venceu ? concuno do pla!,lo piloto permissão de consultá-las. Com efeito, essa troca de correspondência escla-
de Brasília, em 1957, aceitou o prêDllo ser hesitar, _passando entao a de- rece o exato papel desempenhado por Le Corbusier na elaboração dos
fcndê•lo de todas as críticas: neste caso estava convicto· do valor do tra-
sucessivos projetos do edifício do Ministério.
balho e de ter merecido o primeiro lugar.

82
uma recusa, mas o ministro foi convencido de que situação ou às situações dadas; insistiu na prioridade
era
C esse d . O · umco
, •
me10•
capaz de assegurar o objetivo que devia ser dada ao urbanismo, do qual a arquite-
ao ese1ado: a realização de uma obra monumental, tura era apenas um elemento; finalmente, e acima de
capaz de se constituir num marco da história da arqui- tudo, proporcionou uma demonstração prática de seus
~7tura. Era necessário, no entanto, que o ministro justi- métodos pessoais de trabalho, o que não podia ser
tcasse as des~esas consideráveis da viagem e estadia transmitido unicamente por seus escritos.
de Le Corbus1er. Decidiu-se que seria ele convidado O projeto da Cidade Universitária não saiu do
como arquiteto consultor, não só para opinar sobre os papel, não passando de uma manifestação platônica.
plan~s d_o futuro ministério, bem como para elaborar O mesmo não ocorreu, no entanto, com o empreendi-
0 pnm~1ro esboço da Cidade Universitária, que se mento que tinha sido o objetivo primordial da vinda
pretendia construir no centro do Rio de Janeiro 11 • · de Le Corbusier: o Ministério da Educação e Saúde.
Contudo,. como a legislação brasileira não permitia que Desta vez, a lição do mestre pôde produzir todos os
um arqmteto estrangeiro, não residente no país, fosse frutos, materializando-se na construção do edifício que
rem~n:rado por esse tipo de trabalho, contornou-se a iria assumir papel decisivo no desenvolvimento da arqui-
restr1çao, programando-se uma série de conferências tetura brasileira, ou mesmo internacional. Ora, para
que podiam ser remuneradas 12 • Este convite foi aceit~ aquilatar corretamente esse papel, é necessário determi-
s:m reservas por Le Corbusier, atraído pela oportu- nar qual a parcela que cabe ao arquiteto francês, e qual
,~1~ade de um trabalho a nível oficial, o ·que permi- a de seus colegas brasileiros, na definição de vários 6
tm~ superar as frustrações que havia sofrido, até anteprojetos que se sucederam, até a realização final1 •
entao,. do seu trato com as autoridades governamentais. O anteprojeto elaborado pela equipe liderada por
Rece~1do com . todas as honras, teve já de início uma Lúcio Costa enquadrava-se plenamente na linha até
acolhida considerável. Suas conferências obtiveram então seguida pelos jovens funcionalistas cariocas:
grande sucesso, exercendo uma considerável influência estava muito próximo das propostas apresentadas 17
indi-
nos meios profissionais do Rio de Janeiro e fazendo vidualmente, no concurso, por Reidy e Moreira , com
com que suas idéias atingissem um círculo mais amplo três alas dispostas em U; a única diferença significativa
do que o pequeno grupo de arquitetos que já estavam era a colocação do bloco do salão de conferências no
a· elas convertidos. Porém, o fato mais importante foi exterior e não mais no interior do pátio, embora ainda
o . conta to íntimo que se estabeleceu com os arquitetos no eixo de simetria do edifício. Le Corbusier, vítima
do grupo, graças ao trabalho conjunto, desenvolvido de evidente egocentrismo, afirmaria mais tarde que se
sob sua liderança, de 1.º de julho a 15 de agosto de tratava de uma "redução 18desfavorável do Palácio do
Centrosoyus em Moscou" , o que se constitui num
1936.
Durante um mês e meio, os dois projetos foram exagero evidente, p01s não se pode falar nem de cópia,
executados13 , alternadamente: um dia era o do minis- nem mesmo de uma adaptação desse edifício, cujos
tério, outro o da Cidade Universitária. Eram dois ateliês planos remontavam a 1929. Havia, no máximo, um
distintos: a equipe contava também com outros jovens parentesco, devido à aplicação dos mesmos princípios.
arquitetos membros dos C. I. A. M. (Firmino Salda- Sabe-se que a obra de Le Corbusier era considerada
nha, José de Souza Reis e Angelo Bruhns). O projeto como um modelo a ser seguido; é, portanto, lógico que
da Cidade Universitária, delineado nessa oportunidade o pequeno grupo .de Lúcio Costa se inspirasse nas
e desenvolvido nos meses seguintes à partida de Le soluções propostas anteriormente pelo mestre para um
Corbusier1 4, assumiu um interesse especialmente teórico. programa mais ou menos semelhante, sem . que com
Seus autores tinham, desde o início, conheciiµento das isso estivesse incorrendo em plágio. Contudo, o projeto
limitadas possibilidades de prosseguimento do projeto 5, do Ministério, com sua regularidade absoluta na dis-
1

mas aproveitaram plenamente a oportunidade de acom- tribuiçã~ das massas em torno de um eixo de simetria,
panhar o trabalho de Le Corbusier. Este ensinou-lhes o estava amda marcado por uma certa concepção acadê-
modo de abordar um programa, partindo dos princípios mica, que contrastava com a originalidade e o vigor
de ordem geral, adaptando-as a seguir concretamente à plástico obtido por Le Corbusier com meios equiva-
lentes. A fragilidade e a falta de pujança que caracte-
11 . Esse projeto não tinha qualquer possibilidade de ser. co!!struido, rizavam até então a arquitetura funcionalista brasileira
pois uma forte oposição dos professores c!'carrcgados da organiza~ao eram do conhecimento de seus principais arquitetos,
nivcnidadc havia ocorrido no ano antcnor, quando Marcelo P1acentin1,
:rquitcto oficial da Itália fascista, estivera no Brasil e fora consultado a razão por que desejaram a vinda de Le Corbusier, que
respeito. . . , , poderia arrancá-los da rotina a que estavam submetidos.
12. Foram seis conferências, profcndas no Teatro Murucipal do 1?º
de Janeiro de 31 de julho a 14 de agosto de 1936, tendo Le Corbuster
recebido f,O 000 francos (carta de Lc Corbusier a Pietro Bardi, de 17 de 16. Projetos publicados em Àrquiletura e Urbanismo n.o 4 julho-
novembro de 1949). agosto de 1939 (_artigo inteiramente reproduzido cm L. CÓSTA, ~/J. cit.,
13. Termo sistematicamente empregado por Le Corbwier na corres- pp. 57-62), Habitai, n.o 35 1 out. de 1956, pp. 35 e 36, e parcialmente
pond~nda acima referida. por S. PAPADAKI, The Work of Osea, Niemeyer, 2.• ed., New York
14 . A proposta de ~e Corbusier pretendi!' ligar os vários edifít;ios atra• pp. 50-51. Penpcctivas do primeiro projeto da equipe brasileira, do pri:
és de uma via que mais tarde se prolongana até o centro da cidade do 0 1
Rio (ef. P.D.F., vol. IV, n.o 4, julho de 1937, pp. 184-186, e LE COR- du~{lasp~:je::paddaL~b~ d~~~r•MiNttfN,jci~a~'iJ, ec~~rr~mm~J.:néemaure!~
BUSIER e P. JEANNERET, Oeuvre com/,lite de 1934-1938, 3.• ed., Er- sil, Paris, sem data. Deve-se consultar com reservas, LE CORBUSIER e
lenbacb-Zurique, 1947, pp. 42~5).- Essa idéia foi de imediato rejeitada pela
comissão de professores q'-!e. ~avia elabo~do o ~ropama apresentado aos fgJ,E:_NfJ,R::Jc ºt l~:~~/i· d~~~e:h;" afJ~!:::/'a
0
Z~ Ó~:W!~~~!;
frq uitetos. O projeto definitivo da equipe brauleira, acompanhado por
O
memorial justificativo, foi. publicado cm P.D.F., vol. IV, n.o 3, maio
as iniciativas, criando um engano lamentável.
17. Cf. supro, p. 76. Como Lúcio Costa não publicou o projeto com
do;gl937, PP· 120-139, e ~produzido cm _L. C<;)~TA, op. cil,, pp. 67-85 que concorreu, não é possível saber até que ponto as novas propostas eram
um erro na rcfcr~ncia exata ao artigo ongmal). uma 1lntcse d111 tr~s propostas individuais anteriores.
( co~ Carta de Lúcio Costa a Warchavchik1 de 2 de dezembro de 1949
5 18. Carta de 28 de novembro de 1949 a Pictro Bardi .
(c pia· existente na coleção de Bardi). ·
6

83
~I
Desde o início, Le Corbusier agiu com sua desen- • - rn nem mesmo o
voltura habitual. Rejeitou sem rodeios os planos pro- ~~is!~sc~~~:~:fr:m:;sq~;~~~çfe~mpertinência ~e seu
postos, propondo-se partir do zero. Artista sensível e . ' to • A sugestão foi aceita com
proce d1men d entusiasmo,
-
perpetuamente inquieto, perseguindo sempre as soluções tendo Capanema imediatamente entabula o conversaçâes
mais adequadas, vinha evoluindo desde 1929-1930, com a prefeitura para a permuta do~ ter!enos. Contu - o,
conservando as idéias básicas e os princípios funda- ficou logo evidente que, para a reahzaçao da operaçao,
mentais de seu programa, mas permitindo-se uma maior havia problemas difíceis de serem sup~rados, fbato q~
liberdade de criação, no momento da realização arqui- Le Corbusier, em sua ingenuidade, nao perce era.
tetônica e da construção; assim, não podia aceitar como ministro pediu-lhe, então, um novo esboço pa ra,do ter-
premissa um projeto que se fundamentava em princí- . .
reno ongmalmente · to, es boço esse cone1UI o em
previs
pios que defendera há sete ou oito anos e que não 13 de agosto de 1936 (Fig. 44) . . .
mais o satisfaziam integralmente. Estava convencido de Cumpre examinar melhor esses dois anteprojetos,
que o monobloco era solução mais apropriada que a a fim de determinarmos até que ponto serviram de
disposição clássica de várias alas em torno de um pátio. inspiração para o projeto definiti~o, e!aborado peja
A criação de um espaço contínuo, com a construção de equipe brasileira. O que chama de 1med1ato a atençao
edifícios sobre pilotis, era apenas um passo no sentido é a horizontalidade predominante nas pr?~~stas de
da máxima libertação do solo e sua conseqüente utili- Le Corbusier, oposta à verticalidade do ed1f1c10 cons-
zação como área verde. O monobloco possibilitava truído. Embora Le Corbusier não tenha tom~do
aumentar ainda mais essa área e correspondia a uma horizontalidade como um princípio absoluto, e evi-
solução perfeitamente racional, não só sob esse ponto dente sua preferência por esta solução, . especial~~nte
de vista, mas também no que diz respeito à melhor no caso de edifícios isolados. Com efeito, os umcos
orientação, significativamente facilitada pela redução do edifícios por ele projetados, onde a vertic?lidade era
o traço dominante, eram parte de um coniunto urb~-
edifício a duas fachadas principais. Essa opção, perfei-
nístico, cuja extensão contrabalançava o efeito ~e vert~-
tamente lógica sob o ponto de vista técnico que lhe
calidade parcial, substituindo-a por uma honzontah-

43 LE CORBUSIER. Primeirq anteprojeto Pª!ª o Mi-


Fig. · nistério da Educação e Saude. R,~ de Jane1ro. 1936. dade global2°. No caso do Ministério da Educação e
(Terreno escolhido por Le Corbus1er.) Saúde, era evidente o propósito de criar um edifício
predominantemente horizontal. O terreno original, que
servia de premissa, foi logo aceita. Contudo, Le Cor- pouco mais tarde qualificaria de "terreno sujo dentro
b ier não se limitava a este aspecto._ Como o terreno do bairro dos negócios" 21 não lhe convinha, pois era
.dust. ado ao ministério não lhe parecia adequado para acanhado para abrigar o edifício com as dimensões que
bes . m . . 1 por eIe imagma
construção long1tudma · · d a,
julgava necessárias, premissa que manteve mesmo
ª
passou a
ª
ngar procurar um novo sítio, que correspondesse
- ·t I do quando confirmado o uso desse terreno. Assim, o per-
. to Tendo achado, nao mm o onge
ao seu pr_oi_e I
um terreno livre, de propriedade da
feito equilíbrio do conjunto projetado para as margens
terre~o onr::Iizado à beira-mar, perto do aeroporto 19. Carta de Lúcio Costa a Warcbavchik, de 2 de dezembro de 1949
(cópia na coleção de Bardi).
prefeitura, o . inou-se do aterro de uma parte da
20. Plano para uma cidade de três milhões de habitantes (1922), plano
(este terreno onglh de um antigo morro), tomou a Voisin para Paris (1925), projetos para o Ria de Janeiro etc. O único
O projeto de verticalidade acentuada que realmente concebeu sem aliás poder
b~í~, ?ºm ent~ ~r um anteprojeto destinado ao realiú-lo, foi a Secret~ria Geral da O.N.U., situada no ce~tro dos arranha•
imc1at1va de es I oçescolhido (Fig. 43). céus de New York, nao podendo por isso escapar a essa imposição.
21. Carta de Le Corbusi er a Lúcio Costa datada de 21 de novembro
novo local, por de e t prestígio que nem seus colegas, de 1936; citação reproduzida na carta de Lúcio Costa a Warchavchik, do
Gozava ele e tan o . 2 de dezembro de 1949 (coleção de Bardi).

84
Fig. 44. seguir, deslocaram-no do limite do terreno, pois era pre- ·
L_E _CORBUSIER. Segundo anteproieto para o Mi-
msterio da Educação e Saúde. Rio de Janeiro. 1936.
ciso considerar a proximidade de outros prédios eleva-
(Terreno utilizado.)
dos que certamente seriam construídos; optaram assim
da baía não era encontrado no anteprojeto de 13 de por uma construção implantada no centro do terreno,
agosto. Visando conservar neste a máxima horizontali- numa posição isolada, tão próxima quanto possível da-
dade e assegurar o maior recuo possível, colocou o quela pretendida por Le Corbusier para o terreno à
bloco de serviços na extremidade do terreno e no sentido beira-mar. A opção de dispor a obra, ou ao menos, seu
de sua maior dimensão, contentando-se em ganhar, corpo principal, no sentido da largura do terreno, acar-
através de um aumento limitado de altura, a área per- retava automaticamente uma outra, que o arquiteto con-
dida com a redução da largura do edifício; dessa forma, · sultor não havia examinado ou, o que é mais provável,
sacrificava, simultaneamente a melhor orientação e a não aceitara como solução: o desenvolvimento vertical
vista da baía, ou seja, as premissas que invocara ao do edifício • De fato, agora não mais podia prevalecer
25

pleitear a troca do local. Lúcio Costa e equipe não a solução proposta por Le Corbusier em seu esboço
admitiram essa espécie de sacrifícioii, retomando o de 13 de agosto, onde prevalecia o caráter horizontal
problema e encontrando uma solução apropriada. do edifício. A pouca largura do terreno e a extensão
d? _programa for'!1ulado impunham uma solução diversa,
3. A elaboração do projeto definitivo pela nttidamente vertical, que, apesar da audaciosa e ainda
equipe brasileira 2 3 não aplicada no Rio de Janeiro 26 - embora permitida
pelos regulamentos municipais - a equipe brasileira
Partindo do esboço elaborado para o terreno ori-
ginal, Lúcio Costa e equipe reexaminaram o problema, 25 . Uma certa confusão foi provocada pelo desenho de Lc Corbusicr
p ublicado por Max. Bill na Oeuvra _completa 1934.1938, p . 81, com a Ic:
empenhando-se em aplicar os princípios que haviam genda «segundo projeto de Lc Corbw1cr adaptado oara a execução~ e mai,
orientado Le Corbusier quando da elaboração do pri- di~_ tarde reproduzido no número especial de Archi1ec1ure d' aujourd' iaui de-
d o ao Brasil (n,Q ~3•14, set. d~ 1947, •P• 13) , Em vez de ser O p;ojeto
meiro projeto. Assim, dispuseram o bloco principal no on~mal de L~ Corbus1er que servira de base .para O desenvolvimento pos-
sentido de largura do terreno, ou seja, perpendicular à atenor d'? projeto con_stru,do, tratava•se na realidade de um esboço feito,
P,ostanon, ~m Cunc;ao dos ~lanos definitivos, que Lúcio Costa e equipe
Av. Graça Aranha (e não mais paralelo, conforme fizera ha~am r~mctido a Lc Corbus1er cm 1937. O respeito destes por Lc Cor-
bus1er evitou ~m protesto público contra o abwo de confiança cometido.
Le Corbusier), recuperando desta maneira a orientação Co~tudo, depou d_a, ~uerra, quando Lc Corbusicr, amargurado, porque seu
e a vista para a baía, anteriormente preconizadas 2 4 • A ta~bém,
projeto para os cd1fic1os da ONU tinha sido «roubado» passou a reivindicar
e, com es~rdalha50, paternidade integral do Minist&io da Edu- ·
caçao e Saude do.Rio de Janc1r~, uma carta pessoal de Lúcio Cos.t a ·( escrita·
22. Quando partiu, Lc Corbusier ainda ~creditava •n~ _adoção do ter- cm te"_!los comedi.dos, mas precisos, cm 27 de novembro de 1949) recolocou
reno que escolhera, razão por que tomara cuidados cspcc1au com o antc- a questao nos devidos termos. A resposta de Lc Corbwicr de 23 de dezem-
rojeto (cf. LE CORBUSIER e P. JEANNERET, Oeuur, Complete, J934. bro, co~prec!ldc dois longos p~sl•scriptum, onde admite: cm termos con- .
f93s, PP· 78-80),. a_tribuindo importância secundária ao esboço realizado fusos, nao mais se lembrar da ongem dos desenhos cm questão , faz protestos
de boa ,fé e dá a entend~r que a legenda infeliz foi colocada à sua revelia
para o terreno ongmal. pelo cd1t~: (o que é muito provável). O texto da correspondência trocada
23. Uma exposição das negociações que conduziram à solução final nessa OC&Slao l~nc;a un:ia luz um tanto crua sobre todo o assunto e permite
foi publicada pelos arquitetos em Arqu~lel!'ra e Urbaninno, n.9 4, julho-
agosto de 1939. Geraldo Ferraz rcprodunu mtcgralmcntc o texto e os prin-
cipais desenhos cm H~bital, n , 9 35, out. de 1956, pp. 35-36. Ver também
t:.
que, os fa!os sejam facilmente restabelecidos sem idéias preconcebidas quanto
trc~~te;J;esPi::;.: origem ao caso. O texto deverá ser publicado em
s. PAPADAKI, op . c1t. , pp. 50-51. . 26. Contudo não tardou o surgimento dos arranha-dus tendo ficado
4 Mais tarde essa vista foi parcialmente bloqueada, com a constru- evidente que a solução vertical adotada para o Ministério, 'salvaguardou-o
2
ção de· vários edifícios cm tomo do prédio do Ministério. de um esmagamento completo pelo entorno.

85
nio hesitou em adotar. Estes limitavam a altura dos
edifícios unicamente em função dCl afastamento dos pré-
dios vizinhos, não havendo um teto absoluto: assim, a
localização do bloco principal no centro do terreno, com
um recuo de quase sessenta metros, tornou possível
encarar o problema sob esse prisma. As vantagens
eram indiscutíveis: a ocupação do solo era .reduzida ao
mínimo, e a área construída era igual à do edifício
mais extenso, este fatalmente limitado em altura pela
res_trição referida. Transformava-se assim o pavimento
térreo numa grande esplanada, adequada a cerimônias s..w,doandar
cívicas, sem que a implantação do prédio no centro do
terreno alterasse sua continuidade, graças ao pilotis.
O espaço livre estava habilmente distribuído de ambos
os lados do edifício, contribuindo para valorizá-lo,
sendo portantd a solução perfeitamente nacional e muito
mais adequada que a proposta por Le Corbusier, fato
que, em si, nada tem de estranho, visto não estar ele·
-~ ·
/~ j
realmente interessado nesse terreno. Uma vez fixado
o partido geral do projeto, os arquitetos abordaram os
problemas de natureza funcional, dedicando-se preli-

.1~
minarmente à solução do pavimento-tipo (Fig. 45) .
Corbusier havi& preconiz11do um edifício estreito, onde

~ · l
Primeiro andar {audit6rio )

.· 1 Térre:>

Terraço-jardim

Fig. 45 . L. COSTA, A. REIDY, J. MOREIRA, C. LEÃO,


E. VASCONCELLOS e O. NIEMEYER. Ministério
da Educação e Saúde. Rio de Janeiro. 1936-1943.
Plantas e corte. 15:copa, 28: imprensa e rádio, 30:
diretor, 31: escritórios, 32: refeitório do ministro,
33: cozinha, 34: refeitório dos empregados, 35.
administração do edifício, 36: armários.
1: recepção; 2: incinerador: 3: entrada do pessoal:
4: recepção; 5: vestíbulo público; 6: entrada do
Andar-tipo ministro; 7: tra:nsformador; 8: tesouraria; 9: condi-
cionamento de ar; 10: mastro da bandeira; 11 :
estátua; 12: depósito; 13: quadro de distribuição
elétrica; 1'4: depósito geral; 15: copa; 16: sala de
trabalho das exposições; 17: salão .de exposições;
18: salão de conferências; 19: auditório; 20: cabina
de projeção; 21: sala de espera; 22: escritório do
ministro; 23: secretaria; 24: sala de expedição: 25:
chefe de gabinete; 26: escritórios; 27: recepção e
informações; 28: imprensa e rádio; 29: pessoal.

86
todas as salas de trabalho se situavam de um mesmo necessariamente móveis, já que o brise-soleil fixo, mesmo
lado, sendo assim beneficiadas com a melhor orien- assegurando uma proteção eficaz nos dias claros, faria
tação e servidas por um corredor paralelo à fachada com que nos dias escuros fosse necessário utilizar
norte. Essa solução não convinha mais a um prédio em iluminação artificial. Assim, a equipe brasileira optou
altura; pois sua largura necessitava ser aumentada de por esse sistema, que permitia regular a luminosidade
modo a conservar um certo equilíbrio de proporções. de acordo com a incidência dos raios solares, variável
As salas foram dispostas de ambos os lados de um de acordo com o ponto da fachada atingido pelo sol31 .
corredor central, com uma variante nos andares onde Esse sistema, empregado por Oscar Niemeyer na Obra
º. pú_blico teria amplo acesso: para este, fez-se um do Berço, construída em 1937 no bairro da Gávea, no
circmto de circulação diferente do circuito dos funcio- Rio, e adaptado às necessidades peculiares do edifício32 ,
nários~7 . Naturalmente, a procura de uma flexibilidade apresentava-se como a solução funcionalmente idea133 ,
qu~ permitisse, em todos os níveis, modificações pos- propiciando ao mesmo tempo um vigoroso efeito plás-
t:nores, levou ao emprego da estrutura em recuo apre- tico, do qual os arquitetos souberam tirar grande pro-
ciada por Le Corbusier e à supressão das paredes, veito.
substituídas por simples divisões a meia altura, fáceis
de modificar quando necessário. Esta solução apresen-
tava outra vantagem fundamental: permitia uma venti-
lação constante, a circulação do ar era naturalmente
assegurada pela diferença de temperatura entre as duas
fachadas, o que dispensava um sistema dispendioso de
ar condicionado 28 • Restava solucionar o problema da
insolação. A fachada sudeste, recebendo diretamente os
raios solares apenas alguns dias do ano e no período da
manhã, portanto fora do horário de trabalho, foi dotada
de grandes caixilhos de vidro, possibilitando a máxima
penetração de luz 29 e assegurando uma vista magnífica
da baía. Em contrapartida, era absolutamente indispen-
sável proteger a face oposta. A galeria proposta por
Reidy e Moreira no projeto do concurso foi rejeitada
por razões de ordem prática: além do custo elevado,
que repercutiria sensivelmente no custo do edifício,
impedia a circulação di; ar ao longo da fachada, criando
assim, em cada andar, um colchão de ar quente quo:
tenderia a elevar a sua temperatura interna. A apli-
cação de venezianas ou persianas foi também rejeitada,
para que o Ministério não perdesse seu caráter monu-
mental, assumindo a fisionomia de um edifício de
apartamentos. lá o princígio do brise-soleil, proposto
em 1933 por Le Corbusier em seus projetos para a
cTdade de Alger, era plenamente vantaioso para esse
caso es ecíficõ:-_O estudo das condiçoes locaisJ·evou-à-
.. eterminação do tipo a ser adotado, bastante diverso
daquele imaginado pelo mestre franco-suíço para um
país mediterrâneo, para o qual sugerira um brise-soleil
fixo, formado por uma malha ortogonal de lâmmas de
concreto. No presente caso, a orientação da fachada Fig. 46. L. COSTA, A. REIDY, J. MOREIRA, C. LEÃO,
exigia apenas . o emprego de lâminas horizontais 30 , E. VASCONCELLOS e O. NIEMEYER. Ministério
da Educação e Saúde. Rio de Janeiro. 1936-1943.
Frente sul.
27. Com efeito, o corredor central, reservado aos funcionários servia
às salas voltadas p~ra. o sul e, ª?' cscrit6ri~ com gui~hês, oricntad~s para
o norte, estes accs.s1vcu ao pubhco por mc10 de galeria de circulação que Os aspectos plásticos do e.difício não foram des-
corria ao longo dessa íachada. Tanto os problemas de circulação vertical
quanto horizontal, haviam sido particularmente bem estudados criando-se
P.rezados, tendo ~s solii..ções IOrmais acompanhado passo
três_ circulações tota}m~ntc indcpcnde!!tcs para o ministro, par~ 05 funcio- a, passo as soluçoes de ordem fun cional. A ~açiio
nános e para o publico. A suprcssao de alguns elevadores infelizmente
alterou o equilíbrio, sendo, hoje, comuns as longas filas de espera fundamental foi a de conceber uma obra que seã1s-
28. Uma absurda demonstração da eficácia do sistema foi da.da pe1os
responsáveis pela biblioteca, que mandar~m fechá-!a com um pano de vidro
até o, teto: !nquanto cm todos os cscntónos . rcm.a uma atmosfera muito f'b 31 : Esse 1 st ema era constituído por placas horizontais basculantes de
i
agradavel, seJa qual for o calor externo, esse mfehz recunó transformou a ~a~º;c~::;/;~ ~xad~\~~ graf!dcs lâminas verticais de concreto, situadas na
biblioteca numa verdadeira estufa. ar . . 0 e 1 icto e hgadas à estrutura cm apenas dois pontos O
29. A colocação posterior de persianas atenuou o eventual exce •an;1;~u 1ava hv~emcnte ao longo de toda a fachada, entre os caixilhos· das
1
de luminosidade, cm algumas horas de determinadas estações sso :nissão de ºc ci°n1unto de bri.u-soleil, afastado_ 50cm, evitando auim a trans-
ª
30. No Hcmisféri<! Sul e país !ropical,. o ,sol que b~te numa face
no~e cs~ sempre pró,:t1mo do ~emte; assim, as lammu paralelas destinadas
.. d
ngi 3 or. que certamente se acumulana se cmprt:gada uma moldura
qu~ adcn~c totalmente à estrutura.
a impedir e pcnctraçao dos. raios so_lar~s p~cm estar relativamente espa- v t' 2 : s lâminas m6vcis do brise-soleil da creche de Niemcy~r eram
çadas, enquanto que as limmas verticais exigem uma trama bem r h d rÃP~{)sA/c.'tquc a. fachada estava orientada para oeste (detalhes cm S.
acarretando uma perda considerável de visibilidade. O problema !~a ai~: , op. c,t., p~. 6-11). .
33
vcno quando se tratava de uma fachada exposta a oeste, ou seja, ao sol formou· c!:s 7:ri~:.:o::~nc;mcn~, _pou a {'falta de manutenção logo trans-
poente. sua eficácia principal. • e m veis cm ixos, conservando, mesmo assim,

87
tinguisse das CO!lfil.rnç_õe_LYizjn~ 11m sua unidade, (Fig. 48), localizada no primeiro andar do co~po an~xo,
proporções e pureza. Assim, o bloco único de todos os prendia-se às colunas de sustentação por me10 de pe-
serviços essenciais, proposto desde o início por Le Cor- quenos consolos", submetidos a grande esforço cor-
busier, foi unanimemente aceito, servindo como ponto tante36. Dessa solução audaciosa resultava leveza
de partida. "As outras formas", explicaram os arqui- e um dinamismo, que combinavam com .º espmt? com
tetos em sua exposição, "foram-se fixando pouco a o qual toda obra foi tratada. Essas quahdades difer:n·
pouco em função dele, das necessidades do programa ciam-se um pouco daquelas utilizadas por Le Corbus1er
e dos princípios fundamentais de composição da arqui- para marcar as suas obras; é preciso reconhe~e~ uma
tetura. Esses princípios inspiraram a solução adotada, indiscutível contribuição autóctone no domm10 da
desde as formas dos salões de exposição e conferências plástica. _ .
do pavimento térreo até as dependências sobre o telha- Como vinha fazendo nas operaçoes anteriores, a
do que se integraram na composição e contribuíram equipe brasileira se inspira nas prop~s!ções de Le ~?r-
para o efeito plástico do conjunto" 34 • Tratava-se de busier; conserva os elementos essenctats, mas modtfica
uma inequívoca profissão de fé racionalista, que não a disposição, dá-lhes um novo tratamento, o que leva
deve ser tomada ao pé da letra. Embora não haja a uma criação original. No esboço de 13 de agosto
dúvida de que o partido resultou da exploração das para o local onde foi construído o edifício (Fig. 44),
melhores condições permitidas pelo programa, não de- Le Corbusier previa três volumes distintos, todos sobre
correu daí nenhum automatismo absoluto na realização pilotis: o bloco principal, a sala de exposições (p:rp:n·
do edifício tal como ele se apresenta hoje (Figs. dicular ao bloco principal) e o salão de conferenctas
46 e 47). Conforme observou Joaquim Cardozo 35 , pelo (situado transversalmente à sala de exposições). Esse
desenho foi usado como ponto de partida, e as formas
sugeridas pelo arquiteto consultado foram cuidadosa-
mente conservadas; todavia a localização do bloco prin-
cipal no centro do terreno levou à retomada da dispo-


; 111
sição do projeto de Le Corbusier, para o terreno de

l-.!1 ,,liit
. ., baía (Fig. 43): os volumes anexos localizando-se dos
dois lados do volume principal. O resultado foi, no

11:::::!•
1 111==
~t!JJ
~:::!~rJI
entanto, completamente diferente. Naquele projeto, a
sala de exposições e a sala de conferências não passa-
vam de complementos do volume principal, diante do
w ------~::;::
'N qual ela se anulava; os volumes distintos e autônomos
lliit

t,:f do esboço de 13 de agosto foram conservados e reorde-

' i nados pela equipe brasileira, segundo a qual a solução


de Le Corbusier consistia numa justaposição um pouco
arbitrária e não muito satisfatória. Tiveram então a
t idéia de colocar a sala de conferências no mesmo eixo
da sala de exposições, a fim de obter uma continuidade
i
no conjunto. Esta continuidade seria conseguida com a
r criação de um volume único, reservado a esses ele-
:::;:
·-----~,-------
____..___ ____
----- -.--.---
,...
!'!'!f,r'i'\"•'t . lr.!!"M tr~r
~ ·.
~entos an:xos. Isto trouxe duas modificações essenciais
a ~~ncepçao _de_ ~e Corbusier: a sala de conferências
e~t~rn um P:·dtr~tto bem maior que a sala de expo-

------==
';: -'f""!f.!f.:trJr'!'.'-r''!'."'° s1çoes, _que nao fot consfruída sobre pilotis, mas implan-
t~da diretamente a~ mvel do piso para compensar a
dtfe~ença na. altura mterna. Para não quebrar O volume
contmuo assim formado, os pilotis do bloco principal
sofreram
d um 37aumento de altura
• • •
passando d e quatro
a ez ~etros . Essas mod1f1cações deram ao edT .
um~ ~mdade e uma lógica intrínseca superiores à/;~~~
pos1ç<:es de Le_ Corbusier, para o mesmo terreno A
Fig. 47. L. COSTA, A. REIDY, J. MOREIRA, C. LEÃO, reduçao. do coniunto a dois volumes simples, coloca.dos
E. VASCONCELLOS e O. NIEMEYER. Ministério perpendicularmente
h hº • um ao outro • contrtºbu'ta para su blº1-
da Educação e Saúde. Rio de Janeiro. 1936-1943.
Frente norte . f ar- uma tera~quta estabelecida pela importância das
u?ço~s resp:cttvas, era uma retomada do es frito do
menos num caso, a solução estatisticamente mais apro- pnmetro proieto. para O terreno da b ata, , P assegu-
ran do aos serviços anexos um lugar d mas . • .
priada foi preterida por razões de ordem exclusiva- dentro da composição. e tmportancta
mente estética: a laje do piso da sala de exposição
34 4 r q uit cfura e U rba11ismo, n. o 4, julho-agosto de 1939 retomndo
em H;bit~I, n. 1.1 35, outubro de: 1956, pp. 35 e: 36. '
36. O efeito plástico obtido i
;,!mãos Roberto, que não vacilaram
a gumas de suas obras.
nc.:e:~1~u
(1 •
0
ar
outros arquitetos, como oS
O mesmo procedimento cm

JS. J. CARDOZO, Forma Estática-Forma Esté tica, M ódulo, n.Q 10, 37 .. A conscqüente perda de um andar - .
ago,to de 1958, PP· 3- 6- na medida em que se adotara um partido ve~tl~a~nha maior importância,

88
t
t
t
t
t
t
t
t
•t
t
t
t
•t
t
t
t
t
t
t
t
•• Fig. 48. L. COSTA, A. REIDY, r. MOREIRA, e. LEÃO,
E. VASCONCELLOS e O. NIEMEYER. Ministério
da Educação e Saúde. Rio de faneiro. 1936-1943.
Ala do salão de exposições. Detalhe.
abriu novos horizontes e revelou o talento potencial dos
jovens arquitetos cariocas da nova geração. Convém,
por conseguinte, aprofundar o assunto, ressaltando as
linhas mestras da contribuição de cada uma das partes.
t As vantagens eram também evidentes sob o ponto 4. A contribuição de Le Corbusier e a profunda
de vista estético: por um lado, a simples justaposição de influência de sua estadia em 1936
t volumes contíguos transformava-se numa integração
perfeita, tanto horizontal quanto· verticalmente; por Seria inútil pretender limitar a contribuição pessoal
t outro lado, as altas e delgadas colunas do bloco prin- de Le Corbusier, para o desenvolvimento da nova arqui-
tetura brasileira, à elaboração dos vários anteprojetos
cipal evitavam a sensação de esmagamento que certa-
t mente ocorreria caso o pilotis mantivesse a altura inicial- apresentados durante sua rápida estadia, de julho a
agosto de 1936. Essa segunda viagem ao Brasil marcou
t .mente proposta.
~ ÇQe.s....intro_d!m.das _~~d?_ de_k. pro~undamente os arquitetos que com ele tiveram opor-
t Corbusier transfQIIllavam:no....nuJILP.t0JeULintel..tll1llfil!.te
tumdade de trabalhar, repercutindo decisivamente no

•t novo, embora integralmente baseado __!_rns propostas


inicraisâoárquilefoconsultore aplícanoo os pri iicípios
d1taclos.Nã~negar a conffiDuiçaofonda-
-mentaLde....Le-Gorbus1er,-plenamente....reconh.t:~elos
conj_unto da classe profissional. Os princípios, que siste-
maticamente defendia e que há vários anos os arqui-
tetos de vanguarda haviam adotado sem reservas não
se reduziram a um conjunto de idéias essencial~ente
t jOllf:IlS....b.rasileiros. que considerav!!ffi_uma honra o fato
abstratas; adquiriram vida nova e uma flexibilidade até
então desconhecida, quando o autor levou à prática
t ~ o_dido trabalhar sob a direção do rTi'estreque
as inúmeras aplicações que deles se podia fazer. Tanto
tanto admiravam. Mas não se deve cair no extremo
t oposto, atribuindo exclusivamente ao seu talento o
sob o ponto de vista geral, quanto sob o ponto de vista
específico do Ministério da Educação e Saúde, a contri-
Ministério da Educação e Saúde. O projeto definitivo,
buição de Le Corbusier permite extrair três pontos/ l/\
como se viu, foi obra da equipe brasileira, que lhe deu

'tt um desenvolvimento e um encanto peculiares, de que básicos: / 7)


não cogitava o arquiteto consultor. A importância desse o
1 . · O método de trabalho )
monumento da história da arquitetura brasileira resulta
justamente dessa colaboração, que, em termos locais, As teorias de Le Corbusier, particularmente os -ç
t 89
(Ili
(Ili
forme os slogans presentes em seus escdtos sobre a~~!:
~inc? pontos - da _arquitetura nova - pilotis, terraço- :m ó 1923 Adepto de formas simples e_ g; .
1ard11n, planta _livre, fachada livre, janelas na horÍ- tetura , ap s · , . 1 desde o m1c10 a
tricas, clássico por exce}encia, _exa volumes a luz.
zontal - eram do conhecimento dos jovens arquitetos
pureza absoluta, atrav~s d~ _logod risma como ele-
brasileiros que no entanto aplicavam-nos mecanica-
mente, como se fossem fórmulas polivalentes. Ademais,
Portanto, o emprego s1stemat1co . o Y. -
mento básico da composição arqu1tetomca _nao -era uma
estavam atrelados à concepção restrita de que a form ii
recusa do sentido plás~i':º• mas um_a sutr~;;~~~â~o~;~
Elerivava da funç_ã~ , admitindo, freqüentemente, que
tária de seu vocabulano ~os meios e feita satisfação
uma correta solução dos problemas funcionais , empre- ·ulgava capazes de proporc10nar uma per f 1
gando os recursos mais avançados da técnica moderna, }ormal Seus discípulos brasileiros, entretanto, na a ta
resultaria automaticamente numa boa arquitetura. Re- · . b - ignorando as preocu-
desse conta to direto, em ora na? . d'1d d
sultam daí aqueles projetos não só austeros, como tam- pações essenciais de Le Corbusier, tm ham per \ e
bém inexpressivos, que floresceram entre 1931 e 1935. vista o caráter eminentemente pláS ico de toda suóa ? ra,
t
A personalidade de Le C_ori?_usieL abalou todos os pre- .. seu aspecto te nco e
prendendo-se frequentemente ao d t b lh
conceitos. Seu Olíiarnismo e criatividade não podiam funcional No entanto, apenas seis semanas e ra ª. ?•
submeter-se a uma rotina e a um automatismo que, : _ · , todo não consistia
sob a onentaçao do mestre, CUJO me , . os de
contrários a seu temperamento, nunca aceitara. Embora em ordenar os problemas de ordem pratlc~ _e .
se fundam'!'.ntasse sempre numa ideologia que vinculava ordem estética foram suficientes para deSmibi-los 0e
intimamente as três facetas de sua formação, o refor- conscientizá-lo; do verdadeiro significado do _a~pec:
mador social, o urbanista e o arquiteto, não desvin- plástico em toda obra digna de mere::er a quahficaç~o
culava suas atividades teóricas das práticas. Quando da arquitetura e não de mera construçao. Se tal fato nao
se entregava com lógica implacável38 e vigor caracte- repercutiu com igual intensidade. em todo~ _os, ~em-
rísticos à análise das condições que orientariam a bros da equipe encarregada de proietar o Mm1steno da
solução arquitetônica pretendida, não o fazia segundo Educação e Saúde, de uma forma ou de outra todos
1· duas operações sucessivas, a primeira puramente inte-
lectual, fundamentada num raciocínio objetivo, e a foram a ele sensíveis.
Esteta nato e profundo conhecedor da_s obras do
. segunda essencialmente manual, dando forma adequa- passado, Lúcio Costa já havia se convertldo a e~sa
da às conclusões decorrentes do exame preliminar. Para maneira de pensar; bastava apenas completar a desm·
'Le Corbusier, as duas abordagens eram simultâneas e toxicação voluntária que se impusera ao abandon~r o
· indispensáveis. Assim, toda a reflexão correspondia a movimento neocolonial, para assim reencontrar sua lmha
um desenho, ~ ..11or sua vez,_gerava uma nova ieflexão-
natural de pensamento e a necessária segurança . _O
provocan UIILJlO.Vo..desenhQ;_este processo co ntimrav:i-
exemplo de Le Corbusier, nada complacente em relaçao
ate a solução final, que resultava do estudo conjunto
aos estilos do passado, mas que não hesitava em se
· dos diversos fatores funcionais e estético. Válido tanto
apresentar como seu legítimo herdeiro , chegando mesmo
para a pesquisa de um tema ou de uma solução, quanto
em algumas ocasiões a enaltecer a retomada de algumas
para a demonstração dos fundamentos dos resultados
técnicas de outrora, libertou-o de seus escrúpulos.
· obtidos, esse método gráfico impressionava fortemente
Affonso Reidy, até ~ntão, havia voluntariamente
·a todos os que presenciaram a maravilhosa aplicação
que o mestre franco-suíço fazia, com destreza incom- sacrificado ou ignorado sua sensibilidade plástica -
, parável, desse instrumento. Ninguém absórveu tanto este manifesta em obras posteriores - limitando-se a uma
método quanto Oscar Niemeyer, que passou a empre- arquitetura estritamente funciÓnal onde os aspectos
gá-lo sistematicamente por conta própria. O contato plásticos eram totalmente ignorados. Talvez tenha sido
· direto com Le Corbusier proporcionou outra vantagem: sobre ele que mais intensamente se manifestou a influên-
demonstrou que, embora partisse de uma doutrina supos- cia de Le Corbusier. Mantendo-se fiel à lição recebida,
tamente objetiva ou a ela chegasse graças a uma ten- empenhou-se em associar uma expressão clássica pura
dência natural para classificar e elaborar normas pre- às soluções racionais que sempre perseguia. A mesma
. cisas, que propunha para si e principalmente p_ara os evolução pode ser notada em Jorge Moreira, mas as
outros, pessoalmente ele nunca se comprometia por características de requinte de que se revestiu, levaram-no
· inteiro com as regras que instituía . Sabia libertar-se de bruscamente de um ascetismo a uma tendência oposta.
' sua rigidez, estimulando, sempre que possível, sua capa- Quanto ~ meyer, cujas preocupações fun-
. cidade criadora, o que enfatiza um segundo aspecto de damentais eram já de ordeiiilõí-mal 4 º, o fato de constatar
sua contribuição pessoal. pessoalmente a importância que as mesmas tinham
para Le Corbusier, significou uma verdadeira liber-
tação, posibilitando-lhe lançar audaciosamente pelo
2. A preocupação com os problemas formais
39. «A Arquitetura é o jogo hábil, correto e magnífico dos volumes
Le Corbusier não era somente arquiteto, mas tam- 11grupados sob a luz.- . ._; . cubos, cones, esferas, cilindros ou pirâmides são
as ~randes íoi_:m.as prrn_1an~s que a luz revela; etc.» Um resumo dos slogans
bém pintor e escultor. As preocupações estéticas assu- malS ca racter1sttcos fot feito por Bruno Zevi, em Storia dali' art:hitettura
miam sempre para ele um papel preponderante, con- moda11a , 3. • ..:d ., sem local, 1955, pp. 120 e 121 (cap, 3) .
40. Aliás, em 1963, época em que a legitimidade da pesquisa plástica
como fato r prepo_nderante era rec,onhecidamente uma tendência da argui•
38. O que não significa se rem conclusões se mpre ,corrc~as,. poi,s .º te tura conte mporanen re cente, Nu;meye r admitiu ter sempre prioritaria•

~r;~a~~· c~;~:;ddeJ~:~:r:;~\u: ::~r~~ri,


raciocínio dese nvolvido nem sempre se bas.cava ~m yrcnussas rnd1scutivc1s me nte se preocupa~o,. 1e modo mais ou menos consciente, com a invenção
ou levava c m consid crai;ão dclcrminadas. c1rcunstanc1as, corno no caso dv
projeto de urbanização do Rio de Janeiro, cm 1929 (cf. rnpra , p. 72, por argumentos de ordem fun•
cap. II , nota 55).

90
caminho que viria a torná-lo internacionalmente pelos jovens racionalistas, que a encararam como um
conhecido4 1 • recurso meramente. decorativo, comprometidos com o
. Contr~stando com uma certa rigidez dos princí- passado. A tomada de posição de Le . Corbusier, res-
P!º~ doutrinários, a flexibilidade da concepção arquite- saltando o valor dessa técnica cujo caráter funcional e,
tomca de Le Corbusier é marcada ainda por um terceiro principalmente, cujas possibilidades de expressão plás-
aspecto que assumiu grande importância no Brasil. tica ele logo percebeu, eliminou os preconceitos mais
ou menos enraizados no espírito dos arquitetos brasi-
3 • A valorização dos elementos locais leiros. Compreenderam eles que a arquitetura nova
não estava essencialmente voltada para a austeridade42
. Seduzido pela natureza tropical, ocorreu de ime- e que não se devia excluir o apelo a recursos do pas-
diato a Le Corbusier explorá-la e aproveitá-la como sado, se estes conservavam sua razão de ser e se adapta-
elem~nto complementar da arquitetura. Particularmente vam ao espírito das edificações modernas.
entusiasma?º por um tipo de palmeira de tronco longo A pregação de Le Corbusier foi ainda mais signifi-
e copa mmt? cerrada, a _palmeira imperial, percebeu a cativa, porquanto se identificava com as tendências mais
monumentalidade dos visuais por elaõefinidos colo- representativas do- pensamento brasileiro do século XX.
cando-os sistema~icamente em todos os seus p;ojetos, A preocupação com a plasticidade, ou seja, com a
ta_nto nos ~roq~i~ _para o Ministério, quanto nos da riqueza formal e decorativa, correspondia aos desejos
Cidade Umversitana. Embora não tenha encontrado de uma sociedade em plena evolução, sensível aos
seguidores i_médiatos a lição não foi esquecida, sendo aspectos exteriores e expressivos que se constituíam
retomada vmte anos mais tarde por Lúcio Costa e numa das· condições do sucesso. Além disso, a valori-
Oscar Niemeyer, em Brasília. ' zação dos elementos locais naturais ou históricos, inte-
O arquiteto consultor recomendou também o em- grava-se perfeitamente no contexto nacionalista, cuja
prego de espécies locais para os terraços previsto na importância já foi ressaltada. A onda de ascetismo fun-
cobertura do salão de exposições (jardim do ministro) cionalista, tinha por razões doutrinárias tentado provi-
e na do bloco principal. Mas, nesse campo, a priori- ·soriamente abafar esses aspectos, em vez de conside-
dade cabe, conforme já vimos, a Mina W archavchik, rá-los, na elaboração de uma arquitetura realmente
~ue em 1928, associou o jardim troru_cal à arquitetura racional; no entanto, não se havia perdido por com-
'moderna", na casa construída por seu marido; este pleto a consciência de seu significado. As propostas
exemplo foi logo seguido por quem iria tornar-se a -de Le Corbusier abriam novos horizontes e possibili-
grande autoridade no assunto, Roberto Burle Marx. tavam aos arquitetos brasileiros sair do impasse em
Mais importante ainda foi o interesse de Le Cor- que se encontravam: conciliando posições arbitraria-
qusier pelo emprego do granito cinza e rosa, extraído m~nte consideradas como antagônicas, o mestre franco-
das montanhas que circundam o · Rio de Janeiro. Fez smço demonstrava que o estilo do século XX era inter-
ver sua qualidade e beleza, .recomendando seu emprego Illf~onal, mas que isso não impunha, muito pelo con-
· tanto para o piso do pátio quanto para o revestimento trario, o abandono das variáveis regionais que asse-
das empenas do edifício'. Manifestou-se contrário à gurassem uma expressão o~iginal.
importação generalizada de pedras ou c)o mármore, quan-
do podiam ser encontrados nas proximidades, materiais 5. A originalidade do Ministério da Educação e
com as mesmas qualidades. Contribuiu assim para dar Saúde, sua importância no plano nacional
uma nova força ao prestígio das jazidas e dos pro-
dutos locais, evidenciando que o emprego exclusivo de N~o pret~n1~mos retomar o exame da elaboração
materiais artificiais, enquanto elementos estruturais da do proieto definitivo, pela equipe brasileira. f. preciso,
nova arquitetura, não excluía um apelo complementar n.? entanto, ressaltar o alcance das inovações introdu-
aos recursos naturais do país, quando se tratava . sim- zidas, para melhor se aquilatar a repercussão que o .
plesmente de revestimentos. ~on~mento obteve. e a importância de que se revestiu.
Ainda m!lis revolucionária, e de alcance signifi- Ja vimos que Lúcio Costa e equipe tomaram como
cativo para a evolução da arquitetura contemporânea ponto de partida o croqui de Le Corbusier para o
no Brasil, foi a recomendação do emprego dos azulejos terreno definitivo, transformando-o fundamentalmente
originários de Portugal. No Brasil, seu período de maior mas com o empenho de conservar ao máximo o espírit~
importância. correspondeu aos séculos XVII e XVIII,
da_~bra, bem como os elementos formais preconizados
quando foram empregados interessantemente na deco-
entao pelo mestre. Compreende-se assim por que a obra
ração de sacristias, claustr-@, pátios e salas de palácios;
construída traz â marca profunda de Le Corbusier e
no século XIX foram usados no revestimento externo das
por_ qu~ às vezes tem sido ela vista como uma simples
suntuosas residências do Rio de Janeiro e, principal-
mente, do Recife, o que assegurava às paredes uma aplica?ªº• por alunos talentosos, dos princípios por ele
proteção eficaz contra a excessiva umidade do clima. enunciados_. Contudo, a pers~nalidade _dos arquitetos
Abandonada no início do século XX, e retomada com que a realizaram se fez presente de forma intensa no
~ i a ~ _essa prática haviã sido rejeitada campo estético, onde o resultado obtido diverge nitida-
42 • Por outro l~do, Le Corbusicr não se limitou apenas a preconizar
41. As influênci~ ,sofrydas por Carlos Leão e Emani Vasconccllos cmpr,go ddos azulcJos;, nos esboç~s do Ministério não desprezou a escul-
difíceis de perceber, sao deixadas de lado, por apresentarem um intcrcss; ura, co oca!' o uma estátua no meio do pátio nobre. Encora·ou
s:nenor. _na medida cm que a obra posterior deles foi de importlncia
sccundána.
d colaboraçao entre arquiteto! e artistas plásticos, 0 que vlria' ap°..e":º~'::,_
os traços marcantes da arqwtetura contemporânea do Brasil.

91
w
l i
1

Fig. 49 . L. COSTA, A. REIDY, J. MOREIRA, C. LEÃO, e a horizontalidad~ do bloco anexo; aos panos de vidro
E. VASCONCELLOS e O. NIEMEYER. Ministério da fachada sul (Fig. 46) corresponde o dinamismo <los
da Educação e Saúde. Rio de Janeiro. 1936-1943.
Os pilotis e os azulejos de Portinari. brise-soleil móve!s ~a fachada norte; (Fig. 47); a curva-
tura da face prmc1pal do salão de conferências e as
mente das concepções do arquiteto consultor. No pri- formas soltas dos volumes da cobertura contrastam com
meiro projeto, feito para o terreno às margens da baía, a ortogonalidad~ ,ge:al etc. Assegura-se assim, uma digni-
havia a procura da monumentalidade , numa composição· dade e um e~mhbno geral bastante significativos.
ao mesmo tempo pura e sóbria, baseada num equilíbrio Mas ~sta-se longe da concepção mais clássica de
· .~rfeito, onde predominava o caráter estático do con- L~ Corbus1~~ ao lhe introduzirem os arquitetos brasi-
leiros um lmsmo bastante próprios44.
junto ; a mesma preocupação se observa no croqui
__.d,_estinado ao terreno defimtivo, mas sem obter ali ã s . _Outro t:-aço que merece . ser referido como contri-
qualidades antenores. O edifíc10 construido por certo bmçao pessoal ~a equipe_ local é a ênfase d a d ~
guardou uma pureza de concepção e um senso de pro- con1unto. Le Corbus1er sempre colocou seus edifí-
porções dignos do classicismo estrito43 ; em compensa- cios so ' ª!11e~te plantados no chão, mesmo quando
emprega, p1lot1s; nunca lhes deu um caráter franca-
ção, devido ao desenvolvimento em altura e à resul-
men_te aereo e sua evolução prosseguiu sem cessar no
, tante confrontação dos dois blocos, o conjunto assumiu
_ um inegável dinamismo, que é explorado nas etapas base d ·da massa
sentido • e da solidez·
_ • sua• plástica sempre f 01.
, . a a na pujança e nao na elegancia. Ora o Minis-
posteriores da composição, através de recurso dos mais teno d~ Educ~9ão~ com suas delgadas cohiiiãi aba
simples. Consistia numa sucessão de oposições no tra- ~ u a s quafida0es- -'•·····--·-0- - - :-cc---- ----.1.-----
tamento dos volumes das fachadas e dos detalhes. A re - ---~-!-!-~lf_an °
fransparecer uma
P ocupaçao_que....u:a__j.o.tnaése:::llmã::a· - - - - ~ -- .
implantação no centro do terreno e a verticalidade do ;iQminantes da ª !Sl'itetura ca"~~ 0~8;;~!-rªJ~e;rk~g~~i5
bloco principal contrastavam com a localização lateral e b D~ve-se finalmenteressãltâr -q ué,~embõí-a tenh~ar~
or us1er pregado sempre síntese das artes, quando se
43. O alargamento do bloco principal pen~itiu incorpor!r-lhe as
partes de serviço (principalmente os elevadores), evitando a soluçao de Le
Corbusier que alterava .ª pureza do
tremidade, volumes destmados a esse
J?risma, ao acrescentar, em cada ex-
fim .
44 · P• SANTOS Raizes da A
e Eneenharia, n.o 30; março-abril d~1~5-tr~p~57~porâne~,

Arquitetura

92
trat_ava de suas concepções arquitetónicas, agiu sempre se manifestou através de uma serie de ironias 5 0 , refe-
sozmho, ar!i~ta completo que era. A equipe brasileira, rentes tanto ao ,1specto formal 51, quanto ao caráter
-~o_ntr~_tp, --~pelou_ desde o in~ _paf a _o-:-pm.fõr funcional da obra 52 . t ainda mais espantosa a brusca
_C-ªJl9!~º ~o.rtman 45 ,..9_s escultores Bruno Giorgi, António mudança de opinião que ocorreu a partir de 1943.
_Celso e Jacques Lipchitz 4_6 , õ ar quiteto-paisagista Ro- Não há dúvida de que a beleza do monumento, quando
berto Burle Marx,, ab~ sta forma caminho para concluído, foi em parte responsável por isso, impres-
-~~ a colabora~ão que ~ -~ -v~la_r; se frutífera, nãõ ·ãpenas sionando várias pessoas até então reticentes e mesmo
n,.o_c.1lli>_espec1fico, como também füfor am erite. O resul- hostis. Mas o fator principal, como já vimos, foi a
t?do obtido foi um cõnTün'tci -dé-'grimde riqueza plás- repercussão no exfériõr, ·prime_iraJnente nos Es~dós
tica, realçando e completando magnificamente a arqui- l]nid~~' _depois, a pãrtir de 1945, .lll.l. g u_r0Jª: O edifício
tetura, mas, ao mesmo tempo, a ela subordinado. correspondia, de fato, às esperanç·as e intenções do
~ratava-se de um retorno ao espírito da tradição dos ministro que mandara construí-lo. Admirado ·uniY!;!;
seculos XVII e XVIII, quando a sobriedade das linhas salmente53 , public~~o em _to~a,_s as_ grnndes_ revistas__
- mesti:_as da composição não era alterada pela profusão ârquitetura; tornõu-se um símbolo_nªcional habilmente
ornamental, que era cuidadosamente localizada. • explorado pelo governo brá_sileiro na propagan.da ·inter-
As características assinaladas (dinamismo, leveza, ..n.ic.e.....exte ma. P..ortanto, .foi . decisiva .. a influ.ê..xif~ _p~icõ
0
.
r:_Sue~a__g!~!ic~) são, portanto, contr1buições indiscutí- lógica .do Ministério da Educação e .Saúde e nenhuma.
veis ~!édit~ ~os ar~uitetos brasileiros, e foi justo ter . outra realização contemporânea exerceu papel dfê, _jg}!al _
a op!n~ao p~bhca visto no Ministério uma expressão importância. Contudo, não se tratava de uma obra isola-
~ ~ . . 9- ml.Q~al, àpesar da contribuição fundamental da, pois outras de alta qualidade, concebidas dentro
que inicialmente proporcionou Le Corbusier. Por outro do mesmo espírito eram concomitantemente construídas,
lado, é difícil determinar o mérito de cada um dos mem- formando um conjunto que testemunhava a profunda
bros da equipe no resultado final, já que foram eviden- vitalidade da nova arquitetura no país.
temente muito discretos a respeito. Contudo, pareçe_
não haver dúvida que a_c.ontrib.uiçã.o_ d_e Niemeyer foi 2 . AS PRIMEIRAS OBRAS DE MARCELO E
P!'._~onderante, na concepç~_o p~stic~ sob este aspecto, MILTON ROBERTO54
-O t sterouo bo cle T1ício Costa é formal 47 · o· fatO de
de ter ele abandonado, em 1940, a dire2ão ' do grupõ" 8 , Dentre os arquitetos que de início se destacaram
confiando-a a Nieme.yer--sem- qualquer- contestâção dós como personalidades importantes, embora não integran-
c~gas, demonstra claramente reconhecer~m .eles süa tes do grupo liderado por Lúcio Costa, encontram-se os
c..ontribuicão decisiva, apesar de seu tar<fü>_e ip esperado irmãó's Marcelo e Milton Roberto. Impuseram-se pre-
.ingresso na equipe constituída_ m!. 1936. · ·-- maturamente e de forma significativa, ao vencerem em
Finalmente, convém lembra~ e o êxito do 1936 o concurso aberto no ano anterior para a sede
empreendimento não se deveu exclusivamente aos arqui- social da Associação Brasileira de Imprensa (A . B. I.).
tetos e que estes nada teriam feito sem o apoio incon- Portanto, sob o ponto de vista estritamente cronológico,
dicional do Ministro Gustavo Capanema. Resistiu ele a cabe a eles o mérito de terem concebido e executado a
todas as pressões políticas internas e externas 49 e a primeira grande obra da arquitetura nova no Brasil;
todas as campanhas contra o grande empreendimento com efeito, seu projeto é alguns meses anterior à con-
de sua vida. Ainda em 1942, quando o edifício já clusão do projeto do Ministério da Educação e Saúde
estava quase concluído, a incompreensão do público
50. Architectural Forum, fev. de 1943, pp. 37-44.
45. Confiou-se a Portinari o afresco da ante-S8.Ia do gabinete do Mi-
nistro e o desenho dos azulejos que revestem as paredes do t~rreo. A sim- 51 . Enfatizava-se principalmente o seu caráter náutico com os volu•
plicidade dos motivos, ao mesmo tempo figurativos e abstratos, dos azulejos, m~s, da cf;lbertu~ (caixa _d ' água e casa de máquinas), em' formà de cha-
e o jogo bastante seguro dos tons empregados, inserem-se admiravelmente f!110 CS, CUJOS ~P';)los ~are~1am remos . Colocados na face norte, esses apoios
no conjunto, constituindo-se numa contribuição de primeira linha. unham uma umca frnahdade: anular a força do vento sul que varria a
baía, golpeando com violência o edifício, nos dias de tempestade.
46. O Prometeu Acorrentado de Lipchitz, colocado no centro da pa•
rede curva do salão de conferências, infelizmente por falta de recursos, 52. Corria, por exemplo, o boato de que s6 o ministro e os arqui-
não foi realizado na escala prevista. Assim, o volume ( que é vinte e sete tetos sabiam da localização das entradas.
vezes menor) não desempenha o papel que lhe fora atribuido. 53 . Contudo, uma exceção notável, porém tardia, foi a opinião ex-
47 . L. COSTA, Muita Construção, Alguma Arquitetura, Um Milagre, pressa pelo suíço Max Bill, quando esteve no Brasil em 1953, publicada
Correio da Manhã, de 15 de junho de 1951, reproduzido cm L. COSTA, ~m Manchete, n.Q 60, de junho de 1953, e reproduzida em Habitai, n,Q 12,
Sobre À.rquitdura, op. eit., pp. 169-201 (cf. especialmente pp. 196-197), Jul.-set. de 1953, pp. 34 e 35. Nela, criticava o Ministério porque lhe
faltava o senso de proporções humanas; declarava sem rodeios ser o pátio
48. Não se deve deduzir, pelo afastamento antecipado de Lúcio Costa , interno mais 9:de,u9:do ao clima, além de assegurar melhor ventilação;
que seu papel foi secundário. O projeto já estava definido em suas linhas atacava. coll! v1?lcncta a decoração de azulejos, declarando que a pintura
gerais em 1937, quando recebeu o aval de Le Corbusier (carta de 13 de mural Jamais tivera outro sentido exceto o de educar as massas, tarefa
setembro de 1937, para Lúcio Costa) . que., em nossa. época, havia-se transformado cm apanágio dos jornais, das
rcVJstas e do c~ncma. Esse ataque, vindo de um partidário do funcionalismo
49. Sobre as pressões internas, ver supra, p. 28, nota 43 (Introdução mtegral e destituido da mais elementar objetividade, especialmente quanto
Cap. 2) . curioso constatar que chegou a haver uma intervenção indireta ao problema da ventilação, não teve qualquer repercussão profunda, pois,
do governo dos EUA. De fato,_ o pintor George~ Biddle apresentou-se ao nesse ano, a nova arquitetura brasileira de há muito se impusera; por
Ministro, com uma recomendaçao pessoal _?o Presidente Roosevelt, no sen• outro lado, os preconceitos de Max Bill eram demasiado evidentes para
tido de que o encarregassem da elaboraçao dos afrescos previstos para . 0 que suas criticas fossem levadas a sério.
interior do Ministério. Capanema explicou-lhe que a unidade de estilo
exigida para o edifício nã~ p~rmitia satisfazer. seu prop6sito_. Contudo, 54. Dentre os inúmeros artigos publicados sobre os irmãos Roberto 1
como não era poss1vcl _csqu1var:se totalmente, Já que. o Brasil dependia há dois realmente importantes acerca de suas primeiras obras: G . FERRAZ
intimamente da economia amencana, ofereceu ao artista a oportunidade M .M.M. Rob erto, Habatal, n.Q 31, junho de 1959, pp. 49-66, e P.F. SAN:
de pintar no vestíbulo da ,Biblioteca Nadon.al (que, aliás. se prestava per- TOS, Marcelo Roberto , Arquitetura, n.o 36, junho de 1965, pp. 4-13. Há
feitamente ao csti}o pomP••r), sendo os do11 aírcacos À Gu•rra e A Paz, també~ uma breve retrospcctiva cm Habitai, n.Q 12, jun.-set. de 1953, p.
executados rcspecuvamente de 18 de agosto a 30 de setembro e de 15 de
outubro a 17 de novembro de 1942.
\~&1;'1;;~/o:J.itQ3, dez. de 1955, p. 71 e Arquitdura, n .o 28, out. de

93
e sua construção data de 1938, muito anterior à do obra marcante, Herbert Moses queria eviti:i- que. se
Ministério concluído em 1942-1943 . repetisse o episódio .do Ministér~o Educaçao. A~s11?• ?ª
Marcelo Roberto nasceu em 1908 e fonuou-se pela conseguiu que o júri fosse cons!1tu!do por mai?n~
Escola de Belas-Artes do Rio de Janeiro em 1930. de críticos, indicados pela associaçao que ~hngia, e limi-
Na época, parecia delinear uma carreira de arquiteto tou ao máximo a representação de arqmtetos e enge-
decorador, pois desde 1928, e graças às suas quali- nheiros, designados pelos respectivo_s órgãos ou pelas
dades de desenhista, era um dos principais colabora- instituições oficiais. Adquirindo conf!a.nça gra~as a essa
dores da revista Técnica e Arte, dirigida · por dois de forte determinação, inscreveram-se vanos arqmtetos d~s
seus professores, Jurandir Ferreira e Felipe Reis; aí últimas turmas da Escola de Belas-Artes, t~ndo_ tres
revelara-se um especialista talentoso, inspirado pelo equipes apresentado projetos claramente rac10nabstas;
estilo fluido e afetado, posto em prática pela Expo- duas eram compostas, total .ou parcialmente, por mem-
sição Internacional ·de Artes Decorativas de Paris em bros da equipe organizada por Lúcio Costa: de um
59
1925. Mas logo abandonou esse caminho; depois de lado, Jorge Moreira e Ernani Vasconcellos , de ou_tro
uma viagem de estudos pela França, Itália e Alemanha, lado, Oscar Niemeyer, associado a Fernando Satu~n,1~0
depois de diplomado, entrou para uma firma construtora, de Brito e Cássio Veiga de Sá 60 ; contudo, a vitoria
com o firme propósito de aproveitar ao máximo seu coube aos irmãos Roberto, que puderam, dessa forma,
talento de arquiteto . Identificou-se com a vanguarda afirmar seu valor numa obra de considerável reper-
~a época, influenciada pelas teorias de Le Corbusier e cussão.
pelas experiências práticas de Warchavchik: a casa Nunca será demais destacar a importância do pré-
Xavier, que expôs no Primeiro Salão de Arquitetürã dio da A.B.I. Com efeito, trata-se de um projeto elabo-
Tropical, organizado por Celso Kelly em i933, era rado antes da vinda de Le Corbusier ao Brasil, em
nitidamente marcada por. esse espírito e não se diferen- julho de 1936. Não sofreu portanto qualquer influência
ciava fundamentalmente das obras expostas por W ar- resultante de um contato direto com o mestre franco-
chavchik, Costa, Reidy, Moreira e outros. Nada ante- suíço, que Marcelo e Milton Roberto nem chegaram a
cipava a notável revelação que seria o edifício da conhecer durante as seis semanas que aquele passou
A. B. I . , que projetou três anos mais tarde, em ,cola• no Rio de Janeiro. O edifício é pois prova de que
boração com seu irmão Milton. Este, nascido em 1914, uma evolu ão original no estudo de uma ar uitetura
tinha apenas vinte anos quando saiu da Escola de funcional ·á se es oçava nos rimeiros meses de 1936
Belas-Artes em 1934 e se associou a seu irmão mais - anterior à esta 1a e e Corbusier cu· a contribui ão
velho, a quem, aliás, ajudara antes mesmo de forma- foi ecisiva, mas que correspondeu à aceleração e
do55. :e, difícil identificar a contribuição de cada um l!_m processo já em marc,ha 61 •
numa equipe tão unida quanto a dos irmãos Roberto, Os irmãos Roberto não estavam menos imbuídos
onde toda obra era realmente comum, mas é bem plausí- da doutrina de Le Corbusier que seus colegas da
vel que a criatividade plástica de Milton haja fecun- equipe de Lúcio Costa. Tendiam mesmo a ver nos
dado a capacidade de trabalho, o espírito crítico e a princípios por ele enunciados a expressão única da
sólida cultura teórica de Marcelo, que permaneceu sem- arquitetura nova, ignorando deliberadamente que esta
pre como o porta-voz indiscutível dessa sociedade fami• apresentava orientações paralelas e mesmo correntes
liar. De qualquer modo, desde então conquistaram opostas 62 • Por conseguinte, os cinco pontos de Le Cor-
contínuos sucessos, sendo o primeiro e o mais mar• busier tinham ainda sido tomados como elementos bási-
cante justamente o primeiro trabalho: o prédio da A.B.I. cos da composição, mas nem todos foram aplicados
integralmente, dadas as circunstâncias peculiares do
1. O prédio da A.B.l.56
caso. Por exemplo, os pilotis não visavam a liberar inte-
gralmente o solo, essa solução carecia de sentido pois
Quando em 1935 , a Associação Brasileira de Im- o edifício não estava isolado, mas inevitavelment; com-
prensa decidiu instituir um concurso para a construção prometido com seus vizinhos: os regulamentos muni-
de sua sede social, seu presidente, Herbert Moses, 59 . _Publicado em P.D.F., _vol. III, n.o 5, set. de 1936, pp. 261-270
recusou-se a confiar a organização do concurso ao Insti- {perspechv~, pla~tas) . Esse p~oJcto assemelha-se ao dos irmãos Roberto,
tuto de Arquitetos do Brasil57 . Homem esclarecido, mas os bnu:-solerl eram ~onst1tuidos por uma trama ortogonal de placas
de concreto, formando rchculas de um metro de lado• não recobriam toda
informado quanto aos novos conceitos de arquitetura:1 8 , a . fachada. e fo~ava~, com o~ peitoris das jandas,' uma alternância de
decidido como o Ministro Capanema a edificar uma faixas. honzon,tais, cuJa regularidade lembrava as soluções propostas por
Morena e Re1dy no conc~no para o Ministério da Educação e S;t.úde.

55 O caso repetiu-se mais tarde, quando Maurício, o mais jovem , 60. Projeto _publicado em P.D.F., vol. III, n.• 6, nov. de 1936, pp.
nascid~ cm 1921 e formado cm 1944, entrou cm 1941 para a firma, que 334-341 (pe~pcchvas_. desenhos , plantas) . A solução, concebida ara ro-
passou a se chamar M.M .M. Roberto, nome que foi mantido, apesar da teger SUJ?erf1c1es env1di:-3c;adas, d~ cnsolação excessiva, era cn cnliosa cp de
morte de Milton em 1953 e de Marcelo em 1964. grande interesse p_láshco : suc~ssao ~e paredes cm linha qu~brada, onde
a parede que servia c~mo brue-sole1l alternava-se com as vidra as · estas
56 .Arquitetura e Urbanismo, ano II, n.9 2, março-abril de 19g7, pp. ocupavam cerca de dots terços da superfície total. ç '
64-72 ( tantas, desenhos, maqucte) 1 ibid., ano V. n.9 5-6, sct.-dcz, de 1940,
pp.261-f?s (plantas , fotos}, A.rchatectural ~6cord, vo}, ~8, ~cz .. de 1940, 61 , Os pr~jet_o! d~ Moreira e Niemeyer preteridos cio dos Roberto
pp. 74-79 (plantas, desenhos, fotos) , Àrchllulure. d au1ourd hui, n.Q 13- tamb~m eram s1gmf1cat1vos neste particular. p
14, set. de 1947, pp. 66-69 e H. MINDLIN, op . cat ., PP· 194 e 195 (plan- 62. No memorial descritivo do projeto a d
tas, fotos). arquitetos dec1ar_am sem rodeios que seu trabalh O
prescbta o no con.curso, os
57. P . SANTOS, op, cit., n.• 7.
58. Herbert Moses fora o tradu_tor dos di_scursos e conferências de
da grand e arquitetura de todos os tem os
moderna, fruto da técnica contemporân~a
eram: estrutura independente planta li · r
0; 0
se . as~o.u nas leis ~ternas
s pnnc~pi<?s. da arquitetura
dos ~nncip10s enumerados
Wri ht, quando da vinda deste ao _Rio . de Ja!1e1ro em 1931 (cf. sup_ra p.
70 ~ota 41 do Cap. 2) . Ficou muito 1mpress1on.ado com_ a pe;Sonahdadc tomados diretamente de Le Corbusier ee , ~c da a hvre e terraço-jardim,
dd arquiteto americano e com as críticas que es!e f1zcr7 à oricntaçao geral da os escritos de André Lurçat citados 'n ver a e dque conheciam também
de 1936. ' uma carta• atada de 18 de junho
arquitetura brasileira (cf. P. SANTOS, op. cal ., P· ) ·

94
~ipais chegavam mesmo a prever um pequeno pátio Desta vez, não mais se tratava da aplicação mecâ-
lllterno para o estacionamento de veículos. A liberação nica dos princípios de Le Corbusier ou _de soluções
do tér:eo não correspondia, portanto, à solução mais puramente funcionais, como na maioria dos projetos
apropriada; pelo contrário, a única forma de manter anteriores, fundamentados nas teorias racionalistas. O
a ,U?idade e a personalidade do edifício consistia em ascetismo destas havia sido voluntariamente abandona- 63
reie1tar toda transparência, em qualquer nível que ela do . Materiais ricos, como o granito da Tijuca e o
se des:e. Era necessário instalar lojas voltadas para a mármore travertino, importado da Argentina, revestiam
rua, nao só por razões econômicas mas também de os pilares de concreto e as paredes externas, enquanto
orde~ plástica. As janelas panorâmicas na horizontal
careciam também, no caso, de sentido; situado no centro
comercial e financeiro do Rio, a obra não podia ofere-
cer, de seu interior, visuais de interesse; além do mais,
as _duas fachadas não gozavam de orientação favorável,
pois estavam voltadas para norte e oeste, recebendo
permanentemente os raios do sol. Era preciso então
elaborar um sistema eficaz de proteção, tendo os arqui-
teto_s cogitado do brise-soleil preconizado por Le Cor- Térreo
bus1er em Argel. Mas modificaram sua concepção,
adotando somente as lâminas verticais Oblíquas, inicial-
mente previstas em alumínio, mas executadas em con-
creto, por questão de economia. As longas faixas hori-
zontais superpostas, daí resultantes, predominaram no
o
tratamento das fachadas, caracterizando-as funcional e
esteticamente.
.' ·• -,--,,~---~
lj; • I• O
Esse projeto, revolucionário para a época, conce- Sétimo andar
bido por desconhecidos nas horas em que não traba-
lhavám numa empresa construtora, não foi aceito inte-
t·ooílíl~oo·g'
gralmente pelo júri, que fez ressalvas, endossadas
por vários membros da Associação, e propôs modi-
ficações. Mas os arquitetos conseguiram convencer
Herbert Meses de que suas propostas formavam um
todo indissolúvel, assumindo este a responsabilidade
de executar a obra tal como fora concebida. Com
energia e habilidade, fez com que fossem aprovados Oitavo andar
sucessivamente: a solução interna, com sua estrutura
independente, recusando as colunas de quase dois metros
do plano das fachadas, o terraço-jardim e, finalmente,
o tratamento das fachadas, cuja aparência cega chocava
frontalmente a sensibilidade da maioria das pessoas,
dado seu aspecto inovador. Quando o edifício começou
a tomar forma, houve uma reação geral, que chegou
a ameaçar a continuidade dos trabalhos, mas a situação
foi contornada pela repercussão publicitária, resultante Décimo andar
das campanhas na imprensa e da ironia do homem
~omum, o que persuadiu o Conselho da Associação,
' convencido de que seu presidente havia dirigido com
maestria uma excelente operação promocional. De fato,
quar:.do concluído, o edifício se constituiu numa atração,
/"'-sendo admirado pela opinião pública, que logo se habi-
tuou ao seu aspecto incomum.
A importância desse "Palácio da Imprensa" não Fig. 50. Marcelo e Milton ROBERTO. Prédio da A.B.I.
se deve somente às repercussões junto à opinião pública. Rio de Janeiro. 1936-1938. Plantas. 1: pórtico; 2:
Contribuiu também para modificar a mentalidade dos loja; 3: sala para sócios; 4: estacionamento; 5: sani-
empresários, ao evidenciar que · a arquitetura nova era tário; 6: sala do bibliotecário; 7: copa; 8: sala de
trabalho; 9: sala de leitura; 10: arquivos; 11: depó-
rentável sob todos os pontos de vista. Essa importância sito de livros; 12: quarto de despejo; 13: vestiário;
resulta principalmente da qualidade plástica obtida 14: bar; 15: auditório; 16: exposições; 17: barbei-
por Marcelo e Milton Roberto, pois sua obra não era ros; 18: informações; 19: sala de leitura; 20: salão;
tão-somente uma concepção lógica, que satisfazia às 21: terraço; 22: salão de jogos. Planta reduzida em
30%.
necessidades práticas; ela se impunha por sua quali-
dade estética, francamente expressa, e que contrastava 63 , . Bairro da periferia do Rio de Janeiro, situado ao lado da floresta
com a mediocridade das outras construções. e do pico do mesmo nome .

95

que o jog0 _d~ magníficas madeiras brasileiras era explo- Não se pode evidentemente colocar a se~e da A-~/·
r~do ao max1mo para os revestimentos internos, propor- no mesmo plano que o Ministério da Ed~caçao e S~u ~-
~10nando ao conjunto a nobreza e a elegância dese- Apesar de suas qualidades, n~o ati~~IU. a excel~ncia
jadas num edifício de importante função representativa. das soluções funcionais , o perfeito eqmhbr!o e a P_UJa_nça
Mas o ponto principal era a imaginação e o cuidado plástica do Ministério; aliás, nem podia_m atmgi-la,
que haviam presidido as pesquisas formais. B claro que pois os meios postos à disposição dos arqmtetos, longe
estas eram coerentes com as possibilidades técnicas de serem iguais, faziam com que a b~l~~ça pendesse
proporcionadas pelo concreto armado e decorriam par- muito mais para O lado do segundo ed1hc10. As reper-
cialmente das necessidades funcionais, sem no entanto
se constituírem numa decorrência automática destas.
Por exemplo, é evidente, e a experiência viria a prová-lo,
que um tipo único de brise-soleil para fachada com
orientaçõ~s diversas não era a solução ideal, nem teórica,
nem praticamente: plenamente eficaz contra o excesso
de insolação e de luminosidade, o recurso empregado
apresentava um inconveniente psicológico, ao impedir
a visão para o exterior, acarretando uma sensação de
claustrofobia. Em compensação, sob o ponto de vista
plástico, essa solução propiciava ao edifício uma per-
feita unidade e um discreto dinamismo (Fig. 51). Aliás,
essas duas preocupações, unidade e dinamismo consti-
tuíram a base de toda a composição, obtendo-se um
feliz contraste entre a rigidez das linhas retas, cara'cte-
rísticas do tratamento do volume principal e a suavi-
dade das utilizadas nos elementos secundários, em
função de uma escala cuidadosamente estudada. Nos
andares superiores, atingidas pelo recuo imposto pela
municipalidade, as arestas foram substituídas por uma
curva regular, que suaviza a agressividade dessas linhas
do bloco inferior, sublinhando a autonomia relativa
de seu coroamento e, ao mesmo tempo, integrando-o
impecavelmente no conjunto 64 . Por outro lado, os
arquitetos não hesitaram em organizar o espaço do pavi-
mento térreo (Fig. 50) com paredes ondulantes, lan-
çando uma nota de fantasia e de repousante intimidade
em meio ao rigor geométrico que domina de modo
absoluto todo o conjunto do edifício; mas essa liber-
dade em nada prejudica a monumentalidade pretendida,
já que corresponde a detalhes imperceptíveis para quem
vê o edifício no seu todo. Fig. 51 . Marcelo e Milton ROBERTO . Prédio da A.B.l. Rio
Superação do funcionalismo ortodoxo, renúncia_ a de Janeiro. 1936-1938. ·
um ascetismo esterilizante, valorização do aspecto plas-
tico da arqúítetura a partir de soluções técnicas coeren- cussões de u~ e de outro , tanto no plano psicológico
tes com o programa e conduzidas de modo lógico no quanto _m~tenal, tampouco são comparáveis; mas não
seu todo constituíram os três aspectos inovadores do resta duvida de que desempenhou um papel capital,,..,....-
prédio da A.B.I., uti!izados ~ela primei:ª ~e: no Br~sil, tendo marcado uma etapa decisiva no surgimento --cti
e que se antecipam as audaciosas contr1bmçoes trazidas nova arquitetura brasileira.
pessoalmente por Le Corbusier. Portanto, não se pode
2. O Aeroporto Santos Dumontü5
negar a Marcelo e Milton Roberto um senti~o profund? ;....r---- . . .
de compreensão dos problemas e da evoluçao da arqui- . _Logo após ~bter a primeira consagração com a
tetura contemporânea. Interpretaram a lição de Le Cor- v1tóna de seu projeto para a sede social da A.B.l. Mar-
busier dando-lhe uma expressão peculiar, adaptada a celo e Milton Roberto conheceram um novo sucesso
seu taiento pessoal. De fato , preocupação co11; uma expressivo ao vencerem o concurso organizado em 1937
composição fundamentada _no jO~o _de vo)umes s1~ples para a construção do aeroporto Santos Dumont. Mas a
e na harmonia das proporçoes, nao impediu que deixas- construção não foi imediata; iniciada em 1938 e quase
sem transparecer, desde essa pri1;1ei:a º?ra pr?jetada p_arali_sad~, foi retomada somente em 1944, 'sem ter
em íntima colaboração, uma tende_nc1a, amda_ discreta, sido mte1ramente concluída. O projeto premiado em
para um certo dinamismo: que sera desenvolvido clara-
mente nos projetos posteriores. 65 . Proj e tos co ncorrentes publicados em Arquitetur
6, nov.-d ez. de 1937, pp. 298•3011 e Revista Municipal d U b • q
e E r anhuf!lo. ni
V. , .n.Q 4, de julho de 1938, pp. 414-40. Sobre e ngen a~ia, vo.
.,
os blocos da casa
..
?e
1 reto reaparece na parte supr. rior, indi vidualizando
64. Ahas, O angu 0, • da caixa d'água e reafirmando ao mesmo
maqumas e motivo fundamental da composição .
A.r~l11l ec lure d 'aujourd'hui , n.Q 13 • 14 de
qu1l e lura Conl e mporân ea, n,Q 10, nov. de Ptv
1947
1957 •
DLIN , op. ât., pp. 226-227 (loto,, plantas),• p .
a obra const~uida, cf .
66-69: Branl -
a LVII, e H . MIN-
Ar-
tempo a ortogonalidade como o

96
1937 foi respeitado, mas introduziram-se vanas modi- A solução geral resulta~a ortanto da or anização
ficações, que asseguraram uma simplificação dos volu- raciona os sistemas e c - ___diYe.rsificados e
mes e uma maior pureza de concepção. og1camente distribuídos. Partindo dessas remissas,
arcelo e Milton Roberto localizaram o cruzamento
A premissa da composição foi a pesquisa de uma dos eixos do edifício valendo-se da secção aurea ue
solução simples e eficaz para os problemas de circu- servm também para 1xar as p_mp.o.r.ções de vários
lação, fator essencial para o bom funcionamento de g utros elementos do projeto. Dessa mane!ra, as regras
um aeroporto. Assim, o edifício (Fig. 54) foi concebido clássicas eram postas a serviço da técmca moderna,

,.,· . IIIIE:~ .
como um grande hall longitudinal (Fig. 55), sendo dis- _numa clara demonstraçao de seu valor perel)e.

1[1.J_
Fig. 52 . -·-
Marcelo e Milton ROBERTO. Projeto do concurso
para o Aeroporto Santos Dumont. Rio de Janeiro.
1937. Fachada para a cidade. Perspectiva cavaleira.
Comparando-se o projeto original de 1937 (Fig. 53)
com aquele construído em grande parte c:m 1944, per-
cebe-se que as alterações introduzidas corresponderam
tribuídos, de um lado, os balcões das companhias aéreas principalmente à supressão dos terraços-jardim, dispos-
e os acessos destas à pista e, de outro, bares, bancas tos em vários andares, e à definição de todo o bloco
de jornais, lojas, sanitários; sobre essas duas áreas, principal num volume simples, próximo do paralele-
voltadas diretamente para o hall, a fim de obter melhor pípedo. A área destinada à Diretoria da Aeronáutica
ventilação, localizaram-se os escritórios das companhias Civil era assim consideravelmente ampliada 66 , ganhando
e o restaurante; essa disposição prática criava, acima de o edifício em clareza e homogeneidade aquilo que __ _
tudo, um espaço contínuo, dinâmico, do qual os arqui- perdia em diversidade. Parece que essa modificação foi

---···-- ·-----·-

--·-
~~--
-~ :~-- .j~~ 'lí~---
Fig. 53. Marcelo e Milton ROBERTO. Projeto do concurso feliz no plano plástico-, pois a fachada voltada para
para o Aeroporto Santos Dumont. Rio de Janeiro. as pistas (Fig. 56), a única afetada, é de uma eloqüente
1937. Fachada para o campo. Perspectiva cavaleira.
grandeza com sua colossal ordem de elegantes colunas,
tetos souberam tirar partido. Cortando perpendicular- cujo ritmo acentua a monumentalidade, sem cair na
mente esse eixo principal, que pelo menos parcialmente monotonia; .de fato, três contrapontos, dispostos com
continha o germe da configuração volumétrica do edi- critério, rompem, com seus volumes, o plano único
fício, integraram o eixo do vestíbulo, que era também em que se desenvolve essa fachada do edifício: a torre
saída direta para os viajantes, ao desembarcarem dos de controle, a moldura do vestíbulo transversal, a pro-
jeção do restaurante sobre a sobreloja67 • :É mais difícil
aviões. julgar a outra fachada (Fig. 57), incompleta porque,
Mas os serviços do aeroporto propriamente dito
não eram os únicos previstos no programa, havia tam- não havendo verba, o volume anexo não foi construído
bém os da Diretoria de Aeronáutica Civil, totalmente e só foram executadas as placas de suporte dos brise-
independente dos primeiros , e localizados pelos arqui-
soleil68; apesar disto, o edifício assume um belo aspecto,
tetos, com toda lógica, nos dois andares superiores. inserindo-se admiravelmente no contexto urbanístico
Era necessário prever acessos autônomos para essas criado pela grande praça transformada em jardim por
66 . Mesmo assim não foi suficiente, tendo sido, mais tarde, colocadas
dependências, daí i~éia de u1;11. corpo a~exo, c?ntendo no terraço superior, à revelia dos arquitetos cxcrcsc~ncias horríveis que
as circulações verticais necessanas, localizado a frente descaracterizaram o edificio, quando seria fácil encontrar uma solução fun-
cional que não compromctcs.,e o edifício esteticamente.
do corpo princip~l . do aeroporto; assi~ essa entrada 67. Esses elementos constavam do projeto de 1937, mas os dois útti ..
assumiria caractensticas de monumentalidade, enquanto mos, ~o bem distintos do concebido originalmente. Uma solução impor•
tanbss1ma para o perfeito equilibrio da composição foi colocar o restaurante
ue as passarelas ligando os dois blocos serviam de na extremidade do edifício, e não no centro, lateralmente ao vestíbulo
transvenal,., reencontrando assim um ritmo ternário equilibrado.
ibrigo aos passageiros, na entrada do aeroporto (Fig. 52). 68. Nao tendo sido· executados os brisd•sol•il prcvi1t01, foi nccessúio

97
· mas pesa da, Cul·a força resulta
Burle Marx6 9 • Mais uma vez foram excelentes os resul- fechada, harmom_o~a . A ro orto Santos Dumont
tados da oposição proposital ent~e . as linhas no?res e dessa pretendida f1s10nomia, o e _P leve aliando habil-
. 1· !mente mais ,
definidas ou mesmo um tanto ng1das da arqmtetura é mais aberto e pr!1:c ~a !e ância. É certo que o
e os desenhos informais da natureza, organizados pelo mente força, ~q~1!Jbnod e e •;serem essas duas obras,
paisagista. contexto urbamstlco on e se I

,: '
..
...

.,..- C"
CI
9 Q QO CI
IO

'
!
1
1

Fig. 54 . M. M. M. ROBERTO. Aeroporto Santos Dumont. bem como seus respectivos programas funcionais con-
Rio de Janeiro. 1937-1944. Plantas. 1: rampa; 2: ga- tribuíram para essa diversidade, razão válida só parcial-
ragem; 3: torre de controle; 4: bagag1;_ns; 5: cont!o-
le; 6: passageiros; 7: chegada; ~: alfandega; 9:. m- mente. Na realidade, a A.B.I. é uma exceção no pano-
formações; · 10: hall; 11: escritórios das co_mp~nh1a~; rama da arquitetura contemporânea brasileira e, prin-
12: cabeleireiro; 13: lanchonete; 14: s~rutários pu• cipalmente, carioca70 , que tem na leveza uma de su~s
blicos· 15: telefones; 16: pequenas Joias; 17: cor- características fundamentais. Contudo, esse traço parti-
reio· '1s: serviços da aviação civil; 19: acesso au
rest~urante e ao terraço-jardim.
cular só adquiriu dimensões significativas com o de-
senvolvimento do projeto do Ministério da Educação e
Saúde, pela equipe de Lúcio Costa, e com as primeiras
Confrontando-se a sede da A.B.I. com o Aeroporto
obras de Oscar Niemeyer. Parece, assim, que a A.B.I.
Santos Dumont, percebe-se uma evolução d?~ irmãos
e as obras iniciais dos Roberto 71 corresponderam a uma
Roberto. É claro que o método não foi m?d1ficado: o
primeira tendência estética, posteriormente modificada
ponto de partida continua sendo a solu ao dos ro-
sob a influência do célebre edifício do Ministério. Em
blemas funcionais, com o em re recur~?s da
técnica construtiva moderna. É ig~almente ~1t1da ,ª todo caso, é evidente terem sido certos elementos toma-
dos de empréstimo deste edifício, especialmente o siste-
. preocupação em explorar esses meios com fm~ est_e-
ma de sustentação da laje da sobreloja (Figs. 55 e 56)
ticos especialmehte através de um apelo preciso as
regr;s de composição tradicionais, ~em falsos pu.~ores. através de pequenos . consolos fixados às colunas, cujo
Essa . preocupação ~om as pr,o~orçoes corretas Ja era lado eminentemente plástico já foi ressaltado 72 • Ora,
no éritanto perceptlvel no pred10 da ,:\,B.I. Por outro o inegável efeito assim obtido identifica-se com a maior
lado, 0 resultado obtido é. bastante diverso; enquanto
70. Não se pode dizer o mesmo de certas correntes paulistas que se
a A.B.I. se apresenta como uma massa compacta e desenvolveram mais tarde, ap6s 1950, e das quais Vilanova Artigas é o
representante mais significativo (cf. infra, pp. 295-319).

. f internas dos escrit6ri01, voltadas para oeste.


?1: Vários prédios de apartamento, (1935-1937), o ediflcio da Liga
instalar pen1anu ~as aces.d concluída e do extraordinário incremento Brasileira co?tra a Tuberculose e o do I.A.P.I., projetados cm 1937 e
1939, rcspcctivamente.
Ar~~ºdi°
11
Apesar da obra nao ter Santos Dumont continua funcionando pie-
do tráfego aéreo, o é o xr:elhor concebido e o mais efica:r; do 72 ·~ Cf. _su,pra, pp. 87-88. Os arquitetos previam também uma co-
namente com sua •1~P lCl •8 ~' é também, ,em dúvida, o mais belo e o laboraçao ~rtistica , com~ aq_ucla que garantia a unidade do MiniJtério
Brasil, embora o mau an~g~, al'Quitetônico intrínseco. d_a Educaça? e Saude; mfchzmcnte, as autoridades responsáveis não eram
único a •~resentar ~m va o . - Roberto e Burle M~rx tinha co-- tao esclarcctdas quanto . Capanema e o pande afresco em estilo pompier
69. A colabof1!Ç8 0 dent~e os
meçado com o pro1eto e erraço
.ja~fm
1
do prédio da A.B.J. deturpou integralmente a intenção original, para desespero

98

l
Fig. 55. M. M. M. ROBERTO. Aeroporto Santos Dumont. tado em 1941 e construído em 1944. Toda a com-
Rio de Janeiro. 1937-1944. O grande hal/ longitu-
dinal. posição deste projeto foi rigorosamente determinada
pelo emprego das regras clássicas e baseou-senumii
leveza que caracteriza a evolução de Marcelo e Milton série de sistemas de proporções tiradas quer da geome-
Roberto, entre 1936 e 1944. Mais uma vez, portanto, tria (triângulo perfeito 3, 4 e 5, e secção áurea),~
pode ser percebida a profunda marca deixada pelo Minis- da aritmética (progressão 2, 4, 6, utilização da razão
tério da Educação e Saúde na arquitetura brasileira no 2 como módulo). Os primeiros serviram para organi-
período decisivo que foram os anos de sua construção. zar as plantas "{Fig. 58), enquantos os últimos inter-
Mesmo que, em termos cronológicos, não tenha sido vieram principalmente nas elevações 75 • Mais uma vez,
a primeira obra de envergadura do novo estilo, foi ela a secção áurea teve papel preponderante - os acessos
quem definiu, de modo decisivo, as realizaç~es_ qu_e se foram localizados em função da divisão em média e
seguiram. Tal fato, no entanto, em nada d1mmum o extrema razão e a linha de força assim obtida destaca-se
mérito da obra dos irmãos Roberto, que prosseguiu nas fachadas principais: de um lado, pela caixa de
com outro exemplo, a sede social do Instituto de Res- escadas, de outro, pelo corpo saliente da sala do presi-
seguras do Brasil (I.R.B.) dente (Fig. 59). Mas a preocupação em padronizar
exigia a adoção de uma modulação baseada em núme-
3. O prédio do I.R.B. 73 ros inteiros, todos múltiplos do módulo 2 escolhido.
Um estudo aprofundado permitiu assegurar ' uma uni-
A evolução da equipe M.M.M. Roberto 74 para dade perfeita entre a fachada norte e as faces meno-
uma arquitetura tecnicamente moderna, mas plastica- res do prisma, embora a quadriculação daquela tenha
mente clássica, já esboçada no aeropo!to Santos Dumont, sido concebida no sentido vertical, _num ritmo quater-
acentuou-se mais claramente e expressou-se melhor com nário, enquanto que a das faces menores era ternária;
0 prédio do Instituto de Resseguras do Brasil, proje- a escolha dos vãos de 8 e 6 metros entre as colunas,
73. Ârehit,ctural Forum, vol,- 81, n,o 2, agosto de 1944, pp. 65-77
ou seja, o dobro de 4 e de 3, permitiu resolver o pro-
blema e obter um equilíbrio perfeito, do ponto de
(r°
f t tantas diagramas); Àrqull1tura, n.o 28, out, de 1964, pp. 3-13
os) p A,clii'tecture d'aujourd'hui, n.o 13-14, set. de 1947, pp. 62-65
( ltos ; ( tos). H MINDLIN, op. cit., pp. 202 e 203 (fotos, plantas).
(p ª7l~• ~ o • socÍal adotada em 1941, quando Maurício se juntou a 75. Cí. o depoimento de Marcelo Roberto em Arquit,tura, n.o 28,
Marcelo e Milton . out. de 1964, pp. 5 e 6.

99
'1

'1 .,1

., ., -- ...

30;>
. 11111lfl'
l'i
'
.1.1 li i h·l1I~
.
·
.· ' .

, ,t· , ·

. :.
. .
----
- .,:.~
.::~ .~
.·_,_ .: ..,,·~-~ ~..;:;_ ..,;,.;,._..,~ ~ -•-:..i~'l.!!~;.'.,;.. ··
.,.. ~ ,.J.~',-.''.,-... :-··
_ -4

Fig. 56. M. M. M ROBE


Rio de Ja·ne1ro.
· . Fachada
RTO. Aerop
1937-1944 pa
orlo Santos
.
umont.
ra oDcampo.
Fig. 57 .
·f·,o M.de M.Janeiro.
ROBERTO · FachadaSantos
1937•\·gjeroporto a umont.
P ara D praça.
vista estético, sem que com isso fosse afetada a eficácia e a caixa d'água, não computadas como andar pelos
das soluções técnicas pretendidas 76 .
regulamentos municipais, eram em geral situadas na
Talvez esse propósito de classicismo absoluto no cobertura, o que desta vez não podia ser feito. Preten-
tra_t~mento plástico haja decorrido das necessidades dendo os arquitetos utilizar ao máximo a superfície
pr~ticas que orientaram a definição do projeto. Com disponível , precisavam incorporar essas dependências ao
efeito, a altura máxima permitida era bastante limitada volume geral. Assim, o último nível, somente acessível
devido à proximidade do aeroporto; a casa de máquina~ pela escada, compreende, além desses elementos, o jar-
'v' dim de Burle Marx e o mezanino do salão de confe-
· ól

.1

Térreo

Sétimo andar (escritório do presidente ,

Oitavo andar (auditório)


Fig. 59. M. M. M. ROBERTO. Prédio do I.R.B. Rio de
Janeiro. 1941-1944. Frentes leste e sul.

rências, cujo piso está no pavimento inferior. Há pois


economia de espaço, servindo os elevadores a todos os
Terraço-jardim
pavimentos do prédio. A adoção desse princípio levou
os irmãos Roberto a conceber a sede social do I.R.B.
como um paralelepípedo puro, apoiado sobre pilotis;
Fig. 58. M. M. M. ROBERTO. Prédio do I .R.B. Rio de poderiam ter tratado o terraço como uma forma autô-
Janeiro. 1941-1944. Plantas.
noma, mas preferiram a solução estética, que consistiu.
15: mimeógrafos
em engradá-lo no volume da composição 77 • Tomaram
1: entrada do público
2: entrada da garagem 16: salões de estar no entanto o cuidado de conservar a vista da baía,
3: entrada dos empregados 17: enfermaria colocando uma elegante pérgola no lado sul. Esta,
4: loja 18: berçário reunia uma outra vantagem, a de integrar-se perfeita-
5: tesouraria 19: sala de leitura
6: caixa-forte (coi:res) 20: biblioteca mente à fachada (Fig. 59), constituindo-se sua trans-
7· sala do tesoureiro 21: revista do IRB parência num fator de equilíbrio que retomava na
8; sala dos membros da diretoria 22: auditório cobertura, o caráter espacial conseguido no térreo pelo
9: sala do presidente 23: vestiário dos homens emprego dos pilotis.
10: sala de espera 24: vestiário das mulheres
11: escritório. _ 25: cozinha Por conseguinte, o prédio do I.R.B. decorre de
12: sala da d1reçao 26: bar pesquisas aprofundadas em todos os sentidos; tecnica-
13: recepção . 27: cabine de projeção
28: equipamento mecânico mente, possibilitou novas experiências 78 , além do aper-
14 : sala do subdiretor
77. Era uma retomada da solução adotada por Le Corbusier na Ville
D f to O edifício foi c~nstruido em onze ~es~s e as csquadri~s Savoye cm 1928.
76 . e :ad~s cm dezcnovc d1!15, _o que_ se conslltu1u i:uma das p~-
extemas, IllO~. . de pré-íabricaçao rndustnal da construçao no Bras1l. 78. Pré-fabricação das esquadrias externas, já mencionadas (cf. nota
meiras cxpcn~tcias roblemas de pré-fabricação e de transporte Coram 76), janelas divididas cm faixas horizontais desiguais, alternadamente opa-
Por outro la 01 os fofundados que às vezes conduziram a determinadas cas e envidraçadas, para assegurar com habilidade uma iluminação per-
objeto de estudos ap cmplo a curvatura dupla e ligeira, proposta pelo
feita, nem niuito violenta, nem muito fraca, nas fachadas cuja exposição
fonnas .como, fºrF:a.~oso i,ara os bris,~sol,il verticais da fachada norte. não exigia de modo imperioso a colocação de bris,-soleil.
engenheiro Pau o '

101
ffeiçoamento da A.B.I. opõem-se à leveza, à delicadeza das relações
o .de processos 1·á existentes· plasticamente de equilíbrio, à assimetria calculada mas relativa do
ra~ pesquisados com requinte os aspectos de pro-
J '

porçoes, cores, materiais 79 , integração das artes 80 . Logi- I.R.B.82 . Sob o ponto de vista estritamente funcional,

•-,
!
• • •
é]
<]
ã G ~-- l
'~
\2:. ' s
íJ Ü 1- l

1 1 1

(tlffi)t(I
o

a
<l
u
o ~/"¾, '

o a
• 1
1 1 t, 1 1 • 1
1
1
e'),
::-t

1 .J

Fig. 60 . Attílio CORREA LIMA. Estação de hidraviões. 1: bagagens. 2: vestíbulo do público. 3: alfândega.
Rio de Janeiro. 1937-1938. Plantas. 4: administração. 5: pilotos. 6: balcões das comRJ!nhias de
aviação. 7: telefones. 8: restaurante. 9: copa-cozinha.
10: despensa e frigorífico. 11: terraço.
camente, deveria corresponder a um progresso, em
relação ao da A.B.I., por ser este uma primeira tentativa o segundo edifício é indiscutivelmente superior ao pri-
nesse novo gênero . De fato, os dois têm um programa meiro. Etn contrapartida, sob o aspecto exclusivamente
semelhante e um certo número de elementos comuns: plástico, a situação se inverte: a refinada elaboração do
bloco arquitetônico elementar onde a técnica estética se I.R.B. é um tanto requintada, faltando-lhe esponta-
concentra principalmente no tratamento das fachadas neidade e não conseguindo disfarçar uma certa rigidez
retilíneas, desenvolvidas num único plano; dinamização mecânica; desapareceram a franqueza e o entusiasmo
desses planos por engenhosos sistemas de proteção solar; da A.B.I., substituídas pelo perfeito equilíbrio do clas-
colocação no topo da composição das únicas superfícies sicism.o. Aliás, os Roberto devem tê-lo sentido, pois,
inteiramente cegas; constituídas de grandes paredes pesqmsando novas soluções estéticas baseadas no movi-
mento, procuraram de imediato outro caminho.
nuas, solução característica do estilo dos Roberto; jogo
de volumes, ou de espaços, limitado às partes extremas,
inferior e superior; discreta nota de diversidade dada 3. ATTILIO CORREA LIMA E A ESTAÇÃO DE
por algumas curvas secundárias, rompendo, nos deta- HIDRAVlõES DO AEROPORTO SANTOS DUMONT83
lhes, a absoluta ortogonalidade do conjunto 81 • Entre-
tanto, apesar dessas semelhanças, as duas obra_s reve-
lam um espírito muito diverso. A força, a simplici- Os anos de 1936-1937 foram realmente decisivos
dade um tanto primitiva, a monumentalidade vigorosa para a nova arquitetura brasileira; foi durante esse
períod~ que surgiu uma série de oportunidades de
execuçao ?e obras ~e real envergadura, principal-
79 . Como na A.B.I., a arquitetura era realça~a pelos materiais n_?-
bres: granito, mármore. cerâmica. Mas os revestimentos externos nao
mente devido ao ap010 dos poderes públicos ou, ao
suportaram a ação do tempo, ficando em alguns , lugares com um as~ec~o ~e!los, de algun! deles., Depois do episódio do Minis-
sujo, enquanto que os da A.B.I. conservaram 1mpccávcl _sua aparel!c1a
original. :e, claro que se trata de u~a !alba de manutençao, percephvel teno da Educaçao e Saude e da vitória de Marcelo e
também no aspecto esverdeado dos pe1tons. Milton Roberto no concurso para a sede da A.B.I.
80. O terraço-jarç.im de Burle Marx era complcmcn~do por um em 1936, no ano seguinte tiveram início essas obras
mosaico mural de Paulo Wemeck1 colega de escol~ e de atehc de _Marcelo
Roberto e seu colaborador preferido, quando q_uena chamar um pmtor o~ bem como ocorreram as vitórias dos Roberto e d~
desenhista para valorizar uma parede, um pamel ou . um canto determi-
nado. Mas essa colaboração, de acC?rdo co_m o pr6pno M~rcelo Roberto,
era apenas um compleme~to oc3:51onal, Já que o essencial dos valores f)2. Marcelo Robert? d~clarou (em Arquitetura, n.o 28, out. de 1964
p. que ele . e ~cus irmaos pretenderam criar uma «obra leve li~
plásticos provinha da própna arqmtctura. de marca .hereditána do monumental», mas parece ue 1 '
IRB ode-se citar a escada externa em c~racol, que leva numental se confundia com O pesado e O simétrico. q ' para e e, 0 mo-
81. No · · ., p d I d d ti"olos de vidro do oitavo andar; este
f
à sobrclo!a, e a pdde on a aad~ dom grande felicidade, em elemento 83. Arquitetura e Urbanismo no 6 nov -dez d 1938 2
o'p.
0

:::d~:~ar,et;:: Nieem!;:~: ºnr: Ba~co Boa Vista cm 1946.


(fotos, plantas) . H. MINDLIN, ·cit.,' pp. 224 ·• 225 (l~to~~·p1a!;.~

102
Attí!io Correa , . L1·m a nos concursos para a parte ter- O aeroporto marítimo é um exemplo perfeito de
re~tre e mantima do Aeroporto Santos Dumont prova construção racional, inteiramente orientada por um pro-
evidente de que, repentinamente, algo havia mudado 84 .
grama do qual o arquiteto extraiu efeitos plásticos so-
, Hoje o nome de Attílio Correa Lima (1901-1943) fisticados e simples, ao mesmo tempo. Uma das cláusu-
e st a um t~nto relegado ao segundo plano, embora se trate las do programa exigia completa visibilidade dos hi-
?e uma Ílgura que certamente desempenharia um oapel draviões encontrados no embarcadouro; portanto, a
tmp?rtante se a morte prematura não o transformas;e no
única solução era fazer com que a fachada orientada
r~altzador ?e única obra arquitetónica e, para
cumulo ?ª m!e!1c1dade, quase imediatamente destituída
para esse lado (Fig. 61) fosse inteiramente envidraçada,
embora voltada para o norte 86 ; o excesso de insolação
da f~nçao ongmal. Apesar disso, a qualidade da obra
e a lmha em que ela se insere exigem que se restitua
ao autor o lugar que lhe cabe. Nascido em Roma em
1901, filho de um escultor, professor da Escola de Be-
las-A~tes_ d~ _!{io, Attílio Correa Lima diplomou-se por
essa mslttmçao em 1925. Tal formação, como era na-
tural_ na época, ?rientou seus primeiros projetos para
o esttlo neoco!omal, então em voga, mas ele não perma•
neceu por mmto tempo nesse caminho. De fato, ganhan-
do em 1926 um prêmio que lhe concedia vários anos de
estadia em Paris, matriculou-se na Sorbonne onde se-
guiu o curso de Urbanismo, apresentando udia tese de
mestrado onde propunha um plano piloto para Nite-
rói85. De regresso ao Brasil, respondeu pela disciplina ·~-·
de Urbanismo criada pela reforma de 1931, permanecen- r-.- "'I.;:...
do à sua frente mesmo depois do rápido fracasso da- ....,,J~, ·_r,r,,. ...e. ,,,.~~- ....~-- ~--, ,· -.;.;, ,e:..~ii:,: oe.:·~~ 1

quela reforma. Rapidamente ele se impôs em sua espe• Fig. 61. Attílio CORREA LIMA. Estação de hidraviões.
cialidade, recebendo encargos para trabalhos importan• Rio de Janeiro. 1937-1938. Frente norte.
tes, como a elaboração do plano regional de urbanização
do Vale do Paraíba e, principalmente, do plano da nova era corrigido por marquises em balanço87 . Bem enten-
capital de Goiás, Goiânia, que data de 1933. Mas seu dido, o lado oposto (Fig. 62) beneficiava-se com a me-
interesse pela arquitetura permanecia e, em 1937-1938,
chamou bruscamente a atenção, com o aeroporto para
hidraviões, cuja simplicidade e pureza, aliados ao en-
canto do jardim tropical, seduziram os mais reticentes.
O projeto elaborado com a colaboração de quatro
outros arquitetos (Jorge Ferreira, Thomaz Estrella, Re-
nato Mesquita dos Santos e Renato Soeiro), havia ven-
cido o concurso, apesar da insuficiência dos desenhos,
assinalada pelo júri, compensando dessa maneira o rela-
tivo fracasso da equipe formada por Paulo Camargo,
Renato Mesquita e Attílio Correa Lima no concurso
do aeroporto terrestre, classificada em segundo lugar. O
aeroporto marítimo não teria a mesma área construída
que o aeroporto terrestre e tratava-se, so?
esse .~onto ?e
vista de uma construção modesta, que pode, altas, facil-
mente ser transformada mais tarde num clube para avia-
dores militares. Contudo, sua importância psicológica Fig. 62. Attílio CORREA LIMA. Estação de hidraviões.
era enorme, pois atendia ao tráfego aéreo internacional Rio de Janeiro. 1937-1938. Frentes leste e sul.
que, na época, pensava-se que viria a se ?esenv~lv~r na
base de hidraviões. A obra obteve por isso prtondade lhor exposição e também devia ser inteiramente trans-
absoluta, tendo sido terminada em 1938, enquanto que parente88, o que permitia que o viajante que chegava
a parte terrestre só seria concluída em 1944. para embarcar tivesse uma visão total através do edifí•
Foi uma previsão errada que possibilitou a cons- cio; a diferença entre a planta do piso inferior e a . do
trução dessa obra, mas ?adas as suas qualidades não piso superior, principal característica da obra, corres-
há motivo para arrependimentos.
86. Foi essa mesma razão que determinou o desnivel entre o restau..
_ rante e o terraço descoberto do primeiro andar.
Não se deve exagerar o alcance do mo~mcn_to, P?is, ao mcs~o
84 · utoridadcs civis e militares rcsponsávc!s ~o?stru1am um~ séne 87. A varanda entre o restaurante e o terraço não mais existe, pois
tempo? ,ª! a d" • nalistas ou sem interesse arqmteto01co. Mas o impor- um pano de vidro foi colocado na sua extremidade, a fim de aumentar a
de cdi(~cios t~ lCJtt de que houve exceções nessa política, de modo a área interna do que hoje é um salão de festas (Fig. 61).
tanteiJt: ':fi~~çã: 0
de novos valores? 88. Também neste caso a mudança de destinação do edi(ício fez com
pcnn A. CORREA LIMA, Amlna11menl el exlension de la ville de que a parte inferior das esquadrias do térreo fosse pintada, para pro,.
85. piciar ao clube uma certa intimidade.
Nit,roi, Paris, 1932.

103
pondia a um duplo objetivo funcional , por um lado, co- . de sua transparência e de sua perfeita adaptação
brir o acesso ao vestíbulo da entrada, e, por outro, re- ~r~cf~cal ,emanava uma impressã_o de_ bom, acabamento
cuperar no andar do restaurante a superfície perdida e de facili dade na composição . smal mequ1voco de sua
com o vazio parcial deixado em seu centro. Mas essa qualidade. .
defasagem resultara num notável efeito estético: A pureza dessa concepção, baseada_ na econ?m1_a
a própria fa chada ganhava grandeza e animação com a de meios e na exploração estritamente rac1o?al da tecm-
variação de densidade das zonas de sombra 59 , enquanto ca contemporànea, lembrava a pureza de estilo das obr~s
que se criava um jogo de volumes superpostos em ba- de Luís Nunes no Recife. Não há dúvida de que havia
lanço; este era particularmente bem-sucedido na face uma identidade de pensamento e de valores entre os
leste, onde o equilíbrio era restabelecido pelo recuo do
andar em relação à planta do té rreo (Fig. 62). A fachada dois arquitetos, talvez até mesmo uma influência direta
oeste, por seu lado, era totalmente fechada por causa em certos detalhes: de fato , o emprego de escadas em
de sua insolação, mas essa parede nua, cujo único des- caracol ressaltando com seu movimento o conjunto es-
taque era o mastro da bandeira e a inscrição ali coloca- tático da estação de Correa Lima , pode ter-se inspirado
da, oferecida , segundo Correa, um excelente motivo or- no projeto da escola para crianças excepcionais . que
namental para repousar a vista . Nunes projetou em 193591 • Por outro lado, podia-se
perceber uma diferença notável entre os dois arquitetos_
O tratamento dos interiores era igualmente seguro. Attílio Correa Lima não havia vacilado em empregar
A distribuição dos serviços era lógica e a unidade espa-
cial completa, o que assegurava uma continuidade ab- materiais nobres para todos os revestimentos: tr~vert~no
soluta entre interior e exterior9° no sentido horizontal natural no exterior, travertino encerado no mtenor,
e também uma continuidade interna, no sentido ,ertical, mármore para os pisos. Não tivera , a esse respeito, qual-
graças à abertura que ligava visualmente o vesh'bulo quer ascetismo rigoroso, fa to plenamente justificável,
do térreo e o restaurante do 1.0 andar. O efeito plástico por se tratar de uma obra de prestígio. O clima do Rio
resultante era ·reforçado por uma audaciosa escada em de Janeiro provaria mais tarde que, mesmo sob o ponto
caracol, apoiada unicamente numa delgada coluna cen- de vista econômico, o emprego de materiais caros e até
tral (Fig. 63), solução retomada externamente, para mesmo hnrnosos para os revestimentos era uma opera-
ligar o terraço com o jardim. ção altamente rentável, pois evitava problemas de con-
servação e o envelhecimento precoce que atingia várias
construções modernas. Seja como for , a fatalidade pare-
ce ter recaído sobre os arquitetos brasileiros que tenta-
ram lançar-se em pesquisas estéticas baseadas na explo-
ração sistemática e quase exclusiva de elementos do
programa, demonstrando uma grande reserva em maté-
ria de inventividade plástica. A morte prematura de
Luís Nunes, em 1937, cortou um impulso que parecia
pleno de promessas. A morte inesperada de Attilio Cor-
rea Lima, num acidente de avião em 1934, a algumas
centenas de metros daquilo que era sua obra-pri-
ma, eliminaria, alguns anos mais tarde, outro talento
que poderia ampliar essa tendência.

4 . A REVELAÇÃO DE OSCAR NIEMEVER


Fig. 63. Attílio CORREA LIMA. A eródromo para hidra viões.
Rio de Janeiro. 1937-1938 . Vesnôulo. A influência de Le Corbusier sobre os membros
da equipe do Ministério da Educação e Saúde fez-se
A expressão do edifício resultava da simplicidade ~en!i~ desde os primeiros projetos que desenvolveram
de sua concepção e de sua coerência funcional ; o voca- md1Vtdualmente, depois da partida do mestre . E fácil
bulário usado era intencionalmente reduzido a poucos constatar a evolução que ocorreu, confrontando-se, por
elernentos selecionados c8m rigor, mas tra tados com tal exemplo, os diferentes projetos de Carlos Leão e de
segurança que pareciam impor-se como a única solução : Affon so Reidy, publicados a partir de 1937 na revista
92
a meticulosidade com que cada pormenor foi conduzido P.D.F. , com os publicados pela mesma revista em
garantia a excelência da qualidade do conjunto. Das li- a~os anterio~es. Mas deixaremos de lado esses projeto~
nhas claras e esbeltas do edifício, de seu rigor geomé- nao construidos passando diretamente ao estudo da
89 . De fato, a sombra do tén-eo era bem mais intensa do que a do obra do membro da equipe que, a partir desse momento,
primeiro andar, por estar este cm balanço.
90. Essa continuidade, aliás, prosseguia até o embarcadouro, 91. Luís _Nunes foi _aluno de Attilio Corrca Lima na Esc 1 d B .
l nu:rqa.is.r que atravessava o jardim tro~ieal , tratado com , c_lcmcntos tlp1- las-Artes do Rio de Janeiro quando da cria d d O8 e
camcntc nacionais, como a flora nordesuna e plantas aqua_ti~ da Ama- cm 1931 , e _foi por ele convi'dado, cm 1935 ~,: cl!~:1a':°urne U rban~(tº•
zi&nia. Essas ean.cteristicas, infelizmente dcsa~ram por 1ntc1ro quando para o Rea!c . · p 1ano p.1 o o
a estação tramformou-se em clube: fora~ ali 1nstalad01 . ba}anços e ou-
trOI equipamentos para crianças, tendo ndo o lago Sllbsutwdo por uma 92. P.D .F., vol. IV, julho de 1937 200-208 210 · ·
piscina. IV, set; _de 1937, pp . 27~2 75; ibid., voi. P{!i . n.o 1 , jan~ir!l~~ abati .• vol.
711-82 ; ,6,d., vol. VI, n.• 4, julho de 1939, pp. 589-392, 1939, pp.

104

Você também pode gostar