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Revisão técnica:

Caroline Bastos Capaverde


Graduada em Psicologia
Especialista em Psicoterapia Psicanalítica

P974 Psicologia e criminologia [recurso eletrônico] / Eliane Dalla


Coletta... [et al.] ; [revisão técnica: Caroline Bastos
Capaverde]. – Porto Alegre : SAGAH, 2018.

ISBN 978-85-9502-464-9

1. Psicologia. 2. Direito penal. I. Dalla Coletta, Eliane.

CDU 159.9:343.1

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147


Teorias explicativas
do crime
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Analisar todas as teorias da aprendizagem do crime.


„„ Reconhecer a teoria do controle social.
„„ Identificar as teorias da frustração e da anomia.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar as teorias explicativas do crime e a
contribuição de cada uma delas para o desenvolvimento da ciência da
criminologia. Além disso, você vai conhecer a teoria do controle social,
a teoria da anomia, teoria da frustração.
A criminologia pode ser considerada uma ciência moderna e atual, na
qual é possível aplicar as teorias desenvolvidas por meio de tantas outras
ciências que lhe complementam. Entre os objetos mais importantes
da criminologia estão o crime, o criminoso, o controle social e a vítima,
havendo uma conexão entre esses elementos.

Teorias da aprendizagem do crime


Partindo de uma visão macrossociológica, as teorias criminológicas que
explicam o crime não estão limitadas puramente à análise do delito segundo
uma visão do indivíduo ou de pequenos grupos. Essas teorias consideram a
sociedade de modo geral.
Entre as diversas teorias sociológicas que visam a explicar o crime, estão:

„„ Escola de Chicago;
„„ associação diferencial;
2 Teorias explicativas do crime

„„ anomia, subcultura delinquente;


„„ labelling approach;
„„ teoria crítica (radical).

Escola de Chicago
A Escola de Chicago, também chamada de teoria da ecologia criminal ou
teoria da desorganização social, trata-se de uma vertente criminológica
(FIGUEIREDO, 2018). Ela surgiu durante a Revolução Industrial nos Es-
tados Unidos, onde os estudos sociológicos foram carregados de influência
religiosa. Com a Revolução, houve aproximação entre as elites e a classe
baixa, sobretudo por uma matriz de pensamento, formada na Universidade
de Chicago, que se denominou teoria da ecologia criminal ou desorganiza-
ção social, cujos maiores expoentes foram Clifford Shaw e Henry Mckay
(PENTEADO FILHO, 2012).
A Escola de Chicago foi a primeira instituição a formular estudos urbanos
tendo a cidade como objeto. A Universidade de Chicago foi fundada em
1895, mediante uma generosa doação de verbas operacionalizada por John D.
Rockefeller, milionário americano que fez fortuna com indústrias de petróleo
e teve uma vida marcada por grandes trabalhos filantrópicos.
Essa vertente criminológica buscou, por meio da análise empírica da cidade
de Chicago, explicar o surgimento da criminalidade. Assim, tentou, com base
na observação, apontar os locais na cidade com maior densidade criminal e
a razão disso. Chicago recebeu, nos anos 1900, um grande movimento mi-
gratório, o que fez com que mais da metade de sua população fosse formada
principalmente por estrangeiros que buscavam melhores oportunidades de
vida. Assim, a partir desse cenário, foram realizados inquéritos sociais, com
acompanhamentos individuais. Para tanto, dividiu-se a cidade em círculos
concêntricos, o que ficou conhecido como teoria dos círculos concêntricos
(FIGUEIREDO, 2018).
Observe a Figura 1, a seguir, que representa as zonas da cidade de Chicago.
Teorias explicativas do crime 3

Loop: área comercial


e administrativa

Zona de transição

Zona residencial
de pessoas pobres

Zona residencial de
pessoas de classe média
Zona residencial
de pessoas ricas

Figura 1. Zonas da cidade de Chicago (teoria dos círculos concêntricos).


Fonte: Figueiredo (2018).

Na Figura 1, você pôde notar que as indústrias estavam nas regiões cen-
trais. Nessas regiões também se localizavam as residências das pessoas mais
pobres (os trabalhadores). Já nos círculos mais periféricos se localizavam as
residências das pessoas mais abastadas. Com os inquéritos sociais, percebeu-se
que o centro era menos organizado. Os estrangeiros se aglomeraram, por clara
necessidade, nos centros próximos aos seus locais de trabalho. Os ricos, por
sua vez, viviam em um ambiente mais confortável (nos extremos), distante
da poluição pobre e das indústrias (FIGUEIREDO, 2018).
Assim, as análises feitas demonstraram que os locais de maior desorga-
nização social eram mais suscetíveis à atuação criminosa. Além disso, essas
análises constataram existir uma organização peculiar de cidades dentro das
cidades. Você pode considerar, portanto, que o conceito tradicional de cidade
não se aplica. É perfeitamente possível que haja, em um dos círculos, altos
índices de criminalidade e, em outro círculo, baixo nível de criminalidade. Não
se pode concluir que os habitantes que vivem nos círculos centrais cometerão
crimes, todavia a ocorrência criminosa nesses locais se mostrou muito mais
acentuada (FIGUEIREDO, 2018).
Na Escola de Chicago, são pilares de estudo: o funcionalismo em psicologia,
a sociologia urbana, a ecologia humana, as formas sociológicas da psicologia
social que receberam o nome de behaviorismo social e o interacionismo sim-
bólico. Todas essas áreas produzem contribuições relevantes até os dias atuais,
4 Teorias explicativas do crime

analisando a relação indivíduo-comunidade, utilizando a interpretação como


método e estudando a linguagem como fator que intervém na comunicação.

A Escola de Chicago pode ser considerada uma escola de atividade, não de pensamento.
Ela reuniu pessoas que trabalhavam juntas, mesmo sob orientações teóricas diferentes.
Se fosse uma escola de pensamento, englobaria um grupo de pessoas que pensavam
de modo semelhante (BECKER, 1996).

Fortemente influenciada pelo sociólogo alemão Georg Simmel, a Escola de


Chicago reuniu grandes pensadores, contribuindo para o desenvolvimento da
sociologia, da antropologia, da criminalidade e da economia. Na sociologia,
a Escola de Chicago é uma das pioneiras do estudo dos centros urbanos,
combinando conceitos teóricos e pesquisa de campo de caráter etnográfico
(PENTEADO FILHO, 2012). Os expoentes da Escola de Chicago foram
William I. Thomas, Florian Znaniecki, Robert E. Park, Louis Wirth, Ernest
Burgess, Everett Hughes e Robert McKenzie.
A Escola de Chicago trouxe a abordagem de estudos em antropologia ur-
bana. De acordo com tal abordagem, o meio urbano é o principal foco. Assim,
foram realizados estudos relacionados ao surgimento de favelas, à proliferação
do crime e da violência, ao aumento populacional e às características do
século XX, por exemplo (PENTEADO FILHO, 2012).
Foi na Escola de Chicago que se desenvolveu a teoria das janelas quebradas
(broken windows theory), criada por James Q. Wilson e George Kelling. Essa
teoria prega que qualquer ato de desordem deve ser reprimido. Segundo a teoria,
se uma janela de um prédio for quebrada e não for substituída, a tendência é
que vândalos passem a quebrar as demais janelas e, ato contínuo, passem a
ocupar/invadir o prédio e destruí-lo. Isso significa dizer que desordem gera
desordem. Assim, um comportamento antissocial pode dar origem a vários
delitos e tais atos poderão ser difusores de inúmeros outros crimes mais graves.
Essa teoria foi elaborada para ser utilizadas pelo prefeito de Nova Iorque no
desenvolvimento de uma política repressiva e autoritária de combate ao crime
(tolerância zero). Portanto, o fundamento era combater qualquer comporta-
mento que fugisse aos padrões sociais (MONTINEGRO, 2015).
Teorias explicativas do crime 5

A teoria da associação diferencial


Trata-se de uma teoria criada pelo americano Edwin H. Sutherland. A teoria
da associação diferencial traz a ideia de que o comportamento criminoso dos
indivíduos tem sua gênese na aprendizagem promovida pelo contato com
padrões de comportamento favoráveis à violação da lei, em contraposição aos
contatos contrários à violação da lei (PENTEADO FILHO, 2012).
Como compartilha dessas premissas, a teoria da associação diferencial
é considerada uma teoria sociológica da criminologia e, como todas, tenta
explicar a formação do comportamento criminoso apenas pelo âmbito social,
desprezando a razão pessoal/subjetiva pela qual alguém se torna criminoso
(PENTEADO FILHO, 2012). Para Sutherland, a teoria da associação dife-
rencial possui o objetivo de desconstruir as teorias que colocavam a causa
da criminalidade em fatores biológicos ou psíquicos. Uma das inovações
fundamentais da associação diferencial é que ela também critica as teorias
com bases sociológicas que associam a criminalidade à pobreza (PENTEADO
FILHO, 2012).
A teoria da associação diferencial procura ser passível de aplicação em
todos os casos, incluindo os chamados “delitos de colarinho branco”, ou seja,
crimes cometidos por indivíduos de classe alta no exercício de suas profissões.
As teorias sociológicas focadas na pobreza e nas suas decorrências como
determinantes do crime não eram suficientes, pois não conseguiam explicar,
entre outros, esses delitos citados. Assim, Sutherland consegue focar em atos
específicos (abordagem positivista), em vez de nas condutas subjetivas de cada
indivíduo (PENTEADO FILHO, 2012).

Labelling approach
A teoria do labelling approach (interacionismo simbólico, etiquetamento,
rotulação ou reação social) é considerada uma das mais importantes teorias
de conflito. Essa teoria surgiu nos anos 1960, nos Estados Unidos, e seus
principais expoentes foram Erving Goffman e Howard Becker. Os ensina-
mentos dessa teoria pairam sobre a ideia de que a criminalidade não é uma
qualidade da conduta humana, mas a consequência de um processo em que
se atribui tal “qualidade” (estigmatização). Assim, o criminoso apenas se
diferencia do homem comum em razão do estigma que sofre e do rótulo que
recebe (PENTEADO FILHO, 2012).
O cerne dessa teoria é o processo de interação em que o indivíduo é chamado
de criminoso. A sociedade define que “conduta desviante” é o comportamento
6 Teorias explicativas do crime

considerado perigoso, constrangedor. Assim, impõe sanções àqueles que se


comportarem dessa forma.
A teoria da rotulação de criminosos cria um processo de estigma para os
condenados, e a pena funciona como geradora de desigualdades (PENTEA­DO
FILHO, 2012). O sujeito acaba sofrendo reação da família, de amigos, co-
nhecidos e colegas, o que acarreta a marginalização no trabalho, na escola.
Sustenta-se que a criminalização primária produz a etiqueta ou rótulo, que
por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência).
A etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha
corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas, etc.) acaba por im-
pregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que nova conduta venha
a ser praticada, perpetuando o comportamento delinquente e aproximando os
indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez condenado, o indivíduo ingressa
numa “instituição” (presídio), que gerará um processo institucionalizador,
com seu afastamento da sociedade, com rotinas do cárcere, etc. (PENTEADO
FILHO, 2012).

Uma versão mais radical da teoria da rotulação de criminosos aponta que a crimina-
lidade é apenas a etiqueta aplicada por policiais, promotores, juízes criminais, isto é,
pelas instâncias formais de controle social. Outros, menos radicais, entendem que o
etiquetamento não se acha apenas na instância formal de controle, mas também no
controle informal, no interacionismo simbólico na família e na escola (“irmão ovelha
negra”, “estudante rebelde”, etc.) (PENTEADO FILHO, 2012).

Teoria crítica ou radical


Essa teoria de conflito teve origem no início do século XX, por meio da obra
de Bonger, com nítida influência do marxismo. Ela entende que o capitalismo
é a base da criminalidade, na medida em que promove o egoísmo, levando o
indivíduo a delinquir.
A teoria crítica sustenta que o comportamento dos menos favorecidos é o
mais perseguido, diferentemente da criminalidade dos poderosos. Essa teoria
tem origem marxista, revelando a estigmatização da população marginalizada,
alvo preferencial do sistema punitivo (PENTEADO FILHO, 2012).
Teorias explicativas do crime 7

As principais características da teoria crítica são:

„„ a concepção conflitual da sociedade e do direito (o direito penal se


ocupa de proteger os interesses do grupo social dominante);
„„ o fato de reclamar compreensão e até apreço pelo criminoso;
„„ a crítica severa à criminologia tradicional;
„„ a crença de que o capitalismo é a base da criminalidade;
„„ a proposta de reformas estruturais na sociedade para a redução das
desigualdades e, consequentemente, da criminalidade.

Neorretribucionismo (lei e ordem, tolerância zero,


broken windows)
Trata-se de outra teoria americana. Surgiu nos Estados Unidos, com a deno-
minação “lei e ordem” ou “tolerância zero”, partindo do princípio da teoria
das janelas quebradas e inspirada pela Escola de Chicago. É também chamada
de realismo de direita ou neorretribucionismo e tem como premissa a ideia
de que os pequenos delitos devem ser rechaçados, o que inibiria os mais
graves (fulminar o mal em seu nascedouro), atuando como prevenção geral
(PENTEADO FILHO, 2012).
Em contrapartida, no Brasil, a criminalidade é crescente e organizada a
partir dos presídios. Como se não bastasse, progridem também as medidas
despenalizadoras, na contramão da história e da necessidade de maior proteção
do direito à segurança da sociedade, um direito constitucional fundamental
e difuso. Além disso, na periferia dos grandes centros urbanos brasileiros
predomina uma indiscutível ausência estatal e, via de regra, uma desordem
crescente, formando o ambiente favorável à instalação do crime organizado,
das milícias, etc. (PENTEADO FILHO, 2012).
O rigorismo da tolerância zero teve sucesso nos Estados Unidos, uma vez
que a população se sentia assistida pelo Estado, colaborando assim com o
ordenamento. O neorretribucionismo foi aplicado em inúmeros países, em
especial nos da América Latina, todavia no Brasil a ausência do Estado, que
não fornece à população condições básicas de vida, em nada apoia o sucesso
dessa teoria. A lei de tolerância zero é uma das mais conhecidas e populares
teorias explicativas do crime da atualidade, demonstrando sucesso real em
sua aplicação nos Estados Unidos e, de certa forma, educando gerações que
cresceram à luz de seus preceitos.
8 Teorias explicativas do crime

As condutas desviantes estudadas pela teoria do labelling approach são aquelas cujos
praticantes são rotulados pelos demais membros de uma sociedade. Para compreender
melhor essa teoria, observe a Figura 2, a seguir.

Figura 2. Labelling approach.


Fonte: Penteado Filho (2012, p. 87).

Teoria do controle social


Neste tópico, você vai ver a importância da teoria do controle para a evolução
da criminologia como ciência. Para começar, você pode considerar que o Direito
é um sistema de regras para a vida em sociedade e que tais regras possuem a
finalidade de possibilitar a convivência entre as pessoas. Um exemplo dessas
regras é o controle social, e o Direito Penal pode ser considerado o ponto
nevrálgico dessa relação. Afinal, é por meio de suas normas que se realiza a
parte mais substancial desse controle, pela tipificação das figuras delituosas
consideradas mais nocivas à vida do agrupamento e pela segregação do cri-
minoso do seio da sociedade (MOLINA; GOMES, 2008).
A maioria das teorias da criminologia explica os motivos pelos quais
as pessoas ofendem a lei. A teoria do controle faz exatamente o contrário,
determinando os motivos pelos quais as pessoas obedecem às leis. O controle
social é entendido, assim, como o conjunto de instituições, estratégias e san-
ções sociais que pretendem promover e garantir a submissão do indivíduo aos
modelos e normas comunitários (MOLINA; GOMES, 2008).
Para Di Pietro (1998, p. 123):
Teorias explicativas do crime 9

Para que o controle social funcione é preciso conscientizar a sociedade de que


ela tem o direito de participar desse controle; é preciso criar instrumentos de
participação, amplamente divulgados e postos ao alcance de todos. Enquanto
o controle social não fizer parte da cultura do povo, ele não pode substituir
os controles formais hoje existentes.

Na teoria do controle, estudam-se os relacionamentos, os valores e as


crenças das pessoas, bem como o modo com que esses fatores as encorajam
a não violarem a lei. Por meio dessa teoria e da exploração do processo de
socialização e de aprendizado social, se atinge o autocontrole. Por consequên-
cia, os comportamentos antissociais que culminariam no crime são reduzidos
(MOLINA; GOMES, 2008).
A teoria do controle teve seu expoente em Ivan Nye, em 1958. Suas ideias
são derivadas das teorias funcionalistas do crime. Para Nye (apud MOLINA;
GOMES, 2008), o controle possui quatro premissas, como você pode ver a
seguir.

1. Controle direto: a punição é dada ou aplicada em virtude de um com-


portamento ilícito, e o cumprimento da norma é recompensado por pais,
família e outras figuras de autoridade.
2. Controle interno: um jovem se abstém da delinquência por meio de
sua própria consciência.
3. Controle indireto: um jovem se abstém da delinquência por identifi-
cação com aqueles que influenciam o seu comportamento e ainda pelo
conhecimento de que um ato delinquente pode causar dor e desaponta-
mento aos pais e outros com os quais tem relacionamentos próximos.
4. Satisfação das necessidades: se todas as necessidades de um indiví-
duo são atendidas, não há nenhuma necessidade de engajamento em
atividade criminosa.

Assim, a teoria do controle social relaciona-se com a ideia de que as pessoas


obedecem às regras e seguem as leis devido ao fato de que esse comportamento
é o aceito pela sociedade em geral. As pessoas se esforçam para manter os
regulamentos não porque necessariamente concordam com eles, mas devido
aos princípios que esses decretos representam. A teoria de controle social é
comumente usada em psicologia infantil (MOLINA; GOMES, 2008).
A importância da teoria do controle para a criminologia se dá pelo simples
fato de que o controle social postula que as pessoas obedecem a certas regras
de pressão moral e assim o fazem para salvar a própria pele. Essas pessoas
estariam com receio de sair do roteiro estabelecido pelos demais cidadãos
10 Teorias explicativas do crime

e quebrar as leis, por isso escolhem cumpri-las. A teoria de controle social


afirma que, na ausência de normas sociais e culturais, as pessoas agem da
forma que quiserem.
Essa é uma grande escola da criminologia, pois sustenta que pessoas com
fortes ligações sociais são suscetíveis de aderir às normas e aos regulamentos
públicos. Aquelas pessoas que pertencem a um meio menos sólido ou que
estão em companhia de pessoas já fora da lei estão mais sujeitas a cometerem
crimes (MOLINA; GOMES, 2008).
As teorias explicativas do crime, provenientes do estudo da criminologia,
alinhadas com a psicologia criminal, ajudam os estudiosos a compreender
melhor o comportamento humano e o porquê do ato de delinquir. Apesar de
atuarem em campos distintos, a psicologia e a criminologia são capazes, juntas,
de analisar de forma assertiva e global o comportamento humano.

O controle social geralmente se refere a atitudes (participa, fiscaliza, realinha) ou


processos sociais e políticos que regulam o comportamento individual e/ou grupal. Tal
regulação busca obter conformidade de cumprimento das regras de uma sociedade
dada, de um Estado ou de um grupo social, como você pode ver na Figura 3, a seguir.

Figura 3. Controle social.


Teorias explicativas do crime 11

Teoria da anomia e teoria da frustração

Teoria da anomia
Existem dois conceitos básicos para se estudar a ecologia criminal e seu efeito
criminógeno:

„„ a ideia de desorganização social;


„„ a identificação de áreas de criminalidade.

Com o crescimento das cidades, o controle social informal começou a


perder efeito, de modo que os entes públicos ou de grande expressão, como a
família, a igreja e o trabalho, não conseguem mais impedir os atos antissociais.
Para Shecaira (2008, p. 167):

Uma cidade desenvolve-se, de acordo com a ideia central dos principais autores
da teoria ecológica, segundo círculos concêntricos, por meio de um conjunto
de zonas ou anéis a partir de uma área central. No mais central desses anéis
estava o Loop, zona comercial com os seus grandes bancos, armazéns, lojas
de departamento, a administração da cidade, fábricas, estações ferroviárias,
etc. A segunda zona, chamada de zona de transição, situa-se exatamente entre
zonas residenciais (3ª zona) e a anterior (1ª zona), que concentra o comércio e
a indústria. Como zona intersticial, está sujeita à invasão do crescimento da
zona anterior e, por isso, é objeto de degradação constante.

A teoria da anomia teve seu expoente em Robert K. Merton (1970). Ele


introduz o pensamento de sua teoria afirmando que existe uma acentuada
tendência nas teorias psicológicas e sociológicas de atribuir o funcionamento
defeituoso das estruturas sociais às falhas do controle social.
A relação entre o homem e a sociedade insinuada por essa doutrina é
bastante clara, mas é muito questionável (MERTON, 1970). Merton tenta de-
monstrar como determinadas estruturas sociais exercem uma pressão específica
sobre alguns membros da sociedade, levando-lhes a adotar comportamentos
desviantes das normas dos comportamentos aceitos. Para Merton (1970, p.
204): “[...] o desvio nada mais é do que uma reação normal do indivíduo a uma
situação social e a sua análise pretende proporcionar um enforque sistemático
[...] das fontes sociais e culturais do comportamento transviado”.
A teoria da anomia também é vista como teoria de consenso, porém com
nuances marxistas. Ela afasta-se dos estudos clínicos do delito porque não
o compreende como anomalia. Essa teoria insere-se no plano das correntes
12 Teorias explicativas do crime

funcionalistas, como você já viu, e foi criada por Merton com apoio na doutrina
de E. Durkheim (MERTON, 1970).
Para essa teoria, a sociedade é um ente feito para funcionar perfeitamente,
e para isso necessita que os indivíduos interajam num ambiente de valores
e regras comuns. Porém, a cada falha do Estado, é necessário resgatá-lo,
preservando-o; se assim não ocorrer, haverá uma disfunção.
Para Merton (1970), o comportamento desviado caracteriza-se, no campo
sociológico, como um sintoma de dissociação entre as aspirações socioculturais
e os meios desenvolvidos para alcançar tais aspirações. Assim, o fracasso no
atingimento das aspirações ou metas culturais em razão da impropriedade
dos meios institucionalizados pode levar à anomia, isto é, a manifestações
comportamentais em que as normas sociais são ignoradas ou contornadas
(MERTON, 1970). Assim, você pode considerar que a anomia é resultado de
uma falta de coesão e ordem, sobretudo no que diz respeito a normas e valores.

Em 1938, Robert K. Merton, sociólogo americano, escreveu um famoso artigo de 10


páginas que teve o brilhantismo de estabelecer os fundamentos de uma teoria geral
sobre a anomia. Posteriormente, o artigo foi revisto e transformado pelo autor em sua
obra clássica, batizada de Teoria e Estrutura Sociais.
Partindo de uma análise da sociedade americana, Merton sustenta que em toda
sociedade existem objetivos culturais a serem buscados, entendendo-se como tais
os valores socioculturais que norteiam a vida das pessoas. Para buscar essas metas,
existem os meios, que são os recursos institucionalizados pela sociedade, aos quais
aderem normas de comportamento. Ocorre, assim, que os meios existentes, quando
não são suficientes, acarretam um evidente desequilíbrio entre os meios e os objetivos
a serem atingidos. Assim, enquanto todos são extremamente estimulados a alcançar
as metas sociais, na realidade apenas alguns poucos as conseguem, por ter ao seu
dispor os meios institucionalizados adequados.
Merton ilustra isso tomando como exemplo a meta mais importante da sociedade
americana: o sucesso na vida. Mas quantas pessoas têm condições de atingir essa
meta? Apesar de ser o objetivo da vida de tantos, poucos podem alcançá-la, em face da
evidente escassez dos meios institucionalizados, que geralmente estão concentrados
nas mãos de pequena parcela da sociedade. Desse quadro descrito resulta um desajus-
tamento, um evidente descompasso entre os fins sugeridos a todos e insistentemente
estimulados e os recursos oferecidos pela sociedade para alcançar aqueles objetivos.
Esse desequilíbrio entre os meios e as metas é o responsável por ocasionar o com-
portamento de desvio individual (ou de desvio em grupo), pois o indivíduo imbuído
no foco de alcançar as metas ditadas pela sociedade, não possuindo meios para tal,
buscará outros meios, mesmo que contrários aos interesses sociais (SOUSA, 2010).
Teorias explicativas do crime 13

Na Figura 4, a seguir, você pode ver uma charge que ilustra uma das dinâmicas
utilizadas pelos sujeitos para serem bem-sucedidos.

Figura 4. De acordo com Merton (1970), em toda sociedade existem objetivos a serem
atingidos.
Fonte: Tirinhas... (2013).

Teoria da frustração
Em 1924, Rosenzweig criou a teoria geral da frustração, entendendo ser este
um fenômeno criado por situações de privações, conflitos, pelo não atingimento
da satisfação com algo ou alguém e por experiências traumáticas (MOURA,
2008). O autor considerou a frustração como um fenômeno vinculado aos
conceitos de não adaptação, tensão e desequilíbrio ou perturbação da home-
ostase (ligação entre o organismo e os fatores ambientais). Acreditava ainda
que a frustração estaria vinculada a um significado biológico das defesas do
indivíduo. Para ele, a ideia de frustração, em especial dos impulsos sexuais,
não teve uma exploração ou um estudo sistemático necessário para seu total
entendimento (MOURA, 2008). Neste contexto, surge a Teoria Geral da
Frustração na tentativa de reformular conceitos da psicanálise e proporcionar
estudos experimentais na área da frustração.
Segundo Rosenzweig, para analisar a frustração, seria preciso compreender
os tipos de situações frustrantes ou o fenômeno das classes gerais de situações
frustrantes a que um ser humano pode vir a sucumbir (experimentar). Essas
situações frustrantes, segundo o teórico, podem ser definidas em quatro
aspectos (MOURA, 2008):
14 Teorias explicativas do crime

1. situações em que será detectado uma necessidade ou desejos individuais


que estarão envolvidos e que poderão ser sanados pelo meio externo.
2. situações negativas, todavia de caráter endógeno − dirão respeito a
questões internas e individuais do próprio indivíduo. Ambas as si-
tuações compreenderão a perda de um objeto do ambiente ou de um
objeto pessoal e, estas situações, têm um caráter de privação exógena
(externa) ou endógena (interna).
3. situações em que a própria e específica existência de algo é o fator que
motivará a frustração.
4. situações em que se encontrarão os conflitos psicológicos, que serão
caracterizados pela frustração em detrimento de um obstáculo em sua
própria personalidade, ou seja, existe algo no modo de ser do indivíduo
que o impede de satisfazer certas realizações (MOURA, 2008).

Diante disto, conforme Moura (2008), as considerações de Rosenzweig


deixam claro que existirão diferentes níveis de frustração, diferenciados, via
de regra, em graus de privação; no entanto, em comum apresentam o fato de
a frustração emergir a partir de uma determinada necessidade: na maioria das
vezes, pode-se identificar algo que não poderá ser alcançado pelo indivíduo.
Na perspectiva da criminologia, Agnew (1992) ampliou teoria da anomia
para compreender – além da frustração decorrente da defasagem entre as
aspirações individuais e os meios socialmente existentes para satisfazê-las” –
circunstâncias específicas de frustração (CERQUEIRA, LOBÃO, 2004, p. 246):

„„ a frustração derivada do fato de outros terem retirado do indivíduo algo


de valor (não estritamente material);
„„ a frustração derivada do fato de que as pessoas são confrontadas com
circunstâncias negativas engendradas por discordâncias ou divergências
sociais.

Por fim, esse movimento em busca de ampliar a teoria da anomia, conside-


rando circunstâncias específicas da frustração ficou conhecido como Teoria
Geral da Anomia.
Teorias explicativas do crime 15

AGNEW, R. Foundation for a General Strain Theory of Crime and Delinquency. Crimi-
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SOUSA, A. Teoria da anomia de Merton. 2010. Disponível em: <http://sociuslogia.blogs-
pot.com.br/2009/02/teoria-da-anomia-de-merton.html>. Acesso em: 26 maio 2018.
TIRINHAS sobre ética. 2013. Disponível em: <http://aeticadocuidar.blogspot.com.
br/2013/05/blog-post_155.html>. Acesso em: 26 maio 2018.

Leituras recomendadas
MOLINA, A. G.-P. De. Criminologia: introdução e seus fundamentos teóricos. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
SANTOS, J. C. dos. A criminologia radical. 3. ed. Curitiba: Lumen Juris, 2008.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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