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OPINIÃO

O consumidor e os tribunais
18 de março de 2021, 16h13 Imprimir Enviar

Por Walter José Faiad de Moura

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Martins.com.br

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necessidade de proteger consumidores (como categoria jurídica), sob a
quimera da vulnerabilidade. Lá se vão quase 60 anos.
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Os grandes marcos protetivos do Brasil, nessa área, estão na Constituição de
1988 e na edição do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Linkedin RSS
A Lei Federal nº 8.078/1990 teve início de vigência, em terras brasileiras, há
30 anos, no dia 11/3/1991.

Entre as seis décadas do discurso kennediano e os 30 anos de vigência do


CDC, fato é que a proteção legal dos consumidores brasileiros tem (e teve)
concretude perante seus tribunais [1].

A relação de consumo é um fenômeno social que, de tão antigo, confunde-se


até mesmo com o surgimento das primeiras economias organizadas [2].

O tempo obviamente se incumbiu de modelar diferentes sentidos para o termo


jurídico consumidor, que só ganhou o atual significado com a feição
massificada do capitalismo [3].

A relação jurídica de consumo, ao menos no Brasil, ganhou relevância no


campo do Direito quando o Judiciário passou a dirimir conflitos entre
consumidores e fornecedores, com soluções de intervenção para reequilibrar
situações de abusos praticados contra os cidadãos [4].

Em patamar constitucional, a Carta de 1988 disciplinou pioneiramente a


proteção jurídica do consumidor nas suas relações de mercado (artigos 5º,
XXXII; 170, V; 24, VIII; e 48, ADCT).

O termo consumidor teve aparição em constituições anteriores, por exemplo,


no campo tributário (artigo 22, §6º, CF/1967), aliás, como ainda hoje existe
(artigo 155, VII, da CF/1988) [5].

Entretanto, os pleitos de cidadãos para corrigir distorções mercadológicas


contra eles praticadas, por fornecedores de bens e serviços, antecede a Carta
Política de 1988.

O Supremo Tribunal Federal, em julgado datado de 1941 (ACi 7.303,


relator ministro Octávio Kelly), embora no campo do Direito Marcário, já
dava garantia de proteção cidadã contra a inexatidão de informações de modo
a evitar:

"... Confusão ou dúvida no espírito do consumidor, conduzindo-o a um


engano na aquisição do produto, em prejuízo de sua legítima preferência".

O extinto Tribunal Federal de Recursos editou, em 1984, enunciado sumular


(n° 172) que manteve a atuação obrigatória de farmacêuticos no fornecimento
de medicamentos para consumidores, no que já se poderia considerar um
prelúdio da hipossuficiência:

"As empresas distribuidoras de drogas, que não manipulem fórmulas nem


forneçam medicamentos aos consumidores, não estão sujeitas à assistência
técnica de farmacêutico".

O interesse jurídico sobre as relações de consumo não foi acidental. Desde o


início da grande migração urbana (1950) [6], ano a ano, intercorrências contra
consumidores só crescem[7].

O exemplo brasileiro de menosprezo aos direitos dos consumidores


infelizmente é frondoso.

A fragilidade do consumidor brasileiro é aguçada por um inegável traço


cultural de desrespeito ao cliente, dentro da lógica de se levar "vantagem em
tudo" [8].
Outro problema quase congênito (e insolúvel) é a pouca capacidade dos
atores de regulação, sobretudo do Poder Executivo, de acertar em medidas
efetivas de restrição contra abusos no mercado [9].

Um desafio constante, ao leitor, é recordar de qualquer medida regulatória


oriunda de agência regulatória nacional que tenha pacificado algum litígio
relevante de consumo.

Cidadão brasileiro compra e, não raro, envolve-se em prejuízos conflituosos


cuja solução real só é alcançada pela intervenção da Justiça. O traçado do
tempo evidenciou esta realidade.

O volume de demandas é tanto que naturalmente desafia o Poder Judiciário a


estabelecer e executar políticas públicas específicas para saldar o alto
estoque desses litígios.

Os macrolitígios brasileiros, é bom lembrar, decorrem mais do


comportamento coletivo de grandes fornecedores que assumem todo e
qualquer desafio jurídico (o que é empiricamente atestado [10]), que de uma
suposta cultura beligerante do brasileiro (o que é uma retórica).

A semana do consumidor mereceria, por parte dos grandes anunciantes, levar


ao cidadão inovações para redução de litígios, mas, do contrário, tornou-se
apenas uma nova black friday.

A transição entre o desafio de desjudicializar a solução de conflitos entre


cidadãos e empresas não é fácil e está longe de soluções de alta efetividade.

Apenas a título de exemplificação atual, o ano de 2020, que se desenhava


como o ápice de uma catástrofe sanitária brasileira anunciada, já está sendo
superado pelo ano de 2021, a partir do cenário gravíssimo de apagão dos
principais atores regulatórios do Executivo.

A conta da ineficiência, não há dúvidas, sempre será paga pelo consumidor


brasileiro, dispensando-se, aqui, exemplificar mortes evitáveis por Covid-
19 e um mercado em queda livre.

Os desafios do sistema de Justiça não são poucos, afinal, grandes problemas


aos consumidores brasileiros pululam sem solução ordinária, o que
inevitavelmente aportará aos tribunais.

E, voltando ao mês de março deste ano, ele foi palco de uma solução jurídica
do Supremo que muito alenta ao cidadão brasileiro.

O STF começou a examinar, no dia 4, um dos principais temas envoltos com a


proteção do consumidor brasileiro: o limite territorial das sentenças
coletivas.

O início do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.101.937/SP, da


relatoria do ministro Alexandre de Moraes, desenha a conclusão de que os
grandes problemas jurídicos tratados nas chamadas ações civis públicas
continuarão a trazer soluções para todo território brasileiro.
Embora ainda faltem os votos de três ministros, está-se formando maioria no
sentido de enterrar a vergonhosa pretensão dos bancos brasileiros de impedir
que um juiz tome conhecimento de uma situação de amplitude nacional e
sentencie apenas em sua comarca.

A luz inicial dessa solução, é bom lembrar, foi dada pelo competente ministro
Luiz Felipe Salomão [11], do Superior Tribunal de Justiça, ao relatar a tese
fixada no REsp n. 1.243.887/PR, que destacou que:

"O benfazejo instrumento da ação civil pública, que deve facilitar o acesso
do consumidor à justiça, acabaria por dificultar ou mesmo inviabilizar por
completo a defesa do consumidor em juízo, circunstância que, por si,
desaconselha tal interpretação".

A importância desse tema é particular. O Brasil, longe de países europeus,


tem brasileiros que não têm acesso à Justiça e, em alguns casos excepcionais,
só serão reparados de graves injustiças quando alcançados por sentenças
coletivas em seu favor [12].

[1] ALMEIDA, João Batista de, Manual de direito do consumidor. Saraiva


Educação SA, 2017.

[2] ERDKAMP, Paul PM. Beyond the Limits of the 'Consumer City'. A
Model of the Urban and Rural Economy in the Roman World. Historia:
Zeitschrift fur Alte Geschichte, p. 332-356, 2001.

[3] ERDKAMP, Paul PM. Beyond the Limits of the 'Consumer City'. A
Model of the Urban and Rural Economy in the Roman World. Historia:
Zeitschrift fur Alte Geschichte, p. 332-356, 2001. Ver, também:
SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Ed.
Unesp, 2017.

[4] SCHREIBER, Anderson. Direito civil e constituição. Ed. Atlas, 2013.

[5] No campo infraconstitucional, o termo é encontrado com facilidade


também em normas de Direito Penal, referenciando-se aos crimes
relacionados com entorpecentes (tráfico e consumo).

[6] MARQUETTI, Adalmir A. Progresso técnico, distribuição e crescimento


na economia brasileira: 1955-1998. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 32,
n. 1, 2002.

[7] RICE, David A. Exemplary Damages in Private Consumer Actions. Iowa


L. Rev., v. 55, p. 307, 1969. Em continuidade ao estudo: HOWELLS, Geraint;
WEATHERILL, Stephen. Consumer protection law. Routledge, 2017.

[8] FREDDO, Antonio Carlos. O Brasil hoje: uma visão sociológica.


Brazilian Journal of Public Administration, v. 32, n. 3, 1998.

[9] CARDOSO, Adalberto Moreira; LAGE, Telma. As normas e os fatos:


desenho e efetividade das instituições de regulação do mercado de trabalho
no Brasil. FGV Editora, 2007. Eu tive, também, oportunidade de descrever a
fragilidade da regulação brasileira, especificamente no campo da proteção
dos consumidores: in, Segurança Jurídica e Protagonismo Judicial: desafios
em tempos de incertezas. Estudos em homenagem ao Ministro Carlos Mário
da Silva Velloso. Jurisdição em conflitos de consumo massificados:
paternalismo ou adequação do mercado a marcos legais de convívio
equilibrado com sujeitos vulneráveis?. Rio de Janeiro, Ed. GZ, p. 1029
(Werson Rêgo, Coord).

[10] Conferir, a respeito, o brilhante “Relatório Analítico Propositivo do


Conselho Nacional de Justiça acerca dos maiores litigantes em ações
consumeristas: mapeamento e proposições, 2018”.

[11] Com toda licença e homenagens sinceras, Ministro este que aniversaria
exatamente no dia 18/03 – data na qual está programada a publicação deste
artigo.

[12] Sentenças provenientes, naturalmente, de ações propostas pelo


Ministério Público, Defensorias Públicas, Ordem dos Advotados do Brasil e
Entidades da Sociedade Civil Organizada (ONGs).

00:00/01:28 TRUVIDAILY - O AMOR ESTÁ NO AR

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Walter José Faiad de Moura é advogado e procurador de Defesa do Consumidor da OAB


Nacional.

Revista Consultor Jurídico, 18 de março de 2021, 16h13

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