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DISTORÇÕES DO MERCADO

"Muita proteção ao consumidor custa caro


e, no fim, o preço é pago por todos"
21 de fevereiro de 2016, 10h15 Imprimir Enviar 655 1 77

Por Sérgio Rodas, Karina Nunes Fritz e Otavio Luiz Rodrigues Junior

O Direito do Consumidor é excessivamente protetivo no Brasil. Embora isso


se justifique pelo fato de ainda haver muitas pessoas vulneráveis econômica
e intelectualmente no país, acaba por gerar distorções nos mercados e um
aumento geral nos preços de produtos e serviços. Essa é a opinião do jurista
alemão Stefan Grundmann, professor catedrático de Direito Privado da
Universidade Humboldt de Berlim e do European University Institute
(Florença).

Na visão dele, é preciso diferenciar os consumidores atentos dos


vulneráveis. Estes receberiam cobertura legal similar à do Código de Defesa LEIA TAMBÉM
do Consumidor, enquanto aqueles seriam amparados principalmente por GARANTIAS DO CONSUMO
regras de informação, que obrigam os fornecedores a disponibilizar ao
público dados detalhados sobre seus Em seus 25 anos, CDC ampliou acervo
produtos. do Judiciário

Em visita ao OPINIÃO
José Carlos Alves: Direito do
consumidor coíbe sonegação fiscal

GARANTIAS DO CONSUMO
Direito protege consumidor de
aumentos abusivos (parte 2)

GARANTIAS DO CONSUMO
Direito protege consumidor e livre
concorrência de aumentos abusivos

DIREITO CIVIL ATUAL


Brasil, Grundmann deu palestra na Faculdade de Direito da Universidade de 2015 foi um importante ano para o
São Paulo, em evento organizado pelo Departamento de Direito Civil, Direito Civil Contemporâneo
quando concedeu entrevista à ConJur.
GARANTIAS DO CONSUMO
Na conversa, analisou importantes questões sobre o Direito do Consumidor Economia do compartilhamento deve
e compartilha com os eleitores interessantes detalhes de sua incomum respeitar os direitos do consumidor
formação acadêmica, que combina Direito, Filosofia e História da Arte. E
GARANTIAS DO CONSUMO
explica como tudo começou em uma viagem de trem a Veneza para ver três
CDC deve ser aplicado aos contratos
quadros de Ticiano.
de transporte aéreo internacional
Outro ponto do sistema brasileiro que desagrada ao professor é a autonomia CDC 25 ANOS
do Direito do Consumidor em relação ao Direito Civil. A seu ver, isso isola a Para Benjamin, questões culturais
matéria, e não permite que ela dialogue com outros campos do Direito desafiam Direito do Consumidor
Privado, como o Direito Civil, o Direito Empresarial e o Direito do Mercado
de Capitais. Isso resulta em um foco excessivo nas necessidades dos TUTELA DA VULNERABILIDADE
consumidores em detrimento de um balanceamento delas com os impactos Nancy Andrighi defende arbitragem
das regras nas empresas. para reduzir ações sobre o CDC
Grundmann defende a criação de leis específicas para proteger usuários de
serviços públicos e refuta a tese liberal de que um sistema pleno de livre
mercado dispensaria a existência de normas sobre o assunto.

Leia os principais trechos da entrevista (a versão integral será publicada na


Revista de Direito Civil Contemporâneo):

ConJur — Sua formação é muito eclética, pois envolveu Direito e História da Facebook Twitter
Arte. Como se deu essa escolha e qual o papel da Arte em sua visão de
mundo, como jurista? Linkedin RSS Feed
Stefan Grundmann — Minha primeira grande decisão foi entre Direito e
Filosofia. Desde os tempos de colégio, eu sempre quis estudar Filosofia.
Então decidi estudar ambas as matérias. Depois de um ano de faculdade,
tive um professor muito simpático e carismático, que é Erik Jayme, bastante
conhecido no Brasil, por sinal. Ele foi meu docente de Direito Privado e,
para além disso, de uma certa visão de mundo. Eu não queria abandonar
completamente a Filosofia, mas naquele momento eu me apaixonei tanto
pelo Direito, pelos efeitos que ele produz na sociedade, que isso acabou
prevalecendo sobre a Filosofia. Um dia, Erik Jayme disse-me que, naquela
noite, havia um trem para Veneza e que eu deveria ir até lá e ver três
quadros de Ticiano: a Assunta, a Madona de Pesaro e a Pietà. E isso foi
surpreendente para mim! Ali nasceu o amor também pelas imagens, pela
Arquitetura, pela escultura e outras manifestações da Arte.

ConJur — Como se deu sua trajetória e sua formação acadêmica?


Stefan Grundmann — Eu estudei em Munique três graduações: Direito,
Filosofia e História da Arte. Fui várias vezes ao exterior, mas não fiz a coisa
mais tradicional na Alemanha, naquele tempo, que era mudar de
universidade no próprio país. E a razão é que fui a Aix-en-Provence, na
França, e a Lausanne, na Suíça, durante a graduação. Posteriormente,
escrevi uma tese de Direito Internacional Privado em Portugal, onde havia
um código muito interessante sobre Direito Internacional Privado. Fui ainda
muito à Itália e à Grécia. Depois de minhas teses, inclusive sobre História da
Arte e Ticiano, resolvi ir a Tübingen. Em outro momento, até por
compartilhar a visão de Max Weber, de que a matéria que mais transforma
a sociedade é a Economia, resolvi combinar o Direito Internacional com o
Direito Econômico. Seguindo os passos naturais de um acadêmico na
Alemanha, escrevi minha habilitação sobre relações fiduciárias,
combinando o Direito Societário e o Direito Contratual. Nesse período, fui à
Universidade de Berkeley, na Califórnia, porque não se pode estudar relação
fiduciária sem ir aos Estados Unidos. Por fim, após lecionar nas
Universidades de Ratisbona, Francoforte-sobre-o-Oder, Halle e Erlangen-
Nurembergue, sou hoje professor catedrático na Universidade Humboldt de
Berlim, onde dirijo um Instituto de Direito Privado Comparado, que acaba
de se vincular à Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo, em uma
solenidade que ocorreu após minha conferência na Faculdade de Direito do
Largo São Francisco.

ConJur — Seus estudos mais recentes dedicam-se ao problema das relações


de consumo e uma visão comportamental dos consumidores, com a
perspectiva de níveis de proteção diferenciados. Atualmente, há uma
discussão muito intensa no Brasil sobre o papel do Direito do Consumidor
no sistema do Direito Privado. Em sua visão, como as normas do Direito do
Consumidor deveriam se relacionar com as do Direito Civil?
Stefan Grundmann — As visões do Brasil e da Europa, sobretudo da
Alemanha, são diversas em relação ao Direito do Consumidor. No Brasil, a
ideia de que o Direito do Consumidor tem autonomia é muito forte,
enquanto na Alemanha integramos o Direito do Consumidor no Direito Civil
em 2002, na grande reforma do Direito Privado alemão. Isso foi importante
sobretudo porque se o Direito do Consumidor ficar dentro do Direito Civil,
toda a comunidade dos civilistas e comercialistas discutirá essa relação e
seus efeitos. No fundo, diria que há diferenças de regras, mas elas são mais
diferenças na formação do contrato do que nos deveres do contrato. O
Direito do Consumidor é diferente do Direito Comercial, mas mesmo o
Direito do Consumidor é também um Direito da Empresa, porque almeja
sempre equilibrar a informação entre um profissional e um consumidor,
não entre dois consumidores. Desse modo, o Direito do Consumidor tem
muito a ver com outras matérias civilistas, comercialistas e até de
regulamentação de mercados. Um Direito do Consumidor autônomo e
isolado corre o risco de não levar em consideração outros interesses. Isso
não significa a utilização ou a combinação de regras de Direito do
Consumidor, do Direito Civil e do Direito Comercial por meio de critérios
discricionários pelo juiz, que escolheria e mesclaria essas normas, sem
observar as diferenças principiológicas entre elas.

ConJur — Em linhas gerais, como funciona o Direito do Consumidor na


Europa? Quais seus mais importantes princípios?
Stefan Grundmann — Há dois princípios fundamentais. O primeiro é o
equilíbrio da situação de informação, por isso a maioria das normas versa
sobre a transferência de informação, importante para a formação do
contrato. O segundo princípio importante é o de proteção processual dos
consumidores que, muitas vezes têm estímulos/motivos , mas não os meios
para verdadeiramente impor seus direitos. 80% do Direito do Consumidor
vêm das normas produzidas pela União Europeia. Nas matérias que estudo,
diria que hoje, em quase todos os campos, o Direito Europeu é mais
importante para as grandes linhas do que o direito nacional.

ConJur — Como o senhor falou, o Direito do Consumidor Europeu protege as


pessoas principalmente com regras de informação. Esse sistema não
supervaloriza a atenção dos consumidores e pode prejudicar os menos
atentos?
Stefan Grundmann — Isso é apenas parcialmente verdadeiro. Em minha
palestra na Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de
São Paulo, a convite da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo,
expliquei que há essa tendência de se distinguir entre vários consumidores
diferentes. E essa tendência de dizer que os mais vulneráveis têm de ser
muito mais protegidos, que temos de ter sempre mais proteção do
consumidor, gera, a meu ver, problemas de distribuição e, também, efeitos
sobre as estruturas dos mercados, e isso tem de ser levado em consideração.
Uma proteção muito intensa pode restringir a liberdade de escolha dos
outros consumidores. Consumidores não são um grupo homogêneo. Existem
consumidores fortes, existem aqueles menos fortes e há um paradoxo:
muita proteção do consumidor custa caro e, em uma economia de mercado,
os preços são pagos por todos, pelos ricos e pelos menos ricos. Mas as
vantagens, muitas vezes, chegam mais aos consumidores mais ricos, mais
fortes. Tal se deve porque eles têm mais dados, mais experiência para
pesquisar e também uma assessoria jurídica mais eficiente. Por exemplo,
em caso de dano por tempo perdido, normalmente, um empregado que
ganha um salário baixo quase não tem dano, enquanto que para um
empresário o dano seria muito alto. Por isso, se a regra é, por exemplo, que
a cada atraso de voo tem de ser paga uma indenização, poderia ser que os
bilhetes ficassem mais caros, mas só aqueles mais ricos teriam vantagens. E,
por isso, minha proposta seria que o nível de proteção do consumidor teria
de ser tal que ajudaria o funcionamento do mercado e possibilitar-lhe-ia
escolher bons serviços e bens. Isso, normalmente, é a função da informação.
Evidentemente, ela não precisa ser abundante, mas a regra de informação,
como tal, ajuda o funcionamento do mercado. Assim, uma proteção muito
forte ficaria restrita aos casos especiais de vulnerabilidade, nos quais a vida,
saúde e a existência econômica dos consumidores estariam em risco.

ConJur — Essa diferenciação entre os consumidores deveria ser feita pelo


legislador ou pelo juiz, no caso concreto, enquanto não há uma lei
disciplinando o assunto?
Stefan Grundmann — A diferenciação que propus é não só entre diferentes
tipos de consumidor — razoáveis, vulneráveis, hipervulneráveis, como
também entre outros —, que seria uma proteção subjetiva, uma
diferenciação subjetiva, mas também uma diferenciação objetiva, quer
dizer, nas matérias de simples danos econômicos. Normalmente, a proteção
através de regras de informação que os razoáveis podem perceber teria de
ser suficiente, porque elas também ajudam o mercado. Mas, nos casos de
danos à liberdade, à saúde, vida, esses direitos fundamentais da pessoa
teriam de ser protegidos de modo mais intenso, de modo a que também o
mais vulnerável tenha essa proteção. Dito de outro modo, ele não seria
protegido apenas por intermédio de regras informativas, mas também por
meio de regras muito mais intervencionistas. Essa é a ideia daquela que
talvez seja a mais importante teoria da Filosofia moral e política do século
XX, de John Rawls, que faz exatamente esta distinção e explica como um
grupo razoável, via discussão, chegaria a esta distinção. E eu digo que isso
é, mais ou menos, o que a Corte Europeia faz com as liberdades
fundamentais, que se contenta com regras de informação e com o standard
de um consumidor razoável em casos de riscos normais muito mais do que
em casos de riscos fundamentais à saúde. O “Caso Clinique” diz que, se um
cosmético tem de ser importado, não é um bem normal, porque entra em
contato com a pessoa e pode causar riscos à saúde e, neste caso, também, os
menores e os idosos precisam de proteção completa. E descrever e informar
talvez não seja suficiente nesses casos. Uma tal diferenciação, sobretudo se
tem fundamento também na teoria filosófica, é claramente, uma linha de
princípio para o legislador, mas, como se mostra naqueles casos, também
pode ser integrada no sistema jurídico através da interpretação, por
exemplo, das cláusulas gerais com as liberdades fundamentais.

ConJur — Há quem diga que a melhor proteção ao consumidor seria a


existência de um livre mercado, no qual a competição garantiria a
qualidade dos produtos e serviços e manteria os preços em patamares
baixos. O senhor concorda com essa visão?
Stefan Grundmann —Evidentemente, não dá para deixar o mercado regular
tudo. Primeiro, temos de ter regulamentação na forma das regras de
informação. Ao mesmo tempo, diria também que há situações nas quais a
informação não ajuda, como quanto às cláusulas gerais, estandardizadas.
Além disso, estudos empíricos demonstram que o mercado com grande
concorrência não tem como efeito o desaparecimento das cláusulas
abusivas. Tal se funda na circunstância de que não são as grandes empresas
que têm as fórmulas mais abusivas, mas aquelas empresas não tão
conhecidas, que podem esconder melhor suas práticas. As grandes
empresas perdem sua reputação se abusarem dos consumidores, então têm
mais receio de fazer uso de cláusulas abusivas do que as empresas médias
ou mesmo as pequenas. E isso não tem nada a ver com a estrutura
competitiva do mercado, é um outro mecanismo.

ConJur — Como o senhor avalia o Direito do Consumidor brasileiro?


Stefan Grundmann — Como já disse, gosto mais da integração do Direito do
Consumidor dentro do Direito Civil, tal como se deu na Alemanha pós-2002.
Uma integração dentro do Direito Civil e do Código Civil. Uma integração
coloca o problema muito claramente. Quando o Direito do Consumidor é
integrado no Direito Civil, a comparação entre as várias situações traz um
desafio permanente. Neste sentido, preferiria a solução alemã. No conteúdo,
penso que, em situações normais, não as que envolvam danos existenciais,
eu optaria por só haver regras de informação. O Direito do Consumidor
brasileiro vai mais longe várias vezes: há muitas regras imprevisíveis, o
Direito Constitucional traz regras sobre a matéria, há cláusulas muito gerais,
que permitem a solução de um caso específico com regras menos
previsíveis. Apenas com normas de informação, menos invasivas, haveria
maior previsibilidade e consumidores e mercado sairiam ganhando. Isso
não quer dizer que as regras informativas, como as que temos agora, sejam
as ideais. Às vezes, tem informação demais, information overkill e isso é um
sério problema que merece reforma.
ConJur — Como o senhor avaliaria o grau de proteção ao consumidor no
Direito brasileiro atual?
Stefan Grundmann — Eu diria que o Direito brasileiro é muito protetivo e
vejo algumas razões para isso. O Brasil teve um desenvolvimento
formidável nas últimas duas, três décadas, mas tem, sem dúvida, ainda
muitas pessoas que são os típicos consumidores muito vulneráveis. Por isso,
pode ser que em um período de transição talvez uma proteção mais intensa
traga mais vantagens. Para mim, é um pouco difícil, como não conheço
bastante a sociedade brasileira, dizer se as regras são sempre adequadas,
mas, em princípio, diria que há muitas regras paternalistas que, pelo menos
para a realidade europeia, não gostaria que existissem.

ConJur — No Brasil, muitos consumidores reclamam que as indenizações


impostas aos fornecedores de bens e serviços em sentenças judiciais são
muito leves e que isso incentiva essas empresas a não resolverem seus
problemas e a continuarem a violar direitos do consumidor. O senhor
concorda com essa crítica? Indenizações mais severas poderiam incentivar
as empresas a respeitar mais o Direito do Consumidor?
Stefan Grundmann — Como já disse, um dos pilares do Direito do
Consumidor é a imposição de regras. De um modo geral, é normal a parte
perdedora considerar que ou o Direito do Consumidor é fraco ou, ao
contrário, é muito paternalista. Nos litígios entre bancos e clientes é sempre
assim: às vezes quem lamenta são os bancos, às vezes quem se lastima são
os clientes. É um bom sinal para a jurisprudência que seja assim, que ambas
as partes lamentem — uma vez o consumidor, uma vez o fornecedor. Mas
sim, há certos segmentos da indústria ou dos serviços nos quais os direitos
dos consumidores vêm sendo desrespeitados sistematicamente. No
cancelamento de contratos, telefotos serviços de telecomunicações, em
sentido amplo, neles compreendidos também o acesso à internet, têm
muitos problemas. Há algumas estratégias [prejudiciais] também no setor
financeiro e no âmbito das companhias de aviação, quase todas que
conheço, não respeitam as indenizações que teriam de pagar. Por que fazem
isso? Porque elas sabem que se um em três consumidores não entra com
processo, elas já saem lucrando e economizam os trezentos ou seiscentos
euros que teriam de pagar, talvez um pouco mais em razão de custas e
honorários advocatícios. Nesses casos, em segmentos nos quais há uma
estratégia sistemática de lesar o consumidor, eu diria que teria de existir
uma possibilidade, uma opção para o juiz deferir uma indenização por
danos triplos, por exemplo. Mas isso dependeria ainda da existência de má-
fé e de uma estratégia visível de causar dano em massa.

ConJur — O Judiciário brasileiro está sobrecarregado e as ações


consumeristas são apontadas como uma das principais causas desse
problema. O ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça,
chegou a proferir uma frase que já se tornou célere: “As empresas
transferiram seu call center para o Poder Judiciário”. Nesse sentido, meios
alternativos de resolução de conflitos, como conciliação, mediação e
arbitragem, podem ajudar a melhorar esta situação?
Stefan Grundmann — Eles são realmente importantes, mas tem-se de
reconhecer o problema de que, com esses meios alternativos, não se
consegue formar uma jurisprudência. Então, quanto à previsibilidade das
manifestações judiciais e a tutela de situações futuras, esses meios não são a
melhor alternativa. Isso vemos, por exemplo, em alguns Estados membros
da União Europeia. Agora, por exemplo, a Itália tem uma instituição de
mediação para todos os contratos bancários e o desenvolvimento dessa
matéria jurídica já não é a mesma do que foi antes. O litígio também cria
uma certa clareza do Direito, mas, ao mesmo tempo, sobretudo para casos
não tão grandes, uma forma de conciliação poderia ser uma boa alternativa,
porque temos ainda aqueles casos mais importantes, que criam o Direito.

ConJur — O que o senhor pensa do modelo das class actions, dos Estados
Unidos?
Stefan Grundmann — Não saberia dizer se esse modelo funcionaria no
Brasil. Na União Europeia, temos duas matérias em relação às quais criamos
um mecanismo um pouco semelhante, com diferenças nos detalhes,
também importante. Essas duas matérias são o Direito do Mercado
Financeiro e as das regras do Direito da Concorrência. Ambas são matérias
nas quais os casos são verdadeiramente paralelos, quer dizer, tem mais ou
menos a mesma forma do litígio e, ao mesmo tempo, os danos não são tão
altos. E, naqueles casos, a economia de escala, de fazer tudo isso em um
único processo, altos é muito alta. Ao mesmo tempo, intentar um processo
sem essa possibilidade é muito raro, porque o dano não é tão grande. Então,
para impor verdadeiramente as regras nestas matérias, acho que seja uma
boa solução, em linha de princípio.

ConJur — No Brasil, discute-se a criação de um código de proteção para


usuários de serviços públicos. Tal medida é conveniente? A proteção a
consumidores de serviços públicos deve ser diferente da de consumidores
de serviços privados?
Stefan Grundmann — Normalmente, chamamos os serviços públicos de
segmentos regulamentados. De modo geral, esses segmentos têm uma
estrutura de mercados diferente da dos mercados normais, quer dizer,
foram mercados monopolistas primeiro, porque foram públicos e agora são
tipicamente oligopolistas. Por isso, diria que a ideia de uma fiscalização
permanente da administração pública ou de seus concessionários é algo
geralmente razoável e que a fiscalização dos contratos em mercados
oligopolistas se justifica mais do que em um mercado de concorrência. Por
isso, a proteção nos setores de energia, telecomunicações, transportes,
sobretudo ferroviários, pode ser uma boa ideia.

ConJur — Um dos grandes problemas atuais no campo do consumidor é a


questão da obsolescência programada. Como combater isso?
Stefan Grundmann — Isso é um problema para todos. Os produtos tinham
uma vida mais longa antigamente. Isso, sem dúvida, é verdade. Mas tenho
de dizer que é difícil conceber regras que vão mais longe do que um
controle sobre o regime, contra as práticas comerciais abusivas. As práticas
abusivas têm essa possibilidade: se um produto tem elementos ocultos que
reduzem a vida abaixo do normal, do prazo esperado, neste caso a doutrina
vem considerando tal conduta como prática abusiva. A alternativa seria a
Administração Pública dizer “nós controlamos todos os componentes ou
ingredientes dos produtos para checar se tecnicamente não seria possível
fazer um produto mais durável”. As vantagens de um mercado livre seriam
muito reduzidas. Mas não sei se, verdadeiramente, eu seria a favor disso.

ConJur — O que o senhor pensa sobre a publicidade e suas formas de


controle heterônomo, por meio do Estado, e autônomo, por meio da
autorregulação?
Stefan Grundmann — Hoje, a publicidade é a fonte de informação mais
importante em todo o mundo. Aliás, isso é assim há vinte, trinta anos e não
só na televisão, mas também, hoje em dia, na internet. Por isso, acho que
como a publicidade tem essa relevância, porque forma a base das decisões
de consumidores em muitos casos, é necessário aplicar também a ela as
regras de informação. Quer dizer, se a informação é incorreta, tem de se ter
uma solução tipicamente contratual, pois a publicidade é também conteúdo
do contrato. Isso é sempre um pouco difícil de dizer. Muitas vezes, depende
da atmosfera, do conteúdo da publicidade. Ou seja, se estamos diante de um
cliente razoável, enfim , teríamos de avaliar caso a caso. Mas vejo, também,
que essa linha entre fatos e seu contexto, às vezes, é um pouco difícil de se
definir. Mas, a publicidade precisa ter força vinculante, porque é fonte de
informação muito importante para decisões dos consumidores.

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Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico.


Karina Nunes Fritz é professora da FGV Rio. Doutoranda na Humboldt Universidade de
Berlim.

Otavio Luiz Rodrigues Junior é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-
doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und
internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

Revista Consultor Jurídico, 21 de fevereiro de 2016, 10h15

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COMENTÁRIOS DE LEITORES
10 comentários

- HAVERÁ UM CONJUR PARA PUBLICAR


afixa (Administrador)
24 de fevereiro de 2016, 14h17

será que o sujeito não conhece a teoria do dialogo das fontes? será que não conhece a
lei 8987/95?

AGÊNCIAS REGULADORAS
Rodrigo de Oliveira Ribeiro (Outros)
24 de fevereiro de 2016, 9h53
O excesso de protetismo é inversamente proporcional à inércia de nossas agências
reguladoras.

PIRES NA MAO
Wellington Mondaini (Advogado Autônomo - Comercial)
23 de fevereiro de 2016, 18h03

Ora, se "as empresas transferiram seu call center para o Poder Judiciário”. que
paguem para tal, independente da qualidade do consumidor. Não é mesmo?
Que tal um nome lançado indevidamente no SERASA, ter uma indenização pecuniaria
não inferior a R$100.000,00( cem mil reais). Vale para desembargador empregado ou
não, assim como outro qualquer desempregado. desempregado.

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