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TRABALHOS DE ARQUEOLOGIA 29

José Eduardo Mateus, Marta Moreno-García, eds.

Paleoecologia
Humana e
Arqueociências
Um Programa Multidisciplinar
para a Arqueologia sob a Tutela
da Cultura
TRABALHOS DE ARQUEOLOGIA; 29

COORDENAÇÃO EDITORIAL
José E. Mateus
Marta Moreno-García
António Marques de Faria

DESIGN GRÁFICO
TVM Designers

PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃO
Textype, Artes Gráficas, Lda.

TIRAGEM
500 exemplares

Depósito Legal
189 234/02

ISSN 0871-25

ISBN 972-8662-13-0

Instituto Português de Arqueologia


LISBOA
2003

O Instituto Português de Arqueologia respeita os originais dos textos que


lhe são enviados pelos autores, não sendo, assim, responsável pelas
opiniões expressas nos mesmos, bem como por eventuais plágios, cópias
ou quaisquer outros elementos que de alguma forma possam prejudicar
terceiros.
Autores

Francisco ALMEIDA
Diego E. ANGELUCCI
Ana Cristina ARAÚJO
Thierry AUBRY
Simon DAVIS
Cidália DUARTE
Sónia GABRIEL
Wim van LEEUWAARDEN
José E. MATEUS
Marta MORENO-GARCÍA
Carlos M. PIMENTA
Paula F. QUEIROZ
José Paulo RUAS
João ZILHÃO

Colaboradores

Vera ALDEIAS
Jacinta BUGALHÃO
Randi DANIELSEN
Gisela ENCARNAÇÃO
Cristina GAMEIRO
Javier MANGADO LLACH
Patricia MENDES
Vanda PINHEIRO
Leonor ROCHA
Jorge D. SAMPAIO
ÍNDICE

NOTA DE ABERTURA 11
❚ Fernando Real ❚

PREFÁCIO 15
❚ João Zilhão ❚

INTRODUÇÃO
1. ARQUEOLOGIA AMBIENTAL SOB A TUTELA DA CULTURA – UMA
EXPERIÊNCIA COM 20 ANOS, UM DESAFIO PARA A NOSSA ARQUEOLOGIA
❚ José Eduardo Mateus ❚

• Um Património mais Pleno de Sentidos 21


• O Laboratório de Paleoecologia – um dos Antecedentes do Programa CIPA 22
• Novos Desafios do Programa “Paleoecologia Humana e Arqueociências”
do IPA 23
– Colecções de Referência 26
– Redes de Cooperação na Arqueologia Portuguesa 26
– Um Papel Importante na Formação, Divulgação, e na Promoção Disciplinar 28
– Uma Articulação Aberta e Abrangente com a Comunidade – Fonte de Criatividade,
Intervenção Pública, e Financiamento 31

LABORATÓRIO DE GEOARQUEOLOGIA
2. A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA
❚ Diego E. Angelucci (com um contributo de Vera Aldeias) ❚

• Geoarqueologia: o que é? 36
– Introdução ao Conceito de Geoarqueologia 36
– Anotações para uma Definição de Geoarqueologia 37
• Modus operandi do Trabalho Geoarqueológico 41
– Conceitos Básicos 41
– A Investigação Geoarqueológica 43
• Geoarqueologia, Paisagens e Territórios 45
• Geoarqueologia e Depósitos Arqueológicos 54
– Processos de Formação em Âmbito Arqueológico: Sedimentação, Erosão e Pedogénese 56
– O Papel da Pedogénese nas Estratificações Arqueológicas 59
– A Definição das Unidades de Escavação 66
– A Descrição 68
– Reconstituir Sequências de Eventos e Correlações 68
• A Área de Geoarqueologia do CIPA 76
• Conclusão (do Capítulo) ou Início (da Geoarqueologia Portuguesa)? 79
• Agradecimentos 80
• Bibliografia Mencionada 80
• Outros Textos Geoarqueológicos de Referência não
Mencionados no Capítulo 84

3. INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS


ARQUEOLÓGICOS
❚ Diego E. Angelucci ❚

• Introdução 85
• Recolher Amostras para a Micromorfologia 87
– Propriedades da Amostra Micromorfológica 87
– Extracção da Amostra 88
– Identificação da Amostra, Registo e Tratamento Sucessivo 89
• A Descrição das Lâminas Finas Micromorfológicas: algumas Anotações 91
• A Micromorfologia em Arqueologia: alguns Exemplos 93
– O Reconhecimento dos Artefactos Líticos em Pedra Lascada e das Áreas de Debitagem 93
– A Função das Paleosuperfícies de Ocupação Antrópica: o Caso do Riparo Dalmeri
(Trento, Itália) 95
– A Visibilidade das Mudanças Climáticas Abruptas: o Dryas Recente de la Cativera
(Tarragona, Espanha) 98
– O Impacte Antrópico na Paisagem: o Sítio Neolítico de Lugo di Grezzana (Verona, Itália) 99
– Elementos Arquitectónicos em Terra de Cronologia Romana: o vicus de Bedriacum
(Cremona, Itália) 100
• Micromorfologia em Portugal 102
• Bibliografia 102
LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA E ARQUEOBOTÂNICA
4. O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA E ARQUEOBOTÂNICA –
UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO
E PERSPECTIVAS
❚ José Eduardo Mateus ❚ Paula Fernanda Queiroz ❚ Wim van Leeuwaarden ❚

• Introdução 106
• O Território Antigo 106
• As Unidades de Paisagem e os seus Registos 108
• Os Fósseis Vegetais (Diásporas e Fitoclastos) 108
• Sete Linhas de Trabalho 113
– Momentos da Progressão da Pesquisa 114
– Linha 1 - Arquivos Naturais da Memória Ecológica (Turfeiras e Lagos) 116
– Linha 2 - Arquivos Orgânicos do Espaço Doméstico e Adjacente 140
– Linha 3 - Palinologia de Argilas Arqueológicas 146
– Linha 4 - Antracologia Arqueológica 149
– Linha 5 - Eco-fisiografia dos Territórios Históricos de Hoje 156
– Linha 6 - Paleoecologia Experimental 162
– Linha 7 - Arqueologia Virtual 170
• Anexo I – Estruturas Documentais 175
• Anexo II – Lista de Trabalhos e Publicações do Laboratório de Paleoecologia
e Arqueobotânica 181
• Bibliografia 188

LABORATÓRIO DE ARQUEOZOOLOGIA
5. ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO
❚ Marta Moreno-García ❚ Simon Davis ❚ Carlos M. Pimenta ❚

• O que é a Arqueozoologia 192


• O Laboratório de Arqueozoologia do IPA 193
• A Arqueozoologia no Campo: Factores Condicionantes do Estudo
Arqueofaunístico 196
– Aspectos Limitantes 197
– Informações Necessárias 199
• Arqueozoologia no Laboratório: Perspectivas de Abordagem 202
– Ponto de Partida 202
– Caracterização Morfo-osteométrica de Espécies Semelhantes 203
– Observações de Carácter Tafonómico 203
– Interpretação Paleoecológica 211
– Estratégias de Exploração 217
– Inferências Socio-culturais 225
• Ponto Final 229
• Agradecimentos 229
• Bibliografia 229

6. A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO


❚ Marta Moreno-García ❚ Carlos M. Pimenta ❚ Simon Davis ❚ Sónia Gabriel ❚

• Introdução 235
• Contactos com Instituições Nacionais e Internacionais 236
• A Osteoteca 241
– Método de Preparação 241
– Composição 246
– Organização 257
– Divulgação 259
• Conclusão 260
• Agradecimentos 260
• Bibliografia 261

NÚCLEO DE PALEOBIOLOGIA HUMANA


7. BIOANTROPOLOGIA
❚ Cidália Duarte ❚

• Introdução 263
• O Comportamento Funerário e a Arqueologia 264
– Contextos Funerários Arqueológicos – Terminologia 266
– Contextos Funerários Arqueológicos – Diferenças Cronológicas 268
• Metodologia e Legislação em Arqueologia Funerária 276
– Enquadramento da Legislação Portuguesa 276
– Metodologia de Campo 278
– Tratamento Laboratorial 282
• Os Dados Osteológicos Quantitativos 283
– Paleonutrição e Paleopatologia 283
– Abordagens Arqueométricas e Paleodietas 284
– Abordagens Populacionais e Evolução Humana 285
• Equipa de trabalho 288
• Anexo I – Ficha de Escavação de Ossos Humanos
em Contextos Arqueológicos 289
• Anexo II – Dados Osteométricos de Campo 292
• Bibliografia 293

NÚCLEO DE PALEOTECNOLOGIA
8. PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS
❚ Francisco Almeida ❚ Ana Cristina Araújo ❚ Thierry Aubry ❚

• O que é a Paleotecnologia 299


• Matérias-primas, Aprovisionamento e Mobilidade 301
– Tipos e Variedades de Rochas Utilizadas 301
– Métodos de Avaliação e de Caracterização dos Recursos Líticos 303
– Um Meio de Reconstrução dos Territórios Explorados 306
• A Transformação e a Utilização das Matérias-primas Líticas 308
– O Reconhecimento das Técnicas de Debitagem, Afeiçoamento e Retoque 309
– Do Objecto à Cadeia Operatória 310
• Modalidades de Abandono e Deslocação Pós-deposicional
dos Vestígios Líticos 316
– Exemplos de Análise à Escala do Sítio 317
– Exemplos de Análise à Escala do Território 336
• Paleotecnologia e Paleoetnografia. A Mais que Necessária
Multidisciplinaridade 343
• Equipa de Trabalho 345
• Agradecimento 346
• Bibliografia 346

AUTORES E COLABORADORES DESTE VOLUME 351


Nota de Abertura

Para um laboratório português de Arqueociências

Nos últimos 20 anos têm ocorrido em Portugal descobertas arqueológicas de grande


relevância. Tais descobertas, embora potenciando importantes contributos para um enri-
quecido Património Cultural, têm feito realçar o enorme atraso estrutural do nosso País em
termos de Ciências exactas e naturais, auxiliares da Arqueologia.
O património arqueológico constitui-se como um acervo de materiais, cuja descrição
requer as técnicas e linguagens das ciências exactas e naturais (constituição, origem, cro-
nologia, tecnologia de fabrico, uso). Este Património é o ponto de partida para o estudo sobre
os antigos territórios e sua ecologia, os recursos explorados, a sua funcionalidade económica
e estruturação.
Esta mais-valia (informação) de natureza “arqueoambiental” tem sido esquecida e destruída
sistematicamente no país, razão pela qual o nosso Património, apesar de único e insubstituí-
vel, se encontra profundamente desvalorizado face ao panorama europeu e americano.
É, assim, indispensável e urgente obter o reconhecimento e a vontade política de col-
matar esta grande insuficiência da Arqueologia — no próprio âmago da “identificação e
inventariação do património” — sendo patente a falta de uma instituição directamente voca-
cionada para a investigação laboratorial em arqueologia (nos domínios das ciências natu-
rais), no âmbito da administração central.
Por outro lado, e simultaneamente através de uma colaboração estreita, iniciada em
1982 entre o Departamento de Arqueologia do então IPPC/IPPAR e o Departamento de
Química do antigo Instituto de Ciências e Engenharias Nucleares (antigo LNETI e agora ITN
– Instituto Tecnológico e Nuclear) foi possível criar aí uma unidade de datação pelo radio-
carbono (14C) financiado em grande parte pela então Secretaria de Estado da Cultura. Ape-
sar da instabilidade e das alterações orgânicas que tem havido ao longo dos anos nas insti-
tuições envolvidas, já foram obtidas, até agora, mais de 1000 datações pelo radiocarbono
sobre materiais diversos: madeiras, carvões, ossos, conchas, turfas, sedimentos, etc., fruto
dessa colaboração contínua e regular.
No âmbito do processo da anunciada fusão do IPA com o IPPAR, torna-se assim urgente
aproveitar a reestruturação em curso dos serviços que gerem o Património Cultural arqueo-
lógico para qualificar a Arqueologia, enquadrando esta valência no quadro jurídico a criar.

Situação actual deste programa

As iniciativas para a criação de um Laboratório de Arqueociências em Portugal


remontam à decada de oitenta (vide Introdução). O processo de institucionalização do
então designado CIPA — Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueo-
ciências — foi iniciado em 1999, com o apoio do então Titular da Pasta da Cultura
(Manuel Maria Carrilho — o que veio a ser reiterado pelo seu sucessor Augusto Santos

11
Silva) e do anterior Ministro da Ciência, Mariano Gago, a quem foram entregues pela
Direcção do IPA à época, sucessivos memorandos, sempre acolhidos por palavras de
apreço e encorajamento. Foi então elaborado para o IPA um Regulamento de Bolsas de
Investigação Científica (aprovado a 26/03/01 pela Fundação para a Ciência e a Tecnolo-
gia), de acordo com o Decreto-Lei no 123/99 de 20 de Abril, visando permitir o recruta-
mento e reforço da equipa desse Centro de Investigação em fase de instalação. Neste sen-
tido, foi proposta já em 2000, uma primeira alteração da Lei Orgânica do IPA, a que se
seguiu, no 2o semestre de 2001, uma outra proposta de alteração orgânica ao Quadro do
Instituto com vista à institucionalização deste Centro, não tendo, contudo, sido possível
a sua aprovação durante a legislatura anterior, por razões ligadas com a demissão do
Governo, em 19 de Novembro de 2001.
Na sequência de um longo e consistente processo de desenvolvimento e apetrechamento,
sob tutela do MC, e de um bem sucedido concurso alargado de recrutamento nacional e inter-
nacional de cientistas, o laboratório de investigação apresenta-se hoje como uma unidade de
investigação de maturidade técnico-científica reconhecida, bem apetrechada, e alargada ope-
racionalidade. Diga-se, assim, que falta apenas a sua consagração numa lei orgânica. Dispõe
de oito investigadores doutorados, dois doutorandos (um mestre e um licenciado), e seis téc-
nicos (dois licenciados e quatro bacharéis ou equiparados). Faz-se notar que se trata de um
grupo de especialistas em Arqueologia Ambiental, com uma vasta experiência na aplicação de
técnicas e linguagens das ciências naturais ao património arqueológico.
Até Maio de 2002 altura em que entrou em função a actual Direcção do IPA, para
além de um programa de apetrechamento, instalação laboratorial, constituição de vastas
colecções de referências únicas no País, foram já estabelecidos 89 projectos de coopera-
ção com a comunidade arqueológica nacional; foi assegurada a participação científica em
11 programas de investigação nacional e internacional; foi editada uma série de relatórios
– “Trabalhos do Cipa” (49 volumes). Foram ainda realizadas várias acções de formação e
divulgação com efeito multiplicador evidente. Nesta fase experimental foi ainda criado um
logótipo para ajudar a identificar uma imagem dos laboratórios.
As disciplinas cobertas são: Arqueozoologia (mamíferos, aves, peixes, anfíbios e répteis);
Arqueobotânica (palinologia, carpologia, antracologia, anatomia de madeiras, paleoecologia
vegetal); Geoarqueologia (sedimentologia, geomorfologia, pedologia, micromorfologia);
Paleobiologia Humana (evolução humana, osteobiografia, arqueologia funerária); e Paleo-
tecnologia lítica (estudos de proveniência de matérias primas e das cadeias operatórias).
Um programa do PIDDAC, formalmente aceite pela Tutela e por despacho de
14/Abril/2000 da Senhora Ministra do Planeamento, à época, tem suportado o financia-
mento de bolsas e de contratos de avença e a aquisição do equipamento laboratorial e infor-
mático do Laboratório.
O Laboratório tem efectuado inúmeras prestações de serviço, o que tem gerado recei-
tas que permitem assegurar uma boa parte das despesas correntes do seu funcionamento.
O recrutamento do pessoal tem seguido as regras previstas na mobilidade de funcio-
nários na Administração Pública, concursos públicos e convite no caso de duas bolsas de
cientista convidado.
O projecto PIDDAC em 2003, tem uma dotação anual de 299 279 a e as receitas obti-
das por prestações de serviços ascendem a uma média anual de 64 800 a — verbas que per-
mitiram equipar o laboratório e constituir o seu fundo de maneio. O encargo com os bol-
seiros corresponde a 51% da dotação existente.
A confirmar o êxito deste laboratório, em fase experimental, têm chegado ao IPA, dos
mais prestigiados laboratórios de investigação nacionais e estrangeiros, mensagens de soli-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

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dariedade e de apoio à sua institucionalização. Recorde-se que são várias as Universidades,
Câmaras Municipais, Empresas de Arqueologia e arqueólogos que recorrem aos serviços do
Laboratório.
Os projectos aceites no âmbito do Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos (PNTA)
são alvo de um concurso anual de colaboração gratuita.
Um laboratório em Arqueologia Ambiental é uma necessidade premente da Arqueo-
logia em Portugal.
A inexistência de tal laboratório de investigação tem uma explicação e essa é reflexo do
atraso do nosso País, das repetidas alterações nas políticas do Património, das indecisões e
da morosidade dos procedimentos administrativos inerentes à sua criação.
O conjunto dos investigadores e de técnicos que trabalham no IPA em Paleoecologia
Humana e Arqueociências, a sua reconhecida experiência técnico-científica, o apetrecha-
mento laboratorial acumulado, e as importantes colecções de referência já constituídas, são
no seu conjunto uma mais valia do País, da Arqueologia, da Ciência Portuguesa, e do
Ministério da Cultura (MC).
O processo de criação destes laboratórios de Arqueologia Ambiental sob a tutela do MC
dura há mais de 20 anos. Julgamos ter chegado o momento certo, para a sua consagração
formal, no quadro da reestruturação em curso da Arqueologia Portuguesa.
Actualmente já existem os recursos humanos, financeiros e materiais (instalações,
equipamentos e colecções comparativas) para uma unidade laboratorial de excelência.
Importa apenas resolver um problema jurídico e garantir, para o futuro, o plano anual de
actividades. Salienta-se ainda que existem compromissos assumidos no início do corrente
ano com várias instituições e Arqueólogos que importa ter em conta no contexto actual. Tais
compromissos envolvem projectos com Universidades e a preparação de teses de licencia-
tura em História (Variante de Arqueologia), mestrados e doutoramentos.
Uma das missões do laboratório de arqueologia seria a de dar continuidade e poten-
ciar novos protocolos com outros laboratórios de investigação e instituições do ensino supe-
rior em colaboração estreita com a pesquisa que aí é desenvolvida e que tenham interesse,
disponibilidade e recursos para se associarem à investigação em Arqueociências.
Falta apenas uma tomada de decisão superior face ao reconhecimento da urgência e
oportunidade da institucionalização deste Laboratório de Arqueociências como instru-
mento central de salvaguarda do património.
Esta publicação é um repositório e apresentação pública de uma forma organizada do
planeamento, esforço humano e financeiro que tem sido realizado há 23 anos no âmbito dos
organismos que têm coordenado a Arqueologia Portuguesa e que nos últimos anos permi-
tiu avanços significativos.
A ser bem entendida pelo Governo esta necessidade que os arqueólogos sentem
como uma prioridade, poderá ser que, em breve, possamos dispor de um Laboratório
Português de Arqueociências para bem do Património Cultural e da Arqueologia enquanto
disciplina científica.

Lisboa, Agosto de 2003

Fernando Real
Director do IPA

NOTA DE ABERTURA

13
Prefácio
Por razões diversas, ligadas ao atraso geral do país e das suas Universidades, em grande
medida decorrente da história política do pós-1945 português, a nossa Arqueologia foi, durante
quase todo o século XX, quase só assunto de (poucos) amadores, e as ciências com ela rela-
cionadas estiveram praticamente desprovidas de praticantes, individuais ou institucionais.
Também neste aspecto, o 25 de Abril de 1974 representou o início de uma verdadeira revolu-
ção; muita coisa mudou desde então na Arqueologia portuguesa, tanto no campo universitá-
rio como no da administração pública.
No que diz respeito às Arqueociências, porém, e com a singular excepção representada
pela entrada em funcionamento, em 1986, do Laboratório de Radiocarbono de Sacavém, o
fosso que nos separava da Europa não cessou de aumentar, apesar das diversas tentativas de
superação da situação levadas a cabo a partir de 1980, com a criação no Museu Nacional de
Arqueologia (MNA) de um embrião de Laboratório de Paleoecologia. O facto de o ensino da
Arqueologia se fazer nas Faculdades de Letras, o reduzido interesse que o estudo do Quater-
nário suscitava (e suscita ainda) entre os geólogos nacionais, a inexistência de verdadeiros
Museus de História Natural (agravada pelo trágico incêndio que em 1978 destruiu o Museu
Bocage), o subfinanciamento estatal crónico das Universidades em geral e das ciências sociais
e humanas em particular, tudo isso contribuiu para que a expansão do ensino e da prática da
Arqueologia ao longo das décadas de 80 e 90 se tivessem dado num ambiente de divórcio
quase completo com as ciências da natureza e do ambiente.
Não surpreende por isso que, do preâmbulo do Decreto-Lei 117/97, de 14 de Maio, que
criava o Instituto Português de Arqueologia (IPA), constasse que “a gestão do património
arqueológico em todas as suas vertentes é indissociável do apoio à investigação científica, apoio tanto
mais necessário quanto, hoje em dia, a exploração adequada da informação arqueológica exige cres-
centemente o recurso a métodos derivados da física e das ciências naturais, competindo à adminis-
tração central, na situação presente, desempenhar um papel de forte impulsionador do respectivo
desenvolvimento”. Numa primeira fase, procurou-se levar à prática estas orientações nos termos
enunciados em discurso proferido por ocasião da cerimónia de tomada de posse da primeira
direcção do IPA, em 12 de Junho de 1997: “o IPA promoverá igualmente o incremento dos estu-
dos arqueométricos em Portugal, através da celebração de protocolos com Universidades e Institutos
de investigação, visando a constituição de uma rede laboratorial que torne possível que, na Arqueo-
logia portuguesa, os estudos paleoambientais e radiométricos, entre outros, se tornem cada vez mais
a regra e não a excepção”.
Desta política de protocolos viria a resultar a consolidação de um Grupo de Arqueome-
tria no Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN), no seguimento da actividade pioneira de J. M.
Peixoto Cabral e A. M. Monge Soares, e com o apoio empenhado de J. Carvalho Soares, Pre-
sidente do ITN ao longo de todo este período. Pela primeira vez em Portugal, constituía-se num
Laboratório do Estado uma equipa científica especificamente dedicada às aplicações arqueo-
lógicas da Física e da Química, consolidando-se linhas de investigação anteriores na análise
de materiais, na ceramologia e nos isótopos estáveis; e, no que diz respeito à datação radio-
métrica, assegurava-se a continuidade do Laboratório de Radiocarbono e criava-se um Labo-
ratório de Termoluminescência. A importância do que estava em causa ficou bem patente no
facto de os Ministros da Cultura e da Ciência terem participado na cerimónia de assinatura do
protocolo entre o IPA e o ITN, celebrada nas instalações deste último em 23 de Março de 1999,

15
e de terem aproveitado a ocasião para proferir discursos programáticos sobre o futuro da
Arqueologia e das Arqueociências em Portugal.
Por protocolo paralelo, procurou-se desenvolver a área das ciências naturais aplicadas à
arqueologia, através do apoio à equipa de Paleoecologia que, em 1995, se havia transferido do
MNA para o Museu Botânico da Universidade de Lisboa. Rapidamente, porém, as insuperá-
veis dificuldades de enquadramento institucional universitário com que essa equipa se depa-
rava fizeram aparecer os limites de tal política. Em finais de 1998, a descoberta da sepultura
infantil do Abrigo do Lagar Velho, com toda a repercussão internacional de que se revestiu, e
consequente obrigação de produzir em tempo útil uma contextualização científica do achado
credível pelos padrões internacionais, tornou ainda mais óbvias as carências do país nesta área.
Foi neste quadro que germinou a ideia de envolver o Ministério da Cultura na criação de um
Centro de Investigação que resolvesse esta grave lacuna do sistema científico nacional.
A ideia foi apresentada superiormente ao Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho,
em memorando datado de 8 de Fevereiro de 1999. Dele se transcrevem as passagens mais rele-
vantes:

“A abordagem integrada da Pré-história na perspectiva da Arqueologia como Paleoe-


cologia Humana exige a constituição de equipas pluridisciplinares de investigação, pro-
fissionalizadas, com instalações, equipamentos, laboratórios e bibliotecas próprios, dota-
das de autonomia científica e de programas de actividades orientados em função de pro-
blemáticas e não dependentes em absoluto da lógica da prestação de serviços. A realiza-
ção desses programas permite testar metodologias e aferir resultados, ao mesmo tempo
que origina a constituição de paradigmas a emular e, por essa via, a prazo, a replicação
de equipas de características semelhantes. Só assim se pode assegurar a disseminação gra-
dual pelo conjunto da actividade das melhores práticas do momento e, portanto, a ele-
vação generalizada do respectivo nível científico e um adequado retorno patrimonial, edu-
cativo e cultural do investimento nacional nela realizado.

A Lei Orgânica do IPA (decreto-lei n. 117/97 de 14 de Maio) atribui a este Instituto do


Ministério da Cultura a competência para ‘realizar, conjuntamente com outras entidades
públicas ou privadas, em sítios de importância excepcional, acções de tipo exemplar que
possam constituir-se em catalisadores da actividade arqueológica nacional nas suas diver-
sas vertentes’ (artigo 3o, alínea l). É no quadro destas competências e como medida de polí-
tica para impulsionar a ultrapassagem da situação acima referida que se propõe a cons-
tituição de um Centro de Investigação de Pré-História e Arqueociências (CIPA).
A médio prazo, esta estrutura deverá originar um Centro de Investigação ligado ao sis-
tema universitário, com quadro e orçamento próprio. No imediato, e dada a actual liga-
ção ao Ministério da Cultura de uma boa parte dos investigadores em condições de o inte-
grar, pode constituir-se como estrutura de projecto a funcionar no quadro do IPA, sob a
responsabilidade do respectivo director, financiada pelo PIDDAC do MC (e, eventual-
mente, por apoios oriundos do MCT) e funcionando em instalações cedidas pelo IPA ou
pela Universidade de Lisboa.”

Obtida a concordância da tutela, procedeu-se de imediato aos contactos com o Ministé-


rio da Ciência e Tecnologia. Das reuniões realizadas com o titular desta pasta, José Mariano
Gago, resultou uma correcção do projecto inicial, atentos os seus conselhos relativamente às
dificuldades institucionais inerentes ao modelo proposto, sobretudo as decorrentes das limi-
tações do sistema universitário que já haviam sido responsáveis pelo impasse em que se

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

16
encontrava a equipa de Paleoecologia do Museu Botânico. Em memorando ao Ministro da Cul-
tura datado de 5 de Março de 1999 fazia-se o seguinte resumo das principais conclusões rela-
tivas a este Centro de Investigação (cuja designação se havia por então fixado em Centro de
Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências — CIPHA ou CIPA) resultantes dos
contactos havidos com o Ministro da Ciência e Tecnologia:

“1) O Ministério da Ciência e Tecnologia apoiará a constituição do CIPHA dentro de


modalidades a definir.
2) A solução mais funcional e eficiente, no imediato, é a de criar o CIPHA no quadro de
uma instituição já existente.
3) A instituição em melhores condições para esse efeito é o IPA.
4) O CIPHA pode arrancar de imediato, no quadro orgânico do IPA, como estrutura
informal em que se agruparão:
a) arqueólogos ou técnicos superiores do IPA com currículo compatível (doutora-
mento nas áreas abrangidas ou perspectivas de obtenção do grau no decurso do ano
corrente);
b) bolseiros post-doc a recrutar no estrangeiro para as especialidades inexistentes em
Portugal;
c) técnicos adjuntos ou beneficiários de bolsas para técnicos de investigação para apoio
aos trabalhos de campo e de laboratório.
5) A breve prazo, e na primeira oportunidade de revisão da Lei Orgânica do IPA e con-
sequente reestruturação do quadro de pessoal, o CIPHA será dotado de estatuto próprio
e o respectivo pessoal enquadrado na carreira de investigação, que para o efeito se criará
no IPA.
6) A partir do momento em que esteja constituído, o CIPHA funcionará também como
centro de formação no quadro de programas de doutoramento a protocolar com as Uni-
versidades.”

Foi já no quadro desta afinação do projecto que, a 2 de Março, se difundiu um anúncio


para recrutamento de bolseiros. Realizadas as entrevistas com uma primeira selecção dos
dezoito candidatos de oito nacionalidades que se apresentaram a concurso, as contratações
foram feitas em princípios de Setembro de 1999, já com a equipa do Museu Botânico em pro-
cesso de integração no projecto, graças à colaboração empenhada do responsável desse Museu,
Fernando Catarino. O CIPA começaria a funcionar em pleno a partir de 1 de Janeiro de 2000,
nas áreas de Paleotecnologia, Arqueobotânica e Arqueozoologia, completadas no ano seguinte
com o recrutamento de um bolseiro de Geoarqueologia. Em conformidade, já a 6 de Dezem-
bro de 1999 se havia difundido uma circular aos arqueólogos dando conta da criação da estru-
tura e das condições de candidatura à obtenção do seu apoio e colaboração, no âmbito do Plano
Nacional de Trabalhos Arqueológicos.
O conjunto de contribuições reunidas neste volume é testemunho suficiente do acerto
desta aposta e do modo como, em apenas três anos, dela resultou uma transformação radical
do panorama científico da arqueologia portuguesa. Apoiaram-se dezenas de projectos nacionais
nas mais diversas áreas, produziram-se publicações de alto nível internacional, estabeleceram-
-se relações de colaboração com instituições similares de numerosos países, criou-se um modelo
de funcionamento que outros, noutros países, procuram emular. A criação das bases de dados
e das colecções de referência de Arqueobotância e Arqueozoologia permitiu ainda pôr à dispo-
sição das Universidades portuguesas instrumentos de trabalho indispensáveis para a formação
e investigação em Botânica, Veterinária e Zoologia que elas próprias não haviam até hoje

PREFÁCIO

17
podido organizar. Em consequência, o impacte da criação do CIPA fez-se sentir em todo o sis-
tema científico nacional, muito para além das fronteiras da Arqueologia em sentido estrito.
Deve salientar-se que o facto de tanto ter sido conseguido em tão pouco tempo se deve
exclusivamente à competência, dedicação e empenho dos investigadores e técnicos do CIPA,
cujo entusiasmo nunca esmoreceu, mesmo perante as dificuldades administrativas que, ape-
sar do empenho político ao mais alto nível, acabaram por ensombrar a pretendida institucio-
nalização rápida da estrutura. A criação do CIPA como serviço dependente do IPA enquadrado
no sistema de investigação científica nacional fora anunciada conjuntamente pelos Ministros
da Cultura e da Ciência e Tecnologia em 1999, por ocasião da assinatura do anteriormente
referido protocolo com o ITN, e foi reafirmada, após as eleições legislativas de finais desse ano,
em discurso programático do Ministro da Cultura proferido no Museu Nacional de Arqueo-
logia a 6 de Janeiro de 2000. Na mesma ocasião, o Ministro da Cultura assumiu também a
necessidade de proceder a ajustamentos na delimitação das competências do IPA e do IPPAR
fixada pelas leis orgânicas de 1997. Citam-se, da secção do seu discurso relativa aos “objecti-
vos da actual legislatura”, as passagens relevantes:

• “Proceder a pequenos ajustamentos, que a experiência aconselha, nas orgânicas do


IPPAR e do IPA, para que o quadro de uma nova eficácia e de uma nova ambição se con-
cretizem no sector do Património”;
• “Criação da carreira de investigação científica no IPA”.

Foi neste contexto que a direcção do IPA preparou um projecto global de alteração da sua
lei orgânica, no âmbito do qual se promovia a formalização administrativa da estrutura CIPA,
a realizar nos termos do artigo 15o-C desse projecto, que adiante se transcreve:

o
“Artigo 15 -C
Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências
1) O CIPA é uma instituição de investigação científica nos termos e para os efeitos do
artigo 4o do Decreto-Lei no 125/99, de 20 de Abril.
2) Ao CIPA compete, nomeadamente:
a) Desenvolver programas de investigação pluri e inter-disciplinares sobre a evolução da
paisagem portuguesa e dos antigos territórios humanos, sobre a história natural do
homem e dos recursos por ele explorados, e sobre a natureza dos diferentes sistemas
de adaptação documentados pela investigação arqueológica;
b) Promover, nomeadamente através da celebração de protocolos, a cooperação técnico-
-científica com outras instituições, com vista a desenvolver programas de pesquisa
interdisciplinar que exijam recurso a domínios exteriores aos seus recursos próprios
de investigação;
c) Desenvolver acções de divulgação nos domínios da Paleoecologia Humana e da Arqueo-
logia Ambiental com vista à promoção destas disciplinas como áreas vocacionais;
d) Promover a celebração de protocolos com instituições de ensino superior com vista a
co-promover e co-orientar cientificamente programas de formação curricular univer-
sitária, nomeadamente pós-graduações, mestrados e doutoramentos;
e) Colaborar em projectos de investigação no âmbito do PNTA.
3. De entre os investigadores a exercerem funções no CIPA, será designado um coorde-
nador de equipa, nos termos de regulamento interno a aprovar pelo Ministro da Cultura,
que será responsável perante a direcção do IPA pela execução do respectivo plano de acti-
vidades.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

18
4. O quadro de pessoal do CIPA será aprovado nos termos do artigo 42o do Decreto-Lei
no 124/99, de 20 de Abril.”

O projecto de alterações em causa mereceu a aprovação da tutela e entrou no circuito intra-


governamental de avaliação em princípios de Junho de 2000. Um mês mais tarde, porém,
Manuel Maria Carrilho, que havia sido titular da pasta da Cultura desde Outubro de 1995,
abandonava o governo, tendo sido substituído por José Sasportes. A nova equipa ministerial
decidiu reavaliar a decisão previamente assumida de reajustar as competências do IPA e do
IPPAR e, em consequência, o processo de alteração das respectivas leis orgânicas viria a ficar
congelado (e, com ele, a institucionalização do CIPA), apesar de, tendo já em conta os pare-
ceres e observações dos serviços competentes do Ministério das Finanças e da Direcção-Geral
da Administração Pública, o respectivo projecto de decreto-lei ter ficado pronto para ir a Con-
selho de Ministros em 9 de Fevereiro de 2001. Foi neste quadro que, após a entrada em fun-
ções, em Julho seguinte, da equipa ministerial dirigida por Augusto Santos Silva, a terceira na
pasta da Cultura em menos de um ano, a direcção do IPA acabou por propor, em Novembro,
que as duas questões passassem a ser tratadas separadamente. Enquanto a nova tutela fazia
a sua própria reflexão sobre a melhor solução a dar ao problema das relações com o IPPAR,
acordou-se a imediata institucionalização do CIPA no quadro da lei orgânica de 1997, dada a
óbvia urgência de dar adequado enquadramento administrativo a uma estrutura que já estava
em funcionamento há quase dois anos e que, desde o início, se encontrava dotada de rubrica
própria no orçamento PIDDAC do IPA.
Em conformidade, os serviços do IPA prepararam rapidamente um projecto de Decreto-
-Lei. Infelizmente, a demissão do Primeiro-Ministro, em 16 de Dezembro de 2001, acarretando
a demissão do governo e a convocatória de eleições, não permitiu que o processo pudesse ser
completado em tempo útil até à tomada de posse do novo governo, em Abril de 2002. Sem que
nada o fizesse esperar, o titular da pasta da Cultura desse governo, Pedro Roseta, viria a anun-
ciar publicamente, em 6 de Maio de 2002, a intenção de proceder à fusão entre o IPA e o
IPPAR, no âmbito de um processo de reestruturação de serviços extensivo a toda a Adminis-
tração Pública. Esse anúncio precipitou a demissão da direcção do IPA, a sua substituição em
moldes provisórios e, passado um ano, no momento em que escrevo estas linhas, o arrasta-
mento de uma situação de indefinição quanto ao CIPA e ao seu futuro.
Do intenso debate que, há um ano, atravessou a Arqueologia portuguesa a propósito des-
tas decisões do governo saído das eleições de Março de 2002, houve unanimidade em muitos
aspectos, e sobretudo num: a utilidade e importância de que se revestiu, para a comunidade
arqueológica nacional, a criação do CIPA. Resta-nos assim esperar que, ao menos nesta maté-
ria, o actual poder político acabe por atender à opinião dos profissionais, e que a este Centro
de Investigação venham a ser dadas, qualquer que venha a ser o seu futuro enquadramento
institucional no Ministério da Cultura, as condições de trabalho que os seus técnicos merecem
e o país precisa que lhes sejam dadas.

Lisboa, 12 de Maio de 2003

João Zilhão
Professor da Faculdade de Letras de Lisboa
Director do IPA entre 15 de Maio de 1997 e 15 de Maio de 2002

PREFÁCIO

19
Introdução
| Arqueologia Ambiental sob a tutela
capítulo 1
da Cultura: uma experiência com 20 anos,
um desafio para a nossa Arqueologia
❚ JOSÉ EDUARDO MATEUS* ❚

Um Património mais Pleno de Sentidos

Contrastando com os nossos monumentos de pé, cujo espaço ainda habitamos e revi-
vemos (de forma reciclada), os sítios arqueológicos são em geral parcelas de um território
humano enterrado e esquecido sob solo florestal, agrícola, ou urbano. Trata-se assim de um
património imprevisto, abandonado, um recurso ainda “bruto”, embora precioso para a
reconstituição do nosso referencial de identidade cultural que se empobrece rapidamente.
Identificar sítios é apenas o preâmbulo desta actividade produtiva de Cultura. O patri-
mónio arqueológico não se produz na simples descoberta, mas no exercício da desmonta-
gem, registo, e sobretudo na “remontagem” dos testemunhos. Dar forma e conteúdo a frag-
mentos do nosso território de hoje, enquanto novos monumentos da nossa passada existência
constitui um desafio à nossa criatividade técnica, científica, e cultural. A Cultura Material
de outrora preservada no registo arqueológico deve ser reconstituída na sua expressividade
de “obra”, enquanto forma (estrutura) que esteve viva, que funcionou, na sua viabilidade /
criatividade ecológica, económica, social, espiritual. Só desta forma se produz ciência e
património.
Falamos em prole de uma Arqueologia Contextual no seu duplo sentido Processual e
Pós-processual. Por cá, nós os arqueólogos, continuamos a ignorar simplesmente mais de
metade do conteúdo informativo do nosso objecto — o registo material das antigas sociedades
humanas. O caixote de fragmentos líticos e cerâmicos, e os desenhos esboçados dos perfis
dos muros que desventramos constituem na esmagadora maioria a totalidade do espólio
base das intervenções, um potencial científico-cultural muito pobre, dado que muitas das
vezes se constitui na destruição (ignorante e involuntária) do registo arqueo-espacial,
arqueo-biológico, e arqueo-geológico — suportes privilegiados da teia escondida da inteli-
gibilidade dos nossos antigos habitats.
A razão é já conhecida de todos. A formação dos arqueólogos no nosso país é profunda-
mente deficitária nos domínios das ciências do passado — as que permitem identificar, regis-
tar, desmontar, e recuperar os testemunhos de forma integrada e contextualizada. Antes de
se constituírem como “artefactos” (leia-se de forma grosseira “peças de arte”), os registos são
entidades geológicas, pedológicas, ecológicas, biológicas, cuja articulação espacial (reflexo
material da sua funcionalidade) se preserva no “solo arqueológico” — uma parcela do ecos-
sistema onde um metabolismo natural preserva, processa, e consome a informação.
De notar que estamos a falar de identificação, registo, e desmontagem — aspectos a mon-
tante do processo de re-criação do património arqueológico. A juzante, ao nível da remontagem,
as ciências do passado voltam a ser essenciais. A natureza “cultural” dos artefactos e estrutu-
ras só se completa e exprime (para além do formalismo tipológico cru), quando emanando da
sua natureza “natural”, revelada pelas técnicas e linguagens das Ciências Exactas e da Natu-
reza. Composição elementar, origem espacial da matéria prima, cronologia, tecnologia de

21
fabrico e uso, funcionalidade económica, viabilidade ecológica, constituem aspectos desta
contextualização “natural”, a promover após a escavação.
Acresce nesta visão duplamente natural e cultural do Património Arqueológico o facto dos
sítios arqueológicos frequentemente funcionarem como “arquivos de imagens” do espaço
envolvente, permitindo um acesso ao Território Antigo, à sua fisiografia, à sua ecologia, aos
seus recursos potenciais e explorados, à sua funcionalidade económica, à sua estruturação
espacio-cultural. Evoca-se aqui uma visão integrada de sítios, uma macro-escala acessível
pelas Ciências do Território.
Este “contexto natural” (arqueoambiental e espacial), tem sido esquecido e mesmo des-
truído no nosso país. É esta a razão pela qual retemos hoje um património histórico-cultural
único, mas profundamente desvalorizado, face ao panorama internacional.
Neste sentido é hoje fundamental instituir as arqueociências num programa nacional
tutelado pelo Ministério da Cultura.
Não se trata apenas da necessidade de desenvolver a Arqueologia Ambiental no âmbito
lato da Nossa Arqueologia — tarefa que deverá envolver também universidades, câmaras, pri-
vados, e o próprio Ministério do Ambiente — mas simplesmente de assegurar o cumprimento
de objectivos primários, nacionais e de responsabilidade governamental: identificar, inventa-
riar, e assegurar a preservação do nosso património. Afinal uma tarefa que irremediavel-
mente terá que passar por um programa científico coerente.

O Laboratório de Paleoecologia – um dos Antecedentes do Programa CIPA

No entanto, estas preocupações são já antigas e partilhadas por muitos. Recordamos que
tudo começou em 1980 com a dupla tomada de posse de Francisco Alves como director do
MNAE (Museu Nacional de Arqueologia) e do Departamento de Arqueologia do IPPC.
Com o então designado Laboratório de Paleoecologia (Fig. 1-1) procurava montar-se um
serviço laboratorial para a investigação em Paleoecologia Arqueológica, área de interface
entre as Ciências Naturais e a Arqueologia. A responsabilidade deste programa recaiu pre-
cisamente sobre o autor destas linhas, ao qual se juntaram mais tarde três colaboradores,
Paula Fernanda Queiroz (bióloga), Maria João Coutinho (arqueóloga) e Fernando Real
(geólogo), os dois últimos ligados ao embrião de dois sectores (arqueozoologia e geoar-
queologia).
Embora sem reconhecimento orgânico formal o Laboratório de Paleoecologia esteve pre-
visto no projecto de lei orgânica do MNA e consignado na “Proposta de Criação de um Cen-
tro Nacional de Investigação Interdisciplinar em Arqueologia”, da autoria de um grupo de espe-
cialistas designado pelo então Secretário de Estado da Cultura.
Graças ao apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, a um protocolo com o Museu Botâ-
nico (U.L.), e a um programa de cooperação com a Universidade de Utreque (Holanda), a área
de Arqueobotânica pôde florescer em torno de dois doutoramentos (JEM e PFQ) versando a
Paleoecologia da Paisagem Portuguesa — teses orientadas respectivamente por Cornelius
Roelof Janssen (Utreque) e Fernando Mangas Catarino (Lisboa).
Em 1995, com a criação do IPM, tornou-se nebulosa a definição institucional do “Labo-
ratório de Paleoecologia” no MNA pelo que foi então assinado um protocolo com o Museu
Botânico da U.L. que permitiu a passagem desta unidade para a alçada do Museu Nacional de
História Natural (M.N.H.N.).
Esta estada na U.L. (sob a tutela de Fernando Catarino) foi prolífera: Aumentou a equipa
e novas áreas de investigação no âmbito das ciências do passado e do território foram desen-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

22
volvidas; O LP consolidou a sua cooperação em programas internacionais e nacionais; Formou-
-se gente em áreas carentes e inéditas entre nós; Enfim, foi também crescendo o apetrecha-
mento da unidade quer em equipamento laboratorial, informático, e de microscopia, quer em
estruturas documentais e colecções de referência.
Nos finais de 1999 o Laboratório de Paleoecologia regressou ao Ministério da Cultura.
Através de novo protocolo IPA - Museu Botânico foi possível recuperar integralmente o con-
junto da equipa, apetrechamento, projectos, e colecções de referência, em crescimento desde
1980. Foi um dos primeiros passos para o PROGRAMA CIPA, promovido por João Zilhão e
Monge Soares, que neste domínio contaram com o empenho comprometido dos Ministérios
da Cultura e da Ciência. Juntava-se entretanto à arqueobotânica e paleoecologia (com José E.
Mateus, Paula F. Queiroz, e Wim van Leeuwaarden) um novo grupo para a zoo-arqueologia
(Simon Davis e Marta Moreno-García), recrutado através de concurso internacional, e que dado
o seu currículo e “know-how” pôde em três anos reconstituir um laboratório de zoo-arqueolo-
gia integralmente apetrechado, operacional, e de nível europeu. Davam-se ainda passos fun-
damentais para mais três áreas — paleobiologia humana, geo-arqueologia, e paleotecnologia
com a participação de Cidália Duarte, Diego Angelucci, Thierry Aubry, Francisco Almeida e
Ana Cristina Araújo (Fig. 1-2).
Vislumbrando agora mais de vinte anos de percurso pelas Arqueociências, reconhecemos
que estamos em presença de um processo institucional e técnico-científico historicamente
semelhante e paralelo ao que ocorreu com a Arte Rupestre e com a Arqueologia Naval e Suba-
quática no âmbito do MC (instâncias já organicamente consagradas). Sentimos no entanto o
particularismo de se envolver necessariamente uma ligação ao estatuto regulamentado da
investigação científica (com o seu sistema de bolseiros, orientadores, e prestação de provas),
e aos meios académicos — articulação que é naturalmente crucial, mas pouco usual no âmbito
do Ministério da Cultura. Resta-nos o mesmo comprometimento com o património arqueo-
lógico deste país.

Novos Desafios do Programa “Paleoecologia Humana e Arqueociências” do IPA

O programa “Paleoecologia Humana e Arqueociências” do IPA (vulgo “CIPA”), cujo


retrato se esboça nesta monografia, toma forma em torno de disciplinas de âmbito arqueobio-
lógico (arqueobotânica, arqueozoologia, e osteologia humana), e geoarqueológico, mas conta
ainda com áreas mais estritamente arqueográficas, que directamente equacionam a antiga
exploração dos recursos e a sua transformação — falamos da paleoeconomia, da arqueologia
espacial, do estudo das matérias-primas, da arqueotecnologia e da arqueologia experimental.
Foi ainda desenvolvida uma área de Sistemas de Informação Geográfica e Infografia, na sua
aplicação específica à Arqueologia. O programa conta ainda com uma colaboração com o ITN
(Instituto Tecnológico e Nuclear), instituição central responsável pelo desenvolvimento da
Arqueometria (Física e Química dos materiais arqueológicos).
Como se torna evidente neste volume, estamos felizmente já muito longe de uma sim-
ples junção de geólogos, botânicos e zoólogos, ávidos da sua contribuição disciplinar para a
arqueologia. Tem-se produzido ao longo de todos estes anos um novo corpo disciplinar de ciên-
cia arqueológica centrado sobre o território dos homens, num espaço transdisciplinar que se
constrói a meio caminho entre o cultural e o natural. Este reformulado programa do Minis-
tério da Cultura, assenta agora numa equipa integrada de especialistas (arqueólogos ambien-
tais, bio-arqueólogos, paleo-tecnologistas) num novo comprometimento alargado e enrique-
cido com a cultura material de outrora.

ARQUEOLOGIA AMBIENTAL SOB A TUTELA DA CULTURA: UMA EXPERIÊNCIA COM 20 ANOS, UM DESAFIO PARA A NOSSA ARQUEOLOGIA

23
O Laboratório de Paleoecologia
Antecedentes do programa CIPA

> Entre 1980 e 1995 o Laboratório de Paleoeco-


logia encontrava-se localizado no piso superior do
edifício do Museu Nacional de Arqueologia, ala
poente dos Jerónimos, ocupando uma área de
cerca de 130 metros quadrados.
Contava com três gabinetes de trabalho (in-
cluindo áreas de microscopia óptica e colecções de
referência), uma área laboratorial (laboratório de
análise de sedimentos, abertura e tratamento de
“cores” e uma área reservada para realização de
concentrações polínicas), e uma área de armaze-
namento de amostras. O apetrechamento instru-
mental do LP (microscópios, lupas, estufas,...) e a
instalação das infra-estruturas (mobiliário, circui-
tos de água e electricidade,...) foram inteiramente
suportados pelo orçamento do MNA.

> A partir de 1995, e até final de 1999, com a


realização de um protocolo de colaboração entre o
Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Labo-
ratório e Jardim Botânico (Museu Nacional de
História Natural), o Laboratório de Paleoecologia
foi transferido para o MLJB.
Aqui o LP contou com duas salas onde foram
instaladas as áreas de microscopia óptica (identi-
ficação e contagem de micro e macrofósseis) e
informática (SIG e análise de imagem). Contou
ainda com duas zonas laboratoriais, uma para
abertura e tratamento de “cores” e um pequeno
laboratório de concentração polínica, e uma zona
para armazenamento de amostras e equipamen-
tos. A actualização e desenvolvimento do apetre-
chamento instrumental do LP nesta fase resulta-
ram de projectos europeus e nacionais no âmbito
de programas de I&D da CE (DG XII e XI), da
FCT, e do PAMAF.

– O Laboratório de Paleoecologia. Antecedentes do programa CIPA. Imagens das instalações do LP no Museu Nacional de
FIG. 1-1

Arqueologia e no Museu Laboratório e Jardim Botânico

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

24
Programa CIPA
Laboratórios e infra-estruturas actuais
no Instituto Português de Arqueologia

> Actualmente o Programa CIPA funciona


predominantemente nas instalações do edifício
anexo Este do Instituto Português de Arqueolo-
gia, que para esse efeito foi remodelado e arran-
jado provisoriamente. Aí conta com uma área de
lavagem de materiais; uma zona de estudo e
triagem de materiais comum aos diferentes
laboratórios do CIPA; um laboratório de análise
física e química de sedimentos; um gabinete de
arqueozoologia; uma área de arqueobotânica
com dois gabinetes de trabalho, (um gabinete de
microscopia e uma área de arquivo de colecções
botânicas); uma área de armazenamento de
amostras e equipamentos.
Em duas pequenas áreas do edifício anexo
Sul estão montados dois laboratórios de análise:
um laboratório de preparação de esqueletos e
um laboratório de concentração polínica.
No edifício central do IPA e no edifício
anexo central, ocupa ainda três gabinetes de tra-
balho.

FIG. 1-2 – O programa CIPA: Laboratórios e infra-estruturas actuais.

ARQUEOLOGIA AMBIENTAL SOB A TUTELA DA CULTURA: UMA EXPERIÊNCIA COM 20 ANOS, UM DESAFIO PARA A NOSSA ARQUEOLOGIA

25
Colecções de Referência

Conforme se depreenderá do presente retrato houve que continuar a dar atenção


especial ao apetrechamento, às colecções de referência, e à montagem de rotinas de aná-
lise. O facto é que na alvorada do século XXI, em dois séculos de “ciência moderna”, o país
não foi capaz de se dotar de um conjunto básico de estruturas documentais essenciais às
ciências do passado; Referimo-nos às colecções de esqueletos, de conchas, de madeiras, de
pólen, de sementes e frutos, referentes à nossa Fauna e Flora. Quando as universidades e
os seus museus de história natural (Lisboa, Porto, Coimbra) acordaram de uma longa
letargia neste domínio, já no resto da Europa as biologias descritivas estavam fora de
moda, pelo que já não valia a pena. Em 20 anos, e sobretudo com este último esforço do
IPA, tem-se colmatado felizmente esta lacuna. Invertem-se agora os papéis: caberá a este
programa do MC, potenciar as suas novas colecções num apoio alargado às universidades,
o que já está a acontecer.

Redes de Cooperação na Arqueologia Portuguesa

Prefigurando a sua vocação de instância central no âmbito da Cultura, e atestando a sua


maturidade, o cerne do trabalho recaiu nestes últimos três anos e meio sobre o que se tem
designado por PNTA – ARQUEOLOGIA AMBIENTAL.
Trata-se essencialmente de lançar as bases de uma rede alargada de cooperação técnica
envolvendo os arqueólogos portugueses e o IPA com vista a valorizar as intervenções inscri-
tas no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos através do envolvimento da Paleoecolo-
gia Humana e das Arqueociências. Esta rede tem-se revelado útil a quatro níveis: Por um lado
tem permitido que colecções exumadas de materiais orgânicos arqueológicos fossem final-
mente objecto de estudo por parte de especialistas; por outro, tem promovido o reconheci-
mento da existência da informação arqueo-ambiental, arqueo-biológica e arqueo-espacial nos
sítios, fontes para a sua contextualização; tem permitido equacionar estratégias mais infor-
madas de desmontagem arqueológica com o reconhecimento da tafonomia específica dos
locais, ou seja dos processos de formação, incorporação, processamento, e preservação dos
registos; finalmente tem permitido contribuir para um enquadramento paisagístico e terri-
torial mais robusto dos antigos monumentos, povoados e ocupações. Este conjunto de tra-
balhos dá corpo a uma série de relatórios técnicos, designada “Trabalhos do CIPA”, que conta
actualmente com mais de 40 volumes sob a forma de pré-publicação (Fig. 1-3).
Nem tudo se encontra já completamente claro e transparente nesta cooperação alar-
gada. Em primeiro lugar a panorâmica tristemente única do actual programa “CIPA”, num
país onde quase não existe mais ninguém directamente envolvido nestas questões é uma
verdadeira fatalidade. Seria essencial que surgissem equipas de arqueociências nas uni-
versidades, nos municípios, em empresas privadas, dado o colossal “programa mínimo de
necessidades” que todos temos pela frente. O presente programa do IPA tem privilegiado
um acolhimento aberto a todos os que o procuram como suporte ao seu próprio trabalho.
Como se referiu no início deste texto resta muito a fazer a jusante da desmontagem arqueo-
lógica em programas de contextualização arqueoambiental fora do âmbito da tutela do MC.
O nosso papel central é ainda muito recuado: identificar, reconhecer, preservar, arquivar, com-
pilar, reconstituir estratégias de estudo, demonstrar percursos, formar, promover as ciências arqueo-
lógicas como fonte de reconhecimento e valorização patrimonial — de facto nada que se asse-
melhe a Pesquisa Pura institucionalmente desajustada.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

26
Trabalhos do CIPA

> A partir de finais de 1999, os trabalhos realizados pela equipa do pro-


grama cipa, ao abrigo do programa de cooperação com a comunidade
arqueológica e científica nacional, deram origem à produção de uma série
de relatórios — os “TRABALHOS DO CIPA” — onde os resultados dos estudos
são reportados.
Esta série de relatórios, embora constitua apenas uma pré-publicação
formal dos resultados, encontra-se disponível para consulta na Biblioteca do
Instituto Português de Arqueologia.
Até ao presente, a série integra 44 volumes, cuja lista se encontra no
Anexo 1.

– Série de relatórios do programa CIPA, ao abrigo da colaboração com a comunidade arqueológica e científica nacional:
FIG. 1-3

Os “Trabalhos do CIPA”.

ARQUEOLOGIA AMBIENTAL SOB A TUTELA DA CULTURA: UMA EXPERIÊNCIA COM 20 ANOS, UM DESAFIO PARA A NOSSA ARQUEOLOGIA

27
Outra eventual fonte de confusão, felizmente a dissipar-se, prende-se com a forma de coo-
peração “Arqueólogo cultural – Arqueólogo ambiental”. Ainda está bem enraizada a velha visão
do “arqueólogo” que bate à porta do “especialista” com um saco na mão e uma pergunta na
mente. De facto, essa visão ainda parcialmente verdadeira quando falamos da Arqueometria,
é desajustada quando falamos de Arqueologia ambiental, da Paleobiologia, ou da Arqueolo-
gia espacial. Questionar o registo territorial ou biológico dos sítios envolve muitas das vezes
uma verdadeira cooperação interdisciplinar desde o início do projecto, ou seja na escavação,
ao longo da desmontagem, na própria “remontagem”. Isto porque o arqueólogo arqueoam-
biental contribui com o seu questionar específico, com a sua visão particular de ponto de vista,
com a sua estratégia de leitura complementar, posicionamento esse que tende a envolver uma
perspectiva também ela de natureza integrativa e global. É esta visão ampla que muitas vezes
é entendida como uma intrusão, um intrometimento, uma forma de “concorrência”.
De facto há que reconhecer que devemos evoluir para projectos de valorização de sítios
através da confluência de diversas arqueologias complementares, e que é mau manter a inter-
venção arqueológica como um programa estanque que se cumpre na escavação rápida, rela-
tório pronto, e publicação sumária de perfis e espólio.
Há que aspirar pela publicação do contributo do arqueo-cientista na monografia dos
sítios, como autor do “anexo técnico”, mas também de alguma forma como co-autor de uma
síntese, eventualmente mais abrangente. Há que reciprocamente incentivar o surgimento de
trabalhos extra-sítio, centrados no território, onde os “responsáveis” dos sítios, igualmente par-
ticipem com anexos, e se revejam também na co-autoria das visões do espaço.
Enfim, há que favorecer as redes científicas no seio da arqueologia e combater a crónica
“estanquecidade e exclusividade” do projecto arqueológico. Ser “dono” de um sítio arqueoló-
gico é sinal do amadorismo que ainda nos sufoca a todos. Responsabilidade científica signi-
fica antes do mais fazer partilhar, fazer diversificar as visões, promover articulações e inte-
grações. Enfim, o novo desafio da Arqueologia no Plural.

Um Papel Importante na Formação, Divulgação, e na Promoção Disciplinar

Uma das prioridades tem sido a de procurar contribuir para colmatar importantes lacu-
nas na formação técnico-científica dos arqueólogos e historiadores em Portugal, limitações que
advêm de uma formação universitária muito deficitária nos domínios das Ciências Naturais
e do Território. Reciprocamente, procura-se contribuir para uma maior consciência histórico-
-patrimonial no âmbito da protecção ambiental e gestão do território.
Esta acção ao nível da divulgação e formação nas áreas da Arqueologia Ambiental,
Arqueobiologia e Arqueologia Espacial, que já hoje se concretiza por cursos intensivos de
verão (Fig. 1-4), aulas e visitas guiadas, séries de conferências (Fig. 1-5), apoio a bolseiros,
está a evoluir para programas de formação avançada, articulados com as Universidades e
Escolas Superiores, e ainda para iniciativas no âmbito da divulgação mais abrangente (cur-
sos de reciclagem, programas abertos de assessoria técnica complementados com edições
de manuais e outras produções de divulgação técnico-científica). Enquadram-se aqui futu-
ras acções de promoção das Ciências Arqueológicas e do Passado junto dos pré-universitá-
rios e universitários.
O prosseguimento de alguns projectos-piloto desenvolvidos pelo próprio IPA, em sítios
arqueológicos de conservação excepcional constitui uma forma de testar, desenvolver, e aper-
feiçoar novas técnicas de estudo, que poderão funcionar como programas de demonstração,
de âmbito estruturante na Nossa Arqueologia.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

28
Cursos de Pós-graduação
Cursos intensivos de formação - Arqueologia
Ambiental, Arqueobiologia e Arqueologia Espacial

> Os cursos livres de pós-graduação Avecasta


têm sido realizados durante cerca de 10 a 12 dias,
durante o Verão, na Gruta da Avecasta, em Fer-
reira do Zêzere.
Para além dos membros dos diferentes labo-
ratórios e núcleos do programa CIPA, os cursos
têm contado com a colaboração de docentes de
outras instituições (Faculdade de Ciências da U.L;
Faculdade de Letras da U.L.; ICN; ITN).
Foram frequentados por duas a três dezenas
de participantes, licenciados, mestres e doutores
(21 participantes na primeira edição, 36 na
segunda), provenientes das áreas da Arqueologia,
Biologia, Agronomia, Geologia e Física.
As aulas decorreram maioritariamente na
Gruta da Avecasta, onde, para o efeito, foi criado
um pequeno auditório no interior da gruta e
foram montados no seu interior e nas imediações
da dolina ateliers temáticos. A montagem dos ate-
liers implicou a instalação no local de bancadas
AVECASTA 99:
>

com equipamentos específicos (computadores,


microscópios, etc.). Arqueologia e ecologia histórica da paisagem.
Partilhar a aventura transdisciplinar
das ciências do passado.
1 a 12 de Setembro de 1999

AVECASTA 2001:
>

Espaço e quotidiano para além da ruína.


25 de Agosto a 2 de Setembro de 2001

FIG. 1-4 – Cursos de formação em Arqueologia Ambiental, Arqueobiologia e Arqueologia Espacial.

ARQUEOLOGIA AMBIENTAL SOB A TUTELA DA CULTURA: UMA EXPERIÊNCIA COM 20 ANOS, UM DESAFIO PARA A NOSSA ARQUEOLOGIA

29
Conferências do CIPA:
Falar de Boca Cheia

> Uma das preocupações da equipa que integra o programa CIPA tem sido a divulgação junto
da comunidade arqueológica e científica nacional dos trabalhos, temas e novas metodologias no
âmbito das Ciências do Território e Arqueologia Espacial e Ambiental.
A fim de contribuir para um maior diálogo científico, têm sido organizadas mensalmente
conferências sobre variados temas, que têm contado com a apresentação de comunicações de
arqueólogos e investigadores, nacionais e estrangeiros.
Pretende-se a realização de encontros informais, durante a hora do almoço, na última
semana de cada mês, onde o “farnel” partilhado durante cerca de hora e meia, em conversa
sobre um tema científico, convida à participação desinibida da audiência.

Conferências já realizadas:
26-10-2001 O Presente e o Passado. Comunidades Agro-Pastoris do Rif (Marrocos) Marta Moreno e Carlos Pimenta
30-11-2001 Arqueologia em Terras do Fim do Mundo. Patagónia 2001 Ana Cristina Araújo e Sónia Gabriel
17-12-2001 Les Parures au Paléolithique Superior Francesco d’Érrico e Marian Vanhaeren
18-01-2002 Some New Views of the Iberian Slate Plaques Katina Lillios
25-01-2002 Sistemas de Informação e Gestão Arqueológica – Endovélico Divisão do Inventário do IPA
01-03-2002 Arqueologia ao Microscópio Diego Angelucci
05-04-2002 De pedra em pedra – Sílex, pedra de fogo, pedra de talhe Thierry Aubry
03-05-2002 O CNANS a Nu. Achegas a um retrato de família Francisco Alves
28-06-2002 Uma Variante Marítima de Sepultura de Catástrofe. O caso do San Pedro de Alcântara Maria Luísa Blot
31-10-2002 Gruta do Caldeirão. De quem foi a casa, da hiena ou do homem? Simon Davis
28-11-2002 O Estatuto Social da Criança no Paleolítico João Zilhão
30-01-2003 Luminescense Dating in Archaeology. What an Archaeologist Should Know Daniel Richter
27-02-2003 (PEDRA + COLA) x (X + Y) = Operação potencialmente perigosa. Francisco Almeida
Aplicação do Método das Remontagens Líticas a uma Superfície de Ocupação
Gravettense no Abrigo do Lagar Velho
24-04-2003 “Ao pó voltarás…”.Incinerações da Idade do Ferro no Monte da Tera, Pavia Cidália Duarte, Leonor Rocha
e Vanda Pinheiro

FIG. 1-5 – Ciclo de conferências “Falar de Boca Cheia”.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

30
Uma Articulação Aberta e Abrangente com a Comunidade – Fonte de Criatividade,
Intervenção Pública, e Financiamento.

O funcionamento do programa PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS do


IPA, embora ainda de natureza experimental, tem-se pautado por uma grande diversidade de
formas de articulação com a comunidade, o que muito reduz as suas despesas inerentes e
amplia o alcance social. Para além do programa PNTA – ARQUEOLOGIA AMBIENTAL, que
constitui uma forma de subsídio extra ao próprio PNTA, (ainda por contabilizar…), para além
das acções de formação científica, fontes de receita, ainda para além da participação em con-
sórcios científicos nacionais e internacionais financiados por agências de promoção de I&D,
tem-se procurado responder a muitas solicitações externas de assessoria técnica, as quais têm
surgido de forma espontânea na ausência de qualquer marketing ou divulgação. Este conjunto
de acções na área da prestação de serviços à comunidade, resulta da presença no IPA de
“know-how” e infraestruturas tristemente únicas no País. Trata-se de uma área que tem fun-
cionado como fonte preciosa de financiamento e de criatividade técnica-científica. Prefigura-
-se, enfim, uma dinâmica moderna de sustentabilidade institucional, ajustada a momentos de
crise, e onde a contenção de despesas se aliará forçosamente à preservação da riqueza de inves-
timento.

ANEXO 1.1. Lista de títulos da série de relatórios “Trabalhos do CIPA”


o
N. Ano Título Autores

1 1999 Estudo paleobotânico do depósito conservado numa estrutura romana P.F. Queiroz
reaproveitada em período islâmico do núcleo arqueológico da Rua dos
Correeiros, BCP/Lx.
2 1999 Estudo paleobotânico e paleoecológico dos depósitos argilo-turfosos W. van Leeuwaarden,
da estação arqueológica da Praça do Município (sob antiga Patriarcal) P.F. Queiroz, J.E. Mateus,
C.M. Pimenta e J.P. Ruas
3 2000 Análise antracológica de restos carbonizados recolhidos W. van Leeuwaarden,
nas Soengas de Coimbrões P.F. Queiroz e J.P. Ruas
4 2000 Identificação de um conjunto de fragmentos de madeira da carga W. van Leeuwaarden
do navio "Ria de Aveiro A" e P.F. Queiroz
5 2000 Estudo arqueobotânico do sítio da Ponta da Vigia (Torres Vedras) W. van Leeuwaarden
e P.F. Queiroz
6 2000 Identificação de um conjunto de fragmentos de amostras de madeira W. van Leeuwaarden
recolhidas em elementos da estrutura da embarcação do Corpo Santo e P.F. Queiroz
7 2000 Estudos de Arqueobotânica do sítio arqueológico da praia de Silvalde (Espinho) W. van Leeuwaarden
e P.F. Queiroz
8 2000 Estudo arqueobotânico do Castelo de Silves W. van Leeuwaarden,
P.F. Queiroz e J.P. Ruas
9 2000 Estudo arqueobotânico do sítio da Malhada (Fornos de Algodres/Guarda) W. van Leeuwaarden,
P.F. Queiroz e J.P. Ruas
10 2000 Estudos de arqueobotânica no Outeiro dos Castelos de Beijós (Carregal do Sal) W. van Leeuwaarden,
P.F. Queiroz e J.P. Ruas
11 2001 Estudos de arqueobotânica na Alcáçova de Santarém P.F. Queiroz,
W. van Leeuwaarden
e J.P. Ruas
12 2001 Estudos de Arqueobotânica na anta 2 de Santa Margarida/ P.F. Queiroz
Reguengos de Monsaraz
13 2001 Estudos de arqueobotânica no Penedo dos Mouros P.F. Queiroz e J.P. Ruas
14 2001 Animal bones from Alcácer do Sal, 1996 excavations M. Moreno García e S. Davis
15 2001 Animal bones from Convento de São Francisco, Santarém, Silos 2, 3 and 4 M. Moreno García e S. Davis
16 2001 Animal bones from Quadrado M22, Sé de Lisboa M. Moreno García e S. Davis

ARQUEOLOGIA AMBIENTAL SOB A TUTELA DA CULTURA: UMA EXPERIÊNCIA COM 20 ANOS, UM DESAFIO PARA A NOSSA ARQUEOLOGIA

31
(cont.)
o
N. Ano Título Autores
17 2001 Estudos de arqueobotânica no convento de S. Francisco de Santarém P.F. Queiroz
18 2001 O pastoreio e o mel nas serras da Estrela e da Malcata - Bases ecológicas para J.E. Mateus, P.F. Queiroz,
a valorização integrada e sustentada dos recursos da Beira Interior - W. van Leeuwaarden,
Subprograma Mel (projecto PAMAF n.o 8178, relatório final) P.M. Mendes e F. Picasso
19 2001 Análise dos restos humanos do sarcófago tardo-romano de Monte-Novo-à-Rez C. Duarte
(Ourique)
20 2001 Faunal remains from 3 Islamic contexts at Núcleo Arqueológico da Rua M. Moreno García e S. Gabriel
dos Correeiros, Lisbon
21 2001 Estudos de arqueobotânica no sítio neolítico de S. Pedro de Canaferrim, Sintra P.F. Queiroz e J.E. Mateus
22 2001 Ossadas Humanas do convento das Bernardas (Madragoa, Lisboa). C. Duarte, F. Bragança,
(Análise dos restos humanos exumados entre 1996 e 1999) F. Neto e V. Pinheiro
23 2001 Estudos de arqueobotânica no Castelo de Mértola W. van Leeuwaarden
e P.F. Queiroz
24 2001 Análise antracológica II – Soengas de Coimbrões (Vila Nova de Gaia) W. van Leeuwaarden
25 2001 O Mel da Península de Setúbal – ensaio de caracterização polínica P.F. Queiroz, J.E. Mateus,
P.M. Mendes e
W. van Leeuwaarden
26 2001 O Mel das Serras de Aire e Candeeiros – ensaio de caracterização polínica P.F. Queiroz, J.E. Mateus,
P.M. Mendes e
W. van Leeuwaarden
27 2002 Estudos de Arqueobotânica em quatro estações pré-históricas do Parque
Arqueológico do Vale do Côa P.F. Queiroz
e W. van Leeuwaarden
28 2002 Identificação da madeira do cabo da lança do Almonda P.F. Queiroz
29 2002 Geoarqueologia dos sítios pré-históricos de Vale da Porta 2 e Vale da Porta 3 D.E. Angelucci
30 2002 Estudos de Arqueobotânica na Anta 3 de Santa Margarida P.F. Queiroz
(Reguengos de Monsaraz)
31 2002 Estudo dos restos faunísticos da Anta 3 da Herdade de Santa Margarida M. Moreno García
(Reguengos de Monsaraz)
32 2002 Identificação de um conjunto de fragmentos de carvão vegetal recolhidos W. van Leeuwaarden
na necrópole de Vale Feixe, Odemira e P.F. Queiroz
33 2002 Estudos de Arqueobotânica no Concheiro de S. Julião (Mafra) P.F. Queiroz
e W. van Leeuwaarden
34 2002 Identificação de um conjunto de peças de madeira provenientes do estaleiro W. van Leeuwaarden
da Ribeira das Naus na Praça do Município (Lisboa) e P.F. Queiroz
35 2002 Identificação de um conjunto de madeiras provenientes da estrutura dos W. van Leeuwaarden
navios recuperados no rio Arade e P.F. Queiroz
36 2002 Caracterização polínica de um conjunto de 20 amostras de mel da Beira Serra P.F. Queiroz, J.E. Mateus,
e Sicó P.M. Mendes e
W. van Leeuwaarden
o
37 2002 Estudo dos restos faunísticos da Rua 5 de Outubro n. 33 no Crato M. Moreno García
38 2002 Estudos de Arqueobotânica no Poço dos Paços do Concelho (Torres Vedras) P.F. Queiroz, J.E. Mateus,
P.M. Mendes
e W. van Leeuwaarden
39 2003 Anotações geoarqueológicas sobre o sítio de Belas Clube de Campo (Sintra) D.E. Angelucci
40 2003 Geoarqueologia do Castelo da Lousa (Mourão) D.E. Angelucci
41 2003 As estruturas em fossa de Praça Lima e Brito em Arraiolos: observações D.E. Angelucci e V. Aldeias
geoarqueológicas
42 2003 Ensaio de análise polínica dos depósitos silto-arenosos conservados P.F. Queiroz, J.E. Mateus
no aqueduto Romano de Conímbriga, Condeixa-a-Nova e R. Danielsen
43 2003 Estudos de arqueobotânica na quinta romana de Terlamonte, Covilhã P.F. Queiroz,
W. van Leeuwaarden
e J.E. Mateus
44 2003 Identificação de um conjunto de material lenhoso carbonizado proveniente W. van Leeuwaarden
do povoado pré-histórico de Moreiros 2 (Arronches, Monforte) e P.F. Queiroz

* (Instituto Português de Arqueologia - Coordenador do programa CIPA)

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

32
Laboratório
de Geoarqueologia
| A partir da terra: a contribuição
capítulo 2
da Geoarqueologia
❚ DIEGO E. ANGELUCCI ❚

RESUMO A Geoarqueologia é a ciência de interface ABSTRACT Geoarchaeology represents the


que resulta da interacção entre as Ciências da Terra interface between Earth Science and Archaeology.
e a Arqueologia. This chapter aims to introduce this science and
Este capítulo apresenta uma introdução a esta begins by briefly approaching its definition,
disciplina, abrindo-se com uma primeira development and methodology. Geoarchaeological
abordagem à sua definição, ao seu desenvolvimento data help us to understand how the land system
e aos métodos que utiliza. Os dados fornecidos pela changed through time, how past human
Geoarqueologia ajudam a compreender como a communities exploited and modified their
paisagem se transformou no decurso do tempo, territories, how archaeological deposits were
como as comunidades humanas do passado formed and what kinds of information are yielded
exploraram e modificaram os seus territórios, como by stratigraphic analysis. The ultimate aim of
se formaram os depósitos arqueológicos e quais são Geoarchaeology is to understand the relationships
as informações que podemos recolher da análise between humans and their physical context.
estratigráfica, em última análise, em que forma os Some examples, taken from studies realised in
grupos humanos interagiram com o contexto different geographic and chronological contexts,
paisagístico em que viveram. illustrate how the geoarchaeologist works in order
Alguns exemplos, extraídos de estudos realizados to analyse the land, the sites and their components,
em âmbitos geográficos e cronológicos by means of concepts and methods derived from
diferenciados, explicam de forma prática como o Geomorphology, Sedimentology, Soil Science and
geoarqueólogo actua para analisar as paisagens, os Stratigraphy.
sítios e as suas componentes, através da utilização Finally, a preliminary survey of the activities of the
de conceitos e métodos da Geomorfologia, da recently created Geoarchaeology Area of the IPA is
Sedimentologia, da Pedologia e da Estratigrafia. presented.
Finalmente, faz-se um primeiro balanço das
actividades desenvolvidas pela recém instituída
Área de Geoarqueologia do IPA.

A investigação arqueológica recolhe a maior parte dos seus dados da superfície terrestre
e da subtil película exterior da crusta terrestre, ou seja, dos sedimentos superficiais e do solo.
Qualquer tipo de espólio arqueológico encontra-se assim intimamente ligado com as compo-
nentes físicas da paisagem, como são, por exemplo, o relevo ou a organização estratigráfica dos
depósitos.
É por essa razão tão elementar que as contribuições das Ciências da Terra, como a Pale-
ontologia, a Estratigrafia ou a Geomorfologia, têm sido determinantes em todas as fases do
desenvolvimento da Arqueologia e que qualquer projecto de investigação arqueológica inclui
uma componente geoarqueológica mais ou menos ampla.
Este capítulo pretende apresentar a metodologia geoarqueológica, ilustrar as bases con-
ceptuais e as técnicas essenciais que a governam e elucidar alguns exemplos do papel da
Geoarqueologia no âmbito da Arqueologia. A amplitude e a diversidade do leque de apli-
cações geoarqueológicas impedem-nos de apresentar um panorama completo desta disci-

35
plina e nem sequer este texto pode ou pretende ser um manual exaustivo da prática geoar-
queológica. Assim, limitar-nos-emos a apresentar aqui uma elucidação introdutiva sobre os
fundamentos do raciocínio geoarqueológico e sobre o modus operandi dos geoarqueólogos
e das geoarqueólogas (por brevidade, doravante utilizar-se-á só o género masculino). Da
mesma forma, esta contribuição não expõe os pressupostos teóricos e científicos que estão
na base da Geoarqueologia, nem os procedimentos técnicos de forma pormenorizada, limi-
tando-se principalmente no âmbito da investigação geoarqueológica de campo.

Geoarqueologia: o que é?

Introdução ao Conceito de Geoarqueologia

A palavra “Geoarqueologia” começou a aparecer de forma frequente na bibliografia


arqueológica a partir dos anos ’70 do século passado. Com este termo pretendia-se indicar
a disciplina científica que, utilizando conceitos e técnicas das Ciências da Terra, visa solu-
cionar problemas arqueológicos. Na sua acepção original, “Geoarqueologia” indica assim
uma ciência inter- e multidisciplinar que emprega aproximações teóricas, vocabulários e ins-
trumentos metodológicos variados, provenientes quer das Ciências da Terra, quer da
Arqueologia, e cuja finalidade última é a compreensão das inter-relações existentes entre
os grupos humanos do passado e o ambiente à sua volta.
Nestas primeiras linhas, fica já patente uma das questões principais ligadas à Geo-
arqueologia: esta é uma ciência de interface e de definição difícil. Não é este o lugar apro-
priado para elucidar as temáticas inerentes à teoria e à metodologia geoarqueológica, à
sua identificação como ciência ou à sua evolução em termos de disciplina autónoma. Não
obstante, é preciso realçar alguns pontos específicos para aclarar a essência desta disci-
plina.
O uso do termo “Ciências da Terra” (ou Geociências) em lugar de Geologia (ou Ciên-
cias Geológicas) não é arbitrariedade semântica, mas relaciona-se com o leque de discipli-
nas que as primeiras abarcam e que, na tradição universitária europeia, não estão incluídas
nas Ciências Geológicas, como a Pedologia, a Geografia Física ou a Climatologia (vide
Butzer, 1982, p. 35). No apetrecho metodológico do geoarqueólogo, estas disciplinas são tão
fundamentais quanto outras de âmbito geológico (ex. Sedimentologia, Estratigrafia, Petro-
logia, etc.), como se evidenciará nas próximas páginas.
Para além disso, é notório que sempre tem existido uma relação muito estreita entre
a Arqueologia e as Ciências da Terra, cuja elucidação vai além dos objectivos deste capítulo
(vide, ex., Rapp e Hill, 1998, p. 4-17; Cremaschi, 2000, p. 5-15). Esta relação reflecte o facto
da Arqueologia e das Ciências da Terra se ocuparem ambas da recolha de informações a par-
tir de elementos presentes na superfície terrestre ou na sua película superficial, visando à
sua interpretação. Assim, os primeiros passos das Ciências da Terra e da Arqueologia
foram comuns e o intercâmbio, conceptual e metodológico, tem sido contínuo e recíproco
na história das duas disciplinas.
É então lícito perguntar qual é a razão que leva à diferenciação de uma disciplina autó-
noma que está a meio caminho entre estas duas ciências. Ou seja, porque não pode ser o
arqueólogo a aplicar conceitos “geo” ou o geólogo a emprestar os métodos que utiliza quo-
tidianamente para solucionar problemas “arqueo”. A resposta não é imediata e reside em
parte no equipamento teórico (inclusive semântico) e metodológico do geoarqueólogo, e em
parte na sua maneira de observar e interpretar o registo arqueológico e o seu contexto, pelo

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

36
que, antes de ilustrar alguns exemplos práticos da pesquisa geoarqueológica que está a ser
desenvolvida no IPA, será oportuno tentar definir de forma mais pontual a Geoarqueolo-
gia e examinar como opera o geoarqueólogo.

Anotações para uma Definição de Geoarqueologia

A afinidade entre Ciências da Terra e Ciências Arqueológicas, em particular no que res-


peita na Arqueologia pré-histórica, levou a que os primeiros pesquisadores das duas disci-
plinas possuíssem um background metodológico e uma versatilidade que lhes permitia reco-
lher e interpretar informações tanto no campo naturalístico-geológico como no campo
arqueológico.
No entanto, o início da utilização, de forma específica, de conceitos e técnicas das Geo-
ciências à Arqueologia data dos anos ‘50-’60 do século passado. Em 1958, Ian Cornwall
publica o manual Soils for the Archaeologist e, poucos anos depois, Karl W. Butzer (1964)
edita Environment and Archaeology: An Introduction to Pleistocene Geography, livro onde
métodos geológicos são sistematicamente aplicados na classificação de sítios pré-históricos
e na reconstituição paleoambiental. A ideia de individualizar uma disciplina é, porém,
mais recente, datando dos anos ‘70 e ‘80, nomeadamente com a aparição de diversas cor-
rentes arqueológicas, no quadro da New-Archeology (vide, ex., Ferring, 1994), no âmbito das
perspectivas processualistas e sistémicas ligadas à Contextual Archaeology (ex. Butzer, 1982;
Clarke, 1968; 1972), assim como no âmbito da Behavioral Archeology (ex. Schiffer, 1987;
1995; Gladfelter, 1981).
O reconhecimento do papel das Geociências na investigação arqueológica remonta a
essa altura: “…because archaeology recovers almost all its basic data by excavation, every archaeo-
logical problem starts as a problem in geoarchaeology.” (Renfrew, 1976, p. 2).
É nesta etapa da investigação arqueológica que, sobretudo sob a influência das ideias
de Thomas Kuhn, os primeiros geoarqueólogos sentiram a necessidade de definir o objecto
do seu interesse científico. Apareceram assim as definições clássicas de Geoarqueologia, até
hoje mais ou menos inalteradas (vide Caixa 2-1).
Não podemos porém esquecer as contribuições da Europa continental. Em diversos
países do continente surgiu, já nos anos ‘80 do século XX, uma tradição geoarqueológica
mais ou menos forte, por vezes com uma abordagem diferente das Geoarqueologias
americana ou britânica. Portugal não foi uma excepção neste processo — vide Caixa 2-2
(de autoria de Vera Aldeias) para um resumo do desenvolvimento da Geoarqueologia em
Portugal.
Este breve exame de como foi definida a Geoarqueologia na bibliografia mostra o seu
carácter de disciplina multifacetada e de difícil definição. No entanto, todas as definições
citadas reconhecem implicitamente uma diferença para com outra disciplina científica, a
Arqueometria, que tem três aplicações principais: “(a) subsoil prospecting, (b) materials iden-
tification and provenance, and (c) “absolute” or chronometric dating” (Butzer, 1982, p. 157), ou
que, de forma ainda mais eficaz, representa a “Física e Química dos materiais arqueológicos”
(Mateus, Introdução, neste volume).
Para finalizar o ponto relativo à definição da Geoarqueologia, podemos resumir
dizendo que esta é uma disciplina que utiliza conceitos e técnicas das Ciências da Terra, em
campo arqueológico e no intervalo de tempo correspondente à presença humana no planeta,
elaborando os dados de forma científica e utilizando um vocabulário derivado tanto das Geo-
ciências como da Arqueologia, com vista a atingir interpretações arqueológicas.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

37
CAIXA 2-1

Geoarqueologia: Algumas definições

“[Geoarchaeology is] the geoscience tradition within archaeology [and] deals with earth
history within the time frame of human history” (Gladfelter, 1981, p. 343).

“Geoarchaeology implies archaeological research using the methods and concepts of the
earth sciences.” (Butzer, 1982, p. 35).

“Geoarchaeology is the field of study that applies the concepts and methods of the geos-
ciences to archaeological research […]. Geoarchaeology uses techniques and approaches
from geomorphology (the study of landform origin and morphology), sedimentology (the
study of the characteristics and formation of deposits), pedology (the study of soil formation
and morphology), stratigraphy (the study of the sequence and correlation of sediments and
soils), and geochronology (the study of time in a stratigraphic sequence) to investigate and
interpret the sediments, soils, and landforms at archaeological sites.” (Waters, 1992, p. 3-4).

“In perhaps its broadest sense […] geoarchaeology refers to the application of any earth-
science concept, technique, or knowledge base to the study of artifacts and the processes
involved in the creation of the archaeological record” (Rapp e Hill, 1998, p. 1-2).

“Interessam à Geoarqueologia todos os métodos, susceptíveis de aplicação a artefactos


ou sítios arqueológicos, de forma a recuperar toda a informação de ordem geológica, petro-
gráfica ou mineralógica que potencialmente possam fornecer.” (Cardoso, 1996, p. 70);

“La geoarcheologia è una disciplina che interpreta le testimonianze archeologiche uti-


lizzando i metodi e le tecniche proprie della scienza della terra” (Cremaschi, 2000, p. 3).

Contudo, fica patente que uma definição unívoca da Geoarqueologia não existe, pois
a aproximação dos que “fazem Geoarqueologia” pode ser muito diferenciada. Existem por
exemplo geoarqueólogos que utilizam predominantemente as aplicações próprias da
Arqueometria enunciadas por K. Butzer, mencionado acima.
A razão inerente a este facto depende da própria natureza de fronteira e da transdis-
ciplinariedade da Geoarqueologia, assim como dos diferentes percursos que podem levar
uma pessoa a trabalhar neste campo — os curricula dos diversos investigadores que se eti-
quetam como geoarqueólogos são muito variados e com especializações diversificadas.
Será ainda de ter em conta que em muitos países não existe uma formação universitária
específica em Geoarqueologia e os manuais sobre a disciplina são escassos. Assim sendo,
admitindo que os geoarqueólogos não se entendem na definição da ciência que utilizam,
podemos dizer que a Geoarqueologia ainda se encontra numa fase pré-paradigmática, para-
fraseando Thomas Kuhn (1970). Ou, citando uma frase de D. Clarke (1973), podemos dizer
que o objectivo e a finalidade da Geoarqueologia é o conjunto dos objectivos e das finalidades
de todos os geoarqueólogos e de todas as geoarqueólogas.
Em conclusão, será talvez mais simples definir com que, sobre que, por que, para que,
como, quando e onde se faz a Geoarqueologia — ou as Geoarqueologias — do que tentar
dar uma definição unívoca acerca desta disciplina.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

38
CAIXA 2-2

Estudos geoarqueológicos em Portugal:


breve historial
❚ VERA ALDEIAS ❚

Um texto, meramente introdutório - como é o caso da presente exposição - acerca da Geo-


arqueologia e do desenvolvimento de trabalhos que se orientem segundo uma perspectiva ligada
às Ciências da Terra em Portugal depara, desde logo, com várias vicissitudes analíticas. Assim
será de salientar que a leitura desta pequena intervenção terá que ter em conta limitações con-
ceptuais e metodológicas que passam não só pelo facto de se ter que estabelecer uma seriação
dos trabalhos realizados segundo critérios delimitadores que, não deixando de ser bastante sub-
jectivos e gerais, deparam-se ainda com a problemática da distanciação (por vezes não existente)
entre discurso e o objecto em análise. Corre-se, deste modo, o risco, em última análise inul-
trapassável, de referir, consciente ou inconscientemente, alguns estudos em detrimento de
outros. Será também importante delimitar o âmbito a que nos referimos quando falamos de
geoarqueologia, pelo que se remete, a este respeito, para os conceitos, definições e formaliza-
ções subjacentes a esta disciplina referenciados neste capítulo.
Tomando como certas estas balizas conceptuais, podemos admitir uma aproximação aos
trabalhos realizados em Portugal no âmbito de um esquema descritivo baseado em quatro gran-
des momentos cronológicos, a saber:
• pré-1980, uma fase abrangente que engloba uma enorme diversidade de situações;
• os anos ’80, etapa demarcada pelo crescente interesse da aplicação de ciências auxiliares na
arqueologia;
• a década de ’90, período caracterizado por um incremento da realização de trabalhos e pela
presença de geoarqueólogos estrangeiros como colaboradores em projectos de escavação em
Portugal;
• por fim, poderemos ainda delimitar o estádio actual, que passa por uma etapa de reconhe-
cimento e de consolidação da disciplina geoarqueológica.

A primeira etapa demarca assim a época inserida num grande âmbito cronológico que ante-
cede a década de ‘80 do século XX. Neste alargado conjunto, abarca-se uma enorme heteroge-
neidade de situações, abordagens e metodologias.
Nos finais do século XIX, os trabalhos realizados consubstanciam o que poderemos deno-
minar como uma fase formativa, pautada, num primeiro estádio, pela emergência dos estudos
pioneiros acerca da Pré-História no nosso país. Estes trabalhos integram-se numa génese
metodológica que é indissociável do próprio evoluir dos estudos geológicos, não só porque, fre-
quentemente, os autores intervenientes acumulam estas duas formações, mas também porque
o arquétipo mental destes primeiros trabalhos assume como primordial objectivo a compro-
vação da antiguidade do Homem. Ora esta questão só poderia ser coerentemente fundamen-
tada se alicerçada em pressupostos científicos através de contextos devidamente integrados em
estratigrafias fiáveis. É, neste encadeamento, que surgem trabalhos percursores como os de
Carlos Ribeiro, os de A. Pereira da Costa, os de Paul Choffat ou os de Joaquim Filipe Nery
Delgado, entre outros.
Ainda nesta ampla fase pré-’80, poderemos também incorporar os basilares trabalhos
desenvolvidos, genericamente a partir de 1940, assistindo-se a um profícuo desenvolvimento
das investigações no âmbito da Geologia, da Geografia e da Geomorfologia com os estudos de
autores como o abade Henry Breuil, Pierre Birot e Georges Zbyszewski. Não sendo nosso objec-
tivo a referência minuciosa a todos os trabalhos e intervenientes relevantes — tema que ultra-
passaria amplamente o âmbito deste texto — será, no entanto, de realçar o modo de trabalho
da escola de Geografia portuguesa que assume como campo de estudo uma óptica global que
aborda áreas relacionadas com o povoamento, com a geografia humana, a sua evolução e a
>>

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

39
CAIXA 2-2 (cont.)

caracterização física do meio ocupado, questões que não só incorporam, como estruturam a
noção actual de Geoarqueologia. Salientam-se, deste modo, os trabalhos de geógrafos como
Orlando Ribeiro, Mariano Feio, Hermann Lautensach, Carlos Teixeira, ou Fernandes Martins.
Esta é, não obstante a vasta proliferação de trabalhos de enorme interesse científico, uma
fase em que não poderemos ainda falar de Geoarqueologia, enquanto disciplina individualizada.
Existe antes uma útil colaboração, caracterizada pelas iniciativas decorrentes de formações aca-
démicas distintas e singulares.
Em fase subsequente, a partir da década de ‘80 do século passado, difundem-se um pouco
por todo o espaço europeu cursos e manuais numa perspectiva de assimilação, definição e con-
solidação dos conceitos base da Geoarqueologia.
No contexto português, apesar da proliferação dos estudos e dos grupos de trabalho – como,
por exemplo, o G.E.A.P. (Grupo de Estudos Arqueológicos do Porto) ou o G.E.P.P. (Grupo para
o Estudo do Paleolítico Português) — não se assiste a este esforço de formalização, ainda que
datem desta época as primeiras menções exaustivas dos princípios subjacentes à Geoarqueolo-
gia, nomeadamente com a fundação do Laboratório de Paleoecologia e Estratigrafia. Este Labo-
ratório, situado nas instalações do Museu Nacional de Arqueologia, conhece, para além dos sec-
tores de Arqueobotânica e de Arqueozoologia, a inserção de uma área de Geoarqueologia,
orientada por Fernando Real (vide Introdução, neste volume). É, efectivamente, através dos tra-
balhos de F. Real, que se desenvolvem não só estudos específicos baseados na Sedimentologia,
na Estratigrafia e na Petrografia (Real, 1985a, 1985b, 1986a), como coube também a este inves-
tigador a elaboração de textos de inequívoca vertente formativa sobre o que são e o que estudam
as denominadas disciplinas geoarqueológicas (Real, 1984, 1986b, 1987, 1988).
A noção de interdisciplinaridade assume grande relevância, iniciando-se projectos pri-
mordiais como a formação, no seio da Sociedade Geológica de Portugal, de um Grupo de tra-
balho português para o estudo do Quaternário (Carvalho, 1981), bem como a organização de
colóquios, de entre os quais salientamos a mesa-redonda subordinada à temática da “Contri-
buição das Ciências naturais e exactas à Pré-História e à Arqueologia” realizada no Porto. Este
debate permite, em larga medida, compreender o mosaico de conhecimentos estruturado à
época, nomeadamente com o desenvolvimento da aplicação de métodos tais como a Arqueo-
metria, a Petrografia, a Pedologia, a Sedimentologia, ou a aplicação de datações absolutas na
arqueologia (vide Arqueologia n.o 4, passim).
As colaborações pluridisciplinares desenvolvem-se ainda em grande consonância com os
trabalhos aglutinadores desenvolvidos pela Geografia, manifestando-se diversos exemplos de
cooperações com arqueólogos (recenseados em Daveau, 1981), numa dinâmica de reciprocidade
científica perante a interacção de informações, conceitos e métodos. A valorização científica des-
tas conjugações e a relevância das aproximações pluridisciplinares são avançadas por diversos
autores, dos quais realçamos, pela inequívoca relevância do seu trabalho, Suzanne Daveau, a
quem coube a elaboração de diversos textos acerca desta problemática, bem como a realização
de trabalhos de interacção entre o universo arqueológico e o âmbito geográfico (Daveau, 1980,
1981, 1993-1994; Daveau e Gonçalves, 1985).
Numa 3.a fase, delimitada a partir do devir dos anos ‘90, assiste-se a uma proliferação dos
estudos arqueológicos no contexto nacional, designadamente com o desenvolvimento de pro-
jectos de intervenção que acentuam e apostam mais numa integração dos contextos arqueoló-
gicos no seu enquadramento físico. Inicia-se, assim, uma progressiva adopção dos critérios nor-
teadores da Geoarqueologia enquanto ciência independente, assente em pressupostos discipli-
nares e metodológicos concretos, como de resto é salientado por J. L. Cardoso (Cardoso, 1996),
enumerando os diversos trabalhos e áreas de estudo desenvolvidas no contexto português.
A união de esforços e de informações, nomeadamente em termos de conhecimentos acerca
da evolução quaternária de determinada região, conduziu à inserção de enquadramentos geo-
lógicos e geográficos que abordam temas como o escalonamento de terraços, a sua evolução em
termos das principais fases pedogenéticas, das variações climáticas ou dos processos morfo-
dinâmicos ocorridos. É, neste sentido, que se destaca a presença de geoarqueólogos estrangeiros >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

40
CAIXA 2-2 (cont.)

como colaboradores em projectos portugueses. Não abrangendo a totalidade dos trabalhos


publicados, podem-se enumerar alguns estudos a título exemplificativo, designadamente as
análises de cariz cronoestratigráfico acerca das formações quaternárias referentes a áreas como
a bacia do rio Lis (Texier e Cunha-Ribeiro, 1991-92; Cunha-Ribeiro, 1999), das formações do
Litoral do Minho (Texier e Meireles, 1987, 1991; Meireles, 1992) ou os estudos acerca da evo-
lução da rede de drenagem do rio Côa (Aubry et al., 2002). Destacam-se também trabalhos de
índole paleoclimática, como a identificação dos sedimentos referentes ao Último Máximo Gla-
ciar na Gruta do Caldeirão (Ellwood et al., 1998), ou ainda de clara vertente geoarqueológica
de que se salienta o estudo integrado realizado no âmbito do projecto TEMPOAR (Territórios,
Mobilidade e Povoamento no Alto Ribatejo) que abarca trabalhos de investigadores como
Paolo Mozzi (1997, 2000) ou Stefano Grimaldi, Pierluigi Rosina, Isabel Fernandez (1997) e
Félix Botón García (2000).
Será ainda de salientar que, no âmbito destas colaborações com geoarqueólogos estran-
geiros, o desenvolvimento da Micromorfologia, não sendo uma área que conheça ainda grande
adiantamento no contexto nacional, encontra-se abordada em trabalhos como os de P. Bertran,
J.-P. Texier e J. Meireles (1991), ou no estudo micromorfológico, ainda em elaboração, por parte
de Paul Goldberg e Carolina Mallol do sítio da Galeria Pesada, inserido no Sistema Cársico do
Almonda, estando já publicado o esquema estratigráfico desta estação (Marks et al., 2002).
Actualmente vive-se uma etapa de maior consolidação, pautando-se o panorama nacional por
um decorrer de estudos e projectos que se desenvolvem numa perspectiva de ampla contem-
poraneidade com as investigações efectuadas além fronteiras. Surge um conjunto de investiga-
dores que patenteia, na sua formação, uma individualização da Geoarqueologia enquanto ciên-
cia autónoma situada numa área de pleno interface entre a Arqueologia e as Ciências da Terra.
Manifesta-se, assim, uma situação que, paulatinamente, tende a afastar-se do panorama exposto
de forma paradigmática por J. L. Cardoso para as perspectivas desenvolvidas nos meados dos
anos ’90, nomeadamente quando refere que “os trabalhos (…) têm-se efectuado em Portugal, fre-
quentemente, em consequência de “achegas” pontuais, sempre por iniciativa dos arqueólogos, resultantes
mais da disponibilidade ou curiosidade pessoal de quem se dispõe a tal colaboração, (…) do que como
área científica de pleno direito” (Cardoso, 1996, p. 76). Os contributos correntes apresentam já uma
plena delimitação do campo de intervenção e dos parâmetros científicos subjacentes a esta dis-
ciplina numa conceitualização formal que permite uma profícua tradução de descrições e con-
ceitos, adoptando-se uma linguagem que é simultaneamente compreensível para o arqueólogo
e para o geocientista. Efectivamente, a heterogeneidade cultural e social das sociedades huma-
nas constitui uma mundividência de factos e realidades que não fecham a linha de intervenção
da Geoarqueologia somente a uma realidade pré-histórica, mas, pelo contrário, abrem-na a
uma interacção que visa uma melhor descodificação e compreensão das características patentes
num sítio arqueológico, independentemente da sua inserção cronológica.

Modus operandi do Trabalho Geoarqueológico

Conceitos Básicos

Apesar de não sabermos definir exactamente a Geoarqueologia, podemos porém identi-


ficar a sua tarefa principal, que é a reconstituição das relações recíprocas entre as comunida-
des humanas do passado e o seu contexto físico. No decurso do seu trabalho, o geoarqueólogo
analisa sistemas naturais e antrópicos, do passado e do presente, integrando informações com
diferentes características e potencial informativo, tendo que lidar com sistemas complexos e
com as dinâmicas que regulam estes sistemas. Por isso, a abordagem geoarqueológica deve

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

41
considerar uma série de “palavras de ordem” que não podem ser esquecidas, de modo a não
originar informações incompletas ou erróneas.
Uma das bases conceptuais de qualquer geoarqueólogo reside na convicção que as dinâ-
micas culturais podem ser reconstituídas, ou seja, que as comunidades humanas actuaram e
actuam através de processos que são legíveis e interpretáveis com conceitos “geo”. Por outras
palavras, que os humanos deixam, do ponto de vista dos processos e das dinâmicas com que
agem, “assinaturas” que, oportunamente lidas, permitam realizar uma reconstituição com-
portamental e cultural das comunidades humanas do passado.
A capacidade de reconstituir processos reside, praticamente, no reconhecimento da vali-
dade do método científico e do actualismo. Não vamos aqui entrar no complicado tema da defi-
nição de ciência, sobre o qual existem excelentes textos portugueses e estrangeiros (ex. Pop-
per, 1972; Kuhn, 1970; Chalmers, 1982; Santos, 1995). Será somente de realçar que no trabalho
geoarqueológico, assim como nas Geociências em geral, uma das bases conceptuais é o actua-
lismo, conceito já formulado por James Hutton em 1788 e que podemos resumir de forma
substancial na asserção de que os processos que controlam as modificações do planeta têm sido
sensivelmente os mesmos no decurso do tempo, ou, pelo menos, que têm actuado com moda-
lidades e resultados iguais (ou, como J. Hutton referiu: “The present is the key to the past”). Esta
asserção constitui uma das bases das ciências naturais e foi sucessivamente incluída no
âmbito de teorias mais abrangentes, como o methodologic uniformitarianism de J. Gould (1965).
Para o trabalho geoarqueológico, a aceitação de apetrechos teóricos como o methodologic uni-
formitarianism, associado com os métodos científicos indutivo e dedutivo, permite aceitar o pres-
suposto que o geoarqueólogo pode correlacionar eventos não coevos. Ou seja, os processos e os
agentes que hoje dão origem a um determinado produto são equiparáveis com os que deram ori-
gem a um produto igual no passado. Sem esta base teórica resulta difícil fazer Geoarqueologia.
Outro ponto diz respeito aos sistemas (sub-sistema natural e sub-sistema antrópico) que
o geoarqueólogo analisa, que estão governados por dinâmicas complexas, e que interagem de
forma complexa. É assim fundamental manter uma perspectiva ambiental e contextual, enten-
dendo como contexto “[the] four-dimensional spatial-temporal matrix that comprises both a cultural
and a non-cultural environment and that can be applied to a single artifact or to a constellation of
sites.” (Butzer, 1982, p. 4). Dito de maneira exemplificativa, não é possível compreender a ori-
gem do sedimento arqueológico de determinado sítio sem ter conhecimento da sua situação
ambiental e climatérica ou da morfodinâmica regional, numa perspectiva diacrónica. É assim
importante cruzar informações de origens diversas e exercer um feedback contínuo durante
a recolha e a elaboração dos dados.
É esta a razão pela qual a investigação geoarqueológica actua em diferentes escalas ao
mesmo tempo. Podemos subdividir a escala da acção do trabalho geoarqueológico da seguinte
forma (subdivisões mais pormenorizadas podem ser propostas à semelhança da ecologia —
vide Mateus et al., neste volume):
• macroescala, com ordem de grandeza superior ao quilómetro — análise do contexto de
um ou mais sítios na escala regional e análise do território, como pode ser aplicado, por
exemplo, no estudo dos padrões de povoamento e de subsistência em determinada
região, na análise das modificações do ambiente no decurso do tempo, etc.;
• mesoescala, com ordem de grandeza entre a dezena de metros e o quilómetro — estudo
do contexto de um sítio à escala local, por exemplo, sua posição topográfica, sua locali-
zação geomorfológica, etc.:
• microescala, até à ordem de grandeza da dezena de metros — estudo do sítio e dos seus
componentes considerados no terreno e no laboratório, como pode ser a análise da orga-
nização espacial intra-sítio, da estratigrafia, até chegar a escalas ultramicroscópicas,

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

42
como por exemplo o recurso à observação micromorfológica de lâminas finas prepara-
das a partir de porções de solos, camadas ou estruturas arqueológicas (vide Capítulo 3).

A Geoarqueologia, na acepção aqui considerada e simplificando drasticamente, ocupa-se


assim da reconstituição da matriz espaço-temporal (tetra-dimensional) que constitui o am-
biente cultural e natural de qualquer evidência arqueológica (do artefacto individual ao con-
junto de sítios), partilhando conceitos e perspectivas análogas à Arqueologia Contextual, à
Arqueologia Ambiental e à Ecologia Humana.

A Investigação Geoarqueológica

A Geoarqueologia pode mudar os seus focos de acordo com os projectos e com as ques-
tões específicas equacionadas. De forma simplificada, podemos agrupar os seus objectivos
principais da seguinte maneira:
• cronologia e estratigrafia, estudos cuja finalidade é reconstituir sucessões estratigráficas
ao nível do sítio, do local ou da região, localizar no tempo acontecimentos, estabelecer
sequências cronológicas, etc.;
• estudos paleoambientais, abordagens que visam à reconstituição do ambiente físico, das
suas modificações no tempo e das relações com as oscilações climatéricas a nível glo-
bal ou regional;
• inter-relações entre humanos e ambiente, com o intuito de estabelecer o sistema de ocu-
pação e compreender as relações entre povoamento e ambiente físico, assim como a uti-
lização dos recursos naturais ou os efeitos do impacte antrópico sobre o território;
• formação do registo arqueológico, estudos que se centram nos processos de formação dos
sítios arqueológicos e dos seus componentes, nas interferências entre processos antró-
picos e não antrópicos, nas modificações sin- e pós-deposicionais dos elementos arqueo-
lógicos, na conservação dos artefactos, etc.

O geoarqueólogo pode actuar de forma variável perante o projecto de investigação, inter-


vindo em distintas fases da pesquisa: na formulação do projecto de investigação; nas pros-
pecções preliminares e na identificação de sítios; na escavação arqueológica; nos trabalhos pós-
-escavação; na explicação e na interpretação dos dados.
Da mesma forma, as ferramentas geoarqueológicas são aplicáveis a diferentes proble-
máticas arqueológicas, da arqueologia de emergência e profissional, até à tutela e valorização
de sítios e à investigação científica. Estas técnicas são diferenciadas, incluindo métodos de gabi-
nete (ex. compilação de cartografia temática, elaboração de colunas estratigráficas, correlação
estratigráfica), de laboratório (ex. análise de sedimentos e de solos, observação de lâminas del-
gadas) e de campo, durante a escavação e a prospecção (ex. descrição de sedimentos, levanta-
mento geomorfológico).
No que diz respeito ao percurso da investigação geoarqueológica, podemos esquematizá-
-lo da seguinte forma:
1. formulação das questões arqueológicas e compilação de um projecto;
2. identificação das fontes de informação;
3. recolha de dados utilizando instrumentos das Ciências da Terra;
4. criação de modelos geoarqueológicos para a explicação dos dados recolhidos;
5. interpretação arqueológica — este último ponto compreende o feedback com o ponto 1
e, eventualmente, o reinício de todo o procedimento aqui indicado.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

43
São diversas as questões arqueológicas para as quais a Geoarqueologia pode encontrar
soluções e respostas (uma lista exemplificativa encontra-se na Caixa 2-3), utilizando fontes de
informação da geoesfera e técnicas mutuadas das Ciências da Terra (Quadro 2-1).

CAIXA 2-3

Exemplos de questões solucionáveis


com a abordagem geoarqueológica.

• Sítios (questões gerais ou específicas de determinado âmbito espácio-temporal): Onde encon-


trá-los? Estarão conservados? Estarão relacionados com figuras ou elementos específicos da
paisagem?
• Território: Alterou-se? Em caso positivo, como, quando, porquê, de que forma, etc.? Foi modi-
ficado pela acção antrópica? Em caso positivo, como, quando, etc.?
• Padrões de povoamento: Reflectem verdadeiramente o sistema de povoamento da região em
dada época ou são o resultado de transformações da paisagem após o abandono dos sítios?
Existem opções de povoamento recorrentes? Existem relações entre sítios e recursos ambien-
tais?
• Recursos: Quais e quantos são? Estarão disponíveis? Onde se localizam? Já foram explora-
dos? Em caso positivo, como, quando e porquê?
• Artefactos e ecofactos: Quais e como estarão conservados? Porquê? Estarão in situ? Onde foi
recolhida a matéria-prima?
• Depósito arqueológico: De que é composto o depósito arqueológico? Como se formou? A sua
organização actual reflectirá a estratificação original? Qual é o papel assunto pelos processos
pós-deposicionais?
• Estratigrafia: Qual será a sequência de ocupação do sítio? Será possível reconstituir a suces-
são estratigráfica?
• Impacto antrópico: Houve? Com quais efeitos? Onde, como e quando? De que prática deriva?

QUADRO 2-1
Fontes Disciplinas Técnicas

relevo e formas Geomorfologia prospecção geomorfológica, morfometria, fotos aéreas


sedimentos Sedimentologia reconhecimento no terreno, análises de laboratório, análise de fácies,
micromorfologia
solo Pedologia reconhecimento no terreno, análises de laboratório, classificação
pedológica, micromorfologia
estratificação Estratigrafia reconhecimento no terreno, análise de fácies
(sedimentos e solos)
idade Cronologia correlações e análise estratigráficas, datações
artefactos Tafonomia, Traceologia, caracterização petrográfica, análise microscópica
Petrografia, etc.
sedimentos e solos Geofísica
Geotecnia prospecção geofísica, prospecção geomecánica
organização do território (variável) ex. land evaluation

No próximo capítulo, apresentam-se algumas considerações geoarqueológicas e exemplos


de estudos geoarqueológicos, integrados pelos casos relativos aos estudos micromorfológicos,
referidos no Capítulo 3 (para a localização dos sítios mencionados neste dois capítulos, vide
Figs. 2-1 e 2-28).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

44
– Localização dos sítios espanhóis e italianos mencionados nos Capítulos 2 e 3 (para os sítios portugueses vide Fig. 2-28).
FIG. 2-1

1 - Atapuerca; 2 - la Cansaladeta; 3 - la Cativera; 4 - Calvatone / Bedriacum; 5 - Lugo di Grezzana; 6 - Riparo Gaban; 7 - Val Las-
tari; 8 - Riparo Dalmeri; 9 - Plan de Frea.

Geoarqueologia, Paisagens e Territórios

O sistema de povoamento tem estado sempre estreitamente ligado às características da


paisagem e aos seus componentes. Os grupos humanos do passado escolhiam as localidades
a ocupar tendo em conta parâmetros como a acessibilidade aos recursos, a vulnerabilidade geo-
morfológica (geomorphic hazard), a presença de elementos paisagísticos notáveis (land-marks),
a visibilidade do sítio ou a sua defesa. Ao mesmo tempo, as dinâmicas naturais e antrópicas
modificam a paisagem, o seu relevo e a sua configuração geográfica, pelo que a relação entre
determinado sítio (ou sistema de sítios) e o contexto territorial pode mudar no tempo. É assim
importante analisar a organização da paisagem em redor de um sítio arqueológico, com vista
a compreender as razões que levaram à escolha de determinado local para a ocupação, quais
são os recursos disponíveis e como se modificou o ambiente desde a ocupação do sítio até ao
tempo actual.
A análise territorial e as técnicas de reconstituição da paisagem formam já parte doutro
capítulo deste trabalho (Mateus et al., neste volume), pelo que nos limitaremos aqui a apre-
sentar alguns exemplos da contribuição da Geoarqueologia para o estudo da paisagem, com
particular referência à Geomorfologia, sem entrar no âmbito das técnicas mais refinadas hoje
disponíveis para a análise territorial e geográfica (ex. SIG, modelos tridimensionais, land eva-
luation). Nos trabalhos apresentados, aplicaram-se de forma elementar os conceitos e os méto-
dos geomorfológicos para solucionar questões específicas.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

45
CAIXA 2-4

A Geomorfologia

A Geomorfologia é a ciência que estuda o relevo terrestre e os processos responsáveis pela


sua modificação (vide ex. Pedraza Gilsanz, 1996).
As técnicas utilizadas neste âmbito permitem reconstituir as dinâmicas de formação do
modelado, averiguar os processos responsáveis pela sua transformação, indagar o estado de acti-
vidade e a idade das morfologias (formas) que compõem esse mesmo relevo e, combinando os
dados geomorfológicos com os geológicos, localizar os recursos naturais no território.
Os geomorfólogos operam através de diversas técnicas, que vão desde o reconhecimento
de campo, à leitura e interpretação de fotografias aéreas, à análise morfométrica do relevo, até
à compilação de mapas.
Um dos elementos gráficos mais frequentemente utilizado para sintetizar o relevo de deter-
minada região é o mapa geomorfológico, onde se representam, através de símbolos, tramas e
outros elementos gráficos, as formas do relevo, a geologia, os depósitos superficiais e outras carac-
terísticas do território, como a hidrografia ou os elementos relativos à geografia humana.

– O relevo representa o resultado da justaposição


FIG. 2-2
e sobreposição de processos que actuaram sincrónica
e diacronicamente. No território envolvente do sítio
pré-histórico de Barca do Xerez de Baixo (cuja posição é
revelada pelo toldo branco), identificam-se vários níveis
de terraços de origem fluvial, superfícies modeladas pela
acção de processos de vertente e de correntes aquosas
dispersas, assim como morfologias influenciadas pela
erosão selectiva e por factores geológico-estruturais.

– A desembocadura do vale do Lapedo (no centro


FIG. 2-3
da imagem), observada a partir de SW. O vale constitui
um pequeno canhão de origem fluvio-cársica, entalhado
numa paisagem pouco ondulada, articulada por extensas
superfícies de aplanamento do Mio-Pliocénico e do
Quaternário antigo. A génese do vale é influenciada pelo
afloramento de uma formação de calcários turonianos,
mais resistentes que as rochas adjacentes, que
condicionam os processos fluviais e de dissolução cársica.

FIG. 2-4 – Exemplo de cartografia


geomorfológica: esboço geológico e
geomorfológico do Vale de Lapedo
(modificado de Angelucci, 2002a).
Legenda: 1-3 - Informações relativas ao
afloramento das formações rochosas
pré-quaternárias: 1 - formações terciárias
(areias, margas, conglomerados, etc.);
2 - formação turoniana (calcário);
3 - unidades do Oxfordiano e do
Kimeridgiano (calcários, margas e areias).
4-8 - Dados relativos às formações
quaternárias: 4 - sedimento aluvial
quaternário e extensão da unidade
morfológica Ponte; 5, 6 e 7 - terraços
superiores e correspondentes sedimentos
quaternários; 8 - sedimento de vertente da
unidade morfológica Ponte. 9-12 - Outras
informações: 9 - pendor dos estratos;
10 - paredes calcárias; 11 - localidades;
12 - posição do Abrigo do Lagar Velho.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

46
Como já se disse, o funcionamento dos sistemas naturais é complexo, razão pela qual não
é possível compreender os processos de formação duma estratificação arqueológica e a evo-
lução de um sítio sem ter uma abordagem, ainda que preliminar, às dinâmicas que actuam
na paisagem e que actuaram no passado. Um caso ilustrativo é o do Castelo da Lousa (Mou-
rão — vide Caixa 2-5), onde a análise geoarqueológica permitiu esclarecer aspectos relaciona-
dos com as dinâmicas naturais do Vale do Guadiana e, através do estudo morfodinâmico, com-
preender a natureza da evidência estratigráfica detectada no sítio.

CAIXA 2-5

O sítio romano do Castelo da Lousa (Mourão)

O sítio romano do Castelo da Lousa é já amplamente conhecido na bibliografia arqueoló-


gica portuguesa (vide Gonçalves e Carvalho, 2002, com a bibliografia anterior). As investiga-
ções efectuadas no âmbito dos trabalhos de minimização de impactos da Barragem do Alqueva
incluíram também uma componente geoarqueológica, com vista a determinar a natureza de
alguns sedimentos encontrados durante as escavações e averiguar a existência de possíveis rela-
ções entre o abandono do sítio e eventuais eventos naturais de carácter catastrófico. As res-
postas, embora parciais devido à urgência do trabalho, vieram principalmente da análise do con-
texto geomorfológico do sítio (Angelucci, 2003b).
O Castelo da Lousa situa-se no flanco esquerdo hidrográfico do vale do Guadiana, no
âmbito de uma paisagem que se apresenta como um complexo mosaico de formas de origem
diferenciada. Esta situação depende do arranjo geomorfológico do vale, articulado, neste tramo,
num sistema de terraços escalonados, cuja continuidade lateral ao longo das encostas é inter-
rompida pelos cursos de águas tributários, fortemente encaixados.

QUADRO 2-2
cota perfil cor espessura outros sítios relacionados mapa
do solo horizonte B do solum
T1 5m A-C 10 YR 5-10 cm Q4b
T2 10-15 m A-Bw 7.5 YR 30 cm Barca do Xerez de Baixo Q4a
T3 20-25 m Bt-BC >60 cm Sapateiros Q3?
T4 40-45 m Q2?
T5 60-80 m Bt-Ck 2.5 YR >200 cm Q1?

Terraços aluviais do Guadiana na região de Mourão. Legenda: cota - cota aproximada do topo do terraço sobre o nível
actual do rio, em metros; perfil solo - articulação em horizontes dos perfis de solo observados no terraço; cor do
horizonte B - chroma (Munsell Soil Color Chart); mapa - correspondência com as unidades indicadas na folha 41-A da
Carta Geológica de Portugal (Perdigão, 1971).

A dinâmica de formação destes terraços quater-


nários (um esboço preliminar dos níveis de terraço é
proposto no Quadro 2-2) não está ainda esclarecida,
pois o rio Guadiana possui um regime hidrológico
peculiar e as suas enchentes catastróficas periodica-
mente arrasam o vale e remontam acima dos terraços
mais antigos, reactivando-os. O projecto de estudo do
sítio epipaleolítico da Barca do Xerez de Baixo, em
colaboração com Vera Aldeias, terá a possibilidade de
recolher mais informações sobre este tema.
– Vista do Guadiana a partir do edifício
FIG. 2-5
No próprio sítio do Castelo da Lousa, encontra-
principal do Castelo da Lousa, para montante,
ram-se depósitos relacionados com os episódios de com indicação das principais unidades
inundação do Guadiana, que se sobrepõem a estrutu- morfológicas de origem fluvial (nomenclatura
>>

ras arquitectónicas romanas já anteriormente destru- dos terraços como no Quadro 2-2).

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

47
CAIXA 2-5 (cont.)

ídas e situadas a cerca de 20 metros acima do leito médio (Plataforma Norte Inferior - Gonçalves
e Carvalho, 2002), indicando que o rio terá atingido estas posições em fases pós-romanas.
De facto, as estruturas habitacionais do Castelo da Lousa assentam sobre diversas mor-
fologias (Fig. 2-5 e 2-6):
• um terraço fluvial com altura máxima de cerca de 13-15 m acima do nível médio do rio
(T2 no Quadro 2-2), formado por sedimentos que podem ser correlacionados com o conjunto
estratigráfico de Barca do Xerez de Baixo, datado do Holocénico antigo (Almeida et al.,
1999; Araújo e Almeida, 2003);
• a superfície de erosão associada a este terraço (parte da plataforma N);
• uma plataforma constituída pelo topo do esporão rochoso em xisto, onde assenta o edifício
principal;
• a encosta virada para N (ou seja, para o Guadiana), onde se reconhece a cicatriz de um des-
lizamento de vertente de tamanho significativo (Fig. 2-6).
Em posição externa à área ocupada pelo sítio distinguem-se também:
• um terraço de origem mista fluvial - coluvial (T1 no Quadro 2-2), na parte baixa da encosta
esquerda do rio, que atinge a cota de 5 m acima do seu leito médio;
• as vertentes delimitadas por duas ribeiras laterais (Barranco de Galmeirões e Barranco do
Castelo), muito encaixadas;
• uma plataforma de abrasão fluvial em rocha, colocada a 1-2 m acima do rio.

FIG. 2-6 – Esboço geomorfológico da região à volta do Castelo da Lousa. Legenda: 1 - descontinuidades litológicas
do xisto; 2 - rebordo das incisões dos Barrancos do Castelo e dos Galmeirões; 3 - cicatriz de deslizamento;
4 - superfície de abrasão; 5 - unidade morfológica T1; 6 - unidade morfológica T2; 7 - extensão aproximada do sítio

Todos estes elementos morfológicos formam um conjunto limitado a N pelo Guadiana


e pela convergência, a E e a W do sítio, das ribeiras laterais, encerrando assim o local em posi-
ção isolada e dominante sobre o rio e as ribeiras, conferindo-lhe assim características de fácil
defesa, abundância de água nas proximidades e localização próxima a amplas áreas cultivá-
veis (a montante). Estas qualidades constituíram certamente requisitos para a escolha da loca-
lização do Castelo da Lousa. No entanto, representaram problemas intrínsecos para o sítio:
a acção de erosão e encaixe das duas ribeiras determinou fenómenos de erosão acelerada ao
longo das vertentes e o seu recuo devido à erosão retroactiva, provavelmente já durante a ocu-
pação do sítio. Estes processos erosivos actuaram de forma ainda mais intensa pela posição
da ocupação no lado externo dos meandros formados pelas ribeiras dos Barrancos do Cas-
telo e dos Galmeirões (Fig. 2-6). Não é possível determinar, de momento, se estas fases de >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

48
CAIXA 2-5 (cont.)

erosão estejam relacionadas com oscilações climáticas (em particular com uma mudança no
regime da pluviosidade) ou com a actividade antrópica (ex. desflorestação), nem lhes atribuir
uma cronologia certa. Os resultados da datação OSL (Optically-Stimulated Luminescence) das
amostras recolhidas por Daniel Richter, em análise no Instituto Tecnológico e Nuclear,
poderão talvez aclarar parcialmente estas questões.
Resumindo brevemente os resultados do estudo geoarqueológico, deduz-se que, na
altura da primeira ocupação do sítio, os antigos habitantes escolheram as posições menos
vulneráveis do ponto de vista geomorfológico, ou seja, o terraço aluvial T2 e a plataforma a
montante deste. Estas escolhas não puderam, porém, evitar que as vertentes circundantes
se degradassem rapidamente e que as estruturas habitacionais fossem atingidas pelas
enchentes do rio. As actividades de erosão e sedimentação do Guadiana foram provavelmente
responsáveis pelo deslizamento em massa da encosta N do sítio, que afectou parte das estru-
turas antrópicas, removendo um volume considerável de material. Ao mesmo tempo, o pro-
cesso de embutimento das ribeiras laterais desestabilizou os sectores periféricos do edifício
principal, determinando fenómenos de destabilização de porções da rocha (toppling) e outras
deformações.
Contudo, não parece ter sido uma cheia catastrófica ou outra causa natural a razão do aban-
dono do Castelo da Lousa, embora seja muito provável que a instabilidade do esporão rochoso
(onde se insere o edifício principal) e das encostas adjacentes se fizesse sentir de forma mar-
cada já durante a ocupação do sítio, resultando em sérios problemas de estabilidade das estru-
turas, e podendo ser assim uma provável causa concomitante para o abandono do povoado.

Por outro lado, a compreensão da organização eco-fisiográfica do território permite ave-


riguar quais foram os critérios para a escolha da localização de determinado sítio e se se
encontra ou não relacionada com alguma característica específica da paisagem. O sítio pré-his-
tórico do Prazo (Vila Nova de Foz Côa — vide Caixa 2-6) pode ilustrar um caso de aplicação
de reconhecimento geológico e geomorfológico elementar, com vista a compreender a locali-
zação “estratégica” do sítio, face à diversidade paisagística.

CAIXA 2-6

Prazo (Freixo de Numão)

O sítio do Prazo (Freixo de Numão, Vila Nova de Foz Côa), já conhecido pelo seu espó-
lio de idade romana e medieval, regista também ocupações mesolíticas e neolíticas que
foram objecto de escavações arqueológicas e publicações preliminares por Sérgio Monteiro-
-Rodrigues (2000, 2002) e que serão objecto de uma tese em preparação por este autor.
No âmbito das colaborações PNTA / Arqueologia Ambiental, foi realizado um estudo geo-
arqueológico com vista a contextualizar o sítio do ponto de vista geomorfológico e analisar
a sua estratigrafia (este último tema será brevemente objecto de um artigo em redacção pelo
autor e S. Monteiro-Rodrigues). No que diz respeito à geomorfologia, foi efectuado um
reconhecimento de campo preliminar, apoiado na leitura e interpretação de fotografias
aéreas em estereoscopia, do qual se adiantam alguns resultados provisórios.
O sítio do Prazo integra-se, do ponto de vista geológico, no Maciço de Numão, um
pequeno corpo intrusivo composto por granito de textura porfiróide, de grão médio a gros-
seiro e de duas micas (Ribeiro, 2001). O maciço granítico é atravessado por filões de quartzo,
de pegmatito e de aplito com orientação grosso modo paralela, influenciada pelos alinha-
>>

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

49
CAIXA 2-6 (cont.)

mentos tectónicos regionais. Em geral, as rochas da região estão afectadas por um sistema
de fracturas e falhas cuja origem remonta a fases tardias da orogénese Varisca: a família prin-
cipal deste sistema possui orientação NNE-SSW, enquanto que outros conjuntos se orien-
tam WSW-ENE e WNW-ESSE (Cabral, 1995). Estes acidentes tectónicos influenciam a dis-
tribuição da rede hidrográfica, a configuração do relevo e o arranjo das coberturas sedi-
mentares.
Geomorfologicamente, a região de Freixo de Numão faz parte da unidade morfoestru-
tural dos “planaltos centrais” (Ferreira, 1978), separada do extenso planalto da Meseta pelo
acidente tectónico Vilariça - Longroiva (Cabral, 1995; Ribeiro, 2001). Na área envolvente do
Prazo, é bem reconhecível uma extensa superfície correspondente à “superfície inferior,
níveis mais altos” de A. Brum Ferreira (1978), cuja continuidade é interrompida por dois ele-
mentos morfológicos principais (Fig. 2-7):
• os relevos residuais relacionados com o aflorar
de litologias mais resistentes, como os altos de
S. Eufémia e da Quinta dos Bons Ares, ambos
assentes sobre filões de quartzo. Os cumes des-
tes relevos configuram uma superfície planál-
tica já quase completamente desmantelada
(“superfície fundamental dos níveis dos pla-
naltos centrais”, segundo Ferreira, 1978)
• um sistema hidrográfico encaixado, formado
por vales incisos e com vertentes geralmente
escarpadas que atingem desníveis de algumas
centenas de metros. Esta rede hidrográfica está
controlada pelo nível do Rio Douro, o elemento
hidrográfico de maior importância da região.
Em redor do sítio, a superfície do planalto
encontra-se bem individualizada, apresentando, a
W e a E do sítio, inclinações opostas: do lado W
evidencia inclinação para W e do lado E para E,
em direcção a um sector rebaixado, provavel-
mente relacionado com a actividade erosiva da
Ribeira dos Amieiros. Estas variações na inclina-
ção da superfície podem dever-se ao rejogo neo-
tectónico das falhas do Vale de S. João e do Alto
de S. Eufémia (falha de Murça). FIG. 2-7 – Esboço geomorfológico dos arredores do
Para N, o planalto é recortado pelo sistema de sítio do Prazo.
vales encaixados, cuja actividade de embutimento
deu origem a uma clara ruptura de pendente. Nos vales, a morfogénese é controlada prin-
cipalmente pela actividade aluvial. O principal elemento hidrográfico nas imediações do
Prazo é a Ribeira de S. João (tributário esquerdo da Ribeira de Murça), que corre com eixo
NNE-SSW, cujo traçado é condicionado pela falha de Murça. As encostas do vale são íngre-
mes e interrompidas por rechãs e patamares implantados a várias altitudes e posições ao
longo da vertente.
O próprio sítio arqueológico assenta numa superfície fracamente inclinada para NNE,
na esquerda hidrográfica do vale, que foi designada como unidade morfológica (UM) do
Prazo. Esta superfície desenvolve-se a partir do sopé do Alto de S. Eufémia e apresenta uma
inclinação discordante à superfície do planalto e à encosta do vale. Este facto sugere que a
génese da UM Prazo não esteja relacionada com os processos de aplanamento dos planal-
tos centrais, nem com a erosão que deu origem ao vale, mas com uma fase inicial de aber-
tura do Vale de S. João, representando talvez uma antiga cabeceira do vale, anterior às fases
de erosão que determinaram o profundo embutimento do vale, sendo, no entanto, poste- >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

50
CAIXA 2-6 (cont.)

rior aos ciclos de erosão que originaram as super-


fícies planálticas (Fig. 2-8).
No Vale de S. João, é possível também identi-
ficar uma ruptura de pendente sub-actual, indi-
cando que o seu aspecto actual se deve a uma fase
muito recente de rejuvenescimento do relevo, por
encaixe da ribeira e consequente instabilidade e
erosão retroactiva das encostas laterais.
A análise geomorfológica, embora preliminar,
evidencia assim que o sítio arqueológico do Prazo
assenta numa unidade morfológica específica, em
posição ao mesmo tempo isolada mas próxima de FIG. 2-8 – A localização do Prazo a partir do lado
três grandes unidades de paisagem. Esta localiza- oposto do Vale de S. João. Note-se o relevo
residual do Alto de S. Eufémia (à esquerda)
ção permite, de facto, a utilização dos recursos e a superfície ligeiramente inclinada para o
das unidades de paisagem adjacentes (planalto, observador onde assenta o sítio (em segundo
relevos residuais e vale), sem apresentar as des- plano, localiza-se a superfície do planalto)
vantagens patentes nessas, em termos de implan-
tação do habitat. Em particular, um primeiro cadastro dos recursos da área permite identi-
ficar (vide também Monteiro-Rodrigues, 2002):
• abundante matéria prima lítica (quartzo) no Alto de S. Eufémia e na vertente direita hidro-
gráfica do vale;
• disponibilidade de água (nascente localizada na própria UM Prazo e junto à cabeceira do
vale);
• disponibilidade dos recursos vegetais e animais do planalto, associada a uma posição
relativamente protegida do vento, orientada para nascente e com escassa visibilidade a par-
tir do exterior;
• disponibilidade dos recursos vegetais e animais do vale, associada a uma posição com
menor vulnerabilidade geomorfológica.
A localização do Prazo configura-se, então, como um caso de escolha ligada à localiza-
ção geomorfológica e à convergência ambiental: a unidade morfológica onde se localiza o
sítio arqueológico representa, de facto, um ecótono, ou seja, a faixa de contacto entre habi-
tats caracterizados por comunidades vegetais e animais diferenciadas, aliás com disponibi-
lidade de recursos líticos e hídricos a curta distância.

Outra questão que diz respeito à abordagem geomorfológica a sítios e sistemas de povoa-
mento centra-se nas modificações da paisagem no decurso do tempo.
As dinâmicas naturais e o impacte antrópico mudam a paisagem e o ambiente, não só
nas suas vertentes vegetacional e faunística e nas características do modelado e do solo (no
“soilscape”, ou seja na distribuição dos solos em determinada região), mas também na sua
organização geográfica. Estas modificações podem ser tão marcadas ao ponto de conduzi-
rem a uma configuração muito diferente da existente no momento da ocupação do sítio e
não correspondente, no caso de lugares históricos descritos em fontes documentais, com
as informações que nos chegaram dos autores antigos. É este o caso do vicus de Bedriacum
(Caixa 2-7).
A tipologia dos trabalhos geoarqueológicos à escala territorial é muito diversificada e pode-
mos mencionar, como outros exemplos, os seguintes:
• a reconstituição do território de grupos de caçadores-recolectores mesolíticos nos
Pré-Alpes italianos (Angelucci et al., 1999)
• o estudo geomorfológico preliminar do Vale do Lapedo (Angelucci, 2002c).

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

51
CAIXA 2-7

Reconstituição paleogeográfica do território


do sítio romano de Calvatone
(Lombardia, Itália)

O vicus de Bedriacum / sítio arqueológico de Costa Sant’Andrea — situado no municí-


pio de Calvatone, perto de Cremona e Mantova — localiza-se na Pianura Padana, a ampla
planície aluvial do rio Pó, que constitui uma das principais morfoestruturas da Itália do
Norte (Fig. 2-9).
Bedriacum é mencionado por vários autores romanos, principalmente por ter sido o
cenário de duas batalhas ali travadas no ano 69 d.C. — o “ano dos quatro imperadores”.
Os autores descreveram de forma pormenorizada o povoado e o território em redor, retra-
tando-o como uma vila populosa, situada à beira do rio Oglio (um dos principais cursos de
água tributários do rio Pó), no ponto onde a Via Postumia atravessava o rio. A fundação do
vicus, no século II BC, relaciona-se com esta via de comunicação, traçada em 148 a.C. para
ligar o Mar Tirreno à Aquileia. As informações históricas e arqueológicas documentam que
Bedriacum foi habitado até ao século V d.C. (Sena Chiesa, 1992; VV.AA., 1998).
Ora, esta descrição da localidade não corresponde à situação geográfica actual, sendo que
o rio Oglio corre à distância de 2-3 km do sítio, característica que não encaixa com a identi-
ficação do sítio arqueológico de Calvatone — Costa Sant’Andrea com o vicus de Bedriacum,
atribuição esta que é segura graças a informações arqueológicas.
A questão arqueológica relacionada com a posição relativa de Bedriacum e do rio foi a ori-
gem de um trabalho geoarqueológico que começou com a reconstituição paleogeográfica e
continuou com a análise de outros aspectos relacionados com a estratigrafia, os processos
de formação do registo arqueológico e
o exame dos materiais de construção
utilizados na época romana (vide tam-
bém Capítulo 3), através do projecto
“Calvatone ‘90”, sob a direcção da
Prof.a G. Sena Chiesa (Universidade
de Milão), da Prof. a M.P. Lavizzari
Pedrazzini (Universidade de Pavia) e
da Dr. a L. Passi Pitcher (Soprinten-
denza Archeologica della Lombardia)
(vide Passi Pitcher, 1996; Sena Chiesa
et al., 1997).
Neste ponto, vamos resumir as
principais conclusões do estudo geo-
morfológico que levou à reconstituição
paleogeográfica da região à volta do
sítio (vide Angelucci, 1996, 1997b).
Bedriacum localiza-se na ampla
bacia sedimentar plio-quaternária da
planície Padana, preenchida por uma
FIG. 2-9 – Esboço geomorfológico do sector central da Pianura sucessão sedimentar que alcança os
Padana (modificado de Cremaschi, 1987). 1 - formações 5000 m de espessura. A configuração
pré-quaternárias e relevos correspondentes; 2 - sistemas glaciários
e depósitos fluvio-glaciários da margem alpina; 3 - “livello actual da planície resulta de processos
fondamentale della pianura” (vide texto); 4 - planície aluvial fluvio-glaciários e fluviais que tiveram
holocénica e vales holocénicos; 5 - terraços pede-apeninicos; lugar no Plistocénico e no Holocénico.
6 - principais linhas de rebordo dos terraços. A posição de
A sua porção central está organizada
Bedriacum está indicada pelo círculo. >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

52
CAIXA 2-7 (cont.)

num amplo terraço plistocénico


(“livello fondamentale della pia-
nura”, nível fundamental da pla-
nície — doravante lfp), cortado e
entalhado pelos “vales” dos rios
tributários do Pó, vales estes
onde teve lugar a actividade flu-
vial holocénica (Fig. 2-9).
Contrastando com esta situa-
ção, o lfp ficou substancialmente
estável do ponto de vista geo-
morfológico e sedimentar a partir
do final do Plistocénico, repre-
sentando, no seu conjunto, uma
morfologia fóssil que conservou
a configuração das últimas fases
sedimentares, durante a glacia-
ção de Würm e no tardiglacial —
documentadas pela existência de
cristas aluviais e depressões sub-
paralelas que constituem a evi-
FIG. 2-10 – Esboço geomorfológico do território em redor de
dência de fases de acumulação
Bedriacum. 1 - “livello fondamentale della pianura” (vide texto); 2 - vale
sedimentar durante o tardigla- actual do rio Oglio; 3 - área actualmente inundável pelo rio Oglio;
cial. Actualmente, as principais 4 - rebordo de terraço; 5 - cristas aluviais; 6 e 7 - paleocanais
dinâmicas sedimentares de ori- aluviais bem visíveis (6) e pouco visíveis (7); 8 - barras arenosas de
progradação; 9 - vestígios de centuriação e antigas vias romanas;
gem aluvial têm lugar nos vales
10 - localização do sítio; 11 - diques artificiais; 12 - localidades.
aluviais embutidos no lfp, sendo
que este último foi sujeito,
durante o Holocénico, somente a processos pedogenéticos e antrópicos. O limite entre as
duas unidades fisiográficas (lfp e vales aluviais actuais) está demarcado por um rebordo de
erosão fluvial de espessura entre 2 e 5 m (Fig. 2-9).
O estudo geomorfológico realizado em redor de Bedriacum mostra que o vicus se estabe-
leceu sobre uma das lombas do lfp (Fig. 2-10), à altitude aproximada de 30 m e na margem
do rebordo que delimita o vale aluvial holocénico do rio Oglio aqui entre os 4 e 6 m de espes-
sura. Nesta área, o lfp apresenta uma superfície fracamente inclinada para SSE (entre 28 e 31 m
de altitude), ondulada pelas já mencionadas cristas e depressões, que estão orientadas
N-S. O vale do Oglio, localizado entre 22 e 25 m de altitude, desagua para ESE, apresentando
numerosas anomalias altimétricas que testemunham a actividade deposicional recente do rio.
A posição de Bedriacum — sobre uma crista aluvial do lfp e no rebordo de um terraço com
o vale holocénico — é recorrente em numerosas localidades da área (observe-se, ex., a posi-
ção das actuais localidades de Calvatone, Bozzolo e Mosio no mapa da Fig. 2-10), identifi-
cando-se como uma posição relacionada com uma escolha voluntária perante a situação fisio-
gráfica e geomorfológica da planície central do Pó.
A observação geomorfológica põe em relevo a presença de diversas marcas relacionadas
com a actividade fluvial e com a actividade antrópica (Fig. 2-10). Para as finalidades do tra-
balho — centrado na reconstituição da paleohidrografia da época romana — analisaram-se
as marcas paleohidrográficas, com vista a identificar os que se encontravam activos no
período romano. A realização de sondagens permitiu demonstrar a idade muito recente dos
elementos paleohidrográficos reconhecidos no lfp, estando todos eles relacionados com a acti-
vidade antrópica sub-actual de rega ou com eventos de transbordo a partir de canais artifi-
ciais. Em contraste, no vale actual do Oglio identificou-se um conjunto de vestígios paleo-
>>

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

53
CAIXA 2-7 (cont.)

hidrográficos homogéneos no que diz


respeito à visibilidade em fotografia aérea
e à evidência de campo, que podiam con-
figurar um antigo traçado meandriforme
do rio. Foi assim escolhido um desses
elementos para efectuar uma sondagem
arqueológica, onde se encontrou um
paleocanal aluvial cuja base forneceu
espólio arqueológico dos séculos I-II d.C.,
identificando assim o percurso do rio em
época romana.
Perante esta evidência geomorfoló-
gica e estratigráfica foi possível reconsti-
tuir, na área em redor de Bedriacum, o
percurso do Oglio na época romana. O rio
FIG. 2-11 – Paleogeografia e organização da região de Bedriacum em
corria em posição muito próxima ao vicus
época romana. 1 - rebordo do terraço do “livello fondamentale della
pianura”; 2 - traçado do rio Oglio na Idade do Bronze; (Fig. 2-11) e a deslocação do seu traçado
3 - reconstituição do traçado do rio Oglio na época romana; 4 - Via teve lugar algures na segunda metade do
Postumia; 5 - traçado da hidrografia actual; 6 - áreas centuriadas primeiro milénio, provavelmente por
(a centuriação apresenta orientações diferentes nos dois lados do
rio Oglio). O círculo indica a posição do sítio da Idade do Bronze;
razões relacionadas com oscilações climá-
a trama cor cinza representa a extensão aproximada do vicus. ticas e com a reactivação de um alinha-
Escala gráfica: 1 km. mento tectónico próximo da área exami-
nada. As sondagens arqueológicas permi-
tiram também a identificação de sedimentos arqueológicos da Idade do Bronze e a localiza-
ção de um paleocanal do rio com esta cronologia.
Para além da reconstituição paleogeográfica, o estudo geoarqueológico provou que
durante a época romana só o lfp, caracterizado por uma maior estabilidade geomorfológica
relativamente ao vale aluvial, foi afectado pela subdivisão agrícola permanente — a centuri-
ação — enquanto que as zonas do vale do Oglio, mais vulneráveis do ponto de vista geo-
morfológico, não foram alvo da organização parcelar típicas dos colonizadores romanos. Os
únicos vestígios da época romana encontrados nesta unidade fisiográfica são relativos ao tra-
çado da Via Postumia, que atravessava aqui o vale em posição artificialmente sobrelevada
(Fig. 2-11). Deduz-se assim que a organização territorial em época romana, nesta região, se
baseava sobre um profundo conhecimento empírico das dinâmicas naturais do território,
nomeadamente do que hoje chamamos vulnerabilidade ou perigosidade geomorfológica (geo-
morphic hazard).
O estudo geoarqueológico permitiu assim reconstituir a paleogeografia e topografia do
território em época romana, e averiguar a veracidade das informações contidas nos docu-
mentos históricos, cujo conteúdo desfasado relativamente à situação actual resultou, afinal,
exclusivamente das dinâmicas de modificação do território durante os últimos dois milénios.

Geoarqueologia e Depósitos Arqueológicos

Neste ponto, analisar-se-ão as contribuições da Geoarqueologia relativas à génese dos


depósitos arqueológicos (indicando com este termo quer os sedimentos, cuja origem é con-
trolada pelos processos sedimentares de acumulação e erosão, quer os solos, governados
pelos processos de pedogénese) e à sua organização em corpos complexos estratificados -
objecto de estudo da Estratigrafia.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

54
CAIXA 2-8

A Estratigrafia
A Estratigrafia é o ramo da Geologia que
trata do estudo e da interpretação dos mate-
riais estratificados, da sua identificação, des-
crição, organização, cartografia e correlação.
É esta uma das mais antigas Geociências,
datando do século XVII os primeiros estudos
de rochas estratificadas e as primeiras defini-
ções dos princípios estratigráficos (vide ex.
Vera Torres, 1994).
A Estratigrafia articula-se em vários
ramos, dependendo do critério empregue para
o estudo e a classificação dos materiais estra-
tificados. Por exemplo, a litoestratigrafia é o
sector que analisa os sedimentos a partir das
suas características litológicas; a bioestrati-
grafia considera o conteúdo paleontológico
dos materiais estratificados; a magnetoestra-
tigrafia classifica os corpos sedimentares a
partir da sua magnetização. A estratigrafia
arqueológica pode ser considerada, clara- FIG. 2-12 – Todos os materiais que se acumulam
mente, um dos ramos da Estratigrafia, sendo sobre a superfície topográfica ou que ficam
o que analisa os sedimentos a partir do seu expostos em posição próxima da superfície
possuem uma organização interna e
conteúdo arqueológico.
hierarquizada. A imagem mostra um corte
É útil lembrar, finalmente, que as normas no montículo derivado da crivagem, no sítio
de nomenclatura e de classificação estratigrá- pré-histórico de Ra’s al Jins 2 (Sultanato de Omã),
fica estão codificadas e definidas a nível inter- que teve que ser removido três anos após a sua
acumulação para estender a área explorada.
nacional (Salvador, 1994).
O material do montículo apresenta uma clara
organização em estratos de espessura, composição
e forma diferenciadas. Aliás, no interior dalgumas
das camadas, depara-se com a presença de
estruturas sedimentares. Finalmente, no topo
do depósito, desenvolveu-se um subtil perfil
de alteração por efeito da deflação eólica, da
precipitação química de sais e doutros processos
físico-químicos e biológicos.

FIG. 2-13 – As colunas estratigráficas são uma das


representações gráficas mais utilizadas para
resumir as características estratigráficas de
determinado local ou região. A imagem mostra
a coluna do sítio paleolítico de La Cansaladeta
(Tarragona, Espanha - legenda em catalão)

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

55
Uma exposição de conceitos e de casos de estudo relativos aos depósitos arqueológicos
dificilmente poderá seguir uma articulação linear, devido à natureza mista destes depósitos:
Por esta razão, nas próximas páginas, as noções da Sedimentologia, da Pedologia e da Estra-
tigrafia alternar-se-ão e combinar-se-ão de forma conjunta.

Processos de Formação em Âmbito Arqueológico: Sedimentação, Erosão e Pedogénese

Os processos que contribuem para a formação de uma estratificação arqueológica são


numerosos e diversificados, de origem antrópica ou não antrópica, levando à acumulação de
materiais orgânicos ou inorgânicos, através de fenómenos que operam de forma física, quí-
mica ou biológica em proximidade ou acima da superfície terrestre.
Não é possível enumerar todos os tipos de processos existentes, pois correspondem a um amplo
leque de dinâmicas naturais e de comportamentos humanos. O que interessa aqui é analisar de
forma resumida os processos devidos à pedogénese, frequentemente omitidos no exame das estra-
tificações arqueológicas, e ver quais são os efeitos que provocam no depósito arqueológico.
Nem todos os processos que têm lugar em proximidade da superfície topográfica estão
ligados à acumulação de materiais à superfície, sendo que determinado lugar — seja um sítio
arqueológico, uma realidade arqueológica off-site ou qualquer outro local — pode ficar sujeito
à transformação in situ de materiais já existentes.
Simplificando de forma extrema, um qualquer ponto da superfície terrestre pode-se
apresentar em duas condições opostas.

1. Superfície não estável. A superfície está, neste caso, sujeita a processos sedimentares,
que podem ser ou de acumulação ou de erosão. No primeiro caso, acumulam-se
acima da superfície materiais de natureza variável (naturais ou antrópicos, orgânicos
ou inorgânicos) que dão origem a um registo físico interpretável através dos critérios
da sedimentologia. Por outro lado, caso a superfície esteja sujeita a processos naturais
ou antrópicos de remoção do material preexistente, o único registo restante consiste
numa superfície de erosão, também analisável através de conceitos sedimentológicos.
Existe ainda uma terceira possibilidade, que é o caso do transporte acima da superfí-
cie, que não vamos considerar neste esquema por motivo de simplificar o assunto.
2. Superfície estável. A superfície não está sujeita a processos de acumulação nem de
remoção de sedimento, pelo que a sua interface superior localiza-se essencialmente na
mesma posição no decurso do tempo — ou seja, nem “sobe” por efeito da acumulação
sedimentar, nem “desce” pela erosão. Este caso conhece, normalmente, a instalação,
acima da superfície, de uma cobertura vegetal (condição indicada pelos ecólogos com
a palavra de biostasia, antónima de rexistasia) e o início de fenómenos derivados da
acção conjunta de processos biológicos e físico-químicos, estes últimos geralmente vei-
culados pela água que circula no terreno. Os materiais existentes no local são então
sujeitos a uma interacção complexa entre elementos da litosfera (as rochas e os sedi-
mentos preexistentes), da atmosfera (o ar presente no terreno), da hidrosfera (a água
que se infiltra e circula no depósito), da biosfera (animais e vegetais) e da acção antró-
pica, dando origem a uma profunda reorganização dos materiais que se encontram em
posição próxima da superfície topográfica. Falamos, neste caso, de pedogénese, cujo
resultado será o desenvolvimento de uma subtil película ou zona de interface, de espes-
sura entre as dezenas de centímetros e os poucos metros, designada tecnicamente como
Solo — objecto de estudo da pedologia.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

56
CAIXA 2-9

Como actua a pedogénese?


Não sendo uma tarefa deste contributo • a continuidade lateral, sendo que a varia-
fazer um resumo sobre a Pedologia em geral, bilidade lateral é muito menor do que a
tema sobre o qual existem óptimos manuais vertical.
gerais (ex. Duchaufour, 1976; Magaldi e Fer-
rari, 1984; FitzPatrick, 1986; Cremaschi e O material do solo possui uma série de pro-
Rodolfi, 1992) e aplicados à Arqueologia (ex. priedades que podem ser físicas (textura, estru-
Limbrey, 1975; Holliday, 1992; Courty et al., tura, porosidade, conteúdo em água, cor, etc.) ou
1989; para além de outros mencionados nou- químicas (estado dos componentes químicos, ar
tros pontos deste capítulo), vamos apenas lem- do solo, absorção físico-química, etc. — vide tam-
brar os conceitos indispensáveis para a com- bém Caixa 2-14) e que resultam da actuação dos
preensão dos temas de estudo ilustrados de processos pedogenéticos que dependem, por sua
seguida. vez, de mecanismos e factores primários. Entre
Como já se referiu, o Solo é o resultado da os mecanismos primários, um papel fundamen-
acção de processos activos junto à superfície ter- tal é assumido pela matéria orgânica que pro-
restre, que dão origem, no seu conjunto, a um vém da acumulação de restos animais e vegetais
“corpo natural, dinâmico, resultado das interac- que sofrem posteriormente uma decomposição
ções entre processos químicos, físicos e biológi- com velocidade e características dependentes das
cos, que se origina na zona de contacto entre condições climáticas e ambientais. Em particular,
atmosfera, litosfera e biosfera” (Magaldi e Fer- quando a decomposição é lenta, verifica-se o pro-
rari, 1984 — tradução do autor) ou, numa defi- cesso de humificação, com desenvolvimento do
nição de carácter mais geoarqueológico, a um húmus, um composto coloidal amorfo de cor
“corpo natural composto por materiais orgâni- acastanhada ou acastanhada escura, que se pode
cos e minerais que deriva da interacção do clima ligar às argilas ou mineralizar lentamente.
e dos organismos (entre os quais os humanos) Outro mecanismo essencial que controla o
sobre um material orgânico e/ou mineral” desenvolvimento dos processos de pedogénese
(Courty et al., 1989 — tradução do autor). é a meteorização (ou alteração) dos minerais.
O solo é um sistema complexo em contí- Entre os factores que regulam e controlam
nua evolução, onde se produzem trocas de a eficácia dos processos físico-químicos e bio-
energia e de matéria e que pode ser interpre- lógicos dos quais depende o desenvolvimento
tado de três maneiras diferentes: do solo, lembramos o clima (temperatura e
1. como transformador de energia, através de
processos físicos (ex. ciclos seco -
húmido), químicos (ex. meteorização),
biológicos (ex. fotossíntese), antrópicos
(ex. fertilização) e mistos (ex. evapo-trans-
piração);
2. como sistema aberto, onde se verificam
movimentos de matéria: água, matéria
orgânica, partículas minerais, restos e
artefactos antrópicos, etc.;
3. como sistema sensível que pode registar as
acções do contexto ambiental, que
actuam no solo mediante os processos
pedogenéticos. – Exemplo de horizonte A escassamente
FIG. 2-14
O solo caracteriza-se, fundamentalmente, desenvolvido no sítio arqueológico do Penedo de
por duas características principais: Lexim, locus 3 (Mafra). O horizonte A ocupa os 10 cm
superiores do corte e patenteia uma discreta
• a anisotropia, que se exprime na organi-
acumulação de matéria orgânica, uma cor de tom
zação em horizontes pedogenéticos mais escuro e uma estrutura granular. A presença deste
ou menos paralelos à superfície topo- horizonte indica que este ponto ficou em condições
>>

gráfica estáveis durante vários séculos.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

57
CAIXA 2-9 (cont.)

precipitação), o material de origem (rocha-mãe


ou parent material), a morfologia (a posição do
solo em relação à topografia e ao relevo), o fac-
tor biótico (o tipo de vegetação e de micro-
comunidades), o tempo (a duração da pedogé-
nese) e a actividade antrópica.
Os mecanismos primários e os factores de
controlo mencionados sucintamente dão ori-
gem aos processos pedogenéticos que são
muito diversificados na sua acção e nos resul-
tados que originam, dos quais exemplificamos
alguns de seguida:
• descarbonatação e carbonatação: remo-
ção dos carbonatos em determinados
horizontes e reprecipitação em forma de
carbonatos secundários noutros. É um
processo veiculado pela água que se infil-
tra no terreno;
• lixiviação: remoção de elementos solú-
veis ou argila (por vezes silte) de alguns
horizontes e sua acumulação noutros;
• gleização (ou hidromorfismo): redução
do ferro por efeito da estagnação de água;
• brunificação: oxidação do ferro presente
no solo (uma vez solto por efeito dos
processos de meteorização), formando – Exemplo de perfil de solo bem desenvolvido,
FIG. 2-15
organizado nos horizontes (do topo para a base):
principalmente goetite, que dá ao solo A - enriquecido em matéria orgânica, de cor escura e
uma cor acastanhada; com agregação granular; B - enriquecido em argila, com
• rubefacção: oxidação mais intensa do agregação em blocos; C - com estrutura prismática. Os
ferro, formando hematite, que confere três horizontes contêm, respectivamente, espólios de
cronologia romana; da Idade do Bronze e do Calcolítico;
ao solo uma cor vermelha; do Neolítico antigo (Lugo di Grezzana, Itália)
• outros processos: podzolização, salini-
zação, alcalização, des-silificação, endu-
recimento, etc. A - Horizontes minerais de superfície (ou
Estes processos e a concomitante redistri- por debaixo de um horizonte O) caracteriza-
buição e reorganização de substâncias e com- dos pela acumulação de matéria orgânica ou
postos, geralmente através da água e da força por cultivo, pastagem ou outras modificações
da gravidade, determinam a génese de um per- análogas (designado anteriormente como
fil organizado em horizontes. horizonte A1 no sistema de nomenclatura
Os horizontes de solo codificam-se através Soil Survey Staff, 1975).
de letras maiúsculas. E - Horizontes minerais com perda de
Os horizontes principais estão identifica- argila, ferro ou alumínio, individualmente ou
dos por uma letra, segundo o seguinte sistema, de forma combinada entre eles, e com conco-
sinteticamente resumido da norma da FAO mitante incremento, residual, dos minerais
(Food and Agriculture Organisation of the United mais resistentes e das fracções arenosa e siltosa
Nations, ver FAO-ISRIC, 1990): (designado como A2 no Soil Survey Staff, 1975).
O - Horizontes orgânicos, com matéria B - Horizontes minerais profundos (de-
orgânica em folhada ou em turfa;a fracção baixo de um horizonte O ou A ou E) onde a
mineral está quase ausente. estrutura original da rocha-mãe (parent mate-
H - Horizontes orgânicos formados em rial) não é reconhecível e que apresentem uma
condições de saturação de água. ou mais das seguintes características: concen-
>

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

58
CAIXA 2-9 (cont.)

tração iluvial de argila, ferro, alumínio, húmus, R - Rocha dura.


carbonatos, gesso, sílica (individualmente ou Uma letra minúscula após o símbolo de
de forma mais ou menos combinada); remoção horizonte é utilizada para indicar as caracte-
de carbonatos; concentração residual ou pre- rísticas principais de cada horizonte (ex. b
sença de revestimentos de sesquióxidos; iní- indica horizontes enterrados, p horizontes
cio de meteorização ou formação de estrutura. lavrados, t horizontes com acumulação de
C - Horizontes pouco influenciados pela argila, etc.).
pedogénese, mas que não são formados por Os horizontes de transição designam-se
rocha dura. com duas letras.

Sublinhamos que os processos de formação do solo não actuam segundo critérios sedi-
mentares, mas determinam uma modificação in situ que não respeita os critérios da estrati-
grafia arqueológica tradicional (ex. Barker, 1977; Harris, 1979). Se estas entidades pedológi-
cas não forem reconhecidas, a interpretação estratigráfica do sítio, do seu registo e da sua
sequência poderá ser errónea.
A condição resumidamente descrita é muito mais frequente do que se possa imaginar:
os lugares ocupados pelos grupos humanos são estáveis e, na maioria dos casos, ficam expos-
tos em condições de equilíbrio durante intervalos cronológicos mais ou menos longos, pelo
que estão sujeitos a processos não só sedimentares, mas também pedogenéticos. Desta forma,
a presença de solos nas estratificações arqueológicas é vulgar e muitos dos que são usualmente
considerados sedimentos antrópicos são, de facto, paleossolos, ou seja, solos formados em con-
dições diferentes das actuais.

O Papel da Pedogénese nas Estratificações Arqueológicas

Durante a actuação dos processos pedogenéticos, não há sedimentação e não se verifica


acumulação de material sobre a superfície. Desta forma, a presença de um perfil de solo
numa estratificação indica um hiato sedimentar. Se uma superfície estiver exposta durante
muito tempo, pode ter lugar uma sobreposição de sucessivas fases de ocupação antrópica, em
número proporcional à duração da fase de biostasia e à actuação dos processos de formação
do solo. Muitos dos ditos palimpsestos representam, realmente, antigas superfícies topográ-
ficas de paleossolos sobre as quais se acumularam materiais durante intervalos cronológicos
mais ou menos prolongados. Ao mesmo tempo, é possível, num contexto deste tipo, deparar-
-se com incongruências nas datações, facilmente explicáveis tendo em conta a natureza do
registro observado, como se refere na Caixa 2-10.
Resumindo: a presença de um solo numa estratificação arqueológica deve-se a uma
interrupção dos processos sedimentares, combinada com a instalação dos processos pedo-
genéticos. Assim, os critérios da estratigrafia arqueológica (vide Harris, 1979) não são com-
pletamente válidos, mas têm que ser coadjuvados pelos conceitos da pedologia e da paleo-
pedologia.
A acção da pedogénese no decurso do tempo pode determinar alterações significativas e
levar ao desaparecimento da evidência estratigráfica e à homogeneização de unidades. Estes
processos são, claramente, mais eficazes em sítios antigos, mais não deixam de assumir um
papel significativo também em cronologias mais recentes.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

59
CAIXA 2-10

O complexo LS do Abrigo do Lagar Velho


O Abrigo do Lagar Velho foi objecto, para a reconstituição da sucessão estratigráfica, dum
reconhecimento pedo-sedimentar pormenorizado, com vista a solucionar os problemas ligados
à parcial destruição do espólio arqueológico e da consequente descontinuidade de registo estra-
tigráfico, assim como da complexidade e da variabilidade lateral da sucessão de preenchi-
mento (vide também Caixa 2-15). A acumulação sedimentar no sítio entre 27 000 e 20 000 anos
BP foi principalmente controlada por processos de vertente, com acumulação cíclica de sedi-
mentos provenientes da erosão das coberturas pedogenéticas existentes à volta do abrigo (soil-
sediment ou sedimentos de solo). Estas camadas de material de vertente depositaram-se de
forma mais ou menos contínua, sendo discrimináveis graças à existência de níveis de pedras
ou areão (stone-lines) ou, ocasionalmente, por camadas mais espessas de fragmentos calcários
provenientes da degradação da parede do abrigo. Os estratos de soil-sediment são geralmente
constituídos por material franco siltoso, de cor mais ou menos acastanhada, com estrutura
maciça e sem matéria orgânica — com a excepção das zona enriquecidas pela actividade antró-
pica — e constituem a maior parte da matriz sedimentar do espólio arqueológico (Zilhão e Trin-
kaus, 2002; Angelucci, 2002c).
Um dos conjuntos geoarqueológicos que integra a sucessão arqueológica, o conjunto ls,
patenteia, no campo, um fraco enriquecimento de substância orgânica que lhe confere um tom
de cor ligeiramente mais escuro que os estratos adjacentes, assim como traços de antiga bio-
turbação, uma ligeira agregação prismática e um enriquecimento de carbonatos. Graças a estas
características, a parte superior do conjunto foi interpretada, já durante o trabalho de campo,
como um horizonte A relativo a um paleossolo enterrado, fracamente desenvolvido, que, em pri-
meira análise, à vista desarmada no campo, permitiu deduzir uma acção pedogenética que terá
sido activa durante um intervalo de tempo da ordem de vários séculos a um milénio.
As datações efectuadas sobre o material deste conjunto e do sobrejacente conjunto ms
(vide Caixa 2-15) confirmaram esta hipótese preliminar avançada durante a escavação e permi-
tiram resolver um aparente paradoxo cronológico. As datações obtidas para o topo do conjunto
ls são 23 170±140 BP (OxA-9572 - GFU X1H10, camadas arqueológicas 4-5 do sector SC) e
23 042±142 BP (Wk-9571 - GFU, SW02D, camada arqueológica 2D do sector SW), enquanto que
a base do sobrejacente conjunto ms deu uma datação de 23 130±130 BP (OxA-9571 - sector SC
— Angelucci, 2002c; Pettitt et al., 2002). Como se pode notar, os resultados obtidos são esta-
tisticamente idênticos (considerando os valores médios, uma das medidas do conjunto ls é apa-
rentemente mais recente que a do conjunto ms), pois datam, de facto, as fases finais da pedo-
génese do conjunto ls e não a sua sedimentação. Os materiais datados (em todos três casos,
ossos queimados) depositaram-se sobre uma
superfície estável, correspondente ao topo do hori-
zonte A do conjunto ls, e foram incorporados ao
mesmo tempo no solo subjacente (pelos processos
de pedogénese e de pisoteio) e no sedimento
sobreposto — aquando da sua deposição. As data-
ções não indicam, assim, a idade de acumulação
do sedimento do conjunto ls nem do conjunto ms,
mas um momento da pedogénese do conjunto ls.
A igualdade estatística, ou mesmo a ligeira inver-
são, não são falhas de amostragem ou de labora-
FIG. 2-16 – O corte S do Sector Central, escavação 2001,
tório, mas devem-se à existência de um intervalo
no Abrigo do Lagar Velho. A camada acastanhada
escura, fracamente orgânica e com estrutura
de estabilidade, embora relativamente curto,
prismática pouco desenvolvida, visível na base da durante o qual a superfície do solo foi repetida-
sucessão, é o paleossolo enterrado do conjunto ls. mente ocupada pelos grupos de caçadores-reco-
FOTO: FRANCISCO ALMEIDA
lectores gravettenses.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

60
CAIXA 2-11

Exemplo de interacção entre pedogénese


e sedimentação
A reorganização de uma estratificação de origem sedimentar em horizontes pedogenéticos
pode causar a criação de uma sucessão de corpos verticais diferente da sucessão estratigráfica
original, como se exemplifica na Fig. 2-17. O exemplo reproduz um caso idealizado de “para-
doxo” estratigráfico (embora baseado em situações reais observadas no campo).
A imagem na parte alta da figura ilustra um corte hipotético resultante da escavação de um
povoado com ocupações de cronologia diferente. Durante a escavação, foi individualizada uma
primeira unidade (1 na figura) que restituiu espólio de cronologia paleolítica, neolítica, da
Idade do Bronze e romana. Abaixo desta camada superficial, à profundidade z1 a partir da super-
fície topográfica, encontrou-se um fosso preenchido com camadas que deram espólios da
seguinte cronologia: romana (unidade 2); da Idade do Bronze (unidade 3); do Neolítico recente
(unidade 4) e antigo (unidade 5); do Paleolítico (unidade 6). Materiais desta última cronologia
foram também detectados no substrato onde foi recortado o fosso (unidade 7). A unidade 1 foi
assim interpretada como o resultado de uma terraplanagem recente que tapou o fosso, reme-
xendo outras camadas no redor do sítio.
Esta seria a interpretação tradicional do ponto de vista da estratigrafia arqueológica “stan-
dard”.
A situação pode ser, porém, muito diferente daquela aqui ilustrada e uma interpretação
alternativa é proposta nos desenhos da parte inferior da Fig. 2-17:
a) escavação do fosso no Neolítico antigo (a linha descontínua indica a superfície topográ-
fica original);
b) o fosso, durante determinado intervalo de tempo, é funcional e utilizado, e no seu inte-
rior acumulam-se materiais provenientes da queda parcial das suas paredes, escavadas no
sedimento que contém espólio de cronologia paleolítica;
c-e) sucessivamente, o fosso já não é
funcional e começa a ser preenchido a
partir do lado a montante (à direita na
imagem), durante o Neolítico antigo (c),
recente (d) e na Idade do Bronze (e), com
materiais provenientes do povoado pró-
ximo do fosso;
f) subsequentemente a uma fase de
abandono da área envolvente, tem lugar a
colmatação definitiva do fosso em idade
romana. A partir deste momento a super-
fície é regularizada e fica estável;
g) começam desta forma os proces-
sos pedogenéticos que afectam a superfí-
cie topográfica do fosso e, ao mesmo
tempo, continua a pedogénese do terreno
fora do fosso, formando um horizonte
superficial que disfarça a sua existência.

A realidade estratigráfica é assim dife-


rente daquela imaginada pela “interpre-
tação arqueológico-estratigráfica stran-
dard”. A interpretação alternativa é obser-
vável no desenho h: a unidade 1 não pro-
vém da acumulação de material sobre a FIG. 2-17
>>

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

61
CAIXA 2-11 (cont.)

superfície topográfica, antes, é o resultado da alteração in situ de sedimentos já existentes, quer


do substrato (pontos s na figura), quer do preenchimento do fosso (faixa indicada com a letra
f). Desta forma, o horizonte de solo origina-se a partir de camadas de cronologia diferente, mas,
por efeito dos processos pedogenéticos, as características físicas originais, assim como os limi-
tes entre as camadas, já não são reconhecíveis. A unidade 1 não representa uma camada reme-
xida, mas a transformação local de sedimento sem deslocação nem remeximento de qualquer
tipo. Aliás, o fosso foi escavado a partir da quota z0, não a partir de z1. O recorte do fosso, porém,
já não é visível à superfície, sendo as características da unidade 1 homogeneizadas por causa
da pedogénese, e só a partir de determinada profundidade, ou seja, onde os processos de for-
mação do solo são menos intensos, é detectável.
A situação deste exemplo, apesar de fictícia e simples, pode acontecer em qualquer tipo de
estruturas negativas (fossas, sepulturas, silos, etc.). Casos análogos, onde se podem conjugar
processos sedimentares e pedogenéticos, são frequentes, dando origem a interpretações estra-
tigráficas erróneas.

Outro efeito da acção dos processos pedogenéticos é a dispersão de artefactos e o reme-


ximento de objectos de idades diversas. De facto, os processos de formação do solo corres-
pondem — pelo menos parcialmente — aos que são denominados em arqueologia como “pro-
cessos de modificação pós-deposicional” (e, também, sin-deposicional), ou seja, o conjunto de
fenómenos que integram os processos de formação do registo arqueológico (sensu M.B. Schif-
fer) e contribuem para a transformação de materiais, objectos e estruturas do sistema con-
textual para o sistema arqueológico (Schiffer, 1987), com evidentes repercussões sobre a qua-
lidade e o tipo de informação que o arqueólogo poderá documentar.
Os processos de modificação pós-deposicional são muito diversificados. O conjunto des-
tes processos foi denominado como pedoturbação, referida como “the biological, chemical, or
physical churning, mixing and cycling of soil materials, which is responsible for the dispersal and scat-
tering of artefacts, the mixing of different layers and remains, and the complete, or almost complete,
homogenisation of sequences” (Buol et al., 1980 — vide Caixa 2-12)
Todos estes processos, embora com intensidades e modalidades variáveis, determinam
o desaparecimento parcial da evidência estratigráfica e de determinadas classes de objectos,
a fractura dos materiais mais frágeis (ex. carvões) e a dispersão de artefactos.
Contudo, os processos de modificação pós-deposicional agem segundo leis e critérios esta-
belecidos, pelo que uma atenta análise dos padrões de distribuição e das características do depó-
sito arqueológico permite reconstituir — parcial ou totalmente — quais as dinâmicas que tive-
ram lugar na estratificação e quais os efeitos sobre o espólio arqueológico. Um caso de aná-
lise dos processos de modificação pós-deposicional é apresentado na Caixa 2-13, onde se refere
o sítio epigravettense de Val Lastari (Pré-Alpes italianos).
Portanto, se por um lado a existência de um perfil de solo numa estratificação arqueoló-
gica pode levar à invalidação parcial dos critérios da estratigrafia arqueológica, por outro lado
constitui um importante contexto informativo para a reconstituição paleoambiental.
A presença de um solo numa estratificação permite averiguar a existência de uma fase
de estabilização da superfície e estimar a sua duração. Os processos de formação do solo depen-
dem de uma série de factores e mecanismos intimamente ligados ao ambiente e, desta
maneira, os solos podem registar as características climáticas e ambientais existentes no
momento da pedogénese. Os estudos paleopedológicos e arqueopedológicos permitem assim
a reconstituição dos processos de formação do sítio.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

62
CAIXA 2-12

Os processos de modificação pós-deposicional


A tipologia dos processos de modificação pós-deposicional é bastante variada, como aqui
se ilustra de forma sistematizada, mas esquemática.

Processos físicos de erosão


Subdivididos segundo o agente de erosão (correntes aquosas, vento, etc.)

Processos físico-químicos e biológicos que modificam a composição do sedimento


• decomposição da matéria orgânica e humificação (é um processo misto);
• dissolução: eliminação dos elementos solúveis;
• alteração ou meteorização: decomposição de substâncias por processos diferenciados, como
a hidratação, a hidrólise, etc.

Migração de substâncias com mecanismo físico-químico


• remoção, transporte e redistribuição de várias substâncias: argila, matéria orgânica, sais (car-
bonatos, sulfatos, etc.), óxidos, de forma individual ou combinada (lixiviação);
• neoformação de cristais, nódulos, concreções, etc.

Processos físicos e biológicos de pedoturbação


• bioturbação: modificação estrutural pela acção biológica (animal ou vegetal), dependente do
ambiente pedogenético, da fauna e da vegetação; exemplos: a actividade dos animais edáfi-
cos (toupeiras, vermes, etc.) e não edáficos (puddling); a acção das raízes (root-gleying); a queda
de árvores (tree-fall ou wind-thrown);
• crioturbação: modificação estrutural devida à acção do gelo, promovida principalmente pela
alternância gelo-degelo;
• graviturbação: modificação estrutural derivada da movimentação em massa (coluvionamento)
que actua sob modalidades diferentes (ex. efeito da parede, reptação, solifluxo e gelifluxo);
• acção das argilas expandíveis (argiliturbação, movimentos verticais): génese de micro-relevo
(gilgai), formação de stone-layers e stone-lines, homogeneização da estratificação

– Bioturbação: a
FIG. 2-18 FIG. 2-19 – Crioturbação: solo FIG. 2-20 – Graviturbação FIG. 2-21 – Acção combinada
superfície da camada com estrutura prismática de (efeito da parede): de deformação por gravidade
arqueológica do sítio de grande tamanho devida à deformação e deslocação, e de bioturbação causaram a
Casal de Azemel - acção do gelo permanente junto à parede do abrigo, concentração residual e a
Batalha é atravessada por no loess do Plistocénico de uma lareira no sítio deslocação dos artefactos
canais de raízes de superior da Zonien Forest mesolítico de Plan de Frea líticos no sítio de Vale da
pinheiro. (Bélgica). II (Dolomites, Itália). Porta 2 (Cantanhede).

Processos antrópicos
São materialmente inúmeros e complexos: pisoteio, compactação, desflorestação, cultivo, etc.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

63
CAIXA 2-13

Pedogénese e modificações pós-deposicionais


no sítio de Val Lastari

Val Lastari localiza-se nos Pré-Alpes do Veneto, nomeadamente no Planalto dos Sette
Comuni, a cerca de 1060 m de altitude. O sítio encontra-se na margem de um vale com
fundo aplanado, entre uma parede calcária e uma depressão cársica. As escavações realiza-
das entre 1990 e 1996 permitiram recolher diversas centenas de milhares de peças líticas e
pôr à luz do dia estruturas arqueológica do Paleolítico superior final (Broglio et al., 1993).
A estratigrafia articula-se em quatro unidades principais (Angelucci e Peresani, 1995,
2000, no prelo - Fig. 2-22):
• unidade 1 e 2: solo superficial, com peças líticas remexidas;
• unidade 3: unidade de textura principalmente siltosa, derivada da acumulação de sedi-
mentos de tipo loess, contendo espólio arqueológico epigravettense na sua parte superior
• unidade 4: cascalheira formada por elementos calcários angulares em matriz siltosa, sem
espólio arqueológico.

O espólio arqueológico encontra-se espalhado por toda a espessura da unidade 3 e con-


centra-se na sua base, onde se identificou uma paleosuperfície de ocupação epigravettense.
Pela homogeneidade da unidade e pela impossibilidade de discriminar eventuais fases de
ocupação sucessivas, a unidade foi escavada por níveis arbitrários de 10 cm de espessura e,
em sectores específicos, realizaram-se amostragens com posicionamento de todos os mate-
riais (inclusive os de origem não antrópica, como as pedras) — procedimento não aplicável
a todo o sítio por causa da abundância de peças microlíticas, por vezes hipermicrolíticas, difi-
cilmente detectadas durante a escavação.
Ao mesmo tempo, realizaram-se análises pedo-sedimentológicas de rotina (granulome-
tria, determinação do pH, do conteúdo em carbonato de cálcio e do teor de matéria orgânica)
e observação micromorfológica com vista à compreensão dos processos de formação do
registo arqueológico do sítio (Quadro 2-3)

FIG. 2-22– Val Lastari: corte transversal à parede. 1 - solo actual (unidades 1 e 2); 2 - sucessão arqueológica (unidades 3A a
3F); 3 - sucessão franco-siltosa sem espólio arqueológico (unidade 3Z); 4 e 5 - camadas cascalhentas alternadas com
camadas siltosas; 6 - artefactos líticos e estruturas antrópicas (modificado a partir de Angelucci e Peresani, 2000).

QUADRO 2-3 Val Lastari. Resultados das análises pedo-sedimentológicas de laboratório


unidade horizonte granulometria pH H2O C CaCO3
arqueol. do solo areia silte argila 1:1 1:2.5 org.
% % % % %
2 Ah 5 70 25 7.4 8.2 6.8 0
3A 2A 8 78 14 7.3 7.9 5.4 0
3C 2E 9 85 6 6.6 6.8 2.3 0
3E 2Bt 9 81 10 7.2 7.7 3.2 0
3F 3BCt 7 70 23 7.8 8.0 2.3 0
4I 4C1 7 64 29 8.3 8.5 0.43 0
4II 4C2 13 56 31 0 >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

64
CAIXA 2-13 (cont.)

As análises evidenciam uma textura principalmente siltosa em toda a sucessão do sítio, fri-
sando a sua origem eólica. Os processos de pedogénese subsequentes à sedimentação do depó-
sito, levaram primeiro à sua decarbonatação (em nenhum horizonte foi detectada presença de
carbonato de cálcio) com subsequente redução do pH e instalação de processos de acidificação,
que levaram ao desaparecimento dos restos faunísticos eventualmente presentes no depósito.
Os valores elevados do pH, moderadamente alcalino e alcalino, estão relacionados com a uti-
lização recente do solo (vide Angelucci, 2000). A distribuição dos valores do Carbono orgânico
na sucessão tem uma distribuição anómala, pelo incremento que se regista na posição estrati-
gráfica correspondente à paleosuperfície epigravettense.
A análise da distribuição vertical dos artefactos (Fig. 2-23, quadrados de cor negra) eviden-
cia uma redução relativa do número de peças a partir do limite superior da unidade 3. Em par-
ticular, os artefactos líticos concentram-se nos 10 cm superiores da unidade e, com a profun-
didade, a sua quantidade vai decrescendo até desaparecerem. As pedras de origem natural (qua-
drados de cor branca na Fig. 2-23) patenteiam distribuição análoga. Diferente é a situação se
considerarmos o peso médio das peças: o gráfico ponderal é similar ao gráfico de frequência
na parte superior da sucessão, mas na zona correspondente à paleosuperfície antrópica observa-
-se uma anomalia significativa, com concentração de artefactos (e pedras) de peso e de tama-
nho superior à média. De facto, o gráfico da distribuição ponderal é bimodal, diferentemente
do gráfico de frequência, que é unimodal, embora fortemente assimétrico.
Considerando a distribuição vertical dos artefactos, nota-se uma moderada selecção em cate-
gorias: núcleos e pré-núcleo são predominantes na paleosuperfície epigravettense e são escas-
sos no resto da unidade, onde prevalecem lascas e lâminas. Uma ligeira iso-orientação das peças
foi observada na parte superior da unidade 3, caracterizada pela presença de estrutura laminar.
Na parte restante da unidade as peças possuem orientações aleatórias.
Estas observações (pormenores em Angelucci, 1997a; Angelucci e Peresani, 2000), junta-
mente com os resultados das análises de laboratório, sugerem que a distribuição dos artefac-
tos na sucessão de Val Lastari deriva da interacção complexa de diferentes processos.
As primeiras ocupações epigravettenses do sítio assentaram sobre a paleosuperfície exis-
tente à base da unidade 3, que foi sucessivamente enterrada pela sedimentação do sedimento
tipo loess (loess-like sediment). As ocupações antrópicas sucederam-se muito provavelmente
durante a sedimentação do loess ou nos intervalos entre as diferentes fases sedimentares, assim
como após a deposição, em posição próxima à superfície topográfica actual. Sucessivamente,
toda a espessura da unidade 3 foi sujeita à acção conjunta de processos pós-deposicionais: em
particular à bioturbação, responsável pela homogeneização do sedimento, como sugerido tam-
bém pelos resultados analíticos; à crioturbação, que determinou o padrão de iso-orientação na
parte superior da unidade; aos processos de deformação, relacionados com fenómenos de dis-
solução cársica da parede e da dolina próxima do sítio. Estes processos não foram porém sufi-
cientes para “apagar” completamente a evidência da paleosuperfície epigravettense, que ficou
registada na concentração residual dos artefactos de maior tamanho e maior peso, nas carac-
terísticas micromorfológicas observadas (Angelucci e Peresani, 2000) e no registo químico, em
particular no teor mais elevado de matéria orgânica.

– Val Lastari: dispersão vertical dos artefactos (negro) e das pedras (branco) por frequência (em cima) e
FIG. 2-23
>>

por peso médio (em baixo)

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

65
CAIXA 2-13 (cont.)

De facto, a situação desta jazida, localizada ao ar livre, a altitude relativamente elevada e num
sedimento pouco espesso, representa um caso extremo de actuação de diferentes processos pós-
-deposicionais que provocam uma diminuição da qualidade e quantidade das informações
arqueológicas disponíveis. Embora seja possível reconstituir o tipo de processos que actuaram
no sítio, não é possível discriminar se agiram sincrónica ou diacronicamente, nem determinar
quantas foram exactamente as fases de ocupação do sítio

Além disso, as técnicas da pedologia aplicada (por exemplo, a land evaluation da FAO)
permitem avaliar parâmetros acerca do uso do solo no passado (para fins paleodemográficos, paleo-
económicos, tecnológicos, etc.), do impacte antrópico e dos processos culturais a longo prazo
(vide também Capítulo 3).

A Definição das Unidades de Escavação

Apesar das considerações feitas sobre o papel que a pedogénese assume na formação do
registo arqueológico, não se pode negar que a definição de critérios estratigráficos e a forma-
lização da técnica de escavação representaram desenvolvimentos de grande importância para
a Arqueologia (vide ex. Barker, 1977; Harris, 1979; Carandini, 1991). Não é preciso voltar a ilus-
trar as vantagens da técnica estratigráfica, já discutida na bibliografia e que, na opinião do
autor, representa a única forma de explorar um sítio ou parte dele e de garantir a correcta recu-
peração do espólio arqueológico, assim como o reconhecimento da sequência cronológica.
Existem, porém, contextos arqueológicos onde a aplicação do método estratigráfico “stan-
dard” é difícil ou talvez mesmo impossível, nomeadamente os casos — já discutidos — em que
a sucessão esteja formada por uma única camada mais ou menos espessa de características
homogéneas ou onde prevalece uma acção intensa de processos pedogenéticos e de outros
tipos de processos sin- ou pós-deposicionais.
É então preciso ampliar os critérios que utilizamos na exploração dos sítios arqueológi-
cos e na definição das entidades que empregamos para subdividir as estratificações arqueo-
lógicas, não sendo os critérios meramente estratigráficos suficientes para decifrar todo o
leque de casos que se encontram incorporados nos depósitos arqueológicos.
A questão reside essencialmente na possibilidade de formular regras que nos permitam
definir entidades individualizadas para ser empregues como contextos de recolha do espólio
arqueológico, para a reconstituição de sucessões, para a criação de sequências e como ele-
mentos para a análise espacial. Em arqueologia, utilizam-se entidades diferenciadas (unida-
des estratigráficas, conjuntos de achados, níveis artificiais, etc.), que nem sempre correspon-
dem à efectiva organização estratigráfica do sítio.
A experiência de trabalho com equipas de vários países, em diversos contextos geográfi-
cos e em sítios de variadas cronologias — do Paleolítico antigo ao pós-medieval — levou-nos
a propor uma definição de unidade de campo geoarqueológica que se tem revelado uma boa
ferramenta operacional para a escavação e para a análise sucessiva dos dados. Não devemos
esquecer que a recolha de dados no campo é um dos principais momentos da investigação
arqueológica e não representa apenas a contextualização das amostragens para eventuais aná-
lises de laboratório, mas constitui também o background necessário para interpretar o espólio
arqueológico.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

66
Foi assim criada uma entidade, a “unidade geoarqueológica de campo” (GFU, geoar-
chaeological field unit), que é o elemento mínimo individual para a recolha de informações no
campo.
A GFU define-se como um: “Corpo tridimensional separado do material adjacente por
descontinuidades de qualquer tipo, ou, quando os seus limites não estejam patentes ou cla-
ros, diferente do material adjacente ou, alternativamente, diferenciado arbitrariamente por cri-
térios topográficos ou arqueológicos”.
Desta forma, uma GFU pode ser um corpo tridimensional:
1. composto por material sedimentar (ou materiais sedimentares, se organizados
segundo um padrão reconhecível), natural ou cultural, diferente dos adjacentes; neste
caso, o conceito de GFU corresponde com o conceito de unidade estratigráfica (ou
camada arqueológica, contexto arqueológico) geralmente utilizado na arqueologia
estratigráfica europeia (vide ex. Barker, 1977; Harris, 1979);
2. composto por uma matriz pedogenética diferente das adjacentes; neste caso a GFU
coincide com um horizonte de solo;
3. que contém componentes, naturais ou culturais, que estão ausentes ou que são dife-
rentes dos contidos no material adjacente; neste caso o conceito de GFU pode parcial-
mente corresponder ao de unidade estratigráfica ou de conjunto de achados;
4. delimitado por uma descontinuidade de qualquer forma e tipo, incluindo as antrópi-
cas;
5. definido, à priori, entre duas superfícies arbitrárias de qualquer orientação no interior
de um material aparentemente homogéneo, no caso de nenhuma das condições
acima indicada se verificar; nesta última hipótese, a GFU coincide com o nível artifi-
cial utilizado por vezes em arqueologia como unidade operacional de escavação.

Como o enunciado evidencia, a definição de GFU não se baseia exclusivamente em cri-


térios estratigráficos, pedológicos ou arqueológicos em si, mas numa combinação de critérios,
reflectindo assim a natureza mista dos sítios arqueológicos, cuja formação provém da inte-
racção de processos diferenciados, entre os quais as acções humanas podem prevalecer, mas
não são exclusivas. A necessidade de um afastamento dos critérios estratigráficos puros deve-
se à constatação de que os sítios arqueológicos, especialmente os pré-históricos, são frequen-
temente afectados por processos pedogenéticos ou diagenéticos que dão lugar à alteração ou
à obliteração mais ou menos intensa da organização estratigráfica original, ou seja a existente
aquando da deposição dos sedimentos, como foi ilustrado em pontos anteriores deste capítulo.
A entidade acima definida já foi utilizada em trabalhos geoarqueológicos (ex. Angelucci,
2002c, 2003c). Contudo, a questão relativa à definição e à identificação das entidades utiliza-
das é também tema que diz respeito à própria Arqueologia. A “unidade estratigráfica” empre-
gue na estratigrafia arqueológica tradicional não considera corpos físicos de origem diversa da
sedimentar (acumulação/erosão), não parecendo assim apropriada para discriminar o que o
arqueólogo escava, sobretudo se tivermos em consideração tudo o que foi discutido anterior-
mente. Na opinião do autor, poderá ser útil substituir o actual conceito de “unidade estrati-
gráfica” pelo de “unidade de campo” ou de “unidade de escavação”, conceito que é o corres-
pondente arqueológico da GFU acima definida. Esta alteração — semântica e conceptual —
permitiria incluir eventuais horizontes de solo existentes na estratificação ou níveis arbitrários
que seja necessário definir com vista a distinguir ocupações relacionadas com fases diferen-
tes (como no caso de Val Lastari, vide Caixa 2-13) ou eventuais estruturas latentes (“structure
latente” — “l’organisation de témoins d’une maniére indirecte, rarement [intérpretable] sur le ter-
raine” — Leroi-Gourhan, 1984, p. 266), não directamente reconhecíveis no campo.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

67
A Descrição

Uma vez discriminadas as unidades que empregamos na escavação, será também neces-
sário procurar alguma forma de normalização para descrever as características destas unida-
des. Na bibliografia arqueológica, depara-se, às vezes, na presença de termos das Geociências
que são utilizados de forma inapropriada ou na ausência da descrição de elementos que são
essenciais para inferir a natureza e as condições de formação de determinado depósito arqueo-
lógico.
Uma norma de descrição estratigráfica tem de condizer com critérios de normalização
terminológica, de potencial de reprodutibilidade e incluir, pelo menos, a maioria das situações
observáveis numa estratificação arqueológica, tendo em conta que só os objectos e elementos
já conhecidos e formalizados semanticamente podem ser detectados durante o reconheci-
mento de terreno.
Por essa razão, o IPA está a desenvolver uma norma para a descrição das estratificações
arqueológicas. Este sistema de descrição considerará as várias características que se podem
encontrar num depósito, sejam de origem sedimentar ou pedogenética, natural ou antrópica.
A ficha em elaboração tem origem nas descrições sedimentológicas e pedológicas standards
(Sanesi, 1977; Keeley e Macphail, 1981; Langohr, 1989; FAO-ISRIC, 1990; Soil Survey Staff,
1998), com várias modificações. Na Caixa 2-14, encontra-se um primeiro esboço da ficha que
está em elaboração.

Reconstituir Sequências de Eventos e Correlações

A individualização de unidades representa o primeiro passo para reconstituir sequências


de eventos, para diferenciar áreas de actividades assentes numa superfície isócrona, para cor-
relacionar entre si sucessões e sítios e para orientar a amostragem para as análises de labora-
tório.
Neste âmbito, a representação gráfica utilizada para sucessões verticais assume um papel
relevante, porque as entidades definidas num corte contêm um conjunto de informações
com carácter diferenciado — sedimentológico, pedológico, estratigráfico, topográfico e arqueo-
lógico — que tem que ser paten-
tes no tipo de representação
escolhida. Apresenta-se um
exemplo de construção gráfica
de um corte do Abrigo do Lagar
Velho.
A Fig. 2-24 representa o
desenho do corte E do quadrado
F3, como apresentada na sua
forma definitiva de publicação
(Angelucci, 2002c). Este dese-
nho constitui um compromisso
de modo a exibir, de forma sin-
tética, o maior número possível
de dados e foi obtido através
do procedimento ilustrado na
Fig. 2-25. O primeiro passo foi, FIG. 2-24 – Abrigo do Lagar Velho (Lapedo). Corte E da quadrícula F3

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

68
CAIXA 2-14

A descrição de sedimentos e solos arqueológicos


No momento em que se torna preciso realizar uma descrição dos depósitos arqueológicos
de uma escavação, é preciso lembrar que estes são o resultado da acção de inúmeros proces-
sos sedimentares, diagenéticos e pedogenéticos, veiculados por agentes diversos (naturais ou
antrópicos), que actuam com energia, dinâmicas e processos extremamente variáveis.
É assim fundamental saber ler as “assinaturas” que indicam a actuação dos vários fenó-
menos responsáveis pela génese do depósito arqueológico, ou seja, descrever e interpretar as
características que o depósito patenteia. Neste sentido, o processo de descrição das estratifica-
ções arqueológicas no campo tem que se basear sobre normas e referências de comparação de
modo a individualizar as características de diagnóstico, permitindo a interpretação da génese
do depósito em questão, sem esquecer, porém, que a esmagadora maioria das características
observáveis não derivam de um único processo de formação. Muitos depósitos arqueológicos
são poligenéticos, provindo da actuação, contemporânea ou não, de um leque de processos e
tendo uma origem complexa. Por essa razão é preferível estabelecer uma norma descritiva e
não um sistema interpretativo, de alguma forma análogo ao elaborado para a descrição micro-
morfológica (vide Capítulo 3), como frisado por Richard Macphail (1998, p. 550).
Assim, um dos intuitos dos geoarqueólogos do IPA, em resposta à expectativa evidenciada
por numerosos arqueólogos, é o desenvolvimento de uma ficha para a descrição dos depósitos
e das estratificações arqueológicas, acompanhada por um referencial de imagens e exemplos.
Nestas páginas, pretende-se dar uma primeira abordagem do que será esta futura ficha,
indicando, simplesmente, alguns dos parâmetros necessários para a interpretação da génese
dos sedimentos e dos solos arqueológicos, com vista à compreensão dos processos que lhe
deram origem. Não é aqui possível, por razões de espaço, descrever de forma pormenorizada
a categorização dos parâmetros utilizados, a sua classificação e o seu significado, pelo que se
remete para a bibliografia indicada.
A descrição de um corte arqueológico ou de uma superfície de escavação deverá ter em conta
uma série de informações divisíveis em blocos temáticos diferenciados, da seguinte maneira:

1. Identificação do corte. O sítio onde se localiza o corte objecto da descrição tem que ser
identificado através de um código unívoco, rapidamente reconhecível e que corresponda ao
código usado pelas amostras e, possivelmente, pela documentação e pelo espólio exumado.
É também importante identificar individualmente o corte, pois em cada sítio descrevem-se,
usualmente, várias secções (cortes mais extensos lateral que verticalmente), perfis (cortes mais
extensos vertical que lateralmente ou com escasso desenvolvimento lateral) ou superfícies de
escavação.

2. Características da descrição. A percepção, o conhecimento e a experiência da(s) pessoa(s)


que descreve(m) o corte e a situação ambiental e temporal são factores que podem modificar
a qualidade e a quantidade do registo, pelo que é útil registar as condições da descrição, indi-
cando, por exemplo (vide FAO-ISRIC 1990, p. 1-2): o(s) autor(es) da descrição; a data da des-
crição; o tipo de descrição (de detalhe, de rotina, incompleta, de amostra de perfuração); e todos
os parâmetros que possam influenciar a descrição, como a duração, o tamanho do corte, a sua
orientação, as condições meteorológicas, etc.

3. Dados geográficos e ambientais. As informações relativas à situação geográfica, geomorfo-


lógica e ambiental em que se localiza o corte são necessárias para situar o local no seu contexto
e para fornecer informações sobre as possíveis dinâmicas passadas ou actuais. Indicar-se-ão
assim: as informações necessárias para a localização precisa do local (localização administra-
tiva e geográfica, coordenadas geográficas ou quilométricas, etc.); as observações sobre as
características geomorfológicas do sítio (morfologia, unidade de paisagem, características da
>>

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

69
CAIXA 2-14 (cont.)

vertente, etc.); os eventuais dados ambientais (uso do solo, acções antrópicas em curso, vege-
tação, fauna, etc.) ou relativos à superfície (afloramentos de rocha, pedregosidade superficial,
acções de erosão ou de sedimentação). Finalmente, é útil anotar se o corte se apresenta seco,
húmido ou molhado, tendo em conta que alguns parâmetros podem mudar dependendo do
conteúdo de humidade presente no terreno.

4. Descrição das unidades. Uma vez proporcionados os dados gerais sobre o corte ou a
superfície em descrição, passa-se à descrição das unidades presentes no corte, utilizando con-
ceitos sedimentológicos, pedológicos, estratigráficos e arqueológicos. Na continuação, fornece-
se uma simples listagem dos principais parâmetros a observar, que são os seguintes:
• designação - número de ordem da unidade em descrição, sua correspondência com a nomen-
clatura arqueológica e, eventualmente, com as designações pedológicas (vide Caixa 2-9;
FAO-ISRIC 1990, p. 27-38; Soil Survey Staff, 1998) ou com as codificações sedimentológi-
cas (vide Benn e Evans 1998, 382-385, com a bibliografia anterior).
• geometria (tendo em conta que na maioria das vezes está a ser feita uma observação bidi-
mensional de um corpo tridimensional) — forma (ex. tabular, lenticular, em cunha, ondu-
lada, descontinua, irregular), variações laterais, outros parâmetros significativos (ex. parale-
lismo com a superfície topográfica, inclinação, pendor).
• profundidade do limite inferior - importante para solos, sendo medido a partir da superfície
topográfica, em cm.
• cor - determinada por comparação com cartas (a mais difundida é a Munsell Soil Color Chart),
de modo a evitar distorções relacionadas com a percepção ou com a sensibilidade pessoal e
apontando se foi determinada em condições de terreno seco ou húmido.
• manchas de cor - se a cor não for homogénea, descrevem-se as variações através uma série
de parâmetros (vide FAO-ISRIC 1990, p. 41-43): cor das manchas, quantidade, tamanho,
contraste, limites, padrão de distribuição (doravante PD) e padrão de orientação (PO).
• textura ou granulometria - conceito fundamental para todos os tipos de depósitos, relativo ao
tamanho das partículas que o compõem, utilizando-se classes dimensionais (frequente-
mente variáveis entre a sedimentologia e a pedologia, assim como de um país a outro),
como: argila; silte (ou limo); areia; franco (terreno formado por percentagens sensivelmente
iguais de argila, silte e areia); balastro; diamicton (sedimento heterogéneo com elementos de
tamanho variável e triagem muito escassa). As classes podem ser combinadas (ex. areia sil-
tosa) ou adjectivadas (finíssimo, fino, médio, grosseiro, muito grosseiro), no caso das areias
e do balastro.
• pedras - descrevem-se aqui as características dos elementos com tamanho superior a 2 mm:
quantidade (FAO-ISRIC 1990, p. 46), tamanho (FAO-ISRIC 1990, p. 47), composição, rola-
mento (angular, sub-angular, sub-rolado, rolado, bem rolado — cf. Ricci Lucchi, 1980, vol. 1,
p. 162), forma (v. Ricci Lucchi, 1980, vol. 1, p. 154-sgg.), PD, PO, e, no caso de sedimentos for-
mados por areia ou balastro, a triagem granulométrica (baixa, média, alta), a compactação, etc.
• agregação - a maioria dos solos possui uma estrutura específica formada por agregados e
poros, sendo os agregados os elementos de massa em que se organiza o solo, dos quais se
aponta o tipo (granular, grumoso, em blocos angulares ou sub-angulares, prismático, lami-
nar, etc.), o grau de desenvolvimento, o tamanho, etc.
• porosidade - os poros, ou seja o conjunto de espaços vazios presentes no terreno, são a
segunda componente da estrutura. Codifica-se o tipo (ocos de empacotamento, canais, câma-
ras, ocos planares, etc.), a quantidade, o tamanho, etc. Outra categoria é constituída pelas fis-
suras, que dependem de processos específicos (ex. dissecação, processos vérticos ou gelo) e
que são anotadas à parte.
• resistência - este conceito exprime a resistência do terreno à ruptura, que pode variar depen-
dendo da sua condição seca ou húmida, da presença de determinados componentes ou de
cimentação. É assim usual anotar diferentes parâmetros: a resistência no estado seco (solto,
fraco, moderadamente duro, duro, muito duro); a resistência no estado húmido (solto, muito >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

70
CAIXA 2-14 (cont.)

friável, friável, resistente, muito resistente); a adesividade, ou seja a capacidade de adesão (não
adesivo, moderadamente ou muito); a plasticidade, ou seja a propriedade de ser manipulado
(não plástico, moderadamente ou muito); a eventual presença de cimentação (não cimentado,
fracamente, moderadamente ou intensamente).
• matéria orgânica - a matéria orgânica assume um papel extremamente importante nos depó-
sitos arqueológicos e representa frequentemente um dos mais significativos aportes antrópi-
cos; é assim importante anotar (Sanesi, 1977, p. 58-59) a quantidade, o tipo, a decomposição,
descrevendo, possivelmente, se a matéria orgânica está humificada e o tipo de húmus presente.
• raízes - a anotação da quantidade e do tamanho das raízes é apenas significativa em casos par-
ticulares, por exemplo quando se reconheça que podem ter jogado um papel na bioturbação
do sedimento arqueológico ou quando exprimem o grau de actividade de determinado solo
arqueológico (vide Sanesi, 1977, p. 103)
• pedoquímica - é possível, com meios relativamente simples, avaliar a reacção química de um
terreno no campo, medindo o pH com pHmetros portáteis e determinando assim se o ter-
reno tem reacção neutra, mais ou menos ácida ou alcalina, ou o conteúdo em carbonatos,
fazendo reagir uma pequena quantidade de terreno com ácido clorídrico com concentração
do 10% e avaliando o resultado da reacção. Estes parâmetros controlam a conservação de dife-
rentes classes de vestígios arqueológicos.
• pedocarácteres - são todos os elementos que se destacam da massa do terreno (Bullock et al.,
1985, p. 95) e que derivam da actuação de processos pedogenéticos específicos, sendo assim
elementos de diagnóstico para reconstituir a génese do depósito. Existem vários tipos (nódu-
los, cristais, concreções, cimentação, compactação, revestimentos, preenchimentos, slicken-
sides, figuras biológicas, clay bands, glosse, etc. — vide também Capítulo 3): dos quais é con-
veniente apontar o tipo, a composição, a quantidade, o tamanho, a forma, a cor, a estrutura
interna (sem confundi-las com as estruturas sedimentares)
• estruturas sedimentares - representam todas as formas de organização interna de um sedi-
mento, derivada dos processos de sedimentação e de diagénese, podendo ser extremamente
diferenciadas. Assim como os pedocarácteres são elementos de diagnóstico dos processos
pedogenéticos, as estruturas sedimentares são “assinaturas” típicas de determinados ambi-
entes sedimentares e agentes (Ricci Lucchi, 1992). Existem vários tipos: estruturas mecâni-
cas (laminações de diferente feitio, impressões, ripples, imbricação, gradação inversa ou nor-
mal, sulcos, canais), de deformação (fissuras de contracção ou de distensão, lobos de carga
(flute casts), filões sedimentares, dishes and pillars, slumping, etc.), biológicas; de todas deve-
se descrever a visibilidade, o PD e o PO, etc.
• materiais e estruturas antrópicas - é claramente difícil descrever de forma sintética a presença
de espólio arqueológico num corte, sendo estes os próprios objectos da pesquisa arqueoló-
gica. Do ponto de vista geoarqueológico será porém útil, para determinar a posição in situ ou
não do material e a presença de eventuais modificações pós-deposicionais, apontar parâme-
tros como o tipo de material, a quantidade, o PD e o PO, a alteração, a grau de integridade
ou o rolamento, etc.
• materiais faunísticos ou paleontológicos - materiais de origem vegetal - valem as mesmas con-
siderações expressas no ponto anterior (espólio arqueológico)
• limites - finalmente, devem ser descritos os limites da unidade para as unidades adjacentes
(no caso de um perfil de solo usualmente descreve-se o limite inferior de cada horizonte), em
termos de tipo (ou seja, espessura da faixa de transição entre uma unidade e outra, que pode
ser nítido, claro, gradual, difuso), delineamento (linear, ondulado, irregular, inclinado, etc.),
contraste e geometria.

5. Amostragem e observações finais. Finalmente, é preciso apontar a eventual recolha de


amostras, assim como o seu tipo, a estratégia e a razão da amostragem, a proveniência exacta
das amostras, etc. Já durante o trabalho de campo, uma vez concluída a descrição, é útil adiantar
>>

algumas observações sobre a interpretação temporária das unidades observadas.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

71
CAIXA 2-14 (cont.)

Exemplo de descrição de semi-detalhe

O exemplo que se segue é extraído de Angelucci, 2002b (parcialmente modificado) e repre-


senta a descrição das unidades levantadas num corte do sítio pré-histórico de Vale da Porta 2
(cortesia de Miguel Almeida). A parte introdutiva (nome do afloramento, localização, geomor-
fologia, etc.) e uma parte da descrição estão omissas.

VdP2U1. É a unidade superficial, presente em toda a área explorada do sítio. As carac-


terísticas pedo-sedimentológicos e o conteúdo arqueológico (escasso a abundante) são vari-
áveis, dependendo da posição e da situação. Nos pontos onde a unidade apresenta maior
espessura, foi possível descrever três fácies:
VdP2U1a (superior). Terreno franco siltoso arenoso, de cor castanha (7.5YR4/4); agre-
gação granular fracamente desenvolvida com porosidade moderada; raízes abundantes e
matéria orgânica escassa; o limite inferior é claro linear.
VdP2U1b (intermédia). Terreno franco arenoso (a fracção arenosa é formada por areia
muito fina); cor castanha (7.4YR4/4); estrutura maciça; friável; limite inferior claro ondulado.
VdP2U1c (inferior). Areia fina e média com escassa fracção argilosa e com pedras escas-
sas, constituídas por nódulos de sílex e cascalho fino rolado (este último muito escasso); cor
amarela avermelhada (7.4YR6/6), com manchas castanhas avermelhadas (5YR5/4) de tama-
nho pequeno e médio; maciço; friável; limite inferior abrupto irregular.
VdP2U2. Terreno franco argiloso com pedras de quantidade variável (escassas a fre-
quentes), formadas por fragmentos heterométricos de sílex em média angulares (também
aparecem fragmentos sub-rolados e rolados em forma de seixos e nódulos), sem meteori-
zação (alguns nódulos têm pátina herdada) e com distribuição e orientação aleatórias (obser-
vam-se pedras com orientação vertical); cor castanha avermelhada (4YR4/4); agregação
muito fracamente desenvolvida em blocos angulares finos, com porosidade baixa; resis-
tente, húmido; raízes escassas; entre as pedocaracterísticas, nota-se a presença de concen-
trações de óxido ferro-manganesiano e de revestimentos de argila, contínuos e subtis, com
a mesma cor da matriz; há carvões, muito escassos, e artefactos líticos, ocasionais e local-
mente concentrados em agrupamentos; limite inferior claro irregular.
VdP2U3. Sequência complexa, principalmente arenosa, com variações na espessura e na
textura, divisível em três fácies:
VdP2U3a (superior). Terreno franco arenoso (areia muito fina) com pedras muito escas-
sas, formadas por cascalho rolado, nódulos de sílex e fragmentos de nódulos de sílex com ori-
entação aleatória; cor variável, predomina a castanha avermelhada (4YR4/4), com manchas
comuns de cor castanha amarelada clara (2.5Y6/4); maciço, com poros escassos (principal-
mente canais finos); resistente; raízes escassas; nas manchas descoloradas estão presentes
concentrações muito pequenas de óxido ferro-manganesiano; existem escassos fragmentos
de solo (pedorelicts) argiloso, castanho avermelhado (5YR4/4);
VdP2U3b (intermédia). Exibe caracteres iguais à unidade suprajacente, excepto pela cor,
principalmente castanha amarelada clara (2.5Y6/4), heterogénea pela presença de manchas
castanhas avermelhadas (4YR4/4); lateralmente pode conter uma stone-line descontínua de
cascalho rolado pequeno (até 3 cm).
VdP2U3c (inferior). Unidade descontínua com caracteres como a suprajacente, mas
muito resistente por compactação e com enriquecimento local de argila.
Nos pontos onde a unidade é mais espessa, as manchas de cor patenteiam um padrão de
distribuição espacial com as manchas 2.5Y6/4 em posição sub-vertical, adelgaçadas para
baixo e ramificadas, e as manchas descoloradas formando uma rede sub-horizontal. O limite
inferior é abrupto ondulado.
[omissis]

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

72
obviamente, o desenho do corte no campo (Fig. 2-25-a). O procedimento para alcançar o resul-
tado final passou, sucessivamente, pela digitalização em formato raster (escalar) através de um
scanner e pela consecutiva vectorização. Esta última permite juntar diferentes tipos de infor-
mações que são as seguintes: identificação das unidades arqueológicas de escavação, dos mate-
riais arqueológicos patentes no corte e doutros elementos, como os fragmentos calcários
(Fig. 2-25-b); delimitação dos limites das unidades geoarqueológicas de campo, com indicação
da visibilidade do limite (Fig. 2-25-c); criação de tramas referentes à presença de estruturas sedi-
mentares e de características pedogenéticas ou diagenéticas (Fig. 2-25-d); atribuição de tramas
e preenchimentos às unidades geoarqueológicas de campo (Fig. 2-25-e); delimitação dos con-
juntos geoarqueológicos (vide infra) de modo a poder correlacionar com outros cortes da jazida
(Fig. 2-25-f). Desta forma, a versão reproduzida na publicação sintetiza uma série de informa-
ções de cariz diferente (Fig. 2-24). A digitalização permite uma rápida reprodução e manusea-
mento das representações gráficas, para além de consentir a georeferenciação dos cortes levan-
tados, existindo numerosos softwares comerciais para esta finalidade (no caso específico uti-
lizou-se Corel Draw™).
O processo de reconstituição da sucessão, no seu conjunto, centra-se no uso de uma enti-
dade especificamente criada, a par da unidade geoarqueológica de campo (GFU), que é o “con-
junto geoarqueológico” (GC, geoarchaeological complex). Os conjuntos geoarqueológicos, deno-
minados com acrónimos, são corpos físicos derivados do agrupamento das unidades geoar-
queológicas de campo e demarcados pelos seus limites, definindo-se como corpos físicos tri-
dimensionais incluídos entre limites ou descontinuidades marcantes (ex., uma stone-line ou
a superfície truncada de um solo). Podem corresponder às unidades aloestratigráficas utili-
zadas em Geologia do Quaternário (Salvador, 1994) ou aos sequa empregues pelos pedólogos.
Um conjunto geoarqueológico representa um grupo de estratos de sedimento ou horizontes
de solo que mostram características recorrentes ou regularmente variáveis, e utiliza-se para a
reconstituição das sucessões verticais e das variações laterais, assim como para distinguir entre
as fases de acumulação, de erosão e de estabilidade que se alternaram em determinado sítio.

FIG. 2-25 – Procedimento de construção da reprodução do corte E da quadrícula F3 do Abrigo do Lagar Velho.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

73
CAIXA 2-15

Registos estratigráficos e dados paleoclimáticos


O emprego dos conjuntos geoarqueológicos (GC, vide texto principal) é particularmente útil
nos sítios onde a sucessão estratigráfica cobre intervalos de tempo prolongados, permitindo
relacionar os eventos documentados no depósito arqueológico com acontecimentos de carác-
ter ambiental ou climático.
Um exemplo desta aplicação é fornecido pelo Abrigo do Lagar Velho, onde a reconstitui-
ção da sucessão estratigráfica permitiu correlacionar os eventos documentados com o registo
paleoclimático disponível para o estado isotópico do oxigénio (OIS) 2 (vide Angelucci, 2002a,
2002c).
Durante uma parte do Plistocénico superior, o abrigo constituiu um lugar preferencial de
acumulação de sedimentos, graças à sua conformação e à sua situação geomorfológica.
A sucessão pedo-sedimentar registou assim as modificações que afectaram a região nas fases
finais do OIS 3 e durante quase todo o OIS 2 — a parte que falta corresponde aos estratos des-
truídos antes da descoberta do sítio.
Na sequência de eventos durante
o preenchimento do abrigo, as pri-
meiras fases documentadas referem-
se à deposição de ambiente fluvial
com carácter rítmico e regular, ocor-
rida em redor de 30 ka BP, como
resultado da actividade sedimentar
da Ribeira da Caranguejeira, o curso
de água que percorre o vale. A partir
de sensivelmente 27 ka BP, o sistema
sedimentar mudou radicalmente e
levou ao truncamento erosivo dos
depósitos preexistentes, segundo um
FIG. 2-26 – Esquema simplificado do arranjo estratigráfico da
processo que resulta indirectamente parte inferior do preenchimento do Abrigo do Lagar Velho,
do encaixe do vale e da reactivação projectado longitudinalmente à parede do abrigo.
das dinâmicas de vertente. Este pro-
cesso está provavelmente ligado com a descida do nível do mar e a concomitante regressão da
linha de costa — processo aparentemente reflectido nos padrões geoquímicos detectados no pre-
enchimento da Gruta do Caldeirão (Cruz, 1990). A partir deste momento, a sedimentação no
abrigo tornou-se dominada pelos processos de vertente, que actuaram segundo pulsações suces-
sivas e, cuja actuação, sugere um ambiente circundante com coberto vegetal reduzido onde pre-
valece uma intensa erosão superficial. Esta mudança da dinâmica sedimentar está registada pelo
conjunto geoarqueológico tc, que data entre 27.0 e 25.0 ka BP (Fig. 2-26 e Quadro 2-4), num con-
texto de erosão ainda não muito intensa, e continua com a deposição do conjunto gs, em cujo topo
se encontrou a sepultura da criança. A presença da sepultura indica uma interrupção dos pro-
cessos de acumulação, embora demasiado breve para ter deixado qualquer evidência pedológica.
Os sobrejacentes sedimentos do conjunto ls constituem depósitos correlativos que documentam,
a partir de 24 ka BP, uma maciça ingressão de material proveniente da remoção de solos, numa
situação de instabilidade ambiental e rexistasia que perdurou durante a sedimentação dos con-
juntos ms e us. Ainda assim, observam-se curtos episódios de interrupção da sedimentação e esta-
bilização da superfície, o mais significativo dos quais é o documentado pelo perfil de solo que se
desenvolveu no conjunto ls por volta de 23 ka BP (Fig. 2-27 - vide também Caixa 2-10). Vários
outros hiatos sedimentares de curta duração estarão documentados pelas inúmeras stone-lines, que
correspondem frequentemente a superfícies de ocupação antrópica (Zilhão e Almeida, 2002).
As unidades inferiores do conjunto us, conservadas no testemunho pendurado, registam
uma modificação da dinâmica de vertente, com formação de canais erosivos orientados N-S que
cortam os sedimentos subjacentes, removendo e redepositando os mesmos depósitos antró- >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

74
CAIXA 2-15 (cont.)

picos do abrigo. Esta transformação, registada pela descida das interfaces erosivas e pela for-
mação de canais de cut-and-fill, parece estar relacionado com a instalação de condições mais frias
e húmidas, que teve lugar no início do LGM (Último Máximo Glaciar), também identificado
através de medições de susceptibilidade magnética (MS) e de outros indicadores paleoclimáti-
cos na Gruta do Caldeirão (Cruz, 1990; Ellwood et al., 1998).
A parte superior da sucessão estratigráfica do Abrigo do Lagar Velho está mal conservada
e a única evidência disponível é a presença do solo no topo, que regista uma fase de estabili-
dade prolongada, de cronologia provavelmente holocénica.
No seu conjunto, a sucessão do abrigo documenta a transição para condições climatéricas e
ambientais gradualmente mais rigorosas, com características gerais de instabilidade / rexistasia,
durante o OIS 2. A comparação da sequência de eventos registados no abrigo com os dados proxy
disponíveis para o Atlântico Norte permite observar uma concordância entre registo estratigrá-
fico e assinaturas paleoclimáticas (Fig. 2-27). Em particular, as principais fases de erosão (bases
dos conjuntos geoarqueológicos tc e us - eventos números 1 e 9 na Fig. 2-27), encaixam crono-
logicamente com os eventos Heinrich números 2 e 3 respectivamente, enquanto que a pedogé-
nese registada no conjunto ls se ajusta com os interestadiais relativos aos eventos Dansgaard-Oes-
chger números 3 e 4 (vide Angelucci, 2002a, com a bibliografia anterior).
Destaca-se assim, no caso do Abrigo do Lagar Velho, a sensibilidade do registo estratigrá-
fico e o seu aparente faseamento com as modificações climatéricas, possível graças a factores
geomorfológicos (posição do sítio e ausência de processos fluviais activos, subsequente ao
embutimento da Ribeira da Caranguejeira) e sedimentológicos (características sedimentares
dos materiais que se acumularam no enchimento e elevada taxa de sedimentação).
QUADRO 2-4
descrição breve intervalos 2σ (anos BC)
erosão na base do conjunto tc 29 944 - 27 592
início da sedimentação do conjunto tc > 26 991 - 25 435
sepultura e interface superior do conjunto gs 26 636 - 25 386
fim da pedogénese no conjunto ls > 24 492 - 24 229 QUADRO 2-4 – Abrigo do Lagar Velho.
início da sedimentação do conjunto ms > 24 541 - 24 199 Eventos datados no registo estratigráfico;
curta fase de pedogénese no conjunto ms 24 156 - 23 696 datações em anos de calendário
topo do conjunto ms 24 140 - 23 522 calculados através de CALPAL (2001),
início da sedimentação do us > 23 052 - 22 362 em age correspondence (pormenores em
estruturas de cut-and-fill no conjunto us < 22 054 - 21 453 Angelucci, 2002a)

FIG. 2-27 – Relação entre a sucessão


estratigráfica do Abrigo do Lagar
Velho e os dados proxy
paleoclimáticos. As colunas
representam, da esquerda para a
direita: os conjuntos
geoarqueológicos; as fases de
pedogénese; os intervalos
cronológicos adscritos aos eventos
datados em anos de calendário (vide
Quadro 2-4 para a identificação dos
eventos); parte da curva isotópica do
Oxigénio da sondagem GRIP (vide
Angelucci, 2002, com a bibliografia
anterior - HE: posição aproximada dos
eventos Heinrich; DO: posição
aproximada do eventos Dansgaard-
Oeschger)

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

75
A Área de Geoarqueologia do CIPA

No âmbito do “projecto CIPA”, coordenado por José Mateus, foi aberto, em Março de
2001, um sector dedicado à Geoarqueologia, com vista a disponibilizar à comunidade cien-
tífica portuguesa a utilização dos instrumentos das Ciências da Terra no quadro da inves-
tigação arqueológica, numa perspectiva integrada e multidisciplinar.
A Área de Geoarqueologia foi criada mediante a obtenção de serviços do autor deste
artigo, até ao momento a única pessoa a integrar o grupo geoarqueológico do IPA. Mais
recentemente, iniciou-se uma colaboração a curto prazo, no âmbito de um projecto espe-
cífico, com Vera Aldeias (vide Caixa 2-16).
De facto, a actual Área de Geoarqueologia herda o núcleo desenvolvido no Laborató-
rio de Paleoecologia do Museu Nacional de Arqueologia por José Mateus, Fernando Real e
outros investigadores portugueses (vide Caixa 2-2 deste capítulo e Mateus, neste volume),
integrando e harmonizando as estruturas disponíveis.
Desde a sua criação, a Área de Geoarqueologia tem desenvolvido projectos internos
e externos, efectuando principalmente, até agora, trabalhos de campo e publicando alguns
resultados. Pese os actuais limites de recursos humanos, a Área de Geoarqueologia pre-
tende estar aberta a toda a comunidade científica e a sua estrutura consente encontrar a
forma adequada para organizar projectos, colaborações ou protocolos. Ao mesmo tempo,
está em curso a instalação de laboratórios de análise, a preparação de protocolos e o desen-
volvimento de actividades de divulgação e de formação, que vamos sintetizar nas próximas
páginas.
Actualmente, a Área de Geoarqueologia está a desenvolver projectos em diversos
campos. A participação nestes projectos pressupõe, normalmente, após a formulação e a
pesquisa bibliográfica, a realização de trabalhos de campo de duração entre poucos dias até
vários meses, a recolha de amostras, a eventual realização de análises de sedimentos e solos
ou a observação de lâminas finas no microscópio (vide Capítulo 3), assim como a compi-
lação de cartografia temática e a redacção de relatórios técnico-científicos e artigos. Desta
forma, realizaram-se cerca de 6 meses de trabalho de campo em 2001 e 5 meses em 2002
e recolheu-se uma centena de amostras. A listagem dos projectos encontra-se no Quadro 2-5
e na Fig. 2-28.
No que toca à divulgação e à publicação de resultados, a Área de Geoarqueologia tem
como prioridade a tarefa de difundir o conhecimento arqueológico e geoarqueológico atra-
vés da participação em congressos nacionais e internacionais, da realização de palestras e
conferências e da publicação dos resultados.
As actividades deste sector foram, até agora, apresentadas no International Working
Meeting on Micropedology (Gent, Bélgica, Julho de 2001 — Angelucci, 2003c), no 1o Semi-
nário dos Geomorfólogos Portugueses (Lisboa, Março de 2002 — Angelucci, 2002a) e na
1a Reunión Nacional de Geoarqueología (Almazán, Espanha, Setembro de 2002 — Ange-
lucci, no prelo; Angelucci et al., no prelo). Efectuaram-se também conferências públicas e
palestras no IPA, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e na Faculdade de Letras
da Universidade do Porto.
As actividades didácticas incluíram a realização, no âmbito do Curso Livre de Pós-Gra-
duação “Avecasta 2001”, do Módulo didáctico de “Geoarqueologia”, além da realização de
excursões científicas e didácticas no Abrigo do Lagar Velho, nas Grutas de Almonda e na
Sierra de Atapuerca (Espanha).
No que diz respeito à publicação de resultados científicos, durante os primeiros dois
anos de vida da Área foram entregues para a publicação 7 artigos (2 em revistas interna-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

76
CAIXA 2-16

Equipa de Trabalho
Área de Geoarqueologia

Diego ANGELUCCI
Lic. Ciências Geológicas (Univ. de Milão, Itália)
Doutoramento em Ciências Antropológicas, variante Paleoantro-
pologia e Paleontologia Humana (Univ. de Bolonha, Itália)
Responsável pela Área de Geoarqueologia do CIPA.
Áreas de investigação: Geoarqueologia; comunidades de caçadores-
recolectores; metodologia da investigação arqueológica.

Vera ALDEIAS
Lic. História, variante Arqueologia (Faculdade de Letras de Lisboa)
Áreas de investigação: Arqueologia e Geoarqueologia.

cionais, 3 em outras revistas científicas, 1 capítulo de livro e 1 artigo de divulgação), 3 comu-


nicações para actas de congressos ou conferências e uma dezena de relatórios, 4 deles inte-
gradas na série “Trabalhos do CIPA”.
Entre os projectos de divulgação que ainda não foram alvo de publicação integral, há
a criação de protocolos para a recolha e a elaboração da informação geoarqueológica, como
os relativos à descrição de sedimentos e solos arqueológicos, à amostragem para análises
pedo-sedimentológicas de rotina e micromorfológicas.
Finalmente, uma das prioridades da Área de Geoarqueologia é a criação de infra-
estruturas. À data actual, só parte das instalações para os futuros laboratórios está operacio-
nal, enquanto outras estão em realização e com uma parte do equipamento já disponível.
Entre as infra-estruturas contam-se:
• um sector de “trabalhos de campo” apetrechado com as ferramentas para o reco-
nhecimento geomorfológico, a recolha de dados estratigráficos no campo e a recolha
de amostras;
• um laboratório micromorfológico para a observação e o estudo de lâminas finas, a
captação e o tratamento de imagem do microscópio, equipado com microscópio
petrográfico, lupa binocular, máquina fotográfica digital e computador.
• um laboratório de análise físico-química de sedimentos e solos, para a execução de
análises de rotina (granulometria, calcimetria, determinação da acidez do solo, deter-
minação do teor de matéria orgânica)

Está em projecto a criação, no futuro, de uma litoteca arqueológica (colecção de refe-


rência de matérias primas líticas), de uma fototeca geoarqueológica (colecção de imagens
de sítios, territórios, sedimentos e solos arqueológicos) e de uma colecção de referência de
lâminas finas de sedimentos, solos e materiais arqueológicos.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

77
PROJECTOS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS:
da Área de Geoarqueologia do IPA • Castelo da Lousa (época romana), EDIA e
Arkhaios - 8.
PNTA: • Jogo da Pela - EPUL Martim Moniz, Lisboa, C.M.
Lisboa - 9.
• Prazo (Freixo de Numão) (Neolítico - Bronze), • Barca do Xerez de Baixo (Epipaleolítico), EDIA e
Sérgio Monteiro Rodrigues, Universidade do STEA - 13.
Porto - 1 no mapa de localização (cortesia • Belas Clube de Campo (Neolítico), Emérita - 15.
Armando Lucena). • Vale da Porta (Pré-História), Dryas Arqueolo-
• Castelo Velho e Castanheiro do Vento, (Neolí- gia - 16.
tico - Bronze) Susana Oliveira Jorge e Vítor Oli- • Vale do Ança (Pré-História), Era Arqueologia - 17.
veira Jorge, Universidade do Porto - 2. • Praça Lima e Brito, Arraiolos (Islâmico e Medie-
• Anta 6 de Monte de Lucas (Neolítico - Calcolí- val), Arkhaios - 19.
tico), Leonor Rocha, IPA - 3.
• Penedo de Lexim (Calcolítico - Bronze), Ana PROJECTOS INTERNOS:
Catarina Sousa, C.M. Mafra - 6.
• Sistema Cársico da Nascente do Almonda (Pré-
• Vale de Rodrigo 3 (Neolítico - Bronze), Philine
-História) - 4.
Kalb, Instituto Alemão, e Martin Höck, Univer-
• Gruta do Caldeirão (Paleolítico - Neolítico) - 5.
sidade de Covilhã - 7.
• Abrigo do Lagar Velho - Vale do Lapedo (Paleolí-
• Penedo dos Mouros (Medieval), Catarina Tente,
tico superior) - 14.
IPA - 10.
• Monte de Têra (Idade do Ferro), Leonor Rocha,
PROJECTOS INTERNACIONAIS:
IPA - 11.
• Casal de Azemel - Batalha (Paleolítico), João • Atapuerca - el Mirador (Pré-História), Atapuerca
Pedro Cunha-Ribeiro, Universidade de Lis- Research Team.
– Localização dos sítios em
FIG. 2-28 boa - 12. • Prehistòria i medi ambient de les conques dels
estudo pela Área de Geoarqueologia • Serra de Portel (Pré-História), Ana Sofia Antu- rius Francolí e Gaià (Pré-História), Universitat
do IPA nes, C.M. Portel, e Susana Correia (Ippar) - 18. Rovira i Virgili, Tarragona (Espanha)

QUADRO 2-5
nome do projecto tipo parceiros objecto referências
CG ES MM

1 Estudo geoarqueológico do Abrigo do IPA F. Almeida, J. Zilhão sim sim sim Angelucci, 2002; 2002a;
Lagar Velho e do Vale do Lapedo (Leiria) Angelucci et al., no prelo
2 Estudo geoarqueológico de algumas IPA F. Almeida, J.P. Cunha-Ribeiro, prog sim sim em curso
grutas do Sistema Cársico de Almonda J. Zilhão, J. Correia
(Torres Novas)
3 Processos de formação dos sítios PNTA S. Oliveira Jorge, V. Oliveira sim sim prog em curso, artigo em
pré-históricos de Castanheiro do Vento, Jorge, S. Monteiro-Rodrigues preparação
Castelo Velho e Prazo (V. N. Foz Côa)
4 Estratigrafia do sítio medieval de Penedo PNTA C. Tente, A. Martins sim sim em curso
dos Mouros (Gouveia) e geomorfologia
do território envolvente
5 Análise geomorfológica do território dos PNTA A.S. Antunes sim sim em curso
sítios pré-históricos da Serra de Portel
6 Análise estratigráfico da necrópole PNTA L. Rocha sim em curso
de Monte de Têra (Pavia)
7 Estudo estratigráfico e geomorfológico PNTA L. Rocha sim sim em curso
da anta de Monte do Lucas 6 (Alandroal)
8 Estratigrafia e processos de formação PNTA Ph. Kalb, M. Höck sim sim sim em curso
do registo relacionado com a anta de
Vale de Rodrigo 3
9 Estratigrafia e contexto geomorfológico PNTA A.C. Sousa sim sim prog em curso
do sítio pré-histórico do Penedo
do Lexim (Mafra)
10 Processos de formação do sito paleolítico PNTA J.P. Cunha-Ribeiro sim sim em curso, próxima
de Casal de Azemel - Batalha apresentação em
congresso internacional

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

78
(Cont.)

nome do projecto tipo parceiros objecto referências


CG ES MM

11 Geoarqueologia do sítio epipaleolítico PS (1) EDIA (STEA) sim em curso


de Barca de Xerez (Reguengos)
12 Estudo geoarqueológico dos sítios PS (2) Dryas Arqueologia sim sim Angelucci, 2002b
paleolíticos de Vale da Porta
(Cantanhede)
13 Estudo geoarqueológico do Castelo PS (1) EDIA (ARKHAIOS) sim prog Angelucci, 2003
da Lousa (Mourão)
14 Geoarqueologia dos sítios pré-históricos PS (2) Era Arqueologia relatório final em
do Vale do Ançã (Cantanhede) elaboração
15 Estudo estratigráfico do sítio neolítico PS (3) Emerita sim sim Angelucci, 2003a
de Belas Clube de Campo (Sintra)
16 Estudo geoarqueológico do sítio de Jogo PS (3) Câmara Municipal de Lisboa sim sim em curso
da Pela - EPUL Martim Moniz),
17 Observações geoarqueológicas sobre PS (3) ARKHAIOS sim Angelucci e Aldeias,
as estruturas em fossa da Praça Limo 2003
e Brito. Arraiolos
18 Escavação e estudo estratigráfico do sítio INT Atapuerca Research Team sim Vergès et al., 2002
Atapuerca - Cueva del Mirador (Burgos,
Espanha)
19 Projecto de investigação interdisciplinar INT Universidade Rovira i Virgili sim Vergès et al., 1999;
"Prehistòria i medi ambient de les (Tarragona, Espanha) Angelucci, no prelo;
conques dels rius Francolí e Gaià" Angelucci, 2003c

QUADRO 2-5 – Lista dos projectos realizados ou em curso pela Área de Geoarqueologia (não inclui os projectos não formalizados ou em

definição). LEGENDA: tipo de projecto: IPA - projectos coordenados de forma total ou parcial pelo IPA; PNTA - projectos no âmbito do
Concurso PNTA / Arqueologia Ambiental (4o Concurso CIPA, ano 2002); PS - prestações de serviços (anotações: 1. no âmbito do
projecto da minimização de impactes arqueológicos da barragem do Alqueva; 2. no âmbito do projecto da minimização de impactes
arqueológicos da Auto-estrada A14; 3. outros); INT - projectos internacionais; objecto: CG - reconstituição do contexto geomorfológico
e da evolução do território; ES - análise estratigráfica, de sedimentos e solos; MM - estudo dos processos de formação e observação
micromorfológica (sim: em curso ou já terminada; prog: programada).

Conclusão (do Capítulo) ou Início (da Geoarqueologia Portuguesa)?

Este contributo pretendia definir a Geoarqueologia, ilustrar brevemente algumas das


suas metodologias, exemplificar casos de estudo e frisar a contribuição da Geoarqueologia
no âmbito da Arqueologia. Como já se disse, o carácter da publicação e a “mocidade” de Área
de Geoarqueologia do IPA impedem a elaboração de uma publicação mais complexa e que
possa abranger as diversas aplicações geoarqueológicas.
Fazendo um primeiro balanço sumário das actividades desenvolvidas durante estes
dois anos, é evidente que a Área de Geoarqueologia preencheu um sector de estudos até
agora pouco desenvolvido no âmbito da Arqueologia portuguesa, como se nota pela quan-
tidade de projectos solicitados, que foi muito além das previsões iniciais. De outro lado, os
recursos humanos e a disponibilidade de tempo dos geoarqueólogos do IPA para com a
comunidade arqueológica portuguesa são, de momento, abundantemente aquém das neces-
sidades, pelo que parece oportuno reforçar a própria Área (que cobre parte das suas verbas
através de prestações de serviços) e continuar o processo de divulgação e de formação de
uma nova geração de geoarqueólogos portugueses.

A PARTIR DA TERRA: A CONTRIBUIÇÃO DA GEOARQUEOLOGIA

79
Agradecimentos

O autor deste contributo quer agradecer a comunidade arqueológica de Portugal pela


forma em que foi acolhido e por ter aderido, mais ou menos entusiasticamente, às ideias geo-
arqueológicas. No que toca a este artigo, várias pessoas autorizaram a utilização de dados total
ou parcialmente inéditos: Ana Gonçalves e Manuel Pica, da Arkhaios; a EDIA; Sérgio Mon-
teiro-Rodrigues, da Universidade do Porto; Miguel Almeida e Maria João Neves, da Dryas
Arqueologia; João Pedro Cunha-Ribeiro e João Zilhão, da Universidade de Lisboa; Ana Cata-
rina Sousa, da Câmara Municipal de Mafra; os colegas Francisco Almeida e Vera Aldeias. Um
agradecimento particular a Vera Aldeias, que revisou integralmente o texto deste capítulo e do
capítulo 3. António Faria, Ana Margarida Martins e José Correia (todos do IPA) também aju-
daram a melhorar o meu péssimo português.

BIBLIOGRAFIA MENCIONADA

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PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

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84
| Introdução à micromorfologia
capítulo 3
dos sedimentos e dos solos arqueológicos
❚ DIEGO E. ANGELUCCI ❚

RESUMO Este capítulo pretende apresentar a ABSTRACT The aim of this chapter is to show how
aplicação da Micromorfologia à investigação Micromorphology can be applied to archaeological
arqueológica. research.
Esta técnica, derivada da Pedologia, consta da This technique is derived from Soil Science and
análise de preparações microscópicas - as lâminas consists of the microscopic analysis of thin sections
delgadas - obtidas a partir de amostras de obtained from loose sediment or soil samples. The
sedimentos não consolidados ou solos. O estudo micromorphological study of archaeological
micromorfológico de um depósito arqueológico deposits allows us to observe the nature of its
permite observar a origem dos seus componentes, components, its structural organisation, and all
a sua organização estrutural e todas as those features indicating the action of sedimentary,
características de diagnóstico provenientes da diagenetic or pedogenetic processes - both natural
actuação de processos sedimentares, diagenéticos and human - in their original context. Thus it is
ou pedogenéticos - naturais ou antrópicos, no seu possible to deduce useful information on the
contexto original. É possível assim deduzir formation processes of the deposit, as shown by
informações úteis sobre os processos de formação some case studies presented in this chapter.
do depósito, como ilustrado pelos casos de estudo
apresentados no capítulo.

Introdução

A Arqueologia tem adquirido, nos últimos decénios, um corpus teórico e metodológico


diversificado, com vista a encontrar soluções perante a crescente complexidade das questões
postas pela investigação arqueológica actual.
Quem trabalha em Arqueologia é, ou deveria ser, um profissional especializado, que fre-
quentemente opera com o apoio de disciplinas científicas ou ferramentas metodológicas que
representam quer especializações próprias da Arqueologia, quer apetrechos cognitivos mutua-
dos de âmbitos externos ou marginais à Arqueologia. Muitas das anteriormente definidas
“ciências auxiliares” ou “ciências subsidiárias” estão a adquirir autonomia, graças à formali-
zação de fundamentos teóricos e metodológicos próprios, e constituem por vezes profissões
autónomas no âmbito do universo arqueológico.
Este volume ilustra alguns destes casos, entre os quais se inclui a Geoarqueologia. Na evo-
lução desta ainda jovem ciência, têm aparecido, ao lado das técnicas mais tradicionais (Estra-
tigrafia, Sedimentologia, etc. - vide Capítulo 2), métodos mais pormenorizados e específicos,
amiúde determinantes para a resolução de questões gerais e pontuais.
O leque é muito amplo e inclui a técnica da micromorfologia, cujos objectivos e poten-
cialidades serão expostas resumidamente nesta contribuição, a que se juntam algumas orien-
tações práticas para a recolha das amostras micromorfológicas, finalizando com referência a
alguns exemplos de aplicação desta metodologia em sítios arqueológicos.

85
A micromorfologia (ou micropedologia) ocupa-se do estudo de sedimentos em geral não
consolidados e de solos através de técnicas microscópicas, a saber: “Micromorphology is the
branch of soil science that is concerned with the description, interpretation and, to an increasing
extent, the measurement of components, features and fabrics in soils at a microscopic level, i.e.
beyond that which can readily be seen with the naked eye. It is fundamental to an understanding of
the processes involved in soil formation whether they be produced by the normal forces of nature or
artificially induced by the effect of man.” (Bullock et al., 1985, p. 9)
É uma metodologia derivada da Pedologia, que se desenvolveu a partir dos anos ‘70 do
século passado, com excepção de alguns estudos pioneiros. A sua utilização na Geologia do
Quaternário e na Geoarqueologia é ainda mais recente, enquanto que o uso do microscópio
óptico (a ferramenta mais vulgar na micromorfologia) tem sido rotina desde há vários decé-
nios em outros campos das Ciências da Terra, como na Mineralogia, na Petrografia ou na
Petrologia do Sedimentar.
A potencialidade da aproximação microscópica, claramente adicional e não substitutiva
dos métodos de terreno e de laboratório, reside na possibilidade de observar amostras íntegras
de sedimentos e de solo com ampliações até 500x no microscópio óptico, valor que pode ser
muito mais elevado quando se recorre a técnicas de microscopia electrónica. É assim possí-
vel averiguar a origem dos materiais que constituem o depósito - sejam eles orgânicos ou mine-
rais - a sua organização espacial, a estrutura do solo, a eventual presença de características deri-
vadas da actuação de determinados processos no passado ou na actualidade. Tudo isto possi-
bilita a recolha de informações sobre o ambiente e as condições de formação do depósito
arqueológico, sobre os agentes e os mecanismos responsáveis pela sua génese e sobre os pro-
cessos de modificação (quer naturais quer antrópicos).
O procedimento clássico da investigação micromorfológica consiste na observação de
uma preparação de microscópio — a lâmina delgada (ou lâmina fina) — ao microscópio
óptico. É um processo relativamente simples, influenciado porém por alguns factores cons-
trangedores que são, em particular, o custo elevado e o longo tempo de preparação das lâmi-
nas e de descrição no microscópio.
A lâmina delgada micromorfológica é obtida através da impregnação por resinas e do sub-
sequente corte a partir de uma amostra de sedimento íntegro (ou seja, não perturbado nem modi-
ficado de qualquer forma). A impregnação visa, obviamente, a consolidação do sedimento solto,
permitindo assim o seu corte até a uma espessura infra-milimétrica. De facto, as lâminas possuem
usualmente uma espessura entre 25 e 30 µm, podendo, para preparações especiais, ser mais finas
ou mais espessas. A fatia de terreno consolidado é em seguida colada sobre uma lâmina de vidro
e, geralmente, coberta por uma lamela mais fina, também de vidro. O tamanho da lâmina delgada
assim preparada é de comprimento variável, geralmente entre 6 e 15 cm (Fig. 3-5).
A observação micromorfológica tem um alcance notável na Arqueologia, pois permite a
observação de sedimento arqueológico no estado íntegro, ou seja, sem que haja destruição ou alte-
ração das relações espaciais entre os componentes (por exemplo, os artefactos) e o contexto sedi-
mentar e pedogenético, característica esta que é única no âmbito das ciências arqueológicas.
Outro aspecto relevante está na universalidade da técnica, que pode ser aplicada, aten-
dendo as particularidades caso a caso, a qualquer sítio ou depósito arqueológico, indepen-
dentemente da sua localização geográfica, do contexto ambiental passado e presente, da sua
idade ou da sua função.
É importante realçar que a observação micromorfológica constitui a fase final do percurso
de investigação geoarqueológica, pois este tipo de análise tem que ser necessariamente precedida
por uma atenta avaliação da organização do sítio, pela reconstituição das dinâmicas geomorfo-
lógicas e do contexto ambiental do território envolvente e pela descrição da evidência de campo.

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86
Todos estes pontos são fundamentais para que a aproximação micromorfológica não seja mera-
mente um artifício tecnicista desligado do registo arqueológico que está a ser examinado.
Do ponto de vista prático, para realizar um estudo micromorfológico é necessário, além
da disponibilidade de um especialista neste domínio, a disponibilidade de um laboratório de
corte de lâminas delgadas micromorfológicas. Mais complicada é a instalação ex novo de tal
tipo de laboratório, pelos problemas relativos ao funcionamento de rotina, ao manuseamento
de substâncias tóxicas e ao custo elevado das lâminas. Na Europa existem vários laboratórios
que preparam lâminas delgadas micromorfológicas, em regime de prestação de serviços, com
preços e qualidades diversificadas.
O que é preciso possuir, para uma iniciação à micromorfologia, é um microscópio óptico
petrográfico e um sistema para a captação de imagens e o seu armazenamento.

Recolher Amostras para a Micromorfologia

Propriedades da Amostra Micromorfológica

O primeiro passo para obter lâminas finas a partir de um depósito arqueológico é reco-
lher amostras com características apropriadas. A amostragem tem que ser particularmente cui-
dadosa tanto na estratégia da selecção do perfil a amostrar como na recolha da amostra, de
forma a garantir que o material recolhido seja representativo, significativo, e analisável.
É importante respeitar algumas condições básicas, às quais estão dedicadas as próximas pági-
nas, lembrando, contudo, que é usual ser a mesma pessoa que recolhe as amostras e as inves-
tiga. Não incluímos indicações sobre a estratégia de amostragem, que depende de questões
arqueológicas e de parâmetros económicos.
Uma amostra micromorfológica tem que ser
(Fig. 3-4):
• íntegra, de maneira a conservar, sem modifi-
cações ou deformações, a estrutura do terreno,
a sua organização, as relações originais entre os
componentes, etc.;
• localizada univocamente no espaço;
• relacionada de forma inequívoca com a estrati-
ficação ou com as estruturas do sítio;
• orientada para cima e, possivelmente, com
indicação do N;
• de tamanho apropriado: bastante grande para
optimizar a área útil de observação ao micros-
cópio, sendo que as lâminas delgadas arqueo-
lógicas são maiores que as petrográficas (em
micromorfologia, size matters!), mas, ao outro
lado, bastante reduzida para não gastar muita
resina durante a impregnação (ex. 10 cm x
6 cm x 6 cm);
FIG. 3-1 – Recolha de amostras micromorfológicas,
• de forma regular, possivelmente em forma de fases preliminares. As partes de depósito
paralelepípedo, para ajudar ao processo de arqueológico a amostrar foram isoladas do
sedimento circundante para a subsequente
armazenamento e impregnação; aplicação das ligaduras de gesso. La Cativera
• sem tratamento químico de qualquer tipo. (Tarragona, Espanha), corte X1.

INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

87
O número total das amostras não deve ser excessivo, pois a preparação de lâminas é cara
e a observação no microscópio muito demorada, pelo que é aconselhável evitar amostragens
desnecessárias. Muitas vezes, os objectivos podem ser alcançados com uma cuidadosa des-
crição de campo ou considerando outras fontes de informação alternativa.

Extracção da Amostra

Após a selecção do perfil ou superfície a amostrar, o procedimento consiste simplesmente


na extracção de um “tijolo” de sedimento íntegro a partir de uma superfície de escavação ou
de um corte, podendo-se usar três métodos em alternativa.
Utilização das “Kubiena tins”. As “latas de Kubiena” são pequenas caixas de metal (nor-
malmente aço) com paredes delgadas e dois lados abertos que podem ser fechados com tam-
pas de plástico ou de metal. Estas caixas podem ser cravadas no terreno por pressão, tomando
a atenção de limpar o material circundante (com uma faca ou um colherim) durante a inser-
ção. Uma vez que a caixa esteja completamente fincada no terreno, insere-se um objecto
(faca ou colherim) por detrás dela de modo a extrai-la da superfície em amostragem (Courty
et al., 1989, p. 43 e Fig. 3-10). Após a remoção, a caixa é revestida a papel e empacotada, e os
lados vazios são tapados com tampas e etiquetados. O uso destas latas garante a integridade
e estandardização das amostras e o seu transporte, mas é praticamente impossível em depó-
sitos com muitas pedras, como são frequentemente os sedimentos de grutas e abrigos ou os
depósitos de vertente.
Utilização de gesso. Um método alternativo para sedimentos cascalhentos é o emprego de
ligaduras de gesso ou de gazes impregnadas com gesso, que podem ser adquiridas em qual-
quer farmácia. A porção de sedimento a amostrar é cuidadosamente isolada do terreno cir-
cundante (Fig. 3-1) e, uma vez livre, é revestida com as ligaduras húmidas (Fig. 3-2). A opera-
ção necessita de alguma habilidade, pois as ligaduras têm que estar no ponto exacto de humi-
dade e embebimento com a calda de gesso (suficientemente embebidas para ser moldáveis,
mas não tão molhadas para que possam secar rapidamente) e bem embrulhadas à volta da
amostra sem a danificar. Depois da secagem do gesso, a amostra pode ser retirada dando um
ligeiro golpe lateral (Fig. 3-3). Esta técnica pode-se empregar em todo tipo de material, com a
excepção de sedimentos molhados ou materiais muito soltos.

FIG. 3-2 – Recolha de amostras micromorfológicas. Revestimento – Amostras revestidas com ligaduras de gesso após a
FIG. 3-3
do sedimento com ligaduras de gesso, após ter sido isolado sua extracção e antes de revestir o lado interno. Abrigo do
do depósito envolvente, por Cristina Gameiro. Barca do Xerez Lagar Velho (Leiria), amostras LV10, LV11 e LV12 (da
de Baixo (Reguengos de Monsaraz), Área 1, corte E, amostra esquerda para a direita; a lâmina delgada derivada da
BX01. amostra LV12 está na Fig. 3.5).

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Extracção simples. Em sedimentos resistentes (ex. ricos em argila, consolidados ou cimen-
tados), as amostras podem ser extraídas simplesmente escavando à volta da porção de terreno
a retirar e, uma vez completamente isoladas, removendo-as da superfície (Fig. 3-1 e Fig. 3-4a).
A técnica precisa de alguma experiência e cuidado para evitar a ruptura da amostra. Após a
extracção, a amostra é embrulhada em papel (Fig. 3-4b), nunca em folhas de alumínio ou plás-
tico, que, sendo impermeáveis, mantêm a humidade do terreno e podem provocar a ruptura
da amostra durante o transporte.

Identificação da Amostra, Registo e Tratamento Sucessivo

Cada amostra micromorfológica tem que ser etiquetada, obviamente, de forma clara e
resistente no tempo, com as seguintes indicações (Fig. 3-4b):
• nome e número, em dois ou mais lados;
• seta marcando o alto nos lados e as indicações de polaridade (alto, baixo) respectiva-
mente nos lados superiores e inferiores;
• possivelmente, uma referência de orientação, por exemplo o Norte (indicando se se trata
do N geográfico ou do N convencional da escavação);
• o traço da superfície onde se cortará a lâmina.

Cada amostra deverá ser numerada e registada na documentação do sítio, adicionando-


-se todas as observações úteis (ex. humidade, presença de bioturbação recente, posição estra-
tigráfica). Nos sítios onde se coordenam os achados, as amostras micromorfológicas podem
ser incluídas nas listas de materiais. Considerada a fragilidade das amostras e o tipo de pre-
paração que daí se obtém (uma lâmina delgada bem manufacturada pode durar dezenas de
anos e ser estudadas por várias pessoas), é importante que a numeração das amostras não
tenha sobreposições com outros materiais ou amostras do mesmo sítio ou de outro.
No IPA, as amostras micromorfológicas são marcadas com a sigla do sítio e o número
de ordem da amostra (ex. XY22) ou associando a sigla do sítio, o ano de recolha e o número
de ordem da amostra (ex. XY9503). Cada amostra está registada numa base de dados que
contém todas as informações úteis
(sítio, unidade amostrada, posição,
tamanho da amostra, número e orien-
tação das lâminas delgadas a cortar,
observações).
Cada vez que se fala no tema de
amostragem e amostras, é também
preciso lembrar umas “dicas” óbvias,
mas importantes e muitas vezes esque-
cidas. Primeiramente, o registo das
amostras tem que ser compreensível,
claro, exaustivo e unívoco, sendo que
podem ficar armazenadas durante
anos e preparadas por uma pessoa dife- FIG. 3-4 – Amostras micromorfológicas: (a, à esquerda) amostra após
extracção simples, antes de ser empacotada. Jogo da Pela - EPUL
rente de quem as recolheu. Desenhar Martim Moniz (Lisboa), amostra EMM06; (b, à direita) A mão de
esquemas e completá-los com fotos, Vera Aldeias segura uma amostra após extracção simples e
empacotamento, antes do transporte para o armazém. Notem-se as
imagens polaroid, digitais ou de vídeo indicações que identificam a amostra CdL5 (Castelo da Lousa,
durante a amostragem é sempre útil, Mourão).

INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

89
tendo em conta que após a extracção da amostra a relação contextual com o sedimento já
não existe e que a continuação dos trabalhos irá provavelmente destruir o corte ou a super-
fície donde foi retirada a amostra.
As características próprias das amostras micromorfológicas implicam cuidados extras no
seu manuseamento e transporte, com vista a salvaguardar a sua integridade. É sempre con-
veniente, antes de manusear as amostras, secá-las ao ar para que percam a humidade natural
e não se verifiquem colapsos ou se formem fendas. A secagem tem que ser gradual e nunca
com exposição da amostra ao sol directo. O transporte para o laboratório ou para o armazém
deve evitar qualquer ruptura acidental, colocando por exemplo as amostras numa caixa forrada
com papel ou outro material macio entre elas e no contacto com as paredes do contentor usado
para o transporte.
O processo de secagem pode ser continuado em laboratório com técnicas diferentes: em
estufa, à temperatura de 40oC (a amostra é definitivamente seca quando o seu peso não muda
com o tempo), ou, alternativamente, com acetona líquida ou gasosa.
A impregnação da amostra é usualmente realizada com resinas (por exemplo, resina de
poliéster associada a estireno monómero), em condições de vácuo. Após a impregnação, corta-
-se uma “fatia” do bloco que é em seguida colocada sobre uma lâmina de vidro e gradualmente
rebaixada por abrasão até atingir a espessura desejada, obtendo assim a preparação apro-
priada à microscopia óptica de transmissão (Fig. 3-5).

– Lâminas delgadas de médio (à esquerda) e pequeno tamanho (à direita). Abrigo do Lagar Velho (Leiria), lâminas
FIG. 3-5
LV12 e LV14.

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A Descrição das Lâminas Finas Micromorfológicas: algumas Anotações

As normas de descrição das lâminas finas micromorfológicas estão instituídas interna-


cionalmente, permitindo assim um confronto contínuo dos dados recolhidos pelos investi-
gadores. A nível interpretativo existem ainda alguns problemas, especialmente no campo
arqueológico, que estão a ser resolvidos graças à criação de colecções de referência de lâminas
finas. Neste sentido, existe um projecto da União Europeia, já iniciado no último decénio do
século passado, que visa promover o intercâmbio de informações entre micromorfólogos
através da organização de cursos e de mesas redondas, estas últimas com periodicidade anual.
A primeira norma de descrição de lâminas delgadas micromorfológicas apareceu há
uma trintena de anos (Brewer, 1976). No decénio sucessivo, um amplo painel internacional
de micromorfólogos reuniu-se para normalizar uma codificação internacional, que foi editada
no Handbook for Soil Thin Section Description (Bullock et al., 1985 — actualmente está em ela-
boração a segunda edição). Esta norma não é aceite por todos os investigadores, já que há uma
codificação alternativa (FitzPatrick, 1985, 1993), existindo porém a possibilidade de transcre-
verem parcialmente as descrições entre as duas normas. No caso específico da micromorfo-
logia aplicada à Arqueologia, as primeiras tentativas de normalização foram publicadas por
M.-A. Courty, P. Goldberg e R. Macphail (1989).
A edição de normas de descrição correspondeu a um enorme esforço semântico para a
criação de uma nova terminologia (vide Jongerius e Rutherford, 1979) que permitisse dife-
renciar a descrição micromorfológica de outras normas descritivas, como as relativas ao reco-
nhecimento pedológico de campo ou à descrição de lâminas petrográficas. Foram também edi-
tadas traduções multilíngues (Stoops, 1986; Malucelli e Gardi, 1999), que são aqui utilizadas
para a terminologia portuguesa.
A observação micromorfológica é usualmente realizada em microscópio petrográfico
(Fig. 3-6) e baseia-se nas leis da microscopia óptica. A estandardização da espessura das lâmi-
nas permite a aplicação das leis da óptica mineralógica, diferenciando-se assim os materiais
analisados segundo as características ópticas e morfológicas. Devido à própria frequência da
emissão luminosa, o microscópio óptico permite apenas observar as partículas de tamanho
acima de 2 µm (1 µm — mícron — equivale a um milésimo de milímetro e é a unidade nor-
malmente utilizada na microscopia óptica). Este valor corresponde ao limite inferior da classe
granulométrica do silte, daí que se deduz que as partículas individuais que compõem as argi-
las não são visíveis no microscópio óptico. Existem, porém, técnicas ultramicroscópicas (como

– (a, à esquerda) O microscópio petrográfico actualmente em uso no IPA: modelo Jenapol do produtor Carl Zeiss.
FIG. 3-6
(b, à direita) Pormenor do revólver (as objectivas visíveis são as: 3.2x, 10x, 20x e 50x) e do estativo rotativo do microscópio.

INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

91
o SEM, eventualmente associado à microsonda electrónica) ou química (ex., espectrometria)
que permitem estudar as características da fracção mais fina.
De seguida, ilustram-se alguns dos conceitos básicos da norma descritiva do Handbook
for Soil Thin Section Description (Bullock et al., 1985).
Qualquer material de sedimento ou solo observado ao microscópio compõe-se de um
fundo matricial (groundmass - Fig. 3-7a) que exprime as características principais da massa
constituinte do terreno considerada no seu conjunto, no que diz respeito à textura, à homo-
geneidade, à cor, à limpidez ou à relação entre os componentes. Os componentes individuais
são normalmente separados em duas classes: componentes grosseiros e componentes finos,
sendo o limite entre as duas classes (limite g/f) usualmente posto a 2 µm, ou seja, ao limite
de resolução do microscópio óptico. Os componentes grosseiros são todos os elementos reco-
nhecíveis, de natureza mineral ou orgânica, dos quais se descreve a composição, o tamanho,
a triagem, a forma, a alteração, a distribuição e a orientação, distinguindo minerais (Fig. 3-7b
e Fig. 3-7c), fragmentos de rochas, resíduos inorgânicos de origem orgânica (Fig. 3-7d e
Fig. 3-7e), artefactos (vide abaixo), e componentes orgânicos. O material fino compõe-se pelas

(a) (b) (c) (d)

(e) (f) (g) (h)

FIG. 3-7 – Anotações sobre as fotografias obtidas ao microscópio óptico. Todas as imagens foram obtidas com câmara digital JVC TK-

C1381 ligada a um microscópio petrográfico Olympus BH2 (propriedade da Área de Pré-história da Universidade Rovira i Virgili
de Tarragona, Espanha), através do software Micro Image 32™, sem qualquer tipo de tratamento digital posterior. As imagens são
obtidas sem a utilização de condensador e estão orientadas com o topo para acima (excepto quando expressamente indicado).
As imagens com baixa ampliação estão ligeiramente desfocadas por causa da amplitude do campo de visão da objectiva 1x. Sob a
legenda, dão-se algumas indicações técnicas: sítio; número da lâmina delgada (TS); referência da imagem (ref.); largura da
imagem em milímetros (l); tipo de luz (PPL - luz plana polarizada, XPL - luz polarizada com nícois cruzados); eventuais indicações
suplementares. (a) Exemplificação do fundo matricial constituinte do solo observado em lâmina delgada. A matriz é composta
por elementos minerais grosseiros (na sua maioria grãos de quartzo, feldspato e mica) embalados num material fino, argiloso,
de cor castanha-amarelada, com manchas mais escuras devido ao enriquecimento em matéria orgânica. No fundo matricial,
destacam-se os poros (entre os quais o poro aplanado que atravessa diagonalmente toda a imagem) e alguns pedocarácteres, por
exemplo, o revestimento argiloso no poro aplanado e os nódulos de óxido ferro-manganesiano na parte baixa da imagem. Lugo
di Grezzana; TS LG19; ref. LG1908; l = 2 mm; PPL (b) Componente grosseiro da categoria dos minerais: grão de feldspato no
calibre das areias, sujeito a moderada meteorização. Calvatone; TS CLV6; ref. CLV63; l = 0.8 mm; XPL. (c) Componente
grosseiro da categoria dos minerais, modificado por impacto antrópico: grão de quartzo no calibre da areia com subtil
revestimento opaco de óxido ferro-manganesiano ao longo do bordo. La Cativera; TS AC2B ; ref. ac215; l = 2 mm; PPL.
(d) Componentes da categoria “resíduos inorgânicos de material orgânico”, derivados de acção antrópica indirecta: fitólitos (são
os elementos mais ou menos alongados, transparentes, com contorno rectangular ou ovóide). Riparo Gaban (Trento, Itália); TS
GB05; ref. gb0512; l = 0.3 mm; PPL; micrografia realizada em colaboração com Giovanni Boschian (Universidade de Pisa, Itália).
(e) Componentes da categoria “resíduos inorgânicos de material orgânico”, derivados de acção antrópica indirecta: esferólitos.
Riparo Gaban (Trento, Itália); TS GB06 ; ref. gb0601; l = 0.3 mm; XPL; micrografia realizada em colaboração com Giovanni
Boschian (Universidade de Pisa, Itália). (f) Exemplo da microestrutura do solo: o material da imagem está organizado com uma
agregação prismática (de escala maior que a imagem e que a própria lâmina), reconhecível pela presença de poros aplanados com
orientação vertical ou horizontal. Lugo di Grezzana; TS LG19; ref. lg1901; l = 8 mm; PPL. (g) Exemplo de um pedocarácter:
enchimento de canal de origem biológica. Campoluzzo di Mezzo (Vicenza, Itália); TS CL05; ref. cl0505; l x; PPL. (h) Exemplo
de um pedocarácter: nódulo de óxido ferro-manganesiano. Lugo di Grezzana; TS LG05; ref. lg0507; l = 2 mm; PPL.

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92
partículas não individualizáveis ao microscópio óptico e descreve-se em termos de “massa”,
observando-se a sua cor, limpidez e propriedades ópticas.
Uma característica específica do solo é a presença de uma organização estrutural inde-
pendente da organização deposicional original das partículas que o formam e cujo desenvol-
vimento está ligado à actuação dos processos pedogenéticos - é este um critério fundamental
para diferenciar um sedimento de um solo (vide Caixas 2-9 e 2-14 do Capítulo 2). Em micro-
morfologia emprega-se o conceito de microestrutura, que descreve a organização interna dos
componentes segundo dois parâmetros: a agregação, constituída pelos elementos estruturais
em que está organizado o fundo matricial (dos quais se observa a morfologia, o tamanho, a
compactação, etc.), e a porosidade, ou seja o conjunto de espaços vazios entre os agregados,
de que se anota o tipo, a forma ou a quantidade absoluta (Fig. 3-7f).
Entre os elementos de diagnóstico para a reconstituição dos processos pedogenéticos ou
diagenéticos que tiveram lugar num terreno, temos que lembrar os ditos pedocarácteres
(pedofeatures - Stoops, 1986), palavra que agrupa todos os elementos distintos do fundo matri-
cial, como áreas enriquecidas ou empobrecidas num qualquer elemento ou substância, excre-
mentos, revestimentos (Fig. 3-7a), enchimentos (Fig. 3-7g), nódulos (Fig. 3-7h) ou cristais.

A Micromorfologia em Arqueologia: alguns Exemplos

Apresentam-se aqui alguns exemplos de aplicações micromorfológicas em estudos de tipo


arqueológico. Os exemplos mencionados referem-se a sítios italianos e catalães (vide Fig. 2-1
do Capítulo 2), sendo que os estudos sobre amostras recolhidas em Portugal estão ainda em
curso e não publicados integralmente. As informações de carácter introdutivo sobre os sítios
estão aqui reduzidas ao mínimo, dedicando-se o texto à elucidação das questões arqueológi-
cas e à proposta de solução fornecida pela micromorfologia.

O Reconhecimento dos Artefactos Líticos em Pedra Lascada e das Áreas de Debitagem

A capacidade da micromorfologia em observar componentes microscópicos e analisar


depósitos arqueológicos sem que se alterem as suas relações espaciais e estruturais originais
permite a detecção da presença de eventuais produtos derivados do processo de talhe de arte-
factos líticos. Em particular, pode-se identificar a presença do microdebris produzido durante
a debitagem que, geralmente, fica conservado na mesma posição (ou nas imediações próximas)
do local onde se procedeu ao talhe e que, devido ao seu tamanho, se torna difícil de detectar
durante a escavação. É assim possível identificar as áreas de actividade onde teve lugar a debi-
tagem de artefactos líticos.
O problema principal diz respeito à possibilidade de reconhecimento dos artefactos líticos
em pedra lascada nas lâminas delgadas, pois não existe uma descrição codificada destes objec-
tos arqueológicos. O Handbook for Soil Thin Sections Description inclui entre os componentes gros-
seiros a categoria “artefactos”, que está porém integrada por: fragmentos de tijolo e de cerâmica
(vide, por exemplo, Fig. 3-10g e Fig. 3-10h), escórias de fundição, fragmentos de adubo, de cimento
ou de estuque (Bullock et al., 1985, p. 57 e p. 65). O principal texto de referência da micromorfo-
logia em Arqueologia reconhece que “Flint is easily recognised by its petrographical properties […].
In thin section, however, it is exceedingly difficult to distinguish natural from human worked fragments
of flint” (Courty et al., 1989, p. 115). No entanto, alguns autores identificam artefactos líticos em
lâmina delgada, ainda que sem especificar os critérios que os conduziram a esta atribuição.

INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

93
Mesmo assim, parece possível compilar uma série de características que, no seu conjunto,
permitam fundamentar a identificação de artefactos líticos em pedra lascada ao microscópio,
pelo menos em contextos cronológicos a partir do Paleolítico superior e caso sejam artefactos
produzidos em sílex — situação em que foi possível, até agora, uma identificação inequívoca.
Estes critérios são enunciados de seguida.
De acordo com a norma descritiva de Bullock et al. (1985), os artefactos líticos incluem-
-se na categoria dos “componentes grosseiros”. O seu tamanho é heterogéneo, desde cente-
nas de mícrones até à ordem de grandeza dos centímetros.
No que diz respeito à composição, só foram observados artefactos em sílex, embora o
leque de materiais usados para o talhe seja muito mais amplo. Um dos primeiros critérios que
parece útil para a identificação das peças é a aloctonia do tipo litológico empregado para a sua
produção em relação à situação geológica local do sítio arqueológico. Exemplos desta presença
discordante são os artefactos em sílex em abrigos sob rocha com substrato calcário ou de objec-
tos em quartzito em sedimentos de vertente ou eólico. Só num dos casos observados — o do
sítio neolítico de Lugo di Grezzana (vide abaixo) — o sílex está presente no sistema sedimen-
tar local, apresentando porém o sílex natural claras diferenças para com o sílex usado nos arte-
factos, nomeadamente na alteração (além doutras características ilustradas abaixo). No sítio de
Lugo, as peças talhadas estão compostas por sílex micro- ou criptocristalino que não patenteia
qualquer alteração ou meteorização (Fig. 3-8c e Fig. 3-8d), enquanto que os fragmentos natu-
rais podem apresentar alteração variável, até atingir graus significativos (Fig. 3-8e e Fig. 3-8f).

(a) (b) (c) (d)

(e) (f) (g) (h)

FIG. 3-8– Para as indicações gerais vide Fig. 3-7. (a) Artefacto lítico composto por sílex microcistalino, muito provavelmente uma
lâmina microlítica cortada em sentido transversal relativamente ao seu eixo. Na micrografia, o lado superior corresponde à face
dorsal do objecto, como é visível pela presença de nervuras, enquanto que o lado inferior é a face ventral, caracterizada pelo
perfil côncavo regular e contínuo. Notem-se os grãos de quartzo embalados no material fino circundante ao artefacto. La
Cativera; TS AC2B; ref. ac203; l = 2 mm; PPL; imagem orientada obliquamente (as cores anómalas de interferência devem-se à
elevada espessura da lâmina delgada). (b) Artefacto lítico caracterizado pela presença de uma densa rede de microfracturas com
perfil ondulado e curvilíneo. La Cativera; TS AC3B; ref. ac327; l = 2 mm; PPL. (c) Artefacto lítico, provavelmente uma lâmina
microlítica cortada quase longitudinalmente. Notem-se: o delineamento do contorno; a ausência de alteração ao longo dos
bordos do objecto; a cor escura do material fino, devido à presença de matéria orgânica finamente distribuída; o revestimento
argiloso no poro em baixo, à esquerda da imagem. Lugo di Grezzana; TS LG04; ref. lg0407; l = 2 mm; PPL; orientação oblíqua.
(d) Mesma imagem da fig. 8c, mas em XPL, que permite averiguar a composição petrográfica do artefacto (sílex criptocristalino).
Lugo di Grezzana; TS LG04; ref. lg0408; l = 2 mm; XPL; orientação oblíqua. (e) Pormenor do bordo de um fragmento de sílex
natural, caracterizado pela presença de uma faixa de alteração opaca ao longo do seu bordo exterior. Lugo di Grezzana; TS LG08;
ref. lg0809; l = 1 mm; PPL. (f) Mesma imagem da fig. 8e, mas em XPL, o que permite averiguar a composição petrográfica do
objecto (sílex microcristalino). Lugo di Grezzana; TS LG08; ref. lg0810; l = 1 mm; XPL. (g) Pormenor do bordo de artefacto
lítico, com limite exterior extremamente abrupto e sem qualquer alteração (ampliação do artefacto ilustrado na fig. 9f). Riparo
Dalmeri; TS RD24A; ref. RD24A04; l = 1 mm; PPL; orientação oblíqua. (h) Mesma imagem da fig. 8g, mas em XPL; o
artefacto lítico revela-se como composto por sílex microcristalino. Riparo Dalmeri; TS RD24A; ref. RD24A05; l = 1 mm; XPL;
orientação oblíqua.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

94
Todos os artefactos descritos em lâmina fina não apresentam evidência de alteração (vide tam-
bém Figs. 3-8a, 3-8g, 3-8h e 3-9f), mas é evidente que o critério não pode ser generalizado, sendo
que em situações diferentes das analisadas ou em contextos cronológicos anteriores ao Paleo-
lítico superior os artefactos talhados poderão ter sofrido processos de alteração mais ou menos
intensos.
Em relação à forma (bidimensional) observada em lâmina delgada, os artefactos em
pedra lascada apresentam-se com aspecto tabular ou achatado (por exemplo, Fig. 3-8a e
3-8c). Outros parâmetros morfológicos, como a presença de cristas ou nervuras num dos
lados do objecto (a face dorsal) e de ângulos muito agudos nas extremidades, permitem por
vezes caracterizar de forma clara o objecto, evidenciando assim uma morfologia que reflecte
aquela dos produtos de debitagem que qualquer arqueólogo pode reconhecer (um exemplo
é ilustrado na Fig. 3-8a).
Outros atributos morfológicos são típicos (Fig. 3-8 – excepto 3-8e e 3-8f – e Fig. 3-9f),
como: o baixo grau de rolamento, com formas angulosas ou muito angulosas; a superfície
lisa (em termos de surface roughness); o limite exterior muito abrupto e caracterizado por um
contraste significativo entre o objecto e a matriz adjacente; o delineamento direito ou mais
ou menos arqueado dos bordos externos (vide Bullock et al., 1985 e Stoops, 1986 para a ter-
minologia aqui utilizada).
Ocasionalmente observaram-se características adicionais, como a presença de uma
densa rede de microfracturas, por vezes com delineamento curvo (Fig. 3-8b), que pode estar
relacionada com o impacto térmico (combustão) dos artefactos. Outra característica obser-
vada ocasionalmente é a existência de subtis revestimentos de óxido ferro-manganesiano ao
longo do bordo exterior da peça. Esta evidência interpretou-se, em sítios do Paleolítico
superior e do Mesolítico, como derivada da utilização de óxidos amorfos para curtir a pele
(Bergadà, 1998), mas pode também estar relacionada com o aquecimento por temperatu-
ras superiores a 250 oC, que produz efeitos idênticos em grãos de quartzo (Wattez, 1992,
p. 213; Angelucci, 2002a - Fig. 3-7c).
O conjunto de características acima mencionadas permite identificar artefactos talhados
em sílex em contextos cronológicos relativamente recentes. Trata-se de uma primeira aproxi-
mação à questão, pois nas lâminas delgadas observam-se frequentemente objectos de difícil
interpretação e que não podem ser incluídos na categoria das peças líticas, já que não apre-
sentam o conjunto de características acima descrito. Contudo, o progresso da micromorfolo-
gia e o eventual desenvolvimento de trabalho experimental poderão ampliar os parâmetros uti-
lizados para o reconhecimento destes objectos e aplicá-los a outros tipos litológicos, permitindo
atingir a definição de critérios descritivos para a identificação de artefactos em pedra lascada,
de forma independente do factor litológico ou cronológico.

A Função das Paleosuperfícies de Ocupação Antrópica: o Caso do Riparo Dalmeri


(Trento, Itália)

O Riparo Dalmeri localiza-se no Planalto dos Sette Comuni (Itália), um dos maciços de
natureza calcária que bordam o limite meridional dos Pré-Alpes italianos. Trata-se de um
abrigo sob rocha aberto em calcário margoso, virado para N e situado à altitude de 1240 m.
As escavações realizadas pelo Museu de Ciências Naturais de Trento nos anos ‘90 puse-
ram à luz do dia uma sucessão estratigráfica holocénica e tardiglacial, contendo esta última
evidência de uma fase de ocupação antrópica datada do Epigravettense (entre 11 000 e
11 500 anos BP). A análise da estratificação epigravettense revelou a existência de uma estru-

INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

95
tura de habitação de contorno circular, muito provavelmente uma cabana colocada no interior
do abrigo, com áreas funcionalmente diferenciadas (Dalmeri e Lanzinger, 1991; Bassetti e
Dalmeri, 1995; Bassetti et al., 2001).
Uma das questões principais do estudo geoarqueológico (Angelucci e Peresani, 1996,
2001; Angelucci, 1997b) era, além dos objectivos gerais (processos de formação, reconstitui-
ção paleoambiental, diferenciação dos aportes antrópicos e naturais), a caracterização de even-
tuais áreas de actividade na paleosuperfície epigravettense e a elucidação dos processos de
modificação e de degradação desta superfície. Em particular, durante a escavação identifica-
ram-se, no interior da estrutura habitacional, sectores “vazios” (Fig. 3-9a), ou seja sem a
presença de artefactos ou ecofactos, situação destoante quando comparada com a riqueza do
espólio arqueológico doutras unidades e sectores do sítio. Foi assim iniciado um projecto de
análise geoarqueológica da estratificação, que incluiu a observação de lâminas delgadas da paleo-
superfície e da restante sucessão.
A observação micromorfológica evidencia uma certa ubiquidade nos componentes naturais
que constituem a estratificação tardiglacial do Riparo Dalmeri, facto que foi interpretado como
devido à peculiaridade do microambiente e à relativa uniformidade do sistema sedimentar da
jazida. Todas as lâminas contêm fragmentos heterométricos de calcário proveniente do abrigo,
marcadamente maioritários (vide, por exemplo, Fig. 3-9e), aos quais se associam minerais como,
predominantemente, o quartzo, o feldspato e as micas, sobretudo no calibre do silte e da areia.
As unidades antropizadas são claramente reconhecíveis ao microscópio pela presença
mais ou menos sistemática de outros elementos, a saber: matéria orgânica dispersa no mate-
rial fino (ou seja, abaixo de 2 µm - Figs. 3-9b, 3-9c e 3-9f); carvões de tamanho variável; frag-
mentos heterométricos de ossos, por vezes impregnados por fosfatos amorfos (Figs. 3-9c e
3-9d); ocasionais artefactos líticos (Fig. 3-9f). Os elementos antrópicos são frequentemente orga-
nizados em microcamadas de espessura milimétrica, mais ou menos deformadas (Fig. 3-9e).
As lâminas provenientes da superfície epigravettense (com a excepção da área “vazia”
acima mencionada) caracterizam-se pela elevada quantidade de componentes de origem
antrópica e de substância orgânica, que lhe confere uma cor em geral escura, revelando assim
a natureza eminentemente “cultural” deste sedimento. Pelo contrário, a microestrutura e os
pedocarácteres estão predominantemente ligados à actuação de processos de modificação
sin- e pós-deposicional, revelando amiúde uma estrutura granular (Fig. 3-9f) ou por vezes
laminar, uma desorganização estrutural (Fig. 3-9e) e a presença de pedocarácteres (como cap-
ping, link e revestimentos de dusty clay). Estas características indicam que, após a ocupação, a
superfície antrópica ficou exposta à acção do gelo, que não foi porém tão intensa ao ponto de
provocar o remeximento da estratificação e a desorganização da distribuição espacial.
A situação observada na área “vazia” é diferente daquela acima descrita. Nesta zona apa-
rece uma microsequência organizada e com características peculiares (Fig. 3-9b). A superfí-
cie superior apoia sobre um nível subtil e compacto, constituído por grãos minerais e raros
fragmentos de sílex e de carvão bem triados, no calibre do silte grosseiro e da areia fina, emba-
lados num material fino orgânico e, por vezes, impregnado por fosfatos (Fig. 3-9c e Fig. 3-9d).
Nesta unidade superior, os minerais alongados e os poros — muito escassos — estão orien-
tados paralelamente à superfície. Abaixo desta microcamada podem aparecer unidades que
manifestam a mesma composição, mas mostrando diferenças quanto a frequência relativa dos
diversos componentes (Fig. 3-9b), ou características análogas às unidades mais ricas de con-
tributos antrópicos, embora sem mostrar as mesmas modificações pós-deposicionais (Fig. 3-9c
e 3-9d - para mais informações vide Angelucci e Peresani, 1996).
Ora, a sequência observada nestas lâminas delgadas constitui um típico exemplo de
microfácies antrópica. A composição, a granulometria e a selecção destas microcamadas con-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

96
(a) (b) (c) (d)

(e) (f) (g) (h)

– Para as indicações gerais vide Fig. 3-7. (a) Imagem da paleosuperfície epigravettense do Riparo Dalmeri.
FIG. 3-9

(b) Pormenor da “área vazia” da superfície epigravettense do Riparo Dalmeri. Note-se a organização em dois níveis, sendo o
superior muito fino, compacto, quase sem porosidade, e o inferior composto por material do calibre do silte, com os elementos
alongados ligeiramente orientados paralelamente à superfície superior. Riparo Dalmeri; TS RD19; ref. diapositivo RD19-05; l = 8 mm;
PPL. (c) Pormenor da superfície epigravettense do Riparo Dalmeri. No ponto onde foi recolhida a presente amostra, a
superfície está bem preservada, compactada (provavelmente de forma intencional) e fortemente enriquecida em matéria
orgânica e fosfatos. O fragmento de osso no centro da imagem está parcialmente fosfatizado, como indicado pelas manchas
negras no seu interior. Riparo Dalmeri; TS RD15A; ref. RD15A03; l = 2 mm; PPL. (d) Mesma imagem que na fig. 9c, mas em
XPL. Note-se a cor de interferência muito baixa do osso e o aspecto indiferenciado do material fino, devido à presença de
matéria orgânica e de fosfatos finamente dispersos. Riparo Dalmeri; TS RD15A; ref. RD15A04; l = 2 mm; XPL. (e) Exemplo
de modificações pós-deposicionais que afectaram a superfície epigravettense do Riparo Dalmeri aqui discretamente degradada
e num mau estado de conservação. A imagem mostra dois tipos diferentes de sedimento, com componentes grosseiros
verticalizados (ver o artefacto lítico no lado esquerdo da imagem e os fragmentos de calcário no lado superior e no lado direito).
Estas características são ambas imputáveis à acção do gelo. Riparo Dalmeri; TS RD24A; ref. RD24A10; l = 2 mm; XPL.
(f) Superfície epigravettense do Riparo Dalmeri. O sedimento, muito enriquecido em matéria orgânica, apresenta uma estrutura
complexa, principalmente microgranular, com elevada porosidade, resultando da acção conjunta do gelo, da bioturbação e do
pisoteio antrópico. O artefacto lítico no centro da imagem é o mesmo das imagens das fig. 8g e 8h. Riparo Dalmeri; TS RD24A;
ref. RD24A02; l = 8 mm; PPL; os círculos na parte central da imagem são pequenas bolhas de ar entre a lâmina delgada e a
lamela que a cobre; orientação obliqua. (g) O sedimento da sucessão fluvial de la Cativera, organizado em microcamadas
(no campo apresentam-se como uma laminação muito fina) distinguíveis por variações granulométricas e caracterizado pela
presença de crostas sedimentares (slaking crusts) no topo das micro-sequências individuais. A presença de poros de origem
biológica (como os canais respectivamente no ângulo no topo à direita e no lado esquerdo) indica a acção da bioturbação,
embora moderada, sendo que não conseguiu destruir a organização original do sedimento. La Cativera; TS AC2B; ref. ac208;
l = 2 mm; PPL. (h) Pormenor de um dos níveis arenosos da fig. 9g, que ilustra a composição das areias, formadas por
elementos rolados, de natureza poligénica e com elevada porosidade entre os grãos, devida ao empacotamento dos próprios
grãos na altura da acumulação sedimentar. La Cativera; TS AC2B; ref. ac202; l = 0.8 mm; PPL.

trastam de forma clara com as outras unidades observadas no abrigo. Outros pormenores,
como a compactação e os padrões de orientação, levam a pensar que o depósito que constitui
a massa sedimentar destas amostras da área “vazia” terá sido trazido intencionalmente do exte-
rior para o abrigo, provavelmente a partir de afloramentos de loess. A organização em níveis
diferenciados (Fig. 3-9b) faz lembrar os casos descritos em bibliografia de superfícies de ocu-
pação estruturadas, onde teve lugar a preparação prévia da área e o seu posterior revesti-
mento com tapetes ou esteiras (vide, por exemplo, Gé et al., 1993; Courty et al., 1994). As outras
unidades observadas em lâmina delgada reflectem, pelo contrário, dinâmicas de formação rela-
cionadas com o processamento de alimentos, com a acumulação de resíduos orgânicos e
inorgânicos (embora se observe uma relativa estabilidade da superfície, que indicaria também
um processo de remoção dos resíduos - Fig. 3-9c e 3-9d), com a debitagem e com a incorpo-
ração de matéria orgânica por pisoteio. A área vazia representaria portanto um sector da pale-
osuperfície intencionalmente afeiçoado e deixado livre (ou, pelo menos, periodicamente
limpo), permitindo interpretá-la como uma área de circulação ou de repouso no interior da

INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

97
estrutura de habitação. As propriedades físicas destas unidades, em particular a compactação
e a granulometria, terão proporcionado uma menor susceptibilidade aos processos de modi-
ficação pós-deposicional, permitindo a sua boa conservação, ulteriormente favorecida pelo
rápido enterramento da estratificação epigravettense.

A Visibilidade das Mudanças Climáticas Abruptas: o Dryas Recente de la Cativera


(Tarragona, Espanha)

A observação microscópica de sedimentos arqueológicos permite, além da determinação


de actividades antrópicas, averiguar a natureza das dinâmicas naturais e as características do
contexto climático e ambiental em que viveram as comunidades humanas do passado.
Para ilustrar este tema, apresenta-se um exemplo do registo sedimentar deixado pelo
Dryas Recente no abrigo de la Cativera. O evento do Dryas Recente é uma das mudanças cli-
máticas abruptas que tiveram lugar no final do Plistocénico e nem sempre a sua evidência
estratigráfica é clara na região Mediterrânea, talvez, como se pode inferir pelo exemplo for-
necido de seguida, por um mero problema de escala de observação.

O sítio de la Cativera situa-se na região costeira da Catalunha, na municipalidade de el


Catllar, perto de Tarragona. É um pequeno abrigo escavado em arenito calcário miocénico e
localizado no vale do Rio Gaià, à altitude de 65 m, numa zona com clima mediterrâneo.
O estudo do sítio, integrado num projecto de investigação regional sobre o povoamento
pré-histórico e as modificações paleoambientais (Vergès et al., 1999), está a ser conduzido por
uma equipa multidisciplinar dirigida por J.Ma. Vergès, da Universidade Rovira i Virgili (Tar-
ragona).
A sucessão do abrigo data do tardiglacial e Holocénico antigo e contém espólios arqueo-
lógicos do Epipaleolítico (camadas arqueológicas C e B) e do Mesolítico (camada A), em asso-
ciação com estruturas antrópicas (Verges e Zaragoza, 1999; Allué et al., 2000; Fontanals,
2001).
Do ponto de vista estratigráfico (Angelucci, 2002a), o preenchimento do abrigo é cons-
tituído, em termos gerais, por duas sequências sedimentares. A inferior é essencialmente flu-
vial (Figs. 3-9g e 3-9h) e devida à acção de deposição do Rio Gaià no tardiglacial, correspon-
dendo à porção inferior da camada C; a superior data do Holocénico antigo e foi acumulada
por processos de vertente e de degradação da parede e do tecto do abrigo (camadas B e A). Estes
dois conjuntos principais, estratigraficamente discordantes, estão separados por uma camada
de sedimento com características mistas, sem que seja observável no terreno qualquer super-
fície de erosão significativa, nem à sua base nem ao nível do seu tecto. Trata-se da camada
arqueológica C1, que representa cronologicamente parte do intervalo cronológico do Dryas
Recente (entre 10 660±120 BP e 10 370±100 BP - Vergès e Zaragoza, 1999).
As características micromorfológicas indicam que durante este intervalo de tempo tive-
ram lugar pelo menos dois eventos erosivos de intensidade moderada, com remoção de sedi-
mento aluvial do conjunto estratigráfico superior, a sua redeposição parcial no mesmo abrigo
e, ao mesmo tempo, a chegada dos primeiros aportes maciços da vertente. A evidência em
lâmina delgada é notável, sendo que, pela presença de crostas sedimentares (slaking crusts) na
sequência fluvial (Fig. 3-9g), deduz-se que o sedimento foi redepositado em fragmentos, por
vezes com polaridade invertida (Figs. 3-10a e 3-10b). Ao mesmo tempo, observam-se, nesta uni-
dade, pedocarácteres relacionados com processos de eluviação, de dissolução e, provavel-
mente, de moderada acção do gelo descontínuo, assim como uma diminuição significativa dos

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

98
aportes antrópicos, comparativamente às situações reflectidas nas lâminas delgadas prove-
nientes das unidades sobre- e subjacentes.
À escala microscópica reconhece-se assim que a sequência fluvial tardiglacial foi truncada
pela activação dos processos de erosão, nomeadamente por mecanismos de escorrência super-
ficial e de movimentação em massa, que retomaram parcialmente os mesmos sedimentos.
Os processos de erosão continuaram durante o Dryas Recente e, correspondendo ao limite Plis-
tocénico - Holocénico, regista-se uma nova fase de erosão moderada. Paralelamente, os pedo-
carácteres indicam condições climáticas tendencialmente mais frias e com disponibilidade
hídrica no sistema (assim como o provável desaparecimento parcial da cobertura vegetal). Esta
situação só mudará a partir do início do Holocénico, quando aparecem as primeiras claras ten-
dências climáticas xéricas, ligadas à instauração de condições mediterrâneas.
Este registo sedimentar foi interpretado, do ponto de vista morfodinâmico, como resul-
tante do encaixe do Rio Gaià, processo que levou à reactivação das vertentes para o reequilí-
brio do sistema de fundo de vale/encosta, tendo chegado ao equilíbrio só no Holocénico
médio. A oscilação climática do Dryas Recente ficou assim registada nas assinaturas sedi-
mentares e pedogenéticas do sítio, embora à escala microscópica, representando uma fase de
“crise” ambiental que coincide com uma significativa diminuição da presença antrópica no
abrigo.

O Impacte Antrópico na Paisagem: o Sítio Neolítico de Lugo di Grezzana (Verona, Itália)

Outra aplicação da micromorfologia reside na possibilidade de reconhecer traços do


impacte antrópico nos sedimentos arqueológicos, em particular relacionados com práticas agrí-
colas que usualmente deixam evidências pouco detectáveis. Como exemplo, podemos men-
cionar o caso do sítio pré-histórico de Lugo di Grezzana (Verona, Itália).
Lugo di Grezzana situa-se na Valpantena, um dos vales que drenam o planalto dos Mon-
tes Lessini, nos Pré-Alpes da região de Verona. A jazida localiza-se no sopé da encosta esquerda
do vale e, desde 1991, está a ser explorada por uma equipa dirigida por Annaluisa Pedrotti, da
Universidade de Trento. A investigação arqueológica pôs à luz do dia um extenso povoado do
Neolítico antigo, que integra estruturas de habitação e de produção, assim como ocupações do
Neolítico recente e do Calcolítico — estas últimas com carácter esporádico (vide, por exemplo,
Cavulli et al., 2002; Pedrotti, 2002).
Os sedimentos arqueológicos do Neolítico Antigo de Lugo estão enterrados numa espessa
sucessão de materiais de vertente, essencialmente soil sediment (sedimentos de solo) deriva-
dos da remoção das coberturas pedogenéticas existentes ao longo da encosta. O estudo estra-
tigráfico e micromorfológico do sítio (Angelucci, 2002b; Cavulli et al., 2002) mostram que o
início dos mecanismos de remoção e deposição na vertente, activos em diferentes momentos
do Holocénico médio e recente, se deve muito provavelmente ao impacto antrópico.
O conjunto estratigráfico sobre o qual apoiam as ocupações do Neolítico Antigo caracte-
riza-se pela presença de pedocarácteres que não se encontram nos conjuntos estratigráficos
sobrejacentes. Em particular, a observação micromorfológica evidencia a ocorrência de um
revestimento de argila laminada (Figs. 3-10c e 3-10d) e de um revestimento não triado (unsor-
ted) que parecem estar relacionados com a fase de pedogénese do Holocénico médio, contem-
porânea da ocupação neolítica antiga do sítio. Os dois pedocarácteres são respectivamente indi-
cativos de processos peculiares: o revestimento laminado indica que os processos de migração
das argilas no paleossolo atlântico foram periodicamente interrompidos e reactivados, enquanto
que o revestimento unsorted sugere a actuação de processos de lixiviação de elementos grosseiros

INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

99
(silte e areia, além da argila) consequentemente ao colapso da estrutura do solo. Ora, meca-
nismos deste tipo podem dever-se exclusivamente ao periódico desaparecimento do manto vege-
tal e à ausência de cobertura que pudesse proteger a superfície superior do solo da infiltração
maciça de água. Tais efeitos são normalmente imputados ou à acção do gelo ou ao impacto
antrópico. Considerada a localização do sítio, a sua cronologia e a ausência doutras evidências
de crioturbação, é possível descartar a hipótese que tais elementos pedogenéticos derivem da
acção do gelo, ficando assim apenas a hipótese que se devam à acção humana.
Estes tipos de pedocarácteres já foram descritos na bibliografia micromorfológica como
“agricutans” (vide, exemplo, Courty et al., 1989, p. 131) e a laminação das argilas que constituem
os revestimentos foi interpretada como devida à desflorestação periódica de áreas específicas,
talvez como resultado de práticas agrícolas como a do slash-and-burn, como já documentado
noutros sítios da Itália nordeste (Ottomano, 2000), ou de outras práticas que incluíam a
mobilização agrícola durante ciclos anuais.
Ao mesmo tempo, as primeiras coluviões que truncam e cobrem directamente as estru-
turas relativas às ocupações neolíticas antigas, além de derivarem da erosão de solos preexis-
tentes, contém pedorelicts (Brewer, 1976), ou seja fragmentos de solos resedimentados.
O quadro evidenciado pela micromorfologia, fornece assim a evidência de que os grupos
neolíticos que ocuparam o sítio de Lugo di Grezzana realizaram práticas agrícolas à superfí-
cie do paleossolo então exposto e sugerem que estas mesmas actividades antrópicas levaram
à desestabilização da encosta, com o início dos processos de erosão e a consequente destrui-
ção parcial e o enterramento das estruturas antrópicas neolíticas. A evidência estratigráfica e
as datações disponíveis colocam o início destes processos a aproximadamente 6500 BP
(Improta e Pessina, 1998), fornecendo assim uma das mais antigas provas de significativo
impacte antrópico na paisagem.

Elementos Arquitectónicos em Terra de Cronologia Romana: o Vicus de Bedriacum


(Cremona, Itália)

Os casos citados anteriormente referem-se a sítios pré-históricos, mas a técnica micro-


morfológica é aplicável a realidades arqueológicas de qualquer cronologia, frequentemente
com resultados muito significativos graças às melhores condições de conservação dos espó-
lios e dos depósitos arqueológicos.
Um exemplo pode ser fornecido pela observação microscópica de materiais de constru-
ção em terra (adobe), que, através da impregnação, podem ser observados no microscópio.
O caso específico refere-se ao povoado romano de Bedriacum, situado na planície aluvial do Rio
Pó (Itália), que já está referido na Caixa 2-7 do Capítulo 2.
A análise geoarqueológica do sítio (Angelucci, 1996, 1997a), além de examinar as ques-
tões relativas à evolução do território e à sua reconstituição paleogeográfica e estratigráfica, rea-
lizou o estudo micromorfológico dalguns materiais de construção como adobe, estuques,
revestimentos e planos de pavimentos (Angelucci, no prelo). No caso dos materiais de adobe,
as dúvidas arqueológicas relacionavam-se com a proveniência local ou não da matéria-prima
utilizada para a sua produção, com o eventual tratamento prévio à utilização, e com a técnica
de preparação dos elementos construtivos.
Para a questão da proveniência da matéria-prima, recolheram-se amostras de referência
dos sedimentos e dos solos contemporâneos da ocupação romana nas imediações do sítio.
A comparação dos componentes mineralógicos e petrográficos dos sedimentos locais e do
adobe mostra que o terreno utilizado é, de facto, de proveniência local e que, pelo menos nos

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

100
(a) (b) (c) (d)

(e) (f) (g) (h)

– Para as indicações gerais vide Fig. 3-7. (a) Pormenor do limite inferior da camada arqueológica C1, onde se reconhecem,
FIG. 3-10

no fundo matricial, fragmentos redepositados de sedimento fluvial, um dos quais (no ângulo do topo direito) mostra polaridade
invertida (comparar este fragmento com o sedimento fluvial in situ na fig. 9g). La Cativera; TS AC4; ref. ac408; l = 8 mm; PPL.
(b) Pormenor de um dos fragmentos de sedimento fluvial da fig. 10a. La Cativera; TS AC4; ref. ac410; l = 2 mm; PPL.
(c) Revestimento complexo no interior de um poro de origem biológica (muito provavelmente um canal cortado em sentido
transversal). O pedocarácter compõe-se de duas gerações diferentes de revestimentos, uma (a exterior) de argila microlaminada
do tipo dusty clay e a outra (a interior) de argila inter-estratificada com silte e ocasionais grãos de areia muito fina. Lugo di
Grezzana; TS LG04; ref. LG0403; l = 2 mm; PPL; orientação oblíqua. (d) Pormenor do revestimento da fig. 10c. Lugo di
Grezzana; TS LG04; ref. LG0405; l 20x; PPL; orientação lateral. (e) Aspecto geral da massa constituinte um elemento estrutural
de adobe. Os componentes são heterogéneos do ponto de vista dimensional, indicando uma selecção escassa, não havendo
qualquer forma de orientação preferencial. A porosidade é relativamente elevada, sugerindo a ausência
de compressões orientadas no momento da produção do adobe. Alguns dos poros (um em baixo à esquerda e outro no lado
superior) são pseudomórficos de material orgânico, provavelmente palha. Calvatone - Bedriacum; TS CLV3; ref. CLV31; l = 8 mm;
PPL. (f) Mesma imagem da fig. 10e, mas em XPL, o que permite averiguar a presença de um enriquecimento
pós-deposicional de carbonato de cálcio, indicado pelos revestimentos calcíticos nos poros e pela presença de micrita (calcita
cristalizada com cristais de tamanho na ordem dos mícrones) dispersa na massa. Calvatone - Bedriacum; TS CLV3; ref. CLV32;
l = 8 mm; XPL. (g) Fragmento de cerâmica na massa utilizada para a produção de adobe (chamota). Note-se a cor vermelha
intensa, homogénea do material fino. Calvatone - Bedriacum; TS CLV8; ref. CLV81; l = 2 mm; PPL; orientação oblíqua.
(h) Mesma imagem que na fig. 10g, mas em XPL. O material fino do fragmento cerâmico apresenta-se aqui indiferenciado
(como é bem visível comparando com o fundo matricial circundante), o que, juntamente com a cor observada em PPL, indica
uma completa separação do óxido de Ferro devido ao processo de cozedura da cerâmica. Calvatone - Bedriacum; TS CLV8;
ref. CLV82; l = 2 mm; XPL; orientação oblíqua.

casos observados, foi utilizado sem qualquer processo de selecção (crivagem nem decantação
- Figs. 3-10e e 3-10f), pois a granulometria e o grau de triagem textural são iguais às do sedi-
mento local (enquanto que os materiais usados para a preparação de pavimentos e revesti-
mentos em terra revelam uma cuidadosa selecção granulométrica). Na preparação da massa
para o adobe adicionaram-se elementos carbonatados de origem exótica (provavelmente már-
more triturado dos Pré-Alpes) e fragmentos de chamota (cerâmica moída - Figs. 3-10g e 3-10h).
Além disso, a morfologia da porosidade presente no adobe demonstra também a utilização de
elementos orgânicos, como a palha (Fig. 3-10e), fragmentos de cana e de restos de conchas.
A massa assim formada não foi sujeita a um manuseamento prolongado, sendo que a homo-
geneidade do conjunto é escassa. Sobretudo, a organização estrutural não evidencia orientação
preferencial ou compactação (Fig. 3-10e), levando assim a interpretar o elemento estrutural ana-
lisado como um bloco de adobe do tipo conhecido tecnicamente como torchis (Adam, 1984).
Neste caso, a observação micromorfológica permite fornecer assim informações que
não teriam sido possíveis de deduzir doutra forma: a proveniência local da matéria-prima, a
ausência de selecção ou preparação, a utilização de desengordurantes minerais e ligantes
orgânicos, a técnica de colocação do material dos muros, que foi edificado em blocos de adobe
e não como pisée.

INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

101
Micromorfologia em Portugal

Até hoje, a utilização da micromorfologia em contextos arqueológicos em Portugal tem


sido esporádica. Os poucos casos de estudos micromorfológicos em Portugal relacionam-se
com projectos de investigação onde participaram cientistas estrangeiros e, de momento, o
único investigador português que tem aplicado de forma mais ou menos sistemática esta téc-
nica em Arqueologia ou em Geologia do Quaternário tem sido J. Meireles (vide V. Aldeias,
Caixa 2-2 no Capítulo 2).
Uma das tarefas da Área de Geoarqueologia consiste na instalação de um laboratório de
observação micromorfológica, com vista a desenvolver e promover a utilização desta técnica. Até
hoje, não foi possível publicar dados sistemáticos sobre sítios portugueses, devido à falta de
recursos humanos na área, à fase de instalação do laboratório e à morosidade, em termos de tem-
pos técnicos, específica da análise micromorfológica precisa. De facto, o laboratório de micro-
morfologia entrou em fase operacional só no Outono de 2002 e, até à data, ainda não foi con-
cluído o apetrechamento necessário à unidade, que se espera poder concretizar até final de 2003.
Ainda assim, a micromorfologia já é um dos instrumentos metodológicos em aplicação
em projectos de investigação em curso nos sítios portugueses, nos âmbitos já descritos no
Capítulo 2. Para alguns destes projectos estão já disponíveis lâminas delgadas, nomeada-
mente provenientes dos sítios do Abrigo do Lagar Velho, da Lapa dos Coelhos, de Barca de
Xerez de Baixo e de Casal de Azemel - Batalha (estes últimos dois sítios envolvendo a colabo-
ração com Vera Aldeias). Em outros projectos, as amostras forma já recolhidas, estando à
espera de serem preparadas as lâminas delgadas.

BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO À MICROMORFOLOGIA DOS SEDIMENTOS E DOS SOLOS ARQUEOLÓGICOS

103
Laboratório de Paleoecologia
e Arqueobotânica
| O Laboratório de Paleoecologia e
capítulo 4
Arqueobotânica – Uma visita guiada aos seus
programas, linhas de trabalho e perspectivas.
❚ JOSÉ EDUARDO MATEUS ❚ PAULA FERNANDA QUEIROZ ❚ WIM VAN LEEUWAARDEN ❚

RESUMO O Laboratório de Paleoecologia e ABSTRACT The Laboratory of Palaeoecology and


Arqueobotânica, actualmente instalado no IPA, Archaeobotany, now part of the Portuguese
tem uma história longa desde o seu início em Institute of Archaeology, was informally established
1982 no Museu Nacional de Arqueologia. A sua 20 years ago within the National Museum of
articulação com a Universidade de Lisboa, e com Archaeology, here in Lisbon. Our lab developed in
redes nacionais e europeias de investigação nos close coordination with the University of Lisbon
domínios da Ecologia Histórica da Paisagem, and within the framework of several national and
Arqueologia Ambiental, Paleoetnobotânica, e european research consortia involved in studies of
Paleoclimatologia, foram permitindo o Landscape Palaeoecology, Environmental
desenvolvimento de várias linhas de investigação Archaeology, Palaeoethnobotany, and
e infraestruturas documentais – que aqui se Palaeoclimatology. This network of links enabled us
documentam de forma extensiva e sucinta. to develop several research directions and scientific
Procura-se o antigo território das nossas sociedades infrastructures which are described here.
humanas do passado na matriz das estratigrafias We study the ancient human territory as revealed in
arqueológicas, nas imagens de milhões de archaeological sediments, in the countless particles
partículas arquivadas na sequência contínua das preserved in the annual layers of lacustrine peats
películas de lodo e turfa, na essência ainda viva and muds, in the framework of the present
de um território histórico de hoje. Toda esta landscape itself, with its surviving - but historical -
actividade se articula em sete vertentes ou linhas entities. We have seven research programmes: 1)
de trabalho, a saber: 1) Arquivos Naturais da Natural Archives of the Environmental Memory,
Memória Ecológica, onde se explora o explores the scientific potential of lake and
extraordinário potencial informativo em termos peatmire deposits for reconstructing our past
paleoambientais dos depósitos dos lagos e environment; 2) Organic Archives of Domestic and
turfeiras; 2) Arquivos Orgânicos do Espaço Adjacent Space, concerns the archaeobotanical study
Doméstico e Adjacente, que diz respeito ao estudo of deposits from wells, cisterns, dams, garbage-pits,
arqueobotânico dos poços, cisternas, açudes, sewers, and other anthropogenic humid-soil
lixeiras, latrinas e esgotos, e outros depósitos em deposits preserved in historical centres of towns
meio húmido preservados nos centros históricos and monuments; 3) Pollen Analysis of Archaeological
das cidades e nos monumentos; 3) Palinologia de Clays, investigates the pollen content of
Argilas Arqueológicas, que envolve o estudo do archaeological sediments; 4) Archaeological Charcoal
pólen fóssil conservado nos sedimentos Analysis, studies the wood preserved as charcoal in
arqueológicos; 4) Antracologia Arqueológica, onde ancient settlements, buildings, fireplaces and
se estudam os recursos lenhosos (madeiras) furnaces; 5) Present-day Eco-physiography of the
conservados sob a forma de carvão nas ruínas Historical Landscape - “Landscape Archaeology” –
dos edifícios, povoados, ou nas lareiras e fornos; concerns the field description and cartographic
5) Eco-fisiografia dos territórios históricos de hoje, survey of socially determinant Landscape Units of
onde se registam e integram as unidades de permanent character, by using Remote Sensing
paisagem de carácter permanente - socialmente and GIS (geographic information system)
estruturantes a longo termo - através das técnicas techniques; 6) Experimental Palaeoecology,
dos SIG (sistemas de informação geográfica); investigates and models the formation processes
6) Paleoecologia Experimental, onde of the palaeoecological record in the present-day
actualisticamente se modelizam os processos de landscape; and finally, 7) Virtual Archaeology, where
formação do registo paleoambiental; e finalmente, using the new technologies of computer three-
7) a Arqueologia Virtual, onde são desenvolvidas as dimensional simulation and modelling we aim
novas tecnologias de restituição virtual dos to reconstruct ancient territories, settlements, and
espaços e ambientes do passado, com vista à their environments. This last programme aims to
valorização contextual e viva dos monumentos, promote the appreciation and cultural potential of

105 (Instituto Português de Arqueologia – programa CIPA)


numa perspectiva de divulgação e formação. our ancient monuments in their past functional
De uma forma sucinta são ainda referidas as contexts. We also describe the infrastructures of the
infraestruturas documentais do Laboratório Laboratory in what concerns the reference
(Palinoteca, Carpoteca, Colecção de Madeiras, collections of pollen, seeds, wood and its associated
Herbário de referência), e os seus programas herbarium, as well as their related photo-descriptive
de catalogação foto-descritiva e de multimédia. catalogues and multimedia programmes.

Introdução

Num primeiro reconhecimento o Laboratório de Paleoecologia e Arqueobotânica do IPA


é responsável pela identificação, estudo, e valorização dos vestígios de origem vegetal de natu-
reza arqueológica, contextualizando-os ecológica e territorialmente com modelos actualistas,
procurando a sua integração espacial pelas técnicas dos Sistemas de Informação Geográfica
e da tele-detecção, e finalmente recorrendo às técnicas de modelação numérica tridimensio-
nal para a restituição e visualização espacial de territórios antigos.
O presente artigo procura fazer um retrato conciso das direcções de pesquisa, dos resul-
tados e das perspectivas deste núcleo do IPA, hoje integrado no programa CIPA (vide Intro-
dução). Para além dos autores, participam na montagem desta unidade Patrícia Mendes, José
Paulo Ruas, e Randi Danielsen (vide Fig. 4-44). Outros colaboradores deram o seu contributo,
previamente a 1999, o que se torna patente na lista de autores do Anexo II. Salientamos os
nomes de Carlos Manuel Pimenta, Sara Duarte, Francesco Picasso, Chris Nansen, Helena San-
tos, e Miguel Repas.

O Território Antigo

O TERRITÓRIO ANTIGO constitui o objecto central deste laboratório. Território dos


homens, é claro, mas partilhado por milhares de outras populações biológicas, domésticas e
selvagens, espacialmente estruturado por centenas de tipos de fisiografias de paisagem natu-
rais e artificiais (biótopos). A natureza “cultural” desta macro-entidade é o objectivo central da
Arqueologia. Embora modelado no mineral, vegetal, animal, o território é um artefacto por
excelência, afeiçoado por milhões de gestos humanos, que se tendem a auto-replicar na sus-
tentabilidade do corpo social e do ecossistema, mas que afinal acabam por adquirir novos
padrões funcionais e espaciais no devir da história e da evolução.
A paleoecologia arqueológica, ou ecologia histórica da paisagem humanizada, procura
reconstituir os protagonistas ecológicos (leia-se económicos) do Território na sua produtividade
(estrutura, função) e organização espacial. Preocupa-se com a sincronia, mas igualmente com
a diacronia — interpretar a mudança ecológica, no espaço e no tempo, a partir dos padrões pre-
servados nos conjuntos de micro e macro-fósseis vegetais. Revela-se o papel do homem como
modelador-construtor das paisagens, mas igualmente o papel da mudança do clima, do desen-
volvimento auto-genético da maturação natural dos ecossistemas (competição), da inércia
condicionadora da fisiografia do biótopo. A compreensão dos fenómenos eco-territoriais do
passado e das suas condicionantes e consequências sociais permite-nos simultaneamente con-
textualizar os nossos monumentos e adquirir uma melhor preparação para lidar com um
futuro de desertificação ecológica, descaracterização cultural, e de mudança global.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

106
A tradicional (e institucional) oposição entre ciências “sociais” e “naturais” tem vindo a
causar dificuldades ao estudo integrado do território humano simultaneamente como artefacto
e ecossistema. Caberá precisamente à Arqueologia contribuir para este objectivo dado que Cul-
tura Material é antes de mais Estrutura, Organização e Função do espaço dos homens.
Neste sentido recorremos ao conceito de “eco-transformação” na explicação da organi-
zação espacial do território: o desvio, em termos estruturais, informacionais e energéticos, do
ecossistema artefactuado relativamente ao ecossistema original, não actuado. Reflecte o “grau
de artefactualização”, ou seja, de impacte humano “inscrito de forma espacialmente organi-
zada”, nos biótopos e biocenoses. Considerar este “factor ecológico”, ou “atributo cultural”,
implica reconhecer um conjunto diversificado de variáveis do meio afectadas, traduzindo-se
espacialmente num sistema zonado de paisagem, onde padrões de decrescente impacte
humano se exprimem de forma discreta (não-contínua) (Mateus, 1990).
A natureza discreta da distribuição desta “eco-transformação” evoca naturalmente uma
tipologia de partição do território, sugerida pelo saber tradicional. Neste modelo de zonação
“eco-territorial” reconhecem-se cinco unidades eco-produtivas:
1. Território doméstico (da casa) – zona de máximo impacte, constituída por habitats
“artificiais” onde os subsistemas abióticos (clima, hidrótopo, geoforma, solo) estão pro-
fundamente transformados e onde ocorre uma redução drástica da biocenose e seu
confinamento a biótopos artificiais (vasos, canteiros, estábulos);
2. Território adjacente (da horta) – zona de elevado impacte, associado à agricultura
intensiva, com um elevado índice de eco-transformação do biótopo (terraplanagens,
construção de muros e cercas, sistema de rega e aplicação de nutrientes) e da bioce-
nose (redução artificial drástica das populações não-culturais – daninhas e “infestan-
tes”);
3. Território próximo (do campo) – zona de forte impacte, associado à agricultura exten-
siva, zona das searas e pastagens, com uma transformação moderada do biótopo, e
extensiva (menos intensiva) da biocenose original;
4. Território periférico (do monte) – zona de impacte menos acentuado, correspondendo
aos matos de carácter seminatural onde a transformação do biótopo e da biocenose é
limitada, caracterizada essencialmente pela expansão (artefactualmente induzida) de
comunidades secundárias de maior produtividade líquida, exploradas e mantidas em
regime de pastoreio e fogo (semi)controlado;
5. Território remoto (da mata) – zona de menor impacte, caracterizada pelos ecossiste-
mas perto da situação “clímax” ou “pré-clímax” (tipicamente a floresta natural, os mata-
gais palustres ou “secos”, os caniçais naturais,...). É ainda um território produtivo
(fauna e flora selvagem comestível, madeira, folhada para estrume,...).

Sublinha-se assim a ideia de que os territórios de hoje, como os de outrora, não são cul-
turalmente homogéneos, mas centrípetamente zonados. Embora este esquema se constitua
como uma generalização de um território de tipo “rural tradicional”, serve também uma ideia
evolutiva (Mateus, 1990). De facto, reconhecemos nesta zonação espacial os traços da própria
macro-zonação temporal da evolução das sociedades humanas:
• Território Remoto único (R) característico do Paleolítico;
• O par Remoto-Periférico (RP) característico do Mesolítico;
• O trio Remoto-Periférico-Próximo (RPP) dominante durante o Neolítico;
• O quarteto Remoto-Periférico-Próximo-Adjacente (RPPA) típico da Idade do Bronze;
• Finalmente, a emergência do quinteto Remoto-Periférico-Próximo-Adjacente-Domés-
tico (RPPAD) com o advento das sociedades histórico-urbanas.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

107
As Unidades de Paisagem e os seus Registos

Abaixo desta macro-zonação encontramos unidades de paisagem (selvagem, rural,


urbana), no sentido ecossistémico amplo, ou seja o de “biogeocenoses culturais” onde se
integram biótopo (edafótopo, climátopo, hidrótopo), biocenose (fitocenose, zoocenose), e cul-
tural material (Sukachev, 1945; Duvigneaud, 1974; Mateus, 1990).
Todo o registo arqueológico contribui para o reconhecimento destas unidades de paisa-
gem no espaço e no tempo mas é sobretudo a vegetação, com a sua biomassa dominante, diver-
sidade, e especificidade de biótopo, que conjuntamente com a sua natureza diaspórica, reflecte
de forma mais expressiva estas unidades, assumindo um papel diagnosticante central nos
ensaios actuais de cartografia ecológica e de uso-da-terra.
O registo vegetal do Território Antigo (o conjunto arqueobotânico), enquanto associa-
ção de fósseis vegetais no mesmo envelope matricial, surge-nos sob duas formas: 1) O
registo de reflexo (diasporocenótico), que é produzido de forma repetida pelas plantas, ao
longo da sua vida; e o registo de morte (tanatocenótico) que ocorre com a sua morte. O pri-
meiro registo (diasporocenótico) refere-se ao conjunto de diásporas vegetais (esporos,
pólen, sementes, ou talvez as próprias folhas das espécies caducifólias) que é transportado
pelo vento, pela água, pelos animais, visando a propagação e reprodução (diáspora). São em
geral estruturas muito resistentes, adaptadas a percorrer grandes distâncias, e produzidas
em grandes quantidades, dando origem a “imagens” reveladoras de quem as produz. De
facto são múltiplas “imagem-réplicas” (Mateus, 1996) fossilizáveis simultaneamente em
diferentes contextos de recepção contínua (arquivos) no território. O registo tanatocenótico,
por seu lado, fabrica “imagens-originais”, em geral únicas e menos representativas da
diversidade das unidades de paisagem. É constituído pelas estruturas vegetais mortas
(madeiras, raízes, frutos, folhas) fossilizadas em eventos singulares (contextos de catástrofe,
de mumificação, de lixeira). Pode constituir um registo autóctone (preservado localmente),
ou alóctone (selado após transporte).

Os Fósseis Vegetais (Diásporas e Fitoclastos)

No centro das atenções está o pólen (Fig. 4-1), uma estrutura de grande complexidade
morfológica, estrutural e química, representando bem “a outra face” dos seres vegetais – o
“(micro)gametófito” contrapondo-se na alternância de gerações ao “esporófito”, geralmente
mais visível, objecto tradicional da botânica. O pólen é uma das estruturas mais perenes do
mundo vivo graças à inércia química da sua parede — a exina — onde a esporopolenina lhe
assegura uma quase indestrutibilidade em meio anaeróbio. Esta característica, aliada ao facto
de ser uma estrutura produzida anualmente em cada paisagem em números astronómicos (da
ordem do milhão de grãos por flor) faz do pólen o fóssil mais comum do “registo geológico”.
A sua capacidade de dispersão na atmosfera e hidrosfera, a sua resistência, a sua quase omni-
presença, quando em presença de territórios onde ocorram lagos e pântanos permanentes —
bacias de microestratificação anual de películas de turfa e lodo — permitem com realismo a
analogia da “imagem polínica das antigas paisagens”, obtida assim através de uma espécie de
máquina fotográfica do tempo (vide Fig. 4-7).
As “imagens da paisagem” na superfície da turfa, do lodo, dos solos, que o tempo fossi-
liza, são enriquecidas por outros microfósseis (Fig. 4-2) — micro-estruturas resistentes de fun-
gos, algas, e invertebrados — frequentes nos sedimentos arqueológicos e palustres, e que nos
falam sobretudo das condições dos locais de fossilização onde habitaram.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

108
Os frutos e sobretudo as sementes (Fig. 4-3) com os seus pericarpos resistentes, para pro-
tecção quando da dispersão pelo vento, a água ou o transporte animal, permitem maior deta-
lhe na reconstituição, acrescentando maior precisão taxonómica, ao conjunto fóssil. O seu
papel na alimentação humana, na cadeia de actividades de recolecção, colheita, armazena-
mento, processamento, consumo, justificam uma atenção privilegiada.
Finalmente, os próprios tecidos lenhosos, as madeiras (Fig. 4-4), conservadas em meio
palustre anaeróbio, ou pela carbonização nas fogueiras e fogos acidentais, constituem uma
importante fonte de informação, particularmente da utilização dos recursos vegetais.

O Pólen

> Os grãos de pólen possuem paredes


resistentes de complexa estrutura e escul-
tura. São características como a forma, a
dimensão, o número e tipo de aberturas, a
estrutura e estratificação da parede (exina),
a esculturação dos elementos estruturais,
que possuem valor diagnosticante e são
assim usadas para a identificação das espé-
cies vegetais.

Grão de pólen de Cistus


populifolius.L.
MICROFOTOGRAFIAS MEV:
P.F. QUEIROZ

Abertura composta Detalhe da


(pólen colporado) ornamentação
(pólen reticulado)

Columelas

Abertura da camada
externa da exina
(ecto-colpo)
Semi-tecto

Estrutura da parede
(exina) vista em corte

Abertura da camada
interna da exina Camada externa (sexina)
(endo-poro)

Camada interna (nexina)

FIG. 4-1 – O Pólen. Exemplo de um grão de pólen (Cistus populifolius – esteva) e algumas características da sua parede (exina).

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

109
Microfósseis não Polínicos

> Para além de grãos de pólen e esporos, outras


estruturas biológicas (vegetais e animais) que fossili-
zam nas turfeiras são objecto de estudo paleoecoló-
Algas
gico. São esporos e outras micro-estruturas de parede LP6: esporo de
resistente de algas e de fungos, são restos dos exoes- Spirogyra (x400)
queletos e estruturas enquistadas de animais inverte-
brados.
Restos de algas aquáticas testemunham antigas
situações de alagamento; esporos de fungos coprófi- Algas
LP7: esporo de
los, vivendo em excrementos de animais domésticos,
Zygnema (x1000)
bem como ovos e restos de invertebrados parasitas,
indicam a presença de pastagens nas imediações dos
locais amostrados.
Alguns destes microfósseis de estrutura e morfo-
logia características têm ainda uma origem taxonó-
mica desconhecida, pelo que se utilizam na sua iden-
Algas
tificação e quantificação códigos numéricos e “alcu- LP9: Pseudoschizaea
nhas”. circula (x1500)

Fungos Fungos Fungos Fungos Fungos


LP76B: esporo LP60: esporo LP54: esporo LP57: esporo LP89: cf.
de fungo de fungo de fungo de fungo Fusiformisporites
(x1500) (x1000) (x1500) (x2000) (x750)

Microfósseis
identificados
no perfil
sedimentológico
Invertebrados Invertebrados Invertebrados de Figueira
LP21: pelo de LP17A: “meio- LP24: espermatóforo de Baixo.
MICROFOTOGRAFIAS
invertebrado (x600) -ovo” (x300) de Copepoda (x1000) MO: J.E. MATEUS

– Microfósseis não polínicos. Alguns exemplos de esporos de algas, esporos de fungos e micro-estruturas de origem
FIG. 4-2
animal.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

110
Frutos e Sementes

> As sementes carbonizadas conservadas em silos e


outras estruturas arqueológicas constituem uma
importante fonte de informação acerca da exploração
dos recursos vegetais, nomeadamente do uso de plan-
tas selvagens e cultivadas na alimentação das antigas
populações, e ainda sobre o coberto vegetal das proxi-
midades dos sítios, donde se destacam com mais
notoriedade as comunidades ruderais e de daninhas
de culturas.

1 2 3

1. Trigo, Alcáçova de Santarém,


Idade do Ferro;

2. Favinhas, Penedo dos


Mouros, Medieval;

3. Grainhas de uva, Conv.


S. Francisco de Santarém,
Islâmico;

4. Bolota, Malhada, Calcolítico;

5. Papoila, Conv. S. Francisco


de Santarém, Islâmico; 4 6 7

6. Azeitona, Castelo de
Mértola, Islâmico;

7. Cevada, Gruta da Avecasta,


Idade do Bronze Inicial.
FOTOS: J.P. RUAS E P.F. QUEIROZ

FIG. 4-3 – Frutos e sementes carbonizados, conservados em sítios arqueológicos. Alguns exemplos.

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111
Madeira e Carvão

> Os tecidos lenhosos conservados em meio


palustre ou pela carbonização parcial em larei-
ras e outras estruturas de combustão huma-
nas, ou ainda em fogos naturais, constituem
uma fonte importante de informação paleo-
ecológica e arqueobotânica.
A identificação da flora lenhosa utilizada
pelas antigas populações, para além de docu-
mentar a utilização no passado destes recursos
vegetais, é também elucidativa da ocorrência
de espécies de árvores e arbustos no território
antigo.
Note-se que, em geral, o alcance taxonó-
mico da análise paleoxilológica e mesmo antra-
cológica permite completar os registos palino-
lógicos, onde chegar à identificação da espécie
botânica torna-se por vezes difícil.

Anatomia da madeira de pinheiro bravo


(Pinus pinaster). Bloco de lenho; Estrutura
microscópica da madeira (em bloco e segundo as
três secções de diagnóstico – transversal, tangencial
e radial):
I – traqueído de Outono;
II – traqueído de Primavera;
III – Células de parênquima do raio.
DESENHOS ESQUEMÁTICOS: TOMÁS MATEUS.

Carvalho cerquinho, fragmento de madeira


carbonizada. Outeiro dos Castelos de Beijós, Idade
do Bronze Final. FOTO: J.P. RUAS

FIG. 4-4 – Madeiras e carvões.

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112
Sete Linhas de Trabalho

Os lagos, pântanos e turfeiras (vide Fig. 4-6 e 4-7), constituem por excelência os
“arquivos naturais da memória ecológica” dada a sua capacidade contínua de captação e
arquivo do registo de reflexo. O estudo deste registo é particularmente indicado para a
reconstituição do território na sua macro-escala e diversidade eco-produtiva — principal
objectivo do programa ARQUIVOS NATURAIS DA MEMÓRIA ECOLÓGICA que visitaremos
mais à frente.
A contínua sedimentação e alagamento caracterizam estas bacias naturais, localizadas
em geral fora dos povoados (em território remoto, periférico, ou próximo). No entanto
estas mesmas circunstâncias podem ocorrer artificialmente nos espaços domésticos e adja-
centes, sob a forma de poços, açudes, valas de drenagem, aquedutos, esgotos, vazadouros.
Estes ARQUIVOS ORGÂNICOS DO ESPAÇO DOMÉSTICO E ADJACENTE dão corpo à segunda
linha de trabalho deste laboratório.
Para além destes 2 tipos de contextos, onde poderemos falar de verdadeiras séries
temporais de conjuntos arqueobotânicos bem conservados, a evidência torna-se em geral
fragmentária e muito descontínua. A preservação da matéria orgânica morta torna-se
impossível ao ar livre, em solos arejados (aeróbios), ou sujeitos a processos de oxidação.
O problema essencial é o da bio-degradação, promovida por bactérias, fungos, e micro-
invertebrados. Outro aspecto chave é o da falta de um mecanismo de incorporação con-
tínua dos conjuntos em “envelopes matriciais” mais ou menos estanques. Note-se que a
deposição de películas de argila, por processos recorrentes de coluvionamento ou acu-
mulação antrópica pode propiciar condições de preservação algo semelhantes às que
ocorrem em meio húmido — veja-se a linha de acção PALINOLOGIA DE ARGILAS
ARQUEOLÓGICAS.
A carbonização intencional ou involuntária de madeiras, frutos, e sementes, constitui
o grande vector de produção do registo vegetal nos sítios arqueológicos, propiciando mui-
tas vezes a única fonte de informação neste domínio. De facto não é possível consumir car-
bono puro pelo que a bio-degradação não ocorre pura e simplesmente. A interpretação des-
tes conjuntos antracológicos é complexa e mais ou menos limitada, dependendo do tipo de
contexto em questão, como se referirá na apresentação desta linha de pesquisa – ANTRA-
COLOGIA ARQUEOLÓGICA.
Cada uma destas linhas de pesquisa participa de forma complementar para se com-
preender a organização do Território Antigo, dos seus recursos, das suas actividades, con-
tribuindo com o seu “ponto de vista” próprio, espacialmente condicionado. O grande desa-
fio é integrar os resultados no território concreto — esse macro-artefacto singular de natu-
reza histórico-arqueológica — e não apenas evocar tipos teóricos de paisagens. Esta orien-
tação implica uma abordagem directa ao território de hoje. Nele encontramos enraizadas as
entidades eco-fisográficas (biogeocenóticas) de tempo longo, que embora “ainda vivas”
assumem carácter secular e milenar, funcionando como pontos de ancoragem pluritem-
poral do desenvolvimento do território. Esta linha, que designamos por ECO-FISIOGRAFIA
DOS TERRITÓRIOS HISTÓRICOS DE HOJE, suporta-se das técnicas dos Sistemas de Infor-
mação Geográfica (SIG), da tele-detecção, e da ortofotogrametria. O objectivo é essencial-
mente espacializar (mapear) e quantificar.
É em estreita associação com este contexto cartográfico que se desenvolvem estudos de
natureza actualista — a PALEOECOLOGIA EXPERIMENTAL. Aqui se procura “experimentar”
o potencial informativo e fossilífero das unidades de paisagem (hortas, campos, charnecas,
matas…), aspecto que se refere aos processos de formação do registo arqueobotânico. No

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113
essencial avaliam-se as capacidades e constrangimentos da produção e dispersão do pólen,
das sementes, das outras estruturas vegetais (diásporas e fitoclastos), a sua deposição e
incorporação nos sedimentos, a sua decomposição parcial pelos processos de diagénese
pedológica.
Enfim, procura-se calibrar as técnicas de reconstituição paleoambiental, e compreen-
der a tafonomia específica dos arquivos arqueobotânicos naturais e artificiais.
Finalmente os esforços da remontagem. Dada a natureza vestigial, ou imagética dos
seus materiais e resultados, esta arqueologia do território não tem a vocação museográfica
tradicional, centrada nas colecções dos utensílios móveis. Procura-se agora contextualizar
a ruína para além do seu esqueleto de pedra e barro, completá-la, revesti-la de protagonis-
tas orgânicos, entendê-la na sua funcionalidade do dia-a-dia, envolvê-la de reflexos e arti-
culações com o espaço que a cerca, compõe, constringe.
Este espaço-território, de dentro e de fora, é assim também entendido como forma e
drama. É uma geometria da terra e dos protagonistas arquitectónicos e biológicos que a enci-
mam, é uma arrumação de “actores” históricos. Esta preocupação suscita o interesse dos
programas de restituição virtual por computador, utilizando as técnicas de modelação 3D,
que aqui se desenvolvem no âmbito da ARQUEOLOGIA VIRTUAL.

Momentos da Progressão da Pesquisa

Outra forma sugestiva de descrever o envolvimento científico do laboratório é con-


siderarmos a progressão, hierárquica e sequencial, de objectivos e estratégias para a
construção da nossa ciência (vide Fig. 4-5). Podemos aqui reconhecer 8 momentos dis-
tintos:

1) tipologia – descrição e catalogação de morfotipos de estruturas botânicas, com base


em caracteres de diagnóstico, discriminativos das espécies botânicas.
2) amostragem – prospecção, identificação e avaliação das matrizes sedimentares fos-
silíferas, e elaboração de estratégias de subamostragem.
3) análise arqueobotânica – descrição (identificação e quantificação) dos conjuntos fós-
seis vegetais – associações de fito-diásporas e fitoclastos.
4) análise estatística – exploração estatística das séries de dados paleobotânicos com
vista a evidenciar padrões recorrentes.
5) enquadramento eco-fisiográfico – descrição do substrato eco-fisiográfico dos territó-
rios concretos em estudo, avaliando recursos e habitats potenciais.
6) calibração experimental – compreender a génese das imagens do território investi-
gando experimentalmente os padrões de produção, dispersão, deposição, incorpo-
ração e fossilização dos restos vegetais fossilizáveis do presente, na sua condicio-
nante eco-fisográfica
7) reconstituição – descrição do território antigo enquanto espaço ecológico e econó-
mico por integração dos resultados e modelos do presente e do passado
8) restituição – dar corpo a uma imagem viva e expressiva do passado, culturalmente
actuante.

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114
Arqueologia Virtual
Forma e Drama dos territórios Antigos

restituição
do espaço divulgação
e do tempo
multimédia

produção cultural

reconstituição
do território
antigo

calibração
Paleoecologia

Arquivos orgânicos do espaço doméstico e adjacente


experimental
Experimental
Eco-fisiografia
• Monitorização dos Territórios
polínica
enquadramento
Históricos de Hoje
• Transectos
eco-fisiográfico
Arquivos naturais da memória ecológica

de superfície
• Flora e vegetação
• Tafonomia
Palinologia das argilas arqueologicas

do registo • Habitats
• Unidades
Modelos de produção
análise de paisagem
e dispersão polínica
estatística
Chuva polínica local,
Descrição e inventariação
Antracologia Arqueológica

extra-local e regional
Cartografia
Padrões de incorporação Modelação 3D
nos sedimentos
Padrões diferenciais análise
de preservação polínica arqueobotânica

amostragem

tipologia

Acervo Documental
Colecções de referência Catálogos Morfológicos Bases de Dados

• Pólen • Morfologia polínica • Flora, Vegetação


• Frutos e Sementes • Morfologia carpológica e Paisagem Actual
• Madeiras e outros tecidos • Anatomia de madeiras e Antiga

FIG. 4-5 – Esquema de articulação das sete linhas de trabalho, na progressão dos momentos de pesquisa.

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115
Linha 1 – Arquivos Naturais da Memória Ecológica (Turfeiras e Lagos)

Um contexto único; um testemunho independente

Esta linha de acção assenta no estudo do registo de fito-diásporas, ou seja na análise


polínica (pólen e esporos) e carpológica (sementes) das séries sedimentares recolhidas nas
turfeiras e fundos de lagos. Complementarmente estudam-se as folhas, as madeiras e
outros tecidos vegetais, e ainda os micro e macro fósseis com outras origens (fungos, algas,
invertebrados…) (vide Fig. 4-1 a 4-4).
Nos ecossistemas permanentemente alagados as condições de falta de ar e de oxigénio,
adversas à presença dos agentes da bio-decomposição, permitem a preservação continuada
das estruturas biológicas aí depositadas. Nestes “arquivos naturais da memória ecológica dos
territórios”, nos seus depósitos microestratificados de turfas e lodos orgânicos, mumifica
a vegetação do pântano conjuntamente com outras comunidades palustres de origem ani-
mal; mumifica ainda parte da biocenose envolvente, sobretudo as estruturas vegetais de
maior resistência e capacidade de dispersão (vide Fig. 4-7).

A prevalência da série

A investigação incide no estudo sequencial das películas de sedimento organo-gené-


tico conservadas nestas bacias (vide Fig. 4-8 a 4-13). São seleccionadas as sequências sedi-
mentares mais profundas, contínuas, homogéneas, e de melhor preservação microestrati-
gráfica. Pretende-se acima de tudo obter séries de imagens ao longo do tempo.
Uma arqueologia da paisagem feita apenas de instantâneos lida irremediavelmente
com palimpsestos de difícil interpretação. A série constitui o conceito chave em paleoeco-
logia, embora rara na arqueologia dos sítios. Séries temporais obtidas em perfis sedi-
mentares microestratificados fazem destacar unidades de paisagem (funcional e ecologi-
camente distintas) pelo desvio da expressão quantitativa dos seus fósseis. Note-se ainda que
as séries espaciais (de amostras sincrónicas através do território) têm a mesma potencia-
lidade discriminativa evidenciando o que é distinto em termos estacionais (distribuição
espacial).
Uma imagem paleo-territorial “fixada” na superfície de uma turfeira ou fundo de lago,
deve ser complementada por outras obtidas em bacias vizinhas, se possível de eco-fisiografia
diferente – o mesmo objecto vislumbrado simultaneamente por dois (ou mais) “pontos de
vista”, adquire estereoscopia, espacialidade (Fig. 4-15).
É talvez pertinente referir que a perspectiva arqueológica e territorial da Paleoecologia
aqui desenvolvida, contrastando com o que se passa na Europa do Sul (onde prevalece uma
Paleoecologia de inspiração geológica), se alimenta dos conceitos e estratégias da “Regional
Quaternary Plant Ecology” da escola norte europeia, esta aproximando-se da Ecologia da Pai-
sagem. Privilegia uma integração à escala da região dos registos do passado e do presente
tendo por paradigma a complementaridade de pontos de vista, obtidos em redes de bacias
de captação de registos, e aspirando a permitir reconstituições de natureza (semi)quantita-
tiva. Seguem-se aqui os conceitos de Roel Janssen (Universidade de Utreque — Holanda),
de John Birks (Universidade de Bergen — Noruega), de Björn Berglund (Universidade de
Lund — Suécia).

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116
Lagoas e Turfeiras
Contextos privilegiados para uma arqueologia
ecológica dos territórios antigos

> Portugal com o seu clima medi-


terrâneo é relativamente modesto na
ocorrência de turfeiras. O período esti-
val sem chuva faz secar muitas das
zonas húmidas. Este fenómeno
impede a acumulação de turfa ou lodo
orgânico, devido à rápida decomposi-
ção por oxidação, e confere grande ins-
tabilidade ecológica.
Ao contrário dos pântanos ombro-
génicos (de ombro=chuva) da Europa
do Norte, os pântanos em Portugal
não têm uma origem climática mas DESENHO: J.E.MATEUS

antes resultam de situações locais de


deficiente drenagem (pântanos minerotróficos topogénicos). Esta geogénese palustre das águas superficiais
confinadas é em geral uma característica das paisagens de modelação geodinâmica recente (Quaterná-
rio Recente), e prende-se à existência de estruturas sedimentares e erosivas de origem glaciar, peri-gla-
ciar, fluvial, fluvio-marinha, marinha, ou dunar.
As lagoas e turfeiras que ocorrem nas altas montanhas (A) são o resultado da conjugação de condições
hiperhúmidas e da existência de depressões fechadas, quer modeladas nas rochas pelos glaciares de topo,
quer ainda em vales bloqueados por moreias ou por depósitos grosseiros de solifluxão.
No litoral, sobretudo no litoral de substrato arenoso, a paludificação está em geral associada aos cur-
sos de água, e constitui uma consequência indirecta das transgressões e regressões do mar. Os pântanos
perimarinhos (C) surgem no seio de bacias originalmente mais amplas que hoje em dia, profundamente
escavadas pelas águas continentais, quando o nível do mar se encontrava muito abaixo do actual, há 20/30
mil anos, durante os estádios mais frios da última glaciação. Com a progressiva subida do nível do mar
estas bacias foram sendo parcialmente colmatadas pelo assoreamento fluvial, pelo envasamento fluvio-
marinho, ou pela intrusão de areias da plataforma continental. Por vezes isolam-
se locais protegidos da bacia, onde não ocorre sedimentação mineroclástica Áreas potenciais para a ocorrência
(devido ao hidrodinamismo reduzido), mas onde se acumulam águas paradas. de turfeiras em Portugal
DESENHO: P.F.QUEIROZ
O estacionamento do aquífero litoral doce é em si mesmo o resultado da
proximidade do nível hidrológico de base – o mar – onde a energia potencial das
águas se anula naturalmente. A paludificação ocorre quando simultaneamente
à ausência de infiltração “vertical” ocorre bloqueamento “lateral” da drenagem
pela existência de barragens naturais (barras litorais, cordões dunares, ou levées
e leques de inundação junto de canais fluviais principais). Resultam respecti-
vamente três tipos distintos de pântanos “perimarinhos”: lagoas vestibulares,
terminando ribeiras endorreicas (Cc), lagoas interdunares, em depressões de
campos de dunas costeiras (Ca); e pântanos fluviais de retaguarda, sobretudo
em locais de confluência de vales tributários de hidrodinamismo modesto (Cb).
A estes três tipos de pântanos litorais junta-se um quarto tipo, desta vez fora
da influência directa do mar – as lagoas interfluviais costeiras (B). Surgem em
plataformas aplanadas, normalmente organizadas numa escadaria gigante que
desce para o mar, que em parte as modelou por abrasão há centenas de milé-
nios, posteriormente cobertas pelas dunas do vasto deserto dunar frio dos
períodos pleniglaciais. A quase ausência de um sistema organizado de drena-
gem, a presença da areia superficial não consolidada (constituindo um grande
reservatório para a água das chuvas), e ainda a presença do substrato imper-
meável (de argilas e arenitos do Terciário), explicam a paludificação permanente
destas pequenas lagoas.

FIG. 4-6 – Lagoas e turfeiras em Portugal.

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117
Uma Máquina Fotográfica
do tempo e do espaço

> A capacidade de arquivo de informação das turfeiras e


lagoas assemelha-se à de uma câmara fotográfica.
Como na câmara, aqui existe uma película que é
impressionada e se vai arquivando ano após ano, ao abrigo
de impressões contaminadoras posteriores.
Esta película (com espessuras da ordem do milímetro)
é formada pela biomassa semi-decomposta da vegetação
anual palustre sob a forma de turfa, ou limo orgânico recém
formado. Uma película, um “envelope matricial”, já de si
fossilífero, que irá ainda incorporar (ser impressionada Lagoa da Murta. FOTO: J.E.MATEUS

por) milhões e milhões de partículas provenientes da pai-


sagem envolvente! Não são fotões, mas antes grãos de
pólen, sementes, macrorrestos vegetais, estruturas de algas
e fungos, restos de invertebrados, poeiras minerais aéreo ou
hidro-transportadas, etc., etc.... Embora possa ter lugar uma
certa diagénese (eventualmente uma ligeira mobilização
mecânica e compactação), a preservação das estruturas
depostas e da individualidade temporal da película de depo-
sição é em geral óptima nos depósitos microestratificados
das turfeiras lagunares, boa nas turfeiras fluviais.
Como sucede com uma câmara escura que se dispõe
estrategicamente face à paisagem, tomando vistas e focando
com o auxílio de lentes, a turfeira constitui uma bacia de
captação que “enquadra e foca” o território envolvente.
O enquadramento paisagístico resulta da sua localiza-
ção central face a um sistema concêntrico de anéis de vege-
tação distintos, dispostos ao longo da topo-sequência “cume
– baixa”. Esta organi-
zação ecológica espa- Lagoa da Murta. FOTO AÉREA: IGC, VOO SINES, 1988
cial em redor das bai-
xas palustres dá origem a uma filtragem diferencial das
fito-partículas pelos agentes de transporte que actuam
previamente à incorporação e fossilização na turfeira, o
que resulta no que poderemos chamar um sistema de
focagem, discriminativo de componentes de dispersão.
Para além da óptima preservação de restos orgânicos
microestratificados em “envelopes matriciais” de reso-
lução frequentemente anual, as turfeiras constituem
sumidoros gigantes da paisagem envolvente de quilóme-
tros em redor. A “mumificação” anual da paisagem não
é apenas o reflexo da eficiência dos agentes de trans-
porte do pólen e das sementes, a partir do coberto vege-
tal. É também o resultado da drenagem e erosão super-
Perfil de turfa onde é bem visível a
ficial dos cabeços e vertentes circundantes, fazendo acu-
microestratificação da matriz e dos
restos vegetais (Lagoa Travessa). mular não só mais fitoclastos mas igualmente nutrien-
FOTO: J.E.MATEUS tes, substâncias químicas diversas e sedimentos.

FIG. 4-7 – Lagoas e turfeiras: arquivos naturais da memória ecológica; “máquinas fotográficas” do tempo e do espaço antigos.

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118
Sondagem e amostragem
Reconhecimento lito-estratigráfico

> Os trabalhos de Paleoecologia começam no terreno


com a leitura geomorfológica da região, em grande
parte suportada pela interpretação de fotografia aérea.
São escrutinadas as baixas fluviais e lagunares dando
atenção à existência de sub-áreas permanentemente
paludificadas, longe do hidrodinamismo dos canais de
escorrência da rede hidrográfica.
O estudo dos depósitos inicia-se pela prospecção
lito-estratigráfica das baixas por elaboração de transec-
tos de sondagem. Esta prospecção visa detectar e selec-
cionar as sequências organo-sedimentares mais pro-
fundas e completas, e de microestratigrafia mais pre- Fotografia aérea de falsa cor, voo ACEL, 1995
servada. Cada sequência, quer esteja no centro da bacia
ou junto à margem, possui um potencial informativo diferente dado que filtra de forma distinta os
factores de deposição de grãos de pólen, sementes, e outros fitoclastos. Cada sequência no seu par-
ticularismo é assim complementar, sendo a estratégia óptima a realização de estudos regionais com
base numa rede de perfis amostrados, em situações geomórficas distintas, no seio da mesma bacia
hidrológica ou bacias vizinhas.
A amostragem completa das sequências seleccionadas é realizada com amostradores de tipo “pis-
tão”, como seja a sonda “DACHNOWSKY” de pistão móvel, ou o sistema “LIVINGSTONE”, de pistão
fixo. O objectivo é a obtenção de uma coluna completa não perturbada do perfil sedimentar.
Parte dos transectos de sondagem e amostragem são topografados. Os cores recolhidos, sob a
forma de secções em duas meias canas “PVC”, seladas com película plástica e devidamente etique-
tadas, são arquivados no laboratório, preferencialmente congelados.
No laboratório as secções são abertas e seccionadas longitudinalmente em dois semicilindros
iguais. Um destina-se aos estudos de palinologia, o outro aos estudos de macrorrestos e à datação.
A abertura das secções permite
a descrição macroscópica das
unidades lito-estratigráficas, o
doseamento aproximado dos
principais componentes sedi-
mentares.
As semi-secções de palino-
logia são sub-amostradas todos
os 5, ou 2.5 ou 1 centímetros,
(excepcionalmente todos os
milímetros) dependendo dos
objectivos em causa. A resolu-
ção temporal entre amostras
depende deste distanciamento
e obviamente da taxa anual de
acumulação sedimentar em
cada bacia (da ordem de 1 mm
por ano).

Sondagens na Lagoa do Saloio,


Nazaré. FOTOS: J.P.RUAS E J.E.MATEUS

FIG. 4-8 – Prospecção de campo, sondagem e amostragem de sedimentos orgânicos.

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119
Sondagem mecânica
Programa de colaboração – IPA – IGM

> As longas sequências sedimentares dos sis-


temas fluviais caracterizam-se pela ocorrência
de grandes acumulações de sedimentos mine-
rogénicos, sedimentados em regime fluvial de
maior energia — areias, siltes e argilas — por
vezes alternando com depósitos orgânicos —
turfas e lodos orgânicos — depositados em
situação de quebra energética da descarga flu-
vial.
Nestas situações, a presença de camadas
superficiais de argilas e areias torna impossível
a utilização dos tradicionais meios ligeiros de
sondagem e amostragem.
Nestes contextos, através de um programa
de colaboração com a Divisão de Sondagens do
Instituto Geológico e Mineiro, da responsabili-
dade de Carlos Silva Lopes, têm sido utilizados
com grande sucesso sistemas de sondagem
mecânica com recuperação total do sedimento.

Sondagem da sequência sedimentar de


Valado de Frades, Nazaré.
Os cerca de 20 metros de sedimentos
presentes no sistema fluvial de Valado
de Frades foram amostrados com o
equipamento de sondagem WIRTHBO do
Instituto Geológico e Mineiro, com recolha
integral do sedimento em tubos de plástico
(Coreline). FOTOS: J.E.MATEUS

FIG. 4-9 – Sondagem mecânicas das longas sequências dos sistemas fluviais.

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120
Sedimentos orgânicos
Turfas e lodos

> Para além do conteúdo fossilífero das


turfas e lodos, a sua matriz sedimentar é
em si mesma uma importante fonte de
informação das condições de deposição no
seio das bacias.
Em condições de terrestrialização das
turfeiras ocorre sedentação – acumulação
autóctone de turfas, depósitos formados
por restos orgânicos de maiores dimensões
(folhas, raízes,...).
Em sistemas paludificados com eleva-
dos níveis freáticos, nos lagos e lagoas,
sedimentam lodos orgânicos compostos
por matéria orgânica muito fina, semi-
decomposta, hidro-transportada.
Nos pântanos telmáticos ocorrem situa-
ções intermédias, sendo o sedimento acu-
mulado uma mistura de turfas e lodos com
maior ou menor proporção dos diferentes
componentes orgânicos.
A variação do tipo de sedimento orgâ-
nico ao longo do perfil testemunha as dife-
Diferentes tipos de sedimentos orgânicos observados ao
rentes fases de desenvolvimento palustre
microscópio óptico. Note-se a diferença da dimensão dos
do sítio, ilustrando a sua história paleohi- restos vegetais nas turfas e nos lodos orgânicos.
drológica. MICROFOTOGRAFIAS MO: J.E.MATEUS

1. Turfa de esfágno.
Serra da Estrela

2. Turfa de
monocotiledóneas.
Lagoa da Casa, Fernão
Ferro

3. Lodo orgânico com


restos de madeiras.
Figueira de Baixo,
Carvalhal
FOTOS: J.P.RUAS E J.E.MATEUS
1 2 3

FIG. 4-10 – Sedimentos orgânicos.

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121
Datação dos sedimentos orgânicos
Turfas e lodos

> Dada a sua natureza orgânica o sedimento é


directamente datável pelo método do radiocar-
bono. A selecção dos pontos do perfil a datar semente de
ocorre em geral após a realização do diagrama Potamogeton recolhida
no sedimento
polínico com vista a optimizar a sua cronologia.
A datação incide sobre o sedimento orgânico
bruto, sem tratamento prévio, e implica em geral
cerca de 50 g. de turfa ou limo orgânico. As datas
assim obtidas são médias de um “pacote” de bloco de sedimento
vários anos consecutivos (independentemente do orgânico “bruto”
desvio padrão característico do método) já que
estas amostras cobrem uma certa espessura de
sedimento (frequentemente 5 cm). Os novos
métodos de datação que utilizam o acelerador de
partículas (método AMS) permitem reduzir a
quantidade de material datável a fracções míni-
mas, da ordem do peso de uma semente ou de
um “punhado” de grãos de pólen. Esta técnica
torna-se vivamente aconselhável quando se

Resultado de uma datação de radiocarbono. Curva de


calibração da data obtida

datam sedimentos com componentes orgânicos


não sincrónicos (ex. contaminações por raízes
mais recentes, matéria orgânica de redeposição
herdada de solos erosionados da bacia de capta-
ção, etc...).
Para os últimos dois séculos onde a datação
pelo radiocarbono se torna ineficaz, tem-se recor-
rido a outros radio-isótopos como o chumbo
(210Pb) ou o césio (137Cs); O primeiro (com uma
semi-vida de 22.26 anos) permite um alcance de
Resultados da datação pelo 210Pb do core superficial da
cerca de 150 anos, o segundo (de origem artificial)
lagoa da Casa, Fernão Ferro/Setúbal é aplicável nos últimos 50 anos.

FIG. 4-11 – Métodos de datação dos sedimentos orgânicos (turfas e lodos).

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122
Identificação e contagem
Micro e macrofósseis

> Após o tratamento laboratorial (extracção e concentração), as amostras de microfósseis


(pólen, esporos e microfósseis não polínicos) são montadas em preparações de microscópio defi-
nitivas usando-se o óleo de silicone como meio de montagem, sob lamela grande selada com
parafina. A identificação ao microscópio é feita a grandes ampliações (objectivas de imersão),
recorrendo-se frequentemente à rotação dos microfósseis, conseguida através da pressão loca-
lizada de uma agulha fina na superfície da lamela. As preparações são percorridas em fiadas
paralelas, onde sistematicamente se identificam e contam todos os microfósseis observados
(com excepção dos irreconhecíveis por degradação acentuada), geralmente entre mil e três mil.
Os microfósseis desconhecidos são codificados e integrados num catálogo microfotográfico.
No LPA foi desenvolvido um pequeno programa de computador — programa FOLHA —
que facilita e acelera a entrada dos dados das contagens, para além de proceder ao tratamento
estatístico sumário dos resultados e ao seu armazenamento.
A contagem dos macrofósseis é realizada à lupa binocular em cada fracção granulométrica,
após crivagem das turfas. A fracção mais pequena destes macrorrestos é identificada ao
microscópio óptico.
A identificação dos micro e macrofósseis envolve a consulta sistemática das colecções de
referência – palinoteca (grãos de pólen actuais artificialmente fossilizados); carpoteca (frutos e
sementes actuais) e xiloteca (madeiras actuais e cortes histológicos), das monografias descri-
tivas da morfologia polínica, morfologia de sementes, e anatomia de madeiras, e dos respec-
tivos catálogos microfotográficos. A resolução taxonómica obtida depende estritamente do
volume desta estrutura documental e da experiência do analista.
Existe uma distinção importante entre tipo polínico (entidade da morfologia polínica que
agrega grãos de pólen com características comuns e distintivas) e taxon botânico. Nem sem-
pre a correlação espécie botânica – tipo polínico é biunívoca, havendo tipos com grande ampli-
tude taxonómica (ao nível do grupo de espécies, do género ou da (sub)família,), ou eventual-
mente o contrário (diferentes tipos polínicos patenteados pela mesma espécie). Trata-se de uma
correlação que evolui paralelamente ao desenvolvimento da morfologia polínica e das técni-
cas de observação.

Preparações de microscópio com Identificação e contagem ao Triagem, identificação e


concentrações polínicas fósseis. microscópio óptico. Em fundo contagem de macrorrestos sob
FOTO: J.E.MATEUS o computador com o programa observação à lupa binocular.
“folha”. FOTO: J.P.RUAS FOTO: J.E.MATEUS

FIG. 4-12 – Identificação e contagem ao microscópio de micro e macrofósseis.

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123
Diagramas polínicos

SUB-DIAGRAMA REGIONAL. Inclui os tipos polínicos SUB-DIAGRAMA LOCAL. Inclui os tipos


de taxa não higrófilos, de solos secos, assumidos como polínicos de taxa higrófilos assumidos como
representativos da vegetação da envolvente regional representativos das comunidades palustres locais

Curvas seleccionadas do diagrama polínico do Vale da Carregueira. DESENHO: P.F.QUEIROZ

> Os resultados da análise polínica reportando-se a sequências temporais são em geral apresentados
sob a forma de diagramas. Os diagramas polínicos são gráficos constituídos pela justaposição de cur-
vas de frequências de cada tipo polínico ao longo do eixo profundidade ou tempo (ordenada). Podem
ser curvas de valores percentuais (com base num somatório total ou parcial de pólen), ou de concen-
tração absoluta (número de grãos de pólen por unidade de volume ou peso de matriz sedimentar).
A ocorrência de diferentes padrões de chuva polínica (local e regional) introduzem a necessidade
de construção de dois sub-diagramas polínicos — local e regional — agregando respectivamente os
tipos polínicos adscritos à vegetação palustre e aquática das turfeiras, e à vegetação dos solos “secos”
da paisagem envolvente. No caso típico de uma turfeira com cerca de 300 metros de diâmetro, esta flora
polínica da vegetação “seca” envolvente estará representada quase exclusivamente por uma deposição
de tipo regional, constituída por grãos de pólen que subiram verticalmente centenas de metros no seio
da atmosfera, aí posteriormente homogeneizados e depois “chovidos”, reconstituindo assim um con-
junto verdadeiramente representativo de uma área de diversos quilómetros em redor da turfeira.
Por analogia com as zonas ecológicas ou biogeográficas que organizam e dão sentido à des-
continuidade da paisagem, os diagramas polínicos são zonados em faixas horizontais dividindo a
ordenada tempo/profundidade em parcelas. Cada zona polínica incluirá espectros polínicos contí-
guos com um conteúdo polínico homogéneo, separados por limites representativos de momentos
de maior descontinuidade e mudança patenteada nas curvas polínicas (“zona de conjunto-polínico”).
Zonas polínicas são entidades estáticas. A história da vegetação e a evolução ecológica diz respeito
à mudança, à sequência de eventos ecológicos e de vegetação mais ou menos associados, deduzi-
dos a partir do comportamento das curvas polínicas. Por vezes a mudança é muito rápida e marcada.
Neste caso a história da vegetação não se esgota na descrição da sequência de zonas de conjunto-
polínico, ou seja no desfilar ao longo do tempo de paisagens mais ou menos em equilíbrio com os
factores do meio (paisagens clímax). Sob forte pressão das sociedades humanas ou na faixa litoral
de grande dinamismo a história da paisagem é uma sequência por vezes desenfreada de “catástro-
fes” ecológicas de escala e extensão diversas e que em termos polínicos se patenteia por curvas de
comportamento drástico e localizado. Daí a necessidade de se completar a zonação de conjunto-polí-
nico, mais adaptável à paisagem estável, com uma zonação polínica com base em padrões de com-
portamento (“zonas de comportamento”), isolando máximos, mínimos, ou “picos” de ocorrência
específica nas curvas polínicas seleccionadas.

FIG. 4-13 – Diagramas polínicos. Sub-diagramas locais e regionais; zonação dos diagramas.

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124
Diagnosticar, localizar, quantificar
Que comunidades?

Os conjuntos arqueobotânicos transportados (alóctones) reflectem em geral várias


unidades de paisagem, e não apenas uma, já que constituem uma mistura produzida por
diversos vectores de dispersão, humanos e naturais, com origem em sítios e ecologias dis-
tintas. Deduzir os tipos de biocenoses reflectidas nos conjuntos, a sua localização, a sua
importância relativa no território implica integrar informação arqueobotânica de arquivos
complementares, e recorrer a modelos actualistas, como veremos em seguida.
Uma das entidades primordiais da arqueologia ecológica do território antigo é a enti-
dade de paleovegetação. Por analogia com a associação vegetal, a entidade de paleovegetação
dirá respeito a um conjunto de plantas (selvagens e/ou domésticas) ocorrendo simultanea-
mente no espaço e no tempo, e partilhando o mesmo conjunto de condicionantes ecológi-
cos e culturais (leia-se “históricos”) (vide Fig. 4-14).
A descrição destas entidades (indivíduos concretos históricos e entidades-conceito) pre-
tende ter uma base de objectividade, através do reconhecimento de similaridades de com-
portamento de tipos polínicos e macropaleobotânicos a dois níveis complementares: o estra-
tigráfico e o topográfico. Falamos de “comportamento” (padrões dinâmicos) quando natu-
ralmente em presença de séries temporais e espaciais (vide Fig. 4-13).
A análise de correlação de curvas polínicas (e de outros micro e macrofósseis), pondo
em evidência similaridades de ocorrência e de comportamento ao longo da diacronia dos
perfis e ao longo da sincronia dos transectos actuais e arqueológicos, permite assim uma
primeira arrumação significativa das curvas de frequência em dois tipos de grupos recor-
rentes – grupos polínicos estratigráficos e grupos polínicos topográficos. Estes grupos de
afinidade, cuja recorrência é testada pela análise numérica, são os primeiros protótipos das
unidades de vegetação do passado.
Subindo na inferência, e tendo em consideração não já os fósseis vegetais mas, de uma
forma já interpretativa, as plantas que os produziram, o reconhecimento das unidades de
vegetação antiga pelo agrupamento das curvas polínicas poderá partir actualisticamente de
uma base de ecologia vegetal: Se exclusivamente de natureza auto-ecológica (respeitante ape-
nas ao biótopo), ou seja, agregando curvas que correspondam a plantas que ocorram hoje
nas mesmas condições de solo, microclima, e impacte humano, falamos então de grupos
polínicos autoecológicos; Se, por outro lado, tiverem por analogia as comunidades vegetais
de hoje, independentemente da sua envolvente fisiográfica, falamos de grupos polínicos
sinecológicos.
Conjugando critérios estratigráficos e análogos ecológicos modernos falaremos então
de grupos polínicos eco-estratigráficos.
Não basta juntar nomes de plantas. Há que reconhecer que o afastamento destes regis-
tos de reflexo face ao objecto (a mata, a seara, o prado) embora possa permitir um enqua-
dramento mais regional, cria por outro lado alguma perca de sinal. Pensamos sobretudo nas
plantas produtoras de pouco pólen, ou cujo pólen é demasiado pesado, sem grande capa-
cidade de transporte. Bem, por vezes é possível chegar mais perto, ou aumentar substan-
cialmente o número de grãos de pólen escrutinados (em número quase ilimitado, neste tipo
de contexto). O papel esclarecedor da Palinologia Actualista é aqui essencial (ver mais à
frente). Trata-se essencialmente de uma questão de “ponto de vista”, de “enquadramento”,
numa acessão “fotográfica”.

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125
Onde?

Responder à questão “onde?” implica coleccionar visões obtidas em vários locais do ter-
ritório, de preferência provenientes de bacias naturais ou contextos arqueológicos ao longo de
gradientes paisagísticos (vide Fig. 4-6). Não esquecer que um lago ou uma turfeira de certa
dimensão regista imagens de uma região muito vasta em seu redor. Mas é no entanto preciso
“focar”, adquirir tridimensionalidade nas visões, estereoscopia (vide Fig. 4-15). Por outro lado,
a diferente capacidade de transporte por parte das diásporas, (ex. pólen leve anemófilo (vector
vento), pólen pesado entomófilo (vector insecto), sementes aladas voadoras (vector vento),
sementes enclausuradas em pesados frutos carnudos (vector animal)) — algo que podemos
conhecer pela Paleoecologia Experimental (ver à frente) — permite decidir da proximidade da
“fonte produtora” quando se interpreta um diagrama polínico ou carpológico de um arquivo
natural. O próprio padrão dinâmico das curvas polínicas e de macrorrestos, que no fundo
reflecte a história das populações vegetais envolventes é muitas vezes expressivo da localiza-
ção destas mesmas populações. Este problema foi sistematizado por C.R. Janssen (Utreque)
na sua definição de chuva polínica local, extra-local, regional, e extra-regional (Janssen, 1973;
1980). Finalmente, a visão complementar do actualismo: Os territórios de hoje ainda mantêm
activos os condicionantes ecológicos, os “nichos”, (mesmo que por vezes “potenciais”) das uni-
dades de vegetação, sobretudo as de carácter mais permanente.

Que importância na paisagem?

Outra preocupação é a de quantificar. Há naturalmente uma relação entre o número de


plantas e a dimensão da sua “aura” diaspórica, do seu reflexo polínico, carpológico, (ou cadu-
cifólico). A estimativa deste valor toma tipicamente a forma de um influxo — imagine-se por
exemplo o influxo polínico do pinheiro numa dada região ou local, expresso em n.o de grãos de
pólen/cm2/ano, ou seja, número médio estimado de grãos de pólen de pinheiro que cai, e se
acumula, num quadradinho de solo de 1cm de lado, durante todo o ano. É possível estimar este
valor em sedimentos de acumulação contínua (turfas, lodos, guano, gelo) quando são conhe-
cidas as taxas de acumulação matricial, por uma série de datações absolutas ao longo do per-
fil, e quando são conhecidas as concentrações de microfósseis por grama ou cm3 de sedimento,
estas estimadas pelo método de Stockmaar (vide Fig. 4-16). Mais uma vez os estudos actua-
listas, “experimentando” o coberto vegetal de hoje e as suas “auras” de diáspora, cumprem aqui
um papel de calibração.

Programas
1.1 Séries de baixa resolução (ao longo dos séculos)

Um dos aspectos desta linha de trabalho diz respeito ao estudo de séries organo-sedi-
mentares longas (longas em termos relativos, leia-se “portugueses”). São séries que cobrem
de forma contínua (ou só ocasionalmente entrecruzada por hiatos), os últimos 8 a 15 milénios.
Trata-se de uma investigação à “macro-escala”, onde se investiga, numa base temporal
mais alargada (sub-secular a pluri-decadal), a sucessão das antigas paisagens e territórios sob
a acção modeladora do clima, do homem, da acção do mar e da dinâmica litoral. É natural-
mente a primeira série de leituras que os diagramas propiciam e encorajam, e que vem pro-
curar colmatar lacunas importantes do conhecimento da evolução natural e cultural do país
ao longo dos séculos. Embora se tenham recentemente iniciado os estudos no Litoral Centro

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126
Entidades de paleovegetação
As comunidades vegetais do território antigo

I. do pólen à planta
No reconhecimento das unidades de vegetação do
passado — entidades de paleovegetação — ocorrem dife-
rentes momentos no processo de inferência:
• A partir dos tipos polínicos identificados reconsti-
tuem-se as espécies vegetais correspondentes.
• A partir dos estudos geobotânicos das actuais comu-
nidades vegetais — análogos actuais — reconhecem- amieiro (Alnus)
-se padrões de afinidade ecológica entre as espécies.
• A partir dos comportamentos das curvas polínicas ao
longo dos perfis reconhecem-se padrões de afinidade
estratigráfica entre as curvas polínicas.
Da integração destes padrões de afinidades nascem
os grupos polínicos eco-estratigráficos — protótipos das
entidades de vegetação do território antigo (cf. Fig. 4-31). salgueiro (Salix)

II. afinidade ecológica


<< Amial da Agualva
de Baixo/Alcácer do
Sal (comunidade
A.glutinosa –
S.atrocinerea). hera (Hedera)
FOTO: J.E.MATEUS

< Transecto
esquemático de
vegetação actual na
margem palustre da
Agualva de Baixo.
Descreve-se a
comunidade vegetal
Alnus glutinosa –
Salix atrocinerea. lisimáquia (Lysimachia)
DESENHO: P.F.QUEIROZ

III. afinidade estratigráfica


Diagrama polínico
do Vale da
Carregueira. Grupo
polínico ALN,
representando o
amial palustre sanguinho de água (Frangula)
ribeirinho. Inclui os
tipos polínicos Alnus,
Algumas plantas de habitats ribeirinhos.
<

Salix, Frangula, Vitis,


Hedera helix, Integram o amial característico dos fundos
Solanum dulcamara, de vale (comunidade Alnus glutinosa – Salix
Lysimachia, atrocinerea).
Osmunda, entre FOTOS: J.E.MATEUS E P.F.QUEIROZ
outros. DESENHO:
P.F.QUEIROZ

– Entidades de paleovegetação. As comunidades vegetais do território antigo. Exemplo do processo de reconhecimento de


FIG. 4-14
uma entidade de paleovegetação relacionada com os habitats palustres de fundo de vale (ALN), com análogos nos actuais amiais
ribeirinhos da comunidade Alnus glutinosa-Salix atrocinerea.

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127
Estereoscopia polínica
A mesma paleovegetação vista por ângulos distintos

> A utilização de vários tipos de bacia, ou de vários cores obtidos no seio da mesma bacia,
mas em locais distintos, permite uma visão estereoscópica pela complementaridade das ima-
gens diferentemente filtradas do mesmo objecto (da mesma entidade de paleovegetação).
Focalizar (discriminar e localizar) as entidades de paleovegetação implica integrar múlti-
plas linhas de evidência com vista a maximizar os testes de afinidade (co-espacial, co-com-
portamental) das curvas polínicas entre si, conforme se prevê da definição enunciada de paleo-
vegetação (vide texto).

Poço do Barbaroxa de Cima (PBC). Região da Bacia de Santo André, litoral norte Vale da Carregueira (VCA). Turfeira
Turfeira interdunar costeira, próxima alentejano. Localização das turfeiras estudadas. fluvial adjacente, mais interior.
da actual linha de costa. FOTO AÉREA DESENHO: P.F.QUEIROZ FOTO AÉREA VOO IGC, 1993

Comparação das curvas polínicas de pinheiro (Pinus), amieiro (Alnus) e carvalho (Quercus) em duas sequências
polínicas estudadas em Santo André – PBC e VCA. Os padrões de desenvolvimento polínico, reflectindo as mesmas
entidades de paleovegetação em locais distintos, são complementares e discriminativos da sua localização espacial.
Veja-se por exemplo a localização óbvia do amial nos sistemas fluviais, com grande representação polínica em VCA
e apenas um reflexo mais afastado em PBC. DESENHO: P.F.QUEIROZ

– Pesquisar a localização espacial das entidades de paleovegetação do território antigo. Estereoscopia polínica; a mesma
FIG. 4-15
paleovegetação vista por ângulos distintos. Um exemplo da região de Santo André no litoral norte alentejano.

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128
Influxo polínico
Métodos quantitativos de análise polínica

> A análise polínica, quer de material fóssil, para estudos


de reconstituição paisagística, quer de amostras actuais em
estudos actualistas de fenologia e biologia floral, aeropali-
nologia ou palinologia do mel, tem vindo cada vez mais a
pretender uma estimativa quantificada dos conjuntos polí-
nicos, para além dos tradicionais valores percentuais.
Os valores de concentração polínica (pólen/unidade de
peso ou volume), a partir dos quais se calculam os valores de
influxo polínico, acrescentando a dimensão temporal
(pólen/unidade de peso ou volume/unidade de tempo), são
obtidos através do método dos “marcadores exóticos” (Stock-
marr, 1971; 1973). São estimados a partir da adição de um São utilizadas pastilhas contendo 10679
número conhecido de esporos (ou pólen) de uma planta ± 192 esporos de Lycopodium clavatum
acetolisados, envolvidos em bicarbonato
exótica previamente ao tratamento laboratorial de uma de sódio. Estas pastilhas são produzidas
amostra de peso ou volume previamente determinado. pelo Departamento de Geologia do
Durante o processo de contagem polínica os esporos exóti- Quaternário da Universidade de Lund,
Suécia. FOTO: J.P.RUAS
cos são também contados sendo este valor usado na esti-
mativa da concentração polínica da amostra (Pconc).

Lycopodium adicionado Pólen contado


Pconc = ———————————— x —————————————
Lycopodium contado Volume (ou peso) da amostra

< Diagrama de concentração polínica


da Lagoa Travessa 2, Carvalhal.
Representam-se os valores de
concentração absoluta (pólen/grama
de sedimento) de tipos polínicos
seleccionados. DESENHO: J.E.MATEUS
<

Esporos de Lycopodium clavatum.


MICROFOTOGRAFIA MO: P.F.QUEIROZ

< Diagrama de influxo polínico mensal


do perfil turfoso do Centro da Neve,
Serra da Estrela. Representam-se os
valores de influxo mensal (pólen.cm-2.
mês-1) de grupos seleccionados. Cada
grupo polínico acumula o valor de influxo
de um conjunto de tipos polínicos a ele
associados. DESENHO: P.F.QUEIROZ

FIG. 4-16 – Diagramas de concentração absoluta e de influxo polínico. Métodos quantitativos de análise polínica.

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129
e na Serra da Estrela, a grande maioria destes diagramas provêm do litoral sudoeste, entre
Sines e Lisboa.
Estas leituras esquematizam-se em quatro temáticas (vide figuras respectivas – Fig. 4-18 a
4-21), onde essencialmente se fala de evolução, o devir irreversível das sociedades e das paisagens.
1. A evolução da vegetação natural
2. A evolução litoral
3. A evolução climática
4. A evolução do impacte e da modelação humana

Sob o tema 1 esboça-se a evolução das nossas florestas, matagais, matos, charnecas, e pra-
dos naturais ao longo dos milénios e nos grandes cenários naturais: vales, interflúvios, terras
baixas lacustres e fluviais, dunas litorais, baixas estuarinas, e montanhas. No segundo tema
vislumbram-se os eventos de paleovegetação (frequentemente drásticos) adscritos à faixa lito-
ral e aos seus ecossistemas. A paleohidrologia tem aqui um papel privilegiado. A prevalência
costeira de uma grande parte das turfeiras e sistemas fluvio-lagunares explica a importância
deste tema, que potencia não só uma interpretação paleoclimática dos registos, mas também
uma compreensão da conjuntura ecológica da evolução da ocupação humana do litoral por-
tuguês. No tema 3 integram-se as duas leituras anteriores para ensaiar uma primeira perio-
dização bioclimática do Holocénico (pontualmente estendida ao Tardiglacial). Finalmente no
último tema esquematizam-se e avaliam-se as principais fases de impacte e modelação
humana da paisagem e dos seus territórios, os padrões evolutivos de uso-da-terra.

Projectos incluídos:

TABELA 4-1
Projecto Descrição Financiamento Situação (Referências)

Estudo paleoecológico da Lagoa Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII Material amostrado
da Apúlia, Esposende polínicos, e de macrorrestos da sequência (I.58)
de sedimentos turfo-lodosos (7 m)
Estudo paleoecológico do Valado Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII Material amostrado
de Frades, Nazaré polínicos, e de macrorrestos da sequência
de sedimentos argilo-lodosos (20 m)
Estudo paleoecológico da Lagoa Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII Material amostrado
Clementina, Nazaré polínicos, e de macrorrestos da sequência (I.55)
de sedimentos turfo-lodosos (4.1 m)
Estudo paleoecológico da Lagoa Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII Em realização
do Saloio, Nazaré polínicos, e de macrorrestos da sequência (I.55)
de sedimentos turfo-lodosos (4.8 m)
Estudo paleoecológico da várzea Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII Em preparação
da Foz do Lizandro, Mafra polínicos, e de macrorrestos de uma
sequência de sedimentos turfo-lodosos
Estudo paleoecológico do vale de Alpiarça Análise polínica da sequência Concluído (I.11)
de sedimentos turfo-lodosos (8.9 m)
Estudo paleoecológico do Alfeite, Almada Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII Concluído (I.11; I.27)
polínicos da sequência de sedimentos
argilo-lodosos (3.2 m)
Estudo paleoecológico da Lagoa do Golfo, Análise polínica e de microfósseis Concluído (I.44)
Fernão Ferro, Sesimbra não polínicos de duas sequências
de sedimentos turfo-lodosos (0.9 m) –
GOL1; (0.2 m, na base) – GOL2
Estudo paleoecológico da Lagoa da Casa, Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII Em realização
Fernão Ferro, Sesimbra polínicos, e de macrorrestos da sequência (I.55; I.58)
de sedimentos turfo-lodosos (2.2 m)
[Continua na pág. 132]

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130
Séries paleoecológicas de baixa resolução
ao longo dos séculos...

> Os estudos de séries paleoecológicas de baixa reso-


lução implicam a análise de amostras contíguas espa-
çadas temporalmente na ordem das centenas de anos
Conjunto dos diagramas polínicos, de
entre si. microfósseis não polínicos, e de macrorrestos
É assim vislumbrada nos diagramas polínicos a vegetais disponíveis para o litoral norte alentejano
evolução centenária das paisagens e territórios, através (alguns diagramas da região não estão
de um “filme” em que as imagens vão “saltando” representadas dado estar ainda em análise a sua
caracterização cronológica e estratigráfica).
século a século. Cada coluna cinzenta corresponde a uma
Embora com resolução temporal fraca, estes estu- sequência de sedimentos orgânicos estudada.
dos possibilitam uma visualização de longo termo do Após datação absoluta de um conjunto variável
de amostras distanciadas no perfil, foi interpolada
desenvolvimento das paisagens e territórios, cobrindo
a datação de toda a sequência, identificando-se
vários milénios. pontualmente a ocorrência de quebras na
De notar que a aproximação ao século, década ou sedimentação.
ano é apenas de natureza estratégica, dependendo ape- Note-se o âmbito cronológico de cada sequência
e respectivos hiatos de sedimentação, a resolução
nas da aproximação das amostras entre si, e do tempo
temporal entre amostras contíguas (Rt=anos),
e meios disponíveis para processar e estudar cada uma e o número de datações de radiocarbono obtido
das amostras. em cada sequência.

DESENHO: P.F.QUEIROZ

FIG. 4-17 – Séries paleoecológicas de baixa resolução; O “filme” da evolução da paisagem e do território século a século.

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131
Evolução da vegetação natural
O exemplo do noroeste alentejano
(Mateus e Queiroz, 2000)

> Este tema de síntese parte em geral do estabelecimento de zonas regionais de conjunto-
-polínico definidas numa base de resolução temporal média a larga nos perfis estudados. Em
foco a sequência de paisagens “regionais” de carácter permanente (através da leitura dos sub-
diagramas “regionais”) sob a influência da transformação climática, da maturação dos solos,
e dos resultados cumulativos da ocupação humana. A palinoestratigrafia do Quaternário
Recente tem por base esta linha de pesquisa.

Pinhal bravo
e manso nos
interflúvios;
carvalhal vestigial
nos fundos de vales;
disclímax de
sobreiro
e matos esclerófilos
(carrascal e urzal);
amial reduzido; fase
salgueiral, choupal, TERMO-MEDITERRÂNEA
freixial e matagais
húmidos nas
margens ripícolas

Pinhal bravo nos


interflúvios;
carvalhal fase
(cerquinho) e MESO-MEDITERRÂNEA
zambujal nos
sistemas de vertente;
amial nas baixas
fluviais

fase MESO/
SUPRA-MEDITERRÂNEA

fase
Pinhal silvestre nos
SUB-ALPINA
interflúvios;
(ou oro-mediterrânea)
carvalhos (negral?)
e vidoeiros nos
sistemas de vale

DESENHO: J.E.MATEUS

FIG. 4-18 – Evolução da vegetação natural. O exemplo da evolução da vegetação natural e semi-natural no litoral norte alentejano.

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132
Evolução costeira
O exemplo do noroeste alentejano
(Mateus e Queiroz, 2000)

> Tema de síntese que assenta no reconhecimento de paleo-eventos de carácter catastrófico


(alteração brutal de biótopo) ao nível da vegetação e microbiocenoses palustres associados aos
ecossistemas das baixas litorais e perimarinhas, nomeadamente os que se prendem com a
migração de zonas ecológicas sob a influência das transgressões e regressões marinhas. Em
foco, para além da própria evolução litológica das sequências, estarão sobretudo os sub-dia-
gramas polínicos locais (referentes à vegetação palustre macrófita) e os diagramas de micro-
fósseis não-polínicos (referentes às microcomunidades palustres/aquáticas de algas, fungos
e invertebrados). A periodização (zonação polínica) assenta essencialmente no reconheci-
mento de zonas de “comportamento polínico” com resolução temporal média a fina (subse-
cular a decadal).

Perfis litológicos das sequências organo-genéticas estudadas no litoral norte alentejano e representação esquemática da
vegetação local dominante. DESENHO: P.F.QUEIROZ

Principais fases da evolução costeira consideradas para o NO alentejano


FASE A: Recúo da linha de costa ( ≈ 7500 - 5500 BP)
FASE B: Estabilização ( ≈ 5500 – 4150 BP)
FASE C: O secar das turfeiras interdunares ( ≈ 4150 – 3250 BP)
FASE D: Re-inundação combinada das lagoas interdunares e interfluviais ( ≈ 3250 – 1200 BP)
FASE E: Lagoas interdunares e interfluviais menos alagadas ( ≈ 1200 – 600 BP)
FASE F: Terrestrialização generalizada nas lagoas e pântanos fluviais ( ≈ 600 – Presente)

FIG. 4-19 – Evolução costeira. O exemplo da paleoecologia litoral do noroeste alentejano.

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133
Evolução climática
Evolução da paisagem no noroeste alentejano sob influência climática
(Mateus e Queiroz, 2000)

> A interpretação paleoclimática para o Holocénico Médio e Recente considera sobretudo as


variações de precipitação e tem por base de evidência a paleohidrologia das turfeiras e as ten-
dências de xerofilia do coberto vegetal.

Hiato por secagem na Terrestrialização nos pântanos fluviais Expansão de taxa termomediterrâneos
sedimentação das turfeiras > Clima mais seco ( ≈ 4150 – 3250 BP)
interdunares (PBC);
Terrestrialização nos Fase de clima mais seco que o actual. Diagrama polínico sumário (curvas seleccionadas)
pântanos fluviais (VCA) – do Vale da Carregueira (Santo André) e perfis litológicos esquemáticos do Vale da
vide Fig. 4-19 Carregueira e do Poço do Barbaroxa de Cima (Santo André). DESENHO: P.F.QUEIROZ

Para além de um esboço de história climática traçado em grandes linhas a partir da evo-
lução da vegetação, torna-se particularmente difícil na Região Mediterrânea reconstituir direc-
tamente estimativas paleoclimáticas de valores de temperatura e insolação com base em dados
palinológicos “proxy”. Há a referir duas grandes limitações na identificação das flutuações espa-
ciais das zonas bioclimáticas: a estrutura profundamente estratificada das matas, que de
alguma forma reproduz verticalmente o que a zonação bioclimática e fitogeográfica estabelece
no espaço horizontal; e a dinâmica de refúgio edafo-microclimático de muitas espécies no com-
plexo mosaico da diversidade de biótopos, para situações reliquiais de natureza catenal.
A estratégia de investigação procura privilegiar a paleohidroclimatologia — sendo a água,
afinal, o factor limitante por excelência neste contexto. A investigação está aqui principalmente
orientada na reconstituição das flutuações do nível freático em locais seleccionados fora da
influência marinha (lagos de montanha e lagoas interfluviais costeiras).
Dado que existem diferentes factores locais de controlo das flutuações de nível freático das
lagoas, de difícil discriminação, a investigação deverá a) incidir em diferentes tipos de lagoas
/ bacias hidrográficas e respectivas ecozonas (margens de lagoa, paúl central...) onde cada variá-
vel-condicionante estará diferentemente representada; b) maximizar o número de variáveis
(paleoecológicas) de resposta (tipos de paleovegetação palustre e regional, associações de fun-
gos, microcenoses planctónicas e não-planctónicas, fácies sedimentar, associação geoquímica
e composição isotópica...); c) maximizar o número de padrões de resposta, estreitando a reso-
lução temporal entre amostras contíguas); d) realizar uma detalhada cronologia absoluta (ou
relativa) de modo a permitir uma correlação inter-cruzada dos dados parcelares (de sítio)
numa grelha compreensível onde as regularidades regionais se tornem evidentes.

FIG. 4-20 – Evolução climática. Exemplo da evolução da paisagem no noroeste alentejano sob influência climática.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

134
Impacte humano
Evolução da paisagem no noroeste alentejano sob influência antrópica
(Mateus e Queiroz, 2000)

> O tema da evolução e história do impacte humano na paisagem regional tem por base a
dinâmica catastrófica da vegetação. Um duplo interesse é considerado — mudanças quer ao
nível da ecologia das baixas palustres quer dos ecossistemas terrestres regionais. Em foco os
eventos de palaeovegetação ligados à sucessão ecológica secundária e a retrogressão antropo-
génica do coberto vegetal, interpretados a partir dos padrões de desenvolvimento das curvas
polínicas. São utilizadas resoluções médias a finas e esquemas de sub-zonação dos diagramas
com base em padrões de comportamento de curvas polínicas com sentido indicador.

Máximo da desmatação; cultivo e


pastoreio extensivo em todas as
zonas ecológicas; plantação de
exóticas
> Utilização intensa de todas as
zonas ecológicas da região;
especialização territorial

Desmatação selectiva; pastoreio


extensivo; cultivo nos solos
pesados; pastagem nas baixas
> Impacte forte e permanente
nos interflúvios e também nos
vales

Desflorestação; Exploração dos


matagais secundários
> Economia de produção
secundária

Redução dos pinhais; cultivo e


pastoreio nos podzois dos
interflúvios
> Impacte nos ecossistemas
mais frágeis dos interfúvios;
recolecção nas baixas

Impacte fraco e temporário, sem


pressão acumulada
> Economia de largo espectro;
“slash-and-burn”

Impacte não reconhecido nos


diagramas polínicos
> Caça, pesca, recolecção

DESENHO: J.E.MATEUS

– História do impacte humano na paisagem. O exemplo da evolução do território no noroeste alentejano sob influência
FIG. 4-21
antrópica.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

135
TABELA 4-1 (cont.)
Projecto Descrição Financiamento Situação (Referências)

Estudo paleoecológico da Estacada, Análise polínica da sequência de Concluído (I.3; I.5; I.44)
Apostiça, Sesimbra sedimentos turfo-lodosos (2,4 m) – EST
Estudo paleoecológico da Apostiça, Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII Concluído (I.17; I.27;
Sesimbra polínicos da sequência de sedimentos I.44)
turfo-lodosos (7,4 m) – APO
Estudo paleoecológico do Amial, Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII Concluído (I.27; I.42)
Apostiça, Sesimbra polínicos da sequência de sedimentos
turfo-lodosos (6 m) – AMI
Estudo paleoecológico da Lagoa Análise polínica, de microfósseis não Material amostrado
dos Cachopos, Alcácer do Sal polínicos, e de macrorrestos da sequência
de sedimentos turfo-lodosos (3,4 m)
Estudo macropaleobotânico da Lagoa Análise dos macrorrestos vegetais CE-DG XII Em realização (I.55)
Travessa, Carvalhal, Grândola da sequência de sedimentos turfo-lodosos
(8.6 m) – LT1
Estudo paleoecológico da Lagoa Travessa, Análise polínica da sequência Concluído (I.2; I.6; I.12)
Carvalhal, Grândola de sedimentos turfo-lodosos (8,6 m) – LT1
Estudo paleoecológico da Figueira Análise polínica e de microfósseis não Concluído (I.12)
de Baixo, Carvalhal, Grândola polínicos da sequência de sedimentos
turfo-lodosos (3,9 m) – FIG
Estudo paleoecológico do Monte Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII Concluído (I.27; I.41)
dos Cantos, Melides, Santiago do Cacém polínicos da sequência de sedimentos
turfo-lodosos (3,6 m) – MCA
Estudo paleoecológico da barra da Lagoa Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII Concluído (I.17; I.27;
de Melides, Santiago do Cacém polínicos de amostras de material orgânico I.44)
da estratigrafia do cordão dunar
vestibular- MEL
Estudo paleoecológico do Poço Análise polínica, de microfósseis não Concluído (I.44)
do Barbaroxa de Cima, Santo André, polínicos, e de macrorrestos da sequência
Santiago do Cacém de sedimentos turfo-lodosos (3,7 m) – PBC
Estudo paleoecológico do Poço do Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII; Em realização
Barbaroxa de Baixo, Santo André, polínicos da sequência de sedimentos FCT (I.39)
Santiago do Cacém turfo-lodosos (3,8 m) – PBB
Estudo paleoecológico do Vale Análise polínica e de microfósseis não Concluído (I.44)
da Carregueira, Santo André, Santiago polínicos da sequência de sedimentos
do Cacém turfo-lodosos (3 m) – VCA
Estudo paleoecológico da Ribeira Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII Em conclusão
de Moinhos, Sines polínicos, de macrorrestos vegetais, (I.40; I.48)
e malacológica da sequência de sedimentos
turfo-lodosos (8 m) – MOI
Estudo paleoecológico da Várzea Análise polínica da sequência de Concluído
da Quarteira sedimentos turfo-lodosos (4,3 m)
Estudo paleocológico do sapal de Castro Análise polínica, de microfósseis não FCT Em preparação
Marim polínicos, e de macrorrestos de uma
sequência argilo-lodosa

1.2 Séries de média resolução (aproximando às décadas)

Apenas num único caso (Diagrama da Lagoa Travessa II) se ensaiou uma média resolu-
ção com vista a uma aproximação à dinâmica histórica, mais perto da história ecológica e eco-
nómica das sociedades (desenvolvimento, estabilidade, declínio, continuidade, ruptura…) e dos
seus padrões de ocupação do espaço. Trata-se de um ensaio virtualmente correlacionável com
a periodização cultural estabelecida pela Arqueologia, e que urge ser replicado em outras bacias
da região (vide Fig. 4-22).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

136
Séries paleoecológicas de média resolução
ao longo das décadas...

> O diagrama polínico da Lagoa Travessa 2 é um diagrama de resolução temporal média, com
amostras polínicas separadas entre si apenas de algumas décadas (resolução temporal entre
amostras contíguas entre 15 e 29 anos).
Esta resolução temporal mais fina permitiu uma primeira reconstituição da história dos
padrões de uso da terra e de impacte humano durante a Proto-história e a Época Romana, cujo
esquema de periodização se coaduna de uma forma compatível e expressiva com a periodiza-
ção cultural estabelecida pela Arqueologia dos sítios (Mateus, 1992).

Diagrama polínico sumário da Lagoa


Travessa 2, Carvalhal, Grândola.
Representam-se apenas os principais
tipos e grupos polínicos. A ordenada
refere-se à profundidade relativa da
amostra (entre 25 e 230 cm); a abcissa
indica o valor percentual (relativamente
a um somatório polínico regional)
de cada tipo/grupo polínico.
DESENHO: J.E.MATEUS

Esquema da zonação paleoecológica


para a região do Carvalhal, e principais
fases do desenvolvimento da paisagem
sob Impacte Humano.
DESENHO: J.E.MATEUS

FIG. 4-22 – Séries paleoecológicas de média resolução; A história da paisagem e do território com resolução temporal à década.

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137
Projectos incluídos:

TABELA 4-2
Projecto Descrição Situação (Referências)

Estudo paleoecológico da Lagoa Travessa, Análise polínica e de microfósseis não polínicos de parte Concluído (I.12)
Carvalhal, Grândola da sequência, cobrindo cronologicamente
aproximadamente 1500 a 3200 BP (2.3 m) – LT2

1.3 Séries de alta resolução (aproximando aos anos)

Considera-se agora a “micro-escala”. Aqui se procuram desenvolver estudos detalhados


de alta resolução, que se baseiam na subamostragem milimétrica dos perfis de turfa, produ-
zindo pela análise palinológica e macropaleobotânica séries temporais à escala sub-decadal,
anual ou mesmo sazonal. Os projectos aqui desenvolvidos têm o presente como ponto de par-
tida e pretendem recuar ano a ano ao longo dos últimos séculos. Trata-se de uma vertente de
arqueologia histórica do território dado que sobretudo ganha sentido quando confrontada com
a documentação histórica e iconográfica. É por outro lado de natureza actualista, já que as
séries referentes aos últimos 150 anos permitem ensaiar a correlação directa com séries de
medições meteorológicas e agrárias, ou ainda com estimativas quantificadas a partir da aná-
lise de mapas antigos e da fotografia aérea histórica (vide Fig. 4-23).

Projectos incluídos:

TABELA 4-3
Projecto Descrição Financiamento Situação (Referências)

Estudo paleoecológico do Centro Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII; Concluído
da Neve, Serra da Estrela polínicos, e de macrorrestos do topo FCT (I.35; I.39; I.43; I.56)
da sequência turfosa (21 cm)
Estudo paleoecológico das Salgadeiras, Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII; Concluído
Serra da Estrela polínicos do topo da sequência turfosa FCT (I.43; I.51; I.56)
(17 cm)
Estudo paleoecológico do Alto Peixão, Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII; Concluído
Serra da Estrela polínicos do topo da sequência turfosa FCT (I.43; I.45; I.51)
(55 cm)
Estudo paleoecológico da Lagoa da Casa Análise polínica e de microfósseis não CE-DG XII; Concluído (I.39; I.40)
(margem Sudoeste), Fernão Ferro, polínicos do topo da sequência turfosa FCT
Sesimbra (22 cm)
Estudo paleoecológico da Lagoa do Golfo Análise polínica, de microfósseis não CE-DG XII; Concluído (I.27)
– "Cladium", Fernão Ferro, Sesimbra polínicos, e de macrorrestos do topo FCT
da sequência turfosa, sob “tussock”
de Cladium mariscus (7 cm)

Globalmente, esta linha de trabalho (“turfeiras e lagos”) permite o acesso ao território


regional, na sua perspectiva ampla, como que visto do ar. São visões que privilegiam o espaço
remoto, periférico, e próximo, pelo simples facto de serem raras as turfeiras e lagos na envol-
vente imediata dos povoados. Para apurar a nossa visão destes territórios “de dentro”, preva-
lece outra linha de trabalho, onde se adquire mais proximidade, mas menos independência
de testemunhos.

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138
Séries paleoecológicas de alta resolução
ao longo dos anos...

> Os estudos polínicos de alta resolução consistem em diagramas cuja resolução temporal
entre amostras contíguas se aproxima ao ano.
Obtemos assim imagens ano a ano, ou de alguns em alguns anos (ou mesmo sazonais),
do desenvolvimento da vegetação regional.
Embora do ponto de vista metodológico, se possam realizar estudos de alta resolução para
qualquer período cronológico (implicando apenas a realização de uma sub-amostragem muito
fina), estes trabalhos têm vindo a ser desenvolvidos especialmente para os últimos séculos, per-
mitindo confrontar os resultados polínicos com séries de registos históricos independentes,
ilustrativos do desenvolvimento da paisagem (dados meteorológicos, informação sobre pro-
dutividade agrícola, fotografia histórica,...). Utilizam-se os métodos de datação por 210Pb.
Para além do interesse histórico-paleoecológico, estas séries permitem testar os modelos
de calibração desenvolvidos pela Paleoecologia Experimental.

Diagrama polínico de alta resolução da Lagoa da Casa (margem sudoeste). Imagem parcial do crono-diagrama (em
ordenadas representam-se os anos de calendário entre 1935 e 1995). Note-se a resolução temporal sub-anual, onde cada
ano está representado por 2 ou 3 amostras. DESENHO: J.E.MATEUS

Os estudos polínicos de alta resolução


implicam a realização de uma
sub-amostragem dos perfis de turfa
muito fina (milimétrica). O sedimento
congelado é envolvido em caixa de gesso,
que lhe mantém a baixa temperatura
durante tempo suficiente para o seu
manuseamento à temperatura ambiente
sem descongelar por várias horas.
Pequenas fatias com espessuras de
1 a 2 milímetros são cortadas, sem
descongelamento, ao longo de todo
o perfil. FOTOS: J.E.MATEUS

FIG. 4-23 – Séries paleoecológicas de alta resolução; A aproximação ao ano.

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139
Linha 2 – Arquivos Orgânicos do Espaço Doméstico e Adjacente

Arqueologia ecológica e arqueo-etno-botânica dos territórios urbanos e sub-urbanos –


A arqueologia orgânica dos sítios e monumentos

Os sítios chave para aceder ao território antigo são locais de preservação de materiais
orgânicos em séries temporais contínuas e datáveis. Para além dos arquivos naturais já refe-
ridos, são sobretudo parcelas do património construído onde prevalecem condições desfa-
voráveis à bio-degradação pela falta de oxigénio:
• Açudes e barragens antigas
• Poços
• Latrinas, esgotos, valas de despejo
• Entulhos domésticos em meio húmido
• Estruturas de armazenamento
• Repositórios de oferendas votivas de comida
• Estruturas de habitat favoráveis à conservação de vestígios orgânicos

Lodo e esterco velho – um valiosíssimo património

Os territórios humanos são grandes estruturas ecológicas de zonação centrípeta em


redor do povoado. Há que aí procurar imagens reveladoras. Nas baixas alagadas das cida-
des e aldeias, as suas lixeiras, esgotos, valas de despejo e poços constituem os grandes arqui-
vos da paleoecologia urbana e da memória dos gestos de consumo das suas gentes. Aos refle-
xos fito-corpusculares (diásporas) e fitoclásticos de dispersão natural, vem agora juntar-se
uma parte significativa do que foi processado, digerido, e rejeitado.
Nestes contextos ganha importância o material carpológico, embora a palinologia seja
igualmente útil. Adquire-se uma imagem próxima dos homens, mas por eles algo distor-
cida. As estratégias elencadas na Linha I (Turfeiras e Lagoa), no ponto “diagnosticar, loca-
lizar, quantificar”, perdem aqui alcance, dado que a intervenção humana como vector de dis-
persão e incorporação introduz uma grande complexidade tafonómica, não permitindo
estabelecer facilmente linhas de inferência directa entre o registo e as unidades de paisa-
gem que as produzem. No entanto, a frequente associação com a utensilagem doméstica e
o carácter funcional das próprias estruturas é por vezes esclarecedora da complexa rede de
vectores de fossilização envolvidos caso a caso para tentar inferir a representatividade das
visões sugeridas pelos conjuntos orgânicos.
Há sobretudo que distinguir entre imagens de reflexo natural, geneticamente seme-
lhantes às que se formam nas turfeiras (e que ocorrem nos poços, cisternas, açudes, bar-
ragens) (vide Fig. 4-25 e 4-26), e as imagens de esterco ou lixeira, antropicamente induzidas
(nas valas, vazadouros, latrinas, esgotos, ou tanques de processamento) (vide Fig. 4-24).
Os primeiros contextos (arquivos limpos) permitem uma interpretação semelhante à
referida para a Linha I, embora em geral se apliquem aqui as considerações tafonómicas
relativas às micro-turfeiras, ou pequenos pântanos fluviais, dada a sua pequena dimensão:
O reflexo (polínico, carpológico) da vegetação próxima (local) não será, na maioria dos
casos, susceptível de ser filtrado do da vegetação regional, ao contrário do que sucede com
as grandes turfeiras ou lagos, onde prevalece uma grande zona tampão de vegetação palus-
tre ou pano de água, em redor do ponto de amostragem (centro da bacia). Imagens de “close-
up” têm grande detalhe, mas serão precisas várias, e distribuídas, para enquadrar a ecolo-
gia (sub)urbana e rural adjacente. No entanto recorde-se que cisternas e poços no centro de

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

140
grandes volumes edificados (claustros de conventos, pátios de castelos) poderão funcionar
como grandes turfeiras, como grandes “máquinas fotográficas” do território envolvente!
Restará ainda algum destes preciosos arquivos, longe das ávidas pás de arqueólogos apenas
interessados em cacos ou de conservadores horrorizados com lodo escuro?
Os segundos contextos (arquivos sujos) falam-nos sobretudo do que se processa e con-
some dentro das habitações, das unidades artesanais/industriais, dos estábulos. Trata-se
de reflexos do território muito distintos da “aura” diaspórica natural que temos referido;
Desta vez são vectores que atravessam o território em direcção oposta — as actividades
humanas de recolecção e colheita. Todo o particularismo é aqui informativo da diversidade
social e económica das parcelas, e, da mesma maneira que a diversidade de bacias natu-
rais é complementar no retrato regional dos “territórios de fora”, a diversidade dos siste-
mas de captação das latrinas domésticas (a montante) às grandes cloacas (a jusante), em
sistemas frequentemente dendríticos, funciona aqui de forma complementar para “os
territórios de dentro”.

Programas
2.1 Lisboa medieval e moderna

Neste programa, que se desenvolve em cooperação com equipas do IPPAR (MC) e do


Museu da Cidade (CML), são estudados os depósitos organo-genéticos da Lisboa Antiga. Pre-
tende-se uma caracterização ecológica e paisagística do espaço suburbano de Lisboa Antiga,
e contribuir para a arqueologia dietária da sua população.

Projectos incluídos:

TABELA 4-4
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Sé de Lisboa Clementino Estudo polínico e paleoecológico IPA-CIPA Material para ser


Amaro do depósito romano a medieval amostrado
do esgoto da Sé
Estação arqueológica Clementino Estudo polínico e paleoecológico IPA-PNTA Em realização
da Praça D. Pedro IV Amaro e Ana do depósito de uma fossa de despejo
(Rossio), Lisboa Vale islâmica
Estação arqueológica Jacinta Estudo carpológico do depósito IPA-PNTA Concluído
da Rua dos Correeiros, Bugalhão conservado numa estrutura (II.8)
Lisboa de armazenamento islâmica
Praça do Município, Manuela Leitão Estudo polínico e paleoecológico de CML Concluído
Lisboa – fase 1 e João Muralha uma primeira sequência dos depósitos (II.9)
argilo-turfosos
Praça do Município, Manuela Leitão Estudo polínico e carpológico de uma CML Em espera -material
Lisboa – fase 2 e João Muralha segunda sequência dos depósitos em depósito no Museu
argilo-turfosos da Cidade
Palácio Fronteira, Fernando Projecta-se o estudo polínico do depósito Material amostrado,
Lisboa Marcarenhas lodoso conservado nas tanquetas do lago em depósito
e João Mateus grande do palácio.
Emissário submarino Victor Quintino Identificação de um conjunto de MLJB Concluído
da Guia, Cascais sementes recolhidas junto da saída
do emissário do esgoto

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141
Arqueobotânica nos vazadouros urbanos
(em meio húmido)
Depósitos argilo-turfosos do sítio da Praça do Município
(Van Leeuwaarden, Queiroz, Mateus, Pimenta e Ruas, 1999, Trabalhos do CIPA, 2)

> O estudo arqueobotânico realizado sobre o depósito argilo-turfoso


da estação arqueológica da Praça do Município – século XVI (escava-
ção de João Muralha e Manuela Leitão), contempla apenas uma parte super-
ficial do bloco (cerca de 5% do volume da amostra) mas revelou-se
invulgarmente rico. Refere-se por um lado a dejectos domésticos
(restos de cozinha ou conteúdos fecais) lançados nos valados, cum-
prindo a sua vocação de esgotos públicos a céu aberto, ou ao longo da
muralha. Um segundo componente refere-se aos restos da vegetação
da própria ribeira, parte destes carreados pelas cheias a partir de
Caroço de cereja (Prunus avium).
áreas a montante. Finalmente um terceiro componente dirá respeito FOTO: J.P.RUAS
à vegetação palustre do próprio local.
Os vestígios da vegetação ruderal, típica dos habitats fortemente
humanizados com solos remobilizados e azotados, ou da vegetação
daninha têm uma representação constante denotando a presença dos
quintais, bordas dos caminhos, e azinhagas sub-urbanas, imagens de
uma zona de cidade ainda algo marginal ao centro da urbe. Os con-
juntos das sementes “comestíveis” não parecem variar muito ao longo
do perfil e poderão representar uma parte importante da dieta ali-
mentar dos habitantes deste sector da cidade e da “bacia de captação”
mais a montante. O figo surge em primeiro lugar em número de
sementes, seguido da uva (desproporção porventura mais aparente do
que real dada a maior densidade de sementes no figo). A cereja e o pês-
sego, mais raros, têm uma presença mais confinada. A presença cons-
tante das camarinhas — um arbusto das dunas, aqui ecologicamente
desfasado — indica o seu importante papel no consumo. Quanto às
amoras poderão ter origem quer directamente nos silvados da margem
da ribeira quer no consumo humano.
<

Exemplo dos resultados


polínicos e carpológicos de duas
amostras do depósito argilo-
-turfoso. DESENHOS: P.F.QUEIROZ

< Depósito argilo-turfoso da


estação arqueológica da Praça
do Município. FOTOS: J.P.RUAS

FIG. 4-24 – Estudos de arqueobotânica do depósito argilo-turfoso do sítio arqueológico da Praça do Município, Lisboa.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

142
2.2 Açudes e barragens

Estudos polínicos e macropaleobotânicos dos depósitos conservados em antigas barra-


gens e açudes de rega. Procura-se descrever a evolução da sua envolvente agrícola e eco-terri-
torial e compreender o impacte ecológico destas estruturas de manuseamento dos recursos
hídricos.

Projectos incluídos:

TABELA 4-5
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Barragem romano- Salete da Ponte Estudo polínico da sequência de depósitos IPA-PNTA Relatório em conclusão
medieval silto-argilosos conservados a montante
de Chocapalhas/Tomar da barragem

2. 3 Cisternas, poços e aquedutos urbanos

Neste programa inclui-se o estudo paleoecológico dos depósitos límnicos acumulados nos
poços, cisternas, aquedutos, lagos e tanques artificiais dos povoados, urbes, e grandes monu-
mentos (fora de Lisboa). Procura-se obter informação sobre a história e evolução da paisagem
(sub)urbana e a organização do uso-da-terra nestes “territórios de dentro”.
A boa preservação do pólen em ambiente límnico (depositado sob água permanente)
potencia aqui uma perspectiva imagética que se procura revelar.

Projectos incluídos:

TABELA 4-6
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Aqueduto Romano Virgílio Correia Dada a matriz areno-siltosa do sedimento IPA-PNTA Concluído (II.37)
de Conímbriga e Pilar Reis não foi viável a realização do estudo
polínico projectado
Paços do Concelho, Guilherme Estudo polínico e carpológico de duas CMTV Concluído
Torres Vedras – poço Cardoso e Isabel amostras do lodo conservado no poço (II.34)
Luna (séculos XIV/XV e XVIII)

2.4 Esgotos, latrinas e vazadouros domésticos

Para além dos contextos de Lisboa Antiga, que se individualizaram no programa 2.1,
outras urbes portuguesas serão aqui futuramente centro das atenções.

2.5 Madeiras de construção

No âmbito deste programa são estudados os materiais lenhosos (sobretudo os conserva-


dos em ambiente de solo húmido ou alagado), enquanto recursos para a construção. Inclui,
em cooperação com o CNANS (IPA), o estudo das madeiras usadas na construção naval, em
estruturas artesanais e industriais, em edifícios e outras estruturas de habitação.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

143
Arqueobotânica nas barragens
Barragem Romana de Chocapalhas
(Queiroz, Mateus, Danielsen e Mendes, 2003, Trabalhos do CIPA, sn)

> O estudo polínico dos depósitos silto-argi-


losos conservados a montante da barragem
romana de Chocapalhas (Carril/Tomar) (esca-
vação de Salete da Ponte) evidenciou uma paisa-
gem regional muito diferente da de hoje em
dia.
Embora ainda por datar, o território ilus-
trado pelos resultados polínicos caracterizava-
-se por:
a) presença maioritária dos urzais, matos Antes da escavação. FOTO: S. PONTE
rasteiros e charnecas, reflectindo uma paisa-
gem fortemente intervencionada pelo homem;
b) ausência de floresta – valores mínimos
de pólen de pinheiro; valores reduzidos de
tipos polínicos relacionados quer com a flo-
resta ribeirinha, quer com a mata macrocli-
mácica;
c) áreas de cultivo extensas e/ou próximas
da ribeira – onde é particularmente significa-
tiva a presença de olivais e vinhas.
Após a escavação. FOTO: J. E. MATEUS

Parte do perfil silto-argiloso. Diagrama polínico sumário do perfil da barragem de Chocapalhas. Os tipos polínicos
FOTO: J.P.RUAS identificados foram agrupados em curvas referentes às principais formações vegetais
reconhecidas. Duas diferentes fases no desenvolvimento eco-territorial da região são
patentes no diagrama, porventura de Época Romana e Medieval. DESENHO: P.F.QUEIROZ

– Análise polínica do depósito sedimentar silto-argiloso conservado a montante da barragem romano-medieval de


FIG. 4-25
Chocapalhas, Tomar.

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144
Arqueobotânica nos poços
Poço dos Paços do Concelho, Torres Vedras
(Queiroz, Mateus, Mendes e Van Leeuwaarden, 2002, Trabalhos do CIPA, 38)

> O importante potencial arqueobotânico dos depósitos lodosos Semente de


conservados em poços está bem ilustrado pelo estudo realizado papoila (Papaver
sobre amostras do poço dos Paços do Concelho em Torres Vedras rhoeas) (barra =
0,5 mm)
(escavação de Guilherme Cardoso e Isabel Luna).
A grande concentração de estruturas orgânicas conservadas
(milhares de grãos de pólen por grama de sedimento; centenas de
sementes) permitiu uma reconstituição do espaço eco-territorial de
Torres Vedras em dois diferentes momentos da sua história.
As diferentes entidades de paleovegetação reconhecidas, rela-
cionadas com diferentes habitats e zonas eco-territoriais, eviden-
ciaram num primeiro momento (séculos XIV/XV) uma Torres
Vedras e sua envolvente imediata muito ruralizada, com uma pre-
sença forte de espaços rurais, quintas, hortas, e zonas de pastagem,
e posteriormente (séculos XVIII), um território onde é dominante
o espaço urbano.

Sementes
encontradas no
depósito do poço
de Torres Vedras
(barras = 1 mm).
FOTOS: P.F.QUEIROZ

quenopódio malva (Malva beldroega urtiga verbena salsa


(Chenopodium sylvestris) (Portulaca (Urtica (Verbena (Petroselinum
album) oleracea) dioica) officinalis) sativum)

– Estudo arqueobotânico de amostras do depósito sedimentar conservado no poço dos Paços do Concelho de Torres
FIG. 4-26
Vedras.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

145
Projectos incluídos:

TABELA 4-7
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Armadilha de pesca Francisco Alves Identificação dos postes de madeira IPA-CIPA Concluído (II.14)
romana de Silvalde, da estrutura de pesca romana
Espinho
Estaleiro da Ribeira Francisco Alves Identificação de fragmentos de diferentes IPA-CIPA Concluído (II.32)
das Naus, Praça madeiras
do Município, Lisboa
Madeiras na construção Francisco Alves Identificação de fragmentos das madeiras IPA-CIPA Projecto em aberto
naval usadas na estrutura de embarcações (II.2; II.3; II.5; II.6;
II.11; II.7; II.13; II.33)

Linha 3 – Palinologia de Argilas Arqueológicas

A Palinologia de solos arqueológicos secos

Paradoxalmente, o maior problema da palinologia de solos “secos” é que há sempre pólen!


Mesmo em quantidades ínfimas, com os métodos de hiperconcentração desenvolvidos pela escola
francesa da “palinologia arqueológica”, é sempre possível obter uma concentração polínica. O pro-
blema é saber que pólen estamos a observar — contaminação moderna?; pólen mais antigo que
o depósito, herdado da matriz sedimentar?; pólen contemporâneo da deposição do sedimento? —
tudo é concentrado, misturado, e ali está, na lâmina de microscópio, à espera de ser observado.
Quando em presença de espectros polínicos muito oxidados, como é frequente em sedi-
mentos arqueológicos arejados, de matriz silto-arenosa seca, torna-se muitas vezes óbvia a ero-
são dos grãos de pólen, quer observada directamente na superfície dos grãos, quer inferida pela
exclusiva ocorrência de pólen muito resistente e ausência de pólen frágil.
Qual o significado paleoecológico da “meia-dúzia” de grãos aí identificados e contados?
Mesmo assumindo que são todos contemporâneos da deposição (o que não há maneira de pro-
var), que percentagem representam relativamente ao espectro polínico original? Qual a sua
relação com a paisagem coeva dos horizontes arqueológicos?
Das experiências já realizadas sobre contextos deste tipo, somos obrigados a concluir que,
em condições de oxidação, os resultados polínicos não são fiáveis. É sobretudo importante pen-
sar na capacidade imagética da palinologia, que nos fala simultaneamente da presença e da
ausência de protagonistas vegetais na paisagem, capacidade que se perde quando há destrui-
ção diferencial do pólen. Olhar um conjunto polínico profundamente distorcido de pouco vale.
Há, no entanto, de ser positivo e continuar a ensaiar a análise polínica em sedimentos
mais finos e menos porosos com vista a permitir resultados mais interessantes.

Programas
3.1 Programas de palinologia arqueológica em sedimentos argilosos

Procura-se estudar depósitos de estações arqueológicas que apresentem condições aceitá-


veis de preservação do material polínico (vide Fig. 4-27). A avaliação do grau de preservação é feita
quer estimando a concentração polínica da amostra (em número de grãos de pólen por grama),

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

146
que não deverá ser demasiado reduzida, quer pela quantificação relativa de classes de pólen com
diferentes graus de susceptibilidade à oxidação (vide Fig. 4-37). Passando este teste ficamos no
entanto com problemas complicados no que se refere à interpretação. Questões relacionadas com
a proveniência e representatividade em termos espaciais do material polínico (como por exem-
plo, podermos estar em presença de uma distorcida sobre-representação de pólen com origem
muito localizada, próxima do ponto de amostragem), terão de ser despistadas sobretudo através
de séries de amostras, e equacionadas caso a caso na interpretação dos resultados.

Projectos incluídos:

TABELA 4-8
Projecto Descrição Financiamento Situação (Referências)

Gruta da Avecasta, Ferreira do Zêzere Análise polínica da sequência estratigráfica IPA-CIPA; FCT Em realização
amostrada no corte da escavação (IV.4; I.51)
e na sondagem mecânica

3.2 Palinologia arqueológica em “solos secos, arejados”

Embora prevendo uma fraca fiabilidade, dadas as limitações referidas associadas a este tipo
de depósitos oxidados, foram realizadas algumas tentativas de obtenção de concentrações polí-
nicas em sítios arqueológicos de solos areno-siltosos e secos. Utilizam-se métodos laboratori-
ais de “hiper-concentração”, desenvolvidos para “sedimentos pobres em material polínico”. Estes
métodos implicam a utilização de amostras grandes (até dezenas de gramas) e o recurso à sepa-
ração dos grãos de pólen (da fracção silte e areia) por flutuação em líquidos densos.
As concentrações obtidas nos ensaios realizados mostram espectros polínicos altamente oxi-
dados, com concentrações totais baixas e elencos específicos pouco variados e reduzidos a tipos
polínicos com altos teores em esporopolenina e consequentemente muito resistentes à oxidação.
A relação destes espectros com a vegetação envolvente do período em que se depositou
o sedimento analisado torna-se indeterminada.
A lista de projectos que se segue refere maioritariamente depósitos arqueológicos onde
se realizaram ensaios laboratoriais de concentração polínica, mas onde a análise polínica não
foi continuada, perante os precários resultados preliminares obtidos.

Projectos incluídos:

TABELA 4-9
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Abrigo do Lagar Velho, João Zilhão Análise polínica dos depósitos siltosos IPA-CIPA Concluído
Lapedo, Leiria –sepultura e Cidália Duarte da sequência sob a sepultura gravettense (II.36)
Estação neolítica de Teresa Simões Análise polínica dos depósitos IPA-PNTA Concluído (II.24)
S.Pedro de Canaferrim, conservados num dos silos neolíticos
Sintra
Estação arqueológica Francisco Nocete Análise polínica dos sedimentos arenosos Concluído
"La Junta", Espanha e David Calado da estratigrafia arqueológica
Herdade da Sapatoa, Rui Mataloto Análise polínica dos sedimentos silto- IPA-PNTA Relatório em conclusão
Redondo; Évora argilosos do conteúdo de recipientes
(Idade do Ferro)
Quinta romana de Pedro Carvalho Análise polínica dos sedimentos silto- IPA-PNTA Concluído (II.38)
Terlamonte, Covilhã argilosos da fossa identificada na
sondagem2

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147
Palinologia das argilas arqueológicas
Gruta da Avecasta
(Mateus, Queiroz e Pimenta 1997)

> Em jazidas arqueológicas de preenchimento sedimentar argiloso,


muito fino, preferencialmente em ambiente muito húmido, como
é o caso da Gruta da Avecasta, ocorrem condições excepcionais de
preservação do material polínico. Aqui, ao contrário do que acontece
em sedimentos silto-arenosos “secos”, mais frequentes em jazidas
de ar livre, a análise polínica permite reconhecer, ainda que parcial-
mente, a paleovegetação dos territórios antigos.
A análise polínica da Gruta da Avecasta revelou um eco-territó-
rio muito humanizado durante o Calcolítico e Idade do Bronze, onde
o carvalhal foi extensivamente substituído por uma paisagem aberta
de charnecas, campos de cultura e espaços ruderalizados. Períodos
de abandono, para além de serem marcados pela redução da acu-
mulação de argilas, elas próprias com origem na grande erosão dos
solos antropologicamente induzida, reflectem uma paisagem mar-
cada pela regeneração do carvalhal e dos matagais na região.

Perfil estratigráfico
da sondagem da Gruta da
Avecasta. DESENHO:
J.E.MATEUS

Concentração polínica
de uma amostra.
MICROFOTOGRAFIA MO:
P.F.QUEIROZ.

AVECASTA
camada
12

Espectro polínico de uma


das amostras de argila
do preenchimento
estratigráfico da Gruta
da Avecasta. DESENHO:
P.F.QUEIROZ

– Análise polínica dos níveis arqueológicos de matriz sedimentar argilosa e húmida do perfil estratigráfico da Gruta da
FIG. 4-27
Avecasta, Ferreira do Zêzere.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

148
Linha 4 – Antracologia Arqueológica

O resto é carvão...

Numa ecologia optimizada tudo o que morre é reciclado em nova vida, o que sucede em
meios oxigenados onde proliferam ricas associações de micro e macro-organismos devora-
dores. Nestes meios, só a transformação das estruturas vegetais em carbono puro, indigestí-
vel, pela combustão incompleta, nas lareiras, fornos, e incêndios, assegura a sua longevidade.

Aspectos de tafonomia

Nas estratigrafias arqueológicas é frequente a ocorrência de material vegetal carboni-


zado em diferentes situações: a) em sistemas de armazenamento (sementes carbonizadas
em silos ou vasos); b) em lareiras, fornalhas, outras estruturas de combustão, ou em esva-
ziamentos provenientes destas; c) em concentrações associadas a horizontes de derrubes de
muros e coberturas; ou ainda d) de uma forma mais ou menos dispersa pela camada
arqueológica e área escavada.
Se nas três primeiras situações a associação directa dos carvões às estruturas arqueo-
lógicas indicia as actividades domésticas (armazenamento de alimentos, lenha,...), ou o seu
uso como material de construção, no último caso será necessário um conhecimento mais
detalhado da tafonomia do sítio e do registo antracológico que permita o conhecimento de
processos específicos da sua incorporação nos sedimentos arqueológicos. Quais os pro-
cessos de transporte, deposição, sedimentação e redeposição destes fitoclastos. Estaremos
perante uma situação de palimpsesto? Serão estes carvões verdadeiramente sincrónicos dos
horizontes de ocupação identificados, ou pelo contrário haverá materiais carbonizados
mais antigos herdados dos sedimentos matriciais incorporados na estratigrafia arqueoló-
gica? Provirão todos das actividades domésticas ou da combustão das estruturas do povoa-
do? Ou terão antes origem em incêndios naturais ou induzidos do coberto vegetal em redor
dos locais? Funcionarão estes sítios também como locais de captação e fossilização do
registo tanatocenótico natural da envolvente, ao longo dos séculos, mesmo em período de
abandono? Existirão situações localizadas de contaminação com conjuntos mais recentes?
Eis um conjunto de questões que convém ter sempre presente na contextualização deste tipo
de registo.
Há também que referir o carácter selectivo dos conjuntos. Estes constituem, relativamente
à vegetação envolvente, uma amostragem da flora lenhosa parcial e previamente seleccionada (e
neste sentido antropicamente deturpada), com determinado fim (lenha, construção, fabrico de
utensílios). A sua relação com a paisagem envolvente existe, mas não é directa. Os conjuntos
lenhosos carbonizados são assim essencialmente artefactuais e a sua interpretação é por exce-
lência arqueológica, e será relativamente pobre do ponto de vista paleoecológico, reduzindo-
-se, nesta perspectiva, à constatação da presença no coberto vegetal regional das espécies
identificadas. Inferências para a reconstrução das paisagens antigas baseadas quer na ausên-
cia de espécies, quer no manuseamento estatístico dos valores quantitativos das ocorrências
das diferentes espécies perdem aqui todo o sentido.
Constitui-se assim uma via para o enunciar dos recursos lenhosos utilizados pelas comu-
nidades antigas, cujo significado cultural imbuído na selecção só se tornará completo quando
confrontado com o reconhecimento (independente) da composição do coberto florestal das
regiões consideradas, que nos é acessível sobretudo através das linhas de acção referidas ante-
riormente.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

149
Programas
4.1 – Conjuntos carpológicos carbonizados em silos e em recipientes domésticos

Neste programa procuramos informação sobre a evolução dos recursos vegetais alimen-
tares das populações humanas e das suas faunas estabuladas, com base no estudo dos restos
dos alimentos armazenados, que se conservaram até hoje por carbonização, muitas vezes invo-
luntária. O conhecimento da natureza económica e ecológica do espaço rural envolvente dos
povoados antigos e das técnicas de exploração agrícola aí utilizadas é o objectivo. Incluem-se
aqui os conjuntos de sementes encontrados em recipientes domésticos, silos e outras estru-
turas de contentorização, para além de outros agregados carpológicos carbonizados, bem
individualizados, cujo contexto estratigráfico e estrutural seja revelador de sincronia e de
uma origem espacial comum (vide Fig. 4-28 e 4-29). Incluem-se ainda neste programa o
estudo de conjuntos de distribuição mais dispersa conservados na matriz de preenchimento
de silos.

Projectos incluídos:

TABELA 4-10
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Gruta da Avecasta, Identificação de um conjunto IPA-CIPA Concluído (IV.8)


Ferreira do Zêzere de sementes carbonizadas datadas
da Idade do Bronze Inicial
Alcáçova de Santarém Ana Margarida Estudo dos conjuntos de sementes IPA-PNTA Em realização (II.18)
Arruda carbonizadas conservadas em silos
e recipientes domésticos (Idade do Ferro,
Romano e Medieval)
Castelo de Mértola Campo Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Concluído (II.25)
Arqueológico (madeiras, frutos e sementes) de uma
de Mértola fossa de saneamento de uma habitação
(séc. XII)
Convento de Maria Ramalho Estudo carpológico de um conjunto IPPAR Concluído (II.22; II.23)
S. Francisco, Santarém e Carla Lopes de amostras do depósito de um silo
– silo 3 islâmico
Convento Maria Ramalho Estudo carpológico de um conjunto IPA-CIPA Material em depósito
de S. Francisco, e Carla Lopes de amostras do depósito de um silo
Santarém – silo 2 islâmico
Paços do Concelho, Guilherme Estudo antracológico dos restos CMTV Em conclusão
Torres Vedras – silo Cardoso e Isabel carbonizados presentes no silo islâmico
Luna
Penedo dos Mouros, Catarina Tente Estudo dos conjuntos de sementes IPA-PNTA Relatório em conclusão
Gouveia medievais (II.21)

4.2 Fontes de energia de origem vegetal nas sociedades de caçadores-recolectores

Procura-se obter informação arqueobotânica sobre a utilização dos recursos vegetais


pelas sociedades de caçadores-recolectores, particularmente a sua utilização como fonte de
combustível, e, indirectamente, dados para a reconstituição do coberto vegetal antigo. Refira-
-se no entanto as limitações dos conjuntos antracológicos na reconstituição paleoambiental
dado corresponderem a conjuntos selectivamente adquiridos, incorporando distorção cultu-
ral (qualitativa e quantitativa) face à vegetação envolvente.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

150
Arqueobotânica nos recipientes domésticos
Alcáçova de Santarém
(Queiroz e Van Leeuwaarden, 2001, Trabalhos do CIPA, 11)

> O estudo do conteúdo de dois vasos da Idade


do Ferro (século VI a.C.) provenientes da esca-
vação arqueológica da Alcáçova de Santarém
(escavação de Ana Arruda) permitiu identificar os
cereais armazenados, que nos falam da agricul-
tura e da alimentação desta população.
Associados a um dos vasos foram recolhidos
fragmentos de material lenhoso carbonizado que
se revelaram como uma placa de cortiça, presu-
mivelmente servindo de tampa ao recipiente. trigo (Triticum compactum)
A grande maioria das sementes encontradas
consiste em grãos de trigo, ocorrendo também
cevada (nua e vestida) e mais raramente centeio.
Para além dos grãos de cereais, foram ainda
encontradas sementes de ervilha, corriola, pilri-
teiro e um fragmento de silíqua de saramago.
A ervilha deverá certamente fazer parte da
alimentação de então. As ervilhas, contraria-
mente às actuais ervilhas verdes que assim hoje
se consomem, seriam secas, armazenadas e uti-
lizadas tal como o feijão, grão, lentilha.
Também a corriola e o saramago, ambas cevada (Hordeum vulgare)
plantas comestíveis da flora natural, poderiam
ter sido deliberadamente incluídas na dieta ali-
mentar, embora a sua presença possa resultar
do facto de, enquanto plantas ruderais, se terem
involuntariamente misturado com os cereais no
momento da colheita.
A semente de pilriteiro, um arbusto da famí-
lia das rosáceas, muito frequente nos matagais
naturais da região, poderá indicar a recolecção
voluntária dos frutos comestíveis desta planta.

centeio (Secale cereale)

pilriteiro (Crataegus ervilha (Pisum sativum) saramago (Raphanus raphanistrum) corriola (Polygonum
monogyna) aviculare)

Frutos e sementes carbonizadas encontradas em dois vasos da Idade do Ferro da Alcáçova de Santarém.
FOTOS: J.P.RUAS E P.F.QUEIROZ

– Exemplo de um estudo arqueobotânico do conteúdo de recipientes domésticos: Os conjuntos carpológicos carbonizados


FIG. 4-28
conservados em dois vasos da Idade do Ferro da Alcáçova de Santarém.

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151
Arqueobotânica nos silos
Convento de S. Francisco de Santarém
(Queiroz, 2001, Trabalhos do CIPA, 17)

> O estudo dos restos vegetais conservados no preenchimento do


silo islâmico do convento de S. Francisco de Santarém (escavação de
Maria Ramalho e Carla Lopes) permitiu o reconhecimento de um conjunto
de entidades de paleovegetação relacionadas com os diferentes habitats
que circundavam o sítio.
Para além da presença de cereais e outras plantas cultivadas, asso-
ciadas à alimentação da população, encontraram-se plantas aromáticas
e medicinais, forragens, e espécies vegetais bravias relacionadas com
zonas de cultivo, bordas de caminhos e espaços ruderalizados, margens
de valas, charnecas e matos semi-naturais.
Os elencos florísticos identificados testemunham assim um con-
junto diversificado de habitats que permite uma caracterização do
espaço eco-territorial da Santarém islâmica.

Silo 3 Contexto estratigráfico – 311

trigo (Triticum compactum)

figo (Ficus carica)


Eleocharis multicaulis

borragem (Borago officinalis)

papoila (Papaver)

urze branca (Erica arborea)

rosmaninho
(Lavandula)

Sementes e folhas encontradas no silo do convento de S. Francisco. FOTOS: P.F.QUEIROZ

FIG. 4-29 – Estudo arqueobotânico de um silo islâmico do Convento de São Francisco de Santarém.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

152
São objecto de investigação preferencial os restos vegetais carbonizados conservados
em lareiras e estruturas de combustão de sincronia óbvia com o espólio arqueológico dos
sítios (vide Fig. 4-30). Considera-se ainda o estudo de conjuntos de carvões dispersos em
estratigrafias arqueológicas, embora, neste caso, o seu potencial informativo seja menos
valorizado.

Projectos incluídos:

TABELA 4-11
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Abrigo do Lagar Velho, João Zilhão Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-CIPA Em realização
Lapedo, Leiria e Francisco recolhidos na sepultura, nas lareiras (II.35; II.36)
Almeida gravettenses, e nos níveis solutrenses
e proto-solutrenses do "testemunho
pendurado"
Concheiro de S. Julião, Ana Catarina Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Concluído (II.31)
Mafra Sousa e Marta recolhidos numa lareira epipaleolítica
Miranda
Sítio arqueológico Gertrudes Estudo dos carvões das estruturas IPA-PNTA Concluído (II.12; II.40)
da Ponta da Vigia, Zambujo de combustão mesolíticas
Torres Vedras e Sandra
Lourenço

4.3 Utilização das madeiras nas sociedades rurais pré-históricas

No âmbito deste programa pretende-se investigar, através do estudo dos carvões reco-
lhidos nas estações arqueológicas, o uso de materiais lenhosos como fonte de combustível,
como material de construção de estruturas artesanais, de habitações, ou como matéria-prima
na produção de artefactos, por parte das sociedades rurais arcaicas
Procura-se também informação sobre o coberto vegetal na envolvente dos sítios, embora
não esquecendo o carácter parcial da representação dos espectros antracológicos face ao
coberto vegetal, conforme referido. A presença nos conjuntos é sempre reveladora, mas a
ausência de pouco nos serve já que não é verdadeiramente esclarecedora da não-existência das
espécies na região, a menos que se recorra a um número muito grande e verdadeiramente
diversificado, em termos de contexto funcional, espacial e ecológico, de amostras.
Mais uma vez considera-se crucial o estudo tafonómico do registo arqueobotânico, na sua
articulação com as estruturas arqueológicas e estratigrafias identificadas.

Projectos incluídos:

TABELA 4-12
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Sítio neolítico Teresa Simões Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Concluído (II.24)
de S. Pedro recolhidos nas estruturas negativas
de Canaferrim neolíticas
Povoado neolítico Rui Boaventura Estudos dos carvões recolhidos IPA-PNTA Concluído (II.39)
de Moreiros 2, na escavação arqueológica (Neolítico)
Arronches, Alentejo
Sítios das Quebradas, António Estudos dos carvões recolhidos IPA-PNTA Concluído (II.27)
Quinta da Torrinha, Faustino na escavação dos 4 sítios arqueológicos
Tourão da Ramila de Carvalho (Neolítico e Calcolítico)
e Fumo, Vale do Côa
(cont.) >>

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

153
(cont.)

Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Povoado calcolítico Patrícia Jordão Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Relatório em realização
de S. Mamede, e Pedro Mendes recolhidos na escavação arqueológica
Bombarral
Sítio arqueológico António Carlos Estudos dos carvões recolhidos IPA-PNTA Concluído
da Malhada, Fornos Valera na escavação arqueológica (Calcolítico) (II.16)
de Algodres, Guarda
Sítio arqueológico António Carlos Estudos dos carvões recolhidos na IPA-PNTA Materiais ainda não
da Fraga da Pena, Valera escavação arqueológica (Calcolítico Final) disponíveis
Fornos de Algodres,
Guarda
Povoado fortificado Ana Catarina Estudos dos carvões recolhidos na IPA-PNTA Em realização
do Penedo do Lexim, Sousa e Marta escavação arqueológica (Neolítico Final
Mafra Miranda a Idade do Bronze)
Gruta da Avecasta, Estudos dos carvões recolhidos IPA-CIPA Material em depósito
Ferreira do Zêzere na sondagem arqueológica
Complexo megalítico Victor Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Concluído (II.19; II.29)
de Santa Margarida, Gonçalves recolhidos nas antas de S. Margarida
Reguengos
de Monsaraz

4.4 Utilização das madeiras nas sociedades proto-históricas e da Época Romana

Tal como no programa anterior procura-se um conhecimento da utilização dos recur-


sos vegetais, desta vez por parte das sociedades proto-históricas e romanas. Procura-se
ainda obter informação sobre a introdução de árvores exóticas e cultivares, o seu papel na
alimentação e no processamento de outros bens (fruta, azeite, cortiça, madeira...). Mantém-
-se ainda, como anteriormente, o interesse na reconstituição da paisagem vegetal dos ter-
ritórios em questão.

Projectos incluídos:

TABELA 4-13
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Necrópole de Vale Jorge Vilhena Estudo de restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Concluído (II.30)
Feixe, Odemira recolhidos numa cista da Idade do Bronze
Outeiro dos Castelos de João Senna Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Concluído (II.17)
Beijós, Carregal do Sal Martinez recolhidos no cinzeiro de uma fornalha
da Idade do Bronze Final
Quinta da Pedreira, Rio Paulo Félix Estudo dos carvões recolhidos IPA-PNTA Relatório em conclusão
de Moinhos, Abrantes na escavação arqueológica (Idade
do Bronze Final)
Lança do Almonda Identificação da madeira do cabo da lança IPA-CIPA Concluído (II.28)
da Idade do Ferro
Alcáçova de Santarém Ana Margarida Estudo dos carvões recolhidos na IPA-PNTA Em realização
Arruda escavação arqueológica (Idade do Ferro, (II.18)
Romano e Medieval)
Quinta romana de Pedro Carvalho Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Concluído (II.36)
Terlamonte, Covilhã recolhidos na estratigrafia arqueológica

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

154
Concheiro de S. Julião
Arqueobotânica
(Queiroz e Van Leeuwaarden, 2002, Trabalhos do CIPA, 33)

> O estudo dos conjuntos de madeiras carboni-


zadas recolhidos nas estruturas de combustão
identificadas no sítio epipaleolítico de S. Julião
(escavação de Ana Catarina Sousa e Marta Miranda)
permitiu, em primeiro lugar, identificar as prin-
cipais espécies lenhosas utilizadas como com-
bustível: pinheiro bravo, carrasco, medronheiro e pinheiro
zambujeiro. bravo

O elenco específico lenhoso identificado per-


mite, por outro lado, reconhecer a presença regio-
nal de árvores e arbustos relacionados com o
coberto vegetal de diferentes zonas ecológicas da
região carrasco
zambujeiro
a) pinhal bravo e pinhal silvestre (relictial)
sobre interflúvios;
medronheiro
b) mata mediterrânea com carvalho, azi-
nheira e zambujeiro nos sistemas de vertente; Percentagem dos fragmentos de madeira carbonizada
c) mata decídua com freixo e choupo nas bai- identificados em S. Julião C.
xas ripícolas DESENHO: P.F.QUEIROZ

Carvão de pinheiro
bravo, corte radial,
traqueídos com
pontuações areoladas
(aprox. X 200).
FOTO: P.F. QUEIROZ

FIG. 4-30 – Estudo antracológico do concheiro de S. Julião, Mafra.

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155
4.5 Utilização das madeiras nas sociedades medievais e modernas

Para além dos objectivos referidos no programa anterior, procura-se neste contexto his-
tórico-arqueológico contribuir para o conhecimento da utilização dos recursos lenhosos em
actividades artesanais e industriais.

Projectos incluídos:

TABELA 4-14
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Castelo de Silves Rosa Varela Estudos das madeiras carbonizadas IPA-PNTA Concluído (II.15)
Gomes de várias estruturas islâmicas
Penedo dos Mouros, Catarina Tente Estudos das madeiras carbonizadas dos IPA-PNTA Relatório em conclusão
Gouveia derrubes das estruturas medievais
São Pedro de Catarina Coelho Estudos dos carvões de várias estruturas IPA-PNTA Relatório em conclusão
Canaferrim, Castelo islâmicas
dos Mouros, Sintra
Povoado da Quinta Nuno Ribeiro Estudo dos restos carbonizados (madeiras, IPA-PNTA Em realização
da Torrinha, Góis frutos e sementes) recolhidos (Alta Idade
Média)
Soengas de Coimbrões, Manuela Estudo dos restos vegetais carbonizados IPA-PNTA Concluído (II.10; II.26)
Vila Nova de Gaia Ribeiro recolhidos nas soengas (sécs. XVIII a XX)

Linha 5 – Eco-Fisiografia dos Territórios Históricos de Hoje

Recensear e modelar as entidades eco-fisiográficas actuais, de natureza histórica e


permanente

Desenvolvem-se aqui trabalhos no âmbito da cartografia ecológica e da arqueologia espa-


cial, utilizando as técnicas integrativas dos SIG (sistemas de informação geográfica), a foto-
interpretação e o tratamento numérico de fotografias aéreas e imagens de satélite. Procura-se
apreender a paisagem histórica de forma quantitativa, equacionando um espaço não neutral
de estruturas fisiográficas, biológicas e económicas.
O território actual constitui simultaneamente o ponto de partida e de chegada. Serve por
um lado de referência actualista, funcionando heuristicamente os seus protagonistas e pro-
cessos de hoje como análogos modernos para os seus congéneres do passado. Por outro, é o
repositório de entidades e mecanismos ecológicos de carácter permanente, embora ainda
vivos e activos, e cujo metabolismo e viabilidade se reproduz inalterado ao longo dos séculos.
O registo arqueológico, embora enterrado, é um objecto do presente, e não uma memória ima-
terial esvaindo-se no éter. O poder constrangedor da eco-fisiografia do território que esteve
activo há dezenas de séculos quando se “cristalizou” o registo dos homens de então, ainda hoje
se mantém, ainda que parcialmente. Há assim que reconhecer no território de hoje os seus
elementos históricos, ainda “vivos”, quer sejam eles de natureza biológica, hidrológica, pedo-
lógica, ou geológica.

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156
Programas
5.1 Flora e vegetação

Dos estudos de geobotânica regional resulta o reconhecimento da flora e dos tipos de


vegetação presentes numa região, geralmente entendidos em relação a um esquema de zona-
ção ecológica que acompanha de perto a diversidade geomorfológica, climática, e da ocupação
humana do território. Por fim, partindo dos padrões de distribuição da vegetação ao longo dos
gradientes ecológicos, consideram-se os modelos dinâmicos de desenvolvimento da paisagem
vegetal, donde se destacam os modelos de sucessão ecológica que descrevem a sucessiva colo-
nização de um sítio por comunidades de maturidade e estabilidade crescente, tipicamente dos
prados pioneiros de plantas anuais às florestas. Utilizam-se os métodos tradicionais de inven-
tariação florístico-sociológica (relevé de vegetação), ao longo de gradientes eco-fisiográficos natu-
rais e de eco-transformação (transectos). Por fim recorre-se à análise numérica multivariada
(classificação hierárquica, análise factorial de correspondências, ordenação canónica) como
apoio à definição tipológica das unidades de vegetação, e à interpretação dos seus constrangi-
mentos e níveis de dependência ecológica, territorial e paisagística (vide Fig. 4-31).

Projectos incluídos:

TABELA 4-15
Projecto Descrição Financiamento Situação (Referências)

Vegetação dos sistemas Caracterização das unidades de vegetação Concluído (I.12)


dunares costeiros do litoral dos sistemas dunares
norte alentejano
Vegetação dos sistemas Caracterização das unidades de vegetação higrófila Concluído (I.44)
palustres do litoral norte dos pântanos e turfeiras
alentejano
Distribuição geográfica Contribuição com informação sobre espécies CE-DG XI; ICN Concluído (V.3)
e estatuto de ameaça ameaçadas dos sistemas palustres a este programa
das espécies da flora LIFE
a proteger

5.2 Modelos digitais de terreno (DEM)

A modelação geométrica tridimensional do território é hoje uma das técnicas infográfi-


cas mais promissoras para a descrição quantitativa da organização espacial das estruturas fisio-
gráficas, ecológicas, e de uso-da-terra presentes no território histórico de hoje, e do seu ante-
passado directo.
Os modelos digitais de terreno têm em geral duas expressões topológicas: uma de tipo
vector sob a forma de uma teia de pontos com informação altimétria, em geral associados em
redes de triângulos; uma de tipo raster, gerado por interpolação estatística a partir dos pontos
do vector, onde cada ponto (pixel) de informação representa um valor de altimetria estimado.
A produção destes modelos é realizada de duas formas alternativas: 1) através da vectorização
de curvas de nível (ou pontos cotados) em cartas ou cadastros topografados, ou 2) através de
técnicas de ortofotogrametria, a partir de pares de imagens estereoscópicas, onde se explora
numericamente a diferença de paralaxe patente nos pares de pontos das duas imagens. A reso-
lução obtida por este último processo depende da escala das fotos aéreas, da qualidade das ima-
gens, e do número de pontos de paralaxe gerados de forma iterativa. O uso de coberturas aéreo-

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

157
Eco-fisiografia do território
Flora, Vegetação, Unidades de Paisagem

> Na análise da vegetação e unidades de paisagem utilizam-se os métodos da análise


numérica multivariada. Os inventários florísticos (amostras da vegetação) são ordenados e
classificados numericamente (análise de correspondências, ordenação canónica, classifi-
cação hierárquica). Utilizam-se os programas DECORANA, CANOCO e TWINSPAN.

Esquema das unidades de vegetação ao longo de um transecto catenal esquemático (do topo da vertente ao fundo de vale). Indicam-se as
unidades de vegetação ocupando a sua zona ecológica específica e os tipos de solos predominantes. Em baixo, as siglas representam os
grupos polínicos (entidades de paleovegetação análogas) correspondentes. DESENHO: J.E.MATEUS

> Análise da vegetação palustre do litoral norte alentejano. Classificação


>

hierárquica (TWINSPAN) e ordenação por análise factorial de


correspondências (DECORANA). DESENHOS: P.F.QUEIROZ

FIG. 4-31 – Eco-fisiografia do território: Flora, vegetação e unidades de paisagem dos territórios actuais.

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158
fotográficas de baixa altitude proporciona a obtenção de DEMs de grande detalhe, compatíveis
com os objectivos de integração espacial de sítios arqueológicos, e dos ensaios de Paleoecolo-
gia Experimental (vide Fig. 4-32).
A partir da geometria pura dos DEMs são extraídos novos objectos cartográficos, novas
camadas de informação, inferindo novos parâmetros quantitativos de natureza eco-fisiográ-
fica (e.g. graus de declive, exposição, insolação e ensombramento potencial, redes virtuais de
drenagem, escoamento, e acumulação de águas). Estes objectos permitem ensaiar modelos
numéricos de integração paisagística das estruturas pedológicas, das comunidades vegetais e
das espécies botânicas, das unidades de uso-da-terra, das estruturas arqueológicas e ainda per-
mitir testar estatisticamente os dados da Paleoecologia Experimental.

Projectos incluídos:

TABELA 4-16
Projecto Descrição Financiamento Situação (Referências)

Modelo digital de terreno Modelo realizado com base nas curvas de nível Concluído
da Lagoa de Albufeira – da carta 1:25000
Plataforma de Fernão
Ferro
Modelo digital de terreno Modelo realizado com base nas curvas de nível IPA-CIPA Concluído (IV.7; IV.8)
do Cabeço da Avecasta – do cadastro
DEM 1
Modelo digital de terreno Modelo produzido por estereofotogrametria IPA-CIPA Concluído (IV.8)
do Cabeço da Avecasta – com base no voo ACEL 1990
DEM 2
Modelo digital do Modelo produzido por estereofotogrametria CE-DG XII; FCT Concluído (I.56; I.61)
transecto Torre – com base no voo USAF, 1958
Candeeira, Serra
da Estrela
Modelo digital do Planalto Modelo de alta resolução produzido por CE-DG XII; FCT Concluído (I.61)
das Salgadeiras, Serra da estereofotogrametria com base no voo de cor real
Estrela FA 1993

5.3 Unidades de paisagem e habitats

Procura-se mapear e integrar espacialmente as unidades de paisagem – as referidas


biogeocenoses – na sua expressão holística territorial, juntando substrato geológico, for-
mas de relevo, solos, vegetação, e padrões de utilização da terra. Utilizam-se técnicas da
foto-interpretação a partir de coberturas aéreas diversas – preto e branco, cor real, falsa cor,
ou ainda imagem de satélite. Seguem-se métodos subjectivos tradicionais, ou procedi-
mentos mais objectivos, recorrendo ao tratamento numérico das imagens. A obtenção de
índices numéricos calibrados pela detecção remota (ex. índices de vegetação standard
extraídos dos parâmetros cromáticos das imagens CIR (cor infra-vermelho) ou multi-
espectrais), a classificação automática das imagens, ou ainda a classificação semi-auto-
mática (onde se extrapola iterativamente à totalidade da imagem os padrões cromáticos de
diagnóstico, definidos a partir de amostras reconhecidas no terreno), constituem estraté-
gias analíticas complementares neste processo de classificação de entidades eco-fisiográ-
ficas da paisagem (vide Fig. 4-33).
Os diferentes objectos interpretativos (rasters de classificação) integram Sistemas de
Informação Geográfica (SIG) de natureza regional.

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159
Modelação 3D da paisagem e do território
O planalto das Salgadeiras, Serra da Estrela
(Mateus, Queiroz e Van Leeuwaarden, 2003)

> Procura-se produzir modelos digitais de elevação de terreno (DEM) à escala detalhada
(=<1m de resolução de terreno) com vista a permitir ensaiar modelos numéricos de integra-
ção ecológica das comunidades vegetais e das espécies.
A paisagem e o território histórico são assim apreendidos de forma quantitativa, equacio-
nando-se o espaço concreto (não neutral) de estruturas fisiográficas, biológicas e económicas,
historicamente condicionadas.

DEM do planalto das Salgadeiras. Charcos das Clarezas e Salgadeiras, vista virtual de Este para Oeste. Modelo digital de
elevação de terreno produzido por estereofotogrametria, vestido com a fotografia aérea de cor real, voo FA 1993.

DEM do planalto das Salgadeiras. Modelo de arame.


>

Vista virtual de Noroeste para Sudeste

< Planalto das Salgadeiras. Graus de ensombramento


simulados para dia 21 de Junho às 12h.30m. Parâmetro
extrapolado a partir do DEM.

FIG. 4-32 – Modelação 3D da paisagem e do território. O exemplo do planalto das Salgadeiras, Serra da Estrela.

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160
Eco-fisiografia do território
Cartografia dos habitats do planalto de Fernão Ferro
(Mateus, Queiroz e Repas, 1999)

> Com os estudos de geobotânica regional pretende-se o conhecimento


da flora e dos tipos de vegetação presentes numa região, e a sua relação
na zonação ecológica e eco-territorial regional.
Pretende-se mapear à escala detalhada as principais unidades fito-
fisionómicas. A cartografia produzida apoia-se nas técnicas dos SIG (sis-
temas de informação geográfica), da análise digital de imagens (fotografia
aérea), fotointerpretação e detecção remota.

Planalto das lagoas de Fernão Ferro, Sesimbra. Cartografia dos habitats realizada à escala 1:25000,
produzida no âmbito da implementação em Portugal da rede NATURA 2000. A imagem à esquerda
representa a imagem base – mosaico de fotografias aéreas de falsa cor (voo ACEL 1990), com
sobreposição de um vector com as curvas de nível (equidistância de 5 metros) e de outro vector
indicando as principais formas de relevo. A imagem da direita corresponde a um conjunto de
vectores sobrepostos referindo-se à cartografia dos habitats palustres e higrófilos. A cartografia foi
produzida por foto-interpretação apoiada em inventários florístico-sociológicos de campo, realizando-
-se a vectorização directa sobre a imagem-base dos polígonos de cada habitat existente no planalto.

– Cartografia das unidades de paisagem e habitats. O exemplo da cartografia dos habitats da região de Fernão Ferro
FIG. 4-33
(Sesimbra).

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161
Projectos incluídos:

TABELA 4-17
Projecto Descrição Financiamento Situação (Referências)

Turfeiras de Portugal Caracterização ecológica e florística dos sistemas Concluído


palustres portugueses (V.1; VI.3; I.19; I.23)
Rede NATURA 2000 – Contribuição para a proposta nacional de sítios CE-DG XI; ICN Concluído (V.2)
definição dos sítios de a integrar a rede comunitária
habitats de importância
comunitária
Cartografia dos Habitats Descrição e cartografia dos habitats de interesse CE-DG XI; ICN Concluído (V.4; V.5)
da plataforma de Fernão comunitário
Ferro, Sesimbra
Cartografia dos Habitats Descrição e cartografia dos habitats de interesse CE-DG XI; ICN Concluído (V.5)
da Lagoa de Albufeira, comunitário
Sesimbra
Cartografia dos Habitats Descrição e cartografia dos habitats de interesse CE-DG XI; ICN Concluído (V.5)
da Arriba e Medos comunitário
de Albufeira, Sesimbra
Cartografia da vegetação Descrição e cartografia da vegetação das CE-DG XI; ICN Concluído (I.44; V.5)
das Lagoas da Casa e do comunidades vegetais palustres das lagoas
Golfo, Fernão Ferro, e vegetação da envolvente imediata
Sesimbra
Cartografia da vegetação Cartografia realizada com base em três métodos CE-DG XII; FCT Em conclusão
e das unidades de diferentes: semi-automática, sintética (I.30; I.35; I.43; I.56;
paisagem do planalto e foto-interpretação assistida I.61)
das Salgadeiras, Serra
da Estrela

Linha 6 – Paleoecologia Experimental

Considerada numa perspectiva paleobotânica, a vegetação actual constitui o que hoje em


dia se generalizou chamar de “análogos actuais” – entidades susceptíveis de serem sujeitas a
experimentação, algo impossível de realizar com a paleovegetação.
A palinologia, dado que nos permite uma visão territorial alargada (vide linha de acção 1),
é uma das disciplinas da paleoecologia que melhor descreve o comportamento histórico de
comunidades vegetais em resposta às alterações ecológicas, induzidas pelo clima e pelo
homem. A ligação entre a produção polínica das comunidades vegetais e os seus requisitos eco-
lógicos é um aspecto central da reconstituição palinológica dos ambientes passados. A inter-
pretação paleoecológica estabelece-se na ligação entre as mudanças paleobióticas inferidas dos
padrões dinâmicos dos registos e os processos subjacentes a essa mudança. Para isso, é neces-
sário compreender os processos e padrões recentes, como análogos modernos dos antigos
padrões observados e respectivos processos subjacentes.
Como veremos, a realização de transectos polínicos de superfície, diagramas polínicos
que reflectem polinicamente as unidades actuais de vegetação ao longo de gradientes do
espaço (aqui utilizados como análogos modernos das entidades de paleovegetação) permite
“calibrar” e testar a correlação eco-estratigráfica das curvas polínicas dos diagramas (vide
Fig. 4-36). Do mesmo modo que nos diagramas fósseis, as curvas polínicas de superfície
(que retratam a produção e dispersão do pólen ao longo de um mosaico de vegetação actual)
serão sucessivamente (ou complementarmente) agrupadas em grupos topográficos (recor-
rentes), ecológicos, ou eco-topográficos. A definição de entidades de paleovegetação resultará

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

162
assim da integração (mais ou menos extensa) das três entidades operatórias – grupos políni-
cos eco-estratigráficos, grupos polínicos eco-topográficos, unidades de vegetação actual.
Os estudos polínicos actualistas procuram compreender e modelar os processos de pro-
dução, dispersão e deposição dos grãos de pólen (e de outras diásporas e fitoclastos) de uma dada
paisagem, formação vegetal ou população botânica. Embora alguns modelos generalistas da dis-
persão polínica tenham sido esboçados, este processo de calibração tem de ser escorado no par-
ticularismo do território concreto, daí o interesse em fazer convergir estudos actualistas e pale-
oecológicos numa dada região. Procura-se interpretar os sinais paleoecológicos em visões rea-
listas do paleo-território qualitativa e quantitativamente. Um bom ajustamento dos resultados
polínicos experimentais aos dados eco-fisiográficos observados (e quantificados através da
linha de acção 5) determina a qualidade da inferência para os ambientes passados a partir dos
modelos de calibração que através da análise numérica serão implementados.
O grande desafio é o de quantificar, mapear, e finalmente fazer reviver, as estruturas eco-
lógicas e funcionais dos antigos territórios, procurando minimizar a subjectividade na inter-
pretação.

Programas
6.1 Monitorização polínica actual: padrões quantificados de produção e dispersão
polínica

Com este programa de estudo procura-se investigar os padrões de produção e dispersão


polínica patenteados por diferentes espécies, populações e comunidades vegetais, de forma
quantificável.
São realizadas amostras da concentração polínica atmosférica (diárias, semanais) através
da instalação de captadores polínicos atmosféricos de tipo COUR (vide Fig. 4-34), ou amostras
da deposição polínica (anual) com a localização no solo de transectos de captadores polínicos
de tipo TAUBER (vide Fig. 4-35).
Os resultados quer do influxo polínico atmosférico diário ou semanal (expresso em
quantidade de pólen por cm3 de ar), quer da deposição anual (em quantidade de pólen por cm2
por ano), reflectem os padrões de produção e dispersão polínica das espécies vegetais actuais
e são correlacionados, através da análise numérica, com parâmetros de natureza fenológica,
eco-fisiológica, vegetacional, climática, meteorológica, etc.

Projectos incluídos:

TABELA 4-18
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Monitorização polínica Análise polínica atmosférica diária com Schering-Plough Concluído


diária em Lisboa um captador COUR em Lisboa durante Farma, Lda (VII.3; VII.6; VII.7)
o ano de 1997
Monitorização polínica Análise polínica atmosférica diária com Schering-Plough Concluído (VII.3)
diária no Barreiro um captador COUR no Barreiro durante Farma, Lda
os primeiros 6 meses de 1997
Mapas Polínicos SPAIC Análise polínica atmosférica semanal, Schering-Plough Concluído
de Portugal em 14 cidades portuguesas, entre Março Farma, Lda (VII.10; VII.12;
de 1999 e Março de 2000 VII.13; VII.14; VII.16)
Transecto de captadores Monitorização polínica anual ao longo CE-DG XII; FCT Concluído
polínicos TAUBER na de 25 captadores TAUBER, entre 1996 (I.30; I.35; I.56; I.61)
Serra da Estrela (Torre e 1999
– Vale da Candeeira)

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163
Aeropalinologia
> O captador polínico de tipo COUR é constituído por um suporte
para painéis quadrangulares de gaze com 20 cm de lado, montado
sobre um catavento, que constantemente orienta os painéis de
captação na direcção do vento. Para estimativas quantitativas da
concentração polínica atmosférica (número de grãos de pólen por
m3 de ar), funciona acoplado a um anemómetro totalizador, que
quantifica a coluna de ar que atravessa o filtro durante o período
de amostragem.
Captador polínico COUR instalado
Para compreender a natureza das “imagens polínicas” de hoje no terraço do Instituto Geofísico
— partilhada pelas suas congéneres do passado — desenvolvem-se do Infante D. Luís. FOTO: J.E.MATEUS
estudos de aereopalinologia que visam monitorizar dia a dia, ou
semana a semana, o pólen do ar e compreender os factores que condicionam a sua quantidade
e diversidade (clima, topografia, calendário fenológico das florações).
Os estudos de caracterização do conteúdo polínico da atmosfera têm vindo a ganhar impor-
tância em vários domínios da investigação científica, e em particular na Paleoecologia, onde a
elaboração de modelos actualistas se torna indispensável para a interpretação dos resultados da
palinologia “fóssil”. Permitem compreender os mecanismos e estratégias de produção e dis-
persão polínica, de diferentes espécies vegetais, e ainda o papel do clima e da topografia no con-
dicionamento destes processos.
Os grãos de pólen são uma das mais importantes fontes de alergias, sobretudo nas cidades,
quando se associam à agressão de outros factores de origem poluente. Os mapas detalhados do
conteúdo polínico atmosférico, sobretudo se realizados de uma forma diária, constituem um ele-
mento essencial do diagnóstico imuno-alergológico.
O conhecimento da sua estreita dependência de factores fenológicos, topográficos e climá-
ticos poderá permitir a construção de modelos de previsão da incidência palino-alergénica,
abrindo lugar à prevenção.
A análise numérica dos dados de concentração polínica diária atmosférica monitorizados em
Lisboa (ordenação canónica) pôs em evidência a relação directa dos factores meteorológicos na
fenologia das espécies vegetais.
Diferentes variáveis climáticas foram consideradas significativas na explicação da variância polí-
nica observada ao longo do ano — a temperatura revelou-se como um factor vital no despoletar da
ântese no desenvolvimento floral de muitas espécies; a sucessão de dias sem chuva corresponde a
um parâmetro climático
de muita importância
como factor modelador
da produção e sobretudo
da dispersão polínica;
o significado estatístico
da velocidade média do
vento atesta o papel
essencial do factor dis-
persor.
O significado esta-
tístico do valor explica-
tivo destas variáveis foi
testado através da téc-
Concentração polínica atmosférica em Lisboa entre Março 1999 e Março 2000. Curvas
nica de Permutação de
polínicas seleccionadas. DESENHO: P.F.QUEIROZ Monte Carlo.

FIG. 4-34 – Aeropalinologia. Estudos de monitorização polínica atmosférica.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

164
Monitorização polínica anual
Os transectos de captadores polínicos TAUBER

> Os captadores TAUBER são essen- Captador polínico TAUBER


cialmente contentores de plástico de instalado
na Serra da Estrela.
capacidade de cerca de 5 litros aos quais A deposição polínica anual
são colocadas tampas especiais padro- no topo da Serra foi
nizadas, com perfuração central circu- monitorizada durante
quatro anos, entre 1996 e
lar (de 3cm de Ø) e perfil cónico baixo, 1999, através da instalação
para excluir o escoamento directo de de um transecto de 25
água para dentro do captador. São captadores polínicos entre
a Torre e o Vale da
enterrados no solo com a tampa a poucos cm acima da superfície. O sistema Candieira.
TAUBER quantifica o influxo polínico anual espécie a espécie (ou antes tipo FOTO: J.E.MATEUS

polínico a tipo polínico) em número de grãos de pólen por cm2/ano. A análise


polínica do conteúdo dos captadores utiliza o método de quantificação pela adi- Parte do diagrama polínico
ção de esporos de exóticos em número conhecido (Fig. 4-16). A localização dos do transecto TAUBER
captadores obedece a critérios especiais que se prendem com a sua integração Torre – Candieira, Serra da
Estrela. Representam-se os
face às principais manchas de vegetação e formas geomórficas integrantes da valores de influxo polínico
paisagem em monitorização. Uma vez que os resultados obtidos são quantifi- (pólen . cm-2. ano-1), entre
cáveis em termos de influxo polínico (pólen depositado por unidade de área por os anos 1996 e 1999, dos
diferentes tipos polínicos
ano) procura-se o cruzamento dos resultados de influxo polínico com: a) as dife- identificados. A ordenação
renças no coberto vegetal ao longo de transectos, revelando eventualmente dife- das amostras corresponde,
rentes padrões fenológicos (produção polínica) eco-fisiograficamente induzi- ano a ano, à ordem
altimétrica dos pontos de
dos; b) o efeito nos padrões de deposição polínica das variações (micro)geo- localização dos captadores
morfológicas e (micro)climáticas ao longo dos transectos (diferenças de ventos, ao longo do transecto
exposição, relevo,...); e ainda com c) as séries meteorológicas obtidas para os (entre 1420 e 1895 m de
altitude). DESENHO: P.F.QUEIROZ
locais em monitorização.

FIG. 4-35 – Séries anuais de monitorização da deposição polínica. O programa dos transectos de captadores polínicos TAUBER.

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165
6.2 Transectos polínicos de superfície

Caracterizar o reflexo polínico das comunidades vegetais actuais é o objectivo pri-


mário deste programa de estudo.
A análise polínica de amostras de superfície (sobre pedaços de musgo, folhada, pelí-
cula superficial de solo ou lodo), recolhidas ao longo de transectos cobrindo a diversidade
do coberto vegetal em monitorização, permite reconhecer a representatividade qualitativa
e quantitativa da “aura” diaspórica das comunidades em causa, e os padrões de produção
e dispersão polínica das espécies botânicas que as integram (vide Fig. 4-36).
Obtêm-se desta forma, à semelhança do programa 6.1, “conjuntos de treino”, que
no fundo são matrizes — amostras x (valores polínicos + valores de parâmetros ecoló-
gicos) — que simultaneamente adscrevem a cada amostra do transecto valores de per-
centagem (ou concentração) polínica e parâmetros fisiográficos normalizados directa-
mente medidos no campo, ou extraídos dos DEMs da linha de acção 5 (e.g. profundidade
de água, pH do solo, tipo de substrato, grau de ensombramento, declive, áreas de cober-
tura vegetal, etc…). Estas matrizes de treino quando adicionadas às matrizes dos dia-
gramas paleo-polínicos permitem calibrar por ordenação canónica (ou outros métodos
de calibração multivariada) a interpretação ecológica das amostras “paleo”, ou seja per-
mitem estimar quantitativamente os parâmetros eco-fisiográficos destas mesmas amos-
tras fósseis.

Projectos incluídos:

TABELA 4-19
Projecto Descrição Financiamento Situação (Referências)

Serra da Arrábida Análise polínica de superfície de um conjunto Concluído (I.5)


de amostras ao longo de um transecto cobrindo
a diversidade de comunidades vegetais da Serra
Lagoa da Casa, Fernão Análise polínica de amostras de superfície ao longo CE-DG XII Concluído
Ferro, Sesimbra de um transecto desde a água profunda da lagoa até (I.23; I.27)
à vegetação mais seca da margem.
Plataforma de topo da Análise polínica de amostras de superfícies ao CE-DG XII; FCT Concluído parcialmente
Serra da Estrela – Lagoas longo de um transecto desde a água profunda (2 diagramas)
das Salgadeiras, Clarezas das lagoas até à vegetação mais seca das margens. (I.35; I.43; I.47; I.61)
e Peixão
Lagoas da Estremadura Análise polínica de pequenas sequências do lodo CE-DG XII Amostras em depósito
e Beira litoral – Saloio, superficial ao longo de transectos da zona de água (I.55)
Ervideira, Braços e Vela profunda à margem das lagoas

6.3 Estudos experimentais sobre preservação polínica

Procura-se conhecer experimentalmente a susceptibilidade (diferencial) dos diferen-


tes tipos de pólen face à deterioração físico-química e biológica, em especial face ao efeito
da oxidação, frequente em solos arqueológicos arejados.
A definição de tipos de resistência do pólen é fundamental na interpretação do grau
de conservação dos conjuntos polínicos antigos, sujeitos a processos pós-deposicionais de
diagénese (vide Fig. 4-37).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

166
Transectos polínicos de superfície
> Utilizam-se geralmente séries de amostras,
ao longo de sequências de tipos de vegetação –
transectos polínicos de superfície. As amostras
são os próprios musgos (com a sua grande
superfície interfoliar e micro-atmosfera sempre
húmida), ou ainda captadores de pólen artifi-
ciais. A afinidade de ocorrência e de tendência
“comportamental” dos valores percentuais de
cada tipo polínico ao longo do transecto define
só por si grupos polínicos recorrentes. Tais gru-
pos são correlacionáveis com os tipos de vege-
tação do mosaico em observação, correlação que Transecto esquemático da vegetação palustre actual
pode ser explorada (e objectivada) pela análise Lagoa da Casa, Fernão Ferro/Sesimbra. DESENHO: P.F.QUEIROZ
numérica. Estes grupos polínicos de superfície
constituem análogos modernos para compara-
ção com os grupos polínicos reconhecidos ao
longo das sequências de depósitos orgânicos,
constituindo assim a base da interpretação dos
diagramas polínicos.
A análise numérica e a modelação matemá-
tica são ferramentas robustas para a elaboração
dos modelos e para a simulação dos resultados.
Através da ordenação canónica, as amos-
tras polínicas de superfície são relacionadas
com um conjunto de variáveis de explicação da
sua variância (variáveis explicativas), corres-
pondendo quer a factores ecológicos e ambien-
tais (profundidade de água, dados meteoroló-
gicos), quer a factores vegetacionais (relação
FOTO AÉREA: VOO FLORESTAL, 1982 Mapa de vegetação
com as comunidades vegetais presentes).

As amostras de superfície
podem assim funcionar como
conjuntos de treino na explica-
ção dos conjuntos fósseis, con-
tribuindo objectivamente para a
reconstituição ecológica do pas-
sado.

<< Distribuição canónica do


conjunto de treino de amostras
de superfície do transecto e tipos
de vegetação coberta. DESENHO:
P.F.QUEIROZ

< Diagrama polínico de superfície da


Lagoa da Casa. Curvas seleccionadas.
DESENHO: P.F.QUEIROZ

– Transectos polínicos de superfície. O exemplo do diagrama polínico de superfície da Lagoa da Casa, Fernão Ferro,
FIG. 4-36
Sesimbra.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

167
Projectos incluídos:

TABELA 4-20
Projecto Descrição Situação (Referências)

Teste de oxidação em amostras Análise polínica de uma amostra subdividida sujeita Concluído (VIII.1)
de lodo turfoso da Lagoa Travessa a tratamentos químicos com oxidação crescente

6.4 Palinologia apícola: um exemplo do reflexo polínico de padrões de recolecção


e exploração de recursos vegetais

Com este programa, procura-se compreender os padrões de recolecção e exploração do


território por parte das colónias de abelhas, através dos reflexos polínicos conservados no
mel ou nas cargas de pólen recolhidas. O mel é um produto de grande valor energético que
resulta da exploração sustentável das paisagens (semi)naturais. A análise polínica do mel
permite conhecer a sua dependência florística e vegetacional (um aspecto importante para
a estratégia de produção) e a sua origem fitogeográfica. A análise polínica do mel é um dos
requisitos da certificação de qualidade e de origem do produto.
Para além do mel, a análise das pelotas de pólen das abelhas, recolhidas no seu saco
curbicular, através da amostragem diária ou semanal das colmeias, permite monitorizar ao
longo do ano a diversidade de estratégias e alvos de exploração dos recursos florísticos no
território. Trata-se de um expressivo modelo biológico para a própria actividade de reco-
lecção humana.
Note-se que este programa, no âmbito estrito da prestação de serviços de Palinologia,
embora lateral aos objectivos arqueológicos do Laboratório, resulta simplesmente do facto
deste laboratório ser ainda único no panorama nacional no que diz respeito à Análise Polí-
nica. Estes projectos são claramente benefícios para o IPA como fonte de receitas e de expe-
riência metodológica.

Projectos incluídos:

TABELA 4-21
Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Cargas polínicas EAS Monitorização polínica de uma colmeia Concluído (VII.1; VII.2)
de abelhas de uma ao longo do ano para definição
colmeia da escola dos padrões de recolecção
Agrária de Santarém
Caracterização polínica ADIRN Caracterização polínica de amostras Concluído
dos méis do Ribatejo de mel produzido na região
Norte
Caracterização do mel Caracterização polínica de amostras PAMAF Concluído (VII.4; VII.5;
das Serras da Estrela de mel produzido na região VII.8; VII.9; VII.11)
e Malcata
Cargas polínicas Monitorização diária ao longo do ano PAMAF Concluído
de abelhas do apiário da recolha polínica da colmeia (VII.11; VII.15)
da Loriga, Serra
da Estrela
Cargas polínicas de Monitorização diária ao longo do ano PAMAF Amostras em depósito
abelhas de um apiário da recolha polínica da colmeia (VII.11; VII.15)
na Serra da Malcata
Pólen e Mel – Aplicação multimédia sobre palinologia PAMAF Concluído
Multimédia apícola (VII.11; VII.15; VII.21)
(cont.) >>

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

168
Estudos experimentais sobre preservação do pólen
(Processos pós-deposicionais)

> Um aspecto da investigação experimental diz res-


peito aos processos pós-deposicionais a que estão sujei-
tos os fitoclastos quando as matrizes fossilíferas sofrem
a acção da diagénese.
São essencialmente os processos de oxidação, fre-
quentes quando os solos palustres sofrem arejamentos
com a secura parcial das baixas, que estão na origem de
uma menor preservação dos microfósseis, com destrui-
ção parcial e diferencial dos mesmos.
Os efeitos da oxidação mais ou menos acentuada
em amostras polínicas podem ser testados experimen-
talmente como os que se ilustram.
Os resultados permitem definir classes polínicas de
susceptibilidade variável à oxidação que poderão ser usa-
das na aferição do grau de preservação dos conjuntos
polínicos fósseis.

Resultado da análise polínica de oito porções de uma mesma amostra de limo orgânico homogeneizado da Idade do Ferro da Lagoa
Travessa. As 8 sub-amostras foram sujeitas a intensidades crescentes de oxidação com água oxigenada. Evidencia-se desta forma uma
susceptibilidade polínica diferencial aos efeitos da oxidação. Os tipos polínicos foram ordenados numericamente pela análise factorial
de correspondências dos “muito resistentes” aos “muito frágeis”. DESENHO: J.E.MATEUS.

– Estudos experimentais sobre preservação do pólen. Exemplo de um teste realizado em laboratório sobre o efeito da
FIG. 4-37
oxidação numa amostra de lodo orgânico fóssil.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

169
(cont.)

Projecto Colaboração com Descrição Financiamento Situação (Referências)

Caracterização do mel Caracterização polínica de amostras INGA Concluído


da Península de Setúbal de mel produzido na região (VII.17; VII.19)
Caracterização do mel Caracterização polínica de amostras INGA Concluído
da Serra d’Aire e de mel produzido na região (VII.18; VII.19)
Candieiros
Caracterização do mel Caracterização polínica de amostras DIN Concluído (VII.20)
da Beira Serra e Sicó de mel produzido na região

Linha 7 – Arqueologia Virtual

Modelação tridimensional dos espaços internos e externos do território humano

O registo arqueológico de hoje em dia privilegia uma descrição geométrica e espacial


quantitativa, abandonando progressivamente a verbosidade subjectiva de outrora, demasiado
segura do valor de diagnóstico de “caracteres” morfológicos pré-tipificados. Procura-se agora
testar objectivamente a inteligibilidade do “texto” arqueológico, sem circularidades viciadas,
não só nos utensílios em si mesmo mas sobretudo nas articulações espaciais evidentes ou laten-
tes, que assume a cultura material no seu partilhamento do espaço funcional e simbólico. Se
estes requisitos de “quantificação” têm sido assumidos pelas técnicas dos SIG, quando se equa-
ciona o macro-espaço (conforme se ilustrou na Linha 5), já ao nível do micro-espaço prevale-
cem as técnicas de CAD ou Vectorização 3D, com topologias claramente mais ajustadas a uma
volumetria integral, e não apenas ao tratamento de superfícies (DEMs).
A integração 3D permite pela primeira vez enquadrar numa mesma operação técnica a
cadeia de procedimentos que vai desde o registo base à restituição final — o poder acumula-
tivo, modular, e integrativo da apropriação numérica digital assim o permite. Ganha assim cada
vez mais sentido pensar-se em arquivos de modelos arqueológicos 3D, descritos por topolo-
gias intermutáveis, e que cubram objectos e estruturas.
A expressividade destes modelos é simultaneamente arqueográfica, (desempenhando
um papel essencial na leitura morfo-tipológica dos utensílios ou na leitura das articulações
complexas das estruturas e unidades estratigráficas verticais e horizontais dos sítios), museo-
gráfica virtual (restituindo a partir do vestigial o todo estático), ou mesmo histórico-cinemato-
gráfica virtual (revestindo os espaços com texturas, e introduzindo protagonistas dinâmicos de
adereços, personagens, actividades, e drama histórico).
Neste laboratório têm-se ensaiado e testado técnicas de registo e modelação 3D de objec-
tos, solos, estruturas, e edifícios (vide Fig. 4-38 a 4-40).

Principais Estratégias

7.1 Registo 3D de integração fotográfica

Tem por base as técnicas da ortofotogrametria vertical e da integração fotográfica pluri-


direccional. Ajusta-se bem à modelação de superfícies convexas, como são em geral as formas
de relevo, mas é pouco versátil para modelar objectos com muito detalhe reentrante. A tec-
nologia do varrimento laser (utilizada a partir do avião, à macro-escala, ou no sítio ou gabinete,
à micro-escala), embora muito apropriada a esta modelação, é ainda excessivamente dispen-
diosa, só justificável perante uma utilização extensiva destes programas de natureza ainda
experimental.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

170
7.2 Modelação sintética por primitivas modeláveis

Quando em presença de estruturas edificativas, de carácter mais regular, é utilizada


uma técnica modular com base na justaposição de primitivas 3D, modeláveis por modifica-
dores paramétricos ou por “manipulação” ocasional ao nível dos próprios pontos da rede.
É sobretudo útil em elementos de arquitectura.

7.3 Modelação sintética orgânica

Tem por base a modelação a partir da vectorização (em splines) de vários perfis de pro-
jecção desenhados ou fotografados, a sua integração em redes de splines, e finalmente a sua
conversão em superfícies, por modificadores apropriados. Trata-se de uma técnica ajustada às
formas orgânicas, irregulares, ou complexas.

7.4 Simulação física dinâmica

A incorporação simulada de parâmetros físicos na topologia 3D, que se tem procurado


desenvolver em alguns aplicativos comerciais como forma de simplificar a animação realista
(em cinema 3D) da interacção dinâmica entre objectos tem aplicações directas na simulação
de processos de formação do registo arqueológico. Pensamos sobretudo na possibilidade de
simular derrubes, dispersão de pólen e sementes, ou de restos de talhe. Trata-se de uma área
que aqui apenas se vislumbra como perspectiva futura.

SIGLAS USADAS NAS TABELAS:

MC Ministério da Cultura
IPA Instituto Português de Arqueologia
CNANS Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática
CIPA Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências
(programa CIPA)
PNTA Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos
FCT Fundação para a Ciência e Tecnologia
CE-DG XII Comissão Europeia – Direcção Geral XII
CE-DG XI Comissão Europeia – Direcção Geral XI
ICN Instituto da Conservação da Natureza
IPPAR Instituto Português do Património Arquitectónico
MLJB Museu, Laboratório e Jardim Botânico, Universidade de Lisboa
CML Câmara Municipal de Lisboa
CMTV Câmara Municipal de Torres Vedras
SPAIC Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica
INGA Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrária
PAMAF Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal
DIN Desenvolvimento e Inovação Nutricional, SA
EAS Escola Agrária de Santarém
ADIRN Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Norte

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

171
Territórios antigos restituídos
O cabeço da Gruta da Avecasta
(Mateus e Queiroz, 2003)

> O grande desafio é o de quantificar, mapear, e finalmente fazer reviver,


as estruturas ecológicas e funcionais dos antigos territórios, procurando
minimizar a subjectividade na interpretação, mas simultaneamente trans-
cender a visão estreita de uma arqueografia reduzida a monumentos de
pedra e barro.

DEM do cabeço da
Avecasta criado com
base na vectorização
das curvas de nível
do cadastro
topografado, vestido
com a fotografia
aérea (voo
FLORESTAL, 1971).
O modelo digital de
elevação do terreno
produzido serve de
base à restituição e
visualização do
território antigo.

Ensaio de restituição
virtual do Cabeço da
Avecasta no início
do Holoceno.

FIG. 4-38 – Arqueologia virtual. Restituição dos territórios antigos.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

172
Registo 3D de integração fotográfica
Modelos de elevação por estereofotogrametria

> Os modelos altimétricos são obtidos a partir de pares estereoscó-


picos de fotografias verticais, usando técnicas de estereofotogrametria,
onde são numericamente manuseadas as diferença de paralaxe entre
as duas imagens do mesmo objecto.
É um processo iterativo cujo resultado depende do número de
pontos de paralaxe introduzido pelo operador e gerados automatica-
mente. A qualidade do modelo depende da diversidade cromática do
detalhe dos objectos.
Ilustra-se um ensaio experimental de produção de um modelo a
partir de uma superfície artificial (Mateus e Queiroz, 2003).

Par estereoscópico de
fotografias. FOTOS: J.P.RUAS

<< Curvas de nível


(2,5 mm) geradas pelo
modelo altimétrico

< Modelo altimétrico


de arame obtido por
estereofotogrametria

DEM vestido com uma


das fotografias do par
estereoscópico: Notar as
reentrâncias sem volume.

– Modelação 3D por estereofotogrametria. Produção de modelos digitais de elevação com base em pares estereoscópicos
FIG. 4-39
de fotografias. Exemplo da modelação de uma superfície experimental.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

173
Arqueologia virtual
Modelação tridimensional dos espaços internos

1e4-
Fotografias
do molde em
pedra, segundo
duas vistas

2 - Modelo 3D
do objecto, em
malha de arame
1 2 3

Restituição tridimen-
sional em malha 3D de
um molde de fundição
em calcário, proveniente
3 e 5 - Modelo
da estação arqueológica 3D texturado
da Gruta da Avecasta. (vestido com
Modelo 3D obtido as imagens
fotográficas)
por integração de séries segundo as
de fotos. mesmas vistas
das fotos
4 5

Reconstituição arquitectónica 3D de edifícios do século XVI por modelação sin-


tética de primitivas. Integração de figuras humanas em malhas de rede de pontos;
vestes obtidas por simulação física dinâmica; texturas restituídas com base em foto-
grafia.

– Arqueologia virtual. Restituição dos espaços internos. Modelação 3D de objectos, estruturas e edifícios, introduzindo
FIG. 4-40
protagonistas dinâmicos (adereços, personagens, actividades, e drama histórico)

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

174
Anexo I – Estruturas Documentais

A morfologia comparada do pólen, da semente, da madeira, tem tido pouca atenção por
parte da ciência botânica portuguesa — uma lacuna que aqui se procura parcialmente col-
matar, sob pena de cair pela base todo o esforço de identificação dos vestígios.

Colecções de referência

As colecções de referência de exemplares vegetais actuais são instrumentos essenciais


da paleobotânica. Dada a vasta diversidade da flora de Portugal e o rigor taxonómico ambi-
cionado na identificação dos macros e microfósseis de origem vegetal, o desenvolvimento
destas colecções foi previsto como um projecto sempre em aberto, a que infelizmente tem
faltado a presença contínua de um preparador/arquivista. O corpo central deste conjunto
documental é constituído por um HERBÁRIO, a partir do qual se desenvolvem 3 outros
núcleos (vide Fig. 4-41):
PALINOTECA – colecção de preparações de microscópio de grãos de pólen da nossa flora.
São milhares de lâminas com material polínico actual, artificialmente fossilizado (acetolisado
pelo método de ERDTMAN).
CARPOTECA – colecção de frutos e sementes actuais, complementada por exemplares fós-
seis e artificialmente carbonizados.
XILOTECA – colecção de tecidos lenhosos actuais conservados em bloco, tronco, pre-
paração histológica de microscópio (expondo os três planos de corte), e sob forma carboni-
zada.
Procura-se que cada espécime das colecções se refira a um exemplar botânico com-
pleto, conservado em herbário, o que assegura a toda a colecção arqueobotânica, a possi-
bilidade de em qualquer momento se poder re-avaliar ou rever o estatuto taxonómico dos
exemplares.

Flora polínica

A morfologia polínica é hoje um componente importante da sistemática vegetal para além


de constituir a base de toda a palinologia e paleoecologia vegetal. Seguindo a experiência da
Universidade de Utreque têm-se desenvolvido estudos neste domínio através da implemen-
tação do programa “Flora Polínica Portuguesa” (vide Fig. 4-42). Estes trabalhos de morfologia
polínica seguem a filosofia de abordagem e a terminologia do projecto “Flora Polínica do Noro-
este Europeu”, coordenado por Wim Punt (Utreque/Holanda).

Catálogos foto-descritivos

Complementarmente são produzidos catálogos foto-descritivos que visam facilitar e sis-


tematizar os processos de identificação das estruturas fossilizadas (vide Fig. 4-42). Estes catá-
logos estão a ser realizados em suporte digital:
• Frutos e sementes de espécies da Flora portuguesa;
• Madeiras portuguesas;
• Morfologia comparada de microfósseis não polínicos

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

175
Colecções de referência
Herbário, Palinoteca, Carpoteca, Xiloteca

> Todo o trabalho de identificação polínica e macropaleobotânica sustenta-se na construção de


colecções de referência realizadas a partir de material actual, inequivocamente identificado
taxonomicamente.
Trata-se de um programa de actualização contínua, cujo crescimento com novas espécies da
Flora portuguesa possibilita uma maior aferição taxonómica das estruturas morfológicas fósseis.
Exemplo da representação de pinheiro bravo (Pinus pinaster) nas colecções de referência.
A partir do exemplar herborizado, são realizadas colecções de estruturas morfológicas: Os fru-
tos e sementes integram a Carpoteca; A partir das flores são fossilizados artificialmente (acetó-
lise) os grãos de pólen que, em preparações de microscópio integram a Palinoteca; Pedaços de
madeira são amostrados para a Xiloteca, que inclui, para além de blocos de madeira fresca e blo-
cos carbonizados artificialmente, cortes histológicos segundo as três secções de diagnóstico da
morfologia. FOTOS: J.P.RUAS E P.F.QUEIROZ
Grãos de pólen acetolisados, observados
ao microscópio óptico. Pinus pinaster

Fruto. Pinus pinaster

Sementes. Pinus
Folha de Herbário. Pinus pinaster pinaster

Lâminas com concentrações polínicas


acetolisadas. Pinus pinaster

Caixa com sementes da Carpoteca. Pinaceae

Tabuleiro da Palinoteca. Pinaceae Tabuleiro da Xiloteca. Pinaceae

Madeira.
Pinus
pinaster

Madeira carbonizada.
Pinus pinaster
Madeira carbonizada, Lâmina com cortes de madeira. Pinus pinaster
observada ao microscópio
óptico de luz reflectida.
Pinus pinaster

corte transversal corte tangencial corte radial


Cortes de madeira observados ao microscópio óptico. Pinus pinaster

– Colecções de referência. Exemplo da representação de uma espécie vegetal (pinheiro bravo) no conjunto das colecções
FIG. 4-41
botânicas.

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176
Monografias e catálogos morfotipológicos
> Estudos monográficos e catálogos fotodescritivos, conside-
rando a morfologia das estruturas vegetais fossilizáveis de hoje,
integram um programa fundamental para a aferição e incre-
mento da resolução taxonómica dos estudos paleoecológicos e
arqueobotânicos.

Pólen de Erica erigena. Morfologia Pólen de Tuberaria major. Morfologia


polínica das Ericales portuguesas. polínica das Cistaceae portuguesas.
Mateus, 1989 Queiroz, 1999

Madeira de Erica cinerea e E. erigena.


Anatomia da madeira das Ericales
ibéricas. Queiroz e Van der Burgh, 1989

Anatomia das madeiras dos


Quercus portugueses. Secções
Morfologia dos frutos e sementes dos transversais esquemáticas (de
Pinus portugueses. Escamas ovulíferas cima a baixo) – Q. suber, Q.
de pinhas de Pinus pinaster. faginea, Q. pyrenaica, Q. robur.
DESENHO: W. VAN LEEUWAARDEN DESENHOS: W. VAN LEEUWAARDEN

Catálogo morfológico fotodescritivo dos microfósseis não polínicos. Aplicação informatizada desenvolvida por J.E.Mateus

FIG. 4-42 – Estudos monográficos e catálogos morfo-tipológicos das estruturas vegetais fossilizáveis.

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177
Bancos de dados

Desenvolvidos em ACCESS (Microsoft), estes bancos de dados destinam-se a servir de


sistemas de compilação de dados sobre a Flora e a Vegetação Portuguesa (actual e antiga).
Destinam-se igualmente a servir a gestão das colecções referidas, e a proporcionar a base
de informação patente nos catálogos e nas aplicações multimédia (vide Fig. 4-43).

Aplicações multimédia de divulgação

Aqui se desenvolvem aplicações multimédia com vista a permitir de uma forma didác-
tica, mas exaustiva e integrada, a divulgação e o acesso aos dados e resultados do Labora-
tório (vide Fig. 4-43). Trata-se de um programa importante já que os resultados da investi-
gação pouco se coadunam com os formatos clássicos de publicação, onde se tende a res-
tringir as focagems temáticas e a expressão gráfica dos dados. De facto, a reconstituição
arqueoambiental refere-se em geral a um conjunto muito extenso de dados, quer sob a
forma de longos diagramas onde se juntam centenas de curvas de tipos polínicos, carpoló-
gicos, ou de outros fito-fósseis, quer sob a forma de “chusmas” de referência a espécies botâ-
nicas, em grande parte desconhecidas do leitor não botânico. Por outro lado há sempre uma
preocupação cartográfica ou imagética explícita ou subjacente.
De facto as novas linguagens interactivas dos multimédia são ideais para permitir a
integração de vários níveis de informação que funcionem sob a forma de tesauros temáticos
(polínicos, carpológicos, paisagísticos, botânicos, corográficos).
Com vista a uma maior versatilidade estas aplicações são desenvolvidas em C++, sob
a forma de “programação por objectos”, recorrendo às ferramentas DirectX (Microsoft), que
hoje tendem a dominar a indústria de vídeo-jogos de computador, dada a sua grande fiabi-
lidade de gestão de ambientes multimédia (som, imagem, vídeo, animação).

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178
Bases de dados e aplicações multimédia
Disponibilização e divulgação dos resultados à comunidade

> Procura-se implementar a construção de bases de dados informatizadas sobre o território


e a paisagem portuguesa actual e antiga (incluindo flora, vegetação, paleovegetação e unidades
de paisagem). Os dados são referenciados num Sistema de Informação Geográfica, acessível
para consulta.
Desenvolvem-se igualmente aplicações multimédia com vista a divulgar de forma didáctica,
interactiva e exaustiva, os resultados dos estudos realizados no Laboratório.
No exemplo ilustrado, sob uma forma interactiva, são apresentadas ao “leitor” as unidades
de paisagem das áreas de estudo, as formações vegetais, as espécies da Flora regional, e os tipos
polínicos identificados nos diagramas sob a forma de catálogos foto-descritivos.
Incluem-se ainda dados da cartografia eco-fisiográfica e modelos digitais de terreno, estes
apresentados através de pequenas sequências vídeo.
Os resultados do estudo paleoecológico e arqueobotânico são também apresentados de
forma interactiva podendo o “leitor” pesquisar directamente os resultados polínicos (sob a
forma de diagramas polínicos ou gráficos unitários) através das curvas polínicas dos diagramas,
saltando a partir daí para outros níveis de informação contextual.

Exemplo de uma aplicação multimédia realizada sobre a Serra da Estrela.


Ilustram-se os módulos “flora”, “pólen”, “diagramas polínicos” e “modelos
digitais de terreno”.
Aplicação desenvolvida por J.E.Mateus

FIG. 4-43 – Bases de dados e aplicações multimédia. Duas formas de disponibilização e divulgação dos resultados à comunidade.

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179
Equipa de trabalho
Laboratório de Paleoecologia e Arqueobotânica

JOSÉ EDUARDO MATEUS


Nasceu em Lisboa a 15 de Dezembro de 1954.
Arqueólogo, doutorado em Biologia (Ecologia e Biossistemática)
Responsável pelo programa CIPA.
Coordena a área de Paleoecologia da Paisagem e Arqueologia Espacial
do CIPA.
Áreas de investigação: Paleoecologia, palinologia, geobotânica, sistemas
de informação geográfica, modelação 3D em arqueologia e
ecofisiografia, programação informática aplicada, arqueologia
ambiental e espacial.

PAULA FERNANDA QUEIROZ


Nasceu em Lisboa a 18 de Abril de 1960
Bióloga, doutorada em Biologia (Ecologia e Biossistemática)
Coordena a área de Paleobotânica e Arqueoetnobotânica do CIPA.
Áreas de investigação: Palinologia, macropaleobotânica,
arqueoetnobotânica, história ecológica da paisagem, modelação 3D,
sistemas de informação geográfica e geobotânica.

WILHELMUS VAN LEEUWAARDEN


Nasceu em Roterdão, Holanda, a 24 de Dezembro de 1944
Biólogo, doutorado em Biologia
Áreas de investigação: Palinologia, macropaleobotânica,
arqueoetnobotânica, e paleoecologia.

PATRÍCIA MARQUES MENDES


Nasceu em Lisboa a 1 de Novembro de 1974
Palinóloga, bacharel em Engenharia da Produção AgroPecuária
Áreas de investigação: Palinologia e etnobotânica.

JOSÉ PAULO BARRILARO RUAS


Nasceu em Lisboa a 26 de Novembro de 1959
Fotógrafo e artista gráfico
Áreas de especialização: Fotografia aplicada a materiais arqueológicos
e biológicos, microfotografia em microscopia óptica.

RANDI DANIELSEN
Nasceu em Haugesund, Noruega, a 23 de Março de 1958
Palinóloga, mestre Biologia (História da vegetação e Palinologia)
Áreas de investigação: Palinologia, macropaleobotânica e paleoecologia.

FIG. 4-44 – Equipa de trabalho do Laboratório de Paleoecologia e Arqueobotânica do IPA (programa CIPA)

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

180
Anexo II – Lista de Trabalhos e Publicações do Laboratório de Paleoecologia
e Arqueobotânica

( livro, capítulo de livro ou monografia;  artigo em revista;  artigo/notícia em revista de divulgação


ou folheto/publicação de divulgação;  relatório;  livro-guia de excursão ou manual de curso; ☺ comu-
nicação/publicação em actas de congresso ou reunião científica;  poster em congresso ou reunião cien-
tífica;  produção em multimédia)

I. Trabalhos de Paleoecologia e Ecologia Histórica da Paisagem:

1.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F.; REAL, F. (1983) - Laboratório de Paleoecologia e Estratigrafia do M.N.A.E.: Relató-
rio dos trabalhos de montagem - finais de 1980 a finais de 1982. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia.
2. ☺ MATEUS, J.E. (1985) - The coastal lagoon region near Carvalhal during the Holocene: Some geomorphological
aspects derived from a palaeoecological study at Lagoa Travessa. Actas da I Reunião do Quaternário Ibérico. Lisboa. 2,
p. 237-249.
3. ☺ QUEIROZ, P.F. (1985) - Dados para a História da vegetação Holocénica da Região da Lagoa de Albufeira. Actas da
I Reunião do Quaternário Ibérico. Lisboa. 2, p. 251-259.
4.  QUEIROZ, P.F. (1989) - An Erica erigena wood fragment from Lagoa Travessa. In: MATEUS, J.E. - Lagoa Travessa:
A Holocene pollen diagram from the South-West coast of Portugal. Revista de Biologia. Lisboa. 14, p. 92-93.
5.  QUEIROZ, P.F (1989) - A preliminary palaeoecological study at Estacada (Lagoa de Albufeira). Revista de Biologia.
Lisboa. 14, p. 3-16.
6.  MATEUS, J.E. (1989) - Lagoa Travessa: A Holocene pollen diagram from the South-West coast of Portugal. Revista
de Biologia. Lisboa. 14, p. 17-94.
7. ☺ QUEIROZ, P.F. (1989) - O papel das sementes na reconstituição da vegetação Holocénica: um exemplo do Lito-
ral Norte-Alentejano. In Seminário: Papel dos Jardins Botânicos na conservação dos recursos genéticos vegetais - perspec-
tiva actual e futura. Sesimbra.
8.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F. (1991) - Palaeoecology of the North-Littoral of Alentejo. Guide of the XV Gerhard
Lang’s Palynological Excursion. Lisboa: Museu Laboratório e Jardim Botânico. 1, p. 80.
9. ☺ MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F. (1991) - Aspectos do Desenvolvimento, da História e da Evolução da Vegetação do
Litoral Norte Alentejano: Últimos oito mil anos e actualidade. I Encontro de Arqueologia da Costa Sudoeste. Sagres.
10.  DE GROOT, Th., ed. (1992) - Climate Change and Coastal Evolution in Europe. Haarlem: Rijks Geologische Dienst.
11.  VAN LEEUWAARDEN, W. (1992) - New pollen diagram from Alpiarça (manuscrito).
12.  MATEUS, J.E. (1992) - Holocene and present-day ecosystems of the Carvalhal Region, Southwest Portugal. PhD The-
sis. Utrecth: Utrecth University, p. 184.
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de Mestrado em Geologia Económica e Aplicada. Lisboa: Universidade de Lisboa, p. 66.
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Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
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de Paisagem em Montanhas Mediterrâneas: Aplicação à Serra da Estrela: 1.o Relatório Técnico. Lisboa: Instituto Português
de Arqueologia.
53. ☺ MATEUS, J.E. (2000) - Paleoecologia Litoral nos Últimos 15 Mil Anos. Jornadas do Mar 2000, Caderno de Resu-
mos. Lisboa: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, p. 17.
54.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F., eds. (2001) - AVECASTA 2001: Espaço e quotidiano para além da ruína. Curso Livre
de pos-graduação, Gruta da Avecasta 25 Agosto – 2 Setembro 2001 – Textos de Apoio. Lisboa: Centro de Investigação em
Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.
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linking genetic, palaeogenetic and plant historical approaches - First report of Participant 08 IPOARQ. Lisboa: Centro de
Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.
56.  MATEUS, J.E; QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2001) - ESTRELA: Processos Geomorfológicos e
Biofísicos e Unidades de Paisagem em Montanhas Mediterrâneas - Relatório Final. Lisboa: Museu, Laboratório e Jardim
Botânico / Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.
57. ☺ MATEUS, J.E. (2001) - Past climates: Evidences in Portugal. International Meeting on Climate Change and the Kyoto
Protocol. Évora: Évora University. 15-16 November.
58.  MATEUS, J.E; QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2002) - FOSSILVA: Dynamics of forest tree biodiversity:
linking genetic, palaeogenetic and plant historical approaches – Second year report of Participant 08 IPOARQ. Lisboa: Cen-
tro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.
59. ☺ QUEIROZ, P.F. (2002) - Paleoecologia e História da Paisagem. Jornadas “Arqueologia da Paisagem: uma aborda-
gem multidisciplinar”. Porto: Universidade Portucalense. 27 Novembro.
60. ☺ SOARES, A.M.; BARROS, P.; QUEIROZ, P.F.; DIAS, J.M.A.; ROCHA, L.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2003) - Lago-
th
onar Deposits Eastward of Quarteira (Algarve): Preliminary Results. 4 Symposium on the Iberian Atlantic Margin. Vigo.
61.  MATEUS, J.E; QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, (2003) - ESTRELA: Processos Geomorfológicos e Biofísicos
e Unidades de Paisagem em Montanhas Mediterrâneas (Fase II) - Relatório Final. Lisboa: Centro de Investigação em
Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.

II. Trabalhos de Arqueo-etno-botânica:

1.  QUEIROZ, P.F. (1987) - Identificação de uma amostra de madeira proveniente da arca atribuída à família Gama
(Museu de Marinha). Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu Nacional de Arqueologia.
2.  QUEIROZ, P.F. (1989) - Identificação de um fragmento de madeira do “Barco da Carreira de Tiro”. Lisboa: Labora-
tório de Paleoecologia - Museu Nacional de Arqueologia.
3.  QUEIROZ, P.F. (1990) - Identificação de um Fragmento de Madeira do Cepo de Âncora da Berlenga. In PEIXOTO
CABRAL, J.M.; MEIRELES, J.M.; MONGE SOARES, A.M.; VERÍSSIMO, L. - Datação pelo Radiocarbono de um Cepo
de Âncora em chumbo encontrado na Berlenga. Conímbriga. Coimbra. 29, p. 59-68.
4.  QUEIROZ, P.F. (1997) - Identificação de um conjunto de sementes provenientes do emissário submarino da Guia –
Amostra G4(3). Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
5.  QUEIROZ, P.F. (1998) - Identificação de um conjunto de amostras de madeira recolhidas em elementos da estrutura de uma
nau (Nossa Senhora dos Mártires, 1606). Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

183
6.  QUEIROZ, P.F.; PIMENTA, C.M. (1999) - Identificação de um conjunto de 24 amostras de madeira provenientes dos
destroços do navio “Ria de Aveiro – A”. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
7.  QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W. (1999) - Identificação de um conjunto de 20 amostras de madeira provenien-
tes dos destroços do navio “Cais do Sodré”. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
8.  QUEIROZ, P.F. (1999) - Estudo paleobotânico do depósito conservado numa estrutura romana reaproveitada em
período islâmico do núcleo arqueológico da Rua dos Correeiros, BCP/Lisboa. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de
Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 1.
9.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F; MATEUS, J.E; PIMENTA, C.M.; RUAS, J.P. (1999) - Estudo Paleo-
etnobotânico e Paleoecológico dos depósitos argilo-turfosos da Estação Arqueológica da Praça do Município (sob antiga
Patriarcal). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Insti-
tuto Português de Arqueologia. 2.
10.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F.; RUAS, J.P. (2000) - Análise antracológica - Soengas de Coimbrões.
Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português
de Arqueologia. 3.
11.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2000) - Identificação de um conjunto de fragmentos de madeira
da carga do navio “Ria de Aveiro A”. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana
e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 4.
12.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2000) - Estudo Arqueobotânico do sítio da Ponta da Vigia (Torres
Vedras). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto
Português de Arqueologia. 5.
13.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2000) - Identificação de um conjunto de fragmentos de amostras
de madeira recolhidas em elementos da estrutura da embarcação do Corpo Santo. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Cen-
tro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 6.
14.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2000) - Estudos de Arqueobotânica do sítio arqueológico da praia
de Silvalde (Espinho). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociên-
cias – Instituto Português de Arqueologia. 7.
15.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F.; RUAS, J.P. (2000) - Estudo Arqueobotânico do Castelo de Silves.
Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português
de Arqueologia. 8.
16.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F.; RUAS, J.P. (2000) - Estudo Arqueobotânico do sítio da Malhada
(Fornos de Algodres/Guarda). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e
Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 9.
17.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F.; RUAS, J.P. (2000) - Estudos de Arqueobotânica no Outeiro dos Cas-
telos de Beijós (Carregal do Sal). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e
Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.10.
18.  QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W.; RUAS, J.P. (2001) - Estudos de Arqueobotânica na Alcáçova de San-
tarém. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Por-
tuguês de Arqueologia. 11.
19.  QUEIROZ, P.F. (2001) - Estudos de Arqueobotânica na anta 2 de Santa Margarida / Reguengos de Monsaraz. Tra-
balhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português
de Arqueologia. 12.
20.  QUEIROZ, P.F. (2001) - Estudos de Arqueobotânica sobre materiais provenientes da Anta 2 de Santa Margarida.
Revista Portuguesa de Arqueologia. Lisboa. 4:2, p. 186-190.
21.  QUEIROZ, P.F.; RUAS, J.P. (2001) - Estudos de Arqueobotânica no Penedo dos Mouros. Trabalhos do CIPA. Lis-
boa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 13.
22.  QUEIROZ, P.F. (2001) - Estudos de Arqueobotânica no Convento de São Francisco de Santarém. Trabalhos do
CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueo-
logia. 17.
23.  QUEIROZ, P.F. (2001) - Estudos de Arqueobotânica no Convento de São Francisco de Santarém. In IPPAR ed. -
GARB: Sítios Islâmicos do Sul Peninsular. Lisboa. p. 89-117.
24.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E. (2001) Estudos de Arqueobotânica no sítio neolítico de S. Pedro de Canaferrim,
Sintra. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto
Português de Arqueologia. 21.
25.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2001) - Estudos de arqueobotânica no Castelo de Mértola. Traba-
lhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de
Arqueologia. 23.
26.  VAN LEEUWAARDEN, W. (2001) - Análise antracológica II - Soengas de Coimbrões (Vila Nova de Gaia). Tra-
balhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português
de Arqueologia. 24.
27.  QUEIROZ, P.F.; W. VAN LEEUWAARDEN (2002) - Estudos de Arqueobotânica em quatro estações pré-histó-
ricas do Parque Arqueológico do Vale do Côa. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia
Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 27.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

184
28.  QUEIROZ, P.F. (2002) - Identificação da madeira do cabo da lança do Almonda. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Cen-
tro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.28.
29.  QUEIROZ, P.F. (2002) - Estudos de Arqueobotânica na Anta 3 de Santa Margarida (Reguengos de Monsaraz).
Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português
de Arqueologia. 30.
30.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2002) - Identificação de um conjunto de fragmentos de carvão vege-
tal recolhidos na necrópole de Vale Feixe, Odemira. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleo-
ecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 32.
31.  QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2002) - Estudos de Arqueobotânica no concheiro de S. Julião
(Mafra). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto
Português de Arqueologia. 33.
32.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2002) - Identificação de um conjunto de peças de madeira prove-
nientes do estaleiro da Ribeira das Naus na Praça do Município (Lisboa). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Inves-
tigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 34.
33.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2002) - Identificação de um conjunto de madeiras provenientes da
estrutura dos navios recuperados no rio Arade. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia
Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 35.
34.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; MENDES, P.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2002) - Estudos de Arqueobotânica
no Poço dos Paços do Concelho (Torres Vedras). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecolo-
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trait of the Artist as a Child: The Gravettian Human Skeleton from the Abrigo do Lagar Velho and its Archeological
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conservados no aqueduto Romano de Conímbriga, Condeixa-a-Nova. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investi-
gação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 42.
38.  QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W.; MATEUS, J.E. (2003) - Estudos de arqueobotânica na quinta
romana de Terlamonte, Covilhã. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e
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39.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2003) - Identificação de um conjunto de material lenhoso car-
bonizado proveniente do povoado pré-histórico de Moreiros 2 (Arronches, Monforte) . Trabalhos do CIPA. Lis-
boa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueolo-
gia. 44.
40.  VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F. (2003) - Estudos de Arqueobotânica no sítio da Ponta da Vigia (Tor-
res Vedras). Revista Portuguesa de Arqueologia. Lisboa. 6:1, p. 79-81.

III. Trabalhos no âmbito da Teoria das Ciências Arqueológicas:

1.  MATEUS, J.E. (1990) - A teoria da zonação do ecossistema territorial. In GAMITO, T., ed. - Arqueologia Hoje I.
Etno-Arqueologia. Faro: Universidade do Algarve, p. 196-219.
2.  MATEUS, J.E. (1996) - Arqueologia da Paisagem e Paleoecologia. Al-madan. Almada. II.a Série, 5, p. 96-108.

IV. Trabalhos de Arqueologia:

1. ☺ MATEUS, J.E. (1980) - Preenchimentos antigos em cavidades cársicas da Bacia do Nabão. IV Congresso Nacional
de Arqueologia. Faro.
2.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F. (1981) - Ferreira do Zêzere: Gruta da Avecasta.. Informação Arqueológica. Lisboa.
4, p. 92-93
3.  MATEUS, J.E. (1981) - Intervenção de emergência na estação paleolítica da Estrada do Prado, Tomar, Distrito de
Santarém. Informação Arqueológica. Lisboa. 4, p. 158-164.
4.  MATEUS, J.M.; QUEIROZ, P.F.; PIMENTA, C.M. (1997) - O Sítio da Avecasta: O sítio arqueológico e ecológico da
Avecasta, Ferreira do Zêzere: projecto de salvamento, estudo e valorização integrada. Lisboa: Laboratório de Paleoecolo-
gia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
5.  MATEUS, J.M.; QUEIROZ, P.F.; PIMENTA, C.M. (1998) - O Sítio Arqueológico e Paleoecológico da Avecasta: 2.o Rela-
tório Técnico. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
6.  SILVA LOPES, C.; MATEUS, J.E. (2000) - Sondagens de investigação realizadas pela divisão de sondagens do Ins-
tituto Geológico e Mineiro na Gruta da Avecasta, em Ferreira do Zêzere. In MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F., eds. -

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

185
Rapid environmental change in the Mediterranean Region: The contribution of the high-resolution lacustrine records from
the last 80 millennia. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia, p. 31.
7.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F. (2001) - O Sítio Arqueológico da Avecasta: Proposta de classificação como imóvel de
interesse público. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português
de Arqueologia.
8.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F. (2003) - O Sítio Arqueológico da Avecasta: Relatório Técnico (trabalhos entre 1998 e
2002). Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueo-
logia.

V. Trabalhos no âmbito das Ciências da Vegetação:

1.  QUEIROZ, P.F., JOOSTEN, H.; MATEUS, J.E. (1993) - Mires of Portugal. In M. LOFROTH, M., ed. - Mires of
Europe. International Mire Conservation Group.
2.  CATARINO, F.M.; MATEUS, J.E.; PEREIRA, P.; PINTO, M.J.; QUEIROZ, P.F.; GUTIERREZ, C.; SALVAT, A.;
PIMENTA, C.M. (1995) - Habitats de Portugal: subprojecto do M.L.J.B.. 1.o relatório de progresso: Lista preliminar de sítios
de importância comunitária. Lisboa: Museu Laboratório e Jardim Botânico - Universidade de Lisboa.
3.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F.; PIMENTA, C.M. (1996) - Distribuição geográfica e estatuto de ameaça das espécies
da flora a proteger: Relatório final – subprojecto “Lagoas”. Lisboa: Museu, Laboratório e Jardim Botânico – Universidade
de Lisboa.
4.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F.; PICASSO, F.; MACHADO, P.; REPAS, M. (1997) - Habitats Naturais do Sítio
MLJB547 - Fernão Ferro. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
5.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F.; REPAS, M. (1999) - Habitats Naturais de Portugal: Sítio 49: Caparica/Lagoa de
Albufeira. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.

VI. Trabalhos de Sistemática Vegetal e Morfologia Polínica:

1.  QUEIROZ, P.F.; VAN DER BURGH, J. (1989) - Wood Anatomy of Iberian Ericales. Revista de Biologia. Lisboa. 14,
p. 95-134.
2.  MATEUS, J.E. (1989) - Pollen Morphology of Portuguese Ericales. Revista de Biologia. Lisboa. 14, p. 135-208.
3. ☺ SÉNECA, A.; SÉRGIO, C.; QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E. (1991) - Sphagnum auriculatum Schimp. in Portugal
with Late-Quaternary (Holocene) occurrences. First International Symposium on the Biology of Sphagnum. Exeter.
4.  COSTA, E.M. (1996) - Taxonomia de géneros da tribo Genisteae. Genista, Echinospartum e Pterospartum em Portugal
e Adenocarpus e Argyrolobium em Angola. Tese de Doutoramento em Agronomia. Lisboa: Instituto Superior de Agro-
nomia - Universidade Técnica de Lisboa, p. 235.
o
5.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; PIMENTA, C.M.; RUAS, J.P. (1999) - Morfologia polínica do género Calvoa: 1. Rela-
tório Técnico. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
6.  QUEIROZ, P.F. (1999) - Apêndice III: Glossário de Termos usados em Morfologia Polínica. In QUEIROZ, P. -
Ecologia Histórica da Paisagem do Noroeste Alentejano. Tese de Doutoramento. Lisboa: Universidade de Lisboa,
p. 285-300.
7.  QUEIROZ, P.F. (1999) - Apêndice I: Estudo polínico e definição de subtipos morfológicos do género Pinus L.
(espécies da Flora de Portugal). In QUEIROZ, P. - Ecologia Histórica da Paisagem do Noroeste Alentejano. Tese de Dou-
toramento. Lisboa: Universidade de Lisboa, p. 259-262.
8.  QUEIROZ, P.F. (1999) - Apêndice II: Morfologia Polínica das Cistaceae Portuguesas. In QUEIROZ, P. - Ecolo-
gia Histórica da Paisagem do Noroeste Alentejano. Tese de Doutoramento. Lisboa: Universidade de Lisboa, p. 263-284,
43 estampas.
9.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; MENDES, P.; RUAS, J.P.; PIMENTA, C.M. (2001) - Diversidade e Biogeografia do
Género Calvoa Melastomataceae (Projecto Praxis XXI / PCNA / BIA / 126 / 96): Morfologia Polínica do Género Calvoa:
Relatório Final. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de
Arqueologia.

VII. Trabalhos de Aeropalinologia e Melissopalinologia:

1.  GODINHO, J. (1990) - Estudo palinológico de cargas de abelhas aplicado à definição de padrões de comportamento de
recolecção polínica. Tese de Mestrado em Produção Vegetal. Lisboa: Instituto Superior de Agronomia - Universidade
Técnica de Lisboa, p. 159.
2. ☺ GODINHO, J.; MATEUS, J. (1992) - A palynological investigation on the honeybee pollen gathering strategies using
pollen loads. VIII International Palynological Congress. Aix-en-Provence. p. 53.
3.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; PIMENTA, C.M. (1997) - Monitorização da Chuva Polínica Diária nas Cidades de
o
Lisboa e Barreiro: 1. Relatório Técnico. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

186
4.  PICASSO, F; MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F. (1998a) - O Pastoreio e o mel nas Serras da Estrela e da Malcata: sub-
programa Mel: 1.o Relatório técnico. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
5.  PICASSO, F; MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F. (1998b) - O Pastoreio e o mel nas Serras da Estrela e da Malcata: sub-
programa Mel: 2.o Relatório técnico. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botânico.
6.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; DUARTE, S. (1998) - Monitorização polínica diária nas cidades de Lisboa e Bar-
reiro. XIX Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica. Coimbra. (prémio “melhor pos-
ter”)
7.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; DUARTE, S. (1998) - Monitorização da chuva polínica diária na cidade de Lisboa.
Lisboa: Schering-Plough Farma.
8.  PICASSO, F; MATEUS, J.E; QUEIROZ, P.F.; RUAS, J.P. (1999) - O Pastoreio e o mel nas Serras da Estrela e da Mal-
cata: sub-programa Mel: 3.o Relatório técnico. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu, Laboratório e Jardim Botâ-
nico.
9.  MATEUS, J.E; QUEIROZ, P.F.; RUAS, J.P.; PIMENTA, C.M.; CATARINO, F.M. (1999) - O Pastoreio e o mel nas
Serras da Estrela e da Malcata: sub-programa Mel: 4.o Relatório técnico. Lisboa: Laboratório de Paleoecologia - Museu,
Laboratório e Jardim Botânico.
10.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; SANTOS, H.; MENDES, P.; PIMENTA, C.M.; RUAS, J.P. (1999) - Concentração
Polínica Atmosférica em 14 Centros Urbanos. XX Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia
Clínica.
11.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F.; RUAS, J.P.; PIMENTA, C.M.; MENDES, P. (2000) - O Pastoreio e o Mel nas ser-
ras da Estrela e da Malcata: Bases ecológicas para a valorização integrada e sustentada dos recursos da Beira Interior: sub-
programa MEL. Projectro PAMAF 8178: 5.o Relatório Técnico. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana
e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.
12.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; MENDES, P.; SANTOS, H.; PIMENTA, C.M.; RUAS, J.P. (2000) - Mapas polí-
nicos atmosféricos de Portugal – Monitorização semanal da concentração polínica atmosférica em 14 centros urbanos. Lis-
boa: Laboratório de Paleoecologia – Museu Laboratório e Jardim Botânico / Centro de Investigação em Paleoecolo-
gia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia.
13. ☺ TODO-BOM, A.; FERRAZ DE OLIVEIRA, J.; NUNES, C.; QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; CASTEL-BRANCO, G.
(2000) - Mapa Polínico em Portugal. XXI Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica.
14.  LOURENÇO, M.; QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; TOMAZ, E.; JORDÃO, F.; INÁCIO, F. (2000) - Regional Pol-
len Calendar: Setúbal – Portugal. ALLERGY, European Journal of Allergy and Clinical Immunology, Supl. 63, 55. p. 158.
15.  MATEUS, J.E.; QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W.; MENDES, P.; PICASSO, F. (2001) - O Pastoreio e
o Mel nas serras da Estrela e da Malcata: Bases ecológicas para a valorização integrada e sustentada dos recursos da
Beira Interior: subprograma MEL. Projecto PAMAF 8178: Relatório Final. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Inves-
tigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 18.
16.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; MENDES, P.; SANTOS, H. (2001) - Mapas Polínicos de Portugal. Lisboa: Schering-
Plough Advancing Respiratory Health.
17.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; MENDES, P.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2001a) - O Mel da Península de Setú-
bal: ensaio de caracterização polínica. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana
e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 25.
18.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; MENDES, P.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2001b) - O Mel das Serras d’Aire e
Candeeiros: ensaio de caracterização polínica. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia
Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 26.
19.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; MENDES, P.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2002a) - Caracterização polínica de um
conjunto de amostras de mel da Serra de Aire e Candeeiros, da Península de Setúbal e de outras regiões da área de interven-
ção da DRARO – crestas de 2002. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Ins-
tituto Português de Arqueologia.
20.  QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E.; MENDES, P. & VAN LEEUWAARDEN, W. (2002b) - Caracterização polínica de
um conjunto de 20 amostras de mel da Beira Serra e Sicó. Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleo-
ecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 36.
21.  MATEUS, J.E. (2002) - Mel & Pólen. Uma viagem interactiva à palinologia do mel. Aplicação multimédia em CDRom.
Versão Beta. Projecto PAMAF n.o 8178. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências
– Instituto Português de Arqueologia.

VIII. Trabalhos no âmbito dos Métodos Laboratoriais:

1.  MATEUS, J.E, (1991) - Differential pollen destruction by H2O2 oxidation in fossil pollen concentration routines. (manus-
cript)

O LABORATÓRIO DE PALEOECOLOGIA ARQUEOBOTÂNICA. UMA VISITA GUIADA AOS SEUS PROGRAMAS, LINHAS DE TRABALHO E PERSPECTIVAS

187
BIBLIOGRAFIA

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QUEIROZ, P.F. (2001) - Estudos de Arqueobotânica no Convento de São Francisco de Santarém. Trabalhos do CIPA. Lis-
boa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 17.
QUEIROZ, P.F.; MATEUS, J.E., MENDES, P. & VAN LEEUWAARDEN, W. (2002) - Estudos de Arqueobotânica no Poço
dos Paços do Concelho (Torres Vedras). Trabalhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana
e Arqueociências – Instituto Português de Arqueologia. 38.
QUEIROZ, P.F.; VAN DER BURGH, J. (1989) - Wood Anatomy of Iberian Ericales. Revista de Biologia. Lisboa. 14, p. 95-134.
QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2002) - Estudos de Arqueobotânica no concheiro de S. Julião (Mafra). Traba-
lhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de
Arqueologia. 33.
QUEIROZ, P.F.; VAN LEEUWAARDEN, W.; RUAS, J.P. (2001) - Estudos de Arqueobotânica na Alcáçova de Santarém. Tra-
balhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de
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VAN LEEUWAARDEN, W.; QUEIROZ, P.F; MATEUS, J.E; PIMENTA, C.M.; RUAS, J.P. (1999) - Estudo Paleoetnobotânico
e Paleoecológico dos depósitos argilo-turfosos da Estação Arqueológica da Praça do Município (sob antiga Patriarcal). Tra-
balhos do CIPA. Lisboa: Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências – Instituto Português de
Arqueologia. 2.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

188
Laboratório de Arqueozoologia
| Arqueozoologia: estudo
capítulo 5
da fauna no passado
❚ MARTA MORENO-GARCÍA ❚ SIMON DAVIS ❚ CARLOS M. PIMENTA ❚

RESUMO Neste capítulo são descritas as diferentes ABSTRACT We describe the methods used and
perspectivas de abordagem dos materiais results obtained from our studies (undertaken
arqueozoológicos estudados neste laboratório desde since the creation of the zoo-archaeology lab at
finais de 1999, data do início da sua actividade. the end of 1999) of Portuguese zoo-
Integrando conjuntos arqueofaunísticos oriundos de archaeological assemblages extending from the
contextos que se estendem do Plistocénico Superior ao Upper Pleistocene to the post-Medieval period.
pós-Medieval, os resultados obtidos integram vertentes Our results come under the following five
de investigação que compreendem estudos de: headings:

1. Morfologia/biometria – critérios relativos a 1. Morphology and biometry – criteria applied


dimensão e morfologia dos ossos e dentes foram to teeth and bones have allowed us to
utilizados para identificar e distinguir espécies identify and distinguish between
osteologicamente semelhantes (i.e., hiena riscada osteologically similar species (i.e., spotted
e hiena malhada, diferentes felídeos e equídeos, and striped hyaena, four species of felids,
ovelha e cabra, javali e porco doméstico, ...). and three species of equids as well as sheep
and goat, wild boar and pig, ...).
2. Tafonomia – o reconhecimento e caracterização
das alterações presentes nos restos faunísticos 2. Taphonomy – an understanding of changes
auxiliou na identificação dos agentes e processos suffered by archaeological bones has helped
responsáveis pela sua acumulação. A actividade de us to identify the agents responsible for their
carnívoros e aves de rapina foi evidente em original accumulation. Activities of large
conjuntos do Moustierense e Paleolítico Superior, carnivores and birds of prey were evident in
enquanto as marcas de animais comensais (cães, Mousterian and Upper Palaeolithic faunal
gatos e roedores) aumentaram a sua frequência assemblages, while marks left by commensal
em períodos mais recentes. animals such as cats, dogs and rodents,
increased in subsequent periods.
3. Paleoecologia – a presença de espécies hoje em dia
ausentes do território português e as alterações nas 3. Palaeoecology – the presence of species now
frequências e dimensões de espécies como o veado extinct in Portugal reflects a richer biotope
indiciam a existência de outros ambientes no in antiquity, and differences in the size and
passado. frequencies of species such as the red deer,
reflect past environmental change.
4. Exploração animal – as frequências de certas
espécies, a sua idade de abate e a proporção entre 4. Animal exploitation – the frequencies of
machos e fêmeas, por exemplo, evidenciam certain species, their age-at-slaughter and the
mudanças nas estratégias de exploração animal a proportion of males and females show, for
partir do Neolítico. A diminuição da actividade example, a change from hunting to
cinegética e o incremento da criação de espécies husbanding from the Neolithic onwards. An
domésticas manifesta-se na maior e mais intensiva increased exploitation of “secondary
exploração de produtos secundários (lã, leite, ovos, products” (wool, milk, eggs, etc) is also
etc). Especulamos também sobre um possível evident. We are able to speculate upon
melhoramento das ovelhas desde a Idade do Ferro. gradual improvements to Portuguese sheep
after the Iron Age.
5. Carácter sócio cultural – o relacionamento do
homem com os animais não só é evidente nas 5. Socio-cultural character – while marks made
marcas derivadas da manipulação das carcaças during carcass treatment (burn, chop and

191
(i.e., ossos queimados, com cortes e incisões) cut marks) suggest food preparation, we
mas também na existência de sinais indiciadores have also found evidence that suggests a
de relações afectivas com eles estabelecidas. possible affectionate relationship between
É salientado o papel decisivo das metodologias de man and animal.
recuperação dos restos osteológicos em diferentes The importance of recovery methods is
cenários arqueológicos, como factor determinante highlighted as well as the need for the
para a concretização e aprofundamento do seu zoo-archaeologist to be involved in an
estudo posterior, sublinhando as vantagens do archaeological project from its inception.
estreitamento do contacto entre arqueólogos e
arqueozoólogos antes, durante e após as
intervenções desenvolvidas no terreno.

“ ... neste terreno neutral entre a Paleontologia e a


Arqueologia abriu-se à investigação um largo campo que con-
duzirá a uma nova ampliação do nosso conhecimento da his-
tória do homem primitivo”

Joseph Prestwich
lido na Royal Society, Londres
26 de maio de 1859 (Prestwich, 1861)

O que é a Arqueozoologia

A Arqueozoologia é a disciplina que se dedica ao estudo dos restos faunísticos recu-


perados pela actividade arqueológica. Na prática, o arqueozoólogo tem diante de si o que res-
tou das faunas do passado. A sua leitura e interpretação permitem ampliar o conhecimento
das relações do Homem com o mundo animal e dos sucessivos ambientes que partilharam,
dentro dos quais se processou a sua evolução e o seu desenvolvimento.
Este estudo implica o reconhecimento de uma diversidade de circunstâncias e de pro-
cessos que envolveram os animais enquanto vivos e os seus restos após a sua morte. As prin-
cipais áreas de pesquisa da Arqueozoologia estão direccionadas para abordar a caracteriza-
ção das estratégias de exploração dos animais seguidas pelo Homem, para evidenciar as con-
dições paleoecológicas do território envolvente e para reconhecer os factores que afectaram
os restos faunísticos uma vez incorporados no registo sedimentar. O arqueozoólogo tenta
encontrar no material osteológico respostas a questões de carácter sócio-económico e cul-
tural (relativas à sua relação com o Homem), de carácter ambiental (relativas aos próprios
animais), e de carácter tafonómico (relativas aos processos que os afectaram durante a sua
integração e conservação no contexto arqueológico). No entanto, a exploração deste poten-
cial informativo depende em grande medida do trabalho arqueológico desenvolvido no ter-
reno, cuja qualidade irá condicionar o estudo posterior dos materiais.
Este capítulo visa apresentar, através da experiência de trabalho desenvolvida no
Laboratório de Arqueozoologia do IPA, diferentes perspectivas de abordagem que esta
Ciência pode proporcionar bem como as metodologias adequadas para conseguir estes
objectivos.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

192
O Laboratório de Arqueozoologia do IPA

O início deste projecto visou o desenvolvimento de uma área de trabalho e investigação


que podemos considerar ter começado em Portugal em 1865, quando F. A. Pereira da Costa
descreveu restos de animais associados a ossadas humanas e artefactos líticos no concheiro
do Cabeço da Arruda, Muge, no vale do Tejo (Pereira da Costa, 1865). Sugeria este autor que
a ausência de espécies como o elefante ou o rinoceronte permitia enquadrar aquela estação
num período relativamente recente. Naquela época, com a descoberta dos kiokkenmoeddingen
na Dinamarca, crescia na Europa o despertar da comunidade científica pela abordagem des-
tas questões, enquadrando Portugal num cenário de uma actualidade que viria a perder-se mais
tarde. Durante todo o século XX esta disciplina recebeu da parte da arqueologia portuguesa
uma atenção esporádica. Como referem Cardoso e Detry (2001/2002) “em Portugal, a análise
faunística de materiais em contextos arqueológicos tem sido assegurada por muito poucos, limitando-
se até época recente à apresentação de listas de espécies, como as elaboradas por G. Zbyszewski e O.
da Veiga Ferreira (Cardoso, 1996[b])”. Nas últimas décadas, devemos sublinhar os trabalhos
desenvolvidos por M. Telles Antunes, J. L. Cardoso e M. J. Valente que vieram ampliar e alar-
gar a novos horizontes os objectivos e metodologias dos estudos arqueofaunísticos no país.
Apesar destes contributos, uma parcela significativa desta disciplina foi desenvolvida no
estrangeiro, sendo de salientar os trabalhos de Boessneck, von den Driesch, Hockett, Lange,
Lentacker, McKinnen, Morales, Roselló e Rowley-Conwy, entre outros.
No final do século XX, o Instituto Português de Arqueologia, no âmbito do seu programa
CIPA, conseguiu reunir pela primeira vez em Portugal pessoal de investigação e técnico, dis-
ponibilizar o espaço e os equipamentos necessários para fomentar e impulsionar o estudo das
faunas dos contextos arqueológicos portugueses. O Laboratório de Arqueozoologia iniciou a
sua actividade em 2 de Novembro de 1999, com a incorporação de um dos seus investigado-
res (Marta Moreno-García) e completar-se-ia em 2 de Janeiro de 2000, com a integração de
outro investigador (Simon Davis) e de um técnico (Carlos Pimenta) (Fig. 5-1).
Desde o início da nossa actividade expressámos o desejo e a disponibilidade para colaborar
e trabalhar junto da comunidade arqueológica docente ou profissional e para auxiliar estu-
dantes nos seus trabalhos e projectos. Dedicámos uma parte importante ao estudo de faunas
provenientes de jazidas arqueológicas de Portugal, pertencentes aos mais diversos períodos,
desde o Plistocénico ao Holocénico Recente (Época Moderna), quer integrados no âmbito do
Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos (PNTA), quer através de programas de prestação
de serviços. Por outro lado, participámos em projectos internos de longo prazo desenvolvidos
pelo Instituto Português de Arqueologia e em projectos internacionais onde os membros desta
equipa estão integrados (Fig. 5-2).
Os estudos faunísticos realizados até ao momento traduziram-se na elaboração de rela-
tórios (incluídos na série Trabalhos do CIPA) e publicações (vide bibliografia).
Em Março de 2000 iniciámos a constituição de uma colecção de referência de esquele-
tos de vertebrados (mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes), uma ferramenta de trabalho
essencial para a investigação arqueozoológica (vide Capítulo 6). A inexistência em Portugal de
uma osteoteca pública que pudesse servir a arqueologia, levou-nos a fazer da sua constituição
uma das nossas prioridades. Neste contexto, em Maio de 2000 Sónia Gabriel veio reforçar a
equipa (Fig. 5-1), colaborando sucessivamente como voluntária, estagiária e bolseira, nas tare-
fas de preparação, acondicionamento e catalogação dos esqueletos.
A colecção está aberta a qualquer utilizador, não só como meio auxiliar para a identificação
de materiais arqueofaunísticos, mas também como instrumento de investigação morfológica
e biométrica da fauna ibérica actual. Tem sido consultada por arqueozoólogos, biólogos, vete-

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

193
Equipa de trabalho
Laboratório de Arqueozoologia

MARTA MORENO-GARCÍA
Lic. Pré-História e Arqueologia (UAM, Espanha)
M.Sc. em Bioarqueologia (Institute of Archaeology, UCL, Inglaterra)
Doutoramento em Arqueologia (University of Cambridge, Inglaterra)
Co-responsável pelo Laboratório de Arqueozoologia do CIPA.
Membro do International Council of Archaeozoology (ICAZ).
Áreas de investigação: Arqueozoologia, etno-zoologia e tafonomia.

SIMON DAVIS
B.Sc. em Zoologia (University of London, Inglaterra)
M.Sc. em Zoologia (University of Jerusalém, Israel)
Doutoramento em Zoologia (University of Jerusalém, Israel)
Co-responsável pelo Laboratório de Arqueozoologia do CIPA.
Membro do International Council of Archaeozoology (ICAZ).
Áreas de investigação: Fauna do Plistocénico-Holocénico
e domesticação.

CARLOS PIMENTA
Formação em Biologia na Faculdade de Ciências de Lisboa
Técnico no Laboratório de Arqueozoologia do CIPA.
Áreas de investigação: Microfauna, etno-zoologia, arqueologia,
paleoecologia e ecologia de microvertebrados.

SÓNIA GABRIEL
Lic. em Arqueologia (Universidade de Coimbra)
Bolseira da FCT na Universidad Autónoma de Madrid, Espanha.
Áreas de investigação: Ictiofauna e arqueologia.

FIG. 5-1 – Membros da equipa do Laboratório de Arqueozoologia do IPA.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

194
Projectos
Conjuntos arqueofaunísticos estudados no Laboratório
de Arqueozoologia do IPA

> PROGRAMA PNTA - ARQUEOLOGIA AMBIENTAL


1. Penedo do Lexim (Neolítico Final-Bronze), Ana Catarina
Sousa, Câmara Municipal de Mafra.
2. Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, Lisboa
(Islâmico), Jacinta Bugalhão, IPA.
3. Castelo e Alcáçova de Mértola (Islâmico), Cláudio Tor-
res, Santiago Macias, Virgílio Lopes e Alicia Candón,
Campo Arqueológico de Mértola.
4. Alcáçova de Santarém (Idade do Ferro-Medieval), Ana
Margarida Arruda e Catarina Viegas, Departamento de
História da Universidade de Lisboa.
5. Anta 3 da Herdade de Santa Margarida, Reguengos de
Monsaraz (Neolítico), Vitor Gonçalves, Departamento
de História da Universidade de Lisboa.
6. Castelo de Arouca (Medieval), Manuela C.S. Ribeiro e
António M.S.P. Silva, Centro de Arqueologia de Arouca.
7. Sítio de São Pedro de Canaferrim / Castelo dos Mouros,
Sintra (Islâmico), Catarina Coelho, MASMO.
8. Povoado de São Mamede, Bombarral (Calcolítico), Patrí-
cia Jordão e Pedro Mendes, PROVATIS.
9. Insula de Seilium, Tomar (Romano), Salete da Ponte,
Instituto Politécnico de Tomar.

> PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS:


10. Castelo de Alcácer do Sal (Islâmico), António Cavaleiro Paixão, IPPAR, Lisboa.
11. Convento de São Francisco, Santarém (Islâmico), Maria Ramalho e Carla Lopes, IPPAR, Lisboa.
12. Sé de Lisboa (Quadrado M 22) (Islâmico), Clementino Amaro, IPPAR, Lisboa.
13. Paços do Concelho, Torres Vedras (Islâmico), Guilherme Cardoso e Isabel Luna, Câmara
Municipal de Torres Vedras.

> PROJECTOS INTERNOS:


14. Gruta do Caldeirão, Tomar (Moustierense –Neolítico), João Zilhão.
15. Abrigo do Lagar Velho, Lapedo, Leiria (Paleolítico Superior), João Zilhão e Francisco
Almeida.
16. Banco Nacional Ultramarino de Tavira (Fenício), Manuel Maia e Maria Maia.
17. Rua 5 de Outubro no 33, Crato (Pós Medieval-Moderno), Leonor Rocha.

> PROJECTOS INTERNACIONAIS:


Marta Moreno-García e Carlos M. Pimenta:
• Las primeras comunidades campesinas en el Cantábrico. El aporte de la etnografía en Mar-
ruecos. Director: Jesús E. González Urquijo, Universidad de Cantabria, Espanha.
• La Cueva de los Murciélagos (Zuheros, Córdoba, Espanha). Director: Beatriz Gavilán Cebal-
los, Universidad de Huelva, Espanha.
Simon Davis:
• Estação Neolítica de Khirokitia (Chipre). Director: Alain Le Brun, CNRS, França.

– Relação dos diferentes projectos e estudos arqueozoológicos em que o Laboratório de Arqueozoologia do IPA está
FIG. 5-2

envolvido.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

195
rinários e estudantes, portugueses e estrangeiros, quer através da nossa página web
(www.ipa.min-cultura.pt/cipa/zoo), quer no nosso espaço de trabalho.
Após três anos de actividade afirmamos o nosso empenhamento na divulgação dos resul-
tados conseguidos e expressamos o desejo de colaborar na formação das futuras gerações de
arqueozoólogos portugueses.

A Arqueozoologia no Campo: Factores Condicionantes do Estudo Arqueofaunístico

A nossa actividade não deve estar limitada ao laboratório, fazendo a análise dos restos fau-
nísticos recolhidos em diferentes locais, mas deverá começar no campo antes ou durante a sua
recuperação. Seria importante que os arqueólogos interessados no estudo de materiais arqueo-
zoológicos nos contactassem no início dos seus projectos, para que pudéssemos fornecer ori-
entações relativas à recuperação, acondicionamento e conservação dos materiais osteológicos.
Dado que cada jazida é única e irrepetível, na nossa perspectiva, aquelas visitas seriam essen-
ciais para compreendermos as condições em que a escavação se desenvolve, identificando com
o arqueólogo a estratégia mais conveniente a seguir nos contextos onde a fauna pode apare-
cer ou ser recuperada.
Nalguns casos fomos consultados por colegas arqueólogos, quer durante o decorrer das
escavações (i.e., Penedo do Lexim em Mafra (Fig. 5-3), Abrigo do Lagar Velho no vale do
Lapedo (Leiria), Banco Nacional Ultramarino de Tavira, Gruta do Ourão, Cova do Ladrão e
Gruta da Buraca Grande, na Serra do Sicó, Pombal), quer após as campanhas de escavação (i.e.,
Castelo e Alcáçova de Mértola, Gruta de Avecasta e Gruta do Caldeirão, ambas em Tomar). Em
todos eles, as deslocações efectuadas pelos membros da equipa revelaram-se importantes, per-
mitindo trocar informações in situ com os arqueólogos responsáveis traduzidas num mútuo
enriquecimento das nossas actividades.

FIG. 5-3 – Visita realizada às escavações no Penedo de Lexim.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

196
O espólio de origem animal pode representar quantidades e características muito variá-
veis, dependendo das condições particulares de cada jazida e do rigor que presidir à sua recu-
peração. Qualquer conjunto de ossos recolhidos num dado sítio constitui uma amostra. Con-
tudo, são as suas características que irão influenciar o tipo de estudos que podem ser realiza-
dos. Deste modo, os critérios relativos à conservação, ao tipo de contexto arqueológico e à
dimensão da amostra devem ser considerados e avaliados na hora de recuperar o material
arqueofaunístico no terreno (Fig. 5-4). Durante os trabalhos de exumação deve existir uma
estratégia previamente pensada e organizada, não necessariamente igual para todos os sítios,
que permita o desenvolvimento do estudo e a correlação daqueles restos.

FIG. 5-4 – Organigrama dos potenciais aspectos limitantes presentes nas amostras arqueofaunísticas.

Aspectos Limitantes

Conservação - Os ossos e dentes não se conservam em todos os depósitos arqueológicos,


uma vez que dependem das condições sedimentares que os integram (Lyman, 1994; Fisher,
1995). Em geral, salvo em solos muito ácidos, podem conservar-se mas serem afectados por
outros factores como, por exemplo, concreções calcárias, pela acção de raízes e de animais, quer
vertebrados quer invertebrados (Martin e West, 1995), pela erosão fluvial ou aluvial, que con-
tribuem para aumentar a sua fragilidade, provocando uma maior fragmentação e dando ori-
gem a amostras com um elevado número de restos não identificáveis (Fig. 5-5).
De um mau grau de conservação resultará também o desaparecimento de eventuais
marcas de origem antrópica (i.e., cortes) e a impossibilidade de registar dados osteométricos,
importantes para caracterizar respectivamente métodos de descarne e variações morfológicas
ocorridas nas populações animais ao longo do tempo.
Contexto - Os ossos dos animais raramente indicam com clareza ou precisão a sua cro-
nologia; ao contrário do que acontece com a cerâmica, não é possível distinguir ossos acu-
mulados ou depositados durante diferentes períodos. Por exemplo, os ossos de uma cabra da

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

197
Estados de conservação
Alguns exemplos

> No Abrigo do Lagar Velho, Lapedo (Moreno-Gar-


cía e Pimenta, 2002) nos níveis sob a sepultura da cri-
ança foram recolhidos conjuntos arqueofaunísticos
que apresentavam dois tipos de alterações:
1) indiciavam actividade de carnívoros (marcas de
dentes e superfícies finas com arestas boleadas),
2) indícios de terem sido mais tarde sujeitos a acção
aluvial, eventualmente responsável pela sua acu-
mulação naquele sedimento.
Este estado de conservação é evidente no meta-
tarso de Cervus elaphus (veado) aqui ilustrado (L20-
-206). Notar na sua parte posterior (à esquerda) as
marcas provocadas pelos dentes de um carnívoro e a
sua frágil superfície.

> Todo o material osteológico proveniente das esca-


vações em curso no Penedo do Lexim apresenta super-
fícies muito deterioradas pela acção de raízes da vege-
tação que se instalou naqueles depósitos a céu aberto.
Estas alterações são evidenciadas pela presença de
inúmeros canais de secção tubular lavrados nos ossos
pelos sistemas radiculares, como ilustra este cuboide
direito de Sus sp. (U.E. 8, C6 Z75). Esta situação foi
responsável também por provocar elevados índices
de fragmentação que originaram um grande número
de restos não identificáveis (Moreno-García, em pre-
paração-a).

> Os restos faunísticos recolhidos no nível de incên-


dio e derrube associado a uma fase de abandono do
local, no Castelo de Arouca, caracterizam-se por evi-
denciarem superfícies fissuradas, destruição das
camadas exteriores dos ossos e exposição da parte
esponjosa interior, originando uma amostra muito
fragilizada. Foi possível explorar grande parte deste
material identificando elementos anatómicos e o con-
junto das espécies a que pertenceram, como é o caso
desta diáfise de metatarso de Cervus elaphus (veado)
(U.E. 93, quadrado AH 11). No entanto, o estado de
conservação impediu a recolha de dados osteométri-
cos bem como a observação de quaisquer outros sinais
de actividade antrópica relacionadas com o seu even-
tual aproveitamento e processamento (Moreno-Gar-
cía, em preparação-b).

FIG. 5-5 – Diferentes estados de conservação que afectam o desenvolvimento dos estudos arqueofaunísticos.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

198
Idade do Bronze são iguais aos de uma cabra pós-medieval. Portanto, o seu valor e potencial
dependem em grande medida da sua proveniência e contexto. Consequentemente, as amos-
tras devem ser recolhidas de unidades estratigráficas que possam ser datadas, de contextos
estratificados, sem materiais residuais ou revolvidos, que sejam arqueologicamente compre-
ensíveis e susceptíveis de serem relacionados com outros contextos da mesma jazida (Gam-
ble, 1978; Meadow, 1980). Depósitos, camadas ou unidades com estratigrafia duvidosa não
devem ser considerados.
Recuperação - Na maior parte dos casos os restos faunísticos são recuperados manual-
mente com o restante espólio arqueológico. Todavia, existem trabalhos experimentais publi-
cados desde há décadas (Payne, 1972, 1975a; Jones, 1982; Rackham, 1982; Stahl, 1996;
James, 1997) que demonstram como durante uma recolha manual não são recuperados os
dentes e os pequenos ossos dos membros (carpais, tarsais e falanges) dos mamíferos de
média ou pequena dimensão (i.e., ovicaprídeos, pequenos carnívoros, coelhos, etc.), restos
de aves e a maioria dos restos de peixes, micromamíferos (i.e., roedores, insectívoros),
anfíbios e répteis.
Para garantir que não sejam ignorados os elementos anatómicos de menor dimensão e
os grupos de pequenos vertebrados, deve efectuar-se uma crivagem dos sedimentos que
potencialmente os integrem (Fig. 5-6).
Dimensão - Nem todas as jazidas podem proporcionar amostragens significativas, ou seja,
que contenham um número razoável de restos identificáveis. Num conjunto composto por
algumas dezenas de restos pertencentes a várias espécies, apenas será possível registar a sua
presença (i.e., Rua 5 de Outubro n.o 33 no Crato; Moreno-García, 2002b), enquanto uma
amostragem que contenha centenas, permitirá conhecer as proporções relativas em que aque-
las foram exploradas (Moreno-García e Davis, 2001c). Conjuntos compostos por milhares de
restos podem proporcionar informações intra-específicas relativas a estratégias sócio-econó-
micas e culturais desenvolvidas naquele local (i.e., Alcáçova de Santarém; Davis, em prepara-
ção). Quanto maiores forem as amostras, mais representativas serão dos restos originalmente
depositados, permitindo retirar mais informações sobre o papel da fauna naquele contexto.
Acondicionamento - Para além das limitações derivadas dos critérios anteriores, o estudo
arqueozoológico pode ser igualmente afectado pelo modo como os materiais são tratados
após a escavação. Os métodos empregues no seu tratamento, embalagem, transporte e arma-
zenagem (Fig. 5-7), podem reduzir as hipóteses de obter dados essenciais no estudo posterior.
Um mau acondicionamento das amostras irá afectar a sua conservação, ocasionando sobre-
tudo elevados índices de fracturas recentes.

Informações Necessárias

Antes de iniciar o estudo de um conjunto faunístico são necessários dois tipos de infor-
mações:
1) Informação geral sobre o sítio e sobre as escavações para poder estabelecer a origem,
a natureza do espólio arqueofaunístico e as questões às quais se espera responder. Deve
incluir:
• resumo sobre a natureza e história do sítio, mencionando os trabalhos que tenham sido
anteriormente efectuados;
• relação dos motivos pelos quais se efectuou a escavação, métodos de recolha e os seus
principais resultados, incluindo um resumo das estruturas, períodos e datações dis-
poníveis;

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

199
Crivagem e triagem

> Numa escavação arqueológica a recuperação dos


restos de menores dimensões implica a crivagem dos
sedimentos. Esta operação pode efectuar-se de dois
modos. No caso de sedimentos argilosos, situação
habitual em grutas, torna-se imprescindível utilizar
água, no sentido de desagregar a matriz que envolve
os materiais. Noutras situações, como alguns contex-
tos fechados que contêm espólio muito abundante
com ausência de matriz (i.e., silos, fossas), é suficiente
uma crivagem a seco.
Quando não existem condições de realizar esta
operação no terreno os sedimentos (ou amostras sig-
nificativas das diferentes unidades estratigráficas)
devem ser transportados para um laboratório onde
possam ser processados.
Outro aspecto da maior importância prende-se
com o calibre das malhas a utilizar. Uma sequência de
crivos de 10 mm a 0,5 mm permitirá assegurar uma
recuperação exaustiva. Deste modo, enquanto as
malhas mais grossas irão recuperar carpais, falanges
e dentes de mamíferos de média e pequena dimensão
(ovicaprídeos, coelho, etc.), por exemplo, será nas
malhas mais finas que poderemos recolher os restos
de pequenos vertebrados (roedores, anfíbios, etc). Tra-
tando-se de material muito frágil é aconselhável utili-
zar um pincel macio para eliminar o sedimento.
Milhares de restos de peixes e aves, elementos de
pequenas dimensões, foram totalmente recuperados
de algumas fossas dos períodos pré-almoada e almo-
ada do Castelo de Mértola. Sem a crivagem a seco ali
praticada e a triagem posterior efectuada no laborató-
rio, estes restos, parte da dieta alimentar das gentes
que habitaram aquele local, teriam sido irremedia-
velmente ignorados e perdidos (Moreno-García e
Pimenta, em preparação).
Após a crivagem, a separação dos restos recupe-
rados nas malhas mais finas deve ser feita com boas
condições de iluminação, à lupa binocular.
Na imagem de baixo à direita, procede-se à sepa-
ração dos dentes de roedores por tipos morfológicos.
Estes dentes, elementos fundamentais para o reco-
nhecimento das diferentes espécies presentes numa
amostra, permitem recolher informações muito
importantes sobre os ambientes que lhes serviram de
suporte no passado.

FIG. 5-6 – Algumas notas relativas aos métodos de crivagem e posterior triagem de materiais arqueofaunísticos.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

200
Limpeza e acondicionamento
de material osteológico
> O acondicionamento dos materiais osteológicos é outro aspecto
da maior relevância que irá influenciar o estudo arqueozoológico.
Um primeiro passo diz respeito à eliminação dos sedimentos. Sem-
pre que se apresentem em boas condições podem ser lavados com
água, utilizando uma escova macia ou gaze. Não é aconselhável o uso
de instrumentos pontiagudos, uma vez que podem danificá-los e pro-
duzir marcas falsas. Depois de escovados devem ser lavados em
água limpa e deixados secar lentamente.
No caso de materiais fragilizados, torna-se necessário proceder à
>

sua consolidação no terreno, evitando assim, provocar novas fractu-


ras na sua recuperação e posterior manuseio, já que, naquelas con-
dições, dariam origem a um elevado número de fragmentos não
identificáveis. Esta prática, como mostra a imagem, permitiu a reco-
lha de um conjunto de restos muito degradados nas imediações de
duas lareiras do Paleolítico Superior (Gravettense) no Abrigo do
Lagar Velho, Lapedo (Moreno-García, em preparação-c).

> Para o acondicionamento dos restos osteológicos devem ser uti-


lizados contentores resistentes e duráveis, etiquetados com a deno-
minação do sítio e com a descrição dos seus conteúdos. Cada
saco/caixa deve conter várias etiquetas claramente escritas que não
se deteriorem com o tempo, sendo de evitar a utilização de tintas à
base de álcool ou solúveis em água. É conveniente que a arrumação
dos sacos siga uma ordem lógica (i.e., unidade estratigráfica), para
facilitar a localização dos materiais. As amostras recuperadas no
crivo, inclusive quando procedam dos mesmos contextos que os res-
tos recuperados manualmente, devem manter-se separadas, especi-
ficando sempre a sua condição de material crivado, bem como a
malha de crivo que foi utilizada.
Tratando-se de um património único, após o estudo arqueozoo-
lógico os materiais devem beneficiar de medidas de conservação
adequadas. Serão a sua salvaguarda para o futuro.

FIG. 5-7 – Considerações práticas relativas à limpeza, consolidação e acondicionamento de restos arqueofaunísticos.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

201
• lista com as questões específicas que o arqueólogo espera ver respondidas através do
estudo arqueozoológico;
• informações sobre outros espólios arqueológicos que possam ser relevantes (ossos tra-
balhados, pesos de tear, queijeiras, etc.)
2) Informação específica sobre cada um dos contextos em que o espólio faunístico foi
recuperado, incluindo:
• contexto estratigráfico;
• tipo de contexto ou depósito;
• localização em relação às principais estruturas;
• hipóteses de contaminação com materiais mais recentes;
• presença de materiais residuais ou remexidos;
• informações sobre a quantidade de material recolhido (peso, número de caixas ou con-
tentores).

Arqueozoologia no Laboratório: Perspectivas de Abordagem

Ponto de Partida

O primeiro passo reside na identificação do elemento anatómico (osso, dente, haste,


corno) e da espécie a que correspondem os restos identificados. Embora existam bastantes
publicações com excelentes desenhos e chaves osteológicas para a maioria dos grupos de ver-
tebrados (Schmid, 1972; Cohen e Serjeantson, 1986; Wheeler e Jones, 1989; Hillson, 1992)
que podem ser usadas numa aproximação preliminar, a identificação definitiva deverá ser
feita com o apoio de uma colecção de referência, constituída por esqueletos de animais per-
feitamente referenciados (vide Capítulo 6). Na publicação de um estudo arqueozoológico
devem ser mencionadas as diferentes fontes utilizadas para efectuar as identificações,
incluindo a colecção (ou colecções) de referência utilizada(s). Este procedimento, para além
de revelar à comunidade interessada a existência e localização de material comparativo indis-
pensável ao exercício desta actividade, demonstra cautela e responsabilidade.
Uma correcta identificação é apenas o primeiro passo do estudo arqueozoológico mas
não o seu objectivo final. Uma simples listagem de espécies e de frequências das porções
anatómicas com que estão representadas numa amostra ou num conjunto de amostras, ofe-
recem apenas uma informação parcial sobre o papel da fauna num determinado contexto
arqueológico, mas não constituem por si só um estudo arqueozoológico.
Estas informações devem ser complementadas com a observação de outras evidências:
estado de conservação, estado de ligação das epífises dos ossos longos, estado de desgaste
dos dentes, medidas, etc. O seu registo sistemático numa base de dados informatizada (pro-
gramas SPSS, Excel, Access, por exemplo) proporcionará bases para uma interpretação mais
alargada. O tratamento estatístico destas variáveis irá ampliar a leitura e permitir a abor-
dagem das áreas de pesquisa apresentadas na introdução deste Capítulo.
Assim, dedicamos particular atenção ao desenvolvimento de cinco grandes linhas de
investigação:
1. Caracterização morfo-osteométrica de espécies semelhantes
2. Observações de carácter tafonómico
3. Interpretação paleoecológica
4. Estratégias de exploração animal
5. Inferências socio-culturais

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

202
Caracterização Morfo-osteométrica de Espécies Semelhantes

Tamanho e morfologia são variáveis biológicas muito importantes e constituem um


grande auxílio para compreender a história evolutiva das espécies que actualmente conhecemos.
Espécies semelhantes têm ossos e dentes muito parecidos, factor que dificulta a sua identificação
a partir de materiais arqueológicos. As dimensões e a morfologia dos dentes e dos ossos são os
principais parâmetros que a arqueozoologia explora para resolver esta problemática.
Na Gruta do Caldeirão (Tomar; Davis, 2002) esta metodologia permitiu:
• Distinguir entre hiena riscada (Hyaena hyaena) e hiena malhada (Crocuta crocuta) (Fig. 5-8).
• Distinguir várias espécies da família Felidae: leopardo (Panthera pardus), lince (Lynx par-
dina), gato selvagem (Felis silvestris) (Fig. 5-8).
• Identificar a presença de cavalo (Equus caballus) e Equus hydruntinus (Fig. 5-9).
Na Alcáçova de Santarém (Davis, em preparação) possibilitou:
• Distinguir ovelha (Ovis aries) e cabra (Capra hircus) (Fig. 5-10).
• Diferenciar cavalo (Equus caballus) e burro (Equus asinus) (Fig. 5-9).
Estes critérios, relativos a dimensão e morfologia dos ossos e dentes vêm sendo utiliza-
dos na Europa para fazer a distinção entre animais domésticos e os seus antecessores selva-
gens: vacas e bois são menores que os auroques, menores os porcos que os javalis e muitas
raças de cães menores que o lobo. Uma das consequências da domesticação foi a alteração das
dimensões dos animais. Embora não esteja claro, é possível que nas primeiras tentativas
tenham sido seleccionados e preferidos pequenos animais selvagens em relação a indivíduos
maiores. É igualmente admissível que, nos primeiros estádios da domesticação, pudesse ser
mais vantajosa a manutenção de um grande número de animais pequenos, mais fáceis de
manipular, do que manter um grupo menor de indivíduos maiores, provavelmente mais difí-
ceis de subjugar (Boessneck e Driesch, 1978).
No entanto, as tentativas para diferenciar javalis de porcos domesticados através da aplicação
desta metodologia em jazidas portuguesas não obteve ainda resultados conclusivos. As amos-
tragens até agora estudadas evidenciam diferenças muito pequenas (Fig. 5-11). Enquanto os dados
métricos de astrágalos provenientes dos concheiros mesolíticos do Cabeço do Pez, Cabeço da
Arruda, Moita do Sebastião e Poças de São Bento, que presumivelmente pertenceriam a javalis,
são significativamente mais compridos que os dos níveis calcolíticos do Penedo do Lexim (t=6.5,
P<0.005), assim como os de porcos medievais de Inglaterra, na sequência da Alcáçova de San-
tarém é difícil distinguir as duas espécies (Davis, em preparação; Fig. 5-11). Se aplicarmos este
parâmetro a outros ossos, como o úmero por exemplo, esta dificuldade mantém-se.
Acreditamos que ambas as espécies de suídeo estiveram presentes em Santarém, mas na
maior parte dos casos as dimensões semelhantes não permitem distingui-las (Davis, em pre-
paração).
Para aclarar esta problemática na Península Ibérica, será fundamental conhecer e carac-
terizar osteometricamente as primitivas raças autóctones de suídeos ibéricos ainda produzi-
das, obtendo a partir daí valores de referência com que possam vir a ser comparadas as amos-
tras arqueológicas.

Observações de Carácter Tafonómico

A tafonomia é o estudo das leis (nomos) do enterramento (taphos) (Efremov, 1940). Quer
dizer, é o reconhecimento dos factores responsáveis pela transição de materiais orgânicos da
biosfera para a litosfera ou para o registo geológico. Na área da Arqueozoologia, este domínio

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

203
Distinção morfométrica de espécies
semelhantes (I)
> 1) Hiena riscada (Hyaena hyaena) e Hiena
malhada (Crocuta crocuta)

Durante o Plistocénico, a Europa foi habitada


por duas espécies de hienas, a hiena riscada, Hyaena
hyaena, e a hiena malhada, Crocuta crocuta. A partir
desta última evoluiu a verdadeira “hiena das caver-
nas” (Crocuta spelaea), de maiores dimensões. Na
Europa, a hiena malhada extinguiu-se no final da
última glaciação (aprox. 12 000 anos BP; Kurtén,
1968; Bonifay, 1971). Ambas foram registadas na
Gruta Nova da Columbeira, Bombarral (Roche,
1971). Cardoso (1996a) refere a hiena riscada no
Würm Inicial na Gruta de Furninha, Peniche,
Mandíbula direita de hiena recuperada na Gruta do
embora a maior parte dos restos do Plistocénico
Caldeirão (Davis, 2002). A relação entre o
Superior de Portugal sejam identificados como de comprimento e a largura do dente carniceiro permite
hiena malhada (Cardoso, 1996a). identificá-la como hiena malhada – Crocuta parecendo
estar mais próxima da Crocuta spelaea, a maior das
Os dentes inferiores de H. hyaena e de C. crocuta
hienas manchadas.
distinguem-se facilmente, tomando em consideração
a morfologia dos dentes carniceiros (primeiro
molar). Como podemos ver no gráfico (adaptado de
Bonifay, 1971; figura 34), o de Crocuta é comprido e
estreito em comparação com o de Hyaena, muito
mais curto.

> 2) Diferenciação de espécies de Felidae

Os felinos são osteologicamente muito seme-


lhantes. No entanto, variam grandemente na sua
dimensão — o esqueleto de um leão é uma versão
ampliada do de um gato doméstico. No Plistocénico
Superior, existiram 4 espécies de felinos na Europa
Ocidental — gato silvestre (antecessor do gato
doméstico), lince, leopardo e leão.
Na Gruta do Caldeirão (Davis, 2002) foi possível
evidenciar a presença de todas elas. Através de uma
base de dados com as medidas dos dentes carniceiros,
recolhidas em vários museus europeus, foram sepa-
radas claramente as diferentes espécies de felinos ali
recuperados, salvo no caso do leão identificado através
de uma falange. Como podemos observar neste dia-
grama de dispersão um espécimen posiciona-se no
conjunto de gato bravo, dois no de lince e um no de
leopardo.

FIG. 5-8 – Vias para a identificação de espécies afins (I).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

204
Distinção morfométrica de espécies
semelhantes (II)
> 3) Cavalo (Equus caballus), Zebro (Equus hydruntinus) e Burro (Equus asinus)

Os equídeos englobam um con-


junto de espécies osteologicamente
muito semelhantes entre si. Algumas
delas estiveram estreitamente associa-
das aos nossos antepassados. A domes-
ticação do cavalo, por exemplo, teve
uma enorme importância na economia
e no sucesso de diferentes civilizações.
Usando características morfológicas
dos ossos e dos dentes foi possível iden-
tificar três espécies de equídeos em Por-
tugal — o cavalo, o burro e o zebro.
Na Gruta do Caldeirão (Davis, 2002), foram recuperadas duas terceiras falanges em dife-
rentes períodos: uma maior (à esquerda na imagem) no Moustierense e outra menor (à direita)
no Solutrense. Estes dois espécimens são tão diferentes em tamanho e forma que provavel-
mente pertenceram a duas espécies distintas. A maior tem a típica margem anterior arre-
dondada de cavalo, enquanto a mais pequena é mais pontiaguda como observado em Equus
hydruntinus.

Os dentes dos equídeos têm uma estrutura complicada com dobras de esmalte na super-
fície de oclusão características das diferentes espécies. Observando a variação destes padrões,
foi identificada a presença de burro e cavalo na Alcáçova de Santarém (Davis, em preparação).
Na imagem de cima estão representados os dentes de duas mandíbulas (em vista oclusal).
A de baixo, corresponde à parte posterior de uma mandíbula de equídeo com primeiro,
segundo e terceiro molares (1999 U.E. 247; período islâmico) identificada como Equus caballus.
Repare-se na morfologia da dobra interna em forma de “U” e na penetração parcial das dobras
externas, tanto no segundo como no terceiro molar.
Os quatro dentes representados em cima na imagem foram identificados como Equus asi-
nus (1999 U.E. 335; Idade do Ferro). Observar a morfologia em forma de “V” da dobra interna
e a ausência de qualquer penetração das dobras externas, no segundo e no terceiro molar.

FIG. 5-9 – Vias para a identificação de espécies afins (II).

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

205
Distinção morfométrica de espécies
semelhantes (III)
> 4) Ovelha (Ovis aries) e Cabra (Capra hircus)

A maior parte dos ossos e dentes des-


tas duas espécies tão importantes na his-
tória do Homem são impossíveis de dife-
renciar, especialmente se considerarmos
que em praticamente todas as jazidas
arqueológicas aparecem fragmentados.
Um dos poucos ossos que permite dife-
renciá-las é a parte distal do metacarpo.
Os côndilos (a zona que articula com as
falanges dos pés) das cabras tendem a ser
relativamente mais largos do que nas ove-
lhas. Payne (1969) assinalou uma série
de medidas destes côndilos (DEM ou pro-
fundidade da trochlea vs. WCM ou lar-
gura do côndilo), que evidenciam esta
diferença.
No diagrama de dispersão podemos
observar a separação dos metacarpos de
ovelha e de cabra na Alcáçova de Santarém (Davis, em preparação), utilizando este critério.
Note-se que a maior parte da amostra era constituída por ovelhas.

FIG. 5-10 – Vias para a identificação de espécies afins (III).

investiga as circunstâncias em que os restos de um animal morto estiveram envolvidos, quer


antes quer após a sua incorporação no registo arqueológico. As carcaças dos animais começam
a sua história tafonómica como esqueletos articulados (Lyman, 1994). A desarticulação e dis-
persão das diferentes partes anatómicas está dependente de agentes onde se incluem o
Homem, os carnívoros ou os animais predadores, e de processos mecânicos naturais, tais
como a acção fluvial, a gravidade e o pisoteio. A dispersão termina quando se inicia a acumu-
lação e deposição dos restos.
O reconhecimento e a caracterização das alterações presentes nos restos osteológicos apre-
senta-se como a linha de pesquisa apropriada para identificar, na ordem inversa da que real-
mente aconteceram, aqueles processos de deposição, acumulação, dispersão e desarticulação,
que nos irão permitir eventualmente assinalar os agentes responsáveis. Deste modo a tafo-
nomia é uma disciplina que contribui para o conhecimento do processo de formação do
registo arqueozoológico.
A observação e monitorização destes processos tafonómicos realizados em trabalhos
experimentais vem auxiliando a Arqueozoologia na compreensão dos múltiplos factores aqui
envolvidos. Por exemplo, o estudo do regime alimentar e os padrões de consumo de diferen-
tes predadores: hienas (Sutcliffe, 1970; Skinner, Davis e Ilani, 1980; Brain, 1981; Cruz-Uribe,
1991; Lam, 1992; Marean et al., 1992; Skinner et al., 1998), canídeos (Walters, 1984; Payne e
Munson, 1985; Stallibrass, 1990; Schmitt, 1994); felinos (Martin e Borrero, 1997; Munson,

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

206
2000; Ruiter e Berger, 2000) e aves de rapina (Mundy, 1976; Mayhew, 1977; Plug, 1978; Dod-
son e Wexlar, 1979; Hoffman, 1988; Andrews, 1990; Guillem Calatayud e Martínez Valle,
1991; Cereijo Pecharromán, 1993; Schmitt, 1995; Hockett, 1996; Robert e Vigne, 2002) tem
sido fundamental para os identificar como potenciais agentes acumuladores de conjuntos fau-
nísticos em contextos arqueológicos.
Nos espaços naturais que eles frequentaram é comum encontrar restos das carcaças das
presas por eles consumidas, constituídas por ossos mordidos (Haynes, 1983), com marcas

FIG. 5-11 – Distinção osteométrica entre javali (Sus scrofa) e porco doméstico (Sus domesticus) em jazidas portuguesas. Histogramas

da largura da trochlea (BT) do úmero e do comprimento máximo lateral (GL) do astrágalo. Comparam-se dados provenientes de
concheiros Mesolíticos (Cabeço do Pez, Cabeço da Arruda, Moita do Sebastião e Poças de São Bento), povoados calcolíticos
(Penedo do Lexim (Moreno-García, em preparação-a), Zambujal (a ponteado; Driesch e Boessneck, 1976) e a sequência da Idade
do Ferro ao período islâmico da Alcáçova de Santarém (Davis, em preparação). Em cima, para comparação, apresenta-se a
amostra de porcos medievais provenientes do castelo de Launceston, Inglaterra (Albarella e Davis, 1996). Notar as pequenas
dimensões destes últimos quando comparados com os presumíveis javalis do Mesolítico português. É de supor que a maioria
dos espécimens calcolíticos e da Alcáçova de Santarém correspondam a porcos domésticos. No entanto, a ampla dispersão
observada pode sugerir a ocorrência das duas espécies.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

207
Actividade de predadores

> Diferentes espécies de animais predadores são respon-


sáveis pela acumulação de restos arqueofaunísticos derivados
das suas presas. Para além, das marcas dos seus dentes (no
caso dos mamíferos) evidenciam-se alterações bioquímicas
relacionadas com a digestão parcial daqueles restos. Os sucos
gástricos provocam diferentes graus de corrosão nos ossos e
nos dentes, originando superfícies patinadas, brilhantes,
muito finas, altamente erodidas, com perforações e bordos
boleados (Rensberger e Krentz, 1988).
Na Gruta do Caldeirão (Davis, 2002), sobretudo nos
níveis do Moustierense e do Paleolítico Superior Inicial, foi
registada uma grande quantidade de fragmentos não iden-
tificáveis (na sua maioria menores de 2,5 cm) que apresen-
tavam superfícies como as acima descritas (foto superior). A
ausência do mesmo tipo de corrosão nos ossos identificados
de maiores dimensões sugere não estarmos em presença de
fenómenos de erosão sedimentar mas sim perante a activi-
dade de carnívoros na gruta durante aqueles períodos.
> Nas sondagens realizadas no Abrigo do Lagar Velho
(Moreno-García e Pimenta, 2002) no vale do Lapedo (Leiria)
e nas amostras de sedimento recolhidas em camadas con-
servadas na parede do fundo do Abrigo foram recuperados
conjuntos faunísticos do Paleolítico Superior (Gravettense
Final e Solutrense). As marcas de dentes e o padrão de ero-
são visíveis em fragmentos de ossos longos (na imagem à
direita), falanges de veado, microfauna (foto em baixo) e num
reduzido número de fragmentos não determinados, docu-
mentam a actividade de carnívoros.
> Nesta imagem podemos observar o alto grau de corrosão num metápodo distal de veado
(sector SE, K20, GC tc), provavelmente digerido. Notar os bordos boleados e a sua superfí-
cie patinada.
< Os três primeiros mola-
res inferiores de ratos tou-
peiros (Microtus sp.) da ima-
gem evidenciam diferentes
graus de corrosão, o que
poderá indiciar a presença
de diferentes predadores
(i.e., aves de rapina, peque-
nos carnívoros) responsá-
veis pela sua acumulação
(TP06). No exemplar da
esquerda notar a destruição
da camada de revestimento
de esmalte com o desapare-
cimento dos triângulos do
lado labial.

FIG. 5-12 – Processos Tafonómicos (I).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

208
dos dentes (no caso dos mamíferos), regurgitados, parcial ou totalmente digeridos (Andrews
e Nesbit Evans, 1983) (Fig. 5-12). Dado que em muitas situações esses locais lhes serviram
de refúgio e abrigo, é também frequente recuperar os restos destes predadores. Assim, na
Gruta do Caldeirão (Davis, 2002) a ocorrência de restos de grandes carnívoros como a hiena,
o urso, o leão, o leopardo ou o lobo no Moustierense e Paleolítico Superior (Tabela 5-1) coin-
cide com a maior abundância de restos que reflectem a sua actividade predadora, verificando-
-se a sua diminuição a partir do Solutrense. Desta alteração é possível inferir que eles foram
os principais agentes responsáveis pelas acumulações ósseas ali presentes durante os perío-
dos mais antigos, acentuando-se a presença e acção do homem nos períodos mais recentes.

TABELA 5-1
Must EUP Sol Magd Neol
Urso + +
Leão + +
Hiena + +
Leopardo + + +
Lobo + + +
Lince + + + + +
Raposa + + + + +
Gato bravo + + +
Texugo + + +

N.o taxa carnívoros 7 7 6 4 4

– Ocorrência de restos de carnívoros na Gruta do Caldeirão (Davis, 2002). Sobrevivência e extinção – hipótese
TABELA. 5-1

preliminar. Must: Moustierense, EUP: Paleolítico Superior Inicial, Sol: Solutrense, Magd: Magdalenense, Neol: Neolítico.

Em espaços domésticos criados pelo Homem, animais comensais: cães, gatos e


algumas espécies de roedores, evidenciam a sua presença através destes mesmos sinais
(Fig. 5-13).
Esta linha de investigação poderia ser muito benéfica para a pré-história portuguesa
caso fossem desenvolvidos estudos experimentais que incidissem sobre os principais pre-
dadores ibéricos (lobo ibérico, lince, águia real, etc.) possivelmente responsáveis por uma
parte significativa do espólio arqueofaunístico de muitas das suas jazidas. Por esta razão,
o laboratório de arqueozoologia do IPA está empenhado em implementar a articulação com
grupos e instituições que desenvolvem trabalhos na área da Ecologia e Conservação da Natu-
reza. Os Centros de Recuperação de fauna selvagem ou a utilização de infra-estruturas onde
alguns deles são mantidos em semi-cativeiro, podem revelar-se de grande importância
para a recolha de material de comparação, alargando o aproveitamento desses espaços de
monitorização aos domínios da Arqueologia Experimental.
Os processos tafonómicos derivados de acção antrópica representam outra área fun-
damental neste domínio. As marcas deixadas nos ossos após a sua manipulação ou con-
sumo pelo Homem serão, no entanto, abordadas na secção dedicada às inferências cultu-
rais (Fig. 5-24).
Por último, os processos tafonómicos provocados por agentes diagénicos, representam
uma área pouco desenvolvida até ao presente na nossa investigação (Fig. 5-5). O aprofun-
dar da articulação entre os sectores da arqueozoologia e da geoarqueologia permitirá ampliar
a compreensão das evidências derivadas daqueles fenómenos, situação apenas ensaiada no
estudo do espólio proveniente da jazida do Lagar Velho (Zilhão e Trinkaus, 2002).

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

209
Actividade de animais comensais

> Os restos da alimentação humana são por vezes aproveitados por alguns animais comen-
sais que partilham com o Homem os espaços domésticos. Os sinais deste comportamento são
sobretudo visíveis em lixeiras, fossas, silos, etc.
Esta situação tem sido frequentemente observada nalguns estudos que realizamos sobre
restos de contextos islâmicos (i.e., Convento de São Francisco, Santarém; Alcácer do Sal; Sé de
Lisboa (Moreno-García e Davis,
2001c) e Núcleo Arqueológico da
Rua dos Correeiros em Lisboa
(Moreno-García e Gabriel, 2001).
Nestas duas imagens podemos
observar as marcas produzidas
pelos pequenos molares de um gato
nas áreas de articulação de um tibi-
otarso proximal de galinha (Gallus
domesticus), à esquerda, e na parte
distal de dois fémures de coelho
(Oryctolagus cuniculus), à direita.

Recuperado num silo Recuperados nas escavações de


islâmico do Convento de São 1996 no Castelo de Alcácer do
Francisco, Santarém. Sal.

< A presença de cães fica registada no efeito que os seus


dentes produzem nalguns ossos. No caso dos mamíferos
domésticos, é frequente observar a destruição parcial ou com-
pleta das extremidades proximais ou distais dos ossos longos
do esqueleto apendicular, ricos em tutano e “duros de roer”,
como podemos observar no metacarpo de ovicaprídeo da ima-
gem à esquerda (recuperado no Q M22 da Sé de Lisboa).

< A ausência de uma crivagem com malhas apropriadas


impossibilita a recolha de ossos ou dentes de pequenos roe-
dores, mas é possível registar a sua presença através de peque-
nas linhas paralelas que resultam da acção dos seus dentes
incisivos. Na foto: diáfise de tibiotarso de galinha (Gallus
domesticus), recuperado num silo islâmico do Convento de
São Francisco, Santarém.

FIG. 5-13 – Processos Tafonómicos (II).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

210
Interpretação Paleoecológica

O papel desempenhado pelos diferentes organismos vivos resulta da sua capacidade


adaptativa às condições que lhe são proporcionadas no meio natural: basicamente disponibi-
lidade de recursos alimentares e a sua tolerância a diferentes factores ambientais.
As variações climáticas ocorridas ao longo do Plistocénico implicaram grandes transfor-
mações que obrigaram muitas espécies a explorarem novas latitudes. A barreira pirenaica con-
dicionou a movimentação dos seres vivos com locomoção terrestre, obrigando a que para cá
desta fronteira natural evoluíssem distintas soluções adaptativas às pressões de dois domínios
ecológicos distintos — o Atlântico e o Mediterrâneo, complementados pela presença de com-
plexos cenários geográficos. Esta situação favoreceu simultaneamente a permanência de espé-
cies arcaicas que aqui encontraram condições de sobrevivência, quando elas já haviam desa-
parecido no resto do continente europeu. O registo arqueofaunístico revela-se fundamental para
evidenciar a grande variedade de situações ambientais que existiram na Península Ibérica no
passado, da qual resultou o elevado número de espécies endémicas aqui presentes hoje em dia.
O aprofundar do conhecimento dos ambientes e organismos actuais, do modo como inte-
ragem e se articulam entre si, constitui o ponto de partida que ajuda a compreender e inter-
pretar o significado das informações evidenciadas pela actividade arqueológica. A ampliação
destes novos domínios de análise confere ao arqueólogo a responsabilidade de recuperar essa
matéria-prima e vem acentuar a necessidade do alargamento de linhas de investigação ino-
vadoras que nas últimas décadas têm promovido uma maior articulação entre a arqueologia
e as Ciências Naturais, esforço que procuramos desenvolver (vide Capítulo 6).

Potencialidades de Exploração Paleoambiental

Microvertebrados
Este conjunto integra diferentes organismos (anfíbios, répteis, pequenas aves e micro-
mamíferos) que podem conduzir a diferentes níveis de informações paleoecológicas dada a sua
adaptação a nichos ecológicos e condições ambientais bem definidas.
Podemos tomar como exemplo os roedores, cujo testemunho paleoecológico e paleocli-
mático lhes tem atribuído grande importância nos estudos de Quaternário (Chaline, 1972;
Póvoas et al., 1992; Jeannet, 2000; Póvoas, 2001). Na Europa Continental foi possível esta-
belecer curvas climáticas baseadas nos padrões cíclicos de ocorrência de lemingues (Lemmus
lemmus e Dicrostonyx torquatus) “espécies termómetro”, actualmente circunscritas às tundras
árcticas (Chaline, 1972).
Na arqueologia portuguesa, escassos foram os esforços para a recuperação dos micro-
vertebrados. No entanto, o reduzido património informativo disponível, permitiu já assinalar
a presença de algumas espécies actualmente ausentes (Microtus nivalis) ou extintas (Allocricetus
bursae) em Portugal (Póvoas et al., 1992, Póvoas, 2001), indicadores preciosos das condições
frias do Paleolítico Superior Antigo.
Na ausência de espécies tão significativas, torna-se necessário explorar as variações nas fre-
quências daquelas que actualmente existem no nosso território embora hoje com distribuições
geográficas diferentes das registadas no passado. Esta foi a abordagem seguida no estudo pre-
liminar da microfauna recolhida em dois testemunhos sedimentares do Plistocénico Superior
no Abrigo do Lagar Velho, Lapedo (Moreno-García e Pimenta, 2002). Como variação mais sali-
ente na composição das duas amostras (Tabela 5-2), registou-se a redução de Microtus (Pitymys)
lusitanicus/duodecimcostatus do período gravettense (TP 06) ao período solutrense (TP 09),

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

211
acompanhada de um aumento de Microtus arvalis/agrestis (22,5% em TP 06 para 31,7% em
TP 09). Do mesmo modo, apesar da exiguidade da amostra, assinalou-se uma ligeira subida de
Apodemus sylvaticus (7,5% em TP 06 para e 17,1 % em TP 09) e dos Gliridae (2,5% em TP 06
para 4,9% em TP 09) associados à presença de zonas de floresta temperada (Póvoas et al., 1992).
A variação nas frequências de ocorrência destas espécies foi interpretada como podendo signi-
ficar um aumento da cobertura florestal, indiciando a presença de um ambiente mais fechado
e mais húmido no interior daquele vale durante o Solutrense.

TABELA 5-2
TP06 TP09

TAXA NR NMI % TAXA NR NMI %

Amphibia Amphibia
Anura 50 6 15 Anura 62 7 17,1
Urodela 9 2 5 Urodela 3 1 2,4
Reptilia Reptilia
Lacertidae 6 2 5 Lacertidae - - -
Colubridae 4 1 2,5 Colubridae 13 1 2,4
Insectivora Insectivora
Erinaceus europaeus 1 1 2,5 Erinaceus europaeus - - -
Crocidura sp. 1 1 2,5 Crocidura sp. 1 1 2,4
Sorex sp. 1 1 2,5 Sorex sp. 2 1 2,4
Talpa sp. 7 2 5 Talpa sp. 2 1 2,4
Rodentia Rodentia
Gliridae 1 1 2,5 Gliridae 2 2 4,9
Arvicola sapidus 61 4 10 Arvicola sapidus 57 4 9,8
Microtus 27 7 17,5 Microtus 7 3 7,3
(Pit.)lusit./duod. (Pit.)lusit./duod.
Microtus arv./agrest. 40 9 22,5 Microtus arv./agrest. 33 13 31,7
Apodemus sylvaticus 16 3 7,5 Apodemus sylvaticus 18 7 17,1
TOTAIS 224 41 TOTAIS 200 41

– Número de restos identificados de microvertebrados recuperados do Testemunho Pendurado no Abrigo do Lagar


TABELA. 5-2

Velho, Lapedo (Leiria; Moreno-García e Pimenta, 2002). TP06= Proto-Solutrense; TP09= Solutrense. As percentagens foram
obtidas a partir do número mínimo de indivíduos (NMI).

Aves
As aves constituem um grupo muito diversificado cuja mobilidade lhes permite alterar
a sua distribuição geográfica com uma facilidade e rapidez inacessível a outros vertebrados.
Os diferentes estatutos das aves que actualmente frequentam o nosso território (residentes,
estivais ou invernantes) variaram ao longo dos tempos. O registo de espécies actualmente
ausentes em Portugal, indicia áreas de distribuição mais alargadas ou latitudinalmente des-
locadas — quebra ossos (Gypaetus barbatus) no Zambujal (Driesch e Boessneck, 1976) e
Penedo de Lexim (Moreno-García, em preparação-a), pelicano (Pelecanus crispus) e cisne
(Cygnus sp.) na Alcáçova de Santarém (Davis, em preparação), Pinguinus impennis na Gruta da
Figueira Brava (Mourer-Chauviré e Antunes, 2000). Noutros casos, algumas espécies migra-
doras podem ser indicadoras da exploração sazonal destes recursos como fonte de alimento
ou de matéria-prima, como penas, gordura, ossos, etc. (i.e., ganso patola (Sula bassana) nos
níveis calcolíticos de Leceia (Gourichon e Cardoso, 1995)).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

212
Por último, a identificação de presas no conjunto de restos alimentares acumulados por
diferentes aves da rapina, pode conduzir ao conhecimento da sua presença e, consequente-
mente dos biótopos por elas explorados nos seus territórios de caça (Chaline et al., 1974;
Andrews, 1990).

Grandes e médios mamíferos


Desde há muitos anos que os zoólo-
gos reconhecem que, apesar de haver mui-
tas excepções, indivíduos de muitas espé-
cies de mamíferos (e algumas aves) ten-
dem a ser maiores em climas frios do que
em climas temperados (Bergmann, 1847).
Esta regra é conhecida como o efeito Berg-
mann, zoólogo que pela primeira vez docu-
mentou este fenómeno no século XIX. Por
exemplo, os lobos escandinavos são maio-
res que os seus parentes na Arábia; o
mamute lanudo era maior que os elefantes
da Índia ou de África, e as lebres do norte
de Europa são maiores do que as do Pró-
ximo Oriente.
A geometria básica oferece uma pos-
sível explicação. O volume, que produz
calor, aumenta ao cubo (x3), enquanto a
área de superfície, que perde calor, só
aumenta ao quadrado (x2). Portanto um
corpo grande tem uma superfície relativa-
mente pequena que lhe permite conservar
melhor o calor num ambiente frio. Além
disso, um corpo grande tem também uma
força suplementar que lhe permite supor-
tar mais gordura e mais pêlo. Herreid e
Kessel (1967) demonstraram que dupli-
cando o peso do seu corpo, as aves e mamí-
feros podem reduzir a perda de calor por
unidade de peso em cerca de 30%.
Vários arqueozoólogos e paleontólo- FIG. 5-14 – A mandíbula de hiena (Crocuta) do Moustierense

gos utilizaram a dimensão dos dentes dos (P11 865 K corte) da Gruta do Caldeirão em perspectiva biométrica
geral, comparada com espécimens de períodos glaciares e
mamíferos como indicador da temperatura interglaciares de grutas inglesas (Klein e Scott, 1989, tabela 1).
no passado (Kurtén, 1960, 1965; Davis, O gráfico mostra o comprimento antero-posterior do dente
carniceiro (M1). Para cada uma das amostras inglesas a média
1981; Klein e Cruz-Uribe, 1984). Klein e aparece como uma linha horizontal, o âmbito métrico como
Scott (1989), que estudaram restos de hiena uma linha vertical e o intervalo de confiança de 95% como um
em grutas britânicas e hienas modernas rectângulo. Entre parêntesis o número de espécimens.
Segundo Klein e Scott o facto das três amostras interglaciares
africanas, observaram que na Grã Bretanha, serem menores que as dos períodos glaciares concorda com a
a Crocuta do Plistocénico final era maior regra de Bergmann, que correlaciona baixas temperaturas com
um aumento das dimensões do corpo dos animais de sangue
durante o máximo glacial que nos períodos quente. Notar o grande tamanho do exemplar da Gruta do
inter-glaciares (Fig. 5-14), e corroborativa- Caldeirão (Davis, 2002). Seria o clima muito frio em Portugal
mente que na actualidade a dimensão deste durante o Moustierense?

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

213
animal em África aumenta com a latitude. Estas duas tendências, na opinião destes autores,
evidenciam a relação inversa entre dimensão do corpo e a temperatura assumida pelo efeito
Bergmann.
Para esta metodologia poder ser aplicada e obter resultados estatisticamente signifi-
cativos a partir das medidas de ossos e dentes fósseis, são necessárias grandes amostragens.
Na Gruta do Caldeirão foi apenas recuperado um dente carniceiro (M1) de hiena extrema-
mente grande (comprimento = 35,0 mm) no nível moustierense (Fig. 5-14). Esta situação
indicaria a presença de condições muito frias no centro de Portugal durante este período,
embora Klein (comunicação pessoal) tenha sugerido que este facto pudesse estar relacionado
também com a reduzida competição com o homem (Davis, 2002).
Restos de veado do Plistocénico Final e Holoceno parecem evidenciar algo seme-
lhante. Esta espécie era consideravelmente maior do que hoje em dia tanto na Península Ibé-
rica como no resto da Europa (Walvius, 1961; Mariezkurrena e Altuna, 1983; Lister, 1987;
Klein e Cruz-Uribe, 1994). Na Fig. 5-15 apresenta-se uma sequência da variação de dimen-
sões de veado obtida a partir da medição do comprimento máximo do astrágalo em amos-
tras provenientes da Gruta do Caldeirão (Moustierense-Magdalenense), dos concheiros
mesolíticos do Cabeço do Pez e de Poças de São Bento, do Castro Calcolítico do Zambujal
(níveis 1-4; Driesch e Boessneck, 1976), da Alcáçova de Santarém (Idade do Ferro-pós-
-medieval) e de veados modernos do Norte de França (Oise, no Museu de História Natural
de Paris). Os veados do Plistocénico Superior são claramente maiores que os veados de perí-
odos posteriores. Esta redução pode reflectir uma maior qualidade de pastagens no Plisto-
cénico e/ou temperaturas mais frias. Todavia, em Portugal é intrigante notar o aumento de
dimensão que parece verificar-se entre o Mesolítico e a Idade do Ferro (Fig. 5-15). Como
hipótese preliminar de interpretação para este aumento podemos sugerir uma redução da
pressão da actividade cinegética após o Mesolítico (Davis, em preparação), momento que
coincide com a gradual importância que as espécies domesticadas vão adquirindo na ali-
mentação humana. A substituição de uma ecologia florestal fechada por uma paisagem
(sub) arbustiva mais aberta, produzida pela instalação das comunidades agrárias, poderia
ter concomitantemente contribuído para esta adaptação.

Extinções e Introduções

Existe actualmente um grande debate entre os pré-historiadores sobre as causas que


originaram a extinção de numerosas espécies de animais nos últimos 100,000 anos.
Alguns sugerem que os agentes responsáveis terão sido as mudanças climáticas resultantes
das glaciações. Outros apontam o Homem como principal causador. Assim, a chegada do
homem caçador à América ou Austrália parece coincidir no tempo com as extinções da
mega fauna nestes territórios e muitos investigadores relacionam estes dois fenómenos
em termos de “causa e efeito”. Nos casos da Europa e África, as extinções aconteceram
durante um período de tempo mais longo e possivelmente de forma mais gradual. Por-
tanto, a identificação pela Arqueologia de restos de espécies extintas ajuda não só a com-
preender quais foram os factores responsáveis pela desaparição dessas espécies, mas tam-
bém a completar o seu registo.
A história da arqueozoologia portuguesa revelou a presença de algumas espécies
extintas nos últimos milénios, sobretudo de grandes mamíferos que, pelas suas dimen-
sões e espectacularidade não passaram despercebidos (Zbyszewski, 1943, 1950;
Zbyszewski et al., 1961; Antunes, 1986; Antunes e Cardoso, 1987; Antunes et al., 1988;

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

214
– Histogramas do diâmetro mínimo da trochlea (HTC) do úmero e do comprimento máximo lateral (GL) do astrágalo de
FIG. 5-15
veado (Cervus elaphus). Comparam-se dados provenientes da Gruta do Caldeirão, Tomar (Davis, 2002), de concheiros
Mesolíticos (Cabeço do Pez e Poças de São Bento, ambos no estuário do Sado), do povoado calcolítico de Zambujal (níveis 1-4;
Driesch e Boessneck, 1976), da sequência da Idade do Ferro ao período pós-medieval da Alcáçova de Santarém (Davis, em
preparação) e de uma pequena amostra de veados actuais do norte de França (os quadrados representam machos e os círculos
fêmeas; estes esqueletos provêem do Museu de História Natural de Paris). Note-se a grande dimensão dos veados na Gruta do
Caldeirão, a sua redução durante o Mesolítico, um novo aumento no Calcolítico e a ausência de qualquer alteração em toda a
sequência de Santarém. Poderá o aumento entre Mesolítico e Calcolítico reflectir uma menor pressão de predação sobre o veado
no centro de Portugal naquele momento? A grande dimensão dos veados no Plistocénico Superior pode reflectir ambiente frio
e/ou melhores condições de pastagens.

Zbyszewski e Ferreira, 1990; Cardoso, 1993). Nos conjuntos faunísticos estudados até ao
momento neste laboratório foi possível identificar algumas delas (Fig. 5-16).
Outra situação que se reveste da maior importância refere-se à introdução voluntária
ou involuntária de espécies exóticas. Algumas delas desempenharam um papel determi-
nante no sucesso das populações a partir do Neolítico (caso das espécies domésticas)
enquanto que outras fariam sentir a sua presença de forma devastadora (o rato negro Rat-
tus rattus responsável por surtos de peste negra na Europa medieval). Permanece obscura
a cronologia da introdução de muitas espécies que actualmente integram a fauna de Por-
tugal (a gineta (Morales Muñiz, 1994), o saca-rabos, o gamo, etc.). A arqueologia desem-
penha um papel determinante na revelação das épocas e contextos em que estes novos ele-
mentos aqui chegaram, auxiliando a compreender o impacto que essa circunstância impli-
cou no nosso meio natural bem como o relacionamento que o Homem com elas estabeleceu.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

215
Espécies extintas
Alguns exemplos registados nos nossos trabalhos

> Na Gruta do Caldeirão:


• Equus hydruntinus
• Bos primigenius
• Capra pyrenaica
• Rupicapra rupicapra
• Ursus arctos
• Crocuta crocuta
• Felis leo
• Panthera pardus

Dentes de urso (Ursus arctos) de esquerda à direita: M2 de um juvenil (P11 sc 886 K


K5, Moustierense). M1 de um indivíduo senil (P11 725 Jb, Pal. Sup. Inicial); M1 de um
indivíduo senil (P11 714 Jb, Pal. Sup. Inicial); incisivo de um indivíduo senil (P11 620).

No Abrigo de Lagar Velho, Lapedo:


>

• Capra pyrenaica

< Chifre de Rupicapra


rupicapra (camurça).
P14 201 Jb. Paleolítico
Superior Inicial.

> Terceira falange


de Capra pyrenaica
(O, sector SE, K20,
Gc tc). Gravettense.

No Penedo
>

Na Alcáçova de Santarém:
>

do Lexim:
• Gypaetus barbatus • Ursus arctos
• Cygnus sp.
• Pelecanus crispus
> Úmero distal de
Cygnus sp. (cisne) à
esquerda. 1999 U.E.
162, ROM2.
Úmero distal de
Pelecanus crispus
(pelicano) à direita.
1999 U.E. 210, MED1.

< Ulna esquerda de


Gypaetus barbatus
(quebra ossos). Locus
1, U.E. 8, C7.
Calcolítico.

– Alguns exemplos de espécies extintas da fauna portuguesa cuja presença foi evidenciada em várias jazidas estudadas no
FIG. 5-16

Laboratório de Arqueozoologia do IPA.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

216
Estratégias de Exploração

A maior parte do espólio zoológico recuperado em jazidas arqueológicas reflecte a explo-


ração que o Homem fez dos recursos faunísticos ao longo da sua evolução. Muitas foram as
estratégias desenvolvidas durante esse percurso, numa contínua adaptação às circunstâncias
que resultaram de múltiplos factores de carácter climático, económico, cultural, etc.
Através do estudo dos restos faunísticos o arqueozoólogo tenta reconhecer alguns sinais
que lhe permitam interpretar as estratégias de exploração operadas por uma comunidade, bem
como compreender o aproveitamento que aqueles animais teriam proporcionado.
Para o desenvolvimento destes objectivos, esta ciência aplica diferentes métodos de aná-
lise que lhe permitem explorar as variáveis implicadas nos processos que asseguraram a tran-
sição do estádio inicial de caçador à condição de criador de animais.
As frequências de ocorrência de mamíferos selvagens e domésticos registados em cro-
nologias desde o Plistocénico ao Holocénico, indicam uma alteração progressiva que se tra-
duz numa redução da actividade cinegé-
tica, compensada com o desenvolvi-
mento de actividades relacionadas com a
exploração de animais domésticos
(Payne, 1975b; Davis, 1982). Em Portu-
gal, como é evidenciado na Fig. 5-17,
constata-se igualmente esta alteração ao
longo dos últimos 50,000 anos. O veado,
a cabra, os equídeos e em menor grau o
javali, dominam os conjuntos arqueo-
faunísticos desde o Moustierense até ao
Mesolítico. Contrariamente, as associa-
ções datadas a partir do Neolítico são
sobretudo constituídas por gado bovino,
porcos domésticos ou selvagens e por
uma espécie nova na Península Ibérica -
a ovelha. As ovelhas selvagens são des-
conhecidas no registo fóssil ibérico pelo
que o seu aparecimento em contextos
neolíticos sugere a sua introdução como
animal já domesticado.
A domesticação de diferentes espé-
cies animais e as modalidades de explo-
ração desta variedade de recursos, fica de
algum modo reflectida na constituição
das amostras osteológicas: perfis de idade
de abate, proporções da presença de dife- FIG. 5-17 – Histogramas com percentagens de ungulados provenientes
rentes sexos (machos, fêmeas, castrados), de várias jazidas do centro de Portugal: Gruta do Caldeirão
variações osteométricas (selecção repro- (Moustierense-Neolítico); Cabeço do Pez, no estuário do Sado
(Mesolítico) e Alcáçova de Santarém (Idade do Ferro-Romano).
dutora e melhoramento de raças), condi- Note-se a redução do veado (Cervus elaphus) a partir do Mesolítico e
ções patológicas, etc. O estudo destas a importância crescente dos Bovidae (sobretudo do gado bovino e
variáveis permite ao arqueozoólogo reco- ovicaprino) do Neolítico em diante. Esta alteração pode reflectir uma
redução da actividade cinegética e uma valorização da criação de
nhecer as diferentes estratégias de explo- animais domésticos. O status (selvagem ou doméstico) de Sus bem
ração utilizadas ao longo dos tempos. como o de Capra é ainda incerto no Neolítico.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

217
Idades de Abate

Para determinar a idade de morte dos mamíferos habitualmente são aplicados dois
métodos de observação. Um considera o estado de ligação das epífises com as diáfises dos
ossos longos do esqueleto apendicular. As extremidades destes ossos só se ligam às res-
pectivas epífises após o fim do período de crescimento do animal (Silver, 1969). Portanto,
a existência de epífises não ligadas indica a presença de indivíduos juvenis e sub-adultos.
O outro método considera a erupção da dentição permanente e consequente substituição dos
dentes de leite, assim como os diferentes estados de desgaste das suas superfícies de oclu-
são (Payne, 1973).
A variável idade de abate revela-se da maior importância na medida em que permite
inferir o tipo de exploração e/ou aproveitamento que foi praticado. Uma comunidade que
deu prioridade à produção e ao consumo de carne procederia ao abate de indivíduos sub-
adultos uma vez atingido o máximo do seu crescimento, mantendo apenas um baixo
número de animais reprodutores. Pelo contrário, uma comunidade virada para o aprovei-
tamento dos chamados produtos secundários (lã, leite, estrume, etc.) e força de tracção, man-
teria animais adultos até ao esgotamento da sua vida produtiva.
A aplicação desta abordagem nas mandíbulas de ovicaprinos recuperadas no Penedo de
Lexim (Moreno-García, em preparação-a) apesar de não constituir uma amostra muito vasta,
permitiu observar uma mudança no padrão de abate deste grupo entre o Neolítico Final e o
Calcolítico (Fig. 5-18). No Neolítico, quase
metade das mandíbulas apresentam estádios de
desgaste B (pertencentes a animais de entre 2 e
6 meses de idade) e C (animais de entre 6 meses
e 1 ano de idade). Observa-se deste modo uma
elevada mortalidade de indivíduos muito jovens,
situação que contrasta com o padrão obtido para
o período Calcolítico, onde o pico de abate se
situa nos animais com idades compreendidas
entre 4 e 6 anos de idade (i.e., estádio G).
Esta mudança poderá indicar uma altera-
ção das estratégias de produção seguidas pelos
habitantes do Penedo do Lexim ao longo do
tempo. Como hipótese de trabalho sugerimos
que a abundância de indivíduos jovens no Neo-
lítico esteja relacionada com o aproveitamento
prioritário da sua carne, sendo os produtos
secundários (leite, lã, estrume, pele) de menor
importância na economia local. Contrariamente,
durante o Calcolítico, a manutenção de ovelhas
e cabras até idade avançada favoreceria a explo- FIG. 5-18 – Idade de abate dos ovicaprinos no Neolítico Final
ração desses outros produtos, passando a carne e Calcolítico no Locus 1 do Penedo de Lexim (Moreno-
a ser relegada para segundo plano. Neste con- García, em preparação-a). Percentagens das mandíbulas
nos diferentes estádios de desgaste dos dentes (Payne,
texto, devemos anotar que paralelamente se pro- 1973). Note-se a maior mortalidade de indivíduos mais
duz um incremento moderado no número de jovens no Neolítico Final (estádios B e C) em relação à
restos de porco que poderia estar relacionado amostra do Calcolítico (pico no estádio G). Estádios:
A= 0-2 meses; B= 2-6 meses; C= 6-12 meses;
com o maior consumo da carne desta espécie no D= 1-2 anos; E= 2-3 anos; F= 3-4 anos; G= 4-6 anos;
Calcolítico (Moreno-García, em preparação-a). H= 6-8 anos; I= 8-10 anos.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

218
Presença de Diferentes Sexos

Para nos auxiliar a compreender os propósitos pelos quais uma determinada espécie era
mantida no passado, é útil ter uma ideia das proporções em que cada sexo está representado.
Na maior parte das espécies animais machos e fêmeas diferem dimensionalmente – sendo,
no caso dos mamíferos, os machos maiores que as fêmeas. Porém, por vezes, a diferença de
dimensão não é suficientemente acentuada para podermos identificar o sexo a que pertenceu
um osso isolado. Em muitos casos, torna-se necessário elaborar gráficos de parâmetros osteo-
métricos de um determinado osso, onde se evidenciem dois picos: um pertencente a fêmeas
e outro, normalmente maior, evidenciando os machos. No entanto, é raro que cada sexo pro-
duza conjuntos totalmente distintos morfometricamente.
As galinhas (Gallus domesticus) são uma espécie que apresenta maior dimorfismo
sexual nalguns ossos como, por exemplo, no tarso-metatarso. Este osso é normalmente
robusto no galo e grácil na galinha. Além disso, o tarso-metatarso do galo possui um espo-
rão – arma usada no combate entre machos. Deste modo, utilizando este osso é possível
determinar as proporções da presença de machos e fêmeas em amostras arqueológicas.
A Fig. 5-19 apresenta o gráfico de dispersão onde se representam tarso-metatarsi de galinha
recolhidos na Alcáçova de Santarém, dos períodos romano e islâmico. Os resultados são
interessantes, embora devam ser interpretados com cautela, nomeadamente os referentes

FIG. 5-19 – Comparação dos tarsometatarsi de galinha (Gallus domesticus) nos períodos romano e islâmico da Alcáçova de Santarém
(Davis, em preparação). O gráfico de dispersão mostra a robustez (largura mínima da diáfise dividida pelo comprimento;
SD/GLx100) versus a largura distal (Bd). Os machos (galos) têm em geral tarso-metatarsi mais robustos e apresentam um
esporão, enquanto as fêmeas são mais gráceis e não têm esporão. Note-se a abundância de fêmeas no período islâmico.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

219
ao período romano onde a amostra existente representa apenas 5 indivíduos (quatro galos
e uma galinha). Pelo contrário, a maior parte dos tarso-metatarsi islâmicos pertencem a
fêmeas (14 galinhas e só um galo).
A disparidade entre sexos observada neste último período poderia estar relacionada com
o maior interesse em manter vivas as galinhas mais pelo valor dos ovos do que pela sua carne,
já que esta seria obtida consumindo galos jovens, cujos ossos ainda não formados não são men-
suráveis (Davis, em preparação).
Neste momento, até que surjam mais amostras portuguesas de ossos de galinha do período
romano que possam ser estudadas, apenas é possível sugerir que aparentemente houve um
interesse mais acentuado na produção e consumo de ovos no período islâmico que no romano.
Segundo referem as fontes históricas, em Al-Andalus os ovos eram consumidos em grandes
quantidades por todos os estratos da sociedade e os médicos recomendavam-os escalfados,
cozidos e fritos em azeite (García Sánchez, 1996). Actualmente no Magreb, e em geral no
mundo islâmico, os ovos continuam a ser um produto muito apreciado.

Variações Osteométricas: Melhoramento ou Introdução de Raças Novas

O controlo ou a selecção repro-


dutiva que o Homem exerce sobre os
animais domésticos tem como objec-
tivo principal o desenvolvimento de
determinadas características físicas
que irão permitir melhorar a produ-
ção. Assim, a variedade de raças exis-
tentes actualmente resulta das modifi-
cações morfológicas induzidas pelo
Homem ao longo do tempo nas espé-
cies que tem explorado.
Numa sequência arqueológica, a
presença de indivíduos pertencentes a
diferentes raças (ou melhorados den-
tro da mesma raça) só pode ser identi-
ficada através do registo de variações
morfológicas que sejam visíveis nos
ossos, desde que tenham sido elimi-
nados outros factores, como a idade
ou o sexo, igualmente responsáveis
por diferenças osteométricas. Por esta
razão, resultaria do maior interesse a – Dimensão das ovelhas na sequência cronológica da Alcáçova
FIG. 5-20

de Santarém (Davis, em preparação). Os histogramas mostram o


caracterização osteométrica das primi- comprimento (GL) dos calcanea das ovelhas de Santarém comparados
tivas raças autóctones actualmente com os de ovelhas Shetland actuais de sexo conhecido (Davis, 1996;
produzidas em Portugal. A compara- 2000). Os machos aparecem em negro e os castrados e as fêmeas com
traços. Cada quadrado representa um indivíduo. A comparação das
ção dos seus dados biométricos com amostras da Idade do Ferro e período romano, em conjunto (n= 24,
os de espécimens arqueológicos cons- média= 55.2, dp= 5.12) com as do período islâmico (n= 17, média=
58.6, dp= 4.42) indicam que ao nível de 5% os calcanea islâmicos são
titui uma linha de pesquisa fun- significativamente maiores (“t” = 2.2). A amostra das Shetland sugere
damental para compreender as alte- que a distinção entre sexos é muito ténue para explicar o aumento de
rações evidenciadas nas amostras dimensão nas ovelhas de Santarém ao longo do tempo.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

220
arqueofaunísticas e reconhecer as mudanças de estratégia de exploração de uma determinada
espécie ao longo do tempo.
Alguns dos restos de ovelha recuperados na sequência cronológica da Alcáçova de San-
tarém (da Idade do Ferro ao período Islâmico) evidenciaram variações osteométricas, que pode-
riam estar relacionadas com mudanças nos tipos de ovelha ali representadas. Por exemplo,
como mostra a Fig. 5-20, os comprimentos dos calcanea no período islâmico são maiores que
os verificados nos períodos anteriores (diferença estatisticamente significativa se comparar-
mos a amostra islâmica com o conjunto das amostras do período Romano e da Idade do Ferro;
Davis, em preparação).
Na ausência de dados referentes a raças tradicionais ibéricas, as variações das ovelhas
de Santarém foram comparadas com uma população moderna de ovelhas da raça Shetland
(Davis, 1996, 2000). Na Fig. 5-20, podemos observar que a diferenciação sexual nas ove-
lhas Shetland é muito reduzida e, portanto, insuficiente para explicar o aumento de dimen-
são que acontece nas ovelhas de Santarém desde a Idade do Ferro até ao período Islâmico.
Se considerarmos as dimensões e a morfologia do astrágalo, os resultados confirmam a
escassa distinção sexual (Fig. 5-21, gráfico à direita) notando-se, no entanto, uma tendência
para a maior parte das fêmeas ocuparem o canto inferior esquerdo, enquanto os machos e
castrados tendem a situar-se no canto superior direito. Pelo contrário, segundo avançamos

FIG. 5-21 – Dimensão e morfologia de astrágalos de ovelha. Os gráficos de dispersão representam o índice largura/ profundidade
(Bd/Dd) versus o comprimento lateral (GL) na sequência cronológica da Alcáçova de Santarém (à esquerda) e numa amostra de
ovelhas Shetland actuais de sexo conhecido (à direita; Davis, 1996, 2000). Note-se a escassa distinção sexual existente nas
ovelhas Shetland, situando-se as fêmeas no canto inferior esquerdo e os machos e castrados à direita em cima, enquanto a
dispersão das ovelhas da Alcáçova de Santarém acontece de baixo para cima segundo avançamos no tempo. Poderá reflectir esta
mudança um melhoramento nas ovelhas portuguesas?

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

221
no tempo, constata-se que a dispersão das ovelhas da Alcáçova de Santarém acontece de
baixo para cima.
Como hipótese de trabalho gostaríamos de propor que as mudanças observadas nestes
ossos (morfologia e dimensões) podem representar uma alteração eventualmente devida à
introdução de novas raças nesta área de Portugal. A dispersão na amostra do período Islâmico
pode inclusive ser devida à origem mais heterogênea das ovelhas que foram morrer a Santa-
rém — duas raças? Animais importados de longe? Outra hipótese resulta da possibilidade de
estarmos perante um melhoramento da(s) raça(s) existente(s). Ambas as explicações são inte-
ressantes dado que podem reflectir tentativas de melhoramento nas práticas agro-pecuárias
na Lusitânia e no al-Garb andalusi, durante os períodos romano e islâmico, respectivamente
(Davis, em preparação).

Condições Patológicas

Uma das consequências da domesticação está relacionada com os diferentes tipos de


exploração que o homem praticou com alguns animais. A utilização da força de tracção em
transportes ou na agricultura, a alteração das condições de vida a que passaram a estar sujei-
tos, nomeadamente estabulação e controle alimentar deixaram sinais que podem ser obser-
vados através do aparecimento de uma série de patologias a eles associadas.
O conjunto das amostras estudadas neste laboratório até ao momento não proporcionou
muitas constatações neste domínio. No entanto, apresentamos três exemplos que nos per-
mitem de algum modo ilustrar o reconhecimento destas situações deveras importantes para
a compreensão desta problemática (Fig. 5-22).

Aplicação de Novas Metodologias de Análise

A análise das variáveis acima descritas, bem como as informações que podem ser reti-
radas do seu estudo, constituem as principais linhas de pesquisa habitualmente utilizadas em
Arqueozoologia para reconhecer as estratégias de exploração animal seguidas pelos nossos
antepassados. No entanto, existem outras abordagens que têm aberto novas áreas de investi-
gação, nomeadamente aquelas que se referem ao reconhecimento das condições de vida em
que os animais domésticos estiveram envolvidos e que ficaram reflectidas no seu próprio
desenvolvimento. Por exemplo, a disponibilidade e a qualidade das pastagens são aspectos da
máxima importância que determinaram o tipo de estratégia pastoril seguida na Antiguidade.
A exploração de rebanhos de ovicaprinos a pequena, média ou grande escala e a especializa-
ção ou diversificação em determinados produtos dependia desta circunstância. Intimamente
ligada a esta questão surge a prática de uma das estratégias pastoris mais significativas no
mundo mediterrânico em geral, e na Península Ibérica, em particular — a transumância
(Braudel, 1972; Delano Smith, 1979; Lewthwaite, 1981; Bartosiewicz e Greenfield, 1999).
No trabalho anteriormente realizado (Moreno-García, 1999a, 1999b, 2001) sobre as evi-
dências arqueozoológicas da transumância com duas populações de ovelhas actuais da Serra
de Albarracín (Teruel, Espanha), constatou-se que as condições de vida de rebanhos sedentá-
rios e estabulados são diferentes dos rebanhos transumantes, sobretudo no que diz respeito
ao stress a que os primeiros estão sujeitos durante os meses de inverno. Um dos métodos de
análise utilizado (Fig. 5-23) incidiu na observação sobre o modo como o cimento dentário se
acumula ao longo da vida destes animais.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

222
Observações patológicas
Consequências da exploração animal

> Um metacarpo de bovídeo (Bos taurus) recu-


perado no nível tardo-romano republicano (U.E.
221) na Alcáçova de Santarém (Davis, em prepa-
ração) apresenta uma deformação - alargamento
exagerado dos côndilos na articulação distal (ima-
gem à direita). Este tipo de alteração tem sido
relacionada na literatura com o aproveitamento
da força de tracção destes animais (Bartosiewicz
et al., 1993).

> Nos níveis islâmicos dos séculos X-XII no


Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros
(Moreno-García e Gabriel, 2001) foi registada a
presença de tártaro ou calculus dentário nos den-
tes molares de duas mandíbulas e de um maxi-
lar de ovicaprino (na imagem à direita), quer na
parte bucal quer na lingual. Neste exemplo, a
concentração de calculus alcança o grau 4 na
escala de Dobney e Brothwell (1987). O calculus
é composto principalmente por calcite e fosfatos.
Consiste numa acumulação de cor castanha
escura ou negra com brilho metálico, cuja análise
química poderá fornecer indicações sobre a qua-
lidade das pastagens que o animal frequentou
(Armitage, 1975; Middleton e Rovner, 1994).

> Três tibiotarsi de galliformes do período islâ-


mico provenientes da Alcáçova de Santarém
(Davis, em preparação), provavelmente galinha,
apresentam diáfises curtas e encurvadas (2o à
esquerda 1995, camada 1 Silo Grande; os dois à
direita 1995, U.E.248, MED1). Notar as diferen-
ças se comparados com o exemplar da esquerda
(na imagem) pertencente a um indivíduo nor-
mal da colecção de referência. Actualmente com
a criação intensiva destes animais é comum
encontrarmos esta situação. Segundo a opinião
de alguns criadores a alimentação exagerada de
animais juvenis, provoca um aumento de peso,
excessivo para aqueles ossos em crescimento,
que os impede de se desenvolverem normal-
mente. Seriam as galinhas durante o período
islâmico sobrealimentadas?

FIG. 5-22 – Condições patológicas associadas a diferentes estratégias de exploração de animais domésticos.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

223
Novas abordagens
Estudo do cimento dentário

> O cimento cresce em bandas concêntricas envolvendo as raízes dos dentes. As primei-
ras camadas estão posicionadas junto da dentina e as mais recentes estão mais próximas da
parte externa da raiz. A principal função do cimento é fixar o dente no seu alvéolo, ligando-
o com o ligamento periodental. Na maior parte das espécies o desenvolvimento de cimento
inicia-se quando os dentes começam a sair.
As camadas de crescimento do cimento dentário são constituídas por um elemento
principal e outro intermédio.

Estes elementos possuem propriedades ópticas diferentes que permitem diferenciá-los


quando seccionamos os dentes (imagem em cima, à direita). Existem duas técnicas:
1) descalcificação e coloração.- secções histológicas
2) desbaste e polimento.- lâminas finas
Quando se trabalha com amostras arqueológicas é preferível o segundo método. Uma
máquina de corte e outra de polimento (em cima, no centro) são alguns dos equipamentos
necessários para produzir lâminas finas. A sua recente aquisição pelo IPA permitirá a con-
tinuação do trabalho iniciado por um de nós (Moreno-García, 1999b) e a exploração do
potencial desta técnica em conjuntos arqueofaunísticos portugueses.
Observando ao microscópio de luz transmitida as lâminas finas podemos distinguir
uma banda larga escura junto a uma linha de crescimento clara e estreita (imagem em
baixo; secção do M1 de ovelha). Com luz reflectida, esta linha é também escura.
No hemisfério norte o cres-
cimento de um indivíduo não é
tão activo durante o inverno
como no fim da primavera e
durante o verão. Assim, a linha
de crescimento de cimento
forma-se como resultado de
uma deposição mais lenta desde
o final do outono até ao início da
primavera enquanto a banda
mais larga (deposição mais
rápida de cimento) se forma
desde o final da primavera até
ao começo do outono.

FIG. 5-23 – Análise do cimento dentário. Uma nova tecnologia a desenvolver na Arqueozoologia portuguesa.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

224
Mina e Klevezal (1970) utilizaram o termo “estrutura-registo” para definir as conchas dos
moluscos, as escamas e os otólitos dos peixes, o tecido ósseo e a dentina de todos os vertebra-
dos assim como o cimento dentário dos mamíferos. Em todas aquelas estruturas ficam regis-
tados determinados eventos da vida de um indivíduo (Klevezal, 1996). Segundo Klevezal (1996,
p. 3, 30) “All recording structures are layered ones… The layered pattern of a recording structure is a
result of differences in the morphology of its parts”. “Parts that form with a certain periodicity differ in
morphology and optical density”. O termo “growth layer” (camada de crescimento) resume assim
esta ideia de camadas diferentes formadas periodicamente em qualquer estrutura registo.
A periodicidade na formação das camadas de crescimento nos tecidos ósseo e dentário
resultou na aplicação desta técnica em Biologia para estudar demografia animal nos últimos
50 anos. Concretamente tem sido considerada uma ferramenta muito útil para conhecer a
idade precisa de animais selvagens (Klevezal et al., 1981). Todavia, verificou-se que nem sem-
pre o número de camadas corresponde aos anos de um indivíduo e que as camadas nem sem-
pre podem ser diferenciadas.
As variações observadas no padrão das camadas de crescimento entre indivíduos de uma
mesma espécie em diferentes regiões ecológicas e/ou indivíduos de diferentes espécies numa
mesma área ecológica, favoreceram o reconhecimento de possíveis factores que poderão ter
tido influência na ocorrência daquelas variações (Grue e Jensen, 1979). Portanto, podemos con-
siderar que para além da determinação da idade, outras perguntas relativas à ecologia e bio-
logia animal podem ser abordadas através do estudo de estruturas-registo. Observou-se maior
dificuldade em distinguir as camadas de crescimento em espécimes que habitam em áreas
com baixas alterações sazonais, enquanto a incidência de indivíduos com camadas distintivas
aumenta em regiões com marcada sazonalidade.
As diferenças das condições ambientais e comportamentais a que estão sujeitas ovelhas
transumantes e sedentárias foram consideradas um factor possivelmente visível no padrão de
desenvolvimento do cimento dentário (Moreno-García, 1999b).
Esta abordagem evidenciou como o ritmo de crescimento de animais com acesso a pas-
tagens durante todo o ano (transumantes) era contínuo, não havendo diferenças claras entre
deposição de cimento ao longo das várias estações. Pelo contrário, aqueles que haviam per-
manecido estabulados durante os meses mais frios apresentavam uma deposição mais lenta,
evidente na forma de camadas mais compactas, que poderiam estar relacionadas com o stress
ambiental a que estiveram sujeitos, i.e., alimentação reduzida, falta de ar, de movimentos, etc.
(Moreno-García, 1999b).
A recente aquisição dos equipamentos necessários para a elaboração de lâminas finas nos
laboratórios do IPA, irá permitir o desenvolvimento desta linha de investigação bem como a
sua aplicação na arqueozoologia portuguesa.

Inferências Socio-culturais

As relações estabelecidas entre os homens e os animais em muitas situações tem por base
questões socio-culturais. Em jazidas pre-históricas, os restos faunísticos podem ajudar a
conhecer o tipo de utilização que o homem fez do espaço produtivo, assim como as activida-
des que ali desenvolveu. Evidências como a frequência de diferentes elementos anatómicos ou
a sua distribuição espacial irão permitir responder a questões como, se estamos em presença
de locais onde os animais foram abatidos ou desmanchados ou apenas consumidos ou, pelo
contrário, se estamos perante um local onde todas estas actividades tiveram lugar sucessiva-
mente.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

225
A ocorrência de ossos queimados, com incisões, cortes profundos ou determinado tipo
de fractura, permite inferir também a associação desses restos com o homem, constituindo a
prova de terem sido manipulados por ele. O reconhecimento dos utensílios que teriam pro-
vocado essas marcas e a existência de diferentes padrões na sua execução constituem ele-
mentos chave no registo das técnicas de processamento e modos de preparação das carcaças,
associados aos diferentes estádios culturais que marcaram a evolução humana.
Nos níveis proto-solutrenses e solutrenses do Abrigo do Lagar Velho (Moreno-García e
Pimenta, 2002) verificou-se a presença de restos de coelho queimados junto a ossos de javali
e cavalo com finas incisões, assim como de ossos longos de veado fracturados no plano lon-
gitudinal. Para além destes restos evidenciarem a exploração destas espécies pelo homem,
denotam também a manipulação das suas carcaças naquele local para o aproveitamento da
pele, o consumo da carne e da medula óssea.
Na gruta do Caldeirão (Davis, 2002) foi igualmente observada uma maior frequência de
ossos queimados e com cortes nos níveis solutrense e magdalenense em relação aos níveis
moustierense e do Paleolítico Superior Inicial, indicando a redução progressiva do uso daquele
espaço por carnívoros e um aumento da actividade humana no local.
As relações que o homem estabeleceu com o mundo animal não podem ser reduzidas à
relação predador/presa – caçador/consumidor. De facto, o registo arqueológico traz à luz do
dia exemplos que nos auxiliam de algum modo a fazer a história desse relacionamento. O coe-
lho depositado sobre as pernas da criança sepultada no Abrigo do Lagar Velho, Lapedo,
(Moreno-García, 2002c) no interior da sua mortalha, indicia um acto intencional que revela
a existência de um sentimento difícil de interpretar à distância de 25.000 anos: oferenda ritual?
Mascote?... Mais conclusivo poderá ser o enterramento simultâneo de um cão junto aos cadá-
veres de duas mulheres, recuperados no interior da Anta 3, no conjunto megalítico da Herdade
de Santa Margarida (Reguengos de Monsaraz). A datação deste esqueleto parcial é a mesma
dos dois enterramentos humanos: 3720±50 BP (BETA 166420), sugerindo que ele foi parte
daquele ritual funerário. Trata-se de um dos mais antigos registos que indiciam em Portugal
a estreita relação afectiva entre o Homem e o cão (Moreno-García, 2002a).
As inferências sócio culturais, cada vez mais complexas ao longo do tempo, são muitas
vezes difíceis de reconhecer através dos restos arqueológicos. Para aprofundar a nossa leitura
torna-se necessário explorar o conteúdo informativo de amplas amostragens onde seja possí-
vel evidenciar determinados padrões que reflictam comportamentos recorrentes e estrutura-
dos. Assim, semelhança e repetição do mesmo tipo de marcas de corte evidenciados em res-
tos faunísticos provenientes de várias jazidas portuguesas do período islâmico — Alcácer do
Sal (Moreno-García e Davis, 2001a); Convento de São Francisco, Santarém (Moreno-García e
Davis, 2001b); Sé de Lisboa (Moreno-García e Davis, 2001d); Núcleo Arqueológico da Rua dos
Correeiros, Lisboa (Moreno-García e Gabriel, 2001); Paços do Concelho de Torres Vedras
(Gabriel, 2003) sugerem a existência de um padrão no método de processamento das carca-
ças durante aquele período. Nos tratados de culinária hispano-muçulmanos é assinalada a
popularidade dos guisados, cozidos e estufados (Huici Miranda, 1966; Díaz García, 1973; Gar-
cía Sánchez, 1983-1988; Marín e Waines, 1994; García Sánchez, 1996), pratos em que peque-
nos nacos de carne eram cozinhados com verduras. O padrão evidenciado nos restos arqueo-
faunísticos, tanto nos ossos de mamíferos como nos de aves, parece corresponder a esta tra-
dição cultural, em que as carcaças são sucessivamente partidas até obter pedaços adequados
ao tamanho dos recipientes em que seriam cozinhados, originando assim poucos ossos com-
pletos ou semi completos (Fig. 5-24).
Reveste-se da maior importância a pesquisa de potenciais fontes informativas que orien-
tem a nossa percepção sobre estas questões. Os textos históricos referentes a diferentes aspec-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

226
Inferências culturais
Desmanche das carcaças no período islâmico

Esqueleto cranial: Esqueleto apendicular:


>

>
Crânio de ovicaprino
(Ovis/Capra) com cortes
profundos originados
ao remover os cornos.
Núcleo Arqueológico da
Rua dos Correeiros, Lisboa.

Ulna de bovino
(Bos taurus) juvenil
com cortes e incisões.
Castelo de Alcácer
Corno de bovino (Bos taurus) do Sal.
seccionado. Núcleo
Arqueológico da Rua
dos Correeiros, Lisboa.

Tibia de bovino
(Bos taurus) com
Mandíbula de coelho cortes profundos
(Oryctolagus cuniculus) na diáfise. Núcleo
com pequenas incisões Arqueológico da
no diastema. Castelo Rua dos Correeiros.
de Alcácer do Sal.
Escápula de
ovicaprino
Esqueleto axial:
>

(Ovis/Capra) com
cortes transversais.
Castelo de Alcácer
do Sal.

Tibiotarso de
galliforme, galinha?
(Gallus domesticus)
Axis de ovicaprino (Ovis/Capra) Vértebra lombar de ovicaprino com cortes no plano
com pequenas incisões. Castelo (Ovis/Capra) seccionada no lateral da diáfise.
de Alcácer do Sal. plano sagital. Convento Castelo de Alcácer
de São Francisco, Santarém. do Sal.

Costela de ovicaprino
(Ovis/Capra) com cortes
transversais. Castelo
de Alcácer do Sal.

FIG. 5-24 – Desmanche das carcaças e marcas de descarne em conjuntos faunísticos portugueses no período islâmico.

ARQUEOZOOLOGIA: ESTUDO DA FAUNA NO PASSADO

227
Trabalho etnoarqueológico
Etno-zoologia em Marrocos

> O quotidiano das sociedades agro-pastoris da região do


Rif, Norte de Marrocos, mantém muitas das práticas desen-
volvidas há séculos pelos seus ancestrais na Península Ibé-
rica. Conhecê-las, representa para a arqueologia um manan-
cial de informações preciosas, um auxiliar incontornável
para compreender o significado de grande parte do espólio
exumado nas jazidas daquele período.
Ao longo de muitas horas de entrevistas em dezenas de
povoados nas montanhas, foi possível recolher elementos
sobre o papel desempenhado pelos animais ali explorados e
sobre o aproveitamento dos diferentes produtos que eles
proporcionam, factores determinantes naquela precária
economia.
Os inquéritos padronizados onde depositáramos muitas
das nossas perguntas, foram sistematicamente ultrapassa-
dos pelo desenrolar das entrevistas onde afloraram infor-
mações imprevisíveis.
Do modo de desmanche das carcaças dos animais à pro-
dução, na primavera, quase diária de manteiga; da recolha
exaustiva de dejectos para produção de estrume aos dife-
rentes métodos de conservação por secagem de pequenos
pedaços de carne com osso; do aproveitamento dos chifres
carbonizados das ovelhas, cujo pó misturado com água era
até há poucos anos a tinta para escrever que as crianças uti-
lizavam nas escolas, ao estatuto de respeitado abandono até
à morte a que os burros são votados uma vez esgotada a sua
força de trabalho; da presença faminta de cães e gatos na dis-
puta dos restos alimentares à captura e consumo regular de
pequenas aves com armadilhas de costela; dos diferentes
sistemas que os agricultores utilizam para matar os javalis
em defesa das colheitas, cuja carne muitos assumiram
comer apesar de proibida no Corão (Moreno-García, no
prelo), à captura de raposas, chacais e outra fauna silvestre,
também ela manjar ocasional, cuja pele pode representar um
acréscimo financeiro no mercado (Ibañez et al., 2002), bem
como algumas partes consideradas amuletos ou susceptíveis
de aproveitamento numa medicina tradicional para homens
e animais envolta em superstições… São apenas alguns
exemplos do horizonte informativo que a etnoarqueologia
pode proporcionar.
Porque, afinal, a pele seca de um ouriço-caixeiro continua a ser ali utilizada para desmamar bezer-
ros, como Leite de Vasconcelos descrevia no início do século passado no norte de Portugal! (Leite de
Vasconcelos, 1982)
O Projecto “Las primeras comunidades campesinas en la región Cantábrica. El aporte de la etnoar-
queología en Marruecos”, coordenado pelo Dr. Jesús Emilio González Urquijo (Departamento de
Ciencias Históricas da Universidad de Cantábria, Espanha), decorreu entre os anos de 1997 e 2001
e foi financiado pela Fundação Marcelino Botín, Cantábria, Espanha. Envolveu diferentes núcleos de
pesquisa que recolheram informações sobre a vida quotidiana daquele povo na perspectiva da cria-
ção de modelos etnográficos aplicados à arqueologia.

FIG. 5-25 – O trabalho etnoarqueológico. Uma nova abordagem arqueozoológica.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

228
tos do papel que a fauna desempenhou em sociedades do passado e o trabalho etnográfico
desenvolvido junto de comunidades agro-pastoris tradicionais (Fig. 5-25) são algumas delas.
Alertam o investigador para a existência de um vasto rol de situações mesmo para além do sim-
ples consumo: associação de algumas espécies relacionadas com práticas rituais, outras indi-
cadoras de status social (por exemplo, aves exóticas, falcoaria), ou ainda o aproveitamento de
determinadas partes dos animais para diferentes finalidades (actividades artesanais, medici-
nais, etc.), onde assentam as relações complexas do homem com o mundo animal que o cir-
cunda.

Ponto Final

Reveste-se da maior importância assegurar a continuidade de uma política arqueológica


a nível nacional que permita a realização do estudo de espólios arqueofaunísticos. Através da
sua manutenção poderemos ampliar o nosso conhecimento em domínios até ao presente
pouco explorados, situação que tentamos implementar, promovendo uma maior articulação
entre os arqueólogos no terreno e os diferentes investigadores desta área em Portugal. Por
outro lado, a existência de alguns conjuntos importantes anteriormente recuperados mas
jamais observados, aguarda a oportunidade de revelar todo o seu potencial informativo, situa-
ção possível com o seu enquadramento no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos.
A Arqueozoologia é uma actividade interdisciplinar cujos horizontes estão em perma-
nente alargamento. Salientámos a importância de considerar diferentes variáveis envolvidas
no, por vezes longo, caminho que medeia entre a jazida e a nossa mesa de trabalho, nas múl-
tiplas possibilidades de abordagem que o material osteológico pode proporcionar testemu-
nhando ambientes, adaptação, subsistência, comportamento e cultura.
Facultando e partilhando abertamente resultados, bibliografia, perspectivas de estudo,
equipamentos, instalações e colecções de referência, expressamos a nossa vontade de colabo-
rar na formação de estudantes, auxiliando as novas gerações de arqueozoólogos portugueses
a colocarem este país “no mapa” da Arqueozoologia internacional.

Agradecimentos

Agradecemos a José Paulo Ruas pelas excelentes fotografias que realizou (excepto as das
Figs. 5-23 e 5-25). É um privilégio de qualquer equipa beneficiar do seu apoio técnico-artístico
cuja qualidade muito valoriza este trabalho, sem o qual não teria sido possível visualizar os
exemplos aqui apresentados. A Armando Lucena agradecemos a execução do mapa utilizado
na Fig. 5-2, a Cleia Detry a cedência de algumas referências bibliográficas e a Cathy Douzil
pelos desenhos das Figs. 5-10, 5-11, 5-15, 5-19, 5-20 e 5-21.

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PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

234
| A osteoteca: uma ferramenta
capítulo 6
de trabalho
❚ MARTA MORENO-GARCÍA ❚ CARLOS M. PIMENTA ❚ SIMON DAVIS ❚ SÓNIA GABRIEL ❚

RESUMO A osteoteca ou colecção de referência de ABSTRACT The osteotheque, or reference


esqueletos de animais é a nossa principal collection of animal skeletons, is our main tool for
ferramenta para identificar ossos arqueológicos. identifying archaeological bones. Since its creation
Desde a sua criação no início do ano 2000 temos in early 2000, we have endured much blood, smell
suportado muito sangue, maus odores e suores. and sweat.
Usamos uma enzima proteolítica para preparar We use a proteolytic enzyme to prepare
esqueletos desarticulados e desengordurados de disarticulated and degreased skeletons of securely
mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes, identified mammals, birds, reptiles, amphibians
rigorosamente identificados. and fish.
A colecção consta de mais de 1480 espécimes The collection now contains over 1480 catalogued
catalogados e marcados, a maioria dos quais and marked specimens, most of which are from
provenientes da Península Ibérica. De muitos deles Iberia. Many are of known sex, age and locality, and
conhecemos o sexo, a idade e o local de for certain important species we collect series of
proveniência. Para algumas espécies importantes specimens from different localities to improve our
temos recolhido séries de espécimes de diferentes understanding of their biometrical variation and
áreas geográficas para ampliar o nosso ontogeny.
conhecimento da sua variação biométrica e Thanks to help from numerous colleagues both
ontogénica. here and overseas (with whom we exchange
Graças à ajuda de numerosos colegas nacionais e specimens) our reference collection now includes
no estrangeiro (com quem temos intercambiado complete or partial skeletons of most of the
espécimes) a nossa colecção de referência inclui na Lusitanian mammals (71 species; including some
actualidade esqueletos completos e parciais da locally extinct ones obtained from abroad), birds
maior parte de mamíferos portugueses (71 espécies, (198 species), reptiles (26 species), amphibians
incluindo alguns extintos hoje em dia do território (13 species), and fish (48 species).
português e que foram obtidos no estrangeiro), aves In order to facilitate rapid identification we have
(198 espécies), répteis (26 espécies), anfíbios constructed several “index” collections of selected
(13 espécies) e peixes (48 espécies). bones organised by class, part of skeleton, size,
Para facilitar uma rápida identificação construímos family, genus and species.
várias colecções “índice” de ossos seleccionados,
organizados por classe, parte do esqueleto,
dimensão, família, género e espécie.

Introdução

O cerne do programa científico da Arqueozoologia consiste na recuperação, identificação,


análise, interpretação e contextualização do espólio osteológico animal exumado pela actividade
arqueológica (vide Capítulo 5). Identificar esses ossos que nos chegam do passado implica a
sua comparação com os seus equivalentes obtidos a partir dos esqueletos de animais actuais
bem referenciados (Fig. 6-1). Surge, assim, a necessidade de uma osteoteca — uma ferramenta
de trabalho imprescindível para o exercício desta linha de investigação.

235
Uma osteoteca não deve ser considerada
uma simples colecção de ossos, onde esteja
representado apenas um exemplar de cada
espécie. Factores como variabilidade individual
e dimorfismo sexual, muito acentuado em
algumas espécies, devem ser considerados.
Nem todos os ossos que constituem o esque-
leto de um vertebrado permitem um diagnós-
tico seguro ao nível da espécie. No entanto,
existe ainda um longo caminho a percorrer no
âmbito da morfometria, por exemplo, cujos FIG. 6-1 – Utilização prática da osteoteca: identificação de
fragmento proximal de tibia de ovelha.
avanços implicarão leituras mais precisas e
alargadas neste domínio (vide Capítulo 5).
Dada a inexistência em Portugal de uma colecção de referência de esqueletos de verte-
brados de apoio à Arqueozoologia, no início do ano 2000 a Direcção do Instituto Português
de Arqueologia e a nossa equipa estabeleceram a sua construção como tarefa prioritária. Para
concretizá-la foram cumpridos dois aspectos fundamentais:
• A montagem de um laboratório de preparação de esqueletos (Fig. 6-2).
• A disponibilização dos meios logísticos necessários à sua execução, organização e acon-
dicionamento.

FIG. 6-2 – Vista parcial do Laboratório de preparação de esqueletos.

Contactos com Instituições Nacionais e Internacionais

Para desenvolver este projecto pioneiro em Portugal procurámos informar e sensibilizar


diferentes instituições, criando uma rede de apoios que nos permitiu o acesso a centenas de
cadáveres de animais (Fig. 6-3). Muitos destes contactos, dirigidos a sectores aparentemente
distanciados do mundo da Arqueologia, mereceram grande empenhamento por parte dos seus
responsáveis que viram na nossa actividade uma possibilidade de aproveitamento científico
de restos que era necessário eliminar.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

236
FIG. 6-3 – Exemplo de ofício a solicitar apoio a instituições nacionais.

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

237
Anualmente morrem ou são feridos milhares de animais selvagens. Outros, são criados
ou capturados para fins alimentares. A pesca, a pecuária, a caça (legal e ilegal) e a Protecção
da Natureza, são actividades que mantêm uma relação directa com o mundo animal.
Ao longo de 3 anos de actividade preparámos centenas de espécimes graciosamente
cedidos que hoje integram a colecção de referência. No caso de algumas espécies presentes no
passado mas actualmente ausentes no nosso território, recorremos ao intercâmbio de esque-
letos com entidades internacionais (Tabela 6-2).
Salientamos o papel desempenhado pelo Instituto de Conservação da Natureza, respon-
sável pela cedência da maior parte dos exemplares de fauna silvestre que integram a osteoteca.
Através da sua rede nacional de Áreas Protegidas, recolhemos centenas de animais, merecendo
especial menção o Parque Nacional da Peneda-Gerês onde muitos deles foram necropsiados
(Tabela 6-1). Ali estão conservadas as amostras que integram o Banco de Tecidos de Verte-
brados Selvagens, relevando o papel do ICN como responsável pela conservação, divulgação
e distribuição de material genético de grande valor científico. Partilhamos com os seus técni-
cos um nobre objectivo: evitar o desperdício de material biológico e proporcionar o seu cabal
aproveitamento por diferentes domínios de investigação em Portugal.

TABELA 6-1
Peixes Anfíbios Répteis Aves Mamíferos Total

Parque Nacional da Peneda-Gerês 10 2 37 77 104 230


Parque Natural da Arrábida/Reserva
Natural do Estuário do Sado 3 2 5
Parque Natural do Douro Internacional 12 8 19 26 65
Parque Natural de Montesinho 1 1
Parque Natural da Ria Formosa 4 1 5
Parque Natural da Serra da Estrela 3 3
Parque Natural da Serra de São Mamede 3 6 4 6 19
Parque Natural do Vale do Guadiana 20 1 2 34 19 76
Reserva Natural das Berlengas 1 20 21
Reserva Natural do Estuário do Tejo 10 12 1 23
Paisagem Protegida Litoral de Esposende 9 9
Particulares 19 19
TOTAL 40 18 54 182 182 476

– Contribuição das diferentes Áreas Protegidas nacionais para a constituição da colecção de referência de vertebrados do
TABELA 6-1

Laboratório de Arqueozoologia do IPA. Número de espécimens preparados.

Do Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências de Lisboa cujos investigado-


res, pertencentes a diferentes ramos do conhecimento biológico, nos têm auxiliado, ao Corpo
de Inspectores Sanitários de Pescado da Câmara Municipal de Lisboa na Doca Pesca que pos-
sibilitou a preparação de excelentes exemplares da ictiofauna marinha do Atlântico, passando
pela Estação Zootécnica de Santarém, cedendo ovicaprinos de algumas das raças autóctones
produzidas em Portugal ou pelo Parque Ecológico de Monsanto que cedeu animais mortos no
seu centro de recuperação, longa é a lista de colaborações nacionais (Tabela 6-2).
Ao nível internacional, podemos distinguir dois tipos de situações de intercâmbio e cola-
boração:
1) No âmbito da cedência de cadáveres. Registamos a colaboração de Organizações Não
Governamentais de Espanha: GREFA – Grupo para la Rehabilitación de la Fauna Autóc-
tona y su Habitat (avifauna selvagem), da ACCUCA – Asociación Cultural del Cuater-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

238
nario Cantábrico, da Cañada de los Pájaros – Reserva Natural Concertada (avifauna das
zonas húmidas) e Instituições Públicas e Estatais como a Consejería de Medio Ambiente
del Gobierno del Principado de Asturias, cujos responsáveis possibilitaram o acesso a
algumas espécies presentes no Norte da Península Ibérica (camurças, martas e sal-
mões), para além dos apoios e contactos regulares com o Laboratório de Arqueozoologia
da Universidad Autónoma de Madrid.
2) No âmbito do intercâmbio de esqueletos (ou partes de esqueletos) já preparados. Esta
é uma prática habitual entre investigadores de arqueozoologia que permite integrar
nas osteotecas elementos que, pela sua raridade ou inexistência nos países que os soli-
citam, seriam difíceis ou impossíveis de obter. Por esta via, no que respeita à fauna
mamalógica, conseguimos integrar nesta colecção espécies como o castor (Zooar-
chaeology Laboratory, Peabody Museum, Harvard University – USA), a hiena (Hebrew
University of Jerusalem – Israel), o urso (Finnish Museum of Natural History – Finlân-
dia), animais presentes no passado mas actualmente extintos em Portugal. Em rela-
ção à avifauna, recebemos importantes contributos da Polónia (Polish Academy of
Sciences), de Inglaterra (English Heritage), de França (Muséum d’Histoire Naturelle
de Paris), de Israel (Telaviv University) e da Groenlândia (Copenhagen Natural History
Museum).

TABELA 6-2
EM PORTUGAL:
I.C.N. – Instituto da Conservação da Natureza
– Parque Nacional da Peneda-Gerês
– Parque Natural da Arrábida
– Parque Natural do Douro Internacional
– Parque Natural de Montesinho
– Parque Natural da Ria Formosa
– Parque Natural da Serra da Estrela
– Parque Natural da Serra de São Mamede
– Parque Natural de Sintra-Cascais
– Parque Natural do Vale do Guadiana
– Reserva Natural das Berlengas
– Reserva Natural do Estuário do Sado
– Reserva Natural do Estuário do Tejo
– Paisagem Protegida do Litoral de Esposende
– DEP - Divisão de Espécies Protegidas
– DSCN – Direcção de Serviços da Conservação da Natureza
Centro de Biologia Ambiental - Faculdade de Ciências de Lisboa
Parque Ecológico de Monsanto – Lisboa
Estação Zootécnica Nacional – Santarém
Tapada Nacional de Mafra
DRARO – Direcção Regional da Agricultura da Região Oeste
Corpo de Inspectores Sanitários de Pescado da Câmara Municipal de Lisboa na Doca Pesca
Câmara Municipal de Lisboa
– Divisão de Higiene e Limpeza Urbana
– Museu da Cidade
L.N.I.V. - Laboratório Nacional de Investigação Veterinária - Lisboa
Instituto Oceanográfico
Faculdade de Medicina Veterinária - Lisboa
Liga para a Protecção da Natureza
Aquário Vasco da Gama
Instituto de Ciências e Tecnologias Agrárias e Agro-Alimentares – Universidade do Porto

(cont.) >>

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

239
(Cont.)

Grupo Lobo – Associação para a Conservação do Lobo e do seu Ecossistema


Baronigg – Criação de Avestruzes, Lda.

EM ESPANHA:
GREFA – Grupo para la Rehabilitación de la Fauna Autóctona y su Hábitat
ACCUCA - Asociación Cultural del Cuaternario Cantábrico
Consejería de Medio Ambiente - Gobierno del Principado de Asturias
Cañada de los Pájaros – Reserva Natural Concertada
Laboratorio de Arqueozoología – Universidad Autónoma de Madrid

EM EUROPA:
English Heritage, Portsmouth – Grã Bretanha
University of Birmingham – Grã Bretanha
Finnish Museum of Natural History – Finlândia
Muséum national d’Histoire naturelle, Paris – França
Polish Academy of Sciences – Polónia
Copenhagen Natural History Museum – Dinamarca

NO RESTO DO MUNDO:
Hebrew University of Jerusalem – Israel
Telaviv University – Israel
Peabody Museum - Zooarchaeology Laboratory, Harvard University – USA

OUTRAS ENTIDADES CONTACTADAS:


Ministério da Agricultura
– Direcção Regional de Agricultura do Alentejo
– Centro de Experimentação do Baixo Alentejo
– Perímetro Florestal da Contenda
– Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes
Museu Nacional de História Natural – Museu Bocage
Ancose – Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Serra da Estrela
Ancras – Associação Nacional de Caprinicultores da Raça Serrana
Ascal – Associação de Criadores de Gado do Algarve
Jardim Zoológico de Lisboa
Núcleo Regional do Litoral Alentejano da Quercus
National Museums of Kenya, Quénia
Scottish Nature, Escócia

TABELA 6-2 – Relação das instituições nacionais e estrangeiras que apoiam a constituição da osteoteca do IPA.

Foram ainda celebrados três protocolos de colaboração com o objectivo de racionalizar e


aproveitar bens de grande valor científico:
1. Tapada Nacional de Mafra/ Direcção Regional da Agricultura da Região Oeste – através
deste protocolo tri-partido foi possível integrar um importante conjunto de crânios
com mandíbula de espécies com interesse cinegético (veado, gamo, corço, raposa e coe-
lho) cuja catalogação, divulgação e conservação está à nossa responsabilidade.
2. Laboratório Nacional de Investigação Veterinária – este protocolo tem possibilitado a pre-
paração de vertebrados marinhos que deram à costa, recolhidos pelo ICN.
3. Instituto de Conservação da Natureza – este protocolo surge na sequência da imple-
mentação do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos em curso desde 1999, des-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

240
o
FIG. 6-4 – Descarne do cadáver de um lobo (O adulto, CIPA N 1445). Primeira fase de preparação do esqueleto.

tinado a registar de forma sistemática as ocorrências de mortalidade daquela espécie


e proporcionar o acesso a informação/material biológico à comunidade científica
com vista à realização de estudos para a sua conservação. Cada cadáver de lobo repre-
senta uma fonte de pesquisa sobre a qual incidem diferentes abordagens, desde a reco-
lha de amostras de órgãos e tecidos à preparação do seu esqueleto (Fig. 6-4), visando
salvaguardar para o futuro um enorme potencial científico sobre uma das espécies
mais ameaçadas no nosso país.
Além destas contribuições, contámos ainda com a colaboração de colegas e amigos que
nos entregaram animais encontrados mortos, sobretudo nas bermas das estradas.

A Osteoteca

Método de Preparação

Existem diferentes métodos para obter o esqueleto de um animal a partir do seu cadá-
ver: enterramento, cultura de organismos necrófagos, maceração em água, etc. São pro-
cessos de manipulação desagradável e, sobretudo, demasiado lentos para a obtenção de
resultados a curto prazo.
O método utilizado no Laboratório de Arqueozoologia do IPA, desenvolvido por Davis
desde 1971, sucessivamente em Jerusalém, no Kurdistão, em Chipre e em Londres (Davis
e Payne, 1992), oferece um conjunto de vantagens inegáveis: rapidez e eficiência. Trata-se
de um processo bioquímico realizado em condições termicamente controladas através do

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

241
qual, pela actuação de um enzima adicionado à água onde os ossos são imersos, se opera a
destruição dos tecidos moles e ligamentos em poucas horas.
Para apresentar as diferentes operações relacionadas com a construção da osteoteca,
descrevemos detalhadamente as fases do processamento dos cadáveres e os critérios que
foram adoptados para a sua organização.

Identificação

Os espécimes que integram a colecção de referência foram identificados taxonomica-


mente ao nível de espécie. Em geral, chegam identificados pela instituição que os cedeu mas
procede-se à sua confirmação utilizando fontes bibliográficas actualizadas para as diferen-
tes Classes: peixes (Whitehead et al., 1986; Lozano Rey, 1990), anfíbios e répteis (Barbadillo
et al., 1999), aves (Svensson et al., 1999) e mamíferos (Mitchell-Jones et al., 1999). Cada
animal é objecto de uma descrição morfológica pormenorizada (padrão das penas, da pele,
do pelo, das escamas, sexo, etc.) e biométrica (peso, comprimento da asa, da pata, etc.)
visando despistar eventuais dúvidas no futuro e justificar os critérios que foram utilizados
(Fig. 6-5). No caso dos animais domésticos importa registar também a raça e a idade à data
de morte.
Muitos animais chegam ao laboratório em mau estado de conservação: foram vítimas
de atropelamento, envenenamento, caça furtiva, ou quaisquer outras razões que procura-
mos indagar. Quando uma identificação não pode ser inequivocamente efectuada, o animal
é eliminado ou conservado na rede de frio para posterior observação e identificação por espe-
cialistas do respectivo grupo zoológico.
A identificação através das características morfológicas externas de algumas espécies
do mesmo género resulta por vezes difícil, ou mesmo impossível. É uma situação que
acontece na prática quando, por exemplo, tentamos separar gatos selvagens (Felis silvestris)
de alguns exemplares de gatos domésticos (Felis catus). Os contactos estabelecidos com
investigadores da área da Genética tornam-se fundamentais para a sua determinação defi-
nitiva.
Todos os animais que recebemos são previamente congelados. Este procedimento
destina-se a eliminar parasitas que poderiam ameaçar a saúde dos preparadores.
O laboratório possui duas arcas congeladoras onde permanecem conservados à tempe-
ratura de – 10 oC.

Preparação (Fig. 6-6)

• Os cadáveres são retirados da arca congeladora no dia anterior à sua preparação.


• Para cada espécime é preenchida uma ficha. Para além de um número de ordem, con-
tém o máximo de informação biográfica que foi possível reunir (Fig. 6-5).
• O número de ordem é inscrito em pequenas chapas metálicas.
• É retirado o revestimento externo (pele, penas, etc.), são recolhidas amostras de ele-
mentos susceptíveis de conservação em depósitos arqueológicos (escamas de peixe, por
exemplo), quaisquer elementos de identificação que possuam (anilhas, brincos de
identificação sanitária, etc.) após o que se inicia o descarne. Esta operação é executada
com instrumentos cortantes de características diferentes dependendo das dimensões
do animal em questão (bisturis, facas, serrotes).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

242
FIG. 6-5 – Exemplo da ficha individual de preparação utilizada na osteoteca do IPA (modificada de S. Payne).

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

243
• Separam-se os membros anteriores e posteriores, do lado direito e do lado esquerdo.
Cada um destes conjuntos possui a respectiva chapa metálica.
• Estes ossos ainda articulados, com restos de carne e tendões, são colocados em
meias de nylon separadas, o mesmo acontecendo com os restantes elementos do
esqueleto (crânio, mandíbulas, pélvis, vértebras, etc.).
• Cozem em água a ferver para destruir os ligamentos durante períodos de tempo variá-
veis, de acordo com as dimensões e características do animal em preparação (de
alguns minutos a várias horas). Por exemplo, no caso dos peixes que não os possuem
ou de animais pequenos, dada a fragilidade dos seus ossos, são suficientes apenas
alguns minutos.
• Uma vez retirados da água, sofrem um segundo descarne dos tecidos amolecidos pela
cozedura anterior. Nesta fase, nos mamíferos de média e grande dimensão, são
abertos com um berbequim dois pequenos orifícios nas extremidades dos ossos do
esqueleto apendicular no sentido de estender a acção da enzima ao seu interior e eli-
minar o tutano.
• Após esta operação, uma vez recolocados nas mesmas meias de nylon, são mergu-
lhados em baldes de plástico com água tépida à qual é adicionada uma pequena por-
ção (1 colher de sopa/20 litros de água) de enzima Neutrase 0,8 L. Colocam-se os bal-
des numa estufa à temperatura constante de 45oC, permanecendo ali durante algu-
mas horas. O processo enzimático vai provocar a destruição dos tecidos restantes. No
caso de não ser possível aceder a uma estufa, para aquecer a água nos baldes podem
ser utilizados termóstatos de aquário. Uma alternativa à utilização desta enzima
pode ser o recurso a detergentes comerciais que, embora menos eficientes, produ-
zem resultados semelhantes.
• Terminada esta fase os diferentes conjuntos são retirados das meias, sempre acom-
panhados pela chapa respectiva, e lavados em água corrente. Durante esta operação
são utilizados crivos com malhas variadas, de acordo com as dimensões dos ossos que
estão a ser processados, visando a recuperação de todos os elementos. Depois são
colocados a secar em tabuleiros individuais.
• Uma vez secos, para eliminar a gordura não destruída pelo processo enzimático, pre-
judicial à boa conservação dos ossos e responsável por mau odor no futuro, é habi-
tual mergulhá-los em três banhos sucessivos de acetona durante algumas semanas.
Por vezes, durante a preparação, são recuperados objectos estranhos ao esqueleto
(chumbos de caça, por exemplo) que são guardados juntamente com ele, como comple-
mento da sua biografia.
Finalmente, os elementos registados nas fichas de preparação individuais são intro-
duzidos numa base de dados informatizada (Programa Access) que permite aceder com
rapidez a qualquer informação.

Marcação

Os ossos são marcados individualmente com tinta negra indelével (n.o de ordem,
membro e lado a que pertencem). Naqueles que vão integrar as colecções-índice, além das
marcações mencionadas, é inscrito o nome científico da espécie a que pertencem bem
como o sexo, sempre que tenha sido possível determiná-lo (Fig. 6-7).
Por fim procede-se ao registo na ficha individual do estado do esqueleto após a prepa-
ração (partes danificadas, perdidas, etc.).

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244
Preparação
Sequência de operações no laboratório

1. Descarne de uma pata posterior 2. Os ossos descarnados são colocados


de lobo. em meias de nylon.

3. Cozedura dos ossos.

5. Lavagem dos ossos após a acção 4. Baldes na estufa durante o processo enzimático.
enzimática.

6. Ossos de tartaruga boba (Caretta caretta) 7. Desengorduramento dos ossos em três


CIPA No 1441 a secar em tabuleiros. banhos sucessivos de acetona.

FIG. 6-6 – Sequência de operações no laboratório de preparação de esqueletos.

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

245
– Colecção índice de aves. Na célula central podemos observar dois úmeros direitos de abetarda (Otis tarda). Do lado
FIG. 6-7

direito um espécime O, do lado esquerdo um espécime P. Notar o acentuado dimorfismo sexual existente nesta espécie.

Composição

Esta osteoteca inclui os grupos de vertebrados: peixes (marinhos e dulçaquícolas),


anfíbios, répteis, aves e mamíferos que estão sistematicamente organizados por Classe,
Ordem e Família. Para descrever a composição de cada espécime, utilizamos o seguinte
código de números: 1) esqueleto completo; 2) esqueleto parcial (pelo menos uma mandíbula,
todos os ossos de um membro anterior e de outro posterior para os mamíferos, e para as
aves os seguintes nove ossos: escápula, coracoide, úmero, rádio, ulna, carpometacarpo,
fémur, tibiotarso e tarsometatarso); 3) apenas crânio e mandíbula; 4) esqueleto muito
incompleto; 5) osso ou dente isolado.
Em Abril de 2003 a osteoteca integra mais de 1480 espécimes osteológicos assim dis-
tribuídos (Fig. 6-8).
• 975 esqueletos completos de todos os grupos
• 127 esqueletos parciais de aves e mamíferos
• 295 crânios com mandíbula de mamíferos
• 51 elementos isolados em todos os grupos (excepto Anfíbios)
Após três anos de trabalho reconhecemos que muito há ainda para fazer. Apesar do ele-
vado número de esqueletos que integram hoje a colecção, estão ausentes muitas das espé-
cies susceptíveis de terem ocorrido no passado no território português. Enquanto o conjunto
dos Anfíbios e Répteis, representados por 13 e 26 espécies respectivamente, já constituem
75% da Herpetofauna portuguesa actual, sectores como a Ictiofauna marinha e dulçaquí-
cola estão ainda precariamente representados (Tabela 6-3 e Fig. 6-9). No caso das aves, um
grupo muito diversificado, as 197 espécies presentes na colecção, estão ainda muito aquém

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

246
das 350 inicialmente previstas (Fig. 6-9). Note-
-se a situação geográfica de Portugal como
ponto de passagem de rotas migratórias e área
de arribação de espécies invernantes e estivais.
No caso dos mamíferos, podemos considerar
duas situações: fauna silvestre e animais
domesticados. Espécies presentes no Plistocé-
nico, como os grandes felídeos, o leão ou o leo-
pardo, ou outras que hoje se encontram no
limiar da extinção, como o lince ibérico (Lynx
pardinus), ou o urso (Ursus arctos), não estão
representados ou apenas muito parcialmente
através de ossos isolados (Tabela 6-3). – Gráfico do número de esqueletos preparados na
FIG. 6-8

Em relação às espécies domésticas, que osteoteca do IPA até Abril 2003. Códigos de composição:
1= esqueleto completo; 2= esqueleto parcial; 3= crânio e
constituem a maior parte dos espólios arqueo- mandíbulas; 4= esqueleto muito incompleto; 5= ossos ou
faunísticos desde o Neolítico, torna-se funda- dentes isolados.
mental integrar na osteoteca amostragens sig-
nificativas de exemplares de primitivas raças
autóctones produzidas em Portugal, como
referido na Introdução. Este conjunto constitui
uma das maiores lacunas desta colecção.
Alguns dos contactos efectuados nesse sen-
tido, não produziram até ao momento os resul-
tados desejados. O aparecimento do surto de
febre aftosa em 2001, atrasou a preparação de
exemplares que as diferentes Associações de
Criadores de Ovicaprinos estão dispostas a
ceder-nos, uma vez debelados os condiciona-
lismos de carácter sanitário em vigor. Esta é
uma das prioridades imediatas da continua- – Gráfico do número de espécies representadas na
FIG. 6-9

ção do nosso trabalho. osteoteca do IPA até Abril 2003.

TABELA 6-3 Relação das espécies que integram a osteoteca do IPA em Abril 2003
Mamíferos:

Nome latino Nome vulgar

Insectivora
Erinaceus europaeus Ouriço-cacheiro
Sorex araneus Musaranho-comum
Sorex granarius Musaranho-de-dentes-vermelhos
Neomys anomalus Musaranho-de-água
Crocidura russula Musaranho-de-dentes-brancos
Crocidura suaveolens Musaranho-pequeno-de-dentes-brancos
Galemys pyrenaicus Toupeira de água
Desmana moschata Toupeira-de-água-da-Rússia
Talpa europaea Toupeira-europeia
Talpa occidentalis Toupeira de Cabrera
(cont.) >>

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

247
TABELA 6-3 (cont.)
Mamíferos:

Nome latino Nome vulgar


Chiroptera
Rhinolophus hipposideros Morcego-de-ferradura-pequeno
Myotis myotis Morcego-rato-grande
Nyctalus leisleri Morcego-arborícola-pequeno
Plecotus austriacus Morcego-orelhudo-cinzento
Lagomorpha
Lepus europaeus Lebre-europeia
Lepus granatensis Lebre-ibérica
Oryctolagus cuniculus Coelho-bravo
Rodentia
Sciurus vulgaris Esquilo-vermelho
Castor canadensis Castor americano
Clethrionomys glareolus Rato-das-margens
Arvicola sapidus Rato-de-água
Arvicola terrestris Rato-dos-lameiros
Microtus agrestis Rato-do-campo-de-rabo-curto
Microtus cabrerae Rato de Cabrera
Microtus lusitanicus Rato-cego
Microtus oeconomus Rato-do-campo-da-tundra
Spalax leucodon Rato toupeiro grande
Micromys minutus Rato-espigueiro
Apodemus agrarius Rato-do-campo-listado
Apodemus flavicollis Rato-de-pescoço-amarelo
Apodemus sylvaticus Rato-do-campo
Rattus norvegicus Ratazana-de-água
Rattus rattus Ratazana-preta
Mus domesticus Rato-caseiro
Mus spretus Rato-das-hortas
Eliomys quercinus Leirão
Muscardinus avellanarius Leirão comum
Carnivora
Canis lupus Lobo
Canis familiaris Cão doméstico
Vulpes vulpes Raposa
Ursus arctos Urso
Mustela erminea Arminho
Mustela nivalis Doninha
Mustela putorius Toirão
Mustela vison Visão-americano
Martes martes Marta
Martes foina Fuinha
Meles meles Texugo
Lutra lutra Lontra
Genetta genetta Geneta
Herpestes ichneumon Saca-rabos
Felis silvestris Gato-bravo
Felis catus Gato doméstico
Hyaena hyaena Hiena riscada
>

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248
TABELA 6-3 (cont.)
Mamíferos:

Nome latino Nome vulgar


Crocuta crocuta Hiena malhada
Pinnipedia
Phoca vitulina Foca-vitulina
Cystophora cristata Foca-de-crista
Artiodactyla
Sus scrofa Javali
Hippopotamus amphibius Hipopótamo
Dama dama Gamo
Cervus elaphus Veado
Capreolus capreolus Corço
Rupicapra pyrenaica Camurça dos Pirinéus
Capra hircus Cabra
Ovis ammon Muflão
Ovis aries Ovelha
Bos taurus Vaca
Perissodactyla
Equus caballus Cavalo
Cetacea
Delphinus delphis Golfinho comum
Stenella coeruleoalba Golfinho riscado
Tursiops truncatus Roaz
Kogia breviceps Cachalote anão

Aves:

Nome latino Nome vulgar (Costa et al. 2000)

Gaviiformes
Gavia stellata Mobelha-pequena
Gavia immer Mobelha-grande
Podicipediformes
Tachybaptus ruficollis Mergulhão-pequeno
Podiceps cristatus Mergulhão-de-crista
Podiceps grisegena Mergulhão-de-faces-brancas
Procellariiformes
Fulmarus glacialis Fulmar-glacial
Calonectris diomedea Cagarra
Puffinus puffinus Pardela-sombria
Oceanodroma leucorhoa Painho-de-cauda-forcada
Diomedea chlororhynchos Albatroz-de-bico-amarelo
Pelecaniformes
Sula bassana Ganso-patola
Pelecanus onocrotalus Pelicano-vulgar
Phalacrocorax carbo Corvo-marinho-de-faces-brancas
Phalacrocorax aristotelis Corvo-marinho-de-crista
Phalacrocorax pygmeus Corvo-marinho-pequeno
Ciconiiformes
Botaurus stellaris Abetouro-comum

(cont.) >>

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

249
TABELA 6-3 (cont.)
Aves:

Nome latino Nome vulgar


Bubulcus ibis Garça-boieira
Egretta garzetta Garça-branca-comum
Ardea cinerea Garça-real
Ardea purpurea Garça-vermelha
Ciconia ciconia Cegonha-branca
Plegadis falcinellus Maçarico-preto
Platalea leucorodia Colhereiro
Phoenicopteriformes
Phoenicopterus ruber Flamingo
Anseriformes
Cygnus olor Cisne
Cygnus cygnus Cisne-bravo
Cygnus columbianus Cisne-pequeno
Anser albifrons Ganso-de-testa-branca
Anser brachyrhynchus Ganso-de-bico-curto
Anser anser Ganso-comum
Branta bernicla Ganso-de-faces-pretas
Branta ruficollis Ganso-de-pescoço-ruivo
Tadorna tadorna Pato-branco
Anas platyrhynchos Pato-real
Anas domesticus Pato-doméstico
Anas acuta Arrábio
Anas clypeata Pato-trombeteiro
Anas penelope Piadeira
Marmaronetta angustirostris Pardilheira
Anas crecca Marrequinho-comum
Anas querquedula Marreco
Aythya ferina Zarro-comum
Netta rufina Pato-de-bico-vermelho
Aythya marila Zarro-bastardo
Aythya fuligula Negrinha
Somateria mollissima Eider-edredão
Melanitta nigra Pato-negro
Melanitta fusca Pato-fusco
Clangula hyemalis Pato-rabilongo
Bucephala clangula Olho-dourado
Mergellus albellus Merganso-pequeno
Mergus merganser Merganso-grande
Mergus serrator Merganso-de-poupa
Cygnus atratus Cisne-preto (introduzido)
Accipitriformes
Gyps fulvus Grifo
Aegypius monachus Abutre-negro
Haliaeetus albicilla Pigargo
Pandion haliaetus Águia-pesqueira
Aquila chrysaetos Águia-real
Circaetus gallicus Águia-cobreira

>

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250
TABELA 6-3 (cont.)
Aves:

Nome latino Nome vulgar


Hieraaetus pennatus Águia-calçada
Hieraaetus fasciatus Águia de Bonelli
Milvus milvus Milhafre-real
Milvus migrans Milhafre-negro
Circus aeruginosus Tartaranhão-ruivo-dos-pauis
Circus pygargus Tartaranhão-caçador
Buteo lagopus Buteo-calçado
Buteo buteo Águia-de-asa-redonda
Pernis apivorus Falcão-abelheiro
Accipiter nisus Gavião
Accipiter gentilis Açor
Falconiformes
Falco tinnunculus Peneireiro-vulgar
Falco naumanni Peneireiro-das-torres
Falco peregrinus Falcão-peregrino
Falco columbarius Esmerilhão
Galliformes
Lagopus lagopus Lagopo-ruivo
Tetrao urogallus Tetraz-real
Tetrao tetrix Tetraz-lira
Francolinus francolinus Francolim-escuro
Alectoris rufa Perdiz-comum
Alectoris barbara Perdiz-mourisca
Perdix perdix Perdiz-cinzenta
Coturnix coturnix Codorniz
Phasianus colchicus Faisão
Chrysolophus pictus Faisão-dourado
Gallus domesticus Galinha
Pavo cristatus Pavão (introduzido)
Gruiformes
Rallus aquaticus Frango-de-água
Gallinula chloropus Galinha-de-água
Fulica atra Galeirão-comum
Crex crex Codornizão
Grus grus Grou-comum
Otis tarda Abetarda
Tetrax tetrax Sisão
Charadriiformes
Haematopus ostralegus Ostraceiro
Recurvirostra avosetta Alfaiate
Himantopus himantopus Perna-longa
Burhinus oedicnemus Alcaravão
Pluvialis squatarola Tarambola-cinzenta
Pluvialis apricaria Tarambola-dourada
Vanellus vanellus Abibe-comum
Calidris alpina Pilrito-comum
Calidris ferruginea Pilrito-de-bico-comprido

(cont.) >>

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

251
TABELA 6-3 (cont.)
Aves:

Nome latino Nome vulgar


Calidris minuta Pilrito-pequeno
Actitis hypoleucos Maçarico-da- rochas
Tringa totanus Perna-vermelha-comum
Numenius arquata Maçarico-real
Numenius phaeopus Maçarico-galego
Scolopax rusticola Galinhola
Gallinago gallinago Narceja-comum
Lymnocryptes minimus Narceja-galega
Philomachus pugnax Combatente
Stercorarius skua Moleiro-grande
Larus ridibundus Guincho-comum
Larus argentatus Gaivota-argêntea
Larus cachinnans Gaivota-de-patas-amarelas
Larus fuscus Gaivota-de-asa-escura
Larus marinus Gaivota-grande
Rissa tridactyla Gaivota-tridáctila
Sterna sandvicensis Garajau-comum
Alle alle Torda-miúda
Fratercula arctica Papagaio-do-mar
Cepphus grylle Airo-de-asa-branca
Uria aalge Airo
Alca torda Torda-mergulheira
Columbiformes
Columba livia Pombo-das-rochas
Columba livia domestica Pombo
Columba palumbus Pombo-torcaz
Streptopelia decaocto Rola-turca
Streptopelia turtur Rola-comum
Cuculiformes
Clamator glandarius Cuco-rabilongo
Strigiformes
Strix aluco Coruja-do-mato
Bubo bubo Bufo-real
Asio otus Bufo-pequeno
Asio flammeus Coruja-do-nabal
Tyto alba Coruja-das-torres
Athene noctua Mocho-galego
Otus scops Mocho-de-orelhas
Caprimulgiformes
Caprimulgus europaeus Noitibó-da-Europa
Caprimulgus ruficollis Noitibó-de-nuca-vermelha
Apodiformes
Apus apus Andorinhão-preto
Coraciiformes
Upupa epops Poupa
Alcedo atthis Guarda-rios
Merops apiaster Abelharuco-comum
>

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252
TABELA 6-3 (cont.)
Aves:

Nome latino Nome vulgar


Coracias garrulus Rolieiro
Psittacula krameri Periquito-rabijunco
Piciformes
Picus viridis Peto-verde
Dendrocopos major Pica-pau-malhado-grande
Passeriformes
Alauda arvensis Laverca
Galerida cristata Cotovia-de-poupa
Ptyonoprogne rupestris Andorinha-das-rochas
Hirundo rustica Andorinha-das-chaminés
Delichon urbica Andorinha-dos-beirais
Motacilla alba Alvéola-branca
Troglodytes troglodytes Carriça
Cinclus cinclus Melro-d´água
Prunella modularis Ferreirinha-comum
Erithacus rubecula Pisco-de-peito-ruivo
Luscinia megarhynchos Rouxinol-comum
Monticola solitarius Melro-azul
Turdus philomelos Tordo-comum
Turdus iliacus Tordo-ruivo-comum
Turdus pilaris Tordo-zornal
Turdus merula Melro
Sylvia atricapilla Toutinegra-de-barrete
Sylvia undata Toutinegra-do-mato
Acrocephalus scirpaceus Felosa
Phylloscopus trochilus Felosa-musical
Phylloscopus collybita Felosinha
Ficedula hypoleuca Papa-moscas
Parus ater Chapim-preto
Parus caeruleus Chapim-azul
Aegithalos caudatus Chapim rabilongo
Certhia brachydactyla Trepadeira
Lanius collurio Picanço-de-dorso-ruivo
Lanius senator Picanço-barreteiro
Lanius excubitor Picanço-real
Pica pica Pega-rabuda
Garrulus glandarius Gaio-comum
Corvus monedula Gralha-de-nuca-cinzenta
Pyrrhocorax pyrrhocorax Gralha-de-bico-vermelho
Corvus frugilegus Gralha-calva
Corvus corone Gralha-preta
Corvus corax Corvo
Sturnus vulgaris Estorninho-malhado
Sturnus unicolor Estorninho-preto
Passer domesticus Pardal-comum
Fringilla coelebs Tentilhão-comum
Carduelis cannabina Pintarôxo-comum

(cont.) >>

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

253
TABELA 6-3 (cont.)
Aves:

Nome latino Nome vulgar


Carduelis carduelis Pintassilgo
Carduelis chloris Verdilhão-comum
Carduelis spinus Lugre
Serinus serinus Milheirinha
Pyrrhula pyrrhula Dom-fafe
Emberiza citrinella Escrevedeira-amarela
Miliaria calandra Trigueirão
Struthioniformes
Struthio camelus Avestruz (exótica)

Répteis:

Nome latino Nome vulgar

Chelonia
Caretta caretta Tartaruga-boba
Dermochelys coriacea Tartaruga-de-couro
Mauremys leprosa Cágado-comum
Testudo graeca Tartaruga moura
Sauria
Tarentola mauritanica Osga-comum
Chalcides bedriagai Cobra-de-pernas-de-cinco-dedos
Chalcides striatus Cobra-de-pernas-de-três-dedos
Anguis fragilis Licranço
Lacerta lepida Sardão
Lacerta monticola Lagartixa-da-montanha
Lacerta schreiberi Lagarto-de-água
Podarcis bocagei Lagartixa-de-Bocage
Podarcis carbonelli Lagartixa-de-Carbonell
Podarcis hispanica Lagartixa-ibérica
Psammodromus algirus Lagartixa-do-mato
Psammodromus hispanicus Lagartixa-do-mato ibérica
Coluber hippocrepis Cobra-de-ferradura
Coronella austriaca Cobra-lisa-austríaca
Coronella girondica Cobra-bordalesa
Elaphe scalaris Cobra-de-escada
Malpolon monspessulanus Cobra-rateira
Natrix maura Cobra-de-água-viperina
Natrix natrix Cobra-de-água-de-colar
Vipera latastei Víbora-cornuda
Vipera seoanei Víbora-de-Seoane
Iguana iguana Iguana (exótica)

Anfíbios:

Nome latino Nome vulgar

Caudata
Chioglossa lusitanica Salamandra-dourada
Pleurodeles waltl Salamandra-de-costelas-salientes

>

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254
TABELA 6-3 (cont.)
Anfíbios:

Nome latino Nome vulgar


Salamandra salamandra Salamandra-de-pintas-amarelas
Triturus boscai Tritão-de-ventre-laranja
Triturus helveticus Tritão-palmado
Triturus marmoratus Tritão-marmorado
Salientia
Alytes cisternasii Sapo-parteiro-ibérico
Discoglossus galganoi Discoglosso
Pelobates cultripes Sapo-de-unha-negra
Pelodytes punctatus Sapinho-de-verrugas-verdes
Bufo bufo Sapo-comum
Bufo calamita Sapo-corredor
Rana perezi Rã-verde

Peixes:

Nome latino Nome vulgar (Sanches, 1989)

Acipenseridae
Acipenser sturio Esturjão
Clupeidae
Sardina pilchardus Sardinha
Engraulidae
Engraulis encrasicolus Biqueirão
Salmonidae
Salmo salar Salmão-do-Atlântico
Salmo trutta Truta-comum
Congridae
Conger conger Congro
Merlucidae
Merluccius merluccius Pescada-branca
Gadidae
Gadus morhua Bacalhau-do-Atlântico
Molva molva Maruca
Trisopterus luscus Faneca
Serranidae
Polyprion americanus Cherne
Mycteroperca rubra Garoupa-chumbo
Epinephelus alexandrinus Mero-amarelo
Moronidae
Dicentrarchus labrax Robalo-legítimo
Dicentrarchus punctatus Robalo-baila
Pomatomidae
Pomatomus saltator Anchova
Caranjidae
Trachurus trachurus Carapau
Bramidae
Brama brama Xaputa

(cont.) >>

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

255
TABELA 6-3 (cont.)
Peixes:

Nome latino Nome vulgar


Haemulidae
Plectorhincus mediterraneus Pargo-mulato
Sciaenidae
Argyrosomus regius Corvina-legítima
Pseudotolithus senegalensis Rainha-senegal
Sciaena umbra Roncadeira-preta
Umbrina canariensis Calafate das Canárias
Mullidae
Mullus surmuletus Salmonete-legítimo
Sparidae
Dentex dentex Capatão-legítimo
Dentex gibbosus Pargo-bandeira
Dentex macrophthalmus Cachucho
Diplodus cervinus cervinus Sargo-veado
Diplodus vulgaris Sargo-safia
Pagellus acarne Besugo
Pagrus auriga Pargo-sêmola
Pagrus pagrus Pargo-legítimo
Sparus aurata Dourada
Scaridae
Spondyliosoma cantharus Choupa
Scombridae
Scomber scombrus Sarda
Mugilidae
Chelon labrosus Tainha-liça
Liza aurata Tainha-garrento
Liza ramada Tainha-fataça
Mugil cephalus Tainha-olhalvo
Scorpaenidae
Helicolenus dactylopterus Cantarilho-legítimo
Pleuronectidae
Platichthys flesus Solha-das-pedras
Soleidae
Solea senegalensis Linguado-branco
Solea vulgaris Linguado-legítimo
Molidae
Mola mola Peixe-lua
Cyprinidae
Barbus comiza Barbo-cumba
Barbus bocagei Barbo-comum
Barbus microcephalus Barbo
Barbus sclateri Barbo
Cyprinus carpio Carpa-comum

TABELA 6-3 – Relação das espécies que integram a osteoteca do IPA em Abril 2003.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

256
Organização

Uma colecção de referência de esqueletos de vertebrados obedece a critérios funcionais dis-


tintos daqueles que regem a maior parte das colecções museológicas onde devemos destacar:
1. A preparação total dos esqueletos.- Em geral, os Museus de Ciências Naturais baseiam
essencialmente as suas colecções de vertebrados na preparação de exemplares embal-
samados ou conservados em meio líquido, na preparação de peles e, sob o ponto de
vista osteológico, apenas na preparação de crânios e mandíbulas.
2. A manutenção e identificação separada de todos os ossos.- O estado de conservação dos res-
tos faunísticos recolhidos em contextos arqueológicos traduz-se habitualmente na pre-
sença de material muito fragmentado, factor que dificulta a sua identificação. A osteo-
logia comparada praticada pela arqueozoologia implica uma observação múltipla e tri-
dimensional dos diferentes elementos osteológicos. Por esta razão, os esqueletos não
são montados em conexão anatómica.
A organização da osteoteca do IPA e a logística de acesso aos esqueletos nela represen-
tados teve em consideração estas situações. Para facilitar as identificações e evitar a necessi-
dade de recorrer a centenas de caixas, os espécimes preparados foram acondicionados do
seguinte modo:

1. Colecções índice
Assim designamos os tabuleiros temáticos que contêm os diferentes ossos dos vários gru-
pos de vertebrados, método já desenvolvido noutras osteotecas (Corke et al., 1998). É a colec-
ção de uso diário e imediato que permite numa rápida observação, comparar o mesmo osso
em todas as espécies representadas.
A Colecção Índice das aves é composta por 27 gavetas formato A 0 (3 gavetas por cada ele-
mento ósseo; Fig. 6-10) e 9 gavetas formato A 3 (para o caso das aves de menores dimensões
– os Passeriformes, excluindo os corvídeos que pela sua maior dimensão estão integrados nas

– Colecção índice de aves. Gavetas formato A0, divididas em células individuais. Notar as diferentes cores das etiquetas que
FIG. 6-10

representam diferentes super-famílias. A primeira gaveta contém os ossos das espécies de menor dimensão, a segunda os de
média dimensão e a terceira as espécies maiores. Em cada célula deverão figurar dois ossos correspondentes a macho e fêmea.

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

257
gavetas A 0). Encontram-se dispostos
em células individuais, com etiquetas de
diferentes cores correspondentes às
super-famílias, os 9 ossos acima mencio-
nados. Dado que algumas espécies apre-
sentam acentuado dimorfismo sexual,
caso da abetarda (Otis tarda; Fig. 6-7)
por exemplo, cada célula deverá conter
2 ossos — um macho e uma fêmea.
No que respeita aos médios e gran-
des mamíferos, os ossos principais do
esqueleto apendicular estão organizados
em 8 gavetas A 0 e os ossos de menor
FIG. 6-11 – Tabuleiro temático onde estão organizados em células
dimensão, caso dos carpais e tarsais, em
individuais os ossos carpais dos ungulados mais comuns.
tabuleiros divididos em células indivi-
duais (Fig. 6-11).
O mesmo critério de organização está a ser aplicado aos microvertebrados: Herpetofauna
(répteis e anfíbios; Fig. 6-12) e pequenos mamíferos (Chiroptera, Insectívora e Rodentia).
No caso da ictiofauna, está prevista a aplicação desta mesma solução para os ossos
cranianos mais diagnosticantes e para os otólitos.

2. Colecção de referência
Este conjunto funciona como comple-
mento das colecções índice. Dado que dentro
de uma mesma espécie existem variações mor-
fológicas susceptíveis de levantarem dúvidas
na identificação de alguns restos arqueozooló-
gicos, é aconselhável consultar vários exem-
plares. Na colecção de referência figuram
esqueletos completos, organizados por enti-
dades taxonómicas em caixas separadas
(Fig. 6-13). Cada espécie encontra-se repre-
sentada por 3 esqueletos no caso dos mamífe-
ros (1 macho, 1 fêmea e um juvenil; Fig. 6-14)
e 6 esqueletos no caso das aves (3 machos e
3 fêmeas). Com um número ainda muito redu-
zido de exemplares preparados, as diferentes
espécies da ictiofauna encontram-se acondicio-
nadas em caixas que comportam várias Famílias.

3. Colecção de reserva
Continuamos a preparar, para além dos
números acima mencionados, algumas espé-
– Tabuleiro temático que contém os oito ossos
FIG. 6-12
cies de mamíferos e aves, no sentido de asse- mais diagnosticantes do esqueleto pós-cranial dos
gurar a existência de conjuntos que permitam anfíbios portugueses (Anura e Urodela). Notar que os
ossos de menor dimensão estão acondicionados em
a realização de estudos de variabilidade intra- caixas de plástico individuais etiquetadas. Esta solução
-específica. Estes exemplares excedentes, cujos permite-nos manter separados e identificados os ossos
esqueletos já figuram nas colecções índice e de que não podem ser marcados individualmente.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

258
– Vista geral da colecção de referência
FIG. 6-13 – Caixa da colecção de referência que contém os esqueletos de três
FIG. 6-14
de mamíferos e aves do IPA. gatos domésticos (um macho, uma fêmea e um juvenil).

referência, estão acondicionados em con-


tentores de maiores dimensões, organiza-
dos por famílias (Fig. 6-15). Os esqueletos
estão individualizados em sacos de plás-
tico e, por sua vez, separados em machos
e fêmeas.

Divulgação

Participámos em várias iniciativas


para divulgar diferentes aspectos da nossa
actividade. Em Maio de 2001, com a
Reserva Natural do Estuário do Tejo, efec-
tuámos uma acção de formação destinada
a informar Vigilantes e Guardas de Natu-
reza para a importância deste projecto,
solicitando-lhes a recolha sistemática de
animais encontrados mortos nas diferen-
tes Áreas Protegidas ali representadas.
Em Agosto/Setembro de 2001 con-
tribuímos igualmente para a formação das
novas gerações de arqueólogos, partici-
pando com aulas teórico-práticas de
Arqueozoologia no Curso Livre de Pós- FIG. 6-15 – Colecção de reserva de aves e mamíferos. Em cada
Graduação Avecasta. Ao longo de uma contentor estão acondicionados os exemplares excedentes de
semana proporcionámos a várias dezenas espécies já representadas nas outras duas colecções.

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

259
de alunos um contacto directo com diferentes problemas colocados ao estudo de materiais
arqueofaunísticos.
O inventário da osteoteca é divulgado através da página do IPA na Internet (www.ipa.min-
cultura.pt/cipa/zoo). O acesso directo a esta colecção nas nossas instalações é facultado a
qualquer investigador que o solicite, já que, para além de servir eficazmente os objectivos da
identificação arqueozoológica, proporciona abordagens muito diversificadas. Neste sentido,
tem sido regularmente utilizada por arqueozoólogos nacionais e estrangeiros. Tem assumido
um papel importante para alunos da Escola de Medicina Veterinária de Lisboa que ao longo
dos últimos dois anos lectivos aqui vêm estudar gratuitamente esqueletos de animais domés-
ticos, na preparação para os seus exames da cadeira de Anatomia I.
De igual modo tem auxiliado trabalhos desenvolvidos na Estação Florestal Nacional rela-
tivos à identificação de restos osteológicos provenientes do regime alimentar de diferentes
espécies de aves de rapina.

Conclusão

Esta osteoteca representa um património de grande valor científico. Com a sua constru-
ção a Arqueozoologia portuguesa conquista uma ferramenta fundamental para o seu desen-
volvimento. Por outro lado, a sua organização funcional representa um elemento pedagógico
da maior utilidade para a formação dos futuros arqueozoólogos portugueses.
O espírito de abertura e transparência que orienta esta equipa permite-lhe encarar o
futuro com um optimismo responsável. Desejamos continuar a articular as nossas activi-
dades com outras instituições e grupos que possam beneficiar do desenvolvimento deste tra-
balho.

Agradecimentos

Para além das Instituições mencionadas na Tabela 6-2, muitas foram as pessoas que ao
longo dos últimos três anos nos auxiliaram. Alguns, partilhando connosco no laboratório de
preparação de esqueletos o lado mais duro e desagradável deste projecto, têm o seu nome regis-
tado nas respectivas fichas de preparação, mas devemos agradecer-lhes aqui: Cláudia Costa,
Luís LLoveras, Cleia Detry, Ana Silva, Nuno Prista e Jorge Ferreira, para além da participação
pontual de alunos do 1o Ano de Biologia da Faculdade de Ciências e de alunos do 1o Ano da
Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa.
Outros, em Portugal ou no estrangeiro, deram-nos o seu apoio a diferentes níveis, desde
a cedência de espécimes, ao fornecimento de contactos que nos conduziram às instituições
mencionadas. Às seguintes pessoas que nelas trabalham, pessoalmente e em nome do Insti-
tuto Português de Arqueologia o nosso muito obrigado:
Albano Beja Pereira, Aldina Moreira Inácio, Alison Locker, Ana Albuquerque, Ana Isa-
bel Queiroz, Ana Pajuelo, Ana Pinto, Ana Sá, Ann Forstén, António Casanova, António Mira,
António Rebelo, António Teixeira, Armando Loureiro, Armando Lucena, Arturo Morales
Muñiz, Augusto José Pimenta, Carla Marisa Quaresma, Carlos Carrapato, Carlos Guerra, Car-
los Nores Quesada, Carlos Pedro Santos, Cidália Soares, Cristina Gameiro, Christine Lefèvre,
Dinah Sobral, Eduardo Gonçalves Crespo, Elaine Corke, Eric Bignal, Eric Pellé, Eufrasia
Roselló, Eunice Pereira, Francisco Almeida, Francisco Petrucci Fonseca, François Poplin,
Graça Pires, Helena Silva Pinto, Henrique Carvalho, Humberto Carrapato, Inês Barroso,

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

260
Jean-Denis Vigne, Jean-Philip Brugal, Jessica Pearson, Joel Ferraz, Jordi Colás, Jorge Pal-
meirim, José Eduardo Mateus, José Santos Silva, Josefina Barreiro, João Carlos Mateus, João
de Brito Reis Fialho, José Pargana, José Vale Henriques, Kim Aaris Sorensen, Luísa Rodrigues,
Luís Roberto e Sousa, Lurdes Carvalho, Margarida Fernandes, Margarida dos Santos Reis,
Maria Angeles, Maria João Coutinho, Maribel Adrián, Marina Sequeira, Mário Chech, Mário
Jorge Almeida, Merche Matesán, Miguel Henriques, Miguel Oliveira, Nuno Santos, Nuno Ven-
tinhas, Patrícia Mendes, Paul Croft, Paula Queiroz, Paulo Carmo, Paulo Célio Alves, Pedro
Aldana, Pedro Rocha, Plácido Rodríguez, Poly Baker, Ricardo Espírito Santo, Ricardo Luís
Paiva, Richard Meadow, Rivka Rabinovich, Roberto Sousa, Rui Boaventura, Santiago Riera,
Sarah Whitcher, Sónia Jesus, Tamar Dayan, Tony Gouldwell, Umberto Albarella, Victor Váz-
quez Fernández, Wim van Leeuwaarden, Yoram Yom Tov, Yorgos Nicoletti, Zbigniev
Bochenski, bem como a todos os Guardas e Vigilantes de Natureza de Portugal.

BIBLIOGRAFIA

BARBADILLO, L. J.; LACOMBA, J. I.; PÉREZ-MELLADO, V.; SANCHO, V.; LÓPEZ-JURADO, L. F. (1999) - Anfíbios y rep-
tiles de la Península Ibérica, Baleares y Canarias. Barcelona: Editorial GeoPlaneta.
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tern Atlantic and the Mediterranean. Paris: UNESCO.

A OSTEOTECA: UMA FERRAMENTA DE TRABALHO

261
Núcleo de Paleobiologia Humana
capítulo 7 | Bioantropologia
❚ CIDÁLIA DUARTE ❚

RESUMO A escavação de conjuntos funerários em ABSTRACT According to Portuguese legislation,


contexto arqueológico constitui uma actividade que, the excavation of human remains from
em Portugal, está consignada legislativamente archaeological sites is exclusive of professional
como uma área específica da actividade anthropologists. The results obtained from the
arqueológica. Os resultados obtidos na exumação exhumation and laboratory analysis of those
de esqueletos obedecem a regras específicas e a remains are currently interpreted in the framework
abordagens teóricas relacionadas com o of specific theoretical approaches related to the
comportamento funerário humano. Este capítulo understanding of mortuary behaviour in humans.
oferece uma reflexão sobre a natureza do This chapter presents an overview of the nature of
comportamento funerário, a sua concretização nas that behaviour and its manifestation in the several
diversas manifestações mortuárias diacronicamente funerary rituals practised through time. Practical
diversas em Portugal. Aplicam-se, como exemplos, examples presented in this chapter are exclusively
os casos tratados no laboratório do IPA, desde a sua the result of research projects developed in the IPA
criação dentro do projecto CIPA, em 1999. laboratory, created within the CIPA project, in 1999.

Introdução

A análise de restos humanos em contexto arqueológico encerra um duplo papel. Ao


nível do objectivo de estudo ela pode integrar-se num quadro de conhecimento paleoambiental,
através da descoberta de padrões de paleonutrição, indicadores de eficácia adaptativa e/ou
económica das sociedades passadas. Contudo, ao nível do objecto estudado — o esqueleto
(ou cadáver) humano — ela choca frontalmente com um nível comportamental diferente
daquele que molda as estratégias de sobrevivência e as estruturas económicas — o compor-
tamento funerário. É desta duplicidade que tem nascido uma certa autonomia teórica em
relação a abordagens ao universo funerário e foi assim que surgiu o conceito de Arqueologia
Funerária ou Mortuária.
Este ramo da disciplina tem-se desenvolvido numa abordagem afirmativamente mais
cultural, em torno da escola anglo-saxónica de Arqueologia, enquanto que no lado europeu, a
Paleoantropologia tem assumido um cariz mais arqueométrico, por influência da Escola
alemã, dos departamentos de Arqueologia britânicos e pela incidência francesa nos aspectos
de antropologia de campo e análise de aspectos tafonómicos.
Do ponto de vista legislativo, estas visões distintas reflectem-se em exigências e espe-
cificidades éticas e metodológicas. No caso português, com a autonomia legislativa da
Arqueologia formalizada em 1999, os processos de escavação de contextos funerários pas-
saram a ser tarefa de antropólogos, em conjunto com os arqueólogos responsáveis pelos
sítios. Esta alteração legislativa levou ao tratamento adequado de restos humanos em con-
textos arqueológicos por parte dos antropólogos, alargando-se o potencial de conhecimento

263
sobre rituais funerários e sobre diversos aspectos da paleodemografia em distintas épocas
da Pré-História e da História do nosso território. Contudo, o cumprimento das metodologias
de terreno não alcançam, por si só, a finalidade desejada de uma leitura integrada do
mundo funerário e da sua interacção com modos de vida, actividades de intervenção no
território e, mais pormenorizadamente, com processos sociais. Debateremos estas questões
mais adiante neste capítulo.
Esta secção pretende incidir sobre dois aspectos distintos da intervenção da Bioantro-
pologia: a abordagem teórica e o alcance da disciplina enquanto fornecedora de conheci-
mento sobre o comportamento humano passado e, por outro lado, os imperativos metodo-
lógicos da disciplina, enquanto intervenção no terreno e em laboratório. Em todas as
circunstâncias tentaremos encontrar exemplos e relações com a experiência de Portugal e
do IPA, em particular.
O Núcleo de Antropologia do CIPA desenvolveu-se como resposta a uma dupla neces-
sidade. Em primeiro lugar, tornou-se premente, para o próprio IPA, avaliar as situações de
terreno que exigissem intervenção de antropólogo. Nesse contexto, o núcleo cumpre uma
função regulamentar, avaliando algumas situações de campo e emitindo pareceres técnicos
sobre diversos processos de escavação a decorrer. Por outro lado, trabalha numa área labo-
ratorial em torno da estabilização de restos humanos provenientes de sítios arqueológicos,
produção de osteobiografias, e definição de gestos funerários a partir da análise dos restos
humanos numa perspectiva arqueológica. Esta abordagem à leitura dos esqueletos procura,
a nível mais abrangente, dissecar os restos humanos e o seu contexto material e espacial,
tentando ler o registo que ainda permanece nesses dados. A partir daí, tenta-se a integra-
ção dessa informação em algo de mais abrangente – o comportamento humano em deter-
minado momento, em determinada comunidade, num espaço geográfico específico. Apli-
cando um “zoom” à abordagem da Paleoantropologia, a focagem seguinte centra-se na lei-
tura dos restos humanos à luz dos princípios obtidos sobretudo na Antropologia Forense
e na Osteologia Humana em geral. Por analogia, estamos a falar do nível de Middle Range
Theory definido por Binford (1971); trata-se da aplicação e teste sistemático de dados
actuais comparativos à investigação arqueológica. Se aplicarmos o zoom a um grau ainda
mais pormenorizado, a Paleoantropologia pretende chegar ao indivíduo e à construção de
osteobiografias.

O Comportamento Funerário e a Arqueologia

O ser humano inventou o comportamento funerário. Nenhuma outra espécie, nem


mesmo a mais próxima filogeneticamente – o chimpanzé – exibe o mesmo tipo de
comportamento, mesmo se demonstra marcada angústia, agressividade ou letargia
perante a morte. Essas características são parte integrante do luto humano (Ellis e Dick,
1991-92).
A invenção do comportamento funerário deve ter surgido em paralelo com a conceptua-
lização abstracta da morte e da falibilidade da vida. Há quem avance mesmo com o conceito
de que foi a humanidade (enquanto qualidade, característica de uma espécie) que inventou
a morte (Taylor, 2002, p. 3). Ao longo do percurso humano, as formas de enfrentar a
angústia da mortalidade têm sido distintas e só remotamente ligadas a aspectos paleo-
ambientais e a respostas adaptativas a alterações climáticas, como atestam algumas práti-
cas funerárias no Árctico (Merbs, 1997) e na Indonésia (Metcalf e Huntington, 1991, p. 84).
Cabe ao antropólogo identificar estas formas, através da escavação de contextos funerários

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

264
e, em conjunto com o arqueólogo, integrar estes padrões de natureza comportamental,
inserindo-os num quadro mais vasto de evolução e história humanas. Esta ideia não pode
ser confundida com a visão de que o verdadeiro homem é o homem religioso (vide May, 1986
para definição do conceito) e que o comportamento funerário é a concretização material
dessa religiosidade. O acto funerário, na sua origem, deve estar associado ao desenvolvi-
mento da capacidade de abstracção e de previsibilidade mais do que a qualquer tipo de espi-
ritualidade e religiosidade. Esta abordagem, contudo, não é comum entre arqueólogos, já
que na herança judaico-cristã o medo da morte e do que nela se encontrará existe e motiva
mesmo regras de conduta em vida. Assim, a interpretação do comportamento funerário é
frequentemente confundido com religião (exemplo, Malefijt, 1989, p. 104-144).
Em termos teóricos, o comportamento funerário parece estar mais ligado, na sua
origem, a mecanismos psíquicos. Já no que respeita ao desenvolvimento de formas distin-
tas de abordar a morte, este parece estar mais dependente de variáveis de etnicidade,
vagueando e viajando ao sabor dos próprios movimentos culturais desde a Pré-história,
sejam eles de carácter difusionista ou migratório.
A um nível de pormenor, a Antropologia distancia-se da Arqueologia no que diz res-
peito ao objecto de estudo. Se é verdade que o determinismo ecológico há muito deixou de
ser preponderante na abordagem teórica do saber arqueológico e que é hoje amplamente
aceite pela comunidade antropológica que todo o comportamento humano envolve escolha,
a prática funerária é, na sua essência, distinta da maior parte do comportamento humano
detectável em Arqueologia. Concretizando, se a escavação e interpretação de contextos
habitacionais consegue, em última análise, detectar um dos muitos actos possíveis envol-
vidos na escolha humana, numa dada conjuntura, actos mecanizados nas formas de adap-
tação e de gestão dos espaços, nem sempre planeados individualmente, a exumação de
restos humanos reporta-se sempre a um contexto intencional, planeado, porque envolve o
‘descartar’ de um membro endógeno (ou exógeno) à comunidade que pratica o acto
fúnebre . Tal acto é sempre, e sem excepção, rodeado de angústia, luto, perda e/ou medo,
ansiedade, raiva, ódio e é invariavelmente um acto com envolvimento de pensamento reli-
gioso, quando esse faz parte do todo social de uma dada população.
É na abordagem teórica que a exumação de esqueletos humanos se destaca da arqueo-
logia de espaços ambientais, seja qual for a sua amplitude. A forma de tratar um cadáver é
condicionada por valores sociais, culturais, religiosos e, em última análise, psicológicos.
Contudo, ao nível espacial, a morte e a vida estão imbricadas e é visível, ao longo da histó-
ria humana, a alteração do espaço funerário em relação ao espaço habitado, desde o espaço
doméstico, no caso extremo de Jericó (Hodder, 1990, p. 34-36), até ao território remoto
(vide Introdução e Capítulo 3, para definição de conceitos de espaço).
São várias as abordagens teóricas propostas para a interpretação de comportamentos
funerários. Em todas elas se encontra, a nível conceptual, a ideia de passagem, um ritual de
transição e, a nível social, a transferência de um estatuto de vivo para um estatuto de
defunto (memória), nem sempre coincidentes (vide Metcalf e Huntington, 1991 para dis-
cussão). As diferentes formas de enfrentar e imaginar o universo postmortem condicionam
as opções do tratamento funerário numa dada comunidade. Mesmo olhando para a socie-
dade ocidental em que vivemos, os diversos grupos étnicos e religiosos afirmam-se pela
adopção de rituais fúnebres distintos, exacerbados entre os grupos minoritários numa dada
comunidade (Pearson, 2001, p. 184). Esta especificidade do comportamento funerário, em
conjunto com a diversidade existente dentro de um conjunto populacional, ao nível dos
pormenores do ritual fúnebre, não podem ser olvidados no momento da interpretação de
um contexto mortuário arqueológico.

BIOANTROPOLOGIA

265
Contextos Funerários Arqueológicos- Terminologia

Do ponto de vista formal, os contextos funerários passíveis de investigação no âmbito


da Arqueologia podem ser classificados em várias categorias, por vezes alvo de alguma con-
fusão na descrição dos ‘rituais funerários’ de determinada paleopopulação. Importa escla-
recer alguns conceitos e clarificar o que o arqueólogo pode enfrentar no terreno. Os termos
túmulo, sepultura ou enterramento referem-se, unicamente, a uma forma de tratamento de
um cadáver — a inumação. Contudo, esta não deixa de ser uma das várias possíveis solu-
ções materiais para o problema, como a incineração, a deposição à superfície, a mumifi-
cação, etc. Por isso, na descrição que se segue, utiliza-se o termo ‘deposição’ como desig-
nação que engloba as diversas soluções adoptadas pelas comunidades humanas para o des-
tino do cadáver.

Deposições primárias

Define-se como deposição primária a que se refere ao local em que os restos humanos
foram depositados logo após a morte do indivíduo (quer seja inumação, cremação, deposição
de superfície ou outra). Assim, as transformações sofridas pelos restos humanos sob análise
serão, necessariamente, resultantes das transformações pós-deposicionais, e não de uma
acção do próprio ritual funerário.
As deposições primárias podem, contudo, ser colectivas ou individuais e não serão, por
consequência, abordadas sempre da mesma forma pelo arqueólogo. As deposições primá-
rias/colectivas (que não sejam ossários) sugerem uma metodologia que se aproxima mais
das técnicas utilizadas para as deposições secundárias, acrescida de identificação de esque-
letos individuais e registo de dados osteobiográficos no terreno. Então, para uma dada
sepultura, podem existir vários indivíduos e para esclarecer o seu posicionamento relativo,
o arqueólogo deve utilizar uma metodologia de registo detalhada, aplicável a qualquer outro
tipo de restos arqueológicos, com dados tridimensionais de proveniência. Para além disso,
há que recolher os dados osteobiográficos de terreno (vide Ficha de campo no final do capí-
tulo). É o tipo de contexto mais complexo, em termos de recolha de dados no campo.

Deposições secundárias

Define-se como deposição secundária aquela em que os restos humanos são colocados
em locais distintos daqueles onde foram depositados após a morte. Isto é, a deposição secun-
dária resulta de um tratamento mais complexo do cadáver, em fases distintas e sucessivas.
Essas fases podem ser múltiplas. No caso dos rituais funerários católicos presentemente pra-
ticados nos centros urbanos portugueses a deposição primária é individual, seguida de depo-
sição secundária sob a forma de ossário ou gavetão individual.
Outras instâncias há em que numa sepultura individual pode ocorrer uma deposição
secundária de um ou mais indivíduos que tenham sido sepultados na mesma estrutura ante-
riormente mas cujos ossos foram deslocados para acomodar um cadáver mais recente. Embora
esta não seja a definição típica de deposição secundária ela pode ser, tipologicamente, assim
designada. Classificar-se-ia, assim, como uma sepultura colectiva, onde existe uma inumação
primária e deposições secundárias que lhe estão associadas (porque o esqueleto é manipulado
posteriormente).
Dado que a vasta maioria das necrópoles neolíticas e calcolíticas do território português
são de carácter colectivo (Carvalho et al., 2003; Duarte, 1998; Duarte e Arnaud, 1995; Lago

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

266
et al., 1998; Silva 1997) importa debruçarmo-nos um pouco sobre a recolha de dados neste
tipo de contextos. A recolha e registo dos ossos humanos deve, nestes casos, obedecer a cri-
térios semelhantes aos utilizados para o resto das estruturas evidentes recuperadas em con-
texto arqueológico. Isto é, perante a dificuldade do registo tradicional utilizado especifica-
mente para o esqueleto, o arqueólogo deve optar por uma estratégia semelhante à da defi-
nição de camadas estratigráficas, seguindo níveis artificiais de espessura a definir ou, em
alternativa, utilizando os métodos definidos por Harris (1979, 1989), que permitem uma
flexibilidade de associações, adequada a contextos funerários onde relações horizontais
parecem existir, mesmo se em núcleos distintos, em diferentes coordenadas X e Y.
Independentemente da abordagem estratigráfica, nos contextos funerários colectivos
e/ou secundários o registo de cada um dos elementos ósseos deve ser efectuado tridimen-
sionalmente, com vista à detecção de possíveis padrões de distribuição espacial preferencial
das ossadas e identificar, em laboratório, indivíduos específicos, obtendo um quadro de dis-
persão dos seus ossos no contexto analisado. Preferencialmente, cada nível e quadrante deve
ser fotografado, depois de ser totalmente decapado, para que possam ser identificadas e
documentadas quaisquer conexões anatómicas, mesmo que parciais.
Em contextos de gruta, deve ser pormenorizadamente analisada a possibilidade de exis-
tência de fossas de enterramento, possivelmente delimitadas por blocos de pedra, definindo
sub-áreas específicas dentro do espaço funerário. O entendimento do espaço funerário em
contexto cársico é particularmente complexo, sendo necessário identificar a possível lava-
gem de sedimentos após a deposição dos corpos/esqueletos que, a ter ocorrido, pode ter apa-
gado grande parte das estruturas e inumações existentes bem como pode ter alterado a dis-
posição original dos ossos, quer em número, quer em posicionamento.

Deposições individuais

Entende-se por deposição individual aquela em que uma estrutura funerária é cons-
truída/definida com vista à deposição de um só indivíduo. A exumação de sepulturas indi-
viduais torna possível o registo de elementos específicos que valorizam significativamente
a osteobiografia do indivíduo (vide Ficha de Campo no final do capítulo). Como exemplo, é
possível detectar lesões patológicas não visíveis em ossos isolados, detectar causas de morte
em casos específicos mas, sobretudo, é possível reconhecer-se o conjunto de artefactos asso-
ciados a cada indivíduo. Este tipo de informação é extremamente importante para a carac-
terização de atitudes perante a morte e de tratamento diferencial dos indivíduos consoante
o sexo e a idade, ao longo do tempo de utilização de um determinado espaço funerário.
A primeira questão a ter em conta na escavação de sepulturas individuais é a sua deli-
mitação no espaço; isto é, podemos estar em presença de sepulturas únicas ou integradas
numa necrópole e importa definir a área de ocupação da zona funerária para melhor decidir
a estratégia de escavação e desmontagem. Uma das muitas possíveis é o estabelecimento de
sondagens numa quadrícula abrangente estabelecida sobre a área a intervir, em sistema de
tabuleiro de xadrez, abrindo quadrículas alternadamente. Estabelecida a área a sondar, esta
deve ser limpa de todo o preenchimento superficial, assinalando-se, em todo o caso, a qua-
drícula de proveniência dos mesmos. Só depois de efectuada esta recolha superficial, deve ser
efectuada a exposição dos esqueletos.
Iniciada a escavação em profundidade, cada sepultura terá que ser identificada em termos
de localização tridimensional. Isto é, mesmo em cemitérios onde as sepulturas são individuais,
é necessário localizá-las horizontal e verticalmente, de forma a definir a sequência de enter-
ramentos.

BIOANTROPOLOGIA

267
Deposições colectivas

As deposições colectivas podem ser formadas por um conjunto de deposições individu-


ais (múltiplas) ou por deposições sucessivas indiferenciadas, onde os cadáveres são colocados
em sobreposição, embora em posição primária, sem processamento dos corpos depositados
anteriormente. Em ambos os casos, não existe diferenciação de espaço para diversos indivíduos
ou grupos de indivíduos.
Na recolha de dados durante a escavação, dever-se-á preencher uma ficha de inventário
(ver Ficha no final do capítulo) para cada indivíduo reconhecido no contexto a ser escavado, e
deve ser elaborado um desenho à escala, para que seja identificado o posicionamento relativo
dos esqueletos e reconstituir, assim, a sequência dos enterramentos.

Ossários

Em alguns casos, após o descarnamento dos corpos, os ossos são reunidos em áreas espe-
cíficas, frequentemente para dar lugar a novas inumações no local de inumação primária. Estes
ossários (exemplo clássico de deposições secundárias) podem ser individuais (como no caso
dos grandes cemitérios urbanos actuais, em gavetas) ou colectivos (como nos casos pré-his-
tóricos do Neolítico ou nos espaços funerários cristãos medievais/modernos).

Contextos Funerários Arqueológicos-Diferenças Cronológicas

Porque a estratégia de escavação deve ser definida de forma distinta para cada tipo de
ritual funerário, o arqueólogo deve ter conhecimento do tipo de práticas que encontrará em
contextos históricos ou pré-históricos.
De uma forma geral, para as épocas históricas, é de referir a existência de diversos tipos
de inumações, aos quais se devem aplicar métodos distintos de investigação.
No período clássico romano, por exemplo, os métodos de inumação de cinzas em urna
utilizados durante a Idade do Bronze e Ferro no território português (vide Caixa 7-1, Monte da
Têra) foram-se transformando, assistindo-se a uma alteração dos hábitos funerários, visível
mesmo ao longo do período do Império Romano no Ocidente (Figueiredo, 2001). Passa-se aos
enterramentos em ânfora (vide Caixa 7-2, Tróia) em cova individual, ou à incineração, prati-
cada, sobretudo, no início de influência do Império (vide Caixa 7-3, Martim Moniz) e abando-
nada a partir do século II (Figueiredo, 2001; Tranoy, 2000).
Enquanto que na Idade do Ferro o espaço escolhido para local funerário era junto ao
povoado, tipicamente a uns poucos metros para Oeste, possivelmente em associação com o
pôr-do-Sol, a lei romana olhava os defuntos como algo de perigoso (Res funesta), empurrando
para zonas marginais dos centros urbanos o espaço funerário (Figueiredo, 2001). Por vezes,
a manutenção de ritos fúnebres associados ao espaço doméstico manteve-se durante o perío-
do romano imperial na Península Ibérica (zona norte), o que poderá ser interpretado como um
foco de resistência à ocupação (Figueiredo, 2001).
A partir do séc. III da nossa era o processo fúnebre torna-se, em termos arquitectónicos,
cada vez mais homogéneo, caracterizando-se pela escavação de sepulturas frequentemente
antropomórficas (vide Caixa 7-4, Casal São Brás), destinadas a albergar um só cadáver (vide
Caixa 7-5, BCP), só muito raramente colectivas. Com a expansão dos edifícios religiosos depois
da conversão visigótica ao cristianismo, em 589, os espaços religiosos são cada vez mais uti-
lizados para locais de enterramento e, com limitações cada vez maiores, sobretudo em épocas

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

268
CAIXA 7-1

A necrópole da 1.a Idade do Ferro


do Monte da Têra, Pavia
❚ CIDÁLIA DUARTE ❚ LEONOR ROCHA ❚ VANDA PINHEIRO ❚

A necrópole da 1.a Idade do Ferro do Monte


da Têra localiza-se no distrito de Évora, concelho
de Mora, freguesia de Pavia.
As intervenções que se têm vindo a realizar
neste sítio desde 1997, da responsabilidade de
Leonor Rocha (IPA, Extensão do Crato), permi-
tiram identificar uma necrópole de incineração
da 1.a Idade do Ferro.
As sepulturas identificadas até ao momento
encontram-se ou no interior de um grande tumu-
lus pétreo ou nos seus limites. A cem metros
deste conjunto funerário foi identificado um con-
junto de menires cuja ligação com a necrópole
ainda não se encontra perfeitamente estabele-
o
FIG. 7-1 – Enterramento n. 5. Estrutura pétrea.
cida.
As urnas até agora exumadas nas duas cam-
panhas arqueológicas desenvolvidas forneceram
dados indubitáveis que apontam para a presença
de uma necrópole de incineração, com deposição
secundária das ossadas em urna.
Os primeiros fragmentos ósseos a serem
analisados em laboratório provinham de uma
zona onde duas urnas completamente frag-
mentadas foram exumadas. A observação dos
fragmentos (muito pequenos) não indiciou a
presença de vários indivíduos mas também não
permitiu recolher qualquer outro tipo de infor-
mação. FIG. 7-2 – Alinhamento de menhires associado
Após este primeiro sinal de que se poderia à necrópole.
estar em presença de uma extensa necrópole, a
arqueóloga responsável requereu a colaboração do CIPA, e iniciou-se um trabalho de escavação
minuciosa de cada um dos vasos fúnebres.
A Urna n.o 3, na figura 7-3, tinha o fundo quebrado, separado, o que facilitou o trabalho de
exumação dos ossos no seu interior. A escavação foi efectuada por
níveis sucessivos, na tentativa de detectar uma qualquer organiza-
ção na sua disposição.
A total ausência de carvões, e o estado de conservação e colo-
ração dos ossos permitem-nos detectar algumas características
desta deposição funerária. Em primeiro lugar, trata-se de uma
recolha sistemática dos restos humanos resultantes de uma inci-
neração ‘incompleta’ (Eckert et al., 1988). A coloração branca dos
ossos revela que se trata de restos incinerados a temperaturas supe-
riores a 800oC (Ubelaker, 1989). Embora a coloração do osso não
seja, por si só, indubitavelmente esclarecedora da temperatura
o
FIG. 7-3 – Urna n. 3, após a sua atingida nem da possível manipulação do corpo durante a com-
escavação em laboratório.
>>

bustão, a coloração branca e o seu aspecto de ‘porcelana’ é con-

BIOANTROPOLOGIA

269
CAIXA 7.1 (cont.)

sensualmente considerada como sintomática de uma fase


de combustão completa de toda a matéria orgânica e sub-
sequente fusão dos sais ósseos (Correia, 1997, p. 276).
Outros indiciadores são a deformação do osso, os seus
padrões curvos e transversais de fractura, o que ocorre
quando o osso é queimado ainda com outros tecidos asso-
ciados (Correia, 1997, p. 279, Mays, 2000).
Os ossos que tinham sido depositados na Urna 3, sob
análise, foram dispostos cuidadosamente em feixe, imbri-
o
cados, sem quaisquer carvões nem espólio artefactual. FIG. 7-4 – Urna n. 3. Início da escavação
por níveis artificiais.
A partir do fundo (quebrado, como se disse, com fractura
antiga), a presença dos ossos fazia-se notar de imediato, à
medida que se iniciou a escavação (Fig. 7-4). Pelo lado do topo, contudo, os ossos só são visí-
veis a 9.5 centímetros de profundidade em relação à margem superior do bordo. Este fenómeno
pode dever-se a um sucessivo e lento ajuste dos ossos que, com a gravidade, o peso dos sedi-
mentos, e a humidade, podem ter-se movimentado ligeiramente para o fundo do vaso.
O projecto em curso (englobando, de momento, três urnas exumadas do local) permitirá,
eventualmente, reconstituir os procedimentos funerários nesta necrópole, análise ainda não
efectuada em nenhum sítio deste tipo em Portugal. Embora a possibilidade de avaliação do sexo
e idade do indivíduo seja bastante reduzida na análise de restos cremados, a distinção possível
entre adultos e sub-adultos, bem como alguns indicadores sexuais secundários (quando con-
servados nestas inumações) poderão permitir o estabelecimento de diferenças no tratamento
funerário dos mortos. O projecto encontra-se em curso no núcleo de Osteologia Humana.

CAIXA 7-2

Depósito funerário infantil em ânfora


proveniente de Tróia
❚ CIDÁLIA DUARTE ❚

A ânfora sob análise neste trabalho pertence ao Cen-


tro Português de Actividades Subaquáticas (CPAS), e foi
entregue em 1996 ao Núcleo de Osteologia Humana,
então a cargo do IPPAR (Boletim do CPAS, Ano 33, n.o 1,
Dezembro 1996), porque possuía ossos no seu interior que
ainda não haviam sido identificados nem alvo de estudo
antropológico. A observação do espólio (recipiente cerâ-
mico e restos humanos nele representados) sugere estar- FIG. 7-5 – Ânfora e tampa associada.

mos em presença de uma das ânforas de inumação


comuns nas necrópoles romanas do final do Império (século IV, provavelmente). Dada a pro-
ximidade do complexo arqueológico de Tróia em relação ao local de proveniência do achado
(embora não especificado), tudo indica ser esse o local onde este foi recuperado.
Em laboratório, a ânfora foi analisada para detecção da sua possível origem, da sua morfo-
logia e conservação, e do seu conteúdo. A morfologia da ânfora permite identificá-la como um >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

270
CAIXA 7-2 (cont.)

exemplar de Almagro 51C, comum no final da ocupação


romana da Península e frequente nos níveis mais tar-
dios de ocupação da estação arqueológica de Tróia
(Cavaleiro Paixão, comunicação pessoal, 1996). Com
efeito, as inumações em ânfora são comuns na zona
adjacente ao Columbarium (mausoléu) naquele com-
plexo (Alarcão, 1988).
O facto de se tratar de uma ânfora com uma inu-
FIG. 7-6 – Ossos humanos contidos na ânfora.
mação de um feto é coerente com exemplares de
necrópoles romanas; este tipo de inumações foi
comum durante todo o Baixo Império, podendo ser
testemunhado em vários sítios arqueológicos da Penín-
sula Ibérica (Terra, 1989) e em outros locais do Impé-
rio (Godoy et al., 1994).
As ossadas presentes no interior deste recipiente
não mostravam quaisquer sinais de conexão anatómica,
o que se deve, provavelmente, a processos pós-deposi-
cionais e tafonómicos, responsáveis pela deslocação dos
pequenos elementos ósseos no interior e exterior do FIG. 7-7 – Pormenor dos ossos humanos antes
da exumação.
recipiente. Contudo, foi possível recolher dois peque-
nos ossos do ouvido interno, através da triagem das
areias envolventes, o que revela um óptimo estado de conservação do contexto em análise.
Todos os ossos recuperados dentro da ânfora são humanos; o inventário dos pequenos
fragmentos revelou que se trata de um único indivíduo, dado que não existem repetições de
porções anatómicas. Os dados osteométricos (vide Tabela 7-1) confirmam a reduzida idade da
criança, não sendo possível identificar o seu sexo, variável só passível de análise em indivíduos
adultos (Ubelaker, 1989; Steele e Bramblett, 1988; Scheuer e Black, 2000). Não foram iden-
tificados quaisquer indícios de causa de morte.

TABELA 7-1
Osso Comprimento/largura Idade sugerida (em meses lunares)
(em milímetros) (Fakekas e Kosa, 1978)
Temporal (Pars petrosa) 39,6/18,6 10
Occipital (Pars basilaris) 13,9/16,5 9
Occipital (Squama occipitalis) 13,9/16,5 10
Occipital (Pars lateralis) Visual 10
Frontal Visual 9
Esfenóide (Ala major) 32,2/ 23,2 9
Clavícula 46,5/ 4,7 > 10
Omoplata 33,7/30,9 9.5
Fémur -/ 6,2 -
Maxilar inferior 41/20 9.5-10

Dados osteométricos das porções osteológicas identificadas na ânfora.

Nenhum dos ossos observados demonstrou fusão das epífises nem calcificação primária
das mesmas, o que confirma a idade sugerida pelos dados osteométricos. Durante a crivagem
e triagem das terras foram identificados alguns fragmentos de coroas dentárias de dentes
deciduais, cujas dimensões são coerentes com o diagnóstico etário aqui apresentado.
A pequena ânfora serviu, assim, de recipiente para depositar o corpo de uma criança de idade
peri-natal, indiciando uma forma de tratamento funerário completo, apesar da reduzida idade
do indivíduo. Este não é um caso isolado; outras sepulturas de Tróia (depositadas em outras
instituições) estão em análise no âmbito de outros projectos de investigação.

BIOANTROPOLOGIA

271
CAIXA 7-3

O espaço funerário romano do Martim Moniz


❚ CIDÁLIA DUARTE ❚

Em 2001, no decurso de uma intervenção arqueológica


numa obra da Câmara Municipal de Lisboa (EPUL), no
Largo do Martim Moniz, surgiu uma estrutura de combus-
tão identificada pelos arqueológos do Museu da Cidade como
um ustrinum, nome atribuído ao local de incineração pri-
mária de um indivíduo, independentemente do facto de os
seus restos virem a ser depositados posteriormente em con-
texto secundário (Tranoy, 2000). A escavação dessa estrutura
foi acompanhada pela equipa do IPA, nomeadamente por
um geoarqueólogo, um antropólogo e um arqueobotânico,
FIG. 7-8 – Estrutura de incineração
tendo ainda o apoio do CNANS.
(ustrinum) antes da sua escavação.
A natureza desta estrutura e o seu papel exacto na
sequência do processo funerário ali presente ainda está em estudo, de forma multidisciplinar.
Uma das variáveis em consideração é o conteúdo dos cinco recipientes exumados no local
e analisados em laboratório. Três dos vasos confirmam a presença de restos humanos
cremados, provavelmente organizados individualmente em recipientes distintos.
O vaso n.o 4 (Fig. 7-9) foi totalmente escavado em laboratório, por níveis artificiais. Con-
tém os restos ósseos cremados do que parece ser
um único indivíduo adulto. O espólio associado aos
ossos incinerados inclui vários fragmentos de vidro
e uma moeda, materiais ainda em análise no
Museu da Cidade.
O trabalho está em fase de ‘desmontagem’ da
informação em laboratório, envolvendo três das
áreas de trabalho do CIPA (Osteologia Humana,
Geoarqueologia e Paleobotânica). A abertura dos
vasos funerários está a ser acompanhada pela equipa
de conservação e restauro do Museu da Cidade de
o
FIG. 7-9 – Urna n. 4 durante a sua escavação em Lisboa e por uma aluna de Conservação e Restauro
laboratório. do Instituto Politécnico de Tomar (vide Caixa 7-9).

de propagação de epidemias; a construção de ossários e a reutilização de sepulturas inten-


sificam-se. Tal padrão manter-se-á até aos finais do século XIX.
Contudo, não devemos esquecer que não existiu uma uniformidade religiosa no
território de Portugal durante estes longos séculos que decorreram entre a cristianização do
território e a instauração da Lei dos Cemitérios, em 1844. As populações judaicas e
islâmicas adoptaram, cada uma delas, as práticas funerárias características das suas
convicções e rituais religiosos. Ambos utilizariam cemitérios, mas as práticas funerárias
são distintas. Os enterramentos islâmicos em Mértola, por exemplo, são caracterizados pela
disposição do corpo em posição flectida ou semiflectida com a face voltada para leste
(McMillan, 1997).
Em contextos pré-históricos, as formas de deposição funerária são diversas, mas parecem
ser homogéneas em cada período, para cada região geográfica. Enquanto que as primeiras inu-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

272
CAIXA 7-4

A Necrópole paleo-cristã do Casal São Brás


❚ CIDÁLIA DUARTE ❚ GISELA ENCARNAÇÃO ❚

Identificada através de uma prospecção de rotina a um corte realizado num local com memó-
ria arqueológica, a Necrópole do Casal de São Brás foi escavada pela equipa do Museu Municipal
de Arqueologia da Amadora, em colaboração com o núcleo de Antropologia do IPPAR. A datação
pelo radiocarbono efectuada pelo ITN Sacavém localizou-a na Alta Idade Média (séculos VII-VIII).

TABELA 7-2
Referência Referência Tipo Delta C13 0/00 Idade Data calibrada
de laboratório0 da amostra (anos BP)
SAC- 1598 Casal de São Brás Osso humano -17.67 1300+-40 1 sigma: 670-776 cal AD
Sepultura 5 2 sigma: 658-790 cal AD

Foram identificadas 9 sepulturas, escavadas


na rocha e cobertas com lajes de recorte rudi-
mentar, definindo uma planta subrectangular
para o local de deposição do corpo. Todas as
sepulturas eram pouco profundas, o que levou à
exposição das ossadas aos agentes biológicos e
climáticos, pelo que a superfície dos ossos se
degradou bastante. Contudo, a sua exposição
deve ter ocorrido somente após a erosão das
camadas sedimentares superiores da colina, já
que os ossos não apresentam indícios de terem
sido consumidos por carnívoros.
Apesar do mau estado de conservação das
ossadas, foi possível identificar alguns aspectos do
padrão de enterramento. Em primeiro lugar trata-
-se de um espaço não reservado a qualquer sector
etário específico, encontrando-se nele inumações
de indivíduos oscilando entre a idade perinatal, até
aos cerca de 60 anos (vide Tabela 7-3). Não existia,
igualmente qualquer restrição de sexo (i.e., entre os
7 adultos, e dos seis diagnosticáveis, 50% foram
identificados como pertencentes a cada um dos
FIG. 7-10 – Sepultura n.o 5 do Casal São Brás.
sexos, numa proporção de 3:3). DESENHO: JORGE LUCAS.

TABELA 7-3
Sep.I Sep.II Sep.III Sep.IV Sep.V Sep.VI Sep.VII Sep.VIII Sep.IX
Idade Adulto 2 Crianças Adulto Adulto Adulto 2 fetos Adulto Adulto Adulto
Sexo Masc. Fem. Masc. Fem. - Masc. Fem. -

No entanto, a distribuição dos restos humanos por cada sepultura denuncia a escolha de
espaços separados para os adultos, espaços preparados especificamente para cada indivíduo,
sendo todas as sepulturas individuais, sem qualquer repetição de algum elemento ósseo que
pemita identificar uma reutilização de espaços. As crianças e fetos, pelo contrário, foram depo-
sitados em sepulturas múltiplas. De facto, os únicos dois enterramentos colectivos são a sepul-
tura 2 e 6, ambas com dois indivíduos, e ambas com apenas restos ósseos de crianças (Encar-
nação e Duarte, 2000).

BIOANTROPOLOGIA

273
CAIXA 7-5

O esqueleto humano no Núcleo Arqueológico


da Rua dos Correeiros, em Lisboa
❚ CIDÁLIA DUARTE ❚ JACINTA BUGALHÃO ❚

O esqueleto humano que se encontra preservado no espaço


museológico da Rua dos Correeiros (Lisboa) data de um período
mais tardio do que a necrópole romana escavada neste espaço,
tendo sido inumado no local provavelmente entre os séculos V
e IX.
Na altura da elaboração do projecto de musealização do
espaço arqueológico, a equipa de arqueólogos optou por manter
o esqueleto no local, em parte devido ao facto de este estar par-
cialmente truncado por uma estrutura construída posterior- FIG. 7-11 – Inserção do esqueleto nas
mente ao enterramento do indivíduo, estrutura que intersectou estruturas arquitectónicas posteriores.
as ossadas ao nível da metade distal dos membros inferiores.
Optou-se, assim, por manter as ossadas no local, como teste-
munho do aproveitamento da área como necrópole, após a deca-
dência da sua utilização económica no período romano imperial.
O indivíduo havia sido inumado numa estrutura tumular
delimitada por “telhas”, colocadas lateralmente, circundando o
espaço de enterramento (Amaro, 1995, p. 13).
A inumação do corpo foi efectuada em decúbito dorsal (dei-
tado sobre as costas), com a face voltada para sul, as mãos esten-
didas, colocadas sobre a zona pélvica, braços laterais ao tronco,
FIG. 7-12 – Pormenor da zona pélvica.
antebraços ligeiramente flectidos, seguindo o ângulo necessário
para que as mãos pousassem sobre o ventre.
Os membros inferiores encontravam-se em extensão e paralelos. Contudo, durante os tra-
balhos de implantação das micro-estacas de suporte do edifício (no processo de recuperação e
remodelação do imóvel) o fémur direito foi afectado, tendo sido parcialmente esmagado.
O mesmo sucedeu com as mãos, que se encontram um pouco danificadas.
A caixa torácica encontra-se bem conservada, mostrando o normal abatimento das costelas,
consequência da decomposição dos órgãos e tecidos musculares contidos na caixa.
A análise osteológica limitou-se aos dados passíveis de recolha no campo, obviamente. A aná-
lise laboratorial não foi possível dado o esqueleto nunca ter sido removido do local.
Poucos elementos podem ser inferidos a partir da análise
deste esqueleto; as suas características gráceis escondem a sua
razoavelmente segura identificação como elemento do sexo mas-
culino. Com efeito, a apófise mastoideia, a forma do queixo (men-
tum), e a largura do corpo do sacro (±57 mm) em comparação com
a ala do mesmo osso (±23 cm), justificam a sua identificação
como um esqueleto masculino. Contudo, os restantes indicado-
res cranianos e pélvicos observáveis não são diagnósticos.
Trata-se de um indivíduo adulto, sem quaisquer sinais remi-
niscentes de ossificação de epífises. A presença da formação de
osteofitos nas vértebras lombares 2, 3 e 4, e na vértebra dorsal 10,
indicam degenerações artríticas que devem estar mais relacio-
nadas com o processo de envelhecimento do que com qualquer
lesão traumática ou metabólica. Não é possível avançar com
dados mais específicos sobre a sua idade. A recessão alveolar, con-
tudo, é coerente com uma idade adulta relativamente avançada
FIG. 7-13 – Representação esquemática das para o indivíduo (correspondendo, certamente, ao escalão etário
porções do esqueleto preservadas e visíveis. de 30-40 anos).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

274
mações parecem ter sido efectuadas durante o Paleolítico Médio (Golovanova et al., 1999), o
Paleolítico Superior é, por excelência, a época da Pré-História onde, indubitavelmente, os cor-
pos são inumados (Binant, 1991). A frequência da inumação em gruta pode ser sugerida, uni-
camente, pela maior probabilidade de conservação dos restos humanos em depósitos calcários.
Contudo, o Paleolítico Superior aparenta ser uma época homogeneamente caracterizada por
inumações individuais, por vezes múltiplas, com a utilização de numerosos adornos (Riel-Sal-
vatore e Clark, 2001; Vanhaeren e d’Errico, 2002) (vide Caixa 7.6, A Sepultura paleolítica do
Lagar Velho I) e estando os corpos em posições diversificadas. A intencionalidade é, contudo,
evidente e comprovável, nomeadamente ao nível das sepulturas de crianças (Burenhult, 1993)
e reveste-se de significado social específico, consoante a idade do indivíduo e o período em que
viveu (Zilhão e Trinkaus, 2002a).

CAIXA 7-6

A sepultura paleolítica do Lagar Velho I


❚ CIDÁLIA DUARTE ❚

A sepultura gravetense LV1 situa-


-se numa antiga reentrância do Abrigo
do Lagar Velho, no Vale do Lapedo.
O abrigo calcário localiza-se num vale
rasgado pela ribeira da Caranguejeira,
sendo um dos muitos já identificados
ao longo do corredor Este-Oeste. A sua
identificação, em Dezembro de 1998,
levou à mobilização de esforços por
parte de uma equipa do Instituto Por-
tuguês de Arqueologia e do Instituto
Português do Património Arquitectó-
nico. Ao longo de três semanas foi FIG. 7-14 – Lagar Velho I, sepultura. ILUSTRAÇÃO DE GUIDA CASELLA COM

garantida a segurança do local e foi BASE EM DESENHO DE CAMPO (1999)

exposto e exumado o pequeno esque-


leto. Posterior análise laboratorial identifica-o como pertencente a uma criança com 3,5 a 4 anos
de idade.
Os dados de escavação da sepultura permitem-nos afirmar que se trata de um ritual de inu-
mação primária, isolada, com o corpo em decúbito dorsal, embrulhado numa capa envolvente
semi-rígida, coberta de ocre vermelho. O corpo assim preparado foi depositado numa fossa
pouco profunda, onde foi previamente queimado um ramo de pinheiro silvestre.
Sobre a mortalha, e à volta da criança, foram colocados alguns pedaços de veado (Cervus
elaphus) e, provavelmente, um pequeno coelho inteiro, entre as duas pernas. Tal preparação do
corpo era ainda bem visível nos vestígios identificados e documentados pela equipa de campo.
Em 1995, o proprietário do terreno onde se situa o Lagar Velho tinha procedido à terrapla-
nagem da área, utilizando uma retroescavadora que, ao limpar a zona adjacente à parede do
abrigo, rompeu a sepultura, arrastando o crânio para oeste, estilhaçando-o em vários pedaços.
Cerca de 200 desses pedaços foram recuperados na campanha de 1999, dirigida essencial-
mente para esse fim. Um grande número destes fragmentos encontrava-se coberto de ocre ver-
melho, espesso, na superfície exterior do crânio, indiciando que a mortalha ter-se-á estendido
até à cabeça da criança.
(Os detalhes sobre esta sepultura e outros aspectos do esqueleto Lagar Velho I encontram-se publi-
cados em Zilhão e Trinkaus, 2002b).

BIOANTROPOLOGIA

275
Em termos cronológicos, o Mesolítico constitui o primeiro momento da Pré-História no
qual foi adoptado o enterramento em cemitério. Portugal possui a maior necrópole conhecida
para este período em todo o mundo — Cabeço da Arruda —, escavado por Jean Roche nos anos
70 (Roche, 1989). A posição dos corpos era preferencialmente flectida, mesmo que em diver-
sos graus, o que leva a que a distribuição dos ossos, ao serem exumados, aparentem uma dis-
conexão anatómica. Contudo, esta pseudo-disconexão reflecte o posicionamento dos ossos após
a decomposição dos tecidos musculares, não representando provavelmente qualquer pertur-
bação pós-deposicional significativa.
No Mesolítico em Portugal, na Ucrânia e na Rússia e Dinamarca, os enterramentos
parecem ter sido efectuados sempre em contextos habitacionais, com sepulturas individuais
bem ordenadas (Masset, 2000) sob solos de ocupação caracterizados por uma acumulação de
conchas e ossos de animais — os concheiros — preferencialmente em zonas estuarinas. As
deposições parecem ser primárias na totalidade e assumem formas variadas de posiciona-
mento do corpo.
Esta forma de organização funerária em cemitério não é, contudo, alargada a todo o Meso-
lítico europeu. Casos há em que os enterramentos em gruta, múltiplos, secundários, colecti-
vos, são a prática comum (Cauwe, 1992) e há mesmo contextos de cremação generalizada
(Masset, 2000).
Em Portugal, é nas épocas posteriores da Pré-História — o Neolítico e o Calcolítico — que
as práticas funerárias se alteram radicalmente. Os cemitérios em contextos habitacionais dei-
xam de existir, para darem lugar a sepulcros colectivos e maioritariamente secundários, cujo
processo de formação é ainda pouco explícito.
O tipo de enterramento condiciona necessariamente a metodologia utilizada na escava-
ção de determinadas sepulturas, sendo necessário adoptar métodos e tipos distintos de reco-
lha de dados para cada caso. Com efeito, a informação recolhida em inumações individuais é
muito mais completa do que no caso dos ossários e contextos colectivos. Por outro lado, a exu-
mação de sepulturas colectivas e secundárias torna-se mais complexa e exige um maior por-
menor na recolha de dados, já que a avaliação dos processos pós-deposicionais é dificultada
pela ‘desordem’ criada pelo método de deposição dos corpos.

Metodologia e Legislação em Arqueologia Funerária

Enquadramento da Legislação Portuguesa

Devido à especificidade do comportamento funerário humano, e dado o historial longo de


escavação de esqueletos humanos e de fósseis hominídeos, a disciplina de Antropologia auto-
nomizou-se de forma mais ou menos completa no contexto arqueológico. Esta autonomia é, em
alguns casos, traduzida em reformas legislativas. Tal é o caso extremo da NAGPRA (Native Ame-
rican Grave Protection and Repatriation Act) nos Estados Unidos da América, abrangendo não
só os restos humanos mas igualmente os artefactos a eles associados. Por norma, estas ques-
tões levantam-se nos países onde existe uma coexistência entre populações autóctones e popu-
lações colonizadoras (Canadá e Austrália) ou a necessidade de justificar historicamente a ocu-
pação de um determinado local, por parte de uma população, recorrendo para tal aos restos
arqueológicos (Israel). Quando se trata de restos humanos, a tendência é para a legislação ser
‘exacerbada’ e a sua aplicação mais radical e imperativa. No caso português, o Regulamento dos
Trabalhos Arqueológicos prevê a presença de um antropólogo no terreno quando se trata de
escavar uma necrópole onde estejam presentes ossos humanos (vide Caixa 7-7).

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CAIXA 7-7

Excerto do Regulamento
dos Trabalhos Arqueológicos
❚ CIDÁLIA DUARTE ❚

Decreto-Lei no 270/99, de 15 de Julho, DR 163/99,


série I-A, pp. 4412 a 4417
http://www.ipa.min-cultura.pt/

Artigo 8.o

Escavação de necrópoles
1. A escavação de necrópoles onde se presume venha a ser encontrado espólio antropológico
só será autorizada caso a equipa promotora tenha garantida a colaboração de especialistas em
antropologia física.
2. A autorização para a realização de escavações em cemitérios históricos só será concedida se
os promotores comprovarem que a realização desses trabalhos merece a concordância das auto-
ridades responsáveis.

Este facto criou uma dinâmica totalmente distinta daquela que é vivida em inúmeros paí-
ses, mesmo alguns com tradição arqueológica consistente, como a Dinamarca, onde a presença
de um antropólogo no terreno, quando se concretiza, é fruto de um diálogo pessoal entre o
arqueólogo responsável pela escavação e um especialista em Antropologia de campo. No caso
português, e desde 1999, essa colaboração é imposta por lei e ultrapassa o diálogo voluntário.
Antes da publicação do Regulamento dos Trabalhos Arqueológicos essa presença era, por
vezes, substituída por um médico, preferencialmente um ortopedista ou um patologista,
criando, assim, a ilusão da presença de indivíduos com formação específica nesta área. Con-
tudo, importa salientar que a Antropologia Física se autonomizou há longa data e que possui
métodos de análise próprios, discutidos em artigos e revistas específicos e que se aproximam
muito mais dos métodos e abordagens teóricas arqueológicas do que das ciências biológicas
e da medicina.
Esta questão é, por vezes, mal compreendida mas olhando alguns exemplos a solução
torna-se clara. No campo é necessária a colaboração estreita entre arqueólogo e antropólogo.
Da mesma forma, o trabalho do antropólogo não pode substituir a experiência e a interpreta-
ção estratigráfica do arqueólogo. Instâncias há em que, pelo facto de ser recente o trabalho con-
junto dos profissionais das duas áreas, existe um pressuposto errado de que o antropólogo deve
tomar as rédeas da escavação de uma necrópole. Tal não pode ser correcto e tem-se revelado
desastroso em algumas situações práticas. Com efeito, é o arqueólogo que tem o controle das
sequências estratigráficas dos sítios, e é ele o responsável pela interpretação da proveniência
cronológica dos restos humanos exumados.
Na ausência de uma organização profissional que certifique a carteira profissional de
arqueólogos e antropólogos, a regulação do trabalho tem estado a cargo dos organismos da
tutela, emitindo estes as autorizações necessárias, actuando assim o Estado de forma mais

BIOANTROPOLOGIA

277
directa. Todas as sanções são aplicadas pela tutela, nomeadamente ao nível da punição por
ausência de publicação de resultados. Este princípio rege-se pela ideia de que o património
arqueológico é material pertencente ao cidadão e o seu gestor deve ser o Estado.
A comunidade científica ligada à Antropologia tem respondido a estas alterações de
forma bastante positiva, tendo disseminado uma série de profissionais formados (sobre-
tudo) pela Universidade de Coimbra e mais recentemente a Universidade de Évora, que têm
assumido a tarefa de Antropólogos de Campo, para além de investigadores em laboratório.
A tendência actual é mesmo a comunhão da formação académica arqueológica e antropo-
lógica, fruto da acumulação de graus académicos e da formação permanente obtidos pelos
jovens recém-licenciados.
O Instituto Português de Arqueologia, pelo seu lado, tem exigido a exumação e o
estudo dos materiais humanos por parte de antropólogos, associados à equipa de Arqueo-
logia, desde a sua intervenção no terreno. No sistema de informação arqueológica Endové-
lico, centralizador de informação sobre sítios arqueológicos, projectos de investigação,
expediente e arquivo, liderado pela Divisão de Inventário do IPA, existem hoje muitos
locais identificados como necrópoles ou locais funerários. Dos cerca de 18 000 sítios e
achados inventariados à data (Abril 2003), 6340 são identificados como locais funerários
(monumentos megalíticos, cemitérios, necrópoles, grutas, sarcófagos, etc); neste inventá-
rio é possível conhecer o espólio existente (e se nele constam ossos humanos) e o seu local
de depósito. Esta foi uma alteração significativa no conhecimento dos restos humanos pro-
venientes de contextos arqueológicos. Tal inventário permite a qualquer antropólogo inte-
ressado em estudar segmentos populacionais no nosso território, para uma determinada
época, ou debruçando-se sobre uma qualquer variável (por exemplo, lesões patológicas),
identificar o número de esqueletos disponível e localizá-los, tornando as avenidas da inves-
tigação muito mais vastas.
A questão fundamental, também para a Osteologia Humana, é a tradução de todos os
dados recolhidos, em conhecimentos transmissíveis, registos com significado. Esse signi-
ficado, pela natureza do património arqueológico, só é passível de se atingir através da inves-
tigação, da leitura dos muitos sinais. Para garantir que esses sinais sejam lidos pelo antro-
pólogo, em laboratório, é necessário cumprir uma série de protocolos, seguir regras de reco-
lha de dados, permanentemente em actualização, durante a escavação arqueológica e após
esse momento.

Metodologia de Campo

O aparecimento de ossos humanos em contextos arqueológicos, sobretudo em Arqueo-


logia Urbana, implica, como norma, um atraso no cumprimento de prazos de escavação e
a consequente alteração de datas para a finalização de obras. Assim, é fundamental definir
estratégias de actuação antes do início de cada intervenção arqueológica, na qual se suspeita
da presença de ossos humanos. Isto é, a investigação histórica, quer do ponto de vista da His-
tória de Arte, quer do ponto de vista da história social do local intervencionado deve cons-
tituir uma forma de evitar a escavação de áreas onde os enterramentos são, à partida,
conhecidos.
No caso da Arqueologia Histórica em Portugal, é particularmente importante definir a
época de construção dos monumentos intervencionados, consultando fontes históricas e
comentários de historiadores de arte, no sentido de detectar as possíveis áreas de enterramento
dentro de cada edifício específico.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

278
Embora o uso de Cemitérios tenha sido instaurado entre nós por decreto de 21.09.1835,
e regulamentado a 4 de Outubro do mesmo ano, os relatos de enterramentos sem condições
de higiene, sobretudo em zonas urbanas, indiciam a relutância em aceitar as inumações fora
dos locais habituais, insistindo-se na utilização de solos tradicionalmente protegidos religio-
samente (Ferreira, 1880).
A ideia de instalar os cemitérios públicos longe dos locais de habitação tinha já sido defen-
dida entre nós por Pina Manique, em 1787 mas recebera pouco eco junto das populações,
(Bigotte, n/d) tendo sido instituída unicamente em 1844, aquando da publicação da Reforma
da Saúde Pública, na qual se proibiam os enterramentos nas igrejas. Este uso obrigatório dos
cemitérios públicos, previsto na reforma de 1844, esteve, aliás, na origem da revolta da Maria
da Fonte (1846) e são conhecidos enterramentos posteriores a essa data, em recintos religio-
sos, denotando uma desobediência à lei, motivada por crenças religiosas.
A questão da localização dos cemitérios foi, igualmente, objecto de discussão por parte
das entidades governativas. Em 1885, Ricardo Jorge elaborou um parecer — Higiene Social —
no qual defendia não advir qualquer perigo para a saúde pública pela inumação de defuntos
nas áreas populosas, constatando que os únicos factores a ter em conta na escolha dos locais
para construção dos cemitérios públicos é a porosidade do solo e a escassez de pedras, por
forma a facilitar todos os processos biológicos de desagregação do corpo (Bigotte, n/d).
O local de construção dos cemitérios continuou a ser objecto de debate no séc. XIX, dada
a concentração populacional nas cidades. Em Lisboa, foi elaborado um parecer por uma
comissão nomeada em 1878 para indicar a melhor forma de extinguir as valas (Ferreira,
1880), no qual se sugere a cremação como forma eficiente de resposta à escassez de terrenos
nos limites da cidade.
Perante este contexto legislativo, em qualquer intervenção arqueológica em edifício reli-
gioso, castelo, ou capelas de palácios datáveis de antes do período de 1844-48, e após a con-
versão visigótica ao Cristianismo serão, muito provavelmente, encontradas sepulturas em
recintos públicos ou privados. Tal situação, no caso português, deve ser acautelada, sobretudo,
pelos gestores do património edificado classificado — o IPPAR e a DGEMN.
Antes de se iniciar a escavação de um contexto arqueológico com ossos humanos, há que
determinar a natureza da intervenção, em termos de área e intensidade. Isto é, a não ser que
exista um projecto de investigação claro e definido para um determinado cemitério ou sepul-
tura, a escavação das ossadas deve ser limitada ao mínimo, tendo em conta as zonas que pos-
sam ser colocadas em perigo, quer por trabalhos de renovação e construção, quer por proces-
sos naturais de erosão.
Ao iniciar-se a escavação de um determinado contexto funerário, torna-se necessário ava-
liar que tipo de deposições podem estar presentes. O conhecimento prévio das formas habi-
tuais de tratamento dos cadáveres em determinada época é fundamental na definição das estra-
tégias a adoptar no campo. Contudo, essa estratégia deve ser constantemente reavaliada, de
forma a serem detectadas possíveis excepções nos hábitos fúnebres que podem ter significado
especial em determinado contexto. Para cada forma de tratamento dos mortos, são poten-
cialmente adoptadas estratégias distintas de actuação por parte do arqueólogo.
No caso de possíveis enterramentos em áreas ao ar livre, será necessário identificar, em
primeiro lugar, a distribuição espacial da necrópole. Isto é, torna-se imperativo proceder a uma
prospecção de terreno. A fotografia aérea localizada é um poderoso auxiliar, mas nem sempre
se encontra disponível. Potenciais áreas de enterramento tomarão a expressão de depressões
de superfície, em contextos mais recentes. Se, ao delimitar a área funerária, se verificar uma
larga extensão de potenciais enterramentos, dever-se-á optar pela abertura de sondagens em
zonas determinadas a partir de uma grelha de divisão da área considerada (Ubelaker, 1989).

BIOANTROPOLOGIA

279
Os métodos de escavação a utilizar dependerão, necessariamente, do tipo de deposição
funerária em estudo. Duas estratégias distintas serão utilizadas, no caso de se tratar de depo-
sições primárias ou secundárias (vide secção anterior).
Sendo constituído maioritariamente por matéria inorgânica (White, 1991), o osso sofre
processos distintos de deterioração consoante o ambiente em que se encontra depositado (Mad-
sen, 1994). Em ambientes ácidos, a componente inorgânica do osso é mais facilmente afec-
tada, enquanto que em ambientes alcalinos, é a parte orgânica do osso (colagénio) que é mais
acentuadamente danificada (Madsen, 1994, p. 115). Assim, a porção inorgânica do osso per-
manece mas a sua estrutura tende a ser porosa e quebradiça.
O esqueleto humano é constituído por cerca de 206 ossos (vide Anexo II no final do capí-
tulo). Caracterizados por uma heterogeneidade significativa, as suas dimensões variam, desde
o osso mais longo (fémur) até às reduzidas falanges distais do pé.
Se o esqueleto humano possui cerca de 206 ossos no seu estádio adulto, o número mul-
tiplica-se no caso de esqueletos subadultos (crianças e jovens). O processo de crescimento dos
ossos determina esta variação no número de presenças. Isto é, dado que o osso se desenvolve
(em regra) a partir de um centro primário de ossificação (o primeiro centro de formação do
osso) e depois se desdobra em centros secundários de ossificação (isto é, centros de cresci-
mento), estes constituem uma parte integrante do esqueleto humano mas encontram-se
isolados durante as fases de crescimento do indivíduo, antes da idade adulta (vide Anexo II).
O fémur, por exemplo, é formado por uma diáfise (o corpo do osso longo), e duas epífi-
ses (proximal e distal). Entre a diáfise e as epífises situam-se discos de cartilagem, responsá-
veis pela actividade de osteogénese. Ao atingir a idade adulta o osso (neste caso, o fémur) sofre
uma fusão das epífises, unindo-se estas ao corpo do osso — diáfise. Assim, ao escavar um
esqueleto de criança o número de elementos ósseos multiplica-se. O inventário de todos estes
ossos no processo de exumação torna-se valioso na apreciação dos processos pós-deposicionais
que afectaram os depósitos e na identificação de marcas de ocupação habitual e de lesões pato-
lógicas do esqueleto.
Alguns princípios práticos devem ser respeitados na escavação de esqueletos em contextos
arqueológicos. Por regra, não podem ser utilizados quaisquer instrumentos abrasivos na
escavação, por poderem criar falsos vestígios nas superfícies dos ossos, interpretáveis como
marcas de corte ou marcas de roedor. Uma vez expostos, os ossos devem ser protegidos do sol
e recolhidos o mais rapidamente possível. Se for necessário lavá-los, devem ser lavados no
mesmo dia, com pincéis macios, e secos à sombra.
O armazenamento deve ser feito em sacos plásticos cristal, macios, para que não seja exer-
cida qualquer pressão sobre as formas naturais de cada osso. O mais adequado material de
embalagem é o filme alveolar que não só protege de possíveis impactos com outros ossos e com
contentores diversos, mas também assegura a imobilidade do osso dentro da embalagem.
Por princípio, não devem ser utilizados quaisquer consolidantes como auxiliares de remoção
na escavação. Contudo, em contextos mais antigos ou mais danificados torna-se, por vezes,
necessário proceder a um reforço da textura dos ossos antes de estes serem exumados. Neste caso,
é possível a utilização de consolidantes, nomeadamente para que seja mais fácil exumar os ossos.
A escolha de consolidantes depende das condições de escavação, designadamente da tem-
peratura e humidade. Alguns produtos, embora se revelem extremamente eficientes no
aumento da resistência do osso, não oferecem condições do ponto de vista da conservação e
fotografia, dado o brilho que adquirem ou as películas que formam. Este é o caso do Paraloid
dissolvido em acetona.
A forma mais eficaz de reforçar a estrutura de ossos durante a escavação é a impregna-
ção lenta com o consolidante. Uma técnica eficaz é a colocação de pedaços de gaze sobre o osso

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

280
a consolidar, seguida de pincelagem do consolidante sobre a gaze. A estrutura e forma do osso
são, assim, reforçadas, sem que seja necessário movimentar cada elemento. A escolha do con-
solidante deve ser efectuada após consulta do antropólogo que acompanha a escavação, ou dos
técnicos de conservação e restauro envolvidos em cada acção arqueológica. A área consolidada
deve ser sempre registada na Ficha, dado que pode interferir nas análises químicas que pos-
sam ser efectuadas no futuro.
Depois de compreendida a posição do esqueleto, este deve ser completamente decapado,
com auxílio de instrumentos de madeira e plástico (teques de escultura em barro) e pincéis. Os
sedimentos provenientes das áreas sepulcrais devem ser crivados, preferencialmente em labo-
ratório, com crivo de rede plástica de 2 mm, que minimiza os danos na superfície do osso. A reco-
lha dos sedimentos deve ser efectuada por área do esqueleto, separando as seguintes regiões:
• crânio
• região torácica
• região abdominal
• região pélvica
• membros superiores (indicar lado)
• membros inferiores (indicar lado)

A documentação gráfica deve incorporar três componentes: o desenho à escala, o registo


fotográfico e o preenchimento das fichas de escavação. Preferencialmente, deve sempre pro-
ceder-se ao desenho dos esqueletos exumados em contextos arqueológicos, de preferência à
escala de 1:5. Contudo, e dado que as condições de escavação são, por vezes, adversas e rápi-
das, a fotografia pode substituir o desenho, no caso dos enterramentos individualizados.
O desenho da estrutura tumular envolvente, contudo, deve sempre ser efectuado, podendo,
excepcionalmente, inserir-se o esqueleto de forma esquemática no desenho. Isto é, após a deca-
pagem dos ossos, poderá fotografar-se, de forma a documentar o seu posicionamento, sem
necessidade de proceder ao desenho exaustivo das ossadas. Não deve, contudo ser esquecido
o registo tridimensional do esqueleto.
O registo fotográfico deverá incluir a totalidade do esqueleto, da estrutura tumular e diver-
sos planos de pormenor, sobretudo a nível dos ombros, mãos, pés, zona pélvica com escala e
crânio.
Quanto à exumação, devem ser seguidos alguns princípios básicos. O esqueleto deve ser
completamente exposto, antes de se proceder às fases seguintes, de documentação. Durante
o processo de decapagem das ossadas, devem ser registadas todas as características e anoma-
lias detectadas na estrutura sepulcral, bem como no esqueleto em si, bem como danos cau-
sados inadvertidamente pela escavação. Pretende-se, com estas anotações, avaliar a presença
de alterações nos contextos funerários, que possam ser indicadores de perturbações pós-depo-
sicionais recentes, viciando os dados obtidos.
Após a decapagem e exposição do esqueleto, deve proceder-se à recolha das informações
contidas na Ficha de Inumação (vide Anexos I e II). A ficha apresentada prevê a recolha de infor-
mações sobre a estrutura tumular e a organização da sepultura (colectiva, individual, primária,
secundária) e os dados osteométricos do esqueleto in situ; finalmente, está previsto um registo
visual do esqueleto adulto e subadulto. Assim, poderão existir, para uma dada estrutura fune-
rária, vários esqueletos representados.
Primeiro, todos os elementos ósseos, sem excepção, devem ser recolhidos e etiquetados
separadamente. Sempre que seja possível a identificação exacta do osso, pela sua posição ana-
tómica, o número correspondente ao da etiqueta deve ser indicado na ficha, fornecida no final
do capítulo.

BIOANTROPOLOGIA

281
Como auxiliar de exumação, pode utilizar-se folha de alumínio, nos casos em que o osso se
encontra estilhaçado ou fragmentado. Esta técnica evita muitas horas de trabalho no laboratório,
na tentativa de colar fragmentos de um osso sem se conhecer a sua posição relativa. Assim, o posi-
cionamento é mantido no transporte do campo para o laboratório. É de notar que a utilização da
folha de alumínio deve, também, ser assinalada na ficha e deve ser limitada a um período
mínimo de tempo, para que se reduzam as ainda mal esclarecidas alterações à química do osso.
Em todas as circunstâncias, os ossos devem ser expostos ao ar (à sombra), após a sua exu-
mação, para que a humidade possa ser lentamente ajustada ao ambiente circundante e para
que se evite a formação de fungos, no caso de ossos húmidos.

Tratamento Laboratorial

Limpeza

O processo e grau de limpeza dos ossos deve ser avaliado para cada situação. Isto é, nos
casos em que o estado de conservação é elevado, poder-se-á proceder à sua limpeza, mesmo
com água, embora não se deva nunca mergulhar os ossos, mas sim escová-los. As escovas de
dentes NÃO devem ser usadas, sendo preferível a utilização de pincéis vulgares, regular-
mente adquiridos em drogarias.
Se for necessário, poder-se-á utilizar álcool etílico ou acetona, para se proceder à limpeza
do esqueleto, nomeadamente na remoção de sedimentos. Com efeito, a aplicação destes líqui-
dos é preferível à água, dado que têm uma velocidade de evaporação mais rápida, o que reduz
significativamente os danos causados pela dilatação por infiltração. Os ossos devem secar sem-
pre à sombra.
Em todos os casos, devem ser cumpridas as necessárias regras de higiene. Em contextos
urbanos, é frequente os esqueletos exumados serem resultantes de enterramentos relativa-
mente recentes, o que pode criar casos de contaminação patológica que pode ser evitada.
Por outro lado, as contaminações provenientes de redes de esgotos centrais e pluviais são
frequentes.

Etiquetagem

Cada osso deve ser embalado separadamente, com uma etiqueta individual. A etiqueta
deve conter as indicações necessárias para a correcta localização de cada elemento: identificação
do sítio, número de sepultura, número de ordem (que deve corresponder ao número constante
da Ficha), Unidade Estratigráfica identificativa ou nível e camada, data de recolha, e identifi-
cação do osso, incluindo o lado de que provém. Se a identificação anatómica do osso não for
possível, deve ser atribuído um número, com legenda na ficha (dados osteométricos de campo
e inventário). O lado (esquerdo ou direito) deve ser indicado, dado que, no caso das falanges,
é difícil identificá-las depois de exumado o esqueleto.
Igualmente, o posicionamento relativo de cada metacarpiano, metatarsiano e falanges,
deve ser indicado na Ficha e nas respectivas etiquetas dos ossos, bem como a posição relativa
das vértebras e costelas. As etiquetas nunca devem tocar a superfície do osso, devendo ser colo-
cadas entre plástico.
Por fim, e independentemente do local de armazenagem, os restos humanos devem ser
embalados em contentores/caixas revestidas de uma camada almofadada, para que não movam

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282
em caso de transporte e manuseamento. Em todas as circunstâncias deve ter-se em conta que
a exumação de ossos humanos e a sua manipulação acarreta sempre uma destruição parcial
do conjunto.

Os Dados Osteológicos Quantitativos

É comum o antropólogo ser bombardeado com uma série de perguntas que, infelizmente,
muitas vezes não podem ser respondidas pelo simples facto de existir uma investigação antro-
pológica em curso. São comuns as questões sobre a causa de morte, os hábitos alimentares,
as patologias, as ligações familiares, o número de filhos, a esperança de vida, a existência de
crime, etc. Importa esclarecer que as lesões patológicas que afectam o esqueleto são reduzi-
díssimas em número (Campillo, 2001, p. 33), que a maior parte dessas lesões visíveis no osso
não são causa de morte, são antes condicionantes de estilos de vida, para além do facto do
esqueleto ter que ser submetido a um diagnóstico diferencial que só é possível efectuar
quando este se encontra praticamente completo. Importa salientar que a idade à morte é de
diagnóstico difícil e que exprime (sobretudo para as idades acima dos 40 anos) uma probabi-
lidade de cerca de 60 a 70%, consoante os métodos aplicáveis, com um desvio padrão de cerca
de 10 a 15 anos (McKern, 1970, Kerley, 1970; Krogman e Iscan, 1986). Importa igualmente
esclarecer que as ligações familiares, mesmo dentro de uma estrutura tumular específica, são
de difícil comprovação (salvo com a aplicação de técnicas de comparação de ADN). Sobretudo,
é importante frisar que as grandes certezas em Antropologia Física são, regularmente, reflexo
de relativa ignorância e de wishful thinking. A Antropologia é uma disciplina que baseia a sua
análise em dados populacionais e mesmo na sua aplicação forense, os métodos utilizados são
baseados em estudos populacionais e em distribuições probabilísticas.

Paleonutrição e Paleopatologia

A caracterização patológica de determinada paleo-comunidade pode ser indicadora de efi-


cácia nutritiva, de equilíbrio ou desequilíbrio alimentar em determinado contexto paleo-am-
biental. Estes indicadores paleopatológicos fornecem, igualmente, pormenores sobre micro-
populações com características específicas. São inúmeros os exemplos a nível de pequenas
comunidades, como populações conventuais, onde formas de vida impostas por regras quo-
tidianas são visíveis no esqueleto. A presença de lesões do crescimento são demonstrativas de
inadaptações ou episódios de tensão ao nível da nutrição; tal é o caso das lesões hipoplásicas
do esmalte, indício de ruptura no ritmo de crescimento infantil, passível de registo até à for-
mação completa de toda a dentição (Blakey e Armelagos, 1985; Danforth et al., 1993; Duray,
1992; Goodman, 1988; Goodman et al., 1980; Hutchinson e Larsen, 1990; Lanphear, 1990).
A presença de maiores percentagens de episódios hipoplásicos numa dada paleopopulação tem
sido interpretada como um forte indício de uma dieta inadequada, de pressão populacional ou
de fenómenos paleoepidemiológicos mais alargados (Lukacs, 1992; Piontek e Kozlowski,
2002). As hipoplasias do esmalte têm, também, indiciado diferenciações sociais ao nível do
acesso a bons níveis de nutrição (Palubeckaite et al., 2002).
Mais recentemente, a detecção de lesões patológicas do esqueleto tem sido efectuada a
partir do ADN como identificador de microorganismos presentes em tecidos ósseos do passado
(Campillo, 2001, p. 457). Este registo permite a reconstituição do historial de disseminação de
agentes patogénicos, do seu impacto em paleopopulações, e da eficácia do seu combate (Baron

BIOANTROPOLOGIA

283
et al., 1996; Taylor, 1996). Esta é uma utilização distinta do ADN em relação a formulações
de hipóteses mais convencionais, que tentam identificar movimentos populacionais através
da comparação de segmentos genéticos do ADN (Ammermann e Cavalli-Sforza, 1984).
Para além da definição de valores de paleonutrição e paleoepidemiologia, a Paleopatolo-
gia contribui, igualmente, para elucidar como as sociedades humanas responderam, ao longo
da sua história, aos ataques patológicos e como se desenvolveram os cuidados médicos e as
soluções para determinadas manifestações patológicas, desde infecciosas a traumáticas (exem-
plo, Holck, 2002; Anderson, 2002a) ou mesmo para a prática de autópsias (Anderson, 2002b).
Paralelamente, e dentro da mesma linha de investigação, a Paleopatologia avalia a pre-
sença de doenças específicas no passado, identificando lesões ósseas passíveis de ser inter-
pretadas como indicadoras da presença de agentes patogénicos em épocas recuadas, contri-
buindo, assim, para a história da epidemiologia (exemplo, Santos e Roberts, 2001). Um dos
tipos de lesões mais debatidos no seio da disciplina é a Sífilis, considerando a origem e a sua
expansão favorecida pelos navegadores europeus, não porque seja a América pré-colonial a sua
origem, mas dada a forte transmissão que adveio dessas viagens (Campillo, 2001, p. 235). As
lesões ósseas de treponematose, no caso da sífilis venérea, só se manifestam no terceiro está-
dio de desenvolvimento da doença, testemunhando não a causa provável de morte mas o con-
vívio com a doença durante um longo período, sobrevivendo à sua manifestação genital, à sua
fase generalizada com lesões cerebrais para, finalmente, se manifestar no esqueleto. Tal sis-
tema de expansão da doença deve ser devido à utilização do sistema linfático como veículo con-
dutor (Buckley e Dias, 2002).
Outras abordagens da Paleopatologia têm-se concentrado nas questões de lesões trau-
máticas e o seu significado, oscilando entre provas de violência e duras condições de vida na
Pré-História, até à identificação de abusos de menores no século IV, na Normandia (Blondi-
aux e Alduc-le Bagousse, 1993).

Abordagens Arqueométricas e Paleodietas

Dissemos, no início desta secção, que o tipo de informação obtida a partir do esqueleto
humano abrange o foro arqueométrico, contribuindo para a construção de quadros ambien-
tais e detecção da eficácia adaptativa de estratégias de povoamento, económicas e sociais. Esta
construção faz-se através da leitura de vários sinais presentes no esqueleto a nível químico.
Para além do registo patológico, indiciador de rupturas e pressões populacionais, o
esqueleto fornece indicadores mais directos dos mecanismos adaptativos das comunidades
humanas ao longo do seu percurso — os isótopos de carbono e azoto. Extraídos a partir da com-
ponente proteica do osso — o colagénio — estes são indicadores mais fiáveis e directos do con-
sumo de determinados alimentos por parte do indivíduo a quem pertenceu o osso analisado.
Tal registo, desde as primeiras experiências obtidas na década de 1980 (DeNiro, 1987) tem
vindo a revelar-se o mais eficaz na identificação de paleodietas em contexto arqueológico, tendo
sido bastante explorado na detecção de estratégias alimentares distintas em momentos de tran-
sição. Este é o caso do Mesolítico peninsular (Lubell et al., 1994), das estratégias de adaptação
pré-contacto no Noroeste americano (Lovell et al., 1986) e na invenção da agricultura na Amé-
rica central e sul (Ambrose, 1992; Bender et al., 1981; DeNiro, 1987; Farnsworth et al., 1985;
Larsen et al., 1992)
O princípio que rege a utilização da proporção entre isótopos de carbono e azoto no cola-
génio humano como indicador de tendências dietéticas é simples. Baseia-se na absorção de
diferentes níveis desses elementos em seres que ocupam diferentes posições na cadeia trófica;

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

284
essa absorção cria uma assinatura específica que pode, depois, ser identificada (Katzenberg,
1992) a partir da análise dos restos osteológicos. Esta técnica, contudo, tem que ter em conta
ajustamentos às assinaturas locais nos níveis de carbono e azoto contidos nas espécies poten-
cialmente consumidas (Hancock et al., 1989; Katzenberg, 1992; Schoeninger, 1985) e não pode
ser aplicada de forma directa e empírica, sem calibração. Mais recentemente, têm sido feitos
alertas sobre as condicionantes que devem reger a leitura dos resultados de concentrações iso-
tópicas, levando-nos a colocar a questão se o perfil isotópico reflecte um momento (sazonal)
da vida do indivíduo ou se, pelo contrário, resulta de um processo cumulativo, para ser enten-
dido como um somatório de hábitos alimentares. O recente trabalho efectuado sobre a con-
centração de isótopos de carbono e oxigénio nas várias camadas de esmalte dentário, em
exemplares da espécie Bos taurus com dieta controlada, veio provar que se trata, de facto, de
concentrações sazonais, cujo registo é facilmente alterado (Balasse, 2002). No caso do esmalte
dentário, e dada a natureza do processo de amelogénese (deposição de esmalte), esse registo
fica cativo na matriz inorgânica de alta resistência que constitui a coroa dentária — a bioapa-
tite — mas reflecte somente o perfil dietético específico à época de formação da porção da
matriz coronária sob escrutínio.
Mais duvidosos e de mais difícil controle são os resultados obtidos a partir dos oligoele-
mentos que têm sido identificados como indicadores de maior incidência de cereais, carne,
peixe, na dieta do sujeito analisado — estrôncio, zinco, cobre, etc. Estes valores, para além de
serem obtidos a partir da porção mineral do osso e, por isso, estarem sujeitos a uma influên-
cia diagenética muito mais intensa do que o colagénio, não oferecem garantias de reflectirem
concentrações cumulativas, podendo somente representar índices esporádicos, coincidentes
com o quadro espectrográfico no momento da morte.
Muitas têm sido as críticas a este método de análise, baseadas quer nos processos meta-
bólicos de absorção e acumulação desses oligoelementos, quer nos factores tafonómicos asso-
ciados a processos diagenéticos.
Um dos métodos clássicos de detecção e interpretação de padrões alimentares em paleo-
comunidades tem sido a caracterização do desgaste dentário. O princípio é simples: dietas mais
abrasivas produzem desgaste mais rápido, enquanto que alimentos mais macios provocam
menor desgaste (Hinton, 1981, 1982). A esta dicotomia associa-se a variabilidade do ângulo
de abrasão (Duarte, 1992) e uma proporção inversa entre nível de abrasão e frequências de
lesões cariogénicas (Hillson, 1996; Larsen, 1985). Da mesma forma, a frequência de cárie
tem-se revelado uma variável fundamental na caracterização de sociedades de caçadores-reco-
lectores por oposição a agricultores (Hillson, 2001), embora esta dicotomia não seja aplicável
a todas as zonas do globo e não deva ser, nomeadamente, aplicada a Portugal de forma linear
(Duarte, 1992; Jackes e Lubell, 1996; Lubell et al., 1994).

Abordagens Populacionais e Evolução Humana

As perspectivas arqueométricas no estudo dos restos humanos são obviamente, enqua-


dradas num contexto populacional, ultrapassando as abordagens individuais ou descritivas.
Com a excepção de casos específicos, em que os antropólogos se focalizam sobre ‘mistérios’
envolvendo casos históricos (Beattie e Geiger, 1992; Prag e Neave, 1997), a perspectiva indi-
vidual limita-se à aplicação da Osteologia Humana ao contexto forense.
Do ponto de vista da evolução, e embora os paleoantropólogos percam, por vezes, no calor
da discussão de árvores filogenéticas, a noção do que significa uma paleoespécie e como ela
é definida, é a dinâmica das populações fósseis que está em causa. A Paleoantropologia cons-

BIOANTROPOLOGIA

285
trói um quadro de movimentação e relacionamento biológico entre paleopopulações, ten-
tando, assim, definir o quadro filogenético da nossa espécie. Este quadro é construído com base
em características morfológicas do esqueleto e/ou na análise do material genético extraído de
fósseis e de populações modernas.
É de particular interesse verificar que, mesmo com o auxílio da Genética, através da aná-
lise do ADN mitocondrial e do ADN nuclear, as conclusões obtidas sobre relações filogenéti-
cas entre, por exemplo, o Homem actual e os Neandertais, são geradoras de uma discussão
acesa na bibliografia actual. Algumas análises baseiam-se num número reduzido de esquele-
tos mas, para além disso, alguns autores alertam para o facto de que a ausência de caracterís-
ticas semelhantes nos segmentos do ADN mitocondrial analisado não pode ser tida como
prova da não existência de reprodução em comum (Pääbo, 2003). Isto é, a ausência de prova
não pode ser interpretada como prova da sua não existência.
Contudo, e nesta mesma linha de investigação, o ADN mitocondrial e nuclear tem for-
necido alguma informação interessante. Desde a publicação do primeiro texto identificando
uma origem africana para a árvore haplotípica humana (Cann et al., 1987), o ADN tem sido
assediado para fornecer respostas para a nossa origem. Bem longe dos processos relaciona-
dos com a Arqueologia e a Paleontologia Humana, a Genética Molecular tem-se baseado
amplamente na recolha de amostras de sangue de populações actuais com vista a procurar
modelizar a evolução recente e expansão geográfica da actual espécie (Cann, 2002). Tendo em
conta o tempo previsto de coalescência nas árvores haplotípicas obtidas, a maior parte delas
aponta para uma data anterior a 100 000 BP, data previsível se houvesse substituição total de
neandertais ou formas arcaicas pelo homem moderno (Templeton, 2002). Assim, as propos-
tas mais recentes têm sugerido uma série de movimentos migratórios sucessivos a partir de
África, resultando em processos de cruzamento inter-populacional entre as supostas paleo-
espécies que ocuparam o Velho Mundo durante centenas de milénios de evolução humana.
Tal proposta, recentemente testada com nova aplicação estatística às árvores haplotípicas exis-
tentes (Templeton, 2002), não é nova, e há muito tem sido sugerida, mesmo se de formas dis-
tintas, pelos investigadores na área da Paleoantropologia (por exemplo, Wolpoff et al., 1994)
como sendo o padrão maioritário na evolução humana. Por parte dos dados fósseis, a recente
e polémica descoberta do esqueleto Lagar Velho I veio sugerir, para a Península Ibérica, este
cruzamento entre neandertais e homens anatomicamente modernos (vide Caixa 7-8, Lagar
Velho I). Desde a publicação do primeiro artigo sobre esta descoberta (Duarte et al., 1999), o
debate tem sido aceso sobre o verdadeiro significado das diversas características fenotípicas
do esqueleto. A conjugação de toda a informação sobre diferentes aspectos do mosaico de carac-
terísticas que constituem a individualidade deste esqueleto aponta para um indivíduo anato-
micamente ‘moderno’ com alguns indicadores (traços) arcaicos (Zilhão e Trinkaus, 2002b).
O significado paleontológico de tais traços é passível de enquadramento distinto, mais ou
menos adequado, pelos defensores de variadas teorias da evolução humana e do surgimento
da modernidade anatómica.
A interpretação de modernidade não deve, contudo, olvidar que se trata de um conceito
abstracto, centrado numa visão eurocêntrica da morfologia esquelética e que mais não signi-
fica do que a expressão mais ou menos frequente de características osteológicas específicas,
na sua maioria sem verdadeiro significado adaptativo. Da mesma forma, a genética molecu-
lar diz-nos que os indícios evolutivos obtidos a partir do esqueleto, quando vistos em conjunto
e na globalidade, devem ser interpretados em termos de simples ‘traços’ e não de caracterís-
ticas marcantes de tipos de população distintos (Templeton, 2002, p. 50). Alguns autores têm
mesmo insistido na quantificação desses ‘traços’ com vista à análise de variação nas paleo-
populações (Wolpoff e Lee, 2001), numa perspectiva de heterogeneidade e variabilidade, por

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

286
CAIXA 7-8

Lagar Velho I
❚ CIDÁLIA DUARTE ❚

O esqueleto humano do Lagar Velho I foi exumado antes do


aparecimento do CIPA, em Dezembro de 1998, por uma equipa do
Instituto Português de Arqueologia e pela autora que, à época,
integrava já o Laboratório de Osteologia Humana do IPPAR, ins-
talado no Museu Nacional de Arqueologia, em Belém (Lisboa). O
pleno estudo das ossadas foi, contudo, já cumprido como parte inte-
grante dos projectos do CIPA, no laboratório do Instituto Português
de Arqueologia.
O estudo da sepultura e do seu enquadramento envolveu uma
equipa que englobava zooarqueólogos, um geoarqueólogo e dois
especialistas em Paleobotânica, todos parte integrante do CIPA. Os
restos humanos nunca viajaram para fora do país mas foram ana-
lisados intensa e extensivamente por uma equipa internacional
que envolveu 31 nomes, peritos em diversas áreas do esqueleto
FIG. 7-15 – Lagar Velho I.
humano na sua perspectiva paleontológica. A análise do esqueleto
Reconstituição laboratorial
envolveu ainda o Serviço de Imagiologia do Hospital Curry Cabral, do esqueleto.
em Lisboa, na produção de radiografias e de imagens em Tomo-
grafia Axial Computorizada.
A partir dessas imagens, o Instituto de Antropologia e Laboratório de Multimédia do
Departamento de Informática da Universidade de Zurique, através de Christoph Zollikofer e
Márcia Ponce de Léon produziu um protótipo do crânio de Lagar Velho I em resina, através da
técnica de estereolitografia, criando assim uma imagem palpável e observável da forma e por-
menores do crânio da criança.
O resultado da investigação levada a cabo em todas as áreas do estudo do esqueleto Lagar
Velho I está reunido no volume 22 dos Trabalhos de Arqueologia do IPA, intitulado Portrait of
the Artist as a Child, coordenado por João Zilhão e Erik Trinkaus, em 2002.
O mosaico de características morfológicas da criança levou os coordenadores do trabalho
a proporem uma interpretação para o seu significado paleontológico (Duarte et al., 1999) que
criou vasta polémica na comunidade científica; se o esqueleto é basicamente moderno, com
algumas características arcaicas (associadas a esqueletos de Neandertais), então ele é o resul-
tado de uma longa reprodução entre Neandertais e
‘modernos’ na Península Ibérica, um dos últimos locais
onde aqueles terão sobrevivido.
Independentemente das suas repercussões a nível da
história da evolução humana, o projecto Lagar Velho é
(ainda) o projecto mais abrangente dentro do CIPA,
englobando todas as áreas de intervenção do corpo de
investigadores, como se pode verificar nas diversas sec-
ções deste livro. Este tipo de projectos são importantes,
no sentido de aglutinar o grupo de investigadores e de
FIG. 7-16 – Reconstituição do crânio por
definir linhas de acção que são aplicadas subsequente-
estereolitografia (protótipo criado por mente em projectos de menores dimensões.
Christoph Zollikofer e Marcia Ponce de
Léon).
FOTOS: JOSÉ PAULO RUAS

BIOANTROPOLOGIA

287
oposição a uma abordagem dirigida à demarcação de paleo-espécies, enquanto entidades bio-
logicamente incompatíveis.
A abordagem populacional e a exploração do ADN como indicador da história humana
destronaram, sobretudo a partir dos anos 60, a ideia de raça como conceito biológico, verifi-
cando que, num dado bloco de haplotipos existe maior variabilidade entre elementos da
mesma ‘raça’ do que entre indivíduos de compleição diferente, mesmo em continentes dife-
rentes (Caspari, 2003; Pääbo, 2003). Este conceito foi introduzido formalmente por Richard
Lewontin (1972) embora tenha sido objecto de acesa discussão anteriormente, sobretudo no
seio da comunidade antropológica americana (vide Caspari, 2003 para discussão do conceito
de raça). Estava assim destronado o conceito biológico de raça, enquanto entidade de sentido
filogenético e indicativo de proximidade histórica de populações.

CAIXA 7-9

Equipa de Trabalho
Núcleo de Paleobiologia Humana

Cidália Duarte
M.A. Anthropology. Universidade de Alberta, Canadá
Áreas de interesse: práticas funerárias da Pré-História. Tafonomia
humana. Antropologia dentária.

Vanda Pinheiro
Licenciatura Antropologia pelo ISCSP
Áreas de interesse: Osteologia Humana; ténicas laboratoriais

Vanessa Rodrigues
Curso de Conservação da Escola de Valorização do Património da
Câmara Municipal de Sintra.
Curso de Conservação e Restauro do Instituto Politécnico de Tomar

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

288
Anexo I – Ficha de escavação de ossos humanos em contextos arqueológicos

Sepulturas individualizadas

Sítio Arqueológico
Referência espacial
Estrutura tumular n 0 UEs Data
Fotografias Diapositivos
Crivo malha

Número de indivíduos completos ou parciais (por estrutura tumular):


# de crianças
# de adolescentes
# de adultos femininos
# adultos masculinos
# de adultos desconhecidos

Estrutura tumular individual #


Lajes laterais 012 (0=ausente; 1= lado direito; 2= lado esquerdo)
Lajes entre corpos 01 (0= ausente; 1= presente)
Fossa 01 (0= ausente; 1= presente)
Fossa preenchida 01 (0= ausente; 1= presente)
Fossa originalmente oca 01 (0= ausente; 1= presente)
‘Contentor’ associado 01 (0= ausente; 1= presente)
Estrutura indefinida 01 (0= ausente; 1= presente)
Ossos queimados 01 (0= ausente; 1= presente)

Posicionamento do corpo
Nível de desarticulação:
Grupo de ossos desarticulados 01 (0= não; 1= sim)
Em feixe, com crânio 01 (0= não; 1= sim)
Em feixe, sem crânio 01 (0= não; 1= sim)
Parcialmente articulado 01 (0= não; 1= sim)
Parcialmente perturbado por outra deposição 01 (0= não; 1= sim)
Ossos dispersos 01 (0= não; 1= sim)

Tronco:
Sobre as costas 01 (0= não; 1= sim)
Sobre o peito 01 (0= não; 1= sim)
Sobre o lado esquerdo 01 (0= não; 1= sim)
Sobre o lado direito 01 (0= não; 1= sim)

Crânio:
Para a esquerda 01 (0= não; 1= sim)
Para a direita 01 (0= não; 1= sim)
De frente 01 (0= não; 1= sim)
Para baixo 01 (0= não; 1= sim)
Descaído sobre o peito 01 (0= não; 1= sim)

BIOANTROPOLOGIA

289
Desarticulado 01 (0= não; 1= sim)
Ausente 01 (0= não; 1= sim)
Perturbado por outra deposição 01 (0= não; 1= sim)
Fragmentado 01 (0= não; 1= sim)

Membros inferiores:
Estendidos 01 (0= não; 1= sim)
Semi-flectidos à direita 01 (0= não; 1= sim)
Semi-flectidas à esquerda 01 (0= não; 1= sim)
Flectidas lado direito 01 (0= não; 1= sim)
Flectidas lado esquerdo 01 (0= não; 1= sim)
Ausentes 0 1 2 3 (0=nenhum; 1= direito; 2= esquerdo;3= ambos)
Perturbados por outra deposição 0 1 2 3 (0=nenhum; 1= direito; 2= esquerdo; 3= ambos)
Ossos dispersos 01 (0= não; 1= sim)
Fragmentado 0 1 2 3 (0=nenhum; 1= direito; 2= esquerdo; 3= ambos)

Braço esquerdo:
Estendido 01 (0= não; 1= sim)
Mão na zona pélvica 01 (0= não; 1= sim)
Antebraço sobre o tórax 01 (0= não; 1= sim)
Mão sobre o ombro 01 (0= não; 1= sim)
Mão sobre o rosto 01 (0= não; 1= sim)
Ausente 01 (0= não; 1= sim)
Perturbado por outra deposição 01 (0= não; 1= sim)
Ossos dispersos 01 (0= não; 1= sim)
Fragmentado 01 (0= não; 1= sim)

Braço direito:
Estendido 01 (0= não; 1= sim)
Mão na zona pélvica 01 (0= não; 1= sim)
Antebraço sobre o tórax 01 (0= não; 1= sim)
Mão sobre o ombro 01 (0= não; 1= sim)
Mão sobre o rosto 01 (0= não; 1= sim)
Ausente 01 (0= não; 1= sim)
Perturbado por outra deposição 01 (0= não; 1= sim)
Ossos dispersos 01 (0= não; 1= sim)
Fragmentado 01 (0= não; 1= sim)

Orientação do corpo:
Entre 0-360 graus a partir do norte
Crânio na extremidade N S E W NE NW SE SW

Espólio associado:
À direita do corpo 01 (0= não; 1= sim)
À esquerda 01 (0= não; 1= sim)
Aos pés 01 (0= não; 1= sim)
Junto ao crânio 01 (0= não; 1= sim)
Distribuído, sem padrão 01 (0= não; 1= sim)
Ocre (assinalar na figura) 01 (0= não; 1= sim)
Manchas (assinalar na figura distribuição e cor) 01 (0= não; 1= sim)

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

290
Tipos de artefactos

Fauna associada:
Misturada com ossos humanos 01 (0= não; 1= sim)
Ossos organizados em núcleo 01 (0= não; 1= sim)
Sobre o tronco 01 (0= não; 1= sim)
Junto ao braço direito 01 (0= não; 1= sim)
Junto ao braço esquerdo 01 (0= não; 1= sim)
Junto à perna direita 01 (0= não; 1= sim)
Junto à perna esquerda 01 (0= não; 1= sim)
Junto aos pés 01 (0= não; 1= sim)

Dados métricos (em milímetros, consultando Anexo II):


A (comprimento do braço)
B (comprimento total do esqueleto)
C (comprimento da perna, até à base do calcâneo)
D (comprimento do crâneo à base da bacia)
E (largura ombro a ombro)
F (largura máxima da cavidade pélvica externa)
G (largura máxima da cavidade pélvica interna)

Inventário do esqueleto
Ao elaborar-se o inventário dos ossos presentes, dever-se-á utilizar cores para distinguir os ossos representados entre
100%-75%, 50-75%, menos de 50%. Na mesma ficha de inventário deve ficar assinalada a numeração atribuída aos
ossos exumados nas etiquetas das embalagens. Assim, e não sendo necessário um conhecimento da anatomia
humana, poder-se-á reconhecer o posicionamento dos ossos posteriormente, em laboratório.

| 75 – 100%
| 50 – 75%
| 0 – 50%

Dados osteobiográficos
Sexo M F ?
Idade
Estatura

Perturbações pós-deposicionais aparentes

Desenho e inventário

Fotografia

BIOANTROPOLOGIA

291
Anexo II – Dados osteométricos de campo

Indicações sobre os dados osteométricos de campo

Os dados osteométricos seguintes só deverão ser


recolhidos se a posição anatómica relativa entre os
diversos elementos estiver preservada. Para além des-
tes dados, podem igualmente ser recolhidos dados
osteométricos mais precisos, precavendo a possível
destruição ou fragmentação das porções ósseas
durante a exumação e/ou o transporte. Essas dimen-
sões deverão ser efectuadas de acordo com os proto-
colos estabelecidos internacionalmente para a Osteo-
metria do esqueleto humano, tal como o protocolo
desenvolvido pela Paleopathology Association (Buikstra
e Ubelaker, 1994).

A Comprimento total do membro superior.


Comprimento desde a ponta mais proximal da
cabeça do úmero até à falange distal mais afastada. Inventário de esqueleto adulto

B Comprimento total do esqueleto


Comprimento desde o ponto mais superior da
calote craniana até à base do calcâneo, correspon-
dendo à altura do indivíduo.

C Comprimento total do membro inferior


Comprimento desde o ponto mais proximal da epí-
fise proximal do fémur à base do calcâneo.

D Comprimento do tronco
Comprimento desde o ponto mais superior da
calote craniana até à linha definida pelas duas tube-
rosidades ísquias, correpondendo à altura do indi-
víduo em posição sentada.
Inventário de esqueleto de criança
E Largura dos ombros
Largura definida entre os dois pontos mais laterais
do extremidade proximal do úmero.

F Largura máxima da pélvis


Largura definida pela distância entre as duas espi-
nhas superiores anteriores do ilíaco.

G Largura máxima da cavidade pélvica


Definida pelo diâmetro máximo da cavidade pélvica
articulada.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

292
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296
Núcleo de Paleotecnologia
| Paleotecnologia lítica: dos objectos
capítulo 8
aos comportamentos
❚ FRANCISCO ALMEIDA ❚ ANA CRISTINA ARAÚJO ❚ THIERRY AUBRY ❚

RESUMO Neste capítulo apresentam-se algumas ABSTRACT This chapter presents the main
das actuais linhas de investigação da tecnologia avenues of research in prehistoric lithic technology.
lítica pré-histórica. Mais do que uma listagem More then a complete list of different ways
completa de abordagens possíveis aos objectos of studying lithic artefacts, we focus primarily
líticos, pretende-se aqui, acima de tudo, explanar on the research that CIPA’s palaeotechnology team
as vias de investigação seguidas no Núcleo de has undertaken in the last three years.
Paleotecnologia do CIPA, e, através de alguns Using several case studies, we demonstrate
exemplos, salientar as vantagens de uma aplicação the value and advantages of applying
multimetodológica ao estudo de colecções a multi-methodological approach to the study
arqueológicas de pedra lascada. of knapped lithic assemblages.

O que é a Paleotecnologia

De entre os vários domínios científicos de investigação do Passado, a Paleotecnologia lítica


detém um lugar privilegiado no processo de conhecimento dos comportamentos humanos
ancestrais, dada a natureza específica dos documentos sobre os quais esta ciência trabalha.
A pedra, transformada em objecto pelo homem para responder a determinadas necessidades,
constitui, com efeito, o testemunho arqueológico por excelência, sendo, não raras vezes, o único
documento que sobreviveu ao crivo do tempo dada a sua resistência quase perfeita aos facto-
res mecânicos e químicos naturais de destruição. A perspectiva tecnológica aplicada ao estudo
das indústrias líticas é um campo autónomo de investigação, que visa reconstituir não só os
processos e as modalidades de fabrico do equipamento de caça e de uso doméstico das comu-
nidades humanas do Passado, mas também o artesão, o indivíduo que opera na matéria atra-
vés do gesto, que a transforma segundo determinados esquemas mentais e a sua própria tra-
dição enquanto membro de um grupo, de uma cultura, com um Tempo e um Espaço próprios.
O estudo da cultura material lítica restringiu-se, durante décadas, à Tipologia, ciência
normativa de classificação dos objectos, vistos e lidos segundo determinados parâmetros e
critérios de natureza morfológica e funcional. Esta categoria de vestígios foi abordada de
maneira selectiva, por vezes no momento da sua própria colecta, sendo frequentemente
seleccionados apenas os materiais que se encontravam retocados ou, subjectivamente, os
que eram considerados como susceptíveis de apresentar uma morfologia funcional. Os uten-
sílios assim definidos com base em padrões morfológicos e de retoque eram associados, por
comparação empírica com utensílios modernos ou documentados etnograficamente, a
tipos funcionais específicos (Brezillon, 1968). Esta perspectiva, que se debruça sobre o
objecto na sua fase final, acabada, e o classifica segundo uma grelha de tipos, permitiu, não
sem vantagens, o estabelecimento de uma sequência cronológico-cultural das indústrias líti-
cas e situá-las no tempo. A revolução do radiocarbono veio demonstrar, porém, a fraqueza

299
e em alguns casos a falta de sustentação empírica da fórmula utensílio = tipo com valor
cronológico e dos gráficos cumulativos utilizados na seriação e individualização cronológico-
-cultural dos conjuntos líticos. Baseada em parte no conceito de fóssil-director, em que se
associa um tipo a uma determinada cultura, esta análise depressa se veio a revelar insufi-
ciente para o conhecimento das técnicas, dos modi faciendi e, por detrás, das próprias
actividades humanas que as motivaram.
A perspectiva tecnológica, pelo contrário, visa o processo. O objecto e a sua história.
O utensílio, a peça acabada, é entendido apenas, e agora, como fim último de uma biografia
que tem princípio, meio e fim. Esta nova forma de ver e abordar o objecto veio a par com o
desenvolvimento de novas problemáticas, de novos paradigmas, de novas vias de investigação
do Passado, re-situando a Arqueologia no próprio quadro das Ciências do Homem. Para tal
contribuiu, nos anos 70, a chamada Nova Arqueologia, criada no interior da escola antropo-
lógica norte-americana que, fortemente adversária da escola tipológica francesa — lembramos
o célebre debate Binford versus Bordes a propósito do Mustierense — desenvolve os estudos
tecnológicos, aplicando a análise às indústrias líticas de pedra lascada. Quais os fundamentos
teóricos e metodológicos da Paleotecnologia lítica?
Esta nova perspectiva, ou nova forma de recuperar e tornar inteligíveis os vestígios
materiais produzidos pelas sociedades humanas do Passado, visa dar resposta a um deter-
minado número de questões que se colocaram a partir do desenvolvimento de novas pro-
blemáticas de natureza arqueológica e paleoetnográfica. Independentemente do posicio-
namento teórico-metodológico e da própria prática de quem faz arqueologia, é ponto assente
que os comportamentos técnicos, nas suas mais diversas vertentes, reflectem comporta-
mentos sociais. A indústria lítica produzida num determinado contexto espácio-temporal
constitui-se como resposta adaptativa de uma comunidade humana a determinados estí-
mulos e necessidades, sejam elas imediatas ou não, mas, mais importante ainda, resulta de
um conjunto de processos técnicos específicos propiciados por padrões de comportamento
e aptidões histórica e filogeneticamente condicionados, que importa conhecer. Esta reno-
vação de objectivos conduziu, na prática, ao desenvolvimento de novas formas de ler os
objectos.
Essa nova leitura passa pelo conhecimento de toda a história do artefacto, desde a maté-
ria-prima com que foi fabricado até ao seu abandono. Um dos aspectos mais importantes da
leitura tecnológica é a noção de que todo o resto, todo o resíduo produzido no contexto do des-
baste antrópico de qualquer volume de matéria-prima é importante, sendo possível conhecer
o seu lugar, posicioná-lo no interior da respectiva cadeia operatória de produção lítica. Este con-
ceito, desenvolvido por influência dos etnólogos Mauss (1947) e Leroi-Gourhan (1964), fun-
ciona como apetrecho conceptual de análise do objecto enquanto produto resultante de um
conjunto de operações técnicas e gestos comportamentais, organizados em fases sucessivas,
e concebidas a partir de um esquema mental pré-determinado.
A abordagem tecnológica de uma colecção lítica passa, em primeiro lugar, pelo conheci-
mento do tipo, contexto e modalidades de aquisição e aprovisionamento das matérias-primas selec-
cionadas pelo artesão para a confecção do seu instrumental. Esta primeira abordagem ao
objecto requer, previamente, o conhecimento das condições de jazida do sítio, da integridade
dos vestígios nele exumados, da qualidade e rigor do registo utilizado. Numa segunda fase, a
leitura do objecto passa pelo seu posicionamento na cadeia operatória de produção. A utiliza-
ção do método das remontagens permite restituir a ordem, a sequência de gestos e as modali-
dades de desbaste da pedra. Este remake do processo é complementado por uma leitura atenta
dos estigmas presentes nos artefactos, marcadores indeléveis do tipo e técnica de percussão
utilizados pelo artesão, dos percalços encontrados, não raras vezes associados à qualidade das

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

300
próprias matérias-primas, das alterações sofridas pelo objecto após o seu descarte. O talhe expe-
rimental tem um papel fundamental neste processo. A sua utilização, orientada no sentido de
dar resposta a questões e problemas muito concretos, tem-se revelado, por vezes, como a única
via de investigação possível para a reconstituição dos procedimentos técnicos utilizados no pas-
sado, e do tipo de estigmas produzidos. Numa terceira fase, a leitura do objecto passa pela pro-
cura de outros atributos técnicos, como a existência de retoque ou de estigmas de utilização,
que o individualizam dos restantes. Através da análise tipológica os utensílios são circunscri-
tos a tipos ou categorias, segundo critérios de natureza fundamentalmente morfológica e fun-
cional (raspador, furador, buril, etc.). O estabelecimento de listas-tipo de utensílios, a utiliza-
ção de gráficos cumulativos, o recurso à quantificação e estatística são alguns dos procedi-
mentos analíticos utilizados pela Tipologia para seriar os vestígios materiais líticos e lhes atri-
buir um significado cronológico e cultural. As perspectivas tipológica e tecnológica de abor-
dagem das colecções líticas constituem-se, assim, como duas vias totalmente distintas, mas
complementares, de investigação arqueológica.
Mais recentemente, e a par do desenvolvimento e aplicação de novas metodologias de
registo e análise do vestígio arqueológico, e do novo posicionamento do Arqueólogo perante
o Objecto do seu estudo, a Traceologia tem vindo a dar resposta a algumas das questões que
se levantam sobre o fim último das operações de talhe: como e sobre que matérias, de origem
animal ou vegetal, foram então utilizados os produtos resultantes do desbaste antrópico de um
qualquer volume de pedra? Apesar das limitações ainda existentes sobre a aplicabilidade e os
resultados desta nova via de abordagem ao objecto, a análise dos vestígios de uso fossilizados
nas superfícies e arestas do objecto constitui uma das vias possíveis para o conhecimento da
função, do gesto e da actividade que lhe está subjacente.
E o objecto constitui-se assim como produto da inteligência humana, como resultado de
um processo técnico determinado, concebido tendo em conta não só as escolhas, opções, sabe-
res e a própria tradição tecnológica do artesão, mas também as limitações inerentes ao con-
texto específico que o produz.

Matérias-primas, Aprovisionamento e Mobilidade

A análise de um conjunto lítico deve começar justamente pela primeira fase da cadeia ope-
ratória: caracterização petrográfica das matérias-primas em presença, identificação das formas
como estas chegaram ao sítio e o reconhecimento das respectivas fontes de aprovisionamento.

Tipos e Variedades de Rochas Utilizadas

As comunidades humanas do Passado não utilizaram, indiferentemente, qualquer tipo


de rocha para confeccionar o seu equipamento de caça e de uso doméstico. De entre o conjunto
de matérias-primas desta categoria existentes na natureza, as rochas siliciosas, de fractura fre-
quentemente concoidal, foram as mais utilizadas, dada a sua aptidão para o talhe. Este tipo de
fractura pode ser previsto em função da aplicação das forças, e os produtos daí resultantes apre-
sentam um gume em geral aguçado, cortante e resistente (Inizan et al., 1995; Tixier et al.,
1980). Apesar de existirem nos afloramentos rochosos de numerosas formações geológicas do
território português diversos tipos de rochas com boas características para o talhe, (Carta
Geológica de Portugal, Instituto Geológico e Mineiro), a maioria encontra-se já em posição
secundária, isto é, destacada dos respectivos afloramentos, constituindo as formações detríti-

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

301
cas aluviais, a par com os depósitos de vertente, as principais fontes de aprovisionamento em
matérias-primas durante toda a Pré-história. Se a realização de escavações superficiais nos
depósitos detríticos terá sido provável, a abertura de túneis para a exploração de sílex nas for-
mações calcárias não foi ainda descoberta em Portugal.
No nosso território, e durante a Pré-história, o quartzito (vide, por exemplo, Fig. 8-23), o
quartzo (vide Fig. 8-1) e o sílex. (Fig. 8-2) constituem as principais variedades petrográficas de
rochas utilizadas para a confecção de instrumentos cortantes em pedra lascada. Em regiões
onde estas matérias-primas não se encontram disponíveis, foram seleccionados e explorados,
com sucesso, outros tipos de rochas.
O quartzito é uma rocha frequente, que aflora em bancadas da ordem das dezenas de cen-
tímetros nas formações geológicas de idade primária (geralmente do Ordovícico). Em conse-
quência da sua resistência à erosão, esta rocha foi disseminada por processos aluviais e cons-
titui a componente maioritária das cascalheiras aluviais dos principais rios de Portugal (ver,
por exemplo, Fig. 8-17 e Fig. 8-27).
O quartzo é uma das formas da sílica e uma das matérias-primas mais abundantes em
território português, tendo sido explorado a partir de cristais, fragmentos de filão, e de seixos
recolhidos em posição secundária. Quando a cristalização é plena, esta matéria-prima deno-
mina-se quartzo hialino ou cristal de rocha (vide Fig. 8-1), mas, mais frequentemente, os cris-
tais encontram-se imbricados não atingindo a forma de cristal.
O sílex apresenta-se, na natureza, sob a forma de nódulos (Fig. 8-2a), plaquetas ou lajes.
Esta matéria-prima, cuja formação resulta da precipitação de sílica em ambientes marinhos ou
lacustres (Luedtke, 1992), encontra-se presente em diversas formações geológicas (Fig. 8-2b).
A observação do respectivo córtex, o envolcro exte-
rior que constitui o limite entre a concentração de
sílica e a rocha carbonatada, é indicadora do tipo de
fonte explorada. A superfície cortical, quando pre-
servada, permite conhecer a morfologia original
dos blocos explorados e a posição primária ou
secundária da respectiva proveniência geológica.
Os volumes recolhidos em posição secundária
apresentam um córtex rolado, distinto do obser-
vado nos nódulos de sílex que se encontram em
posição primária no interior dos calcários (Fig. 8-3).
Noutros casos, verifica-se a presença, em certos
nódulos, de uma superfície resultante de altera-
ções e deslocações por processos marinhos.
Nem todas as matérias-primas foram explo-
radas tendo apenas em vista a sua adaptabilidade
ao talhe. Outras variedades litológicas de rochas
sedimentares ricas em sílica, metamórficas, erup-
tivas ou vulcânicas foram utilizadas no Passado.
Na construção de estruturas de combustão, por
exemplo, recorreu-se frequentemente a certas
rochas ricas em sílica, de cujas propriedades se
destaca a capacidade de acumulação térmica.
FIG. 8-1 – 1. Cristais de rocha provenientes dum filão nas rochas
Outra rocha frequentemente associada a contextos
metamórficas da formação Desejosa (Vila Nova de Foz Côa);
2. lamelas em cristal de rocha do nível de ocupação gravettense pré-históricos é a hematite. Diversos estudos têm
de Olga Grande 4 (Almendra, Vila Nova de Foz Côa). demonstrado que, para além das suas capacidades

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

302
FIG. 8-2 – a. Afloramento de sílex em forma de nódulos,
em calcários do Turocenomaniano (Vale das Chitas, Leiria);
b. tipos de sílex encontrados em diversas formações
geológicas das bacias hidrográficas do Douro, do Tejo
e do Mondego.

POSIÇÃO PRIMÁRIA POSIÇÃO SECUNDÁRIA

Sílex do Cenomaniano

Sílex do Bajociano

FIG. 8-3 – Alterações observáveis, após deslocações em formações detríticas, de sílices provenientes de duas formações geológicas.

de pigmentação e do valor simbólico que por vezes lhe é atribuído, esta rocha possui caracte-
rísticas anti-sépticas e propriedades que facilitam a emulsão entre diversas componentes
orgânicas de colas naturais.

Métodos de Avaliação e de Caracterização dos Recursos Líticos

O estudo dum qualquer conjunto arqueológico deve passar, em primeiro lugar, pela
observação, descrição macroscópica e definição das diversas categorias e subcategorias petro-
gráficas em presença. Esta primeira abordagem permite avaliar a variabilidade dos recursos
líticos locais de um determinado contexto arqueológico. Apesar de muitas vezes incompleta,
ou pouco informativa, em relação ao posicionamento e descrição do sílex no interior das for-

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

303
mações carbonatadas, a cartografia geológica constitui-se como ferramenta de trabalho fun-
damental. Salvo raras excepções, a prospecção orientada permite detectar a proveniência de
grande parte das matérias-primas utilizadas e seleccionar as categorias que devem ser objecto
de outros meios de caracterização. O trabalho subsequente deve seguir uma análise bidirec-
cional entre o material arqueológico e o referencial geológico.
Apesar da sua aparente homogeneidade, as rochas siliciosas incluídas na categoria geral
de sílex formaram-se por precipitação de sílica e encontram-se presentes em diversos am-
bientes sedimentares. O processo de substituição da calcite por sílica permite a conservação,
sem modificação do volume, de determinadas características pré-existentes, como a estrutura
e a textura. Assim, o processo de estudo destas matérias segue a mesma metodologia utilizada
para as rochas carbonatadas (Séronie-Vivien e Séronie-Vivien, 1987; Masson, 1981, 1987;
Mauger, 1985; Tarriño e Aguirre, 1997).
Já foi referida a variabilidade do aspecto do córtex em função do tipo de fonte explorada.
A cor, utilizada frequentemente como critério para diferenciar e isolar diferentes categorias
de matérias-primas, deve ser considerada com muita precaução, sobretudo nos casos em que
não foram realizadas prospecções orientadas com o intuito de avaliar os recursos líticos de uma
determinada área geográfica (Séronie-Vivien e Séronie-Vivien, 1987; Masson, 1987; Man-
gado Llach, 2002; Simmonet, 1999). Com efeito, num mesmo afloramento e, não raras vezes
sobre o mesmo nódulo, observam-se variações significativas no aspecto e na cor do sílex
como resultado da silicificação secundária e da oxi-
dação durante o respectivo transporte em forma-
ções detríticas (vide Fig. 8-3). O tratamento térmico,
por sua vez, e apesar da sua utilização se confinar
apenas a determinados momentos da Pré-História,
tende a provocar modificações no aspecto do sílex,
de que se destacam o brilho e a acentuação das
características estruturais (Fig. 8-4). Este tipo de
preparação da matéria-prima melhora nitidamente FIG. 8-4 – Vestígios de tratamento térmico em materiais líticos do Bajociano, encontrados
a aptidão de talhe dos sílices porosos, não só no na unidade estratigráfica 9a do sítio de Buraca Grande (Redinha, Pombal). 1. lasca com
dois negativos de levantamentos (ver lado direito) posteriores ao tratamento térmico. Como
âmbito de modalidades de debitagem realizadas a pode ser observado, estas superfícies apresentam-se brilhantes. A superfície do lado
partir de nódulos de pequena dimensão, mas tam- esquerdo, porém, e apesar de ter sofrido o mesmo tipo de tratamento, não foi objecto de
modificação posterior. 2. Fragmento de folha de loureiro solutrense, fracturada durante
bém em operações de afeiçoamento e retoque por o processo de fabrico, com o mesmo tipo de contraste entre os levantamentos anteriores
pressão (Bordes, 1969; Tixier et al., 1980). e posteriores ao tratamento. Esc. 1 cm.

A primeira fase de observação dum conjunto


lítico deve ser efectuada a olho nu ou, com um acréscimo notável de informação, através de
uma lupa binocular. Estes tipos de observação, não destrutivos, podem ser aplicados à totali-
dade do material, sendo que a observação à lupa binocular pode ainda ser melhorada com a
aplicação, na superfície dos objectos, de uma película gordurosa (Séronie-Vivien e Séronie-
-Vivien, 1987; Affolter, 1989).
Nesta observação devem ser considerados os seguintes critérios:
• A conservação de estruturas sedimentares, zonas, listagem (Fig. 8-5) e variações em fun-
ção do tamanho dos componentes. Certas características estruturais permitem carac-
terizar o ambiente sedimentar das formações de aprovisionamento (os nódulos zona-
dos em “anéis de Lisegang”, por exemplo, provêm de uma substituição da calcite por
sílica, em ambiente marinho — Mangado Llach, 2002);
• A análise do tipo de grão e do aspecto mate ou brilhante das fracturas permite adian-
tar hipóteses sobre as modalidades de cristalização da sílica, posteriormente verificáveis
à micro escala;

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

304
• A presença de eventuais inclusões mine-
rais, como é o caso aqui apresentado da
mica existente nas silicificações do sector
Nordeste dos afloramentos do Cenoma-
niano (vide Fig. 8-7, n.o 13);
• A existência de certos fósseis, observáveis
a olho nu ou com recurso a lupa binocu-
lar, permite o reconhecimento de deter-
minados ambientes de formação das
FIG. 8-5 – Estruturas sedimentares preservadas pela epigenia
rochas siliciosas (Fig. 8-6). siliciosa em sílices do Bajociano superior (1) e do Cenomaniano
É importante salientar que a validade destas superior (2).
observações depende essencialmente da repre-
sentatividade do referencial geológico, que deve
ter em conta não só a variabilidade existente
num mesmo afloramento geológico, mas tam-
bém as convergências entre níveis estratigráficos
distintos. A existência de um inventário das fon-
tes de aprovisionamento é fundamental para
documentar determinados aspectos como a
abundância e o tipo de afloramento, por exem-
plo, mas não pode substituir o conhecimento
efectivo no terreno, por parte do investigador
responsável, dessas mesmas fontes. FIG. 8-6 – Restos de conchas de gastrópodes incluídos numa
matriz de calcedónia, observáveis numa amostra geológica de
Os dados obtidos através da análise macros- sílex do Oxfordiano, n 1 (Agroal, Vila Nova de Ourém) e num
o

cópica podem ser precisados através da realiza- vestígio do nível arqueológico mesolítico de Buraca Grande,
n 2 (Redinha, Pombal, 2). Estas associações permitem
o

ção de lâminas delgadas e da respectiva obser- determinar um ambiente de formação em contexto lacustre ou
vação microscópica. Sendo um processo destru- marinho confinado.
tivo, deve ser limitado apenas a amostras que
justifiquem a obtenção de dados mais pormenorizados, e cuja selecção deverá sempre par-
tir duma primeira análise macroscópica. A descrição de rochas siliciosas a partir de lâmi-
nas delgadas segue geralmente as classificações das rochas carbonatadas (Séronie-Vivien e
Séronie-Vivien, 1987), sendo a mais adoptada a de Dunham (mudstone, wackestone, packs-
tone). Salientaríamos aqui duas das principais vantagens da análise microscópica de lâmi-
nas delgadas de sílex: por um lado, a determinação da textura granular (quartzo micro a
macro-cristalino, e opala) ou fibrosa (calcedónia) da sílica; e por outro, o conteúdo em
peloïds e restos de micro-fósseis, determinantes na distinção entre paredes minerais (car-
bonatadas ou siliciosas) e orgânicas (Fig. 8-7).
Outros métodos têm sido aplicados como primeira abordagem (Luedkte, 1979) ou
como critério suplementar à caracterização macroscópica para a atribuição a uma deter-
minada fonte geológica. Essas técnicas consistem em caracterizações físicas (densidade,
absorção da luz, raios X) ou químicas, que se baseiam no estudo de elementos minoritários
(em proporções geralmente inferiores a 2%) na amostra analisada (Mangado Llach, 2002;
Carvalho, 2001). Diversos autores (Séronie-Vivien e Séronie-Vivien, 1987), no entanto,
consideram que a relação custo/informação deste tipo de análises é elevada. Os resultados
obtidos, embora úteis na demonstração da influência do transporte em formações detríti-
cas nas amostras analisadas, por exemplo, não justificam a utilização sistemática deste tipo
de caracterização. Esta deve ser reservada a casos muito específicos de micro-fácies sedi-
mentares de difícil caracterização através da análise de lâminas delgadas.

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

305
1 2 3 4 5

6 7 8 9 10

11 12 13 14 15

FIG. 8-7 – A observação de lâminas delgadas realizadas a partir de peças arqueológicas e a comparação com amostras geológicas permite definir
os ambientes de formação e, em alguns casos, propor níveis estratigráficos e áreas geográficas de origem. Esta caracterização fundamenta-se
nos seguintes critérios:
- na determinação da forma mineral de cristalização da sílica. 1. sílex miocénico de Rielves, calcedónia length-slow, característica de um
ambiente de formação evaporítico (5 x XPL - em microscopia óptica com luz polarizada com nicóis cruzados); 2. sílex liásico de Sá (Anadia),
mega-quartzo e calcedónia length-fast característica de ambiente de formação calcária (5 x XPL); 3. sílex pliocénico do Facho, opala que revela
um processo relativamente recente de silicificação (2,5 x PPL - microescopia óptica com luz plana polarizada);
- na textura. 4. sílex do limite entre o Bajociano e o Batoniano de Outil, textura de radiolares de ambiente marinho (2,5 x PPL); 5. amostra
arqueológica de Cardina I, textura peloídica de formação marinha (5 x XPL);
- no conteúdo em bioclastos. 6. sílex bajociano/batoniano de Outil, foraminíferos característicos de um ambiente marinho (10 x PPL);
7. amostra arqueológica de Cardina I, fragmento de bryozoa (5 x XPL); 8. amostra arqueológica de Cardina I, fragmento de oogónio de
carófita de ambiente marinho confinado ou de água doce (10 x PPL); 9. sílex miocénico de Rielves, gastrópodes de água doce; 5. amostra
arqueológica de Cardina I, fragmento de concha de lamelibrânquio de ambiente de formação marinho (5 x XPL);
- no conteúdo em matéria orgânica. 10. sílex miocénico de Huescas, tecido vegetal e opala, ambiente de formação evaporítico (10 x PPL);
- no conteúdo mineral outro que sílica. 11. sílex liásico de Pereiros, cristais de feldspato ( x XPL); 12. amostra arqueológica de Cardina I,
cristais de moscovita numa textura peloídica, comparável a amostras geológicas de sílex do Cenomaniano da região entre Vila Nova de
Ourém e Leiria (5 x XPL); 13. sílex pliocénico de Facho, inclusões de óxido de ferro fibro-laminares, ambiente de formação evaporítico
(5 x PPL); 14. sílex miocénico de Rielves, inclusão de gesso característica de um ambiente de formação evaporítico (5 x XPL); 15. sílex
miocénico de Rielves, cristais de dolomita em curso de dissolução (10 x XPL).

Um Meio de Reconstrução dos Territórios Explorados

Embora na maioria dos casos as colecções de artefactos líticos de contextos pré-histó-


ricos apresentem uma predominância de matérias-primas de origem local, não são também
raras as ocasiões onde se encontram nos conjuntos rochas de proveniência alóctone, em pro-
porções variáveis. A deslocação de matérias-primas não locais encontra-se, de resto, já ates-
tada em contextos do Paleolítico Antigo (Rigaud, 1988) e Médio (Geneste, 1985, 1991), tor-
nando-se sistemática durante o Paleolítico Superior (Morala, 1980; Demars, 1982; Mauger,
1985; Leesch, 1997). O estudo das proporções de diferentes tipos de matéria-prima numa
colecção arqueológica, primeira fase do respectivo estudo e inventário, é uma tarefa impres-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

306
cindível, principalmente se levada a efeito no âmbito do conceito teórico de cadeia opera-
tória. Tais proporções constituem o melhor indicador ao nosso dispor com vista a uma apro-
ximação às estratégias de selecção e aprovisionamento das comunidades em estudo. Vários
factores podem estar na origem da variabilidade de matérias-primas de um sítio arqueoló-
gico (Perlès, 1992):
• Em primeiro lugar, a presença ou ausência de certas matérias-primas numa colecção,
mais do que uma efectiva selecção no passado, pode estar relacionada com a dispo-
nibilidade de certas fontes de aprovisionamento durante o período em estudo. Vários
factores naturais poderiam ter limitado o acesso às mesmas ou à respectiva visibili-
dade, como o coberto vegetal, ou o regime hidrográfico, que durante o Inverno pode-
ria impossibilitar a recolha de volumes em contextos de aluvião.
• Certas matérias-primas podem ter sido seleccionadas tendo em conta a sua aptidão
para o talhe e/ou adaptação a objectivos funcionais específicos. Estes dois aspectos
podem, de resto, não ser correlacionáveis. As qualidades de talhe de algumas rochas,
a fineza do seu grão, e respectiva homogeneidade, factores apreciados em experiên-
cias de talhe actuais, podem não ter necessariamente regido a selecção de matérias-
-primas no passado. O grão irregular do quartzito, por exemplo, pode apresentar van-
tagens em relação ao sílex na produção de artefactos com funções de corte.
• As próprias estratégias de redução aplicadas na produção de determinados suportes
ou artefactos podem implicar maiores deslocações, se as matérias-primas locais não
se adaptarem a tais objectivos tecnológicos. Durante a pré-história recente da Estre-
madura portuguesa, por exemplo, a produção de alabardas em sílex estava condicio-
nada pela existência de nódulos com as dimensões adequadas, cuja repartição na pai-
sagem implicaria necessariamente maiores deslocações e/ou trocas do que na pro-
dução de outros artefactos de menores dimensões.
• As proporções de diferentes matérias-primas num sítio arqueológico podem ainda
revelar, de uma forma indirecta, o tempo e o investimento necessários para o apro-
visionamento a partir de determinadas fontes, sempre dependente de outro tipo de
actividades dos grupos em estudo. A presença de determinadas matérias-primas
alóctones constitui ainda um bom indicador do conhecimento pelas comunidades
pré-históricas das respectivas fontes de aprovisionamento.
• Por fim, a própria tradição cultural de um grupo pré-histórico pode ser manifestada na
escolha de determinadas matérias-primas, independentemente de razões funcionais ou
de acesso a fontes de aprovisionamento. Durante o Gravettense Terminal da Estrema-
dura portuguesa, por exemplo, o quartzo terá sido uma matéria-prima seleccionada maio-
ritariamente por motivos culturais, tendo sido talhado segundo os mesmos moldes tec-
nológicos aplicados ao sílex (Zilhão et al., 1997, 1999; Almeida, 2000). Já no Solutrense,
denota-se uma clara preferência em vários contextos por sílices ricos em calcedónia,
padrão menos evidente durante outros períodos da Pré-história (Zilhão, 1997b).

O estudo das várias matérias-primas presentes numa colecção arqueológica, associado


ao conhecimento efectivo das respectivas fontes de aprovisionamento, permite o reconhe-
cimento de relações espaciais entre sítio, nível de ocupação, estrutura, e os espaços no ter-
ritório caracterizados pela presença natural de recursos líticos — as fontes de matéria-
-prima. A informação assim obtida permite complementar outro tipo de dados, como os pro-
venientes dos índices de exploração de recursos bióticos, com vista a uma reconstrução sis-
témica dos ciclos sazonais de ocupação e das modalidades de deslocação e exploração de um
determinado território, por parte de uma comunidade pré-histórica (Binford, 1983).

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

307
FIG. 8-8 – Modalidades de aquisição e deslocação das matérias-primas líticas em função do tipo de sítio.

A Transformação e a Utilização das Matérias-primas Líticas

Neste capítulo, passamos à segunda etapa da cadeia operatória: o reconhecimento das


modalidades e processos de transformação da pedra. Esta abordagem pode ser realizada recor-
rendo a diversos tipos de análise ou vias de investigação distintas, que se podem e devem com-
plementar, tais como o estudo de atributos, a utilização do método das remontagens e a apli-
cação da grelha tipológica tradicional. Já foi sumariamente referida a importância que o talhe
experimental pode ter no reconhecimento das técnicas e métodos de desbaste e de transfor-
mação da pedra, e sua posterior utilização.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

308
O Reconhecimento das Técnicas de Debitagem, Afeiçoamento e Retoque

Testemunhos directos ou interpretações baseadas em documentos etnográficos recolhi-


dos nos finais do século XIX sobre populações que produziam e utilizavam utensilagens líti-
cas, a par com a observação dos processos de fabrico de pedreneiras de espingarda, constitu-
íram um contributo importante mas relativamente limitado para a reconstituição das técnicas
e sobretudo dos métodos de talhe no Passado, e particularmente durante a Pré-história (Pele-
grin, 1995). As primeiras experiências efectuadas consistiram, sobretudo, na réplica de objec-
tos pré-históricos. Estas tentativas, realizadas maioritariamente por amadores à margem da
comunidade académica, não tiveram o impacto merecido, mas permitiram estabelecer as
principais modalidades de fragmentação das rochas siliciosas, tais como: a percussão directa
realizada através de percutor de pedra; a percussão indirecta com recurso a uma peça inter-
média em matéria orgânica animal (osso, chifre, haste) ou vegetal (madeira); e a pressão efec-
tuada com um instrumento em matéria orgânica ou metálica (para os períodos mais recentes
da Pré-história).
Estes 3 grandes grupos de modalidades técnicas foram, por sua vez, utilizados no âmbito
de 3 grandes tipos de operações:
• nos métodos de debitagem, com o objectivo de produzir determinados suportes (lascas
e esquírolas, lâminas e lamelas;
• nos métodos de afeiçoamento de peças bifaciais;
• no retoque posterior dos suportes debitados.
O desenvolvimento sistemático e orientado do talhe experimental com o objectivo de
reconstituir as modalidades de aplicação de forças e dos métodos de transformação das maté-
rias-primas levado a cabo a partir dos finais da segunda guerra mundial (Bordes, 1947a;
1947b; Tixier et al., 1980; Crabtree,
1968, 1972), permitiu reconstituir,
por um lado, os gestos e a capacidade
de conceptualização dos artesãos e,
por outro, o estabelecimento dos cri-
térios objectivos de determinação das
principais técnicas utilizadas (Pele-
grin, 1984, 1991, 2000).
A reconstituição das modalida-
des de aplicação de forças para frag-
mentar matérias-primas líticas fun-
damenta-se na observação macroscó-
pica de estigmas diagnosticantes
(Fig. 8-9). Este tipo de análise, geral-
mente pouco fiável quando aplicado a
peças tomadas individualmente
(exceptuam-se os casos de técnicas de
fácil caracterização), deve ser realizado FIG. 8-9 – Estigmas diagnosticantes dos modos de fragmentação das rochas.
sobre conjuntos suficientemente 1, 2 - percussão directa com percutor duro em pedra; 3 - percussão com percutor
representativos de restos de talhe. de pedra mole, preparação por abrasão do talão; 4, 5 - percussão directa
experimental com percutor orgânico (chifre de veado); 6 - lasca de afeiçoamento
Com efeito, experiências sistemáticas de folha de loureiro (Buraca Grande, Redinha) obtida através de percussão directa
vieram demonstrar que técnicas dis- com percutor mole (em madeira ou chifre); 7 - percussão indirecta com uma peça
intermédia em chifre (peça experimental); 8 - percussão bipolar sobre bigorna
tintas de talhe poderão produzir estig- (Lapedo, Abrigo do lagar Velho, U.E. EE15); 9 - Lamela debitada por pressão
mas semelhantes (Tixier, 1982). (Dólmen da Carrasqueira, Pombal).

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

309
O reconhecimento do saber fazer específico a cada momento, sociedade e área geográfica,
a avaliação objectiva das dificuldades técnicas inerentes ao processo de talhe e o cálculo do
tempo efectivo dispendido na produção lítica, constituem-se como objectivos primordiais do
talhe experimental, dificilmente apreendidos pela via tipológica tradicional.

Do Objecto à Cadeia Operatória

Tal como foi referido na Introdução, o conceito de cadeia operatória funciona como fer-
ramenta conceptual de análise dos conjuntos líticos, cuja aplicabilidade tem revelado inúme-
ras vantagens para a reconstrução dos processos técnicos do trabalho da pedra. Ao considerar
todas as etapas de fabrico do objecto, desde a selecção de um bloco de matéria-prima ao aban-
dono do utensílio produzido, este tipo de abordagem permite apreender o sistema de produ-
ção lítica na sua globalidade, posicionando cada resíduo talhado no interior da respectiva
cadeia operatória de produção. O recurso ao método das remontagens e a análise dos estigmas
de talhe presentes nos objectos são fundamentais para a reconstrução dos gestos e dos pro-
cedimentos técnicos utilizados pelo artesão.
Na área de paleotecnologia do CIPA os trabalhos em curso têm sido desenvolvidos apli-
cando diversos tipos de abordagem ao objecto, desde a análise das fontes de aprovisionamento
das matérias-primas, à análise tecnológica de atributos, à utilização do método das remonta-
gens e à própria descrição tipológica tradicional (que mais do que um fim, deve apenas servir
como uma primeira abordagem comparativa das indústrias).

Análise tecnológica de atributos

Embora o método mais valioso para avaliação directa das cadeias operatórias utilizadas no pas-
sado seja o das remontagens líticas, nem sempre é possível a aplicação do mesmo a colecções
arqueológicas. Mesmo em conjuntos onde o grau de sucesso da aplicação do método é elevado,
existe sempre a possibilidade das remontagens não representarem o total da variabilidade tecno-
lógica presente numa indústria. Como esse é o principal objectivo do estudo de uma colecção de
pedra lascada, uma das soluções possíveis e mais recorrente nos estudos actuais é a análise tec-
nológica de atributos. Contrariamente ao método das remontagens, esta pode ser aplicada a todas
as colecções, mesmo às provenientes de escavações ou recolhas antigas e previamente triadas.
Um qualquer artefacto de pedra lascada encontrado no decurso de uma escavação ou
prospecção é fundamentalmente um objecto estático. No entanto, até ter chegado à forma sob
a qual foi abandonado, passou por diversas etapas de fabrico que, no âmbito da aplicação do
conceito de Cadeia Operatória, são possíveis de determinar ou reconstituir. Para além da sua
morfologia geral, da sua integração numa determinada tipologia, e da sua eventual análise tra-
ceológica, cada objecto de pedra lascada apresenta estigmas e características específicas que
nos permitem posicioná-lo numa determinada etapa do seu processo de fabrico e conhecer as
respectivas modalidades de produção. A análise de atributos permite:
• a observação das próprias técnicas segundo as quais foi produzido e/ou retocado deter-
minado objecto (tendo por base dados recolhidos através do talhe experimental), desde
o tipo de percussão aplicado (directa, indirecta, por pressão, bipolar sobre bigorna), ao
tipo de percutor (duro, em pedra branda, orgânico, em metal);
• a reconstituição aproximada da sua localização dentro da sequência de redução de um
determinado volume (teste à aptidão para o talhe, descorticagem, preparação dos pla-

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

310
nos de percussão ou manutenção dos mesmos, preparação da superfície de debita-
gem e das arestas-guia, debitagem plena, acidente de talhe, fase final de debitagem,
abandono);
• a apreciação das estratégias de redução aplicadas na produção de suportes (debitagem
Levallois, discóide, sobre seixo talhado, prismática unidireccional, prismática bidirec-
cional sequencial ou alternante, carenada, etc.).

Uma das principais vantagens da análise tecnológica de atributos é que a mesma pode
ser aplicada a praticamente todas as categorias de artefactos de pedra lascada, desde os núcleos
até aos suportes debitados, passando pela própria utensilagem retocada. O objectivo principal
deste tipo de abordagem é a reconstituição da variabilidade das cadeias operatórias aplicadas
numa determinada colecção. Torna-se possível a obtenção de uma visão “média” da tecnolo-
gia de um conjunto, e da maneira como os vários suportes — lascas, lâminas, lamelas — foram
produzidos e eventualmente retocados. Através do estudo de atributos de natureza tecnológica
(cuja selecção parte da relevância dos mesmos tornada evidente através, por exemplo, do
talhe experimental e de remontagens sobre contextos arqueológicos), pretende-se chegar a uma
“remontagem mental” das várias estratégias de redução lítica aplicadas na amostra em estudo.
Torna-se também possível averiguar o grau de estandardização duma indústria, não só em ter-
mos dimensionais, mas também ao nível das técnicas, dos processos de fabrico, enfim, do
savoir faire do artesão.
A selecção de atributos a analisar pode variar segundo as questões que o investigador pre-
tende abordar, mas deve ter sempre em conta uma aplicabilidade aos vários tipos de artefac-
tos de pedra lascada. Tendo por base o conceito de cadeia operatória, torna-se assim necessá-
rio que os atributos aplicados no estudo dos núcleos, por exemplo, sejam complementares aos
aplicados no estudo dos produtos de debitagem e da utensilagem. Há, no entanto, que ter em
conta os chamados problemas de equifinalidade ou convergência. Tal como já referido em rela-
ção ao talhe experimental, existem certos atributos que podem não ser exclusivos de uma deter-
minada fase da sequência de redução de um volume, de uma determinada técnica de percus-
são, ou de uma determinada estratégia de redução lítica. Nos quadros seguintes apresentam-
se alguns exemplos de atributos passíveis de serem estudados numa colecção de pedra lascada,
e os objectivos pretendidos com a sua utilização.
Esta análise é portanto efectuada tendo por base um conjunto de atributos definidos pre-
viamente, sendo aplicada a cada objecto em estudo. A base de dados assim criada permite ave-
riguar, posteriormente, a recorrência de alguns atributos ou associações de atributos. Tendo
em vista a remontagem mental das colecções em estudo, ou seja, uma aproximação à sua varia-
bilidade tecnológica, a escolha dos parâmetros de análise deve ser concomitante com alguns
objectivos principais:
• o conhecimento da economia das matérias-primas e respectiva estratégia de aprovisio-
namento - através do estudo do tipo de córtex em presença, e o posicionamento dos
objectos dentro das fases iniciais de desbaste dos volumes talhados.
• a determinação das técnicas de percussão aplicadas numa determinada indústria, atra-
vés da análise dos talões da debitagem e da utensilagem e dos planos de percussão dos
núcleos, bem como do eventual tratamento da cornija e da presença de labiado ou esqui-
rolamento do bolbo;
• a localização aproximada de alguns produtos dentro da fase geralmente designada
como debitagem plena, através da associação de determinados atributos, como por
exemplo a ausência de córtex e uma secção trapezoidal. Os vários objectos separados
entre as várias fases de debitagem de um núcleo podem ser assim comparados não

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

311
só em termos da sua estandardização dimensional e de técnicas de debitagem, mas
também no que se refere ao seu eventual aproveitamento como utensílios retocados.
• delimitar as estratégias de redução lítica aplicadas na produção de suportes, através
do estudo conjugado das respectivas morfologias e padrões dorsais. Numa indústria
rica em núcleos prismáticos com dois planos de percussão opostos, por exemplo,
importa averiguar se os mesmos foram explorados de uma forma sequencial ou
alternante. Na ausência de remontagens, tal tarefa passa obrigatoriamente pela aná-
lise da frequência de padrões dorsais bi-direccionais nos suportes e na utensilagem.
• conhecimento de certas estratégias de redução lítica particulares, através da análise
de alguns atributos específicos, como é o caso da ondulação ventral para tecnologias
bipolares, a dominância de perfis curvos e torcidos em tecnologias de carácter care-
nado ou afocinhado, ou em indústrias ricas em debitagem por pressão.

QUADRO 8-1
Atributos Quantitativos

Comprimento
Largura
Permitem averiguar a variabilidade, e por vezes o grau de estandardização de uma
Espessura
indústria, em termos dimensionais. Alguns destes atributos são ainda
Peso
funcionalmente relevantes nas estratégias de produção de suportes.
Largura do talão
Espessura do talão

Atributos Qualitativos
Presença de córtex na superfície dorsal Permite uma localização aproximada do objecto na sequência de redução lítica.
Tipo de córtex Fornece informação em relação ao tipo de fonte explorada.
Perfil A dominância de perfis curvos e torcidos numa colecção pode indiciar a presença
de tecnologias de carácter carenado para a produção de suportes. Este tipo de
perfis está também associado à debitagem por pressão e percussão indirecta.
Acabamento distal Indicador de acidentes de talhe (ressaltos, ultrapassagens), e da morfologia
do suporte.
Secção Indicador de algumas estratégias de redução, e de posicionamento do suporte na
sequência de redução.
Morfologia dos bordos Indicador de morfologia de suporte pretendida, e de estandardização
da debitagem.
Padrão dorsal Indicador da estratégia de redução aplicada. Permite a visualização de mudanças
de orientação dos núcleos, número de planos de percussão utilizados, e fase da
estratégia de redução lítica.
Tipo de talão Indicador de processos de preparação e manutenção do plano de percussão, bem
como do tipo de percussão e de percutor utilizados.
Tratamento da cornija Indicador de processos de preparação e manutenção do plano de percussão, bem
como do tipo de percussão e de percutor utilizados.
Presença/ Ausência de Labiado Indicador de processos de preparação e manutenção do plano de percussão, bem
como do tipo de percussão e de percutor utilizados.
Simetria em relação ao eixo tecnológico Indicador de morfologia de suporte pretendida, e do grau de estandardização
da debitagem.
Ondulação da face ventral Atributo geralmente associado a tecnologias bipolares sobre bigorna.

Exemplos de atributos para estudo de suportes debitados

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

312
QUADRO 8-2
Atributos Quantitativos

Comprimento máximo
Comprimento do eixo de debitagem
Permitem averiguar o grau de exploração de uma indústria, e verificar o estado
Largura
dimensional de abandono dos respectivos núcleos.
Espessura
Volume aproximado
Peso

Atributos Qualitativos
Tipo de córtex Fornece informação em relação ao tipo de fonte explorada.
Volume inicial Indicador de tipo de fonte explorada, bem como de eventual reutilização
de suportes como núcleos.
Produto debitado Informação sobre o tipo de suporte cuja produção é ainda visível no estado
de abandono do núcleo.
Acidentes de talhe / Deficiências Possíveis razões para o abandono do núcleo, que não as respectivas dimensões.
da matéria-prima
Último ângulo entre o plano Possível razão para o abandono do núcleo. ngulos obtusos tendem a inviabilizar
de percussão e a superfície de debitagem o prosseguimento da debitagem.
Número e tipo de plano de percussão Indicador de processos de preparação e manutenção do plano de percussão, bem
como do tipo de percussão e percutor.
Indicador da estratégia de redução lítica aplicada.
Tratamento da cornija Indicador de processos de preparação e manutenção do plano de percussão, bem
como do tipo de percussão e percutor.
Tipo de núcleo Atributo que segue geralmente designações tipológicas já estabelecidas, conforme
o período em estudo. Reflecte, geralmente, a última estratégia de redução aplicada
num volume de matéria-prima.

Exemplos de atributos para estudo de núcleos

O método das remontagens

Conhecido e utilizado desde finais do século XIX (Cels e Depauw, 1886; Smith, 1884; Arts
e Cziela, 1990), na altura com objectivos essencialmente de ilustração e musealização, o método
das remontagens líticas foi redescoberto a partir da década de 70 do século XX, como resultado
das transformações teóricas que afectaram a ciência arqueológica em ambos os lados do Atlân-
tico: em França, através da perspectiva etnográfica implementada principalmente por André
Leroi-Gourhan e sua equipa no emblemático estudo da estação paleolítica de Pincevent (Leroi-
Gourhan e Brezillon, 1972) e, nos Estados Unidos, com o que mais tarde se veio a designar “Nova
Arqueologia” e a sua perspectiva optimista em relação à capacidade do registo arqueológico con-
ter informações preciosas acerca da organização das sociedades humanas do Passado (para um
breve historial, bibliografia e sistematização do método das remontagens, consultar Almeida, 1998).
Alheia a esta mudança de perspectiva encontrava-se a escola tipológica, cuja crise se
acentuou nos finais dos anos 60 do século XX, não só devido aos problemas que se tornavam
evidentes face ao carácter normativo deste tipo de abordagem, bem patentes naquele que foi
um dos mais conhecidos debates da fase de afirmação da “Nova Arqueologia” (Bordes e Son-
neville-Bordes, 1970; Binford e Binford, 1966), mas também pelo esvaziamento, com o
advento das datações por radiocarbono, de uma das suas principais utilidades — a construção
de esquemas cronológicos. O desenvolvimento dos estudos de traceologia e respectivos resul-
tados vieram reforçar ainda mais os argumentos dos detractores da tipologia tradicional.
O conceito de Cadeia Operatória aplicado aos estudos paleotecnológicos resultou numa
adaptação do método das remontagens líticas a problemáticas de natureza fundamentalmente
arqueológica, centradas em quatro grandes linhas de investigação:

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

313
1. Análises de carácter contextual e tafonómico;
2. Análises espaciais intra e inter-sítio;
3. Análises tecnológicas de colecções de pedra lascada;
4. Interpretações e reconstruções paleoetnográficas.

No âmbito mais restrito da análise tecnológica, é notória a crescente importância da apli-


cação do método das remontagens líticas a colecções pré-históricas (Cziela, 1990; Cziela et al.,
1990; Hofman, 1992; Hofman e Enloe, 1992; Marks e Volkman, 1983). Multiplicam-se os
exemplos de monografias e artigos onde as remontagens, mais ou menos completas, ganham
particular destaque. As razões para este êxito e crescente importância são simples. As remon-
tagens constituem a forma mais directa de visualização de uma determinada estratégia de pro-
dução lítica aplicada a um qualquer bloco de matéria-prima. Representam o método mais com-
pleto para a real avaliação da cadeia operatória, principalmente das suas fases de produção e
respectivas sequências de talhe, em artefactos arqueológicos. A sua natureza dinâmica ultra-
passa, com vantagens, a análise tecnológica de atributos, que nos permite adscrever cada
artefacto às fases principais de redução lítica de um núcleo (descorticagem, preparação dos pla-
nos de percussão e superfícies de debitagem, debitagem plena, operações de manutenção, etc.)
mas de uma forma estática e não sequencial. Por outro lado, as remontagens evitam auto-
maticamente problemas de equifinalidade, recorrentes nos estudos puramente tipológicos, e
por vezes presentes em alguns modelos tecnológicos provenientes do talhe experimental. Para
um determinado suporte ou utensílio existe um leque de opções possíveis com vista ao res-
pectivo fabrico. As remontagens permitem-nos visualizar de uma forma directa quais as
opções realmente escolhidas pelo artesão para a manufactura de um determinado utensílio
tendo como base os artefactos efectivamente produzidos no Passado.
Para além de constituírem a única ferramenta de investigação ao nosso dispor para a reso-
lução de problemas de equifinalidade, as remontagens apresentam ainda outras vantagens para
o estudo paleotecnológico de uma colecção de artefactos de pedra lascada:
• Permitem, em muitos dos casos, a reconstituição do estado original dos blocos de
matéria-prima. Ao longo do Paleolítico Superior, por exemplo, é notória a grande varie-
dade na forma como as matérias-primas líticas foram sendo transportadas no seio dos
sistemas de mobilidade dos caçadores-recolectores. As remontagens são o melhor
método ao nosso dispor para averiguarmos se, durante um determinado período, os ele-
mentos líticos entraram no acampamento sob a forma de nódulos ou seixos brutos,
núcleos pré-formados, suportes ou utensílios, por exemplo;
• Devido ao carácter sequencial inerente ao método, as remontagens permitem-nos ana-
lisar a “biografia” dos utensílios, ou seja, conhecer os vários estados tipológicos por que
passaram antes do respectivo abandono. No que diz respeito aos núcleos, esta
abordagem proporciona uma visão sequencial da sua exploração, desde a pre-
paração até ao abandono, passando pela descorticagem, preparação dos pla-
nos de percussão e superfície de debitagem, pela manutenção após acidentes
de talhe, etc.
• Permitem a detecção dos chamados phantom tools, e phantom cores, ou seja, a
reconstituição dos núcleos, suportes e utensílios talhados no sítio, mas pos-
teriormente transportados no tool-kit dos artesãos na altura em que estes
abandonaram o local. Torna-se assim possível uma aproximação aos ele-
mentos líticos que, embora não tenham sido abandonados no sítio arqueoló- FIG. 8-10 – Remontagem de esquírolas
e lamelas que permitem reconstituir a
gico, foram aí produzidos e cuja utilidade ultrapassou as necessidades fun- frente de um núcleo afocinhado (Lapa
cionais mais imediatas (Fig. 8-10). de Anecrial, Porto de Mós, U.E. 2).

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

314
• Por fim, as remontagens providenciam dados que podem servir não só como teste a
modelos tecnológicos provenientes do talhe experimental e de análises tecnológicas de
atributos, mas também como fonte de novos modelos de cadeias operatórias.

– Propostas de reconstituição de cadeias operatórias para a produção de lamelas para serem posteriormente transformadas em
FIG. 8-11
armaturas.

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

315
QUADRO 8-3
Condições ideais para a aplicação Vantagens Limites

1 - Sítios com boa preservação 1 - Resolução de problemas de 1 - Pode não detectar a totalidade da
pós-deposicional. Equifinalidade nas Sequências de redução variabilidade tecnológica presente numa
lítica. colecção (dependendo do sucesso de
remontagem, e do grau de curação
sofrido pela colecção).
MÉTODO DAS REMONTAGENS

2 - Boas amostras, 2 - Para os blocos remontados, permite 2 - Necessidade de maior investimento


provenientes de áreas de uma monitorização sequencial da de tempo.
escavação tão representativas variabilidade tecnológica presente nos vários
LÍTICAS

da totalidade do espaço quanto estádios de uma sequência de redução.


possível
3 - Permite a detecção da exportação de 3 - Perigo de tomar comportamentos
utensílios, núcleos e produtos “curados” idiossincráticos como a norma (tal como
para fora dos sítios arqueológicos. acontece com a tecnologia experimental)

4 - Permite a reconstrução das biografias


(ontogéneses) dos artefactos líticos,
nomeadamente a passagem por vários
estados tipológicos.

1 - Potencialmente aplicável 1 - Permite a monitorização de toda 1 - O mesmo produto final (núcleo,


a todas as colecções. a variabilidade tecnológica presente no produto, ou utensílio) pode ter sido
momento do abandono ou de deposição. fabricado de muitas maneiras diferentes
DE ATRIBUTOS

(Equifinalidade).
ANÁLISE

2 - Detecção da variabilidade presente nas 2 - Os produtos descartados numa


várias fases de uma Sequência de Redução, estação podem não representar a
mas não sequencialmente. totalidade de uma Sequência de
Redução.
3 - Imagem média do funcionamento
de um sistema (vantagem e defeito)

Remontagens líticas e análise tecnológica de atributos: dois métodos complementares (Almeida, 1998)

Modalidades de Abandono e Deslocação Pós-deposicional dos Vestígios Líticos

Uma das metodologias inerentes à própria abordagem tecnológica diz respeito à análise
espacial, que pode ser efectuada a vários níveis: à escala do objecto, do sítio e do território.
Como vimos anteriormente, o reconhecimento das cadeias operatórias de fabrico do instru-
mental lítico com o recurso ao método das remontagens permite reconstituir a história do
objecto e da sua relação com os outros. Aplicada a uma escala maior, à do sítio, esta análise
possibilita o conhecimento da relação do objecto com o seu lugar de abandono e detectar a exis-
tência de áreas funcionais ou de actividades distintas. Constitui, igualmente, uma ferramenta
de trabalho fundamental para aferir sobre a existência de alterações de natureza tafonómica
não detectadas durante o processo de escavação de uma jazida. Numa visão mais alargada, à
escala do território, a perspectiva tecnológica constitui-se como uma das vias de investigação
arqueológica mais privilegiadas ao permitir, através da procura das fontes de aprovisionamento
das matérias-primas e do percurso empreendido por determinados objectos, o reconheci-
mento dos territórios e das modalidades de exploração e de captação de recursos de uma deter-
minada comunidade humana. A escala mais ampla de relação espacial entre os vestígios
líticos e um espaço geográfico é-nos revelada pela determinação das fontes geológicas
de aprovisionamento dos objectos abandonados num determinado contexto arqueológico.
Esta determinação implica uma avaliação prévia e rigorosa das possibilidades de recolha de
matérias-primas em posição secundária nas formações detríticas.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

316
Exemplos de Análise à Escala do Sítio

CAIXA 8-1

Paleotecnologia no Abrigo do Lagar Velho


(Leiria): contribuição do método das remontagens
líticas para o estudo tecnológico e paleoetnográfico
de uma ocupação gravettense
❚ FRANCISCO ALMEIDA ❚

Entre os anos de 2000 e 2002, os trabalhos zonas de combustão, as quais apresentam arqui-
arqueológicos no Abrigo do Lagar Velho (Vale do tecturas e funcionalidades diferentes.
Lapedo, Leiria) têm-se centrado na detecção e esca- Uma das lareiras (parcialmente escavada nas
vação de contextos preservados a cotas inferiores à unidades H 3-4) apresenta-se como uma cuvette
terraplanagem que afectou a estação, antes da sua com cerca de 20 cm de profundidade e cerca de
descoberta como local de interesse arqueológico. 3 metros de diâmetro. O seu conteúdo relaciona-
De entre os vários contextos já detectados, destaca- se claramente com actividades de combustão ou
se uma superfície de ocupação (unidade de esca- preparação alimentar, sendo abundantes, no seu
vação EE15) Gravettense, que neste momento se interior, para além de seixos que estruturam a
encontra escavada, total ou parcialmente, numa sua base, inúmeros fragmentos de carvão (tendo-
área de cerca de 20 metros quadrados. -se já obtido uma primeira datação por acelerador
para esta ocupação, a partir de um fragmento de
Pinus sylvestris, de 22 493±107 BP - Wk-9256) e
dezenas de ossos queimados (destacando-se par-
ticularmente as falanges e fragmentos de osso
longo, sendo o Cervus elaphus a principal espécie
representada), associados a moluscos terrestres
(também aparentemente cozinhados) e a rara
indústria de pedra lascada.
Localizada a cerca de 3 metros para Leste
daquela estrutura, foi escavada uma outra lareira
de características essencialmente diferentes, na
respectiva arquitectura, no conteúdo, e provavel-
mente na funcionalidade. Centrada nas unidades
I-H8, esta estrutura de combustão apresenta
FIG. 8-12– Abrigo do Lagar Velho: Superfície de Ocupação EE15
durante a escavação (campanha 2002). Em primeiro plano, a
lareira em torno da qual foram talhados vários blocos de sílex,
quartzito e quartzo.

A intervenção em área revelou uma superfície


de ocupação claramente in situ, e cuja preservação
se deve principalmente a uma acumulação rápida
e massiva de sedimentos coluvionares resultantes
de processos de vertente, pouco tempo após o seu
abandono. Na área já exposta, a preservação da dis-
tribuição espacial e vertical de vestígios faunísticos,
artefactuais e de estruturas é notável. Nesta zona, – Abrigo do Lagar Velho: lareira em I-H8, após
FIG. 8-13
>>

decapagem (campanha 2001).


a ocupação parece estruturar-se em torno de duas

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

317
CAIXA 8-1 (cont.)

dimensões bastante mais reduzidas (cerca de 60 Os objectivos que guiaram a utilização do


cm de diâmetro enquanto funcional), sendo a sua método na superfície EE15 centraram-se em três
construção feita a partir de pequenas lajes de cal- tipos de questões de natureza arqueológica:
cário, que preenchem uma cuvette pouco profunda
(com cerca de 5 cm de espessura). Ao contrário da 1. Em primeiro lugar, no reforço da caracteri-
estrutura parcialmente escavada em H3-4, esta zação do contexto tafonómico, pelo eventual grau
lareira está associada a raros seixos, e ossos quei- de sucesso das remontagens e respectiva dispersão
mados estão praticamente ausentes. Por outro tri-dimensional.
lado, a indústria de pedra lascada é muito mais 2. Na caracterização paleotecnológica da totali-
abundante, tendo-se detectado em torno desta dade da indústria de pedra lascada. Uma análise
lareira cerca de seis centenas de artefactos líticos. puramente tipológica mostrar-se-ia insuficiente
É pois provável que não só pelas suas dimensões e para a definição das cadeias operatórias aplicadas,
arquitectura, mas também pelo espólio associado, para além de ignorar a maioria dos artefactos reco-
que esta estrutura de combustão tenha essencial- lhidos. A aplicação do método das remontagens
mente servido para apoio a actividades de talhe, e líticas a um contexto deste género permite-nos
não para preparação de alimentos. uma visão muito mais completa das características
tecnológicas de uma colecção, nomeadamente:
• Do estado inicial de cada bloco de matéria-
prima (se entrou na zona de ocupação como
nódulo ou seixo por debitar, como núcleo pre-
formado, suporte, ou utensílio);
• Das várias etapas da cadeia de produção pro-
priamente dita, desde a preparação e descorti-
cagem dos núcleos, a produção de suportes, os
eventuais acidentes de talhe e respectiva reso-
lução, o retoque de suportes para a confecção de
utensílios, a “biografia” dos mesmos. Por outro
lado, avaliar quais os objectivos das estratégias
de redução lítica aplicadas a cada bloco de maté-
ria-prima. Numa perspectiva multidisciplinar, e
tendo em conta os resultados da interpretação
funcional da superfície de ocupação, averiguar
se estamos na presença de tecnologia de carác-
– Abrigo do Lagar Velho: distribuição de artefactos dos
FIG. 8-14
ter expediente, ou de curação.
vários blocos de pedra lascada em torno da lareira localizada em
I-H8. • Por fim, averiguar que tipo de artefactos terão
sido “exportados” aquando do abandono do
sítio, e sob que forma. As remontagens per-
Durante a escavação, notou-se que o número de mitem-nos assim uma importante aproxima-
blocos de matéria-prima explorados em torno desta ção ao conceito de tool kit — que elementos
lareira era relativamente reduzido. Além disso, os eram considerados como aproveitáveis para
artefactos pertencentes a cada bloco apresentavam posteriores utilizações noutras áreas do habi-
distribuições espaciais em concentrações que dei- tat, ou mesmo noutras estações dentro do sis-
xavam não só adivinhar zonas de talhe, onde pre- tema de povoamento destes grupos de caçado-
dominavam as esquírolas, na ordem das centenas, res-recolectores.
mas também possíveis movimentações de artefac- 3. Na análise da organização espacial do habi-
tos em torno da lareira. Face às notáveis condições tat e como auxílio a uma reconstrução paleoetno-
de preservação espacial e estratigráfica de toda a gráfica, através da:
superfície de ocupação da unidade de escavação • Verificação da coincidência ou não coincidên-
EE15, e tendo em conta algumas remontagens par- cia da distribuição dos artefactos coordenados
ciais que indiciavam desde logo que o contexto era e das esquírolas, representando assim efectivas
propício à utilização do método, foi decidida a apli- áreas de talhe (drop zones) bem diferenciadas,
cação sistemática do Método a este contexto. ou se, em paralelo, existiriam zonas de arre- >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

318
CAIXA 8-1 (cont.)

messo (toss zones), e ainda áreas de efectiva uti- remontadas é assim constituída por esquírolas
lização dos artefactos (a confirmar através de (97%). Um sucesso de tal ordem é raro em colec-
estudos traceológicos). ções arqueológicas. À escala europeia, a média de
• Averiguação do número de zonas de talhe e estu- sucesso em estações onde o método foi utilizado
dar as relações entre as mesmas. Através de uma sistematicamente centra-se em torno dos 20%,
análise conjunta da cronologia sequencial de mesmo em contextos bem preservados, como em
cada bloco debitado e da distribuição tridimen- Pincevent (Leroi-Gourhan e Brezillon, 1972) ou
sional dos respectivos artefactos, obter padrões Etiolles (Pigeot, 1987). O outro único caso onde o
que nos possam indicar se o talhe terá sido levado grau de sucesso se aproxima de quantitativos
a efeito por um só indivíduo, ou se pelo contrá- semelhantes é o que diz respeito a uma ocupação
rio teria havido partilha de alguns dos blocos efémera de gruta — a Lapa do Anecrial — também
entre as várias zonas de talhe, e portanto, even- localizada na Estremadura portuguesa e datando
tualmente entre diferentes indivíduos. do Gravettense Terminal, com um sucesso médio
• Averiguação, numa outra linha de investigação, na ordem dos 51% do total da colecção (92% em
a cronologia inter-blocos, ou seja, que blocos peso) (e.g. Zilhão, 1997b; Almeida, 1998, 2000,
foram primeiramente talhados, e se a mesma 2001, no prelo; Zilhão e Almeida, no prelo). Mais
terá alguma relação com o tipo de tecnologia do que demonstrando a capacidade do investigador
aplicada, de matéria-prima explorada, de suporte que utiliza o método, tal tipo de sucesso é sobre-
produzido, ou de utensílio confeccionado. tudo indicativo do grau de preservação dos con-
Neste momento, e uma vez que a escavação textos e, em parte, da efemeridade e/ou particula-
da lareira e área envolvente foi apenas concluída ridade logístico-funcional das respectivas ocupa-
em Dezembro de 2002, a aplicação do método ções arqueológicas.
das remontagens incidiu apenas nos materiais
em quartzito e sílex. Os dados aqui apresentados
são portanto preliminares, estando ainda o
estudo final da colecção não só dependente de
eventuais remontagens nos blocos de quartzo,
mas também da análise traceológica de alguns
dos utensílios retocados e de suportes brutos.
Mesmo tendo em conta estas limitações, os resul-
tados já obtidos são notáveis, face aos objectivos FIG. 8-15 – Abrigo do Lagar Velho, unidade de escavação EE15:
anteriormente enumerados. Artefactos em sílex que chegaram ao habitat já sob a forma de
suportes ou utensílios. À esquerda, lâmina cujos fragmentos
QUADRO 8-4 sofreram, após o abandono, diferentes processos pós-
Bloco Total Peso Artefactos Peso % Artefactos % Artefactos deposicionais. À direita, peça que entrou na estação já como
Artefactos Total (g) Remontados de Artefactos Remontados Remontados utensílio retocado (raspadeira carenada), e que aí foi explorada
Remontados (g) (peso) como núcleo para lascas através de tecnologia bipolar sobre
QZI-1 219 2206 74 2167 34 98 bigorna.
QZI-2 22 472 20 471 91 100
QZI-3 7 83 5 83 71 100
QZI-4 10 143 7 141 70 99 No estado actual do estudo da colecção é já pos-
SVZ 263 675 73 651 28 96 sível responder a algumas das questões acima enu-
SR 15 13 5 12 33 96 meradas. Em relação ao reforço da caracterização
SL 43 15 10 7 23 47
do contexto tafonómico, o grau de sucesso de apli-
SBA 14 273 12 272 86 100
TOTAL 593 3880 206 3804 35 98
cação das remontagens não deixa lugar a dúvidas
de que se trata de um registo in situ. É no entanto
Abrigo do Lagar Velho: sucesso relativo da aplicação do método na distribuição tridimensional dos artefactos
das remontagens líticas à ocupação da unidade de escavação remontados que o grau de preservação desta super-
EE15. fície de ocupação se revela no seu esplendor, como
abaixo veremos. Centremos, por agora, a nossa
O grau de sucesso de aplicação do método na atenção nos padrões paleotecnológicos revelados
Superfície de Ocupação EE15 centra-se em torno pelas remontagens já efectuadas.
dos 35% num total de 593 peças, correspondendo É interessante, desde logo, a variedade mor-
a cerca 98% em peso. A maioria das peças não fológica com que os vários blocos foram introdu-
>>

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

319
CAIXA 8-1 (cont.)

zidos no espaço de habitat. O quartzito, matéria- posteriormente modificada para utensílios de


prima imediatamente acessível, quer na Ribeira fundo comum: entalhes e denticulados. É no
da Caranguejeira, quer em cascalheiras localiza- entanto possível que muitas das lascas produzidas
das bem próximo do abrigo, surge representado, tenham de facto sido utilizadas enquanto brutas,
junto à lareira de I-H8, por 2 seixos — que aí che- sendo esta hipótese apenas possível de testar com
garam maioritariamente não talhados, apresen- o estudo traceológico previsto para a colecção.
tando um deles inclusive estigmas de ter sido Embora o objectivo final do talhe dos vários
usado como percutor previamente ao respectivo blocos explorados fosse o mesmo – a produção
talhe - e ainda uma lasca cortical espessa. Já o expediente de um único tipo de suporte, lascas, é
sílex, matéria-prima cuja aquisição implicaria des- notória a coexistência de vários tipos de cadeia ope-
locações de pelo menos 3 km (se considerarmos ratória, parcialmente resultantes do formato inicial
que a respectiva aquisição poderia ter sido levada de cada volume debitado. As duas principais
a efeito junto a uma fonte primária localizada remontagens de quartzito (blocos QZI-1 e QZI-2)
junto à Ribeira das Chitas, a Sul do Vale do constituem dois bons exemplos dessa variedade.
Lapedo), está representado por 5 blocos diferenci- Embora o tipo de suporte pretendido em ambos os
áveis de matéria-prima e com uma variedade mor- blocos tenha sido a lasca, num deles foi seguida
fotécnica bastante maior: um nódulo de grandes uma estratégia de redução do tipo chopping-tool,
dimensões e de sílex vermelho zonado de boa qua- partindo de um seixo de pequenas dimensões
lidade; um núcleo pré-formado de sílex de quali- (Bloco QZI-2 - 472 g), enquanto no outro (Bloco
dade média; uma lasca cortical espessa; um uten- QZI-1 - 2206 g) se seguiu na maior parte da res-
sílio sobre lasca (raspadeira carenada); e dois pectiva exploração uma estratégia unidireccional, a
suportes laminares brutos. partir de planos de percussão corticais.

FIG. 8-17 – Abrigo do Lagar Velho, unidade de escavação EE15:


FIG. 8-16 – Abrigo do Lagar Velho, unidade de escavação EE15: remontagem do bloco de quartzito QZI-2 - seixo inicialmente
Remontagem parcial do bloco de quartzito QZI-1, actualmente
usado como percutor, e que depois foi debitado para a produção
(ver foto da remontagem final, abaixo) com 74 peças
de lascas segundo uma cadeia operatória do tipo chopping-tool.
remontadas, representando em peso cerca de 98% do total de
peças deste volume de matéria-prima.

Uma das vantagens da utilização do método


À excepção das duas lâminas, que terão das remontagens é a da verificação directa de
entrado nesta zona do habitat sob a forma de eventuais reutilizações de algumas das lascas de
suportes e como tal terão talvez sido utilizados, maiores dimensões como núcleos secundários,
todos os outros blocos de matéria-prima foram sendo assim possível calcular o rácio volume ini-
objecto de actividades de talhe junto à lareira, cial:núcleos para cada bloco. No caso específico
inclusive o artefacto que chegou já como utensílio da ocupação da unidade de escavação EE15 do
retocado. É também interessante constatar que, Lagar Velho, foram detectados vários casos deste
embora estejamos perante uma ocupação do Gra- tipo de re-exploração: no já referido bloco de gran-
vettense, tecnocomplexo do Paleolítico Superior, o des dimensões de quartzito (QZI-1), e num outro
período por excelência da produção laminar, este bloco de grandes dimensões em sílex (Bloco
tipo de suporte esteja apenas representado, em SVZ).
quase 600 artefactos, por apenas duas peças, de A análise detalhada desta remontagem (Bloco
resto não produzidas no habitat. Toda o talhe no SVZ) fornece-nos, de resto, interessantes deta-
local, independentemente da matéria-prima explo- lhes acerca da cadeia operatória aplicada, e dos
rada, teve como objectivo a produção de lascas. respectivos objectivos. O bloco original terá che-
Uma percentagem muito ínfima das mesmas foi gado como um nódulo de sílex de grandes dimen- >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

320
CAIXA 8-1 (cont.)

FIG. 8-19 – Abrigo do Lagar Velho, unidade de escavação EE15:


denticulado do bloco SVZ, com 5 esquírolas do respectivo
– Abrigo do Lagar Velho, unidade de escavação EE15:
FIG. 8-18 retoque remontadas. A lasca que constitui o suporte deste
remontagem do bloco de sílex SVZ, com 73 peças remontadas, utensílio foi das últimas a ser talhadas no respectivo núcleo.
que representa a extremidade de um núcleo de grandes
dimensões, “exportado” aquando do abandono. A maioria das
600 artefactos. Desde os comportamentos obser-
peças remontadas representa uma fase inicial de descorticagem,
sendo uma das excepções uma lasca sem vestígios de córtex váveis em cada um dos blocos talhados, aos objec-
(a última a ser talhada) e que foi posteriormente retocada sob a tivos do talhe de cada um deles, às respectivas
forma de um denticulado. estratégias de produção, aos acidentes que foram
acontecendo ao longo do processo, e às maneiras
sões, ainda com córtex na sua superfície. A mai- que, em cada caso, se “deu a volta” ao problema.
oria das 73 peças remontadas pertence à fase de Tal análise pormenorizada não faria sentido num
descorticagem duma extremidade desse volume. texto como este, de objectivos introdutórios, e está
Quase todas as lascas apresentam córtex nas res- de resto planeada para um volume de maior enver-
pectivas superfícies dorsais. Durante este pro- gadura, ainda em estado inicial de preparação. Não
cesso de configuração do núcleo principal, foi poderíamos, no entanto, dar por findas estas linhas
produzida uma lasca de grandes dimensões, que sobre os padrões paleotecnológicos sem focar uma
posteriormente serviu como núcleo para lascas. das principais vantagens do método das remonta-
Analisando detalhadamente a ordem de talhe de gens: a de nos permitir chegar aos artefactos que,
cada artefacto, torna-se notório o objectivo de pro- não sendo encontrados no habitat, acabaram por
dução de lascas sem vestígios de córtex. E, indu- ser considerados como os mais importantes para
bitavelmente, um cuidado redobrado na estraté- estas comunidades de caçadores-recolectores na
gia económica aplicada a uma matéria-prima de altura de partir, ao ponto de resolverem transportá-
grande qualidade, e cujo aprovisionamento impli- -los consigo para futuras utilizações. E aqui, a nossa
cava um maior investimento do que por exemplo atenção vira-se não para as peças remontadas em
no caso do quartzito. É muito interessante verifi- si, mas sim para os vazios de cada unidade remon-
car que de entre dezenas de lascas produzidas a tada. Os vazios que durante o processo de remon-
partir um núcleo de grandes dimensões, apenas tagem nos deixam por vezes à beira de um ataque
3 peças mostrem um claro aproveitamento. Trata- de nervos, e que nos fazem ter a esperança, em
se de lascas sem quaisquer vestígios de córtex. cada centímetro cúbico de sedimento escavado, de
Uma delas foi apenas detectada pelo vazio dei- encontrar o respectivo missing link, seja ele uma
xado na remontagem, tendo sido provavelmente esquírola ou um núcleo. No fim, bastante mais
transportada aquando do abandono. As outras calmos, constatamos que no interior de um vazio
duas foram transformadas em utensílios: dois poderá residir uma informação preciosa. Uma
denticulados. O exemplo mais sintomático do achega possível ao tool kit transportado, uma forma
estado de preservação desta superfície de ocupa- quase directa de averiguarmos o que de facto era
ção é sem dúvida o facto de termos conseguido transportado por estas comunidades, para além da
remontar algumas das esquírolas de retoque sua vestimenta, dos recursos alimentares, dos
daqueles dois utensílios. adornos, e de vários outros elementos de cultura
Poderíamos aqui alongar-nos a enumerar as material que de uma forma ou de outra não che-
várias vantagens que a aplicação do método das garam até nós. Tal como ao escavarmos um con-
remontagens líticas nos trouxe ao estudo paleo- texto necessitamos de tomar sempre em conta
tecnológico desta pequena colecção de cerca de estruturas latentes, numa remontagem devemos
>>

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

321
CAIXA 8-1 (cont.)

apreciar os respectivos vazios, e valorizá-los. Afinal, escavação EE15, e tendo em conta o elevado grau de
esses vazios representam as ferramentas que não sucesso na aplicação das remontagens na pedra las-
mereceram ser, naquele momento, abandonadas. cada, a análise desta nunca se poderia reduzir a
Nesta superfície de ocupação do Lagar Velho, uma caracterização detalhada dos respectivos
a que conclusões preliminares podemos desde já padrões paleotecnológicos. Como já vimos, a dis-
chegar em relação a este aspecto? Em primeiro tribuição espacial dos vários blocos de matéria-
lugar, que o quartzito, matéria-prima de acesso prima apresentava concentrações de morfologias
imediato e relativamente generalizado em toda a diferentes, coincidindo algumas delas. Importava
paisagem envolvente, foi explorado de forma expe- estudar em maior detalhe estas distribuições, tendo
diente, sendo a quase totalidade dos artefactos pro- especialmente em atenção três tipos de dados:
duzidos abandonada no local. Em relação ao sílex,
um padrão essencialmente diferente, logo desde a 1. A distribuição espacial das esquírolas, material
sua própria entrada no habitat, onde aparecem maioritariamente não coordenado, que consti-
associados nódulos ainda por debitar, núcleos pre- tuem o melhor indicador de efectivas áreas de
formados, suportes brutos, e um utensílio reto- talhe (drop zones). Durante a escavação da área
cado. À volta da lareira, o talhe do sílex apresenta em torno da lareira, para além da coordenação
padrões tecnológicos, à semelhança do quartzito, tridimensional de todos os vestígios referenci-
de carácter expediente – produção de lascas, e reto- ados, foi decidido, para efeitos de registo e reco-
que de algumas delas sob a forma de denticulados. lha, subdividir, numa primeira fase, cada uni-
Na altura do abandono, nem todos os artefactos em dade em quadrantes de 50 cm de lado. Mais
sílex foram rejeitados. Os vazios das remontagens tarde, e tendo em conta os resultados da tria-
demonstram-no claramente: destaca-se a ausên- gem em laboratório que ia sendo feita à medida
cia de alguns suportes (já sem córtex) e, principal- que os sedimentos chegavam do campo, foi
mente, do núcleo de grandes dimensões do bloco decidido subdividir aqueles quadrantes em sub-
SVZ, onde o material recolhido se resume a uma quadrantes de 25 cm de lado. Esta decisão veio
extremidade do mesmo. Assim, e apesar da tecno- a revelar-se muito útil para a interpretação espa-
logia aplicada a quase todos os volumes ser de cial desta superfície de ocupação.
natureza essencialmente expediente, as remonta- 2. A distribuição tridimensional do material coor-
gens permitiram verificar que o valor diferente das denado de cada bloco. Enquanto as esquírolas
várias matérias-primas e o esforço necessário para indicam essencialmente as zonas de queda, o
a recolha de cada uma delas seriam factores pon- material de maiores dimensões poderá estar
derados nas opções de selecção e de transporte, na associado a estas, mas também a áreas de arre-
altura de abandono do local. Expediência na neces- messo, ou a áreas onde alguns dos suportes e
sidade imediata, curação para o futuro, por vezes utensílios foram utilizados de facto, sem ope-
ambas visíveis num único bloco remontado… e rações de talhe associadas.
nos respectivos vazios! 3. A análise conjunta da distribuição espacial dos
Num cenário ideal, é sempre teoricamente artefactos associada à respectiva localização
possível virmos a encontrar o local para onde os dentro da cronologia interna de cada bloco.
nossos “vazios” foram levados. Constituindo o Objectivo: verificar se cada bloco se restringe a
sonho de qualquer investigador que aplica o uma única área de talhe, ou se terá sido talhado
método das remontagens (sonho já realizado por em várias áreas em torno da lareira e, portanto,
alguns colegas, de resto), tal cenário permitir-nos- eventualmente por vários indivíduos.
ia alcançar a macro-escala dos sistemas de povoa- 4. Por fim, através de uma análise detalhada não
mento e de mobilidade. Seguir, de uma forma só da distribuição horizontal de cada artefacto
directa, os percursos e as paragens de grupos remontado, mas principalmente das respecti-
humanos no seu sistema de adaptação ao territó- vas cotas, ensaiar uma cronologia inter-bloco.
rio. Por agora, e enquanto não paramos de sonhar, Ou seja, testar a possibilidade de nesta super-
é conveniente averiguar o que se passa a uma fície de ocupação ser possível verificar qual a
escala bastante mais pequena: a do sítio, a da estru- ordem pela qual os vários blocos foram sendo
tura, a de cada bloco remontado - a micro-escala. talhados.
Perante uma superfície de ocupação com as Embora ainda em estado preliminar, a análise
excelentes condições de preservação da unidade de preliminar dos padrões espaciais de cada um dos >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

322
CAIXA 8-1 (cont.)

FIG. 8-20 A– Distribuição espacial de artefactos coordenados do bloco – Detecção de áreas efectivas de talhe. Interpretação
FIG. 8-20 C
de quartzito QZI-1, com indicação das ligações resultantes das resultante da análise conjunta da densidade de esquírolas
remontagens. (sombreado) e da cronologia interna da remontagem do bloco QZI-1.

– Bloco QZI-1: aproximações possíveis para a análise


FIG. 8-20 D
espacial de uma remontagem. A combinação de vários tipos de
dados permitiu-nos constatar que a exploração deste bloco terá
sido provavelmente levada a efeito por dois indivíduos. Embora
– Distribuição espacial de artefactos coordenados do bloco
FIG. 8-20 B
a maior parte do bloco tenha sido talhada junto a uma área de
de quartzito QZI-1, com indicação da cronologia interna. Os números
talhe principal (produção da lasca espessa 1, e toda a debitagem
representam a ordem de remontagem, pelo que os mais baixos
aqui representada pelo conjunto 2), denota-se uma área de talhe
representam as últimas peças a ser talhadas.
secundária, onde a lasca espessa 1 foi depois re-explorada como
núcleo, e onde também foi talhada a fase final de debitagem do
núcleo principal (3), através de uma abordagem tecnológica
diferente da aplicada na área de talhe principal.

blocos remontados, da respectiva cronologia utilização. Tal hipótese será testada através do
interna e das densidades de esquírolas sugere não estudo traceológico dos elementos aí recolhidos.
só a existência de pelo menos três zonas efectivas É curioso observar que os blocos de quartzito
de talhe, mas também movimentos de alguns dos com maior número de suportes produzidos (Blo-
blocos entre as mesmas. É ainda provável a exis- cos QZI-1 e QZI-2) a par com um bloco de sílex
tência de uma quarta zona onde artefactos de de qualidade média para o talhe (Bloco SBA)
vários blocos foram abandonados após possível apresentam distribuições que apontam para uma
>>

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

323
CAIXA 8-1 (cont.)

partilha entre várias zonas de talhe. A análise des-


tes três blocos mostra que a fase inicial do res-
pectivo talhe foi levada a efeito no mesmo local,
a Sul da lareira, estando a fase final localizada
nas outras duas áreas de talhe, a Leste/Nordeste
e a Noroeste da lareira. Para o caso do Bloco QZI-
1 (Figura 8-20), por exemplo, foram detectadas
duas áreas de talhe: uma principal e uma secun-
dária. Na última, para além da fase final do talhe
do núcleo, onde se aplica, de resto, uma técnica
de debitagem diferente da utilizada na área de
talhe principal, foi ainda re-explorado como
núcleo para pequenas lascas um suporte espesso
do mesmo bloco.
Já nos blocos de sílex de melhor qualidade
(Bloco SVZ e Bloco SL), a distribuição dos artefac-
tos coordenados e respectivas esquírolas mostra a
– Abrigo do Lagar Velho, Unidade de Escavação EE15.
FIG. 8-21
existência de zonas de talhe concentradas, e apa- Interpretação Paleoetnográfica do entorno da lareira localizada
rentemente sem qualquer partilha de blocos ou de em I-H8, elaborada a partir da análise conjunta dos artefactos
artefactos. O estudo traceológico da colecção coordenados tridimensionalmente, das densidades de
esquírolas, e da cronologia interna dos blocos remontados.
poderá fornecer alguns indícios relativos à possi-
bilidade destas diferenças na distribuição espacial
dos vários blocos talhados estar relacionada com a como aquele que tivemos a sorte de encontrar
funcionalidade dos artefactos produzidos. nesta superfície de ocupação Gravettense do
A análise detalhada das cotas dos artefactos Abrigo do Lagar Velho. Existem, no entanto, mui-
coordenados tridimensionalmente durante a tas colecções que, porventura, mereceriam um
escavação, ainda em estado muito preliminar, ensaio da aplicação do método no respectivo
indicia uma sequência interessante na ordem estudo. As remontagens líticas permitem-nos,
pela qual os vários blocos foram sendo talhados. como esperamos ter aqui exemplificado, a abor-
Primeiramente, parecem ter sido utilizadas e/ou dagem a três grandes tipos de questões arqueo-
talhadas as peças que entraram já no sítio como lógicas: de natureza contextual, de natureza pale-
suportes ou utensílios. Numa segunda fase, terão otecnológica, e ainda de análise espacial e inter-
sido talhados os blocos de quartzito, com vista a pretação paleoetnográfica. No caso do Abrigo do
uma produção intensa de lascas, sendo algumas Lagar Velho e da unidade de escavação EE15, é
delas retocadas sob a forma de entalhes e denti- óbvio que a respectiva reconstituição paleoetno-
culados. Por fim, foram talhados os blocos de gráfica deverá ter em conta não só os dados já
sílex de melhor qualidade, com vista à produção aqui apresentados, mas também os resultados do
de lascas, e de pelo menos dois denticulados. A futuro estudo traceológico dos artefactos e, acima
boa preservação desta área em torno da lareira é de tudo, do estudo detalhado das várias centenas
de tal modo evidente que, por exemplo, os dois de vestígios faunísticos recolhidos (Moreno-Gar-
denticulados produzidos a partir do bloco SVZ, cía, em preparação), que constituirão a base para
últimas peças a serem talhadas, apresentam cotas o efectivo estudo dos comportamentos dos caça-
mais elevadas em relação ao resto dos artefactos dores-recolectores que há cerca de 22500 anos
do mesmo bloco. ali passaram. As remontagens já efectuadas apon-
Muito embora, como anteriormente referido, tam para uma tecnologia expediente, possivel-
os resultados aqui apresentados devam necessa- mente associada a necessidades funcionais muito
riamente ser considerados como preliminares, específicas, e no contexto de uma ocupação apa-
pensamos que serão suficientes para demonstrar rentemente efémera. Tais hipóteses, resultantes
as vantagens da aplicação do método das remon- desta primeira análise artefactual, poderão e
tagens líticas ao estudo de ocupações pré-históri- deverão agora ser testadas durante o estudo dos
cas. É certo que nem todos os contextos que esca- ecofactos, numa abordagem que se impõe neces-
vamos apresentam um estado de preservação sariamente como multidisciplinar.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

324
CAIXA 8-2

Barca do Xerez de Baixo (Reguengos


de Monsaraz): perspectivas paleotecnológicas
❚ ANA CRISTINA ARAÚJO ❚ FRANCISCO ALMEIDA ❚

pelo artesão segundo determinados requisitos pré-


-estabelecidos, e tendo em conta as possibilidades
morfológicas e as propriedades mecânicas dos

FIG. 8-22 – Estrutura de combustão em cuvette escavada na área 1.

A Barca do Xerez de Baixo, localizada nas


margens do Guadiana e actualmente submersa
pela barragem do Alqueva (Almeida et al., 1999;
Araújo e Almeida, 2003), é uma jazida que
poderá corresponder a um acampamento tempo-
rário especializado no abate de animais e trata-
FIG. 8-23 – Remontagem de sete
mento da respectiva carne. Datada do período
lascas e um núcleo sobre seixo
epipaleolítico, de há cerca de 8 640 anos BP, este de quartzito. Estamos perante a
sítio forneceu uma componente industrial lítica exploração de um volume
cuja análise, ainda em curso, tem sido realizada seguindo uma técnica de
percussão directa com percutor
tendo em conta a perspectiva ou abordagem tec-
duro, a partir de uma única
nológica. As excelentes condições de preservação plataforma de percussão.
dos vestígios líticos e faunísticos, e das próprias
estruturas aqui detectadas, na maioria de com- – Pormenor da zona de impacto, onde se pode observar
FIG. 8-24
o tipo de estigmas produzidos pela percussão directa com
bustão, permitem abordar o sítio a partir de dife- percutor duro.
rentes linhas de investigação e, no que à pedra
lascada diz respeito, reconstituir os processos téc-
nicos do respectivo trabalho. A sua escavação e o volumes debitados. O sílex, cuja representação é
tipo de registo utilizado foram efectuados de extremamente diminuta e não acessível local-
forma a recuperar o objecto tendo em conta o seu mente, deverá ter entrado sob a forma de núcleos
lugar de abandono, única via possível para a pré formados ou mesmo de suportes.
reconstituição do espaço e das actividades huma- Algumas remontagens já efectuadas permitem
nas que aí tiveram lugar. reconstituir as principais etapas da cadeia opera-
A análise preliminar dos milhares de frag- tória do quartzito, desde a forma como o mesmo
mentos e restos líticos presentes neste local per- entrou no acampamento, às modalidades de des-
mite afirmar, desde já, que se está perante uma tec- baste e técnicas de percussão utilizados, ao tipo de
nologia expediente concebida para responder a estigmas produzidos, à transformação e utilização
necessidades muito imediatas, e cujos produtos de alguns dos suportes em utensílios. Quer neste
foram abandonados logo após a sua utilização. O tipo de rocha, quer no quartzo, a produção de las-
grosso da matéria-prima foi seleccionado nas ime- cas constituiu o objectivo último das operações de
diações do acampamento e para aí transportado talhe. No caso do quartzito, os volumes, sem pre-
em bruto, sob a forma de seixos rolados de quart- paração prévia, foram talhados seguindo uma téc-
zito e de quartzo de média dimensão, desbastados nica simples adaptada à sua própria morfologia,

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

325
CAIXA 8-2 (cont.)

utilizando apenas uma única plataforma de per-


cussão, cortical, na maioria dos casos; o quartzo,
pelo seu lado, parece ter seguido um processo tec-
nológico distinto, com preparação do volume ini-
cial e utilização frequente de duas plataformas de
percussão; os produtos, neste último caso, são
mais pequenos, adquirindo por vezes dimensões
microlíticas. Em ambas as matérias-primas veri-
fica-se o uso da técnica de percussão directa com
percutor duro.
Uma das vias de investigação mais promete-
FIG. 8-25– Remontagem de um seixo de quartzito com 29 lascas
doras para a reconstituição paleoetnográfica da já remontadas. À semelhança do bloco anterior, trata-se de um
Barca do Xerez é precisamente a análise da sua tipo de debitagem simples realizada com o objectivo de produzir
componente industrial lítica. A aplicação das meto- lascas, extraídas a partir de um único plano de percussão e
seguindo a espessura do seixo.
dologias de análise específicas da abordagem tec-
nológica permite chegar não só ao processo técnico
de fabrico do instrumental lítico em si, através da dos objectos talhados a partir de um mesmo
reconstituição das respectivas cadeias operatórias volume de matéria-prima encontra-se muito cir-
e da leitura dos estigmas presentes nos objectos, cunscrita, o mesmo se passando em relação aos
mas também à organização do próprio espaço de termoclastos — como a existência de áreas especí-
habitat, através da utilização do método das remon- ficas de talhe, que se encontravam em torno de
tagens. A análise espacial aplicada à escala do estruturas de combustão.
objecto, enquanto produto com história, tem-se Estas análises irão estender-se às restantes
revelado profícua neste tipo de problemáticas. As áreas e níveis escavados de forma a responder a
remontagens já efectuadas na área de escavação questões muito específicas, relacionadas quer com
n.o 1 permitiram confirmar, por um lado, a ausên- o estatuto do sítio enquanto repositório de com-
cia de grandes alterações nas posições originais de portamentos humanos ancestrais, quer com o seu
deposição dos vestígios — a distribuição espacial próprio processo de formação e alteração.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

326
CAIXA 8-3

O método das remontagens de vestígios líticos:


aplicação ao nível de ocupação gravettense
do sítio da Olga Grande 14 (Almendra, Vila Nova
de Foz Côa)
❚ THIERRY AUBRY ❚ JORGE D. SAMPAIO ❚

O sítio de ar livre da Olga Grande 14 está situ- associados a elementos de pedra lascada, atribuí-
ado no limite SE dum afloramento granítico deno- veis, com base na tipologia dos utensílios microlí-
minado Pedras Altas, na margem direita da Ribei- ticos retocados, a uma fase do Gravettense final,
rinha, um afluente temporário da margem também detectada nos sítios próximos de Cardina
esquerda do Côa (Aubry, 1998). O sítio faz parte de I, localizado junto ao rio Côa (Zilhão, 1997a) e de
um conjunto de várias concentrações de vestígios Insula II, na ribeira de Aguiar (Aubry, 2001).
arqueológicos, que se estende ao longo de cerca de Os sedimentos não permitiram a conservação
2 km de um planalto com 550 metros de altitude de macro-restos orgânicos, pelo que a totalidade
máxima inserido entre o Côa e a Ribeira de Aguiar, dos vestígios recolhidos na sequência de níveis do
dois afluentes da margem esquerda do rio Douro. Paleolítico Superior é constituída exclusivamente
por elementos pétreos.
As vãs tentativas de remontagem entre vestígios
da unidade estratigráfica 3A e o conjunto lítico da
base da unidade estratigráfica 2C, excluem virtual-
mente quaisquer processos de natureza pós-depo-
sicional que tenham dispersado os vestígios verti-
calmente, misturando assim as duas ocupações.
A análise das matérias-primas permitiu
demonstrar uma grande variabilidade não só na
respectiva proveniência – com recolha em aflora-
mentos existentes a distâncias que variam entre os
10 metros e os 250 km – como também na dife-
FIG. 8-26 – Vista dos loci de Olga Grande 14 e 4, em relação com
rente funcionalidade de cada uma. Destaca-se,
o afloramento granítico de Pedras Altas e os cursos de água da
Ribeirinha e do Côa. desde já, uma dicotomia entre os elementos líticos
não talhados, utilizados na sua maior parte como
elementos associados a estruturas de combustão,
As sondagens e escavações levadas a cabo e os restos que foram objecto de operações de
desde 1998 revelaram uma sequência de ocupa- talhe. Foram realizadas remontagens nestes dois
ções atribuíveis à Pré-História recente e ao Paleo- tipos de vestígios.
lítico superior (Magdalenense, Solutrense e Gra- A análise dos elementos pétreos termo-altera-
vettense), que se encontravam embaladas em dos permitiu reconhecer a existência de três gran-
areias graníticas acumuladas por processos de des tipos de matéria-prima, cuja cor e tipos de frac-
escorrimento difuso, e nas quais foram detectados tura evidenciam alterações de natureza térmica.
fenómenos pedogenéticos (Sellami, 2000). As O quartzo, matéria-prima disponível a cerca de
sondagens efectuadas numa pequena plataforma 150 metros, está representado por 311 elementos,
topográfica de cerca de 250 metros quadrados, cer- constituindo a rocha mais utilizada; o quartzito,
cada por afloramentos graníticos, e a escavação em disponível a cerca de 300 metros do sítio, encontra-
área de 12 metros quadrados na parte central da se apenas representado por 5 fragmentos; 43 frag-
estação, permitiram evidenciar uma acumulação mentos de granito (presente em afloramentos loca-
de elementos pétreos com alteração térmica na lizados a apenas alguns metros da área escavada)
base da unidade estratigráfica 3 A. Estes aparecem constituem o resto da amostra recolhida.
>>

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

327
CAIXA 8-3 (cont.)

A aplicação do método das remontagens a este


conjunto de materiais permitiu a reconstituição
de 9 unidades de remontagem, num total de
28 peças em quartzo (9,89 % deste material) e de
3 em quartzito. Uma das remontagens permitiu
verificar a reutilização de fragmentos de um seixo
anteriormente debitado como elemento de cons-
trução de uma estrutura de combustão.

– Remontagem no 23 - constituída por 6 elementos


FIG. 8-27
dum seixo de quartzito - revela a selecção de fragmentos
resultantes do processo de debitagem para posterior utilização
numa estrutura de combustão.

A baixa percentagem de remontagens e a


repartição espacial dos elementos revelam um
padrão similar ao observado nas estruturas 1 e 5 do
sítio vizinho da Olga Grande 4. A reutilização de
alguns fragmentos de termoclastos em operações
de talhe, ou na construção de outras estruturas de
combustão fora da área escavada, podem explicar
em parte o baixo grau de sucesso na remontagem
destes elementos pétreos.
FIG. 8-28 – Planta dos elementos com mais de 5 cm recuperados
Em associação com os elementos termo-alte- em 9 dos 12 metros quadrados escavados da unidade
rados, foram recolhidos vários artefactos de pedra estratigráfica 3 A de Olga Grande 14, com a representação das
lascada, verificando-se igualmente a presença de relações entre os elementos termo-fracturados de quartzo e
uma gestão diferenciada das diferentes matérias- quartzito.

-primas, quer ao nível da produção e debitagem de


suportes, quer ao nível da utensilagem. fenómenos de residualização como eventual expli-
O quartzo encontra-se representado por quatro cação para a ausência das pequenas esquírolas de
raspadeiras sobre lasca ou lasca retocada (obtidas retoque das raspadeiras.
a partir de blocos originais distintos), e por 21 las- Em relação ao sílex, foi possível verificar que
cas. A análise deste material permite concluir que, a respectiva recolha terá sido levada a efeito quer
quer a produção das lascas-suporte das raspadei- em fontes regionais (localizadas a cerca de 40km
ras, quer o respectivo retoque de reavivamento, a Sul da estação), quer em fontes bastante mais
terão sido levados a cabo fora da área escavada (ou distantes, da ordem dos 150km (para sílices de
mesmo num outro sítio). A recolha de elementos formação lacustre) e dos 200km (para sílices de
líticos de pequenas dimensões de outras categorias formação marinha). As últimas estão represen-
petrográficas permite-nos rejeitar a presença de tadas por 45 artefactos, dos quais se destacam 5 >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

328
CAIXA 8-3 (cont.)

FIG. 8-30 – Barbelas com estigmas de impacto.

dução a partir de seixos de quartzito provenientes


dos aluviões da Ribeirinha (a cerca de 300 metros)
e do Côa (a cerca de 3 km). As remontagens neste
material permitiram a reconstituição de 15 volu-
mes iniciais, num total de 85 objectos (47,12% do
FIG. 8-29 – Raspadeiras sobre lascas de quartzo.
total de artefactos em quartzito).

fragmentos de barbela, 3 dos quais com evidentes


estigmas de impacto devido à utilização como
elementos de projéctil. O estudo tecnológico das
restantes peças talhadas mostra a presença, por
um lado, de uma debitagem bipolar sobre
bigorna com vista à produção de pequenas lascas,
e, por outro, o fabrico de utensílios, ausentes na
área escavada, e que terão provavelmente inte-
grado o tool-kit do artesão na altura em que o sítio
foi abandonado. Já o sílex de origem regional
surge apenas representado por 8 objectos, 7 ele-
mentos de debitagem e 1 fragmento de lamela de
dorso truncada. A análise deste pequeno con-
junto aponta para a entrada desta matéria-prima
no local já sob a forma de lascas e núcleos, talha-
dos posteriormente no próprio sítio.
O cristal de rocha, matéria-prima de origem
FIG. 8-31 – Representação espacial de elementos lascados de
local e regional, que se apresenta sob a forma de
quartzito que remontam, afectados ou não pelo fogo. As
pequenos seixos e de pequenos cristais, encontra- relações permitem evidenciar uma orientação preferencial
se melhor representado que o sílex no conjunto dos materiais no sentido da vertente (N/NW-S/SE).
artefactual da Olga Grande 14. Foram recolhidos
3 cristais brutos, 22 núcleos (um dos quais poderá
ter sido utilizado como raspadeira), 80 restos de Do ponto de vista espacial, as remontagens
talhe, e ainda três elementos de utensilagem lame- permitiram evidenciar movimentos pós-deposi-
lar (uma lamela de dorso fracturada, e dois frag- cionais de pequena amplitude (menos de 1 metro)
mentos proximais de lamelas de retoque margi- no sentido da vertente (N/NW – S/SE).
nal). A análise dos artefactos em cristal de rocha Outro tipo de informação que a aplicação do
demonstra a aplicação de cadeias operatórias cujo método das remontagens aos materiais em quart-
objectivo principal era a produção de pequenas las- zito da Olga Grande 14 permitiu, foi a constatação
cas e lamelas. As últimas (quer retocadas, quer em de duas morfologias principais nos volumes ini-
bruto) terão servido eventualmente para a substi- ciais: blocos angulosos e plaquetas. Em ambos
tuição das barbelas em sílex fracturadas durante as detectaram-se casos de testes à homogeneidade e
actividades de caça. aptidão para o talhe, através de pequenos levan-
Os restantes artefactos (174, dos quais 20 mos- tamentos em arestas. Por outro lado, as remon-
tram alteração térmica) correspondem a uma pro- tagens permitiram definir claramente quais os
>>

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

329
CAIXA 8-3 (cont.)

ção de elementos queimados em quartzito (12,49%)


indicam, na nossa perspectiva, que as diversas
operações de talhe ou de utilização das lascas sem
retoque foram contemporâneas do funciona-
mento da estrutura de combustão e correspon-
dem provavelmente à mesma fase de ocupação,
que seria de carácter especializado. As remonta-
gens dos blocos com uma morfologia inicial de
plaqueta revelaram como objectivo principal do
talhe a produção de pequenas lascas e/ou o reto-
que de denticulados sobre pequenas plaquetas.
Esta categoria de utensílio retocado parece, de
resto, constituir uma constante nas ocupações de
curta duração atribuíveis ao Gravettense final
(Zilhão, 1997b; Zilhão e Almeida, 2002, vide tam-
bém Caixa 8-1).
A aplicação do método das remontagens líticas
às diversas categorias de vestígios permite propor
hipóteses sobre os processos de construção, fun-
cionamento, organização e evolução das estruturas
de combustão e estabelecer uma relação temporal
e espacial entre estas e as actividades de talhe
(Almeida, 1998). No caso da Olga Grande 14, as
remontagens e o estudo tecnológico da colecção
permitiram estabelecer faltas em algumas das
– Remontagens dos elementos líticos representados na
FIG. 8-32 cadeias operatórias, que demonstram relações a
figura 8-31. uma escala que ultrapassa o âmbito da organização
intra-sítio. Uma tentativa de reconstrução destes
objectivos da exploração dos dois tipos de volume: sistemas complexos de fraccionamento das cadeias
lascas largas e espessas a partir dos blocos angu- operatórias nos territórios explorados passa pela
losos, pequenas lascas a partir das plaquetas. No acumulação de mais observações deste tipo, com o
primeiro caso, 5 das lascas remontadas apresen- fim de estabelecer quer recorrências de comporta-
tam uma alteração térmica e um desgaste dos mentos, quer eventuais diferenças no fracciona-
gumes, detectável macroscopicamente. Estas mento de cadeias operatórias em sítios com fun-
observações, conjuntamente com a fraca propor- ções distintas.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

330
CAIXA 8-4

Remontagem de rochas termo-alteradas:


um meio de reconstrução dos modos de
funcionamento de estruturas de combustão
no sítio da Olga Grande 4 (Almendra, Vila Nova
de Foz Côa)
❚ THIERRY AUBRY ❚ JORGE D. SAMPAIO ❚

O Sítio de Olga Grande 4 localiza-se no pla- detectados no decurso da escavação, em associa-


nalto granítico que constitui o limite setentrional ção com as estruturas de combustão. Estão em
da unidade geográfica da Meseta Ibérica. A pla- curso, sob a responsabilidade de J.J. Tresseras
taforma topográfica objecto de intervenção (Laboratório de Arqueologia do Museu da Cata-
arqueológica ocupa uma concavidade no limite lunha) e segundo a metodologia estabelecida por
oeste do afloramento granítico de Pedras Altas, Marsch (1994), análises susceptíveis de detectar
oposta ao locus de Olga Grande 14. Situado a cerca substâncias orgânicas nas amostras de sedi-
de 150 metros da margem direita do curso de mentos.
água temporário da Ribeirinha, dista cerca de Os trabalhos arqueológicos levados a cabo
5 quilómetros da confluência deste curso de água desde 1997 permitiram estabelecer uma sequên-
com o Rio Côa, a montante do sítio de arte rupes- cia de ocupações atribuíveis tipologicamente a
tre da Penascosa. diversas fases do Paleolítico superior.
A unidade estratigráfica 3 contém vestígios
líticos talhados, dos quais se destaca um conjunto
de barbelas integráveis no tecnocomplexo Gra-
vettense. A aplicação do método da Termolumi-
niscência a 5 amostras de quartzito provenientes
da base daquela unidade estratigráfica, permitiu
não só confirmar a exposição das mesmas a
temperaturas que ultrapassaram 400o, mas tam-
bém a obtenção de uma datação de cerca de
28500 anos BP (Valladas et al., 2001, Mercier
et al., 2001).
A escavação, desmontagem e distribuição
espacial dos elementos pétreos com mais de
5 cm, bem como as observações estratigráficas
realizadas no terreno, mostraram que o padrão
FIG. 8-33 – Vista do locus de Olga Grande 4, durante a escavação.
de repartição das categorias de vestígios não é
aleatório e não parece corresponder a um pro-
O estudo micromorfológico dos loci 4 e 14 do cesso de dispersão natural. O tipo de repartição
conjunto de Pedras Altas (Olga Grande 4, 5, 13 e detectado indica que esta categoria de vestígios
14) indica que a acumulação de sedimentos não foi afectada por processos de dispersão pós-
resulta da meteorização do afloramento graní- deposicional. A esta constatação, baseada no
tico e duma fraca componente eólica, afectados padrão de repartição espacial, acrescente-se o
por processos pedológicos de hidromorfia. facto dos blocos e lajes de quartzo terem sido
A unidade estratigráfica 3 conserva traços antró- necessariamente objecto de uma deslocação
picos visíveis à escala microscópica (Sellami, antrópica, a partir de um afloramento localizado
2000). A composição dos pedo-sedimentos não a 300 m a Oeste do sítio.
permitiu a conservação de restos orgânicos, à Foram documentados três tipos diferentes de
excepção de pequenos fragmentos de carvão estruturas de combustão:

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

331
CAIXA 8-4 (cont.)

• Um primeiro tipo é representado por uma


acumulação de blocos de quartzo, granito e de
quartzito, que configuram uma morfologia
oval com um comprimento máximo de
1 metro, e uma espessura de cerca de 15 cm.
Esta estrutura encontrava-se parcialmente deli-
mitada por lajes de granito, dispostas numa
superfície plana.
• O segundo tipo engloba três estruturas consti-
tuídas por acumulações de lajes de granito,
cujas superfícies evidenciam, na sua totalidade,
uma exposição ao calor. Não foram detectadas
outras matérias-primas associadas a estas
estruturas.
• O terceiro tipo é constituído por uma acumu-
lação de blocos de quartzo, granito e seixos de
quartzito com sinais evidentes de alteração tér-
mica, que se encontravam concentrados numa
– Tipos de barbelas abandonadas no nível de ocupação
FIG. 8-34 pequena depressão com cerca de 10 cm de pro-
da unidade estratigráfica 3. fundidade.

FIG. 8-35– Repartição dos elementos pétreos termo-alterados de granito e quartzo com mais de 5 cm na unidade estratigráfica 3
e localização das estruturas detectadas.
>

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

332
CAIXA 8-4 (cont.)

Neste projecto, em que são utilizadas as várias


matérias-primas detectadas nas ocupações dos
sítios do planalto da Olga Grande (quartzo de filão
e de seixo, granito, e quartzito), pretende-se avaliar
a interferência de diferentes factores na fragmen-
tação das rochas:
• Arquitectura de construção das estruturas (em
fossa, com fundo plano, lajeada);
• Reacção dos elementos em função do tempo e
temperaturas de combustão;
• Tipo e modalidades de colocação do combustí-
– Estrutura 1: Acumulação de blocos e lajes de quartzo,
FIG. 8-36
vel em relação aos elementos pétreos;
fragmentos de granito e seixos de quartzito (quadrados V/W- • Eventual reutilização dos elementos pétreos.
14/15/16). Os resultados preliminares indicam que os
dados arqueológicos da Olga Grande diferem dos
observados em contextos magdalenenses (Valen-
tin, 1989; Leesch, 1997), nomeadamente no que se
refere à posição do combustível em relação ao pre-
enchimento pétreo das estruturas.

– Estrutura 2: Acumulação de lajes de granito numa


FIG. 8-37
espessura de cerca de 15 cm (quadrados W/X/Y-13/14/15).

– Estrutura 6: fossa preenchida por elemento pétreos


FIG. 8-38
que conservava micro-fragmentos de carvão (quadrado D-13).

– Fogueiras e fragmentos termo-alterados obtidos


FIG. 8-39
experimentalmente em função da natureza petrográfica do
preenchimento lítico, do tipo de estrutura, e da posição e
Tendo em conta a variabilidade arquitectónica natureza do combustível.
e de matérias-primas presentes nestes diferentes
tipos de estruturas de combustão, e também a pre-
dominância do quartzo em algumas delas, encon- O interesse das remontagens entre elementos
tra-se em desenvolvimento um projecto de inves- termo-alterados, com incidência nas eventuais
tigação que visa a construção de um referencial reutilizações dos mesmos, foi já salientado em
experimental dos diferentes tipos de fractura resul- diversos trabalhos (Valentin, 1989; Julien, 1989;
tantes de diferentes processos de combustão, apli- Julien et al., 1992; Leesch, 1997; Marsch e Sole-
cável a outros contextos geográficos e cronológicos -Mayor, 1999). Trata-se de uma abordagem que
(Leesch, 1997; Marsch, 1994). permite estabelecer uma cronologia do funcio-
>>

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

333
CAIXA 8-4 (cont.)

namento das estruturas de combustão e obter largos terão sido seleccionados e levados para
elementos para uma interpretação dos modos de junto das estruturas 1, 2 e 4, onde foram
utilização e alteração pós-deposicional. abandonados. Esta deslocação de elementos
Tal como no caso da Olga Grande 14 (vide de pedra lascada é inversa ao sentido das des-
Caixa 8-3), e de outros casos já estudados em dife- locações de elementos termo-alterados ante-
rentes contextos (Valentin, 1989; March e Soler- riormente referidos.
-Mayor, 1999), também na Olga Grande 4 a per- • A associação de pequenas lascas de sílex rube-
centagem de remontagem de termoclastos é rela- factas às estruturas constituídas por lajes de
tivamente baixa. Também aqui este padrão deve granito (E-2 e E-4) revela que as últimas terão
estar relacionado com o reaproveitamento de funcionado no próprio local onde foram
alguns dos elementos pétreos para a construção encontradas.
de estruturas que eventualmente se encontrem
ainda em áreas não escavadas, ou em estruturas A conjugação dos dados provenientes das
entretanto destruídas. Ainda assim, os dados remontagens dos elementos termo-alterados com
resultantes da análise espacial e estratigráfica dos as remontagens da indústria lítica sugere uma
elementos pétreos com mais de 5 cm, e respecti- possível contemporaneidade de utilização entre
vas remontagens permitem estabelecer as as estruturas 1 e 3, numa fase anterior à repre-
seguintes relações: sentada pelas estruturas 5, 6 e 7, que deverão cor-
• A anterioridade da construção e funciona- responder a uma fase mais tardia do Gravettense.
mento da estrutura 5 sobre as estruturas 6 e 7; A aplicação do método das remontagens às
• A anterioridade das estruturas 1, 2, 3 e 4 sobre diversas categorias de vestígios revelou compor-
as estruturas 5, 6 e 7; tamentos distintos e, provavelmente, separados
• As relações detectadas entre as estruturas 1 e num curto espaço de tempo, entre as deslocações
3 não permitem estabelecer de uma forma de produtos talhados (seleccionados no sítio de
directa uma cronologia relativa entre ambas, talhe para utilização durante uma fase de funcio-
mas a correlação com outro tipo de observa- namento de diversas estruturas de combustão) e
ções favorece uma maior antiguidade da o aproveitamento posterior dos termoclastos.
estrutura 1, nomeadamente um grau de A subrepresentação dos elementos termo-
sucesso mais elevado na remontagem dos ele- alterados relativamente à indústria lascada, cons-
mentos constituintes desta estrutura, e tam- tatada no nível de ocupação gravettense da vizi-
bém a repartição espacial dos elementos que nha Olga Grande 14 (vide Caixa 8-3), sugere que
constituem a unidade de remontagem no11. a reutilização dos elementos pétreos das estrutu-
Com efeito, esta remontagem documenta ras de combustão deveria ter um carácter siste-
como um fragmento queimado de uma placa mático. As remontagens na Olga Grande 4 per-
de quartzo inicialmente debitada junto à mitiram estabelecer relações entre estruturas de
estrutura 1 foi posteriormente retocado e funções diversas, numa área de cerca de 70
abandonado junto à estrutura 3. metros quadrados (dentro dos cerca de 90 metros
A correlação destes dados com as informa- quadrados escavados), provavelmente ocupada
ções espaciais obtidas pelas remontagens da durante uma única fase de ocupação humana.
indústria de pedra lascada permitem constatar: A taxa reduzida de remontagem dos termo-
• A deslocação diferencial por processos de clastos pode ainda ser explicada pela limitação
escorrimento difuso das águas — principal no espaço das condições favoráveis à conservação
componente da sedimentação — dos ele- destes vestígios, determinadas pela topografia do
mentos de dimensões milimétricas recupe- afloramento granítico (Sellami, 2000). A melhor
rados no sítio; preservação pós-deposicional dos vestígios nas
• Uma predominância de actividades de talhe proximidades do afloramento pode estar na ori-
sobre seixos de quartzito e de quartzo, com gem da alta densidade de elementos termo-alte-
vista à produção de lascas, numa área locali- rados observáveis actualmente na superfície dos
zada a Sudoeste da estrutura 3; terrenos, a Oeste do sector escavado, na parte res-
• De entre as várias lascas produzidas junto à tante da plataforma topográfica que constitui a
estrutura 3, os exemplares mais espessos e Olga Grande 4. >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

334
CAIXA 8-4 (cont.)

– Planta das remontagens de unidades seleccionadas de elementos termo-


FIG. 8-40 – Algumas das remontagens referidas
FIG. 8-41
alterados em quartzo da unidade estratigráfica 3 de Olga Grande 4. na figura 8.40

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

335
Exemplos de Análise à Escala do Território

CAIXA 8-5

O Mesolítico inicial da Estremadura portuguesa:


modalidades de ocupação e de exploração à escala
de um território
❚ ANA CRISTINA ARAÚJO ❚

A introdução de uma componente importante dos dos períodos Pré-boreal e Boreal, é possível
de origem aquática na dieta das comunidades estabelecer uma primeira hipótese sobre as moda-
humanas do Holoceno inicial marca, porventura, lidades de ocupação e exploração dos territórios
e considerando a Estremadura portuguesa, uma destas comunidades humanas de caçadores-reco-
primeira ruptura com os padrões de comporta- lectores. Utilizando determinados critérios de
mento que caracterizaram até então as sociedades natureza arqueológica — implantação geográfica
de caçadores-recolectores do Paleolítico Superior e topográfica, extensão das áreas ocupadas, con-
final. A dependência que passa a existir na explo- teúdos artefactuais, etc. — foram individualiza-
ração intensiva de fontes alimentares de habitat dos três agrupamentos distintos de jazidas:
costeiro e estuarino, sobretudo na recolecção de • O primeiro agrupamento (1) compreende jazi-
moluscos bivalves, parece constituir uma resposta das de ar livre extensas localizadas no interior
adaptativa bem sucedida por parte dos grupos e periferia dos maciços calcários. A indústria
humanos às novas condições ecológicas que a cha- lítica presente nestes contextos é numerosa e
mada Última Mudança Global, que marca o início diversificada, destacando-se uma estratégia de
do Holoceno, desencadeou nos ecossistemas, produção lítica orientada para a produção de
quer nos biótopos quer nas biocenoses. Da análise armaturas. A exploração de recursos de origem
comparativa efectuada aos espólios faunísticos terrestre deveria constituir a principal activi-
exumados em contextos arqueológicos datados do dade de subsistência destas comunidades;
período de transição do Plistocénico ao Holoceno, • O segundo agrupamento (2) inclui jazidas de
verifica-se que, sem excepção, e independente- tipo concheiro, que apresentam uma compo-
mente das distâncias desses locais à respectiva nente industrial lítica centrada na produção
linha de costa, o consumo em larga escala de expedita de lascas a partir de matérias-primas
moluscos aparece apenas, e pela primeira vez, nas de origem local. Estes contextos parecem cor-
jazidas que datam já do pós-glaciar (Araújo, 2003, responder a pequenos acampamentos tem-
no prelo a). O surgimento de um novo tipo de porários sazonais, reocupados sucessiva-
sítio, o concheiro, é o exemplo mais paradigmá- mente, e destinados sobretudo à exploração
tico da importância que este tipo de recurso passa de fontes alimentares de origem aquática;
a ter na dieta das comunidades humanas a partir • O terceiro agrupamento (3) contém jazidas de
do Holoceno. Em contraste, não há qualquer gruta e de abrigo localizadas no interior e peri-
jazida do Paleolítico Superior que documente, até feria dos maciços calcários. Estes contextos
ao momento, um consumo economicamente sig- apresentam características comuns aos dois
nificativo de alimentos de origem aquática. Sendo agrupamentos anteriores: uma subsistência
a exploração intensiva de moluscos aparente- baseada na exploração de recursos de origem
mente correlativa das transformações ecológicas terrestre e aquática, nomeadamente de molus-
operadas na transição do Plistocénico para o Holo- cos bivalves, uma componente lítica que inclui
ceno, até que ponto é que a tecnologia lítica pro- diversos tipos de armaturas microlíticas.
duzida pelas comunidades humanas acompanha
estas mesmas alterações? Esta diferenciação não parece estar associada
Centrando a análise nos contextos arqueoló- a factores cronológicos ou geográficos. Os dados
gicos situados na Estremadura portuguesa e data- actualmente disponíveis apontam para a existên- >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

336
CAIXA 8-5 (cont.)

cia de um tipo de povoamento centrado na com- mente organizadas em pequenas unidades de


plementaridade inter-sítios, de natureza funcio- tipo sócio-familiar, que se deslocariam entre o
nal, adoptado por comunidades humanas com litoral e o interior explorando diferentes tipos de
uma grande mobilidade e itinerância, provavel- recursos consoante as épocas do ano.

FIG. 8-42 – Mesolítico inicial da Estremadura: estratégias de exploração do território.

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

337
CAIXA 8-6

O Mesolítico final: modalidades de ocupação


e de exploração dos estuários do Tejo e do Sado
❚ ANA CRISTINA ARAÚJO ❚

Durante o Atlântico, e correspondendo ao grau de adaptabilidade e de sucesso destes últi-


máximo da transgressão flandriana, os estuários mos caçadores-recolectores, que permaneceram
dos grandes rios portugueses são extensivamente nestes ambientes ecológicos mesmo após a intro-
ocupados pelas últimas comunidades humanas de dução, noutras regiões do País, de um modo de
caçadores-recolectores. Ricos do ponto de vista fau- vida baseado já na produção de alimentos.
nístico e florístico, os ambientes estuarinos pro- Esta mudança nas estratégias de povoamento
porcionavam uma gama vasta e diversificada de e de subsistência das comunidades mesolíticas
recursos, destacando-se os bancos de moluscos que ocuparam os vales do Tejo e do Sado durante
bivalves, verdadeiras fontes de aprovisionamento o período Atlântico é correlativa de importantes
de alimentos de fácil acesso, facilmente renová- transformações no respectivo equipamento lítico
veis e disponíveis em todas as épocas do ano. As (Araújo, 1999, no prelo b). O aparecimento, em
jazidas localizadas nestes ecótonos parecem cor- dimensões absolutamente inovadoras, de utensí-
responder a um tipo de povoamento mais concen- lios geométricos, triângulos, trapézios e crescen-
trado e permanente, centrado em torno de acam- tes, marca uma verdadeira ruptura com os
pamentos de tipo residencial ocupados provavel- padrões tecnológicos imediatamente anteriores,
mente durante a maior parte do ano; no quadro do Mesolítico inicial. No Vale do Sado, por exem-
desta estratégia, foram reconhecidos outros locais, plo, foram reconhecidas duas estratégias de pro-
de menores dimensões, vocacionados na explora- dução lítica: uma, orientada para a produção de
ção de recursos específicos de natureza sazonal lascas estandardizadas que se destinariam a ser
(Arnaud, 1994). A dimensão das áreas ocupadas, utilizadas, na maioria dos casos, em bruto; outra,
aliada ao período de tempo de aproveitamento e visava a produção expedita de suportes lamelares,
exploração destes contextos, mostra bem o elevado que seriam transformados posteriormente em

FIG. 8-43 – Mesolítico dos Vales do Tejo e do Sado: estratégias de exploração do território. FIG. 8-44 – Produção de
suportes lamelares a partir de
núcleos prismáticos e sua
posterior transformação em
utensílios geométricos
(trapézios, triângulos e
crescentes).
>

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

338
CAIXA 8-6 (cont.)

micrólitos geométricos. Em ambas as estratégias cial dos recursos. O microlitismo e a uniformiza-


foram utilizadas matérias-primas de origem ção nos tipos e dimensões dos suportes e utensí-
local. lios, produzidas a partir de matérias-primas de ori-
O equipamento tecnológico lítico concebido gem local e, portanto, facilmente substituíveis em
pelas populações dos vales do Tejo e do Sado res- qualquer contexto de aquisição de recursos,
ponde eficazmente a um sistema de subsistência demonstram bem a eficácia da tecnologia lítica dos
baseado na desigual distribuição temporal e espa- últimos caçadores do Holoceno.

FIG. 8-45 – Mesolítico recente: estratégias de exploração da pedra.

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

339
CAIXA 8-7

Modalidades de aprovisionamento em
matérias-primas líticas nos sítios do Paleolítico
Superior do Vale do Côa: dos dados à interpretação
❚ THIERRY AUBRY ❚ JAVIER MANGADO LLACH ❚

A determinação da origem geológica das


matérias-primas utilizadas para a confecção das
indústrias lascadas abandonadas nos níveis de
ocupação do Paleolítico superior do baixo Côa
revelou a utilização, em proporções superiores a
95%, de seixos de quartzito e quartzo disponí-
veis a algumas centenas de metros nas forma-
ções detríticas aluviais, e de blocos de quartzo e
cristal de rocha provenientes de filões existentes
a menos de 1 km (Aubry e Mangado Llach, no
prelo; Aubry et al., no prelo).
A comparação com o referencial geológico ela-
borado através de uma prospecção orientada neste
sentido, permitiu constatar a utilização sistemá-
tica de outras variedades petrográficas, similares
às detectadas em afloramentos regionais existen-
tes a menos de 30 km do local de abandono. Estas
variedades, de origem filoniana, estão sempre
representadas em percentagens na ordem de 1%.
Algumas fontes detectadas durante a prospecção,
como as opalas das rochas vulcânicas de Morais
(Fig. 8-46.B) e silicificações do Câmbrico da bacia
do Douro (Fig. 8-46.A) não foram detectadas. – Variedades de silicificação provenientes das bacias do
FIG. 8-46
Côa, Sabor e do Douro, utilizadas nas ocupações gravettenses do
Outras rochas, utilizadas em proporções infe-
Côa.
riores a 1%, correspondem à definição geral de
sílex. A caracterização das formas de cristalização
e dos conteúdos em micro-fósseis, com recurso a nos respectivos ambientes de formação, é similar
lâminas delgadas, e a sua comparação com um nos 3 conjuntos estudados, apesar da existência de
referencial de sílices recolhidos em diversas for- diferenciações funcionais entre os mesmos (Aubry
mações geológicas de uma vasta área geográfica et al., 2002). Este facto revela, em nosso entender,
da Península Ibérica, permitiram distinguir que os sílices não chegaram directamente aos
ambientes de formação marinhos e lacustres para locais, mas foram objecto de um processo mais
este tipo de matérias-primas, e propor uma pro- complexo.
veniência estratigráfica de idade secundária e ter- A comparação destes dados com os obtidos em
ciária para estas formações (Mangado Llach, conjuntos estudados noutras regiões indica que a
2002; Aubry et al., 2002; Carvalho, 2001). Estes escala do espaço geográfico desenhado pela deslo-
resultados revelam o abandono em todos os con- cação das rochas siliciosas regionais não é exclusiva
juntos do Paleolítico superior, em fraca quanti- das jazidas do Côa, onde o sílex não se encontra dis-
dade mas recorrente, de sílices provenientes de ponível localmente. Por exemplo, nos sítios gravet-
formações geológicas localizadas a mais de tenses da serra calcária de Sicó, localizados na pro-
150 km nas direcções Oeste e Este. ximidade de fontes de sílex (presentes nos calcários
A representação proporcional das diferentes do Bajociano) de qualidade medíocre, observa-se a
categorias de rochas siliciosas, definidas com base presença de sílices de excelente aptidão para talhe, >

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

340
CAIXA 8-7 (cont.)

provenientes de formações geológicas do Cenoma-


niano e do Oxfordiano, disponíveis a cerca de 30 km
a Sul. Deslocações de matérias-primas desta ordem
foram igualmente observadas em outras áreas da
Estremadura (Zilhão, 1997b). Parecem, portanto,
independentes da disponibilidade em matérias-pri-
mas locais e podem corresponder, nos dois casos, a
um mesmo tipo de difusão. As observações das des-
locações observadas nos territórios explorados por
grupos de caçadores-recolectores actuais (Binford,
1983; Lee e Daly, 1999) indicam que um espaço
geográfico desta ordem pode corresponder aos ter-
ritórios explorados durante o ciclo que foi definido
como território anual por Clark (1975).
A deslocação de sílex originário de fontes geoló-
gicas a mais de 150 km de distância, sistemática nas
ocupações do Paleolítico superior da bacia do Côa,
parece resultar de um processo distinto de difusão
e de constituição dos conjuntos arqueológicos.
Vários modelos de interpretação podem ser pro-
postos para explicar aquela difusão:
Tendo em conta os dados actualmente disponí-
veis, a análise da repartição das diversas origens de
FIG. 8-47 – Proporções dos sílices de ambientes de formações sílex utilizadas nos sítios gravettenses da região do
marinha e lacustre e das variedades de sílica regionais nos Côa, mostra que sílices de diferentes origens geo-
níveis de ocupação gravettenses do Vale do Côa. gráficas se encontram associados a níveis de ocupa-
ção especializados em actividades de caça, de curta
duração.

>>

FIG. 8-48 – Origens e distâncias de deslocações de sílex em níveis deocupação gravettenses do Baixo Côa e da Serra de Sicó.

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

341
CAIXA 8-7 (cont.)

– Modelos de interpretação dos processos de deslocação das variedades de sílex abandonadas nos sítios do Paleolítico Superior
FIG. 8-49
do Vale do Côa.

Se aceitamos a primeira proposição, este tipo das bacias do alto Douro ou do Tejo) nas jazidas do
de sítios deveria ser caracterizado pela utilização de Côa. Este facto pode estar associado a um processo
sílex de uma única proveniência geográfica, em rela- distinto de difusão, indiciando uma ligação social
ção com o território de exploração directo do grupo privilegiada com os sítios da vertente Norte da Cor-
de origem da deslocação logística. A deslocação sis- dilheira Central.
temática de matérias-primas siliciosas originárias A confirmação ou não destes modelos, ou de
de diversos pontos da região constitui também um um outro, passa necessariamente pela obtenção de
argumento contra este modelo explicativo. dados complementares, provenientes de sítios fun-
A demonstração da existência de um limite cionalmente bem caracterizados, e sobretudo pela
social que corresponda às entidades utilizadas descoberta de outros sítios em áreas geográficas
actualmente pelos geógrafos encontra justificação onde ainda não foram detectados índices de ocupa-
na preponderância da utilização de sílices miocéni- ção humana mas para as quais a exploração dos
cos de ambiente de formação lacustre (provenientes recursos em matéria-prima já está atestada.

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

342
Paleotecnologia e Paleoetnografia. A Mais que Necessária Multidisciplinaridade

O trabalho da pedra constitui apenas uma parcela ínfima das actividades e dos compor-
tamentos humanos que tiveram lugar no Passado. Pedras, ossos, cerâmicas, carvões, semen-
tes, entre tantos outros vestígios materiais aproveitados, produzidos ou criados pelo Homem,
constituem as fontes arqueológicas sobre as quais se debruçam e trabalham os investigado-
res do passado sem escrita. Chegar a este passado é uma tarefa que requer a conjugação de diver-
sos domínios de investigação científica, um trabalho que é feito em partes, para se chegar a um
todo que é comum. E é através da análise e estudo das mais diversas componentes do com-
portamento humano que se reconstrói a História do Homem, do Tempo em que viveu, e do
Espaço que ocupou.
A Paleotecnologia lítica é um domínio de investigação que visa reconstituir os sistemas
tecnológicos do trabalho da pedra. Esta foi transformada e manipulada para satisfazer deter-
minadas necessidades, tornando-se uma ferramenta de intervenção no meio e nos seus recur-
sos. Ler a pedra através da análise dos estigmas produzidos no contexto do seu processo de
fabrico e de utilização é descobrir o artesão, o gesto, e a actividade que lhe são subjacentes. Os
objectos têm uma história e um percurso até chegarem a nós. Aliás, têm duas histórias: uma
que se refere ao período que medeia entre o seu abandono e a sua recuperação no âmbito de
uma prospecção ou escavação; e outra, mais antiga, quando desempenhavam a função para a
qual foram produzidos. A Tipologia abarca essencialmente o período de intersecção entre estas
duas histórias. A Paleotecnologia pretende, através das suas várias linhas de investigação, abar-
car não só o momento de abandono dos objectos, o seu estado final, mas todos os processos
dinâmicos de concepção, fabrico e uso. Implica, portanto, uma abordagem multidisciplinar e
multifacetada às colecções. A análise de atributos, o talhe experimental, as remontagens, os
estudos de proveniência de matérias-primas, a traceologia, a própria tipologia, são metodolo-
gias que devem funcionar de uma forma integrada. Só assim será possível uma reconstitui-
ção tão completa quanto possível das cadeias operatórias e, do mesmo modo, da parte da Pale-
oetnografia subjacente às culturas materiais e aos sistemas técnicos do passado.
Embora as escalas de investigação tradicionalmente mais privilegiadas sejam as do
objecto e do sítio, devido à própria natureza do nosso campo de investigação, a reconstituição
dos comportamentos deverá ter sempre em conta a escala territorial, ou seja, a escala das comu-
nidades do Passado e não a do arqueólogo. O estudo de colecções de pedra lascada, mesmo
quando efectuado a escalas mais restritas, permite alcançar uma escala mais abrangente, ter-
ritorial, como vimos em alguns dos casos apresentados anteriormente (vide Caixas).
O Núcleo de Paleotecnologia do CIPA tem vindo a desenvolver, desde a sua criação, diver-
sos programas de investigação e formação. Numa perspectiva plural da Arqueologia, torna-se
imperativo um contacto estreito entre as diversas áreas de investigação do passado. Hoje em
dia, e face ao estado de desenvolvimento da nossa ciência, torna-se impraticável uma aborda-
gem ao passado que não se revista de carácter multidisciplinar. As comunidades que estuda-
mos desenvolveram mecanismos de sobrevivência e adaptação nos quais o trabalho da pedra
constitui apenas uma parcela do seu comportamento. O estudo de uma estação arqueológica
implica hoje uma responsabilidade que passa para além da mera análise dos artefactos, ou de
simples listas de espécies faunísticas a eles associadas. O trabalho arqueológico deve antes de
mais ser baseado na formulação de várias questões ao respectivo registo. Os resultados de um
projecto de investigação serão, no seu final, mais profícuos quanto mais madrugadora for a
respectiva abordagem multidisciplinar. A participação de áreas como a Geoarqueologia, a
Arqueozoologia, a Paleobotânica, a Paleoantropologia, a Paleotecnologia deve transparecer
desde logo no leque de questões prévias à escavação de uma estação arqueológica. Estas ques-

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

343
tões condicionam, ou devem condicionar, a própria metodologia de campo, de recolha e de
registo. Posteriormente, já no laboratório, cada área de investigação tem a oportunidade de ava-
liar os dados disponíveis, e de apresentar hipóteses interpretativas para os mesmos. Algumas
hipóteses resultantes de análises paleotecnológicas, por exemplo, poderão ser infirmadas
pelos dados resultantes da arqueozoologia, e vice-versa. Outras passarão o teste de alargamento
da escala de análise. Afinal, o progresso da investigação arqueológica passa não só pela even-
tual confirmação de algumas hipóteses, mas principalmente pela negação de muitas outras.
E esta é uma das principais vantagens de uma Arqueologia multidisciplinar.

CAIXA 8-8

O Núcleo de Paleotecnologia do CIPA.


Um espaço aberto à aprendizagem
❚ CRISTINA GAMEIRO ❚

Desde o início da sua actividade, o Núcleo de ções associadas a um inventário de pedra lascada,
Paleotecnologia do CIPA tem apostado na for- desde a separação por matérias-primas e classes
mação, recebendo estudantes em regime de tecnológicas, à classificação tipológica da utensi-
voluntariado, participando em cursos de divulga- lagem retocada. Mais importante que um tipo de
ção como o de Avecasta 2001 ou acolhendo "mão-de-obra barata", estas presenças são impor-
jovens investigadores proporcionando-lhes um tantes no âmbito da formação de uma nova gera-
espaço físico para trabalhar, acesso a equipa- ção de investigadores. Num país onde o ensino
mento e auxilio no enquadramento metodoló- universitário da Arqueologia continua a pecar
gico. pela rara oportunidade dos respectivos estudan-
Uma vez que são muito poucos os investiga- tes em contactarem directamente com materiais,
dores portugueses que trabalham neste domínio o Núcleo de Paleotecnologia do CIPA disponibi-
da Arqueologia é essencial estimular a aprendi- liza não só o acesso a colecções, mas também a
zagem de jovens estudantes nestas matérias. Por vantajosa possibilidade de os voluntários traba-
outro lado, tendo em conta as características da lharem num espaço onde a natureza multidisci-
abordagem tecnológica, a aprendizagem por livre plinar da investigação é por demais evidente.
iniciativa e simples consulta de manuais é insu- Enquanto trabalham no inventário de colecções,
ficiente. É necessário ver material. Aprender tec- os estudantes têm a oportunidade de aprender
nologia lítica, identificar estigmas de talhe da
pedra, tipos de percussão utilizados, ler as cica-
trizes deixadas por levantamentos anteriores,
compreender o posicionamento do objecto na
cadeia operatória exige o manuseamento de peças
arqueológicas, e por vezes experimentais, bem
como a discussão com colegas mais versados na
matéria.
Alguns dos projectos a decorrer no Núcleo de
Paleotecnologia do CIPA têm contado com a par-
ticipação de estudantes, em regime de voluntari-
ado, para tarefas como a inventariação de colec-
ções. Neste âmbito, os voluntários têm a possibi-
lidade de aprender algumas das primeiras opera- FIG. 8-50 – Avecasta 2001: trabalhar a pedra ao jeito da Pré-história
>>

PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

344
CAIXA 8-8 (cont.)

as vantagens e limites da tipologia, do talhe expe- durante a tarde e, antes de uma análise tipológica
rimental, da análise tecnológica de atributos, das de colecções arqueológicas ao anoitecer, foi ainda
remontagens, da traceologia… possível verificar que o método das remontagens
No curso de pós-graduação Avecasta 2001, o não é, afinal, um monstro de sete cabeças.
Núcleo de Paleotecnologia do CIPA organizou um Para além da formação no âmbito de projectos
módulo de aprendizagem sobre as indústrias de do próprio Núcleo de Paleotecnologia do CIPA, a
pedra lascada onde se valorizaram os aspectos prá- equipa de investigadores têm ainda prestado apoio
ticos da análise tecnológica. Os formandos tive- a vários estudantes nacionais e estrangeiros na ela-
ram oportunidade de conhecer os mecanismos de boração das respectivas teses de licenciatura, mes-
inventariação e classificação das colecções, bem trado, e doutoramento. Este apoio engloba não só
como os respectivos fundamentos teóricos. Alguns a disponibilização de espaços de trabalho, de colec-
cortes esporádicos durante o talhe experimental ções arqueológicas e de bibliografia, mas também,
antes do almoço não foram razão suficiente para os e há medida que o tempo o permite, da vontade de
alunos menosprezarem a análise de estigmas aconselhar, discutir, aprender.

Equipa de Trabalho

CAIXA 8-9

Núcleo de Paleotecnologia
Francisco Almeida
Lic. História Variante de Arqueologia (Faculdade de Letras de Lisboa)
M.Sc. em Arqueologia (Southern Methodist University, Dallas, EUA)
Doutoramento em Arqueologia (Southern Methodist University, Dallas,
EUA)
Áreas de Investigação: Paleolítico Superior, Paleotecnologia Lítica.
Remontagens de pedra lascada.

Ana Cristina Araújo


Lic. História Variante de Arqueologia (Faculdade de Letras de Lisboa)
Doutoranda em Paris I - Sorbonne
Áreas de Investigação: Mesolítico, Paleotecnologia Lítica.

Thierry Aubry
Lic. em Géologie Appliquée (Université de Bordeaux I)
DEA em Anthropologie (Préhistoire) (Université de Bordeaux I)
Doctorat d’Université en Préhistoire et Géologie du Quaternaire
(Université de Bordeaux I)
Equivalência ao grau de Doutor em Letras, variante História (Faculdade
de Letras de Coimbra)
Áreas de Investigação: Paleolítico Superior, Litologia, Arqueologia
Experimental, Paleotecnologia Lítica.

PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

345
Agradecimento

As excelentes fotografias de estúdio inseridas neste capítulo são da autoria de José Paulo
Ruas, a quem os autores expressam o seu agradecimento.

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PALEOTECNOLOGIA LÍTICA: DOS OBJECTOS AOS COMPORTAMENTOS

349
Autores* e Colaboradores✜
deste Volume
Vera ALDEIAS ✜ Jacinta BUGALHÃO ✜
Av. 22 de Dezembro, n.o 25 L Instituto Português de Arqueologia
2900-670 Setúbal Avenida da Índia, 136
Portugal 1300-300 Lisboa
Portugal
veraldeias@net.sapo.pt
jacinta@ipa.min-cultura.pt

Francisco ALMEIDA *
Centro de Investigação em Paleoecologia Randi DANIELSEN ✜
Humana e Arqueociências Rua da Restauração, 9
Instituto Português de Arqueologia 3080-126 Figueira da Foz
Portugal
Avenida da Índia, 136
1300-300 Lisboa rdanielsen@yahoo.com
Portugal

falmeida@ipa.min-cultura.pt
Simon DAVIS *
Centro de Investigação em Paleoecologia
Diego E. ANGELUCCI * Humana e Arqueociências
Centro de Investigação em Paleoecologia Instituto Português de Arqueologia
Humana e Arqueociências Avenida da Índia, 136
Instituto Português de Arqueologia 1300-300 Lisboa
Portugal
Avenida da Índia, 136
1300-300 Lisboa sdavis@ipa.min-cultura.pt
Portugal

diego@ipa.min-cultura.pt
Cidália DUARTE *
Centro de Investigação em Paleoecologia
Ana Cristina ARAÚJO * Humana e Arqueociências
Centro de Investigação em Paleoecologia Instituto Português de Arqueologia
Humana e Arqueociências Avenida da Índia, 136
Instituto Português de Arqueologia 1300-300 Lisboa
Portugal
Avenida da Índia, 136
1300-300 Lisboa cduarte@ipa.min-cultura.pt
Portugal

cristina@ipa.min-cultura.pt
Gisela ENCARNAÇÃO ✜
Museu Municipal de Arqueologia
Thierry AUBRY * da Amadora
PAVC – Parque Arqueológico do Vale do Côa Av. Eduardo Jorge, 43, r/c
2700-306 Amadora
Av. Gago Coutinho, 19 A
Portugal
5150-610 Vila Nova de Foz Côa
Portugal

taubry.pavc@ipa.min-cultura.pt/ pombal@ipa.min-cultura.pt

AUTORES* E COLABORADORES✜ DESTE VOLUME

351
Sónia GABRIEL * Patrícia MENDES ✜
Departamento de Biología Centro de Investigação em Paleoecologia
Facultad de Ciencias Humana e Arqueociências
Universidad Autónoma de Madrid Instituto Português de Arqueologia
Cantoblanco Avenida da Índia, 136
28049 Madrid 1300-300 Lisboa
Espanha Portugal

sonia.gabriel@iol.pt pmendes@ipa.min-cultura.pt

Cristina GAMEIRO ✜ Marta MORENO-GARCÍA *


Centro de Investigação em Paleoecologia Centro de Investigação em Paleoecologia
Humana e Arqueociências Humana e Arqueociências
Instituto Português de Arqueologia Instituto Português de Arqueologia
Avenida da Índia, 136 Avenida da Índia, 136
1300-300 Lisboa 1300-300 Lisboa
Portugal Portugal

marta@ipa.min-cultura.pt
cristinagameiro@hotmail.com

Wim van LEEUWAARDEN * Carlos M. PIMENTA *


Centro de Investigação em Paleoecologia Centro de Investigação em Paleoecologia
Humana e Arqueociências Humana e Arqueociências
Instituto Português de Arqueologia Instituto Português de Arqueologia
Avenida da Índia, 136
Avenida da Índia, 136
1300-300 Lisboa
1300-300 Lisboa
Portugal
Portugal
maico@ipa.min-cultura.pt
wim@ipa.min-cultura.pt

Vanda PINHEIRO ✜
Javier MANGADO LLACH ✜
Centro de Investigação em Paleoecologia
Department Prehistòria, H. Antiga i
Humana e Arqueociências
Arqueologia, S.E.R.P.
Instituto Português de Arqueologia
Universitat de Barcelona
Avenida da Índia, 136
Baldiri Reixac s/n, 0828 Barcelona 1300-300 Lisboa
Espanha Portugal

mangado@trivium.gh.ub.es vanda@ipa.min-cultura.pt

José Eduardo MATEUS * Paula F. QUEIROZ *


Centro de Investigação em Paleoecologia Centro de Investigação em Paleoecologia
Humana e Arqueociências Humana e Arqueociências
Instituto Português de Arqueologia Instituto Português de Arqueologia
Avenida da Índia, 136 Avenida da Índia, 136
1300-300 Lisboa 1300-300 Lisboa
Portugal Portugal
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PALEOECOLOGIA HUMANA E ARQUEOCIÊNCIAS. UM PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR PARA A ARQUEOLOGIA SOB A TUTELA DA CULTURA

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Leonor ROCHA ✜ Jorge D. SAMPAIO ✜
Instituto Português de Arqueologia PAVC – Parque Arqueológico do Vale do
Extensão do Crato Côa

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José Paulo RUAS * João ZILHÃO *


Centro de Investigação em Paleoecologia Departamento de História
Humana e Arqueociências Faculdade de Letras
Instituto Português de Arqueologia
Universidade de Lisboa
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AUTORES* E COLABORADORES✜ DESTE VOLUME

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