(Dissertacao) FACANHA, 1998

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A EVOLUÇÃO URBANA DE TERESINA:

Agentes, processos e formas espaciais da cidade

Antonio Cardoso Façanha

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Geografia da


Universidade Federal de Pernambuco, em cumprimento às
exigências para obtenção do grau de Mestre.
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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

CAPÍTULO 1 – A URBANIZAÇÃO NO PIAUÍ E A CIDADE DE TERESINA


1.1 Teresina na urbanização do Piauí no período de 1850 a 1950
1.2 O cenário nacional e regional no período de 1950 a 1970: Teresina uma cidade em
construção
1.3 Tendências econômicas recentes e seus reflexos sobre Teresina nos anos de 1971 a
1995

CAPÍTULO 2 – A TRAJETÓRIA DOS AGENTES E ATORES SOCIAIS NA CIDADE


DE TERESINA
2.1 Os industriais e comerciantes
2.2 Os proprietários fundiários
2.3 Os promotores imobiliários
2.4 O Estado
2.5 Os grupos sociais excluídos
2.6 Os movimentos sociais urbanos

CAPÍTULO 3 – PROCESSOS E FORMAS ESPACIAIS DA CIDADE DE TERESINA


3.1 Os conjuntos habitacionais: indutores da expansão urbana
3.2 A descentralização e os núcleos secundários: comércio, serviço e indústria
3.3 O mapeamento das favelas na cidade
3.4 Reflexões sobre as áreas de segregação residencial de alto status
3.5 O processo de verticalização

CONSIDERAÇÕES FINAIS

BIBLIOGRAFIA
ANEXO
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INTRODUÇÃO

“A cidade se caracteriza pela sobreposição de melodias e


harmonias, ruídos e sons, regras e improvisões cuja soma total,
simultânea ou fragmentária, comunica o sentido da obra. Estou
convencido de que, por meio da multiplicação de enfoques – os
“olhares” ou “vozes” – relacionados com o mesmo tema, seja
possível se avizinhar mais à representação do objeto da pesquisa,
que é, neste caso, a própria cidade.

Massino Canevacci
A Cidade Polifônica, São Paulo, 1993

Roteiro Metodológico

A importância adquirida pela cidade de Teresina no cenário urbano


piauiense fez pensar na possibilidade de investigar a sua organização interna. É com essa
preocupação que o objetivo geral deste trabalho é de compreender a evolução urbana de
Teresina. Como objetivos específicos a proposta traz a intenção de identificar os agentes
produtores do espaço urbano e os processos e formas espaciais produzidos por eles, na
cidade.

O desejo de investigar uma parte desse “mundo marginalizado e periférico”


– o espaço urbano de Teresina – brota principalmente da relevância que esse espaço
adquiriu no cenário urbano do estado do Piauí. O objeto em estudo é construído em cima
de algumas inquietações que estimularam a pesquisa. Inicialmente, a experiência da
realização de cursos e palestras, acerca da realidade da cidade, estimulou uma vontade
pessoal em amadurecer os estudos dessa temática.

Um outro fator, que instiga e que, ao mesmo tempo, preocupa, diz respeito à
produção de trabalhos em geografia ser incipiente em relação a cidade. Os trabalhos mais
abrangentes foram desenvolvidos no início da década de 70, sendo marcados pela
descrição dos objetos geográficos, com maior ênfase aos elementos naturais. Nessa década,
o espaço era visto como um elemento imóvel, palco da própria atividade humana. No
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início da década de 80, apareceram novos estudos em que surgiu uma nítida intenção de
romper com os trabalhos da geografia tradicional e quantitativa. Tais estudos surgiram
como uma crítica interna ao neopositivismo. A produção geográfica, até meados da década
de 80 foi pouca expressiva, tendo em vista a importância que os estudos sobre a cidade
assumiam naquele contexto.

Uma outra questão fundamental que merece uma reflexão diz respeito aos
procedimentos metodológicos adotados neste estudo. Uma primeira preocupação refere-se
ao que seja a meta de um trabalho científico. MORAES e COSTA dizem que o principal
seria refletir sobre o desconhecido, o novo e o que ainda está por se descobrir ( MORAES e
COSTA, 1984: 17). A dinâmica realidade espacial da cidade de Teresina e a escassez dos
estudos sobre o seu espaço geográfico alimentam uma vontade pessoal de compreender
como os diversos agentes sociais produzem e constróem os processos espaciais dessa
capital.

Neste estudo, fez-se eco à seguinte fala de GOMES:

“Os meios que empregamos para chegarmos a um fim proposto denominamos


método. Trata-se de um conjunto de princípios, normas e procedimentos de
investigação teórica e de atividade prática que utilizamos na abordagem dos
fenômenos e da sociedade” (GOMES, 1991: 21).

O importante a ser frisado é que o método fornece os principais elementos


necessários e norteadores para a leitura do objeto a ser investigado. A definição do método
deve ser vista como um ponto de partida, e não como uma etapa a se chegar. A revisão
constante dos princípios norteadores do método é papel essencial na atualização teórica do
método empregado, embora como advogam MORAES e COSTA, o método não deve ser
usado como uma camisa-de-força.

O materialismo dialético é o método de interpretação assumido nesta pesquisa.


Sobre esse método, MORAES e COSTA frisam que a relação entre a teoria marxista e a
geografia deve ser visualizada na perspectiva de até que ponto as formulações de uma
teoria marxista podem dar conta das questões colocadas pelo temário geográfico
(MORAES e COSTA, 1984: 38). O esforço de articular o marxismo e a geografia não vai
ser enfocado numa visão dogmática, que marcou o marxismo vulgar.
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A realidade que envolve e permeia as cidades contemporâneas faz com que se


assuma uma postura mais “flexível”, desafiando os “limites territoriais” do conhecimento
geográfico. Mas, é necessário ter a certeza de que o conhecimento geográfico não é capaz
de oferecer, sozinho, todas as respostas da problemática urbana. O que é preciso é a
preocupação com a coerência interna do método. Diante disso é

“... dentro da noção de espaço produzido e contraditório que, nós, profissionais da


geografia temos que estudá-lo, encarando a geografia como uma ciência social,
tirando categorias de análise dos variados fenômenos geográficos, dando, ao final
uma interpretação possível do real com uma visão de totalidade. Fazer uma relação
dialética entre espaço-tempo é mostrar movimento e conteúdo histórico aos
estudos geográficos” (FAÇANHA, 1996: 48-49).

Quanto ao método de pesquisa, entendido como um conjunto de técnicas a


serem utilizadas para obtenção dos propósitos do tema, destaca-se a pesquisa de
documentos e de informações advindas de órgãos institucionais do Estado ou de segmentos
dos setores privados.

Neste estudo, é patente que não se trata de um estudo de caso, mas de um


estudo panorâmico sobre a cidade de Teresina. A busca de uma visão panorâmica num
estudo impõe maiores esforços de interpretação, ao mesmo tempo em que requer uma
“garimpagem”, no sentido de se conseguir informações que são escassas devido ao
pequeno acervo bibliográfico dos diversos setores que margeiam o objeto de pesquisa.
Houve, ainda, uma preocupação em registrar vários momentos da realidade de Teresina,
utilizando-se de vários mapas e figuras. O registro cartográfico é um instrumento
importante no auxílio à investigação e na compreensão do espaço urbano de Teresina.

A delimitação, em termos cronológicos do estudo, entre 1970 e 1995, restringe-


se ao período de maiores transformações no âmbito social, político, econômico e espacial,
na cidade de Teresina. Este estudo foi dividido em dois momentos: no primeiro momento,
entre os anos de 1970 e 1985, quando Teresina foi marcada pelo aparecimento de vários
processos espaciais, resultado da própria dinâmica externa do Estado, caracterizada pela
inserção do Piauí no contexto regional e nacional do Governo Militar pós-64; no segundo
momento, entre 1985 e 1995 a cidade registrou a presença marcante de vários processos
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espaciais, como a favelização e a verticalização, crescendo em grandes proporções em


todas as direções, ampliando o seu perímetro urbano. A produção do seu espaço define-se
como um local gerador de lutas e de conflitos sociais, espelhados numa paisagem urbana
de contrastes.

Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, busca-se


compreender o processo de nascimento e evolução da cidade de Teresina através da
urbanização do Piauí. No segundo, serão instigados os agentes sociais produtores do
espaço urbano e os atores sociais que contribuem na produção do espaço. No terceiro, os
esforços serão empreendidos no sentido de analisar os principais processos e as formas
espaciais que marcaram o cenário urbano de Teresina.

Roteiro Teórico

O processo de urbanização nos países do Terceiro Mundo iniciou-se há pouco


tempo, em geral após 1945, mas ocorre atualmente num ritmo bastante intenso. O Brasil,
em 1970, apresentava uma população urbana em torno de 56% do total da população
brasileira. Nesse período, a população urbana se destacou tendo em vista que, pela primeira
vez, os índices superavam os números da população rural (44%). Em 1980, a população
urbana passava a apresentar índices que correspondia a 67% da população total, e, em
1995, já alcançava 75% da população total.

A partir da década de 70, o Governo Federal, através da implantação de


políticas que visavam promover o desenvolvimento da sociedade brasileira, principalmente
na política de industrialização, contribuiu para promover um maior crescimento das
cidades brasileiras, com destaque para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O eixo
centro-sul foi beneficiado com a instalação de várias indústrias, tornando-se “palco” das
principais transformações sócio-espaciais desse processo de urbanização que se
desencadeou por todo o país. As tentativas implementadas em busca de construção de um
país urbano-industrial estavam consolidadas.

A política de industrialização orientada pelo Estado desenvolvimentista


propiciou a formação de uma rede urbana comandada pelas cidades de São Paulo e Rio de
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Janeiro. Distante desse eixo urbano-industrial, acontecia paralelamente um processo de


formação de metrópoles regionais, tais como Belém, Fortaleza, recife, Salvador, Belo
Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, cidades que foram assumindo papéis importantes no
processo de industrialização, destacando-se em seu contexto regional, por oferecerem
melhores condições de vida e inúmeros serviços às suas populações.

Um fato importante a se observar é que todo esse período foi marcado,


também, pela proliferação de médias e pequenas cidades em todo o território brasileiro. A
realidade das cidades do estado do Piauí e, especialmente, a produção do espaço urbano de
Teresina consolidam-se nessas décadas. Em 1970, o Piauí possuía uma taxa de urbanização
de 31,93%, ultrapassando, em 1980, para 41,98%, e passando, em 1991, a atingir taxas de
52,95%.

Esse intenso processo de urbanização ocorrido em todo o país impôs a


necessidade de se (re)pensar a produção acadêmica da geografia, em especial, a geografia
urbana que tem como objetivo o estudo das cidades. A geografia urbana, entendida como
uma ramificação da geografia como um todo, sofreu várias transformações quanto às
questões teórico-metodológicas que orientaram as pesquisas sobre as cidades. A temática
em estudo se insere nos estudos da geografia urbana, segundo CLARK, define-se como “...
o ramo da Geografia que se concentra sobre a localização e o arranjo espacial das cidades. Ela
objetiva acrescentar uma dimensão espacial à nossa compreensão dos logares e dos problemas
urbanos” (CLARK, 1991: 18).

ABREU, por sua vez, alerta-nos de que

“... definir a especificidade da geografia urbana não resolve a questão da


identificação do seu objeto, porque ela vai além da identificação dos limites de um
determinado aspecto da realidade, no caso, a cidade. A possibilidade de
identificação do objeto da geografia urbana parece estar na discussão da cidade
inserida na própria sociedade, como sua din6amica traduzida em diferenças,
semelhanças e contradições” (ABREU, 1994: 134).

Na década de 70, a geografia urbana apresentou profundas transformações,


resultado não só de um conjunto de fatores que aconteceram na sociedade brasileira, mas
também do recente processo de urbanização, bem como da própria evolução do
pensamento geográfico. Na primeira metade dessa década, foram traçados os caminhos em
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busca de uma geografia renovada. Nesse período, realizou-se um debate em torno da


temática da cidade o qual culminou com o aparecimento de uma “Questão Urbana” que
geraria uma crise nas estruturas teóricas. A efervescência dos debates, em outras ciências,
em torno dos trabalhos de David Harvey, em “A Justiça Social e a Cidade”, e de Manuel
Castells, em “A Questão Urbana”, marcaram uma parcela forte da produção geográfica
atual.

Na geografia brasileira, especialmente na geografia urbana, tais mudanças


possibilitaram o esvaziamento dos estudos na linha da geografia tradicional, marcada pela
variedade de técnica, de descrição e de representação, sempre calcada numa riqueza
empírica. A década de 70 marcou também a tentativa de rompimento com a geografia
quantitativa, baseada numa crítica neo-liberal, ou seja, numa crítica (neo)positivista que
conseguiu criticar a forma – mas não o conteúdo – dos trabalhos geográficos. Em “A
reprodução do espaço urbano”, CARLOS afirma que a geografia urbana, a partir desse
momento, passa a abandonar o conceito de “organização” do espaço e assume o conceito
de „produção‟ do espaço.

“A essa noção de espaço como palco da atividade do homem, organizado em


função das necessidades dos grupos humanos, entendendo a terra como morada,
contrapõem-se a idéia de espaço produzido pela sociedade onde o trabalho, como
atividade produtora, tem o caráter de mediador da relação” (CARLOS, 1994: 33).

Ainda em outro estudo, “Repensando a geografia urbana: uma nova


perspectiva se abre”, CARLOS reforça e diz que “...a construção de uma explicação do
fenômeno urbano passa agora por outras premissas: o homem é sujeito da história, e o espaço,
produto da atividade humana” (CARLOS, 1994: 178).

Praticamente todas as mudanças ocorridas na geografia, especialmente na


geografia urbana, fazem parte da inserção de um novo método na investigação científica da
geografia. A utilização do materialismo dialético enquadra-se no contexto da geografia
crítica que promove uma mudança radical nos estudos da cidade. A geografia, sob esse
enfoque é uma geografia de denúncia.

“A Geografia Crítica é uma frente, onde obedecendo a objetivos e princípios


comuns, convivem propostas díspares. (...) A unidade da Geografia Crítica
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manifesta-se na postura de oposição a uma realidade social e espacial contraditória


e injusta, fazendo-se do conhecimento geográfico uma arma de combate à situação
existente...” (MORAES, 1990: 126).

Ao fazer uma avaliação dos estudos geográficos das cidades no Brasil, ABREU
sustenta que:

“...aquilo que hoje conhecemos como geografia crítica é o resultado de um


processo de evolução que foi, ao mesmo tempo, rápido, tumultuado e construtivo.
Rápido porque suas primeiras manifestações começaram apenas na Segunda
metade da década de 70, tumultuado porque sua implantação e desenvolvimento
ocorreram associado à contestação (política e epistemológica) do status quo
profissional, isto é, de um establisment geográfico longamente estabelecido;
construtivo, finalmente, porque é através da geografia crítica que a produção de
conhecimentos sobre a cidade (e sobre suas dimensões do espaço geográfico) vem
hoje se realizando de forma mais sólida, embora já seja bastante clara a
necessidade de efetuar correções de rumo no seu processo atual de
desenvolvimento” (ABREU, 1994: 256).

Em consonância com CARLOS, verifica-se que as contradições que estão na


base do processo de produção do espaço urbano ganham evidência, enquanto a geografia
urbana “(...) não se contenta mais em descrever a morfologia da cidade. Agora ela analisa a cidade
como um campo privilegiado das lutas de classe. A análise do uso do solo articula-se àquela do
valor de uso e de troca” (CARLOS, 1994: 179).

Uma outra questão de caráter mais conceitual é a compreensão sobre do que


seja a cidade e o urbano. A reflexão dessas duas categorias possibilita a construção de uma
teoria da urbanização. Nessa construção, SOUZA, de acordo com SANTOS, entende a
cidade como o lugar, o particular, o concreto e o interno, enquanto o urbano se voltaria
para o abstrato, o geral e o externo (SOUZA, 1995: 65-66). A respeito dessa reflexão,
LEFEBVRE alerta para os riscos que se ocorre na busca dessa compartimentação analítica.

“Talvez devêssemos introduzir aqui uma distinção entre a cidade, realidade


presente, imediata, dado prático-sensível, arquitetônico – e por outro lado o
“urbano”, realidade social composta de relações a serem concebidas, construídas
ou reconstruídas pelo pensamento. Todavia, esta distinção se revela perigosa e a
denominação proposta não é manejada sem riscos. O urbano assim designado
parece poder passar sem o solo e sem a morfologia material, desenhar-se segundo
o modo de existência especulativo das entidades, dos espíritos e das almas,
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libertando-se de ligações e inscrições numa espécie de transcendência imaginária.


Se adora esta terminologia, as relações entre a “cidade” e o “urbano” deverão ser
determinadas com o maior cuidado, evitando tanto a separação como a confusão,
tanto a metafísica como a redução à imediaticidade sensível...” (LEFEBVRE,
1991: 49).

A urbanização brasileira se deu apresentando diferenças de grau e de


intensidade. As cidades da Região Nordeste, “excluídas” da divisão do trabalho em escala
nacional, resultado do processo de industrialização no eixo Centro-Sul, tiveram como
característica marcante o acúmulo de funções dentro de uma mesma cidade, além das
grandes distâncias existentes entre elas. SANTOS afirma que assistimos no Brasil

“...a um fenômeno paralelo de metropolização e desmetropolização, pois ao


mesmo tempo crescem cidades grandes e cidades médias, ostentando ambas as
categorias incremento demográfico parecido, por causa em grande parte do jogo
dialético entre a criação de riqueza e de pobreza sobre o mesmo território...”
(SANTOS, 1993: 55).

A urbanização no Piauí, entre 1970 e 1995, configurou-se com o crescimento


de algumas mudanças substanciais entre as cidades piauienses. No entanto, não se pode
dizer que aconteceu uma mudança social em grande escala, com transformações profundas
e “irreversíveis”, em todas as esferas da sociedade (CLARK, 1991: 125). Tampouco
vivenciou-se um processo de metropolização, ou mesmo de desmetropolização, ou ainda
um processo de urbanização do território, como comenta SANTOS, ao avaliar as tendências
da urbanização brasileira no fim do século (SANTOS, 1994: 25).

O que marcou o processo de urbanização no Piauí foi a formação de uma frágil


rede urbana com pouquíssimas cidades destacando-se na vida urbana do Estado. Aliado a
esse fator, as cidades não conseguiram apresentar padrões substanciais de crescimento
econômico que promovesse uma melhor qualidade de vida de suas populações. A maioria
das cidades piauienses são pobres e carentes de uma infra-estrutura nas áreas de habitação,
saúde, educação, transporte, saneamento básico, entre outros serviços. O cenário urbano
piauiense lembra um “deserto” com pouquíssimas “ilhas de prosperidade”, cenário típico
de um “mundo marginalizado e periférico” que se amplia no universo da urbanização
brasileira como um todo.
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Diante disso, cabe aqui, neste estudo, acerca do espaço urbano de Teresina,
tentar visualizar e expressar as ações dos agentes produtores do espaço urbano, bem como
de suas “heranças” espaciais, ou seja, de suas formas espaciais, entendidas sempre dentro
de um processo de construção e reconstrução da base material que revela a sociedade que a
produziu e que a consome.

“O processo de produção do espaço é desigual – isso claramente através do uso


do solo – e decorre do acesso diferenciado da sociedade à propriedade privada e da
estratégia de ocupação do espaço urbano. Estas passam, de um lado, pelas
estratégias das empresas que produzem sobre o solo – uma estratégia que busca
realizar o superlucro, mas, de outro, pela estratégia dos movimentos sociais, que
emergem como ocorrência do processo de ocupação do espaço capitalista,
decorrente da apropriação privada da terra, que gera a segregação espacial”
(CARLOS, 1994: 12).

A produção do espaço e sua concretização na cidade, através de seus


“fragmentos”, marcados pelos seus usos diferenciados da terra, significa, para CORRÊA, a
própria organização espacial da cidade, ou como ele mesmo define, é o próprio espaço
urbano caracterizado como “...fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um
conjunto de símbolos e campo de lutas. É a própria a sociedade em uma de suas dimensões, aquela
mais aparente, materializada nas formas espaciais” (CORRÊA, 1989: 9).

CORRÊA entende que a produção do espaço urbano capitalista deve ser


analisado como um produto social, ou seja, existem agentes sociais concretos que
produzem e consomem espaços na cidade (CORRÊA, 1989: 11). Os agentes produtores do
espaço urbano são os proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os
promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos.

Refletir as ações desempenhadas pelos agentes sociais na produção do espaço


urbano de Teresina não é tarefa fácil. Além de ser a primeira tentativa feita sobre a
investigação da cidade como um todo, ocorre uma questão importante que é a falta de
trabalhos científicos, ou até mesmo, artigos especializados que possam contribuir na
leitura dessa temática, além da própria escassez de informações nos diversos segmentos
representativos da sociedade que margeiam o campo de ação desses agentes. Sem dúvida,
buscar o rastreamento desses “personagens” e de suas ações torna-se um dos maiores
desafios a serem enfrentados neste trabalho.
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As dificuldades de se aprenderem as estratégias e as ações concretas desses


agentes sociais devem-se a vários fatores. CORRÊA nos alerta no sentido de termos
algumas precauções e entendimentos necessários para essa análise.

“Em primeiro lugar, a ação destes agentes se faz dentro de um marco jurídico
que regula a atuação deles; (...) em segundo lugar, convém apontar que, ainda que
possa haver diferenciações nas estratégias dos três primeiros agentes, bem como
conflito entre eles, há entretanto denominadores comuns que os unem: um deles é
a apropriação de uma renda da terra.; (...) em terceiro lugar, é necessário ressaltar
que a tipologia apresentada é muito mais de natureza analítica do que efetivamente
absoluta.; (...) em quarto lugar, é importante notar que as estratégias que esses
agentes adotam variam no tempo e no espaço, e esta variabilidade decorre tanto de
causas externas aos agentes, como de causas internas, vinculadas às contradições
inerentes ao tipo de capital de cada agente face ao movimento geral de acumulação
capitalista e dos conflitos de classe...” (CORRÊA, 1989: 12-13).

A identificação dos agentes sociais na cidade é fundamental para que se possa


compreender as articulações e os conflitos existentes entre eles. A busca da compreensão
do cenário que envolve as lutas possibilita a visualização concreta, através da apreensão da
paisagem construída, ou como concebe CORRÊA, através das formas espaciais, a exemplo
dos conjuntos habitacionais ou das áreas de segregação residencial de alto status. Diante
dessa importância, é preciso visualizarem-se as ações de cada agente social no espaço
urbano, iniciando com os proprietários dos meios de produção, considerados industriais,
comerciantes e prestadores de serviço.

Tais agentes necessitam de uma parcela de terra urbana para viabilizar as suas
atividades produtivas. No entanto, os agentes, envolvidos com as atividades industriais,
comerciais e de serviços, fazem usos diferenciados das parcelas da terra urbana, além de
utilizar diversos fatores necessários a cada agente, no sentido de obter mais vantagens,
gerando lucro necessário para seus investimentos. Cada agente faz um uso particular da
terra urbana, localizada estrategicamente numa determinada área da cidade. Tal processo
dinamiza as atividades produtivas na cidade e ao mesmo tempo, transforma o cenário
urbano num espaço fragmentado e complexo. CORRÊA coloca que tais agentes

“... necessitam de terrenos amplos e baratos que satisfaçam requisitos locacionais


pertinentes às atividades de suas empresas – junto ao porto, às vias férreas ou em
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locais de ampla acessibilidade à população etc. A terra urbana tem assim, em


princípio, um duplo papel: o de suporte físico e o de expressar diferencialmente
requisitos específicos às atividades” (CORRÊA, 1989: 13).

As ações dos agentes na cidade possibilita a criação de amplas áreas


industriais, comerciais e de serviços. O surgimento de uma área com forte concentração de
atividades, desenvolvidas por um agente, propicia o aparecimento de outras atividades
complementares ou o distanciamento de outros tipos de usos da terra urbana. Um exemplo
disso seria a localização – quase sempre – de áreas industriais bem distantes das áreas
nobres da cidade, as quais são marcadas pela utilização de usos diferenciados do solo
urbano.

A própria cidade como espaço fragmentado, com usos diferenciados da terra


urbana, cria um cenário que faz com que ela seja percebida com olhos mais atentos, no
sentido de que se apreendam as articulações existentes entre esses “pedaços”. Entender as
trilhas invisíveis que interligam esses espaços é tarefa necessária para a compreensão da
produção do espaço urbano. É preciso também ir mais além e refletir sobre a trajetória dos
agentes na cidade. Quem são eles e como agem na cidade?

Um outro agente produtor do espaço urbano é o proprietário fundiário. Os


proprietários fundiários possuem um papel fundamental na produção do espaço urbano. As
suas ações não dizem respeito somente ao processo de loteamento da terra urbana, pois,
quando deixam as terras “ociosas”, criando vazios na cidade, eles promovem uma
valorização dessas terras, que variam de preços, de acordo com sua localização, em
relação à concentração de outros serviços.

A existência na cidade de diversas áreas de tipos residencial, comercial ou


industrial, anexadas a grandes vazios de terras, faz com que a cidade torne-se um espaço
de usos diferenciados, no qual os proprietários fundiários objetivam a comercialização
dessas terras, aparentemente ociosas. Parece acertado que os vazios de terras também são
alvos de outros agentes produtores do espaço, a exemplo dos promotores imobiliários e
dos grupos excluídos no processo de ocupação de terras.
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Na maioria das cidades, aconteceu um processo altíssimo de segregação tanto


social quanto residencial, reflexo das políticas urbanas e do quadro decadente do setor
agrário que envolviam as cidades. Os problemas sociais aumentaram, fazendo com que a
luta pela terra ganhasse relevância no contexto da vida social da maioria da população que
habitava as cidades. Dentro dessa realidade de conflitos entre os diversos agentes sociais, a
questão dos vazios urbanos transformou-se num aspecto importante para o entendimento
da produção do espaço urbano.

A questão da renda fundiária, que historicamente esteve ligada ao meio rural,


agora passa a ser “peça” valiosa para a compreensão do “quebra-quebra” em que se tornou
o espaço urbano. CORRÊA, quando se refere aos proprietários fundiários comenta que eles

“... atuam no sentido de obterem a maior renda fundiária de suas propriedades,


interessando-se em que estas tenham o uso que seja o mais remunerador possível,
especialmente uso comercial ou residencial de status. Estão particularmente
interessados na conversão da terra rural em terra urbana; ou seja, têm interesse na
expansão do espaço da cidade na medida em que a terra urbana é mais valorizada
que a rural. Isto significa que estão fundamentalmente interessados no valor de
troca e não no valor de uso” (CORRÊA, 1989: 16).

Diante dessa constatação, dever-se-ia dizer que a terra urbana é uma


mercadoria muito valiosa no cenário das cidades, devendo-se entende-la na relação
dialética entre valor de uso e valor de troca. No momento, parece acertado compreender
um pouco mais sobre o valor de troca. HARVEY, ao analisar o pensamento de Marx, sobre
essa questão, coloca que o valor de troca na visão de Marx,

“... aparece à primeira vista como „relação quantitativa; a proporção pela qual
valores de uso são trocados por outros‟. Mas, em seu modo típico, passa, então, a
indagar das forças que geram o valor de troca na sociedade capitalista. Ele conclui
que a criação de valores de troca reside no processo social de aplicação de trabalho
socialmente necessário aos objetos da natureza para criar objetos
materiais(mercadorias) apropriados para o consumo (uso) pelo homem”
(HARVEY, 1980: 132-133).

Um outro aspecto dessa relação que HARVEY alerta é a investigação da


relação dos diversos agentes sociais envolvidos no mercado de moradia. Conclui-se, daí,
que o que é valor de uso para um é valor de troca para outro. Eis, aí, a extrema dificuldade
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de se compartimentarem as ações e os interesses dos agentes sociais, produtores do espaço


urbano (HARVEY, 1980: 142).

O proprietário fundiário, mais do que um agente que trabalha na perspectiva


da terra como mercadoria, concebe, segundo RODRIGUES, a terra como “...uma espécie de
capital, que está sempre se valorizando. É, na verdade, um falso capital, porque é um valor que se
valoriza, mas a origem de sua valorização não é a atividade produtiva. Investe-se capital-dinheiro
em terra e “espera-se” a valorização” (RODRIGUES, 1991: 17).

A identificação dos proprietários fundiários só é possível na medida em que se


analisa a terra urbana como produto do trabalho humano, fruto da própria organização da
sociedade. Compreender suas ações no cenário urbano é visualizar as relações da
localização das terras com o espaço urbano em sua totalidade.

Um fator importante nesse processo é a utilização, por parte dos proprietários


fundiários, de um marketing urbano, na perspectiva de gerar uma especulação mais
rentável, como enfatiza SANTOS, fazendo uso dos valores simbólicos referentes à
localização das terras que influenciam diretamente no preço dos terrenos (SANTOS, 1993:
96).

A exemplo dos proprietários fundiários, os promotores imobiliários exercem


um papel importante na configuração territorial das cidades. As suas ações são decorrentes
de várias operações voltadas, na sua grande maioria, para a produção de habitações. O
promotor imobiliário coordena o jogo do mercado imobiliário nas cidades, reflexo de uma
forte demanda que existe em busca de um local para morar. A alta demanda faz com que
esse agente social controle o preço das habitações do mercado imobiliário.
Ampliando essa discussão, LACERDA quando se refere ao mercado fundiário e
imobiliário, enfatiza que

“...o preço é uma versão econômica, mas não participamos da idéia que ele pode
ser explicado somente pela economia. A determinação dos preços fundiários e
imobiliários, deve ser procurada também no campo simbólico onde se inscrevem
fatores não somente de ordem econômica mas também antropológica, sociológica
e psicológica. O mercado incorpora elementos não econômicos na determinação
dos preços” (LACERDA, 1996: 5).
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Quanto à questão do preço, um outro elemento deve entrar na análise presente:


o significado das localizações. O marketing urbano, empregado pelos promotores
imobiliários, utiliza-se do fator localização dos imóveis como um instrumento simbólico
capaz de influenciar no preço dos imóveis.

As ações dos promotores imobiliários, em relação ao processo da produção da


habitação, passa necessariamente pelo entendimento do que seja o capital promocional. O
capitalista, ligado a esse setor, precisa de um capital para comprar o terreno, ou seja,
precisa de um capital circulante para garantir a compra desse terreno. LACERDA comenta
que “esse capital é o capital promocional, cujo agente suporte é o promotor imobiliário. A
atividade de gestão desse capital é a promoção imobiliária” (LACERDA, 1996: 13).

Os agentes imobiliários executam uma série de atividades, variando de acordo


com a localização dos imóveis, na estrutura interna da cidade. Esses agentes produzem
habitações, sempre mantendo um controle das oscilações da demanda da população
Transformação: solvável Investimentos na compra do terreno e à
Capital-dinheiro ® Mercadoria venda do imóvel
e não-
solvável,
existentes na cidade. O quadro abaixo, baseado nas reflexões de CORRÊA, ilustra bem o
conjunto das atividades desenvolvidas pelos promotores imobiliários (CORRÊA, 1989: 20-
21).

QUADRO 1
Transformação: Viabilidade técnica da obra de acordo
CONSTRUÇÃO
Capital-Mercadoria ® capital-dinheiro com o código de obra
Acrescido de lucro DO IMÓVEL

Atividades dos Promotores Imobiliários

As cidades com suas áreas de conjuntos habitacionais, com seus bairros


residenciais de alto status ou com os bairros de baixa renda, repletos de favelas, refletem
toda a complexidade que é o espaço urbano. Os promotores imobiliários, com suas
diversas intervenções na cidade, vêm agravar ainda mais a segregação residencial que
17

revela as formas de apropriação do espaço urbano, pelos variados grupos sociais que lutam
por um espaço próprio na cidade, objetivando a realização de sua produção e de sua
reprodução social, enquanto grupos.

Um outro agente social produtor da cidade é o Estado. Talvez seja um dos


agentes mais difíceis de apreensão de suas ações, tendo em vista que é, ao mesmo tempo,
industrial, consumidor de espaço, proprietário fundiário, promotor imobiliário, agente
regulador do uso do solo e, também, alvo dos movimentos sociais urbanos (CORRÊA,
1989: 24). No entendimento e no mapeamento das ações dos agentes sociais produtores, o
Estado exerce um papel fundamental, pois assume várias funções que oscilam no tempo e
no espaço, refletindo o caráter contraditório de suas intervenções no cenário urbano.

Baseado nas reflexões de A. Sansor, CORRÊA descreve as diversas formas de


ação do Estado no espaço urbano:

“a) direito de desapropriação e precedência na compra de terras; b)


regulamentação do uso do solo; c) controle e limitação dos preços de terras; d)
limitação da superfície da terra de que cada um pode se apropriar; e) impostos
fundiários e imobiliários que podem variar segundo a dimensão do imóvel, uso da
terra e localização; f) taxação de terrenos livres, levando a uma utilização mais
completa do espaço urbano; g) mobilização de reservas fundiárias públicas,
afetando o preço da terra e orientando espacialmente a ocupação do espaço; h)
investimento público na produção do espaço, através de obras de drenagem,
desmontes, aterros e implantação de infra-estrutura; i) organização de mecanismos
de crédito à habitação; e j) pesquisas, operações-teste sobre materiais e
procedimentos de construção, bem como o controle de produção e do mercado
deste material” (CORRÊA, 1989: 25).

A apreensão dessas variadas formas de intervenção do Estado no espaço


urbano, fica mais visível quando se observa o nível político-administrativo municipal
(CORRÊA, 1989: 26). As ações no âmbito federal e no estadual são mais “imperceptíveis”
e se dissolvem em interesses contraditórios no percurso de suas implementações. Na escala
municipal, o Estado fica “mais transparente” no sentido de se poderem identificar as suas
ações, bem como as dos grupos dominantes que orientam o processo de acumulação e
reprodução do capital na sociedade, principalmente nas questões referentes à produção da
habitação.
18

O Estado, aliado ou em confronto com os outros agentes sociais produtores,


cria e amplia, nas cidades, as áreas de segregação residencial. A segregação é a própria
materialização da exclusão social que reina nas cidades. SILVA encerra essa reflexão,
partindo da idéia de que:

“Para relacionar Estado com o processo de produção do espaço geográfico


partimos do pressuposto que o Estado, enquanto estrutura organizada, visto como
um Estado capitalista moderno, em sua fase monopolista, mantém íntimas relações
com o espaço geográfico. Entende-se também que o espaço geográfico, sob vários
aspectos e formas, expressa materialmente o Estado...” (SILVA, 1992: 72).

O campo de lutas no qual se tornou o espaço urbano, resultado dos conflitos e


das alianças entre os agentes produtores da cidade, marginalizou uma parcela da população
urbana, privando-a da possibilidade de ter acesso à terra urbana, consequentemente,
privando-a do direito a uma moradia digna.

Essa parcela da população marginalizada, considerada por CORRÊA como os


grupos sociais excluídos, busca – diante da exclusão social que domina o espaço urbano
resultado da propriedade privada da terra – um espaço concreto-físico para a sua
reprodução social. Tal parcela necessita e luta por uma habitação. Daí, a existência cada
vez maior, de uma paisagem urbana marcada por áreas densamente ocupadas por favelas,
mocambos, barracos etc.

“É na produção da favela, em terrenos públicos ou privados invadidos, que os


grupos sociais excluídos tornam-se, efetivamente, agentes modeladores,
produzindo seu próprio espaço, na maioria dos casos independentemente e a
despeito dos outros agentes. A produção deste espaço é, antes de mais nada, uma
forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de sobrevivência.
Resistência e sobrevivência às adversidades impostas aos grupos sociais recém-
expulsos do campo ou provenientes de áreas urbanas submetidas às operações de
renovação, que lutam pelo direito à cidade” (CORRÊA, 1989: 30).

As ações dos grupos sociais excluídos, na produção do espaço, deve ser


entendida dentro do processo de (re)construção dos seus territórios. Os vários núcleos de
favelas, distribuídos nas diversas zonas da cidade, são produzidos levando-se em conta os
diversos grupos sociais que foram construídos em contextos históricos diferenciados. A
19

diversidade cultural deve ser incluída na análise desse processo, através de espaços
produzidos e construídos, em escalas espaciais e temporais diferenciadas.

Uma marca dos grupos sociais excluídos, na cidade, é o ato de agir de forma
“ilegal” quanto ao processo de ocupação de terras e quanto à produção das favelas. Neste
tocante, RODRIGUES enfatiza que “a favela foi ocupada ilegalmente. Os moradores não são os
proprietários legais, porém a ocupação torna-se cada vez mais legitimada pelo poder público.(...)
Os moradores lutam pelo direito de concessão real de uso ou usucapião urbano...” (RODRIGUES,
1991: 38).

A produção da favela é uma resposta de uma parcela da população à


necessidade do onde e do como morar. No entanto, o contexto gerador dessa realidade é
reflexo de m conjunto de processos. A favela é fruto da

“... expropriação dos pequenos proprietários rurais e da superexploração da força-


de-trabalho no campo, que conduz a sucessivas migrações rural-urbana e também
urbana-urbana, principalmente de pequenas e médias para as grandes cidades. É
também produto do processo de empobrecimento da classe trabalhadora em seu
conjunto. (...) Resultado também da terra urbana e das edificações-mercadoria
inacessível para a maior parte dos trabalhadores...” (RODRIGUES, 1991: 40).

A partir da década de 70, surge um novo processo espacial nas cidades que são
as ocupações de terras, tanto as favelas como as ocupações são formas espaciais que se
caracterizam por ser consideradas “ilegais” ou irregulares quanto a situação jurídica da
propriedade da terra. O que as diferencia é que as favelas representam uma ocupação
individual e quotidiana, levando um período maior de tempo para se consolidar na cidade,
enquanto as ocupações de terras é resultado de uma iniciativa coletiva de uma parcela da
população, expropriada do direito de morar. As ocupações instalam-se numa velocidade
muito rápida. Numa “fração de segundos”, são levantados os barracos, iniciando-se, a
partir daí, um longo período de reivindicações em busca de melhoria de infra-estruturas,
nas áreas ocupadas. As ocupações acontecem geralmente em terrenos do poder público,
entrando em confronto com o próprio poder público e com os outros agentes produtores do
espaço, no sentido de conquistarem seus terrenos (RODRIGUES, 1991: 52).

A busca da interpretação mais apurada desses conflitos e de suas implicações


espaciais na cidade obriga que seja feita uma análise dos chamados movimentos sociais
20

urbanos (MSUs), principalmente daquela parcela de atores sociais que compõem esse
universo e que assumem o papel de mediadores desses conflitos. CARLOS, quando se
refere aos MSUs, afirma que

“...eles têm colocado em xeque na cidade as contradições geradas pelo


capitalismo, bem como as formas de entendimento sobre a cidade. Num primeiro
momento, a luta é para suprir necessidades básicas – o que implicaria a melhoria
da vida quotidiana; num segundo momento a luta assume uma dimensão política
mais ampla, a do direito de cidadania, do direito à cidade, num novo patamar de
reprodução da vida” (CARLOS, 1992: 88).

Além dos atores sociais envolvidos, que lutam diretamente para suprir suas
necessidades imediatas, a exemplo das associações de moradores, deve se destacar a
participação das federações de moradores, da Igreja Católica, dos partidos políticos de
esquerda e de organizações não-governamentais (ONGs). A necessidade de reflexão sobre
esses atores possibilita medir os níveis de influência exercidos de modo decisivo no
processo de produção do espaço urbano. A investigação sobre esses atores entra como
“pano de fundo” para a compreensão das estratégias adotadas pelos agentes sociais.

A maior ênfase dada à reflexão sobre os agentes sociais, em detrimento de


maior reflexão sobre os atores sociais, justifica-se pela maior quantidade de ações,
articulações e “intervenções” daqueles no espaço urbano. As formas espaciais construídas
pelos agentes sociais estão espacializadas na cidade. Eles são os grandes conjuntos
habitacionais, os núcleos secundários de comércio, serviço e indústria, as favelas e as áreas
de segregação residencial de alto status. CORRÊA comenta que:

“Entre processos sociais, de um lado, e as formas espaciais, de outro, aparece


um elemento mediatizador que viabiliza que os processos sociais originem as
formas espaciais. Este elemento viabilizador constitui-se em um conjunto de
forças atuantes ao longo do tempo, postas pelos diversos agentes modeladores, e
que permitem localizações das atividades e da população na cidade. São os
processos espaciais, responsáveis imediatos pela organização espacial e desigual e
mutável da cidade capitalista...” (CORRÊA, 1989: 37).

A compreensão dos níveis de articulação entre os agentes e os atores sociais,


no processo de produção do espaço urbano, e o entendimento dos processos e formas
espaciais revelam uma história da cidade marcada pela
21

“...luta pela cidadania, a luta por transformações sócio-econômico-espaciais.


Trata-se, de fato, do inalienável direito a uma vida decente para todos, não
importando o lugar em que se encontre, na cidade ou no campo. Mas do que um
direito à cidade, o que está em jogo é o direito a obter da sociedade aqueles bens e
serviços mínimos, sem os quais a exist6encia não é digna. É o direito à
participação numa sociedade de excluídos” (CARLOS, 1992: 87-88).

Cabe, pois, entender que o mergulho no entender uma cidade em construção


faz parte de um entendimento maior da própria organização da sociedade. Analisar a
cidade de Teresina é vislumbrar os limites e os avanços de uma sociedade que produz,
consume e sobrevive diante das dificuldades impostas pela lógica do capital que privilegia
uma pequena parcela dessa mesma sociedade, e que agoniza, segrega e limita, quanto aos
direitos sociais, a maioria de sua população. Entender uma cidade, ou melhor, tentar
entendê-la, é buscar, através de diferentes níveis de interpretação, a compreensão de uma
realidade em movimento e sempre fugaz aos olhos de quem procura respostas de uma
organização social concreta e palpável.
22

CAPÍTULO 1

A URBANIZAÇÃO DO PIAUÍ E A CIDADE DE TERESINA

“(...) Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas
da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos
corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das
bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradeiras, entalhes e
enfoladuras”.
Ítalo Calvino
As Cidades Invisíveis - São Paulo, 1990

Buscar compreender a evolução urbana de Teresina é realizar uma viagem em


direção à história e aos caminhos trilhados por outras cidades piauienses. Essa viagem,
porém, encontra-se segmentada em três tópicos, para fim de maior clareza. No primeiro
tópico, além de uma análise da conjuntura econômica do Piauí, será feito um histórico do
nascimento e da evolução da cidade de Teresina, bem como das principais mudanças no
processo de urbanização, que promoveram fortes transformações espaciais, entre os anos
de 1850 a 1950.

O segundo tópico abrange as décadas de 1950 e 60, quando o estado do Piauí


sofreu marcantes alterações na sua organização, conseqüência de sua maior inserção no
cenário nacional e regional. As novas investidas do Estado Federal impuseram uma maior
din6amica ao processo de urbanização no Estado. Esse período, contribuiu, sobremaneira,
para consolidar a cidade de Teresina como a mais importante do Estado, estabelecendo
novos vetores de crescimento na sua estrutura interna.

No terceiro tópico, a reflexão se deterá na observação das tendências


econômicas, recentes, do Piauí, entre os anos de 1970 a 1995. A análise do Piauí em seu
contexto nacional e regional, da sua evolução nos setores econômicos (Primário,
Secundário e Terciário) e a investigação de outros indicadores serviram de base para a
compreensão do que se passa na cidade de Teresina nesse contexto.
23

1.1. TERESINA NA URBANIZAÇÃO DO PIAUÍ NO PERÍODO DE 1850


A 1950

Iniciar uma análise do processo de urbanização no Piauí é refletir a partir da


metade do século XIX, com a transferência da sede da Província do Piauí da cidade de
Oeiras para Teresina. Os motivos que levaram a mudança da capital resultaram do quadro
decadente em que se encontrava a cidade de Oeiras, como, também, das próprias
possibilidades favoráveis que esse processo poderia desencadear em prol de um maior
desenvolvimento de todo o Estado.

Observando o quadro difícil em que se encontrava a sede da Província,


diagnosticava-se que a cidade de Oeiras estava

“(...) situada em terras pouco férteis e distante do principal escoadouro natural do


território piauiense – o rio Parnaíba – não correspondia mais as necessidades
exigidas para uma cidade – capital, cuja administração tinha expectativas
diferentes com relação ao papel que um centro urbano de tal porte deveria
desempenhar no contexto considerado. Com população pobre, sem maiores
perspectivas do que gravitar em torno do decadente comércio do gado – reflexo da
situação econômica porque passava a província – Oeiras encontrava-se em franco
processo de estagnação, processo que se reproduzia igualmente na maioria dos
pequenos núcleos urbanos piauienses” (ABREU, 1983: 5).

Aliado aos fatores acima anunciados, os discursos em prol da transferência da


sede da província, enfocavam a necessidade de que o Piauí deveria possuir uma sede numa
localização estratégica que viabilizasse uma maior comunicação com os outros Estados. A
posição geográfica de Oeiras, localizada na área centro-sudeste, inviabilizava esse
processo. (Figura 1) Além disso, objetivava-se que a futura capital assumisse, de fato, a
função administrativa, soerguendo a economia do Estado. (Figura 2) Através de um relato
do Conselheiro Saraiva, SANTANA expressa bem esse momento de transferência da
Província:

“(...) Saraiva respondia que não, entendendo que, sem a presença do governo à
margem do Parnaíba, dificilmente se conseguiria esse intento. (...) Preponderaram
as razões apresentadas por aquele estadista: situação cômoda e agradável;
24

possibilidade de tirar à Caxias todo o seu comércio com o Piauí; proximidade de


Parnaíba, podendo servir ao desenvolvimento da navegação; mais fáceis relações
políticas e comerciais com a Côrte e demais centros de civilização do império;
ponto de convergência de zona própria para a agricultura; assegurar conveniente
direção aos produtos agrícolas; finalmente, a nova Vila do Poti era a única
localidade que prometia florescer à margem do Parnaíba e habilitar-se em menos
tempo passar a capital da Província” (SANTANA, 1964: 96).

Inicialmente, a área escolhida para a instalação da nova cidade-sede, da


Província do Piauí, foi a Vila do Poti, localizada no encontro dos rios Parnaíba e Poti
(atualmente situada na zona Norte da cidade, no Bairro Poti Velho). A Vila do Poti
fornecia condições favoráveis para o uso da navegabilidade do rio Parnaíba, bem como da
possibilidade de uma maior articulação entre os principais núcleos urbanos da região, a
exemplo de Caxias, no Maranhão.

O sítio urbano que envolvia a Vila do Poti estava constantemente sujeito a


inundações nas margens dos rios, o que, constantemente provocava o alagamento de toda a
vila. Esse fator foi primordial para o deslocamento da Vila do Poti para uma nova área
denominada de Vila Nova do Poti. O processo que envolveu a instalação dessa nova área
que posteriormente seria chamada de Teresina, marcou, em 1852, a data de fundação da
nova cidade-sede da Província do Piauí. (Figura 3)

“Esta proposta de mudança trouxe no seu bojo uma novidade, que foi o
planejamento da estrutura da cidade, isto é, foi concebido um plano de construção
da nova capital. Ao contrário de outras aglomerações urbanas que surgiam
espontaneamente, o “plano” de construção de Teresina previa sua extensão, seu
ponto central – a Igreja do Amparo – a partir do qual deveriam se orientar todas as
outras medidas de demarcação da cidade de Teresina e o traçado das ruas em linha
reta, cruzando-se umas com as outras, dando-lhe a forma de tabuleiro de ogo de
damas” (NUNES e ABREU, 1996: 96).

A planta mais antiga da cidade, datada de 1855, revelou a tentativa de


implantação de um modelo de padrão colonial. O espaço físico da cidade foi traçado com
18 quadras no sentido Norte-Sul e 12 quadras no sentido Leste-Oeste. (Figura 4)

Desde a fundação da cidade, até os últimos anos do século XIX, a organização


interna da cidade de Teresina sofreu pouquíssimas transformações. ABREU comenta que
25

“(...) Em termos sanitários a situação era precária: grassavam doenças e era quase
nula a assistência hospitalar, porque apenas em 1889 estabeleceu-se um serviço
regular de limpeza urbana. (...) O comércio local – lojas de miudezas e variedades,
armazéns de mantimentos, mercearias - progrediu de 1850 a 1860, tendo decaído
após a grande seca de 1870. (...) o telégrafo foi instalado em 1882, de modo que 30
anos após sua criação, a nova capital já possuía meios de comunicação com os
extremos do Estado. (...) A primeira tentativa de implantação fabril deu-se a partir
de 1874 com a proposta de criação de uma fábrica de tecidos só concretizada anos
mais tarde (...)” (ABREU, 1983: 7-8).

Quanto ao Piauí, comenta QUEIROZ que as décadas, - a partir de 1880 – foram


as mais importantes para uma maior inserção do Estado no seu contexto original. Para essa
autora, as últimas décadas do século, promoveram o aparecimento de algumas inovações
que sinalizaram para o processo de modernização do Estado, como, por exemplo, o uso da
navegação a vapor, no rio Parnaíba (QUEIROZ, 1994: ? 18).

Toda a Segunda metade do século XIX eqüivale ao que BANDEIRA denomina


de primeira fase de inserção do Piauí no contexto da divisão do trabalho no Brasil. Para
ele, “a primeira fase teve como base a produção pecuária, a qual, a princípio, apresentou
características de trabalho compulsório, isto é, trabalho predominantemente escravista”
(BANDEIRA, 1983:.31).

É importante salientar que o espaço geográfico piauiense, nesse período,


mantinha, através das pecuária, uma forte concentração de atividades na área centro-
sudeste do Estado. No entanto, o esgotamento dessa atividade, promoveu uma nova
configuração espacial, a partir dos primeiros anos do século XX.

O processo de urbanização no Piauí não teve grande expressão, como se


esperava, com a transferência da capital para Teresina (Figura 5). Além disso, não
aconteceu uma articulação regional que viabilizasse a sustentação econômica da capital,
consequentemente, da própria organização econômica e social do estado. BANDEIRA
comenta que:

“Em termos de urbanização, a primeira fase marcou um fraco desenvolvimento


das cidades, pois as unidades produtoras agrárias, além de utilizarem
intensivamente o trabalho compulsório, se caracterizavam por um alto grau de
26

auto-suficiência, ou seja, produziam quase tudo de que necessitavam.


Consequentemente, as relações com outras unidades e a circulação monetária eram
quase nulas, o que praticamente não permitiu o crescimento das cidades”
(BANDEIRA, 1983: 32).

Nos primeiros anos do século XX, iniciou-se uma nova dinâmica espacial das
cidades piauienses. A conjuntura econômica foi alterada, provocando novas relações entre
os diversos núcleos urbanos do estado e da região, e quebrando o ciclo de hierarquia
existente na segunda metade do século passado.

Essa nova dinâmica estendeu-se de 1900 até a década de 40. BANDEIRA


classifica essa nova etapa como sendo a Segunda fase de inserção do Piauí na divisão
internacional do trabalho, consequentemente, na própria divisão social do trabalho no
Brasil, afirmando que:

“A segunda fase corresponde `a inserção do estado na divisão internacional do


trabalho, em que a atividade principal foi o extrativismo vegetal (maniçoba,
carnaúba, babaçu), dirigido à exportação para o exterior, onde as relações de
trabalho já apresentavam caráter parcialmente monetarizado” (BANDEIRA,
1983:.31).

Tal período, marcado pela atividade econômica extrativista, trouxe


modificações importantes para a organização espacial do Piauí. A exportação da maniçoba
(1900-1915), da cera de carnaúba e da amêndoa do babaçu (1910-1950) consolidou no
estado a área centro-norte – Teresina, Parnaíba, Floriano, Amarante, União, todas situadas
às margens do rio Parnaíba – como o “pulmão” das atividades propulsoras do
desenvolvimento.

Um outro fator para o desenvolvimento do estado foi a função estratégica que a


navegação fluvial desempenhou interligando as cidades piauienses aos centros comerciais
das regiões brasileiras e ao mercado internacional. MEDEIROS enumera mais algumas
características desse período:

“a) “o extrativismo conseguiu dar um centro para economia piauiense, localizado


às margens do médio e baixo Parnaíba, o que a criação de gado não havia logrado”
(...); b) o extrativismo produzirá um significativo aumento da receita orçamentária,
permitindo ao Estado ampliar o aparelho burocrático, (...); c) os negócios de
27

exportação-importação e o crescimento da máquina estatal “contribuíram


efetivamente para ampliação do meio circulante disponível, permitindo em termos
relativos, uma dinamização das atividades comerciais” (...); d) houve alguma
diferenciação social interna no seio das classes dominantes. (...) e) nos núcleos
urbanos acontece uma certa diferenciação social e cultural (...)” (MEDEIROS,
1996: 28-29).

Nas primeiras décadas de 1900, o desafio era saber quais seriam os impactos
dessas informações no processo de urbanização, no Piauí. BANDEIRA comenta que

“(...) tal desenvolvimento foi possibilitado por importantes modificações nas


relações de trabalho nas unidades produtivas, as quais já não eram mais
escravistas, e sim semimonetarizadas, na medida em que parte da reprodução da
força de trabalho utilizada era remunerada em dinheiro, permitindo a formação de
um incipiente mercado de bens. Além disso, ao longo do Vale do Rio Parnaíba,
desenvolveram-se cidades que recolhiam os produtos extrativos para serem
enviados às casas exportadoras em Parnaíba, para posterior envio, pelo “porto” de
Parnaíba – PI e Tutóia – MA, ao exterior. A renda gerada com a atividade
exportadora ocasionou também maior desenvolvimento da burocracia estatal e,
com isso, grande crescimento da demanda urbana por produtos alimentares,
levando a uma maior comercialização dos produtos agrícolas” (BANDEIRA,
1983: 32).

Na rede urbana piauiense, no final da década de 40, destacavam-se as cidades de


Teresina, Parnaíba e Floriano, com populações de 51.418, 30.174, e 9.101 habitantes,
respectivamente. Apesar de um avanço no processo de urbanização, o quadro populacional
caracterizou-se por apresentar uma população basicamente rural.

A cidade de Parnaíba, situada no litoral piauiense, beneficiou-se de sua


favorável posição geográfica. A cidade se transformou num importante centro comercial,
articulando o Piauí ao contexto regional e ao mercado externo. O avanço e a decadência da
cidade de Parnaíba, como centro comercial, coincide, respectivamente, com o progresso das
atividades extrativistas e com o declínio dessas atividades, em todo o Estado.

Isso deve ao fato dessa cidade atuar como força econômica, através da pecuária
e do extrativismo, na região centro-norte do estado. É desnecessário dizer que uma cidade
com essa influência mantinha uma posição destacada na hierarquia urbana piauiense.
28

NUNES e ABREU, ao analisarem a dinâmica das cidades do Piauí no século XX,


frisam que:

“Do início deste século até a década de quarenta foram criadas no território
piauiense mais 49 cidades, sedes de 49 novos municípios. Mais uma vez foi no
centro-norte que ocorreram as maiores subdivisões municipais. Do centro-norte
para o sul do Estado continuam a existir imensas extensões de terra, quase sem
cidades, com apenas povoados, lugarejos e fazendas, portanto, com uma vida
urbana muito limitada. (...) Análise das 20 maiores cidades do Estado, na década
de quarenta, indica que, destas, 17 estão situadas do centro para o centro-norte;
Oeiras e Amarante ficam na fronteira dessa delimitação. No sul, aparece somente
São Raimundo Nonato” (NUNES e ABREU, 1996: 101).

O que se pode observar é que a cidade de Teresina apresentou uma queda no seu
crescimento demográfico, a partir de 1900 até a década de 40. Cidades como Parnaíba,
Floriano e Piripiri passaram a receber um contingente cada vez maior de pessoas. Apesar
desses índices de redução populacional, a capital ganha expressão marcante em todo o
estado, tornando-se o principal centro urbano piauiense. A sua força emergente derivou,
principalmente, de sua dinâmica comercial (Figura 6).

Nesse período, o fato de Teresina desempenhar o papel de sede administrativa,


fez com que ela atraísse a si importantes serviços, como saúde, educação e comunicação, os
quais contribuíram para que a capital assumisse, de fato a condução dos rumos da
urbanização no Estado. Observe-se a tabela em que se revela o crescimento demográfico e
de relação com o crescimento populacional no Piauí.

TABELA 1
Crescimento Demográfico de Teresina
1872-1940
ANOS
1872 1890 1900 1910 1920 1940
Piauí 202.222 267.609 334.292 428.145 609.027 817.601
Teresina 21.692 31.523 45.316 48.614 57.500 67.641
Teresina/Piauí 10,72 11,77 13,55 11,35 9,44 8,27
Fonte: QUEIROZ, 1994, p.18.
29

Entre os anos de 1940 a 1950, o espaço urbano de Teresina sofreu algumas


transformações espaciais, gerando novas áreas de crescimento na cidade, com destaque
especial para as Zonas Norte e Sul. Na Zona Norte, o crescimento se deu em direção aos
bairros Mafuá, Vila Operária, Vila Militar, Feira de Amostra e Matadouro. Em alguns
bairros, uma paisagem presente era o contraste entre áreas densamente povoadas e áreas de
grandes vazios. Na periferia da área central, desenvolvia-se os bairros Cabral e Ilhotas
(MOREIRA, 1979: 20).

Na Zona Sul, a expansão acontecia em direção aos bairros Piçarra, Vermelha,


São Pedro e Tabuleta, seguindo os espaços entre os rios Poti e Parnaíba. No entanto, o
contorno das avenidas Miguel Rosa e Getúlio Vargas (hoje Frei Serafim) servia como
marco de limite de expansão do espaço urbano. SILVA sustenta que

“um aspecto a se considerar na configuração espacial da cidade é a localização de


seu sítio que tem como principal condicionante natural, o contorno dos rios
circundantes e que, ao se encontrarem na parte norte, encurralam a cidade numa
espécie de península, praticamente limitando sua expansão nessa direção e
deixando livre, apenas, a direção sul” (SILVA, 1989: 10).

Esse foi o quadro da urbanização no Piauí, especialmente no espaço urbano de


Teresina, até o final da década de 40. Tal processo recebeu grandes transformações entre as
décadas de 50 e os últimos anos da década de 60, resultado da conjuntura nacional e
regional que se instalou nesse contexto.

1.2. O CENÁRIO NACIONAL E REGIONAL NO PERÍODO DE 1950 A 1970:


TERESINA, UMA CIDADE EM CONSTRUÇÃO

A urbanização no Piauí ganhou, a partir de 1950, uma nova dinâmica. A


conjuntura nacional e regional, que estava se implantando naquele momento, iria contribuir
para que ocorresse o “desenvolvimento do estado”, consolidando a cidade de Teresina como
a principal cidade do estado (Figura 7). Em relação à inserção do Piauí na divisão do
trabalho no Brasil, BANDEIRA comenta que “(...) a fase atual, que se iniciou a partir dos anos
50, evoluiu tendo como parâmetros a crise da economia extrativa e a maior integração do Estado ao
processo de desenvolvimento capitalista brasileiro” (BANDEIRA, 1983: 31).
30

Assim, cabe, antes, fazer uma leitura das transformações no Piauí, traçando um
perfil das principais características do estado desenvolvimentista brasileiro, que atuou entre
as décadas de 50 e 80. Vejam-se, abaixo, algumas de suas principais características:

a) houve a necessidade de atender ao capital industrial que fez com que o


estado Oligárquico, enraizado no capital cafeeiro, começasse a assumir
novas funções, transformando-se em um Estado de configuração
desenvolvimentista;
b) antes mesmo da década de 50, esse estado já exercia a função de
financiador, momento em que ele teve que mobilizar e concentrar capitais
para promover o nascimento e a consolidação da estrutura industrial;
c) a sua intervenção foi essencial para a passagem da sociedade pautada na
agricultura para o nascimento de uma sociedade industrial, tendo o estado
que proporciona a infra-estrutura necessária à região sudeste, promovendo o
capital industrial e a grande indústria;
d) sua função de provedor de externalidades viabilzou o processo de
acumulação industrial, pois visando ainda, “garantir forte proteção as
importações concorrentes, impedir o fortalecimento do poder de barganha
dos trabalhadores, que poderia surgir com um sindicalismo independente, e
realizar investimentos em infra-estrutura (...)” (MELLO, 1994: 11);
e) a sua função de produtor (pós-60) foi assumida quando construiu várias
estatais, alargando a sua base produtiva;
f) a sua atuação como um patrocinador da acumulação privada, através da
geração de demandas no mercado;
g) por último, o seu forte papel de articulador da aliança das forças do próprio
estado, das empresas nacionais e do capital internacional (FAÇANHA, 1996:
4-5).

A política do estado desenvolvimentista nacional tinha como objetivo central a


tarefa de estruturar e acelerar o processo de industrialização no Brasil. No entanto, esse
processo não ocorreu de forma homogênea no país. Pelo contrário, a existência de “ilhas
industriais” no território serviu para caracterizar o país em áreas de produção e áreas de
consumo. SANTOS advoga que
31

“(...) o termo industrialização não pode ser tomado, aqui, em seu sentido estrito,
isto é, como criação de atividades industriais nos lugares, mas em sua mais ampla
significação, como processo social complexo, que tanto inclui a formação de um
mercado nacional, quanto os esforços de equipamentos do território para torná-lo
integrado, como a expansão do consumo em formas diversas, o que impulsiona a
vida de relações (...) e ativa o próprio processo de urbanização. Essa nova base
econômica ultrapassa o nível regional, para situar-se na escala do País; por isso, a
partir daí uma urbanização cada vez mais envolvente e mais presente no território
dá-se com o crescimento demográfico sustentado das cidades médias e maiores,
incluídas, naturalmente, as capitais de estado” (SANTOS, 1993: 27)

É preciso ressaltar que, nesse período, as transformações no Piauí não foram tão
marcantes como se esperavam. Com uma economia pouco expressiva no cenário nacional-
regional, baseada no extrativismo, na pecuária e na produção de alimentos de subsist6encia,
o estado não conseguiu promover a dinamização dos diversos setores da economia,
alterando-se muito pouco a estrutura da hierarquia urbana das cidades no estado. A cidade
de Teresina continuou ganhando mais destaque entre as cidades piauienses e segue junta
com as cidades de Parnaíba e Floriano, comandando a vida urbana das cidades piauienses.

“A nova ordem” piauiense, iniciada a partir de 1950, configurou-se dentro de


um rearranjo de forças provenientes do modelo de desenvolvimento do estado brasileiro,
que resultou num novo (re)ordenamento espacial das atividades produtivas e de suas
cidades. Fatores “velhos e novos” desse contexto se cruzam e se fundem numa nova
realidade. Dos fatores considerados “velhos” dessa “nova ordem”, podemos citar os
seguintes: o “sepultamento” das atividades extrativas exportadoras; a redução da função da
cidade de Parnaíba como centro comercial; a manutenção do setor primário como o mais
dinâmico do estado; a falta de dinamismo do setor industrial na economia piauiense; e uma
intervenção superficial do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas ( DENOCS),
quanto à construção de açudes públicos.

Em relação aos aspectos “novos”, ou modernos, desse novo momento, pode se


destacar os seguintes: a importância da rede de transportes rodoviários e a melhoria no setor
de comunicação para a dinamização da capital e de todo o estado; a criação da Barragem de
Boa Esperança, no médio Parnaíba, em Guadalupe; o desenvolvimento dos setores
administrativo, financeiro e creditício; o aumento do comércio varejista, reflexo de uma
32

maior integração entre as cidades do Estado; e a existência de um conjunto de políticas


agrícolas efetuadas pelo Governo Federal, contribuindo para encurtar as distâncias sócio-
econômicas entre as cidades.

Feita a leitura dos impactos da inserção do Piauí no contexto nacional, cabe,


agora pensar o quadro do processo de urbanização na região nordeste, em especial, no Piauí.
Na década de 50, quando a população urbana representava 36,2% da população total
brasileira, a Região Sudeste destacava-se superando a urbanização nacional, com índices de
48%. A população urbana no Nordeste possuía índices inferiores ao contexto do País,
ficando em torno de 26%. A supremacia da Região Sudeste, no processo de urbanização do
País, produziu, na região sudeste, uma rede urbana mais complexa e desenvolvida, fruto da
divisão territorial do trabalho, implantada no contexto da época.

A Região Nordeste, que sempre apresentou índices de urbanização inferiores


aos existentes no resto do País, teve um certo alento no seu processo de urbanização nos
anos 60. Segundo SANTOS, essa mudança é “(...) graças ao desenvolvimento das comunicações
e do consumo e à amplitude maior do intercâmbio com as demais regiões do País, graças à
industrialização e à modificação da sociedade e do Estado” (SANTOS, 1993: 60).

No Piauí, a urbanização apresentou mudanças importantes na organização das


cidades. Em 1950, como já foi dito, destacavam-se as cidades de Teresina, Parnaíba e
Floriano. NUNES e ABREU ressaltam o papel assumido pela cidade de Picos, beneficiada
por se localizar em zona de entroncamento com uma rede viária relativamente densa,
interligando-se com os Estados do Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia (NUNES e
ABREU, 1996: 104).

Nas décadas de 50 e 60, no Piauí, foram criadas aproximadamente 66 cidades,


totalizando, no estado, o universo de 114 cidades, o que corresponde a 114 sedes de
municípios (NUNES e ABREU, 1996: 105). Vale ressaltar que a maioria das cidades surgiu
na região centro-norte do Estado. Observa-se abaixo, o quadro III.

TABELA 2
Piauí: População e Concentração Urbana
1940-1970
33

CIDADE ANOS
1940 1950 1960 1970
Teresina Urbana 34.695 51.418 98.320 181.022
Total 67.641 90.723 142.691 220.481
Parnaíba Urbana 22.176 30.174 39.145 57.030
Total 42.062 49.369 62.719 79.210
Floriano Urbana 7.084 9.101 15.574 26.776
Total 25.705 33.786 23.556 35.850
Campo Maior Urbana 3.789 6.992 13.849 18.400
Total 30.195 39.927 56.120 61.549
Piripiri Urbana 4.520 4.357 9.409 18.481
Total ? 23.701 29.248 43.222
Picos Urbana 2.943 4.568 8.080 18.107
Total 40.414 54.713 49.801 52.757
Piauí Urbana 130.816 170.584 292.233 538.197
Z Total 817.601 1.045.696 1.249.200 1.680.954
Fonte: MEDEIROS, 1996: 46.

O quadro revela a nítida superioridade da cidade de Teresina (181.022 hab.),


quanto à concentração urbana, no final da década de 60 (Figura 8). Esse valor representava
três vezes mais a população de Parnaíba (57.030 hab.), a Segunda cidade do estado. Um
outro aspecto a frisar é a baixa população urbana dos municípios de Piripiri (18.481) e Picos
(18.107), considerados, respectivamente, o quinto e o sexto na hierarquia urbana. O que se
apresentava, ao final desse período era uma urbanização incipiente, com poucas cidades se
destacando no cenário estadual e regional, e além disso, apresentando uma economia
calcada em uma base de atividades extrativistas.

A análise das fases de inserção do Piauí no contexto da divisão do trabalho, no


Brasil, contribuiu para elucidar o processo de urbanização no Estado. O papel
desempenhado pela pecuária, pelo extrativismo e pelas atividades comerciais, em diversos
contextos históricos, demonstrou como as atividades econômicas exerceram papéis
fundamentais no “movimento das cidades”, no estado do Piauí. Sustenta BANDEIRA que
34

“Cada fase correspondeu a uma forma de inserção do Piauí no contexto do


desenvolvimento nacional, com características bem definidas. Por sua vez, estas
formas de inserção produziram, no Estado, diferentes efeitos, embora não tenham
sido capazes de provocar transformações em direção a um maior desenvolvimento
das forças produtivas, em virtude, sobretudo, da fraca acumulação financeira,
destinada à aplicação no aperfeiçoamento e diversificação das unidades
produtivas” (BANDEIRA, 1983: 33).

O período, aqui em análise, possibilitou várias transformações espaciais na


capital do estado, a cidade de Teresina. A inserção do Piauí no contexto nacional, bem
como a sua “integração” ao cenário das cidades nordestinas, impôs grandes desafios ao
espaço físico. A bibliografia pesquisada avançou, quanto à necessidade de se apreenderem
os impactos dessas inovações na organização social. A ausência de reflexões sobre as
classes sociais, sobre condições de moradia, sobre as relações de produção, entre tantas
outras, faz com que o espaço de Teresina, seja interpretado apenas à luz de uma abordagem
meramente espacial.

Olhando a cidade de Teresina, entre as décadas de 50 e 60, observa-se que esse


período foi fundamental para a construção da atual configuração do seu espaço urbana. Nas
décadas de 50, 60 e 70 a cidade acrescentou uma população de 126.653 habitantes
(MOREIRA, 1972: 20).

A década de 50 é considerada um “divisor de águas” no que diz respeito às


transformações no espaço urbano de Teresina. MOREIRA relata que

“A planta da cidade de Teresina deixa perceber que o traçado original em


xadrez constituiu a diretriz básica do crescimento e ocupação do Centro, contido
entre o rio Parnaíba e o anel ferroviário; aí, as ruas são orientadas a grosso modo,
de norte-sul e leste-oeste, com ruas estreitas e quadras geralmente de 100m. Esta
orientação é percebida nos bairros de ocupação anterior a 1950. Naqueles de
ocupação mais recente, a urbanização se faz de modo menos rígido, em torno de
avenidas radiais, como no sudeste da cidade ocupado de 1950/60” (MOREIRA,
1972: 20-21).

Nesse período, a expansão da cidade acontecia principalmente nas direções


leste-nordeste e sul. No sentido leste-nordeste, o destaque foi a ocupação de novas áreas
que, anteriormente, eram desabitadas devido ao obstáculo natural que era o rio Poti. A
criação da ponte dos Noivos, sobre o Rio Poti, possibilitou a expansão nessa direção
35

estimulando o surgimento de novos bairros como o de Fátima, Jóquei e São Cristovão.


Estava delineado, assim, o surgimento de uma nova área de ocupação na cidade a qual,
entre as décadas de 70 e 80, foi marcada pela existência de áreas residenciais de populações
de alto poder aquisitivo, e pelo surgimento de vários conjuntos habitacionais.

Inicialmente, a Zona Sul foi ocupada devido às condições favoráveis de seu sítio
urbano. A sua localização, entre os rios Parnaíba e Poti, e a existência de poucos obstáculos
naturais contribuíram para a expansão da cidade de Teresina naquela direção entre as
décadas de 50 e 60. Essa zona foi beneficiada com a implementação de serviços de infra-
estrutura, resultado de ações feitas pelo Estado Federal, através de políticas públicas,
contribuindo para dinamizar toda essa área, transformando-a na principal área de expansão
da cidade.

A abertura das avenidas Barão de Gurgueía e Miguel Rosa possibilitou a


expansão de várias atividades de comércio e serviços, ao longo da Zona Sul. O avanço das
atividades do setor secundário foi fundamental para a ocupação da Zona Sul, principalmente
com a instalação do Distrito Industrial, nos fins dos anos 60, estimulando a concentração de
novas atividades industriais, devido à existência de toda uma infra-estrutura necessária para
mover esse tipo de empreendimento.

Em 1969, com a construção do Conjunto Habitacional Parque Piauí, no início


com 2.294 unidades habitacionais, a Zona Sul ratificou a “escolha” dos agentes produtores,
da cidade, de transfomá-la numa área de segregação residencial. A instalação de vários
outros conjuntos habitacionais, durante as décadas de 70 e 80, resultou da política
habitacional delineada pelo Estado autoritário pós-64. A convivência de áreas industriais
com áreas residenciais demonstra como foi intenso a ocupação em direção à Zona Sul.

O Plano Diretor de Desenvolvimento Local Integrado (PDLI), de 1969, revelou


que, nesse período, o Centro concentrava a maior densidade populacional, 34,6% numa área
de 12% do espaço da cidade. A Zona Sul, com uma área de 31%, aglutinava cerca de 32,8%
da população, enquanto a Zona Norte, com área de 30%, possuía uma população de 30,8%.
Esse Plano Diretor mostrava exatamente o aumento das populações das Zonas Sul e Norte e
o decréscimo da população residente no Centro. A expansão em direção à Zona Norte da
cidade foi muito ampla no tocante à número de áreas loteadas, não acontecendo uma
36

ocupação efetiva de todos os espaços, ao contrário do que ocorria na Zona Sul (MOREIRA,
1972: 16-20).

Um aspecto interessante, na configuração espacial da cidade, no final da década


de 60, é a sua organização administrativa (Figura 9). Naquele período, a cidade já contava
com 22 bairros, distribuídos, em sua maioria, nas Zonas Centro, Norte e Sul, e, de modo
reduzido, com alguns outros bairros na Zona Leste. Nessa época, os bairros existentes, em
toda a Teresina eram: Matadouro, feira de Amostra, Primavera, Vila Militar, Vila Operária,
São Cristovão, Jóquei, Por Enquanto, Cabral, Mafuá, Matinha, Centro, Ilhota, Catarina,
Piçarra, Nossa Senhora das Graças, Vermelha, Monte Castelo, Macaúba, Tabuleta, São
Pedro e Cidade Nova (MOREIRA, 1972: 18-19).

1.3. TENDÊNCIAS ECONÔMICAS RECENTES E SEUS REFLEXOS SOBRE


TERESINA

A análise da economia piauiense, entre os anos de 1970 a 1995, é de extrema


importância para o entendimento da evolução urbana de Teresina. O Estado do Piauí é
considerado como um dos mais pobres da federação. No entanto, nesse período, de vinte e
cinco anos, o estado conseguiu apresentar um importante dinamismo na sua estrutura
econômica. A tabela abaixo, acerca da taxa média anual de crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) “per capita”, revela a evolução do PIB piauiense.

TABELA 3
Taxa Média Anual de Crescimento do PIB “Per capita”(%)
Brasil, Região Nordeste e Estados

Brasil/Nordeste e Períodos
Estados 1970-80 1980-90 1970-95 1990-95(1)
Maranhão 6,2 6,2 5,2 1,4
Piauí 6,8 5,0 4,6 -0,3
Ceará 8,8 2,9 5,4 3,9
Rio G. do Norte 8,1 5,0 5,7 2,4
37

Paraíba 4,9 4,1 3,8 1,1


Pernambuco 6,7 2,0 3,6 0,4
Alagoas 6,7 2,9 4,0 1,0
Sergipe 7,7 1,7 3,5 -0,7
Bahia 5,8 2,0 3,2 0,6
Nordeste 6,5 -0,4 2,4 1,2
Brasil 6,0 -0,4 2,4 1,2
Fonte: Agregados Econômicos Regionais. Nordeste do Brasil – 1965-95. Recife: SUDENE, DPO, 1996.

No período de 1970 a 1995, o Estado do Piauí apresentou uma taxa média anual
do PIB “per capita” da ordem de 4,6%, superior às médias apresentadas pelo PIB nacional,
2,4%, e pela Região Nordeste, 3,3%. O dinamismo do Piauí foi devido à expansão dos
setores da indústria e dos serviços que cresceram 6,5% a.a. e 4,2% a.a., respectivamente.
Vale destacar que as atividades de comunicação (11,2% a.a.), abastecimento de água (9,6%
a.a.), indústria de transformação (9,1% a.a.), bens imóveis (7,6% a.a.) e energia elétrica
(7,5% a.a.), foram fundamentais para tal dinamismo (SOUZA, 1996: 3) Segundo a análise de
SOUZA, o período de

“... 1970/95, estabeleceu-se um processo de crescimento econômico associado à


implantação de infra-estrutura, o qual resultou na dinamização da economia
estadual e em transformação da estrutura social. A profundidade desse processo
manifesta-se, por exemplo, pelo avanço da participação do Estado na economia
regional de 3,2% para 4,4% (...)” (SOUZA, 1996: 4).

Um outro aspecto que demonstra o avanço da participação do Piauí, na


economia regional, é o processo de urbanização. Em 1970, a urbanização da população
piauiense era 32%, enquanto foi a forte concentração populacional verificada na capital do
estado. (Tabela 4)

TABELA 4
Piauí – Teresina
População Rural, Urbana e Total

PIAUÍ TERESINA
ANOS Pop. Rural Pop. Total Pop. Rural Pop. Total
38

Urbana Urbana
1970 1.173.813 561.081 1.734.894 39.425 181.062 220.487
1980 1.256.946 931.204 2.188.150 38.732 339.042 377.774
1991 1.214.997 1.366.218 2581.338 42.338 555.985 598.323
Fonte: Consumo do Produto Industrial da Cidade de Teresina – 1996.

Apesar de o Estado do Piauí Ter apresentado uma ótima evolução quanto ao


PIB, no âmbito local, tal fato passa a ser diferente quando se analisa a sua participação no
contexto regional. Entre os anos de 1985 e 1990, o Piauí apresentou um PIB que superou
somente o Estado de Sergipe, conseguindo ainda ser o estado nordestino com a menor renda
“per capita” (SOUZA, 1996: 4). Os dados revelam um crescimento econômico no Piauí,
resultado do “milagre brasileiro” (Figura 10). No entanto, esse mesmo crescimento
contribuiu para mascarar as péssimas condições de vida da população piauiense.

O período em análise foi marcado por fortes transformações nos setores


econômicos: primário, secundário e terciário. A diminuição da importância relativa do setor
primário, que historicamente se destacou no PIB do Piauí, e o crescimento do setor
secundário e do terciário deram o novo “tom” da economia piauiense. É preciso ressaltar
que o próprio setor primário se recuperou em 1995, atingido 24,9%. Veja-se a tabela 5 que
demonstra a participação dos setores econômicos, entre os anos 1980 e 1995.

TABELA 5
Estado do Piauí
Participação Percentual do PIB Setorial no PIB Global
1980-1985-1990-1995

ANOS Setores Econômicos


Agropecuária Indústria Serviços Total
1980 22,3 18,8 58,9 100,00
1985 25,7 19,4 54,9 100,00
1990 17,7 24,6 57,7 100,00
1995 24,9 14,4 60,7 100,00
Fonte: SOUZA, 1996.
39

Como se vê na tabela acima, o setor primário diminuiu gradativamente a sua


participação na produção local, em relação aos demais setores. Esse setor apresentou uma
evolução entre os anos 1980 e 1985, com percentagens de 22,3% e 25,7%, respectivamente.
A partir desse último ano, aconteceu uma queda de 17,7% em 1990. A partir de 1985, até o
final de 1995, porém, o setor primário retomou o seu crescimento e atingiu o percentual de
24,9%, no total do PIB do Piauí. Convém salientar que

“... este aspecto, entretanto, não ofusca a sua grande importância social, seja na
produção de gêneros de primeira necessidade, seja na geração de empregos,
principalmente para as camadas da população que pouco ou quase nenhum acesso
tiveram aos bancos escolares” (Estudos da Conjuntura de Mercado, 1996: 10).

Nesse “Estudo da Conjuntura de Mercado”, elaborado pelo Serviço de Apoio às


Micro e Pequenas Empresas do Piauí (SEBRAE/PI) e pela Fundação Centro de Pesquisas
Econômicas e Sociais do Piauí (CEPRO), constatou-se que

“... a agricultura praticada tem sua base voltada para a subsistência da população
rural, sobrando pouco ao abastecimento urbano e industrial. O extrativismo é, ainda
inexpressivo e de subsistência (...). A pecuária, que embora adquira contornos de
agroindústria, pode ser considerado como uma atividade incipiente. Assim a idéia
predominante reafirma a inexistência de políticas públicas que possam revitalizar o
setor, definindo linhas de créditos compatíveis e estimulando tecnologias
adequadas às características locais (...)” (Estudos da Conjuntura de Mercado, 1996:
9).

O setor secundário, por sua vez, nesses vinte e cinco anos, apresentou-se de
forma irregular quanto a sua participação no PIB estadual. Observando a tabela 5, nota-se
que, de 1980 a 1990, a indústria piauiense cresceu na ordem de 18,8% para 24,6%. No
entanto, esse setor secundário sofreu uma forte queda entre os anos 1990 e 1995, caindo em
10,2%, em relação ao ano 1990.

O setor secundário concentrou no período de 1980 a 1995, o maior número de


indústrias na cidade de Teresina, sendo a mesma fundamental na participação do PIB
estadual. Esse setor esteve estruturado, principalmente, com a construção civil e com a
indústria de transformação. Vale reforçar a forte absorção de mão-de-obra - demandada pela
construção civil – da economia formal.
40

Dentre os setores econômicos do Estado, foi destaque especial o setor terciário


que, através das atividades de serviço e comércio, possibilitou um crescimento considerável
na estrutura produtiva do Piauí e, especialmente da capital. A tabela 5 revela que o setor de
serviços, em 1980, (58,9%), já apresentava o maior índice do PIB estadual, mantendo-se na
supremacia até os anos de 1995 (60,7%). A força desse setor é oriunda do comércio
varejista, dos serviços, da administração pública e de atividades financeiras relacionadas à
estrutura bancária. Todas essas atividades encontravam-se localizadas na cidade de
Teresina.

Além desse três setores econômicos, que serviam para mostrar a evolução da
economia piauiense, existem outros indicadores que contribuem para elucidar melhor a
conjuntura econômica em análise. Um indicador valioso é a análise do próprio processo de
urbanização, ocorrido no estado, após os anos 90 (Figura 11). Os dados de 1994 mostram
que o estado apresentava uma população de 2.657.415 habitantes. Vejamos as populações
das sete cidades mais populosas do Piauí: 1 – Teresina:636.904; 2 – Parnaíba: 127.953; 3 –
Picos: 76.553; 4 – Campo Maior: 64.478; 5 – Piripiri: 59.664; 6 – Floriano: 52.705; 7 –
Pedro II: 44.647 (TAJRA & TAJRA FILHO, 1996: 153).

Essa classificação do quadro populacional das sete cidades não é a mesma


quando se analisa o quadro dos sete municípios que mais contribuem na arrecadação dos
impostos estaduais. Os principais municípios são: 1 – Teresina: 76,13%; 2 – Picos: 3,81%;
3 – Parnaíba: 3,04%; 4 – Floriano: 2,56%; 5 – Piripiri: 1,04%; 6 – União: 0,92%; 7 –
Campo Maior: 0,90%. Destaque-se a forte presença da cidade de Teresina na arrecadação
dos impostos. Depois de Teresina a cidade litorânea de Parnaíba, a Segunda em população,
responde por apenas 3,04%, na arrecadação do Estado (TAJRA & TAJRA FILHO, 1996:
153).

Ao final da primeira metade da década de 90, foi notório a importância da


cidade de Teresina no contexto estadual. Teresina concentrava 24% de toda a população do
estado e ainda respondia por 76,13% de toda a arrecadação de impostos da economia
piauiense, como relatam TAJRA & TAJRA FILHO:

“A capital é o grande pólo de atração do Estado. O governo estadual, as


prefeituras e o governo federal concentram suas compras na capital (...) As
41

populações do interior do Piauí e também de grande parte do Maranhão convergem


para Teresina, que detêm um comércio atuante, tanto no segmento varejista como
no atacadista. No setor de serviços, vários segmentos se constituem em fator de
atração. Merece destaque o setor médico, que tem se desenvolvido bastante (...)”
(TAJRA & TAJRA FILHO, 1996: 153).

Um último indicador, para ilustrar a economia piauiense, é a leitura dos 20


maiores contribuintes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ( ICMS), do
ano de 1995, no estado do Piauí. Veja-se o quadro abaixo:

QUADRO 2
Os 20 Maiores Contribuintes
Teresina – 1995
Posição do Estado Razão Social Município/Zona
00001 Ind. De Bebidas Antárctica do Piauí S/A Teresina – Sul
00002 Companhia Energética do Piauí Teresina – Centro
00003 Petrobrás Distribuidora S/A Teresina -Leste
00004 Telecomunicações do Piauí S/A Teresina - Centro
00005 Souza Cruz S/A Teresina - Centro
00006 Claudino S/A – Lojas de Departamentos Teresina - Centro
00007 COMVAP –Açúcar e Álcool Ltda União
00008 Petróleo SABBA Ltda Teresina - Sudeste
00009 Carlos H. Aragão Ind. E Com. Ltda Teresina - Norte
00010 Novaterra Veículos Peças e Serviços Ltda Teresina – Leste
00011 Guadalajara S/A – Ind. De Roupas Teresina - Centro
00012 Esso Brasileira de Petróleo Ltda Teresina - Leste
00013 Texaco Brasil S/A Prod. De Petróleo Teresina - Sudeste
00014 Jelta Veículos Máquinas Ltda Teresina - Centro
00015 Pintos Ltda Teresina - Centro
00016 Carvalho e Fernandes Ltda Teresina - Centro
00017 Socimol Ind. De Colchões e Móveis Ltda Teresina - Centro
00018 Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda Teresina - Sudeste
00019 Revendedores c/Varejo Prod. Avon ME Teresina - Centro
00020 Auto Máquinas e Acessórios Ltda Teresina – Centro
Fonte: Governo do Estado do Piauí – Sec. Da Fazenda/Divisão de Controle da Arrecadação – 1997.
42

É importante frisar que quase todos os 20 maiores contribuintes do Estado do


Piauí – à exceção da COMVAP S/A – localizada no município de União – estão situados no
município de Teresina. Desse total, quase a metade está situada na Zona Centro da cidade.
O restante, dos contribuintes, se distribui, quase igualmente pelas Zonas Sudeste, Leste,
Norte e Sul. Na Zona Sul, destaque para a Indústria de Bebidas Antárctica do Piauí, que é o
maior contribuinte do Estado do Piauí, assumindo um importante papel econômico na
cidade e em todo o estado, exercendo ainda grande expressão econômica no contexto
regional. Observa-se o quadro 3, acima, com os 20 maiores contribuintes do ano de 1995.

As reflexões feitas neste estudo, até o momento, revelam a total fragilidade da


economia nacional. As transformações ocorridas entre as décadas de 70 e 80, promovidas
pelo estado desenvolvimentista, não foram suficientes para promover o desenvolvimento do
estado, pelo contrário, produziram efeitos negativos, aumentando os desníveis sociais já
existentes, anteriormente, entre o Piauí e os demais Estados da federação.

Aliado a essa economia fragilizada e vulnerável, associa-se o processo de


urbanização calcado na existência de pouquíssimas cidades que conseguiram promover o
bem estar de suas populações. Na rede urbana piauiense, a cidade de Teresina exerceu papel
fundamental, em virtude de concentrar a maior parte da população do estado, bem como foi
a cidade que mais contribuiu na estruturação do PIB estadual. É urgente, observar, agora,
como configurou-se a organização territorial de Teresina.

O município de Teresina, em 1988, quando foi elaborado o II Plano Estrutural


de Teresina (II PET), oficializou, por lei, a nova divisão de bairros, demarcando, assim, o
seu perímetro urbano. Nesse contexto, Teresina ficou dividida em 108 bairros, através da
Lei nº 1.934, de 16 de agosto de 1988.

No II PET, a cidade foi dividida em cinco zonas administrativas: Centro, Norte,


Sul, Sudeste e Leste. Cabe aqui ressaltar que, antes, existiam apenas as zonas Centro, Norte,
Sul e Leste, tendo esta se desmembrado em Zona Leste e em Zona Sudeste.

A ocupação da Zona Norte da cidade, transpondo os limites do encontro dos rios


Parnaíba e Poti, fez com que a Prefeitura Municipal de Teresina (PMT) instituísse uma nova
43

divisão de bairros, através da Lei nº 2.113, de 10 de fevereiro de 1992. A nova configuração


das administrações regionais passou de 108 para 110 novos bairros.

Através de uma nova Lei de nº 2.355, de 16 de dezembro de 1994, a PMT


alterou as delimitações das administrações regionais de Teresina. AS alterações mais
importantes a serem ressaltadas referem-se ao surgimento de quatro novos bairros na Zona
Sudeste, os quais receberam as denominações de Cuidos, Verdecap, Bom Princípio e
Santana. Uma outra alteração ocorreu na Zona Sul da cidade, quando desapareceram as
denominações dos bairros Angelim e Angelim Sul, os quais fundiram em um só bairro
denominado de Angelim, que teve sua área ampliada até a Av. Henry Wall de Carvalho,
próximo ao rio Parnaíba. A cidade de Teresina passou a ter 113 bairros em sua nova
configuração. (Figura 12)

Ao final da primeira metade da década de 90, o município de Teresina ocupava


uma área de 1.809 Km, tendo a sua zona urbana ampliada, nos últimos anos, para 176,32
Km e a área rural reduzida para 1.632,60 Km. O perímetro urbano de Teresina, até 1995,
possuía 109,80 Km de área urbanizada, dotada de infra-estrutura, enquanto apresentava
66,52 Km de áreas destinadas à expansão da cidade (Teresina em Bairros, 1994: 289).

O município de Teresina, em 1995, apresentava uma população total de 707.250


habitantes. A população residente – só em Teresina, incluindo o seu crescimento vegetativo
– estava estimada em 689.954 habitantes. Como se pode analisar, nesse período, a cidade de
Teresina transformou-se numa importante cidade do estado e de sua região. Uma leitura
mais detalhada do espaço urbano de Teresina será feita no restante de todo este estudo.
44

CAPÍTULO 2

A TRAJETÓRIA DOS AGENTES E ATORES SOCIAIS NA CIDADE DE TERESINA

“... São agentes sociais concretos, e não um mercado invisível


ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato. A
ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica de
acumulação de capital, das necessidades mutáveis de
reprodução das relações de reprodução, e dos conflitos de
classe que dela emergem.”
Roberto L. Corrêa
O Espaço Urbano - São Paulo, 1989

O esforço, agora, será no sentido de identificar tanto os agentes sociais


produtores do espaço do espaço urbano, quanto os atores sociais, rastreando-se as sua ações
e narrando-se as suas trajetórias no processo de (re)construção da cidade de Teresina. Tal
esforço se enquadra dividido em seis tópicos. No primeiro tópico, a intenção é de identificar
os industriais e os comerciantes, agentes sociais determinantes na produção do espaço
urbano de Teresina.

O segundo tópico traz a preocupação com os proprietários fundiários, agente


social, geralmente “esquecido” na maioria das análises sobre as cidades. No caso de
Teresina, a sua inclusão é mais do que necessária. No terceiro tópico, os promotores
imobiliários serão alvo de análise, ora na identificação deles, ora na espacialização de suas
ações nas diversas zonas da cidade. No quarto tópico, o estado, no âmbito federal, estadual
e municipal, será visto numa relação direta com a produção do espaço urbano. O objetivo,
no quinto tópico, é de revelar a inserção dos grupos sociais excluídos na cidade, através do
processo de produção das favelas.

Por fim, o sexto tópico, visa rastrear as trilhas deixadas pelos movimentos
sociais urbanos, entendidos como atores sociais que foram determinantes no processo de
mediação das relações sociais existentes na cidade. Apreender as ações desses movimentos
é se infiltrar no cenário político, cenário esse, importante para que se desvende a produção
do espaço urbano.
45

2.1. OS INDUSTRIAIS E COMERCIANTES

Os Industriais

A partir da década de 50, acontece, de forma mais concreta, a ação dos


industriais na produção do espaço urbano de Teresina. A expansão da atividade industrial é
resultado do novo cenário nacional e regional em que a cidade de Teresina estava se
inserindo. Entre os anos de 1918 e 1950, o ritmo de instalação industrial foi da ordem de 0,4
estabelecimentos por ano, enquanto entre os anos de 1950 e 1967, houve uma aceleração
que atingiu a instalação de 7,5 indústrias por ano (MOREIRA, 1972: 99).

Na década de 50, a indústria era incipiente e baseava-se em pequenas unidades


artesanais que produziam açúcar, rapadura, cerâmica e muitos outros produtos. Na década
de 60, especialmente entre os anos de 1963 e 1965, a indústria se expandiu com destaque
para a fabricação de telhas e tijolos, englobados nos ramos de minerais não-metálicos. Ao
final dessa década, evidenciou-se a expansão do setor da construção, decorrente da política
habitacional executada pelo Governo Federal. Para se Ter uma idéia, só em 1966, foram
criadas 3.000 casas em Teresina (MOREIRA, 1972: 99-102).

Vale ressaltar que, em 1960, foi implantada a agroindústria da GECOSA –


Gervásio Costa S/A – que produzia óleos vegetais. Em 1963, surgiu outra agroindústria, a
Usina Livramento, que lançou o óleo de coco Dureino e os óleos de soja Forno & Fogão e
Amazônia (TAJRA & TAJRA FILHO, 1996: 147).

O reflexo da dinâmica da indústria, em Teresina e em todo o Estado do Piauí,


criou a necessidade de representação dos setores industriais em emergência. Em 1954, com
o mandato do presidente José de Moraes Correia, iniciaram as ações da Federação das
Indústrias do Estado do Piauí (FIEPI). Em 1966, com o mandato do presidente Raimundo
Nonato Portela de Melo, consolidou-se a Associação Industrial do Piauí (AIP). Em 1965 o
Governo Estadual de Petrônio Portella criou, em 1967, sob a presidência de Milton Costa
Cardoso, o Fomento Industrial do Piauí (FOMINPI) que, posteriormente passaria a ser
chamada de Companhia de Desenvolvimento Industrial do Piauí (CODIPI). Essa entidade
nasceu da preocupação do estado em criar políticas de incentivo ao processo de
46

industrialização. Segue, abaixo, a relação dos presidentes das entidades que representam o
setor industrial do Piauí, desde 1954 até 1995.

Quadro 3
Federação das Indústrias do Estado do Piauí (FIEPI)
Relação dos Presidentes
1. José de Moraes Correia: 1954/1968
2. Cândido de Almeida Athayde: 1968/1971
3. Dante Pires de Lima Rebelo: 1971/1977
4. Lauro de Andrade Correia: 1977/1983
5. Antônio José de Moraes Sousa: 1983 até ao período atual
Obs.:Cândido de Almeida Athayde assumiu o exercício a partir de 1966.
Paulino Fernandes Alves Bastos assumiu o exercício em 1971.
Lauro de Andrade Correia assumiu o exercício a partir de 1974.
Joaquim Gomes da Costa assumiu no período de 02 de abril a 04 de outubro de 1990.

Fonte: FIEPI – Cadastro Industrial do Piauí – 1990/1991

Quadro 4
Associação Industrial do Piauí (AIP)
Relação dos Presidentes
1. Raimundo Nonato Portela de Melo 1966
2. João Brito Passos Pinheiro 1967/1969
3. João Costa de A. Freitas 1970/1971
4. Firmino da Silveira Soares 1972/1973
5. Carlos Augusto de Oliveira 1973/1976
6. José Luiz Martins Maia 1977/1979
7. José Maria Gonçalves Viana 1979/1980
8. João Costa da A. Feitas 1981/1984
9. Francisco das Chagas L. Carvalho 1985/1986
10. Joaquim Gomes da Costa Filho 1987/1992
11. Francisco Antônio Freitas de Sousa 1993/1994
12. Jorge Lopes 1995/...
Fonte: FIEPI – Janeiro/1997
47

Quadro 5
Fomento Industrial do Piauí S/A (FOMINPI)
Relação dos Presidentes
1. Milton Costa Cardoso 1967
2. Osvaldo Soares do Nascimento 1968
3. Antônio Cavalcante de Oliveira 1969
Obs: 1973 – A partir dessa data o FOMINPI transformou-se em Companhia de Desenvol-
vimento Industrial do Piauí (CODIPI)
Fonte: Secretaria da Indústria e do Comércio

Quadro 6
Companhia de Desenvolvimento Industrial do Piauí (CODIPI)
Relação dos Presidentes
1. Antônio Cavalcante de Oliveira 1973
2. Osvaldo Soares do Nascimento 1975
3. Antônio Almendra Freitas Júnior 1978
4. José Maria Gonçalves Viana 1979
5. Antônio Almendra Freitas Júnior 1983
6. Francisco Borges dos Santos Filho 1987
7. José Bruno dos Santos 1990
Obs.: Em 1991 começa o processo de liquidação da CODIPI. Os liquidantes foram Manoel
Cavalcante (1991) e Gil Borges dos Santos (1995)
Fonte: Secretaria da Indústria e do Comércio

O período, até aqui analisado, demonstrou a fragilidade do setor industrial de


Teresina. A falta de uma articulação entre a capital e as outras cidades do contexto nacional
e regional, a existência de um restrito mercado local e as deficiências de infra-estrutura
econ6omica – como, por exemplo, a insuficiência de energia elétrica – impossibilitaram
uma maior din6amica desse setor.

O contexto da década de 70 foi bem diferente dos períodos anteriores. Para o


Piauí, a construção da hidrelétrica de Boa Esperança foi fundamental para levantar os
ânimos dos setores envolvidos com a indústria. O aumento dos incentivos ao processo de
industrialização, como os incentivos fiscais, os subsídios e a criação de distritos industrias,
48

especialmente o de Teresina, promoveu uma expansão do setor industrial aliada ao próprio


dinamismo que o Brasil vivenciava naquele momento, com o “Milagre Econômico”.
Durante esse período, como comentam TAJRA e TAJRA FILHO, a participação de
piauienses, como o Ministro do Planejamento dos governos Médici e Geisel, João Paulo
Reis, e o presidente do Congresso Nacional e, depois, Ministro da Justiça, Petrônio Portella,
foi peça fundamental para o repasse de verbas para a construção de grandes obras no estado
e na capital (TAJRA e TAJRA FILHO, 1996: 148).

Teresina começou a se despontar na economia piauiense com a expansão da


construção civil, com destaque para o papel desempenhado pelas construtoras Lourival
Parente, Poti, Piauí e a Jole. Um outro setor importante da dinâmica da cidade foi o setor da
indústria de cerâmica, com as empresas Poti, Mafrense, Indústria-Cil e Fortes que
começaram a atuar em outros estados demonstrando a força que esse setor assumia em tão
curto espaço de tempo (TAJRA & TAJRA FILHO, 1996: 149).

Além dos setores da construção civil e da indústria, outros empreendimentos


industriais surgiram na cidade, sendo fundamentais para a dinâmica da economia local, até
o ano de 1995. Esses empreendimentos foram os seguintes: a) no setor de confecções:
Guadalajara pertence ao Grupo Claudino; b) no setor de bebidas: fábrica da Coca-Cola; c)
no setor de colchões e móveis residenciais: SOCIMOL (TAJRA & TAJRA FILHO, 1996:
149).

A década de 80 registrou o aparecimento de grandes e pequenas empresas na


cidade. Em relação às grandes empresas vale ressaltar a instalação, em 1983, da fábrica da
Antárctica, na Zona Sul da cidade. Essa empresa tem sido, desde a sua chegada até os anos
de 1995, a maior contribuinte do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços ( ICMS),
tornando-se fundamental para a economia da cidade e do próprio estado, abarcando, ainda,
os mercados do Ceará, Maranhão e Pará.

Um setor forte, nessa década, foi o de confecções. Além de termos grandes


empresas, como a Guadalajara (Ônix), Agnord (New Ness) e 14 Bis, ocorreu um processo
de crescimento das pequenas e médias empresas ligadas a esse setor. As pequenas e médias
empresas encontravam-se espalhadas por toda a cidade, nos bairros mais distantes da área
49

central e nos mais populosos, resultado de políticas de incentivo efetivadas pelo governo
estadual e pelo municipal.

O esgotamento dos investimentos na área industrial é reflexo da própria crise do


estado desenvolvimentista brasileiro. As políticas de industrialização, a partir dos anos 90,
deu-se com mais dificuldade, tendo em vista a nova realidade social, econômica e política
do Estado brasileiro.

Um estudo sobre o Consumo de Produtos da Indústria de Teresina revelou que o


parque industrial de Teresina, até os anos 1990 e 1991, era composto por 698 empresas,
sendo os setores de maior concentração a indústria da construção (25,93%), indústria de
alimentos (17,91%) e a indústria metalúrgica (10,17%). O estudo ainda revelou que, em
1990, as indústrias de construção civil, de vestuário e de produtos alimentares respondiam
por 53,29% dos estabelecimentos em Teresina. Utilizou-se de dados de uma outra pesquisa,
descobriu-se que tais setores unificados absorviam, ao todo, 73,9% da mão-de-obra
empregada. (Consumo de Produtos da Indústria de Teresina, 1996: 51-53)

Fazendo uma leitura do parque industrial piauiense, que reflete a realidade


industrial em Teresina, pode-se perceber que o setor industrial vem apresentando uma
queda na sua participação, quanto ao produto interno bruto (PIB) estadual. Em 1991, ele
respondia por 22,09% do PIB, atingindo, em 1995, a taxa de 14,38%, o que significa que
sofreu uma queda de 7,19%, em relação a 1994. (Estudos da Conjuntura de Mercado, 1996,
p.11). Uma outra pesquisa sobre os indicadores econômicos da indústrias de Teresina, em
1996, mostrou que

“1 – Houve, nos últimos três anos, considerável expansão da quantidade de


pequenas indústrias do gênero vestuário, artefatos de tecidos e de viagem. Essa
expansão foi desestimulada pelo conjunto de medidas econômicas do Plano Real,
resultando na falência de grande número desses novos empreendimentos. Na
construção civil, a crise foi similar, ocasionada principalmente, pela retração dos
investimentos destinados a pequenas obras, cujos maiores contratantes eram os
governos municipais e estaduais;
2 – Há predominância de pequenas indústrias, com até dessenove empregados
(microempresas).
50

3 – Mesmo na crise, o número de empregados permaneceu estável no mês


pesquisado. Convém observar que as vendas também permaneceram estáveis no
mesmo período” (Indicadores Econômicos da Indústria de Teresina, 1996: 11).

Cabe, pois, concluir que a consolidação de um parque industrial, em Teresina,


não teve os objetivos almejados pelos industriais. As dificuldades desse “insucesso” devem-
se aos seguintes fatores:

“a) limitação do capital de giro; b) dificuldade de acesso ao crédito; c) baixo grau


de integração da indústria local; d) ausência de uma política industrial atrativa; e)
fragilidade de um mercado de consumo; e e) dificuldades empresariais em
promover a modernização administrativa por questão cultural.” (Consumo de
Produtos Industriais na Cidade de Teresina, 1996: 53).

O acompanhamento da trajetória dos industriais, em Teresina, teve como


objetivo mostrar o aparecimento desse agente na produção da cidade. A espacialização de
suas ações, através da localização das industrias, nas diversas zonas da cidade, será
investigada no capítulo III, no item referente aos núcleos secundários.

Os Comerciantes

A economia de Teresina, ao longo de sua história, é marcada pelo predomínio


das atividades terciárias, formadas pelo comércio, pelos serviços e pela administração
pública. O comércio tem sido o grande sustentáculo da economia local.

A atividade comercial de Teresina começou a se destacar no cenário regional e


estadual a partir da década de 50. O crescimento desse setor ocorreu devido tanto à crise na
economia extrativista, cuja-sede localizava-se na cidade de Parnaíba, quanto ao aumento
considerável do comércio varejista em Teresina, fruto do intercâmbio comercial entre várias
cidades que se beneficiaram das melhorias do transporte rodoviário.

A década de 60 reforçou esse crescimento e o setor varejista se ampliou nas


relações comerciais na capital. Nesse contexto, surgiram as primeiras lojas na cidade. Vale
ressaltar a presença das lojas Credisady, Pedro Machado S/A, Palácio dos móveis, A
Vencedora, Casa Juçara, SG Variedades, entre várias outras, das quais algumas ainda estão
51

presente no cenário comercial dos dias atuais, em Teresina (TAJRA e TAJRA FILHO, 1996:
148).

Antes de observar o comércio na década de 70, é preciso refletir um pouco


sobre os grupos que comandaram a Associação Comercial do Piauí (ACP), ao longo de sua
história. O primeiro Presidente da ACP foi o Sr. Manoel Raimundo da Paz que a comandou
entre os anos de 1903 e 1904. Observe-se os outros presidentes no quadro apresentado
abaixo:

Quadro 7
Associação Comercial do Piauí
Relação dos Presidentes
1. Manoel Raimundo da Paz 1903/1904 12. Pedro de Almendra Freitas 1944/1945
2. Thersandro Gentil Pedreira Paz 1905/1908 13. José Camilo da Silveira 1946
3. Manoel Raimundo da Paz 1909/1910 14. Ocílio Pereira do Lago 1947/1950
4. Honório Parente 1911/1912 15. José Camilo da Silveira 1951
5. Antônio Leôncio Ferraz 1913/1921 16. Ocílio Pereira Lago 1952/1959
6. Joaquim Antônio de Noronha 1923/1928 17. Jorge Azar Chaib 1960/1961
7. Aragão Parente 1929 18. Miguel Sady 1962/1963
8. Luiz Ferraz 1930 19. José Elias Tajra 1964/1979
9. Aphrodízio Thomaz de Oliveira 1931 20. Ferdinand Silveira 1980/1985
10. Anfrísio Lobão Veras Filho 1932/1935 21. José Elias Tajra 1986 até o
11. Cícero da Silva Ferraz 1942/1943 Período atual

Obs.: Não existe registro na ACP dos presidentes nos anos de 1922 e entre 1936 a 1941.
Fonte: Associação Comercial do Piauí (ACP)

Entre os anos de 1903 e 1963, totalizando, assim um espaço de 60 anos, uma


variedade de representações políticas, marcantes no cenário comercial do estado e de
Teresina, alternou-se no comando da ACP. Destacaram-se, entre essas representações, os
presidentes Manoel Raimundo da Paz, Antônio Leôncio Ferraz, Joaquim Antônio de
Noronha, Anfrísio Lobão V. Filho, Cícero da Silva Ferraz, José Camilo Silveira e Ocílio
Pereira do Lago.

Tal variedade de representações, porém não aconteceu entre os anos da década


de 70, o que abriu espaço para a supremacia inquestionável do grupo da família Tajra.
52

Observe-se no quadra, que entre os anos de 1964 e 1995, ou seja, em 31 anos, o grupo da
família Tajra presidiu a ACP por 26 anos, tornando-se uma representação política marcante
no comércio local.

Nos primeiros anos da década de 70, com o surto da industrialização que ocorria
no país, surgiram várias concessionárias na cidade, refletindo a expansão do setor
automobilístico. Vale destacar as seguintes concessionárias: a) a Volkswagem, representada
por A Vemosa (Ari Magalhães); b) Crysler, depois chamada de Ford (Fernando Silveira e
Lourival Parente); c) General Motors, representada pela “Pedro Machado S/A” (família
Machado) e a “Jet Automóveis”, depois “Jelta Veículos”; d) Fiat (Jesus e José Elias Tajra).

Paralelamente as aparecimento das concessionárias, surgiram os mercados de


autopeças e de pneus, como também as lojas especializadas em comercialização de
automóveis usados. O conjunto desses empreendimentos, localizou-se, na sua maioria, nos
corredores das Av. Miguel Rosa e Barão de Gurguéia, na zona sul da cidade (TAJRA e
TAJRA FILHO, 1996: 150).

Na década de 70 também, apareceram, em Teresina, os primeiros


supermercados, como o “Glória” (irmãos Chicri e Jorge Tajra) e o “Compre Bem” (Gil
Andrade). Os setores de material de construção, tintas e ferragens passaram a ocupar vários
corredores especializados, próximo a área central, em direção à Zona Sul da cidade. Esse
processo de descentralização das atividades comerciais tornou-se evidente na década de 70
em Teresina, principalmente em direção a Zona Sul da cidade.

Ainda, na década de 70, surgiu o Clube dos Diretores Lojistas de Teresina que,
posteriormente, foi chamado de Câmara dos Dirigentes Lojistas da Teresina. A falta de
informações nos registros da sede da entidade impediu que fossem feitos maiores
comentários sobre a sua trajetória na vida comercial da cidade. Importante, quando ao
comércio local, é ressaltar o aparecimento das Lojas Brasileiras (LOBRAS) e das Casa
Pernambucanas (1974), das Lojas Jet (1975), de José Elias Tajra, e do Grupo Pintos (1978),
de Agostinho Inácio (TAJRA e TAJRA FILHO, 1996: 151).

A década de 80 registrou um maior espraiamento das atividades comerciais em


todas as direções da cidade. Neste período, Teresina vivenciou o período de maiores
53

transformações na seu tecido urbano, principalmente no tocante ao agravamento das


condições de vida da população. Além disso, ocorreu um aumento físico da cidade, criando-
se grandes vazios de terras no seu interior, gerando-se, a partir daí, vários conflitos entre os
diversos agentes sociais, que objetivavam usos do solo urbano diferenciados.

Ao longo dessa década de 80, a atividade comercial desenvolveu-se de acordo


com a própria evolução urbana de Teresina. Na área central, ocorreu um processo de
revalorização do seu uso, através do aparecimento de várias lojas no seu interior. Um
exemplo concreto são os bairros que possuem conjuntos habitacionais populosos que
necessitam de uma gama de atividades comerciais que substituam as existentes na área
central. Nesse perfil, incluem-se os conjuntos habitacionais do Dirceu Arcoverde, na Zona
Leste, e o Mocambinho, na Zona Norte (TAJRA e TAJRA FILHO, 1996: 152).

A descentralização comercial, em direção à Zona Leste da cidade, foi um


processo mais seletivo, absorvendo as necessidades da população de mais alto poder
aquisitivo. Nos bairros Jockey Clube a São Cristovão surgiram os pequenos Shopings
Centers, possibilitando que as pessoas pudessem consumir vários produtos em um mesmo
espaço, beneficiando-se de outros inúmeros serviços. Assim, estava alicerçado, nesse grupo
social, o imaginário de uma cidade que se insere no processo de modernização, como a
maioria das cidades brasileiras.

Em 1992, Teresina já contava com 16.683 estabelecimentos comerciais, tendo


destaque o setor de gêneros alimentícios, considerado um dos mais expressivos, totalizando
8.269 unidades. Em um documento publicado pela Prefeitura Municipal de Teresina (PMT),
revelou-se que esse setor caracteriza-se pela presença “de pequenos estabelecimentos
comerciais, geralmente funcionando com mão-de-obra familiar, portanto pouco geradores de
empregos. As características das unidades comerciais denunciam a fragilidade da base comercial
(...)” (Teresina: aspectos e características, 1993: 133).

Um estudo sobre os Indicadores Econômicos do Comercio Lojista de Teresina,


do ano de 1995, chegou à seguintes conclusões acerca do comercio local:

“1 – o ano passado (1994) foi muito ruim para as vendas do comércio lojista de
Teresina, especialmente, para as livrarias/papelarias, para material de construção,
para peças e acessórios para veículos e para máquinas/equipamentos;
54

2 – que o comércio lojista de Teresina é um grande empregador pois embora com


redução de vendas de 17,5%, desempregou apenas 7,19% e aumentou seu
dispêndio com folha de pagamento de pessoal em cerca de 6%;
3 – que o lojista teresinense não diminuiu seus estoques como deveria fazer numa
economia de preços estáveis, mas também não aumentou muito, ficando a grande
maioria com estoque em quantidades, mais ou menos, constantes;
4 – que pouco se produz no Piauí daquilo que é comercializado e Teresina, que o
comércio compra de prazos muito curtos, que recorre muito pouco ao crédito por
causa das altas taxas de juros, que vende menos da metade à vista e que se utiliza
duplicatas, cheques e pré-datados e cartão de créditos, para financiar suas vendas”
(Indicadores Econômicos do Comércio Lojista de Teresina, 1995: 41).

Finalizando esta parte, é preciso deixar claro que a atividade comercial é, sem
dúvida, sustentáculo da economia de Teresina. A economia local baseia-se na fragilidade
econômica do setor secundário e na relação direta entre o setor público e o comércio. Para
maior tranqüilidade dessa realidade, basta que se diga que o setor público, o maior
empregador da cidade, quando executa o pagamento dos funcionários públicos,
automaticamente (re)aquece-se o comércio local, diante disso, é notório que o atendimento
na dinâmica de crescimento da cidade de Teresina passa, antes de tudo, pela clareza d e que
o setor terciário – especialmente, o comércio – tem sido vital para esse dinamismo.

2.2. OS PROPRIETÁRIOS FUNDIÁRIOS

Refletir sobre as ações dos proprietários fundiários no espaço urbano de


Teresina é tarefa difícil, devido a ausência de estudos acerca desse tema, e às diversas
formas imperceptíveis que esse agente social adotou ao produzir a cidade. Apesar de sua
importância, rastrear a ação desse agente é tarefa árdua, devido à carência – quando não a
ausência – de provas documentais. Diante dessa dificuldade, as reflexões, aqui
apresentadas, têm como objetivo fornecer elementos para posterior investigação mais
aprofundada.

As ações dos proprietários fundiários estão diretamente associadas ao ritmo e à


velocidade por que passou o processo de evolução da cidade. Tal processo de construção se
deu através de uma justaposição de fragmentos, “pedaços”, refletidos nos diversos
processos sócio-espaciais. Essa justaposição, no entanto, não é homogênea, pelo contrário,
55

ela é seletiva e desigual, apresentado processos espaciais com formas e conteúdos desiguais,
construídos ao longo do tempo, nessa justaposição, existem ainda espaços vazios que são o
resultado da produção e da reprodução dos agentes sociais na cidade. Esses espaços são
chamados de vazios urbanos.

Esses vazios da cidade tornaram-se o alvo principal das ações dos agentes
produtores do espaço urbano, pois esses espaços ficaram supervalorizados, fruto do
processo de mercantilização em que se transformou o solo urbano, que como mercadorias,
gera lucro a quem detêm a sua posse.

Visualizar as ações desse agente, na cidade de Teresina, só foi possível através


de uma leitura espacial, extraída, principalmente, dos mapas que registraram os diversos
estágios de crescimento da cidade. Nos estudos mais expressivos sobre a cidade de
Teresina, as análises quanto aos proprietários fundiários não priorizadas, sendo eles
enfocados de forma superficial. O tempo histórico, em que esses agentes foram
mencionados, refere-se principalmente à década de 70.

O estudo de ABREU, intitulado “o crescimento da Zona Leste de Teresina – um


caso de segregação?”, investigou a possibilidade de formação de uma área com tendências à
segregação residencial de alto poder aquisitivo, nos bairros do Jóquei Club, Fátima, Campus
Universitário, Planalto Ininga, Esplanada Florestal e São Cristovão. Nesse estudo, ABREU
comentou que

“... na realidade, a propriedade da terra nesta área de Teresina se restringia a, no


máximo, umas dez famílias. Com o crescimento interno de Teresina na década de
60, estes proprietários vislumbram a possibilidade de valorizar suas propriedades e,
passaram eles pró[rios a incorporar uma nova atividade às suas outras, tornando-se
corretores imobiliários (...)” (ABREU, 1983: 73-74).

Em um outro estudo em que abordou a questão da verticalização na cidade,


ocorrida nos bairros Frei Serafim, Cabral, Centro e Fátima, ARAÚJO, forneceu “pistas”
valiosas para o entendimento dessa temática. Segundo o autor,

“neste momento, atendo-se aos agentes produtores do espaço, ora analisando, sabe-
se que até o início da década de 70, sobretudo, a parte próxima ao rio Poti, nos
bairros citados, não dispunha de um mínimo de infra-estrutura (água, esgoto,
56

pavimentação de ruas etc.), mas, ao mesmo tempo, os terrenos eram conservados


nas mãos de uns poucos (já ricos) proprietários, o que propiciou a conservação de
grandes áreas. Muitas quadras que já contêm um ou dois edifícios estão o restante
vazias, existindo até mesmo quadras inteiras, na parte mais próxima ao rio,
completamente vazias” (ARAÜJO, 1993: 58).

As discussões sobre os proprietários fundiários da cidade vão aparecer nos


estudos que analisaram a organização espacial dos bairros próximos ao rio Poti, nas
mediações da ponte dos Noivos, no sentido leste-nordeste da cidade, principalmente no final
da década de 60 e no começo da década de 70. Nesse contexto, a cidade apresentava um
crescimento em direção à Zona Sul, não existiam, até então considerações sobre as ações
dos proprietários fundiários nessa zona.

A evolução da mancha urbana de Teresina, espacializada na Figura 13, e


apresentada a seguir, permite que se observe o tamanho da cidade no seu processo de
evolução nos anos 60 e 70. A criação da ponte dos Noivos por sobre o rio Poti foi
determinante para a produção de uma área de alto status, estimulando, assim o
aparecimento dos proprietários fundiários, através de ações mais concretas no cenário da
cidade.

Na mesma figura acerca da evolução da mancha urbana de Teresina, nos anos


de 1970, é possível visualizar a grande quantidade de terras que foram incorporadas à
mancha urbana anterior, no sentido leste-nordeste. Observe-se que, ainda nesta figura, nas
proximidades do rio Poti, no sentido leste, já existiam vazios urbanos, que foram
determinantes para o processo de segregação residencial de alto status, que se instalaria ali,
nas décadas posteriores. Vale destacar, também, o crescimento da cidade ocorrido na
direção sul. Quando à Zona Norte, aconteceu um limitado crescimento horizontal da cidade
nessa direção, processo que foi acompanhado de uma tímida participação dos agentes
fundiários, talvez devido a razões físico-sociais existentes na área.

No contexto dos anos 70, uma questão que entrou em cena foram as políticas
públicas, principalmente as políticas habitacionais, implementadas pelo estado
desenvolvimentista brasileiro, que contribuiu para o aumento da mancha urbana da cidade.
SILVA enfatiza que
57

“a questão fundiária preside um dos aspectos fundamentais da problemática


urbana, conquanto, por um lado, a concentração da propriedade imobiliária acarreta
a especulação e consequentemente os altos preços dos loteamentos, dificultando o
acesso da população pauperizada ao mercado de terrenos e habitações. Por outro
lado, a política fundiária resultante da ação governamental que, a partir do regime
autoritário intervém sobre o espaço urbano, „empurra‟ as populações para as franjas
da malha urbana assentando-as em locais com condições precárias de habilidade e
sem lhes conferir o devido título de propriedade da terra” (SILVA, 1989: 67).

Todo esse quadro, apresentado acima, foi se intensificando ao longo das


décadas de 70 e 80, tornando-se muito complexo, principalmente, na primeira metade da
década de 90. O que se pode analisar na figura da mancha urbana é que, ao final dos anos
80, a cidade foi se espraiando em novas direções. A Zona Norte apresentou um pequeno
crescimento, sendo inferior ao apresentado nas outras zonas da cidade. A Zona Leste
tornou-se mais densa, transformando-se numa das zonas mais importantes da cidade, quanto
à instalação de infra-estrutura e de serviços. Uma outra zona que apresentou um acentuado
crescimento foi a Sul, que cresceu nos espaços entre os rios Parnaíba e Poti. Para ilustrar
melhor esse quadro, arrolaram-se os nomes dos proprietários de terras da cidade, a partir da
leitura do mapa do ano de 1983.

O mapa não trouxe informações detalhadas de todo o perímetro urbano da


cidade, mas, mesmo assim, forneceu algumas “pistas” que possibilitaram a espacialização
desse agente social no cenário urbano da época. O esforço foi de identificá-los dentro das
zonas administrativas da cidade, lembrando que, nesse período, a cidade contava apenas
com as Zonas Norte, Centro, Sul e Leste. A Zona Leste, no futuro, seria desmembrada em
Leste e Sudeste.

Na Zona Norte, o destaque foi as grandes extensões de terras controladas pelo


Governo do Estado e pela Prefeitura Municipal, os quais tem tido expressiva participação,
na cidade, como proprietários de terras, as quais tem recebido diversos usos no seu processo
de fragmentação. Nesse ano de 1983, as terras do Governo do Estado situavam-se nas
mediações dos bairros Olarias, Poti Velho e Alto Alegre. Quanto às da Prefeitura
Municipal, elas localizavam-se nos bairros Buenos Aires, Água Mineral, Real Compagri,
Aeroporto, Matadouro, Primavera, Pirajá, Vila Operária, seguindo até os bairros próximos à
Zona Centro da cidade nas proximidades da Av. Miguel Rosa.
58

Ainda em relação à Zona Norte, vale ressaltar que nas proximidades do bairro
Mocambinho, as terras de Juvêncio Alves de Carvalho e do Barão de Castelo Branco,
destacavam-se pela grande extensão. No bairro São Joaquim, o mapa ainda registra as terras
de Leôncio Barros, Silvania S. de Souza, Lourenço F. de Souza, Raimundo F. de Souza,
João Antônio de Souza e João F. de Souza Cabrinha. Um dado importante é que esse mapa
indica os proprietários de terras os quais tinham suas propriedades localizadas após o
encontro dos rios Parnaíba e Poti, nos bairros conhecidos – hoje – como Cidade Industrial,
Santa Rosa e Aroeiras.

Na Zona Leste (incluindo alguns bairros da atual Zona Sudeste), existiam várias
propriedades de terras, localizadas nos bairros Ininga, Fátima, Jóquei, Noivos, São João,
São Raimundo, Beira Rio, Tancredo Neves e Comprida. No bairro Ininga, destacaram-se as
propriedades de Maria Correia Lima, Juvêncio Alves de Carvalho, Agostinho Alves da
Silva e José Belford de Carvalho. Nos bairros Fátima e Jóquei, existiam as propriedades de
Lourenço da S. Rosa, Antonia Maria da Conceição e Nascimento da Silva Rosa. No bairro
Noivos, as mais expressivas foram as propriedades de Deoclesiano Santana de Carvalho e
Joana P. de Aréa Leão. No bairro São João existiam as propriedades de José J. de Moraes
Avelino e Dr. Jarbas de S. Martins. As terras pertencentes ao estado estendiam em direção
aos bairros Morada do Sol, Piçarreira, Horto Florestal e adjacências. No bairro São
Raimundo, ficavam as propriedades de Honorina Farias de Paula e do estado. Na área que
envolvia os bairros Beira Rio, Tancredo Neves e Comprida, existiam as propriedades de
Florêncio Gomes de Souza, Joaquim Gomes de Souza e Silvestre Alves Campelo.

No tocante à Zona Sul, na área que envolvia os bairros Catarina, Morada Nova e
Triunfo, destacavam-se as terras do estado, da Prefeitura Municipal, de Augusto Coelho
Resende e Joaquim Macêdo Souza.

Quanto a Zona Centro, toda a sua área estava mapeada, praticamente, como
pertencente ao patrimônio municipal. Mas o que esses levantamentos, podem revelar para o
entendimento da própria dinâmica de crescimento da cidade?

Tais levantamentos apontam para o contorno do mosaico em que se transformou


o solo urbano de Teresina, o qual foi retalhado por grupos que concentravam grandes
extensões de terras, próximas tanto à área central, quanto nas franjas urbanas. Nessa
59

realidade, chama atenção o fato de um mesmo proprietário possuir várias terras em


diferentes zonas da cidade, o que reflete uma estratégia de combate mais amplo do solo
urbano.

Esse crescimento se deu em algumas direções, deixando grandes vazios no


interior do perímetro urbano. Através da análise de um mapa do perímetro dos bairros de
Teresina, exposto no II PET, em 1988, foi possível elaborar um levantamento sobre os
vazios urbanos.

Na leitura do mapa pode-se observar que as Zonas Leste, Sudeste e Sul da


cidade, apresentam um número maior de vazios urbanos do que as demais zonas. Na Zona
Leste, nas proximidades da margem direita do rio Poti e dos bairros Ininga, Fátima, Jóquei,
Noivos e São João, os vazios urbanos eram alvo dos agentes fundiários e dos promotores
imobiliários, resultado da valorização das terras nesse espaços. Vale ressaltar que existiam
grandes extensões de terras no interior dos bairros Planalto, Horto Florestal e Piçarreira, que
seriam, no futuro, também, alvo dos grupos sociais excluídos. À medida que os bairros
foram se distanciando da área central, em direção as fímbrias periurbanas, os vazios urbanos
adquiriram maiores extensões de terras, superando as áreas urbanas edificadas. Um exemplo
disso foi o que aconteceu nos bairros Tabajaras, Socopo, Vale do Gavião, Vale Quem Tem,
Novo Uruguai e Uruguai.

Na Zona Sudeste, a ocupação ocorreu mais no interior da própria zona,


especificamente nos bairros Itararé, parque Ideal e Renascença, com a construção de
conjuntos habitacionais. Ainda ao norte da Zona Sudeste, encontram-se os bairros
Livramento, Gurupí, Todos os Santos e São Sebastião, grandes extensões que envolvem
pouquíssimas áreas urbanizadas, reflexo do crescimento ainda incipiente daquela zona. Da
mesma forma, os bairros são Raimundo, Beira Rio, Tancredo Neves, Comprida, Extrema,
Redonda e Parque Poti, foram marcados pelo predomínio dos vazios urbanos. Neste último
caso, a existência de lagos, lagoas e áreas alagadas dificultou a ação dos agentes produtores
do espaço urbano.

A ocupação espacial da Zona Sul se assemelhou, um pouco, ao processo


acontecido na Zona Sudeste. No interior da zona, nas áreas urbanizadas, existiam os
conjuntos habitacionais do Saci, Lourival Parente, Parque Piauí, Promorar e Bela Vista.
60

Mais ao Norte dessa zona, surgiam os vazios urbanos, nas proximidades da Av. Getúlio
Vargas, no sentido sul, envolvendo os bairros Santa Luzia, Parque São João, Morada Nova
e Catarina. Semelhante ao ocorrido nas Zonas Leste e Sudeste, nos bairros Angelim,
Angelim Sul, Parque Jacinta, Parque Juliana, Brasilar e Esplanadas, foram anexados aos
vazios urbanos, enormes extensões de terras, localizados na sua maioria nas fímbrias
periurbanas.

Nesse contexto, a Zona Centro esteve ocupada quase em sua totalidade,


existindo poucos vazios urbanos, à exceção das áreas de praças públicas. Na Zona Norte, os
vazios urbanos eram em menor número do que os encontrados nas zonas Leste, Sudeste e
Sul. Esses vazios urbanos estavam localizados em áreas alagadas, situados nos bairros
Olarias, São Joaquim, Alto Alegre e Mafrense. No bairro Mocambinho, existia uma enorme
área vazia, próxima ao rio Poti, com a presença de lagos e lagoas. Transpondo os limites do
rio Poti, no bairro Aroeiras, o cenário era marcado pela ausência de áreas urbanas, surgindo
apenas terrenos loteados, cenário que refletia o processo de periferização que acontecia na
cidade no final da década de 80.

No início dos anos 90, a cidade apresentou um crescimento no sentido norte,


transpondo as barreiras físicas do rio Poti. Nesse período, surgiram os bairros Santa Rosa e
Cidade Industrial, que foram ocupados por populações de baixa renda, através das políticas
de reassentamento da PMT, com a criação dos parques de assentamentos. Até 1995,
existiam inúmeros vazios urbanos nessa área, apesar da área urbanizada ser bem expressiva,
reflexo das políticas do poder público.

Na Zona Sudeste, em 1995, foram incorporados ao perímetro urbano novos


bairros, tais como: Cuidos, Verdecap, Bom Princípio e Santana, os quais foram marcados
pelo predomínio de atividades rurais, apesar de ter crescido muito o número de núcleos
urbanos em toda a área desses bairros. O predomínio de grandes propriedades foi resultado
da localização desses bairros, nas franjas urbanas.

Por fim, é necessário frisar que a cidade de Teresina, ao final de 1995,


apresentou inúmeros vazios urbanos no seu interior, até mesmo nos bairros mais
valorizados. Paralelamente a esse aspecto, a cidade cresceu em todas as zonas, produzindo
61

grandes vazios urbanos na sua periferia. A investigação dos proprietários fundiários e suas
ações na cidade, está longe de se esgotar, neste estudo.

2.3. OS PROMOTORES IMOBILIÁRIOS

A tarefa de refletir sobre as ações dos agentes promotores imobiliários traduz-se


na tentativa de identificar um conjunto de agentes que realizam inúmeras operações, como a
incorporação, o financiamento, o estudo técnico, a construção do imóvel e a
comercialização de sua mercadoria. As dificuldades em se apreender a trajetória dos agentes
promotores imobiliários, no cenário da cidade, desenvolvem-se ao fato de existirem
diferentes tipos de agentes (micro, pequeno, médio e grande), atuando em diversas escalas,
produzindo formas espaciais em várias zonas da cidade. Fazem-se necessário, por isso,
tanto uma análise das principais áreas de atuação dos agentes quanto o esforço de se
estabelecer uma relação entre a leitura dessas áreas e a própria dinâmica de crescimento da
cidade.

A análise dos promotores imobiliários é muito complexa, devido à existência de


inúmeras instância em que eles agem. A razão disso deve-se ao fato de que

“... há desde o proprietário fundiário que se transformou em construtor e


incorporador, ao comerciante próspero que diversifica suas atividades criando uma
incorporadora, passando pela empresa industrial, que em momento de crise ou
ampliação de seus negócios cria uma subsidiária ligada à promoção imobiliária.
Grandes bancos e o Estado atuam também como promotores imobiliários”
(CORRÊA, 1989: 20-21).

É necessário dizer que as ações desses agentes ocorreram na maioria das cidades
brasileiras, principalmente nas capitais dos estados, nas décadas de 70, 80 e no começo da
década de 90. No entanto, tais ações não se deram de forma linear e contínua. Pelo
contrário, ao se analisar a dinâmica da incorporação imobiliária, RIBEIRO enfatiza que

“a instabilidade é a principal marca da atividade construtiva no Brasil. Assim,


desde a criação do SFH sucederam-se vários ciclos de expansão e de retração.
Esta instabilidade não é decorrente apenas das conjunturas econômicas que
escassearam o financiamento – especialmente com o fim do SFH – e da
62

conseqüente retração da demanda das camadas médias. Ela se assenta nas


contradições inerentes a esta forma de produção, que a tornam incapaz de realizar
um processo de modernização duradouro, promovendo a ampliação do mercado
habitacional (...)” (RIBEIRO, 1996: 106).

Nesse mesmo estudo, RIBEIRO se refere ao debate teórico-político sobre a


dinâmica especulativa do mercado imobiliário, ocorrida no Brasil, nos últimos 20 anos,
identificando quatro eixos centrais.

“O primeiro postula que o caráter especulativo do setor decorre da natureza


periférica do nosso capitalismo, fundado no consumo de bens de luxo, não gera
condições propícias à ampliação da produção habitacional e incentiva práticas
especulativas (Malta, 1985, 1986). Outro aponta a função política do setor
imobiliário na construção da aliança entre os interesses do grande capital associado
ao sistema internacional de firmas, do capital local e ao próprio Estado (Lessa e
Dain, 1984). Isto fundaria um padrão de acumulação em alguns setores, marcado
pela intervenção do poder público para garantir uma divisão de esferas de
acumulação, e a redistribuição do excedente de forma a equalizar as rentabilidade.
Um terceiro eixo centraliza a interpretação nos efeitos da política econômico-
financeira que, alterando orientações expansivas, gera conjunturas de entrada e
saída de capitais da produção habitacional, o que é facilitado pelo fato de o setor
apresentar uma incipiente base técnica (Kandir, 1983). Finalmente, uma Quarta via
analítica atribui ao caráter periférico do nosso Fordismo, utilizando a formulação
de Lipietz (1985), os impasses do desenvolvimento do moderno setor construtivo
no Brasil, essencialmente inerente a este regime de acumulação (Mello, 1988).
Pretende-se, por outro lado, que a crise da produção capitalista de moradia não se
constitui numa simples recessão, mas uma mudança estrutural da organização dos
capitais, em curso em todo o mundo” (RIBEIRO, 1996: 111-112).

Nas grandes cidades brasileiras, as ações dos promotores imobiliários ganhavam


expressão no cenário urbano, no final da década de 70. No caso de Teresina, os promotores
imobiliários apareceram, de forma mais visível, no final da década de 80, embora já
houvesse sinais evidentes de suas ações no início dessa mesma década. Segundo ABREU,
em julho de 1981, a cidade de Teresina

“... contava com 56 imobiliárias e construtoras inscritas no CRECI – 23ª região,


(...). O setor imobiliário desenvolve-se bastante, tanto com relação a investimentos
públicos quanto privados, destacando-se, principalmente, este último. Começam a
aparecer na cidade construção de prédios de apartamentos ...” (ABREU, 1983: 19).
63

A consolidação desse agente na cidade de Teresina resultou, também, do


próprio crescimento que a cidade apresentou nesse período. A política habitacional, oriunda
do Governo Federal, nos anos 70, a qual construiu inúmeros conjuntos habitacionais,
contribuiu para tal consolidação. Sendo assim, foi necessário que o setor da indústria civil
acompanhasse a própria dinâmica da cidade, principalmente com o surgimento de grandes
empresas construtoras, de indústrias de cerâmica e de fábricas de concreto pré-moldados.
Somem-se a tudo isso a abertura de avenidas e a instalação de serviços as quais foram
fatores determinantes para ações mais articuladas dos agentes, em algumas áreas da cidade.

Uma outra questão que contribui para o entendimento das ações dos promotores
imobiliários na cidade é o fato de se perceber que esse agente, que pode ser um micro,
pequeno, médio ou grande incorporador, atua, ao mesmo tempo, em várias partes da cidade.
Os micros e os pequenos incorporadores atuam dispersamente no tecido urbano, o que, por
isso mesmo, dificulta a apreensão de suas ações. Em contrapartida, os médios e os grandes
incorporadores atuam de forma intensiva e concentrada, em uma determinada área da
cidade – na dos bairros de alto status residencial – o que dificulta menos a apreensão de
suas ações. Diante dessa dificuldade de rastreamento do agente imobiliário, RIBEIRO
enfatiza que

“a incidência de pequenos e micro incorporadores, embora com uma produção


relativamente pequena, revela uma das facetas do caráter especulativo do
mercado imobiliário. Em grande número de casos são empresas had hoc ou
pessoas físicas que entram no mercado em função de conjunturas específicas,
muitas vezes localizadas, constróem e em seguida retiram-se do mercado. No
outro lado da estrutura produtiva encontramos um reduzido número de grandes
incorporadores que controlam parcela expressiva da oferta, o que dá ao setor um
perfil próximo da oligopolização” (RIBEIRO, 1996: 109).

A partir da Segunda metade da década de 80, surgiram mais intensivamente, em


alguns bairros de Teresina, os promotores imobiliários. Nos bairros Centro, Cabral, Frei
Serafim e Ilhotas, edifícios de apartamentos “espelhavam paisagens modernas” de uma
cidade em construção. O resultado disso foi a formação de uma cidade em construção. O
resultado disso foi a formação de uma área verticalizada, aglutinando residências de
apartamentos com populações de alto status. A ação dos promotores se deu através das
seguintes características: preço elevado da terra nos bairros de alto status; acessibilidade,
eficiência e segurança dos meios de transporte; e amenidades naturais. Segundo CORRÊA,
64

essas características “em conjunto tendem a valorizar diferencialmente certas áreas da cidade, que
se tornam alvo da ação maciça dos promotores imobiliários: são as áreas nobres, criadas e recriadas
segundo os interesses dos promotores, que se valem de maciça propaganda...” (CORRÊA, 1989: 23)

É preciso enfatizar que os promotores imobiliários não agiram somente nas


áreas valorizadas, que envolviam os bairros nobres. Os promotores agiram, também, nos
bairros próximos às áreas valorizadas e em bairros distantes da área central, localizados, até
mesmo, nas franjas urbanas da cidade. A compreensão da diversidade dessas ações passa,
necessariamente, pela compreensão do crescimento da cidade como um todo, pela previsão
desse crescimento, pelo reconhecimento dos vazios urbanos e pela especulação fundiária.

“Neste quadro, o mercado imobiliário deixa de ter sua dinâmica fundada na


oferta de unidades habitacionais e passa a funcionar como um mecanismo de
seleção e de segregação social. Quem lucra com isso? Certamente o proprietário da
terra e as camadas de alto poder aquisitivo que passam a Ter acesso a espaços
exclusivos, controlados, nos quais prevalecem as melhores condições de vida. Mas,
também parte dos agentes da construção – os incorporadores – que se beneficiam
desta dinâmica especulativa” (RIBEIRO, 1996: 117).

Quanto ao crescimento da cidade, nos limites do perímetro urbano, a ação dos


promotores também se fez presente. Observe-se o depoimento de João Batista Paz,
presidente do Conselho Regional de Imóveis do Piauí (CRECI/PI):

“O processo beneficia diretamente as imobiliárias e construtoras. A partir de


quando as comunidades são atendidas nas suas reivindicações e, com a chegada da
infra-estrutura básica, os terrenos circunvizinhos se valorizam numa velocidade
espantosa. Na região do Itararé, por exemplo, de 5 anos para cá, os terrenos
sofreram a valorização extraordinária de 3.000 por cento...” (Entrevista: João
Batista Paz, 19-01-97).

A ocupação intensiva da Zona Sudeste, em especial dos bairros próximos ao


Itararé, contribuiu para a valorização das terras nesses espaços. Enfatiza ainda João Batista
Paz que,
“considerando como exemplo a área do Itararé, criado há 20 anos, com a chegada
da infra-estrutura e a sua autonomia, os terrenos das regiões mais próximas, como a
Redonda, Todos os Santos e até a Usina Santana, deixaram de ser propriedades
rurais, transformaram-se em loteamentos supervalorizados e, em conseqüência, lá
estão mais de 20 imobiliárias com quase 100 corretores de imóveis...” (Entrevista:
João Batista Paz , 19-01-97).
65

Na evolução urbana de Teresina, aconteceram significativas transformações na


primeira metade da década de 90, aumentando o número de construtoras e de imobiliárias
que atuavam na cidade. No Cadastro Imobiliário, da Secretaria de Finanças da PMT, estão
registrados, ao todo, 1.556 construtoras, imobiliárias e corretores de imóveis. Enquanto
existiam apenas 242 corretores de imóveis, existiam 1.314 construtoras e imobiliárias.
Segundo o Cadastro das Construtoras e Imobiliárias, registradas no CRECI/PI, existiam 124
construtoras e imobiliárias cadastradas. Observe-se, abaixo, a relação das construtoras e
imobiliárias credenciadas no CRECI/PI:

darcy araújo imóveis vilamont imobiliária farias morar morros - araripe imóveis - c.
r. prado - imobiliária jurema - imobiliária primavera imobiliária prado - anesio aguiar e cia ltda –
j. r. engenharia – cons. lourival parente – piauí construtora – escrit. advoc. dr. fernando bacellar –
construtora jell – soc. agrop. imobiliária – construtora amorim – gip-geral imobiliária –
imobiliária piauí – v. noronha construções – const. imobiliária garanhuns – imobiliária cidade
verde – imobiliária batista paz – habitar com. arquit. e imóveis – imobiliária boa nova –
imobiliária alessandra – rego monteiro const. e imobiliária – imobiliária & const. avanço –
imobiliária santa isabel – edilberto martins imóveis – roberto broder construções – urbapi
urbanizadora do piaui – imobiliária lages & andrade – socopo agropecuári industrial – fernando
carvalho e imóveis – jerico & jerico – imobiliária machado – esquema empreend. imob. &
serviços – icm-imóveis & construções – construtora melo martins – imobiliária dimensão –
imobiliária cristiane – f. g. emprend. imobiliários – imobiliária brasilar – carneiro da cunha & cia
– imobiliária bela vista – imobiliária santa teresa – tico imobiliária - imobiliária triunfo –
patrinvest – patri. imobiliários – imobiliária são conrado - halca emprend. imobiliários – f. s.
gadelha imob. com. e exportação – ciro nogreira agropecuária e imóveis – olinda imóveis ltda –
m. nogueira lima neto – ipl – imobiliária piloto – e. matos & cia – const. imobiliária tropicana –
imobiliária camarço – const. e imobiliária expansão – gleba imob. & adm. de imóveis –
imobiliária santa edwigens – magna adm. de imóveis s/c ltda. – júlio soares e cia – agenda imóveis
ltda. – imobiliária divisão ltda –nazaria imóveis ltda. – comove com. de imóveis ltda. – sbi-det.
assoc. inc. ltda – planta comst. imobiliária – j. b. imóveis ltda – emp. imob. santa madalena ltda –
barramares emp. imobiliários – welger da manhã – imobiliária rocha e riocha - construtora
jurema - portela martins e cia ltda – area imóveis - imobiliária teresina - ana cléia b. s. rocha –
construtora tajra melo – imobiliária lima aguiar – san diego emp. imobiliários – carlos sampaio
imóveis – planep cons. investimento – ação imóveis ltda –stand emp. imobiliários – teresina
imóveis – const. e imobiliária expoente – joão araújo móveis – imobiliária lar – evandro c. de a.
freitas – dinâmica administradora de bens – const. e imobiliária tropical – planus eng. ind. e
comércio – jomares imóveis – stilo imóveis ltda - habitar emp. imobiliários – predium emp.
imobiliários – imobiliária eurípedes andrade – terra emp. imobiliários – a. r. dias filho
construções – inocoop-cpm - teka imobiliária – marcelo klinger (prolar) – corretora almeida pinto
– alisio imóveis ass. jur. adm. – executivo habitacional – castelo branco imóveis – foninvest –
ispel-imobiliária são pedro – imobiliária jardim teresina - conceito const. imobiliária – const.
imobiliária porto – imobiliária mouzinh – multimóveis corretagens e adm. ltda – locare adm. de
66

imóveis ltda – ilha empreend. imobiliários (fonte: cadastro imobiliário de teresina – creci/pi –
07/03/97)

O crescimento da cidade ocorreu de forma acentuada, dificultando, para o poder


público, especialmente para a Secretaria Municipal de Finanças, a atualização do cadastro
imobiliário municipal. Segundo João Batista Paz, a Secretaria Municipal não consegue
acompanhar esse processo e cita um exemplo para ilustrar essa situação:

“... no caso, o loteamento Campestre, da Imobiliária Jurema, que em 1990 foi


invadido por famílias de sem-teto. Três anos depois, o proprietário de um lote de
600 metros quadrados, o corretor de automóveis Odon Ferreira dos Santos, foi
notificado para pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU. Surpreso com
o débito, Odon Ferreira requereu a sua baixa e ainda o pagamento da indenização
pela desapropriação feita pela PMT e até hoje não recebeu os R$ 800,00, valor pelo
qual o imóvel foi avaliado. O antigo loteamento, hoje denominado Maria João de
Deus, que estava abandonado e não dispunha sequer de via de acesso, atualmente
tem toda infra-estrutura básica exigida pela associação dos moradores.
Desnecessário será dizer que os terrenos situados nas proximidades foram
supervalorizados” (Entrevista: João Batista Paz, 19-01-1997).

Parece acertado que os promotores imobiliários de Teresina estão num processo


de consolidação de suas ações na cidade. A trajetória, até aqui traçada, possibilita dizer que
esses promotores já possuem uma “cultura” de investimentos imobiliários, o que é
facilmente observado na paisagem da cidade, bem como na forma diferenciada de suas
estratégias de uso do solo urbano.

2.4. O ESTADO

O Estado, no âmbito federal, estadual e municipal, foi um forte indutor da


dinâmica urbana. A leitura da trajetória desse estado o revela atuando em vários níveis, e
desempenhando as suas diversas formas de intervenção no espaço urbano.

A partir de 1964, o Governo Federal, amparado no regime militar que se instala


no país, criou vários instrumentos de intervenção na cidade, elaborando propostas que
visavam em maior planejamento urbano a ser executado nas cidades. O reflexo desse novo
momento culminou, no mesmo ano, com a criação do Serviço Federal de Habitação e
67

Urbanismo (SERFHAU) e do Banco Nacional de Habitação (BNH). Segundo FARRET, a


criação do SERFHAU foi um marco institucional do planejamento urbano no Brasil, tendo
em vista que esse sistema foi capaz de gerar vários outros projetos, a exemplo dos Planos de
Desenvolvimento Local Integrado (PDLI) (FARRET, 1985: 68).

Em 1969, foi apresentado o primeiro plano diretor de Teresina: o Plano Diretor


Local Integrado (PDLI), elaborado por uma empresa baiana de consultoria. Esse plano não
teve êxito, uma vez que as propostas não eram condizentes com a realidade sócio-
econômica da cidade. Praticamente, só foram aproveitadas as propostas relacionadas com o
sistema viário radiocêntrico e com o anel rodoviário.

Ao final da década de 60, o BNH repassou recursos financeiros para a


Companhia de Habitação do Piauí (COHAB-PI) que assumiu a função de agente financeiro e
de promotor imobiliário, simultaneamente, aliando-se a outros agentes executores,
produzindo em torno de 2.950 habitações, principalmente, na Zona Sul da cidade, com a
implantação do conjunto habitacional Parque Piauí. Em 1968, no Governo Helvídio Nunes,
o Estado do Piauí refletiu a “onda” de incentivo ao processo de industrialização que
avançava em todo o país. O Estado adquiriu uma área de 196 hectares, distribuída em 227
lotes, destinados para a criação do Distrito Industrial de Teresina, na Zona Sul da cidade.

As contradições sociais, no cenário da cidade de Teresina, adquiriram grandes


proporções a partir da década de 70. Esse período foi marcado pelo espraiamento de
conjuntos habitacionais em toda a cidade, principalmente em direção ao corredor sul,
reflexo do revigoramento das Companhias de Habitação (COHABs) em todo o país, a través
de novos financiamentos para a casa própria. A COHAB-PI, nesse período, produziu cerca
de 6.853 habitações. Tais investimentos foram iniciados nos governos de Dirceu Arcoverde
(1975/78) e de Lucídio Portella (1979/82). (LIMA, 1996, p. 22) Destacaram-se, nessa
década, os conjuntos habitacionais do Bela Vista (1977), Saci (1978) e Itararé (1978).

A cidade, na primeira metade dessa década, começou a mostrar um crescimento


espacial em todas as direções. A ação do Governo Estadual foi marcante nesse período. Na
Zona Norte, foi construída uma avenida que mageia os dois rios, interligando os bairros
dessa zona com o centro da cidade. Na Zona Sul, o destaque foi a criação de um Estádio de
Futebol com capacidade para 65.000 pessoas, bem como do alargamento das avenidas
68

Miguel Rosa e Barão de Gurguéia, importantes corredores na direção sul da cidade. Na


Zona Leste, foi criado o Parque Zoobotânico de Teresina, além da instalação de um
Terminal de Petróleo e do Pátio de Manobras da Rede Ferroviária Federal.

As políticas de habitação do Governo Federal, no período de 1965-75, foram


incapazes de gerar financiamentos de maior alcance às populações de baixa renda. O que
ocorreu foi uma inversão de propriedades.

“.Menos de 6 % das unidades financiadas foram destinadas aos chamados


programas alternativos. Entre as moradias populares financiadas, somente 17,6 %
eram oriundas destes programas especiais. Por outro lado, quase metade das
unidades financiadas (48,8 %) foram destinadas aos setores de classe média de
altos rendimentos (mercado médio). A distorção é ainda maior se levarmos em
conta que os custos da unidade habitacional popular são muito menores do que os
dos demais níveis de renda” (RIBEIRO & AZEVEDO, 1996: 79).

Quanto a esse fator, a cidade de Teresina, entre 1970 e 1975, caracterizou-se


pela presença maior dos governos federal e estadual. Foi somente a partir de 1975 que o
poder municipal começou a “sinalizar” sua presença no cenário urbano. SILVA advoga que
essa presença foi resultado de que

“... vive-se um momento em que a extrema concentração de renda e o aumento da


pobreza repercutem diretamente na deteriorização das condições de vida da
população e, consequentemente na agudização dos problemas urbanos. É quando o
processo de formação de favelas e aglomerados de pobreza adquire visibilidade no
contexto da cidade. E as demandas colocadas pelos setores empobrecidos da
população começam a convergir para a esfera pública, exigindo do poder
municipal, medidas mais efetivas quanto à precariedade dos serviços públicos
oferecidos, à ausência de infra-estrutura básica, sobretudo, a inexistência de uma
rede de drenagem, saneamento e infra-estrutura nos conjuntos habitacionais, assim
como a questão da moradia” (SILVA, 1989: 51-52).

Em 1977, em resposta ao agravamento das condições de vida na cidade e à


necessidade de „disciplinamento” do uso do solo urbano, o Instituto de Planejamento e
Administração Municipal (IPAN), em convênio com a Universidade de Brasília (UNB),
elaborou o I Plano Estrutural de Teresina (I PET), o qual foi efetivado através da Lei nº
1.591, de 31.08.1978. O I PET objetivou fazer um “zoneamento que dispõe sobre o
parcelamento, uso e ocupação do solo urbano de Teresina, preocupando-se em fixar padrões de
69

densidade por zonas, mediante a definição das áreas de expansão e implantação do perímetro
urbano” (SILVA, 1989: 52).

Nessa mesma década, o poder municipal, além de Ter sido um regulador do uso
do solo urbano, foi também um provedor de externalidades ao adotar os conjuntos
habitacionais de infra-estrutura, descentralizando várias outras atividades, como, por
exemplo, a construção de galerias pluviais, de mercado públicos e de unidades de saúde em
bairros localizados na periferia da cidade.

Uma medida do Governo Federal, no final da década de 70, teve grandes


repercussões nos municípios, quanto à questão do disciplinamento do uso do solo urbano. O
Governo Federal, do Presidente João Figueredo, sancionou a Lei nº 6.766, de 11 de
dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do uso do solo.

“A preocupação com a ordenada expansão das cidades levou a lei a exigir


perfeita articulação das vias do loteamento com o sistema viário e o controle do
município (grifo nosso) de seu entrosamento com a estrutura urbana. Os padrões
mínimos estabelecidos estão aparados na realidade de nossas cidades, de forma a
não excluir a população de menores rendas. Por outro lado, a Lei torna mais clara
as atribuições de loteadores, compradores e do poder público, criando melhores
condições para o exercício do parcelamento do solo, que é de grande significação
no processo de desenvolvimento das cidades brasileiras” (Lei nº 6.766, 1979: 3).

A década de 80, no âmbito das ações do governo federal, foi marcada por uma
profunda crise econômica do modelo desenvolvimentista brasileiro, afetando seriamente as
políticas sociais iniciadas nos anos anteriores. O governo federal continuou a administrar o
país com um regime deslegitimado pela maioria da sociedade brasileira, impedindo, através
de vários canais repressores, o exercício pleno da cidadania. O governo federal redirecionou
as suas ações e começou a implementar programas do tipo compensatório, a exemplo dos
Centros Sociais Urbanos (CSUs) que foram instalados em inúmeras cidades do país.

No setor habitacional, a crise atingiu o BNH. Mesmo assim, foram construídas


pela COHAB-PI cerca de 20.666 habitações, em sua maioria, entre os anos de 1980 e 1983.
O destaque foi a construção dos conjuntos habitacionais do Bela Vista II (1982) e do
PROMORAR (1982), na Zona Sul da cidade. Na Zona Norte, foram construídos o Itaperu
(1980) e o Mocambinho (1982). Na Zona Leste, por sua vez, ganha evidência a construção
70

dos conjuntos habitacionais Boa Esperança I e II (1984-85), Tancredo Neves (1985), Novo
Horizonte (1986) e Renascença (1986).

Em 1983, aconteceram novas investidas relacionadas ao disciplinamento do uso


do solo urbano de Teresina. A tentativa da Prefeitura Municipal, porém, não se concretizou
de fato, apesar de ter sido uma iniciativa apoiada nas medidas de descentralização
administrativa, implementadas pelo Governo Federal. Quanto ao Piauí, o Governo Estadual
de Hugo Napoleão refletia esse novo momento. SILVA comenta que o governador

O processo de redemocratização ocorrido no país, na primeira metade da década


de 80, foi refletido no cenário do Estado do Piauí. Em 1985 e 1986, com os Governo
Estadual de Alberto Silva (1996) e o Municipal de Wall Ferraz (1985), ambos do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), ampliaram-se as relações com os diversos
setores populares.

“... propõe em seu plano de governo que as decisões sobre o que reivindicar da
instância federal, ou o que realizar no âmbito local deve ser fruto da participação
dos vários segmentos sociais. Enquanto estabelece como objetivo para o campo da
política social o reconhecimento dos direitos fundamentais e a prática da cidadania
na construção de um novo tipo de sociedade, supõe o reconhecimento explícito da
responsabilidade popular e a negação do paternalismo e do assistencialismo”
(SILVA, 1989: 62).

Nesse período, os movimentos sociais urbanos começaram a ganhar expressão


no cenário político da cidade, impondo desafios ao poder municipal. Em 1985, com as
enchentes dos rios Parnaíba e Poti, na Zona Norte, várias famílias, que ficaram
desabrigadas, iniciaram várias ocupações de terras em áreas próximas a essa zona. As
ocupações de terras e a necessidade de políticas urbanas colocaram a questão da habitação
como uma das mais importantes nesse contexto histórico.

Em março de 1986, com o Decreto nº 789, foram regulamentados os Conselhos


Populares de Teresina. Paralelamente, surgiram a Federação das Associações de Moradores
e Conselhos Comunitários do Piauí (FAMEPI). Nesse período, emergiam, ainda, as Pastorais
Operárias, as Comunidades Eclesiais de Base e a Comissão Pastoral da Terra.

Em 1986, no âmbito federal, aconteceu a extinção do BNH. Vale ressaltar


71

“... que no primeiro ano após a extinção do BNH (1987) as COHABs financiaram
113.389 casas populares. Durante o primeiro semestre de 1988 este número caiu
drasticamente para 30.646 unidades devido às mudanças da política habitacional a
partir da resolução 1.464, de 26/02/88, do Conselho Monetário Nacional e Normas
Posteriores ...” (AZEVEDO, 1996: 81).

No tocante, ainda, ao BNH, AZEVEDO entende que

Durante os vinte e dois anos de existência do BNH (1964/1986) foram


financiadas cerca de 4,5 milhões de unidades habitacionais. Entretanto, apesar do
número expressivo, o desempenho da política foi socialmente perverso ao país, do
total de unidades, somente 1,5 milhão (33,3%) foi destinado aos setores populares,
sendo que atingidos pelos programas alternativos (entre um e três salários
mínimos) foram contemplados com apenas 250 mil unidades, ou seja, 5,9% das
moradias financiadas...” (AZEVEDO, 1996: 89).

Um outro fator importante foi a proclamação da Constituição do Brasil, em


1988. No capítulo da Política Urbana, o Governo Federal repassou amplos poderes aos
municípios, fazendo com que eles tomassem as “rédeas” do processo de gestão de seus
territórios. O artigo fundamental, desse capítulo, é o seguinte:

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executado pelo poder municipal,


conforme diretrizes gerais fixadas em Lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com
mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico de política de desenvolvimento
e de expansão urbana.
2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (Constituição
Federal do Brasil, 1988: 120).

Seguindo os preceitos delineados pela Constituição de 1988, o poder municipal,


na gestão do Prefeito Wall Ferraz, publicou, em agosto de 1988, o II Plano Estrutural de
Teresina (II PET). Essa nova investida, quanto ao disciplinamento do uso do solo urbano,
transformou-se numa tentativa de equacionar os problemas existentes em Teresina. A
cidade vivia uma realidade contraditória, com a emergência dos conflitos sociais, do
aumento do número de favelas e da consolidação de áreas de segregação de alto status. Essa
72

emergência, que acontecia em várias direções da cidade, foi reflexo da expansão da malha
urbana.

No II PET, aparece uma passagem importante. O documento mostrou a


preocupação do poder público que, a partir desse contexto, resolveu priorizar a ocupação da
Zona Leste da cidade. A expansão para essa zona surgiu em razão de que

“...o conflito com os rios, as restrições à ocupação na Zona Sul (áreas de topografia
acidentada e de proteção do manancial de abastecimento d‟água) e a grande
concentração de lagoas e áreas alagadiças na Zona Norte da cidade, é indicada a
prioridade de ocupar a Zona Leste da cidade, no sentido de se retirar o máximo de
funções urbanas do espaço entre os rios, diminuindo futuras despesas com serviços
de infra-estrutura de grande porte para a transposição dos mesmos” (Perfil de
Teresina, 1993: 38).

O II PET fixou e implementou as seguintes leis, objetivando orientar o


desenvolvimento urbano de Teresina:

a) Lei de nº 1.932 de 16 de agosto de 1988: institui “...o II PET, instrumento


normativo e orientador dos processos de transformação urbana, nos seus aspectos político-sociais,
físico-ambientais e administrativos”;
b) Lei de nº 1.933 de 16 de agosto de 1988: “...delimita o perímetro urbano da zona
urbana de Teresina, tendo em vista as expectativas de assentamento urbano até o ano 2.000,
objetivando assegurar melhores condições de habilidade e conforto com a população e, também, a
otimização e a economia dos serviços públicos de infra-estrutura urbana, propiciando crescimento
urbano racional, com a preservação do meio ambiente e dos bens culturais, aumento das taxas de
área verde, e ocupação adequada do solo urbano” ;
c) Lei nº 1.934 de 16 de agosto de 1988: delimita os perímetros dos bairros de
Teresina em cinco zonas administrativas regionais : Norte, Sul, Sudeste, Leste e Centro;
d) Lei de nº 1.935 de 16 de agosto de 1988: delimita os perímetros dos setores
urbanos de Teresina;
e) Lei de nº 1.938 de 16 de agosto de 1988: “...estabelece as normas e
procedimentos para o parcelamento do solo urbano, caracterizado por planos de arruamentos, planos
de loteamentos, desmembramentos de terrenos e remembramentos de lotes”;
f) Lei nº 1.937 de 16 de agosto de 1988: “...define a organização do espaço urbano
de Teresina, tendo em vista os seguintes objetivos: I – orientar a utilização do solo quanto ao uso,
quanto à disposição da população e quanto ao desempenho das funções urbanas; II – promover uma
73

estruturação urbana, visando melhorar a distribuição e a articulação dos pólos de dinamização; III –
preservar os elementos naturais de paisagem urbana e os sítios de valor histórico e cultural” ;
g) Lei de nº 1.936 de 16 de agosto de 1988: “Esta Lei define as diretrizes para a
ocupação do solo urbano de Teresina, tendo em vista os seguintes objetivos: I – orientar a ocupação
do solo quanto ao adensamento, estruturação e desempenho das funções urbanas; II – melhorar as
condições de conforto ambiental, garantindo um nível adequado de bem-estar à população; III –
garantir um padrão estético harmonioso e equilibrado ao desenho urbano da cidade”;
h) Lei de nº 1.939 de 16 de agosto de 1988: “Cria as zonas de preservação
ambiental, institui normas de proteção dos bens de valor cultural”;
i) Lei de nº 1.942 de 16 de agosto de 1988: “Dispõe sobre o tombamento e
preservação do patrimônio cultural, histórico, artístico e paisagístico...”;
j) Lei de nº 1.940 de 16 de agosto de 1988: “Institui o código Municipal de
Posturas” (II Plano Estrutural de Teresina, 1988: 2-89).

Em 1989, a Prefeitura Municipal, através da Lei de nº 1.271, sancionada no dia


16 do mês de junho, criou o Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) que tinha como
objetivo apreciar diretrizes, estratégias, prioridades e instrumentos para a política de
desenvolvimento urbano de Teresina, e opinar sobre eles. Tal lei visava, também,
acompanhar e avaliar sistematicamente a implantação do II PET. O CDU foi composto por
órgãos e entidades, tendo com Presidente o Prefeito Municipal de Teresina (Teresina em
Revista – Ano I, n.1, agos-1990).

Em relação às tentativas de resolução da problemática habitacional da cidade, a


PMT, através da Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo, agiu de forma mais
atuante entre os anos 1980 e 1989. No geral, a PMT expediu 11.496 certidões de Habita-se e
regularizou em torno de 10.243 lotes urbanos, inferindo diretamente no espaço urbano.

No âmbito federal, a política habitacional, desenvolvida na primeira metade da


década de 90, foi marcada pela falta de inovação em seus programas de habitação,
transformando-se em políticas compensatórias. O governo Collor, mais especificamente
quanto à questão da habitação popular, teve um comportamento

“...que Marcus André chama de “banalização” da política, com sua dissociação das
atividades de saneamento e desenvolvimento urbano e a transformação em uma
política distribuitiva, agora vinculada ao novo Ministério da Ação Social. (...) A
74

construção de unidades convencionais também continuou privilegiando setores


populares de renda mais elevada” (AZEVEDO, 1996: 83).

Em 1992, novamente a PMT veio, através do Prefeito Municipal Wall Ferraz,


publicar a nova Legislação Urbana de Teresina. Esse documento, através das Leis de nºs
2.264, 2.265 e 2.266, de 16 de agosto de dezembro de 1993, respectivamente, definiu a
ocupação do solo urbano, o uso do solo urbano e o código de obras e edificações de
Teresina. No texto de apresentação do documento, Wall Ferraz, justificou a necessidade de
atualização da legislação do espaço urbano de Teresina. A justificativa apresentada deu-se
em razão de que se

“...tem percebido, por toda parte, o crescimento vertical da cidade. A população


aumentando a olhos vistos. O comércio expandindo-se pelos bairros. Construções
realizadas de forma desordenada. Tudo, portanto, a reclamar modernas e eficazes
leis municipais” (Legislação Urbana de Teresina, 1993: 1).

Em uma conversa sigilosa, um certo funcionário da PMT, que vivenciou todo o


processo de elaboração do II PET e da nova Legislação Urbana, revelou ao autor deste
estudo que a atualização dessas Leis – da ocupação do solo urbano, o uso do solo urbano e o
código de obras e edificações – ocorreu mais por pressão dos promotores imobiliários do
que por força do poder público. Essa fonte afirma que, nas discussões que orientam a
elaboração do II PET, por volta de 1988, os promotores imobiliários não estavam
organizados enquanto classe e não souberam exercer a pressão sobre o poder público. Mais
tarde, por volta dos primeiros anos da década de 90, os promotores imobiliários
pressionaram o poder público no sentido de que houvesse uma reformulação das leis de
ocupação e do uso do solo, bem como da implantação do código de obras e de edificações.

No governo de Itamar Franco, surgiram novos programas direcionados às


classes de baixa renda, no sentido de equacionar a problemática habitacional no país.
Criaram, para tal fim, os programas “Habitar Brasil” e “Morar Município” que atuaram
paralelamente ao Sistema Financeiro da Habitação.

“Mesmo sendo uma iniciativa de política descentralizadadora, os referidos


programas pecavam por uma excessiva padronização. Em outras palavras, faziam
“tabula rasa” da enorme heterogeneidade dos municípios brasileiros, exigindo de
todos a formação de Conselhos e Fundos. Não há dúvida de que, par a maioria dos
75

pequenos municípios, corre-se o risco de criação apenas formal destes mecanismos,


como já vem ocorrendo com outras exigências similares feitas por leis federais e
estaduais (Conselho de Saúde, Educação, Menor etc.)” (AZEVEDO, 1996: 88).

A PMT agiu de forma intensiva na metade da década de 90, atuando na


execução de políticas, principalmente em relação à regularização fundiária e ao
reassentamento de famílias. Até maio de 1996, a PMT desapropriou e desafetou,
respectivamente, cerca de 766.211 ha e 195.999 ha de terras, concedendo, ainda, a cessão de
posse de uso a 3.906 famílias. A política implementada atuou no reassentamento de famílias
que ocupavam áreas de riscos e irregulares, abarcando o universo de 3.311 famílias,
envolvendo cerca de 16.555 pessoas (Censo de Vilas e Favelas de Teresina, 1996: 15).

O governo de Fernando Henrique Cardoso, no ano de 1995, apresentou algumas


propostas para a política habitacional: a) aplicação de 3 bilhões de reais no setor,
beneficiando famílias de baixa renda; b) saneamento do FGTS com o objetivo de proteger os
recursos dos trabalhadores; c) securitização da dívida do Fundo de Compensação das
Variações Salariais – FCVS, junto aos agentes financeiros e ao FGTS; e, d) implementação
das novas formas de captação de recursos para o setor imobiliário. Com essas propostas, o
programa do governo visava fortalecer o papel dos municípios como agentes promotores da
habilitação popular, principalmente em programas ligados à urbanização de favelas e à
recuperação de áreas degradadas (AZEVEDO, 1996: 88-89). Os impactos dessas medidas
não puderam ser, aqui, neste estudo, serem analisadas.

Conclui-se daí que o conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, contribui


para a transformação do tecido urbano da cidade de Teresina, atuando principalmente na
elaboração de leis na tentativa de disciplinar o uso do solo urbano. Suas ações, também
foram marcantes quanto a produção de habitações e quanto ao processo de regularização
fundiária na cidade.

2. 5. OS GRUPOS SOCIAIS EXCLUÍDOS

Os grupos sociais excluídos têm atuado na cidade de Teresina, variando suas


ações no tempo e no espaço. Entre os anos de 1970 e 1985, as ações desses grupos foram
mais pontuais e desvinculadas de uma estratégia mais ampla de ação no cenário urbano.
76

Entre os anos 1985 e 1995, esse agente social atuou mais no cenário urbano, assumindo
estratégias de “intervenção” na cidade. As favelas representam a luta por moradia na cidade.

Inicialmente, é preciso salientar que a produção das favelas nas cidades


brasileiras foi um processo que expandiu-se na primeira metade da década de 70. Observe-
se que:

“... Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, entre 1970 e 1980 a população
moradora em favela cresceu 27,8%, enquanto que a população total aumentou
19,7%; nesta última década foi maior a degradação das condições de moradia, pois
a população em favelas aumentou de 32%, enquanto para a cidade o crescimento
foi apenas de 17%. Em São Paulo, entre 1973 e 1987 a população aumentou 61%, e
os moradores de favelas, em 1.031 (...)” (RIBEIRO, 1996: 105).

No caso das cidades de Salvador, Recife e Fortaleza, as principais cidades do


Nordeste, o processo das “invasões” de terras, consequentemente da produção das favelas,
aconteceu no final da década de 70. Nesse período, as favelas surgiram com maior
intensidade, marcando, no cenário urbano das cidades, uma nova alternativa em busca da
sobrevivência nesses espaços que se tornaram espaços segregados, refletindo a resistência
de grupos sociais expropriados de moradia, saúde, educação, entre outros direitos sociais,
fundamentais para a reprodução social humana.

Em Teresina, essa realidade começou a ganhar forma em meados da década de


70, quando, em 1974, na Zona Sul, surgiu a favela COHEBE de Baixo – nome se justifica
pelo fato de a favela se situar bem de baixo dos fios de alta tenção. Com a expansão desse
primeiro núcleo, formaram-se mais dois outros: a COHEBE do Meio e a COHEBE de Cima.
Ainda nessa década, esses três núcleos passaram a ser chamados genericamente de “favela
COHEBE”. Nos primeiros anos, a favela COHEBE chegou a abrigar 150 famílias, as quais
atingiram o número de 987 em 1980. A relação entre a população da favela COHEBE e o
poder público foi marcado pela tensão em torno da posse do terreno o qual pertencia à
extinta Companhia Hidroelétrica da Boa Esperança (LIMA, 1996: 25).

LIMA, ao se referir a outras favelas desse mesmo período, localizadas nas Zonas
Sul e Norte, enfatiza que:
77

“Esses processos de ocupação caracterizam-se pela manifestação de uma


necessidade concreta, que levava famílias a buscar meios de sobrevivência na
cidade. O caráter da ocupação definiu-se, assim, muito mais pela demanda oriunda
de uma carência individual do que pela carência coletiva apoiada em um direito,
embora a vivência na favela nomeasse um novo significado à realidade da
ocupação” (LIMA, 1996: 28).

Ainda em 1974, apareceu uma nova favela, denominada favela Amizade,


localizada na Zona Sul, próximo ao conjunto Parque Piauí. No campo político, essa favela
foi marcada por um conflito que envolveu tanto os moradores da favela quanto o
proprietário do terreno e alguns organismos governamentais. É importante frisar que nesse
confronto, a participação da Igreja, que, através da Arquidiocese, doou um terreno às
famílias, amenizou os impasses entre os envolvidos, criando uma nova área denominada
Vila São Francisco (LIMA, 1996: 37).

Ao final da década de 70, o Governo Federal lançou o Programa de Erradicação


de Sub-Habitação: o Programa PROMORAR. O aparecimento desse programa, em Teresina,
nasceu da necessidade de “sanar” a problemática das moradias de baixa renda, isto é, das
favelas. A COHAB/PI, que tinha acabado de construir o Conjunto Habitacional do Itararé,
resolveu transferir a população desse núcleo da COHEBE para o novo conjunto habitacional.
Essa ação foi inválida devido aos preços altos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e à
rejeição dos moradores da favela, por conta da distância entre o novo conjunto e a cidade
como um todo, além dos altíssimos gastos sociais decorridos da ausência de infra-estrutura
no novo local.

No final da década de 70, a COHAB/PI, interveio no espaço urbano na tentativa


de equacionar a problemática gerada pela existência da favela no tecido urbano. A
COHAB/PI uniu a favela COHEBE a mais quatro outros núcleos da favelas, Lucaia, São
Pedro, Tabuleta e CODIPI, e os colocou no Conjunto Habitacional do PROMORAR,
localizado na Zona Sul. Esse programa de erradicação de sub-habitação não teve êxito, pois
as favelas localizavam-se em áreas não contíguas, dificultando a integração e a posterior
inserção dos moradores das cinco favelas. A tentativa de segregar residencialmente um
grupo social, pertencente a uma favela, em um novo com formas e com estrutura social
diferentes daqueles do local de origem, contribuiu para o fracasso do Programa do
PROMORAR.
78

Um dado importante a se ressaltar sobre esse núcleo de favelas, “encaixadas”


nesse programa, foi a revelação de que 40% dos moradores das favelas moraram,
anteriormente, em outro bairro ou em outra favela, demonstrando que, no final da década de
70, a cidade já possuía uma estrutura urbana que agravava as condições de vida de seus
citadinos, promovendo, assim, migração intra-urbana como forma de alternativa para a
existência dessas pessoas na cidade (FÔNSECA, 1983: 46).

Os grupos sociais excluídos começaram, a partir dos anos 80, a agir e a ganhar
maior expressão no cenário urbano, fazendo com que as reivindicações em defesa da
moradia passassem a se contrapor às medidas de intervenção imposta pelo poder público,
orientadas no sentido de “depositar” as populações residentes nas favelas nos conjuntos
habitacionais ou em áreas localizadas na franja da malha urbana. Comenta SILVA que

“... essa luta adquire novos contornos a partir de 1985 pelo volume de ocorrências
de invasões e pelo fato de a população das áreas faveladas Ter crescido com uma
rapidez surpreendente, aprofundando conflitos e tensões sociais no contexto da
cidade. As ocupações passam a se produzir coletivamente, de forma organizada e
as estratégias de enfrentamento resistem às tentativas de expulsão ou deslocamento
das áreas ocupadas, as quais começam a ser desapropriadas e entregues aos
mandatários” (SILVA, 1993: 245).

Um marco histórico importante para o entendimento tanto da trajetória dos


grupos sociais excluídos quanto da produção das favelas na cidade de Teresina foram as
transformações ocorridas no ano de 1985. Esse momento foi marcado por fortes inundações
dos rios Parnaíba e Poti, na Zona Norte da cidade, como também pelo aparecimento das
ocupações de terrenos efetuadas coletivamente por grupos de pessoas “identificados” com a
defesa da moradia.

Tais inundações deixaram um grande número de pessoas desabrigadas. Uma


parcela dos desabrigados ficou em alojamento organizados pela PMT e a outra resolveu
ocupar os terrenos vazios em áreas próximas, nos bairros da Primavera, do Mafrense e do
Poti Velho.

A primeira dessas áreas ocupadas, recebeu o nome de Vila Tancredo Neves


aglutinando cerca de 200 famílias. Mais tarde, uma outra área bem próxima à primeira foi
79

também ocupada, recebendo o nome de Vila Risoleta Neves. Ambas as áreas localizavam-
se na Zona Norte de Teresina. Cabe ressaltar aqui as manchetes dos jornais de Teresina que
circulavam naquele momento:

“Alagados Invadem Terrenos na Zona Norte” ( Jornal da Manhã – 21/05/85)


“Cresce número de Famílias na Vila „Tancredo Neves” (Jornal da Manhã – 26/05/85)
“Justiça manda expulsar os invasores da Vila „Tancredo” (Jornal da Manhã – 30/05/85)
“Alagados permanecem na „Tancredo” (Jornal da Manhã – 01/06/85)
“PM garante o despejo de desabrigados”(O Dia – 04/06/85)
“Flagelados reagem à ação de despejo” (O Estado – 04/06/85)
Fonte: DOSSIÊ – CEPAC/1985

A partir desse conflito, pode-se perceber que os grupos sociais excluídos


tornaram-se mais atuantes, com mais força no sentido de reivindicar melhores condições de
vida. A aliança com alguns atores sociais, como, por exemplo, a Igreja, os partidos políticos
e as entidades representativas dos movimentos populares de moradia, foi consolidando-se
gradativamente, criando patamares de ações que foram decisivas na intervenção e na
elaboração de propostas de equacionamento da problemática urbana. Quanto a esse fato,
SILVA afirma que, até o ano de 1988, o cotidiano das lutas populares referiu-se,
basicamente, às questões de moradia e de transportes e de transportes coletivos (SILVA,
1993: 245).

A expansão e a produção das favelas em Teresina intensificaram entre os anos


de 1985 e 1995. Em um trabalho, publicado pela Secretaria Municipal de Planejamento e
Coordenação Geral, constatou-se que a cidade de Teresina, em 1991, possuía 56 favelas,
sendo a maioria delas localizadas nas Zonas Sul e Norte.

No período entre fevereiro de 1993 e agosto de 1994, a PMT, através da


Secretaria Municipal de Trabalho e de Assistência Social (SEMTAS), juntamente com a
Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários (FAMCC) e com a
Federação das Associações de Moradores do Estado do Piauí (FAMEPI), elaborou o
primeiro Censo de Vilas e Favelas de Teresina. Esse censo revelou que a cidade de Teresina
já contava com “... 141 áreas consideradas vilas, favelas ou similares, com 14.077 moradias que
80

abrigam 14.542 famílias, envolvendo 67.503 pessoas que constituem 10,52% da população do
município” (Censo de Vilas e Favelas, 1996: 16).

Em uma outra pesquisa realizada no período de setembro de 1995 a maio de


1996, visando atualizar o universo da população residente nas favelas, a PMT procedeu ao
segundo Censo de Vilas e Favelas de Teresina. Esse segundo censo detectou um decréscimo
muito no número de favelas, como se vê a seguir:

“... o número de ocupações é da ordem de 149 vilas, favelas e áreas de


assentamentos, com 24.895 domicílios, abrigando 25.775 famílias e uma população
de 94.617 habitantes, representando 12,83% da população do município,
considerando que o Perfil de Teresina – 1993, estima sua população para 1996, em
737.450 habitantes” (Censo de Vilas e Favelas, 1996: 16).

A proposta metodológica adotada na aplicação desse censo requer olhares mais


atentos, tendo em vista que parece existirem algumas “deformações” no corpo do trabalho.
A investigação desses dados, de forma mais detalhada, será feita no capítulo 3, referente ao
tópico que analisa as favelas na cidade. Vale ressaltar a riqueza demonstrada nesse segundo
censo, trazendo uma variedade de informações extraídas dos moradores das favelas.
Destaquem-se também as informações sobre o regime de propriedade do terreno ocupado; a
situação física do terreno ocupado; as famílias por faixa de renda e por condição de
ocupação dos domicílios; a população economicamente ativa, desocupada e em idade ativa,
por zona; e as famílias por níveis de renda. Todos esses aspectos serão abordados em breve.

É importante frisar que, no “final” dessa trajetória, os grupos sociais excluídos


passaram a ser reconhecidos pelo poder público como uma expressão de reivindicação de
uma parcela significativa da população que não possui um teto para morar. A sua
articulação com outros atores sociais solidificou as suas ações, tornando-as mais
consistentes do ponto de vista político e espacial, já que o resultado dessas ações pode ser
facilmente visualizado na paisagem urbana.

2.6 OS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS


81

Entender os movimentos sociais urbanos (MSUs), em Teresina, entre os anos de


1970 e 1995, não é uma tarefa fácil, tendo em vista que a aproximação da geografia com
essa temática é ainda muito incipiente. SILVA nos alerta de que:

“É imprescindível que o conceito de espaço se elabore de tal forma que


possibilite uma apreensão do real na totalidade de suas determinações, para que se
faça teoricamente a análise e se apreenda as bases concretas da sociedade, com
todo o seu movimento. Assim, as pesquisas que visam estabelecer relações na
produção do espaço urbano a partir da ação de todos os atores sociais envolvidos
encontram um nível maior de dificuldade na medida em que buscam compreender
como se dá esse processo” (SILVA, 1992: 84).

As reflexões desenvolvidas, neste tópico, tem como objetivo fazer esse esforço
teórico sobre a realidade da cidade de Teresina, articulando-se a trajetória dos MSUs à
leitura do espaço urbano. Os MSUs, aqui entendidos como atores sociais que contribuem
para a produção da cidade, enfocarão as ações da Igreja, das Associações de Moradores, das
Federações de Moradores, dos Partidos Políticos e das Organizações Não-Governamentais
(ONGs).

Quanto à emergência dos movimentos reivindicativos e contestatórios, reflexo


do crescimento acelerado das cidades, bem como da crescente deteriorização da qualidade
de vida dos citadinos, a década de 70 foi marcante para a maioria das cidades brasileiras,
como SILVA comenta:

“Dessa perspectiva, o novo caráter da problemática urbana passa a se centrar


nos serviços básicos de uso coletivo e no papel do Estado como abonador e
orientador da vida cotidiana. Assim, os movimentos urbanos se constituem em
processos organizativos no nível de local de moradia, com reivindicações que
incorporam uma gama de lutas sociais relativas à deterioração e a precariedade das
condições reprodutivas em sua dimensão cotidiana” (SILVA, 1993: 236).

A cidade de Teresina, até meados de 70, registrou a presença de alguns atores


sociais que atuaram de forma isolada, não impondo profundas transformações nas suas
áreas de atuação. SILVA diz que, nesse período, percebe-se que “suas estratégias de resistência
e luta para superação das péssimas condições de existência, passam pela submissão à ação de
determinados mediadores sociais e sujeição a determinadas regras político-eleitoreiras” (SILVA,
1989: 67).
82

A Igreja Católica, no início dessa década de 70, exerceu um importante papel


em relação às lutas sociais na cidade, principalmente na Zona Sul. LIMA entende que, nos
fins dos anos 60 e no começo dos anos 70, as ações da Igreja Católica estavam relacionadas
com as reivindicações junto ao poder público, clamando por melhorias de serviços e de
equipamentos coletivos. Essas ações foram marcadas por um processo de intermediação
entre os diversos agentes envolvidos nessa problemática (LIMA, 1996: 31).

“Com a criação da Paróquia São João Evangelista e a designação, para esta, de


um padre recém-chegado da França (que ali permaneceu no período de 1968/71),
inaugurava-se um trabalho pastoral distinto dos modelos da paróquia tradicional. É
que esse agente passara a adotar uma linha de organização de grupos em função de
problemas objetivos, tomando como ponto de partida as próprias atividades
religiosas. Formaram-se o Conselho Pastoral e os grupos de jovens e de mulheres,
de onde partiam reivindicações por serviços de infra-estrutura: água, luz,
calçamento e serviços de uso coletivo: transporte, praça, escolas etc...” (LIMA,
1996: 33).

Ainda na década de 60, emergiram, no cenário urbano, as associações de


moradores, de forma muito lenta. Em 1964, criou-se a primeira organização de moradores
da cidade de Teresina, atribuída a um agente parlamentar, vereador de Teresina, José Vieira
Touranga. Teresina, até a primeira metade da década de 70, possuía cerca de seis
organizações de moradores. Ao final de 1979, a cidade já apresentava onze organizações de
bairro. Dessas novas associações, que nasceram na Segunda metade de 70, duas estão
relacionadas com a história política do Vereador Touranga; duas nasceram nos novos
conjuntos habitacionais e uma outra, na favela (SILVA, 1989: 70).

Os MSUs de Teresina são reconhecidos enquanto sujeitos sociais, a partir de


uma série de mobilizações no Bairro do Parque Piauí, Zona Sul da cidade, no ano de 1977.
Em Teresina, principalmente na Zona Sul,

“... começavam a aparecer manifestações públicas, e a se constituir outros espaços


de articulação e de organização de lutas, sob diversas formas: Conselhos
Comunitários, Associação de Moradores e Movimento contra o Custo de Vida.
Mas diretamente ligados à Igreja, surgem algumas iniciativas de criação de CEB‟s
(Comunidades Eclesiais de Base) e de Pastorais (Juventude, popular e operária),
etc. As relações entre os movimentos de bairro e o Estado começaram, assim, a
83

assumir um novo contorno: ambos passam a ser vistos como pólos de um mesmo
processo, tendo o Estado que reconhecer os novos movimentos como interlocutores
legítimos das populações” (LIMA, 1996: 34).

A efervescência política, resultado da forte presença da Igreja nessa área, foi um


fator decisivo na organização do movimento popular na Zona Sul da cidade. Esse processo
repercutiu, mais tarde, nas demais zonas da cidade.

A partir de 1980, as manifestações populares acentuaram-se na cidade. As


comemorações do Dia do Trabalhador, que acontecia na Zona Sul, começaram a se deslocar
em direção à área central da cidade. Nesse período, ganharam força o movimento
“alternativo” e o movimento de jovens, apoiados pela Igreja Católica, criaram o Centro de
Estudos Alternativos do parque Piauí (CEA), na Zona Sul. Pode-se perceber, entre 1979 e
1982, a inserção de representações políticas unidas aos movimentos populares, a exemplo
de representantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B), do Partido dos Trabalhadores
(PT) e de alguns segmentos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

É importante frisar que, entre os anos 1982 e 1983, emergiu no cenário da


cidade, o Centro Piauiense de Ação Cultural (CEPAC), ONG vinculada ideologicamente ao
PT. O CEPAC, em sua primeira fase de existência, realizou “... seminários, cursos e encontros,
voltados para a periferia urbana de Teresina, o sindicalismo e as associações comunitárias rurais, o
sindicalismo urbano, os grupos de agentes de pastoral, educação e saúde popular” (CEPAC, Ano 15:
O Rejuvenescer de uma Utopia, 1997: 3).

Entre os anos 1984 e 1985, fase de gestação do modelo, o CEPAC definiu áreas
de atuação na cidade e tipos de atividades a serem desenvolvidas. Quanto às áreas de
atuação, vale destacar os vários projetos voltados para o sindicalismo rural, para o
sindicalismo urbana, para a periferia urbana, para os movimentos de jovens e estudantes,
para os movimentos de mulheres e negros, para os setores de educação e saúde popular e
para as ofertas de serviços públicos, dentre outros. Em relação às atividades, por sua vez,
ressaltam-se a preocupação com a capacitação da equipe de assessores, a preparação de
lideranças e militantes de base, o de atividades locais desenvolvidas por outras entidades e o
apoio a essas atividades, as atividades educativas complementares (seminários e pesquisas)
e a produção de material.
84

Retornando à análise das associações de moradores, observou-se que, na


primeira metade da década de 80, foram institucionalizadas em torno de 42 entidades. LIMA
comenta que, no começo da década de 80,

“... Teresina apresentava um processo de organização de bairros ampliada, com


uma multiplicação das entidades formais, delimitando um novo momento na
história dos movimentos sociais. Os processos não formalizados tendem a ser
substituídos maciçamente pelas Associações de Moradores e Conselho
Comunitários...” (LIMA, 1996: 35-36).

Mais uma vez, constatou-se que o ano de 1985 foi um “divisor de águas”. A
partir desse ano, os MSUs entraram em cena, tornando-se verdadeiros atores sociais na
busca e na defesa do equacionamento da problemática urbana.

No campo político, a Segunda metade dessa década foi marcada pela presença
mais intensa dos partidos de esquerda, como, por exemplo, o PT e o PC do B. As ações do
PT visavam priorizar os grupos sociais vinculados à luta pela moradia nas Zonas Norte e
Sul da cidade, enquanto o PC do B se restringia a atuar mais diretamente na assistência aos
grupos sociais das Zonas Leste e Sudeste da cidade. Essa divisão espacial refletia uma
“divisão territorial da cidade”, praticada entre os partidos políticos e as associações de
moradores.

Em fevereiro de 1986, foi a Federação das Associações de Moradores do Estado


do Piauí (FAMEPI), entidade vinculada politicamente às idéias do PC do B. No mês de
março do mesmo ano, foi criada uma outra entidade ligada aos movimentos populares que
têm lutado pela moradia: a Federação das Associações de Moradores e Conselhos
Comunitários (FAMCC), atrelada aos quadros partidários do PT. Vale ressaltar que, no
processo de criação da FAMCC, ocorreu a participação importante do CEPAC, prestando
assessorias e executando projetos.

Quanto à relação entre essas federações de moradores e os partidos de esquerda,


LIMA ressalta que elas

“... congregam uma grande parte das entidades, a elas filiadas, mas não abarcam o
conjunto de movimentos sociais que evoluíram e se multiplicaram a partir de 85.
Com efeito, muitas lutas se encaminharam sem se submeterem à direção das
85

entidades formais, a exemplo do conhecido “movimento dos sem-teto”, resultado


das ocupações que tomaram a cena urbana a partir de 85. A FAMCC tem atuação
mais direta junto a esse movimento, assumindo a luta pela moradia, um dos
principais problemas de Teresina” (LIMA, 1996: 36).

Analisando o processo de construção das associações de moradores em


Teresina, no final da década de 80, SILVA diz que esse processo de construção e de luta das
associações de moradores pode ser dividido em três momentos:

“1 – O primeiro, compreendido entre a emergência das primeiras associações e o


final da década de 70, é caracterizado pela predominância de um padrão de
relacionamento que se pode denominar de clientelista ...;
2 – Segundo momento – compreendido entre 79/83 é caracterizado por um novo
padrão de relacionamento cuja marca predominante é a oposição e o enfrentamento
em relação ao Estado;
3 – Terceiro momento – situa-se no período correspondente a 83/87 e pode ser
apreendido como um momento de transição. Caracteriza-se pela profunda mutação
na conjuntura política e pela coexistência de três padrões de relacionamento, sem
que nenhum detenha a hegemonia do período. São eles: 1 – o clientelismo; 2 – a
oposição e o enfrentamento; 3 – a cooperação e negociação” (SILVA, 1989: 110).

No início dos anos 90, o CEPAC voltou a repensar suas ações na cidade e
conseguiu concretizar o seu modelo de ação, construído entre os anos 1986 e 1991. Nesse
contexto, a organização

“... irá conscientemente priorizar alguns setores populares: sindicalismo urbano


e periferia urbana; desenvolverá ora umas ora outras das atividades pela prática,
tais com: a assessoria às articulações inter-entidades e o apoio financeiro a
entidades de movimentos; e estruturará de modo permanente os serviços
(jurídicos, de artes gráficas e de comunicação e documentação), como apoio
infra-estrutural às áreas de atuação ...” (CEPAC: Ano 15: O Rejuvenescer de
Uma Utopia, 1997: 3).

Nesse período, o CEPAC elaborou suas “categorias metodológicas”: o


acompanhamento e a assessoria. A partir de 1992, a associação elegeu a assessoria como o
eixo central do trabalho a ser desempenhado na cidade de Teresina, enfocando os esforços
em direção aos movimentos sociais das classes populares e médias, às organizações da
sociedade civil e à própria sociedade civil em geral.
86

No exame desse tópico, percebe-se que existe uma relação direta entre os
diversos atores sociais que atuaram em Teresina e a produção do espaço urbano. Suas
trajetórias, aliadas aos grupos sociais excluídos, sinalizam para uma postura alicerçada no
desejo de transformar o espaço urbano, caminhando, dessa forma, no sentido oposto aos
agentes sociais comprometidos com o status quo.
87

CAPÍTULO 3

PROCESSOS E FORMAS ESPACIAIS DA CIDADE DE


TERESINA

“Defrontamos-nos novamente com o problema do mapa e do


território: narrar uma cidade, ou seja, descrevê-la e interpretá-la,
não pode significar realizar sua “réplica”, mas sim produzir uma
desorientação. Narrar o que é familiar para seu habitante como
pode ser visto por um olhar estrangeiro: opaco. É unicamente
desorientando-se na incomensurabilidade que o opaco urbano se
torna transparente...”

Massino Canevacci - A Cidade Polifônica - São Paulo, 1983

A produção do espaço urbano de Teresina foi resultado das alianças e dos


conflitos entre os agentes e os atores sociais da cidade. A produção desse espaço urbano
encontra-se “fotografada” nas diversas paisagens geográficas que dominam o cenário da
cidade. Essas paisagens, que são verdadeiras formas espaciais, foram produzidas através de
relações sociais ao longo da história.
A visualização dessas paisagens geográficas encontra-se divida, neste estudo,
em cinco tópicos, para a melhor compreensão das suas espacializações. No primeiro
tópico, a intenção é de se narrar a trajetória do aparecimento dos conjuntos habitacionais
em Teresina. Essa intenção se concretizará no esforço de localizar esses conjuntos nas
diversas zonas, contribuindo para entender a própria evolução urbana. O segundo tópico
investigará o processo de descentralização ocorrido na cidade e a formação dos núcleos
secundários de comércio, serviços e indústria. Esse processo revela os fluxos de
crescimento da cidade e identifica os fixos (formas espaciais), entendidos como “nós” de
uma rede geográfica da cidade. No terceiro tópico, o esforço será canalizado para mapear
as favelas de Teresina, narrando o processo de evolução da cidade, registrando, através de
paisagens geográficas, a existência das diversas zonas da cidade. No quarto tópico, a tarefa
será de se refletir sobre a produção dos espaços de segregação da população de alto status
na cidade. Finalmente, no quinto tópico, as reflexões objetivarão entender o processo de
verticalização da cidade, o qual caracteriza essa nova paisagem geográfica, marcada por
uma área de segregação residencial “construída” por edifícios de apartamentos.
88

3. 1 OS CONJUNTOS HABITACIONAIS: INDUTORES DA EXPANSÃO URBANA

A partir de 1956, com a intensificação do processo de industrialização e


urbanização, o estado brasileiro desenvolvimentista foi incubido de exercer algumas
funções que possibilitassem a acumulação urbano-industrial. O agravamento das
contradições nas cidades obrigou o estado a atuar no sentido de manter a reprodução
social, principalmente a da força de trabalho, considerada como “peça” fundamental para a
acumulação capitalista, no processo de industrialização. Tal reprodução social foi
direcionada pela política habitacional.

No período entre os anos 1961 e 1963, o estado, no âmbito federal, criou o


Instituto Brasileiro de Habitação (IBH), em substituição à Fundação Casa Popular (ECP),
que visava agir de três formas: 1 – criar um modelo, tendo, à frente, o IBH a tarefa de
coordenar as atividades a serem desenvolvidas; 2 – promover a centralização do
planejamento; 3 – promover soluções de âmbito nacional, levando em conta as
peculiaridades de cada região. O IBH trazia a intenção de integrar a política habitacional às
políticas públicas, como alternativa central para resolver os problemas urbanos, emergentes
naquele contexto.

O governo Militar, no início dos anos 60, desenvolveu um Projeto de


Desenvolvimento Urbano, que considerou a habitação como principal política pública
desse período. O Governo Federal, através de uma ideologia baseada na necessidade de
uma política habitacional, criou, em 1964, o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o
Serviço Federal de Habitação e Urbanismo.

“O plano Nacional de Habitação, e com este o BNH, surge, assim, num


momento em que é crucial para o novo regime dar provas de que é capaz de
atacar problemas sociais. A percepção é que há “uma vacância de lideranças”,
que “as massas estão órfãos” e socialmente ressentidas”, e que é preciso
mostrar que o novo governo é receptivo a suas necessidades: que pode, sem a
demagogia da esquerda, agir pronta e seguramente em beneficio
delas”(AZEVEDO & ANDRADE, 1982: 58).
89

Tais medidas gerarão, nas décadas seguintes, a construção de inúmeros


conjuntos habitacionais, na maioria das cidades brasileiras. A análise de conjuntos
habitacionais e a produção do espaço urbano foram de fundamentam importância , tendo
em vista que a construção desses conjuntos, nas áreas periféricas das cidades, possibilitou
o espraiamento da malha urbana, tornando-se um forte indutor de expansão física das
cidades. Compreender essa forma espacial em Teresina possibilita apreender a própria
evolução urbana da cidade. Tal processo espacial foi decorrente da ação de diversos
agentes sociais produtores do espaço urbano, principalmente do estado, no âmbito federal,
estadual e municipal.

O rebatimento das medidas do Governo Federal, pós-64, em relação à política


habitacional, deu-se em Teresina, por volta do ano de 1966. Nesse ano, foram construídos
os conjuntos habitacionais do primavera I, São Raimundo e Tabuleta, totalizando 198
unidades habitacionais. No ano seguinte, em 1967, foi construído o conjunto habitacional
do Monte Castelo com 302 unidades habitacionais. No entanto, o início do boom, nesse
processo, em Teresina, vai ser a construção do conjunto habitacional do Parque Piauí, em
1968, com um total de 2.294 unidades, na Zona Sul da cidade. Até o final da década de 60,
a maioria dos conjuntos habitacionais localizava-se na Zona Sul, com exceção do Conjunto
Primavera I, localizado na Zona Norte.

Na década de 70, o Governo Federal continuou a intervir decisivamente no


espaço urbano brasileiro, mantendo o BNH como principal viabilizador do processo de
desenvolvimento urbano. Nesse período, as políticas foram direcionadas, também, para a
área de saneamento básico. Ainda nesse período, o Governo Federal criou as Companhias
de Habitação (COHABs) que se tornaram verdadeiros agentes promotores do BNH para o
“mercado popular”.

FOTO 1 – Conjunto Habitacional do Promorar – Zona Sul

Em Teresina, a década de 70 foi marcada por uma ação mais efetiva da política
habitacional do Governo Federal. A localização da maioria dos conjuntos habitacionais na
Zona Sul da cidade veio ratificar que essa área seria a “ideal” para a alocação de tais
empreendimentos, tornando-se o principal corredor de expansão da cidade. Ao todo, foram
construídos 11 conjuntos habitacionais, totalizando-se 7.043 unidades. Desse total, 8
90

conjuntos habitacionais localizavam-se na Zona Sul, enquanto 2 estavam na Zona Norte e


apenas 1, na Zona Leste, conforme demonstra a Tabela 6:

TABELA 6
Município de Teresina
Total de Habitações Produzidas pela COHAB/PI nas Décadas de 70 e 80
CONJUNTO ANO ZONA Nº DE CONJUNTO ANO ZONA Nº DE
UNIDADES UNIDADES
Cristo Rei 1975 Sul 92 Mocambinho I 1882 Norte 3.031
Stand-Tiro 1977 Sul 40 Catarina 1983 Sul 120
São Pedro I 1977 Sul 66 Mocambinho II 1984 Norte 976
Bela Vista I 1977 Sul 912 Boa Esperança 1984 Leste 150
Ampliação Parque Piauí 1977 Sul 500 São Joaquim 1985 Norte 824
União 1977 Norte 80 Tancredo Neves* 1985 Sul 756
Saci 1978 Sul 2.034 Mocambinho III 1985 Norte 1.128
Itararé 1978 Leste 3.040 P. Militar 1985 Leste 85
São Pedro II 1979 Sul 109 Boa Esperança II 1985 Leste 1o4
DER 1979 Sul 70 Novo Horizonte 1986 Leste 300
Primavera 1979 Norte 100 Renascença I 1986 Leste 900
Itararé II 1980 Leste 4.254 Morada Nova* 1988 Sul 984
Itaperu 1980 Norte 164 Renascença** 1989 Leste 1.450
União II 1981 Norte 100 Morada Nova II 1989 Sul 564
Cíntia Portela 1981 Norte 176 Angelim II 1989 Sul 264
J.E. Falcão 1982 Sul 976 Morada Nova III 1989 Sul 624
Promorar-Angelim I 1982 Sul 4.696 Santa Fé 1989 Sul 533
Fonte: LIMA, 1996: 22-24 - * Conjunto de Apartamentos - ** II/I, II e III etapas

O dinamismo apresentado na Segunda metade da década de 70, quanto à


produção de habitações, é fruto do revigoramento das COHABs, em todo o país. Tal
revigoramento resultou de um conjunto de fatores:

“...O mais importante parece Ter sido a tend6encia das COHABs para
privilegiarem as faixas mais altas do mercado popular (três a cinco salários). A
ampliação do seu mercado potencial para as famílias de até cinco salários, numa
época em que as COHABs apresentavam ainda sérios problemas de inadimplência,
teria sido pensada como uma saída para a crise. (...) A especulação imobiliária
recente, que atingiu especialmente as grandes metrópoles e cidades médias,
acarretando expressivo aumento dos preços dos imóveis e elevação de aluguéis,
fez com que consideráveis setores da baixa classe média passassem a ter nos
91

conjuntos COHABs uma alternativa para a solução de seus problemas


habitacionais...” (AZEVEDO & ANDRADE, 1982: 99-100).

Um dado surpreendente, demonstrado na tabela 6, foi a quantidade de 3.040


unidades habitacionais construídas no Conjunto Itararé, em 1978. A construção desse
conjunto foi determinante na expansão da cidade em direção à Zona Leste. Tal fato
estimulou a construção de novos conjuntos habitacionais naquela zona, na década seguinte.
Um outro dado a se ressaltar foi a pouca produção de habitações, por parte do agente
imobiliário, em direção à Zona Norte da cidade. É digno de nota que os conjuntos
construídos, até a década de 70, são pouco expressivos, com pouquíssimas unidades
habitacionais, se comparados aos equivalentes, produzidos nas Zonas Sul e Leste,
revelando que a Zona Norte é uma zona que inibe e que limita a expansão dos agentes
imobiliários, devido a razões de ordem social e natural.

FOTO 2 – Conjunto Habitacional Dirceu Arcoverde II – Zona Sudeste

Na década de 80, a espacialização dos conjuntos habitacionais em Teresina


revelou o uso de novas áreas para a construção dos conjuntos habitacionais. É bom
lembrar-se que, nesse período, o espaço urbano apresentava relações sociais e espaciais
mais complexas. A Zona Norte, que, na década anterior, não tinha sido muito beneficiada
com a construção de conjuntos habitacionais de médio e grande porte, foi favorecida com a
construção do Conjunto Mocambinho I (1982), Mocambinho II (1984) e Mocambinho III
(1985), totalizando 5.135 unidades habitacionais, tornando-se um dos maiores conjuntos
habitacionais da cidade. A sua construção possibilitou a expansão da cidade no sentido da
ocupação de espaços vazios entre a área central da cidade e o limite dos rios Parnaíba e
Poti.

FOTO 3 – Conjunto Habitacional Mocambinho – Zona Norte

Na zona Sul, novos conjuntos habitacionais foram construídos, enquanto outros


conjuntos habitacionais foram beneficiados com sua ampliação. O destaque foi o Conjunto
Promorar-Angelim I, com 4.696 unidades habitacionais, promovendo o crescimento da
cidade, além dos espaços anteriormente ocupados pelo Conjunto Parque Piauí. A Zona Sul,
nesse período, foi marcada, principalmente na década de 80, pela construção de vários
92

conjuntos de apartamentos, como, por exemplo, o João Emílio Falcão (1982), Tancredo
Neves (1985) e o Morada Nova (1988).

Na Zona Leste da cidade, com a ampliação de 4.254 unidades habitacionais em


1980, o Conjunto Itararé tornou-se o mais populoso da cidade. Deve-se ressaltar, também,
na Zona Leste, a ampliação do Conjunto Renascença em 1986 e 1989, totalizando em torno
de 2.350 unidades habitacionais, provocando a expansão da cidade naquela direção.

Ao final da década de 80, foram construídas, na cidade, aproximadamente


23.179 unidades habitacionais, representando uma quantidade superior ao triplo da
existente na década anterior. Essa produção expressiva de habitações, nas décadas de 70 e
80, demonstrou o grau de importância e de complexidade que adquiriram os conjuntos
habitacionais na produção do espaço urbano de Teresina, estimulando a expansão da
cidade em todas as direções (Figura 14).

Tal processo não vai se repetir na primeira metade da década de 90. Nesse
novo contexto, explodiu uma séria crise no setor habitacional, reduzindo-se drasticamente
as políticas habitacionais na forma e na quantidade. Essa política, além de inibir a
produção de habitação no período do Estado desenvolvimentista, tornou o acesso à casa
própria mais escasso, mais seletivo e, consequentemente, mais difícil. O quadro abaixo
ilustra bem essa situação:

Tabela 7
Evolução do Custo de Construção e do Salário Mínimo (1970-1990)
CONSTRUÇÃO(1) SALÁRIO
MÊS/ANO CUSTO POR m2 (2) MÍNIMO(2) (B)/(A)
A B
Julho/1970 53,70 187 3,48
Julho/1980 1.365,00 4.149 3,04
Julho/1990 18.024,32 4.904,76 0,27
Fonte: IBGE – Sistema Nac. de Pesquisa de Custo; FGV – Índices da Construção Civil. Nota: (1) Padrão
SINAPI – (2) Padrões Monetários: Cr$: Julho 70 a Julho 84 – Cr$: Julho 90.
93

O quadro sinaliza que, em julho de 1970, o valor do salário mínimo era


suficiente para pagar 3,48 m2 de construção do Padrão do Sistema Nacional de Custo e
Índices da Construção Civil (SINAPI). Essa relação foi se agravando durante a década de
80. Em julho de 1990, o salário mínimo era suficiente para pagar apenas mais de um quarto
de metro quadrado de construção (Indicadores Sociais: uma análise da década de
1980/1995: 223).

3.2 A DESCENTRALIZAÇÃO E OS NÚCLEOS SECUNDÁRIOS: COMÉRCIO,


SERVIÇO E INDÚSTRIA

A área central de uma cidade capitalista chega a um momento de esgotamento,


no seu processo de evolução e de construção. O uso intensivo do solo, com um conjunto de
atividades econômicas, e a valorização do preço da terra nessa área, bem como uma
limitada escala de crescimento horizontal, fazem com que várias dessas atividades de
comércio, serviços e de indústria fiquem localizadas em outras áreas da cidade, distante da
área central. Tal processo é conhecido como descentralização de atividades.

Em relação à evolução das cidades, esse processo de descentralização é


historicamente mais recente, e fazendo parte do próprio crescimento demográfico e
espacial das cidades. Esse processo

“...leva as firmas comerciais a descentralizarem seus pontos de venda através da


criação de filiais nos bairros. É necessário, no entanto, que haja um mercado que
justifique cada localização, bem como acessibilidade às filiais. A competição entre
firmas comerciais pressupunha anteriormente uma localização central: agora,
adicionalmente, várias localizações descentralizadas” (CORRÊA 1989: 46).

A viabilização do processo de descentralização só foi possível graças ao


próprio avanço dos meios de transportes rodoviários que articulam os diversos espaços das
zonas na cidade. Os setores secundários e terciários criaram, na cidade, verdadeiras cadeias
de lojas e de empresas que estão localizadas tanto na área central quanto nos bairros mais
distantes, conseguindo, apesar das distâncias espaciais, viabilizar a reprodução do seu
capital. “A descentralização torna-se um meio de se manter uma taxa de lucro que a exclusiva
94

localização central não é mais capaz de fornecer. Neste sentido constata-se que no capitalismo
monopolista há centralização do capital e descentralização espacial; ...” (CORRÊA, 1989: 47).

O objetivo, neste momento, é identificar os principais núcleos secundários de


comércio, serviço e indústria, tendo como base a leitura do mapa da cidade de Teresina,
elaborado em 1988.

Os Núcleos Secundários: Comércio e Serviço

A formação dos núcleos secundários de comércio e serviços, em Teresina,


surgiu a partir dos primeiros anos da década de 70. Inicialmente, no tocante aos núcleos de
comércio, destacou-se a formação do eixo ocupado pelas concessionárias, reflexo da
expansão do setor automobilístico. Esse eixo estruturou-se em direção à Zona Sul, mais
precisamente nos corredores das Avenidas Barão de Gurguéia e Miguel Rosa. A
aglomeração de concessionárias, em um único espaço, possibilitou tanto a consolidação
desse eixo, quanto a sua ampliação a novos eixos afins como os de autopeças e de pneus.

Na década de 70, observou-se a descentralização manifestada no surgimento de


vários supermercados, como o “Gloria” e o Compre Bem”. A expansão dos
supermercados, em novos subcentros regionais, “aniquilou”, em parte, com os pequenos
comerciantes que moravam nos bairros.

Nesse período, a cidade apresentou um crescimento em várias direções.


Surgiram, na Zona Norte alguns pequenos núcleos de comércio, próximos nos bairros do
Buenos Aires e Água Mineral. Nas Zonas Leste e Sul, a construção dos conjuntos
habitacionais estimulou o aparecimento de novos núcleos de comércio. O uso de novas
áreas nas diversas zonas da cidade estimulou ainda mais a formação de eixos de comércio
nas principais avenidas de acesso a essas áreas. Entre essas avenidas destacam-se Barão de
Gurguéia e Miguel Rosa, na Zona Sul, as avenidas Centenário e Duque de Caxias, na Zona
Norte, e João XXIII e Nossa Senhora de Fátima, na Zona Leste.

Essa descentralização das atividades de comércio, no entanto, tendia a se


intensificar na década de 80, à medida em que a cidade apresentava o seu período de
maiores transformações espaciais. Nesse período, os núcleos de comércio se consolidavam
95

também nas principais avenidas dos conjuntos habitacionais do Itararé (Zona Leste) e
Mocambinho (Zona Norte).

FOTO 4 – Avenida Barão de Gurguéia

Paralelamente a esse aspecto, surgiam as descentralizações dos subcentros de bairro


com alto poder aquisitivo, produzidos por agentes sociais produtores, no objetivo de
“abastecer” as áreas nobres. Eram subcentros, como o do Bairro Nossa Senhora de Fátima,
que exerciam influência nos bairros Jóquei e Ininga. Eram subcentros que assumiram a
função de comercialização de produtos mais seletivos, aglutinando lojas, supermercados,
escolas de línguas estrangeiras, agências de bancos e correios, além do aparecimento dos
pequenos shoppings centers.

Ao lado do processo de formação de núcleos de comércio, surgiram próximos a


essas áreas, vários núcleos de serviços. Nessa década de 80, a cidade de Teresina exerceu
um grande papel quanto a alocação de serviços, destacando-se no contexto estadual e
regional. A sua função como a capital do estado fez com que a cidade se transformasse no
principal centro administrativo e de serviços do estado e de sua região de influência,
atraindo pessoas, principalmente, dos estados do Maranhão, Ceará, Pará e Tocantins. É
preciso, deixar explícito que as reflexões acerca do setor de serviços e, consequentemente,
dos núcleos de serviços são restritas em razão da própria escassez de informações sobre
esse setor na cidade. No entanto, só foi possível visualizar esses núcleos secundários
através da leitura dos mapas do II PET, do ano de 1988, e do mapa da PMT de 1993.

FOTO 5 – Avenida Nossa Senhora de Fátima – Zona Leste

Analisando o mapa do Perímetro Urbano de Teresina, anexado ao II PET de


1988, podem-se observar as principais áreas de comércio e de serviços da cidade. Nesse
mapa foram identificados os pólos de comércio e serviços, os pólos de serviço institucional
e os eixos de comércio e serviços. Quanto aos pólos de comércio e serviços, eles foram
classificados em três tipos: a) centros polarizadores; b) centros polarizadores de bairro a
curto prazo; e, c) centros polarizadores de bairro a longo prazo.
96

Os centros polarizadores de comércio e serviço estão distribuídos em três áreas


da cidade: i) um encontrava-se localizado na Zona Centro, mais precisamente no bairro
Centro; ii) um outro localizava-se na Zona Leste, entre os bairros Jóquei e Noivos; iii) e
um outro encontrava-se situado na Zona Sudeste, nas proximidades dos bairros Recanto
das Palmeiras e Livramento.

Os centros polarizadores de bairro à curto prazo estão assim distribuídos: i)


dois centros localizavam-se na Zona Norte, entre os bairros São Joaquim e Mafrense e
entre Real Copagri e Memorare; ii) Na Zona Sul, encontravam-se mais dois centros
localizados entre os bairros Piçarra, Monte Castelo e Cristo Rei e um outro, no Parque
Piauí; iii) Na Zona Leste, era destaque o centro situado entre os bairros são Cristovão e São
João; iv) por fim, na Zona Sudeste, o centro situavam-se entre os bairros Novo Horizonte,
Parque Poti e Renascença.

Quanto aos centros polarizadores à longo prazo, destacavam-se três áreas: i) na


Zona Leste, encontravam-se dois centros, localizados entre os bairros Pedra Mole, Morros
e Porto do Centro e entre Vale Quem Tem, Satélite e Uruguai; e, ii) um outro centro ficava
entre os bairros Todos os Santos e São Sebastião, na Zona Sudeste.

FOTO 6 – Núcleo de Comércio e Serviço – Barão do S. Cristovão – Z. Leste

A reflexão sobre os pólos de serviço institucional de Teresina é de fundamental


importância para o entendimento da dinâmica espacial da cidade. O papel das instituições
federais, estaduais e municipais é expressivo, tendo em vista a relevância do setor
administrativo para o funcionamento da “vida econômica” da cidade. No mapa do II PET
são destacados os seguintes pólos de serviço institucional, por zonas administrativas:

a) Zona Norte: EMBRAPA (Bairro EMBRAPA); Aeroporto de Teresina


(Bairro Aeroporto); Palácio Pirajá (Bairro Pirajá);
b) Zona Sul: Centro Administrativo do Governo do Estado do Piauí (Bairro
Vermelha); CHESF (Bairro Parque São João); Terminal Rodoviário Lucídio Portela (Bairro
Catarina);
c) Zona Sudeste: Pátio de Manobras da REFSA (Bairro São Raimundo);
Terminal de Petróleo Vale do Sol Nascente (Bairro Itararé);
97

d) Zona Leste: Parque Zoobotânico (Bairro Zoobotânico); Universidade


Federal do Piauí (Bairros Ininga e Zoobotânico);

Quanto aos principais eixos comerciais e de serviços, observou-se que esse


conjunto de atividades agregadas localizavam-se nos principais corredores das avenidas da
cidade, apresentando diferenciações nos tipos de atividades ali instaladas, sendo as mais
importantes as seguintes: Av. Miguel Rosa, Av. Joaquim Ribeiro, Av. Barão de Gurguéia,
Av. Nossa Senhora de Fátima, Av. Homero Castelo Branco, Av. Presidente Kennedy, Av.
João XXIII, Av. Odilon Araújo e Av. Deputado Paulo Ferraz entre tantas outras de
proporções menores, mas que são importantes para as suas respectivas zonas da cidade.
Existiam ainda alguns eixos de serviço – que são especificados no próximo tópico – os
quais se encontravam agregados às indústrias.

Os Núcleos Secundários: a indústria

A cidade de Teresina não pode ser considerada como uma cidade industrial. O
chamado “milagre brasileiro”, realizado pela política de industrialização desenvolvida no
país, no regime militar, não foi suficiente para que transformasse o setor industrial no
“carro-chefe” da economia local e de todo o estado do Piauí. A fragilidade do parque
industrial de Teresina é percebido quando se tenta identificar os núcleos da indústria.

É preciso ressaltar que o processo de descentralização industrial, em Teresina, foi


fundamental para o crescimento da cidade, em direção às Zonas Sul e Sudeste. A
observação desses núcleos vai ocorrer, de forma mais detalhada, com a leitura do mapa da
estrutura urbana de Teresina, apresentando no II PET, no ano 1988.

O principal núcleo secundário da indústria, identificado no mapa como zona


industrial, é a área equivalente ao Distrito Industrial de Teresina (DIT). O DIT, criado por
volta dos anos 70, ocupa uma área de 196 hectares de terras, localizados próximos a
Rodovia PI-113, na Zona Sul da cidade. A instalação dos distritos industriais, no Brasil,
foram importantes indutores do crescimento das cidades. Segundo CORRÊA:

“O distrito industrial, de localização periférica, resulta de uma ação do Estado


visando, através da socialização de vários fatores de produção como terrenos
98

preparados, acessibilidade, água e energia; e, de acordo com interesses de outros


agentes sociais, como proprietários fundiários e industriais, criar economias de
aglomeração para as atividades de produção industrial” (CORRÊA, 1989: 56).

A localização espacial do DIT, juntamente com a instalação de inúmeros outros


equipamentos complementares, transformou significativamente a organização espacial das
Zonas Sul e Sudeste, criando áreas, cada vez mais, complexas e problemáticas.

FOTO 7 – Área de Estacionamento da Indústria da Antártica – Zona Sul

Uma questão fundamental a enfatizar é que as forças políticas hegemônicas


deste estado não conseguiram dinamizar o DIT, desde os anos 70. Inúmeras empresas
compraram o lote, começaram a funcionar e depois paralisaram suas atividades. Outras
nunca chegaram a se instalar. Entre essas empresas, estão incluídas a Gás Butano, L.D.
Indústria e Comércio de Café, Fábrica de Imóveis Incoma, Jet Automóveis, Construtora
Patrícia, Unitech, Safra-Irrigação, entre inúmeras outras.

No mapa do II PET, foram identificadas ainda outras zonas industriais que se


localizavam, concomitantemente, entre outras áreas de serviços. Esses corredores ficaram
restritos, principalmente, às Zonas Sul e Sudeste. Na Zona Sul, as áreas situavam-se nas
mediações das avenidas Getúlio Vargas, Henri Wall de Carvalho e Presidente Tancredo
Neves. Na Zona Sudeste, as áreas estavam situadas nas mediações da Av. Deputado Paulo
Ferraz. Deve-se dizer que não houve nenhuma observação quanto à existência desses
núcleos de indústrias, na Zona Norte da cidade. Na Zona Leste, foi identificado um
pequeno corredor dessa atividade, próximo à Av. Uruguai.

Ao contrário do processo que aconteceu em outras cidades brasileiras, onde


parcelas significativas das indústrias nasciam em áreas centralmente localizadas, a cidade
de Teresina teve a maioria de suas indústrias localizadas longe da área central. No entanto,
existiam várias indústrias que permaneciam localizadas próximas à área central. No
entanto, existiam várias indústrias que permaneciam localizadas próximas à área central,
geralmente indústrias “consumidoras de poucos espaços”. Não se pode esquecer que
existem inúmeras pequenas e médias indústrias distribuídas por toda a cidade, como, por
exemplo, as “indústrias de fundo de quintal”.
99

3.3 O MAPEAMENTO DAS FAVELAS NA CIDADE

A partir deste momento, convém que se contemplem os resultados do primeiro


e do segundo Censo de Vilas e Favelas de Teresina, mostrando-se a distribuição espacial
das favelas de Teresina, e caracterizando-se alguns dados desses dois censos, como, por
exemplo, as condições de moradia e sócio-econômicas desse universo populacional na
cidade.

Antes de se analisarem os dados dos censos, é preciso observar o contexto em


que foram elaborados os Censos das Vilas e Favelas de Teresina. O primeiro censo,
elaborado pela PMT, em 1993, contou com a participação das Secretarias Municipais do
Trabalho e de Assistência Social e de Habitação e Urbanismo e das entidades
representativas do movimento popular, a FAMCC e a FAMEPI. Quanto ao segundo censo,
elaborado em 1996, a participação ficou restrita somente às secretarias municipais acima
anunciadas, por decisão da PMT que resolveu excluir a participação das entidades
representativas do movimento popular.

O contexto político, por ocasião da elaboração do primeiro Censo das Vilas e


Favelas, representava um ano de mandato da gestão do grupo do Partido Social Democrata
Brasileiro (PSDB). A participação popular, na elaboração do primeiro censo, refletiu os
interesses da PMT em se legitimar perante o movimento popular, diretamente ligado à
questão da população das favelas. No evento da elaboração do segundo Censo das Vilas e
Favelas, em 1996, o contexto já era o de divulgação – perante a sociedade local – de
projetos executados pelo poder público, durante a gestão do PSDB, tornando-se o censo,
num forte instrumento de propaganda da PMT, tendo em vista os resultados “positivos” do
segundo censo quando ao baixo índice de crescimento das favelas e quanto à melhoria nas
condições de vida da população das favelas, se comparadas às do primeiro censo.

Entre os anos de 1991 e 1993, as favelas de Teresina cresceram de 56 para 141,


representando um crescimento percentual de 151,79%. Entre os anos de 1993 e 1996, por
sua vez, as favelas expandiram-se para um total de 149 áreas, correspondendo a um
crescimento percentual de 5,67%. Diante desses números a pergunta que se faz é: quais os
fatores que contribuíram para a redução drástica do número de favelas na cidade de
Teresina?
100

Os dados otimistas da PMT, apresentados no segundo Censo das Vilas e


Favelas são muito questionáveis. Há uma leitura de que a problemática habitacional está
tendo soluções eficazes que podem chegar, até mesmo, a “erradicar” esse tipo de habitação
na cidade. O discurso apresentado no segundo censo enfatiza que as políticas
desenvolvidas na cidade contribuíram para o equacionamento dessa problemática.

“Na questão urbana, a busca de soluções às demandas populares pela moradia,


vem se consolidando como parte da política de habitação e regularização fundiária
implementada pela Prefeitura de Teresina, iniciada no período de 1975 a 1979,
através de reconhecimento e de institucionalização das ocupações de loteamentos
irregulares e de terras públicas municipais, sendo retomada entre 1968 a 1988 e
reiniciada em 1993, tendo realizado até maio de 1996, a desapropriação e
desafecação de 766.211 ha e 195.999 há de terras, respectivamente, e concedido
Título de Cessão de Posse e Uso a 3.906 famílias...;
Como parte da política de habitação e regularização fundiária a PMT, através da
SEMTAS e outros órgãos municipais, empreendeu ação de reassentamento de
famílias que ocupavam áreas de risco e irregulares, atendendo a 3.311 famílias,
envolvendo cerca de 16.555 pessoas, em 06 (seis) áreas...” (Censo de Vilas e
Favelas, 1996: 15).

Não se pode negar que o poder público realizou inúmeras intervenções no


cenário urbano de Teresina nos últimos anos. No entanto, é preciso analisar se tais
intervenções seriam as grandes responsáveis pela redução acentuada do número de favelas
na cidade. Assim, surge uma análise mais apurada dos impactos dessas medidas na cidade,
buscando-se compreender os efeitos que emanam das políticas de reassentamento de baixa
renda, da expansão da cidade e dos dividendos político-eleitorais.

A tentativa de diagnosticar o processo de construção das favelas em Teresina


iniciou-se no ano de 1992, quando, através de uma pesquisa divulgada no documento o
Perfil de Teresina, constatou-se a existência de 56 favelas, com 10.000 moradias e 61.000
habitantes. Em 1993, como já foi dito anteriormente, a PMT, através do primeiro Censo de
Vilas e Favelas, registrou a presença de 141 favelas, com 14.077 moradias que abrigavam
14.542 famílias, totalizando 67.503 pessoas que representavam 10,52% da população do
município.
101

O segundo Censo de Vilas e Favelas, realizado em 1996, já detectou a


existência de 149 favelas na cidade, com 24.845 domicílios, abrigando 25.775 famílias e
uma população de 94.617 habitantes, representando 12,83% da população do município
que contava com uma população estimada, nesse período, em 737.450 habitantes.

Distribuição Espacial das Favelas em Teresina

Observando a tabela abaixo, sobre a expansão das Favelas em Teresina, entre


os anos de 1991, 1993 e 1996, exposta de forma resumida no segundo Censo de Vilas e
Favelas, pode-se concluir que o processo de expansão das favelas apresentou um
acentuado crescimento até 1993, fato que não se repetiu até o ano de 1996.

Tabela 8
Expansão das Vilas/Favelas de Teresina
1991 – 1993 – 1996
Zona Crescimento por Zona % de Crescimento por Zona
1991 1993 1996 91/93 93/96
Leste 14 51 48 264,29 -5,88
Sudeste 06 28 28 366,67 0,00
Sul 18 39 48 116,67 23,08
Norte 15 17 20 13,33 17,65
Centro 03 06 05 100,00 -16,67
Total 56 141 149 151,79 5,67
Fonte: Sec. Mun. De Planej. E Coord. Geral – Perfil de Teresina/1992 – Sec. Mun. Do Trab. E de Assist.
Social – Censo das Vilas e Favelas de Teresina/1993 – Pesq. Direta: Set/95 – Maio/96.

GRÁFICO 2
Expansão das Vilas/Favelas de Teresina
(1991 – 1993 – 1996)
CRESCIMENTO POR ZONA
102

1991

15 14 Leste
Sudeste
Sul
6 Norte

3 Centro
18

CRESCIMENTO POR ZONA


1993

6
17
Leste
51 Sudeste
Sul
39 Norte
Centro
28

CRESCIMENTO POR ZONA


1996
103

5
20
Leste
48
Sudeste
Sul
Norte
48
Centro
28

Observando-se a tabela 8, nota-se que a Zona Leste apresentou um


significativo crescimento no número de favelas entre os anos 1991, quando se registraram
14 favelas – e 1993 – quando se contavam 51 favelas. Comparando-se os dados dos anos
de 1993 a 1996, verifica-se que a Zona Leste sofreu uma redução no número de favelas,
contando, nessa Segunda metade da década de 90, apenas com 48, o que significou um
crescimento negativo de – 5,88%. A queda desses valores se deve, provavelmente, à
política de reassentamento da PMT que deslocou várias famílias de favelas que estavam
localizadas em áreas de risco ou em leito de rua.

FOTO 8 – Vila Bandeirantes – Zona Leste

A Zona Sudeste registrou, entre os anos de 1991 a 1993, uma expansão de


366,6%, quanto ao número de favelas, passando de 6 favelas para 28. No tocante ao último
censo, o quadro não apresentou nenhuma mudança significativa, apresentando-se o mesmo
número de favelas.

FOTO 9 – Vila Monte Horebe – Zona Sudeste

A Zona Sul da cidade e a Zona Norte foram as únicas zonas que apresentaram
um crescimento no número de favelas, nos três períodos da análise. Em 1991, existiam 18
e, e em 1993, esse valor passou para 39 favelas, representando um salto de 116,67%. Em
1996, houve um aumento de 48 favelas, significando um crescimento de 23,08%, em
relação ao período anterior.

FOTO 10 – Vila Angélica – Zona Sul


104

A Zona Norte, em 1991, possuía 15 favelas e em 1993, alcançava já a marca de


17 favelas. EM 1996, esses valores tenderam a aumentar, passando a respectiva zona a
possuir 20 favelas. Essa expansão foi resultado das políticas de reassentamento da PMT
que possibilitou a transferência das famílias de outras áreas da cidade para a Zona Norte.
Tal política possibilitou a criação dos parques de assentamentos, como, exemplo, o Parque
Wall Ferraz.

FOTO 11 – Parque de Assentamento Wall Ferraz – Zona Norte

Por fim, a Zona Centro caracterizou-se, nesse período, por números reduzidos
de favelas em seu interior. Em 1991, existiam 3 favelas. Em 1993, esse número aumentou
para 6 e, em 1996, a quantidade delas caiu para 5 favelas. A valorização do solo urbano,
nas áreas centrais da cidade, e uma maior presença de agentes sociais produtores, como os
promotores imobiliários e os proprietários fundiários, fizeram com que não ocorresse a
instalação de novos aglomerados nessas áreas. A solução para os grupos sociais excluídos
foi a ocupação de áreas distantes da Zona Central, geralmente áreas de periferia, onde as
ações dos agentes sociais produtores são flexíveis, o que viabiliza maior rapidez e maior
facilidade na apropriação da terra urbana (Veja a Figura 15 que mostra a distribuição
espacial das favelas em Teresina).

FOTO 12 – Favela Carlota Freitas – Zona Centro

Moradia e Condições Sócio-Econômicas da População Favelada

Os censos, aqui analisados, investigam inúmeras questões da realidade social


que envolve a população das favelas de Teresina. No momento, será ressaltado algumas
dessas questões com forma de ilustrar melhor essa realidade. A primeira questão
importante diz respeito ao regime de propriedade do terreno ocupado. Observe-se a tabela
abaixo:

Tabela 9
105

Domicílio em Teresina – 1993/1996


Segundo o Regime de Propriedade do Terreno Ocupado

Regime de Nº de Domicílios Nº de Domicílios


Propriedade 1993 % 1996 %
Prefeitura 7.756 55,10 16.204 65,09
Estado 1.822 12,94 3.998 16,06
União 211 1,50 172 0,69
Particular 2.320 16,48 1.987 7,98
Próprio a o 2.244 9,01
S/Informação 1.968 13,98 290 1,17
Total 14.077 100,00 24.895 100,00
Fonte: Censos das Vilas e Favelas – 1993/1991

Como pode-se observar acima, a maioria das favelas da cidade estão


localizadas em terrenos da Prefeitura. A área ocupada passou, em 1993, de 55,10% para
65,09%, no ano de 1996. Os terrenos do estado também receberam um número maior de
ocupações em 1996, registrando 16,06% de toda a área de favelas da cidade, superando os
12,94% apresentados no ano de 1993. Vale ressaltar que, somente nas áreas dos terrenos da
prefeitura e do estado, é que se detectou um número maior de ocupações no período dos
dois censos.

Quanto às terras da União, as ocupações foram em um número reduzido. No


período das duas pesquisas, essas áreas sofreram uma redução de 1,50%, em 1993, para
0,69%, em 1996. Esse mesmo declínio foi detectado nas terrenos de particulares, que
sofreram uma redução de 16,48%, em 1993, para 7,98% em 1996.

Um fato a se ressaltar é que a PMT incluiu, no último censo, os domicílios


situados em terrenos próprios, que ocupavam uma área de 9,01% na cidade. O último
censo revela que o aparecimento desse novo tipo de ocupação foi fruto das políticas de
regularização fundiária do poder público que assentou várias famílias de baixa renda,
dando-lhes a posse definitiva dos terrenos. Tal medida sinaliza para a dedução de que isso
não acontecia nas gestões anteriores. Investigue-se agora a situação física dos terrenos em
que se encontram localizadas as favelas.
106

Tabela 10
Domicílios – 1993/1996
Segundo a Situação Física do Terreno Ocupado
Situação do Nº de Domicílios (%)
Terreno 1993 1996 1993 1996
Área do Leito do Rio 1.511 1.535 10,73 6,17
Área de Risco 2.316 1.716 16,45 6,89
Área Alagadiça 1.288 920 9,15 3,70
Área Normal 6.991 20.628 49,66 82,86
S/Informações 1.971 96 14,01 0,38
Total 114.077 24.895 100,00 100,00
Fonte: Censos das Vilas e Favelas – 1993/1996

A maioria das favelas, localizadas nas áreas de risco, em leito de rua e em áreas
alagadiças, sofreu uma redução significativa quanto ao número de domicílios. Apesar
disso, a pesquisa revelou que houve aumento muito expressivo nas áreas consideradas de
tipo normal. Em 1993, existiam 6.691 domicílios nessa situação e, em 1996, esses valores
chegaram a 20.628 domicílios, o que demonstra, em parte, o resultado de inúmeras
intervenções do poder público nas favelas da cidade.

Um outro indicador para se compreender essa realidade das condições da


população das favelas é a condição de ocupação dos domicílios. Nas pesquisas do ano de
1993, existiam 76,58% da população residindo em domicílios próprios. Em 1996, essa
população já atingia o total de 79,25%. Com relação a outras formas de ocupação dos
domicílios, verifica-se, que em 1993, existiam 5,89% das famílias ocupando domicílios
cedidos, caindo esse valor, em 1996, para 3,33%. Quanto aos domicílios alugados existiam
1,83% de domicílios, em 1993. Essa percentagem caiu para 1,37%, em 1996. Como se vê,
novamente os dados revelam uma melhoria de vida da população favelada. Observa-se, na
tabela seguinte, um outro indicador importante que são os níveis de renda das famílias.

Tabela 11
Famílias por Níveis de Renda
1993/1996
107

Renda Familiar Nº de Famílias Nº de Famílias


(SM) 1993 (%) 1996 (%)
Até ½ SM Q w 734 2,85
Até ½ a 1 SM 8.839 60,78 8.388 32,54
De 1 a 2 SM 2.847 19,58 7.922 30,74
De 2a 3 SM 707 4,86 3.158 12,25
Mais de 3 SM 325 2,24 1.435 5,57
Subtotal 12.718 87,46 21.637 83,95
S/Informação 1.824 12,54 4.138 16,05
Total 14.542 100,00 25.775 100,00
Fonte: Censos das Vilas e Favelas – 1993/1996

Analisando-se a tabela acima, observam-se as péssimas condições de vida da


maioria da população residente nas favelas. A remuneração das famílias pesquisadas é
muito baixo, significando condições sociais de extrema pobreza. Comparando-se os dois
censos, pode-se ver que aconteceram mudanças substanciais nos setores estratificados,
quanto à renda familiar. O aparecimento de índices melhores no último censo pesquisado,
em 1996, revelou uma melhoria de vida dessas populações.

O conjunto das famílias que ganhavam até 1 Salário Mínimo representava, em


1993, 60,78% do universo da população pesquisada. No ano de 1996, esse universo
reduziu-se para 35,39%. Ainda, em 1993, uma outra parcela da população (19,58%)
percebia uma renda entre 1 e 2 salários mínimos, aumentando em 1996, para 30,74%. As
famílias que recebiam entre 2 e 3 salários mínimos, em 1993, eram de 4,86% alcançando,
no censo seguinte, o percentual de 12,25%, mais que o triplo da quantidade populacional
anterior. Em 1993, destacavam-se as famílias (2,24%) que recebiam mais de 3 salários
mínimos. Em 1996, essas famílias perfaziam o total de 5,57%. Como se pode observar, os
dados revelam uma melhoria de renda das famílias do universo pesquisado nos censos.

Um outro importante indicador a ser analisado é o quadro da população


economicamente ativa, por setores de atividades. Veja-se a tabela abaixo:

Tabela 12
População Economicamente Ativa por Setor de Atividade
108

1993 – 1996
Setores de 1993 1996
Atividades Pessoas Ocupadas (%) Pessoas Ocupadas (%)
Primário 446 3,01 838 2,96
Secundário 5.580 37,64 7.391 26,13
Terciário 8.800 59,35 20.061 70,91
Fonte: Censos das Vilas e Favelas – 1993/1996

Os dados revelam que houve uma redução quanto a participação da população


economicamente ativa nos setores primários e secundário. Em 1993, esses dois setores
representavam 40,65% do universo da população. No censo seguinte, os dois setores
representavam apenas 29,09%. Em compensação, aconteceu um aumento da população
economicamente ativa no setor terciário, que, em 1993, apresentava o percentual de
59,35%, enquanto, em 1996, o censo já totalizava 70,91% da população. Desse setor, em
1996, o destaque foram os subsetores do comércio, serviços e administração pública. Nesse
ano, a administração pública contava com 1.496 pessoas nesse subsetor (7,46%), o
comércio tinha 3.688 pessoas (18,37%) e os serviços envolvia outras 14.879 (74,17%) do
universo total de 20.061 pessoas, no setor terciário.

Um outro indicador, importante para se compreender esse universo de


excluídos na cidade, é a observação do quadro de infra-estrutura social, especialmente os
setores de educação e saúde, apresentado no Censo de Vilas e Favelas de 1996. Observe-se
a tabela 13 abaixo:

Tabela 13
Infra-Estrutura Social – Educação e Saúde
1993 – 1996
Zonas Quan 1º Grau 2º Grau 1º e 2º Graus Creche Un. Saúde
Áreas Nº (%) Nº (%) Nº (%) Nº (%) Nº (%)
Leste 48 6 12,50 0 0,00 0 0,00 3 6,25 2 4,17
Sudeste 28 0 0,00 0 0,00 0 0,00 8 28,57 0 0,00
Sul 48 9 18,75 0 0,00 0 0,00 13 27,08 2 4,17
Norte 20 5 25,00 0 0,00 0 0,000 6 30,00 1 5,00
109

Centro 5 0 0,00 0 0,00 0 0,00 31 20,81 5 3,36


Total 149 20 13,42 0 0,00 0 0,00 31 20,81 5 3,36
Fonte: Censos das Vilas e Favelas – 1996.

Em relação à infra-estrutura ligada à educação, a tabela 13 revela a inexistência


ou de unidades escolares unificadas em nível de 1º e 2º graus, ou de unidades que
apresentam só o 2º grau. Como se verifica, só existe unidades de 1º grau num total de 20
estabelecimentos de ensino, distribuídos nas Zonas Leste, Sul e Norte. Não existia nenhum
tipo de unidades educacionais nas áreas de favelas pertencentes às Zonas Sudeste e Centro.
No entanto, em todas as Zonas da cidade, apareceram creches, num total de 31, das quais, a
Zona Sul, possuía 13 e a Zona Sudeste, 8.

Um outro dado alarmante é a falta de unidades de saúde nas áreas pesquisadas.


Existem duas na Zona Leste, duas na Zona Sul e apenas uma na Zona Norte, totalizando 5
unidades. Esses dados revelam a situação de dificuldades dessas populações quanto ao
acesso aos serviços necessários para a sua reprodução.

A análise da situação de extrema pobreza em que vivem essas populações


torna-se ainda mais alarmante à proporção em que se constata a carência de infra-estrutura
e de equipamentos comunitários, como creches, escolas, transportes, praças, mercados
públicos etc.

As reflexões aqui apresentadas, baseadas nos Censos das Vilas e Favelas de


Teresina, não estão próximas de esgotar esta temática. Pelo contrário, ainda existem
inúmeras outras questões que são merecedoras, em outros estudos, de reflexões que
objetivem um maior desvendamento da realidade dessa grande parcela de excluídos.

3.4. REFLEXÕES SOBRE AS ÁREAS DE SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL DE ALTO


STATUS

O desvendamento das áreas de segregação residencial na cidade contribui para


a apreensão das ações das classes sociais que produzem o espaço urbano. É sabido que
existem o processo de segregação residencial, tanto nas áreas das populações de alto poder
110

aquisitivo, quanto nas áreas das populações pobres. No entanto, a preocupação, neste
momento, é refletir acerca das áreas de segregação residencial de alto status, espacializadas
na cidade de Teresina.

No primeiro momento, é preciso eludir o que seja a segregação residencial.


Segundo CORRÊA, o entendimento sobre essa temática passa, necessariamente, pelo
próprio conhecimento tanto do processo de construção do capitalismo quanto da
estruturação das classes sociais. O mesmo autor, utilizando reflexões de Marx, Poulantzas,
Giddens e Harvey, diz que a estruturação das classes sociais acontece via a ação de três
forças básicas:

“a) uma força primária, básica, que vem das relações entre capital e trabalho,
gerando uma estrutura dicotômica de classes: os detentores dos meios de produção
e os que vendem sua força de trabalho;
b) uma força residual, que é originada de formas pretéritas de organização social
ou do contato entre um modo de produção dominante e um subordinado...;
c) forças derivativas, que emergem devido às necessidades de preservar os
processos de acumulação do capital através de inovações tecnológicas e controlar
as mudanças na organização social. Tais forças geram: - fragmentação da classe
capitalista e proletária devido à divisão do trabalho e especialização funcional; -
classes distintas de consumo visando a uma demanda variável e contínua; -
aparecimento de uma classe média burocrata, trabalhando na esfera do Estado e
grandes empresas, devido à necessidade de organizar produção, circulação,
distribuição e consumo; - desvios de consciência de classe e projeção ideológica,
que é a da classe dominante, visando desviar a atenção dos problemas das relações
capital-trabalho; - controle sobre a mobilidade social através da criação de
barreiras, visando evitar instabilidade social que mudanças no processo de
produção, troca, comunicações e consumo poderiam produzir” (CORRÊA, 1988:
61-62).

Essas forças são responsáveis pela fragmentação da estrutura social existente


na cidade, gerando áreas com homogeneidade, criadas a partir da concentração de
atividades e de população. A partir dessa constatação, pode-se deduzir que a própria
espacialização que se manifesta no rebatimento espacial, acontecendo

“... devido ao diferencial da capacidade que cada grupo social tem de pagar pela
residência que ocupa, a qual apresenta características diferentes no que se refere ao
tipo e à localização. Em outras palavras, as áreas sociais resultam das diversas
111

soluções que as classes sociais e suas frações encontraram para resolver os


problemas de como e onde morar...” (CORRÊA, 1989: 62).

O dilema do como e onde morar não pode ser entendido apenas como se a
localização de uma fração dessas classes sociais, num determinado espaço da cidade, fosse
uma escolha autônoma (CORRÊA, 1989: 62). A criação dessas áreas de segregação
residencial depende diretamente da produção da habitação que ocorre na cidade, e,
também, do próprio mercado que envolve a terra urbana. Como ressalta CORRÊA, existe
um

“... diferencial espacial na localização de residências vistas em termos de


conforto e qualidade. Esta diferença reflete em primeiro lugar um diferencial no
preço da terra – que é função da renda esperada – que varia em função da
acessibilidade e das amenidades. Os terrenos de maior preço serão utilizados
para as melhores residências, atendendo, à demanda solvável ... (CORRÊA,
1989: 63).

O mapeamento das áreas de segregação residencial de alto status, numa


determinada cidade, acontece devido à ação de agentes sociais produtores do espaço
urbano, como os proprietários fundiários, os promotores imobiliários e o próprio estado.
As suas ações, geralmente ocorrendo de forma articulada, produzem áreas residenciais,
marcadas pelo processo de auto-segregação, no qual uma fração da população com alto
poder aquisitivo – CORRÊA a define como a classe dominante – tem a condição de habitar
em um espaço em que ela própria deseja residir. O rebatimento dessas ações no espaço
provoca o aparecimento de “...bairros suntuosos e, mais recentemente, dos condomínios
exclusivos e com muros e sistema próprio de vigilância, dispondo de áreas de lazer e certos
serviços de uso exclusivo...” (CORRÊA, 1989: 64).

A existência dessas áreas residenciais na cidade é um processo que gera uma


quantidade expressiva de lucro a uma parcela dos agentes sociais produtores, a exemplo,
principalmente, dos promotores imobiliários. No entanto, de forma indireta, outros grupos
econômicos saem lucrando com essas áreas, por elas serem grandes áreas consumidoras de
serviços.
112

Um outro aspecto importante a se frisar é que a existência dessas áreas


residenciais na cidade a condição de poder reproduzir socialmente aquela fração da
população da classe dominante. Diante disso, CORRÊA considera que o espaço

“...social age como um elemento condicionador sobre a sociedade. Neste sentido,


enquanto o lugar de trabalho, fábricas e escritórios, constitui-se no local de
produção, as residências e os bairros, definidos como unidades territoriais e
sociais, constituem-se no local de reprodução” (CORRÊA, 1989: 66).

Feitas essas reflexões acima, cabe, agora, tecer comentários sobre as áreas de
segregação residencial, das populações de alto status na cidade de Teresina.

Nas décadas de 60 e 70, acontecia, em Teresina, um acentuado processo de


migrações de populações com alto poder aquisitivo, oriundas, principalmente, do antigo
centro tradicional da cidade, em direção aos bairros da Zona Leste, localizados próximos
ao rio Poti. Essas populações começaram a ocupar os bairros “Jóckey Club do Piauí” –
que, posteriormente, seria desmembrado em Jóckey Club e Fátima -, São Cristovão,
Planalto Ininga, entre outros (ABREU, 1983: 72-73). Esse processo teve um expressivo
rebatimento espacial, resultando na concentração de residências pertencentes a uma fração
da população que possuía um alto poder aquisitivo.

Essa realidade, que se apresentou mais intensivamente na década de 70,


estimulou ABREU a realizar um estudo sobre o processo espacial. O estudo de ABREU,
intitulado “O crescimento da Zona Leste – um caso de segregação?”, contribuiu,
sobremaneira, para que se conseguisse mapear essa realidade. Nesse estudo, ABREU
investigou os bairros “Jóckey Club”, Fátima, Campus Universitário, Planalto Ininga,
Esplanada Florestal e São Cristovão, na Zona Leste da cidade, analisando as possíveis
tendências para a consolidação de uma área de segregação residencial. O respectivo estudo,
esboçado nos primeiros anos da década de 80, foi fundamental para a produção teórica
acerca da realidade da cidade de Teresina, tornando-se um estudo pioneiro no Brasil, no
âmbito da ciência geográfica, no tocante, mais especificamente, aos estudos sobre as áreas
de segregação residencial.

No estudo de ABREU, fica evidenciado que uma área de segregação residencial


“nasce” de várias ações, promovidas pelos agentes sociais produtores do espaço urbano, ao
113

longo do tempo. A instalação do Campus Universitário da Universidade Federal do Piauí e


o prolongamento da Av. Nossa Senhora de Fátima foram fatores importantes para o
processo de formação dessa paisagem – seletiva e etilizada – na cidade. Nessa área, pode-
se perceber ainda uma presença marcante dos agentes imobiliários, que usam um
marketing urbano – como comenta SANTOS – para a reprodução desses espaços, que
possuíam, naquele contexto, os maiores valores do solo urbano da cidade. Sobre essa
questão, ABREU diz que é

“... fundamental destacar a importância da propaganda realizada pelos corretores


de imóveis que, cumprido seu papel como agentes na organização/reorganização
do espaço, apregoam, através de agressiva propaganda transmitidas pelos meios de
comunicação, as qualidades da área. Com isto forçam o aspecto ideológico do
novo espaço urbano, tornando-o cada vez mais valorizado e, na medida de sua
intensa procura, cada vez mais escasso e com altos valores” (ABREU, 1993: 85).

O estudo de ABREU centrou-se na investigação de uma área da Zona Leste da


cidade, envolvida pelos bairros Jóquei Club, Fátima, Campus Universitário, Planalto
Ininga, Esplanada Florestal e São Cristovão. A pesquisa objetivou identificar as tendências
de segregação residencial de alto status, nessa área. Segundo ABREU, a área desses bairros
foi produzida dessa forma:

“... – a área realmente surgiu na direção de grandes eixos viários: Av. João XXIII
(...); Av. Jonh Kennedy (...) e a Av. Nossa Senhora de Fátima (...). No caso
particular da zona leste de Teresina, a existência dessas rodovias proporcionou à
população que para ali migrou, um mínimo de acessibilidade, no início do
processo de ocupação. Hoje aquelas vias podem ser consideradas como um fator
de “atração” da área.;
- a área realmente surgiu para fora do centro tradicional da cidade (...). A zona
leste de Teresina foi “escolhida” para ser aquela que abrigaria a população de mais
alto status, migrante de áreas residenciais do centro antigo, por conter uma série de
requisitos: amenidades, e principalmente por ser uma área cujos proprietários –
grandes latifundiários urbanos – lotearam a terra, transferindo suas residências
definitivamente para ali, o que permitiu às famílias residentes desfrutarem de
amplos espaços; este fato atraiu vizinhança semelhante pois, os primeiros
habitantes trouxeram consigo parentes e amigos de igual status sócio-econômico
...” (ABREU, 1983: 99-100).

Quanto aos bairros pesquisados, ABREU disserta dizendo que, dos 6 bairros da
área, a metade apresenta um tipo de homogeneidade, simbolizada pelo elitismo, enquanto a
114

outra metade se distancia dessa forma. Quanto ao Planalto Ininga, razão da renda de seus
habitantes, se distancia do padrão elitista anterior. Essa área ainda se apresenta fortemente
diferenciada das outras áreas da cidade, devido às características do elitismo (ABREU,
1983: 103-104).

FOTO 13 – Bairro Jóquei – Zona Leste

Conforme ABREU explicita no seu estudo, a compreensão dessa área pode ser
sintetizada segundo as seguintes características:

“1 – ocupação recente, estando por isso em fase de organização; 2 – existência de


diferenciação marcante da área com relação às suas circunvizinhanças, traduzindo-
se por alto grau de heterogeneidade externa; 3 – ausência de homogeneidade
interna entre os bairros; 4 – aspecto dominante interno caracterizado por padrão
familiar/residencial de alto status sócio-econômico, apesar da ausência de
homogeneidade; 5 – solo urbano altamente valorizado, tornando-se fator de
“exclusão de consumo” para ampla faixa da população da cidade” (ABREU, 1983:
106).

Em seu estudo, ABREU chegou à conclusão de que a área pesquisada


configura-se como uma área com tendências a segregar-se, enfatizando ainda que, nessa
área pesquisada, existem três sub-áreas que podem ser assim observadas:

a) uma primeira sub-área que é marcada por uma segregação residencial


elitista, envolvendo os bairros Jóquei Club, Esplanada Florestal e Campus Universitário;
b) uma Segunda sub-área que apresenta uma tendência a se constituir como
área de segregação residencial elitista, nos bairros de Fátima e São Cristovão;
c) uma terceira sub-área, que envolve o bairro Planalto Ininga, encontra-se
com uma forte diferenciação de renda em relação às duas primeiras, o que, diante desse
fato, não a caracteriza como área que possua tendências a segregar-se (ABREU, 1983: 106-
107).

As reflexões elaboradas por ABREU contribui muito para o entendimento tanto


desse processo espacial quanto da própria evolução urbana de Teresina, e, além disso,
abriu um leque de questionamentos que viabilizam o desvendamento das ações dos agentes
sociais produtores do espaço urbano.
115

A partir da segunda metade da década de 80, convém frisar que, com as


profundas transformações ocorridas em Teresina, o espaço urbano tornou-se mais
dinâmico e mais complexo, sendo mais difícil a leitura e a interpretação dessas áreas de
segregação. Os bairros Jóquei, Fátima e Ininga transformaram-se, ao longo dos anos, em
espaços privilegiados para a reprodução social da população etilizada de Teresina. A
segregação residencial de alto status, até o ano de 1995, nesses espaços, pode se dizer, uma
realidade, e não mais uma tendência. Essa afirmação deriva de uma leitura espacial que
merece, em outro estudo, o devido aprofundamento.

Uma leitura mais atual desta temática passa necessariamente pelas mudanças
de ordem interna e externa, as quais vivenciou a cidade de Teresina, nos últimos anos,
tanto no contexto estadual como no contexto regional. Os fatores de ordem econômica,
social, política e cultural se transformaram, interferindo na vida dos citadinos. Houve,
também, um maior dinamismo das ações dos agentes produtores do espaço urbano, as
quais se tornaram mais “organizados” e mais atuantes no tecido urbano como um todo.

Diante do exposto aqui, é mister reafirmar-se que as análises futuras sobre essa
temática haverão, necessariamente, de passar pela produção do espaço urbano na Zona
Leste, o que significará uma substancial contribuição para a compreensão da cidade como
um todo.

3.5. O PROCESSO DE VERTICALIZAÇÃO

A cidade de Teresina apresentou, a partir da década de 80, o aparecimento de


edifícios de apartamentos residenciais de luxo, concentrados em alguns bairros da cidade,
gerando o surgimento de áreas de segregação. Tal processo espacial é conhecido como
verticalização. Convém ressaltar que a produção teórica acerca dessa temática ainda é
muito incipiente, o que dificulta, sobremaneira, uma análise mais aprofundada desse
processo espacial. Mas o que é mesmo o processo de verticalização? Quem está por trás
dessa produção? Qual o rebatimento espacial desse processo no tecido urbanos de
Teresina?
116

A verticalização é um símbolo de uma geografia dos espaços metropolitanos, o


qual representa o surgimento de edifícios em uma determinada área da cidade, implicando
alterações na propriedade e no uso urbano. A compreensão dessa geografia da
verticalização obriga que se adentre nos meandros do processo de modernidade (SOUZA,
1994: 125). Parece acertado que entender “...a verticalização (...) é assombrar-se com uma
forma que se multiplica, restringindo a posse do espaço urbano a poucos, em valor de uso e valor
de troca – o surgimento do habitat burguês....” (SOUZA, 1984: 125).

Segundo SOUZA, essa geografia da verticalização tem “...um efeito de


sobrevalorização do espaço, visto que se instala em áreas bem equipadas, do ponto de vista da
infra-estrutura, e vai projetar-se como valor....” (SOUZA, 1994: 143). Existe toda uma relação
entre o aparecimento de áreas verticalizadas e a valorização dos terrenos, em áreas com
infra-estrutura e acessibilidade. São áreas que atraem as frações da população da classe
dominante, devido à presença de fatores favoráveis à reprodução social dela mesma.
Consequentemente, a presença dessas frações da classe dominante estimula a vinda de
outras frações da população, tanto da classe dominante quanto dos setores de classe média
alta, criando áreas de segregação residencial verticalizada.

É relevante indagar sobre quem são os agentes que participam da produção


dessa geografia verticalizada? Eles são agentes que atuam no espaço e no tempo,
utilizando-se de estratégias articuladas, provenientes da relação entre o capital imobiliário,
o capital financeiro, o capital fundiário e o capital produtivo. São esses agentes que se
constituem nos seguintes grupos:

“1 – os proprietários fundiários urbanos e periurbanos; os proprietários urbanos; 2


os produtores de materiais de construção; 3 – os produtores (promotores)
fundiários e os produtores (promotores) imobiliários ou os incorporadores; 4 – os
detentores de capital que investem na produção (promoção) imobiliária; 5 – os
compradores de terrenos e de habitação...” (SOUZA, 1994: 185).

É fundamental que se busque o rebatimento espacial dessa geografia


verticalizada na cidade de Teresina, principalmente a partir da década de 80. Esse processo
ocorreu, inicialmente, nos bairros Frei Serafim, Centro e Cabral, localizados na Zona
Centro, e no bairro de Fátima, na Zona Leste. Os incentivos para os maiores investimentos
do setor imobiliário ocorreram, nesses bairros, deveram-se ao conjunto de vantagens
117

oferecidas nessas áreas, reflexo da existência das populações de alto poder aquisitivo.
Essas vantagens foram semelhantes às que ocorreram nas áreas de segregação residencial,
na Zona Leste.

FOTO 14 – Verticalização – Bairro Cabral – Zona Centro

Sobre o estudo da verticalização, em Teresina, vale destacar o artigo de


ARAÚJO, intitulado “A Verticalização como segregação espacial em Teresina”. Comenta
ARAÚJO que a

“...produção de apartamentos de luxo, na cidade, é um fenômeno recente,


considerando-se que 50% dos edifícios residenciais, com 10 a 12 pavimentos
destinados à moradia, foram concluídos no período 1987/1991, e 31% estão em
construção e/ou fase de acabamento, com cronograma prevendo conclusão ainda
para 1992...” (ARAÚJO, 1993: 47).

O impacto dessa produção na cidade aconteceu da seguinte forma. Na Zona


Centro, existiam 8 edifícios no bairro Frei Serafim, 3 no bairro Cabral e 3 no bairro Centro,
enquanto, na Zona Leste, existiam 2 edifícios no bairro de Fátima (ARAÚJO,1993: 47-48).
Observa-se, nos números a supremacia da Zona Centro quanto à concentração espacial dos
edifícios de apartamentos na cidade, processo que vai se espraiando em direção à Zona
Leste.

Quanto à produção de edifícios na cidade, merece destaque, na primeira


metade da década de 80, no bairro Frei Serafim, a construção do Rio Poti Hotel, sendo o
único hotel 5 estrelas da capital, o qual começou a funcionar em 1987. O funcionamento
desse hotel fez com que os promotores imobiliários investissem intensivamente nessa zona,
com a construção de edifícios residenciais de luxo, produzindo-se uma área de alto status,
marcada pelos altos preços da habitação e, consequentemente, do solo urbano (ARAÚJO,
1993: 52).

A área próxima ao Rio Poti Hotel foi produzida com todas as condições que
viabilizassem ali, uma área de segregação espacial, alicerçada em aspectos como
acessibilidade, ventilação – vale ressaltar que a cidade de Teresina possui altas
118

temperaturas, sendo esse fator determinante na compra de um imóvel – e amplas avenidas


que facilitem a articulação dessa área com toda a cidade. Um aspecto interessante é que, na
Av. Marechal Castelo Branco, existe uma área destinada à prática de caminhadas
(cooper),reproduzindo, na beira do rio Poti, uma paisagem – “orla do Poti”- típica de
cidades litorâneas (ARAÚJO, 1993: 55).

A parcela da população que reside nos edifícios residenciais de luxo faz parte
de uma elite dominante que possui bastante capital para pagar por essa morada considerada
cara pela maioria dos citadinos. O fluxo dessa fração da população, em direção aos
edifícios de luxo, foi motivado

“...por um conjunto de fatores, sobretudo, os de natureza ideológica, considerando-


se que outros fatores já citados, por si sós, não explicitariam tal fato, tendo em
vista os amplos espaços ainda existentes em Teresina. Um diretor de uma das mais
importantes construtoras locais confidenciou que, pela metade do preço de um dos
apartamentos situados no bairro Frei Serafim, seria possível construir uma
suntuosa mansão no Jóckey Club” (ARAÚJO, 1993: 58).

No estudo de ARAÚJO, existem alguns dados que merecem ser reproduzidos


aqui. A pesquisa revelou que

“... os dados indicam a segurança como o principal motivo para a escolha, citada
em 32 dos 33 questionários respondidos, sendo que 75% deles apontam-na como
primeiro lugar na escolha; a comodidade vem em 2º lugar, citada em 24 dos 33
questionários; a localização, e a dificuldade de encontrar doméstica vêm quase
empatados, citados em 13 e 14 questionários, respectivamente...” (ARAÚJO,
1993: 60).

Todos esses fatores são constantemente utilizados pelos promotores


imobiliários como instrumentos de persuasão dos consumidores de apartamentos.

Numa entrevista concedida a um jornal local, Francisco Reinaldo, presidente


do Sindicato da Indústria da Construção Civil, disse, ao ser questionado sobre as vantagens
e desvantagens do processo de verticalização em Teresina, que

“...na nossa avaliação, ela só traz vantagens. O poder público fica menos
vulnerável, porque não precisa levar infra-estrutura para longe, e a estrutura
urbana da cidade passa a ser melhor aproveitada, já que no mesmo espaço dá para
119

agregar mais unidades habitacionais, racionalizando mais o uso de água, energia


elétrica, telefone etc” (Jornal O Dia – 07/09/1997).

No depoimento de Francisco Reinaldo, fica evidenciado que a argumentação


dos promotores imobiliários, que clamam por uma cidade verticalizada, é no sentido de
dizer que a verticalização não promove o crescimento espacial da cidade, além de ser
menos oneroso para o poder público.

Diante de tal evidencia, parece ser cabível um questionamento concernente à


espacialização da cidade: será que as ações dos agentes produtores do espaço urbano –
imobiliário e o poder público – valorizando uma pequena área da cidade, abastecida de
serviços e excluindo a maioria da população do direito de ali poder morar, não favorece
direta e indiretamente, o próprio crescimento da cidade?

Refletindo-se sobre esse questionamento, conclui-se que o processo de


verticalização é uma realidade cada vez mais expressiva na paisagem da cidade de
Teresina, como se observa na tabela 14 que apresenta as unidades produzidas pelo Instituto
de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP/PI), ilustrados por uma foto do
condomínio Santa Marta, na Zona Leste.

Tabela 14
Unidades de Apartamentos Produzidos pelo INOCOOP/PI
Cidade de Teresina - 1993
Denominação Número de Unidades
Rio Parnaíba 108
Monte Castelo 128
Dom Avelar 336
Vila Tropical 144
Angical 96
Cristo Rei 192
Santa Marta 400
Subtotal 1.404
Fonte: Teresina: aspectos e características – Perfil 1993/PMT
120

FOTO 15 – Condomínio Santa Marta – Zona Leste

Em um documento intitulado “Estudos da Conjuntura de Mercado-PI”,


elaborado pelo SEBRAE, pode-se observar um pouco do perfil da construção civil em
Teresina, no ano de 1995. O documento revela que existiam 363 áreas com edificações
licenciadas na cidade, correspondendo a 150.694,03 m2 de extensão, ao mesmo tempo em
que existiam 184 áreas de Habite-se, número equivalente a uma extensão de 107.294,93
m2 Ainda no mesmo documento, verifica-se também o custo médio e a variação do metro
quadrado da construção civil na cidade. No mês de janeiro, o custo médio era de 238,17
(R$m2). Esses valores ilustram o quadro da construção civil, contribuindo, sobremaneira,
para o entendimento do processo de verticalização de Teresina (Estudos da Conjuntura de
Mercado/PI – Jun/96).
121

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Onde será que isso começa a certeza sem


paragem o viajar de uma viagem a outra
viagem que não cessa cheguei ao nome da
cidade não a cidade mesma espessa rio que
não é rio: imagens essa cidade me atravessa
...”

Caetano Veloso
O Nome da Cidade

Este estudo objetivou refletir sobre o espaço urbano de Teresina, adentrando as


diversas dimensões do cenário urbano, procurando revelar os agentes sociais produtores
desse espaço, bem como fazer uma leitura das principais formas espaciais construídas na
cidade.

O desafio de narrar a produção espacial de uma cidade periférica, excluída da


divisão territorial hegemônica do trabalho, despertou uma necessidade de aglutinar
informações que pudessem mostrar que Teresina é uma cidade “como as demais”-
considerando as suas especificidade – construídas por agentes sociais concretos que
representam as diversas classes sociais que compõem a sociedade, através de formas
espaciais, visualizadas na paisagem urbana.

A construção desse cenário partiu inicialmente do processo de urbanização no


Piauí que sofreu fortes transformações nas décadas de 50 e 60, fruto de sua inserção no
cenário nacional e regional, inserção essa que só veio a se consolidar no final da década de
80. Nessa inserção, observou-se que, somente em 1991, é que o Piauí atingiu a taxa de
52,95% de urbanização. Esse processo foi marcado por uma frágil rede urbana, em âmbito
estadual, onde a articulação do Piauí com o restante do país mostrou-se totalmente
fragmentada, revelando a ausência de políticas de planejamento que promovessem um
maior desenvolvimento do Estado.

A ausência dessa articulação foi percebida ao se analisarem as tendências


econômicas no Piauí. A economia do estado, em especial a da capital, manteve-se ancorada
122

no setor terciário não sendo capaz de dinamizar o setor produtivo. A fragilidade dos setores
primário e secundário, tem contribuído para o fraco dinamismo econômico e social.

Nesse contexto extremamente vulnerável, foi produzido o espaço urbano de


Teresina o qual vivenciou dois períodos no seu processo de evolução. O primeiro período,
entre 1970 e 1985, revelou uma produção espacial marcada, principalmente, pelo
predomínio de forças externas, oriundas da política nacional, enquanto, no segundo
período, entre 1985 e 1995, ocorreram inúmeras transformações sócio-espaciais,
orientadas, na sua grande maioria, por forças internas, resultando em parte do próprio
processo de descentralização política ocorrido no país.

Em relação aos agentes sociais produtores do espaço urbano de Teresina, o


primeiro período foi capaz de mostrar a formação dos agentes industriais e dos
comerciantes e a presença atuante do estado. Quanto aos industriais, as suas ações se
deram devido à política de industrialização que ocorria no país, não conseguindo, apesar
dessa “onda”, consolidar-se no tecido urbano. Já os comerciantes conseguiram uma maior
evolução de suas ações na cidade, resultando do próprio crescimento da cidade, além de a
atividade comercial já ser tradicionalmente o sustentáculo da economia local. No tocante
ao estado, ele teve uma atuação mais expressiva, agindo como produtor, através da
construção dos conjuntos habitacionais, como provedor de externalidades, na instalação de
infra-estruturas e como legislador, na elaboração de leis que visavam um maior
disciplinamento do uso do solo urbano.

O primeiro período, quanto aos proprietários fundiários, aos promotores


imobiliários e aos grupos sociais excluídos, caracterizou-se por um conjunto de ações
embrionárias, tendo em vista que estavam num processo de construção de suas identidades,
por isso, promoviam aleatoriamente mudanças espaciais, sem uma estratégia mais ampla
no espaço urbano.

Os agentes sociais ao tentarem construir suas identidades, enquanto grupo


social, produziram, ao longo do tempo, formas espaciais que representam suas próprias
identidades territoriais. No primeiro período, vale destacar a proliferação dos conjuntos
habitacionais que foram importantes para o crescimento físico da cidade. A formação dos
núcleos de comércio, serviço e indústrias refletiu o próprio crescimento comercial e
123

espacial da cidade. Vale ainda frisar que os processos e as formas espaciais, a exemplo das
favelas, das áreas de segregação de alto status e das áreas verticalizadas, encontravam-se
em formação, mas já sinalizavam, no tecido urbano, a presença de novas paisagens, que
representavam novos usos do solo urbano, ou seja, novas formas de apropriação da terra
urbana.
Em relação ao segundo período, compreendido entre os anos 1985 e 1995,
ocorreram profundas transformações oriundas dos cenários nacional, regional e local,
fazendo com que os agentes sociais assumissem novos papéis na construção de formas
espaciais, num número cada vez maior, na cidade. Alguns agentes, porém, como os
industriais, sofreram uma redução na importância de sua participação no que se refere à
produção do espaço. Esse agente social não conseguiu dinamizar o setor industrial na
capital. A falta de uma política industrial que modernizasse o setor e o integrasse às outras
esferas da economia foi um fator crucial para tal redução. Contrariamente, os comerciantes
mostraram níveis de ascensão, conseguindo avanços no setor econômico, acompanhando a
evolução da cidade, e ratificando a marca da capital como um pólo comercial.

O Estado, como um agente social produtor do espaço urbano, sofreu mudanças


substanciais na sua trajetória de intervenção na cidade. No âmbito federal diminuiu
drasticamente a produção dos conjuntos habitacionais, resultado da crise das políticas de
habitação ocorridas no país. No âmbito municipal, as ações foram mais concretas, no que
diz respeito tanto à elaboração de leis quanto ao processo de regularização e
desapropriação de terras, além das novas relações com os grupos sociais excluídos e com
os movimentos sociais urbanos.

Já os proprietários fundiários, identificados com a especulação fundiária,


começaram a atuar na cidade, usando de estratégias variadas e, cada vez mais, articuladas
com outros agentes. O rastreamento das ações desses proprietários fundiários é tarefa
extremamente difícil. Dentre todos os agentes sociais, vale ressaltar a participação dos
promotores imobiliários que, seguindo uma lógica de mercado, começaram a selecionar
áreas da cidade com elevado preço da terra em bairros de alto status, além de estarem
presentes nas franjas urbanas, interferindo no crescimento da cidade e na produção de áreas
cada vez mais segregadas residencial e socialmente.
124

As ações dos grupos sociais excluídos, nesse segundo período, fizeram com
que eles fossem reconhecidos como agentes sociais que representam uma parcela
significativa de citadinos excluídos do processo de produção da cidade, isto é, excluído do
direito de possuírem um teto sob o qual morassem. O que se deve salientar é que as ações
desse agente social foram amparadas pelos atores sociais (MSUs) que contribuíram,
sobremaneira, para a consolidação desse agente social na cidade.

Nesse segundo período, prevaleceu, na cidade a produção das formas espaciais


como as favelas e a verticalização. Quanto ao processo de produção das favelas, observou-
se que houve uma expansão dessa forma em todo o tecido urbano, abrangendo as diversas
zonas da cidade, revelando um perfil sócio-econômico-espacial de uma parcela da
população de Teresina. Em direção oposta, “proliferaram” os edifícios residenciais de alto
status, mostrando a expansão do setor imobiliário, privilegiando áreas com infra-estrutura
em abundância e segregando a classe com mais alto poder aquisitivo da cidade. O mesmo
processo dinâmico não ocorreu com os conjuntos habitacionais e com os núcleos
secundários ligados ao setor industrial. Aconteceram, ainda, mudanças importantes, quanto
aos núcleos secundários de comércio e serviços e as áreas de segregação residencial de alto
statu.

Todo esse esforço panorâmico, proporciona a ampliação de enfoques a serem


investigados acerca da realidade de Teresina. Ao mesmo tempo que demonstra a
insuficiência de instrumentais teóricos para compreender uma cidade como Teresina. O
olhar geográfico, buscando a objetivação da sociedade, dentro de uma dimensão espacial,
traduz-se em um enfoque que amparado a outras formas de leituras da sociedade,
possibilita a aproximação em busca do entendimento da realidade urbana. Ainda que,
aprofunda uma temática, pouco explorada, dentro da geografia urbana brasileira.

Os diversos caminhos, aqui trilhados, abre um leque de reflexões para


posteriores trabalhos sobre a cidade, tais como: a) entender melhor as articulações entre os
proprietários fundiários e os promotores imobiliários; b) compreender com mais
profundidade os papéis desempenhados pelo estado, no âmbito municipal; e, c) verificar
com mais acuidade os conflitos existentes entre o estado e os grupos sociais excluídos. São
questões pertinentes que podem contribuir no entendimento da evolução urbana de
125

Teresina, considerando o seu espaço, como um espaço que é produto das relações sociais
existentes nesse cenário complexo e repleto de temas para serem investigados.

Para não concluir, usando as palavras de CORRRÊA, considero que este estudo
é uma retribuição carinhosa a todos que vivem e que produzem esta cidade, esperando
poder ter contribuído na preocupação em olhar a cidade com uma visão fragmentada e
articulada, buscando apreender a totalidade social e espacial contida nesse cenário urbano.
126

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ANEXO

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