Você está na página 1de 4

MAPA DA IGNORÂNCIA

Quando você vai começar a construir uma casa, você compra um tijolo e coloca no lugar e
espera para ver quando vai precisar do segundo tijolo ? e depois se lembra que você
precisa de um saco de cimento ? ninguém faz isso !, é o contrário, você faz um plano, você
faz um orçamento e você reúne todos os materiais ou assegura o fluxo de material segundo
o ritmo da construção. Eu não vejo porque a construção da auto-inteligência deveria ser
diferente.
“ O que devo ler ?’’É impossível saber, porque o primeiro capítulo da auto-educação
consiste justamente em você avaliar essa questão, não se trata de pegar os livros e lê-los,
mas trata se de você adquirir os critérios que lhe permitem orientar-se dentro da bibliografia
universal e decidir o que você deve ler. A primeira coisa é mapear o terreno. Não se trata
absolutamente de um negócio chamado “adquirir cultura geral”, não, cultura geral é
informação que você pega na mídia ou nas leituras escolhidas pelo mero gosto. Antes de
você se tornar um especialista em qualquer coisa você tem que adquirir uma primeira
especialidade, que é a especialidade de informação cultural, normalmente você não teria
que fazer isso se as instituições de ensino superior fizessem, mas como não fazem, então
você tem que fazer.
Na primeira etapa você vai ter que dedicar no mínimo 1 ano e no máximo 3 anos de sua
vida a este mapeamento, isso não quer dizer que você não vai ler nenhum livro nesse
período, mas você vai ter que ler muitos índices , muitas orelhas de livro, muitos verbetes
de enciclopédia, até anúncios de livros ou resenhas, para você compor um mapeamento do
terreno que lhe interessa, esse terreno em um primeiro momento deve ser o mais amplo
possível, não se atenha a apenas uma especialidade que lhe “interessa”, pelo fato que você
não tem conhecimento dessa especialidade, qualquer definição será prematura, por outro
lado não é possível adquirir informação geral sobre todos os setores do conhecimento. Você
primeiro vai delinear da maneira mais ampla possível. Quais são as questões que lhe
interessa e quais são as disciplinas que tem algo a ver com isso, sem prejuízo que mais
tarde você descubra que não era bem assim e que você deveria estudar outra coisa, então
vamos começar por aceitar a distinção geral daquilo que se chama ciências humanas, não
há uma definição precisa do que é ciências humanas, mas vagamente, sem saber
claramente o que seja, você tem alguma ideia das coisas do que componhe as ciências
humanas, por exemplo, você sabe que ciência espacial não faz parte das ciências
humanas.
Para mapear o terreno os procedimentos são os seguintes. Primeiro você vai ter que se
munir de uma boa história de cada uma dessas disciplinas, você vai pegar por exemplo,
uma história da economia, uma história da sociologia, uma história da geografia e assim por
diante, e você não vai ler todos os livros, porque se você ler você vai esquecê-los depois de
10 minutos, porque é uma coleção de dados enorme, essas histórias das disciplinas não
são para serem lidos, mas para serem consultados, para serem pesquisados. E o que você
vai pesquisar lá ?, a primeira coisa que você vai ter que obter é uma cronologia dos
autores e obras que marcaram as etapas de desenvolvimento de cada uma dessas
ciências e nisso fazer a divisão fundamental, que é a divisão entre as fontes primárias
e as fontes secundária, “O que são fontes primárias ?”, são os textos fundamentais que
marcaram a história do desenvolvimento daquela ciência. “E o que são as fontes
secundárias ?”, são os estudos a respeito, é claro as fontes secundárias são em número
enormemente maior que as fontes primárias. Então, vamos deixar a bibliografia secundária
para a segunda etapa, nós vamos nos interessar apenas pelos livros fundamentais,
os livros fundamentais são aqueles que os autores seguintes consideraram
fundamentais, são os livros que os outros autores leram, você por exemplo não vai
encontrar algum filósofo que não tenha lido René Descartes, você no entanto pode
encontrar alguém que não tenha lido ‘Olavo de Carvalho’. É fundamental então você ter a
cronologia exata das obras fundamentais que marcaram esse desenvolvimento e você
precisa saber distinguir entre a mera data de publicação e a data de difusão, ou seja,
quando aquele negócio se tornou socialmente importante. ( exemplo Newton e Voltaire).
Você fazer uma cronologia das obras principais de uma ciência é um negócio trabalhoso,
mas que vai te render frutos pelo resto da vida, e a diferença só vai ser percebida com o
tempo, uma coisa é você sair lendo livros. “Ah, eu li Nietzsche, eu li Voltaire, eu li
Rousseau”, muito bem, mas você não pode construir uma cultura assim, na base das
leituras aleatórias.
A ideia de um plano de auto-educação, primeiro você deve reunir o material que te permite
realizar esse plano, evidentemente todas as ciências humanas tem uma índole histórica, ou
seja, elas são feias por uma sucessão de debates, mais ou menos a mesma coisa acontece
na ciência física e matemática, mas acontece que essas têm uma qualidade peculiar, que é,
que é, o entendimento das suas teorias não requer o entendimento da história que a
produziu, você pode entender toda a mecânica de Newton , sem entender da onde ele tirou
aquilo, ou seja, o conteúdo de uma teoria científica natural é destacável até certo ponto da
sua origem histórica, mais fácil é compreender a teoria em si mesma independentemente da
sua história, é claro que compreender a história aprofundar o entendimento que você tem
da teoria, porém, não é necessária desde o ínicio, na verdade é até impossível, não dá por
exemplo para você estudar a história da teoria de Newton e a teoria em si ao mesmo tempo,
você vai se confundir enormemente. Mas no que diz respeito a teorias filosóficas, das
teorias das ciências políticas e até das obras históricas, não dá pra fazer esse isolamento,
porque o próprio sentido delas depende do contexto histórico onde foram produzidas, pelo
simples de todas essas teorias serem feitas em respostas a outras teorias anteriores.
Aristóteles quando ele coloca uma questão, ele antes de tudo ele rastreia o que os seus
antecessores disseram a respeito, isto não tem só interesse histórico, as teorias anteriores,
as propostas anteriores, elas aos poucos vão formando a figura do objeto que ele quer
investigar, conhecer o objeto é conhecer a história daquilo que disseram a respeito, isso
quer dizer que esse conhecimento da cronologia vai começar com a cronologia de
publicação das obras, em seguida com a cronologia do seu florescimento, ou seja, quando
que aquilo foi lido, algumas obras têm um impacto imediato outras tem o efeito retardado.
Primeira coisa é organizar a cronologia das fontes primárias, isso se faz pegando uma boa
história (livro biográfico) daquela ciência.
A primeira cronologia que você fizer não vai estar completa de jeito nenhum e você vai ter
que continuar completando-a pelo resto de sua vida, por exemplo, quantas histórias da
filosofia você precisa consultar para ter uma certeza de que a cronologia que você fez está
suficientemente completa ?, completa não quer dizer que abrange todos os autores de
todas as obras, NÃO !, abrange aquilo que você vai precisar saber , ou seja, a medida dela
não é objetiva e sim subjetiva, a medida da sua necessidade e não do fato histórico em si
mesmo, mas não há nenhuma história que você pode dizer que seja completa, os
elementos ao qual o autor vai dar importância depende do que ele acha essencial e você
pode não dar a mesma importância devido a influência a influência que o elemento tem em
você. No começo é melhor você pegar histórias que são mais meticulosas e que tem menos
unidade interpretativa (Guillermo Fraile), ou seja, você vai compondo a sua educação na
medida que você vai compondo a sua biblioteca.
Cuidado com a data de nascimento e de publicação, elas são geralmente enganosas, ou
seja cada item da sua lista cronológica e vai ser um problema e resolver cada um é um
caos, vai ser um esforço que vai render por toda a sua vida, ou seja, não é importante você
completar a lista logo, mas você vai fazer a lista de modo que nenhum verbete que você
coloque lá seja uma coisa meramente mecânica, sem você julgar a coisa previamente.
‘Fortuna Crítica’, é a recepção que os autores tiveram na crítica geral, Otto fez esse
trabalho assim que chegou no Brasil e durou 2 anos, mas ele conhecia e literatura brasileira
inteira, ou melhor, só ele conhecia, e às vezes modificando completamente o conceito da
crítica a respeito de algum autor ou obra, com essa fortuna crítica você pode descobrir que
todo mundo se enganou a respeito do autor ou um crítico em específico fez e não percebeu.
Por isso que o passo da fortuna crítica ela não vai ditar a sua opinião e sim a opinião da
crítica a respeito da pessoa, por isso que ele tem que ser o mais breve possível, para não o
influenciar muito.
O número de histórias de cada disciplina e o número de dicionários e enciclopédias dessa
disciplina que você precisará ler e ter é praticamente ilimitado, mais isso vai ser o começo
da sua biblioteca, veja bem, a biblioteca ela não precisa existir fisicamente, você vai
precisar no começo é da lista, porque às vezes, você vai ter quer ir em uma biblioteca
pública para ter a obra que você precisa, não ter, mas saber que ele está ali e o porque
você precisa dele é o começo do seu mapa da ignorância, o mapa da ignorância tem que
ser feito a partir de algum conhecimento rudimentar que você tem e que desperta em você
uma dúvida, curiosidade e necessidade, a partir da medida que você for organizando as
cronologias, você vai ter então um mapeamento dos pontos de interesse e curiosidade, que
você terá pelo resto da vida, essa constelação de dúvidas é o começo da educação.
A bibliografia secundária você só vai começar a pesquisar, quando você tiver um interesse
em um assunto em específico que você deseja aprofundar, por enquanto nem tente ler,
consagre 1 á 3 anos da sua vida para ter essa informação organizada e para que daí os
temas que você decida aprofundar estejam perfeitamente nítidos dentro do quadro histórico
cultural universal, aí sim tem a especialização.
Anote o nome de alguém que você sabe pelo menos um pouco, não anote o nome de
alguém que você não sabe nada. Você vai se esforçar para que antes de ter lido uma única
obra daquela disciplina você tenha uma visão unificada do desenvolvimento histórico delas,
e depois desse trabalho se você quiser escrever a história de alguma disciplina, você está
pronto para fazer, você tem o plano e você tem os materiais, só falta você trabalhar cada
material, claro que trabalhar cada material dá um trabalho desgraçado. Bem e essa é a
resposta para “que livros devo ler ?”.
Também é importante você saber quais autores que se dão importância e qual o conceito
que se tem deles nesse e naquele meio, não importando se você concorda ou não, o
importante é você anotar. E o que vai realmente contar no fim da história é a opinião escrita
e publicada, o que é falado, depois de um tempo é esquecido, isso quer dizer que você vai
ter um interesse pela mediocridade ambiente, “Por que ?”, porque é nesse que você vive, é
importante para você, comparar o tamanho histórico da disciplina em questão ao que se fala
a respeito dela, onde você vive.
É a opinião dos sábios. Então quando se trata de um objeto fisicamente acessível, claro
que a opinião dos sábios continua válida mas o testemunho dos seus sentidos é mais
importante, mas, quando se trata de objetivos de ordem histórica, social e cultural, que são
inteiramente construídas de sistemas de significados, então é, impossível, você aprendê-los
sem ser pelas opiniões dos sábios. O que é essa cronologia ?, é uma lista resumida dos
conceitos vigentes entre os estudiosos sobre tal ou qual autor ou livro, é claro que, você tem
que aprender a captar isso muito rapidamente, quantas menções você precisa ler sobre
um autor para saber a importância relativa dela na história ?, 10 dicionários ou 10
histórias já dá pra você saber se aquilo é importante ou não, essa ideia pode ser corrigida
mais tarde, isso quer dizer que a importância relativa que você deu a cada um, pode e, deve
ser, avaliada posteriormente, mas você precisa de alguma coisa para começar.
Aprender a deixar todas as questões sobre parêntese é fundamental (não confunda com
René Descartes, que coloca TUDO em dúvida, e não todas as QUESTÕES em dúvida) para
uma vida de estudos, essa primeira etapa que eu estou falando, que é de fato o
mapeamento da sua ignorância, é só, uma coleção de dúvidas e problemas. Veja isso,
Aristóteles escreveu um livro inteiro chamado “problemas” ou “questões” (esse livro nunca
foi traduzido para o português), e este livro tem milhares de dúvidas que ele não tinha
resposta, este livro é o mapa da ignorância de Aristóteles e se ele não tivesse essas
dúvidas ele nunca teria conseguido responder algumas outras que ele tinha, saber quais
são as dúvidas é o primeiro passo, nós podemos ter acesso a uma certeza absoluta, mas é
sobre muita pouca coisa, o resto é mar das dúvidas e o drama humano, não há problema
nenhum em você ter uma bela coleção de dúvidas, ou contrário, isso é o começo da sua
educação.

'Nesciência" é, não sei e não quero saber, não é nossa obrigação saber, o mapa da
nesciência é infinito, o da ignorância não é infinito, ele é ilimitado
Ele é enorme e você tem todo esse mapeamento das dúvidas e tem uma dúvida que você
quer responder,então você vai saber onde está esse pequeno elemento de certeza
Para fazer uma síntese, você precisa de muitos anos de leitura , meditação, análise etc,
agora imagina fazer isso com a história humana, é uma bobagem. Mas o que eu estou
falando para vocês não é o desenvolvimento histórico dos fatos, é apenas em uma
disciplina em particular algo muito limitado, ou seja, você não está fazendo uma teoria do
desenvolvimento histórico, por exemplo, do direito ou da economia, não, você está falando
de uma unidade real que existe, na medida que um autor se refere ao outro, é como uma
espécie de um diálogo.
Essa mapeamento permite depois fazer facilmente uma reconstituição do estado
‘questione’, ou seja, é a evolução das discussões sobre determinado ponto, e na hora que
você tem isso, você pode acabar encontrando um erro, onde em uma discussão de 2.000
mil anos em determinado momento se esqueceram de algo, mas para isso você precisa da
história inteira daquela disciplina. Exemplo : Os quatro discursos de Aristóteles. A ideia do
mapa da ignorância é saber onde você vai estar dentro do conjunto, as questões em
específicas ao qual você vai dedicar o resto da sua vida, é saber onde você estará. Você
pode até sonhar que vai ler todos os livros de todas as disciplinas que te interessa, isso até
faz bem, mas não deve ser o objetivo central.

Você também pode gostar