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Curso de Mariologia

PARTE I : FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA – ANTIGO


TESTAMENTO

MÓDULO I : O PROTOEVANGELHO (Gn. 3,15)

PERGUNTAS

1- Que é sentido estritamente literal? Que é sentido literal pleno?


A hermenêutica bíblica reconhece, em alguns casos, além do sentido
literal escrito, o sentido literal pleno. isto implica que as palavras do
autor sagrado podem Ter um sentido decorrente da própria letra, mas
não percebido pelo autor humano; Deus, porém, que é o autor principal
e supremo da Escritura Sagrada, terá intencionado esse ulterior
significado da letra. É preciso não esquecer que a Bíblia, tendo Deus
como autor principal, deve ser considerada como um só discurso ou
uma só mensagem que se vai explicitando aos poucos; daí a necessidade
de se compararem os textos bíblicos entre sí; os mais antigos
prenunciam os mais recentes e os mais recentes ilustram a revelam
plenamente o sentido dos mais antigos.

2- Quem é Mulher de Gn 3,15 segundo o sentido estritamente literal?


No contexto de Gn 3 só há uma mulher: aquela que com Adão pecou.
Em conseqüência, o texto tomado ao pé da letra (como um judeu o
entendia ou ainda o entende) se refere a Eva. Quanto à descendência da
mulher, seriam todos os homens e mulheres fiéis a Deus através dos
tempos. Deverão travar batalha contra o Sedutor e seus seguidores,
cabendo a vitória final à linhagem dos bons.

3- Quem é essa Mulher segundo o sentido literal pleno? Explique bem.


Aplicando este princípio a Gn 3,15, pode-se dizer que o descendente da
mulher que concretamente pisou na cabeça da Serpente ou do Tentador,
foi o Messias Jesus. E a mãe desse Senhor vitorioso foi Maria SS. Por
conseguinte, o sentido literal pleno (ou o sentido que decorre da letra
plenamente entendida) aponta Maria e Jesus Cristo como os
protagonistas da luta decisiva contra a serpente e os agentes da vitória
sobre a mesma.

4- Que é recapitulação ou recirculação?


Poucos decênios depois, S. Ireneu (+202) desenvolve o paralelismo.
Parte da concepção de que o plano de salvação não é simplesmente um
conserto ou um reparo feito no projeto violado por Adão no paraíso;
mas é um recomeçar desde as origens; nesse recomeçar cada qual dos
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elementos envolvidos na queda é chamado a desenvolver um papel de
“recapitulação”, que ele chama também “recirculação”: para apagar o
pecado, Deus quis voltar às origens do pecado e recomeçar a história
com elementos correspondentes aos da queda: assim Jesus Cristo é o
novo ou segundo Adão (Rm 5,14; 1Cor 15, 45-49); a Cruz de Cristo é a
nova árvore do paraíso, e Maria é a nova Eva.
S. Ireneu enfatiza fortemente o papel de Maria como conseqüência
necessária do desígnio salvífico de Deus:
“Da mesma forma que Eva se deixou seduzir para desobedecer a Deus,
Maria se deixou persuadir a obedecer a Deus para ser ela a Virgem
Maria a advogada de Eva, de sorte que o gênero humano, submetido à
morte por uma virgem, fosse dela libertado por uma Virgem, tornando-
se contrabalançada a desobediência de uma Virgem pela obediência de
outra”

5- Que significa o nome Eva em hebraico? Como Maria é a Nova Eva?


A Eva (= Mãe da vida, em hebraico) de Gn 3,15 inicia uma tarefa que só
foi plenamente realizada por Maria, pois o texto sagrado no diz que Eva
foi pecadora ou esteve sob o domínio da Serpente; ao contrário Maria
SS. Foi “cheia de graça” e nunca se dobrou sob o jugo do Maligno; ao
contrário colaborou para a vitória sobre ele. Com outras palavras: assim
como Gn 3,2-7 apresenta a mulher (Eva) envolvida com o Tentador e o
pecado para a ruína do gênero humano, assim Gn 3,15 apresenta a
mulher (Eva feita Mãe da Vida por excelência ou Eva plenamente
realizada em Maria) intimamente associada ao Messias na obra de
Redenção do gênero humano. Assim a mulher (Eva, Mãe da Vida), que
introduziu o pecado no mundo, será também a introdutora da Salvação
ou do Salvador no mundo. O papel de Eva é recapitulado por Maria.
Note-se o paralelismo antitético: Eva é portadora da desobediência e da
morte; Maria, ao contrário, traz a fé e a alegria. Importante no texto é a
observação: Deus quis resolver o impasse oriundo do pecado mediante
os elementos mesmos que introduziram o pecado: o anjo (mau) falou à
mulher infiel a Deus, o anjo Gabriel falou à mulher fiel a Deus; no
primeiro caso, a mulher colabora para a morte; no segundo caso, a
mulher (a nova Eva, a verdadeira Mãe da Vida) colabora para a vida.

PARTE I : FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA – ANTIGO


TESTAMENTO
MÓDULO 2 : A MÃE DO MESSIAS (Is 7,14; Mq 5,1)
PERGUNTAS
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1- Queira reconstituir o fundo de cena da profecia de Is 7,14.


“Sabei que o Senhor mesmo vos dará um sinal: Eis que a jovem
concebeu e dará à luz um filho, e pôr-lhe-á o nome de Emanuel”.
Foi então que Deus enviou o profeta Isaías ao rei Acaz, para lembrar-lhe
a “política da fé” ou a necessidade de confiar na Providência Divina:
“Não temas nem te acovardes... Se não crerdes, não subsistireis” (Is 7,4-
9). A fé devi ser o fundamento da existência do povo de Deus; este
havia de se apoiar na palavra de Deus.
2- Quem é Emanuel de Is 7,14?
Há quem veja nele o rei Ezequias, filho de Acaz. Todavia este não
preenche o título “Deus conosco”. Isaías tem em vista, mediata ou
imediatamente, o Messias. Este, sim, é a garantia de que dinastia de
Davi não será destronada; por causa do Messias, prometido a Davi e à
sua descendência, é que Acaz não será desapossado da realeza; a casa
de Acaz (que é casa de Davi) deverá permanecer incólume, porque a ela
foi prometido o Messias como descendente de Davi. Esta interpretação
é confirmada pela consideração de Is 9,5s, onde aparece um Menino-
Mesias, que tem predicados divinos:
“Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Traz o cetro do
principado e se chama Conselheiro Admirável, Deus Forte, Pai Eterno,
Príncipe da Paz. O seu glorioso principado e a paz não terão fim, no
trono de Davi e no seu reino, firmando-o e consolidando-o sobre o
direito e sobre a justiça” (Is 9,5s).
3- Quem é a “almah” de Is 7,14? Com que fundamento se pode dizer
que é virgem?
Há quem veja nela a esposa do rei Acaz, mãe de Ezequias. Acontece,
porém, que jamais na Bíblia a palavra almah designa uma mulher
casada ou jovem que tenha perdido a virgindade.
A expectativa do futuro Rei Messiânico em Israel estivesse associada a
figura honrosa da Mãe do Messias, a referência à venerável Mãe do
Messias é muito consentânea com os costumes das cortes orientais.
O profeta terá escolhido o vocábulo amah de preferência a betulah, a
fim de realçar a juventude da mãe do Messias, juventude que betuah
não indica necessariamente.
É de notar que os próprios israelitas entenderam almah no sentido de
virgem, pois os tradutores do texto para o grego em Alexandria
recorreram ao vocábulo parthénos, virgem, já nos séculos III/II a.C. foi
texto alexandrino ou dos LXX que São Mateus citou em Mt 1,23: “Eis
que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe dará o nome de
Emanuel”.
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Isaias garante a Acaz a incolumidade do seu trono prometendo o
nascimento do Emanuel ou do Messias, filho de mãe-virgem. É a
salvação a ser trazida em plenitude pelo Messias que assegura a
salvação a Acaz sete séculos antes do Messias; a grande bênção do
Deus-conosco exerce ação antecipada nos tempos de Acaz.
4- Qual o pano de fundo de Mq 5,1?
Chama a atenção a construção da frase de Miquéias: em vez de dizer
simplesmente que virá o Grande Rei, o profeta escreve “até o momento
em que dará à luz aquela que deve dar à luz.” Por que essa referência
especial à Mãe do Emanuel mencionada em Is 7,14; essa Mãe já era
conhecida dos contemporâneos de Miquéias através da pregação de
Isaías; eis por que ela estaria em primeiro plano no vasto quadro da
profecia messiânica, segundo Miquéias. Tal interpretação é plausível.
O profeta supõe Israel humilhado por seus inimigos. A humilhação,
porém, não é definitiva. Na pequena cidade de Belém aquela que deve
dar à luz, dará à luz um soberano cheio do poder de Javé, que dará
início à paz messiânica.
5- Por que Mq 5,1s fala da mãe do Rei prometido?
Para se entender o nexo existente entre o Rei Messias e sua Mãe,
convém lembrar que a rainha-mãe gozava de especial veneração nas
cortes do Oriente antigo: na Assíria, na Babilônia, na Fenícia, no Egito...
No Antigo Testamento rainha-mãe era chamada gebirah, isto é, mãe do
Senhor ou Grande Dama; 1Rs 15,13; 2Rs 10,13; Jr 13,18; 29,2. O nome da
rainha-mãe é freqüentemente mencionado pelo autor dos livros dos
Reis: 1Rs 14,21; 15,2-10; 22,42; 2Rs 8,26; 12,2; 15,2-3.
Percebe-se claramente a eminente posição da rainha-mãe, comparando
ent5re si 1Rs 1,16s e 2,19; no primeiro caso, a esposa de Davi, Betsabéia,
vai pedir ao rei em favor de seu filho Salomão, ajoelhando-se diante do
rei; no segundo caso o rei Salomão recebe a visita de sua mãe Betsabéia,
ergue-se para ir ao seu encontro, prostra-se diante dela e manda que el
se sente à direita do rei.

PARTE I : FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA – ANTIGO


TESTAMENTO
MÓDULO 3 : OUTROS TEXTOS DO ANTIGO TESTAMENTO
PERGUNTAS
1- Como se relacionam o Cântico dos Cânticos e Maria SS.?
Este é um livro de interpretação difícil. Os comentadores sugerem
diversos modos de o entender. O mais verossímil afirma que o Cântico
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apresenta o amor entre um jovem e uma jovem, desde o início do
namoro até o contrato matrimonial, como tipo ou figura do amor do
Senhor Deus pela Filha de Sion; esta é tida pelos Profetas como Esposa
de Javé; cf. Is 54,1-8 62,4s; Os 1-3... ora a Esposa de Javé no N.T. é a
Igreja (cf. 2Cor 11,2; Ef 5,25-29), da qual Maria é a miniatura; em Maria a
Igreja vê seu protótipo e considera o estado final que tocará a todos os
justos. A alma de Maria SS., cheia de graça, estava (e está) unida ao
Senhor Deus mais do que qualquer outra criatura. Daí poderem ser-lhe
aplicados os dizeres que o autor do Cântico dirige à esposa neste livro.
Maria seria a esposa em sentido pleno.
2- Explique por que se aplicam a Maria SS. Os textos de Pr 8 e Eclo 24?
Os livros dos Provérbios e do Eclesiástico personificam a sabedoria. Dir-
se-ia que os respectivos autores não a conceberam como simples
atributos de Deus, mas como pessoa que assistiu a Deus na obra da
criação. A liturgia aplica estes textos a Maria SS.., como se fosse ela
Dama que fala ou que é apresentada nos textos citados. É o que se
chama uma adaptação legítima do texto bíblico.
3- Qual a relação entre a Cidade Santa de Jerusalém e Maria SS.?
È comum na Liturgia das festas de Nossa Senhora rezarem-se os
“salmos de Sion” ou salmos que louvam a cidade de Jerusalém (Sl
46.48.87...). A razão deste uso é quer a cidade santa é considerada mãe
do povo israelita ou mesmo mãe de todos os povos (S. Paulo fala da
Jerusalém celeste, que é nossa mãe, em Gl 4,26). Aliás, o livro do
Apocalipse funde entre si os conceitos de Esposa, Mãe e Cidade.
“vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, uma Jerusalém
nova, pronta como esposa que se enfeitou para o seu esposo” (Ap 21,2).
“um dos sete anjos... desse-me: vem! Vou mostrar-te a Esposa, a mulher
do Cordeiro! Ele então me arrebatou em espírito sobre um grande e alto
monte, e mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu, de
junto de Deus” (Ap 21,9s).
Ora, a Mãe de Deus e Mãe dos homens têm afinidade com a Jerusalém
celeste, esposa e mãe, segundo a linguagem bíblica. Daí aplicarem-se a
Maria os louvores que tocam a Jerusalém, segundo a praxe litúrgica
católica.
4- Como Judite e Ester podem insinuar Maria SS.?
Merecem registro ainda duas grandes mulheres do A. T. , que
desempenham papel importante na história da salvação do seu povo:
Judite e Ester; a cada qual é dedicado um livro do cânon católico.
Judite é a viúva, figura desprotegida e fraca do ponto de vista humano,
que, fortalecida pela oração e o jejum, realiza extraordinária façanha:
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matou o general Holofernes, que se fazia de grande “deus”. Verdade é
que Judite foi hipócrita e mentirosa junto a Holofernes; todavia estava
no seu papel de espiã adversária, da qual Holofernes devia desconfiar,
em vez de ceder às suas paixões; o procedimento de Judite foi lícito,
dado que estava em situação de guerra; o de Holofernes é que foi falho,
visto que se deixou obcecar pela beleza da mulher espiã. À Virgem SS.,
na liturgia, são aplicados os louvores tributados pelo povo a Judite:
“Tu és a glória de Jerusalém! Tu és o supremo orgulho de Israel! Tu és a
grande honra do nosso povo!...Abençoada sejas tu pelo Senhor na
sucessão dos tempos” (Jt 15,9s).
Quanto a Ester, aparece também como figura frágil, pois é israelita na
corte do rei Assuero, da Pérsia. Todavia, fortalecida pelo Senhor Deus,
sabe encaminhar os acontecimentos de modo a livrar seu povo do grave
perigo de extermínio planejado pelo Primeiro Ministro Amã; foi a
grande intercessora junto ao rei em prol da sua gente. Ora Maria é a
intercessora por excelência em favor dos homens; a história refere vários
casos em que a oração de Maria SS., solicitada pelos fiéis, obteve de
Deus a salvação; um dos episódios mais famosos é o da batalha naval
de Lepanto, travada em 1571 pelas forças de Veneza e Espanha contra
os turcos maometanos; estes ameaçavam invadir o Ocidente cristão; o
Papa S. Pio V (1566-72), tendo pedido a intercessão de Maria SS. Nessa
ocasião, houve por bem instituir a festa do Santo Rosário aos 7 de
outubro de cada ano para enfatizar e agradecer a intercessão da Virgem
SS.
5- Queira comentar a praxe da Providência Divina, que se serve do que
é fraco para fazer maravilhas.
As duas mulheres Judite e Ester lembram que é Deus quem salva os
homens como Ele quer, servindo-se dos instrumentos mais precários
aos olhos humanos. É este um traço constante da história da salvação,
que São Paulo experimentou muito vivamente a ponto de dizer: “Eu
me comprazo nas fraquezas, nos opróbrios, nas necessidades, nas
perseguições, nas angústias por causa de Cristo. Pois, quando sou fraco,
então é que sou forte” (2Cor 12,10). Ora Maria foi certamente a
humilde serva do Senhor, que a Providência Divina quis elevar à
categoria de nova Eva, intimamente associada à obra de salvação do
gênero humano.
PARTE I : FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA – NOVO TESTAMENTO
MÓDULO 4 : A INFÂNCIA DE JESUS EM Lc 1-2
PERGUNTAS

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1- Que lhe sugere a divisão de Lc 1-2 em dois dípticos e características
anexas?
Pode-se dizer que o Evangelho da Infância em Lc 1-2 compreende dois
dípticos ou dois quadros compostos de duas cenas: o díptico dos
anúncios (Lc 1,5-56) e o dos nascimentos (Lc 1,57-2,52).

Díptico dos Anúncios


1- Anúncio do nascimento 2- Anúncio do nascimento de Jesus
de João Batista (1,5-25) (1,26-38)
3- Episódio complementar: a Visita
ção (1,39-56)
Díptico dos Nascimentos
4- Nascimento de João Batista 6- Nascimento de Jesus (2,1-20)
5- Circuncisão e manifestação 7- Circuncisão e manifestação de
de João Batista (1,58-80) de Jesus (2,21-40)
Conclusão: o menino crescia.... Conclusão: o menino crescia...
8- Episódio complementar: Jesus
no templo aos 12 anos (2,41-52)
Conclusão: o menino crescia...
O segundo díptico é mais intenso do que o primeiro; põe sempre em
relevo Jesus e Maria mostrando a superioridade de Cristo sobre o
batista e a de Maria sobre Zacarias. Com efeito; os elogios a Maria
superam os que tocam a Zacarias:
Zacarias é irrepreensível segundo a Lei de Moisés (1,6) Maria é cheia de
graça o que muito significa, se leva em conta a antítese Lei x Graça de Jo
1,17; cf. 1,28-30.
A Maria é lícito interrogar o anjo (Lc 1,34), ao passo que Zacarias é
punido por fazêlo (Lc 1,18).
O anuncio a Maria termina harmoniosamente com a entrega da serva à
vontade do Senhor ( Lc 1,38), ao passo que o anúncio a Zacarias se
encerra com o silêncio imposto ao incrédulo.

2- Que é um midraxe? Que valor tem?


O modo de escrever adotado por Lc 1-2 e Mt 1-2 (Evangelho da
Infância) é chamado Midraxe. Esta palavra deve ser bem entendida:
longe de significar lenda ou conto, designa uma interpretação da
Escritura ou uma exegese que procura reler a Escritura à luz dos
acontecimentos da historia sagrada. Supõe que a Escritura e a história
sagrada sejam um único discurso de Deus, que se vai desdobrando
segundo as sucessivas épocas; em conseqüência, os relatos posteriores
projetam luz sobre eventos e textos anteriores, e permitem relê-los com

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mais profundidade. Em certos casos, o midraxe põe em relevo o sentido
teológico dos acontecimentos; não é uma crônica fria, mas uma
narrativa vivencial, que abre os olhos do leitor e o interpela.
Tem-se posto em xeque o valor histórico do midraxe; pode-se-lhe dar a
autoridade de uma narrativa fidedigna? – A resposta é positiva. Para
nos determos apenas em Mt 1-2 e Lc 1-2, observamos que estes dois
evangelistas têm a preocupação de apresentar a história de Jesus
segundo os modos de narrar da sua época. S. Lucas o professa
explicitamente no prólogo do seu Evangelho.
Em conseqüência, deve-se dizer que não há oposição entre gênero
literário midraxe e fidelidade à história.
3- A simetria dos eventos e as ressonâncias do Antigo Testamento em
Lc 1-2 tiram a credibilidade desses dois capítulos?
Não tiram credibilidade desses dois capítulos pois é uma maneira de
iluminar o entendimento dos textos antigos e por que é uma maneira de
plasmas as profecias na realidade histórica.

PARTE I : FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA – NOVO TESTAMENTO


MÓDULO 5 : MARIA NO QUARTO EVANGELHO
PERGUNTAS
1- Que significa o apelativo “Mulher” dirigido por Jesus à sua Mãe em
Jo 2,4 e 19,26?
Jo 2,4: “ Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”.
A primeira parte da resposta de Jesus corresponde ao grego Ti emoi kai
soi, ou seja, literalmente Que há para mim e para ti? Trata-se de um
semitismo freqüente no Antigo Testamento (cf. Jz 11,12; 2Sm 16,10;
19,23; 1Rs 17,18...); é empregado para rejeitar uma intervenção que se
julga inoportuna ou para demonstrar a alguém que não se deseja
relacionamento com ele. É o contexto que indica o significado preciso.
No caso de Jo 2,4 significa uma atitude reservada ao negativa de Jesus
frente ao pedido implícito de sua Mãe. A razão desta reserva é que “não
chegou a hora de Jesus”.
No quarto Evangelho, a hora de Jesus é a da sua glorificação final,
compreendendo morte de Cruz e ressurreição; cf Jo 7,30; 8,20; 12,23.27;
13,1; 17,1. Não pode ser antecipada. Todavia Jesus não se recusará a
atender à sua Mãe, antecipando, de certo modo, a grande Hora ou
realizando um sinal que prenuncie a glorificação de Jesus.
Quanto ao termo mulher, apelativo insólito nos lábios de um filho, há
de ser entendido à luz de Gn 3,15: neste “primeiro Evangelho” o Senhor

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Deus faz da mulher o principio da linhagem dos bons, que lutam contra
a serpente; por isto a mulher é chamada “Mãe dos vivos (Eva)”. Trata-
se, pois, de um apelativo nobre que Jesus usa mais uma vez em Jo 19,26;
Maria é a Mulher “Mãe dos vivos” por excelência, pois deu à luz o
Vencedor da morte.
O apelativo “Mulher” mais uma vez chama a atenção. Há de ser
entendido em consonância com Gn 3,15 e Jo 2,4: Maria é interpelada
com Mãe... Mãe dos vivos, nova Eva, e o seu filho lhe é apontado
concretamente: é João, o representante de todo o gênero humano. Assim
é confirmada a maternidade espiritual de Maria.
2- Que é a hora de Jesus? Qual o significado da resposta de Jesus à sua
Mãe em Jo 2,4?
Maria SS. Se dirige a Jesus cheia de fé. Certamente, trata-se de um
episódio cristológico, pois o evangelista quer apresentar o primeiro
sinal ou a primeira manifestação da glória de Jesus (2,11). Não obstante,
é também nitidamente interessado na figura de Maria; sim, embora
compreenda onze versículos apenas, quatro deles se referem a Maria
(vv. 1.3.4 e 5). E qual o papel que toca aí a Maria? – O de Mãe espiritual
em duplo sentido:
- é a mulher previdente e providente, que compartilha as necessidades
dos homens e trata de as minorar, levando-lhes solução: é por ela que
Jesus faz seu primeiro sinal, ela está no limiar da vida pública de
Jesus, intercedendo pelos homens.
- É a fé de Maria que obtém o sinal que provoca a fé dos discípulos:
“Ele manifestou a sua glória e os discípulos creram nele” (v.11).
3- Por que Jesus deu tanto vinho? Que significado tem tamanha
quantidade?
A resposta de Jesus a sua Mãe em Jo 2,6-11 é realmente messiânica. O
Senhor doou seis talhas de vinho, contendo cada qual duas ou três
medidas; a metrétes ou, em hebraico, bath correspondia a cerca de 40
litros – o que significa que Jesus doou, no mínimo, 6 vezes 80 litros, ou
seja 480 litros – quantidade que ultrapassava longe a necessidade dos
convivas. Também a multiplicação dos pães, em Jo 6,11-13, redundou
em excesso de pão, de modo que recolheram doze cestos de pães de
cevada. Em ambos os casos a grande quantidade (seja de pão, seja de
vinho) lembra as profecias relativas aos tempos messiânicos; estes eram
tidos como tempos de fartura, fartura que simbolizava a riqueza dos
bens espirituais trazidos pelo Messias.
4- Queira explicar o paralelo entre a hora de Jesus e a hora de Maria ao
pé da Cruz; cf. Jo 16,21s
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Ao pé da Cruz, Maria experimentou a sua hora, como Jesus
experimentava a grande hora predefinida pelo Pai. No sofrimento, ela
se tornava Mãe da humanidade. A imagem das dores do parto é
familiar aos escritores do Antigo Testamento, que assim designam os
acontecimentos dolorosos precursores dos tempos messiânicos; Is 21,3s
26,16-20;66,7-14 Jr 30,6; Os 13,13; Mq 4,9 ver no Novo Testamento Mc
13,8 1Ts 5,3; Rm 8,22; Ap 12,2. Tal imagem se tornou realidade, em grau
máximo, quando a Maria junto à Cruz Jesus foi conferir a maternidade
sobre todos os homens. Como Mãe da humanidade, preenche o papel
de Nova Sion ou nova Jerusalém, da qual diz o Salmo 87,2s5:
“O Senhor ama as portas de Sion mais que todas as moradas de Jacó.
Ele conta glórias de ti, ó cidade de Deus... De sion será dito: todo
homem ali nasceu e foi o Altíssimo que a firmou”
5- Em que sentido Maria é a nova Jerusalém?
Jerusalém, mãe de todos os homens, porque portadora da Palavra da
vida, é figura de Maria SS., Mãe dos viventes por excelência. Sim, as
promessas de Deus não se dirigem a cidades ou muralhas como tais,
mas a pessoas concretas, das quais aquelas coisas são símbolos ou
imagens. Daí dizer-se que as promessas feitas a Jerusalém se cumprem
plenamente em Maria, a humilde representante de Sion por ocasião de
sua estada ao pé da Cruz de Jesus.
PARTE I : FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA – NOVO TESTAMENTO
MÓDULO 6: A FIGURA DE MARIA EM S. MARCOS E S. MATEUS

PERGUNTAS

1- Que há de singular na genealogia de Jesus em Mt 1,1-17, com


referência a Maria?
Em Mt 1,1-17 é proposta a genealogia de Jesus, aparentemente árida ou
destituída de interesse, mas cheia de significado para quem sabe ler.
O v. 16 quebra o ritmo do texto, pois, em vez de dizer “Jacó gerou José e
José gerou Jesus”, afirma: “ Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual
nasceu Jesus chamado Cristo”:
O circunlóquio chama a atenção. Por isto os antigos manuscritos
apresentam variantes, entre as quais a seguinte, que pretende
harmonizar o versículo 16 com os anteriores:
“José, com o qual estava desposada a Virgem Maria, gerou Jesus”.
Esta leitura carece do devido sustentáculo nos códigos antigos. Ao
afirmar que Maria gerou Jesus, quis o evangelista afirmar que ela o fez

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sem o concurso de varão, ou seja, virginalmente, como atestam os vv 18-
23, que narram o nascimento de Jesus.
O estilo de Mateus, ao descrever a genealogia de Jesus, tem certo
paralelo nos escritos de S. Paulo. Este é muito sóbrio ao falar do Jesus
pré-pascal; todavia refere-se às origens do Senhor em termos que de
algum modo podem ser aproximados aos de Mateus.
O apostolo, de um lado, acentua a verdadeira humanidade de Jesus,
nascido de mulher, mas não refere homem algum como pais carnais do
Senhor. Haverá aí a intenção de aludir à conceição virginal de Jesus,
como ocorre em Mt 1,16? Maria teria recebido, no caso, do próprio Deus
o Filho ao qual Ela deu a carne humana. Estaria assim insinuada a
dupla natividade de Jesus: a eterna, no seio do Pai, como Deus; e a
temporal, no seio da Virgem, como verdadeiro homem.
2-Que significa a secção de Mt. 1,18-23?
“A origem de Jesus Cristo deu-se do segunte modo: Maria, sua Mãe,
estava prometida em casamento a José. Ora, antes de term coabitado,
achou-se ela grávida por obra do Espírito Santo. José, seu esposo, que
era um homem justo e não a queria difamar publicamente, resolveu
repudiá-la em segredo. Enquanto assim cogitava, eis que o anjo do
Senhor manifestou-se-lhe em sonho, dizendo: José, filho de Davi, não
temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela foi gerado vem do
Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás Jesus, pois Ele
salvará o seu povo dos seus pecados. Tudo isso aconteceu para que se
cumprisse o que o Senhor havia dito pelo Profeta: Eis que a virgem
conceberá e dará à luz um filho, ao qual darão o nome de Emanuel, o
que se traduz: Deus conosco (Is 7,14) (Mt 1,18-23)”.
3- Como interpretar o papel de S. José frente a Maria SS. Grávida?
Esta pergunta só se resolve satisfatoriamente, se admite que José
reconheceu, por intuição de sua fé, o mistério de Maria. Convicto da
probidade e da virtude de Maria, recusou-se a aplicar-lhe as normas da
Lei relativas ao adultério e, por isto, quis que ela seguisse o seu caminho
(traçado por Deus) sem que ele se envolvesse nos meandros do mistério.
O querer despedir Maria, portanto, não significava vingança ou sanção
da parte de José, mas respeito e reverência a um desígnio de Deus, que
sobrepujava seu entendimento.
O próprio Deus dissipa os temores concebidos por José e quer que este
exerça a paternidade jurídica ou legal em relação a Jesus, como tutor da
Sagrada Família. O fato mesmo de José ser incitado a dar o nome ao
Filho de Maria (cf 1,21) indica bem que ele é considerado “pai segundo
a lei” de Jesus.

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4- Que tem você a notar na citação da profecia de Is 7.14?
A solenidade dada ao oráculo, faz ressaltar que um acontecimento
extraordinário aconteceria, o nascimento de um menino, “Emanuel”.
Mais eu acho que o sinal mais extraordinário é que o menino seria filho
de “almah” uma jovem e o acontecimento extraordinário é que foi de
maneira virginal, creio por fé.
PARTE I : FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA – NOVO TESTAMENTO
MÓDULO 7 : MARIA NO APOCALIPSE
PERGUNTAS
1- De que trata Ap 12, 1-17?
Dois grandes sinais aparecem no céu: a) uma Mulher refulgente e
gloriosa, que sofre dores de parto para dar à luz; b) um horrível Dragão,
tão pujante que a sua cauda varre a terça parte das estrelas do céu. Este
traço nada tem a ver com a queda dos anjos no início da história da
salvação, mas é mera expressão da grandeza monstruosa do Dragão.
O Dragão espreita o filho da Mulher para abocanhá-lo desde que nasça.
Não o consegue, porém, pois o Menino, que tem traços do Rei-Messias
(cf. Ap 12,5 e Sl 2,9), é arrebatado aos céus. Em conseqüência, trava-se
grande batalha no céu entre o arcanjo Miguel e seu exército de anjos, de
um lado, e o Dragão, que é arremessado para a Terra.
Este fato suscita um hino de louvor no céu em virtude da vitória de
Miguel; o Dragão é projetado sobre a Terra, movido por grande furor,
porque sabe que pouco tempo lhe resta para seduzir os homens.
Entrementes a Mulher, após o arrebatamento do Filho, é por Deus
abrigada no deserto durante 1260 dias ou um tempo, tempos e metade
de um tempo (= 3 anos e meio). Satanás, a Serpente antiga, o Diabo tudo
faz para destruir a Mulher; esta, porém, é protegida por Deus, de modo
que escapa incólume às invectivas. Vendo que nada consegue nessa
luta contra a Mulher, “ o Dragão vai combater o resto da descendência
dela, os que observam os mandamentos de Deus e guardam o
testemunho de Jesus” (12,17).
Abstração feita da Mulher, que será estudada sob o título seguinte,
deve-se dizer que Ap 12 fala do nascimento do Messias; este é
perseguido por Satanás, que o quer impedir de realizar sua missão;
todavia derrotado Satanás e é glorificado nos céus. A vitória de Cristo
implica, para o Diabo, a perda do principado que ele adquiriu
seduzindo os primeiros pais.
2- Quem é a Mulher apresentada nesse capítulo?

12
Curso de Mariologia
Essa Mulher bela, que deve dar à luz o Messias, é antes do mais, a Filha
de Sion, o povo messiânico (que é freqüente representado no antigo
Testamento como Mulher). – Na plenitude dos tempos, a Filha de Sion
coletiva se faz muito concreta na pessoa de Maria SS., que, de maneira
singular, se tornou a Mãe do Messias. Tendo este subido aos céus, o
papel da Mulher- Mãe (Mãe da Vida) não cessa; continua na Igreja, que,
como Mãe e Mestra, gera seus filhos para a vida eterna mediante os
sacramentos (especialmente o Batismo e a Eucaristia). O maligno jamais
poderá suplantar ou aniquilar a Igreja como tal, mas poderá seduzir os
cristãos que lhe quiserem dar ouvidos.
Podemos estender o nosso olhar... Dizíamos que a Mulher de Ap 12
assume sucessivos aspectos no decorrer da história: Filha de Sion, Maria
SS., Santa Mãe Igreja. Completemos o quadro, colocando no início da
série a 1a Eva, cujo nome profético significa “Mãe da Vida ou dos
viventes”, e no término final coloquemos a figura de Jerusalém celeste, “
preparada como uma esposa que se enfeitou para o seu Esposo” (Ap
21,2).
Vê-se, pois, que a Mulher de Ap 12 é a Mulher como tal, na sua função
específica da maternidade, já designada pelo nome EVA. A Mulher
perpassa toda a história da salvação; a vida, até mesmo a vida do
Messias, só vem aos homens através da Mulher. No Protoevangelho
(Gn 3,15) o Senhor Deus quis colocar a mulher, e não o homem, como
protagonista mais remota da obra da Redenção; ela é fonte ou origem
da linhagem donde sai o Messias e a vitória do Bem sobre o Mal; é nas
entranhas da Mulher (agraciada por Deus ou cumulada dos favores
divinos) que está escondida a salvação da humanidade.
3-Como se conciliam a glória fulgurante e as dores de parto dessa
Mulher?
Essa figura feminina, com seus aspectos diversos e complexos, não pode
ser identificada com alguma personagem individual, visto que
apresenta facetas aparentemente contraditórias (é gloriosa e, ao mesmo
tempo, dolorida, por exemplo).
Gloriosa e dolorida... O autor sagrado descreve o esplendor da Mulher,
valendo-se de textos do Antigo Testamento.
Ct 6,10: “Quem é essa, que tem o olhar da aurora, bela como a lua,
brilhante como o sol, terrível como esquadrão de bandeiras
desfraldadas?
Põe-se a questão: a Mãe do Messias, Maria SS., teve um parto doloroso?
– Não é necessário tirar esta conclusão de Ap 12,1s. A Filha de Sion,
descrita com traços gloriosos, que convêm a Maria SS. Elevada aos céus,
sofreu penosas provações durante os séculos que prepararam a vinda
13
Curso de Mariologia
do Messias; a gestação do Messias por parte de Sion, foi, sem dúvida,
dolorosa. É isto que o autor sagrado quer dizer quando se refere às
dores do parto da Mulher.
4- Que se pode deduzir desse capítulo a respeito do papel da Mulher
como tal no plano de Deus?
“ partindo daqui, talvez seja possível desemaranhar um problema que
continua a angustiar a Igreja: a posição da mulher. Devemos acentuar
mais o fato de que uma mulher foi parceira de Deus na obra salvífica da
Encarnação; deveríamos ressuscitar a idéia patrística, viva na teologia
medieval, segundo a qual entre a morte e a ressurreição de Cristo a
Igreja só existiu na mulher Maria. Portanto, ao menos uma vez a
existência da fé viva no mundo dependeu de uma mulher! Se Maria é o
tipo da Igreja, ela o é na qualidade específica daquela criatura humana
que foi, isto é, como mulher” (o culto a Maria hoje, P. 21, nota 14).
5- Por que São João omite o nome da Mãe de Deus no seu Evangelho?
A omissão não parece casual, mas, sim, premeditada e sistemática. João
não ignora o nome de José, quando refere os dizeres dos judeus
incrédulos: “ por ventura, não é este Jesus o filho de José, cujo pai e cuja
mãe nós conhecemos? Como, pois, diz ele: ‘ Desci do céu’? (Jo 6,42).
Dentre todos os discípulos de Jesus, o que mais devia conhecer a Mãe
de Jesus, era S. João, a quem o Senhor, ao morrer, confiou sua Mãe
Santíssima. Apesar disto, o quarto evangelista só menciona “ a Mãe de
Jesus” ou “sua Mãe”.
João omitiu o nome de Maria, porque lhe parecia um nome muito
comum, em vez de caracterizar ou distinguir a Mãe de Jesus. Havia
muitas Marias no povo de Israel! Se o nome próprio é aquele que
distingue uma pessoa, revelando a sua identidade íntima (como
pensavam os israelitas), o nome Maria não preencheria essa função em
relação à Mãe de Jesus. A expressão que designava de modo singular e
irrepetível a realidade de Maria SS., era Mãe de Jesus. Por conseguinte,
o evangelista, ao referir-se à Mãe de Jesus, estaria revelando a razão de
ser mais característica daquela figura.
Pode-se ainda propor a seguinte reflexão: o quarto Evangelho fala
muito do Pai de Jesus; Jesus se refere freqüentemente ao Pai que o
enviou e cuja vontade Ele quer realizar. “O Pai e eu somos um” (Jo
10,30).
Ora a expressão “a Mãe de Jesus” pode ser entendida como um paralelo
a “meu Pai (= o Pai de Jesus)”. Maria seria o eco da Divina Figura do Pai
não a penas mediante a maternidade física, mas também através da

14
Curso de Mariologia
comunhão com o Espírito Santo, que é o Espírito do Pai; tenham-se em
vista as palavras do anjo da Anunciação:
“O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a
sua sombra, e por isto Aquele que nascer de ti será Santo e chamado
Filho de Deus (Lc 1,35). Este texto quer dizer que Maria recebe do Pai,
por intervenção do Espírito Santo, o seu Filho. Ela é a Mãe cuja
maternidade é Dom direto do Próprio Pai Celeste.
Esta conclusão parece corroborada pelo fato de que Jesus em Caná,
tendo alegado que sua hora ainda não chegara, não obstante quis fazer
o seu primeiro sinal; reconheceu na voz de Maria o eco muito claro da
vontade do Pai.
PARTE I : FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA – NOVO TESTAMENTO
MÓDULO 8: A ATITUDE DE JESUS PARA COM MARIA
PERGUNTAS
1- Por que Maria aparece tão pouco no Evangelho?
A sobriedade dos evangelistas ao se referirem a Maria Santíssima se
explica muito bem, vista a finalidade que se propunham ao escrever;
jamais tencionara transmitir por escrito uma síntese completa da vida
de Cristo, mas apenas alguns aspectos mais importantes para a
catequese. Os evangelhos são justamente pequenos compêndios dos
ditos e feitos principais de Jesus; entende-se, por isto, que seus autores
chamem a atenção do leitor exclusivamente (Mc e Jo) ou quase
exclusivamente (Mt e Lc) para a vida pública do Senhor, apresentando-
nos nesta os ensinamentos fundamentais e os testemunhos da
Divindade e Messianidade do Mestre; assim fazendo, não tinham
ocasião para dissertar muito sobre a figura de Maria Santíssima, que
certamente não estava em primeiro plano durante os anos de ministério
de Jesus (julgam alguns que Maria acompanhou seu Divino Filho
juntamente com as santas mulheres que lhe serviam, conforme Lc 8,1-3).
São Mateus e São Lucas, que antepuseram ao esquema habitual da
catequese (esquema que ia do batismo de João até a Ascensão; cf. At
1,22; 10,37-42) algumas notícias sobre a infância de Jesus, não hesitaram
em delinear nestes quadros o papel de Maria; é o que se verifica
principalmente em São Lucas, do qual os dois primeiros capítulos
aparecem profundamente marcados pela ação de Maria; nada dizem
sobre o nascimento, a infância e as núpcias da Virgem porque a
personalidade de Maria é, aos seus olhos, toda absorvida pela sua
missão de Mãe de Jesus. Por ocasião da Paixão, reaparece heróica a
figura de Maria nos quatro Evangelhos.

15
Curso de Mariologia
2- Como entender o apelativo “Mulher” em Jo 2,4; 19,26?
A resposta dada por Jesus em Jo 2,4 merece atenção detida : Ao pé da
letra soa: “Que há para Mim e para ti (no caso)? Ti emoui Kai soi?”
trata-se de construção tipicamente semítica, ocorrente em outras
passagens da Sagrada Escritura, como Jz 11,12;2 Sm 16,10;19,23;1Rs
17,18; 2Rs 3,13; Mt 8,29; Mc 8,29; Mc1,24; Lc4,34; 8,28. Significa atitude
reservada por parte de quem fala; consultando-se a melhor fonte de
exegese no caso, isto é os textos da filologia rabínica (colecionados por
Strack-Billerbecd, Kommentar zum Neuen Testament III 401), verifica-
se se que em Jo 2 a expressão equivale a dizer. “ por que tal pedido?
Por que nos imiscuirmos em tal coisa? Tu e eu, que podemos fazer nessa
situação?” Jesus logo indica a razão dessa restrição: não chegou sua
hora. A “hora de Jesus”, conforme São João, é o momento da
glorificação final de Cristo ou de sua ascensão à direita do Pai; o
evangelista, no decorrer do Evangelho, nota sucessivamente a
aproximação dessa hora (CF. 7,30;8,20;12,23.27;13,1;17,1); está claro que,
de antemão fixada pelo Pai, não poderia ser antecipada. Não obstante,
depois de fazer observar isto, Jesus realizou o milagre desejado por
Maria, não antecipando a sua hora, mas dando com este milagre
(manifestação de sua glória, como diz São João em 2,11)um prenúncio
ou anúncio simbólico de sua glorificação definitiva. Jesus, por sua
resposta aparentemente restritiva, queria apenas indicar a sua Mãe que
ela Lhe pedia algo de muito grande, ou seja, um prodígio que, por assim
dizer, eqüivalia à antecipação de um desígnio do Pai; mas que, não
obstante, Ele tendia à sua prece. Maria deve Ter compreendido, pelo
tom de voz e os gestos de seu Filho, que Este estava disposto a atender-
lhe a atitude de Jesus para com Maria em Caná, longe de derrogar à
dignidade de Maria, é autêntico testemunho de quanto o Filho
apreciava sua Mãe.
Quanto ao tratamento “Mulher” usado pelo Senhor, nada tem de
irreverente; é outro aramaísmo equivalente desta vez a um apelativo
solene: “Dama” (sitt, em aramaico); implicava ternura muito nobre, pelo
que foi repetido por Jesus em outras ocasião solene, ou seja, quando,
pendendo do alto da Cruz, quis prover filialmente ao amparo de sua
Mãe: “Mulher”, eis teu filho”, disse o Senhor, indicando João como
futuro arrimo de Maria (Jo 19,26). – Além disto, observa-se que o
tratamento “Mulher, no contexto de Jo 19 (contexto que alude
repetidamente a profecias do Antigo Testamento; cf. 19,24.28.36s), faz
ecoar as promessas de Gn 3,15.20: “Mulher” é nestes dois versículos o
título portador da esperança do mundo; é, sim, pela mulher e pela prole
da mulher que Deus promete restaurar a harmonia violada; Jesus terá,

16
Curso de Mariologia
pois, do alto da Cruz não somente providenciado ao amparo de Maria,
mas também apresentado sua Mãe qual nova Eva, Mãe espiritual de
todos os viventes, a começar por São João.
3- Jesus foi indelicado com sua Mãe em Lc 2,49; Mt 12,46-49; Lc 11,27s?
Estas palavras significam que Jesus na terra vivia continuamente
voltado para o Pai Celeste, devotando-Lhe toda a sua vida na carne.
Esta atitude do Senhor não derrogava ao afeto filial que Ele nutria para
com sua Mãe Santíssima; até o fim, e ainda na última hora de sua
existência terrestre, pregado à Cruz, Ele haveria de testemunhar a Maria
a sua piedade filial, confiando-a ao discípulo bem-amado. Contudo
Jesus, como homem, observava a devida hierarquia em seus afetos; os
laços de família nele não eram extintos nem atenuados pelo fato de
serem subordinados ao amor do Pai Celeste: ao contrário, este pode
conferir valor e solidez especiais a todo e qualquer afeto humano.

4- Que há de interessante em 1Tm 2,15? Desenvolva a sua resposta.


Em 1 Tm 2,15 o Apóstolo diz que a mulher, primeiramente seduzida
pelo demônio no paraíso, se salva pela teknoganía (dià tes teknogonías).
Esta palavra grega, composta como é, torna-se suscetível de dupla
interpretação: “geração do filho ou de filhos”. No primeiro caso
(tornado bem provável pelo emprego do artigo definido antes do
substantivo grego), Paulo aludiria ao parto de Maria (geração do Filho
por excelência) e apresentaria a Mãe de Cristo em perspectiva
grandiosa, como iniciadora da reabilitação da mulher.
PARTE II : HISTÓRIA DA MARIOLOGIA
MÓDULO 9 : DO SÉCULO I AO SÉCULO II
PERGUNTAS
1- Diga o que S. Justino afirma de importante para a Mariologia. Que
significa o título “Nova Eva”?
Faz questão de distinguir dos mitos pagãos o parto virginal de Maria.
Com efeito, Trifão lhe diz que, segundo os gregos, Perseu nasceu de
Danae virgem, “pois desceu sobre esta, sob forma de chuva de ouro,
aquele que é chamado Júpiter”; Justino rejeita qualquer afinidade deste
mito com o nascimento virginal de Jesus (cf. Diálogo com Trifão 67,1-2).
São Justino designa Maria como “a Virgem” quatorze vezes. E
estabelece um paralelismo entre Eva, aquela que deu crédito ao anjo
mau, e Maria, que acreditou no anjo Gabriel, resgatando o papel de Eva:
“ Fez-se homem, por meio da Virgem, a fim de que o caminho que deu
origem à desobediência instigada pela serpente, fosse também o
17
Curso de Mariologia
caminho que destruiu a desobediência instigada pela serpente, fosse
também o caminho que destruiu a desobediência. Eva era virgem e
incorrupta; concebendo palavra da serpente, gerou a desobediência e a
morte. A Virgem Maria, porém, concebeu fé e alegria quando o anjo
Gabriel lhe anunciou a boa nova de que o Espírito do Senhor viria sobre
ela, a Força do Altíssimo a cobriria com sua sombra, de modo que o
Santo que dela nasceria, seria o Filho de Deus. Então respondeu ela:
Faça-se em mim, segundo a tua palavra. Da Virgem, portanto, nasceu
Jesus, de quem falam tantas Escrituras... aquele por quem Deus destrói
a serpente” (Dialogo 100,4-5).

2- Que valor tem o Protoevangelho de Tiago? Explique o por quê?.


É um texto apócrifo redigido em grego no fim do século II, que refere o
modo de pensar dos cristãos da época. A antigüidade do texto lhe
merece autoridade, embora esteja redigido de maneira fantasiosa, como
ocorre freqüentemente na literatura apócrifa. Eis os principais traços
desse livro referentes a Maria SS.:
Nasce de um casal estéril – Joaquim e Ana. Desta forma o nascimento
de Maria é arrolado na lista das natividades extraordinárias, que
exprimem a benevolência de Deus em relação ao seu povo; é Ele quem
suscita os personagens importantes na história da salvação: Isaque (Gn
21.1-7), José filho de Jacó (Gn 30,22s), Sansão (Jz 13,1-25) Samuel (1Sm
1,1-28), João Batista (Lc 1,5-25), Jesus (Lc 1,26-38). Etc.
Do relato do Protoevangelho de Tiago, a Igreja assumiu mais duas
outras notícias, estas de menor porte: os nomes dos pais de Maria SS.,
celebrados aos 26 de Julho na Liturgia, e a Apresentação de Maria no
templo (condizente com o costume judeu de educar as meninas no
templo), festejada a 21 de novembro.
Vê-se que tal apócrifo é importante pelas linhas teológicas que o
inspiram e pela sua antigüidade, apesar do estilo evidentemente
fantasioso em que é redigido. Com o tempo o imaginoso deixaria de Ter
voga, ficando na tradição cristã apenas os traços doutrinários.
3- Que entende S. Ireneu por recapitulação e recirculação? Como Maria
é Advogada de Eva?
S. Ireneu usa o conceito de recirculação, ao lado de recapitulação,
entendendo-o do seguinte modo: o pecado cometido nas origens da
história é apagado mediante um circuito contrário: Cristo retorna a
Adão e dá ao Pai o Sim que o primeiro Adão lhe recusou; a cruz toma o
lugar da árvore da queda; Maria faz Eva reviver autenticamente o papel
de “Mãe da Vida”. Eis como, em outra passagem, S. Ireneu expõe re-
circulação: “Por conseguinte,... encontra-se Maria, Virgem
18
Curso de Mariologia
obediente...Eva, ainda virgem, fez-se desobediente e tornou-se para si e
par todo o gênero causa de morte. Maria, Virgem obediente, tornou-se
para si e para todo o gênero humano causa de Salvação... A partir de
Maria até Eva há retomado do mesmo circuito (= a recirculação). Pois
não existe outro modo de desatar o nó se não fazer que os fios da corda
que deu o nó, percorram o sentido contrário.
Eis por que Lucas inicia a genealogia de Jesus começando pelo Senhor;
ele sobe até Adão (cf Lc 3,23-38), evidenciando que o verdadeiro
movimento da geração não procede dos antepassados até Cristo, mas
vai de Cristo a eles segundo... o Evangelho da vida. Assim é que
desobediência de Eva foi resgatada pela obediência de Maria; com
efeito, o nó que a Virgem Eva atou com a incredulidade, Maria o
desatou com a fé” (Contra as Heresias 3,22).
S. Ireneu ilustra a recapitulação mencionando a genealogia de Jesus em
Lc 3,23-38: em vez de descer de Abraão a Jesus, como ocorre em Mt 1,1-
17, o evangelista começa com Jesus e vai até Adão – o que indicaria que
a fonte da vida não é Abraão, mas é Jesus, que veio na plenitude dos
tempos, mas já exercia seu papel primacial nos primórdios da história.
Como se vê, o conceito de “recirculação” supõe a imagem de um nó: o
pecado dos primeiros pais é comparado a um nó no relacionamento
entre Deus e o homem; para desatar este nó, não havia outro meio senão
percorrer em sentido inverso o caminho que levou ao nó. Foi o que
Cristo fez, assumindo consigo Maria na qualidade de nova Eva. O
título de “advogada de Eva” retorna na seguinte passagem de Ireneu:
“Foi por meio de uma virgem desobediente que o homem foi golpeado,
caiu e morreu; da mesma forma é pela Virgem, obediente à Palavra de
Deus, que o homem,...encontrou de novo a vida... Era justo e necessário
que Adão fosse restaurado em Cristo, a fim de que o mortal fosse
absorvido e tragado pela imortalidade e Eva fosse reconstituída em
Maria; deste modo uma Virgem, feita Advogada de uma virgem,
cancelou e anulou a desobediência de uma virgem com a sua obediência
de virgem” (Demonstração da pregação Apostólica No 33). Pode-se
dizer, conforme S. Ireneu, que Eva e Maria não são apenas duas figuras
paralelas justapostas; elas estão unidas entre si por um terceiro
elemento, que é o plano de Deus. Eva era um esboço antropológico da
mulher; Maria foi a restauração e o aperfeiçoamento do projeto que
havia falido.

19
Curso de Mariologia
PARTE II : HISTÓRIA DA MARIOLOGIA
MÓDULO 10 : OS SÉCULOS III – V
PERGUNTAS
1- Qual a posição de Orígenes na história da Mariologia?
Maria é o modelo do discípulo perfeito. É preciso imitar Maria para que
nasça em nós o Cristo. Desta maneira Orígenes enfatiza o nascimento de
Verbo ou da Palavra de Deus nos corações dos fiéis. Todavia Orígenes
incide em dois erros: 1) julga que a espada predita por Simeão em Lc
2,35 é a espada da dúvida que deve Ter afetado Maria no Calvário; e
justifica sua interpretação dizendo que, se Maria não tivesse pecado,
não teria sido redimida por Cristo (coloca-se assim a questão que
durante séculos dificultou a admissão da Imaculada Conceição por
parte dos teólogos, como se verá a seguir); cf. In Lucam 17,7.2) Orígenes
parece não Ter aceito a virgindade de Maria no parto, embora afirme
que não teve outros filhos além de Jesus; cf. In Mt 10,17.
2- Como o título “ Mãe de Deus” aparece no fim do século III?
Muito importante nessa época é o surto do título Theotókos, Mãe de
Deus, na literatura cristã que possuímos. Origenes (+250) é a primeira
testemunha desta designação; tê-la-á explanado no texto grego do seu
comentário sobre a epístola aos Romanos, como refere o historiador
cristão Sócrates (+450). Também um papiro do Egito datado do século
III foi encontrada uma oração dirigida à Theotókos, oração até nossos
dias existente na piedade cristã: “À vossa proteção recorremos, Santa
Mãe de Deus (Theotókos)”.
3- Quando se terá dado a primeira aparição mariana?
No fim do século III Maria SS. Teria aparecido a S. Gregório dito “o
Taumaturgo” (+270), juntamente com S. João Evangelista. É S. Gregorio
de Nissa (+394) quem o refere (Patrologia Grega, ed. Migne, vol. 46,
910s).
4- Qual a doutrina marilógica do Concílio de Éfeso em 431? Como se
relaciona com a Cristologia?
Após haver afirmado a Divindade do Filho e do Espírito Santo nos
Concílios de Necéia I (325) e Constantinopla I (381) respectivamente, os
teólogos se voltaram para o mistério da Encarnação do Filho: como
pode Jesus Cristo ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem no sentido
pleno destas duas expressões?
Já a fórmula Theotókos (Mãe de Deus), usual entre os cristãos desde o
século III, insinuava a resposta: Maria é a Mãe de Deus Filho, que, sem

20
Curso de Mariologia
perder coisa alguma da Divindade, assume em seu seio a natureza
humana ou toda a realidade de um homem, sendo, porém, que o eu
dessa humanidade não era um eu humano justaposto ao eu divino, mas
era o próprio Eu Divino do Filho.
Todavia a escola de Antioquia (Síri), recorrendo à filosofia aristotélica,
afirmava que cada natureza humana concreta tem seu eu humano
próprio. Por conseguinte, apregoava dois eu (o divino e o humano) ou
duas pessoas em Jesus Cristo. Estes dois eu estariam unidos entre si por
benevolência e amizade apenas. Daí não se poder dizer que Maria é
Mãe da Pessoa Divina unida à natureza humana, mas Maria seria a Mãe
do homem Jesus ou a Mãe de Cristo, não, porém, a Mãe de Deus (pois
Deus não pode nascer de uma mulher).
Nestório, que era o porta-voz da doutrina inovadora, obteve do
Imperador Teodósio II a convocação de um Concílio ecumênico, que se
reuniu em Éfeso no ano de 431. Este condenou o Nestorianismo, e, para
afirmar a reta fé no mistério da Encarnação, recorreu á formula: Maria é
Mãe de Deus. Esta há de ser entendida do seguinte modo:
Toda Mãe gera uma pessoa. Ora em Jesus havia uma só Pessoa – a do
Filho de Deus -, que no seio da Virgem assumiu a natureza humana,
fazendo-a existir pela Pessoa do Filho de Deus. Consequentemente
Maria pode e deve ser fita “Mãe de Deus”, não no medida em que Jesus
é Deus (pois Deus em sua eternidade não pode Ter mãe), mas na
medida em que Deus, no tempo oportuno, quis fazer-se homem. Em
Jesus Cristo há um só eu (divino), responsável por tudo o que Jesus fez
de divino e de humano. Por isto pode-se dizer: Deus sofreu e morreu
por nós, homens,... não na medida em que Jesus é Deus, mas na medida
em que o Filho de Deus assumiu uma verdadeira humanidade e nela
quis crescer, trabalhar, sofres e morrer.
Já que as discussões prosseguiram entre os teólogos mesmo após o
Concílio de Éfeso, novo Concílo ecumênico se reuniu em 451 na cidade
de Calcedônia e reafirmou a doutrina de Éfeso, reforçando o título
Theotókos. Eis um trecho de suas definições:
“ O Filho que, antes dos séculos, foi gerado pelo Pai segundo a
Divindade, nos últimos tempos Ele mesmo, por causa de nós e da nossa
salvação, nasceu de Maria Virgem, Mãe de Deus segundo a natureza
humana”(Denzinger-Schönmetzer, Enquirídio No 301).
De então em diante a piedade mariana se desenvolveu mais
aceleradamente. A arte sacra, que sempre representou Maria com a
criança nos braços, foi multiplicando as imagens da Santa Mãe de Deus.

21
Curso de Mariologia
5- Diga algo sobre a impugnação da virgindade no século IV. Por que e
como foi combatida?
 Helvídio, leigo, que em Roma publicou no ano de 382 um opúsculo
que impugnava a figura de Maria SS., tida por muitos como modelo
da vida una; a virgindade perpétua de Maria era atacada na base de
Mt 1,18-25; Lc 2,7; 8,19-21. – S. Jerônimo, que na época morava em
Roma, escreveu o livro “contra Helvídio”, em que defende, em
termos que ficaram clássicos, a perpétua virgindade de Maria.
 Joviniano, poucos anos depois, retomou o ataque. Após levar uma
vida ascética rigorosa, entregou-se a uma conduta menos controlada
e passou a afirmar o mesmo valor para a virgindade, a vida conjugal
e a viuvez, pois o Batismo é que faz o cristão; estariam equiparados o
jejum e os lautos banquetes, desde que a pessoa comesse com ação de
graças. – S. Jerônimo também reagiu contra Joviani (Adversus
Jovinianum), o que levou um Sínodo Romano condenar o herege em
390; S. Ambrósio em Milão confirmou a sentença de Roma; viu-se
ainda obrigado a defender por escrito a vida monástica, pois dois
monges deixaram o mosteiro em Milão e foram propagar as idéias de
Joviniano.
 Vigilâncio era um sacerdote do Sul da Gália, que em 406 se pôs a
combater o culto aos santos e às relíquias, assim como o ideal da vida
monástica. Perguntava: como se poderá atender às necessidades do
mundo e da humanidade abatida pelo pecado ou como converter os
pecadores para a virtude, se os bons cristãos se retirarem para os
mosteiros? Em conseqüência julgava ele que o retirar-se para o
deserto era deserção e não combate.
Todas esta invectivas contra a vida ascética feriram direta ou
indiretamente a piedade para com Maria SS. – Todavia não tiveram
grande significado na tradição da Igreja. A veneração à Santa Mãe de
Deus já estava profundamente arraigada na consciência cristã. Nos
séculos subseqüentes seria cultivada na base de novos subsídios
teológicos.
PARTE II : HISTÓRIA DA MARIOLOGIA

MÓDULO 11: DO SÉCULO VI AO SÉCULO XVIII


PERGUNTAS
1- Como se explica a predominância da Imagem Dolorosa no fim da
idade Média?
No século XIV a arte sacra apresenta nova configuração de Maria SS.:
em vez de a considerar apenas como a Mãe que traz nos braços o

22
Curso de Mariologia
Menino Jesus, começaram a aparecer imagens da Virgem Mãe
Dolorosa, colocada ao pé da Cruz donde pendia o Filho; esta
representação inspirou Michelangelo, que esculpiu a Pieta ou a Mãe que
traz nos braços o Filho morto. Esta modalidade de devoção mariana
deve-se, em grande parte, aos cruzados, que da Terra Santa levaram
para a Europa reminiscências muito vivas da Paixão e, em geral, da vida
humana do Senhor Jesus.
2- Que posição assumiram os reformadores protestantes frente à
devoção a Maria.
O século XVI foi o da Reforma Protestante. Pode-se dizer que os
reformadores mesmo conservaram muitos pontos da tradição mariana,
pontos que as gerações seguintes foram pondo de lado.
Lutero, por exemplo, não negou a virgindade perpétua de Maria, mas
julgava que ninguém está obrigado a aceitá-la como artigo de fé. Não
hesitava em dizer que a expressão “irmãos de Jesus” deve ser entendida
no sentido semita; este atribuía a irmãos o significado de “parente,
familiar”; para o confirmar, Lutero apelava para a significação ampla da
palavra grega adelphoi na tradição dos LXX.
Lutero também admitia a imaculada conceição de Maria, devida à
prévia aplicação dos méritos de Cristo. Quanto à Assunção corporal, o
reformador não ousava professá-la explicitamente, mas não excluía que
o corpo de Maria tinha sido levado pelos anjos dos céus. Deixou um
comentário do Magnificat, em que se lê: “ó bem-aventurada Mãe,
Virgem digníssima, recorda-te de nós, e obtém-nos que também a nós o
Senhor faça essas grandes coisas”. No calendário luterano ficaram três
festas marianas, que têm base no Novo Testamento e estão muito
ligadas a Cristo: a Anunciação ou festa da Encarnação, a Visitação de
Maria a Isabel ou festa da vinda de Cristo, e a Purificação de Maria aos
quarenta dias após o parto, também tida como festa da Apresentação de
Jesus no Templo.
Calvino foi mais radical. Suprimiu as festas marianas. Aceita o título
“Mãe de Deus” definido pelo Concílio de Éfeso em 431, mas prefere a
expressão “Mãe de Cristo”. Sustenta a perpétua virgindade de Maria,
afirmando que “os irmãos de Jesus” citados em Mt 13,55 não são filhos
de Maria, mas parentes do Senhor; professar o contrário, segundo
Calvino significa “ignorância”, “Louca sutileza” e “abuso da S.
Escritura”.
Zvínglio, o reformador em Zürich, conservou três festas marianas e a
recitação da Ave Maria durante o culto sagrado.
De modo geral, a Reforma protestante se insurgiu contra possíveis
exageros da devoção popular católica.
23
Curso de Mariologia
O concílio de Trento (1545-1563), que visou a responder ao
protestantismo, houve por bem afirmar a legitimidade do culto a Maria
(Denzinger-Schönmetzer, Enquirídio No 1821-1825) e declarou não Ter
a intenção de incluir a Virgem SS. No rol das criaturas afetadas pelo
pecado dos primeiros pais (ib 1516).
3- Quem fundou propriamente a Mariologia?
O teólogo Francisco Suarez S.J. (1617) foi o primeiro a elaborar um
tratado propriamente dito de Mariologia. Com efeito, em 1584-85
redigiu Quaestiones de Beata Maria Virgine quattuor et viginti in
Summa contractae (Vinte quatro questões compendiadas numa Súmula
sobre a Bem-aventurada Virgem Maria). Esta Súmula foi em 1592
inserida na obra Misteria Vitae Christe. Suarez estava convicto de que
devia superar o costume escolástico de reservar a Maria um espaço
pequeno, não condizente com a dignidade e função da Virgem SS. Na
obra da salvação humana; conseqüentemente compôs “ um tratado
inteiro e denso a respeito da Bem-aventurada Virgem”. Tal obra, assaz
clara e sólida, exerceu grande influxo sobre os pôsteres, de modo que
Suarez é considerado o fundador do moderno tratado de Mariologia.
Todavia o nome de Mariologia foi forjado pelo teólogo siciliano Plácido
Nigido, que publicou em 1602 Primeira parte de uma suma de Sagrda
Mariologia). Todavia a Mariologia ficou sendo parte integrante da
Teologia porque a reflexão sobre Maria SS. É toda elaborada em vista de
Jesus Cristo e da Maternidade Divina.
4 - Ponha em destaque um nome da bibliografia mariana nos séculos
XVI – XVIII.
No século XVIII destaca-se a obra clássica de S. Luís Maria Grignion de
Monfort (+1716). Era discípulo de Olier e deixou o Tratado da
verdadeira devoção à SS. Virgem, cujos manuscritos foram descoberto
em 1842 e publicados em 1843; o Santo explana amplamente a devoção
a Maria e propõe a “escravidão da devota a Maria”. Fundou duas
Congregações Religiosas: a das Irmãs da Sabedoria (destinadas a tratar
dos enfermos e instruir as crianças) e Companhia de Maria (para
evangelizar os pobres).

PARTE II : HISTÓRIA DA MARIOLOGIA

MÓDULO 12: DO SÉCULO XVIII AOS NOSSOS DIAS


PERGUNTAS

24
Curso de Mariologia
1- Como a piedade mariana influiu na espiritualidade de Congregações
Religiosas modernas?
Numerosas Congregações Religiosas foram fundadas nos últimos
séculos sob a invocação e a tutela da SS. Virgem. Enumeram-se de 700
Congregações femininas oriundas nos séculos XIX e XX portadoras de
um título mariano (Imaculada Conceição, Assunção Gloriosa, Coração
de Maria, Nome de Maria, Rosário...) É de notar que a teologia relativa a
Maria SS. Foi-se renovando e enriquecendo nos dois últimos séculos. *
Na Inglaterra.John Henruy Neuman (1801-90), feito Cardeal da S. Igreja
depois de convertido a partir do anglicanismo, propôs a consideração
de Maria sob a luz dos Padres da Igreja dos primeiros séculos; daí a
ênfase dada aos títulos de Theotókos, Nova Eva, Mãe dos viventes...
* M.J. Scheeben (+1888) escreveu uma Mariologia, inserida na
Cristologia como parte desta e inspirada pelos demais tratados
teológicos.
* J.B. Terrien em 1900 editou “A Mãe de Deus e dos homens” em quatro
volumes E. Campana é o autor de “Maria no dogma católico” (1927) e
Maria no culto católico.
Foram-se realizando Congressos Marianos (referentes à piedade) e
mariológicos em diversos países, a fim de aprofundar a doutrina e
fomentar publicações a respeito.
Seja registrada outrossim a Fundação da Legião de Maria em 1921, por
Frnk Duff (+1980), destinada ao apostolado e muito rica em frutos
espirituais.
• O Venerável Jean-Claude Ckolin fundou em 1836 a Sociedade de
Maria ou dos Padres Maristas. Recomendava viver da vida de Maria
de modo a pensar com Maria, julgar como Maria, sentir e agir em
tudo como Maria.
• O Pe. Guilherme José Chaminade (+1850) fundou o Instituto das
Filhas de Maria e a Sociedade de Maria. O fundador apregoava a
aliança com Maria ou a consagração a Maria para servir a Deus.
• O Cardial Charles Lavigerie, fundador da Sociedade dos Padre
Brancos (1868) e das irmãs Brancas, missionários na África, pôs as
suas Congregações sob a proteção de Maria Imaculada, Rainha da
África. A Virgem Maria é o modelo perfeito de uma vida espiritual
apostólica.
2- Que verdade de fé foi definida em 1854? Explique as circunstâncias,
o teor significado dessa definição.
Em 1854 registrou-se a definição da Imaculada Conceição de Maria,
antecipada pela visão de Catarina Labouré em 1830, quando a Virgem
SS. Declaro ser a Imaculada; donde a Jaculatória “O Maria concebida
25
Curso de Mariologia
sem pecado, rogai por nós, que recorremos a vós”. A definição do Papa
Pio IX foi confirmada pelas aparições de Lourdes, em que a Virgem SS.
Afirmou: “Eu sou a Imaculada Conceição”. Estava assim criado o clima
propício à definição da infalibilidade do Sumo Pontífice quando fala
ex cathedra de assuntos de fé e de moral, definição proferida pelo
Concílio de Vaticano I de 1870.
No século XIX a proclamação da Imaculada Conceição equivalia a
lembrar a ação da graça de Deus ou a gratuidade da salvação. A
transcendência ou o caráter sobrenatural do cristianismo se condensa e
concretiza em Maria, síntese de quanto o Amor de Deus quer dar ao
homem.
3- Faça o mesmo em relação à verdade de fé definida em 1950
Em 1950 Pio XII definiu a Assunção Corporal de Maria SS. Aos céus,
sem dirimir a questão da morte da Virgem SS.. Maria foi assim proposta
como modelo e referencial da Igreja; é para a glória de Maria SS. Que
tende toda a Igreja.
No século XX a Segunda guerra mundial (1939-45) conculcou a pessoa
humana nos campos de concentração, nos genocídios, na depravação
moral... Daí a conveniência de se afirmar solenemente a dignidade e o
destino transcendental do corpo humano proclamando-se a glorificação
do corpo de Maria SS. Tabernáculo da Divindade. Tal razão teológica
teve seu peso na definição da Assunção Corporal de Maria SS. Que já
era cultuada fervorosamente pelos fiéis católicos.
4- Queira dizer algo sobre o pontificado de Pio XII e a Mariologia.
Aos 11/10/1954 Pio XII publicou a encíclica Ad Caeli Reginam (à
Rainha do Céu), que continha as motivações históricas e teológicas do
título, e, finalmente, a 1o /11/1954, encerrando o Congresso
Internacional Mariológico-mariano, dedicado ao aprofundamento do
assunto, proclamou a festa litúrgica de Maria Rainha, a ser celebrada
anualmente aos 31/5; além disto, impôs de novo a coroa `imagem,
muito cara aos romanos, da Virgem Salus Populi Romani (Salvação do
Povo Romano).
Em 1958, celebrando o primeiro centenário das aparições de Lourdes,
Pio XII quis lembrar o sentido do fato: “ A uma sociedade que em sua
vida pública muitas vezes contesta os supremos direitos de Deus e que
deseja conquistar o mundo todo ao preço de sua alma (cf. Mc 8,36),
precipitando-se assim para a sua própria ruína, a Mãe Santíssima
lançou um grito de alarme.
Não se pode esquecer, de resto, que Pio XII consagrou o mundo inteiro
ao Coração Imaculado de Maria em 1942 (durante a Segunda guerra

26
Curso de Mariologia
mundial) e consagrou à mesma a Rússia em 1952. Como se vê, o
pontificado de Pio XII foi fortemente MARIANO.

PARTE III : APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 13 : A MATERNIDADE DIVINA (I)


PERGUNTAS

1- Quais são os textos bíblicos que fundamentam a crença na


maternidade virginal de Maria? Explique-os brevemente.
 Os Evangelhos afirmam repetidamente que Maria Virgem concebeu
o Filho de Deus sem a intervenção de semente humana. Tenhamos
em vista o texto de Mt 1,18-20: “Deu-se assim a concepção de Jesus
Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes, porém, da
habitarem juntos, achou-se grávida pelo poder do Espírito Santo.
José seu esposo, que era homem justo e não a queria difamar,
deliberou repudiá-la secretamente. Enquanto assim decidia,
apareceu-lhe em sonho um anjo do Senhor, que lhe disse: José, filho
de Davi, não temas receber em tua casa Maria tua esposa, pois foi
pelo poder do Espírito Santo que ela concebeu.
 É muito claro também o anúncio do Anjo feito a Maria segundo Lc
1,26. Este texto sugeriu a alguns teólogos a suposição de que Maria
tenha feito voto de virgindade a Deus. Tal hipótese não decorre
necessariamente dos dizeres do Evangelho.
 É de notar ainda a profecia de Is 7,14, traduzida literalmente do
hebraico: “Eis a jovem donzela (´almah) concebe e dará à luz um
filho, que ela chamará Emanuel”. – A palavra hebraica ´almah
significa simplesmente a jovem na flor de seus anos, sem alusão
direta à virgindade. Verifica-se, porém, que o mesmo termo na S.
Escritura designa a donzela virgem; cf. Gn 24,43;Ex 2,8; Ct 6,7;Sl
68,26. Além disto, a tradição judaica entendeu ´almah, em Is 7,14, no
sentido de virgem, de modo que os tradutores da Bíblia para o grego
(LXX) no século III a.C. usaram o termo parthénos, virgem, por
´almah. São Mateus no Evangelho (1,23) citou a profecia de Isaías em
sua forma grega, dando-lhe a interpretação cristã: a parthénos ou
virgem é Maria, e seu filho Emanuel (Deus conosco) é o Cristo Jesus.
– Assim a própria Escritura explica a Escritura.
 Há quem aponha a passagem de Lc 2,48, na qual José é dito “pai de
Jesus”. - Não se deve esquecer, porém, que mesmo Evangelista
explica exatamente o seu pensamento quando mais adiante (3,22)
afirma que José era o pai putativo de Jesus: Jesus era tido como filho

27
Curso de Mariologia
de José”. A providência Divina quis que Maria fosse
verdadeiramente casada com José, homem justo, a fim de que seu lar
tivesse a tutela que o homem pode e deve dar a mãe e filho; quis
também que a maternidade virginal de Maria fosse ignorada pelo
público de sorte que o povo tinha Jesus na conta de filho de José.
2- De modo especial, a doutrina da virgindade de Maria no parto como
justifica?
• O texto de Jo 1,12s pode ser lido de duas maneiras. Tem prevalecido
ultimamente a seguinte forma: “A todos os que O receberam, deu o
poder de se tornarem filhos de Deus, aos que crêem em seu nome,
Ele (o Verbo) que não nasceu do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem mas nasceu de Deus”. Este texto parece
aludir ao nascimento virginal de Jesus.
• Cita-se também Lc 2,7: “Maria gerou seu filho primogênito,
envolveu-o em panos e deitou-o no presépio”. Estes dizeres
insinuam a ausência das dores e da prostração que costumam
acompanhar todo parto. A tradição, aliás, repetiu freqüentemente
que “Maria deu à luz sem dor”, intencionando assim professar a
maternidade virginal de Maria. Os cristãos, neste ponto, eram
herdeiros do modo de ver dos judeus; com efeito, segundo estes, um
dos sinais da era messiânica seria o parto isento de sofrimento. Eis,
por exemplo, o testemunho de apócrifo Apocalipse de Baruque
(contemporâneo dos escritos de S. João, fim do século I ou começo do
século II):Quando o Messias tiver dominado o mundo inteiro e reinar
para sempre em paz, diz o texto, então será inaugurada uma era de
felicidade perfeita sobre toda a terra; entre outras coisas, “as
mulheres já não sofrerão durante a gravidez e desaparecerá a dor
quando tiverem que dar à luz o fruto do seu seio”(73.1.7). O motivo
desta novidade é assinalado: “O tempo do Messias trará o fim do
desgaste e o começo da imortalidade” (74.2).
• Os rabinos pensavam do mesmo modo assim Rabino Abbahu
observa que atualmente a mulher dá à luz em meio a dores, mas que
no tempo do Messias se cumprirá o que está escrito: “antes de sentir
as dores do parto, ela deu à luz; antes de lhe sobrevirem às
contorções, ela pôs no mundo um menino (Is 66,7).Ver Gen Rabbah
14,9a 12,2.
3- Analise três das objeções que se fazem contra a maternidade virginal
de Maria.

28
Curso de Mariologia
a) Cerinto: Segundo o qual Jesus foi concebido e dado a luz como
resultado do comercio carnal de Maria e de José, segundo as leis
naturais.
b) Celso: Segundo o qual Jesus nasceu de Maria por adultério.
c) Petrone e Cornelio: Segundo os quais o Espírito Santo se tinha
servido de algum gérmen masculino de São José, e assim quedaria a
salvo, por uma parte, a paternidade de São José, e, por outra, a
concepção virginal de Maria.
Eu analiso que todo ser humano que em este tempo se pronuncie
contra a maternidade virginal de Maria SS. Está louco.
4- Que é que a maternidade virginal de Maria significa para a
espiritualidade cristã? Exponha suas impressões.
Deus onipotente, em tanto preservo a Maria do pecado original e a
colmo da plenitude da graça e adorno-a milagrosamente com a
virgindade corporal, em quanto queria que fora digna madre de Deus ;
por este motivo a preparo para que seja puríssima em sua mente e em
seu corpo.
Já desde agora ai que Ter muito em conta que a Virgem Maria no só foi
elegida por Deus para ser sua Mãe, sino também para ser MÃE DOS
HOMENS; mais, foi feita Mãe de Deus para que foro também Mãe dos
homens.
“Em vista dos méritos de seu Filho foi redimida de um modo mais
sublime e unida a Ele por um vínculo estreito e indissolúvel, é dotada
com à missão sublime e a dignidade de ser Mãe do Filho de Deus, e por
isso filha predileta do Pai e sacrário do Espírito Santo, por este Dom de
graça exímia supera de muito todas as outras criaturas celestes e
terrestres. Mas ao mesmo tempo está unida, na estirpe de Adão, com
todos os homens a serem salvos. Mais ainda: “é verdadeira mente a
MÃE DOS MEMBROS DE CRISTO... porque cooperou pela caridade
para que na Igreja nascessem os fiéis que são os membros desta Cabeça.
(Constituição Dogmática “Lumen Gentium” Cap VIII No 53

PARTE III : APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 14 : A MATERNIDADE DIVINA (II)


PERGUNTAS
1- Como se pode chegar à conclusão de que Jesus era o filho de Maria?
São sete os textos do Novo Testamento que mencionam irmãos de Jesus.
O mais expressivo é o de Mc 6,3 Tendo Jesus pregado em Nazaré, sua cidade
natal, os ouvintes, admirados, perguntavam donde lhe provinha tanta

29
Curso de Mariologia
sabedoria, e acrescentavam: Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de
Tiago, José, Judas e Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós? (cf. Mt.
13,55s).
As outras menções dos “irmãos de Jesus” encontram-se em Mc 3,31-35
(cf. Mt 12,46-50; Lc 8,19-21); Jo 2,12;7,2-10;At 1,14;Gl 1,19; 1Cor 9,5.
Lc 2,41-52: Jesus, aos doze anos, foi com José e Maria a Jerusalém,
permanecendo aí os sete dias da festa de Páscoa (ver Lc 2,43). Contando
os dias de viagem de ida e volta, a Sagrada Família deve Ter ficado
cerca de quinze dias fora de casa. Ora Maria não pode Ter deixado no
lar por tanto tempo filhos pequenos. Donde se conclui com muita
verossimilhança que aos doze anos Jesus era Filho único.
Digamos, porém a título de hipótese: depois dessa peregrinação Maria
gerou outros filhos... O mais velho desses irmãos de Jesus teria então,
no início da vida pública do Senhor, cerca de dezoito anos de idade
(Jesus começou sua pregação com trinta anos aproximadamente; cf. Lc
3,23). Ora o que os Evangelhos narram a respeito dos irmãos do Senhor,
não permite que se lhes atribua idade tão juvenil. Com efeito; a atitude
autoritária dos “irmãos” para com Jesus, descrita em Mc 3,21.31-35 e Jo
7,2-5, no Oriente não teria cabimento se esses irmãos fossem mais
jovens; sim, a mentalidade judaica exigia dos irmãos mais moços um
comportamento de reverencia para com o primogênito, como se deduz,
por exemplo, das palavras de Isque a Jacó: “ Sê o Senhor dos teus
irmãos; diante de ti se curvem os filhos de tua mãe!” (Gn 27,29). Os
homens autoritários que se dirigem a Jesus em Mc 3 e Jo 7, deviam ser
mais velhos do que o Senhor; por conseguinte, não eram filhos de
Maria.
Jo 19,26s: Jesus, ao morrer, confiou sua mãe a João, filho de Zebedeu,
membro de outra família. Este gesto do Senhor seria incompreensível
se Maria tivesse outros filhos em casa. Jesus é dito “filho de José
putativo ou suposto” em Lc 3.23; é dito “o filho de Maria” (com artigo)
em Mc 6,3. O evangelho nunca diz: “a mãe de Jesus e seus filhos”,
embora isto fosse muito natural se ela tivesse muitos filhos (ver Mc 3,31-
35; At 1,14). O Evangelho se refere sempre a “Maria e os irmãos de
Jesus”, embora isto torne o texto estilisticamente pesado.
2- Que significa a expressão “irmãos de Jesus”? Qual o parentesco desse
personagens com Jesus?
Há claros indícios de que os chamados “irmãos de Jesus” não eram
filhos da mãe de Jesus, pois Jesus foi filho único.
É de notar que a tradução grega do N.T. realizada em Alexandria
(Egito) entre 250 e 100 a.C. usa a palavra grega adelphós, irmão, embora
o grego possuísse vocábulos próprios para dizer primo e sobrinho. O

30
Curso de Mariologia
linguajar grego dos LXX, que conservava seu fundo semita, influiu
profundamente na linguagem dos escritores do Novo Testamento,
familiarizados como estavam com a tradução dos LXX.
Na base desta verificação não termos dificuldade de compreender que
“!os irmãos de Jesus” eram, na verdade, primos de Jesus.
Alguns textos do Evangelho nos fornecem pistas para identificar melhor
o parentesco dos “irmãos” de Jesus.
Em Mt 27,56 lemos: “Estavam ali (no Calvário), a observar de longe
Maria de Mágdala, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de
Zebedeu” Cf. Mc 15,40.
Essa Maria, mãe de Tiago de José, não é a esposa de São José, mas de
Cleofas, conforme Jo 19,25:
“Estavam junto à cruz de Jesus sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria
(esposa de Cleofas, e Maria de Mágdala”.
O mais antigo historiador da Igreja, Hegesipo (séc. II), refere que
Cleofas ou Alfeu era irmão de São José. Disto se segue que Cleofas e
Maria de Cleofas tiveram como filhos Tiago, José, Judas e Simão. Estes,
portanto, eram primos de Jesus, por descenderem de uma certa Maria
(talvez irmã de Maria SS.) casada com Cleofas, irmão de São José. Aos
30 anos, deixou sua Mãe para iniciar sua missão pública, os primos de
Jesus, movidos pelo forte senso de família dos orientais, se tornaram
solidários com Maria, acompanhando-a em suas saídas (a mulher
oriental não se apresentava sozinha em público). Isto explica que nos
Evangelhos Maria apareça freqüentemente em companhia dos “irmãos
de Jesus”, que não eram seus filhos.
3- Como entender o texto de Mt. 1,25?
Lemos em Mt 1,25: “ José não conheceu Maria (= não teve relações com
Maria) até que ela desse à luz um filho (Jesus)”. Significa isto que,
depois de Ter dado à luz a Jesus, Maria teve relações conjugais com
José? Não necessariamente. A expressão “até que” corresponde ao
grego heos hou e ao hebraico ad ki. Ora. Est partícula na Escritura
ocorre para designar apenas o que se deu (ou não se deu) no passado,
sem indicação do que havia de acontecer no futuro. Tenhamos em vista,
por exemplo:
Gn 8,7 O corvo que Noé soltou após o dilúvio, não voltou à arca “até
que as águas secassem”. Isto não quer dizer que após o dilúvio o corvo
tenha voltado à arca.
Cf. Sl 110,1; 2Sm 6,23; Gn28,15; Mt 28,20
Ainda hoje na vida cotidiana recorremos a modos de falar, quando
dizemos, por exemplo: “Tal homem morreu antes de Ter realizado os
seus planos” ou “antes de Ter pedido perdão”. Poderia alguém concluir
31
Curso de Mariologia
que, depois da morte, o defunto executou os seus desígnios ou pediu
perdão?. Este é o caso em que se faz referência ao passado, prescindindo
do futuro. Essa locução era freqüente entre os semitas e constitui, sem
dúvida, a base pressuposta do texto de Mt 1,25. Em conseqüência, a
tradução mais clara deste versículo seria: “Sem que ele (José) tivesse
tido relações com Maria, ela deu à luz um filho...”, Analogamente
diríamos, para explicar a frase atrás citada: “Tal homem morreu sem
Ter executado os seus desígnios”.
4- Como explicar a expressão “primogênito” em Lc 2,7?
Em Lc 2,7 está escrito: “Maria deu à luz o seu filho primogênito,
envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura.
O termo “primogênito” não significa que a Mãe de Jesus tenha tido
outros filhos após Ele. Em hebraico bekor, primogênito, podia designar
simplesmente “o bem-amado”, pois o primogênito é certamente aquele
dos filhos no qual durante certo tempo se concentra todo o amor dos
pais; além disto, o primogênito era pelos hebreus julgado alvo de
especial amor da parte de Deus, pois devia ser consagrado ao Senhor
desde os seus primeiros dias (cf. Lc 2,22; Ex 13,2; 34,19). A palavra
“primogênito” podia mesmo ser sinônima de “unigênito”, pois um e
outro vocábulo na mentalidade semita designam “o bem-amado”.
Tenhamos em vista, por exemplo, Zc 12,10s
“Derramei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém um
espírito de graça e de oração e eles voltarão os seus olhos para mim.
Quanto àquele que transpassaram, chorá-lo-ão como se chora um filho
unigênito; chorá-lo-ão amargamente como se chora um primogênito”.
Mesmo fora da terra de Israel podia-se chamar “primogênito” o menino
que não tivesse irmão mais jovem; é o que atesta uma inscrição
sepulcral judaica datada do ano 5 a.C. e descoberta em Tel-el-
Yedouhieh (Egito) no ano de 1922: lê-se aí que uma jovem mulher
chamada Arsinoé morreu “nas dores do parto do seu filho
primogênito”. Notemos neste texto o modo de falar de Mt 1,25:
“Primogênito” vem a ser apenas o filho antes do qual no houve outro,
não necessariamente aquele após o qual houve outros.

PARTE III : APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 15 : A MATERNIDADE DIVINA (III)


PERGUNTAS
1- Exponha três significados que a Maternidade Virginal de Maria tem
para o cristão.

32
Curso de Mariologia
• A identidade de Jesus: Sem dúvida, o Filho de Deus podia-se tornar
homem nascendo biologicamente de José e Maria. Contudo existia
grande conveniência de que nascesse sem o concurso do Varão. Com
efeito; o Filho de Deus se fez homem sem Ter pai na terra, pois já
tinha Pai no céu; como Deus, era Filho do Pai Eterno; como homem,
tornou-se Filho de Maria; Maria foi fecundada pela ação direta do
próprio Deus. A geração virginal foi o modo pelo qual o Pai quis
exprimir na carne humana a sua paternidade em relação a Jesus. Este
não é um mero homem como os outros homens, mas é Deus e
homem; por isto nasceu como nenhum homem nasceu.
• A irrupção do sobrenatural: “Sobrenatural” nada tem que ver com
“extraordinário” ou “milagroso”, mas é Dom de Deus (suave e
discreto) que está acima das exigências de qualquer criatura. Assim o
plano de salvação que Deus concebeu para o homem, tem um
objetivo sobrenatural : levar os homens à comunhão com a Vida de
Deus, fazendo-os filhos no Filho e habilitando-os à visão face-a-face
da Beleza infinita. Pois bem. A maternidade virginal de Maria
significa que não é o homem quem dá a si mesmo a salvação, nem ele
é capaz de a provocar. Como a Virgem não recebeu do Homem, mas
de Deus, o seu Filho, assim nós recebemos a salvação de Deus como
dádiva totalmente gratuita.
• O papel da mulher: A maternidade virginal de Maria põe em
evidência o papel da mulher na obra de salvação do gênero humano;
Jesus, em última análise, não está ligado a este senão por meio de
Maria. Esta prerrogativa da mulher não se realizou apenas no plano
fisiológico. Com efeito; Maria disse o seu Sim antes de conceber o
Filho (cf. Lc 1,38). Este Sim foi dito em nome de todo o gênero
humano; assim uma mulher tornou-se a representante de toda a
humanidade no diálogo decisivo do Criador com a criatura.
Concedendo tão valiosa função à mulher, o Senhor Deus quis abrir o
caminho à exaltação da mulher e mostrar a importância que Ele
atribuiria a esta na Igreja.
2- O dogma da virgindade de Maria implica menosprezo da vida
conjugal?
A maternidade virginal de Maria, vivida no casamento com S. José,
significa que a virgindade não empobrece o coração e os afetos
humanos; Maria desenvolveu autêntico amor de esposa para com José.
Mais amplamente podemos dizer: a mais íntima adesão a Deus não
sufoca o amor legítimo da criatura para com as criaturas. De resto, a
presença de Maria nas bodas de Caná e a sua intervenção para obter o
vinho necessário à continuação da festa de núpcias confirmam a
33
Curso de Mariologia
orientação positiva da virgindade em relação ao matrimônio. A atuação
de Maria em Caná é sinal de que à virgindade toca a missão de
sustentar o matrimônio e obter-lhe a graça do autêntico amor.
Em conclusão, vê-se que a virgindade de Maria não significa desprezo
da sexualidade. Ela se prende mais à identidade do Salvador do que à
de Maria, pois põe em relevo a filiação divina de Jesus. Na verdade, ela
pertence ao âmago da mensagem cristã.
3- Que sentido tem a vida virginal ou celibatária para cristão?
O propósito de virgindade, ou seja, o desejo de entregar-se
integralmente a virgindade a Deus são propostos a todo discípulo de
Cristo. A perfeição da caridade, pelo Reino dos céus, vida consagrada
totalmente a Deus e aos homens. E sinal de nova vida a serviço da
Igreja.
4- Ponha em relevo duas afirmações do texto do Catecismo protestante
acima citado. E comente-as.
 È apresentada (Maria) como aquela que ouviu de maneira exemplar
a palavra de Deus: A Anunciação a Maria inaugura a “plenitude dos
tempos” isto é, o cumprimento das promessas e das preparações.
Maria é convidada a conceber aquele que habitará “corporalmente a
plenitude da divindade”. A resposta divina à sua pergunta “como
se fará isto, se não conheço homem algum? É dada pelo poder do
Espírito:”O Espírito Santo virá sobre ti” (Lc 1,35).
 É a Mãe de nosso Senhor: Denominada nos Evangelhos “a Mãe de
Jesus” (Jo 2,1;19,25), Maria é aclamada, sob o impulso do Espírito,
desde antes do nascimento do seu Filho, como “a Mãe do meu
Senhor” (Lc 1,43). Com efeito Aquele que ela concebeu do Espírito
Santo como homem e que tornou verdadeiramente seu Filho
segundo a carne, não é outro que o Filho eterno do Pai, a Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é
verdadeiramente Mãe de Deus (Theotókos).
5- Indique duas frases que você tenha achado interessante nas
declarações dos Reformadores protestantes.
 Em seu comentário sobre o Magnificat (Lc 1,46-55), escreve: “ó bem-
aventurada Mãe, Virgem digníssima, recorda-te de nós e obtém que
também em nós o Senhor faça essas grandes coisas. (Martinho
Lutero).
 A propósito de Is 7,14 : “O profeta teria feitio coisas muito fria e
insípida se, depois de anunciar algo de novo e insólito entre os
judeus, acrescentasse: uma jovem conceberá é assaz claro, portanto,
que ele fala da Virgem, que havia de conceber não conforme as leis
34
Curso de Mariologia
ordinárias da natureza, mas por graça do Espírito Santo” (João
Calvino 36,156s)
PARTE III: APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 16: A MATERNIDADE DIVINA (IV)


PERGUNTAS
1- Qual é o sentido teológico da virgindade de Maria?
Já os Padres da Igreja perceberam com clareza que a virgindade de
Maria, antes de constituir uma “questão marilógica”, é um “tema
cristológico”. Eles faziam notar que a virgindade da Mãe é uma
exigência derivante da natureza divina do Filho; é a condição concreta
em que, segundo um livre e sapiente desígnio divino, se efetuou a
encarnação do Filho eterno, d´Aquele que é “Deus de Deus” (Conc.
Ecum. Constantinop. II, ) só Ele ´-e Santo, só Ele é o Senhor, só Ele é o
Altíssim0 (cf. Missale Romanum, Hymnus “Gloria in excelsis Deo”). E
conseqüentemente, para a tradição cristã, o seio virginal de Maria,
fecundado pelo Pneuma divino sem intervenção de homem (cf Lc 1,23-
45), tornou-se, como o madeiro da cruz (cf. Mc 15,39) ou as ligaduras do
sepulcro (cf. Jo 20,5-8), motivo e sinal para reconhecer em Jesus de
Nazaré o Filho de Deus. Portanto, só a partir da luz que promana do
Verbo, preexistente e eterno, fonte de vida e de incorruptibilidade, é que
se pode compreender a exigência e o Dom da virgindade da Mãe...
2- Como a teologia ilustra a virgindade de Maria no Parto?
No paralelismo, relativamente à geração de Cristo, alguns Padres
ressaltam a concepção virginal, outros o nascimento virginal, outros a
subseqüente virgindade perpétua da Mãe, mas testemunham a
convicção de que entre os dois eventos salvíficos – a geração-nacimento
de Cristo e a sua ressurreição de entre os mortos – existe um nexo
intrínseco que responde a um preciso plano de Deus: um nexo que a
Igreja, guiada pelo Espírito, descobriu, não criou. Na confissão de fé na
virgindade da Mãe de Deus, a Igreja proclama como fatos reais que
Maria de Nazaré:
• Concebeu verdadeiramente Jesus, por obra do Espírito Santo, sem
intervenção de homem.
• Deu à luz, verdadeira e virginalmente, o seu Filho, razão pela qual
depois do parto permaneceu virgem; também no que se refere à
integridade da carne.
• Afirmar a realidade da concepção virginal de Cristo não significa
que, em referência a ela, se possa fornecer uma prova apodítica de

35
Curso de Mariologia
tipo racional. Com efeito, a concepção virginal de Cristo é uma
verdade revelada por Deus, que o homem acolhe em virtude da
obediência da fé (cf. Rm 16,26). Só quem está disposto a crer que
Deus age na realidade intramundana e que a Ele “nada é impossível”
(Lc 1,37), pode acolher com devota gratidão as verdades da
“kénosis” do Filho eterno de Deus e da sua concepção-nascimento
virginal do valor salvífico universal da sua morte na cruz e da
ressurreição verdadeira, no próprio corpo, d´Aquele que foi
suspenso e morreu no madeiro da cruz.
3- A virgindade de Maria implica depreciação do estado conjugal?
A exatidão na exposição da doutrina exige que sejam evitadas posições
unilaterais, exagerações ou distorções. Por exemplo, a afirmação da
virgindade de Maria deve ser feita de modo que em nada, direta ou
indiretamente, apareçam diminuídos o valor e dignidade do
matrimônio, querido por Deus, por Ele abençoado, sacramento que
configura ao cristão a Cristo, via de perfeição e de santidade, nem se
banalize a mensagem que dela deriva, relegando-a a um aspecto
marginal do cristianismo.
4- Qual o significado religioso da vida una ou indivisa? Ver 1Cor 7,25-
35.
A virgindade ou a vida una e indivisa, hoje em dia pouco estimada e
praticada, vem a ser penhor de liberdade interior, de olhar perspicaz
sobre os valores transcendentais e de radical vivência a serviço do
Reino de Deus. Por isto fica sendo, em nossos dias mesmos, um ideal ao
qual podem e devem aspirar aqueles(as) a quem Deus concede tal
graça.
A virgindade é Dom e graça. Ela é um bem da Igreja, do qual
participam também aqueles – sem dúvida a maior parte -, que não são
chamados a vivê-la na própria carne, mas embora sempre no próprio
coração.
“A castidade há de distinguir as pessoas de acordo com seus diferentes
estados de vida: umas na virgindade ou no celibato consagrado,
maneira eminente de se dedicar mais facilmente a Deus com um
coração indiviso; outras, da maneira como a lei moral determina,
conforme forem casados ou celibatários”. As pessoas casadas são
convidadas a viver a castidade conjugal; os outros praticam a castidade
na continência.

36
Curso de Mariologia
PARTE III: APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 17: A IMACULADA CONCEIÇÃO (I)


PERGUNTAS
1- Como se relacionam entre si Maternidade Divina, Imaculada
Conceição e Assunção corporal de Maria?
A Maternidade Divina é privilégio fundamental que Maria recebeu.
Deste Dom muito especial decorrem as outras graças recebidas pela
Virgem Santíssima. Duas delas se referem respectivamente ao início e
ao fim da vida terrestre de Maria: a Imaculada Conceição e a Assunção
Corporal. Para ser a digna Mãe do Verbo Encarnado, Maria foi isenta de
todo pecado e, porque isenta do pecado ou imaculada, foi também
preservada d deterioração que a morte impõe ao corpo humano. O seu
corpo, tabernáculo da Divindade, foi isento do poder do pecado e da
morte. Assim a Imaculada Conceição e a Assunção de Maria estão em
íntima correlação entre si. Todavia foi mais fácil à Teologia formular a
Assunção do que a Imaculada Conceição.

2- A Revelação das verdades de fé encerrou-se com Jesus Cristo? Como


se explica que só vários séculos após Cristo tenha havido definições
dogmáticas? Existem novos dogmas após Cristo?
A fé é a resposta do ser humano a Deus que fala. Tal resposta não é
meramente individual, mas é comunitária. Isto quer dizer que só
podemos compreender todas as implicações e conseqüências contidas
na Palavra de Deus revelada, se nos colocamos dentro da comunidade
de fé que é a Igreja. A igreja, como comunhão ou como Corpo de Cristo
(cf. Cl 1,24; 1 Cor 12,12-27), não pode errar na fé nem se pode desviar da
Palavra trazida por Cristo e comunicada aos Apóstolos.
Note-se outrossim que a Revelação das verdades de fé foi completa em
Jesus Cristo e nos Apóstolos, mas os cristãos não perceberam todo o seu
alcance de uma só vez. Muitas coisas feitas por Jesus não forma
relatadas nos Evangelhos (cf. Jo 20,30s;21,24s), de modo que a Tradição
escrita (a Bíblia) e a Tradição oral no decorrer dos séculos se foram
completando até a Igreja chegar à plena intuição das proposições
relevadas por Jesus Cristo. É o que nos diz o Concílio Vaticano II: A
Tradição oriunda dos Apóstolos progride na Igreja sob a assistência do Espírito
Santo. Com efeito, cresce a compreensão tanto das coisas como das palavras
transmitidas, seja pela contemplação e o estudo dos que crêem..., seja pela
íntima compreensão que experimentam das coisas espirituais, seja pela pregação
daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma seguro da
verdade. A Igreja, portanto, no decorrer dos séculos, tende continuamente para
37
Curso de Mariologia
a plenitude da verdade divina, até que as palavras de Deus nela cheguem |à
consumação” (Constituição Dei Verbfum No 8).
Com efeito, a Revelação foi formulada em palavras humanas a homens
limitados. Por isto a percepção de tudo quanto nela está contida vai-se
realizando na medida em que vão caindo os obstáculos das limitações
humanas que dificultam a compreensão. Foi o que se deu com os dois
artigos de fé concernentes à Imaculada Conceição e à Assunção.

3- Quais os principais obstáculos à compreensão da Imaculada


Conceição?
 A santidade singular de Jesus: A santidade e a impecabilidade de
Jesus forma deduzidas da sua união hipostática; o eu de Cristo era o
da Segunda Pessoa da SS. Trindade; como tal, não podia pecar. Em
Maria, porém, não houve união hipostática.
 A universalidade da Redenção : Não há graça nem salvação que não
venham de Jesus Cristo. Todos são pecadores e foram remidos por
Cristo. – Ora, se Maria foi isenta do pecado original, ela nada deve a
Cristo; está fora do plano salvífico do Pai.
 O conceito de pecado original originado: Todos admitiam que o
pecado dos primeiros pais acarretou a morte e graves conseqüências
para o gênero humano, como nota S. Paulo em Rm 5,12-19; 7,7-24.
Todavia nem todos entendiam do mesmo modo essas conseqüências.
Alguns teólogos julgavam ser a morte física, sem mais; outros, a
morte Segunda ou a condenação definitiva; outros, a cobiça e as
paixões desregradas; outros, a deterioração do cadáver no sepulcro;
outros ainda, o aniquilamento total do indivíduo mediante a morte...
Enquanto perduravam essas hesitações, era difícil definir de que
“pecado original” Maria fora isenta.
 Um problema biológico: Os antigos e medievais julgavam que a
semente vital masculina era o único princípio ativo na conceição de
um novo ser humano. O útero da mulher seria um recipiente
passivo, uma “incubadora biológica” para o desenvolvimento da
semente masculina. O pecado de Adão se transmitiria por
hereditariedade biológica ou pela semente masculina. – Este
princípio explicava bem por que Jesus fora isento de pecado
original; não era filho de S. José no plano biológico. Maria, porém,
nascera da união matrimonial de Sl Joaquim e Sta. Ana; por
conseguinte, não podia Ter nascido sem o pecado original.
 O momento da infusão da alma humana: Era problema muito antigo
a questão: quando começa a existir um ser humano? – Desde o
momento da conceição ou da fecundação do óvulo pelo

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Curso de Mariologia
espermatozóide? Ou após certo intervalo (quarenta dias para os
meninos, oitenta dias para as meninas)? – Prevalecia na Antigüidade
e na Idade Média esta Segunda teoria; em conseqüência, perguntava-
se: como falar da conceição imaculada de Maria? Quem não tem
alma humana (antes do 40º ou do 80º dia) não é sujeito de pecado e,
por isto, não se pode dizer que foi preservado do pecado original em
sua conceição.

4- Como se comportaram teólogos e povos simples frente a este


privilegio de Maria?
O povo cristão, como comunidade de fé, foi Intuindo a imaculada
Conceição com clareza crescente e sob a luz do Espírito Santo. Os
teólogos procederam mais lentamente, de modo que, enquanto o “senso
dos fiéis” afirmava a Imaculada Conceição, a teologia hesitou durante
séculos, e mais vagarosamente chegou à formulação exata. Em 1854 o
Papa Pio IX não fez senão assumir e pronunciar solenemente o que já
estava na consciência dos simples fiéis e dos teólogos ou mesmo na fé
da Igreja dos Apóstolos.

5- Quem propôs a fórmula definitiva para dirimir as dúvidas sobre o


assunto? Explique em que consistiu essa fórmula.
Finalmente no século XIV interveio o franciscano João Duns Scotus
(+1308). Este propôs o conceito de Redenção preventiva, em virtude da
qual Maria foi preservada de todo pecado graças aos méritos de Jesus
Cristo (e em previsão destes). Maria, como descendente dos primeiros
pais, contraiu o débito do pecado original, mas foi dispensada das
conseqüências desse débito. Duns Scoltus podia assim afirmar que a
imaculada conceição de Maria não constitui uma exceção à obra
salvífica de Cristo, mas, ao contrário, manifesta por excelência a eficácia
da obra redentora de Cristo. Eis palavras de Duns Scotus: “Mais
augusto benefício é preservar do mal do que permitir a queda no mal,
ainda que com a intenção de livrar do mal. Se Cristo mereceu, para
muitas almas, a graça e a glória na qualidade de Mediador e Salvador,
por que não pôde Ter merecido a inocência para alguma alma?. Deus
não está condicionado pelo tempo: Ele pode Ter aplicado antes de
Cristo os méritos que Cristo adquiriria pela sua morte e ressurreição”.

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Curso de Mariologia
PARTE III: APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 18: A IMACULADA CONCEIÇÃO (II)


PERGUNTAS

1- Por que o Santo Ofício era contrário à doutrina da Imaculada


Conceição de Maria?
No século XVII, o Santo Ofício (encarregado das questões de fé em
Roma), sob a orientação dos dominicanos seguidores de S.Tomás de
Aquino, desaprovava a expressão “Imaculada Conceição da Virgem” e
preferia que se falasse da “Conceição da Virgem Imaculada”. Todavia
em 1661 o Papa Alexandre VII, mediante a Bula Sollicitudo, declarou-se
em favor da Imaculada Conceição e proibiu qualquer ataque a esta
doutrina; explicitou a formulação do dogma em termos qu de certo
modo antecipara os de Pio IX em 1854.

2- O Papa Pio IX, ao definir o dogma em 1854, inovou alguma coisa?


Impôs algo de inédito à fé dos católicos?
 O texto da Bula não diz se a doutrina em foco foi explícita ou
implicitamente revelada.
Depreende-se, porém, dos textos bíblicos adiante citados que se trata
de revelação implícita.
 A razão aduzida em favor do privilégio de Maria são “os méritos de
Cristo Salvador do gênero humano”. Isto quer dizer que Maria foi
remida e pertence à dispensação da graça obtida por Cristo, muito
mais rica do que a graça possuída pelos primeiros pais.

3- Maria foi isenta de dores, de cansaço, de concupiscência desregrada


(coisas que de correm do pecado dos primeiros pais, do qual ela foi
preservada)?
• “Maria foi preservada de toda mancha da culpa original”. Mais
importante do que qualquer santuário inerte é o santuário vivo de
Maria SS. Em conseqüência, esta devia ser totalmente pura, isenta de
qualquer mancha de pecado. Se o santuário de Maria não foi santo
desde o início de sua existência, ele foi um santuário já possuído e
habitado por outro Senhor (pelo Príncipe deste mundo; cf.Jo 12,31); o
Filho de Deus não teria podido reconhecer nele a santidade e a
beleza próprias de sua casa; contentar-se-ia com ser o “segundo”
Senhor do seu próprio Templo. Maria seria feita vencedora do
pecado por sua Imaculada Conceição, vencedora da concupiscência

40
Curso de Mariologia
por sua maternidade virginal e também vencedora da morte por sua
imediata ressurreição a semelhança de seu Filho.
• Maria não foi isenta de dores, de cansaço; se Jesus mesmo não quis
ser isento destas, Maria também não o foi.

4- Exponha dois textos bíblicos sobre os quais se apóiam a definição de


Pio IX.
 Lc 1,28: Maria foi Kecharitoméne (= foi e permaneceu repleta do
favor divino). – O anjo não disse “Ave Maria”, mas “Alegra-te,
kecharitoméne”, como se este fosse o nome próprio da Virgem. É
oportuno aproximar este texto do único outro texto do Novo
Testamento em que ocorre o mesmo verbo: “Bendito seja Deus...que
nos agraciou (echarítosan) no Amado” (Ef 1,3.6). Maria vem a ser a
primeira e a mais enriquecida de todas as criaturas. Esta plenitude de
graça está ligada à vocação de Maria para ser Mãe do Filho de Deus
feito homem. O pecado, que é sempre um Não dito a Deus, não cabe
na existência de uma mulher que, por desígnio de Pai, é chamada a
colaborar na vitória sobre o pecado.
 Gn 3,15: O Senhor promete inimizade entre a mulher e a serpente. É
certo que, tomado ao pé d letra, o texto se refere à única mulher do
contexto, ou seja, a Eva. Todavia a mulher que, por excelência, deu à
luz a prole vencedora da serpente, é Maria SS. – Em Maria se torna
pleno o sentido de mulher ou de Eva (=Mãe dos vivos) de que fala
Gn 3,15. O texto também não fala explicitamente de Jesus Cristo, mas
refere-se à perene inimizade que na historia existe entre a linhagem
dos bons e os que seguem o Tentador. São Paulo, porém, descobriu
no primeiro Adão o tipo ou a figura do segundo Adão (cf. Rm 5,14) e
a tradição patrística descobriu em Eva o tipo ou a figura da Segunda
Eva (=Maria). Esta tinha de ser santa e alheia ao pecado para resgatar
a primeira Eva, que se entregara à palavra do tentador e ao pecado;
ela está em total inimizade com o sedutor e o pecado.

5- Que se entende por “desenvolvimento dogmático”?


“A Igreja e o magistério sabem que não transmitem uma revelação de
Deus que acontece aqui e agora pela primeira vez; sabem que não são
profetas, mas, sim, uma instância cuja função consiste unicamente em
conservar, transmitir e interpretar a revelação de Deus ocorrida em
Jesus Cristo num preciso momento do passado” (Reflexiones en torno a
la evolución del dogma p. 13).

41
Curso de Mariologia
6- Qual o significado da Imaculada Conceição para o nosso conceito de
Historia?
A graça recebida por Maria sem mérito próprio da Virgem SS. Nos diz
que toda a história da humanidade está sob o signo não da desgraça e
da condenação, mas da misericórdia, mais forte do que o pecado. Se
nós caímos sob o domínio do pecado por fragilidade nossa, não estamos
sujeitos, sem remédio, a tal domínio. Somos as criaturas que Deus desde
todo sempre ama, e que Ele procurou recuperar na plenitude dos
tempos, antes mesmo que alguém o pudesse merecer. O cristão é,
portanto, otimista e esperançoso quanto ao sentido da história. Verdade
é que Maria foi preservado do pecado, ao passo que nós fomos
perdoados (ou recebemos o perdão). Todavia, no fundo, trata-se da
mesma graça divina: é a Redenção realizada por Cristo. Quando
pedimos no Pai-Nosso:”Não nos deixeis cair em tentação”, rogamos que
Ele nos preserve como preservou Maria.

PARTE III: APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 19: A ASSUNÇÃO CORPORAL DE MARIA (I)


PERGUNTAS
1- Porque a noção da Assunção corporal de Maria aflorou mais
facilmente à consciência do povo cristão do que a da Imaculada
Conceição?
Assunção corporal de Maria é uma graça estritamente associada à
Imaculada Conceição, da qual decorre logicamente. O entendimento
deste privilégio mariano foi mais fácil aos cristãos do que a da
Imaculada, pois estava isento das questões teológicas e biológicas que
entravaram a compreensão da Conceição Imaculada de Maria.

2- Que dizem a respeito do fim de vida terrestre de Maria os


documentos dos séculos IV e V?
♦ primeiro autor que falou de sua morte, foi S. Efrém (+373); de modo
muito lacônico escreveu: Virgem, ela o deu à luz, e fica incólume em sua
virgindade; inclinou-se e pariu-o. e assim, Virgem, ela o levantou e o
alimentou com seu leite. Ela é virgem, e assim morre, sem que sejam
violados os selos da sua virgindade. (hino 15,2).
Como se vê, S. Efrém dá ênfase à virgindade perpétua; a morte é
mencionada simplesmente com um fato.
♦ S. Epifânio (403) aborda o assunto, revelando incerteza: “ A Sagrada
Escritura não diz se Maria morreu, se foi sepultada ou se não foi

42
Curso de Mariologia
sepultada...Conservou absoluto silêncio por causa da grandeza do
prodígio, a fim de não deixar assombrados os espíritos dos homens.
Quanto mim , não ouso falar disso. Conservo a questão em minha
mente e me calo. (Panarion, Haer. 78,nm 10s). A seguir, Epifânio
examina a hipótese do martírio cruento de Maria SS. (já que Simeão
predissera que uma espada lhe transpassaria o coração, conforme Lc
2,55); considera também a elevação gloriosa de Maria aos céus
conforme Ap 12,1.14 e conclui: É possível que isto se tenha realizado em
Maria. Mas não o afirmo de modo absoluto, nem digo que ela permaneceu
isenta da morte. Com efeito, a S. Escritura se colocou acima do espírito dos
homens e deixou este ponto na incerteza por reverência a essa Virgem
incomparável, a fim de evitar qualquer conjetura baixa e carnal a respeito de
Maria. Morreu? Não o sabemos.
♦ Cita-se também como obra do século IV um sermão de Timóteo,
presbítero de Jerusalém, que cita uma tradição referente à
imortalidade de Maria: “ uma espada transpassará a tua alma!...
Destas palavras muitos concluíram que a Mãe do Senhor, morta pela
espada, obteve o fim glorioso que é o martírio. Mas não foi assim. A
espada metálica divide o corpo e não a alma. Nem era possível que
tal acontecesse, porque a Virgem, imortal até hoje, foi transladada a
partir do lugar de sua ascensão por Aquele que nele fez a sua
morada” (Homilia sobre Simeão e Ana).
Como se vê, existia nos primeiros séculos a tendência a crer que Maria
não morreu. Após o Concílio de Éfeso (431), que proclamou
solenemente a Maternidade Divina, foi aflorando no povo cristão a
noção de que Maria não esteve sujeita à deterioração que a morte
inflige ao comum dos mortais, portadores de pecado.

3- Que celebrava a Liturgia no Oriente e no Ocidente com referência ao


fim terrestre de Maria?
 No século VI teve início, entre os cristãos orientais, a celebração
litúrgica do Trânsito ou da Dormição de Maria, fixada para o dia 15
de agosto de cada ano. O objeto dessa festa não era muito clara,
variava de região a região.
 Assim os coptas, seguindo o Patriarca monofisita de Alexandria
(+567), celebram duas festas: a da morte de Maria, a 16 de Janeiro, e a
da sua ressurreição gloriosa, a 9 de agosto. Algumas comunidades
coptas crêem, com os nestorianos, que o corpo de Maria é
conservado no paraíso.
 Os nestorianos celebram a morte de Maria em termos um tanto
folclóricos, pois têm a Virgem SS. Na conta de protetora dos

43
Curso de Mariologia
vinhedos. O corpo de Maria estaria conservado intato, à espera da
ressurreição dos mortos.
 Os sírios jacobitas celebram a 15 de agosto a morte de Maria, como a
dos Santos se falar de ressurreição ou de conservação do corpo da
Virgem SS.
 No Ocidente, a partir do século VII celebrava-se em Roma a festa da
Dormição de Maria, patrocinada pelo Papa S. Sérgio (687-701). De
Roma, a festa passou para a França e a Inglaterra no século seguinte,
tomando o nome de “Assunção de Santa Maria”; este título sugeria a
ressurreição imediata da Virgem Santíssima e a sua glorificação na
bem-aventurança celeste. Digno de nota é o Liber de Assumptione
Beatae Mariae Virginis, falsamente atribuído a S. Agostinho: censura
as hesitações de seus contemporâneos no tocante à Assunção da SS.
Virgem (século IX ao X); afirmava que, embora a glorificação celeste
de Maria não esteja explicitamente nas Escrituras, é uma verdade que
fé, esclarecida pela razão, pode atingir. Segundo o autor, Maria
morreu, mas após a morte seu corpo não sofreu deterioração no
sepulcro, porque : 1) era um corpo virginal 2) possuía a mesma carne
que o Filho de Maria e, por isto, devia ser honrado por esse Filho,
Ele, que como Deus, mandava que os filhos louvassem seus
genitores. Foi esta obra do Pseudo Agostinho que influiu
decisivamente na teologia medieval latina, tornando a doutrina da
Assunção geralmente aceita (S. Tomás julgava que o autor do livro
era realmente S. Agostinho).

4- Quais os argumentos aduzidos em prol da glorificação corporal de


Maria?
No Oriente os séculos VIII e IX ainda foram de incertezas. Mas ao lado
dos hesitantes houve teólogos que afirmavam a Assunção corporal de
Maria após a sua morte e ressurreição; tal forma S. Modesto de
Jerusalém (+634), S. Germano de Constantinopla (+733), S. André de
Creta (+740), S. João Damasceno (+749_), S. Teodoro Studita (+826), S.
Jorge de Nicomédia (+880). Todavia firmou-se a crença na Assunção
gloriosa, a tal ponto que o Imperador de Bizâncio Andronico II (1282-
1328) promulgou um decreto que consagrava o dia 15 de agosto como
festa solene da Assunção gloriosa de Maria.
Em nossos dias, os orientais ortodoxos professam, com unanimidade
moral sempre mais acentuada (apesar dos influxos protestantes), a
Assunção corporal de Maria como sendo objeto de antiga e piedosa
crença do povo cristão.

44
Curso de Mariologia
5- Como os antigos e medievais resolviam a questão da morte ou da
isenção de morte de Maria?
No Ocidente os grandes doutores medievais professaram a morte e a
ressurreição de Maria como prelúdio de sua exaltação corporal.
Enquanto não se tinha clara noção da Imaculada Conceição, os autores
latinos afirmavam que Maria morreu. Eis palavras de S. Tomás de
Aquino:
“A carne da virgem foi concebida em pecado original e, por isto,
contraiu tais deficiências”.
No século XVI, Lutero e os protestantes em geral, professando seguir a
penas a S. Escritura, negaram a Assunção de Maria. Todavia a teologia
católica respondeu-lhes decididamente, de sorte que no povo católico
não somente a fé não se abalou, mas se fortaleceu.

PARTE III: APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 20: A ASSUNÇÃO CORPORAL DE MARIA (II)

PERGUNTAS

1- Queira descrever sumariamente os antecedentes próximos da


definição da Assunção de Maria:
 Por ocasião do Concílio do Vaticano I (1870) quase duzentos Bispos
pediram ao Papa Pio IX a definição dogmática da Assunção de
Maria.
 Centenas de outras petições foram levadas à Santa Sé até Pio XII
(1939-1958). Este Pontífice solicitou então aos Padres jesuítas W.
Heinriche e R. De Moos que compilassem e publicassem esses textos;
sairam do prelo dois volumens em 1942, trazendo as aspirações de
820 Bispos residenciais, 656 Bispos titulares, milhares de presbíteros
e Religiosos e milhões de leigos. Esta manifestação, muito sensível,
levou Pio XII a consultar os Bispos da época a respeito da fé da
Igreja no tocante à Assunção.
 A 1º de maio de 1946 Pio XII escreveu a carta Deiparae Virginis a
todos os Bispos residenciais, perguntando-lhes se a Assunção de
Maria era tida pela Igreja como proposição de fé revelada e, em caso
positivo, se julgavam conveniente a respectiva definição.
 Dos Bispos residenciais chegaram à Santa Sé 1191 respostas, isto é,
94% do total esperado; Respostas positivas: 1169 ou seja 98,2%.
 Tendo assim chegado à convicção de que a Igreja inteira, sob a
direção do Espírito Santo, acreditava que a Assunção de Maria estava
45
Curso de Mariologia
contida no depósito da Revelação, Pio XII resolveu definir o dogma a
1º de novembro de 1950.
2- Que é que Pio XII definiu propriamente? Deixou aberta alguma
questão relacionada com o fim da vida terrestre de Maria?
Pio XII não quis dirimir a questão da morte ou da imortalidade corporal
de Maria. Por isto usou a fórmula bem ponderada: “terminado o curso
de sua vida terrestre”. Havia, sim, no século XIX forte corrente que
apregoava a hipótese de Maria não Ter morrido, pois isto decorreria da
sua absoluta isenção de pecado ou da sua Imaculada Conceição. Tal
hipótese, porém, não correspondia à Tradição da Igreja nem ao
ensinamento dos teólogos nem ao magistério ordinário da Igreja. Por
isto Pio XII não quis entrar na questão; referiu-se apenas à glorificação
celestial de Maria em corpo e alma, ficando a cada fiel a liberdade de
optar pela morte ou imortalidade corporal de Maria. Esta, em nossos
dias, encontra poucos defensores.

3- Maria morreu ou não?


A Possível morte de Maria: Não se considere a morte apenas como
ruptura ou algo de abominável. O cristão que associa a sua morte à
morte de Cristo (cf. Rm 6,5s), participa da expiação dos pecados do
mundo efetuada por Cristo. A morte se torna então a mais radical
renúncia ao pecado e a abertura para a vida plena. É uma plenitude que
Jesus transfigurou, pois dela fez o mais perfeito ato de entrega da
criatura ao Pai (cf. Lc 23,46); ela vem a ser o supremo ato de fé do
cristão. Disto se pode deduzir que Maria experimentou a morte; ela foi
remida por Cristo e deve Ter realizado, como os demais seres humanos,
esse supremo ato de fé e entrega que os homens redimidos fazem
quando passam pelo transe da morte. Quem afirma o “direito”, de
Maria, de não morrer, talvez só leve em conta o aspecto de pena e
castigo da morte, sem dar o devido valor à grandiosidade da morte do
cristão quando unida à morte de Cristo.
Pio XI, diz: “orando com assiduidade, fazemos que Maria seja nossa
cotidiana medianeira e nossa verdadeira advogada, a fim de que
possamos esperar de Ela que na hora de nossa morte, a qual é
semelhante à sua (pois Ela termino como terminamos nós, já que em
Ela não se deu a graça da criação, sino a graça da redenção, a que não
da a verdadeira e própria imortalidade.

4- Cite dois textos bíblicos apresentados por Pio XII para justificar a
definição da Assunção.

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Curso de Mariologia
a) Lc 1,28: Maria é Kecharitoméne, cheia de graça. Ora a glorificação
corporal de Maria, superando o poder da morte, é o coroamento da
plenitude de graça a pregoada pelo anjo Gabriel.
b) Ap 12,1: “Um sinal grandioso apareceu no céu: uma Mulher vestida
como o sol, tendo a Lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de
doze estrelas”. A mulher revestida de sol significa o povo de Deus
que gera o Messias e que tem a promessa da glória eterna; nesse
povo Maria brilha como figura primacial que dá à luz o Messias e é
gloriosa por graça de Deus.

5- Afinal qual é o embasamento teológico-bíblico de tal definição?


A Assunção de Maria não pode ser considerada como um fato isolado.
Está inserida no contexto da obra redentora realizada por Cristo através
da Igreja. Conscientes disto, procuremos pôr em relevo a conexão da
Assunção com as grandes verdades da fé católica.
 A Maternidade de Maria : Não foi apenas uma realidade biológica,
mas uma profunda participação na missão salvífica de seu Filho.
Toda mãe comunga, de algum modo, com as tarefas importantes de
seu filho. Por isto, dizem os teólogos, Maria, chamada a ser Mãe do
Messias, se entregou a tal tarefa, identificando-se, tanto quanto
possível, com os propósitos de seu Divino Filho. Esta identificação
fundamenta a comunhão de sortes entre Jesus e Maria não somente
no padecer sobre o Calvário, mas também na vitória sobre a morte;
Maria não foi vítima do império da morte no sepulcro, mas escapou
das garras da morte.
 A virgindade de Maria: fez que Jesus não tivesse um pai terrestre.
Donde se segue que tudo o que era humano em Jesus lhe vinha de
Maria; a carne de Jesus era a carne de Maria. Por conseguinte, se a
carne de Jesus havia ressuscitado, era conveniente que a carne de
Maria também fosse assim glorificada, acompanhando o Cristo
vitorioso.
 A graça santificante em Maria: A graça santificante, existente em
todo cristão fiel, é uma semente da bem-aventurança celeste ou uma
semente de ressurreição e de vida plena. A glorificação dos nossos
corpos, no fim dos tempos, não será algo de artificialmente
acrescentado à nossa realidade íntima: será o pleno desabrochamento
da semente da graça existente no cristão fiel peregrino. Em Maria SS.
Esse desabrochar foi antecipado; não esperou o fim dos tempos, mas
ocorreu logo após a caminhada terrestre.

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Curso de Mariologia
6- Mostre como a Assunção de Maria se relaciona coma vida da Igreja
peregrina.
Com relação à Igreja, Maria exaltada na glória celeste é protótipo; ela
representa desde já aquilo que tocará a cada cristão na consumação da
história; ela é em plenitude aquilo que esperamos ser um dia dentro dos
limites da nossa pobreza; ela desperta e aviva em nós a esperança, pois
põe em relevo nítido o que é seguir o Cristo passo a passo na terra até
provar o cálice da morte com Ele. É o Concílio do Vaticano II que nos
diz:
“A Mãe de Jesus, tal como está nos céus, já glorificada de corpo e alma,
é a imagem e o começo da Igreja como deverá ser consumada no tempo
futuro. Assim também brilha aqui na terra como sinal da esperança
segura e do conforto para o povo de Deus em peregrinação até que
chegue o Dia do Senhor”
PARTE III: APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 21: A MATERNIDADE ORANTE DE MARIA


PERGUNTAS
1- Como Se esboça o conceito de “mediação” no Antigo testamento?
Não há dúvida de que “só existe um Mediador entre Deus e os homens,
o homem Cristo Jesus, que se deu em resgate por todos” (1Tm 2,5).
Salva esta verdade, verificamos que desde o Antigo Testamento Deus
quis chamar homens e mulheres para levar a termo, como mediadores,
a salvação destinada a todo o povo. O título de mediador é
explicitamente aplicado por São Paulo a Moisés em Gl 3,19: “foi
mediador da Lei”, mas também mediador da saída do Egito, da Aliança,
e intercessor em favor do povo; cf. Ex 32,11s 31-34. Foram também
chamados a exercer um ministério de mediação: Abraão, que
intercedeu pelas cidades depravadas (cf. Gn 18,22-32); os levitas, que
ofereciam o sacrifício pelo povo e pediam para este a bênção do Senhor
(cf.. Nm 6,22-27); os profetas, portadores da Palavra de Deus e
intercessores em favor do povo (cf. 1Sm 7,7-12; 12,19-23; Am 7,1-6; Jr
15,1...).
2- Como os Cristãos podem ser mediadores de graças em favor dos
outros?
Assim também no Novo Testamento, os cristãos são chamados a
interceder uns pelos outros (cf 1Tm 2,1-4), a fim de que cheguem ao
conhecimento da verdade e se salvem; Deus quer salvar uns mediante
os outros. “uma alma que se eleva, eleva o mundo inteiro” (João Paulo

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Curso de Mariologia
II). Não têm valor as palavras de Caím, que perguntava se era guarda
do seu irmão, como quem se isenta de responsabilidade (cf. Gn 4,9).
Essa mediação, longe de negar ou diminuir a intervenção singular do
Filho de Deus, põe-na em evidência; é por efeito da mediação sacerdotal
e única de Cristo que o cristão pode fazer algo em prol do seu irmão. O
Senhor exerce sua mediação servindo-se daqueles que Ele livremente
quer associar à sua obra em favor dos homens.
3- Como Maria pode ser tida como Medianeira?
A função de intercessora, que cabe a todo cristão em prol dos seus
irmãos, toca Maria de modo especial, pois ela ocupa um lugar único na
Comunhão dos Santos; é a Mãe do Redentor e, por extensão, Mãe de
toda a humanidade, que Jesus lhe confiou pouco antes de morrer; cf. Jo
19,25-27. Como toda mãe na família desempenha uma função peculiar
Maria a desempenha na Igreja. O fundamento dessa função é a relação
de Maria com Jesus, relação que não se limita ao indivíduo Jesus Cristo
(pois este nunca existiu senão em função da humanidade pecadora),
mas de estende ao Cristo total (cabeça e membros do Corpo Místico,
Redentor remidos, Cristo e Igreja). É o Concílio Vaticano II que diz:
“um só é o nosso Mediador segundo as palavras do Apóstolo: Porque há
um só Deus, também há um só Mediador entre Deus e os homens, o homem
Cristo Jesus, que se entregou para a redenção de todos (1 Tm 2,5s). Todavia a
materna missão de Maria em favor dos homens de modo nenhum
obscurece ou diminui a mediação única de Cristo, mas até manifesta a
sua eficácia. Com efeito; todo o salutar influxo da Bem-aventurada
Virgem em favor dos homens... origina-se do divino beneplácito.
Decorre dos superabundantes méritos de Cristo, repousa na mediação
de Cristo; dela depende inteiramente e de tira a sua força. De modo
nenhum impede mas até favorece, a união imediata dos fiéis com
Cristo”.
Com outras palavras ainda: se durante a sua vida mortal Maria teve
como missão cuidar de Jesus, guiá-lo e orientá-lo, atualmente este
cuidado se volta, de maneira própria ao seu estado glorificado, em favor
do resto do Cristo total ou em favor dos membros do Corpo Místico de
Cristo que ainda peregrinam na terra. Por isto a Igreja a interpela como
intercessora ou como Maternidade orante e a contempla como a
imagem da consumação que esperamos alcançar.
4- Como o magistério da Igreja no século XX se posicionou diante da
teologia da Mediação universal de Maria?
Todavia o Concílio do Vaticano II não quis tomar posição, pois a
doutrina ainda apresentava pontos obscuros; ademais os padres

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Curso de Mariologia
conciliares e seus teólogos viam claramente que tanto o título de
“Medianeira de todas as graças” quanto o de “Co-redentora” eram
ambíguos e podiam suscitar mal-entendidos entre os fiéis católicos,
assim como distanciamento dos protestantes, que o Concílio queria
aproximar da Igreja Católica. A piedade mariana na primeira metade do
século XX tendia a exageros ou a afirmações pouco fundamentadas na
Escritura Sagrada e na Tradição.
Por ocasião da redação do capítulo VIII da Constituição Lumen
Gentium, referente a Maria, um dos pontos mais discutidos foi
precisamente o título de “Medianeira”. O Concílio, que não tencionava
definir proposições dogmáticas, acabou por não se pronunciar a
respeito de tal expressão. Serviu-se de expressões claras e já aceitas para
indicar o papel de Maria na Igreja: “maternidade espiritual, missão
maternal, intercessão”...
A teologia hoje recusa o uso do termo Medianeira (não porque seja
errôneo, mas porque passível de má interpretação), embora reconheça
que Maria foi associada à obra cooperadora da Redenção.
5- A função de Maria empalidece o papel de Cristo Salvador?
A Bem-aventurada Virgem Maria é invocada na Igreja sob os títulos de
Advogada, Auxiliadora, Protetora, Medianeira. Isto, porém, se entende
de tal modo que nada derrogue, nada acrescente à dignidade e eficácia
de Cristo, o único Mediador.
Com efeito; nenhuma criatura jamais pode ser colocada no mesmo
plano com o Verbo Encarnado e Redentor. Mas, como o sacerdócio de
Cristo é participado de vários modos seja pelos ministros, seja pelo
povo fiel, e como a indivisa bondade de Deus é realmente difundia nas
criaturas de maneiras diversas, assim também a única mediação do
Redentor não exclui, mas suscita nas criaturas uma variegada
cooperação, que participa de uma única fonte.
É de notar, neste texto, a afirmação de que “nenhuma criatura jamais
pode ser colocada no plano do Verbo Encarnado”. A função materna e
intercessora de Maria, portanto, não decorre de alguma insuficiência da
obra salvífica de Cristo, nem é algo de necessário por causa de alguma
pretensa limitação dos méritos de Cristo. Mas depende unicamente do
beneplácito do Senhor Deus, que quer elevar sua Mãe à qualidade de
especial mediadora (como de resto, em grau inferior são mediadoras as
outras criaturas por efeito do beneplácito divino).
PARTE III: APROFUNDAMENTO TEOLÓGICO

MÓDULO 22: A COOPERAÇÃO DE MARIA NA OBRA


REDENTORA
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Curso de Mariologia

PERGUNTAS
1- Como entender que Maria tenha sido associada a seu Filho na
Redenção do mundo?
 A Maternidade de Maria em relação a Jesus Redentor não foi
meramente biológica. Maria não foi mera espectadora da obra de
salvação do mundo, mas prestou a esta uma cooperação ativa.
 Em relação a seu Filho viandante na terra, Maria exerceu uma
colaboração ativa, não no sentido de haver concorrido diretamente
para obter-nos as graças da Redenção, como se fosse um segundo
princípio redentor ao lado de seu Filho, compartilhando com Ele a
salvação do mundo. Esta modalidade é excluída, para que fique
muito claro que só há um Redentor e Salvador; Maria é criatura
remida por Cristo. Mas, se Maria recebeu a missão de Mãe, coube-lhe
a função ativa em relação ao Filho peregrino entre os homens.
 Maria coopera atualmente, após a sua glorificação celeste, para a
aplicação dos frutos da Redenção aos homens na qualidade de
intercessora materna. Maria foi remida de modo excepcionalmente
fecundo não em proveito dela mesma apenas, mas a fim de
desempenhar uma função própria na aplicação da salvação.
 Toda a cooperação de Maria é subordinada a Cristo. Maria só tem
valor no plano do Pai por causa de Cristo. Nunca a veneraríamos se
não fosse em vista de Cristo; só conhecemos Maria através de Cristo.
Por isto pode-se formular a autêntica piedade mariana nos seguintes
termos: “o cristão deve procurar ser, para Maria, um outro Jesus”.
Isto quer dizer: o objetivo primeiro do cristão é configurar-se a
Cristo, o Primogênito entre muitos irmãos, como diz S. Paulo em Rm
8,29. Todavia, quanto mais o cristão se configura a Cristo, tanto mais
ele se deve saber filho de Maria, devotado a Maria como filho, à
semelhança do Irmão mais velho, que era todo Filho do Pai (como
Deus) e Filho de Maria (como homem). Com outras palavras: o
cristão chega a Maria através de Jesus e em função de Jesus; para o
cristão nada é anterior a Cristo. Estes dizeres, se de um lado relegam
a devoção a Maria para um plano subordinado a Cristo, de outro
lado, mostram que é, de certo modo, obrigatória; não é uma devoção
entre outras, a critério do fiel, mas é a Grande Devoção, que decorre
necessariamente do ser configurado a Cristo, que é o ser de todo
cristão.
2- Que dizer do título “Co-Redentora”? Pode ser aplicada a Maria?
No século X aproximadamente entrou em uso o termo Redemptrix
(Redentora) aplicado a Maria SS.. O vocábulo era impreciso e ambíguo.
51
Curso de Mariologia
Por isto a partir do século XV (a quanto parece) os teólogos preferiram
dizer “Co-Redentora”, título este que se foi propagando, embora tenha
provocado hesitação e contestação da parte de bons autores,
principalmente nos últimos tempos.
Nenhum documento de índole magisterial na Igreja usou a palavra Co-
Redentora até nossos dias. Ela aparece, porém, em textos de
importância subalterna, provavelmente por influxo de determinadas
correntes teológicas.
O Papa Pio XI usou tal título na oração de encerramento do ano da
Redenção em 1933, assim como em três discursos dirigidos a grupos
deferentes nos anos de 1933, 1934 e 1935.

3- Pode-se falar de “um parto doloroso mediante a qual Maria se


tornou a Mãe dos homens”?
O seguimento de Jesus até a Cruz. Toda a missão de Jesus foi de
entrega ao Pai no cumprimento do plano salvífico que levaria à morte
de Cruz. Ora Maria compartilho, na qualidade de Mãe, essa entrega a
Deus Pai, sofrendo com Jesus. Mais uma vez o S. Padre João Paulo II
observa: “ A Virgem não sofreu em favor dela mesma, pois era a toda
formosa, a sempre imaculada; sofreu em favor de nós, como Mãe de
todos. Como Cristo carregou sobre si nossos sofrimentos e levou sobre
si as nossas dores (Is 53,4), assim também Ela sentiu o peso das dores
de parto de uma maternidade imensa, que nos regenera em Deus. O
sofrimento de Maria, nova Eva, ao lado de Cristo, o novo Adão foi e é o
caminho real da reconciliação do mundo.”
4- Queira comentar a atitude de Maria nas Bodas de Caná.
Nas Bodas de Caná (Jo 2,1-12) Maria concitou os servidores a fazer tudo
o que Jesus lhes mandasse (Jo 2,5). Esta ordem de Maria faz eco a
numerosas passagens do Antigo Testamento em que se diz ao povo de
Israel que faça tudo o que o Senhor lhe manda; este preceito ocorre por
ocasião da entrega da Lei mediante Moisés como também quando se
trata de renovar a Aliança com o Senhor. Ver Ex 19,3-8; 24,3-7; Dt 5,27;Js
24,1-15; 2Rs 23,1-8; 1Mc 13,,2-9. Maria aparece, nas bodas de Caná, como
aquela que impele os homens a participar da obra de salvação do
Messias. O S. Padre João Paulo II o comenta: “ A mãe de Deus não
somente exprime e leva a termo a atitude do povo da Antiga Aliança; a
sua intervenção em Caná suscita também a fé dos discípulos. A fé de
Maria está na origem do sinal que Jesus realizou, e prepara os
discípulos para acolher a manifestação da sua gloria e crer nele. Por
conseguinte, ela assume um papel de guia no surto da comunidade de
fé que começa a se formar em torno de Jesus. Deste modo a vida de
52
Curso de Mariologia
Maria está claramente orientada para o serviço do Filho de Deus e de
sua missão.
5- Que significado tem a presença de Maria junto aos Apóstolos no dia
de Pentecostes?
A missão de Maria nos inícios da Igreja: O livro dos Atos dos Apóstolos
refere que Maria acompanhava os Apóstolos no Cenáculo, rezando com
eles na expectativa do Espírito Santo. Disto se depreende que, mesmo
após a Ascensão do Filho, Ela continuava presente na Igreja
prolongando sua missão de intercessora. O S. Padre o acentua em sua
homilia de 1º/01/1984:
“Sabemos que o caminho dessa missão de Maria, uma vez iniciado na
história da humanidade, permanece para sempre. Ele possibilita,
através da história da humanidade, a missão salvífica do Filho de Deus
– missão que se consuma na Cruz e na Ressurreição. E juntamente com
a missão do Filho permanece na história da humanidade a maternidade
salvífica da sua Mãe Maria de Nazaré”.
Paulo VI, por sua vez, lembra o papel de Maria orante, que acompanha
toda a historia da Igreja: “ Maria é a Virgem dada à oração... A última
passagem biográfica relativa a Maria no-la descreve orante: os
Apóstolos perseveravam concordes na oração juntamente com as
mulheres; entre elas, Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele (At 1,14).
Presença orante de Maria na Igreja nascente e na Igreja de todos os
tempos, porque Ela, assumida aos céus, não depôs a sua missão de
intercessão e de salvação”.
PARTE IV: A PIEDADE MARIANA

MÓDULO 23: APARIÇÕES


PERGUNTAS
1- Que é que a Igreja examina antes de se pronunciar sobre alguma
aparição particular?
 A Igreja crê na possibilidade de aparições do Senhor e de seus
Santos, pois a própria Escritura atesta a ocorrência de autênticas
aparições. Assim São Paulo, na estrada para Damasco, foi
impressionado por uma visão do Senhor, que o chamava à conversão
(cf. At 9,3-9); São Pedro teve uma visão antes de ir à casa do
centurião Cornélio (cf. At 10,9-11).
 Que toda autêntica aparição há de ser coerente com as linhas e o
espírito do Evangelho. Deve confirmar o que este ensina.

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Curso de Mariologia
 As muitas minúcias (quanto a datas, local, duração e tipo dos
fenômenos preditos) merecem reservas, pois não são habituais na
linguagem da Escritura Sagrada. O senhor Jesus mesmo recusou-se
mais de uma vez, a revelar a data da sua Segunda vinda e do fim dos
tempos; cf. Mc 13,32; At 1,7.
 Procura-se, antes do mais, as explicações ordinárias ou naturais
(físicas, Psicológicas ou parapsicológicas).
 É preciso levar em conta a fragilidade humana, sujeita a engano,
alucinações, sugestões coletivas.. Um senso crítico, que deve começar
por investigar aquilo de que realmente se trata, para depois procurar
a explicação adequada.

2- Pode a Igreja proclamar a autenticidade de alguma aparição?


O Papa Bento XIV (1740-1758) diz: “aprovação” da Igreja não é senão
uma permissão; atesta que os fenômenos alegados não estão em
desacordo com a fé, os costumes e a missão da Igreja. Não pedem
adesão de fé divina ou católica, mas podem suscitar fé humana,
fundamentada no testemunho fidedigno dos videntes ou na experiência
pessoal (conversão à fé, afervoramento...) de que aceita esse
testemunho.
A Igreja considera os frutos pastorais que decorrem de tais aparições:
muito fiéis se beneficiam peregrinando a tal ou tal lugar ou santuário; aí
se convertem, recuperam ou adquirem o hábito da prática sacramental,
da oração...Em consideração desses frutos, a Igreja deixa que a piedade
se desenvolva até haver razões de ordem doutrinária ou moral que
exijam algum pronunciamento.
A Igreja sabe que o Espírito Santo pode falar por vias extraordinárias,
de tal modo que não lhe é lícito extinguir o Espírito, com diz São Paulo
em 1Ts 5,19s.
3- Em que sentido a Igreja “aprova” alguma aparição?
Quando não incorrem em erro no tocante à fé ou à Moral, os fenômenos
extraordinários têm alto potencial evangelizador, que merece respeito e
não pode ser deixado de lado. Aos pastores compete, de um lado,
confirmar os irmãos na fé, e, de outro lado, ajudar os fiéis a superar a
demasiada credulidade, para que esta não venha a ser um fator de
descrédito da própria mensagem cristã.
4- Por que a Igreja é cautelosa quanto ao fenômeno das aparições?
 Todavia, antes de se pronunciar a respeito de alguma aparição, a
Igreja é cautelosa; manda examinar cada caso criteriosamente, pois

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Curso de Mariologia
sabe que muitas vezes os fiéis, com toda a boa fé, podem imaginar
estar vendo e ouvindo o que não passa de projeções de sua fantasia.
 A Igreja, de um lado, se sente responsável pela conservação incólume
da doutrina da fé, de acordo com o mandato de Jesus Cristo (cf. Mt
16,16-19; Lc 22,31s; Mt 28,18-20).
 O extraordinário deve ficar sendo sempre extraordinário. Não é a via
normal pela qual Deus guia os seus filhos; o normal é a via da fé..., fé
que se distingue de crendice, pois a fé supõe credenciais ou motivos
para crer; a fé não diz Sim a qualquer noticia de portento, mas
pergunta: por que deveria eu crer? Qual a autoridade de quem me
transmite a notícia? Em que se baseia? como fala?.

5- Qual o significado de uma aparição “aprovada” pela Igreja?


A aprovação (da aparição) não é mais do que a permissão de as
publicar, para instrução e utilidade dos fiéis, depois de maduro exame.
Pois estas revelações assim aprovadas, ainda que não se lhes dê nem
possa dar um assentimento de fé católica, devem contudo ser recebidas
com fé humana segundo as normas da prudência, que fazem de tais
revelações objeto provável e piedosamente aceitável.
PARTE IV: A PIEDADE MARIANA

MÓDULO 24: NOSSA SENHORA DE GUADALUPE


PERGUNTAS
1- Em que consiste a digitalização?
Consiste o procedimento em dividir a imagem em quadrículas
microscópicas até o ponto de, numa superfície de um milímetro
quadrado, caberem vinte e sete mil setecentos e setenta e oito ínfimos,
mínimos quadradinhos. Uma vez feito isto, cada mini-quadrícula pode
ser ampliada, multiplicando-se por dois mil, o que permite a observação
de pormenores impossíveis de serem captados a olho nu.
Sabemos que na córnea do olho humano se reflete o que a pessoa está
vendo no momento.
2- Que resultados se obtiveram quando foi digitalizada a imagem da
Virgem de Guadalupe?
Os pormenores que se observaram na íris da imagem guadalupana são:
um índio no ato de desdobrar sua tilma perante um franciscano; o
próprio franciscano,, que era o bispo, em cujo rosto se vê escorrer uma
lágrima, uma pessoa muito jovem, tendo a mão sobre a barba com ar de
consternação; um índio com o torso desnudo em atitude quase orante;

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Curso de Mariologia
uma mulher de cabelo crespo, provavelmente uma negra, serviçal do
Bispo; um varão, uma mulher e umas crianças com a cabeça meio-
raspada e mais outros Religiosos vestidos com hábito franciscano, isto
é... o mesmo episódio relatado em náhualt por um escritor indígena na
primeira metade do século XVI.
3- Indique os traços principais do caráter de Juan Diego?
• Juan Diego situa-se entre os mais humildes e modestos de quantos
foram considerados dignos do título de “santo”.
• A única nobreza que Juan possuía, foi a natural nobreza de alma.
• Juan levou uma vida tranqüila, como sempre fora a sua, e gastava o
tempo a rezar.
• Chamado o peregrino, porque andava sempre só e respirava a
mesma piedade e recolhimento que um religioso.
• Juan passava longas horas diariamente em oração e contemplação,
com o quê se lhe desenvolveram as potências da alma, iluminadas
por Deus.
• O caráter de Juan, por sua vez, era o de um homem honesto e devoto.
Recebia a Comunhão, com licença do bispo, três vezes na semana
• Era um homem obediente, , com inteligência natural indígena,
corajoso, serviçal, persistente, um verdadeiro convertido ao
cristianismo, e um homem com muita fé.
4- Por que o arcebispo, a princípio, não deu crédito a Juan Diego?
Disse que não podia proceder unicamente na base da narração de Juan
Diego e que era necessário receber um sinal para crer que a mensagem
vinha de Nossa Senhora. Perguntou-lhe então Juan Diego: Monsenhor,
que tipo de sinal pedis? Eu irei e o pedirei à Dama do Céu que me
envia.
Quando o bispo pede credenciais, a Juan Diego de parte de Nossa
Senhora ELA envia-lhe um ramo de rosas e a sua fotografia. Como
Maria gosta de rosas! Naturalmente, ela vai procurar o que há de mais
belo e fala com a linguagem dos que amam.
5- Por que Nossa Senhora terá aparecido a Juan Diego? Pense na
história posterior e atual do México.
Nossa Senhora apareceu a Juan Diego, e a aparição da Virgem a Juan
Diego pôde provocar um fato único na Historia, da conversão de todo
um povo e um continente. Supôs uma mudança no trato dos espanhóis
com os índios, ato que prejudicava seus interesses e a exploração
abusiva do povo indígena. Também provocou o vínculo de união mais
poderosa entre espanhóis e indígenas e na atualidade constitui o
vinculo de união mais importante entre os mexicanos.

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Curso de Mariologia
Maria apareceu a Juan Diego porque Ela quis afirmar a sua presença no
novo mundo desde o seu batismo como cristão, desde a sua introdução
à civilização cristã. Ela foi, na verdade, a Madrinha, a Fada-Madriha do
novo continente. Rainha e Mãe. Como tal quis se apresentar ao
hemisfério bravio que nascia para o Cristianismo, no início do século
XVI. Apressou-se em ser rainha, para assegurar o reinado do seu Filho
nessas paragens ignotas. Apressou-se em mostrar-se mãe, para que no
seu regaço se facilitasse o plano divino de Reunir sob a chefia de Cristo
todas as coisas. Ela se apresenta também como o nosso Modelo.

PARTE IV: A PIEDADE MARIANA

MÓDULO 25: NOSSA SENHORA DE LOURDES


PERGUNTAS
1- O milagre é simplesmente qualquer fato extraordinário? Que é
propriamente um milagre na concepção católica?
Propriamente é Grandes benefícios de ordem espiritual (religiosa) e de
ordem corporal. O primeiro – conversões, afervoramento, volta à prática
religiosa – são incontáveis, pois muitas vezes ocorrem de maneira muito
íntima. Quanto às curas de moléstias físicas, são cuidadosamente
investigadas pela Igreja.
2- Como são investigados os milagres apregoados em Lourdes?
O processo para a averiguação de curas compreende uma etapa médica
e outra canônica-teológica. A primeira desenvolve-se do seguinte modo:
a pessoa que se diz curada em Lourdes, dirige-se a uma Comissão
Médica – o Bureau des Constatations Médicales – com toda a
documentação respectiva; faz-se o registro devido e convida-se a pessoa
a voltar dentro de um ano com uma documentação mais completa
referente à doença, a fim de se examinar a persistência ou não da cura.
A Igreja não pede aos médicos que falem de milagre, mas solicita-lhes a
resposta a três perguntas: 1) Havia realmente uma doença grave? 2) A
cura foi completa, instantânea e insólita (não habitual)?; 3) Tal cura é
inexplicável pela ciência? Esta terceira indagação é a que mais embaraço
causa aos médicos, pois em nossos dias a medicina abre novos e novos
horizontes para tentar curar doenças incuráveis. – A perícia médica
compreende ainda a Associação Médica Internacional de Lourdes, uma
espécie de tribunal de apelação, constituída por vinte dos maiores
especialistas europeus, que se reúne em Paris e pode recorrer a
qualquer médico perito em determinada patologia.

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Curso de Mariologia
3- A declaração do Sr. Bispo de Tarbes em 1862 impõe-se à fé de todos
os católicos? Pode alguém não crer nas aparições de Lourdes?
A declaração do Sr. Bispo de Tarbes em 1862 NÃO se impõe à fé de
todos os católicos. Os católicos não estão obrigados a crer nas aparições
de Lourdes pois não são artigos de fé.
Verifica-se que, enquanto a Santa Sé não se pronuncia em contrário,
fica a critério de cada fiel optar pelo Sim ou pelo Não diante de um
fenômeno maravilhoso. Não há por que acusarem uns aos outros de
credulidade vã ou de incredulidade. Seja respeitada a liberdade de
opção de cada um.

PARTE IV: A PIEDADE MARIANA

MÓDULO 26: NOSSA SENHORA DE FÁTIMA


PERGUNTAS
1- Que diz a Igreja sobre o terceiro segredo de Fátima?
A terceira parte do segredo, devendo ficar lacrado até 1960, não foi
revelada naquele ano... isto deu ocasião a que numerosas conjeturas
fossem proposta pela imprensa para interpretar o “segredo”; as
previsões deste eram escabrosas e trágicas, baseadas na fantasia e no
gosto do sensacional.
Finalmente a 13 de maio de 2000 em Fátima foi parcialmente revelado o
terceiro segredo de Fátima, por ocasião da Beatificação dos pequenos
pastores Francisco e Jacinta. A 26 de junho de 2000 a Congregação para
a Doutrina da Fé, a pedido do Santo Padre, publicou um fascículo
portador de toda a documentação relativa ao terceiro segredo. Entre
outras coisas, apresenta o fac-símile dos manuscritos em que Lúcia
propõe o teor dos três segredos, fac-símile companhado de um
impresso correspondente. Segue-se a interpretação do terceiro segredo
elaborado pelo Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da mencionada
Congregação. Diversas considerações teológicas e notícias históricas
perfazem a íntegra do fascículo, que é precioso, pois comunica um
caráter de seriedade a toda uma temática que foi levada para o campo
da fantasia gratuita e do devaneio.
2- Há razões para crer que o fim do mundo está próximo?
Esta pergunta faz-me lembrar do CURSO BÍBLICO. A 1 e 2 Ts que têm
como tema central a Segunda vinda de Cristo, que as primeiras gerações
esperavam para breve. Sob o peso da perseguição, alguns cristãos se
entregavam ao roubo, à luxúria. Mais a população do império Romano
em geral aguardava uma catástrofe iminente, visto que o poder
58
Curso de Mariologia
imperial, sob Calígula e Cláudio, homens fracos, ia declinando. Tal
expectativa era alimentada por notícias de terremotos, aparecimento de
cometas, nascimentos de monstros entre os homens e os animais, aves
de rapina pousadas sobre o capitólio de Roma... Isto tudo corroborava
nos cristãos a expectativa, típica da Igreja nascente, de que Cristo
voltaria em breve para pôr fim à história.
 2Ts 2,1- 2 : Quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, e à nossa
reunião com ele, rogamo-vos, irmãos, que não percais tão depressa a
serenidade de espírito, e não vos perturbeis nem por Palavra profética
nem por carta que se diga vir de nós, como se o Dia do Senhor já estivesse
próximo.
 Mt 24,6 : Haveis de ouvir sobre guerras e rumores de guerras. Cuidado para
não vos alarmardes. É preciso que aconteçam, mas ainda não é o fim.
 Acho que o importante é viver a profundidade da vida em Deus,
com Deus e para Deus, sem preocupar-nos do dia que já passou e do
futuro que é incerto.
PARTE IV: A PIEDADE MARIANA

MÓDULO 27: A APARIÇÃO AO Pe. AFONSO RATISBONNE


PERGUNTAS

Queira reler o relato da conversão de Pe. Afonso Ratisbonne e pôr em


relevo os traços que caracterizam essa figura humana: fidelidade às
tradições da família, docilidade ao Espírito Santo, sinceridade.

Alphose Charles Tobie Ratisbonne nasceu a 1º de maio de 1814 em


Estrasburgo (França) como penúltimo filho de numerosa família
judaica.
Ele amava os prazeres; os negócios me impacientavam; o ar dos
escritórios me sufocava; eu pensava que estamos no mundo para
gozar...Não sonhava senão com festas e distrações e a elas me entregava
com paixão.
. Afonso resolveu empreender uma viagem a Nápoles e à ilha de Malta,
onde passaria o inverno de 1841 – 1842. Por engano providencial, em
vez de se dirigir à Agência de Viagens correspondente, foi procurar o
escritório de viagens para Roma. A esta cidade chegou aos 6 de janeiro
de 1842.
“vivi até a idade de 14 a 15 anos na religião hebraica, que me tinha sido
ensinada, e a partir desta data até os 23 anos aproximadamente, vivi
sem religião alguma e mesmo sem crer em Deus, embora segundo os
sentimentos da moral natural, especialmente de caridade e compaixão
59
Curso de Mariologia
que sentia em mim mesmo. Há cerca de cinco anos, comecei a me
aproximar de Deus e trabalhar pela moralização da juventude israelita,
tendo inscrito meu nome numa sociedade constituída para este fim. Há
um ano, celebrei meu noivado com uma jovem israelita chamada Flore
Ratisbonne, minha sobrinha, e, como se tratasse de uma pessoa
irrepreensível, senti-me inclinado mais fortemente para a religião
judaica, que ela professava. Entretanto as cerimônias da sinagoga não
produziam em mim nenhuma impressão e, pelo contrário, me
aborreciam. Eu sentia, cada vez mais, uma aversão real contra o
cristianismo, que considerava com idolatria, e esses sentimentos
aumentaram durante minha permanência em Nápoles”.
A permanência de Afonso em Roma excitou nele um preconceito contra
o Cristianismo.
Em Roma, janeiro de 1842, Afonso foi visitar um amigo católico, o
Barão Teodoro de Bussierre:
O Barão deu-lhe uma medalha e uma oração de Nossa Senhora.
Afonso foi convidado para dar um passeio em Roma na companhia de
Teodoro. Este, porém, lhe pediu autorização para parar brevemente na
igreja de Santo André delle Fratte, onde Teodoro tinha que se avistar
com um dos padres da paróquia.
“Eu lhe respondi que fizesse o necessário, porque eu o esperaria. Ao
andar pela igreja, eu me senti subitamente agitado e como que cercado
de um véu. A igreja se tornou obscura, exceto uma capela luminosa; eu
vi de pé, sobre o altar, viva, grande, majestosa, cheia de beleza e
misericórdia, a Santíssima Virgem Maria, como está representada na
medalha milagrosa da Imaculada Conceição.
A esta visão, caí de joelhos, no lugar em que me encontrava, tentei
várias vezes levantar os olhos para a Santíssima Virgem, mas seu fulgor
e o respeito me fizeram abaixá-los, sem me impedir, entretanto, de
sentir a evidência da aparição. Fixei os olhos sobre suas mãos e nelas
percebi a expressão do perdão e da misericórdia. Em presença da
Santíssima Virgem, embora Ela não me tinha dito uma única palavra,
compreendi o horror do estado em que me encontrava, a deformidade
do pecado, a beleza da religião católica.; numa palavra, compreendi
tudo.
Depois da aparição, fui instruído concisamente sobre o batismo e a
religião pelo Reverendo Padre de Villefort, da Companhia de Jesus.
PARTE IV: A PIEDADE MARIANA

MÓDULO 28: O PROTESTANTISMO E MARIA


PERGUNTAS
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Curso de Mariologia

1- Como se posicionaram os reformadores do século XVI diante da


veneração a Maria SS.?
“peçamos a Deus que nos faça compreender bem as palavras do
Magnificat...Oxalá Cristo nos conceda esta graça por intercessão de sua
Santa Mãe! Amém.”
Em relação à Imaculada Conceição, não é claro o pensamento de Lutero;
este não é sistemático em suas afirmações; não raro é influenciado pela
situação do momento e pela finalidade que tem em vista, chegando, por
isto, a proferir sentenças contraditórias. Lutero sustentou que o Filho de
Deus devia nascer de uma Virgem pura; em 1528, afirmou que a alma
humana de Maria, ao ser infundida no seu corpo, foi purificada da
culpa original. Mas em escritos posteriores, identifica a Virgem SS. Com
os demais seres humanos, que, para ele, são simultaneamente justos e
pecadores.
Como quer que seja, as referências de Lutero à Mãe de Deus
surpreendem opor sua freqüência e seu conteúdo – o que bem mostra
que, para ele, Maria não era assunto secundário. Em suma, podemos
observar com Nordhues Petri:
“As afirmações de Lutero permitem dizer que Maria poderia ocupar um
lugar importante também na piedade plasmada pelas exigências e pelos
princípios da Reforma, sem que por isto se deva renunciar àquilo que é
considerado essencial para a concepção evangélica da fé”.
2- Como evoluiu a história do protestantismo neste particular?
Não século XVIII particularmente, século do racionalismo iluminista, os
reformados deixaram de reconhecer a figura de Maria e de celebrar até
as festas marianas que têm fundamento bíblico (Anunciação, Visitação,
apresentação no templo...).
De outro lado, porém, o protestantismo alega quatro princípios, tidos
como fundamentais pare rejeitar a piedade mariana: somente a
Escritura, somente a graça, somente a fé, somente Deus.
3- Por que assim evoluiu?
O endurecimento da posição protestante, principalmente nos tempos
recentes, vem a ser, em grande parte, uma réplica à recente devoção a
Maria dentro do Catolicismo.
4- A colaboração de Maria na obra da Redenção é incompatível com o
princípio somente da graça?
Não é incompatível.

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Curso de Mariologia
Este princípio exclui os méritos do homem. Ora Maria é a criatura que,
por sua incondicional fidelidade ao Senhor, se torna a benemérita por
excelência. Este modo de falar católico “escandaliza” os protestantes.
5- Será incompatível a Mariologia com a fidelidade à Palavra de Deus?
Não é incompatível.
Este axioma exclui a Tradição oral, que é anterior à Escritura e a berçou.
Ora é pela Tradição oral que conhecemos a Imaculada Conceição e a
Assunção gloriosa de Maria, assim como a sua perpétua virgindade.
PARTE IV: A PIEDADE MARIANA

MÓDULO 29: O ROSÁRIO


PERGUNTAS
1- Como os antigos monges contavam suas orações?
O costume de rezar breves fórmulas de oração consecutivas e
numeradas mediante um artifício qualquer (contagem dos dedos, de
seixos, de ossinhos, de grãos...) constitui uma das expressões
espontâneas da religiosidade humana, independentemente do Credo
que alguém professe.
Entre os cristãos, tal hábito já estava em uso entre os eremitas e monges
do deserto (séc. IV/V): ávidos de manter sempre o espírito unido a
Deus em estado de oração, diziam centenas de breves preces
controladas por um sistema de calcular: sendo insuficiente para isso o
uso dos dedos das mãos, começaram a recorrer a seixos.
Paládio, historiador cristão do séc. V, refere que um eremita do séc. IV,
chamado Paulo, fez o propósito de recitar diariamente 300 orações
dispostas em determinada ordem; desejoso de não omitir alguma por
descuido, recolhia então 300 pedregulhos que ele guardava em seu
regaço e ia lançando fora, um por um, cada vez que rezava uma prece.
O mesmo historiador menciona dois outros ascetas, dos quais um
recitava 700 orações e o outro 100 por dia – o que faz crer que o costume
do eremita Paulo não devia ser caso isolado. Contudo o sistema dos
pedregulhos, por mais útil que fosse, não podia ser adotado em
quaisquer circunstâncias: seria impraticável, por exemplo, por parte de
monges que quisessem rezar coletivamente na igreja. Daí o recurso a
nova artifício: passou-se um fio ou cordel através dos grãos
previamente perfurados, fabricando-se assim pequenas correntes ou
colares.
2- Que é que se chama “Breviário dos Leigos”? Por que foi tomando o
lugar dos Salmos?

62
Curso de Mariologia
No fim do séc. X havia-se implantado entre os fiéis o costume de rezar a
oração do Senhor, o “Pai-nosso”, certo número de vezes consecutivas.
Tal praxe teve origem provavelmente nos mosteiros, onde muitos
cristãos professavam a vida monástica, sem porém, possuir grande
capacidade para o estudo; não estavam, por conseguinte, habituados a
seguir a oração comum e oficial da Igreja, que compreendia a recitação
dos salmos. Em conseqüência, para esses irmãos ditos “conversos” ou
“leigos”, os Superiores religiosos estipularam a recitação de certo
número de “pai-nosso” em substituição do Ofício Divino celebrado
solenemente no coro.
Também chamado “Saltério da Virgem Santíssima”, pois imitava as
séries de 150, 100 ou 50 Pai-Nosso, que faziam as vezes de saltério dos
irmãos conversos nos mosteiros. Assim se vê que os “Paternoster” e
posteriormente os “rosários” entraram na vida de piedade dos fiéis à
guisa de Breviário dos leigos, como o fito de entreter nos fiéis a estima
para com os salmos e a oração oficial da Igreja; o Rosário tem assim o
seu cunho de mentalidade e de inspiração bíblicas.
3- Como se formou a Ave-Maria, hoje usual entre os católicos?
Desenvolvia-se entre os fiéis um importante exercício de piedade, ou
seja, o costume de saudar em tom filial e alegre a Virgem Santíssima;
fazendo isto, os fiéis intencionavam evocar principalmente as alegrias
de Maria aqui na terra, em particular a alegria da Anunciação. Com este
fim, repetiam a saudação do anjo a Maria (“Ave, cheia de graça...Lc
1,28) acompanhada das palavras de Elizabete (“ bendita és tu entre as
mulheres, e bendito é o fruto de tuas entranhas”; Lc 1,42). A invocação
subseqüente “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós...” ainda não
estava em uso na Idade Média.
A princípio a Ave-Maria constava apenas das palavras do anjo Gabriel e
de Isabel (cf. Lc 1,28 e 42). Na Segunda metade do século XIII, talvez por
ordem do Papa Urbano IV, acrescentaram-se as palavras: restantes.
4- Qual o papel de S. Domingos de Gusmão na difusão do Rosário?
Está difundida uma narrativa que visa a explicar a origem do Rosário
em termos diferentes; haveria sido diretamente entregue, em visão, pela
Virgem Santíssima a S. Domingos quando este no séc. XII, em sua árdua
missão contra a heresia albigense, pedia o auxilio da Mãe de Deus, no
mosteiro de Prouille (onde S. Domingo instituira um centro de pregação
e o primeiro cenóbio dominicano feminino).
O primeiro a mencionar a aparição da Ssma Virgem a S. Domingo é o
religioso dominicano Alano da Rocha (1475), o qual, após referir a visão,
celebra S. Domingos como restaurador e arauto da prece do Rosário,

63
Curso de Mariologia
prece já usual nos tempos dos Apóstolos! O testemunho desse autor,
além de tardio, é por si pouco fidedigno; Alano julgava Ter sido ele
mesmo agraciado por visões que lhe haveriam mostrado toda a vida de
S. Domingos.
Papel de relevo na orientação geral da prática do Rosário coube, sem
dúvida, à benemérita Ordem de S. Domingos, à qual foi sempre muito
caro esse exercício de piedade: através de Irmandades do Rosário, assim
como por meio de pregações, escritos, devocionários etc.
5- Quando se formou definitivamente o Rosário hoje existente?
Foi finalmente um Papa dominicano, São Pio V (1566-1572), quem deu
ao Rosário a sua forma atual, determinando tanto o número de “Pai-
nosso” e “Ave-Maria” como o teor dos mistérios que o devem integrar.
O Santo Pontífice atribuiu à eficácia dessa prece a vitória naval de
Lepanto, que aos 7 de outubro de 1571 salvou de grande perigo a
Cristandade ocidental; em conseqüência, introduziu no calendário
litúrgico da Ordem da S. Domingos a festa do Rosário sob o nome de
festa “de Nossa Senhora da Vitória”. A solenidade foi, em 1716,
estendida à Igreja universal, tomando mais tarde o nome de festa “de
Nossa Senhora do Rosário”. A devoção foi de então por diante mais e
mais favorecida pelos Pontífices Romanos, merecendo especial relevo o
Papa Leão XIII, que determinou fosse o mês inteiro de outubro
dedicado, em todas as paróquias, à recitação do Rosário.
6- Como se deve rezar o Rosário?
 Rosário há de ser tido como expressão característica da natureza
humana colocada na presença de Deus.
 A palavra rosário significa “coroa de rosas”. O rosário é um modo
piedosíssimo de oração e prece a Deus, modo fácil ao alcance de
todos, que consiste em louvar a santíssima Virgem repetindo a
saudação angélica por 150 vezes.
 Todos os Papas recomendam oficialmente a recitação do rosário. O
rosário era formado por 15 mistérios, divididos em três partes,
chamadas “terços”. Como o rosário é muito longo, a maioria dos fiéis
reza a cada dia apenas um “terço”. Cada bloco do rosário(ou terço) é
composto cinco mistérios. Com a mudança anunciada dia 16 de
outubro, pelo Santo Padre João Paulo II, o rosário passa a Ter 20
mistério, ou seja, acrescenta-se uma Quarta parte à estrutura.
 Para recitar o rosário: 1)Reza-se o Credo; 2) Segue-se com Glória ao
Pai, três Ave-Maria e o Pai-Nosso; 3) Inicia-se a recitação dos
mistérios. Cada mistério é antecedido por um Pai-Nosso e

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Curso de Mariologia
acompanhado por uma meditação própria, 10 Ave-Maria, um glória
ao Pai e uma jaculatória.
7- Que dizer a quem julga que o Rosário repete inutilmente as mesmas
palavras?
O Rosário tem provocado reservas e objeções baseadas na índole
aparentemente mecânica desse tipo de oração: muitos o têm na conta de
exercício fadado ao automatismo e à rotina, apto a esterilizar a vida de
união com Deus mais do que a estimulá-la.
Não obstante, verifica-se que tanto os Santos como grandes sábios
cristãos muito estimaram o Rosário.
Não se pode formular um juízo adequado sobre tal prática, caso se
levasse em conta apenas a sua face externa. A repetição de preces vocais
pode realmente dar a impressão de que se mecaniza e materializa a
oração (a qual é essencialmente elevação da alma a Deus); pode assim
parecer incorrer na condenação que Jesus proferiu no Evangelho: “
Quando orardes, não multiplicareis as palavras, como fazem os pagãos,
os quais julgam que serão atendidos em vista da multidão de suas
palavras” (Mt 6,7). Neste texto, não há dúvida, o Senhor reprova a
concepção que faz coincidir oração com repetição de vocábulos, como se
o homem pudesse influir sobre a Divindade pelo aparato de sua
verbosidade.
Não é, porém, por efeito dessa mentalidade que se repetem as “Ave-
marias” na recitação do Rosário. Não; estas têm valor totalmente
subordinado; visam apenas criar uma atmosfera, um clima, dentro do
qual o espírito mis compassadamente se possa elevar a Deus; é a
contemplação interior, acompanhada de atos de amor, que constitui a
finalidade da repetição de fórmulas no Rosário. A oração vocal, no caso,
pode ser comparada ao corpo, ao passo que a contemplação faz as
vezes da alma do Rosário. Ora, assim como a alma humana, em
condições normais neste mundo, precisa da colaboração do corpo até
mesmo para exercer as suas funções mais sublimes assim também a
elevação da alma a Deus na oração precisa de um esteiro sensível, que,
no caso do Rosário, vem a ser a recitação das “Ave-Maria”; esta cria
como que um “espaço” espiritual dentro do qual a meditação e o afeto
se devem desenvolver; a monotonia das fórmulas é quebrada pelo
ritmo progressivo da meditação ou da contemplação. Assim o Rosário
põe em ação todas as potencialidades do homem, tanto as espirituais
como as corporais, para promover a união com Deus.
“Quanto estão longe do caminho da verdade aqueles que rejeitam esse
método de oração (o Rosário) qual fórmula fastidiosa e cantilena
monótona, conveniente apenas a crianças e mulheres simples!...A
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Curso de Mariologia
piedade se comporta à semelhança do amor: mesmo que repita sempre
as mesmas palavras, estas não exprimem sempre a mesma coisa; mas
algo de novo por elas se traduz, algo de novo inspirado por novos e
novos afetos do amor”.

PARTE IV: A PIEDADE MARIANA

MÓDULO 30: MARIA NA VIDA DO CRISTÃO


PERGUNTAS
1- Que é um Santo?
O Concílio do Vaticano II (1962-65) lembrou muito oportunamente que
há um chamado de Deus básico, dirigido a todos os homens, que é o
chamado à santidade ou à perfeição: “Todos os que crêem em Cristo, de
qualquer estado ou posição são chamados `plenitude da vida cristã e à
perfeição na caridade”(Constituição Lumem Gentium Nº 40). Disto se
segue que aqueles que chegam a tal meta, praticam virtudes em grau
heróico, (A herocidade das virtudes é a primeira coisa que a Igreja
investiga quando se trata de um processo de Beatificação
(=reconhecimento da santidade) ).são os grandes vultos da história;
chegaram à sua plena estatura; identificaram-se adequadamente ao seu
modelo, ao passo que quem se realiza como bom profissional em
determinada área (medicina, engenharia, advocacia...) ser realiza
parcialmente apenas, ao passo que o santo é uma personalidade
moralmente consumada.
Com outras palavras: a santidade dos heróis da fé não é mais do que
participação na santidade de Cristo. A santidade dos homens nada
acrescenta à santidade de Cristo. A santidade de Jesus mais a santidade
de Maria e a santidade de todo o Corpo Místico de
Cristo não resulta em santidade maior do que a de Cristo só. Todas as
graças que os homens recebem, derivam-se dele e são o espelho da
graça dele, sem aumentar a riqueza da graça da Cabeça.
2- Por que veneramos os Santos?
A resposta à pergunta anterior, explicam a veneração (não adoração)
prestada aos Santos na Igreja. Se a sociedade civil cultua com
homenagens seus grandes antepassados, o cristão cultua com profunda
reverência àqueles que conseguiram chegar ao auge da vocação cristã.
Cultuandoos, os fiéis não derrogam ao culto de adoração devido a Jesus
Cristo e a Deus Pai. (na unidade do Espírito Santo); todo Santo é mero
reflexo da Santidade de Cristo; é obra excelente da graça do Redentor;

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Curso de Mariologia
por isto quem cultua um Santo, cultua-o em função de Cristo, louvando
a Deus por quanto fez no seu Santo; o culto dos Santos é relativo a
Cristo e ao Pai.
3- Qual a diferença entre latria e dulia?
Latria: Adoração devida a Deus. Adoração.
Dulia: Culto prestado a os santos e a os anjos.
Latria se distingue de latria, adoração, reconhecimento da suprema
soberania, atitude que é devida a Deus só.
4- Como se situa Maria no conjunto dos Santos?
No séquito de Cristo, forma cultuados primeiramente os mártires como
aqueles que mais precisamente participaram da Paixão e Vitória dos
Senhor. Maria SS. É invocada como Mãe de Deus desde o fim do século
III na oração: “ a vós recorremos, Santa Mãe de Deus...”. Aos poucos se
compreendeu que também aqueles que não derramaram sangue em
morte violenta, mas se ofereceram diariamente ao Pai até o fim em grau
heróico, são expressões da vitória do Redentor.
No conjunto dos Santos, Maria ocupa um lugar único, pois foi chamada
a ser a Mãe do Redentor e Mãe dos homens. Disto se segue que a
veneração pelos cristãos dedicada a Maria difere da devoção aos demais
Santos, como S. Antônio ou S. Teresinha. A prova disto é que existem
verdades de fé (dogmas) concernentes a Maria, mas não os há em
relação aos outros Santos. Verdade é que esses três dogmas marianos
não são mais do que o eco de dogmas cristológico: O Filho de Deus quis
fazer-se homem; donde a Maternidade Divina. Para ser digno
habitáculo da Divindade, Maria nunca esteve sujeita ao pecado (donde
a Imaculada Conceição) nem à conseqüência do pecado que é a morte
(daí a Assunção Gloriosa). A eminência do culto a Maria foi expressa
pelo Concilio de Nicéia II em 787 mediante o termo hiperdoulía, ao
passo que os demais santos são cultuados em doulia (veneração).
5- É facultativa a devoção à Maria?
Deve-se dizer que a devoção a Maria não é facultativa, como é
facultativa devoção a São João Diego ou a São Estêvão.
A necessidade do culto de veneração a Maria se deduz do próprio
Cristocentrismo da piedade cristã. Com efeito; S. Paulo afirma que
“fomos predestinados a ser conformes à imagem do Filho, a fim de ser
Ele o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,29). Ora, quanto mais o
cristão se configura à imagem de Cristo ou quanto mais ele se identifica
com Cristo, tanto mais terá em seu íntimo os sentimentos de Cristo. Ora
Jesus era todo Filho do Pai (como Deus) e todo Filho de Maria (como
homem). Donde se segue que, quanto mais centrado em Cristo for o
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Curso de Mariologia
cristão, tanto mais deverá sentir-se filho de Maria. A devoção mariana,
portanto, está na lógica mesma do “ser um outro Cristo”, programa de
todo cristão. O cristão deve procurar tornar-se, para Maria, um outro
Jesus.

6- Quais as características de autêntica devoção a Maria?


Já que Maria exerce uma função privilegiada na história da salvação e
na dispensação da graça, a devoção do cristão deve refletir este aspecto
mariano da nossa Salvação: crer e esperar no Pai como Maria e com
Maria; amar e servir aos homens com Maria e como Maria, que se
entregou plenamente a Deus para colaborar na Salvação do mundo.
A genuína devoção a Maria implica a imitação de Maria, a servidora do
Senhor, fiel às exigências da fé e da caridade.

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