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REVISTA

Revista científica da Associação de defesa, promoção e acesso a Cultura e Educação Narrativa


da Imaginação, voltada à análise de experiências e pesquisas sobre role playing.

EDITORA-CHEFE RESPONSÁVEL
Bruna Fontana Frappa – Universidade Federal de Uberlândia

EQUIPE EXECUTIVA
Bruna Fontana Frappa - UFU
Ms. Rafael Correia Rocha - UDC
Arthur Barbosa de Oliveira - UEMS

CONSELHO CONSULTIVO
Pedro Gustavo Silva Ribeiro – UFU
Dr. Sergio Paulo Morais – UFU
Dr. Tulio Barbosa – UFU
Rafael Carneiro Vasques - UNESP Araraquara
Rafael Duarte Oliveira Venancio - USP
Carlos Eduardo Klimick Pereira – PUC Rio
Wagner Luiz Schmit - UEL
José Abilio Perez Junior - USP
Tadeu Rodrigues Iuama - UNISO

COLABORADORES EXTERNOS
Dra. Eliane Bettocchi Godinho – UFJF

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS A NOSSOS PADRINHOS E MADRINHAS


Wanderlei Corrêa dos Santos Júnior
https://www.padrim.com.br/MaisDados
R349 Revista Mais Dados – Ano 4, v. 1 (2017) -
Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação, 2015.

v. : il. ; 15 cm.
ISSN: 2358-1301.

1. Educação 2. Jogos 3. Role-playing game (RPG) I.


Título
CDD 794
CDU 79

ENTREVISTAS: Ms. Rafael Correia Rocha

TRANSCRIÇÕES: Bruna Fontana Frappa e Arthur Barbosa de Oliveira

REVISÃO: Bruna Fontana Frappa

DIAGRAMAÇÃO: Bruna Fontana Frappa

FORMATAÇÃO: Bruna Fontana Frappa

CAPA: Bruna Fontana Frappa

PERIODICIDADE: Anual

INDEXADORES: Sumários.org e Latinex

DISPONÍVEL EM: http://www.narrativadaimaginacao.org.br/home/revista

CORRESPONDÊNCIA

Narrativa da Imaginação

Rua Quintino bocaiúva, 2801 – B. Lagoinha - CEP 38400-544 – Uberlândia/MG

E-mail: editora@narrativadaimaginacao.org | ndieditora@gmail.com

MAIS DADOS é uma publicação virtual e impressa Narrativa da Imaginação.

Número editado pela mesma em novembro de 2017


APRESENTAÇÃO

Sejam muito bem-vindos, leitores e leitoras da MAIS DADOS


a mais uma edição da Revista!

Em nome de toda a Equipe Editorial da Narrativa da Imaginação, devo dizer que com muita
satisfação, orgulho (e doses de cansaço) entregamos outra desafiadora compilação de publicações,
que este ano recebe uma boa variedade de materiais (quase em todas as suas categorias!),
resultando na nossa maior edição até hoje, repleta de fontes valiosas para alimentar as discussões,
trabalhos e sede de pesquisa de todos que nos acompanham, em mais de 300 páginas.

Falando em categorias, experimentamos adicionar esse ano a sessão de Dissertações1, que


não publicávamos até então, que vocês poderão conferir em breve. No decorrer dessa aventura,
que durou meses de trabalho, as mais diversas side quests foram acontecendo: entrada e saída de
membros, infinitos ajustes de materiais, idas e vindas de e-mails, perdas e reencontro de arquivos
e por aí vai...

Porém, vitórias muito positivas surgiram, como a notícia de que a partir da sua próxima
Edição a MAIS DADOS será produzida em conjunto com o Laboratório Interdisciplinar de
Linguagens do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG, nos
agregando uma grande quantidade de pontos em apresentação visual e grandes novos parceiros!

Além disso, por meio da parceria com a empresa The Game Maker, os exemplares
impressos da revista poderão ser encomendados e enviados via correio para todo Brasil, revertendo
parte do valor para os projetos da ONG Narrativa da Imaginação. Será possível pedir, a partir de
2018, também as edições anteriores, então aproveite já para encomendar as suas!

Outra novidade é que entramos para a Plataforma Padrim, um site de financiamento


coletivo de iniciativas e projetos, onde qualquer um que deseje apoiar o nosso trabalho com a
doação de algum valor ainda recebe benefícios ou brindes em várias categorias. Ao final da
Revista, há uma página em que você pode conhecer mais sobre a proposta de desenvolvimento da
Revista e conhecer nossa página no Padrim. Lá estão também todos os nossos objetivos a longo
prazo com o financiamento!

1
Infelizmente, em relação a esse tópico, o presente exemplar da Revista foi lançado primeiramente com um erro,
em que um trabalho acadêmico foi publicado indevidamente. Por essa razão, ao final dessa edição os leitores
poderão encontrar uma Nota de Esclarecimento sobre o ocorrido, que já foi devidamente reparado.
Dessa forma, também objetivamos tornar nosso trabalho ainda mais robusto e sólido, em
cada detalhe, desde o planejamento até o número e relevância das publicações, sem falar inclusive
da caçada à tão sonhada nota Qualis (que continua)...

Afinal, se considerarmos a Narrativa da Imaginação enquanto ONG, é graças a essas


parcerias que crescemos pouco a pouco, em todos os anos desde nossa fundação, à medida que
muitas pessoas doaram seu tempo, recursos e habilidades nessa empreitada, deixando sua marca
em nossa história e em nossas amizades.

Por fim, ao mesmo tempo em que lhes dou as boas-vindas, também aproveito esse espaço
para agradecer por todas as pessoas que trabalharam conosco, por todos os aprendizados, por todas
as oportunidades de desenvolver habilidades novas e pela ampliação da consciência de que juntos
podemos alçar voos cada vez maiores em prol da divulgação de estudos, iniciativas, jogos e
pesquisas sobre RPG, Larp, Board e Card Games. Muito obrigada também aos nossos leitores,
conselheiros, autores, pesquisadores e simpatizantes, afinal e por vocês e através de vocês que esse
projeto segue acontecendo. Então, não esperemos mais...

Mergulhem fundo e boa degustação!

Bruna Fontana – Editora Chefe


MAPA DA EDIÇÃO

Entrevistas
7 Conhecendo o Jedai | com Paula Piccolo e Odair De Paula Junior
23 Falando sobre Larps, Bois e Artes | com Luiz Falcão
61 Interpretar & Aprender | com Thiago Azevedo
75 Um Recorte Histórico do Larp no Paraná | com Fernando Fiorin

Resenhas
108 Encontro marcado com o M.E.D.O. | Pedro Panhoca

Artigos
112 O Mito e o Roleplaying | Arthur Barbosa
127 O Efêmero e o Singular | Tadeu Iuama
139 O RPG como ferramenta de pesquisa científica | Pedro Ribeiro e Rafael Rocha
153 Criando um RPG para Revolução dos Bichos | Bruna Fontana

Traduções
180 Histórias de Origem | Alfredo Neto e Lucas Paulino
189 Os efeitos percebidos no desenvolvimento pessoal do RPG como lazer | Lucas Paulino e
Alfredo Neto

LARPS
223 CafundóS | Tadeu Iuama
229 Brasil 1759 | Rafael Carneiro Vasques

Dissertações
235 O uso da aventura solo (RPG) na formação de professores com foco na avaliação da
aprendizagem | Clodoaldo Barbosa Da Silva
ENTREVISTAS
CONHECENDO O JEDAI

Entrevistados | Paula Piccolo e Odair De Paula Junior


Referência Grupo Jedai | facebook.com/grupo.jedai - jedaijogos.wordpress.com
Entrevistador | Rafael Rocha
Transcrição | Bruna Fontana
Link da Entrevista | https://www.youtube.com/watch?v=krbJu__D72U&t=1547s

Rafael Rocha: Nós estamos agora na entrevista da Mais Dados 2017, fazendo uma investigação
para conhecer o Jedai, na verdade, “os jedais” que estão envolvidos aqui, a Paula e o Odair, para
entender um pouco do trabalho de vocês. Então, minha primeira pergunta seria: O que é o Jedai e
o que ele faz, de onde veio, para onde vai, o que é que ele come... Só fazer uma análise conceitual
do que é o Jedai.

Paula Piccolo: Olá, então... Jedai vem de “Jogos na Educação, Didática, Aprendizagem e
Inovação”. Nasceu de uma constatação da gente, ao comparar os jogos de tabuleiro modernos que
a gente jogava, com os jogos educativos, online, digitais ou analógicos, e [vimos que] era uma
diferença muito gritante! Então a gente fez um grupo de estudo independente, para ver o que é que
o jogo comercial tinha, que um jogo educativo não tinha. E aí a gente começou a trabalhar com os
jogos de criação própria e os jogos que a gente leva para as escolas, transformando em material
didático. Que é bastante diferente do jogo educativo convencional, bem mais divertido de verdade,
porque o jogo educativo não costuma nem ser divertido, só um pouco mais atraente do que a aula
expositiva do professor.

Rafael: Mesmo porque a maioria dos alunos, o que não for aula para eles já é uma vantagem
(risos). Como o foco de vocês, pelo menos até onde eu sei, envolve mais jogos de tabuleiro e jogos
de cartas, eu queria já pedir para vocês fazerem um diferencial para a gente entender o que faz essa
evolução do jogo de tabuleiro para o jogo de tabuleiro moderno. Porque a gente acaba estudando
que tem os jogos de guerra, os jogos de estratégia, os jogos de tabuleiro... E o que diferencia, por
exemplo, o Perfil, (que é uma coisa que me dói profundamente) para um jogo de tabuleiro
moderno?

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Odair Junior: Bom, o jogo de tabuleiro moderno tem mais mecânicas, não é tão dependente da
sorte como os outros, Banco Imobiliário, Jogo da Vida...

Paula: São mecânicas mais balanceadas no jogo, menos eliminação de jogadores, que é aquela
coisa que um jogador fica fora do jogo e o resto continua na partida, isso é inexistente no jogo de
tabuleiro moderno, diferentes estratégias e diferentes objetivos para conseguir pontuar, para chegar
ao final do jogo e ver quem ganhou. Diferente do jogo de tabuleiro da década de 80 e 90, que era
um só objetivo, que não dependia da rolagem de dados, de draft (embaralhar) de cartas, não
dependia muito das escolhas dos jogadores.

Odair: Das estratégias... O fator sorte é muito mais forte do que a estratégia do jogador.

Paula: O que é mais que tem em relação à mecânica... E o perfil Só aproveitando o gancho eu não
vejo muita diferença dele para uma chamada oral. Quando o professor fala: “fulaninho, você,
pergunta tal: Quem foi que descobriu não sei o quê...” É uma atividade que serve para revisar o
conteúdo, mas jogo mesmo ele não é porque você vai depender completamente da Sorte de cair
uma pergunta que você saiba a resposta e de você cair ali naquela casinha que te favoreça na
rolagem dos dados.

Paula: O que mais que tem de diferença...

Odair: Eu acho que é basicamente isso...

Paula: É isso...

Rafael: Eu acho interessante o seguinte... Por mais que exista toda uma pesquisa em torno dos
jogos de tabuleiro e qual é o impacto deles na educação, a gente não vê um estudo considerável
dentro da escola, que é onde basicamente esses jogos entrariam. Aí eu gostaria de saber como que
vocês têm esse diálogo com as escolas, porque vocês têm que lidar com três estruturas: tem que
lidar com a gestão da escola, tem que lidar com os professores e têm que lidar com os alunos. Então
como que vocês lidam se existe a relação da resistência e principalmente como vocês fazem essa
intervenção. A escola que busca o Jedai ou o Jedai que vai até a escola?

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Paula: O Jedai que vai até a escola. Com os alunos a gente trabalha habilidades socioemocionais,
competências do Século 21, então a gente leva oficinas de jogos e eles vão praticar a
cooperação, socialização, escuta, o que mais... É uma lista enorme, daqui a pouco eu pego ela
aí pra gente ver... São essas habilidades... Aos gestores e professores a gente ensina a dar oficina,
é uma formação para o professor aprender a usar esses jogos de tabuleiros modernos dentro da sala
de aula, não como revisão, mas como um exercício do livro didático ou aula introdutória de um
determinado conteúdo do livro. É a mesma coisa, só que com uma forma de entrega diferente, um
formato diferente.

Odair: Uma ferramenta...

Paula: Uma ferramenta... E aí a gente capacita [os professores] para poder usar os jogos em sala
de aula de uma maneira efetiva e que a gente tem visto que dá bastante resultado, né... E com a
gestão a gente tem que ter habilidade de convencer a gestão a contratar o Jedai para trabalhar
com os alunos, [mais do que] com os professores.

Odair: Jogo em sala de aula é muito parecido com filme em sala de aula, você não pode
simplesmente deixar o filme lá rolando e deixar os alunos soltos. Isso é simplesmente uma maneira
do professor ganhar tempo. Se o professor não utilizar o filme antes ou depois, debater com os
alunos sobre o conteúdo, É uma atividade perdida, o jogo também é a mesma coisa, se o professor
simplesmente deixa o jogo lá, e deixa os alunos jogarem livre, é um tempo de recreação na
aula, não algo pedagógico.

Rafael: Quanto tempo demora para formar essas pessoas para trabalhar com o perfil de
fundamental I, fundamental II e ensino médio. Como é que vocês fazem isso? Eu queria perguntar
qual é o perfil [do professor] que vocês veem nesses três momentos e como que é essa formação?
Vocês gastam quanto tempo para formar o professor e quais são as principais dificuldades do
professor nessa formação?

Paula: Uma oficina para um contato inicial do professor com esse mundo de card game, board
game e jogos de tabuleiro modernos tem 3 horas de duração. A gente joga e a gente debate no que
pode ser usado aquele jogo em sala de aula, o que ele pode ajudar a ensinar? Ou seja, o professor
levando aquele jogo para sala de aula, trabalhando com os alunos... No final da aula o que os
alunos vão ter aprendido?

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E tem a oficina maior, aí são 4 encontros de 3 a 4 horas, em que a gente joga e conhece os tipos
mais importantes de jogos: competição, cooperação, jogo de carta, party game, que são jogos
festivos, que são jogos para quem está começando e não tem uma familiaridade, os pesados, os
leves.

Ele [o professor] passa a conhecer um pouco disso para ele ter uma abertura de visão sobre o que
ele pode usar, as diversas mecânicas dos jogos, para ele se alimentar de um repertório e depois
poder usar em sala de aula. Você perguntou em cada ciclo né, o quê a gente faz. No fundamental
I os professores são mais abertos ao uso de jogos, muito embora eles conheçam o jogo da memória,
o Dominó com temáticas diferentes, ou seja, com figurinhas diferentes para associar aí invés dos
números; jogo de perguntas e respostas em formatos variados como trilha, anda uma casa,
responde, volta uma casa...

Odair: estoure a bexiga e responda...

Paula: É, coloca a pergunta dentro e todo mundo quer estourar o balão e responder...

Odair: E outras brincadeiras eles acham que são jogos: amarelinha, esconde-esconde, corre-cotia,
tem muitos professores de fundamental I que acham que isso é jogo.

Paula: E aí a gente mostra para eles que existem jogos de tabuleiros modernos e que, em geral,
eles são jogos para levar para sala de aula, mas não é tal e qual os que a gente compra da loja, das
editoras nacionais do país. No segundo ciclo do Ensino Fundamental, os professores relutam
bastante com o jogo, eles dizem que não têm tempo de aplicar jogos, como se o jogo tivesse que
ser aplicado no tempo extra.

Odair: Ou no contra turno.

Paula: No tempo ocioso ou contra turno... E nessas formações o que a gente observou do professor
de Fundamental 2... Tem menos engajamento dos professores, eles estão ali para dizer que estão...

Rafael: Eu imagino o tanto de conflitos que vocês devem ter, porque... só fazendo um
apontamento, não limitando... vários professores acabam visualizando o jogo, com o passar do
tempo, como algo só recreativo, e vocês estão apontando o jogo como uma predisposição à

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aprendizagem, o jogo como uma ferramenta educacional, ou existe algo além disso? É porque a
gente tá falando sobre a utilidade dos jogos...

Paula: Nas formações que a gente dá, a gente se limita a esse ponto...

Odair: O jogo como ferramenta pedagógica.

Paula: É... Agora, a gente encara o jogo como algo bem maior.

Rafael: Eu fico pensando o seguinte: o Jedai também faz o intermédio, por exemplo, a escola quer
comprar os jogos. O Jedai compra e revende ou faz indicações de quais são os jogos que podem ser
utilizados na escola naquele contexto? Porque me parece muito uma relação de consultoria para
escola, né?

Paula: Em geral a gente indica, mas não revende, a gente diz onde é que pode encontrar aquele
jogo, quais as variações que aquele jogo tem, é mais uma consultoria mesmo. A gente se prende
mais na parte metodológica, de como abordar o jogo em sala de aula, fazendo com que os alunos
aprendam alguma coisa.

Rafael: Dá uma impressão que vocês... [corta fala de Paula] perdão...

Paula: “Fazendo com que os alunos aprendem alguma coisa” eu falo genericamente porque a
gente capacita, por exemplo, o professor de filosofia a usar o jogo na matéria dele, o professor de
matemática a usar o jogo para ensinar a sua matéria... é só isso mesmo.

Rafael: É curioso pensar porque vem desse cenário fica parecendo um aspecto como uma
consultoria lúdica. Vocês já pararam para refletir sobre isso? Às vezes vocês são consultores de
ludicidade, em vários aspectos...

Paula: Sim!

Rafael: Eu Quero perguntar uma coisa que é o seguinte... um caso real. Quais foram as maiores
resistências que vocês tiveram dentro da escola para trabalhar com jogos? E quando eu falo isso
eu estou falando da nossa... [Odair fala] o quê?

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Odair: Que jogo é coisa de criança.

Rafael: Ok! A gente vai chegar lá, que esse é um ponto muito pesado (risos).

Paula: (risos).

Rafael: Porque a gente vai falar do nosso inimigo jurado, que é a tia, as “tias da educação”. E
entender quais são os argumentos, parâmetros, que geram resistência e, por favor, deem um
depoimento do que já travou o caminho de vocês dentro da escola por uma visão distorcida de
jogos.

Paula: Bom, primeiro um paradoxo que a gente encontra... As “tias da educação” falam “não, jogo
é coisa para criança, sabe? Os nossos alunos já são pouco maiorzinhos, eles não vão querer brincar,
como se fosse brincar de...”.

Odair: corre-cotia... (risos).

Paula: Lego...

Odair: Carrinho...

Paula: Alguma coisa assim... Ao mesmo tempo a gente leva o board game, ou leva uma
caixinha, como se fosse essa daqui [mostra a caixinha de jogo de cartas] e põe uma mesa para elas
verem o jogo em funcionamento, e em geral elas acham extremamente difícil...

Odair: Complexo né... Se elas não entendem, como que os alunos vão entender?

Paula: (risos). Poxa, mas não é coisa de criança, se a criança entende, então você vai ter que
entender também. Então fica assim, esse paradoxo. A outra coisa é achar que aquele jogo é um
passatempo e uma maneira de você fazer as crianças correrem menos pelo pátio durante o
intervalo, aí elas ficam sentadas jogando... Elas não perceberam ainda que é um material didático
com um potencial pedagógico riquíssimo!

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Rafael: Como se fosse uma válvula de escape?

Odair: Sim, uma válvula de escape. Você tem 15 minutos para acabar a aula e você não tem mais
nada para dar, aí você dá o jogo.

Rafael: Porque que vocês acreditam que existe esse empobrecimento dos professores? Porque a
licenciatura, em tese, ela tem que lidar com ferramentas, mas não faz isso na maioria das
instituições. Mas por que a gente tem essa construção de que o jogo na verdade não é importante
para o processo? O pessoal estuda tudo o que existe de ludicidade, de psicomotricidade, mas não
sabe o que é jogo. Onde foi que professor se perdeu nesse caminho?

Odair: Na verdade, isso os professores veem na formação como teoria, mas na prática o cara sai
da faculdade, vai dar aula e ele não tem uma bagagem de como dar aula. Ele vai buscar fazer como
ele teve aula... E como ele teve aula? Sem jogo, sem filme, sem nada extra. Só o quadro negro,
escrever no quadro negro, ditado... E isso vai ficando um círculo vicioso, o problema é a formação,
eu acho. A formação do professor não disponibiliza [algo sobre] como utilizar as ferramentas, só
fala: “existe, ponto”. Na hora que o professor vai aplicar, ele não sabe como aplicar, então ele vai
pegar o que ele sabe. E o que ele sabe é o [modelo] antigo. O único exemplo que ele teve dos
professores, ele teve do colégio, e os professores do colégio não utilizavam essas ferramentas, e
foi assim, ad eternum...

Rafael: Isso é uma Total falta de referência... Se a gente for pensar por esse campo.

Paula: Sim.

Rafael: Da mesma forma que quando o RPGista acaba caindo na aula [como professor], ele tem
um arsenal [de recursos] à parte para lidar. É cara... eu fico lembrando de algumas pesquisas que
eu estava olhando sobre como que a nossa experiência lúdica afeta nossa relação, principalmente
no processo de aprendizagem. Mas ok... vocês já pensaram em produzir em jogos, ou produzir um
material referencial, um livro, alguma coisa para fazer esses apontamentos?

Odair: Livro sim, jogo não. Jogo saem tantos por mês, tão diferentes, que realmente nós não temos
necessidade de a gente criar um jogo, é mais fácil adaptar.

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Paula: A gente se prende em tentar conhecer...

Odair: ...o máximo possível.

Paula: Isso, o máximo possível dos jogos, mas vamos supor... eu tenho um plano de trabalhar
jogo, de criar uma linha de jogos, entre aspas “educativos”, mas aí já entra na nossa concepção de
learning for fun, de “eu vou aprender, porque é divertido” ou “eu vou jogar, porque é divertido”,
e aí “opa, não percebi, mas eu aprendi um negócio aqui”. Você vai para o jogo porque você quer
aprender? Não, porque é divertido. É o jogo pelo jogo, mas tem um efeito colateral... Eu tenho
planos para lançar uma linha de jogos assim mais para frente.

Rafael: Muito bom! Eu acho muito interessante a abordagem que vocês fazem e tenho mais uma
pergunta especulativa: vocês têm alguma metodologia específica de adaptação em relação a
conteúdo e jogo, ou isso é uma questão das mecânicas?

Paula: Tem sim, é uma metodologia própria do Jedai, mas a gente usa um pouco de Bourdieu e
Perrenoud, de habilidades socioemocionais, a gente também usa Lynn Alves, Joao Mattar, Lino
de Macedo, Gautier, Tizuko Kishimoto e Rickson de design para a educação, que é você encarar
o jogo como material didático, tem bastante de design educacional. E nessa metodologia própria,
a gente leva muito em consideração a disposição dos alunos no espaço físico da sala de aula, para
que a gente não precise ter muitas cópias do mesmo jogo, aliás com uma cópia só já dá para
trabalhar com a sala inteira.

Rafael: Ok! Fazendo algumas perguntas mais amplas... Como que vocês veem o consumo do
board game e card game voltado à educação? Porque eu vejo muito no aspecto recreativo, as
pessoas jogam entre amigos e isso cresce cada vez mais, mas como que é isso na escola? Existe
algum dado sobre isso?

Paula: Geralmente as oficinas que o Jedai leva para os alunos são o primeiro contato deles com
este universo, e daí tem muitos pais de alunos que querem saber onde é que compra esse jogo que
ele [o aluno] não para de falar, ou quando a gente faz algum evento... Recentemente aqui em São
José dos Campos a gente foi num evento organizado por uma ONG que tem uma escola, e aí a
gente colocou mesa de jogos, passamos o dia jogando... Eles ainda não conhecem muito, mas eles
são super receptivos, os alunos né, já os professores são um pouco menos.

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Odair: É, enquanto os alunos estavam lá para se divertir, os pais estavam do lado observando os
filhos aprenderem e os professores passavam do lado ignorando tudo.

Paula: Os pais têm mais interesse no uso de jogos na educação do que os professores...

Odair: Vários pais vieram conversar com a gente sobre como utilizar o jogo, qual jogo, e os
professores... era um ou outro que parava para ver o que a gente estava fazendo.

Rafael: Nossa, eu estou falando... na minha mente isso já está virando uma profissão de
consultoria... [falha de som].

Odair: Refaz a pergunta, por favor?

Paula: Quebrou o som...

Rafael: Ah, sim. Na minha percepção isso cada vez mais está evoluindo para uma profissão
especializada, como uma consultoria lúdica mesmo...

Odair: Sim...

Rafael: [Algo que faça] uma análise, uma avaliação, uma questão mais profunda, e que deveria
inclusive ter um profissional na escola para isso. Estou só fazendo a sua observação porque a
escola não pensa em fazer esse investimento de “beleza, que jogos a gente pode trabalhar com as
faixas etárias próprias, não necessariamente no contra turno...”. Bom, vocês fazem trabalhos para
fora de São Paulo [estado], para fora de São José dos Campos, ou vocês só pegam cidades em
volta? Como que é o perfil? É algo mais expansivo?

Paula: Como nós somos mais “analógicos”, então a gente fica pela região mesmo, São José dos
Campos, São Paulo, Jacareí, Taubaté, região do Vale do Paranaíba, é aonde a gente concentra as
atividades, enfim tem que encher o carro de board games e levar...

Odair: Mas nada impede de...

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Rafael: Vocês vão precisar de uma carreta em breve!

Odair: Já, já, precisa... mas nada impede de fazer um curso à distância, uma palestra...

Paula: Está nos planos do Jedai, sim, levar essa capacitação também à distância, né...

Odair: Por vídeo conferência...

Paula: Mas por hora, como é tão desconhecido ainda esse universo para o educador, é interessante
que ele mexa mesmo...

Rafael: Que seja palpável...

Paula: É.

Odair: Tem muitos professores que veem o jogo como um trabalho extra, ele já tem que dar aula
do jeito normal, aí vem dois lá e fala “não, você tem você tem que fazer algo a mais”. Poxa, “algo
a mais é trabalho a mais”. Eu mesmo tinha professores na época que não queriam dar porque,
primeiro eles tinham assistir um... filme fora do horário de aula, num final de semana. Aí “final de
semana? Não, isso é trabalho, eu não ganho pra isso”. Muitos pensam no jogo do mesmo jeito.

Rafael: É, parece que o perfil que a gente vê [de opinião dos professores] tem uma falta de
coerência sobre os jogos, e também essa relação de achar que é sempre um trabalho extra e não
um facilitador. Porque o perfil que eu vejo no jogo é que ele é muito mais um facilitador do
processo de ensino e aprendizagem do que um trabalho extra. Se o professor sabe trabalhar
bem um jogo, ele na verdade economiza tempo!

Paula: Sim, exatamente.

Odair: Sim, mas o professor, muitos ainda têm essa mentalidade de “se eu não domino o
assunto, eu não posso usar. Então, se eu não dominar esses jogos que vocês estão falando, os meus
alunos vão saber mais do que eu. Isso não pode, eu tenho que ser o detentor do conhecimento e
repassar pro aluno, e não ser um mediador”.

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Paula: É mais ou menos a mesma relutância que acontece com o uso de tecnologia da informação e
comunicação na educação.

Odair: Exatamente.

Paula: Até um certo temor...

Odair: É, o meu aluno não pode saber mais do que eu...

Paula: Apesar de não ter nada que precise ligar na tomada, né? No board game, no card game ou
no RPG... Mas ainda assim, a coisa assusta tanto quanto.

Odair: É duro perceber que a pessoa é ignorante em algo.

Rafael: Talvez o professor esteja lidando com o medo da ignorância, porque toda a formação, todo
o processo da escola não prepara para que o docente tenha comunicação clara com os alunos, e
uma das coisas que eu debato também, é que eu não vejo a indústria pensando em produzir jogos
para lidar com 30 pessoas, é uma mecânica fora do padrão. Aí quando a gente coloca isso na sala
de aula e fala assim “olha, você vai trabalhar com 6 ao mesmo tempo, e só 6, ou só 7”. O professor
talvez também vê como algo que talvez não funcione. Eu acho que ele não vê no campo da
ferramenta. Bom, pessoal, estou mais refletindo sobre impactos na educação com os jogos e uma
questão importante: existe alguns jogos que vocês conhecem, que sejam voltados para
acessibilidade. Por exemplo, se existe um aluno com alguma deficiência, existe algum jogo que
vocês recomendariam, pensando no contexto da sala de aula?

Paula: Nós temos uma amiga com baixa visão, então a gente até que explora um pouquinho ela
(risos) para entender melhor quais contrastes e cores são visíveis, que tipos de estampa que se
misturam e viram uma coisa só e fica ruim para ela identificar, a figura de cima com a de baixo...
A gente achava que o fato de ser play test, e o play test ter bastante miniatura, seria mais fácil, mas
as cores mais chapadas, deu um contraste legal. A gente jogou Survival e deu certo né... deu pra
jogar bem. Quando eu falo que eu tenho uma ideia no Jedai para uma linha de jogos é nisso daí
que eu penso, trabalhar nas cores que auxiliam quem tem baixa visão... Agora, eu acho que o mais
acessível dos jogos é o RPG, para quem tem baixa visão, pois joga em pé de igualdade [com
quem não tem], isso é muito legal. O board game para os surdos precisa ter mais simbologia do

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que escrita, pois o surdo não costuma dominar muito a leitura e interpretação de língua portuguesa,
aquele que é fluente em libras, então quanto mais ícones e figuras que indicam as funções de cada
coisa no tabuleiro é melhor, mas eu fico muito inquieta, inconformada, quando esse pessoal
conversando comigo fala: “Ah é legal, eu vim aqui na sua casa, acho que é a primeira vez que eu
jogo. Porque na minha época não tinha jogo para quem não enxerga bem, pra quem não ouve
bem”. Porque assim... sei lá, eu acho que isso é porque eu não era mãe desse pessoal! Se não eu já
tinha dado um jeito de inventar alguma coisa! Assim, me deixa muito inconformada pensar que [a
pessoa] passou a infância e adolescência sem saber o que é um banco imobiliário, ainda que o
banco imobiliário não seja o melhor jogo, mas é um jogo legal, vai. Então quando eu adapto um
jogo eu penso nessas possibilidades, tem jogo que o layout dele facilita...

Odair: Mas o jogo não é pensado para esse tipo de público...

Paula: A maioria dos jogos...

Rafael: Ok pessoal, eu vou fazer uma pergunta de conclusão, porque eu gosto muito do trabalho
de vocês, eu acho vocês muito fantásticos no que fazem, pelo foco no board game... queria que
vocês retratassem a experiência mais enriquecedora é fantástica que vocês tiveram dentro da
escola, trabalhando jogos, e aquela mais complicada e que fez vocês repensaram algumas
posturas, que é basicamente quando vocês tiraram seu sucesso crítico na sala de aula e quando
vocês tiraram falha crítica na sala de aula.

Paula: Eu vou contar dois fatos. Um [deles] em uma oficina com alunos, em que eu já estava há
duas horas e meia com a turminha do fundamental 2, e aí o celular de um aluno tocou e, de
repente, todos lembraram que tinham um celular... e todo mundo foi ver aonde que eles tinham
deixado seu próprio celular... e foram ver se alguém tinha ligado... Então eles ficaram duas horas
e meia sem nem lembrar que existia celular eu fiquei muito feliz! Eles estavam focadíssimos no
jogo, eu tenho aqui uma lista de habilidades e coisas que eles estão trabalhando, cognitivas e não
cognitivas... E a dedicação deles foi super intensa! Com o restante dos professores eu dei uma
oficina de dois encontros para o pessoal do ensino médio, professores de ensino médio, e eu não
senti grande receptividade, achei que eles estavam ali cumprindo tabela, mais do que interessados
em jogar... Mas, mais ou menos depois do que...?

Odair: Um mês de aula...

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Paula: Mais ou menos um mês depois, esses professores me ligaram falando que eles tinham
criado uma disciplina eletiva do ensino médio e que por seis meses esses alunos jogariam board
game para trabalhar a história de vida deles e da solução dos problemas que eles têm no relato das
histórias de vida de cada um. E aí eles convidaram o Jedai, no final do semestre, para assistir a
exposição do resultado final desse projeto. Então são dois momentos que me deixaram sentindo
assim... que eu tô no caminho certo!

Rafael: Que coisa boa! Odair, lembra de histórias?

Odair: Na verdade eu tenho uma só que mexe mais com essa parte... Eu lembro quando eu estava
na faculdade, eu fui para uma ONG para dar uma aula de reforço de final de semana, para o pessoal
de mais baixa renda. Tudo bem que eu estava fazendo história e eu fui cair numa aula de
matemática, mas foi a primeira vez que eu fui dar aula e eu tinha três dias para montar a matéria,
alguma coisa... Como a sala era muito diferente, não dava para falar “olha, você vai dar aula de tal
matéria”, porque tinha aluno do sexto ano, do sétimo, do oitavo... Então eu fui dar um jogo, bem
simplesinho ainda, nem existia na época, na verdade... Eu sei que no final da aula todos os alunos,
assim, ninguém saiu da sala, ficaram até o final... e quando acabou dois deles vieram falar
comigo e disseram “Poxa professor, gostei muito! Primeira vez que eu aprendi isso certo... quanto
tempo o senhor dá aula?”. Eu olhei para o relógio... “ Faz 3 horas”.

Rafael: Essa é a coisa mais fantástica! Pessoal... vou fazer só um encerramento, porque eu
esqueci de fazer uma pergunta que é um diferencial total para todos nós... Eu esqueci de perguntar
o aspecto da formação de vocês para quem tá lendo entrevista, porque senão os caras vão falar “ah
sim, beleza os caras fazem isso, mas a partir de que parâmetro?”. Qual é a formação básica de
vocês? Ou quais são os seus conhecimentos referenciais para trabalhar com jogos? Eu falo muito
isso porque eu tento voltar para a parte acadêmica, não só pelo aspecto da revista, mas por que eu
vejo muita gente que faz um trabalho muito fora de foco, porque que ignora a academia. Eu acho
que a academia não tem que ser completamente ignorada, ela tem que trabalhar em conjunto. Então
minha pergunta pós final é essa.

Paula: Bom eu sou professora de inglês faz 20 anos. Minha primeira graduação foi em direito,
depois eu abandonei o direito, quando eu estava no final da opção da graduação em Letras. Tenho
algumas especializações na área de Direito e depois na área da Educação, principalmente com

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educação à distância, desenvolvimento de material didático, desenho instrucional e faço mestrado
em educação com o tema “Quem tem medo de jogos na educação”.

Odair: Bom, eu sou engenheiro de produção, depois eu fiz História, mas não terminei, também
tenho pós-graduação em Gestão da Educação à Distância, em breve fazendo Storyttling.

Rafael: Nossa, vocês têm uma comunicação entre exatas e humanas...

Paula: A gente também tem uma senhora coleção de jogos [move a câmera e indica um ármario
de jogos do chão ao teto]. Está dando para ver daí? Essa é uma partezinha... Tem mais ali. [Move
a câmera e indica outro armário]. E tem mais no outro cômodo.

Paula: (risos). Eles fazem parte da nossa biblioteca, que é uma ludoteca também.

Odair: Uhum.

Rafael: Na verdade vocês têm uma ludoteca com alguns livros.

Odair: Sim...

Paula: (risos).

Rafael: Eu acho que é melhor definição... E eu acho cada vez mais fantástico a ideia da gente
investir na ideia de ludoteca, pelo fato dela trazer tantas ferramentas de encontro para o ser
humano. Experiências mais ricas do que simplesmente reduzir a trabalhar com brinquedo, que é o
que normalmente a escola [fazer], vai jogar a criança para o brinquedo e... não! Ela tem que ter
essa experiência múltipla e expressiva da ludoteca, do espaço de encontro. Bom, eu agradeço
muitíssimo, nós vamos concluir nossa entrevista de hoje. Vocês têm alguma citação ou
apontamento a mais?

Paula: Eu queria só encerrar com um autor americano... aliás, canadense. Vou só pegar o nome
dele aqui... [procura em material impresso]. Ele é professor de Universidade no Canadá e é um dos
caras que está trabalhando com boardgame moderno. Acho que deve ser muito legal ser aluno
dele, ele deve dar “Lição de casa: jogar duas vezes com a mecânica tal e tal!”. Deixa eu ver se eu

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acho o nome do cara aqui... [procura] E ele trabalha principalmente com biblioteca, então ele fala
assim “só tem jogo de xadrez em biblioteca, eu trabalho levando boardgames moderno para as
bibliotecas”. Então eu quero achar o nome dele para a gente encerrar, [procura] espera aí que eu
vou achar... Está difícil, cadê o nome do homem?

Rafael: Não tenha medo, qualquer coisa a gente coloca em anexo...

Paula: Whatever... Ok, eu vou achar o cara aí, depois eu te passo. Não achei aqui porque
essa minha versão está sem a parte das referências, última tentativa vai... deixa eu ver se nessa
tradução tem [procura]. Ah, eu queria dizer que a gente fala das resistências dos professores, da
mentalidade e cultura do professor... Mas o professor mesmo, como eu falei, com P maiúsculo,
está super aberto e gosta de trabalhar essas novidades em sala de aula. Então assim, infelizmente
tem esse pessoal, das tias da educação, que não estão muito a fim de trabalhar...

Odair: É, o professor, como em qualquer profissão, tem os profissionais que estão ali para ganhar
dinheiro e sobreviver, e tem os profissionais que tem vocação. E quando você tem vocação
mesmo, você tem que tá aberto a novas ideias. Quando você está ali para sobreviver, você quer
fazer o feijão com arroz e não quer ter nenhum trabalho extra, qualquer profissão é assim. [para
Paula, que continua procurando] Depois a gente acha o nome dele...

Paula: não entendi. (risos).

Odair: Então fala um pouco mais sobre ele...

Paula: É, eu não vou achar agora...

Odair: Então fala sobre ele, só...

Paula: Então nós encerramos aqui... É Rocha, eu não vou achar agora.

Rafael: Tudo bem, você separa o trecho e a gente coloca no alto da entrevista.

Paula: Legal!

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Rafael: E ainda põe uma nota de rodapé “A Paula não achou na hora da entrevista”.

Paula: (risos) Então tá. Agora, quando a gente desligar eu acho em dois segundos também, né...

Rafael: Tranquilo. É muito importante a gente fazer esse estudo e ter os referenciais para trabalhar
com jogos, porque senão a gente reafirma o fato das pessoas colocar o jogo como algo sem
importância. A gente tem que mostrar o jogo como ciência, como ferramenta... as utilidades e
principalmente os potenciais que tem dentro do jogo.

Paula: Esse professor que eu acabei de citar, inclusive, ele tem um artigo muito legal que chama
“It’s not a Monopoly Anymore”, “Não é mais um Banco Imobiliário”. Ele prova o que o jogo de
tabuleiro moderno trouxe de novo e porque deixou aquele da década de 80 e 90 para trás. E vou
falar... tem pouca coisa nessa área, eu tenho lido bastante ele, mas... não sei o nome dele
[procurando]

Odair: É porque não é para você saber... deixa.

Paula: Então tá bom, então é isso aí (risos).

Rafael: Muitíssimo obrigado, nós reforçamos que na publicação vai sair esse trecho desse
autor. Muito obrigado mais uma vez por ter esse tempo à exposição. Porque só nós sabemos o
quanto nós tentamos fazer uma entrevista e finalmente saiu! Graças a Deus! Além disso, eu vou
aguardar artigos de vocês nas próximas edições. Ok?

Odair: Pode deixar!

Paula: Beleza, obrigada!

Rafael: Obrigadão! Até mais!

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FALANDO SOBRE LARPS, BOIS E ARTES

Entrevistado | Luiz Falcão


Referência Boi Voador | facebook.com/larpboivoador - www.boivoador.com.br
Referência NpLarp | facebook.com/nplarp - www.nplarp.com.br
Entrevistador | Rafael Rocha
Transcrição | Bruna Fontana
Link da Entrevista | https://www.youtube.com/watch?v=OjtS2porXGA

Rafael Rocha: Olá! Aqui é o Rafael Rocha, da Revista Mais Dados, fazendo a nossa entrevista
2017, dessa edição da Revista, conhecendo Luiz Falcão... o cara... um dos caras, uma das luzes do
Larp e referência, por favor conheçam (e joguem) com ele! E eu fiz uma sequência de perguntas
para fazer pra você, Falcão, pra gente entender, compreender, pensar sobre Larp pela perspectiva
brasileira, algumas noções regionais e até fora do Brasil.

Luiz Falcão: (sorri)

Rafael: O Larp, pelo menos na minha percepção, ele não é tão trabalhado e tão pesquisado dentro
da academia. O pessoal pesquisa o RPG mais ou menos, mas ir atrás do Larp já não, eu não vejo
tanto trabalho. E atualmente, nesta entrevista, eu pretendo te dar trabalho com as minhas
perguntas... A minha primeira pergunta é: o que é Larp e como você o conheceu? Cruze a sua
história com a história do Larp...

Luiz: Muito bem... a gente brinca né... eu e o Prado, o Prado é um parceiro aqui, muita gente que
me conhece, o conhece também, é meio difícil não conhecer um quando conhece o outro, né?
(risos)

Rafael: Sim.

Luiz: A gente brinca que a gente fala tanto, explica tanto o que é Larp, que a gente tem dúvida se
a gente se faz entender né... Eu vou recorrer à nossa fala aí... ensaiada. O Larp é ao mesmo tempo
um tipo de jogo e um tipo de arte, no caso, um tipo de arte participativa. Ele é ao mesmo tempo
um jogo e um tipo de arte né, o que significa dizer que ele é uma arte participativa, significa dizer
que não existe no Larp, nas artes participativas, diferença entre artista e expectador. Não existem

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esses dois lugares, quem participa da arte participativa, participa e pronto, não há distinção. Não
tem um artista e uma pessoa que vai ficar ali olhando pra ele. E o Larp é uma espécie dum jogo
nesse sentido né, porque para que ele ocorra as pessoas precisam interagir entre si, existem algumas
regras ou acordos que vão estruturar esta experiência e ele é um jogo de representação, a gente
costuma dizer.

Ele pode se parecer muito com o teatro ou com a performance, as pessoas no Larp elas representam
personagens, mas ao contrário do teatro e da performance, por ser uma arte participativa, não tem
expectador. Então quem vai até o Larp né, quem vai para participar de um Larp, vai pra representar
um personagem. Então é uma coisa meio doida, é uma coisa muito contemporânea, não é à toa que
o Larp ele se reconhece enquanto linguagem aí há cerca de 20 anos... e está em consonância com
os nossos tempos né... E apesar disso, apesar de ser uma coisa muito contemporânea, a gente pode
dizer que o Larp existe desde sempre, mas que ele se reconhece como uma linguagem artística
recentemente.

E como eu conheci o Larp? Como grande parte das pessoas conheceram... uma boa parte dos
leitores da Mais Dados provavelmente também conheceu dessa maneira, que foi através dos jogos
de RPG. Então eu conheci o RPG bastante moço, bastante novo né, meu irmão mais velho jogava...
Então ele começou a jogar, sei lá, com 12 anos, eu devia ter uns 9 e aí via ele jogando e conheci o
RPG, acabei jogando RPG também e virei leitor daquela revista que muita gente conhece, que é a
Dragão Brasil, que naquela época era impressa. E um dia teve uma matéria sobre Feiras Medievais
e Live Action, eu li aquilo e fiquei alucinado! Eu precisava conhecer, precisava experimentar o
que era né. Na época, quando eu li essa matéria eu já tinha 13 anos, aliás, tinha 12 e estava para
fazer 13 anos, era um jovem, jovenzinho, e a gente decidiu (eu e meus amigos) que a gente ia fazer
um Live Action no meu aniversário de 13 anos. E a gente fez.

É uma história que eu já contei muitas vezes, não é uma história da qual eu me orgulho muito,
apesar de ser uma história da qual eu me orgulho bastante né (risos). Então a gente fez as nossas
fantasias com papelão né, com caixa de papelão e sacos de lixo e a gente não era muito instruído
na época, a internet não era uma coisa muito difundida, ao invés de usar espadinhas de espuma a
gente usou cabos de vassoura. Eu até falei num podcast recentemente, eu tenho até hoje uma
cicatriz, então o Larp marca a minha vida desde quando eu o encontro, aos 13 anos.

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Mas mais pra frente né, a gente nem chamava de Larp nessa época, a gente chamava de Live, Live
Action (como muitos jogadores de RPG acabam chamando até hoje) e daí mais pra frente quando
eu tinha uns 14, 15, talvez 16 anos... eu e um amigo, esse amigo já jogava Live de Vampiro, a
gente resolveu fazer um Live Action continuado, mas aí num sistema que eu jogava, que era um
sistema nacional, que é o Trevas, Trevas RPG, teve sua edição mais célebre aí em 1999, mas é um
jogo de 95. E aí a gente fez umas 6 histórias desse Larp integradas e daí acabou indo por água
abaixo. Tipo, rolou né, rolou, desenvolveu uma história mas a gente perdeu o fôlego pra organizá-
lo. E muitas coisas nos incomodaram na forma do Live Action e nesse momento né, quando eu
tinha uns 15 anos e a gente fazia esse jogo, ele era muito derivado dos jogos de vampiro, dos Live
Action de vampiro que o pessoal conhece aqui no Brasil, Mind's Eye Theatre etc e tal. E esse
formato não nos agradou assim, a gente achava que não tirava o melhor daquilo que o Larp podia
ser, Live Action na época.

E no ano seguinte, isso foi em 2005, logo no início de 2006 eu vi uma divulgação de que a
Confraria das Ideias, que era um grupo com não sei quantos anos já fazendo Larp, estaria
realizando um curso para ensinar a fazer Live Action durante o ano de 2006. Eu me inscrevi nesse
curso e a partir daí eu comecei, não em 2006, mas em 2007, comecei a trabalhar com o Larp
propriamente dito e os próximos detalhes aí dessa história ficam para o resto da nossa conversa...

Rafael: Beleza... Você comentou um negócio que eu achei interessante, que você conheceu o Live
Action, não o Larp propriamente, por causa do RPG. E realmente, o RPG acaba apresentando
muitas vezes o “Live” mais propriamente do que o “Larp”. Parece que tem uma película entre o
Live de Vampiro e o Larp. Eu queria que você me explicasse, por favor, se existe alguma relação
histórica entre RPG e Larp, porque eu já vi pessoas falando que o Larp surgiu do RPG ou que o
RPG surgiu do Larp e eu não concordo muito com isso... E eu queria saber a sua percepção.

Luiz: Bom, primeiro você falou que existe uma película, que existiria uma película aí que você
falou que separa as duas coisas. Na verdade, na teoria dos conjuntos o Live Action de Vampiro tá
dentro de um grande grupo, um grupo maior que ele que é o Larp. Também é possível dizer, usando
a própria teoria dos conjuntos, que existe uma interseção aí, ou seja, que uma parte do Live Action
de Vampiro ele escapa do conjunto do Larp e encosta ali no conjunto do RPG, mas de fato se
existe essa interseção, é entre o RPG e o Larp e o Vampiro está li no meio né. O Live Action de
Vampiro, no meu entendimento, ele pode ter desdobramentos que escapam do Larp, mas a grosso
modo assim, na maneira simples de dizer, Live Action de Vampiro é Larp. O que não é verdade

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nesses comentários sobre Live Action de Vampiro e Larp é que o Larp é o Live Action de Vampiro.
Não, é o contrário né... o Live Action de Vampiro é um tipo de Larp. O Larp engloba outras formas
de Larp bastante diversas, algumas delas muito parecidas com Lives de Vampiro e outras muito
diferentes de um Larp de Vampiro né. Tanto quanto a história da pintura, ou história da
performance, ou mesmo na história do cinema, tem formas [de expressão] muito diferentes entre
si né, não só conteúdos que são abordados. Agora, sobre sua segunda colocação... [Rafael fala e
para] quer falar alguma coisa?

Rafael: Eu queria comentar justamente dessa linha histórica. A gente consegue perceber os
momentos em que o RPG e o Larp se encontram ou pelo menos se tocam. Eu queria saber sobre
essa relação...

Luiz: Sobre essa relação...

Rafael: Um dá origem ao outro?

Luiz: Ela é muito fascinante Rocha, ela [a relação] tem episódios que merecem menção. Primeiro,
a associação imediata e a ideia de que o Larp é uma modalidade, ou uma evolução do RPG, ou é
uma forma de jogar RPG, ela vem aqui no Brasil pelo menos, dos anos 90. O Larp ou Live Action,
conhecido dessa maneira, ele chega no Brasil, oficialmente né, em 94. Antes disso tem relatos já
de grupos que praticavam já em 92, e tanto os relatos de 92 quanto esse episódio que é histórico,
que é factual né, de 94, que foi a vinda do Mark Rein-Hagen e de uns outros camaradas da White
Wolf pra um evento em Curitiba. Se eu não me engano em Curitiba foi primeiro, depois foi em
São Paulo (posso estar confundindo), mas ele marcou o primeiro Live Action Oficial brasileiro né,
organizado pela Devir, num evento de RPG e logo depois disso, ou durante esse evento, durante a
época desse evento, o Brasil virou um verdadeiro fenômeno, que é toda cidade de interior que eu
já fui, ou que eu conheço alguém que morou, relata que naquela cidade de anterior tinha um grupo
de Live do Vampiro, de Live Action de Vampiro.

Rafael: Sempre teve! Pode ter morrido e pode ter nascido, mas sempre teve.

Luiz: E o normal é você falar “ah, quantas pessoas jogavam? Umas 50 pessoas”. Um grupo
pequeno é um grupo de 20 pessoas jogando e um grupo grande é um grupo de 300 pessoas, não é
história da carochinha assim né, tem fotos que você fala assim “puts cara, era verdade!”, todo

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mundo aí tava jogando Vampire. E isso no Brasil cara, é um fenômeno que precisa ser estudado,
inclusive fica a dica aí pra quem está procurando objeto de estudo, seja no TCC, iniciação
científica, no mestrado, no doutorado... Gente, pesquisem esse fenômeno que foi os Larps de
Vampiro no Brasil nos anos 90. Porque eu acho que não tem precedentes, nem na história
brasileira, nem na história do Larp no mundo assim. Eu sei de coisas bem radicais na Rússia, mas
eu acho que parecido com o Brasil, com essa história de todo cidade de interior ter um grupo de
Live de Vampiro, eu acho que isso não ocorreu.

Mas enfim, essa associação entre o RPG e o Larp, ela não existe só no Brasil, embora no Brasil
ela tenha essa característica, que eu acho que é uma característica de excepcionalidade, do
movimento do Live de Vampiro que aconteceu aqui. Nos anos 90 você falava assim “eu jogo
RPG” e tia da biblioteca lá falava assim “ah, aquele jogo que todo mundo se veste de preto e finge
que é Vampiro?”. Então houve uma grande confusão entre o que era Live Action e o que era RPG,
talvez a gente nem precise falar em confusão né. As coisas não estavam muito claras ainda e o
Live Action chega no Brasil nesse primeiro momento, ou pelo menos conhecido com esse nome
através dos jogos de RPG, então essa passagem de uma coisa para outra, no entendimento das
pessoas é natural né, não é nada para ser estranhado.

Agora, nos outros países também acontece isso né. Se já existia o Live Action... por exemplo nos
Estados Unidos, tem um texto, se não me engano é um mestrado, do Aaron Vanek... por que você
falou e a gente vai falar um pouco de Edularp, se eu não me engano hoje né? E o Aaron Vanek é
um dos nomes aí do Edularp, você já conversou com ele com certeza né. Ele tinha uma empresa
nos Estados Unidos que era a Seekers Unlimited e ele tem um texto, se não me engano é de 2009
(eu precisaria conferir), que chama “Mais legal do que você pensa” né “Cooler Than You Think”,
que ele fala sobre o Live Action, o Larp. Primeiro ele abomina o nome e depois ele conta que
muito antes desse nome “Live Action Role Playing” e do acrônimo Larp surgirem, ele já jogava
Live Games de histórias fantásticas e tal, isso não nasceu junto com os RPGs, segundo ele, isso
nasceu nos Fã Clubes.

Então tinha um fã clube de Star Trek e o Fã Clube de Star Trek fazia Live Games de Star Trek.
Então as pessoas já se vestiam como Trekers e montavam lá uma tripulação e jogavam jogos
narrativos, mimicry para Huizinga e Callois, representando personagens que podiam ser
personagens da série ou podiam ser personagens de outras tripulações, de outras naves do universo
ficcional da Enterprise e tal. Isso era comum nesses Fã Clubes de Ficção Científica, não só de Star

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Trek como em Fã Clubes de outras séries literárias, isso era comum desde os anos 70. E você pensa
assim que o Live Action de Vampire.... o Vampire é de quando? De 91? De 89? Alguma coisa
assim, início dos anos 90.

Rafael: Não... acho que ele acaba chegando em 94 no Brasil...

Luiz: Mas nos Estados Unidos? Primeira edição...

Rafael: 92, se eu não me engano...

Luiz: 92? Enfim. Se esses relatos do Vanek, que o Vanek coaduna e fala “não, é relal isso aqui”,
eles são dos anos 70 e as pessoas já faziam isso, não é o RPG, que surge nos anos 70 que inventa
ou inaugura o Live né, o Live Action, o Larp. Mas, de fato, o RPG ajuda a popularizá-lo. Talvez
porque o RPG tenha conseguido, diferentemente do Live Action, se transformar num produto. Ele
virou um livro, uma caixa de jogo e foi comercializado em larga escala, primeiro nos Estados
Unidos, depois no restante do mundo. Talvez por isso, por ter, não sei se por acidente, se por visão
comercial, se por ter uma forma mais fácil de se transformar em produto, talvez por isso o RPG
tenha espalhado um pouco essa imagem do que seria o Live Action.

Mas o Vanek é... eu cito esse texto do Vanek, que é o Cooler Than You Think como um dos
exemplos né. Recentemente, o pessoal do Larp nórdico, os pesquisadores americanos, eles
desenterraram uma revista, que agora eu não lembro se é a Life, ou se é a Time, eu acho que é a
Live, com uma matéria de 1946 (se eu não me engano) descrevendo uma atividade de
representação de personagens entre os alunos de uma instituição de nível superior. E tem
fotografias, tem discrições, tem tudo.

Você lê aquilo e é um Larp... E é de 1946. Então, onde que se encontram efetivamente o Larp e o
RPG? Eles se encontram nesse momento, muito provavelmente nos anos 90, é possível que sim
anteriormente a isso, mas eu acho um grande marco dos anos 90 quando os livros de RPG, não só
o Vampiro: A Máscara, mas o Call Of Cthulhu por exemplo, lança uma série de livros que é a
Cthulhu Lives, então quando alguns jogos comerciais de RPG começam a circular essa ideia e esse
conceito do que vem a ser o Larp. O Trevas de 1999 aqui no Brasil, também tinha um capítulo
destinado ao Live Action. Mas na pesquisa acadêmica, histórica mais apurada, mais aprofundada,

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é muito claro pra quem se interessa em pesquisar, que a forma do Larp ela existe mesmo antes dos
jogos de RPG.

Mas enfim, esse cruzamento com os jogos de RPG talvez tenha sido responsável por criar um
grande número de comunidades, que jogam, que jogaram e que fomentaram e que pensaram e que
discutiram e produziram Larp e também emprestar esse nome né. Larp. Porque é que a gente chama
de Larp e não de qualquer outra coisa? A gente... eu sou da turma que quer transformar e que quer
usar, passar a usar o Larp como substantivo e não mais como um acrônimo. Mas o “LARP” é o
acrônimo de Live Action Role Playing. Se nós vencermos aí a nossa empreitada, nós chegarmos
ao final da nossa empreitada e o Larp passar a ser usado efetivamente como um substantivo, fica
aí o registro como foi com Ovni, que é um substantivo que deriva de um acrônimo; Radar, que é
um substantivo que deriva de um acrônimo e assim por diante. Então o RPG batiza né, ajuda a
batizar essa prática, que claro, ou melhor... que fica claro pra quem estuda que não deriva
diretamente do RPG mas tem relações intrínsecas. Pra além das relações históricas quem unem os
dois, existe uma relação formal.

Eu falei aqui no início da minha fala que o Larp é uma arte participativa, e o RPG é uma arte
participativa também. E eles ganham destaque na mídia, na cultura, mais ou menos na mesma
época, a partir dos anos 70... pode ter existido coisas anteriores, mas a data oficial de criação dos
RPGs é 74, e... bom, é difícil dizer de quando são os primeiros Larps que se tem notícia. Mas é no
final do século XX que essas duas formas de arte participativa começam a se consolidar e se
diversificar em forma. Então ao mesmo tempo em que você tem os movimentos, por exemplo, do
Larp nórdico, que você pode falar aí em 1999 como um momento talvez de nascimento dessa
identidade, talvez um pouco antes, acho que antes já, mas 99 tem um marco importante. É na
mesma época li que você começa a ter o THE FORGE, pessoas discutindo teoria dos jogos de
RPG e criando outras formas de jogar RPG. Então assim, são duas linguagens artísticas, o Larp é
dramático, o Larp é do corpo, a gente poderia relacioná-lo por exemplo ao teatro, e o RPG é da
linguagem verbal, especialmente né, evidentemente existem outros componentes do RPG, não é
só linguagem verbal, mas o principal componente é a linguagem verbal. E no Larp também
evidentemente existe linguagem verbal, uma coisa não exclui a outra. Mas a gente poderia dizer
assim que nas artes participativas, em relação às artes do expectador, o Larp está para o teatro
como o RPG está, por exemplo, para a literatura. Seria uma forma honesta assim, justa de comparar
essas...

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Rafael: Eu percebo que assim, ambos são jogos narrativos, mas cada um como a sua peculiaridade,
não diria que eles seriam irmãos ou primos, mas se a gente colocasse [em questão] o conjunto dos
jogos narrativos, os dois estariam inseridos. E eu acho que...

Luiz: Rocha, como profundo trabalhador do Larp, eu tenho um pouco de resistência em classificar
o Larp como jogo narrativo. Eu não me oponho a quem faz isso, mas eu acho que pra além da
questão da narrativa, ou da não narrativa, ou da narratividade, ou o que vem a ser narrativa e até
que ponto um jogo... porque que pac man não é jogo narrativo e tal... todas essas histórias... os
dois são jogos de representação né. Os dois são jogos de representação de papeis e também são
formas de arte colaborativa. Eu posso falar pra você meia dúzia de Larps que não tem narrativa. E
enfim, isso não desqualifica o comentário, mas pra me blindar dessas minúcias aí de termos e tal,
os dois são jogos de representação de papeis.

Rafael: É muito interessante que esses objetos de pesquisa, a gente pode lidar [com eles] como
jogos dramáticos, de representação, jogos narrativos, eu acho que tudo tem a ver com a delicadeza
de com que a gente está trabalhando.

Luiz: É. E eu acho relevante também Rocha, aí né ao aproximar o RPG e o Larp, a gente aproveitar
para distingui-los dos demais jogos. Porque que eu digo categoricamente que o RPG e o Larp eles
são formas de arte? E porque que ao dizer isso eu tomo o cuidado de dizer que eu não estou dizendo
isso sobre os board games, o mesmo sobre os jogos de origem, o mesmo sobre os videogames? Eu
acho que, não é que eles não sejam, mas eu acho que eles são... se são ou não... por motivos
diferentes. No RPG e no Larp você está lidando com uma criação de conteúdo artístico, como você
fala, narrativo ou dramático. Que não... e aí a discussão é outra. E u não estou dizendo que não é
né, dos videogames e tal, mas é isso. Essa comparação de que o Larp está para o teatro, assim
como o RPG está para a literatura, eu acredito um pouco nessa ideia de que o Larp e o RPG, eles
aprecem na cultura, eles tomam seu lugar na cultura contemporaneamente, porque eles são formas
contemporâneas.

A gente está voltando para uma situação, depois aí do século XX, da industrialização, de
reprodutibilidade técnica né... Os mercados estão se voltando inclusive né, então a cultura humana
está se voltando inclusive, para a coletividade. Para a construção coletiva de saberes, de fruições,
de arte... Então eu acho que esses, essas formas, o RPG e o Larp, que têm a ver com
espontaneidade, que tem a ver com as pessoas se reunirem fisicamente, ou não fisicamente né, mas

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quando você vai jogar por Hangouts e as pessoas estão ali reunidas criando estímulos. De uma
maneira que é muito diferente de um board game, em que você já tem um pré set definido, em que
as possibilidades de relação dos jogadores estão inscritas dentro do design do jogo né. E eu acho
que tanto o Larp quanto o RPG, eles têm um detalhe, que alguns board games ou card games
podem ter (não é negando o outro), mas é afirmando, enfatizando no RPG e no Larp. Eles têm uma
responsabilidade, uma responsabilização dos jogadores pela experiência (e aí vamos considerar
uma experiência artística) que eu acho que os distingue dos demais jogos. Ah, então todo jogo é
arte participativa? Não sei se todo jogo é, mas o RPG e o Larp têm essa vocação, eu acho que é
um ponto de distinção.

Rafael: Acho interessante... Eu vou misturar um pouco as perguntas pra seguir o nosso ritmo.
Você estava comentando sobre o RPG geral, produto, livro... mas como que o governo, o Estado,
o setor privado, enxergam o Larp nesse mundo capitalista geral? Ele é um produto, ele é um
serviço, ele é uma obra de arte a qual se pronuncia como teatro, como que é essa visão? Porque eu
achei bem delicado nesse ponto. Eu sei que você já teve momentos que você teve financiamento
pra Larp e como que foi esse diálogo com o poder público?

Luiz: Uau Rocha! Essa pergunta é barra pesada hein! Eu acho que a gente pode desdobrar ela mais
pra frente, de repente né. Mas para responder objetivamente essa questão, o Larp ele começa a ser
percebido né, pela cultura. O que eu falei do RPG em distinção com o Larp né, enquanto o RPG
se formata como um produto, pra ser vendido numa loja nos anos 70 e ele vai flexibilizando esse
modelo até hoje... Aí algumas pessoas vão discutir que existe uma certa crise, no início da internet,
da pirataria, da divulgação, da democratização da produção, você não precisa mais comprar, não
sei o que... Tem toda essa discussão e ele [o RPG] vai se reinventando né. Eu acho que o Larp está
também se reinventando nesse sentido. E ele está sendo descoberto né, de várias maneiras
diferentes, em vários lugares diferentes. Você falou do poder público, o poder público de cada
lugar lida de maneira diferente com o que vem a ser essa coisa. Agora, Larp enquanto manifestação
cultural né, é uma coisa que está se sedimentando, a gente tem, não sei, a realidade dos países
nórdicos, por exemplo, onde é... comparado com o Brasil, muito fácil você conseguir um
financiamento público, eles já fizeram muita coisa com financiamento público né, seja de União
Europeia, seja dos seus respectivos países, mas eles também têm o hábito de vender ingresso.

Rafael: Entendo...

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Luiz: E de... financiar não, mas viabilizar os Larps, tanto vendendo ingresso, como se fosse
ingresso pra uma viagem ou pra um parque de diversões, quanto rateando os custos, que é o que o
pessoal do Larp de Vampiro faz até hoje aqui, muito grupos veem assim “ah, quanto que a gente
vai gastar” e rateiam e cada um paga um pouco. Então são modelos que estão sendo
experimentados, acho que nenhum modelo aí é excludente ao outro, mas mais pra frente aí,
conforme a conversa avançar a gente pode falar de casos específicos.

Rafael: Eu acho muito interessante ver isso e até mesmo para ficar claro. Vou comentar contigo
uma coisa que acontece com o RPG e eu também quero ver sobre o Larp, que nos temos o livro
de RPG e o livro sobre RPG. Da mesma forma tem livro de Larp e sobre Larp? Como que é isso?

Luiz: Bom, essa é uma boa pergunta né, quando eu comecei o núcleo de pesquisa, o NpLarp, uma
das frentes que a gente foi investigar era isso: quais são as publicações que existem? E é rarefeito
né, não vou dizer que a gente chegou num... dá pra chegar, mas não vou dizer que a gente chegou
num entendimento definitivo. Mas uma coisa nos chamou muita atenção, nesse parentesco com o
RPG, a gente sabe, por exemplo, e foi lançado aqui no Brasil, o Mind's Eye Theatre, que é um
manual de regras do jogo Vampiro: A Máscara, que é um RPG, para ser jogado em formato Live
Action, em formato Larp. Eu não sei qual é a data de publicação original, agora de cabeça, do
Mind's Eye Theatre, mas é muito curioso né. Porque... eu não joguei o Mind... Aliás, já joguei?
Não, nunca joguei o Mind's Eye Theatre diretamente, mas aquele Larp de Trevas que a gente fez
em 2000 e alguma coisa, 2005 né, ele era um derivado das regras do Mind's Eye Theatre.

E o que fica claro pra quem está habituado a jogar Larp, e aí eu digo da posição de quem não está
habituado a jogar o Mind's Eye Theatre, mas outras formas de Larp, mas também posso indicar aí
outras pessoas que jogam outras formas de Larp mas também coadunam com essa visão, é que as
regras do Mind's Eye Theatre, que são adaptações das regras do RPG para o jogo de Larp não
funcionam muito bem. E você tem... e é um manual de regras. Então é isso, você vai inventar a
sua história e tem um grande manual de regras. Parece que o último manual de regras da linha do
Mind's Eye Theatre aí para Werewolf né, pra lobisomem, tem aí mais de 300 ou mais de 700
páginas. Sei que é uma coisa que você pega assim... um Larp grande, de grande repercussão, que
dura 3 dias dos países nórdicos, por exemplo o Mad About the Boy, diz que tem 20 páginas o
manual pra você jogar. Enfim... e o Mind's Eye Theatre tem 700 (risos). O que é que isso significa
na prática né?

32
Rafael: Eu percebo...

Luiz: É uma característica do Larp americano né? Tem um Larp lá que é o Dystopia Rising, que
parece também, é um Larp de campanha, que tem um mundo de jogo, que você pode entrar e sair
do mundo de jogo a qualquer momento, de história contínua... e parece que pra você começar a
jogar você tem que ler 100, 200, 300 páginas. E você fala... “nossa, a pessoa tem que querer muito
jogar pra ler tudo isso” e a gente fica se perguntando se tudo isso vai ser usado em jogo. No
momento que você está alí, num momento de tensão você vai lembrar que na página 46 descreve...
é uma loucura assim... Pra uma parte dos jogadores de Larp né, isso não faz o menor sentido.

Então eu estou falando disso porque? Pra falar um pouco do livro de Larp que se assemelha ao
livro de RPG. Então tem um livro básico, que não é o termo mais apropriado, mas é um livro do
qual você vai extrair o seu jogo. Então quando você lê 300 páginas de, sei lá, Vampiro: A Máscara,
não significa que você vai usar tudo que está naquelas 300 páginas, mas que dentro daquelas 300
páginas você vai escolher alguns elementos para elaborar você mesmo o seu jogo.

Essa estratégia da White Wolf que é até hoje uma estratégia derivada dos jogos de RPG, mas nesse
próprio mercado americano de RPG você tem o Cthulhu Lives né, que enfim, tem um manualzão
lá, com uma lombada representativa, pra ficar bonito na estante e tal, mas o Cthulhu Lives mesmo,
ele é muito parecidos com os esquemas de RPG de Call of Cthulhu, eles vendem a aventura pronta,
não só, vendem suplementos e adicionais, mas uma coisa que é interessante do Cthulhu é que eles
vendem muita aventura pronta e o Cthulhu Lives virou isso né, virou uma linha de publicação que
você comprava e vinha um Live pra você jogar.

Então vinha assim, “ah os personagens são esses, o que a organização precisa produzir é isso, o
monstro que aparece os produtores podem fazer desse jeito, usando esses materiais e esses
recursos...”. Então, é um modelo que se aproxima com o que veio lá da Europa por exemplo, que
é a formatação de um Larp para que seja aplicado por uma outra pessoa. Então você tem esse
primeiro momento do Live de Vampiro, que sai um livro com regras, com milhares de regras pra
você elaborar o seu jogo, e que na prática fazem com que você esteja jogando sempre o mesmo
Live, ou flexões de sempre o mesmo Live; você tem esse modelo do Cthulhu Lives, que cada livro
é um Live diferente né, é um Larp, uma sessão, uma história diferente e que te dá todos os
elementos pra essa história, então você não tem o que criar junto com os jogadores.

33
Teve um que saiu no Paragons uma vez, que era El... La... Não sei, era um espanhol falado por um
americano né, então era “La muerte de los chupacabras”, era um negócio assim. Que era um
cenário meio cômico para Call of Cthulhu, e eles até fizeram uma reportagem lá, hoje eu não sei
se existe mais o Paragons, mas ele exemplificava lá como que era organizado, você podia entrar
no site de quem estava organizando lá, tinha vários scripts que você podia organizar, era só
comprar o livro e você via “ah, a gente precisa de 15 jogadores, para representar esse, esse e esse
papel e tal.”.

E aí né, por outro lado, do outro lado do mundo, você tem um outro modelo de configuração do
Larp enquanto objeto né, do manual de jogo por assim dizer, que é o modelo nórdico e vai ter
enfim, mil desdobramentos. Quando a gente fala nórdico, às vezes a pessoa acha que é um
movimento e tal, não. Nórdico é um pedaço do mundo assim, e o que eles chamam de Larp nórdico
depende de com quem você está falando. Alguns pesquisadores vão dizer “ah, o Larp nórdico tem
essas, essas e essas características” e outros pesquisadores vão olhar “não, não é isso que é Larp
nórdico” e não interessa consolidar o que é né, interessa a provocação. E a gente vai falar mais
disso, mais adiante.

Mas a ideia, que é isso que eu falei do Mad About The Boy, por exemplo, que tem o manual, ou
seja, os organizadores do Larp transformaram o que é necessário pra fazer aquele Larp num texto
e, o que eu gosto muito, o que aquece meu coração em relação aos países nórdicos, que a gente
tem que refletir isso pra além do meu gosto pessoal ou da minha preferência e entender como que
isso impactou a cultura né, e a maioria desses manuais de Larp nórdico são disponibilizados
gratuitamente, alguns deles são deliberadamente disponibilizados, então você tem o Chamber
Games2, você tem o Nørwegian Style3, você tem os sites que tem apanhados de roteiros, manuais...
O pessoal lá nos países nórdicos chama de Larpscripts, porque ele não é um roteiro, ele é uma
coisa... um Larpscripts, uma palavra só. E você tem esses Larpscripts disponíveis pra quem quiser
fazer download e jogar, sem que você precise pagar uma taxa, sem que você precise pedir
autorização.

E foi assim, por exemplo, que o Boi Voador começou a fazer alguns Larps e experimentar formatos
que não existiam no Brasil, lá em 2011, porque se encontrou esses materiais publicamente na

2
https://chambergames.wordpress.com/
3
https://norwegianstyle.wordpress.com/

34
internet. E uma coisa que eu sempre também costumo destacar é que os países nórdicos, que é
onde grande parte desse movimento, que depois vai virar um movimento internacional né,
acontece, são quatro países em que cada um fala uma língua e aí alguém vai falar “não, não são
quatro, são mais”. O que jogam Larp, que tem essa cena do Larp são quatro, é a Finlândia, a Suécia,
a Noruega e a Dinamarca, são esses que são os países nórdicos quando a gente está falando em
LARP. E eles são e tal porque eles sediam eventos todos os anos, cada ano num país diferente. E
eles, cada um fala uma língua, e eles convencionaram comunicarem-se uns com os outros em
inglês, que é a segunda língua de todo mundo eu mora nesses países.

E quase que acidentalmente isso virou um movimento internacional, porque nós aqui do Brasil
conseguimos chegar no material deles que está em inglês, não conseguiríamos se estivesse em
finlandês ou se estivesse em dinamarquês. Eles dificilmente conseguem chegar no material que a
gente produz aqui no Brasil que está em português. Então isso foi logo nos anos 90 assim, eles
produzirem sobre as cenas e trocarem e colocarem na internet, disponibilizarem gratuitamente as
coisas que eles estavam fazendo em inglês, possibilitou que pessoas no mundo inteiro usufruíssem
e participassem de alguma maneira daquela cultura.

Então enfim, você tem esses dois momentos mercadológicos aí no Estados Unidos: os Larps de
Vampiro: A Máscara, Lobisomem e WOD da White Wolf, e o Chtullhu Lives, que é um modelo
diferente; e você tem nos países nórdicos, também nos anos 90 o início de uma cultura de fanzine,
em que o pessoal escrevia, trocava, iam jogar os Larps uns dos outros, muito meio que num
movimento de contra cultura, de improviso, de grupos pequenos fazendo e essa coisa cresceu, foi
se desenvolvendo e se tornou um grande movimento que hoje é um movimento internacional, que
fazem parte o Brasil, a Itália, a Palestina, a Nova Zelândia, e o escambau... Mas é interessante ver
esse modelo dos nórdicos de distribuírem gratuitamente, de organizar os eventos, de permitir que
qualquer um organize, é um coisa assim meio open culture, creative commons, não regrado, é um
outro modelo.

E pra não ficar só nessa polarização países nórdicos – Estados Unidos, aqui no Brasil a nossa
tradição envolveu muito pouco, a gente pode até dizer que não envolveu, o compartilhamento
desses resultados. Parte porque a gente tava preso na lógica dos jogos de RPG. Porque por
exemplo, eu comprei um livro... vou ilustrar [levanta para pegar um livro]... eu comprei um livro,
Shadowrun! [mostra o livro]. Shadowrun segunda edição. Aí eu li o meu livro, ele tem lá os
monstros, as classes, falei pros jogadores criarem os personagens, eu mestre preparei a minha

35
aventura, vou jogar com os meus jogadores e acabou. Alguns mestres aí ainda iam publicar na
internet, algumas aventuras saíam na Dragão Brasil, mas isso era um material de jogo, você leva
pra sua mesa, joga e acabou.

Não se criou uma cultura de compartilhamento, isso começa a nascer pra depois, bem depois da
virada de 99 para 2000, de maneira parecida um pouco até com os movimentos nórdicos, mas
muito centrado ainda na ideia de mercado, que foi uma ideia que, enfim, pelo que eu vejo da minha
pesquisa do Larp nórdico, nunca foi muito querida assim dos nórdicos, o mercado de livros, o
mercado de RPG, as pessoas quererem ganhar pra escrever... não. Os nórdicos queriam jogar Larp,
então eles organizavam os Larps e o que existia era isso, uma cultura de Larp e os materiais que
eram criados eles circulavam de uma maneira ou de outra nessa cultura, mas pra fazer os jogos
acontecerem. E o prato principal da coisa é o jogo e não o livro.

Aqui no Brasil a gente tem uma pouco uma... eu não vou falar... ninguém precisa comprar mas
uma inversão de valores, onde o jogar ele quer, sei lá, escrever um livro de RPG, ou ele quer ver
o jogo dele publicado, ou pior ainda... pior mesmo... to usando pra provocar, ele quer escrever um
livro de literatura sobre a campanha do grupo dele que jogou durante 10 anos. Então tem um fetiche
muito grande aqui com a coisa do mercado, de transformar em produto, que eu acho na minha
leitura que tem a ver com o modelo de consumo norte americano. Os norte americanos exportaram
pra cá esse modelo, nós consumimos e reproduzimos esse modelo. Então tem um certo fetiche no
produto. Nos países nórdicos isso não acontece.

Agora, você tem, embora ele seja mainstream4, o que acontece na maioria dos casos, você tem um
certo desenvolvimento da cena de Larp dentro dos eventos. Então beleza, tem essa cultura de jogar
com os amigos, de ser uma coisa doméstica né, “ah não, eu vou chamar o meu grupo de jogo, o
meu grupo de jogo vai jogar comigo” o que acontece ainda com muita gente, é como se fosse uma
conversa de bar, mas você tem os eventos de RPG, o Sampa RPG, o Encontro Nacional de RPG,
você tem eventos regionais, em Curitiba, no Rio de Janeiro, Fortaleza e tal, e esses eventos
começam a abrir espaço... começam não né, começaram já de partida, a abrir espaço pro Larp e
alguns criadores começam a criar jogo pra serem jogados só nesses eventos. Na antítese aí, num
exemplo diferente aí do que é o By Night nas cidades né, que é o Larp continuado de Vampiro.

Rafael: O By Night viralizou no Brasil, é ele que se encontra. Toda cidade tem um By Night!

4
“corrente principal”

36
Luiz: Até hoje....

Rafael: Sempre teve... em algum momento alguma cidade do Brasil teve um By Night, em algum
momento histórico ele se encontra.

Luiz: E esse é o nosso mainstream, mas pra além desse mainstream, teve uma efervescência nos
eventos, então a pessoa fala assim, “ah, não vou escrever...” quem vai jogar no evento é quem vai
no evento. As pessoas, se elas estão indo no evento, se eu vou encontrar elas no evento, porque os
jogadores regulares vão jogar no By Night e não sei o que, não sei o que lá. Vou aproveitar o
evento pra fazer uma coisa One Shot, uma coisa que começa e termina ali. E aí a gente tem (e é
muito triste que isso seja muito mal documentado) que ninguém pensou que o que estava fazendo
precisava ser documentado.

Você tem Larp de temas diversos, com início, meio e fim, com grupos que apareceram ali
espontaneamente e tem dois principais assim, que dá pra investigar, dá pra pesquisar porque são
grupos que ainda existem, que é a Megacorp, que por 10 anos fez o Larp de Carmen San Diego no
Encontro Nacional de RPG, que hoje já não é... o foco da Megacorp não é Larp, e a Confraria das
Ideias, que começa fazendo um pequeno evento na zona norte, que é o... não lembro o nome dele
agora, vocês vão me desculpar, mas que era na biblioteca Narbal Fontes, e que era um evento de
RPG, mas que o prato principal mesmo era o Larp que eles faziam à noite, para cerca de 30 pessoas.
Então eles eram jovens na época, na região da biblioteca, que tinham apoio lá dos funcionários da
biblioteca para realizar essas atividades e eles faziam dentro dos limites daquele contexto, faziam
superproduções, com recursos teatrais, de iluminação, cenografia... Então eles fizeram por vários
anos consecutivos eventos que terminavam com Larp né, e o evento era temático.

O primeiro Larp da Confraria da Ideias... que a Confraria das Ideias tem uma vida pregressa né,
tem um grupo que existe antes da Confraria, que vai dá origem a ele e que já fazia Larp, mas o
primeiro Larp que é o nominal né, o oficial, que é o Larp Tempos de Chumbo, foi um Larp feito
nesse contexto né. Então tinha toda a comunicação visual do evento né, os cartazes e tal eram
direcionados ali pra reflexão da ditadura militar, e no final você tinha um Larp que era de ditadura
militar. Ele não usava o Mind's Eye Theatre, ele não usava nenhum sistema de regras de RPG, ele
era estruturado pro Larp né. Agora, o que acontece até hoje, que difere dos países nórdicos né, é a
que a Confraria das Ideias nunca divulgou os Larpscripts dos Larps da Confraria das Ideias.

37
A gente vai ter uma aproximação desse modo dos nórdicos de fazer as coisas a partir de 2011, com
o NpLarp e o Boi Voador, mas mais do que isso, a partir de 2013, quando uma parte desse projeto
do Boi Voador e do NpLarp ela é realizada aí com uma série de fatores. Tem o LAB.JOGOS aqui
em São Paulo, que já foi tema até de entrevista da Mais Dados, e do LAB.JOGOS acho, pode ser
que seja precipitação minha mas é uma impressão que eu tenho, começam a surgir os primeiros
autores de Larpscripts no Brasil, que são o Jonny Garcia, o Tiago Campanário e o mais alucinado,
produtivo deles que é o Luiz Prado. E eu tenho aqui algumas coisas do Luiz Prado pra exemplificar,
talvez o primeiro...

Rafael: Antes de você mostrar os títulos, eu queria três esclarecimentos conceituais pra quem está
entrando em contato agora. Eu queria que você esclarecesse o que é exatamente a Confraria das
Ideias, o NpLarp e o Boi Voador. Porque eu sei que um surgiu que gerou o outro, que gerou o
outro... Eu quero entender o que são, pessoas num coletivo cultural, é uma associação, é uma
empresa? O que é?

Luiz: Bom, antes... eu anotei aqui, mas antes de responder eu vou só concluir a grande divagação
sobre os livros. Esse daqui [mostra o livro]5, ta vendo aí?

Rafael: UOW! Maravilhoso!

Luiz: É provavelmente o primeiro livro de Larp do Brasil né. Porque que eu digo isso, já teve
alguma coisa antes, algum manual e tal... mas porque ele foi lançado por uma editora, que é a Unza
RPG e foi disponibilizado em lojas para ser comercializado. No Rio de Janeiro na Red Box, em
São Paulo na Fan Box e em Porto Alegre na Lends Club. Ele foi enfim... o editor desse RPG entrou
em contato com o Luiz Prado e o publicou. Então daí, esse livro ele é vendido e tal, mas também
tem uma versão dele gratuita e você começa a ter os manuais.

O Jonny Garcia faz, o Tiago Campanário faz e o Luiz Prado faz, nem todos os jogos do Luiz Prado
estão disponíveis em manuais né, mas ele... muitos deles têm aí essa característica. Alguns são
distribuídos para quem participa do jogo né, como é o caso aqui do Letícia Freire [mostra o livro],
ele é distribuído para quem participa, o tal do primeiro jogo publicado que eu falei é o Ouça No

5
Ouça no Volume Máximo – Luiz Prado.

38
Volume Máximo, tem o Uma Tarde no Museu [mostra o livro], Se um viajante numa noite de
inverno [mostra o livro]. Acabei de mostrar todos que eu tenho.

Agora, sua pergunta, só pra gente encerrá-la, ela falava livros de Larp, livros com Larp ou livros
sobre Larp... e os países nórdicos têm uma outra tradição, além dessa difusão gratuita, voluntária
dos Larps, eles desde 97, eles fazem uma convenção, uma conferência na verdade, que é o
Knutepunkt, e desde 2003, se eu não me engano eles publicam um livro por ano sobre Larp, comas
pessoas discutindo, debatendo e tal. A gente ainda não tem no Brasil uma tradição de livros sobre
Larp, mas a gente já começa a ter uma tradição de textos, de publicações na internet, de espaços
pra discussão e pro debate. E aí... nós vamos para a próxima questão, beleza Rocha?

Rafael: Peraí... eu não escutei.

Luiz: (risos) qual parte?

Rafael: Nós vamos para...?

Luiz: ...a próxima questão.

Rafael: Antes da gente entrar na questão dos conceitos, eu queria que você esclarecesse como foi
a recepção do Ouça no Volume Máximo, olhando a caixinha, o produto. Porque foi distribuído,
beleza, agora... houve um feedback? O pessoal consumiu? Consumiu e jogou? Consumiu e deu de
presente? Teve um feedback sobre isso?

Luiz: É, teve, teve.... Teve coisas bem interessantes na verdade né. Ouça no Volume Máximo, ele
foi lançado por uma editora, mas não vamos nos enganar né. Não foi a Companhia das Letras, não
foi a Editora Veneta, não foi a Ediouro, e também não foi Red Box e não foi a Retropunk. Apesar
de ele ter sido lançado por uma editora eu acho justo nós dizermos que ele é uma publicação
independente. E como muitas publicações independentes, elas demoram a escoar, então não tem
gigantes da distribuição distribuindo esses materiais.

Mas isso é interessante, porque o colhimento do feedback ele é mais lento, mas justamente por
isso ele tem maior qualidade né. Então assim, eu não sou autor do Ouça no Volume Máximo, como
eu falei, é o Prado, eu fiz a diagramação e aí acaba acompanhando algumas coisas, por causa da

39
proximidade com o Prado, que a gente trabalha junto em diversas iniciativas, e também por causa
dessa minha participação na publicação do Ouça no Volume Máximo. Mas a gente teve resenhas,
a gente teve comentários espontâneos, a gente teve pessoas jogando... a gente não tem um controle
de quem compra, porque apesar dele ser independente, ele teve uma distribuição né. Então não é
tudo que sai da nossa mão né, da mão do Prado ou da minha mão ou da mão do próprio editor da
Unza... não. Ele foi pras lojas e ele está à disposição nessas lojas e, eventualmente, a gente descobre
alguém que fez né. E Ouça no Volume Máximo ele é um jogo que tem uma turnê né, tem uma
carreira, ele é um jogo que saiu de uma banda e ele já fez turnês internacionais.

A gente sabe que ele foi jogado... eu tinha até uma lista, mas ela já ficou meio esquecida na minha
cabeça, mas ele foi jogado em Portugal, ele foi jogado pelo Brasil inteiro, ele foi... enfim, algumas
pessoas que encontraram o jogo acharam ele fantástico e teve um pessoal lá de Porto Alegre
mesmo que gravou uma resenha em vídeo sobre o jogo. Então de tempos em tempos alguém
descobre o jogo e isso é interessante né. Parece que... não que isso não exista com jogo que estão
na internet, mas ele ter uma existência física, uma materialidade, leva ele a ser descoberto de outras
formas, que muitas vezes esses jogos que só existem no digital não são. Acho que esse é o principal
feedback que nós tivemos né. Ele continua sendo descoberto, como o guia que eu escrevi lá em
2011, segunda edição em 2013, o livro roxo6, ele continua sendo descoberto.

Rafael: Inclusive eu adoro esse livro!

Luiz: Cada ano mais duas ou três pessoas vem me procurar pra falar “olha, eu conheci o Larp
através do seu livro e tal”. E é um material de 2013. Então é interessante ver isso, como ele tem
uma existência física, ele está circulando também por outros espaços né, não só pela internet que
é onde geralmente as coisas circulam.

Rafael: Por isso que eu acredito que o registro e a publicação desses materiais são importantes
para a própria imortalidade deles.

Luiz: É, se tem uma coisa que o tal do Larp nórdico, ou melhor dizendo, a cultura nórdica de Larp
nos ensinou é isso cara, pra coisa ir para frente a gente precisa ter história, a gente precisa ter
registro. Os italianos, quando eles entraram efetivamente no movimento internacional e passaram
a dialogar com outros produtores em outros países... eles escreveram uma publicação, a exemplo

6
LIVE! Live Action Roleplaying - Um Guia Prático de Larp

40
aí do... um pouco na mimese do que é o Knutepunkt, eles têm um Larp simpósio na Itália e a
primeira publicação chama Larp Grafite, e chama Grafite em referência aos desenhos nas paredes,
mas os desenhos nas paredes feitos pelos homens das cavernas, chama Larp Grafite e a pré-história
do Larp né, porque? Porque a partir daquele momento os italianos passam a escrever sobre Larp,
antes daquele momento o Larp italiano vive a pré-história. Ele tem uma história que é antes do
registro, uma história que é antes da escrita. E é uma história rapaz, que é uma aventura de você
pesquisar e reconhecer, e o que é que nós não vimos né?

Eu posso contar vantagem aí brincando, sendo um pouco vaidoso, que a história do Larp começa
em 2011, com o NpLarp. Não é verdade, é claro né, mas tem um esforço grande do NpLarp pra
articular os atores da cena nacional, pra produzir registro né, pra serem acessados e consultados,
que antes não havia de maneira deliberada e organizada e deliberada né. E antes disso, pesquisar
qualquer coisa entes disso era... enfim, é algo que você faz também na revista Mais Dados, com
as entrevistas. Você entrevista as pessoas, que é pra gerar documentação sobre a história, sobre o
que aconteceu. E por que? Porque antes disso, quantas vezes nós não vemos as pessoas
reinventando a roda né. E quando a gente tem que fazer o exercício de começar do zero... todo
mundo que começa tem que começar do zero, aí a gente nunca vai chegar no 30, no 50, no 100,
no 200, porque a gente sempre começa do zero.

Aquela frase lá, muito querida pelos acadêmicos, “cheguei onde cheguei, fui alçado ao voo porque
estava sobre ombros de gigantes” essa frase não é balela, ela é verdadeira, porque a gente se
apropria do trabalho de quem veio antes da gente, se a gente já parte de um trabalho cujos
resultados foram compartilhados a gente vai mais longe. Enquanto esses resultados não forem
então reunidos e compartilhados e acessíveis ao público, as pessoas estão condenadas a ficar
reinventando a roda, imagine você que a gente está em um país de proporções continentais,
também todo ano eu conheço pessoas pela internet que estão em outros estados que tem dificuldade
ou não podem vir jogar com a gente aqui em São Paulo e falam “puts, eu queria muito jogar os
Larps que vocês jogam mas eu não sei por onde começar. Eu não sei como é que eu faço aqui na
minha cidade, eu queria jogar com vocês pra ver com é que é”.

Mas o fato é que essa pessoa já descobriu os jogos que a gente joga e a maneira como a gente joga,
então ela está muito mais na frente do que a gente estava 10 ano atrás, ou um pouco mais de 10
anos atrás, quando eu comecei a fazer Larp que eu não fazia ideia e o que tinha pra começar, não
é a toa que eu tenha começado por aí, a partir de uma matéria da Dragão Brasil de duas páginas,

41
ou através do Mind's Eye Theatre, por mais que a gente repudiasse era o que a gente tinha assim
né. Porque por mais que não tivesse nada a ver com o que a gente queria fazer, era o que a gente
tinha, era o ponto de partida.

Então graças aos esforços desses produtores nacionais e internacionais, em disponibilizar os seus
conteúdos e as suas criações, em compartilhar as suas experiências, a gente tem uma cultura do
Larp efetivamente se formando né. Aos pouquinhos, descobrindo a onde que quer chegar, a onde
é que vai mas é só porque essas pessoas resolveram registrar e deixar marcado de alguma maneira
suas experiências, suas criações e compartilhar isso com os outros.

Rafael: Com certeza. Vamos retomar a pergunta... O que é a Confraria das Ideias?

Luiz: Bom, a Confraria das Ideias é uma ONG, mas ela não nasce como uma ONG, ela nasce
como um grupo de amigos. Na verdade, isso aqui é meio que histórias dos bastidores né, antes da
Confraria das Ideias ser a Confraria das Ideias, havia outro grupo que fazia Larps na Narbal Fontes,
que se chamava, veja só você que polêmico, Seita de Manon, o grupo Seita de Manon fez dois ou
três Larps aí os membros se desentenderam e acabou se dividindo, uma parte ficou com a Seita de
Manon e a outra parte fundou a Confraria das Ideias. Esses dois grupos eram... grupos né, como
são grupos de teatro. O que é um grupo de teatro? É uma empresa? É uma ONG? É uma
companhia? Cara... são grupos. São pessoas que se reuniram que se batizaram, batizaram essa
reunião para produzir alguma coisa, no caso aí para produzir Larps né.

E a Seita de Manon acabou não desenvolvendo nada, ficou apenas com o nome, o que é uma
grande sorte aí da Confraria das Ideias né, depois de trocar de nome, e a Confraria das Ideias tem
o trabalho sendo desenvolvido até hoje. Seita de Manon, se eu não me engano é de 1997 e a
Confraria das Ideias é de 99, então a Seita de Manon é como se fosse uma incubadora da Confraria.
A Confraria permanece comum grupo sem ser ONG até meados de 2005, pouca gente sabe, mas
o Graal, um grupo que é bastante conhecido dos RPGistas mais antigos, do grupo de São Paulo e
arredores, que é o Graal, um grupo de Live Action e de Larp né, medieval...

Rafael: E de Boffer...

Luiz: De Boffer né, também de Boffer, ele tinha um dedo da Confraria das Ideias lá, na verdade,
o grupo que se denominava Graal era um grupo de Boffer e eles queriam fazer Larp e aí o Graal

42
como as pessoas o conhecem, que a galera pegava uma vã, ia pra um sítio e jogava Larp, ele é o
resultado da união do Graal com a Confraria das Ideias. A Confraria das Ideias fica 2 anos e sai
do projeto do Graal, e o Graal continua sem a Confraria, fazendo Larps e tudo, dá origem ao Graal
Rio de Janeiro e ao Graal Minas Gerais, que são grupos que existem até hoje embora o Graal SP
tenha acabado, enfim, teve várias encarnações, mas hoje não tem mais nenhum grupo Graal em
São Paulo ativo, mas existe aí o Graal RJ e o Graal MG que são grupos bastante ativos no Brasil.
Talvez mais de boffer do que de Larp em alguns momentos, mas ambos fazem Larp e de uns anos
pra cá, vem fazendo Larps cada vez mais interessantes, com investigações, com dialogismos com
coisas que vêm acontecendo, é bem legal ver esse movimento assim.

Mas enfim, ali em 2004, a Confraria da um time assim, em 2005 ela entra no projeto Vai, que é
um projeto da prefeitura, em 2005 e 2006 ela dá um curso pra aprender a fazer Larp, o primeiro
bastante orientado para o magistério, o segundo já mais diversificado, o segundo em 2006 é quando
eu participo, e em 2007, depois de 2 anos que era o limite fazendo trabalhos com a prefeitura, a
prefeitura aprova o trabalho da Confraria das Ideias e começa a contratá-la para fazer atividades
em bibliotecas. Talvez seja mais ou menos a mesma época que o Jaime, da então, naquela época,
da Ludus Culturalis, mas o Jaime cancela né, grande conhecido aí dos RPGistas de velha guarda,
também dá oficinas em bibliotecas se eu não me engano e o Anderson, da Megacorp, e outras
pessoas da Magacorp também dando oficinas em bibliotecas na linguagem do RPG. E a Confraria
efetivamente leva o Larp pra bibliotecas aí de São Paulo inteiro, todas as zonas de sampa.

Isso em 2007 né, e a partir de 2007 com essas contratações da prefeitura, começa a movimentação
para que a Confraria se torne uma ONG. Aí se eu não me engano em 2009 ela se torna uma ONG
e daí em diante ela passa a atuar dessa maneira, fazendo principalmente Larp, seja nas bibliotecas,
seja em eventos culturais... depois mais pra frente o SESC descobre a Confraria das Ideias e a
Confraria das Ideias começa a prestar serviço também para o SESC e segue nisso até hoje né. Aí
o que a Confraria das Ideias é? Ela é um grupo, que produz Larps, que faz Larps, faz também
eventos de RPG, organiza algumas outras coisas né, até por ser uma ONG, por ter condições de
gerenciar coisas que às vezes grupos menores, com menos tempo de estrada não tem, a Confraria
das Ideias acaba abarcando outras coisas, mas o carro chefe da Confraria hoje é o Larp, já faz
bastante tempo aliás.

Rafael: E quantas compõem a Confraria?

43
Luiz: Olha, a Confraria ela tem um estatuto, enquanto ONG, que não prevê desligamento, então
todo mundo que fez parte da Confraria, pelo menos desde o tempo em que ela é ONG ainda faz
parte da Confraria, então é uma conta meio difícil de fazer. Mas vale dizer que a Confraria é um
grupo pequeno de pessoas. Cerca de 10 pessoas que são a Confraria das Ideias, que são os membros
da Confraria das Ideias e ativos mesmo, atuantes, criando Larps e tal... a gente tem 4, 5, 6 pessoas,
chutando né... é um núcleo duro que toca essas atividades com um grupo maior em volta que acaba
atuando pra que elas aconteçam.

E os jogadores, as pessoas que participam dos Larps da Confraria das Ideias não são a Confraria
das Ideias, a Confraria das Ideias é esse grupo que cria, que produz... Enfim, ao redor dela tem um
monte de pessoas, que é justíssimo que se sintam parte né “ah, eu me sinto parte da Confraria,
porque eu fiquei muito tempo” mas que não são membros, que não são associados, que não fazem
parte do grupo da Confraria das Ideias. Então é um grupo pequeno de pessoas que criam, que
produzem, que articulam.

Rafael: Eu acho interessante como que o governo de São Paulo encontrou e identificou a
manifestação artística do Larp e está há... o que? 8 anos investindo?

Luiz: Bom, existe aí uma pequena correção a fazer, quando fala governo de São Paulo, a gente
pensa no estado, é a prefeitura do município de São Paulo. Eu não sei se o governo, não estou
lembrando do governo agora ter algum contrato com a Confraria. O Boi Voador já foi contratado
pelo governo, mas pra uma atividade, acho que foi uma única atividade. Mas tem uma resposta
essa pergunta né, como que acontece...Eu falei pra você que os primeiros eventos da Confraria
eram organizados em organizados em uma biblioteca na zona norte de São Paulo, que chamava
Narbal Fontes e que os funcionários abraçaram a Confraria, eles aceitaram a Confraria e ajudaram
e tal, então eles estavam vendo de dentro o que é que era o Larp.

E esses funcionários lá em 99, em 2005 já não eram mais funcionários da biblioteca Narbal Fontes,
eles já eram funcionários da Secretaria de Cultura. Então quando, em 2005 a Confraria pega o
Projeto Vai ela é muito bem avaliada no primeiro ano e muito melhor avaliada no segundo ano.
Então você já tem pessoas que já conheciam o Larp e a Confraria das Ideias, historicamente,
porque se associaram num momento no passado, e você tem as equipes novas dentro da secretaria
de cultura que vendo o trabalho que faz pensam “poxa, esse trabalho é muito legal e tal, esse
trabalho tem valor e tudo”. E a partir disso são essas pessoas que tiveram contato nesses dois

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momentos, em 99 lá quando tava fazendo dentro da biblioteca e em 2005 e 2006 quando pegou o
edital e fez próximo da Secretaria de Cultura, são elas que chamam a Confraria pra participar
desses circuitos culturais na biblioteca. E foi numa época em que fecharam muitas bibliotecas e as
que permaneceram abertas elas tinham que se transformar em centros culturais e o Larp foi uma
das atividades escolhidas pela Secretaria de Cultura pra essa transformação.

Rafael: Excelente!

Luiz: Deixa eu falar oi... [entra uma menina no canto do vídeo] chegou minha filha aqui. [para a
menina] Vai lá filha, que eu to ocupado. É, agora você fala... reconhecer enquanto atividade
artística, aí a gente entra talvez na história do Boi Voador e do NpLarp e tal. A Prefeitura e as
bibliotecas e a Secretaria de Cultura, elas reconheceram o Larp enquanto uma atividade cultural,
o que é muitíssimo importante e que em muitos escopos né, em muitas alçadas é a mesma coisa
que reconhecê-la enquanto atividade artística.

Mas aí enfim... vamos ao NpLarp e ao Boi Voador, eu sou formado em artes visuais, faço parte da
Confraria desde 2007 e já fazia Larp, como eu falei, antes de entrar pra Confraria das Ideias. Mas
quando eu fiz o curso da Confraria minha cabeça explodiu, eu fiz o curso deles em 2006, que foi
o mesmo ano em que eu fiz o primeiro ano da minha faculdade em artes visuais, então a minha
cabeça explodia... eu ia pro curso da Confraria e minha cabeça explodia, eu ia pra faculdade e
falava “mano, esse professor não sabe, mas ele está falando de Larp”, eu ia pro curso da Confraria
e falava “meu, os confrades não sabem, mas eles estão falando de artes” e tinha uma intersecção
entre as duas coisas que eu sentia que precisava ser explorada, entre o universo das artes
propriamente dito e o universo do Larp... e enfim, a Confraria, eu fiz até... fiz uma apresentação
no Laboratório de Jogos, que é um evento de desenvolvedores, e fiz uma apresentação muito
parecida né (uma parte dessa apresentação) eu fiz também no Knutepunkt em 2014, que é
comparando a estética, o nível de produção e acabamento dos Larps antes e depois do Boi Voador.

Então qual que era a teoria do Boi Voador e NpLarp, que eu já explico essas duas coisas, é que o
Larp não era só uma atividade cultural, mas ele era também uma forma de arte. Que é uma coisa
que por mais que a Confraria fale “ah não, é verdade” por mais que a Secretaria de Cultura fale
assim “ah não, é verdade”, o ponto de vista do trabalho ainda era manifestação cultural. Faltava
né, na minha concepção na época, faltava dar um salto, faltava que o Larp ele estivesse no mesmo
pé de produção, de acabamento, de desenvolvimento, que um espetáculo de teatro, que um filme,

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que uma performance, porque o Larp ele tinha né... eu falo lá nas apresentações, ele era suecado.
O que que é suecado né? Não sei se você já viu o filme Be Kind Rewind, “Rebobine por favor”, se
vocês não viram, vejam que vale muito à pena, é a história de um grupo de pessoas que tem que
refazer filmes porque eles destruíram os filmes e eles regravam os filmes. Quando o público
estranha eles falam que é a versão sueca, “esse filme aqui foi suecado..”. O que é que o “suecado”
quer dizer? Suecado é uma produção barata, precária e com nível de acabamento escolar. E até
2000 e alguma coisa, os Larps da Confraria e os Larps de todo mundo na verdade eram muito
suecados, eram muito amadores.

Então o que é que acontece... vamos à fundação... já falamos da Seita de Manon, já falamos da
Confraria das Ideias, lá pra 2010 eu e um outro colega dentro da Confraria das Ideias, que era o
Cauê Martins, a gente começou a querer fazer experiências malucas dentro dos Larps da Confraria
das Ideias. E os confrades mais antigos falavam “gente, vocês tão doidos, isso daí não vai
funcionar. A gente já fez umas coisas assim, não funciona. O que funciona é isso aqui ó.” Que era
o modelo de Larp da Confraria, e a gente foi ficando mordido, porque a gente não tinha como
contrariar, o grupo toma as decisões coletivamente, se tem duas pessoas ali dentro do grupo que
não concordam e o restante do grupo concorda, meu... acabou. A decisão é tomada coletivamente.
E a gente também não se sentia podendo bancar sabe, falar assim “não, pode confiar que a gente
vai fazer isso daí e a gente assume a responsabilidade”. Não dava pra nós dois assumirmos a
responsabilidade por um grupo inteiro, um grupo que é muito mais antigo do que a gente, tinha
uma tradição consolidada, cujos jogadores gostavam e reconheciam a qualidade do que fazia né.

Então a gente falou... acho que a gente precisa, não sair de dentro da Confraria das Ideias, mas
criar uma alternativa, onde a gente possa experimentar coisas que a gente não pode experimentar
dentro da Confraria das Ideias. Aí a gente ficou procurando um nome e falou “não... Boi Voador!
Vai ser Boi Voador por causa da música do Chico Buarque. Boi Voador Não Pode, então a gente
vai fazer tudo que a gente não pode nesse grupo”. E a gente formulou um projeto e entregou pra
Prefeitura de São Paulo pro mesmo programa através do qual a gente entrou com a Confraria das
Ideias, que é o Programa Vai, de valorização de iniciativas culturais, e passamos. Começamos o
projeto em 2011.

E o que é o NpLarp? A gente tinha uma distinção na cabeça, que o Boi Voador era um grupo pra
produzir né, a gente ia produzir, fazer Larp, mas a gente queria pesquisar coisas e dentro da
Confraria a gente nunca tinha tornado nada público né, nem pesquisa, nenhum Larpscript, nada

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tinha sido público. Então a gente ia ter um outro grupo, uma outra bandeira, ia ter um outro site na
internet, que era só responsável por tornar públicas as nossas pesquisas e as nossas descobertas,
pra que ninguém falasse “ah não, isso é coisa do Boi Voador, que é um grupo que faz”. Não, tem
um grupo que faz, que é o Boi Voador, mas tem um outro esforço que é um núcleo de pesquisa,
onde a gente vai convidar pessoas, convidar pesquisadores pra publicarem, pra pesquisarem, pra
dividir as coisas.

Então a gente criou aí duas iniciativas dentro desse projeto de 2011, que é o NpLarp, que é o núcleo
de pesquisa, que o objetivo era sair varrendo a internet, ir em todos os Larps que a gente
conseguisse ir, conversar com todas as pessoas que a gente conseguisse conversar, pra formular
essa história né, do Larp, esse... como que é né? Porque a gente tem... cada grupo fica dentro do
seu próprio grupo, não tem troca, não faz intercâmbio, não publica, não conversa, a gente precisa
quebrar essa pré-história né, do Larp. Então o objetivo do NpLarp era esse né, era levantar o que
existe em língua portuguesa, porque a gente até sabia que tinha umas coisas em língua inglesa e
tal, mas é um obstáculo né, aqui no Brasil era um obstáculo né. Então a gente pesquisar, descobrir
formatos e publicar os resultados através do NpLarp e realizar as nossas produções através do Boi
Voador.

Eu falei de mim né, falei do Cauê e se juntou aí à nossa empreitada a namorada do Cauê na época,
hoje esposa do Cauê, que é a Erika Bundzius, que era produtora, também era uma pessoa toda
desenrolada, cheia de habilidades, de skills aí pra contribuir pra nossa iniciativa, e nesse 8 meses
né do projeto financiado pela prefeitura a gente levantou... meu, a gente trabalhou pra caramba, a
gente fez um monte de Larp, fez um monte de pesquisa, publicou tudo que a gente conseguiu, eu
escrevi lá o livrinho roxo e foi... enfim, uma produção alucinante e que deu as bases enfim do que
é até hoje o Boi Voador e o NpLarp.

No final de 2011, infelizmente, o Cauê Martins e a Erika Bundzius eles falaram “ah, foi muito
trampo, é muita doideira e a gente vai dar um tempo e vamos fazer outros projetos”. Foram fazer
projetos de fotografia, foram fazer outras coisas e saíram do Boi Voador e do NpLarp. Em 2012
então, logo depois de um ano muito produtivo, o Boi Voador e o NpLarp dão uma baixa, porque
eu estou sozinho lá e em 2013 a gente recebe um reforço, que é essa pessoa maravilhosa da qual
eu já falei aqui inúmeras vezes, que é o Luiz Prado. Ele entra no Boi Voador e no NpLarp já depois
de um ano de estar fazendo parte da Confraria das Ideias né, em 2012 eu convido o Prado pra

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entrar na Confraria, eu o Godoy e o Paulo convidamos o Prado pra ingressar na Confraria das
Ideias.

E em 2012 também acontece um evento que eu vou trabalhar no SESC, eu sou funcionário do
SESC hoje, sou educador no SESC São Paulo, e quando eu sou admitido no SESC eu tenho que
fazer essa decisão terrível que é sair da Confraria das Ideias. Porque não tem como a Confraria das
Ideias prestar serviço para o SESC se eu for membro da Confraria. Então eu saio, eu abandono a
Confraria das Ideias em 2012, deixo a posição que eu tinha lá, pra ser acompanhador, conselheiro,
expectador aí do trabalho da Confraria pelo menos na maior parte das ocasiões. E o NpLarp,
continua aí com o reforço do Prado, a gente alça voos enormes... eu falo do Prado porque é o nosso
outro membro, o nosso grande parceiro e tudo, o meu grande parceiro nessas empreitadas, mas ao
longo desses anos do Boi Voador a gente contou com inúmeros colaboradores, o Tadeu Rodrigues
Iuama, o Jonny Garcia, várias pessoas que junto com a gente... que podem ser pessoas assim, se a
gente for falar... “ah, fulano é do Boi Voador, fulano é do NpLarp...” mas são pessoas que nos
ajudaram na nossa missão né, na missão do NpLarp de levar esclarecimento e registrar. O Jonny
por exemplo traduziu muita coisa, na época do LabLarp... então é isso.

Assim, esses são os três grupos: a Confraria das Ideias é ONG, é um grupo de 6 a 10 pessoas aí
que produzem eventos, faz quase que mensalmente eventos, às vezes duas vezes por mês, às vezes
uma vez por mês, que tem uma característica né, os jogos da Confraria têm uma característica. A
partir de 2012, depois da experiência do Boi Voador, depois do Prado entrar, a Confraria é muito
mais flexível do que ela era antes da gente descobrir esse mundo todo lá fora. Então tem
experiências muito mais diversificadas na Confraria do que pré 2011, mas a Confraria tem uma
identidade, um jeito de lidar com o público, um jeito de fazer o Larp que é diferente do Boi Voador.

Acabou que o Boi Voador, é exagero da minha parte, é exagero pra baixo, mas o Boi Voador faz
um Larp por ano, mas esse um Larp por ano que ele faz é um Larp que tem acabamento, que tem
produção cenográfica, tem iluminação... e geralmente os Larps do Boi Voador são pra poucas
pessoas com experiências muito mais específicas, direcionadas, intimistas; enquanto os Larps da
Confraria são para grupos maiores de pessoas, experiências mais sociais, os níveis de acabamento
variam mais na Confraria das Ideias, e por outro lado também, enquanto o NpLarp, enquanto
núcleo de pesquisa, a gente tem viajado o estado e outros estados também, a gente já foi pra Porto
Alegre, já foi pra várias cidades de São Paulo, foi pra Minas, estamos pra ir pro Rio de Janeiro
ainda né, não faltam convites, mas faltaram algumas oportunidades... levando né os resultados da

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pesquisa do NpLarp, então jogando Role Playing Poems, jogando esses jogos, seja do Jonny, seja
do Prado, sejam do Tiago Campanário que foram escritos já no Brasil. Então, apresentando Larp
em outros formatos, em outras formas pro Brasil. E pro mundo é, porque não? A gente ainda não
saiu do país fisicamente, mas a gente tem artigos publicados fora e tal, falando do Larp brasileiro.

Rafael: Eu vou fazer uma pergunta mais trançada pra ajudar esse desenvolvimento, que é o
seguinte, que queria que você explicasse as características do Role Playing Poem, do EduLarp e
como que isso não cai em um tipo de Party Game? Ou isso é um Party Game, dentro do Larp?

Luiz: Aí você vai precisar me ajudar pra responder essa pergunta. O que é que é um Party Game?

Rafael: O Party Game é um jogo pra festa, um jogo rápido que você, vai reúne pessoas, se diverte
e é um auê. É uma resolução bem simples, o Party Game é feito pra pequenos espaços, uma
interação com um grupo, dentro de [buscando] uma socialização maior.

Luiz: É muito bacana essa pergunta, eu vou tentar falar um pouquinho das formas aí pra chegar
nisso. Então a gente fala que o Larp é uma mídia, é uma linguagem, ele é uma forma de arte, então
como todas as outras mídias, linguagens, formas de arte, ele tem diversos desdobramentos... então
os quadrinhos, você tem o quadrinho da Turma da Mônica, você tem quadrinho de super herói e
você tem quadrinho feito em 15 partes que você desdobra e pendura na galeria. O áudio visual do
cinema, todo mundo conhece a instalação do cinema, são as cadeiras numa sala escura, com o
vídeo projetor, mas você tem os vídeos do YouTube, você tem a televisão, você tem formas
alternativas de exposição que você vê em galerias de vídeo arte, você tem projeção mateada, então
da mesma maneira o Larp ele é um grande grupo porque ele é uma linguagem, mas que dentro
desse grande grupo existem inúmeras formas.

Então aqui no Brasil a gente fazia o que eu chamo lá no guiazinho roxo né, no livro roxo de Larp
Tradicional, que era um Larp que se parecia com Larp de Vampiro né, cada pessoa tem um
personagem, esses personagens estão em uma situação social e eles vão desenrolar os papeis
sociais deles durante a duração do jogo. Então os Larps da Confraria eram assim, os Larps de
convenção eram assim. Tinha também o Boffer Larp que era o Larp do Graal e que é o Larp dos
Graals até hoje e do Kaldjorn, que não é mais Kaldjorn, agora é Crônicas de Verloren lá em Porto
Alegre. São coisas que tem no Brasil, são formatos que já são antigos até, no Brasil, mas a gente

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achava que não podia ser só isso né, em 2011 a gente foi pesquisar e o Cauê e a Erika acharam um
tipo de jogo nesse site do Nørwegian Style, que era o Role Playing Poem.

O que é o Role Playing Poem? Role Playing Poem, segundo o criador do termo né, ele é um
exercício de design, então ele é um recorte muito reduzido de uma experiência com um desenho
de funcionamento pros jogadores, ele não usa o termo “regras”, mas com regras e com design
muito específico para aquela situação. Então o primeiro Role Playing, o primeiro Role Playing
Poem inaugural é um jogo que eu vou adaptá-lo pro nosso padrão brasileiro aqui, chama assim
“Palmeiras e Corinthians – Zero a Zero”. No que é que consiste o jogo? O jogo são duas, ou três,
ou quatro, ou cinco pessoas sentadas num bar, uma parte dessas pessoas são torcedores do
Corinthians, outra parte são torcedores do Palmeiras e eles estão sentados depois de um jogo que
acabou em zero a zero e o jogo tem que durar 15 minutos. Você pode “re-jogar” quantas vezes
você quiser.

Esse é o primeiro Role Playing Poem, parece prosaico e é, e é muito prosaico né. Mas ele quer
investigar alguma coisa, ele quer investigar o que acontece nessa situação que você esperava que
acontecesse alguma coisa, mas não acabou acontecendo nada. O que é que as pessoas fazem? Vai
jogar 15 minutos, parou. Joga mais 15 minutos. A gente jogou muito o Boa Noite Queridinhas,
que é o nosso jogo de trabalho, a gente leva pra todo lugar. É um criador que reuniu suas principais
criações porque vai matar elas uma a uma e aí o jogo diz exatamente como isso vai acontecer,
então o criador se apresenta, as queridinhas se apresentam, o criador diz porque quer matá-las, o
jogo diz com é que faz pra matá-las o jogo diz pras queridinhas o que fazer quando elas morrem...
então é tudo muito cercado, diz exatamente o que vai acontecer e não tem como ser muito diferente
daquilo.

E pra que é que serve isso? É um jogo que dá pra ser jogado rápido, a gente falava que dava uns
15 minutos, aí uma vez a gente fez em Sorocaba e durou três horas, daí a gente nunca mais diz que
dura 15 minutos. Mas é um jogo que tem um recorte temporal, espacial e de design, de projeto, de
projeção do que vai acontecer, específico, que quer chegar num objetivo específico. Então são
jogos com uma característica de design muito forte que se passam num formato menor, então por
isso que é Poem, poema né. Porque sei lá... o outro pode ser um épico, RPG é um épico, o Larp
tem uma estrutura de conto né. Poucos personagens, uma espécie de teatro... e esse daqui? Ah,
esse daqui é tão pequeno e tão específico que ele é um poema. Então esses são os Role Playing
Poems.

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E você fala do EduLarp né... o EduLarp não tem um formato definido, específico, mas ele tem
uma funcionalidade, ele tem um direcionamento, ele é um Larp, qualquer que seja o formato dele,
direcionado para educação, com uma finalidade pedagógica, educativa. E aí vai ter exemplos de
vários Larps diferentes, de Larps que não foram concebidos para serem educativos e acabam
podendo ser usados como EduLarps. Tem EduLarps que são históricos, tem EduLarps que a graça
dele é que é um EduLarp que você vai criar todo ele junto com os alunos e aí esses alunos vão ser
tanto criadores como jogadores, o EduLarp é uma estratégia, um tipo de uso pro Larp,
independente do formato que esse Larp vá ter né.

E aí você pergunta se eles têm uma vocação para serem Party Games e eu acho isso interessante
né. Uma vez a gente convidou uma pesquisadora inclusive, a Ana Fiori, pra jogar com a gente, aí
ela falou “Ah, o que é que vocês vão jogar?” aí a gente descreveu lá os jogos que a gente ia jogar
e ela falou “meu, só tem jogo de sofrência. Eu não quero sofrência, to cansada de sofrência. Não
precisa disso.” Aí a gente se entreolhou e falou “Puts, pode crer né. Todos os jogos que a gente
curte jogar são jogos da tristeza, da desgraça...” que não é verdade, a gente tem jogos divertidos e
leves também, mas a gente tem realmente uma investigação, uma pesquisa nesses jogos que
lidam... como muitos dos Larps nórdicos tem também, o Larp checo, da República Checa tem
muito isso né, porque cara... são temas que são...

Rafael: Eu acho...

Luiz: Oi?

Rafael: Eu quero só pontuar uma coisa. Eu acho interessante a descrição da sofrência porque
normalmente a gente joga pra se divertir, pra brincar, pra... Whatever, é pra uso lúdico, pra ser
divertido, só que o Larp ele tem uma propriedade de você ter contato e examinar sentimentos
humanos situacionais... por exemplo, eu adoro os nomes dos Larps do Prado, que ele coloca uns
nomes muito esotéricos... quando ele cria o Jesus Cristo Cupcake você olha e cara... mas realmente,
é um recorte de experiência que seria impossível de ver se não fosse aquilo...

Luiz: É... eu acho que é uma potência, Rocha, que os RPGs também têm, mas aí é interessante né,
porque a partir de quando a gente começa a fazer esses Larps que investigam mais profundamente
esses sentimentos? Não que não houvesse antes, eu falei... o primeiro Larp da Confraria das Ideias

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é um Larp sobre ditadura militar, sobre repressão, sobre sistemas opressivos, é um tema que é caro
aos Larps, você vê Larps em todas as partes do mundo que lidam com isso. Porque de fato, existem
temas que estão mais produtivos de serem investigados do que outros e esses temas tem a ver
assim... opressão, repressão, são temas sociais né.

O Larp é um jogo social, é um jogo relacional, ou pelo menos tem a potência de ser um jogo social
e relacional, então esses temas encaixam bem, mas eu enxergo que essa potência também existe
nos RPGs, talvez não seja tanto quanto no Larp mas é interessante observar isso, por mais que a
gente já tivessem experiências que visassem a investigação desses temas, mesmo nos Larps
brasileiros, antes de abrirmos as portas para o Larp internacional, a maior parte das experiências
eram orientadas muito como os RPGs são orientados, pra mim, isso tem tanto a ver com a
linguagem né, a linguagem abre espaço pra investigação de determinadas coisas né, acredito
nisso... mas tem também a ver com cultura de jogo, como a cultura de jogo brasileira ela é muito
vinculada à cultura de jogo americana, tanto que os primeiros jogos de RPG chegaram nos Estados
Unidos, e a cultura de jogo norte americana era uma cultura que tinha nascido dos jogos de
entretenimento, permaneceu por muito tempo nos jogos de entretenimento, parte disso veio pro
Brasil né.

E tem essa ideia de jogar o jogo pra se divertir, pra descontrair, pra dar risada com os amigos, mas
dentro mesmo dos RPGs não é só isso né. Já tem o Call of Cthulhu que é o jogo do
enlouquecimento né, e a ideia é você representar um personagem que vai sendo consumido pela
loucura, pela dificuldade de entender o desconhecido, você tem o próprio Vampiro: A Máscara
que é um jogo de terror psicológico, e muita gente se interessava pelo jogo pra poder investigar
esse monstro interior e não sei o que, através de metáforas, tem até na Mais Dados 1 um artigo
interessante que compara o Vampiro: A Máscara com a literatura gótica e tal, que fala dessa...
porque é que as pessoas leem literatura gótica? Porque que as pessoas jogam jogo da sofrência né?
Ainda falando de uma sofrência ainda orientada pros temas da literatura fantástica e dos RPGs,
mas enfim, eu acho que tem muito a ver com uma tradição, com uma cultura de jogo né, a gente
conheceu uma tradição e, não que a gente não tivesse, a gente conheceu uma tradição que já
investigava essas coisas e nós tínhamos vontade de investigar essas coisas porque a linguagem nos
instigava a investigá-las, então nós meio que cruzamos com essa tradição, isso eu acho muito
interessante, isso é um dos motivos pelos quais é tão importante você compartilhar o que você
produz e o que pensa, o que você... porque outras pessoas por aí estão perdidas procurando isso.

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Eu falei né... eu fazia faculdade de artes e atuava dentro da Confraria das Ideias, e dentro da
Confraria o pessoal não entendia qual que era a parte da arte da maneira como eu entendia, e dentro
da faculdade o pessoal não entendia qual que era a relação com o Larp e eu ficava caçando isso e
conversando com todo mundo, dentro da Confraria, fora da Confraria, até um dia que eu esbarei
num artigo do Clayton Mamedes em 2009 ou 2010 e tinha uma palavra lá... Art-house Larp, aí eu
pensei... “caraca, o que é que é isso” aí eu digitei no Google e descobri o Larp nórdico, e aí quando
eu descobri o Larp nórdico eu encontrei, eu encontrei... e se eu não tivesse encontrado aquilo eu
podia ter passado mais uns 10, uns 20 anos antes de chegar no que a gente está fazendo hoje.

Mas o fato é que essa rede, e hoje de fato a gente tem a possibilidade de ser uma rede internacional,
em diversos idiomas, em que é fácil você chegar e conversar com a pessoa, “ah, li um artigo de
fulano, deixa eu achar o fulano aqui no Google+ ou no Facebook e trocar um ideia com ele, então
a gente tem esses atalhos cara, a tecnologia facilitou, facilitou pra todos os lados né, então você
tem um ruído de comunicação muito grande, o desafio é filtrar esse ruído, conseguir organizar
toda essa informação e criar esses encontros produtivos. Não sei se você, Rocha, chegou a ver, não
sei se o leitor da Mais Dados vai conseguir ver isso né, mas o Luiz Prado foi convidado
recentemente pra publicar numa antologia italiana, e aí você vê os jogos da antologia italiana, tem
tudo a ver com os jogos que a gente faz aqui, são Larps assim, que podiam ser escritos por
brasileiros com certeza, então são dois ramos completamente diferentes que tem ali algumas coisas
em comum e que chegaram em resultados que tem muito a contribuir, que tem muito a dizer um
pro outro né, e isso é muito relevante eu acho dessa trajetória.

Agora, tentando concluir aí e chegar no final da pergunta, você perguntou do Party Game, por um
lado a gente tem um formato que é muito caro ao Party Game, eu falo muito do Barão de
Munchausen, que é um excelente Party Game e que é um Larp. Foi vendido com um RPG, mas né
o nosso entendimento daquilo é um Larp, ele está representando um Barão, um Duque, com o seu
próprio corpo, bebendo alguma coisa, uma cachacinha, é um Larp e é um Party Game, fantástico
né. Larps né, desse repertório têm um cardápio, quando a gente tiver a gente coloca o link, cardápio
é uma seleção de alguns Larps que são ideias pra você começar que tem formas diferentes,
temáticas diferentes e os roteiros estão disponíveis de graça na internet. Eles podem ser feitos com
muita facilidade dentro de uma festa, mas que festa é essa que você vai querer jogar Café Amargo
né, que é um jogo brutalmente da sofrência né. É um jogo sobre despedidas e a importância dos
outros na nossa vida.

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Talvez seja mais fácil você querer jogar calendário, que é um jogo em que os 12 meses do ano se
reúnem pra saber quem é que vai ficar com o feriado né, tem um novo feriado na praça né, qual é
o mês que vai ganhar o feriado? Esse jogo é mais cômico, é mais divertido né. Então até agora eu
acho que não se materializou ainda e acho que parte por causa da temática né, não se materializou,
mas que eu gostaria de ver se materializando com as pessoas jogando Larps como Party Games.
Agora tem uma outra questão que também é interessante, que tem a ver com essa identidade do
Larp brasileiro, maneira como nós acreditamos nas coisas aqui, se a gente diz que o Larp é uma
forma de arte e se a gente investiga temas profundos, pesados, espinhentos né. Difíceis de lidar
através do Larp né, coisas que incomodam, que são tabus, que são temas por exemplo, como a
repressão, ou é a importância do outro nas nossas vidas, sei lá.

O Prado tem umas descrições do que são os Larps dele que são fenomenais né, mas enfim... mesmo
os jogos do Tiago Campanário, a gente jogou num Fervo, o Fervo é um evento que acontece aqui
em São Paulo, a gente jogou A Torre, que é um jogo de humor negro assim, sórdido, sórdido, que
você está dando risada, mas você está se sentindo podre por dentro. Até dá pra jogar né, mas enfim,
eles consomem um tempo né, nem todo Role Playing Poem, como eu falei, dura 15 minutos, como
eu te falei, o Boa Noite Queridinhas chegou a durar 3 horas, e ele é uma experiência de arte
completa, então sei lá, você vai dar uma festa, você vai assistir um filme no meio da festa?

Tem festas em que você assiste um filme, tem festas que não cabe, então acho que tem a ver um
pouco com a compreensão, como a compreensão está sendo direcionada para o que é o Larp no
Brasil, eu acho que pode haver e ficaria muito feliz se houvesse, se um dia eu chegasse numa festa
e as pessoas estivessem jogando um Larp, um ramo aí dos Larps, um tipo de Larp ideal para Party
Games, mas também acho que estamos vivendo esse fenômeno de ter a compreensão do Larp
como uma obra de arte coletiva, não separando artista e público, artista é o cara que está jogando,
e mesmo o cara se sente meio... “como aí eu sou artista?” é um artista de outro tipo.

Não é o artista daquele paradigma do século XX da torre de marfim, da vanguarda, um grande


artista e eu vou lá ver o que ele tem pra fazer. Não, a gente está fazendo arte coletivamente, o
samba né... é como se fosse uma roda de samba, o Larp é como se fosse uma roda de samba, ou é
como se fosse uma banda de jazz, tá todo mundo ali improvisando junto, pra formar uma coisa
única, coletiva, não é pra ninguém ver, quem vai ver é quem tá ali junto com você, cumplice dessa
experiência em tempo real, criando essa obra de arte né, que também só tem um valor de obra de
arte porque estão todos ali reunidos fazendo a mesma coisa.

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Então tem um certo lugar, um topos, um círculo mágico, tem um círculo mágico que não vai caber
em qualquer contexto, alguns Larps pedem contextos específicos, outros são mais abrangentes,
divertidos, o círculo mágico é mais frágil, enfim, acho que existem todas as formas, e o que a gente
vê muito se desenvolver são esses Larps com uma pegada mais artística, seja o artístico pela via
da poesia, do quão fundo eu consigo ir na alma humana, seja o artístico aí na via da produção, o
quanto a gente consegue transformar essa experiência numa experiência uooww... é pra que todos
vivam e sintam né... Rafael Rocha teve a oportunidade de jogar o Terra dos Mortos, da Confraria
das Ideias, que eu produzi junto com o Prado...

Rafael: Eu fui o primeiro a morrer...

Luiz: o Prado e o Godoy, e a Confraria como um todo, mas que a gente produziu no CCJ e é aquilo
cara, a gente transformou o lugar numa nave espacial, você tava lá, você tava numa nave espacial.
Então tanto pra um lado como pra outro na investigação...

Rafael: É um sistema cinematográfico...

Luiz: Cinematográfico não, Larp. Lárpico...

Rafael: Foi um Larp cinematográfico...

Luiz: Não, não foi. Um dia você vai ver um filme tão bom, que você vai falar “Caramba! Parece
Larp esse filme, de tão bom que é”.

Rafael: Cara, ainda por cima eu fui, eu não sei se eu posso dizer que eu fui feliz, é que foi um
processo muito intenso de... eu gostei muito da imersão que foi feita dentro do cenário do Red
Hope, foi fantástico e eu tinha muitas outras perguntas a fazer mas eu vou fechar com uma que eu
acho que ela é crucial pro sucesso do Larp, quando eu digo sucesso é ele ser bem reconhecido e se
tornar cada vez mais vivo entre os larpeiros. Eu queria que você falasse sobre o efeito de bleed.

Luiz: O bleed...

Rafael: Que é um efeito que a gente tem no RPG mas que a gente não conversa muito sobre isso.

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Luiz: Uaaaaaauuuuu... Bom, o bleed pra quem não sabe é... já discutimos aí como que a gente
traduziria pro português, eu sou do time que prefere usar bleed mesmo, que é pra esclarecer que
nós não estamos falando de nenhum outro tipo de sangramento, bleed seria sangramento. E aí pra
exemplificar né, usar uma... adaptar pro português, eu falo em transferência. Bleed é aquele
momento... vou descrever uma situação de bleed que é mais divertido assim. Eu tava jogando a
primeira encarnação do Terra dos Mortos, que foi antes da que você jogou e eu tava na nave lá, eu
era um dos tripulantes da nave e entrou uma pessoa alucinada, uma menina toda ferida né, que
tinha saído e lutado contra os zumbis que cercavam a nave, voltou pra dentro da nave e falou
“não... nós vamos todos morrer, a gente tem que dar um jeito de sair daqui, é melhor que a gente
se mate. A gente não vai conseguir, tem muitos infectados lá fora e não sei o que” e eu tava
consertando um painel com outras jogadoras e falei “meu, você tá maluca menina, senta lá e toma
uma água, não sei o que” e nessa nave, dessa primeira encarnação tinha uma janela enorme que a
gente via o lado de fora. A menina saiu correndo pela porta, eu achando que ela tava brisando, era
maluca e quando eu virei de costas assim ela tava lá fora infectada, tipo ela era um zumbi do lado
de fora. Quando eu olhei aquilo, não foi o meu personagem que foi chocado, fui eu. Eu senti aquilo,
o bleed é quando os seus sentimentos e os sentimentos do personagem se confundem.

Uma coisa é você representar que o seu personagem tem medo, outra coisa é você sentir medo,
porque está representando o seu personagem. Esse é o bleed e o pessoal fala em bleed in e bleed
out. Bleed in é quando eu estou sei lá, desconfortável com alguma coisa e passo isso, transfiro isso,
sangro isso pro meu personagem. Então o meu personagem está agindo daquele jeito porque eu
estou agindo daquele jeito, que é o bleed... ixe, agora eu não lembro se é o in ou se é o out, não faz
diferença. O outro é quando o meu personagem, sei lá, o meu personagem ouve constantemente
música clássica e aí eu joguei com ele e aí eu começo a ouvir música clássica, isso é bleed também.
Um é o bleed in e o outro é o bleed out.

E é isso assim, quando o sentimento do jogador e do personagem se confundem e muita gente joga
para que isso aconteça, então eu vi isso uma vez lá em Sorocaba também, que a gente jogou o Boa
Noite Queridinhas, Boa Noite Queridinhas não... o Café Amargo, e duas jogadoras estavam
jogando, se conheciam e elas resolveram que os personagens iam representar um conflito que uma
delas estava vivenciando e essa pessoa chorou, essa pessoa se emocionou profundamente, abraçou
outra pessoa porque tanto ela quanto o personagem dela estavam vivenciando aquela experiência
emocional.

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Quando a gente foi pro laboratório de jogos 2015 o Jonny trouxe o jogo dele, está lá no Canadá
agora o Jonny, que era o 60 Minutos, e no 60 Minutos... a gente sorteou os personagens, eu era um
vereador se eu não me engano que tinha a casa invadida por sequestradores, só que a polícia
chegava logo depois e as coisas ficavam super tensas, graves e um dos sequestradores matou o
meu filho e eu tenho uma filha. É uma situação assim que eu me vi dentro daquela situação e
quando a cena estava transcorrendo e tudo, não tinha essa distinção assim de representação, eu
estava simplesmente ali entregue à experiência, então o bleed é isso, o bleed é quando você deixa
de representar e aquelas coisas passam a te afetar de verdade e pode ser uma coisa positiva, do tipo
estou procurando passar por uma experiência assim, assim, assado ou pode ser uma coisa negativa
né, eu posso ter muita raiva de um jogador ali e ocorre o bleed, ou então o meu personagem tem
muita raiva de outro personagem aí ocorre o tal do bleed e eu fico com raiva do jogador.

Então o bleed é uma coisa muito interessante mas é uma coisa muito perigosa né. Pra quem
efetivamente se interessa pela parte, pelo lado errado do bleed eu dou uma dica que eu sempre dou
quando a gente começa a jogar, que é distopias totalitárias, mecanismos de opressão, de repressão,
que tem muito a ver com grande parte dos Larps que são jogados, vejam o experimento prisional
de Stanford. Não é o Larp, é um proto Larp, é uma daquelas experiências psicológicas e
sociológicas dos anos 70 que dão errado, e olha só que curioso isso, a história é cheia de
experiências sociológicas, antropológicas que dão errado, que se parecem muito com Larp, mas o
Larp mesmo não tem tantas experiências que dão errado, porque parece que a gente foi
acumulando um saber que nos permitem lidar com essas coisas quando elas acontecem. Então
façam esse exercício, procurem o Larp, quem tiver interesse claro né, procurem o Larp Kapo, tem
um pequeno documentário sobre ele no YouTube, que é um Larp de campo de concentração e
procurem o experimento prisional de Stanford, realizado nos anos 60 na universidade de Stanford
nos Estados Unidos e comparem a diferença.

Assim, o bleed é um fenômeno que acontece, pode acontecer nos RPGs, pode acontecer nos Larps,
tem alguns empurrõezinhos para que ele aconteça com mais frequência nos Larps e talvez as
temáticas que o pessoal que joga Larp gosta de experimentar, sejam mais impactantes nessa
presença maior nos Larps do que a linguagem ou a linguagem seja realmente mais afeita né...
mais... o bleed seja mais recorrente na linguagem do Larp do que na linguagem do RPG, isso aí
carece de investigação. Mas comparem essas duas situações, como que o Larp lida com o bleed,
uma vez que o Larp sabe que o bleed acontece e o que aconteceu por exemplo no experimento

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prisional de Stanford ou tem um artigo no blog do Boi Voador... O Poder dos Sóis, que é um outro
experimento sociológico dos anos 60.

Rafael: Maravilha. Bom, eu agradeço muitíssimo pela entrevista, que foi extraordinária... [áudio
falha] ...fazer um encontro de produção de Larp [áudio falha] a gente vai chegar lá. Agente vai
chegar lá pelos caminhos corretos...

Luiz: Eu não entendi o que você falou, Rocha...

Rafael: Eu falei que nós ainda temos que criar mais estruturas de registro e acompanhamento dos
Larps, pesquisar e estudar, tem um caminho imenso pela frente, mas eu agradeço muitíssimo por
você já dar esse passo e a gente já começar a fazer esse movimento aqui e agora, na próxima edição
da Mais Dados, eu pretendo fazer um caminho do Larp com entrevistas e futuros artigos, espero
eu.

Luiz: Perfeito, eu agradeço muito o convite para a entrevista, Rocha. Reforço aí a importância que
eu acredito que tem, não só o registro né e as conversas, e os registro das conversas que a gente
faz, seja sobre o RPG, pra quem faz RPG, seja o Larp pra quem faz o Larp, esse registro é muito
importante, a Mais Dados tem um papel histórico aí a cumprir como o NpLarp também tem e
outras iniciativas também tem que é de formar esse show comum, finalizando aí um pouco mais
sobre a Mais Dados, um pouco sobre o Larp né, vou voltar a falar de um texto né, que eu já falei
no início da nossa entrevista, que é o Coller Than You Think, que é o “Mais Legal do que Você
pensa” do Aaron Vanek, ele diz no texto que a gente precisa ter um cânone, a gente precisa ter
grandes referências assim, o que é que é um jogo? O que é um Larp? O que é um Larp animal?
Nem que seja pra quebrar esse cânone né, o que nós precisamos pra contestá-lo? O que nós
precisamos pra que a gente avance? Pra que as coisas aconteçam... pra que a gente tenha jogos
mais interessantes pra jogar, pra que a gente tenha mais espaços, pra que a gente tenha
reconhecimento, “ah, isso daqui é uma linguagem artística, isso aqui é uma atividade bacana” é ter
um território em comum, um campo de conhecimento comum, isso é importante dentro da
universidade, isso é importante fora da universidade, isso é importante nas redes sociais, isso é
importante nos grupos que a gente frequenta, com as pessoas que a gente conversa, tento na Mais
Dados, quanto no NpLarp, quanto nas iniciativas que a gente está aqui compartilhando com
interesses comuns, elas tem sentido, de criar esse território comum, no qual coisas cada vez mais

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excepcionais, cada vez mais interessantes, mais extraordinárias vão surgir, vão continuar
acontecendo.

Rafael: Com certeza e só pra enfatizar, o seu trabalho é uma grande inspiração pra produção de
Larp no Brasil, inclusive, porque as experiências que eu tive jogando Larp contigo me
proporcionou uma gama e um desejo de produzir, eu acabei produzindo bastante e publiquei,
falando nisso, e eu fico feliz porque eu sempre levo os Larps que eu produzo pra dentro das escolas,
pra outros ambientes e vem sempre surgindo e produzindo mais.

Luiz: Que todos nós possamos ser grandes referências uns pros outros né, e alimentar a nossa
vontade de produzir, de fazer acontecer. Compartilho aí com você essa sensação e é emocionante
isso inclusive, se a gente pensar que o RPG e o Larp são linguagens relativamente recentes, eu sou
contemporâneo dos maiores produtores de Larp do mundo. Você pode falar assim que o teatro
existe há 4 mil anos, a literatura... o teatro existe há, sei lá... dois mil, a literatura há quatro mil
anos, os primeiros registro datam de quatro mil anos, a gente tem séculos e séculos, a gente tem já
100 anos de história do cinema, mas o RPG e o Larp são linguagens que estão em ebulição agora
e a gente tem grandes designs, grandes produtores, grandes pensadores em atividade, construindo
seu pensamento, construindo sua carreira e suas produções ao redor disso e nós podemos participar
disso, nós podemos participar da fundação do que pode virá a ser no futuro uma linguagem
reconhecida, difundida né e mesmo que não venha a ser mas que continue sempre uma coisa assim,
dos corredores secretos né para poucos, não é todo mundo que... não vai ser que nem o cinema,
mídia de produção de massa né, não é uma mídia de produção de massa.

Então vamos supor que ela continue pequena. A gente tem a oportunidade de estar trocando com
pessoas que estão realizando agora coisas, que estão produzindo coisas de forma que cada um de
nós pode ser um grande incentivo e uma grande inspiração pra cada um dos outros, cada pessoa
que eu encontro né, a gente já encontrou o Wagner Luiz Schmit, já encontrou o Tiago Junges de
Porto Alegre, já encontrou o Paulo Merlino de Salvador, enfim, tem essa nossa contribuição, eu e
o Prado, tem a Confraria das Ideias, o Leandro Godoy o Thomaz, um monte de gente.

Cada pessoa que eu encontro é uma grande inspiração pra continuar fazendo esse trabalho e pra
ter ideias malucas, tem pessoas que são mais distantes que a gente ainda não viu pessoalmente,
tem o Tig Vieira, tem o Raoni Julian, tem um monte de gente, cada pessoa que a gente conversa,
que a gente troca ideia, tem o Tadeu Rodrigues Iuama, de Sorocaba, são são pessoas que a gente

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vai trocando isso e fala “cara, tem muita coisa pra fazer ainda”. Já tem muita coisa pra
experimentar, muita coisa pra acontecer, isso pra falar nos brasileiros, sem falar no pessoal da
Nova Zelândia, do República Checa, da França ou da Itália que veio trocar ideia.

Tá todo mundo árduo por trocar ideia, todo mundo ávido por descobrir o que está sendo feito em
outros lugares, experimentar coisas novas. É muito linguagem do Larp e nós podemos falar isso
do RPG também que foi pouco desenvolvida, pouco explorada ainda, tem muita coisa pra feita né.
E isso é muito motivador, isso é muito animador, e fica o convite pra todo mundo sabe, tira a bunda
da cadeira, termina de ler, chega até o final, lê a revista inteira, beleza, mas depois disso vê se
tem... “com quem que eu posso experimentar, o que é que eu posso focar, o que eu posso fazer?”,
pra fazer isso existir né. E nunca esquecendo de registrar, de documentar, de compartilhar, de
procurar trocar, porque é através dessas trocas que as coisas se desenvolvem, crescem e que as
oportunidades aparecem.

Rafael: Maravilha, obrigada mais uma vez e vamos concluir nossa entrevista.

Luiz: Muito obrigado Rocha e até a Próxima

Rafael: Obrigado e até a próxima! Até o próximo jogo.

Luiz: Até!

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INTERPRETAR E APRENDER

Entrevistado | Thiago Azevedo


Referência Interpretar & Aprender | facebook.com/InterpretarEAprender -
www.interpretareaprender.com
Entrevistador | Rafael Rocha
Transcrição | Bruna Fontana
Link da Entrevista | https://www.youtube.com/watch?v=v8718bzbA0o

Rafael Rocha: Olá! Estamos na Mais Dados 2017, na nossa seção de entrevistas, que agora são
gravadas.... Porém, nós temos imprevistos, e eu fui descobrir agora, que o nosso convidado... não
tem uma câmera! Mas isso não é o problema, porque a gente vai gravar da mesma maneira, pra
criar um próprio padrão, da revista. E hoje nós temos:... Thiago Azevedo, do grupo Interpretar &
Aprender. Thiago... tudo bem?

Thiago Azevedo: Bom dia, tudo bom? Tudo certo.

Rafael: Maravilha. Eu queria começar com uma pergunta que contextualize o que é o Interpretar
& Aprender... Eu queria saber o background, o histórico... E quem, compõe... porque compõem.
E qual é a formação dessas pessoas?

Thiago: É... bom… ah, foi o seguinte, pô, a gente costuma dizer que o Interpretar nasceu nos
corredores da... Faculdade de História da Universidade de São Paulo porque... Na verdade foi um
grupo de amigos, que jogava RPG, e a gente tava jogando Vampiro na Idade das Trevas, enquanto
cursava o curso de História Medieval. É… A gente percebeu que, de fato, aquilo tinha um potencial
acadêmico gigantesco, né? É, Então assim... basicamente foi isso. Quem começou tudo isso foram
eu, o Paulo Gallina e o Daniel Aidar. O Daniel deu uma distanciada agora, ultimamente, ele ainda
tá com a gente, mas não participa tanto mais… Agora… Bom, a nossa formação é História, né?
(risos), porque... a gente começou na faculdade mesmo... eu continuei com minha carreira de
professor, né? Já dou aula a 10 anos. O Paulo não é professor da rede formal, mas ele trabalha
muito com... educação informal e curadoria, porque ele é historiador da arte. Ah… vai por aí.

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Rafael: Então só pra eu entender. Vocês estão partindo da graduação? Não foi algo que começou
na graduação, especialização, mestrado... algo como se fosse um projeto de pesquisa que foi se
distanciando da Universidade e se tornando uma ação mais prática, é mais ou menos isso?
Thiago: É Isso, o que a gente quis foi experimentar, colocar em prática, para entender melhor
quais eram as potencialidades aí disso tudo.

Rafael: Agora uma curiosidade temporal. Há quantos anos vocês fazem isso? A partir de que ano
começou?

Thiago: Cinco anos completos, esse é o sexto ano já. A primeira vez… a gente começou foi em
2011.

Rafael: Que legal, e como foi a primeira experiência que vocês fizeram? Qual foi o primeiro lugar
que vocês testaram e falou “olha, é por esse caminho”?

Thiago: Eu comecei com essa loucura aí no colégio que eu trabalhava. Eles tinham uma disciplina
que era diferente, que era iniciação de pesquisa e no sexto ano era uma coisa muito lúdica. E eu
mostrei minhas ideias, não era um projeto ainda, para o diretor e ele comprou a ideia e falou, meu
vai lá, e aplique aí e vê o que sai disso aí.

E eu apliquei até o Curumatara, que é um livro jogo e adaptei para RPG de mesa, pra bastante
gente, mas não deu muito certo, deu muita gente, porque basicamente eles não gostaram muito não
(rsrs). Eu acho que o tema não conquistou tantos alunos, enfim, alguns gostaram muito, como
sempre, mas em geral assim foi menos sucesso do que eu achei que ia ser. E foi ótimo porque eu
aprendi muita coisa com essa primeira experiência. Depois a gente teve outra experiência que a
professora de História pediu para fazer alguma coisa com a Mitologia Grega. Eu fiz muito livre...
com muita criatividade dos alunos... aí todo mundo adorou. Aí eu falei, bom vamos balizando por
aqui, mas o Interpretar mesmo aconteceu depois das experiências, quando a Lica, a Lilian de
Santana (acho que você conheceu quando você veio para São Paulo), ela convidou a gente para
mestrar na Feira do livro no colégio que ela trabalhava, o Emilie de Villeneuve e aí eram 80
crianças, aí azedou...
Aí eu tive que chamar a galera aí pra me ajudar e o Paulo e o Daniel foram os que compraram a
ideia e nós fomos lá e ficamos o dia inteiro jogando, a gente teve grupos de manhã, de tarde e [foi]
uma experiência que já era muito mais pedagógica mesmo, a gente jogou uma aventura, um

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mistério na verdade, na sociedade mineradora do século XVIII, e que a gente saiu desse dia
completamente acabados né, claro, completamente renovados também, porque a gente falou “meu,
isso é absolutamente fantástico, a gente precisa investir nisso, é um caminho incrível”. Então esse
foi o nascimento do Interpretar & Aprender.

Rafael: Interessante. Eu gostei de você usar essas referências, porque realmente o Curumatara, ele
é um livro jogo, ele não tem aquela estrutura do RPG em si formatado.

Thiago: Exatamente

Rafael: E você foi aproximando de uma questão a qual dialoga mais com a sua formação histórica
mesmo, acho que ficou mais palpável.

Thiago: Exato, exato.

Rafael: Uma outra questão é que é como você percebe o RPG em grupo, uma ferramenta de
ensino, fala como que vocês realmente atuam, já que vocês levam o RPG pras escolas?

Thiago: É, a nossa ideia não é substituir de maneira nenhuma os métodos escolares que já existem,
eu acho que nenhum método ele é um método por si só, então o nosso objetivo final é sempre
facilitar, é sempre potencializar tudo que já acontece na escola e trazer mais uma possibilidade,
oferecer mais uma ferramenta e um outro método, isso é uma discussão gigantesca que potencializa
muita coisa, porque o RPG ele potencializa a socialização do aluno, que potencializa a socialização
dos alunos com outros professores, ele potencializa o prazer por aprender, ele potencializa um
trilhão de coisas que estão em volta da escola e que outros métodos também que às vezes
potencializam, então eu acho que é mais uma possibilidade, que só vem a somar.

Rafael: Excelente, então só pra gente conseguir perceber... então o RPG como vocês trabalham
na escola ele lida mais como uma ferramenta que está auxiliando o processo de ensino e
aprendizagem ou você vai encaixar aí mais como um produto que ele é utilizado, meio que pra
conseguir aproximar o conceito.

Thiago: Eu acho que o RPG ele é tão moldável que ele é usado de diversas maneiras mesmo, ele
pode ser usado por exemplo antes de você dar uma aula que você já está acostumado a dar, ele

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pode ser usado depois, ele pode ser usado como avaliação, ele pode ser usado como algo extra,
pode ser usado no contra turno, pode ser usado durante a aula, ele pode ser usado de um trilhão de
maneiras diferentes, não tem uma opção apenas, tudo depende de como a gente quer trabalhar,
assim como todos os métodos que a gente planeja aí no começo do ano, a gente vai planejando o
assunto e as ferramentas que a gente vai utilizar e a gente às vezes faz de um jeito ou faz de outro
e os professores também tem essa dificuldade né, se a gente faz todo ano a mesma coisa vira uma
maquininha.

Rafael: [áudio falhou]... porque agora eu to querendo fazer uma conexão entra a parte acadêmica,
quais são as bibliografias e qual que é a mecânica prática.

Thiago: Eu não consegui entender, fala de novo, desculpa...

Rafael: Perdão, eu repito, eu quero linkar dois [áudio falhou] fala sobre esses sistema e também
qual a referência bibliográfica que você utiliza.

Thiago: Só ouvi referência bibliográfica...

Rafael: É... normalmente eu falo muito em referência bibliográfica. EU vou falar um pouco mais
próximo. Eu gostaria de saber se vocês têm um sistema de RPG próprio.

Thiago: Tá.

Rafael: Como é esse sistema e também se vocês têm autores de uma referência bibliográfica para
o Interpretar & Aprender ou se vocês utilizam basicamente o que vem dos livros didáticos para
realizar o trabalho.

Thiago: Olha, referência bibliográfica a gente tem bastante porque afinal o que saiu da
universidade, a gente estuda, pensa muito sobre isso, lê artigos, a Mais Dados, apresenta isso em
várias faculdades. O que baseia a gente são alguns filósofos como Huizinga, o próprio Paulo Freire
na Educação, a gente trabalha com conceitos muito próximos da escola de Marc Bloch, que é uma
história das mentalidades, como é que você percebe o mundo e não como o mundo é de fato, a
gente tem muitas referências. Acho que o Huizinga é uma referência de todo mundo né que estuda
jogos, de diversas maneiras. O sistema que a gente usa é próprio, é criado pelo Daniel, e ele é uma

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amálgama aí de vários que ele achou interessante. Pra gente a grande vantagem é que é um sistema
simples, genérico, então assim, ele demora vinte minutos pra vocês fazer a ficha, ele pode ser
jogado em qualquer tempo histórico e qualquer cenário, isso é muito interessante pra gente porque
a gente precisa dessa agilidade, o professor sabe disso, dessa agilidade na sala de aula. Não dá pra
gente pegar uma ficha de D&D e fazer em uma hora, duas horas de ficha com as crianças porque
a gente não tem esse tempo simplesmente. Respondi sua pergunta?

Rafael: Esse sistema tem um nome?

Thiago: Ele tem um nome temporário, ele chama Danks System, porque o Daniel, o apelido do
Daniel é Danks, isso é só uma questão prática.

Rafael: Ok, vou chamar ele de Danks System Beta então.

Thiago: Beleza, isso. A gente joga aventuras só por diversão entre a gente com o Danks System
também, só por diversão porque a gente gosta mesmo.

Rafael: Ah, que legal, é bom que vocês ficam testando e re-testando o sistema.

Thiago: Exatamente, exatamente.

Rafael: Outra pergunta que eu tenho, também dialogando com escola é como que vocês abordam
e fazem a inserção na escola. Porque eu acho que essa é uma dúvida de muita gente que quer
trabalhar com RPG e educação nas escolas. Como que se inicia esse diálogo?

Thiago: Olha, isso é bastante complexo, porque se a gente pensar em escola pública, o acesso a
isso não é tão fácil, a gente precisa conhecer pessoas influentes e que possam colocar a gente de
fato na prática da escola pública e agente ainda não teve acesso a isso. Nas escolas particulares, o
que vai gerar interesse infelizmente é começando por quanto a escola vai conseguir ganhar de
retorno financeiro com isso, ao mesmo tempo em que faça sentido pedagogicamente, por exemplo
[áudio falha] que às vezes não fazem nem tanto sentido mas vende. A ideia é que a gente chegue
na escola fazendo sentido, estar em diálogo com os professores, com a parte pedagógica, além
dessa direção que vai decidir de fato se vai rolar essa atividade ou não. A gente tem muita
dificuldade com isso, as escolas são muito reticentes com isso ainda, ainda não existe uma

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demanda tão grande com o RPG mas eu acho que isso tá aumentando, a gente já tem umas escolas
aí convidando pra fazer projeto fixo, estruturado com RPG. Então a gente... eu dou aula no
Objetivo e essa abertura com algumas unidades e a gente tem aí crianças jogando todo mês né,
duas vezes por mês, a cada quinze dias, no contra turno, então é difícil chegar na escola mas quando
chega aí a escola percebe o quão rico pode ser pode ser isso pra todo mundo que está envolvido
na educação é muito legal.

Rafael: Como que vocês têm recebido um feedback, não dos alunos, porque os alunos realmente
se divertem com o processo, mas da escola e dos pais? Vocês têm tido esses feedbacks? Como tem
sido esse retorno?

Thiago: Olha, a gente tem alguns feedbacks assim, a gente está... bom, Rafael, nesse projeto
estruturado aí é o primeiro semestre, então a gente está aí esperando passar um tempinho aí pra
gente começar a colher esses feedbacks, mas de começo é muito legal, a escola assim... o feedback
que a escola trás é que de fato os alunos estão estão aproveitando muito... eu, como tenho duas
turmas na unidade que eu dou aula, eu consigo perceber uma mudança já em alguns alunos nesse
início de semestre, então uma concentração assim muito maior em sala de aula, uma concentração
muito maior em prova e trabalho, em várias atividades pedagógicas. E os outros professores que
eu tenho contato dentro de outras unidades também estão dizendo que estão tendo maior interesse
dos alunos que estão jogando. Os pais acham absolutamente incrível, eles não acreditam que a
gente consiga prender a atenção dos filhos deles durante tanto tempo, porque os filhos deles
assistem vídeos de três minutos no YouTube, então mais do que isso já é demais... e aí eles ficam
jogando duas, três horas com a gente e eles falam “Não, não é possível. Isso é quase mágico”.
Então assim, o feedback tá muito positivo por enquanto, desde o começo do ano as turmas estão
crescendo, então o feedback entre os alunos também deve estar interessante, eles devem estar
chamando, eles devem estar já convencendo os colegas a entrar também pras turmas.

Rafael: Uma outra questão, existe um contato posterior com os alunos? Por exemplo, vocês fazem
atividade e a atividade conclui, concluiu. Existe alguma atividade de acompanhamento? Ou isso
depende muito da relação com a escola?

Thiago: Isso vai depender essencialmente da relação com a escola, por exemplo, esse processo
que está mais estruturado, é a primeira vez que a gente faz um projeto mais estruturado, não é uma
inserção pontual né, a gente já vai ter um acompanhamento um pouco maior né, basicamente a

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gente tem contato com os professores, então a gente vai pedir aí uns relatórios, então isso vai ser
novo ainda pra gente. A gente não costuma fazer tanto isso. A gente teve um grupo grande alguns
anos atrás que a gente teve um contato posterior e as professoras acharam incrível. As professoras
vieram assistir à aplicação com esses meninos e eles inclusive viraram mestres né, viraram
narradores dentro da própria escola, então a escola fez uma manhã medieval né, com várias
atividades medievais e eles organizaram uma sala só de RPG.

Rafael: Maravilha.

Thiago: A gente auxiliou eles a criar aventuras, eles usaram o nosso sistema, enfim, então foi
muito legal, bem interessante.

Rafael: Maravilha, então vamos falar mais de relações práticas, qual foi a experiência mais intensa
que o Interpretar & Aprender teve a experiência mais difícil e pouco produtiva nesses anos de
jornada?

Thiago: Calma, deu uma travada, a experiência mais intensa e...?

Rafael: E a mais improdutiva. A que mais deu errado, que você falaram assim... “errei horrores”.

Thiago: (risos) Bom, a primeira vez, que nem era Interpretar & Aprender ainda foi bem, bem
complicada que eu já citei, mas a gente fez uma loucura uma vez, que foi tão intensa quanto
improdutiva... mas também foi produtiva né. Teve seu lado bom. Esse grupo que eu falei que a
gente jogou alguns anos, eles convidaram a gente pra mestrar numa festa de aniversário deles,
então em vez de ser assim um mágico, alguma coisa, a gente foi jogar RPG, e eram 21 alunos do
sétimo ano numa festa de aniversário, então assim, foi bem complicado assim... O duro é que era
a conquista da Inglaterra, e a conquista da Inglaterra ela passou por várias dinastias brigando pelo
trono né, teve a dinastia do Guilherme da Normandia, do Aroldo da Inglaterra e teve um Rei Viking
da Dinamarca também... E a gente separou eles nesses três grupos, mas a gente falou “vamos
colocar todo mundo tretando no final junto” e aí foram moleques ensandecidos... e a gente falou
“meu Deus, o que foi que a gente fez?”. No final deu certo, eles aprenderam alguma coisa, se
divertiram pra caramba, mas assim, foi um caos que a gente não previu que seria tão caótico. Mas
foi legal!

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Rafael: Eu fico imaginando dois pontos muito altos nisso! Primeiro, professores sendo convidados
pra aniversário, pra festa, ou seja... e o outro, uma aula feita numa festa. Então isso é muito
paradoxal com a relação que a gente tem com a escola hoje em dia.

Thiago: Uhum...

Rafael: Outra pergunta... qual é a meta do Interpretar & Aprender pros próximos anos? Vocês
fizeram um parâmetro tipo “ah, daqui uns cinco anos, a gente vai fazer tal coisa”?

Thiago: A ideia é continuar crescendo com essas turmas estruturadas né, tentar entrar em alguns
outros colégios e continuar com o trabalho, continuar divulgando, continuar tendo professores...
Eu faço treinamento de professores no Objetivo também, o ano passado a gente trabalhou
exatamente com RPG, esse ano a gente tem alguns elementos do RPG, cada ano é um curso
diferente e a gente viaja o Brasil inteiro fazendo essa formação, então assim, é basicamente
continuar com o trabalho e crescer né. Disseminar, fazer mais gente jogar RPG, cada vez mais...

Rafael: Ok, você gostaria de falar algumas escolas que vocês já trabalharam durante esses anos?
Porque vocês são de São Paulo, e eu acho bom ter uma referência, de ok... escola tal, tal e tal já
trabalhou com RPG e dar uma informação em relação a isso quando alguém for citar.

Thiago: Olha, o primeiro colégio foi o Emilie de Villeneuve, o colégio que eu trabalhei chamava
I. L. Peretz, é um colégio judaico, que hoje já mudou bastante também, que hoje é o Alef Peretz,
se fundiu com outro colégio; o Gracinha, que é um colégio bem tradicional aqui em São Paulo e
agora o Objetivo, que está apostando aí numa coisa mais bem estruturada, na verdade é a maior
aposta que o Interpretar já recebeu pra isso, porque são quatro unidades que a gente está
trabalhando né, um na Granja Viana, onde eu dou aula, na Marquês [de São Vicente], a Luís Goes
e Alphaville, então está... já tem bastante gente aí experimentando o RPG. É interessante que a
gente fez, a gente apresentou o projeto em todas as unidades do Objetivo e infelizmente não fechou
turmas o suficiente nas outras, mas em todas as unidades eles animaram muito, alguns vieram falar
com a gente “não... vamos fazer, vamos jogar e tal”, é interessante. Uma coisa interessante é que
nesse sábado eu fui num encontro de ex-alunos do colégio Peretz e todos eles lembravam, a
primeira que eles falavam era de quando a gente jogava RPG. Então foi muito interessante,
inclusive eles queriam fazer um grupo pra gente jogar hoje em dia assim, só que só por diversão
mesmo, um esquema bem legal. Marcou muito a vida desses alunos com certeza.

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Rafael: Eu tenho uma outra pergunta, teve alguma diferença de trabalhar com essas escolas... essas
escolas são todas particulares, ou tem algumas públicas?

Thiago: Todas particulares.

Rafael: Teve alguma diferença entre trabalhar nessas escolas e trabalhar no SESC?

Thiago: Teve. Na verdade, teve uma grande diferença, porque o SESC ele foi um projeto bem
diferente da aplicação em escola né, porque o SESC né eles contrataram a gente pra participarmos
de uma semana de criação de jogos na verdade, que tinha o foco em jogos digitais, então a gente
não foi aplicar na verdade no SESC. O que a gente fez no SESC foi um workshop sobre mecânica
de jogos.

Rafael: Ah, ok...

Thiago: E a gente usou o RPG como o carro chefe aí, a linha de pesquisa desse workshop e a gente
jogou um pouquinho na verdade claro com eles né, não dava pra eles simplesmente chegarem lá e
não terem ideia do que é o RPG. O interessante é que, meu, foi uma semana, foram quatro dias à
noite, uma semana muito chuvosa e nenhum faltou nenhum dia. Então assim, foi muito incrível, a
galera abraçou mesmo, adoraram. A gente destrinchou os elementos de cenário, de enredo, de
aventura e no final eles próprios criaram um cenário e a gente jogou uma aventura no cenário
deles, então assim, acho que foi muito rico, foi muito legal e eu espero que a gente consiga fazer
mais experiências dessas.

Rafael: Interessante, vocês têm algum interesse em produzir RPGs com cunho histórico? Assim
como foi a série do Mini GURPS? Como se fosse um remake Mini GURPS?

Thiago: É, a gente já pensa nisso há algum tempo, a gente está trabalhando um pouco nisso sim,
e vamos ver o que é que a gente consegue [fazer] sair... porque a gente tem na verdade várias
aventuras que já estão na cabeça né, então é só organizar aí isso de repente né, fazer com que isso
chegue a mais gente né. Bem interessante também.

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Rafael: Maravilha... Deixa eu ver se eu esqueci de alguma coisa... Eu acredito que eu consegui
fazer todas as perguntas que eu queria, num curto espaço de tempo.

Thiago: Eu sou muito pragmático né?

Rafael: Nossa é notei assim (risos) você é extremamente pragmático...

Thiago: (risos)

Rafael: Eu esperava isso quando eu fosse fazer uma entrevista com o Ricardo Amaral, que é das
exatas. Mas eu esperava que você fosse contar histórias sabe... muitas histórias...

Thiago: (risos)

Rafael: Mas a propósito eu vou fazer um comercial... o Interpretar & Aprender, junto com a
Narrativa da Imaginação publicou um livro anteriormente sobre RPG e ensino de história,
chamado Jogando com a História e esse livro foi uma experiência bem divertida pra ambos os
grupos em diferentes perspectivas. O educador que trabalha com RPG e ensino e vai usar o tema
história, o historiador que joga RPG e que está trabalhando com ensino, e o historiador que não
joga RPG mas quer trabalhar com ensino analisando documentos que são os livros de RPG, então
ficou um trabalho bem legal pra pessoas que estão trabalhando o RPG e o Ensino de história
fazerem essa leitura, eu jogo na bibliografia como um campo legal.

Thiago: Eu achei muito interessante também a nossa conversa aí que gerou esse livro e inclusive
a história que a gente conta né nesse artigo e tal também foi numa festa de aniversário.

Rafael: (risos)

Thiago: É... inclusive foi do mesmo grupo, mas a gente fez três festas de aniversário desse grupo.

Rafael: Que legal, agora você pode colocar também um segmento dentro do Interpretar &
Aprender para festas.

Thiago: Exato, exato...

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Rafael: Pra levar em festas...

Thiago: Exato, exato... Não... quando eles começam eles não param mais né, viraram RPGistas
mesmo.

Rafael: Ah gente... e é uma coisa que eu vejo também nas experiências daqui. A gente leva o RPG
pra escola, as crianças gostam tanto que aí elas se reúnem e começam a jogar RPG entre elas.

Thiago: Exatamente, o que é maravilhoso!

Rafael: Isso é legal, porque o pessoal se diverte tanto que eles transcendem as relações de conteúdo
e depois eles vão buscar os próprios conteúdos pra fazer as histórias pra interagir e às vezes a
própria imaginação vai buscar fontes, eu acredito que a semente do RPG na escola seja colocar a
semente da pesquisa e da necessidade de leitura.

Thiago: É, e do prazer por isso né, de ir por vontade própria. O RPG afeta a criança de uma
maneira muito peculiar, muito orgânica, isso que eu acho que é o mais interessante de tudo isso.

Rafael: Pra finalizar Thiago, se você pudesse deixar uma mensagem pra quem quer que seja que
queira começar a trabalhar com RPG e educação, principalmente os historiadores e os jogadores
de RPG que estão querendo alguns parâmetros. Porque eu vejo vocês como um caso de sucesso,
de tantos outros que buscaram, vocês são um caso de sucesso. Então o que é que diferencia o
jogador de RPG que tá no campo amador, que não está ainda bem estruturado, de um grupo que
realmente consegue executar essa tarefa em escolas particulares?

Thiago: Olha, acho que não tem uma receita de bolo não né. Assim como tudo na educação, mas
bom... primeiro, tem muita clareza do processo educacional no qual você está inserido, isso é
importante, você tem que ter clareza dos seus objetivos, o RPG não vai solucionar tudo, não vai
dar pra você ensinar tudo com RPG, você tem que selecionar algum foco, algum tema, algum
conceito e ter clareza desse objetivo. Então, partir disso. Pra quem nunca jogou, tem muito
professor que se interessa mas nunca jogou, tem que jogar. Tem que jogar mesmo, assim como,
ah, o professor quer trabalhar com cinema em sala de aula e nunca viu o filme, não, tem que ver o
filme. Assim como pra trabalhar com jogo você tem que jogar, se você quer trabalhar um jogo de

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tabuleiro você tem que jogar o jogo de tabuleiro, se quiser trabalhar com jogo de cartas você tem
que jogar o jogo de cartas. É assim. Acho que é bem por aí. Pra quem está começando, acho que é
isso, ter clareza, não achar que vai dar certo nas primeiras vezes, porque com a gente também não
deu, a gente vai aprendendo junto com as nossas experiências, os alunos vão ensinar bastante pra
gente. Isso não é papo de professor não, a gente aprende mesmo. Ah, acho que é por aí assim, se
a gente for trabalhar com história no RPG a gente tem que aceitar certos anacronismos, não dá pra
gente ser purista e muito crítico quanto a alguns anacronismos né, a gente acredita que no
Interpretar & Aprender que uma mulher vestida com armadura na idade média não fazia sentido,
mas hoje faz porque [áudio falhou]. A gente até teve uma conversa lá sobre como isso não era
possível, mas no jogo vai existir e vai ser legal, porque o que é importante hoje não era importante
lá então alguns anacronismos são necessários, são possíveis. Pra professor de história isso é muito
complicado aceitar, a gente tem muito... quando eu faço curso de formação de professores isso
sempre vem à tona porque muitos deles... eles imaginam o jogo como a jornada do herói do
Campbell e dos grandes nomes, então assim quando a gente fala em jogar RPG isso sempre vem
à tona “nossa, mas eu vou colocar ele no lugar do Napoleão, o aluno como Napoleão, mas e se ele
não quiser invadir a Rússia? Primeiro... você não precisa só colocar ele no lugar do Napoleão, a
gente não precisa usar só os grandes nomes pra dar aula né, a gente usa uma micro história.
Segundo, se ele não quiser invadir a Rússia, Napoleão não invadiu a Rússia, isso muda a história,
mas o aluno não aprendeu errado, ele aprendeu os mecanismos da época, ele aprendeu o que era
de fato viver ali, ele se colocou no lugar do agente histórico e depois você conserta algum erro.
Ou seja, você comenta o acontecimento mesmo em aula.

Rafael: Então você pega mais uma abordagem de história social.

Thiago: Sim.

Rafael: Aí você apresenta essas micro histórias que estavam acontecendo naquele período...

Thiago: Exatamente.

Rafael: ...e depois quando o professor apresenta a aula ele fala “olha, mas no contexto geral, estava
assim”. É por aí?

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Thiago: É por aí...na verdade a gente... por exemplo, deixa eu pegar um exemplo aqui que a gente
tenha jogado, um exemplo prático pra ficar mais interessante. A gente lá no Objetivo nessa parceria
com a Narrativa a gente jogou bastante o período paleolítico, depois sociedades um pouco mais
complexas, então a gente... não dá pra ensinar tudo sobre esse período, a gente tem que focar em
alguns objetivos, então uma das... a gente começou com aventuras que eram o homem contra a
natureza basicamente, então o que ele enfrentava...

Rafael: Eram suas histórias de pré-história né?

Thiago: Sim, então os desafios eram com a natureza, aí numa próxima aventura, já numa aventura
diferente mesmo, o encontro com o outro né. Como que é um grupo humano nômade encontrar
outro grupo diferente, às vezes mais ou menos avançados tecnologicamente na época, às vezes
com mais ou menos números de pessoas, o que tudo significa, como interagir, então assim, foi
muito mais uma ideia de trabalhar habilidades de hoje, do que conceitos históricos, mas a gente
aproveitou para trabalhar conceitos históricos. Aproveitou para trabalhar que o fogo era a
tecnologia que fez aquelas pessoas sobreviverem durante o frio. Então, de uma semana pra outra,
eu pedi pros alunos... eles estavam fugindo de um outro grupo humano e eles tinham que levar o
fogo, se não eles iam morrer, não iam conseguir sobreviver e aí como você em movimento no
território leva fogo? Não dá pra você simplesmente leva tocha e ficar andando com a tocha, porque
a tocha acaba, porque chove, porque tem um monte de complicações e aí eles tiveram que pensar
em tudo isso né. E na semana seguinte, na própria apostila do Objetivo tinha um texto sobre o
domínio do fogo e eles em aula brilharam o olho assim e entenderam tudo que estava acontecendo
né, então isso foi realmente mágico assim. Foi muito legal.

Rafael: Sim, eu percebo que a abordagem que você busca, pela história social é de
contextualização do sujeito naquele momento histórico por meio do RPG.

Thiago: Perfeito, é como um agente histórico percebe o seu tempo e quais recursos e habilidades
ele tem pra agir sobre isso né, e isso faz com que o aluno se perceba também como um agente
histórico. Ele também percebe o seu tempo de uma maneira distinta e também tem recursos,
habilidades, possibilidades próprias dele. Isso que é o mais interessante, ele é colocado, de fato,
como o centro aí do processo de ensino e aprendizagem.

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Rafael: Eu percebo bastante que quando a gente trabalha RPG, a gente não tá trabalhando com
um ponto fixo no conteúdo mas nós estamos trabalhando justamente com a percepção do aluno
sobre o conteúdo, então eu vejo muito o RPG como um jogo de percepções e contextos.

Thiago: Concordo, concordo. É isso mesmo, e ele vai perceber e vai resignificar esse conteúdo à
sua maneira, o que é muito importante, não é aquela sala de aula que a gente está acostumado que
o aluno simplesmente ouve e decora, ele realmente resignifica, ele realmente se apropria daquilo
pra sua própria vida.

Rafael: Sim, porque pra ele, naquele momento a aula é dele, ele produz a aula.

Thiago: Exatamente.

Rafael: Sai daquele contexto que “ah, eu tenho aula com aquele professor” não é mais isso, ele
está produzindo a aula e isso faz ele realmente dar significado pra aquele conteúdo.

Thiago: Perfeito, é isso mesmo. Esse é o processo em que a gente mais acredita.

Rafael: Maravilha então Thiago, muitíssimo obrigado, pela sua experiência, pelo seu pragmatismo
(risos)...

Thiago: (risos)

Rafael: ...e eu espero ver o Interpretar & Aprender crescendo, desenvolvendo e produzindo e
quero jogar o sistema de RPG de vocês!

Thiago: Ah, a gente vai jogar ainda, a gente vai jogar! Precisamos... Muito obrigado também
Rafael, pela entrevista, obrigado pela parceria aí...

Rafael: Muito obrigado... e terminamos essa entrevista da Mais Dados 2017 com Interpretar &
Aprender!

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UM RECORTE HISTÓRICO DO LARP NO PARANÁ

Entrevistado | Fernando Fiorin


Referência Fernando | facebook.com/fernando.fiorin
Entrevistador | Rafael Rocha
Transcrição | Bruna Fontana e Arthur Barbosa de Oliveira
Link da Entrevista | https://www.youtube.com/watch?v=etsn2DmVtH8&t=4s

Rafael Rocha: Olá, eu sou Rafael Rocha, da revista Mais Dados, e agora em 2017 nós estamos
como entrevista especial sobre LARPs. LARPs de Vampiro em uma região bem específica, no
norte do Paraná; em um tempo muito específico, de 1994 a 2017, ou seja, é um recorte histórico
de 23 anos pra compreender como que o LARP começou a se desenvolver, tomar forma, e se
manifestar nessa região. E, para ser porta-voz da região, tenho aqui o Fernando Fiorin que é o
nosso entrevistado de hoje. Ah, Fernando, antes de eu começar a fazer as perguntas diretamente
sobre o LARP, eu queria que você se apresentasse, explicasse quem você é e como a história do
LARP dialoga com a sua.

Fernando Fiorin: Bom, boa noite Rafael, né, boa noite pro pessoal da Mais Dados. Eu... sim, eu
acho interessante [dizer] é que atualmente eu estou fazendo Doutorado na USP, na Educação, e a
minha ideia é trabalhar com LARP e RPG no ensino de ciências.

Rafael: Excelente...

Fernando: Mas... Claro né, pra chegar até aqui, o começo dessa trajetória foi exatamente lá em
94, quando eu comecei a jogar RPG. Foi uma coisa assim que, naquela época a internet era... né,
não existia internet, pelo menos, assim eu...eu naquela época eu ainda vivia em uma cidade
pequena, aqui no interior do Paraná chamada Uraí, tem 10 mil habitantes, então, o que a gente
tinha assim de acesso à informação, principalmente a RPG e LARP, vinham das revistas que
existiam na época. A Dragon, que acabou virando a Dragão Brasil, a Dragão Dourado e, então, aí
foi que comecei a conhecer um pouco do que era RPG, do que era LARP. E aqui no norte do
Paraná, tudo assim, meio que caminhou bem devagar, vamos colocar dessa maneira. O que me
ajudou é que eu morava, na época, perto de uma, vamos dizer assim, aqui é uma metrópole, que é
Londrina, né. O Paraná tem quase 400 cidades, mas a maioria são cidades de pequeno a médio

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porte, não é igual São Paulo, por exemplo, que qualquer cidade de médio porte em São Paulo tem
300 mil, 400 mil habitantes.

Aqui no caso, Londrina, na época acho que tinha 500 mil habitantes e era então, basicamente, onde
tudo começou forte aqui. Né, começou, o movimento de ter RPG e posteriormente o LARP. E foi
aonde eu comecei também, e assim, no princípio não era só... [era] só [isso] né, mas eu me
interessava como jogador, me interessava como mestre... Aliás eu comecei a minha primeira
crônica de Vampiro em 95, mestro ela até hoje inclusive, já tem ai 22 anos essa crônica, tal, e eu
comecei a pensar nessa questão acadêmica só lá pro final de 2009 e 2010, daí fui entremeando
uma coisa com a outra, né, eu fui... porque eu fiz, eu sou formado em Biologia e eu acabei fazendo
dois mestrados.

O primeiro mestrado foi em Genética, e eu acabei vendo que eu não curtia essa área... vamos dizer,
área dura, né, e aí comecei a ir pra área de Ensino, só que ainda assim eu não tinha entrado no uso
acadêmico, na questão da pesquisa, de como utilizar isso em sala de aula, eu tinha atuado como
professor e usado como professor em sala de aula. Então eu percebia as facilidades dos jogos de
papeis, das diferentes maneiras de utilizar, tal, e isso daí foi o que me levou, então, a decidir, então,
pelo Doutorado, comecei o ano passado, e agora eu to terminando o meu primeiro ano lá na parte
de educação e tal, e eu pretendo seguir por ai, seguir nesse caminho ai, minha tese e tal, eu tenho
aplicado LARP em sala de aula, eu apliquei aqui na Universidade Estadual de Londrina, também
agora na Universidade Estadual do Norte do Paraná, eu tenho utilizado para, porque eu sou um
professor que forma professores, sou professor de licenciatura que forma professores de Biologia,
e eu tenho usado LARP para desenvolver um conceito que eu tenho chamado de “Construção de
Vivência”, então eu acabo estando assim, bem premiado com isso aí, eu to buscando várias teorias
dentro, lendo muitas coisas de vários aspectos diferentes aí, pra trabalhar.

Aqui em Londrina também tem o Wagner Schmit né, que é meu amigo, também trabalha com
RPG e LARP e tal, então a gente troca muita ideia, aliás, na semana anterior, teve um evento local
aqui de... na verdade era mais voltado pro público de anime e mangá, mas ainda assim... nós
levamos lá, conseguimos um espaço pra levar jogos de RPG, eu acabei mestrando um LARP
também. E então, assim, eu to desde 94/95 to sempre envolvido de alguma maneira com tudo que
acontece nesse meio aqui. Os últimos, assim, desde 2005 pra cá, praticamente a maioria dos
LARPS que aconteceram na região fui eu que organizei ou estava de alguma forma relacionado
com ela, assim, com a atividade.

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E os principais LARPS aqui foram os de Vampiro. Vampiro aqui na região... é... até pouco tempo
atrás era o sistema, o cenário mais forte aqui, que o pessoal mais gostava, mais praticava.
Recentemente tem mudado um pouco essa cara, esse conceito, tá entrando muito esses LARPs...
é... estilo medieval sabe? Estilo o do pessoal do Graal. O pessoal do Swordplay tem incorporado
essa parte de LARP, então os LARPs de vampiro estão ficando, assim, meio que deixados de lado,
não tem mais tanto jogador quanto tinha antes, mas acho que eu to meio que me adiantando né,
mas assim, eu tenho basicamente é isso... Eu tenho me envolvido desde do LARP como eu vejo
numa situação de hobby, entretenimento, lúdico, com os meus amigos, até utilizando de maneira
acadêmica, uma maneira para trabalhar onde estou atuando como professor.

Rafael: Maravilha! Mas eu fico pensando no seguinte, agora por uma questão histórica. Ah, como
e quando o LARP de vampiro começou a chegar no Paraná? Ele veio de onde? Porque... eu estava
até conversando com o Luiz Falcão isso, parece que em toda cidade do Brasil já brotou um grupo
para jogar o Live de Vampiro. Agora... De onde veio? Por exemplo, no interior de São Paulo, o
que acontecia muito era o pessoal do interior ia para eventos de RPG na capital, isso na década de
90, voltava para sua cidade, tinha jogado LARP lá [em São Paulo] e começava a fazer LARP no
interior. Agora, como isso acaba acontecendo no norte do Paraná?

Fernando: Olha, aqui, basicamente foi mais ou menos assim também... é... se você lembrar acho
que foi no 2º Encontro Internacional de RPG, que veio o Mark Rein Hagen, que foi o primeiro
LARP volumoso de Vampiro que teve, foi uma coisa estrondosa, que a Devir lançou a edição
nacional do Vampiro: A Máscara, foi uma coisa assim, aqui de certa forma foi o pontapé inicial,
teve nessa época... isso aí foi registrado numa... lembra uma revista chamada, acho que era, Role
Play Game, que tinha acho que seis edições... que saiu pela Ediouro 9:23

Rafael: Sim, sim...

Fernando: Pela Ediouro, saiu se eu não me engano, na edição 4 tem um cara que era daqui... que
é daqui, alias... o Eloyr Pacheco, ele chegou a escrever uma matéria sobre o RPG aqui no norte, e
basicamente é bem isso que é colocado. Então, assim, os jogadores, eles, aqui eles começaram
primeiro com RPG, o RPG bem daquela época da geração Xerox, começaram com Dungeons &
Dragons, e assim por diante. E aí o Vampiro conforme ele estourou no evento lá, a Dragão Brasil
começou a fazer matérias, se eu não me engano, na 4ª ou 5ª edição eles já trouxeram uma matéria
sobre Live Action e tanto que até hoje, aqui, o pessoal que é mais do meio, assim, do hobby, que

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não tá no meio acadêmico, o pessoal não chama de LARP, eles só chamam de Live... quando vai
ter uma partida.

Rafael: Mas essa é a questão interessante da Linguagem, porque chegou no público jogador como
Live, Live Action, e ficou assim. Agora... O público acadêmico que começa a debater como LARP,
ou até mesmo usar o termo “Rolista” para chamar o RPGista, então são nomenclaturas para
conceituar, mas, aqui a gente pode dialogar entre esses dois ambientes. Porque o ambiente do jogo,
do hobby em si, nutre o ambiente acadêmico, faz parte um do outro...

Fernando: Tanto que o primeiro aqui que começou a trabalhar com isso, que foi o nosso pioneiro,
que foi o Wagner, o Wagner Schmit, quando ele começou o pessoal assim, meio que desdenhava
dele, tipo “ai que absurdo, usar RPG para ensino”, o pessoal não tinha... não entendia o conceito,
porque ainda estava muito preso nessa questão, assim, que o RPG era basicamente uma coisa
lúdica.

Rafael: Fernando, eu acho interessante você citar isso porque esse campo da resistência dos
jogadores de RPG a trabalhar na educação existiu e a gente quase não fala sobre isso. Ah, eu
lembro de situações de pessoas falando “Ah, vocês usam RPG para enganar o aluno pra ele
aprender, pra ele estudar”.

Fernando: É... tinha todo o movimento da gamificação, assim... ainda tem uma certa resistência,
muitos veem o RPG como uma coisa muito ligada ao construtivismo e aí dependendo da linha
teórica que a pessoa segue, ela já fica preocupada... mas, assim, tentando pensar na questão em si,
de como o LARP chegou aqui, né... voltando para a questão do “Start”, o primeiro que eu tenho
certeza que aconteceu aqui foi num shopping aqui da cidade que se chama Catuaí, teve um evento
chamado 1ª semana de RPG do Catuaí, que daí foi quando aconteceu o LARP de Vampiro. Eu
lembro que na época... vários, como que eu posso falar pra você, ah, pessoas que estavam no meio
do RPG, que assim, muita gente do Rio de Janeiro, veio pra cá. Veio o Igor Morais, o Carlos
Klimick, Flávio Andrade, e era interessante porque, assim, inclusive isso fez com que os jogos da
GSA fossem os mais jogados aqui na época. Assim, nos eventos, tinha mais Tagmar, Desafio dos
Bandeirantes, do que propriamente D&D, Vampiro.

Mas o Vampiro eu lembro que quando teve foi um negócio, assim, foi primoroso, o pessoal
trabalhou a caracterização de uma maneira muito requintada, foi uma coisa muito bem elaborada,

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as personagens estavam... porque, é interessante que naquela época, 93/94, eu não sei se você vai
se recordar disso, tava acontecendo, meio que ligado a tudo isso, aquele movimento que o Mark
Rein Hagen ficou chamando de Punkgótico, aquela coisa. Nos Estados Unidos estava acontecendo
uma movimentação, inclusive que no Fantástico saiu uma matéria chamada de o movimento
Vampiro, que eles fizeram uma matéria sobre o pessoal se vestindo, é... eles não chamaram de
Live Action ou LARP na época, eles não sabiam como chamar na época, na verdade, o pessoal
ainda tava meio perdido com as nomenclaturas, o Fantástico mesmo não tinha a menor noção, o
Fantástico conversou com pessoas que se vestiam, se fantasiavam, Americanos no caso né.

Eu lembro até hoje que saiu aquela música do Type O Negative, o Black Number One, e acabou
meio que virando no começo, os LARPS aqui sempre tinham que tocar aquela música, era um
hino. Sim, todo LARP tinha meio que abrir com Black Number One porque era meio uma coisa
assim que o pessoal considerava que fazia parte do elemento do... E assim, esse LARP em
especifico eu não participei dele, porque eu morava em Uraí, eu tinha 16 anos na época e era muito
difícil se deslocar. Mas aí o pessoal começou a... o pessoal aqui de Londrina que tava relacionado
com essas atividades né, eu lembro que na época o Del Debbio começou a... montou a Camarilla
aqui no Brasil, e começo a fazer os primeiros Lives...

Rafael: Ele montou naquela estrutura do By Night mundial? Porque existe, pra eu esclarecer ao
leitor, existe o registro oficial de By Night. Você faz esse registro na White Wolf e você tem a sua
cidade By Night. Então no caso o Del Debbio que fez o Londrina By Night?

Fernando: Então, o Londrina By Night, ele começou a surgir quando o pessoal soube do projeto,
isso mais ou menos em 1994, e começaram a correr atrás, foram pra saber como é que funcionava
e tal. Ai em 95 eu participei do primeiro Live que teve com a intenção de se formar o Londrina By
Night. Na época, apesar de ser o One World By Night, cada pais tinha sua própria organização,
nessa época existia o Brasil By Night, que era o Del Debbio que tava na cabeça disso, que tava
levando tal, e o pessoal que tava tentando, então, entrar. E interessante que o pessoal aqui meio
que foi junto com o pessoal lá de Campinas, que Campinas também foi um dos primeiros lugares
a ter By Night, e o pessoal de Campinas tava ajudando o pessoal daqui a montar. E também assim,
alguns jogadores daqui eles estudavam na USP, então eles faziam contato com o pessoal da USP
e traziam pra cá esses contatos, essas experiências que aconteciam lá. Lembra da época que tinham
as USPCOM, os eventos que tinham lá e tal? Então, isso daí, o pessoal vivenciava lá e trazia pra
cá.

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E aí esse primeiro evento aconteceu num clube local aqui e nós tivemos cerca de quase 80
jogadores. Eu acho assim que desde que começou a ter aqui foi o primeiro e maior LARP que
aconteceu, e foi uma bagunça. Foi uma coisa, acho que os organizadores não esperavam aquilo, a
quantidade de pessoas, deu pra ver que foi uma coisa totalmente... faltou uma organização. Até
porque quando teve, isso foi em 95, o material de LARP mesmo da White Wolf era muito restrito,
você conseguir um material especifico de LARP era algo assim... Porque você tinha que comprar
importado, você tinha que comprar nas lojas que traziam o material importado e aqui em Londrina
era bem difícil. Aqui na época acho que tinha duas lojas e elas dificilmente traziam material
importado, então o pessoal, assim, poucos que tinham os livros mesmo. Tanto que o meu primeiro
personagem, eu me lembro, eu montei na ficha de RPG mesmo, e aí isso foi tudo muito
improvisado. É... o pessoal foi improvisando com teste de pedra, tesoura e papel, cartas, tudo isso
assim, foi uma coisa bem... No começo bem rústico porque a gente não tinha, mesmo, acesso a
esse material. E aí essa primeira tentativa acho que gerou uns quatro ou cinco LARPs, e aí não
foram pra frente. Teve... Era muita gente e os organizadores não conseguiram lidar com isso.

E naquele momento, até onde eu me recordo e eu sei, era o único lugar que tinha mesmo partidas
de LARP na região, era em Londrina. Maringá eu nunca ouvi falar de partidas, que Maringá é aqui
do lado também, é segunda cidade maior aqui da região, a terceira maior do Paraná. E eu não sabia
que tinham jogadores assim em cidades pequenas, que foi o meu caso, e eu acabei levando o LARP
para Uraí, uma cidade de 10 mil habitantes. Eu mestrava então, fazia um ano, um pouquinho mais,
que eu mestrava Vampiro, e aí foi que eu tentei então montar com meus amigos os primeiros jogos,
e foi uma coisa assim bem, cara, foi bem artesanal, foi bem rústico. Porque pra guiar a gente, nós
tínhamos, se você olhar a segunda edição do Vampiro: A Máscara acho que tem uma página e
meia falando de Live Action, e mais assim falando dando ideias do que usar, em relação a adereço,
falando um pouco de... acho que tinha quatro ou cinco regras, a regra do não tocar, a regra de não
utilizar réplicas de arma, esse tipo de coisa de não usar bebida alcoólica, coisas que eram básicas
mas a gente já utilizava a ferro e fogo.

E aí foi assim, o primeiro LARP que eu montei foi na minha cidade, foi num clube, na Associação
do Banco do Brasil, e foi uma loucura porque uma cidade de 10 mil habitantes, não sei como
explicar bem isso, o pessoal assim tinha que nós éramos loucos, que nós éramos pessoas totalmente
fora da casinha. Porque imagina, nós conseguimos levar ali umas 20 pessoas pra jogar, e todos
vestidos de preto, toda aquela coisa porque na época era isso, o LARP de Vampiro era você se
vestir de preto, num elemento assim realmente gótico, que podia variar do clássico do clã Ventrue,

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o cara usando um Terno, pro mais despojado que era um cara que era do clã Brujah e o pessoal
usando umas roupas mais Punk, umas coisas assim. E na minha cidade o pessoal não tava
acostumado com esse tipo de coisa, minha cidade assim, o norte do Paraná ele é realmente
interiorano, realmente conservador, Paraná é um estado conservador, e aqui, assim, é muito mais
conservador. Se Londrina é uma cidade com 500 mil habitantes e tem ainda essa resistência,
imagina uma cidade de 10 mil habitantes, e todo mundo olhava pra gente e falava “meu, o que
esses caras estão fazendo?”.

Tanto que a primeira partida que nós fizemos, tiveram algumas pessoas que entraram escondidas
durante a partida pra ficar no lugar, no clube, pra ficar assistindo a gente jogar, tipo assim, a gente
ouvia eles dando risada e depois eles ficaram tirando sarro da gente, que a gente tava fingindo que
era vampiro, e um colega meu tava usando uma capa bem estilo Drácula, então assim, rolou tudo
isso, essa parte das pessoas que não conheciam fazendo essa ridicularização dos jogadores, essa
resistência das pessoas, e como nós éramos muito novos na época, eu tinha 17 anos, indo pra fazer
18, eu não conseguia entender o contexto, todas as implicações dessas questões de preconceito,
das pessoas não entenderem, eu tava bem num momento, sei lá, idealista e ai eu achava que eu
estava fazendo a coisa certa assim, uma coisa que me satisfazia, satisfazia os meus amigos. Mas
era muito engraçado assim a situação em si porque a gente não tinha regras concisas, então nós
tínhamos que improvisar o tempo todo. Nós tínhamos como apoio só o Vampiro: A Máscara, então
assim depois eu fui descobrir que eu fiz um monte de coisa errada em termos de regra, em termos
de cenário, mas naquele momento o fator diversão foi a coisa mais importante, ninguém tava se
preocupando com...

Rafael: Vocês chegaram a montar algum manual? Baseado nas experiências e nas vivências? Essa
é uma das minhas perguntas.

Fernando: Não. Naquela época a gente nem... porque assim, hoje é muito fácil você registrar essas
coisas, é muito fácil você... qualquer celular você tem uma câmera digital, tem uma filmadora tal,
mas naquela época era muito difícil, tanto que os primeiros 3 LARPs que eu fiz, que foram 3
LARPs sequenciais, um a cada mês, até onde eu me lembro ninguém tirou uma foto, infelizmente
a gente não tem nenhum registro fotográfico...

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Rafael: A questão não é essa de fazer o registro, eu acho importante registrar, mas a questão é:
alguém pensou em fazer um manual? De regras, pra passar pra frente, pra elaborar, porque eu acho
que isso seria uma questão característica da região.

Fernando: Então, eu tenho em algum lugar ainda, eu escrevi um documento que era uma página
que eu digitei sobre o cenário, que o jogo se passou na cidade de Uraí e eu montei uma... eu meio
que me inspirei naquele cenário que vinha no Vampiro segunda edição, que tinha a cidade de Gary
e a cidade de Chicago. E Gary era a cidade que estava acabada lá, que tinha um príncipe decadente.
Na verdade, assim, eu desde aquele momento eu sempre gostei desses cenários que eu chamo de
minimalistas. Eu não gosto de mestrar, por exemplo, em Nova Iorque, eu acho que você perde
muitos elementos quando você mestra uma coisa muito ampla. Então, tanto que a mesa que eu
mestro até hoje, a crônica que eu mestro até hoje, ela se passa aqui na região e são coisas bem
simples assim, situações sempre locais, e os LARPs tinham também essa cara, então eram coisas
de resolver situações da região, um vampiro que dominava um determinado território e que tinha
um conflito com outro vampiro, porque a gente partiu desses elementos mais simples pros
jogadores trabalharem, tanto que os meus primeiros LARPs, que é uma coisa bem recorrente em
LARP de Vampiro... é a gente nem trabalhou com Sabá, não tinha Sabá, porque o Sabá é o bicho
papão dos LARPs, é o inimigo canônico, assim quando o pessoal joga Vampiro, joga dentro do
modelo da Camarilla, os sete clãs.
E aí assim quando o cara era muito amigo do Diretor, na época era assim, de certa forma até hoje
né? O Diretor deixa ele jogar com uma coisa mais exótica, um Assamita, um Giovanni, e o Sabá
era assim, ninguém jogava de Sabá. Aqui na região foi um negócio que predominou por muito
tempo, a não ser claro quando o narrador queria usar o elemento do espião, do infiltrado. Então
assim, é interessante que acho que... a gente vai até chegar nisso, tem certos Plots, certas situações
que sempre foram recorrentes, o infiltrado, as guerras entre Camarilla e Sabá, esse tipo de coisa, e
é legal que não tava ainda... a gente não tava afetado por essas coisas ainda, viciado nessas coisas,
era tudo muito novo pra gente. Então os Plots eram coisas bem simples, bem assim, não tinha nada
muito elaborado até porque a maioria das pessoas que vieram jogar com a gente não tinham nem
ideia do que era RPG direito...

Rafael: Então, esse daí é um ponto que pra mim é bem sério. Por exemplo, o comum, e eu estou
falando do comum num cenário da normalidade paulista, por exemplo, que as pessoas começam a
jogar RPG e gradativamente ela vai ter experiências com LARP. E aí eu fico pensando assim,
como que essas práticas de LARP afetaram os jogadores de RPG na cidade ou não tinham

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jogadores de RPG na cidade? E como foi essa aderência? Juntou todo mundo? Ou foi uma coisa
gradativa? Vai tendo um jogo, vai tendo outro e as pessoas começaram a chegar. E também qual
era a idade desses jogadores? Eram todos adolescentes? Isso variou com o tempo? E também tem
outra questão, qual era o perfil? Porque a gente pode olhar alguns LARPs de Vampiro espalhados
no Brasil que é só porrada, é só porrada.

Muita questão de você vai porque tem um menino ou menina que a pessoa está interessada e ela
vai com esse subterfúgio. Outros casos as pessoas vão por questões políticas, mas é uma “salada
das trevas” que tem um vampiro, um lobisomem, um mago e de repente também tem uma múmia,
e de repente um highlander, ou seja, são várias características que gera o perfil de LARP de uma
região. E pelo que você fala, parece que o LARP tá dialogando com o cenário base que seria
tradicionalista, como você disse, como o pessoal focou muito tempo em Camarilla, aparenta ser
um cenário de perfil que é bem tradicional, bem seguindo as normas. Eu queria tentar identificar
isso, primeiro ver se a minha contestação está correta, se realmente o perfil do Larpeiro aí é “vão
ser tradicionais”? Quanto jogavam, em média? E como foi essa aderência, se isso foi todo mundo
junto, se foi tudo gradativo? E se isso afetou os jogadores de RPG na cidade ou não tinha jogadores.

Fernando: Então, o LARP, ele teve que partir do pessoal que jogava RPG. Então, o que acontece,
eu tinha lá o meu grupo né, que eram 5/6 jogadores, aí eu tinha participado do meu primeiro LARP,
eu tinha adorado, pra mim foi uma coisa grandiosa, que foi a primeira tentativa aqui em Londrina
de montar o Londrina By Night e eu quis levar isso pra Uraí. E aí eu conversei com os meus
jogadores e então assim... o que eu fiz, cada jogador ficou responsável por um clã e ele ia convidar
amigos pra participar do LARP e seriam membros desse clã, que então dessa forma os jogadores
seriam narradores auxiliares que iam ajudar nesse sentido, eles não iam conhecer a história, assim,
as tramas tal...

Rafael: A totalidade da história...

Fernando: É... eles iam ajudar na parte das regras. E uma coisa que eu queria pontuar, que é bem
interessante, não que eu ache assim que, nossa, que eu fiz algo revolucionário, é que o sistema que
eu usei na época atualmente, a última edição que saiu do By Night Studio é muito parecida com a
que eu fiz...

Rafael: Legal!

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Fernando: Que é uma soma de atributos mais habilidade e uma comparação tal, e a gente já fazia
aquilo na época. Porque a gente tinha a ficha básica, então eu fazia o que? Eu somava o atributo
mais a habilidade, comparava quando era resistido, um jogador e o outro, fazia o teste do jan ken
pô, pedra, tesoura e papel, e resolvia. E aí a gente tentou simplificar muito, porque a maioria dessas
pessoas, que na época qual que era o público? O público eram assim, pessoas da nossa idade, de
16 a 18 anos, alguns um pouquinho mais velhos, 19 e 20, então assim, os que vieram jogar eram
nossos amigos que sabiam que a gente jogava RPG, mas não sabia direito o que era, então foi uma
maneira da gente tentar, propagar né, “espalhar a palavra”, vamos dizer assim, levar pro pessoal,
pro pessoal conhecer. Então, a maioria do pessoal era aluno do Ensino Médio, pessoal que estava
estudando pro vestibular, que tava nessa pegada ai, se preparando né, no meio de sua formação
tal... acho que não tinha nenhum universitário ainda, dentro do nosso grupo, então era um pessoal
assim bem ainda novo, bem verde nesse sentido. Então era muito interessante porque o que hoje
você vê, que você fala de uma história e tem gente que tem muito preconceito, fala “ai que absurdo,
como vocês estão fazendo isso”, “que absurdo isso que está acontecendo no seu cenário”.

Na época, pra nós, era coisa assim nós não tínhamos limites na nossa imaginação, na nossa
criatividade. Só um elemento aqui pra você ter uma noção, eu não sabia, por exemplo, que os
Tremere antitribu dentro do jogo lá eles tinham uma maldição que os Tremere da Camarilla
conseguiam ver uma marca na testa deles sabendo que eles eram então de um grupo inimigo.
Então, dentro do clã Tremere, tinha Tremere antitribu espião, porque eu não tinha esse
conhecimento de regra. Como eu falei pra você, eu tinha na época o Vampiro módulo básico e o
Guia do Jogador que era o que a gente usava pra usar como suporte de sistema, cenário, e esse
pessoal que veio e que nunca tinha jogado RPG, eles começaram a... o que a gente passou primeiro
pra eles? Os conceitos de clã, “ó o seu clã é assim, se comporta desse jeito, se veste dessa maneira.
Tal clã ele não gosta muito, outro clã ele se dá melhor”. Então esses foram os elementos que a
gente trabalhou, em termos de... pra explicar pro pessoal a questão da narrativa, da parte
performática. E

ntão o primeiro jogo foi uma coisa bem... eu lembro assim, aconteceram situações inusitadas,
porque, por exemplo, um jogador, o personagem dele queria dar o fim no personagem do outro lá,
e aquela coisa a gente ficou pensando “nossa, mas como é que a gente vai fazer a resolução de
combate? Como que a gente vai fazer pra determinar quem machucou quem? Foram coisas que
foram importantes de entender e tiveram situações muito engraçadas... Eu nunca vou esquecer, o

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cara que jogava de Malkaviano, ele tinha um fusca amarelo na época e ele pegou e recortou um
monte de cartolina preta e colou no fusca e fez o fusca dele parecer uma joaninha. E ele primeiro
desfilou pela cidade, com o fusca daquele jeito, e depois chegou no jogo, assim foi uma entrada
triunfal, uma coisa que todo mundo ficou “nossa” né, ele levou realmente a sério essa coisa do
Malkaviano. Surgiu assim, sabe, essas coisas. Era muito engraçado, tinham situações que o pessoal
ainda não tava preso a essas questões, vamos dizer assim, canônicas do cenário do jogo, o que já
era diferente aqui em Londrina.

Como o pessoal de Londrina já tinha um acesso maior ao material da White Wolf, então essa
questão inclusive daqui durante muito tempo você só podia jogar de Camarilla, porque o pessoal
aqui, os narradores padronizavam isso, os jogos serão Camarilla, as histórias serão focadas na
Camarilla, então você tinha acesso a um dos sete clãs, basicamente era isso, enquanto isso lá em
Londrina a gente já era um pouco mais ousado, então eu tinha um amigo, por exemplo, que tinha
sei lá, o clã Giovanni, eu tinha outro jogando de Assamita.

Então eu sempre fui uma pessoa que gostava de explorar o cenário, o sistema ao máximo que dava,
enquanto que aqui ainda era... o pessoal era mais assim, muito preso à cartilha da Camarilla, da
White Wolf. Em contrapartida, também a da Camarilla, organização Camarilla, que daí assim o
By Night aqui foi, enquanto projeto, tentando se formar desde 95 e ele foi sair do papel mesmo
em 99, nesse meio tempo eu mestrei mais algumas vezes lá em Uraí, aí eu passei na faculdade aqui
né [Londrina], no curso de Biologia, vim morar pra cá, isso meio que... a partir disso não teve mais
nenhuma partida de LARP lá em Uraí, porque de certa forma todos os jogadores que eram do
Ensino Médio começaram a entrar na universidade e a minha cidade não tem Faculdade, não tem
nada, então o pessoal começou a vir pra UEL que é a maior universidade da região e aí nós
começamos a ter contato com os jogadores daqui também, eu já tinha por conta de um amigo meu
que estudava numa faculdade em Jacarezinho e conhecia um jogador de Londrina que também
estudava lá, que foi a minha ponte pra participar do primeiro LARP.

E aí é... quando eu mudei pra Londrina eu comecei a conhecer os outros grupos e até então é uma
coisa bem tranquila, nós éramos bem novos ainda e a questão que foi surgir um pouco mais pra
frente, na parte de intriga entre os jogadores, ainda tava assim muito no começo. Mas depois,
assim, o projeto em si acabou gerando uma sisma nos grupos ...

Rafael: É uma questão que acontece muito. Começou a gerar conflito...

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Fernando: Oi?

Rafael: É que esse é um dos pontos que acontece muito, a geração de conflito. Eu acredito que é
por causa de que... como vamos falar de jogos que envolvem a narrativa, drama e questões de
representação, as emoções vez ou outra acabam atritando. E existem cidades que tem mais atrito
e tem 30 grupos na cidade e tem cidades que tem 2. E aí eu queria entender que como nessa região,
tão tradicional, e que o LARP começou a se desenvolver bem devagar, como eu se davam esses
atritos já que vocês não tinham tanta certeza do que era o certo? Ou se é que existia um certo nessa
história... Porque eu vejo um cenário, que você me mostra da década de 90, que poderia
tranquilamente cada um criar o seu LARP do seu jeito.

Fernando: Então... O problema Rafael foi o seguinte, o problema é que é assim o One World By
Night por um lado te dava uma abertura muito interessante, e por outro lado ele acabou restringindo
muito essa situação de você ter outros projetos paralelos, porque acabou meio que gerando uma
coisa que hoje em dia a gente chama de Gourmet, jogar o By Night era uma coisa Gourmet. O
Live paralelo era visto com uma desconfiança, o LARP independente, você não ligado a nenhum
grupo. Então isso acabou gerando muitos atritos porque, primeiro, começou a ter a briga de quem
fazia parte da organização? Quem estaria na cabeça do projeto?

E aí isso teve uma das primeiras complicações porque quem tinha trazido, até então, eram pessoas
que estudavam na USP, tinham tido contato com o Del Debbio, com o pessoal lá, e tinham trazido
pra cá. Só que aí o pessoal que morava aqui, que era o pessoal que organizava aqui, eles meio que
começaram a se desvincular desse outro pessoal, e cada um tinha sua concepção de como devia
funcionar, de como deveria ser, e aí esse pessoal, eles já tinham um poder aquisitivo mais forte,
então todo material que saia, por exemplo, o suplemento World of Darkness... É o World of
Darkness que descreve vário cenários, né? Acho que é isso...

Eles tiveram acesso, eles já usavam aquilo que trazia nos suplementos sobre o Brasil, sobre as
situações que tinham no Brasil e ai esse pessoal, por exemplo, eles rompem com o conceito que a
Dragão Brasil tentou estabelecer. Porque eu lembro que na época a Dragão Brasil quis montar um
cenário do Vampiro pro Brasil e eles jogaram que o Sabá era aqui o Sul, e foi uma coisa que a
gente nunca conseguiu entender aqui, porque o Sabá está aqui na nossa região? Na região Sul? E
de certa forma foi até incorporado. Porque o Sabá ficava mais pro Sul, do que pra nós aqui.

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Rafael: O Sabá ficava no Uruguai, então... bem pro Sul.

Fernando: Então... mas pra nós aqui na região norte do Paraná o Sabá estava do meio do Paraná
até o resto do Sul, e que nem lá em Curitiba, o Sabá já estava lá em Santa Catarina. O pessoal lá
de Santa Catarina, de Florianópolis, já jogava o Sabá lá no Rio Grande do Sul, e o pessoal do Rio
Grande do Sul, de Porto Alegre, jogava o Sabá lá pro Uruguai. [risos]. Então, assim, entendeu?

Rafael: Ninguém queria o Sabá na cidade [risos].

Fernando: Dependendo de onde você tinha o cenário, ninguém queria aceitar que aqui era
domínio do Sabá. O Sabá lutava contra, pra tentar contestar né. Isso, essas questões que pode
parecer uma questão que não tem tanta relevância foi algum dos motivos que começou a gerar os
atritos entre os jogadores e narradores. Porque um grupo achava que o cenário deveria ser de
determinada maneira, a Camarilla estabelecida forte, a briga interna, as questões bem voltadas pra
aquilo que o Mark Rein Hagen queria, do horror pessoal, outro grupo já buscava a questão política
mesmo, as questões de busca por cargos, por status e assim por diante, e isso daí acabou meio que
o famoso bleed, começou a vazar do jogo pra fora e começou a afetar o relacionamento dos
jogadores.

Eu mesmo, eu vivi uma situação, que isso foi em 99. Noventa e nove foi o ano que o projeto do
Londrina By Night tava finalmente se solidificando, tava finalmente ganhando contorno... nesse
momento o Londrina By Night estava ligado ao Campinas By Night, então a gente era meio que
uma... o pessoal chamava de Chapter, um capítulo do pessoal de Campinas que tava relacionado
com o One World By Night, então foi um meio do pessoal ir entrando no projeto. E foi assim bem
complicado porque eu queria montar uma personagem, mais por umas questões pessoais,
envolvendo garotas no caso, eu não me dava muito bem com outro jogador, que era mais amigo
dos narradores na época. Então, por conta disso, essas questões pessoais, os caras me podaram, me
tiraram do projeto assim como outros jogadores que eles consideravam que não tinham o perfil.

Rafael: Ah, só uma observação... Da década de 90 até hoje, o público feminino tem se envolvido
com as questões do Larp no norte do Paraná ou tem sido uma constante?

Fernando: Olha... Isso é muito pano pra manga Rafael...

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Rafael: Por que é uma complexidade... eu vejo grandes debates de gênero em São Paulo e no Rio
em relação a isso, em Minas eu já não vejo tanto. Em minas a gente teve mais conflito com o caso
Ouro Preto do que com qualquer questão de gênero. Agora, no sul, eu não sei como é que está. Por
exemplo... aqui, falando de Minas, em Minas tem muitas mulheres jogando, mas muitas mesmo,
é difícil você achar uma mesa que não tenha uma mulher ou um LARP que não tenha muitas
mulheres. Então eu fico pensando que assim, não existe a briga que tem, ou se existe não está no
meu conhecimento, que tem em São Paulo e Rio. Como que está sendo essa relação de gênero,
embora eu não goste muito de falar de gênero... mas é um ponto importante.

Fernando: Então, quando a gente começou aqui, por exemplo, o meu grupo de jogo, nos éramos
de 5 a 6 jogadores e não tinha nenhuma mulher. Mas quando nós começamos o nosso primeiro
LARP lá em Uraí, que nós convidamos outras pessoas, acho que um terço dos jogadores eram
mulheres, só que é aquela coisa assim, elas também estavam aprendendo a jogar e tal, e
infelizmente o RPG na minha cidade não foi pra frente, principalmente depois que nós nos
mudamos. Aqui em Londrina, o primeiro LARP que eu joguei mesmo, tinha lá uns.... 70 ou 80
jogadores, eu vou falar pra você que pelo menos 20 eram mulheres. Tinha uma grande quantidade.

E assim, elas levavam muito a sério a questão da caracterização, da interpretação, inclusive elas,
as mulheres sempre foram mais voltadas para essas questões relacionadas à interpretação, né, a
essa coisa de você vivenciar o personagem do que os fatores externos do jogo, as questões
políticas, as questões das tramas, dos conluios, então assim, a gente sempre teve uma participação
muito forte de mulheres aqui. Mas ao mesmo tempo a gente sempre teve um problema muito
grande, que a gente sempre teve muito problema de assédio aqui, que os jogadores dentro do jogo
eles acabavam fazendo esse meta jogo, essa coisa que acabava extrapolando né, aconteci o bleed
aí e ia pra fora e assim, o que acontecia, o pessoal se envolvia fora do jogo, começava a namorar,
começava a se relacionar, aí eventualmente os relacionamentos acabavam, e quando acabavam um
dos dois jogadores, geralmente a mulher, parava de jogar. Então assim, era muito difícil a gente
ter uma jogadora que mantivesse assim um jogo constante, que fosse durante muito tempo
participando dos grupos. Sempre existiu essa situação.

Rafael: No caso de... eu não sei se eu entendi corretamente, mas no caso de ocorrer algum abuso,
tinha alguma forma de denúncia? Ou aconteceu algum grande conflito na cidade? Estou só
especulando...

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Fernando: Sim... Londrina né, o norte do Paraná, o Paraná em si, de certa forma, é uma região
bem machista. É uma região assim, bem... a gente avançou muito nesse sentido, principalmente
por ser uma cidade universitária que está aí ganhando cada vez mais contornos próprios de uma
população com uma concepção mais acadêmica. Mas assim, a gente tem muito... a região é muito
conservadora, e ao mesmo tempo em que ela é conservadora, ela tem essas situações. Durante
muito tempo... eu já ouvi da boca de um jogador experiente que mulher não deveria jogar Larp,
porque na opinião dele a maioria dos Larps acabavam, ou tinham aí um problema por conta das
mulheres, porque um narrador brigava com outro, porque estava interessado em uma determinada
jogadora, ou um começava a namorar uma determinada jogadora e o outro ficava bravo e parava
[de jogar]. Então na cabeça desse jogador, que inclusive foi um dos primeiros jogadores da cidade,
a melhor situação seria não trazer mulheres para o Larp.

Rafael: Meu Deus...

Fernando: E isso daí, se eu particularmente, não que eu tenha... não estou falando que eu sou
totalmente desconstruído e pós estruturado, nada assim, mas eu sempre tive essa concepção mais,
nesse sentido mais liberal, eu queria que todo mundo participasse, jogasse. O pessoal até brincava
que eu era o pregador do deserto, aquele cara que tentava disseminar a palavra do RPG, do Larp,
levar para todas as pessoas, explicar para todo mundo. E sempre tive uma paciência muito grande...
Mas também, eu sou professor né... diga-se de passagem. Então assim, sempre tive muita paciência
para explicar.

Só que assim, isso daí fez muito parte dos conflitos que nós tínhamos, por conta até da situação
que eu te falei, eu briguei com esse jogador por que tinha lá uma menina em quem eu estava
interessado, ela era ex-namorada desse cara e ela jogava também, e acabou virando uma situação
que acabou entrando no projeto, que era uma coisa pessoal nossa e esse jogador, por ter uma moral
lá com os narradores ele conseguiu me barrar no projeto. Eu e mais outros jogadores, por “n”
motivos, sendo sim essa situação de relacionamentos muito frequente, eu vou te dizer, muito
frequente mesmo... Nós não podíamos participar do projeto do One World By Night por conta
dessa situação, tipo, uma coisa de fora que acabava interferindo dentro. Só que assim, só pra
complementar, nós não tivemos situações por exemplo, mais fortes de assédio... Dentro do jogo
existia um respeito muito grande. Por conta de que o pessoal levava muito a sério, principalmente
a regra do não tocar.

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Rafael: Uhum...

Fernando: Assim, o pessoal.... se alguma situação um pouquinho mais forte acontecia, onde um
jogador se excedia, pegava no braço de outro, principalmente de alguma jogadora, na hora já
acontecia algum tipo de retaliação. Os jogadores, ao mesmo tempo em que tinham essa dificuldade
de lidar com... os jogadores não tinham... eu percebo assim, o pessoal era muito novo, era tudo
universitário. Então faltava um pouco de maturidade no pessoal, em perceber que as jogadoras
queriam ter o respeito em relação a serem jogadores também. Não simplesmente mulheres que
estavam vestidas de uma maneira atraente e tal, e que estavam lá como se fossem parte da
decoração do jogo. Então isso daí era complicado, mas ao mesmo tempo existia essa proteção às
jogadoras. Não sei se eu fui claro nisso daí.

Rafael: Eu acho assim, que esse assunto ele é tão mais amplo que ele mereceria até uma pesquisa
específica pra ele.

Fernando: Ah sim, com certeza.

Rafael: Eu queria... porque eu já ouvi vários outros casos de Larps, em várias partes do Brasil, em
específico de Vampiro que tinha esse conflito e vários desdobramentos em cima desse conflito. E
é engraçado que... eu faço até um comparativo que eu fui fazer um trabalho com Edularp com
crianças que moravam num bairro que era bem... ele era distante e ao mesmo tempo um bairro
perigoso, um bairro violento. E era um bairro que sempre morria alguém, todo dia tava morrendo
alguém... E quando a gente terminou o Larp, a gente estava conversando sobre o bairro e aí eu
perguntei pra eles assim “Então, mas por que? O que realmente mata no seu bairro, o que mais
mata? Qual o principal motivo?” e eles responderam assim “O principal motivo de morte é
mulher.”. Os meninos falando sobre o bairro deles, a gente nem falou disso dentro do Larp, mas
eu vejo que os jogos de representação eles são grandes lentes sociais, eles mostram muito dentro
de um cenário. Enfim, mas agora, só filosofando um pouquinho... Mas o que eu queria te perguntar
é: da década de 90 até agora em 2017, o que você pode apontar de pontos positivos e pontos
negativos que foram se desenvolvendo no Larp em sua evolução?

Fernando: Olha... então, eu até ia entrar nessa questão. Eu acho que uma das situações que
acabaram levando a não ter, assim, vamos dizer, problemas dessas questões de assédio, de... assim,

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tinha a questão do (até hoje tem), do machismo. Eu já ouvi muito jogador falar que mulheres não
sabem jogar RPG, não sabem jogar Larp, e isso persiste até hoje aqui na região e isso, de certa
forma, até a gente acaba vendo isso na internet também, nos grupos sociais e tal. Mas assim, na
época, era um grupo bem elitizado, era a grande maioria dos jogadores eram universitários, eram
jogadores que estavam na universidade, cursando “n” cursos diferentes, direito, medicina,
psicologia, Biologia, história... isso padronizava, e com o passar do tempo o público foi
diversificando, até porque assim, a maioria dessas pessoas elas abandonaram o jogo em
determinado momento, a partir do momento em que se formaram ou né, entraram assim na vida
adulta e começaram a trabalhar, constituíram família, e outras pessoas que nem no meu caso, que
estou com 39 anos, eu estou até hoje envolvido nisso, né, sou professor universitário, estou fazendo
doutorado, só que o público se tornou mais eclético, então nós temos assim desde pessoas com
formação básica, a pessoa que fez o ensino médio e trabalha como atendente de call center, até
médico, advogado, pessoas com careiras aí consideradas mais né, elitizadas, vamos dizer assim, e
eu vejo assim, de certa forma que o Larp se tornou mais democrático.

Ela acabou abrindo portas, abrindo espaço assim, em parte assim, eu tento me mostrar um pouco
modesto nesse sentido, mas eu acho que tive uma grande colaboração nisso dessa maneira, sendo
um pouco freiriano, numa concepção mais libertária né, no sentido de levar pra todo mundo ali e
pra quem quisesse. Por que nós tivemos ali assim, o One World By Night ele acabou se efetivando
como um membro do projeto Brasil By Night e naquele momento foi o máximo da elitização.
Porque o pessoal que era da organização era assim... eu lembro que os organizadores, tinham dois
caras que eram advogados, um que era médico, todos de família classe média alta, então o crivo
assim de seleção para os jogadores era muito alto e eles tinham assim uma concepção totalmente
elitizada, em que as histórias, os enredos, as narrativas, os plots, todos eram centrados num grupo
principal e ficavam lá em volta desses narradores.

Aí tinha alguns jogadores, ainda assim selecionados, mas que eram vistos como um grupo de
suporte, que estavam ali para dar volume, que entrava, que nem no meu caso, eu fazia Biologia na
época né, não era um curso tão nobre e tinha aquele ressentimento ainda com outro jogador, então
eu só fui jogar mesmo no projeto em 2002, demorou 3 anos para conseguir vencer aquela
resistência que foi colocada. Outros jogadores também foram entrando depois e isso daí foi assim,
durante... até 2005 perdurou muito, aí a partir de 2005 eu comecei a tocar os Larps aqui na região.
Eu comecei com um Larp de lobisomem, que era uma coisa que até então, pessoal já estava de
saco cheio de vampiro, queriam jogar alguma coisa diferente e eu falei “tá bom”. Eu vou então

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criar uma história focada em lobisomem, e foi assim bem legal, foi durante o ano de 2005, fizemos
ali cerce de 6 Larps que foram muito bacanas assim, até por conta da mudança de concepção,
porque o Larp de Vampiro geralmente tinha que ser à noite, tinha quer ser num lugar que dava
para montar um cenário próprio, então nós chegamos a jogar na biblioteca municipal, chegamos a
jogar numa escola de ballet da cidade, e o [Larp] de lobisomem permitiu pra gente uma mudança
de... concepção de cenário... então o primeiro que eu fiz foi um churrasco, uma costelada, uma
coisa que nunca tinha acontecido num Larp de vampiro né?

Rafael: O que faz total sentido, você faz o churrasco dos Roedores de Ossos, chama todo mundo
[risos]...

Fernando: Nossa, não, cara, nós fizemos um Larp que foi um piquenique onde cada matilha tinha
que levar alguma coisa para ser consumida e pra ser... E aí tinha a matilha dos Roedores de Ossos,
que os caras fizeram um sopão pra falar que era tipo a tal da sopa de papelão deles né, e assim, os
caras realmente fizeram uma coisa que ficou um negócio muito bacana. E aí tinha o líder da matilha
dos Presas de Prata e aí ele foi convidado a comer junto com os Roedores de Ossos e ele teve que
ir lá se servir do sopão dos Roedores. Foi uma coisa assim, e o cara querendo conquistar a liderança
de todos os lobisomens e teve que fazer todo um gesto político pra ganhar os caras...

Então ele foi lá, comeu e falou que tava muito bom, e foi muito interessante esse ano! Esse ano foi
um ano que assim, que a gente começou a explorar outros conceitos, fugir dessa coisa de Larp,
Vampiro, Camarilla... Começou a abrir um pouco mais... porque eu comecei a permitir que outras
pessoas que assim, que não faziam universidade, o cara que trabalhava no McDonald’s, o cara que
para esses caras [elitistas] não era cotado pra ser um jogador, se o cara tinha vontade e queria
aprender e queria jogar, eu falava “não, vem, vamos jogar, vamos participar!”. E eu recebi muitas
crítica desse grupo que na época ainda era assim, a panelinha daqui, e assim, a partir disso os jogos
foram cada vez abrindo mais, então inclusive o número de jogadoras foi aumentado, a gente foi
tentando explicar e colocar elas numa concepção mais assim, não só de... elas realmente tendo
importância no cenário, mas ainda assim a gente tinha dificuldade com essa situação que eu falei
pra você dos jogadores que se interessavam pelas jogadoras e fora do jogo tentavam conquistar
elas e isso acabava indo pra dentro de jogo também, que era uma coisa complicada que eu tinha
que ficar atento o tempo todo, a um jogador que usava o personagem dele pra tentar se aproximar
da personagem da jogadora para tentar criar um vínculo.

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Isso daí rolava muito sabe? A questão da paquera era uma das coisas que mais me dava dificuldade
em termos de meta jogo. E isso se dava muito por canta... que a gente tinha desde de menores, na
época a gente chegou num ponto em que, olha que interessante, eu comecei a jogar com 16 anos,
eu era um menor, e aí chegou num ponto que eu tinha que controlar a participação dos menores,
até por conta do [caso de] Ouro Preto. Que foi toda aquela situação lá em 2002, né? Se eu não me
engano.

Rafael: Foi 2001...

Fernando: 2002... 2001?

Rafael: Foi em 2001. Mas o bom é que em 2005... 2005 ainda não tinha mas em 2006 desceu uma
portaria do ministério da justiça que resolvia isso. Que era a 1.100 do ministério da justiça, porque
basicamente os Larps começaram a usar ela.

Fernando: Então, aí em 2006, eu montei um projeto... aí nós saímos do By Night, em 2004. Aí


em 2005 eu comecei a mestrar, eu não quis entrar no By Night, eu não quis entrar no projeto, o
projeto estava... na verdade também estava acontecendo aquela situação que o Vampiro: A
Máscara tava acabando, eles iam começar o novo Mundo das Trevas e ninguém sabia direito como
ia acontecer, como ia ser... a mudança de cenário, a mudança de regras, tudo aquilo... e eu não
queria me envolver. Aí eu montava Larps independentes, Larps que assim, eram focados na cidade,
e isso dava muito mais liberdade pra gente, no sentido de que eu permitia outros jogadores jogarem
com outros clãs que não fossem da Camarilla, utilizava alguns personagens dentro da história, que
por exemplo, dentro do Londrina By Night, nunca que um Justiçar ia pisar aqui na cidade de
Londrina.

Até mesmo... eu lembro quando, a primeira vez que apareceu um Arconte aqui foi uma coisa assim,
extremamente grandiosa, foi uma coisa assim... foi um evento memorável, ter um Arconte na
cidade. Assim, porque o projeto tinha essas, tentava estabelecer as suas restrições. O Justicar que
eu lembro, quando teve no projeto, foi quando teve os jogos em São Paulo, no Internacional de
RPG e no Internacional de RPG de Curitiba, que tinha também, não sei se você lembra na época.
Tinha em São Paulo e Curitiba. Curitiba era uma semana depois de São Paulo. E era muito nesse
sentido assim, o Justicar ele só vinha pra, assim, as maiores capitais, passava, era aquela coisa
estarrecedora, então Londrina ficava meio que restrita apenas às situações locais, então a

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personalidade muito forte aqui era o Príncipe... então tudo isso fazia o jogo ser de um caráter local,
com situações que se passavam dentro da cidade, então isso levava a uma... o pessoal que estava
aqui, assim no projeto, eles não entendiam bem a essência do One World By Night, a questão de
você ter contato com outros jogadores do mundo.

Eu lembro assim, eu... quando eu entrei no projeto, eu montei um personagem do clã Toreador, e
eu fui um dos primeiros aqui que começou a correr atrás de conhecer personagens de outras
cidades, por que aí quando... aqui, no caso, foi quando a internet começou a ser incorporada dentro
do projeto e dessa situação dos Larps, então... porque até aí, o que acontecia? Acontecia o Larp e
até o outro Larp a gente não tinha situações que hoje por exemplo tem o ensino de down time
action, de ligações entre os jogos...

Rafael: No caso de 2000 pra frente começou a ser feito o registro? Ou a partir de que ano começou
a registrar? Fotograficamente...

Fernando: O pessoal aqui, se eu não me engano, naquela revista que eu citei pra você, na Role
Playing nº 4, tem fotos do Live que teve no shopping, inclusive eu acho que eu tenho a revista aí
e eu vou tentar achar e eu mando pra você, se você não tiver, não tiver acesso.

Rafael: Faça o seguinte, escaneie pra gente colocar como anexo da entrevista.

Fernando: Eu tenho algumas fotos dos primeiros Lives que eu fiz também, não dos três primeiros,
mas eu registrei alguns depois.

Rafael: Mas agora, pensando nessa cronologia, quando que surgiu a preocupação de registro?
Mais numa questão contínua.

Fernando: Quando Londrina efetivamente se tornou parte do Projeto.

Rafael: Ok...

Fernando: Aí eles começaram a... porque o projeto exigia esse reporte, essa montagem a cada, se
não me engano a cada três meses você tinha que atualizar a história da cidade, o que tinha
acontecido, o que estava acontecendo e assim por diante. Só que assim, eu não posso te afirmar

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porque na época eu só era jogador e eu não tinha noção do que se passava enquanto organização
de projeto. E aí, quem nem, no meu caso, eu registrava o material, mas infelizmente, eu acho que
eu não tenho mais, eu tenho fotografias, mas em termos de escritos... até porque assim, esse jogo
que eu falei pra você, que eu comecei a mestrar em 95, várias das histórias que eu mestrei, elas
foram incorporadas dentro desse cenário, esse cenário então ele acabou sendo usado de pano de
fundo para todas as outras histórias que eu acabei narrando, até então.

Rafael: Ok, e a partir da década de 10, século XXI, década de 10... o que mais tomou forma no
Larp no norte do Paraná? Além do pessoal que resolveu se abrir para fora do Vampiro?

Fernando: Então quando chega lá em 1900 e... 2010, o pessoal já estava assim muito cansado com
os formatos básicos de Larp de Vampiro aqui, na verdade o público tinha envelhecido, muitos que
eram universitários se formaram, esse pessoal que acabou entrando não ficou muito tempo, as
situações de intriga aconteciam muito, acontecia muita coisa do tipo briga entre os jogadores pra
ver quem tinha mais atenção, quem tinha mais... assim, briga de ego. Acontecia muito entre os
jogadores, principalmente entre os jogadores mais antigos,

Rafael: Sim...

Fernando: Aí o que acontece em 2010, é que a gente tem uma, o que foi interessante, a gente teve
uma renovação de público. Eu estava um dia numa loja, que tinha aqui, a Odisseia, que era loja
que era o nosso point, que era um lugar que inclusive a gente fazia muito Larp lá, tinha um espaço
muito legal pra fazer. E eu estava lá assim, eu estava desanimado, porque eu tinha acabado de
fazer um Larp de Mago, porque eu estava tentando buscar assim, eu vinha desde 2008 tentando
elaborar projetos diferentes, Larps diferentes, então acabei narrando Larp de Call of Cthulhu, eu
fiz um Larp de Marvel baseado na guerra civil, foi bem bacana, assim, o pessoal realmente vestido,
caracterizado, aí eu fiz esse Larp de Mago, tentando pegar um outro cenário, uma outra situação,
mas assim... o pessoal desanimou, o pessoal que já jogava há um bom tempo. E eu tava lá na loja,
tava desanimado. Aí chegou uma molecadinha nova, que era assim, do colegial ainda, do ensino
médio, 16 a 17 anos.

E eles chegaram e falaram assim “olha, a gente está querendo montar um Live Action, você não
ajuda a gente?” aí eu falei “ah, tudo bem, eu entro como consultor, mas o narrador é você, você
faz e eu vou te ajudando” e no final eu que acabei me tornando narrador. Eu acabei levando esse

95
projeto aí que era um projeto alternativo também, independente, a gente começou em 2010 e foi
até o começo de 2012. E durou acho que umas 32 partidas mais ou menos, foi bem longo. E o
público estava diferente. Era um público novo, uma molecada nova, só que é aquela coisa, o que
acontece?

O público lá no começo dos anos 90 até o meio dos anos 90, era um pessoal que eu sinto assim,
que tinha mais comprometimento, em relação à participação, caracterização, toda essa situação
assim de se... de querer mesmo fazer parte daquilo. De querer participar de tudo o que estava
acontecendo dentro do projeto, do jogo e tal. Esse pessoal de a partir de 2006, 2007, eu senti assim,
ao mesmo tempo em que começou a ser mais democrático, também começou a ser assim, um
pouco menos compromissado. O pessoal realmente via assim pela concepção lúdica, do tipo “ah,
eu vô lá e jogo, se não estiver a fim, não jogo...” Então assim, aquele comprometimento mínimo
foi se perdendo. E aí quando chega esse grupo aí, eles não têm, não tinham... aquela cultura que
existia... eles são mais ou menos a terceira geração de Larp, desde 94, esse grupo de 2010.

E essa terceira geração, ela já vem assim, praticamente nenhum comprometimento, totalmente
interessada na questão da... de vivenciar uma situação nova, de entender como é que era essa coisa
de sair da mesa e interpretar no Live Action, e foi interessante que eu senti que foi um público
novo, um pessoal que queria uma coisa diferente e tal e era muito complicado, porque você não
conseguia levar histórias, linhas centrais, que às vezes precisavam de determinados personagens
ali que iam crescendo, iam se tornando importantes, mas os jogadores, em um determinado
momento acabavam saindo do jogo, porque eles não tinham esse compromisso, não tinham... eles
não conseguiam entender assim, ou perceber, ou né... que tipo o crescimento deles no jogo,
acabava gerando essa necessidade da história meio que... Então a gente teve dificuldade em relação
a isso.

Rafael: É interessante isso porque você não tem, nesse caso, nem um jogador de longo prazo, nem
um jogador de One Shot, você tem tipo um jogador líquido (citando o Bauman, falecido), você
tem um jogador líquido. Ele tá, mas não tá, talvez esteja, mas... é bem volátil, isso tem acontecido
bastante.

Fernando: É complicado, o Wagner ele fala muito isso, assim, a questão da... O Wagner não gosta
muito de crônicas muito longas, porque ele acha que conforme vai ganhando muito XP, vai
ganhando muito... acontece aquela situação que a gente brinca de chamar de Vampire Super

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Heroes 1:17:45... Os personagens ficam extremamente fortes, fica aquela coisa absurda. E é uma
coisa que eu acho que é muito triste porque assim, eu queria que o pessoal entendesse que o poder
que você adquire enquanto mecânica de jogo e tal, ele é interpretável, ele é algo que você pode
compreender como essência do jogo.

Você interpretar um personagem que cresceu né, dentro daquilo, através daquilo que ele buscou,
daquilo que ele aprendeu, daquilo que... E assim, o Wagner mesmo, a gente até conversou isso
semana passada, pra ele de tempos em tempos tinha que ter um reboot, pra equilibrar o jogo. E eu
já não penso dessa maneira, eu penso que o jogo tem que continuar... assim, o problema que existe
em relação a isso é que alguns jogadores acabam se apegando muito aos seus personagens. É um
grande problema dentro do One World By Night atual. O One World By Night atual, ele está
morrendo em parte por conta disso. Tem alguns jogadores que assim, eles não querem, de maneira
nenhuma abandonar os personagens deles, que já têm aí 15 anos, 20 anos, então eles fazem as
coisas mais absurdas e improváveis para não perder o personagem, e isso meio que assim, em
Londrina a gente nunca foi contaminado por essas situações, porque os nossos personagens nunca
chegaram a níveis de poderes que você vê em outros lugares, que a gente chama de house né, as
outras casas, que são outras cidades.

Você pega por exemplo, São Paulo By Night, Rio de Janeiro By Night, Natal By Night... tem
personagens absurdos, assim, tem personagens com uma pontuação absurda, e aqui nós não
passamos por isso, mas nós passamos por situações locais, que eram jogadores aqui em termos
locais ficando mais fortes e isso gerando uma dificuldade de interpretação, de consistência,
subindo à cabeça né... de forma que isso atrapalhava muito assim, o desenvolvimento da história,
mas aí assim, ainda assim, em 2012 eu reintroduzi Londrina no One World By Night, então desde
2012 a gente está no By Night até hoje e esse público que tinha se formado, que tinha essa cara
assim meio que “ah, eu jogo quando eu tiver vontade, mas eu vô lá, participo... a gente meio que
rolou uma seleção pra começar o By Night aqui. Então de certa forma eu falo do pessoal assim no
começo de uma maneira crítica, mas eu acabei fazendo isso também. Eu acabei selecionando os
jogadores para começar o projeto aqui. Porque até tinha essa situação de que eu, tipo assim, tinha
perdido a confiança em jogadores mais antigos aqui.

Rafael: Uhum...

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Fernando: Que não estavam levando o projeto muito a sério e tinha até uma questão de, como eu
posso te colocar. Era uma questão quase que de extremismo mesmo, dos jogadores mais antigos,
como se fosse... você pega aí uma série, alguma coisa a onde você tem atores mais antigos e tem
aquela coisa assim, né, que daí você tem que dar um cachê melhor pra esse ator, tem que dar
atenção maior pra esse ator, as cenas, coisa e tal... E o By Night de certa forma incorporou isso,
essa coisa da concepção midiática do ator que tinha lá assim, mais tempo e mais experiência, logo
ele tinha a preferência em escolha de personagem, em termos de ocupação que o personagem ia
ter e eu tentei romper com isso.

Porque eu percebia que esses jogadores eram os jogadores que mais davam trabalho, eram
jogadores que tinha-se que trabalhar dentro dos elementos deles, do que eles queriam, e eu tentei
assim, como nós voltamos para o By Night, o projeto deixou de ser independente, nós queríamos
voltar com uma cara diferente, então eu escrevi uma história a onde a Camarilla tinha um problema
com o clã Giovanni, então o Sabá nem existia na região, eu simplesmente tirei o Sabá da história,
o pessoal nem sabia o que era um Sabá aqui, e eu criei uma situação assim, que era meio que um
conflito, que era de certa forma uma Guerra Fria e o que foi mais interessante, como eu tirei esse
jogadores mais velhos, que eles já estavam muito viciados nos formatos que eram jogados, que é
formato básico Camarilla, às vezes tem um espião, às vezes tem um conflito lá para ter uma práxis
do príncipe, pro outro se tornar príncipe, então assim, eu acabei selecionando jogadores novos para
fazerem parte do projeto

Rafael: Querendo ou não você fez um rebut aí né, na história?

Fernando: Basicamente sim, rebut em termos até do grupo de jogadores, isso gerou um atrito
muito grande na época. Esses jogadores que eu deixei de fora me criticaram muito, eu tive que
ouvir muita coisa, sabe... assim, da maneira como eu estava procedendo. Aí eles tentavam queimar
a gente pra fora de Londrina, nas outras cidades que estavam no projeto, mas o que é interessante
é que assim, dede que a gente entrou no projeto, o Projeto ele ganhou um caráter de ter encontros
regionais.

Rafael: Hum... ta.

Fernando: Várias cidades faziam encontros do By Night, então o primeiro que eu fui inclusive, a
gente ainda esteve entrando... porque agora tem toda uma burocracia, você já não entra de cara no

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projeto, tem que primeiro passar durante seis meses num estágio probatório, pra ver a questão da...
né, se o projeto considera que você está levando a sério ou não, aí se você passa você entra dentro
do probatório, e aí são mais seis meses pra poder ter uma votação, pra cidade virar membro
provisório e depois de um ano para se tornar membro efetivo. Então nós passamos por todo esse
perrengue...

Rafael: Eu tenho uma dúvida... Existe alguma influência ou contato do poder público, ou alguma
universidade dialogando com esse projeto?

Fernando: Não, a... sim...

Rafael: Não, sim...?

Fernando: O que acontece que é complicado, lá no começo dos anos 2000 nós chegamos a ter
mais influência nesse sentido aqui na cidade, nós tínhamos uma gibiteca, tínhamos uma secretaria
da cultura que pessoas que estavam relacionadas a isso, mas começou a ter muito atrito interno
entre esse pessoal e que era relacionado a isso. Atrito assim, de como a organização deveria
proceder ou não, de como as coisas deveriam acontecer e isso acabou rachando e infelizmente nós
também tivemos assim uma falta de maturidade dos jogadores, principalmente na questão do
respeito aos espaçpços públicos a que a gente tinha acesso.

Porque na época a gente chegou a ser uma ONG, uma ONG mesmo, através da ONG a gente
conseguia alguns espaços, mas alguns jogadores acabaram comprometendo o projeto. Teve uma
situação que nós fizemos um jogo dentro de um teatro, que era um cenário muito legal, muito
bacana. Só que depois lá o pessoal que cuida encontrou camisinha usada no lugar. E assim,
aparentemente isso nem estava relacionado com o pessoal do jogo, mas isso já foi relacionado
[atribuído] a nós. E aí teve uma outra situação que inclusive foi a última partida naquela época,
em 2004, quando acabou o projeto de vez, que foi numa escola de balé aqui, que um jogador foi
alcoolizado, a gente demorou pra perceber a situação dele, e quando a gente percebeu a situação
dele ele já tinha vomitado em todos os lugares do prédio. Então a gente tentou limpar onde
encontramos, mas isso acabou queimando a gente e a parti disso a gente perdeu muito espaço.

Rafael: Mas no caso, foi fundado uma ONG para fazer LARP de Vampiro? Não sei se eu entendi...

99
Fernando: Oi?

Rafael: Foi fundada uma ONG pra fazer Live? Só pra saber.

Fernando: O Projeto Londrina By Night era uma ONG.

Rafael: Ah, beleza!

Fernando: A gente chegou a fazer inclusive eventos de arrecadação de alimentos, arrecadação de


roupas, assim, eventos sociais, pra ter essa contribuição perante a sociedade, pra tentar até, naquele
momento ainda estava forte a questão de Ouro Preto, então a gente estava tentando... Assim, Ouro
Preto aqui teve uma repercussão muito forte, principalmente na loja onde a gente jogava, que era
a Odisseia, e não foi só Ouro Preto, quando começaram a difamar também os jogos de carta o Yu-
gi-oh, o Magic, que era um dos principais elementos que traziam dinheiro pra loja, então teve
muita dificuldade nesse sentido.

E aí foi, tudo foi se juntando, a questão infelizmente desses jogadores que fizeram essas besteiras,
toda essa opinião pública que tava aí e que em termos locais também contribuiu para várias pessoas
nos verem de maneira negativa. A universidade não tinha... na verdade tinha uma professora que
ela trabalhava com questões assim mais... Ela era uma professora de história que ela tinha assim
uma concepção mais... ela tinha uma visão mais ampla né, em termos assim de lidar com mídia,
que assim, era o nosso espaço. O Wagner foi um dos primeiros a explorar isso, ele chegou a montar
os primeiros cursos de RPG na educação e assim por diante, mas isso assim, como eu falei pra
você, se a maioria do pessoal não conseguia ver e ter essa concepção de como que o LARP e o
RPG academicamente poderia ser atrativo e interessante, isso não chegava até a universidade, isso
não tocava assim os acadêmicos, demorou muito...

Rafael: Deixa eu ver se eu entendi... Eu quero só tentar desenhar um pouco da sua fala, então o
Londrina By Night virou uma instituição... ela existe até hoje? Ou não?

Fernando: Existe, mas ela mudou, essa instituição que estou te falando, que era a ONG, ela acabou
em 2004, aí o projeto voltou em 2012, mas aí ele não é mais com cara de ONG, ele faz parte do
projeto, do One World By Night, porque o Brasil By Night também acabou e o Brasil foi

100
incorporado ao One World By Night, que na verdade hoje se restringe ao Estados Unidos e ao
Brasil, e está muito restrito, assim... é um projeto agonizante, é um projeto que está aí em...

Rafael: em vias de extinção...

Fernando: Na minha opinião, extinção. Porque inclusive, recentemente, como teve toda essa
mudança da White Wolf para Finlândia, toda essa nova concepção aí, o head Storyteller, o Mart
Edison, se eu não me engano que é a pessoa que lida com a questão de montar o cenário, a história,
ele tentando incorporar o nordic larp dentro do LARP de vampiro, isso daí meio que chocou o
projeto, os americanos estão discutindo até agora como que isso vai acontecer, porque a fala de
um americano foi “meu, a gente não tem como fazer nordic larp aqui nos Estados Unidos, se a
gente fizer isso aqui a gente á preso. Aqui não dá, aqui não tem...”. Tanto que você percebe as
regras...

Rafael: Isso porque eles têm regras nos Estados Unidos que são padrão norte americano. Eles nem
teriam porque mudar isso, na minha percepção. Eles têm a forma deles de fazer LARP.

Fernando: Então, mas a questão é que o One World By Night estava flertando com essa nova
concepção de visão que a White Wolf tem, de mudar a cara do nordic larp para... perdão, a cara
do vampiro como um nordic larp, tanto que eles fizeram vários jogos recentemente, nesse sentido
né, incorporando essa situação. O que não chegou aqui pra nós aliás, aqui a gente está jogando no
velho modelo americano, do não tocar, o máximo que a gente tentou fazer foi deixar o pessoal
beber durante a partida e perceber que não deu certo.

Rafael: Não é muito funcional... Mas, enfim, eu quero também pontuar algumas coisas. Então,
depois do caso Ouro Preto, vocês tiveram uma repressão da sociedade ou do poder público? Porque
são duas ações distintas. [Fernando responde] Poder público?

Fernando: Poder público num maior aspecto...

Rafael: Sim.

Fernando: Mas de certa forma, indiretamente, a gente teve por conta da sociedade, de certos
grupos, principalmente grupos religiosos ligados às igrejas, principalmente às igrejas evangélicas

101
e assim por diante. Então assim, nós tivemos muita dificuldade, principalmente quando, acho que
na época foi a Record, que começou a atacar muito forte as questões dos jogos de cartas, do RPG,
e assim por diante. Isso aí acabou atrapalhando muito a gente, acabou interferindo muito na
elaboração de projetos, pra conseguir espaço, porque o pessoal começava a ter assim uma visão
que vinha de fora né, que vinha da TV ou que vinha da... e isso inclusive interferiu na questão
acadêmica também.

Rafael: Eu imagino...

Fernando: Quando eu tentava falar com alguém assim dentro desse sentido, eu só lembro assim,
nas escolas, quando eu comecei a dar aula, os professores tinham uma visão negativa e falavam
“Ah, mas esse jogo aí não é aquele jogo satanista, que tem magia negra?” e na academia, assim,
como eu sou formado em Biologia, a parte de licenciatura em Biologia, ela era muito fraca nesse
sentido... na maneira de ensinar, então nesse sentido aí eu vi muito como o trabalho do Wagner foi
importante, o trabalho lá do Rafael Carneiro né...

Rafael: Sim...

Fernando: Rafael Carneiro Vasques, que também tinha feito o mestrado dele na época, tudo isso
daí foi importante.

Rafael: Agora eu quero chegar na minha pergunta final, que vem da sua fala inicial: Você
trabalhando LARP na educação, trabalhar com o LARP é uma coisa bem mais incomum do que
trabalhar o RPG na educação, como tem sido essa experiência, onde que você tem feito essa
experiência, com que viés? Fale sobre isso por favor.

Fernando: Como eu tenho essa experiência de LARP aí de 22 anos né atuando dentro do LARP,
eu tive que buscar formatos, formas aí para levar a linguagem pra dentro da universidade, levar
uma linguagem acessível, porque até assim, pra você ter uma ideia, eu fui começar a entender um
pouco o que era o Edularp há dois ou três anos só. Por mais que eu já tinha acesso e tal... e tive
que elaborar aquilo que eu queria buscar com isso, então nos primeiros larps eu fazia... eu nem
tinha ainda construído esse conceito de construção de vivência. Por que assim, dentro da
licenciatura em Biologia nós temos um trabalho que é chamado de micro ensino, que é uma
atividade que o aluno desenvolve mesmo né com os colegas dele e o professor de metodologia de

102
ensino assiste e faz assim, apontamentos meramente didáticos, diz “olha, você falou de tal assunto
assim, melhor falar assado; trabalha com o quadro assim, trabalha com o quadro assado...” e isso
me incomodava muito, porque eu lembro de quando eu era aluno e eu tentava nessa pira de jogador
de RPG, representar um aluno de verdade e isso incomodava meus colegas, incomodava minha
professora.

Ela falava que atrapalhava e eu falava assim “mas professora, se a gente não aprende a lidar com
essas coisas aqui, quando a gente chegar lá vai ser mais difícil” e rolava uma resistência. Mas
quando eu me tornei professor e eu ganhei o poder pra isso, a liberdade [dentro do micro ensino],
eu comecei a trabalhar nesse conceito, a primeira coisa que amadurecer foi assim: como que eu
elaboraria isso daí? Aí eu comecei a pensar então na questão dos estereótipos que existem numa
sala de aula, porque eu queria que os meus alunos vivenciassem uma sala de aula de ciências no
ensino fundamental, crianças de 11 a 14 anos. Então eu comecei a criar os primeiros personagens
assim bem estereotipados: o aluno bagunceiro, o aluno nerd, o aluno com dúvidas em relação à
sua sexualidade e isso daí então eu fui amadurecendo conforme eu fui trabalhando.

Atualmente eu já tenho um formato onde eu consegui elaborar fichas de personagens, que eu uso
assim, um conceito que eu chamo quase meio que um arquétipo mesmo, eu pego lá meio como se
fosse uma celebridade, pro aluno entender como seria o personagem dele. Então por exemplo tem
o aluno Paulo Freire, que é o aluno questionador, o aluno crítico, e é um personagem. Aí tem lá
outro personagem que é a Derci Gonçalves, o que é o aluno Derci Gonçalves? É o aluno que fala
palavrão, que faz bagunça... Então eu comecei a criar esses personagens e introduzir isso nas
atividades de microensino, nas atividades de apresentação inicial e aí isso daí fazia com que as
aulas se tornassem, no princípio, muito caóticas, e aí eu fui introduzindo as regras.

Então por exemplo, uma coisa que eu peguei do LARP de vampiro, a questão do off, de você fazer
um sinal com a mão e “ó, levantei a mão, to em off” então eu incorporei e por exemplo, comecei
a chamar isso de pausa. Como é utilizada? Digamos que o aluno que tá dando aula, que está
fazendo o papel do professor, ele tem uma situação ali que tá muito complicada, os alunos estão
discutindo, chega a ser assim uma situação insustentável para dar aula e esse aluno não sabe como
proceder, aí ele levanta a mão e todo mundo sabe que ele tá pedindo pausa, que ele tá pedindo um
tempo. Aí todo mundo para de interpretar e esse aluno faz o questionamento, e isso não é só com
o professor, todos os alunos têm essa liberdade. Então o aluno que está lá participando ele
também...

103
Rafael: Onde você está fazendo essas aplicações?

Fernando: Estou fazendo na atual universidade onde eu trabalho, que é a Universidade Estadual
do Norte do Paraná, a UENP, que fica em Bandeirantes. Eu já apliquei para uma turma do 4º ano
de ciências biológicas.

Rafael: Ok.

Fernando: E quais são as experiências? Os alunos, quando acontecem todas essas situações, eles
viram pra mim e falam “professor, eu duvido que isso aconteça numa sala de aula” porque
realmente, assim, acaba se tornando uma coisa caótica, porque eles realmente acabam... os alunos
eles entram de cabeça nos papeis, principalmente nos papeis mais polêmicos. O aluno lá que... tem
um personagem lá do aluno que é a Madonna, que é o aluno que adora cantar, e aí o menino fica
cantando o tempo todo. Aí tem o outro lá que é o Snoop Dogg, o aluno que mexe com drogas, aí
ele já começa a fingir que está fazendo um baseado na sala de aula. Todas essas situações vão
gerando conflitos que vão tornando a dinâmica cada vez mais, assim, turbulenta, até que chega um
ponto em que um dos alunos, geralmente o professor, ele pede a pausa, geralmente pra respirar
mas pra virar pra mim e pros demais e falar assim “eu não sei o que fazer aqui, eu não sei como
lidar com isso”.

Aí utilizando a experiência que eu tenho em sala de aula, que eu trabalhei como professor do
ensino médio e fundamental desde 2008 até... trabalhei uns cinco anos, então eu converso com
eles, a gente conversa, estabelece um diálogo, pra tentar entender aquela situação e o que é mais
legal: os alunos, quando eles passam por isso, eles são assim... jovens de 22, 23, 24 anos. Então lá
no 4º ano e tal, que é o penúltimo ano. Ali onde eu dou aula são cinco anos o curso, então esse é o
penúltimo ano e é o primeiro ano que eles vão pra escola ativamente fazer o estágio, e eles falam
pra mim “mas isso acontece na sala de aula mesmo? Essas situações que a gente vivenciou aqui,
isso realmente acontece?” e eu olho pra eles e falo “olha, tenha certeza, sala de aula pode até ser
pior do que isso, não que ela é assim o tempo todo, mas a sala de aula pode ter situações críticas
que chegam nisso.

E aí o que eu recebo desses alunos, o feedback, depois que eles passam pelo estágio, a fala é mais
ou menos assim Rafael “professor, o senhor tinha razão, tudo aquilo que acontece no jogo lá a

104
gente vê em sala de aula” e na maioria das vezes o que eles me trazem de retorno é que eles
conseguem lidar melhor na sala de aula através dessa vivência que eles tiveram por conta do LARP
que eu construí aí.

Rafael: Então você utiliza um Edularp para dar metodologia de ensino de Biologia?

Fernando: Isso, pra dar essa... isso aí vai entrar na minha tese, que eu estou chamado de
“construção de vivência”, mas ainda não sei se é esse conceito porque assim, eu tenho utilizado
vivência no conceito de que o Vygotsky entende como vivência, do que o Paulo Freire entende
como vivência, aí eu tenho lido um outro autor que é o Jorge Larrosa, que ele já fala sobre
experiência, que eu acho muito interessante também, aí eu tenho incorporado isso pra nesse caso,
o LARP está ajudando a formar futuros professores passando pelas suas primeiras experiências
enquanto professores né, porque quando você pega dentro da questão do estágio, da prática de
ensino, a maioria dos autores falam que o professor ele vai se formar através de práxis, através do
trabalho em sala de aula né, isso vai formar o professor e eu vejo essa necessidade, essa
necessidade de já começar ali na graduação, na licenciatura, já dando os primeiros passos pra eles
entenderem como é uma sala de aula, como é a experiência de uma sala de aula.

E isso por enquanto... essa é a quarta turma com a qual eu faço essa atividade e isso tem sido assim,
extremamente satisfatório. Eu estou escrevendo um artigo sobre isso, só que eu tenho muita
dificuldade de escrever artigo, eu tenho muita dificuldade, eu tenho assim uma veia muito poética,
eu sou assim muito romântico... Eu já escrevi cinco livros, cinco romances, mas assim, só escrevi
dois artigos e eu tenho muita dificuldade com essa formatação acadêmica da coisa, de formatar
nesse sentido de explicar da onde está vindo a teoria, da aonde que está vindo a fala, como isso vai
ser localizado ali... Eu ainda tenho que trabalhar muito isso, eu estou com esse texto já faz mais de
um ano, estou ainda patinando nele. Eu cheguei a apresentar num congresso que teve em Curitiba
sobre essas questões do uso do LARP na sala de aula e tal, mas eu ainda não consegui colocar no
papel isso daí.

Pra mim é muito complicado explicar isso de uma maneira acadêmica, eu tenho essa dificuldade.
Eu não sei se é porque eu venho primeiro como um jogador de RPG e eu tenho que entender então
a visão como pesquisador pra conseguir incorporar, mas é algo que tá ainda assim me trazendo
essa dificuldade, mas se eu mostrar pra você o material que foi feito no final do ano passado, eu
pedi assim como conclusão da disciplina que eles fizessem uma narrativa, elaborassem uma

105
narração de como foi a experiência deles. E assim, todos os alunos afirmaram que o LARP foi
essencial no estágio, foi essencial para o desenvolvimento do estágio deles.

Rafael: Se você tiver mais algum material que você queira enviar pra gente anexar na sua
entrevista, como por exemplo essa questão de elementos do Edularp, acho super legal. E eu quero
comentar o seguinte, é muito natural que nós tenhamos experiências distintas em questões
específicas, por exemplo muita experiência de jogador, uma outra experiência como professor, só
que existe aquela experiência acadêmica que ela dialoga pra você conseguir produzir algo. Porque
somente com a experiência acadêmica é que a gente tem noção de pesquisa, o professor em si não
tem uma clareza sobre noção de pesquisa quando ele passa só o cotidiano dele. A mesma coisa
que o jogador também não tem. E eu acredito e vejo como completamente possível você fazer um
Edularp sobre como escrever artigos. É possível.

Fernando: (risos) Seria uma boa ideia...

Rafael: Eu falo que é possível porque é o seguinte, entre os canais de aprendizagem, existem
algumas pessoas que elas só aprendem fazendo ou tendo a experiência de. Talvez, o seu caso seja
justamente isso, você precisa ter a experiência e nada impede de você produzir a sua própria
experiência por meio do jogo

Fernando: Ah, é uma boa ideia, algo a se pensar com carinho mesmo, assim, porque eu tenho
assim essa... vou fazer uma confissão pra você Rafael, eu estou fazendo doutorado mais por conta
de que eu gosto muito de ser professor universitário, eu detesto essa parte da pesquisa, a pesquisa
da maneira como ela é colocada. Eu sei que ela é necessária, eu sei que ela é fundamental né, que
ela precisa existir. Mas eu não sei se por ter esse lado mais romântico, esse lado mais assim, da
onde eu gostaria de escrever com uma maior liberdade, eu tenho essa dificuldade pra trabalhar
com essa questão da pesquisa, trabalhar... por exemplo, fazer coleta de dados, eu tive muita
dificuldade com isso por exemplo.

O ano passado, foi acho que o primeiro ano que eu realizei de uma maneira mais séria a coleta de
dados, que eu filmei a aula de alguns alunos, eu pedi esses relatórios, eu escrevi um diário de
campo sobre todas as situações, eu filmei algumas aulas deles lá no estágio, na sala de aula, então
foi a primeira vez que eu levei a sério mesmo essa questão da coleta de dados, porque eu tinha
essa coisa mais assim da vivência mesmo, “ah, eu vi, eu vi acontecendo” então assim, eu não tinha

106
essa coisa do pesquisador né. Eu estou dando meus primeiros passos ainda em termos de ser um
pesquisador ainda, desenvolver esse lado né da atuação como um pesquisador. Então eu espero
que isso ainda venha à tona assim, que eu consiga assim vencer mais esse desafio, que eu consiga
ganhar XP para comprar essa skill aí, falando assim.

Rafael: Você consegue, porque quem trabalha com jogos tem uma imaginação completamente
ampla pra trabalhar isso e nessa edição da Mais Dados a gente vai lançar um artigo sobre RPG
como ferramenta de pesquisa, então se você tiver dificuldade pra ter uma estrutura de coleta de
dados, a gente testou uma forma de coletar dados jogando RPG.

Fernando: Bacana! Muito bom, vai me ajudar muito, muito mesmo!

Rafael: Beleza então! Fernando, eu agradeço muitíssimo o seu tempo e [por você] dispor toda a
experiência e o conhecimento em cima desse processo histórico e todas as suas vivências, agradeço
muito e conto contigo para os seus próximos artigos, pode ir testando e enviando pra revista!

Fernando: Eu agradeço muito também Rafael, pela oportunidade aí, agradeço pelo espaço e pode
ter certeza aí, a partir do momento em que eu conseguir entrar no eixo aí de como trabalhar, pode
ter certeza que a Mais Dados sempre vai ser a privilegiada nesse sentido. Muito obrigado mesmo!

Rafael: Maravilha, obrigadão! Até mais!

Fernando: Até mais!

107
RESENHAS

JACKSON, STEVE. ENCONTRO MARCADO COM O M.E.D.O. 1°


EDIÇÃO. TRADUÇÃO: FABIANO SILVEIRA. PORTO ALEGRE: JAMBÔ
EDITORA, 2015, 192 P.

Pedro Panhoca da Silva

A presente resenha do livro-jogo Encontro Marcado com o M.E.D.O. será abordada de


forma crítica. Trata-se mais um título que ganha nova tradução e edição em português da série que
fez tanto sucesso no Brasil e no mundo: a série “Aventuras Fantásticas” (ou Fighting Fantasy, do
original em inglês), a qual, de acordo com seus criadores – Steve Jackson e Ian Livingstone -, deve
ter rendido a venda de mais de 17 milhões de exemplares sendo traduzida para mais de 30 idiomas
(GREEN, 2014, p.6).
Agora editada em sua nova coleção (adotou o nome original Fighting Fantasy agora), o
leitor (e jogador) brasileiro deparar-se-á com mais uma obra de leitura não linear, a qual consiste
em não levar o leitor a seguir a ordem numérico-sequencial (linear) de leitura que está acostumado,
mas em pular páginas avançando ou retrocedendo conforme o texto lhe dá escolhas. A série
Fighting Fantasy voltou a ser publicada no Brasil desde 2009 e a cada ano ganha novos e já
conhecidos títulos da original britânica.
Assim como os outros da série, este livro é livro e jogo ao mesmo tempo (daí sua
denominação “livro-jogo”). Consegue-se ter uma ideia do modo de sua narrativa se misturar, por
exemplo, a narrativa não-linear encontrada em Jogo da Amarelinha (1963), de Julio Cortázar, com
um sistema simples de regras que utiliza dados de seis lados conhecido como sistema S-S-L, criado
exclusivamente para essa série de livros-jogos (Skill-Stamina-Luck).
Traduzidos em português como Habilidade-Energia-Sorte, esses são os três atributos que
o protagonista precisa se atentar ao longo da narrativa, pois eles determinam sua força em
combate/acrobacias, sua vitalidade/fadiga e sucesso em lances aleatórios, respectivamente),
proporcionando ao leitor-jogador não só um drama interativo, mas um verdadeiro RPG solitário,
sem depender de acesso à internet, outros jogadores simultâneos ou grandes tabuleiros a serem
obtidos.


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras na Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Assis, SP, Brasil, ppanhoca@yahoo.com.br

108
Neste livro, o 14° da série brasileira (e 17° da original), o leitor-jogador controla Jean
Lafayette, um funcionário de escritório que trabalha no centro de Titan City, mas que na verdade
é o super-herói Cavaleiro Prateado, cuja função social é exercer a esperada justiça prendendo
vilões rivais sob identidade secreta. Por ser um cidadão abaixo da lei, o Cavaleiro Prateado jamais
tirará a vida de criminosos e nem usará nenhum tipo de arma.
Graças a Gerry Erva, uma espécie de informante que, assim como Jean, está a serviço do
bem, sabe-se que haverá um encontro iminente da maior organização criminosa do mundo – o
M.E.D.O. (Movimento Euro-americano De Oposição) –, composta por vilões pesadamente
armados e detentores de superpoderes do mal, podendo gerar um grande caos na cidade. Sua
missão será descobrir, através de pistas, onde será o local e o horário dessa reunião secreta e
prender seus membros. A grande mente por trás disso tudo é Ciborg Titânio, o grande e verdadeiro
gênio do crime Vladimir Utoshsky.
Diferente dos outros livros-jogos, nesta narrativa acrescenta-se, na ficha do personagem,
quatro superpoderes que o leitor-protagonista poderá usar durante a aventura (embora somente um
possa ser escolhido para ser usado até o fim da narrativa): Superforça (concede ao personagem
uma magnânima força e a habilidade de voar velozmente), Rajada de Energia (um raio de calor
que pode ser disparado da ponta dos dedos capaz de desnortear seu alvo), HTA (Habilidade
Tecnológica Avançada, uma série de utensílios artesanais guardada em seu cinto de utilidades a
serem usados em situações de urgência) e Poderes Psi (poderes psíquicos como telepatia e
telecinesia que, diferente dos demais, precisam de mais tempo para ser executados).
Há também a inserção de Pontos de Herói, pontos esses que são ganhos toda vez que um
ato heroico é realizado. O protagonista também possui uma espécie de “relógio do crime”, um
dispositivo que é acionado por seu ajudante, Gerry Erva, quando este procura (e encontra) alguma
informação do submundo que acredita ser útil ao personagem principal. Já o papel dos antagonistas
na narrativa atuam de maneira a dificultar o sucesso das ações do leitor-jogador: além de ter que
descobrir pistas dos bandidos e da reunião maligna que está para acontecer, tragédias iminentes
como desastres e acidentes devem ser impedidos.
Para que haja, enfim, sucesso na aventura, ao chegar ao final da narrativa, seja quais forem
as escolhas feitas pelo leitor-jogador, o herói terá agrupado consigo uma série de pistas e
informações que julgar importantes (há um espaço específico para tais notas no próprio modelo de
ficha do personagem) as quais o levarão para o encontro secreto e ao iminente confronto com seu
líder, Ciborg Titânio.
Após a publicação de muitas narrativas ambientadas em cenários fantásticos e
maravilhosos, Steve Jackson decidiu variar e criar um livro-jogo baseado em sua paixão de

109
infância – as histórias em quadrinhos – assim como já havia feito com seu outro hobby – a ficção
científica – resultando no livro-jogo A nave espacial Traveller (o 6° título da extinta série
“Aventuras Fantásticas” e o 15° título da presente série. Enredo esse que quebrou tal sequência,
oferecendo ao leitor uma aventura de ficção científica no estilo Star Trek), trazendo, para seu
público leitor, em Encontro Marcado com o M.E.D.O., uma aventura ambientada em universos
fantásticos contemporâneos das histórias em quadrinhos, gênero que agrada boa parte dos
consumidores de livros-jogos (GREEN, 2014, p. 84).
Apesar de demonstrar alguns clichês (deve-se lembrar de que a primeira publicação dessa
obra, no Brasil, data de 1985), seu enredo é atraente e interessante pela série de inovações e
intertextualidades que um bom livro interativo desse porte pode oferecer ao leitor. Por exemplo, o
vilão Brincalhão Escarlate, segundo sua descrição, assemelha-se muito ao Coringa, antagonista
dos títulos de Batman, porém, a obra ganha em criatividade com a criação de vilões como o
Torturador e o Envenenador, só para citar alguns. Outro exemplo são os próprios superpoderes: a
Superforça remete diretamente ao Super-Homem (Super-Homem), a Rajada de Energia, ao
Ciclope (X-men), a HTA ao Batman (Batman) e os Poderes Psi, a Jean Grey (X-men), os quais
podem ser chavões ou homenagens, dependendo da visão do leitor.
O mesmo acontece com algumas referências intertextuais como um milionário chamado
Wayne Bruce (clara homenagem a Bruce Wayne, o alter ego do Batman), Roger Stevens (clara
homenagem a Steven Rogers, alter ego do Capitão América), Jonah White (uma homenagem
mesclada de Perry White – personagem do Super-Homem – e J. Jonah Jameson – personagem do
Homem-Aranha), Laboratórios Peter / aeroporto Parker (homenagem a Peter Parker, o alter ego
do Homem-Aranha), praia Starkers (homenagem a Tony Stark, alter ego do Homem de Ferro) e
Wisneyland (homenagem à Disneylândia).
“Interpretar” Jean Lafayette / Cavaleiro Prateado vai muito além do trabalho de policial,
pois muitas vezes o leitor-jogador exercerá mais o papel de detetive investigativo do que de herói.
As pistas são muitas e os encontros com dificuldades também, oferecendo uma boa variedade de
escolhas para o leitor-jogador.
Com esse conhecimento prévio, o leitor-jogador estará pronto para combater o crime e
encarar vilões como Bronski “Serra”, Assassino, Illya Karpov, Sidney Knox, Criatura de quatro
braços, Homem-tigre, Dr. Macabro, Cachorro radioativo, O Torturador, Ciborg Titânio,
Brincalhão Escarlate, Múmia, Guerreiro de Fogo, Guarda-costas, Criatura da carnificina, Batedor
de carteiras, Gata-tigre, O Serpente, Alquimista, O Devastador, Criatura da fonte, Androide,
Tubarão-serra, Leão, Diretor de circo, O reencarnação, Mantrapper, Rainha do Gelo através de
uma leitura diferente na qual é ele quem toma as decisões.

110
Apesar dos personagens não serem inovadores, o livro-jogo foge do clichê pelo fato da sua
dinâmica em oferecer ao leitor-jogador as escolhas a serem feitas. Com isso, o protagonista tanto
pode ser um super-herói “bonzinho” como também demonstrar certa violência em não seguir o
código de honra dos super-heróis aplicando a desejada – e não a esperada - vingança a seus rivais.
Assim, o leitor-jogador pode nele transpor seu real senso de justiça ao invés de apenas pressentir
o que o protagonista faria de acordo com o politicamente correto que o move.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GREEN, Jonathan. You are the Hero: A History of Fighting Fantasy Gamebooks. Haddenham:
Snowbooks, 2014, 270 p.
JACKSON, Steve. Encontro Marcado com o M.E.D.O. Tradução: Fabiano Silveira. Porto Alegre:
Jambô Editora, 2015. 192 p.
SCHICK, Lawrence. Heroic Worlds: A History and Guide to Role-Playing Game. Buffalo:
Prometheus Books, 1991, 448 p.

111
ARTIGOS

O MITO E O ROLE-PLAYING
Reflexões acerca dos mitos em mago: a ascensão

Arthur Barbosa de Oliveira7


Ana Claudia Duarte Mendes8

RESUMO

O presente texto tem por objetivo relacionar as mitologias das sociedades tradicionais presentes
nas literaturas de RPG (Role-playing Game) Livro de Tradição: Ordem de Hermes (2003) e Mago:
A Ascensão (3ª edição, 2000). Tomando por teoria base os livros Mito e Realidade (1972) e O
sagrado e o profano (2008) de Mircea Eliade, assim como conceitos pertinentes ao estudo do mito,
dialogaremos com a base de crença dos magos da Ordem de Hermes, apresentados no cenário de
jogo. Através da reflexão teórica pretendemos verificar a relação da Ordem de Hermes com sua
base mitológica, assim como o funcionamento e participação das facções da Ordem.
PALAVRAS-CHAVE: Mitologia. Político-Estrutural. Herméticos.

ABSTRACT

This paper aims to relate the mythologies of traditional societies present in the RPG (Roleplaying
Game) literature, Tradition Book: Order of Hermes (2003) and Mage: The Ascension (3rd edition,
2000). Taking as a theory based on the Myth and Reality (1972) and Sacred and Profane (2008)
of Mircea Eliade, as well as relevant concepts to the study of myth, we will discuss with the belief
base of Hermetics in the RPG scenario. Through theoretical reflection we intend to verify the Order
of Hermes's relationship with its mythological basis, as well as the operation and participation of
the Order's factions.
KEYWORDS: Mythology. Political and structural. Hermetics.

7
Graduado em Letras, Português e Inglês, na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. Professor da rede estatual
do Tocantins. E-mail: profarthurbarbosa@outlook.com.
8
Professora doutora do curso de Letras, Português e Inglês, na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.

112
INTRODUÇÃO

Quando se pensa em mito, comumente corre-se o risco de apenas considerar o conceito


moderno do termo e, ao assimilá-lo apenas através dessa assertiva, elimina-se qualquer outra
possibilidade de enxergar o mito com olhos históricos e analíticos. Segundo Eliade 9, apenas
quando encaramos os mitos “por uma perspectiva histórico-religiosa é que formas similares de
conduta poderão revelar-se como fenômenos de cultura, perdendo seu caráter aberrante ou
monstruoso de jogo infantil ou de puramente instintivo”.
Esse caráter repercute até a pós-modernidade, considerando a compreensão do tempo
contemporâneo a teorias como a de Bauman, e pode tornar difícil o acesso a mitologias devido a
interpretações terminológicas. Longe de dizer que não houve modificações ou direcionamentos na
antiguidade, acredita-se, assim como Eliade10 que as “Grandes Mitologias não perderam sua
'substancia mítica” ao passar da tradição oral para a escrita, mas poetas como Hesíodo, por
exemplo, conseguiram manter sua "magia". Cabe aqui a tentativa de descrição do termo mito, que
segundo Eliade11 é sempre “a narrativa de uma ‘criação’: ele relata de que modo algo foi produzido
e começou a ser”.
Nesse aspecto podemos dizer que, segundo Eliade, o mito Cosmogônico12 é “verdadeiro”
porque a existência do mundo aí está para prová-lo. Ainda sobre o mito, mesmo sendo de difícil
definição, podemos aceitá-lo como “realidade cultural extremamente complexa, que pode ser
abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares”. 13
Na tentativa de nos aproximar do conceito de mito apresentado pelas Grandes Mitologias,
e do conceito Hermético14, em M.A15 considera-se o mito uma “história verdadeira e, ademais,
extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo” 16
. O mundo do mito,
então, é o mundo real, e também é visto assim dentro do contexto literário de M.A, mas de fato,
ambos acontecem em um espaço-tempo mítico-literário, muitas vezes oral, possuindo
características que causam estranheza na contemporaneidade do século XXI. Essa estranheza é
sagrada para as sociedades tradicionais e é extremamente importante para nossos estudos, pois

9
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.7.
10
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.8.
11
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.9.
12
ETIM: criação do mundo.
13
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.9.
14
A partir do presente momento nos referiremos aos sujeitos inseridos na
Ordem de Hermes como Herméticos.
15
A partir do presente momento abreviaremos o nome do livro Mago: A
Ascensão (2000) para M.A.
16
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.6.

113
geralmente carregam diversos significados imagéticos que nos auxiliam na compreensão do todo
mitológico.
Ao tratar da função do mito, corroboramos com Eliade quando diz que

Consiste em revelar os modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas


significativas: tanto a alimentação ou o casamento, quanto o trabalho, a educação, a arte
ou a sabedoria. Essa concepção não é destituída de importância para a compreensão do
homem das sociedades arcaicas e tradicionais. 17

Os mitos que remetem a estruturas mundanas podem ser elencados na categoria de mitos
Cosmogônicos; tais mitos remetem sempre ao início das ações criativas do Mundo, sendo
geralmente seguidos de um Mito de Origem que remeterá ao surgimento de uma prática. Eliade18
relata que “Todo mito de origem conta e justifica uma “situação nova” no sentido de que não
existia desde o início do Mundo. Os mitos de origem prolongam e completam o mito cosmogônico:
eles contam como o Mundo foi modificado, enriquecido ou empobrecido”.
Ao fim do pensamento retoma-se a proposta do texto em relacionar os mitos em jogos de
interpretação de personagem e os mitos das sociedades tradicionais. Nota-se que a proposta busca
se justificar a partir da leitura do próprio texto, ou seja, o texto se compreende em seu objeto assim
como se colocam os textos do autor Mircea Eliade.

ASPECTOS TEÓRICOS

Ao descrever os mitos presentes na literatura analisada podemos observar diversos


conceitos que embasaram a criação literária. Associando esses conceitos presentes na Ordem de
Hermes, percebe-se um fator crucial logo no início da reflexão: A literatura abordada é construída
a partir de mitos de origem, e não de mitos cosmogônicos. Pode-se dizer que a cosmogonia
Hermética em M.A, surge de mitos de origem provindos do Egito e Grécia, especificamente,
remetendo-se a entidade conhecida como Hermes, Trismegisto ou Três-Vezes-Grande, que está
presente nas culturas Egípcias, Gregas e Romanas.
A mitologia Hermética, tanto no mito real quanto em M.A, é pautada historicamente no
surgimento descrito no Corpus Hermeticum19. Esses escritos contam do contato de Hermes com

17
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, 10-11.
18
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.20.
19
O Corpus Hermeticum é uma coleção composta de 18 libretos escritos em grego. Por causa de seu
conteúdo característico de uma filosofia religiosa ou de uma religião filosófica. (DE LIRA, David Pessoa.
A Sacralidade do Corpus Hermeticum: Comunicação Divina e Humana nos Textos Herméticos, 2011).

114
um Ente Sobrenatural20 chamado Poimandres21, que também participa da cosmogonia da Ordem.
Podemos ver o início do trajeto de Ascensão de Hermes nos princípios do escrito da Ordem. De
acordo com a narrativa do Livro de Tradição vemos que

Uma vez, houve um mago - um indivíduo bom e aprumado, com asas em seus pés, e
palavras em sua mente, e o fogo de Deus queimando em seu coração [...] esculpiu uma
imagem de si mesmo no folclore de seu povo. Andava pelas ruas e cantava canções de
sabedoria e boa vontade. Transformava palha em ouro, e ouro em luz do Sol. Aprendeu
os nomes de cada coisa sagrada, e reinou supremo ao longo da terra. 22

A passagem acima remete nossas mentes a personalidades de caráter messiânico como


Buda, Jesus, Salomão e Pitágoras. Essas personalidades compartilham diversas características com
Hermes, nas diferentes narrativas mitológicas. Pode-se assemelhar Hermes, por aproximação, ao
Messias cristão, por exemplo, devido sua nomenclatura de Trismegisto.
Cabe aqui relacionar a crença dos Herméticos e os denominados Alquimistas23, pois um
dos "dons" de Hermes era o mais desejado pelos Alquimistas, a Pedra Filosofal. Segundo
estudiosos da mitologia grega, como Viktor D. Salis em sua obra Os Doze Trabalhos de Hércules
– Paideia: A construção do homem obra de arte, ético e criador (2012), o feito de transformar
metais em ouro e tornar imortal, atribuídos à Pedra são características que remetem a Hermes,
pois, sendo o deus grego dos caminhos, ele poderia guiar o sujeito à imortalidade retornando-o a
Era de Ouro24 anterior a Prometeu25, assim como ocorre no mito de Héracles.

20
Antevo, em Mago: A Ascensão (2000) é uma criatura sobrenatural, geralmente caracterizado como
divindade antiga ou algo do gênero.
21
Poimandres (Grego: Ποιμάνδρης; também conhecido como Poemandres, Poemander or Pimander) é
um capitulo no Corpus Hermeticum. Originalmente escrito em Grego, o titulo foi, antigamente,
compreendido como "Pastor de Homens" das palavras ποιμήν (pastor) e ἀνήρ (homem), mas estudos
recentes na etimologia mostraram que o nome é derivado da frase egípcia Peime-nte-rê significando
"conhecimento de Re" ou "Entendimento de Re". É também conhecido como deidade o atribuído como
um deus, nous. (https://en.wikipedia.org/wiki/Poimandres) (tradução própria) acessado em 26 de junho
de 2015.
22
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes, 2003, p.13.
23
Alquimia é uma prática que combina elementos
da Química, Antropologia, Astrologia, Magia, Filosofia, Metalurgia e Matemática. Existem quatro objetivos principais
na sua prática. Um deles seria a transmutação dos metais inferiores ao ouro; o outro a obtenção do Elixir da Longa Vida,
um remédio que curaria todas as coisas e daria vida longa àqueles que o ingerissem. Ambos os objetivos poderiam ser
notas ao obter a Pedra Filosofal, uma substância mística. O terceiro objetivo era criar vida humana artificial,
os homunculi. O quarto objetivo era fazer com que a realeza conseguisse enriquecer mais rapidamente (este último talvez
unicamente para assegurar a sua existência, não sendo um objetivo filosófico). (http://pt.wikipedia.org/wiki/Alquimia)
acessado dia 15 de Junho de 2015.
24
O termo era dourada (ou suas variantes: Idade de ouro, Era de ouro, etc.) deriva da mitologia grega e
de lendas. Refere-se ao mais antigo período do espectro grego das idades de Ferro, Bronze, Prata e Ouro,
ou ao tempo no início da humanidade, que foi percebido como um estado ideal, ou utopia, quando o gênero
humano era puro e imortal. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_dourada) acessado dia 15 de Junho de 2015.
25
Na mitologia grega, Prometeu é um titã, filho de Jápeto (filho de Urano e Gaia) e irmão
de Atlas, Epimeteu e Menoécio. Foi um defensor da humanidade, conhecido por sua astuta inteligência,
responsável por roubar o fogo de Héstia e o dar aos mortais.( http://pt.wikipedia.org/wiki/Prometeu)
acessado dia 15 de Junho de 2015.

115
Nas passagens do livro da Ordem de Hermes (2003), observa-se a descrição do deus grego
com uma “roupagem” contextualizada à temática de M.A, sendo identificado como um mago. A
visão do mito Hermético é semelhante à expressada por Eliade26 quando diz que “conhecer os
mitos é aprender o segredo da origem das coisas”. Juntamente com esse pensamento podemos
associar o conceito Hermético de Enoquiano27. Para a Ordem, a Linguagem Enoquiana possui um
valor Mágiko28 e cada nome retorna a ideia primordial, essencial e cosmogônica, do objeto
evocado. Assim é o conceito, retomando as sociedades tradicionais, acerca do conhecimento do
mito descrito por Eliade quando defende que “[...] a história narrada pelo mito constitui um
“conhecimento” de origem esotérica, não apenas por ser secreto e transmitido no curso de uma
iniciação, mas também por que esse “conhecimento” é acompanhado de um poder mágico-
religioso”. 29
A visão Hermética se assemelha com esse ideário, entretanto, vale ressaltar que a tradição
está inserida no cenário de RPG (Roleplaying Game) Mago: A Ascensão que, segundo Brucato30,
se passa “em um mundo onde magos disputam por suas visões singulares da realidade, esta luta se
estende a todas as crenças da humanidade, sendo que o próprio direito de acreditar é o foco da
guerra”. Os Herméticos, como veremos in posteriori, são parte elementar dessa guerra.
Retornando aos conceitos acerca dos mitos dialogaremos, principalmente, com o de
Origem, que segundo Eliade31 “conta e justifica uma 'situação nova' – nova no sentido de que não
existia desde o início do mundo. Os mitos de origem prolongam e completam o mito
cosmogônico". Pode-se perceber essa característica no texto do Corpus Hermeticum, 15ª
passagem, que descreve:

E essa é a razão porque, de todos os seres que vivem sobre a terra, o ser humano é o único
que é duplo, mortal pelo seu corpo, imortal pelo ser humano essencial. Ainda que seja
imortal com efeito, e que tenha poder sobre todas as coisas, sofre a condição dos mortais,
submetido como é ao Destino.32

Ao analisar essa passagem, pode-se observar claramente que se trata de um mito de origem
ao observar a reflexão acerca da concepção da mortalidade e imortalidade do ser humano,

26
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.14.
27
Enoquiano é um nome relacionado com ocultismo ou língua angélica, tendo sido criado por John Dee e
seu assistente Edward Kelley no final do século XVI. Segundo Dee, essa língua teria sido revelada por
anjos. Alguns praticantes contemporâneos de magia, como Aleister Crowley consideram o enoquiano
uma língua útil para ser usado em rituais mágicos, enquanto outros afirmam ser ela apenas mais uma
língua artificial, pobre imitação de línguas antigas com semelhanças com a gramática inglesa.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Linguagem_enoquiana) acessado dia 15 de Junho de 2015.
28
Forma de descrever a magia que é apresentada no universo de Mago: A Ascensão (2001).
29
ELIADE, Mircea. Mito e realidade (1972, p.15).
30
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.21.
31
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.20.
32
CORPUS HERMETICUM. Atribuído ao Grande Hermes Trismegisto. (2015, p.4).

116
configurando uma existência cosmogônica anterior ao descrito no texto. Durante todo o texto do
Corpus Hermeticum observa-se passagens que complementarão a visão de homem e cosmo, assim
como os caminhos de Hermes Trismegisto.
Considerando a crença Hermética, em Mago: A Ascensão (2000), identifica-se a presença
de outros mitos. Vale ressaltar que o conceito da Ordem acerca de Hermes se assemelha ao das
Sociedades Tradicionais, sem fazer distinção de poder entre os deuses menores 33, pois todos
cumpriam uma função especifica na organização do cosmos. Observa-se a visão mística da Ordem
sobre Hermes na seguinte passagem do Livro de Tradição:

Embora “selado hermeticamente” signifique algo que não pode ser aberto, Hermes é o
abridor universal. Seus seguidores podem ocultar conhecimento em símbolos e
obscuridade, mas aqueles que conhecem Hermes podem liberar estes mistérios, e mais.
Como relâmpago, ele ilumina a escuridão, estilhaça preconceitos, e força transformações.
Seu cajado se tornou o emblema da medicina moderna; seu corpo adorna propagandas,
sua risada crepita através da internet, atravessando o tempo e distância com meros
pensamentos. Três-Vezes-Grande, este Hermes alcança a antiguidade em modernidade e
possibilidade. Agora, mais do que nunca, este Hermes esta vivo. 34

Longe de crer em um deus morto, os Herméticos veem em Hermes uma entidade atemporal
e atribuem a ele diversas faces, assim como as sociedades tradicionais se referem à divindade. De
acordo com a Teogonia35 Hermética, podemos afirmar que, por mais que existam outras
divindades historicamente mais relevantes em seus próprios momentos, Hermes ocupa o topo da
hierarquia divinatória, podendo adquirir características soteriológicas36 em momentos de contato
com crenças escatológicas37 da Ordem, que variam entre as Facções38 presentes no cenário de M.A.
Entretanto, podemos caracterizar Hermes em M.A como um “Deus Otiosus” que segundo
Eliade39 “acredita-se que esse Ente Supremo criou o Mundo e o Homem, mas que abandonou
rapidamente as suas criações e se retirou para o céu”. Ao propor essa caracterização a Hermes
vemos que ele não possui a característica de Ente Supremo criador, entretanto, em sua

33
Na mitologia grega clássica o panteão é liderado por Zeus e Hera. Deuses menores se encontram
abaixo na hierarquia. Contudo, cada divindade tem uma importante missão no cosmos, não competido
com os demais.
34
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes (2003, p.19).
35
s.f. Genealogia e filiação dos deuses.( http://www.dicio.com.br/teogonia/) acessado 26 de junho de
2015.
36
Parte da teologia que trata da salvação do Homem.
(https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-
8#q=soteriologia%20significado) acessado dia 26 de junho de 2015.
37
Doutrina das coisas que devem acontecer no fim do mundo.
(https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-
8#q=escatologia+significado) acessado em 26 de Junho de 2015.
38
Divisões internas de cada tradição, possuindo nome próprio em cada uma delas. No caso da tradição
Hermética as facções são chamadas de Casas.
39
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1 ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.69.

117
caracterização messiânica, participa da fundação do pensamento Hermético e depois de desvendar
o mundo e tornar-se deus ele se afasta dos mortais, assim como os Arquimagos, em M.A.
Existe uma característica sine qua non para que os magos acessem a realidade oculta, o
Despertar. Podemos identificar a característica do Despertar nas passagens que tratam de Hermes
no Corpus Hermeticum.

Um dia, em que comecei a refletir acerca dos seres, e meu pensamento deixou-se planar
nas alturas enquanto meus sentidos corporais estavam como que atados, como acontece
àqueles atingidos por um sono pesado pelo excesso de alimentação ou de uma grande
fatiga corporal, pareceu que se me delineava um ser de um talhe imenso, além de toda
medida definível, que me chamou pelo meu nome e disse: “Que desejas ouvir e ver, e
pelo pensamento aprender a conhecer?” E eu lhe disse “Mas tu, quem és?”. – “Eu”, disse
ele, “eu sou Poimandres, o Noús da Soberania absoluta. Eu sei o que queres e estou
contigo em todo lugar”. E eu disse: “Quero ser instruído sobre os seres, compreender sua
natureza, conhecer Deus. Oh! Como desejo entender!” Respondeu-me ele por sua vez:
“Mantém em teu intelecto tudo o que desejas aprender e eu te instruirei.” 40

Analisando esse trecho podemos ver que Hermes, inicialmente, não surge como uma
entidade de caráter profético e soteriológico, e sim como um Ser que deseja aprender. Entretanto,
observando o trecho que diz "meu pensamento deixou-se planar nas alturas" podemos identificar
o pensamento elevado, em seu caráter imagético, pode ser interpretado como pensamento
vinculado a espiritualidades ou filosofias. Essa característica, ou melhor, “desejo” de Hermes
revela-se, dialogando com Eliade41, com o ato de "Despertar", que também esta presente em M.A.
Eliade relata que “Sócrates Desperta os interlocutores, algumas vezes contra a vontade
deles. […] Mas Sócrates está perfeitamente consciente do carater divino de sua missão de despertar
as pessoas." A característica do Despertar, tanto para Eliade quanto em M.A possui caráter
soteriológico, mas enquanto para Eliade o despertar remete a característica de adormecido para
com a vida, expressada, por exemplo, na alegoria da caverna42 escrita por Sócrates, em Mago
(2000) o Despertar surge como uma característica mística significa despertar para a realidade
mágica, e possibilidade de desenvolver sua capacidade de Arete.

40
CORPUS HERMETICUM. Atribuído ao Grande Hermes Trismegisto. (2015, p.2)
41
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.91.
42
A alegoria da caverna, também conhecido como parábola da caverna, mito da caverna ou prisioneiros
da caverna, foi escrita pelo filósofo grego Platão e encontra-se na obra intitulada A República (Livro VII).
Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona
através da luz da verdade, onde Platão discute sobre teoria do conhecimento, linguagem e educação na
formação do Estado ideal. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria_da_Caverna) acessado em 26 de Junho
de 2015.

118
A tradução literal do termo Arete (do grego ἀρετή43) seria virtude. Em M.A essa
característica é mensurável44 e quanto maior numericamente45, maior é a capacidade de
compreensão do mundo em sua forma "real", levando-nos a compreender que, no cenário, os
sujeitos que não possuem Arete são Adormecidos46 para "a realidade total" do mundo. Essa
característica foi agravada com o advento da Guerra da Ascensão, que será abordada
posteriormente, pois a organização chamada Tecnocracia tem por objetivo reorganizar a
concepção de realidade.
Ainda acerca da temática terminológica do cerne de M.A vale descrever uma característica
inerente à existência das diversas Tradições e suas devidas Facções, a característica de ciclo dos
Avatares. Avatar é o termo de M.A que remete ao conceito contemporâneo de Alma. Todavia, é
curioso que todos os magos tenham um consenso quanto a isso, existe, claramente, um ciclo
metempsicótico de Avatares.
A Metempsicose (do grego μετεμψύχωσις47) é justamente a crença, herdada das sociedades
tradicionais, que remetia ao curso reencarnacionista da Alma. Podemos, então, dialogar com
Eliade (1972, p.93) quando ele diz que "O 'Despertar' implica a anamnesis, o reconhecimento da
verdadeira identidade da alma, ou seja, o reconhecimento de sua origem celestial. Somente depois
de havê-lo despertado é que o 'mensageiro' revela ao homem a promessa da redenção e finalmente
lhe ensina como deve comportar-se no mundo".
No mesmo paradigma de mitos dá-se a construção do discurso literário da Ordem de
Hermes (2003) que foi produzido de forma a interligar eventos históricos que podem ou não ter
uma real ligação. Entretanto, em alguns momentos, são descritas datas de eventos históricos
correspondentes às datas originais, o que faz com que nosso pensamento vincule o real e o literário,
criando o aspecto da verossimilhança. O livro da tradição Ordem de Hermes (2003) apresenta, de
maneira homogênea, o teor da presente análise: aspectos do mito Hermético e sua relação com a
organização político-estrutural da Ordem. Segundo DiPesa e Brucato,

Desde o início, os magos discutem sobre suas doutrinas místicas. Onde a fé, a ciência e a
mágica colidem, batalhas estouram. Todos os magos acreditam que seus caminhos
místicos levam a um estado de iluminação alem da mera consciência humana, mas
nenhum deles consegue concordar em uma única trilha para tal Ascensão. Durante eras,

43
É uma palavra de origem grega que expressa o conceito grego de excelência, ligado à noção de
cumprimento do propósito ou da função a que o indivíduo se destina.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Aret%C3%AA) acessado em 25 de junho de 2015.
44
Em escala de 1 a 10.
45
Em uma escala linear crescente de 1 a 10.
46
Termo do jogo para a população não-sobrenatural. Ex: Trouxas, em Harry Potter e a Pedra Filosofal
(1997).
47
É o termo genérico para transmigração ou teoria da transmigração da alma, de um corpo para outro, seja
este do mesmo tipo de ser vivo ou não. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Metempsicose) acessado dia 25 de
junho de 2015.

119
os Despertos têm aderido a suas versões da "verdade" e batalhando uns contra os outros
pelo direito de colocar toda a humanidade sob seus dogmas. O conflito que visava trazer
uma maior consciência ao mundo foi chamado de Guerra da Ascensão.48

A partir dessa passagem podemos elencar algumas considerações sobre o cenário global
em M.A : 1- Fica claro que existem diversas formas de expressão de crença no cenário; 2- A Guerra
da Ascensão é englobada por dois direcionadores ideológicos principais, o direito de acreditar e a
posse da "verdade" soberana; 3- Em uma breve observação da história da Ordem de Hermes, pode-
se levantar trechos conclusivos que demonstram a responsabilidade da mesma com a construção
de rótulos para todas as outras organizações, assim como nota-se a presença da mesma em diversos
trechos da história geral do cenário.
Ao observar os últimos fatores principais da mitologia da Ordem de Hermes, em M.A,
falaremos de Poimandres. A luz da análise mitológica de Eliade este pode ser caracterizado como
Ente Sobrenatural criador, sendo que a existência de Poimandres antecede Hermes, pois o Ente
busca ensinar os segredos do mundo para Ele. Nesse ponto, destacada a parte principal a ser
discutida no presente artigo, apresentaremos o conteúdo político-estrutural e seu vínculo com a
mitologia analisada.
No que se refere à organização da Ordem de Hermes, em M.A (2000), observamos diversos
períodos históricos, contemplando diversas épocas da humanidade. Podemos, então, observar a
Ordem através de observação dicotômica. Verificamos as características de pontos de vista
Sincrônicos49 e Diacrônicos50.
No Livro de Tradição: Ordem de Hermes51 podemos observar a construção dos dois pontos
dicotômicos da Ordem. Segundo DiPesa e Brucato,

Quando os 11 magi fizeram juras a Bonisagus, eles não tinham ideia de que estariam
iniciando um grupo mágico que duraria mais de mil anos com poucas mudanças. Embora
as coisas tenham se alterado um pouco dentro da Ordem, sua estabilidade tem sido
notável. Considere isto: a Pax Hermética ocorreu cerca de 50 anos antes de Carlos Magno,
300 anos antes da Conquista normanda da Inglaterra, 700 anos antes de Colombo, 1000
anos antes dos Estados Unidos e 1200 anos antes do computador pessoal. No total, as
coisas não mudaram muito.52

48
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Mago: A Ascensão, 2000, p.23.
49
Sincronia: do grego ‘syn’ (″juntamente″) + chrónos (“tempo”): ao mesmo tempo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dicotomias_saussureanas Acessado em 30 de Julho de 2015.
50
Diacronia: do grego ‘dia’ (″através″) + chrónos (“tempo”): através do tempo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dicotomias_saussureanas Acessado em 30 de Julho de 2015.
51
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes. São Paulo: Devir,
2003, p.34-35.
52
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes (2003, p.34).

120
53
De acordo com os autores , a Ordem surgiu "devido ao diligente trabalho do Magus
Bonisagus e sua contemporânea, Maga Trianoma”. Entretanto, a Ordem possui diversas Casas,
como são nomeadas suas facções. A título de conhecimento, a Ordem de Hermes, no referido
universo, pertence a uma organização de nove tradições, tendo organizado a mesma. Não
trataremos de cada uma no presente texto, mas os nomes são: Irmandade de Akasha54, Adeptos da
Virtualidade55, Coro Celestial56, Verbena57, Eutanatos58, Cultistas do Êxtase59, Filhos do Éter60,
Oradores dos Sonhos61. Ainda temos os magos que se encontram sem tradição, chamados de
Vazios, e os magos que despertam por conta própria são denominados Órfãos.
É uma característica do sistema Storyteller, de RPG, manter a organização social em
subgrupos, pois segundo nos relatou62 um dos criadores do sistema, Mark Rein·Hagen, "we human
organize ourselves into such groups” 63
. Sabendo disso, apresentaremos rapidamente cada Casa
da Ordem, descrevendo, brevemente, sua função na complexa hierarquia hermética.
Organizaremos as Casas64 em lista a fim de facilitar a compreensão de cada trecho, sendo que, da
numeração 1-12 se encontram as Casas mais antigas e a partir do numero 13, que são Casas com
datação, são Casas denominadas "Novas".

CASAS TRADICIONAIS

1. Casa Bonisagus: "Uma ordem de teóricos, fundada pelos Grandes Unificadores Bonisagus e
Trianoma. Ainda ativa, mas escassamente.”.

53
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes. São Paulo:
Devir, 2003, p.48.
54
Tradição magica antiga que acredita que o poder inicial encontra-se na mente de cada um. São
portadores da arte marcial primordial, fornecida pelo Dragão e Fénix, nomeada Dô.
55
Tradição magica saída da União Tecnocrática, Formados por tecnomantes que possuem a própria rede
Web chamada Teia. Nesse ambiente virtual ocorrem batalhas diárias defendendo interesses diversos.
56
Tradição magica antiga, próxima da Ordem de Hermes, que se dedica ao culto da divindade Uno. Reúne
a maior parcela dos magos religiosos no globo.
57
Tradição magica antiga que se dedica a magias ligadas ao corpo e a vida.
58
Tradição magica ligada à magia da Entropia. Essa esfera paradigmática divide-se entre dicotomias, e os
Eutanatos dizem-se portadores da ordem por dominarem a esfera.
59
Tradição magica respectivamente nova que se dedica a buscar a Ascensão através da transcendência
utilizando-se de catalisadores entorpecentes de qualquer origem.
60
Tradição respectivamente nova que reúne magos cientistas que se organizam para discutir novas
tecnologias.
61
Tradição variada que tenta reunir qualquer mago espiritualista, que geralmente são nativos de qualquer
etnia antiga.
62
Diálogos via Facebook em 28 de Março de 2015.
63
Nós humanos nos organizamos nesses grupos. (tradução própria)
64
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes. São Paulo:
Devir, 2003, p. 34-35.

121
2. Casa Criamon: "Esotéricos bizarros dedicados a perseguições loucas; fundada pelo reservado
mestre ilusionista Criamon, que falava em charadas (quando falava). Incorporada à Casa Ex
Miscellanea durante os anos de 1700, e quase varrida durante os anos 1990."

3. Casa Diedne: "Magos celtas descendentes das tradições Druídicas. Fundada pela jovem
sacerdotisa Diedne, que renunciou a seu mentor para se juntar a Bonisagus. Varrida durante a
Guerra do Cisma, mas com a reputação de estar ‘lá fora em algum lugar... ".

4. Casa Flambeau: "Uma tempestuosa ordem de magos ígneos, dedicada à chama purificadora.
Fundada pelo nobre ibérico Flambeau, esta Casa permanece viva e bem no século XXI.”.

5. Casa Jerbiton: "Diplomatas socias, versados em artes tanto quanto Artes. Fundada por um nobre
romano sem grande gosto para magia, esta casa declinou durante a Idade Média, se juntou à Ex
Miscellanea próximo a 1300, floresceu durante a renascença, e atualmente desfruta de nova
vitalidade”.

6. Casa Mercere: “Mestres da política, comunicação e conspiração, fracos em magia, mas fortes em
vontade. Fundada por Mercere, que perdeu seus poderes logo depois da fundação da Casa.
Incorporada à Casa Fortunae durante 1930 após 300 anos em Ex Miscellanea."

7. Casa Merinita: "Místicos feéricos com afinidades com a natureza. Fundada pela sangue de fada
Lady Merinita da Floresta, a Casa declinou após muitos de seus membros ilustres desaparecerem
nos Outros Mundos. Incluída em Ex Miscellanea desde 1300, outrora por cima, agora por baixo."

8. Casa Quaesitor: "Juízes e legisladores, delegados empossados por Mestre Guarnicus e Trianoma
para fazer cumprir a ordem dentro da Ordem. Ainda ativa, mas desgastada por anos de vigilância
e equívocos”.

9. Casa Tremere: "Mestres carismáticos do domínio e intriga, reunidos em culto de personalidade ao


redor de Lorde Tremere. Após dominar a Ordem em seus primeiros anos, a Casa Tremere voltou
a Ordem contra a Casa Diedne, talvez para ocultar seus próprios envolvimentos com o vampirismo.
Julgada exterminada na Idade Média, mas muito viva... ou morta-viva, como estava... hoje”.

10. Casa Tytalus: "Devotos da Suprema Vontade, reunidos pelo bélico Mestre Tytalus para desafiar
outros magos. Sempre poderosa, a Casa agora jaz em ruínas após a Segunda Guerra Massassa”.

122
11. Casa Verditus: "Artesãos mestres que fizeram dispositivos maravilhosos. Fundada por Verditius,
que nunca dominou um único feitiço, a Casa prosperou durante a Renascença, caiu em desgraça
durante a Revolução Industrial, e se tornou bastante poderosa hoje”.

12. Casa Ex Miscellanea (fundada em 817): "Uma coleção de várias tradiçoes "exóticas", fundada por
Pralix bani Tytalus décadas após a Pax Hermetica. Frequentemente um terreno de despejo para
Casas velhas, e poço de procriação para Casas novas.”.

CASAS NOVAS

13. Casa Fortunae (fundada em 1910): “Videntes e necromantes, fundada dentro de Ex Miscellanea
por Hassam al Jadidi ibnu Faridi no início do século XX e promovida ao status de Casa completa
em 1936”.

14. Casa Golo (1171 – 1188): “Precursores dos Filhos do Éter, fundada dentro de Ex Miscellanea por
Lorenzo Golo para promover a ciência mágica. Quando Golo deixou a Ordem em 1188, os
membros da Casa se mudaram para a primitiva Ordem da Razão, ou se juntaram a Bonisagus e
Verditius”.

15. Casa Hong Lei (2000): “Ritualistas chineses descendentes dos Wu Lung. Fundada por Hsiao Kuei,
e atualmente sob estágio probatório”.

16. Casa Janissary (1700-2001): “Temíveis magos de guerra árabes/turcos. Fundada por Dincer
Albayrak, e outrora muito influente, Janissary foi aleijada pela Conflagração de Doissetep e
Varrida durante a Segunda Guerra Massassa65”.

17. Casa Luxor (1872-1936): “A primeira casa americana, fundada para explorar o território comum
entre ciência, espiritualidade e religião. Fundada por Max Theon e Paschal Beverly Randolf (o
primeiro Mestre Hermético negro); mais tarde aleijada pela Grande Depressão e incorporada aos
Filhos do Éter”.

18. Casa Ngoma (2001): “Altos ritualistas descendentes da aspirante a Tradição africana. Fundada
dentro da Ordem por Alyissha Abadeet, mas enraizada em 1300”.

65
Guerra entre Magos e Vampiros.

123
19. Casa Shaea (1412/1982): “Mestres da linguagem e da comunicação, baseada no antigo Egito.
Aceita em Ex Miscellanea em 1412, formalmente admitida com Maraksha Kashaf em 1982.”

20. Casa Skopos (2000): "Pequena seita dedicada à realidade do quantum; fundada por Spiro Hatzis,
Skopos tem um punhado de membros e muito potencial”.

21. Casa Solificati (1315/1999): “Alquimistas supremos, originalmente fundada em 1315 por Luis
Tristan de Varre como um grupo independente. Após uma longa e diversificada história, eles se
juntaram à Ordem em 1999”.

22. Casa Tharsis (1522-1897): “Magos da tempestade com base em torno da água, clima e viagens
marítimas. Fundada por Samuel Nash (também conhecido como Mestre Tharsis), a Casa prosperou
durante as eras Exploradora e Colonial. Varrida pela Ordem devido à corrupção diabólica”.

23. Casa Thig (1846-1999): “Futuristas descontentes, reunidos por Joseph Ryelander. Aleijada após a
Conflagração de Doissetep e a Guerra de Concórdia. Dados a meditação, fundaram a Casa Xaos
em 2001”.

24. Casa Validas (1557-1700): “Fundada por "Edward, o Brilhante" Validas, a Casa desfrutou de
sucesso durante o reino de Elizabete, mas foi dizimada pela Catástrofe de Nasby. Repudiada por
diabolismo, Validas se tornou uma seita Infernal que pode ainda estar ativa na Inglaterra rural”.

25. Casa Xaos (2001): “Magos do caos Neodiscordianos66, fundada por Kallisti a partir das ruínas da
Casa Thig, considerada uma piada pela maioria dos Herméticos”.

26. Casa Ziracah (1327-1780): “Mestres da Ars Cupiditae, fundada por Lady Alimont Ziracah, mais
tarde associada a Edward Kelly. Enfraquecida durante a Catástrofe de Nasby, foi destruída quando
os sobreviventes entraram em conflito com o Rei George III”.

Compreendendo cada Casa em uma visão sincrônica, podemos verificar apenas


características individuais, identificando, mesmo em um recorte pontual do tempo, o jogo de poder
frequente dentro da própria Ordem. Todavia, identificamos com mais eficiência esse jogo de poder
ao observar a linha do tempo Hermética a luz diacrônica, em que se observa, não somente

66
Novos “adeptos” da discórdia.

124
individualidades, mas pontos de aproximação e afastamento durante a construção da crença da
Ordem, que caminha juntamente a conspeção politico-estrutural.
Vale ressaltar que a Ordem se interessa em padronizar todos os elementos que a cercam,
semelhantes a "antiga Ordem da Razão" ou atual União Tecnocrática. Contudo, o ponto chave para
poder diferenciar a Ordem da União é simples: A Ordem acredita e defende que cada ser pode
acreditar no que quiser, sendo a premissa máxima da união de todas as tradições mágicas, mesmo
que haja discordância interna. Já para a União essa premissa é inaceitável e ilógica, sendo que
tomaram para si a obrigação de definir o que é saudável para os seres humanos seguirem ou
acreditarem, sendo direcionados apenas por fatos controláveis.
É interessante observar que a Ordem se organiza por etapas, ou melhor, níveis hierárquicos,
tornando-a vasta e singular a cada corredor. A relação de cada membro para com o mito originário
é diferente. Entretanto, na organização em que se encontram no século XXI, os próprios magos
passaram a se preocupar com assuntos ligados a Ordem em si, deixando a desejar no que se refere
à Tradição propedêutica.
Ao dialogar com Eliade67 (2008, p.164) nos deparamos com o conceito de Homo Religiosus
que tenta englobar o comportamento dos sujeitos que possuem contato com religiões, quaisquer
que sejam. Também, o mesmo autor, denomina que os que não compartilham o pensamento de fé,
o religioso, enquadram-se na categoria de Homem a-religioso e assumem “uma nova situação
existencial: reconhece-se como o único sujeito e agente da História e rejeita todo apelo à
transcendência”.
Retornando a Ordem, claramente, podemos identificar o pensamento Hermético como
religioso, enquadrando todos os componentes da Ordem como Homens Religiosos. De acordo com
Eliade
o homem religioso assume um modo de existência específica no mundo, e, apesar do
grande número de formas histórico-religiosas, este modo específico é sempre
reconhecível. Seja qual for o contexto histórico em que se encontra, o homo religiosus
acredita sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende esse
mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-o real. Crê, além disso, que a
vida tem uma origem sagrada e que a existência humana atualiza todas as suas
potencialidades na medida em que é religiosa, ou seja, participa da realidade. 68

Verificamos, no cenário de M.A, um claro vínculo com essa contraposição de


posicionamentos de crença. Enquanto o Homem Religioso busca se afirmar através de sua crença
e do direito de acreditar em sua própria vontade, de acordo com Eliade (2008, p.166) "o homem

67
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. 2ª Ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2008, p.164.
68
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. (2008, p.164)

125
a-religioso se constitui por oposição a seu predecessor, esforçando-se por se “esvaziar” de toda
religiosidade e de todo significado trans-humano. Ele reconhece a si próprio na medida em que se
'liberta' e se “purifica” das “superstições” de seus antepassados."
Esse comportamento ocorre em diversos momentos no cenário, e compreendemos que o
este expõe o comportamento do ser humano em perspectiva diacrónica. Ao analisar a linha do
tempo do ser humano, vemos que sempre houve crenças e a discordância das crenças. Entretanto,
nem sempre existiu o comportamento a-religioso demonstrado por Eliade, como apresenta o
próprio autor em suas obras. Esse comportamento compõe uma transformação de comportamento
na sociedade moderna.
Finalizando os pensamentos, o comportamento religioso apresentado na Ordem de Hermes
demonstra, claramente, uma gama da sociedade que, independente de classe social ou qualquer
outro fator, revela sua vontade, ou melhor, necessidade de viver o mágico a sua maneira. Já o
comportamento a-religioso demonstra o homem moderno e dicotômico que tenta se formar
enquanto sujeito negando as origens míticas e libertando-se de todo significado trans-humano.
Além disso, e importante dizer que não houve necessidade de desenvolvimento do estado da arte
do RPG por parecer comum ao local de publicação. Os autores estrangeiros possuem vasta
produção, contudo, o objetivo do texto, em sua pontualidade, propõe uma relação estrita entre
percepção e objeto, não se direcionando para colocações teóricas.

REFERÊNCIAS

BRUCATO, Phil et al. Mago: A Ascensão. 3 ª Ed. São Paulo: Devir, 2000.
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes. São Paulo:
Devir, 2003.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. 2ª
Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1 ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972.
LIRA, David. A Sacralidade do Corpus Hermeticum: Comunicação Divina e Humana nos Textos
Herméticos. In: CONGRESSO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, 5;
SEMANA DE ESTUDOS DA RELIGIÃO, 12, 2011, Goiânia - GO. RELIGIÃO,
TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS E GLOBALIZAÇÃO. Goiânia: PUC Goiás, 2011.
CORPUS HERMETICUM. Atribuído ao Grande Hermes Trismegisto. In:
http://www.luzdegaia.org/downloads/livros/diversos/Corpus_Hermeticum_Hermes_Trimegisto.p
df , acesso em 10 de Agosto de 2015.

126
O EFÊMERO E O SINGULAR:
Diálogo entre o larp e o metáporo

Tadeu Rodrigues Iuama69

RESUMO

O presente estudo consiste em uma revisão bibliográfica que objetiva traçar possíveis pontos de
contato entre os conceitos de Imersão e Acontecimento. Para isso, parte tanto da definição de larp
(do qual a Imersão é vista como um elemento) quanto da definição de Comunicação por Ciro
Marcondes Filho, para então prosseguir para possíveis intercâmbios entre o metáporo e o larp.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Narrativas Midiáticas; Revisão bibliográfica; Metáporo;
Larp

ABSTRACT

The present study consists of a bibliographical review that aims to trace possible points of contact
between the concepts of Immersion and Event. For this, it starts from both the definition of larp
(of which Immersion is seen as an element) and the definition of Communication by Ciro
Marcondes Filho, and then proceed to possible interchanges between the metáporo and larp.
KEYWORDS: Communication; Mediatic Narratives; Literature review; Metáporo; Larp

INTRODUÇÃO

Esse estudo objetiva traçar as primeiras reflexões, por meio de revisão bibliográfica, acerca
da inquietação sobre uma possível aproximação entre os larps (live action role-play, vivência de
papéis, em tradução livre do autor), e a Comunicação como Acontecimento e o uso do Metáporo,
vistas em Ciro Marcondes Filho (2008). Tal inquietação é oriunda de pesquisa desenvolvida
durante o Mestrado (IUAMA, 2016a), na qual tomou-se a Fenomenologia como aporte
metodológico (MARTINEZ; SILVA, 2014), utilizando-se tanto da observação participante quanto
das histórias de vida como técnicas (MARTINEZ, 2015). Durante o estudo, observou-se que o

69
Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba, membro do grupo de pesquisa em Narrativas
Midiáticas, UNISO, Sorocaba, SP, tadeu.rodrigues@edu.uniso.br

127
metáporo poderia ter uma usabilidade significativa. Porém, dada sua complexidade, optou-se por
um aprofundamento posterior, etapa que se inicia com o presente trabalho. Observa-se que se trata
de uma pesquisa em caráter preliminar, exploratório, cujos resultados apresentam apenas uma
interpretação dentre a miríade de olhares possíveis.
O motivo da possível aproximação entre larp e metáporo percebida é dado ao fato de ambos
serem singulares e efêmeros em suas naturezas, de maneira que o presente artigo estrutura-se de
modo a explicitar cada um dos conceitos, para então buscar pontos de contato.

Larp, imersão e bleed

“Larp é um encontro entre pessoas que, através de suas personagens, interagem umas com
as outras em um mundo ficcional” (FATLAND; WINGÅRD, 2014, p. 290, tradução livre do
autor).
O larp, embora possa ser visto com olhares de ineditismo, tem expressividade relevante.
Tal afirmação pode ser corroborada ao observar-se que “no dia 10 de janeiro de 2015, 101 dias
após lançado, o primeiro censo global de larp fechou para respostas. 29.751 respostas foram dadas
de 123 países diferentes em 17 idiomais distintos” (VANEK, 2015, p. 18, tradução livre do autor).
Ressalta-se que, por tratar-se de uma prática na qual seus participantes são dispersos, sem a
necessidade de se afiliarem a alguma associação para que alcance do censo a cada um seja
facilitado, não existe como estimar qual a representatividade das quase 30 mil respostas obtidas
no censo ante o total de participantes de larp ao redor do mundo. Para ilustrar, seria como realizar
um censo de jogadores de futebol, tendo em vista que a pesquisa provavelmente só atingiria
àqueles jogadores que se relacionam de maneira mais ativa com a comunidade do esporte.
Embora o uso do termo tenha surgido em meados da década de 1970, autores o relacionam
a práticas mais antigas, como as Saturnálias romanas (MORTON, 2007). Contudo, o número de
estudos envolvendo o tema intensificou-se a partir da segunda metade da década de 1990. Para
compreender o larp, optou-se pelo uso de pesquisadores nórdicos, dado o vanguardismo desses
autores sobre o tema, dado observado em pesquisa anterior (IUAMA, 2016b). Salienta-se que o
uso do termo nórdico representa aqui a Noruega, Dinamarca, Finlândia e Suécia, sendo o termo
larp nórdico refente as idiossincrasias do larp originário desses países, mas hoje disperso pelo
mundo.
De maneira sintética, um larp seria uma expressão artística onde, de maneira lúdica, os
envolvidos tecem uma narrativa coletivamente e espontaneamente, por meio do desempenho de

128
papéis (role-play). A definição de role-play seria de que “é a imersão (‘eläytyminen70’) em uma
consciência externa (‘a personagem’) e a interação com o seu entorno” (POHJOLA, 2014b, p. 297,
tradução livre do autor). Nesse âmbito, a imersão “é o jogador assumindo a identidade de uma
personagem fingindo acreditar que sua identidade somente consiste de papéis diegéticos”
(POHJOLA, 2014a, p. 117, tradução livre do autor).
Um exemplo de larp seria o Três de mim (HOLTER, 2012), no qual um dos participantes
faz uma afirmação sobre outro participante (não necessariamente verdadeira) que, por sua vez,
deverá contar três histórias (essas sim, reais) de seu passado que confirmem tal afirmação. O
caráter poético do larp trazido para esse exemplo dá-se pela reflexão causada nos participantes ao
perceberem que existem justificativas no passado de cada um que poderiam confirmar afirmações,
embora o participante possa, num primeiro momento, discordar veementemente da afirmação dada
a ele.
Nesses jogos, como citado acima, é recorrente que sua definição seja alinhada com o
conceito de imersão. A imersão, nesse âmbito, seria uma sobreposição entre a realidade cotidiana
dos participantes (o mundo real) e realidade inerente ao jogo (o mundo de jogo, também chamado
de diegese). Isto é, existe uma potencialidade de ocorrer um rebaixamento temporário da
consciência do participante, fazendo com que por vezes ele passe a pensar/sentir como a
personagem (ente do mundo de jogo), e não como o jogador (ente do mundo real).
Como argumenta Carsten Andreasen (2003, p.81, tradução livre do autor):

Estar presente em ambos ambientes ao mesmo tempo é essencial ao larper. Sem essa
presença dupla ele não pode se relacionar tanto com a diegese quanto com as necessidades
do mundo real (fronteiras, regras, legislação nacional, etc.). O duplipensar orwelliano faz a
imersão possível mesmo estando consciente do mundo real.

Nesse âmbito, Andreasen recorre à literatura para explicar o processo mental de um


participante durante um larp. Para George Orwell (1903-1950), duplipensar representa o ato de
“induzir conscientemente a inconsciência e então tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se
acabava de realizar” (ORWELL, 2005, p. 37), no intuito de “defender simultaneamente duas
opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas” (ORWELL,
2005, p. 37). A importância desse processo seria a de um participante reagir de maneira plausível
tanto na perspectiva do jogador quanto da personagem. Exemplifica-se isso com a situação

70
O termo é a nominalização deverbal do verbo eläytä, sem tradução precisa para o português, cujo significado é
descrito como colocar a alma em algo ou imaginar-se em alguma situação. Traduções para o português em ferramentas
eletrônicas (como o Google Tradutor) retornam a palavra empatia.

129
hipotética de ter uma peça de espuma que representa uma arma apontada para ele: ao mesmo tempo
em que o jogador sabe que aquilo não representa uma ameaça para sua integridade física, a
personagem deve reagir como se sua vida estivesse em risco.
Retoma-se, contudo, que o larp é uma atividade coletiva e espontânea. Por conta da
inexistência de um roteiro prévio que torne as ações de cada um dos participantes previsíveis, a
quantidade de estímulos a que cada um dos envolvidos é exposto é tamanha que, para que exista
fluidez no jogo, esse duplipensar torna-se inconsciente.
Talvez por esse caráter inconsciente, um outro fenômeno é recorrente entre os praticantes
de larp: o bleed71. O termo faz parte do jargão de pesquisadores de larp, de modo que orbitam
diversas definições. O pesquisador Markus Montola utiliza-se da definição desenvolvida pelo
coletivo finlandês Vi åker, que desenvolve jogos com ênfase nesse fenômeno. Para o coletivo, o
“bleed é experienciado por um jogador quando seus pensamentos e sentimentos são influenciados
por aqueles de sua personagem, ou vice-versa. Com o aumento do bleed, a fronteira entre jogador
e personagem torna-se cada vez mais transparente” (Vi åker apud MONTOLA, 2014, p. 155,
tradução livre do autor). O bleed divide-se em dois tipos, de acordo com Montola (2014, p. 155,
tradução livre do autor): “bleed in ocorre quando as vidas ordinárias dos jogadores influenciam o
jogo, enquanto bleed out ocorre quando o jogo influencia jogadores, apesar do enquadramento
protetor72”.
Se tomarmos como aporte teórico o psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), o bleed
in poderia ser entendido como próximo da projeção, ao passo que o bleed out estaria relacionado
com a introjeção. Nesse âmbito, de maneira sintética a projeção configuraria-se como o ato de um
sujeito inconscientemente destacar um conteúdo de sua psique e incorporar o mesmo em um
objeto, ao passo que a introjeção seria a incorporação de um conteúdo atribuído subjetivamente
para um objeto pelo sujeito (JUNG, 2013). Da mesma maneira, a imersão poderia ser
compreendida a partir do conceito de participation mystique, “uma espécie singular de vinculação
psicológica com o objeto. Consiste em que o sujeito não consegue distinguir-se claramente do
objeto, mas com ele está ligado por relação direta que poderíamos chamar de identidade parcial”
(JUNG, 2013, p. 475).

71
Embora exista uma miríade de traduções possíveis, tais como sangramento, transbordar, afeto (entre outras), houve
a preferência de manter o termo no idioma original, como têm sido habitual em pesquisas de larp.
72
Por enquadramento protetor, entende-se o conjunto de regras num larp que visam proteger a integridade física e
emocional do participante.

130
Comunicação, acontecimento e metáporo

“Os alemães têm uma expressão interessante, eles dizem ‘entra debaixo da pele’ (geht
under die Haunt): este livro, este filme, esta peça, este tema ‘entra embaixo da pele’, quer dizer,
me toca no mais profundo de mim. A isso eu chamo. comunicação’” (MARCONDES FILHO,
2016, p 1).
A noção de comunicação, como proposta pelo professor Ciro Marcondes Filho,
coordenador do FiloCom – Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação, da ECA/USP, diverge
da visão mercadológica que envolve emissor-receptor-meio-mensagem-ruído. Ao contrário disso,
“a comunicação não é uma coisa, algo que percorre uma cadeia que vai do emissor ao receptor,
algo que se possa dizer que exista; antes, ela é uma relação, uma possibilidade no encontro entre
homens e homens, entre homens e técnicas” (MARCONDES FILHO, 2008, p. 151). Fruto de uma
pesquisa que perpassa décadas, a definição de comunicação por Marcondes Filho desenvolve-se
em conjunto com sua Nova Teoria da Comunicação. Mais importante do que a mensagem, é o
efeito causado por ela, como nota-se em:

Se a questão é saber, afinal de contas, o que significa efetivamente comunicar, a única


resposta é essa: me marcar de maneira definitiva, instalar-se em mim de forma a desarranjar
o que estava arranjado, propondo novas combinações, promover um ato de reordenação
interna, em que a nova inserção poderá abrir novos percursos, novas possibilidades, uma
nova história dentro de mim. A isso se dá o nome de devir (MARCONDES FILHO, 2016,
p. 4)

Destarte, a comunicação tem uma relação estreita com a noção de acontecimento. Tanto
que, para Marcondes Filho (2008, p. 151), “comunicação é um acontecimento, um evento nem
sempre possível, antes improvável, encontro feliz ocasional de múltiplas coordenadas em um
momento que não se repete, que é único e que tem força expressiva particular”, ou ainda,
“comunicação é um acontecimento que tem a ver comigo e como me relaciono com o outro e com
as coisas; é, portanto, uma forma de relação que eu desenvolvo com o mundo circundante”
(MARCONDES FILHO, 2008, p. 19). Ressalta-se que “para se ter comunicação é preciso haver
acontecimento, mas nem todo acontecimento é comunicação, de modo que para se ter
comunicação, o acontecimento precisa construir novos sentidos” (DANTAS, 2012, p. 2).
Marcondes Filho demonstra o processo dessa produção de novos sentidos usando como
exemplo a sensação de incômodo que por vezes pode ser percebida ao sair de uma sessão de
cinema, causada por um filme. De acordo com o pesquisador (2016, p. 3-4):

131
Constato que há pelo menos dois planos que me atingem: o plano meramente imanente do
próprio filme, sua produção, seu enredo, o desenrolar da trama, o desempenho dos atores,
a sequência das cenas e como elas vão me conduzindo, e outro, um plano que trascende a
esse e que acaba mexendo com minha vida, instalando-se na minha memória, fazendo um
jogo, uma interlocução com minha própria existência. O filme falou comigo. Nesse
momento, eu digo: ele comunicou.

Nesse âmbito, nas palavras de Marcondes Filho (2016, p. 4), “já não sou mais o mesmo.
Meu repertório agora foi acrescido de um fato novo”. Dessa forma, explicita-se a noção de
comunicação vista no coordenador do FiloCom: Comunicação é um acontecimento que produz
novos sentidos.
Com base nesse conceito de comunicação, a própria noção de método torna-se obsoleta:
como pesquisar algo que é efêmero, singular, irrepetível, raro, improvável, dentre outros adjetivos,
por meio de um caminho fixo, imutável, permanente, constante, previamente pavimentado? Para
responder essa pergunta, o FiloCom desenvolveu o metáporo, o quase-método ou caminho do
meio. Explicita-se esse processo ao afirmar que (DANTAS, 2012, p. 8):

Poro, para Sarah Kofman (Marcondes, passim), é a via que se faz e se desfaz o tempo todo,
que escapa e, que não tem existência, pois se trata de geração contínua. Utilizando-se da
definição de Poro, de Kofman, Marcondes Filho cunhou o termo metáporo (meta + poros)
no lugar de método (meta + odos). Metáporo seria o ato de construir a passagem, de ir se
abrindo um caminho que vai se fechando atrás de si, como um caminho da não-fixação
contínua. A ideia do Metáporo é criar apenas algumas indicações, como um paradigma
construído por cada pesquisador.

Como base para essa proposta, Marcondes Filho (2016) encontra na fenomenologia um de
seus pilares. Dessa maneira, a pesquisa que se utiliza do metáporo depende, acima de tudo, de uma
postura/compromisso por parte do pesquisador. Marcondes Filho (2008, p. 10) fundamenta que:

O pesquisador de comunicação voltado para este princípio não opera com métodos fixos e
definitivos. Já que a comunicação é um processo dinâmico, instantâneo, pulsante já que as
tecnologias se superar a cada momento, já que se trata de operar com uma ‘coisa viva’,
cujos efeitos se sentem na vibração da vida a cada momento, é preciso que o próprio
procedimento de pesquisa se flexibiliza, se adapte, se corrija e esta é uma das atribuições
do pesquisador, a de atuar também desbravando, abrindo caminhos, renovando as mentes
para acompanhar a renovação das técnicas.

Dessa maneira, alerta ainda (MARCONDES FILHO, 2016, p. 8) que:

Por isso, há que se defender a pesquisa dos resquícios, a pesquisa daquilo que não deixou
pistas, pelo menos materiais, a pesquisa das sensações. E um trabalho com esse intervalo,
localizado entre o fim de uma exibição de cinema, de uma representação teatral, de um
espetáculo de dança, e aquilo que se instalou misteriosamente em mim, me constituindo.
Esse movimento, esse conflito, essas quebras de padrões e de regras, essa guerra de
posições que irá deixar, no final, muita coisa transformada.

132
O metáporo, posto dessa maneira, investiga as transformações ocorridas no pesquisador
por sua exposição a um acontecimento onde ocorreu a comunicação. Sob esta perspectiva, a
presente pesquisa buscar traçar paralelos entre metáporo e larp.

Diálogo entre larp e metáporo

A primeira questão levantada aqui é a proximidade de acontecimento (MARCONDES


FILHO, 2008; 2016) e imersão (POHJOLA, 2014a; 2014b). Ambos são imprevisíveis, irrepetíveis
e improváveis. Não se sabe quando acontecerá um acontecimento comunicacional. O mesmo é
válido para a imersão numa personagem: o processo de simulação é um processo consciente, e,
portanto, controlado, mas a imersão tem como condição essencial o fato de ser um processo
inconsciente. Atenta-se para o fato de que uma não é condição para existência da outra. O
acontecimento pode ocorrer sem que haja imersão, e vice-versa. Contudo, a proximidade de ambas
poderia indicar que ambos se facilitariam. Explica-se: sobre os filmes, Marcondes Filho (2016, p.
5-6) afirma que “o filme foi feito para ser assistido uma única vez, sem interrupções, sem o ruído
de pessoas passando na frente, de preferência na sala escura e com som estereofônico. Pois é aí
que se instala sua magia”. Uma possibilidade a partir dessa afirmação seria afirmar que nessas
condições ideais, aumentaria-se a potencialidade da imersão ocorrer. Portanto, imbrica-se a relação
entre acontecimento e imersão.
A própria definição de comunicação utilizada nesse artigo sugere uma relação muito forte
com o conceito de bleed (sobretudo o bleed out), visto nos larps. Em ambos, a transformação do
sujeito é essencial. Num larp, o bleed (out) infere sobre o que a vivência de uma personagem
tranforma o jogador. O acontecimento comunicacional, por sua vez, seria aquele acontecimento
onde ocorre transformação do indivíduo (MARCONDES FILHO, 2016).
Sobre a postura do sujeito, observam-se alguns conceitos do pensador Vilém Flusser (1920-
1991). Para Flusser (1967, p. 2), jogo seria “todo sistema compostos de elementos combináveis de
acordo com regras”. A relação dos indivíduos com os jogos pode ser observada a partir da crença
zero, ou seja, a prontidão para aceitar um novo jogo (FLUSSER, 1967). Destarte, temos a noção
de engajamento, entendido “como escolha deliberada de uma determinada crença zero a partir da
liberdade, e como recusa deliberada de traduzir doravante (FLUSSER, 1967, p. 6). Nessa
perspectiva, liberadade seria a prontidão para substituir constantemente crenças zero. Assim, o
pesquisador que se utiliza da proposta do metáporo, e também o participante de um larp,
engajariam-se. Essa possível interpretação da postura do pesquisador de comunicação

133
(MARCONDES FILHO, 2016) aproximaria-se daquilo que é fator essencial na participação de
um jogo.
Observando-se o conceito de jogo de Flusser descrito acima, evidentemente o larp
enquadra-se como um jogo. Mas esse também é o caso da pesquisa. Na pesquisa, os dados
poderiam ser considerados os elementos, e o caminho da pesquisa suas regras. Contudo, Flusser
(1967) orienta sobre a distinção entre jogos abertos e jogos fechados: nos jogos fechados,
elementos não podem ser inseridos ou subtraídos, assim como regras não podem ser alteradas; o
contrário disso seria um jogo aberto. Ao imbricar a pesquisa com essa noção de jogo, pode-se
inferir que a metodologia seria o jogo fechado, ao passo que o metáporo teria relação com o jogo
aberto flusseriano, uma vez que as regras da pesquisa possuem a fluidez necessária para atender à
singularidade/efemeridade do objeto comunicacional. E, se o resultado de todo processo de
pesquisa é uma narrativa (MONSMA, 2007), um relato do percurso e dos achados do pesquisador,
interpreta-se que o larp e o metáporo poderiam ter uma relação íntima, no âmbito de que ambos
resultariam em narrativas únicas, sem um percurso fixo e resultados repetíveis.

Considerações

O estudo do larp como media é um estudo recente: o primeiro texto que faz essa relação é
de 1999, publicado formalmente quatro anos depois (FATLAND; WINGÅRD, 2014). Menos de
20 anos separam a primeira manifestação do reconhecimento do larp enquanto media e os dias de
hoje. É tempo suficiente para que alguns importantes avanços teóricos tenham sido feitos, mas
também é um curto período para que tenha ocorrido uma saturação, ou mesmo que as pesquisas
envolvendo esse tema tenham tido um alcance representativo. O próprio estranhamento que o
termo larp evoca em eventos científicos na área de Comunicação no Brasil serve como termômetro
para esse dado.
Grande parte desse estranhamento também é devido às idiossincrasias do larp: numa
sociedade pautada pela comunicação de massa e pela fruição de arte delineada pela relação
espectador/consumidor/receptor e autor/produtor/emissor, o larp apresenta-se como uma arte
participativa (HAGGREN et al, 2009), devolvendo o protagonismo para o indivíduo, permitindo
criar suas próprias narrativas, de maneira improvisada, não-cristalizada, criativa.
A partir das relações traçadas entre a Nova Teoria da Comunicação, que visa compreender
a comunicação como um acontecimento que resulta em transformação do indivíduo,
acontecimento este relacionado sobretudo à experiência estética, e os larps, foram observados
significativos pontos de contato, terreno fértil para pesquisas futuras sobre o tema utilizando-se o

134
metáporo. Pode-se inclusive ousar, ao afirmar que o larp, enquanto irrepetível, efêmero e singular,
não permite uma metodologia para sua execução, compreensão ou interpretação. Ao contrário: é
uma arte metapórica. Arte metapórica pois, tal qual o metáporo, seu caminho se faz cada vez que
o larp acontece.
Pontua-se nessas considerações um trecho do texto que suscitou a inquietação que motivou
a presente pesquisa:
Com Marcondes Filho, Flusser, Serres, buscamos a comunicação como evento
transformador, único, irrepetível, no qual entra em jogo também a inserção da subjetividade
e da intuição. Buscamos a permissão e o rigor de um método que se possa construir em
paralelo, com o olhar para os objetos da comunicação, que se descubra no processo e que
seja transitório e flexível como a própria comunicação. O que se espera é entender como se
constituem os artifícios que se constróem a fim de nos fazer esquecer de nossa condição de
seres irremediavelmente solitários e mortais. A comunicação como esforço de organização
do caos. A própria teoria da comunicação como ciência interpretativa que busca dar sentido
ao que não faz sentido algum, mais do que explicar o que não terá mesmo explicação. Um
método participativo, mais que investigativo, no qual se invista todo o corpo, com todos os
sentidos e com a possibilidade da experiência, sabendo-se que, a comunicação é a essência
da própria vida, e “a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais”, como já diziam
Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho (SILVA; SILVA, 2012, p. 35).

Seria injusto terminar a pesquisa sem refletir acerca do texto que a desencadeou. Algumas
palavras nele levaram aos processos descritos no decorrer deste artigo, mas pretendo retomá-las
uma a uma nessas considerações.
Transformador, pois minha experiência como participante de larp foi o que motivou a
começar a pesquisar esses jogos, em grande parte por tudo aquilo que acredito ter mudado em
função dessas diversas vivências. Único, que imediatamente remeteu-me a cada vez que o mesmo
larp foi jogado, mas cada vez seu resultado foi diferente. Jogo, já que foi essa palavra, utilizada
talvez como metáfora no texto citado, que é a grande protagonista do presente trabalho. A partir
daí é que se iniciaram as tentativas de compreender a pesquisa como um jogo. Subjetividade, uma
vez a teoria de larp é enfática ao dizer sobre o caráter subjetivo do jogo, pois muito dele se passa
na imaginação de cada participante. O que imediatamente leva ao método participativo, já que,
novamente, a experiência como larper mostra possível desenvolver um caminho
participativamente, seja ele na narrativa ou na pesquisa. O larp, enquanto jogo presencial, físico,
corpóreo, forneceu insights que apontaram para a importância do corpo e dos sentidos na
comunicação. E quanto a palavra experiência, essa me remete tanto a minha visão particular de
larp quanto da pesquisa: ambas tratam-se de experiências. A pesquisa, nessa perspectiva, seria uma
narrativa de uma experiência.
Por fim, evidencio que o percurso inverso também poderia fornecer interessantes leituras
futuras. Por percurso inverso, explicito que os larps poderiam fornecer (como foi no meu caso)
algumas novas/outras inquietações para as pesquisas onde o pesquisador não pretende encaixar
um caminho conhecido num destino incerto. Tal qual é a postura de um participante de larp que,

135
ao iniciar um novo jogo, não sabe para que direção o jogo irá se desenvolver, mas ainda assim
permite-se imergir naquela situação, naquela realidade, naquela personagem, trilhar um novo
caminho, o não-percorrido, para que talvez aquilo lhe transforme de alguma maneira. Lhe
comunique.

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138
O RPG COMO FERRAMENTA DE PESQUISA CIENTÍFICA:
Um estudo de caso realizado na universidade federal de uberlândia.

Ms. Rafael Correia Rocha73


Pedro Gustavo Silva Ribeiro74

RESUMO

Esse estudo de caso, surgiu de uma proposta da ONG Narrativa da Imaginação. A proposta de um
estudo com o objetivo de investigar a possibilidade de utilidade do RPG como ferramenta de
pesquisa acadêmica dado o viés acadêmico que a ONG Narrativa da Imaginação tem. Seguindo o
modelo de pesquisa com RPG proposto por ROCHA (2014) e a estrutura do monomito em doze
passos de CAMPBELL (1990), as histórias foram criadas pelos narradores e jogadas por jogadores
tanto experientes quanto novatos em RPG. Com isso, obteve-se respostas para as perguntas “o que
é personagem?”, “o que é cenário?” e “o que é RPG?”. Apesar de promissores, os resultados não
foram assertivos o suficiente para definir o RPG como método de pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: RPG, monomito, método de pesquisa, narrativa, cenário, personagem

ABSTRACT

This case study arose from a proposal of the NGO Narrativa da Imaginação. The proposal
of a study with the objective of investigating the possibility of RPG usefulness as an academic
research tool given the academic bias that the NGO Narrativa da Imaginação has. Following the
research model with RPG proposed by ROCHA (2014) and the structure of the monomito in twelve
steps of CAMPBELL (1990), the stories were created by the narrators and played by players both
experienced and novice in RPG. With that, we got answers to the questions "What is character?",
"What is scenario?" And "What is RPG?". Although promising, the results were not assertive
enough to define RPG as a research method.
KEYWORDS: RPG, monomyth, research method, narrative, scenario, character

73
Doutorando na Universidad Columbia (PY) – rafael.correia.rocha@gmail.com
74
Engenheiro Mecatrônico pela Universidade Federal de Uberlândia – pedrogsribeiro@yahoo.com.br

139
INTRODUÇÃO

Esse estudo de caso, surgiu de uma proposta inicial da ONG Narrativa da Imaginação em
2016 e 2017, de explorar as propriedades do RPG no campo da pesquisa acadêmica por meio da
experiência do jogar.
Segundo o que Thompson (1981) descreve os jogadores passam pelo campo da experiência
em dois momentos. Inicialmente pela experiência vivida, na qual o jogador está na prática do jogo,
interpretando o personagem. Posteriormente, pela experiência percebida, que envolve o que o
jogador refletiu, percebeu, entendeu e sentiu pelo jogo, suas impressões e significados.
Portanto, determinado conteúdo do tema a ser pesquisado será inserido na experiência
vivida no intuito de preparação e reflexão dos jogadores para que pela experiência percebida seja
possível a identificação das impressões de cada jogador diante do tema, por meio do Anexo 1
(CAMPBELL, 1990), que irá formatar a estrutura das narrativas. Desta forma, o primeiro
momento será a preparação metodológica da narrativa, para lidar com as características do RPG
debatidas em reunião.
Portanto, para fim de evitar influência dos dados e buscar maior variabilidade de
experiências, o mesmo tema foi apresentado em 5 sistemas de regras diferentes a saber: Um
Anel175, Fate Básico76, GURPS77, Numenera78 e um sistema indie criado por um dos narradores),
para grupos de 3 a 5 jogadores, totalizando 25 participantes (4 narradores e 21 jogadores). A
proposta de realização do jogo, foi dividido em 4 sessões, de periodicidade quinzenal, havendo
ampliação de algumas para fim de regulação com o calendário da universidade.
Levando-se em conta esse histórico e a referência optou-se por promover um projeto de
caráter extensionista, para o envolvimento da comunidade acadêmica (narradores) e comunidade
externa (jogadores), visando a produção de conhecimento sobre o tema através de um diálogo entre
os graduandos de Ciência da computação, Letras e Biologia da Universidade Federal de
Uberlândia e a comunidade externa para verificar a viabilidade do projeto.
Para o desenvolvimento do RPG de pesquisa, foi proposto um método para estruturar o
tema a ser investigado por meio de uma construção narrativa para quatro sessões de RPG, de
acordo com os 12 passos da Jornada do Herói79 (CAMPBELL, 2010) fazendo com que os

75
MAGGI, M., NEPITELLO, F., O Um Anel, São Paulo, Brasil, Devir Editora, 2012
76
BALSERA, L., ENGARD, B., KELLER, J., MACKLIN, R., OLSON, M., Fate Sistema Básico, Curitiba, Brasil,
Solar Editora, 2017
77
JACKSON, S., PUNCH, S. PULVER, D., GURPS Módulo Básico, São Paulo, Brasil, Devir Editora, 2015
78
COOK, M. Numenera, São Gonçalo, Rio de Janeiro, Brasil, New Order Editora, 2016
79
Tabela dos passos disponível no Anexo 2

140
jogadores sejam expostos a uma temática (experiência vivida), para que possam responder a uma
entrevista semi-estruturada (experiência percebida) logo após uma imersão ao tema.
Usando o modelo de metodologia role playing (ROCHA, 2014) como base, foi
desenvolvido uma estrutura para RPG e pesquisa, que se utiliza das seguintes etapas.
1. Selecionar o tema da pesquisa;
2. Selecionar conteúdo sobre o tema;
3. Montar a narrativa segundo a Jornada do Herói com o conteúdo selecionado;
4. Desenvolver as perguntas chave que compõe o Tema;
5. Selecionar o público da amostragem;
6. Realizar as narrativas e gravar as respostas da entrevista em formato semi-
estruturado ao fim de cada Sessão.
7. Transcrever as entrevistas e analisar os dados.

A partir desses parâmetros, foi possível iniciar o projeto na primeira etapa, após a provação do
projeto em julho de 2016 pela PROEX, com duração de 12 meses, foi aberto um edital com
divulgação na comunidade da Universidade Federal de Uberlândia oferecendo inscrição para
graduandos com alguma experiência em RPG, para a função de narrador.
Após a inscrição, foi realizada uma capacitação dos narradores com as seguintes
informações: duração de 12 horas, aos sábados das 14h às 18h utilizando a estrutura do monomito
de Campbell, aspectos de ludicidade (HUIZINGA, 2004 e CARSE, 2003) voltado a experiência
lúdica, e o conceito narrativa disposta por BENJAMIN (2000).
A Narração foi disposta através de comunicação assertiva utilizando princípios da teoria
do Fluxo (KAMEI, 2014) para alinhar os narradores diante das possíveis ações de jogadores para
formular desafios em equilíbrio entre o tédio e a desistência, buscando manter a narrativa sempre
estimulante e divertida.
Tendo o referencial bibliográfico de base, ocorreram reuniões de equipe, junto com os
narradores, totalizando 12 horas de duração, uma foram desenvolvidos os parâmetros de
desenvolvimento da história segundo o monomito (CAMPBELL, 2010), composta por doze fases
da jornada do herói: mundo comum, o chamado da aventura, recusa do chamado, palavra do
mentor, travessia do limiar, aliados e inimigos, fronteira de perigo, provação difícil, recompensa
ou elixir, o caminho de volta, ressurreição do herói e regresso com o elixir.
Cada narrador descreveu os elementos que comporão cada uma das fases80 pelas quais os
jogadores deverão passar para completar a história. Os narradores ficaram livres tanto para criarem

80
Anexo 1 – Tabela Jornada do Herói

141
personagens a serem utilizados pelos jogadores quanto para oferecerem a oportunidade para que
os jogadores criassem seus próprios personagens. Após os narradores estarem devidamente
capacitados foram abertas inscrições para comunidade externa e universitária. Os jogadores e
jogadores foram divididos nesta amostragem, em formato de grupos de experiência, visto que as
etapas deveriam ser cumpridas der acordo com o cronograma estabelecido. Então, cada narrador
foi instruído a realizar perguntas para a definição de conceitos compunham parceladamente o
conceito de RPG com liberdade para desdobrá-las de acordo com a natureza e desejo do grupo.
Para as perguntas, foi determinante para haver uma conclusão do tema que fossem
utilizadas como três perguntas base que fundamentassem o tema como elementos que compõem o
RPG, deixando a última com o conceito chave. Portanto, o as perguntas foram desenvolvidas
desmembrando a pergunta central em perguntas menores para a realização de análise dos
elementos que constituem tema separadamente, abordado gradativamente o tema central, de
maneira a evoluir a discussão. A estrutura da pesquisa foi escolhida com intensão de utilizar o
método cartesiano, acreditando que "Não há coisa existente da qual não se possa perguntar qual a
causa pela qual ela existe" (DECARTES, 1983). E neste caso, quando se trata do RPG (causa)
surgem diversos desdobramentos (efeitos) ainda a serem descobertos:

(...) em toda questão, deve haver necessariamente algo de desconhecido, pois, de


outro modo, a sua investigação seria inútil; em segundo lugar, esse incógnito tem
de ser designado de alguma maneira, pois, de outro modo, não estaríamos
determinados a investigá-lo de preferência a qualquer outro objeto; em terceiro
lugar, só pode ser designado mediante alguma outra coisa já conhecida
(DESCARTES, 1985, p. 83).

Para Descartes, uma pesquisa deve ter como essencial três características: 1) uma
delimitação do que é desconhecimento a fim de identificar o foco da pesquisa (O RPG poderia ser
utilizado como ferramenta de pesquisa?); 2) algo delimitado como conhecido de onde a
investigação se iniciará (O projeto jogado na mesa junto a formação de narrativas próprias); 3)
uma relação de dependência entre o conhecido e o desconhecido (O mecanismo de coleta de dados
e formação de perguntas). A partir desse enfoque, foram dispostos determinados preceitos

O primeiro (preceito) era de nunca aceitar alguma coisa por verdadeira se eu não
a conhecesse com evidência como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a
precipitação e a prevenção; de não compreender. Em meus juízos, nada mais do
que aquilo que se apresentasse tão claramente e tão distintamente a meu espírito
que eu não tivesse nenhuma ocasião de por em dúvida. A segunda, dividir cada
uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudesse e fosse
requerido para melhor resolvê-las A terceira, conduzir por ordem meus
pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, e
subir pouco a pouco, como degraus, até o conhecimento mais composto, e supondo
até mesmo a ordem entre aqueles que não precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, fazer em toda parte enumerações tão inteiras e revisões tão gerais que
eu fosse assegurado de nada omitir. (Descartes apud ROBINET, 2004. P. 89)

142
Partindo dessa perspectiva, foram separados os jogadores experientes que já tiveram
contato com RPG serão identificados nesse trabalho como “JOGADORES IMPAR” e jogadores
iniciantes, sem nenhum contato com RPG, serão identificados com “JOGADORES PAR”. A
amostragem foi composta um terço composto por participantes o gênero feminino e dois terços do
gênero masculino, com idades entre 10 a 38 anos.
Desta forma, começamos essa pesquisa sem nenhuma pretensão de sucesso ou certeza.
Logo após dividimos a pergunta “O que é RPG?” em outras menores que compõem a primeira. As
primeiras perguntas foram direcionadas como elementos iniciais que foram se desdobrando. A
primeiro a pergunta sobre “o que é personagem?”, pois o jogador direcionou mais tempo e atenção
na criação e por isso, estaria mais familiarizada. Depois foi perguntado sobre cenário, o que
envolveu a experiência com o personagem, tornando o questionamento um pouco mais complexo.
Em seguida a pergunta se tornou mais subjetiva, foi questionado “o que é a experiência de jogar
RPG?”. Por fim, foi finalizada a pesquisa com a pergunta central. “O que é RPG” na intenção de
que as perguntas anteriores complementassem e reforçassem o conceito aos entrevistados.
A coleta de dados por entrevista ocorreu após sessões de duração variada entre 3 a 5
horas, que inicialmente começaram no Bloco 3Q, a UFU – Campus Santa Mônica, mas devido
a conflitos no cronograma da universidade, dois grupos realizaram atividades na Loja de RPG
Pendragon, na E.M Domingos Pimentel de Ulhôa e na casa de um dos participantes, o que
acabou estendendo as sessões e tornou o espaço entre elas irregular diante do cronograma.
A seguir, foi feita a análise dos dados, de acordo com as perguntas, segundo a ordem
da atividade. Porém, mesmo estando todos os participantes na atividade, alguns sintetizaram
ideias e concordaram com apontamentos de maneira que, não são apresentadas as respostas de
todos os envolvidos.

PRIMEIRA SESSÃO: O que é um personagem?

Os jogadores apresentaram respostas, nas quais foi possível identificar na fala do jogador
01, uma intensa relação entre os aspectos Freudiandos de Id, Ego e SuperEgo (FREUD, 1923),
delimitando a relação de vontade individual e responsabilidade de normas sociais, desta maneira
identificando o personagem como um reflexo ou idealização sem as limitações sociais

O personagem pode ser muita das vezes a extensão da sua personalidade. Muitas
vezes você na sociedade você [sic] tem vontade de ser algo, mas por limitações sociais
você não tem como ser. O RPG abre essa fronteira para você interpretar e até mesmo
descobrir se aquele modo de ser, que você gostaria de ser, é possível e ti [sic] agradaria,
pois as vezes as escolhas que você opta pode trazer umas consequências que você não

143
teria visto se não tivesse tomado essas decisões. Se fosse diretamente na sociedade você
tem [sic] essa consequência instantânea muita das vezes, e de uma forma agressiva. Já
como é um jogo é mais fácil você identificar se é certo ou errado (JOGADORES IMPAR,
2016).

Nessa história, dois dos cinco jogadores relataram que um personagem é uma idealização
de alguém, ou seja, a forma que uma pessoa seria retratada e como ela se expressa dentro de um
jogo. Outros dois responderam à questão de forma associada à experiência, falando de si mesmo.
Além do relatado acima, os jogadores impar descreveram que “(...) o personagem é a liberdade de
você ser quem você quiser e como quiser, sem julgamento nem nada”. Os jogadores impar também
complementaram com uma mescla das duas visões ao relatar que

“(...) o personagem, além de uma forma de se expressar dentro de um jogo, é


também um ‘escape’ para você se colocar de uma forma diferente do que você coloca no
dia-a-dia. Acho que é isso que deixa o RPG mais interessante: essa oportunidade de você
interpretar alguém que você talvez não teria oportunidade de ser de verdade”
(JOGADORES IMPAR, 2016).

Os jogadores impar apresentam conceitos interessantes de válvula de escape em se


remeter a fuga, apresentando um aspecto salutar assim como alteridade de partilhar diferentes
pontos de vista por meio do personagem.
Os Jogadores par relataram que “(...) o personagem de RPG representa o que a gente
queria ser” e “(...) é uma forma de você mostrar o que você seria se vivesse naquela realidade”,
enquanto os jogadores impar definiram que seria “(..) um jeito de escapismo do que você acha
que poderia ser tipo [sic] ‘eu quero tentar ser isso’ ”.As respostas de ambos os jogadores
apresentam uma relação entre o jogador e o personagem, como se por meio do personagem fosse
possível um acesso a diferentes significados e percepções sobre a identidade do sujeito jogador.
Por fim um dos jogadores impar apontaram que o personagem seria “(...) um reflexo
meu com exageros, (...) isto é o legal no jogo: poder ser quem quiser” (JOGADOR IMPAR,
2016).
Já os jogadores mais jovens relacionaram personagem através de uma perspectiva
midática percebendo como “uma criatura que representa as ações de uma pessoa dentro de um
jogo ou dentro de um filme ou de qualquer lugar.”(JOGADORES IMPAR, 2017)
Ou partindo por um aspecto quase divino “Personagem é uma pessoa criada para fazer
os desejos do criador (...) ele não pensa que ele é controlado” (JOGADORES IMPAR, 2017). O
personagem parece um representante divino que tem seu proposito alinhado com um ser
superior.
As proximidades e distancias para o reconhecimento do sujeito como jogador ou
personagem tomam diferentes proporções em cada jogador como no caso de “Personagem é uma

144
pessoa que você é e faz a sua história no jogo (.) é quem vive a história” (JOGADORES IMPAR,
2017).
É possível deduzir, analisando o parecer destes jogadores, que o personagem poderia ser
um mecanismo para olhar melhor quem é o jogador, e vice-versa e o que ele gostaria de ser, sem
limitações externas.

SEGUNDA SESSÃO: O que é um Cenário?

Cenário, segundo o dicionário Aurélio, é definido como um “Conjunto das vistas e acessórios que
ocupam o palco ou o local de uma representação teatral, televisual ou cinematográfica ou de um espetáculo
semelhante.”81 No RPG, não existe um palco. Trabalha-se com um cenário de abstrações, ideias e memórias.
Os jogadores impar apresentaram que

“Cenário você pode descrever como, digamos assim, uma região que você pode estar
jogando. Se você estivesse jogando em um período medieval, ele vai se passar por um
cenário e conforme a época ou o ano da situação você vai estar fazendo uma interpretação
exata daquela situação como por exemplo, os jogos mais futurísticos temos a tendência de
visitar o espaço e isso acaba que se torna um cenário dentro daquela mecânica do jogo”
(JOGADORES IMPAR, 2016).

Para os jogadores impar, o cenário é um pano de fundo adaptativo, muito parecido com o
conceito teatral. Gradativamente, os demais jogadores vão completando o conceito. Compreendem
que “Cenário é um lugar que a gente imagina baseado nas referências que a gente tem, um lugar
que a gente queria que fosse real”. O cenário envolve, segundo esses relatos, uma relação entre
memória, sonho e crença, tendo como eixo base as lembranças e referências dos jogadores.
Os jogadores par se posicionaram de maneira mais centrada delimitando “Um cenário é
um local onde está centralizada a história”, reforçando o conceito de pano de fundo e depois
retornando a abstração, pontuando que “O cenário para mim é uma conjunção de ideias”.
Os jogadores mais jovens conceituaram cenário como “É um local que a gente produz as ações do
jogo para cada situação tem um lugar diferente, para tudo tem que ter um cenário senão não teria
graça” (JOGADORES IMPAR, 2017) ou como “um cenário é a paisagem criada pelo narrador
onde os fatos acontecem” (JOGADORES IMPAR, 2017).
Diante dessa amalgama de conceitos que vão do concreto, factual ao campo mais abstrato,
pode-se analisar que o cenário pode ser percebido com uma composição de idéias, descrição e
imaginação junto a memória pelo qual se passa a história.

81 Disponível em: ‹https://dicionariodoaurelio.com/cenario›. Acesso em: 18 Jul. 2017

145
TERCEIRA SESSÃO: Como é a experiência de Jogar RPG? Antes, durante e depois.

Dentro desta amostra de jogadores, o RPG, diferentemente de um jogo com tempo e ações
pré-definidas que transmitem segurança e pressão aos participantes, gerou incertezas e
insegurança. Segundo a citação dos jogadores impar o jogo tem oscilações

Antes é a expectativa de fazer o que você tem no pensamento. Você por


exemplo, conforme vai andando pela campanha você [sic] tem já uma
ideia do que pode acontecer, mas fica tudo na expectativa. No momento
em que ocorre a campanha com o seu personagem principal, você pode
ser tudo o que quis ser no contraste do seu personagem, então quando
você vê a construção do seu personagem sendo realizada ao longo do jogo
é uma sensação satisfatória de ter completado o seu objetivo.
(JOGADORES IMPAR, 2016)

Percebe-se que a experiência tem início na preparação da ficha, que gera a expectativa do
devir. E a práxis, ou seja, o jogo em si pode gerar satisfação ou frustração, segundo os rumos de
realização da narrativa.
Pela perceptiva dos jogadores par, é possível notar que a prática pode ser confusa quando
não se tem parâmetros claros sobre o cenário e o personagem, percebida pelo relato de que “Eu
acho que a gente tava bem perdido antes de começar o jogo da sessão passada, a gente não sabia
o que fazer” e também que “os personagens não sabiam o que fazer, eu não sabia o que ia levar ao
rumo da história, não sabia o que fazer mais na história.”
Durante o jogo, os jogadores par acabam por se perder e se achar com os personagens,
comentando que “Eu tava com a sensação de que no começo tava tudo meio perdido e ai eu
realmente incorporei o personagem e fiquei com um pouquinho de medo, mas ai depois foi
ajeitando e ficou tranquilo.”
Além dessa percepção, houve uma reflexão sobre a relação de proximidade entre a
personalidade do jogador e as características do personagem. Principalmente entre os jogadores
par em:
JOGADOR: Eu vi hoje também que a característica individual de cada um
influência nas suas ações.
NARRADOR: Como assim característica pessoal? A característica do jogador
influencia no personagem?
JOGADOR: Acho que ambos tem tudo a ver a característica do personagem com
as características do jogador, então influencia bastante nas ações. NARRADOR:
Isso você percebeu durante o jogo?
JOGADOR: Isso, durante o jogo. (JOGADORES PAR, 2016)
e no relato
Antes do jogo tava uma coisa mais tranquila ai depois a gente começou a ficar um
pouquinho perdido realmente das ações para achar um caminho, um meio e depois
fiquei surpreso com algumas ações que teve e depois a gente percebe que

146
realmente a gente acaba usando mais da nossa personalidade mesmo, dentro do
jogo. O que torna o jogo interessante também. (JOGADORES PAR, 2016)

Conforme os jogadores tinham mais experiências de jogos, mais claro ficaram suas
impressões pela reflexão da experiência percebida (THOMPSON ,1981) citada pelos jogadores
par como em “Aí nessa aventura deu para esclarecer um pouco o que aconteceu. E eu curti bastante
o desempenho do meu personagem ele foi fodão”.
Ocorre, especialmente para os jogadores par, uma constante necessidade de retornar ao
círculo mágico (HUZINGA, 2004), quando as emoções oscilam entre felicidade e ansiedade: “Eu
sempre me sinto feliz depois de jogar, mas a única coisa ruim é depois que você para, porque você
quer voltar, e você fica tipo eu quero que quinta volte de novo porque eu quero entrar naquele
mundo de novo” (JOGADORES IMPAR, 2017).
Esse estimulo do imaginário despertou nos jogadores grande curiosidade e desejo de
participação pela intensidade da nova experiência. Houve relatos de que a definição das sensações
se torna de difícil expressão: “porque é muito bom entrar nesse mundo, não tem palavras, você
tem que tá para saber como é, então eu sempre me sinto bem (..) eu quero muito que a gente vença,
todo mundo, lutando.” (JOGADORES IMPAR, 2017).
Faz-se necessário um recorte quanto ao jogo em ambiente escolar, pois apresenta maior
intensidade e variedade de emoções, possivelmente pela maior proximidade que as crianças e
adolescentes tem da ludicidade. Na pergunta da experiência, antes, durante e depois do jogo, existe
uma grande similaridade nos três discursos82 a seguir:
Antes do jogo eu só penso em chegar no local, para jogar para entrar naquela nova
realidade, durante o jogo eu posso sentir qualquer coisa que vem eu sinto, mas as
vezes vem meio embaralhado e eu fico meio confuso mas depois que acaba o jogo
ai eu, ai eu fico triste eu tento dormir mais rápido possível para acordar, dormir,
acordar, dormir, o chegar logo o dia do jogo. (JOGADORES PAR, 2017)

“Quando, tipo segunda feira eu chego na escola, tomara que chegue quinta feira e
que tenha aula, se não tiver a gente não vai fazer o RPG, no momento que estamos
no RPG eu fico feliz e fora eu quero que chega o dia novamente” (JOGADORES
PAR, 2017).

“Antes do jogo eu fico animada para que chegue logo o momento, durante o jogo
é uma mistura de emoções dependendo dos fatos que acontecem e depois do jogo
eu fico triste porque só vai acontecer na semana que vem” (JOGADORES PAR,
2017).

Para os participantes de ensino fundamental, a experiência aparenta ser mais do que


simplesmente um jogo, mas uma forma de se sentir e expressar a fim de dar vazão e voz a

82
Não confundir animação com vicio, participaram 10. Após essa experiência apenas 2 jogam em mesas de RPG
quinzenais.

147
sentimentos latentes: “Ansiedade para chegar logo o jogo, e quando chega no jogo 90% do tempo
eu fico com raiva, mas é o lugar onde posso extravasar a raiva” (JOGADORES PAR, 2017).
Essas emoções oscilam entre extremos: “as principais emoções que eu sinto toda hora são
desespero, felicidade, tristeza e raiva” (JOGADORES PAR, 2017). Mesmo com tanta ansiedade e
reviravoltas emocionais, os participantes continuam jogando e jogando como “uma das melhores
experiências que tive aqui na escola”, (JOGADORES PAR, 2017).

QUARTA SESSÃO: O que é RPG?

Foi perceptível pelas sessões anteriores as peculiaridades das experiências junto a


ampliação da complexidade das repostas. Esse efeito, já era previsto devido ao aspecto de
experiência percebida (THOMPSON, 1981) e FLOW (KAMEI, 2014). Conforme a experiência se
torna mais constante, gradativamente surge a conscientização pela percepção do sujeito-
participante, dispondo um equilíbrio entre competência e desafio, até promover um ponto de
equilíbrio.
RPG seria um jogo de interpretação, mas eu vejo mais como uma interação social
entre as pessoas onde todos tem a dividir um pouco de conhecimento e até mesmo
da cultura ou dos costumes normais, mas não deixa de ser uma forma cientifica de
interação, onde a pessoa desenvolve até a interpretação, perde, muita das vezes, a
vergonha tendo um acréscimo social pra cada pessoa. Muitas vezes o RPG é
utilizado como uma forma de trabalhar certas limitações que a pessoa tem. Como
por exemplo, uma pessoa que tem um problema de interação com outras, através
do RPG ela cria um costume de interpretar, por que na vida querendo ou não a
gente tem que estar sempre interpretando um papel, que é o nosso, só que em
situações diferenciadas, muitas vezes a gente, digamos assim, trata um amigo com
afeição, porém um desconhecido você tem que teoricamente tratar com
cordialidade, não é o que muitas vezes acontece, mas quando você já está
habituado a ter interação social você acaba tendo uma rotina, então a pessoa que
joga um RPG, não só somente por diversão, mas acaba agregando em sua vida.
(JOGADORES PAR, 2016)

Nesse depoimento, os jogadores par reforçam a fala de outros jogadores que apresentam a
proximidade entre a personalidade do jogador e o personagem. Assim como aponta o
desenvolvimento pessoal de competências como a interação social.
Entretanto, um dos jogadores par que teve mais experiências com jogo eletrônico, define
RPG como “Um jogo de mesa, onde você consegue ver junto com quem ta ali, presencialmente
outro mundo e consegue jogar como se fosse um jogo de computador, mas sem o computador
(JOGADOR 02, 2016)”.
Já os jogadores impar buscaram sintetizar a experiência como “Um jogo muito interativo
e que ele realmente desperta a nossa vontade de sempre estar ampliando o que a gente conhece
(JOGADORES IMPAR, 2016)”. Enquanto o jogador par, propõe algo diferente “Acho que um

148
jogo que você joga ao mesmo tempo que você cria ele e por isso pode ser divertido para qualquer
um, porque você cria do jeito que você gosta” (JOGADORES PAR, 2016).
As percepções pelo jogo são múltiplas, em alguns momentos se aproximam e em outros
ocorre um distanciamento. Mesmo os jogadores compartilhando a mesma experiência a
individualidade se ressalta pelo personagem.
Quando é possível utilizar um referencial um pouco diferente como os participantes mais
jovens, que ainda estão em ambiente escolar, eles definem que RPG “É um grupo de amigos ou
pessoas conhecidas, ou qualquer um ai, que se reúnem para poder discutir e desenvolver uma
história ao longo de temas e jogando” (JOGADORES PAR, 2017), que varia entre a percepção
concreta e abstrata já que “RPG é um meio de diversão usando dados e a imaginação”
(JOGADORES PAR, 2017) ou centralizando a imagem do narrador, como referência do professor
para os alunos como relatado em “RPG é o mundo de uma pessoa que criou que faz você ter um
tipo de liberdade que aqui nesse mundo normal a gente não tem” (JOGADORES PAR, 2016)”

CONCLUSÃO

Relacionando os depoimentos de ambos grupos de jogadores, é possível pontuar


inicialmente algumas questões sobre “o que é RPG?” devido a algumas impressões,
compreendendo que cada participante percebeu a parte que lhe cabia do jogo, segundo suas
referências cotidianas.
Assim foi possível identificar que o RPG promove três momentos de experiências
emocionais. Inicialmente a expectativa e ansiedade, antes do início do jogo, proporcionado pela
feitura da ficha e apresentação da história. Posteriormente, os primeiros momentos do jogo, quando
os jogadores se sentem perdidos e desajustados durante a imersão da experiência pelo personagem.
E ao final, a satisfação que ocorre quando existe a sincronia entre jogador e personagem, como se
a experiência do jogador e os desafios do personagem convergissem de maneira consciente, como
um estado de FLOW.
Essa relação entre personagem e jogador, em determinados momentos se estreita ou se
afrouxa, dependendo do envolvimento jogador-personagem-cenário-narrador. Os jogadores em
diversos momentos colocam seus personagens como projeções de suas personalidades com
liberdade sem determinadas restrições das normas sociais. Esse posicionamento pode estabelecer
o RPG como um jogo cooperativo de liberdades individuais.
Compilando essas impressões é possível pontuar o RPG, apenas restrito a essa amostragem,
sem qualquer intensão de definições absolutas, como um jogo de representação de personagens
que promove a experiências gradativas de expressão individual e liberdade social. Partindo desta

149
síntese, é necessário agora a segunda avaliação, que se relaciona diretamente com a real natureza
deste trabalho. O RPG pode ser usado como ferramenta de pesquisa?
Pela pequena amostragem e ao curto período de tempo, a necessidade extensão do tempo
previsto para os jogos, devido ao calendário da universidade envolvendo greve e férias, não se
pode dizer que a hipótese apresentada foi devidamente comprovada com assertividade.
É possível, a partir desses dados, realizar alguns apontamentos de acordo em micro escala.
Pode-se perceber que a combinação do método cartesiano, a jornada do Herói, o FLOW e
entrevistas semi-estruturadas realmente dispõe de um método coerente para realizar pesquisa, mas
ainda faltam mais testes sobre os critérios de análise de dados e enquadramento.
Portanto, essa proposta de método de pesquisa que utiliza do RPG, não pode afirmar que
jogo se caracteriza ferramenta de pesquisa ampla, pois o trabalho foi realizado apenas pesquisa
relacionada com experiências de jogo, e que não se pode afirmar que o mesmo resultado ocorreria,
com outros temas inseridos na narrativa. Pois a experiência provou
Desta maneira, abre-se uma possibilidade para novas pesquisas na intenção de
aperfeiçoamento e validação desse método, junto à comunidade científica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS

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150
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THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao
pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

151
ANEXO 1

Sistema Narrador:
Cenário Curso:
ETAPA EXEMPLO DESCREVA
Mundo comum O mundo cotidiano, onde tudo já é conhecido, regular
e esperado. Rotina. Ex: condado, tatooine, casa dos
Tios do Harry Potter. (Mundo sem tretas)
Chamado para Algo incomum instiga o herói a sair de sua rotina, ao
a aventura seguir o coelho branco, Alice sai no mundo comum e
chega ao pais das maravilhas. (anuncio das tretas)

Recusa do O herói se assusta, e recusa o caminho, fora de seu


chamado mundo cotidiano conhecido, tenta fugir. (medo das
tretas)
Um ser misterioso, entrega informações preciosas, itens
Encontro com o (sabre de luz, Um anel, varinha, etc )ou ensina algo
mentor (feitiços, combate, etc), que agrega a formação do
herói.
(encontro com quem entende das tretas)
Uma passagem que depois que atravessada o herói não
Travessia do consegue mais retornar. Arrebatamento pelo mundo
primeiro limiar desconhecido. (passagem para o reino das tretas)

O herói enfrenta testes que vão qualifica-lo, dar


Testes, aliados e experiência neste novo mundo. Essa etapa da jornada
inimigos pode se repetir várias vezes
durante a história. (combates/provas)
Aproximação da Viagem macabra, até a fronteira do covil maligno,
caverna oculta ambiente que habita o desequilíbrio que o trouxe onde
esta. (Combates/provas)

Provação suprema Embate com o antagonista (combates/provas)

O herói conquista sua vitória e recebe um premio por


Recompensa suas ações. Algo que muda a ele e o mundo. (Beneficio)

Inicio da jornada para casa, normalmente revendo


Caminho de volta elementos das etapas anteriores. O herói ainda está no
mundo especial e corre perigo. As forças do mal se
reorganizam e preparam um último ataque, a batalha
final. (combates/provas finais)
O herói deve “renascer” e, assim, purificar-se antes de
Ressurreição voltar ao mundo comum. Isso até pode ser um segundo
momento de vida e morte, ainda mais intenso que a
provação suprema. Essa etapa é uma espécie de exame
final do herói, para ver se realmente aprendeu as lições.
(avaliação)

O herói retorna ao mundo comum, mas toda a jornada


Retorno com o não tem o menor sentido se ele não trouxer consigo um
Elixir elixir. Elixir é uma poção mágica com poder de cura. É
o que Indiana Jones usa para curar o seu pai. (Fim das
tretas)

152
CRIANDO UM RPG PARA REVOLUÇÃO DOS BICHOS
Relatório de aplicação de estágio de literatura

Bruna Fontana Frappa83

Ninguém pode educar alguém.


Alguém só pode educar-se a si mesmo. A verdadeira educação é
essencialmente intransitiva, reflexiva e subjetiva.

Huberto Rohden

RESUMO

Neste artigo é apresentada a experiência de aplicação de oficinas de literatura desenvolvidas


durante um estágio do último ano do curso de Licenciatura em Letras da UFU, sobre o apoio da
Metodologia Role Playing, de Rafael Rocha, na busca de uma forma de aplicação de aulas que
sejam mais efetivas em torno da questão ensino-aprendizagem; detentoras de mais qualidade na
relação professor aluno; que possibilitem a experiência imersiva e co-criativa dos discentes nas
atividades e que resultem num processo educativo efetivo a longo prazo, considerando a formação
dos alunos como um todo para futuras etapas da vida e não só intelectualmente. São abordados o
planejamento, método, aplicação, resultados, conclusões e registros dessa experiência.
PALAVRAS CHAVE: Literatura, RPG, Revolução dos Bichos, ensino-aprendizagem.

ABSTRACT

This article presents the experience of applying literature workshops developed during a last year
internship in the UFU Undergraduate Degree Letters course, with the support of the Role Playing
Methodology, by Rafael Rocha, in the search for a way of applying classes that are more effective
around the teaching-learning issue; holders of higher quality teacher-student relations; that allow
the immersive and co-creative experience of the students in the activities and that result in an
effective educational process in the long term, considering the formation of the students as a whole
for future stages of life and not only intellectually. The planning, method, application, results,
conclusions and records of this experiment are discussed.
KEYWORDS: Literature, RPG, Animal Farm, teaching-learning.

83 Graduada em Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa – Universidade Federal de Uberlândia

153
INTRODUÇÃO

O presente relatório apresenta as atividades realizadas durante o Estágio II de Literatura, do


Curso de Letras – Habilitação em Português e Literaturas de Língua Portuguesa, na Universidade
Federal de Uberlândia, que se deu na Escola Municipal Domingos Pimentel de Ulhôa, no formato
de Oficinas de Literatura, elaboradas sobre uma temática e obra selecionadas pela graduanda
estagiária, realizadas com uma turma mista de alunos do 6º ao 9º ano, no contraturno das aulas,
sempre às quintas-feiras, de 29/09/2016 a 01/12/2016.
Para esses encontros, foi selecionada a obra Revolução dos Bichos, do inglês nascido na Índia
Britânica, George Orwell, e para a aplicação das aulas, foi utilizado embasamento na Metodologia
Role Playing, criada por Rafael Correia Rocha84 e inspirada no Role Playing Game (RPG), que
visa educar com base na boa relação professor-aluno e envolvimento de ambos na produção de
conhecimento através de experiências em comum. Também fundamentamos essa atuação na obra
Homo Ludens, de Johan Huizinga85, segundo a qual o jogo é elemento da cultura e mais anterior
do que a própria sociedade humana.
Durante o projeto, objetivamos: Aplicar aulas sobre a obra Revolução dos Bichos, de George
Orwell; fazer uso de metodologias adequadas ao estudo literário, que trabalhem com a ludicidade
e provoquem o envolvimento do aluno no assunto abordado; despertar nos alunos à reflexão sobre
o papel da literatura em relação à sociedade e aspectos históricos e literários em torno do livro
adotado; gerar com os alunos a compreensão crítica a respeito do conteúdo político-social tratado
na obra e realizar registros de experiência em sala.
Além da leitura da obra e experimentação do livro por meio do RPG, os alunos tiveram acesso
ao filme Revolução dos Bichos, inspirado no livro. Nisso, traduzimos a necessidade de oferecer
um ensino literário consciente, que considere a pluralidade de expressões e contextos onde a
literatura se expressa e também se desdobra, além do contato com a obra em seu formato original.

84
Pedagogo, especialista em Ludocriatividade pela UNIUBE, mestre em Educação pela Universidad de
la Empresa, doutorando em Educação pelo Instituto Latino Americano de Educação. Desenvolvedor da
Metodologia Role Playing e fundador da ONG Narrativa da Imaginação, que apoiou a publicação do
material desenvolvido durante o projeto.
85
Professor e historiador neerlandês, preso pelo regime nazista de 1942 até sua morte, em 1945. Possui
trabalhos sobre a Baixa Idade Média, a Reforma e o Renascimento, além de sua principal obra, o Homo
Ludens, que explica o jogo como um fenômeno cultural, recorrendo a estudos etimológicos e etnográficos.

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RELATÓRIO DE ATIVIDADES PRÁTICAS DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO

A escolha da obra

Ao planejarmos as oficinas, decidimos por realizar esse trabalho com o livro Revolução
dos Bichos por seu caráter atual em relação à abordagem da temática política em torno da
corrupção, organização da vida em sociedade e liberdade individual e coletiva. Tivemos em mente
que esses conteúdos fazem parte de uma educação voltada à vida social e à consciência de como
nossas ações individuais afetam o coletivo e vice-versa, além de estarem intimamente relacionados
a reflexões sobre os temas transversais, no tópico da Ética.
Esses objetivos educacionais, bem como a transversalidade, são apontados dentro dos
cursos de licenciatura e dos próprios documentos de orientação ao professor, do MEC, como de
extrema relevância na formação de crianças e jovens, porém, são pouquíssimo aplicados devido à
falta de formação dos docentes para inseri-los dentro de sala e trabalhá-los em conjunto com o
conteúdo. Ou melhor dizendo, para trabalhar o conteúdo escolar por meio deles, utilizando as
situações cotidianas e contextos históricos, sociais e culturais em que os alunos se inserem para
oferecer uma educação completa, participativa e contextualizada.

Fundamentação teórica e metodológica

A escolha da metodologia a ser utilizada se deu por acreditarmos que a educação efetiva,
que realmente forma e prepara os alunos para etapas futuras de suas vidas, somente se dá no
momento em que esse aluno se envolve voluntariamente no seu processo educativo e corrobora
para ele seja plenamente aprofundado e proveitoso. Isso é possível quando a relação entre professor
e aluno está bem estabelecida e direcionada para um objetivo em comum, pois nisso, falamos sobre
os problemas de diálogo, respeito, entendimento, empatia e hierarquia, além dos problemas de
aprendizagem (ROCHA,2014).
Vários conflitos hoje existentes, e persistentes, na escola, como a violência, evasão e falhas
na aprendizagem acabam transformando a escola em um campo de enfrentamento entre alunos e
agentes educadores, situação que explicita a total falta de identificação das motivações de
educadores e alunos dentro do espaço escolar. Por isso, temos certeza de que a educação que é
promovida em sala deve considerar essas questões, sem ignorar que apesar de toda a estrutura
educativa que existe por trás das escolas, quem está diretamente ligado ao aluno é o professor e

155
que, por isso, sua postura pode agravar esses problemas ou levá-los a serem tratados em conjunto
com os próprios alunos.

De acordo com Krishnamurti, “não é sinal de saúde, estar ajustado a uma sociedade doente
profundamente doente” Essa doença não é só o mal estar docente, mas um mal estar discente,
aqui questionamos como é possível, não reverter, mas transformar esse quadro, sem depender
de políticos, recursos, governo e afins, ou seja, uma transformação que não seja dependente.
(ROCHA, 2014, p.11)

Assim como o autor, acreditamos que os jogos narrativos, em especial o RPG, podem
inserir na sala de aula e no processo de ensino-aprendizagem, os elementos que faltam à
convivência harmoniosa entre as pessoas e ao envolvimento e interesse do aluno pela investigação,
descoberta e articulação de saberes, por meio da ludicidade. Nisso, consideramos que, segundo
Huizinga, o lúdico é responsável pela própria fundamentação da cultura, estando presente nas
relações entre os animais, que utilizam o jogo como brincadeira, mas também como disputas ou
encenações complexas destinadas a um público, fazendo parte do sistema da vida; seja animal,
infantil ou adulta.
Assim, o lúdico “ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma
função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa "em jogo"
que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação”. (HUIZINGA,
2000, p.5). Por essas razões, enxergamos a ludicidade como a base adequada para o
desenvolvimento de um processo educativo pleno, em que não haja disputas, mas consonância de
propósitos entre docentes e discentes.
Dentre as várias modalidades por meio das quais poderíamos expressá-la, adotamos o RPG
por sua capacidade de dar suporte a experiências lúdicas conjuntas, abrindo espaço à imaginação,
à abordagem de conteúdos teóricos, ao desenvolvimento da criatividade, de habilidades narrativas
e interpretação. Aqui adotaremos uma definição de RPG também usada por Rocha (2014) na obra
Narrativa da Imaginação, em que descreve a Metodologia Role Playing, de modo a nos alinharmos
à proposta didática que adotamos:

[...] uma atividade de expressão coletiva que emerge e atua em um mundo imaginário, onde
os jogadores têm a livre escolha em explorar, analisar, reconhecer e interagir neste mundo. Os
participantes são divididos em grupos de jogadores, que representam personagens individuais
e o narrador ou mestre do Jogo é o responsável por representar a estrutura do mundo
imaginário, articulada às regras do jogo. (HITCHENS E DRACHEN, 2008, apud ROCHA,
2014, P.16)

A partir do momento em que docentes e discentes passam a construir uma narrativa juntos,
utilizando para isso as informações que, naquele momento, fazem parte do assunto que estudam,
se encontram imersos em uma situação em que reconhecem um ao outro como iguais participantes

156
do processo, compreendem as motivações, desejos, angústias e visão que o outro tem de si e do
espaço ao seu redor, assim como são compreendidos. Essa interação, além de beneficiar o processo
educativo, transforma o possível conflito existente entre os participantes em identificação e
possibilita que esses, conjuntamente, solucionem ou transformem conflitos externos existentes em
seu meio. Uma vez consonantes com essa possibilidade, podemos dizer que as portas que se abrem
à formação humana são ilimitadas.
Atualmente, a Metodologia Role Playing é ensinada oficialmente em um curso de formação
com duração de aproximadamente 6 meses, dessa forma, ainda não tendo realizado o curso, a
aplicação metodológica das oficinas foi feita com base em nossos estudos sobre o método,
conversas com o autor da metodologia, experiência da graduanda em jogos de RPG e no
acompanhamento de uma oficina anterior, com aplicação desta metodologia, realizada por seu
próprio criador. Com grande felicidade, podemos dizer que apenas com esse embasamento já foi
possível atingir resultados bastante diferenciados.

Criando um RPG para Revolução dos Bichos

Nossas oficinas se iniciaram com uma proposta de leitura da obra Revolução dos Bichos,
aliada à experiência de sessões de RPG que possibilitassem aos alunos compreender a narrativa da
obra, seu conteúdo e as discussões inseridas nela, como também poder experimentá-la, recriá-la a
partir de suas percepções e conhecimentos prévios. Lembrando que a obra foi escrita como uma
sátira à ditadura Stalinista estabelecida após a Revolução Russa, representando toda a população
russa como diversos animais de uma fazenda, que se rebelam contra os humanos e permitem que
os porcos assumam a direção do local. No entanto, os próprios porcos, que lideraram a revolução
contra os humanos, se mostram verdadeiros ditadores, submetendo os demais animais a uma
situação ainda mais cruel do que a anterior.
Diante disso, em paralelo à leitura da obra, os alunos assumiriam algumas personagens da
obra adotada, sendo elas: cachorro, cavalo, galinha, raposa e vaca; e participariam de uma
simulação da história, que os colocaria na mesma situação descrita no livro, em que eles teriam
que buscar formas de resolver o conflito em que os animais se encontram. Suas ações poderiam
até ser as mesmas das personagens no contexto original, mas não necessariamente, possibilitando
a apropriação e recriação da história. Por outro lado, a professora estagiária descreveria o cenário,
fatos que aconteceriam dentro dele além do poder dos alunos e jogaria representando os porcos,
com o mesmo objetivo de dominar os demais animais.

157
O primeiro desafio foi a elaboração de um sistema de jogo simples, exclusivo para essa
experiência, pois todo RPG tem um grupo de regras que orientam tanto o narrador (professor)
durante a criação do cenário e fatos da história, quanto os jogadores (alunos) em relação ao que
podem ou não fazer dentro da narrativa e como fazer. Cada aluno então recebeu uma ficha (folha
A4) com a indicação da sua respectiva personagem e características básicas, porém a ser
preenchida com detalhes de personalidade escolhidos pelo aluno. Ficou decidido que, como
tínhamos 10 alunos, na narrativa a ser construída haveria duas personagens de cada tipo,
oferecendo também a chance dos jogadores traçarem estratégias em duplas por interpretarem o
mesmo comportamento.
A ficha é um instrumento de apoio ao jogador, pois além de descrever a personagem, possui
lacunas a serem completadas com as experiências dela ao longo das sessões, habilidades que ela
pode usar, objetos que possui, entre outros recursos. Todas as possibilidades que a ficha oferece
podem ser empregadas pelo jogador em sua vez de agir, que é revezada entre os alunos. Nesse
momento, sempre que eles decidem realizar uma ação, rolam um dado para saber se ela foi bem-
sucedida ou não. Aqui entra o fator sorte que, em conjunto com as decisões dos jogadores e do
narrador, cria a história.
Para os pesquisadores e teóricos de RPG, esse trio é um dos fatores que permite a esse tipo
de jogo propiciar experiências muito próximas de um contexto real, visto que em qualquer situação
de vida, inevitavelmente, temos que lidar com nossas atitudes, as atitudes dos outros e com fatos
do acaso. Durante a experiência de leitura de uma obra literária, o aluno testemunha o movimento
desses três fatores, por exemplo, com a visão de um protagonista que descreve suas ações, as ações
alheias e a manifestação do acaso (dado), ou então de forma mais distante, quando a história está
em terceira pessoa. Nesses casos, há muitas experiências profundas de imersão na história e
identificação dos leitores com situações, personagens e sentimentos, que é muito parecida com a
experiência que o RPG sustenta, com a diferença que no jogo, o aluno literalmente sente como se
vivesse a história ao interpretar uma personagem, para não dizer que realmente a vive.
Voltando à utilização da sorte no jogo, utilizamos um dado comum de 6 faces, em que o
resultado de 1 a 2 representa uma ação mal sucedida, 3 a 4 uma ação parcialmente bem sucedida
e 5 a 6 uma ação completamente bem sucedida. Porém, cada personagem possui atributos
diferentes, que podem ou não serem utilizados durante as ações e que fornecem o acréscimo de
alguns pontos ao número obtido no dado, melhorando o resultado da sua ação. Os alunos precisam
estar atentos a uma oportunidade de utilizá-las. Por exemplo, a personagem cachorro ganha um
ponto extra toda vez que rola o dado para uma ação que use força, e dois pontos se utilizar atenção

158
(ações como farejar ou ouvir). Os porcos, controlados pela narradora-professora também possuem
uma ficha e atributos que podem usar.
Seguindo a proposta da história original em Revolução dos Bichos, os porcos ludibriam os
demais animais com manipulações e promessas que não pretendem cumprir, ou seja, cedo ou tarde,
a confiança que os animais da fazenda possuem em seus novos dirigentes será quebrada,
principalmente ao sofrerem as consequências de ações mal-intencionadas vindas deles. Para
representar esse fator dentro do sistema, criamos um limite para a tolerância dos animais em
relação aos porcos, chamado Pontos de Tolerância. Cada personagem possui um número de vezes
que pode suportar ações negativas dos porcos, que os afetem profunda e diretamente, ferindo o
que ficou determinado na ficha que seriam os objetivos pessoais e propósitos de cada personagem,
antes de desejarem que os porcos saiam do poder na fazenda. Ao estourarem esse limite, as
personagens passam a desejar uma nova revolução.
Na tabela abaixo, resumimos os atributos de cada personagem e quantos pontos de
tolerância possuem. Como a proposta desse sistema para apoiar as oficinas de literatura era ser
primeiramente simples e possibilitar a apreensão do máximo possível de elementos da obra,
basicamente com a tabela apresentada e algumas regras já é possível jogar mesmo sem grande
experiência prévia como narrador ou jogador.

Tabela de Pontos

PERSONAGEM PONTOS EXTRA NO DADO PONTOS DE TOLERÂNCIA

Raposa +2 para inteligência, +1 para agilidade e atenção. 4

Galinha +2 para agilidade, +1 para inteligência e atenção. 5

Cachorro +2 para atenção, +1 para inteligência e força. 6

Vaca +2 para fidelidade, +1 para força e atenção. 7

Cavalo +2 para força, +1 para agilidade e fidelidade. 8

Regras Básicas
• Cada jogador interpreta uma personagem de acordo com seu comportamento no livro.
• Cada personagem tem um objetivo pessoal descrito na ficha.
• O atributo Força é usado quando a personagem precisa fazer um esforço físico.
• O atributo Agilidade é usado quando a personagem precisa correr, fugir, desviar etc.
• O atributo Inteligência é usado quando a personagem precisar raciocinar.

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• O atributo Atenção é usado quando a personagem precisa ouvir, farejar, perceber algo.
• O atributo Fidelidade é usado quando a personagem precisa avaliar se uma ação é ética.
• Todos os animais são fiéis ao bem-estar coletivo na fazenda.
• Toda imposição dos porcos sobre os animais passa por um teste de fidelidade no dado.
• Cada sucesso em um teste de fidelidade (5 a 6) reduz um ponto de tolerância dos animais em
relação aos porcos, ou seja, eles perdem a confiança em seus atuais líderes.

A descrição do sistema de jogo e regras que usamos, de maneira que outro professor possa
aprender como aplicar esse RPG, não está incluída nesse relatório. Aqui, não nos preocupamos
em instruir sobre como jogar, mas demonstrar como a experiência desse tipo de aula de literatura
se desenvolveu. Em condições oportunas, entendemos que a publicação do sistema pode vir a se
efetivar.

O Desenvolvimento das Oficinas

Começamos as oficinas em um espaço específico cedido pela escola, a sala de dança, onde
tínhamos duas mesas compridas, cadeiras, um quadro branco, canetões, cadernos e lápis à
disposição. Após quatro oficinas, a direção viu a necessidade de oferecer a sala ao grupo de teatro,
que estava ensaiando uma apresentação para o fim de ano no colégio. Esse foi um dos problemas
que enfrentamos, que dificultou o desenvolvimento das aulas, pois o novo espaço oferecido a nós,
externo, com apenas uma mesa e um banco de cada lado dela, não possuía todas as condições
adequadas à atividade, como temperatura amena, materiais, comodidade e silêncio. Só pudemos
retomar o uso da sala de dança quase na finalização do estágio, no entanto, isso não impediu nossas
atividades.
Para facilitar a leitura do livro, comunicação do grupo, registros de experiências de cada
sessão e compartilhamento de arquivos, criamos um grupo no Facebook com os alunos das
oficinas. Propusemos que a cada semana, fossem lidos dois capítulos do livro, cujo conteúdo seria
usado na sessão de RPG, portanto, o arquivo com o livro foi disponibilizado no grupo, em forma
de e-book. Outros meios poderiam ter sido usados para que os alunos realizassem a leitura, como
fazê-la presencialmente, em grupo, no início de cada oficina; dividir o livro em partes para que os
alunos as revezassem conforme lessem e estimulá-los a aplicar o que descobrissem durante as
sessões. No início, eles não se interessaram pelo material, sendo que somente uma aluna o leu e
outra veio pedir a versão impressa.

160
Para solucionar essa questão, o livro foi retirado do grupo online e tratado dentro do jogo
como um artigo raro que as personagens porcos (dentro do RPG) tinham desmembrado e
escondido para evitar que os animais conhecessem a história da “última revolução que eles haviam
feito”, em outra fazenda. Assim, os alunos passaram a procurar pelo livro, encontrando trechos,
capítulos e reconstruindo a obra para lê-la. Antes da finalização das oficinas, foi disponibilizado
novamente no grupo o livro online e, um pouco depois, o link do filme, que grande parte dos alunos
assistiu sem problemas. Alguns afirmaram não possuir um acesso adequado à internet durante a
maioria do tempo, porém oferecemos acesso à obra impressa, que eles poderiam também buscar
na biblioteca da escola ou até mesmo ler virtualmente utilizando o laboratório de informática.
Ressaltamos que, ao pensarmos na forma de leitura, preferimos ter um meio de garantir
que eles estivessem motivados e plenamente envolvidos a partir da metodologia que adotamos
para as aulas, ao invés de realizar uma leitura mais monitorada ou presencial do livro que, por mais
que nos oferecesse mais segurança e facilidade, nos daria também certeza de estávamos utilizando
um método deslocado da nossa proposta: produzir conhecimento partindo inteiramente da
aceitação e desejo dos alunos através do estabelecimento de objetivos e experiências comuns entre
discentes e docente.
Portanto, devemos afirmar que o método que adotamos foi mais trabalhoso e teve falhas
em alguns pontos, como não garantir que todos leram a obra integralmente, mas que o resultado
produzido nos transmite que a leitura realizada foi feita com gosto, imersão e vontade por parte
dos alunos. Assim como os conceitos críticos, discussão política e social e características literárias
foram apreendidas, como demonstraremos adiante.
Tocando nesse ponto, procuramos trabalhar também a interação entre os alunos,
considerando que para essa experiência, seria necessário um bom entrosamento entre todos e
disposição em participar. No início, duas alunas tiveram um pouco de dificuldade com a atividade,
tanto por não possuírem experiência prévia com o jogo, quanto por não terem tantas amizades já
estabelecidas dentro daquele grupo como os demais participantes, dentre os quais vários se
conheciam por estudarem na mesma sala ou já terem feito projetos juntos no colégio. Ao longo do
desenvolvimento das oficinas, inclusive por orientação da professora supervisora da UFU, as
alunas receberam um acompanhamento mais próximo, possibilitando também que elas se
sentissem integradas e à vontade para se expressarem nas aulas e demonstrarem opiniões.
Felizmente, ao final uma delas foi a leitora mais envolvida com a obra e o debate avaliativo da
última oficina.
Em cada início de sessão, também fazíamos uma retomada do que já havia sido visto nas
últimas aulas, tanto na questão de leitura como sessão de jogo, além das estratégias que eles

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estavam aplicando para resolver o combate contra os porcos, se estavam sendo funcionais ou não,
como a autoridade se constituía, o que significava autoridade e o que era justo ou não nesse caso.
Em determinado momento, adicionamos nas sessões uma cartolina com um mapa feito de recortes
de papeis coloridos (fotos no anexo), representando uma vista aérea do cenário imaginário do jogo.
Durante os jogos, conforme eles iam descobrindo outras localidades próximas à fazenda,
recortavam pedaços de papel para representar aquele determinado espaço e adicionavam ao mapa.
Esse recurso foi importante para que eles visualizassem melhor as cenas e acontecimentos da
história e pudessem ter um apoio mais firme no momento de transcrever os acontecimentos da
sessão para um relato de experiência.
Em relação aos relatos e à proposta de transformá-los em uma produção literária com base
na obra, também houveram pontos extremamente positivos, embora nem todos os alunos quiseram
participar. Desejávamos que esse material fosse extenso e aprofundado o suficiente para nos
fornecer uma avaliação adicional dos resultados de nosso trabalho e ainda dar base a uma
publicação que apresentasse o sistema de RPG criado por nós, e modificado pelos alunos em
alguns pontos que eles julgaram precisar de alterações. Os relatos serviriam para ilustrar a
experiência dos alunos com as oficinas e também demonstrar como ocorreram as sessões.
Entretanto, compreendemos que o conjunto das atividades que propusemos já tinha
atingido uma grande complexidade, os alunos tinham assistido a uma aula de contextualização
para conhecerem o autor, sua obra e o período histórico em que ela foi publicada; estavam tendo
a experiência de leitura; a experiência de imersão e recriação da história através do RPG; teriam
ainda a experiência com o filme inspirado no livro; já tinham construído um mapa para ilustrar o
cenário; feito vários debates e respondido a um primeiro questionário sobre as oficinas de forma
geral e também participariam de um debate avaliativo trabalhando com perguntas mais
aprofundadas.
Assim, combinamos que os relatos de experiência e a publicação do sistema do jogo
poderiam ser opcionais, se alunos suficientes desejassem se dedicar à escrita de modo que o livro
ganhasse corpo, a publicação seria feita, porém, consideramos que talvez não houvesse fôlego para
mais essa atividade. Lembrando que os livros que apresentam sistemas de RPG costumam trazer
pequenas narrativas ou flashes de sessões que foram jogadas com aquelas regras. Assim, o material
deveria ser suficiente para ilustrar uma espécie de diário das personagens, contos de seus feitos,
sentimentos e relacionamento entre os membros do grupo.
Permitimos que a escrita fosse livre e apenas limitamos que tivesse o formato de diário.
Não trabalhamos aspectos como questão ortográfica, trabalho em primeira ou terceira pessoa, tipos
de narrativas ou características do romance em geral. Eles deveriam registrar os acontecimentos

162
mais marcantes da história do ponto de vista da personagem que tinham assumido durante as
oficinas e segundo o estilo e comportamento delas.

Processos de Sondagem e Avaliação

A seguir, comentamos a aplicação de dois questionários que foram utilizados durante as


oficinas e que estão presentes no anexo. O primeiro deles teve o objetivo de entender como os
alunos estavam percebendo as aulas, com enfoque nas sessões de jogo, abordando não só a sua
experiência, mas como eles entendiam o funcionamento e existência das personagens, cenários,
regras, antagonismo e protagonismo dentro da história. Consideramos aqui que os alunos já
possuíam experiências anteriores com livros e filmes e gostaríamos que eles as contrapusessem
com a atividade imersiva do RPG, ampliando seus conceitos acerca de elementos narrativos,
podendo refletir mais sobre eles.

Dessa forma, o segundo questionário, aplicado em forma de debate avaliativo na última


aula, se direcionou para questões bem mais complexas. Iniciamos com perguntas comparativas
diretas entre a obra Revolução dos Bichos, o filme de mesmo nome e as sessões de RPG onde eles
puderam interagir com o enredo; seguindo para reflexões como identificação ou desidentificação
com as personagens; compreensão de trabalho em grupo, ideologia, poder, hierarquia, educação,
manipulação de opiniões; até questionamentos densos como o caráter político de todas as ações de
indivíduo.

Em ambas as etapas os alunos se saíram bem, inclusive, apesar de uma impulsividade


natural da idade deles em responder com as primeiras frases que tinham em mente, quando
percebiam que estavam sendo colocados diante de uma pergunta ou questão pouco comum ou até
levemente fora da compreensão que tinham desenvolvido do mundo, procuravam pensar com mais
cuidado sobre ela. Na dinâmica que preparamos, as perguntas foram feitas na ordem apresentadas
no questionário, sendo cada uma direcionada a um aluno. Depois que o aluno que recebeu a
pergunta oferecia uma resposta, os demais poderiam completa-la ou então falar sobre seus pontos
de vista sobre a questão.

Nesse sentido, surgiram pensamentos muito amadurecidos sobre questões tratadas na obra
de George Orwell, como reconhecer os métodos que as personagens dos porcos utilizavam para
conquistar a confiança dos animais ou até mesmo comprar a fidelidade deles. Durante o livro isso
frequentemente acontece, antes que os animais possam se dar conta que estão na verdade em uma
armadilha e que o valor da sua liberdade estaria além disso. Mesmo com essa consciência, os

163
alunos durante os jogos em alguns momentos chegaram a serem pegos pela mesma estratégia, e
durante o debate os próprios compararam essa situação com a que vivemos enquanto eleitores hoje
no Brasil.

Em alguns momentos abordamos as principais dificuldades em solucionar os problemas da


fazenda, o que os levou à conclusão comum de que saber lidar com o trabalho em grupo era um
desafio enorme. Durante o RPG, todos os jogadores possuíam objetivos em comum, tendo como
objetivo máximo livrarem-se da tirania estabelecida pelos porcos, porém, levaram muito tempo
para conseguirem se organizar, sem que todos desejassem liderar o grupo ou então agirem por si
só contra os antagonistas.

Além desse fator, o sistema foi feito para que o único atributo que os porcos possuíam fosse
saberem dialogar e se proteger utilizando as construções e ferramentas dos humanos, pois eram os
animais da fazenda com as menores habilidades. Assim, utilizar a força contra eles era uma atitude
que sempre falhava, independente de como fosse feita, sendo necessário o estabelecimento de uma
estratégia. Essa parte foi a mais difícil para os alunos, que recorreram à agressão durante quase
todas as oficinas, até se darem conta de que seriam vencidos se continuassem agindo daquela
maneira.

Quando questionados sobre o cenário, a figura da personagem e o sistema de RPG, as


primeiras respostas mantiveram-se no senso comum, como “onde acontece a história”, “quem vive
a história” e “um jogo onde acontece uma história”. Foi preciso instigá-los para que surgissem
outras percepções, como a afirmação de um aluno de que o cenário é reflexo do que os jogadores
imaginam e que não é o mesmo para todos; de que a personagem (que eles criaram) refletia parte
do que eles eram, mas ao mesmo tempo possuía muitas características que eles não tinham ou até
que gostariam de ter; de que o RPG imitava a vida real e às vezes parecia ser de verdade. Essa
última percepção surgiu quando eles foram convidados a falar sobre o que sentiam antes e depois
do jogo e eles afirmaram que tinham tanta ansiedade em jogar que iam dormir mais cedo, mesmo
que as sessões acontecessem no período da tarde, e que eles ficavam se lembrando das cenas após
as cessões, como se tivessem acabado de ocorrer.

Voltando a comentar sobre o desenvolvimento da história, eles discutiram os princípios do


animalismo, que eram uma espécie de “lei simplificada” com princípios éticos que os animais
deveriam seguir e simbologias como o “hino dos animais”, que não foi utilizado durante o jogo.
Esses elementos, segundo os alunos, seriam para unir os animais em torno de uma crença ou
objetivo, mas que os porcos haviam conseguido modificar essas leis de forma que fossem
beneficiados e as demais personagens ficassem confusas em relação ao que era certo e o que era

164
errado. Em alguns momentos, os animais na fazenda, tanto no livro quando dentro das sessões,
voltavam-se uns contra os outros; e os alunos, de forma simples, foram capazes de explicar porque
isso acontecia, reconhecendo inclusive que o que fortalecia o grupo era o seu direcionamento. Por
exemplo, em uma sessão de jogo, todos se juntaram para expulsar a personagem de um dos
jogadores da fazenda pois ele estava “atrapalhando os demais por falar durante a sessão o tempo
todo”. Nesse caso, eles foram muito bem-sucedidos e realizaram a ação rapidamente, diferente de
quando precisavam combater os porcos.

Durante a obra, os porcos tinham obtido muito mais sucesso em relação aos seus planos,
mas no momento em que os alunos foram confrontados com a missão de ter que resolver o impasse
na fazenda, apenas a postura de resistência deles não foi suficiente. Nisso, um dos comentários
mais frisados foi a questão de terem conseguido, ao final da história, reunir os animais em grupos
que pudessem agir juntos, como já foi comentado anteriormente.

Eles também foram levados a pensar como seria se estivessem no lugar de outra
personagem, ou mesmo dos porcos, e o que fariam nessas situações. Nesse momento eles
procuraram falar em forma de aprimorar atitudes que deram errado durante o jogo e qual seria
outra forma de realizá-la. Muitos alunos questionavam as atitudes dos outros jogadores, mas no
momento em que deveriam dizer o que fariam se estivessem em seu lugar, por mais que sugerissem
outra forma mais coerente com que a personagem pudesse ter agido, compreendiam o que a levou
a agir de um modo específico.

Por fim, dentre os vários comentários que foram feitos no debate, um deles foi que seguir
uma ideologia é importante, porque a pessoa que não possui uma ideologia “é como se não pudesse
fazer nada porque não sabe o que fazer, nem o que quer”, mas mesmo assim, eles não conseguiram
chegar a um consenso sobre se, na obra de George Orwell, alguma forma de sistema de liderança
entre os animais seriam possível, mesmo reconhecendo que qualquer animal na fazenda, por menor
que fosse, poderia ter tomado o poder se usasse as estratégias certas. Nesse ponto eles até fizeram
uma comparação com a hipótese de os alunos tomarem o poder dentro da escola e sobre as
complexidades de fazer isso. Ressaltando que estávamos não só no período de pós eleições
presidenciais, como também no de ocupação de escolas públicas em manifestação dos alunos
contra a PEC 24186.

86
ou PEC 55 que, simplificadamente, propunha congelar as despesas do Governo Federal, com cifras corrigidas pela
inflação, por até 20 anos, afetando o cenário educacional brasileiro como um todo e gerando na época a onda de
reações com ocupação de escolas pelos próprios alunos.

165
Procuramos finalizar o debate, que foi bastante intenso, em torno das atitudes que poderiam
ter feito com que os animais vivessem em mais harmonia dentro da fazenda, mesmo se estivessem
sobre o controle de alguma autoridade ou se estivessem finalmente livres, o que poderia ser
mudado para que eles fossem mais felizes. Assim como o que faria diferença para eles na vida
escolar, já que tinham comentado as ocupações, se tivessem que evitar conflitos e melhorar a forma
como estudavam e se relacionavam.

PLANOS DE AULA

Em anexo, apresentamos o cronograma e os planos de aula utilizados durante as oficinas.


Observa-se que, como foram ministradas mais de 30 horas aula, seria inviável dispor de todos os
planos de aula empregados, assim, apresentamos o cronograma acertado com a escola e um plano
de aula modelo utilizado para as oficinas, demonstrando não só o planejamento que foi aplicado
na aula, como também como foi feita estrutura prévia de uma sessão de RPG direcionada para esse
caso, indicando também como o conteúdo foi trabalhado e o que se esperava que os alunos
produzissem em termos de conhecimento e reflexões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando nossas expectativas e objetivos em relação ao estágio, consideramos que


grandes resultados puderam ser construídos, tanto para os graduandos quanto para os alunos. Em
nosso projeto específico, tivemos como parte desse trabalho também um forte vínculo com nossos
alunos, que chegaram a nos agradecer pela aula em alguns momentos e nos procurar em outros
para pedir conselhos sobre questões pessoais em suas vidas.
Acreditamos que, como diz o escritor e pesquisador brasileiro Huberto Rohden “Ninguém
pode educar alguém. Alguém só pode educar-se a si mesmo. A verdadeira educação é
essencialmente intransitiva, reflexiva e subjetiva”. Nesse ponto de vista, educa-se pelo
posicionamento, pelo exemplo, pelos laços e demonstração de valores, não meramente pela
instrução. Claro que não falamos aqui de abandonar a educação a uma utopia que não possa ser
levada à prática, que, por exemplo, não atenda ao vestibular, que se limite ao aspecto filosófico.
Quando comentamos sobre a promoção de uma educação que seja plena, é porque
compreendemos que os estudantes, como seres humanos, possuem inúmeras faces de sua
individualidade que precisam ser trabalhadas pela escola, assim como precisam ser preparados

166
integralmente para sua própria vida. Nisso, nos referimos ao saber intelectual, às emoções, à
compreensão críticas de temáticas sociais que acontecem ao seu redor, à educação financeira, às
relações com seus colegas e família, a um projeto de vida que desejem para si...
Seria impossível delinear tudo aqui, mas essencialmente queremos dizer que
compreendemos o nosso papel de educadores, independente de sermos estagiários ou professores
universitários, como o de formadores de seres humanos, e que para realmente podermos nos
intitular assim, nossa abordagem e objetivos devem estar para além da aula, tratando os conteúdos
educativos através de suas próprias aplicações na realidade dos estudantes, transformando a
relação professor-aluno em uma relação de iguais que crescem juntos, que se expresse com base
na admiração, no respeito e claro, nos objetivos comuns.
Nosso trabalho com as oficinas de literatura, quando revisto, ainda poderia ser muito
aprimorado, no sentido de intensificar as produções, discussões e até mesmos nossos aprendizados.
No entanto, compreendemos que a educação que tanto pregamos e defendemos nesse relatório é
algo essencialmente processual. Falar sobre o contexto de um livro já é bastante incomum em sala
de aula hoje, em um momento em que as obras literárias são trabalhadas de maneira extremamente
superficial. Entretanto, juntar a isso a transversalidade, o trabalho com a expressão, a criatividade,
a transposição de reflexão e conceitos do meio literário para o contexto real de vida, entre outras
abordagens, é algo que deveria estar no projeto político da escola e, para realmente ser capaz de
transformar a compreensão de mundo de um aluno, deveria ser trabalhada durante um longo
período de formação.
Porém, ter a oportunidade de realizar, através desses e outros estágios, o projeto docente
de nós mesmos e ainda visualizar respostas positivas a partir disso, na devolutiva e reações de
nossos alunos, de fato nos enche de gratificação por essa possibilidade. Nesse tempo de
desenvolvimento das oficinas, podemos afirmar que edificamos percepções diferenciadas
juntamente aos participantes, que podem ser bases de outras construções ainda mais profundas
particulares deles, ou até mesmo podem ser algo que eles repassem para outros alunos através da
convivência. Demonstrando assim que a educação pode acontecer o tempo todo, em qualquer
lugar, cada vez que a mente se abra a novas ideias.
Sabemos que boa parte da estruturação que os docentes obtêm para ministrarem seus
conteúdos de maneira efetiva e com qualidade almejada por eles e pelos alunos, surge durante o
desempenho da profissão, ao invés de dentro do meio acadêmico, e que muitas lacunas
permanecem pela falta de um ensino universitário articulado com a realidade da sala de aula. Nesse
sentido, muitos desafios só passam a ser conhecidos fora da universidade, quando já estão
reduzidas as oportunidades de debates, intercâmbio de ideias e reflexões.

167
Ainda assim, a importância da realização do estágio durante a graduação não diminui,
mesmo que não sejam tão extensas as possibilidades de experiências e aprendizados, pelo
contrário, se faz fundamental que o tempo e discussões sejam melhor aproveitados, a fim de
valorizar tudo aquilo que podemos produzir nesse período. Além de somar as oportunidades de
aprimoramento do nosso próprio ser em formação, em âmbitos pessoal e profissional, no contato
com o outro, seja esse outro professor ou aluno, no conhecimento de suas vivências, desafios e
visões do espaço escolar e dinâmicas da educação.
Outrora já estivemos imersos nesse meio enquanto alunos, de maneira que se forma um
tripé entre a nossa experiência estudantil, os nossos estudos objetivando a formação docente e,
posteriormente, a nossa própria atuação em sala de aula. Essa estrutura é o que nos permite toda a
articulação necessária para atuar como docentes. Parte dela foi elaborada e discutida nesse trabalho
e parte está em construção. Cabe a nós como profissionais entendermos que uma terceira parte
jamais se tornará inteiramente acabada, pois a atuação docente se dá em cenários de constantes
transformações, que dispendem de nós também uma atualização constante. Mediante essa
consciência é que se torna possível articular e rearticular sempre não só os saberes que possuímos
como também a nossa forma de nos expressar e possibilitar a emersão da melhor expressão do
outro, que serão tanto nossos alunos como também parceiros na estruturação e partilha de
conhecimentos.

REFERÊNCIAS

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 4ª edição. São Paulo:
Perspectiva, 2000.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez.
Brasília, DF: UNESCO, 2000. Disponível em: <http://bioetica.catedraunesco.unb.br/wp-
content/uploads/2016/04/Edgar-Morin.-Sete-Saberes.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2017, 16:24:27.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNs) (1997). Temas Transversais. Ensino


Fundamental. Brasília: MEC/SEF.

ROCHA, Rafael. Narrativa da Imaginação: proposta pedagógica, metodologia role playing e


reflexões sobre educação. Uberlândia: Narrativa da Imaginação, 2014.

TEIXEIRA, Maria Cecília Sanchez. Pedagogia do Imaginário e Função Imaginante:


Redefinindo o sentido da educação. Olhar de Professor, vol. 9, núm. 2, 2006. Departamento de
Métodos e Técnicas de Ensino Paraná, Brasil. Disponível em:
<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=68490202>. Acesso em: 06 mar. 2017, 19:42:30

168
ANEXOS

Questionário 1 - Sondagem

1. Se essa é sua primeira experiência nesse tipo de jogo, antes dela, o que pensava sobre o que
era RPG? Quais as principais diferenças, confirmações e negações, sobre a sua expectativa?

2. Se você já tinha experiência, quais elementos, vindos de suas experiências anteriores, lhe
fizeram participar novamente deste jogo?

3. O que é a Personagem?

4. Como se sentiu, nos dias seguintes ao jogo? Quais as principais sensações e pensamentos.
Fale sobre isso.

5. O que é um Cenário?

6. Quais são as principais pensamentos e emoções relacionadas com o jogo? Antes, durante e
depois.

7. Fale o que percebe sobre sua personagem, como o percebe no jogo, sua função e ação.

8. Quais personagens interpretados pelo narrador lhe chamaram mais atenção, identifique sua
função no jogo e descreva o que pensa sobre eles.

9. Qual foi a cena mais complexa (engraçada ou trágica) do jogo, e como isso afetou o
andamento do jogo.

10. Ao enfrentar o antagonista, que desfecho você acredita que ocorrerá? Qual é o sentido da
existência de tal personagem.

11. O que é RPG?

169
Questionário do Debate Avaliativo
1. Os princípios do animalismo eram possíveis?
2. Como você vê a diferença entre o cenário do jogo e do livro?
3. Como uma revolução se torna possível?
4. O que você e sua personagem têm em comum?
5. O que você e sua personagem têm de diferente?
6. O comportamento de seu personagem mudou do início ao final do jogo?
7. Como você vê o trabalho em equipe no livro e no jogo?
8. Seguir uma ideologia é importante?
9. O objetivo de vida do seu personagem o ajudou na história?
10. Se pudesse voltar atrás, você teria feito algo diferente no jogo?
11. Se identificar com uma história é bom?
12. Se o seu personagem fosse líder da fazenda, o que você faria?
13. Se você fosse um porco no jogo, o que você faria?
14. O que poderia impedir os porcos de tomarem o poder?
15. Qualquer animal na fazenda poderia tomar o poder?
16. Que situação do livro você vê que existe na vida real?
17. O que era diferente na dominação dos humanos e dos porcos?
18. O hino do animalismo poderia ter ajudado no jogo?
19. O velho Major e o bola de neve eram diferentes dos outros porcos?
20. O que faz alguém ver a si mesmo acima dos demais?
21. É mais fácil humanos viverem em harmonia ou animais?
22. O que é viver em sociedade?
23. Hierarquia é importante?
24. O que é autoridade?
25. Autoridade é importante?
26. Você vê diferença entre chefe e líder?
27. A escola ajuda a conviver em sociedade?
28. A escola ajudou os animais?
29. A escola ajuda os seres humanos?
30. Toda ação é política?

170
Cronograma – Projeto RPG e Literatura
Professora: Bruna Fontana Frappa – Graduanda em Letras (UFU)
Descrição do curso:
Oficinas de literatura e RPG ministradas durante dez dias, semanalmente, com o intuito de trabalhar o
conteúdo literário e histórico vinculado à obra Revolução dos Bichos, de George Orwell, e filme de
mesmo nome. Ao final os alunos poderão realizar a publicação online do material produzido durante às
aulas, resultado das dinâmicas e reflexões. A publicação e o curso têm caráter gratuito e serão realizadas
mediante o trabalho de estagiária da Universidade Federal de Uberlândia em parceria com a ONG
Narrativa da Imaginação.

Duração do curso: 10 dias letivos, às quintas feiras, de 29/09 a 01/12, durante 3 horas (14h às 17h).

Público alvo: Alunos do ensino fundamental, de 6º a 9º ano.


Espaço utilizado: Dependências do Colégio Municipal Professor Domingos Pimentel de Ulhôa, sala
de dança.

Cronograma: Conteúdo Atividades Tarefas


29/09 Apresentação do autor, Apresentação de informações, Ler capítulos para a
contexto histórico e explicação do RPG e próxima aula
14h às 17h
sistema de jogo montagem de fichas.
06/10 Capítulos 1 e 2 Sessão de jogo e debate do Ler capítulos para a
livro próxima aula e realizar
14h às 17h
diário de bordo.

13/10 Capítulos 3 e 4 Sessão de jogo e debate do Ler capítulos para a


livro próxima aula e realizar
14h às 17h
diário de bordo.

20/10 Capítulos 5 e 6 Sessão de jogo e debate do Ler capítulos para a


livro próxima aula e realizar
14h às 17h
diário de bordo.

27/10 Capítulos 7 e 8 Sessão de jogo e debate do Ler capítulos para a


livro próxima aula e realizar
14h às 17h
diário de bordo.

03/11 Capítulos 9 e 10 Sessão de jogo e debate do Ler capítulos para a


livro próxima aula e realizar
14h às 17h
diário de bordo.

10/11 Conhecimentos Sessão de encerramento de Ler posfácio e anexos da


absorvidos durante a jogo e debate do livro obra.
14h às 17h
leitura.

17/11 Conhecimentos Encerramento das oficinas Revisão do livro


absorvidos durante a com discussão de tópicos
14h às 17h
leitura. ligados à liberdade e direitos
humanos.

24/11 Aula não presencial Revisão do Livro Revisão do livro


14h às 17h

171
01/12 Aula não presencial Revisão do Livro Revisão e agendamento
de publicação com a
14h às 17h
ONG Narrativa da
Imaginação

Plano de Aula para Oficina de Literatura e RPG


Data: 29/09/2016 Duração: 14h às 17h Local: Sala de Dança
Professoras: Bruna Fontana Frappa Ano: Turma Mista 6º a 9º
Tema: Obra Revolução dos Bichos e Sessão de RPG

Fundamentação teórica:

Para a execução da aula planejada com o uso desse cronograma, nos embasamos na
teoria do Homo Ludens, de Johan Huizinga e na Metodologia Role Playing, de Rafael
Rocha. Sendo que a primeira discorre sobre a natureza lúdica por detrás da cultura e
outros processos formadores da identidade das sociedades humanas tal como as
conhecemos hoje e a segunda orienta a aplicação de aulas que tenham objetivo de passar
um conteúdo por meio da estruturação de jogos de RPG. O uso desses estudos justifica-
se na intenção de realizar uma serie de aulas de literatura, sobre a obra Revolução dos
Bichos, que esteja calcada no relacionamento positivo entre professor e alunos,
estabelecimento de experiências em comum e produção conjunta de conhecimento, com
plena disposição, envolvimento e interesse por partes dos estudantes. Além disso,
também pretendemos fazer abordagem dos temas transversais em relação ao tópico ética,
discutindo-o a partir das situações dentro da obra ou das sessões de jogo, dada a
importância dessas noções aos estudantes em formação no que diz respeito à vida em
sociedade e às orientações do MEC sobre a importância da transversalidade dentro do
processo educacional.
Objetivos:
• Apresentar parte da biografia do autor George Orwell, o contexto histórico da obra e
os conflitos políticos em torno dela.
• Apresentar a proposta de leitura e combinar como acontecerão as oficinas, as
propostas de atividades e avaliações.
• Apresentar o sistema de RPG a ser usado e as regras envolvidas.
• Realizar uma sessão introdutória de RPG.

Metodologia:
1- Introdução à obra e vida do autor por anotações no quadro branco, verificando o que
os alunos já sabem sobre o contexto histórico da ditadura stalinista.
2- Apresentar a proposta de leitura das obras, discussões em paralelo com as sessões de
jogo, registros de experiência e possível publicação ao final do projeto.
3- Combinar leituras para a próxima aula, referentes ao primeiro e segundo capítulos.
4- Apresentação do sistema de RPG e regras.
5- Realizar uma sessão de jogo introdutória para que eles possam conhecer o cenário, as
características de suas personagens, habilidades e conflitos no enredo a serem
solucionados.

Cronograma da Sessão Introdutória

172
Nessa sessão, os animais começam a perceber consequência da postura de seu tratador, o
Sr. Jones, um homem de meia idade, que começa a ter dificuldades financeiras com a
economia da fazenda e abre portas para o mal hábito de se embebedar várias vezes na
semana. Dessa forma, a fazenda fica entregue a dois empregados desonestos que
saqueiam o local quando podem e não se preocupam em alimentar os animais.
Nesse dia, Jones sequer levanta de cama e os pombos (controlados pelo narrador)
começam a espalhar que ele morreu. Os animais estão confusos e com fome.

Após essa narrativa, o professor questiona a cada jogador sobre o que vai fazer. Os alunos
são livres para tomarem qualquer atitude para solucionar o conflito, cuidar de seus
interesses ou outra atitude que desejem tomar. Lembrando que devem seguir o
comportamento de suas personagens, descrito na ficha e coerente com a obra.

Avaliação:
Serão avaliados os conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema “ditadura” em geral e
sobre os acontecimentos que levaram à instalação do governo stalinista. De acordo com a
devolutiva serão explicados mais detalhes sobre o assunto. Também serão avaliados os
conhecimentos básicos sobre o sistema de RPG e explicadas as dinâmicas nele envolvidas,
bem como o desempenho dos alunos no trabalho com turnos, percepção de possibilidades,
interação e manejo das personagens. Como essas avaliações possuem caráter processual e
aqui são iniciais, temos o objetivo de, através delas,

Material e Equipamento:
Quadro branco, canetão e papel impresso fornecido pela professora.

Referências:

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 2000.


Perspectiva. SP
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNs) (1997). Temas
Transversais. Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF.
ROCHA, Rafael. Narrativa da Imaginação: proposta pedagógica, metodologia role
playing e reflexões sobre educação. 2014. Narrativa da Imaginação. MG.

173
Mapa

174
Exemplo de Ficha

175
Fotos do Projeto

176
177
Exemplos de Diários dos Alunos no Grupo de Facebook

178
179
TRADUÇÕES

HISTÓRIAS DE ORIGEM
Relações fenomenológicas entre jogadores e seus personagens

Ryan Blackstock – Michigan School of Professional Psychology


rblackstock@mispp.edu

Tradução: Alfredo Francisco dos Reis Neto; Lucas Roberto Pedrão Paulino
Originalmente publicado no International Journal of Role-Playing, Issue 7

RESUMO

Usando um modelo de pesquisa fenomenológico, este estudo explora a questão “como é


experienciada uma incorporação consciente de uma persona através de jogos de interpretação de
papéis ao vivo?”. As narrativas de doze participantes da pesquisa foram obtidas via entrevistas
frente-a-frente. Quatro temas emergiram: 1. Continuum de personalização; 2. Fluxo de
incorporação; 3. Liberdade; 4. Aprendizagem através do personagem. Quatro das estruturas
universais de Mouskata estavam presentes como fundamentos fenomenológicos da experiência:
espacialidade, causalidade, relação com o self e relação com os outros. LARP é um processo
complexo, que oferece oportunidades aos jogadores para distorcer as regras típicas das convenções
sociais. LARP oferece diversão, excitação, interação social, crescimento pessoal e auto
exploração. Alguns jogadores descreveram que riscos estão presentes se os limites entre o jogo e
a vida real fossem distorcidos, mas a maioria dos participantes acharam os LARP seguros e
aprimoradores da personalidade.

1.Introdução

No outono de 2004, eu comecei o segmento da minha dissertação que envolvia a


condução de entrevistas pessoais com o intuito de entender a experiência de incorporações
conscientes de persona, através de jogos de Live-Action (LARP). As discussões seguintes remetem
brevemente à literatura relevante de psicologia, à metodologia especifica e às descobertas destas
pesquisas, que iluminam diversos processos psicológicos inerentes à própria experiência.

180
2. Literatura pré-existente na psicologia

Em 2003, meu comitê de dissertação determinou que os LARP eram um tema viável,
digno de pesquisa acadêmica. Durante este processo, eu pesquisei inicialmente a literatura de
psicologia sobre o tema dos jogos de interpretação de papéis (RPG), de personificação e da
natureza da persona. Relativamente pouco foi feito na área do LARP. A maioria dos estudos era
de natureza quantitativa. A minoria era de natureza qualitativa, e nenhum investigou o aspecto
fenomenológico do LARP. As pesquisas caiam em três principais categorias: estudos
quantitativos que buscam ser diagnósticos em natureza, estudos sobre o impacto dos RPGs, e as
aplicações profissionais e terapêuticas dos RPGs.
Todos os estudos quantitativos focavam em mensurar traços psicológicos de indivíduos
engajados nos RPGs. Apenas um estudo mostrou que jogadores demonstravam mais introversão e
menos empatia do que suas contrapartes do grupo de controle (Douse & McManus, 1993). Outros
estudos contestaram estes resultados atestando que não houve diferença significativa em traços de
personalidade como depressão, extroversão, neuroticismo (Cartes & Lester 1998) ou
comportamento antissocial (Simon, 1998) em relação à normalidade ou ao grupo controle
composto por membros da Guarda Nacional (Rosenthal et. al 1998). Por último, um estudo
mostrou que os jogadores eram relativamente normais quando comparados com praticantes de
satanismo em mensurações de traços de psicose e crença no sobrenatural (Leeds, 1995), logo
desconstruindo um mito cultural de que aqueles que jogam jogos como Dungeons & Dragons
estão propícios a se tornarem ocultistas.
A segunda seção da literatura focava no impacto dos RPGs. Um estudo feito por
Ascherman (1993) apontou que RPGs eram danosos para clientes adolescentes em uma unidade
psiquiátrica de internação, visto que ele notou que estes afetavam a resistência a modalidades de
tratamento, assim como normalizava a violência. Estudos realizados por Hughes (1988) e
Blackmon (1994) afirmaram que o RPG pode ser o caminho de acesso para um entendimento
maior de si mesmo ao criar situações de catarse assim como de aprimoramento de habilidades
sociais. A pesquisa de Shepard (2002) indicou que o RPG pode ter efeitos tanto positivos quanto
negativos no indivíduo. Embora ele tenha focado no uso do RPG como uma ferramenta de
aprendizagem com os seus alunos, ele descobriu que o ato de adotar um papel é:
Como uma experiência de Gestalt, permitindo que a expressão dos sentimentos que
normalmente seriam suprimidos pelas defesas psicológicas. Para o aconselhamento de estudantes,
cujos estilos de personalidades são tímidos, a interpretação e papéis pode se tornar uma

181
oportunidade de expressar sentimentos como raiva e hostilidade de formas novas e pouco
familiares. (Shepard, 2002, p. 155)
Embora o trabalho de Shepard tenha sido realizado para treinar o aconselhamento de
estudantes, ele descobriu que estar em um papel geralmente reduzia a inibição de um indivíduo, o
que por sua vez permitia que os estudantes tivessem novas experiências cognitivas e emocionais
(p. 155).
A sessão final da literatura continha estudos que indicavam que os RPGs tinham efeitos
terapêuticos assim como aplicações profissionais. A interpretação de papéis é utilizada através das
disciplinas para melhorar as sessões clinicas de treinamento, cursos de literatura inglesa, e ensinar
habilidades de resolução de conflitos (Pomerantz, 2003; Propper 1999; Poksch, Ross & Estness,
2002). Frank (1982) ressalta que jogos de interpretação em qualquer idade podem ser socialmente
terapêuticos e podem servir a um propósito de evolução psicológica; Frank insiste que os jogos
nos ensinam habilidades de sobrevivência e começam a introduzir outras habilidades sociais que
seriam úteis na sociedade, o que é um princípio inabalável da Terapia dos Jogos87.
A essência do corpo da literatura de psicologia foi focada inicialmente na mensuração da
personalidade ou nas consequências externas da pratica do RPG. A literatura parece destituída de
qualquer estudo que se foque em entender a experiência do ato de interpretar assim como as
consequências de internalização de um ponto de vista qualitativo. Esta lacuna apresenta uma
importante oportunidade para se descobrir quais aspectos psicológicos podem ser enraizados
dentro do indivíduo.

3. Metodologia

Os dados são derivados de doze entrevistas feitas pessoalmente que foram conduzidas em
2005 nos Estados Unidos. Os participantes foram solicitados de vários grupos da The Camarilla,
um clube de LARP especializado em jogos do Mundo das Trevas, sendo que todos os jogadores
vieram de campanhas de Vampiro: a Máscara. A escolha pela pesquisa fenomenológica de
Moustaka (1994) foi feita como um esforço de identificar não só dados temáticos – conhecidos
como “textures” – mas também para descobrir as subjacências das experiências identificadas
através de estruturas universais. Um marco do método fenomenológico é o de que o pesquisador
assume ativamente uma posição meditativa com o objetivo de se abster de formular qualquer

87
Nota do tradutor: Play Therapy, uma forma de terapia, usada principalmente em crianças, que usa jogos para
desenvolver habilidades sociais.

182
julgamento sobre o que foi descrito pelo participante da pesquisa. Este processo, utilizado no
modelo de pesquisa, é referenciado por Moustakas como époche (Moustakas 1994, p. 33) além
dos aspectos teóricos utilizados para separar e entender experiência – i.e., dados “texturais” e
estruturais – não houve pressuposição ou hipótese sobre o que seria encontrado no estudo da
experiência da incorporação consciente de um personagem através de jogos de interpretação ao
vivo. Através do uso ativo de époche, o pesquisador oferece a sua total atenção para entender a
experiência como se ela fosse totalmente nova e presente no aqui-e-agora.
Todas as entrevistas foram transcritas literalmente – incluindo pausas e nuances não-
verbais, embora sons ambientes não tenham sido transcritos – e impressos, servindo como uma
base para análise fenomenológica. Ao passar por cada transcrição, o pesquisador novamente
abraçou o objetivo da époche enquanto deu seguimento ao processo de redução fenomenológica.
Este processo especifico de redução buscou apresentar a experiência como um fenômeno, para
então tentar localizar as qualidades existenciais no âmbito da experiência significativa. Os passos
para este processo de redução são conhecidos como: “colocar entre parênteses” 88, delimitação,
horizontalização e agrupamento.
Moutakas (1998) explica que a redução fenomenólogica consiste em “escolher qual é o
núcleo e eliminar o que é periférico ou tangencial” (p. 111). Ao longo do trabalho do pesquisador
com as transcrições, ele busca apenas afirmações que são pertinentes para responder a pergunta da
pesquisa e, assim, coloca entre parênteses essa informação. Qualquer dado que não é pertinente ou
que se mostra repetitivo é então delimitado e removido da análise, o que leva à horizontalização.
Horizontalização é uma postura epistemológica na qual tudo tem igual valor e significado para o
pesquisador, sendo que cada afirmação tem um valor uniforme. Não há material melhor ou pior,
não há afirmações que são maiores do que as outras. Todos são ingredientes da experiência e
devem ser manuseados com equidade acadêmica. Essas unidades de significados são então
separadas pelas similaridades até que os dados tenham sido agrupados e as texturas, ou temas,
apareçam, o que pode explicitamente ser relacionado à experiência descrita. Estes temas são
trazidos à vida pelo pesquisador compondo diversas descrições textuais individuais e uma
composta.
O segundo estágio da abordagem fenomenológica é o de identificar e iluminar os
elementos estruturais da experiência. Voltando às transcrições de suporte delimitadas, o
pesquisador agora foca em localizar estruturas universais. As estruturas universais são agrupadas

88
Nota do autor: bracketing, termo utilizado na fenomenologia, significa “colocar entre parênteses” (suspender o
juízo acerca de) nossa crença em uma realidade ou nossos preconceitos acerca de algo.

183
em sete elementos que se acredita serem inerentes a qualquer experiência que pode ser ricamente
descrita. Eles são definidos como corporeidade, causalidade, espacialidade, temporalidade,
materialidade, relação com o self e relação com os outros. Similar ao processo textural, estes
elementos estruturais são identificados e eventualmente separados em diversas estruturas
individuais e uma descrição composta.
O último elemento que o pesquisador formula é a síntese textural-estrutural. Esta
narrativa tenta misturar e ilustrar como os componentes estruturais e texturais são interligados
dentro dos dados. Isto se torna uma total integração da dos temas de diversos níveis de consciência
e da estrutura subconsciente da experiência. Neste projeto as texturas foram identificadas e
tituladas como: 1. Continuum de personalização; 2. Corrente de incorporação; 3. Liberdade; e 4.
Aprendizagem através do personagem. Estes temas são apresentados em mais detalhes, juntamente
com os elementos estruturais, na seção seguinte.

4. Discussão

Cada uma das texturas identificadas cobriu uma variedade de experiências baseadas na
incorporação consciente de uma persona através do LARP. O continuum representa como um
indivíduo cria e dá vida psicológica completa ao seu personagem. Dentro do continuum da
personalização, as pessoas descrevem muitos aspectos relacionado à criação de personagem que
eles trariam à vida através dos LARP. Um participante descreve a diferença entre ele mesmo e seu
personagem de nome Mack:
Existiram muitas situações de trocas de tiro. Eu nunca participaria de uma troca de tiros.
Adeus, até logo, eu não ligo quantas armas eu tenho, eu não me jogaria por vontade própria em
uma situação como esta, onde Mack muitas vezes esteve, sacou ambas as suas espadas e começou
a ir pra cidade. Eu acredito que isso seria mais “o que Jordan não faria” e “o que Mack faria”.
(Blackstock 2006, p. 120)
O continuum de personalização também envolve “a dualidade de relação entre o jogador
e sua criação, assim como as consequências negativas deste senso de dualidade” (p. 104). É por
vezes um “eu” e ainda um “não-eu”, que representa uma macro-visão da origem e da relação do
jogador com o personagem. Jogadores de LARP descrevem este fenômeno muito frequentemente,
de forma que histórias sobre seus personagens são contadas misturando a primeira e a terceira
pessoa. Por exemplo, embora “eu” tenha criado Sr. Krieger, e “eu” estou (convincentemente)
controlando o personagem, por vezes ele faz coisas que me surpreendem.

184
Este conceito se sobrepõe com a relação de self, outros e espacialidade. Isto levanta
questões sobre o quanto do personagem sou eu e o quanto do personagem se correlaciona com
minhas potencialidades em desenvolvimento ou em crescimento que podem ser alcançadas apenas
em determinadas condições frente ao mundo “real”. Como eu explicaria quando um personagem
assume vida por si mesmo? De onde isto veio? Em termos de espaço, como os outros reagirão ao
meu personagem? Embora a localização física do jogo seja para os personagens interagirem, este
espaço e as relações formadas por vezes transcendem o jogo, para o melhor ou o pior.
A corrente de incorporação requer uma micro-visão sobre o continuum, focando
diretamente na experiência psico-cinestésica dos jogadores. Muitos dos participantes da pesquisa
discutiram que incorporar leva tempo, e que eles precisavam jogar com o personagem por um
número indeterminado de sessões para realmente alcançar uma sintonia com o personagem. Ao
estudar este fenômeno, o personagem pode escolher tomar um curso de ação que é claramente
autodestrutivo e, ainda assim, não é mitigado pelo conhecimento do jogador. Outro participante
esclareceu este conceito ao partilhar:
Ele gritou, “ei, eles vão me matar.” Eu lembro de pular o sofá e, apenas para te dar uma
descrição, eu sou um homem bem gordo. Isto não é uma coisa feita facilmente, pular o sofá, subir
correndo as escadas, achar a pessoa que eu pensei ser responsável, gritar a plenos pulmões, e isto
foi apenas de uma conversação silenciosa para SNAP! Eu estava gritando a plenos pulmões e fiz
mais de uma pessoa virar a cabeça. Eu apenas fui; eu era o meu personagem, literalmente.
(Blackstock 2006)
Outro aspecto é de que quanto mais uma pessoa incorpora seu personagem, mais difícil
ela acha para tanto “entrar” quanto “sair” do personagem. A incorporação também é inerentemente
conectada à espacialidade, na qual o personagem tem sua própria vida e seu próprio espaço que
supera as limitações físicas do jogo. Um participante revelou, “Quanto mais você joga com o
personagem, mais ele se torna uma parte viva de si mesmo. Interpretar um personagem por um
curto período de tempo é um saco porque você não entra realmente na personalidade ou nas
motivações, ou qualquer coisa assim, e é isso que faz do personagem um personagem” (Blackstock
2006, p. 122).
A Liberdade foi a terceira textura que apareceu no fenômeno. Os participantes da pesquisa
descreveram a experiência liberadora de engajar na interpretação conscientemente incorporada. A
discussão inicial focou em como participar de LARP foi uma forma de aliviar stress, mas enquanto
eles continuavam a falar, uma realidade mais profunda emergia. A incorporação consciente de um
personagem os permitia experienciar novas realidades existenciais. Através dos seus personagens
eles podiam se tornar qualquer um. Eles não estavam limitados por regras, ou moralidade, ou

185
qualquer norma social ou cultural. Um participante compartilhou, “se você já quis ser um hacker
de computador. Você sabe o que está fazendo e não quer realizar as ilegalidades do ato. Você não
quer realmente hackear o sistema de um banco porque isso é errado. O RPG permite que você
relativize as linhas do certo e errado” (p. 123). Para alguns, eles estão livres até mesmo da
ansiedade sobre a morte em si; o que poderia ser mais libertador? Esta liberdade é conhecida
principalmente através de sua relação com outros. Durante as transações incorporadas, jogadores
podem experimentar facetas pessoais, interpessoais e sociais que de outra forma eles nunca
experimentariam. Eles estão livres para serem ferozes adversários de seus melhores amigos, ou
experimentar privilégios – ou a falta deles – que eles não teriam no mundo real. Adicionalmente,
assim como na vida, a liberdade tem duas faces. Por vezes, a liberdade que existe nos jogos afeta
suas relações fora do jogo, por vezes de forma bem dolorosa. Amizades já terminaram de forma
amarga como resultado da interação dentro do jogo.
Aprendizagem através do personagem foi a textura final. Descrições iniciais se focaram
em como adultos se reconectavam com o ato de brincar puramente imaginativo. Eles se lembraram
disso como crianças e o LARP, por vezes, ofereceu uma surpreendente redescoberta de sua
capacidade criativa pessoal e de improvisação. O profundo valor terapêutico que emergiu foi de
suas relações com os outros, tanto dentro quanto fora do jogo. Por vezes, eles descobriam que seus
personagens atuavam como um espelho que dava a eles uma reflexão sobre suas próprias
experiências e motivações da vida real. Um participante revelou que:
A única parte de mim que aparecia no meu personagem é a necessidade de ser protegido.
É isto o que eu amava ao interpretar aquele personagem. Eu encontrava o maior, o mais forte
personagem no jogo e buscava fazer com que ele fosse meu protetor. Era muito divertido porque
supria uma possibilidade que eu nunca tive realmente. Meus pais são divorciados e eu vivi com a
minha mãe a maior parte do tempo. E isto preenchia a necessidade em mim de ter um homem
protetor e era realmente divertido de interpretar porque me permitia ter a experiência de algo que
eu não pude ter. (Blackstock, 2006)
Em termos de espacialidade, algumas lições aprendidas dentro do espaço do jogo são por
vezes transferidas para fora dele. Muitos falaram que desenvolveram habilidades de confidência,
assim como de resolução de problemas, por meio do LARP. Algumas vezes um personagem era
feito para experimentar diretamente certas questões tais como qual a sensação de trair um amigo
ou como seria ser facilmente manipulado por outros. Frequentemente, participantes descreveram
que lidar com circunstâncias imprevistas dentro do jogo os ajudava a refletir sobre suas próprias
experiências, motivações e comportamentos fora do jogo.

186
5. Conclusão

Para muitos indivíduos, a incorporação consciente de um personagem através do LARP


é uma experiência divertida que recaptura o aspecto colaborativo da narração de histórias que
ocorrem naturalmente na juventude. Quando examinado por uma lente fenomenológica, as
possibilidades que emergem podem sugerir que está acontecendo mais coisas do que se percebe
conscientemente. Em vários casos, as pessoas são direcionadas através de seus personagens para
potencialidades não descobertas. Ao longo do tempo e com reflexão, eles vão crescendo em novos
aspectos de si mesmos. Por vezes, estes personagens são expressões de aspectos sombrios que se
escondem e são mantidos abaixo da superfície das máscaras que usamos no mundo real.
Incorporação consciente é literalmente um processo de dar vida. Isto toca nos fundamentos
fenomenológicos de nossas vidas e, quando se medita a respeito, pode colocar em foco novas
verdades sobre nós mesmos e sobre nosso ser-no-mundo.

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188
OS EFEITOS PERCEBIDOS NO DESENVOLVIMENTO PESSOAL DO
RPG COMO LAZER
Um relato de pesquisa

Mikko Meriläinen – Universidade de Helsinki – Finlândia


mikko.merilainen@heilsinki.fi

Tradução: Lucas Roberto Pedrão Paulino; Alfredo Francisco dos Reis Neto
Originalmente publicado no International Journal of Role-Playing, Issue 3

RESUMO

Esse artigo é um relato de pesquisa conduzida entre 2010 e 2011 que explorou as visões de
jogadores de RPG sobre como a interpretação de papéis como lazer tem influenciado seu social e
mental. O conceito sócio-pedagógico de inteligência empática foi escolhido como fundamento
teórico por meio do qual um questionário de pesquisa com nove grupos de questões foi construído.
O questionário, que incluiu questões de múltipla escolha e questões abertas, foi preenchido por
161 jogadores finlandeses ativos e foi analisado estatisticamente. Um grupo controle de 106 não-
jogadores foi usado para examinar as capacidades de auto-avaliação dos próprios jogadores. O
estudo mostrou que as visões dos jogadores de RPG sobre seu lazer e sobre si mesmos são
predominantemente positivas. Os participantes relataram que os RPGs os proveram com uma
fundamentação para experimentar diferentes personalidades e papéis sociais, além disso, eles
viram o lazer como um desenvolvedor de várias habilidades e de traços como criatividade e
imaginação. O gênero dos participantes foi um importante fator especialmente no que diz respeito
às respostas emocionais evocadas pelos jogos, enquanto outras variáveis exerceram uma menor
função. Jogadores se viram como mais imaginativos e menos habilidosos socialmente do que o
grupo controle. Uma leitura mais ativa como fonte de lazer foi também percebida pelos jogadores.
Os resultados do estudo sugerem que o RPG como fonte de lazer provê boa fundamentação para
o desenvolvimento de habilidades sociais e pessoais e, quando usado corretamente, o RPG tem o
potencial para melhorar tal desenvolvimento.

189
1. INTRODUÇÃO

Jogadores de RPG são frequentemente vistos na cultura convencional com estereótipos


negativos (Curran, 2011), tal como falta de habilidades sociais (Bowman, 2010; Leppälahti, 2002).
Apesar de os próprios jogadores de RPG frequentemente aceitarem de forma amistosa tais
estereótipos é inegável que, apesar do desenvolvimento positivo nos anos recentes, os RPGs
permanecem carregando um fardo de anos sendo retratados de forma negativa e desinformada pela
mídia popular (Curran, 2011).
Entretanto, RPGs parecem incorporar vários elementos importantes que sugerem seu
potencial para um desenvolvimento humano positivo. Jogadores de RPG formam redes sociais
consistentes (Leppälahti, 2002; Piippo, 2010), interpretação de papéis têm sido usada com sucesso
como ferramentas de ensino (Hyltoft, 2008; Karwowski & Soszynski, 2008) e por sua própria
natureza RPGs encorajam a experimentação de diferentes funções sociais e tipos de personalidade,
assim como o desenvolvimento da imaginação. A experiência pessoal de anos de interpretação de
papéis fundamenta o conflito entre o estereótipo e o aparente positivo impacto desse tipo de lazer,
direcionando a este estudo.
O estudo realizado busca examinar a percepção de jogadores de RPG ativos em vários
aspectos de seu lazer e comparar essa percepção com a teoria da inteligência empática de Arnold
– um conceito sócio-pedagógico de saúde mental e conduta social – visando descobrir se a
influência positiva da interpretação de papéis foi amplamente percebida pelos jogadores ativos e
se variáveis como idade, sexo ou experiência desse lazer influenciaram essa percepção. As
questões de pesquisa são expostas assim:
1) Qual nível de conexão existe entre a interpretação de papéis como lazer e a inteligência
empática tal como definida por Arnold?
2) Como aparecem, na percepção dos jogadores, as diferenças de idade, sexo e
experiência nesse tipo de lazer?
Sobre a primeira questão foi feita a hipótese de que existe uma perceptível conexão
positiva. A hipótese foi baseada na percepção e nas experiências pessoais que sugeriam uma
conexão existente entre vários elementos da teoria da inteligência empática. Devido à natureza
exploratória da segunda questão, nenhuma hipótese foi feita.
Este estudo foi conduzido em novembro de 2010 como uma pesquisa anônima
quantitativa do tipo survey, na qual foi utilizada a plataforma e-form da Universidade de Helsinki.
A intenção foi adquirir uma vasta quantidade de informação em um curto período, assim como
adicionar uma pesquisa quantitativa a um campo predominado por métodos qualitativos. Devido

190
à natureza do fenômeno estudado, foi escolhido um método misto que combina questões abertas
com análise estatística, o que foi desafiador e, ao mesmo tempo, frutífero. Pesquisas passadas
mostraram a utilidade dos métodos qualitativos no estudo dos RPGs e dos jogadores, mas a
utilização de tais métodos podem ser demorados e, assim, limitar as amostrar obtidas. Há também
o problema da possibilidade bem limitada de generalização (Johnson & Onwuegbuzie, 2004).
Métodos quantitativos tem sido menos usados, mas também tem suas utilidades, especialmente
para obter informações sobre amplas amostras. Ignorar ambos aspectos poderia, na visão do
pesquisador, enfraquecer severamente a pesquisa. Tal como Johnson e Onwegbuzie (2004, p. 21)
declara, usar em conjunto pesquisas qualitativas e quantitativas produz melhor o conhecimento
necessário para informar a teoria e a prática. Arnold (2005, p. 132-133) explicitamente declara que
ambos os tipos de pesquisa são adequadas na pesquisa de inteligência empática.
Jogadores de RPG foram estudados anteriormente e os resultados foram confusos, sendo
que as pesquisas frequentemente sofreram com amostras pequenas e enviesadas (Curran, 2011;
Leppälahti, 2002). O objetivo do presente estudo foi utilizar um método de pesquisa survey para
atingir um grupo mais estável de participantes, mostrando-se bem sucedido. 161 jogadores
responderam o questionário e, até onde vai o conhecimento dos autores, foi a pesquisa sobre
interpretação de papéis com maior número de participantes até agora. Isso aconteceu
principalmente devido aos pesquisadores empregarem métodos qualitativos, tais como entrevista
e pesquisa etnográfica (por exemplo, Bowman, 2010, Leppälahti, 2002; Piippo, 2010), nas quais
as amostras foram menores, mas investigadas com muito mais detalhe.
O estudo foi completado na Faculdade de Educação da Universidade de Helsinki e a
intenção foi prover bases científicas para utilização no mapeamento de jogos de representação
como métodos e ferramentas educacionais. O quadro teórico utilizado como fundamento dessa
pesquisa foi o conceito sócio-pedagógico de inteligência empática. Como dito anteriormente, isso
se mostrou um grande desafio em termos de quantificação, mas foi mantido como um esforço de
conectar os aspectos qualitativo e o quantitativo – um paradigma que pode ser visto como crucial
no estudo de um fenômeno tão diverso quanto a interpretação de papéis.
Usando um questionário online, o estudo procurou angariar um amplo espectro de
opiniões e autodeclarações dos participantes em uma tentativa de descobrir o que eles viram de
benéfico e de prejudicial na interpretação de papéis como uma forma de lazer. Em adição a resposta
à questão principal – qual tipo de potencial os RPGs oferecem para o desenvolvimento da
personalidade – o questionário foi elaborado para acumular dados pra dinamizar e guiar pesquisas
ulteriores. Para aliviar alguns dos problemas inerentes às autodeclarações um grupo controle foi
usado em uma das seções de pesquisa.

191
Esse artigo descreve o estudo feito. Inicialmente, foi descrito o quadro teórico a partir do
qual o estudo foi preparado, focando no papel importante e potencial da interpretação de papéis
no contexto do conceito de inteligência empática de Arnold. O método de pesquisa e as escolhas
que a ele levaram são, então, discutidos na próxima seção, assim como a relação entre os dois e o
questionário. Na próxima seção a confiabilidade e a validade do estudo foram investigadas e seus
pontos fortes e fracos revistos. A próxima seção lida com o que é visto como sendo os resultados
mais relevantes e notáveis do estudo. Esses resultados e suas implicações foram, então, discutidas
e conclusões foram feitas nas duas seções finais.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Em seu livro de 2005 Inteligência Empática Roslyn Arnold descreve a inteligência


empática como a habilidade de utilizar diferentes formas de inteligência e sensibilidade para
efetivamente lidar com outras pessoas. Os conceitos principais são combinar as experiências
cognitivas e afetivas, assim como a efetiva utilização da imaginação, para que alguém se coloque
no amplo quadro de referência das outras pessoas e do mundo. Como a teoria de Arnold foi
inicialmente escrita nos campos da educação e do trato da mente, foi considerada nesse estudo
como compatível com a visão de relações interpessoais de maneira geral. Deve ser salientado que
apesar do nome da teoria, não é um tipo de teoria psicométrica da inteligência comparável, por
exemplo, aos diferentes tipos de inteligência apresentados por Goleman (1995) ou Gardner (1983).
Ao invés de uma teoria cognitiva, a teoria de Arnold lida com práticas sociais, com um forte
elemento ético e ideológico. Arnold declara explicitamente que a inteligência empática como um
conceito é uma conseqüência de uma filosofia liberal, democrática e de educação centrada no
estudante (Arnold, 2004). Devido a isso, este estudo deve antes ser visto do ponto de vista da
educação e das ciências sociais do que da psicologia ou das ciências cognitivas. A natureza da
teoria também coloca o posicionamento teórico em sintonia com este estudo. Como a teoria de
Arnold da inteligência empática serve como um importante elemento de estudo, sua função mais
importante foi prover inspiração e um ponto de vista para um complexo fenômeno. Isto devido às
dificuldades inerentes para a mensuração de vários conceitos da teoria de Arnold, que por vezes
limitam seu uso como fundamento de um estudo amplo.
Uma vez que um teoria universalmente aceita da interpretação de papéis ainda está por
emergir, a decisão consciente foi feita para estreitar o escopo do estudo para as interpretações de
papéis, tal como o termo é usado na linguagem cotidiana, pertencente especificamente aos RPGs.
Isso engloba os RPGs de mesa, os RPGs de ação ao vivo, assim como os chamados RPGs de

192
modalidade livre, que incorporam elementos dos dois. A definição exclui várias atividades que
compartilham similaridades com os RPGs, tais como o teatro de improvisação, o psicodrama e a
encenação histórica. Tais atividades podem ser vistas como interpretação de papéis, mas não como
RPGs (Harviainen, 2010). Neste estudo a exploração das exatas diferenças entre interpretação de
papéis e RPGs foi considerada desnecessária. Os participantes foram avisados do significado do
termo “interpretação de papéis” no contexto do estudo.
Arnold (2004, p. 13) define empatia como “a habilidade de entender os pensamentos e
sentimentos de si e dos outros. [Ela é] uma habilidade sofisticada envolvendo sintonia, decoro e
introspecção: um ato de contemplação e sincera imaginação”. Essa definição parece indicativa do
modo em que Arnold tenta combinar o psicológico com o social em sua teoria. Isso se assemelha
àquelas de Rogers (1975) e Goleman (1995) que também vêem a empatia como um fenômeno
bastante complexo que possui tanto elementos sociais quanto mentais. Isso é acentuadamente
diferente, por exemplo, de Eisenberg e Strayer (1987, p. 5) que simplesmente definem empatia
como uma resposta emocional. Arnold (2004, p. 16-17) também salienta a diferença entre empatia
e simpatia. Ela vê a primeira como um processo mais intrincado que a segunda, que meramente
envolve reconhecer e compartilhar experiências similares e relatar para outra pessoa.
A maior parte dos elementos que Arnold considera como relevantes para o
desenvolvimento da inteligência empática pode ser encontrada nos RPGs. Abaixo estão expostos
as mais importantes conexões entre os dois.
Arnold enfatiza a importância das narrativas, entendidas como histórias transferidas de
forma oral ou escrita, inclusas, mas não limitadas, à literatura, histórias cotidianas pessoais, jogos
e folclore. Ela sugere que tais experiências melhoram a capacidade de empatia, criatividade e
imaginação dos praticantes e evocam especulações tanto interpretáveis quanto éticas (Arnold,
2005). Bettelheim (1991) e Talib (2002) apontam que a narrativa ajuda na estruturação do
desenvolvimento da vida emocional e promove autoconhecimento e um maior entendimento por
alguém de sua própria vida. Independentemente se alguém vê ou cria uma narrativa, elas podem
ajudar em atingir uma maior visão de mundo. Há, também, uma relação natural entre narrativas e
empatia: no âmago de se vivenciar uma história está a habilidade de se posicionar num mundo
criado por outro (Arnold, 2005).
A conexão entre narrativas e interpretação de papéis é óbvia. Embora a interpretação de
papéis não seja tecnicamente uma narrativa no sentido teórico (uma vez que a ela falta o narrador
e o ouvinte) (Heliö, 2004), não obstante inclui personagens, eventos e elementos de narrativa que
permitem ser vista como uma narrativa no sentido em que Arnold usa o termo. A natureza dos
RPGs é compatível com a criação de estruturas do tipo histórica e os jogos são na maioria das

193
vezes especificamente programados para promover isso (Pettersson, 2005). O objetivo dos RPGs
é com freqüência prover os jogadores, de forma narrativa, uma experiência ou uma interpretação
em eventos de jogo, sendo que as sessões de jogo são, com freqüência, posteriormente vistas e
processadas em forma de história (Heliö, 2004). Isso cria histórias que funcionam no modo como
Arnold descreve, isto é, que elas instigam a imaginação e promovem novos pensamentos a serem
considerados. Tal como outras histórias, a história criada a partir de um jogo podem ser
interpretadas de vários modos, a depender da pessoa que descreve, vivencia e interpreta os eventos
(Lehrskov, 2007). De acordo com Arnold, as narrativas são aquilo que permite às pessoas
assumirem diferentes papéis; ela menciona o faz-de-conta das crianças como um exemplo. O ato
de assumir papéis é parte essencial da psique humana (Bowman, 2010) e é um constante elemento
nas interações humanas (Goffman, 1959). Os educadores de drama Luostatinen (1995) e Toivanen
(no prelo) declaram que o processo de tentar assumir diferente papéis permite a elaboração e a
reflexão acerca de duas realidades – a cotidiana e a ficcional – e, assim, promove a exploração de
si.
Entretanto, talvez a mais importante conexão entre a interpretação de papéis e a narrativa
descrita por Arnold é a razão pela qual as pessoas se engajam nessa atividade. Flood (2006) coloca
da seguinte forma:
RPGs permitem ao participante escapar de conflitos, frustrações,
desapontamentos, estresse e vários outros horrores da vida cotidiana. É uma
passagem pela qual um outro mundo pode ser alcançado. Um mundo onde tudo
é possível e o insolúvel pode ser solúvel (p. 40).

Essa visão é bem similar à visão de Arnold sobre pensamento especulativo; usar a própria
imaginação para cruzar as fronteiras do conhecido, como o ápice do desenvolvimento cognitivo
(Arnold, 2005). De acordo com Lieberoth (2006) interpretação de papéis não tem realidade ou
essência em si, ao invés disso, a experiência de interpretação de papéis existe apenas na imaginação
dos participantes. Montola (2008) menciona um mundo imaginário como um fator unificador em
todos os RPGs. Seja de ação ao vivo ou de mesa se pode dizer que a interpretação de papéis não
existe sem imaginação, que é sempre (se não, majoritariamente) o elemento mais significante no
jogo. Imaginação provê a totalidade do processo de interpretação de papéis com um significado e
o torna possível.
Ao discutir o drama Leiber (1995) sugere que é possível praticar habilidades empáticas
ao assumir a identidade do personagem, ao se identificar com ele e ao interpretar sua vida. É o que
foi chamado de imersão. Mesmo que a exata definição seja debatida (veja Holter, 2007; Lappi,
2007) o fenômeno é frequentemente descrito nas discussões acerca dos RPGs (Choy, 2004; Flood,
2006; Hopeametsä, 2008; apenas para mencionar alguns exemplos). Essa habilidade de se imergir

194
na fantasia é citada por Arnold (2005) como pré-requisito para a empatia. Ao assumir um papel
como personagem de RPG, o jogador em certo sentido se torna o personagem, por exemplo ao
falar como e sobre o personagem na perspectiva de primeira pessoa. Isso sugere uma conexão ao
personagem de forma mais empática do que simpática por natureza: ao invés de ativamente
comparar seus sentimentos com os de seu personagem, os sentimentos do jogador frequentemente
se fundem com o imaginário do personagem, produzindo uma experiência vicária.
Em um contexto maior, Arnold nota a importância da arte de cultivar a inteligência
empática. Diferentes formas de arte não apenas permitem a alguém se familiarizar com uma grande
variedade de sentimentos, pensamentos e modos de agir, mas também tornam possíveis um melhor
ajustamento, expressão e entendimento dos valores, pensamentos e sentimentos de alguém. Na
visão de Arnold, a qualidade da arte em suas diferentes formas trazem importantes e profundas
questões na mente reflexiva. Arnold fala sobre ler uma obra de arte e, posteriormente, relacioná-
la com as narrativas descritas acima (Arnold, 2005). A questão sobre se os jogos podem ser
classificados como arte é complexa e muito além do escopo deste trabalho. Video games têm sido
examinados sob o ponto de vista da arte (Smuts, 2005) e seu estatuto cultural tem sido comparado
com aquele do início do cinema (Jenkins, 2005). J. Tuomas Harviainen (2010) defende que do fato
de RPGs serem jogos não decorre a impossibilidade de serem também arte. Jaako Stenros expõe
que a interpretação de papéis tem o potencial de ser arte, mas ainda que alguns RPGs possam
prover ao jogador experiências similares àquelas eliciadas pela arte, isso não se encaixa totalmente
nas categorias de arte tradicionais (Stenros, 2010). No contexto da inteligência empática o
comentário de Stenros se torna muito relevante, uma vez que Arnold foca especialmente nas
reações do espectador das peças artísticas ao invés da peça propriamente dita. Devido à natureza
dual do interpretador de papéis, como tanto um ator como um observador, essas reações podem
ser ainda mais intensas e frutíferas em termo de reflexão do que aquelas eliciadas ao interagir com
uma peça de arte estática, tal como ler um livro ou assistir uma peça. Enquanto na narrativa
tradicional o narrador frequentemente explica essa vida interior ao espectador, isso não é
necessariamente requerido nos RPGs. Ao invés disso, a depender do jogo e do jogador é possível
que o jogador seja o próprio autor dos pensamentos e sentimentos do personagem (Kim, 2004).
Esse foco na reflexão é outro aspecto que aparentemente une a inteligência empática e a
interpretação de papéis. A natureza dinâmica e interativa dos jogos permite ao jogador
constantemente não apenas refletir sobre os acontecimentos ocorridos durante e depois do jogo,
mas também se ajustar em relação ao mundo do jogo, aos outros personagens e aos outros
jogadores. A identidade do personagem é conscientemente desenvolvida não apenas pelos
jogadores, mas também pelo grupo inteiro (Bowman, 2010). Como mencionado acima ao discutir

195
as narrativas, as experiências e os eventos de jogo são frequentemente refletidos e analisados
posteriormente. Isso é especificamente verdadeiro nos jogos de esforço mental (Hopeametsä,
2008; Montola, 2010) e de interpretação de papéis educativos, sendo que em ambos um resumo
da sessão depois do jogo é comumente visto como quase obrigatório.
Como uma ligação positiva final há a importância de uma comunidade de apoio. Arnold
(2005) nota a importância de comunidades positivas como proeminentes no desenvolvimento de
inteligência empática e vice-versa. O engajamento e o entusiasmo compartilhados e as narrativas
compartilhadas contidas no conceito de inteligência empática ajudam a promover o
desenvolvimento de comunidades com idéias semelhantes, enquanto as comunidades, por sua vez,
desenvolvem os elementos propícios para sua formação. É típico pessoas se unirem a comunidades
que tenham interesses e visões compartilhadas, sendo que nossa associação em diferentes
comunidades é um importante modo de definirmos a nós mesmos (Arnold, 2005). De acordo com
Allan (1989), amizades e interação social não são os únicos elementos importantes na construção
de uma identidade saudável, mas também um consistente grupo social unido permite nos libertar
dos nossos papéis sociais cotidianos e, assim, ajuda a reforçar nossa identidade pessoal.
Interpretação de papéis é feita de interação social e cenários são frequentemente construídos em
conjunto, na medida em que os jogadores devem trabalhar juntos para manter um ambiente fictício
coeso (Bowman, 2010).
De acordo com Fine (1983), Müller (2011) entre outros, a comunidade de interpretação
de papéis pode ser vista como uma subcultura. Jogadores frequentemente compartilham interesses
similares tais como certas formas de cultura pop (Mackay, 2001) que combinam com a
participação em atividades de lazer marginalizadas, o uso de jargões e de humor específicos do
contexto da cultura compartilhada para fortalecer sentimentos de pertencimento e comunidade
(Leppälahti, 2002). Lehrich nota que a interpretação de papéis cria um espaço social por si mesmo.
Nesse espaço florescem novos grupos sociais cujo quadro de referência primário é o mundo do
jogo em oposição ao mundo exterior. Nesse ambiente, pessoas que consideram difícil lidar com o
cotidiano da cultura convencional podem experimentar sentimentos de realização e liberação
(Lehrich, 2005).
Arnold nota especificamente a importância de rituais, tais como funerais e gradução, para
prover e fortalecer sentimentos de comunidade e diminuição do medo da solidão (Arnold, 2005).
As similaridades entre interpretação de papéis e atividade ritualística tem sido trazida por vários
autores (e.g. Bowman, 2010; Harviainen & Lieberoth no prelo; Lehrich, 2005; Mackay, 2001) e
isso inclui as comunidades que se formam entre ambas. Tal como em rituais sagrados, no jogo as
regras da vida cotidiana cessam de existir ou são deixadas de lado e as ações recebem um novo

196
significado a partir do contexto da situação (Huizinga, 1984). Novas interpretações para coisas e
objetos familiares são aceitos pelos participantes (Harviainen & Lieberoth no prelo) e papéis
sociais similares são rearranjados independentemente dos papéis cotidianos dos participantes
(Bowman, 2010). Por exemplo, um jogador heterossexual pode interpretar um personagem
homossexual sem que isso seja visto como significativo no que se refere à sua personalidade
cotidiana (Lehrich, 2005).

3.MÉTODO

Os participantes foram jogadores de RPG finlandeses que foram reunidos principalmente


a partir do chamado método da bola de neve, isto é, a mensagem de convite contendo a URL para
o questionário foi enviada para os contatos sociais de jogadores do pesquisador, os quais
encaminharam para seus próprios contatos. Adicionalmente, a mensagem de convite foi circulada
nas listas de várias associações de RPG. Devido à necessidade de uma auto-avaliação bastante
avançada, a idade limite mínima foi estabelecida em 16 anos. A contagem final de participantes
foi 161, entre 20 diferentes clubes de interpretação de papéis e sociedades.
Deve ser observado que a teoria de fundo coloca um desafio significativo para o
pesquisador. A própria Arnold (2005) nota a dificuldade de mensurar a inteligência empática como
um todo. Devido a isso, a decisão foi construir um questionário que medisse a auto-avaliação do
participante sobre vários elementos da teoria. Enquanto vários instrumentos testados existem para
a mensuração de elementos individuais tais como empatia, a restrição de tempo e de recursos
tornou o uso deles contraproducente. Assim como Arnold com sua teoria, o autor vê a interpretação
de papéis como um fenômeno muito complexo que consiste em uma multiplicidade de processos
sociais e mentais tanto conscientes quanto inconscientes. Focar em apenas um aspecto principal é
uma opção válida, mas não foi adotada nesse estudo.
Um questionário de 71 questões foi feito a partir de conceitos e temas principais
encontrados na teoria de Arnold. Foram eles: comunidade, conhecimento e aprendizagem,
criatividade, emoções, empatia e personagem, e percepção. Um conjunto de questões foi
associada a cada tema. Adicionalmente, o questionário coletou informação quantificável
fundamental sobre idade, sexo e experiência no RPG, além de prover aos participantes a
possibilidade de descrever aspectos positivos e negativos da interpretação de papéis em suas
próprias palavras. Muitas questões do questionário foram binárias (sim/não) ou em escala Likert
com cinco opções (dois graus de discordância/escassez; dois graus de concordância/abundância;

197
uma opção neutra) convenientemente elaboradas de acordo com a questão pertinente. O que se
segue é uma visão geral dos diferentes grupos de questão temáticos.
Grupo 1: teve como pano de fundo oito questões sobre variáveis como idade, sexo e
educação.
Grupo 2: O tema da identidade do jogador consistiu de cinco questões (α=.77) que
examinaram a função que a interpretação de papéis exerceu na vida do participante.
Grupo 3: O tema da comunidade de RPG consistiu de nove questões (α=.75) que
examinaram o relacionamento dos participantes com outros jogadores. O coeficiente alfa de
Cronbach foi usado para as primeiras seis questões, uma vez que as três últimas eram
incompatíveis devido à diferença de escala e elaboração.
Grupo 4: O tema dos efeitos do conhecimento e da aprendizagem consistiu de sete
questões (α=.86) concernentes às informações do participante obtidas por propósitos de
interpretação de papéis, assim como efeitos percebidos na aprendizagem.
Grupo 5: O tema dos efeitos da criatividade consistiu de seis questões (α=.70)
concernentes à arte no contexto de interpretação de papéis e vice-versa. Devido à sua natureza
como questão de mensuração de atitude, a questão 5.4 não foi incluída no cálculo do alfa.
Grupo 6: O tema das experiências emocionais consistiu de oito questões temáticas (α=.89)
que focaram na experiência de fortes emoções nos RPGs e em seu processamento.
Grupo 7: O tema do personagem e do jogador consistiu de 16 questões que examinaram
os tipo de personagens que os jogadores têm interpretado, assim como temas de papéis sociais e
empatia. Três das questões (7.10-7.12) formaram uma sub-seção informal na qual o alfa de
Cronbach foi .75.
Grupo 8: O tema do eu e dos outros consistiu de 10 questões (α=.76) que incentivaram o
participante a se comparar com um mundo imaginário contemporâneo não interpretativo no que
se refere à aspectos tais como criatividade e imaginação. Essa seção foi contrastada com o grupo
controle de 106 não-jogadores.
Grupo 9: As questões finais consistiram em três questões abertas sobre a visão do
participante acerca dos impactos negativos e positivos dos RPGs em suas vidas, assim como os
impactos do próprio questionário.
Os dados obtidos foram analisados com o programa estatístico SPSS, seguindo as
instruções de vários e diferentes guias metodológicos (Cohen, 1988; Gay, Mills & Airasian, 2006;
Karma & Komulainen, 2002). Quando possível, respostas em branco foram substituídas pelas
médias. Os efeitos do gênero e as diferenças entre o grupo experimental e o grupo controle foram
estudados pelo uso do Student’s t-test ou Pearson’s x2-test a depender da questão. Os efeitos da

198
idade e da experiência com o RPG foram examinados pelo uso do único do ANOVA assim como
pelo Fisher’s LSD-test.
Vários guias metodológicos (Fowler, 1995; Gay, Mills & Airasian, 2006; Karma &
Komulainen, 2002) foram utilizados na criação da pesquisa. As questões foram submetidas tanto
a um perito informal, quanto a um processo de revisão por pares do Departamento de Educação
de Professores da Universidade de Helsinki. A revisão qualificada foi provida pelo professor Arto
Kallioniemi, que também supervisionou o estudo. Ela foi também submetida a um teste em cinco
grupos (dois de não-jogadores e três de jogadores) antes da implementação. Apesar desse processo,
vários equívocos, tais como ambigüidade em algumas questões, estiveram presentes no
questionário. Entretanto, em posterior perícia informal no Departamento de Educação de
Professores os equívocos foram considerados insignificantes para sugerir a invalidação das
informações. Ao discutir os resultados de tais questões as possíveis decorrências dos equívocos do
pesquisador foram levados em consideração. O fato de que a totalidade do estudo não foi validada
nem contrabalanceada deve também ser observado ao considerar a validade e a confiabilidade.

4. RESULTADOS

Este capítulo apresenta o que é entendido como os resultados mais importantes do estudo.
Enquanto alguns comentários e especulações são expressos, a maior parte das discussões é deixada
para o próximo capitulo. As principais descobertas em cada das nove sessões da pesquisa são
relatadas. No caso de uma variação de contexto causar uma mudança significativa nos resultados,
isto é especificamente mencionado. O formato da questão é ou especificamente mencionado ou
aparente no relato.
Quando a correlação é discutida nos resultados, a correlação de Pearson é utilizada. Esta
pode receber um valor entre -1 e 1. O 1 significa uma relação perfeitamente positiva, -1 uma
relação perfeitamente negativa e 0 uma ausência de relação (Karma & Komulainen, 2002). De
acordo com Cohen (1988) uma correlação entre ± .10 e ± .29 indica uma dependência leve, uma
correlação entre ± .30 e ± .49 uma média e a correlação acima de ± .50 uma forte.
Estatisticamente significante assim como força correlacional são indicadas no texto pelos
asteriscos:

p < 0,001 = *** (estatisticamente muito significante)


p < 0,01 = ** (estatisticamente significante)
p < 0,01 = * (estatisticamente quase significante)

199
Apenas resultados estatisticamente relevantes dos níveis acima foram reportados. O
grupo de participantes (N=161) estava razoavelmente equilibrado em termos de gênero, com 59%
(N=95) sendo homens e 41% (N=66) sendo mulheres. Diferenças de gênero foram significativas
em várias questões e isto é examinado em detalhes posteriormente.
A maior parte dos participantes tinha entre vinte anos e quarenta anos, com mais de dois
terços (N=127, 78,8%) dos participantes acima dos 25 anos. A maior parte (N=109, 67,7%) tem
jogado RPGs por onze anos ou mais, sendo que começaram a jogar antes de seus quinze anos
(N=110, 69,2%). O nível educacional era bem tendencioso, com mais de 75% dos participantes
tendo ao menos um grau de educação de nível superior. Esta tendência foi levada em conta na
validade do estudo.
Os participantes jogavam RPGs como uma atividade variada, geralmente algumas vezes
por mês. Uma quantia significante, 45,3%, jogava raramente mais do que uma vez por mês. O
gênero teve um impacto significativo
(x²=19,4**, df=4, Cramer's V=.35) no alocamento de papéis desempenhados nos grupos de
jogadores: aproximadamente três quartos das mulheres eram sempre ou geralmente jogadoras,
enquanto que essa afirmação era real em aproximadamente metade dos homens.

Independente da idade ou gênero, a maioria (67,7%) dos participantes relataram que RPGs eram
uma parte importante ou ao menos relevante de sua personalidade (m=3,7, s=1,1). Jogar RPGs,
como fonte de lazer, teve um papel relevante na vida de 80% dos participantes (m=4,2, s=1,0).
Jogadores preferiam a companhia de outros jogadores em comparação a seus outros grupos sociais
(m=3,3, s=1,0) e a maioria relatou que a maior parte de seus amigos eram jogadores (m=3,6,
s=1,2).

4.1 A comunidade do RPG

Mais de 70% dos participantes se viam como pertencentes em alguma extensão a uma
indefinida comunidade ou subcultura de jogadores de RPG (m=3,7, s=1,1). Uma vasta maioria de
87% disse ter encontrado relações significativas (não foram feitas divisões entre relações
românticas ou platônicas) através deste lazer (m=4,4, s=0,9). Houve uma diferença estatística
significativa entre gêneros (t=3,2**, df=157), com mulheres (m=4,7, s=0,6) relatando ter
encontrado tais relações muito mais acentuadamente que os homens (m=4,3, s=1,0)

200
De todos os participantes, aproximadamente 35% concordaram completamente
com a afirmação de que relações descobertas através do RPG formam uma parte significativa de
suas vidas sociais. Se aqueles que de alguma forma concordam estão inclusos, o percentual sobe
para aproximadamente 70% (m=3,8, s=1,2). Houve uma correlação fortemente positiva (.64**)
entre encontrar novas relações e a importância dos amigos de RPG na vida social do indivíduo.
O RPG como lazer promoveu, em alguma extensão, experiências sociais significativas
para 89,4% dos entrevistados (m=4,4, s= 0,8) e 82,6% percebiam esse lazer como algo que causou
um impacto positivo em suas vidas sociais (m=4,3, s=0,8). A experiência do RPG como lazer
representou um papel, sendo que para aqueles participantes que jogaram por menos de sete anos
relataram experiências menos significativa (m=40 comparado com outros grupos todos entre
m>4,5, p<0,05) que outros grupos. O grupo com menos experiência (m=3,9, s=1,0) relatou um
desenvolvimento menos positivo do que os mais experientes (m=4,4, s=,08), com a diferença de
significados relevantes no nível de p<0,05. Independentemente das variáveis antecedentes, a
maioria dos participantes relatou ao menos algum desenvolvimento em suas habilidades de grupo
através desse lazer (m=4,3, s=0,8).
Houve uma correlação positiva significante (.49**) entre desenvolvimento social e
experiências significativas. Desenvolvimento social também foi correlacionado positivamente
com a importância do RPG na vida do indivíduo (.47**), sendo encontrados relacionamentos
significativos (.49**) e melhoramentos nas habilidades de grupo (.41**).
Todos os participantes relataram ter conhecido seus colegas de jogo fora de situações de
jogo também (m=4,0, s=0,9) na qual mais de 73% eles encontravam sempre ou quase sempre. Nos
encontros fora do ambiente de jogo, a relevância do RPG na relação diminuía. Embora todos os
participantes conversassem sobre RPG ao encontrar amigos de jogo (m=3,3, s= 0,7), uma maioria
de dois terços relatou conversar sobre o tema apenas raramente ou ocasionalmente. Houve uma
correlação positiva (.42**) entre isto e a importância do RPG na vida do individuo: quanto maior
a importância dada ao RPG, mais ele era discutido.

201
Figura 1. “A interpretação de papéis como tendo um impacto positivo no meu desenvolvimento
social”. (N=161)

Apesar da importância relatada dos aspectos sociais do RPG, o conteúdo do jogo ainda
era percebido como relativamente mais importante do que as situações sociais do jogo. Mesmo
com a maioria (43,5%) dos respondentes relatando que estes dois elementos eram igualmente
importantes em uma sessão de RPG, houve diferenças significativas no resto da amostra. Aqueles
que viam o conteúdo do jogo como mais importante que as situações sociais corresponderam a
42,2% de todos os participantes, enquanto que apenas 14,3% viam de outra forma. A idade teve
um impacto nessa questão (x²=20,7**, df=8, Cramer’s V=.25), de forma que aproximadamente
62% dos 30+ participantes relataram que o conteúdo do jogo era mais importante que as situações
sociais.

4.2 Efeitos de Aprendizagem

Os temas e eventos dos cenários de RPG não estavam limitados às situações de jogo em
si. Ao contrário, a maior parte (78,3%) dos participantes relataram repetidamente pensar sobre o
tema fora do contexto do jogo ao menos ocasionalmente (m=3,6, s= 0,9), com mais da metade de
todos os participantes agindo dessa forma ocasionalmente. Houve uma correlação positiva (.48**)
entre discutir sobre RPG fora das situações de jogo.

202
Figura 2. A importância do conteúdo do jogo e da situação social em uma sessão de
RPG (N=161)

Mais de 65% dos participantes relataram ter aprendido coisas úteis e novas dos RPGs
(m=3,8, s=0,9) e a maior parte relatou ter buscado, com maior ou menor frequência, informações
para fins de jogo em vários assuntos diferentes sem uma demanda explícita (m=3,7, s=1,1). As
informações também foram buscadas inspiradas no jogo, independentemente dos motivos do jogo,
mas em um grau menor (m=3,2, s=1,0).
Mais da metade dos participantes estimaram que jogar RPG melhorou suas habilidades
de lidar com problemas (m=3,5, s=1,0). Houve uma diferença estatisticamente significante
(t=3,3**, df=159) entre os gêneros, sendo que os homens (m=3,2, s=0,9) relataram tal
acontecimento mais frequentemente do que as mulheres (m=3,2, s=,09). A experiência no RPG
foi um fator significativo (F=3,9**,df=157), sendo que os participantes com mais de 15 anos de
jogo (m=3,9, s=0,9) relataram melhoras mais frequentemente do que os outros grupos com menos
experiência.

4.3 Criatividade e efeitos emocionais

Independentemente das variáveis de histórico, 57,1% dos participantes concordaram até


certo ponto com a visão de que os RPGs são arte (m=3,6, s=1,1). A questão incluiu um espaço em
branco que permitia aos participantes expandirem suas respostas. As seguintes citações foram
alguns dos 79 comentários:

203
“RPGs são um meio pelo qual é possível criar arte, mas eles inerentemente não são mais
arte que qualquer outra atividade comunal criativa. Em outras palavras, é uma questão de
definições. Se nós estivéssemos falando das tradições da arte eu poderia não ver de forma
categórica o RPG como uma forma de arte”. Mulher, mais de 30.

“Jogos de RPG e de ação ao vivo são uma forma multi-nivelada de cultura, combinando
literatura, experiência visual e emocional. RPGs são a arte da experiência.” Mulher, 23-30.

“Eu sustento a ideia que arte é performática e experiencial – os RPGs são participativos
ao invés de performáticos. A arte da performance é direcionada a expectadores externos, enquanto
que a atividade participativa é fraca sem uma participação real. RPGs oferecem experiências, mas
apenas se os jogadores participam na criação desta experiência – é por isso que eu não os incluiria
nas artes performáticas” Homem, mais de 30.

“Sim, experiências e pensamentos são criados em RPGs. Mas eu não acho que a intenção
inicial é a de levar pessoas (jogadores?) a pensar sobre as coisas de uma nova forma, mas sim
funcionar como entretenimento. Mesmo assim os RPGs são uma forma de se expressar para
muitos. Homem, abaixo de 25.

Mais de 74% de todos os participantes relataram terem tido experiências similares àquelas
vivenciadas com a arte quando jogando RPG (N=158, m=4.1, s=1,0), com mais de 41% relatando
que isto acontece com frequência. Mais de 70% viam que o RPG melhorou sua imaginação
(m=3,9, s=10). Uma diferença de gênero estava presente (t=2,9**, df=123), com homens (m-4,1,
s=0,9) relatando melhorias mais frequentemente do que com mulheres (m=3,6, s=1,1). A questão
sobre desenvolvimento da criatividade ofereceu resultados similares, com mais de 73% dos
participantes relatando melhorias na criatividade (m=3,9, s=1,0). Uma diferença similar de gênero
também esteve presente, embora não tão significante (t=2,4*, df=117). Houve uma correlação
positiva muito forte (.79**) entre desenvolvimento da imaginação e da criatividade.

204
Figura 3. “Interpretar papéis melhorou minha imaginação” (N=161).

Eventos dentro do jogo proporcionaram aos participantes mais frequentemente com


experiências emocionais positivas (m=3,6, s=0,8) do que com negativas (m=3,1, s=1,0). Houve
uma forte correlação positiva (.50**) entre os dois, indicando que os mesmos participantes
estavam inclinados a ter (ou não ter) emoções positivas e negativas de eventos dentro do jogo.
Mulheres (m=3,4, s=1,0) foram significativamente (t=-3,4**, df=159) mais propensas a
experienciar emoções negativas do que os homens (m=2,9, s=0,9). Tal diferença não estava
aparente no que concerne a emoções positivas. Uma diferença similar de gênero, no entanto, foi
descoberta na frequência com que as experiências emocionais causadas por acontecimentos dentro
do jogo eram elaboradas após o jogo (m=2,6, s=0,9). Isto foi muito mais comum entre mulheres
(m=2,9, s=0,8) do que entre homens (m=2,4, s=1,0), com a diferença sendo estatisticamente muito
significativa (t=-3,8**, df=155). Enquanto 16,8% dos participantes homens (m=2,4, s=1,0)
relataram nunca rever mentalmente experiências emocionais causadas por eventos dentro do jogo,
todas as participantes mulheres (m=2,9, s=0,8) relataram ter feito isso ao menos eventualmente.
Vale notar que tal comportamento era razoavelmente pouco frequente de modo geral, com 75,2%
de todos os participantes relatando tal acontecimento apenas ocasionalmente ou eventualmente.
Introspecção trazida pelos jogos foi mais raro ainda (m=2,4, s=1,0) com apenas 11% de todos os
participantes afirmando que isto aconteceu as vezes ou com mais frequência. Novamente,

205
mulheres (m=2,7, s=1,0) relataram tal introspecção mai frequentemente do que homens (m=2,2,
s=0,9), com a diferença sendo estatisticamente significante (t=-2,6**, df=159).
Enquanto a maioria dos participantes respondeu que os RPGs permitiam experienciar
emoções negativas em um ambiente seguro (m=3,3, s=1,3), menos de metade (46%) sentiam que
os jogos ofereciam uma maneira de lidar com tais emoções (m=3,1, s=1,3). Houve uma forte
(.76**) correlação positiva presente, sugerindo que aqueles que viam a situação de jogo como um
ambiente seguro também sentiam que este os ajudava a processar as emoções trazidas pelo jogo.
Embora menos que nas questões anteriores, a diferença de gênero estava novamente presente (t=-
2,6*, df=159). Mulheres (m=3,7, s=1,3) percebiam o RPG como um ambiente seguro para
emoções negativas com mais frequência do que os homens (m=3,2, s=1,2).

Figura 4. “Um evento dentro do jogo criou uma experiência emocional intensa o suficiente para
causar introspecção” (N=161).

Exatamente 25% de todos os participantes relataram terem sido capazes de examinar suas
próprias vidas emocionais através do RPG eventualmente ou com maior frequência. (m=2,8,
s=1,1), enquanto 37,8% disseram que isto acontecia raramente ou muito raramente. Assim como
com a maioria dos questionários anteriores sobre o modo de lidar com experiências emocionais,
este foi muito mais comum entre as mulheres (m=3,2, s=1,0) do que entre homens (m=2,6, s=1,1).
A diferença foi estatisticamente muito significativa (t=-3,6***, df=154). Cruzar os dados de
correlação entre as questões sobre a forma de lidar com experiências emocionais mostrou que a
maior parte deles estava positivamente conectada.

206
4.4 Os jogadores e seus personagens
Os participantes relataram ter jogado co uma ampla variedade de personagens. Estes estão
detalhados na tabela 1.

Jogou como… Sim % Não %


Personagem que não carrega semelhança física com o
91,3 8,7
jogador
Personagem que é do sexo oposto ao do jogador 76,4 23,6
Personagem cuja personalidade é repulsiva para o
78,3 21,7
jogador
Personagem cuja personalidade o jogador aspira ter 82 18
Personagem sem semelhança mental com o jogador 80,7 19,3
Personagem sem semelhança social com o jogador 85,7 14,3
Personagem cuja visão de mundo é significativamente
91,9 8,1
diferente da do jogador
Personagem sem semelhança moral com o jogador 86,3 13,7
Tabela 1. Diferenças entre personagem e jogador (N=161).

O gênero afetou as respostas apenas na primeira questão, com aproximadamente todos os


homens (96,8%) tendo jogado com um personagem fisicamente bem diferente comparado com
83,3% das mulheres. A diferença é significativa estatisticamente (x²=9,0**, df=1, Cramer’s
V=.24). A experiência no RPG foi um fator significativo (x²=13,1**, df=3, Cramer’s V=.29) para
se jogar com personagens repulsivos. Enquanto que apenas 55,6% dos jogadores com menos de
sete anos de experiência de jogo jogaram com personagens desse tipo, 90,8% dos jogadores com
mais de 15 anos de experiência já o fizeram. Uma clara minoria de 26,7% normalmente jogavam
com personagens semelhantes a si mesmos no quesito de personalidade (m=2,7, s=1,1). Este
resultado foi corroborado por mais 88% dos participantes que viam os RPGs como uma boa
plataforma para explorar diferentes papéis sociais (m=4,3, s=0,9) e por 84% que afirmavam ter as
mesmas características de personalidade (m=4,2, s=1,1).

207
Figura 5. “É fácil experimentar diferentes papéis sociais nos RPGs” (N=161)

A percepção pessoal do desenvolvimento de habilidades de empatia até certo ponto foi


relatada por mais de metade dos participantes (m=3,6, s=1,1), sendo que foi ligeiramente mais
comum entre homens do que entre mulheres. Houve diversas correlações significativas entre o
desenvolvimento percebido das habilidades de empatia. O mais importante era o desenvolvimento
de habilidades de grupo (.48**), experiências similares à arte (.44**) e o processamento de
emoções negativas através do jogo (.45**). Houve uma correlação negativa média (-.37**) entre
desenvolvimento de empatia e jogar com personagens similares a si mesmo. Quanto mais os
jogadores relatavam terem jogado com personagens diferentes de si mesmos, mais eles reportavam
terem desenvolvido habilidades de empatia, um pouco mais de um terço dos participantes relatou
que ocasionalmente comparava suas próprias ações com as de seus personagens (m=3,2, s=0,9).

4.5 Comparados com outros

As oito sessões do estudo consistiram em uma série de questões de autoavaliação, na qual


os participantes comparavam si mesmos a um mundo imaginário contemporâneo não-
interpretativo em uma escala Likert de cinco etapas. Os participantes foram solicitados a classificar
a si mesmos nas seguintes áreas: imaginação, interesse no mundo e seus fenômenos, habilidades
sociais, habilidades de grupo, habilidades de resolução de problemas, empatia, criatividade,

208
tendência a introspecção, interesse em cultura e finalmente tempo livre para leitura. Explicações
para os temos e conceitos foram incluídos quando houve necessidade, sendo que as palavras na
escala Likert foram alteradas de acordo com cada questão.
Para aliviar alguns dos problemas inerentes em questionários de autoavaliação (Dunning,
Heath & Suls 2004, Sundström, 2005) um grupo de controle (N=119) foi utilizado. O grupo de
controle foi escolhido de quatro corais estudantis na Universidade de Helsinki e a pesquisa foi
conduzida de uma forma similar à do grupo experimental. Os membros do grupo de controle foram
avisados que estavam participando de um estudo que examinava a autopercepção de grupos com
diferentes formas de lazer, sendo que eles foram liberados para escolher uma variedade de hobbies
das quais participavam. Uma destas opções era o RPG, permitindo então o rastreamento e remoção
de jogadores de RPG ativos (N=13) da amostragem, resultando em um total de 106 participantes
válidos no grupo de controle.
Ocorreram diferenças consideráveis nas variáveis antecedentes entre os dois grupos. A
mais significativa era o gênero: o grupo experimental era composto de 59% de homens e 41% de
mulheres, enquanto que no grupo de controle 21% eram homens e 79% eram mulheres. O grupo
de controle tinha uma porcentagem maior abaixo dos 25 anos que o grupo de experimento (38,7%
comparado com 21,1%) e, consequentemente, uma quantia menor acima dos 30 anos (16%
comparado com 33,5%). Em ambos os grupos uma maioria de exatos 45,3% caia na categoria dos
25-30 anos. Devido ao grupo de controle consistir em membros do coral estudantil, 90,6% dos
participantes possuiam ao menos ensino superior completo, comparado a 75,8% do grupo
experimental.
No grupo experimental a idade e a experiência de com RPG contavam para algumas
pequenas diferenças (p<.05*) nos respondentes relacionados a interesses no mundo. Jogadores na
categoria dos 25-30 anos (m=4,0, s=-,8) categorizaram a si mesmos melhor do que aqueles abaixo
dos 25 anos (m=3,6, s=0,7). O mesmo era verdade para aqueles participantes com mais de 15 anos
de experiência de jogo (m=4,0, s=0,8) e aqueles com menos de 7 (m=3,6, s=0,6). O efeito da idade
não foi encontrado no grupo controle.
O nível educacional não afetou significativamente as respostas no grupo experimental.
Na totalidade o mesmo permaneceu verdadeiro para o grupo controle, embora o teste LSD de
Fisher tenha revelado aqueles participantes com ao menos um Mestrado (m=4,0, s=0,8) vendo a
si mesmos como mais introspectivos (p=.03*) que aqueles com um Bacharel (m=3,6, s=0,9).
Não foi encontrada diferença estatisticamente relevante quanto ao gênero, sendo a única
diferença notável a de que mulheres (m=4,1, s=0,8) viam a si mesmas como mais criativas (t=-
2,3*, df=159) que os homens (m=3,8, s=0,7). No grupo controle houve diferenças de gênero mais

209
significativas com os homens se vendo como mais interessados no mundo (t=2,9**, df=104) assim
como mais habilidosos em resolver problemas (t=2,3*, df=104). Como uma regra geral
participantes de ambos os grupos se classificavam como na média ou acima da média em todas as
áreas. Jogadores de RPG (m=4,3, s=0,7) viam a si mesmos como tendo uma imaginação muito
mais rica (t=-.4,7***, df=265) do que a dos não-jogadores (m=3,9, s=0,8). Atividades de tempo
livre foi muito maior (t=-5,5***, df=265) em jogadores (m=3,8, s=1,0) do que em grupos de
controle (m=3,2, s=1,0). Houve uma fraca (.25**) correlação positiva entre imaginação e
atividades de leitura. Uma terceira diferença estatisticamente relevante foi encontrada na visão dos
participantes em suas habilidades sociais. Não-jogadores (m=3,6, s=0,8) tiveram uma visão maior
de suas habilidades sociais (t=2,8**, df=265) do que jogadores (m=3,3, s=0,9).

4.6 Em suas próprias palavras

A sessão final dos estudos consistiu de duas questões abertas, uma perguntando ao
participante para avaliar o impacto positivo do RPG na sua vida e uma do negativo. A primeira
questão acumulou 121 respostas e a segunda 80. Abaixo estão listados os aspectos mais comuns
mencionados junto com algumas citações:

Impactos Positivos

De longe o aspecto positivo mais comum mencionado foi o efeito do RPG nas relações
interpessoais, como novas amizades e círculos sociais maiores. Isso foi mencionado em 77
respostas diferentes.

“Quando eu encontrei meus primeiros parceiros de jogo, aos 16 anos, eu senti como se
eu estivesse em casa. As mesmas pessoas ainda estão presentes na minha vida”. Mulher,
25-30.

“Se eu considerar o fato de que cada relacionamento significativo que eu tive desde o
ensino fundamental está conectado ao RPG, incluindo aquele com meu parceiro, eu diria
que o efeito é imensurável”. Mulher, mais de 30 anos.

Melhoras nas habilidades sociais foram explicitamente mencionadas 23 vezes. Quatro


participantes relataram especificamente ter superado dificuldades sociais.

210
“Encontrar pessoas legais. Experimentar de formas seguras novos papéis sociais. Jogar
ao vivo aumentou minha coragem”. Mulher, abaixo de 25.

18 participantes relataram desenvolvimento de empatia, a habilidade de pegar o ponto de vista de


outro ou assumir o papel de outro.

“Eu ensinei a mim mesmo a me relacionar com os outros ao tentar ver a vida de diferentes
pontos de vista. Eu acredito que é por isso que eu não sou totalmente antipático hoje em
dia”. Homem, acima dos 30.

“Muito. Minha habilidade em examinar as coisas sob diferentes pontos de vista aumentou,
assim como a habilidade de conscientemente assumir um certo status ou papel e pensar
nas possibilidades de afetar os outros. Por exemplo superar sentimentos de insegurança
em uma entrevista de emprego ao me distanciar de mim mesmo e da minha insegurança”.
Homem, acima dos 30.

Construção de identidade, desenvolvimento mental e aumento da auto-percepção foram


mencionados 17 vezes.

“Eu acredito que eu estaria preso em muitas formas comigo mesmo, se eu não tivesse
encontrado o canal certo para liberar toda aquela energia interna. Os círculos de RPG e
outras pessoas com mentalidade similar me ajudaram a superar feridas causadas pelo
bullying. Achar meu próprio lugar reforçou o sentimento de estima, assim como o
sentimento de ser bom em algo”. Mulher, 25-30.

Os efeitos do RPG na imaginação, criatividade e auto expressão foram especificados em 13


respostas.

“Os jogos de RPG me ofereceram uma arena adequada e voluntaria para diversos projetos
criativos, que poderiam ter permanecidos escondidos de outra forma. Isto teve um grande
efeito positivo em mim como pessoa. Tem sido muito melhor jogar e desenvolver jogos
de RPG do que poderia ter sido escrever por anos para o desenhista ou tomar parte em
atividades culturais mais institucionalizadas (teatro amador, etc…)”. Homem, 25-30.

Houve uma variedade de outros temas mencionados, tais como uma fuga da realidade,
melhoramento na habilidade de improvisação, relaxamento e se divertir, melhoria nas habilidades
linguísticas e conhecimentos gerais.

211
Impactos Negativos

O efeito negativo mais comum mencionado foi o consumo de tempo, que foi levantado
29 vezes.

“Isto consome uma quantidade atroz de tempo. Eu por vezes deixei de fazer tarefas
escolares para escrever jogos de RPG”. Homem, 25-30

“Eu poderia fazer o papel de advogado do diabo e dizer que eu gastei muito tempo com
os jogos comparado à minhas outras atividades sociais/ talvez todo o resto”. Homem,
abaixo de 25.

O segundo aspecto negativo mais comum foi a estigmatização e a necessidade de explicar


o RPG para não-jogadores. Isto foi mencionado 18 vezes.

“Não são todas as pessoas que conseguem entender o conceito do RPG, mas ao invés
fazem piada sobre sair vestindo uma capa feita de lençol. Eu não trago mais o RPG em
minhas primeiras conversas”. Homem, abaixo de 25.

“O bullying já havia começado antes dos jogos, mas assim que o RPG (interpretação de
papéis ao vivo) tornou-se de conhecimento de todos, apenas serviu para jogar lenha na
fogueira”. Homem, mais de 30.

Um consistente grupo de natureza elitista na comunidade de jogadores foi criticada em


16 respostas.

“As características de comunidade e “cena” no RPG incluem fenômenos que eu considero


negativos em algum nível. Por exemplo, nos RPGs o modo escapista de lidar com
problemas não se refere ao mundo fictício, mas à comunidade auto-regulada separada dos
“mundanos” [não jogadores], onde as pessoas escapam dos problemas para os quais não
têm capacidade de resolver em uma comunidade mais mundana. Por causa disso, RPGs
por vezes se tornam desnecessariamente importantes e sérios: eles estão carregados de
investimento social que poderia ser investido mais sabiamente em outros círculos
cotidianos”. Homem, 25-30.

“O RPG é um lazer muito voltado para dentro - o que eu quero dizer é que eles não
promovem o olhar para fora. Eu acredito que você pode ver em muitos jogadores a

212
tendência de focar intensamente apenas na sua própria cultura de RPG”. Homem, acima
dos 30.

Sete dos participantes mencionaram a diluição ou esquiva da realidade ou o escoamento


de sentimentos negativos dos jogos na vida cotidiana.

“Nos meus períodos mais intensos de jogo, eu tive momentos nos quais eu estava tão
imersa nas vidas dos personagens e no mundo de jogo que esses fatores começaram a
impedir a assim chamada vida real (estudos, relacionamentos, etc.). Por vezes foi até
difícil fazer distinções entre mim e o personagem - dessa forma pode ser pensado que o
RPG sempre foi um problema na minha juventude - quando eu estava olhando para mim
mesmo e para minha identidade”. Mulher, 25-30.

Os participantes também levantaram a perda de dinheiro, comportamentos inapropriados


pelos outros jogadores assim como a tensão causada nas amizades pelos jogos.

5. DISCUSSÃO

Várias coisas devem ser consideradas ao ver os resultados do estudo. Enquanto um


questionário online é um método rápido de recolher uma amostragem grande, também pode
resultar em respostas rápidas e não pensadas respondidas pelos participantes. Possíveis enganos
também são muito difíceis de controlar, visto que não havia como os participantes esclarecerem
definições ou obterem mais informações, nem como o pesquisador fazer mais questões. O
questionário incluía diversos conceitos complexos, tais como empatia, resolução de problemas e
habilidades de grupo e, ainda que explicações para os termos fossem oferecidas, houve uma
variedade de interpretações.
O método de amostragem traz outro problema, o de generalização. Enquanto o método
de bola de neve garantia a participação de diversos jogadores ativos e de longa data capazes de
analisar suas relações com o RPG, também limitava severamente os resultados em termos de
generalização. A falta de generalização, entretanto, não impede o estudo de prover um
discernimento sobre o fenômeno pesquisado ou de preparar solo para futuras pesquisas.
Um terceiro risco está nos próprios participantes. O pesquisador nunca sabe se as
respostas obtidas são honestas ou enviesadas, sendo razoável assumir que alguns participantes
podem adivinhar as razões do estudo e prover respostas socialmente desejáveis e “corretas”. Isto
não é visto como um problema significativo, entretanto, já que o estudo é mais um questionário
exploratório sobre atitudes e pontos de vista do que uma tentativa de, por exemplo, construir uma

213
imagem precisa do típico jogador de RPG. Pela mesma razão sugerir causalidade direta nos
resultados foi evitado em favor de correlacionar os escores e a especulação.
Tanto a teoria quanto os resultados do questionário sugerem uma conexão entre o RPG e
inteligência empática como definida por Arnold. De acordo com os resultados, houve uma
significativa sobreposição das ações e comunidades descritas na teoria de Arnold e aquelas
percebidas pelos participantes. Narrativas, empatia, engajamento e atividades tanto inter e intra-
subjetivas apareceram como partes integrais de jogar RPG, com participantes relatando
amplamente o aumento das habilidades de grupo e um desenvolvimento mental e social positivos,
em acordo com o que Arnold sugere que a condução de inteligência empática deveria produzir.
Estas descobertas, combinadas com pesquisas anteriores (Bowman, 2010; Karwowski &
Koszynskim, 2008; Piippo, 2010; Simkins & Steinkuehler, 2008) sugerem que os RPGs oferecem
ferramentas e um ambiente adequado para desenvolver interações positivas e habilidades de grupo
– ambas importantes elementos da inteligência empática.
O desenvolvimento de habilidades de empatia percebidas foi aparente nos resultados, com
mais da metade de todos os participantes percebendo o RPG como tendo aumentado diretamente
suas habilidades de empatia em alguma quantidade. A conexão positiva entre jogar RPG e
desenvolvimento de empatia foi observada em estudos prévios (Poorman, 2002), reforçando este
resultado. A imaginação e a criatividade que Arnold lista como fatores chave em empatia foram
ambas percebidas como tendo sido desenvolvidas através do RPG por 70% dos participantes. O
grupo de participantes jogava tipicamente com personagens significativamente diferentes de si
mesmo no dia-a-dia em termos de personalidade, visão de mundo, moral ou gênero. Mais da
metade dos participantes evitavam jogar com personagens similares a si mesmos. Ao invés, os
jogos serviam como uma plataforma para explorar regras sociais e traços de personalidade. Isto
está de acordo com Simkins & Steinkuehler (2008, p. 352), que afirmam que

RPGs, mesmo os jogos violentos com temas sombrios e transgressores, como


vampiros e assassinos, podem prover um simulador de espaços sociais na qual se
pode interpretar várias formas de se estar no mundo. Também pode ser que
interpretar tais papéis, incluindo aqueles que nós nunca consideraríamos tomar
no mundo real, tem o potencial não apenas para promover uma grande empatia,
tolerância e compreensão dos outros, mas também de nos ajudar a refletir
criticamente sobre quem queremos ser para os outros e sobre como temos o poder
e a responsabilidade em todos os papéis que desempenhamos em nossas vidas.

Eventos dentro do jogo são uma fonte comum de emoções intensas positivas e negativas,
sugerindo a importância do jogo para os jogadores. É possível deduzir por essas respostas que os
RPGs oferecem um espaço para aquilo que Arnold menciona como talvez o aspecto mais

214
importante das narrativas e da imaginação: um entendimento profundo do mundo através do
cruzamento das barreiras da vida cotidiana. Entretanto, uma diferença significativa no
investimento emocional nos jogos existe. Alguns participantes foram, de forma consistente, com
mais frequência tocados emocionalmente do que outros, sendo isso especialmente prevalente nas
mulheres.
Os resultados também mostraram uma conexão entre RPG e arte, sugerindo a
legitimidade do uso de ferramentas utilizadas no estudo de artes e de filosofia da arte no estudo de
RPGs, assim como interpretanto o RPG como algo ao menos similar à arte em relação a teoria de
Arnold, especialmente no que concerne a experiências emocionais. Isso sugere que o potencial
para reflexão que Arnold vê na arte também está presente nos RPGs. Experiências emocionais
eliciadas pelos jogos foram ao menos ocasionalmente visualizada mentalmente por mais da metade
dos participantes, sendo que mais de 60% relataram terem sido capazes ao menos ocasionalmente
de examinar suas próprias emoções através do RPG. Embora em quantidades variáveis,
experiências significativas como descritas por Arnold e Harding (2007) aparentam surgir nos
RPGs. Este resultado encontra suporte de Henriksen (2006) que vê explicitamente os jogos de
RPG como uma potencial ferramenta de reflexão. Existe uma conexão importante com a pesquisa
realizada por Kross, Ayduk & Mischel (2005), na qual foi descoberto que uma perspectiva de
afastamento de si mesmo foi a chave para processar e refletir friamente sobre as emoções
negativas, enquanto que uma perspectiva imersa em si mesmo aumentava o risco de crescimento
da angústia. De acordo com os resultados do presente estudo, a reflexão não é automaticamente
ou inevitavelmente eliciada pelo RPG, entretanto, sendo que aquela verdadeira introspecção
trazida pelos jogos aparenta ser uma ocorrência bem rara.
O estudo mostra a comunidade como uma parte importante do RPG como lazer.
Resultados similares foram encontrados em estudos prévios (e.g. Fine 1983, Leppälahti 2002,
Piippo, 2010). Os participantes identificavam a si mesmos como jogadores prontamente e a
comunidade do RPG foi trazida nas questões abertas repetidamente, tanto em comentários
positivos e negativos. Isto sugere que a comunidade do RPG como descrita pelos participantes vai
de encontro ao conceito de Arnold de uma comunidade provendo vida com significado e eliciando
apego e comprometimento tanto racional quanto emocional. Os comentários negativos falavam de
tal comprometimento também. Os aspectos negativos da comunidade do RPG foram previamente
notados por Fine (1983), Lehrich (2005) e Kim (2010), que relataram resultados similares àqueles
expressados pelos participantes no presente estudo.
Os resultados do estudo combinados com teorias existentes sugerem uma potencial forte
conexão entre desenvolvimento de empatia e o RPG. Os elementos de empatia que Arnold lista –

215
reflexão, comunidade, imaginação e interpretação – mostram-se presentes, sendo que tal posição
é apoiada pelas respostas abertas que mencionam explicitamente o desenvolvimento de empatia e
imaginação. Baseado neste estudo, os RPGs tem o potencial para melhorar o desenvolvimento de
empatia dos praticantes. Como potencial de reflexão, deve-se se ter em mente que as habilidades
de empatia não são resultado direto do RPG, mas sim que esse tipo de lazer parece prover um
ambiente rico para seu desenvolvimento efetivo e saudável. Novamente, isto corresponde com
estudos e pesquisas anteriores. O estudo de Poorman (2002) mostrou o desenvolvimento de
empatia como um resultado do jogar RPG, os jogadores entrevistados por Piippo (2010)
levantaram desenvolvimento de empatia como o efeito mais positivo do RPG e, por exemplo, tanto
Harder (2007) quanto Pitkänen (2008) notaram o potencial do RPG para ensinar habilidades
sociais e empáticas. Simkins e Steinkuehler (2008) atestam que RPGs são espaços potencialmente
poderosos para praticar e desenvolver habilidades de racionalização ética crítica, que é outro
importante elemento do desenvolvimento de empatia. Há, claro, diversas dificuldades na
afirmação de uma conexão entre a percepção pessoal de desenvolvimento de empatia e a
interpretação de papéis. Existem várias definições para empatia e pesquisas anteriores são por
vezes conflitantes (Stepien & Baernstein, 2006). Além disso existe a falta de confiabilidade nas
auto-avaliações, especialmente no caso de conceitos muito abstratos (Dunning, Heath & Suls,
2004).
Os resultados também sugeriam que baseado em teorias existentes e na auto avaliação de
jogadores ativos, o RPG oferece uma boa plataforma para desenvolver inteligência empática, tal
como descrita por Roslyn Arnold. Devido às dificuldades para mensurar a inteligência empática
como um todo, tal afirmação é fundamentada ao se descobrir, nas teorias e na visão dos
participantes sobre RPG, a maioria das qualidades vistas por Arnold como essenciais para a
inteligência empática e o seu desenvolvimento. Esta conclusão foi alcançada apesar de se levar em
conta criticas que podem ser niveladas como aspectos individuais do estudo, como a construção
do questionário ou a validade da auto-avaliação, embora estes devam ser levados em conta e
mencionados ao se elaborar e conduzir novas pesquisas.
O estudo também esclareceu sobre a percepção dos jogadores, assim como na visão geral
deles acerca do RPG. Ambos os aspectos da dualidade do RPG, como um jogo e como um evento
social, são importantes. As redes sociais sobre o tema que estão crescendo são vistas como uma
parte importante do RPG, ainda que em uma sessão de jogo individual a importância enfatizada
do conteúdo do jogo se torne aparente. Isto aparentemente sugere grandes variações na forma com
que o RPG é visto. Para um grupo os jogos são primeiramente e principalmente sobre o conteúdo,
para um grupo menor é o evento social que importa mais. Para a maioria, é uma combinação dos

216
dois. Não foi encontrado variação de contexto no que tange à diferença de preferências. Uma
explicação possível e uma variável não explorada neste estudo foi se um participante geralmente
joga RPG de mesa ou de ação ao vivo. A dinâmica social em um jogo típico de mesa com 3-5
participantes difere significativamente daquela de um grupo de live-action com dezenas ou até
mesmo centenas de participantes, o que pode ser relevante, ao menos em parte, para a preferência
entre o conteúdo ou a função social do jogo.
O RPG como um todo é concebido de forma muito positiva. Isso é corroborado pela
tendência dos participantes de verem a si mesmos como pertencentes a uma subcultura ou
comunidade de jogadores, mesmo se quase metade dos participantes relataram jogar RPG apenas
uma vez por mês ou menos. A visão positiva se extende para os jogadores também. Ao contrário
dos estereótipos comuns (Curran, 2010; Leppälahti, 2002) os jogadores aparentam ter uma imagem
pessoal bem positiva, vendo a si mesmos como criativos, empáticos e imaginativos. Isto é
consistente com as descobertas de Curran (2010) ao revisar estudos anteriores. Existem diversos
problemas com auto-avaliações e a sua precisão foi colocada em questão com resultados
conflitantes. (Dunning, Heath & Suls, 2004; Sundström, 2005). Entretanto, mesmo se jogadores
realmente superestimassem suas habilidades sociais e mentais, isto seria por si só um indicador da
imagem pessoal positiva, que, por sua vez, eles parecem atribuir amplamente ao RPG. Se esta
imagem pessoal positiva é realista é uma questão totalmente diferente que requer pesquisas mais
aprofundadas. Quando comparada com os dados providos pelo grupo de controle, diferenças
significativas apareceram. Jogadores viam a si mesmos como muito mais imaginativos do que seus
colegas do grupo de controle. Eles também apresentavam uma tendência a leitura como uma forte
fonte de lazer. A baixa correlação entre os dois sugere que a leitura não implica diretamente em
uma imaginação rica.
Resultados positivos sobre o uso do RPG como um veículo para o desenvolvimento da
criatividade e da imaginação existiram (Karwowski & Soszynski 2008) e a imaginação dos
jogadores merece estudos aprofundados. Enquanto jogadores geralmente se vêem como tendo
habilidades sociais normais ou acima da média, houve uma notável diferença nas avaliações mais
baixas quando comparadas ao grupo controle. Se esse resultado indica indivíduos com poucas
habilidades sociais que escolheram jogar RPG, ou habilidades sociais inexistentes sendo
desenvolvidas para um nível melhor (ainda que baixo) ou que o RPG distancia alguns jogadores
do funcionamento social cotidiano é outra questão para estudo. É aparente, entretanto, que o
estereótipo dos jogadores de RPG terem uma falta de habilidades sociais (Bowman, 2010;
Leppälahti, 2002) não é completamente fictício.

217
Como uma descoberta terciária, houve uma notável diferença de gêneros, especialmente
em relação a respostas emocionais trazidas pela interpretação de papéis. Mulheres relataram que
eventos dentro do jogo causaram emoções negativas mais frequentemente do que homens, um
resultado alinhado com pesquisas prévias (Simon & Nath, 2004) que mostrou as mulheres
relataram sentimentos negativos mais frequentemente do que os homens. Mulheres também
relataram lidar mais frequentemente com seus sentimentos negativos no ambiente seguro oferecido
pelo RPG. Também foi muito mais comum as mulheres refletirem sobre os eventos dentro do jogo
e sobre as suas emoções, além de processar suas emoções através dos jogos.

6.CONCLUSÃO

Há forte indicativo acerca da potencialidade dos RPGs propiciarem efeitos positivos no


desenvolvimento de habilidades intra e intersubjetivas, baseada em pesquisas empíricas, teoria e
experiência pessoal. Ainda assim, potencialidade não é igual a desenvolvimento real. Se há o
desejo de usar os RPGs como um instrumento para desenvolvimento social, mental ou emocional,
serão necessários o planejamento cuidadoso e o uso hábil do instrumento. A interpretação de
papéis tem sido usada no ensino e em diferentes formas de terapia, sendo óbvio seu potencial em
cultivar habilidades necessárias para construção comunitária e desenvolvimento de conduta social.
Esse estudo também indica que os jogadores levam a sério o RPG. Jogos frequentemente
não são apenas jogos, mas, também, eventos sociais importantes e válvulas de pressão mental. Este
estudo é outro, dentre vários, a criticar o argumento de que jogos seriam “apenas jogos” e defende
que os jogos em suas mais variadas formas são formas importantes de cultura. Quando os RPGs
são vistos nesse contexto, a importância de futuras pesquisas sobre a experiência de interpretação
de papéis e seus possíveis efeitos nos jogadores, sejam positivos ou negativos (por exemplo
Meriläinen, 2011; Montola, 2010), tornam-se aparentes.
Há, claramente, vários aspectos da interpretação de papéis que requerem mais pesquisa –
a comunidade, as diferenças de gênero, a experiência de jogo e a auto-imagem do jogador são
algumas. Um dos objetivos deste estudo foi servir como fundamento e abertura, provendo novas
descobertas e, em retorno, provocando novas questões, ainda que ele tenha algumas falhas. Na
medida em que a pesquisa sobre interpretação de papéis for se tornando mais sistemática e ampla,
mais informações reais de pesquisa entram num campo ainda amplamente influenciado por
opiniões e suposições pessoais e, finalmente, uma sólida tradição de pesquisa se desenvolverá.

218
7.AGRADECIMENTOS

Eu gostaria de agradecer Drs. Arto Kallioniemi e Erkki Komulainen pela assistência


durante o processo de pesquisa, assim como meu orientador de tese Dr. Markku Hannula.

8.REFERÊNCIAS

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LARPS
CAFUNDÓS

Um jogo narrativo sobre conflitos, religiosidade e sincretismo

por Tadeu Rodrigues89

INTRODUÇÃO
“Sempre tive muitas vozes dentro da minha cabeça, só aprendi a ouvir elas. Elas dizem as
coisas que tenho que fazer”. – Nhô João, filme Cafudó

CafundóS é um larp, um jogo narrativo onde “as pessoas relacionam-se umas com as
outras, através de seus personagens, em um ambiente ficcional”, conforme apontaria o Manifesto
Dogma 99. Além da ausência de roteiro, a ausência de platéia também é uma característica dessa
forma de arte, que preza pela vivência, e não pela audiência. Todos participam igualmente da
experiência, não havendo local para o espectador passivo, de maneira espontânea.
CafundóS se passa dentro da mente de uma pessoa inspirada (porém não enclausurada) na
personalidade de João de Camargo. Nele, os jogadores deverão dialogar sobre os assuntos
propostos, atuando e desempenhando seus personagens, com o intuito de atingir seus objetivos
pessoais. Perder ou ganhar, não está em jogo. Aqui, se busca a vivência.
Mas quem foi João de Camargo? João de Camargo (Sarapuí, 1858 – Sorocaba, 1942) foi
um religioso brasileiro, também considerado santo popular, milagreiro e preto-velho. Fundou, em
Sorocaba (interior de São Paulo) a Igreja do Bom Jesus do Bonfim das Águas Vermelhas. Nasceu
escravo e, depois de liberto, foi cozinheiro, militar, trabalhador de lavoura e de olarias antes de ter
uma visão que, além de lhe curar do vício da bebida, o impeliu a criar uma religião fundamentada
tanto na religiosidade africana quanto no cristianismo. Foi também fundador do Grupo Musical
São Luís, um grupo carnavalesco.
Sendo assim, esse jogo propõe a vivência de um dos personagens interpretando essa figura
(ou algúem inspirado nessa figura, melhor dizendo), relacionando-se com os outros personagens,
que representam as entidades (ou aspectos da psique) que habitam a mente desse indivíduo.

89
Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba, membro do grupo de pesquisa em Narrativas
Midiáticas, UNISO, Sorocaba, SP, tadeu.rodrigues@edu.uniso.br

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CafundóS é sobre conflitos, sejam eles internos ou externos. Pretende-se aqui abordar a
multiplicidade, muitas vezes antagônica, de objetivos e intenções que temos em nossas vidas,
assim como os diferentes nortes a que somos apontados, seja por meio de nossas próprias
conclusões, seja pela figura daqueles que nos aconselham ao longo de nossa jornada.
Esse larp não é sobre religião, mas sim sobre religiosidade. Não existe a pretensão, ou a
intenção, de debater ou ofender crenças religiosas. A ideia é explorar o imaginário relacionado a
essas crenças, assim como a visão de cada participante sobre os temas abordados.
Outra ideia abordada nesse jogo é o sincretismo, seja ele através da temática do sincretismo
religioso presente na personalidade que o inspirou, seja no sincretismo das ideias vindas de
diferentes fontes, seja ainda no sincretismo entre as visões dos jogadores junto à vivência dessa
experiência proposta. Por último, CafundóS propõe ainda o sincretismo entre diferentes linguagens
artísticas, como será proposto no decorrer desse roteiro.

Preparação
A primeira coisa que será necessária são pessoas dispostas a viver a experiência proposta.
Recomenda-se um número de participantes oscilando entre 3 e 7 jogadores. Além disso, um local
com relativa privacidade e tranquilidade faz-se necessário para que o jogo ocorra com o mínimo
de interferência externa possível. Um quarto isolado, com tamanho suficiente para comportar todos
os participantes, já está de bom tamanho. Embora não sejam obrigatórias, peças de mobília (como
mesas e cadeiras) são bem-vindas.

1º Passo: os objetivos
Aqui, cada jogador escreve em um pedaço de papel um objetivo que gostaria de abordar
no jogo, algo para que o personagem faça, ou deixe de fazer. Não se preocupe com críticas, mas
tenha em mente que a proposta deve ser o mais plausível possível. Todos dobram seus papéis e
depositam em um local, misturados com os dos outros jogadores.
Ex.: parar de fumar, ficar embriagado, conhecer o amor de sua vida, concluir os estudos,
aprender mais sobre si mesmo.

2º Passo: os personagens
Nessa etapa, cada personagem recebe, de maneira aleatória, um personagem dentre os
descritos adiante. Esses personagens de maneira alguma devem ser vistos como “camisas de
força”, restringindo a criatividade dos participantes, mas sim servem de proposições para o papel
que cada um desempenhará. Cada um deles terá alguns minutos para ler e revisitar sua memória

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em busca de inspirações para o papel proposto. Se os participantes dirão uns aos outros quais são
seus personagens ou não, cabe a eles.
3º Passo: o sorteio
Cada participante retira então, de maneira aleatória, um dos objetivos previamente escrito.
Embora durante o jogo esses objetivos possam ser percebidos pelos outros jogadores, é importante
que nesse momento o resultado do sorteio fique em segredo. Após uma pausa para refletirem sobre
os objetivos que nortearão seus personagens, o jogador que interpreta o personagem “Nhô João”
se posiciona no centro do ambiente de jogo, e então ele começa. A proposta é que a experiência
dure cerca de 3 horas, quando então o jogo termina (um alarme para indicar esse término é
altamente indicado).
Obs.: apenas o personagem “Nhô João” tem um objetivo para ele mesmo concluir. Os
outros personagens podem canalizar seus objetivos para serem efetivados pelo personagem que
interpreta o “Nhô João”. Por exemplo, se algum jogador que controla uma entidade tirou um
objetivo onde está escrito “quero deixar de ser motivo de riso”, ele pode tanto tentar influenciar o
“Nhô João” a fazer com que a entidade seja mais respeitada quanto ele próprio.

Personagens
Os personagens propostos estão descritos abaixo, em linhas gerais, devindo servir apenas
para apontar a direção da interpretação de cada um. Em caso inferior a 7 jogadores, deverá ser
sorteado de maneira aleatória quais entidades participarão do jogo antes da distribuição dos
personagens. O personagem “Nhô João” é obrigatório.
NHÔ JOÃO – o herói, a pessoa-chave com quem as entidades se relacionam, lida com a
busca de uma transcedência. Termos-chave para interpretação: receptivo, reflexivo e
conturbado.
PRETO-VELHO – o mentor, entidade que busca auxiliar aqueles que se relacionam com
ela, atuando como intermediário com os deuses. Termos-chave para interpretação: conselheiro,
sábio e espirituoso.

MONSENHOR – o guardião de limiar, entidade que busca julgar a dignidade dos que com
ela se relacionam. Termos-chave para interpretação: tradicionalista, complacente e conselheiro.

IBEJI – o arauto, entidade que propõe lançar aqueles que se relacionam com ela à novos
desafios, buscando mudança. Termos-chave para interpretação: inocente, perseverante e
esperançoso.

225
CIGANA – o camaleão, entidade que busca servir de contraponto para quem se relaciona
com ela, mudando sua posição de acordo com a necessidade. Termos-chave para interpretação:
visionária, ácida e inconstante.

EXÚ – a sombra, entidade que representa tudo aquilo que quem se relaciona com ela
renuncia, tudo aquilo que não se gosta ou não se admite. Termos-chave para interpretação:
ardiloso, severo e autoritário.

POMBA-GIRA – o pícaro, entidade que busca pregar peças àqueles que se relacionam
com ela, buscando mudanças. Termos-chave para interpretação: traiçoeira, extravagante e
sedutora.

Convidados
Uma das propostas de CafundóS é o diálogo com outras expressões artísticas, como
descrito anteriormente. Essa mecânica se dá através do que é chamado de “Convidados”. Ao
propor a experiência, o propositor poderá convidar outros participantes, além dos jogadores
previamente discutidos, para participarem do jogo. Esses participarão às margens do larp, podendo
ocorrer de duas maneiras:
• Documentador: esse convidado imagina-se sendo o “Nhô João”, porém no final
de sua vida, quando resolve escrever uma biografia. Esse participante deverá se
colocar nos limites do ambiente de jogo, e escrever de fato um texto, surgindo tanto
de sua criatividade, conhecimento e visões de mundo quanto de suas memórias.
Nesse contexto, o Documentador deverá entender que tudo que ocorre no jogo que
desdobra ao seu redor são suas memórias, aflorando enquanto escreve o texto.
• Médium: artista convidado para criar uma obra enquanto o larp ocorre. Para isso,
ele deverá imaginar-se um médium, incorporando o que experiencia do jogo que
acontece ao seu redor como uma influência espiritual. A peça artistica poderá ser
apresentada durante ou depois do larp (músicos podem tanto improvisar ao vivo
quanto apresentar sua composição ao término do jogo, por exemplo),
representando sua leitura, através da expressão artística de sua expertise, do jogo.
IMPORTANTE: os Convidados não devem interagir com os personagens. Não é
recomendado mais de um Documentador, embora vários Médiuns possam ser convidados.

Regras
1ª Não saia do personagem. Durante toda a experiência, é vital que permaneça no
personagem. Se tem algo que precisa falar com alguém fora de jogo, assegure-se de falar antes do

226
início, ou aguarde o término. Esse jogo busca uma imersão no personagem e nas narrativas que se
desdobram, e o comprometimento e engajamento dos jogadores é vital para que isso ocorra.
2ª Geas. Caso precise, ou queira, fazer algo não envolvido com a narrativa (como ir ao
banheiro, por exemplo), o jogador deverá deixar algum tipo de obrigação para que algum outro
participante cumpra antes que ele possa voltar ao jogo. Ele poderá voltar ao ambiente de jogo antes
disso ocorrer, mas só poderá voltar a interagir com os outros jogadores quando o geas for
cumprido. Exemplos: deixar um copo de café e aguardar que ele seja bebido, pedir para que alguém
grite seu nome 3 vezes antes dele voltar. É importante que fique claro que tal tarefa é um geas,
devendo ser explicitado pelo jogador. “Se você quiser que eu volte, deverá acender essa vela” é
um exemplo de geas proferido por um jogador.
3ª Tudo é diegético. Nada no ambiente de jogo “não existe”. Se uma cadeira está na sala,
ela está presente no jogo também. De maneira análoga, nada que não estiver fisicamente no jogo
poderá existir na narrativa. Em outras palavras, você só pode oferecer café para alguém se houver
café no ambiente de jogo. Sendo assim, aconselha-se a usar e abusar de “props”, ou elementos de
cenário. Pela temática proposta, sugerem-se velas, papéis, café, imagens religiosas, música
ambiente (podendo ser substituída por uma apresentação de um convidado músico) e, caso não
existirem impedimentos legais ou ideológicos, cigarros, cachimbos, charutos e aguardente, todos
elementos fortemente ligados ao imaginário da temática proposta, mas de maneira alguma
obrigatórios.
IMPORTANTE: Por uma questão de segurança e cordialidade, considera-se que os
convidados (assim como quaisquer utensílios que portem) NÃO ESTÃO no ambiente de jogo.

Inspirações
Para auxiliar a colocar todos no clima, seguem indicações de obras que serviram para
compor esse jogo que tem em mãos.

227
BIBLIOGRAFIA

Jornada do escritor (2006), de Christopher Vogler. Uma boa orientação sobre o papel dos
arquétipos numa obra artística.
Discografia
Hexerei im Zwielicht der Finsternis (1995), da banda Aghast. O clima etéreo é
convidativo para servir de fundo musical ao jogo.
Le Grand Macabre (1974-1977), ópera de György Ligeti. O desconforto gerado por essa
obra é bem-vindo para deixar os jogadores incomodados durante a experiência.
Filmografia
Santo Forte (1999), dir. Eduardo Coutinho. Apresenta uma série de entrevistas com
pessoas relacionadas com a religiosidade aqui abordada.
Cafundó (2005), dir. Clóvis Bueno e Paulo Betti. O filme retrata a vida de João de
Camargo.

LUDOGRAFIA

Boa noite, queridinhas, por Matthijs Holter. A ideia de um personagem se relacionando


com os outros é presente nesse larp. Disponível em:
<https://docs.google.com/file/d/0B2BJxH5BKqR3ODVkamZnSm5JV0E/edit?usp=sharing>.
Ouça no volume máximo, por Luiz Prado. Larp sobre memórias, e com uma aproximação
muito forte com outras manifestações artísticas. Disponível em:
<https://drive.google.com/file/d/0B0YMqagc-wSaNHVTMXBkek9ackE/edit?usp=sharing>.

228
BRASIL, 1759.
Rafael Carneiro Vasques90

Quantidade de participantes: 13.


Tempo de duração: 1-2 horas (o tempo de duração pode ser encurtado ou expandido conforme o
interesse, a disponibilidade e a disposição dos participantes).

RESUMO

Brasil – 1759 é um larp que aborda as consequências do Tratado de Madri na definição da


ocupação espacial das colônias portuguesas e espanholas. O governo português exige que as
missões jesuítas sejam expulsas de suas recentes terras coloniais na América e o Vaticano envia
um missionário para decidir qual será a posição oficial da Igreja Católica: retirada ou manutenção
dos jesuítas nestes territórios. Após ouvir colonos, administradores e jesuítas, uma decisão deve
ser tomada. Este larp enfoca nos debates e argumentações entre as duas partes envolvidas
(administradores e jesuítas) no convencimento do emissário papal.

O TRATADO DE MADRID

Após décadas de desrespeito ao Tratado de Tordesilhas por ambas as partes, Portugal e Espanha
elaboraram o Tratado de Madrid, que visou definir os limites das colônias sul-americanas baseadas
no princípio do direito romano uti possedetis, ita possedeatis (quem possui de fato, deve possuir
de direito). Desta forma, em 13 de janeiro de 1750, definiram-se as terras portuguesas e espanholas
na América do Sul a partir dos povoamentos já existentes.
No Sul do que conhecemos hoje como Brasil (Rio Grande do Sul), existiam os Sete Povos das
Missões, que é o nome dado aos aldeamentos indígenas fundados pelos Jesuítas espanhóis
compostos pelas reduções de São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São
Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio.
Em 1755, cria-se o “Diretório dos Índios”, no qual a administração dos indígenas passa a ser da
Coroa, não da Igreja.

90
licenciado em Ciências Sociais pela UNESP – Araraquara e mestre em Educação Escolar pela mesma
instituição. E-mail: racarneiro@yahoo.com.br

229
Com o Tratado de Madrid, os Sete Povos das Missões são reconhecidos como portugueses, o que
gera problemas na administração dos territórios, visto que, em 1757, há a decisão da administração
portuguesa em definir certas posturas em relação aos povos indígenas no Sul do Brasil. Sob
orientação do Marquês de Pombal, o secretário do Estado do Reino de Portugal, adotam-se
algumas decisões:
- a proibição do uso das línguas indígenas, inclusive nas aldeias;
- a obrigatoriedade da escola com um mestre para os meninos e outro para as meninas;
- a proibição da nudez e das habitações coletivas;
- a criação de sobrenomes portugueses;
- o incentivo ao processo de mestiçagem e
- a transformação de muitas aldeias em povoações e vilas.

Em 1758 há a proibição da escravidão indígena no território português, porém, escravidão não foi
eliminada na vida prática da Colônia, pois muitos colonos sobreviviam a partir do trabalho escravo
indígena.
Em relação à Igreja Católica, em 9 de Junho de 1537, com a publicação da Bula Sublimis Deus, o
Papa Paulo III declara os índios seres humanos, dotados, por isso, das mesmas qualidades e
defeitos.

A MEDIAÇÃO

O Larp se passa em uma administração portuguesa que recebe o enviado do papa Clemente XIII.
Este enviado decidirá qual a posição da Igreja Católica em relação às missões: os jesuítas devem
continuar no Brasil ou devem voltar à Europa?
A partir do diálogo com as partes, o enviado decidirá qual a posição da Igreja sobre o conflito.
Ocorrerá um sorteio de personagens entre os participantes:

1 enviado de Roma para decidir qual o destino dos Jesuítas;


4 jesuítas que defendem a necessidade da catequização para o fortalecimento da fé cristã que será
um dos pilares do governo português;
4 administradores da colônia portuguesa;
2 colonos que escravizam indígenas e lutam contra a presença dos jesuítas;
1 colono que considera importante que as missões sejam mantidas.
1 cacique indígena.

230
Após o sorteio, os jogadores apresentam seus personagens expondo o que querem contar para os
outros jogadores sobre seus personagens (o jogador pode omitir alguma informação, mas não
mentir sobre o seu personagem).
Após a apresentação de todos, os grupos se separam entre aqueles que são a favor da expulsão dos
jesuítas e aqueles que defendem a manutenção das Missões.
O enviado da igreja chega e se apresenta, convidando um indivíduo de cada um dos lados para que
dialoguem com ele. Enquanto isso, os outros jogadores interagem e buscam convencer os
personagens dos outros grupos. Após todos os 12 personagens dialogarem com o emissário, haverá
um debate público e então o emissário emitirá a posição oficial da Igreja Católica, encerrando,
assim, o Larp.

PERSONAGENS

Giuseppe Bandini (ROMA)


Enviado de Roma para decidir sobre as missões jesuítas, tem simpatia pelo trabalho realizado pelos
jesuítas, mas compreende que as pressões realizadas por Marquês de Pombal (secretário do Reino
de Portugal) não devem ser ignoradas.
Pergunta muito e fala pouco, deverá decidir sobre o futuro do território em questão.
Deve tomar muito cuidado com suas falas, que serão consideradas como a opinião oficial da Igreja.

Rodrigo de Loyola (JESUÍTA)


Órfão criado pelos jesuítas, logo foi enviado para a América para a catequização de indígenas.
Durante muitos anos de sua vida, dedicou-se a torná-los católicos e fazer com que a palavra do
Senhor prospere nestas plagas. Nunca teve uma família senão os jesuítas e, mais recentemente, os
indígenas que ouvem suas palavras. Uma pessoa que dedicará sua vida, se necessário, pelos
jesuítas, pelos indígenas e pelas palavras do Senhor.

Augusto Esteves (JESUÍTA)


Augusto Esteves foi um colono que viveu épocas de luxúria na colônia. Acabou traído pela esposa,
que fugiu com outro homem, e pelos seus capangas, que o espancaram quase até a morte. Acabou
sendo encontrado pelos jesuítas e, desde então, converteu-se às palavras do Senhor e acabou por
se dedicar às missões. Afastado de sua vida pregressa, recusa qualquer possibilidade de luxo, lazer
ou desejos terrenos. Utilizará sua história pregressa como forma de convencer sobre a
possibilidade de conversão e da necessidade em continuar pregando as palavras do Senhor.

231
Alfonso Garcia (JESUÍTA)
Alfonso Garcia recebeu uma educação de extrema qualidade. Refinado, culto e paciente, produz
longas falas com as quais tenta convencer as pessoas sobre seus pontos de vista e a necessidade de
seguir as palavras de Deus. Tenta conciliar a palavra de Deus com os prazeres terrenos. Desta
forma, busca convencer as pessoas sobre a importância em seguir seus desejos a partir das
diretrizes religiosas. Por vezes acaba por distorcer um mandamento ou uma ação humana para que
ela tenha uma força maior de convencimento.

Francesco Ortega (JESUÍTA)


Francesco Ortega é extremamente hábil politicamente. Seus discursos encantaram as cortes
europeias e começou a galgar posições importantes na Igreja Católica. No entanto, uma disputa
política, acabou perdendo espaço nas cortes e foi enviado para a América para provar sua devoção
na árdua tarefa de catequização dos indígenas. Vê a disputa política em questão como uma forma
de se destacar e voltar à Europa.

Maria Rodrigues (ADMINISTRADORA DA COLÔNIA)

Portuguesa que ascendeu política e economicamente na colônia. Cuida da administração


econômica da colônia. Organiza expedições em territórios indígenas e nas missões para conseguir
escravos. Dona de grandes propriedades de terra e uma inimiga declarada dos indígenas, pois os
considera piores do que animais. Astuta, dócil com as palavras e decidida, pretende fazer de tudo
para expulsar os jesuítas destas terras para conseguir expandir suas posses. Percebendo o potencial
intelectual de Marcelo Oliveira, Maria Rodrigues o sustenta e recebe seu apoio em troca. Desta
forma, conseguiu alguém para refletir suas ações e medir as respectivas consequências. Desde
então, não deixa de consultá-lo ao traçar seus planos.

Marcelo Oliveira (ADMINISTRADOR DA COLÔNIA)


Marcelo apresenta-se como o principal nome intelectual da região. Profundo conhecedor de
Aristóteles, dedicou-se ao direito, à filosofia e à história. Diferencia-se dos demais pelo
conhecimento dos pensadores clássicos. Ao chegar à América, apoiou-se em Aristóteles para
afirmar que os indígenas seriam escravos por natureza, considerando justo o aprisionamento e a
escravidão dos gentílicos. Falido economicamente, recebe apoio de Maria Rodrigues, a quem
acaba por compensar defendendo-a arduamente nas discussões. Com recursos parcos, sabe que
dela depende a manutenção de sua vida.

232
Natália Simões (ADMINISTRADORA DA COLÔNIA)
Um dos raros casos na colônia, Natália Simões tornou-se juíza no Rio de Janeiro, mas uma
perseguição à sua família fez com que acabasse procurando um lugar onde pudesse viver em longe
dos conflitos pregressos. Profunda conhecedora das leis, a ex-juíza auxilia nas tomadas de decisões
e na resolução de conflitos. Escreveu várias vezes para a Metrópole, relatando os conflitos entre
colonos e jesuítas, considerando este conflito perigoso para o fortalecimento da Coroa. Defende a
expulsão dos jesuítas, pois os considera muito independentes em relação às leis portuguesas. Não
tem conflito com os indígenas (residentes originais da terra), mas, sim, com os jesuítas.

Fabiano Vicente (ADMINISTRADOR DA COLÔNIA)


Chefe militar da região. É um homem rude, com pouca afeição aos pomposos tratados e demandas
da política. Perdeu incontáveis homens em conflitos com os indígenas, acredita que a extinção
deles deve ser feita para que se tenha uma sociedade realmente sadia e harmoniosa. Relembra-se
sempre das emboscadas sofridas e vangloria-se de já ter matado mais de 10 guerreiros indígenas.
Massacrou uma tribo indígena a mando de Amanda Bulhões.

Marco Aurélio de Vasconcelos (COLONO)

Exímio comerciante que conseguiu aumentar suas finanças com o tráfico intensivo de trabalho
escravo indígena. Apesar do tráfico ser ilegal, forja ataques indígenas para defender a justeza da
captura. Recorre às cicatrizes em seu corpo como resultantes de ataques indígenas (na verdade são
decorrentes de uma briga de bar). Pouco religioso, tripudia dos jesuítas, chamando-os de amantes
de indígenas. Considera-os ignóbeis e nocivos, visto que não conseguem conviver em paz com
seus vizinhos.

Amanda Bulhões (COLONA)


Viúva de Carlos Bulhões, Amanda tem utilizado trabalho escravo indígena para desmatar uma
região anteriormente pertencente a uma tribo indígena. Após Fabiano Vicente dizimar a tribo,
pagou-lhe uma quantia significativa e apropriou-se das terras indígenas. Extremamente religiosa,
espera que o enviado de Roma expulse os jesuítas e que perceba que os indígenas são, na verdade,
um verdadeiro estorvo para o desenvolvimento da população realmente crente em Deus. Considera
que os jesuítas foram possuídos de alguma forma pelos indígenas e que são verdadeiros traidores
da causa do Senhor.

233
Alberto Maciel (COLONO)
Atualmente o maior detentor de gado da região, Alberto Maciel já enfrentou problemas com as
tribos indígenas que atacaram seu gado para se alimentar. A única forma de solucionar este
problema, em sua visão, é catequizá-los. Não acredita ser possível exterminar os indígenas (são
muitos) e é contra a escravidão (vai contra a bula papal). Defende, portanto, a manutenção das
missões como forma de diminuir os conflitos e, desta forma, conseguir que seus negócios
prosperem.

Djekupé A Djú (Sepé Tiarajú) (CACIQUE INDÍGENA)


O grande Djekupé A Djú teve sua aldeia destruída por um ataque dos colonos e acabou sendo
adotado pelos guaranis. De cabelos castanhos, Djekupé liderou uma forte resistência às ocupações
espanholas e portuguesas. Enviou uma carta à Coroa espanhola na qual afirmava: “Esta terra tem
dono”. Aliou-se aos jesuítas como forma de sobrevivência, mas não se converteu ao cristianismo.
A estética ritualística cristã atraía-lhe mais que as crenças. Excelente guerreiro e orador que se
destaca pela capacidade de conversar com os europeus. Percebeu que a permanência dos jesuítas
é uma forma de controle à sanha destruidora dos colonos.

REFERÊNCIAS
Este larp é ambientado no Brasil colonial e lida com os impasses decorrentes do processo de
colonização e das disputas de poderes entre os agentes políticos envolvidos. A principal referência
para este larp é o filme A Missão, de produção anglo-francesa e dirigido por Roland Joffé e lançado
em 1986, que contou com Robert DeNiro e Jeremy Irons como protagonistas.

234
DISSERTAÇÕES

O USO DA AVENTURA SOLO (RPG) NA FORMAÇÃO DE


PROFESSORES COM FOCO NA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Clodoaldo Barbosa Da Silva91

“Somente através de uma transformação profunda na consciência


dos homens é que se poderá atingir uma sociedade mais humana,
menos injusta, mais digna de ser vivida, a fim de se poder
realmente desfrutar com alegria do privilégio de viver, criar e
conviver. E esta transformação só poderá ser obtida, a meu ver,
através de um processo educacional global e renovado, que parte
da base, e que mature através de gerações, e que, por isso mesmo,
não pode ser mais adiado.”
Geraldo Jordão Pereira

“o canto do poeta e a palavra do sábio, a ambição do político e os


feitos do guerreiro são sempre ecos de um incorrigível menino
preso dentro do adulto.”
Ortega y Gasset

RESUMO

O objetivo desse trabalho é a elaboração de uma atividade formativa para professores, direcionada
ao processo de formação continuada, com foco na avaliação da aprendizagem. A estratégia leva
à aplicação de conceitos e à reflexão dos procedimentos e é realizada por meio de uma Aventura
Solo ou Livro Jogo, modalidade originária do Role-playing game- RPG. Essa atividade formativa
tem como meta criar um ambiente de análise e discussão, relacionado com o cotidiano em sala de
aula, levando os professores a refletir sobre suas práticas, ao mesmo tempo em que há a
apropriação dos fundamentos teóricos que venham contribuir com sua formação no campo da
avaliação da aprendizagem. A conclusão mostra que a adaptação de uma Aventura Solo, como
atividade formativa, estimula a reatividade por meio de questões-problema.

91
Trabalho Final apresentado à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo como exigência parcial à obtenção do título de MESTRE PROFISSIONAL
em Educação: Formação de Formadores, sob orientação do Prof. Dr. Nelson Antonio
Simão Gimenes.

235
PALAVRAS-CHAVE: Avaliação da aprendizagem, Atividade formativa, RPG Role-playing
game.

RESUME

The aim of this paper is in to create a training activity for teachers, directed to the process of
continuing education, focusing on assessment of learning. The strategy is to apply concepts and
consideration of procedures doing this performed through a Solo Adventure or Game Book,
inspirited in role-playing Game - RPG. This training activity aims to create an analysis and an
discussion of environment, related to the daily life in the classroom, leading teachers to reflect on
their practices, while there is the appropriation of theoretical foundations that contribute to its
formation in evaluation of the field of learning. The conclusion shows that the adaptation of a Solo
Adventure, as a formative activity, stimulates the reactivity through issues-problem.
KEYWORDS: Evaluation of learning, training activity, RPG Role-playing Game.

INTRODUÇÃO

O propósito deste trabalho é a construção de uma atividade formativa sobre a temática da


avaliação da aprendizagem, junto a professores, dentro do espaço escolar. A busca do
aprimoramento de suas práticas parte de um olhar reflexivo e diferenciado sobre a avaliação
escolar, por meio de ações colaborativas, facilitadas com o uso estratégico do Role-Playing Game
(RPG).
O trabalho nasceu de uma análise crítica quanto à formação do professor, em especial da
sua compreensão sobre o uso pedagógico da avaliação escolar, geralmente entendida e empregada
dentro da perspectiva de classificação e certificação, situação provedora do modelo cultural que
reforça a concepção de fracasso e conformismo, além de estimular, implicitamente, a exclusão
escolar.
O produto principal desse trabalho, apresentamos uma atividade formativa para
professores, com a intenção de incitar a discussão e reflexão sobre as práticas relacionadas ao
processo de avaliação escolar. Partindo de uma simulação baseada em situações reais e cotidianas,
que ofereçam dilemas em que posições possam ser confrontadas, analisadas e rediscutidas.
A atividade formativa, por sua vez, não tem como objetivo apontar se os métodos
empregados estão certos ou errados, mas sim oferecer, por meio dessa dinâmica, diferentes
perspectivas que possam incitar mudanças em relação às práticas do professor.

236
Este trabalho está distribuído em três capítulos. No primeiro, A trajetória: razões de
bastidores, apresentamos uma breve descrição do caminho acadêmico e profissional,
contextualizando junto aos propósitos que motivaram o desenvolvimento do trabalho. Buscamos
analisar a função da aprendizagem dentro dos movimentos que caracterizam as relações que
enfatizam as mudanças comportamentais, acentuando o papel da avaliação escolar nesse processo,
discutindo a formação docente e o imbricar entre o Projeto Político Pedagógico e o entendimento
quanto à participação democrática.
No segundo capítulo, Educação, sociedade e avaliação, identificamos e analisamos como
historicamente a educação tem atendido, de forma sistemática, um modelo de sociedade
fundamentado em uma concepção liberal-capitalista, abordagem construída a partir dos
pressupostos teóricos fundamentados em Durkheim e Bourdieu. Em seguida, destacamos as
diferenças entre a prática de aferição, baseada em uma pedagogia do exame, em contraposição a
avaliação da aprendizagem fundamentada no desenvolvimento do aluno, tendo como referência os
estudos de Luckesi (2009) e as regulações das aprendizagens discutidas em Perrenoud (1999),
além das análises de Arredondo e Diago (2003), Fernandes (2009), entre outros.
No terceiro capítulo, Proposta da atividade formativa, expomos sobre os objetivos gerais
e específicos da proposta de formação em avaliação da aprendizagem em sala de aula dirigida aos
docentes e a sobre a metodologia utilizada para a sua elaboração. Possui uma abordagem de caráter
qualitativa, centrada na pesquisa-ação (Thiollent, 1994), além do uso do RPG – Role-Playing
Game, aqui entendido como estratégia para estimular o trabalho em equipe por meio da
cooperação, na contextualização dos temas e problemas discutidos, na facilitação que a dinâmica
do jogo possibilita para a apropriação do que se propõe essa atividade formativa, percurso pelo
qual adotamos como suporte às fundamentações nas análises de Amaral (2008), Vasques (2008),
Freitas (2006) entre outros. O capítulo encerra-se com a apresentação da atividade formativa para
professores.
O trabalho se fundamenta nas concepções de Cipriano Luckesi que aborda a forma pela
qual o professor geralmente se apropria do ato de examinar em detrimento ao ato de avaliar. Prática
que condiciona a avaliação dentro de uma postura classificatória, pontual e excludente.
Colabora na complementariedade dessa proposta a análise de Philippe Perrenoud que
discute as formas de regulação das aprendizagens por meio do que denomina ser avaliação
formativa, e de que forma ela se propõe a mediar às retroações e os efeitos da regulação dos
processos da aprendizagem.
A produção final é uma atividade formativa para ser realizada por professores, em reuniões
pedagógicas, que visa a contribuir no enriquecimento das discussões sobre questões que orientem

237
as tomadas de decisão de ordem educativa no contexto da sala de aula. A tarefa busca ampliar a
interação entre os professores com a temática da avaliação escolar e com o objetivo de apoiá-los
no aperfeiçoamento de suas práticas da aprendizagem, de forma mais atrativa e, por que não,
lúdica.
Nesse contexto, a atividade formativa poderá, inclusive, atender a uma proposta
autocontida, ou seja, ser suficiente em relação a um determinado assunto, sem que seu usuário
precise de outros materiais para entendê-lo, além de conter com clareza quais objetivos
pedagógicos que pretende alcançar com seu uso (SILVEIRA; CARNEIRO, 2012:7). Esse material
poderá ser mediado por Professores Coordenadores durante as capacitações formativas semanais
ou mesmo nas realizadas em reuniões pedagógicas que fazem parte do calendário escolar.

CAPÍTULO 1 - A TRAJETÓRIA, RAZÕES DE BASTIDORES

A porta de entrada no mundo universitário deu-se em especial pela atração às temáticas


político-sociais que aguçavam minha curiosidade, instigadas naquele momento, fim dos anos 80,
por um conjunto de mudanças no cenário político que se desenhava no país, reflexo das primeiras
eleições diretas presidenciais realizadas após a abertura política.
O curso de Estudos Sociais foi, então, uma escolha muito mais ideológica do que motivada
pelo exercício do magistério, não existindo naquele momento qualquer pretensão da docência, a
qual esbarrava nas enormes dificuldades e limitações que a profissão oferecia, em especial por
efeito do baixo salário e das condições precárias do trabalho.
A proposta curricular, corpo docente e a metodologia do curso ofertaram-me certo
embasamento teórico que contribuiu, especialmente nos primeiros passos, para compreensão de
que não existe um saber final e conclusivo, a aprendizagem se constrói a todo tempo, de várias
formas e por diferentes caminhos.
Como exigência do curso, realizei estágio em uma escola pública, localizada no extremo
da região Leste92 e que atendia alunos oriundos de famílias muito carentes, com baixíssima
autoestima e, principalmente, desassistidos do poder público na garantia de seus direitos sociais.
Essas famílias haviam sido obrigadas a deixar suas casas em favelas na região central e a mudar
para um conjunto habitacional distante. Essa prática de reurbanização impositiva dificultava as

92
O Distrito de Cidade Tiradentes abriga o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina, com cerca
de 40 mil unidades, a maioria delas, construídas na década de 1980 pela COHAB (Companhia Metropolitana de
Habitação de São Paulo), CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo)
e por grandes empreiteiras, que inclusive aproveitaram o último financiamento importante do BNH (Banco Nacional
da Habitação), antes de seu fechamento. O bairro foi planejado como um grande conjunto periférico e monofuncional
do tipo “bairro dormitório” para deslocamento de populações atingidas pelas obras públicas, assim como ocorreu com
a Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/

238
relações entre a comunidade e a escola que, por vezes, era compreendida como a representação do
estado autoritário, situação que dificultava a construção de identidade comunitária entre as famílias
e a escola.
A vulnerabilidade social existente nessa comunidade conduzia a um clima de tensão entre
pais e os agentes educacionais que, dadas as dificuldades socioeconômicas de muitas daquelas
famílias, por vezes, acabavam por cobrar da escola uma política assistencialista, prometida e não
cumprida pelo poder público.
Essa experiência, ainda na condição de sujeito em início de formação, permitiu a
possibilidade de contato com uma realidade dissonante da qual imaginara ser ideal.
Nesse conjunto, com os professores e seus diferentes projetos, com pais e alunos, além de
reuniões com as lideranças comunitárias, em que ouvir, muitas vezes, era melhor do que falar,
coube à direção da escola encontrar soluções para minimizar os pontos de tensão e resgatar a
importância que a escola pode oferecer à comunidade, frente à construção de um ambiente possível
ao desenvolvimento da aprendizagem.
As ações resultaram em uma maior proximidade entre as famílias e a escola, o que gerou
uma comunicação aberta em que os dois lados compreenderam a necessidade de serem
complementares e não adversários na complexidade da ação de educar.
Assim, mesmo na adversidade, percebi ser possível traçar metas na busca de resultados
satisfatórios, partindo da compreensão dos sujeitos envolvidos, no reconhecimento do outro, por
meio do respeito mútuo, no compartilhar das experiências, na transparência de nossas ações e, em
especial, no diálogo entre todos os envolvidos.
Hoje compreendo a importância na convergência dessa experiência dentro da dimensão
dos saberes para ensinar e o quanto esses princípios são elementares no processo constitutivo da
formação do educador.
Talvez, o mais curioso no processo inicial de minha formação docente, esteja na relutância
em me aceitar nessa profissão, acreditava que mais cedo ou mais tarde deixaria o magistério, pois
não encontrava perspectivas futuras nessa área de atuação. Grande parte das pessoas com quem
lecionava, exercia mais de uma atividade profissional e tinham o magistério como fonte secundária
de renda e quase nunca como idealismo e vocação.
Os autores Marcelo e Vaillant (2009:35) destacam como a ausência da valorização social
na carreira docente influencia na definição do indivíduo para a escolha e permanência nessa
atividade. Em que medida o processo histórico da profissão é condicionado pelas dificuldades e
as cobranças sociais do sistema de ensino, e o quanto essa intensidade se faz geradora da
deficiência na formação do educador.

239
Nos anos seguintes, trabalhei em várias escolas, que por efeito das especificidades locais,
agregaram-me saberes distintos daqueles assimilados na universidade. O relacionamento com
professores que pertenciam a uma geração antes da minha, foi de extrema relevância na obtenção
dessa construção identitária. A perspectiva acadêmica se juntava às práticas da profissão,
formalizando a práxis que constituiria a minha profissionalidade.
De acordo com Garcia (2013:150), os professores conseguem alcançar resultados mais
significativos em sua formação, por meio de uma aprendizagem autônoma, baseada no
desenvolvimento de sua capacidade crítica, de pensamento independente e de análise reflexiva.
Essa concepção formativa não se desenvolve solitariamente e sim por intermédio de uma ação de
colaboração entre os agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Brzezinski (2002), em consonância ao exposto, enfatiza que

(...) a identidade do profissional docente é construída no cotidiano a partir dos


pressupostos de exercer sua atividade sobre o alicerce da trilogia dos saberes específicos,
dos saberes pedagógicos e das experiências adquiridas dentro e fora da sala de aula nos
desafios encontrados e superados no exercício da função ao longo do período do processo
histórico (BRZEZINSKI, 2002:131).

Em meados dos anos 90, a Secretaria de Educação de São Paulo criou a função de Professor
Coordenador. Resolvi tentar esse novo desafio e, novamente, minha falta de experiência foi um
entrave. Depois de poucos meses deixei a coordenação. Percebi que só melhoraria minha base
teórica se voltasse para universidade, na época o único lugar em que poderia conseguir alguma
formação pedagógica capaz de me proporcionar o suporte necessário. Iniciei assim o curso de
Pedagogia.
Na compreensão da importância da formação profissional, Guimarães (2004), destaca que

(...) o investimento na formação é um ponto de partida que apresenta possibilidades de


melhoria da profissionalidade e de um significado diferente para a profissionalização e o
profissionalismo docentes, bem como possibilidade para ressignificação da sua
identidade profissional nesse contexto pródigo em mudanças de natureza modificada.
(GUIMARÃES, 2004:25)

Diferente da primeira graduação, a Pedagogia apresentou-me um contato melhor delineado


sobre o ensino-aprendizagem, desconstruindo aos poucos os preconceitos criados e que teimavam
existir após a licenciatura. Preconceitos originados a partir da contradição em acreditar que o
domínio do conteúdo específico da matéria, no meu caso história, poderia sobrepujar os saberes
das técnicas didático-pedagógicas, quando na verdade, deveriam ser complementares.
Concluído o curso de Pedagogia, seguiu-se o convite para a vice direção em uma escola
com características semelhantes àquela onde havia iniciado. Exerci a função de vice-diretor
durante dois anos. Essa experiência me possibilitou tomar contato sobre a complexidade que

240
permeia a gestão escolar, em seus entraves burocráticos, na importância da dialogicidade
permanente para os desafios sociais e ainda na busca por parcerias que pudessem colaborar com a
melhora na qualidade da aprendizagem.
A experiência na gestão escolar ganhou significados e se apresentou de forma que motivou
a buscar outras metas na carreira do magistério. Assim, em janeiro de 2002, por meio de concurso
público, assumi o cargo de diretor de escola da Rede Estadual de São Paulo.
O ingresso deu-se em uma escola de Ciclo II e Médio, com pouco mais de 1.200 alunos,
em um município pobre da Grande São Paulo, com dificuldades similares àquelas vivenciadas no
início de minha carreira no magistério. Essa situação me impulsionou no desenvolvimento de um
projeto de gestão, em conjunto com a equipe escolar, que trouxesse em seu interior ações da
valorização dos diferentes sujeitos que compõem a escola, tal qual idealizara Freire.

(...) uma escola que, continuando a ser um tempo-espaço de produção de conhecimento


em que se ensina e em que se aprende, compreende, contudo, ensinar e aprender de forma
diferente. Em que ensinar já não pode ser este esforço de transmissão do chamado saber
acumulado, que faz uma geração à outra, e aprender não é pura recepção do objeto ou do
conteúdo transferido. Pelo contrário, girando em torno da compreensão do mundo, dos
objetos, da criação, da boniteza, da exatidão científica, do senso comum, ensinar e
aprender giram também em torno da produção daquela compreensão, tão social quanto a
produção da linguagem, que também é conhecimento. (FREIRE, 1998:6).

Assim, tenho buscado participar de formações, como Circuito Gestão; Pro-gestão;


Capacitação de Gestores do Programa Escola da Família; Curso de pós-graduação em Gestão
Educacional; além de participar de grupo de trabalho entre diretores de escola no qual discutimos
as dificuldades e, em conjunto, buscamos tomadas de decisão em prol de superar os obstáculos
rotineiros.
Nesses anos, entre a prática da sala de aula e a gestão escolar, tenho me convencido cada
vez mais o quanto ações coletivas, coordenadas, reflexivas, significativas e compartilhadas, podem
auxiliar no desenvolvimento de propostas que ousem buscar mudanças e que possam ressignificar
o universo escolar, instigando-o à transformação. “(...) uma escola que é aventura, que marcha,
que não tem medo do risco, por isso se recusa o imobilismo” (FREIRE, 1998:63).

1.1 A aprendizagem

O campo da aprendizagem na educação, de modo geral, vem passando, nas últimas


décadas, por uma série de transformações e quebras de paradigmas, situação que abre um
significativo espaço na multiplicação de pesquisas na busca por alternativas que possam contribuir
em novas propostas educacionais.

241
A busca por novas propostas, por sua vez, incita discussão sobre qual o significado da
aprendizagem no contexto escolar, o que se espera que o educando adquira ao final de seu tempo
como estudante, que habilidades, hábitos, comportamentos, conhecimento e competências tenham
alcançado. O quanto algumas dessas características são (ou serão) mais ou menos relevantes nas
vidas dessas pessoas? O que entendemos da aprendizagem em sala de aula nos torna capazes para
selecionar o que, quando e quem merece ser priorizado? Ainda, quais movimentos são necessários
para mensurar essa aprendizagem?
Freire e Faundez (1985:26-27), em seus diálogos, alertam sobre a essencialidade do existir
humano na ação de perguntar, debatem o quanto o pensamento e a prática pedagógica em nossas
escolas buscam respostas partindo de um conhecimento transmitido de conteúdos prontos, formas
eficientes de desestímulo criativo e causador da burocratização da pergunta. Essa, por sua vez,
fundamentada dentro de uma pedagogia que se instrumentaliza na formação de uma educação que
valoriza o processo mecânico de transmissão e de memorização do conhecimento.
Dessa forma, o ato de responder anula o ato de perguntar, e o ensino acaba por se
caracterizar pela resposta e não pela pergunta. O professor, segundo os autores, ao trazer para a
sala de aula a resposta pronta, elimina a curiosidade dos alunos e exclui o processo que instiga o
buscar de ser mais, fundamental no constitutivo enquanto seres humanos.
Há uma aparente complexidade quanto à definição sobre o que é aprendizagem, situação
que invariavelmente dificulta uma homogeneidade conceitual, Moreira (2009:12-13) defende que,
para muitos, aprendizagem é a aquisição de informação ou de habilidades; enquanto que, para
outros, aprendizagem seria a mudança, relativamente permanente, do comportamento em razão da
experiência.
A aprendizagem, dentro de uma concepção epistemológica, é entendida como processo
pelo qual é gerado o conhecimento, o que, de acordo com Freire (1974)93, descaracterizaria a ideia
de um conhecimento pronto e acabado de forma a ser depositado no aluno.
Nesse contexto a aprendizagem é a conexão do qual

os campos de conhecimento não existem separadamente um do outro e não existem


separadamente das pessoas que estudam. Conhecimento e aprendizagem – os processos
pelos quais as pessoas criam o conhecimento – são sistemas vivos formados por redes e
inter-relações frequentemente invisíveis. Podem estar entre os sistemas vivos mais
complexos. A ideologia da natureza do conhecimento e do saber, as crenças e os valores
subjacentes dos professores e aprendizes sobre a natureza da escola e as interações sociais
que ocorrem em ambientes aprendentes são todos partes desse sistema vivo – e todos
afetam a capacidade de aprender dos indivíduos e grupos. (SENGE, 2005:25)

93
FREIRE, Paulo. Papel da Educação na Humanização. Artigo. Revista da FAEEBA – Faculdade de Educação do
Estado da Bahia. Ano 6 nº 7, janeiro a junho de 1997. Salvador: 1997. P. 12-17.

242
De maneira geral, a aprendizagem está relacionada com a mudança comportamental e não
somente a uma reprodução sistemática de comportamentos realizados anteriormente. Segundo
Luckesi,
(...) toda aprendizagem significativa far-se-á por meio do movimento, que organiza a
experiência, constituindo uma forma; movimento que não necessariamente é físico,
biológico, muscular, mas pode ser tudo isso e também afetivo, mental, de raciocínio, de
compreensão ou de ação. O fato é que o ser humano aprende pela ação ou, mais
apropriadamente, por uma cadeia de atos, intitulada ação, reflexão-ação. (LUCKESI
2011:85)

Dentro do exposto, qual seria, então, o papel do professor ao usar a avaliação no processo
da aprendizagem? - objeto de análise desse trabalho. Estaria a avaliação associada, como analisa
Perrenoud (1999:25), à criação de hierarquias de excelência nos quais os alunos são comparados
e depois classificados para atendimento normativo e institucional, partindo de um conjunto de
critérios preestabelecidos pelo professor ou mesmo, a posteriori, em que esses critérios são
decididos em função da distribuição dos resultados?
A avaliação em sala de aula tem se pautado em apresentar resultados que restringem sua
função, quase que exclusivamente, na representação de dados coletados para fins de classificação
do aluno, constituindo-se dessa forma, como instrumento autoritário e limitador do
desenvolvimento, proporcionando para alguns o acesso e o aprofundamento teórico das
aprendizagens, enquanto para outros, a estagnação e exclusão dos meios do saber (LUCKESI,
2009:37).
O autor defende que os professores praticam o ato de examinar na compreensão de estarem
avaliando, o que, em sua análise, são ações diametricamente opostas: O Exame se apresenta em
momentos pontuais, enquanto o ato de avaliar, por outro lado, ocorre durante todo o processo da
aprendizagem. A avaliação, para ser constituída como tal, deverá fornecer elementos que possam
sinalizar o alcance ou não do que se planejou.
A limitação no ato de examinar se desvela ainda por meio da classificação e,
consequentemente, na exclusão do examinado. Podemos apontar, como exemplo, o resultado de
um concurso em que aquele que atinge o escore mínimo consegue se classificar, enquanto os
demais seriam excluídos do processo. O mesmo exemplo se aplica aos vestibulares com suas notas
de corte que determinam os que poderão ou não ingressar na universidade. Esse modelo, quando
empregado em sala de aula, apenas reforça a concepção do fracasso escolar, pois ao limitar sua
ação no que o aluno não conseguiu aprender encerra sua funcionalidade em si mesmo.
A avaliação, por meio de sua dinâmica, age na contramão dessa limitação de função, pois
compreende, em seu movimento, que o ato de avaliar permite, partindo sempre de um diagnóstico,
alterar e corrigir a realidade da aprendizagem existente, quando assim se fizer necessário.

243
Contudo, se compreendida e utilizada dentro da perspectiva do ato de examinar, a avaliação
se transforma em um instrumento disciplinador e, ao converter-se em uma esfera de poder e
dominação, permite a reprodução de um modelo autoritário, em que o professor, imerso no
processo, se detém em um estado de despersonalização, alcançando quase que simultaneamente o
papel de oprimido e opressor (FREIRE, 1987:13-17).
A abordagem crítica e construtiva da avaliação apresentada por autores, como Luckesi e
Perrenoud, entre outros, servirão como lastro para a construção de uma proposta de trabalho que
deriva da intenção de aprender para poder ensinar, desconstruindo crenças e hábitos, transitando
do senso comum para o senso crítico, na busca de dar um significado de aprendizagem, como deve
ser, de fato, a avaliação em sala de aula.

1.2 A formação do professor e as intersecções nas relações da aprendizagem

Durante meu trajeto na educação, pude observar o quanto geralmente se mostra frágil a
preparação do educador em sua formação acadêmica, e como essa situação conduz a uma
dissonância entre o que se inspira e o que de fato se realiza na complexidade dos movimentos que
se desenvolvem o processo da aprendizagem.
As fragilidades se mostram, em especial, na reação dos professores recém-formados ao
frequentarem pela primeira vez o espaço de uma sala de aula. É comum os educadores chegarem
cheios de projetos e expectativas e encontrarem uma realidade contrária àquela normalmente
ensinada na universidade. Em pouco tempo, as más condições de trabalho e a desvalorização da
profissão substituem as expectativas mais otimistas, gerando, por vezes, a frustração e,
consequentemente, refletindo no exercício de sua prática docente, sendo muitas vezes
determinante para sua permanência ou não no magistério.
O professor, em geral, acredita que está fazendo o seu melhor e quando os resultados não
se apresentam satisfatórios, tende a responsabilizar o desinteresse dos alunos com a aprendizagem,
as condições ambientais e materiais em que o processo de ensino se desenvolve, além da
desestruturação familiar.
Quanto a concepção entre resultados insatisfatórios e desinteresse dos alunos, Bock e
Aguiar (2003) apontam que:

(...) do aluno a escola cobrará o esforço e todo o fracasso será lido como falta de empenho.
O aluno que fracassar será diagnosticado como alguém que apresenta “problemas de
aprendizagem” e será merecedor de trabalhos reeducativos, aulas particulares,
intervenções psicopedagógicos. A escola fica isenta de responsabilidade, pois sua tarefa
está cumprindo a contento: oferece oportunidades iguais. (BOCK e AGUIAR, 2003:135)

244
A ideia do oferecimento de oportunidades iguais (modelo fundamentado em uma
perspectiva liberal) para alunos com problemas de aprendizagem, normalmente não leva em
consideração as diferenças entre sujeitos, propondo como receita, por exemplo: uma metodologia
que sirva para todos assim como uma recuperação padronizada.
Essa prática aparentemente tende a servir como forma da escola mostrar que buscou
alternativas diferenciadas para recuperar o aluno, quando pelo contrário, serviu apenas de
procedimentos burocráticos institucionais apoiados na obrigatoriedade legal. Assim, por meio da
manutenção do discurso de uma proposta que prega a oferta de oportunidades iguais, a educação
responsabiliza o indivíduo pelo fracasso (BOCK e AGUIAR, 2003:137).
Outra crítica frequente no discurso do professor, apontado pelas autoras, é a atribuição ao
modelo de organização familiar a responsabilidade pela não apropriação dos saberes pelos alunos.
O núcleo familiar é geralmente entendido dentro de uma concepção burguesa de normalidade e
uma vez que não se apresente dentro desse modelo, servirá como justificativa para as dificuldades
da aprendizagem. Famílias estruturadas de modo diverso, como por exemplo: Famílias sem a
figura paterna em que mulheres chefiam os lares ou mesmo de casais do mesmo sexo fogem do
parâmetro nuclear burguês. Todavia, a existência de diversidade na organização familiar resulta
em diferentes experiências e não especificamente em fracasso escolar.
Ainda dentro do âmbito familiar, a crítica pela escola sobre a ausência dos pais no processo
de aprendizagem dos alunos é incorporada como um dos fatores que dificultam a assimilação dos
saberes. Contudo, não fica claro de que forma se efetiva a participação dos pais no
acompanhamento escolar, novamente criando por meio de ações padronizadas soluções genéricas
de intervenções como se fossem únicas para todos os casos.
Essas ações parecem se fundamentar muito mais em uma tentativa de firmar a
responsabilidade da família no fracasso escolar do que enxergar as limitações do ato pedagógico
empregado, evitando expor as dificuldades que a instituição escolar detém no desenvolvimento
satisfatório do processo da aprendizagem.
Nesse contexto, a avaliação que, segundo Perrenoud (1999:147), é o vínculo mais constante
entre a escola e a família, vai de encontro ao que se espera da aprendizagem. Seu uso geralmente
acaba se limita como instrumento de comunicação para notificar aos pais sobre a progressão
escolar de seu filho, antes da realização de reuniões, o que se, de um lado os tranquiliza sobre as
chances de êxito de seu filho, de outro, pelo contrário, os habitua quanto à ideia de um possível,
ou mesmo provável fracasso escolar.

245
Esse sistema de transferência de responsabilidade por meio da avaliação em sala de aula
tem sua autenticidade justificada dentro de discursos que, embora virtuosos, escondem elementos
ficcionais:
- parece equitativo, uma vez que todos são submetidos às mesmas provas, avaliada
segundo as mesmas tabelas e no mesmo ritmo, em virtude das mesmas exigências;
- parece racional e preciso, uma vez que os desempenhos são enumerados até o décimo
do ponto ou mais;
- é bastante simples para informar os pais sem que estes conheçam em detalhe programas
e exigências, um pouco como nos inquietamos com a febre de uma criança sem saber
exatamente o que significa em termos fisiológicos;
- convence todos os pais que aderem, espontaneamente ou não, a uma competição
onipresente no mundo econômico e em parte do mundo do trabalho; parece-lhes justo,
saudável e educativo que o bom trabalho seja recompensado e o mau trabalho sancionado
por notas ou uma classificação medíocres. (PERRENOUD, 1999:147-148)

A escola assim tenta, mesmo que inconscientemente, minimizar sua responsabilidade


carregando nesses discursos as justificativas do fracasso escolar, ou ao menos, tentar disseminar a
ideia de que dentro das condições existentes realizou seu papel, cabendo à família os devidos
acompanhamentos na vida escolar da criança.
Essa condição não exclui a importância da família como motivadora do processo gerador
da aprendizagem, pelo contrário, a participação familiar deve ser sempre estimulada, pois é
perceptível a melhora na aprendizagem da criança partindo do apoio e da participação dos pais
nesse processo. Considerando as formas de intervenção que devem ser analisadas e apropriadas
para cada caso e não limitada em modelos padronizados ou generalizações.

1.3 O lugar do Projeto Político Pedagógico e a participação democrática

A relação ensinar, aprender e avaliar não se constrói de forma solitária, e sim, solidária. Os
atores, imbuídos na elaboração em conjunto de um projeto político-pedagógico esclarecedor, têm
como meta subsidiar, de forma construtiva e eficiente, o educando no seu autodesenvolvimento na
busca de resultados satisfatórios da aprendizagem.
O Projeto Político-Pedagógico deve ser apropriado como tal, que não se limite apenas às
regulamentações normativas que determinam ser de responsabilidade dos estabelecimentos de
ensino sua elaboração e execução, ou mesmo, compreendido além da formalidade que estabelece
a necessidade da convergência do plano de trabalho do professor em direção ao projeto escolar94.
Deverá ser compreendido como um plano de gestão que proporcione a identidade da escola
e contemple as intenções comuns de todos os envolvidos, capaz de nortear o gerenciamento das
ações interescolares e operacionalizar a proposta pedagógica.
A construção do projeto político-pedagógico deve ser precisa, de tal forma, que não entre
em contradição com o ato pedagógico, deve compreender tanto os anseios, no que tange resultados
significativos decorrentes da ação, quanto à compreensão da complexidade dos recursos

94
Art.º12 e Art.º 13 da LDBEN nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

246
pedagógicos existentes – sejam teóricos ou práticos – para o atendimento das expectativas de
transformar em realidade o que propomos.

A escola é lugar de aproximação com a realidade. A realidade pode ser, ali, compreendida,
possibilitando superar saberes restritos e preconceituosos. A escola é lugar de crítica da
realidade, realidade essa que está também na escola. Trabalha-se na educação para o
fortalecimento do indivíduo no sentido de sua intervenção transformadora no mundo
(BOCK, 2003:147).

Essas concepções devem ser desveladas de forma que, tanto educadores quanto educandos,
possam se apropriar dessa leitura crítica e, a partir dela, buscarem não só a compreensão como a
promoção das mudanças sociais.
À luz do exposto, reforça-se o quanto o processo da aprendizagem necessita de um plano
político pedagógico, construído solidariamente por toda a comunidade escolar a partir de suas
demandas, expondo suas fragilidades e dificuldades. Essa condição permitirá uma análise real da
situação existente e a elaboração de uma agenda de trabalho, firmada dentro de princípios
democráticos que direcionarão as ações na tentativa de superar as vulnerabilidades que se expõem
na aprendizagem.
Os princípios se constituem democráticos por meio da participação representativa de todos
os segmentos da comunidade escolar, somando e se apropriando de suas diferentes perspectivas e
saberes. Na construção em conjunto, aprendem-se todos, tal qual afirma Vygotsky (REGO, 2002),
por meio do convívio com o outro que o homem se constitui.
Democracia e participação se tornam termos correlatos, à medida que o primeiro se
promove em direção ao outro. No entanto, conforme pondera Lück (2010), mesmo que a
democracia seja irrealizável sem participação, contraditoriamente poderá existir participação sem
que necessariamente o espírito democrático esteja presente; limitando, dessa forma, o conceito de
participação.
Para que esses conceitos se completem, é condicionante a compreensão e apropriação de
seus significados, partindo do entendimento de que

[...] a participação constitui uma forma significativa de, ao promover maior aproximação
entre os membros da escola, reduzir desigualdades entre eles. Portanto, está centrada na
busca de formas mais democráticas de gerir uma unidade social. Define-se, pois, a gestão
democrática como o processo em que se criam condições para que os membros de uma
coletividade não apenas tomem parte, de forma regular e contínua, de suas decisões mais
importantes, mas assumam responsabilidade por sua implantação. Isso porque
democracia pressupõe muito mais que tomar decisões: envolve a consciência de
construção do conjunto da unidade social e de seu processo de melhoria contínua como
um todo (LÜCK, 2010:57).

A gestão democrática abre espaço nas relações da aprendizagem em sala de aula, quando
se consegue mobilizar estratégias para articular as incumbências legais às atribuições docentes na
prática pedagógica; quando se compreende a natureza dos saberes da docência na perspectiva de
valorizá-los e integrá-los a uma prática profissional mais significativa e efetiva; quando se
organiza espaços formativos para a reflexão, integração dos saberes e ação pedagógica.
Em contrapartida, a avaliação, em especial aquela realizada em sala de aula, há muito
tempo, tem sido usada na contramão do processo que se espera de participação democrática dentro
da esfera escolar. Constituindo-se em geral como instrumento de caráter classificatório e de
certificação burocrática, por vezes mesmo, como motivadora da exclusão escolar (FERNANDES,
2009; LUCKESI, 2009; 2012).

247
A avaliação por si só não é a solução para todas as dificuldades que afligem a educação,
tampouco é a responsável pelos resultados insatisfatórios decursivos das práticas da aprendizagem,
assim como nenhum fator isoladamente. Contudo, é perceptível que o modelo em uso em nada
contribui para melhoria da qualidade na aprendizagem, nessa linha Luckesi (2009) aponta que,

[...] a verificação transforma o processo dinâmico da aprendizagem em passos estáticos e


definitivos. A avaliação ao contrário, manifesta-se como um ato dinâmico que qualifica
e subsidia o reencaminhamento da ação, possibilitando consequências no sentido da
construção dos resultados que se deseja. (LUCKESI, 2009:94)

No entendimento de que a avaliação deva ser compreendida em sua prática no contexto do


processo educativo, portanto com o desenvolvimento pedagógico do aluno e no aperfeiçoamento
do ensino, apresentamos nesse trabalho, uma atividade formativa para professores, cuja intenção
é levá-los a refletir a fim de buscar alternativas que proponham superar a forma pela qual a
avaliação vem sendo usualmente empregada em sala de aula.

CAPÍTULO 2. EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E AVALIAÇÃO

2.1 Educação e sociedade

O uso da educação como forma de manutenção e controle social foi um discurso defendido
por autores como Émile Durkheim e Pierre Bourdieu que buscaram analisar as formas pela qual a
pedagogia tem atendido às propostas de modelos político-econômicos, em especial aquelas
advindas da sociedade liberal-capitalista e de seus mecanismos reprodutores, entre eles a própria
educação.
Segundo Filloux (2010), para Durkheim cada sociedade, em um determinado momento de
seu desenvolvimento, tem um sistema de educação que se impõe aos indivíduos. Estabelecendo
um modelo ideal de homem, moldando-o dentro de determinadas especificidades de caráter
intelectual, físico e moral. Nesse sentido, a sobrevivência da sociedade está atrelada a existência
de uma suficiente homogeneidade de seus membros.

Uma sociedade é feita de indivíduos que “conseguem viver” juntos porque têm em
comum valores e regras parcialmente transmitidos pela escola. A sociedade, enquanto
objeto constituído pela sociologia, não é nem transcendente, nem imanente aos
indivíduos: ela tem uma especificidade definida pelos parâmetros de integração
(subordinação ao grupo) e de regulação (reconhecimento de regras que controlam os
comportamentos individuais. (FILLOUX, 2010:17).

Assim, a educação, a serviço da manutenção dessa homogeneidade, instrumentaliza as


condições que permitem, desde cedo, fixar os fundamentos propostos pela vida coletiva em
atendimento ao modelo de sociedade. De acordo com Filloux (2010), a educação para Durkheim
é uma socialização da jovem geração pela geração adulta e, dentro dessa concepção, quanto maior

248
a eficiência do processo de socialização, melhor será o desenvolvimento da comunidade em que a
escola está localizada.
Pierre Bourdieu, influenciado pelos estudos de Max Weber e Durkheim, desenvolve seu
trabalho na área da educação, pesquisando o papel das sociedades contemporâneas e das relações
sociais na manutenção de diferentes grupos sociais, utilizando-se do sistema de ensino como
instrumento de reprodução da cultura dominante. Tendo como base os estudos do sistema
educacional francês, Bourdieu (STIVAL e FORTUNATO, 2008), apresenta a tese que a educação,
ao invés de transformar a sociedade e permitir a ascensão social, acaba por validar as diferenças
sociais e reproduzir as desigualdades. Em sua análise, aponta que a escola, na condição de
instituição subserviente ao modelo liberal burguês, ignora a bagagem cultural existente nas classes
trabalhadoras, ao mesmo tempo em que ratifica o patrimônio cultural burguês como excelência a
ser alcançada na sociedade, impondo como modelo suas formas de falar, de conduta, de valores
etc.
Nesse contexto, se desenvolve a “teoria da reprodução”, conforme apresentada por
Bourdieu e Passeron (1975), apud Stival e Fortunato, 2008:12003 que fundamenta o conceito de
violência simbólica, em que toda a ação pedagógica é uma violência simbólica enquanto imposição
de um poder arbitrário. A arbitrariedade se constitui na imposição de uma cultura dominante sobre
outra, da qual passa a ser compreendida e unicamente aceita. Assim o “poder arbitrário” acentua
a divisão de classes, ao permitir a instrumentação da ação pedagógica como processo de
reprodução cultural e social simultaneamente.
A violência simbólica é identificada tanto no desprezo da cultura popular, quanto na
interiorização da expressão cultural da classe dominante, forçando a perda da identidade pessoal e
suas referências. Bourdieu (STIVAL e FORTUNATO, 2008) define que o processo educacional
se desenvolve por meio de dois mecanismos destinados à configuração da sociedade liberal
burguesa: a reprodução da cultura e a reprodução das estruturas de classe. Enquanto o primeiro
mecanismo atua no mundo das representações simbólicas ou ideológicas, o outro se revela na
própria realidade social.

[...] o sistema escolar cumpre uma função de legitimação cada vez mais necessária à
perpetuação da “ordem social” uma vez que a evolução das relações de força entre as
classes tende a excluir de modo mais completo a imposição de uma hierarquia fundada
na afirmação bruta das relações de força. (BOURDIEU, 2001:311 apud STIVAL e
FORTUNATO, 2008:12004)

Assim, no lugar da violência física, a escola impõe a violência simbólica, desenvolvida


pela doutrinação e dominação, que forçosamente estabelece os indivíduos a pensarem e agirem de
tal forma que não tomem conhecimento que legitimam a ordem social em vigor.

249
O sistema educacional, nesse contexto, acaba por reproduzir, por meio da violência
simbólica, as relações de dominação, assegurando na reprodução desse modelo a ideologia
proposta da classe dominante.
Essa intencionalidade promove a criação de hábitos diferenciais, derivados da ação
coercitiva que define a ação pedagógica em um ato de violência, de forma que, por sua vez, incute
nos educandos as predisposições de agirem em consonância a um determinado código de conduta,
a preservar normas e valores, que os caracteriza como pertencentes a um determinado grupo ou
classe social.
Nesse sentido, os mecanismos de seleção existentes no sistema de ensino atendem aos
interesses daqueles que já se encontram em uma situação privilegiada, identificando-os como aptos
ao exercício do poder. Ao mesmo tempo, que deixam transparecer uma perspectiva de aparente
neutralidade com a criação de sistemas de pensamento que tornam legítima a exclusão dos não
privilegiados, com base nas ausências de habilidades, competências e capacidades, o que
resultariam os maus desempenhos.

2.2 Avaliação e sociedade

A avaliação, quando empregada com essa natureza, geralmente esconde por trás de si uma
proposta ideologicamente constituída, em que o processo educacional, que originalmente se
fundamenta em ideais de igualdade e equidade, acaba por fortalecer o desequilíbrio entre os grupos
sociais por meio da incorporação de uma ética neoliberal.
A avaliação escolar, uma vez assumida exclusivamente dentro de práticas que visem
basicamente à classificação e à certificação, poderá reforçar, para alguns, a possibilidade de acesso
e a apropriação do conhecimento enquanto, para outros, a estagnação, ou mesmo evasão dos meios
do saber.
Em uma revisão nos trabalhos publicados sobre avaliação da aprendizagem, fica evidente
que esse é um tema consideravelmente presente, dos quais apresentam definições, teorias e até
propostas de aplicação de modelos para um atendimento que essencialmente esteja a serviço do
aprendizado e não somente buscando resultados de escalonamentos, baseados geralmente em
concepções de aprendizagens behavioristas.
Essas metodologias discorrem por determinadas fases de construção, das quais envolvem
características que se aproximam. A mais regular delas entende a avaliação a partir de uma
perspectiva diagnóstica que envolve a necessidade de tomada de decisões.
Os referenciais, nesse trabalho, avançam pela organização de uma linha coerente nas
metodologias que envolvem a avaliação da aprendizagem em seus aspectos explicitamente

250
voltados à formação do aluno como sujeito, dentro de uma perspectiva crítica-reflexiva e,
sobretudo, por tratarem, como objeto de análise e discussão, a forma pela qual a avaliação vem
sendo geralmente empregada nas escolas.
A avaliação da aprendizagem deve ser entendida dentro do contexto em que se processa
a democratização do ensino, de tal forma que a ausência desse movimento dificulte as garantias
que corroboram na manutenção de crianças e adolescentes na escola, além de prejudicar as
condições de acesso a uma educação de melhor qualidade.
Para tanto, é fundamental que a avaliação da aprendizagem esteja relacionada com o
Plano Pedagógico da Escola e mais do que isso, seja entendida por seus atores quanto sua
importância na formação do indivíduo.
Assim, trago à luz os referenciais teóricos que envolvem a avaliação abordando suas
definições dentro das concepções de seus autores e a partir destes, buscar uma composição que
possa atender às especificidades da realidade em que se desenvolve o processo de aprendizagem.
É nessa perspectiva que Sousa (1994:89-90) destaca quanto à importância da função da
avaliação como subsídio ao professor, a equipe escolar e ao próprio sistema no aperfeiçoamento
do ensino. Ainda, as informações advindas de uma avaliação bem construída podem colaborar
especialmente com as tomadas de decisões sobre quais recursos educacionais devem ser
organizados na busca de um ensino mais efetivo.
A autora ressalta ainda a importância da avaliação como prática pedagógica e o
estreitamento que deve existir junto ao processo educativo, buscando atingir, de um lado, o
desenvolvimento do aluno, e de outro, o aperfeiçoamento do ensino. A análise desses resultados,
de forma descontextualizada, tem direcionado a avaliação a um processo de hierarquização de
resultados, em que a classificação passa a ser a única finalidade, contrapondo-se ao atendimento
de estender uma multiplicidade de olhar ao educando: na identificação do erro, em suas
dificuldades e, principalmente, em tomadas de decisões, tanto aos que assimilaram o conteúdo
quanto aos que necessitam maiores atendimentos.
Por conseguinte, Luckesi (2011:166) sustenta o quanto uma intervenção eficiente procede
do conhecimento proveniente do ato de investigar, produzindo a compreensão da realidade e como
consequência, a garantia de agir de forma adequada e satisfatória à medida que precisa desse
conhecimento.
Nessa direção, Allal (1979) apud Hadji (2001:21), indica três etapas das quais a atividade
de avaliação visa encontrar um diagnóstico que habilite aos atores, durante o processo de
aprendizagem, corrigir as modalidades da ação em andamento, estabelecendo assim:

251
1. - À coleta de informações, referente aos progressos realizados e às dificuldades
de aprendizagem encontradas pelo aluno;
2. - A interpretação dessas informações, com vistas a operar um diagnóstico das
eventuais dificuldades;
3. - A adaptação das atividades no ajuste necessário ao atendimento do processo
de ensino/aprendizagem. (HADJI, 2001)

Gatti (2007:7) enfatiza, por sua vez, dois pontos essenciais a serem considerados nos
processos avaliativos que se relacionam com a avaliação educacional. O primeiro é quanto à
importância de se partir de algum ponto de referência, que deve ser tão claro aos avaliadores quanto
para a comunidade interessada. O segundo ponto, mas não menos importante, será o papel do
avaliador na elaboração de ações e intervenções, mudanças de rumo, busca de alternativas,
tomadas de decisões, ou, para reafirmar caminhos tomados.
O termo avaliação educativa da aprendizagem escolar é empregado por Méndez (2002:15),
no que identifica em sua abordagem, a forma pela qual devemos aprender sobre a avaliação,
destacando sua atuação no favorecimento da aprendizagem e conhecimento sem que se
desvencilhe dos interesses formativos dos quais deve servir.
Na análise desses referenciais, transparece o quanto a avaliação, de modo geral, exige
obtenção de um diagnóstico preciso sobre a situação em que se encontra o educando. Esse
procedimento permite a tomada de decisão que melhor atenda às suas especificidades e,
consequentemente, possibilite planejar as intervenções necessárias para o devido
redirecionamento das ações empregadas.
Além de destacar a importância das ações mediadoras com enfoque na intencionalidade,
ou seja, a finalidade e/ou objetivo que se pretende com a avaliação, do uso que se presta dessa
prática e em seus resultados
pode haver mudança no conteúdo e na forma de avaliar, pode haver mudança na
metodologia de trabalho em sala de aula e até na estrutura da escola e da sociedade. No
entanto, se não se tocar no que é decisivo, o caráter mediador da avaliação – intervir na
realidade, a fim de transformar -, se não houver um reenfoque da própria intencionalidade
da avaliação, de pouco adiantará. (VASCONCELLOS, 2007:14)

As teorias, aqui apresentadas, buscam identificar e entremear seus significados na tentativa


de desenvolver uma mediação que possa resultar no entendimento da avaliação como processo na
condução da aprendizagem e não como instrumento de uma ação individualista.
Compreendendo a ação individualista, conforme expõe Santos Guerra (2007:23-24), como
um duplo entrave no processo que busca o êxito na aprendizagem. O primeiro deles está
relacionado ao fato da possibilidade de cada professor venha desenvolver seus próprios critérios,
concepções e atitudes de forma isolada e não dialogada. O que em nada contribui para sua
formação e a de seus colegas. O segundo entrave tem a ver com o próprio aluno que passa a
enxergar a avaliação como uma atividade unilateral e individualista, situação que estimula a

252
competitividade, bloqueando a aprendizagem compartilhada e, ainda, abre espaço para atitudes
questionáveis dentro do campo ético institucional.
Segundo o autor, a avaliação deve ser compreendida dentro de uma esfera em que estimule
as instituições a melhorar a formação de seus profissionais, discutindo suas práticas na busca do
aprimoramento, sempre por meio da dialogicidade e colaboração mútua.

2.3 O conceito de avaliação e suas implicaturas

O modelo de avaliação escolar, por efeito de uma relação sócio-histórica; portanto,


constituída como um instrumento de manutenção e reprodução da sociedade, acaba por determinar
características que permitem a afirmação de que na escola, de maneira geral, houve uma
apropriação do uso da verificação pura e simples, em contrariedade ao que se propõe ser o ato de
avaliar.
Nesse sentido, ao buscarmos a etimologia do termo verificar, encontramos em seu uso
corrente a ideia de “ver se algo é isso mesmo...”, e assim seu processo acaba por se constituir pela
observação, obtenção, análise e síntese dos dados e informações, finalizando no dado ou no
resultado, não permitindo que o sujeito retire das informações levantadas nenhuma proposta que
possibilite, a posteriori, qualquer tomada de decisão.
Segundo Luckesi (2009:87), a prática da aferição do aproveitamento escolar, consiste em
três procedimentos sequenciais:

1. Medida do aproveitamento escolar, normalmente utilizada pelo professor dentro de


uma escala de acertos, de modo que o número de acertos seja medido em uma
quantidade determinada de questões que possui o teste, prova ou trabalho
apresentado;
2. Transformação da medida em nota ou conceito, com o processo de medida, o
professor obtém o resultado da aprendizagem que é convertido em nota ou conceito.
A conversão se dá por meio do estabelecimento de uma equivalência entre as
questões certas ou pontos obtidos pelo aluno e uma escala, definida anteriormente
pelo professor ou mesmo instituição de ensino;
3. Utilização dos resultados pelo professor: a) como forma de registro em seu diário de
classe; b) em oferecer, mediante resultados insatisfatórios, outra “oportunidade” de
melhorar a nota ou conceito, através de atividades recuperativas; c) em atentar para
as dificuldades e desvios da aprendizagem e montar estratégias para corrigi-las.

Se os dados apresentados identificarem uma aprendizagem insatisfatória, usualmente, são


utilizados até no máximo o segundo procedimento, que consiste em registrar as notas e em algumas
situações, a possibilidade de uma nova aferição, com a recomendação por parte do professor, que
o aluno estude com mais atenção para que suas notas melhorem. Observa-se, nesse caso, que o
objetivo é a melhora da nota e não o processo da aprendizagem.

253
O uso dos resultados no movimento descrito sujeita sua função basicamente ao ato de
classificar o aluno. Normalmente, a ação de aprovar ou reprovar expressa uma preocupação que,
contraditoriamente, se torna mais importante que a própria aprendizagem.
A avaliação da aprendizagem deverá estender sua ação para além da coleta e registro de
dados, exige em seu movimento a decisão do que e do como fazer. Segundo Rivas Navarro, (apud
ARREDONDO e DIAGO, 2009:52) defende que: “a avaliação educacional propriamente dita está
mais próxima da função do médico. Trata-se de uma exploração, diagnóstico, tratamento e
eliminação de deficiências específicas na aprendizagem do aluno”.
A esse exemplo, completa Perrenoud (1999:15), nenhum médico se preocuparia em
classificar seus pacientes, do menos doente ao mais grave, tampouco administrar a mesma
dosagem de medicamento de forma coletiva. Sua ação seria de buscar um diagnóstico
individualizado e propor um tratamento sob medida a cada situação.
Arredondo e Diago (2009), por sua vez, identificam uma estrutura básica do conceito de
avaliação de forma que sua autenticidade está condicionada à existência de dois momentos. O
primeiro é o entendimento da avaliação como um processo dinâmico, aberto e contextualizado que
se desenvolve ao longo de um período de tempo; nunca pontual ou entendido isoladamente. E em
um segundo instante, os autores, destacam quanto à necessidade de esse processo atender
imprescindivelmente três movimentos fundamentais em toda e qualquer avaliação:

1º Obter informação: Aplicação de procedimentos válidos e confiáveis para conseguir


dados e informação sistemática, rigorosa, relevante e apropriada que fundamente a
consistência e a segurança dos resultados da avaliação.
2º Formular juízos de valor: Os dados obtidos devem permitir fundamentar a análise e
a avaliação dos fatos que se pretende avaliar, para que se possa formular um juízo de
valor o mais acertado possível.
3º Tomar decisões: De acordo com os juízos emitidos sobre a informação relevante
disponível, será possível tomar as decisões cabíveis a cada caso. (ARREDONDO e
DIAGO, 2009:39)

A avaliação, nesse caso, não desenvolve sentido quando esgotada em si mesma, seus dados
devem ser analisados, compreendidos e direcionados a ações pertinentes. Nesse sentido, Perrenoud
(1999:13) descreve a avaliação como uma engrenagem no funcionamento didático e, mais
globalmente, na seleção e na orientação escolares.
As ações devem ser entendidas como resultantes das tomadas de decisões e podem ser
distintas de acordo com a análise dos dados e das necessidades que delas se esperam, conforme o
exemplo adaptado de Arredondo e Diago (2009:39) sobre momentos da avaliação:

254
Avaliação

Antes Durante Depois

Inicial Formativa Somativa


Diagnóstica Orientadora Integradora
Prognóstica Reguladora Promocional
Investigativa Motivadora Certificadora

Assim, a função da avaliação se dará de acordo com os movimentos que dela esperam
buscar, ou seja, inicial, quando sua função estiver a serviço de um diagnóstico que traga
referenciais ao planejamento das turmas; processual, quando sua proposta for de regular as ações
que permeiam o processo da aprendizagem; e somativa, quando o objetivo estiver na classificação
e certificação.
É nessa direção que Arredondo e Diago (2009) compreendem o ato de avaliar como um
instrumento da ação pedagógica e integrada ao processo educacional, de maneira que possa adaptar
a atuação docente às características individuais dos alunos no decorrer do seu processo de
aprendizagem e, ainda, atender às finalidades e às metas educacionais por meio de sua validação
e significação (LUCKESI, 2009; LUCKESI, 2011; FERNANDES, 2009; MENDEZ, 2002).

2.3.1 Questões despertadas sobre a avaliação

O ato de avaliar não deve ser entendido como uma ação isolada, como medir, observar ou
pronunciar-se por meio de um julgamento de valor, de acordo com Hadji (2001), é um
posicionamento em relação ao entendimento de onde se está para a compreensão do que se almeja
alcançar. Para tanto, é fundamental ter muito bem claro o que dela se espera, além da análise dos
elementos observáveis coletados em direção do que se deseja.
A avaliação escolar, por efeito de se desenvolver a partir de um contexto social,
movimenta-se dentro de um processo de comunicação/negociação. Em que o juízo do avaliador é
resultante dos fatores sociais em que está inserido: sua história, suas representações, sua percepção
do contexto. Movimentos que o sujeito avaliado também se origina, portanto, ele próprio ator
social em que se desenvolve os mesmos fatores sociais (HADJI, 2001:40).
Todavia, se não existe a objetividade da ação de avaliar, por outro, segundo o autor, ao
menos podemos aperfeiçoar os limites do objeto da avaliação, partindo de uma “linha de
coerência” objetivo (pedagógico), objeto (a avaliar) e as observáveis (a determinar). Que se busque

255
neutralizar, sempre que possível, as influências sociais, em direção de um “contrato social”. Mais
do que a objetividade, a busca deve atender à pertinência e à justiça.
Nesse contexto, pretendo construir uma argumentação que atenda à reflexão sobre a
importância da avaliação da aprendizagem escolar, denominação proposta por Luckesi (2009) ao
se referir sobre os dilemas que envolvem a avaliação em sala de aula, e consequentemente, seu
ganho quando a serviço do ato pedagógico.
A análise do autor, publicada no início dos anos noventa, reflete uma sociedade em que o
conceito de democratização do ensino esbarrava na dificuldade do acesso da criança à escola,
situação que, na época, por efeito de falta de austeridade das políticas públicas, ainda era uma
promessa.
Quase três décadas depois, dentro de uma realidade ainda em transformação, o acesso à
escola nas séries iniciais não é mais uma situação de agravante fragilidade, por outro lado, na
conjuntura atual, precipitassem de preocupante para alarmante os dados apontados pelos relatórios
oficiais sobre o acesso à escola de crianças, adolescentes e jovens em idade escolar na Educação
Básica95, nas faixas etárias de 15 e 17 anos e de 18 e 24 anos.

Proporção de crianças, adolescentes e jovens de 6


a 24 anos de idades que não frequentam escola,
por faixas etárias - Brasil - 2005 e 2012
80
68,5 70,6
70
60
50
40
30
18,4 15,8
20
10 4,3 1,9 2,9 1,7
0
6 a 9 anos 10 a 14 anos 15 a 17 anos 18 a 24 anos

2005 2012

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005/2012.

Os dados do gráfico identificam um significativo crescimento da evasão escolar


relacionado com o aumento da faixa etária, o que podemos deduzir sobre a existência de fatores
que dificultem a permanência do jovem na escola.

95
Relatório de Observação nº 5: - As Desigualdades na Escolarização do Brasil. Conselho do Desenvolvimento
Econômico e Social, julho de 2014.

256
A evasão ainda é um desafio a ser superado em todo Brasil, situação que segundo Neto
(2007) é substancialmente agravada pelas condições sociais impostas a muitas famílias, que em
busca de ganho econômico utilizam-se indiscriminadamente da exploração da mão-de-obra
infantil em detrimento a permanência desses jovens na escola96.
A avaliação escolar, quando não aflui em direção à formação do aluno, atua de forma a
agravar o processo de evasão, e assume assim, como um dos elementos responsáveis pelo
distanciamento da proposta de democratização do ensino (LUCKESI, 2009:60).
Desse modo, é evidente a percepção de que a condição do acesso à escola não é garantia
de sua permanência e, consequentemente, do término de sua escolarização. Essa condição alija os
direitos que, em essência, formalizam a concepção de um ensino democrático, em especial quando
o Poder Público não se mostra eficiente na obtenção das condições básicas necessárias para adoção
de políticas capazes de garantir que todas as crianças não só permaneçam na escola, na idade certa,
como também concluam seus estudos.
Outro fator analisado pelo autor, como obstáculo ao processo de democratização do ensino,
está relacionado à qualidade, ou seja, à forma de transmissão e apropriação dos conteúdos
escolares de maneira que atenda ao processo da aprendizagem.
A criança, ao ser matriculada na escola, terá como objetivo a aprendizagem dos conteúdos
que desconhece e ainda terá que compreender a realidade por meio dos saberes. Dessa forma, é
fundamental o papel do professor como sujeito que torna possível, através de sua prática de ensino,
criar as condições necessárias e suficientes para o atendimento dessa aprendizagem.
Assim, a formulação de uma prática de avaliação envolvida com a aprendizagem é
fundamental como instrumento colaborador e facilitador na construção dos saberes e não
simplesmente voltado a um procedimento técnico-institucional de caráter classificatório e
direcionado à certificação (FERNANDES, 2009:29).
Dos fatores apontados por Luckesi (2009) como complicadores do processo para
democratização do ensino, ou seja, o acesso da criança à escola, sua permanência/terminalidade e
a qualidade do ensino, os dois últimos perpassam pela análise da avaliação da aprendizagem, e
podem servir como instrumentos deliberados à exclusão do educando, consequentemente, esbarrar
na proposta pedagógica escolar.

96
Trabalho Infantil na Terceira Revolução Industrial – Honor de Almeida Neto

257
2.3.2 A avaliação externa a serviço da aprendizagem

A avaliação, quando não está a serviço da aprendizagem, pode vir a se transformar em um


instrumento motivador da evasão ou um complicador para a conclusão de seu ciclo ou série 97. O
aluno, ao não encontrar significado no que realiza, tende em desvalorizar o processo que implica
sua aprendizagem.
A apropriação do conhecimento, fator relacionado com o que se espera na qualidade do
ensino, tem se tornado uma discussão presente na atualidade. Se de um lado os índices de
reprovação e evasão têm diminuído nas últimas décadas. Por outro, a qualidade – o que se espera
na aquisição das habilidades e competências – no ensino público não se desenvolve na mesma
proporção.
A partir dos últimos dados divulgados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb), o país avançou consideravelmente na inclusão e, nos anos iniciais, há uma evolução no que
se espera de uma aprendizagem adequada. Contudo, nas séries finais, no ensino médio, é alarmante
a evasão de alunos e o baixo aproveitamento do ensino-aprendizagem.
O portal de informações educacionais QEdu98 desenvolve um acompanhamento no
avanço escolar do Ensino Fundamental por meio da Prova Brasil, desde o ano de 2007, e junto ao
movimento Todos Pela Educação99, adotou, a partir de determinadas regulações, a meta de colocar
70% de alunos em condições de ensino adequadas (proficiente mais avançado) a ser atingida até o
ano 2022. Regulações expressas de ordem que:

(...) de acordo com o número de pontos obtidos na Prova Brasil, os alunos são distribuídos
em quatro níveis em uma escala de proficiência: Insuficiente, Básico, Proficiente e
Avançado. Neste Portal considera-se que alunos com aprendizado adequado são aqueles
que estão no nível proficiente e avançado. Esse conceito é o mesmo utilizado pelo
movimento Todos Pela Educação para estabelecer suas metas e se baseia em parecer de
seu comitê técnico composto por diversos especialistas em educação.
Para o 5º ano do Ensino Fundamental, os alunos nos níveis proficiente e avançado são
aqueles que obtiveram desempenho igual ou superior a 200 pontos em Português e 225
pontos em Matemática. Para o 9º ano do Ensino Fundamental, os alunos nos níveis

97
A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo adotou em 1998 o Regime de Progressão Continuada
para o Ensino Fundamental, com base organizacional em dois Ciclos de Aprendizagem: Ciclo I (1ª a 4ª
séries) e Ciclo II (5ª a 8ª séries). A partir de 2014 essa organização foi reformulada e passou a existir em
três Ciclos de Aprendizagem: Alfabetização (1º ao 3º anos), Intermediário (4º ao 5º anos) e Final (6º ao
9º anos). Essa reforma não se desenvolveu no Ensino Médio que continua sendo realizado em três séries.
98
QEdu <www.qedu.org.br> é um portal não-governamental aberto e gratuito, onde se encontra
informações sobre a qualidade do aprendizado em cada escola, município e estado do Brasil.
99
Em 1996 fui fundado o Movimento Todos pela Educação, organizado pelo setor empresarial (Fundação
Lemamm, Fundação Jacobs e Grupo Gerdau), com objetivo central de atender a melhoria da qualidade da
educação para as novas demandas de mercado.

258
proficiente e avançado são aqueles que obtiveram desempenho igual ou superior a 275
em Português e 300 pontos em Matemática. Fonte: Portal de informações educacionais
QEdu

A classificação dos níveis de proficiência determinados através do QEdu é estruturada da


seguinte forma:
- Avançado, quando o aprendizado ultrapassa as expectativas esperadas. Nesse caso é
recomendável que os alunos que alcancem esse nível sejam estimulados com atividades
desafiadoras ao seu intelecto;
- Proficiente, os alunos encontram-se preparados para dar continuidade aos estudos.
Nesse caso recomendam-se atividades de aprofundamento;
- Básico, os alunos precisam melhorar sua aprendizagem. Sugerem-se atividades de
reforço escolar;
- Insuficiente, os alunos apresentam pouquíssimo aprendizado. Sendo necessária a
recuperação de conteúdos100.

Os dados apresentados nas tabelas 1 e 2 mostram um avanço pouco significativo na


aprendizagem de matemática e português nos 5º anos, havendo na prática uma manutenção nos
níveis que se agrupam os alunos posicionados no Básico e Insuficiente.
Tabela 1 Tabela 2

Fonte: QEdu Fonte: QEdu


Quadro situacional piora, conforme observado nas tabelas 3 e 4, se comparado com os anos
finais do Ensino Fundamental. O nível de Proficiente em Matemática praticamente não registra
melhora em seu desempenho, condição que se repete nas avaliações de Português, em que ambas
apresentam significativa concentração no nível Básico e Insuficiente, que somados ultrapassam
75% nos anos avaliados.

Tabela 3 Tabela 4

Fonte: QEdu Fonte: QEdu


Há que se levar em consideração que a metodologia da organização de dados divulgados
pelo Portal QEdu não representa os índices oficiais apontados através do SAEB e, sim, de uma
escala baseada a partir desse sistema101.

100
Fonte: http://www.qedu.org.br/
101
Essa classificação qualitativa foi desenvolvida por José Francisco Soares, atualmente presidente do
Inep (2014-15), utilizando como base a escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB.

259
De qualquer forma, não devem ser desprezados índices tão alarmantes relacionados à baixa
qualidade da aprendizagem no ensino público brasileiro. Situação que demanda uma concentração
de esforços da sociedade como um todo para buscar alternativas para corrigir esse cenário.

2.3.3 A avaliação na escola – uma reflexão

A escola é o espaço em que as mudanças devem ser discutidas, analisadas, implantadas, e


especialmente, compreendidas em seu escopo. Seus atores – gestores, professores, funcionários,
pais e alunos – devem ter a compreensão e reconhecimento, dela e de seus respectivos papeis no
desvelamento da realidade e na transformação sociocultural que se espera.

A escola não pode esperar por Reformas Legais para enfrentar a realidade que lhe afoga.
Além do mais, a atitude de esperar “por decretos” [...] reflete o descompromisso de muitos
e a responsabilização de poucos com aquilo que deveria ser transformado. A escola tem
uma vida interior que, sem ser alterada por códigos legislativos, pode trabalhar com o
homem em nova dimensão, bastando para isso que seus membros se disponham a
estabelecer um novo projeto de reflexão e ação (NAGEL, 1989:10).

A ação coletiva entre os educadores no espaço escolar, que tenha como objetivo reverter
um processo pedagógico que melhor atenda às necessidades de aprendizagens dos alunos perpassa
necessariamente pela formação de seus professores. Nesse contexto, a escola, por meio de sua
equipe gestora, deve oferecer as condições para que o processo de formação mútua e auto formação
se tornem não só possíveis, como também contínuos (PLACCO & SOUSA, 2012), (BRUNO,
ALMEIDA & CHRISTOV, 2009).
Sousa e Alavarse (2003) identificam a necessidade de implantação de medidas
direcionadas à reorganização e ao planejamento na escola, de forma que haja a garantia para:

1. “Promoverem um trabalho com os profissionais, alunos e pais direcionado à


construção de um novo significado para a avaliação escolar, pois as mudanças
que se exigem não são meramente técnicas, mas sim políticas e ideológicas,
impondo o confronto com valores arraigados na cultura escolar;
2. Organizarem suas classes com o número de alunos compatível com a
possibilidade de acompanhamento individual e coletivo dos alunos;
3. Planejarem uma organização flexível do tempo e do conteúdo do trabalho
escolar, de modo que contemple programas e atividades diversificadas, que
atendam às necessidades dos alunos;
4. Formarem diversos agrupamentos de alunos, contando para isso com
infraestrutura física adequada;
5. Contarem com disponibilidade de tempo do professor para elaborar programas
de ensino adequados a cada grupo com que trabalha, assim como um registro
sistemático de desenvolvimento que cada aluno vem apresentando, tendo em
vista a programação e reprogramação do trabalho;
6. Promoverem trabalho coletivo para que se viabilize o planejamento articulado
das ações escolares;

260
7. Garantirem um novo tempo e espaço para os alunos que não evidenciarem o
desenvolvimento desejado, viabilizando-se condições de aprendizagem.”
(SOUSA e ALAVARSE, 2003:76)

As ações coletivas que buscam transformar o que se espera como qualidade satisfatória na
educação, por vezes, esbarra no modelo de avaliação empregado na escola, nesse contexto a
avaliação escolar, limitada ao ato de examinar, não estimula a integração para um
redirecionamento capaz de reorganizar e planejar as medidas que impulsionem as condições
necessárias da aprendizagem.
Segundo Perrenoud (1999:65), a característica constante de todas as práticas de avaliação
é submeter regularmente o conjunto dos alunos a provas que evidenciam uma distribuição de
desempenhos, portanto, de bons e maus desempenhos, senão de bons e maus alunos. Destaca a
avaliação, por vezes normativa, no sentido de criar uma distribuição normal, ou curva de Gauss.
Aponta como sendo também comparativa, em que os desempenhos de alguns se tornam referência
para os demais. Identifica como pouco individualizada seguindo o princípio do exame (a mesma
para todos no mesmo momento), em que cada aluno é avaliado separadamente por um desempenho
que supostamente revela suas competências individuais.
O autor define uma série de mecanismos ligados à avaliação que limitam qualquer
possibilidade de inovação pedagógica, porém deixa claro que nem todos eles ocorrem ao mesmo
tempo e nem sempre são suficientemente fortes para obstruir totalmente a inovação:

• A avaliação frequentemente absorve a melhor parte da energia dos alunos e


dos professores e não sobra muito para inovar.
• O sistema clássico de avaliação favorece uma relação utilitarista com o
saber. Os alunos trabalham “pela nota”: todas as tentativas de implantação
de novas pedagogias se chocam com esse minimalismo.
• O sistema tradicional de avaliação participa de uma espécie de chantagem,
de uma relação de força mais ou menos explícita, que coloca professores e
alunos e, mais geralmente, jovens e adultos, em campos opostos, impedindo
sua cooperação.
• A necessidade de regularmente dar notas ou fazer apreciações qualitativas
baseadas em uma avaliação padronizada favorece uma transposição didática
conservadora.
• O trabalho escolar tende a privilegiar atividades fechadas, estruturadas,
desgastadas, que podem ser retomadas no quadro de uma avaliação clássica.
• O sistema clássico de avaliação força os professores a preferir os
conhecimentos isoláveis e cifráveis às competências de alto nível
(raciocínio, comunicação), difíceis de delimitar em uma prova escrita ou em
tarefas individuais.
• Sob a aparência de exatidão, a avaliação tradicional esconde uma grande
arbitrariedade, difícil de alcançar unanimidade em uma equipe pedagógica:
como se entender quando não se sabe nem explicar, nem justificar o que
realmente se avalia? (PERRENOUD, 1999:66-67)

Esses mecanismos, de forma isolada ou não, se tornam freios que devem ser considerados
em uma estratégia que busque mudança nas práticas pedagógicas. Contudo, não será apenas com

261
a mudança da avaliação que as práticas pedagógicas se transformarão instantaneamente, ela se
choca também com outros obstáculos.
Qualquer proposta de inovação pedagógica deve levar em consideração uma reformulação
no sistema e nas práticas de avaliação, integrá-las à reflexão e modifica-las para permitir sua
mudança. A avaliação tradicional acaba por se transformar em um liame significativo que
obstaculiza ou, ao menos retarda qualquer possibilidade de outras mudanças.

2.3.4 Avaliação como forma de regulação na aprendizagem

Avaliar implica na coleta, análise e síntese dos dados que compõem o objeto avaliado,
somado de uma concessão de valor ou qualidade, que converge para uma paridade frente a um
determinado padrão de qualidade previamente estabelecido e identificado como referência do que
se espera alcançar. A leitura sobre o valor ou qualidade ora atribuído leva por sua vez a um
posicionamento – ou tomada de decisão - que pode vir ao ou mesmo de encontro, ao que dele se
espera, a partir do valor ou qualidade atribuído, situação que conduzirá a uma nova decisão: a
manutenção do objeto avaliado ou então agir sobre ele (LUCKESI, 2009:93).
Avaliação com ênfase na aprendizagem deve ser entendida como qualquer método ou
prática pedagógica avaliativa que tenha como compromisso a aprendizagem do aluno, e não apenas
a busca por melhores notas. Sua atuação age à contramão de ações limitadoras, que geralmente
atentam à classificação, seleção e certificação, dos resultados obtidos pelos alunos, para fins de
normatização institucional. Para Luckesi (2009), nesse sentido, ao avaliar o professor deverá

• coletar, analisar e sintetizar, da forma mais objetiva possível, as manifestações


das condutas – cognitivas, afetivas, psicomotoras – dos educandos, produzindo
uma configuração do efetivamente aprendido;
• atribuir uma qualidade a essa configuração da aprendizagem, a partir de um
padrão (nível de expectativa) preestabelecido e admitido como válido pela
comunidade dos educadores e especialistas dos conteúdos que estejam sendo
trabalhados;
• a partir dessa qualificação, tomar uma decisão sobre condutas docentes e
discentes a serem seguidas, tendo em vista:
- a reorientação imediata da aprendizagem, caso sua qualidade se mostre insatisfatória e
caso o conteúdo, habilidade ou hábito, que esteja sendo ensinado e aprendido, seja
efetivamente essencial para a formação do educando;
- o encaminhamento dos educandos para passos subsequentes da aprendizagem, caso se
considere que, qualitativamente, atingiram um nível satisfatório no que estava sendo
trabalhado. (LUCKESI, 2009:95)

Nesse contexto, a avaliação tem como premissa fundamental o progresso educacional dos
alunos sempre em consonância ao processo de ensino-aprendizagem. Para que esse movimento
ocorra, o professor deverá ter definido a concepção de qualidade que se espera da aprendizagem,
partindo de objetivos didáticos esclarecedores e que possam fornecer respostas aos

262
questionamentos como “o que quero que meus alunos aprendam? Como saberei que aprenderam?”
(ARREDONDO e DIAGO, 2011:472).
Dessa ideia nasce a concepção de avaliação da aprendizagem (LUCKESI, 2009:17),
também definida como avaliação formativa (PERRENOUD, 1999:14), em que o professor
acompanha mais metodicamente os alunos. Essa condição facilita a compreensão dos movimentos
que envolvem a avaliação, ajustando-a de maneira mais sistemática, além de individualizar suas
intervenções pedagógicas e as situações didáticas, sempre na expectativa de otimizar a
aprendizagem.
Essa concepção transparece na perspectiva de uma regulação intencional, ou seja, em uma
proposta de determinar, ao mesmo tempo, o caminho já percorrido por cada um (professor e aluno)
e aquele que resta a percorrer, tendo vistas em possíveis intervenções com intenção de criar
condições mais favoráveis aos processos de aprendizagens em curso.
Russell e Airasian (2014) descrevem, quanto às regulações aqui denominadas como
propósitos, que a avaliação deve entrelaçar para o professor na compreensão de suas tomadas de
decisão. Esses propósitos incluem estabelecer desde o equilíbrio da sala de aula, planejar e
conduzir as aulas, organizar os alunos, dar feedbacks e incentivos, diagnosticar problemas e
deficiências dos estudantes e julgar e dar nota ao seu progresso e desenvolvimento acadêmico.
Os autores identificam sete padrões que representam um quadro conceitual ou scaffolding
em que se podem derivar habilidades específicas das quais os professores devem se apropriar para
o atendimento eficiente da avaliação em sala de aula e das demandas decorrentes das políticas
educacionais.
1. Os professores devem saber escolher os métodos de avaliação adequados para
as decisões instrucionais.
2. Os professores devem saber desenvolver métodos de avaliação adequados para
decisões instrucionais.
3. Os professores devem saber aplicar, atribuir notas e interpretar os resultados
tanto dos métodos produzidos externamente quanto dos métodos de avaliação
produzidos por eles.
4. Os professores devem saber usar os resultados de avaliação ao tomar decisões
sobre os alunos específicos, planos de aula, desenvolvimento do currículo e
melhorias para a escola.
5. Os professores devem saber desenvolver procedimentos de atribuição de notas
válidas que usam as avaliações dos alunos.
6. Os professores devem saber comunicar resultados de avaliação aos alunos, aos
pais, a outros públicos leigos e a outros educadores.
7. Os professores devem saber reconhecer métodos de avaliação e usos de
informação de avaliação que sejam antiéticos, ilegais ou, de alguma forma,
inadequados.
Adaptado de Russel e Airasian, (2013:334-337)102

102
Nos anexos se encontra o quadro conceitual de maneira completa com todos os padrões apontados pelos
autores na definição das competências exigidas pelos professores.

263
Os propósitos expostos pelos autores conversam diretamente com o conceito de avaliação
sugeridos por Perrenoud (1999), quando explicita que “a avaliação formativa está, portanto
centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão das aprendizagens dos alunos (pelo
professor e pelos interessados)” (BAIN, 1988b:24, apud PERRENOUD, 1999:89). Esse é o
entendimento de que formativa é toda avaliação que ajuda a compreensão e o desenvolvimento do
aluno, que participa da regulação das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de um
projeto educativo.
Concepção assumida em Luckesi (2011), quando defende que a avaliação implica em
acompanhamento e reorientação permanente da aprendizagem. Do qual exige um ritual de
procedimentos, que inclui desde o estabelecimento de momentos no tempo, construção, aplicação
e contestação dos resultados expressos nos instrumentos; devolução e reorientação das
aprendizagens ainda não efetuadas.
Assim, entendendo que, geralmente, nas escolas, os procedimentos elencados não são
considerados, mantendo uma proposta baseada em práticas de exames pontuadas na obtenção de
resultados para fins de classificação e certificação no lugar de avaliação da aprendizagem,
proponho algumas reflexões.
Há compreensão pelo professor o quanto a reprodução dessa prática avaliativa, aqui
identificada como ato de examinar, condiciona o educando a uma letargia no processo de
aprendizagem? Ainda, o quanto sua forma de ensinar está diretamente relacionada com seu
conceito de avaliação?
Nessa direção, consideramos uma atividade formativa que possa contribuir para despertar
do professor na compreensão desses questionamentos, que busque por meio da análise reflexiva
de suas práticas, atuar em uma releitura de ser e fazer, que traga elementos que suscitem uma
experiência nova e significativa em sua atividade profissional.

CAPÍTULO 3 PROPOSTA DE ATIVIDADE FORMATIVA

A atividade formativa, produto desse trabalho, parte do pressuposto que o professor


aprende ao longo do processo e que vai reestruturando seus saberes e conhecimentos na medida
em que desenvolve suas práticas. Esse aprendizado se desenvolve de várias formas e em diferentes
momentos, a formação continuada do professor na própria escola em que o coordenador assume
as funções de formador, se encontra em uma dessas formas ou momentos de aprendizagem
docente.

264
Nessa direção, se dá a intervenção do trabalho do formador, que conforme aponta Orsolon
apud Almeida e Placco (2012), pode se realizar por meio das garantias de permanência das práticas
docentes ou mesmo, na criação de condições que possibilitem a transformação da realidade
existente. No entendimento de que a educação tem em si o papel de transformadora é que se
acentua o papel do coordenador como articulador da proposta pedagógica, em especial através da
ação mediadora junto ao professor.
A necessidade da transformação evidencia-se à medida que o educador tem consciência
de si mesmo e do impacto de suas intervenções na realidade. Assim, propiciar condições
para que a sincronicidade – “ocorrência crítica de componentes políticos, humano-
interacionais e técnicos na ação do professor” (Placco 1994:18) – seja desvelada e se torne
consciente é uma maneira de possibilitar ao professor novas leituras sobre o que fazer.
Nesse movimento de se perguntar sobre o que vê é que se rompe com a insuficiência do
saber que se tem, condição importante para os movimentos de mudança na ação do
professor. (ALMEIDA e PLACCO, 2012:23)

Essa atividade formativa tem a intencionalidade de auxiliar nesse processo da formação do


professor por meio da análise de suas práticas, propondo elementos que possibilitem espaço para
reflexão e pesquisa, exercitando a problematização de seu cotidiano, questionando-o ao mesmo
tempo em que incita na perspectiva de reavaliar suas práticas de ensino-aprendizagem.

3.1 Objetivo geral da atividade

O presente trabalho é a construção de uma atividade formativa que tem como foco despertar
o interesse dos professores quanto à importância da formação para o aprimoramento de suas
práticas de avaliação da aprendizagem em sala de aula.

3.1.2 Objetivos específicos

• Instigar o professor a buscar soluções, propondo desafios, fortalecendo seu papel


como protagonista no desenvolvimento da avaliação escolar;
• Colaborar na formação do educador no uso da avaliação em sala de aula destacando
nesse processo a importância da tomada de decisão;
• Propiciar um espaço de discussão e reflexão sobre as práticas pedagógicas e a
avaliação escolar.

3.1.3 A metodologia pesquisa-ação e Role-Playing Game

A compreensão de que os objetivos propostos podem ser alcançados em sua abrangência


por meio de um trabalho realizado no coletivo motivou-nos a adoção de uma perspectiva de

265
abordagem qualitativa pelo método da pesquisa-ação. A realização desse trabalho propõe trocas
de experiências, por meio de discussões, desvelando conflitos e consensos em prol dos interesses
em comum dos participantes.
A pesquisa-ação tem por pressuposto que os sujeitos que nela se envolvem compõem um
grupo com objetivos e metas comuns, interessados em um problema que emerge num
dado contexto no qual atuam desempenhando papéis diversos: pesquisadores
universitários e pesquisadores (professores no caso escolar). Constatado o problema, o
papel do pesquisador universitário consiste em ajudar o grupo a problematizá-lo, ou seja,
situá-lo em um contexto teórico mais amplo e assim possibilitar a ampliação da
consciência dos envolvidos, com vistas a planejar as formas de transformação das ações
dos sujeitos e das práticas institucionais (THIOLLENT, 1994).

A opção pela pesquisa-ação vai ao encontro dos interesses desse pesquisador em


desenvolver junto aos professores uma cultura de análise das práticas de avaliação em sala de aula,
contribuindo para o aperfeiçoamento das práticas pedagógicas, por meio da análise e reflexão da
prática apoiada em referenciais teóricos.
O objeto dessa pesquisa não consiste em avaliar as práticas dos professores ou oferecer
sugestões que possam ser entendidas como propostas para tornar a avaliação em sala de aula mais
producente e, sim, em colaborar com o despertar da reflexão do sujeito sobre sua própria prática,
de forma que as tomadas de decisões sejam direcionadas para melhorar o ensino e, por conseguinte,
a aprendizagem.
Nesse contexto, pesquisa-ação conversa como método para alcançar os objetivos
propostos, pois se estende para além de uma perspectiva colaborativa, alcançando uma concepção
crítica na análise do objeto da pesquisa, conforme expõe Thiollent (1994), sobre os objetivos que
se propõe a pesquisa-ação:

Objetivo prático (ou de resolução de problemas): a pesquisa-ação visa contribuir para o


equacionamento do problema central na pesquisa, a partir de possíveis soluções e de
propostas de ações que auxiliem os agentes (ou atores) na sua atividade transformadora
da situação;
Objeto de conhecimento (ou ato de tomada de consciência): a pesquisa-ação propicia que
se obtenham informações de difícil acesso por meio de outros procedimentos e, assim,
possibilita ampliar o conhecimento de determinadas situações. Desse item, são exemplos
da pesquisa: reivindicações dos professores; suas representações, dos alunos e da
sociedade sobre a profissão, sobre os alunos, sobre as questões pedagógicas; suas
capacidades de ação ou mobilização etc.
Objetivo de produzir e socializar conhecimento que não seja útil apenas para a
coletividade diretamente envolvida na pesquisa, mas que possibilite certo grau de
generalização.

No que se refere aos aspectos da metodologia que configuram a pesquisa-ação, aponta


ainda Thiollent (1994) que

1. há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas implicados na


situação investigada;

266
2. dessa interação, resulta a definição de prioridades dos problemas a serem
pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ações concretas;
3. objetivo da investigação não é constituído pelas pessoas e sim pela situação
social e pelos problemas de diferentes naturezas encontrados na situação;
4. objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos, em esclarecer os
problemas da situação observada;
5. há, durante o processo, um acompanhamento das decisões, das ações e de toda
atividade intencional dos atores da situação;
6. a pesquisa não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo): pretende-se
aumentar o conhecimento dos pesquisadores ou o “nível de consciência” das
pessoas e dos grupos considerados.

A opção pela pesquisa-ação se completa no interesse desse pesquisador pelo uso do RPG
como estratégia, na busca de tentar aprimorar no professor suas tomadas de decisão.
RPG é a sigla de Role-Playing Game, da qual a tradução livre para o português possibilita
algumas variações, como por exemplo: “jogadores que interpretam”, “jogo de interpretação de
papel”, “jogo de interpretação de personagem”, contudo, mantém em sua essência a ideia de que
é um jogo no qual os participantes interpretam indivíduos imaginários, chamados de personagens,
em cenários fictícios, reais ou históricos, e tentam atuar de acordo com a personalidade desses
personagens.
O RPG foi criado no início dos anos 70 nos Estados Unidos, a partir de jogos estratégicos
de guerra e de narrativas de fantasia, influenciado posteriormente pelas obras de Tolkien103 (2003),
publicação original de 1954, que tem como cenário uma ambientação medieval carregada de
elementos fantásticos (dragões, elfos, gigantes), se desenvolve através de uma narrativa na qual os
jogadores interagem com a história, exigindo análises das situações e principalmente tomadas de
decisões que podem alterar o rumo da história e de seus personagens.
O jogo estimula o trabalho em equipe em busca de um mesmo objetivo, por meio de ações
de cooperação, associadas às diferentes habilidades e experiências entre seus jogadores, não
existindo vitórias individuais.
O RPG não é competitivo. A diversão não está em vencer ou derrotar os outros jogadores,
mas utilizar a inteligência e a imaginação para cooperação com demais participantes,
buscar alternativas que permitam encontrar melhores respostas para as situações
propostas pela aventura. É um exercício de diálogo, de decisão em grupo, de consenso.
(MARCATTO, 1996:185)

O RPG tem seu uso justificado como ferramenta estratégica ao atendimento do processo
de aprendizagem (MARCATTO, 1996; PAVÃO, 2000; RODRIGUES, 2004), no estímulo do
desenvolvimento do trabalho em equipe, união e ajuda mútua na busca de alternativas para
soluções de problemas.

103
Tokien, John Ronald Reuel (1892-1973), professor de Oxford, autor da trilogia O Senhor dos Anéis
(1954-1955), O Hobbit (1937) e O Simmarillion (1977), criador da Terra Média com mitologia e
linguagens próprias, um mundo carregado de fantasia caracterizado no período medieval em que
personagens humanos interagem com elfos, dragões, magos e vários seres fantásticos das florestas.

267
O uso do RPG como método ou estratégia para formação da aprendizagem em sala de aula
é uma realidade, conforme podemos observar nos trabalhos publicados sobre essa temática, ainda
que de forma tímida. Alguns desses trabalhos fundamentados na teoria sócio-histórica de
Vygotsky.
Vygotsky, segundo Oliveira (2003), defende a relevância do imaginário no processo de
formação da criança, possibilitando dessa forma o contato do concreto por meio de sua
representação da realidade, tornando as regras que regulam as brincadeiras condição para a
assimilação de atitudes e comportamentos mais avançados para sua idade.

São justamente as regras da brincadeira que fazem com que a criança se comporte de
forma mais avançada do que aquela habitual para sua idade. Ao brincar de ônibus, por
exemplo, exerce o papel de motorista. Para isso tem que tomar como modelo os
motoristas reais. Que conhece e extrair deles um significado mais geral e abstrato para a
categoria “motorista”. Para brincar conforme as regras tem que esforçar-se para exibir um
comportamento semelhante ao do motorista, o que a impulsiona para além de seu
comportamento como criança. Vygotsky menciona um exemplo extremo, em que duas
irmãs, de cinco e sete anos, decidiram brincar “de irmãs”. Encenando a própria realidade,
elas tentavam exibir o comportamento típico de irmã, trabalhando de forma deliberada
sobre as regras das relações entre irmãs. O que na vida real é natural e passa despercebido,
na brincadeira torna-se regra e contribui para que a criança entenda o universo particular
dos diversos papéis que desempenha. OLIVEIRA (2003:67).

Nesse contexto, propõe Vygotsky (OLIVEIRA, 2003:67), que a criação do universo


imaginário e a definição de regras específicas que permeiam o contexto lúdico das brincadeiras
criam uma zona de desenvolvimento proximal (ZDP) na criança, influenciando seu cognitivo. As
ações no brinquedo sujeitam-se aos significados dos objetos e assim permite que brincadeiras,
aparentemente com pouca semelhança com atividades psicológicas mais complexas, possam
corroborar para o desenvolvimento da criança.
O RPG pode ser entendido como um método de aprendizagem na sala de aula, desde que
ancorado em determinado conteúdo e adaptado para as necessidades pedagógicas, proporcionando
por efeito de sua estrutura e dinamismo, desenvolvimento da criatividade, raciocínio lógico,
abstração, resolução de problemas, cooperação através do trabalho em equipe (MACEDO;
PASSOS; PETTY, 2000).
A revista Nova Escola apresenta, em linhas gerais, uma série de orientações ao professor
para que o jogo em sala de aula atenda ao dinamismo que se exige na relação que envolve o
processo de ensino-aprendizagem:

Familiarize-se com o jogo: O melhor é começar como jogador. Assim, você vivencia a
aventura e repara erros do enredo que concebeu.
Tenha um objetivo pedagógico: Apesar do caráter lúdico, sua função primordial na escola
é incentivar a pesquisa sobre o conteúdo. É com base nele que os desafios propostos à
aventura devem ser estruturados.

268
Não dê respostas: Num RPG, os estudantes mais do que nunca têm postura ativa. Oriente-
os a pesquisar em livros e filmes e a trocar informações com os colegas.
Planeje o tempo: É importante estar atento ao esgotamento do assunto à necessidade de
um desenvolvimento maior que o esperado. Para dar aos alunos tempo de buscar um
mistério, uma alternativa é dividir a aventura em mais de um dia de aula.
Gerencie o imprevisto: O que acontece na história não pode ser controlado inteiramente
porque depende da interação com os alunos. Dê espaço e investigue aspectos curiosos
relacionados ao conteúdo.104

As qualidades explicitadas no RPG são somadas, em sua concepção, como facilitadora na


criação de vínculos entre quem aprende e o que se pretende aprender, possibilitando espaço na
construção de comportamentos assertivos105.
Em seu trabalho de dissertação de mestrado, Vasques (2008) descreve como se desenvolve
uma partida de RPG, de maneira que possamos a partir dessa descrição analisar a possibilidade de
seu uso como instrumento para formação do professor na tomada de decisão.

A partida de RPG é iniciada pelo narrador, que deve ter elaborado previamente as linhas
gerais de uma aventura inserida no universo escolhido pelo grupo. Os demais jogadores
também precisam trazer pronta a ficha de sua personagem, respeitando as determinações
do narrador. Este último descreve uma situação inicial, a partir da qual cada jogador
define livremente sua ação, de acordo com as possibilidades oferecidas pelo sistema de
regras. Todo jogador deve comunicar a atitude de seu personagem diante da situação
proposta, ainda que esta consista em uma não-ação. São anunciadas então, pelo narrador,
as consequências das ações que, em alguns casos, precisam ser submetidas a testes, cujos
resultados se definem pelos números obtidos nos dados. Desta forma prossegue o jogo,
sendo modificado a cada nova ação dos personagens. Como muitas destas ações fogem
do plano inicial do narrador, é preciso que ele improvise grande parte do jogo. Termina a
partida quando o grupo consensualmente considera ter desenvolvido a contento a história
proposta pelo narrador. No entanto, esta história pode sempre ser retomada e explorada
sob outros aspectos. VASQUES (2008:14).

O Mestre é o narrador e condutor da história, figura central do jogo e como tal de extrema
importância para o desenvolvimento da aventura. A ficção é criada de forma colaborativa entre o
Mestre e os demais jogadores, desenrola-se de forma interativa, verbalizada e carregada de
improvisos. Os jogadores costumam criar seus próprios personagens de acordo com o tipo de
aventura que se propõe.

Sendo uma construção coletiva calcado no discurso oral, no diálogo e troca de ideias, o
RPG pode ser visto como um importante elemento de comunicação, pois o ato de jogar
leva, naturalmente, a uma maior facilidade de se comunicar, expressar um pensamento.
Segundo Flavio Andrade (1997), o RPG permite ao jogador exercitar sua fantasia e torná-
la aceitável em seu meio. Isso, por si só, dá ao jogo um grande papel como elemento
socializante, pois, ao sentir-se aceito, o jogador começa a se despir de suas inibições e se
expor mais à sociedade. (BETTOCCHI; KLIMICK, 2003)

104
<http://revistaescola.abril.com.br/historia/fundamentos/abc-rpg-423044.shtml> Acesso 05/2014.
105
Segundo as definições clássicas, o comportamento assertivo seria a expressão de sentimentos de
maneira socialmente adequada, preservando tanto os direitos/interesses do indivíduo que responde
assertivamente quanto os de seu interlocutor. Marchezini-Cunha & Tourinho, 2010.

269
O RPG, quando voltado para educação, pode se tornar um valioso instrumento pedagógico
facilitador do processo da aprendizagem por efeito, entre outras, de sua praticidade na formulação
das regras, na interatividade entre seus jogadores e, em especial, da criatividade na preparação e
no desenvolvimento dos conteúdos escolares.
Segundo Amaral (2013), o RPG pedagógico, possui características próprias que o
diferencia do jogo comum, mesmo que ambos se desenvolvam dentro de uma mesma mecânica:

(...) enquanto a maioria dos RPGs comuns se baseia, principalmente, em combates


(imaginários) entre os personagens dos jogadores e os personagens do Mestre, o RPG
pedagógico prioriza a solução de situações-problema a partir do uso de conceitos
científicos ou apresenta um cenário no qual se possam fazer comparações com conteúdos
estudados. Além disso, as regras do RPG utilizado na escola são mais simples do que as
do jogo comercial. (AMARAL, 2013:13)

De acordo com Pavão (2000:38), a pesquisa sobre o uso do RPG no Brasil e seu processo
de apropriação pedagógico teve início nos anos 1990, em decorrência do deslumbramento do jogo
entre os jovens e adolescentes. Situação que, dado o potencial pedagógico, despertou o interesse
entre educadores pelo desenvolvimento de planos de aula que pudessem fazer uso da mecânica
que o jogo oferece.
Amaral (2013:28-31), apoiado por vários autores, defende o uso do RPG pedagógico no
atendimento à interdisciplinaridade, contextualização, cooperação, motivação e as relações sociais
(MARCATTO, 1996; AMARAL, 2008; RIYIS, 2004; VASQUES, 2008; AMARAL; PACHECO,
2010).
O autor, em sua pesquisa, destaca a motivação dos jogadores em participar das atividades,
reconhecendo-se como agentes ativos do seu aprendizado, aprendendo com os erros a partir de
suas descobertas, sem a necessidade imediata do responsável pela formação.

A própria dinâmica do jogo permite que o professor trabalhe dessa forma. Se os jogadores
tomam uma decisão equivocada, seja a partir de um cálculo errado ou de uma
interpretação inapropriada, o mestre não precisa (nem é recomendável) apresentar o erro
imediatamente. Ao contrário, ele deve conduzir a aventura de modo que, mais adiante, o
próprio grupo compreenda que fez uma má escolha anteriormente. (AMARAL, 2013:14-
15)

O RPG, em decorrência de seu dinamismo, possibilita o fortalecimento das relações


sociais, de forma que cada participante pode oferecer concepções próprias para a resolução dos
problemas, desde que leve em consideração, as ações de seus demais colegas. Os jogadores
apropriam-se do conhecimento de que apenas através das práticas colaborativas será possível
alcançar o objetivo desejado pelo grupo.

270
Morais e Rocha (2012:34) ressaltam a proveitosa relação do RPG e a aprendizagem em
sala de aula, assinalando a inteligência, entendida sob a perspectiva de Gardner (1985) e a
interdisciplinaridade em que se manifestam com a função de administrar os saberes apresentados
diante de situações mediadas pelo professor (narrador). Os autores argumentam ainda que, sendo
o RPG uma ferramenta que simula situações em que se destacam diferentes atributos, contribui na
compreensão do sujeito em percepção, raciocínio e expressão, visto que cada personagem
representa diferenças, ou seja, características distintas em sua constituição.
O uso do RPG em sala de aula tornará possível uma perspectiva nova da aprendizagem,
uma vez que possa ser entendido como instrumento capaz de romper com estereótipos de conduta
ou comportamentos prefixados (RAMALHO apud MARRA e FLEURY, 2008).
O desafio proposto está na possibilidade de utilizar o RPG como instrumento na formação
de professores, e que, por meio da troca de papéis (role-playing), possam desenvolver a percepção
objetiva de sentimentos e atitudes dos outros.
Assim, na busca de alternativas que ajudem a otimizar o tempo sem perda significativa da
dinâmica do jogo, optamos pela adaptação de uma modalidade que se originou do RPG,
denominada Aventura-Solo106, também conhecida como Livro-Jogo.
A estrutura de uma Aventura-Solo é a de um texto que se fragmenta em números, porém
não seguidos de forma linear, como tradicionalmente é feita a leitura de um livro. Nesse tipo de
aventura, o leitor, levado pelo enredo, deverá adiantar ou retroceder aos quadros numerados
conforme as escolhas tomadas. O leitor geralmente é o protagonista e toma as decisões pela
personagem.
Cada quadro deverá ser lido na ordem que foi solicitado, de maneira que não terá qualquer
sentido se visto linearmente, situação que causará apenas confusão e diminuirá a emoção do jogo.
Se levarmos em conta que o objetivo da atividade é a formação do professor, que
normalmente acontece dentro dos momentos de estudos realizados nos encontros pedagógicos, a
adaptação para Aventura Solo contribuirá na otimização em relação ao tempo e na direção de uma
melhor jogabilidade107.
Isso decorre porque, no RPG, os jogadores interagem dentro de uma multiplicidade de
ações ou alternativas criadas, o que demandaria mais tempo para a assimilação das regras e
desenvolvimento das personagens. A adaptação da Aventura Solo, por sua vez, é facilitada pela

106
<http://www.historias.interativas.nom.br/incorporais/pdfs/incorporais-avtsolo.pdf>, acesso 20/05/2015.
107
Termo traduzindo do inglês gameplay ou playability, geralmente utilizado nas relações que envolvem o jogador
durante sua interação com os sistemas de um jogo.

271
simplicidade em sua mecânica e ainda na reatividade existente da limitação das alternativas
propostas.
O conceito de reatividade em uma Aventura-Solo é explicado pelo pesquisador Raymond
Williams, de acordo com Klimick (2010) como um processo em que o leitor reage à determinada
ação estimulada por opções previamente estabelecidas, segundo essa definição a maioria das
tecnologias difundidas como interativas na verdade se encontrariam na categorização de
reatividade. 108
Por fim, diferentemente de uma Aventura Solo tradicional em que o leitor é o único
protagonista, essa modalidade deverá ser realizada preferencialmente em trios, situação que
permitirá invocar relações de dialogicidade entre os jogadores, por meio de trocas de experiências,
socialização de ideias, realização de leituras e discussões de ações.

3.2 Questões sobre a atividade formativa

A ideia central dessa atividade é proporcionar aos professores, durante a formação


continuada, questões que abordem situações de causas e consequências sobre as quais,
geralmente, possuem poucas oportunidades para pensar, ou que até mesmo possam
desconhecer. Relações que acontecem em seu cotidiano, e em determinados casos, à revelia
de suas ações, que possam implicar em fatores que dificultem uma análise segura e
consequentemente, na devida apropriação da situação como aprendizado.
O uso da Aventura Solo ou Livro Jogo possibilita a análise das situações do
cotidiano em sala de aula, permitindo uma reflexão-ação por meio da reatividade entre o
jogo e o professor e interatividade entre os professores, ações que se desenvolvem durante
as leituras, discussões e tomadas de decisões executadas no percurso da atividade
formativa.
A atividade pode ser realizada de forma autocontida ou mesmo com auxílio de um
formador (PC - Professor Coordenador ou PCNP – Professor Coordenador do Núcleo
Pedagógico), nesse caso, será de grande importância que esse profissional possa contribuir
com sua experiência na mediação dos grupos em especial na culminância da atividade,
momento em que poderá apontar suas análises sobre os percursos tomados e ressaltar a
natureza formativa fundamentada nos pressupostos teóricos identificados nos textos de
apoio.

108
<http://historias.interativas.nom.br/klimick/?p=92>, acesso em 15/07/2015.

272
Nas questões abaixo, abordaremos aspectos da atividade formativa como suas
expectativas, procedimentos, jogabilidade e objetivos a serem alcançados durante o
exercício.

3.2.1 O uso da Aventura Solo (RPG) como ferramenta na Formação Continuada de


Professores.

Adaptação de uma Aventura-Solo (RPG) como atividade formativa na preparação de


professores para o exercício da tomada de decisão com foco na avaliação da aprendizagem.

3.2.2 Resolução de problemas como meio para a reflexão

Por que usar resolução de problemas com base em dilemas como método de instigar
a reflexão das práticas sobre avaliação de aprendizagem?
Ao buscarmos soluções para problemas baseados em dilemas que evoquem um
posicionamento, acabamos por vezes revelando nossas concepções de formação e, mediante os
resultados obtidos, podemos nos enxergar como integrantes do processo pedagógico. Essa
construção torna possível a existência de uma reflexão multidimensional partindo de movimentos
constituídos pela ética, técnicas, conteúdos processuais, consequencialistas, contextuais e até
mesmo políticos (CAETANO e AFONSO, 2009:258).
Ainda, segundo as autoras, em um sentido positivo os dilemas uma vez tomados como
princípios geradores de movimentos criativos, utilizados dentro de um contexto formativo, podem
criar espaço para a reflexão e, por vezes, proporcionar mudanças, seja na expansão de
possibilidades (de compreensão e ação) ou mesmo por integração destas, por meio das relações de
diálogo entre os professores durante a formação.
Nos anexos desse trabalho estão presentes quadros conceituais de cada situação problema
em que o formador poderá apoiar suas análises e relacionar com o processo da aprendizagem.

3.2.3 O objetivo do jogo

O jogo tem como meta a busca de soluções assertivas por meio de situações
problemas?
Não, o jogo não tem a intenção de apontar se as práticas analisadas estão certas ou erradas,
mas sim, possibilitar dentro de uma simulação, analisar os percursos das ações tomadas. O que
não necessariamente pressupõe a existência de que as práticas analisadas estão erradas, mas incidir
sobre a importância do ato reflexivo sobre suas escolhas. O qual segundo Freire (1997:13)

Nesse sentido, quanto mais conhecer, criticamente, as condições concretas, objetivas, de


seu aqui e de seu agora, de sua realidade, mais poderá realizar a busca, mediante a
transformação da realidade. Precisamente porque sua posição fundamental é, repetindo
Marcel, a de "estar em situação", ao debruçar-se reflexivamente sobre a
"situacionalidade", conhecendo-a criticamente, insere-se nela. Quanto mais inserido, e
não puramente adaptado à realidade concreta, mais se tomará sujeito das modificações,
mais se afirmará como um ser de opções109.

109
Rev. da FAEEBA, Salvador, n° 7, jan./junho, 1997 13

273
A ideia do jogo nesse sentido é de tornar possível, partindo dessa “situacionalidade”, uma
análise crítica das ações escolhidas dentro de uma determinada ambientação, que possa servir
como base para reflexão quanto à ação pretendida e que, por sua vez, conduza a uma nova (direção)
ação.

3.2.4 Ferramenta com foco na mudança

Por que desenvolver uma atividade formativa com foco na busca da mudança e não
na ação de mudar propriamente dita?
Acredita-se que o sucesso de um processo formativo esteja diretamente ligado ao interesse
de o professor querer aprender, portanto, consensual, e feito, preferencialmente, entre pessoas
quase em mesmas condições profissionais. Geralmente, o processo formativo geralmente se
desenvolve mediante decisões de ordem administrativa ou, ainda, por uma instância hierárquica
que pressupõe a necessidade de os formadores serem “formados”. Nestes casos, cabe ao formador,
consciente da relevância de seu trabalho em termos profissionais e humanos, proporcionar
reflexões que auxiliem os formandos a perceberem a diferença que o processo todo trará a eles no
âmbito profissional e pessoal. Vale considerar, ainda, que muitos deles não conseguirão praticar o
que conquistaram na formação de modo imediato, em razão dos limites que a própria estrutura
impõe. Contudo, se houver um conjunto que compreenda uma proposta simples, clara e eficiente
somada a um formador convincente quanto às ações que pretende alcançar, é presumível que as
sementes, plantadas aos poucos, darão fruto.
Assim, são atitudes fundamentais do formador, na relação com o grupo, organizar situações
em que o professor possa se confrontar com situações reais (cuja resolução depende de sua postura
e formação), valorizar suas tentativas e erros, encorajar, apoiar, acompanhar e incentivar, para que
ele reflita sobre sua ação,.

3.2.5 As análises de casos

Quais dimensões ou movimentos permitem acreditar que as análises de casos atendam


aos interesses propostos nessa atividade formativa?
A organização e o tratamento da atividade formativa se expressa por meio de uma
concepção de formação, partindo da análise de situações-problema e na reflexão sobre os
processos de aprendizagem em especial na avaliação escolar, que segundo o Guia do Formador do
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores do MEC, 2011 expõe:

Entende-se aqui que problema é qualquer questão – de natureza teórica e/ou prática – para
a qual não se tem de imediato, uma resposta satisfatória e que, portanto, demanda uma
busca de solução. Essa busca, por sua vez, exigirá interpretação do desafio no contexto
em que emerge planejamento de uma ou mais soluções possíveis, execução de soluções
planejadas e avaliação do resultado obtido. Nesse processo, a resolução de problemas
envolve invenção, criatividade, uso de conhecimentos prévios, busca de novas
informações etc. Em outras palavras, a resolução de problemas implica, em maior ou
menor grau, uma série de procedimentos complexos: analisar a sua natureza, identificar
os aspectos mais relevantes, buscar recursos para sua solução, levantar hipóteses,
transferir conhecimentos e ajustar estratégias utilizadas em outras situações que sejam
pertinentes ao problema em questão, escolher o melhor encaminhamento entre vários
possíveis – e é exatamente o exercício dessas ações complexas que promove tanto a
construção de conceitos quanto o desenvolvimento de capacidades e, ainda, a
possibilidade de mobilizar a ambos (conceitos e capacidades), quando necessário ou
desejável. Vista dessa forma, a resolução de um problema proporciona para o sujeito uma
relação de criação com a solução encontrada. É fundamental que os professores

274
mobilizem seus conhecimentos teóricos em torno de casos singulares, com o que é
possível aprender não somente a problematizar situações reais, mas também as teorias
que estudam110. (MEC, 2001:18)

3.2.6 A atividade formativa em grupo

Como uma Aventura Solo pode atender uma atividade formativa em grupo?
Carlos Klimick define o jogo de Aventura Solo como sendo

(...) uma forma narrativa na qual o/a leitor/a pode escolher dentre alternativas propostas
para a trama, porém, já pré-definidas pelo autor. Conforme lê a história, o/a leitor/a-
jogador/a simultaneamente a joga, escolhendo opções para seu desenrolar, mas sem poder
criar opções. Normalmente, as passagens são numeradas. Assim, o/a leitor/a-jogador/a
pode escolher opções diferentes para a continuação da história, mas não poderia criar suas
próprias opções111.

A Aventura Solo é uma obra de ficção que estimula o leitor a participar da história por
meio de escolhas eficazes. Esse gênero é indicado para jogadores sem experiência no universo
RPG, pois não necessita de conhecimento sobre as regras que envolvem a mecânica do jogo de
interpretação de papel.
Nesse caso, o movimento que se desenvolve entre o objeto formativo e o sujeito em
formação se dá por meio da reatividade, reação estimulada diante de opções pré-definidas. Já a
interatividade acontece nas mediações intragrupais, ou seja, nas relações criadas por meio da
dialogicidade entre os jogadores no interior do grupo, além de intergrupal, no compartilhar das
trajetórias escolhidas apresentadas no momento da culminância.

3.2.7 A Aventura Solo dentro do grupo

De que forma uma Aventura Solo se desenvolve dentro de um grupo?


Para que seja atendido o conceito de interatividade (intra e intergrupo) baseado em troca
de experiências entre os jogadores, a Aventura Solo deverá incidir na seguinte adaptação.
O grupo de professores, por meio da mediação do formador, deverá se constituir em um
único personagem que será o condutor da história. A vantagem nessa estratégia é que as decisões
a serem tomadas podem ser compartilhadas dentro do grupo, o que propõe constantes reflexões e,
consequentemente, discussões entre os participantes, permitindo uma maior interação situacional.
Um ponto interessante está na possibilidade de formar grupos heterogêneos, mesclando,
quando possível, professores de matérias diferentes (História, Matemática e Português p.ex.) e de
níveis distintos de experiência de atuação no magistério (professores mais jovens juntos com os
mais velhos), assim a troca de experiência no interior do grupo se tornará mais enriquecedora.
Essa adaptação facilitará a interdisciplinaridade incitando as relações entre seus
interlocutores, o que somada as diferentes formações de profissionalidade existentes, permitirá,
entre outras coisas, que analisem as teorias de ensino e educação, que possam rediscutir, avaliar e
replanejar suas práticas, que vivam suas experiências da divergência entre concepções e situem
seus modos de ver a escola, os alunos e a profissão.

110
Trecho extraído dos Referenciais para Formação de Professores, MEC/SEF, 1998, apud Programa de Formação
de Professores Alfabetizadores – MEC, 2001:18.
111
Visto em <http://historias.interativas.nom.br/incorporaisrpg/?page_id=14>, acesso em 20/04/2015.

275
A mudança na escola só se dará quando o trabalho for coletivo, articulado entre todos os
atores da comunidade escolar, num exercício individual e grupal de trazer concepções,
compartilhá-las, ler as divergências e, mediante esses confrontos, construir trabalho.
(ALMEIDA e PLACCO, 2012:21).

Para a existência uma dinâmica eficiente durante o jogo é importante considerar o número
máximo de grupos e de jogadores, nesse caso a formação de até 5 (cinco) grupos com 3 (três)
integrantes em cada grupo.
A atividade poderá ser realizada dentro de duas horas e administrada da seguinte forma:
Orientações Gerais 10 minutos
Desenvolvimento do Jogo 60 minutos
Culminância 50 minutos
Tempo Total 120 minutos (2 horas)

3.2.8 A proposta da atividade

Qual o objetivo a ser alcançado nessa atividade?


Possibilitar ao professor uma reflexão crítica sobre sua prática no desenvolvimento da
avaliação da aprendizagem, de maneira que possa por meio do confronto de ideias entre jogadores,
analisar suas ações, relacioná-las com a tomada de decisão e buscar alternativas para melhorar
suas práticas pedagógicas. Essas ações se desenvolverão por meio de:
• leitura compartilhada: Enquanto os dilemas ou situações-problema levam à troca de
ideias, reflexão e posicionamentos, os textos de apoio nos anexos permitem o
aprofundamento teórico para sustentar as escolhas tomadas, ou mesmo mudá-las de
acordo com as concepções apreendidas durante a atividade. A leitura compartilhada no
grupo ajuda a integração, colabora no entendimento e compreensão nas relações com
os dilemas e contribui de alguma forma na ampliação do horizonte cultural, técnico e
pedagógico.
• rede de ideias: O objetivo é socializar as interpretações e ideias desencadeadas,
primeiramente dentro do grupo e, ao final, apresentando aos demais grupos os
caminhos percorridos e as concepções formadas durante a trajetória.

3.2.9 A dinâmica do jogo

A estrutura de uma Aventura-Solo é a de um texto que se fragmenta em números, porém


não seguidos de forma linear, como tradicionalmente é feita a leitura de um livro. Nesse tipo de
aventura, o leitor é levado pelo enredo e assim deverá adiantar ou retroceder aos quadros
numerados conforme as escolhas tomadas. O leitor geralmente é o protagonista e toma as decisões
pela personagem.
Exemplo:
“Quadro 2
- Ao se dirigir para saída durante o incêndio, você se depara com a possibilidade de usar as escadas
internas, os elevadores sociais, ou mesmo os usados para serviço de carga e descarga. Você com
pouco tempo para pensar toma a seguinte decisão:

276
a. Escolhe as escadas internas. Siga para até o Quadro 5.
b. Faz a opção pelo elevador de serviço. Siga para o Quadro 7.
c. Por força do hábito, se dirige para o elevador social. Siga para o Quadro 4”.
Para complementação desse exemplo, imaginemos que o jogador tenha escolhido a
alternativa C, nesse caso, deverá seguir até o Quadro 4 em que será dada a continuidade da ação
pretendida, conforme segue:
“Quadro 4
- Você tem sorte que o elevador está em seu andar, entra e rapidamente aperta o botão com destino
ao saguão de entrada. Nesse momento, a porta automática fecha, e você, infelizmente tarde demais,
percebe que o elevador se põe a subir no lugar de ir para o térreo. Sua reação instintiva faz com
que aperte por várias vezes o botão de emergência, nesse momento o elevador para abruptamente,
então:
a. Começa a gritar desesperadamente para que alguém no andar possa ouvi-lo, nesse caso siga até
o Quadro 10.
b. Pega seu celular e pede ajuda para os bombeiros, nesse caso vá para o Quadro 9.
c. Começa a rezar. Siga então até o quadro 15”.
Cada quadro deverá ser lido na ordem que foi solicitado, de maneira que não terá qualquer
sentido se visto linearmente, situação que causará apenas confusão e diminuirá a emoção do jogo.

A Atividade: dia de prova, dia de decisões

Cenário
Você, professor de Geografia de uma turma de 9º ano em uma escola pública, após três longas
semanas conseguiu finalizar o conteúdo referente à unidade 2, conforme seu planejamento inicial. Nesse
tempo, passou tarefas de casa e revisou as questões abordadas na apostila, além de apresentar um
documentário em sala de aula sobre os acontecimentos que levaram à queda do muro de Berlim. Agora, ao
final dessa unidade, você pretende verificar, por meio da aplicação de uma prova, se os seus alunos
conseguiram compreender como se definiu o quadro geopolítico no mundo após a Segunda Guerra e de que
forma essas mudanças foram decisivas para o fim da URSS.
Comunica aos alunos, com uma semana de antecedência, que irá aplicar uma prova sem consulta e
dissertativa112, com 10 questões semelhantes às trabalhadas e discutidas em sala, cobrindo o conteúdo
explicado durante as últimas três semanas. Você seleciona as questões de forma que não sejam muito fáceis,
difíceis ou que se distanciem do que foi ensinado durante as aulas, dessa forma você entende que os dados
coletados estarão diretamente relacionados com o que se pretende avaliar, por fim você gradua a prova em
uma escala de 0 a 10. Com esses procedimentos, você acredita, então, ter se cercado de todos os cuidados
indispensáveis para obter as informações de avaliação de que necessita para tomar uma decisão sobre a nota
de cada aluno.

112
No TEXTO DE APOIO IV você encontrará uma relação de modelos de provas com vantagens e desvantagens
quanto ao seu uso.

277
Quadro Inicial

No dia marcado, ao entrar na sala de aula, repara que os alunos se organizaram de forma diferente do
habitual, desconfiado que por trás dessa ação possa estar uma tentativa de colar durante a prova, você toma
a seguinte decisão:
a) Solicita que todos voltem para seus respectivos lugares de origem sem maiores explicações. Dirija-se
para o quadro 1
b) Permite que todos permaneçam nos lugares escolhidos, mas fica atento quanto à possibilidade de
colarem. Dirija-se para o quadro 2
c) Avisa que sabe o motivo de terem mudado de lugar e ameaça quanto às punições se acaso forem pegos
na prática da cola. Dirija-se para o quadro 3

Quadro 1

Mariana, aluna que normalmente mais participa de suas aulas, diz que prefere sentar-se em dia de prova
no fundo da sala, pois se sente mais à vontade para desenvolver suas reflexões. Você então:
a) Permite que Mariana fique em seu lugar, pois conhece bem a aluna e sabe que ela não tem o perfil
da prática de colar. Dirija-se para o quadro 4
b) Explica a Mariana que ela não é diferente dos demais e exige que volte para seu lugar de origem,
tal qual os demais alunos da sala. Dirija-se para o quadro 5
c) Explica para a aluna que essa é uma medida necessária, pois mesmo sabendo que ela não tem o
objetivo de colar, ainda assim, para efeito de legitimidade da prova, necessita que a sala fique em
uma disposição que permita uma aplicação segura e honesta. Dirija-se para o quadro 7

Quadro 4

Ao consentir que Mariana permaneça no lugar escolhido por ela, outros alunos exigem o mesmo
tratamento, gerando um considerável tumulto na aula, mediante essa situação você:
a) Justifica que a decisão sobre a disposição dos lugares em dia de prova é do professor e, portanto,
não deve haver questionamentos sobre isso. Dirija-se para o quadro 5
b) Exige silêncio, tendo que falar em um tom bem mais alto e ríspido, pois percebe que está perdendo
o comando da sala. Dirija-se para o quadro 6
c) Entende o questionamento dos alunos, mas não quer voltar atrás do que já foi
decidido e mantém sua posição em relação à Mariana. Dirija-se para o quadro 7

Quadro 5

Os alunos não aceitam sua argumentação, iniciam um tumulto ainda maior, pois entendem que vai contra
aos princípios de liberdade que são tão defendidos nas aulas de História. Você então percebe que é melhor
cancelar a prova em vista de não ter mais tempo ou clima para poder dar continuidade. Leva ao
conhecimento da Coordenadora e solicita uma orientação sobre o que fazer nesse caso. Se você fosse o
Professor Coordenador da escola de que forma abordaria essa questão junto ao professor?

278
Discuta essa situação junto ao grupo de maneira que um dos integrantes assuma a função do Professor
Coordenador, aponte as situações de tensão geradas e solicite propostas alternativas para resolução desse
dilema. Em seguida leia o TEXTO DE APOIO V e relacione com as propostas levantadas. Dê continuidade
na atividade escolhendo outra opção.
Quadro 6

Os alunos, temerosos com sua atitude, realizam a prova, mas dentro de um clima hostil e pesado, situação
que provavelmente afetará de forma negativa os resultados do exame aplicado. Uma vez que os alunos
tenham desenvolvido a atividade avaliativa em um clima de tensão, e que essa situação tenha afetado o
desempenho, você acredita que os dados coletados deverão ser levados em consideração? Utilize a leitura
do TEXTO DE APOIO I como reflexão para esse dilema. Em seguida dirija-se para o Quadro 2.

Quadro 7

Os alunos recusam-se em fazer a prova, pois percebem que houve uma injustiça em sua ação, afinal mesmo
concordando que as argumentações apresentadas eram válidas, você arbitrariamente fez prevalecer sua
decisão. A prova então é cancelada e o caso é levado para a Coordenadora da escola que, após ouvi-lo,
suspende a excursão que estava programada para o próximo mês como forma de punição pelo ato de
insubordinação e desrespeito ao professor.
Se você fosse o aluno entenderia essa sua ação como um ato de indisciplina que merecesse uma sanção
por parte da Coordenação escolar?
Aborde essa situação junto ao grupo de maneira que um dos integrantes assuma a função do Professor
Coordenador e os outros na condição de alunos. Aponte as situações de tensão geradas, solicite propostas
alternativas para resolução desse dilema. Em seguida dirija-se novamente para o Quadro 1 e tente outra
alternativa.

Quadro 2

Você dá início à prova fazendo as recomendações de praxe: que eles devam prestar atenção nas questões,
que respondam utilizando caneta esferográfica, que mantenham seus celulares no bolso e não conversem
durante a prova.
Percorrido cerca de 10 minutos do início da atividade, João, um aluno que normalmente não tem o hábito
de prestar muita atenção durante as explicações nas aulas, solicita sua ajuda, pois tem dúvida sobre um dos
exercícios. Você, então,
a) fala para o aluno que durante a prova não pode explicar e que deveria ter tirado suas dúvidas durante
as aulas. Dirija-se para o quadro 8
b) explica ao aluno o que se espera que ele observe no entendimento sobre a questão. Dirija-se para
o quadro 9
c) aproveita a dúvida de João, pede atenção a todos na sala e aborda a questão levantada de forma
geral. Dirija-se para o quadro 10

Quadro 8

279
Os alunos ao ouvirem a resposta dada a João ficam inibidos, e não perguntam mais nada durante toda
a prova. Mais tarde, durante a correção, você percebe que a questão que gerou dúvidas dava margem a
mais de uma interpretação, dessa forma,
a) você cancela a questão. Dirija-se para o quadro 18
b) você entende como certa a sua interpretação. Dirija-se para o quadro 15
c) você aceita as duas respostas como corretas. Dirija-se para o quadro 17

Quadro 9

Ao explicar de forma isolada ao aluno o que se espera sobre o exercício, outros alunos passaram a
querer que você também leia a resposta, pois muitos estão inseguros sobre o exercício em questão.
Durante a leitura você nota que uma das questões indica a uma duplicidade de entendimento, resolve,
então,
a) cancelar a questão. Dirija-se para o quadro 18
b) aceitar apenas sua interpretação como a correta. Dirija-se para o quadro 15
c) aceitar as duas respostas como certas. Dirija-se para o quadro 17

Quadro 10

Ao explanar com todos os alunos sobre a dúvida de João, você conseguiu perceber que o exercício que
parecia estar bem claro, na verdade, deixava uma interpretação ambígua, o que dificultou o raciocínio
das crianças. Então, resolve
a) cancelar a questão. Dirija-se para o quadro 18
b) explicar aos alunos qual o sentido que gostaria que a questão tivesse sido compreendida. Dirija-
se para o quadro 11
c) resolve deixar a situação como está para evitar maiores questionamentos dos quais implicaria em
ter que justificar seu erro. Dirija-se para o quadro 15

Quadro 3

Os alunos questionam que a simples intenção de mudar de lugar não deve ser motivo para pressupor
que exista a intenção de colarem. Fazem questão de lembrá-lo quando da criação, no início do semestre,
das relações desenvolvidas no contrato pedagógico em que a existência de confiança mútua era parte
do acordo. Essa situação cria um clima de tumulto e, antes que saia do controle, você toma a seguinte
decisão:
a) consente que os alunos permaneçam nos lugares em que escolheram. Evitando dessa forma a
generalização de um conflito totalmente desnecessário. Dirija-se para o quadro 2
b) desconsidera o acordo estabelecido no contrato pedagógico, pois compreende que a avaliação
necessita de determinados rigores normativos que ultrapassam as relações de confiabilidade. Impõe
sua autoridade exigindo que todos tomem seus lugares de origem. Dirija-se para o quadro 5
c) entende que o questionamento dos alunos é uma afronta a sua posição de professor
e ameaça cancelar a prova. Dirija-se para o quadro 6

Quadro 11

280
A aplicação da prova se desenvolve em um clima de normalidade. Rachel anuncia que terminou sua
atividade e entrega a prova, porém passado uns 5 minutos, a aluna vai até você e diz que acredita ter
errado um dos exercícios e solicita a oportunidade para corrigi-lo. Você, então,
a) devolve a prova para que a aluna possa fazer a correção. Dirija-se para o quadro 12
b) informa à aluna que o processo de avaliação termina quando o aluno entrega a prova, cabendo
agora ao professor sua correção e registro. Assim, a prova não poderá ser devolvida até que esteja
devidamente corrigida. Dirija-se para o quadro 16
c) devolve, mas informa que o exercício será descontado de sua nota final. Dirija-se para o quadro
18

Quadro 12

A aula tem 50 minutos, tempo que entendia ser suficiente para a resolução da prova, porém você não
levou em consideração que entre o término de uma aula e início da outra existe sempre a possibilidade
de que alguns fatores possam dificultar essa previsão, como a troca de sala, a organização dos alunos e
os diálogos introdutórios, esse tempo discorrido tirou no mínimo 10 minutos do que você entendia ser
o suficiente para a realização da prova. Faltando 15 minutos para acabar o tempo da prova, você percebe
que a maioria dos alunos não vai conseguir responder às dez questões propostas, sua ação, então, será
de
a) avisar aos alunos que não irá considerar as duas últimas questões, pois não terão tempo suficiente
para respondê-las. Dirija-se para o quadro 18
b) solicitar para o próximo professor um tempo adicional de 10 minutos para que os alunos possam
concluir a prova. Dirija-se para o quadro 17
c) anunciar de 5 em 5 minutos o tempo restante para que o aluno não se prenda em uma questão
mais que o necessário. Dirija-se para o quadro 13

Quadro 13

Durante a prova, você nota que dois alunos estão colando por meio de mensagens de celular, se
aproxima até eles e lê as questões já realizadas na prova, observa que realmente um deles está mandando
as respostas para o outro, todavia, completamente fora do contexto. Nessa situação, você
a) solicita aos dois alunos que entreguem suas provas e seus celulares. Dirija-se para o quadro 14
b) não fala nada, afinal as respostas estão completamente erradas mesmo. Dirija-se para o quadro
18
c) solicita discretamente aos alunos que guardem seus respectivos aparelhos de celular e em seguida
avisa que as respostas não estão de acordo com o que foi perguntado. Dirija-se para o quadro
22

Quadro 14

Marcelo, um dos alunos que foi pego colando, devolve a prova, porém não o celular, alega que o
aparelho é de sua propriedade e que ninguém tem o direito de privá-lo de um objeto de uso pessoal.
Você percebe que se insistir irá tumultuar muito a sala. Resolve, então,

281
a) exigir que o aluno entregue o aparelho celular independente de ele achar que você esteja certo ou
não. Dirija-se para o quadro 16
b) para evitar que se instale o caos durante a prova e prejudique os demais, você apenas recolhe a
atividade e anota em seu diário que o aluno descumpriu as normas de conduta e mais tarde notifica
a direção da escola. Dirija-se para o quadro 22
c) solicita a saída imediata do aluno da sala, anota que, além de ter sido pego colando, o desafiou
quando não entregou o aparelho. Dirija-se para o quadro 16
Quadro 15

Validade e confiabilidade são características de grande importância em uma avaliação, a tomada de


decisão escolhida de alguma forma trouxe prejuízo para alguma dessas características? Leia o TEXTO
DE APOIO I e retorne com essa discussão junto ao grupo. Em seguida volte para o Quadro 2 e escolha
outra alternativa.

Quadro 16

Dirija-se até o TEXTO DE APOIO II que retrata os “Doze mandamentos” da disciplina para
professores. Leia o texto e discuta com o grupo qual dos “mandamentos” faz referência ao problema
enfrentado em seu dilema e de que forma ele poderia ter sido mais bem conduzido. Em seguida, volte
para a situação problema e escolha outra alternativa.

Quadro 17

É uma constatação que professores, em sua prática habitual, não dedicam muito tempo a configurar a
avaliação. Bem menos que o que dedicam a planejar o ensino. A avaliação educacional é mais que
formular perguntas de prova ou preparar exercícios de controle diários ou momentos antes de sua
aplicação. Avaliar é mais que aplicar provas, classificar exercícios ou entregar o boletim de notas (...).
Se os professores parassem para pensar, planejar, enfim, configurar o processo que vão seguir na
avaliação de seus alunos, necessariamente teriam que modificar as propostas do processo de ensino-
aprendizagem que vêm desenvolvendo. Somente então estaríamos de partida para conquistar uma nova
cultura avaliadora.
Discuta com seu grupo o TEXTO DE APOIO III – Elementos integrantes da configuração
metodológica do processo de avaliação educacional e relacione com a tomada de decisão
escolhida. Em seguida volte à situação dilema e escolha outra alternativa.

Quadro 18

A ação realizada gerou posteriormente uma reclamação junto à coordenação da escola, por uma mãe que
entendeu como descaso de sua parte não ter dado a atenção merecida para organização da prova, além de
questionar a utilização de uma prova dissertativa com dez perguntas para serem resolvidas em tão pouco
tempo.
Essa situação motivou a coordenadora da escola a convidá-lo a apresentar quais os objetivos que você
buscava quando preparou uma prova com questões dissertativas de caráter meramente conteudista. O que
você pretendia avaliar nesse caso?
Você, então, responde que

282
a) o objetivo era de aferir se os alunos haviam assimilado os fatos e compreendido as causas e as
consequências relacionadas ao assunto trabalhado na unidade recém-concluída. Dirija-se para o
Quadro 20
b) a escola, na condição de instituição, necessita de registros que devam atender procedimentos
burocráticos para fins de documentação. Dessa forma você optou por criar uma prova que
abordasse todo o conteúdo trabalhado, o que explicaria a quantidade de questões utilizadas. Dirija-
se para o Quadro 19

Quadro 20

Sua coordenadora pergunta: “Professor, você acredita que um único instrumento de avaliação é o suficiente
para aferir o conhecimento apropriado pelos alunos?”
Você responde que utilizou atividades da própria apostila no transcorrer das aulas como forma de sanar as
dúvidas e treinar os alunos para a avaliação que apresentou, além de lições de casa posteriormente discutidas
em sala para o atendimento da matéria.
A Coordenadora reflete sobre suas palavras e em seguida questiona? “Esse método que utilizou, busca fazer
com que os alunos aprendam sobre o assunto ou o interesse era que se saiam bem na prova?”
Como você responderia essa questão?
a) O objetivo sempre é o conteúdo, afinal o aluno que assimila o assunto apresenta resultados
satisfatórios em qualquer avaliação. Dirija-se para o Quadro 19
b) Utilizo minhas provas como um ensaio para o vestibular, assim, os alunos já vão se
acostumando com esse modelo. Dirija-se para o Quadro 21
c) Minha intenção é a de fazer com que os alunos aprendam com minhas aulas e utilizo
a avaliação como forma de aferir se estou alcançando esse objetivo. Dirija-se para o Quadro
22

Quadro 21

Mediante sua fala, a coordenadora questiona se o ato de avaliar e o de examinar apresentam diferenças.
Você, confuso, pede que ela esclareça o que quer dizer com diferença entre os atos de examinar e avaliar,
pois sempre teve em mente que são ações que buscam a mesma coisa, ou seja, constatar se o aluno aprendeu
ou não o assunto ou matéria proposta.
Nesse momento a coordenadora vai até o quadro branco que está atrás dela, retira um canetão do estojo e
escreve em duas colunas:
EXAME AVALIAÇÃO
Pontual Não Pontual
Classificatório Dinâmica
Excludente Inclusiva

Discuta com seu grupo as características que distinguem os atos de examinar e avaliar, registre suas
observações e apresente no fechamento (culminância) aos demais grupos. Utilize como referência
para a discussão o TEXTO DE APOIO VII.

Quadro 19

283
Para que serve a nota na escola? Óbvio – responderão muitos – a nota serve para indicar o
quanto o aluno aprendeu! Desta forma, promoverá aqueles que estiverem preparados para
exercer sua profissão e reterá os que não estiverem aptos. (...) Esta obviedade, porém, é
contestada diariamente pela prática escolar em que os alunos aprovados demostram, a seguir,
que não aprenderam o que sua nota faz pressupor113.
Assim sua ação tinha como objeto a necessidade do atendimento institucional no registro das
notas, provavelmente (ou exclusivamente) para fins de certificação, a ação atendeu a um
procedimento normativo, portanto, condicionado por disposições legais que inspiram e
regulam.
Faça uma leitura do TEXTO DE APOIO VI – Avaliação educacional e promoção escolar
e discuta junto aos colegas do grupo as seguintes questões:
• Por que avaliar?
• Para que avaliar?
• O que avaliar?
• Como avaliar?

Quadro 22

A coordenadora, ao ouvir sua resposta, vai até a estante pega um livro, folheia-o como se
soubesse onde encontrar o que procurava. Em seguida lê em voz alta:
“Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
– Respire.
– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino114”
Ao terminar de ler, pergunta: Professor, quais sintomas o paciente aparentava ter quando foi ao
médico?
Você sem medo de errar, diz: Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos, além de muita tosse.
O médico faz algum exame no paciente?
Sim, você responde. Ele auscultou o peito do paciente, se utilizando do tradicional “trinta e três”
para em seguida dar o diagnóstico.
E qual seria esse diagnóstico? Pergunta sua coordenadora.
Acredito que o paciente esteja com a saúde muito debilitada, afinal tango argentino tem uma
melodia bem triste.

113
Fleuri, R.M., Educar para quê?
114
Pneumotórax, poema de Manoel Bandeira, extraído de [http://www.revistabula.com/564-os-10-melhores-
poemas-de-manuel-bandeira/] visto em 15/05/15.

284
No lugar de propor um tratamento, a análise médica se limita em preparar o paciente para o pior,
diz a coordenadora. Não há nada na ação descrita que indique uma intervenção na tentativa de
buscar alternativas de melhora para a doença diagnosticada. Deixando transparecer apenas a
resignação.
Discuta com seu grupo a relação do exemplo empregado pela coordenadora, fazendo uma relação
entre os procedimentos tomados pelo médico e uma avaliação da aprendizagem. Leve em
consideração a análise dos TEXTOS DE APOIO VI e VII. Registre os apontamentos extraídos.
Culminância

Como parte final dessa atividade formativa cada grupo deverá expor sua trajetória aos demais,
apontando sucintamente suas escolhas, conclusões e de que forma o exercício abre espaço para
reflexão-ação nas práticas que conduzem a avaliação da aprendizagem.

3.3 Textos de apoios complementares da atividade formativa

TEXTO DE APOIO I – Ferramentas-chave da avaliação

Características essenciais para uma boa avaliação devem respeitar os conceitos de VALIDADE e
CONFIABILIDADE*, definidas conforme os quadros abaixo:
FERRAMENTAS CHAVE DE AVALIAÇÃO 1.1
Aspectos-chave da validade da avaliação

1. A validade se refere à seguinte questão geral: “em que medida essa decisão se baseia em
informações de avaliação adequadas?”.
2. A validade se refere às decisões que são tomadas a partir das informações de avaliação, e não
da própria abordagem de avaliação. Não é adequado dizer que as informações de avaliação
são válidas a menos que as decisões, o propósito e os grupos para os quais elas são válidas
sejam identificados. As informações de avaliação que são válidas para uma decisão ou grupo
de alunos são necessariamente válidas para outras decisões ou grupos.
3. A validade é uma questão de grau; ela não existe em base do tudo ou nada. Pense na validade
da avaliação em termos de categorias: altamente válidas, moderadamente válidas e inválidas.
4. A validade sempre é determinada por um julgamento feito pelo usuário do teste.

Fonte: AVALIAÇÃO EM SALA DE AULA: Conceitos e aplicações de Michael K. RUSSEL e Peter


W. AIRASIAN
FERRAMENTAS CHAVE DE AVALIAÇÃO 1.2
Aspectos-chave da confiabilidade da avaliação

1. A confiabilidade refere-se à estabilidade ou à consistência das informações de avaliação e foca-se


nesta questão: “O quão é consistente ou típicas do comportamento dos estudantes são as
informações de avaliação que eu coletei?”
2. A confiabilidade não se refere à adequação das informações de avaliação coletadas, apenas à sua
consistência, à sua estabilidade ou à sua tipicidade. A adequação das informações de avaliação é
uma questão de validade.
3. A confiabilidade não existe em uma base de tudo ou nada, mas em graus: alta, moderada ou
baixa. Alguns tipos de informações de avaliação são mais confiáveis do que outros.
4. A confiabilidade é uma condição necessária, mas insuficiente para a validade. Não se pode
confiar que uma avaliação que fornece resultados inconsistentes e atípicos forneça informações
úteis para a tomada de decisões.

285
Fonte: AVALIAÇÃO EM SALA DE AULA: Conceitos e aplicações de Michael K. RUSSEL e Peter
W. AIRASIAN

TEXTO DE APOIO II – Os “doze mandamentos” da disciplina para professores

TABELA 2.5 Os “doze mandamentos” da disciplina para professores

1. Seja consistente. Quando você repreender uma ação em um dia e ignorá-la no seguinte, as crianças não irão
saber o que esperar. Como resultado, elas irão fazer de novo para ver se “podem se safar”. Elas também são
rápidas para ver e se ressentir das injustiças básicas da inconsistência.
2. Não faça ameaças vazia. Se você decidir que uma punição é necessária, execute-a, ou as suas palavras não
significarão nada.
3. Procure os motivos por trás do mau comportamento. Frequentemente, ele se origina da falta de interesse dos
seus alunos pelo currículo ou pela abordagem de ensino.
4. Certifique-se de que eles conhecem as regras. Se você espera que os seus alunos se comportem de certa
maneira, diga isso a eles, explique o porquê. Uma discussão em aula dessas regras pode ser muito
esclarecedora, tanto para você quanto para sua turma. Você pode descobrir que algumas das suas regras não
têm propósito algum.
5. Verifique seus próprios sentimentos para com alunos específicos. Você tem “favoritos”? É difícil gostar de
alguns alunos carrancudos ou rebeldes, e fácil gostar dos conformistas silenciosos. Mas a sua aversão aos
rebeldes incita mais rebelião.
6. Cuide da língua. “A língua do professor, mais afiada do que uma faca de dois gumes, às vezes apunhala as
crianças, deixando feridas que nunca cicatrizam”, disse R.L. Frye, supervisor de educação secundária do
Departamento de Educação do Estado da Louisiana. Uma língua solta pode acabar uma discussão – mas a
que preço?
7. Não torne o estude uma punição. O professor que deixa os alunos depois da aula para estudar aritmética ou
soletrar, como punição por mau comportamento, está dizendo: “Estudar é uma coisa desagradável. Não há
alegria ou satisfação nisso. É tão doloroso que eu uso como punição”. Isso dificilmente cria sede de
aprendizado nos jovens.
8. Faça-os saber que você gosta deles. Procure coisas para elogiar, especialmente em alunos com problemas
de disciplina. Aceite-os como pessoas valiosas apesar do seu mau comportamento. Desaprove o ato, mas não
o indivíduo.
9. Não tente fazer o impossível. Alguns alunos têm problemas emocionais que apenas uma pessoa mais bem
treinada pode resolver. Quando um jovem é seguidamente um encrenqueiro e todos os seus esforços para
ajudá-lo falham, chegou a hora de indicá-lo para a equipe de ACT115 ou para o vice-diretor. Existem limites
para o que o professor pode fazer no estudo, diagnóstico e tratamento de crianças.
10. Controle o seu temperamento. Perder o controle simplesmente mostra que os alunos atingiram você. Quando
você, “perde a cabeça”, você perde a habilidade de resolver problemas disciplinares de modo sensato,
racional e reflexivo.
11. Não tenha medo de se desculpar se você tratou algum aluno injustamente. Você irá ganhar, não perder, o
respeito da turma por admitir o seu erro.
12. Reconheça que o que você vê como comportamento delinquente pode ser um comportamento normal na
cultura da criança. Pode custar tempo, paciência e tato para acabar com esse padrão.

115
N. de T.: O acrônimo ACT vem do inglês e quer dizer Assertive Community Treatment (Tratamento
Comunitário Assertivo, em tradução livre), e consiste em uma abordagem intensiva e altamente
integrada de serviço de tratamento mental. Os programas ACT ajudam pessoas cujos sintomas de
deficiência mental causam grandes dificuldades de funcionamento em áreas importantes da vida, como
trabalho, relações sociais, independência residencial, administração financeira, saúde, bem-estar e
condições semelhantes. Obs.: Esse serviço no Brasil normalmente é realizado pelos Postos de Saúde.

286
Fonte: AVALIAÇÃO EM SALA DE AULA: Conceitos e aplicações de Michael K. RUSSEL e Peter
W. AIRASIAN

TEXTO DE APOIO III – Elementos integrantes da configuração metodológica do


processo de avaliação educacional

Quando criamos o planejamento metodológico da avaliação, queremos garantir a presença e a coordenação


harmoniosa não somente de aspectos como os conteúdos a avaliar (os diversos tipos de conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais), os momentos da avaliação (inicial, processual e final), os
instrumentos a utilizar, os alunos que serão avaliados etc., mas também muitas outras questões de
importância, como a determinação de critérios, a elaboração de documentos informativos, um calendário
de atuações ou a determinação dos agentes da avaliação (...). Enfim, estamos pensando didaticamente a
avaliação que queremos pôr em prática para que realmente seja um habitual recurso didático e uma
estratégia relevante de ação pedagógica.

Questões e elementos integrantes da configuração


De uma forma ou de outra, e segundo as circunstâncias de cada caso, os professores, individual
ou coletivamente como equipe docente, devem ter em mente, no momento de pensar intencionalmente a
metodologia a seguir em sua prática avaliadora, uma série de questões e elementos que afetam a
configuração e sua posterior execução.
1. Sentir a capacidade de elaborar uma configuração metodológica de avaliação que explicite sua
intencionalidade e garanta um desenvolvimento sistemático. Devemos partir de saber para que
queremos avaliar e da certeza de por que devemos avaliar a aprendizagem de nossos alunos.
2. Estabelecer critérios de atuação para que um professor ou a equipe docente conduza o
desenvolvimento da avaliação educacional dentro da escola, da etapa e, mais especificamente, com
respeito a um grupo de alunos.
3. Apontar os critérios de avaliação mediante acordos fechados previamente pela equipe de
professores da etapa, da área ou da escola, com relação à conceituação da avaliação e de seu
correspondente desenvolvimento operativo, tendo sempre em conta o âmbito normativo que os
afeta.
4. Determinar a participação que os alunos terão na avaliação de sua aprendizagem (autoavaliação),
junto com outros agentes de avaliação, fundamentalmente os professores (heteroavaliação) e seus
próprios colegas (coavaliação).
5. Selecionar os diversos tipos de técnicas e instrumentos a utilizar em função dos alunos, dos
conteúdos e do momento de sua aplicação.
6. Organizar os aspectos operativos da avaliação referentes à temporalização, sessões de avaliação
dos professores, critérios de correção, de classificação e de promoção escolar.
7. Estabelecer o equilíbrio avaliador dos diversos tipos de conteúdos dentro de uma perspectiva ao
mesmo tempo integradora e diversificada, de caráter formativo.
8. Determinar os documentos ou momentos de informação dos resultados das avaliações aos
interessados: alunos, pais, professores, escola e administração etc.
9. Prever os recursos e os materiais necessários para a execução da avaliação e apontar o apoio ou as
influências do entorno escolar.
10. Estimular a meta-avaliação como meio para revisar o processo e os resultados, bem como a atuação
dos agentes da avaliação.

287
Fonte: Avaliação Educacional e Promoção Escolar. Santiago Castillo. ARREDONDO e Jesús
Cabrerizo DIAGO.

TEXTO DE APOIO IV – As várias formas de avaliar

O quadro a seguir representa de forma resumida alguns dos principais modelos de instrumentos de
avaliação em sala de aula. Sua criação contou com assessoria das formadoras Ilza Martins Sant´Anna e
Heloisa Ramo, publicada em edição especial da Nova Escola em 2014. As autoras defendem a ideia de que
não existe necessariamente um modelo melhor que o outro, entendendo que o ideal seria mesclá-los,
adaptando-os às realidades existentes nas diferentes situações de aula e aos objetivos do professor116.
Prova Objetiva
Definição Série de perguntas diretas, para respostas curtas, com apenas uma solução
possível.
Função Avaliar o que o aluno apreendeu sobre dados singulares e específicos do
conteúdo.
Vantagens É familiar às crianças, simples de preparar e de responder e pode abranger
grande parte do exposto em sala de aula.
Atenção Elabore questões que foquem somente conteúdos já trabalhados em sala.
Planejamento Selecione os conteúdos para elaborar as questões e faça as chaves de correção;
elabore as instruções sobre a maneira adequada de responder às perguntas.
Análise Defina o valor de cada questão e multiplique-o pelo número de respostas
corretas.
Como utilizar Analise as questões que todos os alunos acertaram e retome os conteúdos
as referentes àquelas que a maioria da turma errou.
informações

Prova Dissertativa
Definição Série de perguntas que exijam capacidade de estabelecer relações, resumir,
analisar e explicar.
Função Verificar a capacidade de analisar o problema central, abstrair fatos, formular
ideias e redigi-las.
Vantagens O aluno tem liberdade para expor os pensamentos, mostrando habilidades de
organização, interpretação e expressão.
Atenção Defina o número de questões pensando no tempo que os alunos terão para
resolver cada uma delas.
Planejamento Elabore poucas questões e dê tempo suficiente para que os alunos possam
pensar e sistematizar suas respostas.
Análise Estipule o valor de cada pergunta e atribua pesos à clareza das ideias, à
capacidade de argumentação e conclusão.

116
O dia a dia do professor: como se preparar para os desafios da sala de aula / Nova Escola. 1 ed. – Rio de Janeiro:
Nova Fronteira; São Paulo: Nova Escola, 2014. Pg. 112-117.

288
Como utilizar Após a correção das provas, discuta coletivamente algumas questões
as informações respondidas de diferentes modos pelos alunos.

Seminário
Definição Exposição oral para um público leigo, utilizando materiais de apoio adequado
ao assunto.
Função Possibilitar a transmissão verbal das informações pesquisadas de forma eficaz.
Contribui para a aprendizagem do ouvinte e do expositor, exige pesquisa,
Vantagens planejamento e organização das informações; desenvolve a comunicação oral
em público.
Atenção Apresentar um conteúdo estudado não significa memorizá-lo.
Ajude na delimitação do tema, forneça bibliografia e fontes de pesquisa,
Planejamento esclareça os procedimentos apropriados de apresentação; defina a duração e a
data da apresentação; e traga bons modelos de referência.
Análise Atribua pesos à abertura, ao desenvolvimento do tema, aos materiais utilizados
e à conclusão. Estimule a classe a fazer perguntas e emitir opiniões.
Como utilizar Caso a apresentação não tenha sido satisfatória, planeje atividades específicas
as que possam auxiliar no desenvolvimento dos objetivos não atingidos.
informações

Trabalho em Grupo
Definição Atividades de natureza diversa (escrita, oral, gráfica, corporal etc.) realizadas
coletivamente.
Função Construir conhecimentos de forma colaborativa.
Vantagens A interação é um fator de aprendizagem. Por isso as trocas horizontais são
muito importantes.
Atenção Esse procedimento não tira do professor a necessidade de buscar informações
para orientar as equipes. Nem deve substituir os momentos individuais de
aprendizagem.
Proponha uma série de atividades relacionadas ao conteúdo a ser trabalhado,
Planejamento forneça fontes de pesquisa, ensine os procedimentos necessários e indique os
materiais básicos para a consecução dos objetivos.
Análise Acompanhe os grupos, intervenha e dê mais atenção àqueles que não estão
conseguindo produzir.
Como utilizar Observe se houve participação de todos e colaboração entre os colegas, atribua
as informações valores às diversas etapas do processo e ao produto final.

Debate
Definição Discussão em que os alunos expõem seus pontos de vista a respeito de assunto
polêmico.
Função Aprender a defender uma opinião fundamentando-a em argumentos
convincentes.
Vantagens Desenvolve as habilidades de argumentação e a oralidade; faz com que o aluno
aprenda a escutar com um propósito.
Atenção Como mediador, dê chances de participação a todos e não tente apontar
vencedores, pois em um debate deve-se priorizar o fluxo de informações entre
as pessoas.

289
Defina o tema, oriente a pesquisa prévia, combine com os alunos o tempo, as
Planejamento regras e os procedimentos; mostre exemplos de bons debates. No final, peça
relatórios que contenham os pontos discutidos. Se possível, grave a discussão
para análise posterior.
Análise Estabeleça pesos para a pertinência da intervenção, a adequação do uso da
palavra e a obediência às regras combinadas.
Como utilizar Crie outros debates em grupos menores; analise a gravação e aponte as
as informações deficiências e os momentos positivos.

Relatório Individual
Definição Texto produzido pelo aluno depois de atividades praticadas ou projetos
temáticos.
Função Averiguar o que o aluno aprendeu
Vantagens É possível avaliar o real nível de apreensão de conteúdos depois de atividades
coletivas ou individuais.
Atenção É importante escrever um relatório devolutivo para o aluno.
Defina o tema e oriente a turma sobre a estrutura apropriada (introdução,
Planejamento desenvolvimento, conclusão e outros itens que julgar necessários, dependendo
da extensão do trabalho); o melhor modo de apresentação e o tamanho
aproximado.
Análise Estabeleça pesos para cada item que for avaliado (estrutura do texto, conteúdo,
apresentação).
Como utilizar Só se aprende a escrever escrevendo. Caso algum aluno apresente dificuldade
as em itens essenciais, crie atividades específicas, indique bons livros e solicite
informações mais trabalhos escritos.

Autoavaliação
Definição Análise oral ou por escrito, em formato livre, que o aluno faz do próprio
processo de aprendizagem.
Função Fazer o aluno adquirir a capacidade de analisar seu percurso de aprendizagem,
tomando consciência de seus avanços e de suas necessidades.
Vantagens O aluno torna-se sujeito do processo de aprendizagem, adquire
responsabilidade sobre ele, aprende a enfrentar limitações e estabelecer
prioridades.
Atenção O aluno só se abrirá se sentir que há um clima de confiança entre o professor e
ele e que esse instrumento será usado para ajuda-lo a aprender.
Forneça ao aluno um roteiro de autoavaliação, definindo as áreas sobre as quais
Planejamento você gostaria que ele discorresse; liste habilidades e conteúdos e peça que ele
indique aquelas em que se considera apto e aquelas em que precisa de reforço.
Análise Use esse documento ou depoimento como uma das principais fontes para o
planejamento das próximas intervenções.
Como utilizar Ao tomar conhecimento das necessidades do aluno, sugira atividades
as informações individuais ou em grupo para ajuda-lo a superar as dificuldades.

Observação
Definição Análise do desempenho do aluno em fatos do cotidiano escolar ou em
situações planejadas

290
Função Seguir o desenvolvimento do aluno e ter informações objetivas sobre sua
participação em sala.
Vantagens Perceber como o aluno constrói o conhecimento, seguindo de perto todos os
passos desse processo.
Atenção Faça anotações no momento em que ocorre o fato; evite generalizações e
julgamentos subjetivos; considere somente os dados fundamentais no
processo de aprendizagem.
Elabore uma ficha organizada (check-list, escalas de classificação) prevendo
Planejamento atitudes, habilidades e competências que serão observadas. Isso vai auxiliar
na percepção global da turma e na interpretação dos dados.
Análise Compare as anotações do início do ano com os dados mais recentes para
perceber o que o aluno já realiza com autonomia e quando ele ainda precisa
de acompanhamento.
Como utilizar Esse instrumento serve como uma lupa sobre o processo de desenvolvimento
as informações do aluno permite a elaboração de intervenções específicas para cada caso.

Conselho de Classe
Definição Reunião sobre uma determinada turma, liderada pela equipe pedagógica.
Função Compartilhar informações sobre a classe e sobre cada aluno para embasar a
tomada de decisões.
Vantagens Favorece a integração entre professores, a análise do currículo escolar e a
eficácia dos métodos utilizados; facilita a compreensão dos fatos com a
exposição de diversos pontos de vista.
Atenção Faça sempre observações concretas e não rotule o aluno; cuidado para que a
reunião não tome apenas uma confirmação de aprovação ou de reprovação.
Conhecendo a pauta de discussão, liste os itens que pretende comentar. Todos
Planejamento os participantes devem ter direito à palavra para enriquecer o diagnóstico dos
problemas, suas causas e soluções.
Análise O resultado final deve levar a um consenso da equipe em relação aos melhores
encaminhamentos para cada aluno.
Como utilizar O professor deve usar essas reuniões como ferramenta de autoanálise. A equipe
as informações deve prever mudanças tanto na prática diária de cada docente como também no
currículo e na dinâmica escolar, sempre que necessário.

Portfólio
Definição Conjunto organizado de trabalhos produzidos pelo aluno ou pela turma ao
longo de um determinado período (o ano letivo, por exemplo).
Função Para o aluno, retomar o seu próprio percurso e rever pontos a estudar. Para o
professor, avaliar, de forma continua, a turma e cada criança ou adolescente.
Para o coordenador pedagógico, determinar temas a serem abordados na
formação docente.
Vantagens Mostra de forma clara para a coordenação, os pais e os colegas, além das
produções dos alunos, as impressões do professor sobre o que foi aprendido.
Atenção É importante incluir uma introdução com a apresentação dos conteúdos
abordados, a data a cada produção catalogada, uma descrição delas, reflexões
do aluno num conteúdo ou área.
Escolha o tipo de portfólio a se fazer, como a documentação do trabalho de
Planejamento turma ou do processo de aprendizagem de cada aluno num conteúdo ou área.

291
Análise Faça em conjunto com os alunos, para que eles tomem consciência de suas
aprendizagens.
Como utilizar Reveja o percurso de ensino e aprendizagem e se baseie nele para determinar
as informações os temas a serem abordados novamente com cada aluno ou com toda a turma.

TEXTO DE APOIO V – Como resolver relações de conflito

As questões ligadas à indisciplina são de natureza humana, portanto sempre existirão em maior ou
menor grau, em especial quando tratamos de formação de crianças e adolescentes, portanto não existe
receita para banir a indisciplina da escola, o que se pretende com essas ponderações é minimizar essas
relações de conflito que de acordo com várias pesquisas entre professores, tem se tornado um grande
impedimento na aprendizagem.
As soluções abaixo buscam alternativas para minimizar as tensões provocadas pela indisciplina,
destacando que estamos tratando com formação de pessoas, assim as relações não são únicas, tampouco
baseadas em ações inflexíveis117.
1. Distinguir as regras morais das convencionais e discuti-las.
2. Equilibrar de maneira justa sua reação a um problema.
3. Conquistar autoridade com o conhecimento e o respeito ao aluno.
4. Ter como objetivo construir um ambiente cooperativo.
5. Agir na hora certa e sempre manter a calma.
6. Ficar alerta, porque a indisciplina nunca acaba.
7. Incentivar e respeitar a autonomia do aluno.
É importante promover a cooperação e valorizar a autonomia dos alunos. O clima pautado pela
colaboração e pelo respeito é mais eficiente porque não expõe as crianças ao medo das sanções.
Uma aparente indisciplina pode, na verdade, ser uma maneira de o aluno dizer que quer fazer as
coisas de um jeito diferente.

TEXTO DE APOIO VI – Avaliação Educacional e Promoção Escolar

Momentos No início do ano Durante o processo No final do ano


Características Avaliação inicial Avaliação formativa Avaliação somativa
• Determinar o ponto de • Conhecer o processo • Determinar se foram
partida de cada aluno; de aprendizagem; atingidas ou não as
• Facilitar o • Proporcionar o apoio intenções
Objetivos planejamento do pedagógico mais educacionais;
processo de ensino- adequado às • Valorar os resultados
aprendizagem. necessidades de cada finais do processo de
momento. aprendizagem.
• Coletar informação; • Acompanhamento do • Comprovar em que
ritmo de grau foram obtidas as
aprendizagem;

117
O dia a dia do professor: como se preparar para os desafios da sala de aula / Nova Escola. 1 ed. – Rio de Janeiro:
Nova Fronteira; São Paulo: Nova Escola, 2014. Pg. 131-139.

292
Funções • Comprovar; • Constatar o processo aprendizagens
desenvolvimento das de aprendizagem; previstas;
capacidades; • Permite modificar • Constatar a consecução
• Iniciar novas estratégias no dos objetivos.
descobertas. processo.
• Conhecimentos • Tomar decisões para • Tomar decisões sobre
prévios, os interesses, melhorar o processo: superação ou não da área,
Para que ciclo ou etapa;
as atitudes e as mudanças na
avaliar • Sobre promoção dos
capacidades; metodologia, novos
alunos;
• Adequar métodos, recursos, reforços etc.
• Reorientar a ação docente
recursos e
e melhorar o processo de
procedimentos às aprendizagem dos alunos.
necessidades.

• Conhecimentos • Progresso e déficit dos • Créditos das áreas;


prévios; alunos no processo de • Aspectos de
O que avaliar • Capacidade para novas ensino-aprendizagem; amadurecimento
aprendizagens; • Domínio de globais;
• Motivação e interesses. habilidades • Consecução dos
procedimentais e objetivos das áreas.
atitudinais.
• No início do ano; • Durante o processo, • No final do ciclo e/ou
• No início de um que normalmente se etapa;
Quando avaliar crédito; concretiza em uma • Término de unidade de
• No início de uma nova unidade de programação ou
fase de aprendizagem. programação, curso, didática, ou de um
ciclo ou etapa. crédito.
• Coleta de informação • Observação sistemática • Mecanismos
Como avaliar sobre a situação do processo; adequados para poder
acadêmica pessoal: • Instrumentos de coleta fazer uma valoração
observação sistemática, de informação e adequada do progresso
entrevista, análise de resultados. dos alunos.
questionários, testes de
conhecimento...
Fonte: Avaliação Educacional e Promoção Escolar. Santiago Castillo ARREDONDO e Jesús Cabrerizo
DIAGO.

TEXTO DE APOIO VII – Considerações gerais sobre avaliação no cotidiano escolar


- Cipriano Carlos Luckesi118

1. Hoje, as provas tradicionais perderam espaço para novas formas de avaliação. Isso
significa que elas devem deixar de existir ou devem dividir espaço com as novas atividades?
A questão básica é distinguir o que significam as provas e o que significa avaliação. As provas são
recursos técnicos vinculados aos exames e não à avaliação. Importa ter-se claro que os exames são
pontuais, classificatórios, seletivos, antidemocráticos e autoritários; a avaliação, por outro lado, é
118
Artigo extraído de
<http://www.luckesi.com.br/textos/avaliacao_consideracoes_gerais_%20sobre_avaliacao.doc>, visto
em 29/05/2015.

293
não pontual, diagnóstica, inclusiva, democrática e dialógica. Como você pode ver, examinar e
avaliar são práticas completamente diferentes. As provas (não confundir prova com questionário,
contendo perguntas abertas e/ou fechadas; este é um instrumento; provas são para provar, ou seja,
classificar e selecionar) traduzem a ideia de exame e não de avaliação. Avaliar significa subsidiar
a construção do melhor resultado possível e não pura e simplesmente aprovar ou reprovar alguma
coisa. Os exames, através das provas, engessam a aprendizagem; a avaliação a constrói
fluidamente.
2. Li algumas reportagens que defendem que o estudante deve ser avaliado durante todo o
processo de ensino-aprendizagem. Mas como é esse trabalho?
O ato de avaliar a aprendizagem implica em acompanhamento e reorientação permanente da
aprendizagem. Ela se realiza através de um ato rigoroso e diagnóstico e reorientação da
aprendizagem tendo em vista a obtenção dos melhores resultados possíveis, frente aos objetivos
que se tenha à frente. E, assim sendo, a avaliação exige um ritual de procedimentos, que inclui
desde o estabelecimento de momentos no tempo, construção, aplicação e contestação dos
resultados expressos nos instrumentos; devolução e reorientação das aprendizagens ainda não
efetuadas. Para tanto, podemos nos servir de todos os instrumentos técnicos hoje disponíveis,
contanto que a leitura e interpretação dos dados seja feita sob a ótica da avaliação, que é de
diagnóstico e não de classificação. O que, de fato, distingue o ato de examinar e o ato de avaliar
não são os instrumentos utilizados para a coleta de dados, mas sim o olhar que se tenha sobre os
dados obtidos: o exame classifica e seleciona, a avaliação diagnostica e inclui.
3. Como efetivar um acompanhamento individualizado dos alunos diante das condições
atuais do ensino?
Para um acompanhamento individualizado dos estudantes, teríamos que ter outras condições
materiais de ensino no Brasil. Todavia, importa ter claro que a prática da avaliação funciona tanto
com o ensino individualizado como com o ensino coletivo. Avaliação não é sinônimo de ensino
individualizado, mas sim de um rigoroso acompanhamento e reorientação das atividades tendo em
vista resultados bem-sucedidos. Em minhas conferências, educadores e educadoras sempre
levantam essa questão. Todavia é um equívoco pensar que avaliação e individualização do ensino,
obrigatoriamente, tem que andar juntas.
4. Muitos professores ainda utilizam a avaliação como uma espécie de "ameaça" aos
estudantes, dizendo "isso vale nota, portanto prestem atenção". Quais os prejuízos dessas
atitudes tanto para alunos quanto para os próprios professores?
O uso de “ameaças” nas práticas chamadas de avaliação, não tem nada a ver com avaliação, mas
sim com exames. Através dos exames, podemos ameaçar “aprovar ou reprovar” alguém; na prática
da avaliação, só existe um caminho; diagnosticar e reorientar sempre. A avaliação não é um
instrumento de disciplinamento do educando, mas sim um recurso de construção dos melhores
resultados possíveis para todos. A avaliação exige aliança entre educador e educandos; os exames
conduzem ao antagonismo entre esses sujeitos, daí a possibilidade da ameaça.
5. Por que alguns educadores são tão resistentes às mudanças?
São três a principais razões. A razão psicológica (biográfica, pessoal) tem a ver com o fato de que
os educadores e as educadoras foram educados assim. Repetem automaticamente, em sua prática
educativa, o que aconteceu com eles. Em segundo lugar, existe a razão histórica, decorrente da
própria história da educação. Os exames escolares que praticamos hoje foram sistematizados no
século XVI pelas pedagogias jesuítica e comeniana. Somos herdeiros desses modelos pedagógicos,
quase que de forma linear. E, por último, vivemos num modelo de sociedade excludente e os
exames expressam e reproduzem esse modelo de sociedade. Trabalhar com avaliação implica em
ter um olhar includente, mas a sociedade é excludente. Daí uma das razões das dificuldades em
mudar.
6. O que o professor precisa mudar na sua concepção de avaliação para desenvolver uma
prática avaliativa mediadora?

294
Necessita de compreender o que é avaliar e, ao mesmo tempo, praticar essa compreensão no
cotidiano escolar. Repetir conceitos de avaliação é uma atitude simples e banal; o difícil é praticar
a avaliação. Isso exige mudanças internas do educador e do sistema de ensino.
7. Muito se fala sobre o futuro da avaliação, mas muitos educadores ainda não mudaram a
maneira de encarar o ensino e a aprendizagem. Mudar apenas a avaliação não seria uma
forma de mascarar o problema?
Se um educador se propuser a modificar seu modo de avaliar, obrigatoriamente terá que modificar
o seu modo de compreender a ação pedagógica. A avaliação não existe em si e por si; ela subsidia
decisões dentro de um determinado contexto. No nosso caso, o contexto pedagógico. Os exames
são recursos adequados ao projeto pedagógico tradicional; para trabalhar com avaliação
necessitamos de estar vinculados a um projeto pedagógico construtivo (o que não quer dizer
construtivista ou piagetiano; segundo esse meu modo de ver, nesse caso, a pedagogia do Prof.
Paulo Freire é construtiva, trabalha com o ser humano inacabado, em processo).
8. Qual o verdadeiro objetivo de uma avaliação?
Subsidiar a construção dos melhores resultados possíveis dentro de uma determinada situação. O
ato de avaliar está a serviço dessa busca.
9. Muito se fala da avaliação e de como o professor deve lidar com ela, mas muitas vezes se
esquece do aluno. Qual o verdadeiro valor da avaliação para o estudante?
A questão volta novamente ao mesmo lugar. Sua pergunta tem a ver com o conceito de examinar.
O ato de avaliar sempre inclui o estudante, pois que ele é o agente de sua formação; só ele se
forma. O papel do educador é acolher o educando, subsidiá-lo em seus estudos e aprendizagens,
confrontá-lo reorientando-o em suas buscas.
10. A sociedade ainda é muito "apegada" a notas, reprovação, escola fraca ou forte. Como
fica a relação com os pais acostumados com essas palavras quando a escola utiliza outras
formas de avaliação?
Assim como os educadores, os pais foram educados em outras épocas e sob a égide dos exames.
Para que possam olhar para a educação de seus filhos com um outro olhar necessitam de ser
reeducados continuamente. Para isso, devem servir as reuniões de pais e mestres, que usualmente
tem servido quase que exclusivamente para comentar como as crianças e adolescentes estão se
desempenhando em seus estudos. Por outro lado, o sistema de avaliação a ser apresentado para os
pais deve ser consistente. Por vezes, pode parecer que “avaliar” significa “qualquer coisa”. Não é
e não pode ser isso. Avaliar é um rigoroso processo de subsidiar o crescimento dos educandos.
11. Em muitas escolas, por mais que se tenha uma concepção de educação e de avaliação
mais "avançada", elas acabam sendo obrigadas a transformar todos esses conceitos em nota.
Como é que o professor pode medir o desempenho de seus alunos se, em nenhum momento,
deve ser feita essa medição de um somatório?
Um processo verdadeiramente avaliativo é construtivo. Ao final de um período de
acompanhamento e reorientação da aprendizagem, o educador poder testemunhar a qualidade do
desenvolvimento de seu educando, registrando esse testemunho. A nota serve somente como forma
de registro e um registro é necessário devido nossa memória viva ser muito frágil para guardar
tantos dados, relativos a cada um dos estudantes. Não podemos nem devemos confundir registro
com processo avaliativo; uma coisa é acompanhar e reorientar a aprendizagem dos educandos
outra coisa é registrar o nosso testemunho desse desempenho.
12. O que uma escola precisa desenvolver para construir uma cultura avaliativa mediadora?
Para desenvolver uma cultura da avaliação os educadores e a escola necessitam de praticar a
avaliação e essa prática realimentará novos estudos e aprofundamentos de tal modo que um novo
entendimento e um novo modo de ser vai emergindo dentro de um espaço escolar. O que vai dar
suporte à mudança é a prática refletida, investigada.
13. Na sua opinião, qual será o futuro da avaliação no país? O que seria ideal?
O futuro da prática da avaliação da aprendizagem no país é aprendermos a praticá-la tanto do ponto
de vista individual de nós educadores, assim como do ponto de vista do sistema e dos sistemas de

295
ensino. Avaliação não virá por decreto, como tudo o mais na vida. A avaliação emergirá
solidamente da prática refletida diuturna dos educadores. Uma última coisa que gostaria de dizer
aos educadores: vamos substituir o nome “aluno” por estudante ou educando. O termo aluno,
segundo os filólogos, vem do verbo alere, do latim, que significa alimentar; porém, existe uma
forma de leitura desse termo mais popular e semântica do que filológica que diz que “aluno”
significa “aquele que não tem luz” e que teria sua origem também no latim, da seguinte forma:
prefixo “a” (=negação) e “lummen” (=luz). Gosto dessa segunda versão, certamente, não correta
do ponto de vista filológico, mas verdadeira do ponto de vista da prática cotidiana de ensinar.
Nesse contexto de entendimento, agindo com nossos educandos como seres “sem luz”, só
poderemos praticar uma pedagogia depositária, bancária..., como sinalizou o prof. Paulo Freire.
Nunca uma pedagogia construtiva. Daí também, dificilmente, conseguiremos praticar avaliação,
pois que esta está voltada para o futuro, para a construção permanente daquilo que é inacabado.
A atividade formativa, peça deste trabalho, tem finalidade acadêmica, portanto não
comercial. Todas as referências, artigos, excertos de livros ou de revistas, além de sites eletrônicos
de onde foi extraído o material utilizado nesse trabalho, estão devidamente identificados.

CONCLUSÃO

A partir dessa proposta desdobram-se novos objetivos, agora na expectativa dos resultados
a serem alcançados mediante a execução da atividade formativa, em especial na tentativa de
proporcionar mudanças quanto ao entendimento das funções e aplicações da avaliação em sala de
aula.
Esperamos que o professor, ao final da atividade, possa ter se apropriado quanto à
importância da função da avaliação em sala de aula, reconhecendo-a como um instrumento da
aprendizagem. Que avaliar é ajuizar valores, em função não só de expectativas previstas, mas
também daquelas que se apresentam durante todo o processo.
Seja capaz de compreender que o progresso alcançado do aluno está diretamente
relacionado com a qualidade do ensino ministrado, em um movimento que condiciona aprender e
ensinar dentro em uma única esfera, do qual um não existe sem o outro.
Por fim, que possa reconhecer que a prática pedagógica conversa com a forma de avaliar e
que, dificilmente, poderá haver mudanças em sua proposta de avaliação se não houver articulação
entre o compromisso com o desenvolvimento de suas práticas e o entendimento de que educação
se constrói dentro de ambientes inclusivos, solidários, plurais, de respeito às diferenças e
construídos coletivamente; portanto, democráticos.

296
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Estadual Paulista. Araraquara: UNESP, 2008.

ANEXO 1

Os quadros a seguir apresentam as referências para o formador com propostas para cada
situação problema de maneira que possam auxiliar na compreensão dos objetivos e na mediação
das discussões nos grupos de trabalho.
As iniciais existentes em alguns dos quadros representam os autores utilizados como
fundamento na elaboração das intencionalidades propostas. Suas respectivas obras, fontes da
consulta, estão na bibliografia desse trabalho.
PM Philippe Meirieu
RA Michael K. Russel e Peter W. Airasian
CL Cipriano Luckesi
CV Celso Vasconcelos
A situação problema tem em si a intencionalidade de despertar no
professor a reflexão sobre sua capacidade de tomar decisões e da
necessidade em se adaptar permanentemente a situações imprevistas.
Tendo ou não consciência disso, o professor toma inúmeras decisões
durante uma hora de aula. Algumas planejadas outras consideradas nos
elementos momentâneos. Em todo caso, a reflexão parte da ideia que
QUADRO nenhuma das decisões tomadas possui neutralidade. Cada uma tem um
INICIAL impacto: contribui para “instituir a Escola” e para facilitar as
aprendizagens de todos, ou então, é sinal de uma renúncia, compromete
o equilíbrio da classe e contribui para degradar as relações. PM
Essa situação problema ajuíza dois valores um de ordem normativa em
que a situação leva a um posicionamento de caráter regimental, e uma

301
vez desrespeitado, abre precedentes que podem por em descrédito a
legitimidade das relações implicadas. Por outro lado, o dilema também
tem uma ação pedagógica, o que permite uma reflexão sobre postura
profissional e posicionamento político por parte do docente. PM
QUADRO 01 Nesse segundo caso, cabe a reflexão se algumas práticas concretas ou
ações do professor não possa superestimar a importância da prova em
relação à aprendizagem esperada.

O dilema apresentado busca discutir sobre a relação que permeia a


formação identitária do professor e as consequências dessa formação
nas mediações em sala de aula. Todo professor dispõe,
conscientemente ou não, de um “modelo profissional” que combina
uma representação histórica e institucional do que deve ser uma classe,
como também uma concepção ideológica quanto ao papel que um
QUADRO 02 professor deve assumir. Dessa relação nasce a concepção do “aluno
ideal”, com seus comportamentos esperados e seus resultados
possíveis. O professor sabe, ou acredita saber, quais qualidades esse
aluno detém e o que deve esperar em sua aprendizagem. Assim, por
meio dessa situação problema espera-se uma reflexão sobre sua postura
profissional e suas implicaturas na aprendizagem. PM
Espera-se que por esse dilema em que se discute o papel do contrato
didático-pedagógico nas relações escolares, o professor compreenda
que em um modelo de avaliação tradicional, o interesse do aluno é
QUADRO 03 tentar de qualquer forma alcançar boas notas, inclusive por meios não
legítimos. Por outro lado, em um modelo que privilegia a
aprendizagem, a avaliação não se limita a classificação dos alunos,
portanto tornam desnecessárias estratégias ilícitas para buscar
melhores resultados. PM e CL
O dilema pretende que o professor possa refletir sobre o tipo de
formação cidadã que espera transmitir aos seus alunos, que se aproprie
do conceito de que cidadania não é, de modo algum, uma atitude
QUADRO 04 espontânea, e não basta decretá-la para que ela surja. A educação – por
princípio – não pode considerar a criança como um cidadão já
autônomo. Limites devem ser impostos no entendimento que se
aplicam a pessoas ainda em formação (biológica, social, psicológica,
educacional), a escola tem a função de formar cidadãos, e não supor
que essa formação já exista, o contrário, assume o risco de jamais
realiza-la. PM
Espera-se que o professor compreenda que o ensino deve combinar o
uso de modelos, a utilização de rotinas e a reatividade necessária para
tomar decisões pertinentes tendo consciência do que está em jogo.
QUADRO 05 Quebrar contratos pedagógicos incita o distrato de outros acordos,
situação que prejudica as relações da aprendizagem, o ato de ensinar só
acontece mediante o ato de aprender. PM
A situação problema, nesse caso, incita uma discussão sobre os
critérios de validade e da confiabilidade da avaliação, por meio das
seguintes questões: A evidência que coletei me dá informações sobre
QUADRO 06 as características que eu desejo avaliar? Há evidências o suficiente para
tomar uma decisão estável acerca do desempenho, do comportamento
ou das atitudes dos alunos? RA
A intenção aqui é a mudança de perspectiva por parte do jogador, que
até o momento realizou todas suas ações como professor, agora por
meio de outras representações na escola, poderá externar sua análise
QUADRO 07 sobre as atitudes tomadas que culminaram nessa punição. Leve em
consideração que na escola, se alguém tem razão, é porque demonstra

302
ser melhor, e não porque grita mais forte. Porque a verdade é objeto de
uma análise, e não de uma adesão, objeto de reflexão autônoma, e não
de intimação, envolvimento de uma inteligência, e não respeito a
qualquer “estatuto”. PM
Esse dilema pretende despertar para a reflexão sobre a necessidade de
se atender com legibilidade, precisão e rigor nos enunciados para o
êxito das aprendizagens propostas. Uma atividade clara para o
QUADRO 08 professor, não é garantia que o aluno vai compreendê-la, portanto é
importante que se faça uma leitura junto aos alunos sempre que
possível. Enunciados complexos ou com informações desconexas
conduzem a erros de interpretação. PM
Esse dilema abre uma discussão sobre a necessidade de elaborar
questões de forma a evitar interpretações dúbias. Quanto melhor os
QUADRO 09 alunos entenderem o que se pede que eles façam na prova maior será a
probabilidade de demonstrarem suas habilidades e conhecimentos.
Espera-se que dessa forma o professor reconheça a importância dos
critérios de validade e legitimidade na avaliação. RA
Esse dilema põe em discussão a necessidade de elaborar questões
escritas de forma breve, clara e livre de palavras ambíguas, para que
QUADRO 10 compreendê-las não seja um problema. Deve sempre levar em
consideração que sua atitude não pode desrespeitar os princípios de
validade e legitimidade da avaliação. RA
Essa situação pretende expor o papel do professor como um
examinador e não um avaliador, funções que se distanciam quando o
QUADRO 11 objetivo é a aprendizagem, enquanto o exame busca atender uma
situação pontual direcionada para classificação (concurso, vestibular,
promoção ou retenção) a avaliação, por sua vez, se volta para o melhor
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. CL
A situação problema questiona qual o significado de exercer uma
pressão no desenvolvimento de uma atividade escolar de maneira que
QUADRO 12 o aluno se preocupe mais com o tempo do que com a elaboração da
tarefa. A análise dessa questão propõe discutir até onde a atitude do
professor não acentua a ideia da pratica de examinar dentro da
avaliação escolar.

Espera-se que por esse dilema em que se discute o papel do contrato


didático-pedagógico nas relações escolares, o professor compreenda
que em um modelo de avaliação tradicional o interesse do aluno é tentar
de qualquer forma alcançar boas notas, inclusive fazendo uso de meios
não legítimos.
Por outro lado, em um modelo que privilegia a aprendizagem o
resultado da avaliação ganha outros significados, agora voltados para a
formação do aluno e na busca de sanar suas dificuldades, além de
determinar em que medida os objetivos educacionais estão sendo
realmente alcançados pelo programa do currículo e do ensino.
Nesse contexto a metáfora médica se faz presente por meio da seguinte
questão: Que paciente alteraria seus exames clínicos para obter um
QUADRO 13 diagnóstico falso? Com certeza ninguém que tenha como objetivo
sanar sua doença, assim nesse caso os exames serviriam para identificar
e indicar qual o melhor tratamento possível para aquela situação, e não,
limitar ao registro dos dados em um prontuário médico e arquivá-lo.
Procedimento normalmente utilizado quando o professor utiliza suas
provas para fins meramente classificatórios. CL
Outro ponto abordado que merece atenção nesse problema é a
discussão sobre as sanções disciplinares. Deve-se levar em

303
consideração que as sanções, ao invés de excluir, servem para integrar
o aluno. A escola, como instituição, necessita de regras regimentais que
devem ser discutidas democraticamente, implantadas, atualizadas
quando houver necessidade, divulgadas e respeitadas. As sanções
devem ter um caráter educativo e integrador, nunca excludente. PM

A sala de aula, no conjunto de suas atividades, é uma aprendizagem da


democracia. Ela deve possibilitar aos alunos aprender a construir-se
como um coletivo, identificar os objetos sobre os quais podem legislar
legitimamente, definir as regras que encarnam “o bem comum”, aplicá-
las de forma duradoura. Há pelo menos três coisas que é preciso
QUADRO 14
mostrar, na sala de aula, aos futuros cidadãos: a lei não é um capricho
do professor; ela não é, tampouco, um meio de homologar os
comportamentos ou de afagar os sentimentos da maioria dos alunos;
ela não é por fim, a solução técnica única que se importa com si mesma
para resolver todos os problemas. PM
Busca-se nesse quadro discutir e compreender a importância da
QUADRO 15 validade e confiabilidade como características fundamentais na
construção da avaliação.

Essa atividade busca fazer com que o grupo possa analisar a ação
escolhida comparando-a com as análises teóricas dos pesquisadores.
Ao comparar sua ação com determinados referenciais cria-se um
QUADRO 16 confronto entre a realidade e as ideias. Novas ideias abrem
possibilidades de mudança, mas não mudam. O que muda a realidade
é a prática. CV
A intenção aqui é propor uma relação entre as práticas pedagógicas
adotadas pelo professor e os elementos que constituem
metodologicamente a avaliação. O professor deverá confrontar sua
QUADRO 17 prática com a análise teórica indicada, e assim, ter elementos que
corroborem com sua escolha ou que questionem os métodos
utilizados.
Nesse dilema as duas respostas apontam para uma pedagogia
conservadora, espera-se nesse caso que o professor, ao analisar os
objetivos propostos, perceba que os dois movimentos conduzem a uma
QUADRO 18 proposta também conservadora. No primeiro não explicita o que fazer
com os dados coletados e no segundo indica que buscava o atendimento
institucional para fins normativos e classificatórios.
O estudo desse caso desvela a intenção de descontruir conceitos
gerados dentro de usos e costumes adotados pelo professor, pelos quais
QUADRO 19 se somam a manutenção e a transmissão de uma cultura
pedagogicamente conservadora. Pretende-se assim que o professor
reflita o que espera do ato de avaliar.
Por esse dilema espera-se que o professor possa analisar o que de fato
busca com suas atividades, a segunda questão tem como foco seu uso
dentro de uma função classificatória por meio do ato de examinar. A
QUADRO 20 primeira e a terceira distanciam-se pelos seus objetivos, enquanto uma
destaca a importância do conteúdo a outra coloca o aluno no centro da
aprendizagem.
Essa atividade tem a intenção de proporcionar ao professor
considerações sobre avaliação no cotidiano escolar de maneira que
contribua para uma discussão que esclareça sobre os significados do
QUADRO 21 ato de examinar e do ato de avaliar, sobre a resistência que o professor

304
tem às mudanças e ainda quanto à função que a avaliação pode ganhar
uma vez entendida como mediadora do processo que busca a
aprendizagem.
O propósito nesse quadro é estabelecer uma relação entre a história e
QUADRO 22 os textos em referência de forma que possa direcionar uma reflexão
quanto à função diagnóstica da avaliação e seu uso nas tomadas de
decisão que busque um atendimento formativo.

ANEXO 2
Escopo do papel profissional e das responsabilidades do professor na avaliação dos
estudantes

Os professores devem saber escolher os métodos de avaliação adequados para as decisões instrucionais. O
cumprimento desse padrão possibilita o desenvolvimento das habilidades conceituais e de aplicação, serão capazes de
usar os conceitos de erro de avaliação e validade ao desenvolver ou escolher suas abordagens de avaliação dos alunos.
Eles irão entender como dados válidos de avaliação podem sustentar atividades instrucionais, como fornecer feedback
adequado aos alunos, diagnosticar necessidades de aprendizagem da turma ou de alunos individuais, motivar os alunos
e analisar procedimentos instrucionais; além de compreender como informações inválidas podem afetar decisões
instrucionais sobre os alunos.

Os professores devem saber desenvolver métodos de avaliação adequados para decisões instrucionais. Apesar
de os professores frequentemente usarem ferramentas de avaliação publicadas, ou de outras origens externas, o grosso
das informações de avaliação que eles usam para tomar decisões vem de abordagens que eles próprios criam e
implementam. De fato, as exigências de avaliação em sala de aula vão além dos instrumentos prontamente à mão.
Cumprido essas especificidades os professores terão se apropriado de habilidades conceituais e de aplicação com a
seguinte natureza: Saberão planejar a coleta de informações que facilitarão as decisões que devem ser
tomadas; saberão quais são e seguirão os princípios para desenvolver e usar os métodos de
avaliação dos alunos. Essas técnicas podem incluir diversas opções listadas ao final do primeiro
padrão. O professor irá escolher as técnicas que sejam adequadas para o propósito de sua instrução.
Além disso, também saberão usar os dados dos alunos para analisar a qualidade de cada técnica
de avaliação que eles usam. Como a maioria dos professores não tem acesso a especialistas em
avaliações, eles devem estar preparados para fazer essas análises por sua própria conta.

Os professores devem saber aplicar, atribuir notas e interpretar os resultados tanto dos
métodos produzidos externamente quanto dos métodos de avaliação produzidos por eles.
Não basta que os professores saibam selecionar e desenvolver bons métodos de avaliação, eles
também devem saber aplicar, atribuir notas e interpretar os resultados de diversos métodos de
avaliação.
Ao cumprirem esse padrão terão se apropriado dos saberes voltados à interpretação dos resultados
de avaliações formais e informais, incluindo desempenhos dos alunos em sala de aula e em tarefas
para casa; saberão usar guias para dar notas a questões dissertativas e projetos, modelos para aferir
notas a questões de múltipla escolha e escalas para classificar avaliações de desempenho. Eles
saberão usar esses instrumentos de modo que produzam resultados consistentes.
Poderão aplicar provas padronizadas de desempenho e saberão interpretar os escores mais comuns:
classificações por porcentagem, escores de faixas percentuais, escores padrão e equivalentes à
série. Eles terão compreensão conceitual dos índices resumidos comumente informados junto dos
resultados de avaliação: mensurações de tendência central, dispersão, relacionamentos,
confiabilidade e erros de mensuração.
Saberão aplicar esses conceitos a índices de escore e a índices resumidos, de forma que aumentem
o uso das avaliações que eles desenvolveram. Se eles tiverem resultados inconsistentes, irão buscar
outras explicações para a discrepância ou outros dados para tentar resolver a incerteza antes de

305
chegar à sua decisão. Eles saberão usar os métodos de avaliação de modos que encorajem o
desenvolvimento educacional dos alunos e que não aumentem inadequadamente os seus níveis de
ansiedade.

Os professores devem saber usar os resultados de avaliação ao tomar decisões sobre os alunos
específicos, planos de aula, desenvolvimento do currículo e melhorias para a escola. Os
resultados de avaliação são usados para tomar decisões educacionais em diversos níveis: na sala
de aula sobre os alunos, na comunidade sobre a escola e sobre o distrito escolar, e na sociedade
em geral sobre os propósitos e os resultados dos esforços educacionais. Os professores exercem
um papel vital quando participam na tomada de decisões de cada um desses níveis, e devem saber
usar os resultados de avaliação de maneira eficiente.
Professores que cumprirem esse padrão terão habilidades conceituais e de aplicação que se
seguem: Eles poderão usar informações acumuladas de avaliação para organizar um plano
instrucional sólido para facilitar o desenvolvimento educacional dos alunos. Ao usar os resultados
de avaliação para planejar e/ou analisar a instrução e o currículo, os professores irão interpretar os
resultados corretamente e evitar erros comuns de interpretação, como basear decisões em escores
que não têm validade. Eles serão informados dos resultados de avaliações locais, regionais,
estaduais e nacionais, e sobre o seu uso apropriado para o aprimoramento educacional de alunos,
sala de aula, escola, distrito, Estado e país.

Os professores devem saber desenvolver procedimentos de atribuição de notas válidas que


usam as avaliações dos alunos. Dar notas aos alunos é uma parte importante da prática
profissional dos professores. A atribuição de notas é definida como forma de indicar tanto o nível
de desempenho de um aluno quanto à valoração daquele desempenho por parte do professor. Os
princípios de usar avaliações para obter notas válidas são conhecidos e os professores devem
empregá-los.
Professores que cumprirem esse padrão terão as habilidades conceituais e de aplicação que se
seguem. Eles poderão criar, implementar e explicar um procedimento para desenvolver notas
compostas de escores de vários trabalhos, projetos, atividades em sala de aula, quizzes, provas e/ou
outras avaliações que eles possam usar. Irão entender e saberão articular por que as notas que
atribuem são racionais, justificadas e justas, reconhecendo que essas notas refletem suas
preferências e julgamentos; serão capazes de reconhecer e evitar procedimentos problemáticos da
atribuição de notas, como o uso das notas como punição. Eles poderão ainda analisar e modificar
seus procedimentos de atribuição de notas para aprimorar a validade das interpretações feitas a
partir deles sobre os desempenhos dos alunos.

Os professores devem saber comunicar resultados de avaliação aos alunos, aos pais, a outros
públicos leigos e a outros educadores. Os professores devem relatar resultados de avaliação
rotineiramente aos alunos e aos seus pais. Além disso, eles frequentemente precisam reportar ou
discutir os resultados de avaliação com outros educadores e com públicos leigos diversos. Se os
resultados não forem comunicados efetivamente, eles podem ser mal usados, ou não serem usados.
Para comunicarem efetivamente aos outros as questões da avaliação dos alunos, os professores
devem ser capazes de usar a terminologia da avaliação adequadamente, e devem saber articular o
significado, as limitações e as implicações dos resultados da avaliação. Além disso, às vezes os
professores estarão em uma posição que irá exigir que defendam seus próprios procedimentos de
avaliação e suas interpretações. Em outros momentos, eles podem precisar ajudar o público a
interpretar os resultados de avaliação adequadamente.
Assim, conseguirão entender e serão capazes de dar explicações adequadas de como a
interpretação das avaliações dos alunos devem ser moderadas pela cultura, língua, origem
socioeconômica e outros fatores. Serão capazes de explicar que os resultados de avaliação não
implicam que esses fatores limitam o desenvolvimento educacional do aluno. Estarão aptos a

306
comunicar aos alunos e aos seus pais como eles podem avaliar o progresso educacional dos alunos;
irão entender e ser capazes de explicar e ser capazes de explicar a importância de levar erros de
mensuração em conta quando usam avaliações para tomar decisões sobre alunos individuais; e
saberão explicar as limitações de diferentes métodos de avaliação formal e informal, além dos
boletins com os resultados dos alunos nas avaliações em sala de aula, nas avaliações distritais,
estaduais e nacionais.

Os professores devem saber reconhecer métodos de avaliação e usos de informação de


avaliação que sejam antiéticos, ilegais ou, de alguma forma, inadequados. A equidade, os
direitos de todos os envolvidos e o comportamento profissional ético são todos preceitos que
devem reforçar as atividades de avaliação dos alunos, desde o planejamento inicial e a coleta de
informações até a interpretação, o uso e a comunicação dos resultados. Os professores devem ser
muito bem versados em suas próprias responsabilidades legais e éticas na avaliação. Além disso,
eles também devem tentar que as práticas de avaliação inadequadas dos outros sejam
descontinuadas onde quer que sejam encontradas. Participar da comunidade educacional mais
ampla para definir os limites do comportamento profissional adequado na avaliação também é
crucial.
Professores que cumprirem esse padrão terão as habilidades conceituais e de aplicação que se
seguem: Conhecerão as leis e as jurisprudências que afetam a sua sala de aula, seu distrito escolar
e as práticas de avaliação do Estado. Esses profissionais terão consciência de que diversos
procedimentos de avaliação podem ser mal usados ou usados excessivamente, resultando em
consequências danosas, como envergonhar os alunos, violar o seu direito à confidencialidade e
utilizar os seus escores nas provas padronizadas de maneira inadequada para mensurar a
efetividade do ensino.
(RUSSEL e AIRASIAN, 2013:333-337)

307
NOS APADRINHE!
VOCÊ QUER AJUDAR A MAIS DADOS?

O Padrim é uma plataforma de Financiamento Coletivo Recorrente, ou seja, um lugar em que


produtores de conteúdo e seus fãs se encontram. Os produtores podem publicar seus projetos e convidar
seus fãs para tornarem padrinhos e madrinhas, oferecendo um valor mensal para manutenção desse
projeto. Assim, os produtores podem se profissionalizar, mantendo-se independentes. Os padrinhos e
madrinhas podem se aproximar dos seus produtores favoritos e ter acesso a conteúdos exclusivos.

O que somos?
A primeira revista científica da Amèrica Latina voltada à pesquisa interdisciplinar de RPG, Larp, jogos
de tabuleiro modernos e jogos de cartas.

Por que começamos?


Porque os pesquisadores de RPG não se conheciam e não sabiam quem estava produzindo o quê, como,
quando, onde e por quê. Foi do desejo de conhecer o que o Brasil Rpgista produz dentro das
universidades que a Revista foi criada em 2014.

O que produzimos?
Publicações de volumes anuais da Revista Mais com artigos cientificos, traduções, resenhas,
entrevistas e jogos.

Como produzimos?
Nossas publicações são virtuais e gratuitas. Revistas impressas são feitas apenas para nossos leitores-
investidores.

O que estamos fazendo no Padrim?


Reformulando a revista e formando uma equipe coesa e multidisciplinar

Mas quem faz essa revista?


A revista foi desenvolvida pela ONG Narrativa da Imaginação e atualmente conta com a seguinte
equipe editorial:

Bruna Frappa: Editora chefe e revisora

Rafael Rocha: Conselho consultivo

Arthur Barbosa: Revisor

Conheça o Site do Padrim da Revista MAIS DADOS!


https://www.padrim.com.br/MaisDados

308
ESCLARECIMENTO

No dia 29 de novembro de 2017, a ONG Narrativa da Imaginação publicou a Edição 2017 da Revista Mais
Dados oficialmente neste site e fez algumas divulgações do material.

Poucas horas depois visualizamos uma nota de repúdio publicada em um grupo online, na rede social
Facebook por um dos autores que submeteu um artigo para publicação, Tadeu Rodrigues Iuama, questionando
a postura da Instituição, que teria publicado indevidamente um outro trabalho de sua autoria.

O erro foi constatado, a Revista foi retirada do site imediatamente e uma Nota de Esclarecimento foi
publicada no mesmo grupo, explicando as razões para o ocorrido e as medidas tomadas para correção e
retratação mediante o fato.

Abaixo, segue a referida a Nota de Esclarecimento da Instituição, publicada por Bruna Fontana, Editora Chefe
da Revista na data do ocorrido.

“NOTA DE ESCLARECIMENTO

Venho por meio dessa, em nome da Equipe Editorial da Revista Mais Dados, veículo acadêmico publicado
pela ONG Narrativa da Imaginação, prestar os devidos esclarecimentos frente ao grave erro cometido pela
Equipe ao publicar a Dissertação “PROCESSOS COMUNICACIONAIS NOS JOGOS NARRATIVOS: A
RELAÇÃO ENTRE O ROLEPLAY E AS HISTÓRIAS DE VIDA DOS PLAYERS” de autoria do Sr. Tadeu
Rodriguesindevidamente na Edição 2017 da Revista, representada por mim e pelo Sr. Rafael Rocha.

Confirmamos, como expresso pelo Sr. Tadeu Rodrigues em nota de repúdio, que houve um diálogo entre ele e
a Narrativa da Imaginação (mais diretamente com Rafael Rocha e posteriormente comigo) sobre a
possibilidade de publicar a referida dissertação como E-book, porém não como parte da Revista. Opção essa
descartada pela ONG mediante o desejo expresso do autor de publicar por outra editora, mantendo
submetido para a Revista apenas seu artigo, que já havia sido enviado.

Infelizmente, estava no planejamento da Mais Dados contar com uma Equipe de quatro pessoas na
preparação do material, sendo que após o início dos trabalhos, em momento inoportuno, três dessas
alegaram por motivos pessoais diversos não estarem mais disponíveis. Esse ocorrido gerou uma alta
sobrecarga da Equipe, sobre um único membro, com alto volume de trabalho em um curto espaço de tempo.

Dessa forma, mesmo adiando por um mês a publicação da Revista, várias atividades de finalização, incluindo
a inserção de materiais já prontos, se estenderam para a semana de véspera da publicação, em que a Equipe
foi obrigada a trabalhar inclusive à noite, em respeito a todos que enviaram seus trabalhos para a Edição
2017.

309
No momento de inserção dos materiais, recebidos pela revista por e-mail, ambos os trabalhos do Sr. Tadeu
foram colocados na Edição (tanto o artigo autorizado quanto a dissertação, não autorizada) por confusão
das respectivas mensagens eletrônicas. Sendo que a referida dissertação de forma nenhuma foi selecionada
para publicação por falta de ética ou desejo de apropriação de conteúdo intelectual pela Revista Mais Dados
ou pela ONG Narrativa da Imaginação, que repudiam veementemente esse tipo de atitude.

Expressamos nossas profundas desculpas pelo ocorrido diante do Sr. Tadeu Rodrigues; da UNISO
(Universidade de Sorocaba) que possui o material disponível em seu site; e diante de todos os leitores,
colaboradores, pesquisadores e demais pessoas ligadas à Revista.

Também ressaltamos nosso respeito ao trabalho do Sr. Tadeu Rodrigues, que em outros momentos também
atou como colaborador do nosso trabalho voluntariamente mais de uma vez.

Novamente, compreendemos a gravidade desse equívoco tal como os prejuízos que poderiam ter sido
causados ao Sr. Tadeu Rodrigues. Também informo oficialmente o meu desligamento da Equipe Editorial da
Revista Mais Dados a partir do ano que vem, já previsto há alguns meses, porém que afasta qualquer
possibilidade de dúvida sobre a conduta ética ou descuido da Equipe da Revista Mais Dados, visto que me
responsabilizo inteiramente pelo erro.

O documento que afirma esse afastamento também será publicado no site da ONG tão logo esteja assinado
pela diretoria da instituição.

Ressaltamos que tais equívocos não se repetirão e informamos que a presente nota de esclarecimento também
será publicada dentro da Revista atualizada e corrigida, que será disponibilizada amanhã (30/11/2017) no
site da ONG Narrativa da Imaginação.

Bruna Fontana”

Lamentamos o fato e esperamos que demais prejuízos à imagem da ONG Narrativa da Imaginação não sejam
gerados pelo equívoco, tanto quanto aos seus membros, sejam eles voluntários da NDI Editora, Revista Mais
Dados ou quaisquer outros projetos desenvolvidos pela Instituição.

310
COMO PUBLICAR?
NORMATIVAS PARA PUBLICAÇÃO

1. A Revista MAIS DADOS aceita apenas artigos inéditos para publicação.


2. Os artigos são recebidos por meio eletrônico no e-mail: editora@narrativadaimaginacao.org
3. Artigos devem conter no mínimo 25.000 caracteres (sem espaço), resumo, palavras-chave,
abstract e keywords e deve ser salvo em arquivo Word. Devendo conter e-mail de contato,
titulação e filiação do autor.
4. A formatação de entrevistas, jogos, resenhas e traduções será discutida diretamente com o
editor chefe pelo e-mail informado.

Qualquer dúvida entre em contato com nossa equipe editorial!

NOTAS DE ORIENTAÇÃO SOBRE FORMATAÇÃO

4.1. Os artigos deverão ser acompanhados de resumos, em português e inglês ou espanhol, com
extensão entre 5 e 10 linhas, acompanhados por 3 a 5 palavras-chave nos dois idiomas.

4.2. A formatação da primeira página deverá seguir os seguintes parâmetros:

a) título em caixa alta, centralizado, em negrito, fonte Times tamanho 14;

b) subtítulo centralizado, em negrito, fonte Times 12, com primeira letra maiúscula e o restante
em caixa baixa;

c) nome do autor, alinhado à margem direita, em negrito e em fonte Times tamanho 12,
seguido de RESUMO, PALAVRAS CHAVE, ABSTRACT e KEYWORDS, todos em fonte
Times tamanho 12.

d) Em nota de pé de página, deverá aparecer a instituição em que trabalha e a titulação


acadêmica.

4.3. O texto deve ser formatado em:

311
a) fonte: Times, tamanho 12;

b) espaçamento entre linhas: 1,5;

c) margens: 3 cm superior e esquerda, 2 cm inferior e direita;

d) Alinhamento: justificado

e) parágrafo: recuo de 1,25 cm na primeira linha e espaçamento de 0 ponto, antes e depois.

4.4. As citações constituem-se de transcrições de materiais com mais de três linhas. Devem
aparecer abaixo do texto, em fonte Times tamanho 10, sem aspas, com recuo de 4 cm da
margem esquerda, sem recuo da margem direita, que permanece alinhada ao resto do texto, e
com menção ao trabalho consultado em nota de rodapé.

4.5. As ilustrações (fotos, tabelas e gráficos) quando forem absolutamente indispensáveis,


deverão ser apresentada no corpo do texto, acompanhadas da respectiva legenda (de acordo
com a respectiva legenda) na sua forma definitiva.

4.6. As notas de rodapé deverão ser indicadas no corpo do texto por algarismo arábico em
ordem crescente e listadas no rodapé da página, em fonte Times tamanho 10, com alinhamento
justificado e espaçamento entre linhas simples.

4.7. A publicação de jogos devem conter como elementos obrigatórios: título e referencia
bibliográfica/ludográfica, os demais são variáveis de acordo com o tipo de jogo. Segue abaixo
sugestão do editor:

ORIENTAÇÕES SOBRE CITAÇÕES

5.1. Livro:

SOBRENOME, Nome. Título em negrito. Local de publicação: Editora, data.

Ex.: PORTELLI, Alessandro. República dos Sciuscia. São Paulo: Salesiana, 2004.

312
5.2. Texto em coletânea:

SOBRENOME, Nome. Título. In: SOBRENOME, Nome

(Org.). Título do livro em negrito. Local de publicação: Editora, data. p. inicial-final.

Ex.: KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias: cultura e o sujeito de história.
In: ALMEIDA, Paulo Roberto de; FENELON, Déa Rirbeiro; KHOURY, Yara Aun; MACIEL,
Laura Antunes (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004. p.
116-138.

5.3. Artigo em periódico:

SOBRENOME, Nome. Título. Título do periódico em negrito. Local de publicação, volume,


número, página inicial-página final, mês e ano da publicação.

Ex.: MARTINS, Estevão. Historiografia: o sentido da escrita e a escrita do


sentido.Historia & Perspectivas, Uberlândia, n. 40, p. 55-80, jan.-jun. 2009.

5.4. Trabalho acadêmico:

SOBRENOME, Nome. Título em negrito: subtítulo. Ano de Depósito. Folhas.


Teses/Dissertação/Monografia/Trabalho de conclusão de curso (Nome do Curso)–Unidade
onde foi defendida, Universidade, Local, ano de defesa.

Ex.: FREITAS, Sheille Soares. Por falar em cultura: história que marcam a cidade. 2009.
209 f. Tese (Doutorado em História Social)–Instituto de História, Universidade Federal

5.5. Artigo e/ou matéria de jornal:

SOBRENOME, Nome. Título. Título do jornal, Local, data. Caderno, p.

Ex.: HOFLING, E. Livro descreve os 134 tipos de aves no campus da USP. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 15 out. 1993. Cidades, Caderno 7, p. 15. Depoimento a Luiz Roberto de
Souza Queiroz.

5.6. Imagens em movimento:

TÍTULO: subtítulo. Diretor, produtor. Local: Produtora, Data. Especificação do suporte em


unidades físicas. Notas complementares.

313
Ex.: BAGDA Café. Direção: Percy Adlon. Alemanha: Paris Vídeo Filmes, 1988. 1 filme (96
min)

5.7. Documento iconográfico ( fotografias, cartões postais, gravuras e outros):

SOBRENOME, Nome. Título. Data. Características físicas (especificações do suporte,


indicação de cor, dimensões).

Se o documento estiver em forma impressa ou meio eletrônico, acrescentam-se os dados da


publicação (local, editora, data) ou endereço eletrônico.

Ex.: COMETA de Harley, 1986. 1 fotografia, p&b., 12cm x 8 cm. NORMANDIA: Lago
Caracaranã. Normandia: Desenho Letra e Música, 1986. 1 cartão-postal, color., 11cm x 15cm.
RAUSCHER, B. B. da S. Dublê de Corpo. 1985. 10 gravuras, xirograv., p&b., 61cm x 92cm.
Coleção Particular.

5.8. Documento eletrônico:

Para documentos em suporte eletrônico, são necessárias, ainda, as informações sobre o


endereço eletrônico, apresentado entre os sinais < >, precedidos da expressão “Disponível em:”
e a data de acesso ao documento, precedida da expressão “Acesso em:”.

Ex.: AUTONOMIA universitária: anteprojeto da Andifes. Disponível em:


<http://www.ufba.br/autonomia-andifes.html>. Acesso em: 30 abr. 1989.

5.9. Jogo

Desenvolvedor. Titulo. Categoria. Local: ano.

Ex: Grow. Perfil 5. Tabuleiro. São Paulo: 1997

5. Ao final do texto, em página anexa, informar o endereço anexo completo para correspondência
e telefone de contato.

6. A simples remessa dos originais implica em autorização para publicação, que fica condicionada
a provação de pelo menos 2 pareceristas do conselho executivo. Todos os trabalhos serão
previamente apreciados pelo Conselho Executivo da Revista e enviados, para análise, aos
pareceristas indicados por ele.

7. Os originais submetidos à apreciação do Conselho Executivo não serão devolvidos. A Revista


compromete-se a informar os autores sobre a publicação ou não de seus artigos.

314
Revista MAIS DADOS

Proponente: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Narrativa da


Imaginação

Endereço: Rua Quintino Bocaiúva, 2801 – Bairro Lagoinha -CEP.: 38400-544 – Uberlândia –
MG

Home page:http://narrativadaimaginacao.org/index.php/arquivos/pesquisa/maisdados/

E-mail: ndieditora@gmail.com

315
REGIMENTO INTERNO DA REVISTA MAIS DADOS

Art. 1º – A Revista Mais Dados é uma publicação virtual e periódica – em princípio, anual –
destinada exclusivamente à divulgação de temas relacionados com Role playing.

Art. 2º – A Revista Mais Dados será dirigida por um Conselho Editorial, composto de três
membros: a) Dois professores do quadro docente da Universidade Federal de Uberlândia,
sendo eleitos pela direção da ONG; b) Um Editor Chefe responsável, escolhido pela ONG que
exercerá as funções de secretariado, junto ao conselho executivo.

Art. 3º – Subordinadas e votadas pelo Conselho Editorial coexistirá duas Conselhos menores:

a) Conselho consultivo – composta por notáveis pesquisadores, nacionais e internacionais,


articulistas da Revista Mais Dados, a critério do Conselho Editorial.

b) Conselho executivo – Composta por um membro do conselho Editorial, mais dois mestres
ou doutorandos, selecionados pelo mesmo conselho.

Parágrafo Primeiro – O mandato dos membros dos três colegiados será de quatro anos,
coincidentes, admitida a recondução.

Parágrafo Segundo – O Conselho Editorial e a Conselho consultivo escolherão um de seus


membros, professor, para exercer a respectiva Presidência, com mandato de quatro anos,
admitida a recondução.

Parágrafo Terceiro – Todas as decisões serão tomadas por maioria de votos dos membros
presentes, ou, excepcionalmente, por correio eletrônico.

Art. 4º – Ao Conselho Editorial compete:

a) Incluir, manter ou excluir os membros do conselho consultivo e executivo;


b) Deliberar sobre os casos omissos ou não resolvidos pelo Conselho consultivo;
c) Decidir sobre recursos impetrados contra deliberações do Conselho consultivo;

316
Art. 5º – À Conselho consultivo compete:

a) Deliberar sobre as normas de publicação da Revista;


b) Selecionar matérias para publicação;
c) Nomear pareceristas em casos de publicações que ensejem dúvida ou polêmica;

Art. 6º – À Conselho Executivo compete:

1. a) Formatação, execução e organização da estrutura da revista;


2. b) Ilustrações, capa, e design da revista;
3. c) Organização do site, arquivar documentação, informar pareceristas e autores junto ao
conselho editorial.

Art. 7º – Os trabalhos encaminhados à Revista serão distribuídos igualmente entre os membros


do conselho consultivo para apreciação. Em caso de necessidade, poderão ser submetidos ao
Conselho Editorial ou utilizados consultores ad hoc. Compete à Conselho consultivo a análise
sobre os trabalhos a publicar.

Art. 8º – Os autores de artigos deverão ser sempre professores, ex-professores, professores


visitantes, professores convidados e alunos de graduação ou pós-graduação.

Art. 9º – Todos os artigos deverão ter unitermos (palavras-chave), resumo em inglês (abstract).
Deverão também ser apresentados em forma de arquivo.doc.

Art. 10º – A bibliografia final, as citações e as notas de rodapé deverão ser apresentadas
segundo as normas técnicas da ABNT, em vigor na data da publicação.

Art. 11º – Não serão publicados: a) os trabalhos com mais de 40 (quarenta) páginas; b) os já
publicados em periódicos de grande circulação no meio jurídico; c) sentenças, votos, acórdãos
e pareceres.

Parágrafo Único – Serão admitidos, em cada publicação, até dois trabalhos em língua
estrangeira. Esse limite poderá ser ultrapassado, em casos excepcionais, a critério do Conselho
consultivo.

Art. 12º – Não deverão ser publicados mais de um artigo do mesmo autor, no mesmo número
da Revista. Devendo haver um espaçamento de duas edições de publicação, promovendo a
diversidade de autores e títulos.

317
Art. 13º – Os casos omissos serão resolvidos pela Conselho consultivo e, em última instância,
pelo Conselho Editorial.

Art. 14º – Este Regulamento entra em vigor nesta data.


Uberlândia, 25 de Novembro de 2016.

Bruna Fontana Frappa


(Editora Chefe)

Rafael Correia Rocha


(Membro do conselho editorial)

Arthur Barbosa
(Revisor)

318
Narrativa da Imaginação

319
320

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