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Frigotto Produtividade Da Escola Improdutiva PDF Free
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A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA
Um(re)exame das relações entre educação e esüutura económico-social capitalista
Gaudêncio Frigotto
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 11
INTRODUÇÃO 15
L. O âmbito da problemática 15
2. Estruturação do trabalho 18
l
2 A coftcepção do capital humano: do senso comum ao senso comum 52
BRASILEIRA E PREFÁCIO DA
I' EDIÇÃO EM CASTELHANO
A produfívidade da escola í/nprodzzflvapublicado em 1984 no
Brasil e com sua 4' edição esgotada,tem como eixo de análisee
apreensãodas relações entre os processoseconómico-sociaise os
processoseducativosnum contexto em que a crise atual do capitalismo
mundial já apresentava fortes indícios.
A questão central que se colocava naquele momento era de
tentar entender as detemlinaçõeshistóricas, no âmbito das relações
sociais capitalistas, que alçaram a educação a um "favor" de produção
-- cáfila/ /zzlma/zo,como campo específico da economia. Tamanha
era a centralidadedeste tema nos anos 60/70 nas economiasdesen-
volvidas que Theodoro Schultz ganhou, em 1978, o Prêmio Nobel
de Economia justamente pelo desenvolvimento da teoria do capíraZ
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mano e, ao mesmo tempo, do seu fracasso). Não obstante o rápido a nação como referênciabásica. Com esta implosão os patamaresde
desencanto a nível dos países .desenvolvidos, a teoria do capital reprodução ampliada do capital, a recomposição dos níveis de lucro
humano disseminou-sede forma avassaladorana América Latina por vão ter como parâmetrocritérios transnacionais.A crise do capital
intermédio das políticas dos organismosinternacionais (Banco Mundial, neste final de século expressa só uma vez mais pela incapacidade do
Fundo Monetário Internacional, Organização Internacional do Trabalho capitalismo de solidariamente socializar a enorme capacidade produtiva.
etc.) A sua lógica o impele ao processo de exclusão e à criação de desertos
económicos e humanos.
A década de 70 demarca, sem dúvida, o início das políticas
educacionais na América Latina vincadas pelo vesgo reducionista do E qual o sentido de reeditar este trabalho dez anos depois numa
economicismo e resultante tecnicismo e cuja operacionalização se conjuntura de colapso do socialismo real e onde, aparentemente,o
efetiva mediante a õ'agmentação dos sistemas educacionais e dos capitalismo provou sua supremacia a ponto de, paradigmaticamente,
processos de conhecimento. Trata-se de políticas impostas, via de Fukuyama expor a tese do .Pm da /zísfórfa para significar que a única
regra, por violentas ditaduras. O caso brasileiro é, neste particular, história viável é a regida pela relações sociais de "tipo natural"
emblemático. Duas reformas, a universitária em 1968 e dos níveis de relações capitalistas?
primeiro e segundo graus em 1971, completam um ciclo de ajuste Creio que Pablo Gentili ao prefaciaro livro A edzzcação e a
da educaçãoao projeto do golpe civil-militar de 1964. crise do caplraZismoreal (São Paulo, Cortez, 1995), no qual busco
E a situação dos países da América Latina, 25 anos depois, apreenderas relações entre a base material e ideológica do capitalismo
supostamentede grandes investimentos no capital humano, situam-se e sua mais ampla e aguda crise, neste Htnal de século, e a educação,
hoje, na correlação de forças internacionais e na distribuição de renda situa com precisão o sentido de insistir na reedição.
intima, em melhores condições? Certamente não. E o que ocorreu Este libra es, de algtlrta manera, !a continuaciótl más elocuenle
para que as profecias tão alentadorasda teoria do capital humano de A produtividade da escola improdutiva, fex/o qlze fodavz'a/zoy
não se cumprissem? continha siendo de consulta obttgada para quienes desarroltan pes-
A assertativa de Marx, epígrafe do primeiro capítulo' deste livro, quisas en et área de Educación ) Trabajo. Esta línea de continuidad
de que presos às representações capitalistas (os economistas burgueses) entre dos obras separadas por una década constitu)e, al cismo
vêem sela dúvida como se produz essa própria relação, nos assinada tiempo, un data atentados y trágico. Alentados, porque Frigotto
as razões fundamentais deste fracasso. Ou seja, como nos mostra o cotltitlúa discutiendo de forma clara y decidida !os en:toquesecono-
sociólogo brasileiro Octavio lanni, /za sociedade burguesa as relações micistas que reducen la educación a útero factor de producción, a
de produção tendem a con$gurar-se em idéias, conceitos, doutrinas capital humano" . Trágico, porque todavia ho) esta última perspectiva
ou teorias que evadem seus fuYldamentos reais. continha expandiéndosecota suevos ropajes, con inéditas y sedutoras
máscaras qtle convericelt, incluso, a machos intelectuales que !as
O quea teoriado capitalhumano
evadee esconde
sãoas combatíanen et pesado
relações capitalistas efetivas de produção, cuja lógica é, ao mesmo
tempo, de acumulação, concentração e exclusão. O que estava sendo As novasroupagens
ou máscaras,
a quese refereGentili,são
anunciado no fim dos anos 60 era, justamente, a crise do padrão de as novas categorias de sociedade do co/zAecime/zro,qua/idade fofa/,
acumulação centrado sobre a organização económico-social que tinha fortnação flexível, formação de competências e empregabilidade, que
como referência o Estado-Naçãoe os modos de regulação social-de- na realidade apenas efetivam uma metamorfose do conceito de capital
mocrata. Estado de bem-estar ou modelo fordista. Como bem o humano. Os componentes da formação, apenas com uma materialidade
demonstra Eric Hobsbawm em ovações e naclona/íamos (1991), o diversa exigida pela nova base cientíHlco-técnica,são os mesmos que
constituem o co/zs/rzlcfocapital humano: habilidades cognitivas (edu-
capital transnacionalsob a hegemoniado capital financeiro-- uma
espécie de volátil ou nuvem que emigra de acordo com os espasmos cação abstrata, polivalente) e traços psicossociais,atitudes, valores
da maximização do lucro -- implode, do ponto de vista económico etc. (criatividade, lealdade, espírito de equipe, colaboração com a
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empresa etc.). A subordinação unidimensional do educativo aos pro-
cessoscapitalistas de produção contínua intacta, ainda que mais sutil,
velada e, por isso, mais violenta.
Esta subordinação vem hoje sobredetemlinada pela avassaladora
onda neoliberal que estatuao mercadocomo o dezlsregular das APRESENTAÇÃO
relações sociais transformando direitos como os da saúde, da educação,
da habilitação etc., em mercadoria.
A continuidade da crítica e do desenvolvimento de referenciais
e fomlas altemativasde organizaçãosocial e de políticas educativas
que propomos neste livro continua impondo-se no plano teórico, O presente trabalho tem com objeto de análise um (re)exame
ideológico, mas sobretudoético-político. A motivação básica da versão das relações entre a prática educativa escolar e a prática de produção
em espanhol é a de ampliar a possibilidade de intercâmbio crítico social da existência no interior da estrutura económico-social capitalista.
com intelectuais, professores,estudantes,e técnicos que na América A questão fundamental que o orienta é a de averiguar como a prática
Latina sobretudo, mas não só, se empenham historicamente na cons- educativa, enquanto uma prática social contraditória, à medida que se
trução destas altemativas vincadas por üma democracia efetiva no efetiva no interior de uma sociedade de classes marcada por interesses
campo social e no campo educativo.Altemativa esta que por enten- antagónicos,se articula com os interessesburguesese com os daqueles
dermos que os direitos básicos como: emprego ou renda mínima que que constituema classedominada.
faculte a reproduçãodigna da vida, saúde,educaçãohabitação,lazer A idéia original surgiu na fase de elaboraçãoda dissertaçãode
etc., por serem direitos não pode estar subordinados à esfera privada mestrado do autor, gerada a partir de uma vinculação profissional
do mercado. Este mostrou-se historicamente incapaz de regular direitos. com o Projeto Educação, do Programa Eciel (Programa de Estudos
Trata-sede direitos que pressupõem, contrariamenteao que prega a Conjuntos de Integração Económica da América Latina). Tratava-se
ideologia neoliberal, uma ampliaçãocrescenteda esfera pública com de um projeto que refletia o pensamentomais denso,entre nós, sobre
controle democrático do fundo público. as relações entre economia e educação,na ética do desenvolvimento
No campo educativo somentena esfera pública é possível da "teoria" do capital humano. A dissertação se desenvolveu sobre
uma das questões, ainda em discussão, acerca dos componentes
construir efetivamente uma altemativa que busque desenvolver as
múltiplas dimensões do ser humano. Alternativa esta que neste texto, cognitivos e não-cognitivos (ideológicos) que se relacionam com o
processoprodutivo.
dentro de uma perspectiva gramsciana denominamos de escola unitária
(síntese do diverso), formação omnilatéral ou politécnica. Tendo como fomlação básica a filosofia, inüigava-nos o avanço
e a natureza do pensamento económico na educação, reduzindo, sob
Contraditoriamente, o exame cuidadoso da natureza e especifi-
esta vertente, a questão educativa -- uma. relação política e social
cidade da crise sem precedentesdo capitalismo real neste Him de a uma mera relação técnica. Intrigava-nos, de outra pare, o aparato
século, mesmo sob os escombros do colapso do socialismo real, nos metodológico e a soülsticação estatística dessas análises, e as indicações
indica que a razão cínica do.Pm da /zísróría, das celebrações apologéticas
a que chegavamcomo, por exemplo, que "o turno escolar" era a
da sociedade pós-industrial e da "melancólica zombaria da historicidade' variável que concentrava maior explicação na variação do rendimento
(Frederic Jameson, 1994) do pós-modemismo, há espaço para utopias escolar.
que transcendam a barbárie do mercado. Os seres humanos .ainda
contam. Ao quereranalisara influênciae as consequências
dessepen-
samento na política educacional brasileira, deparamos com a necessidade
Rio de Janeiro, janeiro de 1999. de desvendar a natureza epistemológica e a gênese histórica desse
Gaudêncio Frigotto pensamento.
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Por quê, a partir de um dado momento, a educação é transvestida mesmo, nos convencer de que outros necessitam serem desenvolvidos
com a mesma natureza do capital -- "capital humano"? Qual o de outra forma para poderem ser utilizados a esse nível de ensino.
processo dessa metamorfose? E por quê justamente a "socialização A Ercília Lopes, Resina Heredia Dália e Paulo dos Anjos Manas,
desse capital", e não do capital social -- os meios e instrumentos respectivamente revisoras do texto e datilógrafo, nosso agradecimento.
de produção-- seria o meio pelo qual os "subdesenvolvidos"ou os Muitas das sugestões e críticas, certamente apenas foram atendidas
assalariados
atingiriama prometidaigualdadeou diminuiçãoda desi- }
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INTRODUÇÃO
Í.4. GramsciJ
l O ÂMBITO bA PROBLEMÁTICA
22 23
não apenasformal, masreal, o trabalhadorprodutivo às leis do ca- nacodas relações entre infra-estrutura e superestruturae a enter-re
pital. A história do capitalismo,neste sentido,é um esforço crescente caçãoentre trabalho produtivo e improdutivo.
de degradação do trabalho e do trabalhador.
A evidência do caráter problemático da análise de Sala se esta-
Não aceitamos, porém, as teses que definem a escola apenas belece quando, ao admitir apenas o "vínculo ideológico" -- e, en-
como um aparato ideológico, reprodutor das relações sociais de pro- quanto tal, algo, de acordo com ele, que diz muito pouco -- vai
dução capitalista, uma instituição que se coloca à margem do movi- apontar, ao mesmo tempo, como saída para a escola progressista a
mento geral do capital porque os vínculos diretos com a produção proposta de Dewey -- a formação do cidadão para a democracia.
capitalista são escassos. Por que o autor busca em Marx a base para refutar a visão dos teó-
ricos do capital humano e de seus críticos sobre as relações entre
Em suma, buscaremos defender a idéia de que a separação entre educação e modo de produção capitalista e abandona esta perspec-
infra e superestrutura
é um exercíciode exposição,e por isso, parti- tiva ao.assinalaro papel da escolana perspectivada mudançadesse
mos da suposiçãode que a escola,ainda que contraditoriamente,por modo de produção?
mediações de natureza diversa, insere-se no movimento geral do ca-
pital e, neste sentido, a escola se articula com os interessescapitalis- No segundo tópico, baseados na compreensão marxista de tra-
tas. Entretanto, a escola, ao explorar igualmente as contradições ine- balho produtivo e improdutivo e na evolução das formas de socia-
rentes à sociedade capitalista, é ou pode ser um instrumento de me- bilidade capitalista, detemo-nos em mostrar a sua necessária comple-
diação na negaçãodestas relações sociais de produção. Mais que mentaridadedentro do processode formaçãodo corpo coletivo de
isso, pode ser um instrumento eficaz na formulação das condições trabalho. Neste âmbito buscamosmostrar diferentes mediaçõesque
concretas da superação destas relações sociais que determinam uma se podem estabelecerentre o processoprodutivo capitalista e o pro-
separaçãoentre capital e trabalho, trabalho manual e intelectual, mun- cessoeducativo escolar. Destacamos, especialmente,o fenómeno da
do da escolae mundo do trabalho. Isto nos indica, então, que a tercializaçãoda sociedadecomo decorrênciahistórica da forma de o
escolaque não é por naturezacapitalistano interior destemodo de capital desenvolver-se.
produção tende a ser articulada com os interessesdo capital, mas
exatamente por não ser inerente ou orgânica deste modo de produ- A natureza mediata entre o processo produtivo e a prática edu-
ção, pode articular-se com outros interesses antagónicos ao capital. cativa escolaré posta, em suma, dentro da apreensãode que o tra-
Nisto se expressao caráterdiferenciadoda prática educativaescolar balho produtivo, no interior do movimento da expansãocapitalista,
em relação à prática fundamental de produção social da existência e vai pondo seu outro -- trabalho improdutivo. Trabalho produtivo e
sua especificidade mediadora. improdutivo, embora de natureza distinta, são partes de um mesmo
movimento total -- da produção, circulação e realização do valor.
Na análise desta problemática subdividimos o último Capítulo
Entretanto, à medida que a relação mediata entre educação e
em quatro tópicos. No primeiro discutiremos a natureza mediata das estrutura económico-social capitalista se efetiva numa sociedade de
relações entre sistema produtivo e processo educativo. Sob este as-
classes, vaí expressando, cada vez mais nitidamente, os interesses
pecto, procuramos mostrar que a tese que Salm sustenta procede
antagónicos que estão em jogo. O conflito básico capital-trabalho
quanto à crítica que faz aos teóricos do capital humano e aos seus
.coexisteem todas as relações sociais e perpassa,portanto, a prática
"críticos", que vêem no processo educativo um mecanismo de pro-
dução de mais-valia relativa. educativaem seu conjunto. A relação de produção e utilização do
saber revela-se, então, como uma relação de classes.
Entretanto mostramosque Salm, ao defender a tese de que a O que a sociedadedo.capital busca é estabelecerum determi-
escola não é capitalista e o capital prescinde dela, apenas pelo fato nado nível de escolarização e um determinado tipo de educação ou
de não encontrarum vínculo direto, não apreendeo caráter orgâ- treinamento,nível que varia historicamentede acordo com as mu-
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danças dos meios e instrumentos de produção Esse níve], necessário programas de treinamento, mas essa tendência passa a ser cada dia
mais dominante nos diferentes níveis de. ensino.
à funcionalidade do capital, é historicamente problemático ao capital4
na medida em que, por mais que o capital queira expropriar o tra-
balhador do saber,não conseguede todo, de vez que a origem deste Argumentamos, então, que se o prolongamento da escolaridade
saber é algo intrínseco ao trabalhador e à sua classe.s -- efetivando uma qualificação geral mínima -- cumpre mediações
importantes para as necessidades do capital. a desqualificação do
O terceiro tópico busca, justamentemostrar quais são os me- trabalho escolar,quando a escolaridadese prolonga, no seu aspecto
nismos que o capitalismo monopolista engendra para fazer face ao técnico-profissional e no seu aspectopolítico-cultural, será igualmente
aumentodo acessoà escolae aos anosde escolaridade,de vez que necessáriaaos desígnios do capital. A escola será um /ocui que ocupa
esseaumento se torna irreversível, quer pelas próprias contradições -- para um trabalho "improdutivo forçado" -- cada vez mais gente
da expansão capitalista, quer pelo aumento de organização da classe e em maior tempo e que, embora não produza mais-valia, é extrema-
trabalhadora. mente necessária ao sistema capitalista monopolista para a realização
de mais-valia; e, nessesentido, ela será um trabalho produtivo.
Apontamos então que, ao movimento histórico de submissão
real do trabalho ao capital, consubstanciadopela separaçãodo tra- A análise do caso brasileiro, neste particular, é singularmente
balhador. da concepção do processo de produção e de seu instrumen- reveladora. Toda a política educacional, desenhada especialmente
to de trabalho, tornando-o mero executor, parece corresponderum após a segunda metade da década de 60, tem nos postulados da
esforço necessáriode expropriaçãodo saberatravésde uma crescente teoria do capital humano seu suporte básico. Ao lado de uma política
desqualificaçãodo trabalho escolar.Se o objetivo do capital é redu- económica que velozmente se associa ao capital internacional, cujo
zir todo o trabalho complexo a trabalho simples, e se isto implica escopo é a exacerbação da concentração da renda e da centralização
uma desqualificação crescente do posto de trabalho, para a grande
do capital, toma-sea "democratização" do acessoà escola-- parti-
maioria, como poderia a sociedadedo capital pensarnuma elevação cularmente à universidade -- como sendo o instrumento básico de
da qualificação para a massa trabalhadora? Neste sentido o processo mobilidade, equalização e "justiça" social. Produz-se, então, a crença
de produçãodo saber,enquantoprocessoque implica pensar,refletir de que o progressotécnico não só gera novos empregos,mas exige
sobre as condições históricas concretas de onde emerge, tende, em-
uma qualificação cada vez mais apurada. De outra parte, enfatiza-se
bora não sem luta, sem conflitos, a reduzir-se a uma transmissãode
a crençade que a aquisiçãode capital humano,via escolarizaçãoe
um "saber" em "pacotesde conhecimentos",um conhecimentopré- acessoaos graus mais elevados de ensino, se constitui em garantia de
-programado. Isso não atinge apenasos cursos profissionalizantes, os ascensão a um trabalho qualificadoe, conseqüentemente, a níveisde
renda cada vez mais elevados.
4. O caráter problemático de escolarização já é nitidamente percebido
pelos economistas clássicos que buscam estudar as "leis" que regem e estrutu- Mais de uma década e meia tem-sepassadoe o que se verifica
ram a sociedadedo capital. Smith, por exemplo, expressaessa preocupação concretamente
é que,ao contrárioda distribuiçãode renda,a con-
quando recomenda"ensino popular pelo Estado, porém em doseshomeopáti-
cas" (ver Marx, K. O Capíral. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980.
centração se acentuou; e, ao contrário de mais empregos para egressos
Livro 1, t. 1, p. 144). de ensino superior, temos cada vez mais um exército de "ilustrados"
5. "Os industriaisamericanoscompreenderam
muito bem essadialética desempregados ou subempregados. A realidade, em suma, passa a
inerente aos novos métodos industriais. Compreenderamque 'gorila domesti-
cado'(referência à frase de Taylor) é apenasuma frase, que o operário con- demonstrarde forma cada vez mais clara que as ':promessas"prog-
tinua 'infelizmente'homeme, inclusive,que ele, duranteo trabalho,pensa nosticadasda política económica e educacional não se cumpriram.
demais,.pelo menos, tem muito mais possibilidades de pensar principalmente
depois de ter superado a crise de adaptação. (. . .) SÓ o gesto físico mecani-
zou-se inteiramente; a memória do ofício, reduzida a gestos simples repetidos Neste contexto, a desqualificação da escola e, ao mesmo tempo,
em ritmo .intenso 'aninhou-se'nos feixes muscularese nervosose deixou o o aumento da escolaridade desqualificada são amplamente funcionais
cérebro livre"(ver Gramsci, A. Ã/aqzlavar, a polífíca e o Errado moderno. aos interessesda burguesia nacional associadaao capital internacio-
Rio de Janeiro, Vozes, 1978, p. 404)
26 27
nal. À classe trabalhadora interessauma escola que lhes dê acesso O que nos propomos, em suma, neste trabalho foi a tentativa de
ao saber historicamente produzido, organizado e acumulado.
a) revelar o caráter circular da teoria do capital humano como
Revelar a natureza real das relações de produção de desigual- decorrênciada ótica de classee de sua função apologéticadas rela-
dade, que a teoria do capital humano mascara,bem como mostrar ções capitalistas de produção da existência;
a gênese da produção do desemprego ou subemprego de contingen-
tes cada vez mais elevados de egressosde cursos superiores, formados b) mostrar, através da análise da gênesehistórica da teoria do
para o não-trabalho, e, mais amplamente, lutar pela qualificação da capital humano, que a mesmanão é resultante de um "maquiavelismo",
escolaem geral, para transforma-la, é uma forma de aguçar a cons- mas sim uma produção decorrente das novas formas que assumea
ciência crítica e instrumentalizar a classe trabalhadora para se orga- organização da produção capitalista em sua fase monopolista anual,
nizar na busca da superação das relações sociais vigentes. onde o "novo imperblismó?' necessitade mecanismos cada \rcz mais
refinados para elidir seus fundamentos e contemporizar suas crises;
Nesta direção, procuramosmostrar que quanto mais eficaz e
global for o trabalho escolar,na sua tarefa específicade transmissão c) evidenciar, por fim, que a natureza específica das relações
do conhecimento elaborado e historicamente sistematizado,tanto mais entre estrutura económico-socialcapitalista e educaçãonão é ime-
ele significaráum instrumentoque se volta contra os interessesdo diata, mas mediata.
cal)ital. O esforço de nivelar por cima é um esforço contra o privilégio
-- elemento constitutivo da sociedade de classes.Este esforço, obje- No interior do capitalismo monopolista essamediação se efetiva
cle diferentes formas: uma escolarização alienada em doses homeo-
tivamente, se materializa mediante uma direção política e uma qua-
lidade técnica que vinculam o saber que se processana escola aos páticas para a grande massa de trabalhadores; prolongamento des-
interesses da classe trabalhadora. Saber que, historicamente, sempre qualificadoda escola;pelo volume de recursosalagadose que fun-
cionam como realizadoresde valor; etc. Buscamosmostrar, entre-
Ihe foi negado, mediante diferentes mecanismos, que vão da seletí-
vidade social ao oferecimento de uma escola desqualificada. tanto, que a prática escolar, enquanto uma prática que se efetiva no
interior da sociedade de classes, é perpassada por interesses antagó-
O último tópico centra-se na discussão da questão da unidade nicos. O saber que se processa na escola, a própria orientação e a
do teórico e do prático, do técnicoe do político, na perspectivado organização da escola são alvo de uma disputa. Essa disputa busca
vincular "o saber social", produzido e veiculado na escola,aos inte-
resgate da escola para os interesses da classe trabalhadora.
ressesde classe.
Contrariamente à tese de Salm, que separa "escola e trabalho",
e dos teóricos do capital humano, que reduzem o trabalho a emprego, A luta por uma escola de qualidade e a serviço da classe tra-
balhadoraé, em última instância,um aspectoda luta maisampla
ocupação remunerada, localizamos o trabalho, enquanto uma relação
social que expressaa forma pela qual os homensproduzemsua exis- pela transformação das relações sociais de produção da existência,
tência, como o elemento de unidade do técnico e do político, do que têm como produto a desigualdadeorgânica,o não-trabalho,o
parasitismo e a exploração.
teórico e do prático, no processo educativo.
Para esta análise retomamos, num primeiro momento, a herança 3 NOTAS METODOLÓGICAS: INDICAÇÃO DE ALGUNS
teórica marxista e averiguamos em que medida ela efetivamente pode RISCOS E DELIMITAÇÃO DE ALGUNS CONCEITOS
iluminar a tarefa de articulação do processo educativo escolar aos UTILIZADOS
interesses da maioria discriminada -- a classe trabalhadora. Num
segundo momento, discutimos alguns aspectosmais específicos sobre Tem sido usual em dissertações e teses apresentar um capítulo
a questão da utilização dessa herança teórica numa formação social introdutório que contém a descrição dos passos metodológicos seguida
como a brasileira. de um esboçodaquilo que se convencionouchamar de quadro refe-
28 29
rena/a/ teórico. Neste trabalho evitamos adotar este procedimento por o caráter de classedo processode conhecimento,à medida que tal
entendermos que, na própria forma de exposição, tanto os aspectos processo se efetiva no interior de uma sociedade cindida em classes
de encadeamentometodológico quanto a postura teórica que orienta onde se digladiam interesses antagónicos. Ou seja, o conhecimento,
o estudo devem se tomar claros para o leitor. Se a exposição não quer em sua produção,quer em sua divulgação, articula-secom inte-
consegue tornar perceptíveis esses aspectos, a experiência tem mos- resses de classes. A defesa da neutralidade científica não passa de
trado que o capítulo inicial fica tendo apenasum caráter formal. um mecanismode defesado sfafus que, no casodos interessesbur-
gueses.Ao assumiruma ética de crítica aos interessesburguesese
Neste item, então, buscamos apenas chamar a atenção para os postular que tal ótica crítica carrega historicamente mais condições
riscos, especialmentepela forma de abordar a temática em discussão (embora não suficientes) para um desvendamentomais profundo do
bem como delimitar o sentido que damos a alguns conceitos utilizados. real, podemos ensejar uma interpretação apressada que se direciona
para o relativismo absoluto, o ceticismo ou o caráter doutrinário do
Para efetivar a análise acima esboçadaincorremos em diversos conhecimento. Aqui também o risco não reside no âmbito epistemo-
riscos, especialmentelevando-seem conta as condiçõesobjetivas de lógico, mas na precariedade,talvez, da discussãoincorporada no
que dispomos para a produção deste trabalho. De muitos destesriscos texto sobre essa questão.
certamente sequer temos consciência -- especialmente daqueles liga-
dos aos limites pessoais.Outros, porém, decorremda própria postura Finalmente, um último risco que temos presente em nosso tra-
metodológica do trabalho. O risco, neste sentido, é entendido como
balho decorre da sua própria evolução. Ou seja, na medida que pas-
a condiçãopara avançarna compreensão da problemáticaem foco. samosda idéia inicial de uma análisecontextualizada-- influência
do pensamento económico neoclássico veiculado na educação através
O trabalho se orienta epistemologicamente pela concepção de
que o processode conhecimentoimplica delimitaçõesquanto ao da "teoria do capital humano", na realidade educacionalbrasileira
e ficamosao nível da discussãomais teórica sobre a análisedos
campo de investigação, porém não admite atomização do caráter de
.vínculos ou desvínculos entre educação e estrutura económico-social
totalidade do objeto a ser investigado.A parte engendraa totali-
dade. Neste sentido, a análiseda prática educativaescolar e suas capitalista, podemos incorrer numa análise abstrata. Três razões nos
relaçõescom a estrutura económico-social capitalista moveu-se, basi- levam a pensar que tal fato não ocorre. Primeiramente, ao nos preo-
camente, nos âmbitos económico, sociológico, político e filosófico. cuparmos,de um lado, com a gênesehistórica, ou seja, com as con-
dições materiais objetivas que produzem e demandam a teoria do
Essa forma de abordar o (re)exame das relações entre a prática capital humano e, ao mesmo tempo, com a superaçãodas pseudo-
educativa escolar e a estrutura económico-social capitalista decorre questões em !çlaçêQ. aog..yíllculo$.otydesyínculos entre...educação e
da concepção segundo a qual a prática pedagógica escolar não se estrutura económico-social capitalista, fomos levados a ççnqar. % aná-
define, enquantouma prática social, apenaspelo seu aspectopeda- !!$q.n etapa .glais avançada do capitalismo .---. capitalismo..mono-
gógico (pedagogismo), e a prática económica -- entendida como polista. Ora, embora o capital monopolista se configure de forma
a relação social fundamental mediante a qual os homens produzem diversa, em formações sociais específicas,o fenómeno da internacio-
sua existência -- não se reduz a uma visão economicista onde o social, nalização do capital se põe, ainda que diferenciadamente, como um
o político e o filosófico estão excluídos. Ora, se tal enfoque se revela fenómeno transnacional. Em segundo lugar buscamos, ao longo do
complexo, essacomplexidade advém das múltiplas determinaçõesque texto, assinalar algumas especificações,no mais das vezes a título de
encerra a problemática em questão. O risco, então, não reside no exemplificação. Finalmente, como apontamos anteriormente, o foco
âmbito epistemológico,
mas nos limites do próprio autor quanto central do estudo se localiza na tentativa de avançar na compreensão
à apreensão destas diferentes dimensões. da problematicidade que subjaz às questões'ou falsas questões sobre
a relação entre prática educativa e estrutura económico-socialcapi-
Um outro risco que temos presenteé o de que o trabalho, no talista. Trata-se mais de urlla direção teórico-metodológica para definir
seuconjunto, assumeuma posturaque tem como ponto de partida o caminho mais adequado na análise da especificidade da prática
30 31
educativa, no conjunto das práticas sociais, no interior de formações ]ógica identifica como "camadas médias", "pequena burguesia tradi-
sociais capitalistas. cional" e a "nova pequena burguesia"' (Poulantzas, 1978). O que
importa neste trabalho é demarcar os pólos fundamentaisque cons-
Neste sentido a originalidade -- se é que há alguma -- deve tituem a/ estrutura social capitalista, e que não se definem simples-
residir não na temática escolhida,mas na forma pela qual buscamos
mente pela propriedade ou não-propriedade dos meios e instrumentos
o desvendamento dos problemas que as questões postas engendram
de produção,mas pela identidadede interesses,visão de mundo e
e escondem. Entendemos, então, este trabalho mais como um ponto realidade.
de partida, um horizonte, uma direção para análises circunstanciadas
historicamente, e é por este prisma que gostaríamos que fosse lido. c) Ed cação e/ou prof/ca educativa -- embora neste trabalho
Trabalho que, para nós, transcendea tarefa acadêmicapara inserir- estejamosnos referindo mais especificamenteà.prática educativaqle
-se na tentativa de entender e desvendara realidade, como mecanismo
se dá na escola, em diferentes momentos mostramos q':e a mesma
de poder transforma-la. se efetiva nas relações sociais de produção da existência no seu con-
junto. A educação e/ou a prática educativa é, então, concebida
Ao longo do texto discutimosas categoriasmodo de produção
da exlsrê/zela, frabaJAo e domem por se constituírem nos elementos como uma prática social, uma ativid?de.humana. concreta e histó-
básicos mediante os quais buscamos dar conta da análise a que nos rica, que"se determina no' bojo das.rel?ções sociais entr? as ,clãs?es
e se constitui ela mesma, em uma das formas concretasde tais rela-
propusemos. Dispensamo-nos, mediante indicação de referências es- ções". (Grzybowski, 1983).
pecíficas, de uma explicitação de outras categorias utilizadas, tais
como: mediação, totalidade, contradição, por julgarmos que estas Dentro desta perspectiva, a prática educativa escolar é conce-
referências respondem de forma suficiente à apreensãode tais cate- bida como uma prática social contraditória que se define no interior
gorias. Dentro do caráter pedagógicodeste trabalho, porém, julgamos das relações sociais de produção da existência, que se estabelecem
importantesituar o leitor para algumascategoriase conceitosutili- entre as classessociais, numa determinadaformação social.
zados, delimitando o sentido que damos neste trabalho.
CXI.O\.tJ.'rÜ WY«:=Z{.{a, !Á[Xd&.\.P'.OW Nesta perspectiva, a prática educativa que se efetiva na escola
a) CZa.ssebzírguêsa,caplfaZisfa, domina/zfe -- aparecem no texto é alvo de uma disputa de interesses antagónicos. Sua especificidade
como sinónimos e compreendem não apenas os-donos (individuais política consiste, exatamente, na articulação do saber produzido, ela-
ou associados) dos meios e instrumentos de produção, :Fias também borado, sistematizado e historicamente acumulado, com os interesses
aqueles que, embora não-proprietários, constituem o Ízzncíonárlo co- de classe.
lefít,o do capiraZ, ou seja o conjunto daqueles que gerem, represen-
tam e servemao capital e suasexigências(Gorz, 1983).
32 33
EDUCAÇÃO COMO CAPITAL
HUMANO: UMA TEORIA
MANTENEDORA DOSENSO
COMUM
Presos às represetttações capitalistas (os
economistas burgueses), vêem sem dúvida
como se produz dentro da relação capita-
lista, mas não como se produz essaprópria
relação.
(Maré)
35
teoria económicaque Ihe serve de base-- teoria esta que se cons- tigação por eles adotado.e Uma das passagensclássicas de Smith
titui numa apologia das relações sociais de produção da sociedade citada em grande número de trabalhos, é a seguinte:
burguesa. Buscaremos evidenciar que o método de análise positivista 'Um homem educado à custa de muito esforço e tempo para qual-
constitui-se, então, na forma específica da visão burguesa dos nexos quer emprego que exige destreza e qualificações especiaispode ser
entre educação e desenvolvimento, educação e trabalho, capital e comparado a uma daquelas máquinas caras. O trabalho que ele
aprende a realizar, como será de esperar, acima dos salários habituais
trabalho. Nexo este que escondea verdadeira natureza de exploração da mão-de-obracomum, compensar-lhe-átodo o custo de sua edu-
das relações sociais de produção capitalista, determinando que esta cação, com, pelo menos, os lucros habituais de um capital igualmente
valioso."3
teoria se constitua num poderoso instrumento de manutenção do
senso comum. A teoria mostra-se fecunda enquanto uma ideologia, J. Stuart Mill, em 1848, quase um século depois da obra de
tanto no sentido de falseamentoda realidadequanto no de organi- Smith, na sua exposiçãosobre a economiapolítica clássicaretoma
zação de uma consciênciaalienada. o pensamentode Smith de forma mais contundente:
"Para Qpropósito, pois, de alterar os hábitos da classetrabalhadora
( . . . ) a primeira coisa necessáriaé uma eficaz educaçãonacional das
1. : TEORIA DO CAPITAL llUMANO: O MOVIMENTO crianças da classe trabalhadora. Pode-se afirmar sem hesitação que
o objetivo de toda a formação intelectual para a massa das pessoas
INTERNO deveria ser o cultivo do bom-senso; o torna-las aptas a formular um
julgamento sadio das circunstânciasque as cercam. Tudo o que se
pode acrescentara isso, no domínio intelectual, é sobretudo decora-
tivo.''4
Buscamos, neste item, caracterizar de forma rápida o movimento
interno da teoria do capital humano. Trata-se,como veremos,de A. Marshal (1980), embora considere a educação "o mais
um movimento que guarda em seu interior um caráter circular, um valioso capital que se investenos sereshumanos", consideraque a
pensamentoem "giro", recorrente aos mesmossupostos,mas que se analogiafeita por Smith entre o investimentoem máquinase edu-
desdobra em linhas muitas vezesaparentementecontrárias. Os supos- caçãoé imperfeita pelo fato de o "trabalhador vender seu trabalho
tos, o arsenalteórico sobreo qual a teoria se move,não são postos mas permanecerele mesmo a sua propriedade", e pela intervenção
em questão.O movimentose dá exatamentena tentativa de encon- de fatoresque limitam o investimento
na educação,
comoo poder
trar, no mundo da imediaticidade empírica, de forma cada vez mais aquisitivo das famílias. (Marshal, A., 1980).
rigorosa, elementos que sustentam os supostos. Não nos demorare-
mos em demonstraras polémicasinternasda teoria, apenasapon-
taremos os diversos deslocamentos das abordagens. 2. ])e fato, enquanto os primeiros estavampreocupadosem identificar as
leis que regiam a sociedadecapitalista nascentesem, no entanto, tirar dessas
análises as conseqüêncías políticas, como dirá Marx ao critica-los, os segundos
l .l se movem mais dentro de uma ética "vulgar" de economia preocupadosna
O apelo de Adam Smith e seus discípulos apologia das relações sociais de produção vigentes nesta sociedade.
3. Smith, Adam. .4 Ríqzzezadas /cações, 1776, livro 1, cap. 10. É preciso
É quaseum lugar-comum entre aquelesque analisam os vínculos frisar que o conceito de educação,no contexto do trabalho de Smith, é nitida-
mente identificado com ensino vocacional, treinamento, formação profissional
entre educação e desenvolvimento, educação e renda, educação e Não guarda, portanto, o sentido genérico dado hoje, especialmentequando se
mobilidade social apoiarem-se em alguns pensamentos da obra de apelapara a idéia de Smith ou a idéia geral de capital humano,para justificar
determinadas políticas governamentais.
Smith e seusdiscípulos. Este apelo, no mais das vezes, aparece como 4. Stuart Mill, J. TÃe príncíp/ei o/ poliíícaJ economíc, 1848. Apud Launay,
a busca de um critério de autoridade para realçar os desdobramentos J. Elementospara uma economiapolítica de educação.In: Durand JoséC. G.
de abordagens que pouco ou nada têm a ver com o que essesautores (org.) Edzzcação e /zegemo/zía de classe. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 179.
A concepção de educação como treinamento e adestramento para o trabalho é
escreveram naquela época, e menos ainda com o método de inves- explícita em Stuart Mill, bem como uma tácita aceitação da desigualdade social.
36 37
X ,d.WW
Embora seja possível mencionarmais de uma dezenade traba- etc.). Essa circularidade de análise, veremos, decorre de sua função
lhos que sé referem ao investimento nas pessoasapós os fragmentos apologéticada ética de classeque representa.
dos clássicos,é somentea partir do final da décadade 50 que esta
idéia se desenvolvede forma sistemática,s especialmente
por traba- Do ponto de vista macroeconómico,
a teoria do capitalhumano
lhos de pesquisadoresamericanose ingleses,colimando com o que constitui-se num desdobramento e/ou um complemento, como a situa
se convencionou denominar, por analogia ao capital físico, de teoria Shultz, da teoria neoclássica do desenvolvimento económico. De
do capital humano. acordo com a visão neoclássica,para um país sair de estágio tradi-
cional ou pré-capitalista,necessitade crescentestaxas de acumulação
Vale assinalar que a idéia de ''capital humano" surge, histori- conseguidas, a médio prazo, pelo aumento necessário da desigual-
camente, bem antes, até mesmo no Brasil,õ da décadade 50. O fato dade (famosa teoria do bolo, tão amplamente difundida entre nós).
de que sua formulaçãosistemáticae seu uso ideológicopolítico so- A longo prazo, com o fortalecimento da economia, haveria natural-
mente se verificam a partir do fim da década de 50 e início da década mente uma redistribuição. O crescimento atingido determinaria níveis
de 60 aponta para a hipótese de que é efetivamente neste período mínimos de desemprego, a produtividade aumentaria e haveria uma
que as novas formas que assumemas relações intercapitalistas de- crescentetransferência dos níveis de baixa renda do setor tradicional
mandam e produzem esse tipo de formulação.7 para os setores modernos, produzindo salários mais elevados.8
1 .2. O Conceito de capital humano nas análises macro O conceito de capital humano, que constitui o construtor básico
e niicroeconomicos da economia da educação, vai encontrar campo próprio para seu
desenvolvimento no bojo das discussõessobre os fatores explicativos
O conceito de capital humano, que a partir de uma visão redu- do crescimento económico. A preocupação básica ao nível macro
cionista busca erige-se como um dos elementos explicativos do de- económico é, então, a análise doi iiêiõÊ'enttê:'ofavançosLedgçaciõ-
senvolvimento e equidade social e como uma teoria de educação, nais e o desenyQjyjrhérí6 econâmjçQ.-de um .país.
segue, do ponto de vista da investigação, um caminho tortuoso.
Percorrendo-se esse caminho depreende-se que o determinante (edu- A observaçãode que o somatório imputado à produtividade do
caçãocomofator de desenvolvimento
e distribuiçãode renda) se estoquede capital físico e estoquede trabalho da economia,ao longo
transmuta em determinado (o fatos económico como elemento expli- de determinado tempo, explicava apenasuma parcela do crescimento
cativo do acesso e permanência na escola, do rendimento escolar, económico desta economia levou à hipótese de que o resíduo não
aJJ-JcÊy-&-5?,©=19,.,a\jZF.ei.H dJ /-Ú. \J-.lJ\,O ,- ')'nOn pl\j-ÍXDq explicado pelo acréscimodo estoquede capital e de trabalho poderia
ser atribuído ao investimentonos indivíduos, denominadoanalogi-
camente capital humano. Este resíduo engloba o investimento em
5. B. F. Beker, por exemplo, mencionamais de duas dezenasde trabalhos educação formal, treinamento, saúde etc.
destanaturezaem artigo intitulado "The historical roots of the conceptof human
capital". (l.Jniversity of South Carolina, s.d.) O meu próprio interessepor este assunto surgiu no correr de
6. "Simultaneamente é necessário atender à sorte de centenas de milhares 1956-57,quando eu era membro do Centro de Estudos Avançados
de brasileiros que vivem nos sertões, sem instrução, sem higiene, mal alimenta- das Ciências do Comportamento. Sentia-meperplexo ante os fatos
dos e mal vestidos, tendo contato com os agentesdo poder público apenas atra- de que os conceitos por mim utilizados, para avaliar capital e tra-
vés dos impostos extorsivos que pagam. É preciso agrupa-los instituindo colónias
agrícolas; ( . . .) despertar-lhes, em suma, o interesse incutindo-lhes hábitos de
atividades e de economia. Tal é a valorização básica, essa sim que nos cumpre
iniciar quanto antes-- a valorizaçãodo cáfila! humano (o grifo é nosso), por 8. Esta tese toma força especialmentea partir dos estudos empíricos de
isso que a medida da utilidade socia], do homem é dada pela sua capacidade de Kuznets, através dos quais, tenta evidenciar que existe uma relação com o for-
produção.".(Ver Carone, Edgar. .4 Primeira RepzZólíca.
São Paulo, Difusão mato de um "U", entre igualmentede distribuiçãode renda e níveis de renda
Europeia do Livro, 1969, p. 245). per cáfila. (Ver Kuznets, Simon. Economíc growth and income inequality.
7. Veremos esseaspectodetalhadamenteno Capítulo 2, onde abordaremos ,4merícan Economíc Revíew, ó (45) /955). No Capítulo 2 retomaremos esta
as condições históricas que demandam esta formulação. questão, ligando as teorias do desenvolvimento com a educação,
38 39
balão, estavam se revelando inadequados para explicar os acréscimos
que vinham ocorrendo na produção. ])tirante o ano de minha per- habilidades deverão variar. A educação passa, então, a constituir-se
manência no Centro, comecei a perceber que os fatores essenciais num dos fatores fundamentais para explicar economicamenteas dife-
da produção, que eu identificava como capital e trabalho, não eram renças de capacidade de trabalho e, consequentemente,as diferenças
imutáveis: sofriam um processode aperfeiçoamento,o que não era
devidamente avaliado, segundo a minha conceituação de capital e de produtividade e renda.
trabalho. Também percebi claramente que, nos Estados Unidos,
muitas pessoasestão investindo, fortemente, em si mesmas; que estes
investimentos humanos estão constituindo uma penetrante influência O conceito de capital humano -- ou, mais extensivamente,de
sobre o crescimento económico; e que o investimento básico no capi- recursos humanos -- busca traduzir o montante de investimento que
tal humano é a a educação."9 uma nação faz ou os indivíduos fazem, na expectativa de retornou
adicionaisfuturos. Do ponto de vista macroeconómico,
o investi-
SegundoT. Schultz,um dos pioneiros da divulgaçãoda teoria mento no "fator humano" passa a significar um dos determinantes
do capital humano, que Ihe valeu o Prêmio Nobel de Economia em básicos para aumento da produtividade e elemento de superação do
]979,
atraso económico. Do ponto de vista microeconâmico, constitui-se
O componente da produção, decorrente da instrução, é um investi- no fator explicativo das diferenças individuais de produtividade e de
mento em habilidades e conhecimentosque aumenta futuras rendas renda e, conseqüentemente,de mobilidade social.
e, desse modo, assemelha-sea um investimento em (outros) bens de
produção".(Schultz, T., 1962).
A tese central da teoria do capital humano que vincula educa-
Schultz, como se pode depreender dessesfragmentos e mais ção ao desenvolvimentoeconómico, à distribuição de renda, confi-
detalhadamente em suas obras (ver também Schultz, T. O Capa/a/ gurando-se como uma "teoria de desenvolvimento", sem desviar-se
//ufano, 1973),. e os seus adeptos pretendem com o conceito de de sua função apologéticadas relaçõessociais de produção da socie-
capital humano, a um tempo, complementar os favores explicativos dade burguesa, vai desdobrando-se, no campo da pesquisa, em tra-
clo desenvolvimento económico na concepção neoclássica,explicar a balhos aparentementecontrários. Assim é que as pesquisas se
alta de saláriosdo fator trabalhonos paísesmaisdesenvolvidos
e deslocam do campo macroeconómico para o microeconâmico e, den-
explicar, a nível individual, os diferenciais de renda. tro destas esferas, tomam especificidades diversas. O que dá coerência
aos trabalhos é o arsenal teórico e ideológico no qual todos os enfoques
se afunilam. Neste sentido, como veremos adiante, a aparente polê-
A educação, então, é o principal capital humano enquanto é
concebida como produtora de capacidade de trabalho, potenciadora mica de caráter "científico" que se estabeleceapenasservepara
esconder o caráter circular das abordagens.ío
do fator trabalho. Neste sentido é um investimento como qualquer
outro.
A nível macroeconómico, o trabalho de Harbinson e Myers,
O processo educativo, escolar ou não, é reduzido à função de sobre comparaçõesinternacionais, efetivado em 1960,tt é o mais
produzir um conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento
de determinadas atitudes, transmissão de um determinado volume
de conhecimentos que funcionam como geradores de capacidade de 10. As abordagensmais frequentes para o estudo das relações entre educa-
ção a desenvolvimento(crescimento) económico são as comparaçõesinterna-
trabalho e, conseqüentemente,de produção. De acordo com a espe- cionais, comparações intertemporais, comparações interindustriais e a análise do
cificidade e complexidade da ocupação, a natureza e o volume dessas fator residual". O segundoe o terceiro tipo de abordagemtiveram pouco
impacto quando comparados cóm o primeiro e o último.
11. Harbinson, F. H. & Myers, C. M. Edzlcafío/z ma/zpower a/zd eco/zomic
growfÀ. New York, McGraw-Hil1, 1964. No Brasil, os trabalhos de Langoni (.4s
calmasdo creicíme/zfo económico /zo Brasíl. Rio de Janeiro, Anpec, 1974; e
9. Schultz, T. O va/ar económico da edííc'anão. Rio de Janeiro, Zahar, Distribuição de renda e o desenvolvimento económico no Brasil. Err dos Econó-
1962. Certamente, Schultz teria grande dificuldade para justificar hoje o desem micos, 2 (5), 1972) se enquadram nesta ética. O mesmo vale em relação ao
prego em massa nos EUA (perto de 10 milhões de pessoas), embora essesinda que escrevesobre educaçãoe distribuição de renda (Ver Simonsen,M. H
víduos tenham "investido fortemente neles mesmos
Brasa/200/. Rio de Janeiro, Anpec, 1969).
40 41
completo e que tem ge.r.adomaior impacto e alimentado o discurso explicada pelos fatores .4 (nível de tecnologia) , K (insumos de capa
especialmente nos governos dos países subdesenvolvidos -- sobre tal), L (insumos de mão-de-obra) seria devida ao fator H (mão-
a eficácia da educação como instrumento de desenvolvimento econó- de-obra potenciada com educação, treinamento etc.).
mico e distribuição de renda e equalização social. Estes autores toma-
ram um índice de desenvolvimento de recursos humanos formado O trabalho de Denison (Denison, E. F., 1962) é o mais conhe-
na base do fluxo de pessoas matriculadas nas escolas secundárias cido entre os que introduziram inicialmente o "fator H" na função
comidadeentre 15 e 18 anos,e fluxo de pessoas
entre20 e 24 de produção, nos EUA e em outros países.
anos que estavam no ensino superior, de 75 países, e o correlacio-
naram com o PNB per cáfila de cada país. A correlaçãoencontrada A suposição básica do modelo é de que os fatores recebem o
foi de rz -: 0,789.Ingeriu-se
daí a relevânciada educação
parao valor dos seus produtos marginal.s,donde "o crescimento do produto,
desenvolvimento económico. no tempo, pode ser atribuído ao crescimentodos vários insumose
às mudanças nâ tecnologia". (Sheehan, J., 1973).
Esse trabalho, embora mantenha ainda hoje, pelo menos entre
'h
3 nós, um forte apelo ideológico, foi muito criticado internamente pelos Nesse contexto, o ''resíduo'' do crescimento económico, não
adeptos da teoria do capital humano.iz explicado pelos fatores .4, K, Z,, seria atribuído ao fator capital
humano.
Entre outras críticas sobressaem:as ponderaçõesque os autores
fazem na construção do seu índice de desenvolvimentode recursos As críticas internas sobre o modelo, a despeito de sua capaci-
humanos;o fato de compararemum fluxo (pessoasno processoedu- dade de formalização e matematização, são inúmeras. M. Abramo-
cacional) com um estoque-- (PNB per capita) das pessoasque vitz, por exemplo, denomina o "resíduo" atribuído à educação, trei-
H. estavamno mercadode trabalho; de outra parte, o fato de o modelo namento etc., "índice de nossa ignorância", querendo enfatizar a
estatístico de correlação não permitir inferências de causação, mas debilidade dessetipo de medida. (Abromovitz, 1962). De outra parte,
#'
apenas de vínculo. Resta saber, dizem os críticos, se é educação a suposiçãobásicade que os ''fatores recebemo valor de seuspro-
que gera mais desenvolvimentoou se o desenvolvimentogera mais dutos marginais" implica a suposição de que a concorrência perfeita
educação. prevaleça
no mercadodesses
produtos,o que conflituacomo cres-
cente caráter monopolista da economia capitalista, e a crescenteinter-
Uma forma mais elaborada e até mesmo altamente formalizada venção do Estado. Além dessascríticas, Becker e Atkinson enfatizam
de abordagem do vínculo entre educação e desenvolvimento econó- que existemrazões teóricas pelas quais o treinamentono próprio
mico foi a introdução do "fator H" (recursos humanos) numa função trabalho (Becker, G.S., 1964, p. 8-11) e certos tipos de progresso
neoclássica de produção, geralmente sob a fórmula de Cobb-Dou- técnico (Atkinson, A. B. & Stiglitz, J. E., 1969) gerem divergências
glas,nondetoda a variaçãode PIB ou de rendaper cáfila não entre as remuneraçõesdos fatores e o valor dos produtos marginais.
:LL =1
&
:f As tentativas de se mensurar, em termos macro, a contribuição
da educaçãopara o crescimentoeconómicotêm esbarrado,do ponto
12. Toda vez que nos referimos à crítica interna estamosentendendoas de vista da investigação,nas mais diversascríticas internas à teoria.
críticas que partem dos próprios adeptosda teoria do capital humano, que.se
atam não no questionamento dos supostosda teoria, mas de alguns aspectos dos Essas críticas fundamentalmente se prendem à debilidade das medi-
trabalhos que buscam demonstra-la e confirma-la. das que tentam apreender o impacto da educaçãosobre o crescimento.
13. A fórmula geral de Cobb-Douglas é geralmente apresentadapela equa- A visão positivista, cujo patamar de sustentação se calca sobremodo
;ão: X := AKa Ll-8 onde X = volume de produtos; A := nível de teconologia; na mensuração dos fenómenos, no rigor formal, na aplicação do
1( = insumos de capital; L :; insumos de mão-de-obra; a uma constante; i-- é
igual à unidade para dar rendimentos constantes de escala. modelo físico de ciência às ciências sociais, fica vulnerável. Isto faz
42 43
com que a teoria do capital humanose desloqueda esfera macro- O deslocamentoda análisemacro para a micro não muda em
económica para a microeconómica. nada os supostosda teoria.í6 Ao contrário, trata-se de uma medida
técnicapara livrar a investigaçãodas críticas de caráter pouco con-
Estabelecem-se, ao nível das diferentes correntes de pesquisa, sistente da construção dos índices que permitem calcular a rentabi-
polêmicasque podem deixar ao leitor menosfamiliarizado com a lidade da educação.
área, uma impressão de visões diametralmente antagónicas. Ao con-
trário, o que estáem jogo é apenaso caráterde maior ou menor Os trabalhos de Becker (Becker, 1964) e Blaug (Blaug, M.,
possibilidade de precisão na apreensão do dado ou a representati- ]972) entre outros, assinalam a natureza deste tipo de análise.
vidade da amostra, validade dos testes, etc.n
Desenvolveu-se dentro da ótica microeconómica uma grande
O suposto básico microeconâmico é de que o indivíduo, do quantidade de trabalhos sobre análises de custo-benefício, taxa de
ponto de vista da produção,é uma combinaçãode trabalho físico e retorno,17e mesmotécnicasde provisão de mão-de-obraí8(manpo-
educação ou treinamento. Supõe-se, de outra parte, que o indivíduo wer approach) cujo objetivo, no primeiro caso, é tentar mensurar,a
é produtor de suas próprias capacidades de produção, chamando-se, nível micro, o efeito de diferentestipos e níveis de escolarização,em
então, de investimento humano o fluxo de despesas que ele deve termos de retorno económico; e, no segundo, buscar ajustar requisi-
efetuar, ou que o Estado efetua por ele, em educação (treinamento) tos educacionais a necessidades do mercado de trabalho nos diferen-
para aumentar a sua produtividade. A um acréscimo marginal de tes setoresda economia,tanto a nível macro, como micro.
(,g
\
escolaridade, corresponderia um acréscimo marginal de produtivi-
dade. A renda é tida como função da produtividade, donde, a uma Embora as análises microeconâmicas aparentemente permitam
$. dada produtividade marginal, correspondeuma renda marginal. Na uma maior confiabilidade na construção dos indicadores utilizados, a
base deste raciocínio (silogístico) infere-se literalmente que a educa- redução das variáveis que explicam renda à idade e experiência, de
. s ção é um eficiente instrumento de distribuição de renda e equaliza- um lado, a dificuldade de se construir os perfis idade-rendae as hi-
) ção social. O cálculo da rentabilidade é efetivado a partir das dife- pótesesque supõem, aqui também, um mercado em concorrência per-
renças entre a renda provável de pessoasque não freqüentaram a feita, de outro, fazem com que essasanálisesse tornem cada vez Z
escolae outras, semelhantesem tudo o mais (critério ce/erasparíbm) .3
a mobilidadesocial.ís
16. A visão microeconómica da teoria do capital humano ressuscitaos con-
ceitos da teoria neoclássicado marginalismo. Afasta-se desta relação, como
veremos adiante, questõesrelativas aos rendimentos do monopólio, a divisão
socialdo trabalho e toda a crítica da forma privada de apropriaçãodo lucro.
(Ver Attali Jacques & Maç Guillaume. .4 anfí-eco/zomba -- zíma crífíca â feorfa
14. Um exemplo dessetipo de polêmica interna é a discussãoque se esta- eco/zõmlca.Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p. 187-209).
beleceuentre Langoni e Castra na décadade 70. (Ver Castro C. M. Investimento
em educaçãono Brasil : comparação de três estudos. Rel,li/a de Pesquisa e Pla- 17. Além dos trabalhos de Becker, Blaug, inúmeros outros vêm sendo pro-
Piejame/zro
Económico.Rio de Janeiro1 (1) : 141-59,jun./nov. 1971;Langoni, duzidos nesta área. Entre outros, ver Psacharopolous, G. T/ze rara o/ refurn fo
C. G. Investimento em educaçãono Brasil : um comentário. 1 (2) : 381-92, ínvei/me/zf edacafíon af f/ze regional levar. Havaí, 1969; Klinov-Malul, Ruth.
Revfxra de Pesquisae P/anejamenfo Económico, dez., 1971. Castro, C. M. Inves- Pro/ífabílí/y o/ í/zvesfmenfí/t educado/zin /fraeJ. Jerusalém,1966;Presa& Tuvey.
timento em educaçãono Brasil: uma réplica. Pefqzzísae PJarzejame/zfo,
Rio de Cost-benefit analysis -- a survey. Economíc Jozir/za1,75(300), 1965; Mishan,
Janeiro, 1(2) : 393-401, dez. 1971. E. J. Cost-benefit analysis. London, 1971; no Brasil temos as análises de C. L.
Langonie C. M. lastro.
15. Nlau, P. M. & Ducan, O. D. TAe 4merican oczipacíonalsfrucfzzre.New
York, 1967; Anderson, C. A. A skeptical note on education and mobility. .4me- 18. A aplicação de maior impacto em termos de abrangência e mesmo em
rican Jozírna/ o/ Sociolo8y, v. 66, 1961; Pastora, J. & Owen, C. Mobilidade termosdo fracasso-- da técnicade Hall-poder-approacA
foi no prometo
Medi-
Educacional, mudança social e desenvolvimento no Brasil : notas preliminares. terrâneo, pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico
Revista da Pontifícia Universidade Católica de São Paltlo, v. 35, n. 67/68, 1968; (OCDE), abrangendo Espanha, Grécia, ltália, Portugal, Turquia e lugoslávia.
Pastora, J. l)esígzialdade e mobíZídade ideia/ /zo BrasíJ. São Paulo, Editora Ver, a respeito dessa técnica, Parnes, H. S. Manpower analysis in eduçatíonal
Queiroz, 1979. planing.Paras,OCCD, 1964.
44 45
menos freqüentes e menos aceitas pelos próprios adeptos da teoria os trabalhos de Parsons.to Robert Dreeben desenvolve um trabalho
do capital humano. De outra parte, o fracasso das técnicas de pre- sistemático defendendo a tese de que, dadas as características estru-
visão de mão-de-obra do Projeto Mediterrâneo, igualmente reforçam
o descrédito destas análises. turais próprias .da escola -- composição dos agentes, horários, prê-
mios e sanções,complexidade, diferenciação de papéis -- aprende-se
Uma das críticas internas mais recentes a este raciocínio sim- nela um conjunto de normas que vão definindo atitudes de indepen-
dência, realização, universalismo, especificidade, funcionais às orga-
plório é efetivadapelasanálisesque tentamrefutar a sua linearidade nizações da sociedade industrial.zt
com a tese da segmentação do mercado de trabalho.lo Acrescenta-se
a essascríticas os que buscammostrar que os salários têm pouco a Outro conjunto de trabalhos, com apelo às análises marxistas,
ver com a produtividade do trabalho. Há, de um lado, o aspecto tem-se desenvolvido ultimamente nos EUA valendo a essesautores a
legal, e de outro, as conquistas da pressão dos trabalhadores.
identificação, nos meios acadêmicos, de os "Radicais Americanos".
Destacam-se,entre os mais citados na literatura nacional que aborda
1.3 O que se aprende na escola e o que é funcional ao mundo esta questão, os trabalhos .de Bowles, Gentis, C. R. Edwards, Levi,
do trabalho e da produção Carnoy, entre outros.
Um outro tipo de crítica interna à teoria do capital humano, Bowles, contestando a possibilidade de prover a equalização via
desenvolvidaem pesquisas mais recentes,refere-seao privilégio que escola, destacaque esta fornece uma força de trabalho disciplinada
essateoria tem dado aos componentescognitivosna explicaçãodo e habilitada, ao mesmo tempo que fornece os mecanismosde controle
sucesso profissional, rentabilidade, etc. Contrastam-se pesquisas que social para a estabilidade do sistema social capitalista.22
buscamevidenciar que os aspectosligados a atitudes,valores, resul-
tado do processode socializaçãoque se efetiva na escolasão mais Gintj$, ao refutar o vínculo existenteentre a escolaridadee sa-
importantes para a produtividade das pessoasna organização enquan- lário, enfatiza a relevânciada formaçãode atitudes requeridaspelo
to fornecem hábitos de funcionalidade, respeito à hierarquia, disci- mercado de trabalho.
plina etc.
Na realidadea escolacontribui para formar uma força de trabalho
socialmenterequerida inculcando uma mentalidade burocrática aos
Os trabalhos que enfatizam a funcionalidade da escola enquanto estudantes." (Gentis, 1971).
desenvolveatitudes,valores,etc., têm, ao nível de crítica intima,
como base, apelos distintos. A escolarização, de acordo com Gentis,
que influi de maneira considerável sobre a personalidade dos indi-
Um primeiro conjunto de trabalhosderiva de uma inspiração víduos, é reduzida progressivamente ao seu papel funcional: ela
tipicamente da sociologia funcionalista, em cuja fonte encontramos favorece as condições psicologicamenterequeridas para formar a
força de trabalho alienada que é desejada". (Gentis, 1974).
19. Para uma idéia dessatese, e para uma orientação bibliográfica perti-
nente ao ?ssunto,ver Lama, Ricardo. Mercado de trabalho: o capital humano e
a teoria da segmentação.
devir/a Pesqzifsa
e Pla/ze;amenro
Económico.Río de 20. Parsons,T. The School class as a social system: some functions in
Janeiro, IPEAt.lO (1) : 217-72, abr. 1980. Outros trabalhos, desenvolvidos por American society. In: Helsey, R. H. et alia. Edlrcarío/zs,economy and socíe-
autores.como Edwards, Reich e Gordon, preocupam-se em caracterizar a seg- ry. New York, 1961.
mentação do.mercado como um processo decorrente da transição de um capita- 21. Dreeben, Robert. O/t w;zaf is /ear/zíng is icÃool. Massachusetts, 1968.
lismo competitivo para um capitalismo monopolista. Ver, a esserespeito, Gor-
don D. M..T/zeoríesOJrmover/ya/zu/zderemp/oymen/ : orrAodol, radica/ and dzíal 22. Bowles, S. Unequal education and reproduction of social division of
labor martef peripecríve. Lexington, 1972; Reich, M.: Gordon. D. M. & Ed- labor. In: Carnoy, M. .ScAoo/fngín a corporare iocíefy: the political economy
wards, R. .C. A Tbeorie of labor 'market segmentation. /ndusfüaZ R€1affonx
of eduçationin American. New York, 1972;Bowles & Gentis. The problem with
Research.4ssociatiott,1972. the human capital theory. A marxian critique. Àmerlcan Economíc Revíew, May
1975
46
47
Edwards, igualmente, enfatiza os traços desenvolvidos na escola e sua o homem e que este não é deterministicamente passivo. Certamente,
iüiicionalidade na hierarquia ocupacional da empresa moderna. r nas relaçõesescolares,familiares e de trabalho, não se reproduzem
(Edwards, 1976). linearmente as relações capitalistas. Aceitar a análise dos autores, tal
qual é apresentada, é cair no imobilismo e na crença da impossibi-
Em suma, para essesautores, a educação escolar é um aspecto lidade de organizar,no interior da escola,família, fábrica, e na so-
da reprodução da divisão capitalista do trabalho. A organizaçãoes- ciedadecivil em seuconjunto, os interessesdos dominados.O caráter
cola, em seusprincipais aspectos,é uma réplica das relações de do- reducionistada análise não permite aos autoresperceberemque a
minação e submissão da esfera económica. reprodução,via escola,família, etc., que efetivamenteocorre, não se
Estas análises, ainda que apontem para alguns aspectos signifi- dá de forma tão linear, mas por mediações de diferentes naturezas.
cativos, apenasse desenvolvemdentro de uma linguagem marxista, Da mesmaforma, não percebem que o trabalho escolarpode, igual-
mas se afastam do método e teoria marxista. mente por mediação, desenvolver um tipo de relação que favorece
a ótica dos dominados.O problema básicoda linha de análisedos
Trata-se de análises que, sob um aspecto, apenas deslocam o citados autores reside na não apreensão das categorias fundamentais
de análisedo método histórico dialético.
vínculo da relação economia-educação, educação-trabalho,dos traços
cognitivos (treinamento de habilidades) para o campo afetivo, valo-
rativo, comportamental, não transpondo o quadro das análises ante-
1 .4. Da análise que "detemiina" as variações na renda (individual
riores, de caráler funcional. (Ver Salm, Cláudio, 1980, p. 49-54). ou social) aos "determinantes" de rendimento escolar:
Madan Sarup, ao analisar os trabalhos de Bowles e Gentis, sa- o determinante que se toma detemiinado
lienta que "embora tenhamuma posiçãomarxista,sua visão de so-
ciedadeé funcional-estruturalista
derivadade Durkheim e Parsons". Um volume de trabalhos, cada vez maior. vem sendo produzido
(Sarup,Madan,1980,p. 155). E isto aplicando-se o modelo de "função de produção" neo-clássico utili-
parece constituir uma justificação lógica para a sua epistemologia, zado na análise dos vínculos entre educação e desenvolvimento, para
que é o positivismo,para sua metodologia,que é o empirismo,e a análise da escola. Trata-se tipicamente do uso desseparadigma eco-
para sua antologia, que é o determinismo". (Id., ibid., p. 155). nométrico para as variáveis do processo escolar. É neste âmbito que
A postura epistemológica positivista pode ser depreendida através podemosdemonstraruma das facesda análisecircular da teoria do
dos métodos empíricos que adotam, usando uma "barragem de estu- capital humano.
dos para fazer estatisticamentesuas demonstrações".Utilizam-se da
análise estatística de uma forma acrítica, de sorte que seu método Busca-se averiguar quais os principais fatores responsáveispela
parece sempre referendar comprovações inequívocas, científicas. repetência, evasão, atraso e fraco rendimento, através de uma matriz
de variáveis relacionadascom as característicasda família (educação
Sarup salienta, também, o uso de diferentes estruturas concep- dos pais, s/afzzsocupacional, renda etc.), características do meio-am-
tuais, imprimindo às análisesum caráter eclético. Finalmente, o ca-
biente, características pessoais do aluno, características da escola, etc.
ráter funcional-estruturalde suasanálisesse reflete na insistentevisão
linear e deterministada "correspondência entre as relaçõessociaisda
produção e as relações sociais da educação", ou a ''correspondência O rendimento escolar, a permanênciaou não ao longo da traje-
tória escolarsão tidos como função de um conjunto de "fatores". As
aproximada entre as relações sociais de produção e as relaçõessociais análises multivariadas, com elaborada sofisticação estatística, chegam
da vida familiar". (Id., ibid. p. 158 e 160)
sempre à mesma conclusão (quase metafísica) -- o fator sócio-eco-
Este tipo de enfoque não vislumbra que as relaçõescapitalistas nómico é que tem o peso maior na "determinação" das diferenças
de produção não determinam, necessariamente,um total domínio sobre encontradas;em seguida, os fatores ligados à educação dos pais, etc.
48 49
M X
W
O trabalho mais conhecido internacionalmente é o Coleman Re-
capitalismo ao postular a superação do conflito de classe pelo que
port. (Coleman,J. S. et al., 1966).No Brasil, estesestudosforam se convencionou chamar a revolução gerencial.
desenvolvidosparticularmente pelo Programa ECIEL.23 Há, entre-
tanto, um crescente número de dissertações e trabalhos de pesquisa Mas como se forma o "capital humano"? Pelo investimentoem
que se desenvolvemnesta área. escolaridade,em treinamento, de acordo com a teoria. O "fator H''
seria, então, determinado por um conjunto de anos de escolaridade
Os mesmos supostos teórico-metodológicosque embasam a ou de treinamento.Variando o tempo e o tipo de educaçãoe va-
teoria do capital humano são transpostospara a análise dos ''deter- riando o rendimento escolar, o desempenho, ou o aproveitamento,
minantes" da escolaridade.Apenas mudam os fatores ou variáveis irão variar a natureza do capital humano e, conseqüentemente, os
que entram na função, porque muda a conexão que se busca fazer. retornos futuros.
Como vimos anteriormente, o raciocínio da concepção do capital Mas o que determina tanto o acesso à escola, aos diferentes
humano, tanto do ponto de vista do desenvolvimentoeconómico como níveis e tipos de escolas, às diferentes carreiras, os diferentes rendi-
da renda individual, é que a educação,o treinamento são criadores mentos escolares ou os níveis de desempenho?
de capacidade de trabalho. Um investimento marginal (pelo menos até
certo nível) em educaçãoou treinamento permite uma produtividade l Ao aplicar o modelo de função de produção aos determinantes
marginal. Concebendoo salário ou a renda como preço do trabalho, da escolaridade,as análiseseconómicasda educaçãonos dão a se-
guinte função:
o indivíduo, produzindo mais, conseqüentementeganhará mais. A de-
finição da renda, nesteraciocínio, é uma decisãoindividual. Se passa y (tomado quer como acessoà escola,tipos e níveis de escolas,
r
fome, a decisão é dele (indivíduo); se fica rico, também. (Aqui re-
carreiras, ou tomado como o tempo de permanência na escola, ou
side, como veremos adiante, o âmago da ideologia burguesa que jus-
ainda, tomado como o desempenhoou rendimento escolar) seria
tifica e mascara a desigualdade estrutural do modo de produção função de um conjunto de fatores sócio-económicosou do chamado
capitalista) . backgrou/zd sócio-económico familiar, fatores ambientais, nutrição,
fatores escolares (escola, professor, equipamento, tecnologia educa-
Retomando o esquemada função de produção anteriormente
cional, currículo, etc.). A matriz de fatores ou variáveis pode se
apontado, teríamos então que y (renda nacional, ou renda individual) estenderao "infinito"
é determinada por K (capital físico), L (trabalho), H (capital
humano) .
Ocorre neste tipo de análise uma inversão que caracteriza o
modelocircular de análise.Enquantoa educaçãoé tida, na ética do
O fato de não ser proprietário, não dispor de um capital físico, capital humano,como fator básico de mobilidade social e de aumen-
ou de não pertencer à classe burguesa, nesta ótica pouco importa, to da rendaindividual, ou fator de desenvolvimentoeconómico,nestas
uma vez que o indivíduo, investindo em capital humano, poderá au- análises,o ''favor económico", traduzido por um conjunto de indi-
mentarsuarenda(isso dependedele,pois a decisãoé dele); e a cadores sócio-económicos, é posto como sendo o maior responsável
médio ou longo prazo, este investimento Ihe permitirá ter acesso ao pelo acesso,pela permanênciana !rajetória escolare pelo rendimento
capital físico ou dispor do mesmoifafus e privilégios dos que o pos- ao longo dessa trajetória. O que é determinante vira determinado. Ou
suem. Essa tese, veremos adiante, será encampada pela visão do neo- seja,a escolarização é postacomo determinanteda renda,de ganhos
futuros, de mobilidade, de equalização social pela equalizaçãodas
oportunidades educacionais (tese básica do modelo económico con-
centrador), e o acessoà escola, a permanência nela e o desempenho,
23. ECIEL -- Programa de Estudos Conjuntos de Integração Económica da
América Latina. Ver, também Castra, Cláudio Moura. Educação, educabi/idade em qualquernível, são explicadosfundamentalmentepela renda e
e desenvolvfmenfo económico. MEC, 1976. outros indicadores que descrevem a situação económica familiar.
50 51
Este exemplo exprime apenas uma faceta da circularidade da Postas as premissaspositivistas -- tidas a priori como universais
teoria do capital humano. Esta circularidade, como veremos no item )
e neutras -- o caráter de "aparente cientificidade" impõe um contínuo
a seguir, decorre do caráter burguês desta análise económica -- uma debate e renovadas críticas metodológicas processuais, tendo como
análise que representa uma apologia das relações sociais de produ- elemento-chavea verificação empírica das premissas.Os modelos ma-
ção e da prática educativainerente ao modo de produção capitalista. temáticos, cada vez mais sofisticados,zoserão utilizados para efetivar
uma completa assepsiana linguagem não-formal ou valorativa no
campo da ciência económica em geral e na aplicação da economia
2. A CONCEPÇÃO DO CAPITAL HUMANO: nas análises do fenómeno educativo.
DO SENSOCOMUM AO SENSOCOMUM
Discutiremos, pois, num primeiro momento que a circularidade
Não é propósito deste trabalho tentar acrescentarmais uma crí- das análisesdecorre do método positivista adotado e que este, por
tica sobrea incoerênciainterna da teoria do capital humano,ou mais sua vez é decorrência, da concepção de homem, de sociedade que
especificamente, da visão neoclássica marginalista na qual esta teoria interessa à classe burguesa (dominante). Trata-se, pois, de explici-
se funda.24Nem objetivamos fazer uma demonstração detalhada do tar que uma das funções efetivas da teoria do capital humano reside
movimento circular da teoria do capital humano: Simplesmente,no não enquanto revela, mas enquanto esconde a verdadeira natureza
item anterior. buscamos evidenciar diferentes deslocamentos nas aná- dos fenómenos. Sair do aparente, da pseudoconcreticidade,do empí-
lises, acenando para o fato que em nenhum momento são postos em rico imediato, implicaria uma mudançade método -- o que parte do
empírico, do concreto, e que por via do pensamento, pela análise
questãoos supostosda teoria, para que e para quem ela serve.
progressiva das contradições internas dos fenómenos chega às leis
É nosso interessetentar demonstrar neste item que o caráter que produzem tais fenómenos.e7
circular da teoria do capital humano deriva necessariamenteda con-
cepçãode homem, de sociedade,que ela busca veicular e legitimar, Essa mudança implicaria que a análise mostrasse a verdadeira
e da função de escamoteamento das relaçõesde produção que ocor- naturezadas relações de produção capitalista, das relaçõesde classe.
rem concretamente na sociedade capitalista. Ou seja, a questão fun- Isto significaria que a teoria do capital humano -- especificidadeda
damental da necessária circularidade desta visão do capital humano ideologia burguesa no ocultamento da natureza da sociedade capita-
lista -- revelasse seu caráter falso.
é que o método em que ela se funda e desenvolve na análise do real
traduz e, ao mesmo tempo, constitui-se em apologia da concepção
A teoria do capital humano, fundada nos supostos neoclássicos
burguesazsde homem, de sociedade,e das relações que os homens
estabelecempara gerar sua existência no modo de produção capitalista. -- apologia da sociedade burguesa -- para manter-se terá de ser
53
52
circular; ou seja, em vez de ser a teoria instrumentode elevaçãodo
senso comum à consciência crítica, será uma forma de preservar positivista, isto é, que busca apenas fazer afirmações positivas acerca
de fatos verificáveis.20
aquilo que é mistificador deste senso comum.
€
'Q
A primeira conseqüência
será isolar a economiada filosofia ou
'+ Finalmente, mostraremos que a superação da circularidade da da política. A análise da estrutura económica, o campo da economia
Ç teoria do capital humanoimplica na utilização de um método que se reduz ao "fator económico
veiculoa ótica da classeinteressadana mudançadas relaçõessociais
de produção vigentes. Trata-se do método que veicula a ótica da Duas lealdades básicas caracterizam, então, os articuladores e
{ classe dominada, única interessada na mudança estrutural e, por con-
seguinte, única interessadaem analisar as leis que produzem as rela-
ções sociais de exploração no interior da sociedade capitalista. É o
defensoresda economia burguesa: adotam um empirismo geral, com
seus desdobramentos positivistas na busca do conhecimento, e um
$ conseqüente individualismo metodológico do comportamento huma-
B método histórico-dialético, como instrumento de rompimento e su- .i
peração da circularidade, da elevação do empírico aparente ao con- como resultante da análise de fatos, unidades (indivíduo, firma, famí-
creto do real, do senso comum à consciência crítica. Método que é a lia etc.) isoladas cuja tarefa básica é analisar o funcionamento destas
t um tempo instrumento de produção do conhecimentodo real e ins- unidadespara, a partir da agregação das mesmas, elaborar uma teoria
trumento de intervenção prática neste mesmo real. do comportamentoda economiacomo um todo. (Green, F. & Nore,
P. org., 1978, p. 38).
2. 1 . O caráterde classedo métodode análiseda teoria do capital
Não é nosso propósito, neste trabalho, retomar uma discussão
humano -- o mito da objetividade e da racionalidade sobre as diferentes correntes do empirismo e de seu desdobramento
mais significativo -- o positivismo e o positivismo-lógico. Interessa-
A análise económica da educação, veiculada pela teoria do nos apenasidentificar os princípios básicos destascorrentes que se
capital humano, funda-se no método e pressupostos de interpretação constituem no estatuto epistemológico angular da economia neo-
da realidade da economia neoclássica. Este modo de interpretação clássica.
da realidade é um produto histórico determinado que nasce com a
sociedade de classes e se desenvolve dentro e na defesa dos interesses O pensamento económico neoclássico e, a partir dele, a teoria
do capital. do capital humano traçam seu estatuto científico dentro do quadro
epistemológicodo positivismo-lógico que postula que, em termos de
cognição, apenas dois tipos de proposições são válidos: as propo-
Ocupamo-nos, neste item, da caracterização dos elementos bási-
sições analíticas e as sintéticas. As primeiras são proposições de
cos do método da economia burguesa que fornece a base de análise linguagem, e as segundasfactuais. Em outros termos, uma proposição
da teoria do capital humano, os supostos sobre os quais se desenvolve, verdadeira é analítica se não puder ser negada sem contradição ou
e as implicações concretas para a compreensão das relações que se se sua verdade decorrer do significado dos termos; é sintética se
estabelecem entre educação e a realidade económico-social. existem circunstâncias possíveis em que seria -- ou teria sido
falsa. As primeiras nos dão uma verdade lógica e as segundasuma
Uma das preocupações fundamentais do pensamento económico verdade empírica, cuja validade depende da resistência que a teoria
burguêsé veicular a idéia de que a economiaé uma ciência neutra, ou hipóteses oferecem aos testes de verificabilidade e falseabilidade.
isto é, que existeuma independênciaentre os valorese posiçõesdo
pesquisador e o processo de investigação. A economia, neste sentido,
expungida de valores, envolve apenasuma busca imparcial de verda-
des económicas. Seu método de investigação será, pois, um método 28. Não é ao acasoque a maioria dos textos de economia que veiculam o
ideário burguêscomeçampor uma "confissão" de fé no método positivista.
54 55
gerar um conhecimento neutro, objetivo, livre da contaminação ideo-
A filosofia apenasé aceitaenquantoinstrumental lógico que permita [ógica e da linguagem comum.
ia total da linguagem. Uma supergramática da ciência.eo
A objetividade, entendida como a isenção e neutralidade do
A análise de cada uma das premissas da economia neoclássica sujeito cognoscente, e a racionalidade, entendida como a capacidade
e da teoria do capital humano, sobre as quais se desenvolvem tanto do indivíduo de ter esta isenção, são os jargões básicos do discurso
os modelos conceptuaisquanto as análisessob uma sofisticada lin- burguês.
guagem matemática, encontram respaldo no conjunto dos princípios
a seguir enunciados: Coerente com a base positivista, a economia neoclássica bur-
;-- as afirmações de conhecimentodo mundo só podem ser guesase concebecomo uma teoria formada por um arcabouçoana-
justificadas pela experiência; lítico atemporal, sendo uma questão empírica saber onde ela se aplica
-- o que quer que se tenha conhecido através da experiência de maneiramais útil. Trata-se,pois, de uma teoria económicaque
poderia ter ocorrido de maneira diversa;
-- todas as proposições.significativas em termos de conheci- se julga geral para qualquer sociedade e momento histórico.
mentos são as analíticas ou sintéticas,mas nunca ambas as coisas;
-- quanto às proposiçõessintéticas, por serem refutáveis, não se Calcada no argumento da neutralidade de seu método de análise,
pode saber a priori se são verdadeiras;
-- as proposições analíticas não possuem conteúdo factual; busca passar a idéia de que o sistema capitalista, suas leis, as relações
-- as proposições analíticas são verdadeiras por convençlo{ que se estabelecem na produção,etc., são algo de lógico e natural.
-- uma l;i c:Lsd conhecida é uma hipótese empírica suficien- Trata-se de uma visão utilitária, do sfafus que, das relações sociais
temente confirmada;
-- o teste de uma teoria é o sucesso de suas previsões; da sociedade de classe.
-- na ciência não cabem julgamentos de valor;
-- as ciências se distinguem por seu objeto, e não por sua
metodologia". (Hollis, M. & Nela, E. J. 19i7, p. 21-2. Ver também A primeira e mais fundamental atomização elaborada pelo pen-
Kneller, G. F., 1969). samento económico burguês é a do homem concebido como um
indivíduo natural e cuja característicaé o seu comportamentora-
É baseada
nesteconjuntode princípiosque a economianeo- cional.
clássica e seu desdobramento ou aplicação no campo educacional, se
apresentacom postuladosque entendecomo baseadosem resultados 2.1.1 O "homo oeconomicus" racional:se O indivíduo como
de pesquisa científica cuja racionalidade empiricamente comprovada \
unidade-basede análise
é tida como incompatívelcom qualquerjuízo de valor ou ideologia.
Para entendermoscomo a visão veiculada pela economia bur-
O rigor lógico dos enunciados e a matematização da. linguagem
económica neoclássica são tomados como critérios suficientes para guesana análiseda realidadeem geral e especificamente
no campo
da educação se constitui num instrumento de reforço às concepções
do sensocomum, não em seu núcleo sadio mas na mistificação e
fetichização do real, temos de partir para demonstrar a concepção
de homem e de sociedade construída por esta visão burguesa.
58 59
dual, dos interesses brívadüs. É justamente por cada um cuidar de este aspecto se tornam falares e se transferem à consciência acrítica
si mesmo, não cuidando ninguém dos outros, realizam todos, em como forças autónomas, independentesdo homem e de sua ativi-
virtude de uma harmonia preestabelecidadas coisas,ou sob os aus- dade." (Kosik, K., 1969, p. 100)..
pícios de uma providência onisciente, apenas as obras de proveito
recíproco, de utilidade comum, de interesse geral." (Marx, K., 1980,
livro 1, v. 1, p 196). Trata-se da ética burguesa de conceber a realidade, ou seja, o
modopelo qual os interessesda burguesiaa condicionama perceber
A seguir,Marx nos mostra que para entendero que de fato a gênese do real.
ocorre com os personagensdo drama, é mister sair da esfera da
circulação ou da troca de mercadorias: Se todos os indivíduos são livres, se todos no mercado de trocas
podem vender e comprar o que querem, o problema da desigualdade
;Ao deixar a esferada circulação ou da troca de mercadorias( . . .)
parece-nos que algo se transforma na fisionomia dos personagens é culpa do indivíduo. Ou seja, se existemaquelesque têm capital
do nosso drama. O antigo dono do dinheiro marcha agora à é porque se esforçaram mais, trabalharam mais, sacrificaram o lazer
frente como capitalista;segue-oo proprietário da força de traba- e pouparam para investir.
lho como seu trabalhador.O primeiro com um ar importante, sor-
rindo, velhaco e ávido de negócios;o segundotímido, contrafeito,
como alguém que vendeu sua própria pele e apenas espera ser esfo- Dentro destaótica, a sociedadecapitalistanão estádividida em
lado." (Id., ibid., p. 197).
classes,mas sim em estratos. A estratificação decorre de uma ana-
logia do mecanismode concorrência perfeita. Os indivíduos ganham
A análise económica burguesa, ao negar-se a transcender a
seulugar na hierarquia de estratificaçãosegund(so critério de mérito.
esfera da troca de mercadorias, apenas g]orifica a liberdade superfi-
cial do mercado,mercadoque alcançaseu desenvolvimento
máximo
O mérito é definido em termos de talentosindividuais e moti-
sob .o capitalismo. Desenvolvimento esseonde as relações entre pes-
soas acabamse tornando relações entre coisas.Descreve, então, vação para suportar privações iniciais, como longos anos de esco-
laridade, antes de galgar os postos de elite. O modelo de concorrência
apenas as aparências superficiais desse modo de produção.
perfeita não admite direitos adquiridos, dominação, pois supõe-se
Ao apresentar essa descrição do real, como uma análise cien- que o somatório das decisões feitas, fruto das aspirações pessoais,
resultaránum equitativo equilíbrio de poder.
tífica, neutra, objetiva, acaba por reforçar o mundo da pseudocon-
creticidade,da visão fetichizadado real, uma análise que não trans-
cende o senso comum. E é nesta esfera que a teoria do capital humano
Este tipo de análise, historicamente determinado, decorre da
se inscreve. redução que a visão burguesafaz da formação social. Esta, em vez
de ser concebidacomo sendoconstituída-- em qualquermodo de
produção -- pela estrutura económica que forma a unidade e a
2.1.2 O ''Jator econõntico'' e estratificação social; conexãode todas as esferasda vida social, é transmutadaem fatores
a transfiguração da classe social em variável (económico-político, -social . . . ) isolados. Após divida-los, passa-se
a fazer conexões mecânicas, exteriores, para averiguar a preponde-
A decorrência imediata da postura metodológica da análise rância de um ou de outro falar na determinação do desenvolvimento
económica burguesa, centrada sobre a visão atomística do real, é a social ou mesmo na situação individual.
concepção da estrutura social como sendo resultante de uma cons-
trução do comportamentoindividual. Esta postura, vale lembrar, O antagonismo de classe -- exploradores e explorados -- trans-
não é resultantedo processodo pensamento -- uma criação ilumi- figura-se numa estratificação social formada por escalas de "possu!-
nista -- mas decorre de
dores e não-possuidores,de ricos e pobres, de gente que dispõe de
determinadasformas históricas de desenvolvimento,nas quais as uma propriedade e gente que dela não dispõe". (Kosik, K., 1969, P.
criaçõesda atividade social do homem: adquirem autonomia, e sob 105)
60 61
A relação entre classestransforma-se numa relação entre indi- A partir desta complexífíêação interna da classe dominante,
víduos. A classepassaa constituir uma variável (classe média, alta onde o grupo gerencial é concebido como não-pertencente a ela por
e baixa) medida por "indicadores de posse e de riqueza pessoal".'* não ser proprietário, mas gestor, administradorda propriedadede
outrem, postula-se que a propriedade e o controle dos meios de pro-
De outra parte, a separaçãoestanquedo económico,do político, dução se divorciam e não estão mais em poder do mesmo grupo de
do social faz parecer que existe uma autonomia supra-histórica entre pessoas.
a posiçãoeconómica,a posiçãosocial e a distribuiçãode poder na
sociedade. (Kosik, K., 1969, p. 105). Teríamos, então, chegado à sociedade pós-capitalista, onde a
Os diferentesfatores -- económico,social e político -- se alter- grupo gerencial, selecionadomeritocraticamenteentre todas as clas-
ses sociais -- onde a escolaridade seria critério fundamental -- teria
nariam, de acordo com o estágio do desenvolvimento, na determi-
nação fundamental da estrutura social. O económicoseria o deter- o poder de subordinara ganânciado lucro a objetivos mais "dignos
minante apenasna fase de um capitalismonão desenvolvido.Des- e justos". A separaçãoentre a propriedadedos meios de produção
e o controle demarcariam o fim da determinação do "fator" eco-
carta-se com isso a questão metodológica e política de que
nómico, e com ele o fim da luta de classes.
a distribuição da riqueza (economia), a hierarquia .e.a estrutura
de poder (poder) e a escala da posição social (prestígio) são deter- Este tipo de análise decorre justamente da redução da classe
minadas pelas leis que têm origem na estrutura económica.da ordem
social em determinadaetapado desenvolvimento".(Id., ibid., P. 107) à questãode ser ou não ser possuidorde uma propriedade.Dentro
da visão marxista, embora a concepção de classe dominante descreva
Este viés de análise que separaas dimensõeseconómicase de
o papel predominantedos proprietáriosdos meios de produção,os
poder e que coloca, dc outra parte, a determinaçãode um "fator"
quais, por estefato, têm poder de decidir sobre a vida dos que deles
ou de outro,comodependente
do estágiode desenvolvimento
capi-
talista, faz com que as análisespassema postular a superaçãodo dependem,não significa que ela se defina apenasem termosde
posição económica. Na sociedade capitalista fazem parte da classe
conflito de classesemuma mudançado modo de produçãocapita-
dominante também aqueles cujos interesses coincidem com os inte-
lista. Esta é tipicamente a visão neocapitalista.
resses da burguesia.
A passagemdo capitalismo mercantilista para o concorrencial
e deste para o monopolista foi determinada uma crescente diversi- Os gerentes, os administradores, embora não-proprietários, são
ficação e complexificação interna da classe dominante. O surgimento escolhidose controladospor estesde tal sorte que administramem
dos gerentes, dos administradores, dos executivos configura aquilo nome do capitalista.
que se convencionou denominar revolução gerencial.ss
De outra parte, mesmo que quisessemadministrar, não de acordo
com a ganância do lucro, mas movidos por objetivos distributivos,
34. É importante assinalar que o movimento circular das. explicações da
teoria do capital humano, como vimos anteriormente!decorre de transmutação seriam impedidos pela própria natureza das relações económicas
da análise das classes sociais para a análise do indivíduo dentro de. uma.estra- capitalistas,onde a maximizaçãodo lucro é a meta básicae a con-
tificação.'A investigaçãoentãosó pode girar em círculo -- a renda é.função dição de sobrevivência enquanto empresa capitalista. A acumulação
e mais escolaridade,esta'é função do =fator económico" -- possede bens,
etc.. daí a análise dos determinantes da escolaridade. não é uma questão de decisão individual, mas uma lei imanente da
35. Para uma análise mais detalhada da questão da revolução gerençial .e sociedade do capital e da competição entre os capitalistas
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'lllãíza} morara/ís!:z: L deg;(cação do fraóal#o
Rio de Janeiro, Zahar, 1977. Especialmente parte IV e V, p. 243;246. Re-
no sécyla
Em suma,a diversificaçãocrescenteno interior da classedomi-
nante não implica uma divergência de interessese nem transgride o
modo de produção capitalista a ponto de gerar mudanças funda-
tomaremos esta'questão no 'capítulo' 2, quando 'discutiremos mais. detalhada-
mente a ligação da tese do capital humano com as visões neoçapitalistas. mentais na estrutura de classe.
62 63
]
A transfiguraçãoda classeem variável deriva da própria con- apenasum ponto de partida que se constrói nas relações'sociaisde
cepção marginalista que substitui produção da existência, num determinado contexto histórico, é toma-
da como ponto de chegada.
'a idéia de contradiçãopelo paradigmade harmonia.Não se trata
mais de desvendar as leis de' movimento nascidas da oposição de
classes sociais no âmbito da produção, senão de postular as condi- O homem, uma totalidade histórica concreta, que se distingue
ções de equilíbrio do processo de troca".36 dos demais animais e da natureza, e se constrói pelas relações sociais
de trabalho (produção) que estabelececom os demaishomens,no
A teoria do valor-trabalho que privilegia as condiçõesde pro- modo de produção capitalista, reduz-se e transfigura-se num indivíduo
dução é substituídapela idéia de utilidade que enfatiza a órbita de abstrato, cujas características fundamentais são o egoísmo.e a racio-
troca de valores de uso. A ideia de troca, por sua vez, supõe de nalidade.37
imediato a idéia de igualdade de condições dos agentes.Esta redução
estabeleceo conceito de fator de produção. Capitalistas e trabalha- A produção historicamente determinada das classes fundamen-
dores apresentam-seno mercado, ambos legalmente iguais, como tais,secapitalistas -- donos dos meios e instrumentos de produção e
proprietários de fatores de produção. O primeiro entra com dinheiro do capital, açambarcadoresde mais-valia -- e de trabalhadores assa-
e o segundo com força de trabalho. lariados -- "donos" apenas de sua força de trabalho, produtores da
mais-valia cuja sobrevivência depende de que os primeiros lhes
Elimina-se do âmbito da análise económica o problema das cumpram esta força de trabalho, é tida como um dado natural.
classes.O conceito de capital, uma relação social específica, própria
de uma sociedade específica, delimitada historicamente, transfigura-se Entretanto,
num "favor de produção" universal, existenteem qualquer sociedade a natureza não produz, de um lado, possuidores de dinheiro ou
humana. Reduz-se o capital aos seus aspectospuramente físicos. mercadoriase. de outro, meros possuidoresdas próprias forças de
trabalho. Essarelação não tem sua origem na natureza, nem.é.mes-
(Id. ibid.). mo uma relação social comum a todos os períodos históricos
(Marx, K. op. cit., P. 189).
A remuneraçãodo capital é explicada dentro desta ética, como
conseqüênciada privação, abstinência e poupança do capitalista. No lugar do antagonismode classedefinido, de um lado, pelos
interesses
do capitalde expropriaro trabalhadore, de outro,pelos
Em síntese, o caráter de classe da análise económica burguesa interessesdos trabalhadores,passa-seà idéia de um confínuum defi-
reduz e transfigura o conceito de homem, de classe, de capital e de nido por uma estratificação social, resultante do esforço e mérito
individual.
educação.
O homem, um devir que se define no conjunto das relações A desigualdadereal, elemento fundamental que define a socie-
dade de classes,transfigura-senuma igualdadelegal fundadanuma
sociais de produção de sua existência,um ser histórico, concreto, liberdade abstratada forma do Estado Liberal.se
ativo, que se transformana medida em que transformao conjunto
destasrelações
sociais,(Gramsci,A., 1978,p. 38-44)é reduzidoa
uma concepçãometafísicado indivíduo com uma naturezahumana 37. Para um aprofundamento das influências do pensamentode Hobbes,
dada, genéricae a-histórica.A naturezade cada indivíduo, que é Locke e cume na teoria económica do capitalismo nascente, ver Napoleoni,
Cláudio. Smir#. Ricardo, Ã/arr. Rio de Janeiro, Graal, 1978, p. 41 segs.
38. As classesdos capitalistas e dos trabalhadores assalariadossão fun-
36. Belluzzo, L. G., Distribuição de renda: uma visão da controvérsia. damentaisno sentido de que definem a especificidade,.a. essênciadas relações
In: Tolipan, R. & Tinelli, A. C., H Co/zfrovérsía
nobrediffríbziiçãode renda e sociais que se estabelecem no modo de produção capitalista.
desenvoZvímenfo. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 17. Ver também, do mesmo 39. Em relaçãoàs categorias
básicasda forma de Estadol,iberal.Ver
autor, ..4 runs/lgurafão crífíca. Estudos Ceprap, n. 24, São Paulo,. Brasiliense, Pereira, Luiz. Capífalísmo -- noras feórícaf. Sãa Paulo, Duas Cidades, 1977.
s/d., p 7-39 Ver também çap. 2.
64 65
político, social,filosófico e ético. Como elemento de uma função
Na melhor das hipóteses,a liberdadeque o trabalhador tem é de produção, o educacional entra sendo definido pelos critérios
escolher o capitalista para quem trabalhará, mas a liberdade de não de mercado, cujo objetivo é averiguar qual a contribuição do
trabalhar para capitalista algum é simplesmente a liberdade de passar "capital humano", fruto do investimento realizado, para a pro-
dução económica. Assim como na sociedade capitalista os produ-
fome ou sofrer degradaçãosocial. (Green, F. & Nora, P., 1978). Em tos do trabalho humano são produzidosnão em função de sua
última instância, o trabalhador depende,para sobreviver, de que o 'utilidade" mas em função da troca, o que interessa,do ponto de
capitalista se disponha a comprar sua força de trabalho. vista educativo, não é o que seja de Interesse dos que se educam,
mas do mercado.Neste contexto o ato educativo, definido como
Quem diz capacidadede trabalho, não díz trabalho, tampouco.quem uma prática eminentementepolítica e social,fica reduzidoa uma
diz capacidade de digestão, diz digestão. Sabe-se que para..digerir
não basta um bom estomago. Quem diz capacidade de trabalho não tecnologia educacional.
põe de lado os meios de subsistência necessários para sustenta-la
(. . .) A capacidade de trabalho (. . .) nada é se não se vende. Esta redução estabeleceuma dupla mediaçãoprodutiva no movi-
(Marx, 1(. op. cit., p. 194).
mento global do capital. l.Jm determinado nível de adestramento geral,
O conceito de capital reduz-se a um mero fator de produção básico,funcional à produçãocapitalista,quer a nível de uma educa-
onde as máquinas em si, como capital constante e técnico, são tidas ção elementar em "doses homeopáticas", quer em sistemas escolares
comocapazes
de criar valor independentemente
da intervenção
do particularesdo tipo SENAI, SENAC, SENAR, etc., e uma produti-
trabalho humano. Mascara-se,desta forma, a origem real e única vidade resultante da desqualificação do trabalho escolar.
da produçãoda mais-valia-- o trabalhohumanoexcedente
apro-
priado pelo capitalista.O centro unitário de análisedeixa de ser o Por outra parte, a visão de capital humano, além de estabelecer
valor-trabalho,
e a relaçãode classeentreo trabalhadore o capi- este tipo de redução, vai reforçar toda a perspectiva meritocrática
talista transfigura-senuma relaçãode troca de agentesde produção dentro do processo escolar. Assim como no mundo da produção todos
igualmente livres. os homens são "livres" para ascenderemsocialmente, e esta ascensão
dependeúnica e exclusivamente do esforço, da capacidade,da inicia-
Em suma, o conceito de capital humano, desenvolvidosob a tiva, da administraçãoracional dos seus recursos,no mundo escolar
herança da concepção burguesa de sociedade, que busca dar conta a não-aprendizagem,a evasão,a repetência são problemas individuais.
do investimento feito em educação para produzir capacidade de tra- Trata-se da falta de esforço, da ''não-aptidão", da falta de vocação.
balho, e explicar, de um lado, os ganhos de produtividade não devidos Enfim, a ótica positivista que a teoria do capital humano assumeno
aos fatores capital físico e trabalho, e, de outro, os ganhos salariais âmbito económico justifica as desigualdades de classe, por aspectos
resultantes das taxas de retorno do investimento feito em educação individuais; no âmbito educacional, igualmentemascaraa gêneseda
estabelece: desigualdade no acesso,no percursoe na qualidadede educaçãoque
têm as classes sociais.
a) um nivelamentoentre o capital constantee o capital variável
(força de trabalho) na produçãodo valor, ou seja, coloca-seo A desarticulação da concepção burguesa veiculada pela teoria
trabalhador assalariado, não apenas como "proprietário" de força
de trabalho, adquirida pelo capitalista, mas proprietário ele mes- do capitalhumanoimplica sair da visão de superficialidade
e de
mo de um capital -- quantidadede educaçãoou de capital huma- pseudoconcreticidade
que a mesmainstaura na análisedos vínculos
no: considera o salário recebido, não como preço desta força de entre economiae educação,educaçãoe trabalho, e voltar o foco de
trabalho, mas como uma remuneraçãodo capital humano adian- análise nas relações sociais de produção específicas à sociedade do
tado pelo trabalhador, mascarando,desta forma, as relações capi- capital. Implica o abandono da análise das relações de troca e a
talistas de produção e exploração. (FaV/LESAR, 1981, P. 52). volta à análise das relações que se estabelecem entre as classes sociais
nas relações de produção da existência. Implica o abandono da idéia
b) IJma redução da concepçãode educação na medida em que, aa de equilíbrio, harmonia, e a identificação das contradições inerentes
enfocá-la sobo prisma do "labor económico" e não da estrutura
económico-social, o educacional fica assepticamente separado do ao antagonismo de classe, oriundo da contradição fundamental capi-
66 67
tal-trabalho; implica, finalmente, superar a idéia de utilidade e voltar .P
68 69
destahistoricizaçãose inicia pela criação de uma visão de mundo cidade e de seu desenvolvimento na fase monopolista, .das últimas
na ótica dos interesses da classe dominada.
quatro décadas do modo de produção capitalista, cuja forma de
Estado corresponde à fase do Estado intervencionista.z
Partimos, neste Capítulo, da tese de que a concepção económica
de educação veiculada pela teoria do capital humano não é uma Fundamentalmente, interessa-nos mostrar que a teoria do ca-
"invenção da mente humana", mas um produto histórico determinado, pital humanoe seusdesdobramentosem termos de políticas educa-
decorrente da evolução das relações sociais de produção capitalistas. cionais não são uma produção maquiavélica(sentido corrente) de
Nas minhaspesquisas
chegueià conclusãode que as relaçõesjurí- uma maquinação feita pela vontade individual, mas resultantes das
dicas, assim como as formas de Estado, não podem ser compreendi- próprias contradições e crise do capitalismo em sua fase monopolista
das por si mesmas, nem pela evolução geral do espírito humano, contemporânea.
inserindo-se, pelo contrário, nas condições materiais de existência.
( . . . ) na produção social de sua existência os homens estabelecem
relações, necessárias, independentes de sua vontade, relações de pro- Embora imediatamenteo interessefocal de análiseincida sobre
dução que correspondem a um detemiinada grau de desenvolvimento
das forças produtivas materiais. O conjunto destasrelações de pro- a fase contemporâneado capitalismo monopolista, para o propósito
dução constitui a estrutura económica, a base concreta sobre a qual pedagógico deste trabalho, e mesmo como embasamento teórico nos
seeleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem capítulosque se seguem,vamos, ainda que esquematicamente
e sem
determinadasformas de consciênciasocial. O modo de produção da
vida material condiciona o desenvolvimentoda vida social, política pretensão de originalidade, discutir algumas categorias de análises e
e intelectual em geral." (Marx, K. Co/zrríóulção â críffca da econo- esboçar a especificidade do modo de produção capitalista.s Isto se
mia porírica, 1977, p. 24).
justifica na medida que as diferentes fases do capitalismo e suas for-
mas de legitimação jurídico-política, ou diferentesformas de Estado
Interessa-nos, neste capítulo, situar historicamente as condições
capitalista, não representam senão mecanismosde recomposição das
concretas infra e superestruturais, dentro do desenvolvimento do modo crises inerentes ao caráter contraditório (da relação capital/trabalho )
de produção capitalista, que demandaramesta formulação e criaram do modo de produçãocapitalistana consecução da maximizaçãodo
o espaço para que. contribuíssem "produtivamente" para a ampliação lucro. Efetivamente, para entender o fenómeno do processo histórico
da acumulação em geral do capital.
do capitalismomonopolista,é precisoum exameprévio da natureza
e da organicidadédo Capital. Isto nos leva, então, à análise das leis
Partimos da suposiçãode que embora a teoria do capital huma- de acumulação, concentração e centralização como leis imanentes do
no tenha seus supostosteóricos fundados na visão económica neoclás- capital e a medidados seuslimites. Finalmente,buscaremosdiscutir
sica -- fase do capitalismo concorrencial -- onde o liberalismo cons- o surgimento
históricoe a funçãoda teoriado capitalhumanono
titui a ideologia jurídico-política dominante, configurando a forma de
Estado liberal, esta teoria encontra o espaço efetivo de sua nnes- 2. O paradoxo,'ntretanto, é apenasaparentede,vez que a forma de
Estado intervenci-nesta não transgride os supostos neoclássicos na sua essência,
apenas representa uma nova' .?stratégia do capitalismo buscar superar suas crises.
3. Restringimo-nos
aq-:i basicaünente
à cat.Egoria
modo de.produçãoda
conservadora, e embora não seja uma razão suficiente, tem mais probabilidade existência por duas ra=3c=:' primeiramente por' tratar-se da categoria.mais. ampla
de se aproximar do concreto, do real. é fundamental que articule as demais categoriasdo método histórico dialético
Marx, no posfácio da segunda edição de O CapifaJ, enfatiza o caráter enga- de análisedo real; em segundolugar, porque neste trabalho essac.ategoriaé
nado de sua crítica à economia política: " . . . se essa crítica representa a voz fundamental e, de outro, as categorias 'contradição, totalidade,. mediação, que
de uma classe, só pode ser a da classecuja missão histórica é derrubar o modo também permeiam esta análise, estão, em fosso. entender, suficientemente,ana-
de produção capitalista e abolir finalmente todas as classes-- o proletariado lisadas na literatura recente Dr campo üucacional. Veja-sel por exemplo,.a
(Ver, Maré, K. O Capíra1.2. ed. Rio de Janeiro,.Civilização Brasileira, 1978.
Posfácio, p. 12; ver também Lowy, M. Objetividade e ponto de visto d! classe
nas ciências sociais. In: O À/éfodo día/éríco e a teoria polílíca. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1978, p. 9-34; Schaff, A. O =aráter de classe do conhecimento
@liãÉ:Hul.nl;Â.ãRl:Fl%%Z
ãl; ';irão d;:scola. In: Makíiré,ío de /' gr" -- da como'ran-
histórico. In: Jlísfórla e verdade.São Paulo, Martíns Fontes, 1971, p. 141-86. gia técnica ao compromisso poZíríco. São Paulo, Cortez-Autores Associados,
1982, P. 24-34.
70 71
interior das novas determinaçõesque o movimento do capital mono- reprodução como suas própr:=s": (Marx, K. 1977, p. 92).. '( .:.:)
significa nada mais do que a atitude do homem ao .encontarsuas
polista impõe ao Estado como o articulador do capital e como capi- condições naturais de . pmdução como Ihe .pertencendo: como pre-
talista particular. lequisitos de sua própria existência; sua atitude em relação a elas
}' como pré-requisitosnaturais de si mesmo.que constituiriam prolon
mento de seu corpo". (Id., ibid., P. 82).
O modo de produção da existência engloba as relações sociais superestrutura e mesmo estritamente ao nível da ideologia, amiúde
de produçãoque os homensestabelecem,
mediatizadosou não pela b
entendida apenas como falsa consciência, ilusão; quer como uma
técnica, para produzirem produtos úteis para seu sustento e reprodu- f
análise que vincula esta prática unicamente à base infra-estrutural.
ção; as leis de acesso,apropriação dos bens produzidos; as idéias,
instituições, ideologias que buscam legitimar o modo de os homens Para apreender os vínculos ou desvínculosentre a prática educa-
se relacionaram na produção de sua existência. ,( tiva escolarou não-escolar,com o mundo da produção, do trabalho,
implica apreender concretamente a especificidade do modo de pro-
O modo de produção não deve ser considerado simplesmente como
reprodução da existênciafísica dos indivíduos. Trata-se, antes, de .dyçãoonde essaprática se efetiva. Implica, de outra forma, apreender
uma forma definida de atívidade destesindivíduos, uma forma defi- o movimento concreto, as formas que historicamente assumeeste
nida de expressar suas vidas, um definido modo de vida deles. modo de produção em contextos e épocasdiversas.
Assim como os indivíduos expressam suas vidas assim eles são. E o
que eles são, portanto, coincide com sua produção, tanto com o que
produzem, quanto como produzem. A naturezados indivíduos .por- Em que consiste, basicamente, a especificidade do modo de
tanto, depende das condiçõesmateriais de sua produção." (Marx, produção capitalista?s
K., 1977b, P. 113).
Vimos que, em qualquer sociedade,pelo trabalho, os homens,
E o modo de produção deve ser entendido como uma articula- {.f
juntamente com os outros (homens), entram em relação com a na-
ção entre infra e superestrutura,que formam, na visão gramsciana,um tureza e produzem a sua sobrevivência -- produzem a si mesmos.
:bloco histórico" -- "conjunto complexa, contraditório e discordante Estasrelaçõessão mediatizadase variam de acordo com a natureza
das superestruturas,e o reflexo do conjunto das relaçõesde produ- e tipo de desenvolvimento das forças produtivas e dos instrumentos
ção". Há, dentro desta perspectiva, "uma necessária reciprocidade de trabalho utilizados.A naturezaespecíficade qualquermodo de
entre estrutura e superestrutura, reciprocidade que é precisamente o produção é historicamente determinada, então, pelo tipo de relação
processo dialético do real". (Gramsci, A., 1978a, p. 52). social que os homens estabelecemna produção de sua existência.
Concebendo-seo modo de produção como uma articulação ne- Não cabeaqui, para os limites e propósitosdestetrabalho,re-
cessária entre infra e superestrutura, não há por que distinguir, de 'J
forma estanque em qualquer modo de produção, a instância econó- que nos permitem chegar a fixar o movimento mais global da tran-
mica (infra-estrutura) e a instância jurídico-política e ideológica (su- sição para o modo de produção capitalista. Interessa-nos, apenas,
perestrutura), como tendemcolocar algumas das diferentesvertentes enunciar, a partir disto, os pré-requisitos históricos para a existência
do marxismo.4 dessemodo de produção e os traços fundamentaisde sua especifici-
dade e evolução.
A articulação necessáriae orgânica entre infra e superestrutura
nos leva de imediato à necessidadede uma dupla superação:o eco- Fundamentalmente,
nomicismo vulgar e mecanicistae o idealismo. De outra parte, nos 'a relação do trabalho com o capital, ou das condições objetivãs
permite caracterizarcomo parciais e enviesadasas análisesque bus- do trabalho com o capital, pressupõemum processohistórico que
cam situar a prática educacional,no interior do modo de produção
capitalista, quer como uma prática que se dá meramente ao nível da
5. Como aludimos na introdução deste trabalho, utilizamos a categoria
modo de produção capitalista sem referência específica a uma determinada for-
mação social. Isso decorre, como vimos, do objetivo do presentetrabalho, que
busca mostrar, basicamente, que a teoria do capital humano -- especificidade
das teorias de desenvolvimento -- só poderia aparecer no inXetior da formação
4. Para uma discussãomais detalhada sobre o modo de produção tomado capitalista onde as relações sociais de produção atingiram o maior grau de
como articulaçãoentre infra e superestrutura,bem como para uma crítica à desenvolvimento. Importa apreender aqui a categoria fundamental que permeia
visão de Althusser e seus seguidores, veja Pereira, L. Capfralismo -- nora.ç as demais categorias (totalidade, contradição, mediação, etc., do método his-
feórícas. São Paulo, Duas Cidades, 1977, p. 11-72. tórico dialético).
74 75
dissolve as diferentes formas nas quais o trabalhador é um proprie.
bário e o proprietário trabalha tes do processode circulação tema-sê uma troca de coisasdesiguais
Essa dissolução implica a criação de condições em que !. no processoprodutivo. O que constrangeo trabalhador à troca é a
'coação económica". A perda das suas condições objetivas de se
apropriar da natureza como sua o constrange a se tornar um assala-
o trabalhador apareça como trabalhador livre, como capacidade de riado. um vendedorde si mesmocomo uma mercadoria.Como tal
trabalho puramente subjetiva, sem objetividade, enfrentando as con-
dições objetivas da produção copio sua não-propriedade, como pro- entra no jogo do mercado.
priedade alheia, como valor existente em si mesmo, como capi- ''t
76 77
troca. e sua troca a$ relaciona uma com as outras como valores e O que interessaao modo de produção capitalista não é a utili-
realiza-se como valores, antes de poderem realizar-se como valo-
res-de-uso." (Marx, 1(., 1980, p. 95).
dade dos bens para seus produtorçb, mas a troca; não é o trabalho
humano em si, mas a quantidadede trabalho consumidoe repartido
As relações mercantis, na sociedade capitalista, implicam neces- entre os diversos setores de produção.
sariamente a existência de uma mercadoria que, uma vez adquirida e
consumida em combinação com as matérias-primas e instrumentos. O valor de troca, por sua vez, não é determinadopelo trabalho
de trabalho (meios de produção), incorpore um valor adicional às isolado de cada trabalhador, mas pelo trabalho socialmenteneces-
mercadoriasproduzidas.A força de trabalho, e não o trabalho, cons- sário num contexto histórico determinado.Ele varia de acordo com
titui-se nesta mercadoriaparticular da produção capitalista, cuja uti- a produtividade do trabalho, determinada basicamente pelo desen-
lidade reside na capacidadede gerar uma quantidade de valor maior volvimento das forças produtivas.
que seu próprio valor. O que constitui o objeto de troca entre capi-
talista e assalariadonão é o trabalho,masa força de trabalho. A produção para a troca transforma cada trabalhador num órgão
..1
dó trabalho social. O trabalho concreto, útil de cada trabalhador
& vai-se dissolvendoem trabalho social, tornando-setrabalho abstrato
O'processo de trabalho, que é atividade dirigida com o fim de
e "a estetítulo é conduzidoà posiçãode substânciad(i valor". (Ver
criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às neces-
Belluzzo, L., Estudos Cebrap, n. 24, p. 7-39).
sidades humanas, condição necessária do intercâmbio material entre
o homeme a natureza,condiçãonatural e eterna da vida humana, Isto pressupõeum processohistórico onde o trabalhoparticular
recebeuma determinaçãosocial, histórica, e é convertido em traba- se transforma em trabalho coletivo. Ao referir-se à transformação
lho genérico, abstrato, um trabalho separado dos sujeitos -- força do trabalho concretoem trabalho abstrato,no interior do modo de
de trabalho. produção capitalista, Marx assim se expressa:
A mercadoria, como forma elementar e básica da sociedade do f :( . . . ) esta abstração de trabalho em geral não é somente o resul-
tado mental de uma totalidade concreta de trabalhos. A indiferença
capital, cuja essênciaé seuvalor de troca, compõe-se,de acordo com }
78 79
de uma submissãoformal do trabalho ao capital, onde o trabalhador Incorporam-se então ao capital. Quando cooperam, ao serem mem-
bros de um organismoque trabalha, representamapenasuma forma
ainda dispõe de algum controle sob o processode produção (seu '-]
O trabalhador é proprietário de sua força de trabalho quando (. . .) a máquina, que possui habilidade e força em lugar do ope
a mercadeja. ( . . . ) Sendo pessoas independentes, os trabalhado- rário, e]a mesmao virtuoso que possuiuma a]ma própria nas leis
res são indivíduos isolados que entram em relação com o capital, mecânicasque operam nela; e, tal como o operário consomemeios
mas não entre si. Sua cooperação só começa no processo de traba- alimentares, assim ela consome carvão, óleo, etc, para manter-se
lho, mas depois de entrar neste deixam de pertencer a si mesmos. continuamenteem movimento. A atividade de operário, reduzida a
8
80
uma simples abstraçãode atividade, é determinada e regulada,.em Ao converter-seem autómato, Q próprio instrumento de trabalho
todos os seuscomponentes, pelo movimento da máquina, e não vice- '.F
tivo é que cada produto contenhao máximo possívelde trabalho lifica-se, de modo crescente, o posto de trabalho e prescinde-se.cada
vez mais da qualificação do trabalhador. .Configura-se um trabalhador
]'
82 83
Sendo o trabalho não mais o início do pi'ocesso técnico, mas de relaçõesde produção capitalistas,bem como o aguçamentodas
apenas o intermediário, passa a ser comandado pelo autómato que,
contradições e acirramento. das crises dó sistema capitalista de pro-
à medida que necessita de qualificações e especificidades, estas são dução da existência.
ditadas pela máquina. O capital 'instaura seu processo pedagógico
propno. Recuperaresseselementos,para além de seu efeito ''pedagó-
A ciência, como produto intelectual em geral do desenvolvimento gico", é de todo necessáriopara, de um lado, entenderas novas e
Social, apresenta-se,do mesmo modo, como diretamente incorporada presentes determinações que o Estado passa a ter num contexto
ao capital (sua aplicação, como ciência, separada do saber e da crescentede oligopolização da economia, tornando-se um articulador
potencialidade dos operários consideradosindividualmente no pro-
cessomaterial de produção) ; e o desenvolvimento geral da sociedade dos interessesintercapitalistas e, como tal, uma capitalista particular;
-- porquanto é usufruído pelo capital em oposiçãoao trabalho e e de outro, para compreender a gênesehistórica da teoria do capital
apeia como força produtiva do capital contrapondo-séao trabalho humano e sua função específicadentro do contexto em que ela surge.
:-- apresenta-se
como dwenvolvimento do capital." (Marx, K. Apud
Napoleoni, op. cit., p. 91).
Embora Marx tenha escrito sua obra principal num contexto
histórico onde o desenvolvimento capitalista não apresentavao fenó-
Notamos, pois, que com a maquinaria o processo de produção
meno da transnacionalização do capital, as novas formas de mercado
capitalista separa historicamente,cada vez mais, ciência e técnica, t
trabalho manual e .trabalho mental. oligopolizado, sua análise das leis imanentes e orgânicas do capital
e do valor delineiam os elementos que prenunciam este fenómeno.
/
É sobessascondições
de submissão
real do trabalhoe do tra- No conjunto de sua obra básica -- O CapífaZ-- Marx procura
balhador ao capital -- onde o processo de trabalho assume uma evidenciar que a lei do valor, como.lei do movimento do capital,
configuração adequadaà relação económica capitalista -- que o
modo de produção capitalista encontra seu espaço específico da
acumulação e reprodução ampliada.'É neste quadro que a lei, cuja
{1: leva, inevitalmente, a um processo de acumulação, concentração
e c.entralização
do capital.Lei que delineiao movimentode auto-
valorizaçãodo capital e indica seuslimites. O processode acumu-
essêncianão é a produção para satisfazernecessidades, mas extração lt' lação, concentração e centralização não se reduz a uma questão de
de mais-valia, se expressamais claramente como lei imanente do l
escolherou não escolher, mas constitui-se numa força imanente do
valor que comanda o processo de acumulação capitalista. É, igual- .'1 capital que impele o capitalismo a "expandir seu capital para con-
mente, no interior de um capitalismocada vez mais avançadoque vertê-lo, e só pode expandi-lo por meio da cumulação progressiva"
o caráter contraditório desta lei se explicita mais claramentee deli- (Marx, K., 1980, p. 688).
neia as crises e limites da sociedade capitalista.
(1'
O processo de acumulação, concentração e centralização, embora
É originariamente em Marx, e posteriormente em Lenine e Rosa distintos na sua manifestação, constituem-se em elementos indisso-
de Luxemburgo, que encontramos os elementos de análise histórica ciáveis de um mesmo movimento -- o movimento de autovalorização
básicosque nos permitementendero movimento.do capital em sua do capital.
exacerbaçãoda produção pela produção, e assinalar as novas formas
A acumu/anão do cáfila/, condição do surgimento e da expan-
são capitalista, deriva dos métodos de expropriação da mais-valia:
âmbito da sociedadecivil (esfera onde se dá a mediação entre a base econó- Ao comprar "força de trabalho", o capitalista não compra apenas
mica e .o Estado no seu sentido estrito). A superaçãodas relações de pro- o trabalho necessárioà reproduçãodesta força de trabalho. Pelo
duçãovigentesimplicam um trabalho, uma revoluçãocultural, uma "reforma
intelectual e moral", que se efetiva, inicial e basicamente,no bojo das orga- contrário, o interessedo comprador de força de trabalho é o trabalho
!izações da sociedade civil. (Ver, a esse respeito, especialmente Gramsci, A. excedente, o sobre-trabalho. O refinamento dos métodos de extração
Àíaquíavel --= a po/íríca e o Estado moderno.' Rio de'Janeiro, Civilização Bra- de mais-valiaé que vai permitir ao capital uma acumulaçãoam-
sileira, 1978; ver também, Glaucksmann. eram.rcí e o Errado. Rio de'Janeiro.
Paz e Terra, 1980. pliada.
84 85
/
90 91
pálio, que nasce única e precisamente da livre concorrência, é a trio.pma parte, cada vez maior, dos seuscapitais. E assim o banco
transição do capitalismo para uma estrutura económica e social mais toma-se, cada vez mais um :çapitalísta«.industrial: ( . . .) o capital
elevada." (Lenine, op. cit., p. 122). financeiro é, portanto, um capital de que os bancosdispõem e que
os industriais utilizam".tS
O fenómeno dos monopólios, na sua gênesehistórica, coincide
com a faseáureada livre-concorrência
(1860-1880)e indica sua Lenine adverte também que, paralelamenteà fusão do capital
bancário com o industrial, fenómeno básico na configuração do capi-
superação.É a partir da crise de 1900-1903que, para Lenine, os
talismo monopolista -- "a mais recente .fase do desenvolvimento do
cartéisís tornam-se a base de toda vida económica e o capitalismo
capitalismo" -- estabelece-se uma união "pessoal" destas sociedades
se transforma em imperialismo. O monopólio vai caracterizar-se, en-
com o Estado, mediante a ocupação de postos estratégicosnos con-
tão, fundamentalmente, como sendo resultante da acumulação, con-
selhos, na administração destas grandes empresas por antigos mem-
centração, centralização e integração do capital formado por asso- bros do governo, cujo conhecimento pode facilitar tanto informaçõesio
ciações monopolistas dos capitalistas, cartéis, sindicatos e trustes.t4
quanto facilidades na negociaçãode seusinteressescom os governos.í7
Neste processo de monopolização, o papel do capital bancário A monopolização do mercado pelo capital financeiro Ihe permite
e da fusãodestecom o capita] industria] é fundamenta].])e meros um amplo domínio sobre as firmas não-monopolizadas,obtendo enor-
intermediários nos pagamentos,mostra-nos Lenine, os bancos vão-se mes lucros e impondo a toda a sociedadeum elevado tributo. O
transformando em
poder destasorganizaçõestranscendeas fronteiras das nações.Elas
monopólios dos poderosos, dispondo da quase totalidade do capi- prosperam, sobremaneira nos períodos de expansão das economias
tal-dinheiro do conjunto dos capitalistas e dos pequenos empresá- "nacionais" e nos períodos de crise. Não só detêm economias inter-
rios, assimcomo da maior parte dos meios de produção e maté- nas para fazer face a crises eventuaiscomo se beneficiam da falência
rias-primas. (...) Esta transformação (. ..) constitui um dos
processos'essenciais da transformação do capitalismo em imperia- das pequenas e médias firmas para agrega-las a si.
lismo capitalista". (Lenine, op. cit., p. 30).
O capitalismo monopolista configura, então, novas determina
Lenine vai mostrar, com dados estatísticos,a tendência avassa- ções nas relações de produção.
ladora de uns poucos bancos dominarem e submeterem os demais '0 que caracterizava o antigo capitalismo, onde reinava a concor-
bancos de uma nação e do mundo. É este processo que vai determinar rência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capa
uma crescentefusão do capital bancário com o capital industrial, da talismã atual (já em 1913), onde reinam os monopólios, é a expor
tacão de capitais=" (Lenine, op. cit., p. 60).
qual resulta o capital !inanceiro.
Este processo vai determinar que 15. Hilferding, R. E/ capífpJ/ínàncíero,xop. cit. In: Lenine, op. cit. p. 40.
Hilferding 'vai mostrar como a centralização e a concentraçãodo capital vão
"uma parte semprecrescentedo capital industrial -- escreveHil- demandara ampliação dos sistemasde crédito. O crédito vai funcionar como
ferding, citado por Lenine -- não pertençaaos industriaisque o uma mediaçãona competição.intercapitalista. O capital financeiro resulta exa-
utilizam. Estes últimos só alcançam a disponibilidade através dos tamenteda fusão do capital monetário com o capital produtivo, ou seja, da
canais do banco, que é para eles o representante dos proprietários articulação entre as empresasindustriais e o capital bancário.
dessecapital. Por outro lado, ao banco impõe-seinvestir na indús- 16. As informações, por exemplo, das tendências dos investimentos do
Estadoou de negóciosfuturos, etç., constituem-se,do ponto de vista econó-
mico, em elementos preciosospara os interessesdas grandes empresas.
17. Q caso brasileiro, sem dúvida, partiçularmetite nas duas últimas déca-
13. "Cartel é entendido como acordo comercial realizado entre empresas das -- quando a política económica se definiu abertamentepelo capital inter-
produtoras, que embora conservem a autonomia interna, se organizam em sin- nacional, tornando o país um "paraíso das multinacionais" -- serviria de um
dicato para distribuir entre si cotas de .produção, aos mercados e determinar excelente estudo de caso, 70 anos depois das-observaçõesde Lenine. Não são
preços,suprimindoa livre-concorrência".
Ver Catana,
A. M. O qzzeé o ímpe- poucos os ex-ministros de Estado, generais ou técnicos de alto escalão que
ria/esmo.São Paulo, Brasiliense,1981,p. 13.. imediatamente após' deixarem suas funções "públicas"(.1) têm várias alternati-
vas de trabalho em grupos financeiros ou outras grandes empresasmulti-
14. O truste é entendido como sendo "associaçãofinanceira que resulta nacionais.
da fusão de várias firmas em uma única empresa" (Id. ibid.).
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investidor particular).ío Lenine, ao criticar a posição revisionista de
A exportação de capitais é decorrência da acumulação que vai Kausky, que se junta à visão burguesa e vê nos cartéis "a esperança
atingindo proporções acima da possibilidade de serem investidos nos de que a paz há de reinar entre os povos em regime capitalista", as-
países onde o capitalismo está mais avançado, e onde se situam as sinala que
matrizes das grandes corporações empresariais, gerando enorme exce-
dente de capitais.í8A exportação do capital é efetivada, normahnente, 'as formas de luta podem mudar e mudam constantementepor
diversasrazões, relativamente temporárias e particulares, a essência
para paísessubdesenvolvidos,cujo objetivo fundamental é aumentar da luta, o seu conteúdo de classe, (porém), não poderá verdadeira-
os lucros e estabelecer uma dependência (económico-política) desses mente mudar enquanto existirem classes". (Id., ibid., p. 75).
países.É dentro deste processoque Lenine demonstraa partilha do
mundo (fundamentalmente
a partilha das matérias-primas)pelas Finalmente, em Lenine aponta-se concretamenteque o movi-
grandes potências. mento de acumulação, concentração e centralização do capital vai
gerar a "substituição da livre-concorrência capitalista pelos monopó-
lios", e vai igualmentegerandoo seucontrário. O monopóliojá é o
Em suma, o capitalismo monopolista que transforma o capita-
contrário da livre-concorrência.De outra parte, o próprio monopólio
lismo em imperialismo tem como característicasbásicas:
determina um desestímulo ao progresso técnico e "então torna-se pos-
-- "a concentração da produção e do capital atingindo um grau sível, no plano económico, travar artificialmente o progresso técnico:
de desenvolvimento tão elevado que origina os monopólios cujo (Lenine, op. cit.) Exemplos disso existem muitos, desde a época de
papel é decisivona vida económica; Lenine até o presente.
-- a fusão do capital bancário e do capital industrial e criação, com
base nessecapital financeiro, de uma oligarquia financeira; O que nos interessa, sobretudo, na análise histórica de Lenine
-- diferentemente da exportação de mercadorias, a exportação de é a demonstração de que o monopólio, resultante da acumulação,
capitais assumeuma importância particular;
concentraçãoe centralização de capital -- que caracteriza novas for-
-- a formação de uniões internacionais monopolistas de capitalistas mas de relações de produção -- confirma amplamentea teoria do
que partilham o mundo entre si;
movimento de autovalorização do valor exposta por Marx, e o agu-
-- termo da partilha territorial do globo entre as maiorespotências çamento da própria crise deste movimento. Aponta, de outra parte,
capitalistas." (Lenine, op. cit. p. 88).
para as novas formas que assumemhoje as relações de produção,
onde se define, muito mais que uma exportação de capitais, uma
Lenine, em sua análise, mostra então que a livre-concorrência internacionalização do capital, o surgimento da monopolização do
passa para o plano da história. Instaura-se uma crescente socialização mercadoe de firmas transnacionais(multinacionais) cada vez mais
da produção, embora a apropriação continue particular. A coiiêor- poderosas, crescente oligopolização do mercado. Aponta, finalmente,
rência intercapitalista, sem dúvida, vai existir, mas nada tem a ver para o recrudescimentoda crise fundamental do capital, que são as
com um mercadoonde os capitalistasparticulares produziamisolada- crescentes-barreiras que se impõe à sua autovalorização.
mente e desconhecendo essemercado. (Veremos adiante o ponto focal
que nos interessa, qual seja, o das novas determinações que o Estado O trabalho de Rosa de Luxemburgo sobre a acumulaçãodo ca
vai tomarcom o fenómenoda monopolização
e oligopolização
do pital, (Luxemburgo,
R., 1970) escritona mesmadécadado de Le
mercado,como articulador dos interessesintercapitalistase .como
19. Lenine, seguindo a visão de Marx sobre o Estado, embora não efetive
uma análisesistemáticasobreas formas que o Estado assumedentro da evo-
18. As exportações de capitais; em fase do excedente de acumulação, não lução capitalista, ao mostrar que o Estado é "produto das contradições de
significam que a .sociedadecomo um todo, onde há esseexcedente, esteja sequer classesinconciliáveis" e um instrumento da classe burguesa na exploração da
l
com suas necessidadesbásicas atendidas.Resulta, isto sim, da lógica do pró- classeoprimida, finaliza para estas novas formas. Ver Lenine, V. l. l,'Éfaf e/
pr!o sistemacapitalista, que produz não para satisfazernecessidades,
mas para la révolzlfió/z.La doutrine marxista de L'État et les tâchesdu prolétariat das
o lucro, produz para a produção. la révolutión. In: Oevres. Paras, 1970
94 95
mne -- uns três anos antes -- embora aponte para uma mesma
não podem mais se alargar. Neste momento o conflito entre as forças
direção e ponto de chegada: a necessáriaqueda do imperialismo como
produtivas e' os limites de mudança nas formas de produção tenderá
passagempara o socialismo -- suas análises concretas diferem em
a ser cada vez mais violento. É preciso atentar, porém.,que não existe
diversos pontos. Já assinalamosanteriormente a crítica que Rosa faz
um mecanismo ou uma fatalidade histórica espontânea.
aos esquemasde reprodução em Marx, o que não ,é subscrito por
Lenine. O mesmo se diga da posição de Rosa sobre o papel do Es- As alternativas periódicas de conjuntura de prosperidade e de crise
tado na recomposição da queda tendencial de taxa de lucro.zo É sobre são as formas específicas que adota o movimento do sistema çapi
taoista,mas não são o próprio movimento." (Id. ibid., p. 15).
esta tendênciaque o trabalho de Rosa se J-evelaimportantepara
apreender a natureza orgânica do movimento do capital, o aguça- O que se percebe, então, historicamente é que se trava uma luta
mento de suas crises; os mecanismos utilizados para fazer face às permanente, tanto da classe burguesa quanto do Estado, para fazer
suascrises;e, o horizonte da própria superaçãodo modo de pro- jus à lei da quedada taxa de lucro. O processode crescenteoligo-
dução capitalista. polização do mercado, que traz consigo uma radicalização do conflito
entre as forças produtivas e os limites das mudanças,anteriormente
A tese básica de Rosa é de que a sociedade capitalista constitui-se assina[ado,vai levar, como mecanismode recomposição,novas re]a-
no único modo de produção que, desde sua origem, avança destruin- ções no plano de trabalho e produção,ezcomo define novas media-
do as demais formas ou modos de produção. Trata-se de um modo
ções do Estado capitalista como forma .de salvaguardar as relações
de produção que necessita, intrinsecamente, de mercados externos.?
capitalistas de produção. A própria luta de classe passa por novas
O processode acumulaçãotende a substituir em todas as partes mediações.
a economia natural pela economia simples de mercado e a esta pelas
formas capitalistas, e a fazer com que a produção do capital domine
como a forma única e exclusivaem todos os paísese setores." (Id. A questão fundamental do presente trabalho, apontada no início,
ibid.) encontra aqui, julgamos, sua formulação mais adequada.Como en-
tender ou explicar historicamente que a produção da teoria do "ca-
A necessidadeinerente ao modo de produção capitalista de sub-
meter formas não-capitalistas aponta para o seu limite e contradição !1 pital humano", enquanto especificação das teorias do desenvolvi-
interna básica. mento, cujo quadro conceptual reproduz a visão económica ortodoxa,
\<, marginalista, própria da forma de Estado liberal, seja demandada num
Se,.de um lado, a busca de expansãopara o exterior é "uma contexto de monopolização do mercado e de um Estado intervencio-
condição permanente do desenvolvimento capitalista", é igualmente a nista? Como explicar que a ênfase na formação de recursos humanos,
única forma de produção que não pode existir só; ao mesmo tempo ampliaçãoda escolarização"eduque-see vença" se dê num contexto
que tende a converter-se em forma única, guarda uma incapacidade onde o movimento do capital assinalauma crescenteincorporaçãodo
interna de desenvolvimento. progresso técnico -- como arma da luta intercapitalista -- polariza-
ção das qualificações e crescente desqualificação da maior parte dos
O aspecto crítico se acentua à medida que o mercado interno e postosde trabalho, diminuição relativa do capital variável no pro-
o mercado mundial, mais cedo ou mais tarde, vão se contraindo e cesso produtivo?
ou não-escolar
e as diferentesformasde mediaçãoda prática Ocorre, entretanto, que essesmecanismosparecemnão conseguir
educativa; fazer face ao contingente crescente de jovens não-necessáriosna pro-
dução imediata, e também não-necessáriosno âmbito dos serviços,
b) a tendência crescente de tornar a instituição escolar um espaço por mais que estesse ampliam. A crença da educaçãocomo meca-
onde o prolongamento desqualificadoda escolaridade se torna nismo de mobilidade social individual, construída como mecanismo
um "trabalho improdutivo forçado" e se constitui em algo neces- IÀararesolveruma crise deflagradapela própria lógica da acumulação
sárioà produtividade
do capital; e reprodução capitalista, começa a desenhar seu contrário: ê crise
pode aparecernum nível mais agudo. Crise esta que pareceter con-
c) finalmente levando-se em conta que as crises são inerentes ao
tornos mais críticos quando circunscrita a formações sociais cujo de-
movimento do capital e se situam, portanto, fora do âmbito do
próprio poder do Estado (sentido restrito) qualquer que seja sua senvolvimento capitalista está profundamente manietado ao jugo do
forma, cabe, mostrar que o modo de produção capitalista, na capital internacional, como é o caso específico brasileiro.
configuração do estágio m)bnopolista vigente, ao mesmo tempo
que tende a prescindir cada vez mais de grandes contingentes de Nessesentido, ainda que no terreno das hipóteses,a tese do
pessoal qualificado, necessita, contraditoriamente, de elevar o capital humano pode ter como resultado concreto algo diverso e até
patamar educacionalmuito acima das exigências reais do pro mesmo contrário do que pretende. Radicalizar o discurso por ela
cesso produtivo.
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veiculado mediante uma análise concreta, histórica, pode constituir-se sariamente superar as visões que ora colocam a educação ao nível
em fecundo mecanismo de conscientização.
de infra-estrutura (produção imediata da mais-valia), ora relegam
Esboçamosaté aqui os traços básicos e específicosdo modo de apenasà função ideológica, superestrutural,um aparelho ideológico
do Estado -- para situa-la ao nível da totalidade contraditória das
produção capitalista realçando o caráter orgânico do movimento de
relações capitalistas de produção. Encontramos o ponto de partida
acumulação, concentração e centralização do capital, e seu caráter
desta superação em diferentes pontos da obra de Marx quando aponta
contraditório. Para responder as questões acima apontadas, especifi-
para uma distinção entre o processo imediato da valorização do ca-
camente a idéia de que a tese do capital humano não é resultante de
pital (processo imediato de produção) e as condições gerais de pro-
uma idéia fortuita de um investigador,masuma produção decorrente
dução. Launay sintetiza o sentido das condições gerais da produção
da$ contradições do capitalismo em sua fase monopolista, buscaremos
-- âmbito onde em boa medida se situa a mediação da prática edu-
discutir as novas formas de organização da produção e o novo papel
cacional -- da seguinte forma:
que assume o Estado no capitalismo contemporâneo. Explicitando a
idéia de que "na sociedadeburguesaas relaçõesde produção tendem ;Por condições gerais de produção não entendemos as características
a configurar-se em idéias, conceitos,'doutrinas que evadem seus fun- de produção comuns a todas as épocas,mas as atividades necessárias
para põr em ação o trabalhador coletivo. Quanto mais a produção
damentosreais", mostraremosque a teoria do capital humano,con- se torna social, mais se desenvolvem funções gerais indispensáveis à
cretamenteé produzida, quer para evadir as relações imperialistas, obtençãodesta produção, isto é, a manutenção de um modo de dis-
tribuição do trabalho social entre produtores capitalistas, trabalho
quer para.acobertar o intervencionismodo Estado, quer, finalmente que somente adquire sua validade social após ter passado pelo mer-
para mascararas verdadeirasrelaçõesentre educação,trabalho e cado, só é possível graças à extensão de uma esfera de trabalho dire-
produção. tamente social, cujos resultados se realizam fora do .mercado",ZS
Situa-se aqui, a nosso ver, um dos pontos críticos do trabalho 23. Launay, mean.Elementos para uma economia política da educação.
que realizamos. Para aprofundar as análises críticas, devemos neces- In: Durand,. J. C. G. org. ,4s/ilações ídeo/ógicas da esmo/a -- educaçã; e
hegemozz;a
de c/pise. Rio de Janeiro, Zahar, 1979, p. 211.
100
USP 101
RãjEÕÃR"ÕÊtÕÜEi@o
r3tDI ió T F n A
A segundatese derivada da concepção integral de Estado, inti- trabalhadores improdutivos são uma decorrência necessária do pro-
mamente ligada à primeira, é de que "a separação entre o económico cesso de reprodução global do capital. E, a partir desta visualização,
e político, na ideologiacomo na pr'ética,é um efeito do modo de pode-se mostrar que as teses do "capitalismo de Estado", "burguesia
produção capitalista". (Id., ibid., p. 175). . de Estado" e ''modo de produção tecnoburocrático", não apreendem
a especificidade e natureza do papel do Estado na fase de um
Essa tese indica que o economicismotem sua matriz no libera- capitalismo oligopojizado, e nem o problema das classessociais".es
lismo e que esta separação]'epresentauma ''necessidadeíntima da
civilização capitalista". A apreensão da unidade dialética entre o Não cabe no escopo deste trabalho uma análise das diferentes
económico e o político, infra-estrutura e superestruturaé fundamental faseshistóricas do desenvolvimento do capitalismo, desde o mercan-
para apreenderas novasdeterminações
que o Estado assumena tilismo, fase concorrencial e monopolista, e a especificidade do papel
fase.imperialista, na sua tarefa de unificador dos interessesinterca- do Estado nestas diferentes fases.
pitalistase da classecapitalistacomo tal, e que tipo de mediaçãoa
educação passa a exercer.
Do mesmomodo, concebendoo surgimentodo monopóliocomo
decorrência da própria lei da livre-concorrência que, como vimos
Isto nos leva entenderde imediato que'a forma de Estado li- anteriormente, leva à acumulação e concentração, não procede para
beral e a forma de Estado intervencionista são apenasmodos especí- os propósitos do foco do estudo que realizamos efetivar uma análise
ficos de mediaçãoàs relaçõescapitalistasde produção.A forma pre- histórica desde a culminância do desenvolvimento da livre-concor-
sente de Estado -- intervencionista -- não representauma transgres- rência (1860-1880) e o surgimento e desenvolvimentodos cartéis até
são aos fundamentosreais das relações de produção capitalistas e, se constituírem na base de toda a vida económica, onde o capitalismo
conseqüentemente,não transgride na essênciaos princípios do Estado se transforma em imperialismo (1900).
liberal. O Estado intervencionista é apenas a expressão histórica do
Estado ao exercer sua função de construtor e unificador da classe ca- A título indicativo, mostraremos que o Estado liberal tem sua
pitalista, na fase imperialistadas relaçõesde produção.O Estado
vigência na fase concorrencial de reprodução ampliada do capital, e
liberal ou o Estadointervencionistanão são ''escolhas",mas a pró-
que o Estado intervencionista,assim, se constitui na etapa monopo-
pria forma do modo de produçãocapitalistagerir as crisesque Ihe lista desta fase, sendo que sua radi.calização se efetiva mais incisiva-
são orgânicas,decorrências,em última instância, das formas que as
mente após a ll Guerra Mundial, onde a oligopolização do merca-
relações capitalistas de produção vão assumindo dentro do movi-
do delineia a especificidade do novo imperialismo. O.que nos importa
mento de acumulação,concentraçãoe centralizaçãodo capital. "0
é dimensionar o fenómeno atual da oligopolização do mercado, a
imperialismo não é uma questãode escolhapara uma sociedadeca-
pitalista: é seu modo de vida".e4 fase imperialista atual (70 anos após o trabalho de Lenine e Rosa)
e a especificidadedo Estado intervencionistanas novas formas que
assumemas relações de produção.20
A visão de. Estado acima esboçada nos permitirá, especialmente,
entender que a crescente intervenção do Estado na 'economia e o
crescente contingente de quadros de tecnocratas e burocratas e de
25. Para uma crítica a estasteses,ver Hirata, H. Capitalismode Estado,
burguesia de Estado e modo de produção tecnoburocrático.Revixfa Z)ixczzrio.
São Paulo, (12): p. 49-71; Beutel, M., op. cit., p. 53-77; Gianotti, A. Em
24. Magdof, H. Era do Impería/êrmo.
São Paulo, Hucitec, 1978, p. 22. torno da questãodo Estado e da burocracia.São Paulo rE:fados Cebrap,n.
De acordo com .Magdof, "o imperialismo de hoje tem'diversos traços distinta- 20), P. 113-129.
mente novos. São eles (. . .): 1. o destaquepassouda rivalidade no retalhar
o globoparaa luta contraa contraçãodo sistemaimperialista;2. o novo papel 26. É bom frisar que essadelimitaçãose faz necessária
e é impostapelo
dos Estados Unidos como organizadores e líderes do sistema imperialista mun- objeto de estudo cuja preocupação básica é situar o surgimento da teoria do
dial; 3) um avançotecnológicointernacional". (Magdof, H., op. cit, p.'41-2j. capital humano e sua função no inferior desta fase do capitalismo internacional.
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Se na verdade o Estado sempre teve na sociedade capitalista uma posto como uma instituição que paira acima doi interesses das classes
função singular na constituição e unificação da classe burguesa, sua -- um mediador neutro que se ocupa na definição dos parâmetros
intervenção no âmbito econâmicoz7 assume historicamente especifica- que definem as categorias,acima enunciadas, e que se coloca à mar-
ções no tempo e no espaço.Esta variação deriva, em última instância, gem das atividades económicas.Estas são conduzidas pelos meca-
das próprias leis de acumulação, concentração e centralização do ca- nismos autónomos do mercado. A concorrência entre os "múltiplos
pital e toma configuração distinta em formações sociais concretas.zo capitais" vai estabelecendo uma taxa média de lucro que serve de
patamar para as relações intercapitalistas no conjunto da sociedade.
O Estado liberal nasce e ao mesmo tempo representao arcabou-
ço ideológico-jurídico da fase inicial da reprodução ampliada do ca- Concebendo as crises económicas como meras imperfeições do
pital (capitalismo concorrencial) . Não é apenas uma contraposição mercado,anoma]ias conjunturais, o Estado liberal se limita à fisca-
ao Estado absolutista, mas sim a expressão que uma nova classe lização, emissãode moeda, empréstimos, ou intervenções tópicas com
social, ao ascender ao poder, imprime às relações sociais de produção. o objetivo de assegurar o bom funcionamento do mercado (leia-se
:0 cimentojurídico da sociedademudou do sfafusao contrato." (Pe- dos interesses intercapitalistas )
reira, L., 1977, p. 43). Na sua aparente neutralidade, na declaração de sua função mar-
ginal, eventual e tópica, em termos económicos, o Estado liberal es-
O liberalismocomo ideologiadominante,isto é, como organi- camoteia sua verdadeira função na definição das relações sociais de
zação de uma visão de mundo, sob as categorias básicas do indivi- produção sobre as quais está edificado, e salvaguarda os interesses
dualismo, liberdade, propriedade, segurançae justiça, vai-se consti-
do sistemacapitalistacomo um todo.
tuir em sustentáculo
dos desígnios
da acumulação
ampliadado
capital.29 Entretanto, como o movimento orgânico do capital historica-
mente.se encarrega de demonstrar que a livre-concorrência, tida
O liberalismo.económicodefine o papel do Estado (liberal) pela como uma "leí natural ou quasenatural", se constitui no mecanismo
"negativa"à intervenção
nasleis do mercado.Ou seja,o Estadoé que leva à concentração e centralização do capital, o Estado liberal,,
embora não defina e molde a marcha das relaçõeseconómicas,cumpre
notadamente uma função eminentemente económica ao preservar os
27. É preciso atentar para o fato de que as fronteiras entre o económico, interessesda classe capitalista dominante. Gramsci explicita de forma
o político e, no seu interior, as funções do Estado não se dão de forma linear. muito clara esta função do Estado em diversas passagensde sua obra,
Há entre estasinstâncias,como vimos anteriormente,uma necessárialigação.
O que queremosreforçar aqui é que as formas que o Estado assumesão, em dentre as quais apontamosduas. A primeira mostra que a concor-
primeira instância, as formas que a organicidadedo capital constitui, embora rência leva capitalistas a liquidar outros capitalistas, tendendo à orga-
não sem contradições,para o movimento de sua aqtovalorização.
nização do mercado em empresas, em monopólios, tendo o Estado o
28. A análise efetivada por Francisco de Oliveira sobre evolução econó-
mica na formação socialbrasileira ilustra o que acabamosde mencionar.Oli- papel de mediar os interessesem conflito para salvaguardaro sis-
veira assinala em diferentes trabalhos as determinações e papéis que o Estado tema capitalista.
assume na intermediação dos interesses capitalistas no Brasil, desde a "emer-
gência do modo de produção de mercadorias" até os padrões de acumulação 'A classe burguesa não é uma entidade externa ao Estado. Graças
oligopolistas -- "Os cinqüenta anos em cinco". Ver Oliveira, Francisco. .4 eco- ao princípio da livre-concorrência,nasceme se constituemnovos
nomia da deperzdê/zcía
ímpar/eira.São Paulo, Graal, 1980..4 fra/zifção para grupos produtores capitalistas que incessantementese acrescentam
o capífalíxmo monopollxfa /zo Ce/zero-Sul.In: Elegia para uma re-(li)-gião. ao potencialeconómicodo regime.( . . .) Q: Estado.concilia,.no
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 101 sega.-- O Terciário e a divisão plano. jurídico, as discussões internas das classes, os desacordos
social do trabalho.São Paulo, 1981. (Estudos Cebrap, n. 24). Ver, igual- ÇRtre interesses';opostos; ele unifica as camadas, e modela"õ' aspecto
mente Coutinho, C. N. O Capitalismo monopolista de Estado no Brasil: algu- de.clpssêl"""(Gramséí:
Apud Glauksmann,op. cit., p. 172).
mas implicações políticas. In: l)emocracia como valor zlnfveria/. São Paulo,
Livraria Editora CiênciasHumanas, 1980, 1980, p. 93-118.
A segundapassagemdecorre da noção mesmade Estado integral
29. Para uma discussão
mais detalhadasobre as categoriasbásicasdo
liberalismo, ver Pereira, L, op. cit., p. 37-66. (sociedade política -F sociedade civil) anteriormente indicada, o que
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permite a Gramsci mostrar a permanentefunção económica do Estado configuraçãoconcreta cada vez mais clara, configuraçãoesta que
mesmo no interior do liberalismo. assumeuma forma cabal após a ll Guerra Mundial. As teses neoca-
pitalistasst vão-se constituir no novo modzzs operando do sistema ca-
A formulação do movimentoda livre troca baseia-senum erro teó-
pitalista, cujas características específicas decorrem das necessidades
rico do qual não é difícil identificara origemprática: a distinção
entre sociedadepolítica e sociedadecivil que de distinção metódica orgânicasdo próprio capital, bem como da tentativa de o sistema
se transforma e é apresentada coma distinção orgânica. Assim, respondero desafio do progressomundial das forças anticapitalistas.
afirma-se que atividade eçonâmica é própria da sociedade civil e
que o Estado não deve intervir na sua regulamentação. Mas como (Mendel,E., 1971,p. 96).
na realidade factual sociedadecivil e Estado se identificam, deve-se
considerarque também o liberalismo é uma regulamentaçãode
caráter estatal introduzida e mantida por caminhos legislativos e
coercitívos : é um fato de vontade consciente dos próprios fins e não 3 . 1. O Estado intervencionista: decorrência histórica
a expressão espontânea, automática, do fato económico. Portanto o das novas formas de sociabilidade do capital
liberalismo é um programa político destinado a modificar, quando
triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econâmíco do pró-
prio Estado." (Gramscí, A., 1978b, p. 32).
Os aspectos abordados no item 2, concernentes ao movimento
de autovalorizaçãodo capital, colimandocom a análisehistóricade
A visão de um Estado neutro e com função marginal no âmbito
Lenine e alguns aspectos da análise de Rosa de Luxemburgo, são
do mercado se sustentacomo tal e tem seu efeito esperado até que o
suficientespara pontuar os traços básicosda fase monopolistado
processo de acumulação atinge um nível de concentração e centra- capitalismo em sua gênesehistórica e para fixar que o "imperialismo
lização que não afeta o padrão de referência por onde passamos
não é questão de escolha para a sociedade capitalista mas é seu modo
interesses intercaf)italistas -- a taxa média de lucro. (No tópico a de vida"
seguir voltaremos a esta questão). Ou seja, apenas até o momento em
que a lei orgânicada acumulação
capitalistanão se configuraem Firmamo-nos aqui, então, na compreensão da fase mais recente
novas formas de sociabilidade do capital, onde o monopólio e mais do imperialismo onde a oligopolização do mercado se radicaliza e
tarde a oligopolização do mercado não são apenas a tendência do
sistemamas a realidade do mesmo. Neste momento o Estado f'não imprime uma nova forma às relaçõescapitalistas de produção e impele
o Estado a tornar-se, forçosamente, um Estado intervencionista, um
será mais somente um.Estado de classe não-liberal, mas um Estado
proprietário particular, como mecanismode sustentaçãodos interes-
em crise, inadequado para Urna passagem do capitalismo 'concor-
ses ineercapitalistas, dos interesses do capital no seu conjunto.
rencial ao capit41ismomonopolistaem. sua etapa atual: o impe-
rialismo".30
.1
. A oligopolizaçãà do mercado32-- expressão consagrada para
caracterizar as novas formas de organização económica do modo de
A crise dos automatismos de mercado -- que se acentua no
bojo do próprio desenvolvimento do capitalismo monopolista -- tem
na grande depressãode 1929, que atinge o sistema capitalista no seu 31. Keynes representa, sêm dúvida, uma das expressõesmais significa-
conjunto, um marco histórico importante. Trata-se de um marco que tivas de elaboração teórica neocapilalista em torno da intervenção do Estado.
delineia o fim da crença no capitalismo concorrencial e demarca o Não cabe aqui uma análise das teses de Keynes, mas sim apontar que seu tra-
balho representauma forma de justificar a intervençãodo Estado na orien-
.início da defesa das teses da intervenção do Estado na programação tação e superaçãoda crise agudaque afeta a harmonia capitalista. Mais adiante
económica. Em contrapartida, o Estado intervencionista toma uma retomaremos essetema sobre a não efetivação das Teses l(eynesianas em rela-
ção às teoriasdo pleno empregoVer Gorz, André«A idade de ouro do
desemprego. In: .4deai ao prole/afiado -- para a/énz do socialismo. Rio de
Janeiro,Forense,1982,p. 158-80.
32. Não há pretensãoneste trabalho de.efetivar uma abordagemampla
30. Gramsci, A., op. cit., p'178. Nesta passagemGramsçi refere-se espe- sobre a questão da oligopolização -- assunto de resto complexo e que envolve
cificamente ao Estado italiano (1919), mas que no caso expressao rumo da uma trama que se situa muito além dos propósitos deste trabalho. O que im-
análiseque efetiVamosde uma forma mais global. porta é situar a problemáticaa um nível que permita circunstanciar
o objeto
106 107
produção capitalista em sua fase mais recente, anos após a ll Guerra forma como a empresavai-se organizar para a circulação de merca-
Mundial -- é de extremarelevânciapara se poder entender,no dorias e do capital. Neste sentido o oligopólio é tomado como um
interior da evoluçãoda sociabilidadedo capital em sua etapa mais desvio, uma imperfeição do sistema de preços, passível de correções
acelerada de reprodução ampliada: a especificidade da crise; o novo conjunturais.
papel do Estado como produtor de mercadorias e de serviços, meca-
nismode enfrentamento
da especificidade
da crise nestaetapade A oligopolização enfocada, dentro da ética do movimento de
capitalismo;a naturezada luta de classes;e o horizontedas tendên- autovalorização e autonomização do capital -- isto é, da tendência
cias do sistema capitalista. do capitalde concentrar-se-- nos leva a perceberque, ao invésde
ser um desvioda trajetória capitalista,
A teoria do oligopólio vai ocupar-sebasicamentedo fenómeno "é algo que decorre justamente da forma pela qual este sistema evo
de concentração do capital e os problemas decorrentes em termos da lui, decorre da rigorosa aplicação das leis de produção da melga
daria, da ampliação e va]orização do capita], valorização do valor
realização do valor -- questão da demanda efetiva e tendência do (Oliveira, F., 1981).
declínioda taxa de lucro. No limite leva a discussãopara a análise
da tendênciado desenvolvimento
capitalista,na fasepresente,
ea Nesta perspectiva, a oligopolização não atinge simplesmente a
especificidade da crise a ele inerente. circulação das mercadorias,mas o sistema de produção, a estrutura
global do sistemaprodutivo. Representa,então, não uma anomalia,
A concentração do capital -- em sua fase presente toma, de mas a forma histórica da evoluçãoda sociabilidadedo capital, na
acordo com Labial, três formas básicas: fase mais recente do imperialismo.
"A concentraçãodas unidades de produção (que pode ser chamada Que determinaçõesbásicastraz esta nova forma de organização
de concentração técnica), a das empresas(concentração econó-
mica) e a das empresasprodutoras de bens diferenciados ou gru- económica ao nível das relações de produção capitalistas?s4
pos de empresas ligados entre si, . principalmente por participação
acionária(concentração financeira) " .s3 A análisedo modo de produção capitalista permite perceberque
a trajetória do movimento de autovalorização do capital vai dissol-
Na perspectivada visão)económicaburguesa,a questãodo oli- vendo a autonomia do capital individual, configurando novas formas
gopólio situa-se ao nível estritamentemicro-económico,ou sela, a de sociabilidade,gerandoum capital social total, onde o capital
individual é um momento do processo como um todo.
dessa tese. Trata-se de sinalizar o fenómeno da centralização Crescente do Cada vez mais nitidamente o valor se nos revela não como uma
capital, não enquanto uma "escolha", mas enquanto uma ::jiüpos$ão". do
caráter orgânico do capital expandir-se.Fenómeno que se define':historica- relação insumo-produto, mas uma relação social que intermedia a
mente de forma específica em formações sociais específicas?mas que guarda, trama das relações sociais de produção.
independentementedestas formas históricas que pode assumir, os componentes
ânimosdo modo de produção capitalista. hnporta-nos indicar .que a. tendên-
cia à oligopolização --'isto é -- à centralização crescente que determina uma No interior do capitalismoconcorrencialessatrama se constitui
forma de mercado dominada por poucos e poderosos grupos económicos trans- mediante um movimento de particularização e generalização do
nacionais, é que vai demandar o aparecimento crescente do intervencionismo
do Estado no plano económico como mecanismo de salvaguardar os interesses
capital.
do capital no seu conjunto. Ver : Oliveira, Francisco.A esfingedo tempo: pam "Desde o princípio o capital é um fenómeno singular, resumindo-se
onde 'vai o socialismo. Revísfa de Economia Porírica, São Paulo, vol. 1, n. 2, numa determinada soma de valores transpassadapelo movimento
abril/jun. 1981, p. 139-45.
33. Labini, S. '0/!gopó/!o e progressorécníco. São Paulo, Forense, 1972,
p. 35. Embora a análise de Labini'se caracterize por unia postura marcada
pelo ecletismo, contrastando, portanto, com a postura teórica dos .autores que 34. Na discussãodesta questão,valemo-nos especialmentedo trabalho de
balizam nosso trabalho, ele nos ajuda'a dimensionar o problema da oligopoli- rosé Arthur Gianotti -- Formas de' sociabilidade capífalixfa. São Paulo, 1981,
zaçãodo mercado.Ver tambémFellner, W. J. Olígopó/lo= teoria de /as esfnrc- p. 41-126 (Estudos Cebrap, n. 24) e dos trabalhos de Francisco de Oliveira,
furas de /cercada.Médico, Pondo de Cultura Económica,1953. anteriormente citados.
108 109
de autovalorização. Mas para que subsista nesse processo, não é um média de lucro que funcionará como novo parâmetropara direcionar
fenómeno singular, pois está sempre sendo reposto pelas travações as decisões intercapitalistas. O atingimento dessa nova taxa média
do capital social como um todo que Ihe determina a taxa média de
lucro na qualidadede parâmetro a que todos os capitalistas devem de lucro resulta de um processoem que algunscapitaisindividuais
curvar-s.e." (Gianotti, J. A.,. 1981, p. 95). -- no jogo da competição intercapitalista -- sossobram. (Oliveira, F.,
#
A taxa média de lucro resultantedo próprio movimentodo 1978, p. 105). Trata-se de um processo de "fagocitose empresarial",
.f.
que tende a conduzir à oligopolização do mercado. .
capital faculta ao sistemacapitalista prescindir de um fundo público r
112 113
sistema capitalista, nesta fase de oligopolizaçãoi aprofunda e radi-
cuscente oligopolização do mercado, como vimos, vai determinar o
caliza a crise de realizaçãoda mais-valia.O sistemaentra em crise,
desaparecimento de uma única taxa média de lucro. Ao desaparecer
paradoxalmentecada vez mais aguda, à medida que seus métodos
de extração dé mais-valia relativa se aperfeiçoam. O sistema se sufoca esse patamar básico, aparentemente, o próprio sistema capitalista
perderia sua especificidade. Isso, .porém, não ocorre por diferentes
por superprodução, por excesso de excedente ou poupança tendo
dificuldade de investir produtivamente a mais-valia produzida.aoO razões,sendoque a mais imediata situa-seno fato de que embora
sistema, em suma, agudiza sua crise de demanda-efetiva, de reali- a grandeempresa
se orientepor uma planificação,
trata-sede tipo
de ''planos" subordinadosà forma-mercadoriaque seu produto deve
zação produtiva da mais-valia.
assumir.De outra parte, a categoriacapital social total não se cons-
Vale ressaltar que, do ponto de vista político, a questão acima titui na categoria mais ampla com que opera o sistema capitalista.
tem extrema relevânciapara descartara tese "do quanto pior me- Gianotti destacaque nos Grundrisse, Marx vai referir-se a uma nova
categoria-capital em geral
lhor" em termos de superaçãodo sistema,na medida em que revela
que quanto mais avançadasas forças produtivas mais cruciais são '0 capital em geral diferentementedos capitaisparticulares,se
apresenta por certo, apenas como uma abstração arbitrária, mas
as contradições do modo capitalista de produção da existência. O uma abstração que capta a diferença específicado capital diferen-
aguçamento das contradições e da crise, entretanto, não significa tementede todas as outras formas de riqueza -- ou modos em que
uma facilitação automática a tal superação.Ao contrário, um dos a produção (social) se desenvolve.Trata-se de determinaçõesque
são comuns a cada capital enquanto tal ou que fazem duma deter-
traços que caracterizam o imperialismo atual é exatamente o esforço minada soma de valores um capital. E as diferenças dentro dessa
na busca de mecanismosde recomposiçãodas crises. O que histori- abstração são igualmente particularidades abstratas, que caracteri-
zam toda a espéciede capital, ao ser sua posição ou negação(por
camente se detecta, entretanto, é que com o avanço das forças pro- exemplo,capital fixo ou capital circulante) ; mas o capital em geral,
dutivas e na medida em que o capital não dispõe de um poder absoluto distinto dos capitais reais particulares, é ele próprio uma existência
sobre o "destino" do homem, do qual não pode prescindir, à oligo- real. Isto é conhecidopela economia vulgar, embora não o compre-
enda, constituindo um momento muito importante de sua doutrina
po!ização do mercado contrapõe-se, como forma de luta, uma cres- das compensações,etc. Por exemplo, o capital nesta forma geral,
cente organização da classetrabalhadora. Neste sentido, se na verdade embora pertencente aos diversos capitalistas, em sua forma elemen-
a classetrabalhadoranão cria as crises do capital -- por sua cres- tar como capital, constitui o capital que se acumula nos óa/zksou
se distribui por eles, e como diz Ricardo, se distribui tão admiravel-
cente organização e consciência podem explora-las na ótica de seus mente nê proporção das necessidades da produção. ( . . . ) Daí con-
interesses.40A educação escolar e não escolar, quando posta a serviço sistir, por exemplo, uma lei do capital em geral que, para valorizar-
dos interessesda classetrabalhadora, constitui instrumento valioso se, deve ser posto duplamente, devendo valorizar-se duplamente
nestaforma dupla. Por exemplo o capital de uma nação particular,
para esta organização e consciência que em oposição à outra representa o capital par er-'alface, deverá
ser emprestado a uma terceira nação para foder valorizar-se. Esta
A quebra das condições objetivas de uma concorrência inter- dupla posição, este relacionar-se consigo mesmo como alheio, torna-
-se neste caso diabolicamente real. Enquanto universal, por isso, é,
capitalistasob basesde correlaçãode forças similares, a partir da duma parte, uma diferença específica apenaspensada,é por sua vez,
uma forma real particular junto à forma do particular e do sin-
gular. (. . .) O mesmo se dá na .álgebra. Por exemplo a, ZP, c são
númerosem geral, mas além disso são númerosinteiros diante
39. Sobre esta questão, Ernest Mandei nos traz alguns.dados relevantes de a/b, b/c, c/a, b/a, efc., que se pressupõemna qualidadede ele-
mostrando a evolução do excedenteda indústria automobilística nos EUA e mentos gerais." (Marx, Grundrisse, ín Gianotti, op. cit., p. 105-6).
da construçãonaval, produção de fibras na Alemanha e outros produtos a
nível de Mercado Comum Europeu.Ver Mandei, E. .4 economiado neoca- A crise da demanda efetiva indica, exatamente, que o capital,
pifalís/7zo.In : Pereira, L; org. Peripecfívar do capiraZísmomoderno, op. cit., ele próprio, em função de seu movimento de autovalorização,se
P 88-99
40. Vale ressaltar a atualidade das críticas de Lenine e Gramsci ao econo- torna incapaz de gerar as condições de sua continuidade, isto é, de
micismo que veicula a idéia de que se o capitalismo engendra em si o germe completaro circuito de produçãoe realizaçãoda mais-valia.Como
da destruição,os homensnada têm a fazer.'As circunstânciasé que fariam a mecanismode superaçãoda crise que a centralizaçãoamplia e apro-
história.]:.enine e Gramsci mostram que essemecanismofaz esquecerque os
homensé que fazem a história em circunstânciasdadas.
funda, o capital articula-secom a riqueza social, que não é valor,
mas que é posta por ele.
114
115
"o tesouro público em pressuposto da atividade econâmiça ( . . .),
"Comparado com o fetichismo 4a mercadoria, o fetichismo do capi- um er-a/zfe que fixa de antemão o comportamento da economia
tal revela suasparticularidades.O primeiro se arma porque cada como um todo. (O tesouro público) é ainda um vir-a-ser: os recur-
valor de troca particular se dá como expressãode um valor geral
duma abstração que não possui uma medida previamente determi- sos sob a forma de imposto ou sob outras quaisquer formas, ainda
não estão na caixa do tesouro, mas o simples anúncio de sua pre-
nada, de modo que no mercado, tudo se passacomo se cada objeto
fosse a encarnação dum deus absconso. visão já condiciona, em grande medida, o comportamento da eco-
nomia como um todo". (Oliveira, F., op. cit., p. 195).
O fetichismo do capital é mais complexo: além de incorporar o feti-
chismo da mercadoria, supõe ainda uma nova forma dê alteridade:
o próprio objetosepõe como estranhoa si mesmo,como medida O Estado, em suma, entra no circuito da produção quer como
de si que perde seu padrão no meio de seu caminho. Em lugar de
capitalista particular, quer como associado à grande empresa, quer
cumprir a determinaçãomais simplesdo fenómenosocial que se
identifica pelo outro, o capital supõecomo ele não fosse ele pró- pela própria forma de gerir os recursos públicos para salvaguardar
prio, a despeitodo outro no qual ele se espelhanão ser mais que interesses particulares.
sua particularização efetiva." (Gianotti, op. cit., p. 106).
116
As novas formas dê sociabilidade do capital, ao tornar o Estado
um produtor de mercadorias,e o novo patamar de ligação ao capital A intervenção do Estado na economia não se dá, então, pelas
como um .todo, especialmente o grande capital, ao mesmo tempo razões enunciadas por Keynes já na .década de 30 em sua famosa
reduzemos graus de liberdade de o mesmo oferecer bens e serviços Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, (Keynes, J. M., 1970)
abaixo do custo, como e por conseqüênciaapontam para uma cres- onde postula que, para manter a demanda agregada, valeria a pena
centeexploraçãopolítica do Estado em função da geraçãode mais o Estado pagar pessoaspara abrir buracos. Nem por razões apenas
valor, ou em função de pemlitir ao grandecapital essageraçãoou conjunturais. A rigor, a tese keynesiana apenasanuncia que a econo-
realização. Desfaz-secada vez mais a ambigüidade que o Estado man- mia capitalista, na medida em que avança em seu processo de cen-
tinha no interior de um capitalismoconcorrencialda imagemde um tralização, tenderá a uma crescente estagnação e alto desemprego,
Estado-instrumento e mediador do "bem comum", e revela-se mais sem a intervenção do Estado. ''A teoria do de/ícif spe/zdí/zgkeyne-
nitidamente seu caráter explorador.4í Essa exploração incide, obvia- siana é um anúncio de que no capitalismo monopolista o Estado
mente, sobre a classe trabalhadora e atinge o nível de selvageria em tem que ser, necessariamente,
parte atava.da produção do çapital",
regimesautoritários onde o arrocho salarial e a tributação são man- abandonando a postura dos seus antecessores neoclássicos e margi-
tidos na base da força.4e nalistasde um Estado do /alssez-/gire.(Oliveira, F., op. cit., p. 104).
Na medida em que o Estado se torna ele próprio um capitalista, O Estado intervencionista,em suma, vai-se caracterizar como
gerindo empresaslucrativas ou associando-seàs grandesfirmas mul- o. patamar por onde passam os interessesintercapitalistas, e cumpre
tinacionais, ou servindo de sustentação de realização do valor pro- a um tempo e de modo enter-relacionado: uma função.económica,
duzido nestas,ou seja, na medida em que o próprio Estado.entra enquanto cada vez mais se'torna ele mesmo produtor. de mais-valia
na lógicada centralização,
passaa utilizar o ''tesouropúblico", a ou garantindo, por diferentes mecanismos (subsídios, absorção de
tributação, para financiar esta centralização.Entende-sepor aí que perdas), ao grande capital privado esta produção; uma função poli
os investimentosdos recursospúblicos irão ter uma destinaçãocada rica, enquantointervém politicamente para gerar as condiçõesfavo-
vez mais particular -- garantir a centralização.Drena-se,desta for- ráveis ao lucro; e uma função ideológica enquanto se apresenta como
ma. os recursos das áreas sociais -- saúde, educação, moradia, oü um mediador do bem comum, uma força acima de qualquer suspeita
as arrecadações de PIS, FGTS, e impostos para os setores produtivos, e acima do antagonismo de classes.
ou investe-sé nestes setores, em programas cuja aderência ou cuja
mediação com a produção seja mais imediata.óa Esclarece-se o -aparente paradoxo mencionado no primeiro ca-
pítulo, caracterizado pelo fato de ter a teoria do capital humano
todo um referencial teórico neoclássico e marginalista, e surgir.exa-
41. Do ponto de vista político, vai revelar-seque o parlamento, enquanto tamente no contexto de um capitalismo monopolista, .cujo interven-
loclís de defesa dos interessesda burguesia, perde sua força. Trata-se de uma cionismo do Estado na economia é cada vez mais patente. A ideo-
instituição cuja função se esvazia com o fim do capitalismo concorrencial. logia, configurada nos postulados neoclássicos,serve de ofuscamento
Os ministérios económicos vão-se constituir na "arena" que representa os inte-
ressesreais da burguesia. Cf. apontamentos curso F. Oliveira, op. çit. Ver Cou- ao crescente intervencionismo do Estado na economia, determinado
tinho, C. N., op. cit, p. 96 segs. pelo caráter expansionistae centralizador do' capital.
42. A política económica do Estado brasileiro, após 1964,. especialmente
na fase do milagre, exemplifica, no limite, o nível a que pode chegar a explo-
ração política do Estado sobre o trabalhador. No bojo desta análise poderemos, então, situar historicamente
43. O programa de Merenda Escolar, veiculado como uma medida básica como as teorias de desenvolvimento neocapitalistas -- e como par-
de política educacional, apoiado até mesmo em pesquisas que. mostram a in- ticularidade destas, a teoria do capital humano -- nascem exata-
terferênciada "fome" 'sobre a aprendizagem,
além ãe cumprir um pap?l de
escamotear o caráter estrutural da subnutrição e da fome garante a circulação mente no interior da formação social capitalista líder do imperialismo
e a realizaçãoda mais-valia produzida em multinacionais ligados à fabricação mundial (EUA), e têm a função de legitimar o novo modas opera/zdí
de gêneros alimentícios. das relaçõescapitalistasde produção -- notadamenteo papel inter-
118 119
vencionista do Estado -- e como evadcm os fundamentos reais destas
No âmbito propriamenteeducacionale pedagógico,a teoria do
relações de produção.
capital humano vai ligar-se à toda a perspectiva.tecnicista que se
encontra em pleno desenvolvimento na década de 50. Neste aspecto
As teorias de desenvolvimento ou o desenvolvimentismo. neste há um duplo reforço. A visão do capital humanovai reforçar toda
caso,vêm a desempenhar
uma dupla mediaçãoprodutiva para os a perspectiva da necessidade de redimir o sistema educacional de
interesses do capital monopolista. Primeiramente evadem os reais
sua "ineficiência'l e, por sua vez, a perspectiva'técniêistà oferece a
fundamentosdo processode acumu]ação,concentraçãoe centraliza- metodologia ou a tecnologia adequada para constituir o processo
ção, e da crise do capital -- situandoa crise não no modo da educacional como um investimento -- a educação geradora de um
organização da produção capitalista, no conflito capital-trabalho, novo tipo de capital -- o "capital humano". A educação,para 'essa
mas em aspectoscircunstanciais;e, em segundolugar, viabilizam e visão, se reduz a um favor de produção
legitimam as medidas de recomposição, porém não de superação,
das crises do sistema capitalista em sua fase imperialista atual. É sob este duplo reforço que a teoria do capital humanovai
esconder,sob a aparência de elaboração técnica, sua função principal
3.2 -- ideológica e política.
A teoria do capital humano'e a especificidadedo modus
operando da educação na recomposição imperialista44
Não é casual que a perspectiva tecnicista se desenvolva profun-
damente nos fins da década de 50,. época em que se iniciam os
Discutimosaté aqui, ainda que de forma por vezesrápida, as primeiros trabalhos sobre teoria do capital humano. Skiner havia
novas formas que vem assumindo a organização do capital no pro- escrito,já em 1954, um texto sobre TAeScíenceo/ /em'/zfng
a/zd
cesso de acumulação capitalista e, no seu interior, a crescente e
arf a/ feac/zfng, cuja repercussão nos meios científicos foi inexpres-
necessáriaintervenção do Estado a ponto de torna-lo um capitalista
particular e um poderosoinstrumentode exploraçãopolítica a favor siva. As tesesde Skiner sobre máquinas de ensinar, ensino progra-
mado e as derivações que desembocamna tecnificação da educação
dos interesses do grande capital.
só vão ter um impacto significativo quando ocorre, nos meios eco-
nómicos,empresariaise políticos, uma onda de críticas ao sistema
Nesteitem buscamosmostrar que a teoria do capital humano
constitui-se numa particularidade das teorias de desenvolvimentoe d«eQgidccEsta onda de críticas correlaciona-see toma força espe-
cialmentea partir do lançamento
do primeiroSpafn/kpela União
das teses neocapitalistas, uma especificidade das apologias do capi-
talismo em sua etapa monopolista,onde o oligopólio':representaa Soviética. O remédio para tirar o sistema educacional da sua inope-
rância e ineficácia era "tecnificar a educação", isto é, conceber o
forma n\ais evidente das novas formas de sociabilidade do capital.
sistema educacional como uma empresa e aplicar-lhe as técnicas e
as máquinas que haviam produzido ótimos resultados no desempenho
industrial.45
44. Tem-se enfatizado, ultimamente, a análise das relações entre edu-
cação e dependência. Sem dúvida, estas análises representam um esforço ampla- É necessário,
inicialmente,mostrarque o fato de teoria do
mente positivo e revelam as relações entre os planos económico-político, social capital humano, do ponto de vista da investigação, ter-se desenvolvido
e educacional. A categoria dependência,no entanto, enquanto formulação teó-
rica, pareceser limitada para apreendera naturezaque assumemas relações
e as formas de produção no capitalismo contemporâneo,bem como as inter-
relações entre o económico, o político, o social e o educacional. A análise das 45. Castra, J. F. Prólogo. In: Skiner. 7ec/zoZogíade /a e/zseãalzza.
Bar-
relaçõesimperialistas, qualquer que seja o âmbito focalizado, ainda que o fun- celona, Labor, 1970, p. 7. Para uma discussão mais detalhada sobre esta ques-
damental seja o económico, acaba por revelar que à medida que o capita! se tão, ver também Pressupostosteóricos da atuação metodológica do Senai e
transnacionaliza,e enquantotál não tem pátria, o problemanão se situa nas escola académica convencional. In: Frigotto, G. Efeí/os cognifívoi da escola-
relações de dependência,mas nas alianças ente'ea burguesia detentora do capi- ridade do SEN.4/ e da asco/a académica confie/leio/zal -- uma pedagogia para
tal em diferentes pontos do mundo. cada classe social? Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, IESAE/FGV,
120
121
O alastramento, às vezes até mesmo precoce, da teoria em paí-
inicialmente e de forma pioneira nos EUA, decorre exatamentepór
ses subdesenvolvidos, igualmente parece estar fortemente associado
ser nesse país que a forma monopolista do capitalismo se encontrava
mais desenvolvida. A categoria cáfila/ /humano, embora seja uma ao papel dos EUA como organizadorese líderes do sistemaimpe-
rialista mundial, após a ll Guerra Mundial.
idéia, como vimos'no primeiro Capítulo, que remonta a Adam Smith
e reapareceao longo de diferentesmomentoshistóricos-- mesmo
na literatura brasileira -- somente no interior de um capitalismo O surgimentodas teorias do desenvolvimento,mais especifica-
mente, da ideologia desenvolvimentista, não pode ser separado do
avançado a mesma assume um papel económico, político e ideológico
contextopolítico do pós ll Guerra Mundial, onde surgemos EUA
específico.
e IJRSS como dois pólos antagónicos que disputam a liderança
internacional. O desenvolvimento passa a se constituir na ideia mo-
Vale, neste particular, a observação de Marx no lt4éfodo da
econonzíapoZíffca,ao se referir sobre as categoriasposse, proprie- triz, encabeçadapelos EUA, como mecanismo de recompor e rear-
ticular a hegemonia imperialista.47 Trata-se de teorias que não se
dade, trabalho etc., em seu sentido abstrato e concreto. Na
propõent analisar a gênesee as leis que governam o desenvolvimento
capitalista, ou seja, as bases materiais e contraditórias em que..se
organização histórica da produção mais desenvolvida. e mais. va- estrutura o processo de produção e reprodução capitalista. Trata-se,
riada que existe-- as categoriasque exprimem as relaçõesdesta ao contrário, muito mais de uma,perspectivade modernização,em
sociedade é que permitem perceber a estrutura e as relações de pro-
dução de todas as sociedades desaparecidas--. sobre cujas ruínas cujo horizonte se delineia o projeto desenvolvimentista.
ela' se edificou e cujos vestígios ela ainda guarda". (Maré, K., 1977a
P 3
As teses.desenvolvimentistas,48 especialmente a ideia de moder-
Mas é preciso, entretanto, atentar para o fato da especificidade nização não só coincidem como reforçam o intervencionismo do Es-
dassociedades, mesmono interior do capitalismo,para não cair na tado, no interior de diferentes formações sociais ]atino-americanas,
ética dos economistastlurgueses,"que suprimem todas as diferenças como legitimam a ação imperialista. Neste sentido as teorias desen-
históricas e vêem, em todas as formas de sociedade,a sociedade volvimentistas vão ensejar aos EUA não só um intervencionismo
burguesa. (Id., ibid., p. 223). económico e militar, mas igualmente político, social e educacional,
123
122
fortalecendo-os como detentores da hegemonia do imperialismo ca- A retomada da prosperidade económica no fim da década permite
pitalista. Isto se patenteia,de forma clara, quando Dean Rusk de- aosEUA entrar na década de 60 -- sob o Governo Kennedy -- com
clara
r
a propostapara o atingimentode "uma nova fronteira" que tem
como meta a busca de uma melhoria das condições das nações sub-
( . . .) Nós sabemos que não podemos mais encontrar segurança
e bem-estar numa política e em defesa confinadas apenas à Amé- desenvolvidas. A questão do desenvolvimento, da modernização, passa
rica do Norte ou ao HemisférioOcidentalou à comunidade
do a ser investigadaatravés da ajuda financeira americana,além da in-
Atlântico Norte. EssePlaneta tornou-semuito pequeno.Devemos tensificação de acordos de cooperação técnica. O Tratado da Aliança
cuidar dele /odo (!) (o grifo é nosso), çom toda a sua terra, água,
atmosfera e espaço circundante."a9 para o Progresso, assinado em 1961 em Punta del Este, representa,
ao mesmo tempo, um novo tipo de relacionamento dos EUA com os
A forma de efetivar este cuidado económico, político, militarão e países sul-americanose o instrumento mediante o qual se amplia sua
sócio-cultural vai ocorrer através de diferentesacordos, planos, pro- influência no continente.
gramas, agências,notadamenteatravés das Nações IJnidas, Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional, FundaçãoRockfeller, Fun- A tese do capital humano então, quando apreendidana sua gê-
dação Ford, Banco Interamericano de Desenvolvimento,etc.n nese histórica, revela-se como uma especificidade das teorias do de-
senvolvimento produzidas inicialmente e preponderantementeno in-
Os programas de assistênciatécnica e financeira norte-americanos terior da formação social capitalista mais avançada e que chama a si
surgiram praticamentedepois da ll Guerra Mundial, quando o im-
perialismo víu-se seriamente ameaçado em seus privilégios de con-
a tarefae a hegemoniana recomposiçãodo imperialismocapitalista.
trole de amplas áreas subdesenvolvidas. A finalidade econâmico- Os primeiros trabalhos produzidos nos EUA por Schultz (1956-57),
política dessesprogramasconstitui a sua essência,
que reflete o ét)mo ele mesmo declara, nascem sob a preocupação de entender os
desejo imperialista de embair a opinião pública dos países subde-
senvolvidos com pretensões ideais de ajuda e assistência, as quais, fatores que influenciam o aumento da produtividade.
no entanto, fazem-sesob certas condições que aumentam a espo-
liação económica e intensificam a alienação política." (Tavares,
J. N. Id., ibid.,P. 9-10). É, então,dentrodo contextodo desenvolvimento
que a teoria
do capital humano +ai erigir seu carpas de postulados e vai se apre-
Nos anos da década de 50, o intervencionismo imperialista tem sentar como sendo um dos fatores explicativos do desenvolvimento,
como sustentação,para os diferentesacordos, a idéia-força do New da modernização. O desenvolvimento da idéia de capital humano nos
Dea/, mediante a qual o governo Truman elabora o Programa de Coo- países latino-americanos segue rigorosamente a trajetória das relações
peração Técnica. imperialistas que vão se dar no âmbito económico, político e social.
128 129
Na realidade, porém, sabe-seque o argumento económico acima o.rgânica
entreinfra e superestrutura
no interiordo capitalismo
oli-
esboçado para a expansão do ensino -- especialmente o nível supe- gopolista,para se poder entendera.natureza contraditória do vínculo
rior -- tem na suabaseum interessepolítico. Esseinteresse,de ca- ou desvínculo entre educação e produção, educação e estrutura econó-
ráter político, na conjuntura em que se deu a expansão,vai cumprir mico-social.
a função de descompressão da crise dos anos68 e, ao contrário do
É o problema das relações entre estrutura e superestruturaque
que postula Simonsen como representantedo sistema, uma .função deve ser situado com exatidão e resolvido, para assim se chegar a
económico-política de deterioração do salário do pessoal qualificado. uma justa análise.das forças que atuam na história num determi-
nado período e a'. definição das relações entre elas." (Gramsci, A.,
Isso fica claro quando uma décadadepois a revista Negócías em OP. cit., P. 45).
/
Exame, ao analisar a saturação do mercado de trabalho para profis-
Os tópicosaté aqui abordados,nestecapítulo, a um tempo nos
sões de nível superior, na palavra do substituto de Simonsen,Delfin
permiti(am situar a produção da teoria do capital humano como de-
Neto, vai dar ao empresariadonacional o significado real da expansão
corrência das novas formas que vão assumindoas relações de pro-
do nível superior do ponto de vista económico.
.dução e o papel do Estado no seu interior, no capitalismo monopo-
lista, e lançam luz sobre a tarefa de se situar a natureza controversa
#léÜ$ESUSK%iiiXni'gi=T:l:y
P 17
$
131
130
A PRODUTIVIDADE DA
ESCOLA ''IMPRODUTIVA'': UM
(RE)EXAME DAS RELAÇOES
ENTREEDUCACÃOEESTRUTURA
ECONÓMICO-SOCIAL
CAPITALISTA
O capitalismode hoje de fato não
recusa o direito à escola: o que
ete recusa é mudar a função social
da escola.
(Ánforlio Letieri}
::''ãll#i .iZE=e$Kli$W cial neoclássicoque se afasta cada vez mais das formas concretas que
assumemas relações de produção no capitalismo monopolista. Deste
afastamentoresulta a sua força de ilusão e, ao mesmo tempo, da legi-
timação das novas formas que assumem as relações capitalistas de
produção. E é sobre esta ilusão produtiva que se estruturou a política
educacional brasileira nas últimas décadas.
136 137
cracia educacional brasileira, quanto por aqueles "críticos" que con-
específico -- a nosso ver, da prática educativa, escolar ou não-escolar.
cebem genericamente o trabalho escolar como um poderoso instru-
mento de produção de mais-valia relativa. Desmistifica a crença de Este abandonodetermina, a uns e outros, a perda da apreensãodo
movimento do real em sua totalidade contraditória.
que o avanço do progresso técnico demanda um processo crescente
de qualificação.Pelo contrário, demonstraque a forma de o capital Na medida em que a escola efetivamente não se define como
desenvolver-se, via introdução crescente do progresso técnico, de-
termin a : sendo uma instituição que está na base da estrutura económico-social,
e como tal, não é nela historicamente que se efetiva o embate fun-
a) crescente desnecessidade do trabalhador qualificado. formando damental do conflito capital/trabalho, faz pouco sentido a discussão
um corpo coletivo de trabalhadores permutáveis; do vínculo ou desvínculo direto, imediato. A direção da análise,
b) redução do tempo de trabalho necessário; tomando-se a especificidade da prática escolar em momentos histó-
c) diminuição do tempo de rotação do capital e ampliação da escala ricos diferentes e em realidades específicas, situa-se não na busca
de produção; de se demonstrarque a "escola serve ao capital de forma direta e
d) em suma, uma redução dos custos de produção e uma submis- imediata, ou que a "escola não é capitalista" ou uma "instituição
são, cada vez mais radical, do processode trabalho e de qualifi- l
à margem",masna apreensãodo tipo de mediaçãoque essaprática
cação aos ditames do capital. realiza historicamenteno conjunto das práticas sociais e, especifica-
mente, com a prática da produção material.
A tese de Salm -- neste âmbito -- é, sem dúvida, um grande
avanço que desfaz alguns mitos e encaminha algumas questões rele- Sob este aspecto, o campo específico da mediação da prática
vantes. Neste avanço, entretanto, há, a nosso ver, alguns problemas educacional é o de responder às condições gerais da produção capi-
que merecem .ser discutidos, sob pena de se cair em algumas sim- talista por oposição ao processo imediato de valorização do capital.
plificações bastante sérias.ó (Lounay, J., 1979, p. 189).
Primeiramente notamos que Salm, ao criticar -- e adequada- A perda do campo das mediações da prática educativa, escolar
mente -- tanto os neoclássicos por sua visão linear e a-histórica, ou não-escolar, no processo capitalista de produção, leva Salm a
como os "críticos" que enfatizam o vínculo entre produção e edu- admitir unicamente, de forma estanque,o papel de aparelho ideo-
cação, por entenderem que a "qualificação" feita pela escola produz lógico da escola.
mais-valia relativa, cai, de certa forma, numa visão mecânicae sim-
(. . .) não temos problemas com a idéia da escola como instância
plificada, concebendoa escolacomo "não-capitalista"ou uma ins- da superestrutura envolvida na reprodução das classessociais, mes-
tituição que está à "margem" do sistema produtivo, pelo fato de mo quando a idéia aparecena forma simples de escolacomo neces-
não-existência do vínculo direto. sária para 'civilizar bárbaros'." (Salm, C. 1980, p. 19).
Percebemos,
então, que tanto os neoclássicos
e os críticos a E mais adiante: "Não questionamos o papel de aparelho ideo
lógico, nem pretendemos agregar o que conhecemos sobre o assunto.:
que Saemse refere, quanto seu posicionamento frente a essescríticos,
se caracterizam pelo abandono do campo das mediações -- âmbito (Id., ibid.).
138 139
O autor, talvez não intencionalmente, acaba alinhando sua aná- O problema das classes sociais é igualmente subentendido na
análise. Não se determina qual a especificidade que a relação entre
lise ao tipo de abordagemque Althusser efetiva das relações entre as classesassumeno conflito fundamental capital/trabalho no inte-
os níveis económicos,político e ideológicoe, especificamente,
de
rior das novas formas de organização da produção capitalista.
concepção de escola como um aparelho ideológico do Estado. (Al-
thusser, L.).o A ausência da incorporação desta análise dá a entender, como
assinalaPrandi, ao referir-se ao trabalho de Salm, que
Limoeiro, ao criticar essa postura, ressalta que no esquema
teórico de estrutura social althusseriano ( . . . ) o capital, com relação social e como classe, seria capaz de
dar conta das contradições
que o levam a sobrepujar-se
para en-
"não cabemas classessociais.Indica como estrutura uma instân- frentar a sua negaçãoconstante. (. . .) que as forças da sociedade
cia económica, uma instância política e uma instância ideológica, civil seriam inteiramente anuladas; que as instituições sociais ele
mas não parece haver lugar para o social na estrutura. O conceito mentares seriam facilmente descartáveis; que os trabalhadores, posto
de classesocial faz parte'da análise,mas sem que sua relação com que simplesportadoresde força de trabalho como mercadoria,se
a estrutura seja determinada".7 deixassem pacificamente transformar em trabalho morto ( . . .)."
(Prandi, R., 1982, p. 23).
Ao descartar qualquer mediação da prática educativa escolar
A análise, sob este ângulo, não leva em conta o próprio movi-
no processo educativo, a não ser a mediação puramente ideológica,
mento do capital que, pelo progresso técnico incorporado à produção,
e sem explicitar como esta mediação se efetiva, Salm torna estática
a relaçãoinfra e superestruturale perde na análisea dimensãodia- como arma de competição intercapitalista, desqualifica o trabalho
lética desta relação. Efetiva, então, uma separaçãoformal daquilo e, ao mesmotempo, produz uma complexificaçãona divisão social
que historicamente constitui, na concepção gramsciana, um bloco do trabalho. A questão da tercialização da sociedade,fruto de deter-
histórico -- unidade dialética da infra e da superestrutura -- onde, minantes histórico-estruturais, como apontamos anteriormente, acaba
embora o económico seja determinante, o político e o jurídico rea- por configurar uma divisão social do trabalho onde, em algunscasos,
se borram as fronteiras entre mercadoriase serviços.A não-apreen-
gem uns sobre os outros e sobre a base económica.o
são dessemovimento, posto pela própria forma de o capital tentar
resolver suas contradições fundamentais, desemboca numa visão es-
tanque e, uma vez mais, formal da separaçãoentre trabalho produtivo
6. Para uma crítica à visão de Althusser,de estrutura social, bem como e improdutivo,produçãomateriale produçãonão-material.o
Isso,
de seusseguidores,N. Paulantzase Belibar, ver Limoeiro, M. A. Ideologia como como veremos adiante, tem implicação direta sobre a forma de se
problema teórico.' In: /deoiogía e desenvolvímelz/o-- Brasíl -- .IK, JQ. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1978. apreender as relações entre escola, educação e processo produtivo.
7. Limoeiro, M., id. ibid., p. 40. A vinculação orgânica do movimento
social e político é postapor Maré de forma clara quando, no texto "A Miséria
da Filosofia", discute Q problema da "emancipaçãoda classe oprimida". ."Não
digas que o movimento social exclui o movimento político.. Não existe jamais
movimento político que, ao mesmo tempo, não seja social.Somentenuma e que o determinanteé a estrutura económica, à qual, de acordo com. o grau
ordem de coisasna qual já não existemclassese antagonismos;
de fias:es, as de 'desenvolvimento das forças produtivas, corresponde uma determinada supe-
evoluções sociais deixarão'de ser revoluções políticas". Marx, K. .4 Àdiséria da restrutura;2) que as formas ideológicastêm um papel a desempenhar
no de-
Piloso/ía. SãoPaulo,Grijalbo, 1976,p. 166. senvolvimento da estrutura, porque sua relação se torna uma relação contradi-
tória. E seu papel específico não é de desprezar, já que é nas formas ideoló-
8. A determinação das condições materiais da existência, das quais. emana gicas que os homens se conscientizam daquele conflito, e, conforme esta cons-
a explicação das ideologias, e do' papel destas sobre as primeiras é clara no ciência,lutam para resolvê-lo.Ficam, pois, esboçadas,
emboranão mais do
prefácio do livro Confribzzíçãoà crífíca da economia po/írlca (Marx, K.: op. que esboçadas,a determinação do.económico, a autonomia relativa e a. ação
cit.). "Este texto nos diz da importância das condiçõesmateriais de existência de retorno da' superestrutura à base. Sob uma análise estritamente dialética
para a explicação das formas ideológicas, por. serem estas determinadas por (Limoeiro, M., op. cit., p. 48).
aquelas. Diz-nos, por outro lado, da importância das .relações supelestruturais
como meio de expansãoou como entraveao desenvolvimento
das forças pro- 9. Vale notar que a tese de Salm se atém fundamentalmenteao setor
secundárioda economia. Ésse corte, assumido em sua análise, talvez tenha
dutivas. Sempre assumindo a perspectiva da transfomlação social. colos.a, em
termos esquemáticas:]) que em toda a formação social há uma determinação contribuído para o caráter parcial de algumas de suas conclusõesaqui discutidas.
141
140
A idéiá de que os problemas apontados parecem efetivamente ( . . . ) isso levou, em última análise, ao crescimento da meritocra-
cia burocrática, cujos membros falavam de democracia sem ameaçar
seremresultado de uma apreensãoparcial do problema que Salm seriamente a elite 'do poder que controlava o sistema. Acreditando
se propõe analisar fica clarificada pelo próprio caminho de solução no método científico, na objetividade, ele ressaltou a importância
que o autor dá, para redefinir o papel da escola na sociedadecapi- da novo especialistaprofissional, cuja função era informar as classes
inferiores. Através de extensa pesquisa, Karier nos mostra, de ma-
talista de hoje: a volta ao ideal de Dewey. neira convincente, que Dewey foi o filósofo, o porta-voz ideológico,
da classemédiae que, um reformador educacionalliberal, como o
O ideal de Dewey, de uma escola que forma o cidadão par.a a de- reformadorpolítico liberal, é com efeito um conservador.Foi tam-
mocracia, só alcançaráa conçreçãoquando as pessoasnão tiverem bém um bom pragmatistae, como outros liberais, estavacomprome-
mais que se submeterao autoritarismo para ganhar a.vida, quando tido com uma modificação social flexível, controlada experimental-
conquistarem a democracia dentro do local de trabalho. Essa con- mente, ordenada, e que incluía um alto grau de manipulação e
quista não 'é um momento, mas um processo,através do qual tra- oportunismo.Assim, ele nunca desafiou seriamenteas fontes de
balho e estudo poderão se conciliar." (Salm, C., 1980, P. IOI) poder dentro da sociedade. Na verdade, sua crença no pragmatismo,
no novo especialista profissional e no nacionalismo ,americano !e
combinou numa visão'de sociedade industrial que era fundamental-
Se na verdadea conquistada democraciano local de trabalho mente não-igualitária."ío
constitui uma condição necessária para a concreção da escola que
forma o cidadão, não acreditamosque a estratégiapara a consecussao Saviani, numa análise não especificamente do pensamento de
de tal objetivo seja a volta ao ideal de Dewey. Por que Dewey e Dewey, mas das pedagogiasderivadas da visão liberal -- visão esco-
não a volta à perspectiva da tradição marxista de escola politécnica? lanovista -- demonstra como, contrariamente ao ideário democrático
Por que não o ideário gramscianoda escolapolitécnica e única que que postulam, funcionam, concretamente, como um mecanismo de
forme o homem com o domínio sobre a "sqcíefas rarum'' e com recomposição de hegemonia da classe dominante. Neste sentido vai
conhecimento crítico da ''socíefas Aomínum"? demonstrar que "quando mais se falou em democracia no interior
da escola, menos democrática foi a escola, e quando menos se falou
Por mais que se possaentendero ideário liberal de Dewey em democracia, mais a escola esteve articulada com a construção
dentro do contexto de sua época e apreenderdaí as contradições da ordem democrática".u
histórica-
que na prática possam emergir, a direção que aponta.é
mente conservadora. Isto significa dizer que o pensamento de Dewey Ao propor a volta a Dewey, Salm não percebe que, contraria-
emergenão do questionamentodas leis que produzem a desigualdade, mente a uma visão supostamentedemocrática e revolucionária de
a injustiça e o privilégio, mas na crença reformista da ascensãosocial educação, herda a ótica de manutenção da escola que serve às elites.
pela meritocracia. Neste sentido, herda de Dewey, igualmente, aquilo que Saviani deno-
mina a "inversão idealista'' quando critica a pedagogia da essência
de que
K
social, mas para os especialistas. .
143
142
'(. . .) de elemento determinado pela estrutura social, a educação circulação e consumo dentro das novas formas que vem assumíhdo
é convertida em elemento determinante, reduzindo-se o elemento a produçãocapitalista.l!
determinante a determinado. A relação entre educação e estrutura
social é, portanto, representadade modo invertido". Id. ibid., p. 59). Sob o primeiro aspecto, Marx é explícito no referido capítulo
VI de O cáfila/ ao caracterizaro trabalhadore o trabalhoprodutivo
Paradoxalmente, então, ao assumir a volta a Dewey, contradiz
como sendo o "trabalho não-pago", o que produz mais-valia.n
o foco central de sua análiseque de um lado quer mostrarque o
capital tem sua pedagogiaprópria e é ela quem comanda o processo Como o fim imediato e o produto por excelência da produção
capitalista é a mais-valia, temos que só é produtivo aquele trabalho
produtivo, e, de outro que a cidadaniareal só se concretizamediante -- e só é trabalhador produtivo aquele que emprega força de tra-
a democratização do acesso aos meios e instrumentos de produção balho -- que diretamente produz mais-valia; portanto, só o trabalho
e do resultadodo trabalho coletivo. que seja consumido diretamente no processo de produção com vistas
à valorização do Capital. (. . . ) É produtivo, pois, o trabalho que
se representaem mercadorias; mas se consideramosa mercadoria
Ê preciso ter presente, porém, que o fato da prática educativa esco- individual, o é aquele que, em uma parte alíquota deste representa
lar se constituir num elemento secundário e determinado não sig-
trabalho não-pago; ou de levarmos em conta o produto total, é pro-
nifica que não tenha uma relação dialética com a estrutura social dutivo o trabalho em que uma parte alíquota do volume total de
e que essepapel, ainda que secundário,afeta essaestrutura deter- mercadorias representa simplesmente trabalho não pago, ou seja,
minante. (Id., ibid. p. 59). produto que nada custa ao capitalista." (Marx, K., 1980, p. 70-1).
Duas condições fundamentais devem ocorrer para que o trabalha
2. A PRODUÇÃO DO TRABALHADOR COLETIVO E AS seja produtivo. Primeiramente que seja trabalho assalariado, isto é,
DIMENSÕES ECONÓMICAS DA PRÁTICA EDUCATIVA que o trabalhador tenha unicamente, para levar ao mercado, sua
força de trabalho. Esta é uma condição necessária,porém não sufi-
Para não cairmos na armadilha das visões anteriormente discu- ciente para que o trabalho seja produtivo. Disso decorre que nem
todo trabalho assalariadoé produtivo. Embora, como veremosadian-
tidas que, embora não sejam da mesma natureza, perdem o campa te, isso não signifique que esse trabalho assalariado improdutivo,
da mediação da prática educativa na medida em que analisam a consubstanciadoem despesasde serviços retiradas da mais-valia glo-
relação entre essa prática e o sistema produtivo de uma maneira
bal, não seja indispensávelcomo condição geral de produção e rea-
linear, é misterrecuperara noçãode modo de produçãoda existên- lização da mais-valia global. A segunda condição para que o trabalho
cia, entendido como articulação dialética entre a infra e superestru- seja produtivo se concretiza quando o trabalhador assalariado
tura (cf. cap. 11). Articulação esta que se apreendeseguindo o movi- com ( )
mento histórico do capital e a divisão social do trabalho decorrente
deste movimento. 'sua força de trabalho e seu trabalho incorporam-secomo falares
vivos de produção do capital; convertem-seem um de seuscompo-
nentes, e precisamente,no componente variável que não só em parte
Nesta perspectiva, se de fato é relevante entender a natureza conservae em parte reproduz os valores de capital adiantados,mas
específicado trabalho produtivo e improdutivo, material e imaterial,
nas relações de produção capitalistas, mais relevante é apreendê-los
12. Franciscode Oliveira, ao discutir a questãodo terciário e a divisão
e entendê-los como complementaridade necessária de uma mesma social do trabalho, no contexto do capitalismo em suas manifestaçõesatuais,
totalidade na visão do trabalho e do trabalhador coletivo. pondera que "a recuperação da própria noção de divisão social do trabalho
torna-se possível apenas se se abandona o 'naturalismo' das distinções entre
mercadoriase serviçose um certo 'moralismo' que subjazpor detrás da utili-
É necessário,então, apreendera divisão social e técnica do zação dos conceitosde trabalho produtivo e improdutivo"(ver Oliveira, F.
trabalho, posta pelas novas formas de sociabilidadedo capital, que O ferciárfo e a divisão social do frabal/zo. Op. cit., p. 141).
destrói, cria, retalha e subdivide ocupações,não apenas no processo 13. É importante deixar claro que Marx, ao discutir a questão do trabalho
produtivo não entra no mérito quanto à utilidade do trabalho para os seus
imediato de produçãoou apenasdentro de uma esfera ou nível pro- protagonistasou para a sociedadeem conjunto. Mlarx estáinteressadoem ana-
dutivo, mas na enter-relação daquele processo com o processo de lisar a especificidadeque assumeo trabalho no modo capitalista de produção.
144 145
leva a não considerar a relação --- no interior da divisão social de
trabalho, no capitalismo monopolista -- entre os setoresprimário e
IEãHF=:;?fIEl::«.g:;$..u'%:;:; secundário, e entre o ciclo da produção e o da circulação e consumo
secundário, e, especialmente, entre o secundário e o terciário, e entre
Tomando-sea crítica que Saemefetiva dos teóricos do capita! o ciclo da produçãoe Q da circulaçãoe consumoda produção.
Em relação ao segundo aspecto -- a não-necessáriaimprodu-
tividade do trabalho "imaterial" e a crescente enter-relação entre
trabalho material e imaterial, à medida que o modo de produção
capitalista se torna hegemónico e tende a transformar a força do traba-
lho em órgão coletivo do capital -- Marx é explícito, tanto em algu-
maspassagensdo Capítulo VI inédito de O CapífaZ,quanto em 7eo-
rí da mais-va/ía. Sob esse aspecto, entendemos que é possível per-
ceber, com maior nitidez, o papel mediato que o processo educacional
e a escolaem particular,pelo menosem certosaspectose para uma
parcela dos que passampor ela, têm no próprio processo produtivo.
Após discutir a presençado capitalismo no domínio da produção
caminhar na direção errada. imaterial e considerar que tal presença só se verifica em margem
reduzida, Marx assinala que um mesmo trabalho -- exemplo do
148 + 149
O uso combinado,coletivo da força de trabalho,resultantedo custos e resolve, no mais das vezes, dentro dos muros da empresa
desenvolvimento da forma propriamente capitalista de relações sociais capitalista, o problema das qualificações requeridas.
de produção, permite, a um mesmo tempo, cindir, dividir o processo
de trabalho e desqualificaro próprio trabalho, levando a um nivela- Entretanto a análise do' corpo coletivo de trabalho, dentro das
mento relativo da própria força de trabalho. Isto ocorre exatamente sociedades capitalistas anuais, nos indica que funções de controle,
porque esta forma de relações sociais de produção tende historica- planejamento, supervisão,administração que tendem a aumentar, em-
mente, pela natureza mesma da competição intercapitalista, a uma bora não estejam envolvidas imediata e materialmente com a produ-
incorporação crescente da ciência, da tecnologia e da técnica ao ção, são parcelasdeste corpo coletivo de trabalho. Trata-se de funções
capital, dessemodo, não só vai existir um aumento orgânico cada que estãoprofundamenteimplicadasnas relaçõesde produção,na
vez maior do capital constante,em detrimentodo capital variável, extração da mais-valia.
como também o capital vai comandar a divisão social do trabalho e a
especificidade das qualificações ou desqualificações da força de traba- Um estudo efetivado sobre as mutações das ocupações na Ale-
lho para seu uso. manha.entre 1961 e 1980, ilustra o que acabamosde enunciar.As
funçõesde supervisão,administraçãoe planejamento,ainda que este-
Esse processo, que tem como resultante uma crescente enter-re- jam crescendomenos que os serviços -- trabalho propriamenteim-
lação entre trabalho material e imaterial, parece indicar que a questão produtivo -- crescem sensivelmente mais que as ocupações direta-
fundamental, nas condições do capitalismo monopolista, não é a dis- mente envolvidas na produção material imediata. Os números apre'
tinção entre trabalho produtivo e improdutivo, mas a de trabalho sentadosabaixonos dão conta de que enquantoem 1961 apro-
coletivo, onde o trabalho produtivo e o improdutivo, ainda que efeti- ximadamente 48% dos assalariados ativos se ocupava na produção
vamente distintos, são objetívamente interdependentes. de bens,-- na indústria, agricultura, mineraçãoetc. --, em .1980
apenas 32% se encontrava nesses setores produtivos. Em contraste,
Tomando-se, então, o uso socialmente combinado da força de nesseperíodo, as funções de administração e planejamento passaram
trabalho -- o trabalho coletivo -- como uma das característicasmar- de 16 a 25%, e os serviçosde 26 a 33%. (INP/Globus, 1981).
cantes das formações sociais capitalistas atuais, e apreendendo as mu-
tações concretas que historicamente vêm ocorrendo no interior da Ora, observandoa prática escolarda ética, não do trabalho
divisão social do trabalho -- as quais configuram uma tendência de produtivo material imediato e individual, mas principalmente sob o
diminuição relativa de trabalhadores envolvidos, diretamente, no tra- aspectodo trabalho mental, "intelectual" e no interior do corpo cole-
balho produtivo e o aumento das funções de controle, supervisão, tivo de trabalho, certamente pode-se perceber sua contribuição na
administração e planejamento e, Mais radicalmente, uma revolução reproduçãoda força de trabalho dos que supervisionam,administram,
dos serviços com a denominada tercialização da sociedade -- é pos- planejam em nome do capital, dentro da própria empresacapitalista.
sível ver, mesmoao nível da produção,de forma mediata,a neces-
sidade da prática escolar. A função da escola, nessecontexto, se insere no âmbito não
apenasideológico do desenvolvimento de condições gerais, da repro-
Do ângulo da qualificação técnica específica proporcionada pela dução capitalista, mas também no das condições técnicas, adminis-
escola,fica claro, historicamente,que o capital efetivamentetende a trativas, políticas, que permitem ao capital "pinçar", na expressãode
prescindir cada vez mais da escola em geral, e até mesmo de institui- Gianotti, de dentro dela aquelesque, não pelas mãos, mas pela ca-
çõesdo tipo SENAI, para essafunçãode qualificaçãopara o traba- beça,irão cumprir as funçõesdo capital no interior do processopro-
lho produtivo material imediato. Isso parececlaro não só pela dimi- dutivo.
nuição relativa desse tipo de trabalho mas também, e especialmente,
pela desqualificação progressiva decorrente dos métodos de simplifi- De fato, a burguesia a princípio se dispensado trabalho manual
cação do trabalho. Aqui o capital tende a reduzir ao mínimo seus e, em seguida, com o crescimento do capital e surgimento da força
151
150
do papel da escola como "instrumento para elaborar os ifitelectuais
de trabalho coletiva, que ele explora, também se distancia das funções
de diversos níveis". Em seguida, pondera Gramsci que
de natureza mais intelectual ligadas à organização, gerência e controle
da produção. (Escobar, C. H., 1979, p. 115). Delega essas funções a
'(. . . ) a relação entre os intelectuais e o mundo da produção não
'funcionários" do capital que zelam pela eficácia na extração da é imediata, como é o caso nos grupos sociais fundamentais, mas é
mais-valia. Mais amplamente a burguesia cria seus intelectuais orgâ- 'mediatizada' em diversos graus, por todo o contexto social, pelo
conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente
nicos que se constituem nos organizadores e ideólogos da classe. os 'funcionários"'. (Id., ibid., p. 9-10).
Gramsci, ao analisar a questão dos intelectuais, mostra que
Ao se analisar o papel mediato da escola no processoprodutivo,
"cada grupo social, nascendono terreno originário de uma função
essencial.no mundo da produção económica, cria para si, ao mesmo deve-se levar em conta que a divisão social do trabalho resultante
tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadasde intelectuais do processode concentraçãoe centralizaçãodo capital,cujo produto
que'lhc dão homogeneidade e consciência da própria função! .não
apenas no campo económico, mas também no social e no político : histórico concreto se manifesta pelo agigantamento de organizações
o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cien- económicas transnacionais, "não expressa apenas relações técnicas
tista da economia política, organizadorde uma nova cultura, de um que são quantitativamentedistintas, mas relações sociaisqualitativa-
novo direito, etc.". (Gramsci, A., 1919, p. 3 sega.).
mente distintas". (Oliveira, F., op., cit., p. 143). A forma intervencio-
O intelectual orgânico cumpre, para Gramsci, a função de dirigente, nista que o Estado assumeno interior do capitalismo monopolista,
organizador, de ideólogo da própria classe. Os técnicos, os enge- tornando-se,como vimos, um produtor de mercadoriase serviços
nheiros, que no interior do processo capitalista de produção permi- como forma de salvaguardaros interessesdo capital no seu conjunto,
tem uma intensificação da exploração da mais-valia-relativa, Grasmci abreUR leque de modificaçõesna divisão social de trabalho. O qua-
vai denomina-los "intelectuais modernos". A análise da evolução his- dro cre#ente de tecnocratas, desde os níveis de gerência, planeja-
tórica da carreira de engenheiro,no Brasil, ilustra a função de "diri- mento, controle, até os níveis apenastécnicos, que comandamessas
gente e organizador" que o engenheiro vai assumir, especialmenteno empresas,quando vistos sob a ótica do trabalho combinado, coletivo,
se inscreve mediatamente no processo do trabalho produtivo.
interior da burguesia monopolista. Ilustram, igualmente, os mecanis-
mos de elitização interna das carreiras e o movimento de valorização
Se fica claro, então, que a escola enquanto instituição produtora
ou desvalorizaçãodas mesmas,de acordo com os interessesdo grupo
dominante.í7 ou simplesmente
sistematizadora
e divulgadorade saber-- e de um
saberqueno interiorda sociedade
capitalistaé forçaprodutivaco-
mandada pelos interesses do capital, ainda que não exclusivamente
As teseselitistasdas escolaspara superdotadose/ou a formação
de centros de excelência,a nível superior, certamente têm uma função -- tem uma contribuiçãonula ou marginal na qualificaçãopara o
trabalho produtivo material e imediato, tendo em vista a desqualifi-
que não se reduz à legitimação ideológica. caçãocrescentedeste tipo de trabalho, o mesmo não ocorre em ter-
mosde fornecimentode um certo nível de conhecimentoobjetivo e
Sob esseaspecto,Gramsci vai mostrar que o enorme desenvol-
elementar para a grande massa de trabalhadores, e/ou de um saber
vimento atingido pela organizaçãoescolar,com a multiplicação das
mais elaboradopara minorias que atuam em ocupaçõesa nível de
especializações, com o surgimentode "instituiçõesescolaresde graus
gerênciae planejamento,supervisão,controle, e mesmopara deter-
diversos, inclusive dos organismos que visam a promover a chamada
minadasfunções técnicas das empresascapitalistas de capital privado
alfa czz/rzzra,
em todos os camposda ciência e da técnica", decorre
ou "público-privado"
154 155
No limite, mostra-nos Gramsci, ao analisar o aumento mais
setores produtivos traz determinações que têm como resultante o acentuado dàs forças de consumo em relação de produção, que, em
alargamento das atividades que, ifrícfo senso,.são improdutivas porque determinadas circunstâncias, funções parasitárias podem tornar-se
não geram mais-valia, mas são necessáriasà acumulação.capitalista. necessárias(essa não parece ainda ser a função precípua do sistema
O trabalho produtivo, então, no interior do movimento de valoriza- escolar em nosso caso).
ção do valor, vai pondo seu outro -- trabalho improdutivo e, em-
bora efetivamentesejam distintos, são partes de um mesmo movi- Pode ocorrer que uma função parasitária revele-se intrinsecamente
mento total da produção, circulação e realização do valor, da acumu- necessáriadadas as condições existentes: isto torna ainda mais grave
tal parasitismo. Precisamente quando um parasitismo é 'necessário',
lação do capital. o sistemaque cria tais necessidades
está condenadoem si mesmo.
(Gramsci, A., 1978a, p. 306).
O fenómeno da tercialização -- que engloba uma gama hetero-
gênea de ocupaçõese funções, umas mais próximas outras mais Sob o aspectoaqui aludido, o fenómenoda expansãoda esco-
distantes da produção imediata não pode ser visto como um fenó- laridade, ou seja, o alargamento dos canais de acessoao sistema edu-
meno autónomo. Esta visão da autonomia do terciário e a concepção cacional certamentenão pode ser interpretado dentro da lógica tecno-
de sua improdutividade, fundamentalmente, encobrem 3 estratégia do crática, que coloca este alargamento como mecanismode acessoao
capitalintensificara extraçãoda mais-valia,e os mecanismos
de emprego e a ocupaçõescada vez mais rentáveis e, por essavia, logra
controle da classedominante. o atingimento de maior eqüidade social. De outra parte, tal alarga-
mento não pode ser tomado como uma simples armadilha, conspira-
ção ou uma ingenuidadedo sistema.Pelo contrário, a .ampliaçãodo
acessoà escola,o alargamentodo investimentopúblico na áreaedu-
cacional e o próprio processo de privatização do ensino devem ser
entendidosdentro da ótica do movimento do capital, de circulação e
realização da produção.
notti, J. A., 1981,P. 83).
A ampliação do investimento na educaçãocumpre, pois, uma
O que quisemosenfatizar até aqui é que, tomando-sea prática função, não de queima de excedente, mas primordialmente como in-
escolar como uma prática social cuja função precípua não é a.da serção deste investimento dentro da estratégia do circuito do capital
produção de um saber específico,mas, pelo contrario, de um saber em geral na sustentaçãodos seus interesses;cumpre, igualmente, uma
não-específico,geral, que se articula com o desenvolvimento das con-
media- função de gastos e despesas, que constituem a demanda agregada
ições técnicas e sociais de produção em. diferentes mveis e dentro do ciclo económico; finalmente, pode, em determinadascir-
ções, esta prática guarda uma relação efetiva com a estrutura econó- cunstâncias, se constituir em gastos que mantêm funções parasitárias,
mico-social capitalista. funções estas que se tornam necessárias, como assinala Gramsci, para
Há contudo, um outro aspecto que normalmente passa desper- salvaguardaro funcionamento do modo capitalista de produção. Uma
das funções que a escola pode cumprir é o prolongamento de esco-
cebido nas análisessobre o papel da escola dentro do sistema pro-
laridade desqualificada, cujos "custos improdutivos", além de entra-
dutivo. Trata-se do fenómeno da tercialização da sociedade. O siste-
rem no ciclo económico, servem de mecanismos de controle de
ma educacional se constitui, em si mesmo, numa ampla gama de ati-
realização oferta e demandade emprego-
vidades que se articulam especialmentecom o processo de
da mais.valia.Sistemaque tende, nos paísesonde o capitalismoé
O crescimentodo consumoprivado de educação,fruto da ideo
157
156
(. . .) para o ciclo económico como qualquer gasto de consumo. ta estamosdiante de uma meia-medida que nem resolve o problema
componente da demanda efetiva. Sua especificidade educacional não da fome e nem apresentaa aludida vantagempedagógica.Saviani
se poe para o ciclo, senãodo ponto de.vista de criar um circuito
privado de apropriação dessesgastos?primeiramente: e, secundaria- mostra, ao analisar a perspectiva da educação compensatória,que
mente,' funciona como indutor'das indústrias da educação: papel, na cidadede São Paulo, após 10 anos do programade merendaesco-
mobiliário, construção civil, gráfica e editorial". (Oliveira, F., &
Borgas,W., 1980). lar, "os índicesde fracassoescolarna passagem
do primeirograu,
em lugar de diminuir, aumentaramem 6%".20
Os recursos públicos alocados em educação entram na lógica dos in-
vestimentos que o Estado efetiva, que, como vimos anteriormente, llá, no momento, também um grande esforço pela disseminação
no capitalismo monopolista, não só se transforma em produtor direto de sistemasde microcomputadorese circuitos fechadosde televisão.
de mercadorias,mas administra os fundos públicos na ótica particular Multiplicam-se os semináriossobre tecnologia educacionale a pro-
a ponto de esmaecer-sea distinção público-privado. Os gastospúbli- paganda por intermédio dos meios de comunicação de massa dessa
cos em educação vão, então, somar-se ao circuito do capital em tecnologia. A disseminação indiscriminada desse instrumental certa-
mente não busca atender às necessidades propriamente educativas,
geral ''que funciona como pressuposto do capital particular". (Id.,
ibid., P. 7). senão às de uma indústria que precisa comercializar suas mercadorias.
O dinheiro público é posto, no caso, não para atender às necessidades
Sob um outro âmbito, o programa de merenda escolar, que mo- Launay, ao analisar a ampliação do investimento educacional
vimenta elevadas somas de recursos, amplamente justificado como na França, realça que esta ampliação se apresentacomo inquietação
mecanismos de diminuição da repetência e evasão escolar, parece ser e necessidade para a burguesia.
muito mais uma medida assistencialistaque encobre a natureza estru- Desse antagonismo decorre o seu modo particular, economicista,
tural do estadode fome daspopulaçõesque a recebeme cujo efeito de colocar os problemas da educação.])aí decorre, igualmente, o
maior não é o proclamado,mas a realizaçãoda mais-valiadas em- caráter contraditório de sua política de despesas
e, em certa medida,
de suas declarações.De fato, apesar de estimular o crescimento, a
presas que fornecem os alimentos. Sem negar seu efeito assistencialis- despesaeducacional tem seu custo; seus efeitos benéficos são difu-
iaw ii izfã UB$.u:liH$ pela sociedadepolítica. E o Estado, que se torna um capitalista como
mecanismo de defesa do grande capital, não só é forçado a canalizar
seus investimentos, direta ou indiretamente para essa direção, como
também, para proteger esse capital, intervém nos setores (burgueses)
mundial e das novas formas de rivalidades com as economias socia- não-oligopolizados,
e aindaé forçadoa absorver
as pressões
da
listas". (Id., ibid., P. 183). classe trabalhadora.zz Sob o ângulo educacional, historicamente ob-
serva-se,então, que o sistema capitalista é forçado a absorver tanto
No contexto do capitalismo monopolista. onde o Estado inter- o aumentodo acessoà escolaquanto à elevaçãodos patamaresesco-
vencionista assumea função de gestor das crises do capital e utiliza lares
o sistemaescolar,não apenascomoum Joczls
de reproduçãoda ideo-
logia burguesa, mas também como Zoczlsde um tipo de consumo que, A escola, enquanto instituição cuja especificidade é o desenvol-
embora improdutivo, é necessáriopara o ciclo de realizaçãode mais- ,vimento de um saber geral -- em contraposição ao saber específico,
valia, a questãoda ampliaçãodas verbas em educaçãotem de ser desenvolvidono local de trabalho ou em instituições exclusivaspara
devidamente avaliada. O problema não é simplesmente ampliar as treinamento -- e, enquanto desenvolve condições sociais e políticas
verbas para a educação,mas amplia-lasdentro de uma nova função que articulam os interesses hegemânicos das classes, é, então, um
social do próprio sistema educacional. local de luta e disputa. A questão da escola, na sociedade capitalista,
é fundamentalmenteuma questão da luta pelo saber e da articulação
O alargamento do acesso à escola e o prolongamento da esco- desse saber com os interesses de classe.
laridade devem ser vistos, também, como resultado da luta da classe
trabalhadorapelo direito à escola-- uma luta pelo saber.Esta luta O aspecto crucial é, então, o de circunscrever os mecanismos
tende a se ampliar à medida que as forças produtivas avançam. Como
apontamos no Capítulo 11, embora o processo capitalista de organi-
22. Gilberto L Alves, em recente dissertaçãode mestrado, num comen-
zação da produção, em sua fase monopolista atual, seja forçado a tário sucinto, contesta a interpretação de que a expansão escolar se deva, no
utilizar como mecanismo
de competiçãointercapitalista,
tanto a caso brasileiro, "às conquistaspopulares". Contrapõe afirmando que o Estado
obsolescência precoce quanto o congelamento de certas invenções tec- alarga o acessoà escola como medida antecipatória, para neutralizar focos de
luta reivindicatória. Julgamos que o autor unilateraliza e superdimensiona o
nológicas, l-etardando o avanço das forças produtivas, contraditoria- poder do Estadopassandoa idéia de que a luta de classes-- no caso a luta
mente este avanço é algo irreversível e necessárioao prõpno processo por uma nova função social da escola-- não existe.Por outro lado, não se
de acumulação. dá conta, como assinala Arroyo, que nos recentes movimentos populares "o
operariado se adiantou aos projetos de políticas sociais elaborados em gabi-
nete obrigando, na prática de sua luta, os políticos e tecnocratas a redefinir
seusprojetos. Até o discurso oficial é outro. . ." (Arroyo, M., operários e tra-
balhadoresse identificam;que rumos tomará a educaçãobrasileira.Revista
Educaçãoe Sociedade,n. 5, 1980). Alves, por outro lado, vai interpretar o
aumento da escolaridade como um mecanismo exclusivamente parasitário e de
queima de excedente. Aqui também toma uma das funções possíveis da escola,
no interior do capitalismomonopolista,como a função única.(Ver Alvos, Gil-
berto Luiz. Da Hiffóría à /zís/órfãda Edzlcação.
São Cartas, UFSC, 1981.
1984 Dissertação de mestrado).
161
160
utilizados pela classeburguesa para manter sob seu controle a escola que transcende a ele mesmo, porquanto é inerente à forma social de
que lhes é funcional, e em que medida isso é viável. organização da produção capitalista e à luta de classe que engendra.
Trata-se da forma que assume a contradição capital-trabalho, espe-
De outra parte, na medidaem que a escolaé um local de disputa, cialmenteno interior do capitalismoatual.
e a classe trabalhadora tem interesse na quantidade ou na qualidade
do saberque se pode veicular atravésdela, cabediscutir que tipo Enquanto gestor económico, o Estado intervencionista depara-se
de escola se articula com a ética dessa classe. com uma forma de organizaçãoda produção onde a luta intercapi-
talista pela maximização do lucro, de um lado, e a luta capital-traba-
lho (classetrabalhadora),de outro, são enfrentadaspelo capital
3 ADESQUALIFICAÇÃO DO TRABALHO mediante a crescenteincorporação de progresso técnico na produção.
ESCOLAR:A'IEDIAÇÃO PRODUTIVA
NO CAPITALISMO MONOPOLISTA
Por essemecanismo o capital tende a prescindir cada vez mais
O mais grave na relação ent.reescola e a. do trabalho e do trabalhador qualificado. Sob a ótica económica,
formação da classe trabalhadora no Brasa! a tendênciaé um barateamentoda força de trabalho e a criação de
é que se tez tudo para que o trabalhador um corpo coletivo de trabalhadoresniveladospor baixo. Isso é
nao fosse educado, não dominasse a língua,
ttão conhecesse
sita história, não tivessea especialmente válido para o trabalho produtivo material. Mundo
seu alcance instrLtmentospara elaborar e do trabalho versusmundo da escola e qualificação, vistos desseân-
explicitar o seü saber, sita ciência e sua
consciência. gulo, seguem trajetórias distintas.
(ligue! G. Arroio)
Entretanto, como vimos anteriormente, a escola cumpre funções
de carátergeral, em termos de desenvolvimentode um saber não-
A universalizaçãodo acessoà escolae o aumentomédiode específico e condições sociais necessáriasao desenvolvimento capi-
escolaridade
é um fato que parecenão constituir-se
em óbiceao talista; cumprefunções de formação de profissionaisde alto nível
capitalismo monopolista. Pelo contrário, um nível mínimo de esco- (engenheiros, advogados, economistas e administradores) que irão
laridade generalizada e o próprio prolongamento da mesma -- den-
exercer as funções do capital nas empresas capitalistas ou nos postos
tro da funçãosocialque a escolatem assumido
historicamente
-- da tecnocraciaestatal; cumpre, igualmente o papel de circulação e
constituem-se em mecanismos funcionais à atual etapa do desen-
realizaçãode mais-valiaproduzida; e, finalmente,pode cumprir um
volvimento capitalista. Uma escolaridade elementar que permita um
nível mínimode cálculo,leiturae escrita,e o desenvolvimento
de papelde contenção-- especialmente
a nível superior-- de um
exércitode reserva,funcional ao mercadode trabalho (cf. argumento
determinados traços sócio-culturais, políticos e ideológicos tornam-se
de Delfim, p. 128).
necessários para a funcionalidade das empresas produtivas e
organizaçõesem geral, como tambémpara a instauraçãode uma
mentalidade consumista. O prolongamento da escolaridade -- pro- Cabe ressaltar, entretanto, que se a ampliação do acessoà escola
longamento desqualificado -- de outra parte, vai constituir-se num e o prolongamento da própria escolaridade representam, ao mesmo
mecanismo de gestão do próprio Estado intervencionista, que busca tempo, uma forma económica e política de gerir as necessidades
viabilizar a manutenção e o desenvolvimento das relações sociais de do capital e uma respostaà pressãoda classetrabalhadorapor mais
produção capitalistas. escolaridade, carrega consigo a tendência à elevação dos patamares
escolaresmuito além do que é conveniente(económicae politica-
Esta gestão,porém, é problemática, e é problemática porque é mente) para a funcionalidade do modo de produçãocapitalista. Esta
contraditória. O Estado, enquanto gestor económico e político do é uma tensãopermanente,cuja origem se localiza no caráter con-
traditório e antagónicodas relaçõessociais dessemodo de produção-
capital monopolista em seu conjunto, depara-secom a contradição
163
162
Quais os mecanismosque vêm sendo utilizados, no interior do Concretamente, a questão da desqualificação da escola é, antes
capitalismo monopolista, para se manter o saber que se desenvolve de tudo, uma desqualificaçãopara a escolafreqüentadapela classe
na escola sob o poder da hegemonia burguesa? trabalhadora, muito embora possa sê-lo para a burguesia. Qual o
interesse da classe burguesa por um ensino e uma educação nivelados
Do ponto de vista mais global, pode-se observar que estes pela qualidade, para a classe trabalhadora? Tal perspectiva deman-
mecanismos vão desde a negação ao atingimento dos níveis mais dada uma vontade política cuja direção fosse a superaçãodas rela-
elevadosda escolarização,pela seletividadeinterna na própria escola, ções sociais de produção que geram a desigualdade.
até o aligeiramento e desqualificação do trabalho escolar para a
Embora, como colocamos na introdução, o foco central desse
grande maioria que freqüenta a escola. Esta desqualificação passa
pela fragmentaçãodo trabalho educativo,pela quantidadee quali- trabalho não vise uma análise da realidade educacional brasileira,
dade dos conteúdos objetivos veiculados, pela direção que assume julgamos relevante efetivar, a partir das análises disponíveis, uma
a prática escolar. rápida contextualização da problemática levantada neste tópico, com
esta realidade. Evidentemente, tem-se presente, aqui, que as relações
De fato, se no âmbitoda organizaçãoeconómicada produção, entre estrutura económico-social e o sistema educacional, em países
as novas formas de sociabilidade do capital que demandam -- como que representam o centro hegemónico do sistema capitalista. mun-
forma de luta intercapitalista-- incorporaçãocrescentede progresso dial, guardam traços específicos.Entretanto, quer em termos de ten-
técnico têm como conseqüêncianão apenas, e principalmente, a falta dência,quer em termos históricos reais, para determinadoscentros
de trabalho, mas sobretudo a natureza cada vez mais parcializada, no Brasil, amplamenteintegradosao nível mais avançadodo capi-
cindida do trabalho e a criação de um corpo coletivo de trabalho, talismo internacional, essa contextualizaçãoigualmente faz sentido.
no âmbito do processoeducativoescolar o problema é cada vez
O exame das pesquisasque se ocupam da análise da educação
menos a falta de vagas na escola, e passa a ter, fundamentalmente,
brasileira nas últimas décadas, tanto a nível de educação básica,
a desqualificação desse processo educativo. O que se pode observar,
fundamental, quanto a nível de ensino superior, nos revelam que
então, é que da mesma 'forma em que há um esfacelamento do posto
não existe por parte do Estado nenhum compromissoefetivo com a
de trabalho e uma desqualificação do mesmo, o processo educativo
quantidade e a qualidade da educação, para a população escolari-
passou a ser também cindido e o conteúdo escolar deteriorado. Surge,
zável.Em certoscasos,como o brasileiro,fica mesmoaquémdaquilo
assim, a supremacia dos métodos e das técnicas sobre os conteúdos. que é funcional aos desígnios dos interesses econâlnicos e sócio-
políticos dominantes.
A desqualificaçãodo trabalho escolar vem transvestida, quer
da perspectivada eficiência e produtividade, enfatizada pela teoria A forma de o Estado enfrentar o analfabetismoe o fracassoda
do capital humano, com a sua correlata perspectivapedagógicada escola na alfabetização tem sido o Mobral e o ensino supletivo.24
tecnologia educacional, quer, mais sutilmente, por teorias educacio-
nais postas como modernas e inovadoras. Trata-se de teorias ''não- FGV, 1978.Relatóriode pesquisa;
Saviani,D. A filosofia da educação
eo
problema da inovação em educação. In: Garcia, W. E., org. /notação edwca-
críticas", como o demonstra Saviani, que se prestam para recompor cíonal /zoBrasíl. São Paulo, Cortez, Ed. Autores Associados, 1980; Saviani, D.
os mecanismos de elitização, de manutenção do privilégio -- de Escola e democracia ou a "teoria da curvatura da vara". Revfsfa da ,ande.
recomposição, portanto, da hegemonia da classe dominante.23 São Paulo, 1(1), 1981; Saviani, D. Escola e democracia: para além da curva-
tura da vara, op. cit.; Saviani, D. As teorias da educaçãoe o problema da mar-
ginalidade na América Latina, op. cit. p. 8-18).
24. Pelas análises disponíveis, o Mobral não consegue uma alfabetização
23. Dermeval Saviani tem-se constituído num dos críticos que, no Brasil, efetiva nem se articula na direção dos interesses do trabalhador. Isto fica muito
tem melhor trabalhado, em diferentes momentos, essaquestão. .A.preocupação claro quando se sabe que métodos como o de Paulo Freire foram exatamcnte
nodal de Saviani é a formulação de uma teoria crítica da educaçãotendo como suprimidospela força e substituídospelo Mobral. Quanto ao sistemade ensino
ponto de partida e chegada, numa sociedade de classes, o interesse dos domi- supletivo além de reduzir os anos de escolaridadepela metade, reduz, também
nados. (VÊr Saviani, D. Tendências e correntes da educação brasileira. In: pela metade, as horas de aula, tendo não mais, portanto, que 1/4 do tempo do
Trigueiro, D., coord. Filosofia da edzlcaçãobraií/eira. Rio de Janeiro, IESAE/ ensino regular, e em condições ainda mais perversas.
164 165
educacionaisdo impacto das diferenças de origem social dos alunos
A forma de o Estado efetivar a formaçãoprofissional ou treinamento
sobre a aprendizagem e assumindo que, a despeito disso, a escola
é criar instituições do tipo SENAI, SENAC e SENAR, ou programas tem uma margem de contribuição a dar, resta ver se objetivamente
de treinamento de mão-de-obraintensiva, e/ou promover a diluição essaescola,tal qual está organizada,cumpre com aquilo que se situa
das verbas da educaçãofundamental,da cultura, para os diferentes em seu âmbito. Se não cumpre, qual é a razão estrutural?
ministérios (Trabalho, Interior, Guerra, etc.), para que os mesmos
programam, no seu âmbito, cursos de treinamQnto, etc. A nível supe- O que de fato as pesquisasdemonstramé que, ao contrário do
rior, a respostaà demandadesseensinotem sido a privatizaçãocres- que se poderia desejar, a escola pública freqüentada pelos filhos da
centeda universidade,de um lado, e a buscade criação de centros classetrabalhadora, desde seus aspectosfísicos e materiais, até as
de excelência,de outro. condições de trabalho do corpo docente, é amplamente precária. Em
Isso suscita imediatamente, não apenas a questão do montante diferentes estudosque realizamos sobre os recursos físicos, finan-
ceiros, materiais e sobre o corpo docente que atua nas escolaspúbli-
de recursos alocados em educação, mas, sobretudo, a da forma de
cas, constatamosinexoravelmente uma distribuição regressiva dos
gerir essesrecursos e para onde efetivamente eles se direcionam e com
recursos e um estado precaríssimo das condições de funcionamento
que interessesse articulam. Qual a razão social, política e económica destas escolas.es
que leva o Estado a distribuir parcelas da verba destinada à educação
e cultura (teoricamente centralizada no MEC) para. outros ministé- Ao analisarmos os dados coletados pela observação direta das
rios ou programas
específicos?
De outra parte,qual a razãode se escolas públicas da região metropolitana do Rio de Janeiro, assina-
localizar no MEC o programa de alimentação da criança, programa lamos, num dos trabalhos anteriormente citados, que
de assistênciaao educando,merendaescolar?Por que não localizar
esta verba --se for o caso -- no Ministério da Fazenda, do Pla- ( . . .) a situação que encontramos hoje nas periferias do. Grande
nejamento, do Trabalho, Previdência Social, etc.? Rio. ou de outros centros urbanos, lembra çom bastantefidelidade
a situação das escolasque atendiam os filhos dos operários.na Ingla-
A tendência ao aumento do acesso à escola (embora haja hoje, terra no período manufatureiro,apresentada
num relato de um su-
pervisor dessas esco]as em ]858". (Id., ibid.).
no Brasil, não menosde 20qo das criançasem idade escolar fora Numa segunda escola a sala de aula tinha 15 pés de comprimento
da escola) nos centros urbanos mais desenvolvidos(São Paulo, Rio e 10 pés de largura e continha 75 crianças que grunhiam algo inin-
de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, etc.) que atingem teligível. Mas não é apenas nesseslugares que as crianças recebem
atestado de freqüência escolar e nenhum ensino; existem muitas
índices de até 97% de escolarização,e mesmo o aumento do número escolas com professores competentes, mas seus esforços se perdem
médio de anos de permanência na escola -- tomados pela lógica diante do perturbador amontoado de meninos de todas as idades.
tecnocrática como índice de democratização, índice de equalização (. . .) Além disso o mobiliário escolar é pobre, há falta de livros
e de material de ensino e uma atmosfera viciada e fétida exerce
social -- passama ter pouca relevância quando examinados à luz efeito sobre as infelizes crianças. Estive em muitas escolase vi filas
do tipo de escolaa que os filhos dos trabalhadorestêm acesso,sua de criançasque não faziam absolutamentenada, e a isso se dá .ates-
tado de freqiiência escolar; e essesmeninos figuram na categoria de
organização, seus conteúdos, quantidade e qualidade do ensino mi- instruídos, de nossas estatísticas oficiais."eo
nistrado, a ética de mundo veiculada, etc. Trata-se, na concepção
de Trigueiro Mendes,de "uma política aumentativa,que muda os
25. Frigotto, Gaudêncio et alia. Custo, financiamento e determinantes da
números mas não muda as coisasnumeradas". (Mendes, 1978, p. 32). escolaridade de l.o e 2.o graus: um estudo da Região Metropolitana do Rio de
O que se observa concretamente é que a classe burguesa não se Janeiro. Rio de Janeiro, IESAE/Finep, 1980. Relatório de pesquisa; ver .tam-
contrapõe ao acesso à escola. A universalização do acesso legitima bém Frigotto, G. Política de financiamento da. educação: :ociedad! .desqual,
distribuição desigual dos recursos. Cadernos Ceder, São Paulo,.(5) :3-11, 1981;
a aparente democratização. O que efetivamente se nega sao as con- Frigotto, G. & Martins, R. C. As múltiplas faces da desigualdade no ensino
dições objetivas, materiais, que facultem uma escola de qualidade público: indicaçõesde uma pesquisa.ForramEducacío/zal,Rio de Janeiro, FGV,
e o controle da organização da escola. 6(4), out./dez.1982.
26. Relatório de Sir John Kincaid, de 1858, apud Maré, K. O Cáfila/,
Tomando-se o fato amplamente demonstrado pelas pesquisas op. cit. Livro 1, p. 457.
167
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zação do processo educativo, à semelhança das empresas produtivas,
O que fica patente, não só a nível de Brasil, mas de América
como também vai exigir métodos e técnicas adequadas a essa orga-
Latina, é que os filhos da grandemassade trabalhadoresproletari-
nização. O surgimento da divisão técnica do trabalho escolar -- que
zados frequentam as escolasnas piores condições física e materiais,
reflete a própria divisão social do trabalho -- não pode, então, ser
sem recursos didáticos, pedagógicos;permanecem na escola por me- dissociado das necessidadeshistóricas de recomposição do papel da
nos tempo à medida que freqüentam estabelecimentoscom três ou escola e do sistema educacional, na fase monopolista do capitalismo.
até quatro turnos diurnos; e têm um professorado, não apenas atuan-
do em condiçõesprecárias, mas sobretudoformado em instituições As relações sociais de produção -- que provocam uma divisão
de ensino superior privadas cujo objetivo básico, salvo raras exceções, social e técnica do trabalho onde a classetrabalhadora perde não
não é o ensino de qualidade, mas o comércio do ensino. Esse comér- só as condições objetivas de sua produção, mas também o controle
cio vai se refletir, no caso do Estado, na política salarial que sustenta dos instrumentos de trabalho e a expropriação do saber da classe
para o magistério em todos os níveis. A proletarização do magistério, trabalhadora -- comandam, também, o processo de uma crescente
particularmente do ensino básico, é uma forma de desqualificar o divisão interna do trabalho escolar, expropriando o saber e o pro-
trabalho escolar.27
cesso de produção desse saber da categoria dos trabalhadores-pro-
fessores. O processo pedagógico fica cada vez mais entregue aos
A desqualificação do trabalho escolar -- ou seja, a negação do
saber aos filhos da classetrabalhadora -- passa por outros meca- especialistas que ''pensam", programam e supervisionam a decodifi-
nismos, mencionados anteriormente, inscritos no interior da organi- cação da programação preestabelecida.
zação da escola e do sistema educacional no seu conjunto. Trata-se A divisão interna do trabalho escolar (o surgimento dos cha-
das teorias educativas que orientam a forma concreta de conduzir
mados "especialistas em educação"), posta como um mecanismo de
a prática pedagógica,a divisão interna do trabalho educativo, as leis racionalizaçãoe maior eficiência do sistema de ensino, dentro das
e reformas que orientam determinadas políticas educacionais.
condiçõesconcretasda divisão social do trabalho, acaba se consti-
Essesmecanismosnão podem ser vistos isoladamente. Pelo con- tuindo numa medida de esvaziamentoe desqualificaçãodo processo
trário, estão enter-relacionados com outros e decorrem da forma de pedagógico.Namo de Mello enfatiza que
o capital monopolista articular a escola de acordo com suas neces- "(. . .) a divisão de trabalho em nossa escola pública de l.o e 2.o
sidades e interesses. graus esvaziou o professor da competência que ele possuíana escola
de minoria e não permitiu até o momento que ele se reapropriasse
Desde o início deste trabalho apontamos a estreita relação entre em novasbasesde um saber fazer mais adequadoa uma escolaque
cresceu e se diversificou quanto à clientela".28
a concepção de capital humano e uma determinada concepção redu-
zionista de educação e de ensino (ver Capítulo 1). A ênfase na efi- A visão tecnicista da educação responde duplamente à ética
ciência e produtividadeda escolavai reclamarnão só uma orgam- economicistade educaçãoveiculada pela teoria do capital humano
e constitui-se,a nossover, numa das formas de desqualificaçãodo
27. Vale registrar que o exame do acessoao ensino superior no.Rio de
Janeiro -- dados de uma série histórica que vai de 1976 a 1980 -- indica que processo educativo escolar. Saviani demonstra, em suas análises, que
os cursosde educaçãoe as licenciaturassão invariavelmente,.
tanto para o a perspectiva tecnicista da educação emerge como mecanismo de
ensinopúblico quanto para o privado, um /oclls onde são relegadosmuitos
daqueles a quem a seleção social do vestibular não faculta .outras "escolhas'
(Ver Cesgranrio, Vestibular como diagnóstico do sistema educacional. Rio de
Janeiro. 1979.Relatório preliminar de pesquisa).Num estudo do caso que 28. Namo de Me]]o, G. ]b/ágil/éríode /.o arar/ -- da rompe/êncíatécnicaao
estamos efetívando numa 'universidade privada, com aproximadamente 16 mil compromisso po/íríco. São Paulo, Cortez-Autores Associados, 1982: Esse.traba-
alunos, 609o dos que deles estão matriculados no curso de pedagogia--.nãa balho representa um significativo avanço na compreensão da problemática do
tinham como primeira opção este curso. O exame, por outro lado, dos pedidos fracasso escolar", em suas determinações estruturais e no âmbito d4 própria
de transferências internas. nas universidades, revelam que a entrada nesses escola. (Ver também, Coelho, M. 1. A questão política do trabalho pedagógico.
cursos é utilizada como um mecanismo de burla à seletividade social do vesti- In : Brandão, C. R., org. Educador; vida e morte. Rio de Janeiro, Graal, 1982.
bular. As transferências pressionam sempre no sentido dessescursos para aque- P. 29-49).
les cursos de acessomais difícil.
169
168
recomposiçãodos interessesburgueoesna educação.Indica, por outra não é a elevaçãodos filhos dos trabalhadoresaosníveis mais altos
parte, que esta concepção, se articula com o próprio parcelamento da cultura e do próprio saber processadona escola,mas a elitização
do trabalho pedagógico,que, por sua vez, decorre da divisão social do processo escolar como mecanismo de reprodução das relações
e técnicado trabalhono interior do sistemacapitalistade produção. económico-sociais que perpetuam a desigualdade.
172 173
2.o graus e, por extensão, no contexto global do ensino, 3.o e 4.o versidade.A preocupação do Estado -- que no capitalismo monopo-
graus -- sem uma ponte levadiça quanto à ascensãosocial. O ensino
supletivo,na intenção da reforma, estipula os conceitos: 'suplência', lista passaa ter papel crescentede gestor das crisesdo capital no
suprimento',como espéciede /a/za-caprína, uma escolásticacerebrina seuconjunto -- é que a universidade,além de cumprir seu papel
na decadência da Idade Média. 'Suplência' e 'suprimento' são esca- de formadora de quadros dirigentes, tecnocratas, gerentes, etc., e seu
moteações:mudar os clichês educacionaissem mudar o sistema
social. Pois a idéia de 'suplência', para a educação de adultos, e de papel ideológico, cumpre também a função de uma espéciede vál-
suprimento' para ensino de diferentes níveis, na perspectiva de edu- vula que abre e fecha de acordo com os diferentes ciclos das conjun-
caçãopermanenteformulada pelo relatório da reforma de ensino.de turas económicas. (Ver Gianotti, J. A., 1980)
l.o e 2.o graus, encobre a divisão de classes na sintaxe e'na semân-
tica política, moldadaspela burocracia.A falácia tecnocráticaé o
remédio heróico para salvar ou resguardaro imobilismo social. Os processosde seletividade social, como se pode depreenderde
isto é, conservar a rígida estratificação social.". (Mendes, D. T
1978, P. 35). sua evoluçãohistórica, são cada vez mais dissimuladose tecnica-
mente mais apurados de sorte que tais processos se revestem de uma
Vale ressaltarque, ao longo dos 12 anos de sua implantação,''a pretensa meritocracia.
lei que não era para pegar"3t vem merecendo,por parte do Estado,
;Para que a meritocracia tenha aparência democrática, dando a
mudançasque alteram sua proposta original. Trata-se de readapta- todos igual oportunidade, a base da pirâmide é expandida ao má-
ções propostas como mecanismo de ajustamento -- dentro da ótica ximo, (podendo) até incluir toda a populaçãono grau mínimo de
circular do interesseda classedominante-- patrocinadaspelo próprio escolaridadeobrigatória. Ao mesmo tempo, porém, a altura da pirâ-
mide aumentasem cessar,pois a estrutura social capitalistanada
Estado, ou mudançasforçadas pela própria crítica que se amplia em tem de igualitário e o papel da escolaé essencialmenteselecionador.
diferentes segmentos da sociedade civil. O Parecer n.o 76/75 repre- Entre base e altura da pirâmide tem que haver uma tal proporção
que apenasuma oração 'adequada' da clientela possa alcançar os
sentou, na análise efetivada por Cunha, a "reforma da reforma' estágiosmais altos." (Singer, P., 1980,p. 3).
(Cunha, L. A., 1982) e, atualmente, a proposta da retirada da obri-
gatoriedade compulsória do ensino profissionalizante consubstancia a Isto, entretanto, com relação especialmente ao ensino superior
'reforma da reformada reforma". (Cunha, L. A., 1982). no Brasil nasúltimas décadas,nem sempreocorreude acordo com
os interesses dominantes. A tendência, como vimos anteriormente,
Em relação ao ensino superior, o que se pretende também é a ditada,de um lado, pela própria forma de organizaçãoda produção
mudança dos números sem a mudança das coisas numeradas.As me- que leva a uma crescenteconcentração económica e um conseqüente
didas da política do Estado neste nível de ensino apontam na direção deslocamento dos canais de ascensão social,SZdeterminando que novos
de uma estratégia calcada em mecanismos de seletividade mais osten- segmentos da sociedade pressionem pelo acesso à universidade; e, de
siva, ou mediante formas de uma aparente democratizaçãoque escon- outro, pelaspróprias forças progressistasda sociedadecivil que con-
de a seletividade
ou a desqualificação
do ensinono interior da uni- cebem a universidade dentro de um âmbito sócio-cultural e político
diverso dos interessesdominantes,33é de elevar os patamaresesco-
lares, para uma população cada vez mais ampla, muito acima daquilo
31. Brandão, Z. A lei que não era para pegar. l?oZefím de Doczzmenfação que seria funcional ao sistema.
& //z/armação Téc/zíca. São Paulo, SENAC, (519):11, 20 de maio de 1982.
Vale ressaltar.que em alguns casos, quando a reforma buscou ser aplicada ten-
tando superar seu caráter anacrónico e de artesanato deformado, as forças
sociais dominantes não aceitaram. Ver a esserespeito a dissertação de Antânio 32. Sobre este aspecto, L. A. Cunha contesta as teses usuais que explicam
Mãniio, Centro intercolegia! integrado de Tubarão -- a teoria na prática. a expansãodo ensino superior, seja como mecanismo de melhoria do ensino
Rio de Janeiro, IESAE/FGV, 1981. Grzybowski mostra igualmente, em recente degradadonos níveis anteriores, seja como a tese da democratizaçãosocial,
estudo sobre "formação profissional de trabalhadores rurais da cana", que mediantea teseda "recomposição" dos canais de ascensãosocial. Cunha, L. A.
existe uma estratégia de "esvaziamento das propostas de formação profissional A expansão do ensino superior -- causas e conseqüênçías.Revista Debate e
Críríca, Rio de Janeiro, n. 5, 1979.
por parte dos patrões". (Ver, a esserespeito, Grzybowski, C. 4 /armação pro-
/fx ío/za/ de fraga/Aadorm rzíraír da carta: o aprendizado nos cursos face ao 33. A questão da organização da universidade e a sua gestão tem-se cons-
aprendizado no trabalho e na vida. Rio de Janeiro, LESAR/FGV, 1982, tituído, especialmentenas últimas décadas,num local de embate onde se con-
mimeogr.) . frontam as forças reaçíonárías dominantes, interessadas em manter a univer-
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diplomados a nível superior e que tal diploma garante o exercício de
um trabalho qualificado e mais bem remunerado.
Sob o primeiro aspecto, convém notar inicialmente que na anual
fase do capitalismo a propriedade deixou de ser o principal meio de
ascensãosocial. Hoje, as principais posições de poder, nas empresas O problema crucial que se apresenta ao Estado em relação à
monopolistas, no aparelho de Estado e nas grandes instituições não- política educacional, dentro de sua função de gestor dos interesses
lucrativas (universidades, hospitais, museus, centros de pesquisa, etc.)
não sãoocupadaspor 'proprietários', mas por 'tecnocratas'-- pessoas do capital e, enquanto tal, instrumento de criação das condições para
que exibem como credencialmais importante para exercer poder e a consecuçãodessesinteresses,é, uma vez mais e especialmente no
conhecimento. Estamos vivendo numa pretensa meritocracia, ou seja, nível superior de ensino, como manter essenível funcional à divisão
num sistema em que a repartição das pessoasnas escalashierárquicas
do poder se pretende fundamentar exclusivamente na competência social do trabalho, à divisão entre organizaçãoe execuçãoda pro-
alicerçada no conhecimento superior. 'Manda mais quem sabe mais'. dução. Em suma como manter a estrutura do privilégio -- arcabouço
Ora, se esta é -- senão a realidade -- a alusão dominante a res- básico da sociedade de classes.
peito do que deveria ser a realidade, que instituição é mais apro-
priada para julgar o saber do que a escola?" (Singer, P., 1980,
P 3) A reconstituição histórica dos processos de seletividade no en-
sino superior indica vários mecanismos que concorrem para esse
O diploma superior, embora não seja uma condição suficiente, passa controle.
a ser uma credencial necessária para o acesso a essas posições.
Com a crescente pressão pelo acesso ao ensino superior, os me-
A expansão que se dá no ensino superior na fase de internacio- canismos de seletividade social tendem a ser cada vez menos na
nalização acelerada da economia nacional (fins da década de 60), entrada, e cada vez mais pelo tipo de instituição e qualidade de
quando a crise estudantil atingiu contornos de ameaçaà ordem po- ensino que ministra, pelo tipo de curso ou carreira. Em recente estudo
lítica, tem, no início, seu efeito -- pelo menos parcialmente-- tanto de que participamos sobre vestibular como diagnóstico do sistema edu-
político quanto económico.Entretanto, uma décadae meia se passou cacional e social,3{ analisando uma série histórica de dados do Ces-
e o ''milagre brasileiro" revelou sua verdadeira natureza. A economia granrio, constata-se uma hierarquização social das carreiras, bem
:nacional" está a mercê do capital internacional e o país manietado como uma composição social diversa nas instituições públicas e priva-
pelas decisõesdo Fundo Monetário Internacional. A concentração das, até mesmo dentro da mesma carreira ou curso. Exemplo: cursos
agudada renda,de um lado, e a inelasticidadeda oferta de empre- de engenharia, medicina, arquitetura: etc.
gos compatíveiscom o nível superior,de outro, conformamum
quadro de diplomados a nível superior que constitui o exército dos Na análise histórica dos processos seletivos de acesso ao ensino
"favoritos degradados", como os caracteriza Prandi, na análise do superior, efetivadano estudo aludido, foram detectadastrês grandes
mercado para egressosdo ensino superior. (Prandi, R., 1982). A etapas, associadas à forma de organização económico-política da
crise do final da década de 60, administradapelo Estado, mediante sociedade:
essencialmente a expansão do ensino privado, reaparece, concreta-
mente, num nível mais agudo: o desempregodos diplomados. Desfaz-se 'a primeira, em que o recrutamento dos futuros destinatários se
o mito de que o progressotécnicodemandacrescentecontingentede realizava e era organizado dentro do próprio aparelho escolar, atra-
vés dos seusregimentos de regulamentaçãode cada curso. Foi um
período de seleção e/érrepoucos, abrangendo os séculos XVI, XVll,
XVlll e XIX e início do século XX; a segunda, em que o controle
do acesso na própria instituição se mostrou ineficaz, acentuando-se
sidade dentro do s/a/us que, e as forças progressivas que buscam construir uma assim a preocupação com a elaboração de uma legislação específica
universidade comprometida com a transformação das relações sociais vigentes. para ingresso.Foi uma fase que inaugurou a ieleção para a. con-
Diversos estudos analisam esseembate.(Ver Cunha, L. A. A universidade crí-
tica: o ensino superior na República populista. Rio de Janeiro, Francisco Alces,
1983; ver também Verga, Laura. Os projetos educativoscomo projetos de
classe: Estado e universidade no Brasil ( 1954-1964). Revísfa Educação e Socie- 34. Cesgtanxio.O vestíbular como diagrtóslico do sistema educacional,
dade, São Paulo, Cortez (11) :25-70, jan. 1982). OP. cit.
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fe/zção e na qual se sacramentou o exame do ingresso como meca-
nismo seletivo. Ele compreendeuas décadesde 20, 30 e 40 do nosso trabalhadores assalariados,dentro de um esquemade parcialização de
séculos e. finalmente, a terceira, a da seleção Cafre 'mzzí/os', na qua! tarefas, representanão só a perda do controle sobre seu processo
a competiçãosofre uma crise de controle e exigiu o refinamento do
exame'vestibular e a criação de órgãos e instituições com a finali- produtivo e a definição de seusganhos, como também uma subjuga-
dade de repensa-lo e reelaborá-lo continuamente. Esse período..se ção cada vez mais aguda às leis das relações capitalistas de trabalho.
iniciou após a ll Grande Guerra e permanece até nossos dias".3S
Se essemecanismomais radical de controle, a par de outros,
Deve-se observar, entretanto, que a par destes mecanismos ins-
titucionais, legais, paralelamente desenvolvem-se,no interior das pró- representaa forma de o Estado, guardião dos interessesdo capital no
prias relações de trabalho, mecanismosde controle sobre os proas seu conjunto, manter sob seu controle a produção dos "graduados"
sionais de nível superior. especialmenteem determinadas áreas, não é suficiente para contor-
nar a ampliação das contradições que emergem da contradição fun-
Para exemplificar, é interessanteobservar que para determinadas damental capital/trabalho. Como assinala C. Nunes,
carreiras, que nascem historicamente com uma especificidade bastante
;identificando-semais com o trabalhador do que com a classediri-
definida no interior da organização e do desenvolvimento do processo gente tais categorias ganharam consciência mais aguda do desgaste
capitalista de produção no Brasil -- medicina, engenharia, direito -- de suas condições sócio-econâmiças.Este fenómeno demonstra o
caráter contraditório da própria expansãocapitalista.Ao mesmo
(Id., ibd., p. 23-128) à medidaque o processocapitalistade produ- tempo em que, para manter-se,o capitalismo sacrifica as condições
ção se torna dominante e à medida que estas carreiras se expandem de trabalho e de vida destes profissionais, proporciona, través des-
muito além do funcional aos -interessesdo capital, buscam-se formas tas mesmas condições deterioradas, a oportunidade do exercício de
uma prática política que se caracterizana percepçãoda oposição
concretas de controle dessas áreas. Tal controle passa pela própria entre os interessesdo capital e do trabalho". (Nunes, C. op. cit.,
desqualificação dessascarreiras pelas t:ondições concretas de como o P 132)
Estado vai gerir a universidade; pela política de privatização e comér-
cio do ensinosuperior,etc. Por estecaminho fica fácil até justificar Em suma, o que queremos destaçar até aqui é que, efetivamente,
o controle do acessoa essasprofissões,como de resto a outras, con- a escola enquanto instituição que se insere no interior de uma forma-
trapondo quantidade a qualidade.3e ção social, ond.e as relações sociais de produção capitalista são domi-
nantes,tende a ser utilizada como uma instância mediadora, nos dife-
Entretanto, o mecanismomais radical -- inseridonão no interior rentes níveis, dos interessesdo capital. Essa mediação, entretanto, à
da universidade, mas no interior do processo de trabalho -- é o avil- medida que se efetiva no interior de relações sociais,onde estão em
tamento das relaçõese condiçõesde trabalho dessascategoriaspro- jogo interessesantagónicos,não se dá de forma linear. Por isso é que
fissionais. A passagemde profissionais liberais para a condição de a gestão da escola adequada aos interessesdo capital Ihe é historica-
mente problemática. A escola que interessa à grande maioria dos
que a ela têm acesso-- ou que gostariam ter -- não é a escola re-
querida pelos interesses do capital. Numa sociedade organicamente
35. Nunes, Clarice. O que você vai ser quando crescer ou a trajetória do montada sobre a discriminação e o privilégio de poucos, não há inte-
desemprego.Parte do estudo sobre yesfíóular como dlagnósrícodo iisfema
edücacio/za/, op. çit., p. 129. ressepor uma escolarizaçãoque nivela -- em quantidade e qualidade
o acesso efetivo do saber.
36. Esse argumento é. parte obrigatória do discurso dos que ao mesmo
tempo, e contraditoriamente, propalam a democratização..do.ensino superior,
mas logo põem a restrição do não-rebaixamentoda qualidade..Julgamos que A desqualificação da escola, por diferentes mecanismosaqui
a colocação feita por Gramsci, a esse respeito desmascara..claramenteessa apenasreferidos, constitui-se, ao lado dos mecanismos inseridos no
ambigüidade -- muito produtiva -- para os defensores da.elitização. "( . . )
dado que não pode existir quantidade sem qualidade e qualidade sem quanti- próprio processoprodutivo, numa forma sutil e eficaz de negar o
dade, toda a contraposição dos dois termos é racionalmente um contra-senso acessoaos níveis mais elevados de saber à classe trabalhadora. Esta
( . . .) sustentar a "qualidade" contra a quantidade significa.apenas isto: man-
ter intactas determinadascondiçõesde vida social, nas quais alguns são pura negação,por sua vez, constitui-se numa das formas de mantê-la mar-
quantidade, outros pura qualidade"(Gramsci, A., op. cit., P. 50.) ginalizadadas decisõesque balizam o destino de sociedade.A des-
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-- formação para a democracia e para a cidadania. Ora, como vimos Trata-se da postura que secundariza -- no processo de instrução
em 3 . 1, a proposta de Dewey é uma proposta aparentementedemo- e formação escolar da maioria discriminada -- as condições objeti-
crática como todas as propostas liberais, mas que ensejou medidas vas; no dizer de Gramsci, ''a realidade rebelde" que demandaesfor-
concretas de uma escola mantenedora da discriminação e do pri- ços inauditos para transforma-la, e que condiciona a aquisição de um
vilégio. aprendizadoque é fundamental para a formação da consciênciade
classee a organizaçãoda classetrabalhadorana luta por seusinte-
Um encaminhamento desta natureza, circunscrito historicamente ressesmais amplos, radicados no modo de produção de sua existência.
nas mudançasda política educacionalbrasileira em relação à profis- O desvio situa-se, uma vez mais, na não-apreensão da especificidade
sionalização de l.o e 2.o graus, pode referendar, como solução do política e técnica da prática educativa escolar na relação com as
fracasso da profissionalização, as medidas que se vêm tomando de demais práticas sociais. Na prática isto se revela pela maior preocu'
simplesmenterevogar a obrigatoriedade da profissionalização e acen- pação com o discurso ideológico do que com o fornecimentode uma
tuar o caráter genérico do ensino academicista base concreta de conhecimento vinculada aos interesses ideológicos
e políticosda classetrabalhadora.30
Trata-se;de certoângulo,do
Se concretamente a forma como se introduziu a profissionaliza- reverso da visão tecnicista que empresta aos meios o caráter neutro e
ção se constituiu num mecanismode desqualificaçãoda escolae num suficiente para resolver as "mazelas" da educação e, por esta via, as
desvio na apreensão do avanço do progresso técnico e das forças da sociedade.
produtivas, a revogação da obrigatoriedade e a volta ao ensino abstra-
to, genérico não significam um avanço na direção dos interessesdos Esta, porém, não é uma questão trivial.e o risco de mal-enten-
dominados. Pelo contrário, significam, apenas, um mecanismo de didos é grande. Este risco situa-se num duplo nível: na separação
readaptação aos interesses dominantes. entre as dimensõespolítica e técnicada educaçãoe na não contex-
tualização histórica da articulação destas dimensões.
O que fica temavez mais negada é a organização da escola capaz
de formar, desdeo nível elementar-- como aponta Gramsci,em Compreendendo-se a prática educativa escolar como sendo uma
sua concepçãode escola unitária -- cada cidadão e todo cidadão prática política e técnica que não se situa ao mesmonível da prática
concomitantementepara a SociefasAomínum (consciênciados direi- fundamental das relações sociais de produção que condicionam o
tos e dosdeverespara introduzi-lona sociedadepolítica e civil) e a modo de existênciados homens,nem da prática ideológica e política
soclefasleram (conhecimentocientífico para dominar e transformar que sob essabase se estrutura, a influencia e a modifica, resta espe-
a natureza).37 cificar a natureza da dimensão política e técnica da educação e como
se articula com o conjunto das práticas sociais.
O encaminhamentodo resgateda prática educativaescolar,para
que a mesma se articule com os interessesdos dominados, firmado na
ética apenas ideológica ou político-ideológica, reforça um outro tipo
de açãoconcretabastantepresenteem setorestidos como de "van-
guarda" no campo educacional,e que pode se constituir numa das 38. O problema levantado por Saviani, num dos seminários de tese (São
armadilhas anteriormente aludidas. Paulo. PUC, 26.11.82), com respeito à escolas dos sindicatos, situa o plano
por onde passa essaquestão. A escola do sindicato pode pautar-se em cima de
objetivos mais sindicais, político-ideológicos que propriamente no fomecimento
de um instrumental básicopara o conhecimentoda iocíefas rerum e da iocí fas
hominum.Esta escolade per si não garanteque os interessesdo trabalhador,
vê no saber que se produz na escola um valor,. sejam atendidos. A arti-
37. Adiante retomaremos esta questão. (Ver Gramsçi, A. A organização culação da escola çom a'luta que se trava a nível sindical e dos .movimentos
da escolae da cultura; e para a investigaçãodo princípio educativo.In: Os í/z/e- da classetrabalhadoranão supõeque a escolaseja formalmentedo sindicato.
les/vais e a orgarzização
ia curfz/ra.Rio de Janeiro, Civi]ização Brasi]eira, ] 979, Saviani sintetiza essadiscussãono'texto: "Onze teses sobre educaçãoe polí-
P. 117-28,129-40). tica". In: Savianí, D. Esmo/ae democracia. São Pauta, Cortez, 1983.
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O primeiro aspectoa se ter claro é, então, que a naturezada dimensãoquando afirma que "os limites da democratizaçãoda escola
coincidem com os limites da democracia na sociedade de classe", e
dimensão política da ação educativa escolar, enquanto ação que se
que "(. . .) lutar para o progresso da democratização da escola é
dá num espaço de uma prática não fundamental, mas mediadora,
não se define dentro dos "muros" da escola,mas nas relaçõessociais lutar por alguns obstáculos ao progresso da democratização da socie-
dade".(lanni,O., 1963,p. 94 e 205). Essaluta maisampla,como
de produção da existência.Isto indica, ao mesmotempo, que a ação
educativa escolar, sua dimensão política, se vincula e recebe a deter- vimos anteriormente, é que dá a direção política da ação educativa
minação na luta hegemónica que se efetiva entre as classesnas prá- escolar que se explicita na escola, pela forma de articular o saber
ticas sociais fundamentais,e que ela não é uma ação política que com os interesses hegemõnicos da classe trabalhadora; e, finalmente,
se dá no mesmo nível da ação política que se desenvolve no interior tanto a primeira quanto a segundadimensõesimplicam a mediação
dessas práticas. da competência técnica e de instrumentos materiais mediante os quais
se transforma a "realidade rebelde" da negação do saber à classe
trabalhadora. Apropriar-se do saber objetivo que lhes é negado his-
A especificidade da dimensão política da ação pedagógica esco-
lar está exatamentena articulação desta ação na linha dos interesses toricamente pela classe dominante a nível de instituição escolar, de
hegemânicos de um determinada classe social. A dimensão política instituições culturais, e expropriado a nível do processo produtivo
da ação pedagógica na linha dos interesses da classe trabalhadora onde o capital se apossa do saber coletivo da classe trabalhadora, é
se concretiza à medida que se busca viabilizar uma escola que se uma tarefa que transcendeà vontade política, ainda que esta seja
organiza para o acesso efetivo do saber que Ihe é negado e expro' ponto de partida. O resgateefetivo de uma escola de qualidade que
priado pela classe dominante.
alfabetize de fato condiciona, grandemente, a possibilidade de se
fazer da escolaum espaçoque reforça e amplia os interessesda classe
O ponto de partida e de chegada,portanto, da ação educativa trabalhadora. Este resgate demanda organização, disciplina, quali-
que busca viabilizar os interesseshegemânicosda classe trabalhadora ficação técnica e direção política, e necessita de intelectuais que reú-
é político. Enquanto ponto de partida, a determinaçãoda direção nam, ao mesmo tempo, a capacidadetécnica e a opção política na
da prática educativaescolarque articula os interessesda classetra- direção dos interesses dos dominados.
balhadora nasce na luta mais ampla das relações sociais de classe;
enquantoponto de chegada,implica a apropriação concreta de um Circunscrita a prática educativa escolar dentro da unidade ne-
saberobjetivo que, articulado com o interesseda classe trabalhadora, cessáriada dimensãopolítica e técnicae, tendo essaunidadecomo
reforça e amplia a sua luta hegemónica.
ponto de partida e de chegada os interesses da classe trabalhadora,
qual o elemento histórico que estabeleceessaunidade diversa a nível
Entretanto, não basta a direção política adequada aos interesses de escola e o articula com essesinteresses hegemânicos mais amplos?
da classetrabalhadora à medida que a aquisição do saber que pos- Ou, noutrostermos,qual a categoriahistórica que articula a media-
sibilita um nivelamentopara o ''alto", da maioria discriminada,de- ção política e técnica da escola com o movimento da luta pelos inte-
manda condições objetivas que passam pela mediação de exigências resseshegemõnicosda classetrabalhadoraque se dão ao nível das
e de competência técnica. práticas sociais fundamentais?
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A relação diabéticahomem-trabalho-homemnão significa ape- precípua a formação do cidadão para a democracia (abstrata) é,
nas que o homem, ao transformar a natureza,se transforma a si um vez mais, cair na armdilha que reservauma escolade elite para
mesmo, mas também que a atividade prática dos homens é o ponto a classedirigenteé uma ''multiplicidade de escolas",que vão desde
a escola formal desqualificada, "escolas'' profissionalizantes (priva-
de partida do conhecimento e a categoria básica do processo de
conscientização.
Esta concepçãodo trabalho humano como o fun- das ou público-privadas), de formação profissional (SENAI, SENAC,
damento do conhecimento e da conscientização, como já aludimos SENAR), treinamentona empresa,até a "escola" daspróprias rela-
anteriormente,é explícito em Marx, no prefácio de Corzfrfbaiçãoà ções capitalistas de trabalho no interior do processo produtivo, para
Críflca da Ecorzomia PoZíflca, afirma: a classe trabalhadora.
Tomando-se, então, as relações sociais de trabalho, mediante a) o primeiro relaciona-se com a compreensãoteórica de que dis-
pomos sobre a evolução da reflexão marxista (sem ortodoxia,
as quais os homens produzem sua existência, e o trabalho, enquanto mas também sem ecletismo) na proposta da unidade entre ensino
tal,'como o princípio educativo, a análise da escola que se articula e tuba.Iho produtivo, escola politécnica e trabalho como princí-
com os interesses da classe que tem seu trabalho alienado, expro- pio educativo, na linha dos autores supracitados;
priado, não passapela separaçãoentre escolae trabalho, mas se
situa na apreensãoda "escola do trabalho",30 como nos é posta den- b) o segundoaspectodiz respeitoà concretizaçãohistórica do tra-
tro da evolução da concepçãomarxísfa de escola politécnica. balho como princípio educativo e como elemento da unidade
entre a dimensãotécnica e política da prática educativa escolar
Se objetivamente a forma do capital expropriar a classe traba-
e as práticas fundamentais, em formações sociais capitalistas
como a brasileira, onde a passagem para a socialização dos resul-
lhadora, tanto e principalmente pela forma de .organização.do pro- tados do trabalho coletivo se apresenta apenas como possibilidade,
cessoprodutivo, quanto no interior das instituições.educacionaise mas cuja realidade se pauta na exploração da classetrabalha-
culturais, se dá pela separação dessa classe das condições objetivas dora, a nível do processoprodutivo e a nível da exploração polí-
de sua produção, a direção da luta, dentro do processoprodutivo e tica pelo próprio Estado, que zela pelas condiçõesde ampliação
dentro dessas instituições, é o resgate desta unidade. do capital.
Pensar a educação escolar ou não-escolar separada do mundo Sobre o primeiro aspectoque nos possibilita, cremos,um enca-
do trabalho, das relações sociais de produção, e dar-lhe como função minhamento para situar o segundo, não obstante o caráter sempre
%l$?:B#B;lHHliRWg!
o trabalhosociale o processoprodutivoreal.
Marx, a Lenine e Gramsci,não queremosdizer que a mesmase esgote.em
suas análises. Apenas estamos demarcando a direção que nos parece historica-
mente adequada.
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polêmico das interpretações,em face de literatura já existente,limo mesmo; é alienado, degradado. "No proletariado o homem perdeu-se
tamo-nos apenas àquilo que julgamos importante para o encaminha- a si mesmo." (Lenine)
mento final deste trabalho.aí
A união do ensino ao trabalho produtivo e um ensino politéc-
Da discussão que se empreende sobre o princípio da união entre nico éi pois, uma concepçãoorgânica implicada no movimento da
ensino e trabalho produtivo4z nos escritos de Marx, especialmentedo criação das condiçõeshistóricas de uma sociedadeonde o homem
trabalho de Manacorda,úaque efetiva uma análise exaustivada pro- total e todo homemse humanizepelo trabalho O caráterpolitécnico
posta pedagógica marxista, o que importa reter são alguns aspectos do ensinodecorreda dimensãode um desenvolvimento
total das
básicos. possibilidades humanas, onde, como afirma Marx, na /deoZogia a/emã,
os pintores serão /zombres que además pinfen.
PrimQjramente,é importante salientar que a atualidade do prin-
cípio da união ensino e trabalhoprodutivo se radica menosa uma A escola politécnica, cuja organização básica envolve o desen-
ortodoxia sem história e muito mais à substantividadee ao caráter volvimento intelectual, físico, a formação científica e tecnológica ç
revolucionário desta concepção, um século depois de sua formulação. a indissociabilidadedo ensinojunto ao trabalho produtivo, ao mesmo
O que é relevante fixar e historicizar é que a união ensino e trabalho tempo que é posta como a escolada sociedadefutura -- onde se
produtivo, e a defesa de formação politécnica, decorrem, no âmbito tenha superadoa divisão social do trabalho e "o trabalho se tenha
teórico, político e prático, da própria luta de reconquista,pela classe convertido não só em um meio de vida, mas na primeira necessidade
trabalhadora, das condições objetivas de sua produção, isto é, da da vida" -- indica a direção da luta, no interior da sociedadebur-
reconquistade algo que é a própria possibilidadede a classeser guesa, por uma escola que. atenda aos interesses da classe traba-
redimida da sua degradação.A união ensinoe trabalho produtivo lhadora.
decorre,então, ãa luta pelo resgateda relação objetiva que o homem
perdeu para produzir pelo trabalho, em relação aos demais homens, O surgimento das condições efetivas para a formação politéc-
sua existência, mediante o surgimento da propriedade privada. Na nica, que implicam a existência concreta da unidade entre teoria e
perda do poder de apropriar-se,como proprietário coletivo das con- prática, entra em contradição com o modo de produção capitalista.
dições de sua produção física e psico-social,o homem perde a si
De que forma, então, a escolapode contribuir para que, no
interior dessa contradição, se criem as condições para a superação
da contradição?
41. Cândida G. Vieitez, no seu trabalho sobre os "professores e a orga-
nização da escola", efetiva uma discussão sobre a concepção de educação Esta tarefa não é de fácil apreensão,pois, como nos indica
Marx-Engels, Lenine e Gramsci, destacando a base comum e as especifici- Snyders,
dades da concepção de cada autor. Considerando-se que -os aspectos quc abor-
damos sobre a concepção dessesautores se atêm a uma visão mais específica,
é interessanteque o leitor, que não tem possibilidadeimediata de ir às fontes, a escola, como o movimento operário, implica um equívoco: só
consulte essa obra. (Vieitez, C. G. Os pro/eisorei e a organização da escola. conseguirá interpretar plenamente seu papel numa sociedade reno-
São Paulo, Cortez-Autores Associados, 1982, p. 11-24). vada e, ao mesmo tempo, compete-lhe, dia após dia, desempenhar
42. Em relação à concepçãode trabalho produtivo, ver o item 3.2 um papel". (Snyders,G., 1981,p. 392).
43. Manacorda efetiva uma análise do pensamento pedagógico de Marx
partindo dos Princípios do corou/zixmo,escritos por Engels, passando pelo Lenine e, especialmente,Gramsci, partindo da concepçãomar-
À/anf/es/o de/ Parfído Comzírzísra, que se estrutura tendo como base esses xista de escola politécnica e da inseparabilidade de ensino e trabalho
princípios, passa pelas //zifrlfccío/zei a /os de/egadoi, o Cáfila/ e a CTÍfíca ao
programa de Grota. ÇVet Manacorda, M. Mail ? la pedagogia de nuestro produtivo -- concepçãoque está mais voltada, em Marx, para a
fíempo. Romã, USPAG, 1966, p. 19-48; ver também Marx, K. & Engels, F busca de superaçãodas condições estruturais da divisão social do
Crífícczda edzlcczção
e do enrfno. Lisboa, Mordes, 1978, 265 p.) trabalho, separaçãoentre trabalho intelectual e manual -- estabe-
188 189
lecem alguns avanços significativos para a compreensão do papel O adventoda escolaunitária significa o início de novasrelações
que a escola pode ter em sua dimensão técnica e política, no interior entre trabalho intelectual e industrial não apenas na escola mas em
da sociedade burguesa, na articulação dos interesses da classe tra- toda a tida social. O princípio unitário, por isso, refletir-se-áem
todos os organismos da cultura, transformando-os e empreendendo
balhadora e no movimento global pela transformação da sociedade .lhes um novo conteúdo."44
de classes.
Esse alargamento da concepção pedagógica marxista somente
Em Lenine, as tesespedagógicas
de Marx não apenassãoreto- pode ser entendido dentro da elaboraçãoteórica, compreensãohis-
madas como vão se constituir, após a revolução de outubro de 1917, tórica e prática política em que Gramsci está engajado. Se é possível
na basedo sistemaescolar e da ação programáticada escolapoli- discernir, metodologicamente,as formulações teórico-interpretativas
técnica. Uma escola politécnica "que dé a conocer, en la teoria y mais gerais de suas aplicações em realidades específicas, não há como
en la prática, todas las principales ramas de la producción", e que separar Graàsci(Maré, Lenine), pensador e político.
estáfundada sobre o "entrecholazo de unión de la enseíianzacon
el trabajo productivo de los muchachos".(Lenine, 1954, p 47) A análise que Gramsci faz da escola única e do caráter poli-
técnico da escola se situa, então, no bojo mais amplo da análise
Do pensamento pedagógico de Lenine, o que nos parece rele- que o mesmo faz da questão das classes sociais, da hegemonia, do
vante enfatizar, dentro dos propósitos deste trabalho, é a explicitação partido e do intelectual no contexto de um capitalismo monopolista.
da dimensãopolítica da prática educativa,a que nos referimos ante- 'Subjaz à especificidade dessas análises uma questão fundamental que
riormente. Ao mesmo tempo que situa o ponto de vista da classe une a reflexão teórica à prática política em Gramsci. Trata-se de
trabalhadora como ponto de partida da escola que articula os seus entender
porqueno interior do capitalismo
monopolista,
no Oci-
interesses,pondera que não se trata apenas de saber palavras de dente, a passagempara a sociedade socialista é mais complexa, e de
ordem. Ao se dirigir aos jovens, criticando a tendência de ver tudo se situar o espaço e os mecanismos onde se articula esta passagem.
o que se fez "na velha escola" como algo livresco e inútil, adverte
para a necessidade de se extrair desta escola o que é indispensável Ao buscara resposta
a essaquestão,comovimos,Gramscié
para a sociedade comunista. levado a desenvolver, no âmbito teórico e prático, a questão das
relações de classe, da hegemonia, do Estado, dos intelectuais, do
Seria errado pensar que basta saber as palavras de ordem comu- partido, da escola e sua função.
nista. as conclusõesda ciência comunista, sem adquirir a soma de
conhecimentos dos quais o comunismo é conseqüência. O. marxismo
é um exemplo de como o comunismo resultou da soma de conheci- O que nos interessaaqui é apenasentender onde entra a ques-
mentos adquiridos pela humanidade." (Lenine, 1968, p 98)- tão da escolae por que Gramscivislumbrauma função importante
para a mesma no conjunto dos mecanismosque ajudam a classe
Se em Lenine o desenvolvimento das idéias pedagógicasbásicas trabalhadoraa superar,por um processocatártico, as visõesdo senso
de Marx encontram um avanço que nos permite vislumbrar de dentro comum, os interessesimediatos, corporativos ou meramente eco-
da escola, mesmo sob as condições capitalistas, um campo de ação nómicos, e se elevar para uma consciênciauniversal. Como, em
ainda que não determinante, mas fundamental para articular os inte- outros termos, a escola pode ajudar a classetrabalhadora partindo
resses hegemânicos da classe trabalhadora, em Gramsci encontramos
os elementosque mostramser essatarefa possívele viável.
190 191
do seu sensocomum,de sua cultura,a elaborare "explicitar seu lação política da concepção de Estado e, dentro desta nova visão,
saber, sua ciência e sua consciência' desenvolve
a análisedo papeldo intelectual,do partido,e situaa
função da escola.
Em termos esquemáticos, o que Gramsci faz para responder à
questão da complexidade da passagem do capitalismo ao socialismo, Gramsci, que vive uma época histórica onde o fenómeno estatal
no capitalismo monopolista, e dentro da qual se insere a análise do é mais complexo, vai perceber que as crises económicas não irrom-
papel da escola, pode ser posta nos tópicos a seguir.4s pem de forma catastrófica nas esferas superestruturais, mas são me-
diatizadas pelas instituições da sociedade civil. Sem desviar-se do
A sociedade capitalista, cândida fundamentalmente pelas classes núcleo central da teoria marxista de Estado (caráter de classede
fundamentais (burguesia e proletariado), se caracteriza por relações todo o poder de Estado), amplia a compreensãodo Estado como
sociais de produção da existência antagânica. Há nesse antagonismo sendo a sociedade política e a sociedade civil. A primeira designa
um jogo de relaçõesde forças-Estasrelações.
de força se dao ao o conjunto de mecanismosatravés dos quais a classedominante de-
nível das relações sociais, das relações económicas (que vão do tém o monopólio da coerção. A segunda designa o conjunto de orga-
momento corporativo, momento propriamente económico, atê o mo- nizações, aparelhos culturais e político-económicos, onde se situa a
mento político) e das relações militares. sede específica da hegemonia.
Tais relaçõesde força, que se articulam ao nível infra e super' Sociedade política e sociedade civil, embora tenham uma espe-
estrutural,na busca de consolidara hegemoniade uma classe,são cificidade, mantêm entre si uma unidade dialética. Em conjunto ser-
:vem para conservar e promover organicamente determinada base
explicitadas pelo conceito de bloco histórico
económica. de acordo com o interesse de uma classe fundamental.
O momento de consolidação do bloco histórico é, pois, marcado No interior da sociedade civil, as classes buscam exercer a hegemonia
por um embatehegemónico
que se expressapor um conjuntode pela direção e consenso,além de alianças com outros grupos. No
elementos em torno do interesse de classe. O processo pelo. qual interior da sociedadepolítica, encontramosos instrumentosde domi-
uma classe passade dominante (tenda como base o poder coercitivo) nação e coerçao.
para hegemónica demanda não apenas a direção política, mas tam- Para Gramsci, então, o processo de transição para o socialismo
bém a direção ético-cultural e ideológica.
não implica apenasa conquista do Estado (sociedadepolítica), mas
O conceito de hegemonia expressa a capacidade de direção, de também uma prática atava, organizada de criação da consciência
coletiva, a consciência de classe dos trabalhadores no interior das
conquista de alianças, de desarticulaçãoda classe antagõmca, na instituições da sociedade civil.
consolidaçãode um bloco histórico.
O intelectual e o partido entram no contexto desta tarefa. A
O desenvolvimentodo conceito de bloco histórico e de hege-
categoria intelectual é, na obra de Gramsci, um conceito central.
monia, na tentativa de entender a complexidade da passagemdo Parte da concepção de que todos os homens são intelectuais, embora
estado capitalista para o socialista, leva Gramsci a uma nova formu- nem todos desempenhema função de intelectual. Esta concepção
deriva do fato de que, em Gramsci, o conceito de intelectual é estru-
turado pelo lugar e função que ocupa no conjunto do sistema de
relações sociais, e não pela natureza do trabalho que realiza.
p U::.gm WÜl:lill:,T%Zzl.m:m;: cujo objetivo básicoé o fim do próprio Estado-- .'a reabsorçãoda
sociedade política pela sociedade civil". (Gramsci, A. /WaqzzíaveZ,
lata\
O princípio da escolaúnica e pública e a criação das condições Ao explicitar a base concreta da concepção de escola elementar
concretas para que esta escola tenda à homogeneizaçãoeliminam de única, Gramscinos permitedepreenderpor que o trabalho, tomado
imediato o caráter de privilégio e o elitismo -- elementos da essência como o "princípio educativo imanente à escola elementar", efetiva-
discriminadora da sociedade burguesa. O trabalho como princípio mente se constitui no elemento de unidade dialética entre a dimensão
educativo,por outro lado, indica que é pelo trabalho que o homem política e técnica da prática educativa.
e todo homem -- encontra sua forma própria de produzir-se em
relação aos outros homens. Indica, de outra parte, que não há razões "0 conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática)
de outra espécie,a não ser históricas,que justifiquem relações sociais é o princípio educativo imanente à escola elementar, já que a ordem
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196
A escolacriadora não significa ésçola de 'inventores e descobri-
dores':ela indicaumafasee um métodode investigação
e de
conhecimentoe não um programa predeterminado que obrigue à
inovaçãoe à originalidadea todo custo." (Id., ibid., P. 130).
tórÊo dialéticado mundo". (Id. ibid. P. 130). Dentro desta postura metodológica,o como e/ziínar está organi-
camenteligado ao que e/ilibar. Neste sentido, o sensocomum, as vi-
Este ponto de partida, dentro do esquemade escola posto.por sõesfolclóricas, o empírico imediato, a realidade complexa e diferen-
Gramsci. deverá desenvolver-se nos graus subseqüentes até conduzir ciada.sempreserãoo ponto a partir do qual se estruturauma visão
o jovem aos "umbrais da escolha profissional, formando-o, entre- crítica da realidade.
mentes, como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou con-
levar Em suma, na visão gramscianaa escolaúnica e politécnica as-
trolar quem dirige. (Id., ibid., P. 136). O ponto de chegadaé
a criança da classetrabalhadora a constituir-se num cidadão "que sume uma dimensão, ao mesmo tempo política e técnica, que se
possa se tornar governante e que a sociedade o coloque, ainda que estruturaa partir da luta de classeinscrita nas relaçõessociaismais
abstratamente, nas condições gerais de poder fazê-lo amplase que se articula no interior da sociedadecivil a nível dos
aparelhos de hegemonia.
A metodologia proposta e mediante a qual se desenvolve o tra-
balho escolar decorre, em Gramsci, uma vez mais da inseparabilidade Ao situaro trabalho
escolarbasicamente
no campoda luta
de sua reflexão teórica da atividade prática. Frente à realidade da hegemónica,Gramsci abre uma perspectiva para se apreender o espa'
criança da classetrabalhadora restringida, por sua condição de classe, ço escolar como um local onde se explicitam as contradições e anta-
no acessoaos bens económicos e culturais, e impedida de dispor dos gonismos de classes e onde se articulam interesses de classes.
instrumentos que Ihe permitem explicitar seu saber e sua ciência, as-
Sob este prisma fica evidenciada como enviesada a percepção
sinala-nos Gramsci que,
tanto da ''inutilidade da escola",para os interessesda classetrabalha-
dora, quanto da necessáriasubmissãodo trabalho escolaraos interes-
sesdo capital ou da classedominante.Pelo contrário, a escolarecebe
uma dimensão atava e relevante na tarefa revolucionária da classe
perar dificuldades inauditas". (Id., ibid., P. 139)
trabalhadora.
Na prática, a superação destas dificuldades vai demandar, fun- A escola. mediante o que ensina, luta contra o folclore, contra
damentalmente,organização,eficiência, disciplina e um certo grau de todas as sedimentaçõestradicionais de concepçãode mundo, a.fim
''coação" e "dogmatismo de difundir uma concepçãomais moderna,cujos elementosprimi-
tivos' e fundamentais são dados pela aprendizagem da existência de
leis naturais como algo objetivo e rebelde, às quais é preciso adap-
Os princípios pedagógicos da "disciplina", da "coação'. e do tar-se para domina-las,bem como as leis civis.e estataisque são
produto de uma atividade humana estabelecidas pelo homem. e
dogmatismo" no trabalho escolar devem ser interpretados no interior podem ser por ele modificadas visando seu desenvolvimento cole-
da luta contra o espontaneísmo
e como necessários
à superaçãodas tivo." (Id., ibid., p. 130).
diferenças socialmente produzidas pela sociedade de classes. Repre
sentamuma revisão dos princípios liberais da pedagogia atual. Sob o A concepçãode escolaúnica, politécnica, que tem no trabalho
manto da espontaneidade,criatividade, desenvolvimento da persona- humanoo seuprincípio educativo(teórico,político e técnico) e que
lidade podem estar-se legitimando e reforçando .os. interesses .bu5gue: postula uma prática pedagógica que, ao mesmo tempo, forme o ho-
ses. Sob estemesmo prisma, o caráter ativo e criador da escola única mem técnica e cientificamente, para a transformação da socíefas re-
não se confundecom atavismo.Trata-se,antesde tudo, de um método rum, e Ihe possibilite uma consciência política para a transformação
de investigação e conhecimento. da iocíefas /iominum, nos remete à segunda questão levantada neste
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tópico: como passar das categorias gerais da herança teórica marxista produtivo, nos movimentos de luta por seus interesses,nas diferentes
sobre a questão da escola, para a sua concretização específica dentro manifestaçõesculturais, mas que, pelo contrário, seja um /oczlsonde
de um contexto de uma formação social capitalista como a brasileira? este saber seja mais bem elaborado e se constitua num instrumento
Ou, em outros termos, em que sentido essaherança teórica pode ilu- que lhes faculte uma compreensão,mais aguda, na realidade e um
minar concretamente os trabalhadores que atuam na instituição esco- aperfeiçoamento de sua capacidade de luta.
lar, que se identificam, mas ao mesmo tempo se diferenciam dos de-
mais trabalhadores, para articular o trabalho escolar com os interesses A estratégia burguesa em relação à prática educativa escolar não
da classetrabalhadora no seu conjunto? Mais especificamente,por consiste apenas na negação do saber socialmente produzido pela clas-
onde passa a direção dessaprática que interessa à classetrabalha- se trabalhadora, senão também, da negação ao acesso do saber ela-
dora?
a borado, sistematizado e historicamente acumulado. A desqualificação
da escola para a classetrabalhadora consiste exatamentena simples
Essa questão não é nova, nem tem resposta fácil e de caráter negação da transmissãodeste saber elaborado e sistematizado ou no
genérico.Aqui nos interessamostrarque o fato de a questão estar aligeiramento desta transmissão. A luta pela apropriação deste saber
colocada de forma explícita significa que existem sinalizações histori- enquanto um saber que não é por natureza propriedade da bur-
camente concretas de, sua resposta. O intuito de recuperar estas sina- guesia-- pela classetrabalhadora, aponta para o caráter contradi-
lizações, a título indicativo, se prende ao interesse de demonstrar que tório do espaço escolar. Contradição que se explicita mediante a luta
a escola que interessa à classe trabalhadora não é aquela idealizada pela apropriação do saber elaborado, sistematizadoe acumulado para
por Dewey. articula-lo aos interessesde classeem conjunturas e movimentosso-
ciais concretos.
Do ponto de vista prático mais geral essa herança teórica, especial-
Neste sentido. Saviani. ao discutir os mecanismoshistóricos uti-
mente no desenvolvimento que recebe em Gramsci, nos indica que a
articulação do trabalho escolar aos interesses da classe trabalhadora lizados pela burguesia para negar a igualdade real na escola, nos
implica conceberessetrabalho inserido na ação mais ampla do "inte- indica que:
lectual coletivo", que se constitui na organizaçãomais apta para a
a pressão em direção à igualdade real (na escola) implica .a. igual-
formação da consciência de classe. Isto significa que o professor não dade de acessoao saber, portanto, à distribuição igualitária dos
se limita a ser um técnico, mas é também dirigente. A organização e conhecimentos disponíveis. Mas aqui também é preciso levar em
a eficiência técnica do seu trabalho recebemuma qualificação e de- conta que os conteúdosculturais são históricos e o. seu caráter
revolucionário está intimamente associado à sua historicidade. (. ..)
terminação de classe. Uma pedagogia revolucionária centra-se, pois, na igualdade essen-
cial entre os homens. Entende, porém, a igualdade em termos reais
e não apenasformais. Busca, pois, converter-se, articulando-se com
É preciso ter presente, então, que é nas relações antagónicas as forças emergentesda sociedade, em instrumento a serviço de uma
entre capital-trabalho em circunstânciashistóricas concretas que. se sociedadeigualitária. Para isso a pedagogiarevolucionária, longe de
secundarizar os conhecimentos descuidando a sua transmissão, con-
apreendea história da negaçãoe da expropriaçãodo saber da classe sidera a difusão dos conteúdos, vivos e atualizados, uma das tarefas
trabalhadora, como a própria história da constituição de seu saber. primordiais do processo educativo em geral e da escola em parti-
A escola que interessa à classe trabalhadora é, então, aquela que cular". (Savianí, D., 1982a, p. 59)
ensina matemática, português, história, etc. de forma eficaz e organi-
Pensandonuma formação social capitalista como a brasileira, o
camentevinculada ao movimento que cria as condiçõespara que os
diferentes segmentosde trabalhadores estruturem uma consciência de ponto de partida acima esboçado,a partir das categoriasgerais de
análise, necessariamente deve receber especificações. Efetivamente, se
classe, venham a se constituir não apenas numa ''classe em si", mas
numa "classe para si", e se fortaleçam enquanto tal na luta pela con- as categorias gerais de análise definem uma postura que apreende a
cretização de seus interesses. Uma escola, portanto, que não lhes prática educativa na sociedadede classescomo uma prática contra-
negue seu saber produzido coletivamente no interior do processo ditória; se a escolacomo um local onde se explicitam interessesanta-
201
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gânicos e se materializa uma luta pela :articulação do saber com os Este esforço pode ter resultados imediatos tanto para divulgar,
interesses de Classe;e se as relações sociais de produção da existência, sob outra ótica e para os próprios trabalhadores,a sua história con-
as relações de trabalho, são o vetor por onde deveria se organizar o creta, quanto para a formação dos próprios .professorese reorientação
processo pedagógico, é preciso ter presente o caráter complexo: .dife-
do conteúdo curricular de uma escola quê buscafazer da história do
renciado, circunstanciado conjunturalmente das diferentes realidades trabalhador o ponto de partida para sua qualificação técnica e cons-
a serem analisadas. Neste sentido, se a polarização classe burguesa ciência política.
verslzsclasse trabalhadora aponta para a cisão fundamental da socie-
dade capitalista e define substancialmenteque a prática educativa se Sob esse aspecto, Arroyo48 sistematizou alguns problemas que,
articula com um dos pólos em luta, isto não significa que numa reali- a nosso ver, indicam concretamentecomo os intelectuais progressistas,
dade específica, como a brasileira, essespólos se apresentem nitida- de dentro da escola, podem trabalhar os interessesda classetraba-
mente. Pelo contrário, por exemplo, ao falarmos de classe trabalha- lhadora. Destacamos, aqui, apenas alguns problemas.
dora, estamosnos referindo a uma complexidadeque se define por
diferentes segmentos, com lutas específicas, com interesses e percep' Um primeiro conjunto de questões passa por uma reconstituição
ções de realidade diversos, onde a ação educativa tem um papel rele- histórica da especificidadeda organização e da divisão social e técnica
vante na tarefa de torna-la efetivamenteuma classe. do trabalhono Brasil, que Ihe permiteprescindirda expansão
da
escolaridadee da qualificação da escola para o trabalhador; gera o
Vislumbramos aqui um primeiro campo de ação onde se pode fracasso do ensino técnico e profissionalizantee a própria crise da
universidade.
dar a articulação política e técnica específicado trabalho escolar com
os interesses da classe trabalhadora, dentro da realidade brasileira.
Há um vasto campo de p'esquisae análise histórica que os intelectuais Um segundoconjunto de questõesdiz respeito a como o capital
progressistasdeveriam ter como tarefa imperativa. Trata-se da inves- "forma". "fabrica" o trabalhadorno Brasil? Qual a especificidade
da
tigação da especificidade e evolução da organização .do processo de escola e quais os outros mecanismosinscritos nas próprias relações
trabalho, das relaçõesde trabalho, do papel do Estado nesta organi- de trabalho, em diferentes regiões e realidades, no interior do processo
zação e sua relação com as diferentesformas de educar, formar o produtivo ou da sociedademais ampla, que concorrem para. ' fabri-
trabalhador no Brasil. car" o trabalhador que convém ao capital? Neste contexto cabe ave-
riguar, igualmente,os processosmediante os quais o trabalhador é
expropriado do seu saber.
A história do capitalismo no Brasil não só mantém especifici-
dades em relação a outras formações sociais capitalistas, pelo seu Finalmente, um conjunto de questões relativas aos movimentos
caráter selvagem,como também internamente,o avanço do .capital de resistência do trabalhador contra os mecanismos educativos do
não se dá ao mesmotempo e da mesmaforma nos setoresindustrial, capital e os processosmediante os quais os trabalhadores buscam res-
comercial e agrícola.Há a necessidadede se efetivaí uma apreensão gatar o saber que lhes pertence e construir a formação e a educação
histórica mais iísfemáfícadas relaçõesentre capital e trabalho no que convêm à sua classe.
desenvolvimento capitalista brasileiro, na indústria, nos serviços e no
cqnpo, e a crescentemter:relaçãodestessetoresno interior do capi- Sob esseúltimo aspecto, entre outros trabalhos, as análises que
talismo monopolista. Em última análise, significa escrever ou reescre- Grzybowski vem realizando sobre educação no meio rural, a partir
ver a história da constituição do trabalhador coletivo, os mecanismos
de expropriação material e intelectual, as estratégiasque o capital
utiliza para educar a força de trabalho de acordo com seusdesígnios;
e a resistênciaque a própria classetrabalhadoraoferecehistorica-
mente em diferentes momentos e realidades.
Âx: ; ,a'l:lH$glgã.:F::TARTE:
entre educação e trabalho.
203
202
dos movimentos sociais, e os processos de organização dos trabalha-
seus salários, as condições de expropriação, negam o aprendizado que
dores do campo exemplificam concretamente o que assinalamos aci- o trabalhador constrói no trabalho.
ma. Nestas análises, Grzybowski destaca que embora haja uma
grande diversidade/fragmentação dos movimentos de trabalhadores
Em suma, estas análises circunstanciadas revelam que
camponeses -- o que estabelece determinações específicas pai'a apre-
ensão do processo educativo -- existe uma luta comum pela escola- 'a educação,qualquer que seja, é resultado de uma disputa social.
ridade mínima universal, pública e gratuita. A luta histórica por este Por isso. ela varia, se reestrutura, tem um movimento contradi-
tório em seu interior. ( . . . ) Na perspectiva das classes subalternas,
direito demonstra o valor que o trabalhador percebe na educação
em especial os trabalhadores, a educação é, antes de mais nada,
escolar para seus interesses mais amplos. Os avanços, as conquistas, desenvolvimento de potencialidades e apropriação do 'saber social'.
entretanto, que se conseguem estão condicionados à força política e Trata-se de buscar na educaçãoconhecimentos e habilidades que
à correlação de força dos trabalhadores em face das políticas do Es: permitam uma melhor compreensão da realidade e elevem a capaci-
dade de fazer valer os próprios interesseseconómicos,políticos e
fado, que representaos interessesdominantes. Neste sentido, uma vez culturais''.50
mais apareceo componenteconjuntural do processo educativo. "É
heterogênea e contraditória a educação no campo, pois a educação é, Se no campo da pesquisa das relações de trabalho historica-
ela mesma, uma arena particular de disputa social em estrita relação mente determinadas e sua relação com as formas de "educar o traba-
com as outras lutas entre as classesem diferentes conjunturas."lo lhador'' é possíveltrazer ao nível da especificidadeda fomlação social
brasileira a herança teórico-marxista sobre a questão educacional, no
Essas análises revelam, por outro lado, que os trabalhadores âmbito mais amplo e complexo do ensino, nos diferentes níveis, essa
desenvolvem mecanismos de resistência às intervenções educativas e herança também pode ter uma contribuição fecunda.
de formação profissional veiculadaspelo Estado ou organismospri-
vados que não representam seus interesses. Ao analisar especifica- Como aludimos anteriormente,o trabalhador reivindica escola-
mente os programas de formação profissional do Senar, Emater, Fun- ridade porque percebe que saber, no interior das relações sociais em
denar, Cooperplam,para trabalhadoresda cana-de-açúcar,em Cam- que ele vive, é uma forma de poder. Por isso não Ihe interessaestar
pos -- RJ, observa-se que a resistência dos trabalhadores se liga ao fora da escola, como não Ihe convém a "defesa da desescolarização:
fato de que tais programas e cursos não se relacionam com o trabalho Por outro lado, ele resistea um tipo de educaçãoque não tem nada
concreto da cana. O trabalhador percebe que a a ver com as preocupaçõesconcretas por sua existência, ou que nega
seusaber acumuladono trabalho e na vida.
qualificação profissional não é uma mera expressãodo volume de
conhecimento e habilidades adquiridos pelos trabalhadores, nem de
seu grau de domínio de uma tecnologia determinada, mas antes, a Objetivamente, dentro da histói'ia da educação brasileira, nota-
expressãode uma relação social de trabalho. Os habilidosos carro- mos que os trabalhadorestiveram a ''não-escola", a escoladesquali-
ceiros viram trabalhadoresdesqualificadosquando o trabalho que
lhes sobra é o de cortadores de cana. (. . .) As qualificações tor- ficada, a escolaque ignora e desprezaseu saber acumulado ou escolas
nam-se desqualificações, dependendo das relações". (Grzybowski, paralelas,do tipo SENAI, cuja pedagogiaespecíficaé a própria peda-
C., 1982b).
gogia do capital que busca fazer ''pelas mãos a cabeça do trabalha-
Por outra parte, os trabalhadoresnão atribuem legitimidade a
essescursos porque, além de não alterarem suas relações de trabalho,
50. Grzybowski, C. Esboço de uma a/fernafíya para pe/asara edzzcaçãono
meio rurZiJ.
Op. cit., p. 8. O autor utiliza a noçãode "sabersocial" para
expressar"o conjunto de conhecimentose habilidades, valores e atitudes pro-
49. Grzybowski, C. Os trabalhadoresrurais e a educação.In: UNESP/FCA duzidas pelas classespara dar conta de seus interesses. Trata-se do saber que
,4 mão-zle-obra volante zzaagriclzlrura. São Paulo, CNPq/UNESP/Polis, 1982a, identifica e unifica uma classe social, Ihe dá elementos para se inserir numa
p. 306-22. Ver também, do mesmo autor, Esboço de uma alfernafÍva para estruturade relaçõessociaisde produção e para avaliar a qualidadede tais
pe/fiar a educação zto meio Fura/. Rio de Janeiro, IESAE/FGV, 1983. Documen- relações,e, enfim, trata-se de um saber instrumento de organizaçãoe de luta
to de trabalho n. 1, mímeogr. (P 5)
204 205
mesmo elaborar um instrumental que permita uma postura crítica em
dor". (Ver Frigotto, G., 1983). Entretanto, até este tipo de escola-
face da ideologia dominante. Esse passo, condição necessáriamas não
rização é algo problemático à gestão do capital, à medida que a aqui-
suficiente,julgamos tenha sido dado no âmbito da literatura e, em
sição de um "saber mínimo", mesmo quando eivado de doutrinação,
boa medida, na prática pedagógica. O que se impõe como necessário
não garante que essesaber,no interior da luta fundamental capital- é uma escolaorganizadade tal sorte que possibilite ao trabalhador o
-trabalho, não seja articulado contra os próprios interesses do ca
acesso ao "saber objetivo" elaborado, sistematizado e historicamente
pital.sí acumulado.
Certamente o controle da organização da escola, enquanto uma Nesta direção, não obstante as relações capitalistas dominantes
relação de poder, uma relação política mais ampla, tem. implicações não possibilitemobjetivamenteuma união entre o trabalho produtivo
sociedade e o ensino, é possível tomar as relações de trabalho historicamente
com o próprio avanço mais global na democratização da
circunstanciadas e as formas de vida que se produzem a partir destas
em seuconjunto. Entretanto, o que queremosenfatizar aqui é que a
relaçõescomo o material substantivo em cima do qual se ensine, de
partir do interior da própria escolasob as.condições,capitalistasdomi-
nantes,há um "espaçopossível",bem mais amplo do que o existente, forma técnica adequada, matemática, português, história, etc., e poli-
ticamente se elabore a própria consciência de classe. Trata-se de uma
para estiuturá-la tendo como base os interesses da classe trabalhador'a.
escolacujo conteúdose elabora tendo como ponto de partida a pró-
E o que significa, operacionalmente, organizar a escola técnica e pria experiênciae realidade da classetrabalhadora. Realidade que
politicamente para a concretização dos interesses da c asse trabalha- precisa ser resgatada do interior do senso comum, das visões fragmen-
dora? Certamentenão basta elaborar um discui'se diferente, e nem tadas e das próprias mistificações inculcadas pela ideologia dominante,
e elaborada e devolvida em sua dimensão de criticidade e totalidade.
económicos e culturais e, enfim, por um modo e uma história de vida (. . .) As crianças proletárias estão Presas ao mundo presente,
porque é seu caminho de luta no dia-a:dia .sem o.qual os seus pais
do trabalhador e sua classe-- metodologicamente estar-se-áintrodu- não poderiam agiientar-see que para elas é o teatro de suasações,
zindo a dimensãoatiça no processode aprendizagem,
o nexo instru- jí reais e já adaptadas; (. . .). Os alunos do povo pedem que. a
escola lhes'fale deles mesmos, e do seu tempo, do seu mundo e das
ção-educação e a dimensão social e política desse processo. Quando suaslutas -- o que implica uma coneçãodireta entre o movimento
nos referimosà própria experiênciado aluno, estamos,em última social e o que se passa na escola : deste modo se vai muito longe na
análise, nos referindo, como assinala Gramsci, às relações sociais que exigência de transformação." (Snyders, G., 1981, p 392)
o produzem historicamente.
A investigação dos processospedagógicosdo capital para formar,
A consciênciada criança não é algo 'individual' (e muito menos produzir a força de trabalho com os atributos técnicos e culturais que
individualizado),
é o reflexoda fraçãoda sociedade
civil da qual lhes convém, no interior do processo produtivo, nas relações sociais
participa, das relações tais como elas se concentram na família, na mais amplas, na instituição escolar ou em instituições especializadas
vTzínhança,
na aldeia,etc." (Gramsci,A., 1979,p. 131).
do tipo SENAI, pode nos mostrar tanto o caráter limitador, adaptador
e adestrador desta formação profissional, quanto nos apontar algum
O caráter ativo não se expressa,então, fundamentalmente pelo
atavismoartificial nem pela concepçãopedagógicaliberal de criativi- caminho para contrapor à sua eficiência a eficiência na ética da classe
trabalhadora.
dade, mas pela concepção segundo a qual "a participação i'ealmente
atavado aluno na escolapode existir unicamentese a escolaestáliga-
da à vida". (Id., ibid., p. 133). Na escola,a negaçãodo acessoaos instrumentosque facultam
a apropriação do saber e a própria visão deformada de formação pro-
fissional constituem-se numa disfuncionalidade necessária, uma ''im-
Esta forma de concebera organizaçãoda escola contrasta com
a escolaestruturadaa partir de ''um supostogeral", de um coletivo produtividade pi'odutiva". A escola é funcional pelo que nega, e
subtrai.
abstrato, de uma realidade homogênea,de uma unidade nacional. O
que ocorre nesta circunstância é que o particular -- visão da realidade
e de mundo da classedominante veiculada pelo Estado, que é a su- É no interior do processo de formação profissional do tipo SENAI,
posta expressãodo coletivo -- constitui-se no universal. Este univer- porém, que podemos identificar com maior clareza a diferença funda-
sal, refletido nos conteúdose nos métodosescolares,é que vai se mental entre a formação profissional na ética do capital e a perspec'
constituir em algo estranhopara o aluno cuja experiênciaconcreta uva da fomtação politécnica.
de vida é resultante de determinantes sociais que produzem homens
A "fábrica-escola-SENAI'' utiliza o princípio ''de ensinar poucas
profundamente desiguais.sz
coisas e bem ensinadas" e tem como método educativo e de aprendi-
Snyders, ao assinalar os rumos da "escola progressista", realça zado a própria relação máquina-aprendiz. A preocupaçãofundamental
a necessidadede que a prática pedagógica seja construída a partir das não são as relaçõesde produção da existênciado segmentoda classe
trabalhadora de onde o aprendiz -- mas o que serve à indústria. O
exigências e dos problemas da criança proletária.
que serve à indústria tem que ser apreendido de forma eficiente.Há
neste particular uma investigação permanente das necessidadesda in-
dústria e de acordo com elas modifica-se o processo pedagógico. De
52. "Justamente porque os indivíduos procuram apenas seu interesse parti-
cular, que para elesnão coincidecom seuinteressecoletivo (o geral é de fato outra parte, há todo um processode ''orientação educacional", muito
a forma ilusória da coletividade), este interessecomum faz-se valer como eficiente,para mostrar que o ponto de vista dos trabalhadoressobre
interesse 'estranho' deles, como um interesse 'gerall, especial e peculiar; ( . . .)
Por outro lado, a luta prática destesinteressesparticulares, que constantemente os pau'õesé distorcido. Aprendem-seaí diversas lições. O instrutor
e de modo real chocam-secom os interesses
coletivose ilusoriamentetidos (que vem da fábrica) e o patrão são pessoasque "ajudam a vencer
como coletivos. torna necessárioo controle e a intervenção prática através do na vida". Aqueles que "têm autoridade sobre os seus comandados,
ilusório interesse 'geral' como Estado" (Marx, K. & Engels, F. .4 ideologia
a/emõ. São Pauta, Editorial Gríjalbo, 1977. p. 49). isto é, têm o'direito de mandar e poder se fazer obedecer". A lição
209
208
fundamental e explícita é de que ''não existem maus patrões", mas troa, parece constituir a trajetóiia histórica dos 40 anos de SENTI
maus empregados". Adaptabilidade que significa também uma forma de dar conta às pró'
proascontradições que se gostam no inteHor da formação profissional
C) patrão vai promover aquele operário responsável,que produz
-- o bom operário.Ao operáriocabe a tarefa de se autopromover
pelo seu esforço e pela sua capacidadede produção havendo para O que gostaríamos de ressaltar é que há neste trabalho pedagó-
ele uma trajetória de postos a galgar."SS gico uma nítida clareza política sobre a articulação dessaprática com
as necessidades do capital. Esta clareza,por outra parte, é comandada
Da análise que efetivamos sobre a pedagogia do SENAI percebe- pela eficiência emanadadas relações capital-trabalho na indústria, que
mos que contrariamente ao que se enfatiza neste tipo de formação financia este tipo de formação profissional.
profissional --- o preparo técnico -- tem-se um processo de formação
de um conjunto de maneirade ser, de pensar,de agir, atributos "mo- E por que não se poderia ter essaclarezapolítica e eficiência na
rais", funcionais ao desempenho profissional no interior do processo organizaçãoda escola que se articula com os interessesdo próprio
produtivo da fábrica. Ou seja, as relaçõesmáquina-aprendiz,a forma- trabalhador?
do organização interna das oficinas, os valores que se passam, as ati-
tudes e hábitos que se reforçam e/ou se destroem, as imagens de Não se trata de negar a formação técnica do trabalhador. Pelo
trabalhador bem-sucedidoe fracassado, as figuras de patrão, os traços, contrário, trata-se de não reduzir essa formação técnico-profissional a
enfim, de assiduidade,pontualidade, etc., indicam que o ponto básico um esquemade adaptaçãoà parcializaçãodo processode trabalho,
desse processo educativo é formar, produzir "bons trabalhadores" mas de desenvolverde forma gradativa uma formação politécnica.
Trabalhadores que se submetem mais facilmente às relações capita- Formação que, ao mesmo tmpo prepara o aluno gradativamente, téc-
listas de trabalho no interior da fábrica.s' nica e cientificamente para o domínio da iocíefas re/'am e capacita-o
como cidadão para participar atavae criticamente na construção da
O trabalho, categoria básica a partir da qual o aprendiz poderia societas hominum.
entender as relações sociais de produção a que está submetida a classe
trabalhadora, é reduzido a "emprego", preparo para uma ocupação A escola que convém ao trabalhador é concebidamuito clara-
A formação profissional se reduz à Conformação ideológica e ades- mente pelas lideranças open'árias. Operários expulsos da Fiar em 1979
tramento técnico. Formar, profissionalizar vai significar um esforço por terem liderado uma greve, indagados sobre a diferença entre a
-- nem sempre bem-sucedido -- de adaptar, conformar o aprendiz escola-SENAI e a escola-oficina que eles haviam organizado com um
ao processo de retalhação das ocupações no interior da evolução grupo de professores, primeiramente como "um-meio-de-vida", uma
italista de produção. Formar, em última análise, tem um sentido forma de "qualificação e educaçãoda classeoperái'ia'', e tambémum
de parcializar e de desqualificar. como ''serviço à comunidade", responderam claramente:
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210
dos difrentes segmentos da classe trabalhadora (inclusive os traba-
]hadores que amuamna escola), em realidadeshistóricas determinadas,
certamentenão comporta fórmulas gerais apriorísticas.Nem é aqui o
momento de enumerar as diferentes expei'iênciasem curso.
ÜMiÜaa:Úz=ã.$$'H::!rEZ
sional. Cede os do Cedi, Rio de Janeiro, (6):9-28, 1980.
mento. Primeiramente procuramos revelar que os falsos problemas não
são apenasdecorrênciade uma forma particular, linear, a-histórica
213
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enviesada do vínculo direto (educação como produtora de mais-valia
(ótica burguesa) de apreender as relações entre educação e. estrutura
relativa) ou do desvínculo total (educação escolar situada à margem
económico-social cap'italista; representamtambém o mecanismo pelo
do sistema capitalista de produção). No primeiro caso, inevitavel-
qual essavisão particular burguesatenta manter e reproduzir as rela-
mente cai-se na visão fatalista que reforça a tese da desesco/ar/cação,
ções sociais capitalistas de produção da existência. Nisto consiste,
e, no segundo, se estabeleceum retrocesso histórico, à medida que se
eminentemente,o caráter ideológico da visão burguesa, tanto no sen-
tido de falseamentoda realidade, na medida em que põe como uni- é conduzidoà adoçãoda visão liberal da função da educaçãoe da
escola
versal sua visão parcial, quanto no sentido de difusão desta ideologia
como mecanismo de tomar essa concepção de mundo não apenas
dominante, mas também hegemónica. Se a prática educativa escolar -- não por natureza, mas por de-
terminação histórica enquanto prática que se efetiva no interior de
relações de classe -- é contraditória e medeia interesses antagónicos,
O segundo movimento deu-se mediante a intenção de identificar
o espaçoque essaprática ocupa é alvo de uma disputa, de uma luta.
a problematicidade real das relaçõesentre educação e a estrutura eco- Essa disputa dá-se, justamente, pelo controle deste espaço cuja função
nómico-socialcapitalista seguindoo próprio movimento do capital na
precípua, na sua dimensão política e técnica, é difundir o saber social
sua fase de acumulação ampliada -- capitalismo monopolista. historicamente elaborado, sistematizado e acumulado, articulando-o
aos interesses de classe. Dimensão política que se define exatamente
Neste segundo movimento procurou-se mostrar que a prática pela articulação dessesaber do interessede classe;e dimensão técnica,
educativa escolar se articula com a pi'ática social fundamental -- a indissociávelda primeira, que se define pela competênciae preparo,
da produção da existência -- de forma mediata e, enquanto uma pr?' para que essadifusão seja eficaz e se prolongue para além da escola.
teca social que se efetiva no interior da sociedade capitalista -- cândida
em classes, portanto -- é uma prática contraditória que engendra Ora. se efetivamenteo trabalho não se definiu pela busca de
interesses antagónicos. respostas,mas pela colocação adequadado problema das relações
entre prática educativa e estrutura económico-social capitalista, a
Essa forma de conceber as relações entre a prática educativa partir desta adequaçãoo foco central passou a ser o de apontar, atra-
escolare a práticade produçãosocialda existênciaimplica como vés da ref]exão teórica e à ]uz de alguns sinais históricos, a dii'eção
ponto de partida não só'metodológico,mastambémhistórico: mediante a qual este espaço-- mesmo no interior das relações capi-
talistas de produção -- pode ser articulado política e tecnicamente
a) apreensão da natureza diversa e ao mesmo tempo enter-rela- ao interesseda classetrabalhadorana produçãosocial de sua exis-
cionada destas práticas, sendo, entretanto, a prática de pl'odução social tência, nas suas organizaçõese nos seus movimentos coletivos. Neste
da existência a determinante; particular, o estudo não passa das indicações, uma vez que um avanço
-- e que efetivamente já vem sendo dado -- implica a api'eensão his-
b) consequentemente, apreensão da infra e da superestrutura, toricamente determinada dessa articulação, tendo como vetor de aná-
não como entidades separadas,mas como uma unidade dialética, uma lise os próprios movimentos sociais concretos dentro de realidades
totalidade nas diferenças, dentro do movimento histórico concreto. específicas.
@ilH==WIBm=HI, necessidade de
Ao longo do texto apontamosanáliseque mostra,no casobrasi- À função mais ampla da teoria do capital humano,de caráter
leiro, a nível tanto da política educacionalquanto de pesquisacientí- predominantemente ideológico-político, articula-se uma função mais
fica e tecnológica, a forma desse intervencionismo. Vale ressaltar, específica a nível do sistema educacional, programas de formação pro-
entretanto, que esseintervencionismo se dá de forma mais velada, e fissional e, até mesmo, a nível de ações educativas mais difusas. O
talvez mais eficaz, nos processoseducativos embutidos nos planos conceito de capital humano, que enquanto especificidadedas teorias
económicos, como, por exemplo, os Planos de Desenvolvimento Re- neocapitalistas de desenvolvimento não apenas evade a natureza do
intervencionismo imp'erialista e da dominação de classe, mas a reforça,
gional Integrado (PDRI). Sob a aparênciade modemização,p/are-
tende enquanto uma concepção que reduz a prática educativa a um
jamento participativo, desenvolvimento de comunidade. etc., educa-se
fator técnicode produção,a direcionara organização
da escolae
para a incorporaçãode tecnologiasa seremtransferidas,para a,vin-
outros programas educativos, de acordo com as necessidadese inte-
culação ao crédito bancário e, em suma, para a dependência da lógica
do capital que não garante o aumentoda qualidade de vida, mas o ressesdo capital em sua fase de acumulaçãoampliada. Entretanto, à
aumento da exploração. medida que a prática educativa escolar ou não-escolar não é por na-
tureza capitalista e se efetiva no bojo de relações sociais e de interes-
A nível de formações sociais capitalistas específicas, a teoria, ses antagónicos, essa função não se efetiva sem contradições.
igualmenteincute a crença de que as desigualdades regionais, a con-
A terceira parte do estudo busca apreender, justamente, a natu-
centração e centralização do capital não são decorrência da própria
reza contraditória das relaçõesentre a prática educativa escolar e a
forma de organização e das relações capitalistas de produção, mas
estrutura económico-social capitalista no interior do capitalismo mo-
apenas de desequilíbrios determinados por diferentes fatores. A desi-
nopolista.
gualdade entre as classesreduz-se, como vimos, a uma diferença de
estratos sócio-económicos,explicada pela forma racional de utilização
dos recursos (poupança,..privação, etc.), pelo esforço e pelo mérito. Algumas questõesque sustentam a controvérsia de boa parte da
literatura crítica sobre essaproblemática,julgamosterem encontrado,
A superação das desigualdades regionais, aqui também, seria uma
questão de tempo e de qualificação dos reczzrsosÀzzmanos,moderni- ao longo da análise,um encaminhamentomais adequado. Obvia-
zação etc. A eliminação da desigualdadesocial, da desigualdade de mentecom isso não queremosdizer que a conta'ovérsiasobre o tema
classesse atingiria mediante, especialmente,o investimento no capital esteja esgotada.
humano. Erige-se, por essa via, o conceito ideológico de trabalho
(reduzido a emprego ou ocupação) e de trabalho potenciado por trei- Primeiramente, percebemos que a polêmica sobre o vínculo di-
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reto ou o desvínculoentre educaçãoescolare processode produção
se constituem, de forma cada vez mais nítida, em verso e reverso de
e acumulação capitalista não procede e se funda num erro comum de um mesmomovimento,de uma mesmatotalidade -- da produção,
análise histórica das diferentes práticas sociais. Não se apreende que circulação e realização da mais-valia, portanto, da acumulação capi-
a especificidade da prática educativa escolar não é da mesma natu- talista.
reza da prática fundamentaldas relações sociais de produção sobre
as quais se calca e se articula. Ignora-se, portanto, o caráter não-
O que contrapomos neste trabalho -- seguindo o processo his-
fundamental da prática educativae sua /zafKrezamediadora no inte-
tórico orgânico de acumulação, concentração e centralização do capi-
rior das relações sociais de produção.
tal que determinanovasformasde organização
de produção,uma
crescenteincorporaçãodo progressotécnico ao processoprodutivo e
Aquelescríticos que enfatizamser a prática educativaescolar conseqüente divisão e desqualificação das ocupações, e a criação de
um mecanismo de qualificação técnica, de potenciação do trabalho um corpo coletivo de trabalho constituindo o /uncionárlo colefivo do
e, enquanto tal, nas relaçõescapitalistas de produção, não uma forma capital apreendendo,neste processo, a relação dialética entre infra
de aumentarsalário masde produzir mais-valia relativa, além de não
e superestruturae a necessáriacomplementaridade, emborade natu-
apreenderam a especificidade desta prática, ignoram o movimento reza diferente, do trabalho produtivo e improdutivo no circuito da
histórico de acumulação, concentração e centralização do capital que
produção, circulação e realização das mercadorias e na acumulação
não apenasdetermina mutaçõesnas formas de organização da produ- capitalista -- é a feio que a prática educativa escolar, enquanto prá-
ção, mas na gerênciacientífica do trabalho.
tica social específica,que não é da mesma naturezada prática social
de produçãomaterial da existência,relaciona-secom essanão de for-
Isto os conduza não perceberem
queà medidaque o capital ma imediata e direta, mas de forma medíafa.Sendo essasrelações
avança tende, organicamente, a poupar mão-de-obra, cindir, simplifi- sociais relações de classe e, como tais, expressam interesses antagó-
car e desqualificara maior parte das ocupaçõese criar um corpo nicos, essa mediação é contraditória. A contradição consiste oo fato
coletivo de trabalhadores.
de que não é da natureza da escola ser capitalista, senão que por ser
o modo de produção social da existência dominantemente capitalista,
É justamente sob esse aspecto que entendemos que a tese de tende a mediar os interesses do capital. Por não ser, então, de natu-
Salm tenha significado uma contribuição para o avanço nas análises reza capitalista, esta mediação pode articular os interesses da classe
críticas das relações entre educação e estrutura económico-social ca- trabalhadora,contra o próprio capital. Por isso a luta pelo controle
pitalista. Todavia, por não apreender, igualmente, a especificidade da da escolaé uma luta pelo acessoefetivo ao saber elaborado-- saber
prática educativa escolar, seu caráter não-fundamental mas mediador, que é poder -- historicamente sistematizado e acumulado, e por sua
vai postularo desvincula
ou apenasumarelaçãoideológicaentre a articulação aos interesses de classe.
prática educativa e as relações capitalistas de produção.
Do ponto de vista das condiçõesde produção, circulação e rea-
De outra parte, esta postura decorre da separação que se esta- lização das mercadorias no processo de acumulação capitalista, enfa-
belece entre infra e superestrutura. A não-determinação adequada da tizamos, então, diferentes mediações da prática educativa escolar,
relação dialética entre infra e superestrutura, no desenvolvimento do além de sua função ideológica.
processo histórico das relações sociais capitalistas que analisa, leva-o
a tomar a separaçãometodológicaentre estasinstâncias como sendo Na sua dimensão mais ampla, a mediação da escola com o pro-
uma separação orgânica. Embora Salm apreenda o processo histórico cesso produtivo capitalista dá-se mediante o fornecimento de um
de divisão e desqualificaçãodo trabalho e criação do corpo coletivo sabergeral que se articula ao sabei'específicoe prático que se desen-
de trabalho pelo capital, esta visão estanqueda relação entre infra e volve no interior do processo produtivo, e mediante a dotação de traços
superestrutura impede-o de perceber que o trabalho produtivo e o ideológicos, necessários ao capital, para a grande massa de trabalha-
improdutivo, ao longo do desenvolvimentocapitalista, enquanto tais, dores que constituem o corpo coletivo de trabalho. O conceito de
222 223
e realização de capital. A inc&ú:fria do enz.Fino,
particularmente a pri
aZ/abellzação/uncionaJ desenvolvido pela Unesco e muito utilizado vada, longe de representar uma queima de excedente, representa a utí
nos programase contratosdo Banco Mundial expressa,nas condições lização produtiva da riquza social na realizaçãoda mais-valia produ
históricas atuais, o nível de educaçãorequerido e aquilo que A. Smith zida em outras esferas produtivas.
quis dizer, ao aconselhareducaçãopara as classespopulares, porém
em doses homeopáticas.
A gestãoe o controleda escolae dos diferentesprocessosedu-
cativos pelo capital, entretanto, historicamente sempre foram algo
Entretanto, a escola, mediante processos de sejetividade social problemático. Isto decorre essencialmentedo caráter contraditório das
e criação de centros de excelência, prepara com o domínio aprofun- relações sociais de produção da existência no interior do modo de
dado em diferentes ramos do conhecimento os ínfe/ec/país de diversos
produção capitalista. Contradição que não .é algo externo mas orgâ-
níveis (Gramsci, 1979) que atuam como quadros de trabalhadores nico ao modo como o capital evolui e, como tal, fora do controle
mais-valia,
improdutivos, mas necessáriosà produção e realização da total tanto da burguesia quanto do Estado, guardiã de seus interesses.
principalmente no âmbito de organização, planejamento, gerência, Decorre, igualmente, do antagonismo e da luta de interessesentre as
controle.e supervisãoda produção.Trata-se de funcionários do cap!- classes sociais. A classe trabalhadora não é desprovida de saber e
tal 'e parte de corpo coletivo de trabalho. Atuam, fundamentalmente, nem de consciência.A luta fundamentalcapital-trabalho, que é pri-
para maximizar as condições de produção. da mais-valia. O domínio meiramente uma luta pela sobrevivência material, é também uma luta
aprofundado de diferentes .saberestransmitidos na escola é fundamen- por outros interesses,dentre esses,o acesso ao saber social elaborado
tal nesta tarefa.
e sistematizado e cuja apropriação se dá dominantemente na escola.
A escolatambém cumpre uma função mediadora no procflsso de O avanço nas conquistas da classe trabalhadora, tanto nas rela-
acumulação capitalista, mediante sua ineficiência, sua desqualificação. ções de trabalho quanto no acesso à escola, não resulta, porém, me-
Ou seja, sua improdutividade, dentro das relações capitalistas de pro- canicamente da simples existência das contradições. Nem se trata de
dução, torna-se produtiva. Na medida que a escola é desqualificada um avanço, apenas resultante do aproveitamento das breu/zas deixadas
para a classe dominada, para os filhos dos trabalhadores, ela cumpre,
] . .nlA n=An Ar%n' pela burguesia. Resulta, sobretudo, da apreensão adequada da natu-
ao mesmotempo, uma dupla função na reprodução das relações capa' reza das contradições, de sua exploração política e, em suma, da orga-
talistas'de produção: justifica a situaçãode explorados e, ao impedir nização da classe trabalhadora na luta por seus interesses. É dentro
o acessoao saberelaborado,limita a classetrabalhadorana sua luta desteaspectoque se situa a discussãofinal do trabalhosobre a di-
mensãopolítica e técnica da prática educativaque se articula aos
;E:'H&=Bm::HiBmiH:=
trabalho e na vida.
interessesda classe trabalhadora, e sobre o elemento objetivo por onde
passa a unidade destas dimensões.
229
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!aridade n
de l.o e 2o graus lta estudo da Região Metropolitana do Rio
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Paria de//a progerroma/zía
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to: dilemasna educaçãodo trabalhador(São
Paulo, Cortez, 1995, 3: ed.); e as coletâneas:
Silva, T.l da (org.). nmóa/ho, Educação e
prof/ca socZa/ (Porto Alegre, Artes Médicas,
1991); Gentili, P & Silva, T.T.da (org.).
Neoliberalismo, qualidade total e educação:
v/iões c/#üas(Rio de Janeiro, Vozes, 1995.
2: ed.). Orientou, até 1 998. mais de 80
dissertações de mestrado e teses de
doutorado, e participou em aproximadamente
200 bancas examinadoras de dissertações de
mestrado, teses de doutorado
e concursos públicos.
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