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Capítulo I

Os Maias vieram habitar a Casa do Ramalhete no outono de 1875. Em


1850, Buccarini, núncio papal, havia tentado comprar a casa, para lá
instalar a sua nunciatura, ideia de que desistiu, pois, habituado à riqueza,
descobriu, no Ramalhete, uma casa de renda elevada e sem arvoredos nem
águas de um jardim de luxo. Assim, o Ramalhete apenas encontrou um
propósito nos finais de 1970, quando, após a venda do palacete da família
em Benfica, houve a necessidade de guardar as mobílias. Por essa ocasião,
também a Tojeira foi vendida, o que levava as pessoas a questionarem-se
acerca das finanças da família que, agora, habitava a Quinta de Santa
Olávia. Vilaça, procurador e amigo de longa data dos Maias, dizia,
ironicamente, que ainda tinham “(…) um pedaço de pão (…) e a manteiga
para lhe barrar por cima.”.
A família dos Maias era uma família da Beira e pouco numerosa, agora
reduzida a dois: Afonso da Maia, um senhor já muito velho, e Carlos da
Maia, seu neto, que estudava medicina em Coimbra.
Afonso adorava o silêncio de Santa Olávia e Vilaça aprovara a venda da
Tojeira, mas não da casa de Benfica, pois, para o procurador, Carlos,
quando terminasse o seu curso, deveria exercer medicina e, certamente, não
iria querer ficar nas margens do Douro, em Santa Olávia. Como tal, meses
antes de Carlos terminar o seu curso, Afonso anunciou a Vilela que queria
habitar o Ramalhete. Apesar de todos os obstáculos colocados por Vilela,
como a necessidade de obras, as despesas associadas e os agouros, Afonso
manteve a sua decisão e pediu que se realizassem as devidas obras, de
modo a tornar o Ramalhete habitável. Tais obras eram, de início,
supervisionadas por Esteves, mas Carlos surpreendeu com a sua chegada a
Lisboa com um arquiteto-decorador inglês, tendo Esteves sido despedido,
com grandes lamentações de Afonso. Um ano mais tarde, o Ramalhete
estava pronto.
Ainda assim, o Ramalhete continuou vazio após Carlos ter terminado o seu
curso. O neto de Afonso decidira ingressar numa viagem pela Europa, pelo
que apenas no outono de 1875 é que Afonso, perante a chegada do neto, foi
habitar o Ramalhete – Afonso não via Lisboa há 25 anos e não desejava
deixar Santa Olávia, mas, tendo em conta a sua alta idade, queria estar
próximo de Carlos, que deveria exercer medicina em Lisboa.
Afonso era “um pouco baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes (…),
nariz aquilino, pele corada, quase vermelha, cabelo branco todo cortado à
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escovinha, e a barba de neve aguda e longa”. Tomava, pela manhã, um


banho em água fria e tinha um fiel companheiro – um gato, nascido em
Santa Olávia, que recebera o nome de Bonifácio, mas que, ao chegar à
idade da caça, havia sido reintitulado de D. Bonifácio de Calatrava e que,
agora, dorminhoco, era o Reverendo Bonifácio.
Outrora, Afonso, filho de Caetano da Maia – um Português absolutista e
fiel –, por ser liberalista, havia sido expulso pelo pai, que lhe deu a Quinta
de Santa Olávia, a pedido da mãe de Afonso. Alguns meses depois, Afonso
voltou a casa do pai, em Benfica, pedir-lhe a bênção e algum dinheiro para
poder ir para Inglaterra. O pai, que viu tal ato como um milagre divino,
aceitou e Afonso partiu, tendo apenas regressado a Lisboa por altura da
morte do pai. Foi nessa altura, em Portugal, que conheceu D. Maria
Eduarda de Runa, com quem veio a casar e a ter um filho, Pedro da Maia.
Tendo ficado a habitar em Portugal, uma noite, as suas ideias
revolucionárias levaram a polícia a invadir a sua casa em Benfica à procura
de papéis ou armas escondidas. Embora nada tenham encontrado, passado
algum tempo, Afonso da Maia e a sua família partiram para Inglaterra,
onde viveram com grandes luxos.
Alguns meses mais tarde, a avó paterna de Afonso morreu, o que levou a
tia Fanny a ir viver com Afonso, em Richmond. Todos viviam em
felicidade, à exceção de Maria Eduarda, devido à sua fraca saúde que não
se adaptara ao clima inglês. Além disso, sendo uma católica muito devota,
não conseguia aceitar o protestantismo e não permitiu que Pedrinho fosse
estudar num colégio inglês, mesmo sendo católico. Como tal, para o
educar, pediu que viesse o padre Vasques de Portugal, que lhe dava uma
educação tradicional e muito religiosa. Afonso, por vezes, revoltado com
tamanha doutrina, levava Pedrinho a passear, apesar de grande alvoroço da
mãe que tinha medo que se constipasse. Tal era a proteção da mamã e das
criadas que Pedrinho tinha medo do vento e das árvores. Afonso acabou
por desistir de libertar Pedro dos braços maternos, pois a sua mãe ficava
logo com acessos de febre. Ora, após a morte da tia Fanny, a melancolia de
Maria Eduarda aumentou ainda mais. Afonso levou-a para Itália, onde
havia sol – e o Papa! –, mas Maria Eduarda ansiava pelos ares de Lisboa e,
para a acalmar, foi necessário voltar a Benfica.
Em Portugal, Pedro cresceu sem curiosidades, indiferente a brinquedos,
animais, flores, livros ou desejos. Quando a mãe, por fim, morreu, Pedro
ficou muito abalado e começou a beber. Após um ano a recolher, de
madrugada, exausto e bêbado, Pedro retomou a vida melancólica devido à

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perda da mãe. Isto continuou até que, um dia, estando Pedro no Marrare,
viu, atrás de Manuel Monforte, uma jovem loura e de olhos azuis – Maria
Monforte. Pedro estava apaixonado e Alencar contou-lhe quem era a sua
“Afrodite”: vinha dos Açores, pois Manuel havia morto um homem. Eram
apelidados, em Lisboa, de negreiros. Uns tempos mais tarde, Pedro e Maria
começaram a namorar, sem Afonso saber. Afonso desconfiava, mas apenas
teve confirmação quando Vilela lhe disse que Maria não era apenas amante
de Pedro – era solteira e namorava com ele.
Num verão, Pedro partiu para Sintra, onde os Monfortes tinham uma casa
alugada. Na véspera, Pedro tinha pedido informações a Vilaça sobre as suas
propriedades e como levantar dinheiro. Vilaça, muito preocupado, contou a
história a Afonso, que a desvalorizou.
Numa manhã de inverno, Pedro encontrou o pai e pediu-lhe licença para
casar com Maria Monforte. Afonso não permitiu, pois esta era filha de um
assassino, e Pedro prometeu ao pai que haveria de casar com ela, de
qualquer forma. Dois dias depois, Vilaça, em lágrimas, disse a Afonso que
Pedro se havia casado naquela madrugada e que partiria com Maria para
Itália. Afonso, desgostoso, afirmou que, dali por diante, haveria “só um
talher à mesa”.

Capítulo II

Pedro e Maria viviam felizes em Itália, mas, um dia, Maria sentiu o apetite
de Paris, pelo que se mudaram para lá. Quando Maria engravidou, tendo
em conta que, em Paris, se falava em revolução, decidiram voltar a Lisboa
–, mas, antes de partirem, a pedido de Maria, Pedro escreveu a seu pai, na
esperança de que os acolhesse e os perdoasse. No entanto, Afonso da Maia
partiu para Santa Olávia dois dias antes de Pedro e Maria chegarem. Esta
atitude ditou uma separação enorme entre pai e filho, que, quando Maria
nasceu, não lho comunicou.
Por altura do primeiro aniversário de Maria, realizou-se uma grande festa
em Arroios. A partir dessa, muitas outras se seguiram, e os amigos de Pedro
amavam a sua esposa, fazendo-lhe, inclusive, declarações de amor. Pedro,
embora não sentisse ciúmes, fartava-se daquele clima luxuoso e de festa.
Quando Maria teve um segundo filho, Carlos Eduardo da Maia, Pedro
pretendeu reconciliar-se com o pai, Afonso. Para tal, surpreenderia o pai
em Santa Olávia, com os dois filhos. Contudo, a partida para as margens do
Douro foi atrasada, pois, enquanto caçava, Pedro feriu um príncipe italiano,

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Tancredo, com a sua espingarda, sem intenção. Como tal, este Italiano
deveria ficar alojado em casa de Pedro até recuperar.
Tendo Pedro estado fora de casa durante dois dias, quando voltou,
descobriu que Maria tinha partido com Tancredo e levado a filha, Maria
Eduarda. Pedro foi, de imediato, procurar consolo junto de seu pai, agora
em Benfica, que recebeu o filho e o neto. Na madrugada desse dia, Pedro
suicidou-se com um tiro, tendo deixado um bilhete ao seu pai. Afonso, dias
depois, fechou a casa de Benfica e partiu com Carlos Eduardo e os criados
para Santa Olávia. Vilela disse que Afonso não teria mais de um ano de
vida.

Capítulo III

“Mas esse ano passou, outros anos passaram”. Numa manhã de abril,
Vilaça regressou a Santa Olávia, reparando que Carlos estava rijo. Carlos
estava na quinta de madrugada, almoçava às sete e jantava à uma hora da
tarde. Era educado pelo sr. Brown, um professor inglês. Devido ao sistema
de educação inglês, aos cinco anos já dormia num quarto sozinho e todas as
manhãs tomava um banho de água gelada. Corria, caía, trepava às árvores,
molhava-se e apanhava sol. Sr. Brown também lhe ensinou a remar e a
saltar no trapézio. Teixeira era contra este tipo de educação liberal, dizia
que não se adequava a um fidalgo português. O abade também não
concordava, afirmando que o latim deveria ser a base da educação. Mas
Brown contestou, com veemência, dizendo que o primeiro dever do homem
era viver e que, para isso, era necessário ser forte e saudável. Também para
Vilaça era difícil aceitar esta educação liberal. Apesar de todas as pressões
sobre Afonso para que este permitisse que ensinassem o catecismo a
Carlos, o avô rejeitara sempre: “Eu quero que o rapaz seja virtuoso por
amor da virtude e honrado por amor da honra; não por medo às caldeiras de
Pêro Botelho, nem com o engodo de ir para o Reino do Céu”, ripostava
Afonso.
Entretanto, Carlos já tinha a sua primeira namorada: a Teresinha, da família
das Silveiras – ou “Silveirinhas”. Também pertenciam a esta família a D.
Ana Silveira, a mais velha de todas e ainda solteira, a D. Eugénia, viúva e
pachorrenta que tinha dois filhos: a Teresinha e o Eusebiozinho, um rapaz

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muito frágil, tímido, medroso e estudioso – o completo oposto de Carlos.


Também o delegado quase fazia parte da família, sendo um amigo que
ponderou casar com D. Eugénia, mas que nunca se decidiu. As Silveiras
visitaram Afonso da Maia e logo houve um grande motim com Carlos,
Teresinha e Eusebiozinho. Posto isto, D. Ana pediu a Eusebiozinho que
papagueasse os versos que este havia decorado, dizendo-lhe que, se o
fizesse, dormiria com ela naquela noite: e Eusebiozinho recitou todo o
poema, sempre com os olhos pregados na titi. Vilaça ficou muito
impressionado com a capacidade de Eusebiozinho e logo o elogiou junto de
Afonso, que lhe contou um incidente em que Carlos destruiu o vestido de
anjo de Eusebiozinho. Afonso contou, ainda, a Vilela, como era a educação
deste Silveirinha: devido à educação à portuguesa, ainda dormia no choco
com as criadas, não o lavavam para que não se constipasse e passava os
dias a decorar um catecismo que lhe ensinava que o Sol andava em torno
da Terra e que era Deus quem dava ordens ao Sol. Vilela riu-se e falou-lhe
de Maria Monforte.
Maria Monforte, mãe de Carlos, estaria em Paris como prostituta. Havia
passado por Viena de Áustria, onde habitou com Tancredo, tendo-se
mudado para Mónaco, onde Tancredo foi morto em duelo. Depois de uns
tempos em Londres, veio, finalmente, a fixar-se em Paris. Não havia,
contudo, notícias da filha, e Vilaça crê que estaria morta, pois, se estivesse
viva, a Monforte deveria ter tentado reclamar a fortuna que pertencia à
criança.
Uns dias mais tarde, quando Vilaça se preparava para partir, Afonso falou-
lhe dos seus planos: iria pedir a um primo seu de Paris que procurasse
Maria Monforte e lhe pagasse para que devolvesse a sua filha viva e pediu,
ainda, a Vilela, que conseguisse, junto de Alencar, a morada da negreira.
Vilela cumpriu o acordo: além da morada, enviou uma carta a Afonso que
dizia que Maria Monforte revelara a Alencar que a sua filha havia morrido
em Londres. No entanto, Afonso escreveu da mesma ao seu primo, André
de Noronha, que descobriu e lhe revelou que Maria Monforte havia ido
para a Alemanha com um acrobata de circo.
Numa terça-feira, Afonso da Maia recebeu um telegrama de Manuel Vilaça,
filho do administrador da família Maia, revelando a morte de seu pai, por
apoplexia.
Uns anos mais tarde, Carlos realizou o seu primeiro exame. Ao saber-se o
resultado, mostrou-se ter sido um exame genial, que deixou comovido o
avô, Afonso.

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Capítulo IV

Carlos descobriu a sua vocação pela medicina, muito contestada pelas


Silveirinhas, mas apoiada por Afonso, que dizia não haver mal nenhum em
conhecer a natureza, pois o maior mal era a ignorância. Foi assim que se
matriculou na Universidade de Coimbra. O avô preparou-lhe uma casa em
Celas, isolada, para os anos de quieto estudo, que João da Ega, amigo de
Carlos, intitulou de “Paços de Celas”. Esta casa veio a tornar-se um centro
de várias atividades e de encontros de amigos, nem sempre relacionadas
com medicina, e Carlos começou a descuidar os seus estudos. Por vezes,
Afonso visitava Carlos, o que, no início, causou uma mudança de ambiente
na casa. No entanto, à medida que o tempo passou, os amigos de Carlos
começaram a ver Afonso como um companheiro de barbas brancas, e os
temas de conversa habituais eram retomados. Afonso era, também ele,
feliz, entre aqueles moços.
Embora Carlos passasse as férias grandes em Lisboa, Paris ou Londres,
fazia questão de visitar Santa Olávia na Páscoa e no Natal. Por lá, o
ambiente já não era tão alegre e Carlos apenas se divertia quando levava
João da Ega, de quem Afonso gostava muito, pois, além de ser muito
original, era sobrinho de um antigo amigo seu.
Ega estudava direito e era um dos maiores ateus que a sociedade de então
já tinha visto; era também muito sentimental e apaixonado. Embora Carlos
fizesse troça deste género de Ega, também ele teve um caso com uma
mulher casada, que terminou quando viu, pela primeira vez, o marido e o
filho da sua amante e se sentiu culpado. Apesar de tudo, o seu grande
tropeção amoroso foi quando conheceu, em Lisboa, uma moça espanhola,
de seu nome Encarnacion, e lhe deu casa junto a Celas. Mas a rapariga
tornou-se tão intolerável que foi recambiada para Lisboa.
Em agosto de 1874, Carlos formou-se e fez-se uma grande festa em Celas.
Depois, partiu numa longa viagem pela Europa, tendo voltado no outono de
1875, o que levou o Ramalhete a ser reabitado. Afonso não via Carlos há
catorze meses e, quando lhe voltou a colocar os olhos em cima, viu que
estava forte e saudável.
Com ideias de exercer a profissão, embora ainda um pouco incerto quanto
ao que iria fazer, Vilaça encontrou, a pedido de Afonso, os locais ideais
para o laboratório, no Largo das Necessidades, e para o consultório de
Carlos, no Rossio.

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Numa manhã em que Carlos preguiçava no seu consultório, chegou Ega a


Lisboa. Ega tinha sondado a mãe sobre a hipótese de vir habitar Lisboa,
mas a mãe não aceitou. Então, teve de ficar com ela em Celorico. Contudo,
com a chegada de julho, surgiu uma epidemia, cuja causa foi atribuída à ira
de Nosso Senhor perante a presença do ateu na terra. Por isso, a mãe
implorou-lhe que fosse para Lisboa e, mal Ega partiu, a epidemia
desapareceu. Perante a chegada de Ega, e depois de uma conversa normal
entre amigos, Carlos perguntou a Ega quem era a Madame Cohen de que
Ega lhe falara por carta. Ega disse-lhe que era uma judia, casada com o
diretor do Banco Nacional. E, depois, Carlos disse-lhe que agora habitavam
no Ramalhete D. Diogo, Sequeira, Steinbroken (ministro finlandês),
Taveira, Cruges (maestro e pianista), o marquês de Souselas, o Silveirinha
(agora viúvo) e uma única mulher, a viscondessa – além de Afonso e Vilela,
claro.
Ega falou-lhe ainda de Craft, um rapaz extraordinário, e do seu livro, que ia
publicar e que os colegas de Ega em Coimbra respeitavam e admiravam –
“É uma Bíblia!”, diziam.

Capítulo V

Carlos curou a sua primeira doente grave, que esteve quase a morrer de
pneumonia. Carlos não sabia de Ega há algum tempo, tendo descoberto,
por Vilaça, que este lhe indagara acerca dos custos de montagem do
consultório. Entretanto, Eusebiozinho, agora com um aspeto ainda mais
fúnebre, negociava a compra de duas éguas ao marquês. Este mesmo
Eusebiozinho tinha agora, à semelhança de Vilaça, aspirações políticas e
Vilaça, inclusive, pensava incutir-lhe certas responsabilidades em que a sua
autoridade estava a diminuir. Vilaça revelou, inclusive, a Eusebiozinho, que
os Maias gastavam muito dinheiro devido aos seus deveres sociais.
Com o laboratório de Carlos pronto, este não tinha muito tempo para o
visitar. O sucesso do caso da Marcelina fez com que as pessoas
recorressem a ele quando necessitavam de cuidados médicos; e tal era o seu
sucesso que Carlos escreveu dois artigos para a “Gazeta Médica” e tinha
ideias de fazer um livro. Além disso e dos seus luxos, estava especialmente
interessado na antiga ideia de Ega, embora este último não demonstrasse
grande interesse – criar uma revista que fosse a “força pensante de Lisboa”.
Um dia, Carlos encontrou Ega na Universal, e falaram de Raquel Cohen,
mulher casada por quem Ega se havia, orgulhosamente, apaixonado. Uns

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dias depois, Ega leu-lhe, inclusive, um capítulo do seu livro, o “Memórias


de um Átomo”, que era uma declaração de amor de Ega a Raquel. Ega não
ia, contudo, publicar o livro, devido a uma crítica feita ao seu livro, por um
jornalista. Uns dias depois, Ega sugeriu a Carlos que conhecesse os
Gouvarinhos, família que – em especial a condessa – se mostrava muito
interessada em conhecer o famoso médico. Carlos considerava a condessa
muito bela, e aceitou.
Carlos foi para o S. Carlos, onde costumava encontrar a condessa, mas, no
seu lugar habitual, estavam dois pretos africanos. Passado algum tempo,
Carlos desistiu de esperar pela condessa e foi embora. No Ramalhete,
perguntou ao seu criado, o Baptista, se conhecia os Gouvarinhos. Baptista
contou-lhe que apenas conhecia o criado do conde Gouvarinho, o Pimenta
– mas que o conde tratava por Romão, o nome do criado que o precedeu.
Aparentemente, o conde não era uma boa pessoa e a condessa não era uma
pessoa muito divertida. Carlos perguntou, ainda, a Baptista, quando fora a
última vez que tinha escrito a Madame Rughel e, tendo em conta o tempo
que já se tinha passado desde a última carta, declarou ser necessário voltar
a escrever-lhe no dia seguinte, sem falta. A Gouvarinho não era mais bonita
do que Madame Rughel, mas era aquela que mais o excitava, porque a
esperara nessa noite e ela não aparecera.
Ega tinha prometido a Carlos que o iria buscar, na terça-feira seguinte, para
irem “gouvinhar”, promessa a que Ega faltou. Por isso, num intervalo de
uma peça de teatro, Ega apresentou Carlos ao conde Gouvarinho, que o
elogiou muito. Logo um tempo depois, Carlos foi apresentado à condessa.

Capítulo VI

Carlos planeava visitar Vila Balzac, casa de Ega, mas teve muita
dificuldade em encontrá-la e, quando, por fim, o conseguiu, Ega não estava
em casa. Mais tarde, encontrou Ega, que lhe disse que voltasse no dia
seguinte. Carlos assim o fez, e foi muito bem recebido. Era uma casa muito
exuberante e bem decorada, à semelhança do temperamento do
proprietário.
Quando Carlos se preparava para sair, Ega perguntou-lhe como tinha
corrido o encontro em casa dos Gouvarinhos. Carlos falou-lhe da noite,
dizendo-lhe que perdera o interesse na condessa. Aliás, estes desejos
instantâneos – porque logo se extinguiam – eram, até, bastante frequentes
por parte de Carlos. Era um verdadeiro Don Juan, dizia Ega. Mas era

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também este Ega quem tranquilizava Carlos e falava em destinos cruzados


– dizia ele que cada homem tinha uma mulher que lhe era destinada: “Tu
estás aqui, na Cruz dos Quatro Caminhos, ela está talvez em Pequim: mas
tu, aí a raspar o meu repes com o verniz dos sapatos, e ela a orar no templo
de Confúcio, estais ambos insensìvelmente, irresistìvelmente, fatalmente,
marchando um para o outro!...”.
Depois de partirem, Ega e Carlos encontraram o Craft e combinaram um
jantar no Hotel Central, para o dia seguinte, às seis da tarde. Contudo, este
jantar acabou por ser adiado para uma segunda-feira à mesma hora, pois
Ega decidiu torná-lo numa festa de cerimónia em honra do Cohen.
Ora, no dia em que aconteceria o jantar, por volta das seis, Carlos avistou
Craft dentro da loja do tio Abraão e impediu que Craft fosse intrujado.
Carlos dizia que Abraão não tinha nada de jeito, mas Craft discordava:
tinha a filha, dizia. Craft falou ainda a Carlos sobre a sua “coleção”, de que
se iria desfazer.
Chegaram então ao Hotel Central. E, à parte do Hotel Central, chegou uma
mulher muito bonita. Ega e Dâmaso Salcede já esperavam os dois no
gabinete e Craft perguntou-lhes quem era a mulher bonita que haviam
avistado. Lopo o sr. Salcede lhe responde que a mulher pertencia aos
Castro Gomes, Brasileiros vindos de Bordéus. Dâmaso conhecia-os de
Bordéus – ele dizia ir sempre que possível a Paris, onde tinha um tio com
grande influência, Guimarães. É então que são interrompidos por Alencar,
que chega ao Hotel Central e cumprimenta formalmente Dâmaso, Craft e
Ega. Depois de Ega lhe apresentar Carlos, cumprimenta-o com um abraço,
pois Alencar havia sido amigo íntimo de Pedro da Maia. Alencar, radiante,
logo lhe conta que ainda se lembrava de o carregar ao colo e que havia sido
ele quem, na altura, sugerira à sua mãe que lhe colocasse o nome de Carlos
Eduardo. Entretanto, chega Cohen, apressado, e informa que o marquês e
Steinbroken não poderão estar presentes.
O jantar continua, e começam a falar de um crime que ocorrera, e logo
começam também a falar de literatura. Alencar era um opositor ao
naturalismo/realismo, via-o como imoral. Não só ele, mas também Craft e
Carlos eram contra o naturalismo. Já Ega mantinha-se a favor.
Este debate poderia ter continuado, não estivesse Cohen aborrecido. Por
isso, Ega perguntou-lhe se o empréstimo se iria realizar. Cohen disse que
sim, que os empréstimos eram uma fonte de riqueza regular em Portugal.
Carlos, mesmo não percebendo nada de finanças, depressa percebeu que,
assim, o país se dirigia para a bancarrota, o que Cohen confirmou.

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Os Maias

É então que se fala de política: se, para Cohen, uma (tentativa de)
revolução para instaurar república em nada beneficiaria o país, pois apenas
o levaria a passos mais largos para a falência, Ega discorda
veementemente. Para ele, era preciso varrer a monarquia: e, depois de
ultrapassada a crise financeira, Portugal iria evoluir. Ega defende, ainda, a
invasão espanhola como forma de criar um novo Portugal, com uma
história diferente, o que Alencar, enquanto patriota e nacionalista, rejeita
(“Talvez seja má, de acordo, mas, caramba!, é a única que temos, não
temos outra! É aqui que vivemos, é aqui que rebentamos…”). Para Ega, se
houvesse uma invasão espanhola, o povo português render-se-ia, levando
Alencar a intitula-lo de traidor. Carlos discordou – “Ninguém há-de fugir, e
há-de-se morrer bem”. Ega, de imediato, disse que o povo português era
uma raça apodrecida – mas Craft considerava que isso eram os lisboetas.
Foi então que se disse que apenas Lisboa era Portugal e a conversa
continuou “ardente”, até Cohen acalmar os ânimos, dizendo que, embora
fosse certo que os Espanhóis pensavam em invasão – principalmente se
perdessem Cuba –, o futuro apenas pertencia a Deus.
Depois de três horas à mesa, em que sobressai a falta de personalidade de
Ega e de Alencar, pois mudam de opinião quando Cohen quer (se bem que
o primeiro era amante da esposa de Cohen), e ainda de Dâmaso, que foge
de tudo (inclusive diz fugir de Portugal em caso de invasão), e em que
também se nota a falta de civismo que domina as classes mais destacadas
(à exceção de Ega e Craft), todos se levantaram.
Mas mesmo após o fim do jantar continuam os conflitos acesos entre
Alencar e Ega que, passados alguns instantes, se resolveram. Por fim, mais
tarde, Ega e Cohen saíram, assim como os restantes. À saída, Dâmaso teceu
grandes elogios a Carlos, mostrando-lhe grande veneração e servilismo.
Carlos aproveitou a ocasião para perguntar onde morava a Brasileira e
Dâmaso explicou-lhe, acrescentando que estava de olho nela.
À ida para casa, Alencar e Carlos conversam. Alencar confidenciou-lhe que
achava Raquel Cohen muito bonita, tendo-lhe, inclusive, escrito uns versos,
mas sem qualquer intenção de a cortejar, pois ela era, para ele, como uma
irmã. Falou-lhe ainda da hipocrisia dos seus amigos de outrora: agora, que
eram ministros ou tinham cargos importantes, renegam-no. Por fim,
Alencar ofereceu-lhe um charuto, que Carlos disse que era excelente – mas
era péssimo – e despediram-se. Carlos recordou então a noite em que
descobriu a verdadeira história trágica do amor de seus pais – que lhe havia

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sido ocultada a pedido de Pedro –, que levou a que descobrisse, mais tarde,
por parte do avô, que a sua mãe e irmã haviam falecido.

Capítulo VII

No Ramalhete, depois do almoço, Afonso e Craft, agora íntimo entre os


Maias – tinha muitas similitudes com Carlos, e Afonso apreciava-o pelo
seu estilo inglês –, jogavam xadrez. Carlos, agora com menos pacientes,
trabalhava no seu livro. Também Dâmaso se havia tornado muito íntimo da
família, tentando seguir e imitar Carlos – tanto que, numa ocasião em que
um tal de Gomes insultara Carlos, Dâmaso, de imediato, ameaçou-o
fisicamente; além disso, também o ajudava a escrever a “Gazeta Médica”.
Quando Dâmaso leu no jornal que o sr. Duarte Gomes estaria agora
estabelecido e era esperado no Hotel Central, ficou muito revoltado, devido
ao seu passado com ele, que nunca lhe respondeu aos seus dois contactos.
Entretanto, chegou Ega, que pediu para falar à parte com Carlos: tinha uma
letra para pagar e uma dívida para com Eusebiozinho. Carlos assistiu, de
imediato, o amigo, passando-lhe um cheque de valor superior ao que Ega
necessitava. Ega aproveitou, então, a oportunidade, para perguntar a Carlos
por que motivo este já não visitava os Gouvarinhos. Carlos já não se
divertia lá, mas Ega dizia que a condessa nutria um amor sincero pelo
médico e que Carlos a podia ter quando quisesse. Ega contou que se iria
realizar um baile de máscaras dos Cohen, no aniversário de Raquel, ideia
que surgiu por sugestão dele. Carlos iria vestido de dominó – como homem
da ciência que era! –, a Gouvarinho ia de Margarida de Navarra e Dâmaso
vestir-se-ia de selvagem; já Ega recusou-se a revelar o segredo das suas
vestes.
Durante a semana seguinte, Dâmaso, que tinha lições de florete com os
Maias por ser chique, não apareceu no Ramalhete. Isto preocupou Carlos,
que o foi procurar a casa. Aí, o criado disse-lhe que Dâmaso estava de boa
saúde e, aliás, tinha acabado de sair a cavalo. Indo procurá-lo, encontrou
Steinbroken em direção ao Aterro. Aí ficaram a conversar, até que Carlos
viu uma senhora que lhe prendeu a atenção enquanto o conde falava. No
entanto, perdeu-a de vista e, então, foi embora com Steinbroken.
Carlos voltou ao Aterro no dia seguinte, e voltou a vê-la, desta feita com o
seu marido. Pareceu-lhe menos deusa e mais humana. E embora tenha
voltado ao Aterro nos três dias seguintes, não a voltou a ver, tendo,
portanto, desperdiçado o trabalho durante a semana.

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Uma semana depois, a Gouvarinho apareceu no consultório de Carlos.


Estava preocupada com o seu filho, Charlie. Carlos examinou-o e não
descobriu nada de anormal, pelo que logo percebeu que a visita era um
pretexto para a condessa o ver. Ele e a condessa falaram bastante e, depois
deste encontro, Carlos ficou a pensar nela. De facto, a condessa era muito
esbelta, mas não queria tornar-se íntimo.
À saída, encontrou Dâmaso, que explicou a sua ausência: tinha encontrado
um romance, “divino”, como ele disse.
Dias mais tarde, Carlos viu, na “Gazeta Ilustrada”, um artigo redigido por
Ega sobre Cohen. Carlos, Craft e Cruges discordavam do artigo, achavam-
no uma tolice; mas o marquês considerava-o sublime. Mais tarde,
descobrindo que Dâmaso tinha ido para Sintra com senhora bela que Carlos
havia avistado e seu marido, Carlos convidou Cruges a ir com ele para
Sintra também, no dia seguinte.

Capítulo VIII

De manhã, Carlos foi procurar Cruges a sua casa, mas este já não habitava
aí. Por momentos, pensou em partir sozinho, mas acabou por ir à nova casa
do maestro. Cruges estava inquieto acerca do motivo daquela súbita visita a
Sintra; Carlos diz-lhe apenas que ele não se há de arrepender e Cruges
revela que não visitava Sintra desde os seus nove anos. Na Porcalhona,
enquanto Cruges comia ovos com chouriço e Carlos tomava um café,
discutiram outras paisagens. Carlos revelou a Cruges os planos dele e de
Ega: pretendiam ir a Itália por necessidade de Ega. Mas, para Cruges, do
que Ega necessitava era um chicote.
Retomaram viagem. Carlos pensava na mulher que já não via faz duas
semanas e que, supunha ele, estaria em Sintra. Quando finalmente
alcançaram o destino, Carlos ficou com uma certa ansiedade de encontrar a
mulher e disse a Cruge que não iam ficar alojados na Lawrence, mas no
Nunes. Foi aí que Carlos ficou a saber, por intermédio de um criado, que
Dâmaso estava em Sintra, possivelmente na Lawrence. Carlos ficou muito
feliz com a certeza da presença de Salcedo em Sintra.
Mais tarde, vê Eusebiozinho com outro senhor, Palma, e duas mulheres
espanholas à mesa. Eusebiozinho, atrapalhado, justifica a situação pelo
facto de o seu médico lhe ter dito que deveria mudar de ares. Entretanto,
uma das Espanholas, Lola, reconheceu Cruges e Carlos da Maia foi
apresentado a Palma e às Espanholas. Lola já o conhecia do seu romance

!12
Os Maias

com Encarnacion e Carlos perguntou por ela, que agora, aparentemente,


estava com um tal de Saldanha (mas não o duque). Carlos não o conhecia e
queria embora, mas Cruges estava curioso em descobrir quem era a esposa
de Eusebiozinho. O viúvo respondeu que eram amigas de Palma e Concha,
uma das Espanholas, que Eusebiozinho trouxera a Sintra, ouvindo aquilo,
enfureceu-se com Eusebiozinho.
Às duas horas, Carlos e Cruges abandonaram a sala sem se despedirem de
Palma. Na rua, apreciaram a paisagem e o ar de Sintra. Enquanto
apreciavam um jardim, apareceu Alencar, vindo de Seteais, que lá estava
por recomendação do médico e que ficou muito feliz por os encontrar em
Sintra. Carlos aproveitou a ocasião para lhe perguntar se Dâmaso estava na
Lawrence, mas Alencar não o tinha visto lá, se bem que apenas tinha
chegado no dia anterior. Algum tempo mais tarde, Carlos sugeriu que
fossem até à Lawrence e aí poderiam arranjar um burro para irem à Pena.
Já na Lawrence, perguntou aos burriqueiros se haviam visto Dâmaso, e
responderam-lhe que a família em questão tinha ido para o palácio. Carlos
foi, então, para o palácio, de onde lhe pareceu ver a senhorita na Lawrence.
Mas, chegado à Lawrence, apercebeu-se que não era ela e descobriu, por
intermédio de um criado, que ela e Castro Gomes tinham partido para
Mafra e, daí, voltariam para Lisboa; e, de repente, Sintra parecia-lhe triste.
Entretanto, descobriram Carlos na Lawrence e Alencar logo mandou fazer
bacalhau para o jantar, enquanto Carlos e Cruges iam pagar a conta no
Nunes. Pelo caminho, passaram por Eusebiozinho e Palma, que os
convidou a juntarem-se ao seu jogo, mas Carlos não respondeu; já Cruges,
influenciado por Palma, jogou e perdeu.
De volta à Lawrence, jantaram e, no final, partiram. Já haviam passado São
Pedro quando Cruges se lembrou de que se esquecera da promessa que
fizera à sua mãe: tinha-se esquecido das queijadas!

Capítulo IX

Este capítulo inicia-se por uma série de indícios negativos: o dia


amanhecera “triste”, Carlos espreguiçava-se e bocejava – expressões que
traduzem o seu estado de espírito e a sua vida ociosa.
Depois de uma curta conversa com Vilaça, que lhe trouxera dinheiro,
apareceu Afonso enquanto Carlos escrevia. Trazia-lhe um convite de jantar
em casa do conde e Afonso iniciou uma conversa com Carlos sobre o ato
de escrever. Carlos dizia que o ato criativo de escrever era coligar ideias,

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Os Maias

uma preocupação peninsular, e Afonso colocou o dedo na ferida ao dizer


que o Português não era homem de ideias, mas de “palavreado” (muito
falar e pouco agir). Carlos dá-lhe razão, confessando que os seres inferiores
se orientam pela bela frase, e ele é um desses “monstros” – os preocupados
com a estética.
Entretanto, Ega chegou e pediu a Carlos uma espada para o baile de
máscaras dos Cohen que se realizaria nessa noite. Carlos assentiu – afinal,
ainda tinha umas espadas espanholas vindas de Benfica. Afonso pediu-lhe,
ainda, que tivesse cuidado com a espada e logo de seguida elogiou a
mocidade de John.
Um pouco depois, Dâmaso entrou a correr no Ramalhete: os brasileiros
precisavam de cuidados médicos para a sua menina de seis anos. Apenas a
governanta estava em casa com a pequena e, como a governanta apenas
falava Inglês, necessitavam de um médico inglês. Carlos partiu, de
imediato, avisando Baptista que não ficaria para almoçar.
Chegando à porta do Hotel Central – onde habitavam os Castro Gomes –,
logo entraram. Carlos pôde, aí, contactar, pela primeira, com a intimidade
da mulher por quem se apaixonara, apesar de esta estar em Queluz, mal
este partisse para Paris. Sendo chamado para assistir a menina, tranquilizou
a família: a Rosicler não tinha nada mais do que um mal-estar passageiro.
Depois, Dâmaso revelou a Carlos que planeava envolver-se com a esposa
de Castro Gomes e Carlos ficou nervoso, mas, oportunista, fez-se amigo
dele, para lhe retirar informações sobre a “Brasileira”.
Nessa noite, às dez horas, Carlos preparava-se para o baile dos Cohen.
Ainda estava em casa, quando lhe surgiu, à porta, Ega, vestido de
Mefistófeles – tinha sido expulso pelo Cohen, que descobrira da relação
entre Ega e Raquel, e Ega estava muito irado: queria desafiar Cohen para
um duelo, mas Carlos desencorajou-o. Mesmo assim, a pedido de Ega,
visitaram Craft, pedindo-lhe conselhos sobre o possível duelo. Craft disse-
lhe apenas que esperasse pelo dia seguinte. Ega, perante tal passividade,
exclamou não ter amigos, pois amava muito aquela mulher. No dia
seguinte, nada aconteceu: Ega apenas descobriu, por intermédio de uma
criada da família, que Castro Gomes espancara Raquel e iam agora para
Inglaterra. Esta disse-lhe ainda que Castro Gomes devia ter descoberto a
verdade em sonhos: Raquel deveria ter dito o nome de Ega enquanto
sonhava – e Ega ficou surpreendido, pois Raquel tinha-lhe dito que ela e o
marido dormiam em quartos separados. Nessa noite, Ega planeava queimar

!14
Os Maias

a fotografia que guardava de Raquel, mas, ao vê-la, chorou com a face


“enterrada no travesseiro”.
“Toda essa semana foi dolorosa para o Ega”. Ega era odiado pela pequena
Lisboa e decidiu ir para Celorico de Basto, planeando voltar a Lisboa,
triunfante, com o “Memórias de um Átomo” publicado. Afonso da Maia
classificou este desastre de Ega de “Má estreia”. Na verdade, também
Carlos, olhando em retrospetiva, tinha tido uma má estreia.
Carlos passou a semana na companhia dos Gouvarinhos. Em casa do
conde, as senhoras falavam sobre a educação e a visão destorcida que
tinham e trocavam-se olhares entre Carlos e a condessa, que culimaram
num grande beijo.

Capítulo X

Passaram-se três semanas. Carlos e a condessa tinham tido várias


escapadelas no “ninho de ‘Bíblias’”, e a verdade é que Carlos já estava
aborrecido da Gouvarinho e procurava uma forma de se desfazer dela, pois
ela queria fugir com ele. Ega estava em Celorico, a escrever uma comédia
para se vingar de Lisboa, “O Lodaçal”.
Carlos estava impaciente por conhecer a “Brasileira, que estaria nas
corridas no hipódromo, no domingo, e que, segundo Dâmaso, seria um
lugar “podre de chique”. Ora, perto do Grémio, a esposa de Castro Gomes
acenou levemente a Carlos, com a cabeça, o que o deixou perturbado.
No Ramalhete, discutiam-se as corridas: para Afonso da Maia, em vez de
corridas, o verdadeiro patriotismo seria fazer uma boa tourada; para
Dâmaso, as corridas eram cosmopolitismo; e, para Craft, o touro devia ser
neste país como o ensino era lá fora: gratuito e obrigatório. O ridículo de
Dâmaso pôs-se a nu quando este disse que a sua contribuição para a
civilização do país tinha sido mandar fazer uma vestimenta para as
corridas. Depois, Carlos chamou Dâmaso à parte: queria conhecer os
Castro Gomes e Dâmaso iria convidá-los no dia seguinte. Voltando para
dentro, descobriram Afonso, na antecâmara, com duas mulheres, que lhe
pediam esmola. Era um caso frequente na época.
A verdade é que a semana passou e Dâmaso desapareceu, sem resposta dos
Castro Gomes. De qualquer forma, chegou o domingo e iriam decorrer as
corridas no hipódromo. O hipódromo, improvisado, parecia um palanque;
as pessoas não sabiam onde se sentar e as senhoras traziam os vestidos
escuros e “sérios de missa”; o bufete tinha um aspeto nojento, parecia uma

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Os Maias

tasca. Além disso, faltava às corridas a animação de Paris e Londres – as


“cocottes” e o champanhe. Carlos foi falar com a sua amiga de longa data,
D. Maria da Cunha. Era a única senhora sentada entre os homens, pois não
suportava a “seca” de estar entre as mulheres. Carlos contou-lhe de “O
Lodaçal”, em que todos entravam, pois todos eram lodaçal. Entretanto,
apareceu El-Rei na tribuna. D. Maria achava a música ridícula, por dar às
corridas um ar de arraial. Carlos achava o hino medonho.
Passado algum tempo, a primeira corrida começou e tinha apenas dois
cavalos. E, sendo quase três horas, Carlos estava desiludido. Tinha ido às
corridas à procura da sua “deusa” e ela não compareceu – repetia-se o
esquema de Sintra.
A desordem chegou quando terminou a primeira corrida: os cavalos
chegaram a par e dividiam-se as opiniões, se vencera o “Escocês” ou
“Júpiter”. Além da desordem das corridas e da pelintrice, ao longo desta
sequência, denota-se o facto de tudo ser muito artificial, postiço, pois
Portugal não tinha corridas de cavalos nem terrenos para o efeito. Carlos
disse mesmo que Portugal precisava, em primeiro lugar, de gente educada.
Entretanto, estava o Grande Prémio Nacional para começar, e a condessa
Gouvarinho avista Carlos e sugere-lhe ir com ela até ao norte, pois o seu
pai fazia anos e Carlos hesitou, mas acabou por ceder, já no final das
corridas, e combinaram encontrar-se no dia seguinte à noite. Carlos apostou
em “Vladimiro”, um potro de Darque, Entretanto o secretário de
Steinbroken também “tomou parte no saque à bolsa do Maia (…), como
uma aposta (…), a aposta do reino da Finlândia” (o reino não existia, pois a
Finlândia era dominada pelos Russos). Carlos começava a divertir-se e a
corrida foi renhida até ao final, que Vladimiro venceu. Tendo Carlos ganho
a aposta (doze libras, uma ninharia, o que, mais uma vez, mostra a
pelintrice do evento), logo a ministra da Baviera lhe disse: “Heureux au
jeu…” – que é como quem diz, “Sorte ao jogo, azar ao amor”. Na verdade,
Carlos tinha ido ao jogo para ver a Brasileira e, obcecado pela sua deusa,
não viu ali o dedo do destino.
Carlos, durante grande parte do evento, tinha procurado Dâmaso, que havia
desaparecido. Quando finalmente o encontra, este trata-o com grande
grosseria e conta-lhe que o Duarte Gomes partira para o Brasil na quarta-
feira anterior, sendo que a sua mulher ficaria num apartamento no prédio
do Cruges.
Foi então que terminou a corrida do Prémio de El-Rei, com um “cavalo
solitário” a passar a meta sem se apressar – seguido, muito depois, por uma

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Os Maias

pileca. E, embora ainda houvesse mais uma corrida, todo o interesse pelos
cavalos estava perdido. As corridas terminaram, assim, de forma algo
grotesca e caricatural, pondo a nu a contradição entre o ser e o parecer, ou
seja, a imitação servil do que se fazia em Londres e Paris. As corridas
acabam em desordens, fazendo estalar o verniz postiço de civilização.
Carlos foi-se embora. No peristilo do Ramalhete, esperava-o uma carta,
escrita com letra inglesa de mulher. Era uma carta da sua deusa, que veio a
marcar uma viragem definitiva no curso da intriga. O destino divertia-se.
Na carta, dizia-lhe que uma pessoa de família estava doente e precisava dos
serviços dele. Carlos fica enlevado e flamejante.

Capítulo XI

Na manhã seguinte, Carlos levantou-se cedo para visitar a sr.ª Gomes. Logo
que entra em sua casa, o criado deixa entornar o molho do assado no
soalho. Quando Domingos, o criado, lhe fala em Maria Eduarda, e Carlos
pela primeira vez ouve o nome da sua amada, associou-o de imediato à
similitude com o seu – uma espécie de indício de desenlace, como quando
João da Ega tinha dito que estariam “irresistivelmente, fatalmente,
marchando um para o outro”. Também foi intermédio de Domingos que
descobriu que a paciente seria a governanta, Miss Sara.
O primeiro encontro com Maria Eduarda foi, para Carlos, inesperado. O
médico, que tentava acariciar a cadelinha da família, corou com a presença
da sua deusa e logo se recompôs, mas quanto mais tempo para ela olhava,
mais se apaixonava; via, inclusive, um brilho no olhar dela direcionado
para ele. Carlos devia, de qualquer forma, ir ver o estado da governanta e
não lhe achou nada de grave: apenas lhe recomendou que ficasse
agasalhada e na cama durante mais quinze dias. Depois, numa conversa
com Maria Eduarda, veio a descobrir que, afinal, esta não era brasileira,
mas portuguesa, e que considerava existir uma falta de estética na
arquitetura do seu país.
Por fim, despediram-se e Carlos voltou ao Ramalhete, na certeza de que
não precisaria de voltar a farejar em busca da sua deusa – qual deusa, agora
tinha um nome, e era tão semelhante ao dele! –, pois sabia exatamente onde
a encontrar. Então, foi interrompido por uma carta que Baptista lhe trouxe,
da Gouvarinho: “All right”, dizia. Não se lembrava da Gouvarinho desde o
dia anterior, quando lhe prometeu ir com ela para o Porto nessa noite. Ela
deveria estar a esperá-lo e ele, friamente, achava-a agora ridícula. Aliás,

!17
Os Maias

nessa mesma noite, à mesa de jantar, falavam Craft e Afonso do


Gouvarinho, e logo Carlos os interrompeu para o intitular de besta,
demonstrando o fastio que sentia em relação à condessa e tudo o que a
rodeava. Foi então que se decidiu a escrever-lhe um bilhete curto a dizer-
lhe que não se deveriam voltar a ver, mas, quando, no seu quarto, o tentou
fazer, houve um culminar tal de todos os sentimentos negativos
anteriormente construídos que não conseguiu redigir nem um simples
bilhete. Iria, portanto, à estação Santa Apolónia e cancelaria a ida quando
ela já tivesse um pé dentro do comboio.
Em Santa Apolónia, encontrou Dâmaso, que partia para o Norte, pois um
tio seu havia morrido. Também os Gouvarinhos iam para o Porto – o conde
acompanhava a condessa e Carlos recusou ir.
Os dois fantasmas de Carlos partiam e Carlos vivia em êxtase. Fazia visitas
regulares a Miss Sara, sentindo sempre um “nervoso miudinho” antes de
cada visita, e começava a ser tratado quase como um velho amigo. Por
vezes, em dias de chuva, ele e Maria Eduarda partilhavam a intimidade do
silêncio. Descobriu até que Maria havia sido educada num convento e tinha
uma grande humanidade e preocupações muito sérias e, para Carlos, havia
várias semelhanças entre Maria Eduarda e o seu avô, Afonso.
Foi também nestas longas conversas que Carlos ficou a conhecer outra face
de Dâmaso e começou a sentir-lhe repugnância – afinal, o seu tio, Mr.
Guimarães, era pobre e Dâmaso ignorava-o. Falavam também nestas
conversas que falaram de afeições, afeições puras, que, aliás, era o que
Carlos sentia no seu íntimo – um amor puro de devoção, sem qualquer
interesse físico.
Numa dessas tardes, em que Carlos estava em casa de Maria Eduarda, com
Niniche – a cadela – no colo, chegou Dâmaso, que, quando viu Carlos ali,
naquela intimidade, ficou aterrado. Dâmaso elogiou as corridas, que Carlos
criticava, falou de Penafiel – da falta de mulheres “chiques a valer” e da
maçada que era ficar em casa a ler. À noite, Dâmaso foi ao Ramalhete,
perguntar a Carlos o motivo da sua presença em casa de Maria Eduarda.

Capítulo XII

No sábado seguinte, Carlos encontrou Ega no seu quarto, que tinha vindo
para Lisboa, incógnito, acompanhado da condessa Gouvarinho, apenas para
comer e conversar bem. A Gouvarinho falara muito dele e tinham,
inclusive, arranjado um encontro. Além disso, os Cohen estavam de volta a

!18
Os Maias

Lisboa e Ega desistira do projeto de escrever “O Lodaçal”. Quando Afonso


soube disto, criticou Ega por “fazer bocados incompletos de obras-primas”.
Para Ega, não valia a pena e Carlos concordava: faltava cumprir-se
Portugal, o que levou a Afonso a criticá-los pelo seu parasitismo e inércia
abúlica. Entretanto, também se veio a descobrir que Ega tinha arranjado
companhia em Celorico, da filha do padre que, além do mais, era casada.
Na segunda-feira seguinte, era o jantar dos Gouvarinhos. Carlos, enfadado
com a condessa, compareceu ao jantar, onde estava ainda Sousa Neto,
oficial superior da Instrução Pública e, claro, a condessa, que parecia a Lili
Caneças de hoje.
Foi durante este jantar que Ega se declarou a favor da escravatura e contra
o progresso. Ega (analogamente à sociedade) também demonstrou muito
machismo, pois, segundo ele, a mulher devia, em primeiro lugar, “ser bela”
e, em segundo, “estúpida”. Para ele, as mulheres não deviam receber
prendas (apenas deviam cozinhar e amar bem), o que levou a uma
discussão com Sousa Neto, que acabou por dizer que o dever dele era
“acatar todas as opiniões alheias, mesmo quando (…) absurdas”. Durante
todo o jantar, Sousa Neto tipifica a crítica à ignorância dos burocratas.
Ega e Carlos, que combinou um encontro com a condessa no dia seguinte,
foram os últimos a abandonar o jantar. No dia seguinte, logo que se viu
livre da condessa, foi “a voar” para a rua de S. Francisco, onde habitava
Maria Eduarda, que acabara de chegar. Ela disse-lhe que tinha estado mais
de meia hora à espera dele antes de sair, mas não por causa de Miss Sara,
que estava bem, mas sim porque, agora, as visitas eram de amigo. Dâmaso
chegou também, mas Maria Eduarda não o quis receber. Como Maria
Eduarda queria mudar de casa, Carlos pensa em comprar uma casa de
campo ao Craft, por um ano, para Maria Eduarda, nos Olivais – contudo,
preocupava-lhe que se acabassem as visitas, mas Maria Eduarda disse que
não haveria problema com esse assunto. Então, depois de uma troca de
olhares ardentes, Carlos declara a Maria Eduarda o seu amor e, sendo
correspondido, logo falam em fugir e beijam-se pela primeira vez. No dia
seguinte, Carlos compra a Quinta dos Olivais.
Se Afonso da Maia aprovou a compra, Ega mostrava-se indignado por
Carlos não partilhar o seu segredo e persistir na sua rígida reserva em
relação ao seu caso com Maria Eduarda – “Isto, porém, não era ‘uma
aventura’”, dizia Carlos. Apesar disso, contou-lhe tudo e Ega, pela forma
como sentiu aquele amor, sentia ser ela o “irreparável destino” de Carlos.

!19
Os Maias

Capítulo XIII

A Gouvarinho escreveu uma carta a Carlos, repreendendo-o por não


aparecer aos encontros marcados e combinando um novo encontro com
Carlos, ao qual ele não iria comparecer, como Ega sugerira. Ega, que
esperava ansiosamente uma carta de Raquel, contou-lhe ainda acerca dos
boatos baixos de Dâmaso em relação à relação de Carlos e Maria Eduarda.
Mais tarde, iam Carlos, Ega e Alencar no Chiado, quando encontram
Dâmaso, acompanho pelo Cohen e a Gouvarinho e Carlos fez um ultimato
a Dâmaso, para que parasse de falar dele.
Depois do jantar, e tal como Maria Eduarda lhe pedira, Carlos preparava-se
para a visitar, quando chegou Teles da Gama, que perguntou a Carlos se
este, quando tinha dito a Dâmaso que lhe cortaria as orelhas, tinha intenção
de o ofender. Carlos disse que não, “tinha só intenção de lhe arrancar as
orelhas”.
No dia seguinte, Carlos foi à quinta de Craft. Havia um silêncio trágico e
uma certa harmonia enganosa. Maria Eduarda estava para chegar às dez e
assim se cumpriu: chegou vestida de preto, uma cor agoirenta. Depois de a
beijar, foram fazer o reconhecimento da casa. A casa era escura e feia, mas
os quartos em cima eram alegres – de notar que a luz ao fundo do túnel
nem sempre é de esperança; às vezes, pode ser a luz de um comboio que os
esmagará.
A casa estava cheia de indícios, ora passionais, ora trágicos. Quando
chegou a altura de escolher o nome, acabaram por intitular a casa de
“Toca” – um indício disfórico da relação, já que toca remetia para covil.
Depois, o quarto que deveria ser seu não lhe agradava, tinha um luxo
tridente e sensual, umas tapeçarias que representavam os amores adúlteros
de Vénus e Marte. A Toca também tinha um painel de S. João Baptista
degolado e uma coruja empalhada. Durante esta visita à Toca, em que
houve a consumação do incesto (inconscientemente), Maria Eduarda parece
D. Madalena de “Frei Luís de Sousa” – sempre a lembrar-se do fantasma
do marido.
No domingo seguinte, foi o aniversário de Afonso da Maia e houve um
jantar no Ramalhete. Ao jantar, Afonso revelou a sua intenção de se
deslocar para Santa Olávia. Craft e Sequeira iriam com ele, faltava
persuadir Ega e Carlos a acompanhá-los. Ega tinha avesso ao campo: era
um adepto da cidade, o “Paraíso na Terra” do homem civilizado. Já Vilaça e
D. Diogo gostavam do campo, este último devido aos piqueniques. Este

!20
Os Maias

“flash” sobre o campo retratava uma sociedade superficial e vazia de


valores.
Nessa mesma noite, durante uma partida no bilhar, D. Diogo conta a Ega
que vira a Cohen, sempre acompanhada de Dâmaso – parecia namoro, dizia
ele. Foi então que chegou a Gouvarinho, que levou Carlos para falar com
ele. Carlos e a Gouvarinho digladiaram-se e finalmente houve o
rompimento sentimental entre ambos.

Capítulo XIV

Afonso da Maia foi para Santa Olávia, Maria Eduarda instalara-se nos
Olivais, Ega foi “pastar” para Sintra, onde também estariam os Cohen.
Entretanto, Taveira leva Carlos ao Prince e conta-lhe que os boatos baixos
de Dâmaso continuam e, à saída do Prince, Alencar apresenta Guimarães a
Carlos.
No caminho de volta para o Ramalhete, Carlos estava decidido a fugir com
Maria Eduarda para Itália, mas tinha um obstáculo: o avô, pois o nobre
velho via o amor e a carne como fatais. Afinal de contas, já a mulher de
Pedro, seu filho, havia fugido. O neto não lhe poderia causar tamanha
tristeza.
Carlos visitava Maria Eduarda todas as manhãs, nos Olivais. Estava
apaixonado e sentia-se envolvido num “extraordinário conforto moral” – a
própria casa começava a exalar uma atmosfera de aconchego. Conforme o
tempo passava, tinham mais necessidade um do outro – já não lhes bastava
passar a manhã juntos, também de noite Carlos a visitava.
Alguns dias depois, Carlos notou numa casa nos arredores da Toca e
arranjou, aí, um novo ninho do amor. E, num dia em que se atrasou para o
encontro com Maria Eduarda, encontrou a muito casta Miss Sara,
hipocritamente, enroscada de prazer na relva.
E assim ia passando o verão. Num sábado no início de setembro, Craft
voltou a Lisboa, para o Hotel Central, e Carlos correu logo para lá, para
saber as novidades de Santa Olávia: o seu avô demonstrava muita
hospitalidade, mas tinha muitas saudades do neto, e Sequeira tinha uma
grande gula. Também Eusebiozinho estava no hotel e contou-lhe que Palma
tinha agora um jornal, “A Corneta do Diabo”. Craft fazia tenção de ir a
Bagdade.
Nessa noite, Carlos falou a Maria Eduarda sobre a necessidade de visitar o
seu avô, por um curto período de tempo, que aceitou e queria visitar o

!21
Os Maias

Ramalhete. Por isso, na noite de partida dele para Santa Olávia, jantaram,
juntos, na Casa do Ramalhete. Carlos estava um pouco nervoso, pois temia
que Maria notasse que ele não era, afinal, puro e perfeito, mas Maria sabia
bem que a pureza não existia.
Tendo terminado de ver a casa, Maria Eduarda sentiu remorsos por fazer
com que Carlos abandonasse tudo aquilo por ela, mas Carlos consolou-a.
Mais tarde, Maria reparou no retrato de Pedro da Maia e disse que Carlos
se parecia mais com a mãe dela do que com Pedro. Então fala-lhe da sua
mãe, nascida na Madeira e casada com um Austríaco; Maria teria tido uma
irmã mais nova que morrera em Paris.
Entretanto, chegou Ega, vindo de Sintra. Jantou com eles e contou as
novidades, antes de Maria partir, rumo à Toca, e Carlos também, rumo a
Santa Olávia.
Uma semana depois, Carlos havia voltado de Santa Olávia, sozinho, com
um plano para fugir com Maria Eduarda sem magoar o avô em demasia,
que Ega aprovava. Nesse mesmo dia, Castro Gomes visitou Carlos: Castro
Gomes recebera, no Brasil, uma carta, que lhe contava a relação entre
Carlos e Maria Eduarda. Castro Gomes estava indiferente em relação a esse
assunto e contou a Carlos que Maria Eduarda não era sua esposa, mas uma
mulher que ele pagava. Carlos ficou, pois, atónito com a revelação e com o
orgulho ferido e, depois de Castro Gomes abandonar o ramalhete, remorde,
com Ega, as palavras insultuosas de Castro Gomes em relação a Maria
Eduarda Mac Gren.
Mal Ega saiu e lhe disse que Castro Gomes se dirigira para a Toca, Carlos
começa a engendrar uma carta de raiva que enviaria a Maria Eduarda, mas
que depois desistiu de escrever em prol presença em carne e osso perante
Mac Gren. Então, mal soube que Castro Gomes abandonara a Toca, foi
para lá.
Carlos fez a viagem a pensar na situação. Sentia a mentira como algo físico
que manchava o seu amor… mas também sentia compaixão. Por isso,
hesitou. Bateu no vidro para fazer o cocheiro parar, para poder pensar mais
calmamente, mas o cocheiro (do destino) não o ouviu.
Tendo chegado à Toca, Melanie recebeu Carlos. Melanie explicou-lhe um
pouco a história e Carlos começou a sentir-se solidário para com Maria
Eduarda. Na Toca, Maria Eduarda estava a chorar, pediu-lhe perdão e
contou-lhe a história dela: miséria, dor de mãe, procura por trabalho,
fome… Castro Gomes apareceu quase como uma salvação. Carlos tremia

!22
Os Maias

perante aquelas revelações e, comovido, depois daquela grande cena de


choro, pediu-a em casamento.

Capítulo XV

No dia seguinte, volta a bonança e vivem o seu amor, agora sem culpas.
Maria Eduarda perguntou a Rosa se ela queria que Carlos vivesse lá em
casa, e a pequena disse que sim e começou a trata-lo por “papá”. Foram,
então, para o quiosque deles; Maria levou um cofre de sândalo e contou-lhe
toda a sua história de vida: nascera em Viena e pouco sabia do pai. Havia
tido uma irmãzinha, Herloísa, que morrera, e recordava-se de o seu avô lhe
contar histórias. Tinha estudado num convento de freiras, onde as visitas da
sua mãe eram cada vez menos. A sua mãe vivia num meio depravado e
moralmente baixo. Maria acabou por se juntar com Mac Gren, de quem
teve uma filha, Rosa. Depois da morte de Mac Gren na guerra, viveram
tempos difíceis e a sua mãe morreu. Conheceu Castro Gomes e, não
suportando o sofrimento em que Rosa vivia, passou a ser sua companheira.
Contudo, durante todo este tempo, o seu corpo “permaneceu sempre frio,
frio como mármore”: nas duas relações que teve, não amou nenhum dos
homens.
Dias depois, Carlos continuava seguro em casar com Maria, em Roma, em
outubro. Contudo, temia que o avô não aceitasse os erros de Maria, e Ega
sugere que Carlos apenas case com ela após a morte de Afonso, que tinha
já oitenta anos. Carlos concordou e, resolvido o dilema, procuram confortar
o estômago e foram jantar à Toca. Foi aí, na toca, que Ega diz ter ideias de
casar e arrepender-se de ter perdido um ano da sua vida com a outra
israelita devassa (Raquel, que, antes, era a sua deusa).
Carlos, que não tinha intenções de apresentar Maria aos seus amigos antes
de se casarem, gostou deste encontro entre amigos e, por isso, quando
encontrou Cruges, convidou-o a jantar na Toca no domingo seguinte. Mas
Cruges, intimidado na presença de Maria (assim como se sentia na
presença de outras mulheres), estragou o jantar.
O tempo passava e Maria queria que Carlos trabalhasse e ganhasse um
nome; então, Carlos voltou a escrever alguns artigos para a “Gazeta
Médica”. Também retomara a escrita do seu livro, “Medicina Antiga e
Moderna”, que, ali, era muito mais fluída.
Numa manhã nos Olivais, recebeu uma carta de Ega, que lhe enviou um
número da “Corneta do Diabo”, que continha um artigo difamatório a

!23
Os Maias

Carlos. Ega tinha tratado de tirar de circulação toda a tiragem, à exceção


daquele e de outro número, que também não ia chegar ao destino. Ainda
assim, Carlos achou repugnante todo aquele calão utilizado; aliás, não só
aquele artigo, mas toda a cidade, pois “só Lisboa, só a horrível Lisboa, com
o seu apodrecimento moral, o seu rebaixamento social, a perda inteira de
bom senso, o desvio profundo do bom gosto, a sua pulhice e o seu calão”
podia criar semelhante artigo. Este artigo introduz, na sua vida, a incerteza
e o tormento: por um lado, queria matar o autor de tais injúrias; por outro,
começava a pensar se Maria Eduarda seria mulher para ele. Acabou por se
decidir pelo primeiro.
A verdade é que Palma Cavalão era o proprietário e redator do jornal; a
inspiração do artigo, contudo, era alheia. Como tal, Ega e Carlos foram
falar com Palma e, a troco de dinheiro, ficaram a saber que Dâmaso e
Eusebiozinho tinham encomendado o artigo. Os dois amigos foram, então,
para o Grémio, onde encontraram Steinbroken e o Gouvarinho, que lhes
revela a existência de uma crise política (e também a sua cobardia).
Chegado Cruges, pediram-lhe que os acompanhasse até casa de Dâmaso.
Dâmaso hesitou, mas, perante a possibilidade de levar uma tareia, acatou
em escrever uma carta formal de pedido de desculpas a Carlos, dizendo que
estava bêbado quando o injuriou. Carlos ficou muito satisfeito e disse a Ega
que ficasse com a carta.
No dia seguinte, Ega pensa em vingar-se de Salcedo, por ter tido um
romance com Raquel. Para isso, ia mostrar a carta que Dâmaso escrevera a
alguns amigos, de modo a que a Cohen viesse a ter conhecimento das
palavras de Dâmaso. Contudo, quando se preparava para o fazer, chegou
uma carta de Afonso da Maia: voltaria, no dia seguinte, ao Ramalhete. Ega
avisou Carlos, que voltou, definitivamente, para Lisboa, já que também
Maria Eduarda se vinha instalar na rua de S. Francisco.
Ao amanhecer, foram buscar Afonso à estação. Ega começou a falar-lhe
dos seus planos, como a criação de uma revista, e o velho ficou encantado.
Foi também neste contexto que Afonso resumiu a sua experiência de vida
em três frases: “aos políticos: ‘menos liberalismo e mais carácter’”; aos
homens de letras: ‘menos eloquência e mais ideia’; aos cidadãos em geral:
‘menos progresso e mais moral’”. Começaram logo, os três, a trabalhar na
revista, e os obstáculos surgiram cedo: Ega não gostava de quase nenhum
escritor. Ainda assim, decidiram uma coisa: a casa de redação devia ser
luxuosa.

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Os Maias

Ega comprou uma senha para ir ao ginásio, onde viu a Cohen. Ega foi
imediatamente invadido por uma onda de recordações, que o deixou numa
emoção sufocante. Mas, afinal, não era apenas a Cohen. Eram Raquel e
Dâmaso: Ega ficou possesso de ciúmes e decidiu vingar-se de Salcede,
publicando a carta no jornal “A Tarde”, cujo diretor era o Neves. Foi
mesmo no jornal que se discutiu política: Gonçalo, incoerente e
oportunista, via o Gouvarinho como uma “besta”, mas votava nele por
solidariedade partidária.
Saído do jornal, Ega começou a ressentir-se pela decisão de publicar a
carta, que traria intrigas para a relação de Carlos e Maria Eduarda. Iria ao
jornal, no dia seguinte, suspender a publicação da carta, não tivesse
sonhado com Raquel e Dâmaso naquela noite, o que fez voltar o fantasma
da vingança.
A verdade é que a carta não causou dano, Dâmaso partiu para Itália e dias
depois já estava esquecida: o governo caíra e houve remodelações no
ministério – Gouvarinho era o ministro da marinha.

Capítulo XVI

Ega ia ao sarau de trindade e tentava convencer Maria a ir também, pois ver


“a alma sentimental de um povo exibindo-se num palco, ao mesmo tempo
nua e de casaca” era uma coisa rara. Rufino, um homem de retórica
bajuladora e empolgada, iria estar presente no sarau. Carlos e Maria tentar
demover e “subornar” Ega para não ir ao sarau, mas não resulta – deveriam
ir, pois Cruges iria tocar.
Chegam finalmente ao Teatro da Trindade, onde veem Guimarães, tio de
Dâmaso. Lá dentro, “toda a classe burguesa” ouvia o Rufino, o que
mostrava o gosto dos latinos pelo empolamento retórico.
Terminado o discurso de Rufino, Alencar diz a Ega que Guimarães
necessita de falar com ele sobre um assunto sério – a carta que havia sido
publicada no jornal “A Tarde”. Dâmaso tinha dito a Guimarães que Ega o
obrigara a escrevê-la, e Guimarães queria saber se Ega lhe achava cara de
bêbado. Posto que a resposta foi negativa, resolveram-se as divergências.
Cruges começou a tocar. Os que gostavam de Rufino não gostavam de
Cruges (e vice-versa). Cruges era incompreendido e a sonata foi um fiasco.
Mais tarde, Carlos viu Eusebiozinho e, lembrando-se do episódio da
“Corneta”, foi atrás dele e deu-lhe uns abanões e um pontapé, pelos bons
velhos tempos. Voltando ao sarau, Alencar declamava o seu poema, “A

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Os Maias

Democracia”, que Ega apoia apenas para contrariar os burgueses


intolerantes.
Ega ficou até ao final a ouvir a poesia de Alencar: Carlos já tinha saído e o
Gouvarinho estava a sair, furibundo. João foi, então, embora. Enquanto ia
para casa, Guimarães interpelou-o: como João da Ega era amigo de Carlos,
Guimarães precisava que ele entregasse a Carlos um cofre que Maria
Monforte lhe dera e que continha papéis importantes – a Carlos ou à irmã.
Guimarães já tinha visto Carlos, Maria e Ega juntos, pelo que pensava que
Carlos e Maria sabiam ser irmãos; mas, pelos vistos, isso não acontecia.
Ega ficou consternado: de facto, Guimarães conhecia bem a história de
Maria Eduarda e Maria Monforte. A relação entre Carlos e Maria era
incestuosa. “Outro que lhe dissesse!”, pensava Ega, que se fixara na ideia
salvadora de incumbir Vilaça a dar a notícia a Carlos.

Capítulo XVII

Mudou de ideias. Decidi não recorrer a Vilaça e ser ele próprio a contar,
virilmente, tudo a Carlos. Com certeza, Ega não seria assim tão viril, pois,
quando teve a oportunidade de contar a verdade a Carlos, refugiou-se
novamente na ideia de procurar Vilaça, mas não o encontrava.
Para afagar o seu desânimo e afugentar aquele negrume do espírito que o
atormentava, Ega foi ao Café Tavares, na Rua do Alecrim, onde comeu um
bife, uma perdiz fria, doce de ananás e café forte.
Quando finalmente encontrou Vilaça, contou-lhe toda a situação e Vilaça,
incrédulo, pensou que era uma artimanha para extorquir dinheiro a Carlos,
mas um papel, assinado por Maria Monforte, dentro da caixa de
Guimarães, convenceu-o. Nessa noite, Ega jantou no Augusto e dissipou os
dissabores no álcool, tendo acordado, no dia seguinte, ao lado de uma
mulher.
Ega apressou-se logo para o Hotel Bragança, onde Carlos e Vilaça tinham
já marcado um encontro para ocorrer a grande revelação e, quando lá
chega, começou a contar a Carlos os detalhes da história com o sr.
Guimarães. Depois de um episódio caricato, em que Vilaça perdera o seu
chapéu, Afonso da Maia apareceu. Quando questionado acerca do assunto,
Afonso ficou siderado e, perante o facto de que o avô nada sabia acerca
daquilo, Carlos sentiu, pela primeira vez, a dor da confirmação – o destino,
implacável, voltara a impor o desequilíbrio na família. Carlos estava

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Os Maias

revoltado contra esta fatalidade, mas de nada servia, pois o destino era
inexorável.
Ao jantar, Ega, Carlos, Steinbroken, D. Diogo e Craft falaram do Sarau da
Trindade e do fado, que Craft atacou (assim como toda a música
meridional). Craft, de resto, criticou ainda as Malaguenhas.
No final do jantar, Carlos decidiu ir à rua de S. Francisco. Carlos tentava
iludir-se, acreditando que tanto ele como Maria Eduarda seriam racionais
na aceitação da questão; não passavam, contudo, de paliativos para
continuar e justificar a continuação da relação com a irmã. Congeminava,
ainda, uma mentira para contar a Maria Eduarda: teria de ir a Santa Olávia,
por motivos de força maior, de onde lhe escreveria uma carta a revelar
tudo. Ao chegar à casa de Maria Eduarda, esta já estava na cama; viu Rosa
e ficou gélido ao tomar consciência de que Rosa era sua sobrinha. Dirigiu-
se ao quarto da sua irmã e, de repente, via no incesto a sedução inesperada
de uma nova carícia. Apesar de ter tentado resistir, acabou por ceder e
consumou o incesto, agora consciente.
Na tarde seguinte, às seis, Ega encontrou Carlos, Darque e Craft no
Marquês. Durante o jantar, Ega notou no companheiro uma alegria nervosa;
depois do jantar, Carlos voltou a demonstrar ter muita sorte ao jogo…
De volta ao Ramalhete, Carlos mostrou-se evasivo e não contou nada a
Ega, que veio a descobrir, nessa noite, que Carlos não dormira no
Ramalhete – estaria, portanto, com Maria, sua irmã. De facto, Ega não foi o
único a compreendê-lo; na noite seguinte, Afonso da Maia, em profunda
dor perante a relação incestuosa dos seus dois netos, interpelou João acerca
deste assunto.
No dia seguinte, Ega tomou a decisão de falar com Carlos. A conversa,
curta, tocou Ega profundamente, que contactou com a fragilidade humana
em Carlos e voltou atrás na sua ideia de fugir para Celorico de Basto.
A verdade era que Carlos tinha medo de enfrentar os seus; e, por isso,
esgueirava-se, fugia do Ramalhete, incógnito, que nem o maior bandido.
Numa madrugada em que tentava voltar ao Ramalhete despercebido, o avô
esperava-o e os seus olhares cruzaram-se, lendo o seu segredo. Carlos,
intimamente, desejava a morte.
De manhã, Carlos foi acordado em sobressalto: os criados chamavam-no,
para que acorresse a Afonso da Maia, que estava prostrado no jardim –
morto, com uma apoplexia. Carlos, desolado, pediu a Ega que escrevesse a
Maria a relatar o facto; à noite, reuniram-se os amigos de família, e o
enterro foi no dia seguinte. Depois, Carlos partiu para Santa Olávia e pediu

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Os Maias

a Ega que tratasse das coisas com Maria e se juntasse a ele depois. No
Ramalhete, o ambiente era de dor – até o gato chorava, perante a ausência
do dono que o acarinhava.
No dia seguinte, Ega foi a casa de Maria Eduarda que, depois de estar ao
inteiro da situação, decidiu partir para Paris, tal como Carlos sugerira, por
intermédio de Ega. Ega e Maria Eduarda ainda se encontraram na estação
de Santa Apolónia e, depois, no Entroncamento, até que seguiram
caminhos diferentes: ele iria para Santa Olávia – nunca mais a veria.

Capítulo XVIII

Semanas depois, na “Gazeta Ilustrada”, na coluna do “High Life”, vinha


estampada a viagem de Carlos da Maia e João da Ega, que se encontrariam,
então, em Londres, e iriam, depois, para a América do Norte e, de seguida,
para o Japão.
Pouco mais de um ano depois, em 1879, Ega voltou, enquanto Carlos ficara
em Paris. Em 1886, Carlos passou o Natal em Sevilha, de onde escreveu a
Ega, anunciando a sua vinda a Portugal. De facto, em janeiro de 1887, lá
estavam os dois amigos, finalmente juntos, a jantar no Hotel Bragança.
Também Alencar se juntou a eles, que ficou muito feliz por ver os dois
camaradas juntos e logo bebeu à sua saúde. Mais tarde, chegou Cruges, o
maestro. Combinaram, depois, jantar lá, nesse dia, às seis; mas, antes,
Carlos e Ega deveriam visitar o Ramalhete.
Ao descer o Chiado, encontraram Dâmaso, que os cumprimentou – e,
embora casado, continuava a ser um “coitado”. Foi também durante este
caminho que recordaram uns velhos tempos, os projetos falhados e as
alegrias vividas. Por outro lado, Portugal era agora um novo país, “cada
vez pior”. Depois, subindo a Avenida, viram Eusebiozinho, agora casado
(tinha sido obrigado a tal pelo seu sogro). Apanharam uma tipoia e foram
para o Ramalhete, onde a maior parte das decorações estava a ser enviada
para Paris, onde Carlos habitava agora. A casa estava “lúgubre”,
simbolizando a fatalidade do destino sobre os Maias. Carlos contou a Ega,
então, algumas novas: Bonifácio morrera, em Santa Olávia; e Maria
Eduarda avisara-o de que se iria casar, agora, com alguns anos acima dos
quarenta, o que para ele colocava um ponto final na história. Era irónica a
forma como ele, uma década atrás no tempo, pensara, dentro daquelas
quatro paredes, em matar-se e estava, agora, ali, vivo – e mais gordo.

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Com efeito, haviam falhado a vida, como todos falhavam; e não eram nada
mais – nada menos! – do que românticos, “indivíduos que se governam na
vida pelo sentimento, e não pela razão”. De qualquer forma, valia a pena
viver, dizia Ega, desde que se satisfizesse o estômago. Para Carlos, a
máxima de vida deveria ser “nada desejar e nada recear”, posto que o
universo e o tempo iriam providenciar tudo; e, por isso, não valia a pena
apressar o passo. O certo é que, quando notaram nas horas – já passava um
quarto de hora das seis –, logo começaram a correr atrás de um americano,
para chegarem a tempo do jantar no Bragança. “Ainda o apanhámos!”.

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