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PÁGINA EM BRANCO

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PROPAGANDA ELEITORAL

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TRATADO DE DIREITO ELEITORAL

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LUIZ FUX
LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA
WALBER DE MOURA AGRA
Coordenadores

Luiz Eduardo Peccinin


Organizador

PROPAGANDA ELEITORAL

Belo Horizonte

CONHECIMENTO JURÍDICO

2018

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TRATADO DE DIREITO ELEITORAL

Coordenadores Organizador Comissão Científica Comissão Executiva


Luiz Fux Luiz Eduardo Peccinin Roberta Maia Gresta Maitê Chaves Marrez
Luiz Fernando Casagrande Pereira Frederico Franco Alvim Paulo Henrique Golambiuk
Walber de Moura Agra João Andrade Neto Waldir Franco Félix Júnior

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CONHECIMENTO JURÍDICO

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P962 Propaganda eleitoral / Luiz Fux, Luiz Fernando Casagrande Pereira, Walber de Moura
Agra (Coord.); Luiz Eduardo Peccinin (Org.). – Belo Horizonte : Fórum, 2018.
422 p.

Tratado de Direito Eleitoral


V. 4

ISBN da Coleção: 978-85-450-0495-0


ISBN do Volume: 978-85-450-0499-8

1. Direito Eleitoral. 2. Direito Constitucional. 3. Direito partidário. 4. Ciência Política.


I. Fux, Luiz. II. Pereira, Luiz Fernando Casagrande. III. Agra, Walber de Moura. IV.
Peccinin, Luiz Eduardo. V. Título.
CDD 341.28
CDU 342.8

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 422 p. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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SUMÁRIO

PARTE I
A FUNÇÃO DEMOCRÁTICA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA
PROPAGANDA ELEITORAL

CAPÍTULO 1
OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM MATÉRIA ELEITORAL
LENINE PÓVOAS DE ABREU........................................................................................................... 15
1.1 Introdução................................................................................................................................... 15
1.2 Noção geral de República sob a ótica constitucional........................................................... 15
1.3 Liberdade de expressão: um fundamento democrático....................................................... 17
1.4 Propaganda eleitoral: o que é isso?.......................................................................................... 20
1.5 Liberdade de expressão e a propaganda eleitoral................................................................. 21
1.6 A migração da propaganda eleitoral....................................................................................... 23
1.7 O artigo 242 do Código Eleitoral: um dispositivo não recepcionado pela constituição
federal de 1988............................................................................................................................ 24
1.8 Revelação dos aspectos negativos dos candidatos na propaganda eleitoral.................... 25
1.9 Conclusões.................................................................................................................................. 29

CAPÍTULO 2
PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE
CONVENCIMENTO DO ELEITOR
MAURO ANTONIO PREZOTTO...................................................................................................... 31
2.1 Introdução................................................................................................................................... 31
2.2 Eleições como elemento da democracia.................................................................................. 31
2.3 Propaganda eleitoral como elemento indispensável do processo eleitoral...................... 34
2.4 Propaganda eleitoral negativa como instrumento de convencimento do eleitor............. 41
2.5 Considerações finais.................................................................................................................. 47
Referências.................................................................................................................................. 48

CAPÍTULO 3
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E
POSSIBILIDADES DE CONTROLE
FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO............................... 51
3.1 Introdução................................................................................................................................... 51
3.2 Histórico da legislação.............................................................................................................. 53

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3.3 A propagação de informação no ambiente digital................................................................ 55
3.4 Mentira na política e fake news................................................................................................. 59
3.5 Boas práticas para o uso da internet....................................................................................... 64
3.6 A necessidade de uma regulamentação específica e consequências jurídicas do
emprego da mentira................................................................................................................... 66
Referências.................................................................................................................................. 68

CAPÍTULO 4
QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E
GOVERNAMENTAL
LUCIANA PANKE, PEDRO CHAPAVAL PIMENTEL................................................................... 71
4.1 A comunicação com e entre a sociedade................................................................................ 72
4.2 Comunicação política................................................................................................................ 77
4.3 Comunicação eleitoral............................................................................................................... 80
4.4 Comunicação governamental................................................................................................... 82
4.5 Considerações finais.................................................................................................................. 85
Referências.................................................................................................................................. 85

CAPÍTULO 5
A COMUNICAÇÃO POLÍTICA EM TEMPOS DE BIG DATA E INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL: A CAMPANHA DIGITAL DE DONALD TRUMP E O FUTURO DO
MARKETING ELEITORAL BRASILEIRO
DIOGO RAIS, L. N. CASTRO............................................................................................................. 89
5.1 Introdução................................................................................................................................... 89
5.2 Breve relato do caso Trump...................................................................................................... 90
5.3 O big data...................................................................................................................................... 92
5.4 Big data, inteligência artificial e democracia: entre o apocalipse e a responsabilização
humana........................................................................................................................................ 94
5.5 Considerações finais.................................................................................................................. 97
Referências.................................................................................................................................. 99
APÊNDICES........................................................................................................................................... 101
Apêndice A: Estudo de Caso: Vereador Thiago Lucena nas Mídias Sociais............................... 101
Apêndice B: Estudo de Caso: Regulamentação de transporte privado por aplicativos............ 103

CAPÍTULO 6
UM OLHAR PSICANALÍTICO ACERCA DO VOTO
CARLOS SANTOS.............................................................................................................................. 107
6.1 Espaço geométrico................................................................................................................... 108
6.2 De um a outro segmento de reta............................................................................................ 110
6.3 A primeira curva...................................................................................................................... 112
6.4 Segunda curva.......................................................................................................................... 113
6.5 O giro do tempo........................................................................................................................114

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6.6 Tyche........................................................................................................................................... 115
6.7 De um pedaço a outro............................................................................................................. 117
6.8 O ser teza................................................................................................................................... 119
6.9 A repetição................................................................................................................................ 121
Referências................................................................................................................................ 122

PARTE II
PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA E PROPAGANDA ELEITORAL
EM ESPÉCIE NA LEI Nº 9.504/97

CAPÍTULO 1
REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA ANTECIPADA DE ACORDO
COM A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
JULIANA SAMPAIO DE ARAÚJO, LÍVIA MARIA DE SOUSA.............................................. 127
1.1 Introdução................................................................................................................................. 127
1.2 Propaganda eleitoral: conceito, efeitos e limites formais................................................... 128
1.3 Propaganda extemporânea: Inovações Lei nº 13.165/2015.................................................. 132
1.4 Propaganda eleitoral: limitações materiais e fake news...................................................... 136
1.5 Conclusão.................................................................................................................................. 138
Referências................................................................................................................................ 138

CAPÍTULO 2
A PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TELEVISÃO: UMA
VISÃO CRÍTICA
OLIVAR CONEGLIAN, FABÍOLA ROBERTI CONEGLIAN, ANDRÉ EIJI SHIROMA...... 141
2.1 Rádio e televisão: a oferta estatal........................................................................................... 141
2.2 Bloco e inserção........................................................................................................................ 141
2.3 O “custo” da propaganda eleitoral “gratuita”..................................................................... 143
2.4 O fundo especial de financiamento de campanha criado pela Lei nº 13.487/2017......... 144
2.5 Propaganda em rádio e televisão e o princípio da igualdade........................................... 146
2.6 Rádio e televisão na propaganda das eleições proporcionais: a candidatura
a vereador.................................................................................................................................. 147
2.7 A limitação do conteúdo......................................................................................................... 148
2.8 A propaganda em rádio e televisão: uma proposta............................................................ 150
2.9 Considerações finais................................................................................................................ 151
Referências................................................................................................................................ 152

CAPÍTULO 3
A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO
PROPORCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
FREDERICO RAFAEL MARTINS DE ALMEIDA........................................................................ 153
3.1 Introdução................................................................................................................................. 153

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3.2 Democracia e o sistema eleitoral brasileiro.......................................................................... 153
3.3 Propaganda política................................................................................................................. 156
3.3.1 Um breve histórico sobre a propaganda política................................................................ 159
3.3.2 Propaganda eleitoral em geral............................................................................................... 160
3.3.3 Classificação da propaganda eleitoral...................................................................................161
3.3.4 A Propaganda eleitoral em bens particulares..................................................................... 162
3.3.5 O livre exercício da propaganda eleitoral, a liberdade de expressão e o princípio
da cidadania e da proporcionalidade................................................................................... 164
3.4 Conclusão.................................................................................................................................. 168
Referências................................................................................................................................ 169

CAPÍTULO 4
A PROPAGANDA ELEITORAL EM LOCAIS PÚBLICOS E O RETROCESSO NA
LIBERDADE DAS CAMPANHAS NAS RUAS
MICHEL SALIBA................................................................................................................................. 171
4.1 Introdução................................................................................................................................. 171
4.2 A propaganda em locais públicos: histórico........................................................................ 171
4.3 A excessiva regulação da propaganda eleitoral.................................................................. 173
4.4 A marcha progressiva das proibições da propaganda eleitoral em locais públicos
e restrições em locais privados...............................................................................................174
4.5 Da propaganda eleitoral em bens particulares................................................................... 177
4.6 Conclusão.................................................................................................................................. 178
Referências................................................................................................................................ 178

CAPÍTULO 5
PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA: TEORIA FUNCIONALISTA
SISTÊMICA VERSUS TEORIA CLÁSSICA DA PROPAGANDA ELEITORAL
ALEXANDRE BASÍLIO COURA..................................................................................................... 179
5.1 Introdução................................................................................................................................. 179
5.2 Propaganda eleitoral e propaganda eleitoral antecipada................................................... 180
5.3 Evolução conceitual da propaganda antecipada: quebra de paradigmas....................... 182
5.4 O julgamento do Respe 5124/MG e o preferred position da liberdade de expressão....... 185
5.4.1 A derradeira reforma eleitoral, a Lei nº 13.488 e as propagandas pagas na internet..... 187
5.4.2 O blinding stare decisis vertical ou horizontal........................................................................ 189
5.5 A teoria funcionalista sistêmica da propaganda eleitoral................................................. 191
5.6 Conclusão.................................................................................................................................. 193
Referências................................................................................................................................ 194

CAPÍTULO 6
PROPAGANDA ELEITORAL NA IMPRENSA ESCRITA E A LIBERDADE
EDITORIAL DE APOIO POLÍTICO
HENRIQUE NEVES DA SILVA........................................................................................................ 197

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6.1 O Direito à informação verdadeira e a livre manifestação do pensamento
identificável............................................................................................................................... 197
6.2 Noção de propaganda e as ilicitudes correlatas.................................................................. 200
6.3 O relevante papel da imprensa nas eleições e as fake news................................................ 206
6.4 As limitações aos meios de comunicação social e a liberdade de apoio político dos
órgãos de imprensa escrita..................................................................................................... 209
6.5 Os abusos e o uso indevido dos veículos de imprensa escrita......................................... 213

PARTE III
O CONTROLE JUDICIAL DA PROPAGANDA E SEUS LIMITES

CAPÍTULO 1
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CONTROLE SOBRE O CONTEÚDO DA
PROPAGANDA ELEITORAL: UMA PERSPECTIVA COMPARADA
LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS, DIOGO RAIS..................................................................... 219
1.1 Introdução................................................................................................................................. 219
1.2 A liberdade de expressão e seus entendimentos................................................................ 221
1.3 O controle de conteúdo da propaganda eleitoral no Brasil............................................... 224
1.4 Os contornos da propaganda eleitoral na internet: nova realidade e velhas regras?.... 227
1.5 Considerações finais................................................................................................................ 229
Referências................................................................................................................................ 229

CAPÍTULO 2
PROCESSO ELEITORAL E O CPC/2015: TUTELA INIBITÓRIA E A PROPAGANDA
ELEITORAL ILÍCITA
PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON............................................................................... 231
2.1 Aplicação supletiva e subsidiária do CPC aos processos eleitorais................................. 231
2.2 Direito a um procedimento adequado.................................................................................. 232
2.3 Tutela da licitude...................................................................................................................... 234
2.4 Tutela inibitória e propaganda eleitoral ilícita..................................................................... 235
2.5 Tutela provisória e julgamento parcial................................................................................. 236

CAPÍTULO 3
(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES À PROPAGANDA ELEITORAL
Nicolau Konkel Junior........................................................................................................................ 239
3.1 Introdução................................................................................................................................. 239
3.2 O ódio à política....................................................................................................................... 240
3.3 A fundamentalidade dos direitos políticos......................................................................... 244
3.4 Posturas municipais e poder de polícia................................................................................ 246
3.5 O Direito e o tempo.................................................................................................................. 247
3.6 Propaganda eleitoral e democracia....................................................................................... 250
3.7 Competência legislativa: direito eleitoral e interesse local................................................ 252

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3.8 A legislação e a jurisprudência.............................................................................................. 255
3.9 Análise crítica........................................................................................................................... 259
Referências................................................................................................................................ 263

CAPÍTULO 4
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA........................................................................................ 265
4.1 Da atuação da Justiça Eleitoral em matéria de fake news e seus limites normativos..... 269
4.2 Fake news, radiodifusão e processo eleitoral........................................................................ 271
4.3 As soluções apontadas fora do direito positivado.............................................................. 279
Referências................................................................................................................................ 282

CAPÍTULO 5
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE
CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
FERNANDO MATHEUS DA SILVA............................................................................................... 285
5.1 Introdução................................................................................................................................. 285
5.2 As eleições e as fake news......................................................................................................... 288
5.3 Tutela específica para combater as fake news........................................................................ 293
5.3.1 Tutela inibitória........................................................................................................................ 296
5.3.2 Tutela de remoção do ilícito.................................................................................................... 299
5.3.3 Tutela de ressarcimento na forma específica....................................................................... 300
5.3.4 Técnicas processuais de efetivação da tutela específica.................................................... 301
5.4 Conclusão.................................................................................................................................. 306

CAPÍTULO 6
FAKE NEWS, ALGORITMOS, REPLICAÇÃO ARTIFICIAL E A RESPONSABILIDADE
PENAL ELEITORAL
LUIZ TARO OYAMA, JILLIAN ROBERTO SERVAT.................................................................. 309

PARTE IV
PESQUISAS ELEITORAIS E TESTES PRÉ-ELEITORAIS
NO CONVENCIMENTO DO ELEITOR

CAPÍTULO 1
PARA ALÉM DA INTENÇÃO DE VOTO
ADRIANO OLIVEIRA........................................................................................................................ 319
1.1 Introdução................................................................................................................................. 319
1.2 A intenção de voto é secundária............................................................................................ 320
1.3 Um favorito ou dois favoritos?............................................................................................... 320
1.4 A crise econômica cria eleitores tolerantes?......................................................................... 322
1.5 A importância da Economia comportamental.................................................................... 324

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1.6 A importância da pesquisa qualitativa: o papel da corrupção......................................... 325
1.7 A importância da pesquisa qualitativa: o poder das prefeituras..................................... 326
1.8 Conclusão: Para além da intenção de voto........................................................................... 327
Referências................................................................................................................................ 327

CAPÍTULO 2
A LIBERDADE À INFORMAÇÃO DO ELEITOR E O SEU NÚCLEO DE
QUESTIONAMENTOS: POR QUÊ? PARA QUÊ? POR QUEM?
JULIANA RODRIGUES FREITAS, PAULO VICTOR AZEVEDO CARVALHO.................... 329
2.1 Introdução................................................................................................................................. 329
2.2 Processando informações....................................................................................................... 331
2.3 Informações (in)conclusivas................................................................................................... 340
Referências................................................................................................................................ 342

CAPÍTULO 3
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO.................................................................................. 343
3.1 Localização do tema e problematização............................................................................... 343
3.2 O perfil constitucional da matéria – A ADI nº 3.741-2/DF – (in)constitucionalidade
de limitações temporais à divulgação de pesquisas eleitorais......................................... 347
3.3 O plano da Lei das Eleições: considerações gerais.............................................................. 350
3.4 Um olhar para o futuro........................................................................................................... 358
3.5 Notas conclusivas..................................................................................................................... 360
Referências................................................................................................................................ 361

PARTE V
DIREITO DE RESPOSTA

CAPÍTULO 1
DIREITO DE RESPOSTA E LIBERDADE DE IMPRENSA: OS (MUITOS) ERROS E
(POUCOS) ACERTOS DA LEI Nº 13.188/2015
AMANDA PERLI GOLOMBIEWSKI, LYGIA MARIA COPI.................................................... 365
1.1 Introdução................................................................................................................................. 365
1.2 A liberdade de manifestação do pensamento e seus limites............................................ 366
1.3 Direito de resposta: fundamentos jurídicos e condições para seu legítimo
exercício..................................................................................................................................... 372
1.4 Do julgamento da ADPF 130-DF à promulgação da Lei nº 13.188/2015: o percurso
do direito de resposta no ordenamento jurídico brasileiro............................................... 375
1.5 Os (muitos) erros e (poucos) acertos da Lei nº 13.188/2015................................................. 377
1.6 Considerações finais................................................................................................................ 383
Referências................................................................................................................................ 384

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CAPÍTULO 2
LIBERDADE DE CRÍTICA PESSOAL E DIREITO À INFORMAÇÃO NA
PROPAGANDA ELEITORAL E O DIREITO DE RESPOSTA: PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2014 E PERSPECTIVAS
PARA AS ELEIÇÕES DE 2018
ANDREA SABBAGA DE MELO...................................................................................................... 387
2.1 Introdução: aspectos teóricos................................................................................................. 387
2.2 Precedentes do TSE nas Eleições de 2014 e Perspectivas para as Eleições de 2018........ 393
2.3 Conclusão.................................................................................................................................. 400
Referências................................................................................................................................ 401

CAPÍTULO 3
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO,
UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
Guilherme Barcelos............................................................................................................................. 403
3.1 Introdução................................................................................................................................. 403
3.2 O que é isto, um fato sabidamente inverídico?.................................................................... 403
3.3 Do fato sabidamente inverídico na legislação eleitoral brasileira.................................... 407
3.4 Da jurisprudência – o fato sabidamente inverídico e o tribunal superior eleitoral....... 408
3.5 O fenômeno das fake news e a recente abordagem da justiça eleitoral brasileira:
o Tribunal Superior Eleitoral e o combate às falsas notícias............................................. 411
3.6 Conclusão.................................................................................................................................. 414
Referências................................................................................................................................ 416

SOBRE OS AUTORES................................................................................................................ 419

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PARTE I

A FUNÇÃO DEMOCRÁTICA
E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
NA PROPAGANDA ELEITORAL

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CAPÍTULO 1

OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO


EM MATÉRIA ELEITORAL

LENINE PÓVOAS DE ABREU

1.1 Introdução
A liberdade de expressão é considerada fundamental. Sem ela a sociedade encontra
profundos obstáculos no seu aperfeiçoamento. Existem inúmeras razões para tanto. A
margem concedida pela Constituição Federal para que as pessoas possam se manifestar
livremente é extremamente ampla, mas não é absoluta. A dificuldade consiste em saber
até aonde vão as demarcações de sua finitude.
Tem sido frequente a utilização abusiva dessa garantia, ainda mais na efervescência
da arena política, sendo necessária a realização de um debate mais aprofundado acerca
dos limites da liberdade de expressão em matéria eleitoral.
A obtenção de respostas demanda estudo horizontal e vertical das normas, até
porque a compreensão do sistema normativo prescinde de uma análise panorâmica
dos princípios constitucionais,1 2 os quais nem sempre estão positivados, a exemplo da
segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade. Para Norberto Bobbio o direito
não é apenas norma, mas um conjunto coordenado de normas,3 o qual, nos dizeres de
Carlos Maximiliano, deve ser interpretado inteligentemente.4

1.2 Noção geral de República sob a ótica constitucional


O ordenamento jurídico brasileiro deve ser interpretado em consonância com
a ideia de República. É inegável que esse princípio acomoda o restante da legislação.
Qualquer postura ou entendimento que se distancie desse enunciado colide frontalmente
com a Constituição Federal.
República consiste na forma de governo em que “todo poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos”, consoante ao que resta estampado no

1
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo, 1995.
2
HART, Hebert Lionel Adolphus. O conceito de direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Pós-Escrito.
3
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed.
Brasília: UNB, 1997. p. 21 e 22.
4
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 166.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
16 PROPAGANDA ELEITORAL

parágrafo primeiro, do art. 1º, do Texto Magno. Nas lições de Alexis De Tocqueville, o
povo é a fonte dos poderes.5
As características que marcam esse regime político, consoante as brilhantes
posições de Geraldo Ataliba,6 são: (i) eletividade, que é o instrumento de representação;
(ii) periodicidade, o que acaba permitindo a alternância de poder e a sintonia entre eleito
e eleitor, e (iii) responsabilidade, que nada mais é do que o penhor da idoneidade da
representação popular.
Toda a compreensão do sistema jurídico advém dessa noção, o que acaba gerando
dupla responsabilidade, seja dos eleitores no sentido de terem consciência da importância
e do poder do voto, ou dos eleitos no que tange ao comprometimento da condução do
país, mormente em defesa do interesse público.
De grande relevância destacar que há exigências legais a serem observadas por
aqueles que pretendam ocupar cargos eletivos, de modo que os candidatos devem
atender a todas as condições de elegibilidade (§3º do Art. 14 da CF)7 e não incidirem
em nenhuma causa de inelegibilidade (§§4º, 5º, 6º e 7º da CF c/c LC nº 64/90).8
Os impedimentos jurídicos de se disputar uma eleição guardam relação com
o eixo republicano. A legislação pátria assegura que quem vai representar o povo e
conduzir a coisa pública deve ter condutas compatíveis com esse mister, além de ser
fundamental concorrer em igualdade de oportunidades, máxime para evitar que a
captação do sufrágio seja viciada.
É do ápice da Constituição Federal que a ideia de República joga luzes, ilumina
e coordena a nação. Todo o restante da Carta Magna são meros desdobramentos da
República, tal qual como a federação (União, Estados, Distrito Federal, Municípios),
soberania, tripartição de poderes (Art. 2º da CF), periodicidade dos mandatos (§5º do
Art. 14 da CF), sistema de controle, fiscalização, responsabilização e representatividade,
mecanismos de equilíbrio e harmonia, dentre outros.
Não foi por acaso ou coincidência que a sua positivação constou no primeiro
artigo da Carta Magna, deixando clarividente o seu grau de importância, cuja violação,
direta ou indiretamente, deslegitima toda e qualquer atuação estatal.
Com efeito, a Constituição veda qualquer proposta tendente a abolir (§4º, Art. 60) a
forma federativa de Estado (inciso I), o voto direto, secreto, universal e periódico (inciso
II), a separação de poderes (inciso III) e os direitos e garantias individuais (inciso IV).
Evidentemente que suprimir quaisquer dessas medidas resultaria no rompimento
da ideia de República com a consequente quebra do pacto federativo e inobservância
ao Estado Democrático de Direito. É essa a razão pela qual não é possível a abolição
desses institutos, mas apenas e tão somente realizar meras alterações ou ponderações, o
que não redundaria necessariamente em desrespeito à proposta constituinte originária.
Prova disso é que o regime presidencialista não é cláusula pétrea, o qual pode
ser alterado para parlamentarista, cuja discussão já ocorreu em sede de plebiscito (Art.
14, I, da CF) em 21.04.1993, sendo que ambos são perfeitamente aceitáveis pela Carta
Magna na medida em que são espécie do gênero republicano.

5
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia, 1998. p. 54.
6
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 13.
7
Nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na
circunscrição, filiação partidária e idade mínima.
8
Lei das Inelegibilidades.

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OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM MATÉRIA ELEITORAL
17

Outro exemplo é que, embora seja cláusula pétrea, o voto pode ser obrigatório
ou facultativo, sendo que esta ou aquela opção não desrespeitaria a Constituição
Federal, exatamente porque quaisquer deles são formas de se captar o sufrágio de
forma republicana.
Essas situações demonstram que as cláusulas pétreas são passíveis de mudanças,
desde que não haja esvaziamento do núcleo do conteúdo republicano, o que sequer
pode ser objeto de discussão por vedação constitucional (§4º do Art. 60, da CF).
É inimaginável, à ótica constitucional, possibilitar que o Congresso Nacional
possa ao menos discutir eventual exclusão: (i) do sistema federativo; (ii) do voto direto,
secreto, universal e periódico; (iii) da separação de poderes, e (iv) dos direitos e garantias
individuais. Esses institutos são bases de sustentáculo da República, não admitindo
abolição. Eventual anulação resultaria na violação do sistema republicano, contrariando
toda a essência da estrutura jurídica em que se construiu, e se constrói, a nação.

1.3 Liberdade de expressão: um fundamento democrático


A eleição é o instrumento pelo qual os cidadãos escolhem os representantes que
irão conduzir a República, sendo fundamental registrar que o voto deve ocorrer livre
de fatores que possam viciar a vontade do eleitor, tais como o abuso de poder político,
econômico, bem como o uso indevido dos veículos de comunicação, captação ilícita de
sufrágio, dentre outros.
É primordial que haja um cenário propício para a circulação das informações,
mormente para que a população tenha conhecimento das posturas, ideias e propostas
de cada um dos candidatos, como também do que está ocorrendo no âmbito do Poder
Público, cabendo à Justiça Eleitoral a função de assegurar o debate, e não reprimi-lo. Além
disso, deve ser garantida a todos os cidadãos a liberdade de se expressarem livremente.
Como numa Democracia o povo é soberano, e, portanto, o poder se transmite de
baixo para cima,9 a liberdade de expressão é fundamento da sociedade. É exatamente
no debate e nas discussões amplas que nascem as ideias de progresso e as lideranças
políticas. Para Benjamin Franklin, “sem liberdade de pensamento, não pode haver
sabedoria, e não há liberdade pública sem liberdade de expressão”.10
Liberdade de expressão e democracia estão umbilicalmente ligados. Uma República
seria irrealizável sem a ampla divulgação de informações. Foi exatamente por isso que
Alexis de Tocqueville registrou que “num país onde reina ostensivamente o dogma da
soberania do povo, a censura não é apenas um perigo, mas ainda, um grande absurdo”.11
Segregar a liberdade de expressão é inaceitável em qualquer democracia. Caso
fosse assim a soberania popular estaria completamente inviabilizada. A vedação da
manifestação é uma característica de regimes autoritários, sobretudo por ser típica de
sistemas dessa natureza a impossibilidade de se veicular informações sem controle

9
BOBBIO, Norberto. O filósofo e a política: antologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007. p. 235 e 236.
10
ISAACSON, Walter. Benjamin Franklin, uma vida americana. Companhia das Letras, p. 37, citando a Autobiografia
de Benjamin Franklin, pág. 34. New England Courant, 18 e 25 jun., 2 e 9 jul. 1722. O trecho é de The London
Journal.
11
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia, 1998. p. 141.

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18 PROPAGANDA ELEITORAL

prévio, ainda mais àquelas que possam contrariar os atos oriundos do Poder Público
ou dos Governantes.
Nesse sentido, afirma Zygmunt Bauman que “a única liberdade que os regimes
totalitários estavam preparados para oferecer aos intelectuais e artistas era a liberdade
de ouvir, de tomar nota e obedecer. Obedecer ou morrer”.12
Sem a garantia da liberdade de expressão seria impossível falar em democracia,
justificando as razões pelas quais esse direito é classificado como fundamental em
qualquer regime republicano.13
Não é outra a lição de Aline Osório ao apontar que “a democracia pouco ou nada
significaria sem a garantia básica das liberdades comunicativas, sem a possibilidade
de discutir e criticar os temas de interesse público, as decisões políticas, o governo e
os governantes”.14
Tanto é assim que John Stuart Mill atestou que sem liberdade não há desenvolvi-
mento.15 Assegurar a livre manifestação abarca não só o direito individual daquele que se
expressa, mas de toda a coletividade, a qual não pode ser tolhida de receber informações,
seja de atos do Poder Público ou das ideias dos demais membros da sociedade.
O debate é próprio da democracia, ainda que pensamentos antagônicos sejam
apresentados, o que independe das ideias serem majoritárias ou minoritárias, radicais ou
não, conservadoras ou liberais, benéficas ou maléficas, nos exatos termos do que afirmou
John Stuart Mill: “nunca poderemos ter a certeza de que a opinião que procuramos
amordaçar seja falsa; e, mesmo que tivéssemos, amordaçá-la seria, ainda assim, um
mal.”16 Fato é que não existem verdades absolutas.17
Ademais, como na democracia a sociedade é responsável pelo seu próprio destino, é
essencial que se possa discutir os rumos e as pautas do país, o que só é possível mediante
ampla liberdade de expressão, e, em cumprimento ao preceito republicano, isso é
assegurado pela Constituição Federal no seu Artigo 5º, incisos IV18 e IX19 e Artigo 220.20

12
BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Zahar, p. 101.
13
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Saraiva, 2015. p. 580-582. “A liberdade de expressar
o pensamento (...) é própria do Estado Democrático de Direito, não se sujeitando a qualquer tipo de censura ou
licença prévia (...) Censura é o expediente contrário ao regime das liberdades públicas. (...) Licença, por sua vez,
é a autorização para veiculação de notícias, comunicados, CDs, DVDs, livros, periódicos, revistas especializadas,
jornais, boletins, folhetos, opúsculos, etc. Ambas são proibidas pelo constituinte brasileiro, sendo livre o ato de
alguém exteriorizar pensamentos científicos, morais, literários, políticos, religiosos, jornalísticos, artísticos, etc.
(...) A liberdade de expressão, quando exercida nos parâmetros constitucionais, representa salvaguarda para o
regime democrático.”
14
OSÓRIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 68.
15
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, 2013. p. 126.
16
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, 2013. p. 51.
17
VALIM, Rafael; MALHEIROS, Antônio Carlos; BACARIÇA, Josephina. Acesso à Informação Pública. Belo Horizonte:
Fórum, 2015. p. 184. “Para que se cumpra a potência democrática e libertária da opinião pública na esfera da
soberania popular, é necessário observar as condições para existência de um espaço de comunicação pública que
estabeleça, incorpore e estimule formas comunicativas de vozes plurais e autônomas na sociedade. Ou seja, um
espaço que respeite e permita a manifestação das particularidades dos cidadãos e cidadãs que participam do
processo político. Assim configurada, a opinião pública democrática se constitui como a expressão pública da
liberdade individual de cada pessoa participar da voz coletiva, apresentando uma base pública da liberdade de
expressão ao mesmo tempo em que é conformada por ela.”
18
Art. 5º (...) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
19
Art. 5º (...) IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença.
20
Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

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LENINE PÓVOAS DE ABREU
OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM MATÉRIA ELEITORAL
19

Segundo Aline Osório, “a forma de governo democrática é entendida como aquela


em que as leis são elaboradas pelos seus próprios destinatários, em contraposição às
formas de governo autocráticas, nas quais a elaboração das normas não se encontra
nas mãos de seus destinatários, mas é a eles imposta. O que haveria de especial na
democracia, portanto, seria o fato de se tratar de um ‘autogoverno’ popular, de autonomia
(pública), e não heteronomia”.21
O debate é a maior arma do sistema republicano. Parcela da sociedade pode se
identificar com essa ou aquela ideologia, este ou aquele discurso e, por conseguinte,
votar neste ou naquele candidato, de modo que, para se formar o convencimento do
cidadão de maneira sólida, deve ser assegurada a ampla liberdade de expressão,22 cuja
assertiva demonstra a lucidez de Voltaire quando afirmou que “posso não concordar
com nenhuma das palavras que disser, mas defenderei até a morte o direito de poder
dizê-las (...) Quando não há, entre os homens, liberdade de pensamento, não há liberdade”.
Aceitar informações preconcebidas sem discussões pode ser um convite ao
equívoco.23 Qualquer sociedade que pretenda ter progresso deve assegurar amplamente
as liberdades,24 25 que é o que confere autonomia e racionalidade às pessoas.26
Sem debate não há margem para reflexão, o que pode levar a sociedade a se
conformar com regimes totalitários ou, ainda que em regimes republicanos, a ser
seduzida por discursos demagógicos, de pouco ou nenhum impacto socioeconômico
na vida das pessoas. A informação e a liberdade de expressão são as vigas mestras da
construção democrática e de qualquer país honrado.
Noutro giro, é a manifestação popular que leva ao conhecimento do Poder Público
a insatisfação da sociedade com a forma com que a República está sendo conduzida,
demonstrando que, além de tudo, a liberdade de expressão se trata de uma garantia que
possibilita uma eventual reconciliação entre representante e representado, inclusive para
que o eleito posso rever suas posturas para tentar ser contemplado com a recondução
ao cargo.
Cabe ao cidadão manifestar livremente suas opiniões, inclusive para que os
integrantes do Poder Público possam ter ciência do que a população espera do Governo
em determinado momento histórico. Sem embargo, o direito de se expressar é assegurado

21
OSÓRIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 69.
22
VALIM, Rafael; MALHEIROS, Antônio Carlos; BACARIÇA, Josephina. Acesso à Informação Pública. Belo Horizonte:
Fórum, 2015. p. 188. “O que se propõe é a organização da defesa da liberdade de expressão dentro do paradigma
de formação de uma opinião pública democrática como fundamento da vida política, seguindo e radicalizando
os princípios das tradições republicanas democráticas (...).”
23
FARIAS NETO, Pedro Sabino de. Ciência Política. São Paulo: Atlas, 2011. p. 144. “No contexto atual de alienação
avassaladora, os indivíduos não querem pensar e refletir, negligenciando quaisquer atos de leitura com atenção.
Desse modo, os indivíduos não querem ter o trabalho de elaborar os sentidos das coisas e buscam apenas consumir
tudo pronto, inclusive os sentidos das coisas. Os indivíduos recebem e aceitam ideias e opiniões feitas, oriundas
do seu meio social, que evolve condicionado pelos veículos de comunicação e pelos entes do seu círculo de
convivência. Eles aderem a essas ideias e opiniões feitas como se as tivesse elaborado.”
24
BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Zahar, p. 112. “Os indivíduos só são livres quando podem instituir
uma sociedade que protege e promove sua liberdade.”
25
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, 2013. p. 51. “Os poderes intelectuais e morais, tal como
os musculares, só se desenvolvem quando são usados.”
26
KANT, Imannuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

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20 PROPAGANDA ELEITORAL

em vários tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário27 e, portanto, deve fiel
cumprimento (Art. 5º, §2º da CF).28
É com base nisso que o eleitor vai poder especificar suas pautas para com o Estado,
bem como optar por um representante no âmbito do Poder Público que, a sua ótica,
possa melhor apresentar e executar propostas que interpretem os anseios populares e,
por conseguinte, consiga perseguir o interesse público na maior abrangência possível.
Um dos meios pelos quais isso se concretiza é na eleição, que nada mais é do
que o instrumento pelo qual a soberania popular confere idoneidade da representação
popular, o que se dá, em tese, após amplo debate e divulgação das ideias e perfil de
cada um dos candidatos.
Contudo, muitas vezes os mecanismos utilizados para fomentar o debate e formar
a opinião pública acerca de quem seria o melhor candidato podem induzir o eleitor ao
erro, o que não se coaduna com a ideia de republicanismo, mormente porque “um voto
fundado em informação falsa e errônea seria tão pouco livre quanto aquele fruto da
coação”,29 ainda mais quando determinados grupos e pessoas tenham melhores meios
econômicos e midiáticos para disseminar as informações.
Insta salientar que coibir abusos e a divulgação de informações falsas não podem
nem de longe serem confundidos com uma visão paternalista. Protecionismo é o oposto
de soberania popular. Quando se afirma que o cidadão não tem condições de escolher
e distinguir o que é melhor para si do ponto de vista público, automaticamente há
uma ruptura com o sistema republicano, devendo, pois, alguém tomar decisões pela
coletividade de forma objetiva, o que vai na contramão da democracia.

1.4 Propaganda eleitoral: o que é isso?


A propaganda eleitoral pode se dividir entre positiva e negativa. A positiva
visa a convencer os eleitores que determinado candidato ou partido é o mais apto
para representar a população. A negativa tem por objeto desestimular os eleitores a
votarem em determinadas pessoas ou agremiações por intermédio da desconstrução
das respectivas imagens.
Destarte, propaganda eleitoral consiste na veiculação de informação dentro
do período de campanha para persuadir o eleitor a aderir ou a rejeitar esta ou aquela
proposta política, levando, ao fim, a votar ou não neste ou naquele candidato ou partido.
Cabe registrar que o legislador não consignou no ordenamento jurídico a definição
de propaganda eleitoral. Pelo contrário, só consta o que não seria propaganda eleitoral
(Art. 36-A da Lei 9.504/97),30 deixando transparecer que o controle desse instituto é
negativo, e não positivo.

27
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Art. 19. 1) – Declaração Universal dos Direitos do Homem (Art.
19). Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Art. IV). Carta Democrática Interamericana da
Organização dos Estados Americanos (Art. 4º) – Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 13).
28
Art. 5º (...) §2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
29
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 48.
30
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto,
a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos,
que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (…).

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LENINE PÓVOAS DE ABREU
OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM MATÉRIA ELEITORAL
21

Antes do início da campanha não existe propaganda eleitoral, sobretudo porque


a eleição não se iniciou. Portanto, o que pode vir a ocorrer é mera propaganda irregular,
cujo pressuposto para o tanto é o pedido explícito de voto (Art. 36-A da Lei 9.504/97).
Sem o pedido de voto se está diante de um clássico caso de liberdade de expressão, e
nada mais.
De outro norte, a legislação pátria vedou a propaganda eleitoral paga na internet
(Art. 57-C da Lei 9.504/97).31 As razões para tanto é evitar o abuso de poder econômico
e suprimir a falta de autenticidade de determinados apoiadores da campanha. Para a
configuração é necessário que o ato tenha ocorrido durante o período eleitoral, isto é, que
a propaganda paga na internet tenha ocorrido entre a data do registro de candidatura
e o dia da eleição.
Antes do início do registro de candidatura é inaplicável o Art. 57-C (propaganda
paga na internet), eis que ainda se trata de pré-campanha, a qual é regulamentada pelo
Art. 36-A, sendo exigido o pedido explícito de voto para restar configurada qualquer
irregularidade, entendimento esse já consolidado pelo Tribunal Superior Eleitoral.32
Dessa feita, não há vedação a propaganda paga na internet antes do início da campanha.
Caso haja abuso no impulsionamento ou divulgação de propagandas pagas na
internet antes do período eleitoral ou quaisquer outros excessos na pré-campanha, a
medida que se impõe é a interposição de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Art.
22 da LC nº 64/90),33 o que ocorre em homenagem ao princípio da isonomia, corolário
do regime republicano.
Para tanto, deve-se aguardar que aquele que esta custeando as propagandas
postule registro de candidatura à Justiça Eleitoral, ocasião em que será confirmada
a sua pretensão no certame. Sem o pedido de registro, trata-se de mera liberdade de
expressão, não sendo aplicável a legislação eleitoral para inibir eventuais excessos.

1.5 Liberdade de expressão e a propaganda eleitoral


Tudo aquilo que for decorrente do núcleo essencial da ideia de República, inclusive
o direito fundamental à liberdade de expressão, o qual possui aplicabilidade imediata
(§1º do Art. 5º da CF),34 se trata de mandamento nuclear do ordenamento jurídico,35 36
não admitindo abolição, sob pena de ruptura da ordem constitucional (§4º do Art. 60
da CF).37

31
Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o
impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente
por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
32
TSE – REspe nº 51-24.2016.6.13.0052/MG – Rel. Min. Luiz Fux – j. em: 18.10.2016 – v.u. – Publicado em Sessão e
REspe nº 86-94.2016.6.11.0001 – Rel. Min. Luiz Fux – j. em: 07.02.2018 – Decisão Monocrática.
33
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à
Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e
circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder
econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em
benefício de candidato ou de partido político.
34
Art. 5º (...) §1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
35
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. Malheiros.
36
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
37
(i) Federação; (ii) voto direto, secreto, universal e periódico (iii) separação de poderes, e (iv) direitos e garantias
individuais.

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22 PROPAGANDA ELEITORAL

O fato de não admitir abolição não significa necessariamente que os direitos


fundamentais sejam absolutos, mormente porque é possível que haja colisão entre
eles. Nesses casos é necessário ponderá-los para saber, dentro das condições fáticas e
jurídicas, qual deverá prevalecer.
Um princípio pode se sobrepor ao outro diante de um caso concreto e, em situação
distinta, ocorrer o inverso. Isso porque, conforme Robert Alexy, “um dos princípios
tem precedência em face do outro sob determinadas condições (...) Um princípio cede
lugar quando, em determinado caso, é conferido um peso maior a um outro princípio
antagônico.”38
Referida ideia foi corroborada por Luís Roberto Barroso, Vírgilio Afonso da Silva
e outros inúmeros doutrinadores, cabendo destacar, dentre eles, as lições de ALINE
OSÓRIO, a qual consolidou que “por força do princípio da unidade da Constituição,
inexiste hierarquia jurídica ou formal entre normas constitucionais, impedindo-se a fixação
de uma regra abstrata e rígida da prevalência de um direito fundamental sobre outro. O
resultado das colisões entre tais direitos deverá ser aferido sempre à luz do caso concreto.
(...) A liberdade de expressão, como qualquer outro direito fundamental, submete-se a
restrições que decorrem da necessidade de harmonizá-la com outros valores e direitos
constitucionalmente tutelados. Nesse sentido, ainda que a liberdade de expressão adquira
uma ‘dimensão de peso’ maior, as colisões permanecem sendo arbitradas segundo a
técnica de ponderação de interesses e as regras da proporcionalidade”.39
Quando a manifestação do pensamento não versa acerca de discussões públicas,
ou seja, se restringe a questões particulares, portanto, não envolvendo a sociedade e o
interesse público, os limites da liberdade de expressão são menos abrangentes, devendo
ser respeitado com mais robustez a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas (inciso X do Art. 5º da CF).40
De outro norte, quando se envolve matéria de interesse coletivo há uma outra
perspectiva. É próprio do sistema republicano que aquele que pretenda se candidatar
acabe se sujeitando a inúmeras exposições, o que é absolutamente natural numa
democracia, regime em que a disputa pelo poder é acirrada.41
Não é difícil de se encontrar propagandas eleitorais negativas que violentem o
princípio da dignidade da pessoa humana e a honra, bem como desprezem a privacidade
e intimidade. Contudo, toda e qualquer informação referente aos candidatos, seja de
atos oriundos da vida pública ou privada, é de interesse dos eleitores, sobretudo para
assegurar que a sociedade saiba quem irá representá-la e conduzir a República. As
contradições devem ser devidamente apontadas.
Entretanto, o fato da informação ser de interesse público não necessariamente
significa que a liberdade de expressão seja absoluta no âmbito eleitoral.42 Notícias
podem ser divulgadas com nítido objetivo de caluniar, difamar ou injuriar algum

38
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Malheiros, 2017. p. 93, 94 e 105.
39
OSÓRIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 92-93.
40
Art. 5º (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
41
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 89. “(...) a luta pelo poder
são traços marcantes da personalidade humana.”
42
NEVES FILHOS, Carlos. Propaganda Eleitoral e o Princípio da Liberdade da Propaganda Política. Belo Horizonte:
Fórum, 2012. p. 20-28. “A liberdade de expressão encontra limitação na própria necessidade de manutenção
da condição livre do homem, ou seja, dos seus direitos fundamentais, devendo respeito à dignidade da pessoa

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LENINE PÓVOAS DE ABREU
OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM MATÉRIA ELEITORAL
23

candidato, não sendo aceitável permitir que o eleitor, destinatário final da mensagem,
seja induzido ao erro.
O cidadão tem o direito de não ser ludibriado por propagandas eleitorais negativas
enganosas. Para obstar essa prática não basta apenas a aplicação das penas de caráter
penal (Art. 323 a 327 do Código Eleitoral) e cível (indenização e direito de resposta),43
mas a completa retirada ou suspensão da propaganda em homenagem a tutela do
interesse republicano no que diz respeito a assegurar ao eleitor o direito de saber com
transparência o perfil e história de quem disputa o pleito e vai representá-lo.
Para Fernando Neisser, “o bem jurídico tutelado, portanto, é o direito dos cidadãos,
dos eleitores, de serem protegidos contra métodos falsos de induzimento e persuasão,
que possam levá-los à adoção de comportamentos distorcidos no que tange ao processo
de escolha de candidatos e partidos”.44
Sem embargo, também não seria aceitável admitir propaganda eleitoral incitando
a depredação de repartições públicas ou que pudessem disseminar ódio coletivo, bem
como aquelas que fossem capazes de deteriorarem a paz social com argumentos contrários
à vida, o que violaria a dignidade da pessoa humana, fundamento da República (inciso
III do Art. 1º da CF).
A questão reside em saber até aonde vai a liberdade de expressão para apontar
aspectos negativos dos candidatos. Consigna-se que quanto mais intensiva é uma
intervenção em um direito fundamental, no caso, a liberdade de expressão, tanto mais
graves devem pesar os fundamentos que a justifique (Robert Alexy).

1.6 A migração da propaganda eleitoral


Atualmente é flagrante a demonização da classe política por inúmeros fatores,
em que pese isso seja um equívoco, mormente porque todas as guinadas sociais, sejam
elas positivas ou negativas, passam por esse crivo.
A natureza humana exige uma estrutura política para coordenar a sociedade,
ideia essa muito bem esclarecida por Thomas Hobbes.45 O fato de isso estar sendo
orquestrado de forma deficiente não pode, de maneira alguma, levar à conclusão de
que a atividade política é desnecessária ou um malefício.
Esse sentimento negativo, amplamente disseminado na sociedade, faz com que a
população tenha mais dificuldade em acreditar em promessas políticas realizadas durante
as campanhas eleitorais, se traduzindo naquilo que o sociólogo polonês ZYGMUNT
BAUMAN classificou como esvaziamento da confiança da representação.46
Iniciou-se, então, um processo migratório da propaganda, saindo da esfera
partidária para a pessoal, inclusive para ressaltar as qualidades pessoais de cada
candidato. Parcela das propostas deixaram as ideologias das agremiações e passaram

humana, impedindo-se, aí, a invasão da privacidade, a ofensa à honra, a incitação à violência ou atentado contra
a vida.”
43
Art. 243, §3º do CE c/c Arts. 58 e 58-A da Lei nº 9.504/97.
44
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 145.
45
HOBBES, Thomas. O Leviatã. 3. ed. Ícone.
46
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da Política. Zahar.

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a ser vinculadas às pessoas físicas dos candidatos, demonstrando que o personalismo


estava se sobrepondo ao partidarismo sob a ótica de marketing eleitoral.
As promessas não funcionariam mais tão bem, fazendo com que os ataques pessoais
entre os adversários ganhassem espaço no cenário eleitoral com mais frequência, em
prejuízo da apresentação de propostas.

1.7 O artigo 242 do Código Eleitoral: um dispositivo não


recepcionado pela constituição federal de 1988
O ordenamento jurídico veda propagandas eleitorais que possam criar estados
mentais, emocionais ou passionais nos eleitores por força do Artigo 242 do Código
Eleitoral.47 Referida artigo foi editado em 1965, isto é, um ano após o Golpe Militar
que originou uma Ditadura de mais de duas décadas. Muitos dispositivos do Código
Eleitoral permanecem inalterados até os dias atuais, tal qual como o Artigo 242.
Ao ascender ao Poder, as primeiras medidas adotadas pelos Militares foram
a criação de mecanismos legais para assegurar a estabilidade da governança, dentre
eles limitar a liberdade de expressão e inviabilizar a atividade política, inclusive com a
extinção de agremiações,48 permitindo o funcionamento de apenas dois partidos (MDB
e ARENA).
O objetivo era claro: evitar que a sociedade fosse encorajada a enfrentar a Ditadura,
tornando primordial limitar a veiculação de informações e as candidaturas.
Após uma longa luta da sociedade o regime militar se esfacelou. No ano de 1983 o
então Deputado Federal Dante de Oliveira (PMDB/MT) propôs a Emenda Constitucional
nº 05 com o objetivo de reestabelecer a eleição direta para Presidente e Vice-Presidente
da República, o que ganhou força nas ruas e, tempo depois, resultou na queda da
Ditadura com a consequente convocação da Assembleia Constituinte, eleita em 1986,
culminando na promulgação da Constituição Federal de 1988.
Nascia um novo regime jurídico. Diante de numa nova Constituição tornou
necessário averiguar se as leis publicadas anteriormente foram recepcionadas pela Lei
Maior ou não. Em caso negativo, não poderiam ser aplicadas.
A Carta Política, edificada sob o viés republicano, privilegia, e muito, a liberdade de
expressão e o pluripartidarismo (Art. 17 da CF). Todos dispositivos infraconstitucionais
editados antes de 1988 que regulamentavam essas garantias merecem uma análise acerca
da continuidade das respectivas eficácias, a exemplo do Artigo 242 do Código Eleitoral,
o qual limita a criação de estados mentais, emocionais ou passionais na propaganda
eleitoral.
É absolutamente improvável que numa campanha eleitoral, ainda mais em
municípios pequenos, não haja excesso de paixão. Esse sentimento é próprio do ser
humano.
Além disso, o ordenamento jurídico optou pelo Presidencialismo Centralizado,
sistema em que o Poder Público concentra e atua abruptamente no meio social e,

47
Art. 242. A propaganda eleitoral, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda
partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar,
artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais.
48
Ato Institucional nº 02.

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com mais moderação, na economia. Com isso, é natural que a emoção tome conte das
ruas, o que faz parte da festa democrática. Há muitos interesses ideológicos, sociais e
econômicos em jogo.
A atividade política é conduzida pela paixão e emoção. Estranho seria se fosse
diferente. As propagandas eleitorais ganham maior dimensão quando são empregados
mecanismos passionais, sejam eles positivos ou negativos, o que é plenamente compatível
com o regime democrático.
A importância de se explorar o aspecto sentimental nas propagandas foi
corroborada por Duda Mendonça, marqueteiro com grande experiência em certames
políticos, o qual afirmou que “um fato gera emoção – e uma emoção tem o poder de
mudar, de repente, a opinião das pessoas”.49 A paixão é algo intrínseco à humanidade
e não há como afastar isso dos pleitos eleitorais. Não há democracia sem paixão.
Mas é necessário salientar que a abordagem da emoção durante a campanha
deve ter a dosagem adequada, até mesmo para resguardar outros direitos albergados
na Constituição, o que tem de ser aferido à luz do caso concreto.
Eventuais excessos devem ser controlados em consonância com os princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade,50 e não sob o viés do Artigo 242 do Código
Eleitoral, o qual claramente não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 em
razão do referido dispositivo vedar a paixão e a emoção nas propagandas eleitorais, o
que é impróprio numa democracia.51

1.8 Revelação dos aspectos negativos dos candidatos na propaganda


eleitoral
O regime republicano exige que o voto seja depositado nas urnas ausente de vícios,
isto é, que o eleitor não seja induzido ao erro com relação as propagandas eleitorais
negativas de quaisquer candidatos.
Considerando que a propaganda eleitoral é aquela realizada entre a data de
registro de candidatura e o dia do pleito, o período que antecede esse lapso refere-se a
pré-campanha, cujos atos guardam vinculação com a liberdade de expressão. Caso haja
pedido explícito de votos haverá ofensa ao Art. 36-A da Lei nº 9.504/97.

49
MENDONÇA, Duda. Casos & Coisas. São Paulo: Globo, 2004. p. 41.
50
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70. 2013. p. 100-101. “A liberdade de opinião e a liberdade
de expressar opiniões são necessárias para o bem-estar mental da humanidade (...) deve ser permitida a livre
expressão de todas as opiniões, desde que seja com moderação, e não se ultrapassem os limites de uma discussão
justa.”
51
BULOS, Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Saraiva. 2015. p. 489-490. “Pelo princípio
da recepção, continuam válidos todos os atos legislativos editados na vigência do ordenamento anterior, sendo
recebidos e adaptados à nova ordem jurídica. Logo, não precisam ser reeditados, recriados ou refeitos, mediante
outra manifestação legislativa. (...) Assim, para as leis do ordenamento antigo serem recepcionadas é preciso que
sejam compatíveis com a nova carta maior. (...) O que ocorre com atos legislativos incompatíveis com a nova
constituição? Pelo princípio da revogação, atos legislativos incompatíveis com o novo documento supremo
são destes expulsos. Qualquer antagonismo é repelido em nome da supremacia constitucional e da presunção
de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público. Assim, as leis não recepcionadas pela nova ordem
jurídica perdem a sua vigência, por força dos efeitos ab-rogativos do ditame da revogação. Nem precisa existir
preceito revogatório expresso para que seja assim; afinal, todas as pautas de comportamento desconformes com
o novo texto maior saem da ordem jurídica, automaticamente.”

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É fundamental realçar que a livre manifestação do pensamento no período


pré-eleitoral não pode ser utilizada para revelar aspectos negativos de possíveis
candidatos. Antes do início do pleito não existem candidaturas postas, mas meras
expectativas de quem serão os disputantes, de modo que a ofensa a questões pessoais,
ainda mais daqueles que não ocupam cargos públicos, configuraria ofensa a honra, a
intimidade, a vida privada e a dignidade (inciso X, do Art. 5º da CF), institutos esses
que são mitigados em desfavor dos candidatos após o começo do certame em louvor
ao interesse público, ônus esse que tem que ser suportado por quem pretenda disputar
a corrida eleitoral.52
Assim, é plenamente possível o manejo de ação judicial objetivando a retirada
da manifestação com a consequente responsabilização daquele que, fora do período
eleitoral, transgrida os direitos e garantias da intimidade e da privacidade de outrem, o
que se dá em homenagem ao princípio da dignidade. Um dos poucos consensos teóricos
do mundo contemporâneo diz respeito ao valor essencial do ser humano,53 que é o bem
jurídico tutelado em questão. Portanto, a propaganda negativa antecipada é ilegal.
Após a data de registro de candidatura há certeza de quem são os candidatos,
os quais, implicitamente, coadunam com a flexibilização da proteção de suas garantias
da vida privada e da intimidade. Entretanto, isso não significa que ataques eleitorais
estejam amplamente autorizados.
Toda propaganda eleitoral negativa que tenha o condão de enganar o eleitor no
que tange a determinado candidato, imputando-lhe ato ou crime inexistente, deve ser
extirpado das eleições, sem prejuízo do direito de resposta e demais sanções.
Quando uma propaganda eleitoral negativa falsa é disseminada, alguns eleitores
certamente irão acreditar, como também existirão aqueles que vão se solidarizar com
o acusado, de modo que os efeitos do ponto de vista eleitoral podem se compensar.
A tutela em questão não é apenas do ofendido, mas do cidadão, que tem o direito
republicano de saber com meridiana clareza o delineamento de quem realmente são os
postulantes dos cargos eletivos, o que demonstra a completa inviabilidade de práticas
desse jaez, ainda que o efeito nas urnas seja neutralizado.
Destarte, a liberdade de expressão encontra limites na propaganda eleitoral
negativa quando o seu conteúdo tiver por escopo ludibriar o eleitor com mentiras.
Atrelado a isso, diante do curto lapso temporal das campanhas eleitorais, os
proponentes devem optar em apresentar propostas ou em falar mal dos adversários,
situação essa que acaba revelando o perfil de cada um dos candidatos.
Na eventualidade de se perpetrar uma distorção ou manipulação de fatos, sem,
contudo, se tratar de mentira ausente de plausibilidade, nem sempre seria necessária a
completa exclusão da propaganda, de modo que o direito de resposta e outras medidas

52
PIRES, Luis Manuel Fonseca. A Liberdade de imprensa e a proteção à imagem à luz da teoria dos papéis sociais.
Revista da Escola Paulista da Magistratura. Ano 5. n. 2. p. 195/206. jul.-dez. 2004. “A maior ou menor proteção do
ordenamento jurídico a cada uma dessas esferas de individualidade (intimidade, privacidade e relacionamento
público) acontece na proporção do papel social que o indivíduo exerce em cada caso concreto, justificando-se,
portanto, quando, a título de exemplo, para um empregado numa empresa da iniciativa privada há maior proteção
à sua privacidade do que teria um funcionário público em cargo de chefia, mas este, por outro lado, mais proteção
gozaria do que um agente público. São papéis sociais diferentes, o que justifica tratamentos diferenciados (...).
Cumpre identificar, portanto, em cada caso concreto, quais são os papéis sociais exercidos pelo autor e pelo réu
e se esses papéis justificam suas atitudes.”
53
BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na
Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo (RDA). Rio de Janeiro. Jul./Set. 2000.

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LENINE PÓVOAS DE ABREU
OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM MATÉRIA ELEITORAL
27

assecuratórias podem ser suficientes para sanear a questão, tudo a depender do exame
acurado do caso concreto.
A prática ofensiva no sentido de agredir os demais candidatos não tem sido bem
recepcionada pelo eleitorado na ótica de Duda Mendonça, o qual atestou que “o povo
se cansou de ataques. Repudia aqueles candidatos que, em vez de ocupar seu tempo
de televisão para falar de si mesmo e dos seus projetos, gastam todo os seus minutos
agredindo adversários”.54
Um exemplo disso ocorreu nas Eleições Municipais de 2012 em Mauá/SP. Após
um dos candidatos tomar a frente nas pesquisas eleitorais do segundo turno, foram
espalhados milhares de tabloides pelas cidades objetivando vinculá-lo ao triste e trágico
episódio que ceifou a vida do ex-Prefeito de Santo André/SP Celso Daniel constando,
ainda, registros fotográficos do falecido no necrotério, numa nítida tentativa de incutir
na cabeça do eleitor que aquele que liderava a corrida tinha sido um dos mandantes
do assassinato.
Todavia, referida acusação já tinha sido objeto de Ação Penal que resultou na
absolvição do candidato anos atrás, inclusive com decisão unânime do Pleno do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, cujo processo já tinha transitado em julgado.
Esse contexto deu azo a interposição de Ação de Investigação Judicial Eleitoral
com pedido de liminar,55 tendo a medida de urgência sido deferida para impossibilitar
que a adversária e a sua coligação divulgassem qualquer episódio ligando o candidato
líder nas pesquisas ao falecimento de Celso Daniel, sob pena de multa de R$500.000,00
(quinhentos mil reais). Ao fim, a ação foi julgada procedente.
Em que pese a censura prévia seja, via de regra, vedada, ainda mais em matéria
eleitoral, ambiente em que circulam interesses coletivos múltiplos, o caso em questão
apontava tamanha gravidade que a única alternativa cabível foi a concessão de tutela
inibitória para que fossem adotadas posturas condizentes com a proteção do eleitor
no que diz respeito a ter assegurado a retirada de propagandas eleitorais negativas
inverídicas.56
Muito embora seja fundamental a liberdade de expressão em qualquer sistema
republicano, a sua utilização não pode ser destinada para fins contrários a sua essência,
sob pena de se configurar abuso de direito.57
O direito de manifestação deve ser harmonizado com outras inúmeras garantias
constitucionais e alinhavado aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
demonstrando, portanto, que não se trata de algo absoluto.

54
MENDONÇA, Duda. Casos & Coisas. São Paulo: Globo, 2004. p. 175.
55
AIJE nº 582-79.
56
NUNES JÚNIOR. Vidal Serrano. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo:
FTD, p. 29. “(...) pode-se afirmar que a Constituição Federal, sobre encampar a liberdade de expressão, pautou-se
por garanti-la de qualquer obstrução, lançando na proscrição qualquer espécie de censura administrativa. Deve-se
ressaltar, nessa linha, que eventual abuso no exercício de expressão não fica livre de eventual sanção judicial, o
que abre caminho para a afirmação de que o nosso ordenamento admite uma espécie de censura judicial.”
57
BEZNOS, Clóvis. A liberdade de manifestação do pensamento e de expressão e a proteção da intimidade da vida
privada. Revista Brasileira de Direito Público (RBDP) – Instituto de Direito Público da Bahia, v. 15. “(...) o direito
à liberdade de manifestação do pensamento e de liberdade de expressão intelectual não se pode configurar, de
sorte a atingir os outros valores protegidos pelo Ordenamento Constitucional, a honra, a imagem, a intimidade
e a vida privada das pessoas, porque quando isso ocorrer se estará configurado um abuso de direito, ensejando
reação jurídica do Ordenamento, no sentido não apenas do direito de resposta, mas de indenização, no plano
civil e de incidências de penas, no plano penal.”

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28 PROPAGANDA ELEITORAL

Já a propaganda eleitoral positiva enganosa, como é o caso de promessas fantasiosas


ou edênicas, não podem, e nem merecem, tutela jurisdicional. Nesses casos cabem aos
adversários desconstituírem o discurso demagogo, bem como ao eleitor distinguir a
impossibilidade de execução da proposta.
Nessa linha, o Tribunal Superior Eleitoral admite que, gratuitamente, a imprensa
escrita divulgue opinião favorável a determinado candidato, partido ou coligação
(Resolução/TSE nº 23.404/2014),58 o que se encaixa perfeitamente nos limites da liberdade
de expressão. Porém, é plenamente cabível o ajuizamento de Ação de Investigação Judicial
Eleitoral em casos de excessos e abusos, o que não é tão incomum e já resultou na cassação
de inúmeros agentes políticos, mormente pela legislação não fixar parâmetros e deixar
margens gigantescas para o casuísmo, o que afasta por completo a segurança jurídica.
Entrementes, a postura de se declarar apoio nas campanhas eleitorais é vedada
aos mecanismos de comunicação de Rádio e TV (Art. 45 da Lei nº 9.504/97). Isso porque
se trata de veículos obtidos por intermédio de concessão, cuja titularidade é exclusiva
da União (Art. 22, inciso XII, alínea “a”59 c/c Art. 223,60 ambos da CF).
Na imprensa escrita e na rede mundial de computadores a autonomia de acessar
determinada notícia é de cada cidadão, o qual, por sua livre e espontânea vontade,
escolhe as páginas de jornais e da internet que deseja obter informações, o que acaba
demonstrando a sua predileção em almejar esclarecimentos desses ou daqueles assuntos
e candidatos, sem qualquer interferência exterior. Em outras palavras, acessa o conteúdo
apenas quem tem interesse.61
No Rádio e na TV a situação é completamente diversa. Basta que um desses
instrumentos de informação esteja ligado para que, independentemente da vontade
do eleitor, a mensagem seja transmitida, violando sua autonomia de escolha no que
tange ao teor do conteúdo que deseja recepcionar, o que chega aos quatro cantos do
país, atingindo todas as camadas sociais, deixando cristalina a potencialidade desses
mecanismos para as eleições.62 63

58
Art. 27 (...) §4º – Não caracterizará propaganda eleitoral a divulgação de opinião favorável a candidato, a partido
político ou a coligação pela imprensa escrita, desde que não seja matéria paga, mas os abusos e os excessos, assim
como as demais formas de uso indevido do meio de comunicação, serão apurados e punidos nos termos do art.
22 da Lei Complementar nº 64/90.
59
Art. 21. Compete à União (...) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a)
os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens.
60
Art. 223 – Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão, autorização para o serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privados,
público e estatal.
61
NEVES FILHOS, Carlos. Propaganda Eleitoral e o Princípio da Liberdade da Propaganda Política. Belo Horizonte:
Fórum, 2012. p. 91. “(…) só entra (acessar) quem quer, só lê (segue, curte, comenta, retwita) quem se interessa,
bem diferente do horário eleitoral gratuito (TV e Rádio) – ligou, ele invade a sua casa e a mensagem política é
passada, mesmo sem você querer recepcioná-la.”
62
MENDONÇA, Duda. Casos & Coisas. São Paulo: Globo. 2004. p. 225. “A televisão e o rádio não tomam conhecimento
de muros, paredes, cercas. Vão atravessando tudo, com as informações que levam. Não adianta fechar os olhos.
E, muito menos, portas e janelas.”
63
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 20. ed. 2006. p.
667. “A questão é particularmente grave porque, em País de alto contingente de iletrados e no qual a parcela
de alfabetizados que leem, mesmo jornal, é irrisória, o rádio e a televisão são os meios de comunicação que
verdadeiramente informam e, de outro lado, formam, a seu sabor, a opinião pública, de tal sorte que os senhores
de tais veículos dispõem de um poder gigantesco. (...) as mensagens radiofônicas ou televisivas não encontram
resistência alguma; antes, com o perdão da imagem prosaica, ‘penetram como faca quente na manteiga’. Em
suma: nada as rebate; nada obriga o emissor a ajustar-se a concepções do público-alvo, pois estas serão as que
lhe queira inculcar.”

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LENINE PÓVOAS DE ABREU
OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM MATÉRIA ELEITORAL
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1.9 Conclusões
a) O sistema republicano norteia todo o ordenamento jurídico brasileiro. Qualquer
interpretação da legislação deve ser realizada em consonância com este princípio;
b) A liberdade de expressão é um desdobramento da democracia e, portanto, deve ser
assegurada na maior medida possível;
c) Propaganda eleitoral consiste na veiculação de informação dentro do período de
campanha para persuadir o eleitor a aderir ou rejeitar essa ou aquela proposta
política, levando, ao fim, a votar ou não neste ou naquele candidato ou partido;
d) A liberdade de expressão, embora detenha caráter fundamental, não se trata de um
direito absoluto;
e) As propagandas eleitorais migraram do aspecto ideológico-partidário para o pessoal;
f) É plenamente possível propagandas eleitorais que tenham o condão de gerar estados
mentais, emocionais e passionais nos eleitores, sobretudo porque o Artigo 242 do
Código Eleitoral não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988;
g) Não há nenhum impedimento na revelação de aspectos negativos dos candidatos
durante o período eleitoral, desde que não sejam disseminadas informações
inverídicas para ludibriar o eleitor, além de ser permitido o apoio da imprensa
escrita a determinadas candidaturas, o que é vedado às emissoras de Rádio e TV.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

ABREU, Lenine Póvoas de. Os limites da liberdade de expressão em matéria eleitoral. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 15-29. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.)
ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 2

PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO


INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR

MAURO ANTONIO PREZOTTO

2.1 Introdução
O objetivo do presente artigo é fazer uma análise da propaganda eleitoral negativa
como instrumento importante para que o eleitor possa conhecer melhor os candidatos
e suas propostas e assim realizar uma escolha consciente. Pretende-se demonstrar que
a propaganda negativa é um importante elemento de controle eleitoral, no sentido de
avaliar todos os aspectos daqueles que pretendem ascender a um cargo público eletivo.
Inicialmente traz-se um breve apanhado sobre a democracia e a indispensabilidade
da realização de eleições periódicas como instrumento de escolha dos representantes
do povo nos poderes legislativo e executivo, demonstrando que a eleição é um dos
elementos que caracterizam uma sociedade democrática. Nesse sentido serão abordadas
as diferentes formas de participação do povo no poder, seja na democracia direta, seja
na democracia semidireta.
Na sequência o artigo tratará da propaganda eleitoral, uma das mais importantes
fases do processo eleitoral, na qual são veiculadas mensagens aos eleitores destacando as
qualidades e aptidões dos candidatos, bem como apresentando as propostas e projetos
defendidos, com vistas a conquistar o voto e a vaga em disputa. Neste mesmo tópico
serão apresentados os princípios reitores da propaganda eleitoral, destacando-se de
modo especial a liberdade de expressão.
Por fim, será abordada a chamada propaganda eleitoral negativa, com a apresen-
tação das suas principais características definidoras, períodos de veiculação, os
fundamentos de ordem constitucional que a sustentam, bem como os mecanismos de
coibição de eventuais abusos.

2.2 Eleições como elemento da democracia


A democracia não é apenas um regime político. É um processo de embates que
se caracterizam pela participação dos diferentes segmentos da sociedade visando à
execução de políticas públicas, ações de governo, construindo uma sociedade mais
igualitária e protegendo os direitos humanos fundamentais. É meio para a realização
de valores que são essenciais para a convivência humana.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
32 PROPAGANDA ELEITORAL

Dentre vários princípios que sustentam a democracia, é oportuno destacar a


soberania popular, pelo qual o povo é a fonte única de poder, o republicano, adotado
pelo Brasil em razão do qual a representação política possui mandato, a normalidade
e legitimidade das eleições, consoante expressa disposição contida no art. 14, §9º, da
Constituição Federal.
A soberania popular é exercida pelo povo mediante a participação direta e indireta
no poder, participação essa que se materializa pelo exercício dos poderes políticos, os
quais podem ser definidos como sendo prerrogativas ou atributos de intervenção e
participação na organização administrativa e gerenciamento dos interesses comuns da
sociedade. Portanto, dizem respeito à soberania popular, que é exercida pelo sufrágio,
entendido esse como o direito de escolha, ou o direito de escolher e de ser escolhido.
Seja na democracia direta, seja na indireta, o povo é soberano e exerce essa
soberania por meio do direito de sufrágio, que, segundo o artigo 14 da CF/88 é universal,
ou seja, é reservado a um conjunto de pessoas habilitadas pelo alistamento eleitoral,
detentoras dos direitos políticos.
A participação do povo no poder determina o tipo de democracia de uma
determinada sociedade. Nesse sentido a democracia pode ser direta, em que o povo
exerce, sem intermediários, os poderes de governo, legislando, administrando e julgando,
enfim, cada cidadão exerce de forma direta todos os poderes de estado. A participação
direta na definição de todos os assuntos de interesse da sociedade não se mostra factível
na sociedade contemporânea, o que não impede adoção de mecanismos de intervenção
do cidadão naqueles assuntos de maior relevância.
Na democracia indireta o cidadão não exerce nenhum dos poderes e funções de
estado, cabendo-lhe primordialmente escolher periodicamente aquelas pessoas que
irão representá-lo no exercício das diversas funções estatais. Tais representantes eleitos
irão atuar em nome, ou por delegação do eleitor, governando, legislando, exercendo
todas as funções de governo.
Por fim, há ainda a democracia semidireta, que se caracteriza por utilizar instru-
mentos da participação direta e da indireta, ou seja, é a conjugação dos dois primeiros
tipos de democracia, como ocorre na democracia brasileira, cujo texto constitucional prevê
mecanismos de participação direta (plebiscito, referendo e inciativa popular), bem como
fixa as bases para o processo de escolha de representantes. É o que estabelece a CF/88,
ao dizer que a manifestação popular, ou o sufrágio, dá-se de forma direta e por meio de
representantes: “Art. 1º, parágrafo único: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Brasil, 1988).
Na democracia representativa, como referido anteriormente, o cidadão não exerce
por si próprio as diversas funções de estado, o faz através de pessoas previamente
designadas, mediante um processo de escolha denominado de eleição.
A formação do corpo diretivo, ou a composição dos poderes legislativo e executivo,
não pode prescindir de um processo de escolha livre e consciente. Daí porque se pode
afirmar que um estado sem eleições periódicas não pode ser denominado de democrático.
Conquanto a eleição não seja o único elemento definidor e caracterizador de uma
democracia, tampouco da sua qualidade,1 pode-se dizer que não é possível falar em
democracia sem pensar em eleições periódicas.

1
Nesse sentido é a crítica de Reinaldo Dias (Ciência Política, 2. ed., 2013, p. 173): “(...) a democracia não é algo
que possa ser obtido de forma definitiva, nem é uma solução milagrosa para a solução dos males das sociedades

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MAURO ANTONIO PREZOTTO
PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR
33

Nesse sentido se posiciona Dias (2013, p.177 e 179):

A ideia de representação política foi decisiva no desenvolvimento dos sistemas democráticos,


principalmente pelo aspecto legitimador que possui.
A representação política se associa, sobretudo, a fenômenos cuja origem se encontra nos
processos de participação dos cidadãos e especialmente naqueles de caráter eleitoral.
(...)
As eleições operam como símbolo e instrumento eficaz de legitimação e organização do
poder nas sociedades que se estruturam tendo por base o pluralismo político.

Conforme Giovani Sartori (1965), citado por Reinaldo Dias, (p. 175),

Se não fossem as eleições, se não fosse o fato de que não confiamos no suposto consenso
de opinião, não existiria a ponte entre governados e governantes e, consequentemente,
não haveria democracia.

As eleições caracterizam-se por um processo de escolha, denominado de processo


eleitoral, aqui entendido em sua acepção mais ampla, ou seja, o conjunto de fases
destinadas a conhecer a vontade do eleitor manifestada nas urnas no dia da eleição.
Porém, para que o eleitor esteja apto a realizar a sua escolha é necessário
percorrer um longo caminho, que vai desde o alistamento eleitoral – para a formação
do corpo de eleitores –, passando pela necessária filiação partidária, pela realização
de convenções para seleção dos candidatos pelos partidos políticos, pelo registro de
candidatura perante a Justiça Eleitoral, pela arrecadação de recursos para custearem
os atos de campanha eleitoral e propaganda eleitoral, até chegar efetivamente ao dia
da escolha, o dia da eleição.
A pessoa que o cidadão irá eleger para representá-lo, ou para exercer a sua
parcela de poder no estado, é precedida de uma espécie de contrato, representado pelos
projetos apresentados pelos pretendentes à representação política, contrato esse que é
firmado no momento em que o eleitor adere àquelas propostas apresentadas, mediante
a escolha materializada na urna.
A eleição assume um lugar de destaque na democracia, porquanto permite ao
cidadão exercer o seu papel preponderante no debate de ideias, propostas e projetos.
O engajamento de todos os atores do processo eleitoral, especialmente dos partidos,
dos candidatos e dos eleitores, é que fará da eleição um momento maior do que espaço
de simples escolhas de representantes para integrar os poderes constituídos de uma
sociedade. A efetiva participação do cidadão no debate político proporciona ao processo
eleitoral um papel essencial à consolidação da democracia.
Como já afirmado anteriormente, a democracia não pode ser resumida a uma
disputa eleitoral. Porém, não é menos certo que a eleição é um dos poucos momentos
em que o cidadão tem voz ativa, tem participação na definição dos destinos de uma
sociedade, na formulação de projetos e propostas de governo.
Na democracia atual a participação do cidadão no debate sobre temas políticos
não se resume mais ao momento reservado para a disputa eleitoral, porquanto a
sociedade já encontrou outros mecanismos de discussão e pressão visando a obter do

humanas, e, principalmente, não se limita aos processos eleitorais. É algo que deve ser construído diariamente, e
inclui uma diversidade de elementos; sem nenhuma dúvida, as liberdades e as eleições, mas não se esgota nelas”.

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poder público e dos representantes do povo compromissos e ações efetivas com vistas
a satisfazer as necessidades sociais.
Como exemplo desses novos tempos, podem ser mencionadas as manifestações de
2013 no Brasil, inicialmente motivadas pelo aumento do valor da passagem do transporte
público de passageiros em várias cidades do país, que ao longo dos acontecimentos
encontraram outras motivações, como a corrupção. Interessante notar que os cidadãos
continuam a se manifestar sobre os mais diferentes temas, seja através de reuniões,
movimentos de rua, seja até mesmo, e, talvez, principalmente, através das redes sociais,
cobrando do poder público soluções para os problemas enfrentados no dia a dia.
Inobstante essa nova realidade da democracia brasileira, em que se verifica uma
participação mais intensa do cidadão no debate de temas políticos, a eleição continua
tendo papel de destaque, daí porque o debate eleitoral que antecede a eleição não deve
ser considerado como espaço reservado apenas aos partidos e aos candidatos. É, acima
de tudo, momento de todo cidadão se expressar, cobrando dos demais partícipes da
disputa eleitoral ações e projetos que efetivamente atendam as necessidades da sociedade.
O processo eleitoral não pode ser reduzido a um conjunto de formalidades
para a composição dos governos. Deve representar uma oportunidade concreta para
debater propostas para correção de rumos e os mecanismos de reafirmação de ações
que atendam os interesses da comunidade.

2.3 Propaganda eleitoral como elemento indispensável do processo


eleitoral
Na democracia, seja ela direta ou indireta, a propaganda política é instrumento
fundamental para o debate de temas de interesse da polis. Por meio dela os diversos
atores da arena política poderão defender seus ideais, suas posições e ações para a
mudança ou mesmo para a manutenção do cenário político.
A propaganda política como instrumento de propagação de ideais, de projetos e
ações compreende três espécies, quais sejam: a partidária; a intrapartidária e a eleitoral.
A propaganda partidária é aquela veiculada pelos partidos políticos visando a
conquistar a simpatia do cidadão em relação à ideologia, às ideias, projetos e programas
por eles defendidos.
Conquanto a Lei nº 13.488/2017 tenha posto fim à propaganda partidária veiculada
semestralmente no rádio e na televisão, os partidos políticos mantêm o direito de veicular
suas ideias, seus objetivos e programas através dos demais meios de comunicação (redes
sociais, internet, material impresso, realização de reuniões, debates, etc.).
A propaganda intrapartidária é aquela prevista no artigo 36, §1º da Lei Eleitoral
(Lei nº 9.504/97) e tem como objetivo conquistar os votos dos filiados visando a obter a
indicação de candidatura a cargo eletivo. Essa modalidade de propaganda é permitida
apenas na quinzena anterior à realização da convenção partidária.
A propaganda intrapartidária tem como destinatário apenas os integrantes da
respectiva agremiação partidária, razão pela qual é vedado o uso de rádio, televisão e
outdoor, ou qualquer outro instrumento capaz de levar a mensagem do pré-candidato
para além da fronteira partidária.
A propaganda eleitoral é veiculada com o objetivo de conquistar o voto do eleitor
visando à investidura em cargo público eletivo. Nela são apresentados os candidatos,

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MAURO ANTONIO PREZOTTO
PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR
35

suas qualidades, suas qualificações, bem como os projetos e propostas, por meio dos
quais o postulante a cargo eletivo pretende governar.
O Tribunal Superior Eleitoral, ao apreciar recurso eleitoral no qual se discutia a
possível veiculação de propaganda eleitoral antecipada, definiu a propaganda eleitoral
como o ato “(...) que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a
candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver
ou as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da
função pública”.2
Tratando-se de democracia representativa, é possível dizer que dentre as diversas
fases do processo eleitoral talvez a mais importante seja aquela reservada à campanha
eleitoral, na qual as mensagens de conteúdo eleitoral são divulgadas.
A propaganda eleitoral é aquela elaborada e divulgada sob a responsabilidade
dos partidos políticos e candidatos, no período determinado pela legislação eleitoral,
ou seja, a partir de 16 de agosto do ano da eleição, até a véspera da eleição.3
A veiculação de mensagem eleitoral antes do período permitido caracteriza
propaganda eleitoral irregular, sujeitando o responsável e o beneficiário, quando provado
o seu prévio conhecimento, à multa estabelecida no §3º do art. 36 da Lei nº 9.504/97. Da
mesma forma, a veiculação, no dia da eleição, de qualquer mensagem que configure
propaganda eleitoral é considerada crime.4
Aqui se abrem parênteses para destacar uma importante inovação da legislação
eleitoral em termos de manifestação política. Com a introdução do art. 36-A na Lei
nº 9.504/97 passou-se a admitir como lícitas as manifestações sobre temas políticos,
veiculadas antes do período estabelecido para a propaganda eleitoral, desde que não
envolvam pedido explícito de votos. Eis o teor da norma:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam
pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades
pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de
comunicação social, inclusive via internet:
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas,
programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a
exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de
televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas
dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de
políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo
tais atividades serem divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

2
TSE. Acórdão nº 15.732, de 15.04.1999. Rel. Min. Eduardo Alckmin.
3
Lei nº 9.504/97: Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.
4
Art. 39. (...) §5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a
alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil
UFIR: I – o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata; II – a arregimentação
de eleitor ou a propaganda de boca de urna; III – a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos
políticos ou de seus candidatos; IV – a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas
aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e
os conteúdos publicados anteriormente. Art. 39 – (...) §1º É vedada, no dia do pleito, até o término do horário de
votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda
referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos.

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36 PROPAGANDA ELEITORAL

III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo,


a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates
entre os pré-candidatos;
IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça
pedido de votos;
V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes
sociais;
VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade
civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade,
para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias;
VII – campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV
do §4º do art. 23 desta Lei.

Até a edição da Lei nº 12.034 em 2009, as manifestações sobre temas políticos antes
do período reservado para veicular propaganda eleitoral, não raro, eram consideradas
como propaganda antecipada,5 irregular, portanto.
A partir da edição da Lei nº 13.165/2015, que deu nova redação ao art. 36-A da
Lei nº 9.504/97, as restrições ao debate de temas de natureza política, outrora vigentes,
deixaram de existir.
Doravante, as manifestações políticas antes do dia 16 de agosto do ano da eleição
são permitidas, vedando-se apenas o pedido explícito de votos. Desse modo, nos termos
da novel legislação, é permitida até mesmo a menção à pretensa candidatura, a exaltação
das qualidades pessoais dos pré-candidatos, o pedido de apoio político, a divulgação
de ações políticas, bem como a realização de todos os atos enumerados nos incisos do
art. 36-A, da Lei nº 9.504/97.
Porém, de todas as inovações havidas na legislação eleitoral a mais significativa
para o debate político foi a introdução do inciso V, ao art. 36-A da Lei Eleitoral, na
redação dada pela Lei nº 13.165/2015, em razão do qual não devem ser consideradas
como ato de propaganda eleitoral as manifestações de natureza pessoal sobre questões
políticas em qualquer meio ou espaço, inclusive nas redes sociais.
É interessante notar que, a despeito do princípio da liberdade de expressão, foi
preciso editar uma lei para assegurar um direito que a Constituição já previa. Qualquer
que seja o conteúdo da manifestação, mas, especialmente os temas políticos, não pode
sofrer qualquer espécie de vedação, para além daquelas previstas na própria Constituição,
não estando incluída qualquer limitação de ordem temporal.
Assim, assuntos de interesse da sociedade, ainda que típicos da arena política,
podem e devem ser debatidos a todo instante pelos cidadãos e não apenas quando a
arena política estiver montada.
Feito este breve apanhado sobre propaganda antecipada, volta-se ao cerne do
debate relacionado à propaganda eleitoral, a qual constitui momento adequado e

5
Nesse sentido cita-se o Acórdão nº 26.173/2006 do TSE: “Agravo regimental. Recurso especial. Representação.
Propaganda eleitoral extemporânea. Distribuição. Tabela. Copa do mundo. Decisão regional. Configuração.
Infração. Art. 36, §3º, da Lei nº 9.504/97. Reexame. Fatos e provas. Impossibilidade. Súmula nº 279 do Supremo
Tribunal Federal. Incidência. 1. Configura-se propaganda eleitoral extemporânea quando se evidencia a intenção
de revelar ao eleitorado, mesmo que de forma dissimulada, o cargo político almejado, ação política pretendida,
além dos méritos habilitantes do candidato para o exercício da função. 2. Inviável o reexame de provas em
sede de recurso especial para alterar conclusão do Tribunal Regional Eleitoral, que, no caso concreto, entendeu
caracterizada a propaganda eleitoral antecipada. Agravo regimental desprovido.”

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PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR
37

aguardado de toda eleição, oportunidade em que se estabelecerá o embate eleitoral


entre os competidores, cada um tentando convencer os eleitores de que possui as
melhores propostas, bem como que é o detentor das melhores qualidades e atributos
para executar os projetos e ações públicas.
Nesse sentido, a propaganda eleitoral é um direito instrumental. Para os candidatos
e partidos políticos é o mecanismo adequado para estabelecer a comunicação com
os eleitores, visando a conquistar a simpatia e o voto e, com isso, a investidura em
cargo público. Para os eleitores é o meio através do qual poderão receber todo tipo de
informação sobre os contendores da disputa eleitoral, sobre suas propostas e projetos,
sobre eventuais apoios recebidos, sobre as pessoas que os cercam propiciando assim a
tomada de decisão livre e consciente.
A propaganda eleitoral orienta-se pelos princípios da legalidade, liberdade,
veracidade, isonomia, responsabilidade, controle judicial e liberdade de expressão.
Princípio da legalidade. Assim como ocorre em qualquer outro ramo do direito,
também em matéria de propaganda eleitoral incide o princípio da legalidade, pelo qual
toda e qualquer restrição à produção e veiculação de propaganda eleitoral somente há
de ser tida como válida quando externada, ou estabelecida mediante a edição de lei, em
seu sentido formal e material, editada pela União. Desse modo, não é licito estabelecer
qualquer espécie de restrição ou qualquer regulamentação que não decorra da lei.
Princípio da liberdade. O princípio da legalidade vem ladeado pelo princípio da
liberdade, pelo qual é assegurado aos partícipes do processo eleitoral ampla liberdade
para a criação e veiculação de mensagens, respeitados os limites legais.
O Princípio da veracidade impõe que todas as informações veiculadas na propaganda
eleitoral devem corresponder à verdade, sendo considerada crime a veiculação de fatos
inverídicos, conforme art. 323 do Código Eleitoral,6 o qual protege o direito do eleitor
à informação necessária para decidir sobre a melhor proposta e o melhor candidato.
A veiculação de mensagem inverídica, além de caracterizar o crime do artigo 323 do
Código Eleitoral, também autoriza a concessão de direito de resposta, nos termos do
artigo 58 da Lei nº 9.504/97.7
O Princípio da isonomia visa a assegurar a todos os partidos e candidatos a igualdade
formal de oportunidades e meios para veiculação de suas propostas e projetos.
De acordo com o art. 241 do Código Eleitoral,8 a propaganda eleitoral é elaborada
e veiculada sob a responsabilidade dos partidos políticos e candidatos, os quais deverão
responder pelas ilicitudes cometidas, tanto na esfera cível, quanto criminal.
A análise dos excessos, abusos e ilicitudes cometidas no âmbito da propaganda
eleitoral incumbe à Justiça Eleitoral, a qual deverá julgar e punir os responsáveis pelas
transgressões.
Desse modo, o Princípio do controle judicial impõe à Justiça Eleitoral a tarefa de
exercer o controle da propaganda eleitoral, nos termos e limites estabelecidos pela

6
Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de
exercerem influência perante o eleitorado: (...)
7
Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido
ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória,
injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.
8
Art. 241. Toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-
se-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos.

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38 PROPAGANDA ELEITORAL

legislação eleitoral, o que não autoriza, por óbvio, exercer papel de sensor, porquanto,
como visto alhures, a propaganda eleitoral é regida por princípios que inibem qualquer
espécie de controle prévio de conteúdo.
Por fim, o Princípio da liberdade de expressão tem incidência destacada neste ramo
do direito e, muito particularmente, em termos de propaganda eleitoral.
Não se pode conceber a existência de uma verdadeira democracia sem que seja
assegurada a liberdade de expressão, a qual ostenta status de direito fundamental.
A Constituição de 1988, em seu art. 5º assegura a liberdade de manifestação
do pensamento (IV), a liberdade de consciência e de crença (VI), a livre expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (IX) e o direito de acessar a
informação (XIV).
Esse sistema de garantias e direitos pode ser expressado pela liberdade de
expressão em seu sentido estrito, pela liberdade de informação e pela liberdade de
imprensa.
A liberdade de expressão, em seu sentido estrito é configurada pelo direito de
externar e difundir os pensamentos, ideias, opiniões e sentimentos, assegurando ainda
o direito de acessar todas as espécies de manifestações do pensamento.
A liberdade de informação garante o direito de transmitir e comunicar fatos,
assegurando a liberdade de investigação e busca por informações, o direito de informar
e o direito do cidadão de ser bem informado.
E por fim, a liberdade de imprensa assegura a todos os meios de comunicação
social o direito de manifestar ideias e opiniões, além de noticiar fatos e acontecimentos.
Inclui, portanto, o direito de criação e de funcionamento dos meios de comunicação,
observado os limites impostos pelo próprio ordenamento Constitucional.
O regime democrático só se consolida quando é garantida a todos os cidadãos
a liberdade de se expressar, de externar análises de fatos e atos, bem como ter acesso
aos mais diversos pensamentos e opiniões, com vistas a formar sua convicção para
então decidir sobre assuntos de natureza política. Sem a garantia da plena liberdade
de expressão, com a possibilidade de expressar opiniões sobre atos de governo e sobre
os próprios governantes, não há democracia.
Portanto, a despeito de não ser um princípio tipicamente setorial, isto é, aplicável
exclusivamente à seara eleitoral, tem neste ramo do direito incidência conforme sustentam
Fux e Frazão (2016, p. 116):
A despeito de os principais manuais de Direito Eleitoral não abordarem, é inobjetável
que a liberdade de expressão se afigura como um dos princípios informadores do Direito
Eleitoral. Na verdade, ostenta uma posição preferencial (preferred position) no ordenamento
constitucional, em geral, e no direito eleitoral, em particular.
Com efeito, essa proeminência no âmbito político-eleitoral decorre do fato de que os
cidadãos devem ser informados da maior variedade de assuntos respeitantes a eventuais
candidatos, bem como da circunstância de as ações parlamentares praticadas pelos
detentores de mandato eletivo serem amplamente divulgadas para os cidadãos (...).

No âmbito eleitoral, a liberdade de expressão assegura aos partidos e aos


candidatos o direito de difundirem suas opiniões, seus pensamentos, bem como o direito
de informar o eleitor, este o destinatário final de todas as mensagens de cunho político.
Enfim, toda forma de expressão deve ser resguardada como direito fundamental
que é, não podendo e não devendo sofrer qualquer espécie de limitação, senão naqueles

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PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR
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casos de colisão com outros direitos fundamentais, situação que exige o sopesamento
dos direitos confrontados.
O direito à livre manifestação de pensamento e de expressão de opiniões não
pode ser objeto de censura por parte do estado, conforme expressamente estabelece o
art. 220, da Constituição de 1988.9
A informação é um direito de todo cidadão, não cabendo ao Estado estabelecer
aprioristicamente quais opiniões devem ser consideradas como válidas, tarefa essa
exclusiva do destinatário. A liberdade de informação deve ser ampla de modo a garantir
ao eleitor as condições materiais necessárias para realizar uma escolha consciente no
momento da definição do seu voto.
Todavia, a despeito da ampla liberdade que a própria Constituição assegura, no
âmbito da legislação infraconstitucional verifica-se cada vez mais o estabelecimento de
restrições, seja quanto ao período de veiculação, seja quanto às espécies ou mecanismos
de veiculação de propaganda eleitoral.
Com efeito, a cada nova modificação na legislação eleitoral, particularmente
da Lei nº 9.504/1997,10 novas restrições à propaganda eleitoral são introduzidas no
ordenamento jurídico.
Uma das mais significativas modificações da legislação eleitoral diz respeito ao
período da propaganda. Sob o fundamento da redução de custos de campanha, a partir
das eleições de 2016, o tempo de propaganda eleitoral foi reduzido de 90 para 45 dias,
aproximadamente.11
A limitação do período destinado à campanha eleitoral privilegia aqueles que
são detentores de mandato eletivo e buscam a reeleição, bem como aquelas pessoas
com exposição na mídia e alta penetração na sociedade, como jornalistas, radialistas,
apresentadores de programas, artistas, que pela natureza de suas atividades possuem
enorme exposição midiática.
Ainda que apenas a exposição na mídia não constitua fator decisivo para
determinar a eleição ou não de um candidato, não há como negar que tal fato constitui
elemento importante na disputa eleitoral. Obviamente que esta exposição em que se
destacam as qualidades e os feitos positivos do futuro candidato, coloca-o numa posição
privilegiada no acesso ao eleitor.
De igual modo, a utilização de outdoor como mecanismo de divulgação de ideias
e propostas é proibida desde 2006.
A propaganda de rua foi reduzida a caminhadas e entrega de material impresso,
atos que somente podem ser realizados em determinados espaços das vias públicas,
conforme a regra prevista no inciso I, do §2º, do art. 37 da Lei das Eleições. Restaram
proibidas outras espécies de manifestações, como a utilização de cavaletes e bonecos.

9
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística
em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
(...).
10
Desde a sua edição em 1997, a Lei nº 9.504 já sofreu cerca de 11 modificações. Nesse período foram realizadas 10
eleições, o que demonstra que a Lei das Eleições já possui mais modificações do que eleições em que foi aplicada.
11
Essa redução foi introduzida através da Lei nº 13.165, de 29.09.2015.

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40 PROPAGANDA ELEITORAL

As bandeiras, largamente utilizadas em todas as campanhas eleitorais, vêm


sofrendo restrição de uso, seja pelo tamanho, seja pelos espaços onde podem ser
desfraldadas. Podem ser utilizadas, desde que móveis e não dificultem o bom andamento
do trânsito. Essa regra tem sido largamente utilizada pela Justiça Eleitoral para coibir,
através da edição de portarias ou mesmo por decisões judiciais, as manifestações ao
longo das vias públicas.12
Em bens particulares, as tradicionais placas foram substituídas por adesivos de
0,5 metros quadrados, não sendo permitida qualquer outra espécie de manifestação.
Ou seja, o eleitor não pode demonstrar a sua preferência política.
Os debates entre candidatos, tão salutar para se conhecer efetivamente as ideias
e propostas dos candidatos, têm sido objeto de restrições, em razão das regras previstas
na Lei das Eleições que tornam facultativo o convite a candidatos de partidos com
representação no Congresso Nacional inferior a cinco parlamentares, como se o debate
eleitoral entre todos os competidores não fosse do interesse do eleitor.
O mesmo pode ser dito da internet e do uso das redes sociais para veicular
mensagens de cunho eleitoral, cujo instrumento passou a ser permitido apenas em
2009. Em termos de propaganda na internet somente em 2017, através da Lei nº 13.488,
passou ser permitida a utilização de mecanismos de impulsionamento de mensagens
instantâneas, que potencializam o alcance dos destinatários das mensagens eleitorais.
Não há razão lógico-jurídica para se impor tantas restrições à realização de
propaganda eleitoral. Nem mesmo os aspectos relacionados aos custos de campanha
socorrem as restrições impostas, porquanto a legislação eleitoral atualmente em vigor
estabelece limites de gastos para as campanhas eleitorais, considerando os cargos em
disputa.
Deve ser assegurada ao candidato a efetiva liberdade de criação e de divulgação
de suas mensagens pelos meios que entender adequados, pouco importando os custos
dessa divulgação, desde que seja respeitado o limite de gastos estabelecido.
De todo modo, seja pelas constantes e intermináveis modificações na legislação
eleitoral, seja pela interpretação cada vez mais restritiva por parte da Justiça Eleitoral,
a propaganda eleitoral caminha para um confinamento aos poucos minutos no horário
eleitoral gratuito e a mecanismos quase invisíveis de divulgação de propostas, ideias
e candidaturas.
São restrições incompatíveis com o processo de disputa eleitoral, em que a
divulgação das candidaturas, das propostas, dos projetos e do currículo dos candidatos
deve ser prestigiada, de modo a proporcionar aos eleitores amplas condições para
definir suas escolhas.
Portanto, em razão dos princípios constitucionais, em especial a liberdade de
expressão e de informação, é possível afirmar, quanto à propaganda eleitoral, que tudo
o que não for proibido de forma expressa pela lei em seu sentido formal, seja quanto ao

12
Nesse sentido cite-se o Acórdão nº 263 de 2014 do TRE/RO, no MS 143418: “Eleições 2014. Mandado de segurança.
Ato de autoridade. Juízo eleitoral. Propaganda eleitoral em vias públicas. Cavaletes. Restrição. Poder de polícia.
Ausência de ilegalidade ou abuso. I – Ao Juízo eleitoral é franqueado normatizar a propaganda eleitoral através
de objetos não fixos (cavaletes, bonecos, cartazes, mesas para distribuição de material de campanha e bandeiras
ao longo das vias públicas), de modo a permitir o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos (Lei nº
9.504/1997, art. 37, §6º). II – Deve-se compatibilizar o direito à propaganda eleitoral dos candidatos aos direitos
dos demais usuários de vias públicas, prevalecendo no caso, o direito à segurança no trânsito. III – Segurança
denegada.”

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PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR
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conteúdo, seja quanto à forma, deve ser considerado como ato lícito de comunicação
entre os candidatos, partidos e os eleitores.

2.4 Propaganda eleitoral negativa como instrumento de


convencimento do eleitor
A propaganda eleitoral, na definição clássica, tem um sentido positivo, ou seja,
visa a destacar as qualidades e aptidões do candidato com o intuito de conquistar o
voto do eleitor através de mecanismos de convencimento, utilizando-se para tanto de
todos os instrumentos que não sejam proibidos pela legislação eleitoral.
Todo candidato a cargo eletivo faz a divulgação de suas ideias, de suas propostas,
projetos, ao mesmo tempo em que busca enaltecer suas qualidades e suas realizações.
Enfim, mostra ao eleitor que é o candidato mais preparado, com as melhores propostas
para exercer o mandato eletivo em disputa.
Todavia, as crescentes restrições de instrumentos e de tempo para a veiculação
da propaganda eleitoral levou os partidos e candidatos a adotarem novas técnicas de
comunicação, introduzindo na seara eleitoral instrumentos típicos da propaganda
comercial, a exemplo do marketing.
Em decorrência desta nova configuração, as campanhas eleitorais passaram a
criar e utilizar slogans13 e jingles14 para tentar atrair o eleitor e conquistar o seu voto. É
recorrente nas propagandas eleitorais o uso de técnicas de linguagem em tom emotivo,
na qual o emissor expressa seus sentimentos e impressões pessoais sobre determinado
assunto, na tentativa de cativar o eleitor.
No horário eleitoral gratuito,15 por exemplo, por vezes são empregadas técnicas que
criam uma espécie de realidade virtual, dando ao eleitor uma sensação de estar diante
de algo concreto, palpável, tudo com o objetivo de tornar as propostas apresentadas
mais factíveis e aceitáveis.
Através dessas novas técnicas de persuasão os candidatos se apresentam ao
eleitorado de forma mais palatável. As propostas são apresentadas de forma a serem
mais facilmente compreendidas e aceitas pelo eleitor.
Os partidos e candidatos utilizam com grande frequência pesquisas eleitorais
para medir o desempenho na disputa eleitoral, através das pesquisas quantitativas,
bem como, para, através das pesquisas qualitativas, conhecer a opinião do cidadão,
as suas necessidades e expectativas, para então formular suas propostas e projetos, ou
mesmo modificá-los, de modo a tornar-se mais próximo do eleitor, ou apresentar-se ao
eleitorado como o candidato que defende aquilo que o eleitor pensa, que se compromete
a concretizar as expectativas e projetos desejados.
Esse verdadeiro adornamento de candidatos e propostas, por envolver apenas os
aspectos positivos do candidato, muitas vezes esconde as deficiências ou inexequibilidade
das propostas apresentadas. Não haveria de se esperar que assim não fosse. Por óbvio

13
Slogans são mensagens curtas e simples de serem lembradas, de modo a facilitar a vinculação à determinada
pessoa.
14
Jingles são músicas criadas para divulgação de uma candidatura.
15
Horário eleitoral gratuito se refere à propaganda eleitoral veiculada no rádio e na televisão, segundo as regras
estabelecidas no art. 44 e seguintes da Lei nº 9.504/97.

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que o candidato não vai dar destaque aos seus eventuais defeitos, às suas características
negativas, ou mesmo às deficiências de suas propostas.
Tal circunstância não impede, porém, que os outros candidatos realizem essa
tarefa, ou seja, busquem desconstituir as supostas qualidades e projetos do candidato
adversário. Essa é, pois, incumbência da propaganda eleitoral negativa, como instrumento
de persuasão utilizado em larga escala nas disputas eleitorais.
Essa espécie de propaganda tem sido cada vez mais recorrente nas disputas
eleitorais, especialmente naquelas em que o pleito é decidido pelo sistema majoritário.
Por vezes, candidatos gastam mais tempo tentando desconstruir a imagem do adversário
do que apresentando suas próprias propostas.
A utilização de instrumento de desconstituição do adversário não é exclusividade
da política brasileira, conforme destaca Neisser (2016, p. 91), encontrando registros de
sua utilização como mecanismo de marketing aplicado à campanha eleitoral na eleição
presidencial americana em 1956.
Como destaca Neisser, a propaganda negativa é utilizada desde que a propaganda
começou a ser utilizada como instrumento de convencimento na arena política. Trata-se
de importante instrumento a ser empregado nas disputas eleitorais para, a partir do
destaque dos aspectos negativos do adversário e das propostas, convencer o eleitor a
não votar em determinado candidato.
Conquanto tal estratégia eleitoral possa ter antipatia de parte do eleitorado, ela
se constitui em instrumento essencial na disputa eleitoral, encontrando, pois, matriz
na ordem constitucional. Trata-se de ato protegido pela liberdade de expressão e de
informação que, como visto anteriormente, constitui um dos pilares da democracia.
É instrumento importante para o embate eleitoral, porquanto, conforme já
afirmado anteriormente, cada candidato levará para a sua campanha eleitoral apenas
os aspectos positivos da sua pessoa e propostas, o que pode dar ao eleitor uma ideia
falsa, tanto do candidato quanto daquilo que efetivamente defende.
A propaganda eleitoral positiva jamais vai demonstrar ao eleitor os aspectos
negativos do candidato, o seu passado, as promessas não cumpridas, a falta de honora-
bilidade, o desrespeito pelo bem público, e até mesmo a prática de atos censuráveis,
inclusive da esfera privada.
Com efeito, alguns aspectos, ou acontecimentos na órbita privada dos candidatos,
podem interessar ao eleitor para melhor conhecer as qualidades do candidato que
pretende assumir um cargo público.
Ainda que possa ser questionável o uso na campanha eleitoral de informações
relacionadas à vida privada dos candidatos, é de se ter em mente que o mandato em
disputa representa uma outorga do eleitor ao candidato escolhido para agir em seu
nome, para representá-lo no parlamento e para concretizar as ações e projetos no
âmbito do poder executivo, daí porque assuntos da esfera privada podem interessar
ao cidadão/eleitor, para melhor conhecer aquele que se apresenta como pretendente a
ocupar cargo público.
Evidentemente que a intimidade continua a ser protegida, porém, alguns aspectos
da vida privada podem e devem ser conhecidos. Tome-se como exemplo um candidato
ou uma candidata que tem por hábito agredir seu cônjuge. Evidentemente que esse
aparente assunto “doméstico” interessa aos eleitores na medida em que demonstra o
caráter e a conduta daquele ou daquela pretendente a ocupar um cargo eletivo.

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PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR
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Conhecer a fundo a personalidade e a conduta dos candidatos, ainda que no


âmbito da vida privada, permite ao eleitor melhor formar a sua convicção e escolher
o candidato que lhe pareça ser mais adequado para gerir os destinos da sociedade.
As informações da vida privada dos candidatos, evidentemente, devem se
restringir aos dados que são públicos acessíveis ao público de maneira geral, sob pena de
cometimento de violações à intimidade e ao direito de personalidade, não agasalhados
pela Constituição.
Não se está a defender aqui o estabelecimento de novas restrições ao direito à
elegibilidade, ou ao exercício da capacidade eleitoral passiva, até mesmo porque a Lei
Complementar nº 64/90, com as alterações da Lei da Ficha Limpa,16 já o fez de forma
absolutamente desproporcional e desarrazoada, buscando proteger o eleitor, como se
este fosse um ser incapaz de avaliar os candidatos.
Tampouco se pretende dar cabo da presunção da inocência, ou transformar
atos ainda não julgados pelo poder judiciário em verdades absolutas. Não é disso que
se cuida. Informar o eleitor acerca de acontecimentos sobre todos os candidatos que
pretendem assumir funções públicas não é estabelecer um tribunal judicial à margem
dos poderes constituídos.
Enfim, o que se defende neste espaço é apenas garantir ao eleitor o acesso ao
maior número de informações possíveis acerca dos candidatos que disputam o pleito
eleitoral, permitindo que este possa escolher o seu representante de maneira livre,
consciente e segura.
Até porque o menoscabo do direito de informação e da liberdade de informação
pode levar à dissonância entre o candidato escolhido e os anseios da população, como,
aliás, parece ser a atual quadra da política brasileira.
Parte da propalada crise de representatividade e até de legitimidade dos atuais
mandatários da nação e da classe política de um modo geral, advém do distanciamento
destes em relação ao que se propagou na eleição, e mais ainda, pela falta de conhecimento
prévio dos eleitores acerca das condutas dos candidatos.
Quem pretende disputar uma eleição deve estar ciente de que sua vida, sua
conduta, suas posições, o que pensa, o que defende, o que fez ou deixou de fazer será
julgado pelo eleitor no dia do pleito. Esta é a característica de uma sociedade democrática.
Ademais, nos tempos atuais, em que as informações circulam quase que sem
controle algum nas redes sociais, torna-se praticamente impossível para o homem
público, para os detentores de mandato eletivo ou aos pretendentes a cargo eletivo,
encobrir ou preservar atos e fatos havidos na esfera da intimidade ou no âmbito público.
A despeito das mazelas que a divulgação de fatos relacionados, especialmente,
às pessoas públicas, pode ocasionar em termos de disputa eleitoral, é preciso dizer
que a propaganda eleitoral negativa não deve ser encarada apenas como uma técnica
empregada pelos candidatos para desconstituir o adversário e suas propostas. É antes
de tudo um direito do eleitor alicerçado na Constituição Federal, representado pelo
princípio da liberdade de expressão e de informação anteriormente já abordado.

A Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa” introduziu no ordenamento novas
16

hipóteses de inelegibilidade, bem como ampliou os períodos de impedimento do exercício da capacidade eleitoral
passiva.

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44 PROPAGANDA ELEITORAL

Tem o eleitor o direito de receber todo tipo de informação relativa aos candidatos
e aos partidos aos quais estão vinculados. O eleitor precisa conhecer o passado e o
presente dos candidatos e partidos para avaliar, a partir de tais elementos, como deve
se comportar no futuro aquele que pretende acessar o cargo público.
Saber o que pensa, o que já fez ou deixou de fazer e quem são as pessoas que
cercam o candidato são informações essenciais para o eleitor conhecer o candidato e
avaliar as suas qualidades e posições e assim tomar uma decisão consciente.
E quais seriam os limites para a veiculação de propaganda eleitoral de cunho
negativo?
Os princípios que regem a propaganda eleitoral asseguram a ampla liberdade
dos partidos e candidatos para veicularem suas mensagens. Porém esse direito não é
absoluto, tendo na legislação eleitoral regras que estabelecem a moldura da comunicação
entre os partidos, candidatos e os eleitores.
Os limites a serem observados na veiculação de mensagens de cunho negativo
no âmbito da propaganda eleitoral são aqueles que regem a propaganda eleitoral de
um modo geral.
Nesse sentido é oportuno rememorar o princípio da veracidade já abordado do
tópico anterior, em razão do qual se veda a veiculação de qualquer mensagem com
conteúdo inverídico, seja ele de caráter positivo e, muito especialmente, de cunho
negativo.
Ainda como proteção à propaganda eleitoral, o Código Eleitoral estabelece
espécies de crimes. Quando há divulgação de conteúdo inverídico tem-se configurado
o crime do art. 323. Quando é divulgado na propaganda eleitoral, ou para fins de
propaganda, informações caluniosas, difamatórias ou injuriosas têm-se os crimes dos
artigos 324, 325 e 326, todos do Código Eleitoral.17 Os mesmos atos caracterizadores dos
crimes mencionados autorizam ainda o exercício de direito de resposta, nos termos do
art. 58, da Lei nº 9.504/97, permitindo-se àquele atingido pela veiculação impugnada
a oportunidade de responder as inverdades ou acusações, com vista a restabelecer o
equilíbrio no debate eleitoral.
A despeito deste tema, a veiculação de conteúdo inverídico talvez seja uma
das maiores mazelas da propaganda eleitoral, destacando-se especialmente aquelas
veiculadas através de redes sociais, no mais das vezes sob o manto do anonimato.
Não por outro motivo a Lei nº 9.504/97 veda o anonimato nas manifestações
eleitorais, na internet, ou mesmo aquelas em que é atribuída a autoria a terceiro, inclusive,
candidatos, partidos ou coligações.18

17
Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente
fato definido como crime:
(...)
Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofen-
sivo à sua reputação:
(...)
Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade
ou o decoro:
(...)
18
Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio
da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c
do inciso IV do §3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem
eletrônica.

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São todos instrumentos previstos na legislação eleitoral, os quais visam a


garantir um debate livre, porém com responsabilidade, permitindo ao eleitor conhecer
todas as informações necessárias sobre os candidatos, sejam elas positivas ou mesmo
desabonadoras.
Todavia, a despeito de todos os mecanismos de controle e punição previstos
na legislação vigente, não é incomum a divulgação de informações falsas nas redes
sociais, causando impacto negativo relevante na imagem do candidato, e às vezes com
repercussão até mesmo na intenção de votos.
Neste tempo febril da política brasileira, as redes sociais têm sido utilizadas
cada vez mais para uma verdadeira batalha destrutiva da imagem, especialmente
dos detentores de mandatos eletivos, bem como dos partidos políticos. Não raro são
compartilhadas informações cuja origem se desconhece, sem qualquer cuidado, sem
verificar a seriedade e credibilidade da suposta fonte.
No mais das vezes são os próprios partidos políticos e candidatos que instigam e
alimentam esse tipo de manifestação que nada traz de positivo para o cenário político
e para o embate eleitoral.
De qualquer forma, tais fatos e circunstâncias constituem um preço a ser pago
por aqueles que estão inseridos no debate político. O direito à crítica política tem sido
reconhecido e garantido no âmbito da jurisprudência, conforme importante julgado do
Supremo Tribunal Federal na ADI nº 4451/2010 que suspendeu, em sede de medida
cautelar o inciso II, do art. 45, da Lei nº 9.504/97,19 do qual se extrai o seguinte excerto:

5. Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias,


opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de “imprensa”, sinônimo
perfeito de “informação jornalística” (§1º do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude
de liberdade que é assegurada pela Constituição à imprensa. Dando-se que o exercício
concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender
críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou
irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Respondendo,
penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que
se refere a Constituição em seu art. 5º, inciso V.
6. A liberdade de imprensa assim abrangentemente livre não é de sofrer constrições em
período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias. Tanto em período
não eleitoral, portanto, quanto em período de eleições gerais. Se podem as emissoras de
rádio e televisão, fora do período eleitoral, produzir e veicular charges, sátiras e programas
humorísticos que envolvam partidos políticos, pré-candidatos e autoridades em geral,
também podem fazê-lo no período eleitoral.

Na mesma linha se posiciona o Tribunal Superior Eleitoral, reconhecendo a crítica


política como um direito típico da disputa eleitoral, conforme o seguinte julgado:

(...)
Art. 57-H. Sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis, será punido, com multa de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), quem realizar propaganda eleitoral na internet, atribuindo indevidamente
sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação.
19
Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na ADI n. 4451, julgada em 02/09/2010 que suspendeu o inciso II,
do art. 45, da Lei n. 9.504/1997, com a seguinte redação:
“Art. 45. (...)
II – usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem
candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito; (...)”.

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ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO.


PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. BLOG. NÃO CONFIGURAÇÃO.
DESPROVIMENTO.
1. As opiniões políticas divulgadas nas novas mídias eletrônicas, sobretudo na internet,
recebem proteção especial, em virtude da garantia constitucional da livre manifestação
do pensamento.
2. A teor da jurisprudência desta Corte, a livre manifestação do pensamento, veiculada
nos meios de divulgação de informação disponíveis na internet, somente estará passível
de limitação nos casos em que houver ofensa a honra de terceiros ou divulgação de fatos
sabidamente inverídicos.
3. Agravo regimental desprovido.20

Como afirmou o Ministro Gerardo Grossi quando do julgamento da Representação


Eleitoral nº 587, “Na propaganda eleitoral, caberá ao eleitor concordar ou não com
tais previsões e análises. É preciso confiar no seu discernimento, nas suas razões para
optar por este ou por aquele candidato, sob pena de não se estar acreditando na própria
substância do processo democrático representativo”.21
Portanto, a crítica política, como elemento natural da propaganda eleitoral negativa
deve ser prestigiada, sob pena de engessar o debate eleitoral e com isso dificultar a
tomada de decisão por parte do eleitor, não podendo a legislação e tampouco ao estado,
por qualquer de seus órgãos constituídos, pretender tutelar a liberdade do cidadão.
Nem mesmo as disposições do art. 242 do Código Eleitoral,22 que veda a
manifestação com conteúdo capaz de criar estamos emocionais, se prestam à finalidade
de impor limitações à liberdade de expressão e de informação. Ainda que a propaganda
tenha conteúdo negativo, ou seja, venha carregada de críticas de natureza política, não
poderá ela ser objeto de proibição, por representar sério risco de tolher o debate eleitoral.
Ademais, a propaganda visa a justamente a criar no imaginário das pessoas a
percepção mais positiva possível, ou negativa, em relação a determinado candidato
e/ou propostas, de modo que os aspectos de natureza emocional, por vezes, ditam as
escolhas a serem feitas pelo eleitor.
Portanto, a razão não é o único propulsor das decisões tomadas pelos eleitores,
não havendo de se impor limites à manifestação do pensamento, mesmo quando o
conteúdo propalado é carregado por críticas ásperas, conforme já decidiu o Tribunal
Superior Eleitoral, na Representação Eleitoral nº 120133: “(...) a parte final deste artigo
não impede a crítica de natureza política ínsita e necessária ao debate eleitoral e da
essência do processo democrático representativo.”
Assim como a propaganda eleitoral positiva somente pode ser veiculada no
período eleitoral, ou seja, de 16 de agosto do ano da eleição até a véspera do pleito,
igualmente as mensagens de cunho negativo, quando caracterizadoras de propaganda
eleitoral também se limitam ao período determinado pela legislação eleitoral.

20
Tribunal Superior Eleitoral. AgRegRESPE nº 204014, j. 10.11.2015, Rel. Min. Luciana Lóssio.
21
Tribunal Superior Eleitoral. Representação Eleitoral nº 587/2002.
22
Código Eleitoral: “Art. 242. A propaganda, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a
legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados
a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”.

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MAURO ANTONIO PREZOTTO
PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR
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Qualquer mensagem com conteúdo de propaganda eleitoral, ainda que de


caráter negativo veiculada antes de 16 de agosto do ano da eleição, caracterizar-se-á
como propaganda eleitoral antecipada, sendo punida nos termos da legislação vigente.
A este respeito, é importante rememorar a regra do art. 36-A que permite as
manifestações de caráter político antes do dia 16 de agosto, desde que não envolvam
pedido explícito de voto. Tal regra deve nortear inclusive a veiculação de mensagens
de cunho negativo em relação a pretensos pré-candidatos a cargos eletivos, ou mesmo
em relação aos detentores de cargos públicos.
A crítica política, ainda que ácida, deve ser admitida como elemento garantidor
de uma boa escolha, inclusive no período pré-eleitoral, período no qual é vedado
apenas o pedido de não voto. Sendo vedado o pedido explícito de votos no período
da pré-campanha eleitoral, também devem ser vedadas as manifestações políticas de
cunho negativo, apenas naquelas situações em que há um pedido explícito para deixar
de votar em determinado pré-candidato.
Enfim, em termos de debate político e, especialmente no âmbito da propaganda
eleitoral, a crítica mesmo que dura, áspera, deve sempre ser prestigiada, eis que serve
de instrumento de controle das informações que são divulgadas no período eleitoral.
Respeitados os limites impostos pela legislação vigente que impede a veiculação
de ofensas à honra e imagem, bem como informações não verdadeiras, não há de se
abandonar a crítica política, característica da propaganda negativa, nem mesmo frente
à oposição a este instrumento e aos apelos à moralização da campanha política.
A campanha eleitoral não é um encontro de amigos para tratar de amenidades.
Ao contrário, é o momento para desnudar todas as propostas apresentadas e descortinar
o véu da ignorância sobre atributos e condutas de certos candidatos, evitando com isso
que a sociedade amargue um longo período de desassossegos, dissabores e retrocessos.

2.5 Considerações finais


Qualquer democracia não pode prescindir da realização de eleições periódicas,
com a finalidade de permitir aos cidadãos a manifestação de vontade escolhendo os
seus representantes nos poderes legislativo e executivo.
Incumbe aos eleitores à tarefa de eleger aquelas pessoas que exerceram as funções
típicas do poder legislativo e do poder executivo, os quais exercerão todas as funções
de estado, em nome do povo, fonte de todo poder.
Essa manifestação de vontade é, como visto neste artigo, reservada a um conjunto
de pessoas, detentoras dos poderes políticos, estes entendidos como atributos que
permitem ao cidadão ter participação ativa nos assuntos de interesse da sociedade.
O processo eleitoral, em sua acepção ampla, engloba todas as fases do processo
que culminará com a escolha do eleitor, destacando-se especialmente a fase da campanha
eleitoral, na qual está inserida a propaganda eleitoral como importante instrumento de
comunicação entre os candidatos, partidos e eleitores.
Neste sentido, a propaganda eleitoral é um direito instrumental, tanto para os
candidatos e partidos políticos, quanto para os eleitores, no sentido de que permite
àqueles divulgar suas propostas, bem como demonstrar as razões que demonstram
ser o mais qualificado para exercer a função pública e a estes, os eleitores, conhecer os
candidatos e suas propostas.

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Comumente a propaganda eleitoral é considerada em seu aspecto positivo,


ou seja, quando há divulgação apenas dos aspectos que enaltecem as qualidades dos
candidatos, bem como as qualidades das propostas e projetos dos candidatos.
Porém, a propaganda eleitoral negativa configura-se como instrumento indis-
pensável para que os eleitores possam conhecer cada candidato e suas propostas. É
somente com o debate livre, com a livre circulação de informações que os aspectos
negativos dos candidatos serão revelados.
A propaganda negativa é capaz de descortinar aspectos desabonadores dos
candidatos, e bem assim a falta de sustentação das propostas e projetos por eles
apresentados.
A propaganda eleitoral negativa se limita apenas pelas disposições legais
estabelecidas na legislação vigente, como os crimes dos artigos 323 a 326 do Código
Eleitoral, além da possibilidade do exercício do direito de respostas, nas hipóteses do
art. 58 da Lei nº 9.504/97, não sendo lícita a imposição de qualquer outra limitação,
em respeito ao princípio da liberdade de expressão e de informação, que regem a
veiculação de propaganda eleitoral e, por conseguinte, o próprio processo de disputa
pelos cargos eletivos.
Enfim, a propaganda eleitoral, seja ela sob os aspectos positivos, seja pelo seu
conteúdo negativo, é instrumento de convencimento, prestando-se à filtragem dos
candidatos e suas propostas, garantindo ao eleitor a realização de uma escolha livre,
consciente e segura.

Referências
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1990, que estabelece, de acordo com o §9º do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos
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MAURO ANTONIO PREZOTTO
PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE CONVENCIMENTO DO ELEITOR
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CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral. 13. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2016.
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OSÓRIO, Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
SARTORI, Giovani. Teoria democrática. Tradução de Francisco M. da Rocha Filho e Oswaldo Blois. Rio de
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

PREZOTTO, Mauro Antonio. Propaganda eleitoral negativa como instrumento de convencimento


do eleitor. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 31-49. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 3

A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS


ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE

FERNANDO NEISSER
PAULA BERNARDELLI
RAQUEL MACHADO

A preocupação prevalente hoje é a de que a ampla difusão de fake news nas


mídias sociais precipitará uma crise na democracia, minando a suposição
de que os membros da sociedade democrática são informados e capazes de
tomar decisões racionais.
JANG, Seung Mo e JOON, Kim1

3.1 Introdução
Linguagem é estratégia. A linguagem comumente guarda artifícios para atingir
sua finalidade. Assim é que escritores se valem de licenças poéticas para exaltar cenas e
sentimentos. Na política, jogo de poder com nuances de conquista, também é comum o
uso de artifícios no diálogo com o povo, na busca pela conquista do eleitor. Esse emprego
da palavra poderia ser assim chamado de licença política. Tal licença equivale, muitas
vezes, ao uso de mentiras, seja para anunciar planos mirabolantes, atacar adversários ou
maquiar fatos. A linguagem da política, afinal, é persuasiva, uma tentativa de convencer
alguém a adotar um determinado comportamento.2
Como revés dessa licença, princípios gerais do Direito Eleitoral, como os da
legitimidade e da normalidade das eleições, assim como o da moralidade, demandam

1
“A prevailing concern is that widespread fake news on social media will precipitate a crisis of democracy by
undermining the assumption that members of the democratic society are informed and capable of making rational
decisions”. JANG, Seung Mo; JOON, Kim. Third person effects of fake news: Fake news regulation and media
literacy interventions. Computers in Human Behavior, v. 80, 2018. p. 300 (p. 295-302). Tradução livre.
2
Adota-se aqui a compreensão de persuasão dada por Alejandro Pizarroso Quintero, para quem “(...) persuasión
no es otra cosa que el proceso comunicativo cuya clave está en la respuesta del receptor, es decir, aquel que
pretende promover una dependencia interactiva entre emisor y receptor mediante la formación, reforzamiento
o modificación de la respuesta del recepto. Es, pues, un proceso comunicativo cuya finalidad u objetivo es la
influencia. Un mensaje persuasivo se conforma según una conducta deseada por el emisor para que sea adoptada
voluntariamente por el receptor”. PIZARROSO QUINTERO, Alejandro. Historia de la propaganda política. 2. ed.
Madri: Eudema, 1993. p. 26-27.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
52 PROPAGANDA ELEITORAL

diálogos claros no processo eleitoral. A exigência por verdade, aliás, relaciona-se à


própria noção de democracia, com seu apreço pela igualdade e pela liberdade. O povo,
afinal, não governa nem tem acesso efetivamente ao poder, se é induzido a decidir
fundado no engano.
Paralelamente a essa questão filosófica, a cada nova eleição o ambiente digital
se consolida como arena propagandista, ainda que com certa timidez e de forma
gradual. Sendo a internet o espaço em que se trava parte considerável das relações
contemporâneas, e em que os jovens dialogam com fluidez, formando sua opinião, o
Direito Eleitoral não pode impedir que os recursos próprios do cenário digital sejam
utilizados nas eleições. Nesse contexto, de modo inovador, a reforma eleitoral de 2017
passou a admitir o impulsionamento pago de propaganda na internet, descortinando
uma nova área de desafios para o Direito Eleitoral.
As características do meio virtual potencializam os problemas a serem enfrentados
numa democracia durante o período eleitoral. A rapidez com que as notícias se
propagam, o largo público que alcançam, a divulgação de conteúdos por bots3e perfis
falsos, a dificuldade de realização de debates racionais mediados por diversidade e
pontos relevantes a cada questão catalisam a possibilidade de violação da verdade e da
igualdade. Por impossibilidade material e jurídica, a Justiça Eleitoral certamente será
incapaz de impedir a prática de infrações nesse quadro.
É preciso ter consciência ainda de que se vive a era do dataísmo, a que se refere
Yuval Noah Harari, em que o “valor de qualquer fenômeno ou entidade é determinado por
sua contribuição ao processamento de dados”,4 quando muitas escolhas que se imaginam
livres são guiadas por algoritmos. Dados sobre desejos e aptidões transformam-se em
decisões, inclusive decisões eleitorais.
Tal cenário leva à reflexão sobre como as regras eleitorais devem ser formuladas
para evitar que artifícios tecnológicos fomentem a propagação de notícias falsas sem
ferir a liberdade, no tênue equilíbrio entre igualdade, eficiência e controle, a fim de
assegurar ainda a livre escolha do cidadão em uma disputa saudável.
Desenvolve-se o presente trabalho com o objeto de refletir sobre essas questões
relacionadas à mentira nas eleições, sobretudo considerando o espaço digital de que
dispõem os candidatos e demais cidadãos para a campanha eleitoral, e as limitações
da legislação para disciplinar o assunto.
Os argumentos aqui apresentados serão divididos em cinco itens. Primeiramente,
será feita breve análise histórica das alterações legislativas sobre internet até o momento
atual, a fim de compreender a adequação ou não do percurso da legislação eleitoral. Em
seguida, será tratada a propagação de informações na internet, considerando aspectos
técnicos de informática, como premissa fática para compreender as limitações jurídicas
na regulamentação da matéria. Após, será enfrentada a questão relacionada à diferença
entre fake news e mentira, analisando a gradação da mentira, para se compreender até

3
Bots são, fundamentalmente, aplicativos que realizam atividades de modo automatizado. “Specifically, a bot is
an application that performs an automated task, such as setting an alarm, telling you the weather or searching
online. (...) Bots are everywhere in technology, ranging from malicious bots that come with a virus to search
engine spiders that crawl the Internet looking for new Web pages to add. In this context, we’re talking about
chatbots, which can hold a conversation with you to accomplish a task”. CNET. What is a bot? Here’s everything
you need to know. Disponível em: <https://www.cnet.com/how-to/what-is-a-bot/>. Acesso em: 30 jan. 2018.
4
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das letras, 2016. p.
370.

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FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
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que ponto é possível admiti-la ou não. Seguir-se-á, então, com o exame de boas práticas
para o uso da internet, a fim de refletir sobre parâmetros de comportamentos possíveis
e desejáveis, e eventual necessidade de reforma da legislação, considerando abusos. Por
fim, será analisada a necessidade de legislação específica para disciplinar o assunto e
quais os efeitos jurídicos que se podem atribuir à mentira.
O assunto é desafiador pela fluidez e intangibilidade da realidade cibernética,
mas a democracia é lapidada em suas adversidades, a cada novo momento histórico.

3.2 Histórico da legislação


A internet é uma tecnologia disruptiva; o espaço fluído e sem barreiras acarreta
um redimensionamento de questões sociais, políticas e econômicas, permite o desenvol-
vimento de novas práticas produtivas – de regra, mais colaborativas que no ambiente
off-line – e coloca novas questões a serem abordadas no debate sobre a regulamentação.5
O Direito vem procurando acompanhar essa alteração paulatina e irreversível
das relações humanas, na tentativa de direcionar as condutas praticadas no ambiente
digital à lógica geral do ordenamento jurídico. A ideia de regulamentação do ambiente
virtual encontra uma série de opositores, especialmente porque há grande pressão
do mercado e de governos com relação ao controle que se pode ter dos usuários e as
possibilidades de afetação da liberdade de expressão.
Alexander Galloway, no entanto, destaca que a internet já é, por definição, um
ambiente controlado, colocando-se contra a, ainda comum, ideia de que a internet elimina
regulação, hierarquia, organização e controle. Redes distribuídas nunca estão fora de
controle. O autor aponta que a preocupação central, portanto, deve ser a qualidade do
controle, sua origem e forma, bem como a especificidade da organização informacional.6
Entende-se, assim, que a busca pela democratização das redes depende mais de
uma regulamentação que envolva a sociedade civil, garantindo uma arquitetura de rede
baseada na liberdade, comunicação e conexão, e não controlada pela lógica de mercado.
Isso implicaria um debate sobre regulamentação mais focado na formação de redes de
ideias, construção de inteligência coletiva e diversificação do discurso, do que em eventuais
excessos de vigilância e combate aos delitos virtuais.7
O Brasil foi pioneiro na construção de um debate público voltado para a construção
colaborativa de um Marco Civil da Internet. O debate iniciado em 2009, envolvendo
diversos setores da sociedade (acadêmicos, parlamentares, instituições públicas, empresas,
usuários), resultou na Lei nº 12.965, aprovada em 2014, com as finalidades de garantir
a neutralidade da rede, promover a cidadania e proteger o interesse dos usuários.
Apesar de voltado aos direitos e deveres dos usuários da internet nas diversas
relações que podem ser travadas no ambiente virtual, o Marco Civil possui direta
relação com o exercício dos direitos políticos, quando logo em seu art. 2º, II declara que
a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade

5
SEGURADO, Rosemary; LIMA, Carolina Silva Mandú de; AMENI, Cauês. Regulamentação da Internet: perspectiva
comparada entre Brasil, Chile, Espanha, EUA e França. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro.
Disponível em: <htttp://www.scielo.br/hcsm>. Acesso em: 30 jan. 2018.
6
GALLOWAY, Alexander. Protocol: How Control Exists After Decentralization. London: The MIT Press. 2004.
7
SEGURADO, Rosemary; LIMA, Carolina Silva Mandú de; AMENI, Cauês. Op. Cit.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
54 PROPAGANDA ELEITORAL

de expressão, bem como os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e


o exercício da cidadania em meios digitais, assim como a pluralidade e a diversidade.8
Da mesma forma, relaciona-se ainda com o Direito Eleitoral ao apontar como
princípios da rede, a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação
de pensamento, além da responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades,
e a preservação da natureza participativa da rede. Aponta ainda, como objetivo do uso
da internet, o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural
e na condução dos assuntos públicos.
No entanto, apesar de sistematicamente o Marco Civil ser apontado com a lei
inaugural e norteadora das relações na internet no Brasil – ainda que, como instrumento
normativo de seu porte tenha sido efetivamente o primeiro –, a legislação eleitoral já
vinha sofrendo alterações, com a inclusão de normas específicas sobre condutas no
cenário virtual, mais especificamente sobre propaganda eleitoral.
As alterações na Lei Eleitoral desde o advento da internet demonstram uma
linha legislativa mais preocupada em punir condutas individuais entendidas como
irregularidades do que em criar um ambiente virtual mais democrático para todos os
usuários.
A Lei nº 12.034/2009, por exemplo, acresceu à Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições)
os artigos 57-A a 57-I sobre a propaganda eleitoral na internet. Entre as condutas então
normatizadas, proibiu-se a veiculação de propaganda em página de pessoa jurídica e
vedou-se qualquer propaganda paga na internet.
Em 2013, a Lei das Eleições foi novamente alterada, desta vez pela Lei nº
12.891/2013, disciplinando a possibilidade de retirada de publicação com agressões
ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais, por solicitação
do ofendido. Criou-se também o tipo penal referente à conduta de contratar direta
ou indiretamente grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens
ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato,
partido ou coligação.
Pode-se perceber na legislação eleitoral, desde o primeiro tratamento sobre a
internet, dois pontos que interessam para a análise que aqui se propõe: i) a preocupação
com a mentira, ainda que de forma germinal e indireta, relacionada à imagem e à
honra do candidato e do partidos, combinada com a tentativa de combater a conduta
praticada por grupos voltados especificamente à disseminação de notícias negativas;
e ii) uma incapacidade legislativa de acompanhar o ritmo das inovações tecnológicas
que surgem com a internet.
Em 2017, a Lei nº 13.488 alterou novamente a Lei das Eleições, modificando a
sanção aplicável no caso de suspensão do acesso ao conteúdo veiculado em desrespeito
à lei, que passou a ser aplicável em observância à proporcionalidade, pelo prazo
máximo de 24 horas. Além disso, a mesma lei trouxe relevante modificação ao permitir
o impulsionamento pago da propaganda eleitoral, exclusivamente para partidos e
candidatos que o contratem diretamente da plataforma que utilizam. Atribuiu, ainda,
competência ao Tribunal Superior Eleitoral para regulamentar a propaganda na internet

8
Art. 2º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem
como: (...) II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios
digitais;

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FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
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de acordo com o cenário e as ferramentas tecnológicas existentes em cada momento


eleitoral, e de promover, para os veículos, partidos e demais entidades interessadas,
a formulação e a ampla divulgação de regras de boas práticas relativas a campanhas
eleitorais na internet.
Junto com essa nova regulamentação veio a promessa da edição de um manual de
boas condutas na internet e também uma série de incertezas. Não há ainda uma regra
expressa sobre limites de gastos com impulsionamento, muito menos sobre a forma de
direcionamento da comunicação impulsionada e os bancos de dados utilizados para
este fim. Não há sinais de movimentação legislativa para tratar de questões importantes
que envolvem a infraestrutura da rede, cujos aspectos definem seu funcionamento e,
por consequência, o tipo de controle que pode ser exercido sobre os usuários.
Com relação à propagação da informação, como dito, pouco se fala sobre os limites
do uso de big data, as formas desejáveis de enriquecimento de base de dados, o limite do
direcionamento por microtargeting,9 o uso ético de dados sensíveis e as possibilidades de
uso de bots. A ideia de que a ausência de regulação impediria o uso desses mecanismos
nas estratégias eleitorais é irreal, inocente e perigosa.

3.3 A propagação de informação no ambiente digital


Um dos indícios de que a internet se trata de uma tecnologia que inaugurou uma
nova forma de organização social é que ela é o marco de um novo modelo econômico,
chamado de “economia de atenção”. Se na era da industrialização o tempo era a chave
produtiva, na era da informação, devido ao grande volume de fontes e de conteúdo
disponíveis, esse elemento essencial é a atenção. Os dados produzidos no ambiente
virtual só têm razão de ser se e quando recebem atenção dos usuários.
Isso faz com que as plataformas virtuais busquem cada vez mais mecanismos para
reter essa atenção. O foco da entrega de conteúdo é o que mantém o usuário conectado
e não a qualidade ou pluralidade daquilo que é entregue. Isso implica a programação
de ambientes que levam o usuário a uma experiência virtual baseada em bolhas de
concordância. As chamadas “bolhas digitais” são formadas por filtros invisíveis que
classificam os usuários com base em suas preferências e induzem o sujeito a se relacionar
com pessoas da mesma ideologia.10 Estudos demonstram que esse cenário tende a criar

9
Microtargeting ou microssegmentação é uma estratégia de publicidade pela qual, dispondo de grandes quantidades
de dados, divide-se os destinatários da comunicação em tantos grupos quanto possível, cada qual com características
bastante homogêneas, construindo mensagens específicas que dialogam com os vieses de cada grupo. Nas palavras
de Oana Barbu, “a way to successfully create personalized messages or offers, correctly estimate of their impact
(in regards to sub-grouping) and delivery directly to individuals”. BARBU, Oana. Advertising, Microtargeting
and Social Media. Procedia: Social & Behavioral Sciences, v. 163, 2014. p. 44 (p. 44-49). Para Tom Agan, “Another way
to think about micro-targeting is as an advanced, precise psychographic segmentation that uses a proprietary
algorithm to determine a combination of demographic and attitudinal traits to assign individuals to each specific
segment. It is beyond traditional zip code, neighborhood, and strictly demographic targeting. It is a new level
that combines attitudes, available consumer data and demographics to find like-minded people (often very
different demographically) who are motivated by similar things and predict what they will do”. AGAN, Tom.
Silent Marketing: Micro-targeting, Penn, Schoen & Berland White Paper. Disponível em: <http://www.wpp.com/~/
media/sharedwpp/marketing%20insights/reports%20and%20studies/psb_silent%20marketing_mar07.pdf>. Acesso
em: 30 jan. 2018.
10
Cass Sunstein descreve já em 2007o que parecia um futuro distópico, ainda que próximo, quando diz “It is some
time in the future. Technology has greatly increased people´s ability to ‘filter’ what they want to read, see, and
hear. (...) If you are interested in politics, you may want to restrict yourself to certain points of view by hearing

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56 PROPAGANDA ELEITORAL

cidadão mais intolerantes, radicais em suas posições e agressivos em suas reações.


Eli Pariser resume o problema afirmando que “a democracia exige que os cidadãos
enxerguem as coisas pelo ponto de vista dos outros; em vez disso, estamos cada vez
mais fechados em nossas próprias bolhas”.11 Diante deste cenário, cunhou-se a expressão
“ciberbalcanização”, apontando para um cenário de segregação dos usuários das redes
sociais em grupos cada vez mais isolados e radicais.12
Essa dinâmica de busca pela atenção já era observada desde o início da era da
informação, quando os conteúdos eram divulgados em plataformas não interativas, em
que a experiência do usuário era de mero consumo do conteúdo. O fenômeno ganhou
força com a chegada dos anos 2000 e a explosão das plataformas sociais, nas quais a
experiência do usuário deixa de ser a de mero consumidor e passa a ser, para os mais
otimistas, de produtor de conteúdo, e segundo os mais alarmistas, de produto.
Isso porque todo o conteúdo que é produzido, ainda que involuntariamente, gera
uma quantidade significativa de informações que alimentam bancos de mega dados
(big data),13 que dão base para os algoritmos de distribuição de conteúdo nas redes. E há
uma discussão relevante sobre a incapacidade que hoje temos de consentir com a coleta
e destino desses dados, bem como sobre a impossibilidade de auditoria dos algoritmos
das principais redes de distribuição de informação. Cathy O’Neil alerta para o fato de
que a interpretação dessas informações pode se dar de forma mais subjetiva e muito
menos democrática do que o imaginado, alertando que a fé cega em algoritmos é um
grande risco para qualquer sistema democrático. A autora afirma, ainda, que é possível,
e bastante provável, que estejamos codificando o racismo, o machismo e outras políticas
segregadoras sob um manto de neutralidade que inexiste na ciência.14
Como exemplo desse cenário, basta observar que as principais redes sociais
(Facebook, Google, Twitter e Instagram) têm algoritmos não auditáveis, seus códigos são
fechados.15 Embora a legislação eleitoral hoje permita ao usuário influenciar minimamente

only from people with whom you agree”. SUNSTEIN, Cass. Republic.com 2.0. Princeton: Princeton University
Press, 2007. p. 1-2.
11
PARISER, Eli. O filtro invisível: O que a internet está escondendo de você. Zahar, 2012. p. 10.
12
“Cyberbalkanization refers to the idea of segregation of the Internet into small political groups with similar
perspectives to a degree that they show a narrow-minded approach to those with contradictory views”. BOZDAG,
Engin; VAN DEN HOVEN, Jeroen. Breaking the Filter Bubble: democracy and design. Ethics and Information
Technology, v. 17, n. 4, 2015. p. 249 (p. 249-265).
13
Comumente define-se big data como um conjunto de dados grande demais para ser capturado, armazenado,
gerenciado e analisado pelas ferramentas e protocolos tradicionais. Adicionalmente, costuma-se afirmar que o
conceito de big data é definido pelos “5 Vs”: volume, variedade, velocidade, valor e veracidade. EMANI, Cheikh
Kacfah; CULLOT, Nadine; NICOLLE, Christophe. Understandable Big Data: A survey. Computer Science Review,
v. 17, 2015. p. 71-72 (p. 70-81). Romany Mansour aponta, ainda, que recentemente o termo big data passou a ser
vinculado mais intimamente às redes sociais: “Although the term Big Data is often used to refer to large datasets
generated by science and engineering or business analytics efforts, increasingly it is used to refer to social networking
websites and the enormous quantities of personal information, posts, and networking activities contained therein.
The quantity and sensitive nature of this information constitutes both a fascinating means of inferring sociological
parameters and a grave risk for security of privacy”. MANSOUR, Romany F. Understanding how big data leads
to social networking vulnerability. Computers in Human Behavior, v. 57, 2016. p. 348 (p. 348-351).
14
O’NEIL, Cathy. Weapons of Math Destruction: how Big Data increases inequality and threatens democracy. New
York: Crown Publishers, 2016.
15
“Because of the lack of transparency and the underlying complexity of algorithm, the relationship between data
and algorithm are not only opaque but also guarded with great secrecy. Even within the government who seek
for openness and transparency, the subject of contention matters to national security. This is illustrated by the
encryption battle between Apple and FBI (...) Despite a court order, Apple stands by its decision of not weakening
its encryption technology, which can compromise its own system security and make it vulnerable to hackers.

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FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
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a entrega de seu conteúdo, pagando por um impulsionamento, é impossível saber quais


são os parâmetros considerados para a distribuição orgânica de conteúdos nas redes.
Aliando-se este cenário a um nível de desenvolvimento da inteligência artificial que
tira do controle humano uma série de decisões éticas sobre a propagação da informação,
cria-se um ambiente consideravelmente arriscado, vez que atende a interesses que não
são facilmente identificáveis. A forma de entrega desses conteúdos é altamente capaz
de influenciar diretamente no comportamento daqueles que os recebem. Se na era dos
pequenos dados a grande preocupação era a proteção da privacidade do cidadão, com
o big data e a análise algorítmica do perfil de usuários o desafio será garantir o livre
arbítrio e as escolhas morais.16
Zeynep Tufekci, tratando das implicações sociais das novas tecnologias no contexto
das responsabilidades políticas e sociais, aponta no mesmo sentido. Um exemplo do
poder de influência na vontade dos usuários está numa plataforma bastante simples
adotada pelo Facebook nas eleições estadunidenses em 2016. Foi criado um mecanismo
em que cada usuário da rede social poderia informar aos seus contatos que já havia
votado naquela eleição com apenas um movimento. A rede informava ainda quais
amigos seus já haviam votado, numa forma de estímulo a este dever cívico. Estima-se,
no entanto, que este simples mecanismo levou cerca de 300 mil eleitores a mais para
as urnas naquele ano.17 Ainda que inicialmente um mecanismo de estímulo ao voto
pareça algo positivo, o perigo reside na impossibilidade de controle de quais usuários
receberão esse estímulo e a possibilidade de que a ferramenta seja direcionada para
algumas bolhas e outras não, sem transparência na forma como é feito esse controle.
Com relação à veiculação de mentiras nas redes sociais a preocupação maior segue
na mesma linha, pontuando-se a dificuldade em saber quem inicia a propagação da
informação e um completo desconhecimento de quais são os segmentos para os quais
aquela informação se destina, bem como nossa limitação para mensurar a influência
que essas notícias podem exercer no eleitorado.
A microssegmentação para disseminação de conteúdos direcionados é utilizada
ainda de forma combinada com outras ferramentas para potencialização não apenas
do alcance, mas também da capacidade de impacto do conteúdo.
Um dos mecanismos mais simples é a utilização de perfis falsos em redes sociais.
Perfis administrados por outras pessoas (que geralmente administram um grande grupo
de identidades falsas nessas plataformas), que tem como objetivo simular comportamentos
de pessoas reais, agindo nas redes de acordo com os interesses daqueles que administram
os perfis ou de quem os contrata.

The dilemma, which has galvanized sympathy from the likes of eBay, Google and Amazon has highlighted the
tensions between the Government and the private sector. In this instance, the enforcement of strong encryption
by Apple, in an effort to protect perceived user privacy, has delayed the progress of a criminal investigation.
While the debates surrounding the controversy of whether Apple should or should not grant FBI access to the
private data continue, a fundamental question of what and how data should be governed remains, and requires
timely and scholarly enquiry”. JANSSEN, Marijn; KUK, George. The challenges and limits of big data algorithms
in technocratic governance. Government Information Quarterly, v. 33, n. 3, 2016. p. 374 (p. 371-377).
16
CUKIER, Kenneth; MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Big Data: A Revolution That Will Transform How We Live,
Work, and Think. Boston: Mariner Books, 2014.
17
Tufekci menciona ainda que as eleições de 2016 nos Estados Unidos foram definidas por cerca de 100 mil votos.
TUFEKCI, Zeynep. We are building a distopia just to make people click on ads. Disponível em:<www.ted.com/talks/
zeynep_tufekci_we_re_building_a_dystopia_just_to_make_people_click_on_ads>. Acesso em: 30 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
58 PROPAGANDA ELEITORAL

Outra ferramenta com funcionamento parecido são os chamados fake bots, que
são também perfis de usuários falsos, mas administrados por robôs (bots) programados
para reagir ao conteúdo da rede social como se humanos fossem. Esses robôs são
capazes de colher dados, interpretá-los e gerar script para atuar de forma idêntica ao
comportamento de um cidadão comum utilizando o perfil.18
Independente da forma como são administrados (por administradores físicos ou
robôs), esses perfis falsos têm a capacidade de ingressar em bolhas de microssegmentação
específicas e lançar conteúdos que, por interação orgânica (dos usuários reais da rede) ou
falseada (com interação com outros perfis falsos) adquirem relevância naquele ambiente,
ao fazer um determinado assunto ser repetido por uma quantidade grande de usuários
em curto espaço de tempo. Essa construção de relevância de conteúdos de forma artificial
é muitas vezes utilizada como estratégia para rompimento da opinião pública e para
a criação de falsos consensos, o que não apenas tem influência no comportamento do
usuário da plataforma que tem contato com esses cenários falsamente consensuais,
mas também, muitas vezes, pauta matérias na imprensa tradicional pelo falseamento
da relevância dos assuntos.
Estes mecanismos foram bastante comentados após as últimas eleições presiden-
ciais nos Estados Unidos, vez que a campanha do presidente eleito, Donald Trump,
fez uso massivo de mecanismos de marketing digital e geração de conteúdo.19 No
cenário brasileiro, um estudo realizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas
da Fundação Getúlio Vargas demonstrou que a maior parte dos debates políticos que
ocorreram em redes sociais como o Twitter foram movidos por perfis automatizados.20
Um dos pontos principais com relação a estes mecanismos de criação e pulverização
de conteúdo é a falta de transparência quanto à identidade de seus financiadores e
desenvolvedores. Não há mecanismo acessível para descobrir o responsável pela criação
dos códigos de bots utilizados para estes fins, nem mesmo uma forma de identificar o
autor dos códigos, mecanismos fáceis de localização dos administradores reais de perfis
falsos e, ainda, formas possíveis de rastrear a contratação desses serviços.

18
As duas modalidades de fraudes aqui mencionadas – perfis falsos administrados por pessoas reais e grupos de
bots atuando de forma automatizada – são regularmente utilizadas para fins comerciais, as chamadas like farms.
O intuito é obter “curtidas” para a página que as contrata, aumentando sua exposição e o retorno financeiro da
atividade. O tema é exposto por Muhammad Ikram et al., quando sugerem que: “At the same time, as the number
of likes on a Facebook page is considered a measure of its popularity, an ecosystem of so-called ‘like farms’ has
emerged that offers paid services to artificially inflate the number of likes on Facebook pages. These farms rely on
fake and compromised accounts as well as incentivized collusion networks where users are paid for actions from
their account. Popular media reports have speculated that Facebook ad campaigns may also garner significant
amounts of fake likes, due to farm accounts’ attempt to diversify liking activities and avoid Facebook’s fraud
detection algorithms. With the price charged by like farms varying, for 1000 likes, from $14.99–$70 for worldwide
users to $59.95–$190 for USA users, it is not far-fetched to assume that selling likes may yield significant profits
for fraudsters”. IKRAM, Muhammad et al. Measuring, Characterizing, and Detecting Facebook Like Farms. Cornell
University Library. Disponível em: <https://arxiv.org/abs/1707.00190>. Acesso em: 30 jan. 2018.
19
Sobre o tema ver: HELBING, Dirk et al. Will Democracy Survive Big Data and Artificial Intelligence? Disponível em:
<https://www.scientificamerican.com/article/will-democracy-survive-big-data-and-artificial-intelligence/>. Acesso
em: 30 jan. 2018. ALVES, Paulo. Big Data: O Segredo por trás da eleição de Trump. Disponível em:<https://www.
showmetech.com.br/big-data-trump/>. Acesso em: 30 jan. 2018. MOTA, Camilla Vera. Robôs e Big Data: as armas
do marketing político para as eleições de 2018. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41328015>.
Acesso em: 30 jan. 2018.
20
RUEDIGER, Marco Aurélio (Coord.). Robôs, redes sociais e política no Brasil: estudo sobre interferências ilegítimas
no debate público na web, riscos à democracia e processo eleitoral de 2018. Rio de Janeiro: FGV, DAPP, 2017.
Disponível em: <http://dapp.fgv.br/wp-content/uploads/2017/08/Robos-redes-sociais-politica-fgv-dapp.pdf>.
Acesso em: 30 jan. 2018.

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FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
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Considerando ainda que a legislação eleitoral brasileira prevê um rol bastante


limitado de agentes que podem participar do debate público com o objetivo de interferir
na opinião do eleitor e, especialmente, como financiadores, a dificuldade de rastrear
e identificar os responsáveis pelos custos e formação dos conteúdos disseminados em
redes sociais aparece como um desafio a ser enfrentado.

3.4 Mentira na política e fake news


Como afirmado no início deste artigo, é comum, no cenário político, o uso da
mentira. Objeto de reflexões filosóficas há milênios, mentir faz parte do cotidiano desde
sempre, nas inúmeras relações humanas. No âmbito político a mentira tem acompanhado
o homem desde seus primórdios, tendo se tornado famosa a exortação de Quintus
Tullius Cicero a seu irmão mais conhecido, instigando-o a mentir aos eleitores para a
obtenção do cargo de pretor.21
Em diálogo clássico registrado por Xenofonte, entre Sócrates e Eutidemo,
discute-se sobre a suposta injustiça absoluta do uso da mentira. Diante da manifestação
categórica de Eutidemo, de que a mentira seria sempre injusta, Sócrates, utilizando-se
da maiêutica, pondera:

– Pois bem – prosseguiu Sócrates –, se, vendo suas tropas desanimadas, anuncia-lhe
falsamente um general que lhes chegam auxílios e dessa forma consegue devolver-lhes a
coragem, de que lado colocaremos essa mentira?
Ao que Eutidemo reconhece:
– Do lado da justiça, acredito.22

Hannah Arendt, discorrendo sobre os Documentos do Pentágono e a tomada de


decisões americanas quanto à questão do Vietnã, reconhece que “a veracidade nunca
esteve entre as virtudes políticas, e mentiras sempre foram encaradas como justificáveis
nesse assunto”.23
Analisando para a realidade judicial brasileira, a jurisprudência do Tribunal
Superior julga inclusive lícita a qualificação como mentira de determinada promessa de

21
Diversas são as passagens da carta que demonstram o cru pragmatismo que já à época caracterizava as disputas
eleitorais: “(...) now, my brother, you have many qualities, but those you lack you must acquire and it must
appear as if you were born with them. (…) You desperately need to learn the art of flattery – a disgraceful thing
in normal life but essential when you are running for office (...) for a candidate must be a chameleon, adapting to
each person he meets, changing his expression and speech as necessary” (p. 62-63). “Remember Cotta, the master
of campaigning, who said that he would promise everything to anyone, unless some clear obligation prevented
him, but only lived up to those promises that benefited him (…) after all, if a politician made only promises he
could keep, he wouldn´t have many friends” (p. 70-71). “Finally, as regards the Roman masses, be sure to put on
a good show. Dignified, yes, but full of the color and spectacle that appeals so much to crowds. It also wouldn´t
hurt to remind them of what scoundrels your opponents are and to smear these men at every opportunity with
the crimes, sexual scandals, and corruption they have brought on themselves” (p. 78-79). “You don´t have to
actually bring your opponents to trial on corruption charges, just let them know you are willing to do so. Fear
Works even better than actual litigation” (p. 83). Cícero foi eleito na ocasião, tendo recebido posteriormente,
pelo seu sucesso no cargo, o título de Pater Patriae. CICERO, Quintus Tullius. How to win an election. Tradução
de Philip Freeman. Princeton: Princeton University Press, 2012.
22
XENOFONTE. “Ditos e feitos memoráveis de Sócrates”. In: Sócrates – Coleção Os Pensadores. Tradução de Enrico
Corvisieri e Mirtes Coscodai. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 230.
23
ARENDT, Hannah. “A mentira na política” em Crises da República. tradução José Volkmann. 3 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2017. p. 15

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60 PROPAGANDA ELEITORAL

campanha efetuada pelo candidato adversário, ao fundamento de não se consideram


injuriosos, quando lançados em campanha eleitoral, termos que normalmente traduzem
ofensa.24 Apesar de nessas hipóteses não se examinar a validade do ato de mentir em
campanha, o TSE assenta que a adjetivação de um discurso como mentiroso faz parte
do cenário político, e assim o é porque a mentira não é inadmitida moralmente, como
em outros discursos.
Interessante caso envolvendo o emprego da mentira em debate público foi
enfrentado pelos tribunais americanos.25 Xavier Alvarez, membro eleito de um conselho
distrital da Califórnia, afirmou publicamente que era reservista da marinha americana,
tendo estado em combate inúmeras vezes e recebido uma medalha de honra do Congresso
por seus feitos. O FBI obteve gravações das reuniões e, tendo sido apurado que Alvarez
sequer fora alistado à marinha norte-americana, foi processado por violar o Stolen
Valor Act, lei que considera crime mentir sobre o recebimento de medalhas militares. A
defesa de Alvarez alegou a inconstitucionalidade da norma em questão, por violação
à Primeira Emenda constitucional.
Na primeira instância, Alvarez foi condenado à prisão e ao pagamento de
multa. Recorreu, então, à Corte de Apelação do 9º Circuito, novamente invocando a
Primeira Emenda. Esta Corte inverteu seu julgamento e, por dois votos a um, declarou a
inconstitucionalidade do Stolen Valor Act. Julgando questão semelhante, com fundamento
na mesma norma, porém, a Corte de Apelação do 10º Circuito considerou a norma
constitucional.
A constitucionalidade do ato normativo foi levada à Suprema Corte estadunidense,
que rejeitou o argumento de que a Primeira Emenda não protege o falso discurso. Em
outros termos, a liberdade de expressão convive com o falso discurso. Os fundamentos da
decisão são relevantes, até para se refletir sobre os casos em que mentir seria inadmitido.
Os debates dos juízes da Suprema Corte centraram-se na proporcionalidade e
relevância do bem jurídico protegido e os riscos de uma norma que impede o emprego
da mentira. Consideraram a constitucionalidade de inúmeras normas que exigem o
emprego da verdade e da boa-fé, reconhecendo a importância de fazer declarações
verídicas ao governo (como devem as testemunhas e os que apresentam documentos
declaratórios), assim como a necessidade de combater a fraude e o ataque à honra. Mas
ponderaram, por outro lado, sobre os riscos de uma norma que genericamente impede
o emprego da mentira, uma vez que na política o risco de norma deste teor viabilizar
uma censura seletiva é alto.
Especificamente em relação ao Stolen Valor Act, Justice Kennedy ponderou que a
sujeição ao ridículo público, assim como a criação de um banco de dados dos honrados
com a medalha já seriam suficientes, por meio menos gravoso e mais eficazes, de alcançar
o fim da norma. Em conclusão, entenderam, por maioria, que normas que combatem a
mentira requerem prova específica de dano e a indicação de um grupo identificável de
vítimas. Importa observar que se tratava de uma norma de natureza penal e que a mentira
foi praticada por um indivíduo, num debate público, com a intenção de se promover.

24
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Representação nº 488, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros.
Publicado em Sessão em 30.09.2002.
25
UNITED STATES COURTS. Disponível em: <http://www.uscourts.gov/educational-resources/educational-activities/
facts-and-case-summary-us-v-alvarez>. Acesso em: 30 jan. 2018.

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FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
61

O reconhecimento de desproporção da norma não significa, porém, que a mentira


não possa ser combatida por outras formas, em outros contextos. Importa ainda destacar
da decisão a ponderação feita pelo Justice Kennedy de que a criação de um banco
administrativo de dados quanto aos cidadãos que receberam honras militares seria
um caminho mais confiável de se propagar a verdade, do que simplesmente elaborar
norma impedindo o uso da mentira.
O falseamento de fatos com o intuito propagandístico é contemporâneo à própria
noção de propaganda e ao surgimento de cada um de seus mais tradicionais meios
de difusão.26 Sem dificuldade se pode trazer para o âmbito da propaganda eleitoral a
frase de Karl Von Clausewtiz, quando afirma que “(...) uma grade parte da informação
obtida na guerra é contraditória, uma parte maior ainda é falsa, e de longe a maior
parte é duvidosa”.27
A própria noção de mentira e verdade é de difícil precisão. Mesmo que se adote a
noção de verdade como correspondência, a certeza de se havê-la atingido ou a segurança
quanto à veracidade de uma crença ou afirmação é construção resultante do debate,
sob a luz de opiniões, muitas vezes dissonantes.
A nocividade da mentira e sua consequente rejeição pelo ordenamento jurídico
requerem um exame da proporção, da intenção e da estruturação com que é empregada.
Considerando sua intenção, há quem a classifique em mentira altruísta, mentira egoísta,
mentira estratégica,28 podendo-se ainda acrescentar, o que aqui se propõe, a mentira
destrutiva.
A mentira altruísta é anunciada para o bem de alguém, com intenção de proteger
da dor da verdade. A mentira egoísta almeja a proteção de interesses pessoais ou de
amigos. A mentira estratégica tem por fim uma ação que beneficia a sociedade ou país,
concretizando a prática vulgarmente atribuída a Maquiavel, de que os fins justificam
os meios, assemelhando-se à ideia de razão de Estado.
Já a mentira destrutiva equivaleria ao ataque voltado a um adversário ou a
uma promoção pessoal exagerada, fundado em uma situação que se sabe inverídica
e arquitetado com organização, como uma mentira egoísta de grandes proporções.
O conceito, aqui, aproxima-se da ideia de fake news, com exceção do intuito de ganho
financeiro, fundamental na acepção original do termo.
Conforme apurado por Craig Silverman, do site de notícias BuzzFeed, ainda
em 2016, grande parte dos sites que veiculavam notícias falsas com referências às
eleições norte-americanas daquele ano estavam sediados na pequena cidade de Veles,
na Macedônia. Investigações conduzidas à época apontaram que o intuito principal
das matérias era a obtenção de recursos financeiros com a publicidade que o Facebook
atrelava às postagens tantas vezes compartilhadas.29

26
O assunto foi tratado com maior profundidade por um dos autores deste artigo em: NEISSER, Fernando Gaspar.
Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade e utilidade da criminalização da mentira na
política. 2014. 276 f. Dissertação (Mestrado em Direito Penal) – Universidade de São Paulo, São Paulo. 2014.
27
BROWN, A. Bodyguard of lies. Nova Iorque: Harper and Row, 1975. p. 462.
28
MEARSHEIMER, John J. Por que os líderes mentem: toda a verdade sobre as mentiras na política internacional. Rio
de Janeiro: Zahar, 2012. p. 24 e 29.
29
“Misinformation, spin, lies and deceit have of course been around forever. But what Silverman and others
uncovered was a unique marriage between social media algorithms, advertising systems, people prepared to
make stuff up to earn some easy cash and an election that gripped a nation and much of the world”. WENDLING,

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
62 PROPAGANDA ELEITORAL

Análise empreendida pelo mesmo jornalista demonstrou que, nos meses mais
críticos daquela campanha, as vinte matérias falsas que geraram maior engajamento
(compartilhamentos, reações e comentários no Facebook) superaram as vinte matérias
mais repercutidas dos principais veículos de mídia tradicionais, como New York Times,
Washington Post, Huffington Post e NBC News.30
Como se pode perceber pelo exemplo norte-americano, essencial para que os
fatos falsos disseminados angariem credibilidade e, por isso, viralizem, é a aparência
de veracidade da informação. Geralmente, tal aparência é obtida atrelando-se a notícia
falsa a um meio mídia, real ou fictício. Uma informação anônima tem pouca chance
de convencer o incauto, enquanto aquela que vem embalada no nome de um jornal ou
site, mesmo que desconhecido, parece receber por contaminação a credibilidade que
a imprensa detém.
Os elementos que caracterizam esta denominada mentira destrutiva, objeto de
maior preocupação, são, cumulativamente: i) o intuito de prejudicar o adversário ou
beneficiar seu responsável, ii) a consciência de que os fatos expostos não correspondem
à realidade; iii) a expressiva propagação, em geral pelas redes sociais ou por outros
mecanismos como os aplicativos de mensagens eletrônicas e iv) o invólucro que a
embala, geralmente fazendo-se passar por matéria jornalística.
Nesta linha de raciocínio e tendo esta espécie de mentira em vista, não se pode
admitir que em um debate as escolhas feitas pelos indivíduos sejam alicerçados em uma
ilusão, uma farsa. Do contrário, haveria apenas sujeição e não decisão. O reconhecimento
da possibilidade do uso da mentira, assim, não pode levar à aceitação de seu emprego
em todas as modalidades expostas, especialmente na última, a destrutiva. Se, como
lembra Hannah Arendt a mentira é comum na política, por outro lado:

O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras


não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para
velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não usados para violar e destruir,
mas para criar relações e novas realidades.31

Ademais, se a democracia demanda tolerância com os discursos diversos, inclusive


com aqueles que parecem representar a propagação de uma mentira, a disseminação
da mentira destrutiva deve ser combatida. Mais do que meras mentiras, como já visto,
as fake news equivalem a atos e gestos fundados na mentira, com organização sistêmica

Mike. The (almost) complete history of ‘fake news’. BBC Trending, 22.01.2018. Disponível em: <http://www.bbc.com/
news/blogs-trending-42724320>. Acesso em: 30 jan. 2018.
30
“In the final three months of the US presidential campaign, the top-performing fake election news stories on
Facebook generated more engagement than the top stories from major news outlets such as the New York Times,
Washington Post, Huffington Post, NBC News, and others, a BuzzFeed News analysis has found. During these
critical months of the campaign, 20 top-performing false election stories from hoax sites and hyperpartisan
blogs generated 8,711,000 shares, reactions, and comments on Facebook. Within the same time period, the 20
best-performing election stories from 19 major news websites generated a total of 7,367,000 shares, reactions,
and comments on Facebook”. SILVERMAN, Craig. This Analysis Shows How Viral Fake Election News Stories
Outperformed Real News On Facebook. BuzzFeed News, 16.11.2016. Disponível em: <https://www.buzzfeed.
com/craigsilverman/viral-fake-election-news-outperformed-real-news-on-facebook?utm_term=.kh3VvZBBV0#.
wrLELjaaEl>. Acesso em: 30 jan. 2018.
31
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2008.

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FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
63

em sua propagação, com o propósito inclusive de se tornar verdade social pela repetição
intensa.
A internet, além de viabilizar a criação das bolhas digitais antes referidas,
facilita a intensificação da mentira. Sua qualidade de pluralizar as fontes e viabilizar
a rápida propagação de notícias e opiniões, pode ser, ao mesmo tempo, seu defeito.
Como observa Richard Hasen, o fato de que cada um é, simultaneamente, destinatário
e fonte de informação leva ao declínio da hegemonia de fontes confiáveis. Além disso,
a polarização política, aumentada inclusive pelas bolhas, acentua a possibilidade de a
impressa se mostrar assumidamente tendenciosa, como é o caso, nos Estados Unidos de
veículos de comunicação como a FOX.32 Some-se a isso o fato de que as notícias falsas
podem ser impulsionadas por robôs, como já mencionado, sendo missão praticamente
impossível o combate a esse fluxo pela propagação de notícias contrárias. Em algumas
hipóteses, ou se impede a propagação da notícia falsa ou seus efeitos podem ser deletérios.
Não se pode perder de vista, contudo, que o controle excessivo do que se debate
nas redes sociais pode tolher a liberdade de expressão e, numa visão paternalista,
acanha um comportamento adulto e maduro dos cidadãos, que devem estar preparados
para todo tipo de discurso, filtrando-o pela inteligência e pelo debate, e não pelo mero
controle estatal e pela repressão.
Diante da falibilidade humana e da constatação histórica de que a crença quanto à
ocorrência de um fato tido por verdadeiro pode revelar-se logo após falsa, manifestações
variadas devem ser aceitas.33 Além disso, num ambiente democrático, que tem como
fundamento a igualdade e a pluralidade política, somente pontos de vista diversos
ajudam na busca pela verdade. Ou seja, questões relacionadas à epistemologia34 e à
democracia conclamam a aceitação de manifestações díspares, sem que uma ou outra
possa de antemão ser apontada como mentira.
A chave para compreender a razão pela qual se justifica um maior controle no que
toca à mentira destrutiva, em contraposição ao discurso geral de cidadãos e candidatos,
muitas vezes também permeados de inverdades, diz respeito à fonte de sua origem.
O argumento remonta a uma tradicional distinção entre propaganda negra, cinzenta e
branca, traçada por Alejandro Pizarroso Quintero. Enquanto na primeira modalidade a
fonte é propositalmente falseada e na última, conhecida, a segunda está em uma zona
de incerteza.35
Assim, a mentira praticada isoladamente por um candidato tem como provável
consequência a rejeição da opinião pública. O próprio sistema, com o ataque pontual de
outros candidatos, a atuação do Ministério Público e da Justiça Eleitoral, proporciona
um controle de certa forma eficaz. Se a mentira, porém, é dita por uma boca da qual

32
HASEN, Richard L. A Constitutional Right to Lie in Campaigns and Elections. Montana Law Review, v. 74, n. 1,
2013. p. 54 (p. 53-77).
33
MILL, Stuart. On Liberty. Ontário: Batoche Books Limited, 2001. p. 22.
34
POPPER, Karl. Conhecimento sem autoridade em Textos escolhidos. Organização David Miller. Rio de Janeiro:
Contraponto Ed. PUC. Rio, 2010. p. 52, e também BRONOWSKI, Jacob. Ciência e valores humanos. Tradução de
Alceu Letal. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. p. 68.
35
“Se puede hablar de distintos modos o forma de propaganda. Propaganda blanca sería aquella en la que la
fuente, o emisor, está correctamente identificada y el contenido de su mensaje tiende a ser preciso. Por el
contrario, llamamos propaganda negra a aquella en la que la fuente emisora está deliberadamente falsificada,
independientemente de la falsedad o verdad del mensaje. Algunos autores se refieren a una forma intermedia
que denominan propaganda gris ‘cuando la fuente puede o no ser correctamente identificada y la exactitud de
la información es incierta’”. PIZARROSO QUINTERO, Alejandro. Op. cit., p. 29.

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64 PROPAGANDA ELEITORAL

não se conhece o corpo, mesmo que haja o desmentido, o candidato a quem interessou
sua propagação não sofre efeitos negativos. É um jogo em que ele não pode perder e,
portanto, tem todo incentivo para seguir com as práticas ilegais. Assim, o combate à
mentira dita na propaganda eleitoral, atribuível a um candidato, deve ser diferente
daquele em relação ao que circula de forma profissional, sem fonte identificável ou,
ainda, com fonte mascarada.
Desse modo, a liberdade para a circulação de informações, mesmo que falsas,
somente tem sentido quando veiculadas pelos candidatos. Importa demais que se saiba
qual a fonte da informação e, mais relevante, que essa fonte seja uma campanha, um
candidato.
O eleitor, geralmente, aborda as informações trazidas por campanhas e candidatos
com um grau saudável de ceticismo, sabendo que nem tudo aquilo deve ser verdade.36
Essa realidade muda de roupagem quando as informações são trazidas por fontes opacas,
muitas se passando por órgãos de imprensa. O invólucro aumenta a credibilidade do
conteúdo, por um lado, e torna muito mais difícil que se tenha um efeito bumerangue.37
Reconhecendo-se a nocividade desta modalidade de mentira destrutiva, as fake
news, questão relevante relaciona-se a saber como é possível seu controle, se o Direito
e as instituições jurídicas e sociais têm fôlego e estrutura para realizá-lo e com que
intensidade pode fazê-lo, de modo a não mitigar de forma desproporcional a liberdade
de expressão, o fluxo de informações na internet ou mesmo para não atuar inutilmente.

3.5 Boas práticas para o uso da internet


A construção do ambiente virtual se dá, em grande parte, pela projeção de
estruturas que tentam convencer o usuário de alga; seja permanecer mais tempo
conectado, comprar determinado produto ou adotar um comportamento desejado.
Essa formação de uma arquitetura de persuasão já existia no ambiente off-line, mas
dispondo de muito menos elementos. A quantidade de dados disponíveis sobre cada
usuário permite a criação de estratégias cada vez mais precisas de convencimento. Exige
também um comprometimento em pensar os parâmetros éticos do uso desses dados
e os limites desejáveis de elementos persuasivos para interferir no comportamento
natural dos indivíduos.38
Além da possibilidade de obtenção e utilização de dados sensíveis, o uso de
robôs e perfis falsos viabiliza a criação artificial de bolhas sociais, refletindo cenários
igualmente artificiais de consenso, capazes de romper e direcionar a opinião pública.

36
O tema foi objeto de abordagem específica em outra ocasião, bastando aqui lembrar as conclusões de Richard Lau,
Lee Sigelman e Ivy Brown Rovner, para quem “não há evidência consistente na literatura científica que suporte
a tese de que a propaganda eleitoral negativa atinge os resultados eleitorais pretendidos por quem a usa”. LAU,
Richard; SIGELMAN, Lee; ROVNER, Ivy Brown. The effects of negative political campaigns: a meta-analytical
reassessment. The Journal of Politics, v. 69, n. 4, 2007. p. 1176-1209.
37
“Negative political advertising may achieve its intended effects, but it may also produce boomerang effects. A
strong attack on a candidate, if perceived by the audience as untruthful, undocumented, or in any way unjustified,
may create more negative feelings toward the sponsor, rather than toward the target. Similarly, an attack perceived
as unjustified may generate more positive feelings toward the target”. GARRAMONE, Gina M. Voter Responses
to Negative Political Ads. Journalism Quarterly, v. 61, n. 2, 1984. p. 251 (p. 250-259).
38
GOLBEC, Jennifer. Analysing the Social Web. Massachusetts: Morgan Kaufmann, 2013.

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FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
65

Esse funcionamento das redes sociais e gerenciamento de seus conteúdos não apenas
pauta como define debates públicos.
Pensando na melhoria do ambiente nas campanhas eleitorais brasileiras, o Facebook
é uma das redes sociais que anunciou avanços no sentido de aumentar a transparência
dos mecanismos utilizados por partidos e candidatos. O compromisso de buscar meio
para filtrar os perfis falsos, bem como a abertura das informações sobre contratações
feitas por candidatos e partidos, acabando assim com os dark posts39 são um avanço no
uso do ambiente virtual para construção democrática.40
Alguns projetos vêm surgindo com o objetivo de transformar a internet em um
ambiente mais ético e democrático. O projeto Who Targets me? foi fundado no Reino
Unido com o objetivo de identificar políticos e partidos que utilizavam o sistema de dark
posts e microssegmentação para influenciar o voto dos eleitores.41 Dados fornecidos pelo
projeto demonstraram, por exemplo, que o Scottish National Party (SNP) promoveu,
no mínimo, dezoito anúncios diferentes no Facebook, que foram vistos cento e trinta
e três vezes, em trinta e seis colégios eleitorais. Nos anúncios direcionados a pessoas
com idade média de sessenta anos, afirmava-se que as pensões não estariam seguras
sob os conservadores e que o SNP ficaria sempre ao lado dos eleitores mais idosos.42
Esse direcionamento de conteúdo é capaz de provocar pacificação de determinados
grupos ou incentivar revoltas em torno de outros, especialmente porque a maioria dos
usuários não tem consciência dos segmentos dos quais fazem parte neste processo
de encaminhamento de conteúdos e vivem uma ilusão de que aquele conteúdo está
atingindo todos os usuários da rede.
Em 2017, no Brasil, diversos institutos, empresas e entidades ligadas à tecnologia
e à ampliação da atuação política43 se uniram para elaboração de uma carta pública
que delimita alguns comportamentos considerados intoleráveis no uso da internet nas
campanhas eleitorais, bem como estabelece comportamentos desejáveis, numa tentativa
de delinear um manual de boas práticas para estes ambientes.
Entre os comportamentos desejáveis está a transparência nas informações sobre
o uso de tecnologias nas campanhas, indicando “softwares, aplicativos, infraestrutura
tecnológica, serviços de análise de dados, profissionais e empresas envolvidas na
construção e consultoria”. Essa transparência também vale para o uso de bots, que podem

39
Dark posts são postagens impulsionadas que não são visíveis na página responsável por sua contratação, o que
impede o confronto de ideias e possibilita o direcionamento de conteúdos contraditórios para grupos diferentes.
“Basically, it’s a Facebook post that you control exactly who sees it through ads. If you have seen the main image
on this page on Facebook, then that means you have seen one of our dark posts targeting you”. PATTERSON,
Kyler. What is a Dark Post On Facebook? Host Gator Blog, 15.08.2014. Disponível em: <https://www.hostgator.com/
blog/facebook-dark-post/>. Acesso em 30 jan. 2018.
40
MEIO & MENSAGEM. Facebook acaba com o Dark Post. Disponível em:<http://www.meioemensagem.com.br/
home/ultimas-noticias/2017/10/27/facebook-acaba-com-dark-posts.html>. Acesso em: 30 jan. 2018.
41
Mais informações sobre o projeto estão disponíveis em: < https://whotargets.me/en/>.
42
Estas informações foram trazidas na entrevista de um dos fundadores do projeto, Sam Jeffers, ao Estadão.
BIANUCCI, Matteo; KLOJDA, Andre. ‘Darkads’, os anúncios invisíveis do Facebook com alvo certo. Estado de
S. Paulo. Disponível em:<http://infograficos.estadao.com.br/focas/politico-em-construcao/materia/dark-ads-os-
anuncios-invisiveis-do-facebook-com-alvo-certo>. Acesso em: 30 jan. 2018.
43
Instituto Update, AppCivico, IT&E (Instituto Tecnologia e Equidade), InternetLab, Movimento Transparência
Partidária, Open Knowledge Brasil, Agência Lupa, Instituto Alana, Instituto Ethos, Fundação Avina, RAPS, CIVI-
CO, Aos Fatos, Bancada Ativista, Labhacker, Labic, Olabi, Instituto Cidade Democrática, Instituto Construção,
#MeRepresenta, NÓS, Data Labe, Acredito, Internet sem fronteiras, Fundação Cidadania Inteligente, Quero
Previas, Agora!, Um A Mais, IDEC, Muitas, Politize!, Instituto Não Aceito Corrupção, Tapera Taperá e MariaLab.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
66 PROPAGANDA ELEITORAL

ser benéficos para a construção de ambientes democráticos desde que ostensivamente


informados. Também é indicado o uso responsável de dados, vedado o roubo ou
compra de dados sem consentimento, exigindo que sejam cedidos de forma consciente
e informada, apenas por pessoas físicas.
Entre os comportamentos listados como inaceitáveis está a manipulação da
percepção do público a partir da criação e uso de perfis falsos e a produção e disseminação
de notícias falsas, afirmando na carta que “Quem as cria, promove a mentira e manipula
os cidadãos em torno de interesses particulares e desonestos”, uma vez que quando
“Vinda por veículos tradicionais ou inovadores, a informação de qualidade deve ser
um direito garantido a todas e todos os participantes de uma discussão política, seja
qual for o lado”.44
Também é possível incluir nessa lista a venda de perfis falsos e bots desenvolvidos
com objetivo de manipular a opinião pública e forjar a relevância dos conteúdos.
As condutas, como se vê, em sua maioria, se referem aos atos praticados pelos
responsáveis pela produção de conteúdo e movimentação das redes – partidos,
campanhas, veículos de imprensa, etc. – e não aos atos do usuário comum.
Ainda que seja inegavelmente desejável um uso mais cauteloso das mídias
digitais por todos os seus integrantes, o impacto da atividade de um usuário único
parece não apenas difícil de ser controlado, como pouco impactante no cenário global,
o que tornaria esse controle temerário, considerando a possibilidade de desbordar em
cerceamento da liberdade de expressão, que um ganho democrático.

3.6 A necessidade de uma regulamentação específica e consequências


jurídicas do emprego da mentira
A regulamentação do debate político na internet, como já se pode concluir
parcialmente, enfrenta inúmeros desafios, sobretudo quando se considera a possibilidade
de propagação da mentira. A mentira que mais preocupa não é aquela praticada
isoladamente por um candidato, identificável, cujo próprio sistema proporciona um
controle de certa forma eficaz, mas aquela que circula de forma profissional, sem fonte
identificável ou, ainda, com fonte mascarada.
Há regras eleitorais esparsas aplicáveis à propagação de fake news, como a que
veda o anonimato (art. 57-D da Lei n º 9.504/97),a que considera crime a contratação
direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens
ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato,
partido ou coligação (art. 57-H, §1º da Lei nº 9.504/97) e a que determina a remoção do
conteúdo (art. 57-D, §3º da Lei nº 9.504/97) e impõe sanção pecuniária a quem divulga
propaganda e impulsiona conteúdo em desacordo com a lei (art. 57-C, §2º da Lei nº
9.504/97). É possível, ainda, a aplicação de sanção eleitoral da perda do mandato caso
a mentira chegue a configurar abuso de poder ou fraude eleitoral.
Como se afirmou anteriormente, porém, a normatização atual é deficitária, dentre
outros motivos, por não disciplinar limites de gastos com impulsionamento, e a forma

44
A íntegra da carta “Tecnologia e ética nas Eleições” está disponível em: < https://naovaletudo.com.br/>.

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FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
67

de direcionamento da comunicação impulsionada, assim como do acesso aos bancos


de dados utilizados para este fim.
Além disso, importa exigir mais transparência quanto a questões envolvendo a
infraestrutura da rede, especialmente com relação às questões estruturais que determinam
o tipo de controle que pode ser exercido sobre os usuários. Igualmente, é necessário
trazer ao debate e à regulamentação o uso ético de dados sensíveis e as possibilidades
de uso de bots, os limites do uso de big data, as formas desejáveis de enriquecimento de
base de dados, o limite do direcionamento por microssegmentação e a possibilidade de
controle dos financiadores e criadores dos conteúdos e mecanismos de disseminação
A própria legislação que trata da remoção de propaganda parece ter redação
inadequada ao novo contexto digital, já que considera apenas o pedido de remoção
pelo ofendido, sem previsão de remoção diante da mera constatação da veiculação
de um fato falso, mesmo que não relacionado diretamente a um ofendido específico.
As eleições estadunidenses, já mencionadas, nas quais o candidato Donald Trump
foi eleito, mostraram a fragilidade de uma atuação exclusivamente nacional sobre o
assunto, diante da constatação de que as infrações à legislação eleitoral podem ser
praticadas em sites e perfis administrados fora do país, com financiamento de recursos
estrangeiros.
Ponto relevante a refletir é qual deve ser o foco de combate diante da percepção
do uso de fake news e as consequências jurídicas de seu impulsionamento, assim como
de seu emprego em uma campanha.
O art. 57-C, §2º da Lei nº 9.504/97, de certa forma, permite a sanção do eleitor
que realiza impulsionamentos em desacordo com a legislação. Além disso, poderia ser
elaborada legislação voltada especificamente ao ato do eleitor de impulsionar uma notícia
falsa, procurando educá-lo e puni-lo. Tal normatização, contudo, provavelmente traria
ineficiência ao sistema punitivo diante da dificuldade de fiscalização e sanção de cada
um dos usuários da rede, pulverizando a atuação do Ministério Público Eleitoral e da
Justiça Eleitoral. Além disso, corre-se o risco de punir quem pode ser vítima também
de uma mentira. Medida desta sorte poderia igualmente comprometer a liberdade do
cidadão de crer em determinadas realidades. Não é papel da Justiça Eleitoral impedir
que o cidadão acredite em determinado argumento político, ainda que falso.
O foco deve ser, portanto, as produtoras de fake news e aqueles que as contratam,
bem como os desenvolvedores de estratégias pouco transparente de disseminação desses
conteúdos e seus financiadores. Caso se comprove que o candidato a contratou, pode
a situação configurar abuso de poder ou fraude a justificar a propositura de ação de
investigação judicial eleitoral ou ação de impugnação de mandato eletivo.
Com relação ao espraiamento de notícias falsas, caberia à Justiça Eleitoral fazer
campanhas educacionais quanto ao uso da internet nas eleições, tanto alertando para a
importância de se checar a fonte de toda informação recebida, como para os prejuízos
trazidos pelo impulsionamento de notícias falsas. Igualmente, como já tem buscado fazer
sobretudo através do aplicativo Pardal,45 criar ambientes virtuais para recebimento de

45
“O aplicativo será mais uma ferramenta que a Justiça Eleitoral contará para coibir abusos e práticas irregulares
durante as eleições deste ano. Por exemplo, um cidadão que observar um outdoor de candidato (sendo a propaganda
por meio de outdoors proibida pela legislação eleitoral) poderá tirar uma foto da peça e enviar com rapidez, por
meio do Pardal, a evidência da irregularidade para o tribunal eleitoral e o MP em seu estado, que examinará a
denúncia feita”. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Plenário aprova resolução que institui o aplicativo Pardal

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
68 PROPAGANDA ELEITORAL

sugestões e de denúncias. No entanto, não parece adequado que seja a Justiça Eleitoral
a responsável por afirmar se uma determinada informação é falsa ou não.
A Justiça Eleitoral, até por força de necessária restrição legal à ideia de tipicidade
das condutas ilícitas, fica limitada em suas manifestações ao binômio licitude-ilicitude.
Não lhe cabe, por exemplo, afirmar que um conteúdo é parcialmente veraz. Que mesmo
sendo verdadeiro, foi descontextualizado. Ou, ainda, que uma mensagem, conquanto
factualmente correta, pode levar a conclusões equivocadas. Esta flexibilidade somente
pode ser observada em mecanismos não judiciais de controle46, como no caso das agências
de verificação factual (fact-checking), que recentemente e em boa hora aportaram no Brasil.
Por isso, uma solução mais madura e transparente parece ser a de reforçar na
sociedade a tarefa de depurar o discurso político, por intermédio das mencionadas
entidades de fact-checking, que “(...) têm por finalidade aumentar o conhecimento
disponível, emitindo relatórios mediante a pesquisa de alegados fatos contidos em
declarações publicadas ou gravadas feitas por políticos ou quaisquer outras pessoas
cujas palavras tenham impacto na vida de outros”. Os responsáveis por essas checagens
“(...) investigam fatos verificáveis e seu trabalho é livre de vinculações partidárias,
defesa de temas políticos ou retórica (...)”, visando o fornecimento de informações claras
aos consumidores “(...) para que eles possam usar os fatos de modo a fazer escolhas
plenamente conscientes no ato de votar ou em outras decisões essenciais”.47

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com.br/big-data-trump/>. Acesso em: 30 jan. 2018.
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plenario-aprova-resolucao-que-institui-o-aplicativo-pardal-nas-eleicoes-de-2016>. Acesso em: 30 jan. 2018.
46
Este assunto foi abordado de forma mais completa em: NEISSER, Fernando Gaspar.Fact-checking e o controle
da propaganda eleitoral. Revista Ballot, v. 1, n. 2, 2015.
47
AMAZEEN, Michelle. Revisiting the Epistemology of Fact-Checking. Critical Review: A Journal of Politics and
Society, DOI 10.1080/08913811.2014.993890. Pub. em 19.01.2015. Artigo obtido por e-mail diretamente da autora
em 14.07.2015. p. 4.

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A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E POSSIBILIDADES DE CONTROLE
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Publicado em Sessão em 30.09.2002.
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Enrico Corvisieri e Mirtes Coscodai. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

NEISSER, Fernando; BERNARDELLI, Paula; MACHADO, Raquel. A mentira no ambiente digital:


impactos eleitorais e possibilidades de controle. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande;
AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 51-70. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 4

QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO


POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL

LUCIANA PANKE
PEDRO CHAPAVAL PIMENTEL

Os profissionais da comunicação costumam se queixar que sua área é invadida


por entendedores de plantão. Inclusive, há a comparação de que em comunicação
ocorre o mesmo que no futebol: todo mundo se julga melhor que o técnico e quer ditar
como o jogo deve ser orquestrado. Infelizmente, quando se trata de fazer um jornal,
uma campanha, um anúncio ou relacionar-se com diferentes públicos, é bem isso que
acontece. Um folder, uma logo ou um post em rede social digital parece ser possível
ser executado por qualquer pessoa e também ser veiculado a qualquer hora, ao bom e
velho “gosto do freguês”. Esse é um dos grandes erros de empresas, marcas e, claro,
candidatos/as e pessoas públicas. Nada em comunicação social é aleatório. Pensa-se
nos públicos e nas melhores maneiras de fazer uma mensagem chegar até eles, seja pelo
conteúdo, forma, instrumento, local de veiculação ou linguagens. Há um planejamento
criativo, estratégico e profissional por trás disso tudo.
A aplicação de técnicas de comunicação para fins políticos nas sociedades
ocidentais remete, ao menos, ao período da Antiguidade Clássica, quando a retórica
era utilizada para persuasão em deliberações e julgamentos, ou quando estátuas e
monumentos eram construídos para representar a imagem de políticos ao povo, por
exemplo. Desde então, com a evolução de aparatos técnicos e tecnológicos, a maneira de
comunicar se alterou e discussões envolvendo a liberdade de imprensa, de expressão e
de informação têm sido trazidas à baila em diferentes momentos e instâncias. A despeito
dessas mudanças, a justaposição entre comunicação e política permanece tão relevante
quanto no passado.
Assim, uma vez que a análise da comunicação é um elemento útil para o estudo
de diferentes sistemas políticos, este capítulo tem como objetivo apresentar questões
conceituais e algumas técnicas da área de comunicação, especificamente, no que se
refere à comunicação política, comunicação eleitoral e comunicação governamental.
Primeiramente, apresentamos um panorama sobre o funcionamento da área geral
da comunicação social. Em seguida, trazemos os outros conceitos, buscando também
mostrar a aplicabilidade deles. Por isso, ao longo do texto também expomos algumas

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
72 PROPAGANDA ELEITORAL

técnicas que estruturam o raciocínio estratégico na área, tendo em vista elucidar os


leitores, especialmente de outras áreas.

4.1 A comunicação com e entre a sociedade


A comunicação social é uma área complexa à medida que é a responsável pela
informação, integração e persuasão na sociedade. O ato de pensar a comunicação como
um elemento constitutivo da sociedade, um elo entre pessoas, leva-nos a explorar sua
etimologia da palavra, cuja tradução direta remete ao vocábulo latino communicatio.
Este, por sua vez, tem entre suas correspondentes a palavra grega koinonia, que significa
tomar parte e/ou participar de algo, e era utilizada na Grécia Antiga e nas obras de
Platão e Aristóteles para indicar uma união sustentada por interesses comuns, isto é,
comunidades (LIESEN, 2014). Comunicar, portanto, é tornar possível a existência de
comunidades por meio da interação entre seus participantes.
A comunicação é um processo contínuo que envolve diversos elementos: emissor,
mensagem, contexto, receptor, interferências (grupos de pressão, ruídos, problemas nos
códigos de linguagem adotados, estados de ânimo). Todavia, nem tudo que se deseja
comunicar é transmitido com sucesso, e nem sempre o que o emissor pretende falar é o
que chega ao receptor da mensagem. Em comunicação é necessário diminuir os riscos
de gerar uma percepção equivocada, sabendo com a maior precisão possível quem são
os públicos para quem se fala. Há uma alternância contínua entre emissor e receptor, em
um fluxo de agentes ativos, pois a “comunicação é um processo circular e permanente de
troca de informações e de mútua influência” (DUARTE, 2011, p. 129). Assim, a noção
de retroalimentação torna-se elemento norteador para seguir com o processo: os papéis
de emissor e de receptor das mensagens alternam-se a todo o momento e os envolvidos
nesse processo são participantes ativos, consciente ou inconscientemente.
Desse modo, antes de se pensar em qualquer ação comunicativa que envolva
grupos, é preciso lembrar que o ato de comunicar é tanto uma capacidade quanto
uma necessidade humana de integração com o mundo, de modo que “toda a relação
interpessoal pressupõe a existência, implícita, ou explícita, consciente ou inconsciente,
de um contrato social entre as partes” (ARAICO, 1988, p.34, tradução nossa).1 O
contrato ao qual o autor se refere é formado culturalmente e varia conforme o local
onde é estabelecido. Um abraço ou um gesto com as mãos, por exemplo, podem ter
significados sensivelmente distintos a depender do contexto em que os interlocutores
estão inseridos. A flexibilidade humana e a necessidade de adaptação às relações sociais
faz com que essas normas sejam cumpridas em maior ou menor escala.
Nessa seara, as relações humanas são baseadas em relações de poder, conforme
ponderou Michel Foucault em suas obras. Posto de outra forma, Araico (1998, p. 36,
tradução nossa)2 explica que devido à “ambivalência natural e por outros fenômenos,
é muito importante considerar, além do suposto fundamental de que toda relação

1
No original: “toda la relación interpersonal presupone la existencia, implícita o esplicita, consciente o inconsciente,
de un contrato social entre las partes”.
2
No original: “ambivalencia natural y por otros fenómenos, es muy importante considerar además del supuesto
fundamental de que toda relación humana, todo contrato social, implica la alta posibilidad de su transformación
en una relación de poder”.

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LUCIANA PANKE, PEDRO CHAPAVAL PIMENTEL
QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL
73

humana, todo contrato social, implica a alta possibilidade de sua transformação


em uma relação de poder”. Logo, partimos do pressuposto que quaisquer relações
estabelecidas em grupos contêm hierarquias, e estas estão presentes em todos os tipos
de agrupamentos: família, igreja, escola, Estado, etc. Comunicar bem acaba sendo um
objetivo dos que pretendem alcançar ou manter status de poder nestas esferas e, para
tanto, instrumentalizam recursos e mensagens para alcançar determinados fins.
Ao ponderar sobre este processo comunicacional, observamos que o sociólogo
Dominique Wolton (1999) classifica a comunicação em duas vertentes principais:
normativa e funcional. Para o autor, a comunicação normativa diz respeito ao ideal da
comunicação, é a vontade de realizar trocas e intercâmbios, de compartilhar algo em
comum e de se fazer entendido. Já a comunicação funcional, por sua vez, é relativa às
necessidades de comunicação das econômicas e sociedades abertas, dizendo respeito
aos intercâmbios de bens, serviço, fluxos econômicos, financeiros e/ou administrativos.
Nesse caso, as regras exercem um papel mais importante no caso da comunicação
interpessoal, pois atuam mais relacionadas a necessidades ou interesses do que em
prol da “intercompreensão” ou de “intersubjetividade”.
Em outras palavras, a comunicação normativa é quando nos referimos ao processo
interpessoal e às trocas realizadas por meio de interações; já a funcional é quando o foco
está na instrumentalidade, na aplicação de interesses em prol da eficácia e desempenho.
Enquanto integrante de processos funcionais que segue normas sociais estabelecidas,
enfocamos agora na comunicação social em si. Desde as questões locais de utilidade
pública, por exemplo, às mundiais como acordos econômicos bi ou multilaterais e a
divulgação de produções culturais, passam por profissionais da área.
Basicamente, a comunicação pode ser dividida entre comunicação informativa
(jornalismo), comunicação persuasiva (publicidade e propaganda) e comunicação
institucional (relações públicas). Contudo, não podemos considerá-la como mero
dispositivo instrumental, mas como afirmamos anteriormente, uma atividade meio,
fundamental e estratégica. Desse modo, como afirma Liberty (1998, p. 21, tradução
nossa),3 “a comunicação não é meramente um instrumento pelo qual expressamos a
nossa natureza; é o processo dentro do qual temos a natureza que temos”.
Longe de debruçarmos sobre as funções específicas de cada uma das áreas da
comunicação social, tendo em vista a tênue linha que as separa,4 apresentamos no
quadro abaixo alguns instrumentos que podem ser utilizados pelos profissionais de
comunicação para a execução de suas atividades. Por definição, instrumento é qualquer
meio utilizado para executar um trabalho e, da mesma maneira, os instrumentos
de comunicação servem para atingir objetivos determinados no planejamento de
comunicação desses profissionais.

3
No original: “la comunicación no es meramente el instrumento por el cual expresamos nuestra naturaleza; es el
proceso dentro del cual tenemos la naturaleza que tenemos”.
4
Existem discussões sobre as funções, as competências e os instrumentos sob a responsabilidade de cada uma das
áreas da comunicação social. A título de ilustração, relações públicas e jornalistas discutem, por exemplo, sobre
quem é o profissional com maior competência para realizar a assessoria de imprensa, enquanto relações públicas
e publicitários passaram a disputar, mais recentemente, espaço nas ações em mídias digitais.

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Quadro 1 – Instrumentos de Comunicação

Tipos de Instrumentos Instrumentos


Comunicação de massa Jornal; Revista; Rádio; Cinema; Televisão; Internet.
Comunicação interpessoal Comunicação oral: discursos; debates; sabatinas; cerimônias
públicas; promoção de eventos; palestras, seminários.
Comunicação escrita: cartas, ofícios, memorandos, relatórios,
newsletter, mailing, Redes Sociais Digitais; Whatsapp; Messenger;
santinhos; faixas; bandeiras; outdoor; mídia extensiva.
Comunicação audiovisual: apresentação de slides; carros de som;
mídia extensiva; mídia out-of-home.
Comunicação humana Comunicação verbal (conversa pessoal); comunicação não verbal
(expressões, gestos, contato visual); comunicação corporal
(toque).

Fonte: Adaptado de Pinho (1990, p. 62)

Esse quadro apresenta sumariamente os instrumentos de comunicação à dispo-


sição dos profissionais da área e não almeja servir à função de inventário, arrolando
minuciosamente cada um deles. Evidente que a existência ou não desses instrumentos
de comunicação varia entre localidades e a possibilidade de sua utilização para fins
específicos varia de acordo com a legislação que regulamenta o assunto. Como exemplo,
trazem à luz a Reforma Eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165/2015) que tornou possível a
utilização de redes sociais digitais por pré-candidatos antes do período de campanha
regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral, desde que não houvesse apelos
explícitos por votos.
Cabe também destacar que esse quadro não apresenta uma posição fixa para
cada um dos instrumentos de comunicação, os quais podem ser intercambiáveis entre
as categorias. Por exemplo, as redes sociais digitais podem funcionar tanto como um
instrumento de comunicação de massa, quanto como um instrumento de comunicação
interpessoal. Se de um lado é possível classificá-las dentro do primeiro caso (comunicação
de massa) por ser um espaço de fácil difusão de informações e com enorme alcance,
de outro é possível enquadrá-las no segundo (comunicação interpessoal), uma vez
que é possível estabelecer contato direto com pessoas ou empresas, caso do envio de
mensagens particulares diretamente para parlamentares em plataformas como o Facebook
e o Instagram. Outro exemplo é a fala, que pode ser encontrada dentro da categoria de
comunicação interpessoal quando proferida para grupos de pessoas como ocorre em
debates, ou na categoria de comunicação humana, quando dirigida diretamente a uma
pessoa ao fazer lobby, por exemplo.
No que diz respeito à interdisciplinaridade da área, a comunicação estabelece
relações com a sociologia, a linguística, o design, as ciências jurídicas e as ciências
políticas, por exemplo. A necessária compreensão da sociedade, a elaboração de
estratégias discursivas mais adequadas, uma apresentação visual conceitual, os
necessários conhecimentos das regras e limites para a comunicação e a melhor aplicação
de determinadas estratégias com fins eleitorais, são algumas das possibilidades que

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QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL
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tangem ao desenvolvimento e à aplicação de estratégias de comunicação com cada


uma dessas disciplinas.
Esse conjunto de atividades e ferramentas é um dos elementos responsáveis
pela formação do que se chama de imagem pública, cuja importância é vital para os
almejantes ou detentores do poder e cuja criação e manutenção ocorre através de um
processo complexo, intencional ou não, e que envolve diversas instâncias, em diferentes
momentos e instituições.
Não obstante, a atenção dada pelas figuras públicas à sua imagem não é uma
ideia recente, tampouco ignorada no âmbito da comunicação, pois encontramos figuras
públicas preocupadas com sua imagem pública desde as primeiras assembleias e eleições
da Antiguidade Clássica, isto é, ao menos desde o século VIII a.C. (MCNAIR, 2015). Ainda
que tenham ocorrido mudanças substanciais em suas mediações ao longo dos anos,
como o desenvolvimento e a evolução das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs) que acabaram alterando estruturas retóricas e imagéticas, a complexidade das
mensagens, o alcance e modos de reprodutibilidade e de consumo, o objetivo relativo
a uma imagem pública favorável permanece o mesmo: a aprovação pública.
Conforme destaca Maria Helena Weber (2004, p. 269), o conceito de aprovação
envolve “imagens sociais, conceituais e visuais acumuladas no imaginário, indicativas
da identidade de quem fala”. Uma vez que sujeitos políticos necessitam e buscam
essa aprovação para chegar e/ou manter-se no poder, o poder político e a autoridade
para governar mantêm relações diretas com o uso de imagens e símbolos que ressoam
nas pessoas as quais esses sujeitos desejam influenciar. Este foi o caso, por exemplo,
do rei Luís XIV que ficou conhecido como Rei-Sol: figura pública conscientemente
construída e que reinou sobre a França por 72 anos, um dos mais longos reinados da
história europeia.
As discussões em torno da construção de uma imagem dizem respeito àquilo que
Wilson Gomes (2004, p. 242) denomina por política de imagem, ou seja, o fenômeno cuja
“prática política [...] está voltado para a competição pela produção e controle de imagens
públicas”. Para o autor, o simples empreendimento pela imposição de imagens constitui
grande parte das disputas políticas e torna possível compreender parte considerável do
que ocorre em relação ao universo da política, sejam fatos, atitudes, preocupações ou
discussões. Consequentemente, o estatuto da imagem pública promove uma espécie
de arena onde se resolvem litígios, se conquista hegemonia, se impõe pretensões, se
organiza ou mobiliza a sociedade civil ou internacional. É nessa arena que se faz possível
estabelecer ou perder a credibilidade, acalmar ou excitar a opinião pública e o mercado
financeiro, conquistar, manter ou perder condições de governabilidade necessárias a
um político, partido, grupo ou ator.
Mas afinal, o que é imagem pública? Taxativo, Gomes (2004) afirma que imagem
pública é imagem. Essa simples definição pode nos parecer confusa se observarmos
exclusivamente a concepção visual de imagem; a sua plasticidade. Embora os termos
imagem pública e imagem visual tenham em comum o vocábulo que remete à capacidade
de representar algo – a imagem –, eles se distanciam em decorrência de a imagem
pública não ser um tipo de imagem em sentido próprio, e sim a apresentação e/ou a
representação de algo para alguém num sentido figurado, analógico e metafórico. Em
outras palavras, imagem pública é “um complexo de informações, noções, conceitos,
partilhados por uma coletividade qualquer, e que o caracterizam” (GOMES, 2004, p. 254).

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Sob essa definição conceitual, destacamos ainda as ponderações de outros


dois autores. Para Maria Helena Weber (2004), a imagem pública também pode ser
entendida como o resultado da soma de imagens concretas e abstratas, do tangível
com o intangível. Resultante da percepção e interação de distintos atores com o sujeito
político em questão: a imagem pública se forma a partir de experiências e interações,
da avaliação entre aquilo que o sujeito é e aquilo que ele parece ser. Ainda, Canel e
Sanders (2012, p. 90, tradução nossa)5 descrevem a imagem pública como “a estrutura
mental de uma organização que os públicos formam como resultado do processamento
de informações relacionadas a essa organização”.
Tendo em vista a ampla discussão em torno do conceito e com vistas a sintetizar
ao leitor, quando falamos em imagem pública estamos nos referindo à percepção
que um interlocutor tem de um conjunto de características relativas à identidade
de um sujeito político e que podem ser manifestas por meio de diversos códigos de
comunicação – verbais e não verbais –, inicialmente emitidos pelo próprio sujeito e, então,
replicados e amplificados por diversas redes de comunicação, como a mídia e outros
agentes. Grosso modo, a imagem pública pode ser entendida como algo semelhante à
reputação de um sujeito.
No que diz respeito ao processo de criação dessas imagens, o teórico da comuni-
cação e jornalista Walter Lippmann, na obra Opinião Pública (2008, p. 31), explica que
ele ocorre através de uma “relação triangular entre a cena da ação, a imagem humana
daquela cena e a resposta humana àquela imagem atuando sobre a cena da ação”. A
percepção de uma pessoa a respeito de um sujeito político resultaria, assim, em um
imaginário que não se baseia exclusivamente sobre o conhecimento direto desse sujeito,
e sim em imagens dadas a uma pessoa ou criadas por ela mesma. A imagem pública,
ou credibilidade, é um construto que ocorre no movimento da opinião pública, sem
que sua determinação seja exclusividade de um dos agentes envolvidos: emissores
podem utilizar estratégias para influenciar essa percepção, contudo, a imagem pública
em si somente pode ser mensurada pela mídia e pelos meios de comunicação de massa
envolvidos no processo.
Assim, como apresenta Weber (2011), somente é possível administrar a visibilidade
do poder no plano interno das instituições, pois no que diz respeito à recepção e
repercussão das mensagens essa visibilidade está sujeita a decisões diversas, sejam elas
editoriais, econômicas e políticas de corporações midiáticas e, mais recentemente, da
criação e propagação de conteúdos, nem sempre verdadeiros, realizados na internet e
redes sociais digitais.6 É nesse espaço que sujeitos políticos, em sua luta pelo poder e/
ou por cargos eletivos, buscam criar “uma visão do mundo que tratam de transmitir
aos eleitores para orientá-los na compreensão da complexa realidade da política”
(RODRIGUEZ, 2011, p 18, tradução nossa).7 É por meio da comunicação política, tema
tratado na próxima seção, que entendemos ser possível criar esses universos conceituais.

5
No original: “‘image’ understood as the mental structure of the organization that publics form as the result of
the processing of information related to the organization”.
6
Não ignoramos a existência de empresas contratadas para propagar mensagens através de perfis falsos e/ou
anônimos nas redes sociais digitais, tampouco ignoramos a existência de robôs ou bots para potencializar essas
mensagens.
7
No original: “una visión del mundo que tratan de transmitir a los electores para orientarlos en la comprensión
de la realidad compleja de la política”.

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QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL
77

4.2 Comunicação política


A aproximação entre comunicação e política tange à própria etimologia das
palavras, uma vez que ambas remetem à ideia de comunidade. Se de um lado temos a
comunicação podendo ser entendida como uma união sustentada por interesses comuns
(koinonia), de outro temos na política o termo grego politikos, que está relacionado aos
grupos que integram e se dedicam ao governo da polis, remetendo à existência de um
Estado, sociedade ou comunidade.
Assim como os estudos na área de comunicação são interdisciplinares e permitem
distintas aproximações teóricas, termos como comunicação política e comunicação pública
recebem definições diversas e não possuem fronteiras bem delimitadas, colocando
inclusive termos como comunicação governamental e estatal no mesmo balaio. Essa
confusão pode ser vista, por exemplo, nas discussões a respeito da presidência da Empresa
Brasil de Comunicação (EBC) que tomaram as manchetes do país em 2015,8 e as questões
a respeito da empresa fazer comunicação pública ou comunicação governamental que
resultaram em um manifesto assinado pelos trabalhadores da empresa, afirmando
categoricamente que não fariam “comunicação governamental, em nenhuma hipótese”.9
Ainda que a comunicação pública e a política sejam vistas como sinônimos por
alguns autores, conforme explica Elizabeth Brandão (2006), enxergamos um elemento
que distingue uma da outra: o caráter persuasivo. A comunicação pública trata das
questões públicas com autonomia em relação ao Governo Federal e serve, dentre outros,
como fonte alternativa de informação às redes privadas e estatais-governamentais,
conforme versa a Lei nº 11.652/2008 que criou a EBC. A comunicação política, por sua
vez, possui uma vertente intrínseca ao marketing político ao lidar com “o discurso e a
ação de governos, partidos e seus agentes na conquista da opinião pública” (DUARTE
2009 apud LIEDTKE; CURTINOVI, 2016). A comunicação pública tem, portanto, um
aspecto mais informativo em seu caráter, enquanto a essência da comunicação política
reside em seu caráter persuasivo.
Ainda que a comunicação política opere nas relações entre diversos agentes, classes
e espaços sociais, dentre os quais podem ser citados governos, mandatos parlamentares,
campanhas eleitorais, instituições de natureza diversa e sociedade civil organizada,
todos os envolvidos convergem para a atuação do Estado. Dessarte, entendemos a
comunicação política como aquela comunicação que “diz respeito ao discurso e à
ação na conquista da opinião pública em relação a ideias ou atividades que tenham
relação com o poder” (DUARTE, 2011, p. 126). E sob essa perspectiva, classificamos
a comunicação política como uma área abrangente, um conceito guarda-chuva dos
demais: comunicação eleitoral, governamental e de Estado.
A comunicação política, de acordo com Pippa Norris (2001), pode operar tanto
de forma vertical, quanto horizontal. Em outras palavras, a origem e destino dessa
comunicação podem ser os seguintes: (1) de cima para baixo, partindo de instituições
de governo para os cidadãos; (2) horizontal em conexões diretas entre atores diversos;
e (3) de baixo para cima, da opinião pública em direção a autoridades. Conforme
mencionamos, independente da direção ou do meio utilizado, a comunicação política

8
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/ebc-comunicacao-publica-ou-
governamental-8332.html>. Acesso em: 18 jan. 2018.
9
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/obcomp/noticias/0/549/>. Acesso em: 18 jan. 2018.

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78 PROPAGANDA ELEITORAL

tem como principal objetivo tornar a agenda pública favorável ao cumprimento de


objetivos de determinado sujeito político: a aprovação pública.
Desse modo, a articulação de interesses a favor ou contra determinadas decisões
ou sujeitos políticos que ocorre por meio da comunicação constitui um elemento
essencial ao próprio desempenho da política. Ainda que a comunicação não seja mais
importante que as decisões de gestão, ela é condição sine quae non para o fazer política,
pois, conforme pondera Mario Riorda (2013), toda decisão de gestão e ações políticas
acabam produzindo fatos com potencial suficiente para repercutir no mar da política.
As formas pelas quais os indivíduos obtêm informações e a possibilidade de eles
trocarem ideias livremente são elementos que podem gerar impactos na condução da
política. Tendo em vista o desempenho da comunicação em distintos sistemas políticos,
Gabriel Almond e Bingham Powell Jr. (1980) propõem a existência de estruturas de
comunicação que sintetizam essas interações.
Tais estruturas de comunicação são: (1) contatos informais, diretos e pessoais, que
podem ser mais ou menos independentes. São os amigos, vizinhos ou colegas de trabalho
que podem servir como líderes de opinião e influenciar diretamente a nossa forma de
pensar sobre determinado assunto; (2) estruturas sociais tradicionais, caso das famílias e
instituições religiosas. A associação a essas estruturas sociais pode modelar a nossa moral
e os nossos valores; (3) estruturas políticas de output, aparato legislativo e burocracias.
São essas estruturas que fornecem informações oficiais aos meios de comunicação de
massa e exercem papel determinante na execução de leis e/ou mobilização de recursos nas
sociedades; (4) estruturas políticas de input como sindicatos, atores coletivos e partidos
políticos. É, geralmente, por meio dessas estruturas que a liderança política, uma vez
eleita, recebe demandas populares; (5) meios de comunicação de massa, que servem
para transmitir informação a um grande número de pessoas e com custos relativamente
baixos. Originalmente eram considerados nessa categoria apenas o rádio, a televisão, o
cinema e os jornais. Ao atualizarmos a literatura, podemos inserir no item cinco, além
dos meios massivos, os meios direcionados e as redes sociais digitais.
Ao tomarmos a comunicação criada intencionalmente com vistas à aprovação
pública, precisamos entender que o planejamento, a elaboração e a exposição dos discursos
obedecem a uma competência gramatical específica para a produção de materiais, e
que essa competência se caracteriza como marketing político. O desenvolvimento desse
material ocorre com base numa lógica comunicacional, amparada em estilo, imagem e
comunicação, e deve gerar potencial suficiente para fazê-los circular e lograr efetividade
na transmissão de mensagens.
Sempre haverá variáveis comunicativas que devem ser analisadas e orientadas a
alcançar determinados objetivos e por isso algumas perguntas precisam ser respondidas
pelo emissor antes que o ato comunicativo seja desencadeado: Qual é a mensagem
que eu quero transmitir? Para quem eu estou falando? Como eu quero ser visto pelo
meu público-alvo? E pelo público geral? O que e como eu devo falar? Através de
quais instrumentos de comunicação? Qual é o melhor momento para transmitir essa
mensagem? A partir disso e uma vez que o planejamento de comunicação e a sua
respectiva efetividade não se limita apenas à resposta dessas questões, é necessário
um profissional comprometido e bem preparado para que os objetivos do cliente, ou
da causa em questão, sejam alcançados.

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QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL
79

Ao nos determos sobre a forma pela qual a mensagem será transmitida passamos
a avaliar aquilo que é considerado a estratégia mais antiga de comunicação e marketing,
isto é, o próprio discurso. Tal é a sua importância que Diego Monasterio destaca que
“o ato discurso poderia nos impulsionar ao topo do poder ou nos enterrar num poço
de lama” (MONASTERIO, 2013, p. 189, tradução nossa).10 Assim, uma mensagem
pode ser emitida por diferentes tipos de linguagem – a linguagem oral, a escrita e a
visual – combinadas entre si ou não. A partir disso, Panke (2016) elenca seis códigos de
comunicação que estão presentes em distintas plataformas de transmissão e devem ser
pensados a fim de determinada mensagem seja bem compreendida pelos interlocutores:

1. Linguagem linguística: discurso verbal, seu conteúdo e argumentos;


2. Linguagem cinésica: movimentos e expressões físicas durante o discurso e
também o silêncio.
3. Linguagem proxêmica: uso e organização do espaço físico durante a fala;
4. Linguagem iridológica: contato visual que o orador faz com seus interlocutores.
É perceptível na televisão, quando o candidato olha para a câmera ou para o
entrevistador, por exemplo;
5. Linguagem fisiológica e de moda: características morfológicas de uma pessoa
que devem ser consideradas, seu tipo físico, a roupa e sua apresentação;
6. Valores não verbais na voz: o tom, o volume e a tessitura da voz podem ajudar
a reforçar a mensagem.

O planejamento e a adaptação das mensagens para cada meio levou autores


como Brian McNair (2015), María Canel e Karen Sanders (2012), e Wilson Gomes (2004)
a ponderar a respeito de o estatuto da imagem pública privilegiar elementos como
aparência, carisma, teatralização, espetáculo e simulacros no meio político. Sujeitos
políticos acabam sendo forçados a adotar e desenvolver práticas de comunicação que
reforçam o caráter espetacular muitas vezes em detrimento do próprio processo de
elaboração de políticas, na qual a comunicação poderia exercer um papel determinante
por meio da possibilidade de estabelecer diálogo com a população e da realização de
consultas e deliberações públicas.
Como resultado, a cultura política pode acabar dando ênfase à imagem e às
aparências. Esse é o aspecto negativo relacionado à política da imagem: a comunicação
política, por enfatizar o espetáculo, passa a ser acusada de promover a imagem sobre a
realidade, o estilo sobre a substância e as aparências supérfluas sobre aquelas substanciais.
Não obstante, Lippmann (2008) menciona ainda a criação de seres descolados da realidade
como resultado da construção da imagem pública: um real e um projetado/imaginado.
Uma vez que nada é por acaso na comunicação política, a existência de distintos
contextos exige que o sujeito político tome ações e comunique com estratégias diferentes,
pois é necessário considerar as distintas posições de legitimidade nas quais ele se
encontra. A partir disso, entendemos que na política democrática há, ao menos, dois
espaços de ação dos atores envolvidos no que tange à comunicação: um dentro e outro
fora da governança. A primeira ocorre durante período de campanha e denomina-se
comunicação eleitoral e tem como objetivo obter ou manter o voto do eleitorado ou

10
No original: “el acto discursivo nos podría impulsar a la cima del poder o enterrar en la última sima del fango”.

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até mesmo impedir que o mesmo aconteça com seus concorrentes; já a segunda ocorre
durante o mandato, é denominada por comunicação governamental e tem como finalidade
lograr uma boa governança entre diferentes setores da sociedade.
Como mencionamos anteriormente, um dos usos da comunicação e dos discursos
políticos ocorre durante períodos eleitorais, quando candidatos a cargos eletivos
promovem a si mesmos e a suas ideias durante um espaço temporal predeterminado
normativamente. Dessa maneira, a comunicação política “evoca a confrontação de
diferentes legitimidades sancionadas pelo horizonte das eleições, em função da qual
se estruturam os discursos” (WOLTON, 2012, p. 31, tradução nossa).11 Passamos, na
seção seguinte, a tratar da comunicação eleitoral.

4.3 Comunicação eleitoral


É na coisa do povo (res publica) que emerge a necessidade da legitimação popular
dos governantes pelos seus governados, pois a fonte primária de poder – o povo –, ao
não poder dirigir os negócios do Estado diretamente, outorga as funções de governo a
representantes eleitos periodicamente. Ao trazermos à baila as principais características
da forma republicana de governo, veremos que é ali que residem tanto o espaço para
o desenvolvimento, quanto à razão para a existência de uma comunicação eleitoral.
Assim, a eletividade (direta ou indireta), a temporalidade, a representatividade popular,
e o dever de prestar contas justificam, ao menos em tese, a existência de uma forma de
comunicação entre governantes e governados no período eleitoral.
Atualmente, a comunicação eleitoral vive o que Pippa Norris (2000) chama de
estágio pós-moderno, cujo início se deu na década de 1990 e conta com características
como a organização e o planejamento profissional, a descentralização das operações,
adesão de consultores profissionais, altos custos e a divulgação através de distintos
meios de comunicação, caso da televisão, internet e anúncios em plataformas diversas.
No Brasil, as modificações na legislação eleitoral em termos de formas de arreca-
dação, tempo de campanha, permissão ou restrição de mídias específicas trazem novas
perspectivas e abrem novas possibilidades para a realização de campanhas. Este é o caso,
por exemplo, das eleições de 2014, regulamentados pela Lei nº 12.891/2013 que autorizou,
dentre outras medidas, o uso das redes sociais digitais pelos candidatos para manifestação
e posicionamento pessoal sobre questões políticas durante o período de campanha.
Como resultado, Daniela Neves e Eneida Desiree Salgado (2017, p. 3) explicam que esse
“dinamismo causa impacto na formatação das campanhas e no debate eleitoral”.
A fim de conquistar a adesão de eleitores, consumada nas urnas, os candidatos
precisam ponderar a respeito de três elementos presentes em campanhas eleitorais, mas
que não necessariamente coincidem: aquilo que o candidato realmente é; a imagem
que ele almeja projetar; e aquilo que os eleitores percebem a partir dessa combinação
(SALGADO, 2004).
Para tal é necessário realizar a construção de um conceito, que seja factível
com a versão original do candidato ao conjugar aspectos simbólicos ideais e reais do
personagem. Assim, até chegar o momento da comunicação desse conceito, que ocorre

11
No original: “evoca la confrontación de diferentes legitimidades sancionadas por el horizonte de las elecciones,
en función del cual se estructuran los discursos”.

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QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL
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essencialmente no período eleitoral, há a necessidade de uma equipe de pesquisa que


investigue variáveis que podem ter como ponto de partida as seguintes questões:
qual é a necessidade do meu eleitorado? Quais as crenças do meu candidato? Qual a
personalidade deste candidato? Quais fatos relativos ao meu candidato serão atacados
pelos oponentes e que devem ser evitados? Quem são esses oponentes? O que o eleitorado
espera de um representante?
Com base nessas questões podemos construir e divulgar a imagem de um
candidato que de forma coerente e crível agregue elementos como a plataforma de
campanha (proposta), conceitos e ideias, o histórico do candidato e do partido, e a
imagem apresentada por ele com sua postura física, sua forma de falar, vestir e se
movimentar, enfim, com as linguagens mencionadas na seção anterior. Logo, é a partir
do posicionamento de um candidato que a comunicação eleitoral será instrumentalizada
a fim de destacar as suas principais fortalezas e torná-las uma vantagem competitiva.
Javier Galicia (2010) define, inclusive, o posicionamento como uma forma de controlar
a comunicação política, pois ela não se trata de criar algo novo ou diferente, mas de
manipular o que já está na mente do público, utilizar as conexões já existentes.

O candidato obtém seu melhor desempenho quando consegue se posicionar bem


estrategicamente, utilizando conhecimentos conjunturais mais relevantes para mostrar a
correção das suas propostas, criando, através da sua ação fatos politicamente relevantes
e orientando a sua atividade de forma sintonizada com as preocupações e expectativas
predominantes – não somente em relação aos temas considerados mais importantes, mas
também a postura adequada ao momento (SILVEIRA, 2000, p.129-130).

Conforme destaca Panke (2011), para produzir um diferencial no candidato


em questão, a plataforma pode, inclusive, se utilizar de temas polêmicos para gerar
identificação do eleitorado com uma causa a fim de que se desenvolva a memorização e
não exclusão daquele que está sendo apresentado ao público. Assim, o discurso eleitoral
emerge como um meio de caráter persuasivo, pois no imaginário do eleitor ele encontra
terreno fértil ao se referir ao futuro e/ou articular e agregar elementos simbólicos para
propagar ideias.
No que tange aos discursos eleitorais, Panke (2011) elencou dez estratégias usadas
por candidatos a cargos eletivos, conforme apresentamos a seguir:
1 Suposto caráter do candidato: o ethos. A propaganda eleitoral tenciona a valorização
da pessoa, ou do candidato em si;
2 Abstração valorativa: valores morais se sobressaem em detrimento de propostas
concretas. O uso de valores que regem determinada localidade/grupo social são usados
como temas aplicáveis para diversos tipos de candidaturas, que acabam norteando as
composições e os valores mais generalistas como amor à Pátria ou liberdade, por exemplo;
3 Promessas baseadas em demandas sociais generalizadas: são as temáticas centrais. A
ênfase a essas questões pode ser encontrada em letras de jingles ou no próprio discurso
dos candidatos que precisam reforçar temas de campanha que auxiliem a associar sua
imagem com algo que já foi feito, será feito ou está sendo realizado (esta última situação
no caso de candidatos a reeleições) .
4 Legitimação da realidade realizada por números veiculados pela imprensa ou institutos
de pesquisa: são argumentos de transitividade que buscam transferir afirmações entre

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82 PROPAGANDA ELEITORAL

termos. Geralmente não está presente nos jingles em função do caráter mais técnico que
a legitimação acarreta.
5 Forte apelo à autoridade: o uso de depoimentos de populares ou lideranças
reconhecidas em determinadas comunidades se aplica como argumento porque essas
pessoas dão respaldo ao candidato para que ele defenda determinada tese;
6 Relação entre aspectos do candidato com realizações passadas ou futuras sem ligação
lógica entre eles: trazer os atos de uma pessoa à baila reforça ligações de coexistência e
demonstra que a imagem do candidato está de acordo com aquilo que é considerado
importante para o seu eleitorado;
7 Empatia: a estratégia de colocar-se no lugar do outro está diretamente vinculada
ao vínculo emocional que pode ser estabelecido por melodias mais calmas e que puxam
para o drama, por exemplo;
8 Projeção: são as típicas promessas que apontam para onde o eleitor supõe poder
chegar aderindo à proposta do orador;
9 Identificação: é a apresentação de atitudes que se assemelham ao do público
almejado e podem ser feitas por meio da apresentação de vínculos culturais ou sociais,
por exemplo;
10 Ênfase aos discursos emotivos: são discursos que simulam determinada pedagogia
política ou função instrucional, podem ocorrer por meio de rimas que trazem o atributo
do candidato e o número a ser digitado durante a votação.

É claro que o uso de estratégias argumentativas para fins eleitorais não se limita
às categorias acima elencadas, tampouco somente à plataforma discursiva. Todavia,
essas categorias podem servir como ponto de partida para pesquisas acadêmicas ou
até mesmo para os profissionais de comunicação que buscam ampliar seu repertório
na construção da imagem de um candidato. Uma vez eleito, o candidato a um cargo
do Executivo passa trabalhar com a comunicação governamental, a qual discutimos
na seção seguinte.

4.4 Comunicação governamental

Quando lidamos com aspectos da comunicação governamental vemos a existência


de uma recorrente confusão no imaginário popular entre aquilo que caracteriza um
Estado e um governo. Longe de nos debruçarmos sobre a Teoria Geral do Estado, mas
percebendo a necessidade de tornar o assunto acessível ao leitor, damos início a esta
seção com a simples explicação de que governo é um dos elementos constitutivos do
Estado (juntamente com território e nação), sendo representado por cidadãos eleitos
via sufrágio universal para mandatos temporários, caso da sociedade brasileira.
Historicamente, as primeiras diretrizes para políticas de comunicação no Brasil
datam da década de 1920, mas é somente a partir do governo Getúlio Vargas, em seu
Estado Novo (1937-1945), que foram definidas políticas de controle e acesso à informação.
Durante o regime militar, que durou de 1964 a 1985, o foco dos sistemas de comunicação
do Estado se pautou no uso dos meios de comunicação de modo propagandístico, para
a promoção, controle e censura de ideias. No governo do último presidente militar, João
Batista Figueiredo, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República

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LUCIANA PANKE, PEDRO CHAPAVAL PIMENTEL
QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL
83

(Secom) foi instituída,12 incorporando à sua estrutura a Empresa Brasileira de Notícias


(Radiobrás), que até então tinha como atribuições o planejamento, execução e controle
das atividades de comunicação social em geral (SITE SECOM, 2014).
Fernando Collor de Mello (1990-1992), o primeiro presidente eleito pelo voto direto
após a redemocratização empregou uma forte estratégia de marketing político em sua
campanha, o que acabou por personalizar o próprio governo e a posterior comunicação
em torno de sua figura: um presidente jovem e dinâmico apto a levar o país rumo à
modernidade. Por sua vez, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) estruturou um
sistema de comunicação que envolvia diferentes dinâmicas de comunicação de governo.
Contudo, é somente durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011)
que as práticas de comunicação foram institucionalizadas “e suas definições passam
a servir de orientação para as práticas e investimentos do governo federal, através de
legislação” (WEBER, 2017, p. 27). Caso do Decreto nº 4.901/2003, que estabeleceu o
Sistema Brasileiro de Televisão Digital, do Decreto nº 5.820/2006 para a implantação da
TV digital e da Medida Provisória nº 398/2008 que foi substituída pela Lei nº 11.652/2008
que estabeleceu a criação da EBC.
A presidente Dilma Rousseff (2012-2016), em meio às graves denúncias de
espionagem realizadas pelos Estados Unidos no segundo semestre de 2013, tratou de lidar
com a questão da liberdade de expressão, informações e da questão da privacidade ao
regulamentar o Marco Civil da Internet,13 em 2016. Fato é que a questão da comunicação
governamental não é uma mera condução de técnicas e estratégias, mas passa também
por políticas de comunicação.
No caso brasileiro, ao falarmos de comunicação governamental estamos tratando
com a comunicação política planejada para períodos delimitados de tempo, isto é, o
tempo regular de um mandato para o Executivo, quando este está sob a administração
de uma política específica de governo determinada a partir de sua vitória nas eleições.
Ou seja, essa é a comunicação que “envolve as relações entre Estado, sociedade e governo
a partir da ação deste último” (DUARTE, 2011, p. 122). Nessa linha, Thierry Saussez,
diretor do serviço de informação do governo francês (SIG) considera a comunicação
governamental como impessoal, despojada de conceitos ou promessas (MÉRITENS,
2009). Para ele, essa comunicação se refere a fatos específicos, medidas, reformas ou
comportamentos que se dirigem ao interesse público ou à promoção do bem-estar social,
devendo ser mais informacional do que contar com meios persuasivos.
A comunicação governamental não trata apenas da emissão de mensagens
top-down (do governo para cidadãos), e é a partir do processo de redemocratização do
Brasil, e em especial dos anos 1990, que questões relativas à “visibilidade, transparência
e defesa do interesse público foram dirigidas à construção de um ‘novo país’ que
exigia uma comunicação diferenciada para estruturar o debate público” (WEBER,
2017, p. 27). Naquele momento começam a aparecer demandas por um novo país
que, amparado em ideais democráticos, passou a exigir, ou ter como necessidade, um
sistema de comunicação pública, que não fosse, necessariamente, vertical e repressivo.

12
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR) foi instituída pela Lei nº 6.650, de
23 de maio 1979 (SITE SECOM, 2014).
13
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/espionagem-cibernetica/propostas-senadores-
querem-inteligencia-forte/marco-civil-da-internet-foi-reacao-brasileira-a-denuncias-de-snowden>. Acesso em: 19
jan. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
84 PROPAGANDA ELEITORAL

A Lei Complementar nº131/1990, por exemplo, deu início ao surgimento de inúmeros


Portais da Transparência, os quais disponibilizam informações sobre o uso de recursos
nas esferas municipal, estadual e da União e também dos Três Poderes.
O uso de plataformas que proporcionem uma comunicação bottom-up, isto é,
partido do cidadão para o governo, sob aspectos informativos e até mesmo deliberativos,
estão cada vez mais presentes no país. Ferramentas como o E-Cidadania14 abrem aos
cidadãos a possibilidade de deliberar sobre determinadas temáticas que podem vir ou
não a ser votadas pelo Parlamento. Outro caso é o Sistema Eletrônico do Serviço de
Informação ao Cidadão (e-SIC),15 que permite a qualquer cidadão solicitar informações
a órgãos e entidades do Executivo Federal, que passam a ter prazos específicos para
atender as demandas.
A disponibilização de informações e a existência de canais para a troca de ideias
com a população são apenas um dos aspectos dessa comunicação governamental.
Nós percebemos que a comunicação governamental também pode ser persuasiva,
distinguindo-se da comunicação eleitoral somente pelo período em que ocorre. Enquanto
esta busca votos, aquela busca a aprovação e a governabilidade que resultarão no sucesso
ou fracasso em relação aos objetivos ao longo do período de governo. Há diferenças entre
as formas de comunicar realizada por cada um dos poderes da República, contudo, é o
Executivo – que sob a vigilância da mídia, a qual por vezes é tomada como quarto poder,
aquele que “detém a maior capacidade de investimentos: informação, propaganda,
mídias – para tornar visíveis ações públicas e mais potência para ampliar a imagem
pública de instituições e sujeitos públicos” (WEBER, 2011, p. 106).
Permanece a dependência de sujeitos em funções públicas, legitimados pelo voto
popular no brasileiro, pela repercussão positiva de suas ações e de seus discursos. Fato
é que, assim como ocorre na comunicação eleitoral, a formação de uma imagem pública
de governo requer estruturas e organizações profissionais amparadas por “estruturas
administrativas, tecnologia avançada, empresas de assessoria, agências, profissionais
qualificados e rotinas vinculadas às profissões de relações publicas, jornalismo e
propaganda” (WEBER, 2011, p. 106).
Ao lidar com fluxos de informação e trabalhar os relacionamentos entre o
Executivo e a sociedade, os limites dessa comunicação, que segundo Weber (2017, p.
37) está estruturada para a democracia, estão no simples “cumprimento dos planos de
difusão de informações específicas em defesa de seus projetos”.
A partir dessa breve retrospectiva das políticas de comunicação brasileiras,
percebemos que diferentes governos utilizam, adaptam e desenvolvem novas formas
e plataformas para estabelecer fluxos de comunicação e informação com a população.
É através do uso da estrutura do Estado, regulada por legislação específica, como o
Decreto nº 3.296/1999 e o próprio artigo 37, §1º da Constituição Federal de 1988, que
cada governante terá meios para a construção de uma imagem positiva do seu governo e
desenvolver a governabilidade necessária com seus governados. A discussão a respeito
dos limites e potenciais da comunicação de governo segue, dessa maneira, como um
espaço fértil naquilo que diz respeito a normas, plataformas e rotinas.

14
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/>. Acesso em: 11 jan. 2017.
15
Disponível em: <https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.aspx>. Acesso em: 11 jan. 2017.

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LUCIANA PANKE, PEDRO CHAPAVAL PIMENTEL
QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL
85

4.5 Considerações finais


A partir das questões conceituais traçadas neste capítulo, podemos destacar a
complexidade da comunicação. A formação de comunidades e o estabelecimento de
normas surgem como resultado das relações sociais e dos contratos estabelecidos entre
os participantes dessas relações de poder. A depender do contexto e das sociedades
em que indivíduos estão inseridos, há percepções diversas a respeito da comunicação
e de suas práticas. Portanto, àqueles que trabalham com comunicação ou desejam se
lançar nesse campo, lembramos: nada é aleatório em comunicação! Há uma série de
fatores que deve ser levado em consideração a fim de alcançar objetivos; instrumentos,
linguagem, estratégias, interlocutores, etc.
A comunicação política, estruturada para a obtenção da aprovação pública, seja
ela com fins eleitorais ou de governabilidade também tem a sua efetividade pautada em
inúmeros fatores que envolvem diferentes áreas de conhecimentos, questões técnicas, e a
adaptação da própria mensagem. O planejamento e a adaptação de mensagens visando
a fins específicos passam pela construção da imagem pública do sujeito político, aspecto
essencial na comunicação política e que, a depender da ênfase, pode criar personagens
distintos da realidade.
Por fim, devemos destacar as dificuldades encontradas na conceituação dos
diversos campos que envolvem a comunicação política. Termos como comunicação
política e pública, ou comunicação estatal e governamental, possuem fronteiras não
bem delimitadas e que carecem maiores especificações práticas e teóricas. A discussão
a respeito dos limites e potenciais de cada uma das formas de comunicação permanece
prolífera naquilo que diz respeito a normas, plataformas e rotinas. Em linhas gerais,
o debate de questões conceituais sobre comunicação permanece salutar, propondo a
reflexão e o desenvolvimento teórico, a possibilidade de reconhecimento de limites para
o uso de um ou outro termo e meios, e a evolução de sua aplicação técnica e instrumental.

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LUCIANA PANKE, PEDRO CHAPAVAL PIMENTEL
QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E GOVERNAMENTAL
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

PANKE, Luciana; PIMENTEL, Pedro Chapaval. Questões conceituais sobre comunicação política,
eleitoral e governamental. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de
Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 71-87. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 5

A COMUNICAÇÃO POLÍTICA EM TEMPOS DE BIG


DATA E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: A CAMPANHA
DIGITAL DE DONALD TRUMP E O FUTURO
DO MARKETING ELEITORAL BRASILEIRO

DIOGO RAIS,
L. N. CASTRO

5.1 Introdução
O big data e a revolução tecnológica que vivemos estão presentes em todos os
campos da nossa vida, mesmo que você não queira ou não saiba, mas eles estão lá.
Atualmente nem as compras na farmácia são tão ingênuas como parecem, o seu
cadastro como cliente também possui um perfil que permite a indicação de promoções
personalizadas, além do envio de mensagens com promoções instantâneas em produtos
que, não coincidentemente, lhe interessam.
Lembram aqueles anúncios persistentes que, após a realização de uma busca na
internet por determinado produto, povoam nossas redes sociais? Pois é, isso também
não é fruto do acaso ou um “golpe de sorte” é o big data e os reflexos de uma revolução
na comunicação entre pessoas e, entre pessoas e coisas.
Todos os dados tecnológicos que geramos deixam rastros capazes de desenhar
o perfil de cada um, indicando seus desejos, ódios e indiferenças, e tudo isso, mesmo
que você ainda não se tenha sequer pensado a respeito.
A velocidade e a pluralidade de conexões contribuem para um número cada
vez mais espantoso de conversas, que cada vez mais se apresentam atemporais e
extraterritoriais. Hoje, podemos conversar com qualquer pessoa em qualquer lugar do
mundo, podemos conhecê-la, vê-la e ouvi-la, podemos ter conversas intermináveis pelo
WhatsApp com uma ou mais de uma centena de pessoas.
Podemos, na ponta dos dedos, ler o folheto de natal enviado pelo governo aos
combatentes brasileiros na Segunda Guerra Mundial, nos emocionar com uma série ou
filme e rir como bobos de algo que tenha acabado de viralizar.
Se a internet é capaz de fazer tudo isso e, muito mais, por que não estaria também
no centro da política e da campanha eleitoral? Afinal, a campanha também faz parte
da nossa vida, assim como a internet e a tecnologia.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
90 PROPAGANDA ELEITORAL

Em breve, talvez não entraremos mais na internet, e isso não porque ela deixará
de existir ou de ser interessante, mas sim porque jamais sairemos dela.
Parece evidente que o mundo virtual cada vez mais se funde ao real e este é o
cenário e o produto de nosso tempo.
Mas como lidar com os problemas das notícias falsas, da produção de comentários
automatizados, como identificar o discurso completo de um candidato sem cair na
“armadilha” de ouvir apenas o que você quer ouvir e perder a chance de conhecer o
seu candidato de forma plena?
Por mais esquisito que seja, todos esses problemas não parecem ser novos. Sempre
existiram os boatos sem fundamento algum que rodeiam as campanhas eleitorais. Assim
como sempre existiram os candidatos insinceros que selecionam seu discurso de acordo
com o perfil da pessoa que o esteja ouvindo (RAIS, 2017).1
Parece que o que mudou não foram os problemas, mas sim sua escala e velocidade.
Para que possamos discutir essas questões o presente artigo científico foi
desenvolvido a partir de um caso concreto: a campanha eleitoral de Donald Trump.
Não temos qualquer pretensão em resolver aquilo que sequer o FBI concluiu,
mas escolher o caso Trump embora ainda incompleto e com poucas informações a
respeito, tem o intuito de enfrentar algumas questões que vêm à tona a partir das eleições
presidenciais americanas de 2016.
A partir deste caso concreto caminharemos para alguns conceitos, analisando o
big data e o processo de evolução da comunicação partindo para o enfrentamento do
tema sobre big data, inteligência artificial e democracia, para então, apresentar nossas
considerações finais a respeito do tema.

5.2 Breve relato do caso Trump


Desconhecido do cenário político, mas presente há décadas na TV americana,
reconhecido como uma celebridade do business world e protagonista de reality show
Donald Trump alcançou a Casa Branca.
Notável caçador de polêmicas e de confrontos, fala sobre tudo e todos, instanta-
neamente, pelo Twitter e age, principalmente, por reações e acusações.
Essa mistura explosiva fez o presidente-celebridade ou a celebridade-presidente
viralizar e alcançar um dos cargos mais poderosos do mundo.
Democrata até 1987 e, posteriormente, republicano (1987-1999), integrando ainda o
partido da reforma entre 1999 e 2001, para posteriormente retornar ao partido democrata
entre 2001 e 2009 e, por fim, regressar ao partido republicano,2 Donald Trump venceu
as eleições americanas em 2016 após uma campanha essencialmente interativa e digital
e, por que não, repleta de dúvidas quanto a sua integridade.
Cada frase polêmica proferida pelo candidato republicano garantiu mídia
espontânea, criando uma janela de oportunidade que foi integralmente aproveitada

1
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/11/1936498-em-vez-de-coibir-internet-na-eleicao-e-
preciso-emprega-la-para-fiscalizacao.shtml>. Acesso em: 27 dez. 2017.
2
Donald Trump: conheça sua trajetória e suas propostas. G1: 8 nov. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/
mundo/eleicoes-nos-eua/2016/noticia/2016/11/donald-trump-conheca-sua-trajetoria-e-suas-propostas.html>.
Acesso em: 28 dez. 2017.

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DIOGO RAIS, L. N. CASTRO
A COMUNICAÇÃO POLÍTICA EM TEMPOS DE BIG DATA E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: A CAMPANHA DIGITAL DE DONALD TRUMP E O FUTURO DO...
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pela campanha, construindo uma imagem de autenticidade e paixão envolvendo as


pessoas por laços de emoção, ainda que negativos e odiosos, assim como costumam
fazer esses programas de TV, só que, agora, o canal é os Estados Unidos e o cenário é
a Casa Branca.3
Com o slogan “Make America Great Again” contou com uma equipe composta,
dentre outros, por Brad Parscale, diretor de campanha digital; Paul Manafort, seu
chefe de campanha; Rick Gate, sócio de Manafort;4 George Papadopoulos, assessor de
campanha; Michael Glassner, diretor executivo da campanha eleitoral; e com a empresa
Cambridge Analytica.
A Cambridge Analytica, multinacional britânica, utilizou como estratégia de
atuação uma metodologia que busca traçar a personalidade dos indivíduos com base
em preceitos clássicos de psicologia e psicometria, aliando essas técnicas aos rastros
digitais que são deixados cotidianamente pelas pessoas em suas atividades comuns,
“como perfis em redes sociais, GPS de locais visitados, dados de uso dos serviços
públicos e compras online”.5
Utilizando-se basicamente da classificação de pessoas para customizar a campanha
para cada perfil, o método que é conhecido pelo sugestivo acrônimo OCEAN6 que
significa: Openness, que mede o quão aberta a novas experiências a pessoa pode ser;
Conscientiousness, que avalia a preocupação de uma pessoa com a organização e eficiência;
Extraversion, que mede o nível de sociabilidade e tendência de ver situações pelo lado
positivo; Agreeableness, que avalia a cooperação e sensibilidade com questões de outras
pessoas; e Neuroticism, que verifica a intensidade emocional com que a pessoa reage
ao receber informações.7
No texto “The Data That Turned the World Upside Down”, em tradução livre
“Os dados que viraram o mundo de cabeça para baixo” escrito por Mikael Krogerus e
Hannes Grassegger publicado originalmente na Vice8 e replicado no programa de política
pública de Stanford9 contam a história de Michal Kosinski que era um estudante em
Varsóvia tendo sido aceito em 2008 pela Universidade de Cambridge para fazer seu
PhD no Centro de Psicometria.
Michal Kosinski teria desenvolvido um modelo para alcançar mais acertos
partindo de deduções, por exemplo, homens que curtiam uma marca de cosméticos
tinham um pouco mais de probabilidades de ser gays; seguidores de Lady Gaga eram

3
ROSENWALD, Peter. O que a vitória de Trump ensina às empresas sobre marketing. Endeavor: 10 nov. 2016.
Disponível em: <https://endeavor.org.br/donald-trump-marketing/>. Acesso em: 28 dez. 2017.
4
Justiça dos EUA detém ex-chefe de campanha de Donald Trump. Veja: 30 out. 2017. Disponível em: <https://veja.
abril.com.br/mundo/justica-dos-eua-detem-ex-chefe-de-campanha-de-donald-trump/>. Acesso em: 28 dez. 2017.
5
MARREIRO, Flávia e ROSSI, Marina. O marqueteiro brasileiro que importou o método da campanha de
Trump para usar em 2018. El País: 15 out. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/11/
politica/1507723607_646140.html>. Acesso em: 27 dez. 2017.
6
Idem.
7
FLORES, Paulo. O que a Cambridge Analytica, que ajudou a eleger Trump, quer fazer no Brasil. Nexo Jornal: 8
dez. 2017. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/12/08/O-que-a-Cambridge-Analytica-
que-ajudou-a-eleger-Trump-quer-fazer-no-Brasil>. Acesso em: 28 dez. 2017.
8
Disponível em: <https://motherboard.vice.com/en_us/article/mg9vvn/how-our-likes-helped-trump-win>. Acesso
em: 27 dez 2017.
9
Disponível em: <https://publicpolicy.stanford.edu/news/data-turned-world-upside-down>. Acesso em: 27 dez
2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
92 PROPAGANDA ELEITORAL

muito provavelmente extrovertidos, enquanto aqueles que curtiam filosofia tendiam


a ser introvertidos.
A estratégia estava no volume das informações, pois embora cada uma dessas
informações seja muito fraca para produzir uma previsão confiável, quando dezenas,
centenas ou milhares de dados individuais são combinados, as previsões resultantes
tornaram-se mais precisas.
Os autores afirmam que Kosinski e sua equipe refinaram incansavelmente seus
modelos e em 2012, com uma média de 68 curtidas no Facebook, já seria possível –
segundo eles – descobrir a cor da pele de um usuário (com índice de acerto de 95%),
sua orientação sexual (88%) e sua filiação no partido Democrata ou Republicano (85%)
e afirmam que: “[A] precisão com que era possível prever as respostas de um sujeito
era exemplo da força de seu modelo” (KROGERUS; GRASSEGGER, 2017)
Kosinski criou o My personality, mas quando procurado por empresas de gestão
e estratégias eleitorais recusou a migração de área, negando também a utilização de
seu método de identificação de personalidades para fins eleitorais.
Anos depois o chefe executivo da Cambridge Analytica, Alexander Nix, apresentou
o modelo de identificação com base no perfil da personalidade utilizando-se do big
five ou do modelo OCEAN. “Na Cambridge”, disse ele, “somos capazes de formar um
modelo para diagnosticar a personalidade de cada um dos adultos dos Estados Unidos.”10
De acordo com Nix, o sucesso do marketing da Cambridge Analytica baseia-se
numa combinação de três elementos: ciência comportamental usando o Modelo OCEAN,
análise de big data e publicidade segmentada.
Na campanha de Trump para as eleições de 2016, a partir dos dados coletados, e
utilizando o big data como principal instrumento para lançar propagandas específicas para
cada um dos perfis criados,11 a Cambridge Analytica explorou duas frentes para alcançar
seu objetivo: uma off-line, enviando materiais para residências e escolhendo programas
de TV para exibir suas propagandas; e outra online, onde patrocinou publicidade eleitoral
direcionada a grupos em redes sociais, sobretudo no Facebook.12

5.3 O big data


O big data está na farmácia, no supermercado, na medicina, no direito, nas finanças,
no governo, e por que não estaria na política?
Entre os anos 1986 e 2007 foram armazenados cerca de 295 bilhões de gigabytes de
dados (Hilbert & López, 2001). Em 2013 a quantidade de usuários da internet já atingia
2,8 bilhões de pessoas, o número de artigos da Wikipédia apenas em inglês atingiu a
marca de 4,4 milhões e a quantidade de horas de vídeo enviadas para o YouTube já
passava de 13 milhões anuais (de Castro & Ferrari, 2016).
No artigo intitulado “Progresso na Eletrônica Digital Integrada” (“Progress in
Digital Integrated Electronics”, tradução livre dos autores), G. Moore (1975) observou

10
Idem.
11
FLORES, Paulo. O que a Cambridge Analytica, que ajudou a eleger Trump, quer fazer no Brasil. Nexo Jornal: 8
dez. 2017. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/12/08/O-que-a-Cambridge-Analytica-
que-ajudou-a-eleger-Trump-quer-fazer-no-Brasil>. Acesso em: 28 dez. 2017.
12
Idem. Vale esclarecer que por meio do detalhamento do perfil dos usuários o patrocinador pode filtrar os usuários
por suas características: idade, gênero, páginas com as quais interage e seus comportamentos e interesses.

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que a complexidade da tecnologia de circuitos integrados dobrava a cada ano desde


sua concepção no final da década de 1950, mas que essa taxa de crescimento passaria a
ocorrer a cada dois anos. De forma similar, estima-se que a quantidade de informação
no mundo dobre a cada 20 meses (Frawley et al., 1992).
Schmidt & Cohen (2013) postularam que se o ritmo atual de inovação tecnológica
for mantido, por volta do ano 2025 a maior parte da população mundial, que já será em
torno de 8 bilhões de pessoas, estará conectada via internet.
Essa sociedade conectada tem levado às mais extraordinárias transformações
sociais, culturais e políticas na história, refletindo não apenas no ambiente virtual
(online), mas também no ambiente real (off-line).
Surgiu, portanto, uma necessidade premente de se compreender essa sociedade
conectada e, um passo nessa direção, é extraindo conhecimentos a partir dos dados
gerados, postados e compartilhados no ambiente virtual. A compreensão desses dados
nos permite, dentre outras coisas, formular políticas e resolver problemas como crises
financeiras internacionais, revoltas e epidemias (Conte et al., 2013).
Todo o setor produtivo ampliou significativamente a capacidade de coletar
dados, principalmente via sensores, e armazená-los. Porém, mesmo assim, a internet
ainda figura como a maior geradora massiva de dados, além de permitir as interações
sociais de forma jamais vista, encurtar a distância e facilitar a comunicação entre pessoas.
A possibilidade de geração e compartilhamento de conteúdo pelos usuários levou ao
conceito de Web 2.0 (O’Reilly, 2005; Braverman & Southwick, 2009). Consequentemente,
houve uma descentralização da informação, que antes era transmitida em um formato
um-para-muitos e agora passou a ser transmitida de muitos-para-muitos. Dentre os espaços
que permitem tal comunicação destacam-se os blogs, as redes sociais online, os fóruns e
os wikis (Kietzmann et al., 2011).
Esses espaços, ou plataformas, permitem uma comunicação muito mais ampla,
tanto geograficamente, quanto em alcance. As redes sociais online, também conhecidas
como mídias sociais, correspondem aos serviços web de criação e compartilhamento de
conteúdo de forma descentralizada, sob a lógica de participação de todos-para-todos
ou muitos-para-muitos, que usa a Internet como canal de produção e transmissão
(Lima, 2016).
As mídias sociais, como o Twitter, Facebook, LinkedIn, WhatsApp e o YouTube,
tornaram-se uma das ferramentas de comunicação mais utilizadas no mundo virtual.
Dados do Relatório Digital 201713 da empresa We Are Social (wearesocial.sg) mostram
que, do grupo de 3,7 bilhões de usuários ativos na Internet, 2.8 bilhões também estão
ativos nas mídias sociais, um aumento de aproximadamente 482 milhões de usuários
em comparação com o relatório de 2016.14
Essa superabundância de dados tornou necessária a aplicação de técnicas e
ferramentas que transformem, de maneira inteligente e automática, os dados disponíveis
em informações úteis, que representem conhecimento para uma tomada de decisão
estratégica nos negócios e até mesmo no dia a dia de cada um de nós.
Nesse sentido, pesquisadores das mais variadas áreas têm se dedicado a estudar
métodos para mineração de dados, que pode ser entendida como um processo sistemático,

13
Disponível em: <https://wearesocial.com/sg/blog/2017/01/digital-in-2017-global-overview>.
14
Disponível em: <http://wearesocial.sg/blog/2016/02/63-mobile-phones/>.

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interativo e iterativo, de preparação e extração de conhecimentos a partir de grandes


bases de dados (de Castro & Ferrari, 2016).
Todos esses elementos discutidos até aqui (internet, redes sociais e mineração de
dados) convergem para o que hoje é conhecido como big data (Marz & Warren, 2015;
Bahga & Madisetti, 2016).
Essa terminologia apareceu inicialmente em um artigo científico publicado nos
Anais do Evento Visualization em 1997 (Cox & Ellsworth, 1997). Os autores usaram o
termo big data para descrever um desafio comum na década de 1990: supercomputadores
gerando enormes quantidades de informações que não podem ser processadas e
visualizadas da forma convencional. Em 1999 J. Mashey apresentou uma palestra
intitulada “O Big Data e a Próxima Onda de Problemas, Soluções e Oportunidades
do Stress na Infraestrutura” (“Big Data and the Next Wave of InfraStress Problems,
Solutions, Opportunities”, tradução livre dos autores).
Esses trabalhos pioneiros essencialmente discutiam o problema da superabun-
dância de dados, e foi na década seguinte que a área começou a ganhar forma com o
desenvolvimento das tecnologias para armazenamento e manipulação de dados em
grande variedade, velocidade e volume, características conhecidas como os 3 Vs do big data.
Além disso, a Internet e as mídias sociais contribuíram de forma significativa para o
avanço do big data e suas aplicações se estendem às mais diversas áreas do conhecimento.
Dados provenientes das interações sociais nas mídias sociais abriram espaço
para uma série de investigações e inferências relativas ao comportamento humano sob
a perspectiva dos usuários, ou seja, da sociedade conectada.
Pesquisas como mineração de opinião e análise de sentimento indicam as preferências
em diferentes contextos, desde produtos e serviços, até inclinações políticas.15

5.4 Big data, inteligência artificial e democracia: entre o apocalipse e a


responsabilização humana
Cathy O’Neil professora e pesquisadora em matemática, tendo passagens acadê-
micas por Columbia, Massachusetts Institute of Technology (MIT) entre outras faculdades
americanas renomadas, publicou em 2016 a obra Weapons of Math Destruction: How Big
Data Increases Inequality and Threatens Democracy, em tradução livre: “Armas de Destruição
Matemática: Como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia”.
Fazendo um trocadilho entre “armas de destruição matemática” e “armas de
destruição em massa” a autora aborda diversas questões sensíveis sobre o uso dos
algoritmos, big data e democracia.
A autora discorre sobre sistemas e modelos matemáticos indicando seu grande
impacto na vida das pessoas.
Exemplifica a relação delicada entre humano e máquina, e indica diversos casos em
que os algoritmos são utilizados para decidir sobre a concessão ou não de empréstimos;

15
No caso da política o impacto do big data pode se dar de diferentes formas e para ilustrar algumas dessas formas,
apresentamos dois estudos de caso envolvendo a política nacional. O primeiro caso se refere a um estudo sobre o
impacto das ações nas mídias sociais do vereador Thiago Lucena. Para isso tomaremos todas as postagens feitas
pelo vereador entre o dia 10.07.2016 e o dia 11.07.2017 na mídia social Facebook. No segundo caso faremos um
estudo sobre a repercussão da votação da PLC 28/2017 na sociedade conectada usando dados coletados da mídia
social Twitter entre os dias 21.10.2017 e o dia 10.11.2017. Ambos serão apresentados pelos Apêndices A e B.

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aprovação em faculdades ou cursos; desenvolver estratégias de segurança, ou ainda,


para decidir se um humano deve ou não ingressar em um posto de trabalho, ou até, se
for o caso, se está no momento de ser demitido (O’NEIL, 2016).
O’Neil também revela sua preocupação não somente com a atividade dos
algoritmos nesses campos relevantes da vida humana, mas também problematiza a
deficiência e falhas na criação desses algoritmos.
A autora afirma que tudo isso se deve agravar considerando o uso de inteligência
artificial, especialmente, a machine learning (ou aprendizado de máquina).
Nesse cenário, esses algoritmos teriam a capacidade de se auto modificar, sendo
(re)construídos com o uso e interação, o que poderia inclusive, fortalecer essas falhas
facilitando a aplicação de resultados tendenciosos. Daqui surge a principal preocupação
colocada por Cathy O’Neil em seu livro, este conjunto de hipóteses poderia reforçar
os estereótipos podendo agravar, ainda mais, a exclusão e diferenças entre as pessoas.
Considerando o recorte do presente artigo, um dos pontos com maior aderência
da obra de O’Neil é o que ela identifica como uma espécie de “confiança cega nos
algoritmos”. É como se todas as decisões, desde que fossem tomadas com base no
desenvolvimento matemático dos algoritmos, seriam, de antemão, decisões corretas.
Na obra clássica de Darrell Huff escrita em 1954 com o provocativo título “Como
mentir com estatísticas”, ele inicia o capítulo cinco comparando um trecho das leituras
de Alice, afirmando que falta coragem às pessoas admitirem a elasticidade dos números,
o que ele apelida de “trauma de respeito” (HUFF, 1954).
Vejamos o trecho da obra de Lewis Carroll, Aventuras de Alice e Através do
Espelho, referido aqui por Huff:

“– Quando eu uso uma palavra – disse Humpty Dumpty num tom desdenhoso – ela
significa exatamente aquilo que eu quero que signifique: nem mais nem menos.
– A questão é – disse Alice – se você pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes. – A
questão é – replicou Humpty Dumpty – saber quem é que vai mandar – só isto” (CARROL,
1865).16

O diálogo entre Alice e Humpty Dumpty escrito em 1864 por Lewis Carroll,
duvida do sentido da palavra e a extensão de seu significado, questionando se as
palavras significam o que significam, ou se significam o que seu “dono” quer que elas
signifiquem?
Da conjugação desses três últimos trechos: 1) a preocupação da matemática O’Neil
com a crença cega nos resultados dos algoritmos; 2) o “trauma de respeito aos números”
referidos por Huff e; 3) o diálogo entre Alice e Humpty Dumpty sobre o significado
das palavras, uma questão deve ser enfrentada: se a palavra poderia significar o que
alguém quer, será que os números não? Em outras palavras, será que contra números
ou dados não há argumentos?
Vale lembrar o que afirma Duncan Watts em sua obra “Tudo é óbvio desde que
se saiba a resposta (como o senso comum nos engana)”, para ele “[S]eres humanos
adoram fazer previsões, seja sobre os movimentos das estrelas, as oscilações do mercado
de ações ou a cor da moda da próxima estação” (WATTS, 2011).

CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá.
16

Capítulo 6, p. 359. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges.

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Mas após sua ampla pesquisa, crê que o ponto central da problemática a respeito
da previsão não se refere a uma previsão boa ou ruim, ou ainda, “que sejamos todos
bons ou ruins nesse quesito, mas sim, que somos ruins em distinguir previsões que
podemos fazer com segurança daquelas que não podemos” (WATTS, 2011).
Por isso vale ir um pouco além do big data, analisando brevemente alguns casos
de decisões algorítmicas e as dificuldades entre o erro e o acerto.
Tay, o perfil de inteligência artificial criado pela Microsoft para interagir com
adolescentes nas redes sociais, foi tirado do ar menos de 24 horas depois de ser ativado,
pois ao invés de se tornar mais perspicaz ao conversar com os humanos, em menos de
24 horas Tay passou a reproduzir o racismo e a ignorância na internet.17
No concurso internacional de beleza online Beauty.ai julgado por inteligência
artificial organizado pela Youth Laboratories, empresa que desenvolve inteligência
artificial para a análise de produtos dermatológicos, revelou resultados racistas em
suas “decisões”.18 Dentre os 44 vencedores, quase todos eram brancos, alguns eram
asiáticos, e apenas um tinha a pele escura.19
A organização do concurso de beleza utilizou cinco algoritmos avaliando a
juventude, simetria do rosto, pele e alguns outros parâmetros. O banco de dados foi
composto com modelos e atores famosos que foram utilizados como parâmetro.20
Em entrevista ao The Guardian, o chefe da equipe de ciências do Beauty.AI, Alex
Zhavoronkov, explicou que outro problema talvez tenha sido a pouca quantidade de
dados de minorias usados pela equipe para definir o padrão do que é ou não é atraente.
“Se você não tem muitas pessoas de diversas etnias dentro do conjunto de dados base,
então o resultado realmente pode ter sido influenciado”, justificou o cientista.21
Preocupados com o futuro da humanidade e da tecnologia, diversos cientistas
especializados em inteligência artificial lançaram pelo Future of Life Institute22 uma
relação com 23 princípios para impedir que os robôs dominem o mundo.
Esses princípios foram debatidos e estabelecidos em uma reunião do instituto
em 2017 e, além do apoio de Stephen Hawking e Elon Musk, contaram também com o
suporte de pessoas como Demis Hassabis (o CEO da DeepMind, empresa de inteligência
artificial do Google) e Yan LeCun (diretor de pesquisa em inteligência artificial do
Facebook) e apoio de mais de 2 mil cientistas.23
Os sétimo e oitavo princípios correlacionam-se diretamente com o tema desen-
volvido aqui:

7) Transparência em falhas: Se um sistema de Inteligência Artificial causar dano, deve ser


possível verificar por quê.

17
Disponível em: <https://veja.abril.com.br/tecnologia/exposto-a-internet-robo-da-microsoft-vira-racista-em-1-dia/>.
18
Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/09/09/O-que-acontece-quando-m%C3%A1quinas-
julgam-um-concurso-de-beleza>.
19
Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/economia/inteligencia-artificial/algoritmo-racista-sistema-
exclui-pessoas-de-pele-escura-de-concurso-de-beleza-ao64d50xmcfelmh468x9cvxrh>.
20
Idem.
21
Idem.
22
Disponível em: <https://futureoflife.org>.
23
Disponível em: <https://olhardigital.com.br/fique_seguro/noticia/stephen-hawking-defende-23-principios-para-
impedir-que-robos-dominem-o-mundo/65815>.

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8) Transparência jurídica: Qualquer envolvimento de uma Inteligência Artificial em um


processo de decisão judicial deve oferecer uma explicação aceitável e auditável por uma
autoridade humana competente.

Em ambos princípios o enfoque está na transparência, seja diante das falhas seja
diante das decisões judiciais.
Parece que a principal ferramenta para fazer frente aos efeitos colaterais da
tecnologia, sobretudo diante do big data e da inteligência artificial, deve ser a transparência.
Transparência na captura e no uso dos dados, transparência no desenvolvimento e
nos mecanismos de falhas, mas sem desrespeitar o direito de propriedade e de inovação
dos desenvolvedores, talvez resida um dos maiores desafios, garantir a transparência
sem vulnerabilizar a propriedade, mas são esses os desafios do nosso tempo.

5.5 Considerações finais


Para desenvolvermos nossas considerações finais, sobretudo a respeito do futuro
do marketing eleitoral e o uso das tecnologias como big data e inteligência artificial,
socorremo-nos do emblemático caso Kasparov vs. Deep Blue.
Quem não se recorda do lendário Garry Kasparov?
Nascido em Baku, no Azerbaijão, na União Soviética em 1963, tendo se tornado
o campeão de xadrez sub-18 da URSS aos 12 anos e chegou à fama internacional aos 22
anos como o mais novo campeão mundial de xadrez na história em 1985, permanecendo
com o título até 2000.24
Em 1996 aceitou o desafio feito pela IBM e na Filadélfia jogou com o supercom-
putador Deep Blue. A IBM tinha a promessa dessa máquina vencer qualquer ser humano
no jogo de xadrez, mas neste torneio humano-máquina Kasparov venceu a máquina
por 4 × 2 ganhando também e, ainda mais, fama e admiração mundial.
Confiante, Kasparov provocou um segundo embate já no ano seguinte. Só que
em 1997 a história foi diferente e, pelo impressionante placar de 3,5 × 2,5 (uma vitória
valia 1 ponto e um empate: meio), Kasparov perdeu para Deep Blue em Nova York.
Kasparov não aceitou a derrota pacificamente e questionou se o Deep Blue teria
feito alguma artimanha de ética duvidosa para vencê-lo.
Mas o que fez Kasparov perder? Foi o acerto da máquina ou o erro do humano?
Durante o torneio, mais precisamente no 44º lance, que foi executado pelo Deep
Blue, confundiu totalmente o Kasparov “por ser absolutamente contra intuitivo. Era
um movimento maluco, sem qualquer razão de ser. Não era estratégico, nem ofensivo
e nem defensivo”.
Kasparov podia calcular até 15 lances adiante, mas quando se deparou com
o lance nº 44, não encontrou lógica neste lance e crendo que a máquina não erraria,
concluiu que o Deep Blue o venceu, pois estava vendo algo tão adiante, que ele – o grande
Kasparov – não era capaz de antever e daí se desequilibrou emocionalmente pelo resto
do match terminando vencido pela máquina.25

24
Disponível em: <http://www.kasparov.com/biography/>.
25
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/revelado-foi-erro-no-computador-deep-blue-
da-ibm-que-fez-vencer-kasparov-em-1997-14349363>.

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Quase dez anos depois a IBM explicou o que aconteceu com o lance nº 44: foi
resultado de um bug, uma falha do supercomputador.
O Deep Blue deu “tilt” e por uma falha no código do programa entrou em “loop”
(faz com que o software fique rodando em círculos eternamente), mas havia um sistema
de segurança do software que, para casos de loop infinito, como foi o caso, seria ordenado
a fazer qualquer movimento válido, porém aleatório, só para o jogo não parar.
Só que Kasparov interpretou o ilógico movimento como uma espécie de prova
da superioridade da inteligência da máquina. “E ficou intimidado, embatucado por não
conseguir penetrar na supostamente avançada estratégia do oponente. Como resultado,
desistiu do jogo seguinte, perdendo a segunda batalha”.26
Depois, Kasparov tentou por algumas vezes uma revanche contra a máquina.
Mas a IBM recusou o desafio e desmantelou para sempre o Deep Blue – pelo menos para
as câmeras de TV que registraram a desmontagem de um computador muito parecido
com aquele que venceu o Grande Mestre.27
Em 2005 por um torneio mundial de xadrez promovido pela chess.com e com a
possibilidade de jogadores híbridos, poderiam se candidatar qualquer tipo de jogador,
poderia ser apenas humanos; apenas máquinas; ou máquina somadas a humanos.
Dentre os inscritos no torneio havia xadrezistas com muita experiência e já
premiados, ao mesmo tempo em que também havia amadores completamente desconhe-
cidos no cenário profissional do xadrez. Isso também aconteceu com as máquinas: havia
softwares já famosos e amplamente testados, ao mesmo tempo em que havia programas
completamente desconhecidos do público especializado, ou softwares destinados apenas
ao desenvolvimento de cálculos e não ao jogo de xadrez em si.
Mas curiosamente o grande vencedor desse torneio não foi o supercomputador
ou o software mais potente ou famoso. Assim como não foi nenhum dos mestres mais
pontuados e conhecidos do grande público.
No final do torneio os vencedores foram Steven Cramton e Zackary Stephen,
xadrezistas amadores que eram colegas de clube de xadrez em New Hamphsire (EUA).
E eles venceram utilizando-se de computadores, sem nenhuma grande especialidade
ou softwares superpotentes.28
Mas qual foi o segredo?
Parece que, acima de tudo, os dois amadores tinham aprendido a hora certa de
pedir ajuda aos computadores, e embora nenhum deles, tanto os homens quanto as
máquinas, eram os melhores que estavam em jogo naquele torneio, formaram o melhor
time e havia, entre eles, um entrosamento. Respeitando as limitações tanto das máquinas
quanto dos humanos, além de explorar o que cada um possuía de melhor.
Enfim, parece que neste torneio tão amplo quanto imprevisível, o grande vencedor
não foi a máquina ou o humano, mas sim o diálogo, a interação e o respeito.
Vivemos uma revolução tecnológica que reflete em todos os campos da vida. Se
precisamos aprender a viver neste novo mundo é importante que o façamos sem nos
esquivar de nossa responsabilidade.

26
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/revelado-foi-erro-no-computador-deep-blue-
da-ibm-que-fez-vencer-kasparov-em-1997-14349363>.
27
Idem.
28
Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160122_vert_fut_xadrez_maquina_fd>.

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É preciso compreender o papel de cada um neste novo mundo de dados. Somos


todos emissores de mensagens e produtores de dados e, por isso também, responsáveis
pelo que produzimos. Lidar com tudo isso sem se impor a si mesmo os cuidados
necessários é reforçar o descompromisso coletivo.
Em contrapartida, aqueles que se utilizam dos dados devem ser transparentes
ao máximo, formando um ecossistema de responsabilidade e transparência entre a
produção, captura e uso dos dados.
É claro que neste novo mundo tecnológico e repleto de dados há efeitos colaterais,
também há e – em maior escala – vantagens de viver neste novo mundo. As mudanças
não ocorreram apenas para ampliar nossos desafios, mas também para vencer desafios
novos e antigos.
A mesma tecnologia que preocupa é a que permite a denúncia, a partir da palma
da sua mão, à Justiça Eleitoral. O mesmo smartphone que captura dados também permite
o registro de um episódio de transgressão das regras eleitorais produzindo provas de
sua existência para que a demanda seja levada à Justiça Eleitoral.
A mesma tecnologia que fez os robôs e cria temor diante de eventual inflacio-
namento artificial ideológico-político, também poderia difundir bilhões de vezes as
boas práticas eleitorais educando a população e fomentando a integridade das eleições.
Talvez o futuro do marketing eleitoral brasileiro seja a interação humano-máquina,
não vencendo o melhor humano, nem a melhor máquina, mas sim aquele que saiba
explorar o que a máquina pode fazer, sem se iludir, com o que ela não pode fazer.
Em um espaço de transparência, responsabilidade e compromisso cremos que
o mundo de dados em que vivemos permite e, de certa maneira, exige, um marketing
reativo e de alta velocidade, capaz de se autotransformar instantaneamente, mas para
isso, não há como ter sucesso sem ouvir os eleitores levando à máxima potência a relação
que dá origem ao sistema democrático representativo: o elo e respeito pela representação
e participação da sociedade.

Referências
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Language Processing (IJCNLP). Chiang Mai, Thailand: [s.n.]. 2011. p. 2-10.
BRAVERMAN, A. N.; SOUTHWICK, T. User-Generated Content Principles: The Motivation, Process, Results
and Lessons Learned, The. Columbia Journal of Law & The Arts, 2009.
CARROLL, Lewis. Alice. Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho e o que Alice encontrou
por lá. Capítulo 6, p. 359. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges
CONTE, R., GILBERT, N., BONELLI, G., CIOFFI-REVILLA, C., DEFFUANT, G., KERTÉSZ, J. HELBING, D.
(2013). Manifesto de Ciência Social Computacional. Mediações-Revista de Ciências Sociais, p. 20-54.
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DIAKOPOULOS, N. A.; SHAMMA, D. A. Characterizing Debate Performance via Aggregated Twitter Sentiment.
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APÊNDICES

Para ilustrar apresentamos dois estudos de caso envolvendo a política nacional.


No primeiro caso faremos um estudo sobre o impacto das ações nas mídias
sociais do vereador Thiago Lucena. Para isso tomaremos todas as postagens feitas pelo
vereador entre o dia 10.7.2016 e o dia 11.7.2017 na mídia social Facebook.
No segundo caso faremos um estudo sobre a repercussão da votação da PLC
28/2017 na sociedade conectada usando dados coletados da mídia social Twitter entre
os dias 21.10.2017 e o dia 10.11.2017.

APÊNDICE A
Estudo de Caso: Vereador Thiago Lucena nas Mídias Sociais
Neste período de um ano em que monitoramos o vereador Thiago Lucena no
Facebook, ele efetuou 250 postagens entre links, fotos, vídeos e informações de status.

Tabela 1 – Quadro resumo das postagens do vereador no Facebook e a repercussão em


termos de Likes, comentários e compartilhamentos.

Contagem de Contagem de Contagem de


Quantidade
Likes comentários compartilhamentos
Links 28 1543 88 219
Fotos 146 10672 622 1654
Status 29 274 13 38
Vídeos 47 3715 461 1994

A investigação sobre emoções e sentimentos permite entender a aceitação dos


indivíduos em diferentes contextos sociais e, neste caso de estudo, diante das ações
do vereador no Facebook. A análise de sentimento é uma área que visa a criar processos
automáticos de identificação das emoções e/ou sentimentos presentes na forma como as
pessoas se expressam textualmente (Lima, 2016). Há diversas aplicações para a análise
de sentimento e muitas já foram feitas dentro do próprio cenário político (Diakopoulos
& Shamma, 2010; Bermingham & Smeaton, 2011). De forma simples, o objetivo, neste
caso, é identificar se um texto escrito nas mídias contém opinião e, caso afirmativo,
se ela é positiva ou negativa em relação à ação feita na mídia. O gráfico da Figura 1
mostra o sentimento da sociedade em relação às postagens do vereador no período
monitorado. Ao analisarmos esse gráfico observamos que além de uma repercussão
majoritariamente positiva às ações executadas pelo político, há momentos de grande
impacto positivo, como os dias 02.10.2016, 03.10.2016 e 01.06.2017.

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Figura 1 – Sentimento em relação às postagens do vereador ao longo do tempo.

45
Posi�vo Nega�vo Neutro
40
03/10/20
35
30 01/06/2017
25 02/10/201
20
15
10
5
0

O primeiro desses dias (02.10.2016) corresponde ao resultado das eleições e


o segundo (03.10.2016) se referiu ao momento em que o vereador postou um vídeo
agradecendo pelo apoio e votos. No dia 01.06.2017, por outro lado, o vereador havia
proposto um projeto de resolução para diminuir de cinco para três os horários que
cada vereador pode conceder ao ano (Figura 2). Na votação na câmara a proposta do
vereador foi perdedora, mas nas mídias sociais os eleitores claramente mostraram o
apoio ao projeto do político.

Figura 2 – Postagem do vereador sobre o projeto de resolução para diminuição das


honrarias na câmara.

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DIOGO RAIS, L. N. CASTRO
A COMUNICAÇÃO POLÍTICA EM TEMPOS DE BIG DATA E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: A CAMPANHA DIGITAL DE DONALD TRUMP E O FUTURO DO...
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Outra análise relevante que é possível fazer a partir dos dados de mídias sociais
é identificar os locais a partir dos quais as pessoas curtem as ações dos políticos. Por
exemplo, no gráfico da Figura 3 é possível observar as curtidas das postagens do
político por região. Nesta figura observamos até uma viagem do vereador à Stanford
University nos Estados Unidos da América que teve uma boa repercussão, mas seus
seguidores também estão espalhados por praias, bairros e até dentro da própria câmara
e paço municipal.

Figura 3 – Curtidas por local para o vereador no período monitorado.

Lagoa Shopping Praia de Tambaú


59 54
Paço Municipal 162
Stanford
Hackfest 2017 63
University 215
Cruz das Armas
70
Câmara Municipal
de João Pessoa
Praia da Penha 204
101
Bairro das
Indústrias 102 Jardim Veneza
194

Um conjunto amplo de análises poderia ser feito a partir das ações do vereador
nas mídias sociais, incluindo a análise de influenciadores, a segmentação do impacto
das postagens por mídia social, a identificação dos assuntos mais falados sobre o político
(segmentado ou não por sentimento), estudos sobre menções e hashtags, termômetros
de conteúdo, recortes de campanha, linha do tempo e muito mais. Porém, para efeitos
do presente capítulo, os resultados apresentados aqui são suficientes para ilustrar o
potencial do uso do big data na compreensão do impacto das ações dos políticos nas
mídias.

APÊNDICE B
Estudo de Caso: Regulamentação de transporte privado por aplicativos
O Projeto de Lei da Câmara nº 28 de 2017 foi proposto para regulamentar o
transporte remunerado privado individual de passageiros. Nesse caso, faremos uma
análise diferente da anterior, pois aqui não vamos estudar o impacto das ações de um
político nas mídias, mas sim a repercussão de uma proposta de projeto de lei na sociedade.
Para isso, foram coletados 9.358 tweets entre os dias 21.10.2017 e 10.11.2017.
Os dados foram obtidos a partir de uma busca pelas seguintes hashtags: #plc282017,
#leidoretrocesso, #plc28, #somostodosuber, #temlugarparatodos e #ficauber.

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104 PROPAGANDA ELEITORAL

O gráfico da Figura 4 mostra a linha do tempo das postagens no período


monitorado. É possível observar dois picos no gráfico, o primeiro no dia 24.10.2017 em
que o Senado aprovou urgência para a votação da PLC 28/2017, e o segundo e mais
expressivo no dia da votação do Projeto de Lei.

Figura 4 – Linha do tempo dos tweets no período monitorado.

655731.10.2017
Dia da Votação

24.10.2017

836 773
365
189 102 86 53 36
1 4 11 61 3 11 67 168 13 6 16

Uma análise das hashtags mais comentadas nas postagens (Figura 5) traz fortes
indícios do apoio da sociedade conectada à permanência dos aplicativos e é bem possível
que essa manifestação tenha influenciado o resultado da votação no Senado Federal,
que aprovou o projeto com emendas que favorecem o aplicativo, contrariando a posição
da Câmara em aspectos importantes da proposta.

Figura 5 – Hashtags mais comentadas nas postagens sobre o PLC 28/2017.


#FicaUber

#NAOAOPLC28

#PL28

#NãoAoPLC28

#plc28

#PLC28

#LeiDoRetrocesso

#VaiDe99

#NãoAPLC28

#TemLugarParaTodos

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000

Ao analisarmos os perfis mais mencionados no período dentro da base monitorada,


encontramos muitos personagens importantes do cenário político nacional, como os
Senadores Romário Faria, Marta Suplicy, Lindbergh Farias, Aécio Neves e outros. Isso

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DIOGO RAIS, L. N. CASTRO
A COMUNICAÇÃO POLÍTICA EM TEMPOS DE BIG DATA E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: A CAMPANHA DIGITAL DE DONALD TRUMP E O FUTURO DO...
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mostra que a sociedade está atenta ao posicionamento dos nossos políticos e cobra deles
uma representação dos desejos populares.

Figura 6 – Principais menções nos dados monitorados.

@RomarioOnze

@AecioNeves

@anaamelialemos

@SenadoraMarta

@lindberghfarias

@AirtonSandoval

@Uber_Brasil

@joseserra_

@YouTube

@SenadoFederal

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Como última análise ilustrativa do papel do big data no cenário político, vamos
investigar o contexto da repercussão negativa dessa votação na sociedade conectada. Para
isso, inicialmente fazemos uma separação das mensagens de acordo com o sentimento
em positivas, negativas ou neutras. Para o caso das mensagens com sentimento negativo
faremos uma análise de relevância, que retorna várias sequências de palavras, conhecidas
como n-gramas. Neste estudo consideramos 3-gramas, como listadas abaixo:

• ei_senado_temlugarparatodos
• houseofcards_provadofazendeiro_leidoretrocesso
• vaide99_digam_nãoaplc28
• absurdo_perde_voto
• contra_leidoretrocesso_plc28

É possível observar que essas expressões são de apoio aos aplicativos e há até
indícios de que políticos que não apoiem os aplicativos podem perder votos.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

RAIS, Diogo; CASTRO, L. N. A comunicação política em tempos de big data e inteligência artificial:
a campanha digital de Donald Trump e o futuro do marketing eleitoral brasileiro. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 89-105. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.)
ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 6

UM OLHAR PSICANALÍTICO ACERCA DO VOTO

CARLOS SANTOS

Muitas vezes, ouvimos a voz daqueles que se dizem felizes, porque


descansam em leito de rosas e flores variadas. Ou ainda, deleitam-se
com os mais delicados perfumes. Mas existe algo mais perfumado,
algo mais agradável do que o sopro da Verdade? E duvidaríamos
nós de nos dizer felizes quando a aspiramos?
Santo Agostinho. O livre arbítrio.

A grandiosidade desse enxerto em epígrafe está na indicação de que Santo


Agostinho não fica extasiado pelos recursos imediatos relacionados ao bem-estar na
esfera do que se pode almejar como descanso e deleite. Ele atinge o âmago do sentido
que se pode articular como limitação e possibilidade racionais acerca da medida dada
pela busca dos seres humanos. No entanto, vale situar esse perfume e esse algo agradável
vindo do sopro a ser aspirado.
Essa é a demonstração de que sua visão encerra a perspectiva da verdade que
vem de fora para atingir aquele que a aguarda. Daí a fundamentação agostiniana
acerca do voto, que aqui será usada para ver o que disso se pode concluir em relação
à formalização psicanalítica. Essa exterioridade tão íntima será tratada a partir do que
Jacques Lacan nomeia como objeto extimo. Trata-se de um elemento que possui uma
grande intimidade, mas que a exerce de fora.
É conhecido que o envoltório formado em torno do voto reúne vários elementos,
dentre os quais está o eixo formado pela mensagem passada entre quem vota e o votado.
Entender esse aspecto é de grande relevância para a prática de alguém vir a Votar. É uma
ação comunicativa que se pode caracterizar como tranquilizadora e propositiva, pois
sua função declara o voto no sentido que fundamenta a condição dominada pela ordem
histórica que envolve o campo extremo do particular. Em função disso, o pensamento
agostiniano sobre o Eu de As Confissões suplanta a significação dada por Descartes que
coloca o Eu como esvaziado por meio da Dúvida Metódica.
É na captura desse momento revelador do particular que o qualificativo da
psicanálise – o psicanalítico – pode contribuir no estudo acerca do Voto. O Votar e o
Voto encerram o sentido mesmo do que é pessoal e dotado de formalização (votar),
entretanto mantém uma íntima ligação com o que virá de fora (voto). Há um dentro

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e um fora que podem ser abrangidos a partir de um método geométrico o qual será
também dimensionado pela fundamentação do espaço topológico.

6.1 Espaço geométrico


O método geométrico de constituir uma figura que dimensiona posições, aspectos
e ângulos, no caso um triângulo equilátero, possibilita a fundamentação de movimentos
que refletem o elemento histórico das ações humanas, assim como o poder de ir adiante
e de retroceder num justo quadro que descreve o sentido de particular. Trata-se de um
recurso para mostrar que os fenômenos mais coloquiais estão também inscritos numa
situação a ser caracterizada geometricamente. Há sempre uma espacialidade topográfica
e topológica para delinear o que se está vivendo.
Usando o modelo de avançar e o de retroagir, a ação comunicativa que dá conta
de uma escolha está bem caracterizada na peça de Eurípedes As suplicantes, em que o
rei Adrasto de Argos tenta convencer Teseu, rei de Atenas, a interceder em favor dos
vencidos na guerra ocorrida nas portas de Tebas, sendo que numa delas os irmãos
Eteocles e Polinices foram oponentes e morreram na luta entre eles. No sentido lógico,
há os que estão disputando e os que estão fora, sendo ambos convocados para interceder
na disputa mais caracterizada pela natureza imediata e pragmática. De forma resumida,
ver-se-á adiante que Teseu entra como um a mais, para dar conta do que vem a significar
os parâmetros relacionados à verdade presente no eixo que envolve Adrasto e Creonte.
Na circunstância descrita, o rei de Argos solicita que os corpos dos mortos sejam
dados aos familiares argivos para que realizem os rituais fúnebres, mas são impedidos
por Creonte, rei de Tebas. Segundo a lei da humanidade, os mortos devem receber,
atendendo o nómos dos deuses, as exéquias que são previstas pós-morte. Trata-se de
uma lei que não pode ser alterada, mesmo que impedida de ser colocada em prática
por um édito real. É por isso que as suplicantes vão até Teseu e pedem seu Voto e assim
confirmam sua ação contra a vontade de Creonte. Em suma, está sendo abordado o
que é mais coloquial na esfera da cobiça, o fruto de uma guerra e a discordância do
vencedor quanto ao inquestionável, naquilo que dá sustentação ao laço social estruturado
socialmente.
Para tratar essa peça e todo o edifício que articula a relação entre o Votar e o Voto,
será adotada a figura geométrica do triângulo equilátero, inclusive dimensionando certa
equivalência lógica com o portal criado nas catedrais góticas do período irradiante, em
que o arco ogival perdeu a agudeza para adquirir uma atenuação do verticalismo. É o
que se pode ver na catedral de Notre Dame, em Paris. Tal imagem põe em evidência o
aspecto piramidal, cuja proporção indica a superfície criada por um terceiro ponto em
função dos recursos demandados pelos dois que antecedem. É um terceiro lugar que
aponta para o Lugar Outro, fundamentado pela exterioridade, mas trazendo a dimensão
de grande intimidade. Nessas catedrais, é desde o cume que se pode apreender a razão
de haver a proporção do que de fora dimensiona o sentido do íntimo, tal como os
escolásticos colocavam o lugar de Deus.
Os vértices usados na construção da peça de Eurípedes estão ocupados por Adrasto,
Teseu e Creonte, constituídos a partir do segmento de reta realizado pela guerra. Por
conta dessa figura geométrica, o compasso deverá desenvolver duas curvas de noventa
graus, criando um ponto de confluência que indica o lugar exato para receber os dois

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CARLOS SANTOS
UM OLHAR PSICANALÍTICO ACERCA DO VOTO
109

outros segmentos que devem ser construídos para a produção do triângulo equilátero.
É nesse ponto que se localiza o rei de Atenas, intermediando os extremos do segmento
de reta originário, trazendo o extimo de seu Voto. Somente tendo sido feito o recurso
do que está fora, mas garantindo a intimidade, é que a superfície triangular poderá
emergir além da constituição bélica que envolve o Eu e o outro, quando formam uma
disputa bem caracterizada quando se tem a última palavra, sinal corriqueiro de quem
venceu e está diante do outro vencido.
Essa figura também irá servir para fundamentar a visão de um filme que será
comentado, em destaque para que se possa entender o efeito moral que aparece na
ação de escolher como se pode Votar. Num primeiro momento, o terceiro ponto criado
envolve os dois patriarcas que vivem uma disputa de sangue imposta aos filhos. Em
seguida esse lugar será ocupado por uma artista circense, totalmente dissonante com a
sistemática moral que norteava as sucessivas mortes, ocorridas em função de se manter
honrado perante o outro.
Para dar uma dinâmica a essa figura geométrica, far-se-á o uso do eixo que vem
desde Aristóteles e chega a Maquiavel, tendo em vista os extremos dos termos fortuna/
virtus, atendendo, assim, à regra de que não basta usar as circunstâncias, é preciso
um Saber Fazer. Em seguida, tratar-se-á desses elementos sob a luz agostiniana, cuja
demonstração acerca do arbítrio do ser humano não pode ser entendida senão quando
se usa o extimo que concerne ao que vem para dar outra espacialidade, naquilo que
difere ao eixo narcísico.
Tal eixo irá servir para entendermos o que ocorrera com Creonte e Adrasto (A/B),
segmento de reta inicial, sendo em seguida requerida a formação do triângulo equilátero
com duas curvas que se dão a partir das suplicantes (A/C), e o que fora feito por Teseu
no uso da razão (B/C). O passo seguinte encontra sua expressão na Roda da Fortuna
que é materializada na imagem de uma moenda de cana-de-açúcar, bem trabalhada
no filme Abril despedaçado.
A peça do teatro helênico e o filme que está tematizado numa localidade situada
pelos costumes de um sertão nordestino do Brasil nos darão condições para dimensionar
o fundamento psicanalítico acerca do Voto, colocado em paralelo com a ação de Votar,
sendo esta adquirente da formalização que é passada para quem a pratica.

A B

É uma margem que vai ser formalizada a partir do que Jacques Lacan nomeia
como Tiche e Autômaton, visando a trabalhar a repetição, na lição de 12.2.1964, em
que trata dos Quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Com esse composto, o olhar
psicanalítico acerca do Voto encaminhar-se-á no sentido da formulação que constitui a
função do Sujeito Suposto Saber, base inicial para a elaboração do conceito Transferência.

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Tal elemento, relacionado à clínica psicanalítica poderá dimensionar a maneira


como a declaração que afirma um Eu Votei de cada pessoa tenderá a dirigir-se para
escolher um Votado, a partir da condição de Votante na ação de Votar, em relação ao que
significa o Voto. São inclinações feitas com a palavra que indica uma ação, mas sob a
condição de constituir-se um Nó, cuja característica é topologicamente descrita como
borromeana. Temos aí a topografia triangular em intersecção com a topologia borromeana.
Trata-se de uma polarização de dois elementos que possuem suas características,
mas que poderão habilitar a análise do lado da ação de Votar. Constitui um espaço de
formalização claramente topográfica, que responde ao que é exigido pelo meio em que
está inserido aquele que executa, pelo seu ato circunstancialmente demarcado, ladeado
pelo Voto, aberto para certas fissuras do empiricamente imponderável. A escolha no
Votar sustenta uma fantasia de subjetividade autoral, mas não considera o emanado
pela volta que não se conta, elemento abordado topologicamente por meio da figura do
Toro, na forma como Jacques Lacan trabalhou no seu Seminário A identificação (1961-62).
Segundo essa volta não contada é revelada a ausência de determinação das
demandas que fundamentam o Voto de uma pessoa, mesmo sendo dela a ação de
Votar. Dá-se início a esse arrazoado por meio desta peça de Eurípedes: As suplicantes,
de modo a ter como principal referência o discurso de Teseu na indicação sobre quem
é o Votante no Votar.

6.2 De um a outro segmento de reta


Na disputa do reinado tebano, havendo a vacância após a abdicação de Édipo,
cego e desqualificado pelo infortúnio de ter cometido o parricídio e o incesto, o irmão
da rainha, Creonte, começa a urdir uma trama em que os irmãos Eteocles e Polinices,
filhos do rei Édipo, ocuparão o trono alternadamente. É algo inusitado, pois o modo
de reinar por períodos alternados não encontra respaldo na história helênica. Fica claro
que o objetivo de Creonte é o de ser ele aquele que dará a referida garantia, assumindo
a função de prática reinante.
Essa garantia a ser dada pelo tio, autonomeado como executor da decisão tomada
por sua própria sugestão, gera uma clara e esperada indisposição entre os irmãos.
Assim, Eteocles é nomeado rei, por um período, mas, no trono, recusa-se a ceder ao
irmão Polinices o período que foi combinado para lhe ser passado o reinado. Empossado
como rei, Eteocles recusa-se a seguir qualquer aconselhamento, fato já esperado por
Creonte, tornando-os inimigos mortais.
A primeira observação a ser sublinhada é a de que, nessa circunstância, Creonte
é quem tem o poder. Os irmãos que seriam conduzidos para a posição de rei, conforme
a linhagem, ficam inseguros, enquanto Creonte os deixa viver uma contenda que lhe
seria favorável. É a primeira formulação triangular que coloca em confronto os irmãos
(A/B), enquanto o tio servirá de ponto superior do vértice (C). A única garantia é de
que o segmento de reta formado por Eteocles e Polinices somente existiu devido ao
ponto superior de onde estão irradiadas as linhas de poder tecidas por Creonte. Desse
segmento de reta, o triângulo formado não apresenta a forma equilátera.
É a inversão do movimento de criação do triângulo equilátero. O que se pode
afirmar é que o cunhado de Édipo explorou a repetição da esperada rivalidade entre

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CARLOS SANTOS
UM OLHAR PSICANALÍTICO ACERCA DO VOTO
111

irmãos, para de fora, sem ter a consistência de haver dado seu Voto, edificar a exclusividade
da ação de Votar, isolando-a do que, de fora, respaldaria a devida intimidade.
O triângulo aí formado vai ser feito pela inclusão do semicírculo que o compasso
dimensiona. Mesmo assim, é um triângulo que busca ser exatamente equilátero, mas
o obtido é inteiramente desigual. Creonte, o tio dos descendentes do reinado de Tebas,
é quem ocupa a função de poder decidir as coisas do reino, realizando um ato de rei
contido no sentido meramente formal.
A fortuna favorece Creonte, pois o rei Adrasto, de Argos, uma terra árida,
ambicionando tomar posse de Tebas, irá acolher Polinices e seu descontentamento
com o irmão. Trata-se de um acolhimento movido pela ambição de poder dominar o
reino vizinho. É nesse ambiente de preparação para a guerra que Creonte e Adrasto
vão constituir o segmento de reta verdadeiro, indicando que outro ponto terá que ser
formado.
Desde o segmento de reta com os irmãos nas extremidades opostas (A/B), a
disposição verdadeira será a que coloca os dois que verdadeiramente estão disputando,
Adrasto e Creonte. É o uso da guerra e da disputa fraterna para que se possa valer de
interesses exclusivamente pragmáticos. Creonte busca assumir a função de rei, enquanto
Adrasto está esperando obter êxito em dominar a cidade de Tebas. Os irmãos foram
apenas instrumentos para que Tyche pudesse aparecer e favorecer o Autômaton que
propunha a cadeia simbólica de Creonte e de Adrasto.
No conjunto dessa cobiça de rei, Adrasto oferece a Polinices a posição de genro,
fazendo-o integrante da família real de Argos. É a transformação do que seria uma
disputa resolvida pela condição do herdeiro primogênito, amparada na questão do Estado
grego, levando-a à resolução que somente poderia acontecer em situação de guerra.
Assim também a resolução de Creonte trazia em seu interior o embate que colocava os
irmãos não mais como geradores das demandas tornadas essenciais na ocupação do
reino. O que estava decidido era a existência de dois reis que criam uma disputa entre as
cidades helênicas. O segmento de reta anterior não tinha qualquer consistência perante
as ações confessionais dos reis, professando a verdade de suas ações.
O segmento de reta, formado pelo rei Adrasto e o poderoso Creonte, irá definir
a situação da posse de Tebas. Já os irmãos foram colocados nessa disputa tendo função
secundária, pois eram os ardis de Creonte e Adrasto, que estavam no principal eixo
dessa disputa.
A guerra se dá na condição de que, em defesa da porta assediada por Polinices,
terá como defensor o irmão Eteocles. Os dois entram em luta e, desse combate, morrem
eliminando a geração masculina dos descendentes labdácidas.
No conjunto da guerra, Tebas sai vencedora, tendo sido Creonte, agora erguido
à condição de único rei. Todo ardil composto pelo cunhado de Édipo, concorre para o
êxito em sacramentar seu poder no reinado tebano. Por isso chega ao cimo, ao instituir-se
no poder e determinar que nenhum dos heróis que combateram por Argos tivesse os
devidos rituais preparatórios para entrar no Hades. Advém disso o que aconteceu com
Antígona e o que fundamenta o triângulo equilátero com a entrada do rei de Atenas.
É aí que se forma o segmento de reta derivado do que queria Adrasto e as
suplicantes, em contraposição ao édito declarado por Creonte. Uma divisão no sentido
contrário ao delimitado na cultura helênica, mas impossível de ser contraposta por
outro poder além do estabelecimento bélico. Uma primeira infração foi não ter Creonte

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obedecido à lei da descendência, dando ao filho mais velho de Édipo a função de rei,
e a segunda envolveu a realização das exéquias dos mortos em combate. São duas
práticas que se voltarão como Tyche, para cobrar desse rei os custos da manipulação
de um homem que só decide sozinho.

6.3 A primeira curva


O endereçamento inicial das Suplicantes é a Etra, mãe de Teseu, rei de Atenas.
É a primeira curva para constituir o ponto de interseção na formação triangular. As
anciãs que representam um Coro de mães argivas suplicam a Etra que interceda diante
de Teseu a favor de declarar-se contra o édito de Creonte. É notado que a mãe do rei
simpatiza com as Suplicantes, mas ela também é uma súdita perante o rei Teseu.
Dos versos 100 a 103, Etra anuncia:

Ó, filho, estas aqui são as mães dos generais,


os sete filhos que estão mortos nas adjacências
das portas Cadmeias: com ramos de suplicantes
sitiam-me, em círculo, como estás vendo, filho.

No verso 108, Teseu pergunta:

E por que vieram até nós com mãos suplicantes?

Etra responde:

A razão sei, mas agora a narrativa é deles, filho.

Por fim Teseu inquire Adrasto.

Interrogo a ti, que tens a face velada.


Desvela o rosto, engole o choro e fala:
Pois nada chega a seu termo a não ser pela palavra.

Também está assim colocado o rei de Argos, de maneira suplicante fala que se
arrepende de ter guerreado contra Tebas, indo a favor do genro. Sua expressão é de
fracasso, mas esconde que o motivo do genro não tem muito a ver com o que ele próprio
pretendia. É uma formulação que solicita o Voto de Teseu sobre o que é sagrado e serve
de fundamento humano que está referendado na provisão das exéquias dos cadáveres.
No verso 131, Teseu questiona:

Por que liderastes as sete tropas contra Tebas?

É daí que vem a curva que irá designar uma razão insólita, configurada quando
Adrasto afirma que foi para a guerra visando a prover um favor a dois genros, que não
são originários de Argos, mas estrangeiros, Tideu e Polinices. Explica que essas alianças
foram feitas em função do que dissera Os oblíquos enigmas de Febo (138), que indicaram
a Adrasto o destino de casar as filhas com um javali e um leão, dois animais selvagens.
Tideu fugira por haver derramado sangue fraterno e Polinices para não cometer
o mesmo assassínio, numa indicação de que esses estrangeiros estariam habilitados

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pelos deuses para desposarem as princesas argivas. Decorre precisamente disso que o
rei de Argos define o motivo de sua escalada para o reino do deus Ares da guerra. No
entanto, o arrependimento de rei derrotado na guerra não é bem visto pelos helênicos,
uma vez que o reino de Ares exige dos frequentadores estarem convencidos de suas
ações bélicas. O pedido de Adrasto, para que Teseu possa intervir junto a Creonte, está
bem fundamentado, mas, quanto ao arrependimento apresentado, está fugindo ao que
se espera entre os gregos.

6.4 Segunda curva


O voto de Teseu, tão cobiçado, não é dado apenas em função das razões que
demonstram as determinações dos deuses. O Suplicante é contraposto ao que realmente
o motivou. Isso quer dizer que tanto Creonte como Adrasto estão em luta pelos benefícios
dos referidos reinados, não devendo ser levado em consideração o que estão declarando
em suas argumentações. É a instituição da verdade que fora apresentada na epígrafe
desse artigo.
O vértice de Teseu irá constituir o ponto de formação do triângulo equilátero
desde que sua mente de jovem não se curve para somente dizer um voto em favor
das Suplicantes. Ele não irá submeter-se ao que afirmava Adrasto. A cobiça desse
rei, germinada na ocasião afortunada, não foi devidamente trabalhada por meio do
envolvimento do domínio da Virtús. O voto de Teseu foi antecedido pela argumentação
que procura afastar-se do valor sinérgico pretendido pelos suplicantes.
É o efeito da curva da razão, pela qual o ponto de triangulação poderá atender a
condição equilátera. Daí a razão por que a subalternidade dos argivos não irá impressionar
o rei de Atenas. É preciso ver desde o ponto triangular através do cone que se forma
para atingir os dois outros situados nos extremos do segmento de reta.
A partir do verso 195, vem a fala de Teseu:

Esforcei-me contra os demais combatendo


o argumento seguinte: alguém disse que para os homens
há males em maior número do que coisas boas.
Contra estes eu atesto a seguinte máxima:
para os mortais, a bondade abunda mais do que a maldade.

O que vem a seguir, no verso 214 e seguintes toma o rumo do questionamento


a Adrasto.

Acaso não somos postulantes, já que a divindade


nos forneceu tais instrumentos, para as quais eles não bastam?
Mas a sagacidade busca ser mais superlativa do que a divindade,
e quando adquirimos confiança em nossa alma
parecemos ser mais sábios do que os deuses.
A conclusão vem em sequência, a partir do verso 229.
Agregando todos os argivos numa expedição,
mesmo contrariando as predições de um adivinho,
confrontando violentamente os deuses, arruinaste a cidade;

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Por fim, desde o verso 238, delibera:

Há três classes de cidadãos: uns são opulentos


e inúteis e sempre desejam possuir mais e mais;
outros, não possuindo bens e carentes de meios de vida,
são perigosos: permanecendo por longo período na inveja,
lançam aguilhões letais contra os opulentos,
deixando-se seduzir pela lábia dos chefes desonestos.
Das três classes, o meio termo é a salvação das cidades,
ao zelar pela ordem que a cidade eventualmente estatua.
Diante disso, eu devo me tornar teu aliado nesta luta?
Que bela justificativa devo alegar aos meus concidadãos?
Vai-te, pois me despeço: se não tomaste uma decisão correta
não somos obrigados a suportar um peso excessivo.

Com essa decisão, Teseu aborda os componentes pessoais presentes nas escolhas
do rei de Argos. Afirma a existência de fatores que são apresentados como fontes de
convencimento, tendo intenções subjacentes escondidas para seduzir pela lábia. Eis aí
formado o triângulo equilátero, criado a partir de um segmento de reta e construído
por meio de curvas que se encontram num ponto equidistante dos extremos que
vão de Adrasto até Creonte. Noutros termos, tudo será montado por um homem
de ação indo para o confronto com o estrategista cuja tática finaliza seu intento de
assumir o trono tebano. Quaisquer intentos por campos de ação com privilégio na
perspectiva tática, esquecendo o plano estratégico pode ser audaz dentro da Virtús,
mas está esquecendo o valor de contar com o giro do tempo e a oportunidade de tomar
decisões.
Ao fim, as suplicantes saem frustradas por não terem ao seu favor o acolhimento
de Teseu. No entanto, fica a ideia de que há algo a mais nessa peça, principalmente
no que concerne ao tempo, cuja ocorrência envolve um fluxo corrente e o cortante da
repetição. A razão levou Teseu a decidir o seu Voto, mas não conseguirá dimensionar a
amplitude que terá essa escolha. Também se pode declarar que Creonte, com seu édito,
não consegue ver a proporção do Governo que advirá nesse Governar. Por isso é preciso
observar o giro do tempo.

6.5 O giro do tempo


A Vortumna ou Fortuna para os romanos, como fundamento aristotélico da
divindade Tyche, governante das ocorrências ou contingências, está sempre presente nas
situações imprevistas. Por isso existiam vários epítetos para designar a deusa oceânida.
Existem focos de Tyche nas colheitas, nas guerras, nas relações matrimoniais, nos ganhos
financeiros, etc. A condição será a de que numa disputa contingente, formando os polos
que deveriam concorrer, essa deusa iria surgir para dar seu ultimato, indicando sua
veracidade na condição de sempre ter plenas condições de estabelecer um Encontro
Marcado na vida das pessoas. É a consistência com a exterioridade íntima.
Ao lado de Tyche sempre se colocava o que poderia resultar num castigo, por
não se ter precaução diante do que acontecia. Mesmo nos favores altamente repleto de

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benefícios, era preciso manter-se cauteloso para não sofrer reveses. A demonstração
consistia em que os seres humanos submetidos ao comando de Tyche, precisavam ser
moderados, justamente para não se equipararem às desmedidas dos deuses.
No giro do tempo, Tyche aparece para marcar um encontro, cujo delineamento
tinha sempre os recortes da falta que qualificaria o ser humano. É do fora, mas íntimo, que
se mostra necessário ver que existe um despreparo subjetivo perante os acontecimentos
inseridos pela ação da Tyche. Na Roda da Fortuna a inserção é sempre merecedora dos
cuidados com a prática da Virtús.
Na fundamentação desse despreparo, além do Votar/Voto e do Governar/Governo,
na condição de ter criado o ponto formador do triângulo, Teseu dá plenas condições para
que Adrasto possa tornar-se um rei diferentemente capacitado, não mais se curvando
diante da cobiça e obedecendo aos que o cercam com demandas impróprias ao reino.
O voto do rei de Atenas mesmo se dando conta da órbita da Tyche, não irá submeter-se
à ação impulsiva e deliberativa, sem considerar que seu estado de ser aquele que vota,
não esgota o daquele que é o Votante.
Esse Votante está além daquele que coloca sua intenção na ação de Votar, definindo-
se por aí o sentido restrito do que é o Voto. É disso que se trata na peça de Eurípedes,
desde que Teseu desenvolve a argumentação para decidir acerca do Voto. Trata-se de
despersonalizar a figura do Votante, colocando-a na esfera do Real que concerne à Tyche
em interseção com a Virtus. No entrecruzamento entre a declaração dada no Votei e
no Votado, este simbolicamente constituído, a partir da ação da Tyche, um falso furo é
germinado, justamente onde se esgueira o Votante.

6.6 Tyche
Na Idade Média a figura da deusa Tyche é representada portando uma cornucópia,
além de um leme de navio e da Roda da Fortuna, comandando o destino humano. É a
roda que representa as mudanças da vida. Por isso, a humanidade está submetida a essa
roda que vai do reinarei (regnabo), passa pelo reino (regno) pelo reinei (regnavi) e chega
ao não mais ter reino (sum sine regno). Por meio dessas posições, vê-se a demonstração de
que não se é reinante quando se reina, visto que o giro do tempo sempre coloca o rei
diante da condição contingente do reinado, produzindo uma tênue esperança quanto
ao encontro faltoso com Tyche.
Eis a ênfase no sentido dado ao agente de uma ação, em cuja tomada de referência
vai se servir dos princípios desenvolvidos por Maquiavel. No sentido genérico, todos
os seres humanos estão aprisionados ao campo da linguagem que possibilita os limites
que formam a triangulação do Voto, caracterizando uma escolha orientada pela Roda
da Fortuna. Por outro lado, existe o sujeito de uma ação, munido pelo que é conhecido
como Virtús/Virtude. Uma pessoa, de posse de sua Virtús, luta para dominar os ditames
da Tyche. Trava uma contenda com os seus elementos simbólicos na busca por dar
sequência ao esperado por estratégias e táticas bem conduzidas.
É nessa visualização do ser humano que Nicolau Maquiavel (1469-1527) vai
escrever após ser demitido (1512), quando é acusado de realizar uma política contrária
aos Médici. Em 1513, será foco da Tyche quando Agostino Capponi e Pietropolo Boscoli
foram presos por conspiração antigovernamental, tendo deixado à vista uma lista dos
simpatizantes do republicanismo. Constava aí o nome de Maquiavel. Por conta disso,

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foi torturado e preso, passando 22 dias na prisão. Ai ele fica esquecido e sem exercer
qualquer atividade que pudesse aproveitar a sua capacidade funcional.
Seu livro O príncipe será sua obra mais conhecida, sendo caracterizada como a
maneira como ele formaliza o método de ação para que um governo possa manter-se no
ponto culminante da Roda da Fortuna, elevando a figura que exerce a ação de governar.
Ao querer ficar bem com os poderosos, ou simplesmente mostrar que eles são bem
parecidos com os jogadores que existem na rua, Maquiavel busca um procedimento
bastante singular, apreendendo os mais ardilosos meios de enganar e vencer com os
camponeses. Eram homens que jogavam e Maquiavel ficava entre eles, mas no cair da
tarde, saía para escrever tais situações que serviriam de conselho ao monarca.
Esse texto mostra a melhor forma para desenvolver uma estratégia e as táticas
mais adequadas na manutenção prática do poder estatal. Sendo assim, tem como
principal característica a de que esse pensador não irá tratar de concepções idealizadas
de Estado, nem acompanhar a ideia de como deverá ser feito um bom governo, mas
fica restrito ao que chama de realidade prática. Ele vai lidar com as categorias lógicas
do possível e necessário, o que nos leva a perceber que o parâmetro moral da perspectiva
do bem comum será inexistente.
Por não ter nenhum Estado acima dele, o Príncipe poderá agir de modo a promover
o bem, quando for possível, deixando o sentido do necessário para quando tiver que agir
de maneira maléfica. É assim que Maquiavel determina que, às vezes Tyche prevalece
diante da Virtús, pois existe o agente limitador derivado da própria natureza humana.
Como forma de poder funcionar diante dessa natureza, o indicado é que o Príncipe
seja prudente, balanceando a cautela com a audácia. A ideia é de que a Virtús domine
a Tyche, mas sem pender para o voluntarismo real. Por outro lado, aconselha que se
houver dúvida é preciso sempre ser audaz, da forma como aconteceu com Alexandre,
o Grande, no combate derradeiro contra os sogdianos.
Estes se esquartelaram no alto de um monte de acesso bastante dificultado,
com o objetivo de impedirem que o exército alexandrino pudesse deixar para trás
somente povos dominados, cujo papel não traria qualquer impedimento, quanto aos
suprimentos na marcha que viesse a surgir nas futuras conquistas. No caso de haver
um chefe tribal que não fosse dominado, Alexandre estaria com dificuldades para ir
adiante em sua marcha.
Para dar conta dessa situação, o herói macedônio manda que trezentos dos seus
melhores guerreiros escalem a face mais escarpada da montanha, depois de o chefe
tribal Oxyartes ter recusado qualquer acordo de rendição. Desses guerreiros, chegaram
ao cume da rocha sogdiana duzentos e setenta, surpreendendo os aquartelados e
levando-os a renderem-se.
Com uma maneira extremamente hábil, o resultado dessa conquista foi que
Alexandre transformou seu chefe inimigo em sogro, casando-se com sua filha Roxana.
A ação que segue a audácia da Virtús foi seguida pela ponderação para cuidar bem da
Roda da Fortuna. Mesmo seguindo a frase que é atribuída a Alexandre, A sorte favorece
os audazes, depois da vitória ele é munido de profunda visão de um sábio rei.
Esse é o caso de um movimento que segue um destino, tornando sua ação real de
Votar muito além de suas condições e de sua segurança tática quanto ao êxito. Enfim,
mesmo diante do desafio a Tyche por meio da Virtús, sem garantias de sair sempre
exitoso em suas conquistas, Alexandre deve ser considerado como o mais audaz dos
heróis macedônios.

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Essa audácia alexandrina para conquistar a Índia, sempre superando a Roda


que faz girar o tempo, foi até o limite da situação que o envolveu. O clímax de suas
conquistas esteve associado à sua desgraça, perecendo jovem sem usufruir de seu reino.
Trata-se de conquistas que vão desde Alexandre, o Grande, mas que têm semelhante
fundamento nas ações realizadas na situação mais pessoal ou restrita.
No ambiente dessa audácia, a Tyche sempre estará à espreita, circunstancializando
a superação, além de sinalizar que há um encontro marcado com o Real. É o que se
encontra no filme Abril Despedaçado, em que uma moenda de cana-de-açúcar metaforiza
a repetição exigida em função de procurar fazer um controle da Tyche, mas também
oferece um vislumbre de subjetivação, cujas consequências levam a se colocar propenso
ao inesperado.

6.7 De um pedaço a outro


Numa produção suíço-franco-brasileira de 2002, dirigida por Walter Salles, Abril
despedaçado, baseado no livro homônimo de Ismail Kadaré, mostra a Roda da Fortuna
por um meio bem sugestivo. É o de uma moenda que reúne dois bois que andam em
círculo, açoitados por um homem, um chefe de família, cuja esposa entrega ao filho mais
velho, chamado Tonho, os talos para serem introduzidos no eixo de esmagar. Outro
filho, chamado de Menino, depois recebeu a alcunha de Pacu, tem a tarefa de colher o
que já fora separado, deixando-o à mão da mãe.
Numa cena impressionante, Menino chama a atenção do irmão para os bois
que estão andando em volta da moenda, sem qualquer serventia na condução da
maquinaria. A conclusão que se tira é de que também as pessoas aí existentes rodam
num movimento repetitivo em suas vidas, ampliando ao máximo a força do hábito
requerido pela sustentação dessa família.
Todos estavam reunidos em torno do fabrico de rapadura, que ia desde a plantação
e colheita da cana-de-açúcar, passando pela extração do sumo dessa gramínea, até levar
este produto à queima em tachos de bronze, atingindo o estado de garapa. Depois esta
será moldada em fôrmas retangulares e, prontas, vendidas na cidade. A visão que se
obtém deles é a de que estão, assim, endurecidos, tais como é uma rapadura. Todos
passaram pela forma com que esta vida os enquadrou não lhes sendo possível sair das
voltas em torno da moenda.
Esse formato também é o vivido pelas outras pessoas que compõem esse contexto.
Estende-se por sobre todos os personagens que constam no filme. Há uma espécie de
moenda que envolve duas famílias inimigas em função de motivos de honra iniciados
por disputas de terra, chegando a estabelecerem um pacto de sangue numa alternância
de práticas assassinas.
A obediência será pautada independendo do conteúdo, de forma a não se pensar
em qualquer consequência do ato praticado. É o que Kant formulou como ação por dever,
prescindindo de todos os referenciais do desejo subjetivo. Vem disso o postulado de
que se deve agir de modo que se possa querer que a máxima dessa ação se transforme
em lei universal.
É uma ação que não considera o ato individual de estabelecer-se em conformidade
com o dever. O caso de viver, individualmente, nessa conformidade, tem um valor
somente egoísta, não podendo ser considerada como uma ação moral. A dedução é que o

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imperativo da moralidade é categórico, pois a ação é necessária por si mesma, sem outro
fim. O que rege é a exclusão do elemento situado como hipotético, cuja característica
exige uma necessidade prática de obter algum benefício de consequência política.
No caso da família de Tonho, a sua rival havia assassinado o filho mais velho e
chegando a vez dele, o filho seguinte, que deveria cometer o ato de matar um membro já
jurado. Eles se encontravam despedaçados, somente sendo reintegrados quando Tonho
viesse a matar o assassino do irmão. É a forma como essa condição de despedaçamento
iria pendular, indo de um lado a outro.
Tal procedimento implica o atendimento à lógica narcísica, de modo que o outro
deixa de ser mais bem constituído que Eu, desde quando lhe for retirada uma parte, a
qual é marcada pela designação Menos Fi (-φ), cujo papel fundamenta a interação que
lhe dará consistência Imaginária. Essa retirada está sendo vivida pelas duas famílias
com a morte de seus jovens descendentes.
Tonho vai tocaiar o assassino de seu irmão para matá-lo, assim como determina
o imperativo que definia sua família imaginariamente. O tempo disso deveria ocorrer
quando a camisa usada pelo irmão assassinado estivesse amarelada, sendo cotidia-
namente observada por estar estendida num varal. Isso servia como um período de
luto, necessário para que tudo corresse como era esperado. Essa peça dependurada,
aguardava a ação do tempo em que o vermelho do sangue mudaria de cor. Quando se
fizesse essa transformação, Tonho teria que ir realizar esse ato e fazer sua família voltar
a consistir. Ao efetuar a devida vingança sua família ganharia o contorno narcísico de
tranquilização.
Tonho executa esse comando da moenda deixando-se circular no entorno da
casa da família rival. Matou seu inimigo, assimilando agora sua sentença de morte, no
tempo em que a camisa do agora morto viesse a amarelar. Para isso, o pai do morto
colocou no antebraço de Tonho uma tarja preta, indicando que ele está marcado para
morrer. Parecia que a Tyche já tinha dado o giro de uma morte anunciada. Mais um
desafortunado estaria encontrando-se com o reverso da vida. Essa situação é tão
destituída de Virtús que pode ser descrita como um tipo de Eu cartesiano que descarta
qualquer raiz empírica. Para contrapor esse Eu, cabe um poema:
Descartes
Quem diz ter uma,
só uma certeza,
dando conta de que pensa,
existe por isso.
Sabendo que vai
deixar de existir,
tem aí a única
vileza.
Esse eu que só diz,
não pensa
além da certeza.
Conta
sem um conto.
É um desencanto,
um aumento

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do pranto.
Sem uma pedra,
um som,
plurivalentes sensações,
o certo é
pela vida
encoberto.
Daí por diante,
se me disser
uma certeza,
para sempre será
apenas
ser teza.

6.8 O ser teza


O momento poético da surpresa aponta para um encontro fortuito, entre o menino
e um casal numa carroça, transportando os utensílios de um circo mambembe, mas
perdidos no rumo para o arruado. O Eu Transcendental cartesiano será deslocado pelo
Eu Empírico em que surge um elemento faltoso que não estava sendo contado – ser
teza – pelos que viviam o exato atendimento ao que advinha da moenda.
Os dois do circo e Menino conversam de maneira a que os artistas encontrem o
rumo certo. Como resposta os artistas dão outro caminho a Menino, presenteando-o
com um livro de histórias. Trata-se de um conto com muitas figuras desenhadas que
adquirem o valor de acontecimentos bem delineados pela imaginação de Menino. O Eu
Empírico desse personagem ganha outros contornos, além dos estabelecidos pela roda
feita no movimento da moenda. Trata-se dos fluxos contados pela vivência no mar.
Esse livro de história conta eventos que envolvem uma sereia num mar que
somente pode materializar-se num lugar imaginado, mas usando os recursos empíricos
como se fosse algo existente. Foi uma inclusão que retirou da roda da moenda os que a
faziam girar. Tyche apresentou-se diante de um sistema fechado que ia da vida, passando
pelo hábito, até o anuncio da morte de todos os envolvidos, sob o viés da repetição.
Agora se anuncia outra roda, tendo admitido a Virtús subjetiva. A Tyche ficará mais
diversificada, dando condições a Menino de seguir outro rumo, cuja direção parece ser
forjada pelas sereias.
Além de comentarem o livro sobre o mar, Menino e Tonho vão assistir escondidos
do pai à exibição circense dos andarilhos. Ficam maravilhados com o que veem,
principalmente com aquela jovem que se encontrou com Menino. Ela jorrava fogo,
como se fosse uma dragona. Os dois voltam para casa, sendo confrontados pelo pai que
defende a convicção de terem de seguir exclusivamente o volteio da moenda.
Mesmo sendo castigado com rudeza, Tonho resiste ao pai. Na sequência, esse
rapaz vai ao encontro dos circenses propondo-se a executar tarefas de força, somente
desejando conviver com eles. Uma Virtús apresentou-se a ele, ao ver mudanças na ação
da Tyche controlada pela moenda. É o caso de considerar que Menino e Tonho estão
contaminados para outros Encontros estabelecidos pela Tyche.

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Ao sair do círculo da moenda e constituir um conhecimento com nômades, Tonho


é atingido pela alegria de poder gostar de uma mulher. Pela primeira vez, sente-se fora
da roda interminável que gira para extrair o sumo da rapadura. Ele torna-se menos
endurecido, mas continua no seu estado adocicado. Em sequência, volta para casa e
continua a fazer seu trabalho, mesmo sabendo que seu desafeto virá de tocaia para
assassiná-lo.
É o que se pode afirmar como uma espécie de via pulsional, de modo que ele
foi até o cimo, lá proliferaram as representações, para seguir um caminho de vir de
retorno de onde havia saído. O imperativo paterno ainda estava germinando seu
estado de obediência. Era submetido demais a essa repetição que procurava paralisar
o inesperado da Tyche.
Do lado que iria opor-se a Tonho, foi dito ao chefe da família, que era cego, que a
camisa do filho morto havia amarelado. Chegara a hora de seu outro filho pegar o rifle
para tocaiar Tonho. Estava na garantia de que havia um encontro marcado absorvido
pela lógica do que não se pode mais decidir e dar vazão ao que está na esfera do Voto.
Ele só não contava com a inclusão de novos elementos na Roda da Fortuna.
O elemento será incluído com a presença da mulher do circo. Ela saíra por sua
decisão, portando a mais expressiva demonstração do particular feminino. Ela foi visitar
Tonho e passar a noite com ele. Antes de qualquer outra coisa, ela faz algo decisivo.
Essa mulher faz com que Tonho deixe que ela retire de seu antebraço a tira preta que o
marcava para morrer. Em seguida, deixa a fita cair no chão. A intimidade deles também
tinha o acréscimo de somente ocorrer se Tonho se libertasse da sequência repetitiva
do destino que lhe fora traçado pelos dois patriarcas. Para submergir no sexo Tonho
precisava emergir, a fim de sair do roteiro traçado pela moenda.
Ainda enquanto ele está dormindo, ela sai dali, criando a expectativa de ele poder
ir à sua procura, ensejando a medida de novos rumos para a Tyche. É também notado que
o período passado com Tonho também a deixou implicada, tendo-lhe dado a condição
de ter como meta extrair dele o destino que a Tyche da moenda instalou. Por isso, ela
incumbiu-se com a tarefa de instalar a força da Virtús que irriga sua vida de nômade.
No raiar do dia em chuva torrencial, Menino vai ao local em que está Tonho.
Num aparente estado de transe, coloca a faixa que está no chão no seu antebraço e, sem
visibilidade acurada, sai despreocupadamente pelo descampado. A chuva tão esperada
e rara despertou nele um processo de rememoração do que vira nas figuras do livro
de histórias. É o que se observa numa face alegre e despreocupada com o que poderia
advir da situação. Menino entregara-se ao que a Tyche da moenda podia oferecer-lhe,
indicando estar movido com a certeza de poder tomar o lugar de Tonho.
Já estando na tocaia, o matador de Tonho perde os óculos e fica com a vista
embaçada. Com pouca claridade, numa chuva torrencial e a vista deficiente, o matador
acerta Menino. Ele tomba morto, mas guardando a imagem de sua alegria em rememorar
a história que continha a figura de uma sereia. Tonho corre ao encontro do irmão e,
vendo o que acontecera, sai andando para fora dali, mesmo ouvindo ameaças do pai
de que ele deveria ficar na roda da moenda e seguir o processo de matar e morrer.
A caminhada do jovem Tonho encerra-se na beira do mar, onde abre um largo
sorriso. Havia-se livrado da moenda, podendo encontrar-se com o que anunciara a
mulher do circo. Ele poderia transformar a certeza em ser teza, vendo escorrer por suas
veias a força da Virtús, cujo papel está intimamente ligado ao Eu Empírico.

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UM OLHAR PSICANALÍTICO ACERCA DO VOTO
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O viés dado pelo roteiro filmado irá mostrar que sempre as pessoas podem
mudar o que lhe está destinado pela repetição das voltas dadas em torno das moendas
encontradas diante dos olhos. Tonho ficará com outro encaminhamento na vida,
esperando os novos encontros que são marcados pela Tyche, de acordo com a qual fará
valer o alcance da Virtús subjetiva. Na triangulação dada pela arte circense, passando
pela condição de ser vivido por uma mulher, a Virtús não fica somente dimensionada
pela ousadia de um herói do tipo de Alexandre, o Grande.

6.9 A repetição
Os volteios dados pelas rodas que são apresentadas a partir de hábitos, quase
assemelhados à natureza, clamam pela repetição. Trata-se da instalação do que Jacques
Lacan denomina de Automaton, no sentido de designar a inserção da Cadeia Significante
como Representante da Representação derivado do trajeto pulsional. É nesse contexto que
se pode inserir o sentido dado ao Voto, como o elemento mais empírico sob o manto
conceitual do psicanalítico.
Nos termos já destacados é a vivência da Virtús configurada no estar aí da subje-
tividade, submersa à Roda da Fortuna. Tal aspecto é o que foi, inicialmente, sublinhado
neste texto, no qual Lacan, em seu Seminário 11, a propósito do tema da repetição e do
retorno, mostra como a vida das pessoas é rodeada.

Primeiro, τύχη (tyché), tomado, como lhe falei da última vez, do vocabulário de Aristóteles
em sua investigação da causa: O real está além do αύτόματον (autômaton), do retorno,
do retorno da insistência dos sinais, aquela em que somos submetidos pelo princípio
do prazer, é o que está sempre atrás (do autômaton) e do que é tão evidente em toda a
pesquisa de Freud, o que há de sua preocupação.

A partir desse duplo registro faz-se necessária a formulação que tem sua
apresentação por meio da visualização do Nó, o qual é conhecido como borromeano.
Nesse caso, tanto a Tyche como o Automaton estão aí contemplados dimensionando
o sentido dado pelo psicanalítico para a relação entre o Votar e o Voto. Sendo que ao
Votar é atribuído o termo sintoma, revelando o sentido de formalização que se precisa
adquirir, enquanto o Voto está na condição de abertura para o inapreensível, cuja figura
apresenta o valor psicanalítico acerca do objeto pequeno a.
Adrasto viu que sendo um homem de ação, buscando um sistema tático bem
audacioso, havia esquecido a estratégia de somente agir depois de considerar seu Voto
como rei. Do outro lado, Creonte, um estrategista nato, irá encontrar-se com o Real
que é fundado na Tyche, indicando que sua tática de criar um édito real de impedir o
sepultamento dos mortos, será a base para sua derrocada. É por isso que Teseu não fará
qualquer gesto no sentido de interceder nesse eixo formado pela polarização dominada
por Ares. Ele irá recusar o pedido das Suplicantes, de modo a indicar a discordância
quanto ao Voto de um rei que não observa o lado da imponderabilidade desse objeto
criado pela ação sintomática de Votar.
Tonho enfrenta o destino que lhe é indicado pela suposta segurança de uma Tyche
presa na moenda que circunda sua vida de sertanejo. No caso, ele vai no limite dado pela
mortandade, somente que na condição de ser surpreendido pela posição desafortunada
de Menino. O lugar de ser jurado de morte, sob a marca de ser seu destino, passa a

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ser esvaziada pelo Encontro Faltoso que é criado pela Tyche, mesmo submetida ao
rodear de moenda que indica uma previsão relacionada à disputa que envolve os dois
patriarcas das duas famílias. Eles compartilhavam o lugar acima projetado do triângulo
equilátero, sob os auspícios de um controle determinado pela repetição ad infinitum de
uma sistemática, à qual estavam habituados a obedecer por dever.
A repetição à qual uma pessoa está inserida, juntamente ao processo evolutivo
que encerra a perspectiva dialética, articulada pela Tyche e pelo Automaton, tem que
considerar que o Votar/Voto forma um eixo em que o sujeito tem sua dimensão subjetiva
caracterizada pelo Eu votei do Imaginário, seguido pelo Votado Simbólico, articulados
num entrecruzamento que tenta dizer o que pretende voluntariamente, mas abrindo a
função de um falso buraco por onde escorre o Real Votante.
É um Votante que possui a condição de vir de fora, tal como o terceiro ponto
que se instala a partir de um eixo inicial na edificação do triângulo equilátero. Sem esse
exterior, que é tão íntimo, o Voto fica totalmente contido pela condição de quem diz que
Votou, constituindo-se como Votante. Já quanto ao Votante que é do exterior íntimo, a
proporção é dada pelo sentido agostiniano do Livre Arbítrio, como fundamento para
que o ser humano tenha sua merecida elevação subjetiva. Por isso o Voto é nutrido desse
conceito de liberdade, desde que o Votante possa advir a partir da Fortuna ou Tyche, sem
que haja esquecimento da Virtús ou do Automaton.
Chegando na fonte deste artigo, tendo feito um trajeto de ir ao cimo elaborativo,
aí vendo a proliferação das representações, cujos residuais são letras que esta estarão
incrustradas na carne que compõe o corpo narrativo, o que se encontra é a confluência
entre o que se coloca como objeto pequeno a e o que Santo Agostinho chama de Livre
Arbítrio, desde o momento em que discorda do pensador iraniano Manes ou Maniqueu
(216-276 DC) ao realizar a conjunção entre a fé e a razão. Segundo a visão maniqueísta, o
mal é uma força necessária e por meio dessa contraposição, tendo do outro lado o bem,
se obtém uma formalização adequada para se poder pensar a realidade. Para Agostinho
o mal não foi criado, sendo apenas a diminuição dada ao que é o sentido do bem, cuja
prática se dá pela condição do Livre Arbítrio. Enfim, na ação de Votar, o Livre Arbítrio
que é situado no Voto, reflete uma escolha, mas por meio de uma exterioridade íntima.
Com essa formulação agostiniana, passando pela formalização lacaniana, se
pode ver o quanto o Voto está sujeito aos vários ditames na composição da prática de
Livre Arbítrio. Na ação comunicativa que envolve o Votar/Voto, atravessando o Arbítrio,
muitas interferências podem ser utilizadas, com toda uma nova versão maniqueísta, tal
como as que são difundidas a partir de Cadernos do cárcere, Antônio Gramsci. Mas isso
poderá vir a ser elaborado Só Depois, noutro trajeto que tenha como método o sentido
psicanalítico acerca do Pulsional.

Referências
AGOSTINHO DE HIPONA. As confissões. São Paulo: Mundo Cristão, 2013.
    . O livre arbítrio. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, Paulus, 1995.
ARISTÓTELES, Física I – II, São Paulo: Editora Unicamp, 2009.
DARMON, Marc. Ensaios sobre a topologia lacaniana. Porto Alegre: Artes médicas (Coleção Discurso Psicanalítico),
1994.

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CARLOS SANTOS
UM OLHAR PSICANALÍTICO ACERCA DO VOTO
123

DESCARTES, René. Discurso do método. Rio de Janeiro: (Coleção Rubaiyat) Livraria José Olympio Editora, 1960.
EURÍPEDES. As suplicantes. Rio Grande do Sul: Movimento, 2012.
KADARÉ, Ismail. Abril despedaçado. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.
KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, 2005.
LACAN, Jacques. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (livro 11). Seminário. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
    Seminário A angústia (livro 10). Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
    Seminário A identificação (Livro 9). Pernambuco: Bagaço Design Ltda., 2014.
MANFREDI, Valerio M. A grande história de Alexandre. Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2009.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. 4. ed. (Coleção Clássicos para todos). São Paulo: Edipro, 2015.
PANOFSKY, Erwin. Arquitetura gótica e escolástica. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SANTOS, Carlos. Um olhar psicanalítico acerca do voto. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 107-123. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PARTE II

PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA


E PROPAGANDA ELEITORAL
EM ESPÉCIE NA LEI Nº 9.504/97

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CAPÍTULO 1

REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA


ANTECIPADA DE ACORDO COM A RESOLUÇÃO
DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

JULIANA SAMPAIO DE ARAÚJO


LÍVIA MARIA DE SOUSA

1.1 Introdução
A democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo
autocrático, caracteriza-se por um conjunto de regras que estabelecem aquele autorizado
a tomar as decisões coletivas e por meio de quais procedimentos essas decisões devem
ser tomadas. Por isso, para que uma decisão tomada por indivíduos possa ser aceita
como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras que estabeleçam
quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os
membros do grupo e à base de quais procedimentos.
Indo além, para a existência de um mínimo de democracia, não bastam nem a
atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar direta ou indire-
tamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de regras de procedimento
expedidas pela maioria, sendo necessária uma terceira condição. É preciso que aqueles
que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante
de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra. Ainda,
para que realizem esta condição, deve ser garantido aos que são chamados a decidir
os direitos à informação e à liberdade.
Nessa construção democrática, para estipular como e por meio de quais espaços
essa liberdade de opinião pode ser exercida para a eleição dos representantes, surge o
controle realizado pela Justiça Eleitoral nas campanhas eleitorais, objetivando garantir a
igualdade entre os candidatos, a liberdade de escolha do eleitor e, última análise, proteger
a democracia e a legitimidade das eleições. Como importante instrumento da campanha
eleitoral, a propaganda eleitoral, por ser uma forma legítima de buscar influenciar a
decisão do eleitor, tem um regramento próprio na legislação brasileira, com limitações
formais e materiais, cuja observância faz-se indispensável para a legitimidade do pleito.
Contudo, observa-se que a propaganda eleitoral ao tempo em que busca convencer
um grupo de indivíduos a tomar uma decisão em determinado sentido, também transmite
informações ao eleitor que são importantes para seu convencimento. A partir da Lei

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nº 13.165/2015, que autorizou a livre manifestação de ideias, posicionamentos, menção


à possível candidatura, exaltação das qualidades pessoais do pretenso candidato,
divulgação do trabalho por ele realizado, entre outros, houve um significativo avanço
do processo eleitoral na medida em que o eleitor passou a ser destinatário da mais
ampla informação disponível.
Nessa seara, observa-se a necessidade de coibir atos abusivos que podem
desequilibrar a disputa, como a propaganda institucional e as fake news.
As fake news seriam notícias falsas, lançadas por meio da internet, com a finalidade
de minar a legitimidade das eleições, bem como a segurança do pleito. Poder-se-ia
entender como uma contrapropaganda, com o firme propósito de burlar o sistema
coletivo de escolha popular.
Nessa seara, o Tribunal Superior Eleitoral vem regulamentar a propaganda e
estabelecer mecanismos de coibir abusos, editando resoluções que irão reger o pleito
subsequente e, especialmente, buscando igualdade de condições para os candidatos
que pretendem disputar o pleito.
Com relação à propaganda antecipada, essa assume especial relevo, na medida em
que a sua exorbitância, seja qualitativa ou quantitativamente, pode levar à configuração
de abuso do poder econômico, que, associado ao uso indevido dos meios de comunicação,
pode resultar na cassação do registro ou do diploma do eleito, além da inelegibilidade
por 08 (oito) anos.

1.2 Propaganda eleitoral: conceito, efeitos e limites formais


Os regramentos e limites impostos à propaganda eleitoral visam a proibir práticas
e abusos que possam desequilibrar a disputa entre os candidatos, procurando assegurar
uma certa paridade na exposição da sua imagem e das suas ideias.
A finalidade da propaganda, como dito por Djalma Pinto (2006, p. 231), o seu
alvo, por excelência, seria o consumidor, a propaganda seria destinada à venda de um
produto, e teria em mente convencer o consumidor a adquirir o bem entre aqueles
oferecidos pelos concorrentes. No caso da propaganda política, o “consumidor” seria
o cidadão.
Reich (2008), contudo, ainda na década de 70, já asseverava que

o progresso econômico, impulsionado pelas grandes empresas, globais e inovadoras,


caracterizando o que foi chamado de supercapitalismo, não acarretou na mesma evolução
dos consumidores enquanto cidadãos. O homem teria aprendido a reivindicar seus direitos
enquanto consumidor, não tendo feito o mesmo papel enquanto político. É-se, muito mais,
consumidor do que cidadão.

A propaganda, por sua vez, seja para vender produtos, ou a imagem e as ideias de
algum candidato, possui um poder preponderante de influenciar no processo de escolha.
A cada dia que passa, os produtores, fornecedores ou mesmo os interessados
em vender uma ideia, seja em uma relação de consumo ou em um processo político
de escolha, são todos ávidos em compreender a lógica a que esse consumo obedece.
Desejam encontrar a janela da mente humana que conduz ao consumo. Quais seriam
os pensamentos e desejos subconscientes que impulsionam as decisões de compra,
crescendo assim o interesse pelo denominado neuromarketing (LINDSTROM, 2009).

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JULIANA SAMPAIO DE ARAÚJO, LÍVIA MARIA DE SOUSA
REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA ANTECIPADA DE ACORDO COM A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
129

O futuro da propaganda, de acordo com o autor referido, não estaria em buscar formas de
ludibriar o consumidor, através das propagandas enganosas, mas estaria nos chamados
neurônios-espelho, que acabariam guiando o corpo a imitar o comportamento de outro
corpo humano. Seriam esses neurônios-espelho os responsáveis pelo fenômeno da empatia
e pela chamada lógica do consumo. No processo político de escolha, a imagem dos
candidatos vendida na propaganda eleitoral possui um papel fundamental na decisão
do voto nas urnas.

Por esse motivo, a propaganda política é objeto de escrupulosa regulamentação


pelas normas jurídicas e fiscalização da Justiça Eleitoral, para que no pleito político
sejam empregados tão somente os expedientes idôneos pelos candidatos e partidos
para assegurar a legitimidade das eleições.
A propaganda política é guiada por uma série de princípios, como o da legalidade,
em que a propaganda é regulamentada por lei de competência privativa da União,
conforme art. 23, I, CF; o da liberdade, respeitados os limites legais, em que a elaboração
da mensagem a ser veiculada é livre, assim como a realização do ato de propaganda,
sem necessidade de licença ou autorização de ente público (art. 39, LE e art. 245, CE); da
veracidade, em que os fatos e informações devem corresponder à realidade, no sentido
de que não podem ser utilizados recursos que distorçam a realidade de determinados
acontecimentos, além de não poderem ridicularizar ou vilipendiar concorrentes políticos
(art. 45, II, LE), sendo, inclusive, tal conduta vista como criminosa conforme o art. 323
do CE.
A discussão sobre a propaganda política tornou-se bastante relevante no século
passado em razão da massificação dos meios de comunicação e da rapidez com que as
ideias políticas são reproduzidas, através da internet.
A propaganda eleitoral é uma espécie do gênero propaganda política, junta-
mente com a propaganda partidária e intrapartidária. A propaganda política pode
ser classificada, de acordo com José Jairo Gomes (2006), em propaganda partidária;
intrapartidária; eleitoral e institucional.
A propaganda política engloba todos os meios de difusão de ideias para a obtenção
de adeptos a uma ideologia, sendo patrocinada por um ou mais partidos políticos. A
propaganda eleitoral, por sua vez, busca o fim imediato de conquistar o eleitorado no
período das eleições, visando à captação de votos. O objetivo da propaganda é influir
no processo decisório do eleitorado, divulgando-se a imagem, as ideias e os ideais de
cada candidato, no período denominado de “campanha eleitoral”.
A propaganda partidária consiste na divulgação de ideias e do programa referentes
ao partido político, devendo ser veiculada para a promoção do próprio partido, e não
dos seus candidatos, sob pena de incidir na vedação da promoção pessoal (art. 45, §2º,
Lei nº 9.096/95). A propaganda partidária é caracteristicamente apessoal.
A propaganda intrapartidária é aquela interna, permitida pela Lei das Eleições
(art. 36, §1º) ao pré-candidato para buscar conquistar os votos dos filiados ao seu partido,
nas convenções, para poder registrar-se como candidato junto à Justiça Eleitoral. É
uma propaganda dirigida tão somente a um grupo específico de eleitores, e, por tal
motivo, de não ser voltada ao eleitorado em geral, é vedada a utilização de meios de
massa como rádio, televisão e outdoor, devendo ser feita até o dia 5 de julho do ano
eleitoral. Seu desvirtuamento, quando voltada para os eleitores não filiados, poderá

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130 PROPAGANDA ELEITORAL

caracterizar propaganda eleitoral extemporânea, que é ilícita, a propaganda antecipada


(art. 36, §3º, LE).
A propaganda institucional, por sua vez, seria aquela propaganda em que não
enaltece um produto em si, mas trata de uma empresa ou instituição, divulgando as
suas ideias, projetos e feitos, com o intuito de moldar a opinião pública, criando uma
imagem positiva.
A propaganda eleitoral é espécie de propaganda política, e terá início em 16 de
agosto de 2018. Já a propaganda realizada em horário gratuito pelo rádio e televisão
somente terá início em 31 de agosto de 2018. A propaganda eleitoral por meio da internet
também terá início em 16 de agosto de 2018. Nesse sentir, a propaganda antecipada,
como será visto no tópico posterior, é justamente a propaganda exercida fora desses
prazos estabelecidos, configurando propaganda irregular.
A Propaganda objeto do presente trabalho é a propaganda eleitoral, voltada a
convencer grupo de eleitores a manifestar sua vontade em um certo sentido, enfocando
nos projetos e metas dos candidatos e partidos. Considerada um importante instrumento
da campanha eleitoral, uma vez que diversos são os efeitos que pode produzir no
eleitor, seja ele um apoiador, já correligionário do candidato ou partido, eleitor neutro
ou correligionário de um partido ou candidato adversário.
A propaganda eleitoral volta seus olhos ao eleitor, de modo a convencê-lo a votar
ou a não votar em determinado partido político ou candidato, não podendo jogar com
a opinião pública, de modo a gerar estados mentais, emocionais ou passionais (art. 242
do Código Eleitoral).
Joel José Cândido (2005, p. 149), afirma que a “propaganda eleitoral ou propaganda
política eleitoral é uma forma de captação de votos usada pelos partidos políticos,
coligações ou candidatos, em época determinada por lei, através da divulgação das
suas propostas, visando à eleição de cargos eletivos”.
A propaganda eleitoral não se confunde com a peça publicitária, esta última seria
apenas a exteriorização da propaganda eleitoral.
Nas palavras de Carlos Neves Filhos (2012, p. 20-28):

(...) a propaganda eleitoral, enquanto tentativa legítima de criar estados mentais favoráveis
a uma proposta, entre várias apresentadas, próprio da pluralidade de ideias de uma
Democracia, possui princípios norteadores, onde se destaca o princípio da propaganda(razão
pela qual) a propaganda política é livre, mesmo que pareça , ou façam parecer, o contrário!

De fato, como muito bem expõe Neisser (2014), quando o destinatário da


propaganda eleitoral for um eleitor apoiador, a propaganda poderá produzir um
reforço positivo, confirmando sua intenção de voto, ou não o influenciar, resultando
numa neutralidade em relação à persuasão. Entretanto, essa mesma propaganda poderá
resultar num efeito negativo e acabar levando o eleitor a perder interesse em depositar
seu voto ou ainda resultar em aversão, quando, em razão da propaganda, o eleitor,
então correligionário, se recusa a votar no candidato responsável pela propaganda.
Em relação a eleitores neutros, a propaganda eleitoral pode resultar num efeito
positivo, ao conquistar o seu voto ou o incentivar a manter sua neutralidade inicial.
Contudo, também poderá causar um efeito negativo, fazendo com que eleitores neutros
decidam não votar no candidato que a produziu.

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JULIANA SAMPAIO DE ARAÚJO, LÍVIA MARIA DE SOUSA
REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA ANTECIPADA DE ACORDO COM A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
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Diante da legítima possibilidade de influenciar no processo interno de decisão


do eleitor, própria da pluralidade de ideias e da livre manifestação de opinião em uma
democracia, a propaganda eleitoral tem sido objeto de forte regramento pela legislação,
expresso em limites formais e materiais.
São limites formais aqueles que não dizem respeito ao conteúdo da propaganda
eleitoral em si, mas que disciplinam como a mesma deve ser feita, quem pode fazê-la
e valendo-se de que meios, bem como quando é possível ser divulgada. Assim, a
propaganda eleitoral deverá ser veiculada em língua nacional, com a necessária menção
à legenda partidária e nomes de candidatos, vices ou suplentes, em tamanho legível
(art. 36, §4º, da Lei nº 9504/97).
Não é permitida a realização de propaganda eleitoral por meio de distribuição de
brindes, camisetas, chaveiros, bonés, entre outros, bem como por meio da apresentação
gratuita ou paga de shows. É vedada ainda a realização de propaganda em bens públicos,
bens de uso comum do povo, como postes, viadutos, pontes, paradas de ônibus, e nas
árvores, tapumes, ou mesmo bens cujo uso depender de cessão ou autorização do poder
público. É possível a propaganda em veículos particulares, desde que seja gratuita, e
em locais onde não haja livre acesso, como cinemas, teatros, clubes, centros comerciais,
entre outros, sendo ainda limitada a quatro metros quadrados por cada candidato (Art.
37, §4º da Lei nº 9504/97).
Ainda, para garantia de igualdade entre os candidatos e para diminuir o custo
das campanhas, não se admite a compra de espaços publicitários na televisão ou no
rádio, sendo permitida apenas a propaganda eleitoral no horário eleitoral gratuito,
sendo vedado o uso de “gravações externas, montagens ou trucagens, computação
gráfica desenhos animados e efeitos especiais bem como o uso de outdoors e por meio
de telemarketing” (art. 44, §1º; art. 51, IV e art. 39, §8º da Lei nº 9504/97).

“É permitida a propaganda por meio da internet, e a novidade da eleição de 2018 é a


autorização de impulsionamento dos conteúdos, desde que sejam contratados de maneira
exclusiva por partidos, coligações e candidatos. É proibida a propaganda eleitoral paga
pela internet. É livre a manifestação de pensamento do eleitor na internet, desde que o
mesmo seja identificado” (57-D e 57-H).

Além das restrições relativas aos meios de divulgação da propaganda eleitoral, a


nossa legislação definiu o período em que será autorizada a realização de propaganda
eleitoral, como sendo a partir do dia 15 de agosto do ano das eleições (data final para
candidatos formularem pedido de registro de candidatura), até a véspera do dia da
eleição (art. 36 da Lei nº 9504/97). O mencionado dispositivo legal tem por finalidade
delimitar o período em que as campanhas eleitorais podem ser realizadas de forma
ostensiva, veiculando informações nos diversos meios de comunicação.
Do mencionado marco temporal, observa-se ser irregular a propaganda realizada
antes da mencionada data, já que violaria a isonomia entre os candidatos, sujeitando o
responsável por sua veiculação à sanção cível (art. 36, §3º Lei nº 9504/97). Já a propaganda
realizada na véspera ou no dia da eleição é considerada crime, já que o apelo publicitário
realizado em momento imediatamente anterior ao pleito tem potencial de exercer forte
influência nos eleitores (art. 39, §5º da Lei nº 9504/97).
A finalidade da lei ao fixar o início da campanha eleitoral, no qual é livremente
permitida a realização de atos de campanha como a propaganda eleitoral, é garantir a

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
132 PROPAGANDA ELEITORAL

isonomia entre os participantes, já que todos estariam autorizados a realizar difusão


de informações na sociedade num mesmo momento, além de reduzir os custos da
campanha, permitindo a participação de um maior número de pessoas. Trata-se de um
limite formal para a prática do ato de propaganda eleitoral, que diante da sua relevância
para presente reflexão, examinaremos em tópico separado.

1.3 Propaganda extemporânea: Inovações Lei nº 13.165/2015


A Propaganda irregular é um gênero que abarca várias espécies, podendo receber
essa nomenclatura qualquer propaganda que não obedeça aos ditames legais.
A propaganda partidária irregular pode ser antecipada ao desobedecer ao prazo
legal das datas em que as mais diversas espécies de propaganda política devem começar
a ser veiculadas, período compreendido entre o dia 06 de julho do ano eleitoral e o
dia do pleito. Fora deste prazo, a propaganda é extemporânea. Também é irregular a
propaganda inverídica ou que degrade outros políticos. A propaganda intrapartidária
é irregular quando se dirigir a eleitores não filiados. É irregular a propaganda feita em
bens públicos ou particulares de uso comum, ou por meio de showmícios ou outdoors.
A Lei das Eleições prevê uma série de sanções para os diferentes tipos de
propaganda irregular. Além da mais comum, qual seja a multa, também estão previstas
outras cominações específicas, como a perda de direitos relativos à veiculação de
propaganda, tanto pelos candidatos quanto pelas emissoras.
No que se refere, especificamente, à configuração da propaganda antecipada,
deve haver uma mensagem, expressa ou subentendida, dirigida ao pleito subsequente,
com pedido de votos, segundo a chamada teoria do gancho, de Coneglian. Segundo tal
teoria, para que seja propaganda antecipada, essa necessita se ligar ao pleito futuro e
imediato, devendo conter uma menção, direta ou indireta, à eleição vindoura.
Por óbvio, a propaganda eleitoral antecipada não requer apenas o pedido explícito
de votos, ou a menção a projetos e planos de campanha, mas pode restar configurada
por meio de mensagens subliminares, demonstradas em cada caso concreto.
A propaganda eleitoral antecipada sempre foi considerada um desvirtuamento
dos limites impostos para a propaganda política que, juntamente com o uso de artefatos
publicitários em qualidade e quantidade incompatíveis com os recursos apresentados
na prestação de contas da campanha, leva à propaganda irregular, já que resulta num
desequilíbrio dos candidatos no pleito eleitoral.
Como será visto mais adiante, a baliza estabelecida pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) para uma determinada propaganda ser considerada antecipada é existir
na referida propaganda um pedido implícito ou explícito de votos ou mesmo a menção
a uma possível candidatura. Entretanto, em que pesem os melindres dessa questão, tais
limites podem ser encarados como uma evolução, ao trazerem mais segurança jurídica
e permitirem uma maior difusão de ideias.
Para o TSE, os possíveis e ainda não assumidos candidatos poderão participar
de entrevistas, programas, encontros e debates no rádio, televisão e internet, podendo
até expor as suas plataformas e projetos políticos.
Assim, a questão que resta posta no presente artigo seria justamente analisar os
limites para aferir o que seria uma propaganda irregular para o Tribunal Superior Eleitoral

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REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA ANTECIPADA DE ACORDO COM A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
133

(TSE), no que diz respeito à propaganda antecipada, analisando esse referencial, qual
seja, de que apenas será propaganda antecipada se houver pedido explícito de votos.
Apesar da condicionante imposta pelo TSE, de que apenas será propaganda
eleitoral antecipada se houver pedido explícito de voto, a Lei nº 13.165/15 flexibilizou
ainda mais esse conceito, ao permitir, de maneira expressa em seu artigo 36-A, parágrafo
2º, o pedido de apoio político e a divulgação de pré-candidatura, das ações políticas
desenvolvidas e das que pretende desenvolver. Assim, a lei permitiu uma verdadeira
divulgação da pré-campanha, tendo apenas o preciosismo de vedar o pedido explícito
de votos.
Ora, nesse sentir, a legislação acabou permitindo, mesmo antes do início da
propaganda propriamente dita, a participação do candidato em entrevistas, programas,
encontros, debates, em qualquer veículo de informação, bem como a divulgação de
posicionamento pessoal sobre temas políticos, de atos parlamentares e de debates
legislativos, e a realização de eventos voltados para a divulgação de ideias, objetivos
e propostas partidárias.
Por óbvio, a propaganda eleitoral antecipada não requer apenas o pedido explícito
de votos, ou a menção a projetos e planos de campanha, mas pode restar configurada
por meio de mensagens subliminares, demonstradas em cada caso concreto.
Deve-se ressaltar que a divulgação de candidatura em redes sociais, em data
fora da permitida pela legislação eleitoral, também dá ensejo à propaganda eleitoral
antecipada. Entretanto, sobre essa matéria, o TSE entende que, no tocante a conduta
do próprio pré-candidato, “a veiculação de mensagens em Facebook, com menção à
possível candidatura e exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, sem
pedido explícito de votos, como ocorreu na espécie, não configura propaganda eleitoral
extemporânea, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015”
(AgR-REspe 2 7-88, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 10.8.2017).
A propaganda eleitoral antecipada pode se dar de maneira direta, que pode ser
informal ou elaborada; e maneira indireta.
A propaganda eleitoral direta é aquela que faz uso do nome do candidato ou
de algo que o identifique frente aos eleitores, também mencionado o cargo para o qual
ele concorre, a eleição ou qualquer circunstância que mencione essas circunstâncias.
A propaganda eleitoral direta é a que ocorre de maneira expressa, de forma ostensiva
e clara. A propaganda direta pode ser feita de maneira informal, quando for feita
anonimamente e amadora, como ocorre nas pichações em muros particulares; ou de
forma elaborada, quando realizada profissionalmente.
A propaganda eleitoral indireta, disfarçada, ou sugerida, é aquela que vem de
modo sorrateiro, escuso, feita com o intuito de burlar a lei, em peças publicitárias de
duplo sentido.
O TSE, em mudança de entendimento, passou a defender que a propaganda
eleitoral, no Twitter, mesmo fora do período da campanha, não configura propaganda
antecipada. O Relator argumentou que mensagens no Twitter seriam uma ‘conversa
restrita’ entre usuários e tais manifestações políticas pelo microblog Twitter não podem
ser consideradas propaganda eleitoral. Com a decisão, candidatos e partidos políticos
poderão usar a rede social aludida a qualquer momento, mesmo que para pedir votos
diretamente. De acordo com o Relator, não haveria motivos para restringir a propaganda
eleitoral porque os usuários teriam a opção de receber mensagens somente dos perfis

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
134 PROPAGANDA ELEITORAL

que desejam, e, nas palavras do Relator, o Twitter “é aquilo que podemos chamar de
cochicho: uma pessoa cochicha com outra. Seria necessário, então, impedir que antes do
período permitido para propaganda eleitoral, as pessoas, numa conversa, perguntassem
umas para as outras em quem votarão”.
Ora, a mudança de entendimento do TSE em relação ao twitter poderia ser
perfeitamente aplicável ao facebook, haja vista que, dependendo da configuração do perfil
da conta, também podem ficar as notícias bastante restritas a um determinado círculo
de amizade, o que levaria a permitir a propaganda eleitoral, com pedido ostensivo
de voto, em qualquer época do ano. Todavia, não é bem isso que se pode perceber na
jurisprudência recente da Corte Superior.
O TSE, mesmo no caso de propaganda eleitoral antecipada veiculada por meio do
Facebook, permanece examinando se houve ou não pedido explícito de voto para taxar
a referida propaganda de irregular, em que “a propaganda eleitoral antecipada – por
meio de manifestações dos partidos políticos ou de possíveis futuros candidatos na
internet –, somente resta caracterizada quando há propaganda ostensiva, com pedido de
voto e referência expressa à futura candidatura, ao contrário do que ocorre em relação
aos outros meios de comunicação social nos quais o contexto é considerado” (REspe
239-79, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 22.10.2015).
A propaganda ainda pode ser positiva, e essa é a regra, quando tem por conteúdo
exprimir os pontos de vista positivos do partido ou do candidato e de que tais são as
melhores opções para a sociedade; como negativa, no caso da contrapropaganda, que
busca realçar aspectos negativos do partido ou do candidato, e de que tais não teriam
condições de desempenhar o cargo eletivo. Tanto em uma como em outra, deve estar
presente o pedido de voto ou a recomendação para que não se vote em determinado
candidato ou partido político.
Ponto tormentoso dentro da propaganda antecipada é a ausência de data para o
início da incidência de punição pela propaganda eleitoral antecipada, dando margem
para que se levante dúvidas sobre a irregularidade na propaganda eleitoral realizada há
mais de um ano antes da eleição. Contudo, deve-se ter certo bom senso para o exame da
questão, sob pena de qualquer manifestação, positiva ou negativa, em qualquer período,
configurar propaganda antecipada, portanto, tal prazo pode ser entendido como no ano
da eleição, já que o desiderato de tal propaganda eleitoral irregular é influir no voto.
Ocorre que a divulgação de informações relativas a ideologias, opiniões, projetos,
programas, trabalhos realizados e qualidades pessoais de determinadas pessoas, sejam
pretensos candidatos ou não, por meio da rede mundial de computadores, teve seu uso
cada vez mais difundido, resultando, atualmente, numa divulgação maciça, ocorrendo,
na maioria das vezes, de forma gratuita. É o que se percebe de divulgações realizadas
por meio de redes de relacionamento como Facebook, Instagram, entre outras.
Esse tipo de divulgação, que a princípio não poderíamos chamar de propaganda,
mas apenas de difusão de determinada informação, pode resultar em alteração do
processo de escolha do seu destinatário, e, em se tratando, de futuro candidato, pode
resultar no convencimento de grupos de indivíduos a manifestar sua vontade em
determinado sentido.
Diante da possibilidade de tais divulgações influírem no ânimo dos eleitores e
desequilibrarem o pleito, poderiam ser consideradas propaganda eleitoral antecipada,
passíveis de sanção de natureza cível. Contudo a falta de critérios racionais que pudessem

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JULIANA SAMPAIO DE ARAÚJO, LÍVIA MARIA DE SOUSA
REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA ANTECIPADA DE ACORDO COM A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
135

resultar numa segura separação entre a divulgação de informações que configurem


verdadeira propaganda eleitoral e aquelas tratem de mera informação, corolário da
liberdade de expressar opinião, causou grande divergência na jurisprudência pátria.
Assim, os tribunais eleitorais passaram a buscar extrair do animus do pretenso
candidato um pedido implícito de votos, ou mesmo a penalizar a sua conduta em função
da possibilidade de influenciar na formação de vontade do eleitor, causando insegurança
jurídica e tornando a propaganda eleitoral um tema tormentoso do processo eleitoral.
Acertadamente, nosso legislador passou a autorizar expressamente atos de propaganda
eleitoral, desde que neles não haja pedido expresso de votos.
Dessa forma, a Lei nº 13.165/2015 alterou o artigo 36-A da Lei das Eleições passando
a permitir a realização das mais diversas formas de propaganda eleitoral, mesmo fora
do período de campanha eleitoral, expressamente dispondo que “não configuram
propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a
menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos
(...)”. Além disso, admite-se expressamente a “divulgação de posicionamento pessoal
sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais” (art. 36-A, V).
Em conformidade com o mencionado dispositivo legal, vem decidindo o Tribunal
Superior Eleitoral que não havendo pedido explícito de voto não há ilicitude. É o que
se observa nas representações eleitorais:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO.


PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. REALIZAÇÃO DE CAMINHADAS.
DISCURSO. DIVULGAÇÃO EM REDE SOCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE
PEDIDO DEVOTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTES
OS PEDIDOS FORMULADOS NA REPRESENTAÇÃO E AFASTAR A MULTA IMPOSTA.
RAZÕES DO RECURSO QUE NÃO ENSEJAM A REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na linha da recente jurisprudência do TSE, a
referência à candidatura e a promoção pessoal dos pré-candidatos, desde que não haja pedido explícito
de voto, não configuram propaganda extemporânea, nos termos da nova redação dada ao art. 36-A
pela Lei 13.165/15. Precedente: AgR-REspe 12-06/PE, Rel. Min. ADMAR GONZAGA, DJe
16.8.2017. 2. O TRE de origem entendeu que houve propaganda antecipada, consistente
na realização de caminhadas por diversos bairros do Município de Itabaiana/SE, que,
sob a alegação de destinarem-se ao colhimento de necessidades da população, tinham
o propósito verdadeiro de divulgar a futura candidatura de ROBERTO BISPO ao cargo
de Prefeito. 3. De acordo com o atual entendimento deste Tribunal Superior, desde que
inexistente pedido expresso de votos, a referência à candidatura e a promoção pessoal dos
pré-candidatos não configuram propaganda eleitoral extemporânea. Assim, não se pode
confundir ato de mera divulgação de propósitos em evento promovido por associação
local, com posterior replicação em rede social, com propaganda eleitoral extemporânea.
4. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(Recurso Especial Eleitoral nº 194, Acórdão, Relator (a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 03.11.2017)

É certo que a divulgação de trabalho realizado, ideologia, opiniões, qualidades


pessoais de pretensos candidatos têm o potencial de influir na formação de vontade
do eleitor. Todavia, são os mais diversos fatores que concorrem para a formação de
vontade, não sendo legítimo restringir a divulgação de ideias, propostas ou programas a
um determinado período. Não há, por consequência disso, que se falar em desequilíbrio
do pleito, a menos que se evidencie um abuso do poder econômico ou político.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
136 PROPAGANDA ELEITORAL

Além dos limites formais ao regular exercício do direito de promover e divulgar


propaganda eleitoral, o nosso legislador estabeleceu limites materiais que estão
diretamente relacionados ao conteúdo da mensagem que se pretende divulgar. Os
limites materiais serão tratados no tópico seguinte por estarem diretamente relacionados
com as fake news.

1.4 Propaganda eleitoral: limitações materiais e fake news


A liberdade de expressão está intimamente ligada à elaboração e divulgação de
propaganda política, tanto que, respeitadas as balizas legais, é livre a formulação do
conteúdo propagandístico. A jurisprudência da Corte Superior Eleitoral (AAG 7696-PB,
DJ 04/03/2008; AAG 7119-PA, DJ 05/12/2006; AG: 5702-SP, DJ 15/09/2005) é firme no
sentido da inexistência de controle prévio ao conteúdo elaborado a título de propaganda
eleitoral pelos partidos políticos e candidatos, já que tal poderia dar ensejo à censura.
O controle é sempre posterior, realizado pelos órgãos da Justiça Eleitoral, mediante
provocação, assegurada a ampla defesa. A democracia é caracterizada justamente pelo
controle.
A propaganda eleitoral deve ser direcionada a apresentar ideias, programas,
propostas, como decorrência de um sistema plural, divulgando as qualidades de um
candidato (COELHO, 2010). Assim a regulamentação legal que disciplina o conteúdo da
mensagem que se pretende transmitir deve ocorrer apenas nas hipóteses expressamente
previstas na lei e sendo realizada pela Justiça Eleitoral.
Alguns tipos de propaganda são expressamente vedadas na forma do art. 243
do CE, como a que tenha conteúdo racista, que instigue a violência, ou que prometa
vantagens aos eleitores. Não há empecilho para o candidato apresentar as realizações
do seu governo, mas não poderá utilizar na propaganda símbolos, frases ou imagens
de entes da Administração Pública direta e indireta.
Diferentemente da propaganda eleitoral que visa a enaltecer qualidades de
determinado candidato, a Propaganda Institucional destina-se a divulgar os atos e feitos
da Administração Pública, o que, indiretamente, acaba por valorizar aqueles que estão
no exercício do poder político. Essa propaganda é financiada por recursos públicos,
tendo como baliza normativa constitucional o art. 37, §1º, proibindo a publicidade em
geral dos atos, programas e campanhas de órgãos públicos com nomes, símbolos ou
imagens que promovam as autoridades ou servidores públicos, devendo ter sempre
caráter educativo e informativo.
A propaganda realizada por meio da televisão, por conta de limitação imposta pela
Resolução do TSE, não pode fazer uso de efeitos especiais, como montagens, edições,
desenhos animados ou computação gráfica, configurando um limite ao conteúdo da
propaganda eleitoral.
Como já dito anteriormente, “é permitida a propaganda por meio da internet,
sendo a novidade da eleição de 2018 a autorização de impulsionamento dos conteúdos,
desde que sejam contratados de maneira exclusiva por partidos, coligações e candidatos,
sendo também livre a manifestação de pensamento do eleitor na internet, desde que o
mesmo seja identificado, sendo possível a sua limitação quando ocorrer ofensa à honra
de terceiros, ou quando divulgar fatos sabidamente inverídicos. É crime a publicidade
anônima por meio da internet, sendo criminosa a propaganda que caluniar, difamar

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JULIANA SAMPAIO DE ARAÚJO, LÍVIA MARIA DE SOUSA
REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA ANTECIPADA DE ACORDO COM A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
137

ou injuriar quaisquer pessoas, inclusive órgãos ou entidades que exerçam autoridade


pública. É também crime contratar ou ser contratado para realizar propaganda negativa
na internet” (art. 243, IX CE e art. 57-H, parágrafos 1º e 2º Lei nº 9504/97).
A propaganda eleitoral negativa é aquela voltada a destacar fatos ou atributos
negativos do adversário. Para Neisser (2010), a propaganda eleitoral negativa pode ser
depreciativa, quando visar a destacar atributos ou fatos negativos do adversário, mas
também ofensiva, na hipótese do intuito depreciativo atingir a honra do candidato. Por
fim, tem-se a propaganda mentirosa, se os fatos ou atributos divulgados com o fim de
depreciar a imagem do candidato adversário não forem verdadeiros.
As fake news nada mais são do que notícias falsas. No âmbito das campanhas
eleitorais, é muito comum candidatos inventarem notícias sobre seus adversários, para
que eles percam votos.
O historiador Robert Darnton afirma que as notícias falsas não são novidades
dos tempos modernos. Em recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo,1 o referido
historiador enuncia que as notícias falsas sempre existiram, e que remontam ao século
6, quando Procópio teria inventado fatos para arruinar a reputação do Imperador
Justiniano, fato bastante semelhante ao ocorrido na disputa eleitoral americana, e que,
de lá para cá, apenas se repetiram ao longo da história.
É bastante tênue o limite entre propaganda eleitoral negativa tolerável e a
propaganda eleitoral negativa criminosa por atingir a honra do candidato. Como muito
destacado por Neisser:

(...) Os apelos emocionais, o convencimento fundado em falácias – como argumento


de autoridade e a valorização ou desvalorização de um candidato pela proximidade
que mantém com outras figuras públicas –, as comparações detalhadas do passado dos
candidatos e de seus partidos, a investigação e exploração de questões pessoais – por vezes
desconectadas dos temas típicos de campanha – são todas estratégias de uso costumeiro nas
campanhas eleitorais, tanto no Brasil quando nos demais países democráticos (2010, p. 66).

De fato, nas campanhas eleitorais, os candidatos buscam um resultado favorável no


pleito, por meio de divulgação de ideias, programas, projetos, enaltecendo seus próprios
atributos, buscando criar no eleitor estados mentais favoráveis às suas propostas; mas
também tentam depreciar seus adversários, divulgando atributos ou fatos negativos
que possam criar aversão ao candidato adversário.
O problema ocorre quando a propaganda eleitoral negativa veicula fatos
inverídicos, seja em relação ao conteúdo em si ou mesmo em relação à origem, com o
propósito de influir na formação de vontade do eleitor, viciando-a.
É certo que há muita relatividade no próprio conceito da verdade e que a
divulgação parcial de fatos que interessam a determinado candidato pode resultar
num conhecimento distorcido da situação real e deturpar a vontade do eleitor, razão
pela qual assume relevância a origem da informação, o responsável pela veiculação da
notícia, bem como o controle exercido pela justiça eleitoral como forma de extirpar do
processo eleitoral as fake news, permitindo ao eleitor a tomada de decisão com a mais
ampla informação disponível e verídica.

1
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-existem-desde-o-
seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em 30 dez. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
138 PROPAGANDA ELEITORAL

1.5 Conclusão
Por tudo o que foi exposto neste artigo, verifica-se que o pedido implícito ou
insinuado de votos sempre existiu em divulgação de posições, ideais, projetos e trabalhos
realizados, razão pela qual a temática de propaganda eleitoral sempre foi um tema
sensível na Justiça Eleitoral.
Com a norma anterior, a Justiça Eleitoral tinha ampla discricionariedade para
identificar ilegalidade em quase todo tipo de divulgação ocorrida antes do período
anterior a 15 de agosto do ano das eleições, resultando em insegurança jurídica diante
da divergência de entendimento nos Tribunais Regionais Eleitorais.
Nesse sentido, a Lei nº 13.165/2015, ao permitir expressamente a exaltação das
qualidades pessoais dos pretensos candidatos e menção à pretensa candidatura, vedando
tão somente o pedido explícito de voto, representou um significativo avanço no processo
eleitoral. A referida lei, além de estabelecer critério objetivo para o enquadramento no
conceito de propaganda eleitoral antecipada, qual seja, pedido explícito de votos, dando
maior segurança jurídica aos participantes do processo, ainda trouxe um indiscutível
valor positivo na tomada de decisão, ao proporcionar a mais ampla informação disponível
ao eleitor, que antes ficava restrito a conhecer programas e projetos de candidatos a
partir da data previamente fixada pela Justiça Eleitoral.
Todavia, além da propaganda eleitoral positiva que busca enaltecer o pretenso
candidato, tem-se a propaganda eleitoral negativa que busca angariar votos depreciando
a imagem ou atributos do adversário. Nesse contexto, é de suma relevância o papel
desempenhado pela Justiça Eleitoral, fiscalizando a origem e a veracidade da informação
veiculada por candidatos e partidos políticos, punindo os responsáveis por veiculação
das fake news, construindo um processo eleitoral seguro e verdadeiramente democrático.

Referências
CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro. 11. ed. 3. tiragem. Bauru: Edipro, 2005.
COELHO, Marcus Viniciu Furtado e AGRA, Walber Moura (Coord). Direito eleitoral e democracia: desafios e
perspectivas. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010.
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2006
GOMES, José Jairo. Propaganda Político-Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
   . Direito Eleitoral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre por que compramos. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2009.
NEISSER, Fernando Gaspar. Dissertação: Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade
e utilidade da criminalização da mentira na política. São Paulo: USP, 2014.
NEVES FILHO, Carlos. Propaganda Eleitoral e o princípio da liberdade da propaganda política. Belo Horizonte:
Fórum, 2012.
PINTO, Djalma. Direito Eleitoral, Improbidade Administrativa e Responsabilidade Fiscal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
REICH, Robert B. Supercapitalismo: como o capitalismo tem transformado os negócios, a democracia e o
cotidiano. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2008.

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JULIANA SAMPAIO DE ARAÚJO, LÍVIA MARIA DE SOUSA
REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA ANTECIPADA DE ACORDO COM A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

ARAÚJO, Juliana Sampaio de; SOUSA, Lívia Maria de. Reflexões acerca da propaganda antecipada
de acordo com a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 127-139. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 2

A PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E


NA TELEVISÃO: UMA VISÃO CRÍTICA

OLIVAR CONEGLIAN
FABÍOLA ROBERTI CONEGLIAN
ANDRÉ EIJI SHIROMA

2.1 Rádio e televisão: a oferta estatal


No Brasil, permite-se a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, com rigoroso
controle estatal.
As regras básicas que demonstram esse controle são as seguintes: a) o Estado
oferece às candidaturas, gratuitamente, tempo de rádio e televisão para a propaganda
eleitoral; b) o Estado estabelece o tempo dedicado à propaganda de cada candidatura; c)
o Estado estabelece os horários em que essa propaganda pode ir ao ar; d) o Estado obriga
as emissoras a conceder o tempo à propaganda das candidaturas; e) cada candidatura
recebe seu tempo sem nenhum pagamento por seu uso; f) não pode haver propaganda
eleitoral em rádio ou televisão em horários diferentes daqueles outorgados pelo Estado.

2.2 Bloco e inserção


Os programas de cada candidatura podem aparecer em duas formas: por meio de
um programa em bloco e por meio de spots, ou comerciais, ou inserções. Os substantivos
“spots” e “comerciais” são utilizados pela mídia; já o substantivo “inserção” é utilizado
pela lei eleitoral e pelas resoluções do TSE.
O termo “comercial”, utilizado pela mídia, é mais genérico e se traduz como a
exibição de propaganda comercial ou institucional em tempo reduzido, nos intervalos
de programas. O comercial é feito, em geral, na forma de spot, jingle e vinheta. Spot é
o comercial feito por voz ou por voz e música, o jingle é feito por meio de música, e a
vinheta é a marca ou assinatura do produto ou da empresa dona do produto. Essas
três formas de comerciais podem aparecer isoladas ou combinadas (spot e jingle, spot e
vinheta, jingle e vinheta e até spot, jingle e vinheta).
A legislação brasileira utiliza o termo “inserções”, que se traduz como a propaganda
eleitoral gratuita feita ao longo do dia, em intervalos da programação das emissoras,
com tempo de 15 segundos, 30 segundos ou um minuto. Dessa forma, as inserções

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
142 PROPAGANDA ELEITORAL

estão, para a propaganda eleitoral, como os comerciais para a programação normal, e


aparecem ao ouvinte ou telespectador na mesma forma dos comerciais.
Os programas em bloco são apresentados duas vezes ao dia para cada veículo
de comunicação social. Os programas de rádio são apresentados uma vez na parte da
manhã e uma vez no início da tarde. Os programas televisivos são divulgados o primeiro
no início da tarde e o segundo à noite, no chamado “horário nobre”.
O nome de “programa em bloco” surge de duas circunstâncias. A primeira delas
é que se destina um tempo maior para que as propagandas de todas as candidaturas
de determinado cargo sejam divulgadas num só bloco, como se fosse um programa
único. Assim, se há sete candidatos a presidente da República, em determinado bloco
aparecerão sete propagandas diferentes, uma para cada candidato, uma em sequência
à outra, até o esgotamento do tempo integral do bloco.
A segunda circunstância a dar o nome de “programa em bloco” é que cada partido
ou cada candidatura recebe o tempo para sua propaganda em que, teoricamente, pode
desenvolver todo um programa de rádio ou televisão, pelo fato de dispor de grande
tempo. O advérbio “teoricamente” está presente porque, numa divisão de tempo entre
as candidaturas, haverá aquelas que serão aquinhoadas com um tempo grande, como
cinco ou oito minutos, enquanto algumas ficarão com dois minutos, um minuto, trinta
segundos.1
A princípio, cada candidatura possui tempo em bloco e tempo em inserções.
Assim, um candidato a deputado federal, por exemplo, pode utilizar parte do tempo
de seu partido no programa em bloco e também parte do tempo com as inserções. Para
a eleição municipal de 2016, todavia, foi suprimida a possibilidade de as candidaturas
ao cargo de vereador fazerem propaganda em bloco, restando a elas apenas os spots
(art. 47, VII, da Lei nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015). O direito
ao tempo de rádio e televisão, nos programas em bloco e nos spots, não foi suprimido
das outras candidaturas.
Lembra-se que o horário eleitoral gratuito foi criado com a intenção de possibilitar
a todos os candidatos o acesso a essas mídias, independentemente do poder econômico
de cada um, afinal, como aponta a ciência política, uma boa democracia exige liberdade
de expressão, que deve se manifestar em um ambiente de máxima igualdade, coibindo-se
os abusos.
E uma boa democracia representativa, por sua vez, que depende de eleições
frequentes para que os cidadãos escolham seus representantes, demanda espaços para,
de um lado, os candidatos apresentarem suas ideias e propostas políticas e, de outro,
para os cidadãos tomarem ciência de tais projetos, espaços esses que devem observar
o máximo de igualdade entre os concorrentes.

A liberdade de expressão exige o meio para a sua realização, com o acesso aos meios de
comunicação e a liberdade de propaganda. O acesso ao direito de antena deve ser o mais
amplo e igualitário possível, para permitir que o direito cumpra suas funções em relação
à democracia e ao Direito: instigar o pluralismo, impor o cumprimento da função pública
dos órgãos de comunicação social e garantir eleições verdadeiramente democráticas,

1
Isso depende da representação do partido ou da coligação na Câmara dos Deputados, conforme o art. 47, §2º, da
Lei nº 9.504/97.

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OLIVAR CONEGLIAN, FABÍOLA ROBERTI CONEGLIAN, ANDRÉ EIJI SHIROMA
A PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TELEVISÃO: UMA VISÃO CRÍTICA
143

pois não há voto livre sem opinião esclarecida; não se concebe liberdade de escolha sem
consciência das alternativas.2

A propaganda eleitoral, portanto, essencial ao regime democrático, encontra


no horário eleitoral gratuito importante meio de divulgação. Se esse espaço é efetivo
ou não em termos de esclarecimento e boa receptividade dos e pelos cidadãos, é outra
discussão. Por ora, ressalta-se sua essencialidade.

2.3 O “custo” da propaganda eleitoral “gratuita”


É competência da União a exploração dos serviços de radiodifusão sonora e
de sons e imagens. Essa exploração pode ser feita diretamente, como nos casos das
emissoras estatais do Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal, ou por meio
de autorização, concessão ou permissão, quer a setores fracionários do próprio Estado
(rádios e tevês das assembleias e das câmaras de vereadores), quer a entes privados
(art. 21, XII, “a”, da CF).
Todas as concessionárias desses serviços devem ceder espaços em sua programação
normal para a divulgação da propaganda eleitoral.3
À obrigação legal das emissoras de ceder espaço comercial para a divulgação
da propaganda política, corresponde a obrigação do Estado de arcar com os custos do
uso desse tempo, na forma de compensação tributária, como está previsto no art. 99
da Lei nº 9.504/97 e constava no revogado parágrafo único do art. 52 da Lei nº 9.096/95.
É uma espécie de renúncia fiscal, em que o Estado abre mão do recebimento de parte
do tributo devido.
Essa obrigação do Estado foi criada ao pressuposto de que, ao ceder espaço de
sua programação para uma propaganda que em tese não seria remunerada, as emissoras
perderiam parte substancial de recursos financeiros, ou seja, se não recebessem uma
compensação pela cessão de parte de seu horário comercial, as empresas poderiam se
endividar ou teriam dificuldades de se manter, porque lhes foi retirada parte do tempo
que elas destinavam à propaganda comercial.
Relativamente ao direito das emissoras sobre a compensação fiscal, a Receita
Federal estimou que, em 2016, R$ 576 milhões deixaram de ingressar nos cofres públicos.4
Para 2018, estima-se que mais de R$ 1 bilhão de reais sejam renunciados.5
Pode-se criticar essa obrigação do Estado de arcar com os custos de veiculação da
propaganda política, uma vez que ele detém a competência para explorar esses serviços.
Enquanto a Constituição e o Código Brasileiro de Telecomunicação – Lei nº
4.117/62 – não criaram nenhuma obrigação para o Estado relativamente à entrega de
tempo para os programas gratuitos partidários ou eleitorais, a Lei dos Partidos Políticos
e a Lei das Eleições incutiram essa obrigação. Essa antinomia existe porque essas leis,

2
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 213.
3
A propaganda partidária, com a reforma implementada pelas Leis nº 13.487 e nº 13.488, de 2017, não existe mais.
4
Segundo informações publicadas pela ONG Contas Abertas. Horário Eleitoral “custará” R$ 576 milhões em 2016.
Disponível em <http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/12447>. Acesso em 18 jan. 2018.
5
Segundo informações publicadas pela ONG Contas Abertas. Horário eleitoral terá custo de mais de R$ 1 bilhão em
2018. Disponível em <http://contasabertas.com.br/site/orcamento/horario-eleitoral-tera-custo-de-mais-de-r-1-
bilhao-em-2018>. Acesso em 18 jan. 2018.

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144 PROPAGANDA ELEITORAL

feitas pelos próprios políticos, tiveram o objetivo de agradar a esfera da mídia de rádio
e de televisão, usando para isso recursos que, sendo da União, é de todos, e o que é de
todos é de ninguém.
Com a compensação tributária, o programa eleitoral gratuito pode se inserir
na modalidade de “financiamento público de campanha”, uma vez que, ainda que o
Estado não faça efetivamente um pagamento, deixa de receber parte dos impostos, e
isso acaba por onerar cada cidadão brasileiro.
Na realidade brasileira, verifica-se que existe certa dificuldade burocrática
para que uma emissora preencha todos os formulários e requisitos que lhe garantam
a compensação tributária, uma vez que o Estado não fará “pagamento”, mas apenas
abaterá o valor apurado do cálculo do lucro líquido da empresa, no caso das grandes
empresas, ou uma dedução da base de cálculo de qualquer imposto federal, nas empresas
vinculadas ao Simples. Esse cálculo é complexo e atualmente está regulamentado pelo
Decreto nº 7.791/2012.
Isso leva a refletir que muitas empresas não terão qualquer compensação financeira
simplesmente por não terem uma estrutura contábil apta a fazer os requerimentos certos
na hora certa e na forma correta.
De qualquer maneira, o fato é que a veiculação da propaganda eleitoral no
rádio e na televisão não é gratuita, e o custo é bastante expressivo, como visto. Diz-se
que é gratuito apenas porque os partidos e candidatos não pagam para veicular suas
propagandas eleitorais nesses meios de comunicação.

2.4 O fundo especial de financiamento de campanha criado pela


Lei nº 13.487/2017
Se já é curioso o fato de que o horário eleitoral gratuito não é, efetivamente,
gratuito, então o recém-criado “fundo especial de financiamento de campanha” causa,
no mínimo, consternação.
Isso porque o que alimenta esse fundo é o valor da compensação fiscal que as
emissoras de rádio e televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária,6
nos anos de 2017 e 2016. Ou seja, o Estado não apenas deixou de arrecadar tributos
para oportunizar aos partidos a divulgação de suas propagandas, mas também deverá
depositar em um fundo esse valor não arrecadado!
A Lei nº 13.487/2017 estabelece que uma das fontes do fundo especial de
financiamento de campanha é definida pelo Tribunal Superior Eleitoral com base no
critério previsto no artigo 3º da Lei, assim redigido:

O valor a ser definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, para os fins do disposto no inciso I do
caput do art. 16-C da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, será equivalente à somatória
da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela
divulgação da propaganda partidária efetuada no ano da publicação desta Lei e no ano

6
A propaganda partidária, em resumo, era destinada aos partidos políticos para divulgarem sua ideologia, como
previa o art. 45 e seguintes da Lei nº 9.096/95. Assim como ocorre com a propaganda eleitoral, as emissoras de
rádio e tevê estavam obrigadas a ceder espaço também para a veiculação das propagandas partidárias e, como
“recompensa”, tinham direito à compensação fiscal. A propaganda partidária foi extinta pela reforma advinda
das Leis nº 13.487 e nº 13.488 de 2017.

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A PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TELEVISÃO: UMA VISÃO CRÍTICA
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imediatamente anterior, atualizada monetariamente, a cada eleição, pelo Índice Nacional de


Preços ao Consumidor (INPC), da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), ou por índice que o substituir.

Esse fundo eleitoral foi claramente criado pelos parlamentares como resposta ao
fim das doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Assim, se havia dúvida
quanto ao financiamento público (ou misto) de campanhas no Brasil, essa dúvida não
existe mais. O Estado brasileiro suporta boa parte dos altos custos das campanhas
políticas, suporte que aumentou ainda mais com a criação desse fundo.
Em recente publicação, Amilton Kufa, Karina Kufa e Marcos Ramayama sustentam
a inconstitucionalidade formal do mencionado art. 3º, da Lei nº 13.487/2017, por vício
de iniciativa:

A compensação fiscal pela cedência do horário “gratuito” nas emissoras de rádio e televisão
sempre foi muito questionada, pois num primeiro plano a veiculação deveria ser gratuita,
considerando que essas emissoras usufruem de concessões do Poder Público. Por outra,
é possível verificar uma inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa reservada ao
Presidente da República, quando a Lei nº 13.487/2017, no art. 3º, prevê que os recursos
oriundos da compensação fiscal da propaganda partidária pelas emissoras de rádio e
televisão podem ser destinados ao FEFC, ou seja, transferem-se recursos públicos da
União Federal para o financiamento das campanhas eleitorais, ingressando o legislador
comum na seara tributária e orçamentária, violando o disposto no art. 61, §1º, inc. II,
alínea “b”, da Carta Política.
Essa inconstitucionalidade não se convalesce pela sanção presidencial ao projeto de lei,
em razão do vício de nulidade em sua origem. O que temos em termos práticos é que, ao
invés de a União apenas não efetuar a cobrança do crédito parcial para fins do Imposto
de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) das empresas de rádio e televisão sobre a veiculação
do horário gratuito na propaganda partidária, agora terá que destinar recursos públicos
equivalentes ao montante dessa “isenção”, e não se sabe, a princípio, qual é o valor que
será alcançado e destinado para o FEFC.
Impende observar, ainda, uma evidente renúncia de receita pública tributária e a destinação
de despesa nova, o que poderá ensejar a aplicação do art. 14 da Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).7

O valor da compensação tributária a que as emissoras de rádio e tevê têm direito


por terem transmitido a já extinta propaganda partidária em 2016 e 2017, portanto, serve
de parâmetro para quantificar o valor que o Estado deve disponibilizar para financiar
as campanhas eleitorais. Em resumo, o Estado deixou de arrecadar tributos e ainda
deve disponibilizar aos partidos essa quantia não arrecadada.
Vê-se, então, que a contribuição estatal para os políticos é bastante generosa.
Inicia-se no financiamento da campanha eleitoral. Em caso de sucesso na eleição, o
Estado ainda suporta os gastos relativos ao exercício do mandato (e não raras vezes os
gastos particulares). Ao fim (se é que há fim), os cofres públicos ainda oferecem vultosa
aposentadoria.

7
KUFA, Amilton. KUFA, Karina. RAMAYAMA, Marcos. Das incongruências e inconstitucionalidade parcial do “fundo especial
de financiamento de campanha” (FEFC). Disponível em <https://www.impetus.com.br/artigo/1033/%E2%80%9Cfundo-
especial-de-financiamento-de-campanha%E2%80%9D-fefc>. 2017. Acesso em 18 jan. 2018.

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146 PROPAGANDA ELEITORAL

2.5 Propaganda em rádio e televisão e o princípio da igualdade


Conforme leciona o mestre Joel José Cândido, a propaganda eleitoral se baseia em
princípios, entre os quais o “princípio igualitário”, pelo qual, na definição do mestre,
“todos, com igualdade de oportunidades, têm direito à propaganda, paga ou gratuita”.8
Em “Propaganda eleitoral”, se propôs a substituição do “princípio igualitário”
pelo “princípio da igualdade formal e da proporcionalidade”, explicitando-se que o
“princípio da igualdade” de fato “existe no sentido de que a Justiça Eleitoral deve
tratar todos os candidatos de forma igualitária, e cada partido como se ele fosse o mais
importante”.9
Mas também se comentou que a igualdade fica por aí, pois na eleição proporcional
cada candidato possui um valor dentro de cada partido, vale dizer, não há igualdade.
E na divisão do tempo de propaganda eleitoral gratuita ou dos recursos do fundo
partidário, há uma grande diferença entre os partidos, pois o tempo de rádio e televisão
não é distribuído de forma igualitária, nem os recursos do fundo partidário possuem
uma divisão isonômica.10
Tanto a divisão do fundo partidário como a do tempo de rádio e televisão se
baseiam na chamada “representação partidária”, nascida esta do número de deputados
federais que cada partido tenha elegido na eleição geral anterior (art. 47, §2º, da Lei nº
9.504/97).
Daí levantar-se como um dos princípios não a igualdade absoluta, mas a
“proporcionalidade”:

dele deflui o fato de que os partidos são considerados diferentes perante a lei, e a diferença
nasce da força de cada partido dentro da Câmara Federal, chamada de representação. Cada
partido terá tempo de horário eleitoral gratuito e verba do fundo partidário na proporção
do número de deputados federais que tiver elegido na última eleição.11

Pela Lei nº 9.504/97, o tempo de propaganda eleitoral no rádio e televisão deve


ser distribuído entre todos os partidos e coligações que tenham candidatos, segundo
os critérios previstos nos incisos I e II do art. 47:

I – 90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes


na Câmara dos Deputados, considerados, no caso de coligação para eleições majoritárias, o
resultado da soma do número de representantes dos seis maiores partidos que a integrem
e, nos casos de coligações para eleições proporcionais, o resultado da soma do número
de representantes de todos os partidos que a integrem;
II – 10% (dez por cento) distribuídos igualitariamente.

Como se vê, os partidos que não têm representação na Câmara dos Deputados
ficam com apenas 10% do tempo de propaganda eleitoral no rádio e tevê, divisão essa
que é bastante rigorosa. Quase anula a voz de partidos menores, sem deputados eleitos.

8
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 15. ed. Bauru: Edipro, 2012. p. 180.
9
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral. Eleições. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 80.
10
CONEGLIAN, Olivar. Ob. cit., p. 81.
11
Ibidem, p. 81.

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A PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TELEVISÃO: UMA VISÃO CRÍTICA
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Assim, a própria lei cria obstáculo ao princípio da igualdade, à isonomia entre


as candidaturas, e favorece aqueles partidos mais fortes, o que acaba por dificultar a
renovação, favorecendo os partidos que já alcançaram o poder.
O atual formato da distribuição do tempo de rádio e televisão estabeleceu uma
diferença brutal entre os partidos, criando partidos poderosos, partidos médios e
partidos nanicos. Entre esses últimos, há partidos com bandeiras sólidas, com verdadeira
representação de minorias, como também há “partidos de aluguel”.
É que o tempo de propaganda eleitoral gratuita das coligações é calculado de
acordo com a soma do número de representantes que os partidos que a integram
têm na Câmara. Nas coligações formadas para as eleições proporcionais, somam-se os
representantes de todos os partidos coligados. Já para as eleições majoritárias, somam-se
os representantes dos seis maiores partidos.
No cenário político de formação das coligações e de consolidação das candidaturas,
qualquer partido, por menor tempo que possua, se torna importante, ou melhor, o
tempo de tevê e de rádio passa a ter valor, tanto econômico como na distribuição do
poder futuro (cargos).
Essa armação para as eleições é o embrião do funesto “governo de coalisão”,
ou seja, do governo em que o poder fica diluído entre partidos diversos, às vezes sem
nenhum laço ideológico, sem uma pauta comum de governo, sem nenhuma consistência
em torno de uma agenda de progresso e de melhoria do próprio Estado.
A lei atual traz esse defeito, mas é defendida com rigor pelos parlamentares e
pelos ditos democratas progressistas.
Um defeito da lei foi corrigido para o futuro, com o desaparecimento das coligações
das eleições proporcionais, por meio da Emenda Constitucional nº 97/2017, a partir das
eleições de 2020.

2.6 Rádio e televisão na propaganda das eleições proporcionais: a


candidatura a vereador
Como afirmado acima, o tempo para a propaganda gratuita no rádio e na televisão
contemplava todas as candidaturas.
A Lei nº 13.165/2015 modificou o inciso VII do §1º do art. 47 da Lei nº 9.504/97, para
eliminar, na eleição municipal, a propaganda de vereadores do horário de propaganda
em bloco, mantida a propaganda em inserções.
Dessa forma, todas as candidaturas têm direito à propaganda eleitoral gratuita
veiculada por meio de inserção. Apenas as candidaturas ao cargo de vereador é que
não dispõem mais de propaganda eleitoral no rádio e tevê veiculada em bloco.
A experiência e a análise das campanhas eleitorais demonstram que a propaganda
gratuita em bloco para deputados estaduais, distritais ou federais, é muito trabalhosa para
os partidos, e pouco eficaz para os próprios candidatos. Claro que há exceções, vindo
à memória os casos do Dr. Eneas e do Tiririca. Mas na imensa maioria, os programas
das eleições proporcionais são uma corrente de mau gosto, um apanágio da inutilidade.
Por isso mesmo é que esse espaço acaba sendo utilizado para propaganda das
eleições majoritárias, embora a lei proíba tal proceder – art. 53-A, da Lei nº 9.504/97.
Na visão dos articulistas, a campanha proporcional, no horário eleitoral gratuito,
deveria ficar apenas no campo das inserções, razão pela qual veem com bons olhos a

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148 PROPAGANDA ELEITORAL

mudança empreendida em 2015 pela Lei nº 13.165, o que também poderia ser estendido
às campanhas de candidatos a deputado estadual, federal e distrital.

2.7 A limitação do conteúdo


Os candidatos são livres para divulgar qualquer mensagem, ou há limitações legais?
Invocam-se aqui o princípio da liberdade e o princípio da disponibilidade. Pelo
primeiro, a propaganda é livre, na forma exposta na lei, e tudo que a lei não veda é
permitido. Pelo princípio da disponibilidade, os partidos e candidatos dispõem da
propaganda lícita, apoiada e estimulada pelo Estado.12
Não cabe aqui tecer comentários sobre todo tipo de propaganda dita lícita. Basta
para isso ler a lei em seu estado puro e as resoluções do TSE sobre o assunto.
Mas vê-se a necessidade de comentar a parte final do art. 242 da Lei nº 4.737/65
(Código Eleitoral), assim redigido:
A propaganda, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a
legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar
meios publicitários destinados e criar artificialmente, na opinião pública, estados mentais,
emocionais ou passionais.

A primeira parte do artigo é autoexplicativa. A parte medial do artigo fala em


“língua nacional”, vale dizer, a língua portuguesa, mas não se pode esquecer que a
própria Constituição protege as línguas indígenas (art. 231), podendo elas ser utilizadas
na propaganda realizada em núcleos ou aglomerados indígenas.
A parte final do artigo expõe a proibição explícita de propaganda que emprega
meios publicitários com o fim de criar, artificialmente, na opinião pública, estados
mentais, emocionais e passionais. Aqui está o problema.
O marketing comercial se baseia em quatro fases: 1) conhecimento; 2) aceitação;
3) desejo; 4) necessidade.
Em realidade, o marketing comercial busca empregar meios publicitários com o
objetivo de criar estados mentais, emocionais e passionais. Steve Jobs chegou a afirmar
que o consumidor não sabe que deseja um objeto, até que se mostre a ele que ele deseja
aquele objeto.
O que se pode perguntar é: até onde é válida essa proibição da lei eleitoral de
empregar meios publicitários capazes de criar, de modo artificial, estados mentais,
emocionais e passionais? Até onde isso está de fato proibido?
Aqui se poderia fazer uma incursão na História, para dizer que o Código Eleitoral
é do tempo dos governos militares (1965) etc. Mas interessa discutir o tema hoje, agora,
em plena vigência de regime democrático.
O dispositivo legal ainda tem força quando busca coibir condutas que, se
praticadas, são ilegais. Assim, não há permissão para fazer apologia de preconceito ou
qualquer discriminação de cor, de etnia ou de gênero. Não há permissão para incitar,
na propaganda eleitoral, invasão de terras, desobediência civil, greve, quebradeira,
destruição de propaganda adversária, como está posto no Código Eleitoral e na Lei
das Eleições.

12
Ibidem, p. 77-83.

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A PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TELEVISÃO: UMA VISÃO CRÍTICA
149

No entanto, dentro de uma campanha eleitoral se permite, sim, empregar meios


publicitários capazes de criar, ainda que artificialmente, estados mentais, emocionais,
passionais.
A propaganda utilizada na campanha eleitoral de 2014 foi generosa nesse tipo
de conduta. Uma das peças de publicidade mostrava uma família ao redor da mesa de
jantar, e conforme o locutor ia fazendo alusão a juros altos ou a outras condutas que
seriam tomadas pelo candidato adversário, a comida ia desaparecendo da mesa. Outra
peça publicitária reproduzia o mesmo conceito, dentro de uma escola, quando os livros,
lápis e instrumentos iam desaparecendo.
A própria Justiça Eleitoral reconheceu que houve um exagero em tais propagandas,
mas não ocorreu uma proibição, ou seja, aceitou-se que fossem criados estados mentais e
emocionais em torno da campanha eleitoral. Nessa oportunidade, esperava-se uma análise
mais profunda do art. 242 por parte do TSE. O julgado contou com a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2014. ELEIÇÃO PRESIDENCIAL. PROPAGANDA ELEITORAL. DIREITO DE


RESPOSTA. INSERÇÃO. FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. ART. 58 DA LEI Nº 9.504/97.
EMPREGO DE MEIOS PUBLICITÁRIOS DESTINADOS A CRIAR, ARTIFICIALMENTE,
NA OPINIÃO PÚBLICA, ESTADOS MENTAIS, EMOCIONAIS OU PASSIONAIS. ART.
242 DO CÓDIGO ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. CRÍTICA POLÍTICA. LIBERDADE
DE EXPRESSÃO.
I – O fato sabidamente inverídico, a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de
concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve ser
perceptível de plano, a “olhos desarmados”. Além disso, deve denotar ofensa de caráter
pessoal a candidato, partido ou coligação. Precedentes.
II – A parte final do caput do (vetusto) art. 242 do Código Eleitoral, no sentido de que
não se deva empregar, na propaganda eleitoral, “meios publicitários destinados a criar,
artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”, não pode
embaraçar a crítica de natureza política – ainda que forte e ácida – , ínsita e necessária ao
debate eleitoral e substrato do processo democrático representativo. Precedente específico:
Rp nº 587/DF, Rel. Min. Gerardo Grossi, Publ. Sessão de 21.10.2002.
III – Em prol da liberdade de expressão, afasta-se a concessão de direito de resposta e
indefere-se pedido de suspensão definitiva de inserção na qual se disse, com apoio de
imagens eloquentes (enfocando tristeza por escassez de comida), que a plataforma política
da representada, sobre a autonomia do Banco Central, representaria entregar aos banqueiros
vultoso poder de decisão sobre a vida do eleitor e de sua família.
IV – Improcedência dos pedidos.
(Representação nº 120133, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto,
Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 23.09.2014)

Na verdade, a propaganda comercial tem como objetivo justamente criar tais


estados mentais a ponto de tornar um produto algo desejado, e quando tal produto se
torna “necessário”, é porque o marketing atingiu seu objetivo máximo.
Na propaganda eleitoral, o candidato busca, num primeiro momento, ser
conhecido. Em seguida, busca ser aceitável. Chegar a se tornar “desejo” de parcela
significativa da população, que pode levá-lo à vitória nas urnas, já significa um degrau
bastante alto. E se a percepção do eleitor é que a presença do candidato é “necessária”,
está coroada sua condição de líder.
Essa “necessidade” pode ser criada de forma espontânea ou artificial. Hugo
Chaves, na Venezuela, criou o mito de que era necessário ao país, mas essa criação

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150 PROPAGANDA ELEITORAL

foi artificial, imposta à força. Já Lula, restringindo-se este comentário ao seu primeiro
mandato como presidente, tornou-se um líder “necessário” por força de seu próprio
carisma e de sua atuação propícia à elevação das classes sociais, e nisso foi ajudado por
circunstâncias mundiais favoráveis e por uma economia em franca expansão.
Em resumo e concluindo: a propaganda eleitoral pode ser feita com o objetivo
de criar artificialmente na opinião pública estados mentais, emocionais e passionais,
desde que fique no limite da legalidade, isto é, desde que a mensagem não contenha
apelo ou chamado para gestos ilegais. A peça publicitária não é ilícita só pelo fato de
criar artificialmente estados mentais, emocionais e passionais.
Nesse campo, constata-se que há espaço para a mentira, ou para mensagens
sem qualquer base na realidade passada ou futura. Pelo menos por lei, sem adentrar
ao campo da moral.
Ao apresentar sua candidatura, os candidatos a cargos executivos devem
apresentar as propostas que defendem (art. 11, §1º, IX, da Lei das Eleições). No entanto,
na propaganda nem sempre os candidatos se referem a essas propostas.
A propaganda em rádio e na televisão é comandada, pelo menos nas eleições
que envolvem maior número de eleitores, pelos publicitários, conhecidos pelo jargão
popular de marqueteiros.
A criação dos programas eleitorais envolve pesquisas, estatísticas, análise dos
adversários, perfil do eleitor que se pretende atingir. Ela não nasce do nada. Possui, isso
sim, um grande componente científico, além, sempre, da criatividade do marqueteiro. E
dentro dessa criatividade, permitem-se criar cenários irrealistas, propostas que poderiam
ser o sonho de consumo do eleitor, mas que não poderão ser concretizadas dentro dos
orçamentos e das circunstâncias políticas com que o agora candidato vai se deparar no
futuro da administração.
Nesse ponto, surgem aqueles que são bons candidatos, muito embora nada se
possa esperar deles como administradores.
O campo da mentira eleitoral é profícuo, imenso, e se esparrama em todas as
direções, a buscar o atendimento do sonho do eleitor, como se somente a propaganda
já fosse satisfatória, e como se o tesouro público pudesse se abrir para a realização de
obras impossíveis e de satisfação popular inalcançável.
Veja-se que, segundo o art. 323 do Código Eleitoral, é crime “divulgar, na
propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes
de exercerem influência perante o eleitorado”. Ou seja, a propaganda eleitoral não pode
veicular mentiras sobre os adversários.
Na prática, não é fácil distinguir a verdade da mentira, especialmente porque,
estrategicamente, misturam-se afirmações falsas com afirmações verdadeiras. Da
mesma forma, fato e opinião são coisas diferentes, o que também impõe dificuldades
na hora de se verificar a verdade ou a mentira, já que a opinião não se classifica como
falsa ou verdadeira.
De qualquer forma, o que a lei veda é a mentira especificamente sobre candidatos
ou partidos. E pelo princípio da liberdade, tudo que a lei não proíbe, é permitido.

2.8 A propaganda em rádio e televisão: uma proposta


É relativamente fácil fazer propostas, na esfera acadêmica, de modificação das
leis, já que não existe nenhum compromisso com a defesa de tais propostas no campo

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A PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TELEVISÃO: UMA VISÃO CRÍTICA
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prático das legislaturas. Mesmo assim, os articulistas ousam fazer uma proposta com
o objetivo de melhorar a campanha eleitoral no rádio e na televisão, custeada com
recursos públicos.
Talvez os programas em bloco ficassem mais autênticos e atraíssem com maior
intensidade a atenção do eleitor, se fossem assim:

1. programas destinados exclusivamente às eleições majoritárias;


2. presença e fala obrigatórias do candidato em pelo menos 60% do tempo do
programa;
3. presença e fala obrigatórias do candidato a vice (ou suplente) em pelo menos
20% do programa;
4. em pelo menos dois programas por semana, os candidatos deveriam focar os
temas de suas propostas apresentadas à Justiça Eleitoral.

No segundo turno, além da aplicação das regras anteriores, em três dias da semana
os programas teriam um tempo maior, de 30 minutos, e seriam destinados a debates
entre os dois candidatos. Em dois dias da semana, os candidatos teriam presença física e
responderiam a perguntas de eleitores. Acredita-se que isso demandaria candidatos mais
bem preparados para o cargo em disputa com consequências benéficas à coletividade,
pelo menos em tese.
Não se quer com isso cercear a liberdade das campanhas, evidentemente, mas
apenas manter o debate político veiculado no horário eleitoral gratuito em um nível
de seriedade mínimo, com a exposição detalhada dos projetos e ideias, sem exagero de
encenações teatrais e recursos audiovisuais.
Em outros meios de propaganda eleitoral, até mais profícuos do que a propaganda
de rádio e tevê, como tem se mostrado a internet, não se aplicariam essas regras.

2.9 Considerações finais


Pela lei, a veiculação da propaganda eleitoral de rádio e televisão limita-se ao
horário especialmente reservado para tanto, chamado de horário eleitoral gratuito, que
foi criado para manter o equilíbrio das campanhas, já que evita que uma candidatura
com maior poder econômico tenha mais espaço nesses meios de comunicação, bastante
difundido e que entra nos lares dos cidadãos sem nem mesmo pedir a autorização destes.
Embora essa previsão tenha evitado o desequilíbrio econômico, é possível se dizer
que o poder político cria certo descompasso entre as campanhas, pois as regras de divisão
do tempo a que cada candidatura tem direito levam em consideração o número de
representantes dos partidos ou coligações na Câmara dos Deputados. E isso também
dá origem ao mercado político em que são negociados o tempo de propaganda no rádio
e tevê, nas campanhas, e os futuros cargos e suportes políticos futuros, no governo. Ao
menos a partir das eleições de 2020 as coligações para as eleições proporcionais deixarão
de existir, em decorrência da Emenda Constitucional nº 97.
O horário eleitoral gratuito, além disso, só é gratuito mesmo para os partidos e
candidatos que não pagam pelo tempo de rádio e televisão. As emissoras de rádio e tevê,
por lei, têm direito à compensação fiscal por cederem espaço para a transmissão das
propagandas políticas, tanto a propaganda partidária quanto a propaganda eleitoral,

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152 PROPAGANDA ELEITORAL

o que é bastante questionável. A União, que é competente para explorar o serviço de


audiodifusão, cede a exploração e, ao exigir espaço para as propagandas políticas, ainda
dá em troca a compensação fiscal.
E a Lei nº 13.487/2017 ainda criou o denominado fundo especial de financiamento
de campanha (FEFC) que será abastecido em parte pelo valor que a União deixar de
receber das emissoras pela veiculação das propagandas partidárias. Ou seja, o Estado
não apenas deixou de arrecadar tributos para oportunizar aos partidos a divulgação
de suas propagandas, mas também deverá depositar em um fundo esse valor não
arrecadado. A propaganda partidária deixou de existir a partir de 2018, mas o custo de
sua veiculação, que o Estado assumiu em 2016 e 2017, ainda deverá ser depositado para
servir às campanhas. Financeiramente, o Estado perdeu em dobro.
Em termos de conteúdo e segundo a lei vigente, a propaganda de rádio e tevê é
livre e aqui se defende que ela até pode criar artificialmente estados mentais, emocionais
ou passionais. O próprio TSE autoriza tal proceder, pelo menos se considerado o
entendimento para as eleições de 2014. A mentira em propaganda eleitoral, pelo menos
por lei, também não encontra proibição, apenas se veda a mentira sobre candidatos ou
partidos, conforme o art. 323, do Código Eleitoral.
No mais, analisando-se o que se produziu até agora nas propagandas de rádio e
televisão, fica fácil a constatação de que ela poderia ser mais bem aproveitada, e é por
isso que foram sugeridas algumas mudanças, em especial com a intenção de trazer mais
seriedade e, assim, atrair mais a atenção dos cidadãos, cujo esclarecimento político é
indispensável para uma boa democracia.

Referências
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Representação nº 120133, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto,
Publicação: 23.09.2014.
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 15. ed. Bauru: Edipro, 2012.
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral. Eleições. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
KUFA, Amilton. KUFA, Karina. RAMAYAMA, Marcos. Das incongruências e inconstitucionalidade parcial
do “fundo especial de financiamento de campanha” (FEFC). Disponível em <https://www.impetus.com.br/
artigo/1033/%E2%80%9Cfundo-especial-de-financiamento-de-campanha%E2%80%9D-fefc>. 2017. Acesso
em 18 jan. 2018.
ONG Contas Abertas. Horário Eleitoral “custará” R$ 576 milhões em 2016. Disponível em <http://www.
contasabertas.com.br/website/arquivos/12447>. Acesso em 18 jan. 2018.
ONG Contas Abertas. Horário eleitoral terá custo de mais de R$ 1 bilhão em 2018. Disponível em <http://contasabertas.
com.br/site/orcamento/horario-eleitoral-tera-custo-de-mais-de-r-1-bilhao-em-2018>. Acesso em 18 jan. 2018.
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CONEGLIAN, Olivar; CONEGLIAN, Fabíola Roberti; SHIROMA, André Eiji. A propaganda eleitoral
no rádio e na televisão: uma visão crítica. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA,
Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum,
2018. p. 141-152. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 3

A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS


PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO PROPORCIONAL
E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

FREDERICO RAFAEL MARTINS DE ALMEIDA

3.1 Introdução
As decisões políticas têm importante impacto na vida do cidadão e, consequen-
temente, nas atividades por ele desenvolvidas, seja em sua esfera privada ou pública.
Na democracia, portanto, ter o mínimo de conhecimento prévio sobre as ideias e
propostas daquele que coloca o seu nome ao crivo do eleitorado é fundamental a todos
os membros da sociedade.
É importante ressaltar que, apesar dos altos custos envolvidos, o cidadão tem
o direito de ter acesso ao máximo de conhecimento a respeito de seus direitos como
cidadão, bem como dos candidatos a cargos públicos. E, um eleitor não informado,
não pode estar suficientemente envolvido ou comprometido com o processo eleitoral.1
É nesse contexto que a campanha eleitoral mostra-se importante. No momento
em que deve, pelo menos em tese, esclarecer o eleitor acerca do movimento político
para que ele possa exercer livremente seu direito de escolha, amparado pela maior
quantidade de informações e impressões acerca dos candidatos envolvidos, a campanha
eleitoral deve ter o papel fundamental de esclarecer. A campanha eleitoral é, portanto,
o palco para que os adversários políticos possam se fazer vistos pelos que votam e que
estes possam formar livremente sua convicção pessoal.
A eleição é o momento em que cada um é individualmente chamado a participar.
E toda ação que tenha como objetivo o esclarecimento, deve ser debatida em razão da
necessidade de que seja cada vez maior a consciência do cidadão.

3.2 Democracia e o sistema eleitoral brasileiro


Para início do presente estudo é mister definir-se alguns conceitos importantes,
de caráter constitucional, como o Estado Constitucional, o Estado de Direito, o Estado
Democrático e finalmente sua síntese como Estado Democrático de Direito.

1
ROEMER, J. “Political equilibrium with private or/and public campaign finance: a comparison of intitutions”. Coweles
Foundation Discussion Paper nº 1409, Yale University, 2003. p. 4.

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154 PROPAGANDA ELEITORAL

Uma das grandes conquistas do ser humano é o “Estado Constitucional”, que é


conceituado por Canotilho,2 partindo-se do princípio de que hoje o Estado somente se
concebe como um Estado Constitucional “uma tecnologia política de equilíbrio político-
social através da qual se combateram dois arbítrios ligados a modelos anteriores, a saber:
a autocracia absolutista do poder e os privilégios orgânico-corporativos medievais”.
O Estado Constitucional abarca o Estado Democrático e o Estado de Direito.
Para o conceito de Estado Democrático, Maurice Duverger sintetiza “a definição mais
simples e mais realista de Democracia: regime em que os governantes são escolhidos
pelos governados; por intermédio de eleições honestas e livres”.3
Por último, no entendimento de Alexandre de Moraes,4 o Estado de Direito, entre
outras características, ressalta a primazia da lei, o sistema hierárquico de normas que
preserva a segurança jurídica, a observância obrigatória da legalidade pela administração
pública e o reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem
constitucional.
Assim sendo, como resultado dessas ideias, o Estado Democrático de Direito é o
Estado regido pela supremacia da legalidade, por normas democráticas, com eleições
livres, periódicas e pelo povo, com reconhecimento da personalidade jurídica do Estado e
com o respeito dos representantes do Poder Público aos direitos e garantias fundamentais
instituídos na Carta Magna, para afastar a tendência humana ao autoritarismo e à
concentração de poder, tão perniciosos para o povo.5
O Estado Democrático de Direito está embasado no princípio democrático disposto
no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal:

“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos da Constituição”; bem como no seu art. 14: “a soberania popular
será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos, e, nos termos da lei (...)”.

Desse conjunto de definições resultam os direitos políticos ou cívicos como


prerrogativas e deveres inerentes à cidadania, incluindo, entre outros, o direito de
participar direta ou indiretamente no comando do Estado.6
Os direitos políticos, por meio do qual as pessoas intervêm e participam do
governo, estão dispostos no Capítulo IV, do Título II da Constituição Federal, como um
conjunto sistemático de normas que dizem respeito à atuação da soberania popular.
Mencionados direitos, consubstanciados na Constituição Federal, são definidos por
Pimenta Bueno (1958, p. 459) como:

Prerrogativas, atributos, faculdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo


de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, sendo a intensidade
do gozo desses direitos. São os Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder
Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade

2
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1993, p. 87.
3
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1970, p. 387.
4
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Ed. Atlas, 2015, p. 5.
5
MORAES. Op. cit. p.6.
6
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 5.

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FREDERICO RAFAEL MARTINS DE ALMEIDA
A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO PROPORCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
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nacional, a exercer o direito de vontade ou eleitor, o direito de deputado ou senador, a


ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado.7

O sistema eleitoral é o conjunto de meios e procedimentos utilizados para


instrumentalizar a vontade popular em representação política, que se emprega na
realização das eleições, destinados a organizar a representação do povo. Tem por função
a organização das eleições e a conversão de votos em mandatos políticos.
Para José Jairo Gomes, o sistema eleitoral

visa a proporcionar a captação eficiente, segura e imparcialidade da vontade popular


democraticamente manifestada, de sorte que os mandatos eletivos sejam conferidos e
exercidos com legitimidade. Também tem a função de estabelecer meios para que os diversos
grupos sociais sejam representados, bem como para que as relações entre representantes
e representados se fortaleçam. A escolha do sistema eleitoral é uma decisão política
fundamental de âmbito constitucional e influencia a participação popular na formação
da vontade política e a organização partidária. O ordenamento jurídico brasileiro adota
o sistema majoritário e o sistema proporcional. A realização desses objetivos depende da
implantação de um sistema eleitoral confiável, dotado de técnicas seguras e eficazes, cujos
resultados sejam transparentes e inteligíveis.8

O Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, entende que


o sistema eleitoral “identifica as diferentes técnicas e procedimentos pelos quais se
exercem os direitos políticos de votar e de ser votado” adicionando “a divisão geográfica
do país para esse fim, bem como os critérios do cômputo dos votos e de determinação
dos candidatos eleitos”.9
Há três sistemas tradicionais, quais sejam, os sistemas majoritário, proporcional
e misto. Fábio Konder Comparato esclarece que “não há sistemas idealmente perfeitos,
para todos os tempos e todos os países, mas apenas mais ou menos úteis à consecução
das finalidades políticas que se têm em vista, em determinado país e em determinado
momento histórico”.10 Uma vez que o ordenamento jurídico do Brasil apenas utiliza
o majoritário e o proporcional, este breve estudo ater-se-á apenas a esses dois tipos.
Pelo sistema majoritário, a eleição é ganha pelo candidato que obtiver, na sua
circunscrição, a maior quantidade de votos para o cargo pleiteado. Esse sistema é
utilizado para a eleição do Presidente e o Vice-Presidente da República, o Governador
e Vice-Governador e o Prefeito e Vice-Prefeito. Esse sistema subdivide-se em sistema
majoritário de maioria absoluta e maioria simples ou relativa. No sistema de maioria
simples será considerado eleito o candidato que obtiver maior quantidade de votos em
relação aos demais concorrentes, inexistindo a exigência de que o candidato obtenha
um percentual mínimo de votos para se considerar eleito, desde que seja mais votado
que os demais candidatos a tal cargo. É realizado em um único turno e adotado nas
eleições de prefeitos para municípios com menos de duzentos mil eleitores.

7
BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análises da constituição do império. Rio de Janeiro: Nova Edição, 1958.
p. 459.
8
GOMES. Op. cit., p. 142.
9
STF – ADI nº 5.081/DF – Pleno –trecho do voto RO relator, Min. Luís Roberto Barroso – j. 27 mai. 2015.
10
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 65.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
156 PROPAGANDA ELEITORAL

Pelo sistema majoritário de maioria absoluta será considerado eleito o candidato


que obtiver a metade mais um voto da totalidade de votos válidos (por consequência,
excluídos os votos em branco e nulos). Dessa forma, o candidato eleito tem de obter
mais do que a soma dos votos nominais dos demais candidatos concorrentes ao cargo.
Não ocorrendo esse evento, haverá o segundo turno (no qual concorrerão os dois
candidatos mais votados), caso nenhum dos candidatos alcance a maioria absoluta dos
votos na primeira votação. No entanto, havendo necessidade do segundo turno, vencerá
o candidato que obtiver maioria simples dos votos válidos. Essa regra aplica-se para
os cargos de Presidente da República e Governador de Estado, bem como candidatos
a prefeito em cidade com mais de duzentos mil habitantes eleitores.
Rodrigo López Zilio entende que é vantajoso o sistema majoritário de maioria
absoluta em relação ao sistema da maioria simples “por conferir maior representatividade
ao candidato eleito, o qual poderá ser investido dos poderes que lhe foram conferidos
pela maioria do corpo da circunscrição eleitoral, que reflete uma base governamental
mais sólida”.11
No entanto, em opinião diversa, Augusto Aras entende que, “se de um lado o
sistema majoritário proporcional tem uma maior estabilidade governamental, por outro
enfraquece a dialética democrática, pois, ao desconsiderar a opinião das minorias, reduz
o canal de discussão entre as diferentes ideologias que concorrem para a formação da
vontade política do Estado”.12
O segundo sistema adotado no Brasil, denominado proporcional, que trabalha
com listas abertas e com votação uninominal, contabiliza, além do voto obtido pelo
candidato a determinado cargo, o mandato distribuído em função da votação recebida
pelo partido ou coligação, de forma a distribuir a representação em conformidade com a
densidade eleitoral de cada partido ou coligação.13 Esse sistema tem por objetivo refletir
os diversos pensamentos e tendências existentes no meio social, tornando equilibrada a
disputa pelo poder e viabilizando a representação de grupos minoritários. Dessa forma,
votar no candidato também significa votar no partido, também permitindo apenas o
voto de legenda. A distribuição de cadeiras entre as legendas é realizada com base na
quantidade de votos obtidos. O objetivo é assegurar a representação política do maior
número de grupos e correntes que integram o eleitorado. Referido sistema é utilizado
para eleição de vereadores, deputados estaduais, federais e distritais.
José Jairo Gomes assevera que “o ideal, portanto, é que haja um ótimo grau
de correspondência entre as preferências manifestadas nas urnas pelos eleitores e a
distribuição de poder entre as diversas correntes de pensamento e agremiações políticas.
Nisso, aliás, consiste a ideia de representatividade democrática”.14

3.3 Propaganda política


A propaganda política é espécie dentro do gênero denominado publicidade
política. As expressões propaganda e publicidade (esta, na acepção comercial, de

11
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, p.60-61.
12
ARAS, AUGUSTO. Fidelidade Partidária – A Perda do Mandato Parlamentar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.
98.
13
ZILIO. Op. cit., p. 61-62.
14
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p.143-145.

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FREDERICO RAFAEL MARTINS DE ALMEIDA
A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO PROPORCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
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marketing) são geralmente confundidas como sinônimos, pois ambas têm como meta
persuadir e chamar a atenção do público. No entanto, não guardam a mesma significação.
O objetivo da publicidade comercial é obter um retorno financeiro na venda de produtos
e serviços apresentados de forma atraente (dirigido mais à emoção, sentimentos e
instintos, com forte apelo à fantasia e ao imaginário) e também a construção de uma
marca comercial forte. Contemporaneamente, a propaganda também é utilizada para
construir com os clientes relações individualizadas.15
Adrian Huici Modenes bem esclarece acerca da utilização atualmente na
propaganda política das ferramentas utilizadas na publicidade comercial

Si antes deciamos que, desde una perspectiva moderna, la propaganda precedía a la


publicidad comercial que, obviamente se nutrió de aquella; hoy podemos afirmar que esta
relación se ha invertido. La publicidad política se ha apropiado de los métodos desarrrollados
y perfeccionados por la publicidad comercial en la segunda mitad de este siglo.16

A propaganda política é considerada uma técnica de comunicação em massa,


em que são veiculadas ideias, informações, certos pensamentos e opiniões sobre
temas políticos, com o objetivo de influenciar e obter o convencimento e apoio dos
destinatários da propaganda, para angariar sua simpatia ou repulsa a outras ideias
não comungadas pelo político veiculador; por fim, inclinando os destinatários a um
determinado pensamento ideológico político. Há uma estratégia do veiculador para
imprimir nos destinatários da propaganda imagens positivas ou negativas sobre as
informações ideológicas veiculadas.
Ao comentar-se sobre as más práticas que ocorrem no mundo eleitoral devido
à falta de informação, José Jairo Gomes assevera que “o direito à informação é passo
significativo para a eliminação de práticas perniciosas como o curral eleitoral, o voto
de cabresto, os coronéis antigos e novos, bem como o câncer que é a compra de votos,
práticas ainda comuns no Brasil contemporâneo, mesmo em Casas Legislativas (...)”.17
Pinto Ferreira traz a seguinte definição elucidadora sobre propaganda em sentido
geral e propaganda política:

A propaganda é uma técnica de apresentação de argumentos e opiniões ao público, de tal


modo organizada e estruturada para induzir conclusões ou pontos de vista favoráveis aos
seus anunciantes. É um poderoso instrumento de conquistar a adesão de outras pessoas,
sugerindo-lhes ideias que são semelhantes àquelas expostas pelos propagandistas.
A propaganda política é utilizada para o fim de favorecer a conquista dos cargos políticos
pelos candidatos interessados, fortalecer-lhes a imagem perante o eleitorado, sedimentar
a força do governo constituído ou minar-lhe a base, segundo as perspectivas dos seus
pontos de sustentação ou contestação.18

A propaganda política está subordinada a princípios, à legislação e ao controle da


Justiça Federal, veiculando concepção ideológica que visa ao poder estatal em todas as
suas formas e ao modo de governá-lo, para preencher cargo público, para manutenção

15
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 13. ed. p. 471-475.
16
HUICI MODENES, ADRIÁN. Estrategias de persuasión, mito y propaganda política. Sevilha: Alfar, 1996. p. 39.
17
GOMES. Op. cit. p. 481.
18
FERREIRA, Pinto. Código Eleitoral Comentado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

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158 PROPAGANDA ELEITORAL

ou substituição de políticos integrantes do governo. Enfim, compreende as relações do


cidadão com sua própria cidadania. Dentro do mesmo gênero, a propaganda política
também veicula informações sobre as atividades e realizações da Administração estatal.19
Esclarece Olivar Coneglian que “em todos os povos, e todas as comunidades,
em todas as esferas oficiais onde existe poder, há publicidade do próprio organismo
de poder, a chamada ‘publicidade oficial’, que se desenvolve em inúmeras frentes, com
variadas características”.20
Um dos princípios que a sustenta é a liberdade de expressão, outorgada na Carta
Magna, pilar do regime democrático, tutelando o direito de externar ideias, opiniões,
juízos de valor e manifestações de pensamento em geral. Dispõe o art. 5º, inciso IV,
da Constituição Federal, “ser livre a manifestação do pensamento”. Adicionalmente,
o art. 220 do referido diploma legal prescreve que “a manifestação do pensamento,
a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, vendando o
seu parágrafo 2º “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
No entanto, ressalta Aline Osório que a liberdade de expressão, sendo um dos direitos
fundamentais, deve submeter-se a limites que decorrem da necessidade de harmonizá-la,
em caso de conflito, com outros valores e direitos constitucionalmente tutelados, sendo
tarefa dos sistemas constitucionais decidir como e em que circunstâncias a liberdade
de expressão deve ser restringida.21
A propaganda política é regulada por lei, de competência privativa da União
nos termos da Constituição Federal, art. 23, inciso I, podendo ser regulamentada pelo
Tribunal Superior Eleitoral, configurando-se, assim, o princípio da legalidade.
O princípio da liberdade dispõe que há liberdade quanto à criação da mensagem
a ser veiculada na propaganda, desde que respeitados os limites legais.
Quanto ao princípio da veracidade, José Jairo Gomes explica que os fatos e
informações veiculados devem corresponder à verdade, vedada a utilização de imagens
ou cenas incorretas ou incompletas, efeitos ou quaisquer recursos que distorçam ou
falseiem os fatos ou a sua comunicação, bem como degradem ou ridicularizem candidato,
partido ou coligação.22
Os interessados à candidatura devem ter iguais oportunidades para veiculação
de seus programas, pensamentos e propostas. No entanto, é uma igualdade formal,
uma vez que maiores partidos detêm maior espaço na propaganda partidário-eleitoral.
O candidato, partido e coligação são responsáveis pela propaganda, baseado no
princípio da responsabilidade, respondendo administrativa e criminalmente pelo seu
teor e excessos cometidos. Por meio do princípio da solidariedade, o veículo divulgador
e o agente da comunicação poderão ser solidariamente responsáveis.
Por fim, a propaganda política submete-se ao controle da Justiça Eleitoral, que
tem o poder de polícia para efetuar seu controle e coibir abusos. Dessa Forma, o juiz
eleitoral pode agir ex officio, determinando que uma propaganda específica cesse ou
seja retirada por infringir as normas legais.

19
GOMES. Op. cit. p. 471-475.
20
CONEGLIAN, Oliver. Publicidade Eleitoral. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 15-17.
21
OSÓRIO, Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 116.
22
GOMES. Op. cit., p. 482.

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FREDERICO RAFAEL MARTINS DE ALMEIDA
A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO PROPORCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
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Há quatro tipos de propaganda política: partidária, intrapartidária, eleitoral


e institucional. Este estudo focará a propaganda eleitoral, especificamente em bem
particular.

3.3.1 Um breve histórico sobre a propaganda política


As realizações contemporâneas em países democráticos, aliados à enorme profusão
dos mais variados meios de comunicação que foram inventados e levados à massificação,
denotam o grau de importância da propaganda política na atualidade. No entanto, ela
também foi muito importante no passado, apesar da utilização de ferramentas mais
rudimentares. Desde a antiguidade remota a propaganda existe e desempenha seu
papel de influenciar os governados.
Em época mais recente, na Idade Média, a propaganda já acompanhava o Poder
Político. Os grandes propagandistas daquela época estavam ligados à Igreja Católica
para afirmação do Poder Político da Igreja sobre o poder temporal. A Idade Moderna foi
considerada muito significativa e evoluidora da humanidade no tocante à massificação da
propaganda, com o acontecimento de três fenômenos interrrelacionados: a invenção da
imprensa, a Reforma Protestante e o desenvolvimento do Estado Moderno Absolutista.
A multiplicação dos textos escritos levou não apenas ao aumento da quantidade de
pessoas com acesso à informação, mas a uma sacralização do texto impresso, tornando-o
um instrumento de persuasão e propaganda intensos naquela época.
O descontentamento de camadas da população europeia com o status quo da Igreja
Católica foi utilizado pelos protestantes, por meio da imprensa, como uma propaganda
negativa e, por consequência, levou ao aumento da expansão da Reforma Protestante.
Concomitantemente, surgiram os primeiros veículos de imprensa jornalística nos Estados
Modernos, desenvolvendo-se mais rapidamente o sistema de informação e propaganda
estatal. São exemplos dessa época as atividades na França absolutista do século XVII e
a Inglaterra das casas reais dos Tudors e Stuarts.23
Em consequência dos fenômenos ocorridos na Idade Média, surge no início da Idade
Contemporânea a massificação da propaganda política. O processo de independência
dos Estados Unidos da América é um dos grandes exemplos do uso propagandístico na
produção literária, liderados por Franklin, Adams, George Washington, Thomas Jefferson
e Thomas Peine entre outros. Adams recebeu a alcunha de “Chefe das Marionetes” da
Coroa Britânica; a obra “The American Crisis” de Thomas Peine, amplamente divulgada
pelos independentistas, também tornou-se um best-seller na época.
A Revolução Francesa altera o modo de pensar dos intelectuais e traz foco sobre
a liberdade e igualdade que se tornam ideias centrais da propaganda revolucionária e
multiplicam-se as publicações com conteúdo propagandístico político.
Com o surgimento dos movimentos obreiros a partir de 1848, entre outros a
difusão da I e II Internacionais Socialistas dos partidos obreiros, foi trazida pela primeira
vez a noção de uma propaganda política mais estável e permanente, assemelhada ao
processo educacional e levada ao patamar de estratégia deliberada de assunção do
poder. O Manifesto Comunista é, até hoje, considerado uma das obras mais relevantes

23
PIZARROSO QUINTERO, Alejandro. História de la propaganda política. 2. ed. Madri: Eudema, 1993. p. 76-82.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
160 PROPAGANDA ELEITORAL

da propaganda política que influenciou bilhões de pessoas, que aderiram ou refutaram


suas profecias.24
Em 1927 Harold Lasswell25 inaugurou a colocação da propaganda política como
objeto de reflexão científica na sua publicação The theory of political propaganda, na revista
The american political science review.
Em 1935 começou o estudo científico de mensuração da opinião pública e de
problematização da propaganda política. Simultaneamente estavam em desenvolvimento
os princípios da propaganda comercial, marcados pela publicação Scientific Advertising,
de Claude Hopkings, em 1923.26
Após a 2ª Guerra Mundial há a ascensão dos regimes totalitários, comunista e socia-
lista, utilizadores de prática propagandística como estratégia fundamental para divulgar
suas propostas e controlar as populações subjugadas. No entanto, contrariamente, havia
forte divulgação na imprensa ocidental sobre o “perigo comunista”. Concomitantemente,
os Estados democráticos da Europa e Américas também promoveram divulgação,
iniciando-se a moderna propaganda eleitoral.27
Em seguida, a televisão e tudo que ela ainda representa para a divulgação de
propaganda e a apropriação das técnicas desenvolvidas para a publicidade comercial
e propaganda política. Pode-se afirmar, seguramente, que foi a primeira vez que a
propaganda política alcançou praticamente todos os cidadãos e foi adotada como
estratégia eleitoral.

3.3.2 Propaganda eleitoral em geral


A propaganda eleitoral tem seu fundamento nos arts. 240 a 256 do Código Eleitoral,
artigos 36 a 41 da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), objeto de muitas modificações por
sucessivas reformas legislativas, em especial as introduzidas pelas Leis nºs 11.300/2006,
12.034/2009, 12.891/2014 e 13.165/2015, de caráter restritivo – revelando uma maior
preocupação com a opinião pública do que com a boa técnica legislativa – e resoluções
do Tribunal Superior Eleitoral.
A propaganda eleitoral é elaborada por partidos políticos e candidatos com a
finalidade de captar votos do eleitorado para investidura em cargo público, sendo o
método mais democrático de apelo ao eleitor, com o objetivo de obter sua simpatia e
confiança. A propaganda consiste no melhor método para aproximação entre o candidato
e seus eleitores, permitindo-lhe divulgar suas propostas para exercício do mandato.28
Analisando o conceito de propaganda eleitoral na doutrina, verifica-se uma diver-
sidade de explicações: O Tribunal Superior Eleitoral define a propaganda eleitoral como
o ato que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura,
mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que
induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da função pública”.29

24
PIZARROSO. Op. cit. p.134-135.
25
LASSWELL, Harold. The theory of political propaganda, the American political science review. v. 21, n. 3, ago. 1927. p.
627-631.
26
HOPKINS, Claude. A ciência da propaganda. Tradução de Ely de Faria Paiva. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1993. 113-
114.
27
NEISSER. Op.cit. p.63/65.
28
ZILIO. Op. Cit. p.330.
29
Ac. 15.732/MA, j. em 07.05.99, Rel. Min. Eduardo Alckimin.

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A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO PROPORCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
161

Para Joel José Cândido, propaganda eleitoral ou propaganda política eleitoral


“é uma forma de captação de votos usada pelos partidos políticos, coligações ou
candidatos, em época determinada por lei, através da divulgação de suas propostas,
visando à eleição a cargos eletivos”.30
A propaganda eleitoral permitida na legislação pátria tem disciplina rigorosa,
havendo previsão legal específica para cada uma das diversas possibilidades de sua
realização. A lei delimita, inclusive, o período em que é possível sua realização. No
tocante à propaganda gratuita no rádio e na televisão, para evitar vantagens econômicas
de um partido ou candidato, ou mesmo para evitar o tráfego de influência que um
partido ou candidato possa exercer sobre empresas de rádio e televisão, a legislação
impõe àquelas empresas de comunicação a veiculação gratuita de propaganda eleitoral
(realizada no período eleitoral). As emissoras terão direito à compensação fiscal pela
cessão de horário gratuito (art. 99 da Lei nº 9.504/1997 e parágrafo único do art. 52 da
Lei nº 9.096/1995. O art. 45 da Lei nº 9.504/1997 dispõe sobre várias vedações para a
veiculação da programação normal e noticiários das emissoras de rádio e televisão
durante os meses de eleições. O objetivo do legislador foi coibir a propaganda velada,
escondida em comentários, em entrevistas, em pesquisas de opinião favoráveis a
um candidato. É proibida a propaganda eleitoral em troca de pagamento, ou mesmo
em troca de favores, no rádio e na televisão. A intenção do legislador foi preservar a
igualdade entre aqueles que pretendem conquistar os cargos públicos, mantê-los ou
fazer oposição ao grupo governista.31

3.3.3 Classificação da propaganda eleitoral


José Jairo Gomes32 classifica a propaganda eleitoral quanto (I) à forma, (II) ao
sentido e (III) ao momento.
Quanto à forma, a propaganda pode ser: a) expressa, isto é, fácil e diretamente
compreendida racionalmente, cujo teor é induvidoso; ou b) subliminar, que consiste
em estímulos de conteúdo político-eleitoral inseridos em um discurso (ou em uma
comunicação) que, porém, não são percebidos conscientemente pelos destinatários –
tratando-se, em suma, de propaganda disfarçada ou ambígua quanto ao seu real sentido
subjacente. Quanto ao sentido, podemos classificar a propaganda em: a) positiva, na
qual são exaltados os atributos, biografia e a imagem em geral de seu beneficiário,
de modo a com ele identificar-se com o eleitor e colocá-lo sob o prisma favorável; ou
b) negativa, que é a empregada com o fim de desqualificar candidatos oponentes,
convencendo o eleitor de que esses não detêm as qualidades necessárias para o cargo
em disputa, independentemente de tais deméritos serem ou não verídicos. Por fim,
quanto ao momento, a propaganda eleitoral pode ser: a) tempestiva, se ocorrida no
interstício em que a lei a autoriza sua propagação – isto é, do dia 16 de agosto do ano da
eleição até o dia efetivo do pleito (art. 240 do Código Eleitoral, art. 36, Lei nº 9.504/1997
e art. 7º, Lei nº 12.034/2009); e b) irregular ou extemporânea, quando veiculada fora do

30
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 11. ed. Bauru: EDIPRO, 2004. p. 149.
31
SOARES, Marcos Antônio Striquer. Revista de Direito Público, Londrina, v. 5, n. 2, ago. 2010. p. 129.
32
GOMES. Op. cit. p. 492-496.

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período assinalado pela lei, sujeitando os responsáveis às penas previstas no art. 36,
§3º da Lei das Eleições.
A necessidade de garantir da melhor forma a igualdade de condições entre os
candidatos trouxe a ferramenta do controle das campanhas eleitorais, com o objetivo de
coibir o abuso por parte daqueles que detêm maior poder econômico ou político. Dessa
forma, surgiram as limitações formais e materiais aos atos da propaganda eleitoral.
As limitações formais têm relação com quaisquer aspectos que não a mensagem
própria da propaganda eleitoral (conceito negativo), tais como as regras atinentes ao
momento de veiculação, aos meios nos quais se pode difundir a propaganda, valores
pagos por elas e sua forma de contabilização e publicização. As limitações materiais
referem-se ao conteúdo da propaganda eleitoral quanto ao que pode ser dito ou não.33

3.3.4 A Propaganda eleitoral em bens particulares


Para a realização de propaganda eleitoral em bens particulares (de uso e acesso
privados), há exigência apenas do consentimento do proprietário ou possuidor do
bem, não havendo necessidade de obtenção de licença municipal ou autorização da
Justiça Eleitoral. Nos termos da Lei das Eleições, o consentimento deve ser espontâneo
e a cessão do espaço de forma gratuita. No entanto, ainda há a restrição a papel ou
adesivo, que não exceda a meio metro quadrado, e não contrarie a legislação eleitoral
(art. 37, parágrafo 2º da Lei das Eleições, com a redação dada pela Lei nº 13.165/2015).
A lei citada no parágrafo anterior foi mais restritiva do que a lei anterior, que
permitia a propaganda eleitoral que não excedesse a quatro metros quadrados e não
contrariasse a legislação eleitoral (art. 37, parágrafo 2º da Lei das Eleições, com a redação
dada pela Lei nº 12.034/2009). Percebe-se que o legislador houve por bem aumentar a
restrição à propaganda em bens particulares. Do ponto de vista do eleitor, a restrição
do tamanho da propaganda causa-lhe prejuízo devido à dificuldade de visualização da
propaganda. Do ponto de vista do candidato, tal redução de área não acarreta um menor
custo da propaganda; no entanto, parece ser este o espírito da lei, ou seja, promover a
suposta redução de custos eleitorais.
A restrição da Lei nº 13.165/2015 também inviabilizou a utilização de propaganda
eleitoral através da locação de aviões de publicidade, pois o tamanho da propaganda,
para ser minimamente visível à distância aérea e ainda manter a legibilidade, deveria
ser muito maior.
Vale notar que, com ou sem o consentimento do proprietário ou possuidor do
bem, é vedada a realização de propaganda eleitoral em muros, tapumes, paredes e cercas
de bens privados mediante pintura, inscrição e afixação de placas, admitida apenas a
fixação de papel ou de adesivo que não ultrapasse a medida exigida em lei de meio
metro quadrado. O não cumprimento dessas determinações sujeita o agente causador
ao poder de polícia da Justiça Eleitoral.
Além da sanção com aplicação de multa na Justiça Eleitoral, o agente causador
também poderá responder pelas perdas e danos causados ao proprietário ou possuidor do
bem no âmbito cível. Adicionalmente, quando houver ofensa à imagem do proprietário ou

33
NEISSER. Op.cit. p. 78-79.

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A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO PROPORCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
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possuidor perante os vizinhos, caberá, ainda, o dano moral, mediante ação indenizatória
ajuizada na Justiça Comum.
A inscrição dos nomes e denominações dos candidatos e partidos nas fachadas
de suas sedes e respectivas dependências não é considerada violação à Lei das Eleições
por ser uma identificação institucional e não uma propaganda eleitoral, “desde que não
se assemelhe ou gere efeito de outdoor” (art. 10, parágrafo 1º da Res. nº 23.457/2015).
Diferentemente, não é pacífico o entendimento quanto à inscrição dos nomes
e denominações dos candidatos e partidos em comitê de campanha. Uma corrente34
entende que a veiculação dos nomes do partido e do candidato na fachada do comitê
se trata de propaganda eleitoral, devendo seguir as restrições do parágrafo 2º do art.
37 da Lei das Eleições. Já o segundo entendimento35 é de que a veiculação se refere à
identificação do próprio comitê de campanha.
O art. 15, parágrafo 1º, da Res. nº 23.457/2015, dispôs que a justaposição de
adesivo ou papel cuja dimensão exceda a meio metro quadrado caracteriza propaganda
irregular em razão do efeito visual único, ainda que a propaganda, individualmente,
tenha respeitado o limite acima mencionado.
O tema da gratuidade da propaganda eleitoral em bem particular, conforme
disposto no parágrafo 8º do art. 37 da Lei das Eleições, veda “qualquer tipo de pagamento
em troca de espaço para essa finalidade”, pressupondo a livre vontade do proprietário
ou possuidor em permitir sua veiculação. Para Rodrigo López Zilio “a gratuidade se
justifica pela voluntariedade da divulgação da propaganda em bens particulares, pois
o legislador pressupõe que a veiculação dessa propaganda seja um ato de simpatia ou
adesão voluntária do proprietário ou possuidor do bem utilizado em relação ao partido
ou candidato”.36
Na medida em que a propaganda em bem público é gratuita, não é considerada
gasto eleitoral; no entanto, a mão de obra da pintura, a tinta e o material empregados
na propaganda serão considerados gastos eleitorais
Por derradeiro, mas não menos importante, a Lei nº 12.034/2009 deu nova redação
ao art. 41, caput, da Lei das Eleições, prevendo que “a propaganda exercida nos termos
da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do
exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal”. No entanto, tal
disposição modificou a regra do art. 243 do Código Eleitoral, que dispunha sobre a
vedação à propaganda eleitoral “que (...) contravenha as posturas municipais ou a
outra qualquer restrição de direito”. Dessa forma, fica claro que, havendo conflito entre
norma federal e municipal, prevalecerá a federal. Como bem esclarece Rodrigo López
Zilio, “tal conclusão não significa que a lei eleitoral possa deixar de observar as regras
estabelecidas na legislação ambiental – que igualmente possuem status federal”.37
Importante notar que a Lei nº 13.488/2017 alterou o parágrafo 2º do art. 37,
permitindo adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e
janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado), entretanto,

34
TSE-RP nº 232.590/DF-PSS 14-9-2010; AgR-REspe nº 332.757-BA – Dje1-7-2011, p. 91.
35
TSE-REspe nº 28.485/SP – DJ 11-3-2008, p. 14.
36
ZILIO. Op. cit. p.358-359.
37
ZILIO. Op. cit. p. 360.

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eliminou a multa por propaganda em bens particulares. Tal dispositivo certamente irá
gerar muito debate e o Poder Judiciário será instado a se manifestar nos casos de abusos.

3.3.5 O livre exercício da propaganda eleitoral, a liberdade de


expressão e o princípio da cidadania e da proporcionalidade
Passa-se agora a analisar um tema específico do direito à livre propaganda
eleitoral, que é irrefutavelmente um mecanismo legítimo de convencimento do eleitor
e instrumento à sua disposição para formação de sua opinião e voto.
Além dos diversos direitos fundamentais que, como tais, são indispensáveis
para assegurar, diretamente, a própria existência humana, outros se manifestam como
instrumentos de realização desse fim maior, garantindo o desenvolvimento intelectual,
emocional e cultural do indivíduo, proporcionando sua realização plena, tais como a
liberdade de expressão do pensamento, na qual se inclui, dentre outras, a liberdade de
imprensa e de propaganda.38
Arthur Luis Mendonça Rollo afirma que a propaganda eleitoral é:

(...) fundamental à estabilização do regime democrático e ao pleno exercício da cidadania.


Democracia e cidadania são valores inerentes à sadia qualidade de vida, tendo em vista
que em regimes não democráticos são cerceados os direitos e garantias fundamentais e as
liberdades, em prejuízo da vida em sociedade. Restringir a propaganda eleitoral implica
restringir o exercício da cidadania e a participação popular nos destinos da nação, fazendo
que a pessoa tenha de se sujeitar ao império do Estado, sem ter faculdade de acesso ao poder.
(...)
Não existe escolha de bons representantes sem o amplo conhecimento dos candidatos, das
suas qualidades, dos seus defeitos e das suas propostas. Quanto mais informado estiver o
eleitor, menos dependerá a sociedade da intervenção do Estado. Se a vontade do eleitor,
livre e consciente, for colhida pelas urnas, não haverá por que a Justiça Eleitoral intervir.39

A propaganda eleitoral é um direito fundamental, na medida em que seja uma


manifestação política e instrumento de exercício da cidadania, considerado básico
para a plena estabilização do Estado Democrático de Direito e permite o exercício
adequado do direito de sufrágio. Sua falta de positivação expressa na Lei Fundamental
não justifica eventuais restrições no campo das liberdades individuais, especialmente
quando os direitos sociais em espécie se afiguram instrumentais para o exercício eficaz
das liberdades individuais e para afirmação da igualdade material.40
Dessa forma, os direitos políticos condicionam e limitam, tanto positiva quanto
negativamente, a possibilidade de intervenção estatal, em todos os seus níveis e
funções (administração, legislação e jurisdição), no que tange ao âmbito de proteção
das condutas por eles asseguradas. Dessa forma, o legislador não pode, a seu critério,
dispor de leis que asseguram o pleno exercício das faculdades inerentes aos direitos

38
OLIVEIRA, Maria Alessandra Brasileiro de. A propaganda eleitoral e sua imprescindibilidade no Estado
Democrático de Direito.Themis. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, 2016 p.387-388.
39
ROLLO, Arthur Luis Mendonça. P. 306. A importância ambiental da propaganda eleitoral. Paraná Eleitoral: Revista
Brasileira de Direito Eleitoral e Ciência Política. Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Tribunal Regional Eleitoral
do Paraná. Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira – UFPR. v. 1, n. 3. Curitiba: TRE, 2012. p. 306.
40
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, v. IV. 2. ed. Coimbra: 1993 apud SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 154.

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políticos ou editar outras que resultem em sua limitação sob pena de ficar configurado
um retrocesso social.41
O Supremo Tribunal Federal, conforme adiante transcrito, já admitiu a vedação
do retrocesso como argumento de inconstitucionalidade:

(...) a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua
concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza
prestacional, impedindo, por consequência, que os níveis de concretização dessas
prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas
hipóteses – de todo incorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser
implementadas pelas instâncias governamentais (STF – ADI 3.105-DF – Rel. Min. Cezar
Peluso – DJU 18.08.2004).

Assim sendo, o exercício da propaganda eleitoral está tutelado no art. 220 da


Constituição Federal, dispondo que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão
e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição”.
A Lei das Eleições dispõe que a veiculação de propaganda eleitoral nos bens
particulares está limitada à colocação de adesivo e com tamanho limitado a meio metro
quadrado. Trata-se de um retrocesso social no tocante à veiculação da propaganda
eleitoral. Raquel Stumm entende, neste caso, haver uma ofensa ao princípio da propor-
cionalidade por ser uma restrição muito onerosa, não permitindo atingir a propaganda
eleitoral ao fim que se destina de igualdade entre candidatos.42
O Estado, em suas múltiplas atividades na contemporaneidade, parece não
cumprir sua função essencial de qualificar a participação popular, deixando um vácuo
na concretização de uma política estatal de desenvolvimento cultural.
Mas, ao que parece, após a conquista da democracia pela sociedade, impera o
desafio da superação da falta de formação e informação, pois todos os envolvidos, ainda
que não demonstrem interesse direto, serão impactados.
Um dos grandes obstáculos é superar a letargia cívica da maior parte dos eleitores.

O constitucionalismo democrático emancipou politicamente as massas com o sufrágio


universal. Mas não soube ainda conquistá-la. Urge que seu voto, como sucedeu na Itália
e na Alemanha, não seja de tal modo pervertido, que uma faculdade democrática se
converta em antidemocrática.43

O resultado das escolhas políticas exerce influência imediata no cotidiano do


cidadão, interferindo em suas atividades privadas ou sua relação com a ordem pública.

41
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 338.
Canotilho trata do princípio da proibição/vedação do retrocesso social, derivado do princípio da democracia
econômica e social, por meio do qual o núcleo essencial dos direitos sociais já concretizados e efetivados por força de
medidas legislativas deve ser reputado como constitucionalmente garantido; sendo consideradas inconstitucionais
as políticas ou medidas que revoguem ou anulem este núcleo essencial. Os direitos sociais e econômicos, uma
vez conquistados em certo grau de realização, passam a constituir, ao mesmo tempo, uma garantia institucional
e um direito subjetivo dos governados, justificando a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas
manifestamente anuladoras.
42
STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito Constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1995. p. 293.
43
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 190.

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166 PROPAGANDA ELEITORAL

O Brasil, devido a vários fatores, tais como, suas características históricas


e econômicas, possuiu baixa adesão política da maioria de seus cidadãos, com a
consequente formação de uma sociedade na qual a participação popular, quando
autorizada, predomina como parte meramente chancelatória de uma forma ou outra
forma de assunção ao poder.
O volume de participação popular não necessariamente demonstra interesse
político consciente, pois um grande número de cidadãos não significa que estejam livres
e conscientes de suas escolhas.
Em uma visão míope e rasa da realidade, muitas vezes o discurso prega que
quanto mais volumosa a participação, maior é o engajamento do cidadão, confundindo
o aspecto quantitativo com o aspecto qualitativo.
Na visão de Jessé de Souza, o cidadão deve ter o máximo de autonomia para
além do que apenas se verifica no plano superficial.

Essas duas dimensões, a do indivíduo autônomo e a do cidadão, estão intimamente


ligadas. Sem indivíduos capazes de discutir e refletir com autonomia não existe democracia
verdadeira. Sem práticas institucionais e sociais que estimulem e garantam a possibilidade
de crítica e a independência de opinião e de ação, não existem indivíduos livres. O
problema é que não é fácil perceber os modos insidiosos pelos quais as práticas dos poderes
dominantes constroem a ilusão de liberdade e igualdade. E não há campo melhor para se
desconstruir e criticar as ilusões que reproduzem o poder e o privilégio em todas as suas
formas que o universo do senso comum.44

Nesse ponto, são muitos os debates sobre as causas dessa desconexão, sendo,
a falta de vontade política dos governos em investir na emancipação educacional da
população brasileira um dos grandes consensos como a raiz dos problemas atuais.
A obra Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal,45 aborda o tema da vida
política brasileira construindo o conceito de sistema coronelista de dominação, em que
as relações entre os proprietários de terra e a sociedade são sobrepostos pelo que o autor
denomina de regimes representativos.
O autor sustenta a existência de um regime no qual a formação da classe política
ocorre com o fortalecimento do poder público e a mitigação do poder privado, em que
os donos das terras e de notada influência eleitoral entrelaçam interesses de dominação
e poder dentro da sociedade.
Segundo suas reflexões, os eleitores são mantidos econômico, social e politicamente
hipossuficientes, fazendo com que dependam dos favores dos coronéis que, aliados
à facilidade em influenciar e distribuir subsídios estatais através de seus apoiados,
os interesses individuais são sobrepostos aos coletivos, sempre em detrimento de
manutenção e continuidade do sistema.
Vitor Nunes Leal afirma que:

Já destacamos, no capítulo primeiro, a dependência dessa parcela majoritária do nosso


corpo eleitoral, agravada pelas despesas eleitorais, que não está em condições de suportar.
A consequência necessária desse triste panorama, já acentuada reiteradamente no correr

44
SOUZA, Jessé (Org.). A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 42).
45
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-
Omega, 1976.

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A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO PROPORCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
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deste trabalho, é a manipulação do voto pelos chefes locais. E estes, dirigindo municípios
diminuídos nos seus poderes e que só têm contado com minguada receita pública, não
encontram saída satisfatória para seus interesses pessoais ou para o bem de suas localidades
senão pelo conformismo político com a situação dominante no Estado.46

Assim, na primeira República retratada pelo autor, o compromisso dos eleitores que
viviam na predominante área rural era com os donos das terras nas quais trabalhavam
e viviam, e que isso gerava grande distorção no sentido democrático de livre escolha
de seus representantes.
Ocorre que o problema é muito amplo e, entre muitos fatores, para a efetiva
participação popular é necessário que sejam respeitados os princípios básicos da
dignidade da pessoa humana, dando-lhe condições mínimas para que possa participar
nas decisões coletivas.
Segundo Ingo Sarlet:

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela
integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência
digna não forem asseguradas, onde não houver uma limitação de poder, enfim onde a
liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos de dignidade) e os direitos fundamentais
não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade
da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero arbítrio e
injustiças.47

Dessa forma, é importante a utilização de todos os mecanismos possíveis de


disseminação da informação e incentivo direto de participação de todos na vida política
da sociedade.
Nas palavras do professor Fernando Gustavo Knoerr:

Todos os modelos democráticos são obras inacabadas, principalmente os recentes, que, como
o brasileiro, põem em linha de discussão temas que traduzem tentativas de aprimoramento
da relação entre o cidadão e o Poder, perpassando a busca de uma nova conformação do
mandato político, do voto, dos partidos políticos, da conduta dos candidatos e até mesmo
do exercício da cidadania.48

E, nesse ponto, a interferência do Poder Judiciário como árbitro moral de temas


de grande relevância tende a desqualificar a participação popular, supervalorizando-se
as decisões das cortes superiores.
Sobre esse assunto, Daniel Sarmento é enfático em suas ponderações:

Esta prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático


de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não eleitos imponham
as suas preferências e valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de
deliberações do legislador. Ela compromete a separação dos poderes, porque dilui a
fronteira entre as funções judiciais e legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica,
porque torna o direito muito menos previsível, fazendo-o dependente das idiossincrasias

46
LEAL. Op.cit. p. 56.
47
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2012. p. 59.
48
KNOERR, Fernando. Bases e perspectivas da reforma política brasileira. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 190.

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168 PROPAGANDA ELEITORAL

do juiz de plantão, e prejudicando com isso a capacidade do cidadão de planejar a própria


vida com antecedência, de acordo com o conhecimento prévio do ordenamento jurídico”.49

E mais consistente ainda é a crítica de Humberto Ávila:

O paradigma da ponderação, tal qual aqui analisado, aniquila com as regras e com o exercício
regular do princípio democrático por meio da função legislativa. A Constituição Brasileira
de 1988, além de estabelecer que nada poderá ser exigido senão em virtude de lei e de
prever que todo poder emana do povo, que o exercerá por meio de representantes eleitos
ou diretamente, reserva ao Poder Legislativo, inúmeras vezes e em números matérias, a
competência para regular, por lei, determinado âmbito normativo. Ao se permitir o uso
dos princípios constitucionais, mesmo naquelas situações em que as regras legais são
compatíveis com a Constituição e o emprego dos princípios ultrapassa a interpretação
teleológica pelo abandono da hipótese legal, está-se, ao mesmo tempo, consentindo com
a desvalorização da função legislativa e, por decorrência, com a depreciação democrática
do Poder Legislativo. (....) Eis o paradoxo: a interpretação centrada nos princípios cons-
titucionais culmina com a violação de três princípios constitucionais fundamentais – os
princípios democrático, da legalidade e da separação de poderes. Obedece-se à (parte da)
Constituição, violando-a (noutra parte).50

A busca da participação popular consciente deve sempre prevalecer.


A interferência estatal deve existir ocorrer em casos extremos, visto, inclusive,
que a estrutura judiciária brasileira há tempos reclama por reformas que efetivamente
tragam maior eficiência e eficácia a todas as atividades a ela inerentes.

3.4 Conclusão
Segundo os estoicos, o ser humano como membro da comunidade da natureza
e como cidadão do mundo deve sempre estar preparado para abrir mão em algum
momento de seus pequenos interesses próprios.51
Na sociedade moderna, o debate materializa-se através da busca de uma equali-
zação entre a regulação e a emancipação de seus indivíduos. Se por um lado defende-se
a criação de balizas supostamente fundamentadas na preservação do interesse coletivo,
não é possível afirmar que existem garantias que os mecanismos legislativos ou judiciais
de intervenção na realidade não provoquem a deturpação da vontade popular, gerando
um indesejado afastamento do ideal democrático puro.
Do ponto de vista jurídico, conforme anteriormente exposto, o excesso de restrições
à campanha eleitoral fere princípios direta e indiretamente estabelecidos nos artigos
14 e 220 da Constituição Federal, na medida em que limitam o exercício da cidadania
garantido pela Constituição.

49
SARMENTO, Daniel. (Org.) A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas.
Coordenadores. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2007. p. 144.
50
ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista Eletrônica
de Direito do Estado (REDE), Salvador: Instituto de Direito Público, n. 17, p. 1-19, jan./mar. 2009. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 17 dez. 2017.
51
SMITH, Adam. Teoria dos sentimentos morais. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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Em respeito, também, ao princípio da igualdade, qualquer supressão deve


respeitar as situações que geram a desigualdade, sob pena de se aumentar ainda mais
a distância entre os desiguais.
A prevalência de fortalecimento da participação popular se traduz em prestígio
aos princípios formadores do Estado de Direito brasileiro.
Dessa forma, a participação do cidadão deve ser incentivada de todas as formas e
o que primeiramente se deve buscar mudar é a realidade educacional do povo brasileiro,
com o respeito à soberana vontade de seu povo, atacando diretamente a raiz deste que
é um dos maiores problemas da nação.
A mudança da realidade educacional brasileira é algo que deve ser realizado
com urgência e prioridade. José Saramago sabiamente esclarece a importância de se
encarar os problemas e não postergar o trabalho para o futuro, apoiando-se de forma
equivocada na esperança e utopia.

Não me interessam muito conceitos como esperança e utopia. Para mim o que realmente
conta é o trabalho que tem de ser feito no presente. Se não o fizéssemos, ou seja, se não
procurássemos, a cada momento, efetivamente, soluções para os problemas, de pouco nos
serviria continuar falando de utopia ou de esperanças, adiando para um futuro intangível
a concretização das mesmas.52

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52
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

ALMEIDA, Frederico Rafael Martins de. A propaganda eleitoral em bens particulares: sua limitação
proporcional e a liberdade de expressão. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA,
Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum,
2018. p. 153-170. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 4

A PROPAGANDA ELEITORAL EM LOCAIS


PÚBLICOS E O RETROCESSO NA LIBERDADE
DAS CAMPANHAS NAS RUAS

MICHEL SALIBA

4.1 Introdução
Há muito venho me posicionando contra um insistente movimento de regulação
exagerada da propaganda eleitoral no Brasil, o qual acabou gerando, como uma de
suas principais consequências, o empobrecimento das manifestações democráticas e o
desinteresse da sociedade pelos pleitos eleitorais.
Ao contrário do que muitos sustentam, ainda acredito na vontade e no interesse
do brasileiro por eleições. No meu sentir, a propalada ausência de interesse do cidadão
nos pleitos eleitorais está muito mais no âmbito daqueles circuitos viciosos, nos quais
nunca se sabe onde está a gênese do problema. Seria uma parcela da grande mídia
que estimula o desinteresse e o divulga em massa, ainda que não exista? Ou o tal
desinteresse não existia, passando a ocorrer a partir de uma falsa impressão repetida
à exaustão pela própria mídia?
A forma como se regulamentou a propaganda eleitoral em locais públicos, através
de seguidas alterações legislativas, e o sem número de óbices à boa campanha de rua,
acabaram por privilegiar os atuais mandatários, cada vez com mais chances de obter
as suas reeleições, em evidente detrimento a novas candidaturas, notadamente àquelas
com menos recursos.

4.2 A propaganda em locais públicos: histórico


Ao longo da sua história republicana, o Brasil sempre se mostrou um país livre
às manifestações das campanhas eleitorais em locais públicos. Por um longo período,
os candidatos e suas propagandas eleitorais viviam e faziam pulsar os espaços públicos
deste país.
As regras para as propagandas eleitorais sempre se pautaram na liberdade
de expressão, passando por um endurecimento durante os períodos ditatoriais já
experimentados na curta vida desta jovem República.

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172 PROPAGANDA ELEITORAL

Todavia, mesmo durante o último regime de exceção, que se iniciou com o golpe
de 1964, as campanhas eleitorais havidas desde então até 1985 conseguiram preservar
a exteriorização da propaganda em locais públicos, ainda que com todas as restrições
de conteúdo das publicações. As eleições que foram permitidas (senado, deputados
federais e estaduais, prefeitos e vereadores) eram acirradas e os atos de propaganda
eleitoral nas ruas eram garantidos, ainda que longe do ideal democrático, pois vedadas
as manifestações críticas, todavia, as candidaturas postas eram de conhecimento de
todos e o eleitor sabia quem apoiava o regime ditatorial e quem era de oposição.
É indiscutível que a propaganda permitida naquele tempo não continha a sua
principal arma: o conteúdo crítico. De todo modo, se sabia ao sair nas ruas que se estava
em período eleitoral, mesmo com todas as restrições, e mesmo se sabendo que as eleições
existentes eram “para inglês ver”, aliás, para inglês e toda a comunidade internacional
observarem, passando uma falsa impressão de que havia democracia parcial no país.
Ao longo de diversas campanhas, o expediente de colagem de propagandas em
postes de iluminação pública, árvores e jardins localizados em áreas públicas, bem
como em muros, cercas e tapumes, sempre foi algo absolutamente normal, não havendo
qualquer vedação neste sentido.
As candidaturas eram colocadas na rua sem grandes custos, muitas vezes com o
próprio candidato fazendo a colagem dos cartazes na companhia de um colaborador.
Nunca me esquecerei de uma cena a que assisti quando tinha nove anos, nas eleições
de 1978, em plena ditadura militar e vigência da Lei Falcão:1 um candidato a deputado
estadual distribuindo “santinhos”2 na rua onde morava minha avó, enquanto o seu
cabo eleitoral fazia colagens de propagandas nos postes, acima de outras propagandas
já coladas. Anos mais tarde, o filho desse candidato viria a ser meu contemporâneo de
faculdade, lembrando que o pai dele chegou a ser vereador e deputado estadual.
Havia uma convivência harmônica e democrática no uso dos espaços públicos,
eles eram ocupados por todos, quem colava mais eram justamente os candidatos menos
conhecidos, não raro os menos favorecidos, que não tinham outra forma de fazer
campanha, a não ser colocá-la nas ruas.
O dono de uma banca de revistas, que ficava no centro de Curitiba, elegeu-se
deputado federal, em 1974, fazendo escrever seu nome e número nos postes e meios-fios
com giz colorido. Pedro Lauro, do então MDB (Movimento Democrático Brasileiro) é o
exemplo de um tempo longínquo, mas que não pode ser desconsiderado nos dias atuais,
concluindo que a proibição exagerada do uso de locais públicos acaba por atingir o
próprio objetivo das eleições, a livre escolha a partir dos meios que cada um tem para
fazer a sua campanha.
Naqueles tempos de Pedro Lauro, outros candidatos tinham um sistema
profissional de colagem em postes, mas muitas vezes isso de nada adiantava. Havia uma
piada recorrente nas ruas que dizia que, se poste votasse, fulano de tal já estaria eleito.
No entanto, elegendo-se ou não, o cidadão se tornava conhecido da sociedade, era
uma porta de entrada para a carreira política, aberta de modo barato, pois não havia as

1
Lei nº 6339, de 1º de julho de 1976, que impôs restrições extremas à propaganda eleitoral no país.
2
No contexto da política partidária, santinho é uma propaganda impressa com informações como nome do
candidato e seu número. O nome santinho aparentemente vem de uma prática relacionada à Igreja Católica, pois
em idos passados os padres distribuíam pequenos papéis com imagens coloridas de santos, que eram chamados,
na época, de “Santinho”.

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MICHEL SALIBA
A PROPAGANDA ELEITORAL EM LOCAIS PÚBLICOS E O RETROCESSO NA LIBERDADE DAS CAMPANHAS NAS RUAS
173

excessivas restrições hoje verificadas. Os candidatos não eleitos tinham maior exposição
e passavam a fazer parte do cotidiano das ruas, praças e locais públicos por um bom
período. Por mais de quatro meses até 1989, eis que as eleições ainda se realizavam em
15 de novembro, isso sem contar que a paisagem só voltava ao normal alguns meses
depois, e tudo ocorria normalmente, sem problemas, sem que isso significasse poluição
visual, já que se valorizava o período eleitoral antes da estética das ruas.
Nas eleições de novembro de 1982, Leonel Brizola só se tornou governador do
Rio de Janeiro graças à liberdade de expressão da propaganda nas ruas, garantida em
pleno regime militar, que, ao abrandar a aplicação da Lei Falcão,3 garantiu ao candidato
usar de sua criatividade para desfilar em um carro aberto e fazer comícios relâmpagos,
acompanhados do cantor Agnaldo Timóteo e do Cacique Indígena Mário Juruna, além
de outros líderes pedetistas da época, como Saturnino Braga e Darcy Ribeiro.
Em uma época de comunicação muito mais lenta, sem internet ou outro meio
capaz de multiplicar rapidamente a mensagem de uma campanha, além de ter contra
si a oposição explícita dos principais veículos de comunicação do Rio de Janeiro, e não
possuir dinheiro para uma campanha mais sofisticada, Brizola só venceu pelo seu poder
de comunicação, garantido, em pleno governo do General João Figueiredo, por uma
propaganda eleitoral de rua não sujeita às amarras existentes hoje.
Ou seja, afirmo, sem dúvida alguma, de que hoje Brizola não venceria aquelas
eleições de 1982 para governador do Rio. Seus comícios relâmpagos, feitos muitas
vezes em cima de veículos de porte médio, os shows do candidato Agnaldo Timóteo,
além de outras manifestações legítimas de artistas e simpatizantes, com uma avalanche
de cartazes colados em locais públicos e intensa militância que angariaram apoios
espontâneos e multiplicaram em progressão geométrica, não seria mais possível em
2017, pois vedadas pela legislação de regência.
Uma eleição deixou de ser uma festa da democracia, para se tornar algo modorrento
e sem graça, tudo em nome da suposta igualdade entre os candidatos, pelo risco do
abuso do poder econômico, político e dos meios de comunicação, o que acaba levando à
igualdade de falta de ideias, privilegiando as campanhas dos que já possuem mandatos
e sufocando a tentativa dos novos candidatos em sair às ruas e passar a sua mensagem.
Até o advento da Lei nº 9.504/97, as campanhas eleitorais eram mais alegres, mais
presentes no cotidiano da sociedade. Não raro nos depararmos com pessoas na faixa dos
40 anos que dizem não sentir a ocorrência do clima eleitoral, ainda que a poucos dias de
uma eleição. Isso decorre, em grande parte, do fato de que fazer propaganda eleitoral
no Brasil tem-se tornado algo cada vez mais difícil. Assim, veda-se ao eleitor o direito
de acesso às manifestações mais puras e legítimas de uma eleição, que são justamente
as diferentes formas de propagandas eleitorais em espaços públicos.

4.3 A excessiva regulação da propaganda eleitoral


A propaganda eleitoral no Brasil tem sido excessivamente regulada. Cada vez
mais se diminuem as hipóteses de se exteriorizar uma candidatura, notadamente as
manifestações de candidaturas nas ruas. Há determinadas práticas, que, mesmo com

3
Op.cit. ant. 1.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
174 PROPAGANDA ELEITORAL

a invasão da internet em nossas vidas, sempre existirão. Não há passeata virtual, ou


comício virtual. Logo, ainda que admitamos a prevalência da propaganda pela internet
– esta também já excessivamente regulamentada – jamais deixaremos de verificar as
manifestações em locais públicos. No momento em que os candidatos deixarem de
vez as ruas, as campanhas eleitorais perderão um de seus mais importantes vetores.
Verifica-se uma ausência de equilíbrio entre a liberdade de expressão e a igualdade
entre os candidatos, esta última mais festejada do que a primeira, olvidando-se muitos
que, sem liberdade, aí é que o menos favorecido tem ainda menos chances de concorrer
em pé de igualdade com aqueles que não precisam da rua para se eleger.
A excessiva restrição de liberdade na realização da propaganda eleitoral fulmina
a candidatura do candidato mais pobre, enquanto que o mais favorecido consegue fazer
a campanha com menos liberdade, pois tem mais dinheiro. Verifica-se, assim, um erro
de valoração do legislador.
Neste sentido, Viviane Macedo Garcia avalia:

A ponderação entre a liberdade de expressão e a máxima igualdade deverá ser realizada


somente na medida da necessidade de se resguardar a igualdade entre os candidatos para
que não restrinja excessivamente o direito à liberdade de participação política, prejudicando
o debate público democrático.4

Diferente do que pensa a maioria, não creio que a desigualdade entre os candidatos
se traduza na propaganda em locais públicos. Não é nesta modalidade que o poder
econômico se revela selvagem e desproporcional entre os candidatos. Eis um dos maiores
equívocos dos que defendem a excessiva regulação da propaganda em locais públicos
e a proibição de sua livre manifestação nas ruas.
Os candidatos economicamente mais fortes criam formas de fazer valer o dinheiro,
mesmo sem a tradicional propaganda de rua, basta se notar a cooptação de lideranças
políticas feitas por estas campanhas, líderes que se encarregam da contratação de um
número absurdo de cabos eleitorais, ainda que estes efetivamente não trabalhem, em
uma triste realidade para a qual não se pode cegar.
De outro vértice, a excessiva regulação da propaganda eleitoral, dificultando,
ou muitas vezes inviabilizando, uma prática democrática, acaba por privilegiar os
candidatos que detêm mandatos e passam um quadriênio fazendo divulgação de seu
trabalho à expensa do erário público. Não é de se estranhar, portanto, que o legislador,
titular de um mandato eletivo, cada vez mais atue fazendo leis que recrudescem as
manifestações legítimas em locais públicos, afinal, a criatividade não custa caro e pode
conquistar eleitores a esses novos candidatos, o que ameaça os que já estão no mandato.

4.4 A marcha progressiva das proibições da propaganda eleitoral em


locais públicos e restrições em locais privados
O processo de restrição às propagandas eleitorais só vem aumentando desde a
edição da Lei nº 9.504/97.

4
GARCIA, Viviane Macedo. Propaganda Eleitoral e Reforma Política. Conexões Eleitoralistas (Organização: PEREIRA,
Rodolfo; SANTANO, Ana Claudia), ABRADEP, Brasília, 2016. p.267.

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MICHEL SALIBA
A PROPAGANDA ELEITORAL EM LOCAIS PÚBLICOS E O RETROCESSO NA LIBERDADE DAS CAMPANHAS NAS RUAS
175

Desde 1997 até agora, nada menos do que cinco diplomas legislativos acabaram
por alterar a propaganda eleitoral no país, tornando o processo de exteriorização das
candidaturas uma tarefa difícil. Não basta ser candidato, é preciso conseguir fazer
propaganda, dado o exponencial aumento das vedações a propagandas que deveriam
ser consideradas normais e salutares ao jogo democrático.
Com a justificativa de proporcionar a igualdade entre os candidatos, a propaganda
eleitoral vem sendo cada vez mais restringida, o que se observa a cada nova lei que
insiste em tratar da questão.
Como já frisado, penso que o tema da igualdade de oportunidades entre os
candidatos acaba por escamotear a verdadeira intenção do legislador: reeleger-se a um
custo mais barato e evitar que campanhas menos onerosas possam lhe fazer concorrência.
Os anos de experiência na atuação da advocacia eleitoral levam-me a essa conclusão.
Refuto a ideia de que o aumento progressivo da restrição da propaganda eleitoral tem
correlação com a igualdade de oportunidade aos candidatos, rebatendo esse discurso
em cada um de seus pontos.
Pois bem.
Não bastassem as excessivas restrições às campanhas em locais públicos,
aumentando a partir da Lei nº 9504/97 e depois nas Leis nºs 11.300/2006, 12.034/2009,
12891/2013, ainda temos a realidade de que, desde 2015 até agora, deparamo-nos com
mais duas leis que ampliaram as proibições, atingindo, mais uma vez, manifestações
espontâneas e democráticas, sempre sob o pretexto da igualdade de condições entre
os candidatos.
A marcha proibitiva do art.37 da Lei nº 9504/97 é sintomática. A redação original
do caput do referido dispositivo previa a ressalva permissiva de propaganda eleitoral
em postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e pontes, desde que não lhes
causasse dano.5
Assim, a norma insculpida na redação originária do Art. 37, da Lei nº 9.504,
proibia práticas abusivas de propaganda, como pichações e pinturas aleatórias em
muros, todavia adaptava à década de 1990 a realidade da campanha, substituindo a
colagem de cartazes nos postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e pontes pela
fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados naqueles mesmos locais citados,
desde que não houvesse estrago ao próprio público, e não dificultasse ou impedisse o
seu uso e o bom andamento do tráfego.
A chamada Lei das Eleições avançou e acertou na letra primitiva do seu Art.37,
pois substituiu a colagem que trazia o inconveniente de pequeno dano ao patrimônio
público, pela fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados
O legislador, inexplicavelmente, alterou a aludida norma, caminhando para uma
restrição cada vez mais espartana em relação à propaganda de rua.
Em 2006, a Lei nº 11.300 proibiu a veiculação de propaganda de qualquer
natureza, inclusive a fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados, nos postes
de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas
de ônibus e outros equipamentos urbanos.

5
Lei nº 9504/97, Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele
pertençam, e nos de uso comum, é vedada a pichação, inscrição a tinta e a veiculação de propaganda, ressalvada
a fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados nos postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e
pontes, desde que não lhes cause dano, dificulte ou impeça o seu uso e o bom andamento do tráfego.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
176 PROPAGANDA ELEITORAL

A criatividade dos candidatos criou os cavaletes para a divulgação das propagandas


em locais públicos, mas em 2013, a Lei nº 12891 proibiu expressamente a propaganda
por meio de cavaletes.
Em 2015, a Lei nº 13.165 fez constar a explícita proibição a bonecos e assemelhados,
outra criação dos candidatos não alcançada pelas proibições anteriores.
Logo, o cerco à criatividade e às propagandas que não demandam grandes custos
se fecha a cada nova eleição.
Agora, em 2017, a Lei nº 13.488 foi além das amarras da Lei nº 13.165/15, e atingiu
o pico da falta de bom senso legislativo e de ausência de sintonia com o anseio popular,
confirmando a vocação do Congresso Nacional em retirar do período eleitoral o clima de
democracia e de livre expressão popular, ao determinar que não é permitida a veiculação
de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto bandeiras ao
longo de vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do
trânsito de pessoas e veículos, e adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas,
motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado).
Assim, o candidato está proibido de colocar uma placa para fazer a propaganda
de sua candidatura, em sua própria residência. O consolo – e disso parecem viver as
manifestações de propaganda eleitoral nas ruas – é que o candidato pode, sim, colar
adesivos nas janelas sua casa, desde que até meio metro quadrado.
Parece haver flagrante desproporcionalidade entre a liberdade de expressão e a
busca irracional pela igualdade de oportunidades entre as candidaturas, a ponto desta
tentativa, baseada nos princípios da igualdade de acesso à propaganda e do controle
judicial, se sobreporem ao princípio da liberdade da propaganda eleitoral.6
Note-se que uma das propagandas mais dispendiosas que existem são justamente
as bandeiras ao longo das vias públicas. Desde o custo de confecção até a contratação
de cabos eleitorais, ou a ajuda de muitos voluntários para retirá-las e colocá-las, ou
até mesmo cuidar para que não sejam retiradas do lugar, ou furtadas. Pois então, a
partir desta realidade, extremamente fácil de se perceber, é que se indaga: onde está a
preocupação com a igualdade de oportunidades na elaboração de leis tão restritivas?
A realidade parece confirmar a minha opinião de que o excesso na proibição de
propaganda eleitoral, na verdade, não guarda nenhuma relação com a igualdade de
oportunidades no pleito.
Mais uma vez Viviane Macedo Garcia, em oportuna observação, confirma
o raciocínio aqui desenvolvido: “Apesar do aumento significativo das restrições à
propaganda eleitoral, as campanhas eleitorais no Brasil, a cada eleição, tornam-se mais
caras”.7
Há meios eficazes de se controlar o abuso do poder econômico em uma campanha
eleitoral, sem que haja a necessidade de se avolumar as restrições às propagandas
eleitorais em locais públicos.
Por fim, anota-se as duas exceções à regra da proibição da propaganda eleitoral
em bens públicos. Uma trata da autonomia do Legislativo em autorizar a realização de
propaganda eleitoral nas suas dependências e a outra garante o direito de colocação de
mesas para distribuição de material de campanha e utilização de bandeiras ao longo

6
ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba, Juruá: 2016. p. 290, 293 e 295.
7
Op.cit. ant. p. 275.

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MICHEL SALIBA
A PROPAGANDA ELEITORAL EM LOCAIS PÚBLICOS E O RETROCESSO NA LIBERDADE DAS CAMPANHAS NAS RUAS
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de vias públicas. A primeira tem conteúdo com o qual comungo, eis que vejo nos locais
públicos um território que deveria ser explorado intensamente em períodos eleitorais,
em homenagem às eleições livres, que devem englobar campanha em locais públicos;
já a segunda exceção é mais uma norma que restringiu direitos dos candidatos, que
antes podiam, além de manter as mesas para a distribuição de material de campanha,
fazer uso de cavaletes, cartazes e bonecos, tendo sido tolhidos do direito relativo às três
ultimas formas de fazer propaganda.

4.5 Da propaganda eleitoral em bens particulares


A legislação ordinária que regulamenta a propaganda eleitoral em bens particu-
lares, em muitos pontos ofende garantias constitucionais ínsitas ao cidadão.
A lei, ao estabelecer que o eleitor não pode agir livremente na sua manifestação
política por meio de propagandas eleitorais em seus bens particulares, sem que tal
manifestação se dê em locais públicos, ofende princípios constitucionais, como o
da liberdade de pensamento (art.5.º, IV, da CF), o da convicção filosófica ou política
(art.5.º, VIII, da CF), além do direito à propriedade (art.5.º, XXII), pois não cabe ao
Estado adentrar à esfera privada de uma propriedade para regular a forma como deve
se exteriorizar uma manifestação de convicção política, se em espaço de meio metro
quadrado, ou em 5 metros quadrados.
Nem se cogite aqui a alegada igualdade de oportunidades entre os candidatos,
pois a manifestação no âmbito dos bens particulares não tem o condão de interferir ou
desequilibrar uma eleição.
Não se está a falar em bens particulares de uso comum, como lojas, igrejas,
hospitais, boates, bares e outros estabelecimentos, mas na própria residência, a casa,
considerada pela Constituição Federal como o asilo inviolável do indivíduo.
A Lei nº 13.488/17 deu um passo demasiadamente largo ao proibir a veiculação
de propaganda eleitoral em bens particulares.
Já em relação aos veículos particulares, pelo fato destes circularem em vias
públicas, poder-se-ia sustentar o cabimento da regulação da propaganda a ser colocada
nos mesmos. No entanto, para o argumento trazido, reflito que a interferência do poder
estatal na forma como o cidadão quer manifestar o seu apoio não pode ser objeto de
censura, e sim de estímulo para que faça do processo eleitoral uma festa democrática.
Quando não existiam os grandes adesivos microperfurados, ou mesmo os estilosos
adesivos, os carros eram pintados no para-brisa traseiro. Nunca se mediu o tamanho
das letras e as oportunidades entre os candidatos eram muito mais igualitárias do que
as atuais.
O período eleitoral era uma festa. Recordo-me de fazer adesivos em casa, pois
sobrinho de político, com o chamado “papel contact”, desenhando as letras para colar
no carro ou em painéis que ficavam na varanda de casa.
O Estado ultrapassou, e muito, o seu papel regulador das eleições, quando o
assunto é propaganda eleitoral. Chegamos ao ponto de ter em um diploma legislativo
norma que estabelece qual o tipo e tamanho de propaganda o cidadão pode ostentar na
sua própria casa e como devem ser os adesivos de propaganda eleitoral em um veículo.
Se a crítica em relação à excessiva proibição de propaganda nas ruas é contundente,
pois engessou o que de mais rico havia em uma eleição, o espírito de participação

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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democrática, o que dizer das disposições legislativas, iniciadas na Lei nº 13.165/15 e


agravadas pela Lei nº 13.488/17, quando regulamentou todo o tipo de propaganda em
bens particulares?

4.6 Conclusão
Está-se, pois, diante de evidente inversão da escala axiológica na forma como o
legislador vem tratando a matéria relativa à propaganda eleitoral nas ruas.
A intromissão do Estado tornou-se abusiva e adentrou à esfera dos direitos e
garantias individuais do candidato e do eleitor.
Espera-se dos responsáveis pela excessiva regulação da propaganda eleitoral nas
ruas uma profunda reflexão e mudança de postura para que o país volte a ter eleições
mais participativas, com a livre manifestação de muitos cidadãos, hoje tolhidos por
regras invasivas em relação à propaganda eleitoral nas ruas, que interferem na própria
legitimidade das eleições gerais.

Referências
ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba, Juruá: 2016. p. 290, 293 e 295.
GARCIA, Viviane Macedo. Propaganda Eleitoral e Reforma Política. Conexões Eleitoralistas (Organização:
PEREIRA, Rodolfo; SANTANO, Ana Claudia), ABRADEP, Brasília, 2016. p. 267.
GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, 13. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SALIBA, Michel. A propaganda eleitoral em locais públicos e o retrocesso na liberdade das campanhas
nas ruas. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 171-178. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 5

PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA: TEORIA


FUNCIONALISTA SISTÊMICA VERSUS TEORIA
CLÁSSICA DA PROPAGANDA ELEITORAL

ALEXANDRE BASÍLIO COURA

5.1 Introdução
Uma das mais poderosas ferramentas políticas, e decerto a mais eficiente, é a
propaganda política. Em consequência disso, nos últimos vinte e um anos tivemos mais
de uma dezena de alterações na legislação eleitoral na tentativa de controlá-la, ou de
refrear o predomínio do poder econômico sobre ela.
Influenciar uma soma substancial de opiniões individuais pode determinar
uma hegemonia ideológica, desejo de muitos dos partidos do passado e também dos
atuais. Vários regimes totalitários se utilizaram dos mecanismos de propaganda para
isso, inclusive no Brasil em tempos não muito remotos, criando um labéu à ideia de
marketing político difícil de se erradicar.
O avanço tecnológico desenvolveu novos meios de comunicação de massas que
rapidamente foram aproveitados pela mídia política. Porquanto esses meios terem forte
poder de influência sobre o eleitorado fez com que rapidamente fossem normatizados
na tentativa frustrada de se buscar uma isonomia – a tão sonhada igualdade de chances,
quase nunca possível. Tal impossibilidade não reduziu o anelo dos legisladores de
contender o abuso de poder econômico, definido desde sempre, conforme Alexis de
Tocqueville,1 como maior inimigo da democracia, tornando-se pretexto para muitas
das reformas políticas.
Cenários de evolução tecnológica, desigualdade quanto ao poder econômico dos
disputantes e a própria supremacia das mídias de comunicação em massa na influência
do eleitorado vêm sendo a tríplice preocupação da Justiça Eleitoral desde a sua criação,
em 1932, quando o rádio ainda era o principal instrumento de convencimento político,
utilizado fortemente por Getúlio Vargas para transmitir a ideia de unificação nacional
e também de reforçar uma conciliação entre as classes sociais (FERRARETTO, 2001).

1
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões: de uma profusão de sentimentos e
opiniões que o estado social democrático fez nascer entre os americanos. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

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180 PROPAGANDA ELEITORAL

Com a chegada da internet novos desafios surgiram, exigindo conhecimento


interdisciplinar dos players políticos e potencializando o alcance das informações de
forma só comparada à criação da prensa de tipos móveis de Johannes Gutenberg, em
1455, considerado o invento mais importante do segundo milênio e que deu início à
Revolução da Imprensa.
Junto com a nova tecnologia veio a necessidade de normatização e controle em
busca de se reduzir a influência do poder econômico de uns sobre outros. Isso, para as
eleições de 2018, deu azo a inúmeros debates sobre a melhor forma de se evitar uma
possível acracia nas disputas eleitorais em consequência do uso descontrolado da
internet e seu intimidante e desconhecido poder.
Conciliando a complexidade do uso da internet como ferramenta de propagação
político-ideológica e as transatas alterações legislativas sobre o conceito de propaganda
eleitoral no tempo, sobreveio o gatilho para criação de um dos mais desafiadores
ambientes de disputa política de todos os tempos. Rios de tinta vêm sendo utilizados
para descrever as possibilidades de controle das manifestações políticas na internet,
estando as maiores preocupações concentradas nas notícias falsas – fake news , nos bots
e nos trolls,2 termos até então presentes apenas nos ambientes voltados à computação.
Destarte, não obstante a amplitude do tema, este estudo pretende, em especial,
suscitar a reflexão a respeito do conceito adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
no julgamento do Recurso Especial 5124/MG, sobre propaganda eleitoral antecipada,
prevista no artigo 36-A da Lei nº 9.504/97, e as consequências de sua aplicação no novel
ambiente digital, provocando uma nova visão sobre a propaganda eleitoral antecipada
como uma modalidade de propaganda lícita antes do período previsto em lei.

5.2 Propaganda eleitoral e propaganda eleitoral antecipada


A propaganda político-eleitoral desde a sua estreia em códigos eleitorais brasileiros
recebeu importância sem par do legislador. Em sua primeira aparição, suas disposições
elementares se encontravam no título das garantias eleitorais, da Lei nº 48, de 4 de maio
de 1935, conhecido como Código Eleitoral Vicente Rao.
O seu art. 165 assim dispunha:

8) o Tribunal Superior e os tribunaes regionaes darão Abeas-corpus e mandado de


segurança para fazer cessar qualquer coacção ou violencia, actual ou imminente, ao exercicio do
direito de voto de propaganda politica;
9) em casos urgentes o habeas-corpus e o mandado de segurança poderão ser requeridos ao
juiz eleitoral, que o decidirá sem demora, com recurso necessario para o Tribunal Regional;
10) é vedado, aos jornaes officiaes da União, Estados, Districto Federal, Territorio e
Municipios, a propaganda politica em favor de candidato ou partido contra outros.

2
Bot é uma abreviação da palavra robot, que no contexto da internet possui um conceito diferente dos robôs físicos
que estamos acostumados a imaginar. Os bots de internet são pequenos programas criados para realizar tarefas
repetitivas, existindo as mais diversas aplicações, desde alimentadores de sistemas de buscas ao falseamento de
identidades com o uso político, sendo este último o que mais nos interessa neste presente artigo. Os trolls originam-
se das calorosas discussões em ambientes digitais nas quais alguém desinteressado se juntava à discussão apenas
com o interesse de prejudicar o debate, apresentado argumentos irracionais ou falácias, tudo com o objetivo de
alterar o rumo do debate.

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ALEXANDRE BASÍLIO COURA
PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA: TEORIA FUNCIONALISTA SISTÊMICA VERSUS TEORIA CLÁSSICA DA PROPAGANDA ELEITORAL
181

Em que pese a importância do tema para a política nacional, nenhuma das


legislações seguintes cuidou de criar um conceito para propaganda eleitoral. Apenas
surgiram novas modalidades de propaganda política – que se estabeleceu como
gênero – passando a propaganda eleitoral a ser tratada como sua mera espécie.
Cada doutrinador tratou de discorrer sobre o seu próprio conceito de propaganda
eleitoral, no entanto, prevaleceu por muitos anos o conceito jurisprudencial segundo o
qual a propaganda eleitoral seria uma manifestação publicitária levada a conhecimento
geral com a pretensão de revelar ao eleitorado, simultaneamente ou não, o cargo político
cobiçado pelo candidato, suas propostas de ação para o cargo e sua aptidão ao exercício
para a função pública.3
Além disso, defendia-se, antes da vigência da Lei nº 12.034/2009, que toda e
qualquer forma de propaganda eleitoral só seria permitida a partir de um marco
temporal que a disparasse, chamado por muitos de período de campanha eleitoral,
o qual, originariamente, tinha início no dia 05 de julho do ano da eleição. O período
vivenciado era de total repressão às manifestações políticas extemporâneas.
Com isso, considerava-se irregular toda manifestação que, antes desse momento
legalmente estabelecido, levasse ao conhecimento do eleitorado qualquer informação
sobre a pretensão à candidatura política ou mesmo informação elogiosa sobre deter-
minado indivíduo que pudesse ser associado às próximas campanhas políticas, ainda
que de forma subliminar.
Imperou por algum tempo a teoria do gancho,4 segundo a qual a manifestação
pública, implícita ou explícita, ostensiva ou subliminar, que pudesse ser ligada à próxima
campanha eleitoral, beneficiando ou prejudicando um possível candidato, ainda que
tal candidatura não se efetivasse, poderia ser reconhecida como propaganda eleitoral
antecipada.
No ápice de tal exegese, muitos eleitores tiveram sua liberdade de manifestação
tolhida, proibidos de declarar apoiamento à defesa de ideias e candidaturas, recebendo
punições como na clássica anedota oriunda de Sergipe, onde uma eleitora teria sido
multada pelo TSE,5 em votação por maioria de 5 × 2, em cinco mil reais por afixar
em seu veículo, antes do período legal, um adesivo com os dizeres “Agora é Dilma”,
acompanhado por uma estrela vermelha do partido.
Imperava uma certa hipocrisia entre os agentes políticos que, enquanto se
esforçavam para manter os seus nomes na mente do eleitorado em razão da evidente
candidatura, precisavam ter o máximo cuidado para que não fosse notada a atuação
com intenção político-eleitoral, embora fosse conhecida por todos.
Quanto aos eleitores, por mais conhecida que fosse a tal candidatura, ela não
poderia ser mencionada antes do período de campanha eleitoral, como no clássico
filme The Village,6 de Night Shyamalan, em que os habitantes de uma vila para falar
sobre seres de uma floresta, conhecidos por todos, utilizam a todo momento a frase
“Aqueles de quem não falamos”.

3
Respe n. 16.183/MG, de 17.2.2000, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 31.3.2000.
4
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
5
Respe n. 203142/SE, de 20.03.2012, Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira
6
The Village (2004). Filme americano dirigido por Night Shyamalan e traduzido para o Brasil como A Vila.

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182 PROPAGANDA ELEITORAL

Assim, num pout-pourri de comportamentos camaleônicos, os brasileiros fizeram


política até 2009. Os políticos fingiam não ser candidatos e os eleitores fingiam acreditar,
satisfazendo o imperativo legal que cerceava o direito amplo e democrático dos eleitores
de discutir questões políticas.

5.3 Evolução conceitual da propaganda antecipada: quebra de


paradigmas
Por muito tempo as representações por propaganda eleitoral extemporânea
predominaram na justiça eleitoral, em especial nos primeiros seis meses do ano em que
se disputava o prélio. E foi para resolver tais vicissitudes que os legisladores, por meio
do Projeto de Lei (PL) nº 5498/2009, do Deputado Henrique Eduardo Alves e outros,
buscaram quebrar o verdadeiro axioma na interpretação do que seriam as propagandas
eleitorais antecipadas.
A primeira modificação foi simplista. Após apresentação do PL nº 5498/2009,
discutidas suas 138 emendas, foi sancionada em 24 de setembro de 2009 a Lei nº 12.034
que trazia o novel artigo 36-A, com a seguinte redação:

Art. 36-A. Não será considerada propaganda eleitoral antecipada:


I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas,
programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a
exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não haja pedido de votos, observado
pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas
dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, planos de
governos ou alianças partidárias visando às eleições;
III – a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos instrumentos de comunicação
intrapartidária; ou
IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se mencione
a possível candidatura, ou se faça pedido de votos ou de apoio eleitoral.

Com a criação do conceito negativo de propaganda eleitoral antecipada, por meio


de um rol exaustivo, o legislador abriu inúmeras possibilidades, mas não resolveu o
problema de se identificar o que seria propaganda eleitoral. Por isso, as representações
continuaram abarrotando os tribunais eleitorais e questionando se determinadas
insinuações não extrapolariam a igualdade de chances, iniciando a corrida eleitoral
antes do período determinado.
O conceito do que seria propaganda eleitoral se tornara ainda mais complexo,
uma vez que a construção jurisprudencial criada e utilizada até então restou inútil, pois,
se a exegese se baseava em comportamentos proibidos a destempo para conceituar
propaganda lícita e, por consequência, ilícita por antecipação, impossível seria sua
manutenção, uma vez que os comportamentos outrora proibidos teriam deixado de
violar a norma.
Essa alteração foi o prelúdio de toda a confusão conceitual que se criou quanto
ao conceito de propaganda eleitoral antecipada e que hoje causa enorme impasse nos
julgados que mesclam manifestações antecipadas permitidas e propaganda eleitoral
paga ou vedada em sítios de pessoas jurídicas.

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ALEXANDRE BASÍLIO COURA
PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA: TEORIA FUNCIONALISTA SISTÊMICA VERSUS TEORIA CLÁSSICA DA PROPAGANDA ELEITORAL
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Para entender essa marcha, é necessário verificar as reformas trazidas pelas Leis
de números 12.891/13, 13.165/15 e 13.488/17, sobre as quais discorreremos rapidamente.
Em 2013, às vésperas das eleições presidenciais de 2014, o PLS nº 441/2012 fluía de
forma açodada pelo Senado. Era necessário aprová-lo até um ano antes das eleições de
2014 para que pudesse ser aplicável àquele pleito. No entanto, em razão das inúmeras
emendas e dos aspectos controvertidos de mais aquela minirreforma, não foi possível
vencer o óbice imposto pelo princípio constitucional da anualidade, previsto no Art.
16 da Constituição Federal de 1988.
Aprovado, o projeto deu lugar à Lei nº 12.891/13, que só seria aplicável nas eleições
de 2016. Novos incisos foram acrescentados ao art. 36-A, acrescendo as possibilidades
de manifestação política que, embora configurassem evidente propaganda, não seriam
ilícitas. Apesar de alguns artigos desta lei nunca terem sido aplicados, uma vez que
alterados pela reforma de 2015, os incisos I, II e IV se mantiveram, mesmo com a Lei nº
13.165/15, conforme pontuo abaixo:

Art. 36-A. Não serão consideradas propaganda antecipada e poderão ter cobertura dos meios
de comunicação social, inclusive via internet: (não mais vigente, pois alterado pela Lei
nº 13.165/15)
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas,
programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a
exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de
televisão o dever de conferir tratamento isonômico; (Vigente)
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas
dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de
políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo
tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Vigente)
III – a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos instrumentos de comunicação
intrapartidária e pelas redes sociais; (não mais vigente, pois alterado pela Lei nº 13.165/15)
IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça
pedido de votos; (Vigente)
V – a manifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas nas redes sociais.
(não mais vigente, pois alterado pela Lei nº 13.165/15)
Parágrafo único. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão
das prévias partidárias. (Revogado pela Lei nº 13.165/15)

Questão interessante que já se desenhava durante a tramitação do PL nº 441/2012


é a nova interpretação dada às manifestações de caráter político extemporâneas. Se antes
eram consideradas propagandas ilícitas por antecipação, agora eram discutidas pelo
congresso como exceções à vedação a propaganda eleitoral antecipada, como mencionou
o Senador Valdir Raupp na página três do Relatório da Comissão de Constituição Justiça
e Cidadania ao justificar e aprovar o projeto de lei dizendo “Alteram-se, também, as
disposições sobre as exceções à vedação da propaganda antecipada, para incluir nelas as novas
mídias sociais”.7 Observar este contexto é essencial para compreensão do que propomos
neste estudo, em razão de os próprios senadores tratarem as novas disposições legais
como modalidades de propaganda eleitoral antecipada lícita.

7
Disponível em:<http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3687774&disposition=inline pg 3>. Acesso
em: 20 jan. 2018.

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A esta altura, nova reforma já se desenhava por meio do PL 5735/2013, que daria
origem à Lei nº 13.165/2015 e que reformaria inclusive os textos da Lei nº 12.891/13,
que nunca fora aplicada integralmente. Os autores do Projeto 5.735/2013 em seu texto
original deixaram clara a intenção de criar propagandas eleitorais antecipadas lícitas,
mencionando na proposta de nova redação para o art. 36-A o seguinte texto: “Art. 36-A.
Não será considerada propaganda eleitoral antecipada vedada por esta Lei:”. Basta alterar
a ordem das orações para que se perceba a intenção do legislador, qual seja, a de que
não será vedada a propaganda eleitoral antecipada disposta no rol seguinte. Reduzindo
ainda mais, será permitida a propaganda eleitoral antecipada exposta no rol seguinte.
Ao longo da discussão do PL 5735/2013, houve 135 emendas e vários substitutivos.
Além disso, a esse PL foram juntados outros dois projetos votados em conjunto, os PLs
2078 e 2259, ambos de 2015.
A redação original do PL era vanguardista, havia a intenção de se permitir,
inclusive, o pedido de votos na internet antes do período de propaganda eleitoral, o que
foi criticado pelo Deputado Ilário Marques, autor do parecer8 da Comissão de Ciência e
Tecnologia que definiu pela rejeição de várias emendas ao projeto com o seguinte texto:
Continuando sobre as propostas de mudanças na Lei das Eleições, o Art. 36-A
é alterado para que não sejam consideradas propagandas eleitorais antecipadas as
manifestações individuais, com ou sem pedido de voto, quando veiculadas pela internet.
Este tópico recebeu um tratamento mais pormenorizado no texto final da Lei 12.891/13,
porém mais restritivo. No dispositivo em vigência, não é considerada propaganda
eleitoral antecipada a manifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas,
a divulgação de atos, atividades parlamentares e a divulgação de prévias partidárias,
desde que não haja pedido de votos.
Entendemos que a liberalidade proposta no PL aumenta consideravelmente o
poder da internet como veículo de propaganda eleitoral, trazendo a reboque um alto
potencial de aumentar a divisão social no que diz respeito ao acesso à informação.
Ademais, por serem a internet e as redes sociais um recurso praticamente ilimitado, a liberação
dos pedidos de votos naquele veículo poderá favorecer os candidatos com maior poder econômico.
Portanto, somos contrários à medida proposta.
A preocupação do deputado dizia respeito à proposta de nova redação ao art.
36-A, que defendia.9

Art. 36-A. Não será considerada propaganda eleitoral antecipada vedada por esta Lei:
V – a manifestação político-eleitoral individual, vedado o anonimato, com ou sem pedido de
voto, veiculada pela internet, observadas as disposições constantes dos artigos 57-A a 57-I.
VI – a realização de atividades típicas de pré-campanha, tais como as declarações públicas
que levem ao conhecimento geral a pretensão de disputar eleições e as ações políticas que
se pretende desenvolver, as manifestações de apoio a partidos e a pré-candidatos, entre
outras, desde que não haja pedido explícito de votos, nem menção a número de candidato,
utilização de símbolos de campanha, distribuição de panfletos, arrecadação de fundos,
realização de comícios ou outras ações próprias do período de campanha eleitoral. (NR).

8
Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1264855&filename
=PRL+1+CCTCI+%3D%3E+PL+5735/2013>. Acesso em: 20 jan. 2018.
9
Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1102056&filename
=PL+5735/2013>.

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PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA: TEORIA FUNCIONALISTA SISTÊMICA VERSUS TEORIA CLÁSSICA DA PROPAGANDA ELEITORAL
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Ao final, após toda a discussão legislativa, o texto do projeto restou assim


oficializado:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam
pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades
pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de
comunicação social, inclusive via internet:
III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo,
a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates
entre os pré-candidatos;
V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes
sociais;
VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade
civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade,
para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.
§1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias
partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social.
§2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e
a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende
desenvolver. §3º O disposto no §2º não se aplica aos profissionais de comunicação social
no exercício da profissão. (NR)

Chegando o projeto no Senado, recebido como PLS 483/2015, o Senador Romero


Jucá (PMDB-RR) salientou:

(...) a importância de enfrentar a “hipocrisia” em torno das pré-candidaturas e a “crimina-


lização” da manifestação política. Ele mencionou que, sob as regras atuais, um candidato
ainda não homologado tem dificuldade para se expressar nos meios de comunicação por
temor de a situação ser enquadrada como campanha antecipada.10

Até este momento, o cenário construído pelo legislativo era o de que havia
determinadas condutas que poderiam ser realizadas no período pré-eleitoral sem que
fossem consideradas ilegais. Eram verdadeiras propagandas eleitorais antecipadas, no
entanto lícitas, como frisaram vários deputados ao longo da discussão.
As manifestações políticas continuariam recebendo o mesmo tratamento legal.
Poderiam ocorrer dentro das hipóteses permitidas, mas não poderiam conter pedidos
explícitos de votos e nem ser feitas de forma a gerar abuso de poder econômico ou
violando os limites então definidos.

5.4 O julgamento do Respe 5124/MG e o preferred position da


liberdade de expressão
A interpretação de muitos tribunais quanto à configuração da propaganda
eleitoral antecipada continuou vacilante. Ainda não se solidificara a ideia de que existem
propagandas eleitorais antecipadas lícitas e, para muitos, houve uma deturpação do
conceito de propaganda, sobre a qual falaremos adiante. Não obstante, sobre a evolução

10
Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/511722/2015-07-16.pdf?sequence=1 Pg. 3>.
Acesso em: 20 jan. 2018.

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legislativa atingida até este momento, o julgamento de uma representação oriunda do


Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) daria novos contornos à discussão.
No dia 29 de novembro de 2016, o TSE julgou o leading case sobre propaganda
eleitoral antecipada envolvendo a nova sistemática trazida até a reforma da Lei nº
13.165/15, inflamada por ter ocorrido em um ambiente de rede social. Observe que no
contexto deste julgamento não havia menção a impulsionamento pago pela publicação
na mídia social. O caso versava tão somente quanto à irregularidade da manifestação
político-eleitoral no tempo.
O litígio é paradigmático. Por unanimidade a Corte Eleitoral definiu a interpretação
sobre o que seria propaganda eleitoral antecipada. A partir daquele julgado, seria dada
supremacia à liberdade constitucional de expressão e manifestação do pensamento, em
detrimento do punitivismo visto outrora. Só seria propaganda eleitoral a manifestação
em que houvesse, de forma explícita, o pedido de voto.
No caso concreto, outra decisão não poderia ter sido tomada, uma vez que a única
manifestação realizada pelo representado, e considerada irregular pelo TRE-MG, foi a
publicação de uma foto sua no Facebook, antes do período eleitoral, ao lado da qual havia
os seguintes dizeres: “PSB/MG – O melhor para sua cidade é 40!”. Longe de configurar
qualquer irregularidade, segundo o novo marco teórico definido pelas reformas eleitorais
até então vigentes, inclusive porque consonante com a permissão expressa do art. 36-A,
caput, da Lei nº 9.504/97, alterada pela Lei nº 13.165/2015.
Nesse sentido, um ponto essencial da decisão do Min. Luiz Fux chama a atenção
como embasamento de sua decisão:

Destarte, a mensagem veiculada não acarretou prejuízo à paridade de armas, pois qualquer
eventual competidor poderia, se assim quisesse, proceder da mesma forma, divulgando
mensagens sobre seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições,
principalmente por tratar-se de propaganda de custo diminuto, inapta a ocasionar interferência
indevida do poder econômico no pleito;

Sem adentrar no que toca à possibilidade de paridade de armas apresentada pelo


Eminente Ministro, uma vez que foge ao nosso escopo, mas não escapa à nossa crítica,
exsurge desta circunstância a concepção de uma exegese fundamental para o deslinde
das próximas testilhas sobre propaganda eleitoral antecipada. A partir de então, as
manifestações poderiam ocorrer em qualquer ambiente, respeitadas as regras postas,
seja no mundo digital ou natural, desde que não interferissem no resultado do pleito por
meio da influência do poder econômico e que não houvesse pedido explícito de votos.
Nesses casos, prevaleceria a liberdade de informação, de expressão e de manifestação
do pensamento, numa posição preferencial.
Em resumo, haveria o uso da ad hoc balancing theory of preferred position of freedom
speech, mitigando essa liberdade de expressão quando houvesse prejuízo à democracia
por meio da influência do poder econômico nos pleitos eleitorais. Claro que esse
sopesamento não chega a ser uma verdadeira teoria, mas pode ser considerada uma
estratégia de solução de problemas nos quais houver dois direitos jusfundamentais em
conflito, exatamente o caso apresentado.
Importante ressaltar o acerto da decisão prolatada no Respe 5124/MG, em especial
sobre a posição preferencial da liberdade de expressão. Sabe-se que esse direito jus

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fundamental constitui um dos valores mais preciosos do regime democrático, conforme


citou o subprocurador da República, Geraldo Brindeiro, em clássico artigo11 sobre o tema:

A liberdade de expressão constitui um dos valores mais preciosos do regime democrático.


Não é sem razão que já após a Revolução Francesa, em 1789, a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão no seu art. 11 dizia “La libre communication des pensées et des opinions
est un des droits les plus précieux de l’homme”.

Sem embargos, o mesmo autor relembra a inexistência de direitos e garantias


absolutas, trazendo o que previa o art. 10 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão e esclarecendo que o parlamento pode e deve estabelecer os limites do exercício
de tal liberdade quando exige a ordem pública.
As bases construídas pelo julgamento do Respe 5124/MG foram muito importantes
para pacificar o ambiente conturbado que se encontrava na interpretação, por vários
tribunais, do conceito de propaganda eleitoral antecipada. Contudo, dois novos fatores
contribuíram para intensificar esse debate. O primeiro deles foi a nova reforma eleitoral
trazida pela Lei nº 13.488/2017. O segundo foi a prática cada vez mais comum de se
repetir decisões anteriores com fundamento em sua ementa, sem atentar para o contexto
em que foi julgado, o que podemos chamar de blinding stare decisis, uma aplicação cega
do stare decisis et non quieta movere,12 seja vertical ou horizontal.

5.4.1 A derradeira reforma eleitoral, a Lei nº 13.488 e as propagandas


pagas na internet
Como de praxe tem sido nos últimos anos, às vésperas do prazo fatal definido
pelo art. 16 da Constituição da República, no dia 6 de outubro de 2017, foi aprovada
a nova reforma eleitoral a ser aplicada nas eleições de 2018. Novos desafios que se
misturam a antigas interpretações da lei vigente.
O art. 36-A nesta rodada foi pouco vilipendiado, exceto pelo acréscimo do inciso
VII, não previsto dentro das situações de permissibilidade do parágrafo segundo do
mesmo artigo.
O que contribuiu para o caldeirão de discórdia que se consolidou sobre o assunto
foi a alteração trazida pela nova redação dada ao art. 57-C, que agora dispunha, em
contraposição ao texto vigente até então, sobre a possibilidade de propagandas eleitorais
pagas na internet, ou seja, o famigerado impulsionamento de publicações.
A vedação absoluta ao pagamento de propagandas eleitorais na internet deu
lugar ao seguinte texto trazido pela Lei. nº 13.488/17:

Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet,
excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e
contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.

11
Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/175874/000455042.pdf?sequence=1>. Acesso
em: 20 jan. 2018.
12
Expressão latina da qual se reduz: respeitar as coisas decididas e não mexer no que está estabelecido.

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188 PROPAGANDA ELEITORAL

O desafio agora seria conjugar a nova disposição legal com o fato de que toda a
construção normativa e jurisprudencial definida até então possibilitava a manifestação,
dentro ou fora da internet, de questões políticas, lançamento de candidaturas, moções
elogiosas sobre pré-candidatos, histórico de trabalho e pretensão de novos desafios,
tudo isso desde que não houvesse pedido de votos.
Conquanto isso, uma pergunta mantinha-se sem resolução: tais manifestações
permitidas a destempo poderiam ser estimuladas monetariamente para alcançar eleitores
que navegassem em territórios mais longínquos, inacessíveis de forma natural? Esta
pergunta, ainda sem resposta pacífica, converteu-se na vedete da vez e explorá-la a
partir das interpretações que se seguiram do julgado paradigma RP 5124 tornou-se o
principal desafio das eleições de 2018.
Vale a pena considerar que o texto do art. 57-C da Lei nº 9.504/97 vem sendo
interpretado de forma equivocada por muitos, como sendo a permissão para se
monetizar qualquer manifestação política pela internet, desde que não haja pedido de
votos. Cabe lembrar que o excerto da norma é explícito em limitar essa remuneração
a grupos específicos, quais sejam: os partidos, as coligações e os próprios candidatos
e seus representantes.
Colabora com a ideia de que não poderia haver remuneração de manifestações
político – eleitorais por parte de usuários a vedação expressa disposta no art. 57-b, IV,
b, da Lei nº 9.504/97, o qual dispõe:

Art. 57-B. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:
(...)
IV – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de
internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por:
b) qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdos.

Em consequência da legislação proibitiva, uma forte corrente passou a defender


que seriam lícitas as manifestações políticas remuneradas pelas redes sociais, ainda
que repletas de exteriorização de posições políticas, desde que não houvesse pedidos
de votos, concluindo tal doutrina pela interpretação de que, não havendo pedido de
votos, não restaria tipificada uma propaganda política, muito menos uma propaganda
política antecipada.
Nesse ponto, cria-se um impasse. Por um lado a norma diz que certos comporta-
mentos não configuram propaganda eleitoral antecipada. Por outro lado. A nova redação
dada ao art. 57-C diz que é vedada a veiculação de qualquer propaganda eleitoral paga
na internet, exceto o impulsionamento contratado por partidos, coligações e candidatos
ou seus representantes. Para possibilitar a manifestação política paga (sem pedido de
votos) seja no mundo virtual ou fora dele, surge a necessidade de se excluir a subsunção
ao texto do art. 57-C, o que foi feito, a partir de então, com a interpretação de que, sem
pedido de votos, não há propaganda eleitoral, podendo qualquer manifestação, sem
pedido de votos, ser impulsionada pelas redes sociais ou veiculada por meio de carreatas,
passeatas, recepções em aeroportos e etc. sem que caiba qualquer previsão de sanção.
Atente-se para o equívoco de tal exegese. O Art. 36-A menciona antes de enumerar
em rol de condutas permitidas, que “Não configuram propaganda eleitoral antecipada (...)”.
Uma das possibilidades de leitura dessa oração, que se coaduna com toda a discussão
legislativa ocorrida desde a construção da Lei 12.034/09, conforme citado, é a de que os

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comportamentos a seguir listados pelo Art. 36-A deixariam de ser propagandas ilícitas
por antecipação. Nunca tendo havido uma discussão sobre deixarem de ser propagandas
eleitorais, talvez por receio de se infringir o óbvio.
Contudo, para toda a discussão que se surgiu desde então, um questionamento
recebeu lugar de destaque: teria o adjetivo “antecipado”, na oração, o condão de
transformar o substantivo que qualifica?
Para a teoria clássica do conceito de propaganda eleitoral, criada a partir de então,
a resposta a tal questionamento é positivo. Para tal concepção, o fato de se dizer que
não é propaganda eleitoral uma manifestação em razão de sua liberação em momento
prévio ao legalmente definido para as campanhas eleitorais, (ou seja, dizer que não
é propaganda eleitoral antecipada) é o mesmo que dizer que não é propaganda. Aos
nossos ouvidos, isso soa tão absurdo quanto dizer que um fato deixou de ser crime por
não ser mais crime hediondo.
O afastamento da questão temporal definida pelo termo antecipado não pode
ser capaz de alterar a natureza da manifestação, razão pela qual deveria, ainda que
ausente o termo “voto”, qualquer manifestação política respeitar os limites dispostos
na legislação, vocacionados a reduzir a influência do poder econômico, em especial o
art. 57-C que veda “qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet”.

5.4.2 O blinding stare decisis vertical ou horizontal


A repetição de uma ideia disposta em julgamento anterior se transformou em uma
praxe nos tribunais brasileiros. Se por um lado há uma forte corrente normatizada no
Novo Código de Processo Civil sobre a força normativa dos precedentes e a necessidade
de respeitá-los, de outra, há a necessidade de se analisar quando tratar-se do mesmo
caso, certo de que, com frequência, em especial nos julgados eleitorais, há importantes
situações de distinguishing, não sendo incomum até mesmo o overruling.
A partir da premissa estabelecida pelo julgamento do Respe 5124, vários Ministros
do TSE se acossaram àquela interpretação, secundando que, as manifestações que não
contivessem pedido explícito de voto não poderiam ser consideradas propagandas
eleitorais.
Calma! Leia novamente a última linha do parágrafo anterior. Observe que a
ausência de um termo essencial nesta oração muda todo o contexto construído até então.
Repito. Aqui há duas situações amplamente opostas. A primeira é seguir a interpretação
do acórdão paradigma idealizado pelo Ministro Fux e dizer que a ausência do pedido
de votos torna “atípica” a irregularidade da propaganda eleitoral antecipada. Continua
sendo propaganda antecipada, portanto, propaganda eleitoral, porém permitida, uma
vez que, em conformidade à legislação.
Diverso disso é dizer que não configura propaganda eleitoral a manifestação
que não contenha pedido explícito de votos. Não ser propaganda é diferente de não ser
propaganda eleitoral antecipada, conforme já dito. E eis que surge uma desmensurada
discussão jurídica que só tende a se agravar diante da eliminação de diversas ferramentas
de controle sobre os comportamentos ilícitos por uma simples repetição de ideias
descontextualizadas em julgados.
E assim, por mais implausível que pudesse parecer, vários julgados que se seguiram
ao Respe 5124 passaram a citá-lo como precedente paradigma, no entanto, mantendo

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190 PROPAGANDA ELEITORAL

a posição de que a ausência do pedido de votos fazia com que a manifestação política
analisada não fosse considerada propaganda eleitoral.
Essa questão, embora pouco estudada e observada, gera consequências graves a
todo o direito eleitoral positivo disposto sobre o assunto. Importante descortinar que,
a palavra propaganda é componente essencial dos tipos penais previstos no Código
Eleitoral que dispõem sobre a proteção à honra dos candidatos, conforme previsto nos
artigos 323 a 326 daquela consolidação. Sem essa elementar do tipo, a ação se torna
atípica. Ou seja, se a manifestação não é considerada propaganda para fins de regulação
temporal do discurso, muito menos poderá ser considerada propaganda para fins penais.13
Alcançamos aqui uma interpretação perigosa: a de definir que uma manifestação
política é considerada propaganda eleitoral pela presença ou ausência da palavra voto.
Uma interpretação indigente e insipiente a nosso ver.
Ademais, vale repisar que, se uma manifestação não é considerada propaganda
pela ausência da palavra voto, não há nada que não convenha ao interlocutor, uma vez
que tudo lhe será lícito. Desde que não use a palavra voto, poder-se-ia impulsionar a
publicação, cometer injúrias, calúnias e inverdades pelas redes sociais, sem que houvesse
a atração da competência da Justiça Eleitoral ou se cometesse um ilícito eleitoral. Além
disso, todos os custos com tais manifestações serão realizados sem que seja dada
satisfação ao órgão de controle, uma vez que são atos tratados como indiferentes ao
pleito por essa parcela da doutrina.
Tanto é que já há precedentes relacionados a manifestações por meio de outdoor
sem menção à palavra voto e que vem sendo julgadas como indiferentes eleitorais,
como no caso do Respe 621/MG de 14 de setembro de 2017:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO.


PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA MEDIANTE OUTDOOR. NÃO
CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE VOTO E DE REFERÊNCIA A PLEITO
FUTURO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS
PEDIDOS FORMULADOS NA REPRESENTAÇÃO E AFASTAR A MULTA IMPOSTA.
RAZÕES DO RECURSO QUE NÃO ENSEJAM A REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA.
IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(RESPE nº 621 – UBERLÂNDIA – MG Acórdão de 14.09.2017 Relator(a) Min. Napoleão
Nunes Maia Filho Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 29/09/2017)

O TSE vem repetindo à exaustão em uma série de julgamentos, desde o fatídico


29 de novembro de 2016, o seguinte mantra colacionado abaixo, da lavra do Min.
Tarcísio Vieira:

2. De acordo com a moderna interpretação jurisprudencial e doutrinária acerca do art. 36-A


da Lei nº 9.504/97, a publicidade que não contenha expresso pedido de voto não configura
propaganda eleitoral. Precedentes. (Recurso Especial Eleitoral nº 111265 – ATIBAIA – SP – Rel.
Min Tarcísio Vieira de Carvalho Neto julgado em 19/09/2017).

13
As consequências de dizer que uma manifestação sem pedido explícito de votos não é propaganda eleitoral atinge
a própria competência para julgamento dos crimes eleitorais, uma vez que os tipos penais dos crimes contra a
honra, previstos no Código Eleitoral, exigem a elementar “na propaganda” ao mencionarem, por exemplo: “Art.
324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda (...)”. Se a calúnia não ocorre na
propaganda ou visando fins de propaganda, a competência passa a ser da Justiça Comum.

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PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA: TEORIA FUNCIONALISTA SISTÊMICA VERSUS TEORIA CLÁSSICA DA PROPAGANDA ELEITORAL
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Não diverge o Ministro Napoleão Nunes, para quem a correta interpretação é


a seguinte:

2. Desse modo, conforme registrado na decisão hostilizada, tendo sido consignado pela
Corte Regional que, no conteúdo das publicações objeto da presente demanda, não há pedido
explícito de voto, afasta-se a configuração de propaganda eleitoral nas mensagens patrocinadas
realizadas pelo agravado, no Facebook, antes do período autorizado. (RESPE – Agravo
Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 5048 – NOVA PONTE – MG Acórdão de
03/08/2017 Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho Publicação: DJE – Diário de justiça
eletrônico, Data 04/09/2017 )

Assim, estabelecida a tese de que as manifestações sem pedido de voto, mesmo que
relacionadas ao pleito, são lícitas, precisamos responder o seguinte: essas manifestações
são propagandas eleitorais antecipadas lícitas ou, por outro lado, como já entendem
alguns ministros, não são propagandas eleitorais? A resposta que defendemos para esse
questionamento trará a solução para as manifestações veiculadas com o uso de recursos
financeiros no mundo real ou impulsionadas, ou seja, pagas para aumentar o seu alcance
na internet no período anterior àquele legalmente definido para a campanha política.

5.5 A teoria funcionalista sistêmica da propaganda eleitoral


A influência do poder econômico sempre ocupou abundante espaço entre as
preocupações do legislador, inclusive do poder constituinte originário. Sabe-se que a
Carta Magna de 1988 dispôs de mandamentos constitucionais de proteção mínimos,
abaixo dos quais não cabe ao legislador infraconstitucional se posicionar. Tal previsão
se encontra no art. 14, §9º da Constituição que determina:

§9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua


cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de
mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo
ou emprego na administração direta ou indireta.

Determinou a comissão Afonso Arinos, que inspirou o poder constituinte originário


para a Carta Magna de 1988, que a normalidade e a legitimidade das eleições devem
estar protegidas contra a influência do poder econômico, premissa a partir da qual
deve sempre atuar o legislador infraconstitucional. Em regra, tal disposição vem sendo
respeitada e há vários exemplos disso.
Inúmeras reformas ocorridas na legislação eleitoral buscaram reduzir tais
possibilidades. Um exemplo clássico é a própria Lei nº 9.504/97 quando dispõe
originalmente em seu artigo 42 acerca da necessidade de sorteio para distribuição de
todo e qualquer artefato publicitário, ainda que particular, colocado à disposição de
marketing político, os chamados outdoors. Não era outra a intenção do legislador que
proteger a normalidade e legitimidade das eleições da influência do poder econômico.
O mesmo se pode dizer dos artigos 45 e 53, ambos da Lei nº 9.504/97, junto a
várias outras previsões legais, que trazem restrições necessárias a impedir que haja
influência do poder econômico no resultado dos pleitos. É uma tentativa do legislador,
em respeito à Constituição, de buscar garantir a paridade de armas entre os concorrentes

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192 PROPAGANDA ELEITORAL

ao pleito eleitoral, evitando que o poder econômico faça parecer que a candidatura de
poderosos seja a única.
Contudo, essa proteção está em risco, em razão da interpretação de que aquilo
que não contenha pedido explícito de votos não é considerado propaganda eleitoral.
A partir de tal construção hermenêutica, mesmo que para alguns isso seja um fator
de busca de isonomia entre os candidatos, o que ocorrerá será o vultoso investimento
de poderosos grupos políticos, em verdadeiras pré-campanhas eleitorais, para criar
engajamento nas redes sociais sem que isso seja configurado irregularidade eleitoral,
em razão da ausência da palavra voto.
A imaginação casta de alguns que defendem que as manifestações políticas
antecipadas, mesmo que não consideradas propagandas eleitorais, poderiam gerar
abusos de poder econômico a serem punidos em ações específicas é um tanto quanto
utópica. Os tribunais já começaram a se posicionar defendendo que se algo não é o
menos, não pode ser o mais.
Ou seja, se uma manifestação não foi sequer considerada propaganda eleitoral,
como poderia travestir-se de abuso de poder econômico a não ser que houvesse um
verdadeiro duplipensar eleitoral, no qual o significado das palavras assumisse o sentido
desejado pelo intérprete como numa obra orwelliana. Aquilo que não configura propa-
ganda eleitoral para fins de punição por violação ao Art. 57-C de forma extemporânea
poderia sê-lo para fins de abuso de poder econômico?
Em recente precedente o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP),
decidindo o Recurso Eleitoral Nº 621-26.2016.6.26.0156 sob a lavra do Relator Marcelo
Coutinho Gordo assim se posicionou:

Se os fatos não configuraram sequer propaganda irregular, tampouco são suficientes para
justificar a prática de abuso de poder a ser investigado em AIJE ou AIME. (RECURSO
ELEITORAL nº 621-26.2016.6.26.0156 de 16 de novembro de 2017)

A solução viável para esses casos é apenas uma: dar à propaganda a sua função
constitucional coerente com todo o sistema, considerando-a direito do eleitor e, a rigor,
conforme o Código Eleitoral Vicente Ráo, citado anteriormente, uma verdadeira garantia
democrática, contra a qual não pode haver restrições desarrazoadas.
Pari passu a essa visão, numa óptica também constitucional, há de se fazer uma
ponderação entre a posição preferencial da liberdade de expressão (preferred position of
freedom speech) e a necessidade de controle da influência do poder econômico sobre a
normalidade e legitimidade das eleições, proibindo qualquer tipo de monetização das
manifestações antes do período oficial de campanha eleitoral trazido pelo texto da Lei
nº 9.504/97, alterado pela 13.165/15, que dispõe que a propaganda eleitoral só é possível
a partir de 15 de agosto do ano eleitoral.
Com isso, vencida a teoria clássica da propaganda eleitoral defensora de que só a
palavra “voto” tipifica uma propaganda eleitoral e, por consequência, uma propaganda
eleitoral antecipada, aplicaríamos uma teoria coerente com a constituição e com a própria
função da propaganda, restringindo, tão somente, a influência do poder econômico
nos pleitos.
Dessa interpretação sistêmica não surge qualquer prejuízo, uma vez que restariam
resguardadas todas as manifestações eleitorais de eleitores, pré-candidatos, partidos,
candidatos e seus representantes a qualquer tempo, conforme toda a nova sistemática

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das últimas reformas, em especial previstas no art. 36-A. Porém, em vez de apenas
poder agir pelo controle do abuso quando o bem jurídico houver sofrido uma violação,
(hipótese defendida pelos adeptos da teoria clássica, mas ainda não confirmada, tendo
em vista que alguns tribunais já apresentaram discordância) atuariam os operadores
do direito de forma ostensiva sobre as irregularidades, controlando as manifestações
políticas remuneradas, seja pela internet, seja pelas formas tradicionais.
Com isso, não caberia a argumentação de que uma manifestação, claramente
ligada ao pleito eleitoral, no entanto sem a desnecessária palavra voto, estaria isenta de
responsabilidade eleitoral quando imbuída de altos valores econômicos, cuja origem
do recurso, na maioria das vezes, têm-se por desconhecida.
A teoria funcionalista sistêmica também soluciona os arcanos relacionados
às extemporâneas manifestações impulsionadas pela internet que, além de violar o
disposto nos artigos 57-C, 57-B, IV, b, vem sendo utilizadas em absoluto desrespeito à
premissa básica pensada pelo legislador, e disposta no art. 57-C, §3º, qual seja, a de que
os impulsionamentos devem ser propositivos, e não negativos, utilizados em prejuízo
dos adversários políticos. É o texto expresso da previsão legal em questão:

Art. 57-C
(...)
§3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente
com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal,
escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com
o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações.

A reboque, com essa vanguardista interpretação, pela teoria funcionalista sistêmica,


não seria necessário um tortuoso e insincero raciocínio para convencer os julgadores
de que algo considerado indiferente eleitoral, pela ausência da palavra voto, tornou-se
fundamento para ações capazes de destituir o responsável de seu mandato. Além disso,
daríamos fim à hipocrisia de dizer que as manifestações antecipadas sem a palavra
voto deixam de ser propaganda eleitoral, simplesmente porque, assim queremos. São
propagandas eleitorais, sim, no entanto, propagandas eleitorais antecipadas lícitas que
devem ser controladas pelos órgãos de fiscalização, em especial, do ponto de visto do
controle do abuso de poder econômico.

5.6 Conclusão
Após várias reformas eleitorais em busca de um ambiente que satisfizesse a
constitucional liberdade de manifestação e expressão e, ao mesmo tempo, controlasse a
influência do abuso de poder econômico, chegamos a um ponto de perigosa insegurança
jurídica, criticado pela hipocrisia eleitoral, em razão de uma teoria clássica da definição
da propaganda eleitoral que passou a entender que só as manifestações onde houvesse
explicitada a palavra voto configurariam a propaganda eleitoral e por consequência, a
propaganda eleitoral antecipada.
Em consequência disso, surgiram precedentes considerando que, manifes-
tações sem a palavra voto seriam indiferentes eleitorais, permitindo, por meio dessa
interpretação, as mais variadas formas de abuso como: manifestações em outdoor,

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194 PROPAGANDA ELEITORAL

impulsionamentos de conteúdo e uso de recursos de origem desconhecida ou de fonte


vedada em prol de uma campanha futura.
Surge a teoria funcionalista sistêmica da propaganda eleitoral que, sugerindo, em
consonância com o que fora defendido pelo legislador durante os debates políticos desde
a Lei nº 12.034/09, com a evolução legislativa, criaram-se modalidades de propagandas
eleitorais antecipadas lícitas de forma que as manifestações antecipadas, com ou sem a
palavra voto, configuram propagandas eleitorais.
De sorte que, um posicionamento político por meio de redes sociais pode ocorrer
antes do prazo legalmente definido por lei, desde que, respeite as objeções legais e
que não seja impulsionado, uma vez que, sendo espécie de propaganda eleitoral, deve
respeitar a construção presente no direito eleitoral objetivo.
Com isso, cria-se uma nova forma de ser enxergar o conceito de propaganda
eleitoral sob um aspecto funcional, pois respeita a missão da propaganda eleitoral
como direito do eleitor. Sob um aspecto sistêmico, ao trazer um diálogo entre as fontes
do direito eleitoral objetivo e sob um aspecto constitucional, ao fazer uma releitura
aplicada dos mandados de optimização e controle do abuso, previstos na Carta Magna.
Em conclusão, a teoria funcionalista sistêmica da propaganda eleitoral defende que
se pode tudo aquilo legalmente previsto, desde que interpretado de forma a controlar
a influência do poder econômico que afete a legitimidade e normalidade das eleições.

Referências
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de set. 1997.
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CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. 2. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001.
PEREIRA, Luiz Márcio; MOLINARO, Rodrigo. Propaganda Política: questões práticas relevantes e temas
controvertidos da propaganda eleitoral. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
The Village (2004). Direção de Night Shyamalan – 3 de setembro de 2004 (1h 48min).
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões: de uma profusão de sentimentos
e opiniões que o estado social democrático fez nascer entre os americanos. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 51-24/MG.
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Sites acessados
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https://www12.senado.leg.br/

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

COURA, Alexandre Basílio. Propaganda eleitoral antecipada: teoria funcionalista sistêmica versus teoria
clássica da propaganda eleitoral . In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber
de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 179-195. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 6

PROPAGANDA ELEITORAL NA IMPRENSA ESCRITA


E A LIBERDADE EDITORIAL DE APOIO POLÍTICO

HENRIQUE NEVES DA SILVA

6.1 O Direito à informação verdadeira e a livre manifestação do


pensamento identificável
A democracia sempre será mais eficaz em um ambiente que permita o livre
debate de ideias e o pleno exercício das liberdades individuais de forma responsável.
O direito à informação e a garantia da livre manifestação do pensamento são pilares
fundamentais para o exercício da cidadania. O Estado verdadeiramente Democrático
está essencialmente ligado à possibilidade de os cidadãos serem bem informados e
poderem contribuir de forma eficaz para a tomada das decisões coletivas, por meio
dos debates livres.
A obtenção de informações corretas permite a orientação das soluções, que, por sua
vez, se transmutam em novas informações e dados. Novas visões e perspectivas sobre o
tema são descobertas e debatidas. A liberdade de expressão gera um sequenciamento de
ideias retroalimentado que dá transparência às discussões dos problemas da sociedade.
Considerada a importância democrática, vale repetir e enfatizar: Para que o
debate democrático possa alcançar resultado eficaz, ao cidadão deve ser reconhecido e
garantido o direito de obter informações sobre os assuntos de seu interesse, assim como
expressar suas ideias e opiniões de forma que efetivamente contribua para a solução
das questões que afligem a sociedade.
Essas garantias constitucionais não podem ser reduzidas ou exercidas apenas de
forma genérica, desigual ou parcial. Uma democracia não alcançará boa qualificação
quando se garante apenas a obtenção de informações parciais, seja no sentido da sua
incompletude, seja no sentido da parcialidade da fonte que as divulga.
O direito à informação deve ser compreendido como o direito de amplo acesso
aos dados de interesse coletivo, que devem ser auditáveis e verdadeiros. Na esfera
pública, a possibilidade de obter informações sobre a atividade estatal deve ser quase
irrestrita e apenas limitada nas raras e justificadas exceções relativas à proteção da
soberania e da segurança pública. Já no âmbito privado, o direito à informação encontra
seu limite constitucional nas demais garantias constitucionais, em especial, a intimidade
das pessoas. As informações pessoais, em geral, somente podem ser reveladas pelo
próprio detentor ou, quando presentes as hipóteses excepcionais, por decisão judicial
devidamente fundamentada. No campo profissional, informações e detalhes obtidos em

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razão do exercício profissional, assim como segredos industriais ou dados comerciais


também recebem proteção contra divulgação.
A efetividade de uma democracia melhora quando as informações podem ser
obtidas e debatidas em vários meios. A possibilidade de a informação ser obtida e
complementada pelos dados e pelas manifestações oriundas de fontes múltiplas e
independentes permite que os assuntos sejam examinados por diversos ângulos e
critérios, inclusive para verificação da veracidade e consequências dos dados revelados
e das soluções adotadas pela Administração Pública. Por certo, o cidadão terá maior
capacidade de discernimento ao acessar análises e dados disseminados em fontes
alternativas, ao invés de obter apenas aqueles moldados pela visão do gestor público.
Juntamente com o direito à informação e com a mesma eficácia, a livre manifestação
do pensamento deve ser sempre privilegiada. Como destaca Robert Dahl,1 a liberdade
de expressão é essencial para a verificação da vontade popular. Sem que se garanta o
direito dos cidadãos se expressarem não seria possível conhecer os seus respectivos
pontos de vistas, o que acarretaria uma situação em que o silêncio serviria aos governos
autoritários e seriam desastrosos para a democracia.
É essencial que se compreenda que a livre manifestação do pensamento não pode
ser reduzida à mera permissão para produção de falas isoladas e sem alcance ou, pior,
em insonsa permissão para o cidadão articular suas ideias sem que elas alcancem os
responsáveis ou sejam dirigidas a ouvidos moucos.
A liberdade de expressão, como valiosa ferramenta democrática, tem sua
importância diretamente relacionada com a capacidade da cidadania ser exercida de
forma efetiva em processos de participação popular que sejam capazes de realmente
produzir efeitos e influenciar as decisões dos Governantes. Não basta garantir a fala.
A obrigação dos governantes escutarem – não apenas ouvirem – também deve ser
compreendida como elemento essencial à democracia.
Por meio da liberdade de expressão, além do discurso atingir o centro de tomada
de decisões, os cidadãos também se tornam capazes de perceber e refletir sobre as
opiniões dos demais. É evidente que cada pessoa privilegiará determinada ideologia,
a partir de convicções e prioridades próprias. Mesmo assim, a todos deve ser garantido
o direito de ouvir as diversas versões e posições, não apenas com o propósito de alterar
a sua convicção, mas muitas vezes como meio de confirmá-las e, com isso, permitir a
formação de uma vontade coletiva consciente.
Porém, a expressão não pode ser apócrifa. Nos termos da Constituição Brasileira,
a liberdade de expressão é assegurada ao cidadão identificável. O mesmo dispositivo
constitucional que estabelece a garantia de livre manifestação do pensamento veda
expressamente o anonimato (CF, art. 5º, IV).
Nesse ponto, o direito constitucional brasileiro diverge da compreensão da
Suprema Corte dos Estados Unidos que, ao interpretar a Primeira Emenda da Constituição
daquele país, considerou que a liberdade de expressão deve ser irrestrita e que o
“anonimato é uma proteção contra a tirania da maioria”, conforme registrado, entre outros
tantos julgados e especialmente em relação ao debate eleitoral, em McIntyre v. Ohio
Elections Comission (514 US 334).2

1
DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou – Brasília: UnB, 2009. p. 110-111.
2
Inteiro teor disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/93-986.ZO.html,>. Acesso em: 2 fev. 2018.

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HENRIQUE NEVES DA SILVA
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A vedação do anonimato não pode ser confundida com o uso de pseudônimos,


os quais são admitidos e protegidos pela legislação brasileira. A proteção dispensada
ao pseudônimo não abarca a utilização temporária de nomes ou siglas aleatórios que
são utilizados como tentativa de esconder o real autor na prática de atividades ilícitas.
O pseudônimo é adquirido ao longo do tempo em razão da notoriedade
conquistada pela pessoa que o utiliza. Ao contrário da ausência de identificação do
anonimato, o pseudônimo legítimo se caracteriza pela capacidade de a pessoa que o
utiliza ser facilmente reconhecida. O seu uso é normal no meio artístico, em que atores
e atrizes não são conhecidos pelos nomes que constam do registro civil, mas sim pelos
nomes artísticos adquiridos ao longo da carreira e que se tornam pseudônimos famosos.
O direito à informação e a garantia de livre manifestação do pensamento compõem
o rol dos direitos humanos previstos tanto na Declaração Universal (art. 19), como no
Pacto de San José da Costa Rica (art. 13). Tais direitos, além da necessidade de serem
sempre observados, devem ser observados com a maior amplitude possível no curso dos
processos eleitorais como forma de garantir a legitimidade dos representantes eleitos.
Nos estados democráticos, por convenção, as eleições devem ser livres, justas e
periódicas. Eleições livres e justas somente se fazem presentes, além de outros requisitos,
quando o acesso completo e irrestrito às informações sobre os candidatos e suas propostas
é permitido aos eleitores, garantindo-lhes, também, a participação intensa nos debates
eleitorais ou, ao menos, o seu irrestrito acompanhamento.
Nesse aspecto, a propaganda eleitoral não pode ser compreendida apenas como
uma oportunidade para que os candidatos e partidos políticos expressem as suas
opiniões e propostas. A finalidade de sua existência não é garantir atos insonsos de
autopromoção ou discursos ao vento. A sua principal função é permitir ao eleitor saber
quem são os candidatos e o que eles propõem.
Tal como a garantia de livre manifestação não pode ser vista apenas pelo ângulo do
direito de falar, as regras eleitorais sobre propaganda eleitoral devem ser interpretadas de
acordo com o direito dos eleitores ouvirem os políticos e a opinião dos demais cidadãos.
Não se pode considerar como autêntica ou legítima uma eleição em que o eleitorado
desconhece o pensamento manifestado pelos candidatos ou pelos demais cidadãos.
Ainda que não haja uma dicotomia entre os eleitores e os políticos, pois estes
nada mais são do que representantes daqueles, os direitos dos personagens do processo
eleitoral devem ser examinados e interpretados de acordo com cada grupo, sempre com
maior valor em favor dos eleitores.
Por exemplo, as restrições impostas à propaganda partidária dos partidos políticos,
coligações e candidatos encontram respaldo nos princípios de igualdade de chances na
disputa eleitoral e na necessidade de se assegurar a normalidade e legitimidade dos
pleitos. Tais limitações se dirigem às pessoas que efetivamente disputam o voto do eleitor,
protegendo o pleito contra os abusos decorrentes do poder econômico ou político. As
restrições, neste aspecto, visam a estipular um período próprio e meios adequados para a
sua realização, assegurando que todos que disputam a eleição possam começar e terminar
sua propaganda nos dias especificados pela legislação e utilizar os meios a todos permitido.
Ao eleitor, por sua vez, como protagonista do processo eleitoral e verdadeiro
detentor do poder democrático, a Constituição garante a universalidade do voto direto e
secreto, com valor igual para todos. Sua situação – como dono do poder – não pode ser
equiparada à posição dos partidos políticos ou dos candidatos que buscam a autorização

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temporária para exercer o poder político em nome do cidadão. No processo eleitoral,


os eleitores agem ativamente, manifestando-se e escolhendo seus representantes. Os
candidatos, por sua vez, ainda que busquem obter os votos necessários para a eleição,
têm uma posição meramente passiva ao final. Não parece ser adequado, portanto, impor
limitações a quem participa ativamente do processo eleitoral, senão no que tange à
proteção dos demais direitos fundamentais, tais como os relativos à honra, bem como no
que diz respeito à veracidade das informações divulgadas. Não há guarita constitucional
que permita proibir a manifestação do cidadão de forma injustificada ou generalizada
em nenhum momento, muito menos no maior instante de participação popular.
Considerada essas diferenças, a interpretação das regras eleitorais deve ser
pautada, de um lado pelo princípio da igualdade de chances – ainda que gradual – em
relação aos políticos, e, de outro, pela amplitude da livre manifestação quando se trata
de situação envolvendo expressão ou ato de eleitor.
Cabe apenas ressalvar que, por certo, não se está a falar das situações em que
o cidadão não age apenas como eleitor, mas como interposta pessoa remunerada que
atua a mando de determinada candidatura para, por intermédio de ações orquestradas,
produzir efeitos perversos ao processo eleitoral. A fraude à lei ou comportamental está,
inclusive, prevista na legislação eleitoral com sanções, por exemplo, para quem organiza
e para quem colabora com a prática de ilícitos eleitorais por meio da rede mundial de
computadores.
Não se pode, contudo, regular a normalidade democrática a partir de situações
extravagantes. A excepcionalidade, neste aspecto, deve ser considerada apenas como
uma confirmação da liberdade geral. Não é possível transformar a preocupação que
justifica a sua previsão como parâmetro de interpretação de todos os atos normais da
vida. Se há situação especial, somente diante das precisas circunstâncias previstas em
lei para caracterização da hipótese é que se poderá contemplar a aplicação da regra
restritiva ou sancionatório. Limitações ou punições não podem decorrer de presunção,
ainda mais quando por meio dela se alcança, em detrimento do princípio básico, a
inversão de valores, considerando-se a exceção como regra geral.
Assim, em suma, com ressalva de situações especialíssimas, o livre debate de ideias,
a livre manifestação do pensamento e o direito à informação devem ser assegurados a
todos, em especial aos eleitores, privilegiando-o, ainda mais, durante o processo eleitoral.
Nas hipóteses excepcionais, a interpretação das regras que impõem limitações e sanções
não pode extrapolar as situações específicas previstas na legislação. As regras que visam
a impor aos concorrentes um cenário de igualdade de chances na disputa eleitoral não
devem ser interpretadas de forma irrestrita em relação aos eleitores. A amplitude do
entendimento do intérprete, neste ponto, deve ser guiada em prol da liberdade, nunca
em favor da restrição.

6.2 Noção de propaganda e as ilicitudes correlatas


A propaganda, em linhas gerais, conforme definem De Plácido e Silva,3 é “um dos
elementos indispensáveis ao desenvolvimento de um negócio, constitui uma verdadeira

3
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 20. Forense, 2002. p. 650.

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HENRIQUE NEVES DA SILVA
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arte, que se utiliza os mais variados recursos para propalar as vantagens, as utilidades
e os méritos de um produto, induzindo os compradores a preferi-lo”.
Já o gênero propaganda política comporta diversas e diferentes divisões. Em
alguns casos, pode contemplar, por exemplo, os atos praticados por órgãos de classe ou
de representação da sociedade que, por meios e técnicas próprias, visam a divulgar a sua
posição como forma de influenciar ou exigir à tomada de decisões específicas. Afinal,
em termos clássicos, como ensina Norberto Bobbio,4 política significa “tudo aquilo que
se refere à cidade, e, portanto, ao cidadão, civil, público e também sociável e social”.
Entre as demais espécies, para efeito da presente análise, a propaganda eleitoral
deve ser realçada. Olivar Coneglian5 a define como a “feita com objetivo exclusivo de
conquistar o eleitor e seu voto, nas eleições que se aproximam” ou, como ensina José
Jairo Gomes,6 “aquela adrede preparada para influir na vontade do eleitor, em que a
mensagem é orientada à atração e conquista de votos”.
Ainda que seja relativamente simples definir a propaganda eleitoral como a
utilização de técnicas e meios de convencimento lícitos que visam a obter a preferência
do eleitorado, a verificação empírica – em especial nos períodos que antecedem as
eleições – não é tão simples, pois muitas vezes os atos que podem gerar determinado
tipo de exposição são confundidos como prática de propaganda eleitoral antecipada.
É necessário, contudo, diferenciar as situações. Não se pode, por exemplo,
confundir propaganda antecipada com publicidade institucional. Os próprios termos
propaganda e publicidade não têm idêntico significado.
A publicidade pressupõe a mera divulgação de uma informação, vale dizer, é o
ato de tornar pública a informação de forma neutra, sem tentar persuadir o destinatário
da mensagem. Ainda que o receptor possa ser influenciado pelo dado divulgado,
não há o patrocínio ostensivo nesse sentido. A propaganda, por sua vez, revela, em
si, a utilização de técnicas e meio de comunicação como o propósito específico de
convencer o destinatário da mensagem a tomar determinada posição ou adotar um
tipo de comportamento específico. Ela pode positiva, quando realizada em benefício
do objeto anunciado, ou negativa, quando se pretende que o destinatário se afaste ou
rejeite o assunto tratado.
Note-se, a propósito, que a Constituição da República não fala em propaganda
institucional, como muitas vezes erramos ao dizer, mas sim em publicidade institucional
que, nos termos do art. 37, 1º, deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação
social, sendo vetado o uso de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que
caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos.
Em relação a essa norma, é interessante notar que ela contém, na verdade, dois
comandos. O primeiro – permissivo – estabelece o conteúdo da informação divulgada
que, necessariamente, deve atender às hipóteses contempladas na Constituição. O
segundo – proibitivo – complementa o sentido da impessoalidade que deve reger a
divulgação dos atos e atividades institucionais, impedindo o seu uso para difusão de
imagens, nomes ou frases que possam identificar os gestores públicos.

4
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. In: Michelangelo Bovero
(Org.); tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. 11. reimpressão, p. 159..
5
CONEGLIAN, Olivar. Lei das Eleições Comentada. Juruá, 2002. p. 250.
6
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016; p. 482.

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Assim, a transgressão do dispositivo constitucional não ocorre apenas quando há


infração aos dois comandos. O Supremo Tribunal Federal já entendeu que há violação da
regra quando o objetivo da publicidade é despido do caráter informativo, educativo ou
de orientação social, ainda que dela não constem os elementos identificadores proibidos
pelo texto constitucional, como consta do voto proferido pelo Ministro Octávio Gallotti
no julgamento do RE 208.114.7
Por outro lado, o fato de determinada publicidade atender as funções consti-
tucionalmente estabelecidas não a transformará em lícita, caso dela seja possível
elementos capazes de identificar os administradores públicos. Em relação ao princípio
da impessoalidade e à vedação de promoção dos governantes por meio da publicidade
institucional, o Supremo Tribunal Federal já afirmou que “o caput e o parágrafo 1º do
art. 37 da CF impedem que haja qualquer tipo de identificação entre a publicidade
e os titulares dos cargos alcançando os partidos políticos a que pertençam. O rigor
do dispositivo constitucional que assegura o princípio da impessoalidade vincula a
publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social é incompatível
com a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem
promoção pessoal ou de servidores públicos. A possibilidade de vinculação do conteúdo
da divulgação com o partido político a que pertença o titular do cargo público mancha
o princípio da impessoalidade e desnatura o caráter educativo, informativo ou de
orientação que constam do comando posto pelo constituinte dos oitenta”.8
Porém, observados os parâmetros constitucionais, a divulgação impessoal e neutra
de dados oficiais não pode ser compreendida como ato de propaganda eleitoral e não
deve ser confundida com espécie de propaganda. É certo que a publicidade de índices
favoráveis poderá beneficiar o gestor que realizada a correta administração da coisa
pública. Mas, inversamente, os indicadores desfavoráveis – que infelizmente são mais
constantes – demonstram a necessidade de correções na Administração e podem impor
dificuldades ao administrador, especialmente os que buscam a reeleição. Mas, em grande
parte de ambas as situações, a definição do que seria bom ou ruim está essencialmente
relacionada à percepção dos cidadãos, a partir das prioridades e critérios próprios de
cada pessoa. Por exemplo, a melhora nos espaços de lazer poderá agradar a quem os
utiliza e desagradar os que prefeririam que os recursos públicos empregados fossem
destinados à saúde ou à educação, além dos mínimos constitucionais assegurados. De
qualquer forma, a divulgação de tais dados não caracteriza, em si, uma tentativa de
convencimento do cidadão, mas serve para dar transparência a atuação da Administração
e permitir o controle da gestão pública e, se for o caso, a responsabilização em caso de
eventual desvio.
É certo, por outro lado, que a divulgação dos dados e informações públicas deve
ser ampla e irrestrita. Porém, nem mesmo a inadmissível divulgação parcial de dados,
com a publicidade apenas dos indicadores favoráveis e ocultação dos que demonstram
o insucesso deve ser compreendida como propaganda. A indevida seletividade da

7
EMENTA: Ação popular. Publicação custeada pela Prefeitura de São Paulo. Ausência de conteúdo educativo,
informativo ou orientação social que tivesse como alvo a utilidade da população, de modo a não se ter o acórdão
recorrido como ofensivo ao disposto no §1º do art. 37 da Constituição Federal. Recurso extraordinário de que,
em consequência, por maioria, não se conhece. (STF, RE 208114, rel. Min. Octávio Gallotti, Primeira Turma, DJ
de 25.8.2000).
8
STF, RE 191.668, rel. Min. Menezes Direito, 1ª Turma, DJE de 30.5.2008.

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PROPAGANDA ELEITORAL NA IMPRENSA ESCRITA E A LIBERDADE EDITORIAL DE APOIO POLÍTICO
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publicidade, no caso, pode e deve ser examinada sob o ângulo da violação ao princípio da
transparência e, conforme o caso, do abuso de poder ou da improbidade administrativa.
Além da publicidade institucional, outro ponto que sempre gerava dificuldades
de interpretação dizia respeito aos atos de promoção pessoal ou a exposição das
ideias dos políticos, potenciais candidatos, no período que antecede as eleições. Por
um longo período, considerou-se que os atos de mera promoção pessoal – tais como a
divulgação de mensagens de felicitações – não caracterizariam propagandas antecipadas.
Para que a infração fosse considerada, exigia-se que houvesse a nítida intenção de
influenciar a vontade do eleitorado, levando-se, ao conhecimento geral, ainda que de
forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que
se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais
apto ao exercício de função pública. Nesse sentido, entre tantos: AgR-REspe nº 167-34,
rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 10.4.2014; AgR-REspe nº 1159-05, rel. Min. Otávio Noronha,
DJe de 31.3.2014; REspe nº 15.732, rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 7.5.99.
Ainda que alguns vissem nesse entendimento uma postura ampliativa de restrições,
na verdade, o que se pretendeu, desde o paradigmático julgamento do REspe nº 15.732,
relatado pelo Ministro Eduardo Alckmin, foi impor limitações à compreensão subjetiva
do que seria um ato de propaganda eleitoral antecipado, exigindo-se, no mínimo, a
verificação de alguns elementos. De outra forma, expressões faciais e olhares poderiam
ser considerados como indicadores de propaganda eleitoral.
Contudo, com o acirramento das disputas eleitorais, a compreensão retornou ao
campo do subjetivismo. Chegou-se a cogitar sobre métodos de propaganda subliminar,
cuja seriedade não é reconhecida por muitos cientistas qualificados, os quais, apesar
de admitirem a possibilidade de uma mensagem ser transmitida aquém dos limites
humanos, contestam a existência de uma persuasão subliminar eficaz.
Em razão dessa interpretação, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal
alteraram a Lei das Eleições para, em um primeiro momento, incluir, no art. 36-A
da Lei nº 9.504/97, um rol de situações que não caracterizariam propaganda eleitoral
antecipada, tais como a participação em entrevistas, debates, realização de seminários,
conferências, etc. Por considerar insuficientes as alterações introduzidas em 2009, o
Congresso Nacional, em 2015, novamente modificou o dispositivo legal em questão, para
expressamente prever que não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que
não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação
das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os atos enumerados, que poderão ter
cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet.
A questão realmente é complexa. De um lado, sempre invocando como motivo
justificador das limitações impostas argumenta-se que é necessário evitar que as
pessoas mais abastadas ou com maior acesso aos meios de comunicação social possam
iniciar as suas campanhas eleitorais antes do demais concorrentes, desequilibrando,
consequentemente, o pleito eleitoral.
Esse realmente é um ponto que merece ser considerado, mas também é necessário
verificar que as questões a ele inerentes não podem ser reduzidas à mera conceituação
de propaganda eleitoral antecipada, para efeito de aplicação de multas irrisórias que são
convertidas para o Fundo Partidário. Abusos ou o uso indevido do aparelho estatal, com
certeza, não podem ocorrer nunca, nem no período eleitoral, nem no que lhe antecede.
Se ocorrerem desvios, eles devem ser prontamente coibidos com a adoção das medidas

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necessárias e, em alguns casos extremas, para garantir o equilíbrio, a normalidade e a


legitimidade das eleições.
Isso, contudo, não quer dizer que sob a alegação genérica de se proteger a
normalidade das eleições, as discussões políticas, na sua melhor expressão, possam ser
limitadas. Não há como se impor restrição aos temas tratados pelos representantes do
povo e principalmente pelos cidadãos. O debate democrático e a participação popular
devem ser incentivados em todas as esferas, com a participação constante de todos.
Se nesses debates determinada proposta ou ideia alcança maior repercussão, isso é
naturalmente democrático. Quem expõe as suas opiniões, críticas ou feitos se submete
ao julgamento popular que pode ser favorável ou não.
Além disso, parecia ilógico que se permitisse que os veículos de comunicação
fizessem menções expressas às eventuais candidaturas antes do período de propaganda
eleitoral, que os institutos de pesquisas fossem legalmente obrigados a registrar os
nomes dos pretensos candidatos nas pesquisas realizadas a partir de primeiro de janeiro
do ano da eleição, enfim, que todos pudessem debater e traçar prognósticos para as
eleições futuras e apenas os políticos fossem submetidos ao período de silêncio total
sobre o tema das eleições.
Note-se que em muitas democracias consolidadas, há incentivo na divulgação
das posições políticas, sejam elas da situação ou da oposição, como meio de fomentar o
debate democrático e garantir a responsabilização dos gestores públicos. Ao contrário
de se impor limitações, como a legislação eleitoral brasileira faz, as discussões legais
caminham no sentido de se impor maior transparência e melhores meios de accountability.
A superveniência das eleições, cuja periodicidade é de todos conhecida, não pode
ser invocada como motivo justificador para impor um período de mutismo no país, com
a suspensão do debate democrático, reservando-o apenas para os quarenta e cinco dias
que antecedem a votação. Normalmente, os candidatos não são pessoas desconhecidas,
que surgem de inopino, com soluções ou propostas mágicas. Ao contrário, as escolhas
normalmente recaem sobre aqueles que participaram da vida pública, de debates e, há
tempos, manifestam suas opiniões sobre os mais diversificados assuntos, especialmente
nas suas áreas de especialização.
Não há dúvidas que as celebridades, políticas ou de outras áreas, sempre contarão
com a vantagem (ou desvantagem) de seus nomes já serem conhecidos pela população,
ao passo que o desconhecido terá um caminho mais longo para se tornar conhecido.
Assim, neste aspecto, as limitações exacerbadas e a redução do tempo de propaganda
eleitoral podem ser compreendidas como benefício em favor de quem já é conhecido,
dificultando a renovação política inerente à periodicidade das eleições.
Ademais, não há nada de anormal no fato de os cidadãos se manifestarem a
favor ou contra determinadas situações da sociedade, elogiando ou criticando as ações
governamentais. Isso não pode ser proibido. Não é possível presumir uma prática de
propaganda eleitoral antecipada por conta de um debate. Acima de tudo, deve ser
assegurado a todos que se interessarem o direito de ouvir os debates democráticos.
Confira-se, por exemplo, como é privilegiada a liberdade de expressão nos debates
essencialmente eleitorais que antecedem as eleições nos Estados Unidos, onde desde
as prévias partidárias os cidadãos, filiados ou não, acompanham os pré-candidatos e
escutam as propostas por eles defendidas. Não é estranho que os discursos e debates
que ocorrem na fase de pré-candidatura, assim como as próprias convenções partidárias,

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sejam transmitidos ao vivo pelas principais rádios e televisões, inclusive para fora do
país. Igual comportamento no Brasil, com as regras limitadoras existentes, implicaria
sanção às emissoras e na provável cassação do registro do candidato beneficiado, com
alegações de abuso de poder político, econômico, uso indevido de meios de comunicação
social e realização ostensiva de propaganda antecipada.
Diante desse paralelo, resta indagar em qual situação há maior transparência,
melhor democracia. Em um sistema em que todas as discussões são claras e transmitidas
para todos ou em um modelo no qual as decisões são tomadas em ambientes fechados,
com expressa proibição de transmissão dos debates travados, com obrigação de se dar
publicidade somente ao resultado final. Divulga-se a decisão partidária, não as razões
que a embasaram.
A partir dessas reflexões, parece que as diversas restrições que paulatinamente têm
comprometido a propaganda eleitoral no Brasil caminham em sentido contrário ao ideal
democrático, ainda que se utilize a reiterada justificativa da necessidade de privilegiar
a igualdade de chances entre os candidatos e baratear o processo eleitoral, o que, aliás,
não tem sido verificado nas últimas eleições. A cada novo grupo de proibições impostas
pelas reformas eleitorais, os gastos das campanhas eleitorais seguintes aumentam.
Além dessa constatação, o incremento da velocidade de comunicação com uso
da internet, das redes sociais e dos aplicativos instalados nos telefones de grande
parte da população, reclama uma nova compreensão das ferramentas democráticas,
em que a regra deve ser a liberdade e não a proibição. É necessário que se reestude a
funcionalidade e finalidades das instituições democráticas que não podem desconsiderar
a modernidade capaz de gerar manifestações instantâneas dos cidadãos que, justamente
por isso, exigem respostas igualmente rápidas dos seus governantes.
Nesse quadro, há que se perquirir se realmente é necessário impor limitações
à realização generalizada de atos de propaganda eleitoral ou se tais restrições devem
ser restritas apenas aquelas que envolvam atos ostensivos com custos financeiros e
econômicos relevantes, tais como a distribuição de material impresso, a realização
de comícios com aparelhagem de som, a divulgação de mensagens pagas. Ao invés
de se proibir os diversos meios de propaganda eleitoral, parece que a solução seria
simplesmente impedir a prática ostensiva de determinados atos de propaganda eleitoral,
que exijam a movimentação relevante de dinheiro e que contenham pedido expresso
de voto direcionado ao eleitor antes do período eleitoral. Com isso, seria possível, ao
mesmo tempo, assegurar a liberdade de manifestação do pensamento e proteger as
eleições contra eventuais abusos do poder econômico.
Nesse sentido, de forma parcial, a partir da reforma eleitoral de 2015, passou-se a
exigir o pedido expresso de voto como elemento caracterizador da propaganda eleitoral
antecipada. É necessário, contudo, que se reflita mais sobre o tema, para que as demais
limitações e o curto espaço de debate eleitoral também sejam repensados.
Ainda que não se desconheça a realidade e a criatividade brasileira, o quadro
de proibições não pode ser incentivado, especialmente quando as proibições impostas
aos candidatos e partidos passam a alcançar, também, a liberdade de manifestação do
pensamento dos eleitores. Caso ocorram abusos, caber repetir e reforçar, esses sim devem
ser punidos de forma excepcional, sem que a mera possibilidade de sua ocorrência possa
impor um véu de silêncio generalizado.

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206 PROPAGANDA ELEITORAL

6.3 O relevante papel da imprensa nas eleições e as fake news


Como Rui Barbosa magistralmente definiu, “a imprensa é a vista da nação”.
Realmente, por meio dela é que os cidadãos recebem as notícias e informações sobre
os atos, fatos, acertos e desmandos verificados na vida em sociedade. A imprensa livre
serve como importante veículo para disseminar informações e instigar reflexões sobre
os problemas e acertos na condução da coisa pública, servindo como forte estimulante
dos princípios da liberdade de manifestação do pensamento e da garantia de acesso
às informações.
A liberdade de imprensa não deve ser examinada apenas sob o seu aspecto
qualitativo, para coibir a indevida intromissão no conteúdo das matérias veiculadas,
mas também pelo ângulo quantitativo. Quanto maior o número de órgãos de imprensas
independentes, maior será a gama de informações levada à sociedade. Com a diluição
das fontes de informação por meio da multiplicação dos veículos, também serão menores
os riscos de eventuais posturas tendenciosas e perniciosas.
Não há dúvida de que o papel da imprensa é essencial para a orientação e
informação dos eleitores durante o processo eleitoral. Por exemplo, por meio do
jornalismo sério, da pesquisa fiel e da investigação imparcial, é possível conhecer as
propostas apresentadas pelos candidatos e acrescentar os elementos de informação
que irão corroborar ou demonstrar a inviabilidade de determinados projetos. Por certo,
haverá manifestações a favor de determinadas ideias, assim como ela poderá ser alvo de
críticas. A dualidade de compreensões é inerente ao debate. A apresentação de versões
antagônicas serve à reflexão do eleitor.
Nos dias atuais, há uma grande preocupação sobre a disseminação de notícias
falsas. Apesar do anglicismo recente, derivado dos incidentes ocorridos nos Estados
Unidos em 2016, as fake news não são uma novidade na legislação brasileira.
O Código Eleitoral de 1950 já tipificava como crime, no art. 175, item 28: “referir
na propaganda fatos inverídicos ou injuriosos em relação a partidos ou candidatos e
com possibilidade de exercerem influência perante o eleitorado”. No Código de 1965,
ainda em vigor, a matéria foi tratada como crime eleitoral no art. 323: “Divulgar, na
propaganda, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou candidatos e capazes
de exercerem influência perante o eleitorado”. Mais recentemente, as reformas eleitorais
tem se preocupado com a divulgação de fatos inverídicos ou ofensas pela rede mundial
de computadores, como se vê do art. 57-H da Lei nº 9.504, que tipifica como crime a
contratação de grupo de pessoas para emitir mensagens ou comentários na internet em
detrimento de candidato ou partido político, com sanção para quem contrata e para
quem é contratado.
O tema relativo à divulgação de fatos inverídicos sempre merecerá atenção, sendo,
contudo, necessário destacar que a análise, pelo ângulo do direito eleitoral, deve ser
centrada na garantia do eleitor receber informações verdadeiras, para que o voto possa
ser decido livremente com base em fatos reais.
Em relação à veracidade das informações divulgadas para efeito da análise de
pedido de direito de resposta, no Brasil, não cabe cogitar, em princípio, sobre os conceitos
de malícia real (actual malice) ou de desrespeito imprudente (reckless disregard) adotados
nos Estados Unidos a partir do julgamento emblemático do caso New York Times Co vs
Sullivan (376 U.S. 254) ou a prevalência do direito à intimidade quando se está diante

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HENRIQUE NEVES DA SILVA
PROPAGANDA ELEITORAL NA IMPRENSA ESCRITA E A LIBERDADE EDITORIAL DE APOIO POLÍTICO
207

de relações entre particulares, como decidido pela Suprema Corte do Canadá em Hill
vs Church of Scientology of Toronto ([1995] 2 SCR 1130).9 O que importa para a solução
dos casos concretos é a preponderância da verdade, da veracidade das alegações e
dados divulgados.
Na seara penal, contudo, como o art. 323 do Código tipifica como crime quem
divulga fatos que sabe inverídicos, é possível caminhar no sentido de se exigir a comprovação
da ciência de que o agente teria ciência prévia da falsidade divulgada agindo com
dolo. Porém, em relação a esse tipo penal, cuja interpretação deve ser estrita em face
do princípio da reserva legal, é importante também destacar que ele só tem aplicação
aos fatos divulgados na propaganda eleitoral, não cabendo sua invocação em relação às
notícias veiculadas pelos meios de comunicação social. Nesse sentido, o Tribunal Superior
Eleitoral já considerou caso em que “os textos jornalísticos publicados na imprensa
escrita não eram matérias pagas, razão pela qual ainda que tivessem eventualmente
divulgado opiniões sobre candidatos não podem ser caracterizados como propaganda
eleitoral, impedindo, por consequência, a tipificação do crime previsto no art. 323 do
Código Eleitoral”.10
O maior problema neste campo, porém, é definir o que é efetivamente falso, por não
corresponder a um fenômeno real, e o que é apenas factível ou não. Quando se está diante
de interpretações sobre a qualidade de governos ou propostas que pregam mudanças
de comportamento da gestão pública, não há como considerar que a manifestação seja
sabidamente falsa, pois elas podem apenas refletir a opinião ou a crítica baseada em
percepções individuais. É até possível discordar delas, demonstrar a sua incongruência,
a falta de suporte lógico e material, mas não há como afirmar serem elas inverídicas;
muito menos sabidamente inverídicas. Por certo, preferências ou desavenças políticas
não agradam a todos e não podem ser submetidas à aferição de veracidade.
Segundo a jurisprudência eleitoral, o fato sabidamente inverídico é aquele que
independe de maior pesquisa ou comprovação. Como afirma o Ministro Tarcísio Viera
de Carvalho Neto, “é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível
de plano, a ‘olhos desarmados’”.11 Assim, não se consideram como fatos sabidamente
inverídicos os que são referidos na propaganda com base no quanto divulgado pela
mídia,12 bem como a crítica à administração baseada em fatos noticiados pela imprensa.13
Consignou-se, também, para a caracterização do fato sabidamente inverídico, ser
insuficiente que a informação veiculada não seja apropriada ou factível. É necessário
que a inverdade seja manifesta e não admita, sequer, o debate político.14
Mais recentemente acrescentou-se ser necessário que a afirmação apontada como
sabidamente inverídica contenha ofensa a candidato, partido ou coligação.15

9
Disponível em: <https://scc-csc.lexum.com/scc-csc/scc-csc/en/item/1285/index.do>. Acesso em: 12 fev. 2018.
10
(TSE. RESPE 35.977, rel. Min. Felix Fischer, DJE de 7.12.2009).
11
TSE, RP nº 1211-77, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 23.9.2014.
12
TSE, RP nº 1393-63, rel. Min. Admar Gonzaga Neto, PSESS 2.10.2014.
13
TSE, RP 1267-13, rel. Min. Herman Benjamin, PSESS 30.9.2014, com referência ao R-Rp 2962-41, rel. Min. Henrique
Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010 e Rp 3681-23/DF, rel. Min. Joelson Dias, publicada no mural em 28.10.2010.
14
RP nº 3686-45, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 26.10.2010.
15
RP 1083-57, rel. Min. Admar Gonzaga, PSESS de 9.9.2014, com reiteração em diversos precedentes sucessivos nas
eleições de 2014.

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208 PROPAGANDA ELEITORAL

Em relação a este último ponto, é importante perceber que a legislação eleitoral


estabelece a concessão do direito de resposta em favor de “candidato, partido ou coligação
atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa,
difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica” (Lei nº 9.504/97, art. 58). Para esse fim,
portanto, a concessão do direito de resposta somente é possível quando quem o pleiteia
foi atingido pela afirmação sabidamente inverídica. Assim, se compreende a interpretação
que exige que a inverdade contenha, em si, ofensa ao candidato ou partido político.
Parece ser mais adequado, contudo, afirmar que independentemente da caracterização
da ofensa – já tratadas nas demais referências contidas na lei –, o que necessário para
a concessão do direito de resposta é que a afirmação, além de inverídica, tenha uma
correlação com ato imputado, situação vivida ou proposta defendida pelo candidato ou
pelo partido politico. Em outras palavras, que a apontada inverdade tenha correlação
com os temas eleitorais em debate, seja no sentido da qualificação dos concorrentes,
seja em relação às propostas defendidas.
A percepção do tema se faz mais presente na análise do Código Eleitoral,
quando, ao se estabelecer os respectivos tipos penais, o legislador destacou os crimes
em dispositivos próprios e independentes, atribuindo sanções diversas para o caso de
divulgação de fatos que se sabem inverídicos com capacidade de influenciar o eleitorado
(art. 323 – detenção de dois meses a um ano); de calúnia (art. 324 – detenção de seis
meses a dois anos), de difamação (art. 325 – detenção de três meses a um ano), e de
injúria (art. 326 – detenção até seis meses).
Há, portanto, dificuldade de se conceber que a divulgação de fatos inverídicos
na propaganda eleitoral para efeito da aferição da prática do crime previsto no art. 323
do Código Eleitoral deva ser vinculada a uma das hipóteses de ofensa à honra prevista
nos demais tipos penais. A existência dessa vinculação implicaria o reconhecimento da
existência de apenas três tipos penais relacionados à honra dos candidatos, partidos e
coligações que disputam o pleito, sendo a divulgação de fatos inverídicos, que está em
dispositivo estanque, por eles absorvida.
A tipificação penal da falsa informação demonstra a preocupação do legislador em
evitar a divulgação de fatos inverídicos capazes de influenciar a decisão do eleitorado no
momento crucial da escolha de seus representantes. É elemento essencial do crime que o fato
seja capaz de exercer influência perante o eleitorado. Ainda que os dispositivos da legislação
sejam antigos, o debate sobre o tema se mostra atual, a partir das discussões relativas
à divulgação e proliferação das fake news, agravadas pela velocidade das transmissões
interpessoais hoje existentes, devendo-se observar que o bem protegido pela norma é o
direito do eleitorado receber informações verdadeiras. Por isso, a análise dessas situações
não deve ser centrada apenas nos direitos ou na honra dos candidatos e partidos políticos,
mas principalmente na garantia de o eleitor ser bem informado para que ele possa tomar
decisões conscientes e lastreadas em fatos reais, sem a influência de inverdades.
Nesse aspecto, a atuação da imprensa livre e autônoma é uma importante
ferramenta para garantir o direito do eleitor, servindo como uma fonte inestimável de
informações para averiguação, complementação e esclarecimento dos dados transmitidos
durante o curso das campanhas eleitorais. Por meio da pesquisa séria e do jornalismo
ético, os efeitos decorrentes da divulgação de notícias falsas envolvendo candidatos
ou partidos políticos podem ser, ao menos, minimizados com o restabelecimento e
divulgação da verdade.

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HENRIQUE NEVES DA SILVA
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209

A multiplicidade dos veículos de comunicação social, por sua vez, também


colabora para que algo noticiado de forma imperfeita nas redes sociais pelos usuários,
pelos órgãos públicos ou mesmo por algum órgão da imprensa, possa ser imediatamente
verificado e, se for o caso, desmentido rapidamente.
Como já referido, a divulgação de reportagem ou notícia, nas suas acepções
puras, não podem ser considerados atos de propaganda eleitoral. A revelação de fatos
e dados verídicos constitui a principal missão da imprensa, ainda que a exposição da
realidade seja capaz – e é bom que seja – de permitir reflexões do eleitor corretamente
informado. As matérias jornalísticas podem revelar méritos ou deméritos dos políticos
que pretendem o mandato popular. O acesso a tais informações não pode ser sonegado
aos eleitores. Por outro lado, independentemente de qual seja o meio de comunicação
social, a atividade jornalística movida pelo interesse público jamais poderia ser suspensa
durante o período eleitoral, quando a sua livre atuação é mais imprescindível ainda.

6.4 As limitações aos meios de comunicação social e a liberdade de


apoio político dos órgãos de imprensa escrita
Impor limitações aos meios de comunicação social é algo que se deve evitar
ao máximo, em razão da importantíssima atuação em prol da democracia realizada
pela imprensa. A intervenção estatal, nesse aspecto, deve ser feita com muito cuidado,
devendo-se “percorrer um caminho estreito e resvaladiço, ladeado pelas duas perigosas
bermas da promoção e da censura”, como lembrado por Jonatas Machado.16.
Os meios de comunicação social recebem tratamento constitucional diverso no
Brasil. De um lado, a Constituição garante que a publicação de veículo impresso de
comunicação independe de licença de autoridade (CF, art. 220, §6º), enquanto que, de
outro, vincula a atividade de radiodifusão sonora e de sons e imagens à outorga de
concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (CF, art.223), tendo em vista
que a exploração dos serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens constitui
monopólio da União (CF, art. 21).
A partir dessa diferença tem-se entendido que as regras que impõem limitação
aos meios de comunicação social, notadamente às rádios e televisão, encontram respaldo
constitucional nos princípios da normalidade e legitimidade das eleições e na prevenção
de interferência, ainda que indireta, do Estado na divulgação de atos de propaganda
eleitoral. Em uma eleição, a função estatal é o objetivo a ser conquistado mediante a
aferição da vontade popular e não pode ser utilizada para influenciar as chances dos
concorrentes.
Esse tema foi exaustivamente examinado pelo Supremo Tribunal Federal no exame
da constitucionalidade dos incisos II e III do art. 45 da Lei nº 9.504/97, que impunham
as restrições aos rádios e a televisão para, no horário normal de programação, “usar
trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma,
degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular
programa com esse efeito (inc. II) e veicular propaganda política ou difundir opinião
favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”.

16
MACHADO, Jonatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da Esfera Pública no sistema social.
Lisboa: Coimbra Editora, 2002, p. 669.

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210 PROPAGANDA ELEITORAL

Nesse importante precedente, o Supremo Tribunal Federal, a partir da análise


da situação dos humoristas políticos, decidiu pela inconstitucionalidade do inciso II
citado e, considerada a liberdade de crítica e de informação, reduziu o texto do inciso
III para suspender a eficácia da referência à difusão de opiniões favoráveis ou contra
candidatos, que podem ocorrer normalmente nos programas jornalísticos e na crítica
especializada, por exemplo. Ao fim da ementa do julgado, o Ministro Carlos Ayres
consignou que “apenas se estará diante de uma conduta vedada quando a crítica
ou matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando
nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral. Hipótese a ser avaliada
em cada caso concreto”.17
A importância desse precedente, para o tema ora em análise, está no reconhe-
cimento pelo Supremo Tribunal Federal da diversidade de tratamento que deve ser
dispensado aos órgãos da imprensa escrita, pois, como também consta da ementa do
mencionado acórdão, “o próprio texto constitucional trata de modo diferenciado a mídia
escrita e a mídia sonora ou de sons e imagens. O rádio e a televisão, por constituírem
serviços públicos, dependentes de ‘outorga’ do Estado e prestados mediante a utilização
de um bem público (espectro de radiofrequências), têm um dever que não se estende
à mídia escrita: o dever da imparcialidade ou da equidistância perante os candidatos.
Imparcialidade, porém, que não significa ausência de opinião ou de crítica jornalística.
Equidistância que apenas veda às emissoras de rádio e televisão encamparem, ou então
repudiarem, essa ou aquela candidatura a cargo político-eletivo”.
Nessa linha, a jurisprudência eleitoral tem reconhecido há muito tempo que “os
jornais e os demais veículos impressos de comunicação podem assumir posição em relação
aos pleitos eleitorais, sem que tal, por si só, caracterize propaganda eleitoral ilícita”.18
A diferença de tratamento também pode ser notada na Lei das Eleições. As
rádios e televisões estão submetidas a várias proibições como, por exemplo, a de “dar
tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação” (art. 45, IV), ao passo que
os órgãos de imprensa escrita, notadamente os jornais e revistas, a única limitação
legal diz respeito ao número máximo e ao tamanho dos anúncios pagos que podem
ser publicados no período eleitoral (art. 43).
A limitação imposta pela legislação eleitoral à imprensa escrita no art. 43 da Lei nº
9.504/97 não trata propriamente da atividade jornalística ou do conteúdo das publicações.
Ela está somente relacionada à atividade comercial de exploração de espaços para
veiculação de anúncios. Estabelecem-se, neste aspecto, limitações voltadas apenas aos
aspectos formais relativos ao número e tamanho máximo dos anúncios eleitorais, com
a necessária indicação do custo de veiculação. Tais medidas buscam trazer equilíbrio
entre os candidatos e evitar que aqueles com maior acesso aos recursos financeiros
possam inundar os jornais e revistas com sua propaganda eleitoral, bem como verificar
se o preço cobrado para a veiculação é igual para todos os candidatos.

17
STF, ADI 4451 MC-REF, rel. Min. Carlos Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 1.7.2011, DJE de 24.8.2012; RTJ
221.1-277.
18
RESPE 18.802, rel. Min. Fernando Neves, DJ de 25.5.2001)No mesmo sentido: AG 2325, rel. Min. Fernando
Neves, 25.4.01; RO 758/AC, rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 3.9.2004; RO 2.356, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE
de 18.9.2009; RCED 758/SP, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 12.2.2010; RESPE 468-22, rel. Min. João Otávio de
Noronha, DJE de 16.6.2014; AgR-REspe 567-29/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 7.6.2016; AgR-RO
758-25/SP, Rel. designado Min. LUIZ FUX, DJE de 13.9.2017; RO 797-22, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho;
DJE de 1.12.2017.

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HENRIQUE NEVES DA SILVA
PROPAGANDA ELEITORAL NA IMPRENSA ESCRITA E A LIBERDADE EDITORIAL DE APOIO POLÍTICO
211

Há muito tempo que se assevera, na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral,


a impossibilidade de aplicação da regra e da multa prevista no art. 43 da Lei das Eleições
às situações em que não resta comprovada a veiculação de propaganda eleitoral paga,
que não pode ser presumida ou considerada como objeto de doação indireta.19 De igual
forma, é pacífico há muito tempo que não se pode empolgar as restrições impostas às
rádios e às televisões para cercear o conteúdo dos jornais e revistas.20
A regra também não pode ser invocada para se pretender alguma espécie de
controle prévio sobre o conteúdo dos anúncios eleitorais, que dependem apenas do
ideário defendido pelo candidato ou pelo partido, os únicos responsáveis pela divulgação.
Não cabe ao veículo de imprensa realizar análise prévia do conteúdo a ser publicado,
muito menos condicionar a veiculação à adoção de determinada postura. Aliás, não
cabe a ninguém aprovar previamente o conteúdo do anúncio, pois isso daria margem à
odiosa e inconstitucional censura prévia. Justamente por essa razão é que também não
se pode impor responsabilidade aos jornais ou revistas em razão do discurso divulgado
na propaganda dos candidatos e partidos políticos. Como asseverou o Ministro Nelson
Jobim: “não se pode exigir que o responsável pelo veículo de divulgação policie a
atividade de partidos políticos coligados na realização de propaganda política além
dos limites do artigo 43 da Lei nº 9.547/97”.21
Considerados os parâmetros constitucionais adotados para, de um lado, admitir
limitações aos veículos de comunicação que dependem de outorga estatal e, de outro,
afastar restrições de conteúdo em relação aos veículos de imprensa escrita, restaria definir
qual entendimento deve ser aplicado em relação à rede mundial de computadores, que
não é referida no texto constitucional.
Os provedores de acesso à internet, ou seja, as empresas que cuidam do tráfego
dos dados eletrônicos em seu estado bruto – algumas vezes criptografados – são
normalmente as telefônicas e as empresas de telecomunicação que operam TV a cabo. Tais
companhias exercem serviços que, nos termos do art. 21 da Constituição da República,
também são da competência da União. Os fundamentos que justificam a limitação das
atividades de radiodifusão também poderiam ser invocados em relação aos serviços
de telecomunicações. Seria necessário, contudo, distinguir as características próprias
de cada um. Na radiodifusão há livre transmissão de uma mensagem produzida ou
selecionada pela emissora para uma gama indefinida de pessoas, ao passo que os
serviços de telecomunicações normalmente se prestam para conexão de pessoas que,
sem a interferência do prestador do suporte de transmissão, trocam informações cujo
sigilo é constitucionalmente assegurado e somente pode ser afastado por decisão judicial
para o fim de persecução criminal.
Por outro lado, os provedores de conteúdo e de informação, em especial os
usuários, ainda que utilizem o serviço de transmissão de dados que depende de outorga
estatal, não estão vinculados a nenhuma espécie de autorização ou benesse estatal
para expressarem livremente suas opiniões, aliás não cabe impor nenhuma limitação
prévia em relação a tais manifestações, senão aquelas que derivam diretamente do texto

19
TSE. REspe 16214, rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 28.4.00; AG 1747, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 24.9.99; AG 2065,
rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 24.3.00 (com ressalva do relator); AG 1749, rel. Min. Costa Porto, DJ de 17.12.99.
20
REspe 15752, rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 21.5.99, RJTSE 11-3-177; REspe 18979, rel. Min. Fernando Neves,
DJ 29.6.01.
21
TSE, AG 2090, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 4.8.00, RJTSE 12-2-82.

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212 PROPAGANDA ELEITORAL

constitucional em relação à honra de terceiros e à verdade dos fatos divulgados, cuja


responsabilidade só pode ser apurada em momento posterior.
Anote-se, porém, que se de um lado cabe reconhecer e privilegiar a livre
manifestação dos cidadãos na internet como previsto no art. 57-D da Lei 9.504/97, de
outro, o Estado não pode exercer nenhuma forma de influência sobre o eleitorado,
não se admitindo nenhuma espécie de propaganda eleitoral em sítios mantidos pelos
órgãos públicos (Lei nº 9.504/97, art. 57-C, §1º, II), os quais também ficam submetidos
às restrições impostas à divulgação da publicidade institucional, nos três meses que
antecedem a eleição (Lei nº 9.504/97, art. 73, VI, b).
A proibição de divulgação de conteúdo eleitoral em páginas da internet contida
no §1º do art. 57-C da Lei das Eleições também alcança os sítios mantidos por pessoas
jurídicas. Tal proibição talvez possa merecer uma melhor reflexão do Poder Legislativo
nas reformas eleitorais futuras. Não se desconhece que a democracia, segundo o
entendimento da maioria do Supremo Tribunal Federal, não pode ser custeada ou sofrer
a influência econômica de pessoas jurídicas. Contudo, vale lembrar que a liberdade
editorial permitida aos órgãos de imprensa também tem natureza constitucional, como
decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
Ora, nos dias atuais, dificilmente se encontrará um órgão de imprensa escrita
que não tenha o seu conteúdo divulgado na internet. Nos termos das instruções do
Tribunal Superior Eleitoral sobre propaganda eleitoral, editadas em várias eleições
passadas, admite-se, sem maior questionamento, a reprodução virtual das páginas do
jornal impresso na internet, respeitando-se o formato gráfico e conteúdo editorial (v.g,
Res.-TSE 23.551/2017, art. 36, §5º). Assim, se os sites mantidos pelas pessoas jurídicas
responsáveis pelos jornais e revistas podem reproduzir o conteúdo editorial publicado
na edição impressa, que pode conter apoio explícito a determinada candidatura, tal
possibilidade também deveria ser assegurada as demais pessoas jurídicas, como forma,
inclusive, de dar transparência à postura e ideário defendido pelas companhias. O tema,
contudo, enseja maior debate e análise que não cabem neste instante.
Sobre a matéria, porém, vale destacar que o Tribunal Superior Eleitoral já
considerou que a restrição relativa à divulgação de propaganda eleitoral em sítio mantido
por pessoa jurídica deve ser interpretada de acordo com o art. 220 da Constituição
da República, que assegura a liberdade de imprensa. Assim, “não há irregularidade
quando sítios da internet, ainda que de pessoas jurídicas, divulgam – com propósito
informativo e jornalístico – peças de propaganda eleitoral dos candidatos”, sem prejuízo
de eventuais abusos serem investigados pelas vias próprias.22
De tudo o que se extrai é que em razão do tratamento constitucional diferenciado
entre emissoras que dependem de outorga estatal e a liberdade da imprensa escrita, não
é constitucionalmente viável impor restrições ao conteúdo editorial dos jornais e revistas,
devendo-se reconhecer a preponderância dos direitos relativos à livre manifestação
do pensamento e à liberdade de imprensa como fonte de informações relevantes para
análise e acompanhamento das questões discutidas pela sociedade.
Conforme a lição do Ministro Luiz Fux, recordada pela Ministra Rosa Weber,
o vigor da liberdade deve prevalecer, pois “a exteriorização de opiniões, por meio
da imprensa escrita, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis, faz parte do processo

22
TSE, RP 3477-76, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 16.11.2010.

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PROPAGANDA ELEITORAL NA IMPRENSA ESCRITA E A LIBERDADE EDITORIAL DE APOIO POLÍTICO
213

democrático, não podendo, bem por isso, ser afastada, sob pena de amesquinhá-lo e,
no limite, comprometer a liberdade de expressão, legitimada e legitimadora do ideário
de democracia” (AgR-AI 98335, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 3.4.2017).23.

6.5 Os abusos e o uso indevido dos veículos de imprensa escrita


As garantias de liberdade de expressão e de imprensa são importantíssimas,
mas são absolutas. Não há direito absoluto. Todas as regras e princípios devem ser
interpretados de forma sistemática, com a análise das situações e peculiaridades de cada
caso. Se for correto dizer que os órgãos de imprensa escrita não estão submetidos às
limitações impostas pela lei das eleições, não é menos correto afirmar que a Constituição
da República também traça princípios eleitorais fundamentais que visam à preservação
da normalidade e legitimidade das eleições (CF, art. 14, §9º) e veda a obtenção de
mandatos populares por meio de fraude, corrupção ou abuso de poder econômico
(CF, art. 14, §10).
Da mesma forma, o uso indevido dos meios de comunicação social, juntamente
com o abuso do poder político e o abuso do poder econômico, foi previsto como hipótese
de cabimento da ação de investigação judicial eleitoral prevista nos termos do art. 22
da Lei Complementar nº 64, de 1990. Como acentuado pelo saudoso Ministro Sálvio de
Figueiredo “o ato ilícito, consistente na utilização indevida dos meios de comunicação,
afronta o princípio da igualdade entre os candidatos e vai de encontro às regras previstas
em lei para garantir a isonomia entre eles, ferindo a lisura do pleito democrático e a
ética que deve presidir a disputa eleitoral”.24
Realmente, se a liberdade da imprensa e a livre manifestação do pensamento
são essências, como efetivamente são, para melhor qualificação de uma democracia,
os abusos cometidos com base nesses princípios são igualmente graves. A utilização
indevida de um direito fundamental não pode dar azo a manobras espúrias utilizadas
como meio de deturbar a legitimidade e a normalidade das eleições.
A regra, porém – sempre é bom relembrar – é a liberdade. O intérprete não deve
buscar transformar o que é exceção em princípio geral. Para que se possa cogitar do uso
indevido dos meios de comunicação social, em razão de matérias e notícias veiculadas
pelos jornais e revistas é essencial ter presentes elementos de convicção extremes, acima
de qualquer dúvida razoável, que demonstrem o claro e inequívoco desvirtuamento da
liberdade de expressão, tais como o uso de recursos financeiros públicos ou privados
para financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem
de candidatos.
Em outras palavras, “tendo em vista a relevância constitucional da matéria, para
que se possa chegar à cassação do diploma daqueles que foram eleitos pelo voto popular,
sob fundamento do uso indevido dos meios de comunicação social, é indispensável a
plena demonstração da conduta desses órgãos, de modo a não permitir dúvida sobre
a gravidade dos excessos cometidos no exercício da liberdade de imprensa”.25 Ou seja,
“para que fique configurado o uso indevido dos meios de comunicação social, o órgão

23
RESPE 490-57, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 2.2.2018.
24
TSE. Trecho do voto proferido no RO 508, DJ 5.11.01.
25
TSE, RESPE 822-03, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 4.12.2015.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
214 PROPAGANDA ELEITORAL

julgador deve apontar especificamente as circunstâncias que o levaram a concluir que


a conduta é grave e comprometeu a normalidade e legitimidade do pleito. A simples
referência genérica ao caráter induvidoso da gravidade não é suficiente para que se
possa afastar do exercício do cargo aqueles que foram eleitos, sob a alegação de uso
indevido de meios de comunicação social”.26
Exemplo específico sobre a necessidade das situações serem separadas pode ser
verificado no julgamento do RESPE 669-12,27 relatado pela eminente Ministra Maria
Thereza de Assis Moura. Em uma eleição municipal, verificou-se que o candidato à
reeleição utilizou recursos públicos para comprar a linha editorial de um jornal local.
No curso da campanha, houve desentendimento e o jornal alterou a sua linha editorial e
passou a falar bem do adversário, até então defenestrado. O Tribunal Regional Eleitoral
de São Paulo decidiu pela cassação tanto do candidato elogiado em troca dos benefícios
financeiros, como o adversário que passou a ser beneficiado após a desavença.
A questão, contudo, foi examinada e separada no Plenário do Tribunal Superior
Eleitoral. A cassação do candidato que havia entabulado o acerto financeiro com o jornal
foi mantida, tendo em vista “a veiculação levada a efeito ao longo de todo o ano de 2011
até o final de agosto de 2012, de matérias previamente elaboradas pela assessoria de
comunicação da prefeitura e que eram pagas pela própria Administração ou por interposta
empresa com o fim precípuo de divulgar a candidatura à reeleição do então prefeito
municipal, mediante a exaltação de suas realizações como chefe do Poder Executivo
municipal, vinculando tais feitos a sua pessoa e, também, a eventuais ações políticas que
poderiam ser desenvolvidas pelo candidato para dar-lhes continuidade. Entendeu-se,
assim, que a gravidade das circunstâncias exigida para a configuração do ato abusivo
(...) ficou demonstrada: a) pela cooptação dos indigitados meios de comunicação com
recursos do erário; e b) pela intensidade da publicidade, durante um extenso período,
em jornais periódicos locais de expressiva circulação na cidade e de abrangente alcance
sobre os munícipes, cujo teor sabidamente extrapolou a mera crítica ou informação, ao
evidenciar um dos candidatos concorrentes ao pleito majoritário em detrimento dos
demais, com clara repercussão sobre a legitimidade e a higidez do processo eleitoral”.
Entretanto, em relação ao adversário, que não foi responsável por qualquer
acerto com o órgão de imprensa, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral reafirmou
sua jurisprudência, ressaltando que “a conclusão do Tribunal de origem, no sentido
de ter por irrelevante a responsabilidade, participação ou anuência dos recorrentes na
prática do uso indevido da indigitada mídia impressa, considerando como suficiente
para a aplicação das sanções de cassação do registro e de inelegibilidade o mero benefício
decorrente da publicação do conteúdo das mensagens, vai de encontro ao entendimento
desta Corte Superior de que, desde que a matéria não seja paga, é tolerada a mera
divulgação, pelos veículos impressos de comunicação, de opinião favorável e sem
abusos, sem que isso caracterize por si só uso indevido dos meios de comunicação”.
Situação em que também restou caracterizado a fraude e o uso indevido de meios
de comunicação social se deu quando se verificou que determinado jornal foi forjado,
com a utilização dos mesmos nomes e logotipo de tradicional impresso no município,
com circulação às vésperas do pleito, contendo matérias tendenciosas em benefício de

26
TSE, RESPE 399-48, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 23.10.2015.
27
TSE. RESPE 669-12, rel. Min. Maria Thereza Assis Moura, DJE de 10.11.2015.

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HENRIQUE NEVES DA SILVA
PROPAGANDA ELEITORAL NA IMPRENSA ESCRITA E A LIBERDADE EDITORIAL DE APOIO POLÍTICO
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candidatos e noticiando de forma inverídica a desistência da principal candidatura


adversária, em claro estratagema que buscava induzir o eleitor a erro. A conduta foi
considerada grave o suficiente para manter a inelegibilidade dos responsáveis, pelo
Tribunal Superior Eleitoral, em face do desvirtuamento da liberdade conferida à imprensa
escrita, que não se presta à divulgação de fatos inverídicos.28
Por fim, ainda que asseverado várias vezes, em resumo e conclusão, vale reiterar:
a regra é a plena liberdade da manifestação do pensamento, especialmente dos eleitores.
A imprensa tem importante função em democracias qualificadas. Os órgãos de imprensa
escrita podem assumir posição em favor de determinadas candidaturas. Os abusos e o
uso indevido dos meios de comunicação social podem ser apurados. A regra, contudo,
sempre deve ser interpretada em prol da liberdade!

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SILVA, Henrique Neves da. Propaganda eleitoral na imprensa escrita e a liberdade editorial de apoio
político. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 197-215. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

28
TSE, RESPE 300-10, rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 18.10.2016.

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PARTE III

O CONTROLE JUDICIAL DA
PROPAGANDA E SEUS LIMITES

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CAPÍTULO 1

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CONTROLE


SOBRE O CONTEÚDO DA PROPAGANDA
ELEITORAL: UMA PERSPECTIVA COMPARADA

LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS


DIOGO RAIS

1.1 Introdução
Nas democracias contemporâneas, com eleições livres, justas e periódicas, é
justificável controlar o conteúdo das propagandas eleitorais durante as campanhas, a
fim de que seja garantida a legitimidade do exercício do poder de sufrágio popular?
A propaganda eleitoral que veicula mensagem de cunho negativo relacionado ao
candidato concorrente deve ser considerada proibida, mesmo que as informações
sejam verdadeiras? Pode um candidato formular propostas que atentem contra os
direitos de minorias, pregando, por exemplo, ideias neonazistas e/ou xenófobas, algo
já muito comum em alguns países europeus? Como limitar a liberdade de expressão
dos candidatos e candidatas e de eleitores-cidadãos na era digital?
Esses questionamentos estão diretamente relacionados ao valor da liberdade
de expressão e de manifestação nas disputas eleitorais, elementos basilares de um
regime democrático. A ideia mais fundamental de democracia tem como pilar a ideia
de que o poder emana do povo. Em outras palavras, são os cidadãos os mandatários
da vontade política, que se expressa, primeiramente, por meio do voto livre e igual em
eleições periódicas.
A eleição é, nesse sentido, um dos principais mecanismos de expressão da
vontade popular, que visa a garantir a participação dos eleitores na tomada de decisões
que afetam a vida pública. Essa participação só será efetiva quando for assegurado
aos eleitores o acesso às mais diversas fontes de informação para que possam formar
sua convicção e votar naqueles que consideram os mais aptos a representar os seus
interesses. A soberania popular, portanto, só poderá ser exercida em sua plenitude
se os eleitores tiverem acesso a variadas fontes de informação acerca de quem são os
candidatos, se for assegurado o amplo e livre debate sobre as ideias e propostas de
cada um dos sujeitos do processo eleitoral, bem como se forem permitidas, inclusive,
as críticas aos candidatos. Sem a liberdade de expressão e de informação, o processo
eleitoral perde o sentido.

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220 PROPAGANDA ELEITORAL

Nessa perspectiva, Robert Dahl apresenta alguns requisitos necessários à


existência de um sistema democrático: eleições livres, justas e regulares; funcionários
eleitos; liberdade de expressão; fontes de informação variadas; autonomia para as
associações e cidadania inclusiva.1 Partindo da concepção liberal de Dahl, é possível
assumir que a democracia é o modo de organização do corpo político que permite,
simultaneamente, a efetiva participação de todos os seus membros adultos, que podem
se candidatar e escolher representantes por meio de eleições livres, justas e periódicas,
com ampla liberdade de associação e troca de informações, possibilitando que se atinja
um entendimento esclarecido acerca da agenda política e suas alternativas.2
O pleno exercício da democracia, como se viu, está intrinsecamente ligado à noção
de liberdade de expressão, um conceito político que tem variado consideravelmente
no tempo e no espaço. No direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 concebe
a liberdade de expressão como uma garantia fundamental a um Estado democrático
de Direito, tal como previsto no artigo 5º, IV e no artigo 220. O direito à liberdade de
expressão, contudo, não é absoluto. Isso significa que pode ser passível de restrições,
quando confrontado com outros valores de equivalente estatura constitucional.3
Nesse contexto, em quais situações é justificável restringir a liberdade de expressão
e, com isso, controlar o conteúdo da propaganda eleitoral? Em outros termos, quais
os limites à propaganda eleitoral feita por candidatos e eleitores? Essas perguntas são
relevantes nos dias atuais, especialmente porque existem disponíveis diversos meios
para divulgação ampla das críticas aos candidatos que podem ser salutares para o
debate público, mas, que, eventualmente, podem violar alguns direitos.
Alguns autores já se debruçaram sobre algumas dessas questões. Ao examinar
a utilização da mentira no cenário político, Fernando Neisser fez um estudo sobre a
legitimidade, a necessidade, a viabilidade e a oportunidade da incriminação do uso
de fatos inverídicos na propaganda eleitoral. O autor conclui que uma das piores
repercussões da criminalização contida no art. 323, do Código Eleitoral refere-se ao
potencial efeito de autocensura, “pelo qual parte dos cidadãos deixa de propalar
informações eventualmente relevantes, por receio de sofrer os efeitos da norma penal”.4
O autor destaca, ainda, que o controle do conteúdo da propaganda pela Justiça Eleitoral
contribui, de forma reflexa, para o alijamento dos cidadãos do processo de tomada de
decisão, colocando o eleitor numa posição passiva e menos preparada para lidar com
conteúdos inverídicos durante as campanhas eleitorais.
A premissa de que o controle de conteúdo das propagandas eleitorais não deveria
ser realizado pela Justiça Eleitoral, em respeito ao princípio da subsidiariedade do
controle judicial, é retomada em artigo recente do mesmo autor. Nessa oportunidade,

1
DAHL, Robert. On democracy. Yale University Press, 2000.
2
NEISSER, Fernando G. Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade e utilidade da
criminalização da mentira na política. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
de São Paulo, São Paulo.
3
A análise do tema das restrições a direitos fundamentais, bem como a forma de se definir o conteúdo essencial e o
âmbito de proteção dos direitos fundamentais, parte da distinção entre regras e princípios, nos moldes explicitados
por Robert Alexy, no seu livro “Teoria dos Direitos Fundamentais”. Para saber mais sobre essa teoria, cf. ALEXY,
Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Malheiros, trad. Virgílio Afonso da Silva, 2017.
4
NEISSER, Fernando G. Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade e utilidade da
criminalização da mentira na política. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
de São Paulo, São Paulo, p. 251.

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LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS, DIOGO RAIS
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CONTROLE SOBRE O CONTEÚDO DA PROPAGANDA ELEITORAL: UMA PERSPECTIVA COMPARADA
221

Neisser aponta para uma alternativa de autoproteção coletiva que vem sendo colocada
em prática nos Estados Unidos nos últimos anos, denominada fact-checking. Ao descrever
essa atividade de depurar o discurso político para a sociedade, a ideia do autor preserva,
de certa maneira, a autonomia dos atores envolvidos no debate político e a sua liberdade
de expressão e de manifestação, cabendo a entidades independentes de fact-checking
checar a veracidade das informações abordadas por candidatos na propaganda eleitoral.
Outros estudos, por sua vez, dedicaram-se aos limites à liberdade de expressão
na propaganda eleitoral negativa, propaganda que veicula opiniões contrárias aos
candidatos. Um dos estudos mais recentes sobre o tema visa a demonstrar que, além
das vedações impostas contra os atos de difamar, injuriar, caluniar ou apresentar como
verdadeiras informações desabonadoras ou sabidamente inverídicas a respeito dos
candidatos, existem “limites à divulgação de informações que, privadas, não sejam
dotadas de qualquer interesse público ou, também, que tenham conteúdo puramente
vexatório, porquanto ultrapassam o âmbito de proteção da liberdade de expressão e,
pior, desvirtuam o propósito da propaganda eleitoral”.5 Aline Moreira e Joana Sierra
concluíram que o elemento limitador da liberdade de criticar é o alcance do interesse
público atinente ao conteúdo veiculado.6
Diferentemente desses estudos anteriores, a proposta desse capítulo é enfrentar
a justificativa das limitações ao conteúdo da propaganda eleitoral sob a perspectiva do
direito à liberdade de expressão, com o intuito de lançar reflexões a respeito da aplicação
desta garantia constitucional na disputa eleitoral. Afinal, quais os limites à liberdade
de expressão dos candidatos e dos cidadãos durante o período eleitoral, com vistas a
garantir o bom funcionamento dos valores democráticos?
Para responder a esse questionamento, o artigo está estruturado em três partes:
na primeira delas, abordamos o conceito de liberdade de expressão sob a perspectiva
de um modelo comparado, que contempla duas lentes: a da dignidade humana e a da
liberdade. A partir desse marco teórico, a segunda parte dedica-se à análise da legislação
brasileira de controle do conteúdo da propaganda eleitoral, mostrando que o Brasil se
enquadra na concepção de liberdade de expressão que valoriza a dignidade humana.
Na terceira e última parte, essas ideias são testadas no contexto da propaganda eleitoral
realizada na internet.

1.2 A liberdade de expressão e seus entendimentos


A liberdade de expressão é um conceito que recebe tratamentos diversos no
direito constitucional e na ciência política. Há diversos modelos teóricos que buscam
compreender o conteúdo desse direito e como ele pode ser restringido quando
confrontados com outros direitos.
Robert Post, por exemplo, considera que há três domínios sociais que guiam
o direito constitucional: (i) comunidade e dignidade humana; (ii) gerenciamento e

5
MOREIRA, Aline B.; SIERRA, Joana de S. Propaganda eleitoral negativa nas eleições: limitações à liberdade de
expressão dos candidatos e dos eleitores. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRGS, v. 9, n.2,
2014, p. 2.
6
MOREIRA, Aline B.; SIERRA, Joana de S. Propaganda eleitoral negativa nas eleições: limitações à liberdade de
expressão dos candidatos e dos eleitores, 2014, p. 18.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
222 PROPAGANDA ELEITORAL

razão instrumental; e (iii) democracia e liberdade humana. Ele considera que esse três
domínios interagem entre si e as diferenças entre as doutrinas dos diferentes sistemas
jurídicos podem ser explicados pela variação do peso dado a cada ordem social em um
sistema. A análise da liberdade de expressão, para esse autor, pressupõe um modelo
que contempla o domínio da comunidade versus a democracia.7
Autores como Dworkin, por exemplo, analisam a liberdade de expressão com
base em um modelo liberal igualitário, que considera a dicotomia liberdade versus
igualdade. Para se ter uma ideia, a Alemanha, Reino Unido, França, Espanha e Portugal
– para citar apenas alguns exemplos – incriminam variadas formas de manifestação
discriminatória, incluindo os discursos revisionistas. Nesses países, como aqui, toma-se
a igualdade como o pilar estruturante da democracia, antes de qualquer outro. Mas seria
a igualdade elemento constitutivo da democracia que assegura que todos, inclusive as
minorias, possam expressar-se livremente? Ou seria a liberdade plena de expressão que
constitui as sociedades verdadeiramente democráticas, salvaguardando os indivíduos
da opressão por discursos dominantes escolhidos pelos Estados?
Na concepção norte-americana, a Primeira Emenda da Constituição confere valor
quase absoluto à liberdade de expressão, pois esta é considerada o pilar estruturante
da democracia, antes de qualquer outro.
A liberdade de expressão também ganha destaque na obra de um dos principais
teóricos do direito na atualidade, Ronald Dworkin. O autor faz uma defesa generosa da
liberdade de expressão, uma vez que a considera um direito. Na visão dworkiniana, as
liberdades são direitos e, enquanto tais, são uma questão de princípio. Essa formulação
tem a seguinte implicação. Como a liberdade de expressão se funda em um direito, ela
é de difícil exceção, podendo apenas ser limitada por outro direito.8
Na perspectiva dworkiniana, o que está em jogo não é saber se o discurso deve
ser praticado, mas se há um direito de praticá-lo. Ou seja, não se trata de defender a
moralidade de um discurso ofensivo, mas sim defender o direito ao discurso, mesmo
que ele seja reconhecidamente imoral. A partir desse raciocínio, a liberdade de expressão
para Dworkin é bastante ampla e permite condutas bastante controversas nas sociedades
contemporâneas, como a veiculação de discursos de ódio, como a negação do holocausto,
ou a pornografia.
Para compreender melhor as formulações teóricas de Dworkin sobre a liberdade
de expressão, é importante se debruçar sobre a justificativa que o autor oferece. Tal
justificativa se concentra nos valores da igualdade e da democracia orientados por
uma teoria ética. No texto Devaluing Liberty, o autor apresenta uma justificativa prática.
Segundo ele, “a democracia não pode trabalhar bem a longo prazo, a não ser que cidadãos
privados tenham acesso a toda fonte possível de informações, livres de censura por
parte de políticos cujos interesses podem residir na sua ignorância”.9 Ou seja, Dworkin
entende que a liberdade de expressão é necessária para que o povo governe o governo
e não vice-versa. A liberdade de expressão, para o autor, tem função constitutiva da
democracia, pois, segundo ele, “só conservamos nossa dignidade individual quando
insistimos que ninguém – nem o governante nem a maioria dos cidadãos – tem o direito

7
POST, Robert C. Constitutional Domains: democracy, community. Management 16, 1995.
8
DWORKIN, R. Taking the Rights Seriously. London, 2005.
9
DWORKIN, R. Devaluing liberty. Index on Censorship, v. 17, n. 8, 1988.

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LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS, DIOGO RAIS
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CONTROLE SOBRE O CONTEÚDO DA PROPAGANDA ELEITORAL: UMA PERSPECTIVA COMPARADA
223

de nos impedir de ouvir uma opinião por medo de que não estejamos aptos a ouvi-la
e a ponderá-la”.10
Sob a perspectiva de uma sociedade assentada na responsabilidade moral
individual, a liberdade de expressão deveria proteger todo e qualquer discurso, incluindo
os discursos de ódio abominados pela maioria. A partir dessa perspectiva, seria possível
defender que apenas a pluralidade plena de opiniões legitimaria o processo democrático.
Esse é o entendimento do Min. Marco Aurélio em voto proferido no HC 82.424/
RS, mais conhecido como caso Ellwanger. Entre os diversos argumentos que utilizou
para determinar a soltura do paciente que estava preso por publicar livro de conteúdo
antissemita, o Ministro ponderou o seguinte:

Para o bem-estar intelectual da humanidade, é preciso proteger a liberdade de expressar


todas as opiniões, ainda que delas discordemos ou que estejam redondamente erradas
(...) Garantir a expressão apenas das ideias dominantes, das politicamente corretas
ou daquelas que acompanham o pensamento oficial significa viabilizar unicamente a
difusão da mentalidade já estabelecida, o que implica desrespeito ao direito de se pensar
autonomamente. Em última análise, a liberdade de expressão torna-se realmente uma
trincheira do cidadão contra o Estado quando aquele está a divulgar ideias controversas,
radicais, minoritárias desproporcionais, uma vez que essas ideias somente são assim
consideradas quando comparadas com o pensamento da maioria.
É essa a dimensão delicada do direito à liberdade de expressão, e aí está o seu caráter
procedimental ou instrumental: não se pode, em regra, limitar conteúdos, eis que isso
sempre ocorrerá a partir dos olhos da maioria e da ideologia predominante. A censura de
conteúdo sempre foi a arma mais forte utilizada por regimes totalitários, a fim de impedir
a propagação de ideias que lhes são contrárias. (STF, HC 82.424/RS, Rel. para o acórdão
Min. Mauricio Corrêa, julgado em 17.09.2003)

O Supremo Tribunal Federal considerou, ainda, que, no contexto de uma


sociedade democrática, “revela-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda
mais quando a crítica é inspirada pelo interesse coletivo e decorre da prática legítima
de uma liberdade pública com base eminentemente constitucional” (STF, RE 511.961,
Rel. Min. Gilmar Medes, jugado em 17.06.2009).
Para Guy E. Carmi, por sua vez, o modelo de análise da liberdade de expressão
contempla, de um lado, a dignidade humana (human dignity) e, de outro, a liberdade
(liberty).11 Ele toma como base o modelo norte-americano como paradigma do sistema
baseado na liberdade, e a Alemanha, como sistema exemplar do sistema que destaca a
dignidade da pessoa humana.
A dignidade humana, afirma Carmi, tem se tornado um elemento central do
constitucionalismo nas sociedades ocidentais. Nesse contexto, a proibição do discurso
de ódio é percebida como um fomento à dignidade humana e à igualdade das minorias.
Essa concepção de dignidade, segundo o autor, busca zelar pela dignidade e honra dos
indivíduos por meio da previsão de difamação e até mesmo insultos penais.
A liberdade, por sua vez, corresponde à percepção dos direitos que enfatizam os
direitos negativos, a neutralidade do discurso e os direitos do emissor da mensagem.

10
DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 327.
11
CARMI, Guy E. Dignity versus liberty: the two western cultures of free speech. Boston University International
Law Journal, v. 26: 277, 2008, p. 309.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
224 PROPAGANDA ELEITORAL

Pautada no liberalismo clássico e na Primeira Emenda da Constituição estadunidense,


essa noção de liberdade é o eixo central da concepção norte-americana de liberdade de
expressão que conjuga a liberdade negativa, a autonomia e o individualismo.
De acordo com Carmi, todas as democracias contemporâneas ocidentais combinam
elementos das duas concepções. Mas o autor mostra que a maioria desses sistemas se
encontra muito mais próximo do polo da dignidade humana do que do polo da liberdade,
por duas razões centrais. A primeira concerne à crescente importância atribuída à
dignidade humana no constitucionalismo ocidental. A segunda atine à tendência desse
constitucionalismo em adotar a proporcionalidade no conflito de princípios, regra que
geralmente leva à restrição da liberdade de expressão, quando este direito está em
conflito com outros direitos – como a dignidade da pessoa humana. O discurso dos
direitos e o teste da proporcionalidade geralmente resultam em uma fraca proteção ao
direito à liberdade de expressão.12
Nesse sentido, nota-se que as teorias da liberdade de expressão enfatizam, segundo
Carmi, o direito à dignidade humana, em contraposição à liberdade de expressão. Isso
pode observado na legislação brasileira de controle ao conteúdo da propaganda eleitoral,
como se examinará a seguir.

1.3 O controle de conteúdo da propaganda eleitoral no Brasil


Para examinar como se dá o controle do conteúdo da propaganda eleitoral no
Brasil, vale ressaltar inicialmente o que entendemos por propaganda eleitoral e a que
tipo de controle estamos nos referindo aqui.
O período de propaganda eleitoral inicia-se com a escolha do candidato ou da
candidata por meio de convenção partidária. Trata-se de “espécie de propaganda que tem
a finalidade precípua de divulgar ideias e programas dos candidatos (...) oportunidade
que a legislação eleitoral atribuiu ao candidato para exteriorizar o símbolo real do
mandato representativo partidário”.13
A propaganda eleitoral tem por objetivo divulgar as propostas dos concorrentes aos
mandatos eletivos, apresenta nítido interesse promocional para convencer o eleitorado
a votar naquele candidato ou candidata. Nesse sentido, a propaganda eleitoral, em
geral, contempla informações e argumentos que visam a demonstrar que o candidato
é o mais apto a exercer o cargo eletivo para o qual está se candidatando. Isso inclui a
possibilidade de utilizar argumentos que evidenciem as razões pelas quais os demais
concorrentes não devem ser eleitos.
Vale destacar que a propaganda eleitoral não se confunde com a propaganda
partidária, pois esta se destina a divulgar o programa e o ideário do partido político,
ao passo que a eleitoral “enfoca os projetos dos candidatos com vistas a atingir um
objetivo prático e bem definido: o convencimento dos eleitores e a obtenção de vitória
no certame”.14 A propaganda eleitoral tampouco se confunde com a publicidade
institucional, visto que vez que esta deve ser impessoal, não admitindo promoção do
agente público ou político.

12
CARMI, Guy E. Dignity versus liberty: the two western cultures of free speech, 2008, p. 374.
13
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 442.
14
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 313.

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LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS, DIOGO RAIS
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CONTROLE SOBRE O CONTEÚDO DA PROPAGANDA ELEITORAL: UMA PERSPECTIVA COMPARADA
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Na doutrina do direito eleitoral, a propaganda eleitoral pode ser classificada


por seu conteúdo positivo ou conteúdo crítico. A propaganda de cunho positivo visa a
enaltecer as qualidades do candidato ou candidata, destacando suas qualidades, seus
feitos, sua história e sua boa imagem. Já a propaganda eleitoral crítica ou negativa de
um candidato tem o propósito de chamar a atenção dos eleitores para os motivos pelos
quais os concorrentes do candidato não estariam aptos a exercer o mandato pelo qual
competem. Nas palavras de José Jairo Gomes, a propaganda negativa tem por objetivo
o “menoscabo ou a desqualificação da pessoa, sugerindo que não detém os adornos
morais ou a aptidão necessária à investidura em cargo eletivo”.15
Com o intuito de mitigar os potenciais danos causados pela propaganda eleitoral,
a legislação de diversos países traça limites de ordem formal e material. O controle da
propaganda eleitoral advém da necessidade de se garantir, na maior medida possível, a
igualdade de condições entre os concorrentes na disputa eleitoral. Com vistas a atender
esse objetivo, são estabelecidas limitações formais e materiais à propaganda eleitoral.
As limitações formais são aquelas concernentes a quaisquer aspectos que não
digam respeito à mensagem da propaganda eleitoral propriamente dita, tais como as
regras relativas aos meios e aos momentos de veiculação da propaganda, às exigências
de identificação de autoria, aos valores pagos por elas etc. Por sua vez, as limitações
materiais atinem ao conteúdo da propaganda eleitoral, o que corresponde às normas
que definem o que pode e o que não pode ser dito no contexto da propaganda eleitoral.
É esse tipo de limitação que nos interessa nesse capítulo.
Alguns autores ressaltam que essas limitações são oportunas e justificáveis,
na medida em que não ofendem o direito à liberdade de expressão. Marcus Vinícius
Furtado Coelho, por exemplo, pondera que: “a propaganda eleitoral tem limites quanto
ao tempo, ao conteúdo, ao agente e à forma, que desempenham a democrática função
de garantir a normalidade e a legitimidade das eleições. Tal limitação não visa impedir
a constitucional liberdade de expressão, menos ainda de obstar o salutar confronto de
ideias (...)”.16
A análise das normas jurídicas no âmbito eleitoral demonstra que o Brasil se
aproxima da concepção germânica de liberdade de expressão, que está sujeita a restrições
quando estiver em jogo valores igualmente estruturantes de uma sociedade igualitária.
O Código Eleitoral brasileiro e a Lei das Eleições, por exemplo, contemplam uma série
de limitações ao conteúdo de propagandas eleitorais, como se verá a seguir. Essas regras,
em geral, são destinadas aos candidatos e aos partidos ou coligações.
O artigo 242 do Código Eleitoral, com redação dada pela Lei Federal nº. 7.476, de
1986, prevê que a propaganda, independentemente da sua forma ou modalidade, deve
sempre mencionar a legenda partidária e ser feita em língua nacional, “não devendo
empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública,
estados mentais, emocionais ou passionais”.
Além de proibir a realização de propaganda eleitoral voltada a estimular nos
cidadãos e cidadãs sentimentos emocionais ou passionais, o Código Eleitoral estabelece
ainda a vedação expressa de alguns tipos de propagandas eleitorais.

15
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 313.
16
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Os limites da propaganda eleitoral e sua função na democracia. COÊLHO,
Marcus Vinicius Furtado; AGRA, Walber de Moura (coord.). Direito eleitoral e democracia: desafios e perspectivas.
Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010, p. 221.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
226 PROPAGANDA ELEITORAL

O artigo 243 do Código Eleitoral contempla duas espécies de restrições à propa-


ganda eleitoral: as restrições formais, relativas ao modo como a propaganda é veiculada;
e as restrições materiais, que dizem respeito ao conteúdo da propaganda, tema que
nos interessa aqui. Para entender que tipos de limites devem ser impostos à liberdade
de expressão dos candidatos a cargos eletivos durante a campanha eleitoral, o Código
Eleitoral determina a vedação às propagandas eleitorais: (i) de guerra, de processos
violentos para subverter o regime, a ordem política e social ou de preconceitos de raça
ou de classes; (ii) com conteúdo que provoque animosidade entre as forças armadas ou
contra elas, ou delas contra as classes e instituições civis; (iii) de incitamento de atentado
contra pessoa ou bens; (iv) que instigue a desobediência coletiva ao cumprimento da
lei de ordem pública; (v) que implique em oferecimento, promessa ou solicitação de
dinheiro, dádiva, rifa, sorteio ou vantagem de qualquer natureza; e (vi) que caluniar,
difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam
autoridade pública.
A Lei Federal nº.9.504, 1997 (conhecida como Lei das Eleições) também regula o
conteúdo de propagandas eleitorais. No contexto da propaganda eleitoral no rádio e na
televisão, o art. 53 da Lei das Eleições veda a censura prévia nos programas eleitorais
gratuitos, em consonância com o direito à liberdade de expressão, prevista no art. 5º,
IV, da Constituição Federal.
O art. 53, §1º, da referida Lei, veda “a veiculação de propaganda que possa degradar
ou ridicularizar candidatos, sujeitando-se o partido ou coligação infratores a perda do
direito à veiculação de propaganda no horário eleitoral gratuito do dia seguinte”. Nessa
perspectiva, o legislador preocupou-se com o que chamamos de propaganda eleitoral
negativa, que tem por objetivo danificar a imagem do outro candidato, com o intuito
de desqualificar a sua candidatura.
O §2º do artigo 53 aduz que a requerimento de partido, coligação ou candidato, a
Justiça Eleitoral impedirá a reapresentação de propaganda ofensiva à honra de candidato,
à moral e aos bons costumes.
Ocorre que nem toda propaganda negativa é passível de sanção. De acordo com
a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a propaganda negativa que não ofenda
a dignidade da pessoa afetada deve ser considerada como uma propaganda própria do
jogo político, não devendo, assim, estar sujeita às sanções legais. Nesse sentido, o TSE
determinou que “não se podem considerar referências interpretativas como degradante
e infamante. Não ultrapassado o limite de preservação da dignidade da pessoa, é de
se ter essa margem de liberdade como atitude normal na campanha política” (TSE, Rp
nº 240991, j. em 25.8.2010).
No que se refere à propaganda na internet, o art. 57-D da Lei das Eleições, incluído
pela Lei Federal nº. 12.034, de 2009, estabelece que:

É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral,


por meio da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta,
nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios
de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

A livre manifestação do pensamento, contudo, não é direito absoluto, como se


viu anteriormente. Ela comporta limitações quando confrontada com outros direitos
igualmente importantes dentro do ordenamento jurídico. As afirmações consideradas

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LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS, DIOGO RAIS
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CONTROLE SOBRE O CONTEÚDO DA PROPAGANDA ELEITORAL: UMA PERSPECTIVA COMPARADA
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caluniosas, difamatórias, injuriosas ou sabidamente inverídicas são proibidas dentro do


contexto da disputa eleitoral, como prevê o artigo 58 da Lei das Eleições. Esse dispositivo
assegura o direito de resposta ao candidato ou candidata ofendida e ao partido ou
coligação atingidos, ainda que de forma indireta, “por conceito, imagem ou afirmação
caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer
veículo de comunicação social”.

1.4 Os contornos da propaganda eleitoral na internet: nova realidade


e velhas regras?
No Brasil, a propaganda eleitoral é proibida, conforme o art. 36 da Lei Geral das
Eleições (Lei nº 9.504, de 1997), sendo permitida apenas após o dia 15 de agosto do ano
da eleição.
Além de ser proibida na maior parte do tempo, a propaganda eleitoral, quando
permitida, é rigorosamente controlada no Brasil, tendo limites de diversas ordens:
ora diante de seu conteúdo (limitações materiais), ora diante de sua forma (limitações
formais), ora diante do tempo (limitações temporais).
Embora repleta de limites, a propaganda eleitoral sempre teve um conceito confuso
no cenário jurisdicional, pois a restrição de propaganda eleitoral deve coexistir com a
liberdade democrática de se manifestar a favor ou contra qualquer candidato e nem
sempre, é uma tarefa fácil, definir isso em abstrato na letra da lei. Afinal, como distinguir
uma propaganda eleitoral, positiva (que fala bem de algum candidato) ou negativa
(que fala mal de algum candidato) de uma opinião cidadã favorável ou desfavorável?
Uma alternativa utilizada frequentemente pela Justiça Eleitoral é a vinculação,
ainda que implícita, entre a existência da propaganda e o seu protagonista.
É muito comum encontrar condenações referentes à propaganda eleitoral anteci-
pada, diante de políticos que ocupam ou ocuparam cargos públicos e que, notoriamente
17

ou por dedução, tendem a ser candidatos na próxima eleição. Evidenciando a vinculação


entre a propaganda e seu protagonista como elemento chave para sua caracterização e
reconhecimento de sua existência no campo da irregularidade eleitoral. Ao passo que é
muito raro, uma condenação por propaganda eleitoral antecipada daquele que jamais
se expôs à política, ou que não tenha sido declarado pré-candidato.
Porém, esse elemento subjetivo, ou seja, a relação do conteúdo com a pessoa
emissora daquele conteúdo que em muitas situações norteia e orienta a decisão a respeito
de sua regularidade ou não, encontra nova lógica no cenário virtual.
As ferramentas capazes de difundir a manifestação pessoal até pouco tempo eram
escassas, e dependiam muito dos esforços pessoais ou financeiros, dificultando a atuação
do cidadão que não estava disposto a enfrentar ou participar ativamente do processo
eleitoral. Porém, em nosso tempo, vivemos um momento de comunicação ampla e difusa,
e a internet se transformou em uma poderosa ferramenta de comunicação, sobretudo
pelas redes sociais, franqueando a qualquer interessado, à velocidade de um clique,
a possibilidade de se manifestar sobre tudo e todos de modo gratuito e instantâneo.

17
Aquela que é realizada antes do período permitido, ou seja, antes do dia 15 de agosto do ano da eleição.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
228 PROPAGANDA ELEITORAL

E neste novo cenário, em que o conteúdo cidadão se mistura ao conteúdo eleitoral,


como aplicar as mesmas restrições?
A Justiça Eleitoral e o ordenamento jurídico eleitoral vêm se transformando
tentando fazer frente a esses novos desafios, mas será que a normatização disso tudo
é o melhor ou o único caminho?
A Lei Federal nº.12.034, de 2009, trouxe pela primeira vez um tratamento específico
da propaganda na internet, inserindo uma seção específica na Lei Geral das Eleições
que atualmente vai do art. 57-A ao 57-J.
Acontece que o cenário digital é, por essência, autotransformador e, dificilmente,
uma regra prevista em uma eleição, será tão eficiente nas eleições posteriores. Um
exemplo disso é o art. 57-G da Lei nº 9504/97 incluído pela Lei nº12.034/09 que prevê a
necessidade de mecanismo de descadastramento em mensagens eletrônicas, prevendo
uma possibilidade de multa de R$100,00 por mensagem enviada após 48 horas do
pedido de descadastramento por parte do receptor.18
A norma tem por foco justamente a proteção do receptor e de sua vontade que,
quando desrespeitada, gera a possibilidade de aplicação de multa. A norma se dirigia
às mensagens de correio eletrônico, que na época de elaboração da norma era seu
principal alvo, mas também, pela generalidade da norma, pode ser aplicada em outros
mecanismos como de mensagens instantâneas que foram criados e são amplamente
utilizado mais recentemente.
Mas será que em 2018 faz sentido esta norma de quase dez anos atrás? O cenário
digital muda velozmente. Atualmente há diversos mecanismos tecnológicos muito
eficientes capazes de evitar, de modo instantâneo, o recebimento de e-mails e mensagens
indesejadas, sejam elas advindas do campo político, do comércio ou de qualquer outro
setor, bem como bloquear o remetente impedindo ações futuras. Será que tais mecanismos
não seriam mais eficientes do que qualquer norma ou procedimento jurisdicional para
resolver a questão? Parece-nos que sim.
E como acompanhar este cenário digital que, por essência, vive em constante
transformação?
A reforma eleitoral de 2017, que trouxe a emenda constitucional nº 97 e as Leis
nºs 13.487 e 13.488, ambas de 06 de outubro de 2017, inovaram ao incluir o art. 57-J que
destina ao Tribunal Superior Eleitoral a regulamentação dos artigos que se referem à
propaganda na internet, com a finalidade de atualização da normatização com o cenário
e as ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral. O mesmo dispositivo
destinou ao TSE a promoção de ampla divulgação do conteúdo dessas novas regras de
boas práticas relativas a campanhas eleitorais na internet.19

18
Art. 57-G. As mensagens eletrônicas enviadas por candidato, partido ou coligação, por qualquer meio, deverão
dispor de mecanismo que permita seu descadastramento pelo destinatário, obrigado o remetente a providenciá-lo
no prazo de quarenta e oito horas.
Parágrafo único. Mensagens eletrônicas enviadas após o término do prazo previsto no caput sujeitam os respon-
sáveis ao pagamento de multa no valor de R$100,00 (cem reais), por mensagem.
19
Tribunal Superior Eleitoral regulamentará o disposto nos arts. 57-A a 57-I desta Lei de acordo com o cenário e as
ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral e promoverá, para os veículos, partidos e demais
entidades interessadas, a formulação e a ampla divulgação de regras de boas práticas relativas a campanhas
eleitorais na internet.

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LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS, DIOGO RAIS
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CONTROLE SOBRE O CONTEÚDO DA PROPAGANDA ELEITORAL: UMA PERSPECTIVA COMPARADA
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Parece que a legislação já vem dando sinais de sua incapacidade de regular o


tema, ao menos de modo eficiente e na velocidade que o cenário digital exige e, para
isso, cria uma competência a ser exercida de modo mais célere pelo TSE.
É importante perceber, no entanto, que essa delegação deve ser recepcionada com
o mesmo cuidado da lei. O TSE, ao normatizar sobre o tema, deve ter em seu radar as
peculiaridades do cenário digital e seu amplo uso, afinal, não estará apenas diante dos
jogadores profissionais do jogo democrático, e sim, diante de toda a população que se
informa, se manifesta, se diverte, se posiciona, enfim, se utiliza da internet em todos
os campos da vida e para isso, não está (e nem poderia estar) disposta a abrir mão de
sua liberdade.
Nesse contexto, a lógica se inverte. Ou deverá ser muito detalhadamente definido
o que é propaganda eleitoral ou deverá perceber que seu controle também pode afetar
outros milhões de cidadãos regidos pela liberdade.

1.5 Considerações finais


A liberdade de expressão, como se viu, configura característica central da
democracia e é requisito basilar para o bom funcionamento das eleições. Para que os
eleitores possam formar sua convicção acerca da melhor escolha precisam ter acesso às
mais variadas fontes de informação. Nesse contexto, a propaganda eleitoral é um dos
principais mecanismos de divulgação das propostas dos candidatos e das candidatas
que concorrem ao pleito eleitoral.
Para examinar os limites do controle material à propaganda eleitoral, dedicamo-nos
a um modelo comparado de análise da liberdade de expressão. Ao contrapor dignidade
humana e liberdade, Carmi demonstrou que as democracias têm a tendência de valorizar
o direito à dignidade em contraposição à liberdade plena. As regras eleitorais brasileiras
corroboram essa concepção mais restrita de liberdade de expressão, que admite controles
materiais e formais, com o intuito de coibir abusos da propaganda eleitoral.
Será que em tempos de campanhas eleitorais que tomam lugar nas redes sociais,
não seria o caso de repensar se é chegado o momento de valorizar mais a liberdade
responsiva do que a proteção individual da dignidade humana? Não seria o caso de
permitir que os cidadãos possam ser protagonistas da discussão política a fim de
participarem efetivamente das escolhas públicas?
No contexto da democracia digital, em que cidadãos deixaram de ser meros
receptores de informações, mas também produtores de conteúdo, talvez tenha chegado
a hora de conferir maior autonomia aos eleitores, que são os verdadeiros mandatários do
poder político. Essa provocação final visa a despertar reflexões e oferecer subsídios para
futuras pesquisas que ajudem a pensar em novas soluções para importantes problemas
relacionados à consolidação do regime democrático no país.

Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Malheiros, trad. Virgílio Afonso da Silva, 2017.
CARMI, Guy E. Dignity versus liberty: the two western cultures of free speech. Boston University International
Law Journal, v. 26: p. 277, 2008.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
230 PROPAGANDA ELEITORAL

COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Os limites da propaganda eleitoral e sua função na democracia.
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado; AGRA, Walber de Moura (coord.). Direito eleitoral e democracia: desafios
e perspectivas. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010.
DAHL, Robert. On democracy. Yale University Press, 2000.
DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
   . Taking Rights Seriously. London: Gerald Duckworth & Co. Ltd, 2005.
   . Devaluing liberty. Index on Censorship, v. 17, Issue 8, 1988.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
HÖRNLE, Tatjana; KREMNITZER, Mordechai. Human Dignity as a protected interest in Criminal law. Israel
Law Review, v. 44, 2011. p. 143-167.
MOREIRA, Aline B.; SIERRA, Joana de S. Propaganda eleitoral negativa nas eleições: limitações à liberdade
de expressão dos candidatos e dos eleitores. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRGS, v.
9, n.2, 2014.
NEISSER, Fernando G. Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade e utilidade
da criminalização da mentira na política. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/
tde-08122014-163134/pt-br.php>. Último acesso em: 10 jan. 2018.
   . Fact-checking e o controle da propaganda eleitoral. Revista Ballot, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 178-212,
set./dez. 2015.
POST, Robert C. Constitutional Domains: democracy, community. Management 16, 1995.
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

RAMOS, Luciana de Oliveira; RAIS, Diogo. A liberdade de expressão e o controle sobre o conteúdo da
propaganda eleitoral: uma perspectiva comparada. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande;
AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 219-230. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 2

PROCESSO ELEITORAL E O CPC/2015: TUTELA


INIBITÓRIA E A PROPAGANDA ELEITORAL ILÍCITA

PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON

2.1 Aplicação supletiva e subsidiária do CPC aos processos eleitorais


O Código de Processo Civil, desde a unificação da legislação processual realizada
na década de 1930, consiste no principal diploma jurídico nacional a regular a relação
jurídica que se estabelece entre o Estado-juiz e os cidadãos quando estes se valem do
Poder Judiciário para resolver os conflitos surgidos no plano do direito material. Isso
significa que no Código de Processo Civil estão previstas as normas mais gerais relativas
ao procedimento e às situações jurídicas dos litigantes, de modo que ante a ausência
ou insuficiência de regulação por parte de algum microssistema processual (eleitoral,
trabalhista, administrativo), ao Código de Processo Civil é que se deve acorrer.
O processo, sob o ponto de vista jurídico, enquanto instrumento da jurisdição
estatal, existe para dar atuação às normas de direito material. É para atender a esse fim
que a sua estrutura é concebida e é sob essa ótica que as suas normas são interpretadas.
Em atenção a isso, sem desconsiderar a pertinência do estudo da teoria geral do processo
e a sua insuperável contribuição à compreensão de fenômenos comuns à processualística,
é sempre oportuno ressaltar, contudo, que a par da aplicação subsidiária e supletiva do
Código de Processo Civil, cada ramo do processo merece ser estudado de acordo com
as particularidades do direito material em que eles visam a atuar a fim de se garantir
a efetiva satisfação desses direitos.
Portanto, ao se cogitar da aplicação de normas do Código de Processo Civil
ao direito eleitoral, deve-se ter em mente que alguns dispositivos podem não ser
aplicados dadas as particularidades do direito material em questão que se quer fazer
atuar a contagem de prazo em dias úteis, por exemplo, durante o período eleitoral,
não se compatibiliza com a necessidade de julgamentos expeditos. Em contrapartida,
dispositivos do Código de Processo Civil de 2015, como o que veda a emissão de
decisões-surpresa (art.10) e o que exige um dever analítico de fundamentação do
juiz (art.489), dado constituírem normas fundamentais do processo, são plenamente
aplicáveis aos processos eleitorais. Assim, por exemplo, ao reconhecer a ausência de
uma condição de elegibilidade ou a presença de uma causa de inelegibilidade, ainda
que sejam estas matérias cognoscíveis de ofício, deve o juiz eleitoral ouvir as partes
previamente a respeito.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
232 PROPAGANDA ELEITORAL

Neste breve ensaio, em particular, será analisada a aplicação do art.497, parágrafo


único. do Código de Processo Civil que, ao disciplinar a denominada “tutela da licitude”
com a aplicação supletiva e subsidiariamente aos processos eleitorais, permitirá um
combate mais efetivo à propaganda eleitoral ilícita que viola a isonomia entre os
candidatos e macula os pleitos eleitorais.

2.2 Direito a um procedimento adequado


Processo justo é aquele no qual concorrem três critérios: “a) correção de escolha
e interpretação da regra jurídica aplicável ao caso; b) explicitação correta dos fatos
relevantes do caso; c) emprego de um procedimento válido e justo para a decisão”,
sendo que “nenhum dos três critérios indicados pode absorver os outros dois ou pode
apresentar-se como único e exclusivo parâmetro de justiça da decisão. Ao contrário,
pode-se afirmar que uma decisão é justa em um sentido próprio somente se ela for justa
a partir de todos os três critérios”.1
Enquanto os primeiros desses requisitos dizem respeito ao ato de decidir
propriamente dito, que exige tanto uma adequada interpretação e aplicação do direito,
quanto uma precisa reconstrução dos fatos a partir de uma valoração racional da prova,
o último requisito atine à estrutura do procedimento que conduz à decisão. Desse modo,
não pode ser considerado justo o processo que não assegurar a participação das partes
em todas as suas fases ou que tiver seu desfecho em prazo não razoável. A par destes
critérios participação e celeridade , o procedimento para ser reputado como justo deve
também ser adequado às particularidades do direito material que ele visa a atuar.
A expressão procedimento adequado indica que o rito delineado para atuação do
direito não pode criar resultados que contrariem o que fora estabelecido pelo direito
material. Em outras palavras, dado o caráter instrumental do processo, não pode ele
desvirtuar o estatuído pelo direito material. Se a instrumentalidade do processo, por
um lado, permite que sejam superados vícios formais quando atingidas as finalidades
de um ato, por outro, ela exige que o processo se adapte às especificidades do direito
material, sob pena de resultar um instrumento ineficaz.
Se o direito material exige uma determinada tutela e o processo é incapaz de
prestá-la, torna-se ele, então, instrumento inútil. Se as partes pactuaram uma determinada
obrigação, o processo deve prever meios que assegurem o efetivo cumprimento da
prestação. Se a lei veda a adoção de uma determinada conduta, o processo deve conter
instrumentos que inibam qualquer comportamento em sentido contrário ao que é
considerado lícito. A ausência de adequação provoca a ineficácia do processo e resulta,
ao cabo, em inaceitável autorização para violação do direito material.
O dever de delinear um procedimento adequado, nessa linha, pertence em
primeiro lugar ao legislador. O art. 5º, inc. LIV da Constituição Federal, ao prever que
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, impõe
ao legislador o dever de prever mecanismos que atendam às necessidades daqueles
que se socorrem do Poder Judiciário para a resolução de seus litígios. Exemplo de
comportamento do legislador atento à necessidade de adaptação do procedimento foi

1
TARUFFO, Michele. Idee per uma teoria della decisione giusta. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, anno
LI, n. 2, 1997, p. 319 e 321.

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PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON
PROCESSO ELEITORAL E O CPC/2015: TUTELA INIBITÓRIA E A PROPAGANDA ELEITORAL ILÍCITA
233

a meritória generalização da tutela antecipada levada a efeito pelas reformas da década


de 1990. No âmbito do direito eleitoral, a antecipação de tutela tem especial relevância
para fins de repressão à propaganda eleitoral ilícita, como se verá adiante (infra, 5).
A inércia do legislador em delinear um procedimento adequado não pode, no
entanto, resultar em prejuízo para o jurisdicionado. Por isso, em determinadas hipóteses,
atribui-se ao próprio juiz o poder de adequar o procedimento às particularidades do
caso concreto, tal como ocorre nos casos de dinamização do ônus probatório, em que
diante de peculiaridades da causa poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo
diverso à regra geral (CPC, art. 373, §1º) – em matéria eleitoral, registre-se, contudo,
que a dinamização não pode ocorrer nos casos de demandas sancionatórias, aquelas
que visam à restrição de um direito fundamental. Nesses casos, aplica-se a lógica do
direito sancionador que atrai princípios típicos do direito penal, como a presunção de
inocência e a necessidade de aplicação de um standard de prova mais rigoroso para as
condenações.
Ao lado desses poderes atribuídos ao julgador se reconhece que também as partes
têm o direito de adequar o rito do procedimento comum às especificidades de sua causa.
É isso o que dispõe o art.190 do Código de Processo Civil, segundo o qual “versando
o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa
e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou
durante o processo”. Não obstante o avanço desse dispositivo no sentido de reconhecer
que o processo, a par de seu caráter público, não pode ser infenso à autonomia da
vontade das partes, tem-se que, na seara eleitoral, sua aplicação, ordinariamente, não
encontra um campo propício, dada a indisponibilidade dos direitos envolvidos. Em
matéria de direito eleitoral, portanto, a adequação do procedimento é tarefa que incumbe
essencialmente ao legislador, ao traçar procedimentos adequados às características do
direito eleitoral e ao julgador, ao adotar as medidas necessárias à efetivação desse direito.
Como decorrência desse direito a um procedimento adequado, verifica-se, então,
o predomínio da tutela específica em detrimento das tutelas meramente reparatórias.
Nesse sentido, o art. 497 do Código de Processo Civil de 2015 consagra a concepção de
processo como um instrumento para a efetiva tutela de direitos tal como estabelecido
pelo direito material, em contraponto à visão de processo como um mecanismo para
obtenção unicamente de tutela ressarcitória.2 Impõe-se ao juiz, em primeiro lugar,
portanto, o dever de fixar no dispositivo da decisão a efetivação do direito material
tal como ele se realizaria se não ocorresse a crise de direito material que deu origem
ao processo. O processo, em outras palavras, para ser reputado como adequado deve
dispor de mecanismos que permitam a efetiva tutela do direito material. Caso o processo
não disponha de mecanismos para obtenção da tutela específica, a atuação do direito
material se dará de maneira incompleta e mais distante estará o processo de atingir
seus escopos de atuação do direito e de pacificação social.3

2
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. Revista dos Tribunais, São Paulo,
p. 277, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, 4. ed., São Paulo: RT, 2013.
3
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Novas tendências na estrutura fundamental do processo civil. Revista do
Advogado, São Paulo, v. 46, p. 59, 2006.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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O que se pretende, em última análise, ao assegurar o predomínio da tutela


específica é a observação do estabelecido pelo direito material. Nesse sentido, em
matéria eleitoral, no que diz respeito ao combate à propaganda ilícita, mais relevante
que eventual sanção aos infratores é a inibição por si só da propaganda irregular que
viola, ao fim, a isonomia entre os candidatos.

2.3 Tutela da licitude


Uma das formas de se assegurar a adequação do processo ao direito material se
dá com a previsão de dispositivos que possibilitem a proteção da licitude independen-
temente da demonstração de dano ou de investigação a respeito do estado subjetivo
dos agentes. Nesse particular, o art. 497, parágrafo único, do Código de Processo
Civil de 2015 consagra uma modalidade de tutela jurisdicional específica que visa a
combater o ilícito independentemente da produção de danos ou da formação de um
juízo a respeito de dolo ou culpa do agente.4 Deve o julgador, em outras palavras, em
primeiro lugar, tutelar a licitude e apenas em um segundo momento se voltar para a
apuração de responsabilidades.
O julgamento a respeito da licitude ou ilicitude de um ato está sempre presente
na formação do convencimento do julgador; ocorre que, por conta da prevalência de
uma visão ultrapassada do processo como instrumento por excelência para a obtenção
de tutela ressarcitória, essa tutela sobre a licitude sempre esteve acompanhada de um
julgamento sobre os danos indenizáveis o que acabou por limitar a autonomia de seu
campo de aplicação. Em uma inversão da ordem de prioridades, o processo se voltava,
então, primordialmente à imposição de sanções e não à preservação de situações
jurídicas lícitas.
O art. 497, parágrafo único do Código de Processo Civil, permite em outras
palavras a tutela do lícito independentemente de qualquer outro julgamento. Verifica-se,
então, uma autonomia da tutela da licitude em relação às outras modalidades de tutela
jurisdicional. O magistrado é autorizado, pois, a determinar a adoção de certa conduta,
independentemente de qualquer outro juízo.
Desse modo, para que seja inibida a prática, a reiteração ou a continuação de
um ato ilícito, ou para que esse ato seja removido, cumpre ao juiz tão somente analisar
a adequação desse ato para com o ordenamento jurídico, sem ter de emitir qualquer
julgamento a respeito da ocorrência de danos ou da existência de culpa ou dolo do agente.
Em matéria eleitoral, portanto, diante do predomínio da tutela específica, para inibir a
propaganda eleitoral ilícita tem o magistrado o dever de averiguar a compatibilidade
da propaganda para com o ordenamento jurídico independentemente de qualquer
outro julgamento. Portanto, igualmente nessa área do direito a tutela específica deve
prevalecer, com o objetivo de respeitar a vontade popular manifestada nos pleitos
eleitorais e por decorrência lógica, afastar de imediato atos que venham a provocar a
desigualdade entre os candidatos.

4
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, individual e coletiva, 5. ed., São Paulo: RT, 2012. No direito italiano,
vale mencionar a clássica obra de Cristina Rapisarda (Profili della tutela civile inibitoria, Padova: Cedam, 1987),
com ênfase à tutela inibitória na formação da doutrina processual civilística (p. 13-76) e sua evolução, desprendida
da proteção essencialmente cautelar e conectada à tutela declaratória dos direitos (p. 209-246).

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PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON
PROCESSO ELEITORAL E O CPC/2015: TUTELA INIBITÓRIA E A PROPAGANDA ELEITORAL ILÍCITA
235

Para o direito eleitoral e de acordo com os princípios que o informam – isonomia


entre os candidatos e lisura dos pleitos – medida mais adequada do que a imposição de
sanções a um infrator é assegurar que suas normas sejam cumpridas independentemente
de qualquer outro julgamento. Para tanto, também em matéria eleitoral deve o juiz se
valer de todas as medidas de coerção indireta previstas, tal como dispõe o art. 139,
inc. IV e os arts. 536 e 537 do Código de Processo Civil. Com relação à titularidade das
astreintes, embora o art. 537, §2º do Código de Processo Civil disponha que ela será
devida à parte, no âmbito da Justiça Eleitoral, tem-se que as multas aplicadas serão
revertidas ao Estado, mais precisamente ao Fundo Partidário, dado o caráter não
patrimonial dessa Justiça.5
A cognição judicial, em outras palavras, para fins de aplicação do art.497, parágrafo
único, do Código de Processo Civil estará horizontalmente restrita ao julgamento sobre
a licitude ou ilicitude do ato em questão. Nos casos de cumulação de pedidos, possível,
portanto, a manifestação judicial em capítulos distintos a respeito da licitude de um
evento e ulterior análise de eventual dever de indenização ou outra responsabilização.
Eventual imposição de multa para o cumprimento de tutela específica voltada a inibir
a prática de um ilícito não se confunde com a aplicação de multa sancionatória, uma
vez apurada a responsabilidade pelo ilícito. Essas são multas de naturezas distintas,
sendo possível, portanto, sua cumulação.
O art. 497, parágrafo único, do Código de Processo Civil, terá aplicação ainda
maior diante da previsão do art. 356 de julgamento antecipado parcial do mérito. Tal
dispositivo privilegia, em especial, a efetividade do processo, já que permite a satisfação
imediata de direito a respeito do qual nada mais há o que se perquirir. Nos casos em que
se apura a ilicitude somada ao dever de indenizar, poderá o magistrado, por exemplo,
decidir desde logo, em caráter definitivo, a respeito da ilicitude de um ato, impedindo
desde logo sua prática, reiteração ou continuação, para em seguida apurar eventual
dever de indenização do responsável pelo ato ilícito.
A prevenção do ilícito baseia-se, pois, na prevalência da tutela inibitória sobre
todas as outras modalidades de tutela, já que evita a consumação ou mesmo perpetuação
de atos contrários ao direito.

2.4 Tutela inibitória e propaganda eleitoral ilícita


Fixadas essas premissas a respeito da aplicação supletiva e subsidiária do
Código de Processo Civil aos processos eleitorais e da necessidade de adequação do
procedimento às exigências do direito material, que permite, por exemplo, a tutela
da licitude independentemente de qualquer juízo a respeito do dever de indenizar, é
possível analisar a aplicação do art. 497, parágrafo único, do Código de Processo Civil
em consonância com o art. 40-B da Lei nº 9.504/97.

5
“1. A legitimidade para ajuizar ação de execução de astreintes, imposta pelo descumprimento de ordem judicial
relativa à retirada de propaganda eleitoral irregular, é da União, por se tratar de norma de interesse coletivo
(REspe nº 1168-39/PR, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 1º.10.2014). 2. O valor da astreinte deve ser destinado ao
Fundo Partidário – que, à luz do disposto no art. 38, I, do Código Eleitoral, tem como fonte de receita ‘multas e
penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas’ – , e não ao autor da demanda cuja
decisão foi descumprida. 3. Agravo regimental desprovido” (TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento
nº 19128, Acórdão de 01.12.2015, Relator (a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo
030, Data 15.02.2016, Página 24).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
236 PROPAGANDA ELEITORAL

De acordo com este dispositivo, “a representação relativa à propaganda irregular


deve ser instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário,
caso este não seja por ela responsável”. Isso significa que, até a entrada em vigor do
Código de Processo Civil de 2015, representações por propaganda eleitoral ilícita, para
serem conhecidas, dependiam de um capítulo destinado a demonstrar o dolo ou a
culpa do candidato beneficiário.6 Ou seja, incumbiria ao autor da representação, para
fins de inibir a propaganda eleitoral ilícita, o ônus de demonstrar prova de autoria do
candidato supostamente beneficiado pela propaganda eleitoral ilícita.
Em outras palavras, representações dessa natureza apenas eram processadas desde
que presentes elementos que indicassem a autoria da conduta reprovável que permitiria
ulterior responsabilização do candidato beneficiado com a propaganda ilícita. Inexistia
então autonomia da tutela da licitude – voltada a assegurar a propaganda regular dos
candidatos para com a tutela sancionatória destinada à imposição de penalidades aos
candidatos infratores.
Com a previsão do art. 497, parágrafo único, do Código de Processo Civil, dada
sua aplicação supletiva aos processos eleitorais, a tutela da licitude da propaganda
eleitoral poderá se dar, portanto, independentemente destes requisitos: demonstração
de culpa ou dolo do candidato supostamente beneficiado pela propaganda ou eventual
demonstração de dano causado pela propaganda.
Para fins de inibir a prática, a reiteração, a continuação ou a remoção de uma
propaganda eleitoral ilícita será irrelevante a demonstração de dano ou de culpa ou
dolo e autoria. Bastará o julgador formar seu convencimento a respeito da ilicitude da
propaganda e adotar as medidas necessárias para efetivação da tutela inibitória, como
a imposição de multas por exemplo. A apuração da autoria da propaganda eleitoral
ilícita será relevante apenas para eventual capítulo da decisão voltado à imposição de
sanções aos responsáveis.
Da interpretação conjunta do art. 40-B da Lei nº 9.504/97 com o art. 497, parágrafo
único, do Código de Processo Civil, pode-se, portanto, extrair a conclusão de que a
representação por propaganda eleitoral ilícita apenas deve ser instruída com elementos
que indiquem a autoria (demonstração de culpa e dolo) nos casos em que analisada a
responsabilidade das infrações para fins de imposição das sanções cabíveis. Caso contrário,
em atenção à autonomia da tutela da licitude, possível análise apenas da regularidade da
propaganda e adoção das medidas cabíveis para que seja inibida sua prática. Disso decorre,
pois, a assertiva de que o combate à propaganda eleitoral ilícita será mais eficaz e célere
com a aplicação do Código de Processo Civil aos processos eleitorais, já que possível a
inibição de sua prática independentemente de qualquer outro julgamento.

2.5 Tutela provisória e julgamento parcial


Em decorrência da aplicação do art. 497, parágrafo único, do Código de Processo
Civil aos processos eleitorais e da consequente autonomia da tutela da licitude em
relação às outras formas de tutela voltadas ao combate à propaganda ilícita, tem-se de
averiguar o momento em que possível decisão judicial a respeito da aplicação desse
dispositivo em consonância com o art. 40-B da Lei nº 9.504/97.

6
LUCON, Paulo Henrique dos Santos; VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Código Eleitoral Interpretado. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2013, p. 771.

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PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON
PROCESSO ELEITORAL E O CPC/2015: TUTELA INIBITÓRIA E A PROPAGANDA ELEITORAL ILÍCITA
237

O Código de Processo Civil de 2015 estabelece que a tutela provisória, marcada


pela sumariedade da cognição e pela não definitividade das decisões que a concedem,
pode ter como fundamento a urgência ou a evidência. Não se pode conceber uma tutela
jurisdicional efetiva, que não seja capaz de disciplinar os casos em que o direito material
exige uma resposta imediata do Poder Judiciário. A tutela provisória de urgência, cautelar
ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
Possível, pois, a aplicação do art. 303 do Código de Processo Civil conjugado com
o art. 497, parágrafo único, do Código e com o art. 40-B da Lei nº 9.504/97. Vale dizer, nos
casos em que urgente a propositura da representação para fins de inibir a propaganda
eleitoral ilícita, com sua imediata remoção, pode o autor limitar-se a requerer a tutela
antecipada com a indicação do pedido de tutela final, complementando suas razões no
prazo de quinze dias, se concedida a tutela. Se contra a decisão que deferir a tutela de
urgência não for interposto o cabível recurso, verificar-se-á, então, a estabilização da
tutela antecipada, nos termos do art. 304 do Código de Processo Civil.
Para assegurar a efetividade da tutela antecipada concedida se deve recorrer ao
art. 297 do Código de Processo Civil que consiste em uma cláusula geral de atribuição ao
juiz dos poderes de que ele necessita para garantir o cumprimento da tutela concedida.
De nada adiantaria, sob o ponto de vista da efetividade do processo, não conferir ao juiz
os instrumentos necessários para que ele possa garantir a efetiva satisfação da pretensão
requerida. Cabe ao julgador, portanto, diante das circunstâncias do caso concreto avaliar
a medida mais adequada para tornar efetiva a tutela concedida. A medida coercitiva
mais aplicada sem dúvida é a multa, contudo outros meios lícitos de pressão psicológica
também devem ser admitidos. O objetivo final é sempre o de assegurar a efetivação da
tutela concedida e assim diminuir os danos marginais do processo.
A tutela de urgência realiza-se com um provimento que tem por escopo assegurar
a imediata realização, total ou parcial, dos efeitos da sentença de mérito, mas sempre é
dotada do atributo da provisoriedade. Ela não se confunde, portanto, com os casos de
julgamento antecipado do mérito, autorizado pelos arts. 355 e 356 do Código de Processo
Civil, nos casos em que não houver necessidade de produção de outras provas ou então
se verificados os efeitos da revelia e não houver requerimento de produção de prova.
A possibilidade de que seja proferido julgamento antecipado parcial do mérito
consiste em uma das principais inovações do Código de Processo Civil de 2015. Tal
dispositivo privilegia a efetividade do processo, já que permite a satisfação imediata
de direito a respeito do qual nada mais há o que se perquirir. Parcela da doutrina
sustentava a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito, inclusive,
quando da vigência do Código de Processo Civil de 1973, com fundamento no art. 273,
§6º, do referido diploma legislativo. É preciso, no entanto, distinguir tais institutos.
A antecipação de tutela insere-se no quadro das chamadas tutelas diferenciadas, que
visam a combater o chamado dano marginal do processo por meio da autorização para
que o juiz profira suas decisões com base em cognição não exauriente dos elementos da
controvérsia. O julgamento antecipado, por seu turno, apenas tem lugar se proferido
com base em cognição exauriente. Nada o diferencia do julgamento emanado após a
fase instrutória, a não ser o momento em que proferido.
O julgamento parcial, ademais, não se confunde com a parcial procedência de
um pedido. No primeiro caso uma parcela do processo é decidida desde logo, porque
desnecessário o prosseguimento do processo a seu respeito. O segundo caso, por seu

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
238 PROPAGANDA ELEITORAL

turno, diz respeito a fenômeno em que a pretensão do autor encontra apenas parcial
acolhida pelo magistrado. Nos casos de julgamento parcial, uma parcela do mérito
é resolvida em caráter antecedente e a outra, como normalmente ocorre, é analisada
apenas após o término da fase instrutória. O julgamento antecipado parcial do mérito
terá lugar quando um ou mais dos pedidos formulados que não representem a sua
totalidade ou ainda, quando parcela de um deles mostrar-se incontroverso ou estiver
em condições de imediato julgamento, vale dizer, quando não houver necessidade de
produção de outras provas ou quando se manifestarem os efeitos da revelia. Em matéria
de propaganda eleitoral ilícita, portanto, se desnecessária a instrução probatória, possível
o julgamento antecipado, inclusive parcial do mérito. Nesse caso, o processamento da
representação prosseguiria para fins de julgamento a respeito da responsabilidade pela
propaganda ilícita.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Processo eleitoral e o CPC/2015: tutela inibitória e a propaganda
eleitoral ilícita. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 231-238. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 3

(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES


À PROPAGANDA ELEITORAL

NICOLAU KONKEL JUNIOR

3.1 Introdução
Talvez não exista um ramo do Direito que guarde tanta proximidade com o Direito
Constitucional quanto o Direito Eleitoral. Afinal, seu objeto se relaciona com a realização
dos direitos políticos, da democracia, da representação e da soberania populares, do
direito ao sufrágio, enfim, da legitimação do poder político. Todos eles estão referidos
expressamente na Constituição e regulam o exercício do direito fundamental ao sufrágio.
Esse fato levou Canotilho a designar a Constituição como o “Estatuto Jurídico do
Político”, salientando que cabe a ele: “definir os princípios políticos constitucionalmente
estruturantes, como, por exemplo, o princípio democrático, o princípio republicano,
o princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania, o princípio
pluralista, etc.; (...) determinar os princípios, formas e processos fundamentais da
formação da vontade política e das subsequentes tomadas de decisões por parte dos
órgãos político-constitucionais. Sintetizando essas ideias do direito constitucional como
direito político, dir-se-á que se trata: a) de um direito sobre o político (dado que, entre
outras coisas, tem como objecto as formas e procedimentos da formação da vontade
e das tomadas de decisões políticas); b) de um direito do político (é uma expressão
normativa da constelação de forças políticas e sociais); c) de um direito para o político
(estabelece medidas e fins ao processo político)”.1
Surpreendentemente, há uma manifesta deficiência na formação teórica desse ramo
do Direito, especialmente pelo esquecimento das bases constitucionais que o sustentam.
Ainda que não seja preocupação deste artigo tematizar essa deficiência, é patente
que, a despeito de excelentes trabalhos que surgiram nos últimos anos, o Direito Eleitoral
carece de um tratamento teórico rigoroso, típico de outros ramos do Direito Público. O
que se observa é a prevalência da prática sobre qualquer abordagem teórica, sem uma
orientação segura de princípios que orientem a sua sistematização.

1
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional. 5. ed. Lisboa: Almedina, 1992. p. 35-36.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
240 PROPAGANDA ELEITORAL

No Direito Eleitoral inundam proibições com efeitos graves no processo político,


sem nenhuma preocupação, por parte dos operadores do Direito, de submetê-las ao
teste de constitucionalidade.
De alguma forma, o presente texto tenta resgatar, minimamente, este déficit, ao
cuidar das limitações que são impostas à propaganda eleitoral, por meio das posturas
municipais.
Inicialmente, busca entender a razão que leva doutrina e jurisprudência a
aceitarem essa submissão das regras eleitorais a toda espécie de restrições que geram
efeitos graves no funcionamento da democracia representativa. Em seguida, trata do
óbvio que precisa ser dito: o caráter fundamental dos direitos políticos, sem perder de
vista a importância do poder de polícia para o ordenamento da vida em sociedade.
Há, também, um cuidado especial com a questão do tempo no Direito Eleitoral (tema
pouco explorado, mas central para compreensão de sua normatividade), mostrando
a sua importância para a própria existência desse ramo, a fim de destacar o caráter
excepcional de algumas de suas regras. Procura, ainda, salientar o lugar reservado,
pela Constituição, à propaganda eleitoral no processo democrático. Fixa os limites nos
inevitáveis conflitos entre a competência federal para legislar sobre Direito Eleitoral e
a competência municipal para regular o interesse local. Por fim, apresenta o estado da
arte da legislação e da jurisprudência, no trato da questão para, concluindo, fazer uma
análise crítica de tudo que foi exposto.

3.2 O ódio à política


“Yo soy yo y mi circunstancia y si no la salvo a ella no me salvo yo”,2 afirmava
José Ortega y Gasset, para ressaltar a indissociabilidade entre o “eu” e as peculiaridades
de momento e lugar que afetam a nossa própria liberdade de existir e pensar.
Nesta mesma linha, a hermenêutica filosófica elaborada por Heidegger exalta o
caráter temporal da forma de ser do Dasein,3 especialmente pelo existencial “ser-no-
mundo” (In-der-Welt-sein). Heidegger destaca que o caráter particular do ser foi esquecido
na Filosofia, com sua incessante busca pelo universal. Com isso, afirma que, na sua
procura pela compreensão do mundo, é impossível destacar o vínculo do ser com o
seu tempo e o seu mundo. Ou seja, “o mundo faz parte do ser do Dasein, tem com ele
uma relação essencial e não acidental”4 e se apresenta como um conjunto de relações
de sentido que permitem ao Dasein constituir os projetos de sua própria existência. O
Dasein não é mero espectador do mundo, pois nele está envolvido – transformando
o mundo, o Dasein se forma e se transforma a si mesmo. A estreita vinculação entre o

2
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. Madrid: Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, 1914, p.
43-44.
3
Heidegger estabelece a distinção entre ser e ente, para afirmar que “o ser dos entes não ‘é’ em si mesmo um outro
ente” (HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Parte I. 8. ed. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1999.
p. 32). Assim, após dizer que o ente é uma multiplicidade de coisas e de modos (inclusive nós e nossos modos),
Heidegger afirma que há um ente privilegiado que é aquele que questiona o seu ser. Esse ente que cada um de
nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, Heidegger designa com o termo
Dasein.
4
PASQUA, H. Introdução à leitura de ser e tempo de Martin Heidegger. Tradução de Joana Chaves. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997. p. 42.

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NICOLAU KONKEL JUNIOR
(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES À PROPAGANDA ELEITORAL
241

ser do homem e a temporalidade se reflete no próprio título de sua obra máxima: Ser e
Tempo. O ser não é do tempo e nem está no tempo: o ser é tempo.5
Como herdeiro intelectual de Heidegger, Hans-George Gadamer tematiza a
historicidade para o desenvolvimento de sua hermenêutica, ressaltando as estruturas
fundamentais da compreensão, dentre elas o horizonte histórico com a reabilitação
do preconceito e o círculo hermenêutico, vinculando o sujeito que compreende à sua
historicidade.6
Ou seja, o Direito contém um contexto temporal que lhe empresta um certo
grau de compreensão. Afastada a ideia de uma criação jusnaturalista, o Direito deve
ser visto como uma criação humana de caráter contingente: obra de homens concretos
para uma dada sociedade.
Se esses pressupostos filosóficos podem ser aceitos, especialmente a historicidade
da compreensão, torna-se relevante identificar o ambiente em que as restrições à
propaganda eleitoral são impostas e os condicionamentos compreensivos que levam
legisladores e juízes a se convencerem do seu acerto e de sua necessidade.7
Predomina, hoje, no Brasil e no mundo, uma grande desconfiança da política.
Com o processo de redemocratização, os brasileiros acreditaram nas promessas
libertárias da democracia. A Assembleia Constituinte mobilizou o país, fazendo presente
a política no cotidiano das pessoas. O processo de escolha do primeiro presidente da
república eleito democraticamente, após longo período de ditadura, revelou um país
interessado na política e certo de que ela era o caminho para a solução de seus graves
problemas.
A desilusão, porém, foi proporcional a essa expectativa.
Os casos de corrupção envolvendo ocupantes de cargos eletivos, tanto no Executivo
como no Legislativo, associados à incapacidade da política de realizar suas promessas
diante da força dos mercados, transformaram o amor originário em ódio.
A política passa a se apresentar como algo prescindível. Talvez pior: transformou-se
em algo que deve ser eliminado.
Daniel Innerarity afirma que, na Grécia clássica, o termo “idiota” designava a
pessoa que apenas se dedicava aos assuntos particulares em oposição ao cidadão que
participava dos assuntos públicos e propõe uma taxonomia da idiotice na política. Ele

5
A breve referência a Heidegger não tem nenhuma pretensão de esclarecer sua filosofia que é tomada de uma
complexidade que não cabe nos estreitos limites de um estudo específico da propaganda eleitoral e das posturas
municipais. Sua menção tem o simples propósito de demarcar o horizonte filosófico de compreensão do Direito.
6
Aliás, o próprio Gadamer destaca a diferença de propósitos entre ele e Heidegger na questão hermenêutica,
afirmando que Heidegger somente entra na problemática da hermenêutica e das críticas históricas com a finalidade
ontológica de desenvolver, a partir delas, a pré-estrutura da compreensão, enquanto ele persegue a questão
de como, uma vez liberada das inibições ontológicas do conceito de objetividade da ciência, a hermenêutica
pôde fazer jus à historicidade da compreensão. Ou seja, o apelo à situação hermenêutica, para Heidegger, serve
para situar o ser do Dasein e tem a função de elaborar uma nova ontologia. Já para Gadamer, a Hermenêutica
significa uma retomada da tradição humanística da Filosofia, conduzida pela historicidade, pela finitude e pela
temporalidade, com o fim de contrapor à verdade objetiva e metódica das ciências experimentais, uma verdade
que prescinde do método.
7
Como consta do aforismo de Bertrand Russell, “todo homem, aonde quer que vá, está cercado por uma nuvem
de convicções que o acompanha como moscas em um dia de verão” (citado por Thomas Sowell em Conflito de
visões: origens ideológicas das lutas políticas. Tradução de Margarita Maria Garcia Lamelo. São Paulo: É Realizações,
2012. p. 7).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
242 PROPAGANDA ELEITORAL

identifica três espécies de idiotas: a) os que têm uma atitude indiferente em relação à
política; b) os que desejam sua destruição ou sua apropriação; c) os indignados.8
Os primeiros se aproximam do “analfabeto político” de Brecht9 e mal percebem –
até porque são analfabetos – que a sua indiferença permite que terceiros façam a escolha
de muitas coisas que são determinantes para a sua vida. Aos que não se interessam pela
política, fica o alerta de Platão na República: “o maior castigo consiste em ser governado
por alguém ainda pior do que nós, quando não queremos ser nós a governar”.10 De
forma mais clara, ainda que não sejam as palavras expressas do filósofo: não há nada
de errado com aqueles que não gostam de política. O problema é que serão governados
por aqueles que gostam demais dela.
Já os que desejam a destruição da política não percebem que, após o fim da
política, outros mecanismos de domínio tomarão o lugar da democracia e da política
no processo de escolha. Aliás, “poderosos agentes econômicos ou impostores dos meios
de comunicação estão muito interessados, por razões óbvias, em que a política não
funcione bem ou não funcione em absoluto”.11
Por fim, existem os indignados que são bem contemporâneos e se constituem
naqueles “que se interessam pela política, mas que o fazem dentro de uma lógica
que não é a de cidadãos responsáveis, mas, sobretudo, a de observadores externos
ou clientes enfurecidos e que acaba por destruir as condições que tornam possível o
desenvolvimento de uma vida verdadeiramente política”.12
Munidos das novas tecnologias, especialmente as redes sociais, os, antes, cidadãos
engajados e, agora, simples consumidores de política enfurecidos, dirigem críticas
a qualquer um que exerça essa atividade. Um indício claro desse fenômeno está no
surgimento de políticos que recusam a política e se apresentam como agentes externos
ao sistema (outsiders). Eles não são apenas novos, mas recusam o próprio mecanismo da
política. Outro indício está no abandono, pelos partidos políticos, da própria designação
de “partido”: Podemos, Avante, Solidariedade, Rede Sustentabilidade, Democratas.
Se a classe política não quer ser contaminada pela política e, de alguma forma
a recusa, é evidente que não é algo diverso que se poderia esperar do cidadão comum
que, dia e noite, é bombardeado pela mídia, a qual sobrevive de escândalos e catástrofes.
Esse processo transformou os cidadãos em inimigos da política. À política do
ódio, tão comum no Brasil atual, foi acrescentado o ódio à própria política e até mesmo
à democracia. Esse ódio é transferido para o processo político, especialmente para as
campanhas eleitorais. Cada vez mais, o cidadão deseja que a política invada menos
sua vida, seja pela redução do horário de propaganda eleitoral e dos recursos a serem

8
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 21-22.
9
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que
odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e
o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”
(texto atribuído a Bertold Brecht, mas de autoria não confirmada).
10
PLATÃO. A república. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 30.
11
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 21.
12
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 22.

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(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES À PROPAGANDA ELEITORAL
243

destinados às campanhas, seja pela limitação dos meios de propaganda, de modo que,
no melhor dos mundos, o ato de participação do processo político, para ele, deveria
ser reduzido ao ato de votar e, se possível, facultativamente.
Ainda que haja razões para isso, tanto pelo comportamento dos políticos como
pela necessidade de se estabelecer novos mecanismos de representação, é certo que há
uma equivocada percepção do papel da política, o que pode explicar a frustração com
os resultados alcançados por ela.
Ou seja, é nesse cenário de ódio (e de desejo de menos política) que se deve
compreender o processo de limitação crescente dos meios de diálogo entre candidatos e
eleitores. Esse estado de ânimo afeta o legislador, antenado com os desejos da sociedade,
e também o Poder Judiciário que não passa incólume a esse processo que condiciona sua
racionalidade. Não há dúvida de que essas medidas seriam inaceitáveis em um ambiente
de recente conquista da democracia, como ocorreu a partir da década de 1980, no Brasil.
Portanto, a primeira etapa para compreensão do problema relativo à limitação
da propaganda eleitoral se relaciona com a fundamentalidade da política e o resgate
de sua dignidade. Antes de mais nada, é preciso desmistificar a política para evitar sua
sacralização e, consequentemente, evitar a indignação.
Innerarity ressalta que “a política é fundamentalmente uma aprendizagem da
decepção”,13 pois a democracia, necessariamente, gera a frustração, haja vista que ela
não é capaz de atender a todos os interesses. Assim, quem enxerga na democracia uma
forma de realização de seus desejos pessoais, certamente ficará frustrado com ela. Por
ser dependente da negociação, a política gera decisões subótimas e, de alguma maneira,
decepcionantes. Portanto, “está incapacitado para a política quem não tiver aprendido
a gerir o fracasso ou o êxito parcial, porque o êxito absoluto não existe”.14
Além disso, em um ambiente de liberdade política, com pleno funcionamento
da democracia, o sistema político se converte em um regime de constante vigilância,
com uso ilimitado da crítica, do protesto, do debate, os quais geram uma sensação de
caos e desordem, especialmente pela revelação dos casos de corrupção e de desacordo.
No entanto, se a corrupção é sempre intolerável e os desacordos estão na origem de
muitos de nossos erros coletivos, “deveríamos ser sinceros e reconhecer que boa parte
do nosso mal-estar com a política corresponde a uma nostalgia insensata pelo conforto
em que se vive quando não se sabe dos problemas e os desacordos são reprimidos”.15
Se há um desejo de levar a sério a solução dos graves problemas sociais, é
necessário que ela se dê em um ambiente transparente e que reflita a pluralidade e a
complexidade da sociedade contemporânea, o que só é possível por meio da política. Se
a nossa política se encontra doente, o primeiro passo é diagnosticar a doença, de modo
a se utilizar o melhor remédio, sem comprometer o próprio paciente.
Assim, se há um desejo de uma política melhor, isto só será alcançado com a
qualificação do processo de escolha que será diretamente proporcional à divulgação das
qualidades dos candidatos. No processo de aprimoramento da política, o amplo acesso

13
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 125.
14
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 126.
15
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 125.

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244 PROPAGANDA ELEITORAL

à informação é fundamental para qualificar as escolhas do eleitor. Nesse particular, a


propaganda eleitoral exerce papel crucial na qualidade da democracia, pois é ela que
possibilitará o exercício de um voto mais consciente.
Portanto, o convite que fica para o leitor é, de início, deixar de lado seus
pré-conceitos em relação à política e, pelo menos provisoriamente, deixar suspenso
seu ódio em relação a ela. Se puder, sem incorrer no erro inverso de sacralizá-la,
compreendê-la como parte da solução dos problemas que vivemos.

3.3 A fundamentalidade dos direitos políticos


Falar de “constitucionalismo” é tratar de um termo com pluralidade de sentidos.
De alguma maneira, os antigos já tiveram a experiência de estudar as diversas formas
de organização do Estado, o que está presente em A Política de Aristóteles.16 O constitu-
cionalismo inglês está relacionado com o ideal de limitação do poder do monarca, em
favor do respeito a direitos e liberdades e, mais precisamente, do respeito à autoridade
do parlamento. Os revolucionários franceses também tiveram sua experiência de
Constituição, ainda que distantes da ideia de sua força normativa.
Porém, em seu sentido mais estrito, pode-se dizer que constitucionalismo é o
modelo historicamente localizado, primeiramente, nos Estados Unidos e que se traduz
em uma arquitetura institucional que se revela: a) na ideia de supremacia, de modo que
o poder normativo do legislador ordinário está sujeito a limites materiais e formais; b)
na fixação de um modelo de controle dessa supremacia do Texto Constitucional sobre a
lei; c) no reconhecimento e na garantia de um rol de direitos individuais fundamentais.
Esse constitucionalismo que se afirma e faz carreira no mundo passa por
transformações, a partir das gerações ou dimensões de direitos, desde aqueles que
consagram os ideais do liberalismo não intervencionista até os interesses de titularidade
coletiva ou difusa, passando pelas liberdades positivas que buscavam uma igualdade
material entre os seres humanos (direitos sociais). Fala-se, ainda, de novas dimensões
vinculadas ao direito relacionado à engenharia genética, ao direito decorrente de uma
política e uma economia globalizadas e, até mesmo, um direito à paz.
Os direitos políticos estão na base do constitucionalismo e, juntamente com os
direitos e garantias individuais, compõem o “conteúdo mínimo” de toda Constituição,
ao lado dos mecanismos de divisão de poderes. Ainda que novas gerações de direitos
fundamentais venham sendo incorporadas aos Textos Constitucionais, as regras básicas
de funcionamento da democracia fazem parte dos direitos e garantias fundamentais.
É o que se observa pelo texto da Constituição Federal de 1988 que reúne no
Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”) os direitos e deveres individuais e
coletivos; os direitos sociais; a nacionalidade; os direitos políticos e os partidos políticos.
Portanto, os direitos políticos assumem duplamente a marca de direitos funda-
mentais: a) pela forma, haja vista estar referido no Texto como norma fundamental e;

16
A Política é uma obra em que Aristóteles estuda as diferentes formas de organização da polis, apontando quem
deve governá-la, a qual foi precedida da descrição de 158 constituições, das quais, apenas A Constituição de Atenas
não se perdeu, tendo sido publicada em 1891. No Livro III de A Política, Aristóteles afirma que “a Constituição é
a ordem ou distribuição dos poderes que existem num Estado, isto é, a maneira como eles são divididos, a sede
da soberania e o fim a que se propõe a sociedade civil” (A política. 2. ed. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São
Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 149).

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b) sob o aspecto substancial, por se tratar do fundamento de todos os outros direitos,


pois é pela soberania popular que todos os direitos são formados.
Mas de nada vale pregar a obviedade de sua fundamentalidade se sua incessante
restrição é admitida sem nenhuma reação.
Afinal, todo cidadão tem o direito de tomar parte no governo de seu país, seja de
forma direta, seja por meio de seus representantes, participando de eleições genuínas,
periódicas e livres, por meio do voto secreto. Assegurar esse direito é um dever do
Estado que assumiu como seus princípios fundamentais a cidadania e o pluralismo
político como forma de realização do Estado Democrático de Direito.
Essa garantia não se restringe ao exercício formal do direito de voto. Ao contrário,
o exercício substancial da soberania popular impõe a existência de mecanismos que
assegurem a igualdade de condições na disputa eleitoral, bem como a autenticidade
da vontade popular.
Cabe ao Estado criar as condições mais favoráveis para o exercício da participação
do cidadão e o direito ao voto.
Como bem destaca Eneida Desiree Salgado, a efetivação dos princípios republicano
e democrático “se dá pela formação da vontade política do Estado, a partir da decisão
direta do povo ou pela formação de um corpo representativo para a construção dessa
vontade”.17 No entanto, na formação dessa vontade, há necessidade de uma sinceridade
democrática, de modo que ela não derive de vícios ou distorções. E essa condição somente
se realiza com a garantia da formação livre da convicção do eleitor, pela igualdade de
oportunidades entre os candidatos e com a proibição do abuso.
O eleitor só estará convicto de seu voto se a ele for assegurada a mais ampla
informação acerca dos candidatos, de modo que a proteção das regras de propaganda
eleitoral não protege apenas a pessoa que busca a ocupação de um cargo eletivo, mas
é um mecanismo de assegurar a mais autêntica representação política. Ainda que
a autenticidade do voto deva ser tomada em seu sentido fraco,18 é dever do Estado
otimizar a representatividade.
Assim, por se tratar de direito fundamental, os direitos políticos, aí incluído o
direito à informação que dará legitimidade ao sistema representativo, não podem ser
restringidos sem uma justificativa razoável, cujo único fundamento para sua limitação
só poderá ser a preservação de outro direito fundamental de mesma estatura.
Além disso, não cabe uma interpretação restritiva dos direitos públicos funda-
mentais em matéria política, pois estes direitos, com todas as faculdades a eles inerentes,
têm como principal fundamento promover a democracia representativa, princípio
estruturante do Estado brasileiro. Assim, é dever do intérprete emprestar às normas
eleitorais o mais amplo alcance para potencializar o exercício da cidadania. Ainda
que não se trate de direito com caráter absoluto ou ilimitado, sua restrição deve ser
constitucionalmente justificada.
Com efeito, os direitos políticos se traduzem na faculdade que tem todo cidadão
para influenciar na formação da vontade do Estado e no seu funcionamento. É ele a

17
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 29.
18
Eneida Desiree Salgado adverte que o princípio da autenticidade do voto não significa condicionar a validade do
voto à efetiva justificação racional por parte de um eleitor altamente informado e coerente com essa informação,
haja vista, com base em lição de Hanna Pitikin, ser impossível a “tradução adequada das motivações do eleitorado”
(SALGADO, E. D. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 40).

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246 PROPAGANDA ELEITORAL

base para a formação dos demais direitos, o que reafirma a sua fundamentalidade.
Negar a máxima amplitude dos direitos políticos é negar a legitimidade de todos os
outros que deles decorrem.
Assim, os direitos políticos impõem ao Estado não apenas a fixação de ações
afirmativas, mas também abstenções: as primeiras, pelo estabelecimento de um sistema
legal adequado para garantir a máxima participação dos cidadãos; e as outras, pela
proibição de estabelecer barreiras ao desenvolvimento do espaço político plural. Portanto,
não basta garantir o exercício do direito de votar e ser votado, mas também devem ser
criadas as condições da mais ampla informação por parte do eleitor, de modo a permitir
a máxima representatividade.
A garantia do voto livre não significa apenas a inexistência de coação, mas
também a presença da informação necessária à construção de sua convicção e vontade.

3.4 Posturas municipais e poder de polícia


As transformações pelas quais passaram as cidades e o ambiente urbano exigiram
do Estado uma normatização do convívio social. Vinculada à necessidade de uma
reestruturação das relações sociais e convivência nas cidades, as posturas estiveram,
originariamente, vinculadas à ideia da cidade como foco de proliferação de doenças e
desordens, de tal maneira que a ameaça de imposição de punições se apresentava como
a única forma de garantia de um adequado convívio em comunidade.
Na lição de Dalmo de Abreu Dallari, “no moderno Direito Português as posturas
aparecem como normas imperativas de conteúdo negativo e fins preventivos, gerais,
impessoais, de execução permanente, que os corpos administrativos elaboram no
exercício de sua competência regulamentar, como entes autônomos”.19
Tomando a cidade como um ambiente propício ao desenvolvimento de doenças e
conflitos, havia a necessidade de fixar regras para curar esses desvios, além de estabelecer
eficiente mecanismo de controle social. Historicamente, na organização do espaço
público, as posturas municipais buscavam a promoção da tranquilidade, da segurança,
da saúde pública, do asseio, da manutenção das edificações e do funcionamento do
comércio e da indústria.
Atualmente, as posturas são estudadas pelo braço do mecanismo de sua efetivação:
o poder de polícia.
Na definição presente no Código Tributário Nacional, poder de polícia é a
“atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção
e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou
autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e
aos direitos individuais ou coletivos”. Para Hely Lopes Meirelles, “poder de polícia é
a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso

19
DALLARI, Dalmo de Abreu. As leis municipais e o direito de construir. Revista da Faculdade de Direito da USP.
São Paulo, v. 65, jan. 1970, p. 114.

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247

e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do


próprio Estado”.20
Ao mesmo tempo que o poder de polícia restringe direitos, ele mesmo encontra
limites, especialmente no princípio da proporcionalidade que exige adequação da
medida para atingir determinado fim, bem como a sua necessidade, de modo a se
verificar se outras medidas menos gravosas podem ser adotadas. Com isso, busca-se
evitar o arbítrio e ajustar a relação entre meios e fins.
Portanto, se as posturas municipais e o exercício do poder de polícia estão sujeitos
aos limites da proporcionalidade e do respeito aos direitos fundamentais, não há dúvida
de que incorrerá no vício de inconstitucionalidade a lei que, a título de criar uma regra
de postura impuser a restrição de bem jurídico superior ou fixar regra sem nenhuma
relação adequada de meio e fim.
É com essa advertência que a relação entre posturas municipais e garantia de
direitos fundamentais que a regulação da propaganda eleitoral deve ser analisada. A
divisão do Direito em ramos não é capaz de isolar os seus subsistemas, de modo que é
tão equivocado afirmar a supremacia das posturas sobre a propaganda, como também
o seu contrário.

3.5 O Direito e o tempo


A relação entre o tempo e o Direito é indissociável, ainda que o ajuste dessa
conexão seja de difícil estabelecimento. A começar pela própria definição de tempo.21
Na lição de Jean-Louis Bergel, “como toda atividade humana ou social, a vida
jurídica se desenvolve no tempo e não pode ignorar esse suporte cujo inexorável curso
não se pode evitar mas cujos efeitos se pode tentar dominar. O direito positivo deve, pois,
constatar o domínio do tempo sobre o homem e ao mesmo tempo permitir um ‘domínio
do homem sobre o tempo’; preocupa-se assim, de um lado, com a maneira pela qual se
é sujeito ao tempo e, de outro, com a maneira pela qual ele pode ser administrado”.22
Sujeito a diversas concepções, o tempo no Direito assume muitos significados,
seja pela definição da condição das pessoas (nascimento, capacidade civil, gozo dos
direitos políticos), das coisas (obrigações a termo, prescrição), da fixação de prazos ou
da vigência das normas. O tempo é visto como um fato jurídico que marca o nascimento,
a modificação e a extinção das relações jurídicas.
Mas há um sentido mais profundo do significado do tempo no Direito, afora
aquele vinculado à noção moderna de transcurso de instantes, passível de medida e
cálculo. Afinal, se o Direito mede o tempo, o tempo também mede o Direito.

20
MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 129.
21
Afinal, como escreveu Santo Agostinho, o Bispo de Hipona: “Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara
e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras
o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele
falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam.
O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a
pergunta, já não sei”. AGOSTINHO, S. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santo e Ambrósio de Pina. São Paulo:
Nova Cultural, 1996, p. 322.
22
BERGEL, J.-L. Teoria geral do direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.
153.

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Ainda que não se esgotem todas as possibilidades de relação entre tempo e Direito,
é de extrema relevância a percepção da natureza qualitativa do tempo.
A distinção remonta à existência, entre os gregos, de duas palavras para designá-lo:
chronos e kairos. A primeira se relaciona com o tempo cronológico, passível de medição,
sustentado pelas noções de ordem, previsibilidade e ritmo. É o tempo tipicamente
moderno de Newton e Kant. A segunda é mais complexa, tem significado cultural
e assume a noção de “tempo oportuno”, de ocasião certa e apropriada.23 É como a
sabedoria contida no Eclesiastes.24
Essa oportunidade reveladora do momento adequado é acolhida pelo Direito na
clássica definição de lei excepcional, muito estudada no Direito Penal.
Naquele ramo, a doutrina costuma denominar como leis autorrevogáveis as leis tempo-
rárias e as leis excepcionais. As primeiras são editadas com vigência fixada previamente
pelo legislador que já estabelece a sua revogação em uma data certa, enquanto que as
leis excepcionais são geralmente vinculadas à existência de circunstâncias anormais. Ou
seja, “as leis excepcionais e temporárias são leis que vigem por período predeterminado,
pois nascem com a finalidade de regular circunstâncias transitórias especiais que, em
situação normal, seriam desnecessárias. Leis temporárias são aquelas cuja vigência vem
previamente fixada pelo legislador, e são leis excepcionais as que vigem durante situações
de emergência”.25 O destaque dado a essas espécies de leis se prende à aparente exceção
ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, especialmente em razão de sua
ultratividade, prevista expressamente no art. 3º do Código Penal.
O Direito Eleitoral guarda profunda relação com o tempo. Os operadores deste
ramo, para o bem ou para o mal, sabem muito bem disso. Talvez, nenhum ramo do
Direito seja tão sensível à passagem do tempo, cujos prazos, muitas vezes, são contados
em horas e as preclusões para as impugnações são rigorosas e breves.
Além disso, e talvez até mais importante, o tempo tem um significado quase
existencial para o Direito Eleitoral.26

23
Na mitologia grega, Chronos é uma espécie de deus que devorava seus próprios filhos, significando que, por ser o
criador do tempo, dele ninguém, mais cedo ou mais tarde, conseguiria escapar. Já Kairós, filho de Zeus, indicava
o oposto, sendo descrito como um jovem que não se preocupava com o tempo cronológico e era representado
sempre nu, com asas nos ombros e nos tornozelos e cabelos caindo na testa e calvo na nuca. Essa alegoria buscava
demonstrar que, assim como o tempo oportuno, ele só poderia ser pego no momento presente, durante sua
passagem, e nunca já tendo passado, faltando-lhe cabelos que permitissem segurá-lo após sua passagem.
24
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu: Há tempo de nascer, e
tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar;
tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo
de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser;
tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz”
(BÍBLIA. v. t. Eclesiastes 3. A Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica
do Brasil, 1998, p. 864).
25
BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal. v. 1., 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. p. 191.
26
Nas palavras de Maria Gema Quintero Lima, “el estudio del Tiempo no es en ningún caso omnímodo para
todo el Derecho Positivo, sino que – al margen de las aproximaciones abstractas y genéricas desde la Teoría del
derecho – la preocupación por la relación entre Tiempo y Derecho se ha hecho manifesta en cada una de las
ramas de los ordenamientos jurídicos de un modo específico. A lo que se une que la atención prestada por cada
una de ellas no ha sido sin embargo uniforme, dado que obviamente cada ordenamiento y dentro de él, cada
rama del Derecho presenta características específicas que las hacen más o menos vulnerables a la problemática
de la relación Tiempo-Derecho. Y la vulnerabilidad guarda una estrecha vinculación con el dinamismo de cada
uno de esos ordenamientos y ramas” (LIMA, M. G. Q. Derecho transitorio de seguridad social. Madrid: La Ley, 2006,
p. 5).

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(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES À PROPAGANDA ELEITORAL
249

Em um evento realizado em Porto Alegre, no ano de 2016, o professor Flávio


Cheim Jorge disse, de forma lúdica, que costuma demonstrar a especificidade do Direito
Eleitoral a seus alunos com a referência ao calendário eleitoral. Assim, neste ramo, haveria
um condicionamento aparentemente banal aos demais ramos do Direito consistente
na existência de prazos a serem cumpridos que, em grande medida, limita a própria
interpretação de suas regras. Os atos jurídicos eleitorais devem ocorrer, em regra, em
prazos exíguos e fatais, sob pena de se tornarem inócuos, sem sentido. Daí a relevância
da urgência na tutela e a justificativa da preferência no julgamento de seus processos
por parte do juiz que acumula as funções das Justiças ordinária e eleitoral (art. 94 da
Lei nº 9.504/97).
A inobservância do calendário não significa uma violação de menor importância
que, em outros ramos poderia passar despercebido. Seu cumprimento é que garante o
respeito a diversos princípios que moldam o Direito Eleitoral.
O tempo assombra o Direito Eleitoral.
Ainda que não se possa afirmar que suas normas, em termos gerais, se caracterizam,
no sentido clássico, como leis excepcionais, é certo que, em alguns casos, sua função é
regular fatos ocorridos em períodos de certa anormalidade.
É o que ocorre, por exemplo, no ano eleitoral ou no período eleitoral, quando
diversas condutas estão vedadas aos agentes públicos, como a realização de propaganda
institucional, a proibição de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte
da Administração Pública, o comparecimento de candidato a inaugurações de obras
públicas. Os servidores públicos, em geral, mesmo sem nenhuma pretensão política,
também são atingidos, pois não podem ser contemplados com revisão geral de sua
remuneração, em valor excedente à recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao
longo do ano da eleição. Se os ocupantes de cargos públicos não podem ser demitidos,
os aprovados em concurso, esperançosos pelo ingresso, não podem ser nomeados ou
admitidos. As remoções, transferências ou exonerações ficam suspensas. As multas
previstas pela legislação eleitoral são elevadas, além das consequências graves para
os candidatos.
Além disso, o regime de prisões sofre alterações, pois o art. 236 do Código Eleitoral
proíbe, desde cinco dias antes e até quarenta e oito horas depois do encerramento da
eleição, a prisão ou detenção de qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude
de sentença criminal condenatória por crime inafiançável.
O sistema de desincompatibilizações impõe afastamento de ocupantes de cargos
públicos, de controlador de empresas que atuem no Brasil em condições monopolísticas
ou que quem tenha exercido cargo ou função de direção, administração ou representação
em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de
prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do Poder Público, além
de impor o afastamento de apresentadores de programa de rádio ou televisão.
As hipóteses são imensas e sua notoriedade dispensa um trabalho exaustivo de
indicação de todas elas.
No entanto, a certeza que resta é que alguns espaços de tempo definem um regime
jurídico especial no Direito Eleitoral – especialmente o chamado período crítico que tem
início nas convenções e finalizam no dia da eleição – que acabam por definir regras
interpretativas muito próximas das leis excepcionais. Esta excepcionalidade fixa um
vetor interpretativo às regras da propaganda eleitoral, moldando seu regime jurídico.

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250 PROPAGANDA ELEITORAL

3.6 Propaganda eleitoral e democracia


Já foi ressaltado que o aprimoramento da política e da representação democrática
está intimamente ligado com a qualificação do processo de escolha que é diretamente
afetado pelo amplo acesso à informação, o que situa a propaganda eleitoral no centro
do processo democrático.
Assim como foi reafirmada a fundamentalidade do direito político, é preciso
advertir, de forma óbvia e necessária, que a liberdade de expressão, em suas três
manifestações,27 tem ampla incidência no Direito Eleitoral. Nem é necessário sustentar
a polêmica posição preferencial da liberdade de expressão para proclamar que essa
liberdade compõe uma das condições de possibilidade de um sistema democrático.
Mesmo admitindo que, em alguns casos concretos, essa liberdade possa ser afastada, em
face de colisão com outros princípios, é inegável que ela goza da mesma fundamentalidade
das demais garantias constitucionais.
E toda vez que se apresenta a necessidade de defender os direitos fundamentais
é evidente que se está a tratar de situações incômodas, limítrofes.
De fato, a defesa da liberdade de expressão pressupõe a proteção do discurso
incômodo, das palavras que nos chocam. Como ressaltou o Ministro Marco Aurélio de
Mello, no julgamento da ADPF nº 187/DF, “a liberdade de expressão não pode ser tida
apenas como um direito a falar aquilo que as pessoas querem ouvir, ou ao menos aquilo
que lhes é indiferente. Definitivamente, não. Liberdade de expressão existe precisamente
para proteger as manifestações que incomodam os agentes públicos e privados, que
são capazes de gerar reflexões e modificar opiniões. Impedir o livre trânsito de ideias
é, portanto, ir de encontro ao conteúdo básico da liberdade de expressão”.
No mesmo sentido, Sergio Fernando Moro ressalta que não é difícil defender
o exercício de direitos fundamentais que contam com amplo apoio popular. Os casos
difíceis surgem quando os direitos fundamentais entram em colisão com legítimos
interesses comunitários. Nesses casos é que as Cortes podem mostrar seu valor, optando
fundamentalmente por um e outro. Se é certo que os direitos fundamentais não são
absolutos, também é correto que não podem ser sacrificados sempre que colidirem com
interesses comunitários, com o que restaria descaracterizada a ideia central do Estado
de Direito, de que o indivíduo é um fim em si mesmo, o que gera a obrigação de que
seus direitos sejam levados a sério.28
E essa dificuldade não se apresenta apenas quando está em jogo seu conteúdo, como
a discussão sobre a constitucionalidade dos discursos de ódio, da defesa de concepções
moralmente repugnantes ou pornografia, entre outros. Há, também, dificuldade de
discutir a liberdade de expressão quando seu impedimento se dá pelos mecanismos

27
Aline Osorio distingue três liberdades no sistema constitucional de liberdade de expressão: “a liberdade de
expressão stricto sensu, a liberdade de informação e a liberdade de imprensa. A liberdade de expressão stricto sensu
é o direito de externar e difundir os próprios pensamentos, ideias, criações, opiniões, sentimentos e demais
expressões. (...) Já a liberdade de informação corresponde ao direito de transmissão e comunicação de fatos. (...) Por
fim, a liberdade de imprensa compreende o direito de todos os meios de comunicação social (e não só dos meios
impressos) de exteriorizarem quaisquer ideias, opiniões e manifestações (no exercício da liberdade de expressão
em sentido estrito), assim como de divulgar e transmitir os fatos e acontecimentos (no exercício da liberdade de
informação)” (OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 44-46).
28
MORO, S. F. A corte exemplar: considerações sobre a corte de Warren. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v.
36, 2001. p. 345.

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de controle estatal, como censura governamental, decisões judiciais ou mesmo, como


é o caso aqui tratado, pela via das posturas municipais.
Tratando das multifuncionalidades da liberdade de expressão, Aline Osorio
destaca “três fundamentos filosóficos para a tutela da liberdade de expressão: (i) a busca
da verdade, (ii) a realização da democracia e (iii) a garantia da dignidade humana”, além
de invocar “(iv) a garantia de todos os demais direitos fundamentais, (v) a preservação do
patrimônio cultural e científico da sociedade, e (vi) a desconfiança histórica nos governos”.29
Sem desconsiderar a importância de todos os fundamentos invocados, não há
dúvida de que os dois primeiros são caros à discussão aqui travada.
Quanto à proteção da livre discussão para a busca da verdade, é recorrente a
referência à metáfora do mercado de ideias (marketplace of ideas) elaborado por Oliver Holmes,
segundo a qual, o melhor teste da verdade é a capacidade de a manifestação ser aceita
na competição do mercado com outras ideias. “Segundo essa concepção, a qual toma
de empréstimo a lógica do livre mercado, os indivíduos terão mais oportunidades de
escolher as melhores ideias, se lhe for ofertada uma grande variedade de opções. A livre
competição de ideias (free trade of ideas) favoreceria, assim, o componente informacional
do debate público e permitiria a tomada das melhores decisões, assim como a rejeição
(sempre a posteriori) das piores soluções”.30
Ainda que seja passível de críticas pela abordagem econômica da liberdade de
expressão, ela tem especial importância no campo do Direito Eleitoral que regula a
disputa pela tomada do poder, a partir do confronto de opiniões e convencimento do
eleitorado e é, nas palavras de Guilherme de Salles Gonçalves, a “dogmática operacional
da democracia representativa”.31
É nesse sentido que Aline Osorio ressalta a associação da liberdade de expressão
com a realização da democracia. Para a autora, com base em Alexander Meiklejohn, se
democracia é autogoverno, a “liberdade de expressão é um pré-requisito indispensável
para a tomada de decisões racionais e informadas pela coletividade e, logo, essencial
para o autogoverno”.32 A obra também cita a Comissão Africana dos Direitos e dos
Povos, para quem a liberdade de expressão é “‘um direito humano básico, vital (...)
para a consciência política e para a participação na condução dos assuntos públicos’,
de modo que ‘o Estado deve ser obrigado a manter, proteger e garantir esses direitos e
quer envolver-se em um compromisso humano honesto e sincero com a democracia’”.33
Por fim, destaca que a democracia, como autogoverno, não se esgota na formação
da vontade política, durante o período de governo, mas sim, e principalmente, durante
o pleito, cuja tutela deve abranger as manifestações dos candidatos na captação dos
votos, as opiniões dos eleitores, por meio do debate público e aberto, bem como dos
meios de comunicação e outros grupos organizados que oferecem mais subsídios para
a tomada de decisão pelo voto.

29
OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 53-54.
30
OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 55.
31
GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às posturas
municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum,
2008. p. 205-242.
32
OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 58.
33
OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 61-62.

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252 PROPAGANDA ELEITORAL

Como a forma, por excelência, de comunicação dos candidatos com o eleitorado


se dá pela propaganda político-eleitoral, é evidente que esse direito goza de ampla
proteção constitucional e sua restrição deve atender a razões de profunda relevância.

3.7 Competência legislativa: direito eleitoral e interesse local


Toda federação reclama um sistema de divisão de competências entre o ente
central e os entes parciais, expondo o seu grau de centralização. O modelo brasileiro é
confessadamente centralizador na União. Em linhas gerais, pode-se dizer que o princípio
geral que orienta a repartição de competências na Constituição Federal brasileira é o
da predominância de interesse, de modo que cabe à União as matérias de interesse
nacional, enquanto compete aos Estados as matérias de interesse regional, reservando-se
aos Municípios as matérias de interesse local.
No âmbito legislativo, a Constituição de 1988 adotou um sistema de convivência
da repartição horizontal com a repartição vertical de competências. Pela primeira, à
União foram atribuídas as competências de forma expressa, permanecendo com os
Estados as competências remanescentes, reservando-se aos Municípios as competências
definidas indicativamente. No plano vertical, a Constituição estabeleceu uma atuação
concorrente dos entes federativos, no qual a União estabelece as regras gerais, a serem
suplementadas pelos Estados, Distrito Federal e pelos Municípios.
Na atribuição da competência municipal legislativa, a Constituição de 1988 adotou
a tradicional técnica de não enumerar, fixando apenas de forma indicativa, por meio
da fórmula “interesse local”, em substituição à anterior peculiar interesse do Município.
Como dito, ainda atribuiu ao Município competências legislativas concorrentes para
suplementar a legislação federal e a estadual.
Em relação ao Direito Eleitoral, a Constituição foi expressa ao atribuir, no art. 22,
inciso I, a competência legislativa à União.
A grande dificuldade, além daquela relativa ao próprio conceito de interesse local,
surge quando essas duas competências, aparentemente, estão em conflito.
Na vigência do regime constitucional anterior, a expressão peculiar interesse
do Município era visto pela doutrina como um conceito que afastava a exigência de
que o interesse fosse privativo do município, admitindo-se – até pressupondo – um
entrelaçamento dos interesses dos Municípios com os interesses dos Estados e da União.
Assim, o elemento de distinção era a predominância e não a exclusividade.
Não há razão para negar que este critério também está presente no Texto atual,
de modo que a definição dos assuntos de interesse local será realizada no caso concreto,
por meio da identificação do interesse predominante. “Nesse diapasão, o interesse
protegido pela Constituição é o peculiar, ou seja, o próprio, o especial, o particular
de dado município, mas não a ele exclusivo, o que, aliás, a rigor, inexiste, pois o que
é de interesse de uma localidade o é para o estado-membro e para o país inteiro”.34
Assim, todas as matérias de interesse exclusivo ou preponderantemente do Município
participará de sua cota de competência legislativa, devendo prevalecer sobre a lei

34
MATTOS NETO, A. J. de. Competência legislativa municipal sobre meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental,
v. 14, abr.-jun., p. 120-133, 1999.

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253

federal ou estadual, a qual incorrerá em inconstitucionalidade, por invadir competência


reservada aos Municípios.
É essa racionalidade que orienta o Supremo Tribunal Federal quando afirma que
compete ao Município regular o horário do comércio local, conforme súmula vinculante
38 e as súmulas 419 e 645.
Para o STF, a liberação de alvarás de licença de instalação e a imposição de horário
de funcionamento estão compreendidas na esfera legislativa do Município, pois dizem
respeito diretamente ao ordenamento da vida urbana e não se confunde com alguma
espécie de regulamentação da atividade econômica, haja vista que a simples fixação
do período de atendimento do público não se confunde com intervenção no domínio
econômico.
Sobre o tema, Hely Lopes Meirelles ressalta que “nessa regulamentação se inclui
a fixação de horário do comércio em geral e das diversificações para certas atividades
ou estabelecimentos, bem como o modo de apresentação das mercadorias, utilidades
e serviços oferecidos ao público. Tal poder é inerente ao Município para a ordenação
da vida urbana, nas suas exigências de segurança, higiene, sossego e bem-estar da
coletividade. Por isso, a jurisprudência tem consagrado reiteradamente a validade de
tal regulamentação e das respectivas sanções como legítima expressão do interesse local.
Nem se objete que a fixação de horário do comércio constitui regulamentação da atividade
econômica, e por isso refoge da competência municipal. A objeção é improcedente porque
a simples imposição de horário, vale dizer, do período de atendimento do público, não
se confunde com a intervenção no domínio econômico”.35
No entanto, deve ser destacado que o STF, no julgamento desses casos, tem
ressaltado que a constitucionalidade das leis municipais decorre da inexistência de
ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da livre concorrência, da defesa do
consumidor, da liberdade de trabalho e da busca ao pleno emprego. Ademais, a despeito
de reconhecer a competência municipal, o STF ressalvou, por óbvio, a observância dos
princípios constitucionais.
Deve ser ressaltado, também, que o STF tem afirmado que “a cláusula do
‘peculiar interesse’, em muitos assuntos só será possível defini-la mediante operação
comparativa em que, de um lado, se considere o peculiar interesse do município e, de
outro, o peculiar interesse do Estado-membro ou da União Federal”.36
É por isso que, em assunto muito próximo daquele acima referido, a Corte
tem declarado a inconstitucionalidade da fixação do horário de funcionamento dos
estabelecimentos bancários. O critério de distinção para o caso dos bancos é o fato de
integrarem o Sistema Financeiro Nacional que exige um funcionamento harmônico
em todo território nacional. Assim, invocando “a necessidade de comparação entre o
peculiar interesse do município e o interesse do Estado-membro ou da União”, o STF
decidiu que “os fatos da vida financeira atual, a interligação entre os estabelecimentos
bancários pela rede cada vez mais eficiente e veloz de comunicações, e a integração
dos estabelecimentos bancários num sistema nacional que tem órgãos de cúpula na

35
MEIRELLES, H. L. Direito municipal brasileiro. São Paulo: RT, 11. ed., 2000. p. 427.
36
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 89.942, Relator Ministro Cunha Peixoto, Tribunal
Pleno, julgado em 16.11.1978, DJ 09-03-1979, p. 01585 e RTJ, v. 00089-01, p. 00335.

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254 PROPAGANDA ELEITORAL

administração federal, tudo isto levado em conta, tenho que no caso, o interesse nacional
sobrepuja o interesse municipal, que assim deixa de ser peculiar”.37
Portanto, somente a análise do caso concreto é que permitirá a afirmação da
preponderância do interesse local para fixação da competência municipal.
Por fim, merece referência a competência deferida a Estados e Municípios para
suplementar a legislação federal, no que couber (art. 30, inciso II, da Constituição Federal).
Trata-se de uma novidade no Brasil essa competência suplementar dos Municípios,
prevista apenas na Constituição de 1988. Uadi Lammêgo Bulos ressalta que “dois são
os requisitos para o exercício dessa especial tarefa de índole federativa: (i) acatamento
aos modelos federal (Constituição da República) e estadual (textos constitucionais dos
Estados-membros); (ii) rigorosa obediência ao princípio da predominância do interesse
local”.38 Ou seja, a nova competência municipal segue a lógica já existente nas Cartas
anteriores para fixação da competência suplementar dos Estados, com a peculiaridade
da exigência do requisito do interesse local.
Em julgamento de caso anterior à Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal
definiu com maestria os princípios relativos à competência legislativa suplementar. O
voto do Ministro Moreira Alves, ao tratar da competência suplementar, estabeleceu
seu conceito, afirmando que “a Constituição Federal, ao estabelecer as matérias sobre
as quais tem competência legislativa a União, nem sempre lhe outorga competência
exclusiva, uma vez que, com relação àquelas que especifica, atribui aos Estados-membros
competência supletiva, respeitada a lei federal. (...) Isso implica dizer que, se não
houver legislação federal sobre essas matérias, os Estados-membros poderão legislar
livremente a respeito delas, mas, se houver, a legislação destes terá de se adstringir
ao preenchimento dos vazios deixados pela lei federal (vazios que não se confundem
com lacunas preenchíveis pelos meios previstos no artigo 4º da lei de Introdução ao
Código Civil: analogia, costumes e princípios gerais de direito). Portanto, quando a
competência da União se limitar (...) a normas gerais, a legislação do Estado, havendo
lei federal a respeito, por suprir vazios deixados por esta no tocante a princípios gerais,
e tem competência exclusiva, respeitada a legislação federal de normas gerais, para
disciplinar, dentro de seus territórios, tudo o que saia do âmbito da generalidade, já
que isso recai na esfera da competência implícita dos Estado-membros. Quando, porém,
a competência da União extravasa os limites dos princípios gerais (...), o Estado tem,
a propósito, exclusivamente competência supletiva, ou seja, a de legislar nos vazios da
legislação federal quanto aos princípios gerais, e o poder de legislar complementarmente
quanto a esses princípios gerais, descendo aos pormenores segundo as peculiaridade
locais, como bem acentuava Pinto Falcão (...): ‘Há, pois, que concluir que a legislação
estadual supletiva se dará como suplência à inatividade federal e a complementar em
relação às matérias em que a União apenas lançou os princípios gerais, cabendo aos
Estados regular as minúcias de execução, segundo as particularidades locais”.39

37
Trecho do voto do Ministro Décio Miranda. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 89.942,
Relator Ministro Cunha Peixoto, Tribunal Pleno, julgado em 16.11.1978, DJ 09-03-1979, p. 01585 e RTJ, v. 00089-01,
p. 00335.
38
BULOS, U. L. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1012.
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Representação n. 1.153, Relator Ministro Aldir Passarinho, Tribunal Pleno,
julgado em 16.05.1985, DJ 25-10-1985, p. 19145 e RTJ, v. 115-03, p. 1008.

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(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES À PROPAGANDA ELEITORAL
255

Portanto, é um equívoco advogar a tese de que, no exercício da competência


suplementar, a União estaria a fixar uma regulação mínima suscetível de ser ampliada
livremente, em sua disciplina, tanto por Estados como por Municípios, ampliando
direitos ou restrições.
Como bem destacado no voto já transcrito, só é passível de suplementação aquilo
que apresenta lacunas ou vazios que precisam ser colmatados, os quais só restam
caracterizados se a legislação federal não tratou de determinado tema, deixando um vazio.
Ou seja, considerando que o entrelaçamento de interesses não é raro no exercício
da competência legislativa, não está vedado ao Município dispor sobre aspectos externos
ou periféricos da competência da União ou dos Estados, sempre que esses aspectos forem
de interesse local. No entanto, não cabe ao Município, a título de ajustar determinada
disciplina à sua vida local, impedir a concretização dos direitos estabelecidos nas leis
federais ou estaduais, sob pena de invadir o conteúdo da própria competência que não
lhe pertence.
Além disso, essa incursão municipal reclama a existência de vazios legislativos e
não pode ser utilizada a título de ampliar ou restringir direitos já fixados na competência
federal.

3.8 A legislação e a jurisprudência


A origem de toda discussão acerca das restrições à propaganda eleitoral, por meio
de posturas municipais, reside nos artigos 243, inciso VIII e 249 do Código Eleitoral
que assim dispõem:

Art. 243. Não será tolerada propaganda:


(...)
VIII – que prejudique a higiene e a estética urbana ou contravenha a posturas municipais
ou a outra qualquer restrição de direito;
(...)
Art. 249. O direito de propaganda não importa restrição ao poder de polícia quando este
deva ser exercido em benefício da ordem pública.

Coerente com esse antigo tratamento dado pelo Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65),
o Tribunal Superior Eleitoral, até a eleição de 2008, expediu resoluções que impunham
observância às posturas municipais, sendo a última a Resolução nº 22.718/08:

Art. 14. Em bens particulares, independe de obtenção de licença municipal e de autorização


da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral por meio da fixação de faixas,
placas, cartazes, pinturas ou inscrições, que não excedam a 4m2 e que não contrariem a
legislação, inclusive a que dispõe sobre posturas municipais (Lei nº 9.504/97, art. 37, §2º).

Tudo isso, a despeito da redação originária do art. 41, da Lei nº 9.504/97, já dispor
que “a propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de
multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia”.
A partir da eleição de 2010, essa ressalva “inclusive a que dispõe sobre posturas
municipais” já não constou mais das resoluções que cuidam da propaganda eleitoral,
como se vê da Resolução nº 23.191/09:

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256 PROPAGANDA ELEITORAL

Art. 12. Em bens particulares, independe de obtenção de licença municipal e de autorização


da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral por meio da fixação de faixas,
placas, cartazes, pinturas ou inscrições, desde que não excedam a 4m2 (quatro metros
quadrados) e não contrariem a legislação eleitoral, sujeitando-se o infrator às penalidades
previstas no §1º do art. anterior (Lei nº 9.504/97, art. 37, §2º).

Com redações sem a mesma exigência foram as Resoluções nº 23.370/11,


nº 23.404/14 e, relativamente à eleição de 2016, a Resolução nº 23.457/15:

Art. 15. Em bens particulares, independe de obtenção de licença municipal e de autorização


da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral, desde que seja feita em adesivo
ou em papel, não exceda a meio metro quadrado e não contrarie a legislação eleitoral,
sujeitando-se o infrator às penalidades previstas no §1º do art. 14 (Lei nº 9.504/97, art. 37, §2º).

É evidente, aqui, a influência da nova redação do art. 41 da Lei nº 9.504/97, dada


pela Lei nº 12.034/09, com a inclusão da cláusula da postura municipal:

Art. 41. A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de
multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura
municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40.
§1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos juízes eleitorais
e pelos juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais.
§2º O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais,
vedada a censura prévia sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no
rádio ou na internet.

Mesmo diante da alteração do quadro normativo, tanto legal quanto constitucional,


é comum se deparar com decisões dos tribunais eleitorais, prestigiando, sem nenhuma
análise crítica, as restrições à propaganda eleitoral, pela via das posturas municipais.
O TSE sempre teve uma posição clara de defesa do art. 243, inciso VIII, do Código
Eleitoral.
Antes da Constituição de 1988, já afirmava que “em bens particulares fica livre a
fixação de propaganda eleitoral pelo detentor da posse (...) não sendo tolerada, porém,
mesmo em bens particulares, propaganda que ‘prejudique a higiene e a estética urbana
ou contravenha a posturas municipais ou a outra qualquer restrição de direito’ (CE,
art. 243, nº VIII)”.40
Já sob a égide da Constituição de 1988, o TSE reiterou essa subordinação da
propaganda eleitoral às posturas municipais, decidindo que “o art. 243, VIII, do Código
Eleitoral homenageia a reserva constitucional do art. 30, assegurando aos municípios
competência para legislar sobre assuntos de interesse local. A propaganda eleitoral
deve observar as posturas municipais”.41
Porém, a decisão mais representativa desse entendimento foi proferida no Recurso
Especial Eleitoral nº 35.134, da relatoria da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, na
qual ficou reafirmada pelo TSE a prevalência da lei orgânica municipal em relação à

40
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 7.936, Relator Ministro José Guilherme Vilela, DJ de 18.09.1986,
p. 16941.
41
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso em Mandado de Segurança nº 301, Relator Ministro Carlos Eduardo
Caputo Bastos, DJ de 03.02.2006. p. 168.

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257

publicidade eleitoral, bem como a recepção da regra do art. 243, inciso VIII, do Código
Eleitoral, pela Constituição Federal:

Eleições 2008. Agravo regimental em recurso especial. Propaganda eleitoral irregular.


Prevalência da lei orgânica municipal no concernente às limitações impostas à veiculação
de publicidade eleitoral.
1. O recurso especial que reconhece a prevalência das normas municipais no atinente à
propaganda eleitoral não importa em reexame da lei local estrito senso.
2. A valoração da prova não se confunde com o reexame de fatos, sendo possível na via
do recurso especial, adotadas as devidas cautelas. Precedentes.
3. A impugnação a determinado fundamento do acórdão recorrido pode decorrer da
interpretação lógica das razões do recurso especial, não incidindo a Súmula nº 83 do
Superior Tribunal de Justiça.
4. O art. 243, inc. VIII, do Código Eleitoral, foi recepcionado pela Constituição da República,
especialmente porque homenageia a reserva constitucional do art. 30, o qual assegura aos
Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.
5. A edição de lei não se pode presumir como de conotação política, com a clara intenção
de desequilibrar a igualdade de condições entre os candidatos; pelo contrário, pressupõe
ampla discussão pelo legislativo local, representa a vontade da maioria e aplica-se a todos,
indistintamente.
6. A inobservância de norma municipal regulamentar de veiculação de propaganda
autoriza não só a supressão da publicidade irregular, mas igualmente a imposição de
sanção pecuniária, dada a interpretação sistemática dos arts. 243, inc. VIII, do Código
Eleitoral e 37 da Lei nº 9.504/97.
7. A divergência jurisprudencial se configura pela semelhança fática entre os julgados
confrontados e pelo adequado cotejo analítico.
8. A legislação posterior, ainda que mais benéfica, não conduz, salvo expressa disposição
em contrário, à desconstituição de situação consolidada sob a égide de norma regulamentar
vigente à época dos fatos.
9. Agravo regimental ao qual se nega provimento.42

Consta do voto da relatora que “a jurisprudência deste Tribunal Superior é


dominante ao considerar, no concernente à propaganda eleitoral, a prevalência das
restrições próprias da legislação municipal, quando impossível a sua compatibilização
com a Lei nº 9.504/97. É que o art. 37, da Lei das Eleições, deve ser interpretado de forma
sistemática, isto é, em conjunto com a norma insculpida no art. 243 do Código Eleitoral,
que expressamente menciona a necessidade de se adequarem as propagandas eleitorais
às limitações previstas nas normas de âmbito local, como são as posturas municipais e
as regulamentações que lhes dão efetividade. Assim, a norma municipal funciona como
limitação das regras eleitorais sobre propaganda”.
No caso, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo havia decidido que, “quanto
à aplicabilidade da legislação municipal, que disciplina as posturas municipais às
propagandas eleitorais, é inadmissível, pois, além de constituir indevida restrição de
utilização de meios de propaganda admitidos pela legislação eleitoral, importaria em
imprópria criação de legislações locais a respeito de matéria eleitoral de contornos
inconstitucionais, dada a violação do disposto no art. 22, inc. I, da Constituição Federal”.

42
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 35.182, Relatora Ministra Cármen Lúcia Antunes
Rocha, DJE Tomo 199 de 15.10.2010, p. 40.

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258 PROPAGANDA ELEITORAL

No entanto, o TSE impôs a adequação das propagandas eleitorais às limitações


previstas nas normas municipais, assegurando a necessária efetividade a essas
regulamentações, pois “a norma contida no art. 243 do Código Eleitoral não vulnera a
competência constitucional para legislar sobre matéria eleitoral. Nessa linha, o voto do
Ministro Humberto Gomes de Barros, relator designado no julgamento do RMS 301/
RJ, DJ de 3.2.2006, ao asseverar que ‘a restrição contida no art. 243, inc. VIII, do Código
Eleitoral, vedando propaganda que contravenha ‘posturas municipais’, homenageia a
reserva constitucional do art. 30, assegurando aos municípios competência para legislar
sobre assuntos de interesse local’. O que se tem, na verdade, é a interpretação sistemática,
como dito, dos arts. 37 da Lei nº 9.504/97 e 243, inc. VIII, do Código Eleitoral”. Assim,
concluiu que “o descumprimento das limitações impostas pela lei orgânica municipal,
justamente em razão da sua interpretação conjunta com os dispositivos da lei federal,
autoriza não só a determinação de supressão da propaganda irregular, mas também a
imposição de pena pecuniária (art. 37, §1º, da Lei nº 9.504/97)”.43
Ou seja, a despeito da modificação das sucessivas resoluções que tratam da
propaganda eleitoral, suprimindo-se a observância às posturas, prevalece o entendimento
do TSE dessa subordinação necessária da legislação eleitoral ao regramento municipal.
Por coerência, nessa mesma linha seguem os julgados dos Tribunais Regionais
Eleitorais.
O TRE do Espírito Santo afirma que “não há vício de inconstitucionalidade em
Lei Municipal que, no intuito de cuidar de matéria de interesse local, com arrimo no
artigo 30, inciso I, da Constituição Federal de 1988, cria restrições para a propaganda
eleitoral. O artigo 243, inciso VIII, do Código Eleitoral acolhe expressamente as posturas
municipais, de modo que a propaganda eleitoral também deve respeitá-las”.44 O TRE
do Mato Grosso do Sul decidiu que, “não obstante o art. 37 da Lei nº 9.504/97 permitir
propaganda em postes de iluminação pública, deve-se atentar para o art. 243, inciso
VIII, do Código Eleitoral, que não permite a propaganda que contravenha a posturas
municipais conforme a Lei Municipal nº 2.909/92, editada no legítimo exercício de sua
competência legislativa (art. 30, incisos I e II, da Constituição Federal)”.45 O TRE de
Goiás entendeu que “o legislador federal abriu espaço para que o legislador municipal
decida sobre a permissão ou não de determinadas propagandas eleitorais, de forma
que cada município poderá decidir livremente sobre o tipo de propaganda eleitoral a
ser tolerada”.46 Para o TRE do Tocantins, “o art. 243 do Código Eleitoral homenageia a
reserva constitucional do art. 30, assegurando aos municípios competência para legislar
sobre assuntos de interesse local. A Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é
dominante no sentido de considerar que, em se tratando de propaganda eleitoral,
prevalece as restrições próprias da legislação municipal verificada a incompatibilidade
com a Lei 9.504/97. (...) O art. 37 da Constituição Federal deve ser interpretado, de

43
Trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial
Eleitoral nº 35.182, Relatora Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, DJE Tomo 199 de 15.10.2010, p. 40.
44
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/ES. Representação nº 299, Relatora Enara Oliveira Olímpio Ramos Pinto,
DOE de 22.09.2006, p. 39.
45
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/MS. Recurso Eleitoral nº 151, Relator Renato Toniasso, DJ de 01.12.2000,
p. 56.
46
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/GO. Recurso Eleitoral nº 3.413, Relator Álvaro Lara de Almeida, DJ Tomo
1 de 01.09.2006, p. 1.

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259

forma sistemática, ou seja, em conjunto com a norma do art. 243, do Código Eleitoral
que expressamente menciona a necessidade de adequação das propagandas eleitorais
às limitações de âmbito local”.47
Há, porém, decisões prestigiando a legislação eleitoral e negando validade às
leis municipais que impõem restrições à propaganda eleitoral, ainda que esta posição
não seja majoritária.
Nesse sentido, o TRE de Minas Gerais decidiu que “lei municipal que veda
propaganda eleitoral invade competência privativa da União. A matéria disciplinada
pelo art. 41, da Lei nº 9.504/1997, com redação alterada pela Lei nº 12.034/2009, dispõe
em seu caput que ‘a propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá
ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de
violação de postura municipal’. Competência exclusiva da Justiça Eleitoral para o exercício
do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral”.48 Posteriormente à decisão já referida,
o TRE do Mato Grosso do Sul passou a entender que “não se pode cercear a propaganda
exercida licitamente sob alegação de violação de postura municipal, devendo prevalecer
a regra definida pela redação dada ao art. 41 pela Lei nº 12.034/09, que é específica e
posterior à edição do Código Eleitoral (art. 243, VIII, do Código Eleitoral e art. 413 da
Lei nº 9.504/97)”.49 Em reposta a consulta, o TRE do Rio Grande do Sul esclareceu que,
“tratando-se de propaganda eleitoral regulada por lei federal, deve prevalecer sobre a
lei municipal”.50 Posteriormente, refirmou que “a competência privativa para legislar
sobre matéria eleitoral pertence à União, conforme dispõe a Constituição Federal no
art. 22, inciso I. A legislação municipal não pode sobrepor-se às regras de propaganda
estabelecida na legislação federal eleitoral”.51 O TRE de São Paulo declarou a inviabilidade
de lei municipal “proibir a veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares”,
em face da “competência legislativa conferida ao ente que não lhe permite contrariar
legislação federal”.52 Por fim, o TRE do Paraná também já decidiu que “o artigo 41 da
Lei nº 9.504/97, com a nova redação dada pela Lei nº 12.034/09, confere prevalência à
lei eleitoral em relação às posturas municipais”.53

3.9 Análise crítica


Ao longo do trabalho, diversas questões foram suscitadas com a finalidade de
permitir, nessa parte final, fazer uma análise de suas consequências, na difícil relação
entre posturas municipais e propaganda eleitoral.

47
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/TO. Representação nº 58.775, Relator Eurípedes do Carmo Lamounier,
publicado em sessão de 03.09.2014.
48
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/MG. Mandado de segurança nº 802.754, Relator Ricardo Machado Rabelo,
DJEMG de 16.11.2010.
49
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/MS. Recurso Eleitoral nº 33.375, Relator Luiz Cláudio Bonassini da Silva,
publicado em sessão de 24.09.2012.
50
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/RS. Consulta nº 142.002, Relator Tasso Caubi Soares Delabary, publicado
em sessão de 16.07.2002.
51
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/RS. Representação nº 742.004, Relator Nylson Paim de Abreu, publicado em
sessão de 03.08.2004.
52
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/SP. Recurso nº 418.564, Relator Marcelo Coutinho Gordo, publicado em
sessão de 22.09.2014.
53
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/PR. Recurso Eleitoral nº 124-25, Relator Marcos Roberto Araújo dos Santos,
publicado em sessão de 21.08.2012.

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260 PROPAGANDA ELEITORAL

O primeiro apelo que se faz – e de forma reiterada – é que o leitor abandone, ao


menos provisoriamente, seu ódio à política ou aos políticos (se os tiver) e reforce seu
amor à Constituição que, mesmo que não seja sincero, é juridicamente necessário, em
face da ideia de supremacia Constitucional.
Por estar na base do constitucionalismo, os direitos políticos, assim como os
direitos e garantias individuais, devem ser compreendidos como direitos fundamentais,
de modo que sua limitação deve ser constitucionalmente justificada. Isso significa que
a sua restrição só é juridicamente aceitável se atender à realização de outro direito
fundamental de igual ou superior valor, a partir de um juízo de proporcionalidade,
pela adequação de meios e fins, e ponderação, que só é possível estabelecer de forma
concreta, no caso.
Com isso, pode-se afirmar que os artigos 249 e 243, inciso VIII, do Código Eleitoral,
não são inconstitucionais prima facie. A inconstitucionalidade deve ser analisada no caso,
sem destacar a eventualidade (ao menos no mundo das possibilidades) do prejuízo
aos direitos protegidos pelas posturas serem insuportáveis. Uma propaganda que,
por exemplo, coloque em risco a saúde da população ou promova um dano ambiental
irreversível não pode ser veiculada, haja vista a prevalência destes direitos (saúde e
meio ambiente ecologicamente equilibrado) e a existência de diversos outros meios
para veiculação da propaganda eleitoral. Assim, se uma postura municipal impõe
a restrição de direitos com este objetivo (que terá aplicação de forma generalizada,
independentemente do caráter eleitoral do ato vedado), ela terá precedência sobre a
lei eleitoral.
Portanto, é um equívoco advogar a tese de que há uma hierarquia entre a
lei federal eleitoral e a lei municipal que impõe posturas. O regime de distribuição
constitucional de competências não é orientado pelo critério hierárquico, o qual não
informa o federalismo, mas sim pelo exercício de competência previamente fixada no
Texto Constitucional. Ainda que seja possível, no plano das abstrações, separar os ramos
do Direito em disciplinas autônomas, é certo que as interferências são inevitáveis e o
Direito deve dar conta desses aparentes conflitos sem estabelecer, previamente, uma
hierarquia entre eles.
Daí o acerto da afirmação contida no acórdão do Recurso Especial Eleitoral nº
35.182, do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que “o art. 243, inc. VIII, do Código
Eleitoral, foi recepcionado pela Constituição da República, especialmente porque
homenageia a reserva constitucional do art. 30, o qual assegura aos Municípios legislar
sobre assuntos de interesse local”.54 O equívoco reside na ausência de análise, caso a
caso, da prevalência substancial da postura, frente à restrição à propaganda eleitoral,
invocando-se simplesmente a redação do Código Eleitoral, sem submetê-la ao filtro
constitucional. Ou seja, cabe ao intérprete emprestar ao Código Eleitoral o sentido
que assegura compatibilidade constitucional, de modo a preservá-lo naquilo que é
compatível com o Texto Constitucional.
Esse descuido se verifica, com frequência, nas chamadas leis batizadas de cidade
limpa que impõem restrições à publicidade, tanto na proibição de determinadas formas

54
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 35.182, Relatora Ministra Cármen Lúcia Antunes
Rocha, DJE Tomo 199 de 15.10.2010, p. 40.

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NICOLAU KONKEL JUNIOR
(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES À PROPAGANDA ELEITORAL
261

de comunicação como também fixando limites às permitidas. O problema surge quando


as restrições municipais ultrapassam aquelas já fixadas nas leis eleitorais.
Aplica-se aqui, tal como já foi exposto, o critério da ponderação entre os bens
protegidos. Afinal, se tanto as posturas municipais como o exercício do poder de polícia
estão sujeitos aos limites da proporcionalidade e do respeito aos direitos fundamentais,
não se pode admitir que, a título de organizar a cidade, seja criada regra com restrição
de bem jurídico superior.
Assim, se a lei vedar a distribuição de panfletos, por exemplo, não há dúvida
de sua inconstitucionalidade, pois as restrições à forma de propaganda já estão
exaustivamente previstas na lei eleitoral. Além de ser o meio de acesso mais fácil do
cidadão às informações sobre os candidatos, trata-se de uma propaganda tradicional e
de baixo custo, constituindo-se na forma mais viável de tornar a candidatura conhecida
e prestigiar a isonomia no pleito. Proibir esse meio de comunicação publicitário
significa impedir o acesso do eleitor à informação, com manifesta violação do princípio
da liberdade de expressão. Como já foi salientado, cabe ao Estado criar as condições
mais favoráveis para o exercício da participação do cidadão e o direito ao voto, o que
significa ampliar ao máximo os meios de acesso ao conhecimento dos candidatos. A
ausência de informação implica a quebra do princípio da sinceridade do voto, afetando
a autenticidade da representação política.
Tratando-se de direito fundamental, os direitos políticos (e, com ele, o direito
à informação que lhe dará suporte), não podem ser restringidos, a título de proteger
direito de menor estatura.
Em artigo dedicado a este mesmo tema, Guilherme de Salles Gonçalves defende
a prevalência, em si, das regras de propaganda eleitoral sobre as posturas municipais,
o que, em alguma medida não é adotado no presente trabalho. No entanto, com acerto,
o grande eleitoralista paranaense destaca que não se pode restringir a propaganda
eleitoral, “bem jurídico mais relevante, e de incidência apenas transitória – a liberdade
de convencimento do eleitorado – em face (suposta) salubridade e higiene urbana”.55
É importante ressaltar o destaque dado pelo autor à incidência transitória da lei
eleitoral que cuida da propaganda eleitoral, invocando o princípio da temporalidade certa.56
Foi dito anteriormente que não é apenas o Direito que mede o tempo, pois o
tempo também mede o Direito e com especial incidência no Direito Eleitoral. O período
de propaganda eleitoral é o tempo por excelência do Direito Eleitoral e ele assume um
caráter transcendente para a legitimidade do exercício do poder. O período crítico, como
o próprio nome está a indicar, é um período de anormalidade que acaba por emprestar
às suas normas um caráter de excepcionalidade.

55
GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às posturas
municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum,
2008. p. 205-242.
56
Diz o autor que, “por regular matéria necessariamente transitória, que afeta bens jurídicos com tempo de duração
e vigência definidos (mandatos, eleições, etc.), mas que em qualquer outra área do direito, no Direito Eleitoral
parece evidente a efetividade de um princípio que denominamos como Temporalidade Certa. Enuncia esse que,
como o Direito Eleitoral (aqui, como meio regulador da democracia representativa, não se olvide) via de regra
tem um momento certo para desaguar toda a sua eficácia e sentido – o ato denominado ‘eleições’, sua regulação
deve, sempre, mitigar institutos de natureza procedimental para a adequada garantia de seus bens materiais mais
relevantes” (GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às
posturas municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte:
Fórum, 2008. p. 205-242).

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262 PROPAGANDA ELEITORAL

Essa excepcionalidade pode ser constatada nos valores protegidos fora e dentro do
período eleitoral. Se a regra da cidade limpa tem como objetivo a preservação da higiene
da cidade, a lei eleitoral busca assegurar a formação da vontade futura do Estado na
elaboração de novas leis e na condução das diversas esferas de administração. É a hora de
suportar a sujeira e de tolerar o rompimento da estética urbana, pois a excepcionalidade
deste tempo se faz presente para a garantia da legitimidade dos demais direitos. Como
bem destaca Guilherme de Salles Gonçalves, “a temporalidade certa materializa outro
entendimento, no sentido de que, devido à transitoriedade, as excepcionalidades que
protegem a manifestação da propaganda eleitoral no regime jurídico de sujeição especial
da disputa eleitoral – se comparadas com a normal regulação da propaganda em outras
esferas da vida em sociedade – são plenas e juridicamente justificáveis e admissíveis,
em face da importância que o princípio democrático possui no projeto constitucional”.57
O apelo à excepcionalidade, portanto, não é de natureza política. Não se trata
de uma preferência pessoal ou uma idiossincrasia de alguns eleitoralistas, mas decorre
de uma necessidade constitucional. Não é por outra razão que muitos municípios, ao
criarem a lei da cidade limpa excepcionam o período eleitoral, o que não os isenta da
crítica feroz da mídia, a qual, fiel a seus leitores, também é tomada pelo ódio à política.
Por fim, merece referência a questão da competência suplementar dos municípios,
pois é recorrente o argumento de que a regra do art. 30, inciso II, da Constituição
Federal, reservou aos municípios a competência para suplementar, em qualquer caso,
a legislação federal, a qual fixaria apenas os requisitos mínimos, de tal forma que os
Municípios poderiam criar novos direitos ou impor novas restrições, de modo a atender
seu peculiar interesse. Assim, mesmo que a lei eleitoral estabeleça o quadro normativo
da propaganda eleitoral, o Município poderia impor novos condicionamentos, além
daqueles enumerados na lei federal.
No entanto, como já foi esclarecida, a competência suplementar deve se limitar
ao preenchimento dos vazios deixados pela lei federal, de modo a disciplinar, dentro
de seus territórios, tudo o que saia do âmbito da generalidade. Ou seja, a competência
suplementar só pode ser exercida quando a lei federal se restringir a estabelecer princípios
gerais, cabendo aos Municípios tratar dos aspectos relativos às suas peculiaridades.
Porém, quando a matéria já é tratada de forma exaustiva pela lei federal, não cabe
aos Municípios fixar novas regras, pois isto implicaria em assumir uma competência
legislativa para uma matéria que não lhe foi reservada na Constituição.
É o que ocorre com as regras de propaganda eleitoral, contidas na Lei nº 9.504/97.
A Lei das Eleições não se limitou a estabelecer normas gerais nessa matéria. Ao contrário,
tratou exaustivamente do tema, chegando ao ponto de estabelecer o tamanho máximo
dos adesivos, o uso de bandeiras nas vias públicas, o horário para a propaganda
com amplificadores de som, o limite temporal para distribuição de material gráfico e
caminhada, dentre outras minúcias.
Portanto, a lei eleitoral, quando trata da propaganda, não está a reclamar de
suplemento legislativo municipal, haja vista a inexistência de vazios a serem colmatados.

57
GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às posturas
municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum,
2008. p. 205-242.

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(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES À PROPAGANDA ELEITORAL
263

O silêncio da lei eleitoral deve ser compreendido como autorização implícita à propaganda
eleitoral, como decorrência do topos de que o que não é proibido é permitido.
A distribuição de competência legislativa não atende a um critério de importância,
de modo que a União não herda suas matérias pelo fato de serem intrinsecamente mais
relevantes. Afinal, todas as questões guardam sua importância relativa. O que justifica a
entrega de determinada matéria à União é a necessidade de se estabelecer uma mesma
disciplina para o tema em todo território nacional, com a finalidade de preservação da
própria Federação. A usurpação, pelo Município, dessa divisão, quando desautorizado,
atenta contra o federalismo solidário.

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GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às posturas
municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum,
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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

KONKEL JUNIOR, Nicolau. (Im)Posturas municipais e restrições à propaganda eleitoral. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 239-264. (Tratado de Direito Eleitoral, v.
4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 4

FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS


LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL

BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA

O presente artigo aborda a problema relacionado à potencial influência indevida


no resultado eleitoral decorrente de fake news e de concessões de radiodifusão a
detentores de mandato eletivo. Trata, ainda, dos limites institucionais para atuação da
Justiça Eleitoral no campo legislativo, apresentando outras ferramentas de tratamento
da questão sem a intervenção restritiva da lei.
Eleito o termo do ano de 2017 pela Editora britânica Collins, fake news obteve
definição no dicionário da mesma Editora como sendo algo “falso, geralmente sensacional,
informação disseminada sob o disfarce de notícias”.1 Apesar disso, inúmeras questões
ainda emergem em vários países, dependendo de maturação para se chegar a mais e
melhores respostas para questões como: (i) as fake news possuem influência direta sobre
os resultados do processo eleitoral? (ii) há razão de criar novas excepcionalidades para
liberdade de expressão? (iii) nessa hipótese, quem diz o que é fake news? (iv) qual é o
papel do eleitor na solução do problema?
Não apenas tais questionamentos, mas também diversos outros são relevantes
quando se pretende elaborar uma política pública de combate as fake news. É preciso cuidar
para não errar o alvo a ponto de ameaçar direitos fundamentais e, por consequência,
cercear o debate político na internet. Tal advertência também é válida para importação
de modelos estrangeiros. Isso porque cada país limita as liberdades de seus cidadãos
por motivos diferentes, não podendo se desconsiderar o terrorismo e outros problemas
como fator de significativa mudança no funcionamento de suas constituições.
Em junho de 2017 a Alemanha aprovou a chamada lei do facebook, por meio da
qual as redes sociais deverão remover conteúdos que explicitamente ferem a lei alemã
no prazo de 24 horas após uma denúncia. Para qualquer outro conteúdo ofensivo foi
estabelecido o prazo de sete dias, podendo as empresas sofrer multa de até 50 milhões
de euros. A lei insere-se no contexto de chegada de um milhão de pessoas solicitando
refúgio no país desde 2015 e o crescimento exponencial de mensagens xenófobas e de
ódio na internet. Os críticos da lei alertam para ocorrência de overblocking, pelo qual as

1
Tradução livre da seguinte definição: “false, often sensational, information disseminated under the guise of news
reporting”. Disponível em: <https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/fake-news>. Acesso em: 22
jan. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
266 PROPAGANDA ELEITORAL

empresas, com receio da multa, tenderão deletar qualquer mensagem duvidosa, com
potencial risco à liberdade de expressão.2 A pretensão de adotar no Brasil qualquer
medida semelhante às já adotadas em outros países deve ser precedida de profundo
debate com a sociedade e de avaliação cautelosa sobre a compatibilidade com o nosso
sistema constitucional.
Principalmente a partir das eleições norte-americanas de 2016 a questão das
fake news passou a movimentar diversas áreas do conhecimento. No caso americano,
os ataques tiveram como alvo principal os chamados swing states. Em 2016 ficaram
com o republicano Donald Trump e, após um ano de mandato, embora já se saiba que
diversas notícias veiculadas contra a candidata da oposição eram falsas, os eleitores
(ou a sua maioria) parecem convictos e permanecem, por motivos diversos, apoiando
o Presidente eleito.3
Em janeiro de 2018 pesquisadores das universidades americanas de Princeton,
Dartmouth e da inglesa Exeter4 concluíram estudo sobre evidências de consumo de fake
news durante as eleições presidenciais americanas. Para tais pesquisadores, os alertas
quanto as fake news parecem exagerados, ao menos por enquanto. Oportuno esclarecer
que a pesquisa desenvolvida teve como escopo o consumo de fake news por meio de
visitas a websites com tais conteúdos,5 não revelando análise definitiva e completa sobre
todas as formas de acesso.
Nesse sentido, a pesquisa informa que 27,4% dos americanos com idade igual
ou superior a 18 anos (65 milhões de pessoas) visitou alguma página com fake news
“pro-Trump” ou “pro-Hillary”, embora a maior parte “pro-Trump”. Ressaltam que a
exposição se revelou seletiva, de forma que os consumidores foram escolhidos a partir
das suas preferências predispostas na web. Ou seja, as pessoas que apoiavam o candidato
Donald Trump eram muito mais propensas a receber conteúdos “Pro-Trump”, fazendo
com que, em geral, o consumo de notícias falsas pareça ter sido um complemento e
não um substituto.
Contudo, ressaltam que até agora pouco se conhece cientificamente sobre o
consumo de fake news, incluindo quem lê, quais são exatamente os mecanismos de
divulgação e a medida em que as fact-checks realmente atingiram consumidores de
fake news. O facebook foi identificado como mais importante mecanismo facilitador de
propagação de fake news, por direcionar pessoas para websites com conteúdos de fake news,
tendo a pesquisa constatado que consumidores acessavam os conteúdos imediatamente
após visitar a página do facebook. Como se percebe, a pesquisa vai na contramão da
temperatura com que a demanda vem sendo tratada em determinadas esferas de poder.

2
DW Brasil. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:JCvcSVACXhQJ:www.
dw.com/pt-br/parlamento-alem%25C3%25A3o-aprova-lei-de-combate-ao-discurso-de-%25C3%25B3dio-na-
internet/a-39491431+&cd=1&hl=en&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 23 jan. 2018.
3
SAVIDGE, Martin. WEIR, Bill. Matéria disponível em: <http://edition.cnn.com/2018/01/19/politics/ohio-iowa-
voters-trump-first-year/index.html>. Acesso em: 20 jan. 2018.
4
GUESS, Andrew. NYHAN, Brendan. REIFLER, Jason. Selective exposure to misinformation: evidence from the
consumption of fake news during the 2016 U.S. presidencial campaign. Disponível em: < https://www.dartmouth.
edu/~nyhan/fake-news-2016.pdf> Acesso em: 12 jan. 2018.
5
Idem, p. 11-12.

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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
267

No Brasil, em sessão plenária do Tribunal Superior Eleitoral do dia 18 de dezembro


de 2017,6 o então Presidente do Tribunal, Ministro Gilmar Mendes, destacou a necessidade
de dar atenção especial ao tema das fake news, esclarecendo tratar-se de assunto ainda
em desenvolvimento. Em complemento, seu sucessor, Ministro Luiz Fux, informou que
o Tribunal já teria adotado uma série de providências em relação as fake news, e que na
sua gestão ainda haveria outras, de forma a agregar as funções preventiva e repressiva.
Além disso, ao se dirigir aos protagonistas do processo eleitoral, informou a estes
que o Ministro Gilmar Mendes criou uma estrutura repressiva das fake news e que a
próxima gestão criaria “uma estrutura preventiva das fake news, que incluem medidas
de constrição de bens, medidas de restrição de liberdade daqueles que estiverem em
eventual flagrante delito se preparando para cometer esse tipo de estratégia deletéria”
apta a derreter algumas candidaturas.
Em entrevista veiculada no dia 17 de janeiro de 2017, o Diretor de Investigação
e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal informou ter sido convocado pelo
Ministro Presidente do TSE “para estabelecer um protocolo de atuação desses órgãos
[Ministério Público Federal e Polícia Federal] com relação às fake News”. Merece destaque
os seguintes trechos:

A liberdade de expressão é um bem muito caro à sociedade, e deve ser preservada a todo
custo. Não é objetivo da Polícia Federal cercear qualquer tipo de liberdade de expressão,
cercear o direito de fazer charge ou fazer humor. A grande questão é até onde vai a
liberdade de expressão, e quando passa a haver um crime, se uma pessoa se manifesta
com relação a um candidato, por exemplo, e inventa notícias mentirosas, espalha boatos
com o objetivo de prejudicar um candidato, um partido ou mesmo um cidadão comum,
deixa de haver liberdade de expressão para haver conduta dolosa.
(...)
Entrevistador: Um desafio neste debate é a definição de fake news. Com qual definição a
PF pretende trabalhar?
– Não existe uma definição oficial, isso nem cabe a PF definir, a legislação precisa definir,
sabemos que fake news é o ato de divulgar notícias mentirosas. Hoje, a previsão legal para
isso está no Código Eleitoral (...)

Ao tempo em que as fake news se apresentam como desafio, também vêm carregadas
de preocupações as soluções que podem surgir. A própria definição do que é fake news
ainda é objeto de debate e, no entanto, já se fala em prisões, sequestros de bens e outras
medidas. Pessoas físicas ou jurídicas que praticam crimes devem sofrer as consequências
de seus atos, mas é preciso cautela para, antes de tudo, sopesar os valores constitucionais
e, além disso, cuidar para não criminalizar o exercício de direito fundamental.
Fernando Gaspar Neisser, autor de importante obra sobre o tema em questão,
destaca que “seria ingênuo crer que a propaganda se dividisse de forma estanque em
verdadeira e falsa. (...) a verdade ou falsidade da propaganda pode tratar tanto do seu
conteúdo quanto da fonte de sua origem, pode ser completa ou parcial”.7 O mesmo
autor ainda adverte para dificuldade de diferenciar mentira e exagero, ressaltando que,
ao contrário da comunicação pela imprensa, em que se separa informação e opinião,

6
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=_s05MEz4CfU&t=1339s>
Acesso em: 04 jan. 2018.
7
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e mentira na política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 98.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
268 PROPAGANDA ELEITORAL

a comunicação via propaganda eleitoral é naturalmente parcial e possui objetivos


partidários.8
Ressalta, também, que “a ciência política não logrou, até o momento, mensurar
a esta influência [sobre a liberdade de formação do voto] de forma segura”.9 Ademais,
destaca que “a literatura científica consolidada aponta que o uso das propagandas
negativas, ao mesmo tempo em que atrai alguns eleitores, afugenta outros”,10 os quais
podem nutrir empatia pelo candidato prejudicado.
Assim, ao examinar critérios para criminalização da divulgação de notícias falsas
durante as eleições (previsão já contida no artigo 323 do Código Eleitoral), conclui
ser ao menos duvidoso o preenchimento do requisito lesividade da conduta, pelas
seguintes razões: (i) a princípio, a propaganda política só tem pleno efeito em regimes
totalitários, por abarcar todos os aspectos da vida das pessoas, tolhendo os espaços para
contestação; (ii) a formação do voto dos eleitores não possui dependência imediata da
propaganda eleitoral; (iii) a propaganda eleitoral negativa não se apresenta como mais
eficaz que a positiva; (iv) o candidato responsável pela propaganda eleitoral negativa,
verídica ou falsa, tem pouco controle sobre os seus resultados.11 Em relação aos efeitos
da criminalização, merece destaque o fato de que o reforço da norma pode gerar efeito
contrário do que o pretendido, fortalecendo determinados comportamentos indesejados
(emissão de notícias falsas) e cercear comportamentos desejados (debate popular).12 Na
última hipótese, as pessoas de boa-fé podem se autocensurar por medo, deixando de
participar do debate em redes sociais.
Note-se, também, que no julgamento da ADPF 130,13 o Supremo Tribunal
Federal considerou o regime constitucional de liberdade de imprensa como reforço das
liberdades de manifestação do pensamento, de informação e de expressão em sentido
genérico. Nesse sentido, tratou a comunicação como mecanismo inerente aos direitos
de personalidade, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação. Assim,
após sopesar o bloco dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco
dos direitos à imagem, à honra, à intimidade e vida privada, considerou a precedência
do primeiro bloco, assegurando ao segundo bloco o correspondente direito de resposta,
bem como responsabilidades penal, civil e administrativa e demais consequências do
pleno gozo da liberdade de manifestação.
Destacou-se, ainda, a relação mútua de causalidade entre liberdade de imprensa
e democracia, assim como a relação de inerência entre pensamento crítico e imprensa
livre, caracterizando a imprensa como instância natural de formação da opinião pública e
como alternativa à versão oficial dos fatos, razão pela qual não pode ser oligopolizada.14

8
Idem. p. 99.
9
Idem. p. 206.
10
Idem. P.206.
11
Idem. p. 214.
12
Idem. p. 261.
13
   . Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 130. Relator: Ministro Ayres Britto. Julgamento em 05.11.2009.
14
Idem.

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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
269

4.1 Da atuação da Justiça Eleitoral em matéria de fake news e seus


limites normativos
Na vanguarda dos debates sobre o tema no Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral
passou a coordenar grupo de trabalho inicialmente formado por integrantes do próprio
Tribunal, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), do Ministério da Defesa e da
Polícia Federal, com o objetivo de montar estratégias visando a coibir as fake news do
processo eleitoral brasileiro.
Posteriormente, foi instituído pela Portaria/TSE nº 949/201715 o Conselho Consultivo
sobre Internet e Eleições com as atribuições de (i) desenvolver pesquisas e estudos sobre
as regras eleitorais e a influência da Internet nas eleições, em especial o risco das fake
news e o uso de robôs na disseminação das informações; (ii) opinar sobre as matérias
que lhes sejam submetidas pela Presidência do TSE; (iii) propor ações e metas voltadas
ao aperfeiçoamento das normas.
Mencionado Conselho é formado por: (i) servidores do Tribunal; (ii) General
vinculado ao Centro de Defesa Cibernética do Departamento de Ciência e Tecnologia
do Exército Brasileiro; (iii) servidor do Ministério da Justiça; (iv) Diretor-Adjunto da
Agência Brasileira de Inteligência; (v) membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil,
cujo representante no Conselho é integrante do Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovação e Comunicações; (vi) Secretário de Política de Informática do Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações; (vii) representante da SaferNet Brasil;
(viii) Diretor de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas.
O destaque nacional e internacional dado as fake news, principalmente durante
o ano de 2017, bem como os riscos que se apresentam para o pleito de 2018, conduz
naturalmente à necessidade de debate sobre o assunto em diversas esferas, entendendo-se
salutar que a Justiça Eleitoral conduza o debate sobre o tema.
Inclusive, o Conselho Consultivo caminhou muito bem em seus passos iniciais,
pois dentre os principais pontos discutidos estava a “necessidade de criação de cartilhas
e campanhas de conscientização para a população”,16 proposta bem menos drástica
do que a informada em sessão Plenária do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de
efetuar constrição de bens, restrição da liberdade, dentre outras medidas preventivas
e repressivas no ambiente virtual.
Em entrevista concedida após a reunião do dia 15 de janeiro de 2017, o Coordenador
do Conselho Consultivo, Luciano Fuck, informou que: “nem todos os robôs utilizados
na internet são ruins. Há robôs benéficos, há outros que não são. Então é importante
passar as informações para os juízes, eleitores e candidatos conseguirem diferenciar
quais ferramentas são apropriadas (...)”. Ainda acrescentou que “não é objetivo do
grupo preparar um anteprojeto de lei. Nós estamos (...) estudando fórmulas de mapear,
inclusive soluções encontradas no exterior, tudo aquilo que possa contribuir à Justiça
Eleitoral a evitar os problemas que já ocorreram, que nós vimos em outras eleições”.17

15
   .Tribunal Superior Eleitoral. Portaria nº 949/2017.
16
   .Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/
conselho-consultivo-sobre-internet-e-eleicoes-se-reune-no-tse> Acesso em: 16 jan. 2017.
17
   . Tribunal Superior Eleitoral. <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Janeiro/fake-news-e-regras-
para-a-propaganda-eleitoral-na-internet-sao-temas-de-reuniao-no-tse>. Acesso em: 22 jan. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
270 PROPAGANDA ELEITORAL

Até aqui o Conselho Consultivo caminhou em perfeita sintonia com as balizas


constitucionais. De qualquer forma, cabe avaliar a hipótese de a Justiça Eleitoral
eventualmente passar a legislar sobre a matéria, abordando não apenas os seus limites,
mas os motivos pelos quais os limites existem.
Trata-se de instituição de grande relevância para democracia brasileira e que
precisa ser preservada, autolimitando-se no exercício de suas funções, sob pena de,
ultrapassando a linha do poder regulamentador, entrar em terreno para o qual não
foi constitucionalmente destinada a caminhar, justamente por causa das excepcionais
prerrogativas a ela atribuídas, de executar, regulamentar e julgar o processo eleitoral. A
superação dos limites do poder regulamentar é danosa e agravada pela “característica
especial da Justiça Eleitoral, que em muito a diferencia dos demais órgãos integrantes
do Poder Judiciário: os Poderes de Polícia e de Fiscalização de que é imbuída”.18
Assim, pelas prerrogativas que exerce, a estrutura institucional da Justiça
Eleitoral fica fora de toda a construção sobre repartição e contenção dos poderes
constitucionais, fazendo com que o avanço no campo legislativo traga para si demanda
por democratização, com revisão do modelo concentrado de organização das eleições.
Quando a Justiça Eleitoral promove audiências públicas, faz bem, pois abre
para comunidade interessada a possibilidade de manifestação sobre temas que,
necessariamente, o Tribunal terá que regulamentar, pois faz parte de suas competências.
Contudo, as audiências públicas nunca terão o condão de legitimar a produção de
norma primária pelo Tribunal, pois tal ato ultrapassa a sua competência regulamentar.
A par dos limites formais desenhados pelos princípios constitucionais e pela lei,
a criação de normas primárias pela Justiça Eleitoral, mesmo com a prévia realização
de audiências públicas, apresenta-se problemática, pois apenas uma das partes do
debate se encontra investida das imunidades do cargo. Isso demonstra que a estrutura
do Poder Judiciário foi pensada para sua atividade típica, que é julgar, ficando fora
de lugar qualquer hipótese legítima de uso da sua estrutura judicial para exercício de
atividade legislativa.
É importante contextualizar a criação da Justiça Eleitoral no tempo, com objetivo de
verificar se as premissas de Estado existentes nos momentos chave para sua formatação
concentrada ainda são compatíveis. Tendo em vista que a abordagem histórica não
é o objetivo específico do artigo, os elementos a seguir não cobrirão todos os dados
relevantes sobre a questão, destacando-se aqueles mais importantes. Criada em 193219
por Decreto de Getúlio Vargas, Chefe do Governo Provisório, a Justiça Eleitoral ganhou
status Constitucional em 1934 e já em 1937 deixou de ser incluída naquela Constituição.
Retornou em 1945, teve sua formatação concluída no Código Eleitoral de 1965 e segue em
funcionamento agregando as funções de administrar, regulamentar e julgar processos
eleitorais.
É relevante notar que os revolucionários de 1930 tinham entre as suas pautas
imediatas resolver as fraudes nos alistamentos, apurações, proclamações, etc. Dessa
forma, a criação de uma Justiça Eleitoral com poderes altamente concentrados não

18
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e mentira na política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 58.
19
Não é objetivo do presente artigo problematizar o processo de criação da Justiça Eleitoral, valendo ressaltar,
apenas, que a partir das leis nº 3.139 de 02 de agosto de 1916 e 3.208, de 27 de dezembro de 1916, teve-se o ponto
de partida para criação da Justiça Eleitoral posteriormente.

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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
271

era em si um grande problema, contanto que no seu conteúdo fosse capaz de dar as
respostas esperadas.
Mais do que isso, naquele contexto, a concentração de poderes não era sequer
uma questão, pelo contrário, a centralização era uma pauta naquele contexto. Além
disso, o Estado era autoritário. Havia absoluta preponderância do Poder Executivo
fazendo com que a concentração de funções na Justiça Eleitoral não pudesse representar
um problema para uma democracia que efetivamente, não existia. Tal conformação
autoritária de Estado20 teve como marca determinante a ideia de superação da democracia
parlamentar. Para Francisco Campos, jurista de grande relevância junto ao Governo
Vargas (e também junto aos militares de 64) “a sobrevivência da democracia dependeria
da qualidade das decisões, para as quais os parlamentos não eram capazes devido a
grande especialização técnica das matérias”.21
Em síntese, foi a partir desse contexto de organização das forças políticas que a
Justiça Eleitoral foi criada, estruturada e adentrou o regime democrático de 1988, em
meio ao movimento de transição,22 formando uma espécie de mistura institucional de
períodos autoritários e democráticos. Dificilmente uma Justiça Eleitoral criada após
a Constituição de 1988 agregaria tantas funções. Assim, a atividade regulamentar da
Justiça Eleitoral encontra limites em sua própria estrutura institucional, que a impede
de ingressar no terreno legislativo de forma democrática.
Com tantos serviços prestados em prol da democracia e das eleições, principal-
mente na vigência da Constituição de 1988, seria injusto dizer que a Justiça Eleitoral
não é democrática ou que não possua absoluta relevância para condução do processo
eleitoral. Pelo contrário, a Justiça Eleitoral já prestou e tem condições de prestar ainda
muitos serviços à democracia brasileira. Todavia, o avanço sobre matéria legislativa
torna cada vez mais latente a herança autoritária capaz de deslegitimar a atual forma
de organização concentrada. Em razão disso, em matéria de fake news, faz bem o TSE
em promover estudos, entender as ameaças e até levar projetos de lei ao Congresso,
pois a preservação do seu modelo institucional depende, em grande medida, de uma
autocontenção no exercício de sua função enquanto órgão regulamentador.

4.2 Fake news, radiodifusão e processo eleitoral


A ideia de mobilizar o aparato estatal para o combate das fake news com vistas
a garantir confiabilidade ao processo eleitoral traz consigo tema correlato também a
merecer atenção. Trata-se da questão das concessões de radiodifusão para empresas
que possuem em seus quadros titulares de mandato eletivo e a importância de debate
aberto sobre o tema.
Em novembro de 2017, o Ministro Gilmar Mendes, enquanto Presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, realizou audiência pública na qual se pretendeu “avaliar

20
O pensamento autoritário referido foi norteado por importantes juristas e intelectuais brasileiros do fim do século
XIX e início do século XX, dentre eles, Alberto Torres, Oliveira Vianna, Francisco Campos, Azevedo Amaral e
Plínio Salgado.
21
BUENO, Roberto. Francisco Campos e o autoritarismo brasileiro: um diálogo oculto com Carl Schmitt. Res Publica
– Revista de Historia de las Ideas Políticas. v. 19, nº 1, 2016. p. 98.
22
MORLINO, Leonardo. Consolidación democrática, definición, modelos, hipótesis. Revista espanhola de investigaciones
sociales. v. 35, p. 7-61, 1986. 15.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
272 PROPAGANDA ELEITORAL

a virtual influência da mídia no processo eleitoral através da exibição de candidatos


nas programações normais das rádios e TVs”.23 Conquanto, mais uma vez, o Tribunal
tenha se destacado na condução de importantes debates, a discussão envolvendo as
concessões de radiodifusão é mais profunda, conforme adiante abordado.
Ao destacar que a democracia norte-americana tem sido golpeada por mudanças
tecnológicas na forma de comunicação com o eleitor, Hunt Allcott e Matthew Gentzkow24
mencionam as transformações ocorridas no século XIX, quando o barateamento da
imprensa escrita permitiu aos jornais partidários ampliação dramática do seu alcance,
comprometendo a eficácia da imprensa como fonte de controle do poder. No século
XX, as transformações sobre a comunicação de massa operadas pelo rádio e pela TV
reduziram o conteúdo dos debates políticos a privilégios carismáticos, fortalecendo
o papel político das grandes corporações de mídia na construção de candidatos ao
exercício do poder. Nos tempos mais recentes, a atenção está voltada para as redes
sociais, cujas plataformas permitem que usuários individuais alcancem tantos leitores
quanto grandes corporações de mídia.25
Como se nota, ao longo do tempo a mídia transformou não apenas a forma de
interação social, mas, inevitavelmente, a forma como se fazem as eleições. A despeito de
um novo mecanismo e de seu maior alcance, a divulgação de notícias falsas capazes de
influenciar o comportamento social e o resultado das eleições não possui nada de novo.
A capacidade de influência da mídia, bem como a discussão sobre a liberdade
e censura prévia foram notadas no Brasil desde a popularização da imprensa escrita
privada, mecanismo que permitiu a multiplicação de informações em relativamente
curto espaço de tempo. É oportuno trazer dados capazes de demonstrar que cada
época teve as suas fake news para se preocupar, não obstante os remédios tenham sido
diversos. Em todos os períodos, o maior controle pelo Estado resultou também em
maior prejuízo democrático.
Em meio ao processo de independência do Brasil, com profunda agitação política,
ideológica e convivendo com os incendiários jornais pasquins, cuja popularidade teve
origem durante o Império, D. Pedro I expediu o Decreto de 22 de novembro de 1823 para
dar execução provisória a projeto enviado à Assembleia, o qual previa a possibilidade
de censura prévia. Fundamentou o Imperador que a liberdade de imprensa é um dos
mais firmes sustentáculos dos Governos Constitucionais, mas que também o abuso dela
os leva ao abismo da guerra civil e da anarquia. Dessa forma, considerava necessário
empregar remédio contra os inimigos do Império, de maneira que a liberdade de
imprensa deveria servir ao bem e ao interesse geral do Estado.26
No ano seguinte, quando da outorga da Constituição de 1824, foi estabelecido
em seu artigo 179, inciso IV, que todos poderiam comunicar os seus pensamentos, por
palavras, escritos, além de publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, com
tanto que respondessem pelos abusos cometidos no exercício deste direito.

23
   . Tribunal Superior Eleitoral. Audiência pública realizada em 09.11.2017. Disponível em:<https://www.
youtube.com/watch?v=mR7xTKrxIUQ>. Acesso em: 18 jan. 2018.
24
ALLCOTT, Hunt. GENTZKOW Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic
Perspectives. v. 31, nº 2, spring 2017. p. 211–236.
25
Idem.
26
____.Decreto de 22 de novembro de 1823. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/
dim/DIM-22-11-1823.htm>. Acesso em: 13 jan. 2018.

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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
273

Ainda que na prática a falta de regulamentação do dispositivo constitucional


mantivesse por algum tempo a vigência do Decreto limitador, a alteração constitucional
demonstra como já naquele havia resistência à censura prévia. Mais adiante, o Código
Criminal de 183027 demonstrava a preocupação que se tinha com a disseminação de
notícias e trazia diversas regulamentações.
Em seu artigo 7º tratava dos delitos de abuso da liberdade de comunicar os
pensamentos, tratando como criminosos: (i) o responsável pela impressão, desde que
apresentasse documento escrito de responsabilidade do editor, sendo este pessoa
conhecida, residente no Brasil e no gozo dos direitos políticos; (ii) o editor que se
obrigou, desde que apresentasse documento escrito de responsabilidade do autor,
com as mesmas qualidades mencionadas; (iii) o autor que se obrigou; (iv) o vendedor
e o que fizesse distribuir os impressos ou gravuras, quando não constasse quem era o
impressor, ou este fosse residente em outro país, ou quando os impressos e gravuras já
tivesse sido condenado por abuso anteriormente; (v) os que comunicassem para mais
de 15 pessoas os escritos não impressos, caso não provassem quem era o autor e se este
havia consentido, hipótese em que a responsabilidade era do autor.
O artigo 8º destacava que a abusividade dos escritos seria interpretada segundo as
regras de boa hermenêutica e não por frases isoladas e deslocadas. Dentre as excludentes
de responsabilidade dispostas no artigo 9º, vale mencionar a liberdade para disseminar
opiniões e discursos de parlamentares, e os que censurassem atos do Governo e da
Administração Pública.
No segundo Império a crítica política era melhor assimilada por D. Pedro II, tendo
o país experimentado liberdade de imprensa, embora relativa, pois os funcionários do
Estado muitas vezes faziam por conta própria a censura. Para notar a tônica das críticas,
vale trazer como exemplo o periódico O Corsário categorizado como um dos pasquins
que circulavam no Rio de Janeiro:28
A S. M. O Imperador...Senhor, tendes muitos defeitos, tantos como qualquer outro homem
que fosse educado como Vossa Majestade, mas esses se tornam mais notáveis em Vós
porque sois Soberano. Educado por padres, cercado só por aduladores e ambiciosos
vulgares, Vossa Majestade circunscreveu o seu caráter em um estreito círculo caprichoso,
pouco esperto, muito pretencioso e ridículo, eis o que é Vossa Majestade.

De outro lado, a relação entre propaganda inverídica oficial e o seu objetivo de


influenciar o pensamento coletivo nacional foi algo marcante em todos os regimes políticos
brasileiros, cabendo destacar, em relação ao Segundo Reinado, o impulso à construção
de uma identidade nacional que escondia a verdade das mazelas da escravidão e o papel
do negro na formação do país, valendo citar os consagrados romances O Guarani (1857)
e Iracema (1865) de José de Alencar que idealizaram o índio e com hipervalorização da
cultura europeia.29

27
_____. Código Penal de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/
lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 13 jan. 2018.
28
BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Disponível em <https://bndigital.bn.gov.br/artigos/corsario-periodico-critico-
satyrico-e-litterario/>. Acesso em: 13 jan. 2018.
29
SILVA, Darlene. José de Alencar: (des) construção da identidade brasileira. IV Seminário de pesquisa e extensão em
Letras. Universidade Estadual de Santa Cruz. Disponível em: <http://www.uesc.br/eventos/sepexle/ivsepexle/
artigos/art5_silva.pdf.> Acesso em: 11 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
274 PROPAGANDA ELEITORAL

Destaque-se, também, a contratação a peso de ouro de Pedro Américo para


reproduzir em pintura o ato de Independência do Brasil de 07 de setembro de 1822,
dando tom muito mais heroico do revela a verdade dos fatos. Nos dias de hoje tais
dados são até cômicos, mas foram feitos com propósito de dar sustentação a regime
político pela via da propaganda.
Adiante, a comunicação via imprensa escrita e telegráfica foram engenhos
fundamentais para queda do Império e instauração da República. Temendo sofrer
do mesmo veneno, o Estado Republicano ainda em seu Governo Provisório, editou o
Decreto 85-A de 23 de dezembro de 1889 estabelecendo penas militares para aqueles
que conspirassem contra a República e seu Governo. Em complemento, em 29 de março
de 1890 editou o Decreto 295,30 segundo o qual estavam sujeitos ao Decreto anterior
todos aqueles que dessem “origem a falsas notícias e boatos alarmantes dentro ou fora
do país”31 ou que concorressem “pela imprensa, por telegrama ou por qualquer modo”
para botá-los em circulação.
Tal medida considerou que com prejuízo da ordem e da paz pública havia-se
posto em circulação “falsas notícias e boatos aterradores, com o intuito manifesto e
anti-patriotico de favorecer condenáveis especulações”,32 que tais “notícias e boatos
falsos” prejudicavam o crédito do país no exterior, além de que o regime “da injúria
e dos ataques pessoais” tinham por finalidade desprestigiar a autoridade e levantar
contra ela a desconfiança para favorecer a execução de planos subversivos “do que
esclarecer e dirigir a opinião no exame dos atos governamentais”. Argumentava, ainda,
que o Governo não pretendia impedir o exercício do direito, “aliás reconhecido, da
livre discussão sobre seus atos”, não podendo, todavia, “permanecer indiferente em
presença de ação criminosa dos que intentam por todos os meios criar a anarquia e
promover desordem”.33
Esse ponto merece atenção redobrada, pois o país tinha acabado de passar por um
golpe militar para instauração da República na calada da noite. Temendo resistência até
o prazo de 24 horas para que o Imperador e sua família deixassem o Brasil foi encurtado
e ainda pela madrugada a família imperial foi obrigada a partir. Nessa perspectiva, os
republicanos não apenas surpreenderam grande parte do povo, mas também trataram
de demonizar e reprimir as críticas que se fizessem ao novo regime e ao seu Governo,
tratando como fake news as matérias veiculadas pela oposição, com aplicação de penas
militares aos responsáveis.
Ainda no mês da proclamação da República, Camille Blondel, o encarregado de
negócios da França no Rio de Janeiro, destacava a tentativa dos vencedores de 15 de
novembro de construir uma versão oficial dos fatos destinada à história.34 A instauração
do novo regime sem transparência ou participação popular teve dificuldades de construir

30
   . Decreto 295 de 29 de marco de 1889. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/
decreto-295-29-marco-1890-541739-publicacaooriginal-47734-pe.html>. Acesso em: 13 jan.2018.
31
Idem.
32
Idem.
33
Idem.
34
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. 23 ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2014. p. 35.

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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
275

um herói, tão necessário por entenderem que estes eram “instrumentos eficazes para se
atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos”.35
As figuras do Marechal Deodoro, Benjamin Constant e Floriano Peixoto, que
disputaram as honras pela proclamação da República, não emplacaram. Após muito
debate propagandístico, tendo sido enforcado em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi
escolhido como símbolo da República de 1889. Não que seus atos tivessem ficado
esquecidos por tantos anos, mas a verdade é que não havia relação direta entre o seu
enforcamento e o contexto em que a República foi proclamada. Pesava a favor dele “a
identificação aberta com Cristo. O cerimonial do enforcamento, o cadafalso, a forca
erguida a altura incomum, os soldados em volta, a multidão expectante – tudo contribuía
para aproximar os dois eventos, a crucificação e o enforcamento, Cristo e Tiradentes”.36
Outra fake news histórica foi a ideia de copiar dos europeus a forma de retratar
a República como mulher, visualizando nisso uma forma de comunicação. Ora, no
Brasil a mulher enfrentava (e ainda enfrenta) realidade completamente distinta daquela
exposta pelos principais artistas da época, pois “não tinha lugar no mundo da política,
não tinha lugar fora de casa”.37
Não obstante as fake news republicanas tenham investido grande esforço para
conquistar a posteriori os corações dos cidadãos brasileiros, por meio de livros, jornais,
revistas, publicações da Igreja e toda forma de comunicação em massa então disponível,
avalia José Murilo de Carvalho que “falharam os esforços das correntes republicanas que
tentaram expandir a legitimidade do novo regime para além das fronteiras limitadas da
corrente vitoriosa (...) o esforço empreendido não foi suficiente para quebrar a barreira
criada pela ausência de envolvimento popular na implantação do novo regime”,38
demonstrando que naquele contexto os fatos irreais propagandeados não alcançaram
o eleitor.
Em seguida, a popularização do rádio durante a República Velha tornou obsoletas
as regulações destinadas a controlar preventivamente as manifestações na imprensa
escrita, haja vista os inúmeros grupos que se juntavam em vários Estados do país para
fundar suas rádios privadas, surgindo disso a propaganda no rádio, com bastante
liberdade em relação ao controle estatal nesse período.
Após alguns anos de regulação tímida ou pouco executável, no Governo Vargas
o rádio passou a ser extremamente regulado pelo Estado, que realizava o controle
das concessões e do conteúdo veiculado, tendo sido criado em 1934 o Departamento
de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), seguido do Departamento Nacional de
Propaganda (DNP). Em 1938 o DNP proibiu as transmissões de rádio em língua
estrangeira e a importação de jornais e revistas publicadas no exterior. Em seguida,
Vargas assinou o Decreto-Lei 300 que estabelecia isenção tributária para importação de
papel aos proprietários de jornais e revistas que cumprissem diversas exigências. Com
isso, passou a conceder favores fiscais aos que estivessem com o Governo.39

35
Idem. p. 55.
36
Idem. p. 68.
37
Idem. p. 95.
38
Idem. p. 141.
39
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Disponível em: <http://cpdoc.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/
EducacaoCulturaPropaganda/DIP> . Acesso em: 15 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
276 PROPAGANDA ELEITORAL

Finalmente, em 27 de dezembro de 1939, o Decreto 1.915 criou o Departamento


de Imprensa e Propaganda (DIP). Tal Departamento tinha, dentre outras funções,
“centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional”, bem como
“fazer a censura do Teatro, do Cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer
natureza, de radiodifusão, da literatura social e política e da imprensa”.40
Especificamente em relação ao rádio, foi difundida a sua utilização nas escolas,
estabelecimentos agrícolas e foi criado o programa A Hora do Brasil, que era transmitido
para todo o território brasileiro, embrião da atual A voz do Brasil. Existia, ainda, o
cinejornal brasileiro, de exibição obrigatória antes das sessões de cinema. Como reflexo da
2a Guerra Mundial no Brasil, percebeu-se campanha de mídia para penetração cultural
do governo americano cujo objetivo era afastar a influência alemã no Brasil. Foi nesse
contexto que surgiram personagens emblemáticos, como o Tio Sam.41
Finalmente, a popularização da tecnologia de telecomunicações no Brasil coincidiu
com o regime militar instituído em 1964, a quem coube dar o tratamento legal. No período
de 1965 a 1972 importantes entes públicos foram criados, tais como a Empresa Brasileira
de Telecomunicações (Embratel), Sistema Telebrás e o Ministério das Comunicações,
favorecendo o desenvolvimento de redes nacionais, ficando o Estado com o monopólio
das concessões e exercendo severa censura prévia sobre os conteúdos veiculados no
interesse do regime.42
Com a redemocratização, se por um lado foram encerradas as censuras prévias
institucionalizadas pelo Estado, oportunizando maior liberdade aos canais de radiodi-
fusão, por outro lado, “o coronelismo eletrônico esvaziou esta possibilidade, trazendo
consigo uma disciplina mais flexível, pela qual a programação regional ou local passou
a se vincular estreitamente aos interesses eleitorais dos proprietários de concessões e
licenças de retransmissão televisivas”.43
Nesse sentido “a parceria entre as redes de comunicações nacionais e os chefes
políticos locais torna possível uma concentração casada de audiência e de influência
política da qual o poder público não pode prescindir”.44 Registre-se que a veiculação
de notícias pelas redes sociais, embora possua relevante impacto, ainda não alcançou a
influência que ainda possui o sistema de radiodifusão, tendo em vista o acesso amplo
e gratuito.
O relatório final da pesquisa brasileira de mídia da Presidência da República
(2016) destaca que a TV é o meio de comunicação mais acessado pelos entrevistados
45

e, em relação ao grau de confiabilidade das informações, registrou que mais da metade


dos que assistem TV confiam sempre, ou muitas vezes, nas notícias veiculadas por

40
   . Decreto de 27 de dezembro de 1939. <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-
1915-27-dezembro-1939-411881-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 13 jan. 2018.
41
FUNDAÇÃO GETÚLIO CARGAS. Disponível em:<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/.../Educacao
CulturaPropaganda/DIP>. Acesso em: 15 jan. 2018.
42
CAPPARELLI, Sérgio; RAMOS, Murilo C; SANTOS, Suzy. A nova televisão no Brasil e na Argentina. In: _____
et al. Enfim, sós: A nova televisão no Cone Sul. Porto Alegre: LPM, 1999. p. 11.
43
SANTOS, Suzy; CAPPARELLI, Sérgio. Coronelismo, radiodifusão e voto: a nova face de um velho conceito In:
BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 1
ed. São Paulo: Paulus, 2005, v.1, p. 77-101.
44
Idem.
45
   . Presidência da República. Pesquisa brasileira de mídia. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.secom.
gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-
de-midia-pbm-2016.pdf/view>. Acesso em: 22 jan. 2017.

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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
277

esse meio. Em relação ao rádio, seis em cada dez ouvintes de rádio confiam sempre
ou quase sempre nas notícias divulgadas por essa mídia. Em relação aos usuários de
internet, a maioria dos usuários confia poucas vezes ou nunca confia nas notícias de
sites, de blogs e de redes sociais.
Isso demostra que não obstante no caso das fake news on-line tenhamos que
lidar com o problema do anonimato, no caso das TV e Rádios, além do maior índice
de audiência no Brasil, ainda gozam de maior confiabilidade. Não é sem razão que a
utilização da radiodifusão por grupos políticos dominantes como forma de potencializar
suas chances de êxito eleitoral revela que a prática é “essencialmente, perigosa e nociva
à democracia, haja vista que pode propiciar que determinadas camadas, nichos sociais,
interesses ou campos de atuação sejam, extremamente, beneficiados, em detrimento
das camadas mais pobres e aos demais indivíduos e searas que compõe a sociedade”.46
A influência da televisão na construção de regimes políticos (embora não só ela)
mereceu destaque na obra homo videns, de Giovanni Sartori, para quem a democracia
tem sido definida com frequência como um governo de opinião, de forma que o povo
soberano opina sobre tudo em função de como a televisão o induz a opinar. Isso teria
colocado o poder de conduzir a opinião no centro de todos os processos da política
contemporânea.47
Diante dos inúmeros interesses envolvidos, não é distante a possibilidade de
utilização oportunista do problema das fake news para censurar legítimas manifestações
individuais e identificadas, minimizando de forma não democrática a participação social
no debate político. Nesse contexto, na mesma mesa em que se discutem os riscos das
fake news é preciso manter acesa a luz da proteção contra censura nas redes sociais. Isso
se faz não apenas como forma conhecer opiniões diversas daquelas apresentadas no
rádio ou na TV, mas, sobretudo, por conta das notícias convenientemente esquecidas e
que podem falsear a realidade por omissão.
A esse respeito, a mobilização para coibir as fake news nas redes sociais visando
a resguardar a lisura das eleições traz consigo debate correlato que até o momento não
alcançou tamanha mobilização. Trata-se das concessões de rádio e TV conferidas pelo
Estado para empresas que possuem em seus quadros detentores de mandato eletivo,
seja na condição de sócios, associados ou laranjas.
Existem pelo menos três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental
já ajuizadas no STF nas quais o tema é tratado. O debate gira em torno do artigo 54, II,
“a” da Constituição brasileira, segundo o qual os Deputados e Senadores não poderão,
desde a posse, ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de
favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer
função remunerada.
Nas ADPFs 246 e 379, propostas em 2011 e 2015, ambas de relatoria do Ministro
Gilmar Mendes, o PSOL sustenta as concessões de rádios e TVs a detentores de mandato
eletivo violam, fundamentalmente, a liberdade de expressão, o direito à informação, o
pluralismo político, o princípio da isonomia e, consequentemente, o direito à realização
de eleições livres. Argumenta o partido que a imprensa exerce papel fundamental

46
BARROS, Bruno Mello Correa de; OLIVEIRA, Rafael Santos de. O poder político e a mídia de massa: a perspectiva
da fiscalização de concessões e outorgas de radiodifusão no Brasil. Revista Brasileira de Políticas Públicas. v. 7, nº
2, ago. 2017. p. 369-384.
47
SARTORI, Giovanni. Homo videns: la sociedade teledirigida. Buenos Aires: Taurus, 1998. p. 68.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
278 PROPAGANDA ELEITORAL

na fiscalização dos poderes estatais, função que é distorcida quando os veículos de


imprensa possuem em sua cúpula pessoas que exercem o próprio poder estatal. Além
disso, expõe a preocupação com a capacidade de filtrar e manipular a opinião pública
a favor de seus projetos.48
Dados trazidos na petição inicial da ADPF 246 dão conta de que em 1980, 103
políticos de 16 Estados controlavam, direta ou indiretamente, emissoras de rádio e
televisão.49 Em 1981, os políticos controlavam ao todo 188 canais de rádio e televisão.50 No
período de março de 1985 a outubro de 1988 (redemocratização), o Governo Sarney, em
conjunto com o então Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, distribuiu
91 outorgas de radiodifusão a deputados e senadores constituintes.51 Assim, dos 559
constituintes, 146 parlamentares (26,1%) eram controladores de empresas prestadoras
do serviço de radiodifusão.52 Tal sequência seguiu adiante nos governos seguintes em
maior ou menor escala.
Em curioso episódio ocorrido em maio de 2001, a afiliada da TV Globo no Estado
da Bahia, recusou-se transmitir imagens do protesto de estudantes que pediam a cassação
do então Senador Antônio Carlos Magalhães, que, por sinal, comandava a mencionada
TV afiliada. Com isso, criou embaraços à transmissão das imagens da invasão violenta
da polícia à Universidade Federal da Bahia e o espancamento dos estudantes, tendo
as imagens reproduzidas pelo Jornal da Globo (de abrangência nacional) sido cedidas
pelo Sindicato dos Bancários da Bahia.53
Registre-se que o modelo de monopólio das informações de massa que “dominou
a política baiana até 2006, passou a ser questionado a partir do início dos anos 2000,
período que coincide com a difusão e popularização das novas tecnologias de informação,
particularmente, a internet”.54 Antes da internet, tal como destaca Brooke Borel, em
diversos lugares os grandes jornais davam ênfase às notícias internacionais [ou nacionais,
no caso dos Estados e Municípios] como forma a evitar desgastes com os poderosos
locais. Diante disso, as notícias acabavam circulando por meio de panfletos, boletins
informativos e boca-boca, distribuição que hoje se dá on-line.55

48
   . Supremo Tribunal Federal. ADPF 246. Relator: Ministro Gilmar Mendes.
49
LIMA, Venício A. de; LOPES, Cristiano Aguiar. Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 07 dez. 1980. No ar, a voz do dono. In: Projor: Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo. Junho
de 2007. p. 8. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/
ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4183656>. Acesso em: 20 jan. 2018.
50
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 nov. 1981. Rádio e TV dão ao PDS vantagem sobre as oposições. In: AMORIM.
José Salomão David. A radiodifusão no Brasil: 1974-1981. Comunicação & Política. v. 1, nº 2. Rio de Janeiro,
Cebela, 1983. p. 57-59. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/
ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4183656. Acesso em: 20 jan. 2018.
51
MOTTER. Paulino. O uso político das concessões das emissoras de rádio e televisão no governo Sarney.
Comunicação & Política, v.1, nº 1, ago-nov, 1994, p. 89 – 115. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/
jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4183656>. Acesso em: 16
jan. 2018.
52
Idem.
53
SANTOS, Suzy; CAPPARELLI, Sérgio. Coronelismo, radiodifusão e voto: a nova face de um velho conceito In:
BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 1
ed. São Paulo: Paulus, 2005. v.1, p. 77-101.
54
AMARAL, Clarissa Maria de Azevedo. Controle e uso da informação: estratégia de poder e dominação do grupo
liderado por Antônio Carlos Magalhães (1985-2006). 2007. 266f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação).
Universidade Federal da Bahia, Salvador. p. 21.
55
BOREL, Brooke. Fact-checking won’t Save us From fake news. Disponível em: <https://fivethirtyeight.com/features/
fact-checking-wont-save-us-from-fake-news/>. Acesso em: 23 jan. 2018.

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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
279

Em entrevista à Folha de São Paulo em 07 de janeiro de 2011, o recém empossado


Ministro das Comunicações ao ser questionado sobre a possibilidade de discussão
pública sobre a presença de políticos na radiodifusão, respondeu que havia projeto
sugerindo a proibição, mas que seria difícil que o Congresso aprovasse. Ressaltava ele
que seria “mais fácil fazer o impeachment do Presidente da República do que impedir
a renovação de uma concessão de rádio ou TV”. Questionado sobre a razão pela qual
políticos não deveriam ter concessão, afirmou que “é o Congresso que autoriza as
concessões. Então, me parece claro que o congressista não pode ter concessão (...) há
vantagem nas disputas eleitorais”.56
Em 22 de agosto de 2017, o Decreto nº 9.138 trouxe novo regulamento aos serviços
de radiodifusão, desburocratizando os critérios formais para outorga e reproduzindo
a regra já anteriormente presente no Decreto nº 91.837 de 25 de outubro de 1985,
exigindo-se já na fase de habilitação a apresentação de documento capaz de atestar
que “nenhum dos dirigentes está no exercício de mandato eletivo que lhes assegure
imunidade parlamentar ou de cargos ou funções dos quais decorra foro especial”.
Por outro lado, no final de 2016, o Presidente Michel Temer propôs a ADPF 429,
de relatoria da Ministra Rosa Weber, por meio da qual alega que ofendem a Constituição
as decisões judiciais que: (i) impedem a outorga e a renovação de concessões a pessoas
jurídicas que possuem políticos titulares de mandato eletivo como sócios ou associados; (ii)
as que proíbem os titulares de mandato eletivo de participar, como sócios ou associados,
de pessoa jurídica que detenha a outorga de serviço de radiodifusão.
Destaca a petição que a participação de políticos titulares de mandato eletivo como
sócios ou associados de veículos de imprensa não ofende a liberdade de expressão ou a
autonomia da imprensa. Isso porque não se pode aferir desse fato a suposta manipulação
da opinião pública.57 Além disso, entende que a proibição injustificada de acesso ao
sistema de radiodifusão por empresas que possuam em seus quadros membros do Poder
Legislativo ou outros detentores de mandato eletivo “representa ofensa à liberdade de
expressão, restrição incompatível com uma sociedade democrática”.58
Como se observa, os representantes das correntes favoráveis e contrárias às
concessões já levaram os seus argumentos ao STF, sendo o caso de dar maior amplitude
ao debate, que é da maior importância.

4.3 As soluções apontadas fora do direito positivado


A análise sobre a influência das fake news no processo eleitoral e a busca de soluções
para minimizar os seus efeitos merece atenção de inúmeras áreas do conhecimento,
notadamente área de tecnologia, o jornalismo, a ciência política, o direito e outras. No
caso do direito recomenda-se cautela, uma vez que a sua ação será, necessariamente,
limitadora e poderá esbarrar em direitos fundamentais.
Nesse ponto, o Tribunal Superior Eleitoral, no exercício de sua função de
organizador das eleições tem papel relevante, haja vista a sua capilaridade para agregar

56
LOBATO. Elvira. Ministro defende proibição de que políticos tenham TV. Folha de São Paulo, 07 jan. 2001. Disponível
em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0701201102.htm>. Acesso em: 20 jan. 2018.
57
   . Supremo Tribunal Federal. ADPF 429. Relatora: Ministra Rosa Weber.
58
Idem.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
280 PROPAGANDA ELEITORAL

todas as áreas envolvidas. Na linha do que até aqui propôs o Conselho Consultivo
do Tribunal em matéria de fake news (campanhas educativas), surgem interessantes
movimentos competitivos junto às plataformas de veiculação de notícias.
Na recente campanha intitulada “Magazine midia. Better. Believe it!”, veiculada no
site da Association of Magazine Midia,59 apresenta-se a revista como plataforma conhecida
pelos leitores e anunciantes, que veicula informação de credibilidade, com conteúdos
profissionalmente escritos, editados e produzidos para disponibilização em ambientes
seguros, seja em papel ou em plataformas digitais.
Na mesma linha, com autorização da Associação americana, a Associação
Nacional dos Editores de Revistas replicou a campanha no Brasil, com o slogan Revistas.
Eu Acredito!.60 A página da Associação informa que a campanha tem o objetivo de:
(i) valorizar a mídia revista e sua capacidade de produzir, em diversas plataformas,
conteúdo profissional, confiável, seguro; (ii) alertar as pessoas sobre conteúdos falsos
– fake news. Os anúncios da campanha estão sendo veiculados nas revistas e em redes
sociais, valendo destacar a seguinte:

Você já compartilhou notícia falsa? Você sabe de onde vêm as notícias que recebe? Checa
as informações? Antes de compartilhar notícias você consulta se foram publicadas em uma
mídia clássica? Disfarçadas, com linguagem alarmante e sem apuração jornalística, elas
estão influenciando leitores que não conseguem identificar o que é verdadeiro e o que é
falso. Não compartilhe informações sem checar a fonte! Com conteúdo comprovadamente
consistente, as revistas produzem reportagens seguras e confiáveis, seja na versão impressa,
on-line, no celular ou em vídeo.61

Ao ressaltar o papel cada vez mais importante dos fact-checkers, alguns profissionais
destacam que este é “um momento incrível para ser jornalista” e que “nunca o papel de
investigação foi tão importante”.62 Por outro lado, a importância da imprensa clássica
como forma de desmascarar notícias falsas enfrenta críticas, como a de que “os meios
de comunicação continuam tentando desmascarar notícias falsas. Isso não funcionará,
particularmente para leitores que já decidiram que a imprensa tradicional é uma notícia
falsa – e, justa ou não, partidária”.63
Como se pode observar, as ações mais eficazes até o momento para minimizar
a questão das fake news não focam no agente emissor de notícias falsas (não por
benevolência, mas pela dificuldade de quebrar o anonimato e por ser improvável
que seja convencido a mudar de comportamento), tendo como foco o consumidor de

59
Texto original: “Magazine media brands are long-standing, recognizable and trusted by consumers and advertisers.
They communicate with authority using professionally researched, written, edited and produced curated content
that is delivered in safe environments, whether on paper or on digital platforms. Over 130 magazine brands have
joined forces in an industry-wide advertising campaign to share the message that magazine media delivers the
most credible, trusted, engaging content over any other form of media”. ASSOCIATION OF MAGAZINE MIDIA.
Disponível em <http://www.magazine.org/magazine-media-better-believe-it>. Acesso em: 23 jan. 2018.
60
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EDITORES DE REVISTAS. Disponível em <http://www.aner.org.br/
revistaseuacredito/>. Acesso em: 23 jan. 2018.
61
Idem.
62
GREENBLATT, Alan. The Future of Fact-Checking: Moving ahead in political accountability journalism. Disponível
em: <https://www.americanpressinstitute.org/publications/reports/white-papers/future-of-fact-checking/single-
page/>. Acesso em: 21 jan. 2018.
63
BOREL, Brooke. Fact-Checking wont save us from fake news. Disponível em: <https://fivethirtyeight.com/features/
fact-checking-wont-save-us-from-fake-news/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
281

notícias e o jornalismo já que, estes sim podem ser conscientizados a filtrar as notícias
que recebem e divulgam.
Sem falar nas ações que as poucas empresas responsáveis pela maior parte do
consumo de redes sociais no mundo podem tomar, eis que “esse fenômeno é uma
ameaça ao modelo de negócios das redes sociais e outras mídias digitais. Afinal, que
marca gosta de ser associada a um conteúdo fraudulento”.64
Em matéria intitulada Silicon Valley can’t destroy democracy without our help Emily
Parker,65 ao avaliar a posição das empresas de tecnologia do Vale do Silício (criadoras
das plataformas de redes sociais), destaca que, nós, os usuários, não somos inocentes.
Algumas propagandas russas nas mídias sociais foram replicadas do conteúdo
publicado pelos americanos. Sim, as mídias sociais ajudam a propaganda a se espalhar
mais e mais rápido. Mas o Facebook e o Twitter não obrigam os usuários a compartilhar
informações erradas. Os americanos são tão facilmente enganados? Ou mais alarmante,
eles simplesmente acreditavam no que eles queriam acreditar?
O potencial danoso das notícias falsas inclui a utilização de robôs, anonimato,
dentre outros, mas não se pode excluir o fundamental componente humano, que é a
vontade de replicar mensagens sem avaliação prévia, na maior parte das vezes, sem
má-fé. “As pessoas querem replicar as histórias, mesmo sem saber exatamente do que
se trata. É algo feito por instinto, querem ser os primeiros a levarem uma informação
qualquer para um grupo”.66
Seguindo esse caminho educativo, as fake news possivelmente não deixarão de
existir, mas talvez esse ideal nunca seja alcançado; de qualquer maneira, é um problema
que a sociedade identificará como resolver e que dificilmente mais uma lei ajudará nessa
missão, podendo, por outro lado, prejudicar em outras. Em relação ao direito individual
afrontado, obviamente que ficam preservadas as medidas liminares, as reparatórias e
as compensatórias.
Portanto, as fake news representam um problema que merece tratamento, todavia, a
dúvida que fica é se o direito e a lei são os melhores instrumentos para resolver a questão.
Acredita-se fortemente que as ações destes instrumentos errarão o alvo e atingirão direitos
fundamentais, afrontando a própria democracia que se pretende proteger. Talvez seja o
caso de reconhecer que, nesse assunto e nesse momento, a eventual nova lei tem mais
condições de piorar do que de aperfeiçoar o quadro democrático.
Enquanto isso, para defesa do aperfeiçoamento da democracia e da normalidade
e legitimidade das eleições, recomenda-se um olhar mais atento ao regime de concessões
de rádios e TVs para empresas que possuem em seus quadros detentores de mandatos
políticos, tema que se encontra apresentado ao Supremo Tribunal Federal por meio das
ADPFs 246, 379 e 429, aqui citadas.

64
SILVA, Nayane Maria Rodrigues da. Fake News: a revitalização do jornal e os efeitos fact-checking e crosscheck
no noticiário digital. Temática: Ano 8, nº 8. ago/2017. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/
tematica/article/view/35728/18139>. Acesso em: 22 jan. 2018.
65
PARKER, Emily. Silicon Valley can’t destroy democracy without our help. The New York Times. 11 fev. 2017.
Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/11/02/opinion/silicon-valley-democracy-russia.html>. Acesso
em: 23 jan. 2018.
66
Matéria publicada no Correio Braziliense de 20.01.2018. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.net.
br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 20 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
282 PROPAGANDA ELEITORAL

Referências
ALLCOTT, Hunt. GENTZKOW Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic
Perspectives. v. 31, nº 2, spring 2017.
AMARAL, Clarissa Maria de Azevedo. Controle e uso da informação: estratégia de poder e dominação do
grupo liderado por Antônio Carlos Magalhães (1985-2006). 2007. 266f. Dissertação (Mestrado em Ciência da
Informação). Universidade Federal da Bahia, Salvador.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EDITORES DE REVISTAS. Disponível em: <http://www.aner.org.br/
revistaseuacredito/>. Acesso em: 23 jan. 2018.
ASSOCIATION OF MAGAZINE MIDIA. Disponível em: <http://www.magazine.org/magazine-media-better-
believe-it>. Acesso em: 23 jan. 2018.
BARROS, Bruno Mello Correa de; OLIVEIRA, Rafael Santos de. O poder político e a mídia de massa: a
perspectiva da fiscalização de concessões e outorgas de radiodifusão no Brasil. Revista Brasileira de Políticas
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BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Disponível em: <https://bndigital.bn.gov.br/artigos/corsario-periodico-
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BOREL, Brooke. Fact-Checking wont save us from fake news. Disponível em: <https://fivethirtyeight.com/
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BUENO, Roberto. Francisco Campos e o autoritarismo brasileiro: um diálogo oculto com Carl Schmitt. Res
Publica – Revista de Historia de las Ideas Políticas. v. 19, nº 1, 2016.
CAPPARELLI, Sérgio; RAMOS, Murilo C; SANTOS, Suzy. A nova televisão no Brasil e na Argentina. In:
_____ et al. Enfim, sós: A nova televisão no Cone Sul. Porto Alegre: LPM, 1999.
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BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
283

Junho de 2007. p. 8. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/


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SILVA, Darlene. José de Alencar: (des) construção da identidade brasileira. IV Seminário de pesquisa e extensão
em Letras. Universidade Estadual de Santa Cruz. Disponível em: <http://www.uesc.br/eventos/sepexle/
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SILVA, Nayane Maria Rodrigues da. Fake News: a revitalização do jornal e os efeitos fact-checking e crosscheck
no noticiário digital. Temática: Ano 8, nº 8. ago/2017. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/
tematica/article/view/35728/18139>. Acesso em: 22 jan .2018.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SILVA, Bruno Rangel Avelino da. Fake news, radiodifusão e os limites da Justiça Eleitoral. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 265-283. (Tratado de Direito Eleitoral, v.
4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 5

A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA


ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO
E O COMBATE ÀS FAKE NEWS

FERNANDO MATHEUS DA SILVA1

5.1 Introdução
O que são as eleições senão um processo concorrencial? Afinal, durante um
período determinado pela legislação, diversos candidatos (concorrentes) se apresentam
aos eleitores a fim de buscar o seu voto mediante a apresentação de ideias. Daí que
pode ser de grande valia ao Direito Eleitoral a utilização/aplicação de institutos já
consolidados do Direito Econômico. Relembre-se que este ramo jurídico lida com
situações semelhantes ao processo eleitoral.
Isso porque cabe aos seus órgãos de controle garantir a lisura da concorrência
entre os agentes econômicos, seja direcionando ou reprimindo condutas, exatamente a
competência reservada à Justiça Eleitoral em relação às eleições, tendo em vista a dupla
função típica deste órgão judiciário que, além de julgar os processos jurisdicionais
mediante provocação, também organiza a disputa, inclusive com a emissão de resoluções
que podem, ao final, induzir e/ou impor condutas/abstenções.
Isto é, a Justiça Eleitoral se assemelha, em alguns de seus aspectos, à figura das
Agências Reguladoras, na medida em que organiza o desencadeamento de todos os
atos das eleições e, ainda, exerce a função de julgar os processos quando provocada.
As Agências, por óbvio, não exercem jurisdição, mas julgam processos administrativos
que lhe são submetidos no âmbito de sua competência.
Cabe destacar, entretanto, que a despeito da comparação, a democracia não é
serviço público e tampouco atividade econômica. Por isso mesmo é que o âmbito de
atuação da Justiça Eleitoral se mostra bastante mais complexa que qualquer regulação
econômica realizada por outros órgãos, ante a sua atividade de mediadora da vontade
popular, para que o processo eleitoral transcorra em ambiente de ampla concorrência
e liberdade de escolha, materializando direitos fundamentais, pois sem a sua prática,

1
Agradecimento especial aos amigos Luiz Fernando Casagrande Pereira e Luiz Eduardo Peccinin pelo convite.
Dedico o trabalho para a minha filha Helena Figuel Matheus da Silva.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
286 PROPAGANDA ELEITORAL

segundo Friedrich Muller: “o povo permanece em metáfora ideologicamente abstrata


de má qualidade”.2
Noutras palavras, a finalidade de garantir ampla concorrência e liberdade se mostra
inerente à necessidade de se extrair do processo eleitoral a verdadeira representatividade
do povo, conforme ensina, mais uma vez, Friedrich Miller: “Já que não se pode ter o
autogoverno, na prática quase inexequível, pretende-se ter ao menos a autocodificação
das prescrições vigentes com base na livre competição entre opiniões e interesses, com
alternativas manuseáveis e possibilidades eficazes de sancionamento político”.3
Portanto, a comparação se refere apenas à função relativa ao controle do processo
eleitoral para torná-lo o mais competitivo possível. Ou seja, garantir amplíssimas
possibilidades aos eleitores.
Nada obstante a ressalva, a finalidade precípua dos órgãos executores e de controle,
nos dois casos, é regular a disputa, estabelecendo, segundo Egon Bockmann Moreira:
“aquele conjunto de ações jurídicas que visam a estabelecer parâmetros de conduta
econômica em determinado espaço-tempo”.4 Embora o autor mencione um conjunto
de ações jurídicas para a economia, tal lógica se assemelha muito ao processo eleitoral,
já que também um conjunto de ações jurídicas tem a finalidade de fixar parâmetros
para a disputa entre os postulantes a cargos eletivos.
A acepção do termo regulação, para ambos os casos (processo econômico e
processo eleitoral), deve ser ampla, para abarcar as mais diversas e complexas situações
no âmbito de uma disputa, o que pressupõe uma atuação nem sempre passiva dos
órgãos controladores/executores para dirimir determinados casos. Segundo Calixto
Salomão Filho, a regulação ampla se justifica, para o processo econômico, por duas
razões: “Em primeiro lugar a redução da intervenção direta do Estado na economia, e
em segundo o crescimento do movimento de concentração econômica”.5 À semelhança
do que bem pontua o autor para a economia, também o Estado se afasta, desde a
redemocratização, da intervenção direta do processo eleitoral; do mesmo modo, o
fenômeno da concentração econômica também se verifica na reunião de recursos vultosos
em determinadas candidaturas. Daí a necessidade de uma regulação ampla, a fim de
estabelecer parâmetros e qualificar a concorrência.
Conclui-se, enfim, que a existência de semelhanças práticas entre a concorrência do
processo econômico com a do processo eleitoral justifica a aplicação de alguns institutos jurídicos
consolidados do Direito Econômico ao Direito Eleitoral, como teorias relacionadas à regulação.
Bem delimitada a premissa relacionada à aplicação de institutos do Direito
Econômico às eleições, notadamente no que se refere ao modo amplo de regulação
do processo eleitoral, utiliza-se, como fundamento para o presente artigo, a teoria do
conhecimento econômico, o que pressupõe a difusão, mesmo que às vezes forçada, de
conhecimento/informação.

2
MULLER, Friedrich. Quem é o Povo: a questão fundamental da democracia. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 2003.
p. 63.
3
MULLER, Friedrich. Quem é o Povo: a questão fundamental da democracia. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 2003.
p. 57.
4
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o Futuro do Direito da Regulação no Brasil?. In.: SUNDFELD, Carlos Ari;
ROSILHO, André. (org.). Direito da Regulação e Políticas Públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 113.
5
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 21.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
287

Este é ponto que justifica que a regulação do processo eleitoral pelo Judiciário não
seja passiva, na medida em que não existe concorrência perfeita. Nesse contexto, cabe
ao órgão de controle atuação para que os eleitores tenham conhecimento das melhores
opções postas à disposição, através de um processo concorrencial com igualdade material
de oportunidades e, principalmente, a liberdade de escolha, devido à difusão abundante
de informações, nos termos do que ensina o ilustre Professor Calixto Salomão Filho:
“Igualdade material que, aqui, significar igualdade efetiva, e não meramente formal,
de oportunidades. Como se pretende demonstrar abaixo, isso só pode ocorrer com a
difusão forçada do conhecimento econômico entre os indivíduos, que, por sua vez, só
pode ser assegurada através de uma garantia firme de existência da concorrência”.6
Evidentemente que a difusão forçada de conhecimento econômico, no caso das eleições,
pode ser percebida como difusão forçada de conhecimento sobre os candidatos e suas
propostas. Ou seja, sobre as questões discutidas no âmbito do processo eleitoral.
Tudo isso demonstra que o bem jurídico a ser tutelado pela Justiça Eleitoral
não se refere ao desencadeamento de atos formais que culminam com a eleição de um
candidato, mas à própria ideia de concorrência, tendo em vista que somente assim será
possível escolha efetiva pelo eleitor, exatamente como ocorre com o consumidor no
âmbito econômico, caso em que há escolha somente nas hipóteses em que se verifica
concorrência entre players.7
Nesse ponto reside outra semelhança importante para a economia e as eleições,
posto que para ambos os casos as regras mais importantes se referem aos procedimentos.
Ou seja, as regras direcionam condutas e garantem estrutura ao processo, a fim de que
haja igualdade entre os concorrentes, sem, entretanto, garantir um resultado específico,
em que pese tenham o condão de garantir justa solução.8 André Ramos Tavares sustenta
o mesmo, embora especificamente para o processo eleitoral: “Tenho para mim que a
finalidade geral do processo eleitoral em sentido amplo é proporcionar eleições livres
e justas tutelando a democracia representativa”.9
Calixto Salomão Filho, por sua vez, traça um paralelo entre a concorrência
econômica e eleitoral: “O que se quer dizer, em suma, é que, do mesmo modo que
processos políticos têm como valores básicos aqueles que permitam conhecer a vontade
dos eleitores, os processos econômicos devem ter como valores básicos o conhecimento
das preferências econômicas dos agentes”.10 Conforme coloca o autor, o processo eleitoral
tem como valor básico a captação da vontade do eleitor. Mas a preferência só será eficaz
se houver conhecimento efetivo da realidade por parte dos eleitores, o que impõe a necessidade
de difusão de informações.

6
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 36.
7
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 42.
8
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 40.
9
TAVARES, André Ramos. Princípios Constitucionais do Processo Eleitoral. In: TAVARES, André Ramos; AGRA,
Walber de Moura; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande. O Direito Eleitoral e o Novo Codigo de Processo Civil. Belo
Horizonte, 2016. p. 21.
10
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação, Desenvolvimento e Meio Ambiente. In: SALOMAO FILHO, Calixto.
(org.). Regulação e Desenvolvimento: novos temas. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 19.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
288 PROPAGANDA ELEITORAL

Pode-se citar, como um dos efeitos positivos da difusão de conhecimento, a


diminuição da negação da política, situação bastante comum atualmente, na medida em
que o resultado da antipolítica se apresenta como a deturpação do processo democrático,
tendo em vista que a política se tornou algo relacionado ao ridículo.11 Dito de outra
forma, informação pode produzir cidadãos com consciência política para o enfrentamento
do processo democrático. Relembre-se que a política é algo inescapável da vida das
pessoas. Por isso mesmo que a falta de discernimento para o debate político impõe às
pessoas, segundo Márcia Tiburi, a vivência política “de um modo bruto, muitas vezes
ressentido, dogmático ou irrefletido”.12
Não é demasiado relembrar que o contexto de difusão de informações pressupõe
ampla liberdade de expressão. Cabe indagar, entretanto: a Justiça Eleitoral deve regular
o processo eleitoral de maneira excessivamente permissiva? E as fake news, amplamente
utilizadas atualmente? Noutras palavras, o pressuposto de regular o processo eleitoral
com a difusão forçada de informações permite à Justiça Eleitoral deixar de combater
fake news? Sendo a resposta negativa, tem este ramo do Judiciário instrumentos para
combater tais condutas?
O presente artigo, ainda que de maneira sucinta, tentará responder essas
indagações, iniciando com algumas considerações relacionadas às chamadas fake news
e sua possível repercussão eleitoral; abordando, posteriormente, a tutela específica,
importante instrumento processual apto a forçar a difusão de informações verdadeiras,
contribuindo para a formação adequada da vontade do eleitor.

5.2 As eleições e as fake news


Nos termos do que foi afirmado acima, a informação se mostra como importante
instrumento para a formação do debate público, daí a necessidade de sua ampla difusão,
a fim de formar cidadãos conscientes de suas preferências. Do mesmo modo, sustentou-se
que para tanto é necessária ampla liberdade de expressão.
Impõe-se, antes de discorrer acerca das fake news, abordar a concepção de liberdade
de expressão aqui utilizada.
Oscar Pérez de la Fuente, em texto publicado nos Cuadernos Electrónicos de
Filosifía del Derecho, diferencia as concepções americana e alemã a respeito da liberdade
de expressão. No caso americano, denominado de liberdade negativa, tal direito é
considerado quase que absoluto, ante a previsão na sua Constituição de que o Congresso
não poderá editar legislação para restringir essa liberdade dos cidadãos americanos.
Portanto, é lícito que o debate se realize com a defesa de teses radicais ou mesmo falsas,
porquanto caberá ao mercado de ideias esclarecer a verdade, através de amplo debate entre

11
Para Márcia Tiburi: “O termo ridículo é usado tanto para falar de algo insignificante, daquilo que não faria
diferença, quanto para dar sinal de uma cena escandalosa. Neste livro, quer-se compreender seu potencial
intimamente ligado, em nosso tempo, ao que podemos denominar o momento publicitário da política, que muito
tem contribuído para a aniquilação de sua própria ideia como algo positivo. (...) O ridículo político é um efeito
da deturpação da política na era do espetáculo; e a deturpação do direito a aparecer, bem como do direito a
expressão, do direito de representar e de ser representado”. TIBURI, Márcia. Ridículo Político: uma investigação
da imagem e o esteticamente correto. São Paulo: Record, 2017. p. 15.
12
TIBURI, Márcia. Ridículo Político: uma investigação da imagem e o esteticamente correto. São Paulo: Record, 2017.
p. 13.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
289

posições opostas. Caberá aos indivíduos, no uso de sua racionalidade, a identificação


da tese verdadeira.13
Esta visão de mercado de ideias é consentânea com a vertente liberal econômica
norte-americana. Significa que caberá ao Estado, na maior parte dos casos, adotar postura
de abstenção no que diz respeito à intervenção na vida privada. A única possibilidade
de intervenção seria quando houvesse dano a terceiro, tendo em vista que os indivíduos
é que escolhem o caminho a seguir.14
Isso se assemelha bastante à ideia de autorregulação do mercado econômico. Nesta,
a preocupação central seria eliminar custos de transação, enquanto que na aplicação
dessa teoria ao processo eleitoral – mercado de ideias – tenderia a favorecer aqueles que
possuem maior poder econômico para divulgação e desqualificação de candidatos com
recursos parcos para a realização de suas campanhas.15
Por outro lado, a visão alemã a respeito do debate de ideias e seus limites se
coaduna mais com o ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de visão que impõe ao
Estado assegurar a participação de todos no processo político, ao mesmo tempo em que
restringe situações maléficas à dignidade da pessoa humana, fundamento da República
Federativa do Brasil, bem como aos demais princípios consagrados na Constituição
Federal. A avaliação acerca do desrespeito à liberdade de expressão se dará no caso
concreto, mediante a ponderação dos Princípios consagrados constitucionalmente. Tal
concepção se denomina de liberdade positiva.16
Como conclusão, sustenta-se a necessidade de atuação da Justiça Eleitoral para
resguardar a concorrência efetiva nas eleições, pois somente assim haverá eficácia na
transmissão de informações aos eleitores, tornando-os aptos à escolha de seus candidatos.17
Mas não qualquer informação, na medida em que subjacente à liberdade de informar
dos órgãos de imprensa, está o direito de estar bem informado do eleitor, nos termos
do que propõe a concepção alemã de liberdade de expressão.
É nesse contexto que emerge, também, a necessidade de regulação, evitando a
concentração de meios de manifestação de opiniões e disseminação de informações.
Afinal, a circulação de opiniões e informações se materializa, preponderantemente,
por meio de órgãos de imprensa que são, em sua maioria, empresas que se submetem
a lógicas econômicas (mundo dos negócios). Daí a importância de se coibir o abuso
do poder econômico, tendo em vista que a informação se transformou em mercadoria,

13
FUENTE, Oscar Pérez de la. Libertad de expresión y el caso del lenguaje del odio. Una aproximación desde
la perspectiva norteamericana y la perspectiva alemana. In: Cuadernos Electrónicos de Filosofia Del Derecho.
Disponível em: <https://ojs.uv.es/index.php/CEFD/article/view/293/3012>. Acesso em: 08 jan. 2018.
14
FUENTE, Oscar Pérez de la. Libertad de expresión y el caso del lenguaje del odio. Una aproximación desde la
perspectiva norteamericana y la perspectiva alemana. In.: Cuadernos Electrónicos de Filosofia Del Derecho.
Disponível em: <https://ojs.uv.es/index.php/CEFD/article/view/293/3012>. Acesso em: 08 jan. 2018.
15
Como bem explica Calixto Salomão Filho sobre o mercado, mas perfeitamente aplicado ao processo eleitoral:
“Tal sistema, criado com o objetivo evidente de eliminar custos de transação, é um convite e um incentivo à
oligopolização dos mercados.” In: SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e
fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 30-31. Para as eleições quer significar a concentração
de espaços em poucos candidatos com mais recursos, conforme afirmado acima.
16
FUENTE, Oscar Pérez de la. Libertad de expresión y el caso del lenguaje del odio. Una aproximación desde
la perspectiva norteamericana y la perspectiva alemana. In: Cuadernos Electrónicos de Filosofia Del Derecho.
Disponível em: <https://ojs.uv.es/index.php/CEFD/article/view/293/3012>. Acesso em: 08 jan. 2018.
17
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 42.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
290 PROPAGANDA ELEITORAL

podendo a sua difusão ou represamento serem utilizados como moeda de troca, inclusive
para aumentar a influência desses grupos econômicos no meio político e na sociedade.18
Ao contrário de tornar o Poder Econômico como um direito subjetivo, a Constituição
de 1988 correlacionou-o com o abuso, demonstrando certa suspeita, devido à possibilidade
do exercício de determinadas atividades com poder, ou mesmo a sua utilização para
pressionar e resistir. A conclusão inafastável, enfim, é que o constituinte tolerou o Poder
Econômico, autorizando a sua atuação, mas regulando-o ao mesmo tempo.19 Em suma,
a Constituição da República não autoriza ou proíbe, apenas permite o seu exercício. Por
isso a necessidade de atuação ostensiva da Justiça Eleitoral para impedir as situações
de abuso, sobretudo no que diz respeito às questões relacionadas ao direito de bem
informar e ser bem informado.
Esse cuidado na atuação deve ser ainda maior no atual cenário político brasileiro,
sobretudo com a utilização excessiva das fake news que distorcem fatos ou simplesmente
os inventam. A situação se tornou ainda mais grave com a emergência das redes sociais,
em virtude da potencialização da disseminação de conteúdos falsos que, para além
de não esclarecer, confundem os eleitores, notadamente porque a partir da reforma
da legislação eleitoral empreendida em 2017, é possível aos candidatos, partidos ou
coligações o impulsionamento pago de conteúdos, conforme artigo 57-C da Lei das
Eleições.20
Em suma, o legislador autorizou a interferência do Poder Econômico também na
propaganda veiculada na internet, o que não se verificava até o advento da Lei Federal
nº 13.488/2017, impondo cuidado redobrado, evitando que candidatos se utilizem de
recursos financeiros de maneira inadequada, impulsionando a disseminação de conteúdos
falsos. Tal preocupação se refere às práticas permitidas pela legislação.
Ocorre, contudo, que mesmo que haja proibição expressa para a venda ou
fornecimento gratuito de dados pessoais dos usuários da Rede Mundial de Computadores,
tal qual estabelece o artigo 10 e seguintes da Lei Federal nº 12.965/2014, caberá à Justiça
Eleitoral fiscalizar adequadamente o cumprimento dessa norma, evitando a utilização
de recursos indevidos para o convencimento do eleitor.
Conclui-se, enfim, que o impulsionamento de conteúdos em tempos de fake news
deve ser analisado com absoluto cuidado, sobretudo porque será o primeiro processo
eleitoral em que tal ferramenta é permitida.
Tudo isso não tem passado despercebido à Justiça Eleitoral, considerando que o
problema das fake news tem grande potencial para afetar a lisura do processo eleitoral,
sobretudo com o aumento substancial de usuários das redes sociais.21 Embora esses

18
BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O Capital e Suas Metarmofoses. São Paulo: UNESP, 2013. p. 18.
19
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Poder Econômico e Gestão Orgânica. In: SALOMAO FILHO, Calixto; FERRAZ
JUNIOR, Tércio Sampaio; NUSDEO, Fabio. Poder Econômico: Direito, Pobreza, Violência, Corrupção. Barueri:
Manole, 2009. p. 17-18.
20
Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o
impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente
por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
21
Segundo Lilian Venturini: As possibilidades e regras de conduta para campanhas na internet estão entre os temas
sobre os quais o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dedicou especial atenção ao longo de 2017, principalmente por
causa do debate em torno das fake news (notícias falsas, numa tradução livre) e do impacto delas numa eleição.
In: VENTURINI, Lilian. O que esperar do patrocínio de posts de candidatos durante a eleição. Disponível em: <https://
www.nexojornal.com.br/expresso/2018/01/07/O-que-esperar-do-patroc%C3%ADnio-de-posts-de-candidatos-
durante-a-elei%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 08 jan. 2018.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
291

instrumentos possam se consubstanciar em poderoso instrumento de disseminação de


informações verdadeiras, o seu manejo deturpado pode propagar informações incorretas
ou mesmo ofensivas à honra de algum candidato.
O atual Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Gilmar Mendes,
tem demonstrado preocupação com a utilização desenfreada desse expediente para as
eleições de 2018. No início do mês de dezembro de 2017, o Tribunal Superior Eleitoral
organizou alguns encontros, inclusive para abordar o tema da influência das fake news
no processo eleitoral.22
Além da discussão desse tema nos debates referidos, o Ministro Gilmar Mendes
visitou a Comissão Eleitoral dos Estados Unidos, mencionando a necessidade de se criar
estrutura adequada para o combate à disseminação das fake news: “É um tema muito
delicado. De um lado, a liberdade de expressão e, de outro, a informação abusiva e, às
vezes, criminosa. Os nossos instrumentos hoje se tornaram obsoletos”.23
Segundo reportagem veiculada pela BBC Brasil, em 08 de dezembro de 2017,
diversos perfis fake foram montados no Facebook para influenciar as eleições de 2014,
mediante a manipulação de informações: “A estratégia de manipulação eleitoral e da
opinião pública nas redes sociais seria similar à usada por russos nas eleições americanas,
e já existiria no Brasil ao menos desde 2012”.24 Ou seja, não é sem razão a preocupação
manifestada pelos estudiosos de temas relacionados às eleições, até porque a situação
envolve a contratação de pessoas para o auxílio na disseminação de notícias fake, através
de perfis também fake, em detrimento de determinado candidato, podendo interferir
indevidamente na vontade do eleitor.
Relembre-se, ainda, tal como afirmado acima, que o legislador autorizou a
utilização do impulsionamento de conteúdos nas eleições, o que pode potencializar o
problema relacionado às fake news.
Não bastasse esse expediente, empresas têm se utilizado de dados resgatados
na Rede Mundial de Computadores para traçar o perfil de eleitores, com o intuito de
direcionar propagandas com abordagem consonante com a personalidade dos usuários
de internet. Trata-se do uso de big data, instrumento que possibilitou à campanha de
Donald Trump, nos Estados Unidos, utilizar cerca de 7.000 (sete mil) informações
relacionada a cada eleitor. A situação daquele país é ainda mais grave, na medida em
que não há restrição à venda de informações relacionadas a clientes pelas empresas. Por
esse motivo, acredita-se na hipótese do uso de aproximadamente 750 informações de

22
Os principais aspectos discutidos pelos debatedores foram: a regulação da forma de divulgação das informações
durante a campanha eleitoral; o espaço na Internet para aqueles que têm e os que não têm boas condições financeiras;
o volume de informação nos dias atuais em prol da democracia; o papel da Justiça Eleitoral diante das fake news
propagadas no debate político; a permissão ou não dos chamados dark posts; a necessidade de um incremento na
educação com foco na era digital; a responsabilidade no uso de dados virtuais; a dicotomia verdade x mentira na
Internet; e o uso de robôs (bots) para a obtenção de informações, por parte de candidatos e partidos de informações,
para utilização nas campanhas eleitorais, entre outros. (Sem grifo no original.). Disponível em <http://www.tse.
jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/impacto-da-comunicacao-virtual-no-cenario-eleitoral-e-tema-de-
seminario-no-tse>. Acesso em: 17 dez. 2017.
23
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/presidente-do-tse-discute-internet-
e-fake-news-com-comissao-eleitoral-dos-eua>. Acesso em: 18 dez. 2017.
24
GRAGNANI, Janaina. Exclusivo: investigação revela exército de perfis falsos usados para influenciar eleições no
Brasil. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-42172146>. Acesso em: 17 dez. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
292 PROPAGANDA ELEITORAL

cada eleitor, retirados de cadastros públicos, em razão da referida proibição da venda


de dados de clientes pelas empresas, contida no Marco Civil da Internet.25
De todo modo, não se pode negligenciar o uso desses dados, mesmo que sejam
extraídos de informações públicas emitidas por entes estatais, como o IBGE, assim como
se mostra prudente a fiscalização, pelos órgãos policiais, de práticas ilícitas, como a
venda de informações por empresas.
Outro componente que deve ser destacado, neste cenário, tem relação com o
recrudescimento da polarização política mediante o uso de práticas de disseminação
de propagandas para perfis predeterminados, tendo em vista que isso tende a reforçar
as convicções já enraizadas, o que contribui para o aumento da polarização.
No Sumário Executivo denominado World Trend in Freedom of Expression and Media
Development, a UNESCO reconheceu que os algoritmos das redes sociais contribuem
para reforçar visões de mundo já existentes nos usuários (câmaras de eco). É observado,
ainda, que nos períodos eleitorais há uma rápida proliferação das fake news, em muito
estimulada pela tendência de as plataformas de mídia social privilegiarem informações
que valem o clique, o que é uma ilustração do efeito disruptivo que a dinâmica das redes
sociais pode trazer para o debate público. O texto sustenta que as plataformas de mídias
ficaram mais plurais, mas cada grupo segmentado acessa apenas uma parte limitada
dessa informação, fenômeno esse que vem sendo conhecido como pluralismo polarizado.26
Este estudo defendeu a ideia de que a polarização da vida pública exige, dos
órgãos disseminadores de informações e opiniões, de independência profissional
para o fornecimento de notícias confiáveis, ao mesmo tempo em que reconhece que a
independência do jornalismo está, hodiernamente, sob constante pressão, representada
por interconexões entre os representantes do poder político e autoridades regulatórias.
Vários indicadores refletem a deterioração da independência do jornalismo. Por isso
mesmo é que se verifica o declínio na confiança das informações veiculadas pela
mídia, explicado por diversos fatores, como, por exemplo, dificuldades nos modelos
empresarias das empresas de mídias, que as tornam mais dependentes de subsídios
públicos ou corporativos e, consequentemente, causam possíveis impactos editorias.27
Como conclusão, pode-se afirmar que as fake news podem se consubstanciar como
um problema grave para a formação da vontade popular.
Ademais, é possível a sua disseminação não somente através das Redes Sociais,
mas também mediante jornais de grande ou pequena circulação, tendo em vista a
influência do Poder Econômico em suas editorias, culminando com a veiculação de
fatos distorcidos que, eventualmente, influenciem na vontade do eleitor.
Portanto, o problema da disseminação das fake news se entrelaça com o Poder
Econômico, uma vez que não é tão incomum decisões prolatadas pela Justiça Eleitoral
desconstituindo a vontade popular (cassação de mandato eletivo), em virtude do
reconhecimento da influência indevida dos meios de comunicação para alavancar
determinada candidatura.

25
FLORES, Paulo. O que a Cambridge Analytica, que ajudou a eleger Trump, quer fazer no Brasil. Disponível em: <https://
www.nexojornal.com.br/expresso/2017/12/08/O-que-a-Cambridge-Analytica-que-ajudou-a-eleger-Trump-quer-
fazer-no-Brasil>. Acesso em: 08 jan. 2018.
26
UNESCO. World Trends in Freedom of Expression and Media Development: Executive Summary. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0025/002597/259756e.pdf,>. Acesso em: 08 jan. 2018.
27
UNESCO. World Trends in Freedom of Expression and Media Development: Executive Summary. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0025/002597/259756e.pdf,>. Acesso em: 08 jan. 2018.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
293

Contudo, quando os meios de comunicação visam a influenciar, indevidamente,


a vontade popular, sobretudo por meio da disseminação de fake news, tendo em vista
acordos econômicos, os eleitores, por certo, não estarão suficientemente bem informados
para a sua decisão, indicando que não houve efetiva concorrência devido à influência
inadequada do Poder Econômico, como explica Calixto Salomão Filho: “Um conceito
que, ao mesmo tempo, elimina a escolha do consumidor – ele tem que comprar aquilo,
sem formar sua própria opinião – e drena recursos para um só setor da economia,
excluindo outros setores ou grupos”.28
Cabe ressaltar, uma vez mais, que a despeito do fato de que o trabalho citado
se refere ao consumidor, tal raciocínio pode perfeitamente ser aplicado ao eleitor, pois
o Poder Econômico também atua de modo a impor condutas ao eleitor, sem que este
tenha formado a sua própria opinião, haja vista que tanto para o processo econômico
como para o eleitoral: “O que preocupa é aquele que concentra informação, elimina a
escolha e exclui”.29
Na esteira desses argumentos, mostra-se preferível que a atuação da Justiça
Eleitoral para a regulação das eleições seja ativa, a fim de se evitar a consumação
da interferência do Poder Econômico na formação da vontade popular. Para tanto,
é imperiosa a existência de instrumentos processuais aptos a combater rapidamente
a disseminação de fake news, para que não seja necessária a prolação de decisões que
cassem mandatos, desconstituindo a vontade popular, situação necessária para casos
graves, até mesmo por ser, muitas vezes, contraproducente à própria cidadania.
É nesse ponto que emerge a importância da tutela específica, instrumento
processual que pode ser utilizado de maneira célere e que pode ser amplamente
utilizado no processo eleitoral, notadamente de modo a manter a sua higidez, aliado
à impossibilidade de conversão dos direitos inerentes às eleições serem inconversíveis
em pecúnia, tal qual será demonstrado abaixo.

5.3 Tutela específica para combater as fake news


Tal como afirmado nos tópicos anteriores, as semelhanças em alguns aspectos da
concorrência econômica e eleitoral autorizam a aplicação de alguns institutos do Direito
Econômico durante as eleições – regulação – a fim de privilegiar, a partir de regras
comportamentais e procedimentais, a concorrência entre os postulantes a determinados
cargos eletivos, sobretudo mediante a disseminação de informações sem a interferência
do Poder Econômico, possibilitando efetiva escolha ao eleitor.
No mesmo sentido, sustentou-se que não basta disseminar qualquer conteúdo
informativo, trazendo à discussão o problema das fake news, o que exige postura ativa
da Justiça Eleitoral em relação à análise dos conteúdos que serão divulgados durante o
período eleitoral. Isso impõe aos juízes eleitorais a prolação de decisões que imponham
abstenções ou o dever de agir àqueles submetidos a sua jurisdição.
Este tópico abordará o controle da disseminação de informações por meio do
processo jurisdicional eleitoral. Entretanto, a única possibilidade de a Justiça Eleitoral

28
SALOMÃO FILHO, Calixto. Desigualdade Econômica e Insuficiência Regulatória. In: SALOMÃO FILHO, Calixto;
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; NUSDEO, Fabio. Poder Econômico: Direito, Pobreza, Violência, Corrupção.
Barueri: Manole, 2009. p. 50.
29
Idem.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
294 PROPAGANDA ELEITORAL

tornar limpas as eleições sob sua administração/jurisdição, será mediante técnicas


processuais idôneas para o julgamento das demandas levadas ao seu conhecimento.
Porém, a legislação eleitoral não dispõe dessas técnicas, obrigando a aplicação subsidiária
do Código de Processo Civil no processo jurisdicional eleitoral.30
Ainda mais o Novo CPC, oriundo de um período em que diversas técnicas
processuais idôneas a salvaguardar direitos fundamentais não suscetíveis à conversão
em pecúnia foram suficientemente amadurecidas.
Necessário se fazer uma ressalva, neste ponto: o Código de Processo Civil
anterior, do ano de 1973, havia passado por diversas reformas com o intuito de superar
alguns pontos de estrangulamento para a prestação jurisdicional.31 Essas dificuldades
presentes no método de prestação jurisdicional civil de 1973 decorriam, diretamente, do
pensamento da Escola Sistemática que influenciou a sua elaboração, com matriz liberal,
que sempre militou pela autonomia do processo. Entretanto, essa autonomia processual,
por vezes, foi confundida com a absoluta neutralidade e indiferença do processo em
relação ao direito material da parte. Isso subverteu a lógica de que o processo deve ter
interdependência com o direito material.32
A despeito disso, a reforma empreendida no Código de Processo de 1973 por
meio da Lei nº 8.592/1994 introduziu algumas técnicas processuais – no artigo 461
CPC/7333 – capazes de satisfazer direitos mediante a tutela in natura, abandonando-se a
conversão automática de obrigações inadimplidas em perdas e danos,34 algo necessário à
Justiça Eleitoral. Afinal, o processo deve acompanhar a evolução dos direitos outorgados
aos cidadãos, pois se o Estado reconhece determinado direito e, ao mesmo tempo, não
permite ao cidadão o exercício da tutela autônoma, impossível que não confira àquele
titular do direito maneira adequada para sua efetivação,35Consoante afirma Cândido
Rangel Dinamarco:

não fosse a jurisdição institucionalizada, perderia sentido o ordenamento jurídico estatal


como fonte autorizativa de regras de convivência e perderia sentido o próprio Estado
que o instituiu e que, para coesão do grupo, tem a estrita necessidade de preservação do
ordenamento.36

30
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, já pacificou a aplicação subsidiária do CPC na Justiça
Eleitoral, quando ausentes dispositivos específicos da matéria na legislação eleitoral: “A aplicação subsidiária
do Código de Processo Civil somente se justifica se não houver disciplina da matéria pela Lei Eleitoral.” BRASIL
Tribunal Superior Eleitoral. AgR-REsp nº 31116/MG, Agravante: Marlene Silva Gomes; Agravado: Ministério
Público Eleitoral; 06.10.2008, publicado em Sessão.
31
PORTO, Sérgio Gilberto. A crise de Eficiência do Processo – A Necessária Adequação Processual à Natureza do
Direito Posto em Causa, Como Pressuposto de Efetividade. In: FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. (Coord.). Processo e Constituição: Estudos em Homenagem ao Professor José Carlos Barbosa
Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 180.
32
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.
55-56.
33
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento. In: BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 1973.
34
CANTOARIO, Diego Martinez Fervenza. Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer no Novo CPC:
Primeiras Observações. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi;
FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 114-115.
35
ARENHART. Sérgio. A Tutela Inibitória da Vida Privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 29.
36
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 153.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
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É nesse contexto que se insere a tutela específica. A sua previsão, no Novo Código
de Processo Civil, foi separada em tópicos distintos com a alocação das disposições de
julgamento das demandas em que se busca a tutela in natura, das disposições referentes
à efetivação do direito reconhecido.37
No primeiro caso – julgamento das demandas – a previsão consta no artigo 49738 do
Novo Código de Processo Civil e valerá como regra geral nos casos em que se apresentar
como a técnica processual mais adequada a resguardar o direito material em questão.
Isto é, não há necessidade de se aplicar tal dispositivo para todo e qualquer caso da
Justiça Eleitoral, na medida em que existe previsão de regra em espécie na legislação
eleitoral, com natureza similar à tutela específica, tal qual o direito de resposta.
O mesmo não pode ser dito em relação aos arts. 53639 e 53740 do Novo Código de Processo
Civil, tendo em vista sua natureza relacionada ao cumprimento da sentença proferida.

37
A esse respeito, Antônio Pereira Gaio Júnior assevera que: “Nesse ínterim se faz destacar a regulação da Tutela
Específica, medida de caráter satisfativo voltada à realização do cumprimento exato de obrigações de fazer, não
fazer e entregar a coisa inadimplida, e que bem coerentemente se fez alocada no novo Codex, de acordo com
os momentos processuais necessários à compreensão de sua efetiva razão e interesse, a depender do momento
processual a que es está a enfrentar. GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. A Tutela Específica no Novo CPC. In:
DIDIER JÚNIOR, Fredie. (coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. (org.).
Novo CPC: doutrina selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 89.
38
Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido,
concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de
um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz
poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a
busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva,
podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
§2º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observan-
do-se o disposto no art. 846, §§1º a 4º, se houver necessidade de arrombamento.
§3º O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial,
sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.
§4º No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se
o art. 525, no que couber.
§5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer
e de não fazer de natureza não obrigacional.
39
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz
poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a
busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva,
podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
§2º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observan-
do-se o disposto no art. 846, §§1º a 4º, se houver necessidade de arrombamento.
§3º O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial,
sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.
§4º No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se
o art. 525, no que couber.
§5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer
e de não fazer de natureza não obrigacional.
40
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela
provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que
se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou
excluí-la, caso verifique que:

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
296 PROPAGANDA ELEITORAL

Cabe lembrar, ainda, que o legislador do Novo Código de Processo Civil, ao tratar
da regra geral sobre os poderes do juiz, inseriu dispositivo em seu art. 139, inciso IV,
autorizando o juízo competente a “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”, o que se
aplica, perfeitamente, ao processo jurisdicional eleitoral, considerando a inexistência
de um Código específico, impondo-se as regras gerais a respeito de atos processuais,
poderes do juiz, direitos das partes e etc.
Essas técnicas processuais são absolutamente imprescindíveis para combater
a divulgação de fake news, considerando que caberá ao juízo, no caso concreto, após
reconhecido o direito da parte, utilizar de técnicas mandatais e/ou sub-rogatórias para
o cumprimento de suas decisões, conforme será demonstrado abaixo.
De início, relembre-se que a tutela específica está subdivida em: tutela inibitória,
tutela de remoção do ilícito e tutela de ressarcimento na forma específica. Isso não
significa que uma sentença judicial se enquadre somente em uma dessas subdivisões, mas
haverá preponderância. A abordagem, por questão metodológica, será feita individualmente.

5.3.1 Tutela inibitória


A necessidade de haver técnicas processuais que garantam a efetividade à
concorrência das eleições, evitando a veiculação de fake news, por óbvio que enseja a
imprescindibilidade da elaboração de técnica processual adequada para se prevenir
ilícitos.41 Este é exatamente o ponto em que se insere a importância da existência de uma
ação de natureza inibitória, uma das técnicas processuais inerentes à tutela específica.
Considerando a premissa de que as garantias eleitorais não são suscetíveis à
monetização, sobretudo no que diz respeito a atos que importem na disseminação de
informações, resta claro que esta técnica de tutela preventiva ganha especial relevo
para a jurisdição eleitoral.
O modo de se prestar a tutela específica em sua forma preventiva é por meio de
ação de conhecimento, não se ligando, portanto, a nenhuma outra ação dita principal,
consoante ocorre com as cautelares; trata-se de espécie de ação principal com a finalidade
precípua de se prevenir um ilícito.42 Vale lembrar, igualmente, que a própria Constituição
Federal previu a inafastabilidade do Poder Judiciário, inclusive para as situações de
ameaça de lesão aos direitos.43
A finalidade da ação inibitória é prevenir a possibilidade de ilícito, seja a sua
repetição ou continuação, em nada se relacionando com o ressarcimento do dano, pouco

I – se tornou insuficiente ou excessiva;


II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
(…)
§4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não
for cumprida a decisão que a tiver cominado.
§5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer
e de não fazer de natureza não obrigacional.
41
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 35.
42
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual..., p. 251.
43
Ibidem. p. 254.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
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importando, por isso, os elementos subjetivos, culpa ou dolo.44 Neste ponto, elucidativa
é a lição de Sérgio Cruz Arenhart:

Ponto da maior relevância, em se tratando de tutela inibitória, consiste na constatação de


que a tutela inibitória não se dirige contra o dano – nem mesmo tem em vista, em primeira
ordem, a sua prevenção. A função da tutela preventiva é, precipuamente, a prevenção do
ilícito, figura esta mais abrangente que as situações de dano, e que atraem outros requisitos
para sua tutela e consequências.45

Essa premissa de que a ação inibitória servia apenas para atacar a possibilidade
de ocorrência de ilícito e/ou a sua repetição era uníssona na doutrina, por decorrência
lógica da interpretação do CPC/73 de acordo com o dispositivo constitucional que torna
o Poder Judiciário competente para analisar inclusive as situações de ameaças a direitos.
Por outro lado, o Novo Código fixou tal pressuposto no parágrafo único do art. 497,46
afastando qualquer espaço para dúvidas. A esse respeito, elucidativo é o comentário
de Bruno Marzullo Zaroni e Paula Pessoa Pereira:

O mérito do dispositivo legal reside justamente em afastar qualquer dúvida a respeito da


manifesta diferença entre dano e ilícito enquanto pressuposto da tutela inibitória. Para
que esta seja admissível, basta a mera probabilidade da prática do ato ilícito. Tal postura
se coaduna com o ditame constitucional – agora repetido no art. 3 do CPC/15 – de que a
mera ameaça ao direito (art. 5, XXXV, da Constituição Federal) já é suficiente para autorizar
a proteção jurisdicional.47

Tais características se mostram diferentes do que ocorre com a tutela ressarcitória,


que se preocupa, na maioria das vezes, na identificação daquele que irá suportar a
reparação do dano causado. Ou seja, enquanto uma é voltada contra o dano – tutela
ressarcitória – a outra é voltada contra o ilícito, apenas.48
Noutras palavras, a conservação do direito em questão é a finalidade precípua da
tutela inibitória e, por isso mesmo é que esta deve prevalecer sobre a ressarcitória, uma
vez que é sempre melhor a prevenção ao ressarcimento, isso sem adentrar na análise
dos direitos que não podem ser reparados, impossíveis de serem assegurados através
da tutela ressarcitória, já que esta tem, na maioria das vezes, o escopo de substituir o
direito originário pelo equivalente monetário.49

44
Ibidem. p. 255.
45
ARENHART, 2000, p.151.
46
Art. 497. (…) Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de
um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou
dolo.
47
ZARONI, Bruno Marzullo; PEREIRA, Paula Pessoa. Tutela Inibitória no Novo CPC. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie
(coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina
selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 153. Do mesmo modo, Antônio Pereira Gaio Júnior: “ao
se referir na irrelevância na demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo, reconhece
inequivocadamente o legislador do novato Código, a importância de se inibir a prática, reiteração ou a continuação
de um ilícito, ainda que dele não gere ou venha a gerar dano, manifestação veraz do caminhar pari passu com a
dinâmica jurídica hodierna”. In: GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. A Específica no Novo CPC. DIDIER JÚNIOR,
Fredie. (coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina
selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 108.
48
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. Op. cit. p. 36-38.
49
Ibidem. p. 38.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
298 PROPAGANDA ELEITORAL

Mas se o pressuposto para a existência de concorrência efetiva é a transmissão


de informações aos eleitores, não há que se falar em indenização a quem quer que seja,
posto que qualquer que seja a notícia falsa e/ou difamatória veiculada, tanto na internet
como também nas mídias tradicionais, o resultado será metaindividual, prejudicando
o próprio processo eleitoral que, conforme afirmado acima, possui regras de condutas
para buscar o resultado mais justo.
Por isso, desnecessário grande esforço para se chegar à conclusão de que é preferível
a aplicação da tutela preventiva na Justiça Eleitoral que, na lição de Marinoni: “não
tem qualquer caráter sub-rogatório, destina-se a garantir a integridade do direito em
si”.50 Nesse caso, a própria concorrência e a higidez das informações veiculadas. Aliás,
note-se que também nos casos em que a aplicação desta técnica processual se destina
a cessar o ilícito ou a impedir sua repetição, o caráter preventivo não desaparece, já
que a finalidade, mesmo nestes casos, continua não sendo reparar o direito violado.51
Vale lembrar, ainda, que é possível requerer a tutela inibitória como provimento
final em uma ação com cognição exauriente, assim como se pode requerê-la como tutela
antecipatória.52
Esgotadas as principais características da tutela inibitória, passa-se a apresentação
de sua aplicação prática na Justiça Eleitoral. Durante o chamado período de campanha
eleitoral, mesmo antes, os candidatos, coligações e partidos podem se utilizar de diversas
práticas ilícitas para o convencimento do eleitor. Ainda antes de se configurar o abuso
de poder, é possível ao prejudicado se valer da tutela inibitória para cessar o ilícito,
notadamente no que se relaciona com a disseminação de informação, tema do presente
trabalho. Isso se coaduna com a finalidade preventiva da técnica processual em questão,
na medida em que impede que a higidez do processo eleitoral (concorrência) seja abalada.
Aliás, no cenário de polarização atual, redobra a importância da tutela inibitória,
a fim de inibir matérias jornalísticas falsas, veiculação de vídeos por meio de whatsapp
e das principais redes sociais, ofensas feitas em blogs, etc.
Portanto, pode-se afirmar, sem embargo, que a tutela inibitória tem utilização
irrestrita para salvaguardar a higidez do pleito eleitoral, devendo ser utilizada sempre
que determinada conduta tiver qualquer repercussão negativa para com a isonomia entre
os candidatos no pleito eleitoral.53 Relembre-se que só existe isonomia com a possibilidade de
manifestação e disseminação de informações corretas entre candidatos, garantindo concorrência
verdadeira.
Aqui uma hipótese de ilícito eleitoral em que houve a aplicação desta técnica
processual em veiculação de informação com finalidade de difamar candidato, algo
que não se coaduna com a finalidade da concorrência eleitoral, que é bem informar o
eleitor para o exercício de sua escolha de maneira consciente:

REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL


APÓCRIFO. DECLARAÇÃO DE IRREGULARIDADE NA SUA UTILIZAÇÃO. AUTORIA

50
Idem.
51
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória..., p. 38-39.
52
Ibidem. p. 39.
53
Não cabe aqui, esgotar todas as possibilidades reais em que a tutela inibitória pode ser aplicada no processo
jurisdicional eleitoral. As menções, mesmo que genéricas, fundamentam a aplicação dessa técnica processual em
qualquer tipo de ilícito eleitoral, pois sua função precípua, como dito, é impedir a sua prática ou cessá-la.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
299

OU PRÉVIO CONHECIMENTO NÃO COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE OFENSA AO


ARTIGO ART. 40-B, DA Lei nº 9.504/97. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1 – É irregular a confecção e distribuição de material apócrifo com o fim de denegrir
a imagem e reputação de candidato, o que impõe a ordem inibitória para cessar sua
confecção e circulação.
2 – Não há como responsabilizar os recorridos quando ausente a comprovação de sua
responsabilidade pelo material apócrifo ou sua prévia ciência a esse respeito, nos termos
do artigo 40-B da Lei nº 9.504/1997.
3 – Recurso conhecido e parcialmente provido.
(REPRESENTAÇÃO nº 200678, Acórdão nº 40.142 de 16/09/2010, Relator(a) JUAN DANIEL
PEREIRA SOBREIRO, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 20/9/2010)54

Conforme se verifica, a aplicação da tutela inibitória tem especial serventia para


inibir a veiculação de informações apócrifas, ilícitas, etc., contribuindo para a diminuição,
ao menos, das fake news.

5.3.2 Tutela de remoção do ilícito


A tutela de remoção do ilícito também possui natureza preventiva, na medida
em que, embora tenha a função de remover os efeitos de um ilícito já cometido, sua
finalidade também é a prevenção do dano.55 Como bem explicam Bruno Marzullo Zaroni
e Paula Pessoa Pereira: “Sua atuação se dará em momento posterior à violação da norma,
ao contrário da tutela inibitória, que tem por objetivo evitar a prática, continuação ou
repetição do ilícito”.56
Havendo norma proibindo um agir a fim de se evitar um dano, torna-se necessária
a existência de técnica processual idônea para a remoção do ilícito quando tal norma
restar violada. Se assim não fosse, o direito material seria absolutamente inócuo,
sem efetividade. Nesse contexto, é correto afirmar que o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva é que embasa a tutela de remoção do ilícito.57
Também denominada de tutela reintegratória, é preciso esclarecer que para a
sua utilização é necessário, do mesmo modo que ocorre com a inibitória, distinguir-se
o ilícito do dano, pois pouco importa se o interesse em questão, tutelado pela norma
substancial, teve lesão efetiva. Isto é, o seu cabimento é decorrência do simples desrespeito
à norma jurídica.58

54
BRASIL Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Recurso Eleitoral nº 3443, Recorrente: Diretório Regional do Partido
do Movimento Democrático Brasileiro e Leandro Vilela Veloso, Recorrido: Ministério Público Eleitoral, Relator
Juiz Urbano Leal Berquó Neto, julgado em 29.09.2006, publicado em sessão.
55
Diferentemente da tutela inibitória que possui conteúdo genuinamente preventivo e se presta a evitar a ocorrência
ou a repetição de um ilícito, a tutela de remoção do ilícito tem por fim evitar que os efeitos de um ilícito já cometido
se prolonguem no tempo, conforme define Luiz Guilherme MARINONI: “ao contrário do que ocorre com a ação
inibitória, o ilícito que se deseja atingir está no passado, e não no futuro.” In.: MARINONI, Luiz Guilherme.
Técnica Processual....p. 269.
56
ZARONI, Bruno Marzullo; PEREIRA, Paula Pessoa. Tutela Inibitória no Novo CPC. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie
(coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina
selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 155.
57
Ibidem. p. 270.
58
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: tutela
dos direitos mediante procedimento comum, v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 489.

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300 PROPAGANDA ELEITORAL

Desde logo é preciso destacar que a sua utilização, na Justiça Eleitoral, é bastante
limitada, ante a ausência de efeito prático para salvaguardar os direitos tutelados pela
legislação. Mesmo nos casos da tutela inibitória para impedir a repetição do ilícito, aliás,
os efeitos práticos são limitados. Isso porque o prejuízo, em grande parte dos casos,
é presumido quando ocorre o desrespeito às regras eleitorais, principalmente em se
tratando a respeito da divulgação de fake news para o convencimento de eleitores por
meio de informações falsas e/ou distorcidas.
Portanto, a partir do momento em que houver um ilícito cujos efeitos são
prolongados no tempo, a sua mera remoção terá quase que nenhuma efetividade para
resguardar o que, em última análise, é a finalidade precípua do Judiciário Eleitoral:
resguardar a higidez da vontade popular, o que só ocorre mediante concorrência dos
candidatos em igualdade de oportunidades.
Ou seja, de cada ilícito cometido presumir-se-á prejuízo, enquanto que a função do
aparato estatal será impedir que o dano seja grave a ponto de viciar o curso do processo
eleitoral, evitando-se o desfazimento da votação, mediante a cassação de mandatos. Por
isso mesmo é que, na maior parte dos casos, a tutela meramente reintegratória será inócua.

5.3.3 Tutela de ressarcimento na forma específica


Outra modalidade de tutela específica é a de ressarcimento na forma específica.
Nesta hipótese, não se separa o ilícito do dano, pressuposto para a incidência das duas
hipóteses de tutelas preventivas – inibitória e remoção do ilícito –, já que em alguns casos
o ilícito trará o dano consigo, adquirindo assim, importância a tutela de ressarcimento.
A tutela de execução do processo civil clássico não conseguiu dar a necessária
efetividade à tutela de ressarcimento, advindo, deste fato, a imprescindibilidade de se
pensar em técnicas processuais capazes de conferir efetividade aos casos em que do
ilícito decorra algum dano.59
Trata-se da forma genuína para tratar de reparação de danos não patrimoniais,
afastando o automatismo na conversão do direito em pecúnia, tendo em vista que
o ressarcimento na forma específica (prestação de fato, no caso da Justiça Eleitoral),
pode se apresentar de maneira bastante mais adequada.60 Aliás, na Justiça Eleitoral, os
direitos em questão sequer podem ser convertidos em pecúnia, impossibilitando, por
conseguinte, o ressarcimento pelo equivalente monetário.
Em algumas situações, havendo a ocorrência do dano, a tutela reparatória pode
significar a desconstituição do mandato conquistado de maneira viciada ou a simples
aplicação de multa sancionatória.
Noutros casos, entretanto, não se pode falar em cassação de mandato, devido à
ausência de proporcionalidade em provimento que desfaz a vontade popular. Ademais, a
aplicação de multa – tutela sancionatória – não tem o condão de devolver o jurisdicionado
à situação anterior àquela da ocorrência do dano. É o caso, por exemplo, da ofensa à
honra de determinado candidato; está claro que isso não pode ensejar um provimento
jurisdicional para desconstituir a vontade popular. Nesta situação, que não se pode
falar em reparação por meio de pecúnia e tampouco por meio da desconstituição da

59
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual ..., p. 418.
60
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. 2015, p. 493.

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301

vontade popular, abre-se a possibilidade de ressarcimento na forma específica, por meio


da concessão, ao ofendido, de meio idôneo para rechaçar as ofensas sofridas. Trata-se,
então, da tutela de ressarcimento na forma específica.
Destaca-se para a utilidade desta técnica processual em obrigar, de alguma forma,
a veiculação de informação corretas, a fim de corrigir a disseminação de conteúdos
inverídicos ou mesmo ofensivos. Portanto, resta clara a importância ímpar da tutela
de ressarcimento na forma específica para bem esclarecer os eleitores, mediante a
disponibilização de espaços idôneos para a apresentação de respostas concretas.
Em alguns casos, é preciso ressaltar, não será possível a reparação total da lesão
ocorrida a determinado direito, decorrendo, desta situação, a possibilidade de cumulação
de tutela de ressarcimento na forma específica com a tutela sancionatória.61
Em outros casos, embora a reparação in natura seja impossível, também será
imprescindível a utilização de meio não pecuniário para a satisfação do direito material.62
Um exemplo desta situação, na Justiça Eleitoral, é a determinação para que o candidato
“a” seja obrigado a confeccionar folhetos desmentindo ou retratando a honra do candidato
“b”.63 Em suma: é possível decisão judicial determinando a reparação a determinado
direito lesado sem se utilizar, especificamente, da tutela in natura, mas sem apelar à
conversão em pecúnia.
Vale destacar que, para esta modalidade de tutela, muito mais importante do que
reconhecer o direito à reparação, será a técnica processual empregada para efetivar a
decisão. O tópico abaixo abordará tal questão de maneira mais aprofundada.

5.3.4 Técnicas processuais de efetivação da tutela específica


Tal qual afirmado acima, a tutela específica é aplicada por meio das medidas
coercitivas da tutela mandamental e dos poderes conferidos ao juiz na tutela executiva
lato sensu.64
Em suma, não basta apenas a sentença – técnica processual – para assegurar a
tutela do direito no processo jurisdicional eleitoral. Outros meios de execução – também
técnicas processuais – do comando judicial exarado devem ser aplicados, a depender
da necessidade do caso concreto, já que a finalidade precípua do direito processual é
resguardar o direito material da parte. Marinoni, Arenhart e Mitidiero resumem esta
premissa com maestria: “Isso quer dizer que o nosso sistema de tutela jurisdicional dos
direitos é baseado nas regras da mobilidade e da plasticidade: os direitos podem ser
tutelados de várias formas diferentes, inexistindo uma rígida ligação entre a técnica
processual e a tutela dos direitos”.65
É possível afirmar, então, que as sentenças que reconhecem as tutelas inibitórias,
remoção do ilícito e de ressarcimento na forma específica podem ser classificadas,

61
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual ..., p. 426-427.
62
Ibidem. p. 427.
63
Trata-se de um exemplo, mas não esgota a possibilidade de se utilizar deste expediente.
64
Consoante leciona MARINONI: Por essa razão, o legislador, ao editar as regras processuais, resolveu deixar de
lado a rigidez das formas a rigidez das formas ou a ideia de traçar técnicas processuais abstratas. “A solução
foi estabelecer regras que conferissem maior poder ao juiz, dando-lhe a oportunidade de conformar o processo
segundo as peculiaridades dos casos concretos”. MARINONI, Técnica Processual... p. 289.
65
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. 2015, p. 472.

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302 PROPAGANDA ELEITORAL

segundo parte da doutrina, como não autossuficientes, porquanto necessitam de técnicas


processuais específicas para a sua efetivação.66
Deste ponto emerge a importância, a ser ressaltada uma vez mais, do artigo
139, inciso IV67 do Novo Código de Processo, posto que, repita-se, autoriza de maneira
geral e abstrata a utilização, em qualquer processo, de técnicas idôneas a resguardar
o direito material da parte, algo de fundamental importância para o Direito Eleitoral.
Afinal, se a regra autoriza a aplicação de diversas medidas para resguardar prestação
em pecúnia, impossível defender a não aplicação dessas regras para o resguardo de
direitos fundamentais com natureza claramente metaindividuais.
Não bastasse a autorização geral prevista no referido dispositivo geral, o §1º
do art. 536 do Novo Código de Processo Civil traz a seguinte redação: “Para atender
ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de
multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e
o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de
força policial”. Está claro, até mesmo através da menção ao termo entre outras medidas,
que não quis o legislador estabelecer todas as hipóteses de atuação do magistrado. Ou
seja, as técnicas dependerão da necessidade de se resguardar o direito material no caso
concreto.68
Pois bem, após o esclarecimento, bastante sucinto, de alguns pressupostos, cabe
discutir a aplicação das técnicas processuais de efetivação da tutela específica na Justiça
Eleitoral, notadamente no que diz respeito à veiculação de fake news, tema do presente
trabalho.
A multa coercitiva é a principal técnica processual utilizada como meio coercitivo,
isto é, para atuar sobre a vontade do demandado de modo a fazê-lo cumprir o comando
judicial. É espécie de execução forçada indireta.69 Sua utilização será sempre possível
para as mais diversas situações, obrigando aquele que veiculou ou mesmo está a veicular
informações ilícitas a interromper a sua prática e até mesmo veicular o esclarecimento
necessário (remoção do ilícito/ressarcimento na forma específica).
Mas para além da multa, existem outras formas que podem, inclusive, substituir
a vontade do demandado, tal como afirmado acima a respeito da autorização contida no
§1o do art. 536 do Novo Código de Processo Civil para que o juízo competente adote
medidas para a execução do comando judicial.

66
Ibidem. p. 472-473.
67
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
68
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira, 2015, p. 95.
69
Segundo sustenta Diego Henrique Nobre Oliveira: De forma geral, a doutrina costuma classificar essas técnicas
processuais, que permitem a efetivação da tutela jurisdicional, em indiretas ou diretas, de acordo com a necessidade
ou não de atuação do devedor para o adimplemento da obrigação.
As indiretas buscam estimular o devedor a cumprir, ele mesmo, o disposto na decisão judicial, atuando, destarte,
em sua vontade. Por outro lado, as diretas remetem ao caráter substitutivo da jurisdição, haja vista consistirem
na substituição da conduta do devedor pela conduta do próprio Estado-juiz ou de um terceiro, prescindindo,
portanto, da vontade daquele. In: OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre. Algumas Questões Sobre as Astreintes e
seu Regramento no Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord. geral); MACÊDO, Lucas
Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina selecionada, v. 5: execução. Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 173.

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A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
303

Embora a multa seja um instrumento poderoso, pode o magistrado adotar algum


meio de execução direta para dar efetividade à sua decisão. É o caso, por exemplo, do juiz
que determina o direito de resposta na propaganda partidária, determinando a utilização
do restante do tempo desta propaganda, do partido demandado, no mesmo semestre,
ou mesmo determinando que se cumpra imediatamente, com futuras compensações
de tempo entre a emissora e o partido obrigado ao cumprimento da decisão.
A premissa, enfim, é que cabe ao juiz se utilizar de certa criatividade, no caso
concreto, para fazer prevalecer a sua decisão. Entretanto, se é certo que não há grande
controvérsia a respeito da utilização do meio coercitivo mais comum, qual seja: a multa,
o mesmo não pode ser dito em relação a outras possibilidades:

RECURSO – REPRESENTAÇÃO – ENTREVISTAS – TELEVISÃO – TRATAMENTO


DIFERENCIADO ENTRE CANDIDATOS AO GOVERNO DO ESTADO – ISONOMIA –
TRATAMENTO DIFERENCIADO A CANDIDATOS – POSSIBILIDADE SE OBSERVADOS
CRITÉRIOS OBJETIVOS – APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS ARTS. 46 E 47, §2º, DA LEI
Nº 9.504/1997 – INVIABILIDADE DE PRIVILÉGIO POR CRITÉRIOS SUBJETIVOS OU
POR COLOCAÇÃO DOS CANDIDATOS EM PESQUISAS ELEITORAIS.
Não há previsão abstrata, no ordenamento jurídico, de determinação judicial a emissoras
de rádio e televisão de realização coercitiva de entrevistas com candidatos para o fim de
se alcançar pretensa isonomia, como sanção a tratamento diferenciado.
(...)
(RECURSO EM REPRESENTAÇÃO nº 2355, Acórdão nº 21286 de 25/09/2006, Relator(a)
VOLNEI CELSO TOMAZINI, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 25.09.2006 )

Cabe esclarecer que existe a possibilidade de determinação judicial para que


emissoras realizem entrevistas com candidatos a fim de conferir igualdade de oportu-
nidade entre os postulantes, obrigando a disseminação de informações para todas as
correntes, possibilitando amplo conhecimento ao eleitorado. Relembre-se que a legislação
eleitoral impõe que os candidatos sejam tratados com igualdade pelas concessionárias
de Rádio e TV. Portanto, se alguma emissora deixa de respeitar esta determinação,
pode o magistrado, no caso concreto, utilizar-se de diversas técnicas para resguardar
a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Esta possibilidade não decorre de
previsão normativa, mas sim da criatividade do juiz conferida pelo Código de Processo
Civil para conferir efetividade ao direito material da parte.
Exemplo claro de utilização de medida executiva lato sensu utilizada na Justiça
Eleitoral se refere ao seguinte julgado exarado durante as eleições de 2010, determinando
o comparecimento de oficial de justiça em comitê eleitoral, a fim de enviar e-mail para
todos os endereços contidos nas listas do computador em que se identificou o envio de
mensagem contendo pesquisa eleitoral falsa:

Cuida-se de representação oferecida pela coligação “A União Faz Um Novo Amanhã” e


Osmar Fernandes Dias contra a coligação “Novo Paraná” e Carlos Alberto Richa, todos
já qualificados nestes autos, no qual se imputa aos representados a difusão irregular de
pesquisa eleitoral sem o prévio registro nesta Corte, em afronta aos ditames do artigo 33
da Lei nº 9.504/1997.
Os representantes aduzem, em síntese, que os representados se valem de estratagema
espúrio para impugnar pesquisas eleitorais dos institutos mais conhecidos (IBOPE,
DATAFOLHA e VOXPOPULLI), pois, sorrateiramente, através do domínio @betoricha.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
304 PROPAGANDA ELEITORAL

com.br, enviaram massivamente e-mails com ênfase em suposta vantagem de Beto Richa
em relação ao adversário principal (Osmar Dias).
Pedem, então, a concessão de liminar para exigir dos representados que se abstenham de
divulgar a pesquisa irregular, outrossim, o ressarcimento liminar para que haja o reenvio
de informação desconstituindo a notícia inverídica, sob pena de multa cominatória.
(...)
De fato, a ata notarial anexada nestes autos aponta o envio de e-mail através do domínio
agroparana@betoricha.com.br , no qual se destaca a larga margem de 767.000 (setecentos e
sessenta e sete mil) votos de diferença favorável a Beto Richa em relação ao seu adversário
Osmar Dias. Aliás, há indícios de que esse domínio efetivamente pertença ao candidato
Beto Richa, o que indica, em tese, a autoria em seu desfavor.
Consta, ainda, que esses dados se baseiam em pesquisas internas, todavia, não se evidencia
informação sobre seu registro neste Tribunal, assim como dos dados obrigatórios na forma
que dispõe artigo 1º da Resolução nº 23.190/2009 do Tribunal Superior Eleitoral
(...)
Nessas condições, é verossímil a relevância do direito invocado pelos representantes,
em razão dos fortes indícios de irregularidade noticiados. Ademais, a persistência da
disseminação desse e-mail, indubitavelmente, poderá acarretar sérios prejuízos aos
representantes, em virtude da inquestionável capacidade de indução das pesquisas
eleitorais, especialmente com a proximidade do dia da eleição.
(...)
A propósito, é por conta do comportamento dúbio dos representados (impugnando
pesquisas de institutos tradicionais supostamente irregulares, mas em contrapartida
difundindo `pesquisas internas¿ igualmente questionáveis), outrossim, do inegável efeito
nefasto das pesquisas eleitorais, é que se revela prudente o deferimento da tutela de
ressarcimento postulada liminarmente, de modo a minimizar os danos do ato impugnado,
não obstante a devida adequação do teor da resposta.
Diante do exposto, defere-se o pedido liminar, para obrigar os representados a absterem-se
de divulgarem, sob qualquer forma de comunicação, pesquisa eleitoral sem o devido
registro perante esta Corte, sob pena de multa de R$300.000,00 (trezentos mil reais) por
divulgação.
Incumbe aos representados, ainda, atender liminarmente a tutela específica de ressarcimento,
consistente em difundir, com a presença de servidor da Justiça Eleitoral e através do provedor dos
próprios representados, direcionada ao mailling do domínio agroparana@betoricha.com.br , resposta
contendo o seguinte teor:
“A coligação ‘Novo Paraná’, do candidato Beto Richa, em obediência à decisão liminar da
Justiça Eleitoral do Paraná, proferida nos autos nº 2170-43.2010.6.16.0000, cuja representação
foi proposta pela coligação `A União Faz um Novo Amanhã¿ e Osmar Dias, presta o
seguinte esclarecimento:
No que diz respeito à informação enviada pelo e-mail com o título `BetoRicha lidera por
767 mil votos, no qual haveria suposta vantagem de 10% com base em pesquisas internas,
esclarece-se que essa pesquisa interna não foi registrada perante o TRE/PR nos moldes
do artigo 33 da Lei nº 9.504/1997, portanto, não possuindo eficácia para fins eleitorais.”
(...)

Este é um claro exemplo de veiculação de fake news ao criar uma pesquisa eleitoral
inexistente, disseminando conteúdo que visa influenciar na vontade do eleitoral de
maneira irregular, causando prejuízo à concorrência entre os postulantes a determinado
cargo. Por isso se mostra evidente o cabimento da aplicação de técnicas processuais
aptas para o ressarcimento na forma específica, restabelecendo o princípio da igualdade
entre os postulantes em determinado pleito.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
305

Outro exemplo claro em que poderia ter havido o emprego de técnicas processuais
inerentes à tutela executiva lato sensu, ocorreu nas eleições presidenciais de 2014.
A revista de maior circulação nacional antecipou a divulgação de uma de suas
edições, a fim de divulgar reportagem que, claramente, poderia influenciar no processo
eleitoral. Isso tudo a 2 (dois) dias da votação. Apesar de ter havido a propositura de
representação, autuada sob o nº 178418.2014.600.0000, deve-se reconhecer que a resposta
conferida pela Justiça Eleitoral, com o devido respeito, não foi a mais adequada,
limitando-se a empregar técnicas de execução indireta (multa para influenciar a vontade
do demandado a cumprir a decisão judicial), deixando de lado vasto arsenal de técnicas
processuais de execução diretas que, naquele momento, seriam mais adequadas.
Isso porque, àquela altura, no período mais crítico de um pleito eleitoral bastante
acirrado e disputado, o Tribunal Superior Eleitoral se limitou a determinar publicação
de direito de resposta à reportagem no sítio da revista,70 em tamanho compatível
com a matéria em questão. A revista cumpriu a decisão de maneira absolutamente
inadequada.71 O relator do caso, por sua vez, limitando-se a fixar um valor bastante alto,
embora a periodicidade, àquela altura, tenha sido adequada, já que o descumprimento
seria contado em horas.
A decisão poderia tanto determinar a apreensão das revistas, como também a
publicação de erratas em sítios, novas impressões e até mesmo na televisão. Claro que
à custa da própria revista que, em tese, cometeu o suposto fato ilícito.
Enfim, o enfrentamento dessas situações com a utilização das técnicas processuais
mencionadas acima pode inibir que aquele que detém Pode Econômico possa dele
abusar, diante da possibilidade de a Justiça Eleitoral combater o monopólio da circulação
de informações, dando oportunidade de correção de conteúdos falsos ou ofensivos ou
conferindo oportunidade de manifestação aos candidatos com parcos recursos, na medida
em que o pressuposto fundamental de atuação da regulação da concorrência eleitoral,
tal qual Calixto Salomão Filho, é que: “A difusão de conhecimento é incompatível com a

70
Forte nesses argumentos, CONCEDO a liminar para a veiculação do direito de resposta requestado e, assim,
determinar à Editora Abril S.A. que insira, de imediato, independentemente de eventual recurso, no sítio eletrônico
da Revista Veja na internet (www.veja.com.br), no mesmo lugar e tamanho em que exibida a capa do periódico,
bem como com a utilização de caracteres que permitam a ocupação de todo o espaço indicado.
71
Ao acessar a página da Revista Veja na internet (www.veja.com.br), identifiquei que, de fato, a publicação do
direito de resposta foi realizada em desacordo com os parâmetros fixados na decisão liminar.
Na página inicial do site acima indicado, embora conste a exibição da capa da revista, com elevado destaque e
tamanho em relação às demais imagens, a Representada não deu o mesmo realce ao texto da resposta concedida
liminarmente, limitando-se a disponibilizá-lo por meio de link.
Patente, portanto, o descompasso com a determinação judicial no sentido de que o texto deveria ser veiculado
no mesmo lugar e tamanho em que exibida a capa da revista.
Demais disso, verifiquei que, após clicar no link e acessar o texto de resposta, logo abaixo dele há outro link que
direciona o leitor à “Resposta do direito” . Sem maiores considerações quanto ao conteúdo desse texto, entendo
que é irregular a vinculação de qualquer texto ou link ao direito de resposta publicado.
Ante o exposto, determino que a Representada promova a correta publicação do direito de resposta, no mesmo
lugar e tamanho em que exibida a capa da edição questionada, bem como utilize caracteres que permitam a ocu-
pação de todo o espaço indicado, sob pena de incidência de multa no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta
mil reais), por hora, a partir da primeira hora de descumprimento, aumentada ao dobro a partir das demais.
Determino, ainda, que o direito de resposta seja veiculado sem menção a quaisquer textos, links e assemelhados
que com ele não tenham relação.
Intime-se a Representada com urgência.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
306 PROPAGANDA ELEITORAL

existência de pode econômico. A democracia cognitiva proporcionada pela concorrência


traduz-se também em maior isonomia econômica”.72

5.4 Conclusão
Nos mesmos moldes em que há a necessidade da disseminação de conhecimento
e informação para esclarecer o consumidor, permitindo-lhe realizar a melhor escolha, o
eleitor, mais ainda, deve estar atento e informado acerca das questões políticas, o que
impõe à Justiça Eleitoral controlar/regular de maneira adequada os conteúdos que serão
veiculados mesmo no período imediatamente anterior às eleições, já que o debate não
se inicia apenas na data estipulada pela Justiça Eleitoral. Ainda mais com a proliferação
desenfreada das chamadas fake news no debate político brasileiro.
Nesse contexto, impõe-se que o órgão regulador do processo eleitoral aja com
firmeza e isonomia em relação a todos os veículos de comunicação – grande imprensa
e aquela denominada de “mídia alternativa” – inibindo a veiculação de conteúdos que
sejam ofensivos, falsos e que em nada esclareçam o eleitor para a sua escolha, garantindo
concorrência efetiva com a propagação de conhecimento útil para debate político-eleitoral
brasileiro, notadamente depois do recrudescimento do ambiente político.
Para cumprir tal papel, deverá a Justiça Eleitoral se utilizar de técnicas processuais
idôneas, quando provocada, a fim de evitar que a consumação de graves danos à
concorrência entre candidatos, o que pode obrigar, posteriormente, provimento para
o desfazimento da vontade popular.
Daí emerge a importância dos esclarecimentos trazidos pelo legislador no Novo
Código de Processo Civil e sua aplicação nas demandas de competência da Justiça
Eleitoral, pois ao estabelecer, expressamente, que a finalidade das tutelas preventivas
é tão somente atacar a possibilidade da ocorrência do ilícito ou a sua repetição, pouco
importando o dano, o novo código abriu espaço para que ilícitos eleitorais sejam
evitados, impedindo a consumação de danos e a possibilidade da ocorrência de abusos
na veiculação de informação por parte dos candidatos e imprensa em geral.
Além disso, ao separar em tópicos distintos as modalidades de tutelas das técnicas
processuais aptas a sua efetivação, o legislador deixou claro que, mesmo para os casos
em que houver previsão em normas especiais de tutela específica, as referidas técnicas
processuais previstas nos arts. 536 e 537 do NCPC poderão ser aplicadas.
Entretanto, a Justiça Eleitoral tem utilizado de maneira tímida novas técnicas
processuais de natureza executiva lato sensu. Considerando a possibilidade de exacerbação
do debate nas eleições de 2018, ante a polarização política vivenciada atualmente, é
possível que medidas criativas inerentes à tutela executiva lato sensu sejam utilizadas
com maior frequência, com base no artigo 139, inciso IV do Novo Código de Processo
Civil, sobretudo para impedir a consumação de abuso do poder econômico e/ou político,
evitando cassações de mandatos que, em última análise, implicam no desfazimento da
vontade de inúmeros eleitores.

72
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 45.

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FERNANDO MATHEUS DA SILVA
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
307

Impõe-se ressalvar que não foi o objetivo do texto sequer tentar esgotar as
hipóteses de aplicação da tutela específica para corrigir a veiculação de informações
ilícitas, justamente para deixar claro o seu cabimento para os mais diversos casos.
De resto, também não se esgotaram as polêmicas acerca das fake news, tampouco
se abordaram instrumentos criminais de combate a esses ilícitos, já que o objetivo
único era demonstrar que a concorrência ideal pressupõe conhecimento por parte de
seu destinatário: eleitor, o que evidencia a importância de técnicas processuais rápidas
para a remoção de situações dessa natureza, até porque investigações criminais não têm
a agilidade necessária para resguardar a legitimidade do pleito eleitoral, pois visam
apenas a punir os infratores.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SILVA, Fernando Matheus da. A tutela específica e a concorrência eleitoral: a transmissão de conhecimento
e o combate às fake news. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 285-307.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 6

FAKE NEWS, ALGORITMOS, REPLICAÇÃO ARTIFICIAL


E A RESPONSABILIDADE PENAL ELEITORAL

LUIZ TARO OYAMA


JILLIAN ROBERTO SERVAT

O Tribunal Superior Eleitoral instituiu Conselho Consultivo, consistente em grupo


de trabalho multidisciplinar, contando com integrantes de outros órgãos, como Supremo
Tribunal Federal, Polícia Federal, Agência Brasileira de Inteligência, Ministério Público,
além de Ministérios, fundações e empresas do segmento de tecnologia e comunicação,
com a missão de discutir e desenvolver ferramentas para o monitoramento e combate
da proliferação de boatos, notícias falsas ou deturpadas nas eleições gerais de 2018,
fenômeno mundialmente conhecido pela expressão inglesa fake news.
Essa pauta esbarra em assuntos de grande volatilidade e alcance, desde os
princípios de liberdade de expressão, do direito da informação dentro de limites da mera
crítica e marketing cômico até as fronteiras criminais, possivelmente caracterizando crimes
contra a honra ou a manipulação com fins eleitorais escusos, por meio da utilização de
técnicas avançadas de exploração de banco de dados gigantescos (big data) associados
a algoritmos fabulosos e mecanismos robóticos de replicação e simulação de interação
em redes sociais.
Afinal no ambiente virtual é possível que sejam comprados falsos seguidores,
inflando-se artificialmente o número de fãs das páginas de candidatos e partidos. Com
isso, o beneficiário aparece mais popular do que realmente é, o que lhe confere poder
de influência política que na realidade não possui, ensina José Jairo Gomes.1
O grande trunfo dos disseminadores de notícias falsas é o fato de a população
sequer perceber que está interagindo com um bot, crendo, ao contrário, que interage
com outro humano. Podem existir situações de interação entre bots, o que parece roteiro
de filmes de ficção científica.
Importante ambientar que, ao se falar em fake news, não se estará diante de peças
de propaganda irônicas, discursos ou publicações engraçadas ou anedotas provocantes.
Estar-se-á, sim, diante de um trote bem elaborado e com aparência de notícia autêntica,
propalando algo que em algum grau poderia ser verdade, utilizando formato e supostas
fontes que denotem realismo.

1
GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
310 PROPAGANDA ELEITORAL

No cenário político, essas notícias, de regra, visarão a arruinar a reputação de


candidato ou partido para que ele perca credibilidade, simpatia e, portanto, votos.
Nessa situação, a livre formação do voto pelos cidadãos brasileiros está na berlinda.
Apesar do alarmismo, a celeuma que preocupa a Justiça Eleitoral, partidos,
candidatos e cidadãos não é novidade. O mundo alvoroçou-se com a divulgação do
uso massivo dessa estratégia para influenciar a opinião pública na tomada de decisões
democráticas, envolvendo poderosas potências mundiais. Citem-se os exemplos das
eleições presidenciais americanas, o desligamento do Reino Unido da União Europeia
(Brexit), o plebiscito separatista catalão, entre outros.
No Brasil também há indícios de que, ainda de modo incipiente, tal estratagema
possa ter influenciado pleitos passados, sem falar no recente processo de impeachment.
Ocorre que até então esse meio ardiloso de convencimento e formação de opinião em
massa ainda não estava em voga, tampouco era tão exposto, sofisticado e abrangente
como agora.
Naqueles idos, a utilização do método de viralização de boatos era bem-sucedida
mais devido à contribuição do perfil dos usuários brasileiros do que de sistemas eletrônicos,
pois no Brasil costuma-se compartilhar e disseminar conteúdos de forma irresponsável.
Atualmente fake news é tema cotidiano, objeto de discursos inflamados que
bradam a necessidade de criação de novos tipos penais como medida para coibir esses
mecanismos. Por outro lado, há quem defenda que o Brasil possui legislação avançada
o suficiente para equipar os meios de comunicação, o aparelho público, especialmente
a Justiça Eleitoral, no combate a esse mal que parece ameaçar nossas próximas eleições.
Exemplos disso são o Marco Civil da Internet, o Código Eleitoral e a Lei das Eleições,
inclusive com condutas criminalmente previstas.
Porém mais importante e eficiente que a repressão criminal é a prevenção com
informação, sendo salutar alertar a população sobre essas ocorrências e instruí-la para
identificar e repudiar esse tipo de artimanha que pode interferir no voto livre e consciente.
Não há dúvida de que a sociedade deverá estar muito atenta a isso, exigindo
atuação firme, engajamento e colaboração dos meios de comunicação social e dos
provedores das principais redes sociais e aplicativos, no sentido de identificar, coibir,
conter e excluir as notícias, publicações e postagens que sejam identificadas como
evidentemente falsas e disseminadas em larga escala de forma artificial.
Andou bem o TSE ao estudar e criar uma estrutura preventiva de combate às
notícias falsas, incluindo medidas de mapeamento de lições apreendidas na esfera
internacional para conter propagandas cognitivas sofisticadas, dirigida aos segmentos
de eleitores segundo as suas preferências registradas nos algoritmos.
Esses algoritmos tendem a criar o que chamam de circunvizinhança noticiosa,
definindo as preferências de exibição na rede social do usuário com base nas postagens
que se enquadram nos mesmos critérios, perfis que segue, seus históricos de buscas e
interesses, o que também chama-se de bolha narrativa.
Foi nesse sentido a reflexão do ex-presidente americano Barack Obama, em
entrevista concedida a David Letterman, num formato recém-lançado pela Netflix:
“Um dos maiores desafios da nossa democracia é o grau em que não compartilhamos
uma base comum dos fatos”.
Exemplificando seu raciocínio, Obama citou um experimento supostamente
realizado no Cairo, em que simultaneamente um conservador, um moderado e um

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LUIZ TARO OYAMA, JILLIAN ROBERTO SERVAT
FAKE NEWS, ALGORITMOS, REPLICAÇÃO ARTIFICIAL E A RESPONSABILIDADE PENAL ELEITORAL
311

liberal, utilizando seus próprios celulares, realizaram busca no Google digitando a


expressão Egito. Os resultados foram Irmandade muçulmana para o conservador, Praça
Tahrir para o liberal e Locais de férias no Nilo para o moderado.
Por isso, municiado com lições aprendidas e após definir uma estratégia, um
grupo do TSE desenvolverá um manual para orientação dos juízes eleitorais na tomada
de decisões e conscientização do eleitorado. Até porque é anulável a votação, quando
viciada de falsidade, fraude ou emprego de propaganda vedada em lei, nos termos do
art. 222 do Código Eleitoral.
Nesse sentido, o Ministro Luiz Fux, em voto proferido no processo que resultou
na Resolução nº 23.457, clamou “quanto à necessidade de a Justiça Eleitoral coibir
comportamentos deletérios, canhestros e, portanto, ilegítimos, de players que se valham
da ambiência da internet e de suas principais plataformas de acesso e de conteúdo para
vilipendiar a legitimidade e a higidez do prélio eleitoral, mediante a utilização de fake
news, junk news, utilização de bots, etc., em flagrante descompasso com os princípios
reitores do processo político-eleitoral”.
Antes disso, a classe política, os titulares de cargos eletivos e especialmente
aqueles potenciais ou declarados pré-candidatos vinham dedicando esforços em suas
plataformas digitais para monitorar, esclarecer e contraditar notícias que eventualmente
se espalhem na rede mundial de computadores, em espaços destinados para a abordagem
de mitos ou verdades, fatos ou mentiras e congêneres.
Não obstante o alarmismo que se instaura, como se um inimigo inédito nos
assolasse, a utilização de propaganda negativa, notadamente na modalidade de notícias
falsas, é expediente em que desde a antiguidade se socorrem as campanhas eleitorais,
conforme se depreende da interessante obra Crime e Mentira na Política, de Fernando
Neisser,2 que a seguir se colaciona.
O autor traz pesquisas de historiadores narrando que nos muros de Pompeia
estão preservadas, em virtude da erupção, propaganda da época republicana da Roma
Antiga, em espaço reservado para a oro vos faciatis, ou seja, vote em favor de. Segundo
historiadores, naquela época também se praticava propaganda negativa. Ocorria que
a etiqueta vigente não comportava crítica direta entre candidatos, que se socorriam do
ardil de divulgar falsos apoios por meio de pinturas nas paredes em anúncios como as
moças do prostíbulo apoiam determinado candidato.
Ainda no império romano, Otaviano teria utilizado de propaganda negativa para
explorar a relação de Marco Antônio com Cleópatra, espalhando boatos indiciários de
uma suposta mudança da capital para o Egito.
Nessa linha o historiador e professor da Universidade de Harvard Robert Darton,
em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, contou que notícias falsas existem desde o
século VI, citando o texto secreto escrito por Procópio, historiador bizantino que arruinou
a reputação do imperador Justiniano espalhando boatos no documento Anekdota.3
Modernamente, a massificação da propaganda alicerça-se em três pilares: a
criação da imprensa, a Reforma Protestante e o desenvolvimento do Estado Absolutista,

2
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 78-94.
3
DARTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, 2017. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml/>.
Acesso em: 26 de jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
312 PROPAGANDA ELEITORAL

as duas últimas usando a primeira para propagar o descontentamento com a estrutura


religiosa vigente e divulgar informações e propaganda estatal.
Imprimindo cientificidade nas técnicas de propaganda, destaca-se a criação
do instituto Gallup, fundado em Princeton, com foco em conhecer e mensurar a
opinião pública, elemento essencial para se implantarem mecanismos de mudança e
convencimento dessa opinião ou, por que não dizer, de manipulação dela.
O surgimento dos estados totalitários do pós-guerra impulsionou a propaganda a
um nível maior de aperfeiçoamento, ganhando relevo como estratégia de consolidação
de sistemas e governos, com destaque, por exemplo, para a forte propaganda comunista.
No campo eleitoral contemporâneo, a referência histórica é a campanha presi-
dencial americana de 1952, quando o candidato Dwight Eisenhower incorporou a sua
campanha modernos recursos de marketing, por meio da exibição de curtas inserções
no rádio e televisão (spots) em horário nobre, no intervalo de programas de grande
audiência. Nessas inserções ele tratava de questões pontuais, respondendo a perguntas
de eleitores. A campanha ficou conhecida como Ask the General e coincidiu com a vitória
do candidato naquele pleito.
A resposta na eleição seguinte veio na forma de propaganda negativa. O candidato
adversário, usando o mesmo formato, rebatia e expunha as promessas feitas na campanha
anterior e que não foram cumpridas, utilizando justamente as imagens dos spots da
campanha passada do adversário.
Observa-se que, desde então, há tendência crescente da propaganda negativa,
na qual os candidatos se esmeram para denegrir a imagem do adversário, mais do que
apresentar os próprios méritos.
No Brasil, os exemplos são vastos e decorrem do aquecimento dos ânimos, que é
típico do período eleitoral, conforme lição de Tocqueville (2010, p. 118 apud NEISSER,
2016, p. 89):

Muito antes de chegar o movimento fixado, a eleição torna-se o maior e, por assim dizer,
o único assunto que preocupa os espíritos. As facções redobram então o ardor; todas as
paixões partidárias que a imaginação pode criar num país feliz e tranquilo agitam-se
neste momento a plena luz. [...] À medida que a eleição se aproxima, as intrigas tornam-se
mais ativas, a agitação mais viva e mais difundida. Os cidadãos dividem-se em vários
grupos, cada um dos quais toma nome de seu candidato. A nação inteira cai num estado
febril, a eleição é, então, o tema quotidiano dos jornais públicos, assunto de conversas
particulares, objetivo de todas as indagações, finalidade de todos os pensamentos, único
interesse do presente.4

Vê-se, portanto, que é historicamente natural usar boataria como estratégia


eleitoral, principalmente na forma negativa, que evidentemente parece possuir maior
aptidão para se alastrar rapidamente, exponencialmente acelerada com ajuda de perfis
profissionais disfarçados de pessoas comuns ou por robôs habilmente configurados
para tanto. Nesse sentido:

Esses anúncios publicitários, não surpreendentemente, são destinados a tornar o adversário


aparecer incompetente, corrupto, distante [out-of-touch], desagradável, e, geralmente, em

4
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América, 2010. In: NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na
Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 89.

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LUIZ TARO OYAMA, JILLIAN ROBERTO SERVAT
FAKE NEWS, ALGORITMOS, REPLICAÇÃO ARTIFICIAL E A RESPONSABILIDADE PENAL ELEITORAL
313

favor de todos os tipos de coisas terríveis [dreadful things]. Tais anúncios podem exibir
uma foto comprometedora ou mesmo adulterada de um político oponente, ou usar
imagens granuladas em preto-e-branco [grainy black-and-white footage] para fazer suas ações
parecerem ameaçadoras. Tais anúncios podem ser moderados (“O senador Thomas votou
cinquenta e sete vezes para aumentar os seus impostos...”) ou fortes (“O senador Thomas
votou para colocar assassinos, estupradores e molestadores de crianças em liberdade...”).5

Porém o que merece estudo é a questão da autenticidade das informações


propagadas. Ou seja, a propaganda negativa em si não demanda intervenção judicial,
se corresponder à verdade dos fatos, porém demanda intromissão estatal, por meio de
reprimenda penal, se a informação for falsa. Ou não?

Afinal, se é certo que a mentira, seja ela proferida no âmbito da propaganda eleitoral ou
não, é incômoda e repudiada pelo corpo social, não é menos certo que o Direito Penal não
se ocupa de perseguir e apenar toda e qualquer mentira. Como posto por Jakobs, não há
que se pensar que toda mentira – seja contra uma pessoa ou contra a “humanidade” – deva
ser tratada como um ilícito ou, ainda, um ilícito penal, o que leva o debate jurídico-penal
a se esforçar em delimitar quais são os falsos merecedores de pena.6

Nessa linha, em intrigante conclusão, Fernando Neisser diz que, apesar da


condenação da mentira ser unânime, sua prática é, por certo, universal e, parece forçoso
interpretar, um mal necessário em campanhas eleitorais:

O desejo da sociedade em dispor de um ambiente político no qual apenas a verdade


viceje é tão distante da realidade humana como esperar que a mentira seja completamente
extirpada do comércio, do ambiente de trabalho, da academia, dos grupos de amigos e
até do núcleo familiar. Seria exigir que cada candidato expusesse seus defeitos e vícios de
forma clara e honesta; que cada partido narrasse detalhadamente as ilicitudes praticadas
em seu seio; que os agentes políticos contassem, na propaganda eleitoral, as eventuais
ilegalidades que viabilizaram sua eleição e permitiram a manutenção nos seus cargos; que
os concorrentes no pleito admitissem as virtudes de seus oponentes, apontando-os, por
vezes, como os mais aptos ao cargo em disputa. Como assumido em ponto anterior da
pesquisa, uma produção científica comprometida com a viabilidade de suas propostas não
pode se deslocar da realidade a ponto de pugnar por um direito inaplicável ao ser humano.7

Superada a tergiversação filosófica, trazida por amor do debate, evidentemente


a perfídia deve ser combatida por todos os meios, preferencialmente por filtros do bom
senso dos interlocutores, dos usuários de internet, dos cidadãos eleitores, contando, para
tanto, com o suporte dos meios de comunicação e do aparato estatal. Neste momento,
em especial, com as medidas que serão propostas e efetivadas pelo conselho consultivo
do TSE para as fake news.
Mas, se a estratégia e as ações não surtirem efeito suficiente, restará a intervenção
penal visando a punir os disseminadores de notícias falsas eleitoreiras, com destacada

5
CLIFT E SPIELER, 2012. In: JAIRO GOMES, José. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2. ed. rev., atual e
ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 251.
6
JAKOBS, Gunther, 2011. In: GASPAR NEISSER, Fernando. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum.
2016. p. 113.
7
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 155.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
314 PROPAGANDA ELEITORAL

atenção àqueles que administrem múltiplos perfis ou desenvolvam e programem robôs


de replicação.
Para isso, a incriminação de mentiras com finalidade eleitoral era penalizada
desde o Código Eleitoral de 1950, estipulando pena para o ato de referir na propaganda
fatos inverídicos ou injuriosos em relação a partidos ou candidatos e com possibilidade
de exercer influência perante o eleitorado, nos termos do art. 175, §28 do revogado
Código Eleitoral.
Especificamente no âmbito da internet e das redes sociais, os primeiros dispositivos
que tratam de crimes eleitorais foram os §§1º e 2º do art. 57-H, da Lei das Eleições,
incluídos pela Lei nº 12.891/13.
No entanto, antes disso e mesmo no ambiente virtual de propaganda eleitoral,
determinadas condutas poderiam encontrar enquadramento típico nos artigos 323 a
326 do Código Eleitoral.
Passa-se então a analisar, brevemente, o art. 323 do Código Eleitoral, que tem
por objetividade jurídica a veracidade da propaganda eleitoral, vale dizer, garantir que
o eleitor possa receber o máximo de informações legítimas dos candidatos e partidos,
visando formar sua convicção e orientar seu voto, levando em conta o histórico pessoal,
social e político do concorrente ou agremiação, suas propostas, lemas, bandeiras, em
suma, a plataforma e orientação política.
Observe-se, portanto, que não há crime na realização de propaganda negativa,
desde que alinhada com a verdade, mas o ordenamento penal eleitoral criminaliza a
disseminação de notícias falsas desde antes do alarmante anúncio de uma onda de fake
news que ameaça atingir as Eleições de 2018.
Vale repetir que é crime propalar notícias falsas com fins de prejudicar determinado
candidato ou partido em qualquer meio, inclusive o virtual, não demandando descrição
típica mais específica para tanto.
Importante destacar, por mais que no cenário brasileiro possa parecer cômico, que
também é crime propalar notícias falsas de exaltação e louvor a candidatos e partidos,
tais como alardear falsas realizações, feitos ou atributos históricos ou biográficos destes.
Segundo José Jairo Gomes, não caracterizará o tipo do art. 323 do Código Eleitoral
quando a conduta ocorrer fora do ambiente de propaganda eleitoral ou tratar-se de mera
opinião ou mesmo insinuação tóxica, nem quando a informação falsa não tenha aptidão
para influir no ânimo do eleitorado alterando ou criando estados de animosidade em
relação aos protagonistas da propaganda.8
Da mesma forma, o fato de realizar-se em meio virtual não afasta os componentes
do crime, não demandado produção legislativa específica.
O partido político também poderá ser responsabilizado penalmente, conforme
preceitua o art. 336 do Código Eleitoral, outra chancela de sofisticação da legislação
penal eleitoral.
Por fim, com foco exatamente na utilização de artifícios para a multiplicação de
notícias falsas, a Lei das Eleições prevê que constitui crime a contratação direta ou indireta
de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na

8
GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p.
111.

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LUIZ TARO OYAMA, JILLIAN ROBERTO SERVAT
FAKE NEWS, ALGORITMOS, REPLICAÇÃO ARTIFICIAL E A RESPONSABILIDADE PENAL ELEITORAL
315

internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação,


impondo pena de detenção de 2 a 4 anos e multa de quinze a cinquenta mil reais.
Assim, crê-se que as instituições democráticas e os cidadãos brasileiros estão
preparados, legitimados e atentos para levar a cabo uma campanha eleitoral focada no
fortalecimento dos princípios republicanos, penalizando, se necessário, aqueles que a
tentem desvirtuar com algoritmos maliciosos ou robôs fofoqueiros, pois todo o poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos por sufrágio universal
e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, formado por convencimento
livre, a salvo de notícias falsas.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

OYAMA, Luiz Taro; SERVAT, Jillian Roberto. Fake news, algoritmos, replicação artificial e a
responsabilidade penal eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber
de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 309-315. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PARTE IV

PESQUISAS ELEITORAIS E
TESTES PRÉ-ELEITORAIS NO
CONVENCIMENTO DO ELEITOR

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CAPÍTULO 1

PARA ALÉM DA INTENÇÃO DE VOTO

ADRIANO OLIVEIRA

1.1 Introdução
Após o fim do pleito eleitoral, qualquer que seja, aparecem atores políticos
defendendo a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais. A tese dos defensores é
que a divulgação influencia a escolha dos eleitores. Isso significa que o eleitor tende a
votar em quem está na frente na disputa eleitoral, segundo a pesquisa divulgada. Tal
tese é coerente, como bem mostra Oliveira e Gadelha (2017). Mas será que a proibição
de pesquisas eleitorais fere o direito de informação do eleitor?
A indagação realizada é necessária, pois a proibição da divulgação de pesquisas,
mesmo que seja às vésperas do pleito eleitoral, pode encorajar propostas para novas
proibições. Por exemplo: Não divulgar a agenda do candidato quinze dias antes do dia
da eleição. Tal proibição também fere o direito à informação do eleitor.
O direito de informação do eleitor está circunscrito às seguintes indagações: “Eu
quero saber o que o candidato X irá fazer hoje? Será que ele visitará o meu bairro?”;
“A campanha do candidato Y na TV está horrível. Muito agressiva. Será que ele tem
chances de ganhar?” Essas são indagações fundamentais que justificam a existência do
direito à informação dos eleitores.
Tenho a tese de que o desejo de proibição dos resultados das pesquisas eleitorais
surgiu em virtude da demasiada importância à variável intenção de voto. Essa variável,
presente em qualquer questionário que busque decifrar o comportamento do eleitor,
é excessivamente valorizada pelos competidores e também pela imprensa. E, claro, o
eleitor. Em razão disso, a imprensa, ator que tem o poder de publicizar os resultados
das pesquisas, dar espaço considerável a variável intenção de voto. E tal espaço sugere
para os admiradores das pesquisas eleitorais que o único dado importante na pesquisa
é a intenção de voto. No caso, qual o competidor está à frente na disputa.
Este artigo tem o objetivo de mostrar que a variável intenção de voto é uma
informação secundária e que o seu nível de importância está associado fortemente
à proximidade do dia da eleição. Existem outras variáveis que são importantes. Mas
elas não são valorizadas pelos interessados em pesquisas. A ausência da valorização
talvez seja em virtude de que os próprios institutos de pesquisas e a imprensa tenham
excessiva preocupação com a intenção de voto.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
320 PROPAGANDA ELEITORAL

Inicialmente, mostro que a pesquisa eleitoral não pode se resumir à variável


intenção de voto. Revelo que existem diversas perguntas que podem estar contidas no
questionário aplicado ao eleitor e que têm poder de decifrar o comportamento dele e
de construir cenários.
A utilização das premissas da economia comportamental em pesquisas eleitorais
pode dar forte contribuição à previsão eleitoral. Algo que a intenção de voto não é
capaz. E que os dados qualitativos, os quais advêm de pesquisas qualitativas, também
fornecem subsídios para a predição.
Concluo sugerindo que os institutos de pesquisas e a imprensa devem ofertar
mais informação ao eleitor sobre a dinâmica eleitoral através de outras perguntas que
devem ser feitas ao entrevistado, além da previsão eleitoral. Quanto mais informação
para o eleitor, maior a valorização do direito de informação dele.

1.2 A intenção de voto é secundária


As pesquisas eleitorais têm dois objetivos principais: 1) Desvendar a realidade; 2)
Construir cenários. Em ambos, estão presentes os eleitores. Portanto, para desvendar a
realidade é preciso identificar os seus desejos e visões de mundo. E entender as razões
que motivam os eleitores a ter determinados desejos e visões de mundo. Nesse caso,
preciso decifrar a conjuntura/ambiente em que o eleitor está imerso.
Os cenários são consequências do desvendamento da realidade. E da especulação.
Esta deve ser entendida como possibilidade de algo ocorrer. Por exemplo: Hoje, o eleitor
está imerso na conjuntura A. Portanto, nesta conjuntura, o candidato Carlos é admirado
por 48% dos eleitores. Se outra conjuntura vier a ocorrer (B), Carlos continuará a ser
admirado por 48% dos eleitores?
Conjuntura significa ambiente. Este é formado por indivíduos que recebem
influência de outros, de instituições e de eventos. Os eleitores fazem escolhas, mas não
as fazem em um vazio social. Eles estão imersos em uma conjuntura e recebem, repito,
influências. Isso significa que a escolha do eleitor Pedro pode ser X na conjuntura 1.
Entretanto, na conjuntura 2, a escolha de Pedro pode ser Y. Decifrar a conjuntura é um
dos objetivos da pesquisa eleitoral. Quando a conjuntura é desvendada, a fragilidade
de intenção de voto aparece.

1.3 Um favorito ou dois favoritos?


Em 2014, existiam dois potenciais candidatos ao governo de Pernambuco. De um
lado, o senador Armando Monteiro (PTB).1 De outro, Paulo Câmara, (PSB).2 O candidato
do PSB era apoiado pelo candidato a presidente Eduardo Campos. Pesquisas eleitorais
realizadas pelo Instituto de Pesquisa Uninassau e pela Cenário Inteligência revelavam
que em 11 de agosto de 2014, 35% dos eleitores declaravam que iriam sentir saudades
de Eduardo Campos à frente do governo de Pernambuco.
Os referidos institutos de pesquisas faziam a seguinte indagação ao eleitor:
“Eduardo Campos não poderá mais ser candidato ao governo de Pernambuco. Ele
deixará saudades?” (OLIVEIRA et al., 2015).

1
Partido Trabalhista Brasileiro.
2
Partido Socialista Brasileiro.

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ADRIANO OLIVEIRA
PARA ALÉM DA INTENÇÃO DE VOTO
321

Os institutos também fizeram a seguinte indagação: “Este ano ocorrerá eleição


para o governo de Pernambuco. Você está entusiasmado para votar em um candidato?”
Em 11 de agosto de 2014 31% afirmavam que estavam entusiasmado para votar em
um candidato apoiado pelo governador Eduardo Campos. E 29% em um candidato
da oposição (Idem, 2015).
Ambas as perguntas foram realizadas na trajetória eleitoral. Isto é: O Instituto
Uninassau e a Cenário Inteligência faziam pesquisas desde abril de 2014. Portanto, as
duas indagações realizadas tinham o objetivo de identificar a saudade do eleitor para
com alguém e o entusiasmo dele para com algo na trajetória. O olhar para a trajetória
foi possível verificar variação ou não no comportamento do eleitor.
Saudade e entusiasmo são sentimentos. Neste caso, parto da premissa, a qual
é defendida pela Neurociência e Antropologia social de que os indivíduos têm senti-
mentos por eventos e pessoas. Tal tese foi adaptada aos estudos eleitorais. E observei,
empiricamente, que quando eleitores têm saudade de dado governo tendem a votar na
reeleição dele ou no competidor que recebe o seu apoio. E quando sentem entusiasmo
também (OLIVEIRA; GADELHA, 2014; 2017).
Identificar a saudade e o entusiasmo do eleitor para com alguém significa decifrar
a conjuntura. Isto é: verificar/conhecer o ambiente em que o eleitor está e qual escolha
eleitoral tende a fazer.
Os dados quantitativos acima revelados sugerem que Pernambuco tenderia a ter
uma eleição acirrada. Ambos os candidatos, Paulo Câmara e Armando Monteiro, tinham
chance de vencer a eleição. Apesar de que Paulo Câmara possuía, em 11 de agosto de
2014, 14% de intenções de voto. E Armando Monteiro, 18%.
Caso a minha análise se detivesse apenas a intenção de voto, qual seria a minha
conclusão precipitada? O candidato de Eduardo Campos, o qual disputava a eleição
para presidente da República, não tinha chance de vencer a eleição. Tal conclusão é
precipitada em razão de que 31% dos eleitores afirmavam que desejavam votar em um
candidato apoiado por Eduardo Campos. E 35% declaravam que sentiriam saudade
do governo dele (OLIVEIRA et al., 2015). Portanto, existia ambiente propício para o
crescimento eleitoral do candidato do PSB.
Estava presente nos questionários do Instituto Uninassau e da Cenário Inteligência
dois outros questionamentos fundamentais. “Pernambuco mudou para melhor nos
últimos anos?” Em 11 de agosto de 2014, 47% afirmaram que sim. 45% disseram não.
Mais um indicador que sugere que a disputa eleitoral seria acirrada. Outra indagação:
“Caso sim, quem foi o maior responsável por esta mudança?” Na data mencionada,
53,9% afirmaram que o responsável era Eduardo Campos. Outra variável que revela
que a disputa tenderia ser acirrada.
Em 13 de agosto de 2014 ocorre um cisne negro, evento não previsto. O candidato
a presidente da República, Eduardo Campos, morre em acidente de avião. Após este
evento, 69,9% dos eleitores afirmaram que o responsável pela mudança de Pernambuco
era o ex-governador Eduardo Campos. A intenção de voto do competidor Paulo Câmara
passou a ser, em 19 de agosto de 2014, de 23% (OLIVEIRA et al., 2015).
Um dado relevante: Em 11 de agosto de 2014, as pesquisas dos institutos Uninassau
e Cenário revelavam que 39% dos eleitores conheciam Paulo Câmara. Imediatamente após

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
322 PROPAGANDA ELEITORAL

a morte do governador Eduardo Campos, Câmara passou a ser conhecido por 52% dos
eleitores (IDEM, 2015).3 Paulo Câmara venceu a eleição para governo de Pernambuco.
A conclusão óbvia é de que Paulo Câmara venceu a eleição para o governo de
Pernambuco em 2014 por causa da trágica morte de Eduardo Campos. Tal conclusão
é apresentada por Oliveira (IBIDEM). Entretanto, é importante salientar que: Antes
da morte do ex-governador, a intenção de voto sugeria que Paulo Câmara não tinha
chances de ser eleito. Quem analisou a eleição de Pernambuco apenas pela intenção de
voto, certamente não considerou a possibilidade de Câmara vencer o pleito.

1.4 A crise econômica cria eleitores tolerantes?


No período de 2015 a 2017, o Brasil sofreu declínio da sua economia, o qual
resultou em forte recessão. Neste período, no ano de 2016, ocorreu eleição para prefeito.
Uma indagação importante que deveria ser feita aos eleitores era: “Qual é o impacto
da crise econômica na escolha dos eleitores?” Como frisei anteriormente, os eleitores
estão imersos na conjuntura e sofrem influência dos componentes que estão nela. A
crise econômica era um componente presente na conjuntura da eleição de 2016 que
poderia influenciar ou não a tomada de decisão dos eleitores.
A crise econômica criou eleitores tolerantes com os prefeitos candidatos à reeleição
(OLIVEIRA; GADELHA; 2017). Como revela o Gráfico 1, em agosto de 2016, 48% dos
eleitores reprovavam a gestão do prefeito do Recife, Geraldo Júlio. Em 24 de outubro,
às vésperas do 2º turno, 56% aprovavam. O Gráfico 1 mostra a trajetória da opinião
dos eleitores.

Gráfico 1 – Julgamento dos eleitores para com a gestão do prefeito Geraldo Júlio

Fonte: Instituto de Pesquisa Uninassau, 2016. Você aprova ou desaprova a gestão do prefeito do Recife Geraldo Júlio?

3
Pesquisa realizada em 19 de agosto (OLIVEIRA et al., 2015).

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ADRIANO OLIVEIRA
PARA ALÉM DA INTENÇÃO DE VOTO
323

De acordo com o Instituto de Pesquisa Uninassau, os eleitores, majoritariamente,


reconheciam a existência de crise econômica – Cf. Gráfico 2. Entre os eleitores que
reconheciam a presença de crise econômica no Brasil, os eleitores, majoritariamente,
sempre frisaram que a crise econômica interferia negativamente na gestão do prefeito
do Recife – Cf. Gráfico 3. Neste caso, a hipótese era: A crise econômica criava eleitores
tolerantes.

Gráfico 2 – Percepção dos eleitores quanto à existência da crise econômica

Fonte: Instituto de Pesquisa Uninassau, 2016. Existe crise econômica no Brasil?

Gráfico 3 – Percepção do eleitor quanto à interferência da crise econômica na gestão


do prefeito Geraldo Júlio

Fonte: Instituto de Pesquisa Uninassau, 2016. Se sim, em sua opinião, a crise interfere negativamente na administração
do prefeito Geraldo Julio?

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
324 PROPAGANDA ELEITORAL

A campanha de Geraldo Júlio adotou como estratégia a retórica de que ele não
fez mais pelo Recife em razão da crise econômica. Se não fosse a crise econômica, mas
ações teriam sido realizadas na capital pernambucana. É possível que tal narrativa tenha
influenciado os eleitores, pois eles reconheciam a presença da crise econômica. Diante
deste reconhecimento, eles passaram a “sentir na pele” os efeitos da crise na gestão do
prefeito e passaram a ser tolerantes com ele (OLIVEIRA; GADELHA; 2017).
Oliveira e Gadelha (IDEM) mostram, através do teste estatístico do Qui-Quadrado,
que o candidato à reeleição, Geraldo Júlio, tem maior aprovação entre os eleitores que
reconhecem que a crise econômica interfere negativamente em sua gestão. Portanto,
crises econômicas geram eleitores tolerantes. O Gráfico 4 mostra o desempenho eleitoral
do incumbente na trajetória eleitoral. Em nenhum instante, o seu principal opositor, João
Paulo (PT) o ameaçou. Isso significa que a crise econômica contribuiu para o sucesso
eleitoral de Geraldo Júlio.

Gráfico 4 – Desempenho eleitoral dos principais candidatos

Fonte: Instituto de Pesquisa Uninassau, 2016. Este ano, ocorrerá eleição para prefeito do Recife. Se a eleição fosse
hoje, em qual destes candidatos você votaria?

Este é mais um dado que revela que a variável intenção de voto quando inter-
pretada solitariamente pode conduzir a conclusões equivocadas da conjuntura eleitoral
e possibilitar a construção de cenários errados. O Gráfico 4 mostra que em agosto a
eleição para a prefeitura do Recife tenderia a ser acirrada. Mas o gráfico 3, na mesma
época, sugeria que não. No caso, que em virtude da crise econômica, o prefeito do Recife,
candidato à reeleição, tenderia a vencer a disputa eleitoral. Era o favorito.

1.5 A importância da Economia comportamental


Premissas da Economia comportamental podem também ser utilizadas por
pesquisas eleitorais. Tais premissas têm o objetivo de inserir os eleitores em provável
ambiente em que eles poderão vir a tomar a decisão. Nesse caso, em um cenário possível
de ocorrer, a pesquisa prevê a escolha do eleitor caso um dado cenário venha a existir.

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ADRIANO OLIVEIRA
PARA ALÉM DA INTENÇÃO DE VOTO
325

A mente dos indivíduos possui dois sistemas. O sistema 1 e o sistema 2. Quando os


indivíduos tomam a decisão utilizando o sistema 1, eles não refletem muito e têm pouca
informação sobre as consequências das suas decisões e dos fatos que estão julgando,
ao contrário do que quando eles tomam a decisão através do sistema 2. Neste sistema,
o indivíduo reflete, avalia as consequências e recebe diversas informações para fazer a
sua escolha ou julgamento (KAHNEMAN, 2012).
É possível aplicar as premissas da Economia comportamental em pesquisas
de opinião pública. No caso, incentivar os eleitores a utilizarem o seu sistema 2 para
tomarem determinada decisão. Ou seja: Qual será a escolha do eleitor se ele estiver na
conjuntura 2? Quando a pesquisa eleitoral insere o eleitor em dada conjuntura, ela revela
a incapacidade da variável intenção de voto de prever resultados eleitorais.
No questionário de pesquisa a ser aplicado utilizando premissas da economia
comportamental pode constar a seguinte indagação:

A imprensa divulga diariamente notícias de que a economia melhorou. A inflação está


controlada. Os juros foram reduzidos. E o Brasil deve crescer 3% este ano. Além disso, empregos
estão sendo criados em virtude do crescimento econômico. Diante dessa realidade, você pretende
votar para presidente da República em um candidato que propiciou esta realidade ao país?
A) Sim; B) Não; C) Talvez; D) Não sabe/Não respondeu

A pergunta realizada provoca o sistema 2 do eleitor. A indagação oferta diversas


informações ao entrevistado. E o insere em uma possível conjuntura que poderá existir.
E é nessa conjuntura que o eleitor deverá fazer a sua escolha eleitoral. Portanto, a
utilização de premissas da Economia comportamental tem o objetivo de desvendar a
escolha e o julgamento do eleitor em uma dada conjuntura.
A pergunta apresentada difere da seguinte indagação:

Neste ano, ocorrerá eleição para presidente da República. Em quem você pretende votar?
A) Antônio Mota; B) Carlos Farias; C) Gilberto Sobral; D) Não sabe/Não respondeu

A segunda pergunta fornece pouca informação ao eleitor. Lembra que este ano
ocorrerá eleição para presidente da República e os nomes dos candidatos. Portanto, esta
indagação, feita por diversos institutos de pesquisas, não incentiva o eleitor a utilizar
o sistema 2. Ao contrário da pergunta 1. A pergunta 2, tem, portanto, fraco poder de
predição eleitoral, pois não insere o eleitor em uma conjuntura que poderá existir.

1.6 A importância da pesquisa qualitativa: o papel da corrupção


A pesquisa qualitativa é outro instrumento que pode clarificar a conjuntura
eleitoral e possibilitar a previsão de conjunturas futuras. Com isso, é possível presumir
como o eleitor se comportará. A pesquisa qualitativa busca extrair os significados que
os eleitores dão para dado evento e ator. Os seus respectivos desejos e visões de mundo.
O grupo focal é a técnica qualitativa utilizada por diversos institutos de pesquisas.
No grupo focal, os eleitores são divididos em grupos, os quais devem ser
estratificados. Geralmente, a estratificação ocorre por renda. No grupo 1, estão os
eleitores das classes A e B. No grupo 2, os da classe C. E no 3, eleitores da classe D.
Esse é um tipo de estratificação. Outras podem ocorrer. Por exemplo: Estratificação

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
326 PROPAGANDA ELEITORAL

por gênero e nível de instrução. Um mediador, em uma sala, questiona, a partir de um


roteiro pré-estabelecido, os eleitores. Estes podem interagir entre eles e com o mediador.
Oliveira e Gadelha (2017) revelam, através de pesquisa realizada pelo Instituto de
Pesquisa Uninassau, em maio de 2017, com os eleitores das classes C e D da cidade do
Recife, que variados eleitores aceitam o rouba, mas faz. Para diversos eleitores, segundo
a pesquisa, existem políticos que roubam, mas que não fazem nada por eles. Diante
desta realidade, eles preferem votar em candidatos que façam alguma coisa por eles,
mesmo que roubem.
O dado qualitativo apresentado por Oliveira e Gadelha (IDEM) é de extrema
importância, pois sugere que políticos acusados de corrupção podem obter novo sucesso
eleitoral caso gere no eleitor a percepção de que trabalha por ele. Portanto, corrupção não
é variável forte para impedir o sucesso eleitoral de um competidor. O dado qualitativo
apresentado sugere que mesmo diante de uma conjuntura eleitoral caracterizada por
frequentes acusações de corrupção contra políticos, a corrupção não tem o poder de
inibir o sucesso eleitoral de um competidor.
Pesquisa do Instituto Datafolha realizada em outubro de 2017 mostrou que o
ex-presidente Lula (PT) liderava a corrida para a eleição de presidente da República. O
ex-presidente tinha 35% de intenções de voto contra, 17% de Jair Bolsonaro, o segundo
colocado. Esse dado corrobora com o apresentado por Oliveira e Gadelha (2017) através
da metodologia qualitativa, qual seja: acusações de corrupção podem não influenciar
a escolha de parte dos eleitores.
Em virtude da meritória Operação Lava Jato, o ex-presidente Lula, desde 2014,
responde a diversas acusações de corrupção. Inclusive foi condenado pela Justiça Federal.
Mas mesmo diante de tantas acusações e respostas com o objetivo de se defender, o
ex-presidente, em outubro de 2017, liderava a disputa presidencial. Essa conjuntura
observada em setembro de 2017 sugere que Lula é ator estratégico na disputa presidencial
vindoura, como candidato ou não. Os dados também mostram que parte do eleitorado
brasileiro não tem a variável corrupção como determinante em sua escolha.

1.7 A importância da pesquisa qualitativa: o poder das prefeituras


Prefeituras exercem força centrípeta sobre os eleitores. Essa tese foi apresentada
por Oliveira, Gadelha e Costa (2017). Em artigo, os autores revelaram, através de pesquisa
qualitativa realizada nos municípios de Pernambuco, Toritama e Palmares, que existiam
eleitores que reprovavam os respectivos prefeitos. Contudo, ressaltavam que muitos
eleitores trocavam o seu voto pela promessa de emprego na prefeitura.
Além disso, segundo os próprios eleitores, conforme revelado por Oliveira, Gadelha
e Costa (IDEM), os prefeitos dos referidos municípios, mesmo estando reprovados,
possuíam eleitores cativos, os quais tendiam a votar na reeleição do incumbente para
manter o emprego na prefeitura. Os autores concluem (IDEM) que prefeitos reprovados
podem vir a ser reeleitos caso utilizem a força centrípeta que a prefeitura exerce sobre
os eleitores.
Portanto, os dados qualitativos também tem o poder de decifrar a conjuntura
e de construir cenários eleitorais. Eles revelam em qual conjuntura o eleitor faz a sua
escolha e julgamentos e qual conjuntura poderá surgir. Os dados qualitativos também
mostram a importância desnecessária que é dada variável intenção de voto.

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ADRIANO OLIVEIRA
PARA ALÉM DA INTENÇÃO DE VOTO
327

1.8 Conclusão: Para além da intenção de voto


Este artigo mostrou que é exagerada a importância que atores diversos dão a
variável intenção de voto. Essa variável aparenta ser elucidativa. Contudo, como bem
revelado neste artigo, ela não é. Tal variável, quando divulgada com considerável
antecedência do dia da eleição, gera informação equivocada, e não informação que
possa dirimir dúvidas dos interessados.
A pesquisa eleitoral é o retrato do momento. Esta é uma definição feliz. E revela
a impotência da intenção de voto em decifrar a conjuntura e contribuir para a valiosa
predição eleitoral. A pesquisa como o retrato do momento significa que ela só é capaz
de dizer o que ocorre, mas não sugerir o que poderá ocorrer. Além disso, ela, mesmo
sugerindo o que supostamente ocorre, não revela o todo do eleitor, ou seja, os seus
desejos, visões de mundo e sentimentos.
Antes do pleito eleitoral e no decurso dele, a imprensa opta por ofertar forte
importância às intenções de voto dos candidatos. Com isso contribui para a construção de
predições equivocadas sobre a competição eleitoral. Em razão do frágil poder elucidativo
da variável intenção de voto, vejo que seja adequado que os institutos de pesquisas e a
imprensa procurem ir além. E apresentem aos interessados outras variáveis que tenham
maior poder de elucidar a conjuntura eleitoral e do que está por acontecer.
Talvez, a divulgação de pesquisas pela imprensa que vão além da intenção de
voto, possa criar, lentamente, nova cultura entre os interessados em disputa eleitoral.
A cultura hoje é caracterizada pelo supremo interesse à variável intenção de voto. O
interessado por eleições, inclusive candidatos e jornalistas, deseja saber quem está na
frente e não quem poderá vencer a eleição.
A intenção de voto, como este artigo revelou, é um indicador secundário e até
desprezível, quando a pesquisa eleitoral vai além da intenção de voto. E ir além é decifrar
a conjuntura e construir cenários eleitorais. Portanto, para saber quem vai ganhar a
eleição é necessário decifrar os desejos e as visões de mundo do eleitor na conjuntura.
E identificar de como este agiria (escolha) em nova conjuntura.

Referências
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar – Duas formas de pensar. Tradução Cássio de Arantes Leite. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2012.
OLIVEIRA, Adriano; GADELHA, Carlos. O eleitor é um enigma? Curitiba: Juruá, 2017.
OLIVEIRA, Adriano. Eleições não são para principiantes: Interpretando eventos eleitorais no Brasil. Curitiba:
Juruá, 2014.
OLIVEIRA, Adriano; GADELHA, Carlos; ROMÃO, Maurício. Eleições e pesquisas eleitorais – Desvendando a
caixa-preta. Curitiba: Juruá, 2012.
OLIVEIRA, Adriano; GADELHA, Carlos; COSTA, Simara. O poder da prefeitura, relações íntimas, e o voto
retrospectivo: Uma análise da dinâmica eleitoral municipal através do método qualitativo. Revista Observatório,
v. 3, p. 472-492, 2017.
OLIVEIRA, Adriano; FIDELLIS, Gabriela; BARROS, Mariana. Eduardismo, “Saída” do Lulismo e Comoção
Eleitoral – O que Motivou o Sucesso Eleitoral de Paulo Câmara para o Governo de Pernambuco? PMKT:
Revista Brasileira de Pesquisas de Marketing, Opinião e Mídia, v.17, p. 46-65, 2015.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

OLIVEIRA, Adriano. Para além da intenção de voto. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande;
AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 319-328. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 2

A LIBERDADE À INFORMAÇÃO DO ELEITOR


E O SEU NÚCLEO DE QUESTIONAMENTOS:
POR QUÊ? PARA QUÊ? POR QUEM?

JULIANA RODRIGUES FREITAS


PAULO VICTOR AZEVEDO CARVALHO

2.1 Introdução
A liberdade de expressão e, consequentemente, a de informação se consolidaram
como pilares das sociedades democráticas, modernas e esclarecidas. A disponibilização do
acesso às informações outrora centralizadas em um nicho específico, restrito e exclusivo
de uma pequena parcela detentora dos centros deliberativos de poder econômico,
político e social ganha especial destaque hodiernamente, especificamente no tocante
ao processo eleitoral.
A liberdade à informação decorre de um contexto de reconhecimento das garantias
individuais em que a construção do pensamento e da consciência pessoal acerca do
contexto sócio-político torna-se estruturante para a concepção do Estado, devendo
sobrepor-se ao controle sistemático por instituições que criam e manipulam fatos e
notícias, lógica de um modelo controlador e centralizador a ser rompida diuturnamente,
permitindo-se, assim, a construção coletiva de pensamentos desprendidos de cargas
valorativas arbitrariamente impostas e destoantes da realidade que nos circunda.
A conscientização da liberdade à informação enquanto instrumento também
político só adquiriu tal ressignificação a partir da difusão de conhecimento, em um
segundo contexto revolucionário, dessa vez adstrita ao processo de propagação crescente
dos meios de comunicação e da constante evolução tecnológica que permitiu, e permite,
a constante emancipação social e efetivação de uma participação democrática mais
participativa e funcional.
É certo que um dos mais autênticos fatores de empoderamento é a informação,
em razão de seu caráter fluído e essencial, em todas as eras, em especial, no período
atual, no qual os meios tecnológicos e os mecanismos que deles derivam constituem
ferramentas indubitavelmente indispensáveis e estreitamente atreladas à difusão de
dados e referências, portanto, indicadores comportamentais, de ideias, posicionamentos,
escolhas, vozes e votos.
No que concerne ao núcleo eleitoral, a democratização de acesso às informações
relacionadas ao processo político parece restar em consonância ao ideal comum de
democracia, enquanto essência, como governo de todos.

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330 PROPAGANDA ELEITORAL

Diante das inovações constantes no âmbito tecnológico e do consumismo frenético


por informação, não havia como a Justiça eleitoral restar inerte e à margem, e, assim,
consequentemente obsoleta, diante da imperiosidade do acesso público de informações
verídicas acerca do processo eleitoral; e é também nesse contexto que a liberdade de
informação emerge enquanto princípio característico do Estado Democrático de Direito
e consonante com a administração pública.
Sob a perspectiva da democracia representativa, a transparência no acesso às
informações constitui-se como verdadeiro mecanismo de controle relativo à qualidade
da representação democrática em questão. Através da transparência de dados referentes
aos orçamentos, despesas, campanhas e projetos, em um plano teórico, a sociedade
torna-se capaz de visualizar de forma lúcida, consciente e independente a gestão que
a representa, consolidando um processo democrático verossímil, decorrente de uma
participação mais ativa e cidadã.
A publicidade dos atos de representantes políticos sempre pareceu decorrência
lógica e inerente à estrutura democrática, apesar de reiteradamente ignorado. O fenômeno
da transparência também retomou a necessidade de aproximação dos representados
políticos, a fim de que se reconectassem com a perspectiva ativa do exercício da sua
cidadania. Portanto, constata-se que o reconhecimento da transparência, enquanto
quesito renovador do cenário eleitoral, no que toca ao ordenamento social, permite (re)
estabelecer o eixo da democracia enquanto sistema político, corroborando a ideia de
controle das decisões pelo povo, na condição de soberano.
Essa questão torna-se particularmente mais interessante diante dos modelos de
democracia participativa e representativa.
A partir do momento em que as informações a respeito do pleito eleitoral são
reveladas de maneira plena, concisa e de forma acessível à população outra possibilidade
decorrente do modelo representativo de democracia contemporânea é visualizado. Ora,
não há como dissociar da ideia de transparência a possibilidade de responsabilização
coletiva, ainda que em sua mais abstrata concepção, de todos os atores políticos,
protagonistas ou coadjuvantes, vilões ou mocinhos, que porventura tenham infringido
as regras do ordenamento social ou extrapolado as suas competências representativas.
É perceptível que a tendência de programar processos de transparência está
diretamente coadunada com a possibilidade de responsabilização eleitoral, civil, penal,
administrativa ou em demais esferas normativas.
A partir do momento em que o processo normativo, em coalizão com demais
instituições responsáveis por garantir a integridade do princípio democrático unem-se
para proporcionar o livre acesso à informação aos tutelados, permite-se que a repre-
sentatividade e a participação política alcem um mais elevado status.
Outro aspecto inerente ao processo de transparência das vias eleitorais está intrinse-
camente atrelado ao passado político do Brasil, enquanto democracia recente: a necessidade
de uma gestão transparente, publicizada e de livre acesso a todos em relação a todas as
instituições de caráter público tem razão de ser enquanto movimento que renegue qualquer
herança de um Estado em que não vigorem expressões verdadeiramente democráticas.
Contudo, é inegável que o principal aspecto relacionado à transparência e livre
acesso de dados e referências consista em uma questão particularmente endêmica
e historicamente arraigada nas instituições brasileiras: a problemática em torno da
corrupção enquanto desvirtuamento de todos os princípios da administração e da

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A LIBERDADE À INFORMAÇÃO DO ELEITOR E O SEU NÚCLEO DE QUESTIONAMENTOS: POR QUÊ? PARA QUÊ? POR QUEM?
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moralidade social prefigura ser uma das justificativas motrizes no processo de fiscalização
e responsabilização de representantes e instituições corrompidas.
A crise moral e institucional não emergiu recentemente, como a enxurrada de
notícias acerca de escândalos políticos pode nos levar a crer. A ausência de credibilidade
nas estruturas políticas decorre de diversos fatores estruturais que não condizem com o
foco desse breve ensaio; fato é que a revelação dessas questões decorre da possibilidade
de investigação e, principalmente, da divulgação de dados para que a sociedade se
mobilize e torne-se conhecedora da representatividade política e da necessidade de
reflexão no exercício cívico do sufrágio e da fiscalização da gestão da coisa pública.
É certo que as mídias exerceram, e ainda exercem, um papel influente na divulgação
da realidade política e na disseminação de conhecimentos políticos ao grande público.
A linguagem também é um aspecto importante a ser considerado, isso porque, é
necessário que, inclusive no campo eleitoral, a linguagem técnica se traduza em dados
e informações de compreensão independente e livre de qualquer interpretação imposta
e sujeita às interferências de forças externas do contexto social, permitindo-se, assim,
que a conscientização dos fatos expostos seja plena e desembaraçada.
Ao abordar a divulgação de dados e fatos, bem como instauração de processos de
transparência é fundamental que a atenção esteja voltada para mecanismos que facilitem
a compreensão do sentido do que fora exposto seja captado pelo grupamento cidadão
ao qual se destina, porque, do contrário, sempre haverá o completo desvirtuamento
de sua função primária.
Em que pese a mídia, enquanto instituição detentora de meios de comunicação
em massa, tenha tido relevante importância e contribuição no caráter informativo dos
eleitores, as inovações tecnológicas apresentam-nos um novo prisma no diálogo e
contribuição de informações. Isso porque o surgimento de espaços sociais digitalmente
conectados permitiu que não só o repasse de informações se desse de maneira mais
intensa e instantânea, como possibilitou a mobilização de parcelas da sociedade que
se indignaram com a situação da estrutura política e eleitoral.
O próximo passo para a efetivação na informação e conscientização dos cidadãos
enquanto eleitores está no exercício consciente dos instrumentos de participação
democrática. Esse prospecto parece estar sendo compreendido pelas instituições públicas
que procuram adequar suas realidades dentro do espectro de informação produzido e
divulgado pelas novas mídias sociais.
A adaptação a essa nova realidade social permite uma aproximação e reconstrução
conjunta das novas instituições políticas, e permite que se estenda o campo de cidadãos
conscientes e livremente informados, capazes de exercer de forma integral e irrestrita
todas as vertentes relacionadas ao plano político e social enquanto compreendido em
um modelo democrático.

2.2 Processando informações


A informação1 representa um dos principais pilares para a efetivação e consolidação
da democracia, nos distintos níveis através dos quais se apresenta; isto é, seja através

1
Reconhecida inicialmente pela Organização das Nações Unidas, durante a primeira sessão realizada em 14 de
dezembro de 1946 pela sua Assembleia Geral, ocasião em que foi adotada a Resolução 59(1), afirmando que: “A

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332 PROPAGANDA ELEITORAL

da participação direta da sociedade na definição de políticas públicas que almeja


serem implementadas para garantirem a satisfação das necessidades sociais, ou pela
fiscalização da verba destinada às finalidades justificadoras do Estado; ou, durante
o processo de escolha dos representantes, como legítimos mandatários do poder do
povo para administrar e legislar, precipuamente, na esfera público-estatal, no exercício
indireto da democracia; e, mesmo, quando numa atuação conjunta sociedade e Estado,
são realizadas consultas plebiscitárias ou referendárias e iniciados projetos de lei
corroborando, uma vez mais, a consciência que todos devemos ter para que o nosso
agir – e suas consequências – reflitam, exatamente, o que pensamos, nossas perspectivas
e expectativas sobre toda a realidade que nos circunda, e por diversos motivos.
Independentemente se porque a informação é um dos instrumentos mais eficazes
no combate à corrupção ou se porque numa democracia devemos assumir, efetivamente,
a responsabilidade pelas nossas ações políticas, quer reflitam ou não em boas escolhas,
quer nos tragam ou não as consequências almejadas; e, para tanto, é crucial que sejamos
livres, não apenas, para obtermos informações sob o domínio do Estado, mas, (muito)
mais que isso, que as nossas liberdades se referiam ao fluxo de informações atinentes
e relacionadas a um dado contexto sócio-político.2
Nos tratados internacionais de direitos humanos a liberdade de expressão alcança
não apenas a transmissão, mas também a busca e o recebimento de informações e ideias,
considerando o importante papel social não só da liberdade de expressão individual
“liberdade para falar”, como a noção mais profunda de livre fluxo de informações e ideias
na sociedade; a imprescindível proteção, concomitante, do emissor e do destinatário
da informação.3
Em outubro de 2000, a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos aprovou
a Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de Expressão, que é um dos
mais completos – quiçá, o mais – documentos oficiais sobre liberdade de expressão
no sistema interamericano até o momento, cujo preâmbulo reitera a informação como
fundamental para a democracia representativa, num contexto no qual os representantes,
depositários da confiança política do povo, têm autoridade para tomada de decisões e
administração da coisa pública e que, por isso mesmo, tem o dever não apenas de dar
acesso, como também de promover a informação usada e produzida com o dinheiro
do contribuinte e em razão poder do povo, sobre questões públicas.4

liberdade de informação constitui um direito humano fundamental e […] a pedra de toque de todas as liberdades
a que se dedica a ONU”.
2
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1948, é
considerada a declaração primordial dos direitos humanos internacionais. Em seu Artigo 19, que tem efeito
vinculante e obriga todos os Estados como direito internacional consuetudinário, garante a liberdade de expressão
e informação nos seguintes termos: “Todos têm o direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui
a liberdade de expressar opiniões sem interferência e de buscar, receber e transmitir informações e ideias por
quaisquer meios e sem limitações de fronteiras”.
3
ARTICLE 19. Who Wants to Forget? Truth and Access to Information about Past Human Rights Violations. London:
Article 19, 2000. Disponível em: <http://www.article19.org/docimages/869.htm>.
4
No Relatório Anual de 1999, Comissão Interamericana reconheceu que o direito de acesso à informação mantida
pelo Estado assegurará maior transparência e prestação de contas das atividades do governo e o fortalecimento das
instituições democráticas; (...) Os princípios reconhecem de forma inequívoca o direito à informação: (...) 3. Toda
pessoa tem o direito de acesso à informação sobre si e seus bens com presteza e sem ônus, independentemente de
estar contida em bancos de dados ou cadastros públicos ou privados e, se necessário, de atualizá-la, corrigi-la ou
emendá-la; 4. O acesso à informação mantida pelo Estado constitui um direito fundamental de todo indivíduo.
Os Estados têm obrigações de garantir o pleno exercício desse direito. Esse princípio permite somente limitações

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A LIBERDADE À INFORMAÇÃO DO ELEITOR E O SEU NÚCLEO DE QUESTIONAMENTOS: POR QUÊ? PARA QUÊ? POR QUEM?
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Apresenta-se inconteste a natureza dupla da liberdade de expressão,5 na Convenção


Americana de Direitos Humanos (CADH), tanto relacionada à transmissão como à
busca e ao recebimento de informações e ideias, observando-se que ninguém seja
arbitrariamente limitado ou impedido de expressar seus próprios pensamentos, sendo,
ao mesmo tempo, um direito de cada um e de todos, porque, também, apresenta-se
como um direito coletivo de receber informações de qualquer natureza e de ter acesso
aos pensamentos expressos pelos outros.
Em decisão de 19 de setembro de 2006 proferida no Caso Claude Reyes e outros
versus Chile,6 a Corte Interamericana de Direitos Humanos, considerou que a garantia
geral da liberdade de expressão do Artigo 13 da CADH protege o direito de acesso à
informação de posse dos órgãos públicos.
Reconheceu que o acesso à informação pública é um requisito indispensável
para o próprio funcionamento da democracia, maior transparência e boa gestão
pública, e que em um sistema democrático representativo e participativo, a população
exerce seus direitos constitucionais através da ampla liberdade de expressão e do livre
acesso à informação, constatando, ainda, que a liberdade de expressão é uma pedra
angular na própria existência de uma sociedade democrática, sendo indispensável
para a formação da opinião pública e para que os partidos políticos, os sindicatos, as
sociedades científicas e culturais e, em geral, quem deseje influir sobre a coletividade,
possa desenvolver-se plenamente.
Deste modo, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada
não é plenamente livre, motivo pelo qual, o Estado deve reger-se pelos princípios de
publicidade e transparência na gestão pública, e a consequente responsabilização dos
seus gestores, de modo a possibilitar que os cidadãos exerçam o controle democrático,
de forma tal que possam questionar, indagar e considerar se está sendo realizado um
adequado cumprimento das funções públicas, participando, assim, da administração
através da fiscalização do modo de gestão.
E, desde que não exista liberdade, não podemos sequer conceber um Estado
Democrático de Direito que requer, dentre outros aspectos, uma participação ativa
e consciente da sociedade, seja na gestão, na fiscalização, que na escolha dos seus

excepcionais que precisam ser definidas previamente por lei na eventualidade de um perigo real e iminente que
ameace a segurança nacional das sociedades democráticas. 108ª Sessão Regular, 19 de outubro de 2000. Disponível
em: <http://www.iachr.org/declaration.htm>.
5
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão: 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e
de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda
natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou
por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode
estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei
e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção
da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito
de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de
imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação,
nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei
pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles,
para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir
toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua
incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. Disponível em: <http://cidh.oas.org/Basicos/
Portugues/c.Convencao_Americana.htm>.
6
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/04/aabaaf52ad8b7668bf2b28e75b0df183.pdf>,
para ler a decisão na íntegra.

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334 PROPAGANDA ELEITORAL

representantes, num movimento que deveria seguir as regras do jogo democrático


(BOBBIO, 2000), considerando-se que: a) o órgão político máximo com função legislativa
e órgãos da administração e de Chefia de Estado devem ser compostos por membros
eleitos direta ou indiretamente pelo povo; b) participação indistinta de todos os
cidadãos – independentemente da raça, gênero, religião,... – atingida a maioridade, na
escolha dos seus representantes; c) voto paritário; d) liberdade de voto do eleitor, de acordo
com suas próprias convicções formadas também livremente; e) liberdade de escolha do eleitor,
no sentido de serem apresentadas durante o processo eleitoral reais alternativas ou
opções de candidatos capazes de representar o interesse da coletividade; f) aplicação
do princípio da maioria, sem desprezar não apenas a existência, como a participação,
voz e voto da minoria, permitindo-lhe, ainda, a possibilidade de vir a tornar-se maioria.7
Diante desse contexto, a informação do eleitor é, sem dúvida, um dos principais
pilares que erguem a democracia, indistintamente da forma como se manifesta,
considerando como um dos seus elementos, a atuação efetiva das mulheres e homens
nas tomadas de decisões que os afetam, mediata ou imediatamente.
E estimular a democratização das sociedades a partir, dentre outros valores,
dessa liberdade de informação significa propulsionar um cenário político-participativo
mais equilibrado (STIGLITZ, 2002), porque menos vulnerável e sujeito aos abusos que
podem ser cometidos por quem usa da manipulação para subjugar aos seus mandos
(e desmandos) os destinatários das (in)verdades ditas como informações necessárias
para subsidiar posicionamentos, diminuindo, sem dúvida, a margem da livre convicção,
fator crucial para a concretização da democracia.
Faz-se imprescindível, então, para a democratização das sociedades que o eleitor
ao estar informado, possa assumir posições, promover ideias, decidir sobre o programa
político ou candidato que melhor representam e defendem os valores de um dado
contexto social e estão mais aptos a gerir a coisa pública; portanto, escolher quem pode,
em nome do povo, promover o alcance das finalidades para as quais o Estado, como
ideologia que é, foi concebido, quais sejam: administrar os bens e interesses públicos e
satisfazer as necessidades sociais.
Assim, temos que para que a liberdade à informação se configure devem estar
incluídos tanto o ato de pedir informações como o de fornecê-las; e três aspectos devem
ser observados: a manifestação de liberdade deve atender pela primazia do interesse
público sobre quaisquer outros; a transparência ativa, que se converte em obrigação
positiva dos órgãos públicos, ou de quem esteja no exercício de função pública, de
informar, independentemente de requisições específicas, observando, assim, o princípio

7
Interessante a leitura da obra de Cass Sustein para quem a regra da maioria não pode ser concebida como uma
simples mudança de status quo, visto que durante o processo de deliberação política deve ser observado um
método de discussão, consulta e persuasão, durante o qual a minoria que não teve os seus interesses atendidos
será ouvida e instigada, por meio da persuasão da maioria, a conciliar os seus objetivos aos que serão positivados,
considerando que toda e qualquer modificação deve ser justificada como sendo o instrumento mais hábil para
alcançar e satisfazer as necessidades sociais, finalidade para a qual o Estado foi (e é) concebido. Assim, para
justificar a democracia, Sustein entende que todo processo político, cujo resultado depende da aprovação de uma
maioria, deve ser marcado por um procedimento de deliberação, discussão, consulta e persuasão; portanto, para o
autor, a minoria que não teve os seus interesses atendidos será persuadida a concordar com a medida priorizada
durante determinado processo democrático, não simplesmente por entender que a decisão legislativa é a que
melhor corresponde aos seus anseios, mas, por ter consciência e estar convencida de que numa futura discussão
ou debate poderá vir a tornar-se maioria durante a deliberação política. SUSTEIN, Cass. The Partial Constitution.
Cambridge, Massachussetts e Londres, Inglaterra: Harvard University Press, 2000. p. 133-137.

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A LIBERDADE À INFORMAÇÃO DO ELEITOR E O SEU NÚCLEO DE QUESTIONAMENTOS: POR QUÊ? PARA QUÊ? POR QUEM?
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constitucional da publicidade, e o da transparência, como elemento da eficiência na gestão


da coisa pública; e o uso de dados abertos, que estimulam a criação do conhecimento
pelo cidadão a partir dos dados apresentados pelos setores responsáveis pela informação
de interesse público.8
A liberdade do eleitor não está adstrita, portanto, a (qualquer) informação,
simplesmente, porque consiste na liberdade à informação condizente à realidade dos
atos e fatos relacionados ao que for essencial para a formação da sua livre e consciente
convicção, perpassando, nessa toada, por todas as fases que constituem a regular
constituição do processo eleitoral.
Sob a perspectiva dos candidatos, titulares do direito fundamental político
manifestado no exercício da capacidade de serem escolhidos como representantes do
povo, situa-se o dever de informar os seus eleitores sobre o que realmente fizeram
durante os mandatos eletivos para os quais foram escolhidos – se for o caso – bem como
esclarecer quais medidas serão exatamente programadas para serem realizadas durante
a gestão que seguirá ao pleito eleitoral caso sejam escolhidos pelo povo.
Parece-nos muito evidente que para o eleitor não importa, ou não deveria
importar, outras facetas do candidato, a não ser aquela concernente à sua atuação na
seara política; isto é, considerando que todos exercemos distintos papéis na sociedade
o que toca à privacidade do candidato deve ser resguardado, porque ao lado liberdade
à informação do eleitor acerca do candidato, situa-se o direito à intimidade e à vida
privada daquele que, além de candidato, é cidadão.
As informações que circulam sobre nossa intimidade devem estar sob o nosso
controle, e, assim, para que seja caracterizado o caráter pessoal da informação,
deve-se observar: “o papel da vontade; a definição do que seja obtenção de informação;
a compreensão do termo uso de informação; e a natureza ampla de informação pessoal”
(SAMPAIO, 2014, p. 282).

A fronteira mais frequentemente aparente da intimidade se dá com a liberdade de imprensa


e expressão ou, coletivamente, do direito à informação. Não há como se antecipar, de modo
absoluto e cadente, uma prevalência abstrata de um ou outro direito fundamental. Tudo
depende da situação de conflito, a considerarem-se, por exemplo, o tipo de informação
captada e publicada, o lugar da captação, o comportamento do titular do direito, o
interesse público e a objetividade na divulgação da notícia. Um homem público detém
uma expectativa de intimidade menor do que um cidadão comum, sendo legitimo revelar
certos aspectos de sua intimidade que interfiram ou possam concretamente interferir em
sua atividade ou profissão. Os eleitores podem ter um legítimo interesse na divulgação
do estado de saúde do candidato a um cargo eletivo, se, por exemplo, vier a não permitir
o seu livre exercício, caso eleito. Será, por igual, lícita a divulgação da vida opulenta que
leva um servidor público, clara e comprovadamente incompatível com suas rendas, ou um
líder de uma seita, financiada por fundos recolhidos em campanhas televisivas. Ilegítima
será, no entanto, a afirmação, por um jornal ou blog, da homossexualidade de um político
sem mais (SAMPAIO, 2014, p. 283).

De outra forma, todos nós temos uma projeção de alcance público e outra,
particular, e quanto maior for a nossa inserção na seara pública, menor os limites da

8
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Article 19, 2000. Disponível em: <http://www.article19.org/docimages/869.htm>.

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336 PROPAGANDA ELEITORAL

nossa vida privada; quanto maior for o interesse público acerca da nossa pessoa, menor a
esfera da nossa privacidade, que, a despeito disso, deve ser sempre preservada, porque,
inclusive, reconhecida em nível constitucional (artigo 5º, X, CF/88).
No que toca ao papel das mídias, no Relatório do Desenvolvimento Humano de
2002 – Aprofundar a Democracia em um Mundo Fragmentado,9 elaborado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) considerou-se que é possível
que nenhuma reforma seja tão significativa para fazer as instituições democráticas
funcionarem quanto à reforma das mídias: a construção de meios de comunicação
diversos e plurais, livres e independentes, que alcancem acesso e divulgação em massa,
e que apresentem informações precisas e imparciais.
Meios de comunicação livres e independentes são, sem margem para dúvidas, um
pilar crucial da democracia, tanto que, em muitos países, novas liberdades de imprensa
e tecnologias permitem aos meios de comunicação contribuírem mais para a política
democrática, abrindo debates públicos e denunciando a corrupção e os abusos; mesmo
que, a despeito disso, ao redor do mundo, ainda hajam restrições às liberdades cívicas
básicas – como os direitos de livre expressão, de reunião e de informação...
Responsabilidade mútua, considerando que, se de um lado temos a necessária
transparência na gestão dos bens e interesses públicos; de outro, o compromisso do
cidadão não apenas de acompanhar e fiscalizar todo o funcionamento da administração
pública, bem como reivindicar que a sua opinião, ideia ou decisão sejam norteadoras
para a composição dos espaços de poder, ainda que os não eletivos, e definidoras das
tomadas de decisões.
E nesse contexto de informação, mídia e internet se apresenta a democracia virtual,
impulsionada pela aceleração de conhecimento e divulgação de informação e assentada
sobre o que consideramos serem os seus 04 (quatro) pilares: a educação digital, que
implica numa consciência necessária que temos que ter sobre o que podemos/devemos
socializar, como fazê-lo, quando fazê-lo e para quem; o agir com responsabilidade ética,
considerando que o computador ou qualquer outro instrumento tecnológico não se
responsabiliza pelos atos praticados por seus operadores, não servindo, assim, de um
mecanismo de blindagem de culpa ou filtro de honestidade; a desburocratização das
informações, visto que a agilidade e a celeridade da internet permitem um mais rápido
e fácil alcance do que deve se tornar de conhecimento público; e, por fim, temos novas
demandas da era digital, também relacionadas às questões concernentes à informação,
que não podem ser sanadas analogicamente, e, para tanto, precisamos mudar o algoritmo
do nosso pensar para buscarmos e identificarmos soluções “digitais” para os problemas
que nos são apresentados pelo cenário virtual.
E a necessidade premente de observarmos esses elementos se justifica em razão
da lisura e retidão que devem ser atribuídos ao processo eleitoral, de modo que os
candidatos eleitos representem de fato, e não apenas virtualmente, o querer de uma
maioria consciente e não simplesmente influenciada por fake news ou absorvida e
enternecida pela potencializada disseminação de notícias por robôs.
E se sim, as redes compõem um núcleo fulcral para a disseminação da informação,
e, portanto, um elemento ímpar para a consolidação e efetivação da liberdade à informação

9
Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/idh/relatorios-de-desenvolvimento-
humano/relatorio-do-desenvolvimento-humano-20002.html>. Acesso em: 27 dez. 2017.

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do eleitor, também apresentam alguns efeitos colaterais, por nós considerados o anverso
da democracia virtual, esta que se assenta no pluralismo político, na igualdade e na
liberdade.
Assim, a formação das bolhas ideológicas ou virtuais criam um sentimento comum
de que verdades absolutas existem, fulminando de morte a tolerância à diversidade
de pensar que erige o pluralismo político ao status de princípio constitucional (artigo
1º, V, CF/88); bem como o excesso de restrição da propaganda eleitoral nas redes se
contrapõem à imprescindível liberdade que deve permear todo o processo eleitoral, e o
emprego maciço de esforços para disseminar as fake news, pendem a balança da igualdade,
porque o impacto gerado pelas inverdades, inclusive (ou principalmente) quando não
explicitadas, é sempre muito maior e avassalador do que o alcançado pelas true news.
De fato, a manipulação precisa ser sedutora, porque quanto mais sedutora, melhor
acobertará o tanto que se pretende ocultar... e nada mais sedutor do que uma mentira
mascarada do que uma verdade escancarada!
A seu turno, os partidos políticos – veículos que permitem a elegibilidade dos seus
filiados que almejam exercer a capacidade eleitoral passiva, desde que, é claro, preencham
outras condições de elegibilidade e não incidam em quaisquer das inelegibilidades
tipificadas na legislação infraconstitucional – como organismos imprescindíveis para a
efetivação da democracia, não deveriam, sob o manto e a proteção das matérias interna
corporis, definir suas políticas intrapartidárias ignorando os pilares democráticos, quais
sejam: o pluralismo político, a igualdade e a liberdade.
Assim, desde a definição dos candidatos aptos a representa-los, perpassando pela
distribuição do fundo partidário e fundo de campanha para os candidatos e dos tempos
nas mídias para a veiculação da propaganda eleitoral, até a composição dos cargos
do mais alto escalão das executivas; tudo, indistintamente, deveria ser devidamente
informado à sociedade, independentemente de qualquer solicitação formalizada por
parte dos cidadãos, baseando-se no mecanismo de transparência ativa e observando
os axiomas democráticos. E, mais que isso: não apenas informar também os próprios
filiados que, na maioria das vezes, se situam à mercê de todos esses processos decisórios
intrapartidários, como, inclusive, transferir o poder de decisão da cúpula partidária
para a base constituída pelos filiados. Aí, então, poderíamos começar a conjecturar, de
fato, a tão almejada democracia intrapartidária, essencial para a consolidação do nosso
Estado Democrático de Direito.
Às funções políticas do Estado, o dever de informar o eleitor, responsável direto
pela composição da sua estrutura, decorre das suas atribuições previstas em nível
constitucional, e configura princípio irretocável da administração pública, como se nos
apresenta o caput do artigo 37, da Constituição Federal.
Mas, talvez, um dos principais e mais basilares dos aspectos que permeiam
essa discussão esteja relacionado à educação: nossa sociedade não é educada para se
informar e, a partir de então, formar a sua própria convicção acerca dos problemas que
nos assolam, nossas prioridades e as demandas de ordem púbica.
Da mesma forma, o eleitor não tem educação política e, inúmeras vezes, relega
a um patamar de diminuta importância a sua mais nobre função em uma coletividade,
qual seja, o poder do qual é titular para decidir quem serão os responsáveis para, em
seu nome: gerir a coisa pública, criando e efetivando políticas; administrar o dinheiro
público, destinado aos cofres do Estado a peso de muito suor dos que mais são onerados

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338 PROPAGANDA ELEITORAL

com a alta tributação que se aplica no nosso sistema; e, responsáveis, inclusive, por
definir os rumos, os sonhos e as angústias, as decepções e os louros de uma sociedade
pelo período de um mandato eletivo, quiçá mais.
Essa educação política dos eleitores é essencial para que possamos construir uma
sociedade de fato consciente do seu protagonismo e porque composta pelos verdadeiros
propulsionadores da democracia e protagonistas, em potencial, de toda e qualquer
mudança que possa vir a ser realizada com o intuito de desconstituir um status quo que
já, há muito, não satisfaz o mínimo necessário para garantir o respeito à dignidade da
vida dos seus mais nobres sujeitos: o povo brasileiro!
Sem educação, não há informação!
Porque a liberdade à informação, inclusive para saber que somos dela titulares,
pressupõe que conheçamos minimamente a nossa realidade para que, a partir das
informações obtidas, possamos influenciar direta e imediatamente nos rumos das decisões
que nos alcançarão; e, desta feita, a educação potencializada pela informação, ao tempo
em que diminui o poder de manipulação que tanto contamina as relações de poder,
liberta o eleitor consciente, emancipando-o, em razão da sua educação, afastando-o da
cegueira e da ignorância políticas, em razão da informação!
Com a base de educação política bem fomentada, pode-se, inclusive, evitar as
fraudes excessivas nas candidaturas fictícias de mulheres, por exemplo, seja porque o
eleitor precisa se informar sobre os candidatos lançados pelos partidos políticos, como
eles pensam e o que pretendem desenvolver, caso eleitos, e, assim, poderão identificar
que uma (ou várias) mulher(es) lançada(s) pelo partido político desconhece(m), inclusive,
tal fato; seja porque, a própria mulher acaso conhecedora e ciente não se permitirá atuar
de forma fraudulenta, com o fito de burlar a legislação e permitir, assim, a perpetuação
da opressão do gênero feminino, também na política.
E, então, nesse caso, quando os partidos políticos e os próprios candidatos optam
fraudar a legislação, violar a liberdade de informação do eleitor e seguir o caminho
das candidaturas fictícias, cabe à Justiça Eleitoral atuar firmemente e responsabilizar
a todos, indistintamente, considerando que, como também protagonistas do processo
eleitoral deveriam zelar pela sua lisura e retidão.
Seja em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), que em de Ação de
Impugnação do Mandato Eletivo (AIME), depois da viragem jurisprudencial introduzida
pelo Recurso Especial (RESPe) Nº 1-49/2015, que ampliou o cabimento da AIME para coibir
fraude à lei, a Justiça Eleitoral reconheceu, no julgamento do RESPe 243-42, do município
José de Freitas, PI, que fraudes no cumprimento das quotas de gênero são modalidade
de abuso do poder político, sindicáveis pela Ação de Investigação Judicial Eleitoral, AIJE,
afastando, assim, o entendimento, segundo o qual, após o deferimento do registro, fatos
ulteriores comprobatórios da fraude não poderiam provocar a atuação jurisdicional.
Nesse mesmo compasso e seguindo o mesmo fundamento de fraude à lei nº
9.504/97 (Lei das Eleições), mais especificamente no seu artigo 10, §3º, que estabelece
a exigência de candidaturas de gênero acompanhando o percentual de 70% e 30%, o
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo cassou, no Recurso Eleitoral Nº 370-54/2016,
o diploma de três vereadores eleitos em 2016, na cidade de Santa Rosa do Viterbo,
e o registro de todos os 22 candidatos de uma coligação composta pelos Partido da
Solidariedade (SD), Partido da mobilização Nacional (PMN) e Partido Republicano da
Ordem Social (Pros).

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JULIANA RODRIGUES FREITAS, PAULO VICTOR AZEVEDO CARVALHO
A LIBERDADE À INFORMAÇÃO DO ELEITOR E O SEU NÚCLEO DE QUESTIONAMENTOS: POR QUÊ? PARA QUÊ? POR QUEM?
339

Portanto, parece-nos contrariar os termos constitucionais, porque violador dos


próprios fundamentos democráticos, reduzir a toda e qualquer informação a liberdade
do eleitor, visto que a mesma implica, acima de tudo, responsabilidade política de todos
os atores envolvidos nesse processo político.
E sobre responsabilidade política devemos refletir...
Já não é sem tempo de assumirmos todas as consequências pela democracia
conquistada à base de árduas lutas e muitos sofrimentos, deixando para trás, num
passado não tão remoto, marcado por toda sorte de transgressão e violação à dignidade
do nosso povo e que deu guarida aos 20 anos que antecederam a promulgação da
Constituição que mais vasto rol de direitos reconheceu aos cidadãos brasileiros, tendo
sido por isso mesmo definida como Constituição cidadã pelo, então, Presidente da
Assembleia Nacional Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, no discurso proferido
por ocasião da sua promulgação.10
Como mães e pais da nossa (ainda) jovem democracia somos por ela responsáveis
politicamente, e, portanto, assim o somos coletivamente. Precisamos assumir a (pa)
maternidade da democracia, e seguindo em frente, na luta pela sua efetivação e
concretização diuturnamente, deixando para trás a condição de filhos de uma ditadura
opressora.
E para que isso ocorra, não temos outro caminho a seguir, que não seja o da nossa
(mútua) responsabilização pelos atos praticados em prol da democracia brasileira, por
todos os que dela fazem parte, direta ou indiretamente: eleitores, candidatos, partidos
políticos, meios de telecomunicação, os próprios mandatários do poder, dentre todos
os demais...
O primeiro passo a ser dado é estabelecermos uma firme distinção entre culpa
e responsabilidade: o discurso de pseudo autoisenção daqueles que gritam aos quatro
cantos não terem culpa da ausência de Estado, que se configura em razão do alto índice
de violência, falta de limpeza pública, carência de profissionais nos postos de saúde,
dentre outros..., exatamente porque não depositaram o seu voto no gestor com mandato
vigente, não os imuniza de todos os malefícios decorrentes de uma má administração
pública, nem os impede de serem alcançados por uma gestão eficiente; justamente
porque, em uma democracia, todos são destinatários e responsáveis pelas escolhas e
decisões ditadas em nome do poder soberano, que é de todos, indistintamente.
Se o poder de todos se manifesta e se expressa em razão da escolha do povo,
independentemente do voto depositado, o gestor eleito irá representar a todos, igualmente

10
“(...) Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição
certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir,
sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho
maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para
a cadeia, o exílio, o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Quando, após
tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos
por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela
desgrace homens e nações, principalmente na América Latina... A exposição panorâmica da lei fundamental que
hoje passa a reger a Nação permite conceituá-la, sinoticamente, como a Constituição coragem, a Constituição
cidadã, a Constituição federativa, a Constituição representativa e participativa, a Constituição do Governo síntese
Executivo-Legislativo, a Constituição fiscalizadora.” Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/
radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/339277--INTEGRA-DO-DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBA-
NACIONAL-CONSTITUINTE,--DR.-ULISSES-GUIMARAES-%2810-23%29.html>.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
340 PROPAGANDA ELEITORAL

se bom ou mau gestor, e as consequências da sua administração irão repercutir em todos


os que estiverem sob a sua égide, sob o alcance do seu mandato.
A responsabilidade política, que é uma responsabilidade coletiva, deve ser
entendida como um caso especial de responsabilidade vicária, de acordo com a qual,
tornamo-nos responsáveis por escolhas que não fazemos, mas que realizadas em nosso
nome; e o mesmo, já não se pode afirmar em relação à culpa, porque não existe culpa
vicária, considerando-se que ninguém se sente culpado pelo acontecimento de coisas
sem que tenha dele participado (ARENDT, 2004, p. 213).

(...) duas condições têm de estar presentes para a responsabilidade coletiva: devo ser
considerado responsável por algo que não fiz, e a razão para a minha responsabilidade
deve ser o fato de eu pertencer a um grupo (um coletivo), o que nenhum ato voluntário
meu pode dissolver, isto é, o meu pertencer ao grupo é completamente diferente de uma
parceria de negócios que posso dissolver quando quiser (ARENDT, 2004, p. 216).

E porque essa responsabilidade política é genuinamente uma responsabilidade


coletiva, ela não mais existirá desde que abandonemos o núcleo social onde vivemos,
deixando para trás nossa comunidade; e como somos seres que vivemos em comunidades,
por natureza, esse abandono de responsabilidade implicaria trocar uma comunidade por
outra, portanto, uma responsabilidade por outra (ARENDT, 2004, p. 217).

(...) nenhum padrão moral, individual e pessoal de conduta será capaz de nos escusar
da responsabilidade coletiva. Essa responsabilidade vicária por coisas que não fizemos,
esse assumir as consequências por atos de que somos inteiramente inocentes, é o preço
que pagamos pelo fato de levarmos a nossa vida não conosco mesmos, mas entre nossos
semelhantes, e de que a faculdade de ação, que, afinal, é a faculdade política per excellence,
só pode ser tornada real numa das muitas e múltiplas formas de comunidade humana
(ARENDT, 2004, p. 225).

E exatamente porque recai sobre nós essa responsabilidade vicária, precisamos


ter coletivamente, como principais atores políticos que somos, a exata compreensão e
percepção dos pilares sobre os quais se assenta uma sociedade democrática, para que
nossas ações sigam no fluxo da sua consolidação e efetivação. E um dos principais
alicerces de toda e qualquer sociedade democrática é a informação, que a oxigena,
mantendo vivo um ideal de governo de todos, para todos.
É importante estabelecermos, então, que a consciência coletiva é fundamental
para demarcar a responsabilidade política dos cidadãos, cuja liberdade de escolha
dos candidatos capazes de representá-los e controle da gestão pública estão direta e
imediatamente relacionados à informação que é obtida acerca dos mesmos; portanto,
essa responsabilidade vicária alcança, inclusive, os que têm o dever de informar, ao
(não) garantir, assim, o livre fluxo de informações.

2.3 Informações (in)conclusivas


Ao abordar a problemática do acesso à informação em relação ao processo
democrático e ao exercício de direitos políticos parece infactível desenvolver acepções
que ignorem o conceito de democracia em essência, bem como a liberdade enquanto
eixo basilar desse mesmo sistema político. É certo que analisar uma estrutura política

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JULIANA RODRIGUES FREITAS, PAULO VICTOR AZEVEDO CARVALHO
A LIBERDADE À INFORMAÇÃO DO ELEITOR E O SEU NÚCLEO DE QUESTIONAMENTOS: POR QUÊ? PARA QUÊ? POR QUEM?
341

inserida em uma ordem democrática propicia a possibilidade de deparar-se com uma


fonte geradora de uma gama de direitos primordiais e reflexos, decorrentes de um
sistema que busca cada vez mais aprimorar e refinar seus instrumentos para que se
adequem à realidade em que se encontram insertos.
Diante dessa argumentação a preocupação com o processo eleitoral, compreen-
dendo todas as fases que lhe são inerentes, enquanto expressão mais sensível de uma
democracia participativa e a divulgação livre, plena e factual dos dados relacionados
a esse mesmo processo parece voltar-se a um dos direitos mais básicos e essenciais
nas relações sociais e humanas: a liberdade. Ao dirigirmos a atenção para os métodos
de divulgação de informações acerca do pleito, a possibilidade de construção de um
cidadão consciente do sistema político em que está inserido é maior, tornando-se apto
a melhores escolhas quanto aos candidatos que porventura venha a eleger, bem como
das ferramentas políticas das quais pode fazer uso.
Além de garantir a essência estruturante do modelo democrático de governo,
assegurar que a liberdade de informação está imaculada dentro de um sistema político
é, também, rechaçar qualquer possibilidade de ameaça das liberdades individuais
e supressão de direitos. Ora, se a sociedade enquanto conglomerado social torna-se
politicamente consciente e devidamente ciente dos dados e referências da realidade
política que a circunda torna-se suficientemente emancipada para garantir que aquela
estrutura de plural de garantias e direitos permaneça surtindo efeitos práticos e que
não haja supressões ou ingerências arbitrárias de nenhuma sorte.
Esse é um quesito importante no que toca à responsabilização dos representantes
políticos no exercício de suas competências e deveres funcionais: o livre acesso às
informações relacionadas a atuação eleitoral e, posteriormente, administrativa, é essencial
na busca por um sistema que preza (ou deveria prezar) pelo cumprimento dos pactos
estabelecidos no momento do marco regulatório estabelecido a partir da atuação da
Assembleia Nacional Constituinte, em 1987.
Cabe ressalvar que o tipo de informação da qual se discorre respeita todos os
aspectos éticos e moralmente resguardados pelo ordenamento constitucional estabelecido.
Não é relevante questionar aspectos da privacidade de representantes políticos que se
distanciam do que seja fundamental para o empreendimento da democracia enquanto
modelo de vivência política.
Ter em vista que esses critérios precisam estar coadunados com a livre divulgação
de dados e do acesso às referências públicas é tão essencial quanto à percepção e
necessidade de adequação ante as novas realidades apresentadas ao contexto político.
Não há como ignorar a influências de mídias sociais e da instantaneidade promovida
por redes de compartilhamento digital de informações.
É imperioso que as estruturas públicas se ajustem a esses novos meios de contato
e de divulgações de informações para que, inclusive, renovem os aspectos ativos da
participação política.
Em contrapartida, valorizar critérios de transparência institucionalmente
concebidos permite que a crença em um processo eleitoral idôneo e eticamente fiável
seja uma experiência crível, principalmente no cenário caótico e permeado de crises
nos mais diversos setores que interferem na vida política do nosso país.
O que se evidencia atualmente ante a falência sistêmica das estruturas sociopo-
líticas, no Brasil, não decorre de uma supressão de informações, deturpação de dados
e ausência de mecanismos de fiscalização, apenas.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
342 PROPAGANDA ELEITORAL

É clarividente que a situação contemporânea, de caráter obscuro e incerto,


que assola a ordem política vigente é reflexa de ações praticadas em contextos que
se prolongaram e criou raízes na estrutura administrativa do país, envenenando
diligentemente de forma organizada todas as estruturas estimadas no cerne de um
sistema democrático de exercício político.
Contudo, é necessário conscientizarmo-nos de que o acesso à informação aliado
à educação política, ainda são os instrumentos mais legítimos e eficazes no combate
à manutenção do exercício ilegítimo do poder e na emancipação do eleitor-cidadão.

Referências
ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
ARTICLE 19. Who Wants to Forget? Truth and Access to Information a.bout Past Human Rights Violations.
Londres: Article 19, 2000. Disponível em: <https.www.article19.org/docimages/869.htm>.
BOBBIO, Norberto. Verbete “Democracia”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, e PAQUINO,
Gianfranco. Dicionário da Política. 2v. 5.ed. Tradução de João Ferreira (Coord.) Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 2000.
SAMPAIO, José Adércio Leite. Dos Direitos e deveres individuais e coletivos. In: Comentários à Constituição
do Brasil. J.J. Gomes Canotilho [et al.]. São Paulo: Saraiva, 2014.
STIGLITZ, J. Transparency in Government. The Right To Tell: the role of the mass media in economic
development,Washington, D.C.: World Bank Institute, 2002.
SUSTEIN, Cass. The Partial Constitution. Cambridge, Massachussetts e Londres. Inglaterra: Harvard University
Press. 2000.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

FREITAS, Juliana Rodrigues; CARVALHO, Paulo Victor Azevedo. A liberdade à informação do eleitor e
o seu núcleo de questionamentos: Por quê? Para quê? Por quem? In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 329-342. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 3

PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO:


EFEITOS SOBRE O ELEITORADO

TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO

3.1 Localização do tema e problematização


As pesquisas de intenção de voto e os seus reflexos sobre o convencimento do
eleitorado compõem um dos mais relevantes temas do Direito Eleitoral contemporâneo,
tanto porque objeto de tratamento doutrinário, legal, regulamentar e jurisprudencial, de
conformação crescentemente robusta, quanto porque, sobretudo no imaginário popular,
exerce influência direta no comportamento de (incautos) eleitores e, por conseguinte,
nos resultados eleitorais em geral.
De acordo com José Jairo Gomes, entende-se por pesquisa eleitoral “o levantamento
e a interpretação de dados atinentes à opinião ou preferência do eleitorado quanto aos
candidatos que disputam as eleições”. Tem por finalidade “verificar a aceitação ou o
desempenho dos concorrentes no certame” e constitui “importante instrumento de
avaliação dos partidos em relação à atuação e ao desempenho de seus candidatos”,
sendo útil, sobretudo, “para a definição de estratégias e tomada de decisões no
desenvolvimento da campanha”.1
Para Alberto Carlos de Almeida, “há muita controvérsia a respeito da utilização
das pesquisas em campanhas eleitorais e, em particular, quanto a sua utilização como
recurso de poder”, e “isso vem à tona sobretudo quando são publicados na imprensa
resultados de pesquisas – ainda que totalmente honestas e corretas – objetivando
influenciar o comportamento do eleitor”.2 Jorge Almeida, de sua vez, aduz que:

Normalmente as pesquisas são mais discutidas pela polêmica que causam devido à
influência que exercem sobre o eleitorado no momento imediato em que são divulgadas.
A preocupação se concentra em saber quem está na frente e com quantos pontos. No uso
estratégico das pesquisas não é o aspecto quantitativo, analisado isoladamente, o que mais
importa, mas o conjunto de informações que são colhidas e que permitem desenvolver
ações políticas que possibilitem a manutenção dos pontos ou sua alteração. Daí a grande

1
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 371.
2
ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do eleitor: estratégia de campanha, pesquisa e vitória eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2008, p. 99.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
344 PROPAGANDA ELEITORAL

importância que têm não só as pesquisas quantitativas mas também as qualitativas


(RODRIGUES, 1994).3

É fato que as pesquisas exercem importante papel na definição de estratégias


políticas, seja por parte dos candidatos seja por parte do (bem informado) eleitor.4
Por parte do candidato, as pesquisas servem como instrumento de percepção
da realidade, das vicissitudes e das carências sociais. Diante de informação idônea,
candidatos e partidos políticos constroem plataformas eleitorais mais consentâneas
com programas políticos de real interesse do eleitorado. Em suma, quando bem feitas,
pesquisas elevam a eficiência de campanhas político-eleitorais.
Do ponto de vista do eleitor, a relevância das pesquisas não é menor. Muitas
vezes o eleitor raciocina com a utilidade do seu voto.5 E a partir das pesquisas, em tese,
posiciona-se em favor de candidatos mais bem colocados.
No particular, confira-se o balizado magistério de José Jairo Gomes:
É certo que os resultados, divulgados com alarde pelos interessados e ecoados pela
mídia, podem influir de modo relevante e perigoso na vontade dos eleitores. Por serem
psicologicamente influenciáveis, muitos indivíduos tendem a perfilhar a opinião da
maioria. Daí votarem em candidatos que supostamente estejam ‘na frente’ ou ‘liderando
as pesquisas’. Por isso, transformam-se as pesquisas eleitorais em relevante instrumento
de marketing político, que deve ser submetido a controle estatal, sob pena de promover
grave desvirtuamento na vontade popular e, pois, na legitimidade das eleições.6

Caetano Ernesto Pereira de Araújo, de sua vez, salienta que, em uma democracia,
o eleitor é soberano sobre o seu voto e pode defini-lo à base de convicção, de cálculo
ou mesmo aceitar o conhecido efeito manada. Assim:
O voto útil e a correria atrás do vencedor podem ser qualificados, com bons argumentos,
de imaturidade política. O ponto é que o eleitor tem o direito de cometê-la e a lei não
deve vedar essa opção do leque a sua disposição. Cabe, na verdade, aos demais partidos
e candidatos, a tarefa, que é de natureza política, de convencer os eleitores manada e os
estratégicos da insuficiência de sua opção.7

O marketing eleitoral, extremamente relevante nas atuais campanhas, também


é concebido a partir de pesquisas de opinião. Sem elas, os profissionais do setor,

3
ALMEIDA, Jorge. Como vota o brasileiro: perfil ideológico do eleitor e evolução do voto nas pesquisas de opinião de 1994.
2. ed. São Paulo: Xamã, 1998, p. 21.
4
Para Jorge Almeida: “No ano 500 antes de Cristo, o general chinês Sun Tzu já afirmava que se você se conhece
bem e ao inimigo não precisa temer o resultado de uma centena de combates. Para ele, os melhores quadros do
exército deveriam se voltar para a tarefa de levantar dados, ou, em outras palavras, obter informações. Ainda
sobre a necessidade de ter informações concretas para agir corretamente, quase 2.500 anos depois, outro vitorioso
comandante chinês chegou ao ponto de dizer que quem não faz uma investigação da realidade concreta não
deveria ter direito à palavra, pois seu discurso não passaria de tagarelice (Tung, 1972)”. (Como vota o brasileiro:
perfil ideológico do eleitor e evolução do voto nas pesquisas de opinião de 1994. 2. ed. São Paulo: Xamã, 1998. p. 21-22).
5
De acordo com Marcelo Abelha Rodrigues e Flávio Cheim Jorge “porque não dizer que movidas pelas pesquisas,
muitas pessoas deixam de votar no candidato para não perder seu voto e votam em outro, apenas para fazer
oposição àquele que ele não deseje que vença? Ou ainda, aquelas pessoas, e são muitas, que votam naquele que
está na frente das urnas?”. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 222).
6
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 372.
7
ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. As pesquisas de intenção de voto como problema. Revista de Informação
Legislativa, v. 41, nº 161, p. 87-99, jan./mar. 2004. Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/934>
Acesso em: 22 jan. 2018.

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TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
345

contratados a peso de ouro, navegariam sem bússola, fazendo naufragar candidaturas


e projetos de poder8.
As pesquisas eleitorais, no Brasil, também são responsáveis pela criação e desen-
volvimento de numerosos institutos de pesquisas de opiniões, alguns de respeitabilidade
inquestionável, e movimentam muito dinheiro. Há por assim dizer uma verdadeira
indústria no setor, com geração de empregos e faturamento consideráveis.9
Os institutos têm sido alvo de recentes acusações de manipulações de resultados e
de atuações tendenciosas,10 11 o que tem inspirado vivos debates no Congresso Nacional
em torno da criação de comissões parlamentares de inquérito12 e de leis restritivas da
divulgação de pesquisas às vésperas das eleições.13

8
Para Pedro José Floriano Ribeiro, “o marketing é, portanto, a obtenção de informações por meio de pesquisas
para posteriormente as utilizar na construção de plataformas e discursos, de modo que os candidatos obtenham o
maior sucesso possível na disputa pelos votos. Essa noção vem do marketing comercial, que identifica os anseios
dos consumidores, por meio de pesquisas, para então elaborar produtos que vão ao encontro de tais demandas”.
(Campanhas eleitorais em sociedades midiáticas: articulando e revisando conceitos. Revista de Sociologia Política, Curitiba,
nº 22, p. 25-43, jun. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n22/n22a04> Acesso em 22 jan. 2018).
9
Confira-se o entendimento de Pedro Roberto Decomain: “De início instrumento utilizado pelos partidos, passaram
as pesquisas eleitorais a representar também um filão de informação e de ganho ou manutenção de leitores,
ouvintes e telespectadores, por parte dos órgãos de imprensa”. (Eleições: (Comentários à Lei nº 9.504/97). 2ª ed.
São Paulo: Dialética, 2004. p. 195).
10
Confira-se, no particular, a lúcida visão de José Jairo Gomes: “Há, porém, críticas que lhes são dirigidas. Entre
elas, destacam-se a manipulação dolosa e erros graves de previsão. Lembra Barreiros Neto (2011, p. 248) que
exemplos de ‘erros grosseiros não faltam, como ocorrido na Bahia, em 2006, quando os institutos de pesquisa
previam, quase à unanimidade, uma vitória, ainda no primeiro turno de então governador Paulo Souto, candidato
à reeleição, sobre o oponente, Jacques Wagner, do PT. Apurados os resultados das urnas, Wagner derrotou Souto
ainda no primeiro turno. Historicamente conhecido também é fato ocorrido na eleição para prefeito de São Paulo,
em 1985, disputada entre os ex-presidentes da república Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso, quando
FHC, crente na vitória dada como certa pelos institutos de pesquisa, posou para fotos na cadeira de prefeito,
antes do pleito, sendo, contudo, surpreendentemente derrotado por Jânio no dia das eleições’”. (Direito eleitoral.
11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 371).
11
Acrescente-se que, diante de possíveis abusos, erros e manipulações (inclusive das “margens de erro”) dos
institutos de pesquisas, por inspiração do Min. Gilmar Mendes, cogita-se a criação, no âmbito do Tribunal
Superior Eleitoral, de grupo de trabalho para controle mais efetivo das atividades desenvolvidas pelas empresas
e entidades especializadas.
12
Aponte-se a existência de mandado de segurança (MS nº 33.521, Rel. Min. Marco Aurélio), em tramitação no
Supremo Tribunal Federal, em que se pugna pelo prosseguimento dos procedimentos necessários para a instalação,
na Câmara dos Deputados, de comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre pesquisas eleitorais.
13
As divergências entre as estimativas das pesquisas eleitorais e os resultados das urnas têm inspirado fortes
críticas ao trabalho desenvolvido pelos institutos de pesquisa. No âmbito da Câmara dos Deputados, há estudos
favoráveis e contrários a uma maior regulamentação das pesquisas eleitorais. Há propostas, por exemplo, de
pesquisas internas dos partidos, sem a divulgação dos números ao grande público (Deputado Décio Lima), ao
lado de outras no sentido da ampliação da liberdade dos institutos de pesquisa, dispensando-se até mesmo o
registro na Justiça Eleitoral (Deputado Miro Teixeira ). A Câmara dos Deputados analisa projetos de lei para
regulamentar as pesquisas eleitorais, dentre os quais o PL 96/11, do Deputado Rubens Bueno, que aumenta a
punição a institutos de pesquisa envolvidos em levantamentos fraudulentos, e o PL 4.574/12, da Deputada Cida
Borguetti (Pros-PR), que proíbe a divulgação de pesquisas nos 15 dias que antecedem as eleições. No Senado
Federal, em audiência pública realizada no dia 23.08.2017, acadêmicos e diretores de empresas de pesquisas,
reunidos pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC),
discutiram sobre problemas metodológicos que levam a pesquisa a nem sempre refletir o resultado das urnas.
Segundo representantes do Datafolha e do Ibope Inteligência, o acesso cada vez maior às redes sociais aumentou
a volatilidade do eleitorado. Para os participantes do debate, o método mais utilizado hoje, a amostragem por
quotas – em que se procura criar uma amostra representativa do eleitorado com base em estatísticas demográficas
e sociais –, não permite o cálculo de uma margem de erro precisa. Os convidados debateram, ainda, formas de
melhorar a legislação atual e coibir a divulgação de pesquisas falsas. O Senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO),
presidente da comissão e autor do requerimento da audiência, anunciou que vai incorporar parte das sugestões
numa minuta de projeto de lei. Segundo o parlamentar, há 23 projetos de lei ordinária e quatro PECs (Propostas
de Emenda à Constituição) tramitando no Parlamento, alterando a legislação que atualmente regula a realização

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
346 PROPAGANDA ELEITORAL

De acordo com Rachel Meneguello, a regulação das pesquisas é mesmo um tema


controverso, já que “traz o debate da Reforma Política para o campo ético do acesso às
informações de campanha e das normas de sua produção, e impõe sua definição sobre
o papel da opinião pública no jogo democrático”.14 15 Sobre os efeitos do conhecimento
pelo eleitorado de resultados de pesquisas eleitorais, a autora salienta que alguns estudos
têm mostrado uma superestimação do seu impacto sobre o processo de decisão do voto,
sendo certo que “as fontes interpessoais e a propaganda televisa, notícias e debates,
foram meios muito mais poderosos de influência potencial sobre a decisão eleitoral”.16
E que “a dificuldade em dimensionar o impacto de meios de informação política sobre
o processo de escolha política em contextos complexos é um dos pontos que alimenta
a polêmica da regulação das pesquisas”.17

e divulgação de pesquisas.(https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/23/combate-a-fraudes-em-
pesquisas-eleitorais-deve-ganhar-projeto, disponível em 25 de janeiro de 2018).
14
MENEGUELLO, Rachel. Regulação das pesquisas. In: AVRITZER, Leonardo; ANASTASIA, Fatima (orgs.). Reforma
Política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 107-110.
15
E mais:
“As mudanças nas determinações legais traduzem a polêmica central sobre a qual reside este tema, qual seja,
a discussão sobre o quanto as pesquisas pré-eleitorais influenciam o eleitorado, informam ou desinformam os
cidadãos, e este debate estende-se para o entendimento sobre papel que a opinião pública deve ter no funciona-
mento da dinâmica democrática.
Em grandes linhas, o debate sobre a regulação das pesquisas desdobra-se em duas principais dimensões. A
primeira delas relaciona-se ao significado político da opinião pública. A defesa da livre divulgação de prévias
eleitorais tem como principal argumento o direito básico à informação e ao conhecimento pelos eleitores do
movimento das forças políticas durante a campanha. Esse argumento reconhece a opinião pública como um
importante agente político das sociedades democráticas, que intervém e regula as instituições e que expressa
a autonomia dos indivíduos na sua relação com o sistema político. Dessa forma, quando são apropriadamente
realizadas e utilizadas pelos meios de comunicação, as pesquisas têm um papel significativo na dinâmica da
democracia e constituição dos poderes.
Por outro lado, para os que são contrários à divulgação das pesquisas, o argumento central reside em considerar a
opinião pública um espaço sem autonomia, que não expressa uma sociedade articulada em interesses, resumindo-se
à expressão de indivíduos atomizados, facilmente manipuláveis pelos agentes do jogo político. Em linhas gerais,
afirma-se que a dinâmica democrática da sociedade de massas deve constituir suas bases de legitimidade em
estruturas mais sólidas do que os efeitos promovidos por informações de momento, que conduzem os cidadãos
a atitudes meramente reativas nos processos políticos. Nesse sentido, como fontes de informação dos eleitores,
os resultados das pesquisas exerceriam uma influência indevida nas eleições, dadas as possibilidades de erros e
de manipulação das informações pelos agentes do jogo democrático.
A segunda dimensão da polêmica sobre as pesquisas diz respeito ao impacto das informações sobre o processo
de decisão do eleitor. Não parece haver dúvida quanto ao fato de que os resultados das pesquisas exercem algum
tipo de efeito sobre a decisão de voto. A absorção dos resultados pelos agentes de socialização de intermediários
culturais que realizam a inclusão do eleitoral na esfera da disputa política, sobretudo os meios de comunicação,
torna praticamente impossível que as prévias eleitorais não sejam somadas ao amplo conjunto de informações
que orientam as preferências dos cidadãos. A discussão reside, portanto, na intensidade do efeito das pesquisas
e aqueles que defendem as restrições de divulgação têm a seu favor uma extensa produção bibliográfica que
aponta o real impacto das predileções eleitorais sobre o comportamento do eleitor.
A tese mais frequente baseia-se na ideia de que sua divulgação conduz parte significativa do eleitorado a votar
no candidato que está a frente nas pesquisas, contaminando a opinião pública e distorcendo o curso natural dos
resultados. Essa hipótese de influência denominada bandwagon effect – uma metáfora que faz alusão ao vagão de
circo que conduz a banda, colocado sempre a frente da caravana – afirma que os resultados das prévias eleitorais
colocam uma pressão social sobre os eleitores indecisos, que são conduzidos a votar no candidato apresentado
com chances de vitória.
As hipóteses da influência abordam ainda outros efeitos da percepção das informações das pesquisas pelo elei-
tor como a hipótese underdog effect, que define a tendência do voto no candidato que está em último lugar, e a
hipótese do voto estratégico (o voto útil), que resulta do cálculo das chances de evitar uma maioria específica e
define o voto do eleitor em uma segunda opção.”
16
Obra citada, p. 109.
17
Para Rachel Meneguello: “Os resultados não são consumidos de forma pura, interagem com a mídia e produzem,
a partir daí, uma realidade específica sobre o jogo político. O caso brasileiro potencializa essas dificuldades, as

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TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
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O tema é, pois, palpitante, e envolve nuances diversificadas, não só jurídicas. Dentre


as discussões jurídicas, ganham destaque implicações constitucionais, relativas à liberdade
de expressão e ao correlato direito à informação, próprios do Estado Democrático de
Direito, e outras de índole infraconstitucional, a exemplo daquelas versadas na legislação
eleitoral, especialmente na Lei nº 9.504/97, a chamada Lei das Eleições.

3.2 O perfil constitucional da matéria – A ADI nº 3.741-2/DF –


(in)constitucionalidade de limitações temporais à divulgação de
pesquisas eleitorais
Do ponto de vista constitucional, o tema das pesquisas eleitorais, sobretudo em
termos de limites, envolve a interpretação da garantia da liberdade de expressão e do
direito à informação, previstos constitucionalmente.
Com razão Paulo Lopo Saraiva, ao rotular o direito de informação como direito
fundamental. Forte em M. Vázquez Montalbán, afirma que a informação não é só um
dever, mas um direito fundamental do ser humano, reconhecida pela Carta nas Nações
Unidas, na doutrina política da Igreja (concretamente na Pacem in Terris e no Esquema
XIII), e no qual se baseiam dois pilares essenciais da sociedade democrática: a liberdade
de expressão e a opinião pública. E assim é porque “sem a informação, os seres humanos
não obtêm a ciência e a consciência dos fatos e das coisas”.18
Ao tratar da relação entre liberdade e verdade, Eduardo J. Couture ensina que
“sofocada la libertad de opinión, el pueblo adquiere a persuasión de que no hay forma
más descarada de la mentira, que la verdad oficial”.19
No caput do art. 37, da CF/88, dentre os princípios constitucionais (gerais) regedores
da Administração Pública, está inserido o princípio da publicidade, a propugnar, com a
força normativa que lhe é inerente, no contexto do pós-positivismo, que o Poder Público
há de agir com a maior transparência possível, a fim de que os Administrados tenham
real consciência das ações do Estado.
Ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto que “no Direito Público e no
Administrativo, em particular, o ‘princípio da publicidade’ assoma como o mais
importante princípio instrumental, indispensável para a sindicabilidade da legalidade,
da legitimidade e da moralidade da ação do Poder Público, pois será pela ‘transparência’
dos seus atos, ou, como mais adequadamente pode ser expressado, por sua ‘visibilidade’,
que se tornará possível constatar a sua conformidade ou desconformidade com a ordem
jurídica e, em consequência, serem aplicadas as várias modalidades de controle nela
previstos”.20
Com efeito, Norberto Bobbio caracteriza a democracia como “o governo do poder
público em público”.21 Ao que Odete Medauar agrega o significado de que “o tema

campanhas ocorrem em um cenário composto por múltiplos meios de informação livre e são ainda orientadas
por uma legislação que permite uma intensa exposição diária à propaganda eleitoral pelo rádio e televisão,
impossibilitando avaliar o efeito isolado de cada um dos meios com que o eleitor se orienta e decide”. (Obra
citada, p. 110).
18
SARAIVA, Paulo Lopo. Constituição e Mídia no Brasil. São Paulo: MP, 2006. p. 21-22.
19
COUTURE, Eduardo. El Arte Del Derecho. 2. ed. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1998. p. 22.
20
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 83.
21
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 11. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. p. 84.

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348 PROPAGANDA ELEITORAL

da ‘transparência’ ou da ‘visibilidade’, também tratado como ‘publicidade’ da atuação


administrativa, encontra-se associado à reivindicação geral de democracia administrativa” e,
mais, que “a Constituição de 1988 alinha-se a essa tendência de publicidade ampla a reger as
atividades da Administração, invertendo a regra do segredo e do oculto que predominava”.22
No art. 93, inciso IX, da CF/88, está vertida regra de igual significação para as
atividades empreendidas pelo Poder Judiciário. A regra diz com a necessidade, sob pena
de nulidade, de serem públicos e fundamentados todos os julgamentos dos órgãos do
Poder Judiciário. Com a Emenda Constitucional nº 45/04, a exigência de motivação e
publicidade foi estendida às decisões administrativas dos tribunais pátrios.
Com os instrumentos da TV Justiça e da Rádio Justiça, no âmbito dos quais,
inclusive, são transmitidos julgamentos ao vivo, principalmente do Supremo Tribunal
Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, a publicidade dos atos típicos do Judiciário
brasileiro alcançou patamares mundialmente referidos. Diz-se até que o Judiciário
brasileiro é o de maior publicidade do mundo!
Mas não é só! No contexto da Constituição Brasileira, há referência expressa ao
dever de publicidade governamental (institucional). No §1º, do art. 37, está erigida
regra que, bem interpretada, aponta para a obrigatoriedade de divulgação pública dos
atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, sempre com caráter
educativo, informativo e de orientação social.
Para José Afonso da Silva, na interpretação do art. 37, §1º, da CF/88, “a Constituição,
em realidade, não confere apenas uma faculdade, mas também um dever, que é a
contrapartida do direito de todos à informação, conexo com o princípio da publicidade,
que é inerente à técnica do direito público”.23
Sem adoração às regras de publicidade, impossível o controle eficaz dos atos
de poder. E sem controle não há democracia, mas sim arbítrio e, como consectário,
excessos, desvios e corrupção.
Tenha-se que mente que desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1789, já se tinha, na regra escrita do art. 15, o claro comando de que “a sociedade tem
o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua administração”.
Com inteira razão Carlos Ari Sundfeld, para quem: “A razão de ser do Estado é
toda externa. Tudo que nele se passa, tudo que faz, tudo que possui, tem uma direção
exterior. A finalidade da sua ação não reside jamais em um benefício íntimo: está sempre
voltado ao interesse público”. Demais disso, a publicidade não se resume à divulgação
dos atos, que atina à existência e eficácia deles, mas também diz respeito à obrigação
do Estado “de agir de modo diáfano, de se franquear ao conhecimento público, de se
desnudar, mesmo quando não esteja em pauta a notificação de seus atos”.24
No campo eleitoral, relembre-se que o Código Eleitoral previa, em seu art. 255, que
“nos 15 (quinze) dias anteriores ao pleito é proibida a divulgação, por qualquer forma,
de resultados de prévias ou testes pré-eleitorais”. Sucede que, com a vinda à baila da Lei
nº 9.504/97, houve novo tratamento da matéria, incompatível com o anterior, e, demais
disso, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se firmou pela não recepção do
dispositivo do Código Eleitoral, que era de 1965, pela Constituição de 1988, que, em

22
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 128.
23
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 46.
24
SUNFEELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 177-178.

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TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
349

seu art. 220, §1º, deu nova conformação à matéria, atento à necessidade de circulação
da informação, base das escolhas conscientes, próprias da democracia.
Sempre foram controvertidas as tentativas de regulamentação das pesquisas
eleitorais, sobretudo com vistas à edificação de proibições de divulgações em períodos
próximos aos pleitos eleitorais.
Apreciando a constitucionalidade da minirreforma empreendida pela Lei nº
11.300/2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, em acórdão da
lavra do em. Min. Ricardo Lewandowski (ADI 3.741-2/DF),25 entendeu inconstitucional o art.
35-A por ela introduzido na Lei das Eleições (nº 9.504/97), por ofensa à garantia da liberdade
de expressão e do direito à informação livre e plural no Estado Democrático de Direito.
O art. 35-A da LE vedava, expressamente, a divulgação de pesquisas eleitorais
por qualquer meio de comunicação a partir do décimo quinto dia útil anterior até as
18 (dezoito) horas do dia do pleito.
O Min. Lewandowski, na ocasião, assentou, inicialmente, que “a liberdade de
informação, como corolário da liberdade de expressão, vem sendo protegida desde os
primórdios da Era Moderna, encontrando abrigo já na célebre Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789, na qual já se podia ler que ‘a livre comunicação dos
pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem’”. E que, desde
então, passou a constar de quase todos os textos constitucionais das nações civilizadas,
bem como das declarações e pactos de proteção dos direitos humanos. E mais:
Filiando-se a essa tradição, a Constituição de 1988, no art. 5º, IX, não apenas garante a
todos a mais ampla liberdade de expressão, independentemente de censura ou licença,
como também assegura, no inciso IX daquele mesmo dispositivo, inovando com relação
aos textos constitucionais precedentes, “o acesso à informação”. Reforçando esse direito,
o art. 220, estabelece que a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição”. E o seu §1º arremata o seguinte: “Nenhuma
lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º,
IV, V, X, XIII e XIV”.

Quanto à legitimidade para a promoção de restrições admissíveis ao direito à


Informação, o em. Min. Lewandowski assentou que:

25
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.300/2006 (MINI-REFORMA ELEITORAL). ALEGADA
OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA.
MERO APERFEIÇOAMENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO
PROCESSO ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE PESQUISAS ELEITORAIS QUINZE DIAS ANTES
DO PLEITO. INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À
INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL
DA AÇÃO DIRETA.
I – Inocorrência de rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos
no processo eleitoral.
II – Legislação que não introduz deformação de modo a afetar a normalidade das eleições.
III – Dispositivos que não constituem fator de perturbação do pleito.
IV – Inexistência de alteração motivada por propósito casuístico.
V – Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei eleitoral. VI – Direto à informação livre e plural como
valor indissociável da ideia de democracia.
VII – Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei
introduzido pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997.
(ADI 3741, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2006, DJ 23-02-2007, PP-00016
EMENT VOL-02265-01 PP-00171)

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350 PROPAGANDA ELEITORAL

Cumpre notar que as restrições admissíveis ao direito à informação são estabelecidas na


própria Carta Magna, e dizem respeito à proibição do anonimato, ao direito de resposta e
à indenização por dano material ou moral, à proteção à intimidade, privacidade, honra e
imagem da pessoa, ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e, finalmente,
ao resguardo do sigilo da fonte, quando necessário.

Por isso mesmo, o Min. Lewandowski concluiu que “a proibição da divulgação


de pesquisas eleitorais, em nossa realidade, apenas contribuiria para ensejar a circulação
de boatos e dados apócrifos, dando azo a toda a sorte de manipulações indevidas, que
acabariam por solapar a confiança do povo no processo eleitoral, atingindo-o no que
ele tem de fundamental, que é exatamente a livre circulação de informações”. Para o
em. Julgador e Professor, “vedar-se a divulgação de pesquisas a pretexto de que estas
poderiam influir, de um modo ou de outro, na disposição dos eleitores, afigura-se tão
impróprio como proibir-se a divulgação de previsões meteorológicas, prognósticos
econômicos ou boletins de trânsito antes das eleições, ao argumento de que teriam o
condão de alterar o ânimo dos cidadãos e, em consequência, o resultado do pleito”.
Sob a invocação da lição do Min. Gilmar Mendes – no sentido de que a legitimidade
de eventual medida restritiva “há de ser aferida no contexto de uma relação meio-fim
(Zweck-Mittel Zusammenhang), devendo ser pronunciada a inconstitucionalidade que
contenha limitações inadequadas, desnecessárias ou desproporcionais (não razoáveis)” – o
Min. Lewandowski, a nosso ver mui acertadamente, teve como írrita a restrição levada
a efeito pela Lei nº 11.300/06, haja vista que “se mostra inadequada, desnecessária e
desproporcional quando confrontada com o objetivo colimado pela legislação eleitoral,
que é, em última análise, permitir que o cidadão forme a sua convicção de modo mais
amplo e livre possível, antes de concretizá-la nas urnas por meio do voto”.
Para o em. Min. Sepúlveda Pertence, segundo o voto produzido no mesmo
julgamento:
Compreendo as razões que terão inspirado a aprovação da norma, a partir da mística da
grande influência das pesquisas sobre os resultados eleitorais. Mas, de minhas observações
e das pesquisas internacionais a que tive acesso, o que se nota é que, sim, elas têm uma
influência, porque direciona ao chamado “voto útil”, o voto mais preocupado em vetar a
vitória de determinado candidato do que em manifestar a sua preferência por um candidato
que as pesquisas revelam sem probabilidades. Mas isso é direito de informação, faz parte
do direito à informação.

De se ver, portanto, que a legislação infraconstitucional não pode atentar contra


o figurino constitucional acima divisado. Demais disso, requesta interpretação que
dê máxima concretude aos valores que inspiraram o texto constitucional. Até porque
realizar a Constituição é conferir máxima efetividade aos seus postulados.

3.3 O plano da Lei das Eleições: considerações gerais


No plano infraconstitucional, o tema das pesquisas eleitorais recebeu cuidadoso
tratamento legislativo.26

26
Eis o tratamento dado às pesquisas eleitorais e testes pré-eleitorais no contexto da Lei nº 9.504/97:
Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos can-
didatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até
cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

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PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
351

Como assinala Pedro Roberto Decomain, “não sendo viável constitucionalmente


a proibição da divulgação dos resultados de pesquisas dessa natureza, especialmente
por parte da imprensa, cogitou o legislador de no mínimo consignar alguns parâmetros
para sua realização e em especial para a divulgação de seus resultados”.27
O art. 33, da LE, explicita ser obrigatório28 para as entidades e empresas que
realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para
conhecimento público, o registro junto à Justiça Eleitoral, até 5 (cinco) dias antes da
divulgação.29
Note-se que o registro não é obrigatório para a confecção da pesquisa, mas sim
para a sua divulgação. O legislador se preocupou com a exteriorização dos resultados

I – quem contratou a pesquisa;


II – valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;
III – metodologia e período de realização da pesquisa;
IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização
do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;
VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;
VII – nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal. (Redação dada pela Lei
nº 12.891, de 2013)
§lº As informações relativas às pesquisas serão registradas nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete
fazer o registro dos candidatos.
§2º A Justiça Eleitoral afixará no prazo de vinte e quatro horas, no local de costume, bem como divulgará em
seu sítio na internet, aviso comunicando o registro das informações a que se refere este artigo, colocando-as à
disposição dos partidos ou coligações com candidatos ao pleito, os quais a elas terão livre acesso pelo prazo de
30 (trinta) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
§3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis
a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.
§4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa
no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.
§5º É vedada, no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral.
(Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)
Art. 34. (VETADO)
§1º Mediante requerimento à Justiça Eleitoral, os partidos poderão ter acesso ao sistema interno de controle,
verificação e fiscalização da coleta de dados das entidades que divulgaram pesquisas de opinião relativas às
eleições, incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de
planilhas individuais, mapas ou equivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade
dos respondentes.
§2º O não-cumprimento do disposto neste artigo ou qualquer ato que vise a retardar, impedir ou dificultar a ação
fiscalizadora dos partidos constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de
prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.
§3º A comprovação de irregularidade nos dados publicados sujeita os responsáveis às penas mencionadas no
parágrafo anterior, sem prejuízo da obrigatoriedade da veiculação dos dados corretos no mesmo espaço, local,
horário, página, caracteres e outros elementos de destaque, de acordo com o veículo usado.
Art. 35. Pelos crimes definidos nos arts. 33, §4º e 34, §§2º e 3º, podem ser responsabilizados penalmente os repre-
sentantes legais da empresa ou entidade de pesquisa e do órgão veiculador.
Art. 35-A. (Vide ADIN 3.741-2)
27
DECOMAIN, Pedro Roberto. Eleições: comentários à Lei nº 9.504/97. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p.195.
28
De acordo com a Resolução/TSE nº 23.549, de 18 de dezembro de 2017, art. 2º, caput, o registro é obrigatório
a partir de 1º de janeiro do ano da eleição. O registro será realizado via Internet e todas as informações serão
inseridas no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (PesqEle), não se responsabilizando a Justiça Eleitoral
por erronias de digitação, de geração, de conteúdo ou de leitura dos arquivos (§§3º e 4º).
29
Confira-se a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: “(...). 1. Está em consonância com a jurisprudência deste
Tribunal o entendimento adotado pela Corte de origem no sentido de que a divulgação de pesquisa sem o necessário
registro nesta Justiça especializada atrai a incidência da multa prevista no §3º do art. 33 da Lei das Eleições. 2.
A penalidade de multa é consequência natural do ilícito, podendo ser aplicada pelo juiz independentemente de
pedido expresso na exordial, não havendo que se falar em violação aos arts. 128 e 460 do CPC ou em sentença
extra petita. (...)”. (AgRg/RESPE nº 3404314, Ac. 08/05/2014, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE 17.06.14).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
352 PROPAGANDA ELEITORAL

e com os impactos sobre o eleitorado.30 Acrescente-se a isso que a atividade estatística,


como atividade técnica, só pode ser levada a efeito por profissionais regulamentados
do setor, os chamados estatísticos, assim definidos no Decreto nº 62.497/68.31
E o pedido de registro deve ser instruído com informações suficientes para fins de
controle e responsabilização. Devem constar do pedido informações sobre o contratante
da pesquisa, valor e origem dos recursos despendidos no trabalho, metodologia e período
de realização da pesquisa, plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau
de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado,
intervalo de confiança e margem de erro. Também devem constar do pedido sistema
interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do
trabalho de campo, questionário completo aplicado ou a ser aplicado.
Mais recentemente, a Lei nº 12.891/13 incluiu a exigência de apresentação do
nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal. Com
exceção dos dois requisitos incluídos pela Lei de 2013, os demais são idênticos aos da
lei anterior, de 1995.
E a Resolução/TSE nº 23.549, de 18 de dezembro de 2017, ampliando o rol
de requisitos legais, exige ainda o nome do estatístico responsável pelas pesquisas,
acompanhado de sua assinatura com certificação digital e o número de seu registro no
Conselho Regional de Estatística competente (Decreto nº 62.497/68, art. 11) e, ainda,
indicação do Estado ou Unidade da Federação, abrangidos pela pesquisa, bem como
dos cargos aos quais se referem. Segundo Joel J. Cândido, trata-se de “enumeração
mínima a que se obriga o interessado, nada impedindo que registre outras, inclusive o
resultado (o que dificilmente fará).32
De acordo com o §1º, do mesmo art. 33, as informações serão registradas nos
órgãos da Justiça Eleitoral “aos quais compete fazer o registro dos candidatos”. Em
boa hora, o dispositivo legal traz regra inteligente de competência, sendo lícito concluir
ser da competência do TSE o registro de pesquisas que digam respeito às eleições
presidenciais,33 dos TREs as que digam respeito às eleições estaduais e federais e dos
juízes eleitorais as relativas às eleições municipais.34

30
Na mesma linha, confira-se a posição de Ricardo Alberto Pereira: “O registro só se torna obrigatório quando se
pretenda dar conhecimento público da pesquisa realizada. Se a pesquisa for realizada apenas para o próprio
conhecimento do interessado, seja esse quem for, não há necessidade de registro, pois nesse caso não haverá
divulgação. É a publicização da pesquisa realizada que impõe o seu registro prévio, como forma de controle
do ato que pode vir a influenciar o eleitor em sua escolha. Se não há tal publicização o direito a conhecer uma
pesquisa é um direito individual de quem quer que seja e não pode ser impedido por lei ou decisão judicial”.
(Lei das Eleições comentada. Rio de Janeiro: TRE/RJ, 2013. p. 95).
31
Atente-se para o fato de que, segundo a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “a obrigatoriedade de
registro nos Conselhos Regionais de Estatística limita-se ao profissional estatístico responsável pela condução
da pesquisa eleitoral (art. 45 do Decreto nº 62.497/1968)”. (Instrução nº 53935, Ac. 25/02/2016, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJE 01.03.2016, p. 46).
32
CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 496.
33
Confira-se a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: “(...) Compete ao Tribunal Superior Eleitoral processar
registro de pesquisa eleitoral na eleição presidencial (art. 4º, I, da Res. TSE nº 22.143/2006). (...)”. (Reclamação nº
427, Ac. 19/10/2006, Rel. Min. Cezar Peluso, publicado em Sessão de 19/10/2006).
34
Nas Eleições de 2014, tive oportunidade de julgar, como Juiz Auxiliar da Propaganda das Eleições Presidenciais,
algumas representações em que se discutiu a necessidade de um duplo registro (TSE e TRE), quando englobadas,
na mesma coleta, dados relativos a eleição presidencial e as eleições federais e/ou estaduais. Na oportunidade,
entendido que: “Ao apreciar e conceder a liminar, assentei que a Lei Eleitoral (nº 9.504/97), em seu art. 33 determina,
mercê de regra iniludivelmente cogente, que as entidades e empresas que realizem pesquisas de opinião pública,
relativas às eleições ou a candidatos, para conhecimento público, são obrigadas a registrá-las junto à Justiça

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TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
353

Já o §2º, do art. 33, com a redação determinada pela Lei nº 12.034/09, trouxe a
regra de que a Justiça Eleitoral afixará, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, no local
de costume, bem como divulgará na internet, o aviso de registro da pesquisa, colocando
as informações à disposição de partidos e coligações pelo prazo de 30 (trinta) dias.35 De
acordo com o art. 9º, da Resolução/TSE nº 23.549/17, “será livre o acesso, para consulta,
aos dados do registro da pesquisa, nas páginas dos tribunais eleitorais, na internet”.
A disponibilização dos dados propicia amplo controle das informações encetadas
na pesquisa e possibilita eventual manuseio de impugnações contra o registro ou a
divulgação de dados em desconformidade com a legislação eleitoral. Aliás, o art. 15, da
Resolução/TSE nº 23.549/17, é claro ao conferir legitimidade ativa ao Ministério Público
Eleitoral, candidatos, partidos políticos e coligações, para subscreverem impugnações que
tais, atendidos os requisitos no art. 16 do mesmo diploma normativo, cujo §1º, permite
ao relator, diante da relevância do direito invocado e da possibilidade de prejuízo de
difícil reparação, “determinar a suspensão da divulgação dos resultados da pesquisa
impugnada ou a inclusão de esclarecimento na divulgação de seus resultados”, com
comunicação ao responsável por seu registro e ao respectivo contratante (§2º).
Nos termos do §3º, do art. 33, da LE, a divulgação de pesquisa à míngua de prévio
registro sujeita os responsáveis à multa no valor de 50.000 (cinquenta mil) a 100.000
(cem mil) UFIR.36 Está-se diante de infração meramente administrativa, ensejando a

Eleitoral, em até cinco dias antes da divulgação, com as informações detalhadas nos incisos do mesmo dispositivo
legal. E que, nos termos do art. 33, §1º, do mesmo diploma normativo, as informações relativas à pesquisa serão
registradas ‘nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete fazer o registro dos candidatos’”. A fim de bem
explicitar o alcance da regra legal, o Tribunal Superior Eleitoral, dentro de legítima competência normativa,
expediu a Resolução nº 23.400/13, cujo art. 5º, §1º, é claro no sentido de que ‘os registros que englobem, em uma
mesma coleta de dados, a eleição presidencial e as eleições federais e estaduais, deverá ser realizado tanto no
Tribunal Regional Eleitoral respectivo como no Tribunal Superior Eleitoral’. De se ver, assim, que a divulgação de
pesquisas amplas, com intenções de votos a todos os cargos em disputa nas eleições federais e estaduais, inclusive
à Presidência da República, requesta a construção de ato complexo, que só se perfaz, para a derivação de efeitos
juridicamente válidos, após a efetivação de registro conjunto no TRE respectivo e no TSE, sem tergiversação”.
(RP nº 32.578, J. 27/05/14, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto).
35
Para Joel J. Cândido: “O prazo de trinta dias jamais poderia ser concedido e a regra, como está, causou severo
estrago neste moderno instituto de previsão de resultados, de uso cada vez mais frequente em matéria eleitoral.
O prazo de 5 dias do caput é, exatamente, para exame crítico das informações registradas, pelos interessados
(partidos políticos, coligações, candidatos, Ministério Público e pelo próprio juiz ou tribunal), todos com livre
acesso a elas. Examinadas, não havendo impugnação, publica-se a pesquisa ou teste; havendo impugnação, ouve-
se a entidade, se for o caso, e julga-se a queixa, autorizando-se ou não a divulgação. O aviso de registro deverá
ser feito pela imprensa, ou por afixação de edital na sede da Zona Eleitoral, ou do tribunal, conforme o caso, e,
também, no sítio da Justiça Eleitoral na internet, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar do protocolo de
registro das informações. Com a concessão de mais 30 dias para exame, além dos 5 previstos no caput, surgem as
seguintes complicações: a) se o decurso de 30 dias não suspende a publicação, o prejuízo de eventual impugnante,
mesmo que reconhecida, posteriormente, a procedência de sua reclamação, e irreversível, eis que os resultados
da pesquisa questionada já estarão publicados; inócua, portanto, sua postulação e a própria decisão judicial;
perda de tempo, em outras palavras e ilusão de que se está fazendo Justiça; b) se o decurso dos 30 dias suspende
a publicação, os 5 dias do caput são inúteis, bastando esses 30; e, ainda, neste caso, a publicação da pesquisa,
após 30 dias, será divulgação de resultados velhos, defasados pelo tempo, já sem interesse para o leitor e eleitor”.
(Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 497).
36
A sanção incide ainda que o registro tenha sido efetivado após a divulgação (TSE – ED-AgR-AI nº 815/SP, DJe de
19.02.2014). Para José Jairo Gomes: “Observe-se que, nessa hipótese, a pesquisa é veraz, isto é, foi feita realmente.
Não se trata, pois, de pesquisa mendaz ou fictícia. A ilicitude consiste apenas no descumprimento do dever de
registrar. Na ótica constitucional, é inegável que a regra em apreço restringe a liberdade de informação e, pois, de
imprensa. Todavia, não chega a colidir com a Lei Maior, porquanto salvaguarda valores e princípios igualmente
constitucionais, porém diversos”. (Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 374).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
354 PROPAGANDA ELEITORAL

representação de cuida o art. 96, da LE,37 diferentemente do que ocorria sob a égide da
Lei nº 9.100/95, que tratava a conduta como crime.
Em caso de divulgação38 de pesquisa fraudulenta,39 aplica-se o disposto no §4º,
do art. 33, da LE. Aqui, está-se diante de crime eleitoral, a ser apurado nos moldes do
processo penal eleitoral tradicional e punível com detenção de seis meses a um ano e
multa no valor de 50.000 (cinquenta mil) a 100.000 (cem mil) UFIR.40 41 42
Já o §5º, do art. 33, da LE, cuida da questão da proibição temporal da realização
de enquetes relacionadas ao processo eleitoral.
Pesquisa eleitoral não deve ser confundida com enquete. A segunda é menos
rigorosa quanto ao âmbito, à incidência e à metodologia empregada. Trata-se de coleta

37
Segundo a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “a representação relativa à pesquisa eleitoral deve ser
formalizada até a data do pleito” e isso não quer significar violação constitucional “pois o TSE apenas assentou
uma condição da ação – interesse de agir (...)”. (AgR-Rp nº 425.898, Brasília-DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE
03/10/14, p. 27).
38
De acordo com José Jairo Gomes: “(...) a incriminação legal incide na divulgação de pesquisa fraudulenta. Portanto,
não é crime a ‘criação’ de uma tal peça, mas sim sua divulgação, seu uso público, pois isso implica o exercício
de indevida influência no processo eleitoral. Já se entendeu na jurisprudência que o ‘ato de divulgar deve ser
entendido em seu aspecto mais amplo, consistente na realização de atos de alcance geral, aptos a influenciarem a
vontade do eleitorado.’ (TRE/MG – RC nº 12102005 – DJ 5-7-2007, p. 102). Assim, a exibição de pesquisa a poucos
eleitores não seria suficiente para caracterizar a tipicidade material da conduta, embora reste configurada sua
tipicidade formal”. (Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 214-215).
39
Para José Jairo Gomes: “A ausência de especificação legal demonstra que a divulgação pode ocorrer em qualquer
espaço e veículo de comunicação. Abarca, pois, os ambientes reservados às propagandas eleitoral, partidária,
extemporânea ou antecipada, bem como a mídia em geral, incluindo a internet. O que importa, realmente,
é a difusão de dados mendazes”. Acrescenta o autor: “Não importa que os dados divulgados sejam total ou
parcialmente falsos, pois em qualquer caso a pesquisa será fraudulenta e sua divulgação realiza a figura típica
em exame. Ademais, é irrelevante que a pesquisa fraudulenta tenha sido registrada na Justiça Eleitoral. Conforme
bem assentou a jurisprudência, ‘a fraude não é suplantada pelo registro das informações da pesquisa eleitoral,
nem mesmo na hipótese de eventual ausência de impugnação do seu conteúdo.’ (TRE/SC – RCRIME nº 604 –
DJESC 11-12-2006, p. 1)”. (Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 214-215).
40
Para Joel J. Cândido, o crime de “divulgação de pesquisa fraudulenta”, delito comissivo, material e unissubjetivo,
previsto no art. 33, §4º, da LE, “visa a proteger a veracidade dos elementos divulgados e que podem ser usados
para informação e convencimento do eleitor, funcionando como propaganda eleitoral”. (Direito eleitoral brasileiro.
14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 497).
41
Para José Jairo Gomes: “A objetividade jurídica do delito do art. 33, §4º, da LE liga-se à tutela da lisura da pesquisa
eleitoral. Também se protege a veracidade da propaganda e o direito político fundamental dos eleitores de serem
informados correta e honestamente sobre os candidatos, de maneira que possam formular juízos apropriados a respeito
deles. Por fim, também se resguarda a sinceridade do pleito, que poderia ser afetada pelo abuso comunicacional.
O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa sozinha ou em concurso com terceiros. (...)
Sujeito passivo é a sociedade. Os partidos e candidatos prejudicados figurarão como sujeitos passivos secundários.
Objeto material é a ‘pesquisa fraudulenta’. Logo, o delito em exame não se perfaz na hipótese de haver divulgação
de enquete ou sondagem fraudulentas. (...) O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar
‘divulgar’. A conduta típica consiste na divulgação de pesquisa fraudulenta (...). Trata-se de crime formal, não sendo
exigida a ocorrência de qualquer resultado exterior à conduta do agente. Não é mister, e.g., que haja efetiva influência
no eleitorado. É possível a tentativa. (...). O tipo subjetivo consiste no dolo, que pode ser direto, eventual e genérico.
Direto, porque implica o conhecimento de que a pesquisa é fraudulenta. Eventual, porque o agente pode assumir
o risco de divulgar a pesquisa inquinada estando em dúvida sobre sua licitude. Genérico, porque requer apenas
a consciência e a vontade de realizar a conduta típica. Vale ressaltar que não há previsão no tipo de um elemento
subjetivo, respeitante a um especial fim de agir pelo autor. A consumação se dá com a efetiva divulgação dos dados
da pesquisa. Para isso, não é necessário demonstrar que a divulgação influenciou efetivamente os eleitores. Na
verdade, tal influência tem caráter potencial, devendo ser inferida a partir das circunstâncias concretas do evento”.
(Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 214-215).
42
Para José Jairo Gomes: “Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois
anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração
de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC nº 64/90, art. 1º, §4º). Tendo em vista que
a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo”. (Crimes e processo
penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 214-215).

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TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
355

informal de dados, despida de rigorismo científico, e, por isso mesmo, não está sujeita ao
registro.43
Todavia, procede a assertiva de José Jairo Gomes no sentido de que “em sua
divulgação é preciso que se informe não se tratar de pesquisa eleitoral, mas sim de
enquete ou mera sondagem; faltando esse esclarecimento, a divulgação poderá ser
considerada ‘pesquisa eleitoral sem registro’, e ensejar a aplicação de sanção”.44
Tal exigência estava calcada nas disposições contidas nas resoluções que dispunham
sobre pesquisa eleitoral, até as eleições de 2012. Entretanto, a partir do pleito de 2014
(Resolução/TSE nº 23.400/13), a disciplina legal da matéria sofreu modificação. A novel
resolução, a par de impedir a realização de enquetes no período de campanha eleitoral,
suprimiu a obrigatoriedade de esclarecimento expresso quanto ao mero levantamento
de opiniões.45
Forçoso assinalar, como bem o fazem Marcelo Abelha Rodrigues e Flávio Cheim
Jorge que “a própria existência de um instituto jurídico como a enquete, sendo ele
diverso das pesquisas, já é uma forma de burla à ampla e irrestrita informação, pois é
absolutamente certo que poucos, ou quase ninguém da população, sabe a diferença de
enquete para pesquisa”.46
Necessário esclarecer que, para evitar a confusão do eleitor, o legislador proibiu,
no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo
eleitoral (LE, art. 33, §5º, incluído pela Lei nº 12.891, de 2013, c/c o art. 23, da Resolução/TSE
nº 23.549/2017).47 Duas observações, no particular, são relevantes: a) o legislador parece
não ter proibido a “divulgação” de enquetes realizadas antes do período de campanha
eleitoral; b) a despeito de não haver, no texto legal, previsão de sanção específica pelo
descumprimento da regra, a Resolução/TSE nº 23.549/2017 inseriu no §2º do seu art. 23
a seguinte disposição: “Se comprovada a realização e divulgação de enquete no período
da campanha eleitoral, incidirá a multa prevista no §3º do art. 33 da Lei nº 9.504/1997,
independentemente da menção ao fato de não se tratar de pesquisa eleitoral”.
O caput do art. 34, da LE, foi objeto de veto presidencial. Dizia que imediatamente
após o registro da pesquisa, as empresas e entidades que realizarem pesquisas eleitorais

43
Acerca da diferenciação entre “pesquisa” e “enquete”, reproduza-se o balizado magistério de Marcelo Abelha
Rodrigues e Flávio Cheim Jorge: “A enquete é o levantamento de opiniões, sem controle de amostra, que não
utiliza método científico para sua realização e depende apenas da participação espontânea do interessado. Já a
pesquisa, segundo o TSE, ‘é a indagação feita ao eleitor, em um determinado momento, sobre a sua opção a respeito
dos candidatos que concorrem a uma determinada eleição. As entidades e empresas que realizarem pesquisas
de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada
pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as informações indicadas no
art. 33 da Lei 9.504/97 (...)” (Manual de direito eleitoral. São Paulo: RT, 2014. p. 222).
44
GOMES. José Jairo. Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 372.
45
Confira-se a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: “(...) A informalidade com que os dados foram
divulgados na entrevista, a data em que realizada, bem como a circunstância de que a Res.-TSE nº 23.400/2013,
diferentemente dos regimes anteriores, não impôs a obrigatoriedade de esclarecimento expresso quanto ao
simples levantamento de opiniões, por ocasião da divulgação dos resultados, afastam a conclusão do acórdão
regional.(...)”. (AgR-AI nº 65-60/BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Redator para acórdão Min. Dias
Toffoli, DJE de 23.10.2015).
46
RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim. Manual de direito eleitoral. São Paulo: RT, 2014. p. 222.
47
Para José Jairo Gomes: “Como esse dispositivo não especifica o momento em que a campanha eleitoral tem
início, não há clareza quanto ao momento a partir do qual incide a proibição. De todo modo, por veicular uma
limitação à liberdade, o marco inicial da vedação em tela deve ser o menos restritivo possível”. Para o mesmo
autor, a restrição, assim, deve incidir com o início da propaganda eleitoral. (Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 372).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
356 PROPAGANDA ELEITORAL

relativas às eleições ou aos candidatos para conhecimento público, colocariam à disposição


dos partidos ou coligações, em meio magnético ou impresso, todas as informações
referentes a cada um dos trabalhos efetuados.48 Os parágrafos 1º, 2º e 3º, no entanto,
estão em vigor.
O §1º, do art. 34, tem praticamente o mesmo sentido desde a Lei de 1993 e
estabelece que mediante requerimento à Justiça Eleitoral, os partidos podem ter amplo
acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dados das
entidades que divulgaram pesquisas de opinião pública concernentes às eleições e
também podem confrontar e conferir os dados publicados, desde que preservadas as
identidades dos respondentes.49
Já os §§2º e 3º, do art. 34, tratam de crimes eleitorais perpetrados contra os partidos
políticos. O primeiro do crime de “impedir a fiscalização das pesquisas” e o segundo
do crime de “publicação de pesquisa irregular”. Assiste inteira razão a Joel J. Cândido
quando diz que a objetividade jurídica de ambos está em proteger “os partidos políticos
e o direito que eles têm de fiscalizar todos os atos e todas as fases do micro processo
eleitoral”.50 O primeiro (“impedir a realização de pesquisas”), segundo o autor, é crime
de intenção e o delito é, em princípio, comissivo e formal, mas principalmente por força
dos verbos retardar e impedir, tende a ser deflagrado também por omissão.51 O segundo
(“publicação irregular de pesquisas”) é delito comissivo, material e unissubjetivo.52

48
De acordo com as razões de veto: “O dispositivo em questão determina o fornecimento aos partidos ou coligações
concorrentes, imediatamente após o registro de pesquisa eleitoral, de todas as informações a ela referentes.
É plausível o entendimento de que ‘todas as informações’ incluem os próprios resultados da pesquisa, além
do especificado nos incisos do art. 33. Ora, o art. 33 impõe um prazo mínimo de cinco dias entre o registro da
pesquisa e a publicação dos seus resultados. Os partidos ou coligações concorrentes teriam, desse modo, acesso aos
resultados na pesquisa antes do público em geral. É de todo previsível, nessa circunstância, que se multiplicariam
as tentativas de impugnação judicial da divulgação desta ou daquela pesquisa pelos partidos que se julgassem
eventualmente desfavorecidos pelos resultados, numa espécie de censura prévia. Trata-se, portanto, de exigência
incompatível com o interesse público”.
49
Para Joel J. Cândido, está-se diante de norma eficiente apenas para, depois do pleito, se apurar responsabilidades,
já que “efeitos eleitorais propriamente ditos, do pleito e de seus resultados imediatos, pelo tardio da hora em que
se operam, não terão nenhum”. (Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 498-499).
50
CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 499.
51
Para José Jairo Gomes: “A objetividade jurídica do delito do art. 34,§2º, da LE liga-se à tutela da fiscalização exercida
pelos partidos políticos a fim de averiguarem a lisura da pesquisa eleitoral. Quanto ao sujeito ativo, trata-se de
crime próprio, porque exige que o agente ostente uma qualidade especial, qual seja: a de representante legal
da empresa ou entidade de pesquisa; é mister que o agente tenha o domínio ou o controle de todos os dados,
processos e documentos relacionados à pesquisa. Objeto material são os dados concernentes à pesquisa, tais
como: sistema interno de controle, dados coletados (incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores),
planilhas individuais, mapas ou equivalentes. O tipo legal é misto alternativo, sendo formado pelos núcleos:
‘não cumprir’, ‘retardar’, ‘impedir’ ou ‘dificultar’. O emprego da partícula ou indica que há fungibilidade entre
as condutas, sendo que a realização de mais de uma delas implica o cometimento de um só delito. As condutas
típicas consistem em: 1) não cumprir o disposto no §1º do art. 34, isto é, negar ao partido interessado o acesso
às informações e documentos relativos à pesquisa realizada; 2) retardar (atrasar, delongar) a ação fiscalizadora
dos partidos; 3) impedir (obstar, bloquear) essa ação; 4) dificultar (embaraçar, estorvar) essa ação. Podem as
condutas ser omissiva (notadamente na hipótese 1) e comissivas. (...). Trata-se de crime formal, nas modalidades
comissivas. E de mera conduta na forma omissiva. Nos dois casos, não é exigida a ocorrência de qualquer resultado
exterior à conduta do agente. Assim, não é mister que haja lesão ao partido ou a campanha de seus candidatos.
Na modalidade omissiva, não é possível a tentativa. Mas é viável nas formas comissivas. O tipo subjetivo é o
dolo, não sendo prevista uma espécie culposa. O dolo é genérico, consistindo na realização das condutas típicas
com consciência e vontade. A consumação se dá com a efetivação da negação, retardamento, impedimento ou
embaraço de acesso ao partido interessado às informações e documentos relativos à pesquisa registrada”. (Crimes
e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 219).
52
Para José Jairo Gomes: “O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa sozinha ou em
concurso com terceiros. (...). Sujeito passivo é a sociedade. Os partidos e candidatos prejudicados figurarão

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TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
357

Relativamente ao delito do §3º, do art. 34, da LE (“publicação irregular de


pesquisas”), convém lembrar que, além das penas de detenção de seis meses a um
ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e
multa no valor de 10.000 (dez mil) a 20.000 (vinte mil) UFIR, também previstas para o
crime do §2º, devem ser condenados os réus culpados a providenciar a “veiculação dos
dados corretos no mesmo espaço, local, horário, página, caracteres e outros elementos
de destaque, de acordo com o veículo usado”.53
Se a pesquisa for, em si mesma, falsa, inverídica, enganosa, aplica-se o art. 33,
§4º, da LE, sobre a divulgação de pesquisa fraudulenta.54
Interessante notar que segundo o art. 35, da LE, pelos crimes definidos nos arts.
33, §4º e 34, §§2º e 3º, podem ser responsabilizados penalmente os representantes legais
da empresa ou entidade de pesquisa e do órgão veiculador.55
Marcelo Abelha Rodrigues e Flávio Cheim Jorge assinalam que se o legislador
estendeu a responsabilidade penal de que cuidam os arts. 33, §4º e 34, §§2º e 3º, da
LE, aos representantes legais das empresas ou entidades de pesquisas e dos órgãos
veiculadores, mesmo que estejam reproduzindo matéria veiculada em outro órgão de
imprensa,56 é lícito concluir que “se todos concorreram para o ilícito cometido, também
responderão pelos prejuízos causados àqueles que se viram prejudicados pelo resultado,
e, tudo isso sem prejuízo de ação civil pública por dano moral coletivo à população, que
foi enganada pelos resultados divulgados”.57 Para os mesmo cultos autores:

A tutela civil da veracidade da informação deve ser inibitória e preventiva, e, apenas


subsidiariamente, deve-se pensar em solução repressiva, pois em casos como este, o prejuízo

como sujeitos passivos secundários. Objeto material são os dados irregularmente publicados. Logo, o delito em
exame não se perfaz na hipótese de haver divulgação irregular de enquete ou sondagem. O tipo legal é de ação
única, sendo seu núcleo formado pela ementar ‘publicados’ (publicar. A conduta típica consiste na publicação de
dados irregulares de pesquisa eleitoral. Publicar, nesse contexto, significa divulgar dados da pesquisa realizada
e devidamente registrada na Justiça Eleitoral. (...). Trata-se de crime formal, não sendo exigida a ocorrência de
qualquer resultado exterior à conduta do agente. Assim, não é preciso que haja influência no eleitorado. É possível
a tentativa. (...). O tipo subjetivo consiste no dolo, não sendo prevista modalidade culposa. O dolo pode ser
direto, eventual e genérico. Direito, porque implica o conhecimento de que os dados divulgados são irregulares.
Eventual, porque o crime estará configurado se o agente assumir o risco de divulgá-los tendo em dúvida quanto
à regularidade deles. Genérico, porque requer apenas a consciência e a vontade de realizara a conduta típica. Não
há previsão no tipo de um elemento subjetivo, respeitante a um especial fim de agir pelo autor. A consumação
se dá com a afetiva divulgação dos dados irregulares”. (Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p.
219).
53
Em ambos os casos, considerando que o máximo da pena abstratamente considerado não supera dois anos,
está-se diante de infração penal de menor potencial ofensivo, admitindo-se, pois, a transação penal. E tendo em
conta que a pena mínima cominada é inferior a um ano, há lugar para a suspensão condicional do processo. Por
fim, relembre-se que, nos termos do disposto no art. 1º, §4º, da LC nº 64/90, condenações que tais não geram a
inelegibilidade de que cuida o art. 1º, inciso I, alínea “e”, do mesmo diploma legal.
54
Para José Jairo Gomes, “por esse delito também pode ser responsabilizado o representante legal do órgão difusor
da falsa pesquisa, salvo se houver boa-fé de sua parte, o que somente se poderia admitir se a falsa pesquisa tiver
sido devidamente registrada junto à Justiça Eleitoral”. (Direito Eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 375).
55
Para Joel J. Cândido, esse artigo diz quem pode ser responsabilizado pelos delitos a que se refere, mas, mesmo
assim, “esses crimes são comuns, e não próprios, pois qualquer pessoa que legalmente represente a empresa ou
entidade de pesquisa, ou o órgão divulgador, pode cometer o crime”. (Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru:
Edipro, 2010. p. 500).
56
Convém lembrar que, de acordo com o art. 21, da Resolução/TSE nº 23.549/2017, “os responsáveis pela publicação
da pesquisa não registrada ou em desacordo com as determinações legais, inclusive o veículo de comunicação
social, arcarão com as consequências da publicação, mesmo que estejam reproduzindo matéria veiculada em
outro órgão de imprensa”.
57
RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim. Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: RT, 2014. p. 224.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
358 PROPAGANDA ELEITORAL

à opinião pública e à democracia será sempre maior do que o da divulgação, posterior e


com segurança, da pesquisa realizada. Não sendo possível mais a tutela preventiva, deve
o juiz eleitoral priorizar a tutela reparatória in natura com a republicação em massa, nos
mesmos meios em que divulgada a pesquisa, porém, em quantidade maior de tempo, os
resultados corretos ou os reparos devidos, ou ainda a invalidade dos resultados divulgados
em respectiva data, citando os erros e a quem foi atribuído na referida demanda.58

O art. 35-A, da LE, no que proibia a divulgação de pesquisas eleitorais por qualquer
meio de comunicação, a partir do décimo quinto dia anterior até as 18 (dezoito) horas do
dia do pleito, pelas razões assinaladas no item II supra, foi declarado inconstitucional
pelo plenário do Supremo Tribunal Federal na ADI 3.741-2/DF, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, por ofensa à garantia da liberdade de expressão e do direito à informação
livre e plural no Estado Democrático de Direito.
Daí que a difusão de pesquisa eleitoral pode ter lugar até mesmo no dia das
eleições. Os levantamentos de intenção de voto realizados no dia do pleito (vulgarmente
chamados de “pesquisas de boca de urna”), todavia, só podem ser divulgados após o
encerramento da votação na circunscrição respectiva.

3.4 Um olhar para o futuro


Consoante Caetano Ernesto Pereira de Araújo, as pesquisas de opinião tiveram
início no Brasil a partir de 1950 e “restringiram-se, num primeiro momento, à coleta de
informações sobre avaliação de produtos e marcas comerciais. Pesquisas a respeito de
opiniões e posições políticas, inclusive de intenções de votos, foram realizadas a partir
de dos primeiros anos da década de 1960”. Entretanto, salienta o autor que, apenas
após a retomada da normalidade democrática, com a realização de eleições periódicas
em todos os níveis, as pesquisas passaram a ser utilizadas de forma sistemática, “para
aferir a posição relativa dos candidatos e para municiar as equipes encarregadas da
propaganda”.59
Para Pedro José Floriano Ribeiro, “o uso intensivo de pesquisas e do marketing, a
centralidade dos meios de massa, a profissionalização dos participantes, a personalização
e o uso de apelo publicitário sedutor-emotivo emergem como as principais características
das campanhas eleitorais modernas”. O autor acrescenta que marketing eleitoral e
propaganda eleitoral são conceitos distintos, “com a propaganda inserindo-se no
marketing como sua fase derradeira; enquanto o marketing é algo relativamente novo,
a propaganda política existe desde a Antiguidade”.60
Segundo prevê o art. 242 do Código Eleitoral, “A propaganda, qualquer que
seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá
ser feita em língua nacional, ‘não devendo empregar meios publicitários destinados a
criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais’”.

58
RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim. Manual de direito eleitoral. São Paulo: RT, 2014. p. 225.
59
ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. As pesquisas de intenção de voto como problema. Revista de Informação
Legislativa, v. 41, nº 161, p. 87, jan./mar. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/934> Acesso
em: 22 jan. 2018.
60
RIBEIRO, Pedro José Floriano. Campanhas eleitorais em sociedades midiáticas: articulando e revisando conceitos.
Revista de Sociologia Política, Curitiba, nº 22, p. 25-43, jun. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/
n22/n22a04>. Acesso em: 22 jan. 2018.

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TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
359

A redação atual da referida norma foi dada pela Lei nº 7.476/86, mas a parte final
do dispositivo é contemporânea do próprio do Código Eleitoral. Assim, o TSE fixou
entendimento de que “deve ser cautelosa a leitura do art. 242 do CE e de sua reprodução
literal no art. 6º da Resolução nº 20.988 do TSE, quando guardar o dispositivo legal
alguma semelhança com o art. 2º da Lei de Segurança Nacional”.61
Com efeito, não se pode emprestar ao caput do (vetusto) art. 242 do Código
Eleitoral uma interpretação que desnature a liberdade de expressão, mormente a
partir da compreensão puramente gramatical de dispositivo legal que ostenta redação
defeituosa ou no mínimo dúbia, que, se aplicada a ferro e fogo, acaba por esvaziar a
própria utilidade das propagandas eleitorais, as quais têm por escopo precípuo criar
estados emocionais, mentais ou passionais favoráveis a determinadas candidaturas,
forradas por ideias mais ou menos atraentes.62
É dado à Justiça Eleitoral confiar no eleitor, que saberá fazer as suas análises,
para concordar ou não com o tom e a adequação da propaganda. De igual modo, a
informação propiciada pela pesquisa representa mais um critério a disposição do eleitor,
que dele fará uso se quiser.
Conforme pontuado por Antônio Lavareda, “o leitor não deve esquecer que as
pesquisas divulgadas são apenas um dos muitos fatores intervenientes na eleição” e
“têm a vantagem de serem positivas para a democracia, à medida que disponibilizam
para o cidadão comum informações que, sem elas, seriam privilégio, apenas, dos
partidos e dos candidatos”.63
Embora a influência das pesquisas sobre o resultado das eleições não seja,
segundo defende Caetano Ernesto Pereira de Araújo, necessariamente ilegítima,
passível de restrição legal, “pode ser considerada prejudicial ao processo democrático
quando as informações apresentadas são distorcidas no sentido de beneficiar algum
dos candidatos”.64
Nesse cenário – fraude e manipulação das pesquisas eleitorais –, vale sublinhar o
recente episódio envolvendo um empresário do ramo de informática que foi indiciado
pela Polícia Federal por divulgar pesquisa fraudulenta (art. 33, §4º, da Lei nº 9.504/97)
na Internet, durante a campanha ao governo do Estado do Espírito Santo, nas eleições
de 2014, tratando-se, pois, de um dos primeiros indiciamentos por compartilhamento
de fake news65 ocorrido no Brasil.
As falsas notícias ganharam destaque após serem apontadas como possível fonte
de influência no resultado das últimas eleições francesas e norte-americanas. Sobre o

61
Rp nº 587/DF, Rel. Min. Gerardo Grossi, PSESS de 21.10.2002.
62
Parte do voto por mim proferido no Rec-Rp nº 1211-77/DF, PSESS de 24.9.2014, de minha relatoria.
63
LAVAREDA, Antônio. Emoções ocultas e estratégias eleitorais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 71.
64
ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. As pesquisas de intenção de voto como problema. Revista de Informação
Legislativa, v. 41, nº 161, p. 89, jan./mar. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/934>.
Acesso em: 22 jan. 2018.
65
No particular, confira-se a visão de Carolina Pina: “Embora o acesso universal à informação e à opinião, graças
à Internet, devam ser bem-vindos, também fizeram com que os meios de comunicação passassem não apenas a
informar e opinar, mas com que qualquer pessoa possa dar publicidade a todo tipo de afirmações, verdadeiras
ou não. Daí surgem as fake news – notícias na forma, mas não no conteúdo”. (Amigos da verdade: os limites
jurídicos das fake news. Revista Uno, São Paulo, nº 27, p. 41, mar. 2017 Disponível em: <http://www.revista-uno.
com.br/wp-content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2018)

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
360 PROPAGANDA ELEITORAL

tema, José Antônio Llorente, no artigo intitulado A era da pós-verdade: realidade versus
percepção, aduz que:

Em 2016, post-truth foi nomeada a palavra do ano pelo Dicionário Oxford. Este acontecimento
não deve surpreender a muitos, tendo sido 2016 um ano cheio de surpresas polêmicas e
eventos inesperados. O panorama político e social dos próximos meses será marcado por
esta conjuntura da pós-verdade, na qual o objetivo e o racional perdem peso diante do
emocional ou da vontade de sustentar crenças, apesar dos fatos demonstrarem o contrário.66

O dano causado pelas fake news é inegável e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
preocupado com o assunto, criou, em 7.12.2017, o Conselho Consultivo sobre Internet e
Eleições (Portaria nº 949), formado por representantes da Justiça Eleitoral, do Governo
Federal, do Exército Brasileiro e da sociedade civil, com as seguintes atribuições:
desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da Internet
nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das
informações; opinar sobre as matérias que lhe sejam submetidas pela Presidência do
TSE; e propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas.
De se ver, pois, que, diante da relevância do instituto, do seu inegável impacto
nas sociedades democráticas, bem como dos crescentes desafios interdisciplinares
impostos pelas ferramentas tecnológicas que permeiam o universo das mídias sociais,
ainda pouco explorado e em constante expansão, faz-se necessário que legisladores
e operadores do Direito desenvolvam mecanismos que visem a extirpar do processo
eleitoral as informações divorciadas de critérios científicos e do compromisso com a
verdade.

3.5 Notas conclusivas


O tema das pesquisas de intenção de voto e seus efeitos sobre o convencimento
do eleitorado afigura-se atual e polêmico. Divide opiniões e desafia, diuturnamente,
legisladores e julgadores.
A partir de uma arquitetura constitucional inegavelmente voltada à consagração
da máxima liberdade de informação, não é dado ao legislador e aos juízes e tribunais
eleitorais empreenderem posturas e comportamentos – a partir da confecção de leis
infraconstitucionais e de interpretações judiciais – que desnaturem a fórmula anunciada
pelo constituinte como Direito Fundamental indispensável às boas práticas democráticas.
Isso não quer significar, obviamente, em nome do mesmo Estado Democrático de
Direito, não possam ser concebidos certos parâmetros jurídicos, razoáveis e proporcionais,
para a fruição do direito em questão, nem que não possam ser manejadas ferramentas
e metodologias legislativas e jurisprudenciais inteligentes que, em última análise, ao
contrário do que pode parecer, outra coisa não fazem senão prestigiar o próprio direito
a uma informação idônea, responsável, correta e útil para a formação de opiniões livres
e desembaraçadas sobre temas alusivos aos processos eleitorais.

66
LLORENTE, José Antônio. A era da pós-verdade: realidade versus percepção. Revista Uno, São Paulo, nº 27, p.
9, mar. 2017. Disponível em: <http://www.revista-uno.com.br/wp-content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.
pdf>. Acesso em 26 jan. 2018.

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TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
361

Num tal contexto, parece razoável e satisfatório o tratamento legal conferido à


matéria nos arts. 33, 34 e 35, da Lei nº 9.504/97, bem assim o estágio jurisprudencial do
Tribunal Superior Eleitoral.
Legisladores e julgadores hão de estar cada vez mais empenhados na busca
de um (fino) equilíbrio. Para que a liberdade de informação não seja sacrificada além
do mínimo necessário. E que a sua limitação, constitucionalmente justificada, seja
direcionada à proteção de outras liberdades igualmente caras à democracia e ao Estado
de Direito, como as liberdades de consciência, de manifestação do pensamento e, em
papel de destaque, a liberdade de voto.
Lançando um olhar para o futuro, urge que legisladores e julgadores estejam
sempre atentos às achegas de desnaturação das boas práticas democráticas ditadas por
pesquisas eleitorais que não tenham compromisso com a cientificidade e, em maior
escala, com a verdade.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CARVALHO NETO, Tarcísio Vieira de. Pesquisas de intenção de voto: efeitos sobre o eleitorado. In:
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 343-362. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PARTE V

DIREITO DE RESPOSTA

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 1

DIREITO DE RESPOSTA E LIBERDADE DE


IMPRENSA: OS (MUITOS) ERROS E (POUCOS)
ACERTOS DA LEI Nº 13.188/2015

AMANDA PERLI GOLOMBIEWSKI


LYGIA MARIA COPI

1.1 Introdução
Têm sido cada vez mais frequentes os conflitos entre o exercício pleno da
liberdade de manifestação do pensamento, em todos os seus âmbitos, com os direitos
da personalidade, o que aumentou o número de questões sobre o tema levadas ao
Poder Judiciário.
A liberdade de manifestação do pensamento é garantia típica dos Estados
Democráticos de Direito, contudo, apesar de ser plena e não estar sujeita à censura prévia,
como dispõe a Constituição Federal, não é absoluta. A livre manifestação do pensamento
é protegida pela legislação constitucional e por mecanismos de proteção aos direitos
humanos internacionais, mas, na mesma medida, o são os direitos da personalidade.
A Constituição Federal assegura àqueles ofendidos em sua honra, imagem, nome
e boa fama o direito de resposta e a indenização pelos danos por ventura sofridos, em
seu art. 5º, V. São estes, portanto, os instrumentos que socorrem os que sofreram com
os abusos na liberdade de manifestação do pensamento.
O objeto do presente artigo é o direito de resposta requerido em face de veículo
de comunicação, ou seja, a prerrogativa constitucional que garante aos ofendidos em
seus direitos da personalidade espaço para que exponham sua réplica ou apresentem
retificação.
Como bem entende a doutrina, muito embora seja uma restrição à liberdade
dos veículos de comunicação, “o direito de resposta e rectificação encontra uma forte
justificação no princípio liberal de que as lesões resultantes do discurso devem ser
combatidas, preferencialmente, através de mais discurso”,1 o que é consoante com a
democracia e a pluralidade de discursos.

1
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 694.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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Até 2009, o direito de resposta era regulado pela Lei nº 5.250/67, chamada,
então, de Lei de Imprensa. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal declarou a não
recepção deste conjunto de normas pela Constituição Federal de 1988, por intermédio
da procedência da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº
130/DF. Disso decorreu verdadeiro vácuo legislativo quanto ao exercício desta garantia.
Para suprir esta lacuna legislativa, o Superior Tribunal de Justiça passou a aplicar,
analogicamente, o disposto no art. 58, da Lei nº 9.504/97, o que causou uma série de
transtornos de ordem prática, notadamente quanto à aplicação dos prazos decadenciais
lá dispostos.
Em 2015, entrou em vigor a Lei nº 13.188/2015, que encontra semelhanças com
a primeira legislação sobre o tema, datada de 1923,2 que pretendeu regulamentar o
exercício desta garantia após mais de cinco anos do julgamento do Supremo Tribunal
Federal na ADPF 130/DF.
No presente artigo, objetiva-se especialmente analisar as disposições da Lei nº
13.188/2015, seus acertos e seus pontos sensíveis na prática junto ao Poder Judiciário,
exatamente para que, mediante a construção de ideias e da ampliação do debate, seja
possível um aperfeiçoamento de um conjunto de normas que deixa a desejar.

1.2 A liberdade de manifestação do pensamento e seus limites


A liberdade de manifestação do pensamento é pressuposto de qualquer Estado
que pretenda se intitular democrático3 e é por meio deste direito que se torna possível
a formação da vontade coletiva, especialmente através do livre embate de ideias e da
participação dos indivíduos em assuntos relativos à coisa pública.4
Definida a República Federativa Brasileira como Estado Democrático de Direito
que tem como fundamento o pluralismo político, estabelece a Constituição Federal,
dentre o rol de direitos fundamentais (art. 5º, IV, IX e XIV), a tutela à liberdade de
expressão do pensamento, em suas diversas formas.
Aludida garantia – em que pese tenha encontrado cenário adequado para sua
efetividade apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – esteve prevista,
desde a Carta Imperial de 1824, em todos os textos constitucionais brasileiros,5 inclusive
naqueles outorgados em períodos ditatoriais.
A medida de proteção à liberdade de expressão variou, na trajetória constitucional
pátria, em conformidade com a densidade democrática de cada momento histórico.

2
MIRANDA, Darcy Arruda de. Dos abusos da liberdade de imprensa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1959. p. 409.
3
De acordo com Nicole Mäder, “A liberdade de expressão é o ‘ponto de partida’ para qualquer proposta de
democracia que pretende aprofundar e aplicar o debate na esfera pública. Sem liberdade de expressão não há
diálogo público e inviabiliza-se a formação de uma opinião pública. Ademais, a liberdade de expressão é o direito
fundamental que possibilita o exercício da soberania popular e pelo qual se concretizam as virtudes republicanas,
uma vez que torna os cidadãos capazes de escolher, fiscalizar, contestar e exigir o devido exercício dos Poderes
Públicos” (MÄDER, Nicole P. S. Gonçalves. Liberdade de Expressão e Estado Democrático de Direito. In CLÈVE,
Clèmerson Merlin (org.). Direito Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014. p. 392).
4
SARMENTO, Daniel. Liberdade de expressão, pluralismo e o papel promocional do Estado. Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, nº 16 – maio/junho/julho/agosto de 2007. p. 20.
5
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 487.

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AMANDA PERLI GOLOMBIEWSKI, LYGIA MARIA COPI
DIREITO DE RESPOSTA E LIBERDADE DE IMPRENSA: OS (MUITOS) ERROS E (POUCOS) ACERTOS DA LEI Nº 13.188/2015
367

Desse modo, sendo intrínseca a relação entre democracia e liberdade de expressão, foi
somente a partir do processo de redemocratização do país que este direito assumiu
espaço de destaque e de efetiva proteção.
Assegura a Constituição, especialmente em seu art. 5º, um conjunto de liberdades
comunicativas, as quais podem ser reunidas na categoria liberdade de expressão.6 Prevê
o art. 5º, IV, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”
e, em seguida, em seu inciso IX, dispõe: “é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Ao fazê-lo, a Constituição Federal se compromete com uma absoluta vedação de
qualquer espécie de censura prévia à manifestação do pensamento – inclusive ao direito
de informar, exercido por veículos de comunicação –, disposição repetida em seu art.
220, nos seguintes termos: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição”.
A devida proteção à liberdade comunicativa, nos moldes definidos constitucio-
nalmente, requer interpretação alargada do objeto de tutela. Nesse sentido, o âmbito de
proteção deverá abranger “tanto manifestação de opiniões, quanto de ideias, pontos de
vista, convicções, críticas, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto e mesmo
proposições a respeito de fatos”.7
Ainda, o direito à liberdade de expressão deve ser compreendido em seu
duplo sentido: coletivo e individual. Na perspectiva transindividual o direito de livre
comunicação não se limita à garantia do sistema democrático, mas abrange igualmente
o funcionamento dos sistemas de natureza cultural, religiosa e científica.8
Na dimensão individual, garante-se ao cidadão a livre expressão de seu pensa-
mento, diante do que aludido direito revela-se como forma de exteriorização da
personalidade humana.9 A partir da compreensão dos diferentes sentidos desta garantia,
é possível aprioristicamente concluir que toda manifestação, contanto que não violenta,
está respaldada pela liberdade de expressão.
Com o julgamento da ADPF 130 pelo Supremo Tribunal Federal, do qual resultou
a declaração de não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal, entende-se
que a liberdade de expressão assume uma posição preferencial (preferred position) quando

6
Na mesma linha de Jónatas Machado, aborda-se neste estudo o direito de expressão como direito mãe, isto é,
como categoria que centraliza os diversos direitos fundamentais da comunicação – a exemplo dos direitos
de informação, de imprensa, de radiodifusão. (MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões
constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 9-11). José Afonso da Silva,
por sua vez, utiliza a expressão liberdade de comunicação, que, nas suas palavras, “consiste num conjunto de
direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e
difusão do pensamento e da informação” (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 823).
7
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 493.
8
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 374.
9
Regina Vera Villas Bôas e Francis Ted Fernandes indicam que um dos fundamentos do direito de liberdade de
expressão é a garantia da personalidade e da dignidade humana, uma vez que a interação dos indivíduos requer a
livre manifestação do pensamento (VILLAS BÔAS, Regina Vera; FERNANDES, Francis Ted O direito fundamental
à liberdade de expressão em face do direito fundamental à intimidade: Prática da ponderação de princípios,
realizando a dignidade da condição humana. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin. (Org.). Doutrinas Essenciais – Direito
Constitucional: direitos e garantias fundamentais. São Paulo Revista dos Tribunais, 2015, v. 8. p. 1.040).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
368 PROPAGANDA ELEITORAL

em conflito com outros direitos fundamentais.10 Esta posição privilegiada da liberdade


de expressão é respaldada na imprescindibilidade deste direito para a garantia da
democracia e do autogoverno e do desenvolvimento de atributos inerentes à pessoa,11
sem que possa ser desconsiderada, no entanto, a proporcionalidade e as particularidades
dos casos concretos.12
A despeito da posição preferencial do direito à livre expressão, este se encontra
sujeito a restrições previstas constitucionalmente, diante do que não é possível inferir
se tratar de direito absoluto.13 Ao prever limites ao exercício da liberdade de expressão,
visa a Constituição Federal à conciliação entre a livre manifestação de ideias e a
responsabilidade dos produtores da comunicação.14
Note-se que as limitações no exercício do direito à liberdade de manifestação
do pensamento são aquelas que decorrem do próprio texto constitucional, tal como
previsto no art. 220, §1º. Tal é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo
o qual “o exercício [da liberdade de expressão] não se sujeita a outras disposições que
não sejam as figurantes dela própria, Constituição (...)”.15
Na esteira da vedação expressa a qualquer espécie de censura prévia – salvo
manifestação do pensamento anônima –, a Constituição Federal dispõe meios para
sancionar excessos no exercício da liberdade de expressão a posteriori. Em seu art. 5º, V,
dispõe: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem”.
As hipóteses de indenização por danos sofridos são sujeitas às regras gerais da
responsabilidade civil previstas no Código Civil, cujos requisitos são estabelecidos
pelo art. 186 e pelo art. 927, do mesmo conjunto de normas. Exige-se, portanto, a
demonstração da prática de ato ilícito pelo suposto ofensor, da existência de dolo ou

10
Consignou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
nº 130-7/DF: “A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima
de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que
se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida
privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às
segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma
de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou
consequência do pleno gozo das primeiras” (STF – ADPF 130-7/DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009,
p. 46).
11
KOATZ, Rafael Lorenzo-Fernandez. As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF. In:
SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (org). Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e
Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 401-402.
12
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 496.
13
O art. 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – em vigência no Brasil desde 1992 – prevê que o
direito de liberdade de expressão “poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente
previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais
pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas”.
14
De acordo com Edilsom Farias, “A Constituição Federal, coerente com o postulado segundo o qual a ordenação
jurídica democrática não reconhece valor absoluto a qualquer direito ou liberdade, sujeita a liberdade de
expressão e comunicação (...) a vários tipos de restrições, a despeito de seu inestimável valor para o indivíduo
(preservação da dignidade e das habilidades intelectuais da pessoa humana) e para a sociedade (formação da
opinião e da discussão pública no regime democrático), apesar de sua imunidade a toda e qualquer censura de
natureza política, ideológica e artística” (FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação – Teoria e proteção
constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 241-242).
15
STF – Rcl 22027 – Rel. Min. DIAS TOFFOLI – J. – 01/10/2015.

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culpa,16 do próprio dano – na medida em que a indenização se mede pela extensão do


dano, como preceitua o art. 944, do Código Civil – e do nexo de causalidade.
Quanto ao direito de resposta, o art. 2º, da Lei nº 13.188/2015, prevê, generica-
mente, que “ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo
de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e
proporcional ao agravo”.17
Em ambos os casos, todavia, persiste a dificuldade para se definir o limite entre
ofensa e exercício regular do direito à livre manifestação do pensamento, na medida
em que este exclui o dever de indenizar, conforme art. 188, I, do Código Civil, e obsta
o direito de resposta, nos termos do art. 5º, V, da Constituição Federal.
No que se refere aos veículos de comunicação e o exercício de sua liberdade de
expressão com viés jornalístico, seja de forma crítica ou eminentemente informativa,
foram definidos parâmetros pela doutrina e pela jurisprudência para se apurar, caso a
caso, se houve ou não abuso.
O viés da comunicação da liberdade de manifestação do pensamento compõe-se,
em suma, de dois espectros diversos em sua essência: (i) a narrativa de fatos, chamada por
Guilherme Döring Cunha Pereira de liberdade de crônica, e (ii) a exposição de opinião
ou ideias dotadas de conteúdo crítico ou liberdade de crítica.18 A segunda se distingue
da primeira, pois nela “dá-se um predomínio de ‘contextualização’ das informações
e de valoração dos dados de uma determinada realidade”,19 enquanto a liberdade de
crônica trata dos fatos em si, sem emissão de opinião pelo autor do escrito.
Quanto à liberdade de crônica, trata-se, por definição, da prerrogativa dos
veículos de comunicação de noticiarem fatos de modo objetivo, atendendo ao direito
da coletividade à informação (art. 5º, XIV, da Constituição Federal).
Como consignou o Supremo Tribunal Federal, a Constituição Federal “destinou
à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da
própria sociedade”, que passa a atuar como “alternativa à explicação ou versão estatal
de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção
do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência”.20

16
O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de não estarem os veículos de comunicação
sujeitos a um regime de responsabilidade civil objetiva, de modo que para a caracterização de seu dever de
indenizar, é indispensável a demonstração do elemento subjetivo: “Para enfrentar esse problema, deve-se ter em
mente aquele que talvez seja o requisito mais importante para aferir a responsabilidade do veículo de imprensa,
qual seja, a culpa. De fato, os veículos de imprensa e comunicação sujeitam-se a um regime de responsabilidade
subjetiva, não havendo que se falar aqui de responsabilidade por risco. Consequentemente, não basta a
divulgação de informação falsa, exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou poderia conhecer a
inveracidade da informação propalada. (...) Na verdade, estamos já analisando um tema que é fundamental para
delimitar a responsabilidade da imprensa, mormente agora, que a Lei de Imprensa, de 1967, foi declarada não
recepcionada pela Constituição de 1988. Mas isto também, como bem posto, deve se guiar pelo princípio, pela
teoria da responsabilidade, e, no caso, a responsabilidade da imprensa é subjetiva, não pode ser considerada uma
responsabilidade objetiva, uma responsabilidade de risco, sob pena de inviabilizar esse importante segmento da
sociedade, que é a imprensa” (STJ – REsp 984.803 – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. 26.05.2009).
17
Em seguida, procura esclarecer, sem considerável sucesso, o caput em seu §1º: “Para os efeitos desta Lei, considera-se
matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social, independentemente
do meio ou da plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que
por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem
de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação”.
18
PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 56.
19
PEREIRA, Guilherme Döring Cunha, op. cit., p. 236.
20
STF – ADPF 130-7/DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009.

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Trata-se, em verdade, de um direito-dever imposto aos veículos de comunicação,


que assumem compromisso perante a sociedade de divulgar os fatos de interesse
público que chegam a seu conhecimento, de forma a permitir que os cidadãos formem
seu próprio juízo crítico de forma esclarecida.
Em hipóteses de denúncia de abuso no exercício/cumprimento deste direito-dever,
há referências consignadas pelo Poder Judiciário que fornecem um norte para apuração da
regularidade da liberdade de crônica. De acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal
Federal, “relatos factuais que se limitam a reproduzir, objetivamente, eventos impregnados
de interesse público traduzem legítimo exercício da liberdade de informação jornalística”.21
Considera-se, portanto, que a liberdade de crônica é exercida de forma regular
quando noticia fatos verídicos e de interesse público, sem a emissão de juízos de valor,
ou seja, de modo eminentemente informativo.
Em relação à liberdade de crítica, o principal parâmetro para se verificar seu
exercício regular é, como consignou o Superior Tribunal de Justiça, o interesse público.
Em julgado paradigma relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, consolidou-se o
entendimento segundo o qual “a pedra de toque para aferir-se a legitimidade na crítica
jornalística é o interesse público, observada a razoabilidade dos meios e formas de
divulgação da notícia”.22
O interesse público se mostra evidente em questões envolvendo agentes públicos,
instituições públicas, gastos públicos, enfim, quaisquer que tenham relação com a gestão
do erário ou com os Poderes do Estado, inclusive o Judiciário. Nesse sentido, destaca-se:

Nenhum poder estadual se deve encontrar subtraído à crítica pública. As autoridades


policiais e judiciárias devem permanecer expostas às críticas sérias e fundadas de
parcialidade, corrupção, injustiça, incompetência, negligência grosseira ou qualquer
forma de desvio de poder. Está definitivamente superada a idéia tradicional nos termos
da qual as críticas ao poder judicial devem ser proscritas por contribuírem para minar a
sua dignidade, autoridade e credibilidade a longo prazo, ou pelo facto de que as mesmas
são dirigidas a entidades cujas limitações orgânicas e funcionais não lhes permitem uma
resposta adequada.23

Havendo interesse público, com a ressalva de que seu âmbito é amplo e inclui
questões que possam ser entendidas como “prosaicas”, como destacado, há a legitimidade

21
Ainda: “Essencial reconhecer, pois, em face do que se vem de expor, que a liberdade de imprensa, qualificada
por sua natureza essencialmente constitucional, assegura aos profissionais de comunicação social o direito de
buscar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, inclusive digitais, ressalvada, no
entanto, a possibilidade de intervenção judicial – necessariamente a posteriori – nos casos em que se registrar
prática abusiva dessa prerrogativa de ordem jurídica, resguardado, sempre, o sigilo da fonte quando, a critério
do próprio jornalista, este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional (Inq 870/RJ, Rel. Min. Celso de
Mello). (...) A exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática
concreta do direito de informação jornalística, descaracterizam o ‘animus injuriandi vel diffamandi’, legitimando,
assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de imprensa (...)” (STF – Rcl 21504 – Rel.
Min. Celso de Mello – J. 17.11.2015).
22
STJ – REsp 680794 – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – J. 17/06/2010. No mesmo sentido, entendeu o Superior
Tribunal de Justiça em outro caso paradigma: “A jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça firmou-se
no sentido de que não se configura o dano moral quando a matéria jornalística limita-se a tecer críticas prudentes –
animus criticandi – ou a narrar fatos de interesse público – animus narrandi. Há, nesses casos, exercício regular do direito
de informação. (...)” (STJ – AgRg no Ag 1205445/RJ – Rel. Min. Raul Araújo – J. 06/12/2011).
23
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 566-567.

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371

da crítica jornalística, que dispensa moderação. Este foi o entendimento consignado


pelo Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “o exercício concreto da liberdade de
imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda
que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes
do Estado”.24
O que determina se o exercício da liberdade de crítica é regular não é seu conteúdo
ou o tema que lhe deu origem. Muito menos é a veracidade ou não dos fatos que deram
origem à análise, pois este tipo de julgamento não é adequado nessa espécie de expressão.25
A verdade é que não há critérios claros para que se definir o que caracteriza
um abuso na liberdade de crítica, sendo indispensável uma análise cuidadosa das
circunstâncias fáticas de cada caso para que se possa concluir em um sentido ou em outro.
Na prática, um dos pontos de maior relevância em questões envolvendo a liberdade
de crítica é o sujeito que, por ventura, tenha se sentido atingido pelo exercício desta
garantia, ou seja, se pessoa pública ou sem qualquer espécie de notoriedade.
No que concerne às pessoas públicas ou políticas, ou seja, que exerçam atividades
que tenham relação com a coisa pública, o entendimento consolidado é no sentido de
estarem mais suscetíveis à crítica, inclusive àquelas de caráter mordaz, pois, como
consignou o Supremo Tribunal Federal, “(...) a crítica que os meios de comunicação
social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de
sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente
resultam dos direitos de personalidade”.26
A lógica para este entendimento está estritamente ligada aos princípios básicos
da democracia e ao direito dos cidadãos de acompanharem as atividades daqueles que

24
STF – ADPF 130 – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009. No mesmo sentido: “AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. REPARAÇÃO EM
DANOS MORAIS. ALEGADO EXCESSO NO DIREITO DE CRÍTICA JORNALÍSTICA. NÃO OCORRÊNCIA.
VERACIDADE DE INFORMAÇÕES VEICULADAS. LIBERDADE DE CRÍTICA. AGRAVO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. 1. A crítica jornalística, ainda que elaborada em tom mordaz ou irônico, não transborda dos
limites constitucionais da liberdade de imprensa. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF – RE
652330 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. 18.08.2014).
25
Como destaca Guilherme Döring Cunha Pereira, “É cada vez mais comum encontrar entre juristas a afirmação
de que as opiniões, as ideias e sobretudo a crítica valorativa propriamente dita não são suscetíveis de análise
em termos de verdade ou falsidade, de erro ou acerto; e isso de forma absoluta, isto é, não apenas sob o aspecto
jurídico. Ou seja, a razão pela qual não teria sentido discutir em juízo a veracidade de uma doutrina estaria em
que doutrinas são produções eminentemente subjetivas, não passíveis de aferição. (...) O acerto da regra que
exclui da discussão em juízo o tema da veracidade de ideias e críticas repousa não na crença discutível de que
ideias e críticas não são suscetíveis de veracidade ou falsidade, mas no fato elementar e mais imediatos de que o
processo judicial não é o âmbito adequado para discussões de cunho filosófico, sociológico, político ou científico,
ou para juízos morais cabais, do gênero ‘fulano de tal é mau’” (PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e
responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 56/60).
26
“A crítica jornalística traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que
exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito
de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias,
exercentes, ou não, de cargos oficiais (...) – A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas,
por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas
que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade. – Não induz responsabilidade civil a publicação de
matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões
em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas
ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a
liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender”.
(STF – AgRg em AI 705630 – Rel. Min. Celso de Mello – J. 22/03/2011)

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exercem o poder do povo, seja no Executivo, no Legislativo ou mesmo no Judiciário.27


Sobre isso, destaca Darcy Arruda de Miranda que “a discussão e a crítica nada mais são
do que manifestações da liberdade de opinar que a Constituição garante e protege”.28
Mesmo em relação a pessoas públicas, a liberdade de crítica não é absoluta e
encontra limites em questões que compõem a esfera privada do indivíduo, salvo que
elas próprias sejam dotadas de um interesse público peculiar. Nesse sentido, no que
tange ao processo de escolha dos ocupantes de cargos eletivos, “é perfeitamente lícita
a referência pública ao passado, ao modo de se portar e de ser de alguém que almeja
ocupar cargo público, sem o que, afinal, o que se estará limitando é a própria formação
da livre opção de escolha ou de fiscalização do cidadão”.29
Quanto aos particulares, a proteção dos direitos da personalidade é mais ampla e
os limites do exercício da liberdade de crítica ficam mais rigorosos,30 estando pautados
majoritariamente pelo interesse público.
Em suma, tem-se que a liberdade de crítica encontra limites tanto no interesse
público que dela advém e que a fundamenta, quanto na ofensa aos direitos da perso-
nalidade daqueles que a ela estão sujeitos, ambos observados caso a caso, conforme as
circunstâncias fáticas particulares.
Verificando-se o abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento,
seja mediante a liberdade de crônica ou de crítica, poderão surgir o direito de eventual
ofendido à resposta ou o dever de indenizar pelo ofensor, como prevê o art. 5º, V, da
Constituição Federal.

1.3 Direito de resposta: fundamentos jurídicos e condições para seu


legítimo exercício
O direito de resposta, previsto no inciso V do art. 5º da Constituição Federal, é a
faculdade que todo aquele que foi acusado ou ofendido em virtude da divulgação de

27
. Nesse sentido, dispõe Jónatas Machado que “A denúncia pública da prepotência, do preconceito, da corrupção,
do clientelismo, da incompetência e das demais patologias do sistema político é praticamente impossível sem
que daí resultem danos colaterais em matéria de bom nome e reputação. Num contexto de desacordo acentuado,
de que é exemplo a discussão política, os argumentos surgem frequentemente envoltos em exagero, distorções e
outras formas de comunicação próximas das fronteiras da linguagem. Ora, os cidadãos em geral e os jornalistas
em particular devem poder debater abertamente as questões de interesse público, sem qualquer receio de serem
acionados judicialmente, devendo evitar-se aqui o persistente perigo da autocensura. Isto, independentemente
do choque, da amargura, do trauma ou distúrbio emocional que daí possam resultar. A crítica pública deve ser
um direito e não um risco” (MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2002,
p. 805-806).
28
Ainda, afirma o autor que: “Sendo a função da imprensa relatar sempre a verdade, em atinência ao interesse
público, mesmo vergastando a conduta pública dos cidadãos, mediante discussão ou crítica severa, permitido
não é – diz a lei – que se lhe cerceie êsse direito, quer ela diga respeito aos governantes como aos magistrados,
em relação aos atos por êles praticados. (...) A censura pública é apanágio dos povos livres, das nações evoluídas,
daquelas que não se encabrestam ao carro do despotismo ou da violência. A discussão e a crítica são as válvulas
de segurança que garantem a normalidade da vida democrática. (...) No que concerne pròpriamente à liberdade
de imprensa, qualquer cerceamento do direito de livre crítica que se lhe oponha, constituirá sempre uma violação
do princípio constitucional de livre manifestação do pensamento, além de grave ameaça à consciência popular
(MIRANDA, Darcy de Arruda. Dos abusos da liberdade de imprensa. São Paulo: RT, 1959. p. 365-367).
29
Ainda: “Há dados da vida pessoal do gestor público que, aparentemente reservados, concernentes a sua vida
privada e por vezes familiar, podem bem interessar ao conhecimento público, pela relevância ao julgamento da
aptidão para a função pública de que investido ou de que pretende investir.”. (GODOY, Claudio Luiz Bueno de.
A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001. p. 80/81.)
30
BIANCHI, Enrique T. El derecho a la libre expresíon. La Plata: Libreria Editora Platense, 2009. p. 32 – Tradução livre.

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fato inverídico ou errôneo de fazer publicar ou transmitir, no mesmo órgão, de modo


gratuito, uma resposta proporcional à ofensa ou à acusação divulgada.31
O objetivo central desta garantia é de assegurar o contraditório no processo
de comunicação, atuando, assim, como instrumento de proteção da democracia e do
pluralismo de ideias.32 Trata-se, nesse sentido, de importante instituto para salvaguardar
os cidadãos dos abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento,
notadamente no que diz respeito às liberdades de comunicação pelos veículos de
imprensa, atuando a posteriori para inibi-los.
É evidente, não obstante, que caracteriza uma interferência na liberdade editorial
dos veículos de comunicação, pois, por intermédio desta garantia, haverá a publicação
de texto elaborado por terceiro e por este subscrito, em um espaço gratuito concedido
(voluntariamente ou por ordem judicial).
Exatamente em razão disso o direito de resposta deve ser imposto apenas em
casos em que reste demonstrado o exercício abusivo da liberdade de expressão – seja
de crônica ou de crítica – para a divulgação de fatos inverídicos ou ofensa a direitos
da personalidade.
Destaca-se que, em diversos casos, a condenação do veículo de comunicação
ao pagamento de indenização não é suficiente para a reparação do dano sofrido pelo
ofendido, sendo indispensável que a este seja concedido espaço para manifestação
acerca da publicação que violou seus direitos da personalidade.
Nessas situações, haveria um interesse do, por ventura, ofendido na retificação
de fatos ou mesmo na exposição de sua réplica, o que, invariavelmente, implicaria na
ampliação do debate sobre determinada questão e da influência daquele na formação
do juízo crítico do leitor.
Nesse sentido, “embora se trate de uma restrição à liberdade editorial dos
operadores de comunicação social, o direito de resposta e rectificação encontra uma
forte justificação no princípio liberal de que as lesões resultantes do discurso devem
ser combatidas, preferencialmente através de mais discurso”.33
Não basta, todavia, que a resposta do ofendido seja disponibilizada pelo veículo
de comunicação. Para que o direito de resposta seja efetivo, é necessário que ele se
paute pelos princípios da imediaticidade e da proporcionalidade, sob pena de não sua
alcançar a finalidade constitucional.34
O princípio da imediaticidade, ou da atualidade da resposta, como cita Jónatas
Machado, “obriga à publicação da resposta com a maior brevidade possível, de forma a
garantir a sua utilidade comunicativa”,35 de modo a garantir que ela não será divulgada
após o contexto do que a ensejou se perder no tempo.

31
De acordo com Edilsom Farias, três são as condições necessárias para o exercício do direito de resposta: que a
informação divulgada seja inverídica ou errônea, que se refira ao titular do direito de resposta e que contenha uma
acusação ou ofensa a este (FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação – Teoria e proteção constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 232).
32
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 500.
33
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 694.
34
MACHADO, Jónatas, op. cit., p. 695.
35
MACHADO, Jónatas, op. cit., p. 695.

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374 PROPAGANDA ELEITORAL

Todos os dias há a divulgação de novos fatos de interesse público ou novas


críticas, o que implica – lamentavelmente ou não – o esquecimento dos anteriores.
Assim, a publicação de uma resposta em momento muito posterior à pretensa ofensa
em nada contribuirá para sua retificação ou réplica pelo ofendido. Em verdade, a
divulgação extemporânea da resposta pode vir a causar maiores prejuízos aos direitos da
personalidade do ofendido, na medida em que os fatos já esquecidos seriam reavivados
por ele próprio.36
Ainda, tendo em vista a evolução tecnológica e o uso da internet para exercício
da liberdade de expressão, o preceito imediaticidade exige “(...) uma capacidade de
reação e adaptação dificilmente compatível com os limites de um processo judicial,
por mais ágil que este seja”.37
Já o princípio da proporcionalidade, na esteira do art. 5º, V, da Constituição
Federal, preceitua que a resposta deverá ser pautada pela ofensa e nela encontrar limites.
Sua divulgação, portanto, deverá se dar no mesmo espaço e com o mesmo destaque da
publicação de origem, de modo a ser acessível ao mesmo público.38
Todavia, a resposta deverá ser proporcional ao agravo, de modo que não pode
ser consideravelmente mais extensa ou mais curta que o conteúdo que a ensejou, sob
pena de caracterizar abuso no exercício da garantia fundamental e violação ao art. 5º,
V, da Constituição Federal.
Deve, ademais, se limitar a responder ou retificar fatos. O art. 8º, da Lei nº
13.188/2015, prevê que “Não será admitida a divulgação, publicação ou transmissão de
resposta ou retificação que não tenha relação com as informações contidas na matéria
a que pretende responder nem se enquadre no §1º do art. 2º desta Lei”.
Não se admite, portanto, que a resposta trate de fatos desconexos ao da publicação
de origem ou que tenha por objetivo ofender ao veículo de comunicação ou terceiros.
Como destaca a doutrina, “o direito de resposta deve bastar-se como uma equivalência
substancial ou aproximada entre a resposta as referências que a motivaram”.39
A utilização abusiva do direito de resposta – tanto de forma desproporcional
quanto em hipóteses em que não haja ofensa a responder ou inveracidade a retificar
– caracteriza ofensa indevida na liberdade editorial dos veículos de comunicação e,
ao contrário de ampliar, serve para cercear a liberdade de expressão. Determinar a
publicação de um direito de resposta é conduta que deverá ser ponderada face aos
demais interesses envolvidos, notadamente ante os riscos de autocensura decorrentes
do uso indiscriminado deste instituto.40

36
Esta circunstância foi abordada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao indeferir pedido de direito de
resposta exatamente em razão do decurso do tempo desde a ofensa que o ensejou: “Contudo, no presente caso,
fazendo-se uma ponderação de valores, conclui-se que descabe o direito de resposta, pois a melhor justiça se
perfaz com a pacificação definitiva do conflito de interesses, o que passa também pelo não renascimento das
mágoas e aborrecimentos emocionais dos envolvidos quando o tempo já se encarregou de sepultar tais sentimentos
negativos” (TJRJ – Apelação 15.057/2007 – Rel. Des. Cristina Tereza Gaulia – J. 13/04/2010).
37
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 501.
38
MACHADO, Jónatas. Liberdade de expressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 695.
39
MACHADO, Jónatas, op. cit., p. 699.
40
Consoante afirmam Sarlet, Marinoni e Mitidiero, a proporcionalidade não se estabelece apenas em relação ao
agravo, mas também deve ser aferida no plano das consequências do exercício do direito de resposta, pois, a
depender do caso, poderá tal direito gerar o tolhimento da liberdade de expressão se os encargos impostos pelo

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DIREITO DE RESPOSTA E LIBERDADE DE IMPRENSA: OS (MUITOS) ERROS E (POUCOS) ACERTOS DA LEI Nº 13.188/2015
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Para alguns doutrinadores, seria inadequada a concessão do direito de resposta


em hipóteses em que “não se esteja perante lesões directas, graves e irreparáveis, nos
planos moral e patrimonial”,41 posicionamento a ser considerado, especialmente em
vista da importância de se salvaguardar a liberdade de manifestação do pensamento,
sobretudo em momentos de instabilidade política.
Há outras formas de se harmonizar os interesses envolvidos em um eventual
conflito decorrente do exercício da liberdade de comunicação ou de manifestação do
pensamento que são muito mais eficazes que o direito de resposta na ampliação do
discurso e do debate acerca de um determinado tema. Nesse sentido:

Um outro aspecto relevante na análise da necessidade da medida prende-se com a


existência de outros meios para prosseguir as mesmas finalidades do direito em análise,
os quais, sendo independentes deste, podem funcionar como meios, ora complementares,
ora alternativos. Assim, por exemplo, a existência na imprensa escrita de uma secção de
‘cartas ao director’ pode favorecer a correcção, o comentário e mesmo o diálogo entre os
leitores, a redação e os jornalistas. Na rádio e na televisão existe a possibilidade de fazer
uma entrevista ou de convidar a participar num programa, particularmente quando o
visado pelas referências em causa seja uma figura pública. Paralelamente, existem as acções
de responsabilidade civil e criminar em ordem à defesa dos direitos da personalidade.42

O relevante argumento, todavia, não foi considerado na edição da Lei nº


13.188/2015, que parece muito mais protetiva dos direitos da personalidade que da
liberdade de comunicação e informação jornalística em suas diversas formas, tanto no
que diz respeito às normas de direito material quanto àquelas de direito processual.

1.4 Do julgamento da ADPF 130-DF à promulgação da Lei nº


13.188/2015: o percurso do direito de resposta no ordenamento
jurídico brasileiro
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal julgou a ADPF 130-DF, movida pelo
Partido Democrático Trabalhista – PDT, visando à declaração de não recepção de alguns
dispositivos da Lei nº 5.250/67 pela Constituição Federal de 1988. Aludida legislação,
chamada comumente de Lei de Imprensa, havia sido editada durante a Ditadura Militar

exercício da resposta forem também desproporcionais” (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme;
MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 501).
41
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 699.
42
MACHADO, Jónatas, op. cit., p. 699. Destaca-se, ainda, o exposto por Rodrigo Xavier Leonardo: “Esse modelo
também propicia resoluções alternativas que, muitas vezes, podem ser mais interessantes à pessoa que se sente
prejudicada pela notícia ou informação. Acordos extrajudiciais acerca de retificações voluntárias e entrevistas
para elucidação dos fatos, entre outras providências, privilegiam a informação em detrimento da contraposição
maniqueísta entre o texto e a resposta ao texto. A resposta coativamente veiculada nos meios de comunicação,
ainda, pode gerar nos destinatários dúvidas ainda maiores acerca da notícia original. Em inúmeras circunstâncias,
o direito de resposta é incapaz de extirpar, por si, a dúvida do público em geral. Noutras tantas, pode aumentá-la.
A antessala extrajudicial, portanto, permite que se encontrem vias de resolução mais adequadas para os casos de
exercício indevido das liberdades de comunicação.” (LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de
resposta a quem não tem o que responder? Conjur, São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.
com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez.
2017.).

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e regulamentava o exercício do direito de informar e o exercício da atividade jornalística,


incluindo o direito de resposta.
Apesar de a ação ter por objeto apenas parte da Lei nº 5.250/67, o Supremo
Tribunal Federal entendeu, por maioria,43 pela “total procedência da ADPF para o
efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto
de dispositivos da Lei Federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967”.
O voto vencedor, lavrado pelo Ministro Carlos Ayres Britto, destacou os motivos
que justificaram a declaração da incompatibilidade do conjunto de normas do ordena-
mento jurídico brasileiro:

Incompatibilidade material insuperável entre a Lei nº 5.250/67 e a Constituição de 1988.


Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical),
contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da
prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um
leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito
prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um
projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País.44

O entendimento do Supremo Tribunal Federal é consonante com o disposto no


art. 220, §1º, da Constituição Federal. Mostra-se adequado o posicionamento de que “não
é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação
a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de ‘plena’”.45
A declaração de não recepção em bloco da Lei nº 5.250/67, contudo, causou
considerável impacto na regulamentação do exercício do direito de resposta, também
contida na chamada Lei de Imprensa. Este, então, passou a ser tratado apenas pelo art.
5º, V, da Constituição Federal.
Criou-se um espaço de anomia, pois, apesar de estar prevista na ordem consti-
tucional a garantia do direito de resposta, as normas infraconstitucionais deixavam de
prever o procedimento para seu requerimento, o que dificultava, sobremaneira, seu
exercício.
Rodrigo Xavier Leonardo, ao discorrer sobre as consequências do julgamento da
ADPF 130/DF para a disciplina do direito de resposta, destacou que, a partir dele, tal
garantia passou a ter como alicerce único o art. 5º, inciso V, da Constituição Federal.
Tendo em vista a generalidade desse direito fundamental, houve inegável prejuízo aos

43
Restaram vencidos, em parte, a Ministra Ellen Gracie, o Ministro Gilmar Mendes e o Ministro Joaquim Barbosa,
que a julgavam parcialmente procedente, e o Ministro Marco Aurélio, que a julgava improcedente.
44
Ainda: “São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição,
seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada
técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de “interpretação conforme a Constituição”.
A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do
diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria.
Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite
de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador
do Direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos
da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se
muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada.
Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno
de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para
operar em bloco ou como um todo pro indiviso” (STF – ADPF 130 – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009).
45
STF – ADPF 130 – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009.

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veículos de comunicação e àqueles que até então pleiteavam seu exercício. Além disso,
segundo o jurista,

(...) foram excluídos os critérios que auxiliavam a identificar os campos de presunção da


licitude no exercício das liberdades comunicativas que, em princípio, seriam incompatíveis
com o direito de resposta (como a crítica literária e desportiva, a manifestação de opinião,
o debate de atos praticados por agentes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário).46

Ante esta lacuna legislativa, a jurisprudência passou a aplicar, por analogia,


o disposto na Lei nº 9.504/97, que regulamenta o exercício do direito de resposta no
período e propagandas eleitorais, e o Pacto de San José da Costa Rica.47
Ambas as normas encontram problemas em sua aplicação, pois o tratado
internacional, assim como a Constituição Federal, contém apenas norma genérica que
nada dispõe acerca do procedimento para o exercício do direito de resposta, e a lei
eleitoral traz disposições muito específicas ao período de eleições, notadamente em
relação aos prazos decadenciais estabelecidos.
Surgiu entre a comunidade jurídica e legislativa a pretensão da edição de novas
normas para regular o exercício do direito de resposta e, em 2015, entrou em vigor a Lei
nº 13.188/2015, de autoria do Senador da República Roberto Requião de Mello e Silva.

1.5 Os (muitos) erros e (poucos) acertos da Lei nº 13.188/2015


O vácuo legislativo deixado pela declaração de não-recepção da Lei nº 5.250/67
pela Constituição Federal de 1988 teve sério impacto na aplicação do direito de resposta,
na medida em que foram suscitadas inúmeras dúvidas quanto ao procedimento a ser
adotado para sua concessão.
Apesar de pretender sanar as dúvidas decorrentes desta anomia, a Lei nº
13.188/2015 acaba por ensejar outras – algumas, inclusive, não solucionadas até o
momento e que impactam na efetividade do procedimento especial por ela estabelecido.
O procedimento definido pela novel legislação é composto de dois momentos:
um primeiro extrajudicial que, se não exitoso, dará origem ao segundo, em que o
direito de resposta é pleiteado perante o Poder Judiciário. Frise-se que só há interesse
de agir na demanda judicial caso o veículo de comunicação não responder ou negar-se
expressamente a conceder espaço para a resposta.
No primeiro momento, portanto, a concessão do direito de resposta deverá
ser requerida ao veículo de comunicação, no prazo de 60 (sessenta) dias contados da
publicação da alegada ofensa, por intermédio de correspondência acompanhada de
aviso de recebimento, como dispõe o art. 3º, da Lei nº 13.188/2015.

46
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder? Conjur,
São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.
47
Em julgado paradigma, o Superior Tribunal de Justiça firmou este entendimento: “Lei de Imprensa. Não-recepção.
Sobrevivência do direito de resposta. Precedente do STF. Direito à publicação de sentença. Distinção. Ausência
de dispositivo legal que, após a não-recepção da Lei de Imprensa, ampare essa pretensão. Recurso especial
improvido. (...) O direito constitucional de resposta, antes previsto na Lei de Imprensa, continua passível de
proteção jurídica, contudo não mais nos termos em que era previsto na lei não-recepcionada. Para amparar tal
direito, os Tribunais deverão se valer da regra da analogia, invocando o art. 14 do Pacto de San José da Costa
Rica e o art. 58 da Lei 9.504/97” (STJ – Resp 885248 – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. 15.12.2009).

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Observa-se, então, o primeiro requisito formal do pedido extrajudicial: se o


direito de resposta for requerido de forma diversa daquela prevista no art. 3º, da Lei nº
13.188/2015 – pela via eletrônica, por exemplo – o veículo de comunicação está legalmente
autorizado a rejeitá-lo. Da mesma forma, tendo sido o pedido de direito de resposta
apresentado fora do prazo de 60 (sessenta) dias, há justificativa para que o veículo de
comunicação deixe de acolhê-lo ou mesmo de analisá-lo, caso assim entenda.
Note-se que a legislação trata, equivocadamente no entender da doutrina, de um
prazo decadencial, ou seja, que não estaria sujeito a regras de impedimento, suspensão
e interrupção. O instituto adequado seria, conforme suscitado, a prescrição48 – extinguir-
se-ia, portanto, a pretensão e não o direito em si.
O prazo disposto no art. 3º, da Lei nº 13.188/2015, consta-se a partir da data da
publicação que se entende como ofensiva, tenha sido ela física ou eletrônica, o que se
infere do §3º, do mesmo dispositivo, em consonância com o que estabelece o art. 189,
do Código Civil.
Recebido o pedido de direito de resposta, o veículo de comunicação poderá, em
sete dias, publicá-lo, devendo observar, para tal, a forma prevista no art. 4º, da Lei nº
13.188/2015, nos seguintes termos:

Art. 4º. A resposta ou retificação atenderá, quanto à forma e à duração, ao seguinte:


I – praticado o agravo em mídia escrita ou na internet, terá a resposta ou retificação o
destaque, a publicidade, a periodicidade e a dimensão da matéria que a ensejou;
II – praticado o agravo em mídia televisiva, terá a resposta ou retificação o destaque, a
publicidade, a periodicidade e a duração da matéria que a ensejou;
III – praticado o agravo em mídia radiofônica, terá a resposta ou retificação o destaque,
a publicidade, a periodicidade e a duração da matéria que a ensejou.

Trata-se, na prática, da efetivação do princípio da proporcionalidade da resposta


e da simetria com o conteúdo que a ensejou. Na hipótese de não consideração da forma
prevista, a legislação prevê que eventual resposta veiculada sem o atendimento ao nela
disposto será considerada inexistente.
Ocorre que as disposições da Lei nº 13.188/2015 quanto à forma e aos limites do
direito de resposta se contrapõem frontalmente ao art. 5º, V, da Constituição Federal,
na medida em que tomam como base para a resposta a integralidade do conteúdo
pretensamente ofensivo, desconsiderando o agravo.
Apesar de o art. 2º, da Lei nº 13.188/2015, prever que o direito de resposta é
proporcional ao agravo, repetindo a disposição constitucional, o art. 4º, do mesmo
diploma legal, estabelece que a resposta terá a dimensão ou a duração do conteúdo
que a ensejou.
A redação do §4º, deste artigo, não permite conclusão diversa, ao prever que “Na
delimitação do agravo, deverá ser considerado o contexto da informação ou matéria que
gerou a ofensa”. Surge aqui uma contradição que invariavelmente ensejará conflitos a
serem resolvidos pelo Poder Judiciário.

48
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São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.

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Para ilustrar uma dessas hipóteses, cita-se exemplo de matéria jornalística de


duração de cinco minutos, dos quais apenas um faz menção de modo alegadamente
ofensivo a indivíduo que requereu direito de resposta. Pela Constituição Federal e
pelo art. 2º, da Lei nº 13.188/2015, a resposta a ser eventualmente veiculada deverá ter
duração de um minuto para ser considerada proporcional ao agravo. Já pelo art. 4º, da
Lei nº 13.188/2015, a resposta deverá ter duração de cinco minutos, para ter a mesma
dimensão do conteúdo que a ensejou.
Da mesma forma que o princípio da proporcionalidade da resposta preceitua
que esta não pode ser insignificante face aquilo que lhe deu origem, tem-se que sua
desproporção face ao agravo invariavelmente implica um abuso em seu exercício, o qual é
coibido pela legislação. Em razão disso, a doutrina tem suscitado a inconstitucionalidade
do art. 4º, da Lei nº 13.188/2015, por sua frontal contraposição ao que estabelece o art.
5º, V, da Constituição Federal:

Há fortes objeções, de conteúdo processual e de direito material, que permitem sustentar que
a nova Lei de direito de resposta está eivada de inconstitucionalidades e de irrazoabilidades
nefastas à liberdade de expressão. Em primeiro lugar, há uma indesculpável fratura entre
a extensão do direito de resposta na Constituição Federal e na Lei 13.188/2015. Ao passo
que a Constituição Federal garante o direito de resposta ou retificação “proporcional
ao agravo”, a nova Lei pretende que a resposta tenha a mesma dimensão e duração da
“matéria que a ensejou” (artigo 4º da Lei 13.188/2015). (...) Cabe evidenciar que, se existe
o direito de obter resposta conforme a Constituição, também existe a imunidade de não
se submeter à pretensão de resposta para além do que determina a Constituição. Isso
tem grande relevância considerando o fato de o binômio direito de resposta e o dever
de divulgação de resposta, em geral, ocorrer entre particulares. A intervenção em direito
privado, nesse caso, tem limites traçados pelo constituinte que não poderiam ter sido
cambulhados pela legislação infraconstitucional.49

Outro ponto a ser considerado quanto ao pedido de direito de resposta extrajudicial


é a necessidade de que seja apresentada, já neste primeiro momento, a resposta que se
pretende ver divulgada, de modo a permitir que o veículo de comunicação o analise. A
Lei nº 13.188/2015 silencia quanto à necessidade de tal providência na esfera extrajudicial.
O art. 5º, §2º, deste conjunto de normas, limita-se a exigir o conteúdo a ser divulgado
como resposta apenas quando da apresentação de pedido ao Poder Judiciário, sob
pena de inépcia.
A omissão legislativa é significativa, contudo, parece não haver outra conclusão
que não a exigência da apresentação do conteúdo da resposta que se pretende divulgar
já no momento do requerimento extrajudicial. Ao analisar o cabimento ou não do
direito de resposta, é indispensável que o veículo de comunicação tenha contato com a
resposta que se pretende veicular, de modo a verificar se ela efetivamente responde ou
retifica pontos do conteúdo original, bem como se não implica ela própria uma ofensa.
Não serão poucos os casos em que não se verá atendido um direito de resposta
em razão de a resposta que se pretende divulgar ser passível de causar ofensa a terceiros

49
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ou ao próprio veículo de comunicação, ou mesmo por não ter qualquer relação com o
que a ensejou.
O art. 8º, da Lei nº 13.188/2015, compartilha deste entendimento, ao dispor que
“não será admitida a divulgação, publicação ou transmissão de resposta ou retificação
que não tenha relação com as informações contidas na matéria a que pretende responder
nem se enquadre no §1º do art. 2º desta Lei”.
Não se admitirá, portanto, resposta que ofenda, que não esclareça e não retifique.
Da mesma forma, não se admitirá a concessão de direito de resposta quando não houver
qualquer ofensa, o que, naturalmente, caracterizaria excesso no exercício desta garantia,
como já se tratou.
Enfim, inexistindo atendimento ao pedido de direito de resposta extrajudicial – e
apenas então –, surgirá o interesse de agir do pretenso ofendido de procurar sua concessão
por intermédio do Poder Judiciário.
Aqui se observa outra grave omissão da Lei nº 13.188/2015. Apesar de se prescrever
o prazo de 60 (sessenta) dias para a apresentação do pedido extrajudicial, o conjunto de
normas deixa de fazer o mesmo para o momento seguinte, ou seja, para o ajuizamento
de demanda junto ao Poder Judiciário. Esta situação cria evidente insegurança jurídica
aos veículos de comunicação, pois permitem, em tese, pedidos de direito de resposta
judiciais após o decurso do prazo do art. 3º, da Lei nº 13.188/2015, desde que tenha
havido requerimento extrajudicial anteriormente, o que não parece adequado e fere o
princípio da imediaticidade que rege a matéria.
O ajuizamento de demanda judicial requerendo a concessão de direito de resposta
requer a observância do procedimento especial previsto na Lei nº 13.188/2015, a qual
tramitará no foro da residência do autor ou onde o conteúdo objeto do pedido tenha
tido maior repercussão, o que poderá ser de difícil prova.
A petição inicial deverá ser instruída com cópia do conteúdo que ensejou o
pedido, do pedido formulado extrajudicialmente, do comprovante de sua apresentação
conforme o art. 3º, da Lei nº 13.188/2015, e da resposta que se pretende divulgar, sob
pena de inépcia.
É discutível se a ausência de algum dos documentos indispensáveis, estabelecidos
no art. 5º, §2º, da Lei nº 13.188/2015, ensejaria dever ao magistrado de intimação do
interessado para emenda à inicial. Entende-se que não há este dever e que a inépcia é
imediata, na medida em que o dispositivo legal expressamente consigna “sob pena de
inépcia da inicial”.
Ajuizada a ação, a lei prevê prazo de 24 (vinte e quatro) horas para que o magistrado
(i) mande citar o réu para, também em 24 (vinte e quatro) horas, que esclareça o motivo
para não atendimento do pedido extrajudicial e (ii) ofereça contestação no prazo de 3
(três) dias.
A disposição de dois prazos diversos para manifestação do veículo de comunicação
causa mais transtornos do que benefícios. A justificativa para ela é a previsão da
possibilidade de o magistrado, também no prazo de 24 (vinte e quatro) horas determinar a
concessão do direito de resposta requerido em caráter liminar (art. 7º, Lei nº 13.188/2015),
sob pena de multa diária (art. 7º, §3º, Lei nº 13.188/2015):

Art. 7º. O juiz, nas 24 (vinte e quatro) horas seguintes à citação, tenha ou não se manifestado
o responsável pelo veículo de comunicação, conhecerá do pedido e, havendo prova capaz
de convencer sobre a verossimilhança da alegação ou justificado receio de ineficácia do

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provimento final, fixará desde logo as condições e a data para a veiculação, em prazo não
superior a 10 (dez) dias, da resposta ou retificação.

Na prática, ambas as manifestações terão basicamente o mesmo teor, pois é


interessante ao veículo de comunicação apresentar, antes da decisão do art. 7º, da Lei
nº 13.188/2015, todos os fatos, provas e fundamentos que justificam o indeferimento do
pedido para que o magistrado possa exercer seu conhecimento de forma esclarecida.
É extremamente prejudicial à defesa dos veículos de comunicação a obrigação de
apresentar defesa no exíguo prazo de 24 (vinte e quatro) horas, enquanto o solicitante
teve mais de 60 (sessenta) dias para preparar sua petição inicial, crítica também
compartilhada pela doutrina:

Em primeiro lugar é evidente que o prazo de 24 horas para uma defesa preliminar do
direito de resposta é demasiadamente exíguo. Em segundo lugar, qual é o sentido de
limitar o prazo de defesa exauriente em três dias se a eventual providência de resposta
poderá ser publicada em até dez dias? Não seria mais adequado estabelecer um prazo
único para a contestação, similar ao curto prazo para defesa em cautelares (cinco dias),
para daí então sobrevir decisão da tutela de urgência de resposta? O prazo de 24 horas,
nesse caso, faz identificar o réu ao sucumbente! É como se quem pediu a resposta (e teve
60 dias para formulá-la) esteja presumivelmente certo e quem deve divulgar a resposta,
defendendo-se em vinte e quatro horas, esteja sempre, irremediavelmente, sob uma
presunção de ilicitude.50

Contra a decisão que deferir a divulgação do direito de resposta em caráter


liminar, será cabível recurso, nos termos do art. 10, e, aqui, reside um dos pontos de
maior questionamento da Lei nº 13.188/2015.
Dispõe o artigo: “Das decisões proferidas nos processos submetidos ao rito
especial estabelecido nesta Lei, poderá ser concedido efeito suspensivo pelo tribunal
competente, desde que constatadas, em juízo colegiado prévio, a plausibilidade do
direito invocado e a urgência na concessão da medida”.
De sua leitura, o que chama a atenção é a exigência de que a decisão que suspenda
a tutela provisória concedida seja proferida por órgão colegiado, o que é incompatível
com a organização dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Superiores. Como determina
o Código de Processo Civil, em seu art. 1.019, I, cabe ao relator conceder efeito suspensivo
às decisões objeto de agravo de instrumento e não ao órgão colegiado, que apenas se
manifestará quando do julgamento do mérito do recurso.
A Lei nº 13.188/2015 demonstra o desconhecimento do legislador quanto à relação
processual e à própria estrutura do Poder Judiciário e cria uma situação de propositada
ineficácia do duplo grau de jurisdição, ferindo as normas processuais.
Em razão disso, foi movida ação direta de inconstitucionalidade do art. 10, da
Lei nº 13.188/2015 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na qual
foi concedida medida cautelar pelo Ministro Dias Toffoli.
Em sua decisão, o Ministro fixou interpretação do referido dispositivo, no sentido
de “que restrinja o Poder Geral de Cautela prescrito em seu comando a órgão colegiado

50
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder? Conjur,
São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.

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de Tribunal a que seja submetido recurso interposto sob o rito da Lei nº 13.188/15,
permitindo e preservando tal prerrogativa ao magistrado integrante do Tribunal
respectivo, em decisão monocrática”.51
Sua ratio decidendi é no sentido de que a exigência de decisão colegiada para
suspensão dos efeitos de determinação do juízo de piso quanto à concessão de direito de
resposta significaria “subverter a lógica hierárquica estabelecida pela Constituição, pois
é o mesmo que atribuir ao juízo de primeira instância mais poderes que ao magistrado
de segundo grau de jurisdição”, o que seria impossível pela via infraconstitucional.
A decisão permanece eficaz, não tendo havido julgamento colegiado, pelo
STF, do pedido da ADI. Já houve, contudo, parecer por sua procedência por parte da
Procuradoria-Geral da República, por entender o órgão que “exigência de colegiado
para suspender decisão de primeira instância que concede, em caráter liminar, direito
de resposta afronta direito à ampla defesa e o princípio do devido processo legal”.52
A interpretação vigente do art. 10, da Lei nº 13.188/2015, conforme a Constituição
Federal, é, portanto, no sentido de se suspender a decisão que determinar a publicação
de direito de resposta em caráter liminar por intermédio de decisão monocrática,
dispensando-se manifestação do colegiado.
Havendo o deferimento ou não do direito de resposta em sede liminar, deverá
ser proferida sentença no prazo de 30 (trinta) dias contados do ajuizamento da petição
inicial, o que é impraticável, considerando o volume de demandas sob análise do Poder
Judiciário.
Por tratar-se de prazo impróprio, na prática, a disposição do art. 9º, da Lei nº
13.188/2015, tem sido sumariamente ignorada pelo Poder Judiciário, não por falta de
boa vontade dos magistrados, mas, sim, por absoluta incompatibilidade com a realidade
da magistratura e o excesso de trabalho que a acomete.
Para além de questões procedimentais, a Lei nº 13.188/2015 contém falhas também
no que diz respeito ao direito material, na medida em que deixa de prever hipóteses
claras de cabimento do direito de resposta, dispondo apenas de forma genérica nos
seguintes termos:

Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia
divulgada por veículo de comunicação social, independentemente do meio ou da plataforma
de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por
equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a
marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação.

A generalidade da norma retomará a discussão do que caracteriza abuso


no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e ofensa aos direitos da
personalidade, o que acabará por ser determinado pela jurisprudência.
Não se pode negar, todavia, que o objetivo da disposição é ampliar sobremaneira
o âmbito do direito de resposta, o que, se acolhido pelo Poder Judiciário, traria prejuízo

51
STF – ADI 5415 – Rel. Min. Dias Toffoli – J. 17.12.2015.
52
Parecer proferido pela Procuradoria-Geral da República – STF – ADI 5415 – Rel. Dr. Rodrigo Janot Monteiro de
Barros – J. 04.07.2017.

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AMANDA PERLI GOLOMBIEWSKI, LYGIA MARIA COPI
DIREITO DE RESPOSTA E LIBERDADE DE IMPRENSA: OS (MUITOS) ERROS E (POUCOS) ACERTOS DA LEI Nº 13.188/2015
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ao exercício da liberdade de comunicação e ao direito de informação de toda a sociedade,


o que traria repercussões para a própria democracia brasileira.53
Por intermédio dela e, em verdade, da maior parte da Lei nº 13.188/2015,
pretende-se proteger excessivamente os direitos da personalidade, colocando em risco
outros direitos fundamentais de igual estatura constitucional. Parte-se do pressuposto
de que a imprensa é inimiga dos cidadãos e que estes precisam ser dela protegidos.
A constitucionalidade da Lei nº 13.188/2015 ainda será objeto de análise pelo
Supremo Tribunal Federal. Pende perante aquela Corte o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucional nº 5418, que pretende a declaração da incompatibilidade entre aquele
conjunto de normas e a Constituição Federal.
Para além da discussão de sua inconstitucionalidade, o que se nota daquelas
normas é que, por trás da boa intenção do legislador de estabelecer um procedimento
para o exercício de uma garantia constitucional, cria-se uma consequência nefasta que
merece ser combatida pelo Poder Judiciário e pelos veículos de comunicação, na defesa
de suas próprias prerrogativas.

1.6 Considerações finais


Não se nega que o direito de resposta é um importante mecanismo que garante a
paridade de armas entre os cidadãos e os veículos de comunicação, de modo a assegurar
que eventuais ofensas ou inverdades divulgadas sejam objeto de esclarecimentos ou
réplica e, em tese, com a ampliação do debate público.
Da mesma forma, todavia, que devem ser protegidos os direitos da personalidade
e estabelecidos mecanismos para coibir suas violações, deve-se impedir que sua proteção
venha a atingir outras garantias constitucionais, como a liberdade de manifestação do
pensamento, em seus mais diversos vieses.
A liberdade de comunicação é imprescindível a uma sociedade democrática. É
por intermédio dela que são denunciadas ilegalidades, robustecidos debates públicos,
ouvidos grupos de cidadãos, enfim, são discutidos os fatos decorrentes da vida cotidiana.
Seu exercício, como determina a Constituição Federal, deverá ser pleno e não apenas
se deverá rechaçar qualquer espécie de censura prévia, mas também se evitar que
mecanismos judiciais sirvam para impor autocensura a veículos de comunicação.
O direito de resposta, portanto, só deverá ser concedido em hipóteses em que há
uma clara violação aos direitos da personalidade decorrente do abuso nas liberdades
inerentes aos veículos de comunicação, sob pena de se implicar abuso no exercício dele
próprio. Como bem destacou a Procuradoria Geral da República em parecer proferido
em Ação Direta de Inconstitucionalidade que questionou a compatibilidade entre o art.
10, da Lei nº 13.188/2015, e a Constituição Federal:

Embora o direito de resposta esteja fundado no princípio da paridade de armas e


objetive equilibrar as posições das partes envolvidas, a vulnerabilidade das partes deve
ser analisada não só da perspectiva do indivíduo em relação à grande mídia, mas também
a pequenos e médios grupos de comunicação e jornalistas diante de grandes grupos

53
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder? Conjur,
São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
384 PROPAGANDA ELEITORAL

econômicos e autoridades públicas influentes. Execução irreversível do direito de resposta


quando concedido inadequadamente pode gerar confusão quanto à informação prestada
e violar a liberdade de informação, preceito fundamental que inclui a liberdade de não
informação. Além disso, obrigação de que os veículos de informação divulguem direito
de resposta concedido equivocadamente viola o núcleo da liberdade de imprensa, qual
seja, a autonomia editorial.54

É neste ponto que peca a Lei nº 13.188/2015, ao ampliar sobremaneira e de modo


genérico o âmbito do direito de resposta sem considerar a construção doutrinária
e jurisprudência acerca do que caracteriza abuso na liberdade de manifestação do
pensamento.
Como qualquer conjunto de normas, a Lei nº 13.188/2015 contém pontos positivos e
negativos. Contudo, por desconsiderar a importância da plena liberdade de manifestação
do pensamento e a realidade do exercício do direito de resposta, lamentavelmente os
últimos são prevalentes.

Referências
FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação – teoria e proteção constitucional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001.
KOATZ, Rafael Lorenzo-Fernandez. As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF.
In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (org). Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal:
Balanço e Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder?
Conjur, São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-
lei-131882015-direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002.
MÄDER, Nicole P. S. Gonçalves. Liberdade de Expressão e Estado Democrático de Direito. In CLÈVE,
Clèmerson Merlin (org.). Direito Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
MIRANDA, Darcy Arruda de. Dos abusos da liberdade de imprensa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1959.
PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016.
SARMENTO, Daniel. Liberdade de expressão, pluralismo e o papel promocional do Estado. Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, nº 16 – maio/junho/julho/agosto de 2007.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006
VILLAS BÔAS, Regina Vera; FERNANDES, Francis Ted. O direito fundamental à liberdade de expressão em
face do direito fundamental à intimidade: Prática da ponderação de princípios, realizando a dignidade da
condição humana. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin. (Org.). Doutrinas Essenciais – Direito Constitucional: direitos
e garantias fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, v. 8, p. 1029-1056.

54
Parecer proferido pela Procuradoria-Geral da República – STF – ADI 5415 – Rel. Dr. Rodrigo Janot Monteiro de
Barros – J. 04.07.2017.

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DIREITO DE RESPOSTA E LIBERDADE DE IMPRENSA: OS (MUITOS) ERROS E (POUCOS) ACERTOS DA LEI Nº 13.188/2015
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

GOLOMBIEWSKI, Amanda Perli; COPI, Lygia Maria. Direito de resposta e liberdade de imprensa:
os (muitos) erros e (poucos) acertos da Lei nº 13.188/2015. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 365-385. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 2

LIBERDADE DE CRÍTICA PESSOAL E DIREITO À


INFORMAÇÃO NA PROPAGANDA ELEITORAL
E O DIREITO DE RESPOSTA: PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
DE 2014 E PERSPECTIVAS PARA AS ELEIÇÕES DE 2018

ANDREA SABBAGA DE MELO

2.1 Introdução: aspectos teóricos


A Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura direitos e garantias fundamentais
a todos os indivíduos, dentre os quais a honra e a imagem, a plena liberdade de expressão
e de manifestação de pensamento e o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por dano material, moral ou à imagem:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por
dano material, moral ou à imagem;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Ainda, no art. 220 e seu §1º, a Carta Federal estabelece que:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer


forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto
no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Luís Roberto Barroso expõe que “ao lado do direito à vida e à integridade
física, a liberdade é considerada um dos valores essenciais para a existência humana

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
388 PROPAGANDA ELEITORAL

digna. Como uma reação eloquente à prática histórica de censura política, ideológica
e artística no país, o constituinte dedicou especial ênfase à liberdade de expressão – aí
compreendidas a liberdade de manifestação do pensamento e de criação – e ao direito
à informação, consagrando-os em diversos dispositivos, e protegendo-os, inclusive, de
qualquer proposta de emenda tendente a aboli-los (art. 60, §4º, CF)”.1
Nas palavras de Walber de Moura Agra, “o direito à liberdade de pensamento e
a sua expressão pressupõe o direito à informação – sem ela esses direitos não podem
se configurar de forma plena. (...) O direito à informação é requisito inalienável para o
direito de pensamento e sua expressão”.2
Os direitos constitucionais à liberdade, à livre manifestação do pensamento e à
informação devem ser sopesados com a garantia também constitucional à honra e à
imagem. Consagra-se, a partir do regramento constitucional, o binômio liberdade com
responsabilidade, vedado o anonimato, de forma a assegurar ao eventual ofendido o
necessário desagravo.
João Paulo Capelotti ensina que “a intenção do constituinte de refrear o exercício
das liberdades comunicativas parece evidente: é livre a manifestação do pensamento,
mas é assegurado o direito de resposta e a indenização por eventuais danos decorrentes
dessa manifestação; a expressão é livre, assim como o é o acesso à informação, mas são
protegidas intimidade, vida privada, honra e imagem”.3
Em outras palavras, assim como os direitos da personalidade, da liberdade de
expressão e de manifestação de pensamento, o direito de resposta também é uma garantia
constitucional, prevista no art. 5º, inciso V, que assegura seu exercício proporcional ao
agravo, sem prejuízo da indenização do dano material, moral e à imagem. Zilio expõe
que “protege-se a honra e a imagem do ofendido sempre que houver excesso por
parte do ofensor no exercício da liberdade de manifestação do pensamento ou, ainda,
incorreção ou desvirtuamento de fatos divulgados”.4
Karpstein e Knoerr ensinam que:
O fundamento do direito de resposta é múltiplo; em primeiro lugar, enquanto reação ao
exercício abusivo da liberdade de expressão, o direito de resposta condiciona­a frente a
todos os demais direitos fundamentais, dando concretude à harmonia da tutela desses
direitos. (...) A garantia do direito à informação passa a ser instrumento de defesa dos
direitos fundamentais, proporcionando a superação da situação indefesa daquele que se
vê afrontado pelos modernos meios de comunicação. Como reiteradamente demonstrado,
o direito de resposta pode ser exercido sempre que o direito de manifestação for manejado
de forma abusiva, transgredindo outros direitos fundamentais, tais como o direito à honra,
à tutela da intimidade, ao nome.5

1
BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2001, p. 250.
2
AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2002, p. 160.
3
CAPELOTTI, João Paulo. Tese de Doutorado apresentada perante o Programa de Pós Graduação em Direito, da
Faculdade de Direito, Setor de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Paraná a Universidade Federal do
Paraná, tendo como título Ridendo Castigat Mores: Tutelas Reparatórias e Inibitórias de Manifestações Humorísticas
no Direito Civil Brasileiro, orientada pelo Prof. Dr. Rodrigo Xavier Leonardo. Curitiba: 2016. Disponível em:
<http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/44433/R%20-%20T%20-%20JOAO%20PAULO%20CAPELOTTI.
pdf?sequence=1&isAllowed=y >.
4
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 367.
5
KARPSTEIN, Carla Cristine. KNOERR, Fernando Gustavo. O direito de resposta na propaganda eleitoral. Revista
Brasileira de Direito Eleitoral (BRDE). Belo Horizonte, ano 1, nº 1, jul/dez. 2009. Disponível em: <http://www.tre-rs.
gov.br/arquivos/KARPSTEIN_Carla_Cristine.pdf>.

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ANDREA SABBAGA DE MELO
LIBERDADE DE CRÍTICA PESSOAL E DIREITO À INFORMAÇÃO NA PROPAGANDA ELEITORAL E O DIREITO DE RESPOSTA: PRECEDENTES...
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No âmbito eleitoral, o direito à informação e a liberdade de crítica e expressão


toma novos contornos quando extrapola os limites da crítica civilizada e do indispensável
debate de ideias, ou mesmo exposição de informações, e desencadeia para uma ofensa
pessoal, para a imputação de calúnia, difamação, injúria ou para a divulgação de fatos
inverídicos durante o processo eleitoral. É facilmente perceptível que em plena campanha
eleitoral a divulgação de um conceito, uma imagem ou uma afirmação que se constitua
caluniosa, difamatória, injuriosa ou que seja sabidamente inverídica, difundidos por
qualquer veículo de comunicação social, pode causar prejuízos severos a um candidato,
partido ou coligação e devem ser corrigidos a tempo, para que o eleitor, destinatário
real da informação, possa ter conhecimento de que aquele fato não era verdadeiro ou
que ficou caracterizado como ofensa.
Importante ressalvar que a Justiça Eleitoral não atua preventivamente em forma
de censura, mas sim provocada e de forma repressiva, para coibir a continuidade do
ilícito e restabelecer a verdade dos fatos.
Assim, nas palavras de Alessandro Balbi Abreu, “é justamente o instituto do direito
de resposta que pode proporcionar um equilíbrio entre o direito da personalidade e a
liberdade de expressão durante o processo eleitoral, mais precisamente após a realização
das convenções partidárias para escolha de candidatos”.6
A matéria constitucional de garantia ao direito de resposta foi transposta para
o plano infraconstitucional na chamada Lei das Eleições – Lei nº 9.504/1997, em seu
artigo 58:

Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de


resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por
conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica,
difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

A concessão de direito de resposta, como já afirmado, não pode ser considerada


uma forma de censura ou mesmo de restrição ao direito de expressão/crítica e à liberdade
de imprensa. Ao contrário, o direito de resposta é uma consequência do resguardo de
tais garantias constitucionais. É na potencial colisão entre princípios constitucionais e
no seu sopesamento pela Justiça Eleitoral que surge o direito de resposta.
É livre o exercício da liberdade de expressão e imprensa e ninguém, em uma
sociedade democrática, é contrário a isso. Ainda assim, tais garantias não podem servir de
escudo para o cometimento de excessos ou mesmo de ilegalidades. Em outras palavras:
a liberdade de imprensa e de crítica está condicionada a suportar o peso de eventuais
excessos, sendo-lhe, portanto, diretamente proporcional.
Constatados tais vícios, incumbe à Justiça Eleitoral a intervenção no caso concreto
para determinar medidas suficientes à reparação do dano, dentre as quais o exercício
do direito de resposta. Marcos Ramayana apresenta, com clareza, o que constitui o
direito de resposta:

6
ABREU, Alessandro Balbi. O direito de resposta na esfera eleitoral sob a ótica da doutrina e da jurisprudência.
Artigo disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/
integra/2012/06/o-direito-de-resposta-na-esfera-eleitoral-sob-a-otica-da-doutrina-e-da-jurisprudencia/index41ff.
html?no_cache=1&cHash=e56d843fe058dbbcf148fdd8a14ee195>.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
390 PROPAGANDA ELEITORAL

O Direito de resposta é uma especial confirmação do princípio da audiência das candi-


daturas, porque implica na preservação da igualdade das afirmações aos competidores
durante as campanhas eleitorais, e interessa ao eleitor como resultado fiel das propostas; e
ao complexo de indivíduos que são atingidos pelos programas por meio de comunicação,
tais como: televisões, rádios, jornais, revistas e tabloides em geral.
É uma espécie de legítima defesa da honra eleitoral e política.
Surge para o ofendido identificado pelas falsas afirmações, a possibilidade de ingressar no
contencioso eleitoral a fim de pleitear uma resposta verdadeira, eliminando do universo das
informações já propaladas, as palavras, frases e conjunto de ideias que não correspondem
à verdade daquela pessoa ou grupo de pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas atingidas
pelas inverdades.7

Trata-se de norma específica em relação ao direito de resposta assegurado


constitucionalmente, previsto apenas a partir da escolha do candidato em convenção,
de forma que, antes da escolha em convenção, resta buscar acesso à Justiça Comum.
Dessa forma, escolhido o candidato em convenção e, portanto, antes mesmo de
a Justiça Eleitoral referendar seu nome no registro de candidatura, o pedido de direito
de resposta é cabível. O fato de o pedido de direito de resposta ser viável em período
anterior à própria propaganda eleitoral é compreensível, na medida em que o candidato
escolhido em convenção já se torna, por si só, mais exposto a fatos e informações
potencialmente ofensivas que podem desencadear o direito de resposta.
Colhe-se da doutrina de Renato Ventura Ribeiro:

O pedido de direito de resposta, nos termos da lei eleitoral, é cabível a partir da escolha
de candidatos em convenção, ou seja, antes mesmo do início da propaganda eleitoral, e
finda com as eleições.
Como anteriormente a propaganda eleitoral podia ser realizada logo após a indicação
dos candidatos em convenção, assegurava-se o direito de resposta a partir da escolha
dos concorrentes ao pleito. Com início do período de propaganda eleitoral alguns dias
depois da indicação dos candidatos, aparentemente tal prazo pode ter perdido sentido.
No entanto, é justificável a regra legal, pois o direito de resposta é cabível não apenas
por ofensa de candidato durante a campanha eleitoral, mas também por terceiros e
meios de comunicação e antes do início da propaganda. Como o candidato escolhido
em convenção fica mais exposto e sujeito a fatos e informações ensejadores do direito de
resposta, justifica-se a medida a partir de sua indicação pelo partido, mesmo antes do
início de propaganda eleitoral.8

Para as eleições de 2018, o TSE divulgou as principais datas que envolvem o


pleito, a saber: as convenções partidárias para a escolha dos candidatos a presidente
e vice-presidente da República, governador e vice-governador, senador e respectivos
suplentes, deputado federal, deputado estadual ou distrital deverão ocorrer entre os
dias 20 de julho e 5 de agosto de 2018; os requerimentos de registros de candidatura
devem ser apresentados à Justiça Eleitoral até o 15 de agosto de 2018; a partir de 16
de agosto de 2018 passa a ser permitida a realização de propaganda eleitoral, como
comícios, carreatas, distribuição de material gráfico e propaganda na Internet (desde
que não paga), entre outras formas. Já a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na

7
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 799.
8
RIBEIRO, Renato Ventura. Lei Eleitoral Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 363.

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ANDREA SABBAGA DE MELO
LIBERDADE DE CRÍTICA PESSOAL E DIREITO À INFORMAÇÃO NA PROPAGANDA ELEITORAL E O DIREITO DE RESPOSTA: PRECEDENTES...
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televisão terá início em 31 de agosto de 2018 (37 dias antes das eleições) e término no
dia 4 de outubro de 2018, tendo o período sido reduzido de 45 para 35 dias.9 Portanto,
já a partir do dia 20 de julho de 2018 – e desde que escolhido o candidato em convenção
partidária – surge a possibilidade de se pleitear perante a Justiça Eleitoral o direito de
resposta.
Estabelecido o termo inicial de cabimento do pedido de direito de resposta, cabe
a pergunta: quais são os fatos geradores do direito de resposta no âmbito específico
eleitoral?
A Lei das Eleições estabelece que “conceito, imagem ou afirmação caluniosa,
difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica”, ainda que de forma indireta, possibilita
o pedido de direito de resposta. Já o Código Eleitoral disciplina em seus artigos 324, 325
e 326, os conceitos de calúnia, injúria e difamação eleitorais, que podem ser adotados
para fins de pedido de direito de resposta:

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda,


imputando-lhe falsamente fato definido como crime: (...)
Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda,
imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: (...)
Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda,
ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: (...)

Sobre a objetividade jurídica dos conceitos de calúnia eleitoral, injúria eleitoral


e difamação eleitoral, citam-se as anotações de Joel J. Cândido:

Calúnia eleitoral.
Protege a lei, aqui, a chamada honra objetiva das pessoas, sejam ou não protagonistas
do processo eleitoral. Vale dizer, mesmo que o ofendido não esteja envolvido com as
eleições, sua hora está tutelada pela norma. Como a propaganda política em geral – e,
especificamente, a propaganda eleitoral – é elemento componente do tipo, é ela também,
de certo modo, instituto jurídico também protegido pelo crime sob comento. Assim, o
crime poderia ser classificado, tranquilamente, como Crime Contra a Honra Eleitoral, mas
na nossa classificação o indicamos como sendo Crime Contra a Propaganda Eleitoral. (...)
Difamação eleitoral.
O bem tutelado é a honra objetiva, especificamente a reputação da pessoa ofendida.
Em outras palavras, quem difama desfaz a ‘boa fama’ (que é a boa reputação ou o bom
conceito) que o indivíduo desfruta e detém frente ao agrupamento em que está socialmente
inserido. Tal como a calúnia eleitoral, este crime poderia, sem tropeços, ser classificado
como Crime Contra a Honra Eleitoral. Todavia, como o crime só ocorre ‘na propaganda
eleitoral’, ou se o agente visar ‘a fins da propaganda’, preferimos classifica-lo como sendo
Crime Contra a Propaganda Eleitoral. (...)
Injúria eleitoral.
A proteção da lei, neste crime, é, também, à honra em sentido amplo, como não poderia
deixar de ser, mas em sentido mais específico, o que a norma penal tutela é a chamada honra
subjetiva, ou seja, a dignidade pessoal e o decoro próprio que cada um de nós tem de si.10

9
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/
Dezembro/confira-as-principais-datas-do-calendario-eleitoral-das-eleicoes-gerais-de-2018>
10
CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 13. ed., revista, atualizada e ampliada. Bauru/SP: Edipro, 2008. p.
310-313.

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Embora os conceitos tenham sido trazidos, no plano geral, do Direito Penal, a


aplicação na seara eleitoral guarda outros contornos, conforme assevera José Jairo Gomes:

(...) Mas esses conceitos – extraídos do Código Penal – não têm aplicação rígida na
esfera eleitoral. Dada a natureza de suas atividades, o código moral seguido pelo político
certamente não se identifica com o da pessoa comum em sua faina diuturna. Tanto é que
os direitos à privacidade, ao segredo e à intimidade sofrem acentuada redução em sua tela
protetiva. Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a
honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem
esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. Assim, não são de estranhar
assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e
questionamentos agudos. Tudo isso insere-se na dialética democrática.
O próprio homem público é disso responsável. Ao imergir na realidade do jogo político,
termina por alienar-se da moral comum. Assim é que, de olho exclusivamente em seus
interesses – ou nos do grupo de quem recebe apoio –, torna-se infiel à sua própria
história, curvando-se a um amontoado de demandas impróprias, por vezes inconfessáveis;
transfigura-se em palatável objeto de consumo; faz promessas, bem ciente de que jamais
irá cumpri-las; alia-se de bom grado a inimigos de outrora; coloca em prática ideias que
sempre combateu, olvidando-se dos motivos de sua vitória nas urnas.
Mas é preciso convir que, ante a crueza da realidade, nem sempre será possível ao político
seguir coerente com seu discurso de campanha ou mesmo pôr em prática seus ideais.
(...)
É óbvio, igualmente, que, em ambiente democrático, os contrastes aflorarão no debate
político-ideológico, sobretudo por ocasião da campanha política. Ademais, a crítica – ainda
que contundente – faz parte do discurso político, traduzindo a dialética própria do regime
democrático, assentado que é no enfrentamento de ideias.11

É preciso considerar, portanto, que a crítica faz parte do jogo político e eleitoral,
até mesmo a ácida, contundente, mordaz e potencialmente cruel. Zilio, com propriedade,
esclarece que:

Com efeito, a crítica – ainda que contundente – faz parte do debate eleitoral, e o direito
de resposta somente é cabível quando evidenciado atos que extrapolam o exercício da
mera crítica, atingindo a reputação ou a honra de um candidato, partido ou coligação e,
com isto, repercutindo diretamente no processo eleitoral.12

O Tribunal Superior Eleitoral assim se posicionou sobre o tema nas eleições


presidenciais de 2014:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. PROPAGANDA


ELEITORAL. ART. 58 DA LEI DAS ELEIÇÕES. CARÁTER OFENSIVO. FATO
SABIDAMENTE INVERÍDICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.
1. Na linha de entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de
resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente.
Viabiliza-se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente
inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação.
2. O direito de resposta não se presta a rebater a liberdade de expressão e de opinião que
são inerentes à crítica política e ao debate eleitoral.

11
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 579-580.
12
ZILIO. Op. cit., p. 370.

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3. O fato sabidamente inverídico a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de
concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve
ser perceptível de plano.
4. Improcedência do pedido. (TSE. Representação nº 143175, Acórdão, Relator(a) Min.
Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 02.10.2014)

A propósito da afirmação ‘sabidamente inverídica’ referida no precedente


jurisprudencial, cabe esclarecer que não basta que a veiculação tenha apenas um caráter
de inverdade, na medida em que a lei exige algo mais: ela deve ser sabidamente inverídica.
Logo, o direito de resposta surge quando a afirmação, de forma evidente e escancarada,
longe de questionamentos, mostra-se inverídica, “e não quando o fato narrado admite
contestação, ensejando espaço para uma discussão política”.13
Por outro lado, justamente porque a resposta do Poder Judiciário em matéria
eleitoral deve ser célere – o que se reflete no rito simplificado e com prazos exíguos – de
modo a manter a condição isonômica entre os candidatos, é que a aferição não pode
ser tão aprofundada quanto o é no campo do Direito Penal.
O contrapeso necessário de tal afirmação é que igualmente se deve permitir à
quem se imputa a prática de tais condutas, o exercício de direito de defesa, notadamente
por meio da exceção da verdade, quando cabível. Por certo, a mesma profundidade que
se permite na análise do cometimento de ataque à honra alheia deve ser concedida à
matéria de defesa, pois agir de outra forma importaria em descabida ofensa à garantia
constitucional da ampla defesa e do contraditório. É dizer, é possível à Justiça Eleitoral
aferir, para fins de direito de resposta, se houve eventual prática injuriosa, difamatória
ou caluniosa em desfavor de candidato, partido ou coligação, devendo na mesma
medida e intensidade permitir à outra parte que exerça seu direito de defesa, inclusive
pelo manejo, quando possível, de exceção de verdade.
Apresentados os aspectos teóricos e gerais que envolvem o tema direito de resposta
(sem qualquer incursão sobre o procedimento da ação que desencadeia o pedido de
direito de resposta, já que não era objetivo do presente trabalho), passa-se à análise de
algumas decisões do Tribunal Superior Eleitoral proferidas nas eleições presidenciais de
2014 para, então, apresentar-se uma perspectiva crítica e pessoal da autora para o pleito
eleitoral de 2018, considerando o atual panorama de escândalos e amplas investigações
por atos de corrupção, em que certamente estarão envolvidos como protagonistas
diversos candidatos ao pleito vindouro, além de pessoas a eles vinculadas.

2.2 Precedentes do TSE nas Eleições de 2014 e Perspectivas para as


Eleições de 2018
O fundamento do direito de resposta é manter o equilíbrio e a igualdade entre
os candidatos. Assim, veiculada uma propaganda eleitoral contendo afirmações,
declarações ou exibição de imagem caluniosas, difamatórias, injuriosas ou sabidamente
inverídicas, com resultados, muitas vezes, irreversíveis para o candidato prejudicado,
faz surgir o direito de resposta. Julgado procedente o pedido, o candidato ofendido
terá o direito de recompor a verdade, valendo esclarecer que “o direito de resposta é

13
ZILIO, Op. cit., p. 370.

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exercido sempre da forma mais proporcional possível à gravidade do agravo, fazendo


uso do mesmo meio de comunicação social, com a mesma extensão. Por exemplo, se
no horário eleitoral gratuito, pela televisão, determinado candidato difama outro, a
este será deferido o direito de fazer uso do tempo do candidato ofensor, em período
exatamente idêntico ao que foi usado para o proferimento da ofensa”,14 ressalvando
que se veiculada em horário eleitoral gratuito, o tempo nunca poderá ser inferior a um
minuto (art. 58, §3º, III, ‘a’, da Lei das Eleições).
Naturalmente, o candidato ofendido a quem for assegurado o direito de resposta
cabe usar o tempo concedido para responder estritamente aos fatos vinculados na ofensa,
não se distanciando deles ou usando o tempo indevidamente para novas ofensas ou
declarações de cunho diverso. José Jairo Gomes esclarece que “é preciso que o ofendido
use o espaço que lhe foi concedido para efetivamente esclarecer o eleitorado acerca dos
fatos que lhe foram imputados. Sua comunicação deve ater-se a tais fatos. Impõe-se
máxima cautela para que a resposta, por sua vez, não seja ofensiva ou desviante”.15
Cabe à Justiça Eleitoral, entretanto, ao julgar pedidos de direito de resposta,
encontrar o devido equilíbrio, sob pena de, ao contrário do escopo do instituto, ocasionar
desigualdade entre os candidatos e o debate político, favorecendo um em detrimento
de outro. Com efeito, caso haja uma excessiva ingerência do Poder Judiciário, os tempos
de propaganda eleitoral entre um candidato e outro podem oscilar excessivamente,
causando uma assimetria não desejada no embate eleitoral.
Karpstein e Knoerr, mais uma vez, trazem judiciosa lição sobre o tema:

Assim, com o aumento exagerado na utilização do direito de resposta, os doutrinadores e


aplicadores do direito eleitoral vêm trabalhando com a teoria (ou princípio) da ponderação
de interesses.
Deve-se ter cautela em tal aplicação, pois não existe hierarquia dos princípios constitucionais,
o que, quando da aplicação da referida teoria nos casos concretos, vem acontecendo, pois
ocorre uma elevação do princípio da dignidade humana em detrimento da liberdade de
manifestação do pensamento e liberdade de imprensa.
Na prática, o que temos visto é que uma mera menção ao adversário pode ser entendida
como fato suficiente para denegrir sua imagem ou imputar conduta sabidamente inverídica
(no caso de divulgação de uma investigação específica, por exemplo), quando o objeto da
normatização não é esse. A mera informação de que determinado candidato é acusado de
uma conduta reprovável ou de envolvimento pessoal com pessoas acusadas de crime não
constitui violação à personalidade, nem tampouco se adapta ao conceito de imputação
de fato inverídico.
Mesmo porque imputar significa atribuir responsabilidade a alguém, o que não se
enquadra em mera notícia de uma investigação preliminar, por exemplo, noticiada por
vários meios de comunicação.
Dessa forma, deve-se ponderar o direito do candidato e aquele pertencente à coletividade,
não com o objetivo de relativizar o direito de resposta (o que não seria admitido), mas no
sentido de dar enlevo e força aos eleitores no momento de escolha de seus dirigentes.16

Nas eleições presidenciais de 2014, o TSE exerceu pouquíssima ingerência no


que tange aos pedidos de direito de resposta, garantindo amplo exercício da liberdade

14
KARPSTEIN, Knoerr. Op. cit., p. 19.
15
GOMES. Op. cit., p. 588.
16
KARPSTEIN, Knoerr. Op. cit., p. 22.

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de expressão e crítica, especificamente em ações políticas vinculadas ao governo da


então candidata à reeleição Dilma Rousseff, por considerar que temas controvertidos
envolvendo a Petrobrás e a recém inaugurada operação Lava Jato, por exemplo, poderiam
ser explorados politicamente, relegando ao debate eleitoral a possibilidade de se rebater
afirmações e informações amplamente divulgadas pela imprensa.
Serão, doravante, destacados dois precedentes do TSE das eleições presidenciais
de 2014 em que os pedidos de direito de resposta foram indeferidos. Na sequência, será
apresentado um precedente de pedido de direito de resposta deferido por maioria de
votos, tecendo-se comentários em ambos.
O primeiro precedente é o caso Dilma x Aécio, propaganda veiculada em horário
eleitoral gratuito em bloco. Nesse caso concreto, a propaganda eleitoral do então candidato
Aécio Neves no programa eleitoral gratuito em bloco na televisão era a seguinte:

Primeiro foi o mensalão. Dirigentes importantes do PT foram condenados e presos.


A Dilma e a Marina sabem bem do que eu estou falando, pois eram colegas de ministério
desse governo e lá permaneceram durante o maior escândalo de corrupção da história.
Agora temos a denúncia de um novo mensalão. Desta vez com o dinheiro da Petrobrás.

Chegou a hora de dar um basta em tanta corrupção, em tanto desgoverno, em


tanto desrespeito.
O Tribunal Superior Eleitoral assim decidiu, opor unanimidade de votos:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. PROPAGANDA QUE


SE VALE DE FATO AMPLAMENTE DIVULGADO PELA MÍDIA. DEBATE POLÍTICO.
PEDIDO REJEITADO. PREMISSA FÁTICA
1. No caso, o candidato Aécio Neves, relembrando a Ação Penal 470, do STF, e mencionando
o caso de corrupção da Petrobrás divulgado pela mídia, concluiu sua propaganda eleitoral
dizendo: Agora temos a denúncia de um novo mensalão. Desta vez com o dinheiro da
Petrobrás. Chegou a hora de dar um basta em tanta corrupção, em tanto desgoverno, em
tanto desrespeito.
PRELIMINARES AFASTADAS
2. Conforme assinalado no parecer, pela denegação do pedido de resposta, do Em.
Procurador-Geral Eleitoral, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, “a ausência de uma das
mídias não impossibilitou o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Assim,
não há que se falar em nulidade quando inexistente o efeito prejuízo – pas de nullité sans
grief” (fl. 34).
3. Além disso, relativamente ao equívoco quanto ao mapa de mídia juntado à inicial, essa
prefacial deve ser rejeitada, porquanto aquele documento não é obrigatório à instrução
do feito.
4. Consoante se depreende do anexo VI da Resolução-TSE 23.429/2014, a data e o horário
da veiculação da peça ora impugnada correspondem ao que indicado na inicial.
MÉRITO
5. O direito de resposta está previsto no art. 58 da Lei 9.504/1997 e regulamentado nos
artigos 16 a 21 da Resolução-TSE 23.398/2013. É cabível nas hipóteses em que candidatos,
partidos e coligações forem “atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem
ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por
qualquer veículo de comunicação social”.
6. Conforme precedentes do TSE, “Para efeito de concessão de direito de resposta, não
caracteriza fato sabidamente inverídico crítica à administração baseada em fatos noticiados
pela imprensa. A mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve

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conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (R-Rp 2962-41, de 28.9.2010,
Rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010). Na mesma linha, a Rp 3681-23/
DF, rel. Min. Joelson Dias, publicada no mural em 28.10.2010.
7. No tocante à utilização do termo “denúncia”, penso ter havido interpretação equivocada
do seu sentido pelos ora Representantes, pois, no discurso, o significado se limitou a uma
informação sobre fato (escândalo da Petrobras) ligado ao nome da candidata Representante.
O emprego técnico do termo, como peça processual penal acusatória, deve ser afastado.
8. Destaco ter sido o episódio da Petrobras amplamente divulgado pela mídia. Isso é fato
público e notório, e não inverídico. Também não me parece ter havido ofensa à honra
ou imagem da candidata Representante, pois o representado apenas utilizou informação
divulgada em toda imprensa.
9. É o entendimento deste Tribunal Superior expressado no dia 23.9.2014 em caso que
guarda semelhança com o presente. Ao julgar as Rps 127.842, 128.449, 129.311 e 130.610,
todas da relatoria do Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, esta Corte entendeu, por
maioria (vencido o relator), que a propaganda eleitoral do candidato Aécio Neves com
explanação, inclusive com uso de fotos/imagens (o que não há no presente caso), de que
as candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva faziam parte do Governo Federal ao tempo
do chamado “Mensalão”, não dá ensejo ao direito de resposta.
10. Representação julgada improcedente.
(TSE, Representação nº 126713, Acórdão unânime, Relator(a) Min. Antonio Herman
Vasconcellos e Benjamin, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30.09.2014)

O argumento da então candidata Dilma Rousseff era o de ser indevida a associação


do mensalão com o chamado novo mensalão (depois conhecido como Operação Lava
Jato), pois ainda não havia qualquer denúncia sobre os fatos, de forma a configurar
afirmação caluniosa e sabidamente inverídica a projeção do nome da representante
no contexto dos fatos, àquela época, sob incipiente investigação. A defesa do então
candidato Aécio Neves aduziu que a expressão denúncia não foi contextualizada em seu
aspecto jurídico-penal, mas meramente coloquial e popular, não havendo referência a
eventual nova ação penal proposta pelo Ministério Público, além de serem os fatos de
conhecimento público e notório.
O TSE, à unanimidade de votos, decidiu que o termo denúncia não foi utilizado
na sua acepção técnico-jurídica, limitando-se a indicar um anúncio de fato importante
(sobre o então chamado escândalo da Petrobrás). Além disso, todos os fatos abordados na
propaganda eram públicos e notórios e não inverídicos, inserindo-se no campo da crítica
política, motivo pelo qual o pedido de direito de resposta foi julgado improcedente.
O segundo precedente é o caso Dilma x Marina, propaganda veiculada em
horário eleitoral gratuito em inserção, sendo que o trecho da propaganda impugnada
na representação foi o seguinte:
Narrador: a caneta da Dilma aprovou a compra de uma refinaria americana por 28 vezes
o seu valor real. A caneta da Dilma diminuiu o repasse para cuidar da segurança pública.
A caneta da Dilma empossou vários ministros envolvidos em escândalos. Você vai deixar
que a caneta da Dilma continue decidindo o destino do Brasil? Para mudar tudo isso, você
não precisa de uma caneta, apenas o seu dedo. Vote 40. Vote Marina.

O TSE assim decidiu:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. PROPAGANDA


ELEITORAL. ART. 58 DA LEI DAS ELEIÇÕES. CARÁTER OFENSIVO. FATO
SABIDAMENTE INVERÍDICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

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1. Na linha de entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de


resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente.
Viabiliza-se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente
inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação.
2. O direito de resposta não se presta a rebater a liberdade de expressão e de opinião,
inerentes à crítica política e ao debate eleitoral.
3. Improcedência do pedido. (TSE, Representação nº 145688, Acórdão, Relator(a) Min.
Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicado em Sessão, Data 03.10.2014)

Do acordão unânime extrai-se o seguinte trecho:

Mesmo em exame mais acurado, não percebo, na divulgação, mensagem injuriosa,


caluniosa, difamatória, sabidamente inverídica ou gravosa à imagem ou à candidatura
das Representantes, na acepção conferida à espécie pela doutrina e pela jurisprudência
desta eg. Corte, capaz de atrair a incidência do direito de gala constitucional, previsto no
art. 58 da Lei das Eleições.
Trata-se, na verdade, de manifestação de opinião, no exercício de liberdade de expressão,
sobre ações políticas vinculadas ao governo da candidata representante, tema manifesta-
mente controvertido e passível de ser politicamente explorado e questionado em debate
político eleitoral.
Reitero, ainda, o entendimento pacífico desta Corte, de que o direito de resposta não se
presta para rebater questões que podem ser discutidas nas vias próprias para a exposição
política, quais sejam, por meio de discursos, entrevistas, impressos, sítios de internet,
rede sociais e no horário destinado à propaganda eleitoral. Cabe aqui acrescentar que tais
manifestações são invariavelmente aprovadas ou contestadas pelos veículos de comunicação,
com maior ou menor espaço conforme a importância e interesse para a sociedade.

Nesse caso, portanto, o TSE considerou que as notícias veiculadas na campanha


eleitoral da então candidata Marina Silva, atribuídas à então candidata Dilma Rousseff,
podiam ser exploradas na propaganda eleitoral, como crítica e livre manifestação do
pensamento: na ótica da candidatada representada Marina Silva, os fatos imputados
à candidata representante Dilma Rousseff deveriam ser valorados pelo eleitor como
motivo para não votar em Dilma, mas em Marina. É dizer, o TSE considerou que a
candidata Marina Silva manifestou sua opinião, exerceu sua liberdade de expressão,
para considerar que aqueles fatos imputados à então candidata Dilma Rousseff eram
desabonadores e, portanto, sua oponente não merecia o voto do eleitor. Logo, não
evidenciada a presença de qualquer informação sabidamente inverídica ou que pudesse
ser considerada ofensiva, foi indeferido o pedido de direito de resposta, relegando a
discussão das acusações para o plano do debate eleitoral.
Por outro lado, já no 2º turno das eleições presidenciais de 2014 – em que ambos os
candidatos têm igual tempo de propaganda eleitoral no horário eleitoral gratuito – houve
um caso de pedido de suspensão de propaganda julgado procedente, por maioria de
votos, em favor do então candidato Aécio Neves, em representação proposta contra
a então candidata Dilma Rousseff. Tratava-se de propaganda eleitoral veiculada em
horário eleitoral gratuito em bloco (televisão), cuja passagem impugnada era a seguinte:

WILLIAM GALVÃO, PERSONAGEM: Pessoal, uma coisa que tenho prestado bastante
atenção nessa eleição é como o Aécio que governou Minas é diferente do que aparece na
TV pedindo voto pra presidente.

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MAYRA CRISTINA, PERSONAGEM: É mesmo, William. Você sabia o que Aécio e seu
grupo são acusados de intimidar e perseguir jornalistas que denunciavam ou criticavam
o seu governo? Quer ver? Ouça só o depoimento da jornalista, ex-presidente do sindicato
dos jornalistas de Minas Gerais.
EX-PRESIDENTE DO SINDICATO DOS JORNALISTAS DE MINAS
GERAIS: Tudo que desagradava governo Aécio, era como o tempo da ditadura, era um
telefonema e repórter, o fotógrafo, o jornalista, em qualquer posto estava ameaçado de
perder o seu emprego porque contrariou os desejos do Palácio da Liberdade do Governo
de Minas dos tucanos.
[JINGLE]
ORADOR NÃO IDENTIFICADO: Os mineiros conhecem o Aécio melhor do que ninguém,
não é à toa que lá o Aécio perdeu de lavada para Dilma no primeiro turno.

Por maioria, o TSE deferiu a liminar para suspender o trecho da propaganda,


cujo acordão teve a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. OFENSA À HONRA.


HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. BLOCO TELEVISIVO. MEDIDA LIMINAR.
DEFERIMENTO.
1. Nos programas eleitorais gratuitos, as campanhas devem ser programáticas e propositivas,
visando ao esclarecimento do eleitor quanto a temas de interesse público.
2. Não é permitido o uso do horário eleitoral gratuito para a veiculação de ofensas
ou acusações a adversários, decorrentes de manifestações de terceiros ou de matérias
divulgadas pela imprensa.
3. Eventuais críticas e debates, ainda que duros e contundentes, devem estar relacionados
com as propostas, os programas de governo e as questões de políticas públicas.
4. Liminar deferida, por maioria, para determinar a suspensão da veiculação do trecho
impugnado.
(TSE, Representação nº 165865, Acórdão por maioria, Relator Min. Admar Gonzaga Neto,
PSESS – Publicado em Sessão, Data 16.10.2014)

Os argumentos do então candidato Aécio Neves eram de que se tratava de calúnia e


difamação, pois a propaganda imputava-lhe a prática de intimidação, perseguição e ameaça,
além de se configurar uma inverdade; o candidato nunca sofreu qualquer investigação
nesse sentido e a propaganda caracterizava uma ofensa grave de caráter pessoal.
O relator Min. Admar Gonzaga Neto, vencido, votou pelo indeferimento da liminar
e não suspensão da propaganda eleitoral no ponto atacado, já que: o depoimento da
ex-presidente do Sindicato despertava dúvida sobre a veracidade dos fatos; a acusação
poderia ser rebatida no mesmo espaço utilizado para a proposição de ideias e projetos
políticos; não é papel da Justiça Eleitoral intrometer-se no debate e contestações, “a
ponto de colocar-se em substituição aos protagonistas do certame democrático”. Os
Ministros que o acompanharam justificaram seu posicionamento no fato de que: ambos os
candidatos dispunham de igual tempo de propaganda eleitoral, de forma que poderiam
utilizar o seu tempo para rebater acusações do outro candidato; utilizar o tempo de
propaganda para responder a fatos lançados na propaganda adversária faz parte do jogo.
Já os ministros que deferiram a liminar fundamentaram, em suma, que propaganda
eleitoral deve ser utilizada para apresentar projeto de governo, e não para atacar o
adversário ou se defender de ataques; no caso concreto, a passagem da propaganda
impugnada não consiste em uma discussão política ou uma dissonância de opiniões
sobre determinado tema em debate, mas em imputar a outro atos tipificados como crime,

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o que é mais grave; não é adequado permitir que terceiros estranhos ao debate eleitoral
compareçam na propaganda para fazer acusações aos adversários, ou mesmo utilizar
matérias de imprensa para atacar o adversário. Concluíram, ao final, que a mudança
de paradigma decorrente daquele julgamento sinalizava para um novo modelo de
propaganda eleitoral, que deveria ser propositiva e programática, com debate direto e
objetivo sobre as propostas de governo.
Esses são, portanto, os três precedentes abordados nesse artigo para dar um breve
panorama de como a Justiça Eleitoral tratou do tema ‘direito de resposta na propaganda
eleitoral’ nas eleições de 2014.
Do ponto de vista da realidade política da época, é preciso considerar, contudo,
que em 2014 havia escândalos de corrupção ainda em fase inicial de apuração e as
investigações da operação Lava Jato, por exemplo, ainda não haviam redundado em
condenações e apenas uma delação premiada havia sido homologada pelo Supremo
Tribunal Federal durante o pleito eleitoral.17 Os então candidatos exploravam as citações
dos nomes de outros candidatos e pessoas a ele ligadas nos processos investigatórios
(inquéritos), como um aceno de que aquele candidato não mereceria o voto do eleitor.
Tratava-se de manifestação de opinião e expressão sobre a valoração de determinada
situação em foco nos veículos de imprensa: o candidato que explorava os fatos públicos e
notórios envolvendo as investigações iniciais da operação Lava Jato manifestava opinião
crítica sobre o assunto, revelando o receio de que seu adversário, cujo nome havia
eventualmente sido mencionado, ainda que indiretamente (por interposta pessoa a ele
ligado), na apuração de determinados atos de potencial tipicidade penal, fosse eleito.
Nesse ano, entretanto, o cenário é diferente. Especificamente no que tange à
chamada Operação Lava Jato, várias delações premiadas foram homologadas, acordos de
leniência foram firmados, já existem condenados em primeiro e segundo graus, inclusive
réus que já estão em progressão de regime de penas. Foram apurados esquemas de
propina em diversas estatais e empresas que prestavam serviços ao Governo Federal e a
Governos Estaduais, nomes de diversos políticos (de todas as esferas do Poder Executivo
e do Poder Legislativo) foram mencionados em depoimentos de ex-funcionários da
estatal Petrobrás e de empresários, doações inoficiosas a campanhas eleitorais foram
reveladas, o cartel das empreiteiras foi desmantelado; há diversas ações penais em
curso, inclusive perante Supremo Tribunal Federal, envolvendo investigados e réus
com prerrogativa de foro; há ex-políticos condenados.
E agora? Em que medida esse novo cenário pode influenciar na propaganda
eleitoral das eleições de 2018, de forma a, eventualmente, desencadear o deferimento
do direito de resposta? Como vai atuar a Justiça Eleitoral quando a propaganda
eleitoral se desviar do caráter propositivo e programático e explorar os escândalos de
corrupção, sejam as investigações ou mesmo as condenações de candidatos ou pessoas
a eles vinculadas?
No sentir dessa autora, a propaganda eleitoral nas eleições de 2018 não será, como
nunca o foi, apenas propositiva, limitada ao debate de ideias e projetos de governo. Ao

Delação premiada de Paulo Roberto Costa, homologada pelo Min. Teori Zavascki em setembro de 2014, do
17

Supremo Tribunal Federal, em razão de ter citado em seus depoimentos o envolvimento de políticos com foro
privilegiado. A delação premiada de Alberto Youssef foi homologada apenas em dezembro de 2014. PACHECO,
Flávia. Operation Car Wash: understand the investigation that unveiled Brazil’s largest ever corruption scheme.
USA: Columbia, july. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
400 PROPAGANDA ELEITORAL

contrário, acredita-se que a propaganda eleitoral explorará os acontecimentos públicos


e notórios – inclusive e principalmente as diversas condenações judiciais, objeto das
informações e notícias ampla e incansavelmente divulgadas por todos os veículos
de comunicação no que tange à Operação Lava Jato, por exemplo, entre outros fatos
envolvendo demais investigações por atos de corrupção. Infelizmente, o debate eleitoral
do Brasil não atingiu maturidade suficiente para discutir ideias, pensar em projetos
de governo de longo prazo e que alavanquem o pleno desenvolvimento econômico.
Nenhuma sociedade, aliás, chegou a tão elevada nobreza em seus processos eleitorais.
Essa autora nutre a convicção de que a Justiça Eleitoral, a seu turno, manterá o
seu papel de mediadora do debate eleitoral, atuando apenas em casos muito eventuais e
pontuais, de modo a evitar a tutela do eleitor e a excessiva ingerência no debate eleitoral.
A propaganda eleitoral áspera, forte e até mesmo inconveniente (e aqui a expressão está
mesmo grafada em itálico, por carregar caráter propositalmente subjetivo) continuará
albergada pela liberdade de expressão e crítica e pela garantia da informação. Não só
as falhas na administração desse ou daquele candidato serão exploradas, mas também a
inoportunidade18 de se eleger Fulano ou Beltrano envolvido em escândalos de corrupção
(inquéritos ou condenações), lavagem de dinheiro ou desvio de dinheiro público serão
retratadas nas propagandas eleitorais. Contudo, diferentemente da excessiva ingerência
que o Poder Judiciário tem demonstrado em algumas situações pontuais envolvendo
atos de governo, a Justiça Eleitoral deverá manter o minimalismo judicial. Não será
possível – e nem mesmo adequado, aliás – extirpar da propaganda eleitoral a abordagem
de tudo o que se passou nos últimos quatro anos, o que inclui até mesmo o impeachment
da então presidente Dilma Rousseff e a condenação de ex-políticos.
Nas eleições de 2014, o TSE, por acórdão da relatoria do Min. Tarcísio Vieira
de Carvalho Neto, nos autos de representação eleitoral nº 120133 (acórdão publicado
na sessão do dia 23.09.2014), posicionou-se em prol da ampla liberdade de crítica e
expressão, merecendo destaque o seguinte trecho do judicioso voto condutor: “É lícito
debater, sem menosprezar pessoas. É dado à Justiça Eleitoral confiar no eleitor, que
saberá fazer as suas análises, para concordar ou não com conteúdos críticos e até mesmo
(por que não?) com o tom e a adequação da propaganda”.
Como ensina Robert Dahl, citado em inúmeros acórdãos do TSE, uma sociedade
verdadeiramente democrática exige eleições livres, justas e frequentes, cidadania
inclusiva e autonomia para as associações, os partidos políticos e, sobretudo, a respeito
da liberdade de expressão e de fontes de informações diversificada.19 É a postura que essa
autora acredita (e espera) que a Justiça Eleitoral mantenha, no que tange à propaganda
eleitoral, nas eleições vindouras de 2018, deixando o mais livre possível não só o debate
de ideias, mas a crítica, a manifestação do pensamento e a exposição de informações,
permitindo que o eleitor faça a sua opção pelo voto livre.

2.3 Conclusão
Há três pilares vitais do jogo democrático: o respeito à soberania popular, a
igualdade de chances e a manifestação da liberdade de expressão e informação, garantias
de índole constitucional.

18
No sentido de ‘não convir para o bem maior’, o que também é notoriamente subjetivo, admite-se.
19
DAHL. Robert A. Sobre a democracia / Robert A. Dahl: tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade
de Brasília. 2001. 230 p

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ANDREA SABBAGA DE MELO
LIBERDADE DE CRÍTICA PESSOAL E DIREITO À INFORMAÇÃO NA PROPAGANDA ELEITORAL E O DIREITO DE RESPOSTA: PRECEDENTES...
401

Ao lado de tais garantias, a Carta Federal assegura ao ofendido o direito de


resposta, que deve ser proporcional ao agravo, e que foi transposto para o plano
infraconstitucional na chamada Lei das Eleições, assegurando “o direito de resposta a
candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito,
imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica,
difundidos por qualquer veículo de comunicação social” (art. 58).
Assim, na colisão entre tais princípios constitucionais, a Justiça Eleitoral precisa
sopesar qual garantia deverá prevalecer: se o interesse da personalidade do candidato
ou interesse coletivo traduzido no direito de livre manifestação do pensamento, da
crítica e da informação.
Como já ocorreu nas últimas eleições gerais de 2014, a autora acredita – aí consi-
derada certa dose especulativa e de subjetivismo, admitidos na introdução do presente
artigo – que a Justiça Eleitoral, no pleito eleitoral de 2018, manterá posicionamento
firme na prevalência da liberdade de expressão e manifestação do pensamento, apenas
deferindo, em casos extremos de excesso, o direito de resposta.

Referências
ABREU, Alessandro Balbi. O direito de resposta na esfera eleitoral sob a ótica da doutrina e da jurisprudência.
Artigo disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/
integra/2012/06/o-direito-de-resposta-na-esfera-eleitoral-sob-a-otica-da-doutrina-e-da-jurisprudencia/index41ff.
html?no_cache=1&cHash=e56d843fe058dbbcf148fdd8a14ee195>.
AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2002.
BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/
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– Publicado em Sessão, Data 03.10.2014
BRASIL. TSE, Representação nº 126713, Acórdão unânime, Relator(a) Min. Antonio Herman Vasconcellos e
Benjamin, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30.09.2014
BRASIL. TSE. Representação nº 143175, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS
– Publicado em Sessão, Data 02.10.2014
CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 13. ed., revista, atualizada e ampliada. Bauru/SP: Edipro, 2008.
CAPELOTTI, João Paulo. Tese de Doutorado apresentada perante o Programa de Pós Graduação em Direito, da
Faculdade de Direito, Setor de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Paraná a Universidade Federal
do Paraná, tendo como título Ridendo Castigat Mores: Tutelas Reparatórias e Inibitórias de Manifestações
Humorísticas no Direito Civil Brasileiro, Orientada pelo Prof. Dr. Rodrigo Xavier Leonardo. Curitiba: 2016.
Disponível em: <http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/44433/R%20-%20T%20-%20JOAO%20
PAULO%20CAPELOTTI.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.
DAHL. Robert A Sobre a democracia / Robert A. Dahl: tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade
de Brasília. 2001.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
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<http://www.tre-rs.gov.br/arquivos/KARPSTEIN_Carla_Cristine.pdf>

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
402 PROPAGANDA ELEITORAL

PACHECO, Flávia. Operation Car Wash: understand the investigation that unveiled Brazil’s largest ever
corruption scheme. USA: Columbia, july, 2017.
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
RIBEIRO, Renato Ventura. Lei Eleitoral Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

MELO, Andrea Sabbaga de. Liberdade de crítica pessoal e direito à informação na propaganda eleitoral
e o direito de resposta: precedentes jurisprudenciais das eleições presidenciais de 2014 e perspectivas
para as eleições de 2018. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 387-402.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 3

O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS:


O QUE É ISTO, UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?

GUILHERME BARCELOS

3.1 Introdução
O artigo destina-se a perquirir o significado e a disciplina legal de um instituto já
recorrente no universo do Direito Eleitoral, especialmente no que tange a propaganda
eleitoral, qual seja o fato sabidamente inverídico.
Sabidamente inverídico é um fato notoriamente mentiroso. Como afirma o
professor de Harvard Robert Darnton, as notícias falsas são relatadas pelo menos desde
a Idade Antiga (século VI, especificamente). Em tempos de relativismo crescente e de
verdade fluída (ou pós-verdade), contudo, verificar este fato não é tarefa das mais simples.
Assim sendo, o texto procurará perquirir como a doutrina eleitoralista majoritária tem
enfrentado o tema, mas, mais do que isso, como a jurisprudência assim o tem enfrentado.
De mais a mais, o texto destinará espaço importante à abordagem crítica (descritiva, mas
também prescritiva) de um fenômeno conhecido de todos nós, sobretudo nestes tempos
hodiernos, qual seja o fenômeno das chamadas fake news.
O tema é atual e controverso e, portanto, demasiado relevante. E basta, para tanto,
verificar as recentes manifestações de vários Ministros do TSE, no sentido de externar
preocupações diversas acerca do controle das chamadas fake news no processo eleitoral
que se avizinha (2018). A análise ora proposta se encontra justificada, pois bem.
Para tanto, o artigo será dividido em quatro capítulos. No primeiro, será exposto
o conceito doutrinário do que seria um fato sabidamente inverídico no âmbito da
propaganda eleitoral; no segundo, será perquirida a disciplina legal deste mesmo
conceito; no terceiro, será demonstrado como a jurisprudência tem enfrentado este
tema, com enfoque principal na cadeia decisória do Tribunal Superior Eleitoral; e no
quarto capítulo será apreciada questão candente nos debates atuais, qual seja a realidade
envolta às chamadas fake news.

3.2 O que é isto, um fato sabidamente inverídico?


Não há texto sem contexto. Contextualizemos, então, a nossa fala, desde já. Com
efeito, antes de qualquer coisa, é de bom alvitre mencionar que quando estivermos

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
404 PROPAGANDA ELEITORAL

falando em fatos sabidamente inverídicos estaremos tratando de um fenômeno que surge


na propaganda eleitoral ou em notícias envoltas a candidatos, partidos e coligações,
e, portanto, vinculado aos processos eleitorais, e também de um mesmo instituto (fato
típico) que encontra previsão na legislação cível-eleitoral, bem assim na legislação penal
eleitoral. O contexto é jurídico-doutrinário, por conseguinte, ao passo que, com isso, nos
afastamos aqui de eventuais abordagens sociológicas, não raramente abstratas, políticas
e até mesmo de abordagens quantitativo-estatísticas.1 Dito isso, sigamos.
O título do capítulo em voga não poderia ter sido mais claro: afinal, o que é um
fato sabidamente inverídico? Este instituto transita, pois, entre a verdade e a mentira
na propaganda eleitoral lato sensu e em notícias publicadas nos diversos meios de
comunicação social no ambiente da disputa político-eleitoral.
Sabidamente inverídico é um fato notoriamente mentiroso, despido de contro-
vérsias acerca da sua não veracidade. Em tempos de relativismo crescente e de verdade
fluída (ou pós-verdade),2 contudo, verificar este qualitativo (o sabidamente inverídico) não
é tarefa das mais simples.
Robert Darnton, que é professor emérito da Universidade de Harvard, conta,
em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que as notícias falsas (ou a veiculação de
fatos sabidamente inverídicos) são relatadas pelo menos desde a Idade Antiga, no
século VI, especificamente. Procópio foi um historiador bizantino do século 6 famoso
por escrever a história do império de Justiniano. Mas “ele também escreveu um texto
secreto, chamado ‘Anekdota’, e ali espalhou ‘fake news’, arruinando completamente a
reputação do imperador Justiniano e de outros”.3
Segundo Darnton, o principal difusor de fatos sabidamente inverídicos foi Pietro
Arentino (1492-1556), jornalista e aventureiro do século XVI. Em 1522, quando sua carreira
começou, ele escrevia poemas curtos, sonetos, e os grudava na estátua de um personagem
chamado Pasquino, perto da Piazza Navona, em Roma. Ele difamava a cada dia um
dos cardeais candidatos ao papado. E os poemas eram hilários. Ele caçoava de um que
era muito tímido dizendo que era o filho da mamãe, dizia que outros tinham amantes,
etc.4 Esses poemas, de acordo com Darnton, ficaram conhecidos como pasquinadas. Eram
fake news em forma de poesia atacando figuras públicas, (que) fizeram grande sucesso,
e Arentino as usou para chantagear pessoas, papas, figuras do império romano, etc.,
que lhe pagavam para que ele não publicasse essa espécie de tuíte ancestral.5

1
A esse respeito, ver: PÁDUA, Luciano. Fake news tiveram impacto limitado nas eleições americanas. Jota. Disponível
em: <https://www.jota.info/justica/fake-news-tiveram-impacto-limitado-nas-eleicoes-americanas-08012018>.
Acesso em: 11 jan. 2018.
2
Esta palavra foi eleita a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford. Segundo o dicionário, pós-verdade é “um
adjetivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em molda a
opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”.
3
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
4
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
5
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista: Folha
de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-existem-
desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml. Acesso em: 11 jan. 2018.

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GUILHERME BARCELOS
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO, UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
405

Já na Londres de 1770 os chamados homem-parágrafo recolhiam fofocas, redigiam-


nas em um único parágrafo em pedacinhos de papel e vendiam para impressores/editores,
que as imprimiam em forma de pequenas reportagens muitas vezes difamatórias.6
Segundo Darnton, “essas histórias eram muito mais escandalosas do que as de hoje”.7
E essa tática de disseminação de fatos (não raramente inverídicos) atuava também em
Paris às vésperas da Revolução Francesa.8
No Brasil, como frisa Luis Felipe Salomão em artigo de opinião publicado em
periódico de circulação nacional, “houve o caso do brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN,
representando a elite daquele tempo, enfrentando Getúlio, do PTB, o ‘pai dos pobres’”.9
Em discurso, Eduardo Gomes disse “que não precisava dos ‘votos dessa malta’” para
se eleger presidente. Ele queria se referir aos companheiros mais próximos de Getúlio.
No dicionário, malta é sinônimo de bando ou grupo de pessoas de condição inferior.
Acontece que malta também é sinônimo da comida que trabalhadores rurais levam em
marmitas para se alimentar na roça. Espertamente, os getulistas aproveitaram-se disso
e passaram a espalhar que Eduardo Gomes “é bonito e é solteiro, mas não quer voto de
marmiteiro”. No caso, imputava-se falsamente ao Brigadeiro o preconceito contra os
pobres trabalhadores que comiam na marmita. Deu resultado: o brigadeiro naufragou,
e Getúlio venceu a eleição.10
Percebe-se, desde logo, que o tema não é nada novo, inclusive no que se refere
aos processos eleitorais do país. Os chamados fatos sabidamente inverídicos acompanham
o espaço público, em geral, e as eleições, em específico, desde sempre, pode-se dizer.
E a doutrina eleitoralista majoritária converge em sua conceituação.
Com efeito, para Rodrigo López Zílio, a mensagem, qualificada de sabidamente
inverídica, é aquela que contém “inverdade flagrante que não apresente controvérsias”.11
Assim, para que reste verificado este qualitativo (sabidamente inverídico), segundo o
eleitoralista gaúcho “não basta apenas veicular afirmação de caráter inverídico”.12
O plus verificado no adjetivo sabidamente pressupõe um caráter notório, incon-
troverso, acerca da inverdade veiculada e, mais do que isso, um componente subjetivo

6
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
7
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
8
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
9
SALOMÃO, Luis Felipe. Notícias falsas e eleições: interesses estratégicos estão vinculados às possibilidades,
tecnologicamente facilitadas, de ‘tornar comum’ o conteúdo veiculado. Disponível em: <https://oglobo.globo.
com/opiniao/noticias-falsas-eleicoes-22267403>. Acesso em: 11 jan. 2018.
10
SALOMÃO, Luis Felipe. Notícias falsas e eleições: interesses estratégicos estão vinculados às possibilidades,
tecnologicamente facilitadas, de ‘tornar comum’ o conteúdo veiculado. Disponível em: <https://oglobo.globo.
com/opiniao/noticias-falsas-eleicoes-22267403>. Acesso em: 11 jan. 2018.
11
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
12
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
406 PROPAGANDA ELEITORAL

por parte daquele que faz a referida veiculação, qual seja o pleno conhecimento acerca
da mentira disseminada, isto é, a disseminação de um fato que se sabe inverídico.13
Já para José Jairo Gomes, tratando especificamente da questão à luz do contexto
político-eleitoral, dentre os princípios que regem a propaganda destacam-se os da
informação e veracidade.14 Pelo primeiro, conforme o autor, é direito dos eleitores
receber todas as informações sobre os participantes do certame, sejam elas positivas
ou negativas. Só assim poderão exercer o sufrágio com consciência e responsabilidade.
Quanto ao segundo, os fatos e informações veiculados devem apresentar similitude com
a verdade factual ou histórica.15 É justamente nesse contexto que surgem os chamados
fatos sabidamente inverídicos, que representam, sem mais, verdadeira afronta ao direito
dos eleitores de obterem informações verdadeiras sobre o processo eleitoral lato sensu.
A propaganda eleitoral, segundo Gomes, tem o sentido de proporcionar aos
candidatos oportunidade de expor suas imagens, ideias e seus projetos, de sorte a
convencer os eleitores de que são a melhor opção e captar-lhes o voto. Está claro, assim
sendo, “que não deve ser desvirtuada, tornando-se palco de contendas pessoais, agressões
morais ou de difusão de mentiras, fraudes e outras imposturas”.16
O fato sabidamente inverídico, dessa maneira, para o jurista mineiro seria aquela
afirmação formulada em contexto político-eleitoral que seja sabidamente inverídica,17 isto
é, que a inverdade veiculada abarque incontrovérsia quanto à sua caracterização. De
toda e qualquer maneira, Jairo Gomes faz um importante alerta segundo o qual “em
ambiente democrático, os contrastes aflorarão no debate político-ideológico, sobretudo
por ocasião da campanha política”,18 ao passo que a crítica, ainda que contundente,
“faz parte do discurso político, traduzindo a dialética própria do regime democrático,
assentado que é no enfrentamento de ideias”.19 Daí que se deve ter muita parcimônia
ao enfrentar-se este tema no âmbito eleitoral, até mesmo para não engessar (ou mesmo
cercear) a propaganda eleitoral, que é um direito dos candidatos, partidos e coligações,
mas, principalmente, do eleitorado.
Por sua vez, para Frederico Alvim, o fato sabidamente inverídico no contexto
político-eleitoreiro é aquele fato, veiculado em propaganda eleitoral em sentido amplo
ou em quaisquer dos meios de comunicação social, “que contém inverdade flagrante
que não apresente controvérsia”.20
Percebe-se, dessa forma, que a doutrina realmente converge na conceituação
do que seria um fato sabidamente inverídico veiculado no contexto eleitoral – seja na
propaganda eleitoral propriamente dita, seja nos diversos órgãos de comunicação social
(jornais impressos ou internet, p. ex.).
Sabidamente inverídico, dessa maneira, é um fato notoriamente mentiroso, aquele
que não admite controvérsias acerca da sua veracidade, cuja veiculação, diga-se de
passagem, foi realizada por aquele sujeito sabedor da dita inverdade.

13
A esse respeito, ver: NEISSER, Fernando. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 253 ss.
14
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 411.
15
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 411.
16
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 411.
17
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 412.
18
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 413.
19
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 413.
20
ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 345.

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GUILHERME BARCELOS
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO, UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
407

De toda e qualquer maneira, é importante frisar que não há como definir aprioris-
ticamente se um determinado fato é ou não é sabidamente inverídico. É a faticidade de
cada caso, no final das contas, que irá determinar se há ou não a indigitada veiculação
de fatos sabidamente inverídicos pelos atores eleitorais ou por quaisquer dos meios de
comunicação social disponíveis à comunidade política.

3.3 Do fato sabidamente inverídico na legislação eleitoral brasileira


Uma vez conceituado o que seriam os tais fatos sabidamente inverídicos no contexto
das campanhas eleitorais, é importante perquirir qual o tratamento que a legislação
eleitoral posta atribui(u) à respectiva temática.
A expressão “fato sabidamente inverídico” ou “conceito, imagem ou afirmação
sabidamente inverídica” aparece na legislação eleitoral lato sensu em duas oportunidades,
ao menos. A primeira, é como causa de pedir do chamado direito de resposta, tal e qual
o artigo 58 da Lei nº 9504/97 (Lei Geral das Eleições). E a segunda é no artigo 323 do
Código Eleitoral brasileiro, a partir de um crime eleitoral devidamente tipificado no
ordenamento jurídico nacional. Comecemos pela primeira.
Segundo o artigo 58 da Lei nº. 9504/97 “A partir da escolha de candidatos em
convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação
atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa,
difamatória, injuriosa ou ‘sabidamente inverídica’, difundidos por qualquer veículo
de comunicação social”.21
Trata-se, aqui, do chamado direito de resposta, uma ação eleitoral que visa reparar,
mediante resposta no mesmo veículo de comunicação, imagem de candidatos, partidos
ou coligações atacadas por outrem em razão da veiculação de eventual conceito, imagem
ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou, ressalte-se, sabidamente inverídica.
A esse respeito, percebe-se que a veiculação de fatos sabidamente inverídicos é
causa de pedir da ação de direito de resposta, cabendo, assim, aos interessados-atingidos
(candidatos, partidos ou coligações) objetivar, perante a Justiça Eleitoral, a devida
reparação, que se dará, pois, através da veiculação de resposta no mesmo veículo de
comunicação no qual o ataque fora formulado (p. ex. propaganda eleitoral no horário
eleitoral gratuito – rádio e televisão, na imprensa escrita, na internet, etc.).
Tutela-se aqui a chamada honra eleitoral dos envolvidos no processo eleitoral, ao
passo que o direito de resposta nada mais é do que um instrumento tendente a garantir
a legítima defesa da honra eleitoral, para citar expressão de Velloso e Agra.22 Esta é a tutela
direta ou imediata. A tutela indireta ou mediata nada mais é, diga-se de passagem, do
que entregar ao eleitorado um conteúdo propagandístico destinado a informar (algo
que é o cerne da própria propaganda eleitoral e a sua razão de existir).
A ação em comento, não obstante se encontre prevista em legislação ordinária
(como o é a Lei das Eleições), carrega verdadeiro estofo constitucional, afinal, o texto
constitucional de 1988 prevê, em seu artigo 5º, inciso V, que “é assegurado o direito de

21
BRASIL. Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília-DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/L9504.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
22
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2012. p. 253.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
408 PROPAGANDA ELEITORAL

resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à


imagem”.23
São legitimados ativos para esta ação os candidatos, partidos e as coligações
atingidos, ainda que indiretamente. A legitimidade é concorrente. E são legitimados
passivos os mesmos legitimados ativos, mas também os órgãos de comunicação em
geral. O rito processual correspondente, assim como as sanções respectivas, se encontra
disciplinado nos artigos 58 e seguintes da já citada Lei nº 9504/97 (a Lei Geral das
Eleições – LE).24 E as modalidades de direito de resposta se circunscrevem a: propaganda
eleitoral no rádio e na televisão (horário eleitoral gratuito), propaganda eleitoral nos
órgãos de imprensa escrita, propaganda eleitoral na internet; mas não só, é cabível, pois
bem, direito de resposta contra quaisquer dos órgãos de comunicação social em geral,
seja a chamada imprensa tradicional, seja os demais meios de comunicação atualmente
vigorantes, como redes sociais, blogs, sites, etc.
Já a segunda oportunidade em que a expressão “fato sabidamente inverídico”
ou “conceito, imagem ou afirmação sabidamente inverídica” aparece na legislação
eleitoral é a partir do texto constante do artigo 323 do Código Eleitoral, segundo o qual
configura crime eleitoral a conduta de “Divulgar, na propaganda, fatos que sabem
inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência
perante o eleitorado”.25
Nesse diapasão, o artigo 243, inciso IX, do Código Eleitoral tem como intolerável
a propaganda “que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos
ou entidades que exerçam autoridade pública”.26 E tais condutas, ao final e ao cabo,
“dentre as quais se encontra a divulgação de propaganda com conteúdo sabidamente
inverídico”, se encontram tipificadas através dos artigos 323 a 326 do mesmo Código
Eleitoral.27

3.4 Da jurisprudência – o fato sabidamente inverídico e o tribunal


superior eleitoral
A jurisdição eleitoral, de maneira geral, enfrenta sistematicamente a temática objeto
deste artigo, à qual, eleição a eleição, demanda uma enxurrada de processos eleitorais nos
quais se discute a existência ou não de divulgações caluniosas, difamatórias, injuriosas
ou mesmo sabidamente inverídicas entre candidatos ou entre estes e os diversos meios
de comunicação social, tradicionais ou não. Os processos em comento, por sua vez,
consubstanciam-se em direitos de resposta, representações por propaganda eleitoral
irregular e também feitos criminais, ainda que em número mais reduzido.

23
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília-DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
24
A esse respeito, ver os artigos 58 ss. do referido diploma legal: BRASIL. Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de
1997. Brasília-DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
25
BRASIL. Lei Federal nº 4737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral Brasileiro). Brasília-DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
26
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 411.
27
BRASIL. Lei Federal nº 4737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral Brasileiro). Brasília-DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.

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GUILHERME BARCELOS
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO, UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
409

Tratando do direito de resposta, especialmente, é importante afirmar a preocu-


pação recorrente que a Justiça Eleitoral demonstra no sentido de não engessar o debate
público-eleitoral. Com efeito, o debate entre os candidatos é premissa indispensável
ao transcurso de um processo eleitoral genuinamente democrático. Este debate, por
seu turno, demanda não só a apresentação de projetos e propostas, mas também a
construção de críticas aos respectivos adversários. Dito de outra maneira, a propaganda
eleitoral lato sensu não se limita apenas e tão somente à chamada propaganda positiva
ou propositiva, cristalizando-se também no seu oposto, ou seja, a propaganda negativa,
a crítica política, a denúncia de descaminhos praticados pelos respectivos adversários,
etc. Daí, pois bem, que é sempre necessário “traçar a distinção entre a mera crítica ao
homem público e a ofensa”, como bem adverte Rodrigo Lopez Zílio.28
Com efeito, segundo a doutrina de Zílio, “a crítica – ainda que contundente – faz
parte do debate eleitoral, e o direito de resposta somente é cabível quando evidenciado
atos que extrapolam o efeito da mera crítica, atingindo a reputação ou a honra de um
candidato, partido ou coligação”.29 Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida
privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo
a caracterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral.
Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias
constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso se insere na dialética
democrática.30 As críticas apresentadas na propaganda eleitoral, buscando responsabilizar
governantes pela má-condução das atividades de governo “são inerentes ao debate
eleitoral e consubstanciam típico discurso de oposição” (Ac nº 349/2002, rel. Min. Sálvio
de Figueiredo; Ac. nº 588/2002, rel. Min. Caputo Bastos).31
E é nesse ínterim, por oportuno, que também se circunscreve – e assim deve ser
mesmo – a problemática envolta aos chamados fatos sabidamente inverídicos. Assim, para
o deferimento do direito de resposta e/ou para a procedência de eventual ação penal,
“não basta apenas veicular afirmação de caráter inverídico, porquanto a lei exige um
plus – vedando a afirmação ‘sabidamente’ inverídica”.32
Assim caminha, pois, a jurisprudência historicamente consagrada no âmbito
do Tribunal Superior Eleitoral. A livre manifestação do pensamento, veiculada nos
meios de divulgação de informação disponíveis na internet, somente estará passível de
limitação nos casos em que houver ofensa a honra de terceiros ou divulgação de fatos
sabidamente inverídicos (Recurso Especial Eleitoral nº 204014, Acórdão, Relator(a) Min.
Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico,
Data 10.11.2015). O exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão,
é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza-se apenas quando for possível extrair,
da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a
candidato, partido ou coligação, situação não verificada na espécie (Representação nº

28
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
29
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
30
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 412.
31
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 414.
32
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
410 PROPAGANDA ELEITORAL

143952, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS – Publicado
em Sessão, Data 02.10.2014).
Nesse prisma, o TSE assentou desde há muito que “a mensagem, para ser
qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não
apresente controvérsias. Não é possível transformar o pedido de resposta em processo
investigatório com intuito de comprovar a veracidade das versões controversas susten-
tadas pelas partes” (Representação nº 367516 – Rel. Henrique Neves – j. 26.10.2010).33
Na linha de entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito
de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente.
Viabiliza-se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente
inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação. (...) O direito de
resposta não se presta a rebater a liberdade de expressão e de opinião que são inerentes
à crítica política e ao debate eleitoral. (...). O fato sabidamente inverídico a que se refere
o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de concessão de direito de resposta, é aquele que
não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano. (...). (Representação nº
139448, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS – Publicado
em Sessão, Data 02.10.2014).
Dessa maneira, “não caracteriza fato sabidamente inverídico crítica à administração
baseada em fatos noticiados pela imprensa. A mensagem, para ser qualificada como
sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias
(...). Na mesma linha, a Rp 3681-23/DF, rel. Min. Joelson Dias, publicada no mural em
28.10.2010”. (Ac. de 30.9.2014 no Rp nº 126713, rel. Min. Herman Benjamin; no mesmo
sentido o Ac de 28.9.2010 na R-Rp 296241, de 28.9.2010, Rel. Min. Henrique Neves).
Conforme várias decisões do TSE, “Para efeito de concessão de direito de resposta,
não caracterizam fato sabidamente inverídico a crítica à administração baseada em
fatos noticiados pela imprensa. A mensagem, para ser qualificada como sabidamente
inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (R-Rp
2962-41, de 28.9.2010, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010). Na mesma
linha, a Rp 3681-23/DF, rel. Min. Joelson Dias, publicada no mural em 28.10.2010 (...)
(Representação nº 126713, Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Herman De Vasconcellos E
Benjamin, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30.09.2014). E mais, no mesmo
sentido, a partir do que “(...). Somente poderá ser outorgado direito de resposta quando
for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de
caráter pessoal a candidato, partido ou coligação. (...). Não há falar em direito de resposta
quando o fato atacado configurar controvérsia entre propostas de candidatos, restrita
à esfera dos debates políticos, próprio do confronto ideológico. (...)” (Representação nº
124115, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS – Publicado
em Sessão, Data 25.09.2014).
Daí, ao final e ao cabo, que o fato sabidamente inverídico, a que se referem o artigo
58 da Lei nº 9.504/97 e o artigo 323 do Código Eleitoral, “é aquele que não demanda
investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano, a ‘olhos desarmados’. Além
disso, deve denotar ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação”. (...).

33
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.

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GUILHERME BARCELOS
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO, UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
411

(Representação nº 121177, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcísio Vieira De Carvalho Neto,


Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 23.09.2014).
Assim sendo, percebe-se que a jurisprudência eleitoral sedimentada a partir da
interpretação do que seria um fato sabidamente inverídico no universo das eleições,
especialmente a partir da cadeia decisória historicamente consolidada no âmbito
do Tribunal Superior Eleitoral, é no sentido de que a expressão em voga, ao devido
reconhecimento, demandará sempre a veiculação de uma inverdade flagrante, que não apresente
controvérsias; mas, mais do que isso, demandará igualmente que a flagrante inverdade
precitada abarque tons de ofensa pessoal, seja ao candidato, ao partido ou a coligação.

3.5 O fenômeno das fake news e a recente abordagem da justiça


eleitoral brasileira: o Tribunal Superior Eleitoral e o combate às
falsas notícias
Depois de realizarmos uma abordagem acerca do que seriam os tais fatos
sabidamente inverídicos no universo político-eleitoral, de expressar como tal instituto
é positivado no direito brasileiro e também de perquirir como a jurisdição eleitoral tem
enfrentado este tema nos feitos que lhes são submetidos eleição a eleição, cumpre-nos
abordar, finalmente, um tema de extrema relevância, atualidade e pertinência, qual
seja a controvérsia envolta às chamadas fake news. Essa polêmica, segura e certamente,
permeará boa parte dos debates envoltos ao processo eleitoral que se avizinha.
Com efeito, não é novidade o que aconteceu nas últimas eleições presidenciais
norte-americanas, nas quais pipocaram denúncias de interferência russa no resultado
do pleito, que teria se dado mediante a manipulação de dados e a disseminação de
notícias falsas, sobretudo naqueles estados indecisos. Esta realidade permeou, de igual
maneira, as eleições presidenciais da República francesa e as eleições parlamentares no
Reino Unido. E não será diferente quanto ao Brasil.
A esse respeito, a abordagem da academia e da imprensa acerca do tema tem
sido constante. E uma constatação, no entanto, parece ser unânime: o Brasil não está
preparado para lidar com este fenômeno. A verdade é que nenhum país do Mundo está,
nem mesmo aqueles que possuem democracias muito mais antigas e robustas, como é
o caso dos Estados Unidos da América.34 Os fatos falam por si.
Com a popularização de sites, blogs e páginas nas redes sociais que alegam oferecer
conteúdo informativo, fica fácil o eleitor cair numa armadilha. O problema das notícias
falsas não é exclusividade da internet, nem é uma novidade. No entanto, o que mudou
foi o alcance e a velocidade que esses assuntos se espalham. Levantamento realizado
pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai)
da Universidade de São Paulo (USP), revela que essa ameaça é bem maior do que se
imaginava. Somente nas redes sociais, 12 milhões de pessoas compartilham informações
inverídicas, as chamadas fake news. O mundo entrou em alerta após o FBI apontar que
as eleições para presidente dos Estados Unidos foram intensamente influenciadas por

34
Sobre o tema, ver: SALOMÃO, Luis Felipe. Notícia falsa na internet é desafio para o TSE em 2018. Revista Consultor
Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/noticia-falsa-internet-desafio-tse-2018-salomao>.
Acesso em: 18 jan. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
412 PROPAGANDA ELEITORAL

ataques que teriam partido de hackers da Rússia.35 De acordo com o estudo da USP,
informações inverídicas jogadas na rede mundial de computadores podem chegar a
todos os brasileiros que têm acesso à internet. A estrutura de campanha criada por um
candidato pode não ser suficiente para desmentir as acusações, o que pode causar uma
reviravolta no cenário das eleições.36
2018 é ano de eleições gerais no Brasil – Presidência, Câmara dos Deputados,
Senado, Governos estaduais, Assembleias Legislativas. E as instituições estão de olho
nesse fenômeno que hoje em dia tomou proporções continentais. Combater e conter a
proliferação de notícias falsas na internet é um grande desafio do Tribunal Superior Eleitoral.
A avaliação é do ministro Luis Felipe Salomão, que assumiu no último mês de outubro
uma vaga de membro substituto da corte. Para Salomão, com restrições orçamentárias,
redes sociais terão uso ampliado nas Eleições 2018.37 Na opinião dele, o TSE terá que
examinar a questão com bastante cuidado para não impedir a utilização proveitosa que
as redes sociais podem gerar para as campanhas, que não poderão ser financiadas
por pessoas jurídicas, fato que acarretará limitações orçamentárias. Ao mesmo tempo,
Salomão analisou que o tribunal deve estar atento e controlar notícias falsas para que
não atrapalhem o pleito ou modifiquem de forma desonesta a vontade do eleitor. De
acordo com o ministro, o TSE já começou a analisar possibilidades de situações que
podem ser criadas por causa desse recente fenômeno mundial. Ele lembrou também que
alguns projetos de lei que buscam regular a matéria já estão tramitando no Congresso.38 39
No final de 2017 o TSE fez aprovar dez projetos de Resoluções a regularem o
processo eleitoral vindouro. Dentre elas, por sua vez, figurou a Resolução disciplinadora
da propaganda eleitoral. E nela a preocupação do TSE em coibir as chamadas fake news
no processo eleitoral de 2018 quedou-se externada, algo que se deu a partir da previsão
de remoção de propagandas falsas na internet. Além disso, contudo, medidas outras
serão tomadas pela Corte, especialmente a partir de um grupo de trabalho – chamado
de Conselho Consultivo – já reunido, que tem por missão a confecção de uma Resolução
própria apenas e tão somente para tratar do tema das notícias falsas.40 A ideia é colher
subsídios a partir da análise aprofundada de como outros países – principalmente Estados
Unidos, Inglaterra, Alemanha e França – enfrentam a questão. E a previsão é de que

35
SOUZA, Renato. 12 milhões de pessoas compartilham informações inverídicas, diz pesquisa. Correio Braziliense.
Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/01/02/internas_polbraeco,650860/
como-combater-fake-news.shtml>. Acesso em: 18 jan. 2017.
36
SOUZA, Renato. 12 milhões de pessoas compartilham informações inverídicas, diz pesquisa. Correio Braziliense.
Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/01/02/internas_polbraeco,650860/
como-combater-fake-news.shtml>. Acesso em: 18 jan. 2017.
37
SALOMÃO, Luis Felipe. Notícia falsa na internet é desafio para o TSE em 2018. Revista Consultor Jurídico. Disponível
em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/noticia-falsa-internet-desafio-tse-2018-salomao>. Acesso em: 18 jan.
2017.
38
SALOMÃO, Luis Felipe. Notícia falsa na internet é desafio para o TSE em 2018. Revista Consultor Jurídico. Disponível
em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/noticia-falsa-internet-desafio-tse-2018-salomao>. Acesso em: 18 jan.
2017.
39
A esse respeito, ver: SOUZA, Renato. Senado quer leis para combater notícias falsas na internet. Correio Braziliense.
Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2017/12/12/internas_polbraeco,647504/
senado-quer-leis-para-combater-fake-news-na-internet.shtml>. Acesso em: 18 jan. 2018.
40
A esse respeito, ver: BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Fake news e regras para a propaganda eleitoral na
internet são temas de reunião no TSE. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Janeiro/
fake-news-e-regras-para-a-propaganda-eleitoral-na-internet-sao-temas-de-reuniao-no-tse>. Acesso em: 18 jan.
2018.

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GUILHERME BARCELOS
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO, UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
413

várias medidas acabem previstas no texto normativo em gestação, tais como remoção das
notícias da internet, buscas e apreensões, bloqueio de bens, etc. A abordagem é dúplice:
preventiva e repressiva. Até março de 2018 a Resolução em voga deverá ter o texto pronto
e aprovado. Daí que, ao final e ao cabo, tudo isso denota, pois, a insuficiência do atual
regramento jurídico-eleitoral de modo a coibir a disseminação das fake news. Além da
concreta preocupação das instituições para com tal fenômeno, especialmente do TSE.
Como afirma o professor Diogo Rais, “Fake news é um termo novo, mas é um
problema velho. É um problema muito semelhante ao trote e ao boato”. Para o professor,
“Fake news não é uma mentira, é uma mentira que parece verdade. É uma forma de enganar
as pessoas. Acho que o principal elemento que diferencia ela é isso”.41 Mesmo sendo
um problema velho, não há como ignorar que ele tem tomado proporções gigantescas
nos últimos tempos, a ponto de ter se tornado um verdadeiro negócio.42 Este, no final
das contas, pode configurar um primeiro problema nesta abordagem – com pretensão
normativa – da Justiça Eleitoral, o da insuficiência. Assim, ainda que a iniciativa seja
louvável em seus desideratos, pode-se afirmar que a pretensão de controle geral não
será suficiente por si só a coibir esta prática, hoje em dia absolutamente disseminada
e cada vez mais sofisticada – a disseminação de falsas notícias se tornou um mercado,
com profissionais expert no tema, que poderíamos intitular de mercadores da mentira.
Esta, diga-se de passagem, é a opinião do escritor inglês Misha Glenny, autor
de Mercado Sombrio43 e McMáfia.44 Os dois livros de Glenny detalham como criminosos
especializados se aproveitam da rede de computadores para enganar pessoas comuns.
Os métodos usados, como o anonimato e a técnica de apagar rastros, são parecidos
com os da produção das fake news, numa guerra cada vez mais cara à democracia, em
que a verdade é a primeira a desaparecer.45 Segundo ele, o Brasil “tem muitos usuários
de internet competentes, muitos bons engenheiros de softwares, mas as estruturas
governamentais do país são subdesenvolvidas” para lidar com este problema.46 Já para
Fábio Malini, a força-tarefa para combater as fake news é irrelevante. Para ele, “a cultura
das notícias falsas se desenvolve cada vez mais nas redes sociais privadas, como o
WhatsApp”, surgindo daí a imensa “dificuldade de apurar crimes disseminados dentro
dos grupos”.47 Assim, como diz Glenny, se a internet mudou o cotidiano das pessoas,
“também as deixou reféns a golpes de todos os tipos, a partir de e-mails, aplicativos
de mensagens instantâneas e notícias falsas”. E o Brasil, segundo o escritor britânico,
não está preparado para lidar com o problema. Para Glenny, “mesmo quando você
olha para os Estados Unidos e para o Reino Unido e o estrago que as notícias falsas

41
AMORIM, Felipe. Justiça Eleitoral pode punir quem publicar fake news em redes sociais. Disponível em: <https://
noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/01/11/justica-eleitoral-pode-punir-quem-publicar-fake-news-
em-redes-sociais.htm>. Acesso em: 18 jan. 2018.
42
Sobre o tema, indicamos a leitura de belíssima matéria jornalística promovida pelo editorial do jornal Correio
Braziliense, a saber: BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://
especiais.correiobraziliense.net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
43
GLENNY, Misha. Mercado Sombrio: o cibercrime e você. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 384 p.
44
GLENNY, Misha. McMáfia: Crime sem fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 464 p.
45
BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.
net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
46
BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.
net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
47
BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.
net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
414 PROPAGANDA ELEITORAL

causaram nestes países, filtros e barreiras sofisticados estão falhando, e esses artifícios
não existem no Brasil”.48 O Brasil não está em uma posição favorável, conclui. Logo,
embora necessário este controle, talvez não tenhamos os meios hábeis a efetivá-lo e não
estejamos estruturalmente preparados para lidar com o problema.
Já o segundo problema desta abordagem da Justiça Eleitoral é de índole de
legalidade, inclusive constitucional (de legalidade constitucional, para utilizar aqui uma
expressão de Elías Díaz).49 Eis a nossa maior preocupação. Com efeito, a perspectiva
normativa para as eleições de 2018 denota a iminente edição de uma Resolução específica
por parte do TSE, a qual, segundo o Ministro Luiz Fux, incluirá “medidas de constrição
de bens, medidas de restrição de eventual liberdade daqueles que estiverem em flagrante
delito, se preparando para cometer esse tipo de estratégia deletéria que, digamos assim,
numa linguagem coloquial derreteram algumas candidaturas”.50 Ocorre que nenhuma
destas possíveis medidas encontra previsão legislativa. E é justamente essa a questão.
A primeira questão, dessa maneira, é de índole constitucional e de separação de
poderes: a competência para legislar é do Poder Legislativo. E eventual Resolução
nesse sentido, erguida pelo Poder Judiciário (Eleitoral, no caso), representaria em
tese uma afronta direta ao princípio republicano, na vertente da separação dos poderes
constitucionalmente consagrada (CF, art. 1º). E a segunda questão, derradeira que é, é de
legalidade em sentido estrito, valendo trazer aqui a redação constante do artigo 105, caput,
da Lei nº 9504/97, segundo a qual “Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal
Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer
sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias
para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou
representantes dos partidos políticos”. A previsão de constrição de bens ou restrição da
liberdade equivale, seguramente, ao estabelecimento de sanções. E o estabelecimento
destas por via de Resolução nada mais é, pois, do que legislar por via oblíqua. Daí,
enfim, a nossa reticência em chancelar eventuais medidas dessa natureza.
Por fim, nunca é demais rememorar a linha tênue entre a restrição da liberdade
de expressão e a censura. No caso das fake news pensamos que não estaríamos diante
de uma censura propriamente dita. Ocorre que isso somente poderia ser sindicável à
luz da faticidade, e é por isso que os órgãos de controle deverão ter muita parcimônia,
até mesmo para não imporem verdadeiras censuras travestidas de combates a tais
intempéries (tais e quais as falsas notícias).

3.6 Conclusão
O artigo destinou-se a perquirir o significado e a disciplina legal de um instituto
já recorrente no universo do Direito Eleitoral, especialmente no que tange a propaganda
eleitoral, qual seja o fato sabidamente inverídico.

48
BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.
net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
49
DÍAZ, Elías. Estado de derecho y derechos humanos. Novos estudos jurídicos, Itajaí, ano I, n.1, p.16, jun.1995.
50
SOUZA, André de. Contra ‘fake news’, Fux prevê até mesmo bloqueio de bens e detenção. Disponível em: <https://
oglobo.globo.com/brasil/contra-fake-news-fux-preve-ate-mesmo-bloqueio-de-bens-detencao-22206756>. Acesso
em: 18 jan. 2018.

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GUILHERME BARCELOS
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO, UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
415

Tal e qual demonstrado no curso do texto, sabidamente inverídico é um fato


notoriamente mentiroso, despido de controvérsias acerca da sua não veracidade.
Percebeu-se, pois, que a doutrina converge na conceituação do que seria um fato
sabidamente inverídico veiculado no contexto eleitoral – seja na propaganda eleitoral
propriamente dita, seja nos diversos órgãos de comunicação social (jornais impressos
ou internet, p. ex.). Sabidamente inverídico, dessa maneira, é um fato notoriamente
mentiroso, aquele que não admite controvérsias acerca da sua veracidade, cuja veiculação,
diga-se de passagem, foi realizada por aquele sujeito sabedor da dita inverdade.
A expressão “fato sabidamente inverídico” ou “conceito, imagem ou afirmação
sabidamente inverídica” aparece na legislação eleitoral lato sensu em duas oportunidades,
ao menos. A primeira, é como causa de pedir do chamado direito de resposta, tal e qual
o artigo 58 da Lei nº 9504/97 (Lei Geral das Eleições). E a segunda é no artigo 323 do
Código Eleitoral brasileiro, a partir de um crime eleitoral devidamente tipificado no
ordenamento jurídico nacional.
Já jurisprudência eleitoral sedimentada a partir da interpretação do que seria um
fato sabidamente inverídico no universo das eleições, especialmente a partir da cadeia
decisória historicamente consolidada no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, é no
sentido de que a expressão em voga, ao devido reconhecimento, demandará sempre
a veiculação de uma inverdade flagrante, que não apresente controvérsias; mas, mais do que
isso, demandará igualmente que a flagrante inverdade precitada abarque tons de ofensa
pessoal, seja ao candidato, ao partido ou a coligação.
De mais a mais, no que tange a recente abordagem da Justiça Eleitoral acerca do
fenômenos das chamadas fake news, o artigo avençou em seu último capítulo e indicou
dois problemas na mesma, o primeiro de suficiência, e o segundo de legalidade.
Especialmente quanto ao segundo, de índole de legalidade, inclusive constitucional,
pôde-se demonstrar que a perspectiva normativa para as eleições de 2018 denota a
iminente edição de uma Resolução específica por parte do TSE, a qual incluirá “medidas
de constrição de bens, medidas de restrição de eventual liberdade daqueles que estiverem
em flagrante delito, se preparando para cometer esse tipo de estratégia deletéria que,
digamos assim, numa linguagem coloquial derreteram algumas candidaturas”. Ocorre
que nenhuma dessas possíveis medidas encontra previsão legislativa. Assim, o primeiro
problema de legalidade dessa pretensão normativa é de índole constitucional e de
separação de poderes: a competência para legislar é do Poder Legislativo. E eventual
Resolução nesse sentido, erguida pelo Poder Judiciário (Eleitoral, no caso), representaria
em tese uma afronta direta ao princípio republicano, na vertente da separação dos poderes
constitucionalmente consagrada (CF, art. 1º). E o segundo é de legalidade em sentido
estrito, por afronta à redação constante do artigo 105, caput, da Lei nº 9504/97. A previsão
de constrição de bens ou restrição da liberdade equivale, seguramente, ao estabelecimento
de sanções. E o estabelecimento destas por via de Resolução nada mais é, pois, do que
legislar por via oblíqua. Daí, enfim, a nossa reticência em chancelar eventuais medidas
dessa natureza. Por fim, nunca é demais rememorar a linha tênue entre a restrição da
liberdade de expressão e a censura. No caso das fake news pensamos que não estaríamos
diante de uma censura propriamente dita. Ocorre que isso somente poderia ser sindicável
à luz da faticidade, e é por isso que os órgãos de controle deverão ter muita parcimônia,
até mesmo para não imporem verdadeiras censuras travestidas de combates a tais
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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
416 PROPAGANDA ELEITORAL

Dessa forma, por tudo que buscamos evidenciar à luz da proposta que envolveu
a confecção do texto, pode-se determinar que fatos sabidamente inverídicos são aqueles
que denotam a veiculação de uma inverdade flagrante, que não apresente controvérsias,
e cujo conteúdo, de igual maneira, esteja caracterizado por um matiz de ofensa pessoal,
seja ao candidato, ao partido ou a coligação.

Referências
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_______. Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.
correiobraziliense.net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.

   . Tribunal Superior Eleitoral. Fake news e regras para a propaganda eleitoral na internet são temas de reunião
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SOUZA, André de. Contra ‘fake news’, Fux prevê até mesmo bloqueio de bens e detenção. Disponível em: <https://
oglobo.globo.com/brasil/contra-fake-news-fux-preve-ate-mesmo-bloqueio-de-bens-detencao-22206756>.
Acesso em: 18 jan. 2018.

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GUILHERME BARCELOS
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO, UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
417

SOUZA, Renato. 12 milhões de pessoas compartilham informações inverídicas, diz pesquisa. Correio Braziliense.
Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/01/02/internas_
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_______. Senado quer leis para combater notícias falsas na internet. Correio Braziliense. Disponível em: <http://
www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2017/12/12/internas_polbraeco,647504/senado-quer-leis-
para-combater-fake-news-na-internet.shtml>. Acesso em: 18 jan. 2018.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. 3. ed. São Paulo:
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ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BARCELOS, Guilherme. O direito eleitoral em tempos de fake news: o que é isto, um fato sabidamente
inverídico? In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 403-417. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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SOBRE OS AUTORES

Adriano Oliveira
Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor do
Departamento de Ciência Política da UFPE. Autor dos livros “O eleitor é um enigma? Curitiba:
Editora Juruá, 2017”; “Eleições não são para principiantes: Interpretando eventos eleitorais no Brasil.
Curitiba: Editora Juruá, 2014”; “OLIVEIRA, Adriano; GADELHA, Carlos; ROMÃO, Maurício.
Eleições e pesquisas eleitorais – Desvendando a caixa-preta. Curitiba: Editora Juruá, 2012”.

Alexandre Basílio Coura


Analista Judiciário do TRE-RS. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa. Pós-graduado em Direito e
Processo Eleitoral pelo Instituto Claretiano. Palestrante Convidado por mais de 20 Tribunais
Regionais Eleitorais para ministrar cursos e palestras. Coautor dos Livros Reforma Política,
Diálogos e Reflexões (2016) e Participação Política, Balanços e Perspectivas (2017). Chefiou a
Missão Internacional que realizou as eleições presidenciais de Guiné-Bissau, na África em 2009,
a convite da ONU.

Amanda Perli Golombiewski


Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade de Direito de Curitiba do Centro
Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Graduada em Direito pela mesma instituição. Advogada.

Andrea Sabbaga de Melo


Graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná em 1997. Concluiu o Programa
de Pós-Graduação em Direito (Mestrado) na Universidade Federal de Santa Catarina em 2006,
obtendo o Título de Mestre em Direito. Integrou o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do
Paraná (TRE/PR), na categoria de jurista, no biênio 2010/2012. É advogada e sócia do escritório
Manoel Caetano Advocacia desde 2007, em Curitiba/PR.

André Eiji Shiroma


Especialista em Direito Eleitoral, pela Universidade Positivo. Especialista em Direito Processual
Civil, pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Graduado pelo Centro Universitário
Curitiba. Advogado.

Bruno Rangel Avelino da Silva


Advogado. Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília, UnB. Mestre em Direito pelo
Centro Universitário de Brasília, UniCeub. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito
Eleitoral e Político (ABRADEP).

Carlos Santos
Formação acadêmica em psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco, concluída em 1978,
iniciando a Pós-Graduação de Mestrado em Antropologia Cultural pela mesma Universidade em
1979. Autor de textos literários relacionados a contos e novelas, além de peças de teatro. Atualmente
exerce a função de Membro Fundador do Espaço Multivercidades (www.multivercidades.com),
com o Projeto Aletrar Freud e outros. É autor de textos sobre a prática clínica de psicanalista.

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Diogo Rais
Advogado. Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP com bolsa do Conselho Nacional
de Justiça, Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, com cursos de extensão em Justiça
Constitucional pela Université Paul Cézanne (Aix-en-Provence, França). Coordenador do
MackEleições e do portal Eleitoralize.com.br. Professor de Direito Eleitoral da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
Fabíola Roberti Coneglian
Mestranda pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UNIBRASIL). Especialista em Processo
Civil, pela Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade
Positivo, PR. Graduada pela Faculdade de Direito de Curitiba. Advogada, professora auxiliar da
Universidade Tuiuti do Paraná. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR. Membro
do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (IPRADE).
Fernando Matheus da Silva
Advogado. Analista de Controle Externo da Área Jurídica do Tribunal de Contas do Estado do
Paraná.
Fernando Neisser
Advogado. Graduado, Mestre e Doutorando pela Universidade de São Paulo. Pesquisador
visitante na Universidade Pompeu Fabra – Espanha (2013-2018). Coordenador Adjunto da
ABRADEP (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). Presidente da Comissão de Estudos
em Direito Político e Eleitoral do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo).
Frederico Rafael Martins de Almeida
Mestre em Direito Empresarial e Cidadania (Unicuritiba). Pós-graduado em Metodologia do
Ensino Superior (Unopar), Graduado em Direito (Universidade Estadual de Londrina). Formação
em Coordenação de Tutores de Ensino a Distância (CNJ). Membro da Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro do Conselho Consultivo da Escola Judiciária
Eleitoral do Paraná (EJE-TRE/PR).
Guilherme Barcelos
Mestre em Direito pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS/RS). Especialista (Pós-
Graduado) em Direito Constitucional e em Direito Eleitoral. Graduado em Direito pela
Universidade da Região da Campanha (URCAMP/RS). Membro Fundador da Academia Brasileira
de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro do Grupo de Pesquisa “Observatório Eleitoral”
da Escola Superior de Direito Eleitoral da UERJ (ESDEL-UERJ/RJ). Parecerista da Revista “Ballot”
da Escola Superior de Direito Eleitoral da UERJ (ESDEL-UERJ/RJ). Advogado.
Henrique Neves da Silva
Advogado. Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, como substituto (2008-2012) e efetivo (2012-
2017). Juiz de propaganda na eleição presidencial de 2010. Presidente do Instituto Brasileiro de
Direito Eleitoral (2018-2021).
Jillian Roberto Servat
Atualmente Secretário da Corregedoria Regional Eleitoral do Paraná. Graduado em Direito pela
UEPG. Pós-graduado pela Escola da Magistratura do Paraná (2006); pela Escola da Magistratura
Federal (2011). Pós-graduando pela Universidade Positivo e Escola Judiciária Eleitoral do Paraná,
em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral.
Juliana Rodrigues Freitas
Doutora em Direito (2010 – UFPA, com pesquisa realizada como estágio Universidade de Pisa
– Itália e na Universidade Diego Portales – Chile. Mestre em Direitos Humanos (2003 – UFPA).
Pós-Graduada em Direito do Estado (2006 – Universidade Carlos III de Madri – Espanha).
Advogada e Professora da Graduação e Mestrado em Direito do Centro Universitário do Estado
do Pará (CESUPA). Presidente da Comissão da Mulher Advogada OAB/Pa, biênio 2016-2018.

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SOBRE OS AUTORES 421

Juliana Sampaio Araújo


Mestre em direito pela Universidade Federal do Ceará. Magistrada do Tribunal de Justiça do
Estado do Ceará. Ex-Procuradora da Fazenda Nacional.
Lenine Póvoas de Abreu
Advogado, bacharel pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), especialista em Direito
Administrativo pela PUC/SP e em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa pela Fundação
Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso (FESMP/MT). Pós-Graduando em Direito
Processual Civil pela UFMT e Mestrando em Direito pela PUC/SP. Professor. Procurador Geral
da Câmara de Cuiabá/MT. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e
Político (ABRADEP).
Livia Maria de Sousa
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Direito pela Universidade
Federal do Ceará. Especialista em Processo Civil. Procuradora da República. Procuradora
Regional Eleitoral Substituta. Ex-Promotora de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte e do
Estado do Piauí.
L. N. de Castro
Engenheiro Eletricista pela UFG. Mestre e Doutor em Engenharia de Computação pela Unicamp.
Pós-Doutor pela Universidade de Kent em Canterbury e pela Universidade de Salamanca.
Fundou e coordena o Laboratório de Computação Natural e Aprendizagem de Máquina (LCoN)
da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde atualmente ocupa o cargo de Coordenador de
Desenvolvimento e Inovação.
Luciana Panke
Possui pós-doutorado pela Universidad Autónoma Metropolitana (México), doutorado em
Ciências da Comunicação (USP) e Mestrado em Linguística (UFPR). É Superintendente de
Comunicação e Marketing da UFPR e professora em Comunicação. Entre seus livros destacam-se:
“Lula do sindicalismo à reeleição, um caso de comunicação, política e discurso” e “Campanhas
eleitorais para mulheres, desafios e tendências”.
Luciana de Oliveira Ramos
Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo, com período de doutorado
sanduíche na Rutgers University (New Jersey). Mestre em Ciência Política pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Professora
de Direito Constitucional e Coordenadora de Pesquisa Jurídica Aplicada na Escola de Direito de
São Paulo da Fundação Getulio Vargas.
Luiz Taro Oyama
Atualmente Presidente do TRE/PR, é graduado pela PUC e pós-graduado em Direito Processual
Civil, com habilitação em magistério superior, pela LFG. Magistrado de carreira desde 1986, foi
alçado a desembargador em 2008, exerceu os cargos de Coordenador do Planejamento Estratégico
e Supervisor do Departamento de Planejamento, ambos do Tribunal de Justiça do Paraná.
Lygia Maria Copi
Doutoranda em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná – UFPR. Mestra
em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Professora do Curso de Direito do Centro Universitário
UNIVEL. Advogada.
Mauro Antonio Prezotto
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Frequentou com aproveitamento
o Curso de Preparação para a Magistratura (ESMESC). Especialista em Direito Público pelo
Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUC). Advogado eleitoralista. Professor
de direito eleitoral da Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC). Professor
de Direito Eleitoral da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Professor de Direito
Eleitoral em cursos de Pós-Graduação. Palestrante em diversos eventos na área de direito eleitoral.

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Michel Saliba
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1991).
Nicolau Konkel Junior
Juiz Federal. Juiz do Tribunal Regional Federal do Paraná. Mestre em Direito do Estado pela
UFPR. Especialista em Direito Tributário pela PUC/PR. Bacharel em Filosofia pela UFPR.
Olivar Coneglian
Mestre pela PUC-RS. Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (IBRADE) e
do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (IPRADE). Membro do Instituto dos Advogados do
Paraná – IAPR, professor, advogado, juiz de direito aposentado, conferencista e escritor. Autor
das obras Propaganda eleitoral e Eleições – radiografia da Lei 9.504/97, ambas da Editora Juruá.
Paula Bernardelli
Advogada. Graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora do grupo
Política por/de/e para Mulheres (UFPR/UERJ). Membro da Academia Brasileira de Direito
Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro da Comissão Permanente de Direito Político e Eleitoral
do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
Paulo Henrique dos Santos Lucon
Professor Associado da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP. Livre-Docente,
Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela mesma Instituição. Presidente do Instituto
Brasileiro de Direito Processual IBDP. Foi membro do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo
(classe jurista) de 2004 a 2011. Advogado.
Paulo Victor Azevedo Carvalho
Advogado. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Pará. Mestrando em Ciências
Jurídico-Políticas, menção em Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra – Portugal.
Pedro Chapaval Pimentel
Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná. Possui graduação em Relações
Públicas (UFPR) e Administração (FAE Centro Universitário) e é especialista em Relações
Internacionais e Diplomacia (Centro Universitário Curitiba). Integrante do grupo de pesquisa
Comunicação Eleitoral – PPGCom-UFPR.
Raquel Machado
Advogada. Graduada pela Universidade Federal do Ceará. Mestre pela Universidade Federal
do Ceará. Doutora pela USP. Professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará.
Visiting Research Scholar da WirtschafUniversistatVienna (2015 e 2016). Professora pesquisadora
convidada da Faculdade de Direito da Universidade Paris Descartes (2017). Coordenadora do
Grupo de Pesquisa e Extensão “Educação para a cidadania: denúncia e esperança.”
Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo – FD/USP. Professor Adjunto da Faculdade de Direito
da Universidade de Brasília – FD/UnB. Subprocurador-Geral do Distrito Federal. Advogado.

Esta obra foi composta em fonte Palatino Linotype, corpo 10


e impressa em papel Offset 75g (miolo) e Supremo 250g (capa)
pela Gráfica Expressão e Arte, em Belo Horizonte/MG.

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