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PROPAGANDA ELEITORAL
Belo Horizonte
CONHECIMENTO JURÍDICO
2018
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.
Conselho Editorial
Adilson Abreu Dallari Egon Bockmann Moreira Marcia Carla Pereira Ribeiro
Alécia Paolucci Nogueira Bicalho Emerson Gabardo Márcio Cammarosano
Alexandre Coutinho Pagliarini Fabrício Motta Marcos Ehrhardt Jr.
André Ramos Tavares Fernando Rossi Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Carlos Ayres Britto Flávio Henrique Unes Pereira Ney José de Freitas
Carlos Mário da Silva Velloso Floriano de Azevedo Marques Neto Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho
Cármen Lúcia Antunes Rocha Gustavo Justino de Oliveira Paulo Modesto
Cesar Augusto Guimarães Pereira Inês Virgínia Prado Soares Romeu Felipe Bacellar Filho
Clovis Beznos Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Sérgio Guerra
Cristiana Fortini Juarez Freitas Walber de Moura Agra
Dinorá Adelaide Musetti Grotti Luciano Ferraz
Diogo de Figueiredo Moreira Neto Lúcio Delfino
CONHECIMENTO JURÍDICO
P962 Propaganda eleitoral / Luiz Fux, Luiz Fernando Casagrande Pereira, Walber de Moura
Agra (Coord.); Luiz Eduardo Peccinin (Org.). – Belo Horizonte : Fórum, 2018.
422 p.
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 422 p. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
PARTE I
A FUNÇÃO DEMOCRÁTICA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA
PROPAGANDA ELEITORAL
CAPÍTULO 1
OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM MATÉRIA ELEITORAL
LENINE PÓVOAS DE ABREU........................................................................................................... 15
1.1 Introdução................................................................................................................................... 15
1.2 Noção geral de República sob a ótica constitucional........................................................... 15
1.3 Liberdade de expressão: um fundamento democrático....................................................... 17
1.4 Propaganda eleitoral: o que é isso?.......................................................................................... 20
1.5 Liberdade de expressão e a propaganda eleitoral................................................................. 21
1.6 A migração da propaganda eleitoral....................................................................................... 23
1.7 O artigo 242 do Código Eleitoral: um dispositivo não recepcionado pela constituição
federal de 1988............................................................................................................................ 24
1.8 Revelação dos aspectos negativos dos candidatos na propaganda eleitoral.................... 25
1.9 Conclusões.................................................................................................................................. 29
CAPÍTULO 2
PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA COMO INSTRUMENTO DE
CONVENCIMENTO DO ELEITOR
MAURO ANTONIO PREZOTTO...................................................................................................... 31
2.1 Introdução................................................................................................................................... 31
2.2 Eleições como elemento da democracia.................................................................................. 31
2.3 Propaganda eleitoral como elemento indispensável do processo eleitoral...................... 34
2.4 Propaganda eleitoral negativa como instrumento de convencimento do eleitor............. 41
2.5 Considerações finais.................................................................................................................. 47
Referências.................................................................................................................................. 48
CAPÍTULO 3
A MENTIRA NO AMBIENTE DIGITAL: IMPACTOS ELEITORAIS E
POSSIBILIDADES DE CONTROLE
FERNANDO NEISSER, PAULA BERNARDELLI, RAQUEL MACHADO............................... 51
3.1 Introdução................................................................................................................................... 51
3.2 Histórico da legislação.............................................................................................................. 53
CAPÍTULO 4
QUESTÕES CONCEITUAIS SOBRE COMUNICAÇÃO POLÍTICA, ELEITORAL E
GOVERNAMENTAL
LUCIANA PANKE, PEDRO CHAPAVAL PIMENTEL................................................................... 71
4.1 A comunicação com e entre a sociedade................................................................................ 72
4.2 Comunicação política................................................................................................................ 77
4.3 Comunicação eleitoral............................................................................................................... 80
4.4 Comunicação governamental................................................................................................... 82
4.5 Considerações finais.................................................................................................................. 85
Referências.................................................................................................................................. 85
CAPÍTULO 5
A COMUNICAÇÃO POLÍTICA EM TEMPOS DE BIG DATA E INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL: A CAMPANHA DIGITAL DE DONALD TRUMP E O FUTURO DO
MARKETING ELEITORAL BRASILEIRO
DIOGO RAIS, L. N. CASTRO............................................................................................................. 89
5.1 Introdução................................................................................................................................... 89
5.2 Breve relato do caso Trump...................................................................................................... 90
5.3 O big data...................................................................................................................................... 92
5.4 Big data, inteligência artificial e democracia: entre o apocalipse e a responsabilização
humana........................................................................................................................................ 94
5.5 Considerações finais.................................................................................................................. 97
Referências.................................................................................................................................. 99
APÊNDICES........................................................................................................................................... 101
Apêndice A: Estudo de Caso: Vereador Thiago Lucena nas Mídias Sociais............................... 101
Apêndice B: Estudo de Caso: Regulamentação de transporte privado por aplicativos............ 103
CAPÍTULO 6
UM OLHAR PSICANALÍTICO ACERCA DO VOTO
CARLOS SANTOS.............................................................................................................................. 107
6.1 Espaço geométrico................................................................................................................... 108
6.2 De um a outro segmento de reta............................................................................................ 110
6.3 A primeira curva...................................................................................................................... 112
6.4 Segunda curva.......................................................................................................................... 113
6.5 O giro do tempo........................................................................................................................114
PARTE II
PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA E PROPAGANDA ELEITORAL
EM ESPÉCIE NA LEI Nº 9.504/97
CAPÍTULO 1
REFLEXÕES ACERCA DA PROPAGANDA ANTECIPADA DE ACORDO
COM A RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
JULIANA SAMPAIO DE ARAÚJO, LÍVIA MARIA DE SOUSA.............................................. 127
1.1 Introdução................................................................................................................................. 127
1.2 Propaganda eleitoral: conceito, efeitos e limites formais................................................... 128
1.3 Propaganda extemporânea: Inovações Lei nº 13.165/2015.................................................. 132
1.4 Propaganda eleitoral: limitações materiais e fake news...................................................... 136
1.5 Conclusão.................................................................................................................................. 138
Referências................................................................................................................................ 138
CAPÍTULO 2
A PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TELEVISÃO: UMA
VISÃO CRÍTICA
OLIVAR CONEGLIAN, FABÍOLA ROBERTI CONEGLIAN, ANDRÉ EIJI SHIROMA...... 141
2.1 Rádio e televisão: a oferta estatal........................................................................................... 141
2.2 Bloco e inserção........................................................................................................................ 141
2.3 O “custo” da propaganda eleitoral “gratuita”..................................................................... 143
2.4 O fundo especial de financiamento de campanha criado pela Lei nº 13.487/2017......... 144
2.5 Propaganda em rádio e televisão e o princípio da igualdade........................................... 146
2.6 Rádio e televisão na propaganda das eleições proporcionais: a candidatura
a vereador.................................................................................................................................. 147
2.7 A limitação do conteúdo......................................................................................................... 148
2.8 A propaganda em rádio e televisão: uma proposta............................................................ 150
2.9 Considerações finais................................................................................................................ 151
Referências................................................................................................................................ 152
CAPÍTULO 3
A PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PARTICULARES: SUA LIMITAÇÃO
PROPORCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
FREDERICO RAFAEL MARTINS DE ALMEIDA........................................................................ 153
3.1 Introdução................................................................................................................................. 153
CAPÍTULO 4
A PROPAGANDA ELEITORAL EM LOCAIS PÚBLICOS E O RETROCESSO NA
LIBERDADE DAS CAMPANHAS NAS RUAS
MICHEL SALIBA................................................................................................................................. 171
4.1 Introdução................................................................................................................................. 171
4.2 A propaganda em locais públicos: histórico........................................................................ 171
4.3 A excessiva regulação da propaganda eleitoral.................................................................. 173
4.4 A marcha progressiva das proibições da propaganda eleitoral em locais públicos
e restrições em locais privados...............................................................................................174
4.5 Da propaganda eleitoral em bens particulares................................................................... 177
4.6 Conclusão.................................................................................................................................. 178
Referências................................................................................................................................ 178
CAPÍTULO 5
PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA: TEORIA FUNCIONALISTA
SISTÊMICA VERSUS TEORIA CLÁSSICA DA PROPAGANDA ELEITORAL
ALEXANDRE BASÍLIO COURA..................................................................................................... 179
5.1 Introdução................................................................................................................................. 179
5.2 Propaganda eleitoral e propaganda eleitoral antecipada................................................... 180
5.3 Evolução conceitual da propaganda antecipada: quebra de paradigmas....................... 182
5.4 O julgamento do Respe 5124/MG e o preferred position da liberdade de expressão....... 185
5.4.1 A derradeira reforma eleitoral, a Lei nº 13.488 e as propagandas pagas na internet..... 187
5.4.2 O blinding stare decisis vertical ou horizontal........................................................................ 189
5.5 A teoria funcionalista sistêmica da propaganda eleitoral................................................. 191
5.6 Conclusão.................................................................................................................................. 193
Referências................................................................................................................................ 194
CAPÍTULO 6
PROPAGANDA ELEITORAL NA IMPRENSA ESCRITA E A LIBERDADE
EDITORIAL DE APOIO POLÍTICO
HENRIQUE NEVES DA SILVA........................................................................................................ 197
PARTE III
O CONTROLE JUDICIAL DA PROPAGANDA E SEUS LIMITES
CAPÍTULO 1
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CONTROLE SOBRE O CONTEÚDO DA
PROPAGANDA ELEITORAL: UMA PERSPECTIVA COMPARADA
LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS, DIOGO RAIS..................................................................... 219
1.1 Introdução................................................................................................................................. 219
1.2 A liberdade de expressão e seus entendimentos................................................................ 221
1.3 O controle de conteúdo da propaganda eleitoral no Brasil............................................... 224
1.4 Os contornos da propaganda eleitoral na internet: nova realidade e velhas regras?.... 227
1.5 Considerações finais................................................................................................................ 229
Referências................................................................................................................................ 229
CAPÍTULO 2
PROCESSO ELEITORAL E O CPC/2015: TUTELA INIBITÓRIA E A PROPAGANDA
ELEITORAL ILÍCITA
PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON............................................................................... 231
2.1 Aplicação supletiva e subsidiária do CPC aos processos eleitorais................................. 231
2.2 Direito a um procedimento adequado.................................................................................. 232
2.3 Tutela da licitude...................................................................................................................... 234
2.4 Tutela inibitória e propaganda eleitoral ilícita..................................................................... 235
2.5 Tutela provisória e julgamento parcial................................................................................. 236
CAPÍTULO 3
(IM)POSTURAS MUNICIPAIS E RESTRIÇÕES À PROPAGANDA ELEITORAL
Nicolau Konkel Junior........................................................................................................................ 239
3.1 Introdução................................................................................................................................. 239
3.2 O ódio à política....................................................................................................................... 240
3.3 A fundamentalidade dos direitos políticos......................................................................... 244
3.4 Posturas municipais e poder de polícia................................................................................ 246
3.5 O Direito e o tempo.................................................................................................................. 247
3.6 Propaganda eleitoral e democracia....................................................................................... 250
3.7 Competência legislativa: direito eleitoral e interesse local................................................ 252
CAPÍTULO 4
FAKE NEWS, RADIODIFUSÃO E OS LIMITES DA JUSTIÇA ELEITORAL
BRUNO RANGEL AVELINO DA SILVA........................................................................................ 265
4.1 Da atuação da Justiça Eleitoral em matéria de fake news e seus limites normativos..... 269
4.2 Fake news, radiodifusão e processo eleitoral........................................................................ 271
4.3 As soluções apontadas fora do direito positivado.............................................................. 279
Referências................................................................................................................................ 282
CAPÍTULO 5
A TUTELA ESPECÍFICA E A CONCORRÊNCIA ELEITORAL: A TRANSMISSÃO DE
CONHECIMENTO E O COMBATE ÀS FAKE NEWS
FERNANDO MATHEUS DA SILVA............................................................................................... 285
5.1 Introdução................................................................................................................................. 285
5.2 As eleições e as fake news......................................................................................................... 288
5.3 Tutela específica para combater as fake news........................................................................ 293
5.3.1 Tutela inibitória........................................................................................................................ 296
5.3.2 Tutela de remoção do ilícito.................................................................................................... 299
5.3.3 Tutela de ressarcimento na forma específica....................................................................... 300
5.3.4 Técnicas processuais de efetivação da tutela específica.................................................... 301
5.4 Conclusão.................................................................................................................................. 306
CAPÍTULO 6
FAKE NEWS, ALGORITMOS, REPLICAÇÃO ARTIFICIAL E A RESPONSABILIDADE
PENAL ELEITORAL
LUIZ TARO OYAMA, JILLIAN ROBERTO SERVAT.................................................................. 309
PARTE IV
PESQUISAS ELEITORAIS E TESTES PRÉ-ELEITORAIS
NO CONVENCIMENTO DO ELEITOR
CAPÍTULO 1
PARA ALÉM DA INTENÇÃO DE VOTO
ADRIANO OLIVEIRA........................................................................................................................ 319
1.1 Introdução................................................................................................................................. 319
1.2 A intenção de voto é secundária............................................................................................ 320
1.3 Um favorito ou dois favoritos?............................................................................................... 320
1.4 A crise econômica cria eleitores tolerantes?......................................................................... 322
1.5 A importância da Economia comportamental.................................................................... 324
CAPÍTULO 2
A LIBERDADE À INFORMAÇÃO DO ELEITOR E O SEU NÚCLEO DE
QUESTIONAMENTOS: POR QUÊ? PARA QUÊ? POR QUEM?
JULIANA RODRIGUES FREITAS, PAULO VICTOR AZEVEDO CARVALHO.................... 329
2.1 Introdução................................................................................................................................. 329
2.2 Processando informações....................................................................................................... 331
2.3 Informações (in)conclusivas................................................................................................... 340
Referências................................................................................................................................ 342
CAPÍTULO 3
PESQUISAS DE INTENÇÃO DE VOTO: EFEITOS SOBRE O ELEITORADO
TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO.................................................................................. 343
3.1 Localização do tema e problematização............................................................................... 343
3.2 O perfil constitucional da matéria – A ADI nº 3.741-2/DF – (in)constitucionalidade
de limitações temporais à divulgação de pesquisas eleitorais......................................... 347
3.3 O plano da Lei das Eleições: considerações gerais.............................................................. 350
3.4 Um olhar para o futuro........................................................................................................... 358
3.5 Notas conclusivas..................................................................................................................... 360
Referências................................................................................................................................ 361
PARTE V
DIREITO DE RESPOSTA
CAPÍTULO 1
DIREITO DE RESPOSTA E LIBERDADE DE IMPRENSA: OS (MUITOS) ERROS E
(POUCOS) ACERTOS DA LEI Nº 13.188/2015
AMANDA PERLI GOLOMBIEWSKI, LYGIA MARIA COPI.................................................... 365
1.1 Introdução................................................................................................................................. 365
1.2 A liberdade de manifestação do pensamento e seus limites............................................ 366
1.3 Direito de resposta: fundamentos jurídicos e condições para seu legítimo
exercício..................................................................................................................................... 372
1.4 Do julgamento da ADPF 130-DF à promulgação da Lei nº 13.188/2015: o percurso
do direito de resposta no ordenamento jurídico brasileiro............................................... 375
1.5 Os (muitos) erros e (poucos) acertos da Lei nº 13.188/2015................................................. 377
1.6 Considerações finais................................................................................................................ 383
Referências................................................................................................................................ 384
CAPÍTULO 3
O DIREITO ELEITORAL EM TEMPOS DE FAKE NEWS: O QUE É ISTO,
UM FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO?
Guilherme Barcelos............................................................................................................................. 403
3.1 Introdução................................................................................................................................. 403
3.2 O que é isto, um fato sabidamente inverídico?.................................................................... 403
3.3 Do fato sabidamente inverídico na legislação eleitoral brasileira.................................... 407
3.4 Da jurisprudência – o fato sabidamente inverídico e o tribunal superior eleitoral....... 408
3.5 O fenômeno das fake news e a recente abordagem da justiça eleitoral brasileira:
o Tribunal Superior Eleitoral e o combate às falsas notícias............................................. 411
3.6 Conclusão.................................................................................................................................. 414
Referências................................................................................................................................ 416
A FUNÇÃO DEMOCRÁTICA
E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
NA PROPAGANDA ELEITORAL
1.1 Introdução
A liberdade de expressão é considerada fundamental. Sem ela a sociedade encontra
profundos obstáculos no seu aperfeiçoamento. Existem inúmeras razões para tanto. A
margem concedida pela Constituição Federal para que as pessoas possam se manifestar
livremente é extremamente ampla, mas não é absoluta. A dificuldade consiste em saber
até aonde vão as demarcações de sua finitude.
Tem sido frequente a utilização abusiva dessa garantia, ainda mais na efervescência
da arena política, sendo necessária a realização de um debate mais aprofundado acerca
dos limites da liberdade de expressão em matéria eleitoral.
A obtenção de respostas demanda estudo horizontal e vertical das normas, até
porque a compreensão do sistema normativo prescinde de uma análise panorâmica
dos princípios constitucionais,1 2 os quais nem sempre estão positivados, a exemplo da
segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade. Para Norberto Bobbio o direito
não é apenas norma, mas um conjunto coordenado de normas,3 o qual, nos dizeres de
Carlos Maximiliano, deve ser interpretado inteligentemente.4
1
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo, 1995.
2
HART, Hebert Lionel Adolphus. O conceito de direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Pós-Escrito.
3
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed.
Brasília: UNB, 1997. p. 21 e 22.
4
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 166.
parágrafo primeiro, do art. 1º, do Texto Magno. Nas lições de Alexis De Tocqueville, o
povo é a fonte dos poderes.5
As características que marcam esse regime político, consoante as brilhantes
posições de Geraldo Ataliba,6 são: (i) eletividade, que é o instrumento de representação;
(ii) periodicidade, o que acaba permitindo a alternância de poder e a sintonia entre eleito
e eleitor, e (iii) responsabilidade, que nada mais é do que o penhor da idoneidade da
representação popular.
Toda a compreensão do sistema jurídico advém dessa noção, o que acaba gerando
dupla responsabilidade, seja dos eleitores no sentido de terem consciência da importância
e do poder do voto, ou dos eleitos no que tange ao comprometimento da condução do
país, mormente em defesa do interesse público.
De grande relevância destacar que há exigências legais a serem observadas por
aqueles que pretendam ocupar cargos eletivos, de modo que os candidatos devem
atender a todas as condições de elegibilidade (§3º do Art. 14 da CF)7 e não incidirem
em nenhuma causa de inelegibilidade (§§4º, 5º, 6º e 7º da CF c/c LC nº 64/90).8
Os impedimentos jurídicos de se disputar uma eleição guardam relação com
o eixo republicano. A legislação pátria assegura que quem vai representar o povo e
conduzir a coisa pública deve ter condutas compatíveis com esse mister, além de ser
fundamental concorrer em igualdade de oportunidades, máxime para evitar que a
captação do sufrágio seja viciada.
É do ápice da Constituição Federal que a ideia de República joga luzes, ilumina
e coordena a nação. Todo o restante da Carta Magna são meros desdobramentos da
República, tal qual como a federação (União, Estados, Distrito Federal, Municípios),
soberania, tripartição de poderes (Art. 2º da CF), periodicidade dos mandatos (§5º do
Art. 14 da CF), sistema de controle, fiscalização, responsabilização e representatividade,
mecanismos de equilíbrio e harmonia, dentre outros.
Não foi por acaso ou coincidência que a sua positivação constou no primeiro
artigo da Carta Magna, deixando clarividente o seu grau de importância, cuja violação,
direta ou indiretamente, deslegitima toda e qualquer atuação estatal.
Com efeito, a Constituição veda qualquer proposta tendente a abolir (§4º, Art. 60) a
forma federativa de Estado (inciso I), o voto direto, secreto, universal e periódico (inciso
II), a separação de poderes (inciso III) e os direitos e garantias individuais (inciso IV).
Evidentemente que suprimir quaisquer dessas medidas resultaria no rompimento
da ideia de República com a consequente quebra do pacto federativo e inobservância
ao Estado Democrático de Direito. É essa a razão pela qual não é possível a abolição
desses institutos, mas apenas e tão somente realizar meras alterações ou ponderações, o
que não redundaria necessariamente em desrespeito à proposta constituinte originária.
Prova disso é que o regime presidencialista não é cláusula pétrea, o qual pode
ser alterado para parlamentarista, cuja discussão já ocorreu em sede de plebiscito (Art.
14, I, da CF) em 21.04.1993, sendo que ambos são perfeitamente aceitáveis pela Carta
Magna na medida em que são espécie do gênero republicano.
5
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia, 1998. p. 54.
6
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 13.
7
Nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na
circunscrição, filiação partidária e idade mínima.
8
Lei das Inelegibilidades.
Outro exemplo é que, embora seja cláusula pétrea, o voto pode ser obrigatório
ou facultativo, sendo que esta ou aquela opção não desrespeitaria a Constituição
Federal, exatamente porque quaisquer deles são formas de se captar o sufrágio de
forma republicana.
Essas situações demonstram que as cláusulas pétreas são passíveis de mudanças,
desde que não haja esvaziamento do núcleo do conteúdo republicano, o que sequer
pode ser objeto de discussão por vedação constitucional (§4º do Art. 60, da CF).
É inimaginável, à ótica constitucional, possibilitar que o Congresso Nacional
possa ao menos discutir eventual exclusão: (i) do sistema federativo; (ii) do voto direto,
secreto, universal e periódico; (iii) da separação de poderes, e (iv) dos direitos e garantias
individuais. Esses institutos são bases de sustentáculo da República, não admitindo
abolição. Eventual anulação resultaria na violação do sistema republicano, contrariando
toda a essência da estrutura jurídica em que se construiu, e se constrói, a nação.
9
BOBBIO, Norberto. O filósofo e a política: antologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007. p. 235 e 236.
10
ISAACSON, Walter. Benjamin Franklin, uma vida americana. Companhia das Letras, p. 37, citando a Autobiografia
de Benjamin Franklin, pág. 34. New England Courant, 18 e 25 jun., 2 e 9 jul. 1722. O trecho é de The London
Journal.
11
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia, 1998. p. 141.
prévio, ainda mais àquelas que possam contrariar os atos oriundos do Poder Público
ou dos Governantes.
Nesse sentido, afirma Zygmunt Bauman que “a única liberdade que os regimes
totalitários estavam preparados para oferecer aos intelectuais e artistas era a liberdade
de ouvir, de tomar nota e obedecer. Obedecer ou morrer”.12
Sem a garantia da liberdade de expressão seria impossível falar em democracia,
justificando as razões pelas quais esse direito é classificado como fundamental em
qualquer regime republicano.13
Não é outra a lição de Aline Osório ao apontar que “a democracia pouco ou nada
significaria sem a garantia básica das liberdades comunicativas, sem a possibilidade
de discutir e criticar os temas de interesse público, as decisões políticas, o governo e
os governantes”.14
Tanto é assim que John Stuart Mill atestou que sem liberdade não há desenvolvi-
mento.15 Assegurar a livre manifestação abarca não só o direito individual daquele que se
expressa, mas de toda a coletividade, a qual não pode ser tolhida de receber informações,
seja de atos do Poder Público ou das ideias dos demais membros da sociedade.
O debate é próprio da democracia, ainda que pensamentos antagônicos sejam
apresentados, o que independe das ideias serem majoritárias ou minoritárias, radicais ou
não, conservadoras ou liberais, benéficas ou maléficas, nos exatos termos do que afirmou
John Stuart Mill: “nunca poderemos ter a certeza de que a opinião que procuramos
amordaçar seja falsa; e, mesmo que tivéssemos, amordaçá-la seria, ainda assim, um
mal.”16 Fato é que não existem verdades absolutas.17
Ademais, como na democracia a sociedade é responsável pelo seu próprio destino, é
essencial que se possa discutir os rumos e as pautas do país, o que só é possível mediante
ampla liberdade de expressão, e, em cumprimento ao preceito republicano, isso é
assegurado pela Constituição Federal no seu Artigo 5º, incisos IV18 e IX19 e Artigo 220.20
12
BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Zahar, p. 101.
13
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Saraiva, 2015. p. 580-582. “A liberdade de expressar
o pensamento (...) é própria do Estado Democrático de Direito, não se sujeitando a qualquer tipo de censura ou
licença prévia (...) Censura é o expediente contrário ao regime das liberdades públicas. (...) Licença, por sua vez,
é a autorização para veiculação de notícias, comunicados, CDs, DVDs, livros, periódicos, revistas especializadas,
jornais, boletins, folhetos, opúsculos, etc. Ambas são proibidas pelo constituinte brasileiro, sendo livre o ato de
alguém exteriorizar pensamentos científicos, morais, literários, políticos, religiosos, jornalísticos, artísticos, etc.
(...) A liberdade de expressão, quando exercida nos parâmetros constitucionais, representa salvaguarda para o
regime democrático.”
14
OSÓRIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 68.
15
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, 2013. p. 126.
16
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, 2013. p. 51.
17
VALIM, Rafael; MALHEIROS, Antônio Carlos; BACARIÇA, Josephina. Acesso à Informação Pública. Belo Horizonte:
Fórum, 2015. p. 184. “Para que se cumpra a potência democrática e libertária da opinião pública na esfera da
soberania popular, é necessário observar as condições para existência de um espaço de comunicação pública que
estabeleça, incorpore e estimule formas comunicativas de vozes plurais e autônomas na sociedade. Ou seja, um
espaço que respeite e permita a manifestação das particularidades dos cidadãos e cidadãs que participam do
processo político. Assim configurada, a opinião pública democrática se constitui como a expressão pública da
liberdade individual de cada pessoa participar da voz coletiva, apresentando uma base pública da liberdade de
expressão ao mesmo tempo em que é conformada por ela.”
18
Art. 5º (...) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
19
Art. 5º (...) IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença.
20
Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
21
OSÓRIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 69.
22
VALIM, Rafael; MALHEIROS, Antônio Carlos; BACARIÇA, Josephina. Acesso à Informação Pública. Belo Horizonte:
Fórum, 2015. p. 188. “O que se propõe é a organização da defesa da liberdade de expressão dentro do paradigma
de formação de uma opinião pública democrática como fundamento da vida política, seguindo e radicalizando
os princípios das tradições republicanas democráticas (...).”
23
FARIAS NETO, Pedro Sabino de. Ciência Política. São Paulo: Atlas, 2011. p. 144. “No contexto atual de alienação
avassaladora, os indivíduos não querem pensar e refletir, negligenciando quaisquer atos de leitura com atenção.
Desse modo, os indivíduos não querem ter o trabalho de elaborar os sentidos das coisas e buscam apenas consumir
tudo pronto, inclusive os sentidos das coisas. Os indivíduos recebem e aceitam ideias e opiniões feitas, oriundas
do seu meio social, que evolve condicionado pelos veículos de comunicação e pelos entes do seu círculo de
convivência. Eles aderem a essas ideias e opiniões feitas como se as tivesse elaborado.”
24
BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Zahar, p. 112. “Os indivíduos só são livres quando podem instituir
uma sociedade que protege e promove sua liberdade.”
25
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, 2013. p. 51. “Os poderes intelectuais e morais, tal como
os musculares, só se desenvolvem quando são usados.”
26
KANT, Imannuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
em vários tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário27 e, portanto, deve fiel
cumprimento (Art. 5º, §2º da CF).28
É com base nisso que o eleitor vai poder especificar suas pautas para com o Estado,
bem como optar por um representante no âmbito do Poder Público que, a sua ótica,
possa melhor apresentar e executar propostas que interpretem os anseios populares e,
por conseguinte, consiga perseguir o interesse público na maior abrangência possível.
Um dos meios pelos quais isso se concretiza é na eleição, que nada mais é do
que o instrumento pelo qual a soberania popular confere idoneidade da representação
popular, o que se dá, em tese, após amplo debate e divulgação das ideias e perfil de
cada um dos candidatos.
Contudo, muitas vezes os mecanismos utilizados para fomentar o debate e formar
a opinião pública acerca de quem seria o melhor candidato podem induzir o eleitor ao
erro, o que não se coaduna com a ideia de republicanismo, mormente porque “um voto
fundado em informação falsa e errônea seria tão pouco livre quanto aquele fruto da
coação”,29 ainda mais quando determinados grupos e pessoas tenham melhores meios
econômicos e midiáticos para disseminar as informações.
Insta salientar que coibir abusos e a divulgação de informações falsas não podem
nem de longe serem confundidos com uma visão paternalista. Protecionismo é o oposto
de soberania popular. Quando se afirma que o cidadão não tem condições de escolher
e distinguir o que é melhor para si do ponto de vista público, automaticamente há
uma ruptura com o sistema republicano, devendo, pois, alguém tomar decisões pela
coletividade de forma objetiva, o que vai na contramão da democracia.
27
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Art. 19. 1) – Declaração Universal dos Direitos do Homem (Art.
19). Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Art. IV). Carta Democrática Interamericana da
Organização dos Estados Americanos (Art. 4º) – Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 13).
28
Art. 5º (...) §2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
29
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 48.
30
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto,
a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos,
que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (…).
31
Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o
impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente
por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
32
TSE – REspe nº 51-24.2016.6.13.0052/MG – Rel. Min. Luiz Fux – j. em: 18.10.2016 – v.u. – Publicado em Sessão e
REspe nº 86-94.2016.6.11.0001 – Rel. Min. Luiz Fux – j. em: 07.02.2018 – Decisão Monocrática.
33
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à
Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e
circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder
econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em
benefício de candidato ou de partido político.
34
Art. 5º (...) §1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
35
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. Malheiros.
36
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
37
(i) Federação; (ii) voto direto, secreto, universal e periódico (iii) separação de poderes, e (iv) direitos e garantias
individuais.
38
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Malheiros, 2017. p. 93, 94 e 105.
39
OSÓRIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 92-93.
40
Art. 5º (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
41
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 89. “(...) a luta pelo poder
são traços marcantes da personalidade humana.”
42
NEVES FILHOS, Carlos. Propaganda Eleitoral e o Princípio da Liberdade da Propaganda Política. Belo Horizonte:
Fórum, 2012. p. 20-28. “A liberdade de expressão encontra limitação na própria necessidade de manutenção
da condição livre do homem, ou seja, dos seus direitos fundamentais, devendo respeito à dignidade da pessoa
candidato, não sendo aceitável permitir que o eleitor, destinatário final da mensagem,
seja induzido ao erro.
O cidadão tem o direito de não ser ludibriado por propagandas eleitorais negativas
enganosas. Para obstar essa prática não basta apenas a aplicação das penas de caráter
penal (Art. 323 a 327 do Código Eleitoral) e cível (indenização e direito de resposta),43
mas a completa retirada ou suspensão da propaganda em homenagem a tutela do
interesse republicano no que diz respeito a assegurar ao eleitor o direito de saber com
transparência o perfil e história de quem disputa o pleito e vai representá-lo.
Para Fernando Neisser, “o bem jurídico tutelado, portanto, é o direito dos cidadãos,
dos eleitores, de serem protegidos contra métodos falsos de induzimento e persuasão,
que possam levá-los à adoção de comportamentos distorcidos no que tange ao processo
de escolha de candidatos e partidos”.44
Sem embargo, também não seria aceitável admitir propaganda eleitoral incitando
a depredação de repartições públicas ou que pudessem disseminar ódio coletivo, bem
como aquelas que fossem capazes de deteriorarem a paz social com argumentos contrários
à vida, o que violaria a dignidade da pessoa humana, fundamento da República (inciso
III do Art. 1º da CF).
A questão reside em saber até aonde vai a liberdade de expressão para apontar
aspectos negativos dos candidatos. Consigna-se que quanto mais intensiva é uma
intervenção em um direito fundamental, no caso, a liberdade de expressão, tanto mais
graves devem pesar os fundamentos que a justifique (Robert Alexy).
humana, impedindo-se, aí, a invasão da privacidade, a ofensa à honra, a incitação à violência ou atentado contra
a vida.”
43
Art. 243, §3º do CE c/c Arts. 58 e 58-A da Lei nº 9.504/97.
44
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 145.
45
HOBBES, Thomas. O Leviatã. 3. ed. Ícone.
46
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da Política. Zahar.
47
Art. 242. A propaganda eleitoral, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda
partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar,
artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais.
48
Ato Institucional nº 02.
com mais moderação, na economia. Com isso, é natural que a emoção tome conte das
ruas, o que faz parte da festa democrática. Há muitos interesses ideológicos, sociais e
econômicos em jogo.
A atividade política é conduzida pela paixão e emoção. Estranho seria se fosse
diferente. As propagandas eleitorais ganham maior dimensão quando são empregados
mecanismos passionais, sejam eles positivos ou negativos, o que é plenamente compatível
com o regime democrático.
A importância de se explorar o aspecto sentimental nas propagandas foi
corroborada por Duda Mendonça, marqueteiro com grande experiência em certames
políticos, o qual afirmou que “um fato gera emoção – e uma emoção tem o poder de
mudar, de repente, a opinião das pessoas”.49 A paixão é algo intrínseco à humanidade
e não há como afastar isso dos pleitos eleitorais. Não há democracia sem paixão.
Mas é necessário salientar que a abordagem da emoção durante a campanha
deve ter a dosagem adequada, até mesmo para resguardar outros direitos albergados
na Constituição, o que tem de ser aferido à luz do caso concreto.
Eventuais excessos devem ser controlados em consonância com os princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade,50 e não sob o viés do Artigo 242 do Código
Eleitoral, o qual claramente não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 em
razão do referido dispositivo vedar a paixão e a emoção nas propagandas eleitorais, o
que é impróprio numa democracia.51
49
MENDONÇA, Duda. Casos & Coisas. São Paulo: Globo, 2004. p. 41.
50
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70. 2013. p. 100-101. “A liberdade de opinião e a liberdade
de expressar opiniões são necessárias para o bem-estar mental da humanidade (...) deve ser permitida a livre
expressão de todas as opiniões, desde que seja com moderação, e não se ultrapassem os limites de uma discussão
justa.”
51
BULOS, Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Saraiva. 2015. p. 489-490. “Pelo princípio
da recepção, continuam válidos todos os atos legislativos editados na vigência do ordenamento anterior, sendo
recebidos e adaptados à nova ordem jurídica. Logo, não precisam ser reeditados, recriados ou refeitos, mediante
outra manifestação legislativa. (...) Assim, para as leis do ordenamento antigo serem recepcionadas é preciso que
sejam compatíveis com a nova carta maior. (...) O que ocorre com atos legislativos incompatíveis com a nova
constituição? Pelo princípio da revogação, atos legislativos incompatíveis com o novo documento supremo
são destes expulsos. Qualquer antagonismo é repelido em nome da supremacia constitucional e da presunção
de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público. Assim, as leis não recepcionadas pela nova ordem
jurídica perdem a sua vigência, por força dos efeitos ab-rogativos do ditame da revogação. Nem precisa existir
preceito revogatório expresso para que seja assim; afinal, todas as pautas de comportamento desconformes com
o novo texto maior saem da ordem jurídica, automaticamente.”
52
PIRES, Luis Manuel Fonseca. A Liberdade de imprensa e a proteção à imagem à luz da teoria dos papéis sociais.
Revista da Escola Paulista da Magistratura. Ano 5. n. 2. p. 195/206. jul.-dez. 2004. “A maior ou menor proteção do
ordenamento jurídico a cada uma dessas esferas de individualidade (intimidade, privacidade e relacionamento
público) acontece na proporção do papel social que o indivíduo exerce em cada caso concreto, justificando-se,
portanto, quando, a título de exemplo, para um empregado numa empresa da iniciativa privada há maior proteção
à sua privacidade do que teria um funcionário público em cargo de chefia, mas este, por outro lado, mais proteção
gozaria do que um agente público. São papéis sociais diferentes, o que justifica tratamentos diferenciados (...).
Cumpre identificar, portanto, em cada caso concreto, quais são os papéis sociais exercidos pelo autor e pelo réu
e se esses papéis justificam suas atitudes.”
53
BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na
Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo (RDA). Rio de Janeiro. Jul./Set. 2000.
assecuratórias podem ser suficientes para sanear a questão, tudo a depender do exame
acurado do caso concreto.
A prática ofensiva no sentido de agredir os demais candidatos não tem sido bem
recepcionada pelo eleitorado na ótica de Duda Mendonça, o qual atestou que “o povo
se cansou de ataques. Repudia aqueles candidatos que, em vez de ocupar seu tempo
de televisão para falar de si mesmo e dos seus projetos, gastam todo os seus minutos
agredindo adversários”.54
Um exemplo disso ocorreu nas Eleições Municipais de 2012 em Mauá/SP. Após
um dos candidatos tomar a frente nas pesquisas eleitorais do segundo turno, foram
espalhados milhares de tabloides pelas cidades objetivando vinculá-lo ao triste e trágico
episódio que ceifou a vida do ex-Prefeito de Santo André/SP Celso Daniel constando,
ainda, registros fotográficos do falecido no necrotério, numa nítida tentativa de incutir
na cabeça do eleitor que aquele que liderava a corrida tinha sido um dos mandantes
do assassinato.
Todavia, referida acusação já tinha sido objeto de Ação Penal que resultou na
absolvição do candidato anos atrás, inclusive com decisão unânime do Pleno do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, cujo processo já tinha transitado em julgado.
Esse contexto deu azo a interposição de Ação de Investigação Judicial Eleitoral
com pedido de liminar,55 tendo a medida de urgência sido deferida para impossibilitar
que a adversária e a sua coligação divulgassem qualquer episódio ligando o candidato
líder nas pesquisas ao falecimento de Celso Daniel, sob pena de multa de R$500.000,00
(quinhentos mil reais). Ao fim, a ação foi julgada procedente.
Em que pese a censura prévia seja, via de regra, vedada, ainda mais em matéria
eleitoral, ambiente em que circulam interesses coletivos múltiplos, o caso em questão
apontava tamanha gravidade que a única alternativa cabível foi a concessão de tutela
inibitória para que fossem adotadas posturas condizentes com a proteção do eleitor
no que diz respeito a ter assegurado a retirada de propagandas eleitorais negativas
inverídicas.56
Muito embora seja fundamental a liberdade de expressão em qualquer sistema
republicano, a sua utilização não pode ser destinada para fins contrários a sua essência,
sob pena de se configurar abuso de direito.57
O direito de manifestação deve ser harmonizado com outras inúmeras garantias
constitucionais e alinhavado aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
demonstrando, portanto, que não se trata de algo absoluto.
54
MENDONÇA, Duda. Casos & Coisas. São Paulo: Globo, 2004. p. 175.
55
AIJE nº 582-79.
56
NUNES JÚNIOR. Vidal Serrano. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo:
FTD, p. 29. “(...) pode-se afirmar que a Constituição Federal, sobre encampar a liberdade de expressão, pautou-se
por garanti-la de qualquer obstrução, lançando na proscrição qualquer espécie de censura administrativa. Deve-se
ressaltar, nessa linha, que eventual abuso no exercício de expressão não fica livre de eventual sanção judicial, o
que abre caminho para a afirmação de que o nosso ordenamento admite uma espécie de censura judicial.”
57
BEZNOS, Clóvis. A liberdade de manifestação do pensamento e de expressão e a proteção da intimidade da vida
privada. Revista Brasileira de Direito Público (RBDP) – Instituto de Direito Público da Bahia, v. 15. “(...) o direito
à liberdade de manifestação do pensamento e de liberdade de expressão intelectual não se pode configurar, de
sorte a atingir os outros valores protegidos pelo Ordenamento Constitucional, a honra, a imagem, a intimidade
e a vida privada das pessoas, porque quando isso ocorrer se estará configurado um abuso de direito, ensejando
reação jurídica do Ordenamento, no sentido não apenas do direito de resposta, mas de indenização, no plano
civil e de incidências de penas, no plano penal.”
58
Art. 27 (...) §4º – Não caracterizará propaganda eleitoral a divulgação de opinião favorável a candidato, a partido
político ou a coligação pela imprensa escrita, desde que não seja matéria paga, mas os abusos e os excessos, assim
como as demais formas de uso indevido do meio de comunicação, serão apurados e punidos nos termos do art.
22 da Lei Complementar nº 64/90.
59
Art. 21. Compete à União (...) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a)
os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens.
60
Art. 223 – Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão, autorização para o serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privados,
público e estatal.
61
NEVES FILHOS, Carlos. Propaganda Eleitoral e o Princípio da Liberdade da Propaganda Política. Belo Horizonte:
Fórum, 2012. p. 91. “(…) só entra (acessar) quem quer, só lê (segue, curte, comenta, retwita) quem se interessa,
bem diferente do horário eleitoral gratuito (TV e Rádio) – ligou, ele invade a sua casa e a mensagem política é
passada, mesmo sem você querer recepcioná-la.”
62
MENDONÇA, Duda. Casos & Coisas. São Paulo: Globo. 2004. p. 225. “A televisão e o rádio não tomam conhecimento
de muros, paredes, cercas. Vão atravessando tudo, com as informações que levam. Não adianta fechar os olhos.
E, muito menos, portas e janelas.”
63
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 20. ed. 2006. p.
667. “A questão é particularmente grave porque, em País de alto contingente de iletrados e no qual a parcela
de alfabetizados que leem, mesmo jornal, é irrisória, o rádio e a televisão são os meios de comunicação que
verdadeiramente informam e, de outro lado, formam, a seu sabor, a opinião pública, de tal sorte que os senhores
de tais veículos dispõem de um poder gigantesco. (...) as mensagens radiofônicas ou televisivas não encontram
resistência alguma; antes, com o perdão da imagem prosaica, ‘penetram como faca quente na manteiga’. Em
suma: nada as rebate; nada obriga o emissor a ajustar-se a concepções do público-alvo, pois estas serão as que
lhe queira inculcar.”
1.9 Conclusões
a) O sistema republicano norteia todo o ordenamento jurídico brasileiro. Qualquer
interpretação da legislação deve ser realizada em consonância com este princípio;
b) A liberdade de expressão é um desdobramento da democracia e, portanto, deve ser
assegurada na maior medida possível;
c) Propaganda eleitoral consiste na veiculação de informação dentro do período de
campanha para persuadir o eleitor a aderir ou rejeitar essa ou aquela proposta
política, levando, ao fim, a votar ou não neste ou naquele candidato ou partido;
d) A liberdade de expressão, embora detenha caráter fundamental, não se trata de um
direito absoluto;
e) As propagandas eleitorais migraram do aspecto ideológico-partidário para o pessoal;
f) É plenamente possível propagandas eleitorais que tenham o condão de gerar estados
mentais, emocionais e passionais nos eleitores, sobretudo porque o Artigo 242 do
Código Eleitoral não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988;
g) Não há nenhum impedimento na revelação de aspectos negativos dos candidatos
durante o período eleitoral, desde que não sejam disseminadas informações
inverídicas para ludibriar o eleitor, além de ser permitido o apoio da imprensa
escrita a determinadas candidaturas, o que é vedado às emissoras de Rádio e TV.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
ABREU, Lenine Póvoas de. Os limites da liberdade de expressão em matéria eleitoral. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 15-29. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.)
ISBN 978-85-450-0499-8.
2.1 Introdução
O objetivo do presente artigo é fazer uma análise da propaganda eleitoral negativa
como instrumento importante para que o eleitor possa conhecer melhor os candidatos
e suas propostas e assim realizar uma escolha consciente. Pretende-se demonstrar que
a propaganda negativa é um importante elemento de controle eleitoral, no sentido de
avaliar todos os aspectos daqueles que pretendem ascender a um cargo público eletivo.
Inicialmente traz-se um breve apanhado sobre a democracia e a indispensabilidade
da realização de eleições periódicas como instrumento de escolha dos representantes
do povo nos poderes legislativo e executivo, demonstrando que a eleição é um dos
elementos que caracterizam uma sociedade democrática. Nesse sentido serão abordadas
as diferentes formas de participação do povo no poder, seja na democracia direta, seja
na democracia semidireta.
Na sequência o artigo tratará da propaganda eleitoral, uma das mais importantes
fases do processo eleitoral, na qual são veiculadas mensagens aos eleitores destacando as
qualidades e aptidões dos candidatos, bem como apresentando as propostas e projetos
defendidos, com vistas a conquistar o voto e a vaga em disputa. Neste mesmo tópico
serão apresentados os princípios reitores da propaganda eleitoral, destacando-se de
modo especial a liberdade de expressão.
Por fim, será abordada a chamada propaganda eleitoral negativa, com a apresen-
tação das suas principais características definidoras, períodos de veiculação, os
fundamentos de ordem constitucional que a sustentam, bem como os mecanismos de
coibição de eventuais abusos.
1
Nesse sentido é a crítica de Reinaldo Dias (Ciência Política, 2. ed., 2013, p. 173): “(...) a democracia não é algo
que possa ser obtido de forma definitiva, nem é uma solução milagrosa para a solução dos males das sociedades
Conforme Giovani Sartori (1965), citado por Reinaldo Dias, (p. 175),
Se não fossem as eleições, se não fosse o fato de que não confiamos no suposto consenso
de opinião, não existiria a ponte entre governados e governantes e, consequentemente,
não haveria democracia.
humanas, e, principalmente, não se limita aos processos eleitorais. É algo que deve ser construído diariamente, e
inclui uma diversidade de elementos; sem nenhuma dúvida, as liberdades e as eleições, mas não se esgota nelas”.
poder público e dos representantes do povo compromissos e ações efetivas com vistas
a satisfazer as necessidades sociais.
Como exemplo desses novos tempos, podem ser mencionadas as manifestações de
2013 no Brasil, inicialmente motivadas pelo aumento do valor da passagem do transporte
público de passageiros em várias cidades do país, que ao longo dos acontecimentos
encontraram outras motivações, como a corrupção. Interessante notar que os cidadãos
continuam a se manifestar sobre os mais diferentes temas, seja através de reuniões,
movimentos de rua, seja até mesmo, e, talvez, principalmente, através das redes sociais,
cobrando do poder público soluções para os problemas enfrentados no dia a dia.
Inobstante essa nova realidade da democracia brasileira, em que se verifica uma
participação mais intensa do cidadão no debate de temas políticos, a eleição continua
tendo papel de destaque, daí porque o debate eleitoral que antecede a eleição não deve
ser considerado como espaço reservado apenas aos partidos e aos candidatos. É, acima
de tudo, momento de todo cidadão se expressar, cobrando dos demais partícipes da
disputa eleitoral ações e projetos que efetivamente atendam as necessidades da sociedade.
O processo eleitoral não pode ser reduzido a um conjunto de formalidades
para a composição dos governos. Deve representar uma oportunidade concreta para
debater propostas para correção de rumos e os mecanismos de reafirmação de ações
que atendam os interesses da comunidade.
suas qualidades, suas qualificações, bem como os projetos e propostas, por meio dos
quais o postulante a cargo eletivo pretende governar.
O Tribunal Superior Eleitoral, ao apreciar recurso eleitoral no qual se discutia a
possível veiculação de propaganda eleitoral antecipada, definiu a propaganda eleitoral
como o ato “(...) que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a
candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver
ou as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da
função pública”.2
Tratando-se de democracia representativa, é possível dizer que dentre as diversas
fases do processo eleitoral talvez a mais importante seja aquela reservada à campanha
eleitoral, na qual as mensagens de conteúdo eleitoral são divulgadas.
A propaganda eleitoral é aquela elaborada e divulgada sob a responsabilidade
dos partidos políticos e candidatos, no período determinado pela legislação eleitoral,
ou seja, a partir de 16 de agosto do ano da eleição, até a véspera da eleição.3
A veiculação de mensagem eleitoral antes do período permitido caracteriza
propaganda eleitoral irregular, sujeitando o responsável e o beneficiário, quando provado
o seu prévio conhecimento, à multa estabelecida no §3º do art. 36 da Lei nº 9.504/97. Da
mesma forma, a veiculação, no dia da eleição, de qualquer mensagem que configure
propaganda eleitoral é considerada crime.4
Aqui se abrem parênteses para destacar uma importante inovação da legislação
eleitoral em termos de manifestação política. Com a introdução do art. 36-A na Lei
nº 9.504/97 passou-se a admitir como lícitas as manifestações sobre temas políticos,
veiculadas antes do período estabelecido para a propaganda eleitoral, desde que não
envolvam pedido explícito de votos. Eis o teor da norma:
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam
pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades
pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de
comunicação social, inclusive via internet:
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas,
programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a
exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de
televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas
dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de
políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo
tais atividades serem divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;
2
TSE. Acórdão nº 15.732, de 15.04.1999. Rel. Min. Eduardo Alckmin.
3
Lei nº 9.504/97: Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.
4
Art. 39. (...) §5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a
alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil
UFIR: I – o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata; II – a arregimentação
de eleitor ou a propaganda de boca de urna; III – a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos
políticos ou de seus candidatos; IV – a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas
aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e
os conteúdos publicados anteriormente. Art. 39 – (...) §1º É vedada, no dia do pleito, até o término do horário de
votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda
referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos.
Até a edição da Lei nº 12.034 em 2009, as manifestações sobre temas políticos antes
do período reservado para veicular propaganda eleitoral, não raro, eram consideradas
como propaganda antecipada,5 irregular, portanto.
A partir da edição da Lei nº 13.165/2015, que deu nova redação ao art. 36-A da
Lei nº 9.504/97, as restrições ao debate de temas de natureza política, outrora vigentes,
deixaram de existir.
Doravante, as manifestações políticas antes do dia 16 de agosto do ano da eleição
são permitidas, vedando-se apenas o pedido explícito de votos. Desse modo, nos termos
da novel legislação, é permitida até mesmo a menção à pretensa candidatura, a exaltação
das qualidades pessoais dos pré-candidatos, o pedido de apoio político, a divulgação
de ações políticas, bem como a realização de todos os atos enumerados nos incisos do
art. 36-A, da Lei nº 9.504/97.
Porém, de todas as inovações havidas na legislação eleitoral a mais significativa
para o debate político foi a introdução do inciso V, ao art. 36-A da Lei Eleitoral, na
redação dada pela Lei nº 13.165/2015, em razão do qual não devem ser consideradas
como ato de propaganda eleitoral as manifestações de natureza pessoal sobre questões
políticas em qualquer meio ou espaço, inclusive nas redes sociais.
É interessante notar que, a despeito do princípio da liberdade de expressão, foi
preciso editar uma lei para assegurar um direito que a Constituição já previa. Qualquer
que seja o conteúdo da manifestação, mas, especialmente os temas políticos, não pode
sofrer qualquer espécie de vedação, para além daquelas previstas na própria Constituição,
não estando incluída qualquer limitação de ordem temporal.
Assim, assuntos de interesse da sociedade, ainda que típicos da arena política,
podem e devem ser debatidos a todo instante pelos cidadãos e não apenas quando a
arena política estiver montada.
Feito este breve apanhado sobre propaganda antecipada, volta-se ao cerne do
debate relacionado à propaganda eleitoral, a qual constitui momento adequado e
5
Nesse sentido cita-se o Acórdão nº 26.173/2006 do TSE: “Agravo regimental. Recurso especial. Representação.
Propaganda eleitoral extemporânea. Distribuição. Tabela. Copa do mundo. Decisão regional. Configuração.
Infração. Art. 36, §3º, da Lei nº 9.504/97. Reexame. Fatos e provas. Impossibilidade. Súmula nº 279 do Supremo
Tribunal Federal. Incidência. 1. Configura-se propaganda eleitoral extemporânea quando se evidencia a intenção
de revelar ao eleitorado, mesmo que de forma dissimulada, o cargo político almejado, ação política pretendida,
além dos méritos habilitantes do candidato para o exercício da função. 2. Inviável o reexame de provas em
sede de recurso especial para alterar conclusão do Tribunal Regional Eleitoral, que, no caso concreto, entendeu
caracterizada a propaganda eleitoral antecipada. Agravo regimental desprovido.”
6
Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de
exercerem influência perante o eleitorado: (...)
7
Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido
ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória,
injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.
8
Art. 241. Toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-
se-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos.
legislação eleitoral, o que não autoriza, por óbvio, exercer papel de sensor, porquanto,
como visto alhures, a propaganda eleitoral é regida por princípios que inibem qualquer
espécie de controle prévio de conteúdo.
Por fim, o Princípio da liberdade de expressão tem incidência destacada neste ramo
do direito e, muito particularmente, em termos de propaganda eleitoral.
Não se pode conceber a existência de uma verdadeira democracia sem que seja
assegurada a liberdade de expressão, a qual ostenta status de direito fundamental.
A Constituição de 1988, em seu art. 5º assegura a liberdade de manifestação
do pensamento (IV), a liberdade de consciência e de crença (VI), a livre expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (IX) e o direito de acessar a
informação (XIV).
Esse sistema de garantias e direitos pode ser expressado pela liberdade de
expressão em seu sentido estrito, pela liberdade de informação e pela liberdade de
imprensa.
A liberdade de expressão, em seu sentido estrito é configurada pelo direito de
externar e difundir os pensamentos, ideias, opiniões e sentimentos, assegurando ainda
o direito de acessar todas as espécies de manifestações do pensamento.
A liberdade de informação garante o direito de transmitir e comunicar fatos,
assegurando a liberdade de investigação e busca por informações, o direito de informar
e o direito do cidadão de ser bem informado.
E por fim, a liberdade de imprensa assegura a todos os meios de comunicação
social o direito de manifestar ideias e opiniões, além de noticiar fatos e acontecimentos.
Inclui, portanto, o direito de criação e de funcionamento dos meios de comunicação,
observado os limites impostos pelo próprio ordenamento Constitucional.
O regime democrático só se consolida quando é garantida a todos os cidadãos
a liberdade de se expressar, de externar análises de fatos e atos, bem como ter acesso
aos mais diversos pensamentos e opiniões, com vistas a formar sua convicção para
então decidir sobre assuntos de natureza política. Sem a garantia da plena liberdade
de expressão, com a possibilidade de expressar opiniões sobre atos de governo e sobre
os próprios governantes, não há democracia.
Portanto, a despeito de não ser um princípio tipicamente setorial, isto é, aplicável
exclusivamente à seara eleitoral, tem neste ramo do direito incidência conforme sustentam
Fux e Frazão (2016, p. 116):
A despeito de os principais manuais de Direito Eleitoral não abordarem, é inobjetável
que a liberdade de expressão se afigura como um dos princípios informadores do Direito
Eleitoral. Na verdade, ostenta uma posição preferencial (preferred position) no ordenamento
constitucional, em geral, e no direito eleitoral, em particular.
Com efeito, essa proeminência no âmbito político-eleitoral decorre do fato de que os
cidadãos devem ser informados da maior variedade de assuntos respeitantes a eventuais
candidatos, bem como da circunstância de as ações parlamentares praticadas pelos
detentores de mandato eletivo serem amplamente divulgadas para os cidadãos (...).
casos de colisão com outros direitos fundamentais, situação que exige o sopesamento
dos direitos confrontados.
O direito à livre manifestação de pensamento e de expressão de opiniões não
pode ser objeto de censura por parte do estado, conforme expressamente estabelece o
art. 220, da Constituição de 1988.9
A informação é um direito de todo cidadão, não cabendo ao Estado estabelecer
aprioristicamente quais opiniões devem ser consideradas como válidas, tarefa essa
exclusiva do destinatário. A liberdade de informação deve ser ampla de modo a garantir
ao eleitor as condições materiais necessárias para realizar uma escolha consciente no
momento da definição do seu voto.
Todavia, a despeito da ampla liberdade que a própria Constituição assegura, no
âmbito da legislação infraconstitucional verifica-se cada vez mais o estabelecimento de
restrições, seja quanto ao período de veiculação, seja quanto às espécies ou mecanismos
de veiculação de propaganda eleitoral.
Com efeito, a cada nova modificação na legislação eleitoral, particularmente
da Lei nº 9.504/1997,10 novas restrições à propaganda eleitoral são introduzidas no
ordenamento jurídico.
Uma das mais significativas modificações da legislação eleitoral diz respeito ao
período da propaganda. Sob o fundamento da redução de custos de campanha, a partir
das eleições de 2016, o tempo de propaganda eleitoral foi reduzido de 90 para 45 dias,
aproximadamente.11
A limitação do período destinado à campanha eleitoral privilegia aqueles que
são detentores de mandato eletivo e buscam a reeleição, bem como aquelas pessoas
com exposição na mídia e alta penetração na sociedade, como jornalistas, radialistas,
apresentadores de programas, artistas, que pela natureza de suas atividades possuem
enorme exposição midiática.
Ainda que apenas a exposição na mídia não constitua fator decisivo para
determinar a eleição ou não de um candidato, não há como negar que tal fato constitui
elemento importante na disputa eleitoral. Obviamente que esta exposição em que se
destacam as qualidades e os feitos positivos do futuro candidato, coloca-o numa posição
privilegiada no acesso ao eleitor.
De igual modo, a utilização de outdoor como mecanismo de divulgação de ideias
e propostas é proibida desde 2006.
A propaganda de rua foi reduzida a caminhadas e entrega de material impresso,
atos que somente podem ser realizados em determinados espaços das vias públicas,
conforme a regra prevista no inciso I, do §2º, do art. 37 da Lei das Eleições. Restaram
proibidas outras espécies de manifestações, como a utilização de cavaletes e bonecos.
9
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística
em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
(...).
10
Desde a sua edição em 1997, a Lei nº 9.504 já sofreu cerca de 11 modificações. Nesse período foram realizadas 10
eleições, o que demonstra que a Lei das Eleições já possui mais modificações do que eleições em que foi aplicada.
11
Essa redução foi introduzida através da Lei nº 13.165, de 29.09.2015.
12
Nesse sentido cite-se o Acórdão nº 263 de 2014 do TRE/RO, no MS 143418: “Eleições 2014. Mandado de segurança.
Ato de autoridade. Juízo eleitoral. Propaganda eleitoral em vias públicas. Cavaletes. Restrição. Poder de polícia.
Ausência de ilegalidade ou abuso. I – Ao Juízo eleitoral é franqueado normatizar a propaganda eleitoral através
de objetos não fixos (cavaletes, bonecos, cartazes, mesas para distribuição de material de campanha e bandeiras
ao longo das vias públicas), de modo a permitir o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos (Lei nº
9.504/1997, art. 37, §6º). II – Deve-se compatibilizar o direito à propaganda eleitoral dos candidatos aos direitos
dos demais usuários de vias públicas, prevalecendo no caso, o direito à segurança no trânsito. III – Segurança
denegada.”
conteúdo, seja quanto à forma, deve ser considerado como ato lícito de comunicação
entre os candidatos, partidos e os eleitores.
13
Slogans são mensagens curtas e simples de serem lembradas, de modo a facilitar a vinculação à determinada
pessoa.
14
Jingles são músicas criadas para divulgação de uma candidatura.
15
Horário eleitoral gratuito se refere à propaganda eleitoral veiculada no rádio e na televisão, segundo as regras
estabelecidas no art. 44 e seguintes da Lei nº 9.504/97.
que o candidato não vai dar destaque aos seus eventuais defeitos, às suas características
negativas, ou mesmo às deficiências de suas propostas.
Tal circunstância não impede, porém, que os outros candidatos realizem essa
tarefa, ou seja, busquem desconstituir as supostas qualidades e projetos do candidato
adversário. Essa é, pois, incumbência da propaganda eleitoral negativa, como instrumento
de persuasão utilizado em larga escala nas disputas eleitorais.
Essa espécie de propaganda tem sido cada vez mais recorrente nas disputas
eleitorais, especialmente naquelas em que o pleito é decidido pelo sistema majoritário.
Por vezes, candidatos gastam mais tempo tentando desconstruir a imagem do adversário
do que apresentando suas próprias propostas.
A utilização de instrumento de desconstituição do adversário não é exclusividade
da política brasileira, conforme destaca Neisser (2016, p. 91), encontrando registros de
sua utilização como mecanismo de marketing aplicado à campanha eleitoral na eleição
presidencial americana em 1956.
Como destaca Neisser, a propaganda negativa é utilizada desde que a propaganda
começou a ser utilizada como instrumento de convencimento na arena política. Trata-se
de importante instrumento a ser empregado nas disputas eleitorais para, a partir do
destaque dos aspectos negativos do adversário e das propostas, convencer o eleitor a
não votar em determinado candidato.
Conquanto tal estratégia eleitoral possa ter antipatia de parte do eleitorado, ela
se constitui em instrumento essencial na disputa eleitoral, encontrando, pois, matriz
na ordem constitucional. Trata-se de ato protegido pela liberdade de expressão e de
informação que, como visto anteriormente, constitui um dos pilares da democracia.
É instrumento importante para o embate eleitoral, porquanto, conforme já
afirmado anteriormente, cada candidato levará para a sua campanha eleitoral apenas
os aspectos positivos da sua pessoa e propostas, o que pode dar ao eleitor uma ideia
falsa, tanto do candidato quanto daquilo que efetivamente defende.
A propaganda eleitoral positiva jamais vai demonstrar ao eleitor os aspectos
negativos do candidato, o seu passado, as promessas não cumpridas, a falta de honora-
bilidade, o desrespeito pelo bem público, e até mesmo a prática de atos censuráveis,
inclusive da esfera privada.
Com efeito, alguns aspectos, ou acontecimentos na órbita privada dos candidatos,
podem interessar ao eleitor para melhor conhecer as qualidades do candidato que
pretende assumir um cargo público.
Ainda que possa ser questionável o uso na campanha eleitoral de informações
relacionadas à vida privada dos candidatos, é de se ter em mente que o mandato em
disputa representa uma outorga do eleitor ao candidato escolhido para agir em seu
nome, para representá-lo no parlamento e para concretizar as ações e projetos no
âmbito do poder executivo, daí porque assuntos da esfera privada podem interessar
ao cidadão/eleitor, para melhor conhecer aquele que se apresenta como pretendente a
ocupar cargo público.
Evidentemente que a intimidade continua a ser protegida, porém, alguns aspectos
da vida privada podem e devem ser conhecidos. Tome-se como exemplo um candidato
ou uma candidata que tem por hábito agredir seu cônjuge. Evidentemente que esse
aparente assunto “doméstico” interessa aos eleitores na medida em que demonstra o
caráter e a conduta daquele ou daquela pretendente a ocupar um cargo eletivo.
A Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa” introduziu no ordenamento novas
16
hipóteses de inelegibilidade, bem como ampliou os períodos de impedimento do exercício da capacidade eleitoral
passiva.
Tem o eleitor o direito de receber todo tipo de informação relativa aos candidatos
e aos partidos aos quais estão vinculados. O eleitor precisa conhecer o passado e o
presente dos candidatos e partidos para avaliar, a partir de tais elementos, como deve
se comportar no futuro aquele que pretende acessar o cargo público.
Saber o que pensa, o que já fez ou deixou de fazer e quem são as pessoas que
cercam o candidato são informações essenciais para o eleitor conhecer o candidato e
avaliar as suas qualidades e posições e assim tomar uma decisão consciente.
E quais seriam os limites para a veiculação de propaganda eleitoral de cunho
negativo?
Os princípios que regem a propaganda eleitoral asseguram a ampla liberdade
dos partidos e candidatos para veicularem suas mensagens. Porém esse direito não é
absoluto, tendo na legislação eleitoral regras que estabelecem a moldura da comunicação
entre os partidos, candidatos e os eleitores.
Os limites a serem observados na veiculação de mensagens de cunho negativo
no âmbito da propaganda eleitoral são aqueles que regem a propaganda eleitoral de
um modo geral.
Nesse sentido é oportuno rememorar o princípio da veracidade já abordado do
tópico anterior, em razão do qual se veda a veiculação de qualquer mensagem com
conteúdo inverídico, seja ele de caráter positivo e, muito especialmente, de cunho
negativo.
Ainda como proteção à propaganda eleitoral, o Código Eleitoral estabelece
espécies de crimes. Quando há divulgação de conteúdo inverídico tem-se configurado
o crime do art. 323. Quando é divulgado na propaganda eleitoral, ou para fins de
propaganda, informações caluniosas, difamatórias ou injuriosas têm-se os crimes dos
artigos 324, 325 e 326, todos do Código Eleitoral.17 Os mesmos atos caracterizadores dos
crimes mencionados autorizam ainda o exercício de direito de resposta, nos termos do
art. 58, da Lei nº 9.504/97, permitindo-se àquele atingido pela veiculação impugnada
a oportunidade de responder as inverdades ou acusações, com vista a restabelecer o
equilíbrio no debate eleitoral.
A despeito deste tema, a veiculação de conteúdo inverídico talvez seja uma
das maiores mazelas da propaganda eleitoral, destacando-se especialmente aquelas
veiculadas através de redes sociais, no mais das vezes sob o manto do anonimato.
Não por outro motivo a Lei nº 9.504/97 veda o anonimato nas manifestações
eleitorais, na internet, ou mesmo aquelas em que é atribuída a autoria a terceiro, inclusive,
candidatos, partidos ou coligações.18
17
Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente
fato definido como crime:
(...)
Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofen-
sivo à sua reputação:
(...)
Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade
ou o decoro:
(...)
18
Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio
da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c
do inciso IV do §3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem
eletrônica.
(...)
Art. 57-H. Sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis, será punido, com multa de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), quem realizar propaganda eleitoral na internet, atribuindo indevidamente
sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação.
19
Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na ADI n. 4451, julgada em 02/09/2010 que suspendeu o inciso II,
do art. 45, da Lei n. 9.504/1997, com a seguinte redação:
“Art. 45. (...)
II – usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem
candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito; (...)”.
20
Tribunal Superior Eleitoral. AgRegRESPE nº 204014, j. 10.11.2015, Rel. Min. Luciana Lóssio.
21
Tribunal Superior Eleitoral. Representação Eleitoral nº 587/2002.
22
Código Eleitoral: “Art. 242. A propaganda, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a
legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados
a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”.
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de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
FERNANDO NEISSER
PAULA BERNARDELLI
RAQUEL MACHADO
3.1 Introdução
Linguagem é estratégia. A linguagem comumente guarda artifícios para atingir
sua finalidade. Assim é que escritores se valem de licenças poéticas para exaltar cenas e
sentimentos. Na política, jogo de poder com nuances de conquista, também é comum o
uso de artifícios no diálogo com o povo, na busca pela conquista do eleitor. Esse emprego
da palavra poderia ser assim chamado de licença política. Tal licença equivale, muitas
vezes, ao uso de mentiras, seja para anunciar planos mirabolantes, atacar adversários ou
maquiar fatos. A linguagem da política, afinal, é persuasiva, uma tentativa de convencer
alguém a adotar um determinado comportamento.2
Como revés dessa licença, princípios gerais do Direito Eleitoral, como os da
legitimidade e da normalidade das eleições, assim como o da moralidade, demandam
1
“A prevailing concern is that widespread fake news on social media will precipitate a crisis of democracy by
undermining the assumption that members of the democratic society are informed and capable of making rational
decisions”. JANG, Seung Mo; JOON, Kim. Third person effects of fake news: Fake news regulation and media
literacy interventions. Computers in Human Behavior, v. 80, 2018. p. 300 (p. 295-302). Tradução livre.
2
Adota-se aqui a compreensão de persuasão dada por Alejandro Pizarroso Quintero, para quem “(...) persuasión
no es otra cosa que el proceso comunicativo cuya clave está en la respuesta del receptor, es decir, aquel que
pretende promover una dependencia interactiva entre emisor y receptor mediante la formación, reforzamiento
o modificación de la respuesta del recepto. Es, pues, un proceso comunicativo cuya finalidad u objetivo es la
influencia. Un mensaje persuasivo se conforma según una conducta deseada por el emisor para que sea adoptada
voluntariamente por el receptor”. PIZARROSO QUINTERO, Alejandro. Historia de la propaganda política. 2. ed.
Madri: Eudema, 1993. p. 26-27.
3
Bots são, fundamentalmente, aplicativos que realizam atividades de modo automatizado. “Specifically, a bot is
an application that performs an automated task, such as setting an alarm, telling you the weather or searching
online. (...) Bots are everywhere in technology, ranging from malicious bots that come with a virus to search
engine spiders that crawl the Internet looking for new Web pages to add. In this context, we’re talking about
chatbots, which can hold a conversation with you to accomplish a task”. CNET. What is a bot? Here’s everything
you need to know. Disponível em: <https://www.cnet.com/how-to/what-is-a-bot/>. Acesso em: 30 jan. 2018.
4
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das letras, 2016. p.
370.
que ponto é possível admiti-la ou não. Seguir-se-á, então, com o exame de boas práticas
para o uso da internet, a fim de refletir sobre parâmetros de comportamentos possíveis
e desejáveis, e eventual necessidade de reforma da legislação, considerando abusos. Por
fim, será analisada a necessidade de legislação específica para disciplinar o assunto e
quais os efeitos jurídicos que se podem atribuir à mentira.
O assunto é desafiador pela fluidez e intangibilidade da realidade cibernética,
mas a democracia é lapidada em suas adversidades, a cada novo momento histórico.
5
SEGURADO, Rosemary; LIMA, Carolina Silva Mandú de; AMENI, Cauês. Regulamentação da Internet: perspectiva
comparada entre Brasil, Chile, Espanha, EUA e França. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro.
Disponível em: <htttp://www.scielo.br/hcsm>. Acesso em: 30 jan. 2018.
6
GALLOWAY, Alexander. Protocol: How Control Exists After Decentralization. London: The MIT Press. 2004.
7
SEGURADO, Rosemary; LIMA, Carolina Silva Mandú de; AMENI, Cauês. Op. Cit.
8
Art. 2º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem
como: (...) II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios
digitais;
9
Microtargeting ou microssegmentação é uma estratégia de publicidade pela qual, dispondo de grandes quantidades
de dados, divide-se os destinatários da comunicação em tantos grupos quanto possível, cada qual com características
bastante homogêneas, construindo mensagens específicas que dialogam com os vieses de cada grupo. Nas palavras
de Oana Barbu, “a way to successfully create personalized messages or offers, correctly estimate of their impact
(in regards to sub-grouping) and delivery directly to individuals”. BARBU, Oana. Advertising, Microtargeting
and Social Media. Procedia: Social & Behavioral Sciences, v. 163, 2014. p. 44 (p. 44-49). Para Tom Agan, “Another way
to think about micro-targeting is as an advanced, precise psychographic segmentation that uses a proprietary
algorithm to determine a combination of demographic and attitudinal traits to assign individuals to each specific
segment. It is beyond traditional zip code, neighborhood, and strictly demographic targeting. It is a new level
that combines attitudes, available consumer data and demographics to find like-minded people (often very
different demographically) who are motivated by similar things and predict what they will do”. AGAN, Tom.
Silent Marketing: Micro-targeting, Penn, Schoen & Berland White Paper. Disponível em: <http://www.wpp.com/~/
media/sharedwpp/marketing%20insights/reports%20and%20studies/psb_silent%20marketing_mar07.pdf>. Acesso
em: 30 jan. 2018.
10
Cass Sunstein descreve já em 2007o que parecia um futuro distópico, ainda que próximo, quando diz “It is some
time in the future. Technology has greatly increased people´s ability to ‘filter’ what they want to read, see, and
hear. (...) If you are interested in politics, you may want to restrict yourself to certain points of view by hearing
only from people with whom you agree”. SUNSTEIN, Cass. Republic.com 2.0. Princeton: Princeton University
Press, 2007. p. 1-2.
11
PARISER, Eli. O filtro invisível: O que a internet está escondendo de você. Zahar, 2012. p. 10.
12
“Cyberbalkanization refers to the idea of segregation of the Internet into small political groups with similar
perspectives to a degree that they show a narrow-minded approach to those with contradictory views”. BOZDAG,
Engin; VAN DEN HOVEN, Jeroen. Breaking the Filter Bubble: democracy and design. Ethics and Information
Technology, v. 17, n. 4, 2015. p. 249 (p. 249-265).
13
Comumente define-se big data como um conjunto de dados grande demais para ser capturado, armazenado,
gerenciado e analisado pelas ferramentas e protocolos tradicionais. Adicionalmente, costuma-se afirmar que o
conceito de big data é definido pelos “5 Vs”: volume, variedade, velocidade, valor e veracidade. EMANI, Cheikh
Kacfah; CULLOT, Nadine; NICOLLE, Christophe. Understandable Big Data: A survey. Computer Science Review,
v. 17, 2015. p. 71-72 (p. 70-81). Romany Mansour aponta, ainda, que recentemente o termo big data passou a ser
vinculado mais intimamente às redes sociais: “Although the term Big Data is often used to refer to large datasets
generated by science and engineering or business analytics efforts, increasingly it is used to refer to social networking
websites and the enormous quantities of personal information, posts, and networking activities contained therein.
The quantity and sensitive nature of this information constitutes both a fascinating means of inferring sociological
parameters and a grave risk for security of privacy”. MANSOUR, Romany F. Understanding how big data leads
to social networking vulnerability. Computers in Human Behavior, v. 57, 2016. p. 348 (p. 348-351).
14
O’NEIL, Cathy. Weapons of Math Destruction: how Big Data increases inequality and threatens democracy. New
York: Crown Publishers, 2016.
15
“Because of the lack of transparency and the underlying complexity of algorithm, the relationship between data
and algorithm are not only opaque but also guarded with great secrecy. Even within the government who seek
for openness and transparency, the subject of contention matters to national security. This is illustrated by the
encryption battle between Apple and FBI (...) Despite a court order, Apple stands by its decision of not weakening
its encryption technology, which can compromise its own system security and make it vulnerable to hackers.
The dilemma, which has galvanized sympathy from the likes of eBay, Google and Amazon has highlighted the
tensions between the Government and the private sector. In this instance, the enforcement of strong encryption
by Apple, in an effort to protect perceived user privacy, has delayed the progress of a criminal investigation.
While the debates surrounding the controversy of whether Apple should or should not grant FBI access to the
private data continue, a fundamental question of what and how data should be governed remains, and requires
timely and scholarly enquiry”. JANSSEN, Marijn; KUK, George. The challenges and limits of big data algorithms
in technocratic governance. Government Information Quarterly, v. 33, n. 3, 2016. p. 374 (p. 371-377).
16
CUKIER, Kenneth; MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Big Data: A Revolution That Will Transform How We Live,
Work, and Think. Boston: Mariner Books, 2014.
17
Tufekci menciona ainda que as eleições de 2016 nos Estados Unidos foram definidas por cerca de 100 mil votos.
TUFEKCI, Zeynep. We are building a distopia just to make people click on ads. Disponível em:<www.ted.com/talks/
zeynep_tufekci_we_re_building_a_dystopia_just_to_make_people_click_on_ads>. Acesso em: 30 jan. 2018.
Outra ferramenta com funcionamento parecido são os chamados fake bots, que
são também perfis de usuários falsos, mas administrados por robôs (bots) programados
para reagir ao conteúdo da rede social como se humanos fossem. Esses robôs são
capazes de colher dados, interpretá-los e gerar script para atuar de forma idêntica ao
comportamento de um cidadão comum utilizando o perfil.18
Independente da forma como são administrados (por administradores físicos ou
robôs), esses perfis falsos têm a capacidade de ingressar em bolhas de microssegmentação
específicas e lançar conteúdos que, por interação orgânica (dos usuários reais da rede) ou
falseada (com interação com outros perfis falsos) adquirem relevância naquele ambiente,
ao fazer um determinado assunto ser repetido por uma quantidade grande de usuários
em curto espaço de tempo. Essa construção de relevância de conteúdos de forma artificial
é muitas vezes utilizada como estratégia para rompimento da opinião pública e para
a criação de falsos consensos, o que não apenas tem influência no comportamento do
usuário da plataforma que tem contato com esses cenários falsamente consensuais,
mas também, muitas vezes, pauta matérias na imprensa tradicional pelo falseamento
da relevância dos assuntos.
Estes mecanismos foram bastante comentados após as últimas eleições presiden-
ciais nos Estados Unidos, vez que a campanha do presidente eleito, Donald Trump,
fez uso massivo de mecanismos de marketing digital e geração de conteúdo.19 No
cenário brasileiro, um estudo realizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas
da Fundação Getúlio Vargas demonstrou que a maior parte dos debates políticos que
ocorreram em redes sociais como o Twitter foram movidos por perfis automatizados.20
Um dos pontos principais com relação a estes mecanismos de criação e pulverização
de conteúdo é a falta de transparência quanto à identidade de seus financiadores e
desenvolvedores. Não há mecanismo acessível para descobrir o responsável pela criação
dos códigos de bots utilizados para estes fins, nem mesmo uma forma de identificar o
autor dos códigos, mecanismos fáceis de localização dos administradores reais de perfis
falsos e, ainda, formas possíveis de rastrear a contratação desses serviços.
18
As duas modalidades de fraudes aqui mencionadas – perfis falsos administrados por pessoas reais e grupos de
bots atuando de forma automatizada – são regularmente utilizadas para fins comerciais, as chamadas like farms.
O intuito é obter “curtidas” para a página que as contrata, aumentando sua exposição e o retorno financeiro da
atividade. O tema é exposto por Muhammad Ikram et al., quando sugerem que: “At the same time, as the number
of likes on a Facebook page is considered a measure of its popularity, an ecosystem of so-called ‘like farms’ has
emerged that offers paid services to artificially inflate the number of likes on Facebook pages. These farms rely on
fake and compromised accounts as well as incentivized collusion networks where users are paid for actions from
their account. Popular media reports have speculated that Facebook ad campaigns may also garner significant
amounts of fake likes, due to farm accounts’ attempt to diversify liking activities and avoid Facebook’s fraud
detection algorithms. With the price charged by like farms varying, for 1000 likes, from $14.99–$70 for worldwide
users to $59.95–$190 for USA users, it is not far-fetched to assume that selling likes may yield significant profits
for fraudsters”. IKRAM, Muhammad et al. Measuring, Characterizing, and Detecting Facebook Like Farms. Cornell
University Library. Disponível em: <https://arxiv.org/abs/1707.00190>. Acesso em: 30 jan. 2018.
19
Sobre o tema ver: HELBING, Dirk et al. Will Democracy Survive Big Data and Artificial Intelligence? Disponível em:
<https://www.scientificamerican.com/article/will-democracy-survive-big-data-and-artificial-intelligence/>. Acesso
em: 30 jan. 2018. ALVES, Paulo. Big Data: O Segredo por trás da eleição de Trump. Disponível em:<https://www.
showmetech.com.br/big-data-trump/>. Acesso em: 30 jan. 2018. MOTA, Camilla Vera. Robôs e Big Data: as armas
do marketing político para as eleições de 2018. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41328015>.
Acesso em: 30 jan. 2018.
20
RUEDIGER, Marco Aurélio (Coord.). Robôs, redes sociais e política no Brasil: estudo sobre interferências ilegítimas
no debate público na web, riscos à democracia e processo eleitoral de 2018. Rio de Janeiro: FGV, DAPP, 2017.
Disponível em: <http://dapp.fgv.br/wp-content/uploads/2017/08/Robos-redes-sociais-politica-fgv-dapp.pdf>.
Acesso em: 30 jan. 2018.
– Pois bem – prosseguiu Sócrates –, se, vendo suas tropas desanimadas, anuncia-lhe
falsamente um general que lhes chegam auxílios e dessa forma consegue devolver-lhes a
coragem, de que lado colocaremos essa mentira?
Ao que Eutidemo reconhece:
– Do lado da justiça, acredito.22
21
Diversas são as passagens da carta que demonstram o cru pragmatismo que já à época caracterizava as disputas
eleitorais: “(...) now, my brother, you have many qualities, but those you lack you must acquire and it must
appear as if you were born with them. (…) You desperately need to learn the art of flattery – a disgraceful thing
in normal life but essential when you are running for office (...) for a candidate must be a chameleon, adapting to
each person he meets, changing his expression and speech as necessary” (p. 62-63). “Remember Cotta, the master
of campaigning, who said that he would promise everything to anyone, unless some clear obligation prevented
him, but only lived up to those promises that benefited him (…) after all, if a politician made only promises he
could keep, he wouldn´t have many friends” (p. 70-71). “Finally, as regards the Roman masses, be sure to put on
a good show. Dignified, yes, but full of the color and spectacle that appeals so much to crowds. It also wouldn´t
hurt to remind them of what scoundrels your opponents are and to smear these men at every opportunity with
the crimes, sexual scandals, and corruption they have brought on themselves” (p. 78-79). “You don´t have to
actually bring your opponents to trial on corruption charges, just let them know you are willing to do so. Fear
Works even better than actual litigation” (p. 83). Cícero foi eleito na ocasião, tendo recebido posteriormente,
pelo seu sucesso no cargo, o título de Pater Patriae. CICERO, Quintus Tullius. How to win an election. Tradução
de Philip Freeman. Princeton: Princeton University Press, 2012.
22
XENOFONTE. “Ditos e feitos memoráveis de Sócrates”. In: Sócrates – Coleção Os Pensadores. Tradução de Enrico
Corvisieri e Mirtes Coscodai. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 230.
23
ARENDT, Hannah. “A mentira na política” em Crises da República. tradução José Volkmann. 3 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2017. p. 15
24
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Representação nº 488, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros.
Publicado em Sessão em 30.09.2002.
25
UNITED STATES COURTS. Disponível em: <http://www.uscourts.gov/educational-resources/educational-activities/
facts-and-case-summary-us-v-alvarez>. Acesso em: 30 jan. 2018.
26
O assunto foi tratado com maior profundidade por um dos autores deste artigo em: NEISSER, Fernando Gaspar.
Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade e utilidade da criminalização da mentira na
política. 2014. 276 f. Dissertação (Mestrado em Direito Penal) – Universidade de São Paulo, São Paulo. 2014.
27
BROWN, A. Bodyguard of lies. Nova Iorque: Harper and Row, 1975. p. 462.
28
MEARSHEIMER, John J. Por que os líderes mentem: toda a verdade sobre as mentiras na política internacional. Rio
de Janeiro: Zahar, 2012. p. 24 e 29.
29
“Misinformation, spin, lies and deceit have of course been around forever. But what Silverman and others
uncovered was a unique marriage between social media algorithms, advertising systems, people prepared to
make stuff up to earn some easy cash and an election that gripped a nation and much of the world”. WENDLING,
Análise empreendida pelo mesmo jornalista demonstrou que, nos meses mais
críticos daquela campanha, as vinte matérias falsas que geraram maior engajamento
(compartilhamentos, reações e comentários no Facebook) superaram as vinte matérias
mais repercutidas dos principais veículos de mídia tradicionais, como New York Times,
Washington Post, Huffington Post e NBC News.30
Como se pode perceber pelo exemplo norte-americano, essencial para que os
fatos falsos disseminados angariem credibilidade e, por isso, viralizem, é a aparência
de veracidade da informação. Geralmente, tal aparência é obtida atrelando-se a notícia
falsa a um meio mídia, real ou fictício. Uma informação anônima tem pouca chance
de convencer o incauto, enquanto aquela que vem embalada no nome de um jornal ou
site, mesmo que desconhecido, parece receber por contaminação a credibilidade que
a imprensa detém.
Os elementos que caracterizam esta denominada mentira destrutiva, objeto de
maior preocupação, são, cumulativamente: i) o intuito de prejudicar o adversário ou
beneficiar seu responsável, ii) a consciência de que os fatos expostos não correspondem
à realidade; iii) a expressiva propagação, em geral pelas redes sociais ou por outros
mecanismos como os aplicativos de mensagens eletrônicas e iv) o invólucro que a
embala, geralmente fazendo-se passar por matéria jornalística.
Nesta linha de raciocínio e tendo esta espécie de mentira em vista, não se pode
admitir que em um debate as escolhas feitas pelos indivíduos sejam alicerçados em uma
ilusão, uma farsa. Do contrário, haveria apenas sujeição e não decisão. O reconhecimento
da possibilidade do uso da mentira, assim, não pode levar à aceitação de seu emprego
em todas as modalidades expostas, especialmente na última, a destrutiva. Se, como
lembra Hannah Arendt a mentira é comum na política, por outro lado:
Mike. The (almost) complete history of ‘fake news’. BBC Trending, 22.01.2018. Disponível em: <http://www.bbc.com/
news/blogs-trending-42724320>. Acesso em: 30 jan. 2018.
30
“In the final three months of the US presidential campaign, the top-performing fake election news stories on
Facebook generated more engagement than the top stories from major news outlets such as the New York Times,
Washington Post, Huffington Post, NBC News, and others, a BuzzFeed News analysis has found. During these
critical months of the campaign, 20 top-performing false election stories from hoax sites and hyperpartisan
blogs generated 8,711,000 shares, reactions, and comments on Facebook. Within the same time period, the 20
best-performing election stories from 19 major news websites generated a total of 7,367,000 shares, reactions,
and comments on Facebook”. SILVERMAN, Craig. This Analysis Shows How Viral Fake Election News Stories
Outperformed Real News On Facebook. BuzzFeed News, 16.11.2016. Disponível em: <https://www.buzzfeed.
com/craigsilverman/viral-fake-election-news-outperformed-real-news-on-facebook?utm_term=.kh3VvZBBV0#.
wrLELjaaEl>. Acesso em: 30 jan. 2018.
31
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2008.
em sua propagação, com o propósito inclusive de se tornar verdade social pela repetição
intensa.
A internet, além de viabilizar a criação das bolhas digitais antes referidas,
facilita a intensificação da mentira. Sua qualidade de pluralizar as fontes e viabilizar
a rápida propagação de notícias e opiniões, pode ser, ao mesmo tempo, seu defeito.
Como observa Richard Hasen, o fato de que cada um é, simultaneamente, destinatário
e fonte de informação leva ao declínio da hegemonia de fontes confiáveis. Além disso,
a polarização política, aumentada inclusive pelas bolhas, acentua a possibilidade de a
impressa se mostrar assumidamente tendenciosa, como é o caso, nos Estados Unidos de
veículos de comunicação como a FOX.32 Some-se a isso o fato de que as notícias falsas
podem ser impulsionadas por robôs, como já mencionado, sendo missão praticamente
impossível o combate a esse fluxo pela propagação de notícias contrárias. Em algumas
hipóteses, ou se impede a propagação da notícia falsa ou seus efeitos podem ser deletérios.
Não se pode perder de vista, contudo, que o controle excessivo do que se debate
nas redes sociais pode tolher a liberdade de expressão e, numa visão paternalista,
acanha um comportamento adulto e maduro dos cidadãos, que devem estar preparados
para todo tipo de discurso, filtrando-o pela inteligência e pelo debate, e não pelo mero
controle estatal e pela repressão.
Diante da falibilidade humana e da constatação histórica de que a crença quanto à
ocorrência de um fato tido por verdadeiro pode revelar-se logo após falsa, manifestações
variadas devem ser aceitas.33 Além disso, num ambiente democrático, que tem como
fundamento a igualdade e a pluralidade política, somente pontos de vista diversos
ajudam na busca pela verdade. Ou seja, questões relacionadas à epistemologia34 e à
democracia conclamam a aceitação de manifestações díspares, sem que uma ou outra
possa de antemão ser apontada como mentira.
A chave para compreender a razão pela qual se justifica um maior controle no que
toca à mentira destrutiva, em contraposição ao discurso geral de cidadãos e candidatos,
muitas vezes também permeados de inverdades, diz respeito à fonte de sua origem.
O argumento remonta a uma tradicional distinção entre propaganda negra, cinzenta e
branca, traçada por Alejandro Pizarroso Quintero. Enquanto na primeira modalidade a
fonte é propositalmente falseada e na última, conhecida, a segunda está em uma zona
de incerteza.35
Assim, a mentira praticada isoladamente por um candidato tem como provável
consequência a rejeição da opinião pública. O próprio sistema, com o ataque pontual de
outros candidatos, a atuação do Ministério Público e da Justiça Eleitoral, proporciona
um controle de certa forma eficaz. Se a mentira, porém, é dita por uma boca da qual
32
HASEN, Richard L. A Constitutional Right to Lie in Campaigns and Elections. Montana Law Review, v. 74, n. 1,
2013. p. 54 (p. 53-77).
33
MILL, Stuart. On Liberty. Ontário: Batoche Books Limited, 2001. p. 22.
34
POPPER, Karl. Conhecimento sem autoridade em Textos escolhidos. Organização David Miller. Rio de Janeiro:
Contraponto Ed. PUC. Rio, 2010. p. 52, e também BRONOWSKI, Jacob. Ciência e valores humanos. Tradução de
Alceu Letal. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. p. 68.
35
“Se puede hablar de distintos modos o forma de propaganda. Propaganda blanca sería aquella en la que la
fuente, o emisor, está correctamente identificada y el contenido de su mensaje tiende a ser preciso. Por el
contrario, llamamos propaganda negra a aquella en la que la fuente emisora está deliberadamente falsificada,
independientemente de la falsedad o verdad del mensaje. Algunos autores se refieren a una forma intermedia
que denominan propaganda gris ‘cuando la fuente puede o no ser correctamente identificada y la exactitud de
la información es incierta’”. PIZARROSO QUINTERO, Alejandro. Op. cit., p. 29.
não se conhece o corpo, mesmo que haja o desmentido, o candidato a quem interessou
sua propagação não sofre efeitos negativos. É um jogo em que ele não pode perder e,
portanto, tem todo incentivo para seguir com as práticas ilegais. Assim, o combate à
mentira dita na propaganda eleitoral, atribuível a um candidato, deve ser diferente
daquele em relação ao que circula de forma profissional, sem fonte identificável ou,
ainda, com fonte mascarada.
Desse modo, a liberdade para a circulação de informações, mesmo que falsas,
somente tem sentido quando veiculadas pelos candidatos. Importa demais que se saiba
qual a fonte da informação e, mais relevante, que essa fonte seja uma campanha, um
candidato.
O eleitor, geralmente, aborda as informações trazidas por campanhas e candidatos
com um grau saudável de ceticismo, sabendo que nem tudo aquilo deve ser verdade.36
Essa realidade muda de roupagem quando as informações são trazidas por fontes opacas,
muitas se passando por órgãos de imprensa. O invólucro aumenta a credibilidade do
conteúdo, por um lado, e torna muito mais difícil que se tenha um efeito bumerangue.37
Reconhecendo-se a nocividade desta modalidade de mentira destrutiva, as fake
news, questão relevante relaciona-se a saber como é possível seu controle, se o Direito
e as instituições jurídicas e sociais têm fôlego e estrutura para realizá-lo e com que
intensidade pode fazê-lo, de modo a não mitigar de forma desproporcional a liberdade
de expressão, o fluxo de informações na internet ou mesmo para não atuar inutilmente.
36
O tema foi objeto de abordagem específica em outra ocasião, bastando aqui lembrar as conclusões de Richard Lau,
Lee Sigelman e Ivy Brown Rovner, para quem “não há evidência consistente na literatura científica que suporte
a tese de que a propaganda eleitoral negativa atinge os resultados eleitorais pretendidos por quem a usa”. LAU,
Richard; SIGELMAN, Lee; ROVNER, Ivy Brown. The effects of negative political campaigns: a meta-analytical
reassessment. The Journal of Politics, v. 69, n. 4, 2007. p. 1176-1209.
37
“Negative political advertising may achieve its intended effects, but it may also produce boomerang effects. A
strong attack on a candidate, if perceived by the audience as untruthful, undocumented, or in any way unjustified,
may create more negative feelings toward the sponsor, rather than toward the target. Similarly, an attack perceived
as unjustified may generate more positive feelings toward the target”. GARRAMONE, Gina M. Voter Responses
to Negative Political Ads. Journalism Quarterly, v. 61, n. 2, 1984. p. 251 (p. 250-259).
38
GOLBEC, Jennifer. Analysing the Social Web. Massachusetts: Morgan Kaufmann, 2013.
Esse funcionamento das redes sociais e gerenciamento de seus conteúdos não apenas
pauta como define debates públicos.
Pensando na melhoria do ambiente nas campanhas eleitorais brasileiras, o Facebook
é uma das redes sociais que anunciou avanços no sentido de aumentar a transparência
dos mecanismos utilizados por partidos e candidatos. O compromisso de buscar meio
para filtrar os perfis falsos, bem como a abertura das informações sobre contratações
feitas por candidatos e partidos, acabando assim com os dark posts39 são um avanço no
uso do ambiente virtual para construção democrática.40
Alguns projetos vêm surgindo com o objetivo de transformar a internet em um
ambiente mais ético e democrático. O projeto Who Targets me? foi fundado no Reino
Unido com o objetivo de identificar políticos e partidos que utilizavam o sistema de dark
posts e microssegmentação para influenciar o voto dos eleitores.41 Dados fornecidos pelo
projeto demonstraram, por exemplo, que o Scottish National Party (SNP) promoveu,
no mínimo, dezoito anúncios diferentes no Facebook, que foram vistos cento e trinta
e três vezes, em trinta e seis colégios eleitorais. Nos anúncios direcionados a pessoas
com idade média de sessenta anos, afirmava-se que as pensões não estariam seguras
sob os conservadores e que o SNP ficaria sempre ao lado dos eleitores mais idosos.42
Esse direcionamento de conteúdo é capaz de provocar pacificação de determinados
grupos ou incentivar revoltas em torno de outros, especialmente porque a maioria dos
usuários não tem consciência dos segmentos dos quais fazem parte neste processo
de encaminhamento de conteúdos e vivem uma ilusão de que aquele conteúdo está
atingindo todos os usuários da rede.
Em 2017, no Brasil, diversos institutos, empresas e entidades ligadas à tecnologia
e à ampliação da atuação política43 se uniram para elaboração de uma carta pública
que delimita alguns comportamentos considerados intoleráveis no uso da internet nas
campanhas eleitorais, bem como estabelece comportamentos desejáveis, numa tentativa
de delinear um manual de boas práticas para estes ambientes.
Entre os comportamentos desejáveis está a transparência nas informações sobre
o uso de tecnologias nas campanhas, indicando “softwares, aplicativos, infraestrutura
tecnológica, serviços de análise de dados, profissionais e empresas envolvidas na
construção e consultoria”. Essa transparência também vale para o uso de bots, que podem
39
Dark posts são postagens impulsionadas que não são visíveis na página responsável por sua contratação, o que
impede o confronto de ideias e possibilita o direcionamento de conteúdos contraditórios para grupos diferentes.
“Basically, it’s a Facebook post that you control exactly who sees it through ads. If you have seen the main image
on this page on Facebook, then that means you have seen one of our dark posts targeting you”. PATTERSON,
Kyler. What is a Dark Post On Facebook? Host Gator Blog, 15.08.2014. Disponível em: <https://www.hostgator.com/
blog/facebook-dark-post/>. Acesso em 30 jan. 2018.
40
MEIO & MENSAGEM. Facebook acaba com o Dark Post. Disponível em:<http://www.meioemensagem.com.br/
home/ultimas-noticias/2017/10/27/facebook-acaba-com-dark-posts.html>. Acesso em: 30 jan. 2018.
41
Mais informações sobre o projeto estão disponíveis em: < https://whotargets.me/en/>.
42
Estas informações foram trazidas na entrevista de um dos fundadores do projeto, Sam Jeffers, ao Estadão.
BIANUCCI, Matteo; KLOJDA, Andre. ‘Darkads’, os anúncios invisíveis do Facebook com alvo certo. Estado de
S. Paulo. Disponível em:<http://infograficos.estadao.com.br/focas/politico-em-construcao/materia/dark-ads-os-
anuncios-invisiveis-do-facebook-com-alvo-certo>. Acesso em: 30 jan. 2018.
43
Instituto Update, AppCivico, IT&E (Instituto Tecnologia e Equidade), InternetLab, Movimento Transparência
Partidária, Open Knowledge Brasil, Agência Lupa, Instituto Alana, Instituto Ethos, Fundação Avina, RAPS, CIVI-
CO, Aos Fatos, Bancada Ativista, Labhacker, Labic, Olabi, Instituto Cidade Democrática, Instituto Construção,
#MeRepresenta, NÓS, Data Labe, Acredito, Internet sem fronteiras, Fundação Cidadania Inteligente, Quero
Previas, Agora!, Um A Mais, IDEC, Muitas, Politize!, Instituto Não Aceito Corrupção, Tapera Taperá e MariaLab.
44
A íntegra da carta “Tecnologia e ética nas Eleições” está disponível em: < https://naovaletudo.com.br/>.
45
“O aplicativo será mais uma ferramenta que a Justiça Eleitoral contará para coibir abusos e práticas irregulares
durante as eleições deste ano. Por exemplo, um cidadão que observar um outdoor de candidato (sendo a propaganda
por meio de outdoors proibida pela legislação eleitoral) poderá tirar uma foto da peça e enviar com rapidez, por
meio do Pardal, a evidência da irregularidade para o tribunal eleitoral e o MP em seu estado, que examinará a
denúncia feita”. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Plenário aprova resolução que institui o aplicativo Pardal
sugestões e de denúncias. No entanto, não parece adequado que seja a Justiça Eleitoral
a responsável por afirmar se uma determinada informação é falsa ou não.
A Justiça Eleitoral, até por força de necessária restrição legal à ideia de tipicidade
das condutas ilícitas, fica limitada em suas manifestações ao binômio licitude-ilicitude.
Não lhe cabe, por exemplo, afirmar que um conteúdo é parcialmente veraz. Que mesmo
sendo verdadeiro, foi descontextualizado. Ou, ainda, que uma mensagem, conquanto
factualmente correta, pode levar a conclusões equivocadas. Esta flexibilidade somente
pode ser observada em mecanismos não judiciais de controle46, como no caso das agências
de verificação factual (fact-checking), que recentemente e em boa hora aportaram no Brasil.
Por isso, uma solução mais madura e transparente parece ser a de reforçar na
sociedade a tarefa de depurar o discurso político, por intermédio das mencionadas
entidades de fact-checking, que “(...) têm por finalidade aumentar o conhecimento
disponível, emitindo relatórios mediante a pesquisa de alegados fatos contidos em
declarações publicadas ou gravadas feitas por políticos ou quaisquer outras pessoas
cujas palavras tenham impacto na vida de outros”. Os responsáveis por essas checagens
“(...) investigam fatos verificáveis e seu trabalho é livre de vinculações partidárias,
defesa de temas políticos ou retórica (...)”, visando o fornecimento de informações claras
aos consumidores “(...) para que eles possam usar os fatos de modo a fazer escolhas
plenamente conscientes no ato de votar ou em outras decisões essenciais”.47
Referências
ALVES, Paulo. Big Data: O Segredo por trás da eleição de Trump. Disponível em: <https://www.showmetech.
com.br/big-data-trump/>. Acesso em: 30 jan. 2018.
ARENDT, Hannah. “A mentira na política” em Crises da República. Tradução José Volkmann. 3. ed. São
Paulo: Perspectiva, 2017.
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Universitária, 2008.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
LUCIANA PANKE
PEDRO CHAPAVAL PIMENTEL
1
No original: “toda la relación interpersonal presupone la existencia, implícita o esplicita, consciente o inconsciente,
de un contrato social entre las partes”.
2
No original: “ambivalencia natural y por otros fenómenos, es muy importante considerar además del supuesto
fundamental de que toda relación humana, todo contrato social, implica la alta posibilidad de su transformación
en una relación de poder”.
3
No original: “la comunicación no es meramente el instrumento por el cual expresamos nuestra naturaleza; es el
proceso dentro del cual tenemos la naturaleza que tenemos”.
4
Existem discussões sobre as funções, as competências e os instrumentos sob a responsabilidade de cada uma das
áreas da comunicação social. A título de ilustração, relações públicas e jornalistas discutem, por exemplo, sobre
quem é o profissional com maior competência para realizar a assessoria de imprensa, enquanto relações públicas
e publicitários passaram a disputar, mais recentemente, espaço nas ações em mídias digitais.
5
No original: “‘image’ understood as the mental structure of the organization that publics form as the result of
the processing of information related to the organization”.
6
Não ignoramos a existência de empresas contratadas para propagar mensagens através de perfis falsos e/ou
anônimos nas redes sociais digitais, tampouco ignoramos a existência de robôs ou bots para potencializar essas
mensagens.
7
No original: “una visión del mundo que tratan de transmitir a los electores para orientarlos en la comprensión
de la realidad compleja de la política”.
8
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/ebc-comunicacao-publica-ou-
governamental-8332.html>. Acesso em: 18 jan. 2018.
9
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/obcomp/noticias/0/549/>. Acesso em: 18 jan. 2018.
Ao nos determos sobre a forma pela qual a mensagem será transmitida passamos
a avaliar aquilo que é considerado a estratégia mais antiga de comunicação e marketing,
isto é, o próprio discurso. Tal é a sua importância que Diego Monasterio destaca que
“o ato discurso poderia nos impulsionar ao topo do poder ou nos enterrar num poço
de lama” (MONASTERIO, 2013, p. 189, tradução nossa).10 Assim, uma mensagem
pode ser emitida por diferentes tipos de linguagem – a linguagem oral, a escrita e a
visual – combinadas entre si ou não. A partir disso, Panke (2016) elenca seis códigos de
comunicação que estão presentes em distintas plataformas de transmissão e devem ser
pensados a fim de determinada mensagem seja bem compreendida pelos interlocutores:
10
No original: “el acto discursivo nos podría impulsar a la cima del poder o enterrar en la última sima del fango”.
até mesmo impedir que o mesmo aconteça com seus concorrentes; já a segunda ocorre
durante o mandato, é denominada por comunicação governamental e tem como finalidade
lograr uma boa governança entre diferentes setores da sociedade.
Como mencionamos anteriormente, um dos usos da comunicação e dos discursos
políticos ocorre durante períodos eleitorais, quando candidatos a cargos eletivos
promovem a si mesmos e a suas ideias durante um espaço temporal predeterminado
normativamente. Dessa maneira, a comunicação política “evoca a confrontação de
diferentes legitimidades sancionadas pelo horizonte das eleições, em função da qual
se estruturam os discursos” (WOLTON, 2012, p. 31, tradução nossa).11 Passamos, na
seção seguinte, a tratar da comunicação eleitoral.
11
No original: “evoca la confrontación de diferentes legitimidades sancionadas por el horizonte de las elecciones,
en función del cual se estructuran los discursos”.
termos. Geralmente não está presente nos jingles em função do caráter mais técnico que
a legitimação acarreta.
5 Forte apelo à autoridade: o uso de depoimentos de populares ou lideranças
reconhecidas em determinadas comunidades se aplica como argumento porque essas
pessoas dão respaldo ao candidato para que ele defenda determinada tese;
6 Relação entre aspectos do candidato com realizações passadas ou futuras sem ligação
lógica entre eles: trazer os atos de uma pessoa à baila reforça ligações de coexistência e
demonstra que a imagem do candidato está de acordo com aquilo que é considerado
importante para o seu eleitorado;
7 Empatia: a estratégia de colocar-se no lugar do outro está diretamente vinculada
ao vínculo emocional que pode ser estabelecido por melodias mais calmas e que puxam
para o drama, por exemplo;
8 Projeção: são as típicas promessas que apontam para onde o eleitor supõe poder
chegar aderindo à proposta do orador;
9 Identificação: é a apresentação de atitudes que se assemelham ao do público
almejado e podem ser feitas por meio da apresentação de vínculos culturais ou sociais,
por exemplo;
10 Ênfase aos discursos emotivos: são discursos que simulam determinada pedagogia
política ou função instrucional, podem ocorrer por meio de rimas que trazem o atributo
do candidato e o número a ser digitado durante a votação.
É claro que o uso de estratégias argumentativas para fins eleitorais não se limita
às categorias acima elencadas, tampouco somente à plataforma discursiva. Todavia,
essas categorias podem servir como ponto de partida para pesquisas acadêmicas ou
até mesmo para os profissionais de comunicação que buscam ampliar seu repertório
na construção da imagem de um candidato. Uma vez eleito, o candidato a um cargo
do Executivo passa trabalhar com a comunicação governamental, a qual discutimos
na seção seguinte.
12
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR) foi instituída pela Lei nº 6.650, de
23 de maio 1979 (SITE SECOM, 2014).
13
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/espionagem-cibernetica/propostas-senadores-
querem-inteligencia-forte/marco-civil-da-internet-foi-reacao-brasileira-a-denuncias-de-snowden>. Acesso em: 19
jan. 2017.
14
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/>. Acesso em: 11 jan. 2017.
15
Disponível em: <https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.aspx>. Acesso em: 11 jan. 2017.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
PANKE, Luciana; PIMENTEL, Pedro Chapaval. Questões conceituais sobre comunicação política,
eleitoral e governamental. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de
Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 71-87. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
DIOGO RAIS,
L. N. CASTRO
5.1 Introdução
O big data e a revolução tecnológica que vivemos estão presentes em todos os
campos da nossa vida, mesmo que você não queira ou não saiba, mas eles estão lá.
Atualmente nem as compras na farmácia são tão ingênuas como parecem, o seu
cadastro como cliente também possui um perfil que permite a indicação de promoções
personalizadas, além do envio de mensagens com promoções instantâneas em produtos
que, não coincidentemente, lhe interessam.
Lembram aqueles anúncios persistentes que, após a realização de uma busca na
internet por determinado produto, povoam nossas redes sociais? Pois é, isso também
não é fruto do acaso ou um “golpe de sorte” é o big data e os reflexos de uma revolução
na comunicação entre pessoas e, entre pessoas e coisas.
Todos os dados tecnológicos que geramos deixam rastros capazes de desenhar
o perfil de cada um, indicando seus desejos, ódios e indiferenças, e tudo isso, mesmo
que você ainda não se tenha sequer pensado a respeito.
A velocidade e a pluralidade de conexões contribuem para um número cada
vez mais espantoso de conversas, que cada vez mais se apresentam atemporais e
extraterritoriais. Hoje, podemos conversar com qualquer pessoa em qualquer lugar do
mundo, podemos conhecê-la, vê-la e ouvi-la, podemos ter conversas intermináveis pelo
WhatsApp com uma ou mais de uma centena de pessoas.
Podemos, na ponta dos dedos, ler o folheto de natal enviado pelo governo aos
combatentes brasileiros na Segunda Guerra Mundial, nos emocionar com uma série ou
filme e rir como bobos de algo que tenha acabado de viralizar.
Se a internet é capaz de fazer tudo isso e, muito mais, por que não estaria também
no centro da política e da campanha eleitoral? Afinal, a campanha também faz parte
da nossa vida, assim como a internet e a tecnologia.
Em breve, talvez não entraremos mais na internet, e isso não porque ela deixará
de existir ou de ser interessante, mas sim porque jamais sairemos dela.
Parece evidente que o mundo virtual cada vez mais se funde ao real e este é o
cenário e o produto de nosso tempo.
Mas como lidar com os problemas das notícias falsas, da produção de comentários
automatizados, como identificar o discurso completo de um candidato sem cair na
“armadilha” de ouvir apenas o que você quer ouvir e perder a chance de conhecer o
seu candidato de forma plena?
Por mais esquisito que seja, todos esses problemas não parecem ser novos. Sempre
existiram os boatos sem fundamento algum que rodeiam as campanhas eleitorais. Assim
como sempre existiram os candidatos insinceros que selecionam seu discurso de acordo
com o perfil da pessoa que o esteja ouvindo (RAIS, 2017).1
Parece que o que mudou não foram os problemas, mas sim sua escala e velocidade.
Para que possamos discutir essas questões o presente artigo científico foi
desenvolvido a partir de um caso concreto: a campanha eleitoral de Donald Trump.
Não temos qualquer pretensão em resolver aquilo que sequer o FBI concluiu,
mas escolher o caso Trump embora ainda incompleto e com poucas informações a
respeito, tem o intuito de enfrentar algumas questões que vêm à tona a partir das eleições
presidenciais americanas de 2016.
A partir deste caso concreto caminharemos para alguns conceitos, analisando o
big data e o processo de evolução da comunicação partindo para o enfrentamento do
tema sobre big data, inteligência artificial e democracia, para então, apresentar nossas
considerações finais a respeito do tema.
1
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/11/1936498-em-vez-de-coibir-internet-na-eleicao-e-
preciso-emprega-la-para-fiscalizacao.shtml>. Acesso em: 27 dez. 2017.
2
Donald Trump: conheça sua trajetória e suas propostas. G1: 8 nov. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/
mundo/eleicoes-nos-eua/2016/noticia/2016/11/donald-trump-conheca-sua-trajetoria-e-suas-propostas.html>.
Acesso em: 28 dez. 2017.
3
ROSENWALD, Peter. O que a vitória de Trump ensina às empresas sobre marketing. Endeavor: 10 nov. 2016.
Disponível em: <https://endeavor.org.br/donald-trump-marketing/>. Acesso em: 28 dez. 2017.
4
Justiça dos EUA detém ex-chefe de campanha de Donald Trump. Veja: 30 out. 2017. Disponível em: <https://veja.
abril.com.br/mundo/justica-dos-eua-detem-ex-chefe-de-campanha-de-donald-trump/>. Acesso em: 28 dez. 2017.
5
MARREIRO, Flávia e ROSSI, Marina. O marqueteiro brasileiro que importou o método da campanha de
Trump para usar em 2018. El País: 15 out. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/11/
politica/1507723607_646140.html>. Acesso em: 27 dez. 2017.
6
Idem.
7
FLORES, Paulo. O que a Cambridge Analytica, que ajudou a eleger Trump, quer fazer no Brasil. Nexo Jornal: 8
dez. 2017. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/12/08/O-que-a-Cambridge-Analytica-
que-ajudou-a-eleger-Trump-quer-fazer-no-Brasil>. Acesso em: 28 dez. 2017.
8
Disponível em: <https://motherboard.vice.com/en_us/article/mg9vvn/how-our-likes-helped-trump-win>. Acesso
em: 27 dez 2017.
9
Disponível em: <https://publicpolicy.stanford.edu/news/data-turned-world-upside-down>. Acesso em: 27 dez
2017.
10
Idem.
11
FLORES, Paulo. O que a Cambridge Analytica, que ajudou a eleger Trump, quer fazer no Brasil. Nexo Jornal: 8
dez. 2017. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/12/08/O-que-a-Cambridge-Analytica-
que-ajudou-a-eleger-Trump-quer-fazer-no-Brasil>. Acesso em: 28 dez. 2017.
12
Idem. Vale esclarecer que por meio do detalhamento do perfil dos usuários o patrocinador pode filtrar os usuários
por suas características: idade, gênero, páginas com as quais interage e seus comportamentos e interesses.
13
Disponível em: <https://wearesocial.com/sg/blog/2017/01/digital-in-2017-global-overview>.
14
Disponível em: <http://wearesocial.sg/blog/2016/02/63-mobile-phones/>.
15
No caso da política o impacto do big data pode se dar de diferentes formas e para ilustrar algumas dessas formas,
apresentamos dois estudos de caso envolvendo a política nacional. O primeiro caso se refere a um estudo sobre o
impacto das ações nas mídias sociais do vereador Thiago Lucena. Para isso tomaremos todas as postagens feitas
pelo vereador entre o dia 10.07.2016 e o dia 11.07.2017 na mídia social Facebook. No segundo caso faremos um
estudo sobre a repercussão da votação da PLC 28/2017 na sociedade conectada usando dados coletados da mídia
social Twitter entre os dias 21.10.2017 e o dia 10.11.2017. Ambos serão apresentados pelos Apêndices A e B.
“– Quando eu uso uma palavra – disse Humpty Dumpty num tom desdenhoso – ela
significa exatamente aquilo que eu quero que signifique: nem mais nem menos.
– A questão é – disse Alice – se você pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes. – A
questão é – replicou Humpty Dumpty – saber quem é que vai mandar – só isto” (CARROL,
1865).16
O diálogo entre Alice e Humpty Dumpty escrito em 1864 por Lewis Carroll,
duvida do sentido da palavra e a extensão de seu significado, questionando se as
palavras significam o que significam, ou se significam o que seu “dono” quer que elas
signifiquem?
Da conjugação desses três últimos trechos: 1) a preocupação da matemática O’Neil
com a crença cega nos resultados dos algoritmos; 2) o “trauma de respeito aos números”
referidos por Huff e; 3) o diálogo entre Alice e Humpty Dumpty sobre o significado
das palavras, uma questão deve ser enfrentada: se a palavra poderia significar o que
alguém quer, será que os números não? Em outras palavras, será que contra números
ou dados não há argumentos?
Vale lembrar o que afirma Duncan Watts em sua obra “Tudo é óbvio desde que
se saiba a resposta (como o senso comum nos engana)”, para ele “[S]eres humanos
adoram fazer previsões, seja sobre os movimentos das estrelas, as oscilações do mercado
de ações ou a cor da moda da próxima estação” (WATTS, 2011).
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá.
16
Mas após sua ampla pesquisa, crê que o ponto central da problemática a respeito
da previsão não se refere a uma previsão boa ou ruim, ou ainda, “que sejamos todos
bons ou ruins nesse quesito, mas sim, que somos ruins em distinguir previsões que
podemos fazer com segurança daquelas que não podemos” (WATTS, 2011).
Por isso vale ir um pouco além do big data, analisando brevemente alguns casos
de decisões algorítmicas e as dificuldades entre o erro e o acerto.
Tay, o perfil de inteligência artificial criado pela Microsoft para interagir com
adolescentes nas redes sociais, foi tirado do ar menos de 24 horas depois de ser ativado,
pois ao invés de se tornar mais perspicaz ao conversar com os humanos, em menos de
24 horas Tay passou a reproduzir o racismo e a ignorância na internet.17
No concurso internacional de beleza online Beauty.ai julgado por inteligência
artificial organizado pela Youth Laboratories, empresa que desenvolve inteligência
artificial para a análise de produtos dermatológicos, revelou resultados racistas em
suas “decisões”.18 Dentre os 44 vencedores, quase todos eram brancos, alguns eram
asiáticos, e apenas um tinha a pele escura.19
A organização do concurso de beleza utilizou cinco algoritmos avaliando a
juventude, simetria do rosto, pele e alguns outros parâmetros. O banco de dados foi
composto com modelos e atores famosos que foram utilizados como parâmetro.20
Em entrevista ao The Guardian, o chefe da equipe de ciências do Beauty.AI, Alex
Zhavoronkov, explicou que outro problema talvez tenha sido a pouca quantidade de
dados de minorias usados pela equipe para definir o padrão do que é ou não é atraente.
“Se você não tem muitas pessoas de diversas etnias dentro do conjunto de dados base,
então o resultado realmente pode ter sido influenciado”, justificou o cientista.21
Preocupados com o futuro da humanidade e da tecnologia, diversos cientistas
especializados em inteligência artificial lançaram pelo Future of Life Institute22 uma
relação com 23 princípios para impedir que os robôs dominem o mundo.
Esses princípios foram debatidos e estabelecidos em uma reunião do instituto
em 2017 e, além do apoio de Stephen Hawking e Elon Musk, contaram também com o
suporte de pessoas como Demis Hassabis (o CEO da DeepMind, empresa de inteligência
artificial do Google) e Yan LeCun (diretor de pesquisa em inteligência artificial do
Facebook) e apoio de mais de 2 mil cientistas.23
Os sétimo e oitavo princípios correlacionam-se diretamente com o tema desen-
volvido aqui:
17
Disponível em: <https://veja.abril.com.br/tecnologia/exposto-a-internet-robo-da-microsoft-vira-racista-em-1-dia/>.
18
Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/09/09/O-que-acontece-quando-m%C3%A1quinas-
julgam-um-concurso-de-beleza>.
19
Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/economia/inteligencia-artificial/algoritmo-racista-sistema-
exclui-pessoas-de-pele-escura-de-concurso-de-beleza-ao64d50xmcfelmh468x9cvxrh>.
20
Idem.
21
Idem.
22
Disponível em: <https://futureoflife.org>.
23
Disponível em: <https://olhardigital.com.br/fique_seguro/noticia/stephen-hawking-defende-23-principios-para-
impedir-que-robos-dominem-o-mundo/65815>.
Em ambos princípios o enfoque está na transparência, seja diante das falhas seja
diante das decisões judiciais.
Parece que a principal ferramenta para fazer frente aos efeitos colaterais da
tecnologia, sobretudo diante do big data e da inteligência artificial, deve ser a transparência.
Transparência na captura e no uso dos dados, transparência no desenvolvimento e
nos mecanismos de falhas, mas sem desrespeitar o direito de propriedade e de inovação
dos desenvolvedores, talvez resida um dos maiores desafios, garantir a transparência
sem vulnerabilizar a propriedade, mas são esses os desafios do nosso tempo.
24
Disponível em: <http://www.kasparov.com/biography/>.
25
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/revelado-foi-erro-no-computador-deep-blue-
da-ibm-que-fez-vencer-kasparov-em-1997-14349363>.
Quase dez anos depois a IBM explicou o que aconteceu com o lance nº 44: foi
resultado de um bug, uma falha do supercomputador.
O Deep Blue deu “tilt” e por uma falha no código do programa entrou em “loop”
(faz com que o software fique rodando em círculos eternamente), mas havia um sistema
de segurança do software que, para casos de loop infinito, como foi o caso, seria ordenado
a fazer qualquer movimento válido, porém aleatório, só para o jogo não parar.
Só que Kasparov interpretou o ilógico movimento como uma espécie de prova
da superioridade da inteligência da máquina. “E ficou intimidado, embatucado por não
conseguir penetrar na supostamente avançada estratégia do oponente. Como resultado,
desistiu do jogo seguinte, perdendo a segunda batalha”.26
Depois, Kasparov tentou por algumas vezes uma revanche contra a máquina.
Mas a IBM recusou o desafio e desmantelou para sempre o Deep Blue – pelo menos para
as câmeras de TV que registraram a desmontagem de um computador muito parecido
com aquele que venceu o Grande Mestre.27
Em 2005 por um torneio mundial de xadrez promovido pela chess.com e com a
possibilidade de jogadores híbridos, poderiam se candidatar qualquer tipo de jogador,
poderia ser apenas humanos; apenas máquinas; ou máquina somadas a humanos.
Dentre os inscritos no torneio havia xadrezistas com muita experiência e já
premiados, ao mesmo tempo em que também havia amadores completamente desconhe-
cidos no cenário profissional do xadrez. Isso também aconteceu com as máquinas: havia
softwares já famosos e amplamente testados, ao mesmo tempo em que havia programas
completamente desconhecidos do público especializado, ou softwares destinados apenas
ao desenvolvimento de cálculos e não ao jogo de xadrez em si.
Mas curiosamente o grande vencedor desse torneio não foi o supercomputador
ou o software mais potente ou famoso. Assim como não foi nenhum dos mestres mais
pontuados e conhecidos do grande público.
No final do torneio os vencedores foram Steven Cramton e Zackary Stephen,
xadrezistas amadores que eram colegas de clube de xadrez em New Hamphsire (EUA).
E eles venceram utilizando-se de computadores, sem nenhuma grande especialidade
ou softwares superpotentes.28
Mas qual foi o segredo?
Parece que, acima de tudo, os dois amadores tinham aprendido a hora certa de
pedir ajuda aos computadores, e embora nenhum deles, tanto os homens quanto as
máquinas, eram os melhores que estavam em jogo naquele torneio, formaram o melhor
time e havia, entre eles, um entrosamento. Respeitando as limitações tanto das máquinas
quanto dos humanos, além de explorar o que cada um possuía de melhor.
Enfim, parece que neste torneio tão amplo quanto imprevisível, o grande vencedor
não foi a máquina ou o humano, mas sim o diálogo, a interação e o respeito.
Vivemos uma revolução tecnológica que reflete em todos os campos da vida. Se
precisamos aprender a viver neste novo mundo é importante que o façamos sem nos
esquivar de nossa responsabilidade.
26
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/revelado-foi-erro-no-computador-deep-blue-
da-ibm-que-fez-vencer-kasparov-em-1997-14349363>.
27
Idem.
28
Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160122_vert_fut_xadrez_maquina_fd>.
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APÊNDICE A
Estudo de Caso: Vereador Thiago Lucena nas Mídias Sociais
Neste período de um ano em que monitoramos o vereador Thiago Lucena no
Facebook, ele efetuou 250 postagens entre links, fotos, vídeos e informações de status.
45
Posi�vo Nega�vo Neutro
40
03/10/20
35
30 01/06/2017
25 02/10/201
20
15
10
5
0
Outra análise relevante que é possível fazer a partir dos dados de mídias sociais
é identificar os locais a partir dos quais as pessoas curtem as ações dos políticos. Por
exemplo, no gráfico da Figura 3 é possível observar as curtidas das postagens do
político por região. Nesta figura observamos até uma viagem do vereador à Stanford
University nos Estados Unidos da América que teve uma boa repercussão, mas seus
seguidores também estão espalhados por praias, bairros e até dentro da própria câmara
e paço municipal.
Um conjunto amplo de análises poderia ser feito a partir das ações do vereador
nas mídias sociais, incluindo a análise de influenciadores, a segmentação do impacto
das postagens por mídia social, a identificação dos assuntos mais falados sobre o político
(segmentado ou não por sentimento), estudos sobre menções e hashtags, termômetros
de conteúdo, recortes de campanha, linha do tempo e muito mais. Porém, para efeitos
do presente capítulo, os resultados apresentados aqui são suficientes para ilustrar o
potencial do uso do big data na compreensão do impacto das ações dos políticos nas
mídias.
APÊNDICE B
Estudo de Caso: Regulamentação de transporte privado por aplicativos
O Projeto de Lei da Câmara nº 28 de 2017 foi proposto para regulamentar o
transporte remunerado privado individual de passageiros. Nesse caso, faremos uma
análise diferente da anterior, pois aqui não vamos estudar o impacto das ações de um
político nas mídias, mas sim a repercussão de uma proposta de projeto de lei na sociedade.
Para isso, foram coletados 9.358 tweets entre os dias 21.10.2017 e 10.11.2017.
Os dados foram obtidos a partir de uma busca pelas seguintes hashtags: #plc282017,
#leidoretrocesso, #plc28, #somostodosuber, #temlugarparatodos e #ficauber.
655731.10.2017
Dia da Votação
24.10.2017
836 773
365
189 102 86 53 36
1 4 11 61 3 11 67 168 13 6 16
Uma análise das hashtags mais comentadas nas postagens (Figura 5) traz fortes
indícios do apoio da sociedade conectada à permanência dos aplicativos e é bem possível
que essa manifestação tenha influenciado o resultado da votação no Senado Federal,
que aprovou o projeto com emendas que favorecem o aplicativo, contrariando a posição
da Câmara em aspectos importantes da proposta.
#NAOAOPLC28
#PL28
#NãoAoPLC28
#plc28
#PLC28
#LeiDoRetrocesso
#VaiDe99
#NãoAPLC28
#TemLugarParaTodos
mostra que a sociedade está atenta ao posicionamento dos nossos políticos e cobra deles
uma representação dos desejos populares.
@RomarioOnze
@AecioNeves
@anaamelialemos
@SenadoraMarta
@lindberghfarias
@AirtonSandoval
@Uber_Brasil
@joseserra_
@YouTube
@SenadoFederal
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Como última análise ilustrativa do papel do big data no cenário político, vamos
investigar o contexto da repercussão negativa dessa votação na sociedade conectada. Para
isso, inicialmente fazemos uma separação das mensagens de acordo com o sentimento
em positivas, negativas ou neutras. Para o caso das mensagens com sentimento negativo
faremos uma análise de relevância, que retorna várias sequências de palavras, conhecidas
como n-gramas. Neste estudo consideramos 3-gramas, como listadas abaixo:
• ei_senado_temlugarparatodos
• houseofcards_provadofazendeiro_leidoretrocesso
• vaide99_digam_nãoaplc28
• absurdo_perde_voto
• contra_leidoretrocesso_plc28
É possível observar que essas expressões são de apoio aos aplicativos e há até
indícios de que políticos que não apoiem os aplicativos podem perder votos.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
RAIS, Diogo; CASTRO, L. N. A comunicação política em tempos de big data e inteligência artificial:
a campanha digital de Donald Trump e o futuro do marketing eleitoral brasileiro. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 89-105. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.)
ISBN 978-85-450-0499-8.
CARLOS SANTOS
e um fora que podem ser abrangidos a partir de um método geométrico o qual será
também dimensionado pela fundamentação do espaço topológico.
outros segmentos que devem ser construídos para a produção do triângulo equilátero.
É nesse ponto que se localiza o rei de Atenas, intermediando os extremos do segmento
de reta originário, trazendo o extimo de seu Voto. Somente tendo sido feito o recurso
do que está fora, mas garantindo a intimidade, é que a superfície triangular poderá
emergir além da constituição bélica que envolve o Eu e o outro, quando formam uma
disputa bem caracterizada quando se tem a última palavra, sinal corriqueiro de quem
venceu e está diante do outro vencido.
Essa figura também irá servir para fundamentar a visão de um filme que será
comentado, em destaque para que se possa entender o efeito moral que aparece na
ação de escolher como se pode Votar. Num primeiro momento, o terceiro ponto criado
envolve os dois patriarcas que vivem uma disputa de sangue imposta aos filhos. Em
seguida esse lugar será ocupado por uma artista circense, totalmente dissonante com a
sistemática moral que norteava as sucessivas mortes, ocorridas em função de se manter
honrado perante o outro.
Para dar uma dinâmica a essa figura geométrica, far-se-á o uso do eixo que vem
desde Aristóteles e chega a Maquiavel, tendo em vista os extremos dos termos fortuna/
virtus, atendendo, assim, à regra de que não basta usar as circunstâncias, é preciso
um Saber Fazer. Em seguida, tratar-se-á desses elementos sob a luz agostiniana, cuja
demonstração acerca do arbítrio do ser humano não pode ser entendida senão quando
se usa o extimo que concerne ao que vem para dar outra espacialidade, naquilo que
difere ao eixo narcísico.
Tal eixo irá servir para entendermos o que ocorrera com Creonte e Adrasto (A/B),
segmento de reta inicial, sendo em seguida requerida a formação do triângulo equilátero
com duas curvas que se dão a partir das suplicantes (A/C), e o que fora feito por Teseu
no uso da razão (B/C). O passo seguinte encontra sua expressão na Roda da Fortuna
que é materializada na imagem de uma moenda de cana-de-açúcar, bem trabalhada
no filme Abril despedaçado.
A peça do teatro helênico e o filme que está tematizado numa localidade situada
pelos costumes de um sertão nordestino do Brasil nos darão condições para dimensionar
o fundamento psicanalítico acerca do Voto, colocado em paralelo com a ação de Votar,
sendo esta adquirente da formalização que é passada para quem a pratica.
A B
É uma margem que vai ser formalizada a partir do que Jacques Lacan nomeia
como Tiche e Autômaton, visando a trabalhar a repetição, na lição de 12.2.1964, em
que trata dos Quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Com esse composto, o olhar
psicanalítico acerca do Voto encaminhar-se-á no sentido da formulação que constitui a
função do Sujeito Suposto Saber, base inicial para a elaboração do conceito Transferência.
irmãos, para de fora, sem ter a consistência de haver dado seu Voto, edificar a exclusividade
da ação de Votar, isolando-a do que, de fora, respaldaria a devida intimidade.
O triângulo aí formado vai ser feito pela inclusão do semicírculo que o compasso
dimensiona. Mesmo assim, é um triângulo que busca ser exatamente equilátero, mas
o obtido é inteiramente desigual. Creonte, o tio dos descendentes do reinado de Tebas,
é quem ocupa a função de poder decidir as coisas do reino, realizando um ato de rei
contido no sentido meramente formal.
A fortuna favorece Creonte, pois o rei Adrasto, de Argos, uma terra árida,
ambicionando tomar posse de Tebas, irá acolher Polinices e seu descontentamento
com o irmão. Trata-se de um acolhimento movido pela ambição de poder dominar o
reino vizinho. É nesse ambiente de preparação para a guerra que Creonte e Adrasto
vão constituir o segmento de reta verdadeiro, indicando que outro ponto terá que ser
formado.
Desde o segmento de reta com os irmãos nas extremidades opostas (A/B), a
disposição verdadeira será a que coloca os dois que verdadeiramente estão disputando,
Adrasto e Creonte. É o uso da guerra e da disputa fraterna para que se possa valer de
interesses exclusivamente pragmáticos. Creonte busca assumir a função de rei, enquanto
Adrasto está esperando obter êxito em dominar a cidade de Tebas. Os irmãos foram
apenas instrumentos para que Tyche pudesse aparecer e favorecer o Autômaton que
propunha a cadeia simbólica de Creonte e de Adrasto.
No conjunto dessa cobiça de rei, Adrasto oferece a Polinices a posição de genro,
fazendo-o integrante da família real de Argos. É a transformação do que seria uma
disputa resolvida pela condição do herdeiro primogênito, amparada na questão do Estado
grego, levando-a à resolução que somente poderia acontecer em situação de guerra.
Assim também a resolução de Creonte trazia em seu interior o embate que colocava os
irmãos não mais como geradores das demandas tornadas essenciais na ocupação do
reino. O que estava decidido era a existência de dois reis que criam uma disputa entre as
cidades helênicas. O segmento de reta anterior não tinha qualquer consistência perante
as ações confessionais dos reis, professando a verdade de suas ações.
O segmento de reta, formado pelo rei Adrasto e o poderoso Creonte, irá definir
a situação da posse de Tebas. Já os irmãos foram colocados nessa disputa tendo função
secundária, pois eram os ardis de Creonte e Adrasto, que estavam no principal eixo
dessa disputa.
A guerra se dá na condição de que, em defesa da porta assediada por Polinices,
terá como defensor o irmão Eteocles. Os dois entram em luta e, desse combate, morrem
eliminando a geração masculina dos descendentes labdácidas.
No conjunto da guerra, Tebas sai vencedora, tendo sido Creonte, agora erguido
à condição de único rei. Todo ardil composto pelo cunhado de Édipo, concorre para o
êxito em sacramentar seu poder no reinado tebano. Por isso chega ao cimo, ao instituir-se
no poder e determinar que nenhum dos heróis que combateram por Argos tivesse os
devidos rituais preparatórios para entrar no Hades. Advém disso o que aconteceu com
Antígona e o que fundamenta o triângulo equilátero com a entrada do rei de Atenas.
É aí que se forma o segmento de reta derivado do que queria Adrasto e as
suplicantes, em contraposição ao édito declarado por Creonte. Uma divisão no sentido
contrário ao delimitado na cultura helênica, mas impossível de ser contraposta por
outro poder além do estabelecimento bélico. Uma primeira infração foi não ter Creonte
obedecido à lei da descendência, dando ao filho mais velho de Édipo a função de rei,
e a segunda envolveu a realização das exéquias dos mortos em combate. São duas
práticas que se voltarão como Tyche, para cobrar desse rei os custos da manipulação
de um homem que só decide sozinho.
Etra responde:
Também está assim colocado o rei de Argos, de maneira suplicante fala que se
arrepende de ter guerreado contra Tebas, indo a favor do genro. Sua expressão é de
fracasso, mas esconde que o motivo do genro não tem muito a ver com o que ele próprio
pretendia. É uma formulação que solicita o Voto de Teseu sobre o que é sagrado e serve
de fundamento humano que está referendado na provisão das exéquias dos cadáveres.
No verso 131, Teseu questiona:
É daí que vem a curva que irá designar uma razão insólita, configurada quando
Adrasto afirma que foi para a guerra visando a prover um favor a dois genros, que não
são originários de Argos, mas estrangeiros, Tideu e Polinices. Explica que essas alianças
foram feitas em função do que dissera Os oblíquos enigmas de Febo (138), que indicaram
a Adrasto o destino de casar as filhas com um javali e um leão, dois animais selvagens.
Tideu fugira por haver derramado sangue fraterno e Polinices para não cometer
o mesmo assassínio, numa indicação de que esses estrangeiros estariam habilitados
pelos deuses para desposarem as princesas argivas. Decorre precisamente disso que o
rei de Argos define o motivo de sua escalada para o reino do deus Ares da guerra. No
entanto, o arrependimento de rei derrotado na guerra não é bem visto pelos helênicos,
uma vez que o reino de Ares exige dos frequentadores estarem convencidos de suas
ações bélicas. O pedido de Adrasto, para que Teseu possa intervir junto a Creonte, está
bem fundamentado, mas, quanto ao arrependimento apresentado, está fugindo ao que
se espera entre os gregos.
Com essa decisão, Teseu aborda os componentes pessoais presentes nas escolhas
do rei de Argos. Afirma a existência de fatores que são apresentados como fontes de
convencimento, tendo intenções subjacentes escondidas para seduzir pela lábia. Eis aí
formado o triângulo equilátero, criado a partir de um segmento de reta e construído
por meio de curvas que se encontram num ponto equidistante dos extremos que
vão de Adrasto até Creonte. Noutros termos, tudo será montado por um homem
de ação indo para o confronto com o estrategista cuja tática finaliza seu intento de
assumir o trono tebano. Quaisquer intentos por campos de ação com privilégio na
perspectiva tática, esquecendo o plano estratégico pode ser audaz dentro da Virtús,
mas está esquecendo o valor de contar com o giro do tempo e a oportunidade de tomar
decisões.
Ao fim, as suplicantes saem frustradas por não terem ao seu favor o acolhimento
de Teseu. No entanto, fica a ideia de que há algo a mais nessa peça, principalmente
no que concerne ao tempo, cuja ocorrência envolve um fluxo corrente e o cortante da
repetição. A razão levou Teseu a decidir o seu Voto, mas não conseguirá dimensionar a
amplitude que terá essa escolha. Também se pode declarar que Creonte, com seu édito,
não consegue ver a proporção do Governo que advirá nesse Governar. Por isso é preciso
observar o giro do tempo.
benefícios, era preciso manter-se cauteloso para não sofrer reveses. A demonstração
consistia em que os seres humanos submetidos ao comando de Tyche, precisavam ser
moderados, justamente para não se equipararem às desmedidas dos deuses.
No giro do tempo, Tyche aparece para marcar um encontro, cujo delineamento
tinha sempre os recortes da falta que qualificaria o ser humano. É do fora, mas íntimo, que
se mostra necessário ver que existe um despreparo subjetivo perante os acontecimentos
inseridos pela ação da Tyche. Na Roda da Fortuna a inserção é sempre merecedora dos
cuidados com a prática da Virtús.
Na fundamentação desse despreparo, além do Votar/Voto e do Governar/Governo,
na condição de ter criado o ponto formador do triângulo, Teseu dá plenas condições para
que Adrasto possa tornar-se um rei diferentemente capacitado, não mais se curvando
diante da cobiça e obedecendo aos que o cercam com demandas impróprias ao reino.
O voto do rei de Atenas mesmo se dando conta da órbita da Tyche, não irá submeter-se
à ação impulsiva e deliberativa, sem considerar que seu estado de ser aquele que vota,
não esgota o daquele que é o Votante.
Esse Votante está além daquele que coloca sua intenção na ação de Votar, definindo-
se por aí o sentido restrito do que é o Voto. É disso que se trata na peça de Eurípedes,
desde que Teseu desenvolve a argumentação para decidir acerca do Voto. Trata-se de
despersonalizar a figura do Votante, colocando-a na esfera do Real que concerne à Tyche
em interseção com a Virtus. No entrecruzamento entre a declaração dada no Votei e
no Votado, este simbolicamente constituído, a partir da ação da Tyche, um falso furo é
germinado, justamente onde se esgueira o Votante.
6.6 Tyche
Na Idade Média a figura da deusa Tyche é representada portando uma cornucópia,
além de um leme de navio e da Roda da Fortuna, comandando o destino humano. É a
roda que representa as mudanças da vida. Por isso, a humanidade está submetida a essa
roda que vai do reinarei (regnabo), passa pelo reino (regno) pelo reinei (regnavi) e chega
ao não mais ter reino (sum sine regno). Por meio dessas posições, vê-se a demonstração de
que não se é reinante quando se reina, visto que o giro do tempo sempre coloca o rei
diante da condição contingente do reinado, produzindo uma tênue esperança quanto
ao encontro faltoso com Tyche.
Eis a ênfase no sentido dado ao agente de uma ação, em cuja tomada de referência
vai se servir dos princípios desenvolvidos por Maquiavel. No sentido genérico, todos
os seres humanos estão aprisionados ao campo da linguagem que possibilita os limites
que formam a triangulação do Voto, caracterizando uma escolha orientada pela Roda
da Fortuna. Por outro lado, existe o sujeito de uma ação, munido pelo que é conhecido
como Virtús/Virtude. Uma pessoa, de posse de sua Virtús, luta para dominar os ditames
da Tyche. Trava uma contenda com os seus elementos simbólicos na busca por dar
sequência ao esperado por estratégias e táticas bem conduzidas.
É nessa visualização do ser humano que Nicolau Maquiavel (1469-1527) vai
escrever após ser demitido (1512), quando é acusado de realizar uma política contrária
aos Médici. Em 1513, será foco da Tyche quando Agostino Capponi e Pietropolo Boscoli
foram presos por conspiração antigovernamental, tendo deixado à vista uma lista dos
simpatizantes do republicanismo. Constava aí o nome de Maquiavel. Por conta disso,
foi torturado e preso, passando 22 dias na prisão. Ai ele fica esquecido e sem exercer
qualquer atividade que pudesse aproveitar a sua capacidade funcional.
Seu livro O príncipe será sua obra mais conhecida, sendo caracterizada como a
maneira como ele formaliza o método de ação para que um governo possa manter-se no
ponto culminante da Roda da Fortuna, elevando a figura que exerce a ação de governar.
Ao querer ficar bem com os poderosos, ou simplesmente mostrar que eles são bem
parecidos com os jogadores que existem na rua, Maquiavel busca um procedimento
bastante singular, apreendendo os mais ardilosos meios de enganar e vencer com os
camponeses. Eram homens que jogavam e Maquiavel ficava entre eles, mas no cair da
tarde, saía para escrever tais situações que serviriam de conselho ao monarca.
Esse texto mostra a melhor forma para desenvolver uma estratégia e as táticas
mais adequadas na manutenção prática do poder estatal. Sendo assim, tem como
principal característica a de que esse pensador não irá tratar de concepções idealizadas
de Estado, nem acompanhar a ideia de como deverá ser feito um bom governo, mas
fica restrito ao que chama de realidade prática. Ele vai lidar com as categorias lógicas
do possível e necessário, o que nos leva a perceber que o parâmetro moral da perspectiva
do bem comum será inexistente.
Por não ter nenhum Estado acima dele, o Príncipe poderá agir de modo a promover
o bem, quando for possível, deixando o sentido do necessário para quando tiver que agir
de maneira maléfica. É assim que Maquiavel determina que, às vezes Tyche prevalece
diante da Virtús, pois existe o agente limitador derivado da própria natureza humana.
Como forma de poder funcionar diante dessa natureza, o indicado é que o Príncipe
seja prudente, balanceando a cautela com a audácia. A ideia é de que a Virtús domine
a Tyche, mas sem pender para o voluntarismo real. Por outro lado, aconselha que se
houver dúvida é preciso sempre ser audaz, da forma como aconteceu com Alexandre,
o Grande, no combate derradeiro contra os sogdianos.
Estes se esquartelaram no alto de um monte de acesso bastante dificultado,
com o objetivo de impedirem que o exército alexandrino pudesse deixar para trás
somente povos dominados, cujo papel não traria qualquer impedimento, quanto aos
suprimentos na marcha que viesse a surgir nas futuras conquistas. No caso de haver
um chefe tribal que não fosse dominado, Alexandre estaria com dificuldades para ir
adiante em sua marcha.
Para dar conta dessa situação, o herói macedônio manda que trezentos dos seus
melhores guerreiros escalem a face mais escarpada da montanha, depois de o chefe
tribal Oxyartes ter recusado qualquer acordo de rendição. Desses guerreiros, chegaram
ao cume da rocha sogdiana duzentos e setenta, surpreendendo os aquartelados e
levando-os a renderem-se.
Com uma maneira extremamente hábil, o resultado dessa conquista foi que
Alexandre transformou seu chefe inimigo em sogro, casando-se com sua filha Roxana.
A ação que segue a audácia da Virtús foi seguida pela ponderação para cuidar bem da
Roda da Fortuna. Mesmo seguindo a frase que é atribuída a Alexandre, A sorte favorece
os audazes, depois da vitória ele é munido de profunda visão de um sábio rei.
Esse é o caso de um movimento que segue um destino, tornando sua ação real de
Votar muito além de suas condições e de sua segurança tática quanto ao êxito. Enfim,
mesmo diante do desafio a Tyche por meio da Virtús, sem garantias de sair sempre
exitoso em suas conquistas, Alexandre deve ser considerado como o mais audaz dos
heróis macedônios.
imperativo da moralidade é categórico, pois a ação é necessária por si mesma, sem outro
fim. O que rege é a exclusão do elemento situado como hipotético, cuja característica
exige uma necessidade prática de obter algum benefício de consequência política.
No caso da família de Tonho, a sua rival havia assassinado o filho mais velho e
chegando a vez dele, o filho seguinte, que deveria cometer o ato de matar um membro já
jurado. Eles se encontravam despedaçados, somente sendo reintegrados quando Tonho
viesse a matar o assassino do irmão. É a forma como essa condição de despedaçamento
iria pendular, indo de um lado a outro.
Tal procedimento implica o atendimento à lógica narcísica, de modo que o outro
deixa de ser mais bem constituído que Eu, desde quando lhe for retirada uma parte, a
qual é marcada pela designação Menos Fi (-φ), cujo papel fundamenta a interação que
lhe dará consistência Imaginária. Essa retirada está sendo vivida pelas duas famílias
com a morte de seus jovens descendentes.
Tonho vai tocaiar o assassino de seu irmão para matá-lo, assim como determina
o imperativo que definia sua família imaginariamente. O tempo disso deveria ocorrer
quando a camisa usada pelo irmão assassinado estivesse amarelada, sendo cotidia-
namente observada por estar estendida num varal. Isso servia como um período de
luto, necessário para que tudo corresse como era esperado. Essa peça dependurada,
aguardava a ação do tempo em que o vermelho do sangue mudaria de cor. Quando se
fizesse essa transformação, Tonho teria que ir realizar esse ato e fazer sua família voltar
a consistir. Ao efetuar a devida vingança sua família ganharia o contorno narcísico de
tranquilização.
Tonho executa esse comando da moenda deixando-se circular no entorno da
casa da família rival. Matou seu inimigo, assimilando agora sua sentença de morte, no
tempo em que a camisa do agora morto viesse a amarelar. Para isso, o pai do morto
colocou no antebraço de Tonho uma tarja preta, indicando que ele está marcado para
morrer. Parecia que a Tyche já tinha dado o giro de uma morte anunciada. Mais um
desafortunado estaria encontrando-se com o reverso da vida. Essa situação é tão
destituída de Virtús que pode ser descrita como um tipo de Eu cartesiano que descarta
qualquer raiz empírica. Para contrapor esse Eu, cabe um poema:
Descartes
Quem diz ter uma,
só uma certeza,
dando conta de que pensa,
existe por isso.
Sabendo que vai
deixar de existir,
tem aí a única
vileza.
Esse eu que só diz,
não pensa
além da certeza.
Conta
sem um conto.
É um desencanto,
um aumento
do pranto.
Sem uma pedra,
um som,
plurivalentes sensações,
o certo é
pela vida
encoberto.
Daí por diante,
se me disser
uma certeza,
para sempre será
apenas
ser teza.
O viés dado pelo roteiro filmado irá mostrar que sempre as pessoas podem
mudar o que lhe está destinado pela repetição das voltas dadas em torno das moendas
encontradas diante dos olhos. Tonho ficará com outro encaminhamento na vida,
esperando os novos encontros que são marcados pela Tyche, de acordo com a qual fará
valer o alcance da Virtús subjetiva. Na triangulação dada pela arte circense, passando
pela condição de ser vivido por uma mulher, a Virtús não fica somente dimensionada
pela ousadia de um herói do tipo de Alexandre, o Grande.
6.9 A repetição
Os volteios dados pelas rodas que são apresentadas a partir de hábitos, quase
assemelhados à natureza, clamam pela repetição. Trata-se da instalação do que Jacques
Lacan denomina de Automaton, no sentido de designar a inserção da Cadeia Significante
como Representante da Representação derivado do trajeto pulsional. É nesse contexto que
se pode inserir o sentido dado ao Voto, como o elemento mais empírico sob o manto
conceitual do psicanalítico.
Nos termos já destacados é a vivência da Virtús configurada no estar aí da subje-
tividade, submersa à Roda da Fortuna. Tal aspecto é o que foi, inicialmente, sublinhado
neste texto, no qual Lacan, em seu Seminário 11, a propósito do tema da repetição e do
retorno, mostra como a vida das pessoas é rodeada.
Primeiro, τύχη (tyché), tomado, como lhe falei da última vez, do vocabulário de Aristóteles
em sua investigação da causa: O real está além do αύτόματον (autômaton), do retorno,
do retorno da insistência dos sinais, aquela em que somos submetidos pelo princípio
do prazer, é o que está sempre atrás (do autômaton) e do que é tão evidente em toda a
pesquisa de Freud, o que há de sua preocupação.
A partir desse duplo registro faz-se necessária a formulação que tem sua
apresentação por meio da visualização do Nó, o qual é conhecido como borromeano.
Nesse caso, tanto a Tyche como o Automaton estão aí contemplados dimensionando
o sentido dado pelo psicanalítico para a relação entre o Votar e o Voto. Sendo que ao
Votar é atribuído o termo sintoma, revelando o sentido de formalização que se precisa
adquirir, enquanto o Voto está na condição de abertura para o inapreensível, cuja figura
apresenta o valor psicanalítico acerca do objeto pequeno a.
Adrasto viu que sendo um homem de ação, buscando um sistema tático bem
audacioso, havia esquecido a estratégia de somente agir depois de considerar seu Voto
como rei. Do outro lado, Creonte, um estrategista nato, irá encontrar-se com o Real
que é fundado na Tyche, indicando que sua tática de criar um édito real de impedir o
sepultamento dos mortos, será a base para sua derrocada. É por isso que Teseu não fará
qualquer gesto no sentido de interceder nesse eixo formado pela polarização dominada
por Ares. Ele irá recusar o pedido das Suplicantes, de modo a indicar a discordância
quanto ao Voto de um rei que não observa o lado da imponderabilidade desse objeto
criado pela ação sintomática de Votar.
Tonho enfrenta o destino que lhe é indicado pela suposta segurança de uma Tyche
presa na moenda que circunda sua vida de sertanejo. No caso, ele vai no limite dado pela
mortandade, somente que na condição de ser surpreendido pela posição desafortunada
de Menino. O lugar de ser jurado de morte, sob a marca de ser seu destino, passa a
ser esvaziada pelo Encontro Faltoso que é criado pela Tyche, mesmo submetida ao
rodear de moenda que indica uma previsão relacionada à disputa que envolve os dois
patriarcas das duas famílias. Eles compartilhavam o lugar acima projetado do triângulo
equilátero, sob os auspícios de um controle determinado pela repetição ad infinitum de
uma sistemática, à qual estavam habituados a obedecer por dever.
A repetição à qual uma pessoa está inserida, juntamente ao processo evolutivo
que encerra a perspectiva dialética, articulada pela Tyche e pelo Automaton, tem que
considerar que o Votar/Voto forma um eixo em que o sujeito tem sua dimensão subjetiva
caracterizada pelo Eu votei do Imaginário, seguido pelo Votado Simbólico, articulados
num entrecruzamento que tenta dizer o que pretende voluntariamente, mas abrindo a
função de um falso buraco por onde escorre o Real Votante.
É um Votante que possui a condição de vir de fora, tal como o terceiro ponto
que se instala a partir de um eixo inicial na edificação do triângulo equilátero. Sem esse
exterior, que é tão íntimo, o Voto fica totalmente contido pela condição de quem diz que
Votou, constituindo-se como Votante. Já quanto ao Votante que é do exterior íntimo, a
proporção é dada pelo sentido agostiniano do Livre Arbítrio, como fundamento para
que o ser humano tenha sua merecida elevação subjetiva. Por isso o Voto é nutrido desse
conceito de liberdade, desde que o Votante possa advir a partir da Fortuna ou Tyche, sem
que haja esquecimento da Virtús ou do Automaton.
Chegando na fonte deste artigo, tendo feito um trajeto de ir ao cimo elaborativo,
aí vendo a proliferação das representações, cujos residuais são letras que esta estarão
incrustradas na carne que compõe o corpo narrativo, o que se encontra é a confluência
entre o que se coloca como objeto pequeno a e o que Santo Agostinho chama de Livre
Arbítrio, desde o momento em que discorda do pensador iraniano Manes ou Maniqueu
(216-276 DC) ao realizar a conjunção entre a fé e a razão. Segundo a visão maniqueísta, o
mal é uma força necessária e por meio dessa contraposição, tendo do outro lado o bem,
se obtém uma formalização adequada para se poder pensar a realidade. Para Agostinho
o mal não foi criado, sendo apenas a diminuição dada ao que é o sentido do bem, cuja
prática se dá pela condição do Livre Arbítrio. Enfim, na ação de Votar, o Livre Arbítrio
que é situado no Voto, reflete uma escolha, mas por meio de uma exterioridade íntima.
Com essa formulação agostiniana, passando pela formalização lacaniana, se
pode ver o quanto o Voto está sujeito aos vários ditames na composição da prática de
Livre Arbítrio. Na ação comunicativa que envolve o Votar/Voto, atravessando o Arbítrio,
muitas interferências podem ser utilizadas, com toda uma nova versão maniqueísta, tal
como as que são difundidas a partir de Cadernos do cárcere, Antônio Gramsci. Mas isso
poderá vir a ser elaborado Só Depois, noutro trajeto que tenha como método o sentido
psicanalítico acerca do Pulsional.
Referências
AGOSTINHO DE HIPONA. As confissões. São Paulo: Mundo Cristão, 2013.
. O livre arbítrio. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, Paulus, 1995.
ARISTÓTELES, Física I – II, São Paulo: Editora Unicamp, 2009.
DARMON, Marc. Ensaios sobre a topologia lacaniana. Porto Alegre: Artes médicas (Coleção Discurso Psicanalítico),
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KADARÉ, Ismail. Abril despedaçado. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.
KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, 2005.
LACAN, Jacques. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (livro 11). Seminário. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
Seminário A angústia (livro 10). Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
Seminário A identificação (Livro 9). Pernambuco: Bagaço Design Ltda., 2014.
MANFREDI, Valerio M. A grande história de Alexandre. Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2009.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. 4. ed. (Coleção Clássicos para todos). São Paulo: Edipro, 2015.
PANOFSKY, Erwin. Arquitetura gótica e escolástica. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
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SANTOS, Carlos. Um olhar psicanalítico acerca do voto. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 107-123. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
1.1 Introdução
A democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo
autocrático, caracteriza-se por um conjunto de regras que estabelecem aquele autorizado
a tomar as decisões coletivas e por meio de quais procedimentos essas decisões devem
ser tomadas. Por isso, para que uma decisão tomada por indivíduos possa ser aceita
como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras que estabeleçam
quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os
membros do grupo e à base de quais procedimentos.
Indo além, para a existência de um mínimo de democracia, não bastam nem a
atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar direta ou indire-
tamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de regras de procedimento
expedidas pela maioria, sendo necessária uma terceira condição. É preciso que aqueles
que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante
de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra. Ainda,
para que realizem esta condição, deve ser garantido aos que são chamados a decidir
os direitos à informação e à liberdade.
Nessa construção democrática, para estipular como e por meio de quais espaços
essa liberdade de opinião pode ser exercida para a eleição dos representantes, surge o
controle realizado pela Justiça Eleitoral nas campanhas eleitorais, objetivando garantir a
igualdade entre os candidatos, a liberdade de escolha do eleitor e, última análise, proteger
a democracia e a legitimidade das eleições. Como importante instrumento da campanha
eleitoral, a propaganda eleitoral, por ser uma forma legítima de buscar influenciar a
decisão do eleitor, tem um regramento próprio na legislação brasileira, com limitações
formais e materiais, cuja observância faz-se indispensável para a legitimidade do pleito.
Contudo, observa-se que a propaganda eleitoral ao tempo em que busca convencer
um grupo de indivíduos a tomar uma decisão em determinado sentido, também transmite
informações ao eleitor que são importantes para seu convencimento. A partir da Lei
A propaganda, por sua vez, seja para vender produtos, ou a imagem e as ideias de
algum candidato, possui um poder preponderante de influenciar no processo de escolha.
A cada dia que passa, os produtores, fornecedores ou mesmo os interessados
em vender uma ideia, seja em uma relação de consumo ou em um processo político
de escolha, são todos ávidos em compreender a lógica a que esse consumo obedece.
Desejam encontrar a janela da mente humana que conduz ao consumo. Quais seriam
os pensamentos e desejos subconscientes que impulsionam as decisões de compra,
crescendo assim o interesse pelo denominado neuromarketing (LINDSTROM, 2009).
O futuro da propaganda, de acordo com o autor referido, não estaria em buscar formas de
ludibriar o consumidor, através das propagandas enganosas, mas estaria nos chamados
neurônios-espelho, que acabariam guiando o corpo a imitar o comportamento de outro
corpo humano. Seriam esses neurônios-espelho os responsáveis pelo fenômeno da empatia
e pela chamada lógica do consumo. No processo político de escolha, a imagem dos
candidatos vendida na propaganda eleitoral possui um papel fundamental na decisão
do voto nas urnas.
(...) a propaganda eleitoral, enquanto tentativa legítima de criar estados mentais favoráveis
a uma proposta, entre várias apresentadas, próprio da pluralidade de ideias de uma
Democracia, possui princípios norteadores, onde se destaca o princípio da propaganda(razão
pela qual) a propaganda política é livre, mesmo que pareça , ou façam parecer, o contrário!
(TSE), no que diz respeito à propaganda antecipada, analisando esse referencial, qual
seja, de que apenas será propaganda antecipada se houver pedido explícito de votos.
Apesar da condicionante imposta pelo TSE, de que apenas será propaganda
eleitoral antecipada se houver pedido explícito de voto, a Lei nº 13.165/15 flexibilizou
ainda mais esse conceito, ao permitir, de maneira expressa em seu artigo 36-A, parágrafo
2º, o pedido de apoio político e a divulgação de pré-candidatura, das ações políticas
desenvolvidas e das que pretende desenvolver. Assim, a lei permitiu uma verdadeira
divulgação da pré-campanha, tendo apenas o preciosismo de vedar o pedido explícito
de votos.
Ora, nesse sentir, a legislação acabou permitindo, mesmo antes do início da
propaganda propriamente dita, a participação do candidato em entrevistas, programas,
encontros, debates, em qualquer veículo de informação, bem como a divulgação de
posicionamento pessoal sobre temas políticos, de atos parlamentares e de debates
legislativos, e a realização de eventos voltados para a divulgação de ideias, objetivos
e propostas partidárias.
Por óbvio, a propaganda eleitoral antecipada não requer apenas o pedido explícito
de votos, ou a menção a projetos e planos de campanha, mas pode restar configurada
por meio de mensagens subliminares, demonstradas em cada caso concreto.
Deve-se ressaltar que a divulgação de candidatura em redes sociais, em data
fora da permitida pela legislação eleitoral, também dá ensejo à propaganda eleitoral
antecipada. Entretanto, sobre essa matéria, o TSE entende que, no tocante a conduta
do próprio pré-candidato, “a veiculação de mensagens em Facebook, com menção à
possível candidatura e exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, sem
pedido explícito de votos, como ocorreu na espécie, não configura propaganda eleitoral
extemporânea, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015”
(AgR-REspe 2 7-88, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 10.8.2017).
A propaganda eleitoral antecipada pode se dar de maneira direta, que pode ser
informal ou elaborada; e maneira indireta.
A propaganda eleitoral direta é aquela que faz uso do nome do candidato ou
de algo que o identifique frente aos eleitores, também mencionado o cargo para o qual
ele concorre, a eleição ou qualquer circunstância que mencione essas circunstâncias.
A propaganda eleitoral direta é a que ocorre de maneira expressa, de forma ostensiva
e clara. A propaganda direta pode ser feita de maneira informal, quando for feita
anonimamente e amadora, como ocorre nas pichações em muros particulares; ou de
forma elaborada, quando realizada profissionalmente.
A propaganda eleitoral indireta, disfarçada, ou sugerida, é aquela que vem de
modo sorrateiro, escuso, feita com o intuito de burlar a lei, em peças publicitárias de
duplo sentido.
O TSE, em mudança de entendimento, passou a defender que a propaganda
eleitoral, no Twitter, mesmo fora do período da campanha, não configura propaganda
antecipada. O Relator argumentou que mensagens no Twitter seriam uma ‘conversa
restrita’ entre usuários e tais manifestações políticas pelo microblog Twitter não podem
ser consideradas propaganda eleitoral. Com a decisão, candidatos e partidos políticos
poderão usar a rede social aludida a qualquer momento, mesmo que para pedir votos
diretamente. De acordo com o Relator, não haveria motivos para restringir a propaganda
eleitoral porque os usuários teriam a opção de receber mensagens somente dos perfis
que desejam, e, nas palavras do Relator, o Twitter “é aquilo que podemos chamar de
cochicho: uma pessoa cochicha com outra. Seria necessário, então, impedir que antes do
período permitido para propaganda eleitoral, as pessoas, numa conversa, perguntassem
umas para as outras em quem votarão”.
Ora, a mudança de entendimento do TSE em relação ao twitter poderia ser
perfeitamente aplicável ao facebook, haja vista que, dependendo da configuração do perfil
da conta, também podem ficar as notícias bastante restritas a um determinado círculo
de amizade, o que levaria a permitir a propaganda eleitoral, com pedido ostensivo
de voto, em qualquer época do ano. Todavia, não é bem isso que se pode perceber na
jurisprudência recente da Corte Superior.
O TSE, mesmo no caso de propaganda eleitoral antecipada veiculada por meio do
Facebook, permanece examinando se houve ou não pedido explícito de voto para taxar
a referida propaganda de irregular, em que “a propaganda eleitoral antecipada – por
meio de manifestações dos partidos políticos ou de possíveis futuros candidatos na
internet –, somente resta caracterizada quando há propaganda ostensiva, com pedido de
voto e referência expressa à futura candidatura, ao contrário do que ocorre em relação
aos outros meios de comunicação social nos quais o contexto é considerado” (REspe
239-79, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 22.10.2015).
A propaganda ainda pode ser positiva, e essa é a regra, quando tem por conteúdo
exprimir os pontos de vista positivos do partido ou do candidato e de que tais são as
melhores opções para a sociedade; como negativa, no caso da contrapropaganda, que
busca realçar aspectos negativos do partido ou do candidato, e de que tais não teriam
condições de desempenhar o cargo eletivo. Tanto em uma como em outra, deve estar
presente o pedido de voto ou a recomendação para que não se vote em determinado
candidato ou partido político.
Ponto tormentoso dentro da propaganda antecipada é a ausência de data para o
início da incidência de punição pela propaganda eleitoral antecipada, dando margem
para que se levante dúvidas sobre a irregularidade na propaganda eleitoral realizada há
mais de um ano antes da eleição. Contudo, deve-se ter certo bom senso para o exame da
questão, sob pena de qualquer manifestação, positiva ou negativa, em qualquer período,
configurar propaganda antecipada, portanto, tal prazo pode ser entendido como no ano
da eleição, já que o desiderato de tal propaganda eleitoral irregular é influir no voto.
Ocorre que a divulgação de informações relativas a ideologias, opiniões, projetos,
programas, trabalhos realizados e qualidades pessoais de determinadas pessoas, sejam
pretensos candidatos ou não, por meio da rede mundial de computadores, teve seu uso
cada vez mais difundido, resultando, atualmente, numa divulgação maciça, ocorrendo,
na maioria das vezes, de forma gratuita. É o que se percebe de divulgações realizadas
por meio de redes de relacionamento como Facebook, Instagram, entre outras.
Esse tipo de divulgação, que a princípio não poderíamos chamar de propaganda,
mas apenas de difusão de determinada informação, pode resultar em alteração do
processo de escolha do seu destinatário, e, em se tratando, de futuro candidato, pode
resultar no convencimento de grupos de indivíduos a manifestar sua vontade em
determinado sentido.
Diante da possibilidade de tais divulgações influírem no ânimo dos eleitores e
desequilibrarem o pleito, poderiam ser consideradas propaganda eleitoral antecipada,
passíveis de sanção de natureza cível. Contudo a falta de critérios racionais que pudessem
1
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-existem-desde-o-
seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em 30 dez. 2017.
1.5 Conclusão
Por tudo o que foi exposto neste artigo, verifica-se que o pedido implícito ou
insinuado de votos sempre existiu em divulgação de posições, ideais, projetos e trabalhos
realizados, razão pela qual a temática de propaganda eleitoral sempre foi um tema
sensível na Justiça Eleitoral.
Com a norma anterior, a Justiça Eleitoral tinha ampla discricionariedade para
identificar ilegalidade em quase todo tipo de divulgação ocorrida antes do período
anterior a 15 de agosto do ano das eleições, resultando em insegurança jurídica diante
da divergência de entendimento nos Tribunais Regionais Eleitorais.
Nesse sentido, a Lei nº 13.165/2015, ao permitir expressamente a exaltação das
qualidades pessoais dos pretensos candidatos e menção à pretensa candidatura, vedando
tão somente o pedido explícito de voto, representou um significativo avanço no processo
eleitoral. A referida lei, além de estabelecer critério objetivo para o enquadramento no
conceito de propaganda eleitoral antecipada, qual seja, pedido explícito de votos, dando
maior segurança jurídica aos participantes do processo, ainda trouxe um indiscutível
valor positivo na tomada de decisão, ao proporcionar a mais ampla informação disponível
ao eleitor, que antes ficava restrito a conhecer programas e projetos de candidatos a
partir da data previamente fixada pela Justiça Eleitoral.
Todavia, além da propaganda eleitoral positiva que busca enaltecer o pretenso
candidato, tem-se a propaganda eleitoral negativa que busca angariar votos depreciando
a imagem ou atributos do adversário. Nesse contexto, é de suma relevância o papel
desempenhado pela Justiça Eleitoral, fiscalizando a origem e a veracidade da informação
veiculada por candidatos e partidos políticos, punindo os responsáveis por veiculação
das fake news, construindo um processo eleitoral seguro e verdadeiramente democrático.
Referências
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COELHO, Marcus Viniciu Furtado e AGRA, Walber Moura (Coord). Direito eleitoral e democracia: desafios e
perspectivas. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010.
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GOMES, José Jairo. Propaganda Político-Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
. Direito Eleitoral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre por que compramos. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2009.
NEISSER, Fernando Gaspar. Dissertação: Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade
e utilidade da criminalização da mentira na política. São Paulo: USP, 2014.
NEVES FILHO, Carlos. Propaganda Eleitoral e o princípio da liberdade da propaganda política. Belo Horizonte:
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PINTO, Djalma. Direito Eleitoral, Improbidade Administrativa e Responsabilidade Fiscal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
REICH, Robert B. Supercapitalismo: como o capitalismo tem transformado os negócios, a democracia e o
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
ARAÚJO, Juliana Sampaio de; SOUSA, Lívia Maria de. Reflexões acerca da propaganda antecipada
de acordo com a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 127-139. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
OLIVAR CONEGLIAN
FABÍOLA ROBERTI CONEGLIAN
ANDRÉ EIJI SHIROMA
A liberdade de expressão exige o meio para a sua realização, com o acesso aos meios de
comunicação e a liberdade de propaganda. O acesso ao direito de antena deve ser o mais
amplo e igualitário possível, para permitir que o direito cumpra suas funções em relação
à democracia e ao Direito: instigar o pluralismo, impor o cumprimento da função pública
dos órgãos de comunicação social e garantir eleições verdadeiramente democráticas,
1
Isso depende da representação do partido ou da coligação na Câmara dos Deputados, conforme o art. 47, §2º, da
Lei nº 9.504/97.
pois não há voto livre sem opinião esclarecida; não se concebe liberdade de escolha sem
consciência das alternativas.2
2
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 213.
3
A propaganda partidária, com a reforma implementada pelas Leis nº 13.487 e nº 13.488, de 2017, não existe mais.
4
Segundo informações publicadas pela ONG Contas Abertas. Horário Eleitoral “custará” R$ 576 milhões em 2016.
Disponível em <http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/12447>. Acesso em 18 jan. 2018.
5
Segundo informações publicadas pela ONG Contas Abertas. Horário eleitoral terá custo de mais de R$ 1 bilhão em
2018. Disponível em <http://contasabertas.com.br/site/orcamento/horario-eleitoral-tera-custo-de-mais-de-r-1-
bilhao-em-2018>. Acesso em 18 jan. 2018.
feitas pelos próprios políticos, tiveram o objetivo de agradar a esfera da mídia de rádio
e de televisão, usando para isso recursos que, sendo da União, é de todos, e o que é de
todos é de ninguém.
Com a compensação tributária, o programa eleitoral gratuito pode se inserir
na modalidade de “financiamento público de campanha”, uma vez que, ainda que o
Estado não faça efetivamente um pagamento, deixa de receber parte dos impostos, e
isso acaba por onerar cada cidadão brasileiro.
Na realidade brasileira, verifica-se que existe certa dificuldade burocrática
para que uma emissora preencha todos os formulários e requisitos que lhe garantam
a compensação tributária, uma vez que o Estado não fará “pagamento”, mas apenas
abaterá o valor apurado do cálculo do lucro líquido da empresa, no caso das grandes
empresas, ou uma dedução da base de cálculo de qualquer imposto federal, nas empresas
vinculadas ao Simples. Esse cálculo é complexo e atualmente está regulamentado pelo
Decreto nº 7.791/2012.
Isso leva a refletir que muitas empresas não terão qualquer compensação financeira
simplesmente por não terem uma estrutura contábil apta a fazer os requerimentos certos
na hora certa e na forma correta.
De qualquer maneira, o fato é que a veiculação da propaganda eleitoral no
rádio e na televisão não é gratuita, e o custo é bastante expressivo, como visto. Diz-se
que é gratuito apenas porque os partidos e candidatos não pagam para veicular suas
propagandas eleitorais nesses meios de comunicação.
O valor a ser definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, para os fins do disposto no inciso I do
caput do art. 16-C da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, será equivalente à somatória
da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela
divulgação da propaganda partidária efetuada no ano da publicação desta Lei e no ano
6
A propaganda partidária, em resumo, era destinada aos partidos políticos para divulgarem sua ideologia, como
previa o art. 45 e seguintes da Lei nº 9.096/95. Assim como ocorre com a propaganda eleitoral, as emissoras de
rádio e tevê estavam obrigadas a ceder espaço também para a veiculação das propagandas partidárias e, como
“recompensa”, tinham direito à compensação fiscal. A propaganda partidária foi extinta pela reforma advinda
das Leis nº 13.487 e nº 13.488 de 2017.
Esse fundo eleitoral foi claramente criado pelos parlamentares como resposta ao
fim das doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Assim, se havia dúvida
quanto ao financiamento público (ou misto) de campanhas no Brasil, essa dúvida não
existe mais. O Estado brasileiro suporta boa parte dos altos custos das campanhas
políticas, suporte que aumentou ainda mais com a criação desse fundo.
Em recente publicação, Amilton Kufa, Karina Kufa e Marcos Ramayama sustentam
a inconstitucionalidade formal do mencionado art. 3º, da Lei nº 13.487/2017, por vício
de iniciativa:
A compensação fiscal pela cedência do horário “gratuito” nas emissoras de rádio e televisão
sempre foi muito questionada, pois num primeiro plano a veiculação deveria ser gratuita,
considerando que essas emissoras usufruem de concessões do Poder Público. Por outra,
é possível verificar uma inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa reservada ao
Presidente da República, quando a Lei nº 13.487/2017, no art. 3º, prevê que os recursos
oriundos da compensação fiscal da propaganda partidária pelas emissoras de rádio e
televisão podem ser destinados ao FEFC, ou seja, transferem-se recursos públicos da
União Federal para o financiamento das campanhas eleitorais, ingressando o legislador
comum na seara tributária e orçamentária, violando o disposto no art. 61, §1º, inc. II,
alínea “b”, da Carta Política.
Essa inconstitucionalidade não se convalesce pela sanção presidencial ao projeto de lei,
em razão do vício de nulidade em sua origem. O que temos em termos práticos é que, ao
invés de a União apenas não efetuar a cobrança do crédito parcial para fins do Imposto
de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) das empresas de rádio e televisão sobre a veiculação
do horário gratuito na propaganda partidária, agora terá que destinar recursos públicos
equivalentes ao montante dessa “isenção”, e não se sabe, a princípio, qual é o valor que
será alcançado e destinado para o FEFC.
Impende observar, ainda, uma evidente renúncia de receita pública tributária e a destinação
de despesa nova, o que poderá ensejar a aplicação do art. 14 da Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).7
7
KUFA, Amilton. KUFA, Karina. RAMAYAMA, Marcos. Das incongruências e inconstitucionalidade parcial do “fundo especial
de financiamento de campanha” (FEFC). Disponível em <https://www.impetus.com.br/artigo/1033/%E2%80%9Cfundo-
especial-de-financiamento-de-campanha%E2%80%9D-fefc>. 2017. Acesso em 18 jan. 2018.
dele deflui o fato de que os partidos são considerados diferentes perante a lei, e a diferença
nasce da força de cada partido dentro da Câmara Federal, chamada de representação. Cada
partido terá tempo de horário eleitoral gratuito e verba do fundo partidário na proporção
do número de deputados federais que tiver elegido na última eleição.11
Como se vê, os partidos que não têm representação na Câmara dos Deputados
ficam com apenas 10% do tempo de propaganda eleitoral no rádio e tevê, divisão essa
que é bastante rigorosa. Quase anula a voz de partidos menores, sem deputados eleitos.
8
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 15. ed. Bauru: Edipro, 2012. p. 180.
9
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral. Eleições. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 80.
10
CONEGLIAN, Olivar. Ob. cit., p. 81.
11
Ibidem, p. 81.
mudança empreendida em 2015 pela Lei nº 13.165, o que também poderia ser estendido
às campanhas de candidatos a deputado estadual, federal e distrital.
12
Ibidem, p. 77-83.
foi artificial, imposta à força. Já Lula, restringindo-se este comentário ao seu primeiro
mandato como presidente, tornou-se um líder “necessário” por força de seu próprio
carisma e de sua atuação propícia à elevação das classes sociais, e nisso foi ajudado por
circunstâncias mundiais favoráveis e por uma economia em franca expansão.
Em resumo e concluindo: a propaganda eleitoral pode ser feita com o objetivo
de criar artificialmente na opinião pública estados mentais, emocionais e passionais,
desde que fique no limite da legalidade, isto é, desde que a mensagem não contenha
apelo ou chamado para gestos ilegais. A peça publicitária não é ilícita só pelo fato de
criar artificialmente estados mentais, emocionais e passionais.
Nesse campo, constata-se que há espaço para a mentira, ou para mensagens
sem qualquer base na realidade passada ou futura. Pelo menos por lei, sem adentrar
ao campo da moral.
Ao apresentar sua candidatura, os candidatos a cargos executivos devem
apresentar as propostas que defendem (art. 11, §1º, IX, da Lei das Eleições). No entanto,
na propaganda nem sempre os candidatos se referem a essas propostas.
A propaganda em rádio e na televisão é comandada, pelo menos nas eleições
que envolvem maior número de eleitores, pelos publicitários, conhecidos pelo jargão
popular de marqueteiros.
A criação dos programas eleitorais envolve pesquisas, estatísticas, análise dos
adversários, perfil do eleitor que se pretende atingir. Ela não nasce do nada. Possui, isso
sim, um grande componente científico, além, sempre, da criatividade do marqueteiro. E
dentro dessa criatividade, permitem-se criar cenários irrealistas, propostas que poderiam
ser o sonho de consumo do eleitor, mas que não poderão ser concretizadas dentro dos
orçamentos e das circunstâncias políticas com que o agora candidato vai se deparar no
futuro da administração.
Nesse ponto, surgem aqueles que são bons candidatos, muito embora nada se
possa esperar deles como administradores.
O campo da mentira eleitoral é profícuo, imenso, e se esparrama em todas as
direções, a buscar o atendimento do sonho do eleitor, como se somente a propaganda
já fosse satisfatória, e como se o tesouro público pudesse se abrir para a realização de
obras impossíveis e de satisfação popular inalcançável.
Veja-se que, segundo o art. 323 do Código Eleitoral, é crime “divulgar, na
propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes
de exercerem influência perante o eleitorado”. Ou seja, a propaganda eleitoral não pode
veicular mentiras sobre os adversários.
Na prática, não é fácil distinguir a verdade da mentira, especialmente porque,
estrategicamente, misturam-se afirmações falsas com afirmações verdadeiras. Da
mesma forma, fato e opinião são coisas diferentes, o que também impõe dificuldades
na hora de se verificar a verdade ou a mentira, já que a opinião não se classifica como
falsa ou verdadeira.
De qualquer forma, o que a lei veda é a mentira especificamente sobre candidatos
ou partidos. E pelo princípio da liberdade, tudo que a lei não proíbe, é permitido.
prático das legislaturas. Mesmo assim, os articulistas ousam fazer uma proposta com
o objetivo de melhorar a campanha eleitoral no rádio e na televisão, custeada com
recursos públicos.
Talvez os programas em bloco ficassem mais autênticos e atraíssem com maior
intensidade a atenção do eleitor, se fossem assim:
No segundo turno, além da aplicação das regras anteriores, em três dias da semana
os programas teriam um tempo maior, de 30 minutos, e seriam destinados a debates
entre os dois candidatos. Em dois dias da semana, os candidatos teriam presença física e
responderiam a perguntas de eleitores. Acredita-se que isso demandaria candidatos mais
bem preparados para o cargo em disputa com consequências benéficas à coletividade,
pelo menos em tese.
Não se quer com isso cercear a liberdade das campanhas, evidentemente, mas
apenas manter o debate político veiculado no horário eleitoral gratuito em um nível
de seriedade mínimo, com a exposição detalhada dos projetos e ideias, sem exagero de
encenações teatrais e recursos audiovisuais.
Em outros meios de propaganda eleitoral, até mais profícuos do que a propaganda
de rádio e tevê, como tem se mostrado a internet, não se aplicariam essas regras.
Referências
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Representação nº 120133, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto,
Publicação: 23.09.2014.
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 15. ed. Bauru: Edipro, 2012.
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral. Eleições. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
KUFA, Amilton. KUFA, Karina. RAMAYAMA, Marcos. Das incongruências e inconstitucionalidade parcial
do “fundo especial de financiamento de campanha” (FEFC). Disponível em <https://www.impetus.com.br/
artigo/1033/%E2%80%9Cfundo-especial-de-financiamento-de-campanha%E2%80%9D-fefc>. 2017. Acesso
em 18 jan. 2018.
ONG Contas Abertas. Horário Eleitoral “custará” R$ 576 milhões em 2016. Disponível em <http://www.
contasabertas.com.br/website/arquivos/12447>. Acesso em 18 jan. 2018.
ONG Contas Abertas. Horário eleitoral terá custo de mais de R$ 1 bilhão em 2018. Disponível em <http://contasabertas.
com.br/site/orcamento/horario-eleitoral-tera-custo-de-mais-de-r-1-bilhao-em-2018>. Acesso em 18 jan. 2018.
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
CONEGLIAN, Olivar; CONEGLIAN, Fabíola Roberti; SHIROMA, André Eiji. A propaganda eleitoral
no rádio e na televisão: uma visão crítica. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA,
Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum,
2018. p. 141-152. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
3.1 Introdução
As decisões políticas têm importante impacto na vida do cidadão e, consequen-
temente, nas atividades por ele desenvolvidas, seja em sua esfera privada ou pública.
Na democracia, portanto, ter o mínimo de conhecimento prévio sobre as ideias e
propostas daquele que coloca o seu nome ao crivo do eleitorado é fundamental a todos
os membros da sociedade.
É importante ressaltar que, apesar dos altos custos envolvidos, o cidadão tem
o direito de ter acesso ao máximo de conhecimento a respeito de seus direitos como
cidadão, bem como dos candidatos a cargos públicos. E, um eleitor não informado,
não pode estar suficientemente envolvido ou comprometido com o processo eleitoral.1
É nesse contexto que a campanha eleitoral mostra-se importante. No momento
em que deve, pelo menos em tese, esclarecer o eleitor acerca do movimento político
para que ele possa exercer livremente seu direito de escolha, amparado pela maior
quantidade de informações e impressões acerca dos candidatos envolvidos, a campanha
eleitoral deve ter o papel fundamental de esclarecer. A campanha eleitoral é, portanto,
o palco para que os adversários políticos possam se fazer vistos pelos que votam e que
estes possam formar livremente sua convicção pessoal.
A eleição é o momento em que cada um é individualmente chamado a participar.
E toda ação que tenha como objetivo o esclarecimento, deve ser debatida em razão da
necessidade de que seja cada vez maior a consciência do cidadão.
1
ROEMER, J. “Political equilibrium with private or/and public campaign finance: a comparison of intitutions”. Coweles
Foundation Discussion Paper nº 1409, Yale University, 2003. p. 4.
“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos da Constituição”; bem como no seu art. 14: “a soberania popular
será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos, e, nos termos da lei (...)”.
2
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1993, p. 87.
3
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1970, p. 387.
4
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Ed. Atlas, 2015, p. 5.
5
MORAES. Op. cit. p.6.
6
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 5.
7
BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análises da constituição do império. Rio de Janeiro: Nova Edição, 1958.
p. 459.
8
GOMES. Op. cit., p. 142.
9
STF – ADI nº 5.081/DF – Pleno –trecho do voto RO relator, Min. Luís Roberto Barroso – j. 27 mai. 2015.
10
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 65.
11
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, p.60-61.
12
ARAS, AUGUSTO. Fidelidade Partidária – A Perda do Mandato Parlamentar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.
98.
13
ZILIO. Op. cit., p. 61-62.
14
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p.143-145.
marketing) são geralmente confundidas como sinônimos, pois ambas têm como meta
persuadir e chamar a atenção do público. No entanto, não guardam a mesma significação.
O objetivo da publicidade comercial é obter um retorno financeiro na venda de produtos
e serviços apresentados de forma atraente (dirigido mais à emoção, sentimentos e
instintos, com forte apelo à fantasia e ao imaginário) e também a construção de uma
marca comercial forte. Contemporaneamente, a propaganda também é utilizada para
construir com os clientes relações individualizadas.15
Adrian Huici Modenes bem esclarece acerca da utilização atualmente na
propaganda política das ferramentas utilizadas na publicidade comercial
15
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 13. ed. p. 471-475.
16
HUICI MODENES, ADRIÁN. Estrategias de persuasión, mito y propaganda política. Sevilha: Alfar, 1996. p. 39.
17
GOMES. Op. cit. p. 481.
18
FERREIRA, Pinto. Código Eleitoral Comentado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
19
GOMES. Op. cit. p. 471-475.
20
CONEGLIAN, Oliver. Publicidade Eleitoral. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 15-17.
21
OSÓRIO, Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 116.
22
GOMES. Op. cit., p. 482.
23
PIZARROSO QUINTERO, Alejandro. História de la propaganda política. 2. ed. Madri: Eudema, 1993. p. 76-82.
24
PIZARROSO. Op. cit. p.134-135.
25
LASSWELL, Harold. The theory of political propaganda, the American political science review. v. 21, n. 3, ago. 1927. p.
627-631.
26
HOPKINS, Claude. A ciência da propaganda. Tradução de Ely de Faria Paiva. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1993. 113-
114.
27
NEISSER. Op.cit. p.63/65.
28
ZILIO. Op. Cit. p.330.
29
Ac. 15.732/MA, j. em 07.05.99, Rel. Min. Eduardo Alckimin.
30
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 11. ed. Bauru: EDIPRO, 2004. p. 149.
31
SOARES, Marcos Antônio Striquer. Revista de Direito Público, Londrina, v. 5, n. 2, ago. 2010. p. 129.
32
GOMES. Op. cit. p. 492-496.
período assinalado pela lei, sujeitando os responsáveis às penas previstas no art. 36,
§3º da Lei das Eleições.
A necessidade de garantir da melhor forma a igualdade de condições entre os
candidatos trouxe a ferramenta do controle das campanhas eleitorais, com o objetivo de
coibir o abuso por parte daqueles que detêm maior poder econômico ou político. Dessa
forma, surgiram as limitações formais e materiais aos atos da propaganda eleitoral.
As limitações formais têm relação com quaisquer aspectos que não a mensagem
própria da propaganda eleitoral (conceito negativo), tais como as regras atinentes ao
momento de veiculação, aos meios nos quais se pode difundir a propaganda, valores
pagos por elas e sua forma de contabilização e publicização. As limitações materiais
referem-se ao conteúdo da propaganda eleitoral quanto ao que pode ser dito ou não.33
33
NEISSER. Op.cit. p. 78-79.
possuidor perante os vizinhos, caberá, ainda, o dano moral, mediante ação indenizatória
ajuizada na Justiça Comum.
A inscrição dos nomes e denominações dos candidatos e partidos nas fachadas
de suas sedes e respectivas dependências não é considerada violação à Lei das Eleições
por ser uma identificação institucional e não uma propaganda eleitoral, “desde que não
se assemelhe ou gere efeito de outdoor” (art. 10, parágrafo 1º da Res. nº 23.457/2015).
Diferentemente, não é pacífico o entendimento quanto à inscrição dos nomes
e denominações dos candidatos e partidos em comitê de campanha. Uma corrente34
entende que a veiculação dos nomes do partido e do candidato na fachada do comitê
se trata de propaganda eleitoral, devendo seguir as restrições do parágrafo 2º do art.
37 da Lei das Eleições. Já o segundo entendimento35 é de que a veiculação se refere à
identificação do próprio comitê de campanha.
O art. 15, parágrafo 1º, da Res. nº 23.457/2015, dispôs que a justaposição de
adesivo ou papel cuja dimensão exceda a meio metro quadrado caracteriza propaganda
irregular em razão do efeito visual único, ainda que a propaganda, individualmente,
tenha respeitado o limite acima mencionado.
O tema da gratuidade da propaganda eleitoral em bem particular, conforme
disposto no parágrafo 8º do art. 37 da Lei das Eleições, veda “qualquer tipo de pagamento
em troca de espaço para essa finalidade”, pressupondo a livre vontade do proprietário
ou possuidor em permitir sua veiculação. Para Rodrigo López Zilio “a gratuidade se
justifica pela voluntariedade da divulgação da propaganda em bens particulares, pois
o legislador pressupõe que a veiculação dessa propaganda seja um ato de simpatia ou
adesão voluntária do proprietário ou possuidor do bem utilizado em relação ao partido
ou candidato”.36
Na medida em que a propaganda em bem público é gratuita, não é considerada
gasto eleitoral; no entanto, a mão de obra da pintura, a tinta e o material empregados
na propaganda serão considerados gastos eleitorais
Por derradeiro, mas não menos importante, a Lei nº 12.034/2009 deu nova redação
ao art. 41, caput, da Lei das Eleições, prevendo que “a propaganda exercida nos termos
da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do
exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal”. No entanto, tal
disposição modificou a regra do art. 243 do Código Eleitoral, que dispunha sobre a
vedação à propaganda eleitoral “que (...) contravenha as posturas municipais ou a
outra qualquer restrição de direito”. Dessa forma, fica claro que, havendo conflito entre
norma federal e municipal, prevalecerá a federal. Como bem esclarece Rodrigo López
Zilio, “tal conclusão não significa que a lei eleitoral possa deixar de observar as regras
estabelecidas na legislação ambiental – que igualmente possuem status federal”.37
Importante notar que a Lei nº 13.488/2017 alterou o parágrafo 2º do art. 37,
permitindo adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e
janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado), entretanto,
34
TSE-RP nº 232.590/DF-PSS 14-9-2010; AgR-REspe nº 332.757-BA – Dje1-7-2011, p. 91.
35
TSE-REspe nº 28.485/SP – DJ 11-3-2008, p. 14.
36
ZILIO. Op. cit. p.358-359.
37
ZILIO. Op. cit. p. 360.
eliminou a multa por propaganda em bens particulares. Tal dispositivo certamente irá
gerar muito debate e o Poder Judiciário será instado a se manifestar nos casos de abusos.
38
OLIVEIRA, Maria Alessandra Brasileiro de. A propaganda eleitoral e sua imprescindibilidade no Estado
Democrático de Direito.Themis. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, 2016 p.387-388.
39
ROLLO, Arthur Luis Mendonça. P. 306. A importância ambiental da propaganda eleitoral. Paraná Eleitoral: Revista
Brasileira de Direito Eleitoral e Ciência Política. Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Tribunal Regional Eleitoral
do Paraná. Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira – UFPR. v. 1, n. 3. Curitiba: TRE, 2012. p. 306.
40
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, v. IV. 2. ed. Coimbra: 1993 apud SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 154.
políticos ou editar outras que resultem em sua limitação sob pena de ficar configurado
um retrocesso social.41
O Supremo Tribunal Federal, conforme adiante transcrito, já admitiu a vedação
do retrocesso como argumento de inconstitucionalidade:
(...) a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua
concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza
prestacional, impedindo, por consequência, que os níveis de concretização dessas
prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas
hipóteses – de todo incorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser
implementadas pelas instâncias governamentais (STF – ADI 3.105-DF – Rel. Min. Cezar
Peluso – DJU 18.08.2004).
41
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 338.
Canotilho trata do princípio da proibição/vedação do retrocesso social, derivado do princípio da democracia
econômica e social, por meio do qual o núcleo essencial dos direitos sociais já concretizados e efetivados por força de
medidas legislativas deve ser reputado como constitucionalmente garantido; sendo consideradas inconstitucionais
as políticas ou medidas que revoguem ou anulem este núcleo essencial. Os direitos sociais e econômicos, uma
vez conquistados em certo grau de realização, passam a constituir, ao mesmo tempo, uma garantia institucional
e um direito subjetivo dos governados, justificando a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas
manifestamente anuladoras.
42
STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito Constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1995. p. 293.
43
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 190.
Nesse ponto, são muitos os debates sobre as causas dessa desconexão, sendo,
a falta de vontade política dos governos em investir na emancipação educacional da
população brasileira um dos grandes consensos como a raiz dos problemas atuais.
A obra Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal,45 aborda o tema da vida
política brasileira construindo o conceito de sistema coronelista de dominação, em que
as relações entre os proprietários de terra e a sociedade são sobrepostos pelo que o autor
denomina de regimes representativos.
O autor sustenta a existência de um regime no qual a formação da classe política
ocorre com o fortalecimento do poder público e a mitigação do poder privado, em que
os donos das terras e de notada influência eleitoral entrelaçam interesses de dominação
e poder dentro da sociedade.
Segundo suas reflexões, os eleitores são mantidos econômico, social e politicamente
hipossuficientes, fazendo com que dependam dos favores dos coronéis que, aliados
à facilidade em influenciar e distribuir subsídios estatais através de seus apoiados,
os interesses individuais são sobrepostos aos coletivos, sempre em detrimento de
manutenção e continuidade do sistema.
Vitor Nunes Leal afirma que:
44
SOUZA, Jessé (Org.). A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 42).
45
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-
Omega, 1976.
deste trabalho, é a manipulação do voto pelos chefes locais. E estes, dirigindo municípios
diminuídos nos seus poderes e que só têm contado com minguada receita pública, não
encontram saída satisfatória para seus interesses pessoais ou para o bem de suas localidades
senão pelo conformismo político com a situação dominante no Estado.46
Assim, na primeira República retratada pelo autor, o compromisso dos eleitores que
viviam na predominante área rural era com os donos das terras nas quais trabalhavam
e viviam, e que isso gerava grande distorção no sentido democrático de livre escolha
de seus representantes.
Ocorre que o problema é muito amplo e, entre muitos fatores, para a efetiva
participação popular é necessário que sejam respeitados os princípios básicos da
dignidade da pessoa humana, dando-lhe condições mínimas para que possa participar
nas decisões coletivas.
Segundo Ingo Sarlet:
O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela
integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência
digna não forem asseguradas, onde não houver uma limitação de poder, enfim onde a
liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos de dignidade) e os direitos fundamentais
não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade
da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero arbítrio e
injustiças.47
Todos os modelos democráticos são obras inacabadas, principalmente os recentes, que, como
o brasileiro, põem em linha de discussão temas que traduzem tentativas de aprimoramento
da relação entre o cidadão e o Poder, perpassando a busca de uma nova conformação do
mandato político, do voto, dos partidos políticos, da conduta dos candidatos e até mesmo
do exercício da cidadania.48
46
LEAL. Op.cit. p. 56.
47
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2012. p. 59.
48
KNOERR, Fernando. Bases e perspectivas da reforma política brasileira. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 190.
O paradigma da ponderação, tal qual aqui analisado, aniquila com as regras e com o exercício
regular do princípio democrático por meio da função legislativa. A Constituição Brasileira
de 1988, além de estabelecer que nada poderá ser exigido senão em virtude de lei e de
prever que todo poder emana do povo, que o exercerá por meio de representantes eleitos
ou diretamente, reserva ao Poder Legislativo, inúmeras vezes e em números matérias, a
competência para regular, por lei, determinado âmbito normativo. Ao se permitir o uso
dos princípios constitucionais, mesmo naquelas situações em que as regras legais são
compatíveis com a Constituição e o emprego dos princípios ultrapassa a interpretação
teleológica pelo abandono da hipótese legal, está-se, ao mesmo tempo, consentindo com
a desvalorização da função legislativa e, por decorrência, com a depreciação democrática
do Poder Legislativo. (....) Eis o paradoxo: a interpretação centrada nos princípios cons-
titucionais culmina com a violação de três princípios constitucionais fundamentais – os
princípios democrático, da legalidade e da separação de poderes. Obedece-se à (parte da)
Constituição, violando-a (noutra parte).50
3.4 Conclusão
Segundo os estoicos, o ser humano como membro da comunidade da natureza
e como cidadão do mundo deve sempre estar preparado para abrir mão em algum
momento de seus pequenos interesses próprios.51
Na sociedade moderna, o debate materializa-se através da busca de uma equali-
zação entre a regulação e a emancipação de seus indivíduos. Se por um lado defende-se
a criação de balizas supostamente fundamentadas na preservação do interesse coletivo,
não é possível afirmar que existem garantias que os mecanismos legislativos ou judiciais
de intervenção na realidade não provoquem a deturpação da vontade popular, gerando
um indesejado afastamento do ideal democrático puro.
Do ponto de vista jurídico, conforme anteriormente exposto, o excesso de restrições
à campanha eleitoral fere princípios direta e indiretamente estabelecidos nos artigos
14 e 220 da Constituição Federal, na medida em que limitam o exercício da cidadania
garantido pela Constituição.
49
SARMENTO, Daniel. (Org.) A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas.
Coordenadores. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2007. p. 144.
50
ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista Eletrônica
de Direito do Estado (REDE), Salvador: Instituto de Direito Público, n. 17, p. 1-19, jan./mar. 2009. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 17 dez. 2017.
51
SMITH, Adam. Teoria dos sentimentos morais. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Não me interessam muito conceitos como esperança e utopia. Para mim o que realmente
conta é o trabalho que tem de ser feito no presente. Se não o fizéssemos, ou seja, se não
procurássemos, a cada momento, efetivamente, soluções para os problemas, de pouco nos
serviria continuar falando de utopia ou de esperanças, adiando para um futuro intangível
a concretização das mesmas.52
Referências
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Direito de Resposta, Representação Eleitoral. Curitiba, Instituto Memória, 2016.
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do Direito’ e o ‘Direito da Ciência’”, p. 1-19. Salvador: Instituto de Direito Público, n. 17, jan./mar., 2009.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
ALMEIDA, Frederico Rafael Martins de. A propaganda eleitoral em bens particulares: sua limitação
proporcional e a liberdade de expressão. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA,
Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum,
2018. p. 153-170. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
MICHEL SALIBA
4.1 Introdução
Há muito venho me posicionando contra um insistente movimento de regulação
exagerada da propaganda eleitoral no Brasil, o qual acabou gerando, como uma de
suas principais consequências, o empobrecimento das manifestações democráticas e o
desinteresse da sociedade pelos pleitos eleitorais.
Ao contrário do que muitos sustentam, ainda acredito na vontade e no interesse
do brasileiro por eleições. No meu sentir, a propalada ausência de interesse do cidadão
nos pleitos eleitorais está muito mais no âmbito daqueles circuitos viciosos, nos quais
nunca se sabe onde está a gênese do problema. Seria uma parcela da grande mídia
que estimula o desinteresse e o divulga em massa, ainda que não exista? Ou o tal
desinteresse não existia, passando a ocorrer a partir de uma falsa impressão repetida
à exaustão pela própria mídia?
A forma como se regulamentou a propaganda eleitoral em locais públicos, através
de seguidas alterações legislativas, e o sem número de óbices à boa campanha de rua,
acabaram por privilegiar os atuais mandatários, cada vez com mais chances de obter
as suas reeleições, em evidente detrimento a novas candidaturas, notadamente àquelas
com menos recursos.
Todavia, mesmo durante o último regime de exceção, que se iniciou com o golpe
de 1964, as campanhas eleitorais havidas desde então até 1985 conseguiram preservar
a exteriorização da propaganda em locais públicos, ainda que com todas as restrições
de conteúdo das publicações. As eleições que foram permitidas (senado, deputados
federais e estaduais, prefeitos e vereadores) eram acirradas e os atos de propaganda
eleitoral nas ruas eram garantidos, ainda que longe do ideal democrático, pois vedadas
as manifestações críticas, todavia, as candidaturas postas eram de conhecimento de
todos e o eleitor sabia quem apoiava o regime ditatorial e quem era de oposição.
É indiscutível que a propaganda permitida naquele tempo não continha a sua
principal arma: o conteúdo crítico. De todo modo, se sabia ao sair nas ruas que se estava
em período eleitoral, mesmo com todas as restrições, e mesmo se sabendo que as eleições
existentes eram “para inglês ver”, aliás, para inglês e toda a comunidade internacional
observarem, passando uma falsa impressão de que havia democracia parcial no país.
Ao longo de diversas campanhas, o expediente de colagem de propagandas em
postes de iluminação pública, árvores e jardins localizados em áreas públicas, bem
como em muros, cercas e tapumes, sempre foi algo absolutamente normal, não havendo
qualquer vedação neste sentido.
As candidaturas eram colocadas na rua sem grandes custos, muitas vezes com o
próprio candidato fazendo a colagem dos cartazes na companhia de um colaborador.
Nunca me esquecerei de uma cena a que assisti quando tinha nove anos, nas eleições
de 1978, em plena ditadura militar e vigência da Lei Falcão:1 um candidato a deputado
estadual distribuindo “santinhos”2 na rua onde morava minha avó, enquanto o seu
cabo eleitoral fazia colagens de propagandas nos postes, acima de outras propagandas
já coladas. Anos mais tarde, o filho desse candidato viria a ser meu contemporâneo de
faculdade, lembrando que o pai dele chegou a ser vereador e deputado estadual.
Havia uma convivência harmônica e democrática no uso dos espaços públicos,
eles eram ocupados por todos, quem colava mais eram justamente os candidatos menos
conhecidos, não raro os menos favorecidos, que não tinham outra forma de fazer
campanha, a não ser colocá-la nas ruas.
O dono de uma banca de revistas, que ficava no centro de Curitiba, elegeu-se
deputado federal, em 1974, fazendo escrever seu nome e número nos postes e meios-fios
com giz colorido. Pedro Lauro, do então MDB (Movimento Democrático Brasileiro) é o
exemplo de um tempo longínquo, mas que não pode ser desconsiderado nos dias atuais,
concluindo que a proibição exagerada do uso de locais públicos acaba por atingir o
próprio objetivo das eleições, a livre escolha a partir dos meios que cada um tem para
fazer a sua campanha.
Naqueles tempos de Pedro Lauro, outros candidatos tinham um sistema
profissional de colagem em postes, mas muitas vezes isso de nada adiantava. Havia uma
piada recorrente nas ruas que dizia que, se poste votasse, fulano de tal já estaria eleito.
No entanto, elegendo-se ou não, o cidadão se tornava conhecido da sociedade, era
uma porta de entrada para a carreira política, aberta de modo barato, pois não havia as
1
Lei nº 6339, de 1º de julho de 1976, que impôs restrições extremas à propaganda eleitoral no país.
2
No contexto da política partidária, santinho é uma propaganda impressa com informações como nome do
candidato e seu número. O nome santinho aparentemente vem de uma prática relacionada à Igreja Católica, pois
em idos passados os padres distribuíam pequenos papéis com imagens coloridas de santos, que eram chamados,
na época, de “Santinho”.
excessivas restrições hoje verificadas. Os candidatos não eleitos tinham maior exposição
e passavam a fazer parte do cotidiano das ruas, praças e locais públicos por um bom
período. Por mais de quatro meses até 1989, eis que as eleições ainda se realizavam em
15 de novembro, isso sem contar que a paisagem só voltava ao normal alguns meses
depois, e tudo ocorria normalmente, sem problemas, sem que isso significasse poluição
visual, já que se valorizava o período eleitoral antes da estética das ruas.
Nas eleições de novembro de 1982, Leonel Brizola só se tornou governador do
Rio de Janeiro graças à liberdade de expressão da propaganda nas ruas, garantida em
pleno regime militar, que, ao abrandar a aplicação da Lei Falcão,3 garantiu ao candidato
usar de sua criatividade para desfilar em um carro aberto e fazer comícios relâmpagos,
acompanhados do cantor Agnaldo Timóteo e do Cacique Indígena Mário Juruna, além
de outros líderes pedetistas da época, como Saturnino Braga e Darcy Ribeiro.
Em uma época de comunicação muito mais lenta, sem internet ou outro meio
capaz de multiplicar rapidamente a mensagem de uma campanha, além de ter contra
si a oposição explícita dos principais veículos de comunicação do Rio de Janeiro, e não
possuir dinheiro para uma campanha mais sofisticada, Brizola só venceu pelo seu poder
de comunicação, garantido, em pleno governo do General João Figueiredo, por uma
propaganda eleitoral de rua não sujeita às amarras existentes hoje.
Ou seja, afirmo, sem dúvida alguma, de que hoje Brizola não venceria aquelas
eleições de 1982 para governador do Rio. Seus comícios relâmpagos, feitos muitas
vezes em cima de veículos de porte médio, os shows do candidato Agnaldo Timóteo,
além de outras manifestações legítimas de artistas e simpatizantes, com uma avalanche
de cartazes colados em locais públicos e intensa militância que angariaram apoios
espontâneos e multiplicaram em progressão geométrica, não seria mais possível em
2017, pois vedadas pela legislação de regência.
Uma eleição deixou de ser uma festa da democracia, para se tornar algo modorrento
e sem graça, tudo em nome da suposta igualdade entre os candidatos, pelo risco do
abuso do poder econômico, político e dos meios de comunicação, o que acaba levando à
igualdade de falta de ideias, privilegiando as campanhas dos que já possuem mandatos
e sufocando a tentativa dos novos candidatos em sair às ruas e passar a sua mensagem.
Até o advento da Lei nº 9.504/97, as campanhas eleitorais eram mais alegres, mais
presentes no cotidiano da sociedade. Não raro nos depararmos com pessoas na faixa dos
40 anos que dizem não sentir a ocorrência do clima eleitoral, ainda que a poucos dias de
uma eleição. Isso decorre, em grande parte, do fato de que fazer propaganda eleitoral
no Brasil tem-se tornado algo cada vez mais difícil. Assim, veda-se ao eleitor o direito
de acesso às manifestações mais puras e legítimas de uma eleição, que são justamente
as diferentes formas de propagandas eleitorais em espaços públicos.
3
Op.cit. ant. 1.
Diferente do que pensa a maioria, não creio que a desigualdade entre os candidatos
se traduza na propaganda em locais públicos. Não é nesta modalidade que o poder
econômico se revela selvagem e desproporcional entre os candidatos. Eis um dos maiores
equívocos dos que defendem a excessiva regulação da propaganda em locais públicos
e a proibição de sua livre manifestação nas ruas.
Os candidatos economicamente mais fortes criam formas de fazer valer o dinheiro,
mesmo sem a tradicional propaganda de rua, basta se notar a cooptação de lideranças
políticas feitas por estas campanhas, líderes que se encarregam da contratação de um
número absurdo de cabos eleitorais, ainda que estes efetivamente não trabalhem, em
uma triste realidade para a qual não se pode cegar.
De outro vértice, a excessiva regulação da propaganda eleitoral, dificultando,
ou muitas vezes inviabilizando, uma prática democrática, acaba por privilegiar os
candidatos que detêm mandatos e passam um quadriênio fazendo divulgação de seu
trabalho à expensa do erário público. Não é de se estranhar, portanto, que o legislador,
titular de um mandato eletivo, cada vez mais atue fazendo leis que recrudescem as
manifestações legítimas em locais públicos, afinal, a criatividade não custa caro e pode
conquistar eleitores a esses novos candidatos, o que ameaça os que já estão no mandato.
4
GARCIA, Viviane Macedo. Propaganda Eleitoral e Reforma Política. Conexões Eleitoralistas (Organização: PEREIRA,
Rodolfo; SANTANO, Ana Claudia), ABRADEP, Brasília, 2016. p.267.
Desde 1997 até agora, nada menos do que cinco diplomas legislativos acabaram
por alterar a propaganda eleitoral no país, tornando o processo de exteriorização das
candidaturas uma tarefa difícil. Não basta ser candidato, é preciso conseguir fazer
propaganda, dado o exponencial aumento das vedações a propagandas que deveriam
ser consideradas normais e salutares ao jogo democrático.
Com a justificativa de proporcionar a igualdade entre os candidatos, a propaganda
eleitoral vem sendo cada vez mais restringida, o que se observa a cada nova lei que
insiste em tratar da questão.
Como já frisado, penso que o tema da igualdade de oportunidades entre os
candidatos acaba por escamotear a verdadeira intenção do legislador: reeleger-se a um
custo mais barato e evitar que campanhas menos onerosas possam lhe fazer concorrência.
Os anos de experiência na atuação da advocacia eleitoral levam-me a essa conclusão.
Refuto a ideia de que o aumento progressivo da restrição da propaganda eleitoral tem
correlação com a igualdade de oportunidade aos candidatos, rebatendo esse discurso
em cada um de seus pontos.
Pois bem.
Não bastassem as excessivas restrições às campanhas em locais públicos,
aumentando a partir da Lei nº 9504/97 e depois nas Leis nºs 11.300/2006, 12.034/2009,
12891/2013, ainda temos a realidade de que, desde 2015 até agora, deparamo-nos com
mais duas leis que ampliaram as proibições, atingindo, mais uma vez, manifestações
espontâneas e democráticas, sempre sob o pretexto da igualdade de condições entre
os candidatos.
A marcha proibitiva do art.37 da Lei nº 9504/97 é sintomática. A redação original
do caput do referido dispositivo previa a ressalva permissiva de propaganda eleitoral
em postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e pontes, desde que não lhes
causasse dano.5
Assim, a norma insculpida na redação originária do Art. 37, da Lei nº 9.504,
proibia práticas abusivas de propaganda, como pichações e pinturas aleatórias em
muros, todavia adaptava à década de 1990 a realidade da campanha, substituindo a
colagem de cartazes nos postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e pontes pela
fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados naqueles mesmos locais citados,
desde que não houvesse estrago ao próprio público, e não dificultasse ou impedisse o
seu uso e o bom andamento do tráfego.
A chamada Lei das Eleições avançou e acertou na letra primitiva do seu Art.37,
pois substituiu a colagem que trazia o inconveniente de pequeno dano ao patrimônio
público, pela fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados
O legislador, inexplicavelmente, alterou a aludida norma, caminhando para uma
restrição cada vez mais espartana em relação à propaganda de rua.
Em 2006, a Lei nº 11.300 proibiu a veiculação de propaganda de qualquer
natureza, inclusive a fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados, nos postes
de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas
de ônibus e outros equipamentos urbanos.
5
Lei nº 9504/97, Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele
pertençam, e nos de uso comum, é vedada a pichação, inscrição a tinta e a veiculação de propaganda, ressalvada
a fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados nos postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e
pontes, desde que não lhes cause dano, dificulte ou impeça o seu uso e o bom andamento do tráfego.
6
ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba, Juruá: 2016. p. 290, 293 e 295.
7
Op.cit. ant. p. 275.
de vias públicas. A primeira tem conteúdo com o qual comungo, eis que vejo nos locais
públicos um território que deveria ser explorado intensamente em períodos eleitorais,
em homenagem às eleições livres, que devem englobar campanha em locais públicos;
já a segunda exceção é mais uma norma que restringiu direitos dos candidatos, que
antes podiam, além de manter as mesas para a distribuição de material de campanha,
fazer uso de cavaletes, cartazes e bonecos, tendo sido tolhidos do direito relativo às três
ultimas formas de fazer propaganda.
4.6 Conclusão
Está-se, pois, diante de evidente inversão da escala axiológica na forma como o
legislador vem tratando a matéria relativa à propaganda eleitoral nas ruas.
A intromissão do Estado tornou-se abusiva e adentrou à esfera dos direitos e
garantias individuais do candidato e do eleitor.
Espera-se dos responsáveis pela excessiva regulação da propaganda eleitoral nas
ruas uma profunda reflexão e mudança de postura para que o país volte a ter eleições
mais participativas, com a livre manifestação de muitos cidadãos, hoje tolhidos por
regras invasivas em relação à propaganda eleitoral nas ruas, que interferem na própria
legitimidade das eleições gerais.
Referências
ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba, Juruá: 2016. p. 290, 293 e 295.
GARCIA, Viviane Macedo. Propaganda Eleitoral e Reforma Política. Conexões Eleitoralistas (Organização:
PEREIRA, Rodolfo; SANTANO, Ana Claudia), ABRADEP, Brasília, 2016. p. 267.
GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, 13. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
SALIBA, Michel. A propaganda eleitoral em locais públicos e o retrocesso na liberdade das campanhas
nas ruas. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 171-178. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
5.1 Introdução
Uma das mais poderosas ferramentas políticas, e decerto a mais eficiente, é a
propaganda política. Em consequência disso, nos últimos vinte e um anos tivemos mais
de uma dezena de alterações na legislação eleitoral na tentativa de controlá-la, ou de
refrear o predomínio do poder econômico sobre ela.
Influenciar uma soma substancial de opiniões individuais pode determinar
uma hegemonia ideológica, desejo de muitos dos partidos do passado e também dos
atuais. Vários regimes totalitários se utilizaram dos mecanismos de propaganda para
isso, inclusive no Brasil em tempos não muito remotos, criando um labéu à ideia de
marketing político difícil de se erradicar.
O avanço tecnológico desenvolveu novos meios de comunicação de massas que
rapidamente foram aproveitados pela mídia política. Porquanto esses meios terem forte
poder de influência sobre o eleitorado fez com que rapidamente fossem normatizados
na tentativa frustrada de se buscar uma isonomia – a tão sonhada igualdade de chances,
quase nunca possível. Tal impossibilidade não reduziu o anelo dos legisladores de
contender o abuso de poder econômico, definido desde sempre, conforme Alexis de
Tocqueville,1 como maior inimigo da democracia, tornando-se pretexto para muitas
das reformas políticas.
Cenários de evolução tecnológica, desigualdade quanto ao poder econômico dos
disputantes e a própria supremacia das mídias de comunicação em massa na influência
do eleitorado vêm sendo a tríplice preocupação da Justiça Eleitoral desde a sua criação,
em 1932, quando o rádio ainda era o principal instrumento de convencimento político,
utilizado fortemente por Getúlio Vargas para transmitir a ideia de unificação nacional
e também de reforçar uma conciliação entre as classes sociais (FERRARETTO, 2001).
1
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões: de uma profusão de sentimentos e
opiniões que o estado social democrático fez nascer entre os americanos. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
2
Bot é uma abreviação da palavra robot, que no contexto da internet possui um conceito diferente dos robôs físicos
que estamos acostumados a imaginar. Os bots de internet são pequenos programas criados para realizar tarefas
repetitivas, existindo as mais diversas aplicações, desde alimentadores de sistemas de buscas ao falseamento de
identidades com o uso político, sendo este último o que mais nos interessa neste presente artigo. Os trolls originam-
se das calorosas discussões em ambientes digitais nas quais alguém desinteressado se juntava à discussão apenas
com o interesse de prejudicar o debate, apresentado argumentos irracionais ou falácias, tudo com o objetivo de
alterar o rumo do debate.
3
Respe n. 16.183/MG, de 17.2.2000, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 31.3.2000.
4
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
5
Respe n. 203142/SE, de 20.03.2012, Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira
6
The Village (2004). Filme americano dirigido por Night Shyamalan e traduzido para o Brasil como A Vila.
Para entender essa marcha, é necessário verificar as reformas trazidas pelas Leis
de números 12.891/13, 13.165/15 e 13.488/17, sobre as quais discorreremos rapidamente.
Em 2013, às vésperas das eleições presidenciais de 2014, o PLS nº 441/2012 fluía de
forma açodada pelo Senado. Era necessário aprová-lo até um ano antes das eleições de
2014 para que pudesse ser aplicável àquele pleito. No entanto, em razão das inúmeras
emendas e dos aspectos controvertidos de mais aquela minirreforma, não foi possível
vencer o óbice imposto pelo princípio constitucional da anualidade, previsto no Art.
16 da Constituição Federal de 1988.
Aprovado, o projeto deu lugar à Lei nº 12.891/13, que só seria aplicável nas eleições
de 2016. Novos incisos foram acrescentados ao art. 36-A, acrescendo as possibilidades
de manifestação política que, embora configurassem evidente propaganda, não seriam
ilícitas. Apesar de alguns artigos desta lei nunca terem sido aplicados, uma vez que
alterados pela reforma de 2015, os incisos I, II e IV se mantiveram, mesmo com a Lei nº
13.165/15, conforme pontuo abaixo:
Art. 36-A. Não serão consideradas propaganda antecipada e poderão ter cobertura dos meios
de comunicação social, inclusive via internet: (não mais vigente, pois alterado pela Lei
nº 13.165/15)
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas,
programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a
exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de
televisão o dever de conferir tratamento isonômico; (Vigente)
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas
dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de
políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo
tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Vigente)
III – a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos instrumentos de comunicação
intrapartidária e pelas redes sociais; (não mais vigente, pois alterado pela Lei nº 13.165/15)
IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça
pedido de votos; (Vigente)
V – a manifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas nas redes sociais.
(não mais vigente, pois alterado pela Lei nº 13.165/15)
Parágrafo único. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão
das prévias partidárias. (Revogado pela Lei nº 13.165/15)
7
Disponível em:<http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3687774&disposition=inline pg 3>. Acesso
em: 20 jan. 2018.
A esta altura, nova reforma já se desenhava por meio do PL 5735/2013, que daria
origem à Lei nº 13.165/2015 e que reformaria inclusive os textos da Lei nº 12.891/13,
que nunca fora aplicada integralmente. Os autores do Projeto 5.735/2013 em seu texto
original deixaram clara a intenção de criar propagandas eleitorais antecipadas lícitas,
mencionando na proposta de nova redação para o art. 36-A o seguinte texto: “Art. 36-A.
Não será considerada propaganda eleitoral antecipada vedada por esta Lei:”. Basta alterar
a ordem das orações para que se perceba a intenção do legislador, qual seja, a de que
não será vedada a propaganda eleitoral antecipada disposta no rol seguinte. Reduzindo
ainda mais, será permitida a propaganda eleitoral antecipada exposta no rol seguinte.
Ao longo da discussão do PL 5735/2013, houve 135 emendas e vários substitutivos.
Além disso, a esse PL foram juntados outros dois projetos votados em conjunto, os PLs
2078 e 2259, ambos de 2015.
A redação original do PL era vanguardista, havia a intenção de se permitir,
inclusive, o pedido de votos na internet antes do período de propaganda eleitoral, o que
foi criticado pelo Deputado Ilário Marques, autor do parecer8 da Comissão de Ciência e
Tecnologia que definiu pela rejeição de várias emendas ao projeto com o seguinte texto:
Continuando sobre as propostas de mudanças na Lei das Eleições, o Art. 36-A
é alterado para que não sejam consideradas propagandas eleitorais antecipadas as
manifestações individuais, com ou sem pedido de voto, quando veiculadas pela internet.
Este tópico recebeu um tratamento mais pormenorizado no texto final da Lei 12.891/13,
porém mais restritivo. No dispositivo em vigência, não é considerada propaganda
eleitoral antecipada a manifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas,
a divulgação de atos, atividades parlamentares e a divulgação de prévias partidárias,
desde que não haja pedido de votos.
Entendemos que a liberalidade proposta no PL aumenta consideravelmente o
poder da internet como veículo de propaganda eleitoral, trazendo a reboque um alto
potencial de aumentar a divisão social no que diz respeito ao acesso à informação.
Ademais, por serem a internet e as redes sociais um recurso praticamente ilimitado, a liberação
dos pedidos de votos naquele veículo poderá favorecer os candidatos com maior poder econômico.
Portanto, somos contrários à medida proposta.
A preocupação do deputado dizia respeito à proposta de nova redação ao art.
36-A, que defendia.9
Art. 36-A. Não será considerada propaganda eleitoral antecipada vedada por esta Lei:
V – a manifestação político-eleitoral individual, vedado o anonimato, com ou sem pedido de
voto, veiculada pela internet, observadas as disposições constantes dos artigos 57-A a 57-I.
VI – a realização de atividades típicas de pré-campanha, tais como as declarações públicas
que levem ao conhecimento geral a pretensão de disputar eleições e as ações políticas que
se pretende desenvolver, as manifestações de apoio a partidos e a pré-candidatos, entre
outras, desde que não haja pedido explícito de votos, nem menção a número de candidato,
utilização de símbolos de campanha, distribuição de panfletos, arrecadação de fundos,
realização de comícios ou outras ações próprias do período de campanha eleitoral. (NR).
8
Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1264855&filename
=PRL+1+CCTCI+%3D%3E+PL+5735/2013>. Acesso em: 20 jan. 2018.
9
Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1102056&filename
=PL+5735/2013>.
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam
pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades
pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de
comunicação social, inclusive via internet:
III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo,
a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates
entre os pré-candidatos;
V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes
sociais;
VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade
civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade,
para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.
§1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias
partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social.
§2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e
a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende
desenvolver. §3º O disposto no §2º não se aplica aos profissionais de comunicação social
no exercício da profissão. (NR)
Até este momento, o cenário construído pelo legislativo era o de que havia
determinadas condutas que poderiam ser realizadas no período pré-eleitoral sem que
fossem consideradas ilegais. Eram verdadeiras propagandas eleitorais antecipadas, no
entanto lícitas, como frisaram vários deputados ao longo da discussão.
As manifestações políticas continuariam recebendo o mesmo tratamento legal.
Poderiam ocorrer dentro das hipóteses permitidas, mas não poderiam conter pedidos
explícitos de votos e nem ser feitas de forma a gerar abuso de poder econômico ou
violando os limites então definidos.
10
Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/511722/2015-07-16.pdf?sequence=1 Pg. 3>.
Acesso em: 20 jan. 2018.
Destarte, a mensagem veiculada não acarretou prejuízo à paridade de armas, pois qualquer
eventual competidor poderia, se assim quisesse, proceder da mesma forma, divulgando
mensagens sobre seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições,
principalmente por tratar-se de propaganda de custo diminuto, inapta a ocasionar interferência
indevida do poder econômico no pleito;
Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet,
excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e
contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
11
Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/175874/000455042.pdf?sequence=1>. Acesso
em: 20 jan. 2018.
12
Expressão latina da qual se reduz: respeitar as coisas decididas e não mexer no que está estabelecido.
O desafio agora seria conjugar a nova disposição legal com o fato de que toda a
construção normativa e jurisprudencial definida até então possibilitava a manifestação,
dentro ou fora da internet, de questões políticas, lançamento de candidaturas, moções
elogiosas sobre pré-candidatos, histórico de trabalho e pretensão de novos desafios,
tudo isso desde que não houvesse pedido de votos.
Conquanto isso, uma pergunta mantinha-se sem resolução: tais manifestações
permitidas a destempo poderiam ser estimuladas monetariamente para alcançar eleitores
que navegassem em territórios mais longínquos, inacessíveis de forma natural? Esta
pergunta, ainda sem resposta pacífica, converteu-se na vedete da vez e explorá-la a
partir das interpretações que se seguiram do julgado paradigma RP 5124 tornou-se o
principal desafio das eleições de 2018.
Vale a pena considerar que o texto do art. 57-C da Lei nº 9.504/97 vem sendo
interpretado de forma equivocada por muitos, como sendo a permissão para se
monetizar qualquer manifestação política pela internet, desde que não haja pedido de
votos. Cabe lembrar que o excerto da norma é explícito em limitar essa remuneração
a grupos específicos, quais sejam: os partidos, as coligações e os próprios candidatos
e seus representantes.
Colabora com a ideia de que não poderia haver remuneração de manifestações
político – eleitorais por parte de usuários a vedação expressa disposta no art. 57-b, IV,
b, da Lei nº 9.504/97, o qual dispõe:
Art. 57-B. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:
(...)
IV – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de
internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por:
b) qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdos.
comportamentos a seguir listados pelo Art. 36-A deixariam de ser propagandas ilícitas
por antecipação. Nunca tendo havido uma discussão sobre deixarem de ser propagandas
eleitorais, talvez por receio de se infringir o óbvio.
Contudo, para toda a discussão que se surgiu desde então, um questionamento
recebeu lugar de destaque: teria o adjetivo “antecipado”, na oração, o condão de
transformar o substantivo que qualifica?
Para a teoria clássica do conceito de propaganda eleitoral, criada a partir de então,
a resposta a tal questionamento é positivo. Para tal concepção, o fato de se dizer que
não é propaganda eleitoral uma manifestação em razão de sua liberação em momento
prévio ao legalmente definido para as campanhas eleitorais, (ou seja, dizer que não
é propaganda eleitoral antecipada) é o mesmo que dizer que não é propaganda. Aos
nossos ouvidos, isso soa tão absurdo quanto dizer que um fato deixou de ser crime por
não ser mais crime hediondo.
O afastamento da questão temporal definida pelo termo antecipado não pode
ser capaz de alterar a natureza da manifestação, razão pela qual deveria, ainda que
ausente o termo “voto”, qualquer manifestação política respeitar os limites dispostos
na legislação, vocacionados a reduzir a influência do poder econômico, em especial o
art. 57-C que veda “qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet”.
a posição de que a ausência do pedido de votos fazia com que a manifestação política
analisada não fosse considerada propaganda eleitoral.
Essa questão, embora pouco estudada e observada, gera consequências graves a
todo o direito eleitoral positivo disposto sobre o assunto. Importante descortinar que,
a palavra propaganda é componente essencial dos tipos penais previstos no Código
Eleitoral que dispõem sobre a proteção à honra dos candidatos, conforme previsto nos
artigos 323 a 326 daquela consolidação. Sem essa elementar do tipo, a ação se torna
atípica. Ou seja, se a manifestação não é considerada propaganda para fins de regulação
temporal do discurso, muito menos poderá ser considerada propaganda para fins penais.13
Alcançamos aqui uma interpretação perigosa: a de definir que uma manifestação
política é considerada propaganda eleitoral pela presença ou ausência da palavra voto.
Uma interpretação indigente e insipiente a nosso ver.
Ademais, vale repisar que, se uma manifestação não é considerada propaganda
pela ausência da palavra voto, não há nada que não convenha ao interlocutor, uma vez
que tudo lhe será lícito. Desde que não use a palavra voto, poder-se-ia impulsionar a
publicação, cometer injúrias, calúnias e inverdades pelas redes sociais, sem que houvesse
a atração da competência da Justiça Eleitoral ou se cometesse um ilícito eleitoral. Além
disso, todos os custos com tais manifestações serão realizados sem que seja dada
satisfação ao órgão de controle, uma vez que são atos tratados como indiferentes ao
pleito por essa parcela da doutrina.
Tanto é que já há precedentes relacionados a manifestações por meio de outdoor
sem menção à palavra voto e que vem sendo julgadas como indiferentes eleitorais,
como no caso do Respe 621/MG de 14 de setembro de 2017:
13
As consequências de dizer que uma manifestação sem pedido explícito de votos não é propaganda eleitoral atinge
a própria competência para julgamento dos crimes eleitorais, uma vez que os tipos penais dos crimes contra a
honra, previstos no Código Eleitoral, exigem a elementar “na propaganda” ao mencionarem, por exemplo: “Art.
324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda (...)”. Se a calúnia não ocorre na
propaganda ou visando fins de propaganda, a competência passa a ser da Justiça Comum.
2. Desse modo, conforme registrado na decisão hostilizada, tendo sido consignado pela
Corte Regional que, no conteúdo das publicações objeto da presente demanda, não há pedido
explícito de voto, afasta-se a configuração de propaganda eleitoral nas mensagens patrocinadas
realizadas pelo agravado, no Facebook, antes do período autorizado. (RESPE – Agravo
Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 5048 – NOVA PONTE – MG Acórdão de
03/08/2017 Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho Publicação: DJE – Diário de justiça
eletrônico, Data 04/09/2017 )
Assim, estabelecida a tese de que as manifestações sem pedido de voto, mesmo que
relacionadas ao pleito, são lícitas, precisamos responder o seguinte: essas manifestações
são propagandas eleitorais antecipadas lícitas ou, por outro lado, como já entendem
alguns ministros, não são propagandas eleitorais? A resposta que defendemos para esse
questionamento trará a solução para as manifestações veiculadas com o uso de recursos
financeiros no mundo real ou impulsionadas, ou seja, pagas para aumentar o seu alcance
na internet no período anterior àquele legalmente definido para a campanha política.
ao pleito eleitoral, evitando que o poder econômico faça parecer que a candidatura de
poderosos seja a única.
Contudo, essa proteção está em risco, em razão da interpretação de que aquilo
que não contenha pedido explícito de votos não é considerado propaganda eleitoral.
A partir de tal construção hermenêutica, mesmo que para alguns isso seja um fator
de busca de isonomia entre os candidatos, o que ocorrerá será o vultoso investimento
de poderosos grupos políticos, em verdadeiras pré-campanhas eleitorais, para criar
engajamento nas redes sociais sem que isso seja configurado irregularidade eleitoral,
em razão da ausência da palavra voto.
A imaginação casta de alguns que defendem que as manifestações políticas
antecipadas, mesmo que não consideradas propagandas eleitorais, poderiam gerar
abusos de poder econômico a serem punidos em ações específicas é um tanto quanto
utópica. Os tribunais já começaram a se posicionar defendendo que se algo não é o
menos, não pode ser o mais.
Ou seja, se uma manifestação não foi sequer considerada propaganda eleitoral,
como poderia travestir-se de abuso de poder econômico a não ser que houvesse um
verdadeiro duplipensar eleitoral, no qual o significado das palavras assumisse o sentido
desejado pelo intérprete como numa obra orwelliana. Aquilo que não configura propa-
ganda eleitoral para fins de punição por violação ao Art. 57-C de forma extemporânea
poderia sê-lo para fins de abuso de poder econômico?
Em recente precedente o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP),
decidindo o Recurso Eleitoral Nº 621-26.2016.6.26.0156 sob a lavra do Relator Marcelo
Coutinho Gordo assim se posicionou:
Se os fatos não configuraram sequer propaganda irregular, tampouco são suficientes para
justificar a prática de abuso de poder a ser investigado em AIJE ou AIME. (RECURSO
ELEITORAL nº 621-26.2016.6.26.0156 de 16 de novembro de 2017)
A solução viável para esses casos é apenas uma: dar à propaganda a sua função
constitucional coerente com todo o sistema, considerando-a direito do eleitor e, a rigor,
conforme o Código Eleitoral Vicente Ráo, citado anteriormente, uma verdadeira garantia
democrática, contra a qual não pode haver restrições desarrazoadas.
Pari passu a essa visão, numa óptica também constitucional, há de se fazer uma
ponderação entre a posição preferencial da liberdade de expressão (preferred position of
freedom speech) e a necessidade de controle da influência do poder econômico sobre a
normalidade e legitimidade das eleições, proibindo qualquer tipo de monetização das
manifestações antes do período oficial de campanha eleitoral trazido pelo texto da Lei
nº 9.504/97, alterado pela 13.165/15, que dispõe que a propaganda eleitoral só é possível
a partir de 15 de agosto do ano eleitoral.
Com isso, vencida a teoria clássica da propaganda eleitoral defensora de que só a
palavra “voto” tipifica uma propaganda eleitoral e, por consequência, uma propaganda
eleitoral antecipada, aplicaríamos uma teoria coerente com a constituição e com a própria
função da propaganda, restringindo, tão somente, a influência do poder econômico
nos pleitos.
Dessa interpretação sistêmica não surge qualquer prejuízo, uma vez que restariam
resguardadas todas as manifestações eleitorais de eleitores, pré-candidatos, partidos,
candidatos e seus representantes a qualquer tempo, conforme toda a nova sistemática
das últimas reformas, em especial previstas no art. 36-A. Porém, em vez de apenas
poder agir pelo controle do abuso quando o bem jurídico houver sofrido uma violação,
(hipótese defendida pelos adeptos da teoria clássica, mas ainda não confirmada, tendo
em vista que alguns tribunais já apresentaram discordância) atuariam os operadores
do direito de forma ostensiva sobre as irregularidades, controlando as manifestações
políticas remuneradas, seja pela internet, seja pelas formas tradicionais.
Com isso, não caberia a argumentação de que uma manifestação, claramente
ligada ao pleito eleitoral, no entanto sem a desnecessária palavra voto, estaria isenta de
responsabilidade eleitoral quando imbuída de altos valores econômicos, cuja origem
do recurso, na maioria das vezes, têm-se por desconhecida.
A teoria funcionalista sistêmica também soluciona os arcanos relacionados
às extemporâneas manifestações impulsionadas pela internet que, além de violar o
disposto nos artigos 57-C, 57-B, IV, b, vem sendo utilizadas em absoluto desrespeito à
premissa básica pensada pelo legislador, e disposta no art. 57-C, §3º, qual seja, a de que
os impulsionamentos devem ser propositivos, e não negativos, utilizados em prejuízo
dos adversários políticos. É o texto expresso da previsão legal em questão:
Art. 57-C
(...)
§3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente
com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal,
escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com
o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações.
5.6 Conclusão
Após várias reformas eleitorais em busca de um ambiente que satisfizesse a
constitucional liberdade de manifestação e expressão e, ao mesmo tempo, controlasse a
influência do abuso de poder econômico, chegamos a um ponto de perigosa insegurança
jurídica, criticado pela hipocrisia eleitoral, em razão de uma teoria clássica da definição
da propaganda eleitoral que passou a entender que só as manifestações onde houvesse
explicitada a palavra voto configurariam a propaganda eleitoral e por consequência, a
propaganda eleitoral antecipada.
Em consequência disso, surgiram precedentes considerando que, manifes-
tações sem a palavra voto seriam indiferentes eleitorais, permitindo, por meio dessa
interpretação, as mais variadas formas de abuso como: manifestações em outdoor,
Referências
Brasil. Lei nº 9.504/1997. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 30
de set. 1997.
Brasil. Lei nº 12.034/2009. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF,
29 de set. 2009.
Brasil. Lei nº 12.891/2013. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF,
11 dez. 2013.
Brasil. Lei nº 13.165/2013. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF,
25 nov. 2015.
Brasil. Lei nº 13.488/2017. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF,
06 de out de 2017.
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. 2. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001.
PEREIRA, Luiz Márcio; MOLINARO, Rodrigo. Propaganda Política: questões práticas relevantes e temas
controvertidos da propaganda eleitoral. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
The Village (2004). Direção de Night Shyamalan – 3 de setembro de 2004 (1h 48min).
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões: de uma profusão de sentimentos
e opiniões que o estado social democrático fez nascer entre os americanos. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 51-24/MG.
Tribunal Superior Eleitoral. Representação nº 203142/SE.
Sites acessados
http://www2.camara.leg.br/
https://www12.senado.leg.br/
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
COURA, Alexandre Basílio. Propaganda eleitoral antecipada: teoria funcionalista sistêmica versus teoria
clássica da propaganda eleitoral . In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber
de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 179-195. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
1
DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou – Brasília: UnB, 2009. p. 110-111.
2
Inteiro teor disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/93-986.ZO.html,>. Acesso em: 2 fev. 2018.
3
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 20. Forense, 2002. p. 650.
arte, que se utiliza os mais variados recursos para propalar as vantagens, as utilidades
e os méritos de um produto, induzindo os compradores a preferi-lo”.
Já o gênero propaganda política comporta diversas e diferentes divisões. Em
alguns casos, pode contemplar, por exemplo, os atos praticados por órgãos de classe ou
de representação da sociedade que, por meios e técnicas próprias, visam a divulgar a sua
posição como forma de influenciar ou exigir à tomada de decisões específicas. Afinal,
em termos clássicos, como ensina Norberto Bobbio,4 política significa “tudo aquilo que
se refere à cidade, e, portanto, ao cidadão, civil, público e também sociável e social”.
Entre as demais espécies, para efeito da presente análise, a propaganda eleitoral
deve ser realçada. Olivar Coneglian5 a define como a “feita com objetivo exclusivo de
conquistar o eleitor e seu voto, nas eleições que se aproximam” ou, como ensina José
Jairo Gomes,6 “aquela adrede preparada para influir na vontade do eleitor, em que a
mensagem é orientada à atração e conquista de votos”.
Ainda que seja relativamente simples definir a propaganda eleitoral como a
utilização de técnicas e meios de convencimento lícitos que visam a obter a preferência
do eleitorado, a verificação empírica – em especial nos períodos que antecedem as
eleições – não é tão simples, pois muitas vezes os atos que podem gerar determinado
tipo de exposição são confundidos como prática de propaganda eleitoral antecipada.
É necessário, contudo, diferenciar as situações. Não se pode, por exemplo,
confundir propaganda antecipada com publicidade institucional. Os próprios termos
propaganda e publicidade não têm idêntico significado.
A publicidade pressupõe a mera divulgação de uma informação, vale dizer, é o
ato de tornar pública a informação de forma neutra, sem tentar persuadir o destinatário
da mensagem. Ainda que o receptor possa ser influenciado pelo dado divulgado,
não há o patrocínio ostensivo nesse sentido. A propaganda, por sua vez, revela, em
si, a utilização de técnicas e meio de comunicação como o propósito específico de
convencer o destinatário da mensagem a tomar determinada posição ou adotar um
tipo de comportamento específico. Ela pode positiva, quando realizada em benefício
do objeto anunciado, ou negativa, quando se pretende que o destinatário se afaste ou
rejeite o assunto tratado.
Note-se, a propósito, que a Constituição da República não fala em propaganda
institucional, como muitas vezes erramos ao dizer, mas sim em publicidade institucional
que, nos termos do art. 37, 1º, deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação
social, sendo vetado o uso de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que
caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos.
Em relação a essa norma, é interessante notar que ela contém, na verdade, dois
comandos. O primeiro – permissivo – estabelece o conteúdo da informação divulgada
que, necessariamente, deve atender às hipóteses contempladas na Constituição. O
segundo – proibitivo – complementa o sentido da impessoalidade que deve reger a
divulgação dos atos e atividades institucionais, impedindo o seu uso para difusão de
imagens, nomes ou frases que possam identificar os gestores públicos.
4
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. In: Michelangelo Bovero
(Org.); tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. 11. reimpressão, p. 159..
5
CONEGLIAN, Olivar. Lei das Eleições Comentada. Juruá, 2002. p. 250.
6
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016; p. 482.
7
EMENTA: Ação popular. Publicação custeada pela Prefeitura de São Paulo. Ausência de conteúdo educativo,
informativo ou orientação social que tivesse como alvo a utilidade da população, de modo a não se ter o acórdão
recorrido como ofensivo ao disposto no §1º do art. 37 da Constituição Federal. Recurso extraordinário de que,
em consequência, por maioria, não se conhece. (STF, RE 208114, rel. Min. Octávio Gallotti, Primeira Turma, DJ
de 25.8.2000).
8
STF, RE 191.668, rel. Min. Menezes Direito, 1ª Turma, DJE de 30.5.2008.
publicidade, no caso, pode e deve ser examinada sob o ângulo da violação ao princípio da
transparência e, conforme o caso, do abuso de poder ou da improbidade administrativa.
Além da publicidade institucional, outro ponto que sempre gerava dificuldades
de interpretação dizia respeito aos atos de promoção pessoal ou a exposição das
ideias dos políticos, potenciais candidatos, no período que antecede as eleições. Por
um longo período, considerou-se que os atos de mera promoção pessoal – tais como a
divulgação de mensagens de felicitações – não caracterizariam propagandas antecipadas.
Para que a infração fosse considerada, exigia-se que houvesse a nítida intenção de
influenciar a vontade do eleitorado, levando-se, ao conhecimento geral, ainda que de
forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que
se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais
apto ao exercício de função pública. Nesse sentido, entre tantos: AgR-REspe nº 167-34,
rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 10.4.2014; AgR-REspe nº 1159-05, rel. Min. Otávio Noronha,
DJe de 31.3.2014; REspe nº 15.732, rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 7.5.99.
Ainda que alguns vissem nesse entendimento uma postura ampliativa de restrições,
na verdade, o que se pretendeu, desde o paradigmático julgamento do REspe nº 15.732,
relatado pelo Ministro Eduardo Alckmin, foi impor limitações à compreensão subjetiva
do que seria um ato de propaganda eleitoral antecipado, exigindo-se, no mínimo, a
verificação de alguns elementos. De outra forma, expressões faciais e olhares poderiam
ser considerados como indicadores de propaganda eleitoral.
Contudo, com o acirramento das disputas eleitorais, a compreensão retornou ao
campo do subjetivismo. Chegou-se a cogitar sobre métodos de propaganda subliminar,
cuja seriedade não é reconhecida por muitos cientistas qualificados, os quais, apesar
de admitirem a possibilidade de uma mensagem ser transmitida aquém dos limites
humanos, contestam a existência de uma persuasão subliminar eficaz.
Em razão dessa interpretação, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal
alteraram a Lei das Eleições para, em um primeiro momento, incluir, no art. 36-A
da Lei nº 9.504/97, um rol de situações que não caracterizariam propaganda eleitoral
antecipada, tais como a participação em entrevistas, debates, realização de seminários,
conferências, etc. Por considerar insuficientes as alterações introduzidas em 2009, o
Congresso Nacional, em 2015, novamente modificou o dispositivo legal em questão, para
expressamente prever que não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que
não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação
das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os atos enumerados, que poderão ter
cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet.
A questão realmente é complexa. De um lado, sempre invocando como motivo
justificador das limitações impostas argumenta-se que é necessário evitar que as
pessoas mais abastadas ou com maior acesso aos meios de comunicação social possam
iniciar as suas campanhas eleitorais antes do demais concorrentes, desequilibrando,
consequentemente, o pleito eleitoral.
Esse realmente é um ponto que merece ser considerado, mas também é necessário
verificar que as questões a ele inerentes não podem ser reduzidas à mera conceituação
de propaganda eleitoral antecipada, para efeito de aplicação de multas irrisórias que são
convertidas para o Fundo Partidário. Abusos ou o uso indevido do aparelho estatal, com
certeza, não podem ocorrer nunca, nem no período eleitoral, nem no que lhe antecede.
Se ocorrerem desvios, eles devem ser prontamente coibidos com a adoção das medidas
sejam transmitidos ao vivo pelas principais rádios e televisões, inclusive para fora do
país. Igual comportamento no Brasil, com as regras limitadoras existentes, implicaria
sanção às emissoras e na provável cassação do registro do candidato beneficiado, com
alegações de abuso de poder político, econômico, uso indevido de meios de comunicação
social e realização ostensiva de propaganda antecipada.
Diante desse paralelo, resta indagar em qual situação há maior transparência,
melhor democracia. Em um sistema em que todas as discussões são claras e transmitidas
para todos ou em um modelo no qual as decisões são tomadas em ambientes fechados,
com expressa proibição de transmissão dos debates travados, com obrigação de se dar
publicidade somente ao resultado final. Divulga-se a decisão partidária, não as razões
que a embasaram.
A partir dessas reflexões, parece que as diversas restrições que paulatinamente têm
comprometido a propaganda eleitoral no Brasil caminham em sentido contrário ao ideal
democrático, ainda que se utilize a reiterada justificativa da necessidade de privilegiar
a igualdade de chances entre os candidatos e baratear o processo eleitoral, o que, aliás,
não tem sido verificado nas últimas eleições. A cada novo grupo de proibições impostas
pelas reformas eleitorais, os gastos das campanhas eleitorais seguintes aumentam.
Além dessa constatação, o incremento da velocidade de comunicação com uso
da internet, das redes sociais e dos aplicativos instalados nos telefones de grande
parte da população, reclama uma nova compreensão das ferramentas democráticas,
em que a regra deve ser a liberdade e não a proibição. É necessário que se reestude a
funcionalidade e finalidades das instituições democráticas que não podem desconsiderar
a modernidade capaz de gerar manifestações instantâneas dos cidadãos que, justamente
por isso, exigem respostas igualmente rápidas dos seus governantes.
Nesse quadro, há que se perquirir se realmente é necessário impor limitações
à realização generalizada de atos de propaganda eleitoral ou se tais restrições devem
ser restritas apenas aquelas que envolvam atos ostensivos com custos financeiros e
econômicos relevantes, tais como a distribuição de material impresso, a realização
de comícios com aparelhagem de som, a divulgação de mensagens pagas. Ao invés
de se proibir os diversos meios de propaganda eleitoral, parece que a solução seria
simplesmente impedir a prática ostensiva de determinados atos de propaganda eleitoral,
que exijam a movimentação relevante de dinheiro e que contenham pedido expresso
de voto direcionado ao eleitor antes do período eleitoral. Com isso, seria possível, ao
mesmo tempo, assegurar a liberdade de manifestação do pensamento e proteger as
eleições contra eventuais abusos do poder econômico.
Nesse sentido, de forma parcial, a partir da reforma eleitoral de 2015, passou-se a
exigir o pedido expresso de voto como elemento caracterizador da propaganda eleitoral
antecipada. É necessário, contudo, que se reflita mais sobre o tema, para que as demais
limitações e o curto espaço de debate eleitoral também sejam repensados.
Ainda que não se desconheça a realidade e a criatividade brasileira, o quadro
de proibições não pode ser incentivado, especialmente quando as proibições impostas
aos candidatos e partidos passam a alcançar, também, a liberdade de manifestação do
pensamento dos eleitores. Caso ocorram abusos, caber repetir e reforçar, esses sim devem
ser punidos de forma excepcional, sem que a mera possibilidade de sua ocorrência possa
impor um véu de silêncio generalizado.
de relações entre particulares, como decidido pela Suprema Corte do Canadá em Hill
vs Church of Scientology of Toronto ([1995] 2 SCR 1130).9 O que importa para a solução
dos casos concretos é a preponderância da verdade, da veracidade das alegações e
dados divulgados.
Na seara penal, contudo, como o art. 323 do Código tipifica como crime quem
divulga fatos que sabe inverídicos, é possível caminhar no sentido de se exigir a comprovação
da ciência de que o agente teria ciência prévia da falsidade divulgada agindo com
dolo. Porém, em relação a esse tipo penal, cuja interpretação deve ser estrita em face
do princípio da reserva legal, é importante também destacar que ele só tem aplicação
aos fatos divulgados na propaganda eleitoral, não cabendo sua invocação em relação às
notícias veiculadas pelos meios de comunicação social. Nesse sentido, o Tribunal Superior
Eleitoral já considerou caso em que “os textos jornalísticos publicados na imprensa
escrita não eram matérias pagas, razão pela qual ainda que tivessem eventualmente
divulgado opiniões sobre candidatos não podem ser caracterizados como propaganda
eleitoral, impedindo, por consequência, a tipificação do crime previsto no art. 323 do
Código Eleitoral”.10
O maior problema neste campo, porém, é definir o que é efetivamente falso, por não
corresponder a um fenômeno real, e o que é apenas factível ou não. Quando se está diante
de interpretações sobre a qualidade de governos ou propostas que pregam mudanças
de comportamento da gestão pública, não há como considerar que a manifestação seja
sabidamente falsa, pois elas podem apenas refletir a opinião ou a crítica baseada em
percepções individuais. É até possível discordar delas, demonstrar a sua incongruência,
a falta de suporte lógico e material, mas não há como afirmar serem elas inverídicas;
muito menos sabidamente inverídicas. Por certo, preferências ou desavenças políticas
não agradam a todos e não podem ser submetidas à aferição de veracidade.
Segundo a jurisprudência eleitoral, o fato sabidamente inverídico é aquele que
independe de maior pesquisa ou comprovação. Como afirma o Ministro Tarcísio Viera
de Carvalho Neto, “é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível
de plano, a ‘olhos desarmados’”.11 Assim, não se consideram como fatos sabidamente
inverídicos os que são referidos na propaganda com base no quanto divulgado pela
mídia,12 bem como a crítica à administração baseada em fatos noticiados pela imprensa.13
Consignou-se, também, para a caracterização do fato sabidamente inverídico, ser
insuficiente que a informação veiculada não seja apropriada ou factível. É necessário
que a inverdade seja manifesta e não admita, sequer, o debate político.14
Mais recentemente acrescentou-se ser necessário que a afirmação apontada como
sabidamente inverídica contenha ofensa a candidato, partido ou coligação.15
9
Disponível em: <https://scc-csc.lexum.com/scc-csc/scc-csc/en/item/1285/index.do>. Acesso em: 12 fev. 2018.
10
(TSE. RESPE 35.977, rel. Min. Felix Fischer, DJE de 7.12.2009).
11
TSE, RP nº 1211-77, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 23.9.2014.
12
TSE, RP nº 1393-63, rel. Min. Admar Gonzaga Neto, PSESS 2.10.2014.
13
TSE, RP 1267-13, rel. Min. Herman Benjamin, PSESS 30.9.2014, com referência ao R-Rp 2962-41, rel. Min. Henrique
Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010 e Rp 3681-23/DF, rel. Min. Joelson Dias, publicada no mural em 28.10.2010.
14
RP nº 3686-45, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 26.10.2010.
15
RP 1083-57, rel. Min. Admar Gonzaga, PSESS de 9.9.2014, com reiteração em diversos precedentes sucessivos nas
eleições de 2014.
16
MACHADO, Jonatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da Esfera Pública no sistema social.
Lisboa: Coimbra Editora, 2002, p. 669.
17
STF, ADI 4451 MC-REF, rel. Min. Carlos Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 1.7.2011, DJE de 24.8.2012; RTJ
221.1-277.
18
RESPE 18.802, rel. Min. Fernando Neves, DJ de 25.5.2001)No mesmo sentido: AG 2325, rel. Min. Fernando
Neves, 25.4.01; RO 758/AC, rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 3.9.2004; RO 2.356, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE
de 18.9.2009; RCED 758/SP, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 12.2.2010; RESPE 468-22, rel. Min. João Otávio de
Noronha, DJE de 16.6.2014; AgR-REspe 567-29/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 7.6.2016; AgR-RO
758-25/SP, Rel. designado Min. LUIZ FUX, DJE de 13.9.2017; RO 797-22, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho;
DJE de 1.12.2017.
19
TSE. REspe 16214, rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 28.4.00; AG 1747, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 24.9.99; AG 2065,
rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 24.3.00 (com ressalva do relator); AG 1749, rel. Min. Costa Porto, DJ de 17.12.99.
20
REspe 15752, rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 21.5.99, RJTSE 11-3-177; REspe 18979, rel. Min. Fernando Neves,
DJ 29.6.01.
21
TSE, AG 2090, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 4.8.00, RJTSE 12-2-82.
22
TSE, RP 3477-76, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 16.11.2010.
democrático, não podendo, bem por isso, ser afastada, sob pena de amesquinhá-lo e,
no limite, comprometer a liberdade de expressão, legitimada e legitimadora do ideário
de democracia” (AgR-AI 98335, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 3.4.2017).23.
23
RESPE 490-57, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 2.2.2018.
24
TSE. Trecho do voto proferido no RO 508, DJ 5.11.01.
25
TSE, RESPE 822-03, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 4.12.2015.
26
TSE, RESPE 399-48, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 23.10.2015.
27
TSE. RESPE 669-12, rel. Min. Maria Thereza Assis Moura, DJE de 10.11.2015.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
SILVA, Henrique Neves da. Propaganda eleitoral na imprensa escrita e a liberdade editorial de apoio
político. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 197-215. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
28
TSE, RESPE 300-10, rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 18.10.2016.
O CONTROLE JUDICIAL DA
PROPAGANDA E SEUS LIMITES
1.1 Introdução
Nas democracias contemporâneas, com eleições livres, justas e periódicas, é
justificável controlar o conteúdo das propagandas eleitorais durante as campanhas, a
fim de que seja garantida a legitimidade do exercício do poder de sufrágio popular?
A propaganda eleitoral que veicula mensagem de cunho negativo relacionado ao
candidato concorrente deve ser considerada proibida, mesmo que as informações
sejam verdadeiras? Pode um candidato formular propostas que atentem contra os
direitos de minorias, pregando, por exemplo, ideias neonazistas e/ou xenófobas, algo
já muito comum em alguns países europeus? Como limitar a liberdade de expressão
dos candidatos e candidatas e de eleitores-cidadãos na era digital?
Esses questionamentos estão diretamente relacionados ao valor da liberdade
de expressão e de manifestação nas disputas eleitorais, elementos basilares de um
regime democrático. A ideia mais fundamental de democracia tem como pilar a ideia
de que o poder emana do povo. Em outras palavras, são os cidadãos os mandatários
da vontade política, que se expressa, primeiramente, por meio do voto livre e igual em
eleições periódicas.
A eleição é, nesse sentido, um dos principais mecanismos de expressão da
vontade popular, que visa a garantir a participação dos eleitores na tomada de decisões
que afetam a vida pública. Essa participação só será efetiva quando for assegurado
aos eleitores o acesso às mais diversas fontes de informação para que possam formar
sua convicção e votar naqueles que consideram os mais aptos a representar os seus
interesses. A soberania popular, portanto, só poderá ser exercida em sua plenitude
se os eleitores tiverem acesso a variadas fontes de informação acerca de quem são os
candidatos, se for assegurado o amplo e livre debate sobre as ideias e propostas de
cada um dos sujeitos do processo eleitoral, bem como se forem permitidas, inclusive,
as críticas aos candidatos. Sem a liberdade de expressão e de informação, o processo
eleitoral perde o sentido.
1
DAHL, Robert. On democracy. Yale University Press, 2000.
2
NEISSER, Fernando G. Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade e utilidade da
criminalização da mentira na política. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
de São Paulo, São Paulo.
3
A análise do tema das restrições a direitos fundamentais, bem como a forma de se definir o conteúdo essencial e o
âmbito de proteção dos direitos fundamentais, parte da distinção entre regras e princípios, nos moldes explicitados
por Robert Alexy, no seu livro “Teoria dos Direitos Fundamentais”. Para saber mais sobre essa teoria, cf. ALEXY,
Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Malheiros, trad. Virgílio Afonso da Silva, 2017.
4
NEISSER, Fernando G. Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade e utilidade da
criminalização da mentira na política. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
de São Paulo, São Paulo, p. 251.
Neisser aponta para uma alternativa de autoproteção coletiva que vem sendo colocada
em prática nos Estados Unidos nos últimos anos, denominada fact-checking. Ao descrever
essa atividade de depurar o discurso político para a sociedade, a ideia do autor preserva,
de certa maneira, a autonomia dos atores envolvidos no debate político e a sua liberdade
de expressão e de manifestação, cabendo a entidades independentes de fact-checking
checar a veracidade das informações abordadas por candidatos na propaganda eleitoral.
Outros estudos, por sua vez, dedicaram-se aos limites à liberdade de expressão
na propaganda eleitoral negativa, propaganda que veicula opiniões contrárias aos
candidatos. Um dos estudos mais recentes sobre o tema visa a demonstrar que, além
das vedações impostas contra os atos de difamar, injuriar, caluniar ou apresentar como
verdadeiras informações desabonadoras ou sabidamente inverídicas a respeito dos
candidatos, existem “limites à divulgação de informações que, privadas, não sejam
dotadas de qualquer interesse público ou, também, que tenham conteúdo puramente
vexatório, porquanto ultrapassam o âmbito de proteção da liberdade de expressão e,
pior, desvirtuam o propósito da propaganda eleitoral”.5 Aline Moreira e Joana Sierra
concluíram que o elemento limitador da liberdade de criticar é o alcance do interesse
público atinente ao conteúdo veiculado.6
Diferentemente desses estudos anteriores, a proposta desse capítulo é enfrentar
a justificativa das limitações ao conteúdo da propaganda eleitoral sob a perspectiva do
direito à liberdade de expressão, com o intuito de lançar reflexões a respeito da aplicação
desta garantia constitucional na disputa eleitoral. Afinal, quais os limites à liberdade
de expressão dos candidatos e dos cidadãos durante o período eleitoral, com vistas a
garantir o bom funcionamento dos valores democráticos?
Para responder a esse questionamento, o artigo está estruturado em três partes:
na primeira delas, abordamos o conceito de liberdade de expressão sob a perspectiva
de um modelo comparado, que contempla duas lentes: a da dignidade humana e a da
liberdade. A partir desse marco teórico, a segunda parte dedica-se à análise da legislação
brasileira de controle do conteúdo da propaganda eleitoral, mostrando que o Brasil se
enquadra na concepção de liberdade de expressão que valoriza a dignidade humana.
Na terceira e última parte, essas ideias são testadas no contexto da propaganda eleitoral
realizada na internet.
5
MOREIRA, Aline B.; SIERRA, Joana de S. Propaganda eleitoral negativa nas eleições: limitações à liberdade de
expressão dos candidatos e dos eleitores. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRGS, v. 9, n.2,
2014, p. 2.
6
MOREIRA, Aline B.; SIERRA, Joana de S. Propaganda eleitoral negativa nas eleições: limitações à liberdade de
expressão dos candidatos e dos eleitores, 2014, p. 18.
razão instrumental; e (iii) democracia e liberdade humana. Ele considera que esse três
domínios interagem entre si e as diferenças entre as doutrinas dos diferentes sistemas
jurídicos podem ser explicados pela variação do peso dado a cada ordem social em um
sistema. A análise da liberdade de expressão, para esse autor, pressupõe um modelo
que contempla o domínio da comunidade versus a democracia.7
Autores como Dworkin, por exemplo, analisam a liberdade de expressão com
base em um modelo liberal igualitário, que considera a dicotomia liberdade versus
igualdade. Para se ter uma ideia, a Alemanha, Reino Unido, França, Espanha e Portugal
– para citar apenas alguns exemplos – incriminam variadas formas de manifestação
discriminatória, incluindo os discursos revisionistas. Nesses países, como aqui, toma-se
a igualdade como o pilar estruturante da democracia, antes de qualquer outro. Mas seria
a igualdade elemento constitutivo da democracia que assegura que todos, inclusive as
minorias, possam expressar-se livremente? Ou seria a liberdade plena de expressão que
constitui as sociedades verdadeiramente democráticas, salvaguardando os indivíduos
da opressão por discursos dominantes escolhidos pelos Estados?
Na concepção norte-americana, a Primeira Emenda da Constituição confere valor
quase absoluto à liberdade de expressão, pois esta é considerada o pilar estruturante
da democracia, antes de qualquer outro.
A liberdade de expressão também ganha destaque na obra de um dos principais
teóricos do direito na atualidade, Ronald Dworkin. O autor faz uma defesa generosa da
liberdade de expressão, uma vez que a considera um direito. Na visão dworkiniana, as
liberdades são direitos e, enquanto tais, são uma questão de princípio. Essa formulação
tem a seguinte implicação. Como a liberdade de expressão se funda em um direito, ela
é de difícil exceção, podendo apenas ser limitada por outro direito.8
Na perspectiva dworkiniana, o que está em jogo não é saber se o discurso deve
ser praticado, mas se há um direito de praticá-lo. Ou seja, não se trata de defender a
moralidade de um discurso ofensivo, mas sim defender o direito ao discurso, mesmo
que ele seja reconhecidamente imoral. A partir desse raciocínio, a liberdade de expressão
para Dworkin é bastante ampla e permite condutas bastante controversas nas sociedades
contemporâneas, como a veiculação de discursos de ódio, como a negação do holocausto,
ou a pornografia.
Para compreender melhor as formulações teóricas de Dworkin sobre a liberdade
de expressão, é importante se debruçar sobre a justificativa que o autor oferece. Tal
justificativa se concentra nos valores da igualdade e da democracia orientados por
uma teoria ética. No texto Devaluing Liberty, o autor apresenta uma justificativa prática.
Segundo ele, “a democracia não pode trabalhar bem a longo prazo, a não ser que cidadãos
privados tenham acesso a toda fonte possível de informações, livres de censura por
parte de políticos cujos interesses podem residir na sua ignorância”.9 Ou seja, Dworkin
entende que a liberdade de expressão é necessária para que o povo governe o governo
e não vice-versa. A liberdade de expressão, para o autor, tem função constitutiva da
democracia, pois, segundo ele, “só conservamos nossa dignidade individual quando
insistimos que ninguém – nem o governante nem a maioria dos cidadãos – tem o direito
7
POST, Robert C. Constitutional Domains: democracy, community. Management 16, 1995.
8
DWORKIN, R. Taking the Rights Seriously. London, 2005.
9
DWORKIN, R. Devaluing liberty. Index on Censorship, v. 17, n. 8, 1988.
de nos impedir de ouvir uma opinião por medo de que não estejamos aptos a ouvi-la
e a ponderá-la”.10
Sob a perspectiva de uma sociedade assentada na responsabilidade moral
individual, a liberdade de expressão deveria proteger todo e qualquer discurso, incluindo
os discursos de ódio abominados pela maioria. A partir dessa perspectiva, seria possível
defender que apenas a pluralidade plena de opiniões legitimaria o processo democrático.
Esse é o entendimento do Min. Marco Aurélio em voto proferido no HC 82.424/
RS, mais conhecido como caso Ellwanger. Entre os diversos argumentos que utilizou
para determinar a soltura do paciente que estava preso por publicar livro de conteúdo
antissemita, o Ministro ponderou o seguinte:
10
DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 327.
11
CARMI, Guy E. Dignity versus liberty: the two western cultures of free speech. Boston University International
Law Journal, v. 26: 277, 2008, p. 309.
12
CARMI, Guy E. Dignity versus liberty: the two western cultures of free speech, 2008, p. 374.
13
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 442.
14
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 313.
15
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 313.
16
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Os limites da propaganda eleitoral e sua função na democracia. COÊLHO,
Marcus Vinicius Furtado; AGRA, Walber de Moura (coord.). Direito eleitoral e democracia: desafios e perspectivas.
Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010, p. 221.
17
Aquela que é realizada antes do período permitido, ou seja, antes do dia 15 de agosto do ano da eleição.
18
Art. 57-G. As mensagens eletrônicas enviadas por candidato, partido ou coligação, por qualquer meio, deverão
dispor de mecanismo que permita seu descadastramento pelo destinatário, obrigado o remetente a providenciá-lo
no prazo de quarenta e oito horas.
Parágrafo único. Mensagens eletrônicas enviadas após o término do prazo previsto no caput sujeitam os respon-
sáveis ao pagamento de multa no valor de R$100,00 (cem reais), por mensagem.
19
Tribunal Superior Eleitoral regulamentará o disposto nos arts. 57-A a 57-I desta Lei de acordo com o cenário e as
ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral e promoverá, para os veículos, partidos e demais
entidades interessadas, a formulação e a ampla divulgação de regras de boas práticas relativas a campanhas
eleitorais na internet.
Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Malheiros, trad. Virgílio Afonso da Silva, 2017.
CARMI, Guy E. Dignity versus liberty: the two western cultures of free speech. Boston University International
Law Journal, v. 26: p. 277, 2008.
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Os limites da propaganda eleitoral e sua função na democracia.
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado; AGRA, Walber de Moura (coord.). Direito eleitoral e democracia: desafios
e perspectivas. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010.
DAHL, Robert. On democracy. Yale University Press, 2000.
DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
. Taking Rights Seriously. London: Gerald Duckworth & Co. Ltd, 2005.
. Devaluing liberty. Index on Censorship, v. 17, Issue 8, 1988.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
HÖRNLE, Tatjana; KREMNITZER, Mordechai. Human Dignity as a protected interest in Criminal law. Israel
Law Review, v. 44, 2011. p. 143-167.
MOREIRA, Aline B.; SIERRA, Joana de S. Propaganda eleitoral negativa nas eleições: limitações à liberdade
de expressão dos candidatos e dos eleitores. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRGS, v.
9, n.2, 2014.
NEISSER, Fernando G. Crimes eleitorais e controle material da propaganda eleitoral: necessidade e utilidade
da criminalização da mentira na política. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/
tde-08122014-163134/pt-br.php>. Último acesso em: 10 jan. 2018.
. Fact-checking e o controle da propaganda eleitoral. Revista Ballot, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 178-212,
set./dez. 2015.
POST, Robert C. Constitutional Domains: democracy, community. Management 16, 1995.
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
RAMOS, Luciana de Oliveira; RAIS, Diogo. A liberdade de expressão e o controle sobre o conteúdo da
propaganda eleitoral: uma perspectiva comparada. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande;
AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 219-230. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
1
TARUFFO, Michele. Idee per uma teoria della decisione giusta. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, anno
LI, n. 2, 1997, p. 319 e 321.
2
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. Revista dos Tribunais, São Paulo,
p. 277, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, 4. ed., São Paulo: RT, 2013.
3
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Novas tendências na estrutura fundamental do processo civil. Revista do
Advogado, São Paulo, v. 46, p. 59, 2006.
4
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, individual e coletiva, 5. ed., São Paulo: RT, 2012. No direito italiano,
vale mencionar a clássica obra de Cristina Rapisarda (Profili della tutela civile inibitoria, Padova: Cedam, 1987),
com ênfase à tutela inibitória na formação da doutrina processual civilística (p. 13-76) e sua evolução, desprendida
da proteção essencialmente cautelar e conectada à tutela declaratória dos direitos (p. 209-246).
5
“1. A legitimidade para ajuizar ação de execução de astreintes, imposta pelo descumprimento de ordem judicial
relativa à retirada de propaganda eleitoral irregular, é da União, por se tratar de norma de interesse coletivo
(REspe nº 1168-39/PR, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 1º.10.2014). 2. O valor da astreinte deve ser destinado ao
Fundo Partidário – que, à luz do disposto no art. 38, I, do Código Eleitoral, tem como fonte de receita ‘multas e
penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas’ – , e não ao autor da demanda cuja
decisão foi descumprida. 3. Agravo regimental desprovido” (TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento
nº 19128, Acórdão de 01.12.2015, Relator (a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo
030, Data 15.02.2016, Página 24).
6
LUCON, Paulo Henrique dos Santos; VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Código Eleitoral Interpretado. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2013, p. 771.
turno, diz respeito a fenômeno em que a pretensão do autor encontra apenas parcial
acolhida pelo magistrado. Nos casos de julgamento parcial, uma parcela do mérito
é resolvida em caráter antecedente e a outra, como normalmente ocorre, é analisada
apenas após o término da fase instrutória. O julgamento antecipado parcial do mérito
terá lugar quando um ou mais dos pedidos formulados que não representem a sua
totalidade ou ainda, quando parcela de um deles mostrar-se incontroverso ou estiver
em condições de imediato julgamento, vale dizer, quando não houver necessidade de
produção de outras provas ou quando se manifestarem os efeitos da revelia. Em matéria
de propaganda eleitoral ilícita, portanto, se desnecessária a instrução probatória, possível
o julgamento antecipado, inclusive parcial do mérito. Nesse caso, o processamento da
representação prosseguiria para fins de julgamento a respeito da responsabilidade pela
propaganda ilícita.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Processo eleitoral e o CPC/2015: tutela inibitória e a propaganda
eleitoral ilícita. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 231-238. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
3.1 Introdução
Talvez não exista um ramo do Direito que guarde tanta proximidade com o Direito
Constitucional quanto o Direito Eleitoral. Afinal, seu objeto se relaciona com a realização
dos direitos políticos, da democracia, da representação e da soberania populares, do
direito ao sufrágio, enfim, da legitimação do poder político. Todos eles estão referidos
expressamente na Constituição e regulam o exercício do direito fundamental ao sufrágio.
Esse fato levou Canotilho a designar a Constituição como o “Estatuto Jurídico do
Político”, salientando que cabe a ele: “definir os princípios políticos constitucionalmente
estruturantes, como, por exemplo, o princípio democrático, o princípio republicano,
o princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania, o princípio
pluralista, etc.; (...) determinar os princípios, formas e processos fundamentais da
formação da vontade política e das subsequentes tomadas de decisões por parte dos
órgãos político-constitucionais. Sintetizando essas ideias do direito constitucional como
direito político, dir-se-á que se trata: a) de um direito sobre o político (dado que, entre
outras coisas, tem como objecto as formas e procedimentos da formação da vontade
e das tomadas de decisões políticas); b) de um direito do político (é uma expressão
normativa da constelação de forças políticas e sociais); c) de um direito para o político
(estabelece medidas e fins ao processo político)”.1
Surpreendentemente, há uma manifesta deficiência na formação teórica desse ramo
do Direito, especialmente pelo esquecimento das bases constitucionais que o sustentam.
Ainda que não seja preocupação deste artigo tematizar essa deficiência, é patente
que, a despeito de excelentes trabalhos que surgiram nos últimos anos, o Direito Eleitoral
carece de um tratamento teórico rigoroso, típico de outros ramos do Direito Público. O
que se observa é a prevalência da prática sobre qualquer abordagem teórica, sem uma
orientação segura de princípios que orientem a sua sistematização.
1
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional. 5. ed. Lisboa: Almedina, 1992. p. 35-36.
2
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. Madrid: Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, 1914, p.
43-44.
3
Heidegger estabelece a distinção entre ser e ente, para afirmar que “o ser dos entes não ‘é’ em si mesmo um outro
ente” (HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Parte I. 8. ed. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1999.
p. 32). Assim, após dizer que o ente é uma multiplicidade de coisas e de modos (inclusive nós e nossos modos),
Heidegger afirma que há um ente privilegiado que é aquele que questiona o seu ser. Esse ente que cada um de
nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, Heidegger designa com o termo
Dasein.
4
PASQUA, H. Introdução à leitura de ser e tempo de Martin Heidegger. Tradução de Joana Chaves. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997. p. 42.
ser do homem e a temporalidade se reflete no próprio título de sua obra máxima: Ser e
Tempo. O ser não é do tempo e nem está no tempo: o ser é tempo.5
Como herdeiro intelectual de Heidegger, Hans-George Gadamer tematiza a
historicidade para o desenvolvimento de sua hermenêutica, ressaltando as estruturas
fundamentais da compreensão, dentre elas o horizonte histórico com a reabilitação
do preconceito e o círculo hermenêutico, vinculando o sujeito que compreende à sua
historicidade.6
Ou seja, o Direito contém um contexto temporal que lhe empresta um certo
grau de compreensão. Afastada a ideia de uma criação jusnaturalista, o Direito deve
ser visto como uma criação humana de caráter contingente: obra de homens concretos
para uma dada sociedade.
Se esses pressupostos filosóficos podem ser aceitos, especialmente a historicidade
da compreensão, torna-se relevante identificar o ambiente em que as restrições à
propaganda eleitoral são impostas e os condicionamentos compreensivos que levam
legisladores e juízes a se convencerem do seu acerto e de sua necessidade.7
Predomina, hoje, no Brasil e no mundo, uma grande desconfiança da política.
Com o processo de redemocratização, os brasileiros acreditaram nas promessas
libertárias da democracia. A Assembleia Constituinte mobilizou o país, fazendo presente
a política no cotidiano das pessoas. O processo de escolha do primeiro presidente da
república eleito democraticamente, após longo período de ditadura, revelou um país
interessado na política e certo de que ela era o caminho para a solução de seus graves
problemas.
A desilusão, porém, foi proporcional a essa expectativa.
Os casos de corrupção envolvendo ocupantes de cargos eletivos, tanto no Executivo
como no Legislativo, associados à incapacidade da política de realizar suas promessas
diante da força dos mercados, transformaram o amor originário em ódio.
A política passa a se apresentar como algo prescindível. Talvez pior: transformou-se
em algo que deve ser eliminado.
Daniel Innerarity afirma que, na Grécia clássica, o termo “idiota” designava a
pessoa que apenas se dedicava aos assuntos particulares em oposição ao cidadão que
participava dos assuntos públicos e propõe uma taxonomia da idiotice na política. Ele
5
A breve referência a Heidegger não tem nenhuma pretensão de esclarecer sua filosofia que é tomada de uma
complexidade que não cabe nos estreitos limites de um estudo específico da propaganda eleitoral e das posturas
municipais. Sua menção tem o simples propósito de demarcar o horizonte filosófico de compreensão do Direito.
6
Aliás, o próprio Gadamer destaca a diferença de propósitos entre ele e Heidegger na questão hermenêutica,
afirmando que Heidegger somente entra na problemática da hermenêutica e das críticas históricas com a finalidade
ontológica de desenvolver, a partir delas, a pré-estrutura da compreensão, enquanto ele persegue a questão
de como, uma vez liberada das inibições ontológicas do conceito de objetividade da ciência, a hermenêutica
pôde fazer jus à historicidade da compreensão. Ou seja, o apelo à situação hermenêutica, para Heidegger, serve
para situar o ser do Dasein e tem a função de elaborar uma nova ontologia. Já para Gadamer, a Hermenêutica
significa uma retomada da tradição humanística da Filosofia, conduzida pela historicidade, pela finitude e pela
temporalidade, com o fim de contrapor à verdade objetiva e metódica das ciências experimentais, uma verdade
que prescinde do método.
7
Como consta do aforismo de Bertrand Russell, “todo homem, aonde quer que vá, está cercado por uma nuvem
de convicções que o acompanha como moscas em um dia de verão” (citado por Thomas Sowell em Conflito de
visões: origens ideológicas das lutas políticas. Tradução de Margarita Maria Garcia Lamelo. São Paulo: É Realizações,
2012. p. 7).
identifica três espécies de idiotas: a) os que têm uma atitude indiferente em relação à
política; b) os que desejam sua destruição ou sua apropriação; c) os indignados.8
Os primeiros se aproximam do “analfabeto político” de Brecht9 e mal percebem –
até porque são analfabetos – que a sua indiferença permite que terceiros façam a escolha
de muitas coisas que são determinantes para a sua vida. Aos que não se interessam pela
política, fica o alerta de Platão na República: “o maior castigo consiste em ser governado
por alguém ainda pior do que nós, quando não queremos ser nós a governar”.10 De
forma mais clara, ainda que não sejam as palavras expressas do filósofo: não há nada
de errado com aqueles que não gostam de política. O problema é que serão governados
por aqueles que gostam demais dela.
Já os que desejam a destruição da política não percebem que, após o fim da
política, outros mecanismos de domínio tomarão o lugar da democracia e da política
no processo de escolha. Aliás, “poderosos agentes econômicos ou impostores dos meios
de comunicação estão muito interessados, por razões óbvias, em que a política não
funcione bem ou não funcione em absoluto”.11
Por fim, existem os indignados que são bem contemporâneos e se constituem
naqueles “que se interessam pela política, mas que o fazem dentro de uma lógica
que não é a de cidadãos responsáveis, mas, sobretudo, a de observadores externos
ou clientes enfurecidos e que acaba por destruir as condições que tornam possível o
desenvolvimento de uma vida verdadeiramente política”.12
Munidos das novas tecnologias, especialmente as redes sociais, os, antes, cidadãos
engajados e, agora, simples consumidores de política enfurecidos, dirigem críticas
a qualquer um que exerça essa atividade. Um indício claro desse fenômeno está no
surgimento de políticos que recusam a política e se apresentam como agentes externos
ao sistema (outsiders). Eles não são apenas novos, mas recusam o próprio mecanismo da
política. Outro indício está no abandono, pelos partidos políticos, da própria designação
de “partido”: Podemos, Avante, Solidariedade, Rede Sustentabilidade, Democratas.
Se a classe política não quer ser contaminada pela política e, de alguma forma
a recusa, é evidente que não é algo diverso que se poderia esperar do cidadão comum
que, dia e noite, é bombardeado pela mídia, a qual sobrevive de escândalos e catástrofes.
Esse processo transformou os cidadãos em inimigos da política. À política do
ódio, tão comum no Brasil atual, foi acrescentado o ódio à própria política e até mesmo
à democracia. Esse ódio é transferido para o processo político, especialmente para as
campanhas eleitorais. Cada vez mais, o cidadão deseja que a política invada menos
sua vida, seja pela redução do horário de propaganda eleitoral e dos recursos a serem
8
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 21-22.
9
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que
odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e
o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”
(texto atribuído a Bertold Brecht, mas de autoria não confirmada).
10
PLATÃO. A república. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 30.
11
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 21.
12
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 22.
destinados às campanhas, seja pela limitação dos meios de propaganda, de modo que,
no melhor dos mundos, o ato de participação do processo político, para ele, deveria
ser reduzido ao ato de votar e, se possível, facultativamente.
Ainda que haja razões para isso, tanto pelo comportamento dos políticos como
pela necessidade de se estabelecer novos mecanismos de representação, é certo que há
uma equivocada percepção do papel da política, o que pode explicar a frustração com
os resultados alcançados por ela.
Ou seja, é nesse cenário de ódio (e de desejo de menos política) que se deve
compreender o processo de limitação crescente dos meios de diálogo entre candidatos e
eleitores. Esse estado de ânimo afeta o legislador, antenado com os desejos da sociedade,
e também o Poder Judiciário que não passa incólume a esse processo que condiciona sua
racionalidade. Não há dúvida de que essas medidas seriam inaceitáveis em um ambiente
de recente conquista da democracia, como ocorreu a partir da década de 1980, no Brasil.
Portanto, a primeira etapa para compreensão do problema relativo à limitação
da propaganda eleitoral se relaciona com a fundamentalidade da política e o resgate
de sua dignidade. Antes de mais nada, é preciso desmistificar a política para evitar sua
sacralização e, consequentemente, evitar a indignação.
Innerarity ressalta que “a política é fundamentalmente uma aprendizagem da
decepção”,13 pois a democracia, necessariamente, gera a frustração, haja vista que ela
não é capaz de atender a todos os interesses. Assim, quem enxerga na democracia uma
forma de realização de seus desejos pessoais, certamente ficará frustrado com ela. Por
ser dependente da negociação, a política gera decisões subótimas e, de alguma maneira,
decepcionantes. Portanto, “está incapacitado para a política quem não tiver aprendido
a gerir o fracasso ou o êxito parcial, porque o êxito absoluto não existe”.14
Além disso, em um ambiente de liberdade política, com pleno funcionamento
da democracia, o sistema político se converte em um regime de constante vigilância,
com uso ilimitado da crítica, do protesto, do debate, os quais geram uma sensação de
caos e desordem, especialmente pela revelação dos casos de corrupção e de desacordo.
No entanto, se a corrupção é sempre intolerável e os desacordos estão na origem de
muitos de nossos erros coletivos, “deveríamos ser sinceros e reconhecer que boa parte
do nosso mal-estar com a política corresponde a uma nostalgia insensata pelo conforto
em que se vive quando não se sabe dos problemas e os desacordos são reprimidos”.15
Se há um desejo de levar a sério a solução dos graves problemas sociais, é
necessário que ela se dê em um ambiente transparente e que reflita a pluralidade e a
complexidade da sociedade contemporânea, o que só é possível por meio da política. Se
a nossa política se encontra doente, o primeiro passo é diagnosticar a doença, de modo
a se utilizar o melhor remédio, sem comprometer o próprio paciente.
Assim, se há um desejo de uma política melhor, isto só será alcançado com a
qualificação do processo de escolha que será diretamente proporcional à divulgação das
qualidades dos candidatos. No processo de aprimoramento da política, o amplo acesso
13
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 125.
14
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 126.
15
INNERARITY, D. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de
João Pedro George. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. p. 125.
16
A Política é uma obra em que Aristóteles estuda as diferentes formas de organização da polis, apontando quem
deve governá-la, a qual foi precedida da descrição de 158 constituições, das quais, apenas A Constituição de Atenas
não se perdeu, tendo sido publicada em 1891. No Livro III de A Política, Aristóteles afirma que “a Constituição é
a ordem ou distribuição dos poderes que existem num Estado, isto é, a maneira como eles são divididos, a sede
da soberania e o fim a que se propõe a sociedade civil” (A política. 2. ed. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São
Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 149).
17
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 29.
18
Eneida Desiree Salgado adverte que o princípio da autenticidade do voto não significa condicionar a validade do
voto à efetiva justificação racional por parte de um eleitor altamente informado e coerente com essa informação,
haja vista, com base em lição de Hanna Pitikin, ser impossível a “tradução adequada das motivações do eleitorado”
(SALGADO, E. D. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 40).
base para a formação dos demais direitos, o que reafirma a sua fundamentalidade.
Negar a máxima amplitude dos direitos políticos é negar a legitimidade de todos os
outros que deles decorrem.
Assim, os direitos políticos impõem ao Estado não apenas a fixação de ações
afirmativas, mas também abstenções: as primeiras, pelo estabelecimento de um sistema
legal adequado para garantir a máxima participação dos cidadãos; e as outras, pela
proibição de estabelecer barreiras ao desenvolvimento do espaço político plural. Portanto,
não basta garantir o exercício do direito de votar e ser votado, mas também devem ser
criadas as condições da mais ampla informação por parte do eleitor, de modo a permitir
a máxima representatividade.
A garantia do voto livre não significa apenas a inexistência de coação, mas
também a presença da informação necessária à construção de sua convicção e vontade.
19
DALLARI, Dalmo de Abreu. As leis municipais e o direito de construir. Revista da Faculdade de Direito da USP.
São Paulo, v. 65, jan. 1970, p. 114.
20
MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 129.
21
Afinal, como escreveu Santo Agostinho, o Bispo de Hipona: “Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara
e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras
o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele
falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam.
O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a
pergunta, já não sei”. AGOSTINHO, S. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santo e Ambrósio de Pina. São Paulo:
Nova Cultural, 1996, p. 322.
22
BERGEL, J.-L. Teoria geral do direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.
153.
Ainda que não se esgotem todas as possibilidades de relação entre tempo e Direito,
é de extrema relevância a percepção da natureza qualitativa do tempo.
A distinção remonta à existência, entre os gregos, de duas palavras para designá-lo:
chronos e kairos. A primeira se relaciona com o tempo cronológico, passível de medição,
sustentado pelas noções de ordem, previsibilidade e ritmo. É o tempo tipicamente
moderno de Newton e Kant. A segunda é mais complexa, tem significado cultural
e assume a noção de “tempo oportuno”, de ocasião certa e apropriada.23 É como a
sabedoria contida no Eclesiastes.24
Essa oportunidade reveladora do momento adequado é acolhida pelo Direito na
clássica definição de lei excepcional, muito estudada no Direito Penal.
Naquele ramo, a doutrina costuma denominar como leis autorrevogáveis as leis tempo-
rárias e as leis excepcionais. As primeiras são editadas com vigência fixada previamente
pelo legislador que já estabelece a sua revogação em uma data certa, enquanto que as
leis excepcionais são geralmente vinculadas à existência de circunstâncias anormais. Ou
seja, “as leis excepcionais e temporárias são leis que vigem por período predeterminado,
pois nascem com a finalidade de regular circunstâncias transitórias especiais que, em
situação normal, seriam desnecessárias. Leis temporárias são aquelas cuja vigência vem
previamente fixada pelo legislador, e são leis excepcionais as que vigem durante situações
de emergência”.25 O destaque dado a essas espécies de leis se prende à aparente exceção
ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, especialmente em razão de sua
ultratividade, prevista expressamente no art. 3º do Código Penal.
O Direito Eleitoral guarda profunda relação com o tempo. Os operadores deste
ramo, para o bem ou para o mal, sabem muito bem disso. Talvez, nenhum ramo do
Direito seja tão sensível à passagem do tempo, cujos prazos, muitas vezes, são contados
em horas e as preclusões para as impugnações são rigorosas e breves.
Além disso, e talvez até mais importante, o tempo tem um significado quase
existencial para o Direito Eleitoral.26
23
Na mitologia grega, Chronos é uma espécie de deus que devorava seus próprios filhos, significando que, por ser o
criador do tempo, dele ninguém, mais cedo ou mais tarde, conseguiria escapar. Já Kairós, filho de Zeus, indicava
o oposto, sendo descrito como um jovem que não se preocupava com o tempo cronológico e era representado
sempre nu, com asas nos ombros e nos tornozelos e cabelos caindo na testa e calvo na nuca. Essa alegoria buscava
demonstrar que, assim como o tempo oportuno, ele só poderia ser pego no momento presente, durante sua
passagem, e nunca já tendo passado, faltando-lhe cabelos que permitissem segurá-lo após sua passagem.
24
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu: Há tempo de nascer, e
tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar;
tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo
de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser;
tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz”
(BÍBLIA. v. t. Eclesiastes 3. A Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica
do Brasil, 1998, p. 864).
25
BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal. v. 1., 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. p. 191.
26
Nas palavras de Maria Gema Quintero Lima, “el estudio del Tiempo no es en ningún caso omnímodo para
todo el Derecho Positivo, sino que – al margen de las aproximaciones abstractas y genéricas desde la Teoría del
derecho – la preocupación por la relación entre Tiempo y Derecho se ha hecho manifesta en cada una de las
ramas de los ordenamientos jurídicos de un modo específico. A lo que se une que la atención prestada por cada
una de ellas no ha sido sin embargo uniforme, dado que obviamente cada ordenamiento y dentro de él, cada
rama del Derecho presenta características específicas que las hacen más o menos vulnerables a la problemática
de la relación Tiempo-Derecho. Y la vulnerabilidad guarda una estrecha vinculación con el dinamismo de cada
uno de esos ordenamientos y ramas” (LIMA, M. G. Q. Derecho transitorio de seguridad social. Madrid: La Ley, 2006,
p. 5).
27
Aline Osorio distingue três liberdades no sistema constitucional de liberdade de expressão: “a liberdade de
expressão stricto sensu, a liberdade de informação e a liberdade de imprensa. A liberdade de expressão stricto sensu
é o direito de externar e difundir os próprios pensamentos, ideias, criações, opiniões, sentimentos e demais
expressões. (...) Já a liberdade de informação corresponde ao direito de transmissão e comunicação de fatos. (...) Por
fim, a liberdade de imprensa compreende o direito de todos os meios de comunicação social (e não só dos meios
impressos) de exteriorizarem quaisquer ideias, opiniões e manifestações (no exercício da liberdade de expressão
em sentido estrito), assim como de divulgar e transmitir os fatos e acontecimentos (no exercício da liberdade de
informação)” (OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 44-46).
28
MORO, S. F. A corte exemplar: considerações sobre a corte de Warren. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v.
36, 2001. p. 345.
29
OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 53-54.
30
OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 55.
31
GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às posturas
municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum,
2008. p. 205-242.
32
OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 58.
33
OSORIO, A. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 61-62.
34
MATTOS NETO, A. J. de. Competência legislativa municipal sobre meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental,
v. 14, abr.-jun., p. 120-133, 1999.
35
MEIRELLES, H. L. Direito municipal brasileiro. São Paulo: RT, 11. ed., 2000. p. 427.
36
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 89.942, Relator Ministro Cunha Peixoto, Tribunal
Pleno, julgado em 16.11.1978, DJ 09-03-1979, p. 01585 e RTJ, v. 00089-01, p. 00335.
administração federal, tudo isto levado em conta, tenho que no caso, o interesse nacional
sobrepuja o interesse municipal, que assim deixa de ser peculiar”.37
Portanto, somente a análise do caso concreto é que permitirá a afirmação da
preponderância do interesse local para fixação da competência municipal.
Por fim, merece referência a competência deferida a Estados e Municípios para
suplementar a legislação federal, no que couber (art. 30, inciso II, da Constituição Federal).
Trata-se de uma novidade no Brasil essa competência suplementar dos Municípios,
prevista apenas na Constituição de 1988. Uadi Lammêgo Bulos ressalta que “dois são
os requisitos para o exercício dessa especial tarefa de índole federativa: (i) acatamento
aos modelos federal (Constituição da República) e estadual (textos constitucionais dos
Estados-membros); (ii) rigorosa obediência ao princípio da predominância do interesse
local”.38 Ou seja, a nova competência municipal segue a lógica já existente nas Cartas
anteriores para fixação da competência suplementar dos Estados, com a peculiaridade
da exigência do requisito do interesse local.
Em julgamento de caso anterior à Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal
definiu com maestria os princípios relativos à competência legislativa suplementar. O
voto do Ministro Moreira Alves, ao tratar da competência suplementar, estabeleceu
seu conceito, afirmando que “a Constituição Federal, ao estabelecer as matérias sobre
as quais tem competência legislativa a União, nem sempre lhe outorga competência
exclusiva, uma vez que, com relação àquelas que especifica, atribui aos Estados-membros
competência supletiva, respeitada a lei federal. (...) Isso implica dizer que, se não
houver legislação federal sobre essas matérias, os Estados-membros poderão legislar
livremente a respeito delas, mas, se houver, a legislação destes terá de se adstringir
ao preenchimento dos vazios deixados pela lei federal (vazios que não se confundem
com lacunas preenchíveis pelos meios previstos no artigo 4º da lei de Introdução ao
Código Civil: analogia, costumes e princípios gerais de direito). Portanto, quando a
competência da União se limitar (...) a normas gerais, a legislação do Estado, havendo
lei federal a respeito, por suprir vazios deixados por esta no tocante a princípios gerais,
e tem competência exclusiva, respeitada a legislação federal de normas gerais, para
disciplinar, dentro de seus territórios, tudo o que saia do âmbito da generalidade, já
que isso recai na esfera da competência implícita dos Estado-membros. Quando, porém,
a competência da União extravasa os limites dos princípios gerais (...), o Estado tem,
a propósito, exclusivamente competência supletiva, ou seja, a de legislar nos vazios da
legislação federal quanto aos princípios gerais, e o poder de legislar complementarmente
quanto a esses princípios gerais, descendo aos pormenores segundo as peculiaridade
locais, como bem acentuava Pinto Falcão (...): ‘Há, pois, que concluir que a legislação
estadual supletiva se dará como suplência à inatividade federal e a complementar em
relação às matérias em que a União apenas lançou os princípios gerais, cabendo aos
Estados regular as minúcias de execução, segundo as particularidades locais”.39
37
Trecho do voto do Ministro Décio Miranda. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 89.942,
Relator Ministro Cunha Peixoto, Tribunal Pleno, julgado em 16.11.1978, DJ 09-03-1979, p. 01585 e RTJ, v. 00089-01,
p. 00335.
38
BULOS, U. L. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1012.
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Representação n. 1.153, Relator Ministro Aldir Passarinho, Tribunal Pleno,
julgado em 16.05.1985, DJ 25-10-1985, p. 19145 e RTJ, v. 115-03, p. 1008.
Coerente com esse antigo tratamento dado pelo Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65),
o Tribunal Superior Eleitoral, até a eleição de 2008, expediu resoluções que impunham
observância às posturas municipais, sendo a última a Resolução nº 22.718/08:
Tudo isso, a despeito da redação originária do art. 41, da Lei nº 9.504/97, já dispor
que “a propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de
multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia”.
A partir da eleição de 2010, essa ressalva “inclusive a que dispõe sobre posturas
municipais” já não constou mais das resoluções que cuidam da propaganda eleitoral,
como se vê da Resolução nº 23.191/09:
Art. 41. A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de
multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura
municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40.
§1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos juízes eleitorais
e pelos juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais.
§2º O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais,
vedada a censura prévia sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no
rádio ou na internet.
40
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 7.936, Relator Ministro José Guilherme Vilela, DJ de 18.09.1986,
p. 16941.
41
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso em Mandado de Segurança nº 301, Relator Ministro Carlos Eduardo
Caputo Bastos, DJ de 03.02.2006. p. 168.
publicidade eleitoral, bem como a recepção da regra do art. 243, inciso VIII, do Código
Eleitoral, pela Constituição Federal:
42
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 35.182, Relatora Ministra Cármen Lúcia Antunes
Rocha, DJE Tomo 199 de 15.10.2010, p. 40.
43
Trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial
Eleitoral nº 35.182, Relatora Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, DJE Tomo 199 de 15.10.2010, p. 40.
44
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/ES. Representação nº 299, Relatora Enara Oliveira Olímpio Ramos Pinto,
DOE de 22.09.2006, p. 39.
45
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/MS. Recurso Eleitoral nº 151, Relator Renato Toniasso, DJ de 01.12.2000,
p. 56.
46
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/GO. Recurso Eleitoral nº 3.413, Relator Álvaro Lara de Almeida, DJ Tomo
1 de 01.09.2006, p. 1.
forma sistemática, ou seja, em conjunto com a norma do art. 243, do Código Eleitoral
que expressamente menciona a necessidade de adequação das propagandas eleitorais
às limitações de âmbito local”.47
Há, porém, decisões prestigiando a legislação eleitoral e negando validade às
leis municipais que impõem restrições à propaganda eleitoral, ainda que esta posição
não seja majoritária.
Nesse sentido, o TRE de Minas Gerais decidiu que “lei municipal que veda
propaganda eleitoral invade competência privativa da União. A matéria disciplinada
pelo art. 41, da Lei nº 9.504/1997, com redação alterada pela Lei nº 12.034/2009, dispõe
em seu caput que ‘a propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá
ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de
violação de postura municipal’. Competência exclusiva da Justiça Eleitoral para o exercício
do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral”.48 Posteriormente à decisão já referida,
o TRE do Mato Grosso do Sul passou a entender que “não se pode cercear a propaganda
exercida licitamente sob alegação de violação de postura municipal, devendo prevalecer
a regra definida pela redação dada ao art. 41 pela Lei nº 12.034/09, que é específica e
posterior à edição do Código Eleitoral (art. 243, VIII, do Código Eleitoral e art. 413 da
Lei nº 9.504/97)”.49 Em reposta a consulta, o TRE do Rio Grande do Sul esclareceu que,
“tratando-se de propaganda eleitoral regulada por lei federal, deve prevalecer sobre a
lei municipal”.50 Posteriormente, refirmou que “a competência privativa para legislar
sobre matéria eleitoral pertence à União, conforme dispõe a Constituição Federal no
art. 22, inciso I. A legislação municipal não pode sobrepor-se às regras de propaganda
estabelecida na legislação federal eleitoral”.51 O TRE de São Paulo declarou a inviabilidade
de lei municipal “proibir a veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares”,
em face da “competência legislativa conferida ao ente que não lhe permite contrariar
legislação federal”.52 Por fim, o TRE do Paraná também já decidiu que “o artigo 41 da
Lei nº 9.504/97, com a nova redação dada pela Lei nº 12.034/09, confere prevalência à
lei eleitoral em relação às posturas municipais”.53
47
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/TO. Representação nº 58.775, Relator Eurípedes do Carmo Lamounier,
publicado em sessão de 03.09.2014.
48
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/MG. Mandado de segurança nº 802.754, Relator Ricardo Machado Rabelo,
DJEMG de 16.11.2010.
49
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/MS. Recurso Eleitoral nº 33.375, Relator Luiz Cláudio Bonassini da Silva,
publicado em sessão de 24.09.2012.
50
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/RS. Consulta nº 142.002, Relator Tasso Caubi Soares Delabary, publicado
em sessão de 16.07.2002.
51
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/RS. Representação nº 742.004, Relator Nylson Paim de Abreu, publicado em
sessão de 03.08.2004.
52
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/SP. Recurso nº 418.564, Relator Marcelo Coutinho Gordo, publicado em
sessão de 22.09.2014.
53
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral/PR. Recurso Eleitoral nº 124-25, Relator Marcos Roberto Araújo dos Santos,
publicado em sessão de 21.08.2012.
54
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 35.182, Relatora Ministra Cármen Lúcia Antunes
Rocha, DJE Tomo 199 de 15.10.2010, p. 40.
55
GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às posturas
municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum,
2008. p. 205-242.
56
Diz o autor que, “por regular matéria necessariamente transitória, que afeta bens jurídicos com tempo de duração
e vigência definidos (mandatos, eleições, etc.), mas que em qualquer outra área do direito, no Direito Eleitoral
parece evidente a efetividade de um princípio que denominamos como Temporalidade Certa. Enuncia esse que,
como o Direito Eleitoral (aqui, como meio regulador da democracia representativa, não se olvide) via de regra
tem um momento certo para desaguar toda a sua eficácia e sentido – o ato denominado ‘eleições’, sua regulação
deve, sempre, mitigar institutos de natureza procedimental para a adequada garantia de seus bens materiais mais
relevantes” (GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às
posturas municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte:
Fórum, 2008. p. 205-242).
Essa excepcionalidade pode ser constatada nos valores protegidos fora e dentro do
período eleitoral. Se a regra da cidade limpa tem como objetivo a preservação da higiene
da cidade, a lei eleitoral busca assegurar a formação da vontade futura do Estado na
elaboração de novas leis e na condução das diversas esferas de administração. É a hora de
suportar a sujeira e de tolerar o rompimento da estética urbana, pois a excepcionalidade
deste tempo se faz presente para a garantia da legitimidade dos demais direitos. Como
bem destaca Guilherme de Salles Gonçalves, “a temporalidade certa materializa outro
entendimento, no sentido de que, devido à transitoriedade, as excepcionalidades que
protegem a manifestação da propaganda eleitoral no regime jurídico de sujeição especial
da disputa eleitoral – se comparadas com a normal regulação da propaganda em outras
esferas da vida em sociedade – são plenas e juridicamente justificáveis e admissíveis,
em face da importância que o princípio democrático possui no projeto constitucional”.57
O apelo à excepcionalidade, portanto, não é de natureza política. Não se trata
de uma preferência pessoal ou uma idiossincrasia de alguns eleitoralistas, mas decorre
de uma necessidade constitucional. Não é por outra razão que muitos municípios, ao
criarem a lei da cidade limpa excepcionam o período eleitoral, o que não os isenta da
crítica feroz da mídia, a qual, fiel a seus leitores, também é tomada pelo ódio à política.
Por fim, merece referência a questão da competência suplementar dos municípios,
pois é recorrente o argumento de que a regra do art. 30, inciso II, da Constituição
Federal, reservou aos municípios a competência para suplementar, em qualquer caso,
a legislação federal, a qual fixaria apenas os requisitos mínimos, de tal forma que os
Municípios poderiam criar novos direitos ou impor novas restrições, de modo a atender
seu peculiar interesse. Assim, mesmo que a lei eleitoral estabeleça o quadro normativo
da propaganda eleitoral, o Município poderia impor novos condicionamentos, além
daqueles enumerados na lei federal.
No entanto, como já foi esclarecida, a competência suplementar deve se limitar
ao preenchimento dos vazios deixados pela lei federal, de modo a disciplinar, dentro
de seus territórios, tudo o que saia do âmbito da generalidade. Ou seja, a competência
suplementar só pode ser exercida quando a lei federal se restringir a estabelecer princípios
gerais, cabendo aos Municípios tratar dos aspectos relativos às suas peculiaridades.
Porém, quando a matéria já é tratada de forma exaustiva pela lei federal, não cabe
aos Municípios fixar novas regras, pois isto implicaria em assumir uma competência
legislativa para uma matéria que não lhe foi reservada na Constituição.
É o que ocorre com as regras de propaganda eleitoral, contidas na Lei nº 9.504/97.
A Lei das Eleições não se limitou a estabelecer normas gerais nessa matéria. Ao contrário,
tratou exaustivamente do tema, chegando ao ponto de estabelecer o tamanho máximo
dos adesivos, o uso de bandeiras nas vias públicas, o horário para a propaganda
com amplificadores de som, o limite temporal para distribuição de material gráfico e
caminhada, dentre outras minúcias.
Portanto, a lei eleitoral, quando trata da propaganda, não está a reclamar de
suplemento legislativo municipal, haja vista a inexistência de vazios a serem colmatados.
57
GONÇALVES, G. de S. A liberdade de exercício da propaganda eleitoral e o “dever” de respeito às posturas
municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum,
2008. p. 205-242.
O silêncio da lei eleitoral deve ser compreendido como autorização implícita à propaganda
eleitoral, como decorrência do topos de que o que não é proibido é permitido.
A distribuição de competência legislativa não atende a um critério de importância,
de modo que a União não herda suas matérias pelo fato de serem intrinsecamente mais
relevantes. Afinal, todas as questões guardam sua importância relativa. O que justifica a
entrega de determinada matéria à União é a necessidade de se estabelecer uma mesma
disciplina para o tema em todo território nacional, com a finalidade de preservação da
própria Federação. A usurpação, pelo Município, dessa divisão, quando desautorizado,
atenta contra o federalismo solidário.
Referências
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municipais. In: PEREIRA, L. F. C.; STRAPAZZON, C. L. Direito eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum,
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
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PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 239-264. (Tratado de Direito Eleitoral, v.
4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
1
Tradução livre da seguinte definição: “false, often sensational, information disseminated under the guise of news
reporting”. Disponível em: <https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/fake-news>. Acesso em: 22
jan. 2017.
empresas, com receio da multa, tenderão deletar qualquer mensagem duvidosa, com
potencial risco à liberdade de expressão.2 A pretensão de adotar no Brasil qualquer
medida semelhante às já adotadas em outros países deve ser precedida de profundo
debate com a sociedade e de avaliação cautelosa sobre a compatibilidade com o nosso
sistema constitucional.
Principalmente a partir das eleições norte-americanas de 2016 a questão das
fake news passou a movimentar diversas áreas do conhecimento. No caso americano,
os ataques tiveram como alvo principal os chamados swing states. Em 2016 ficaram
com o republicano Donald Trump e, após um ano de mandato, embora já se saiba que
diversas notícias veiculadas contra a candidata da oposição eram falsas, os eleitores
(ou a sua maioria) parecem convictos e permanecem, por motivos diversos, apoiando
o Presidente eleito.3
Em janeiro de 2018 pesquisadores das universidades americanas de Princeton,
Dartmouth e da inglesa Exeter4 concluíram estudo sobre evidências de consumo de fake
news durante as eleições presidenciais americanas. Para tais pesquisadores, os alertas
quanto as fake news parecem exagerados, ao menos por enquanto. Oportuno esclarecer
que a pesquisa desenvolvida teve como escopo o consumo de fake news por meio de
visitas a websites com tais conteúdos,5 não revelando análise definitiva e completa sobre
todas as formas de acesso.
Nesse sentido, a pesquisa informa que 27,4% dos americanos com idade igual
ou superior a 18 anos (65 milhões de pessoas) visitou alguma página com fake news
“pro-Trump” ou “pro-Hillary”, embora a maior parte “pro-Trump”. Ressaltam que a
exposição se revelou seletiva, de forma que os consumidores foram escolhidos a partir
das suas preferências predispostas na web. Ou seja, as pessoas que apoiavam o candidato
Donald Trump eram muito mais propensas a receber conteúdos “Pro-Trump”, fazendo
com que, em geral, o consumo de notícias falsas pareça ter sido um complemento e
não um substituto.
Contudo, ressaltam que até agora pouco se conhece cientificamente sobre o
consumo de fake news, incluindo quem lê, quais são exatamente os mecanismos de
divulgação e a medida em que as fact-checks realmente atingiram consumidores de
fake news. O facebook foi identificado como mais importante mecanismo facilitador de
propagação de fake news, por direcionar pessoas para websites com conteúdos de fake news,
tendo a pesquisa constatado que consumidores acessavam os conteúdos imediatamente
após visitar a página do facebook. Como se percebe, a pesquisa vai na contramão da
temperatura com que a demanda vem sendo tratada em determinadas esferas de poder.
2
DW Brasil. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:JCvcSVACXhQJ:www.
dw.com/pt-br/parlamento-alem%25C3%25A3o-aprova-lei-de-combate-ao-discurso-de-%25C3%25B3dio-na-
internet/a-39491431+&cd=1&hl=en&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 23 jan. 2018.
3
SAVIDGE, Martin. WEIR, Bill. Matéria disponível em: <http://edition.cnn.com/2018/01/19/politics/ohio-iowa-
voters-trump-first-year/index.html>. Acesso em: 20 jan. 2018.
4
GUESS, Andrew. NYHAN, Brendan. REIFLER, Jason. Selective exposure to misinformation: evidence from the
consumption of fake news during the 2016 U.S. presidencial campaign. Disponível em: < https://www.dartmouth.
edu/~nyhan/fake-news-2016.pdf> Acesso em: 12 jan. 2018.
5
Idem, p. 11-12.
A liberdade de expressão é um bem muito caro à sociedade, e deve ser preservada a todo
custo. Não é objetivo da Polícia Federal cercear qualquer tipo de liberdade de expressão,
cercear o direito de fazer charge ou fazer humor. A grande questão é até onde vai a
liberdade de expressão, e quando passa a haver um crime, se uma pessoa se manifesta
com relação a um candidato, por exemplo, e inventa notícias mentirosas, espalha boatos
com o objetivo de prejudicar um candidato, um partido ou mesmo um cidadão comum,
deixa de haver liberdade de expressão para haver conduta dolosa.
(...)
Entrevistador: Um desafio neste debate é a definição de fake news. Com qual definição a
PF pretende trabalhar?
– Não existe uma definição oficial, isso nem cabe a PF definir, a legislação precisa definir,
sabemos que fake news é o ato de divulgar notícias mentirosas. Hoje, a previsão legal para
isso está no Código Eleitoral (...)
Ao tempo em que as fake news se apresentam como desafio, também vêm carregadas
de preocupações as soluções que podem surgir. A própria definição do que é fake news
ainda é objeto de debate e, no entanto, já se fala em prisões, sequestros de bens e outras
medidas. Pessoas físicas ou jurídicas que praticam crimes devem sofrer as consequências
de seus atos, mas é preciso cautela para, antes de tudo, sopesar os valores constitucionais
e, além disso, cuidar para não criminalizar o exercício de direito fundamental.
Fernando Gaspar Neisser, autor de importante obra sobre o tema em questão,
destaca que “seria ingênuo crer que a propaganda se dividisse de forma estanque em
verdadeira e falsa. (...) a verdade ou falsidade da propaganda pode tratar tanto do seu
conteúdo quanto da fonte de sua origem, pode ser completa ou parcial”.7 O mesmo
autor ainda adverte para dificuldade de diferenciar mentira e exagero, ressaltando que,
ao contrário da comunicação pela imprensa, em que se separa informação e opinião,
6
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=_s05MEz4CfU&t=1339s>
Acesso em: 04 jan. 2018.
7
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e mentira na política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 98.
8
Idem. p. 99.
9
Idem. p. 206.
10
Idem. P.206.
11
Idem. p. 214.
12
Idem. p. 261.
13
. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 130. Relator: Ministro Ayres Britto. Julgamento em 05.11.2009.
14
Idem.
15
.Tribunal Superior Eleitoral. Portaria nº 949/2017.
16
.Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/
conselho-consultivo-sobre-internet-e-eleicoes-se-reune-no-tse> Acesso em: 16 jan. 2017.
17
. Tribunal Superior Eleitoral. <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Janeiro/fake-news-e-regras-
para-a-propaganda-eleitoral-na-internet-sao-temas-de-reuniao-no-tse>. Acesso em: 22 jan. 2017.
18
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e mentira na política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 58.
19
Não é objetivo do presente artigo problematizar o processo de criação da Justiça Eleitoral, valendo ressaltar,
apenas, que a partir das leis nº 3.139 de 02 de agosto de 1916 e 3.208, de 27 de dezembro de 1916, teve-se o ponto
de partida para criação da Justiça Eleitoral posteriormente.
era em si um grande problema, contanto que no seu conteúdo fosse capaz de dar as
respostas esperadas.
Mais do que isso, naquele contexto, a concentração de poderes não era sequer
uma questão, pelo contrário, a centralização era uma pauta naquele contexto. Além
disso, o Estado era autoritário. Havia absoluta preponderância do Poder Executivo
fazendo com que a concentração de funções na Justiça Eleitoral não pudesse representar
um problema para uma democracia que efetivamente, não existia. Tal conformação
autoritária de Estado20 teve como marca determinante a ideia de superação da democracia
parlamentar. Para Francisco Campos, jurista de grande relevância junto ao Governo
Vargas (e também junto aos militares de 64) “a sobrevivência da democracia dependeria
da qualidade das decisões, para as quais os parlamentos não eram capazes devido a
grande especialização técnica das matérias”.21
Em síntese, foi a partir desse contexto de organização das forças políticas que a
Justiça Eleitoral foi criada, estruturada e adentrou o regime democrático de 1988, em
meio ao movimento de transição,22 formando uma espécie de mistura institucional de
períodos autoritários e democráticos. Dificilmente uma Justiça Eleitoral criada após
a Constituição de 1988 agregaria tantas funções. Assim, a atividade regulamentar da
Justiça Eleitoral encontra limites em sua própria estrutura institucional, que a impede
de ingressar no terreno legislativo de forma democrática.
Com tantos serviços prestados em prol da democracia e das eleições, principal-
mente na vigência da Constituição de 1988, seria injusto dizer que a Justiça Eleitoral
não é democrática ou que não possua absoluta relevância para condução do processo
eleitoral. Pelo contrário, a Justiça Eleitoral já prestou e tem condições de prestar ainda
muitos serviços à democracia brasileira. Todavia, o avanço sobre matéria legislativa
torna cada vez mais latente a herança autoritária capaz de deslegitimar a atual forma
de organização concentrada. Em razão disso, em matéria de fake news, faz bem o TSE
em promover estudos, entender as ameaças e até levar projetos de lei ao Congresso,
pois a preservação do seu modelo institucional depende, em grande medida, de uma
autocontenção no exercício de sua função enquanto órgão regulamentador.
20
O pensamento autoritário referido foi norteado por importantes juristas e intelectuais brasileiros do fim do século
XIX e início do século XX, dentre eles, Alberto Torres, Oliveira Vianna, Francisco Campos, Azevedo Amaral e
Plínio Salgado.
21
BUENO, Roberto. Francisco Campos e o autoritarismo brasileiro: um diálogo oculto com Carl Schmitt. Res Publica
– Revista de Historia de las Ideas Políticas. v. 19, nº 1, 2016. p. 98.
22
MORLINO, Leonardo. Consolidación democrática, definición, modelos, hipótesis. Revista espanhola de investigaciones
sociales. v. 35, p. 7-61, 1986. 15.
23
. Tribunal Superior Eleitoral. Audiência pública realizada em 09.11.2017. Disponível em:<https://www.
youtube.com/watch?v=mR7xTKrxIUQ>. Acesso em: 18 jan. 2018.
24
ALLCOTT, Hunt. GENTZKOW Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic
Perspectives. v. 31, nº 2, spring 2017. p. 211–236.
25
Idem.
26
____.Decreto de 22 de novembro de 1823. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/
dim/DIM-22-11-1823.htm>. Acesso em: 13 jan. 2018.
27
_____. Código Penal de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/
lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 13 jan. 2018.
28
BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Disponível em <https://bndigital.bn.gov.br/artigos/corsario-periodico-critico-
satyrico-e-litterario/>. Acesso em: 13 jan. 2018.
29
SILVA, Darlene. José de Alencar: (des) construção da identidade brasileira. IV Seminário de pesquisa e extensão em
Letras. Universidade Estadual de Santa Cruz. Disponível em: <http://www.uesc.br/eventos/sepexle/ivsepexle/
artigos/art5_silva.pdf.> Acesso em: 11 jan. 2018.
30
. Decreto 295 de 29 de marco de 1889. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/
decreto-295-29-marco-1890-541739-publicacaooriginal-47734-pe.html>. Acesso em: 13 jan.2018.
31
Idem.
32
Idem.
33
Idem.
34
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. 23 ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2014. p. 35.
um herói, tão necessário por entenderem que estes eram “instrumentos eficazes para se
atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos”.35
As figuras do Marechal Deodoro, Benjamin Constant e Floriano Peixoto, que
disputaram as honras pela proclamação da República, não emplacaram. Após muito
debate propagandístico, tendo sido enforcado em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi
escolhido como símbolo da República de 1889. Não que seus atos tivessem ficado
esquecidos por tantos anos, mas a verdade é que não havia relação direta entre o seu
enforcamento e o contexto em que a República foi proclamada. Pesava a favor dele “a
identificação aberta com Cristo. O cerimonial do enforcamento, o cadafalso, a forca
erguida a altura incomum, os soldados em volta, a multidão expectante – tudo contribuía
para aproximar os dois eventos, a crucificação e o enforcamento, Cristo e Tiradentes”.36
Outra fake news histórica foi a ideia de copiar dos europeus a forma de retratar
a República como mulher, visualizando nisso uma forma de comunicação. Ora, no
Brasil a mulher enfrentava (e ainda enfrenta) realidade completamente distinta daquela
exposta pelos principais artistas da época, pois “não tinha lugar no mundo da política,
não tinha lugar fora de casa”.37
Não obstante as fake news republicanas tenham investido grande esforço para
conquistar a posteriori os corações dos cidadãos brasileiros, por meio de livros, jornais,
revistas, publicações da Igreja e toda forma de comunicação em massa então disponível,
avalia José Murilo de Carvalho que “falharam os esforços das correntes republicanas que
tentaram expandir a legitimidade do novo regime para além das fronteiras limitadas da
corrente vitoriosa (...) o esforço empreendido não foi suficiente para quebrar a barreira
criada pela ausência de envolvimento popular na implantação do novo regime”,38
demonstrando que naquele contexto os fatos irreais propagandeados não alcançaram
o eleitor.
Em seguida, a popularização do rádio durante a República Velha tornou obsoletas
as regulações destinadas a controlar preventivamente as manifestações na imprensa
escrita, haja vista os inúmeros grupos que se juntavam em vários Estados do país para
fundar suas rádios privadas, surgindo disso a propaganda no rádio, com bastante
liberdade em relação ao controle estatal nesse período.
Após alguns anos de regulação tímida ou pouco executável, no Governo Vargas
o rádio passou a ser extremamente regulado pelo Estado, que realizava o controle
das concessões e do conteúdo veiculado, tendo sido criado em 1934 o Departamento
de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), seguido do Departamento Nacional de
Propaganda (DNP). Em 1938 o DNP proibiu as transmissões de rádio em língua
estrangeira e a importação de jornais e revistas publicadas no exterior. Em seguida,
Vargas assinou o Decreto-Lei 300 que estabelecia isenção tributária para importação de
papel aos proprietários de jornais e revistas que cumprissem diversas exigências. Com
isso, passou a conceder favores fiscais aos que estivessem com o Governo.39
35
Idem. p. 55.
36
Idem. p. 68.
37
Idem. p. 95.
38
Idem. p. 141.
39
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Disponível em: <http://cpdoc.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/
EducacaoCulturaPropaganda/DIP> . Acesso em: 15 jan. 2018.
40
. Decreto de 27 de dezembro de 1939. <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-
1915-27-dezembro-1939-411881-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 13 jan. 2018.
41
FUNDAÇÃO GETÚLIO CARGAS. Disponível em:<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/.../Educacao
CulturaPropaganda/DIP>. Acesso em: 15 jan. 2018.
42
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et al. Enfim, sós: A nova televisão no Cone Sul. Porto Alegre: LPM, 1999. p. 11.
43
SANTOS, Suzy; CAPPARELLI, Sérgio. Coronelismo, radiodifusão e voto: a nova face de um velho conceito In:
BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 1
ed. São Paulo: Paulus, 2005, v.1, p. 77-101.
44
Idem.
45
. Presidência da República. Pesquisa brasileira de mídia. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.secom.
gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-
de-midia-pbm-2016.pdf/view>. Acesso em: 22 jan. 2017.
esse meio. Em relação ao rádio, seis em cada dez ouvintes de rádio confiam sempre
ou quase sempre nas notícias divulgadas por essa mídia. Em relação aos usuários de
internet, a maioria dos usuários confia poucas vezes ou nunca confia nas notícias de
sites, de blogs e de redes sociais.
Isso demostra que não obstante no caso das fake news on-line tenhamos que
lidar com o problema do anonimato, no caso das TV e Rádios, além do maior índice
de audiência no Brasil, ainda gozam de maior confiabilidade. Não é sem razão que a
utilização da radiodifusão por grupos políticos dominantes como forma de potencializar
suas chances de êxito eleitoral revela que a prática é “essencialmente, perigosa e nociva
à democracia, haja vista que pode propiciar que determinadas camadas, nichos sociais,
interesses ou campos de atuação sejam, extremamente, beneficiados, em detrimento
das camadas mais pobres e aos demais indivíduos e searas que compõe a sociedade”.46
A influência da televisão na construção de regimes políticos (embora não só ela)
mereceu destaque na obra homo videns, de Giovanni Sartori, para quem a democracia
tem sido definida com frequência como um governo de opinião, de forma que o povo
soberano opina sobre tudo em função de como a televisão o induz a opinar. Isso teria
colocado o poder de conduzir a opinião no centro de todos os processos da política
contemporânea.47
Diante dos inúmeros interesses envolvidos, não é distante a possibilidade de
utilização oportunista do problema das fake news para censurar legítimas manifestações
individuais e identificadas, minimizando de forma não democrática a participação social
no debate político. Nesse contexto, na mesma mesa em que se discutem os riscos das
fake news é preciso manter acesa a luz da proteção contra censura nas redes sociais. Isso
se faz não apenas como forma conhecer opiniões diversas daquelas apresentadas no
rádio ou na TV, mas, sobretudo, por conta das notícias convenientemente esquecidas e
que podem falsear a realidade por omissão.
A esse respeito, a mobilização para coibir as fake news nas redes sociais visando
a resguardar a lisura das eleições traz consigo debate correlato que até o momento não
alcançou tamanha mobilização. Trata-se das concessões de rádio e TV conferidas pelo
Estado para empresas que possuem em seus quadros detentores de mandato eletivo,
seja na condição de sócios, associados ou laranjas.
Existem pelo menos três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental
já ajuizadas no STF nas quais o tema é tratado. O debate gira em torno do artigo 54, II,
“a” da Constituição brasileira, segundo o qual os Deputados e Senadores não poderão,
desde a posse, ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de
favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer
função remunerada.
Nas ADPFs 246 e 379, propostas em 2011 e 2015, ambas de relatoria do Ministro
Gilmar Mendes, o PSOL sustenta as concessões de rádios e TVs a detentores de mandato
eletivo violam, fundamentalmente, a liberdade de expressão, o direito à informação, o
pluralismo político, o princípio da isonomia e, consequentemente, o direito à realização
de eleições livres. Argumenta o partido que a imprensa exerce papel fundamental
46
BARROS, Bruno Mello Correa de; OLIVEIRA, Rafael Santos de. O poder político e a mídia de massa: a perspectiva
da fiscalização de concessões e outorgas de radiodifusão no Brasil. Revista Brasileira de Políticas Públicas. v. 7, nº
2, ago. 2017. p. 369-384.
47
SARTORI, Giovanni. Homo videns: la sociedade teledirigida. Buenos Aires: Taurus, 1998. p. 68.
48
. Supremo Tribunal Federal. ADPF 246. Relator: Ministro Gilmar Mendes.
49
LIMA, Venício A. de; LOPES, Cristiano Aguiar. Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 07 dez. 1980. No ar, a voz do dono. In: Projor: Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo. Junho
de 2007. p. 8. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/
ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4183656>. Acesso em: 20 jan. 2018.
50
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 nov. 1981. Rádio e TV dão ao PDS vantagem sobre as oposições. In: AMORIM.
José Salomão David. A radiodifusão no Brasil: 1974-1981. Comunicação & Política. v. 1, nº 2. Rio de Janeiro,
Cebela, 1983. p. 57-59. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/
ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4183656. Acesso em: 20 jan. 2018.
51
MOTTER. Paulino. O uso político das concessões das emissoras de rádio e televisão no governo Sarney.
Comunicação & Política, v.1, nº 1, ago-nov, 1994, p. 89 – 115. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/
jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4183656>. Acesso em: 16
jan. 2018.
52
Idem.
53
SANTOS, Suzy; CAPPARELLI, Sérgio. Coronelismo, radiodifusão e voto: a nova face de um velho conceito In:
BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 1
ed. São Paulo: Paulus, 2005. v.1, p. 77-101.
54
AMARAL, Clarissa Maria de Azevedo. Controle e uso da informação: estratégia de poder e dominação do grupo
liderado por Antônio Carlos Magalhães (1985-2006). 2007. 266f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação).
Universidade Federal da Bahia, Salvador. p. 21.
55
BOREL, Brooke. Fact-checking won’t Save us From fake news. Disponível em: <https://fivethirtyeight.com/features/
fact-checking-wont-save-us-from-fake-news/>. Acesso em: 23 jan. 2018.
56
LOBATO. Elvira. Ministro defende proibição de que políticos tenham TV. Folha de São Paulo, 07 jan. 2001. Disponível
em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0701201102.htm>. Acesso em: 20 jan. 2018.
57
. Supremo Tribunal Federal. ADPF 429. Relatora: Ministra Rosa Weber.
58
Idem.
todas as áreas envolvidas. Na linha do que até aqui propôs o Conselho Consultivo
do Tribunal em matéria de fake news (campanhas educativas), surgem interessantes
movimentos competitivos junto às plataformas de veiculação de notícias.
Na recente campanha intitulada “Magazine midia. Better. Believe it!”, veiculada no
site da Association of Magazine Midia,59 apresenta-se a revista como plataforma conhecida
pelos leitores e anunciantes, que veicula informação de credibilidade, com conteúdos
profissionalmente escritos, editados e produzidos para disponibilização em ambientes
seguros, seja em papel ou em plataformas digitais.
Na mesma linha, com autorização da Associação americana, a Associação
Nacional dos Editores de Revistas replicou a campanha no Brasil, com o slogan Revistas.
Eu Acredito!.60 A página da Associação informa que a campanha tem o objetivo de:
(i) valorizar a mídia revista e sua capacidade de produzir, em diversas plataformas,
conteúdo profissional, confiável, seguro; (ii) alertar as pessoas sobre conteúdos falsos
– fake news. Os anúncios da campanha estão sendo veiculados nas revistas e em redes
sociais, valendo destacar a seguinte:
Você já compartilhou notícia falsa? Você sabe de onde vêm as notícias que recebe? Checa
as informações? Antes de compartilhar notícias você consulta se foram publicadas em uma
mídia clássica? Disfarçadas, com linguagem alarmante e sem apuração jornalística, elas
estão influenciando leitores que não conseguem identificar o que é verdadeiro e o que é
falso. Não compartilhe informações sem checar a fonte! Com conteúdo comprovadamente
consistente, as revistas produzem reportagens seguras e confiáveis, seja na versão impressa,
on-line, no celular ou em vídeo.61
Ao ressaltar o papel cada vez mais importante dos fact-checkers, alguns profissionais
destacam que este é “um momento incrível para ser jornalista” e que “nunca o papel de
investigação foi tão importante”.62 Por outro lado, a importância da imprensa clássica
como forma de desmascarar notícias falsas enfrenta críticas, como a de que “os meios
de comunicação continuam tentando desmascarar notícias falsas. Isso não funcionará,
particularmente para leitores que já decidiram que a imprensa tradicional é uma notícia
falsa – e, justa ou não, partidária”.63
Como se pode observar, as ações mais eficazes até o momento para minimizar
a questão das fake news não focam no agente emissor de notícias falsas (não por
benevolência, mas pela dificuldade de quebrar o anonimato e por ser improvável
que seja convencido a mudar de comportamento), tendo como foco o consumidor de
59
Texto original: “Magazine media brands are long-standing, recognizable and trusted by consumers and advertisers.
They communicate with authority using professionally researched, written, edited and produced curated content
that is delivered in safe environments, whether on paper or on digital platforms. Over 130 magazine brands have
joined forces in an industry-wide advertising campaign to share the message that magazine media delivers the
most credible, trusted, engaging content over any other form of media”. ASSOCIATION OF MAGAZINE MIDIA.
Disponível em <http://www.magazine.org/magazine-media-better-believe-it>. Acesso em: 23 jan. 2018.
60
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EDITORES DE REVISTAS. Disponível em <http://www.aner.org.br/
revistaseuacredito/>. Acesso em: 23 jan. 2018.
61
Idem.
62
GREENBLATT, Alan. The Future of Fact-Checking: Moving ahead in political accountability journalism. Disponível
em: <https://www.americanpressinstitute.org/publications/reports/white-papers/future-of-fact-checking/single-
page/>. Acesso em: 21 jan. 2018.
63
BOREL, Brooke. Fact-Checking wont save us from fake news. Disponível em: <https://fivethirtyeight.com/features/
fact-checking-wont-save-us-from-fake-news/>. Acesso em: 20 jan. 2018.
notícias e o jornalismo já que, estes sim podem ser conscientizados a filtrar as notícias
que recebem e divulgam.
Sem falar nas ações que as poucas empresas responsáveis pela maior parte do
consumo de redes sociais no mundo podem tomar, eis que “esse fenômeno é uma
ameaça ao modelo de negócios das redes sociais e outras mídias digitais. Afinal, que
marca gosta de ser associada a um conteúdo fraudulento”.64
Em matéria intitulada Silicon Valley can’t destroy democracy without our help Emily
Parker,65 ao avaliar a posição das empresas de tecnologia do Vale do Silício (criadoras
das plataformas de redes sociais), destaca que, nós, os usuários, não somos inocentes.
Algumas propagandas russas nas mídias sociais foram replicadas do conteúdo
publicado pelos americanos. Sim, as mídias sociais ajudam a propaganda a se espalhar
mais e mais rápido. Mas o Facebook e o Twitter não obrigam os usuários a compartilhar
informações erradas. Os americanos são tão facilmente enganados? Ou mais alarmante,
eles simplesmente acreditavam no que eles queriam acreditar?
O potencial danoso das notícias falsas inclui a utilização de robôs, anonimato,
dentre outros, mas não se pode excluir o fundamental componente humano, que é a
vontade de replicar mensagens sem avaliação prévia, na maior parte das vezes, sem
má-fé. “As pessoas querem replicar as histórias, mesmo sem saber exatamente do que
se trata. É algo feito por instinto, querem ser os primeiros a levarem uma informação
qualquer para um grupo”.66
Seguindo esse caminho educativo, as fake news possivelmente não deixarão de
existir, mas talvez esse ideal nunca seja alcançado; de qualquer maneira, é um problema
que a sociedade identificará como resolver e que dificilmente mais uma lei ajudará nessa
missão, podendo, por outro lado, prejudicar em outras. Em relação ao direito individual
afrontado, obviamente que ficam preservadas as medidas liminares, as reparatórias e
as compensatórias.
Portanto, as fake news representam um problema que merece tratamento, todavia, a
dúvida que fica é se o direito e a lei são os melhores instrumentos para resolver a questão.
Acredita-se fortemente que as ações destes instrumentos errarão o alvo e atingirão direitos
fundamentais, afrontando a própria democracia que se pretende proteger. Talvez seja o
caso de reconhecer que, nesse assunto e nesse momento, a eventual nova lei tem mais
condições de piorar do que de aperfeiçoar o quadro democrático.
Enquanto isso, para defesa do aperfeiçoamento da democracia e da normalidade
e legitimidade das eleições, recomenda-se um olhar mais atento ao regime de concessões
de rádios e TVs para empresas que possuem em seus quadros detentores de mandatos
políticos, tema que se encontra apresentado ao Supremo Tribunal Federal por meio das
ADPFs 246, 379 e 429, aqui citadas.
64
SILVA, Nayane Maria Rodrigues da. Fake News: a revitalização do jornal e os efeitos fact-checking e crosscheck
no noticiário digital. Temática: Ano 8, nº 8. ago/2017. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/
tematica/article/view/35728/18139>. Acesso em: 22 jan. 2018.
65
PARKER, Emily. Silicon Valley can’t destroy democracy without our help. The New York Times. 11 fev. 2017.
Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/11/02/opinion/silicon-valley-democracy-russia.html>. Acesso
em: 23 jan. 2018.
66
Matéria publicada no Correio Braziliense de 20.01.2018. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.net.
br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 20 jan. 2018.
Referências
ALLCOTT, Hunt. GENTZKOW Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic
Perspectives. v. 31, nº 2, spring 2017.
AMARAL, Clarissa Maria de Azevedo. Controle e uso da informação: estratégia de poder e dominação do
grupo liderado por Antônio Carlos Magalhães (1985-2006). 2007. 266f. Dissertação (Mestrado em Ciência da
Informação). Universidade Federal da Bahia, Salvador.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EDITORES DE REVISTAS. Disponível em: <http://www.aner.org.br/
revistaseuacredito/>. Acesso em: 23 jan. 2018.
ASSOCIATION OF MAGAZINE MIDIA. Disponível em: <http://www.magazine.org/magazine-media-better-
believe-it>. Acesso em: 23 jan. 2018.
BARROS, Bruno Mello Correa de; OLIVEIRA, Rafael Santos de. O poder político e a mídia de massa: a
perspectiva da fiscalização de concessões e outorgas de radiodifusão no Brasil. Revista Brasileira de Políticas
Públicas. v. 7, nº 2, ago.2017.
BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Disponível em: <https://bndigital.bn.gov.br/artigos/corsario-periodico-
critico-satyrico-e-litterario/>. Acesso em: 13 jan. 2018.
BOREL, Brooke. Fact-Checking wont save us from fake news. Disponível em: <https://fivethirtyeight.com/
features/fact-checking-wont-save-us-from-fake-news/>. Acesso em: 20 jan. 2018.
BUENO, Roberto. Francisco Campos e o autoritarismo brasileiro: um diálogo oculto com Carl Schmitt. Res
Publica – Revista de Historia de las Ideas Políticas. v. 19, nº 1, 2016.
CAPPARELLI, Sérgio; RAMOS, Murilo C; SANTOS, Suzy. A nova televisão no Brasil e na Argentina. In:
_____ et al. Enfim, sós: A nova televisão no Cone Sul. Porto Alegre: LPM, 1999.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. 23 ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2014.
CAVALCANTI, Leonardo. Fake News: memórias de mercenários. Correio Braziliense. 20 jan. 2018. Disponível
em: <http://especiais.correiobraziliense.net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 20 jan. 2018.
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dw.com/pt-br/parlamento-alem%25C3%25A3o-aprova-lei-de-combate-ao-discurso-de-%25C3%25B3dio-
na-internet/a-39491431+&cd=1&hl=en&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 23 jan. 2018.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Disponível em: <http://cpdoc.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/
EducacaoCulturaPropaganda/DIP> . Acesso em: 15 jan. 2018.
. Disponível em:<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/.../EducacaoCulturaPropaganda/DIP>. Acesso
em: 15 jan. 2018.
GREENBLATT, Alan. The Future of Fact-Checking: Moving ahead in political accountability journalism.
Disponível em: <https://www.americanpressinstitute.org/publications/reports/white-papers/future-of-fact-
checking/single-page/>. Acesso em: 21 jan. 2018.
GUESS, Andrew. NYHAN, Brendan. REIFLER, Jason. Selective exposure to misinformation: evidence from
the consumption of fake news during the 2016 U.S. presidencial campaign. Disponível em: < https://www.
dartmouth.edu/~nyhan/fake-news-2016.pdf> Acesso em: 12 jan. 2018.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 nov. 1981. Rádio e TV dão ao PDS vantagem sobre as oposições. In: AMORIM.
José Salomão David. A radiodifusão no Brasil: 1974-1981. Comunicação & Política. v. 1, nº 2. Rio de Janeiro, Cebela,
1983, p. 57-59. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/
ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4183656>. Acesso em: 20 jan. 2018.
LIMA, Venício A. de; LOPES, Cristiano Aguiar. Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, 07 dez. 1980. No ar, a voz do dono. In: Projor: Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
SILVA, Bruno Rangel Avelino da. Fake news, radiodifusão e os limites da Justiça Eleitoral. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 265-283. (Tratado de Direito Eleitoral, v.
4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
5.1 Introdução
O que são as eleições senão um processo concorrencial? Afinal, durante um
período determinado pela legislação, diversos candidatos (concorrentes) se apresentam
aos eleitores a fim de buscar o seu voto mediante a apresentação de ideias. Daí que
pode ser de grande valia ao Direito Eleitoral a utilização/aplicação de institutos já
consolidados do Direito Econômico. Relembre-se que este ramo jurídico lida com
situações semelhantes ao processo eleitoral.
Isso porque cabe aos seus órgãos de controle garantir a lisura da concorrência
entre os agentes econômicos, seja direcionando ou reprimindo condutas, exatamente a
competência reservada à Justiça Eleitoral em relação às eleições, tendo em vista a dupla
função típica deste órgão judiciário que, além de julgar os processos jurisdicionais
mediante provocação, também organiza a disputa, inclusive com a emissão de resoluções
que podem, ao final, induzir e/ou impor condutas/abstenções.
Isto é, a Justiça Eleitoral se assemelha, em alguns de seus aspectos, à figura das
Agências Reguladoras, na medida em que organiza o desencadeamento de todos os
atos das eleições e, ainda, exerce a função de julgar os processos quando provocada.
As Agências, por óbvio, não exercem jurisdição, mas julgam processos administrativos
que lhe são submetidos no âmbito de sua competência.
Cabe destacar, entretanto, que a despeito da comparação, a democracia não é
serviço público e tampouco atividade econômica. Por isso mesmo é que o âmbito de
atuação da Justiça Eleitoral se mostra bastante mais complexa que qualquer regulação
econômica realizada por outros órgãos, ante a sua atividade de mediadora da vontade
popular, para que o processo eleitoral transcorra em ambiente de ampla concorrência
e liberdade de escolha, materializando direitos fundamentais, pois sem a sua prática,
1
Agradecimento especial aos amigos Luiz Fernando Casagrande Pereira e Luiz Eduardo Peccinin pelo convite.
Dedico o trabalho para a minha filha Helena Figuel Matheus da Silva.
2
MULLER, Friedrich. Quem é o Povo: a questão fundamental da democracia. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 2003.
p. 63.
3
MULLER, Friedrich. Quem é o Povo: a questão fundamental da democracia. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 2003.
p. 57.
4
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o Futuro do Direito da Regulação no Brasil?. In.: SUNDFELD, Carlos Ari;
ROSILHO, André. (org.). Direito da Regulação e Políticas Públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 113.
5
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 21.
Este é ponto que justifica que a regulação do processo eleitoral pelo Judiciário não
seja passiva, na medida em que não existe concorrência perfeita. Nesse contexto, cabe
ao órgão de controle atuação para que os eleitores tenham conhecimento das melhores
opções postas à disposição, através de um processo concorrencial com igualdade material
de oportunidades e, principalmente, a liberdade de escolha, devido à difusão abundante
de informações, nos termos do que ensina o ilustre Professor Calixto Salomão Filho:
“Igualdade material que, aqui, significar igualdade efetiva, e não meramente formal,
de oportunidades. Como se pretende demonstrar abaixo, isso só pode ocorrer com a
difusão forçada do conhecimento econômico entre os indivíduos, que, por sua vez, só
pode ser assegurada através de uma garantia firme de existência da concorrência”.6
Evidentemente que a difusão forçada de conhecimento econômico, no caso das eleições,
pode ser percebida como difusão forçada de conhecimento sobre os candidatos e suas
propostas. Ou seja, sobre as questões discutidas no âmbito do processo eleitoral.
Tudo isso demonstra que o bem jurídico a ser tutelado pela Justiça Eleitoral
não se refere ao desencadeamento de atos formais que culminam com a eleição de um
candidato, mas à própria ideia de concorrência, tendo em vista que somente assim será
possível escolha efetiva pelo eleitor, exatamente como ocorre com o consumidor no
âmbito econômico, caso em que há escolha somente nas hipóteses em que se verifica
concorrência entre players.7
Nesse ponto reside outra semelhança importante para a economia e as eleições,
posto que para ambos os casos as regras mais importantes se referem aos procedimentos.
Ou seja, as regras direcionam condutas e garantem estrutura ao processo, a fim de que
haja igualdade entre os concorrentes, sem, entretanto, garantir um resultado específico,
em que pese tenham o condão de garantir justa solução.8 André Ramos Tavares sustenta
o mesmo, embora especificamente para o processo eleitoral: “Tenho para mim que a
finalidade geral do processo eleitoral em sentido amplo é proporcionar eleições livres
e justas tutelando a democracia representativa”.9
Calixto Salomão Filho, por sua vez, traça um paralelo entre a concorrência
econômica e eleitoral: “O que se quer dizer, em suma, é que, do mesmo modo que
processos políticos têm como valores básicos aqueles que permitam conhecer a vontade
dos eleitores, os processos econômicos devem ter como valores básicos o conhecimento
das preferências econômicas dos agentes”.10 Conforme coloca o autor, o processo eleitoral
tem como valor básico a captação da vontade do eleitor. Mas a preferência só será eficaz
se houver conhecimento efetivo da realidade por parte dos eleitores, o que impõe a necessidade
de difusão de informações.
6
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 36.
7
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 42.
8
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 40.
9
TAVARES, André Ramos. Princípios Constitucionais do Processo Eleitoral. In: TAVARES, André Ramos; AGRA,
Walber de Moura; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande. O Direito Eleitoral e o Novo Codigo de Processo Civil. Belo
Horizonte, 2016. p. 21.
10
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação, Desenvolvimento e Meio Ambiente. In: SALOMAO FILHO, Calixto.
(org.). Regulação e Desenvolvimento: novos temas. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 19.
11
Para Márcia Tiburi: “O termo ridículo é usado tanto para falar de algo insignificante, daquilo que não faria
diferença, quanto para dar sinal de uma cena escandalosa. Neste livro, quer-se compreender seu potencial
intimamente ligado, em nosso tempo, ao que podemos denominar o momento publicitário da política, que muito
tem contribuído para a aniquilação de sua própria ideia como algo positivo. (...) O ridículo político é um efeito
da deturpação da política na era do espetáculo; e a deturpação do direito a aparecer, bem como do direito a
expressão, do direito de representar e de ser representado”. TIBURI, Márcia. Ridículo Político: uma investigação
da imagem e o esteticamente correto. São Paulo: Record, 2017. p. 15.
12
TIBURI, Márcia. Ridículo Político: uma investigação da imagem e o esteticamente correto. São Paulo: Record, 2017.
p. 13.
13
FUENTE, Oscar Pérez de la. Libertad de expresión y el caso del lenguaje del odio. Una aproximación desde
la perspectiva norteamericana y la perspectiva alemana. In: Cuadernos Electrónicos de Filosofia Del Derecho.
Disponível em: <https://ojs.uv.es/index.php/CEFD/article/view/293/3012>. Acesso em: 08 jan. 2018.
14
FUENTE, Oscar Pérez de la. Libertad de expresión y el caso del lenguaje del odio. Una aproximación desde la
perspectiva norteamericana y la perspectiva alemana. In.: Cuadernos Electrónicos de Filosofia Del Derecho.
Disponível em: <https://ojs.uv.es/index.php/CEFD/article/view/293/3012>. Acesso em: 08 jan. 2018.
15
Como bem explica Calixto Salomão Filho sobre o mercado, mas perfeitamente aplicado ao processo eleitoral:
“Tal sistema, criado com o objetivo evidente de eliminar custos de transação, é um convite e um incentivo à
oligopolização dos mercados.” In: SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e
fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 30-31. Para as eleições quer significar a concentração
de espaços em poucos candidatos com mais recursos, conforme afirmado acima.
16
FUENTE, Oscar Pérez de la. Libertad de expresión y el caso del lenguaje del odio. Una aproximación desde
la perspectiva norteamericana y la perspectiva alemana. In: Cuadernos Electrónicos de Filosofia Del Derecho.
Disponível em: <https://ojs.uv.es/index.php/CEFD/article/view/293/3012>. Acesso em: 08 jan. 2018.
17
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 42.
podendo a sua difusão ou represamento serem utilizados como moeda de troca, inclusive
para aumentar a influência desses grupos econômicos no meio político e na sociedade.18
Ao contrário de tornar o Poder Econômico como um direito subjetivo, a Constituição
de 1988 correlacionou-o com o abuso, demonstrando certa suspeita, devido à possibilidade
do exercício de determinadas atividades com poder, ou mesmo a sua utilização para
pressionar e resistir. A conclusão inafastável, enfim, é que o constituinte tolerou o Poder
Econômico, autorizando a sua atuação, mas regulando-o ao mesmo tempo.19 Em suma,
a Constituição da República não autoriza ou proíbe, apenas permite o seu exercício. Por
isso a necessidade de atuação ostensiva da Justiça Eleitoral para impedir as situações
de abuso, sobretudo no que diz respeito às questões relacionadas ao direito de bem
informar e ser bem informado.
Esse cuidado na atuação deve ser ainda maior no atual cenário político brasileiro,
sobretudo com a utilização excessiva das fake news que distorcem fatos ou simplesmente
os inventam. A situação se tornou ainda mais grave com a emergência das redes sociais,
em virtude da potencialização da disseminação de conteúdos falsos que, para além
de não esclarecer, confundem os eleitores, notadamente porque a partir da reforma
da legislação eleitoral empreendida em 2017, é possível aos candidatos, partidos ou
coligações o impulsionamento pago de conteúdos, conforme artigo 57-C da Lei das
Eleições.20
Em suma, o legislador autorizou a interferência do Poder Econômico também na
propaganda veiculada na internet, o que não se verificava até o advento da Lei Federal
nº 13.488/2017, impondo cuidado redobrado, evitando que candidatos se utilizem de
recursos financeiros de maneira inadequada, impulsionando a disseminação de conteúdos
falsos. Tal preocupação se refere às práticas permitidas pela legislação.
Ocorre, contudo, que mesmo que haja proibição expressa para a venda ou
fornecimento gratuito de dados pessoais dos usuários da Rede Mundial de Computadores,
tal qual estabelece o artigo 10 e seguintes da Lei Federal nº 12.965/2014, caberá à Justiça
Eleitoral fiscalizar adequadamente o cumprimento dessa norma, evitando a utilização
de recursos indevidos para o convencimento do eleitor.
Conclui-se, enfim, que o impulsionamento de conteúdos em tempos de fake news
deve ser analisado com absoluto cuidado, sobretudo porque será o primeiro processo
eleitoral em que tal ferramenta é permitida.
Tudo isso não tem passado despercebido à Justiça Eleitoral, considerando que o
problema das fake news tem grande potencial para afetar a lisura do processo eleitoral,
sobretudo com o aumento substancial de usuários das redes sociais.21 Embora esses
18
BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O Capital e Suas Metarmofoses. São Paulo: UNESP, 2013. p. 18.
19
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Poder Econômico e Gestão Orgânica. In: SALOMAO FILHO, Calixto; FERRAZ
JUNIOR, Tércio Sampaio; NUSDEO, Fabio. Poder Econômico: Direito, Pobreza, Violência, Corrupção. Barueri:
Manole, 2009. p. 17-18.
20
Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o
impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente
por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
21
Segundo Lilian Venturini: As possibilidades e regras de conduta para campanhas na internet estão entre os temas
sobre os quais o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dedicou especial atenção ao longo de 2017, principalmente por
causa do debate em torno das fake news (notícias falsas, numa tradução livre) e do impacto delas numa eleição.
In: VENTURINI, Lilian. O que esperar do patrocínio de posts de candidatos durante a eleição. Disponível em: <https://
www.nexojornal.com.br/expresso/2018/01/07/O-que-esperar-do-patroc%C3%ADnio-de-posts-de-candidatos-
durante-a-elei%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 08 jan. 2018.
22
Os principais aspectos discutidos pelos debatedores foram: a regulação da forma de divulgação das informações
durante a campanha eleitoral; o espaço na Internet para aqueles que têm e os que não têm boas condições financeiras;
o volume de informação nos dias atuais em prol da democracia; o papel da Justiça Eleitoral diante das fake news
propagadas no debate político; a permissão ou não dos chamados dark posts; a necessidade de um incremento na
educação com foco na era digital; a responsabilidade no uso de dados virtuais; a dicotomia verdade x mentira na
Internet; e o uso de robôs (bots) para a obtenção de informações, por parte de candidatos e partidos de informações,
para utilização nas campanhas eleitorais, entre outros. (Sem grifo no original.). Disponível em <http://www.tse.
jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/impacto-da-comunicacao-virtual-no-cenario-eleitoral-e-tema-de-
seminario-no-tse>. Acesso em: 17 dez. 2017.
23
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/presidente-do-tse-discute-internet-
e-fake-news-com-comissao-eleitoral-dos-eua>. Acesso em: 18 dez. 2017.
24
GRAGNANI, Janaina. Exclusivo: investigação revela exército de perfis falsos usados para influenciar eleições no
Brasil. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-42172146>. Acesso em: 17 dez. 2017.
25
FLORES, Paulo. O que a Cambridge Analytica, que ajudou a eleger Trump, quer fazer no Brasil. Disponível em: <https://
www.nexojornal.com.br/expresso/2017/12/08/O-que-a-Cambridge-Analytica-que-ajudou-a-eleger-Trump-quer-
fazer-no-Brasil>. Acesso em: 08 jan. 2018.
26
UNESCO. World Trends in Freedom of Expression and Media Development: Executive Summary. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0025/002597/259756e.pdf,>. Acesso em: 08 jan. 2018.
27
UNESCO. World Trends in Freedom of Expression and Media Development: Executive Summary. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0025/002597/259756e.pdf,>. Acesso em: 08 jan. 2018.
28
SALOMÃO FILHO, Calixto. Desigualdade Econômica e Insuficiência Regulatória. In: SALOMÃO FILHO, Calixto;
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; NUSDEO, Fabio. Poder Econômico: Direito, Pobreza, Violência, Corrupção.
Barueri: Manole, 2009. p. 50.
29
Idem.
30
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, já pacificou a aplicação subsidiária do CPC na Justiça
Eleitoral, quando ausentes dispositivos específicos da matéria na legislação eleitoral: “A aplicação subsidiária
do Código de Processo Civil somente se justifica se não houver disciplina da matéria pela Lei Eleitoral.” BRASIL
Tribunal Superior Eleitoral. AgR-REsp nº 31116/MG, Agravante: Marlene Silva Gomes; Agravado: Ministério
Público Eleitoral; 06.10.2008, publicado em Sessão.
31
PORTO, Sérgio Gilberto. A crise de Eficiência do Processo – A Necessária Adequação Processual à Natureza do
Direito Posto em Causa, Como Pressuposto de Efetividade. In: FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. (Coord.). Processo e Constituição: Estudos em Homenagem ao Professor José Carlos Barbosa
Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 180.
32
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.
55-56.
33
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento. In: BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 1973.
34
CANTOARIO, Diego Martinez Fervenza. Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer no Novo CPC:
Primeiras Observações. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi;
FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 114-115.
35
ARENHART. Sérgio. A Tutela Inibitória da Vida Privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 29.
36
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 153.
É nesse contexto que se insere a tutela específica. A sua previsão, no Novo Código
de Processo Civil, foi separada em tópicos distintos com a alocação das disposições de
julgamento das demandas em que se busca a tutela in natura, das disposições referentes
à efetivação do direito reconhecido.37
No primeiro caso – julgamento das demandas – a previsão consta no artigo 49738 do
Novo Código de Processo Civil e valerá como regra geral nos casos em que se apresentar
como a técnica processual mais adequada a resguardar o direito material em questão.
Isto é, não há necessidade de se aplicar tal dispositivo para todo e qualquer caso da
Justiça Eleitoral, na medida em que existe previsão de regra em espécie na legislação
eleitoral, com natureza similar à tutela específica, tal qual o direito de resposta.
O mesmo não pode ser dito em relação aos arts. 53639 e 53740 do Novo Código de Processo
Civil, tendo em vista sua natureza relacionada ao cumprimento da sentença proferida.
37
A esse respeito, Antônio Pereira Gaio Júnior assevera que: “Nesse ínterim se faz destacar a regulação da Tutela
Específica, medida de caráter satisfativo voltada à realização do cumprimento exato de obrigações de fazer, não
fazer e entregar a coisa inadimplida, e que bem coerentemente se fez alocada no novo Codex, de acordo com
os momentos processuais necessários à compreensão de sua efetiva razão e interesse, a depender do momento
processual a que es está a enfrentar. GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. A Tutela Específica no Novo CPC. In:
DIDIER JÚNIOR, Fredie. (coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. (org.).
Novo CPC: doutrina selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 89.
38
Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido,
concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de
um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz
poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a
busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva,
podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
§2º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observan-
do-se o disposto no art. 846, §§1º a 4º, se houver necessidade de arrombamento.
§3º O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial,
sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.
§4º No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se
o art. 525, no que couber.
§5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer
e de não fazer de natureza não obrigacional.
39
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz
poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a
busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva,
podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
§2º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observan-
do-se o disposto no art. 846, §§1º a 4º, se houver necessidade de arrombamento.
§3º O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial,
sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.
§4º No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se
o art. 525, no que couber.
§5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer
e de não fazer de natureza não obrigacional.
40
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela
provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que
se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou
excluí-la, caso verifique que:
Cabe lembrar, ainda, que o legislador do Novo Código de Processo Civil, ao tratar
da regra geral sobre os poderes do juiz, inseriu dispositivo em seu art. 139, inciso IV,
autorizando o juízo competente a “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”, o que se
aplica, perfeitamente, ao processo jurisdicional eleitoral, considerando a inexistência
de um Código específico, impondo-se as regras gerais a respeito de atos processuais,
poderes do juiz, direitos das partes e etc.
Essas técnicas processuais são absolutamente imprescindíveis para combater
a divulgação de fake news, considerando que caberá ao juízo, no caso concreto, após
reconhecido o direito da parte, utilizar de técnicas mandatais e/ou sub-rogatórias para
o cumprimento de suas decisões, conforme será demonstrado abaixo.
De início, relembre-se que a tutela específica está subdivida em: tutela inibitória,
tutela de remoção do ilícito e tutela de ressarcimento na forma específica. Isso não
significa que uma sentença judicial se enquadre somente em uma dessas subdivisões, mas
haverá preponderância. A abordagem, por questão metodológica, será feita individualmente.
importando, por isso, os elementos subjetivos, culpa ou dolo.44 Neste ponto, elucidativa
é a lição de Sérgio Cruz Arenhart:
Essa premissa de que a ação inibitória servia apenas para atacar a possibilidade
de ocorrência de ilícito e/ou a sua repetição era uníssona na doutrina, por decorrência
lógica da interpretação do CPC/73 de acordo com o dispositivo constitucional que torna
o Poder Judiciário competente para analisar inclusive as situações de ameaças a direitos.
Por outro lado, o Novo Código fixou tal pressuposto no parágrafo único do art. 497,46
afastando qualquer espaço para dúvidas. A esse respeito, elucidativo é o comentário
de Bruno Marzullo Zaroni e Paula Pessoa Pereira:
44
Ibidem. p. 255.
45
ARENHART, 2000, p.151.
46
Art. 497. (…) Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de
um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou
dolo.
47
ZARONI, Bruno Marzullo; PEREIRA, Paula Pessoa. Tutela Inibitória no Novo CPC. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie
(coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina
selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 153. Do mesmo modo, Antônio Pereira Gaio Júnior: “ao
se referir na irrelevância na demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo, reconhece
inequivocadamente o legislador do novato Código, a importância de se inibir a prática, reiteração ou a continuação
de um ilícito, ainda que dele não gere ou venha a gerar dano, manifestação veraz do caminhar pari passu com a
dinâmica jurídica hodierna”. In: GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. A Específica no Novo CPC. DIDIER JÚNIOR,
Fredie. (coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina
selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 108.
48
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. Op. cit. p. 36-38.
49
Ibidem. p. 38.
50
Idem.
51
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória..., p. 38-39.
52
Ibidem. p. 39.
53
Não cabe aqui, esgotar todas as possibilidades reais em que a tutela inibitória pode ser aplicada no processo
jurisdicional eleitoral. As menções, mesmo que genéricas, fundamentam a aplicação dessa técnica processual em
qualquer tipo de ilícito eleitoral, pois sua função precípua, como dito, é impedir a sua prática ou cessá-la.
54
BRASIL Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Recurso Eleitoral nº 3443, Recorrente: Diretório Regional do Partido
do Movimento Democrático Brasileiro e Leandro Vilela Veloso, Recorrido: Ministério Público Eleitoral, Relator
Juiz Urbano Leal Berquó Neto, julgado em 29.09.2006, publicado em sessão.
55
Diferentemente da tutela inibitória que possui conteúdo genuinamente preventivo e se presta a evitar a ocorrência
ou a repetição de um ilícito, a tutela de remoção do ilícito tem por fim evitar que os efeitos de um ilícito já cometido
se prolonguem no tempo, conforme define Luiz Guilherme MARINONI: “ao contrário do que ocorre com a ação
inibitória, o ilícito que se deseja atingir está no passado, e não no futuro.” In.: MARINONI, Luiz Guilherme.
Técnica Processual....p. 269.
56
ZARONI, Bruno Marzullo; PEREIRA, Paula Pessoa. Tutela Inibitória no Novo CPC. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie
(coord. geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina
selecionada, v. 5: execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 155.
57
Ibidem. p. 270.
58
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: tutela
dos direitos mediante procedimento comum, v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 489.
Desde logo é preciso destacar que a sua utilização, na Justiça Eleitoral, é bastante
limitada, ante a ausência de efeito prático para salvaguardar os direitos tutelados pela
legislação. Mesmo nos casos da tutela inibitória para impedir a repetição do ilícito, aliás,
os efeitos práticos são limitados. Isso porque o prejuízo, em grande parte dos casos,
é presumido quando ocorre o desrespeito às regras eleitorais, principalmente em se
tratando a respeito da divulgação de fake news para o convencimento de eleitores por
meio de informações falsas e/ou distorcidas.
Portanto, a partir do momento em que houver um ilícito cujos efeitos são
prolongados no tempo, a sua mera remoção terá quase que nenhuma efetividade para
resguardar o que, em última análise, é a finalidade precípua do Judiciário Eleitoral:
resguardar a higidez da vontade popular, o que só ocorre mediante concorrência dos
candidatos em igualdade de oportunidades.
Ou seja, de cada ilícito cometido presumir-se-á prejuízo, enquanto que a função do
aparato estatal será impedir que o dano seja grave a ponto de viciar o curso do processo
eleitoral, evitando-se o desfazimento da votação, mediante a cassação de mandatos. Por
isso mesmo é que, na maior parte dos casos, a tutela meramente reintegratória será inócua.
59
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual ..., p. 418.
60
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. 2015, p. 493.
61
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual ..., p. 426-427.
62
Ibidem. p. 427.
63
Trata-se de um exemplo, mas não esgota a possibilidade de se utilizar deste expediente.
64
Consoante leciona MARINONI: Por essa razão, o legislador, ao editar as regras processuais, resolveu deixar de
lado a rigidez das formas a rigidez das formas ou a ideia de traçar técnicas processuais abstratas. “A solução
foi estabelecer regras que conferissem maior poder ao juiz, dando-lhe a oportunidade de conformar o processo
segundo as peculiaridades dos casos concretos”. MARINONI, Técnica Processual... p. 289.
65
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. 2015, p. 472.
66
Ibidem. p. 472-473.
67
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
68
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira, 2015, p. 95.
69
Segundo sustenta Diego Henrique Nobre Oliveira: De forma geral, a doutrina costuma classificar essas técnicas
processuais, que permitem a efetivação da tutela jurisdicional, em indiretas ou diretas, de acordo com a necessidade
ou não de atuação do devedor para o adimplemento da obrigação.
As indiretas buscam estimular o devedor a cumprir, ele mesmo, o disposto na decisão judicial, atuando, destarte,
em sua vontade. Por outro lado, as diretas remetem ao caráter substitutivo da jurisdição, haja vista consistirem
na substituição da conduta do devedor pela conduta do próprio Estado-juiz ou de um terceiro, prescindindo,
portanto, da vontade daquele. In: OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre. Algumas Questões Sobre as Astreintes e
seu Regramento no Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord. geral); MACÊDO, Lucas
Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Novo CPC: doutrina selecionada, v. 5: execução. Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 173.
com.br, enviaram massivamente e-mails com ênfase em suposta vantagem de Beto Richa
em relação ao adversário principal (Osmar Dias).
Pedem, então, a concessão de liminar para exigir dos representados que se abstenham de
divulgar a pesquisa irregular, outrossim, o ressarcimento liminar para que haja o reenvio
de informação desconstituindo a notícia inverídica, sob pena de multa cominatória.
(...)
De fato, a ata notarial anexada nestes autos aponta o envio de e-mail através do domínio
agroparana@betoricha.com.br , no qual se destaca a larga margem de 767.000 (setecentos e
sessenta e sete mil) votos de diferença favorável a Beto Richa em relação ao seu adversário
Osmar Dias. Aliás, há indícios de que esse domínio efetivamente pertença ao candidato
Beto Richa, o que indica, em tese, a autoria em seu desfavor.
Consta, ainda, que esses dados se baseiam em pesquisas internas, todavia, não se evidencia
informação sobre seu registro neste Tribunal, assim como dos dados obrigatórios na forma
que dispõe artigo 1º da Resolução nº 23.190/2009 do Tribunal Superior Eleitoral
(...)
Nessas condições, é verossímil a relevância do direito invocado pelos representantes,
em razão dos fortes indícios de irregularidade noticiados. Ademais, a persistência da
disseminação desse e-mail, indubitavelmente, poderá acarretar sérios prejuízos aos
representantes, em virtude da inquestionável capacidade de indução das pesquisas
eleitorais, especialmente com a proximidade do dia da eleição.
(...)
A propósito, é por conta do comportamento dúbio dos representados (impugnando
pesquisas de institutos tradicionais supostamente irregulares, mas em contrapartida
difundindo `pesquisas internas¿ igualmente questionáveis), outrossim, do inegável efeito
nefasto das pesquisas eleitorais, é que se revela prudente o deferimento da tutela de
ressarcimento postulada liminarmente, de modo a minimizar os danos do ato impugnado,
não obstante a devida adequação do teor da resposta.
Diante do exposto, defere-se o pedido liminar, para obrigar os representados a absterem-se
de divulgarem, sob qualquer forma de comunicação, pesquisa eleitoral sem o devido
registro perante esta Corte, sob pena de multa de R$300.000,00 (trezentos mil reais) por
divulgação.
Incumbe aos representados, ainda, atender liminarmente a tutela específica de ressarcimento,
consistente em difundir, com a presença de servidor da Justiça Eleitoral e através do provedor dos
próprios representados, direcionada ao mailling do domínio agroparana@betoricha.com.br , resposta
contendo o seguinte teor:
“A coligação ‘Novo Paraná’, do candidato Beto Richa, em obediência à decisão liminar da
Justiça Eleitoral do Paraná, proferida nos autos nº 2170-43.2010.6.16.0000, cuja representação
foi proposta pela coligação `A União Faz um Novo Amanhã¿ e Osmar Dias, presta o
seguinte esclarecimento:
No que diz respeito à informação enviada pelo e-mail com o título `BetoRicha lidera por
767 mil votos, no qual haveria suposta vantagem de 10% com base em pesquisas internas,
esclarece-se que essa pesquisa interna não foi registrada perante o TRE/PR nos moldes
do artigo 33 da Lei nº 9.504/1997, portanto, não possuindo eficácia para fins eleitorais.”
(...)
Este é um claro exemplo de veiculação de fake news ao criar uma pesquisa eleitoral
inexistente, disseminando conteúdo que visa influenciar na vontade do eleitoral de
maneira irregular, causando prejuízo à concorrência entre os postulantes a determinado
cargo. Por isso se mostra evidente o cabimento da aplicação de técnicas processuais
aptas para o ressarcimento na forma específica, restabelecendo o princípio da igualdade
entre os postulantes em determinado pleito.
Outro exemplo claro em que poderia ter havido o emprego de técnicas processuais
inerentes à tutela executiva lato sensu, ocorreu nas eleições presidenciais de 2014.
A revista de maior circulação nacional antecipou a divulgação de uma de suas
edições, a fim de divulgar reportagem que, claramente, poderia influenciar no processo
eleitoral. Isso tudo a 2 (dois) dias da votação. Apesar de ter havido a propositura de
representação, autuada sob o nº 178418.2014.600.0000, deve-se reconhecer que a resposta
conferida pela Justiça Eleitoral, com o devido respeito, não foi a mais adequada,
limitando-se a empregar técnicas de execução indireta (multa para influenciar a vontade
do demandado a cumprir a decisão judicial), deixando de lado vasto arsenal de técnicas
processuais de execução diretas que, naquele momento, seriam mais adequadas.
Isso porque, àquela altura, no período mais crítico de um pleito eleitoral bastante
acirrado e disputado, o Tribunal Superior Eleitoral se limitou a determinar publicação
de direito de resposta à reportagem no sítio da revista,70 em tamanho compatível
com a matéria em questão. A revista cumpriu a decisão de maneira absolutamente
inadequada.71 O relator do caso, por sua vez, limitando-se a fixar um valor bastante alto,
embora a periodicidade, àquela altura, tenha sido adequada, já que o descumprimento
seria contado em horas.
A decisão poderia tanto determinar a apreensão das revistas, como também a
publicação de erratas em sítios, novas impressões e até mesmo na televisão. Claro que
à custa da própria revista que, em tese, cometeu o suposto fato ilícito.
Enfim, o enfrentamento dessas situações com a utilização das técnicas processuais
mencionadas acima pode inibir que aquele que detém Pode Econômico possa dele
abusar, diante da possibilidade de a Justiça Eleitoral combater o monopólio da circulação
de informações, dando oportunidade de correção de conteúdos falsos ou ofensivos ou
conferindo oportunidade de manifestação aos candidatos com parcos recursos, na medida
em que o pressuposto fundamental de atuação da regulação da concorrência eleitoral,
tal qual Calixto Salomão Filho, é que: “A difusão de conhecimento é incompatível com a
70
Forte nesses argumentos, CONCEDO a liminar para a veiculação do direito de resposta requestado e, assim,
determinar à Editora Abril S.A. que insira, de imediato, independentemente de eventual recurso, no sítio eletrônico
da Revista Veja na internet (www.veja.com.br), no mesmo lugar e tamanho em que exibida a capa do periódico,
bem como com a utilização de caracteres que permitam a ocupação de todo o espaço indicado.
71
Ao acessar a página da Revista Veja na internet (www.veja.com.br), identifiquei que, de fato, a publicação do
direito de resposta foi realizada em desacordo com os parâmetros fixados na decisão liminar.
Na página inicial do site acima indicado, embora conste a exibição da capa da revista, com elevado destaque e
tamanho em relação às demais imagens, a Representada não deu o mesmo realce ao texto da resposta concedida
liminarmente, limitando-se a disponibilizá-lo por meio de link.
Patente, portanto, o descompasso com a determinação judicial no sentido de que o texto deveria ser veiculado
no mesmo lugar e tamanho em que exibida a capa da revista.
Demais disso, verifiquei que, após clicar no link e acessar o texto de resposta, logo abaixo dele há outro link que
direciona o leitor à “Resposta do direito” . Sem maiores considerações quanto ao conteúdo desse texto, entendo
que é irregular a vinculação de qualquer texto ou link ao direito de resposta publicado.
Ante o exposto, determino que a Representada promova a correta publicação do direito de resposta, no mesmo
lugar e tamanho em que exibida a capa da edição questionada, bem como utilize caracteres que permitam a ocu-
pação de todo o espaço indicado, sob pena de incidência de multa no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta
mil reais), por hora, a partir da primeira hora de descumprimento, aumentada ao dobro a partir das demais.
Determino, ainda, que o direito de resposta seja veiculado sem menção a quaisquer textos, links e assemelhados
que com ele não tenham relação.
Intime-se a Representada com urgência.
5.4 Conclusão
Nos mesmos moldes em que há a necessidade da disseminação de conhecimento
e informação para esclarecer o consumidor, permitindo-lhe realizar a melhor escolha, o
eleitor, mais ainda, deve estar atento e informado acerca das questões políticas, o que
impõe à Justiça Eleitoral controlar/regular de maneira adequada os conteúdos que serão
veiculados mesmo no período imediatamente anterior às eleições, já que o debate não
se inicia apenas na data estipulada pela Justiça Eleitoral. Ainda mais com a proliferação
desenfreada das chamadas fake news no debate político brasileiro.
Nesse contexto, impõe-se que o órgão regulador do processo eleitoral aja com
firmeza e isonomia em relação a todos os veículos de comunicação – grande imprensa
e aquela denominada de “mídia alternativa” – inibindo a veiculação de conteúdos que
sejam ofensivos, falsos e que em nada esclareçam o eleitor para a sua escolha, garantindo
concorrência efetiva com a propagação de conhecimento útil para debate político-eleitoral
brasileiro, notadamente depois do recrudescimento do ambiente político.
Para cumprir tal papel, deverá a Justiça Eleitoral se utilizar de técnicas processuais
idôneas, quando provocada, a fim de evitar que a consumação de graves danos à
concorrência entre candidatos, o que pode obrigar, posteriormente, provimento para
o desfazimento da vontade popular.
Daí emerge a importância dos esclarecimentos trazidos pelo legislador no Novo
Código de Processo Civil e sua aplicação nas demandas de competência da Justiça
Eleitoral, pois ao estabelecer, expressamente, que a finalidade das tutelas preventivas
é tão somente atacar a possibilidade da ocorrência do ilícito ou a sua repetição, pouco
importando o dano, o novo código abriu espaço para que ilícitos eleitorais sejam
evitados, impedindo a consumação de danos e a possibilidade da ocorrência de abusos
na veiculação de informação por parte dos candidatos e imprensa em geral.
Além disso, ao separar em tópicos distintos as modalidades de tutelas das técnicas
processuais aptas a sua efetivação, o legislador deixou claro que, mesmo para os casos
em que houver previsão em normas especiais de tutela específica, as referidas técnicas
processuais previstas nos arts. 536 e 537 do NCPC poderão ser aplicadas.
Entretanto, a Justiça Eleitoral tem utilizado de maneira tímida novas técnicas
processuais de natureza executiva lato sensu. Considerando a possibilidade de exacerbação
do debate nas eleições de 2018, ante a polarização política vivenciada atualmente, é
possível que medidas criativas inerentes à tutela executiva lato sensu sejam utilizadas
com maior frequência, com base no artigo 139, inciso IV do Novo Código de Processo
Civil, sobretudo para impedir a consumação de abuso do poder econômico e/ou político,
evitando cassações de mandatos que, em última análise, implicam no desfazimento da
vontade de inúmeros eleitores.
72
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 45.
Impõe-se ressalvar que não foi o objetivo do texto sequer tentar esgotar as
hipóteses de aplicação da tutela específica para corrigir a veiculação de informações
ilícitas, justamente para deixar claro o seu cabimento para os mais diversos casos.
De resto, também não se esgotaram as polêmicas acerca das fake news, tampouco
se abordaram instrumentos criminais de combate a esses ilícitos, já que o objetivo
único era demonstrar que a concorrência ideal pressupõe conhecimento por parte de
seu destinatário: eleitor, o que evidencia a importância de técnicas processuais rápidas
para a remoção de situações dessa natureza, até porque investigações criminais não têm
a agilidade necessária para resguardar a legitimidade do pleito eleitoral, pois visam
apenas a punir os infratores.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
SILVA, Fernando Matheus da. A tutela específica e a concorrência eleitoral: a transmissão de conhecimento
e o combate às fake news. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 285-307.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
1
GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.
2
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 78-94.
3
DARTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, 2017. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml/>.
Acesso em: 26 de jan. 2018.
Muito antes de chegar o movimento fixado, a eleição torna-se o maior e, por assim dizer,
o único assunto que preocupa os espíritos. As facções redobram então o ardor; todas as
paixões partidárias que a imaginação pode criar num país feliz e tranquilo agitam-se
neste momento a plena luz. [...] À medida que a eleição se aproxima, as intrigas tornam-se
mais ativas, a agitação mais viva e mais difundida. Os cidadãos dividem-se em vários
grupos, cada um dos quais toma nome de seu candidato. A nação inteira cai num estado
febril, a eleição é, então, o tema quotidiano dos jornais públicos, assunto de conversas
particulares, objetivo de todas as indagações, finalidade de todos os pensamentos, único
interesse do presente.4
4
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América, 2010. In: NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na
Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 89.
favor de todos os tipos de coisas terríveis [dreadful things]. Tais anúncios podem exibir
uma foto comprometedora ou mesmo adulterada de um político oponente, ou usar
imagens granuladas em preto-e-branco [grainy black-and-white footage] para fazer suas ações
parecerem ameaçadoras. Tais anúncios podem ser moderados (“O senador Thomas votou
cinquenta e sete vezes para aumentar os seus impostos...”) ou fortes (“O senador Thomas
votou para colocar assassinos, estupradores e molestadores de crianças em liberdade...”).5
Afinal, se é certo que a mentira, seja ela proferida no âmbito da propaganda eleitoral ou
não, é incômoda e repudiada pelo corpo social, não é menos certo que o Direito Penal não
se ocupa de perseguir e apenar toda e qualquer mentira. Como posto por Jakobs, não há
que se pensar que toda mentira – seja contra uma pessoa ou contra a “humanidade” – deva
ser tratada como um ilícito ou, ainda, um ilícito penal, o que leva o debate jurídico-penal
a se esforçar em delimitar quais são os falsos merecedores de pena.6
5
CLIFT E SPIELER, 2012. In: JAIRO GOMES, José. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2. ed. rev., atual e
ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 251.
6
JAKOBS, Gunther, 2011. In: GASPAR NEISSER, Fernando. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum.
2016. p. 113.
7
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 155.
8
GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p.
111.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
OYAMA, Luiz Taro; SERVAT, Jillian Roberto. Fake news, algoritmos, replicação artificial e a
responsabilidade penal eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber
de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 309-315. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
PESQUISAS ELEITORAIS E
TESTES PRÉ-ELEITORAIS NO
CONVENCIMENTO DO ELEITOR
ADRIANO OLIVEIRA
1.1 Introdução
Após o fim do pleito eleitoral, qualquer que seja, aparecem atores políticos
defendendo a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais. A tese dos defensores é
que a divulgação influencia a escolha dos eleitores. Isso significa que o eleitor tende a
votar em quem está na frente na disputa eleitoral, segundo a pesquisa divulgada. Tal
tese é coerente, como bem mostra Oliveira e Gadelha (2017). Mas será que a proibição
de pesquisas eleitorais fere o direito de informação do eleitor?
A indagação realizada é necessária, pois a proibição da divulgação de pesquisas,
mesmo que seja às vésperas do pleito eleitoral, pode encorajar propostas para novas
proibições. Por exemplo: Não divulgar a agenda do candidato quinze dias antes do dia
da eleição. Tal proibição também fere o direito à informação do eleitor.
O direito de informação do eleitor está circunscrito às seguintes indagações: “Eu
quero saber o que o candidato X irá fazer hoje? Será que ele visitará o meu bairro?”;
“A campanha do candidato Y na TV está horrível. Muito agressiva. Será que ele tem
chances de ganhar?” Essas são indagações fundamentais que justificam a existência do
direito à informação dos eleitores.
Tenho a tese de que o desejo de proibição dos resultados das pesquisas eleitorais
surgiu em virtude da demasiada importância à variável intenção de voto. Essa variável,
presente em qualquer questionário que busque decifrar o comportamento do eleitor,
é excessivamente valorizada pelos competidores e também pela imprensa. E, claro, o
eleitor. Em razão disso, a imprensa, ator que tem o poder de publicizar os resultados
das pesquisas, dar espaço considerável a variável intenção de voto. E tal espaço sugere
para os admiradores das pesquisas eleitorais que o único dado importante na pesquisa
é a intenção de voto. No caso, qual o competidor está à frente na disputa.
Este artigo tem o objetivo de mostrar que a variável intenção de voto é uma
informação secundária e que o seu nível de importância está associado fortemente
à proximidade do dia da eleição. Existem outras variáveis que são importantes. Mas
elas não são valorizadas pelos interessados em pesquisas. A ausência da valorização
talvez seja em virtude de que os próprios institutos de pesquisas e a imprensa tenham
excessiva preocupação com a intenção de voto.
1
Partido Trabalhista Brasileiro.
2
Partido Socialista Brasileiro.
a morte do governador Eduardo Campos, Câmara passou a ser conhecido por 52% dos
eleitores (IDEM, 2015).3 Paulo Câmara venceu a eleição para governo de Pernambuco.
A conclusão óbvia é de que Paulo Câmara venceu a eleição para o governo de
Pernambuco em 2014 por causa da trágica morte de Eduardo Campos. Tal conclusão
é apresentada por Oliveira (IBIDEM). Entretanto, é importante salientar que: Antes
da morte do ex-governador, a intenção de voto sugeria que Paulo Câmara não tinha
chances de ser eleito. Quem analisou a eleição de Pernambuco apenas pela intenção de
voto, certamente não considerou a possibilidade de Câmara vencer o pleito.
Gráfico 1 – Julgamento dos eleitores para com a gestão do prefeito Geraldo Júlio
Fonte: Instituto de Pesquisa Uninassau, 2016. Você aprova ou desaprova a gestão do prefeito do Recife Geraldo Júlio?
3
Pesquisa realizada em 19 de agosto (OLIVEIRA et al., 2015).
Fonte: Instituto de Pesquisa Uninassau, 2016. Se sim, em sua opinião, a crise interfere negativamente na administração
do prefeito Geraldo Julio?
A campanha de Geraldo Júlio adotou como estratégia a retórica de que ele não
fez mais pelo Recife em razão da crise econômica. Se não fosse a crise econômica, mas
ações teriam sido realizadas na capital pernambucana. É possível que tal narrativa tenha
influenciado os eleitores, pois eles reconheciam a presença da crise econômica. Diante
deste reconhecimento, eles passaram a “sentir na pele” os efeitos da crise na gestão do
prefeito e passaram a ser tolerantes com ele (OLIVEIRA; GADELHA; 2017).
Oliveira e Gadelha (IDEM) mostram, através do teste estatístico do Qui-Quadrado,
que o candidato à reeleição, Geraldo Júlio, tem maior aprovação entre os eleitores que
reconhecem que a crise econômica interfere negativamente em sua gestão. Portanto,
crises econômicas geram eleitores tolerantes. O Gráfico 4 mostra o desempenho eleitoral
do incumbente na trajetória eleitoral. Em nenhum instante, o seu principal opositor, João
Paulo (PT) o ameaçou. Isso significa que a crise econômica contribuiu para o sucesso
eleitoral de Geraldo Júlio.
Fonte: Instituto de Pesquisa Uninassau, 2016. Este ano, ocorrerá eleição para prefeito do Recife. Se a eleição fosse
hoje, em qual destes candidatos você votaria?
Este é mais um dado que revela que a variável intenção de voto quando inter-
pretada solitariamente pode conduzir a conclusões equivocadas da conjuntura eleitoral
e possibilitar a construção de cenários errados. O Gráfico 4 mostra que em agosto a
eleição para a prefeitura do Recife tenderia a ser acirrada. Mas o gráfico 3, na mesma
época, sugeria que não. No caso, que em virtude da crise econômica, o prefeito do Recife,
candidato à reeleição, tenderia a vencer a disputa eleitoral. Era o favorito.
Neste ano, ocorrerá eleição para presidente da República. Em quem você pretende votar?
A) Antônio Mota; B) Carlos Farias; C) Gilberto Sobral; D) Não sabe/Não respondeu
A segunda pergunta fornece pouca informação ao eleitor. Lembra que este ano
ocorrerá eleição para presidente da República e os nomes dos candidatos. Portanto, esta
indagação, feita por diversos institutos de pesquisas, não incentiva o eleitor a utilizar
o sistema 2. Ao contrário da pergunta 1. A pergunta 2, tem, portanto, fraco poder de
predição eleitoral, pois não insere o eleitor em uma conjuntura que poderá existir.
Referências
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar – Duas formas de pensar. Tradução Cássio de Arantes Leite. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2012.
OLIVEIRA, Adriano; GADELHA, Carlos. O eleitor é um enigma? Curitiba: Juruá, 2017.
OLIVEIRA, Adriano. Eleições não são para principiantes: Interpretando eventos eleitorais no Brasil. Curitiba:
Juruá, 2014.
OLIVEIRA, Adriano; GADELHA, Carlos; ROMÃO, Maurício. Eleições e pesquisas eleitorais – Desvendando a
caixa-preta. Curitiba: Juruá, 2012.
OLIVEIRA, Adriano; GADELHA, Carlos; COSTA, Simara. O poder da prefeitura, relações íntimas, e o voto
retrospectivo: Uma análise da dinâmica eleitoral municipal através do método qualitativo. Revista Observatório,
v. 3, p. 472-492, 2017.
OLIVEIRA, Adriano; FIDELLIS, Gabriela; BARROS, Mariana. Eduardismo, “Saída” do Lulismo e Comoção
Eleitoral – O que Motivou o Sucesso Eleitoral de Paulo Câmara para o Governo de Pernambuco? PMKT:
Revista Brasileira de Pesquisas de Marketing, Opinião e Mídia, v.17, p. 46-65, 2015.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
OLIVEIRA, Adriano. Para além da intenção de voto. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande;
AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 319-328. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
2.1 Introdução
A liberdade de expressão e, consequentemente, a de informação se consolidaram
como pilares das sociedades democráticas, modernas e esclarecidas. A disponibilização do
acesso às informações outrora centralizadas em um nicho específico, restrito e exclusivo
de uma pequena parcela detentora dos centros deliberativos de poder econômico,
político e social ganha especial destaque hodiernamente, especificamente no tocante
ao processo eleitoral.
A liberdade à informação decorre de um contexto de reconhecimento das garantias
individuais em que a construção do pensamento e da consciência pessoal acerca do
contexto sócio-político torna-se estruturante para a concepção do Estado, devendo
sobrepor-se ao controle sistemático por instituições que criam e manipulam fatos e
notícias, lógica de um modelo controlador e centralizador a ser rompida diuturnamente,
permitindo-se, assim, a construção coletiva de pensamentos desprendidos de cargas
valorativas arbitrariamente impostas e destoantes da realidade que nos circunda.
A conscientização da liberdade à informação enquanto instrumento também
político só adquiriu tal ressignificação a partir da difusão de conhecimento, em um
segundo contexto revolucionário, dessa vez adstrita ao processo de propagação crescente
dos meios de comunicação e da constante evolução tecnológica que permitiu, e permite,
a constante emancipação social e efetivação de uma participação democrática mais
participativa e funcional.
É certo que um dos mais autênticos fatores de empoderamento é a informação,
em razão de seu caráter fluído e essencial, em todas as eras, em especial, no período
atual, no qual os meios tecnológicos e os mecanismos que deles derivam constituem
ferramentas indubitavelmente indispensáveis e estreitamente atreladas à difusão de
dados e referências, portanto, indicadores comportamentais, de ideias, posicionamentos,
escolhas, vozes e votos.
No que concerne ao núcleo eleitoral, a democratização de acesso às informações
relacionadas ao processo político parece restar em consonância ao ideal comum de
democracia, enquanto essência, como governo de todos.
moralidade social prefigura ser uma das justificativas motrizes no processo de fiscalização
e responsabilização de representantes e instituições corrompidas.
A crise moral e institucional não emergiu recentemente, como a enxurrada de
notícias acerca de escândalos políticos pode nos levar a crer. A ausência de credibilidade
nas estruturas políticas decorre de diversos fatores estruturais que não condizem com o
foco desse breve ensaio; fato é que a revelação dessas questões decorre da possibilidade
de investigação e, principalmente, da divulgação de dados para que a sociedade se
mobilize e torne-se conhecedora da representatividade política e da necessidade de
reflexão no exercício cívico do sufrágio e da fiscalização da gestão da coisa pública.
É certo que as mídias exerceram, e ainda exercem, um papel influente na divulgação
da realidade política e na disseminação de conhecimentos políticos ao grande público.
A linguagem também é um aspecto importante a ser considerado, isso porque, é
necessário que, inclusive no campo eleitoral, a linguagem técnica se traduza em dados
e informações de compreensão independente e livre de qualquer interpretação imposta
e sujeita às interferências de forças externas do contexto social, permitindo-se, assim,
que a conscientização dos fatos expostos seja plena e desembaraçada.
Ao abordar a divulgação de dados e fatos, bem como instauração de processos de
transparência é fundamental que a atenção esteja voltada para mecanismos que facilitem
a compreensão do sentido do que fora exposto seja captado pelo grupamento cidadão
ao qual se destina, porque, do contrário, sempre haverá o completo desvirtuamento
de sua função primária.
Em que pese a mídia, enquanto instituição detentora de meios de comunicação
em massa, tenha tido relevante importância e contribuição no caráter informativo dos
eleitores, as inovações tecnológicas apresentam-nos um novo prisma no diálogo e
contribuição de informações. Isso porque o surgimento de espaços sociais digitalmente
conectados permitiu que não só o repasse de informações se desse de maneira mais
intensa e instantânea, como possibilitou a mobilização de parcelas da sociedade que
se indignaram com a situação da estrutura política e eleitoral.
O próximo passo para a efetivação na informação e conscientização dos cidadãos
enquanto eleitores está no exercício consciente dos instrumentos de participação
democrática. Esse prospecto parece estar sendo compreendido pelas instituições públicas
que procuram adequar suas realidades dentro do espectro de informação produzido e
divulgado pelas novas mídias sociais.
A adaptação a essa nova realidade social permite uma aproximação e reconstrução
conjunta das novas instituições políticas, e permite que se estenda o campo de cidadãos
conscientes e livremente informados, capazes de exercer de forma integral e irrestrita
todas as vertentes relacionadas ao plano político e social enquanto compreendido em
um modelo democrático.
1
Reconhecida inicialmente pela Organização das Nações Unidas, durante a primeira sessão realizada em 14 de
dezembro de 1946 pela sua Assembleia Geral, ocasião em que foi adotada a Resolução 59(1), afirmando que: “A
liberdade de informação constitui um direito humano fundamental e […] a pedra de toque de todas as liberdades
a que se dedica a ONU”.
2
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1948, é
considerada a declaração primordial dos direitos humanos internacionais. Em seu Artigo 19, que tem efeito
vinculante e obriga todos os Estados como direito internacional consuetudinário, garante a liberdade de expressão
e informação nos seguintes termos: “Todos têm o direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui
a liberdade de expressar opiniões sem interferência e de buscar, receber e transmitir informações e ideias por
quaisquer meios e sem limitações de fronteiras”.
3
ARTICLE 19. Who Wants to Forget? Truth and Access to Information about Past Human Rights Violations. London:
Article 19, 2000. Disponível em: <http://www.article19.org/docimages/869.htm>.
4
No Relatório Anual de 1999, Comissão Interamericana reconheceu que o direito de acesso à informação mantida
pelo Estado assegurará maior transparência e prestação de contas das atividades do governo e o fortalecimento das
instituições democráticas; (...) Os princípios reconhecem de forma inequívoca o direito à informação: (...) 3. Toda
pessoa tem o direito de acesso à informação sobre si e seus bens com presteza e sem ônus, independentemente de
estar contida em bancos de dados ou cadastros públicos ou privados e, se necessário, de atualizá-la, corrigi-la ou
emendá-la; 4. O acesso à informação mantida pelo Estado constitui um direito fundamental de todo indivíduo.
Os Estados têm obrigações de garantir o pleno exercício desse direito. Esse princípio permite somente limitações
excepcionais que precisam ser definidas previamente por lei na eventualidade de um perigo real e iminente que
ameace a segurança nacional das sociedades democráticas. 108ª Sessão Regular, 19 de outubro de 2000. Disponível
em: <http://www.iachr.org/declaration.htm>.
5
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão: 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e
de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda
natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou
por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode
estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei
e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção
da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito
de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de
imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação,
nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei
pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles,
para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir
toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua
incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. Disponível em: <http://cidh.oas.org/Basicos/
Portugues/c.Convencao_Americana.htm>.
6
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/04/aabaaf52ad8b7668bf2b28e75b0df183.pdf>,
para ler a decisão na íntegra.
7
Interessante a leitura da obra de Cass Sustein para quem a regra da maioria não pode ser concebida como uma
simples mudança de status quo, visto que durante o processo de deliberação política deve ser observado um
método de discussão, consulta e persuasão, durante o qual a minoria que não teve os seus interesses atendidos
será ouvida e instigada, por meio da persuasão da maioria, a conciliar os seus objetivos aos que serão positivados,
considerando que toda e qualquer modificação deve ser justificada como sendo o instrumento mais hábil para
alcançar e satisfazer as necessidades sociais, finalidade para a qual o Estado foi (e é) concebido. Assim, para
justificar a democracia, Sustein entende que todo processo político, cujo resultado depende da aprovação de uma
maioria, deve ser marcado por um procedimento de deliberação, discussão, consulta e persuasão; portanto, para o
autor, a minoria que não teve os seus interesses atendidos será persuadida a concordar com a medida priorizada
durante determinado processo democrático, não simplesmente por entender que a decisão legislativa é a que
melhor corresponde aos seus anseios, mas, por ter consciência e estar convencida de que numa futura discussão
ou debate poderá vir a tornar-se maioria durante a deliberação política. SUSTEIN, Cass. The Partial Constitution.
Cambridge, Massachussetts e Londres, Inglaterra: Harvard University Press, 2000. p. 133-137.
De outra forma, todos nós temos uma projeção de alcance público e outra,
particular, e quanto maior for a nossa inserção na seara pública, menor os limites da
8
ARTICLE 19. Who Wants to Forget? Truth and Access to Information about Past Human Rights Violations. London:
Article 19, 2000. Disponível em: <http://www.article19.org/docimages/869.htm>.
nossa vida privada; quanto maior for o interesse público acerca da nossa pessoa, menor a
esfera da nossa privacidade, que, a despeito disso, deve ser sempre preservada, porque,
inclusive, reconhecida em nível constitucional (artigo 5º, X, CF/88).
No que toca ao papel das mídias, no Relatório do Desenvolvimento Humano de
2002 – Aprofundar a Democracia em um Mundo Fragmentado,9 elaborado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) considerou-se que é possível
que nenhuma reforma seja tão significativa para fazer as instituições democráticas
funcionarem quanto à reforma das mídias: a construção de meios de comunicação
diversos e plurais, livres e independentes, que alcancem acesso e divulgação em massa,
e que apresentem informações precisas e imparciais.
Meios de comunicação livres e independentes são, sem margem para dúvidas, um
pilar crucial da democracia, tanto que, em muitos países, novas liberdades de imprensa
e tecnologias permitem aos meios de comunicação contribuírem mais para a política
democrática, abrindo debates públicos e denunciando a corrupção e os abusos; mesmo
que, a despeito disso, ao redor do mundo, ainda hajam restrições às liberdades cívicas
básicas – como os direitos de livre expressão, de reunião e de informação...
Responsabilidade mútua, considerando que, se de um lado temos a necessária
transparência na gestão dos bens e interesses públicos; de outro, o compromisso do
cidadão não apenas de acompanhar e fiscalizar todo o funcionamento da administração
pública, bem como reivindicar que a sua opinião, ideia ou decisão sejam norteadoras
para a composição dos espaços de poder, ainda que os não eletivos, e definidoras das
tomadas de decisões.
E nesse contexto de informação, mídia e internet se apresenta a democracia virtual,
impulsionada pela aceleração de conhecimento e divulgação de informação e assentada
sobre o que consideramos serem os seus 04 (quatro) pilares: a educação digital, que
implica numa consciência necessária que temos que ter sobre o que podemos/devemos
socializar, como fazê-lo, quando fazê-lo e para quem; o agir com responsabilidade ética,
considerando que o computador ou qualquer outro instrumento tecnológico não se
responsabiliza pelos atos praticados por seus operadores, não servindo, assim, de um
mecanismo de blindagem de culpa ou filtro de honestidade; a desburocratização das
informações, visto que a agilidade e a celeridade da internet permitem um mais rápido
e fácil alcance do que deve se tornar de conhecimento público; e, por fim, temos novas
demandas da era digital, também relacionadas às questões concernentes à informação,
que não podem ser sanadas analogicamente, e, para tanto, precisamos mudar o algoritmo
do nosso pensar para buscarmos e identificarmos soluções “digitais” para os problemas
que nos são apresentados pelo cenário virtual.
E a necessidade premente de observarmos esses elementos se justifica em razão
da lisura e retidão que devem ser atribuídos ao processo eleitoral, de modo que os
candidatos eleitos representem de fato, e não apenas virtualmente, o querer de uma
maioria consciente e não simplesmente influenciada por fake news ou absorvida e
enternecida pela potencializada disseminação de notícias por robôs.
E se sim, as redes compõem um núcleo fulcral para a disseminação da informação,
e, portanto, um elemento ímpar para a consolidação e efetivação da liberdade à informação
9
Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/idh/relatorios-de-desenvolvimento-
humano/relatorio-do-desenvolvimento-humano-20002.html>. Acesso em: 27 dez. 2017.
do eleitor, também apresentam alguns efeitos colaterais, por nós considerados o anverso
da democracia virtual, esta que se assenta no pluralismo político, na igualdade e na
liberdade.
Assim, a formação das bolhas ideológicas ou virtuais criam um sentimento comum
de que verdades absolutas existem, fulminando de morte a tolerância à diversidade
de pensar que erige o pluralismo político ao status de princípio constitucional (artigo
1º, V, CF/88); bem como o excesso de restrição da propaganda eleitoral nas redes se
contrapõem à imprescindível liberdade que deve permear todo o processo eleitoral, e o
emprego maciço de esforços para disseminar as fake news, pendem a balança da igualdade,
porque o impacto gerado pelas inverdades, inclusive (ou principalmente) quando não
explicitadas, é sempre muito maior e avassalador do que o alcançado pelas true news.
De fato, a manipulação precisa ser sedutora, porque quanto mais sedutora, melhor
acobertará o tanto que se pretende ocultar... e nada mais sedutor do que uma mentira
mascarada do que uma verdade escancarada!
A seu turno, os partidos políticos – veículos que permitem a elegibilidade dos seus
filiados que almejam exercer a capacidade eleitoral passiva, desde que, é claro, preencham
outras condições de elegibilidade e não incidam em quaisquer das inelegibilidades
tipificadas na legislação infraconstitucional – como organismos imprescindíveis para a
efetivação da democracia, não deveriam, sob o manto e a proteção das matérias interna
corporis, definir suas políticas intrapartidárias ignorando os pilares democráticos, quais
sejam: o pluralismo político, a igualdade e a liberdade.
Assim, desde a definição dos candidatos aptos a representa-los, perpassando pela
distribuição do fundo partidário e fundo de campanha para os candidatos e dos tempos
nas mídias para a veiculação da propaganda eleitoral, até a composição dos cargos
do mais alto escalão das executivas; tudo, indistintamente, deveria ser devidamente
informado à sociedade, independentemente de qualquer solicitação formalizada por
parte dos cidadãos, baseando-se no mecanismo de transparência ativa e observando
os axiomas democráticos. E, mais que isso: não apenas informar também os próprios
filiados que, na maioria das vezes, se situam à mercê de todos esses processos decisórios
intrapartidários, como, inclusive, transferir o poder de decisão da cúpula partidária
para a base constituída pelos filiados. Aí, então, poderíamos começar a conjecturar, de
fato, a tão almejada democracia intrapartidária, essencial para a consolidação do nosso
Estado Democrático de Direito.
Às funções políticas do Estado, o dever de informar o eleitor, responsável direto
pela composição da sua estrutura, decorre das suas atribuições previstas em nível
constitucional, e configura princípio irretocável da administração pública, como se nos
apresenta o caput do artigo 37, da Constituição Federal.
Mas, talvez, um dos principais e mais basilares dos aspectos que permeiam
essa discussão esteja relacionado à educação: nossa sociedade não é educada para se
informar e, a partir de então, formar a sua própria convicção acerca dos problemas que
nos assolam, nossas prioridades e as demandas de ordem púbica.
Da mesma forma, o eleitor não tem educação política e, inúmeras vezes, relega
a um patamar de diminuta importância a sua mais nobre função em uma coletividade,
qual seja, o poder do qual é titular para decidir quem serão os responsáveis para, em
seu nome: gerir a coisa pública, criando e efetivando políticas; administrar o dinheiro
público, destinado aos cofres do Estado a peso de muito suor dos que mais são onerados
com a alta tributação que se aplica no nosso sistema; e, responsáveis, inclusive, por
definir os rumos, os sonhos e as angústias, as decepções e os louros de uma sociedade
pelo período de um mandato eletivo, quiçá mais.
Essa educação política dos eleitores é essencial para que possamos construir uma
sociedade de fato consciente do seu protagonismo e porque composta pelos verdadeiros
propulsionadores da democracia e protagonistas, em potencial, de toda e qualquer
mudança que possa vir a ser realizada com o intuito de desconstituir um status quo que
já, há muito, não satisfaz o mínimo necessário para garantir o respeito à dignidade da
vida dos seus mais nobres sujeitos: o povo brasileiro!
Sem educação, não há informação!
Porque a liberdade à informação, inclusive para saber que somos dela titulares,
pressupõe que conheçamos minimamente a nossa realidade para que, a partir das
informações obtidas, possamos influenciar direta e imediatamente nos rumos das decisões
que nos alcançarão; e, desta feita, a educação potencializada pela informação, ao tempo
em que diminui o poder de manipulação que tanto contamina as relações de poder,
liberta o eleitor consciente, emancipando-o, em razão da sua educação, afastando-o da
cegueira e da ignorância políticas, em razão da informação!
Com a base de educação política bem fomentada, pode-se, inclusive, evitar as
fraudes excessivas nas candidaturas fictícias de mulheres, por exemplo, seja porque o
eleitor precisa se informar sobre os candidatos lançados pelos partidos políticos, como
eles pensam e o que pretendem desenvolver, caso eleitos, e, assim, poderão identificar
que uma (ou várias) mulher(es) lançada(s) pelo partido político desconhece(m), inclusive,
tal fato; seja porque, a própria mulher acaso conhecedora e ciente não se permitirá atuar
de forma fraudulenta, com o fito de burlar a legislação e permitir, assim, a perpetuação
da opressão do gênero feminino, também na política.
E, então, nesse caso, quando os partidos políticos e os próprios candidatos optam
fraudar a legislação, violar a liberdade de informação do eleitor e seguir o caminho
das candidaturas fictícias, cabe à Justiça Eleitoral atuar firmemente e responsabilizar
a todos, indistintamente, considerando que, como também protagonistas do processo
eleitoral deveriam zelar pela sua lisura e retidão.
Seja em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), que em de Ação de
Impugnação do Mandato Eletivo (AIME), depois da viragem jurisprudencial introduzida
pelo Recurso Especial (RESPe) Nº 1-49/2015, que ampliou o cabimento da AIME para coibir
fraude à lei, a Justiça Eleitoral reconheceu, no julgamento do RESPe 243-42, do município
José de Freitas, PI, que fraudes no cumprimento das quotas de gênero são modalidade
de abuso do poder político, sindicáveis pela Ação de Investigação Judicial Eleitoral, AIJE,
afastando, assim, o entendimento, segundo o qual, após o deferimento do registro, fatos
ulteriores comprobatórios da fraude não poderiam provocar a atuação jurisdicional.
Nesse mesmo compasso e seguindo o mesmo fundamento de fraude à lei nº
9.504/97 (Lei das Eleições), mais especificamente no seu artigo 10, §3º, que estabelece
a exigência de candidaturas de gênero acompanhando o percentual de 70% e 30%, o
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo cassou, no Recurso Eleitoral Nº 370-54/2016,
o diploma de três vereadores eleitos em 2016, na cidade de Santa Rosa do Viterbo,
e o registro de todos os 22 candidatos de uma coligação composta pelos Partido da
Solidariedade (SD), Partido da mobilização Nacional (PMN) e Partido Republicano da
Ordem Social (Pros).
10
“(...) Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição
certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir,
sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho
maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para
a cadeia, o exílio, o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Quando, após
tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos
por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela
desgrace homens e nações, principalmente na América Latina... A exposição panorâmica da lei fundamental que
hoje passa a reger a Nação permite conceituá-la, sinoticamente, como a Constituição coragem, a Constituição
cidadã, a Constituição federativa, a Constituição representativa e participativa, a Constituição do Governo síntese
Executivo-Legislativo, a Constituição fiscalizadora.” Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/
radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/339277--INTEGRA-DO-DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBA-
NACIONAL-CONSTITUINTE,--DR.-ULISSES-GUIMARAES-%2810-23%29.html>.
(...) duas condições têm de estar presentes para a responsabilidade coletiva: devo ser
considerado responsável por algo que não fiz, e a razão para a minha responsabilidade
deve ser o fato de eu pertencer a um grupo (um coletivo), o que nenhum ato voluntário
meu pode dissolver, isto é, o meu pertencer ao grupo é completamente diferente de uma
parceria de negócios que posso dissolver quando quiser (ARENDT, 2004, p. 216).
(...) nenhum padrão moral, individual e pessoal de conduta será capaz de nos escusar
da responsabilidade coletiva. Essa responsabilidade vicária por coisas que não fizemos,
esse assumir as consequências por atos de que somos inteiramente inocentes, é o preço
que pagamos pelo fato de levarmos a nossa vida não conosco mesmos, mas entre nossos
semelhantes, e de que a faculdade de ação, que, afinal, é a faculdade política per excellence,
só pode ser tornada real numa das muitas e múltiplas formas de comunidade humana
(ARENDT, 2004, p. 225).
Referências
ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
ARTICLE 19. Who Wants to Forget? Truth and Access to Information a.bout Past Human Rights Violations.
Londres: Article 19, 2000. Disponível em: <https.www.article19.org/docimages/869.htm>.
BOBBIO, Norberto. Verbete “Democracia”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, e PAQUINO,
Gianfranco. Dicionário da Política. 2v. 5.ed. Tradução de João Ferreira (Coord.) Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 2000.
SAMPAIO, José Adércio Leite. Dos Direitos e deveres individuais e coletivos. In: Comentários à Constituição
do Brasil. J.J. Gomes Canotilho [et al.]. São Paulo: Saraiva, 2014.
STIGLITZ, J. Transparency in Government. The Right To Tell: the role of the mass media in economic
development,Washington, D.C.: World Bank Institute, 2002.
SUSTEIN, Cass. The Partial Constitution. Cambridge, Massachussetts e Londres. Inglaterra: Harvard University
Press. 2000.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
FREITAS, Juliana Rodrigues; CARVALHO, Paulo Victor Azevedo. A liberdade à informação do eleitor e
o seu núcleo de questionamentos: Por quê? Para quê? Por quem? In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 329-342. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
Normalmente as pesquisas são mais discutidas pela polêmica que causam devido à
influência que exercem sobre o eleitorado no momento imediato em que são divulgadas.
A preocupação se concentra em saber quem está na frente e com quantos pontos. No uso
estratégico das pesquisas não é o aspecto quantitativo, analisado isoladamente, o que mais
importa, mas o conjunto de informações que são colhidas e que permitem desenvolver
ações políticas que possibilitem a manutenção dos pontos ou sua alteração. Daí a grande
1
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 371.
2
ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do eleitor: estratégia de campanha, pesquisa e vitória eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2008, p. 99.
Caetano Ernesto Pereira de Araújo, de sua vez, salienta que, em uma democracia,
o eleitor é soberano sobre o seu voto e pode defini-lo à base de convicção, de cálculo
ou mesmo aceitar o conhecido efeito manada. Assim:
O voto útil e a correria atrás do vencedor podem ser qualificados, com bons argumentos,
de imaturidade política. O ponto é que o eleitor tem o direito de cometê-la e a lei não
deve vedar essa opção do leque a sua disposição. Cabe, na verdade, aos demais partidos
e candidatos, a tarefa, que é de natureza política, de convencer os eleitores manada e os
estratégicos da insuficiência de sua opção.7
3
ALMEIDA, Jorge. Como vota o brasileiro: perfil ideológico do eleitor e evolução do voto nas pesquisas de opinião de 1994.
2. ed. São Paulo: Xamã, 1998, p. 21.
4
Para Jorge Almeida: “No ano 500 antes de Cristo, o general chinês Sun Tzu já afirmava que se você se conhece
bem e ao inimigo não precisa temer o resultado de uma centena de combates. Para ele, os melhores quadros do
exército deveriam se voltar para a tarefa de levantar dados, ou, em outras palavras, obter informações. Ainda
sobre a necessidade de ter informações concretas para agir corretamente, quase 2.500 anos depois, outro vitorioso
comandante chinês chegou ao ponto de dizer que quem não faz uma investigação da realidade concreta não
deveria ter direito à palavra, pois seu discurso não passaria de tagarelice (Tung, 1972)”. (Como vota o brasileiro:
perfil ideológico do eleitor e evolução do voto nas pesquisas de opinião de 1994. 2. ed. São Paulo: Xamã, 1998. p. 21-22).
5
De acordo com Marcelo Abelha Rodrigues e Flávio Cheim Jorge “porque não dizer que movidas pelas pesquisas,
muitas pessoas deixam de votar no candidato para não perder seu voto e votam em outro, apenas para fazer
oposição àquele que ele não deseje que vença? Ou ainda, aquelas pessoas, e são muitas, que votam naquele que
está na frente das urnas?”. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 222).
6
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 372.
7
ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. As pesquisas de intenção de voto como problema. Revista de Informação
Legislativa, v. 41, nº 161, p. 87-99, jan./mar. 2004. Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/934>
Acesso em: 22 jan. 2018.
8
Para Pedro José Floriano Ribeiro, “o marketing é, portanto, a obtenção de informações por meio de pesquisas
para posteriormente as utilizar na construção de plataformas e discursos, de modo que os candidatos obtenham o
maior sucesso possível na disputa pelos votos. Essa noção vem do marketing comercial, que identifica os anseios
dos consumidores, por meio de pesquisas, para então elaborar produtos que vão ao encontro de tais demandas”.
(Campanhas eleitorais em sociedades midiáticas: articulando e revisando conceitos. Revista de Sociologia Política, Curitiba,
nº 22, p. 25-43, jun. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n22/n22a04> Acesso em 22 jan. 2018).
9
Confira-se o entendimento de Pedro Roberto Decomain: “De início instrumento utilizado pelos partidos, passaram
as pesquisas eleitorais a representar também um filão de informação e de ganho ou manutenção de leitores,
ouvintes e telespectadores, por parte dos órgãos de imprensa”. (Eleições: (Comentários à Lei nº 9.504/97). 2ª ed.
São Paulo: Dialética, 2004. p. 195).
10
Confira-se, no particular, a lúcida visão de José Jairo Gomes: “Há, porém, críticas que lhes são dirigidas. Entre
elas, destacam-se a manipulação dolosa e erros graves de previsão. Lembra Barreiros Neto (2011, p. 248) que
exemplos de ‘erros grosseiros não faltam, como ocorrido na Bahia, em 2006, quando os institutos de pesquisa
previam, quase à unanimidade, uma vitória, ainda no primeiro turno de então governador Paulo Souto, candidato
à reeleição, sobre o oponente, Jacques Wagner, do PT. Apurados os resultados das urnas, Wagner derrotou Souto
ainda no primeiro turno. Historicamente conhecido também é fato ocorrido na eleição para prefeito de São Paulo,
em 1985, disputada entre os ex-presidentes da república Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso, quando
FHC, crente na vitória dada como certa pelos institutos de pesquisa, posou para fotos na cadeira de prefeito,
antes do pleito, sendo, contudo, surpreendentemente derrotado por Jânio no dia das eleições’”. (Direito eleitoral.
11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 371).
11
Acrescente-se que, diante de possíveis abusos, erros e manipulações (inclusive das “margens de erro”) dos
institutos de pesquisas, por inspiração do Min. Gilmar Mendes, cogita-se a criação, no âmbito do Tribunal
Superior Eleitoral, de grupo de trabalho para controle mais efetivo das atividades desenvolvidas pelas empresas
e entidades especializadas.
12
Aponte-se a existência de mandado de segurança (MS nº 33.521, Rel. Min. Marco Aurélio), em tramitação no
Supremo Tribunal Federal, em que se pugna pelo prosseguimento dos procedimentos necessários para a instalação,
na Câmara dos Deputados, de comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre pesquisas eleitorais.
13
As divergências entre as estimativas das pesquisas eleitorais e os resultados das urnas têm inspirado fortes
críticas ao trabalho desenvolvido pelos institutos de pesquisa. No âmbito da Câmara dos Deputados, há estudos
favoráveis e contrários a uma maior regulamentação das pesquisas eleitorais. Há propostas, por exemplo, de
pesquisas internas dos partidos, sem a divulgação dos números ao grande público (Deputado Décio Lima), ao
lado de outras no sentido da ampliação da liberdade dos institutos de pesquisa, dispensando-se até mesmo o
registro na Justiça Eleitoral (Deputado Miro Teixeira ). A Câmara dos Deputados analisa projetos de lei para
regulamentar as pesquisas eleitorais, dentre os quais o PL 96/11, do Deputado Rubens Bueno, que aumenta a
punição a institutos de pesquisa envolvidos em levantamentos fraudulentos, e o PL 4.574/12, da Deputada Cida
Borguetti (Pros-PR), que proíbe a divulgação de pesquisas nos 15 dias que antecedem as eleições. No Senado
Federal, em audiência pública realizada no dia 23.08.2017, acadêmicos e diretores de empresas de pesquisas,
reunidos pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC),
discutiram sobre problemas metodológicos que levam a pesquisa a nem sempre refletir o resultado das urnas.
Segundo representantes do Datafolha e do Ibope Inteligência, o acesso cada vez maior às redes sociais aumentou
a volatilidade do eleitorado. Para os participantes do debate, o método mais utilizado hoje, a amostragem por
quotas – em que se procura criar uma amostra representativa do eleitorado com base em estatísticas demográficas
e sociais –, não permite o cálculo de uma margem de erro precisa. Os convidados debateram, ainda, formas de
melhorar a legislação atual e coibir a divulgação de pesquisas falsas. O Senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO),
presidente da comissão e autor do requerimento da audiência, anunciou que vai incorporar parte das sugestões
numa minuta de projeto de lei. Segundo o parlamentar, há 23 projetos de lei ordinária e quatro PECs (Propostas
de Emenda à Constituição) tramitando no Parlamento, alterando a legislação que atualmente regula a realização
e divulgação de pesquisas.(https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/23/combate-a-fraudes-em-
pesquisas-eleitorais-deve-ganhar-projeto, disponível em 25 de janeiro de 2018).
14
MENEGUELLO, Rachel. Regulação das pesquisas. In: AVRITZER, Leonardo; ANASTASIA, Fatima (orgs.). Reforma
Política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 107-110.
15
E mais:
“As mudanças nas determinações legais traduzem a polêmica central sobre a qual reside este tema, qual seja,
a discussão sobre o quanto as pesquisas pré-eleitorais influenciam o eleitorado, informam ou desinformam os
cidadãos, e este debate estende-se para o entendimento sobre papel que a opinião pública deve ter no funciona-
mento da dinâmica democrática.
Em grandes linhas, o debate sobre a regulação das pesquisas desdobra-se em duas principais dimensões. A
primeira delas relaciona-se ao significado político da opinião pública. A defesa da livre divulgação de prévias
eleitorais tem como principal argumento o direito básico à informação e ao conhecimento pelos eleitores do
movimento das forças políticas durante a campanha. Esse argumento reconhece a opinião pública como um
importante agente político das sociedades democráticas, que intervém e regula as instituições e que expressa
a autonomia dos indivíduos na sua relação com o sistema político. Dessa forma, quando são apropriadamente
realizadas e utilizadas pelos meios de comunicação, as pesquisas têm um papel significativo na dinâmica da
democracia e constituição dos poderes.
Por outro lado, para os que são contrários à divulgação das pesquisas, o argumento central reside em considerar a
opinião pública um espaço sem autonomia, que não expressa uma sociedade articulada em interesses, resumindo-se
à expressão de indivíduos atomizados, facilmente manipuláveis pelos agentes do jogo político. Em linhas gerais,
afirma-se que a dinâmica democrática da sociedade de massas deve constituir suas bases de legitimidade em
estruturas mais sólidas do que os efeitos promovidos por informações de momento, que conduzem os cidadãos
a atitudes meramente reativas nos processos políticos. Nesse sentido, como fontes de informação dos eleitores,
os resultados das pesquisas exerceriam uma influência indevida nas eleições, dadas as possibilidades de erros e
de manipulação das informações pelos agentes do jogo democrático.
A segunda dimensão da polêmica sobre as pesquisas diz respeito ao impacto das informações sobre o processo
de decisão do eleitor. Não parece haver dúvida quanto ao fato de que os resultados das pesquisas exercem algum
tipo de efeito sobre a decisão de voto. A absorção dos resultados pelos agentes de socialização de intermediários
culturais que realizam a inclusão do eleitoral na esfera da disputa política, sobretudo os meios de comunicação,
torna praticamente impossível que as prévias eleitorais não sejam somadas ao amplo conjunto de informações
que orientam as preferências dos cidadãos. A discussão reside, portanto, na intensidade do efeito das pesquisas
e aqueles que defendem as restrições de divulgação têm a seu favor uma extensa produção bibliográfica que
aponta o real impacto das predileções eleitorais sobre o comportamento do eleitor.
A tese mais frequente baseia-se na ideia de que sua divulgação conduz parte significativa do eleitorado a votar
no candidato que está a frente nas pesquisas, contaminando a opinião pública e distorcendo o curso natural dos
resultados. Essa hipótese de influência denominada bandwagon effect – uma metáfora que faz alusão ao vagão de
circo que conduz a banda, colocado sempre a frente da caravana – afirma que os resultados das prévias eleitorais
colocam uma pressão social sobre os eleitores indecisos, que são conduzidos a votar no candidato apresentado
com chances de vitória.
As hipóteses da influência abordam ainda outros efeitos da percepção das informações das pesquisas pelo elei-
tor como a hipótese underdog effect, que define a tendência do voto no candidato que está em último lugar, e a
hipótese do voto estratégico (o voto útil), que resulta do cálculo das chances de evitar uma maioria específica e
define o voto do eleitor em uma segunda opção.”
16
Obra citada, p. 109.
17
Para Rachel Meneguello: “Os resultados não são consumidos de forma pura, interagem com a mídia e produzem,
a partir daí, uma realidade específica sobre o jogo político. O caso brasileiro potencializa essas dificuldades, as
campanhas ocorrem em um cenário composto por múltiplos meios de informação livre e são ainda orientadas
por uma legislação que permite uma intensa exposição diária à propaganda eleitoral pelo rádio e televisão,
impossibilitando avaliar o efeito isolado de cada um dos meios com que o eleitor se orienta e decide”. (Obra
citada, p. 110).
18
SARAIVA, Paulo Lopo. Constituição e Mídia no Brasil. São Paulo: MP, 2006. p. 21-22.
19
COUTURE, Eduardo. El Arte Del Derecho. 2. ed. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1998. p. 22.
20
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 83.
21
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 11. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. p. 84.
22
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 128.
23
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 46.
24
SUNFEELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 177-178.
seu art. 220, §1º, deu nova conformação à matéria, atento à necessidade de circulação
da informação, base das escolhas conscientes, próprias da democracia.
Sempre foram controvertidas as tentativas de regulamentação das pesquisas
eleitorais, sobretudo com vistas à edificação de proibições de divulgações em períodos
próximos aos pleitos eleitorais.
Apreciando a constitucionalidade da minirreforma empreendida pela Lei nº
11.300/2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, em acórdão da
lavra do em. Min. Ricardo Lewandowski (ADI 3.741-2/DF),25 entendeu inconstitucional o art.
35-A por ela introduzido na Lei das Eleições (nº 9.504/97), por ofensa à garantia da liberdade
de expressão e do direito à informação livre e plural no Estado Democrático de Direito.
O art. 35-A da LE vedava, expressamente, a divulgação de pesquisas eleitorais
por qualquer meio de comunicação a partir do décimo quinto dia útil anterior até as
18 (dezoito) horas do dia do pleito.
O Min. Lewandowski, na ocasião, assentou, inicialmente, que “a liberdade de
informação, como corolário da liberdade de expressão, vem sendo protegida desde os
primórdios da Era Moderna, encontrando abrigo já na célebre Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789, na qual já se podia ler que ‘a livre comunicação dos
pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem’”. E que, desde
então, passou a constar de quase todos os textos constitucionais das nações civilizadas,
bem como das declarações e pactos de proteção dos direitos humanos. E mais:
Filiando-se a essa tradição, a Constituição de 1988, no art. 5º, IX, não apenas garante a
todos a mais ampla liberdade de expressão, independentemente de censura ou licença,
como também assegura, no inciso IX daquele mesmo dispositivo, inovando com relação
aos textos constitucionais precedentes, “o acesso à informação”. Reforçando esse direito,
o art. 220, estabelece que a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição”. E o seu §1º arremata o seguinte: “Nenhuma
lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º,
IV, V, X, XIII e XIV”.
25
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.300/2006 (MINI-REFORMA ELEITORAL). ALEGADA
OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA.
MERO APERFEIÇOAMENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO
PROCESSO ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE PESQUISAS ELEITORAIS QUINZE DIAS ANTES
DO PLEITO. INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À
INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL
DA AÇÃO DIRETA.
I – Inocorrência de rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos
no processo eleitoral.
II – Legislação que não introduz deformação de modo a afetar a normalidade das eleições.
III – Dispositivos que não constituem fator de perturbação do pleito.
IV – Inexistência de alteração motivada por propósito casuístico.
V – Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei eleitoral. VI – Direto à informação livre e plural como
valor indissociável da ideia de democracia.
VII – Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei
introduzido pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997.
(ADI 3741, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2006, DJ 23-02-2007, PP-00016
EMENT VOL-02265-01 PP-00171)
26
Eis o tratamento dado às pesquisas eleitorais e testes pré-eleitorais no contexto da Lei nº 9.504/97:
Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos can-
didatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até
cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:
30
Na mesma linha, confira-se a posição de Ricardo Alberto Pereira: “O registro só se torna obrigatório quando se
pretenda dar conhecimento público da pesquisa realizada. Se a pesquisa for realizada apenas para o próprio
conhecimento do interessado, seja esse quem for, não há necessidade de registro, pois nesse caso não haverá
divulgação. É a publicização da pesquisa realizada que impõe o seu registro prévio, como forma de controle
do ato que pode vir a influenciar o eleitor em sua escolha. Se não há tal publicização o direito a conhecer uma
pesquisa é um direito individual de quem quer que seja e não pode ser impedido por lei ou decisão judicial”.
(Lei das Eleições comentada. Rio de Janeiro: TRE/RJ, 2013. p. 95).
31
Atente-se para o fato de que, segundo a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “a obrigatoriedade de
registro nos Conselhos Regionais de Estatística limita-se ao profissional estatístico responsável pela condução
da pesquisa eleitoral (art. 45 do Decreto nº 62.497/1968)”. (Instrução nº 53935, Ac. 25/02/2016, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJE 01.03.2016, p. 46).
32
CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 496.
33
Confira-se a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: “(...) Compete ao Tribunal Superior Eleitoral processar
registro de pesquisa eleitoral na eleição presidencial (art. 4º, I, da Res. TSE nº 22.143/2006). (...)”. (Reclamação nº
427, Ac. 19/10/2006, Rel. Min. Cezar Peluso, publicado em Sessão de 19/10/2006).
34
Nas Eleições de 2014, tive oportunidade de julgar, como Juiz Auxiliar da Propaganda das Eleições Presidenciais,
algumas representações em que se discutiu a necessidade de um duplo registro (TSE e TRE), quando englobadas,
na mesma coleta, dados relativos a eleição presidencial e as eleições federais e/ou estaduais. Na oportunidade,
entendido que: “Ao apreciar e conceder a liminar, assentei que a Lei Eleitoral (nº 9.504/97), em seu art. 33 determina,
mercê de regra iniludivelmente cogente, que as entidades e empresas que realizem pesquisas de opinião pública,
relativas às eleições ou a candidatos, para conhecimento público, são obrigadas a registrá-las junto à Justiça
Já o §2º, do art. 33, com a redação determinada pela Lei nº 12.034/09, trouxe a
regra de que a Justiça Eleitoral afixará, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, no local
de costume, bem como divulgará na internet, o aviso de registro da pesquisa, colocando
as informações à disposição de partidos e coligações pelo prazo de 30 (trinta) dias.35 De
acordo com o art. 9º, da Resolução/TSE nº 23.549/17, “será livre o acesso, para consulta,
aos dados do registro da pesquisa, nas páginas dos tribunais eleitorais, na internet”.
A disponibilização dos dados propicia amplo controle das informações encetadas
na pesquisa e possibilita eventual manuseio de impugnações contra o registro ou a
divulgação de dados em desconformidade com a legislação eleitoral. Aliás, o art. 15, da
Resolução/TSE nº 23.549/17, é claro ao conferir legitimidade ativa ao Ministério Público
Eleitoral, candidatos, partidos políticos e coligações, para subscreverem impugnações que
tais, atendidos os requisitos no art. 16 do mesmo diploma normativo, cujo §1º, permite
ao relator, diante da relevância do direito invocado e da possibilidade de prejuízo de
difícil reparação, “determinar a suspensão da divulgação dos resultados da pesquisa
impugnada ou a inclusão de esclarecimento na divulgação de seus resultados”, com
comunicação ao responsável por seu registro e ao respectivo contratante (§2º).
Nos termos do §3º, do art. 33, da LE, a divulgação de pesquisa à míngua de prévio
registro sujeita os responsáveis à multa no valor de 50.000 (cinquenta mil) a 100.000
(cem mil) UFIR.36 Está-se diante de infração meramente administrativa, ensejando a
Eleitoral, em até cinco dias antes da divulgação, com as informações detalhadas nos incisos do mesmo dispositivo
legal. E que, nos termos do art. 33, §1º, do mesmo diploma normativo, as informações relativas à pesquisa serão
registradas ‘nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete fazer o registro dos candidatos’”. A fim de bem
explicitar o alcance da regra legal, o Tribunal Superior Eleitoral, dentro de legítima competência normativa,
expediu a Resolução nº 23.400/13, cujo art. 5º, §1º, é claro no sentido de que ‘os registros que englobem, em uma
mesma coleta de dados, a eleição presidencial e as eleições federais e estaduais, deverá ser realizado tanto no
Tribunal Regional Eleitoral respectivo como no Tribunal Superior Eleitoral’. De se ver, assim, que a divulgação de
pesquisas amplas, com intenções de votos a todos os cargos em disputa nas eleições federais e estaduais, inclusive
à Presidência da República, requesta a construção de ato complexo, que só se perfaz, para a derivação de efeitos
juridicamente válidos, após a efetivação de registro conjunto no TRE respectivo e no TSE, sem tergiversação”.
(RP nº 32.578, J. 27/05/14, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto).
35
Para Joel J. Cândido: “O prazo de trinta dias jamais poderia ser concedido e a regra, como está, causou severo
estrago neste moderno instituto de previsão de resultados, de uso cada vez mais frequente em matéria eleitoral.
O prazo de 5 dias do caput é, exatamente, para exame crítico das informações registradas, pelos interessados
(partidos políticos, coligações, candidatos, Ministério Público e pelo próprio juiz ou tribunal), todos com livre
acesso a elas. Examinadas, não havendo impugnação, publica-se a pesquisa ou teste; havendo impugnação, ouve-
se a entidade, se for o caso, e julga-se a queixa, autorizando-se ou não a divulgação. O aviso de registro deverá
ser feito pela imprensa, ou por afixação de edital na sede da Zona Eleitoral, ou do tribunal, conforme o caso, e,
também, no sítio da Justiça Eleitoral na internet, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar do protocolo de
registro das informações. Com a concessão de mais 30 dias para exame, além dos 5 previstos no caput, surgem as
seguintes complicações: a) se o decurso de 30 dias não suspende a publicação, o prejuízo de eventual impugnante,
mesmo que reconhecida, posteriormente, a procedência de sua reclamação, e irreversível, eis que os resultados
da pesquisa questionada já estarão publicados; inócua, portanto, sua postulação e a própria decisão judicial;
perda de tempo, em outras palavras e ilusão de que se está fazendo Justiça; b) se o decurso dos 30 dias suspende
a publicação, os 5 dias do caput são inúteis, bastando esses 30; e, ainda, neste caso, a publicação da pesquisa,
após 30 dias, será divulgação de resultados velhos, defasados pelo tempo, já sem interesse para o leitor e eleitor”.
(Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 497).
36
A sanção incide ainda que o registro tenha sido efetivado após a divulgação (TSE – ED-AgR-AI nº 815/SP, DJe de
19.02.2014). Para José Jairo Gomes: “Observe-se que, nessa hipótese, a pesquisa é veraz, isto é, foi feita realmente.
Não se trata, pois, de pesquisa mendaz ou fictícia. A ilicitude consiste apenas no descumprimento do dever de
registrar. Na ótica constitucional, é inegável que a regra em apreço restringe a liberdade de informação e, pois, de
imprensa. Todavia, não chega a colidir com a Lei Maior, porquanto salvaguarda valores e princípios igualmente
constitucionais, porém diversos”. (Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 374).
representação de cuida o art. 96, da LE,37 diferentemente do que ocorria sob a égide da
Lei nº 9.100/95, que tratava a conduta como crime.
Em caso de divulgação38 de pesquisa fraudulenta,39 aplica-se o disposto no §4º,
do art. 33, da LE. Aqui, está-se diante de crime eleitoral, a ser apurado nos moldes do
processo penal eleitoral tradicional e punível com detenção de seis meses a um ano e
multa no valor de 50.000 (cinquenta mil) a 100.000 (cem mil) UFIR.40 41 42
Já o §5º, do art. 33, da LE, cuida da questão da proibição temporal da realização
de enquetes relacionadas ao processo eleitoral.
Pesquisa eleitoral não deve ser confundida com enquete. A segunda é menos
rigorosa quanto ao âmbito, à incidência e à metodologia empregada. Trata-se de coleta
37
Segundo a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “a representação relativa à pesquisa eleitoral deve ser
formalizada até a data do pleito” e isso não quer significar violação constitucional “pois o TSE apenas assentou
uma condição da ação – interesse de agir (...)”. (AgR-Rp nº 425.898, Brasília-DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE
03/10/14, p. 27).
38
De acordo com José Jairo Gomes: “(...) a incriminação legal incide na divulgação de pesquisa fraudulenta. Portanto,
não é crime a ‘criação’ de uma tal peça, mas sim sua divulgação, seu uso público, pois isso implica o exercício
de indevida influência no processo eleitoral. Já se entendeu na jurisprudência que o ‘ato de divulgar deve ser
entendido em seu aspecto mais amplo, consistente na realização de atos de alcance geral, aptos a influenciarem a
vontade do eleitorado.’ (TRE/MG – RC nº 12102005 – DJ 5-7-2007, p. 102). Assim, a exibição de pesquisa a poucos
eleitores não seria suficiente para caracterizar a tipicidade material da conduta, embora reste configurada sua
tipicidade formal”. (Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 214-215).
39
Para José Jairo Gomes: “A ausência de especificação legal demonstra que a divulgação pode ocorrer em qualquer
espaço e veículo de comunicação. Abarca, pois, os ambientes reservados às propagandas eleitoral, partidária,
extemporânea ou antecipada, bem como a mídia em geral, incluindo a internet. O que importa, realmente,
é a difusão de dados mendazes”. Acrescenta o autor: “Não importa que os dados divulgados sejam total ou
parcialmente falsos, pois em qualquer caso a pesquisa será fraudulenta e sua divulgação realiza a figura típica
em exame. Ademais, é irrelevante que a pesquisa fraudulenta tenha sido registrada na Justiça Eleitoral. Conforme
bem assentou a jurisprudência, ‘a fraude não é suplantada pelo registro das informações da pesquisa eleitoral,
nem mesmo na hipótese de eventual ausência de impugnação do seu conteúdo.’ (TRE/SC – RCRIME nº 604 –
DJESC 11-12-2006, p. 1)”. (Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 214-215).
40
Para Joel J. Cândido, o crime de “divulgação de pesquisa fraudulenta”, delito comissivo, material e unissubjetivo,
previsto no art. 33, §4º, da LE, “visa a proteger a veracidade dos elementos divulgados e que podem ser usados
para informação e convencimento do eleitor, funcionando como propaganda eleitoral”. (Direito eleitoral brasileiro.
14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 497).
41
Para José Jairo Gomes: “A objetividade jurídica do delito do art. 33, §4º, da LE liga-se à tutela da lisura da pesquisa
eleitoral. Também se protege a veracidade da propaganda e o direito político fundamental dos eleitores de serem
informados correta e honestamente sobre os candidatos, de maneira que possam formular juízos apropriados a respeito
deles. Por fim, também se resguarda a sinceridade do pleito, que poderia ser afetada pelo abuso comunicacional.
O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa sozinha ou em concurso com terceiros. (...)
Sujeito passivo é a sociedade. Os partidos e candidatos prejudicados figurarão como sujeitos passivos secundários.
Objeto material é a ‘pesquisa fraudulenta’. Logo, o delito em exame não se perfaz na hipótese de haver divulgação
de enquete ou sondagem fraudulentas. (...) O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar
‘divulgar’. A conduta típica consiste na divulgação de pesquisa fraudulenta (...). Trata-se de crime formal, não sendo
exigida a ocorrência de qualquer resultado exterior à conduta do agente. Não é mister, e.g., que haja efetiva influência
no eleitorado. É possível a tentativa. (...). O tipo subjetivo consiste no dolo, que pode ser direto, eventual e genérico.
Direto, porque implica o conhecimento de que a pesquisa é fraudulenta. Eventual, porque o agente pode assumir
o risco de divulgar a pesquisa inquinada estando em dúvida sobre sua licitude. Genérico, porque requer apenas
a consciência e a vontade de realizar a conduta típica. Vale ressaltar que não há previsão no tipo de um elemento
subjetivo, respeitante a um especial fim de agir pelo autor. A consumação se dá com a efetiva divulgação dos dados
da pesquisa. Para isso, não é necessário demonstrar que a divulgação influenciou efetivamente os eleitores. Na
verdade, tal influência tem caráter potencial, devendo ser inferida a partir das circunstâncias concretas do evento”.
(Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 214-215).
42
Para José Jairo Gomes: “Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois
anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração
de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC nº 64/90, art. 1º, §4º). Tendo em vista que
a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo”. (Crimes e processo
penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 214-215).
informal de dados, despida de rigorismo científico, e, por isso mesmo, não está sujeita ao
registro.43
Todavia, procede a assertiva de José Jairo Gomes no sentido de que “em sua
divulgação é preciso que se informe não se tratar de pesquisa eleitoral, mas sim de
enquete ou mera sondagem; faltando esse esclarecimento, a divulgação poderá ser
considerada ‘pesquisa eleitoral sem registro’, e ensejar a aplicação de sanção”.44
Tal exigência estava calcada nas disposições contidas nas resoluções que dispunham
sobre pesquisa eleitoral, até as eleições de 2012. Entretanto, a partir do pleito de 2014
(Resolução/TSE nº 23.400/13), a disciplina legal da matéria sofreu modificação. A novel
resolução, a par de impedir a realização de enquetes no período de campanha eleitoral,
suprimiu a obrigatoriedade de esclarecimento expresso quanto ao mero levantamento
de opiniões.45
Forçoso assinalar, como bem o fazem Marcelo Abelha Rodrigues e Flávio Cheim
Jorge que “a própria existência de um instituto jurídico como a enquete, sendo ele
diverso das pesquisas, já é uma forma de burla à ampla e irrestrita informação, pois é
absolutamente certo que poucos, ou quase ninguém da população, sabe a diferença de
enquete para pesquisa”.46
Necessário esclarecer que, para evitar a confusão do eleitor, o legislador proibiu,
no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo
eleitoral (LE, art. 33, §5º, incluído pela Lei nº 12.891, de 2013, c/c o art. 23, da Resolução/TSE
nº 23.549/2017).47 Duas observações, no particular, são relevantes: a) o legislador parece
não ter proibido a “divulgação” de enquetes realizadas antes do período de campanha
eleitoral; b) a despeito de não haver, no texto legal, previsão de sanção específica pelo
descumprimento da regra, a Resolução/TSE nº 23.549/2017 inseriu no §2º do seu art. 23
a seguinte disposição: “Se comprovada a realização e divulgação de enquete no período
da campanha eleitoral, incidirá a multa prevista no §3º do art. 33 da Lei nº 9.504/1997,
independentemente da menção ao fato de não se tratar de pesquisa eleitoral”.
O caput do art. 34, da LE, foi objeto de veto presidencial. Dizia que imediatamente
após o registro da pesquisa, as empresas e entidades que realizarem pesquisas eleitorais
43
Acerca da diferenciação entre “pesquisa” e “enquete”, reproduza-se o balizado magistério de Marcelo Abelha
Rodrigues e Flávio Cheim Jorge: “A enquete é o levantamento de opiniões, sem controle de amostra, que não
utiliza método científico para sua realização e depende apenas da participação espontânea do interessado. Já a
pesquisa, segundo o TSE, ‘é a indagação feita ao eleitor, em um determinado momento, sobre a sua opção a respeito
dos candidatos que concorrem a uma determinada eleição. As entidades e empresas que realizarem pesquisas
de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada
pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as informações indicadas no
art. 33 da Lei 9.504/97 (...)” (Manual de direito eleitoral. São Paulo: RT, 2014. p. 222).
44
GOMES. José Jairo. Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 372.
45
Confira-se a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: “(...) A informalidade com que os dados foram
divulgados na entrevista, a data em que realizada, bem como a circunstância de que a Res.-TSE nº 23.400/2013,
diferentemente dos regimes anteriores, não impôs a obrigatoriedade de esclarecimento expresso quanto ao
simples levantamento de opiniões, por ocasião da divulgação dos resultados, afastam a conclusão do acórdão
regional.(...)”. (AgR-AI nº 65-60/BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Redator para acórdão Min. Dias
Toffoli, DJE de 23.10.2015).
46
RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim. Manual de direito eleitoral. São Paulo: RT, 2014. p. 222.
47
Para José Jairo Gomes: “Como esse dispositivo não especifica o momento em que a campanha eleitoral tem
início, não há clareza quanto ao momento a partir do qual incide a proibição. De todo modo, por veicular uma
limitação à liberdade, o marco inicial da vedação em tela deve ser o menos restritivo possível”. Para o mesmo
autor, a restrição, assim, deve incidir com o início da propaganda eleitoral. (Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 372).
48
De acordo com as razões de veto: “O dispositivo em questão determina o fornecimento aos partidos ou coligações
concorrentes, imediatamente após o registro de pesquisa eleitoral, de todas as informações a ela referentes.
É plausível o entendimento de que ‘todas as informações’ incluem os próprios resultados da pesquisa, além
do especificado nos incisos do art. 33. Ora, o art. 33 impõe um prazo mínimo de cinco dias entre o registro da
pesquisa e a publicação dos seus resultados. Os partidos ou coligações concorrentes teriam, desse modo, acesso aos
resultados na pesquisa antes do público em geral. É de todo previsível, nessa circunstância, que se multiplicariam
as tentativas de impugnação judicial da divulgação desta ou daquela pesquisa pelos partidos que se julgassem
eventualmente desfavorecidos pelos resultados, numa espécie de censura prévia. Trata-se, portanto, de exigência
incompatível com o interesse público”.
49
Para Joel J. Cândido, está-se diante de norma eficiente apenas para, depois do pleito, se apurar responsabilidades,
já que “efeitos eleitorais propriamente ditos, do pleito e de seus resultados imediatos, pelo tardio da hora em que
se operam, não terão nenhum”. (Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 498-499).
50
CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 499.
51
Para José Jairo Gomes: “A objetividade jurídica do delito do art. 34,§2º, da LE liga-se à tutela da fiscalização exercida
pelos partidos políticos a fim de averiguarem a lisura da pesquisa eleitoral. Quanto ao sujeito ativo, trata-se de
crime próprio, porque exige que o agente ostente uma qualidade especial, qual seja: a de representante legal
da empresa ou entidade de pesquisa; é mister que o agente tenha o domínio ou o controle de todos os dados,
processos e documentos relacionados à pesquisa. Objeto material são os dados concernentes à pesquisa, tais
como: sistema interno de controle, dados coletados (incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores),
planilhas individuais, mapas ou equivalentes. O tipo legal é misto alternativo, sendo formado pelos núcleos:
‘não cumprir’, ‘retardar’, ‘impedir’ ou ‘dificultar’. O emprego da partícula ou indica que há fungibilidade entre
as condutas, sendo que a realização de mais de uma delas implica o cometimento de um só delito. As condutas
típicas consistem em: 1) não cumprir o disposto no §1º do art. 34, isto é, negar ao partido interessado o acesso
às informações e documentos relativos à pesquisa realizada; 2) retardar (atrasar, delongar) a ação fiscalizadora
dos partidos; 3) impedir (obstar, bloquear) essa ação; 4) dificultar (embaraçar, estorvar) essa ação. Podem as
condutas ser omissiva (notadamente na hipótese 1) e comissivas. (...). Trata-se de crime formal, nas modalidades
comissivas. E de mera conduta na forma omissiva. Nos dois casos, não é exigida a ocorrência de qualquer resultado
exterior à conduta do agente. Assim, não é mister que haja lesão ao partido ou a campanha de seus candidatos.
Na modalidade omissiva, não é possível a tentativa. Mas é viável nas formas comissivas. O tipo subjetivo é o
dolo, não sendo prevista uma espécie culposa. O dolo é genérico, consistindo na realização das condutas típicas
com consciência e vontade. A consumação se dá com a efetivação da negação, retardamento, impedimento ou
embaraço de acesso ao partido interessado às informações e documentos relativos à pesquisa registrada”. (Crimes
e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 219).
52
Para José Jairo Gomes: “O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa sozinha ou em
concurso com terceiros. (...). Sujeito passivo é a sociedade. Os partidos e candidatos prejudicados figurarão
como sujeitos passivos secundários. Objeto material são os dados irregularmente publicados. Logo, o delito em
exame não se perfaz na hipótese de haver divulgação irregular de enquete ou sondagem. O tipo legal é de ação
única, sendo seu núcleo formado pela ementar ‘publicados’ (publicar. A conduta típica consiste na publicação de
dados irregulares de pesquisa eleitoral. Publicar, nesse contexto, significa divulgar dados da pesquisa realizada
e devidamente registrada na Justiça Eleitoral. (...). Trata-se de crime formal, não sendo exigida a ocorrência de
qualquer resultado exterior à conduta do agente. Assim, não é preciso que haja influência no eleitorado. É possível
a tentativa. (...). O tipo subjetivo consiste no dolo, não sendo prevista modalidade culposa. O dolo pode ser
direto, eventual e genérico. Direito, porque implica o conhecimento de que os dados divulgados são irregulares.
Eventual, porque o crime estará configurado se o agente assumir o risco de divulgá-los tendo em dúvida quanto
à regularidade deles. Genérico, porque requer apenas a consciência e a vontade de realizara a conduta típica. Não
há previsão no tipo de um elemento subjetivo, respeitante a um especial fim de agir pelo autor. A consumação
se dá com a afetiva divulgação dos dados irregulares”. (Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p.
219).
53
Em ambos os casos, considerando que o máximo da pena abstratamente considerado não supera dois anos,
está-se diante de infração penal de menor potencial ofensivo, admitindo-se, pois, a transação penal. E tendo em
conta que a pena mínima cominada é inferior a um ano, há lugar para a suspensão condicional do processo. Por
fim, relembre-se que, nos termos do disposto no art. 1º, §4º, da LC nº 64/90, condenações que tais não geram a
inelegibilidade de que cuida o art. 1º, inciso I, alínea “e”, do mesmo diploma legal.
54
Para José Jairo Gomes, “por esse delito também pode ser responsabilizado o representante legal do órgão difusor
da falsa pesquisa, salvo se houver boa-fé de sua parte, o que somente se poderia admitir se a falsa pesquisa tiver
sido devidamente registrada junto à Justiça Eleitoral”. (Direito Eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 375).
55
Para Joel J. Cândido, esse artigo diz quem pode ser responsabilizado pelos delitos a que se refere, mas, mesmo
assim, “esses crimes são comuns, e não próprios, pois qualquer pessoa que legalmente represente a empresa ou
entidade de pesquisa, ou o órgão divulgador, pode cometer o crime”. (Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru:
Edipro, 2010. p. 500).
56
Convém lembrar que, de acordo com o art. 21, da Resolução/TSE nº 23.549/2017, “os responsáveis pela publicação
da pesquisa não registrada ou em desacordo com as determinações legais, inclusive o veículo de comunicação
social, arcarão com as consequências da publicação, mesmo que estejam reproduzindo matéria veiculada em
outro órgão de imprensa”.
57
RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim. Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: RT, 2014. p. 224.
O art. 35-A, da LE, no que proibia a divulgação de pesquisas eleitorais por qualquer
meio de comunicação, a partir do décimo quinto dia anterior até as 18 (dezoito) horas do
dia do pleito, pelas razões assinaladas no item II supra, foi declarado inconstitucional
pelo plenário do Supremo Tribunal Federal na ADI 3.741-2/DF, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, por ofensa à garantia da liberdade de expressão e do direito à informação
livre e plural no Estado Democrático de Direito.
Daí que a difusão de pesquisa eleitoral pode ter lugar até mesmo no dia das
eleições. Os levantamentos de intenção de voto realizados no dia do pleito (vulgarmente
chamados de “pesquisas de boca de urna”), todavia, só podem ser divulgados após o
encerramento da votação na circunscrição respectiva.
58
RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim. Manual de direito eleitoral. São Paulo: RT, 2014. p. 225.
59
ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. As pesquisas de intenção de voto como problema. Revista de Informação
Legislativa, v. 41, nº 161, p. 87, jan./mar. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/934> Acesso
em: 22 jan. 2018.
60
RIBEIRO, Pedro José Floriano. Campanhas eleitorais em sociedades midiáticas: articulando e revisando conceitos.
Revista de Sociologia Política, Curitiba, nº 22, p. 25-43, jun. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/
n22/n22a04>. Acesso em: 22 jan. 2018.
A redação atual da referida norma foi dada pela Lei nº 7.476/86, mas a parte final
do dispositivo é contemporânea do próprio do Código Eleitoral. Assim, o TSE fixou
entendimento de que “deve ser cautelosa a leitura do art. 242 do CE e de sua reprodução
literal no art. 6º da Resolução nº 20.988 do TSE, quando guardar o dispositivo legal
alguma semelhança com o art. 2º da Lei de Segurança Nacional”.61
Com efeito, não se pode emprestar ao caput do (vetusto) art. 242 do Código
Eleitoral uma interpretação que desnature a liberdade de expressão, mormente a
partir da compreensão puramente gramatical de dispositivo legal que ostenta redação
defeituosa ou no mínimo dúbia, que, se aplicada a ferro e fogo, acaba por esvaziar a
própria utilidade das propagandas eleitorais, as quais têm por escopo precípuo criar
estados emocionais, mentais ou passionais favoráveis a determinadas candidaturas,
forradas por ideias mais ou menos atraentes.62
É dado à Justiça Eleitoral confiar no eleitor, que saberá fazer as suas análises,
para concordar ou não com o tom e a adequação da propaganda. De igual modo, a
informação propiciada pela pesquisa representa mais um critério a disposição do eleitor,
que dele fará uso se quiser.
Conforme pontuado por Antônio Lavareda, “o leitor não deve esquecer que as
pesquisas divulgadas são apenas um dos muitos fatores intervenientes na eleição” e
“têm a vantagem de serem positivas para a democracia, à medida que disponibilizam
para o cidadão comum informações que, sem elas, seriam privilégio, apenas, dos
partidos e dos candidatos”.63
Embora a influência das pesquisas sobre o resultado das eleições não seja,
segundo defende Caetano Ernesto Pereira de Araújo, necessariamente ilegítima,
passível de restrição legal, “pode ser considerada prejudicial ao processo democrático
quando as informações apresentadas são distorcidas no sentido de beneficiar algum
dos candidatos”.64
Nesse cenário – fraude e manipulação das pesquisas eleitorais –, vale sublinhar o
recente episódio envolvendo um empresário do ramo de informática que foi indiciado
pela Polícia Federal por divulgar pesquisa fraudulenta (art. 33, §4º, da Lei nº 9.504/97)
na Internet, durante a campanha ao governo do Estado do Espírito Santo, nas eleições
de 2014, tratando-se, pois, de um dos primeiros indiciamentos por compartilhamento
de fake news65 ocorrido no Brasil.
As falsas notícias ganharam destaque após serem apontadas como possível fonte
de influência no resultado das últimas eleições francesas e norte-americanas. Sobre o
61
Rp nº 587/DF, Rel. Min. Gerardo Grossi, PSESS de 21.10.2002.
62
Parte do voto por mim proferido no Rec-Rp nº 1211-77/DF, PSESS de 24.9.2014, de minha relatoria.
63
LAVAREDA, Antônio. Emoções ocultas e estratégias eleitorais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 71.
64
ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. As pesquisas de intenção de voto como problema. Revista de Informação
Legislativa, v. 41, nº 161, p. 89, jan./mar. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/934>.
Acesso em: 22 jan. 2018.
65
No particular, confira-se a visão de Carolina Pina: “Embora o acesso universal à informação e à opinião, graças
à Internet, devam ser bem-vindos, também fizeram com que os meios de comunicação passassem não apenas a
informar e opinar, mas com que qualquer pessoa possa dar publicidade a todo tipo de afirmações, verdadeiras
ou não. Daí surgem as fake news – notícias na forma, mas não no conteúdo”. (Amigos da verdade: os limites
jurídicos das fake news. Revista Uno, São Paulo, nº 27, p. 41, mar. 2017 Disponível em: <http://www.revista-uno.
com.br/wp-content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2018)
tema, José Antônio Llorente, no artigo intitulado A era da pós-verdade: realidade versus
percepção, aduz que:
Em 2016, post-truth foi nomeada a palavra do ano pelo Dicionário Oxford. Este acontecimento
não deve surpreender a muitos, tendo sido 2016 um ano cheio de surpresas polêmicas e
eventos inesperados. O panorama político e social dos próximos meses será marcado por
esta conjuntura da pós-verdade, na qual o objetivo e o racional perdem peso diante do
emocional ou da vontade de sustentar crenças, apesar dos fatos demonstrarem o contrário.66
O dano causado pelas fake news é inegável e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
preocupado com o assunto, criou, em 7.12.2017, o Conselho Consultivo sobre Internet e
Eleições (Portaria nº 949), formado por representantes da Justiça Eleitoral, do Governo
Federal, do Exército Brasileiro e da sociedade civil, com as seguintes atribuições:
desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da Internet
nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das
informações; opinar sobre as matérias que lhe sejam submetidas pela Presidência do
TSE; e propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas.
De se ver, pois, que, diante da relevância do instituto, do seu inegável impacto
nas sociedades democráticas, bem como dos crescentes desafios interdisciplinares
impostos pelas ferramentas tecnológicas que permeiam o universo das mídias sociais,
ainda pouco explorado e em constante expansão, faz-se necessário que legisladores
e operadores do Direito desenvolvam mecanismos que visem a extirpar do processo
eleitoral as informações divorciadas de critérios científicos e do compromisso com a
verdade.
66
LLORENTE, José Antônio. A era da pós-verdade: realidade versus percepção. Revista Uno, São Paulo, nº 27, p.
9, mar. 2017. Disponível em: <http://www.revista-uno.com.br/wp-content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.
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Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
DIREITO DE RESPOSTA
1.1 Introdução
Têm sido cada vez mais frequentes os conflitos entre o exercício pleno da
liberdade de manifestação do pensamento, em todos os seus âmbitos, com os direitos
da personalidade, o que aumentou o número de questões sobre o tema levadas ao
Poder Judiciário.
A liberdade de manifestação do pensamento é garantia típica dos Estados
Democráticos de Direito, contudo, apesar de ser plena e não estar sujeita à censura prévia,
como dispõe a Constituição Federal, não é absoluta. A livre manifestação do pensamento
é protegida pela legislação constitucional e por mecanismos de proteção aos direitos
humanos internacionais, mas, na mesma medida, o são os direitos da personalidade.
A Constituição Federal assegura àqueles ofendidos em sua honra, imagem, nome
e boa fama o direito de resposta e a indenização pelos danos por ventura sofridos, em
seu art. 5º, V. São estes, portanto, os instrumentos que socorrem os que sofreram com
os abusos na liberdade de manifestação do pensamento.
O objeto do presente artigo é o direito de resposta requerido em face de veículo
de comunicação, ou seja, a prerrogativa constitucional que garante aos ofendidos em
seus direitos da personalidade espaço para que exponham sua réplica ou apresentem
retificação.
Como bem entende a doutrina, muito embora seja uma restrição à liberdade
dos veículos de comunicação, “o direito de resposta e rectificação encontra uma forte
justificação no princípio liberal de que as lesões resultantes do discurso devem ser
combatidas, preferencialmente, através de mais discurso”,1 o que é consoante com a
democracia e a pluralidade de discursos.
1
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 694.
Até 2009, o direito de resposta era regulado pela Lei nº 5.250/67, chamada,
então, de Lei de Imprensa. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal declarou a não
recepção deste conjunto de normas pela Constituição Federal de 1988, por intermédio
da procedência da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº
130/DF. Disso decorreu verdadeiro vácuo legislativo quanto ao exercício desta garantia.
Para suprir esta lacuna legislativa, o Superior Tribunal de Justiça passou a aplicar,
analogicamente, o disposto no art. 58, da Lei nº 9.504/97, o que causou uma série de
transtornos de ordem prática, notadamente quanto à aplicação dos prazos decadenciais
lá dispostos.
Em 2015, entrou em vigor a Lei nº 13.188/2015, que encontra semelhanças com
a primeira legislação sobre o tema, datada de 1923,2 que pretendeu regulamentar o
exercício desta garantia após mais de cinco anos do julgamento do Supremo Tribunal
Federal na ADPF 130/DF.
No presente artigo, objetiva-se especialmente analisar as disposições da Lei nº
13.188/2015, seus acertos e seus pontos sensíveis na prática junto ao Poder Judiciário,
exatamente para que, mediante a construção de ideias e da ampliação do debate, seja
possível um aperfeiçoamento de um conjunto de normas que deixa a desejar.
2
MIRANDA, Darcy Arruda de. Dos abusos da liberdade de imprensa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1959. p. 409.
3
De acordo com Nicole Mäder, “A liberdade de expressão é o ‘ponto de partida’ para qualquer proposta de
democracia que pretende aprofundar e aplicar o debate na esfera pública. Sem liberdade de expressão não há
diálogo público e inviabiliza-se a formação de uma opinião pública. Ademais, a liberdade de expressão é o direito
fundamental que possibilita o exercício da soberania popular e pelo qual se concretizam as virtudes republicanas,
uma vez que torna os cidadãos capazes de escolher, fiscalizar, contestar e exigir o devido exercício dos Poderes
Públicos” (MÄDER, Nicole P. S. Gonçalves. Liberdade de Expressão e Estado Democrático de Direito. In CLÈVE,
Clèmerson Merlin (org.). Direito Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014. p. 392).
4
SARMENTO, Daniel. Liberdade de expressão, pluralismo e o papel promocional do Estado. Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, nº 16 – maio/junho/julho/agosto de 2007. p. 20.
5
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 487.
Desse modo, sendo intrínseca a relação entre democracia e liberdade de expressão, foi
somente a partir do processo de redemocratização do país que este direito assumiu
espaço de destaque e de efetiva proteção.
Assegura a Constituição, especialmente em seu art. 5º, um conjunto de liberdades
comunicativas, as quais podem ser reunidas na categoria liberdade de expressão.6 Prevê
o art. 5º, IV, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”
e, em seguida, em seu inciso IX, dispõe: “é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Ao fazê-lo, a Constituição Federal se compromete com uma absoluta vedação de
qualquer espécie de censura prévia à manifestação do pensamento – inclusive ao direito
de informar, exercido por veículos de comunicação –, disposição repetida em seu art.
220, nos seguintes termos: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição”.
A devida proteção à liberdade comunicativa, nos moldes definidos constitucio-
nalmente, requer interpretação alargada do objeto de tutela. Nesse sentido, o âmbito de
proteção deverá abranger “tanto manifestação de opiniões, quanto de ideias, pontos de
vista, convicções, críticas, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto e mesmo
proposições a respeito de fatos”.7
Ainda, o direito à liberdade de expressão deve ser compreendido em seu
duplo sentido: coletivo e individual. Na perspectiva transindividual o direito de livre
comunicação não se limita à garantia do sistema democrático, mas abrange igualmente
o funcionamento dos sistemas de natureza cultural, religiosa e científica.8
Na dimensão individual, garante-se ao cidadão a livre expressão de seu pensa-
mento, diante do que aludido direito revela-se como forma de exteriorização da
personalidade humana.9 A partir da compreensão dos diferentes sentidos desta garantia,
é possível aprioristicamente concluir que toda manifestação, contanto que não violenta,
está respaldada pela liberdade de expressão.
Com o julgamento da ADPF 130 pelo Supremo Tribunal Federal, do qual resultou
a declaração de não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal, entende-se
que a liberdade de expressão assume uma posição preferencial (preferred position) quando
6
Na mesma linha de Jónatas Machado, aborda-se neste estudo o direito de expressão como direito mãe, isto é,
como categoria que centraliza os diversos direitos fundamentais da comunicação – a exemplo dos direitos
de informação, de imprensa, de radiodifusão. (MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões
constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 9-11). José Afonso da Silva,
por sua vez, utiliza a expressão liberdade de comunicação, que, nas suas palavras, “consiste num conjunto de
direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e
difusão do pensamento e da informação” (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 823).
7
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 493.
8
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 374.
9
Regina Vera Villas Bôas e Francis Ted Fernandes indicam que um dos fundamentos do direito de liberdade de
expressão é a garantia da personalidade e da dignidade humana, uma vez que a interação dos indivíduos requer a
livre manifestação do pensamento (VILLAS BÔAS, Regina Vera; FERNANDES, Francis Ted O direito fundamental
à liberdade de expressão em face do direito fundamental à intimidade: Prática da ponderação de princípios,
realizando a dignidade da condição humana. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin. (Org.). Doutrinas Essenciais – Direito
Constitucional: direitos e garantias fundamentais. São Paulo Revista dos Tribunais, 2015, v. 8. p. 1.040).
10
Consignou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
nº 130-7/DF: “A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima
de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que
se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida
privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às
segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma
de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou
consequência do pleno gozo das primeiras” (STF – ADPF 130-7/DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009,
p. 46).
11
KOATZ, Rafael Lorenzo-Fernandez. As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF. In:
SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (org). Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e
Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 401-402.
12
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 496.
13
O art. 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – em vigência no Brasil desde 1992 – prevê que o
direito de liberdade de expressão “poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente
previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais
pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas”.
14
De acordo com Edilsom Farias, “A Constituição Federal, coerente com o postulado segundo o qual a ordenação
jurídica democrática não reconhece valor absoluto a qualquer direito ou liberdade, sujeita a liberdade de
expressão e comunicação (...) a vários tipos de restrições, a despeito de seu inestimável valor para o indivíduo
(preservação da dignidade e das habilidades intelectuais da pessoa humana) e para a sociedade (formação da
opinião e da discussão pública no regime democrático), apesar de sua imunidade a toda e qualquer censura de
natureza política, ideológica e artística” (FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação – Teoria e proteção
constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 241-242).
15
STF – Rcl 22027 – Rel. Min. DIAS TOFFOLI – J. – 01/10/2015.
16
O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de não estarem os veículos de comunicação
sujeitos a um regime de responsabilidade civil objetiva, de modo que para a caracterização de seu dever de
indenizar, é indispensável a demonstração do elemento subjetivo: “Para enfrentar esse problema, deve-se ter em
mente aquele que talvez seja o requisito mais importante para aferir a responsabilidade do veículo de imprensa,
qual seja, a culpa. De fato, os veículos de imprensa e comunicação sujeitam-se a um regime de responsabilidade
subjetiva, não havendo que se falar aqui de responsabilidade por risco. Consequentemente, não basta a
divulgação de informação falsa, exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou poderia conhecer a
inveracidade da informação propalada. (...) Na verdade, estamos já analisando um tema que é fundamental para
delimitar a responsabilidade da imprensa, mormente agora, que a Lei de Imprensa, de 1967, foi declarada não
recepcionada pela Constituição de 1988. Mas isto também, como bem posto, deve se guiar pelo princípio, pela
teoria da responsabilidade, e, no caso, a responsabilidade da imprensa é subjetiva, não pode ser considerada uma
responsabilidade objetiva, uma responsabilidade de risco, sob pena de inviabilizar esse importante segmento da
sociedade, que é a imprensa” (STJ – REsp 984.803 – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. 26.05.2009).
17
Em seguida, procura esclarecer, sem considerável sucesso, o caput em seu §1º: “Para os efeitos desta Lei, considera-se
matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social, independentemente
do meio ou da plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que
por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem
de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação”.
18
PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 56.
19
PEREIRA, Guilherme Döring Cunha, op. cit., p. 236.
20
STF – ADPF 130-7/DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009.
Havendo interesse público, com a ressalva de que seu âmbito é amplo e inclui
questões que possam ser entendidas como “prosaicas”, como destacado, há a legitimidade
21
Ainda: “Essencial reconhecer, pois, em face do que se vem de expor, que a liberdade de imprensa, qualificada
por sua natureza essencialmente constitucional, assegura aos profissionais de comunicação social o direito de
buscar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, inclusive digitais, ressalvada, no
entanto, a possibilidade de intervenção judicial – necessariamente a posteriori – nos casos em que se registrar
prática abusiva dessa prerrogativa de ordem jurídica, resguardado, sempre, o sigilo da fonte quando, a critério
do próprio jornalista, este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional (Inq 870/RJ, Rel. Min. Celso de
Mello). (...) A exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática
concreta do direito de informação jornalística, descaracterizam o ‘animus injuriandi vel diffamandi’, legitimando,
assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de imprensa (...)” (STF – Rcl 21504 – Rel.
Min. Celso de Mello – J. 17.11.2015).
22
STJ – REsp 680794 – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – J. 17/06/2010. No mesmo sentido, entendeu o Superior
Tribunal de Justiça em outro caso paradigma: “A jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça firmou-se
no sentido de que não se configura o dano moral quando a matéria jornalística limita-se a tecer críticas prudentes –
animus criticandi – ou a narrar fatos de interesse público – animus narrandi. Há, nesses casos, exercício regular do direito
de informação. (...)” (STJ – AgRg no Ag 1205445/RJ – Rel. Min. Raul Araújo – J. 06/12/2011).
23
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 566-567.
24
STF – ADPF 130 – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009. No mesmo sentido: “AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. REPARAÇÃO EM
DANOS MORAIS. ALEGADO EXCESSO NO DIREITO DE CRÍTICA JORNALÍSTICA. NÃO OCORRÊNCIA.
VERACIDADE DE INFORMAÇÕES VEICULADAS. LIBERDADE DE CRÍTICA. AGRAVO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. 1. A crítica jornalística, ainda que elaborada em tom mordaz ou irônico, não transborda dos
limites constitucionais da liberdade de imprensa. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF – RE
652330 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. 18.08.2014).
25
Como destaca Guilherme Döring Cunha Pereira, “É cada vez mais comum encontrar entre juristas a afirmação
de que as opiniões, as ideias e sobretudo a crítica valorativa propriamente dita não são suscetíveis de análise
em termos de verdade ou falsidade, de erro ou acerto; e isso de forma absoluta, isto é, não apenas sob o aspecto
jurídico. Ou seja, a razão pela qual não teria sentido discutir em juízo a veracidade de uma doutrina estaria em
que doutrinas são produções eminentemente subjetivas, não passíveis de aferição. (...) O acerto da regra que
exclui da discussão em juízo o tema da veracidade de ideias e críticas repousa não na crença discutível de que
ideias e críticas não são suscetíveis de veracidade ou falsidade, mas no fato elementar e mais imediatos de que o
processo judicial não é o âmbito adequado para discussões de cunho filosófico, sociológico, político ou científico,
ou para juízos morais cabais, do gênero ‘fulano de tal é mau’” (PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e
responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 56/60).
26
“A crítica jornalística traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que
exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito
de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias,
exercentes, ou não, de cargos oficiais (...) – A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas,
por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas
que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade. – Não induz responsabilidade civil a publicação de
matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões
em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas
ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a
liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender”.
(STF – AgRg em AI 705630 – Rel. Min. Celso de Mello – J. 22/03/2011)
27
. Nesse sentido, dispõe Jónatas Machado que “A denúncia pública da prepotência, do preconceito, da corrupção,
do clientelismo, da incompetência e das demais patologias do sistema político é praticamente impossível sem
que daí resultem danos colaterais em matéria de bom nome e reputação. Num contexto de desacordo acentuado,
de que é exemplo a discussão política, os argumentos surgem frequentemente envoltos em exagero, distorções e
outras formas de comunicação próximas das fronteiras da linguagem. Ora, os cidadãos em geral e os jornalistas
em particular devem poder debater abertamente as questões de interesse público, sem qualquer receio de serem
acionados judicialmente, devendo evitar-se aqui o persistente perigo da autocensura. Isto, independentemente
do choque, da amargura, do trauma ou distúrbio emocional que daí possam resultar. A crítica pública deve ser
um direito e não um risco” (MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2002,
p. 805-806).
28
Ainda, afirma o autor que: “Sendo a função da imprensa relatar sempre a verdade, em atinência ao interesse
público, mesmo vergastando a conduta pública dos cidadãos, mediante discussão ou crítica severa, permitido
não é – diz a lei – que se lhe cerceie êsse direito, quer ela diga respeito aos governantes como aos magistrados,
em relação aos atos por êles praticados. (...) A censura pública é apanágio dos povos livres, das nações evoluídas,
daquelas que não se encabrestam ao carro do despotismo ou da violência. A discussão e a crítica são as válvulas
de segurança que garantem a normalidade da vida democrática. (...) No que concerne pròpriamente à liberdade
de imprensa, qualquer cerceamento do direito de livre crítica que se lhe oponha, constituirá sempre uma violação
do princípio constitucional de livre manifestação do pensamento, além de grave ameaça à consciência popular
(MIRANDA, Darcy de Arruda. Dos abusos da liberdade de imprensa. São Paulo: RT, 1959. p. 365-367).
29
Ainda: “Há dados da vida pessoal do gestor público que, aparentemente reservados, concernentes a sua vida
privada e por vezes familiar, podem bem interessar ao conhecimento público, pela relevância ao julgamento da
aptidão para a função pública de que investido ou de que pretende investir.”. (GODOY, Claudio Luiz Bueno de.
A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001. p. 80/81.)
30
BIANCHI, Enrique T. El derecho a la libre expresíon. La Plata: Libreria Editora Platense, 2009. p. 32 – Tradução livre.
31
De acordo com Edilsom Farias, três são as condições necessárias para o exercício do direito de resposta: que a
informação divulgada seja inverídica ou errônea, que se refira ao titular do direito de resposta e que contenha uma
acusação ou ofensa a este (FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação – Teoria e proteção constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 232).
32
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 500.
33
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 694.
34
MACHADO, Jónatas, op. cit., p. 695.
35
MACHADO, Jónatas, op. cit., p. 695.
36
Esta circunstância foi abordada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao indeferir pedido de direito de
resposta exatamente em razão do decurso do tempo desde a ofensa que o ensejou: “Contudo, no presente caso,
fazendo-se uma ponderação de valores, conclui-se que descabe o direito de resposta, pois a melhor justiça se
perfaz com a pacificação definitiva do conflito de interesses, o que passa também pelo não renascimento das
mágoas e aborrecimentos emocionais dos envolvidos quando o tempo já se encarregou de sepultar tais sentimentos
negativos” (TJRJ – Apelação 15.057/2007 – Rel. Des. Cristina Tereza Gaulia – J. 13/04/2010).
37
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 501.
38
MACHADO, Jónatas. Liberdade de expressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 695.
39
MACHADO, Jónatas, op. cit., p. 699.
40
Consoante afirmam Sarlet, Marinoni e Mitidiero, a proporcionalidade não se estabelece apenas em relação ao
agravo, mas também deve ser aferida no plano das consequências do exercício do direito de resposta, pois, a
depender do caso, poderá tal direito gerar o tolhimento da liberdade de expressão se os encargos impostos pelo
exercício da resposta forem também desproporcionais” (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme;
MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 501).
41
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 699.
42
MACHADO, Jónatas, op. cit., p. 699. Destaca-se, ainda, o exposto por Rodrigo Xavier Leonardo: “Esse modelo
também propicia resoluções alternativas que, muitas vezes, podem ser mais interessantes à pessoa que se sente
prejudicada pela notícia ou informação. Acordos extrajudiciais acerca de retificações voluntárias e entrevistas
para elucidação dos fatos, entre outras providências, privilegiam a informação em detrimento da contraposição
maniqueísta entre o texto e a resposta ao texto. A resposta coativamente veiculada nos meios de comunicação,
ainda, pode gerar nos destinatários dúvidas ainda maiores acerca da notícia original. Em inúmeras circunstâncias,
o direito de resposta é incapaz de extirpar, por si, a dúvida do público em geral. Noutras tantas, pode aumentá-la.
A antessala extrajudicial, portanto, permite que se encontrem vias de resolução mais adequadas para os casos de
exercício indevido das liberdades de comunicação.” (LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de
resposta a quem não tem o que responder? Conjur, São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.
com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez.
2017.).
43
Restaram vencidos, em parte, a Ministra Ellen Gracie, o Ministro Gilmar Mendes e o Ministro Joaquim Barbosa,
que a julgavam parcialmente procedente, e o Ministro Marco Aurélio, que a julgava improcedente.
44
Ainda: “São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição,
seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada
técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de “interpretação conforme a Constituição”.
A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do
diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria.
Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite
de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador
do Direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos
da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se
muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada.
Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno
de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para
operar em bloco ou como um todo pro indiviso” (STF – ADPF 130 – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009).
45
STF – ADPF 130 – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – J. 06.04.2009.
veículos de comunicação e àqueles que até então pleiteavam seu exercício. Além disso,
segundo o jurista,
46
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder? Conjur,
São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.
47
Em julgado paradigma, o Superior Tribunal de Justiça firmou este entendimento: “Lei de Imprensa. Não-recepção.
Sobrevivência do direito de resposta. Precedente do STF. Direito à publicação de sentença. Distinção. Ausência
de dispositivo legal que, após a não-recepção da Lei de Imprensa, ampare essa pretensão. Recurso especial
improvido. (...) O direito constitucional de resposta, antes previsto na Lei de Imprensa, continua passível de
proteção jurídica, contudo não mais nos termos em que era previsto na lei não-recepcionada. Para amparar tal
direito, os Tribunais deverão se valer da regra da analogia, invocando o art. 14 do Pacto de San José da Costa
Rica e o art. 58 da Lei 9.504/97” (STJ – Resp 885248 – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. 15.12.2009).
48
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder? Conjur,
São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.
Há fortes objeções, de conteúdo processual e de direito material, que permitem sustentar que
a nova Lei de direito de resposta está eivada de inconstitucionalidades e de irrazoabilidades
nefastas à liberdade de expressão. Em primeiro lugar, há uma indesculpável fratura entre
a extensão do direito de resposta na Constituição Federal e na Lei 13.188/2015. Ao passo
que a Constituição Federal garante o direito de resposta ou retificação “proporcional
ao agravo”, a nova Lei pretende que a resposta tenha a mesma dimensão e duração da
“matéria que a ensejou” (artigo 4º da Lei 13.188/2015). (...) Cabe evidenciar que, se existe
o direito de obter resposta conforme a Constituição, também existe a imunidade de não
se submeter à pretensão de resposta para além do que determina a Constituição. Isso
tem grande relevância considerando o fato de o binômio direito de resposta e o dever
de divulgação de resposta, em geral, ocorrer entre particulares. A intervenção em direito
privado, nesse caso, tem limites traçados pelo constituinte que não poderiam ter sido
cambulhados pela legislação infraconstitucional.49
49
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder? Conjur,
São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.
ou ao próprio veículo de comunicação, ou mesmo por não ter qualquer relação com o
que a ensejou.
O art. 8º, da Lei nº 13.188/2015, compartilha deste entendimento, ao dispor que
“não será admitida a divulgação, publicação ou transmissão de resposta ou retificação
que não tenha relação com as informações contidas na matéria a que pretende responder
nem se enquadre no §1º do art. 2º desta Lei”.
Não se admitirá, portanto, resposta que ofenda, que não esclareça e não retifique.
Da mesma forma, não se admitirá a concessão de direito de resposta quando não houver
qualquer ofensa, o que, naturalmente, caracterizaria excesso no exercício desta garantia,
como já se tratou.
Enfim, inexistindo atendimento ao pedido de direito de resposta extrajudicial – e
apenas então –, surgirá o interesse de agir do pretenso ofendido de procurar sua concessão
por intermédio do Poder Judiciário.
Aqui se observa outra grave omissão da Lei nº 13.188/2015. Apesar de se prescrever
o prazo de 60 (sessenta) dias para a apresentação do pedido extrajudicial, o conjunto de
normas deixa de fazer o mesmo para o momento seguinte, ou seja, para o ajuizamento
de demanda junto ao Poder Judiciário. Esta situação cria evidente insegurança jurídica
aos veículos de comunicação, pois permitem, em tese, pedidos de direito de resposta
judiciais após o decurso do prazo do art. 3º, da Lei nº 13.188/2015, desde que tenha
havido requerimento extrajudicial anteriormente, o que não parece adequado e fere o
princípio da imediaticidade que rege a matéria.
O ajuizamento de demanda judicial requerendo a concessão de direito de resposta
requer a observância do procedimento especial previsto na Lei nº 13.188/2015, a qual
tramitará no foro da residência do autor ou onde o conteúdo objeto do pedido tenha
tido maior repercussão, o que poderá ser de difícil prova.
A petição inicial deverá ser instruída com cópia do conteúdo que ensejou o
pedido, do pedido formulado extrajudicialmente, do comprovante de sua apresentação
conforme o art. 3º, da Lei nº 13.188/2015, e da resposta que se pretende divulgar, sob
pena de inépcia.
É discutível se a ausência de algum dos documentos indispensáveis, estabelecidos
no art. 5º, §2º, da Lei nº 13.188/2015, ensejaria dever ao magistrado de intimação do
interessado para emenda à inicial. Entende-se que não há este dever e que a inépcia é
imediata, na medida em que o dispositivo legal expressamente consigna “sob pena de
inépcia da inicial”.
Ajuizada a ação, a lei prevê prazo de 24 (vinte e quatro) horas para que o magistrado
(i) mande citar o réu para, também em 24 (vinte e quatro) horas, que esclareça o motivo
para não atendimento do pedido extrajudicial e (ii) ofereça contestação no prazo de 3
(três) dias.
A disposição de dois prazos diversos para manifestação do veículo de comunicação
causa mais transtornos do que benefícios. A justificativa para ela é a previsão da
possibilidade de o magistrado, também no prazo de 24 (vinte e quatro) horas determinar a
concessão do direito de resposta requerido em caráter liminar (art. 7º, Lei nº 13.188/2015),
sob pena de multa diária (art. 7º, §3º, Lei nº 13.188/2015):
Art. 7º. O juiz, nas 24 (vinte e quatro) horas seguintes à citação, tenha ou não se manifestado
o responsável pelo veículo de comunicação, conhecerá do pedido e, havendo prova capaz
de convencer sobre a verossimilhança da alegação ou justificado receio de ineficácia do
provimento final, fixará desde logo as condições e a data para a veiculação, em prazo não
superior a 10 (dez) dias, da resposta ou retificação.
Em primeiro lugar é evidente que o prazo de 24 horas para uma defesa preliminar do
direito de resposta é demasiadamente exíguo. Em segundo lugar, qual é o sentido de
limitar o prazo de defesa exauriente em três dias se a eventual providência de resposta
poderá ser publicada em até dez dias? Não seria mais adequado estabelecer um prazo
único para a contestação, similar ao curto prazo para defesa em cautelares (cinco dias),
para daí então sobrevir decisão da tutela de urgência de resposta? O prazo de 24 horas,
nesse caso, faz identificar o réu ao sucumbente! É como se quem pediu a resposta (e teve
60 dias para formulá-la) esteja presumivelmente certo e quem deve divulgar a resposta,
defendendo-se em vinte e quatro horas, esteja sempre, irremediavelmente, sob uma
presunção de ilicitude.50
50
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder? Conjur,
São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.
de Tribunal a que seja submetido recurso interposto sob o rito da Lei nº 13.188/15,
permitindo e preservando tal prerrogativa ao magistrado integrante do Tribunal
respectivo, em decisão monocrática”.51
Sua ratio decidendi é no sentido de que a exigência de decisão colegiada para
suspensão dos efeitos de determinação do juízo de piso quanto à concessão de direito de
resposta significaria “subverter a lógica hierárquica estabelecida pela Constituição, pois
é o mesmo que atribuir ao juízo de primeira instância mais poderes que ao magistrado
de segundo grau de jurisdição”, o que seria impossível pela via infraconstitucional.
A decisão permanece eficaz, não tendo havido julgamento colegiado, pelo
STF, do pedido da ADI. Já houve, contudo, parecer por sua procedência por parte da
Procuradoria-Geral da República, por entender o órgão que “exigência de colegiado
para suspender decisão de primeira instância que concede, em caráter liminar, direito
de resposta afronta direito à ampla defesa e o princípio do devido processo legal”.52
A interpretação vigente do art. 10, da Lei nº 13.188/2015, conforme a Constituição
Federal, é, portanto, no sentido de se suspender a decisão que determinar a publicação
de direito de resposta em caráter liminar por intermédio de decisão monocrática,
dispensando-se manifestação do colegiado.
Havendo o deferimento ou não do direito de resposta em sede liminar, deverá
ser proferida sentença no prazo de 30 (trinta) dias contados do ajuizamento da petição
inicial, o que é impraticável, considerando o volume de demandas sob análise do Poder
Judiciário.
Por tratar-se de prazo impróprio, na prática, a disposição do art. 9º, da Lei nº
13.188/2015, tem sido sumariamente ignorada pelo Poder Judiciário, não por falta de
boa vontade dos magistrados, mas, sim, por absoluta incompatibilidade com a realidade
da magistratura e o excesso de trabalho que a acomete.
Para além de questões procedimentais, a Lei nº 13.188/2015 contém falhas também
no que diz respeito ao direito material, na medida em que deixa de prever hipóteses
claras de cabimento do direito de resposta, dispondo apenas de forma genérica nos
seguintes termos:
Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia
divulgada por veículo de comunicação social, independentemente do meio ou da plataforma
de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por
equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a
marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação.
51
STF – ADI 5415 – Rel. Min. Dias Toffoli – J. 17.12.2015.
52
Parecer proferido pela Procuradoria-Geral da República – STF – ADI 5415 – Rel. Dr. Rodrigo Janot Monteiro de
Barros – J. 04.07.2017.
53
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder? Conjur,
São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-lei-131882015-
direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.
Referências
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Tribunais, 2004.
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KOATZ, Rafael Lorenzo-Fernandez. As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do STF.
In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (org). Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal:
Balanço e Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Lei 13.188/2015 dá direito de resposta a quem não tem o que responder?
Conjur, São Paulo, 16 nov. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-16/direito-civil-atual-
lei-131882015-direito-resposta-quem-nao-responder>. Acesso em: 15 dez. 2017.
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002.
MÄDER, Nicole P. S. Gonçalves. Liberdade de Expressão e Estado Democrático de Direito. In CLÈVE,
Clèmerson Merlin (org.). Direito Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
MIRANDA, Darcy Arruda de. Dos abusos da liberdade de imprensa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1959.
PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016.
SARMENTO, Daniel. Liberdade de expressão, pluralismo e o papel promocional do Estado. Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, nº 16 – maio/junho/julho/agosto de 2007.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006
VILLAS BÔAS, Regina Vera; FERNANDES, Francis Ted. O direito fundamental à liberdade de expressão em
face do direito fundamental à intimidade: Prática da ponderação de princípios, realizando a dignidade da
condição humana. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin. (Org.). Doutrinas Essenciais – Direito Constitucional: direitos
e garantias fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, v. 8, p. 1029-1056.
54
Parecer proferido pela Procuradoria-Geral da República – STF – ADI 5415 – Rel. Dr. Rodrigo Janot Monteiro de
Barros – J. 04.07.2017.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
GOLOMBIEWSKI, Amanda Perli; COPI, Lygia Maria. Direito de resposta e liberdade de imprensa:
os (muitos) erros e (poucos) acertos da Lei nº 13.188/2015. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 365-385. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por
dano material, moral ou à imagem;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Luís Roberto Barroso expõe que “ao lado do direito à vida e à integridade
física, a liberdade é considerada um dos valores essenciais para a existência humana
digna. Como uma reação eloquente à prática histórica de censura política, ideológica
e artística no país, o constituinte dedicou especial ênfase à liberdade de expressão – aí
compreendidas a liberdade de manifestação do pensamento e de criação – e ao direito
à informação, consagrando-os em diversos dispositivos, e protegendo-os, inclusive, de
qualquer proposta de emenda tendente a aboli-los (art. 60, §4º, CF)”.1
Nas palavras de Walber de Moura Agra, “o direito à liberdade de pensamento e
a sua expressão pressupõe o direito à informação – sem ela esses direitos não podem
se configurar de forma plena. (...) O direito à informação é requisito inalienável para o
direito de pensamento e sua expressão”.2
Os direitos constitucionais à liberdade, à livre manifestação do pensamento e à
informação devem ser sopesados com a garantia também constitucional à honra e à
imagem. Consagra-se, a partir do regramento constitucional, o binômio liberdade com
responsabilidade, vedado o anonimato, de forma a assegurar ao eventual ofendido o
necessário desagravo.
João Paulo Capelotti ensina que “a intenção do constituinte de refrear o exercício
das liberdades comunicativas parece evidente: é livre a manifestação do pensamento,
mas é assegurado o direito de resposta e a indenização por eventuais danos decorrentes
dessa manifestação; a expressão é livre, assim como o é o acesso à informação, mas são
protegidas intimidade, vida privada, honra e imagem”.3
Em outras palavras, assim como os direitos da personalidade, da liberdade de
expressão e de manifestação de pensamento, o direito de resposta também é uma garantia
constitucional, prevista no art. 5º, inciso V, que assegura seu exercício proporcional ao
agravo, sem prejuízo da indenização do dano material, moral e à imagem. Zilio expõe
que “protege-se a honra e a imagem do ofendido sempre que houver excesso por
parte do ofensor no exercício da liberdade de manifestação do pensamento ou, ainda,
incorreção ou desvirtuamento de fatos divulgados”.4
Karpstein e Knoerr ensinam que:
O fundamento do direito de resposta é múltiplo; em primeiro lugar, enquanto reação ao
exercício abusivo da liberdade de expressão, o direito de resposta condicionaa frente a
todos os demais direitos fundamentais, dando concretude à harmonia da tutela desses
direitos. (...) A garantia do direito à informação passa a ser instrumento de defesa dos
direitos fundamentais, proporcionando a superação da situação indefesa daquele que se
vê afrontado pelos modernos meios de comunicação. Como reiteradamente demonstrado,
o direito de resposta pode ser exercido sempre que o direito de manifestação for manejado
de forma abusiva, transgredindo outros direitos fundamentais, tais como o direito à honra,
à tutela da intimidade, ao nome.5
1
BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2001, p. 250.
2
AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2002, p. 160.
3
CAPELOTTI, João Paulo. Tese de Doutorado apresentada perante o Programa de Pós Graduação em Direito, da
Faculdade de Direito, Setor de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Paraná a Universidade Federal do
Paraná, tendo como título Ridendo Castigat Mores: Tutelas Reparatórias e Inibitórias de Manifestações Humorísticas
no Direito Civil Brasileiro, orientada pelo Prof. Dr. Rodrigo Xavier Leonardo. Curitiba: 2016. Disponível em:
<http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/44433/R%20-%20T%20-%20JOAO%20PAULO%20CAPELOTTI.
pdf?sequence=1&isAllowed=y >.
4
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 367.
5
KARPSTEIN, Carla Cristine. KNOERR, Fernando Gustavo. O direito de resposta na propaganda eleitoral. Revista
Brasileira de Direito Eleitoral (BRDE). Belo Horizonte, ano 1, nº 1, jul/dez. 2009. Disponível em: <http://www.tre-rs.
gov.br/arquivos/KARPSTEIN_Carla_Cristine.pdf>.
6
ABREU, Alessandro Balbi. O direito de resposta na esfera eleitoral sob a ótica da doutrina e da jurisprudência.
Artigo disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/
integra/2012/06/o-direito-de-resposta-na-esfera-eleitoral-sob-a-otica-da-doutrina-e-da-jurisprudencia/index41ff.
html?no_cache=1&cHash=e56d843fe058dbbcf148fdd8a14ee195>.
O pedido de direito de resposta, nos termos da lei eleitoral, é cabível a partir da escolha
de candidatos em convenção, ou seja, antes mesmo do início da propaganda eleitoral, e
finda com as eleições.
Como anteriormente a propaganda eleitoral podia ser realizada logo após a indicação
dos candidatos em convenção, assegurava-se o direito de resposta a partir da escolha
dos concorrentes ao pleito. Com início do período de propaganda eleitoral alguns dias
depois da indicação dos candidatos, aparentemente tal prazo pode ter perdido sentido.
No entanto, é justificável a regra legal, pois o direito de resposta é cabível não apenas
por ofensa de candidato durante a campanha eleitoral, mas também por terceiros e
meios de comunicação e antes do início da propaganda. Como o candidato escolhido
em convenção fica mais exposto e sujeito a fatos e informações ensejadores do direito de
resposta, justifica-se a medida a partir de sua indicação pelo partido, mesmo antes do
início de propaganda eleitoral.8
7
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 799.
8
RIBEIRO, Renato Ventura. Lei Eleitoral Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 363.
televisão terá início em 31 de agosto de 2018 (37 dias antes das eleições) e término no
dia 4 de outubro de 2018, tendo o período sido reduzido de 45 para 35 dias.9 Portanto,
já a partir do dia 20 de julho de 2018 – e desde que escolhido o candidato em convenção
partidária – surge a possibilidade de se pleitear perante a Justiça Eleitoral o direito de
resposta.
Estabelecido o termo inicial de cabimento do pedido de direito de resposta, cabe
a pergunta: quais são os fatos geradores do direito de resposta no âmbito específico
eleitoral?
A Lei das Eleições estabelece que “conceito, imagem ou afirmação caluniosa,
difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica”, ainda que de forma indireta, possibilita
o pedido de direito de resposta. Já o Código Eleitoral disciplina em seus artigos 324, 325
e 326, os conceitos de calúnia, injúria e difamação eleitorais, que podem ser adotados
para fins de pedido de direito de resposta:
Calúnia eleitoral.
Protege a lei, aqui, a chamada honra objetiva das pessoas, sejam ou não protagonistas
do processo eleitoral. Vale dizer, mesmo que o ofendido não esteja envolvido com as
eleições, sua hora está tutelada pela norma. Como a propaganda política em geral – e,
especificamente, a propaganda eleitoral – é elemento componente do tipo, é ela também,
de certo modo, instituto jurídico também protegido pelo crime sob comento. Assim, o
crime poderia ser classificado, tranquilamente, como Crime Contra a Honra Eleitoral, mas
na nossa classificação o indicamos como sendo Crime Contra a Propaganda Eleitoral. (...)
Difamação eleitoral.
O bem tutelado é a honra objetiva, especificamente a reputação da pessoa ofendida.
Em outras palavras, quem difama desfaz a ‘boa fama’ (que é a boa reputação ou o bom
conceito) que o indivíduo desfruta e detém frente ao agrupamento em que está socialmente
inserido. Tal como a calúnia eleitoral, este crime poderia, sem tropeços, ser classificado
como Crime Contra a Honra Eleitoral. Todavia, como o crime só ocorre ‘na propaganda
eleitoral’, ou se o agente visar ‘a fins da propaganda’, preferimos classifica-lo como sendo
Crime Contra a Propaganda Eleitoral. (...)
Injúria eleitoral.
A proteção da lei, neste crime, é, também, à honra em sentido amplo, como não poderia
deixar de ser, mas em sentido mais específico, o que a norma penal tutela é a chamada honra
subjetiva, ou seja, a dignidade pessoal e o decoro próprio que cada um de nós tem de si.10
9
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/
Dezembro/confira-as-principais-datas-do-calendario-eleitoral-das-eleicoes-gerais-de-2018>
10
CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 13. ed., revista, atualizada e ampliada. Bauru/SP: Edipro, 2008. p.
310-313.
(...) Mas esses conceitos – extraídos do Código Penal – não têm aplicação rígida na
esfera eleitoral. Dada a natureza de suas atividades, o código moral seguido pelo político
certamente não se identifica com o da pessoa comum em sua faina diuturna. Tanto é que
os direitos à privacidade, ao segredo e à intimidade sofrem acentuada redução em sua tela
protetiva. Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a
honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem
esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. Assim, não são de estranhar
assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e
questionamentos agudos. Tudo isso insere-se na dialética democrática.
O próprio homem público é disso responsável. Ao imergir na realidade do jogo político,
termina por alienar-se da moral comum. Assim é que, de olho exclusivamente em seus
interesses – ou nos do grupo de quem recebe apoio –, torna-se infiel à sua própria
história, curvando-se a um amontoado de demandas impróprias, por vezes inconfessáveis;
transfigura-se em palatável objeto de consumo; faz promessas, bem ciente de que jamais
irá cumpri-las; alia-se de bom grado a inimigos de outrora; coloca em prática ideias que
sempre combateu, olvidando-se dos motivos de sua vitória nas urnas.
Mas é preciso convir que, ante a crueza da realidade, nem sempre será possível ao político
seguir coerente com seu discurso de campanha ou mesmo pôr em prática seus ideais.
(...)
É óbvio, igualmente, que, em ambiente democrático, os contrastes aflorarão no debate
político-ideológico, sobretudo por ocasião da campanha política. Ademais, a crítica – ainda
que contundente – faz parte do discurso político, traduzindo a dialética própria do regime
democrático, assentado que é no enfrentamento de ideias.11
É preciso considerar, portanto, que a crítica faz parte do jogo político e eleitoral,
até mesmo a ácida, contundente, mordaz e potencialmente cruel. Zilio, com propriedade,
esclarece que:
Com efeito, a crítica – ainda que contundente – faz parte do debate eleitoral, e o direito
de resposta somente é cabível quando evidenciado atos que extrapolam o exercício da
mera crítica, atingindo a reputação ou a honra de um candidato, partido ou coligação e,
com isto, repercutindo diretamente no processo eleitoral.12
11
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 579-580.
12
ZILIO. Op. cit., p. 370.
3. O fato sabidamente inverídico a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de
concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve
ser perceptível de plano.
4. Improcedência do pedido. (TSE. Representação nº 143175, Acórdão, Relator(a) Min.
Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 02.10.2014)
13
ZILIO, Op. cit., p. 370.
14
KARPSTEIN, Knoerr. Op. cit., p. 19.
15
GOMES. Op. cit., p. 588.
16
KARPSTEIN, Knoerr. Op. cit., p. 22.
conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (R-Rp 2962-41, de 28.9.2010,
Rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010). Na mesma linha, a Rp 3681-23/
DF, rel. Min. Joelson Dias, publicada no mural em 28.10.2010.
7. No tocante à utilização do termo “denúncia”, penso ter havido interpretação equivocada
do seu sentido pelos ora Representantes, pois, no discurso, o significado se limitou a uma
informação sobre fato (escândalo da Petrobras) ligado ao nome da candidata Representante.
O emprego técnico do termo, como peça processual penal acusatória, deve ser afastado.
8. Destaco ter sido o episódio da Petrobras amplamente divulgado pela mídia. Isso é fato
público e notório, e não inverídico. Também não me parece ter havido ofensa à honra
ou imagem da candidata Representante, pois o representado apenas utilizou informação
divulgada em toda imprensa.
9. É o entendimento deste Tribunal Superior expressado no dia 23.9.2014 em caso que
guarda semelhança com o presente. Ao julgar as Rps 127.842, 128.449, 129.311 e 130.610,
todas da relatoria do Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, esta Corte entendeu, por
maioria (vencido o relator), que a propaganda eleitoral do candidato Aécio Neves com
explanação, inclusive com uso de fotos/imagens (o que não há no presente caso), de que
as candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva faziam parte do Governo Federal ao tempo
do chamado “Mensalão”, não dá ensejo ao direito de resposta.
10. Representação julgada improcedente.
(TSE, Representação nº 126713, Acórdão unânime, Relator(a) Min. Antonio Herman
Vasconcellos e Benjamin, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30.09.2014)
WILLIAM GALVÃO, PERSONAGEM: Pessoal, uma coisa que tenho prestado bastante
atenção nessa eleição é como o Aécio que governou Minas é diferente do que aparece na
TV pedindo voto pra presidente.
MAYRA CRISTINA, PERSONAGEM: É mesmo, William. Você sabia o que Aécio e seu
grupo são acusados de intimidar e perseguir jornalistas que denunciavam ou criticavam
o seu governo? Quer ver? Ouça só o depoimento da jornalista, ex-presidente do sindicato
dos jornalistas de Minas Gerais.
EX-PRESIDENTE DO SINDICATO DOS JORNALISTAS DE MINAS
GERAIS: Tudo que desagradava governo Aécio, era como o tempo da ditadura, era um
telefonema e repórter, o fotógrafo, o jornalista, em qualquer posto estava ameaçado de
perder o seu emprego porque contrariou os desejos do Palácio da Liberdade do Governo
de Minas dos tucanos.
[JINGLE]
ORADOR NÃO IDENTIFICADO: Os mineiros conhecem o Aécio melhor do que ninguém,
não é à toa que lá o Aécio perdeu de lavada para Dilma no primeiro turno.
o que é mais grave; não é adequado permitir que terceiros estranhos ao debate eleitoral
compareçam na propaganda para fazer acusações aos adversários, ou mesmo utilizar
matérias de imprensa para atacar o adversário. Concluíram, ao final, que a mudança
de paradigma decorrente daquele julgamento sinalizava para um novo modelo de
propaganda eleitoral, que deveria ser propositiva e programática, com debate direto e
objetivo sobre as propostas de governo.
Esses são, portanto, os três precedentes abordados nesse artigo para dar um breve
panorama de como a Justiça Eleitoral tratou do tema ‘direito de resposta na propaganda
eleitoral’ nas eleições de 2014.
Do ponto de vista da realidade política da época, é preciso considerar, contudo,
que em 2014 havia escândalos de corrupção ainda em fase inicial de apuração e as
investigações da operação Lava Jato, por exemplo, ainda não haviam redundado em
condenações e apenas uma delação premiada havia sido homologada pelo Supremo
Tribunal Federal durante o pleito eleitoral.17 Os então candidatos exploravam as citações
dos nomes de outros candidatos e pessoas a ele ligadas nos processos investigatórios
(inquéritos), como um aceno de que aquele candidato não mereceria o voto do eleitor.
Tratava-se de manifestação de opinião e expressão sobre a valoração de determinada
situação em foco nos veículos de imprensa: o candidato que explorava os fatos públicos e
notórios envolvendo as investigações iniciais da operação Lava Jato manifestava opinião
crítica sobre o assunto, revelando o receio de que seu adversário, cujo nome havia
eventualmente sido mencionado, ainda que indiretamente (por interposta pessoa a ele
ligado), na apuração de determinados atos de potencial tipicidade penal, fosse eleito.
Nesse ano, entretanto, o cenário é diferente. Especificamente no que tange à
chamada Operação Lava Jato, várias delações premiadas foram homologadas, acordos de
leniência foram firmados, já existem condenados em primeiro e segundo graus, inclusive
réus que já estão em progressão de regime de penas. Foram apurados esquemas de
propina em diversas estatais e empresas que prestavam serviços ao Governo Federal e a
Governos Estaduais, nomes de diversos políticos (de todas as esferas do Poder Executivo
e do Poder Legislativo) foram mencionados em depoimentos de ex-funcionários da
estatal Petrobrás e de empresários, doações inoficiosas a campanhas eleitorais foram
reveladas, o cartel das empreiteiras foi desmantelado; há diversas ações penais em
curso, inclusive perante Supremo Tribunal Federal, envolvendo investigados e réus
com prerrogativa de foro; há ex-políticos condenados.
E agora? Em que medida esse novo cenário pode influenciar na propaganda
eleitoral das eleições de 2018, de forma a, eventualmente, desencadear o deferimento
do direito de resposta? Como vai atuar a Justiça Eleitoral quando a propaganda
eleitoral se desviar do caráter propositivo e programático e explorar os escândalos de
corrupção, sejam as investigações ou mesmo as condenações de candidatos ou pessoas
a eles vinculadas?
No sentir dessa autora, a propaganda eleitoral nas eleições de 2018 não será, como
nunca o foi, apenas propositiva, limitada ao debate de ideias e projetos de governo. Ao
Delação premiada de Paulo Roberto Costa, homologada pelo Min. Teori Zavascki em setembro de 2014, do
17
Supremo Tribunal Federal, em razão de ter citado em seus depoimentos o envolvimento de políticos com foro
privilegiado. A delação premiada de Alberto Youssef foi homologada apenas em dezembro de 2014. PACHECO,
Flávia. Operation Car Wash: understand the investigation that unveiled Brazil’s largest ever corruption scheme.
USA: Columbia, july. 2017.
2.3 Conclusão
Há três pilares vitais do jogo democrático: o respeito à soberania popular, a
igualdade de chances e a manifestação da liberdade de expressão e informação, garantias
de índole constitucional.
18
No sentido de ‘não convir para o bem maior’, o que também é notoriamente subjetivo, admite-se.
19
DAHL. Robert A. Sobre a democracia / Robert A. Dahl: tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade
de Brasília. 2001. 230 p
Referências
ABREU, Alessandro Balbi. O direito de resposta na esfera eleitoral sob a ótica da doutrina e da jurisprudência.
Artigo disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/
integra/2012/06/o-direito-de-resposta-na-esfera-eleitoral-sob-a-otica-da-doutrina-e-da-jurisprudencia/index41ff.
html?no_cache=1&cHash=e56d843fe058dbbcf148fdd8a14ee195>.
AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2002.
BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/
Dezembro/confira-as-principais-datas-do-calendario-eleitoral-das-eleicoes-gerais-de-2018>
BRASIL. TSE, Representação nº 165865, Acórdão por maioria, Relator Min. Admar Gonzaga Neto, PSESS –
Publicado em Sessão, Data 16.10.2014.
BRASIL. TSE, Representação nº 145688, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS
– Publicado em Sessão, Data 03.10.2014
BRASIL. TSE, Representação nº 126713, Acórdão unânime, Relator(a) Min. Antonio Herman Vasconcellos e
Benjamin, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30.09.2014
BRASIL. TSE. Representação nº 143175, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS
– Publicado em Sessão, Data 02.10.2014
CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 13. ed., revista, atualizada e ampliada. Bauru/SP: Edipro, 2008.
CAPELOTTI, João Paulo. Tese de Doutorado apresentada perante o Programa de Pós Graduação em Direito, da
Faculdade de Direito, Setor de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Paraná a Universidade Federal
do Paraná, tendo como título Ridendo Castigat Mores: Tutelas Reparatórias e Inibitórias de Manifestações
Humorísticas no Direito Civil Brasileiro, Orientada pelo Prof. Dr. Rodrigo Xavier Leonardo. Curitiba: 2016.
Disponível em: <http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/44433/R%20-%20T%20-%20JOAO%20
PAULO%20CAPELOTTI.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.
DAHL. Robert A Sobre a democracia / Robert A. Dahl: tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade
de Brasília. 2001.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
KARPSTEIN, Carla Cristine; KNOERR, Fernando Gustavo. O direito de resposta na propaganda eleitoral.
Revista Brasileira de Direito Eleitoral (BRDE). Belo Horizonte, ano 1, nº 1, jul/dez. 2009. Artigo disponível em:
<http://www.tre-rs.gov.br/arquivos/KARPSTEIN_Carla_Cristine.pdf>
PACHECO, Flávia. Operation Car Wash: understand the investigation that unveiled Brazil’s largest ever
corruption scheme. USA: Columbia, july, 2017.
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
RIBEIRO, Renato Ventura. Lei Eleitoral Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
MELO, Andrea Sabbaga de. Liberdade de crítica pessoal e direito à informação na propaganda eleitoral
e o direito de resposta: precedentes jurisprudenciais das eleições presidenciais de 2014 e perspectivas
para as eleições de 2018. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 387-402.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
GUILHERME BARCELOS
3.1 Introdução
O artigo destina-se a perquirir o significado e a disciplina legal de um instituto já
recorrente no universo do Direito Eleitoral, especialmente no que tange a propaganda
eleitoral, qual seja o fato sabidamente inverídico.
Sabidamente inverídico é um fato notoriamente mentiroso. Como afirma o
professor de Harvard Robert Darnton, as notícias falsas são relatadas pelo menos desde
a Idade Antiga (século VI, especificamente). Em tempos de relativismo crescente e de
verdade fluída (ou pós-verdade), contudo, verificar este fato não é tarefa das mais simples.
Assim sendo, o texto procurará perquirir como a doutrina eleitoralista majoritária tem
enfrentado o tema, mas, mais do que isso, como a jurisprudência assim o tem enfrentado.
De mais a mais, o texto destinará espaço importante à abordagem crítica (descritiva, mas
também prescritiva) de um fenômeno conhecido de todos nós, sobretudo nestes tempos
hodiernos, qual seja o fenômeno das chamadas fake news.
O tema é atual e controverso e, portanto, demasiado relevante. E basta, para tanto,
verificar as recentes manifestações de vários Ministros do TSE, no sentido de externar
preocupações diversas acerca do controle das chamadas fake news no processo eleitoral
que se avizinha (2018). A análise ora proposta se encontra justificada, pois bem.
Para tanto, o artigo será dividido em quatro capítulos. No primeiro, será exposto
o conceito doutrinário do que seria um fato sabidamente inverídico no âmbito da
propaganda eleitoral; no segundo, será perquirida a disciplina legal deste mesmo
conceito; no terceiro, será demonstrado como a jurisprudência tem enfrentado este
tema, com enfoque principal na cadeia decisória do Tribunal Superior Eleitoral; e no
quarto capítulo será apreciada questão candente nos debates atuais, qual seja a realidade
envolta às chamadas fake news.
1
A esse respeito, ver: PÁDUA, Luciano. Fake news tiveram impacto limitado nas eleições americanas. Jota. Disponível
em: <https://www.jota.info/justica/fake-news-tiveram-impacto-limitado-nas-eleicoes-americanas-08012018>.
Acesso em: 11 jan. 2018.
2
Esta palavra foi eleita a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford. Segundo o dicionário, pós-verdade é “um
adjetivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em molda a
opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”.
3
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
4
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
5
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista: Folha
de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-existem-
desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml. Acesso em: 11 jan. 2018.
6
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
7
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
8
DARNTON, Robert. Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton. Entrevista:
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1859726-noticias-falsas-
existem-desde-o-seculo-6-afirma-historiador-robert-darnton.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2018.
9
SALOMÃO, Luis Felipe. Notícias falsas e eleições: interesses estratégicos estão vinculados às possibilidades,
tecnologicamente facilitadas, de ‘tornar comum’ o conteúdo veiculado. Disponível em: <https://oglobo.globo.
com/opiniao/noticias-falsas-eleicoes-22267403>. Acesso em: 11 jan. 2018.
10
SALOMÃO, Luis Felipe. Notícias falsas e eleições: interesses estratégicos estão vinculados às possibilidades,
tecnologicamente facilitadas, de ‘tornar comum’ o conteúdo veiculado. Disponível em: <https://oglobo.globo.
com/opiniao/noticias-falsas-eleicoes-22267403>. Acesso em: 11 jan. 2018.
11
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
12
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
por parte daquele que faz a referida veiculação, qual seja o pleno conhecimento acerca
da mentira disseminada, isto é, a disseminação de um fato que se sabe inverídico.13
Já para José Jairo Gomes, tratando especificamente da questão à luz do contexto
político-eleitoral, dentre os princípios que regem a propaganda destacam-se os da
informação e veracidade.14 Pelo primeiro, conforme o autor, é direito dos eleitores
receber todas as informações sobre os participantes do certame, sejam elas positivas
ou negativas. Só assim poderão exercer o sufrágio com consciência e responsabilidade.
Quanto ao segundo, os fatos e informações veiculados devem apresentar similitude com
a verdade factual ou histórica.15 É justamente nesse contexto que surgem os chamados
fatos sabidamente inverídicos, que representam, sem mais, verdadeira afronta ao direito
dos eleitores de obterem informações verdadeiras sobre o processo eleitoral lato sensu.
A propaganda eleitoral, segundo Gomes, tem o sentido de proporcionar aos
candidatos oportunidade de expor suas imagens, ideias e seus projetos, de sorte a
convencer os eleitores de que são a melhor opção e captar-lhes o voto. Está claro, assim
sendo, “que não deve ser desvirtuada, tornando-se palco de contendas pessoais, agressões
morais ou de difusão de mentiras, fraudes e outras imposturas”.16
O fato sabidamente inverídico, dessa maneira, para o jurista mineiro seria aquela
afirmação formulada em contexto político-eleitoral que seja sabidamente inverídica,17 isto
é, que a inverdade veiculada abarque incontrovérsia quanto à sua caracterização. De
toda e qualquer maneira, Jairo Gomes faz um importante alerta segundo o qual “em
ambiente democrático, os contrastes aflorarão no debate político-ideológico, sobretudo
por ocasião da campanha política”,18 ao passo que a crítica, ainda que contundente,
“faz parte do discurso político, traduzindo a dialética própria do regime democrático,
assentado que é no enfrentamento de ideias”.19 Daí que se deve ter muita parcimônia
ao enfrentar-se este tema no âmbito eleitoral, até mesmo para não engessar (ou mesmo
cercear) a propaganda eleitoral, que é um direito dos candidatos, partidos e coligações,
mas, principalmente, do eleitorado.
Por sua vez, para Frederico Alvim, o fato sabidamente inverídico no contexto
político-eleitoreiro é aquele fato, veiculado em propaganda eleitoral em sentido amplo
ou em quaisquer dos meios de comunicação social, “que contém inverdade flagrante
que não apresente controvérsia”.20
Percebe-se, dessa forma, que a doutrina realmente converge na conceituação
do que seria um fato sabidamente inverídico veiculado no contexto eleitoral – seja na
propaganda eleitoral propriamente dita, seja nos diversos órgãos de comunicação social
(jornais impressos ou internet, p. ex.).
Sabidamente inverídico, dessa maneira, é um fato notoriamente mentiroso, aquele
que não admite controvérsias acerca da sua veracidade, cuja veiculação, diga-se de
passagem, foi realizada por aquele sujeito sabedor da dita inverdade.
13
A esse respeito, ver: NEISSER, Fernando. Crime e Mentira na Política. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 253 ss.
14
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 411.
15
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 411.
16
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 411.
17
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 412.
18
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 413.
19
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 413.
20
ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 345.
De toda e qualquer maneira, é importante frisar que não há como definir aprioris-
ticamente se um determinado fato é ou não é sabidamente inverídico. É a faticidade de
cada caso, no final das contas, que irá determinar se há ou não a indigitada veiculação
de fatos sabidamente inverídicos pelos atores eleitorais ou por quaisquer dos meios de
comunicação social disponíveis à comunidade política.
21
BRASIL. Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília-DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/L9504.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
22
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2012. p. 253.
23
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília-DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
24
A esse respeito, ver os artigos 58 ss. do referido diploma legal: BRASIL. Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de
1997. Brasília-DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
25
BRASIL. Lei Federal nº 4737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral Brasileiro). Brasília-DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
26
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 411.
27
BRASIL. Lei Federal nº 4737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral Brasileiro). Brasília-DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017.
28
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
29
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
30
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 412.
31
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 414.
32
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
143952, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS – Publicado
em Sessão, Data 02.10.2014).
Nesse prisma, o TSE assentou desde há muito que “a mensagem, para ser
qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não
apresente controvérsias. Não é possível transformar o pedido de resposta em processo
investigatório com intuito de comprovar a veracidade das versões controversas susten-
tadas pelas partes” (Representação nº 367516 – Rel. Henrique Neves – j. 26.10.2010).33
Na linha de entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito
de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente.
Viabiliza-se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente
inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação. (...) O direito de
resposta não se presta a rebater a liberdade de expressão e de opinião que são inerentes
à crítica política e ao debate eleitoral. (...). O fato sabidamente inverídico a que se refere
o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de concessão de direito de resposta, é aquele que
não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano. (...). (Representação nº
139448, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS – Publicado
em Sessão, Data 02.10.2014).
Dessa maneira, “não caracteriza fato sabidamente inverídico crítica à administração
baseada em fatos noticiados pela imprensa. A mensagem, para ser qualificada como
sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias
(...). Na mesma linha, a Rp 3681-23/DF, rel. Min. Joelson Dias, publicada no mural em
28.10.2010”. (Ac. de 30.9.2014 no Rp nº 126713, rel. Min. Herman Benjamin; no mesmo
sentido o Ac de 28.9.2010 na R-Rp 296241, de 28.9.2010, Rel. Min. Henrique Neves).
Conforme várias decisões do TSE, “Para efeito de concessão de direito de resposta,
não caracterizam fato sabidamente inverídico a crítica à administração baseada em
fatos noticiados pela imprensa. A mensagem, para ser qualificada como sabidamente
inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (R-Rp
2962-41, de 28.9.2010, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010). Na mesma
linha, a Rp 3681-23/DF, rel. Min. Joelson Dias, publicada no mural em 28.10.2010 (...)
(Representação nº 126713, Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Herman De Vasconcellos E
Benjamin, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30.09.2014). E mais, no mesmo
sentido, a partir do que “(...). Somente poderá ser outorgado direito de resposta quando
for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de
caráter pessoal a candidato, partido ou coligação. (...). Não há falar em direito de resposta
quando o fato atacado configurar controvérsia entre propostas de candidatos, restrita
à esfera dos debates políticos, próprio do confronto ideológico. (...)” (Representação nº
124115, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS – Publicado
em Sessão, Data 25.09.2014).
Daí, ao final e ao cabo, que o fato sabidamente inverídico, a que se referem o artigo
58 da Lei nº 9.504/97 e o artigo 323 do Código Eleitoral, “é aquele que não demanda
investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano, a ‘olhos desarmados’. Além
disso, deve denotar ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação”. (...).
33
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, ações eleitorais,
processo eleitoral (da convenção à prestação de contas). 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 370.
34
Sobre o tema, ver: SALOMÃO, Luis Felipe. Notícia falsa na internet é desafio para o TSE em 2018. Revista Consultor
Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/noticia-falsa-internet-desafio-tse-2018-salomao>.
Acesso em: 18 jan. 2017.
ataques que teriam partido de hackers da Rússia.35 De acordo com o estudo da USP,
informações inverídicas jogadas na rede mundial de computadores podem chegar a
todos os brasileiros que têm acesso à internet. A estrutura de campanha criada por um
candidato pode não ser suficiente para desmentir as acusações, o que pode causar uma
reviravolta no cenário das eleições.36
2018 é ano de eleições gerais no Brasil – Presidência, Câmara dos Deputados,
Senado, Governos estaduais, Assembleias Legislativas. E as instituições estão de olho
nesse fenômeno que hoje em dia tomou proporções continentais. Combater e conter a
proliferação de notícias falsas na internet é um grande desafio do Tribunal Superior Eleitoral.
A avaliação é do ministro Luis Felipe Salomão, que assumiu no último mês de outubro
uma vaga de membro substituto da corte. Para Salomão, com restrições orçamentárias,
redes sociais terão uso ampliado nas Eleições 2018.37 Na opinião dele, o TSE terá que
examinar a questão com bastante cuidado para não impedir a utilização proveitosa que
as redes sociais podem gerar para as campanhas, que não poderão ser financiadas
por pessoas jurídicas, fato que acarretará limitações orçamentárias. Ao mesmo tempo,
Salomão analisou que o tribunal deve estar atento e controlar notícias falsas para que
não atrapalhem o pleito ou modifiquem de forma desonesta a vontade do eleitor. De
acordo com o ministro, o TSE já começou a analisar possibilidades de situações que
podem ser criadas por causa desse recente fenômeno mundial. Ele lembrou também que
alguns projetos de lei que buscam regular a matéria já estão tramitando no Congresso.38 39
No final de 2017 o TSE fez aprovar dez projetos de Resoluções a regularem o
processo eleitoral vindouro. Dentre elas, por sua vez, figurou a Resolução disciplinadora
da propaganda eleitoral. E nela a preocupação do TSE em coibir as chamadas fake news
no processo eleitoral de 2018 quedou-se externada, algo que se deu a partir da previsão
de remoção de propagandas falsas na internet. Além disso, contudo, medidas outras
serão tomadas pela Corte, especialmente a partir de um grupo de trabalho – chamado
de Conselho Consultivo – já reunido, que tem por missão a confecção de uma Resolução
própria apenas e tão somente para tratar do tema das notícias falsas.40 A ideia é colher
subsídios a partir da análise aprofundada de como outros países – principalmente Estados
Unidos, Inglaterra, Alemanha e França – enfrentam a questão. E a previsão é de que
35
SOUZA, Renato. 12 milhões de pessoas compartilham informações inverídicas, diz pesquisa. Correio Braziliense.
Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/01/02/internas_polbraeco,650860/
como-combater-fake-news.shtml>. Acesso em: 18 jan. 2017.
36
SOUZA, Renato. 12 milhões de pessoas compartilham informações inverídicas, diz pesquisa. Correio Braziliense.
Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/01/02/internas_polbraeco,650860/
como-combater-fake-news.shtml>. Acesso em: 18 jan. 2017.
37
SALOMÃO, Luis Felipe. Notícia falsa na internet é desafio para o TSE em 2018. Revista Consultor Jurídico. Disponível
em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/noticia-falsa-internet-desafio-tse-2018-salomao>. Acesso em: 18 jan.
2017.
38
SALOMÃO, Luis Felipe. Notícia falsa na internet é desafio para o TSE em 2018. Revista Consultor Jurídico. Disponível
em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/noticia-falsa-internet-desafio-tse-2018-salomao>. Acesso em: 18 jan.
2017.
39
A esse respeito, ver: SOUZA, Renato. Senado quer leis para combater notícias falsas na internet. Correio Braziliense.
Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2017/12/12/internas_polbraeco,647504/
senado-quer-leis-para-combater-fake-news-na-internet.shtml>. Acesso em: 18 jan. 2018.
40
A esse respeito, ver: BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Fake news e regras para a propaganda eleitoral na
internet são temas de reunião no TSE. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Janeiro/
fake-news-e-regras-para-a-propaganda-eleitoral-na-internet-sao-temas-de-reuniao-no-tse>. Acesso em: 18 jan.
2018.
várias medidas acabem previstas no texto normativo em gestação, tais como remoção das
notícias da internet, buscas e apreensões, bloqueio de bens, etc. A abordagem é dúplice:
preventiva e repressiva. Até março de 2018 a Resolução em voga deverá ter o texto pronto
e aprovado. Daí que, ao final e ao cabo, tudo isso denota, pois, a insuficiência do atual
regramento jurídico-eleitoral de modo a coibir a disseminação das fake news. Além da
concreta preocupação das instituições para com tal fenômeno, especialmente do TSE.
Como afirma o professor Diogo Rais, “Fake news é um termo novo, mas é um
problema velho. É um problema muito semelhante ao trote e ao boato”. Para o professor,
“Fake news não é uma mentira, é uma mentira que parece verdade. É uma forma de enganar
as pessoas. Acho que o principal elemento que diferencia ela é isso”.41 Mesmo sendo
um problema velho, não há como ignorar que ele tem tomado proporções gigantescas
nos últimos tempos, a ponto de ter se tornado um verdadeiro negócio.42 Este, no final
das contas, pode configurar um primeiro problema nesta abordagem – com pretensão
normativa – da Justiça Eleitoral, o da insuficiência. Assim, ainda que a iniciativa seja
louvável em seus desideratos, pode-se afirmar que a pretensão de controle geral não
será suficiente por si só a coibir esta prática, hoje em dia absolutamente disseminada
e cada vez mais sofisticada – a disseminação de falsas notícias se tornou um mercado,
com profissionais expert no tema, que poderíamos intitular de mercadores da mentira.
Esta, diga-se de passagem, é a opinião do escritor inglês Misha Glenny, autor
de Mercado Sombrio43 e McMáfia.44 Os dois livros de Glenny detalham como criminosos
especializados se aproveitam da rede de computadores para enganar pessoas comuns.
Os métodos usados, como o anonimato e a técnica de apagar rastros, são parecidos
com os da produção das fake news, numa guerra cada vez mais cara à democracia, em
que a verdade é a primeira a desaparecer.45 Segundo ele, o Brasil “tem muitos usuários
de internet competentes, muitos bons engenheiros de softwares, mas as estruturas
governamentais do país são subdesenvolvidas” para lidar com este problema.46 Já para
Fábio Malini, a força-tarefa para combater as fake news é irrelevante. Para ele, “a cultura
das notícias falsas se desenvolve cada vez mais nas redes sociais privadas, como o
WhatsApp”, surgindo daí a imensa “dificuldade de apurar crimes disseminados dentro
dos grupos”.47 Assim, como diz Glenny, se a internet mudou o cotidiano das pessoas,
“também as deixou reféns a golpes de todos os tipos, a partir de e-mails, aplicativos
de mensagens instantâneas e notícias falsas”. E o Brasil, segundo o escritor britânico,
não está preparado para lidar com o problema. Para Glenny, “mesmo quando você
olha para os Estados Unidos e para o Reino Unido e o estrago que as notícias falsas
41
AMORIM, Felipe. Justiça Eleitoral pode punir quem publicar fake news em redes sociais. Disponível em: <https://
noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/01/11/justica-eleitoral-pode-punir-quem-publicar-fake-news-
em-redes-sociais.htm>. Acesso em: 18 jan. 2018.
42
Sobre o tema, indicamos a leitura de belíssima matéria jornalística promovida pelo editorial do jornal Correio
Braziliense, a saber: BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://
especiais.correiobraziliense.net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
43
GLENNY, Misha. Mercado Sombrio: o cibercrime e você. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 384 p.
44
GLENNY, Misha. McMáfia: Crime sem fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 464 p.
45
BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.
net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
46
BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.
net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
47
BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.
net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
causaram nestes países, filtros e barreiras sofisticados estão falhando, e esses artifícios
não existem no Brasil”.48 O Brasil não está em uma posição favorável, conclui. Logo,
embora necessário este controle, talvez não tenhamos os meios hábeis a efetivá-lo e não
estejamos estruturalmente preparados para lidar com o problema.
Já o segundo problema desta abordagem da Justiça Eleitoral é de índole de
legalidade, inclusive constitucional (de legalidade constitucional, para utilizar aqui uma
expressão de Elías Díaz).49 Eis a nossa maior preocupação. Com efeito, a perspectiva
normativa para as eleições de 2018 denota a iminente edição de uma Resolução específica
por parte do TSE, a qual, segundo o Ministro Luiz Fux, incluirá “medidas de constrição
de bens, medidas de restrição de eventual liberdade daqueles que estiverem em flagrante
delito, se preparando para cometer esse tipo de estratégia deletéria que, digamos assim,
numa linguagem coloquial derreteram algumas candidaturas”.50 Ocorre que nenhuma
destas possíveis medidas encontra previsão legislativa. E é justamente essa a questão.
A primeira questão, dessa maneira, é de índole constitucional e de separação de
poderes: a competência para legislar é do Poder Legislativo. E eventual Resolução
nesse sentido, erguida pelo Poder Judiciário (Eleitoral, no caso), representaria em
tese uma afronta direta ao princípio republicano, na vertente da separação dos poderes
constitucionalmente consagrada (CF, art. 1º). E a segunda questão, derradeira que é, é de
legalidade em sentido estrito, valendo trazer aqui a redação constante do artigo 105, caput,
da Lei nº 9504/97, segundo a qual “Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal
Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer
sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias
para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou
representantes dos partidos políticos”. A previsão de constrição de bens ou restrição da
liberdade equivale, seguramente, ao estabelecimento de sanções. E o estabelecimento
destas por via de Resolução nada mais é, pois, do que legislar por via oblíqua. Daí,
enfim, a nossa reticência em chancelar eventuais medidas dessa natureza.
Por fim, nunca é demais rememorar a linha tênue entre a restrição da liberdade
de expressão e a censura. No caso das fake news pensamos que não estaríamos diante
de uma censura propriamente dita. Ocorre que isso somente poderia ser sindicável à
luz da faticidade, e é por isso que os órgãos de controle deverão ter muita parcimônia,
até mesmo para não imporem verdadeiras censuras travestidas de combates a tais
intempéries (tais e quais as falsas notícias).
3.6 Conclusão
O artigo destinou-se a perquirir o significado e a disciplina legal de um instituto
já recorrente no universo do Direito Eleitoral, especialmente no que tange a propaganda
eleitoral, qual seja o fato sabidamente inverídico.
48
BRASIL, Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.
net.br/fakenews/index2.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
49
DÍAZ, Elías. Estado de derecho y derechos humanos. Novos estudos jurídicos, Itajaí, ano I, n.1, p.16, jun.1995.
50
SOUZA, André de. Contra ‘fake news’, Fux prevê até mesmo bloqueio de bens e detenção. Disponível em: <https://
oglobo.globo.com/brasil/contra-fake-news-fux-preve-ate-mesmo-bloqueio-de-bens-detencao-22206756>. Acesso
em: 18 jan. 2018.
Dessa forma, por tudo que buscamos evidenciar à luz da proposta que envolveu
a confecção do texto, pode-se determinar que fatos sabidamente inverídicos são aqueles
que denotam a veiculação de uma inverdade flagrante, que não apresente controvérsias,
e cujo conteúdo, de igual maneira, esteja caracterizado por um matiz de ofensa pessoal,
seja ao candidato, ao partido ou a coligação.
Referências
ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
AMORIM, Felipe. Justiça Eleitoral pode punir quem publicar fake news em redes sociais. Disponível em: <https://
noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/01/11/justica-eleitoral-pode-punir-quem-publicar-fake-
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_______. Correio Braziliense. Fake News: Memórias de mercenários. Disponível em: <http://especiais.
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. Tribunal Superior Eleitoral. Fake news e regras para a propaganda eleitoral na internet são temas de reunião
no TSE. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Janeiro/fake-news-e-regras-para-
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tecnologicamente facilitadas, de ‘tornar comum’ o conteúdo veiculado. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/
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VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. 3. ed. São Paulo:
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
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BARCELOS, Guilherme. O direito eleitoral em tempos de fake news: o que é isto, um fato sabidamente
inverídico? In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 403-417. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.
Adriano Oliveira
Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor do
Departamento de Ciência Política da UFPE. Autor dos livros “O eleitor é um enigma? Curitiba:
Editora Juruá, 2017”; “Eleições não são para principiantes: Interpretando eventos eleitorais no Brasil.
Curitiba: Editora Juruá, 2014”; “OLIVEIRA, Adriano; GADELHA, Carlos; ROMÃO, Maurício.
Eleições e pesquisas eleitorais – Desvendando a caixa-preta. Curitiba: Editora Juruá, 2012”.
Carlos Santos
Formação acadêmica em psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco, concluída em 1978,
iniciando a Pós-Graduação de Mestrado em Antropologia Cultural pela mesma Universidade em
1979. Autor de textos literários relacionados a contos e novelas, além de peças de teatro. Atualmente
exerce a função de Membro Fundador do Espaço Multivercidades (www.multivercidades.com),
com o Projeto Aletrar Freud e outros. É autor de textos sobre a prática clínica de psicanalista.
Diogo Rais
Advogado. Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP com bolsa do Conselho Nacional
de Justiça, Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, com cursos de extensão em Justiça
Constitucional pela Université Paul Cézanne (Aix-en-Provence, França). Coordenador do
MackEleições e do portal Eleitoralize.com.br. Professor de Direito Eleitoral da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
Fabíola Roberti Coneglian
Mestranda pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UNIBRASIL). Especialista em Processo
Civil, pela Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade
Positivo, PR. Graduada pela Faculdade de Direito de Curitiba. Advogada, professora auxiliar da
Universidade Tuiuti do Paraná. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR. Membro
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visitante na Universidade Pompeu Fabra – Espanha (2013-2018). Coordenador Adjunto da
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Frederico Rafael Martins de Almeida
Mestre em Direito Empresarial e Cidadania (Unicuritiba). Pós-graduado em Metodologia do
Ensino Superior (Unopar), Graduado em Direito (Universidade Estadual de Londrina). Formação
em Coordenação de Tutores de Ensino a Distância (CNJ). Membro da Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro do Conselho Consultivo da Escola Judiciária
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Mestre em Direito pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS/RS). Especialista (Pós-
Graduado) em Direito Constitucional e em Direito Eleitoral. Graduado em Direito pela
Universidade da Região da Campanha (URCAMP/RS). Membro Fundador da Academia Brasileira
de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro do Grupo de Pesquisa “Observatório Eleitoral”
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UEPG. Pós-graduado pela Escola da Magistratura do Paraná (2006); pela Escola da Magistratura
Federal (2011). Pós-graduando pela Universidade Positivo e Escola Judiciária Eleitoral do Paraná,
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Doutora em Direito (2010 – UFPA, com pesquisa realizada como estágio Universidade de Pisa
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Advogada e Professora da Graduação e Mestrado em Direito do Centro Universitário do Estado
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Paula Bernardelli
Advogada. Graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora do grupo
Política por/de/e para Mulheres (UFPR/UERJ). Membro da Academia Brasileira de Direito
Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro da Comissão Permanente de Direito Político e Eleitoral
do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
Paulo Henrique dos Santos Lucon
Professor Associado da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP. Livre-Docente,
Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela mesma Instituição. Presidente do Instituto
Brasileiro de Direito Processual IBDP. Foi membro do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo
(classe jurista) de 2004 a 2011. Advogado.
Paulo Victor Azevedo Carvalho
Advogado. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Pará. Mestrando em Ciências
Jurídico-Políticas, menção em Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra – Portugal.
Pedro Chapaval Pimentel
Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná. Possui graduação em Relações
Públicas (UFPR) e Administração (FAE Centro Universitário) e é especialista em Relações
Internacionais e Diplomacia (Centro Universitário Curitiba). Integrante do grupo de pesquisa
Comunicação Eleitoral – PPGCom-UFPR.
Raquel Machado
Advogada. Graduada pela Universidade Federal do Ceará. Mestre pela Universidade Federal
do Ceará. Doutora pela USP. Professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará.
Visiting Research Scholar da WirtschafUniversistatVienna (2015 e 2016). Professora pesquisadora
convidada da Faculdade de Direito da Universidade Paris Descartes (2017). Coordenadora do
Grupo de Pesquisa e Extensão “Educação para a cidadania: denúncia e esperança.”
Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo – FD/USP. Professor Adjunto da Faculdade de Direito
da Universidade de Brasília – FD/UnB. Subprocurador-Geral do Distrito Federal. Advogado.