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FINANCIAMENTO
E PRESTAÇÃO DE CONTAS

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TRATADO DE DIREITO ELEITORAL

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LUIZ FUX
LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA
WALBER DE MOURA AGRA
Coordenadores

Luiz Eduardo Peccinin


Organizador

FINANCIAMENTO
E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Belo Horizonte

CONHECIMENTO JURÍDICO

2018

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TRATADO DE DIREITO ELEITORAL

Coordenadores Organizador Comissão Científica Comissão Executiva


Luiz Fux Luiz Eduardo Peccinin Roberta Maia Gresta Maitê Chaves Marrez
Luiz Fernando Casagrande Pereira Frederico Franco Alvim Paulo Henrique Golambiuk
Walber de Moura Agra João Andrade Neto Waldir Franco Félix Júnior

© 2018 Editora Fórum Ltda.

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CONHECIMENTO JURÍDICO

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F491 Financiamento e prestação de contas / Luiz Fux, Luiz Fernando Casagrande Pereira,
Walber de Moura Agra (Coord.); Luiz Eduardo Peccinin (Org.). – Belo Horizonte
: Fórum, 2018.

361 p.
Tratado de Direito Eleitoral
V. 5

ISBN da Coleção: 978-85-450-0495-0


ISBN do Volume: 978-85-450-0500-1

1. Direito Eleitoral. 2. Direito Constitucional. 3. Direito partidário. 4. Ciência


Política. I. Fux, Luiz. II. Pereira, Luiz Fernando Casagrande. III. Agra, Walber de Moura.
IV. Peccinin, Luiz Eduardo. V. Título.

CDD 341.28
CDU 342.8

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Financiamento e prestação de contas. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 361 p.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 5.) ISBN 978-85-450-0500-1.

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SUMÁRIO

PARTE I
OS MODELOS DE FINANCIAMENTO ELEITORAL NO BRASIL

CAPÍTULO 1
FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: INFLUÊNCIA
DO PODER ECONÔMICO, O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE
CAMPANHA (FEPC), INSTITUÍDO PELA LEI Nº 13.487, DE 2017, LIMITES
MÁXIMOS DE GASTOS EM CAMPANHAS ELEITORAIS E OUTROS TEMAS
CORRELATOS
PEDRO ROBERTO DECOMAIN........................................................................................................ 15
1.1 Vedação constitucional da influência do poder econômico
nas eleições................................................................................................................................... 15
1.2 O significado da palavra “influência” no §9º do art. 14 da Constituição: o uso
e o abuso do poder econômico nas eleições............................................................................ 17
1.3 Financiamento privado de campanhas eleitorais.................................................................. 20
1.4 O financiamento público de campanhas eleitorais, como potencial solução para o
problema de afronta ao texto constitucional, antes anunciado........................................... 26
1.5 O uso de recursos do Fundo Partidário para custeio de despesas de campanhas
eleitorais........................................................................................................................................ 27
1.6 O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEPC), instituído pela Lei nº
13.487/2017.................................................................................................................................... 29
1.7 Os limites máximos de gastos em campanhas eleitorais..................................................... 33
1.8 Breve elenco de conclusões........................................................................................................ 35
Referências................................................................................................................................... 36

CAPÍTULO 2
FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO? PONDERAÇÕES
ENTRE O FINANCIAMENTO PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO
MICHEL BERTONI SOARES.............................................................................................................. 39
2.1 Introdução.................................................................................................................................... 39
2.2 Partidos políticos e crise de representatividade..................................................................... 40
2.3 Regulação do financiamento eleitoral e incentivo à transparência .................................... 42
2.4 Igualdade de oportunidades nas competições eleitorais ..................................................... 43
2.5 Entre o financiamento privado e o financiamento público.................................................. 46
2.6 Considerações finais................................................................................................................... 52
Referências................................................................................................................................... 53

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CAPÍTULO 3
O FIM DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS: O IMPACTO DO JULGAMENTO DA
ADI 4.650 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O FINANCIAMENTO
DAS CAMPANHAS ELEITORAIS NO BRASIL
DENISE GOULART SCHLICKMANN.............................................................................................. 57
3.1 Introdução.................................................................................................................................... 57
3.2 A origem dos recursos financiadores de campanhas eleitorais antes do julgamento
da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650 pelo Supremo Tribunal Federal......... 57
3.3 O impacto imediato do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650
sobre o financiamento das campanhas eleitorais.................................................................. 60
3.4 O futuro do financiamento das campanhas eleitorais após o fim das doações
empresariais: os mecanismos compensatórios....................................................................... 71
3.5 Considerações finais................................................................................................................... 75
Referências................................................................................................................................... 75

CAPÍTULO IV
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E PARTICIPAÇÃO: O FINANCIAMENTO
COLETIVO NA INTERNET
JÚLIA ROCHA DE BARCELOS.......................................................................................................... 77
4.1 Introdução.................................................................................................................................... 77
4.2 Financiamento coletivo na internet e participação cidadã................................................... 77
4.3 A busca por alternativas de financiamento............................................................................ 80
4.4 A alternativa do financiamento coletivo de campanha........................................................ 84
4.5 O financiamento coletivo na reforma eleitoral de 2017......................................................... 86
4.6 Considerações finais................................................................................................................... 89
Referências................................................................................................................................... 90

PARTE II
FINANCIAMENTO COMO PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS

CAPÍTULO 1
AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER COMO ACINTE AO
FINANCIAMENTO ELEITORAL
WALBER DE MOURA AGRA.............................................................................................................. 95
1.1 Introdução ................................................................................................................................... 95
1.2 A Reforma Política de 2017 e as modalidades do financiamento de campanhas
eleitorais........................................................................................................................................ 96
1.3 As distorções do financiamento eleitoral................................................................................ 99
1.4 Abuso de poder......................................................................................................................... 100
1.5 As formas de abuso de poder no Direito Eleitoral................................................................103
1.6 Conclusão....................................................................................................................................108
Referências..................................................................................................................................109

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CAPÍTULO 2
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO ELEITORAL: ROBERT POST E O
CASO CITIZENS UNITED V. FEDERAL ELECTION COMMISSION
VERA KARAM DE CHUEIRI, EDUARDO XAVIER..................................................................... 111
2.1 Introdução...................................................................................................................................111
2.2 Citizens United v. FEC (2010)......................................................................................................112
2.3 Representação republicana e deliberação democrática........................................................114
2.3.1 O surgimento da representação republicana.........................................................................114
2.3.2 Ameaças à integridade representativa...................................................................................115
2.3.3 A crescente valorização da opinião pública..........................................................................116
2.4 Legitimação democrática e Citizens United.............................................................................118
2.4.1 Liberdade de expressão e financiamento de campanha: argumentos problemáticos....119
2.4.2 Liberdade de expressão e corporações comerciais...............................................................121
2.4.3 A legitimação democrática como objetivo da conciliação entre direitos
comunicativos e integridade eleitoral.................................................................................... 122
2.5 Considerações finais................................................................................................................. 123
Referências................................................................................................................................. 125

CAPÍTULO 3
A REPRESENTATIVIDADE E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS
ELEITORAIS: A INTERNET COMO ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
TASSIANA BEZERRA DOS SANTOS............................................................................................. 127
3.1 Introdução.................................................................................................................................. 127
3.2 A atualização do tema: as decisões do Supremo Tribunal Federal e as modificações
introduzidas pela Reforma Política de 2017.......................................................................... 129
3.3 O alto custo das campanhas eleitorais e o processo de corrupção no financiamento
eleitoral: um extrato histórico..................................................................................................131
3.4 Há uma tendência inexorável para o incremento dos custos? A participação política
como resposta............................................................................................................................ 135
3.4.1 Representatividade e participação política........................................................................... 135
3.4.2 Novas formas de financiamento eleitoral e participação política..................................... 136
Referências..................................................................................................................................137

CAPÍTULO 4
PODER SOCIAL E PODER POLÍTICO: COMO OCUPAÇÃO, GÊNERO,
PATRIMÔNIO E DINHEIRO SE COMBINAM NAS ELEIÇÕES PARA DEPUTADOS
FEDERAIS
ADRIANO CODATO, MARCIO CARLOMAGNO...................................................................... 139
4.1 Introdução...................................................................................................................................139
4.2 Materiais e métodos...................................................................................................................140
4.2.1 O cálculo sociológico da disposição política.........................................................................141
4.2.2 O cálculo contextualizado das receitas de campanha .........................................................143

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4.3 Resultados...................................................................................................................................144
4.3.1 Diferenças de médias das receitas de campanha..................................................................144
4.3.2 Divisão dos candidatos em quintis.........................................................................................147
4.4 Acumulando desigualdades na poliarquia brasileira..........................................................149
4.5 Discussão e conclusões.............................................................................................................151
Referências..................................................................................................................................152

PARTE III
TRANSPARÊNCIA DEMOCRÁTICA E A ATUAL PRESTAÇÃO DE CONTAS
ELEITORAIS

CAPÍTULO 1
TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
VIVIANE MACEDO GARCIA.......................................................................................................... 159
1.1 Introdução...................................................................................................................................159
1.2 Prestação de contas de campanha...........................................................................................162
1.3 Prestação de contas partidária.................................................................................................168
1.4 Conclusões..................................................................................................................................171
Referências................................................................................................................................. 172

CAPÍTULO 2
O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS
PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
ELMANA VIANA LUCENA ESMERALDO................................................................................... 175
2.1 Introdução...................................................................................................................................175
2.2 O atual modelo de financiamento das campanhas eleitorais.............................................176
2.3 Principais regras relativas à movimentação de recursos na campanha.......................... 177
2.3.1 Arrecadação de recursos para a campanha.......................................................................... 177
2.3.2 Gastos eleitorais......................................................................................................................... 180
2.4 O atual modelo de prestação de contas eleitorais.................................................................183
2.5 Reforma Eleitoral de 2017..........................................................................................................191
2.6 Conclusão....................................................................................................................................193
Referências..................................................................................................................................194

CAPÍTULO 3
O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA
JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA
NA ESTABILIZAÇÃO INSTITUCIONAL E DEMOCRÁTICA BRASILEIRA
LUIZ EUGENIO SCARPINO JUNIOR ............................................................................................ 197
3.1 Introdução...................................................................................................................................197
3.2 A que se presta uma prestação de contas...............................................................................198
3.2.1 Procedimentos............................................................................................................................198

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3.2.2 Condicionantes quanto a arrecadação, doações e despesas............................................... 201
3.2.3 Recentes reformas: retrocessos e avanços............................................................................. 205
3.3 O Judiciário que legifera: As Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral........................ 205
3.3.1 Fundamentos normativos........................................................................................................ 206
3.3.2 As balizas democráticas: da executoriedade procedimental ao ativismo........................ 208
3.4 A garantia de um processo democrático, segurança e efetividade da jurisdição........... 209
3.4.1 A estabilidade democrática: coerência e integridade do comportamento........................210
3.4.2 Alguns apontamentos nas Resoluções sobre a prestação de contas..................................212
3.5 Considerações finais..................................................................................................................216
Referências..................................................................................................................................216

PARTE IV
O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS:
GARANTIAS E EFETIVIDADE

CAPÍTULO 1
PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA
ANTERIORIDADE: UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS CONDENAÇÕES REALIZADAS
PELAS CORTES ELEITORAIS
ROGER FISCHER................................................................................................................................. 221
1.1 Considerações introdutórias................................................................................................... 221
1.2 O poder normativo da justiça eleitoral. (In)Observância dos princípios da legalidade,
do devido processo legal e da anterioridade........................................................................ 225
1.3 Prestação de contas e sanções. Casuística............................................................................. 229
1.4 Conclusão................................................................................................................................... 237
Referências................................................................................................................................. 239

CAPÍTULO 2
GARANTIAS PROCESSUAIS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS
DYOGO CROSARA............................................................................................................................. 241
2.1 Considerações iniciais...............................................................................................................241
2.2 A natureza jurídica da prestação de contas eleitorais..........................................................241
2.3 A possibilidade de análise material de provas na prestação de contas........................... 244
2.4 Da possibilidade de juntada de novos documentos em prestações de contas................ 248
2.5 Conclusão................................................................................................................................... 252
Referências................................................................................................................................. 253

CAPÍTULO 3
AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE
FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
CARLA KARPSTEIN........................................................................................................................... 255
3.1 Introdução.................................................................................................................................. 255

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3.2 O dever de prestar contas no Brasil........................................................................................ 258
3.3 O dever de prestar contas no direito comparado: lições dos Estados Unidos
e do Chile.................................................................................................................................... 263
3.4 O processo de prestação de contas: tecnologia a serviço da transparência das
contas ......................................................................................................................................... 266
3.5 Considerações finais................................................................................................................. 271
Referências................................................................................................................................. 272

CAPÍTULO 4
A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE
“REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO, CAROLINE BIANCA GRAEFF..................... 275
4.1 Introdução.................................................................................................................................. 275
4.2 Prestação de contas de campanha eleitoral............................................................................276
4.3 Inclusão como requisito para a Certidão de Quitação Eleitoral........................................ 279
4.4 A consagração em lei e a retomada da polêmica................................................................. 284
4.5 Considerações finais................................................................................................................. 292
Referências................................................................................................................................. 294

CAPÍTULO 5
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A
OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS................................................................................ 299
5.1 Introdução.................................................................................................................................. 299
5.2 Certidão de quitação eleitoral e cidadania (o direito de ser votado e de exercer
outros atos da vida civil).......................................................................................................... 301
5.3 Quitação eleitoral e prestação de contas de campanha....................................................... 305
5.3.1 Arrecadação e gasto de recursos em campanhas eleitorais............................................... 307
5.3.2 A prestação de contas eleitorais.............................................................................................. 308
5.4 Demais desdobramentos processuais da arrecadação e gasto de recursos de
campanha....................................................................................................................................311
5.4.1 Representação (do Art. 30-A da Lei nº 9.504/1977) por Arrecadação e/ou
Gasto Ilícito de Recursos de Campanha.................................................................................311
5.4.2 Ação de Investigação Judicial Eleitoral e Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.....313
5.5 Conclusões: Aprovação da prestação de contas de campanha como meio de
obtenção da certidão de quitação eleitoral.............................................................................315
Referências..................................................................................................................................317

CAPÍTULO 6
A PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO INIBIÇÃO AO “CAIXA 2” DE CAMPANHA:
A MEDIDA CAUTELAR DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015
LUIZ FELIPE DA SILVA ANDRADE................................................................................................ 319
6.1 Introdução...................................................................................................................................319

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6.2 Democracia, financiamento de campanhas e caixa 2.......................................................... 320
6.3 A prestação de contas............................................................................................................... 326
6.4 Das medidas cautelares da Resolução TSE nº 23.463/2015.................................................. 327
6.4.1 Das medidas de produção de provas..................................................................................... 329
6.4.2 Das medidas preventivas ou inibitórias................................................................................ 330
6.5 Considerações finais................................................................................................................. 330
Referências................................................................................................................................. 331

CAPÍTULO 7
RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE POLÍTICO: PROPOSTA PARA UM
“NOVO” E EFETIVO CONTROLE FINANCEIRO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS
ALESSANDRO JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA.................................................................... 333
7.1 Introdução.................................................................................................................................. 333
7.2 Da Justiça Criminal Eleitoral................................................................................................... 335
7.3 O famigerado caixa 2 de campanha....................................................................................... 336
7.4 A responsabilidade subjetiva do candidato pelas informações constantes na
prestação de contas de campanha.......................................................................................... 339
7.5 Considerações finais................................................................................................................. 343
Referências................................................................................................................................. 344

CAPÍTULO 8
TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA DA PRÁTICA ELEITORAL
AMANDA LOBÃO TORRES............................................................................................................. 345
8.1 Introdução.................................................................................................................................. 345
8.2 O procedimento de execução fiscal de multas eleitorais e como tornar mais
eficiente a cobrança destas....................................................................................................... 346
8.3 Como não falhar na prestação de contas anual de partido político no tocante aos
aluguéis de bens imóveis e a contradição entre a justiça cível e a eleitoral no que
tange à documentação da locação.......................................................................................... 350
8.4 A omissão de imóveis na declaração de bens apresentada no registro de
candidatura e a proteção da fé pública no âmbito eleitoral................................................ 352
8.5 Como se prevenir da multa ao doador por doação em excesso no caso de cessão
de bem imóvel a campanha eleitoral...................................................................................... 354
8.6 Conclusão................................................................................................................................... 355
Referências................................................................................................................................. 357

SOBRE OS AUTORES............................................................................................................................ 359

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PARTE I

OS MODELOS DE FINANCIAMENTO
ELEITORAL NO BRASIL

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CAPÍTULO 1

FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS


ELEITORAIS: INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO,
O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE
CAMPANHA (FEPC), INSTITUÍDO PELA LEI Nº 13.487, DE
2017, LIMITES MÁXIMOS DE GASTOS EM CAMPANHAS
ELEITORAIS E OUTROS TEMAS CORRELATOS

PEDRO ROBERTO DECOMAIN

1.1 Vedação constitucional da influência do poder econômico


nas eleições
No Direito Eleitoral brasileiro existem causas de inelegibilidade previstas na
própria Constituição. Acham-se consignadas nos §§2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do art. 14 da
Constituição.
De acordo com o §2º desse artigo da Constituição, “não podem alistar-se
como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os
conscritos”. Já o seu §4º afirma serem inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. Dessa
sorte, é inelegível o conscrito, assim como o é também o estrangeiro. Quanto a este,
deve-se salientar ainda que sua candidatura a mandato eletivo restaria inviável também
por não atender à condição de elegibilidade representada pela nacionalidade brasileira,
nos termos do art. 14, §3º, inciso I, também da Constituição. Além disso, inelegíveis são
também os analfabetos.
O §5º do art. 14 da Constituição não trata propriamente de inelegibilidade, muito
embora nele também haja a previsão de algumas. De acordo com aquele parágrafo,
o Presidente da República, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e os
Prefeitos Municipais, assim como quem os houver sucedido ou substituído no curso
dos mandatos, poderão ser reeleitos para um único período subsequente. Significa isso
a proibição de uma segunda reeleição (para um terceiro mandato sucessivo), o que

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
16 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

importa em inelegibilidade dos chefes do Poder Executivo para esse terceiro mandato
imediatamente subsequente.
Por meio do §6º de seu art. 14, a Constituição exige que o Presidente da República,
os Governadores de Estados e do Distrito Federal e os Prefeitos Municipais renunciem
aos seus cargos pelo menos seis meses antes da data prevista para as eleições, caso
desejem concorrer a mandatos eletivos distintos daqueles que ocupam. Vale dizer que,
caso persistam no exercício da chefia do Executivo dentro dos seis meses imediatamente
anteriores à data da eleição, tornam-se inelegíveis para qualquer outro cargo.
Já o §7º considera inelegíveis, para qualquer mandato eletivo da respectiva
circunscrição eleitoral, os cônjuges e parentes – por consanguinidade ou afinidade,
inclusive por adoção, até o segundo grau – dos chefes de Poder Executivo e daqueles
que os hajam substituído nos seis meses imediatamente anteriores à data prevista
para as eleições, salvo se o cônjuge ou parente já for detentor de mandato eletivo e for
candidato à reeleição. Essa inelegibilidade alcança também quem convive com o chefe
do Executivo em união estável, inclusive homoafetiva, segundo decidiu o TSE no REsp
Eleitoral nº 24.564, Rel. Min. Gilmar Mendes, Revista de Jurisprudência do TSE, vol. 17,
nº 1, jan-mar-06, p. 234.
Finalmente, o §8º, ainda uma vez do art. 14 da Constituição, afirma serem elegíveis
os militares alistáveis (o que afasta a elegibilidade somente dos conscritos durante o
tempo em que prestam o serviço militar obrigatório), desde que preencham uma dentre
duas condições, conforme o tempo em que se encontrem em serviço ativo.
De acordo com o inciso I desse parágrafo, tratando-se de militar com menos
de dez anos de serviço ativo, deve deixar definitivamente o serviço (ao menos até a
data do pedido de registro de sua candidatura, segundo nosso entender) e, já agora
conforme o seu inciso II, tratando-se de militar com dez ou mais anos de serviço ativo,
deve agregar-se à autoridade superior, até a data do pedido de registro da candidatura,
assim permanecendo até a data da eleição (o dispositivo refere-se a militar com mais de
dez anos de serviço ativo, mas merece ser interpretado no sentido de referir-se aos que
contêm dez ou mais, sob pena de restar carente de qualquer normatização a situação
do militar que, na data do pedido de registro de sua candidatura, contar exatamente
dez anos de serviço ativo, nem mais, nem menos).
A par da previsão dessas causas de inelegibilidade, a Constituição, todavia, ainda
afirma, no §9º do seu art. 14, que, mediante lei complementar, podem ser previstas outras
causas de inelegibilidade, além daquelas inseridas no próprio texto constitucional.
A lei complementar que dispuser a respeito de outras causas de inelegibilidade
deve prever também o respectivo prazo de cessação, o que exclui a possibilidade da
previsão de causas de inelegibilidade vitalícias. Finalmente, sempre de acordo com o §9º
do art. 14 da Constituição, as causas de inelegibilidade previstas em lei complementar
devem ser hábeis a proteger: 1) a probidade administrativa; ou 2) a moralidade para
o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato; ou ainda 3) a
normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou
o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Dessa sorte, causa de inelegibilidade infraconstitucional (porque prevista em lei
complementar, e não no próprio texto constitucional) que não se preste efetivamente a
proteger algum desses valores, padecerá de inconstitucionalidade substancial.

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FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO, O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO...
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O que releva salientar neste ponto, porque de interesse para o tema discutido,
é a inclusão, pelo texto do parágrafo em apreço, da normalidade e legitimidade das
eleições em face da influência do poder econômico, como valor a ser protegido pela
previsão de novas causas de inelegibilidade mediante lei complementar.

1.2 O significado da palavra “influência” no §9º do art. 14 da


Constituição: o uso e o abuso do poder econômico nas eleições
Esse tópico constitucional, no atinente à vedação da influência do poder eco­
nômico como possível fator de desequilíbrio no resultado das eleições, merece a
interpretação mais ampla possível, já que dele não se haverá de extrair unicamente
fundamento para a previsão de eventuais novas causas de inelegibilidade, mas também
uma outra consequência: não tolerar a Constituição Federal a influência do poder
econômico nos resultados dos pleitos eleitorais. Em outras palavras, considera esses
resultados conspurcados em sua legitimidade, quando possam haver decorrido dessa
influência. Como se deve entender, todavia, a expressão influência do poder econômico?
É bem verdade que a Lei Complementar nº 64/1990, que hoje veicula as demais
causas de inelegibilidade conhecidas no Direito Eleitoral brasileiro – além daquelas
previstas pela própria Constituição –, em seu art. 1º, inciso I, alínea “d”, com a redação
que lhe foi conferida pela Lei Complementar nº 135, de 2010, que passou a ser conhecida
como “Lei da Ficha Limpa”, afirma a inelegibilidade dos que “tenham contra sua pessoa
representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em
julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder
econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados,
bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”. Seria, porém, a
influência do poder econômico, a que se refere o texto constitucional, o mesmo que
abuso do poder econômico, na dicção do texto da lei complementar?
Veja-se o comentário de Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao aludido §9º do art.
14 da Constituição:

Influência do poder econômico. O uso da riqueza para objetivos político-eleitorais é


condenado pelo texto em estudo. Note-se que, no dispositivo em vigor, ao contrário
do estabelecido no direito anterior, não é só o abuso do poder econômico que deve ser
reprimido. Também o seu uso, ou seja, a sua influência há de ser coibida. Por isso, a lei
deverá tornar inelegíveis todos aqueles que possam prevalecer-se da riqueza para influir
nos pleitos eleitorais, e não apenas excluir os que dela abusaram.1

Efetivamente, a Constituição de 1967, até a Emenda Constitucional nº 1, de 17


de outubro de 1969, em seu art. 148, inciso III, fazia referência a que lei complementar
pudesse prever outras causas de inelegibilidade, além das já então consignadas no
próprio texto constitucional, desde que por meio dessa previsão se pudesse assegurar,

1
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. v. 1. Arts. 1º a 43. São Paulo:
Saraiva, 1990. p. 13. [Os negritos constam no original.]

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18 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

entre outros valores, a “normalidade e legitimidade das eleições, contra o abuso do


poder econômico e do exercício dos cargos ou funções públicas”.2
Com a Emenda Constitucional nº 1/1969,3 persistiu a possibilidade de que lei
complementar previsse outras causas de inelegibilidade, além daquelas versadas no
próprio texto constitucional, para preservação, porém, da normalidade e legitimidade
das eleições não mais apenas em face do abuso do poder econômico, mas já agora da
sua influência. A redação do dispositivo era a seguinte:

Art. 151. Lei complementar estabelecerá os casos de inelegibilidade e os prazos dentro


dos quais cessará esta, visando a preservar:
(...)
III – a normalidade e legitimidade das eleições contra influência ou o abuso do exercício
de função, cargo ou emprego públicos da administração direta ou indireta, ou do poder
econômico; (...).4

Aquele dispositivo da Emenda Constitucional nº 1/1969 mereceu de Manoel


Gonçalves Ferreira Filho o mesmo comentário por ele feito ao §9º do art. 14 da atual
Constituição.5
Não existe a menor razão para que se discorde desse pensamento. Acredita-se,
todavia, que o dispositivo comentado possa sofrer interpretação ainda mais ampla.
A situação já não será unicamente de afastar-se do pleito, pela previsão de sua
inelegibilidade, aquele que poderia prevalecer-se de sua riqueza e do poder que esta
lhe possa trazer, empregando a primeira e exercendo o segundo de modo abusivo para
influir nos pleitos eleitorais. Certamente que tal providência é salutar, tanto que levou
à previsão dos prazos de desincompatibilização previstos pelo art. 1º, II, alíneas “e”,
“f” e “h”, da Lei Complementar nº 64/1990.6

2
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Todas as Constituições do Brasil: compilação dos
textos, notas, revisão e índices. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1976. p. 125.
3
A propósito da Emenda Constitucional nº 1/1969, vale lembrar a observação de Paulino Jacques, para quem, por
haver ela introduzido mais de duzentas alterações na Constituição de 1967, que continha apenas 189 artigos:
“importou, pragmaticamente, na outorga de nova Carta Política, denominada ‘Constituição da República
Federativa do Brasil’” (JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
p. 156).
4
CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, op. cit., p. 54.
5
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. v. 3. Arts. 130 a 210. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1977. p. 63.
6
Lei Complementar nº 64/1990: “Art. 1º São inelegíveis: (...) II – para Presidente e Vice-Presidente da República:
(...) e) os que, até 6 (seis) meses antes da eleição, tenham exercido cargo ou função de direção, administração ou
representação nas empresas de que tratam os arts. 3º e 5º da Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, quando,
pelo âmbito e natureza de suas atividades, possam tais empresas influir na economia nacional; f) os que,
detendo o controle de empresas ou grupos de empresas que atuem no Brasil, nas condições monopolísticas
previstas no parágrafo único do art. 5º da lei citada na alínea anterior, não apresentarem à Justiça Eleitoral, até
6 (seis) meses antes do pleito, a prova de que fizeram cessar o abuso apurado, do poder econômico, ou de que
transferiram, por força regular, o controle de referidas empresas ou grupos de empresas; (...) h) os que, até 6
(seis) meses depois de afastados das funções, tenham exercido cargo de Presidente, Diretor ou Superintendente
de sociedades com objetivos exclusivos de operações financeiras e façam publicamente apelo à poupança e ao
crédito, inclusive através de cooperativas e da empresa ou estabelecimentos que gozem, sob qualquer forma,
de vantagens asseguradas pelo Poder Público, salvo se decorrentes de contratos que obedeçam a cláusulas
uniformes; (...)”. As referências à Lei nº 4.137/1962 devem ser hoje substituídas pela referência aos dispositivos
equivalentes constantes na Lei nº 8.884/1994.

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FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO, O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO...
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Na medida em que o §9º do art. 14 da Constituição permitiu que lei complementar


erigisse à categoria de causas de inelegibilidade fatos que pudessem conspurcar a
normalidade e legitimidade das eleições em face da influência do poder econômico,
deve tal parágrafo ser interpretado de maneira abrangente.
O que ele contém sem dúvida alguma é mensagem de que, além de proscrever
o abuso do poder econômico, chega a proscrever o seu uso, como mecanismo capaz de
influir na vontade do eleitorado, produzindo com isso distorções e, principalmente,
acarretando desigualdades insuperáveis entre os que são e os que não são detentores
de poder econômico.
Para que tal conclusão fique mais clara, basta que se faça a distinção entre in­
fluência do poder econômico – expressão utilizada pelo §9º do art. 14 da Constituição –
e abuso.
Influência significa interferência ou, ao menos, possibilidade de interferência de
um determinado fenômeno em outro. Há influência de um fenômeno sobre outro quando
o primeiro interfere, em maior ou menor extensão, na produção do segundo. A palavra
influência, aqui, como se verifica, tem conotação que se aproxima da expressão “nexo
de causalidade”. Influir é interferir, podendo produzir um determinado fenômeno ou
podendo modificá-lo.
Dessa perspectiva, a influência do poder econômico nas eleições estará instalada
sempre que, ao menos potencialmente, pelo uso desse poder se possa modificar o
resultado das eleições.
Já a palavra abuso tem conotação bastante distinta.
Com precisão, Pedro Henrique Távora Niess resumiu isso: “Nada há de errado
com o poder, desde que não interfira na liberdade, respeitando o Direito. Abusar do
poder é ir além do permitido”.7
Já tivemos ocasião de dizer o mesmo, porém empregando mais palavras:

O abuso do poder econômico, cuja ocorrência justifica a inelegibilidade, é o emprego de


recursos produtivos (bens e serviços de empresas particulares, ou recursos próprios do
candidato que seja mais abastado), fora da moldura para tanto traçada pelas regras de
financiamento de campanha constantes da Lei nº 9.504/1997, com o objetivo de propiciar
a eleição de determinado candidato.8

Na mesma senda caminha Joel José Cândido:

O “uso” do poder é lícito e em nenhum momento é vedado pela legislação. Basta, tão só,
que ele seja exercido com observância da lei e por quem possa exercê-lo, ou seja, o eleitor,
as pessoas jurídicas, os partidos, coligações e os candidatos. O ilegal é o “abuso” de poder
que se caracteriza pelo excesso ou demasia com que esse poder (seja econômico, político ou
de autoridade) é exercido, buscando benefícios eleitorais, deturpando o processo eleitoral
e influindo em seus resultados naturais.9

7
NIESS, Pedro Henrique Távora. Ação de impugnação de mandato eletivo. Bauru, SP: Edipro, 1996. p. 24.
8
DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidades. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 163.
9
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no Direito brasileiro. Bauru, SP: Edipro, 1999. p. 337. Ressalva-se apenas
que atualmente as pessoas jurídicas não mais podem realizar doações para campanhas eleitorais, diante da
revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/97, que previa tal possibilidade.

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20 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Nas palavras de Orlando Vaz:

O abuso do poder econômico pode ser entendido, e deve ser comprovado, como o excesso
de gastos no processo eleitoral, através do qual o candidato pode conquistar o mandato
eletivo. É evidente que os gastos declarados pelo partido político, controlados e legalmente
admitidos pela Justiça Eleitoral, não constituem abuso. Este se caracteriza pelo mau uso,
ou uso errado, excessivo ou injusto, como na própria definição etimológica do termo.
Para que fique caracterizado o abuso, o candidato fará prevalecer a gastança exorbitante
e descomedida, incidente pela utilização do poder econômico excessivo.10

Também Antônio Carlos Mendes assim se expressa:

A noção de “abuso” traduz comportamento contrário ao direito ou ao que excede os


limites e finalidades consagradas pela ordem jurídica. Nesse sentido, fala-se em “abuso
de direito” quando alguém exercita um direito, mas em aberta contradição, seja com o
fim (econômico) a que esse direito se encontra adstrito, seja com o condicionamento ético-
jurídico (boa-fé, bons costumes, etc.).

Com efeito, a doutrina utiliza-se da expressão “abuso do poder” para significar o


uso abusivo ou o uso do poder para além da medida legal, excesso ou desvio de poder,
uso arbitrário ou ilícito do poder.11
A observação é perfeita: o abuso é o uso para além do permitido.
Como conclusão, pode-se afirmar que o abuso do poder econômico consiste no
seu uso – é dizer, no emprego desse poder – para além do permitido.
Outra conclusão evidente salta então aos olhos: se o abuso do poder econômico
nas eleições significa o seu uso para além do permitido, então se tem que se acha
permitido o uso do poder econômico nas eleições, desde que mantido dentro da moldura
legal traçada.
Essa possibilidade do uso do poder econômico nas eleições advém particularmente
do financiamento privado das campanhas eleitorais.

1.3 Financiamento privado de campanhas eleitorais


A Lei nº 9.504, de 1997, que regula as eleições, em sua versão original, previa
três possíveis fontes de recursos privados para financiamento de campanhas eleitorais.
Inicialmente, no caput de seu artigo 23, previa – e ainda continua prevendo hoje –
a possibilidade de que pessoas físicas realizem doações para campanhas eleitorais.
O respectivo §1º limita tais doações a no máximo 10% (dez por cento) dos rendimentos
brutos do doador, no ano imediatamente anterior àquele em que ocorrer o pleito. Este
limite deve ser considerado por doador e não por candidato ou partido ao qual pretenda
ele realizá-la. Desta sorte, caso seu intento seja o de ofertar suporte financeiro a mais de

10
VAZ, Orlando. Impugnação de mandato eletivo. In: VELLOSO, Carlos Mário da Silva; ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 349.
11
MENDES, Antônio Carlos. Aspectos da ação de impugnação de mandato eletivo. In: VELLOSO, Carlos Mário
da Silva; ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 338-339.

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FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO, O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO...
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um candidato ou mesmo a mais de um partido, a soma das doações que a todos faça
não poderá exceder o aludido limite.
A Lei nº 13.488, de 2017, como aprovada pelo Congresso, propunha alteração
no §1º de seu art. 23. Manteve o limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos pela
pessoa física doadora no ano imediatamente anterior ao da eleição, mas acrescentou
também que tal montante ficava ainda “limitado a dez salários mínimos para cada
cargo ou chapa majoritária em disputa, somadas todas as doações”. Essa nova redação
do parágrafo, todavia, foi vetada pela Presidência da República. Em consequência, o
parágrafo manteve a redação original, persistindo vigente, pois, apenas o aludido limite
de 10% dos rendimentos brutos do doador no ano imediatamente anterior ao da eleição,
ainda que seja superior a 10 salários mínimos.
Essa segunda limitação era, todavia, salutar. Resulta isso da circunstância de
que 10% dos rendimentos brutos do doador pessoa física no ano que precede o da
eleição podem significar quantia bastante elevada, quando se trate de rendimentos
que também hajam sido de grande monta. E veja-se que o limite de 10% não abrange
apenas os rendimentos sujeitos à incidência do imposto sobre a renda da pessoa
física, mas todos os rendimentos por ela auferidos, inclusive os eventualmente não
tributáveis. Um segundo limite, representado por uma quantia de salários mínimos por
doador, representaria contribuição significativa justamente para ainda mais afastar a
possibilidade da influência do poder econômico no resultados das eleições.
O que se tem atualmente é um limite máximo implícito, correspondente ao limite
de gastos de campanha que possam ser realizados para cada cargo em disputa, previsto,
especificamente para as eleições de 2018, em disposição transitória, pelo art. 5º da Lei
nº 13.488/2017 e cuja fixação, para as demais eleições subsequentes, ainda haverá de
ocorrer nos termos previstos pelos arts. 5º, 6º e 7º, da Lei nº 13.165/15, que se acham
transcritos mais à frente.
Convém registrar ainda que, de acordo com o §7º do artigo 23 da Lei nº 9.504/97,
com redação nos termos da Lei nº 13.165, de 2015, o limite previsto no §1º do artigo não se
aplica às doações estimáveis em dinheiro feitas por pessoas físicas a partidos, coligações
ou candidatos, relativas à cessão do uso de bens móveis ou imóveis de propriedade do
doador para a campanha eleitoral, desde que o valor estimado desse uso gratuitamente
cedido não ultrapasse a importância de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), nos termos da
redação conferida ao parágrafo pela Lei nº 13.488/17 (o limite anterior, que prevaleceu
nas eleições de 2016, era de 80.000,00 – oitenta mil reais).
Relativamente ao financiamento de campanhas eleitorais mediante doações de
pessoas físicas, a Lei nº 13.488, de 2017, inseriu na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), o
inciso IV ao §4º de seu artigo 23, permitindo a arrecadação de tais doações mediante
peculiar processo, assim disciplinado:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para
campanhas eleitorais, obedecido ao disposto nesta Lei.
(...)
§4º As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta mencionada
no art. 22 desta Lei por meio de:
(...)

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22 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

IV – instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de


sítios na internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares, que deverão atender
aos seguintes requisitos:
a) cadastro prévio na Justiça Eleitoral, que estabelecerá regulamentação para prestação de
contas, fiscalização instantânea das doações, contas intermediárias, se houver, e repasses
aos candidatos;
b) identificação obrigatória, com o nome completo e o número de inscrição no Cadastro
de Pessoas Físicas (CPF) de cada um dos doadores e das quantias doadas;
c) disponibilização em sítio eletrônico de lista com identificação dos doadores e das
respectivas quantias doadas, a ser atualizada instantaneamente a cada nova doação;
d) emissão obrigatória de recibo para o doador, relativo a cada doação realizada, sob a
responsabilidade da entidade arrecadadora, com envio imediato para a Justiça Eleitoral
e para o candidato de todas as informações relativas à doação;
e) ampla ciência a candidatos e eleitores acerca das taxas administrativas a serem cobradas
pela realização do serviço;
f) não incidência em quaisquer das hipóteses listadas no art. 24 desta Lei;
g) observância do calendário eleitoral, especialmente no que diz respeito ao início do
período de arrecadação financeira, nos termos dispostos no §2º do art. 22-A desta Lei;
h) observância dos dispositivos desta Lei relacionados à propaganda na internet;

Nos termos do §3º, do art. 22-A, da Lei nº 9.504/97, também acrescentado pela Lei
nº 13.488/2017, “desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos
a arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do §4º do art.
23 desta Lei, mas a liberação de recursos por parte das entidades arrecadadoras fica
condicionada ao registro da candidatura, e a realização de despesas de campanha deverá
observar o calendário eleitoral”.
A julgar pela redação desse parágrafo, as doações nos termos do inciso IV do §4º
do art. 23 somente haveriam de ter por destinatários os pré-candidatos. Interpretação
literal levaria à conclusão de que essa sistemática de doação não poderia ser utilizada
pelos partidos como um todo, para posterior distribuição dos recursos recebidos entre
seus diversos candidatos.
Sem embargo, importante lembrar que a Emenda Constitucional nº 97, de 2017,
inseriu na Constituição duas modificações bastante significativas, no que tange ao
funcionamento dos partidos políticos.
Inicialmente, alterando o “caput” do art. 17 da Constituição, passou a limitar a
possibilidade da formação de coligações partidárias apenas às eleições majoritárias,
o que excluiu a possibilidade de que restassem celebradas também para coligações
obedientes ao sistema proporcional. O artigo 2º da Emenda definiu que a vedação à
formação de coligações para as eleições proporcionais teria início naquelas a serem
realizadas no ano de 2020.
Noutra perspectiva, a mesma Emenda Constitucional acrescentou o §3º ao artigo
17 da Constituição, estabelecendo limites mínimos de desempenho nas eleições para
a Câmara dos Deputados, para que os partidos tivessem acesso a recursos do Fundo
Partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão. A regra permanente, contida no
aludido parágrafo, a aplicar-se a partir dos resultados das eleições de 2030, é a seguinte:

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Art. 17. (...)


§3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo 3% (três por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas, ou
II – tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.

No parágrafo único de seu artigo 3º, a Emenda Constitucional nº 97/2017


estabeleceu regras de transição, a serem observadas a partir do resultado das eleições de
2018, para a exclusão da percepção de recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao
rádio e à televisão (observe-se, todavia, que a Lei nº 13.487, de 2017, revogou os artigos
45 a 49 da Lei nº 9.096, de 1995 – Lei dos Partidos Políticos, que dispunham justamente
sobre a propaganda partidária gratuita em rádio e televisão; a propaganda eleitoral
gratuita, prevista na Lei nº 9.504/97, todavia, persiste existindo).
Estas duas disposições – vedação da formação de coligações para as eleições
obedientes ao sistema proporcional, e atendimento de exigências mínimas de despenho
nas eleições para a Câmara dos Deputados, para percepção de recursos do fundo
partidário e acesso gratuito ao rádio e televisão –, destinam-se sem dúvida alguma ao
fortalecimento das agremiações partidárias, na medida em que determinarão, em tese,
a persistência no cenário partidário, apenas daquelas que mostrarem mais aptidão
efetiva para a obtenção de votos, recebendo a preferência de um significativo número
de eleitores.
Ora, se este de fato foi o propósito da aludida Emenda Constitucional, então se
pode concluir que a arrecadação de recursos de campanha através da sistemática insti­
tuída pelo inciso IV do §4º, do art. 23, da Lei nº 9.504/97, pode ser utilizada também
para que os partidos busquem os recursos necessários à eleição de quaisquer de seus
candidatos, não havendo que ficar limitada aos próprios pré-candidatos.
Se as doações na forma do art. 23, §4º, inciso IV, podem ter início em 15 de maio
do ano em que se realizar a eleição, as demais doações de pessoas físicas somente
poderão ocorrer a partir do momento em que o candidato promova a abertura da conta
bancária destinada especificamente à movimentação de seus recursos de campanha,
como previsto pelo §4º, do art. 23 da Lei nº 9.504/97. A abertura da referida conta é
determinada pelo “caput” do art. 22 da mesma lei.
Acresça-se a previsão contida no art. 27 da Lei nº 9.504/97, segundo o qual
“qualquer eleitor poderá realizar gastos, em apoio a candidato de sua preferência,
até a quantia equivalente a um mil UFIR, não sujeitos a contabilização, desde que
não reeembolsados”. Não se trata de doações de recursos financeiros ou materiais de
campanha realizados pelo eleitor ao candidato, mas sim de despesas que o próprio
eleitor realize, para desenvolver atividade pessoal em prol de certa candidatura, como,
por exemplo, a colocação espontânea de cartaz de propaganda eleitoral em bem de sua
propriedade.
A Lei nº 9.504/97 também permite (e já o fazia desde o início da vigência do
diploma) o emprego de recursos próprios do candidato, para custeio das despesas com
sua campanha eleitoral. O tema vem atualmente disciplinado pelo §1º-A, do art. 23,

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24 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

da referida Lei, acrescentado a ela pela Lei nº 13.165, de 2015, devendo o emprego de
recursos próprios do candidato, todavia, resguardar o limite máximo de gastos para a
campanha, para o cargo que pretenda disputar.
Ainda na versão original da Lei nº 9.504/97, o respectivo artigo 81 permitia que
pessoas jurídicas fizessem doações para campanhas eleitorais. O respectivo §1º limitava-
lhes o valor, considerando o conjunto dos partidos, coligações ou candidatos aos quais
a pessoa jurídica pretendesse doar, a 2% (dois por cento) de seu faturamento bruto no
ano imediatamente anterior ao da eleição.
Na ação direta de inconstitucionalidade nº 4.650-DF, relatada pelo eminente
Ministro Luiz Fux, acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 24-02-16 (data
da publicação), p. 27, o colendo Supremo Tribunal Federal, embora reconhecendo
que a simples previsão da possibilidade de que pessoas jurídicas realizem doações
para campanhas eleitorais não ofende a Constituição, não obstante julgou a ação
“parcialmente procedente para assentar apenas e tão somente a inconstitucionalidade
parcial sem redução de texto do art. 31 da Lei nº 9.096/95, na parte em que autoriza,
a contrario sensu, a realização de doações por pessoas jurídicas a partidos políticos, e
pela declaração de inconstitucionalidade das expressões ‘ou pessoa jurídica’, constante
no art. 38, inciso III, e ‘e jurídicas’, inserta no art. 39, caput e §5º, todos os preceitos da
Lei no 9.096/95” (o grifo consta do original). Os dispositivos da Lei nº 9.096/95 previam
doações de pessoas jurídicas aos partidos, não especificamente para uso em campanhas
eleitorais, mas para o seu funcionamento no dia a dia.
Particularmente a propósito do limite máximo de doações de pessoas jurídicas
para campanhas eleitorais, de toda conveniência que se relembre passagem da ementa
do v. acórdão pelo qual decidida a mencionada ação:

7. Os limites previstos pela legislação de regência para a doação de pessoas jurídicas para
as campanhas eleitorais se afiguram assaz insuficientes a coibir, ou, ao menos, amainar, a
captura do político pelo poder econômico, de maneira a criar indesejada “plutocratização”
do processo político.
(...)
9. A doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, antes de refletir eventuais
preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores, no afã de
estreitar suas relações com o poder público, em pactos, muitas vezes, desprovidos de
espírito republicano.

O artigo 81 e seus parágrafos, da Lei nº 9.504/97, foram finalmente revogados


de modo expresso pela Lei nº 13.165, de 2015. Publicada que foi mais de um ano antes
da data em que se realizaram as eleições de 2016, já por ocasião delas as doações de
pessoas jurídicas para campanhas eleitorais estiveram vedadas. Sem embargo, não restou
estipulada sanção para doações que venham a ser realizadas por pessoas jurídicas. Não
é provável que ocorram de maneira direta, mas podem, eventualmente, ser disfarçadas
por um conjunto de doações supostamente realizadas por pessoas físicas, como doações
de muitos empregados de empresa em prol de um mesmo candidato, a indicar que na
realidade receberam os recursos da empregadora, que será, então, a verdadeira doadora.
Atualmente, portanto, as únicas fontes privadas de recursos a serem empregados
nas campanhas eleitorais são as doações de pessoas físicas e os recursos próprios do

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candidato, sem prejuízo das despesas que o próprio eleitor realize, observado o limite
previsto pelo art. 27 da Lei nº 9.504/97, como acima apontado.
Considerado o anterior cenário de financiamento privado das campanhas
eleitorais, compreendendo ainda as doações realizadas por pessoas jurídicas, o que se
tinha, na verdade, era a instalação de um quadro em que a influência do poder econômico
podia acabar sendo decisiva para o sucesso de uma candidatura.
Certamente que esta influência restará diminuída com o afastamento das doações
de campanha realizadas por pessoas jurídicas, como já noticiado. Sem embargo, poderá
vir a ocorrer que os titulares do controle e até mesmo eventuais administradores
melhor aquinhoados de pessoas jurídicas venham a ampliar as doações que façam na
qualidade de pessoas físicas, ainda que limitadas ao teto de 10% (dez por cento) de seus
rendimentos brutos do ano imediatamente anterior ao da eleição.
De resto, a possibilidade de uso de recursos próprios do candidato, limitados,
inclusive, ao máximo de gastos de campanha que venha a ser fixado pelo TSE, observados
parâmetros legalmente estabelecidos, ainda permite o favorecimento, durante a disputa,
daquele candidato que seja ele próprio melhor bafejado pela fortuna.
O que a Constituição pretendeu, ao dizer que a normalidade e a legitimidade das
eleições não deveriam ser maculadas pela influência do poder econômico – entendida a
palavra no sentido já anteriormente apresentado –, está agora talvez mais próximo, mas
ainda longe de ser alcançado, levando em consideração o sistema legal de financiamento
de campanhas eleitorais como permanece hoje em vigor, ainda possibilitando situações
de amplo financiamento de campanhas com recursos privados.
Isso, por evidente, importa também em afronta ao princípio constitucional da
isonomia, no que tange às candidaturas a um mesmo mandato eletivo. Candidato que
dispuser de mais recursos econômicos e deles fizer uso eficiente poderá, em princípio,
ter melhores oportunidades de sensibilizar os eleitores, do que candidato cujo aporte
de recursos for menor.
Em suma, o financiamento privado de campanhas eleitorais, como ainda
disciplinado hoje entre nós, a um tempo permite que se instile – e de modo aberto, sem
que sequer se possa falar em abuso – a influência do poder econômico nas eleições e que,
justamente em virtude disso, se quebre o princípio da igualdade de todos os candidatos
no pleito. Maiores chances, potencialmente, para os que consigam mobilizar maiores
recursos financeiros.
O sistema legal disciplinador das eleições brasileiras coíbe o abuso do poder
econômico, mas não lhe interdita o uso. Abuso é uso para além do permitido, e para
uso ainda há consideráveis possibilidades.
Nas palavras de José Cretella Júnior acerca do §9º do art. 14 da Constituição:

A primeira finalidade da lei complementar que estabelecerá outros casos de inelegibilidade


e os prazos de sua cessação é a de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições
contra a influência do poder econômico. Forças econômicas poderosas poderão atentar
contra a normalidade e legitimidade de eleições concluídas, impugnando-lhes a validade,
em defesa de interesses de empresas.12

12
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Federal de 1988. v. 2. Arts. 5º (LXVIII a LXXVIII) a 17. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1989. p. 1108-1109.

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Ou, nas palavras de Fávila Ribeiro:

A luta contra o abuso é, portanto, menos restrita do que se possa supor, tendo de cobrir
todos os flancos, escudando-se nos mananciais da ordem, seja para impedir as mani­
festações opressivas do poder com dano para a liberdade, seja também a não permitir
que esta degenere com exorbitâncias possessivas, articulando situações discriminatórias
que levam ao aniquilamento das reservas essenciais da igualdade, solapando as bases da
justiça na convivência social e da equidade na participação política.13

Em verdade, não se cuida apenas de prevenir o abuso do poder. Trata-se, mais


que isso, de preservar a igualdade, proscrevendo o próprio uso do poder econômico
nas eleições.

1.4 O financiamento público de campanhas eleitorais, como potencial


solução para o problema de afronta ao texto constitucional, antes
anunciado
O financiamento público das campanhas eleitorais, a despeito das dificuldades
de disciplinamento e de operacionalização que possa acarretar, serve como solução ao
problema constitucional que se acaba de ferir.
O financiamento privado de campanhas eleitorais permite que a maior abundância
de recursos econômicos possa influir no resultado das eleições, o que decididamente o
§9º do art. 14 da Constituição não deseja.
Além da violação ao pretendido pelo §9º do art. 14 da Constituição, segundo
já se viu, esse sistema de financiamento de campanhas eleitorais malfere o princípio
constitucional da isonomia, permitindo, em tese, melhores oportunidades de obtenção
de votos àqueles que tenham ao seu dispor maior volume de recursos de campanha,
em detrimento daqueles que possam servir-se apenas de cifras mais modestas.
Mas também não teria nenhum cabimento cogitar da simples supressão das cam­
panhas eleitorais. Tal seria virtualmente negar ao candidato o direito de comunicar-se
com o eleitor e negar a este último o mínimo de condições para informar-se acerca do
pensamento de quantos concorrem ao pleito, de sorte a munir-se de critérios que lhe
permitam optar no momento do voto.
As campanhas eleitorais são inerentes à democracia representativa. Sem elas,
veda-se a possibilidade do intercâmbio entre candidatos, partidos e eleitores, embora
esse intercâmbio esteja cada vez mais convertido em via de mão única, por força do
peso específico da propaganda via rádio e televisão, ou mesmo pela internet, que per­
mite aos candidatos dizerem o que pensam, embora não propiciem necessariamente
caminhos para que também o eleitor se faça por eles ouvir. De qualquer sorte, essa
deficiência na comunicação, que transforma o potencial diálogo em monólogo, ainda
assim jamais poderia ser havida como justificativa capaz de fazer supor dispensável a
campanha eleitoral.
Necessária que se mostra a campanha, evidente também que, para empreendê-
la, há necessidade de que os recursos financeiros para tanto imprescindíveis estejam

13
RIBEIRO, Fávila. Abuso de poder no Direito Eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 21-22.

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disponíveis. Se a campanha é premissa da democracia representativa, pois significa a


oportunidade para que partidos e candidatos entrem em contato com o eleitorado e lhe
exponham seu pensamento, de sorte a sensibilizá-lo para conferir-lhe seu voto, também
é inegável que a realização dessa comunicação não prescinde de recursos econômicos.
Inviável cogitar, portanto, da supressão das campanhas. O que se afigura
necessário é encontrar mecanismos para o custeio, que a um tempo respeitem a pretensão
constitucional de afastar a influência (e não simplesmente o abuso) do poder econômico
do âmbito das campanhas e, com isso, propiciar equalização dos candidatos nessa
perspectiva de comunicação com o eleitorado.
Se o financiamento privado de campanhas eleitorais, especialmente quando
associado à inexistência de qualquer limite estipulado previamente em lei para os
gastos de campanha (como noutros tempos já ocorreu entre nós, embora atualmente
haja previsão de limites) não tende a esse objetivo, a alternativa disponível consiste no
financiamento público das campanhas.
Certo que se poderia objetar quanto à suficiência do estabelecimento de limites
legais, ainda que elevados, para os gastos de campanha eleitoral, mantido o seu custeio
com recursos de origem particular.
Isso, porém, não resolveria nem o problema da potencial influência do poder
econômico no resultado das eleições, nem o da quebra da isonomia entre os candidatos,
na perspectiva das disponibilidades de recursos. Não resolveria o primeiro problema
porque, previsto limite suficiente (e provavelmente elevado) para os gastos de
campanhas eleitorais, ainda assim a origem privada dos recursos empregados no
pagamento desses gastos permitiria a influência do poder econômico. Nem resolveria
o problema de igualdade entre os candidatos, considerando justamente que haveria
aqueles com maior capacidade de mobilização de recursos financeiros (mesmo existindo
um limite máximo legalmente previsto), o que sempre manteria a possibilidade de
colocá-los em situação de vantagem em face daqueles que somente conseguem alavancar
recursos de menor monta.
Vai daí ser o financiamento público das campanhas eleitorais, em limites
suficientes para fazer face a gastos com campanha eleitoral com qualidade e amplitude
para alcançar todo o corpo eleitoral e também para servir como fonte de informação e,
assim, de convencimento, a solução para a temática exposta.

1.5 O uso de recursos do Fundo Partidário para custeio de despesas de


campanhas eleitorais
O artigo 38 da Lei nº 9.096, de 1995, que dispõe sobre os partidos políticos, instituiu
o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, ou, simplesmente,
Fundo Partidário, cujos recursos serão hauridos das seguintes fontes:

Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo
Partidário) é constituído por:
I – multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis
conexas;
II – recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou
eventual;

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28 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

III – doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários
diretamente na conta do Fundo Partidário;
IV – dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número
de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária,
multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995.

A maior parte dos recursos do Fundo Partidário é proveniente das dotações


orçamentárias da União, nos termos do inciso IV do artigo transcrito acima, somados aos
valores representados pelas multas aplicadas por infrações ao Código Eleitoral e outras
leis eleitorais. Na essência, portanto, os recursos do Fundo Partidário constituem-se
essencialmente de recursos públicos, que assumem caráter privado ao serem entregues
pelo Tribunal Superior Eleitoral aos partidos, observados os critérios estabelecidos no
art. 41-A da Lei nº 9.096/95 para a respectiva distribuição entre eles.
Não há restrição a que os recursos do Fundo Partidário sejam utilizados para
custeio de despesas dos partidos com campanhas eleitorais de seus candidatos. Aliás, o
inciso III, do art. 44, da Lei nº 9.096/95, autoriza expressamente o emprego de recursos
do Fundo Partidário nas campanhas eleitorais.
Para ilustrar, o quadro a seguir indica qual o montante dos recursos do Fundo
Partidário, representados por dotações da União e por multas aplicadas por violações
à legislação eleitoral, desde 2010 até o mês de setembro de 2017, segundo dados do TSE
(Disponível em: <http://www.tse.jus.br>. Acesso em: 09 out. 2017):

ano recursos orçamentários (em reais) multas (em reais)

2010 160.375.147,56 36.351.753,51

2011 265.351.547,00 43.350,500,00

2012 286.288.520,00 63.308.370,87

2013 294.168.124,00 67.782.477,79

2014 308.201.016,21 57.472.973,81

2015 811.285.000,00 56.284.220,00

2016 737.890.048,00 81.241.412,00

2017 453.509.835,94 (até 09/17) 48.163.267,45(até 08/17)

A gestão da parcela dos recursos do Fundo Partidário a ser distribuída a cada


partido obedece a critérios definidos pelo próprio partido, inclusive no que tange à
definição do uso ou não de uma parte desses recursos para campanhas eleitorais e,
caso esta opção seja feita, que campanhas serão custeadas com recursos do Fundo
pelo partido. Não há obrigatoriedade de que parte dos recursos seja empregada pelos
partidos em suas campanhas eleitorais.
Os recursos do Fundo Partidário devem ser distribuídos aos partidos políticos
que tenha registro no TSE de acordo com os critérios previstos pelo art. 41-A da Lei
nº 9.096/95, o qual, nos termos das Leis ns. 12.875, de 2013 (inciso II do caput), 13.107,
de 2015 (parágrafo único) e 13.165, de 2015 (inciso I do caput), acha-se assim redigido:

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Art. 41-A. Do total do Fundo Partidário:


I – 5% (cinco por cento) serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos
que atendam aos requisitos constitucionais de acesso aos recursos do Fundo Partidário; e
II – 95% (noventa e cinco por cento) serão distribuídos aos partidos na proporção dos
votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II, serão desconsideradas as mudanças
de filiação partidária em quaisquer hipóteses.

Os recursos do Fundo Partidário, por elevados que sejam, não se mostram sufi­
cientes para o custeio de todas as campanhas eleitorais das quais os partidos participam.
Como já foi observado no item 1.3, supra, a Emenda Constitucional nº 97, de
2017, estabeleceu cláusulas de desempenho dos partidos políticos nas eleições para a
Câmara dos Deputados, para acesso a recursos do Fundo Partidário.
Relembrando, a regra permanente contida no §3º do art. 17 da Constituição,
acrescentado pela referida Emenda, tem o seguinte conteúdo:

Art. 17. (...)


§3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo 3% (três por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas, ou
II – tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.

O art. 3º da Emenda prevê que essas regras terão aplicação a partir dos resultados
das eleições de 2030, estabelecendo regras de transição, gradativamente mais severas,
para as eleições de 2018, 2022 e 2026.

1.6 O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEPC),


instituído pela Lei nº 13.487/2017
Com o desaparecimento da possibilidade de que as campanhas eleitorais sejam
custeadas com doações de pessoas jurídicas, que representavam, em muitas eleições, a
parcela mais significativa dos recursos nelas empregados pelos candidatos e partidos,
e considerando a total ausência de tradição tocante a doações de pessoas físicas para o
custeio das campanhas, a necessidade da busca de fontes outras para o financiamento
da propaganda eleitoral tornou-se aguda.
A opção adotada foi a instituição do Fundo Especial de Financiamento de
Campanha – FEFC, pela Lei nº 13.487, de 2017, inserindo na Lei nº 9.504/97 seu artigo
16-C.
Nos termos do novel dispositivo, o Fundo será constituído por dotações
orçamentárias da União, a serem entregues aos partidos por intermédio do Tribunal
Superior Eleitoral, cujo valor equivalerá, no mínimo, ao valor definido, em cada ano
eleitoral, pelo TSE (para cuja definição deve aplicar-se o art. 3º da Lei nº 13.487/17), e
mais “30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso II
do §3º do art. 12 da Lei nº 13.473, de 8 de agosto de 2017”.

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30 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Nos termos do art. 12, §3º, II, da Lei nº 13.473, de 2017, Lei de Diretrizes
Orçamentárias para o exercício de 2018, o projeto de lei orçamentária deverá conter
reservas específicas para atendimento de “programações decorrentes de emendas
de bancada estadual de execução obrigatória e de despesas necessárias ao custeio
de campanhas eleitorais”. De observar-se, para definição do montante dos recursos
do FEFC, a cada eleição, também o disposto no §4º, do art. 12, da Lei de Diretrizes
Orçamentárias para o exercício de 2018, de acordo com o qual “Os valores das reservas
previstas nos incisos I e II do §3º deste artigo serão equivalentes, respectivamente, ao
montante da execução obrigatória de emendas individuais de 2017, calculado nos termos
do §11 do art. 166 da Constituição, e ao montante de execução obrigatória de emendas
de bancada estadual de 2017, corrigidos de acordo com o inciso II do §1º do art. 107 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Não há previsão de que essa parcela
de 30% das reservas mencionadas fique sujeita a correção monetária ao longo do tempo.
Ademais, pela referência expressa aos dispositivos da LDO relativa ao orçamento de
2018, tem-se que os valores resultantes deles haverão de ser observados também para
a composição do montante do FEFC para as eleições subsequentes às de 2018.
Já o art. 3º da Lei nº 13.487, que traça os parâmetros para fixação do valor mínimo
do Fundo pelo TSE em cada ano eleitoral, tem a seguinte redação:

Art. 3º O valor a ser definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, para os fins do disposto no
inciso I do art. 16-C da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, será equivalente à somatória
da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela
divulgação da propaganda partidária efetuada no ano da publicação desta Lei e no ano
imediatamente anterior, atualizada monetariamente, a cada eleição, pelo Índice Nacional
de Preços ao Consumidor (INPC), da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir.

Possível concluir, portanto, que a cada ano eleitoral o montante dos recursos do
Fundo Especial de Financiamento de Campanha, instituído pela Lei nº 13.487/2017,
ficará assim constituído:
I – Somatório da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e tele­
visão houverem recebido pela divulgação de propaganda partidária efetuada
no ano de 2017 (ano de publicação da lei) e no ano imediatamente anterior,
atualizado monetariamente, a cada eleição, pela variação do INPC ou índice
que eventualmente o venha a substituir;
II – 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso
II do §3º do art. 12 da Lei nº 13.473, de 9 de agosto de 2017.
Criar o Fundo e definir o montante dos seus recursos (ou, pelo menos, como se
fez, os critérios para a definição desse montante), era apenas parte do necessário para
a disciplina do financiamento público de campanhas eleitorais.
Daí que os critérios para distribuição dos recursos do FEFC entre os partidos e
também a distribuição do respectivo uso entre as diversas campanhas eleitorais foram
previstos por meio da Lei nº 13.488, também de 2017.
Através da inclusão na Lei nº 9.504/97 de seu artigo 16-D, definiu-se como os
recursos seriam distribuídos entre os partidos.
A redação do dispositivo é a seguinte:

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Art. 16-D. Os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), para


o primeiro turno das eleições, serão distribuídos entre os partidos políticos, obedecidos
aos seguintes critérios:
I – 2% (dois por cento), divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos
registrados no Tribunal Superior Eleitoral;
II – 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que tenham pelo menos um
representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles
obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;
III – 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número
de representantes na Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
IV – 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de
representantes no Senado Federal, consideradas as legendas dos titulares.

O art. 4º da Lei nº 13.488/2017 define como deverá ser apurado o número de


representantes dos partidos na Câmara dos Deputados, a ser considerado no cálculo
das parcelas do FEFC a serem distribuídas a cada partido a cada eleição. O dispositivo
tem a seguinte redação:

Art. 4º. Em 2018, para fins do disposto nos incisos III e IV do caput do art. 16-D da Lei nº
9.504, de 30 de setembro de 1997, a distribuição dos recursos entre os partidos terá por
base o número de representantes titulares na Câmara dos Deputados e no Senado Federal,
apurado em 28 de agosto de 2017 e, nas eleições subsequentes, apurado no último dia da
sessão legislativa imediatamente anterior ao ano eleitoral.

Como se percebe, o dispositivo, embora inserido entre as disposições transitórias


da Lei nº 13.488/2017, contém duas regras, das quais apenas a primeira tem efetivo
caráter de transitoriedade, ao passo que a segunda é definitiva.
A primeira afirma que, para distribuição dos recursos do Fundo Especial de
Campanha Eleitoral relativos ao ano de 2018, deverá ser considerado o número de
representantes de cada partido na Câmara dos Deputados em 28 de agosto de 2017.
Este é a regra transitória.
Já a definitiva, válida para as eleições subsequentes (inclusive as de 2020, mu­
nicipais), afirma que o número de Deputados Federais a considerar para cálculo da
parcela que caberá a cada partido será aquele com os quais contar no último dia da sessão
legislativa imediatamente anterior ao ano da eleição, ou seja, última sessão legislativa
do ano imediatamente anterior àquele em que a eleição deva ocorrer.
Há uma diferença no tocante ao número de Deputados Federais de cada legenda
partidária, para cálculo da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha. Para o primeiro, como se viu no item anterior,
o número de Deputados a considerar será sempre aquele que cada Partido houver
elegido na última eleição para a Câmara dos Deputados, eis que o parágrafo único
do art. 41-A da Lei nº 9.096/95 manda desconsiderar quaisquer mudanças de partido
posterior a essa data.
Já no que tange à distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento
de Campanha (FEPC), o número de Deputados, a partir das eleições de 2020 a ser
con­siderado será aquele com a qual cada agremiação contar ao final de última sessão
legis­lativa anterior ao ano da eleição. Tal conclusão se impõe, inclusive, em função

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32 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

do veto aposto pela Presidência da República à inclusão do §1º do art. 16-D da Lei
nº 9.504/97, inclusão que havia constado da Lei nº 13.487/2017, que criou o Fundo.
O dispositivo objeto do veto propunha que o número de Deputados Federais a considerar
para distribuição dos recursos do FEFC seria aquele resultante da eleição. Tal traria,
inclusive, dificuldades para cálculo da participação no Fundo, que devesse caber a
partidos criados posteriormente à eleição e que contassem com Deputados Federais,
que optaram por neles ingressar, deixando a legenda pela qual haviam sido eleitos.
Assim, as migrações partidárias de Deputados Federais que possam haver
ocorrido desde a última eleição e que não tenham resultado em perda do mandato,
por estarem compreendidas nas exceções à perda, acarretada pela mudança de partido,
contidas no art. 22-A da Lei nº 9.096/95, acrescido pela lei nº 13.165/2015, contribuirão
para incrementar a participação no Fundo daquele partido para ao qual se hajam filiado
após o pleito no qual hajam sido eleitos, diminuindo também a quota do Fundo destinada
ao partido pelo qual foram eleitos, e que posteriormente deixaram.
As Leis ns. 13.487 e 13.488, de 2017, a primeira responsável pela criação do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e a segunda pela previsão dos critérios
para a distribuição de seu montante total entre os partidos e fixação desses limites
transitórios para as eleições de 2018, não incluem quaisquer dispositivos que definam
como os valores que caibam a cada agremiação devem ser por ela distribuídos entre
os seus diferentes candidatos.
A Lei nº 13.487 apenas estabelece, mediante acréscimo do §7º do art. 16-C à Lei
nº 9.504/97 (que regula as eleições), que os recursos que caibam a cada partido, após
definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, somente serão postos ao dispor da agremiação
depois que esta houver estabelecido, pelo voto da maioria absoluta dos membros de seu
órgão diretivo nacional, os critérios a serem observados para a respectiva distribuição
interna, e depois de haverem tais critérios sido publicamente divulgados. A lei não
informa, todavia, como deverá ocorrer a divulgação. Mas, devendo ser pública, deve
atingir o público em geral, de sorte que a melhor forma para que a divulgação ocorra
será aquela realizada por intermédio da internet.
A rigor, a lei nem poderia dispor acerca da distribuição da quota de cada partido
no FEFC entre os seus diversos candidatos, considerando que a própria Constituição
Federal, através do §1º de seu artigo 17, assegura aos partidos autonomia para
definirem sua estrutura interna, organização e funcionamento. Neste último aspecto, do
funcionamento, situa-se também a distribuição interna dos recursos do Fundo Especial
de Financiamento de Campanha.
A esse respeito, o §2º, do art. 16-D, da Lei nº 9.504/97, acrescido pela Lei
nº 13.488/2017, afirma apenas que “para que o candidato tenha acesso aos recursos
do Fundo a que se refere este artigo, deverá fazer requerimento por escrito ao órgão
partidário respectivo”.
Segundo já se anotou tanto no item 1.3 (financiamento privado de campanhas
elei­torais) quanto no item 1.5 (Fundo Partidário), supra, a Emenda Constitucional nº 97,
de 2017, estabeleceu cláusulas de desempenho dos partidos, em termos de número total
de votos obtidos para a Câmara dos Deputados, e respectiva distribuição em ao menos
um terço das unidades da Federação, ou, alternativamente, número de Deputados Fede­
rais eleitos, para que tenham direito a acesso a recursos do Fundo Partidário e acesso
gratuito a rádio e televisão.

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FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO, O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO...
33

Estas exigências dizem respeito, todavia, unicamente ao acesso a recursos do


Fundo Partidário, não afetando a eventual participação dos partidos que não hajam
alcançado o desempenho mínimo na distribuição dos recursos integrantes do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

1.7 Os limites máximos de gastos em campanhas eleitorais


A propósito dos limites máximos de gastos de campanhas eleitorais, o art. 17-A da
Lei nº 9.504/97, a ela acrescido pela Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006, assim dispunha:

Art. 17-A. A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10
de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa;
não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de
gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade.

Já o art. 18 da Lei das Eleições, igualmente acrescentado pela Lei nº 11.300/06,


assim dispunha:

Art. 18. No pedido de registro de seus candidatos, os partidos e coligações comunicação


aos respectivos Tribunais Eleitorais os valores máximos de gastos que farão por cargo
eletivo em cada eleição a que concorrerem, observados os limites estabelecidos nos termos
do art. 17-A desta Lei.

O art. 18 teve sua redação modificada pela Lei nº 13.165/15, passando a ter agora
o seguinte conteúdo: “Art. 18. Os limites de gastos de campanha, em cada eleição, são os
definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral com base nos parâmetros definidos em lei”.
Finalmente, o art. 17-A foi revogado expressamente pela Lei nº 13.165/15.
Assim, o contexto que se tem, tocante ao limite máximo de gastos de campanha, é
o de que estes devem ser fixados pelo TSE, atendendo, porém, aos parâmetros definidos
em lei, nos termos da atual redação de seu art. 18.
A definição dos parâmetros a serem utilizados pelo TSE para estabelecimento
dos limites máximos de gastos de campanha para os diferentes cargos constou, a seu
turno, dos arts. 5º, 6º e 7º, da Lei nº 13.165/15, assim redigidos:

Art. 5º O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos às eleições para
Presidente da República, Governador e Prefeito será definido com base nos gastos
declarados, na respectiva circunscrição, na eleição para os mesmos cargos imediatamente
anterior à promulgação desta Lei, observado o seguinte:
I – para o primeiro turno das eleições, o limite será de:
a) 70% (setenta por cento) do maior gasto declarado para o cargo, na circunscrição eleitoral
em que houve apenas um turno;
b) 50% (cinquenta por cento) do maior gasto declarado para o cargo, na circunscrição
eleitoral em que houve dois turnos;
II – para o segundo turno das eleições, onde houver, o limite de gastos será de 30% (trinta
por cento) do valor previsto no inciso I.
Parágrafo único. Nos Municípios de até dez mil eleitores, o limite de gastos será de
R$ 100.000,00 (cem mil reais) para Prefeito e de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para Vereador,
ou o estabelecido no caput se for maior.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
34 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Art. 6º O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos às eleições para Senador,
Deputado Federal, Deputado Estadual, Deputado Distrital e Vereador será de 70% (setenta
por cento) do maior gasto contratado na circunscrição para o respectivo cargo na eleição
imediatamente anterior à publicação desta Lei.
Art. 7º Na definição dos limites mencionados nos arts. 5º e 6º, serão considerados os
gastos realizados pelos candidatos e por partidos e comitês financeiros nas campanhas
de cada um deles.

Esse dispositivo teve a sua aplicação afastada para as eleições a ocorrerem em


2018 pelos arts. 5º, 6º e 7º da Lei nº 13.488/2017, que fixaram, para as eleições daquele
ano, os limites constantes da seguinte tabela:

CARGO LIMITE (EM R$)

Presidente da República (1º turno) 70.000.000,00

Presidente da República (2º turno) 50% do limite máximo do 1º turno

Governador de Estado ou do DF (1º turno)

- UF com até um milhão de eleitores 2.800.000,00

- UF com mais de um milhão, até dois milhões de eleitores 4.900.000,00

- UF com mais de dois milhões, até quatro milhões de eleitores 5.600.000,00

- UF com mais de quatro milhões, até dez milhões de eleitores 9.100.000,00

- UF com mais de dez milhões, até vinte milhões de eleitores 14.000.000,00

- UF com mais de vinte milhões de eleitores 21.000.000,00

Governador de Estado ou do DF (2º turno) 50% dos limites máximos do 1º turno

Senador

- UF com até dois milhões de eleitores 2.500.000,00

- UF com mais de dois milhões, até quatro milhões de eleitores 3.000.000,00

- UF com mais de quatro milhões, até dez milhões de eleitores 3.500.000,00

- UF com mais de dez milhões, até vinte milhões de eleitores 4.200.000,00

- UF com mais de vinte milhões de eleitores 5.600.000,00

Deputado Federal 2.500.000,00

Deputado Estadual ou Distrital 1.000.000,00

A Lei nº 13.488/2017, todavia, não fixou limites genéricos de gastos em campanhas


eleitorais, exceto aqueles relativos aos pleitos de 2018. Desta sorte, os critérios
estabelecidos pelos artigos 5º, 6º e 7º, da Lei nº 13.165/2015 persistem em vigor e, salvo
modificação que ainda venha a ocorrer, haverão de ser novamente observados nas
eleições municipais de 2020 e nas subsequentes, como já o foram naquelas de 2016.

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FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO, O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO...
35

1.8 Breve elenco de conclusões


Ao cabo dessas ponderações, mostra-se possível alinhavar algumas conclusões:
I – o §9º do art. 14 da Constituição autoriza a previsão, por lei complementar,
de outras causas de inelegibilidade, além daquelas inscritas no próprio
texto constitucional, desde que sejam aptas à preservação, dentre outros
valores, da legitimidade e da normalidade das eleições contra a influência
do poder econômico;
II – por influência do poder econômico se haverá de entender a potencialidade
da definição do resultado das eleições em face da maior ou menor
capacidade do candidato ou do partido para obter recursos financeiros a
serem empregados no custeio das despesas com a sua campanha eleitoral;
III – influência do poder econômico não se confunde, pois, com abuso do poder
econômico, na medida em que este significa o uso desse poder para além
do permitido; o texto constitucional, todavia, procura afastar não somente
o abuso, como também toda possibilidade da própria influência do poder
econômico no resultado das eleições;
IV – o modelo de financiamento privado de campanhas eleitorais antes vi­
gente no Brasil, considerando o formato original que lhe foi dado pela Lei
nº 9.504/97, com a possibilidade de doações de pessoas jurídicas em valor
extremamente elevado, aliado à inexistência, por largo período de tempo,
de qualquer limite fixado em lei para os gastos de campanha, permitia que
a influência do poder econômico se instilasse nas campanhas eleitorais,
contrariando a pretensão do texto constitucional de que tal influência
não ocorresse;
V – essa possibilidade de influência do poder econômico, via financiamento
privado de campanhas eleitorais, máxime quando não havia sequer limites
de gastos previamente fixados por lei, podendo pessoas jurídicas realizar
doações de grandes somas para custeio de campanhas eleitorais, permi­
tia a quebra da igualdade entre os candidatos ao pleito, com violação ao
prin­cípio constitucional da isonomia, nesta particular perspectiva;
VI – campanhas eleitorais devem acontecer, visto que inerentes ao mecanismo
da democracia representativa, por serem o instrumento para que partidos
e candidatos apresentem aos eleitores seu pensamento e suas propostas
de trabalho, fornecendo-lhes parâmetros para decisão no momento do
voto; por isso mesmo, inviável cogitar pura e simplesmente da supressão
das campanhas eleitorais;
VII – campanhas eleitorais envolvem gastos de recursos financeiros, de tal sorte
que se mostra indispensável prever a respectiva fonte;
VIII – a simples fixação por lei de limites máximos de gastos de campanhas
eleitorais não se mostra, só por si, suficientemente eficaz para afastar
a potencialidade da influência do poder econômico nas eleições, nem
permite o estabelecimento da igualdade entre os candidatos, uma vez
que sempre persistirá a desigualdade nas possibilidades de obtenção de
recursos de campanha, quando o respectivo custeio provenha unicamente
de recursos privados;

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
36 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

IX – em decorrência, o financiamento público de campanhas eleitorais, com


recursos em quantia suficiente a uma campanha eleitoral potencialmente
eficaz, é o mecanismo que se mostra apto a, de um lado, afastar a influência
do poder econômico sobre a normalidade e a legitimidade das eleições e,
de outro, equalizar os candidatos, na perspectiva dos recursos disponíveis
para suas campanhas;
X – por tal razão, não é de criticar-se a instituição do Fundo Especial de Finan­
ciamento de Campanha (FEPC), pela Lei nº 13.487, de 2017; respeitado
eventual debate quanto ao montante dos recursos que poderão vir a
integrar o Fundo, e que não estava ainda definido para as eleições de 2018
quando da conclusão deste breve estudo, posto não se dispor ainda dos
valores relativos à compensação fiscal das emissoras comerciais de rádio
e televisão pela veiculação de propaganda partidária gratuita ao longo
do ano de 2017, e nem dos valores consolidados de todas as emendas
de bancada de execução obrigatória, a instituição do Fundo, permitindo
financiamento das campanhas eleitorais essencialmente com recursos de
origem pública, é em tese capaz de permitir que se afaste das campanhas
eleitorais o fantasma da influência do poder econômico, que nelas se podia
instalar pela via dos elevadíssimos montantes de doações que pessoas
jurídicas podiam anteriormente realizar.

Certamente que muitos aspectos existem envolvidos no assunto. Não é propósito


deste estudo modesto, porém, nem seria compatível com as capacidades de seu autor,
exaurir a discussão de todos eles. O que aqui se pretendeu foi apenas fornecer aquela
que parece ser a justificativa constitucional para a implantação do financiamento público
de campanhas eleitorais no Brasil.

Referências
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Todas as Constituições do Brasil: compilação dos
textos, notas, revisão e índices. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1976.
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no Direito brasileiro. Bauru, SP: Edipro, 1999.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Federal de 1988. v. 2. Arts. 5º (LXVIII a LXXVIII) a 17.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidades. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. v. 1. Arts. 1º a 43. São
Paulo: Saraiva, 1990.
______. Comentários à Constituição brasileira. v. 3. Arts. 130 a 210. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1977.
JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
MENDES, Antônio Carlos. Aspectos da ação de impugnação de mandato eletivo. In: VELLOSO, Carlos
Mário da Silva; ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 331-342.
NIESS, Pedro Henrique Távora. Ação de impugnação de mandato eletivo. Bauru, SP: Edipro, 1996.
RIBEIRO, Fávila. Abuso de poder no Direito Eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

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PEDRO ROBERTO DECOMAIN
FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO, O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO...
37

VAZ, Orlando. Impugnação de mandato eletivo. In: VELLOSO, Carlos Mário da Silva; ROCHA, Cármen
Lúcia Antunes. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 343-367.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

DECOMAIN, Pedro Roberto. Financiamento público de campanhas eleitorais: influência do poder


econômico, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEPC), instituído pela Lei nº 13.487,
de 2017, limites máximos de gastos em campanhas eleitorais e outros temas correlatos. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 15-37. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.)
ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 2

FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE


PÚBLICO? PONDERAÇÕES ENTRE O FINANCIAMENTO
PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO

MICHEL BERTONI SOARES

2.1 Introdução
A relação entre dinheiro, eleições e democracia apresenta-se de maneira ambi­
valente: se, por um lado, os recursos financeiros são indispensáveis à realização de
campanhas eleitorais, dado que essenciais à divulgação das candidaturas e de suas
respectivas plataformas políticas, por outro, é inegável que o tema suscita preocupações
e a necessidade de estabelecimento de regulação e fiscalização eficazes para evitar que
o abuso de recursos materiais possa prejudicar a legitimidade das eleições.
Referidas preocupações se proliferam no mundo todo. A relação entre dinheiro
e política sempre provoca debates nas democracias ocidentais, além de ensejar,
constantemente, alterações legislativas nos diversos países. Justamente por isso, a
legislação acerca da matéria é conhecida como “legislação interminável” na Alemanha.1
No caso brasileiro, toda a matéria eleitoral tem provocado debates e sofrido
constantes modificações legislativas, não sendo diferente a questão no que tange ao
tema do financiamento eleitoral.
Foram frequentes as modificações legislativas ocorridas no país nos últimos 15
anos, com o propalado propósito de reduzir os custos das campanhas, conforme se extrai
das minirreformas promovidas pelas Leis nºs 11.300/2006, 12.034/2009 e 12.891/2013.
Porém, as alterações não surtiram o efeito buscado. Ao contrário, as receitas
declaradas por candidatos e partidos políticos aumentaram em todas as eleições
realizadas entre 2002 e 2014.

1
ZOVATTO, Daniel. Financiamento dos Partidos e Campanhas Eleitorais na América Latina: Uma Análise
Comparada. Opinião Pública, Campinas, v. 11, n. 2, p. 287-336, out. 2005. p. 330.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
40 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Nesse sentido, se na eleição de 2002 o valor total foi de aproximadamente


R$ 793.000.000,00, nas eleições de 2014 o montante chegou a R$ 4.815.705.789,00,
conforme dados compilados pela Organização da Sociedade Civil Transparência Brasil.2
Sempre que o tema é abordado, surgem discussões a respeito de uma reforma
eleitoral mais ampla, que implemente, dentre outras medidas, o financiamento
exclusivamente público de campanhas eleitorais no Brasil.
Recentemente, os debates têm sido impulsionados por uma série de notícias
envol­vendo a prática de corrupção por empresas e agentes públicos, pois inúmeras
pessoas jurídicas financiaram campanhas, muitas vezes, com o intuito de alavancar
negócios junto ao Estado.
No meio do turbilhão, durante o julgamento da ADI nº 4.650, o Supremo Tribunal
Federal considerou inconstitucional a possibilidade de que empresas financiassem
candidatos e partidos políticos. A decisão impactou diretamente na necessidade de
estabelecimento de novas formas de financiamento das campanhas eleitorais, dado que
as doações de pessoas jurídicas eram a maior fonte de receita até então – no pleito de
2014, elas doaram valor superior a R$ 3 bi a candidatos e partidos políticos.3
Nesse contexto, foi criado o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que
para as eleições de 2018 terá o valor de R$ 1,7 bi, de modo que é muito provável que o
fundo se constitua na maior fonte de receitas da próxima eleição.
Assim, pretende-se discutir se a adoção do financiamento exclusivamente
público seria ou não a solução para acabar com a influência do poder econômico sobre
a democracia, afastar a corrupção e contribuir para a igualdade de oportunidades entre
candidatos e partidos políticos.
O tema será abordado considerando a propalada crise de representatividade
existente no Brasil.

2.2 Partidos políticos e crise de representatividade


O estudo do financiamento eleitoral não pode desconsiderar a importância dos
partidos políticos para a democracia representativa, tendo em vista que eles atuam
como filtros da opinião pública e o fato de que, em regra, as eleições nas democracias
contemporâneas importam na atuação de partidos políticos.4
Duverger destaca que os partidos políticos, na sua concepção moderna, surgiram
na segunda metade do século XIX, sendo associados à democracia, no sentido de
“extensão do sufrágio popular e das prerrogativas parlamentares”, caracterizando-se
pela junção, de forma permanente, da atuação de grupos parlamentares e a organização
de comitês eleitorais.5

2
Dados disponíveis em: <www.asclaras.org.br>. Acesso: em 10 jan. 2017.
3
Dados disponíveis em: <http://inter01.tse.jus.br/spceweb.consulta.receitasdespesas2014/abrirTelaReceitasCan
didatoaction>. Acesso em: 10 set. 2017.
4
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Democracia, Partidos e Sistema Eleitoral. In: CAGGIANO, Monica
Herman S. (coord). Direito Eleitoral em Debate: Estudos em Homenagem a Cláudio Lembo. São Paulo: Saraiva, 2013.
p. 370.
5
DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1980. p. 20-21.

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MICHEL BERTONI SOARES
FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO? PONDERAÇÕES ENTRE O FINANCIAMENTO PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO
41

Inicialmente, as agremiações partidárias eram tidas como um fenômeno socio­


lógico, não regulado pelo direito, e vistas com certa desconfiança.6 Todavia, à medida
que a participação popular foi alargada nas democracias contemporâneas, com o
crescimento, inclusive, das reivindicações das massas, os partidos políticos foram se
fortalecendo, até se tornarem instrumento de transmissão das reivindicações populares,7
e serem associados à democracia em sua acepção mais ampla,8 bem como reconhecidos
juridicamente nas constituições promulgadas após a Segunda Guerra Mundial.
Os partidos políticos tornaram-se, assim, essenciais ao sistema representativo,
como decorrência da necessidade de se preparar as eleições – com a organização das
campanhas eleitorais e a captação dos recursos para financiamento destas –, e também
da coordenação dos trabalhos pré e pós-eleitorais.9
Nesse cenário, aponta-se que a crise atual pela qual passam os partidos políticos
é também identificada como uma crise da própria democracia.10
Luís Felipe Miguel observa que a crise de representatividade pode ser constatada
por meio de três fatores: o alto índice de abstenções nas eleições, citando dados empíricos
relativos a pleitos ocorridos nos Estados Unidos e no Brasil; o aumento de desconfiança
nas instituições, medido por pesquisas; e o “esvaziamento dos partidos políticos”.11
Quanto ao último aspecto, enfatiza que a crise dos partidos políticos pode ser
observada nos Estados Unidos e também na Europa ocidental, especialmente a partir
da década de 1980, citando o exemplo da Itália, no qual todo o sistema partidário entrou
em colapso. Por fim, enfatiza que o fenômeno decorre, especialmente, das “mudanças
que a mídia eletrônica introduziu na competição eleitoral”.12
Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas 13 demonstra que no primeiro
semestre de 2017 apenas 7% da população brasileira confiava nos partidos políticos e
no Congresso Nacional. Outrossim, revela uma queda de 33% para 6% da confiança
tida no Governo Federal, entre os anos de 2013 e 2017.
Diante da importância dos partidos políticos para as democracias contemporâneas,
parte-se da premissa de que para a definição do modelo ideal das fontes de financiamento
eleitoral deve-se atentar ao fato de que não devem ser adotadas medidas que possam
aumentar a crise de representatividade democrática, bem como a desconfiança nos
partidos políticos e demais instituições.

6
JEHÁ, Pedro Rubens. Os Partidos Políticos em Cenário Eleitoral. In: CAGGIANO, Monica Herman S. (coord.);
Direito Eleitoral em Debate: Estudos em homenagem a Cláudio Lembo. São Paulo, 2013: Saraiva. p. 88-89.
7
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 20. ed. São Paulo, 2013: Malheiros. p. 298.
8
TAVARES, André Ramos. A Jurisprudência sobre Partidos Políticos no STF: Entre Eleições, Poder Econômico e
Democracia. In: Sistema Político e Direito Eleitoral Brasileiros: Estudos em Homenagem ao Ministro Dias Toffoli.
São Paulo, 2016: Atlas. p. 43.
9
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Democracia, Partidos e Sistema Eleitoral. In: CAGGIANO, Monica
Herman S (coord). Direito Eleitoral em Debate: Estudos em Homenagem a Cláudio Lembo. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 380.
10
TAVARES, André Ramos. A Jurisprudência sobre Partidos Políticos no STF: Entre Eleições, Poder Econômico e
Democracia. In: Sistema Político e Direito Eleitoral Brasileiros: Estudos em Homenagem ao Ministro Dias Toffoli.
São Paulo, 2016: Atlas. p. 43.
11
MIGUEL, Luis Felipe. Representação Política em 3-d. Elementos para uma teoria ampliada da representação
política. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v. 18, n. 51. p. 123-193. fev. 2003. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/rbcsoc/v18n51/15989.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017. p. 124.
12
Idem.
13
Disponível em: <http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/relatorio_icj_1sem2017.pdf>. Aces­
so em: 21 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
42 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

É preciso preservar os partidos e a política, pois tais instrumentos são a única via
possível para a construção de uma sociedade mais democrática e justa.

2.3 Regulação do financiamento eleitoral e incentivo à transparência


Em tese, o financiamento das campanhas pode ser: exclusivamente privado,
quando não são utilizados recursos públicos, seja de maneira direta (recursos financeiros)
ou indireta (ex.: tempo de rádio e televisão ou utilização de bens ou serviços públicos);
misto, quando concorrem recursos públicos e privados; ou exclusivamente público, nas
hipóteses em que todos os recursos aplicados em campanha, direta ou indiretamente,
provêm de fontes públicas.
A importância da regulação da matéria decorre do fato de que, se o dinheiro
é fundamental para a realização das campanhas, por outro lado, é preciso garantir a
igualdade de oportunidades entre os candidatos e partidos políticos, bem como evitar o
abuso do poder econômico, que, uma vez ocorrido, prejudica a legitimidade do pleito.
Assim, o disciplinamento deve considerar problemas como: a possiblidade de
distorção das disputas eleitorais por meio de eventual peso desmedido da distribuição
dos recursos de campanha;14 a igualdade de oportunidades entre os candidatos e os
partidos políticos; e a eventual dependência dos candidatos e partidos políticos de seus
financiadores de campanha,15 16o que pode favorecer atos de corrupção.
Outrossim, é necessário considerar qual a estratégia de regulação a ser seguida:
(a) autorregulação do financiamento eleitoral, pelos próprios partidos políticos, a partir
de uma normativa que fixe regras mínimas acerca do tema, (b) privilégio à transparência
ou (c) adoção de mecanismos mais intervencionistas, ou seja, mais restritivos.17
Nesse aspecto, embora a Constituição Federal não disponha efetivamente a
respeito do financiamento eleitoral,18 traça diretrizes básicas acerca do tema, deter­
minando que as agremiações prestem contas à Justiça Eleitoral, que as examinará,
conforme determinado pela Lei dos Partidos Políticos e pela Lei das Eleições, o que
afasta a possibilidade de autorregulação pelas próprias agremiações.19
Por outro lado, a criação de limitações excessivas ao financiamento eleitoral
também não se mostra a melhor saída sob pena de “(a) prejudicar a divulgação das
candidaturas e o debate político, dado que a arrecadação de fundos é primordial para a

14
SPECK, Bruno Wilhelm. O Financiamento das Campanhas Eleitorais. In: AVRITZER, Leonardo; ANASTASIA,
Fátima. Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte, 2006: UFMG. p. 154.
15
SANTANO, Ana Cláudia. O Financiamento da Política. Teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016, p. 37-38.
16
SPECK, Bruno Wilhelm. O Financiamento das Campanhas Eleitorais. In: AVRITZER, Leonardo; ANASTASIA,
Fátima. Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte, 2006: UFMG. p. 155.
17
RUBIO, Delia Ferreira. Financiamento de Partidos e Campanhas – Fundos Públicos versus Fundos Privados.
Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo – SP, n. 73, 2005. p. 7.
18
SARMENTO, Daniel; OSORIO, Aline. Uma Mistura Tóxica: Política, Dinheiro e o Financiamento das Eleições.
In: SARMENTO, Daniel (coord). Jurisdição Constitucional e Política. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 675.
19
JORGE, André Guilherme Lemos; SOARES, Michel Bertoni. Financiamento eleitoral por pessoas jurídicas: a
influência do poder econômico sobre a democracia. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 54, n. 216, p. 87-104,
out./dez. 2017. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/216/ril_v54_n216_p87.pdf>. Acesso
em: 12 jan. 2018. p. 99.

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MICHEL BERTONI SOARES
FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO? PONDERAÇÕES ENTRE O FINANCIAMENTO PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO
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realização da propaganda eleitoral; e, ainda, de (b) inviabilizar o exercício da atividade


fiscalizatória”.20
É importante destacar que limitações excessivas, pela dificuldade de fiscalização,
acabam por incentivar comportamentos direcionados a burlar a legislação, como a
utilização de recursos não declarados (caixa dois).21
Portanto, a regulamentação deve se pautar em medidas que possam ser
efetivamente fiscalizadas pela Justiça Eleitoral, não prejudiquem o debate acerca das
candidaturas e ainda privilegiem a transparência, para permitir que os eleitores tenham
condições de averiguar quem são os financiadores das campanhas de candidatos e
partidos políticos e, desta maneira, detenham maiores elementos de informação na
definição de seus votos.

2.4 Igualdade de oportunidades nas competições eleitorais


No artigo intitulado Uma Concepção Kantiana de Igualdade, John Rawls trata da
sua concepção da igualdade, partindo da ideia de uma sociedade bem ordenada, que
seria regulada por um conceito público de justiça, aceito por todos os seus membros.22
Nessa sociedade, os seus membros seriam livres e iguais, sendo a igualdade
decorrente da “suposição que cada um deles tem e se veem mutuamente como possuindo
um direito ao respeito igual e consideração em determinar os princípios pelos quais os
arranjos básicos da sociedade devem ser regulados”.23
De acordo com o autor, a ideia de igualdade é correlata à noção de justiça,24
havendo a necessidade de que um conjunto de princípios seja utilizado para arranjar a
distribuição das vantagens produzidas pela sociedade, considerando-se que há relativa
escassez.25
Nesse passo, observa que “o papel dos princípios de justiça é atribuir direitos e
deveres na estrutura básica da sociedade e especificar a maneira pela qual as instituições
devem influenciar a distribuição geral dos retornos da cooperação social”.26
Rawls sustenta que os resultados somente serão justos se a estrutura básica da
sociedade for “regulada e corrigida de forma justa através do tempo”, ressaltando que,
do contrário, o processo social não será justo, mesmo que as transações particulares
tenham a aparência livre e equitativa, quando analisadas isoladamente. Portanto, conclui
que o mais importante acordo é aquele que estabelece os princípios que regulam a
estrutura básica.27

20
Idem, p. 99.
21
ZAVASCKI, Teori. Financiamento Eleitoral de Partidos Políticos: A Questão Constitucional. In: NORONHA,
João Otávio de; PAE KIM, Richard (Coord.). Sistema Político e Direito Eleitoral Brasileiros: Estudos em Homenagem
ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016. p. 751.
22
RAWLS, John. Uma Concepção Kantiana de Igualdade. Veritas, Porto Alegre, v. 52, n. 1., p. 108-119, mar. 2007.
p. 108.
23
Idem, p. 109.
24
Idem, p. 109.
25
Idem, p. 110.
26
Idem, p. 110.
27
Idem, p. 111.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
44 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Nesse sentido, o autor escreve:

A justiça da estrutura básica é, portanto, de importância fundamental. O primeiro


problema da justiça é determinar os princípios para regular as desigualdades e ajustar
os efeitos profundos e de longa duração das contingências sociais, naturais e históricas,
particularmente porque essas contingências combinadas com as desigualdades engendram
tendências que, quando abandonadas a si mesmas, são profundamente díspares com
relação à liberdade e igualdade apropriadas para uma sociedade bem-ordenada.28

Os princípios básicos de justiça adotados por John Rawls já haviam sido expostos
em suas obras Uma Teoria da Justiça e Justiça e Democracia. Nesta, o autor descreve os
princípios da seguinte forma:

(1) Cada pessoa tem direito igual a um sistema plenamente adequado de liberdades e
de direitos básicos iguais para todos, compatíveis com um mesmo sistema para todos.
(2) As desigualdades sociais e econômicas devem preencher duas condições: em primeiro
lugar, devem estar ligadas a funções e a posições abertas a todos em condições de justa
(fair) igualdade de oportunidades; e, em segundo lugar, devem proporcionar a maior
vantagem para os membros mais desfavorecidos da sociedade.29

Rawls considera que o princípio relativo ao esquema de liberdades iguais para


todos tem preponderância sobre o princípio atinente à questão das desigualdades
sociais e econômicas, submetidas às exigências de proporcionar maior benefício para
os menos favorecidos e de garantir igualdade de oportunidades a todos para galgar
cargos e posições.30
Levando em conta a igualdade entre os membros da sociedade bem ordenada,
Rawls observa que a igual liberdade e a oportunidade equitativa “são uma expressão
natural dessa igualdade”31 e busca identificar o princípio pelo qual “os membros de
uma sociedade democrática permitem que as tendências da estrutura básica sejam
afetadas profundamente pelo acaso social e por contingências naturais e históricas”.32
Ressalta que, por exigências organizacionais e de eficiência econômica, não há
como dividir os bens primários de forma igual, de modo que

a estrutura básica devia permitir desigualdades, na medida em que estas melhorem a


situação de todos, incluindo a dos menos favorecidos, desde que tais desigualdades sejam
consistentes com a igual liberdade e a oportunidade equitativa.33

O pensamento de Rawls influenciou pesquisadores que se dedicam à análise das


competições eleitorais, entre os quais se incluem Óscar Sánchez Muñoz, que aborda o

28
Idem, p. 111.
29
RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 207.
30
RAWLS, John. Uma Concepção Kantiana de Igualdade. Veritas, Porto Alegre, v. 52, n. 1, p. 108-119, mar. 2007.
p. 112.
31
Idem, p. 115.
32
Idem, p. 115.
33
Idem, p. 116.

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MICHEL BERTONI SOARES
FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO? PONDERAÇÕES ENTRE O FINANCIAMENTO PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO
45

princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos, sob influência da teoria


de justiça como equidade.34
O autor espanhol observa que o princípio da igualdade de oportunidades nas
competições eleitorais possui uma dimensão objetiva, consistente no direito de que os
cidadãos elejam livremente os seus representantes, e uma faceta subjetiva, inerente à
perspectiva dos candidatos e ao direito que possuem de competir pelo voto em condições
de igualdade.35
Ao analisar os princípios constitucionais eleitorais brasileiros, Eneida Desiree
Salgado refere-se ao princípio da igualdade da disputa eleitoral, aduzindo que:

A Constituição estabelece como norma estruturante do Direito Eleitoral o princípio da


máxima igualdade entre os candidatos. Essa escolha reflete-se no princípio republicano
e na ideia de igualdade construída na Constituição, que impõe uma regulação das
campanhas eleitorais, alcançando o controle da propaganda eleitoral, a neutralidade dos
poderes públicos, a vedação ao abuso do poder econômico e a imparcialidade dos meios
de comunicação.36

Sem embargo das críticas realizadas à teoria de Jonh Rawls, no sentido de que seja
universalista e que pretenda justificar a submissão racional dos indivíduos à estrutura
social, dentro de um quadro liberal,37 há dois aspectos de sua obra que são importantes
para a abordagem da questão do financiamento das campanhas eleitorais: (a) a justiça
na definição da estrutura básica e a possibilidade de readequação dos princípios que
lhe são correlatos, sob pena de que os fatos ocorridos a partir de uma estrutura inicial
deformada possam ter aparência de equânimes se analisados isoladamente, mas na
realidade produzam distorções; (b) a necessária igualdade de oportunidades entre os
candidatos.
Nesse sentido, a igualdade de oportunidades pode ser violada tanto no finan­
ciamento privado, quando se permite, por exemplo, o autofinanciamento das campanhas
eleitorais de maneira ilimitada, quanto no financiamento exclusivamente público,
quando os critérios de distribuição dos recursos públicos privilegiam os partidos que
já estão no poder.
Assim, a estrutura básica da legislação eleitoral deve ser pensada de acordo com
princípios que garantam a igualdade entre os candidatos, sob pena de que, apesar de
as campanhas eleitorais se realizarem dentro das normas preestabelecidas, elas apenas
reproduzam as distorções constantes da estrutura básica.

34
OLIVEIRA, Marcelo Roseno de. A Igualdade de Oportunidades nas Competições Eleitorais: Reflexões a Partir
da Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls. Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência
política, Curitiba, v. 2, n. 2, p.175-190, ago. 2013. p. 176.
35
MUÑOZ, Óscar Sánches. La Igualdade de Oportunidades en las Competiciones Electorales. Madrid, 2007: Centro de
Estudos Políticos y Constitucionales. p. 61.
36
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios Constitucionais Estruturantes do Direito Eleitoral. 2010. 356 f. Tese
(Doutorado) – Curso de Direito do Estado, Direito do Estado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010.
p. 247.
37
SILVEIRA, Denis Coitinho. Teoria da Justiça de John Rawls: Entre o Liberalismo e o Comunitarismo. Trans/
Form/Ação, São Paulo, v.30(1), 2007, p. 171.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
46 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

2.5 Entre o financiamento privado e o financiamento público


Ana Cláudia Santano observa que, inicialmente, o financiamento das campanhas
eleitorais era realizado de maneira privada, o que favorecia os partidos burgueses ou
partidos de quadros, compostos por pessoas notáveis e com grande capacidade econô­
mica, que se financiavam com recursos de seus próprios membros e não necessitavam
de ajuda estatal.38
Duverger entendia que tal situação não traria problemas, pois os partidos socia­
listas, na visão do autor, poderiam sobreviver e competir graças às contribuições de seus
membros e filiados, que eram em maior número e caracterizavam as tais agremiações
como partidos de massas.39
Ao contrário do que supunha o autor francês, entende-se que o financiamento
exclusivamente privado poderia, sim, colocar em condição de desigualdade os partidos
compostos por pessoas abastadas e os partidos que não possuíssem relação com os
detentores do poder econômico.
Dito de outro modo, o financiamento exclusivamente privado poderia colocar
em xeque o princípio da igualdade de oportunidades entre os partidos políticos e seus
respectivos candidatos. Além disso, poderia tornar os partidos dependentes de seus
financiadores.
A esse respeito, Ana Cláudia Santano afirma que o modelo de financiamento
exclusivamente privado seria prejudicial à independência dos partidos e “não garantia
a igualdade de oportunidades entre tais agremiações”, por “favorecer aos setores eco­
nomicamente mais fortes da sociedade”.40
Rollo, Silva e Almeida observam ainda que tal modalidade de financiamento
poderia fazer com que interesses escusos se sobrepusessem aos interesses dos próprios
membros e filiados aos partidos políticos.41
Speck ressalta que, diante da necessidade de recursos para que as campanhas
possam ser promovidas e, assim, levar as mensagens aos eleitores, há uma dificuldade
muito grande em regular adequadamente a matéria para que eventuais limitações
ou mesmo incentivos sejam utilizados de modo a evitar deformações da competição
eleitoral.42
Ressalta que, diante disso, há três diferentes possíveis estratégias que vêm sendo
utilizadas nos últimos anos: a) o estabelecimento de vedações quanto a possibilidade
de determinadas pessoas ou entes contribuírem para as campanhas eleitorais e a
fixação de limites para as doações; b) a substituição de fontes de doações privadas por
financiamento público; e c) a valorização da transparência na perspectiva de fomento
ao voto informado.43

38
SANTANO, Ana Cláudia. O Financiamento da Política. Teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016, p. 49.
39
DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1980. p. 399.
40
SANTANO, Ana Cláudia. O Financiamento da Política. Teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016, p. 51.
41
ROLLO, Alberto Luiz; SILVA, Raphael José de Oliveira; ALMEIDA, Renato Ribeiro. Financiamento de
Campanhas Eleitorais e dos Partidos Políticos. In: LEMBO, Cláudio (coord.); CAGGIANO, Monica Herman
S. (org.). Reforma Política: Um Mito Inacabado. Barueri, 2017: Manole. p. 28.
42
SPECK, Bruno Wilhelm. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no
Brasil. Cadernos Adenauer, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 123-159, set. 2005. p. 127.
43
Idem, p. 127-128.

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MICHEL BERTONI SOARES
FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO? PONDERAÇÕES ENTRE O FINANCIAMENTO PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO
47

Óscar Sánchez Muñoz analisa as implicações do princípio da igualdade de


oportunidades nas competições eleitorais no financiamento eleitoral, a partir do direito
espanhol, e menciona a existência de medidas negativas e positivas, tendentes à busca
pela igualdade.44 As medidas negativas, por óbvio, caracterizam vedações e restrições
ao financiamento eleitoral e as positivas se referem ao incentivo prestado pelo Estado
às campanhas eleitorais.
É possível considerar que no Brasil as três estratégias mencionadas por Speck são
aplicadas ao financiamento eleitoral: a Lei das Eleições caracteriza inúmeras entidades
como fontes vedadas de doação e impõe limites às doações realizadas por pessoas físicas
(arts. 23, §1º e 24, da Lei nº 9.504/97); os partidos políticos recebem recursos do fundo
partidário e podem aplicá-los em campanha; foi criado o Fundo Especial de Finan­
ciamento de Campanha, composto por recursos do erário; o financiamento estatal direto
concorre ainda com medidas de financiamento indireto, como o acesso aos programas
de rádio e televisão para a campanha eleitoral; preveem-se mecanismos como vistas à
transparência e ao voto informado, com a determinação de que os candidatos e partidos
políticos enviem relatórios financeiros e prestação de contas parcial, antes das eleições,
para divulgação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (art. 28, §4º, da Lei nº 9.504/97).
Todavia, as referidas medidas não impediram o crescimento de gastos eleitorais
no Brasil e práticas irregulares relacionadas com arrecadações e gastos de campanha.
Isso tudo suscita o debate no seguinte sentido: a adoção do financiamento
eleitoral exclusivamente público não seria a saída para conter os recursos irregulares,
preservar a competição eleitoral, combater a corrupção e ainda garantir a igualdade de
oportunidades entre os candidatos e partidos políticos?
Delia Ferreira Rubio lembra que a destinação de recursos públicos para as
atividades político-partidárias não é novidade, tendo surgido depois da Segunda Guerra
Mundial, a partir da constitucionalização dos partidos políticos e do reconhecimento
de tais entidades como essenciais às democracias contemporâneas.45
Assim, uma das razões iniciais para a adoção de medidas de financiamento
público foi a constatação de que era preciso investir na democracia, conforme observa
Ana Cláudia Santano.46
Sanseverino considera que o financiamento exclusivamente público teria como
aspectos favoráveis: a) a equidade entre partidos e candidatos; b) a maior publicidade de
arrecadação e gastos; c) a essencialidade dos partidos políticos no regime democrático,
de modo que suas atuações devem ser estimuladas.47
Rollo, Silva e Almeida acrescentam ainda que o financiamento público exclusivo
poderia facilitar a fiscalização dos recursos aplicados em campanha, por derivar de
uma única fonte.48

44
MUÑOZ, Óscar Sánches. La Igualdade de Oportunidades en las Competiciones Electorales. Madrid, 2007: Centro de
Estudos Políticos y Constitucionales. p. 179.
45
RUBIO, Delia Ferreira. Financiamento de Partidos e Campanhas – Fundos Públicos versus Fundos Privados.
Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo – SP, n. 73, 2005. p. 8.
46
SANTANO, Ana Cláudia. O Financiamento da Política. Teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016, p. 104.
47
SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Financiamento de Campanha Eleitoral – Entre o Público e o Privado.
In: RAMOS, André de Carvalho. Temas de Direito Eleitoral no Século XXI. Brasília: ESMPU, 2012. p. 256.
48
ROLLO, Alberto Luiz; SILVA, Raphael José de Oliveira; ALMEIDA, Renato Ribeiro. Financiamento de
Campanhas Eleitorais e dos Partidos Políticos. In: LEMBO, Cláudio (coord.); CAGGIANO, Monica Herman
S. (org.). Reforma Política: Um Mito Inacabado. Barueri, 2017: Manole. p. 22.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
48 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Por seu turno, Casseb afirma que o principal argumento favorável ao financia­
mento público das campanhas seria a garantia da independência dos candidatos em
face do poder econômico, de modo que evitaria que este influenciasse as eleições,
cumprindo com o disposto no art. 14, §9º, da Constituição Federal.49
Fixados os argumentos favoráveis ao financiamento público exclusivo das
campanhas eleitorais, passa-se à análise de cada um deles.
Inicialmente, cabe ressaltar que a adoção desse modelo de financiamento, por si
só, não é garantia de maior equidade entre os candidatos e partidos políticos, ou seja,
do respeito ao princípio da igualdade de oportunidades nas competições eleitorais, uma
vez que, nesse aspecto, não é a fonte de financiamento, exclusivamente, que determina
ou não uma relação isonômica entre os envolvidos no processo eleitoral.
Ana Cláudia Santano observa que o princípio de igualdade de oportunidades
se refere tanto à igualdade na origem, pela qual o “Estado deve garantir um ponto
de partida igual para todos, de maneira neutra e imparcial” e ainda atuar de maneira
positiva para que a igualdade possa ser verificada.50 Destaca também que

(...) a igualdade de oportunidades não pode significar uma igualdade de tratamento


absoluta, que não observe a representatividade de cada força política. Tratar de maneira
desproporcional aos partidos com um baixo nível de representatividade seria também
privilegiá-los indevida e injustificadamente, e ao mesmo tempo conceder mais vantagens
aos cidadãos que elegeram participar da política por meio de um partido pequeno.51

A autora lembra que uma das grandes dificuldades da adoção do financiamento


público exclusivo é, justamente, o estabelecimento de critérios para a distribuição
dos recursos públicos entre os candidatos e partidos políticos. Assim, ressalta que
a decisão é fundamental, podendo ou manter o status quo partidário ou favorecer o
pluripartidarismo.52
No mesmo sentido, Delia Ferreira Rubio observa que a ampliação da participação
e o equilíbrio das disputas dependem da forma como os recursos são distribuídos,
enfatizando que os critérios de distribuição baseados no número de cadeiras
parlamentares pode não gerar maior competição, mas privilegiar aqueles que já estão
no poder.53
Portanto, sem embargo da necessidade de que o Estado incentive os partidos
políticos, constituindo o financiamento público direto uma medida interessante nesse
sentido, a adoção deste modelo com exclusividade não garante, por si só, a igualdade de
oportunidades entre candidatos e partidos políticos. Isso depende do estabelecimento
de critérios de distribuição que efetivamente favoreçam a competividade e o pluralismo
político.

49
CASSEB, Paulo Adib. Vantagens e Desvantagens do Financiamento Público de Campanhas Eleitorais.
CAGGIANO, Monica Herman S. (coord.). Direito Eleitoral em Debate: Estudos em Homenagem a Cláudio Lembo. São
Paulo: Saraiva, 2013. p. 177.
50
SANTANO, Ana Cláudia. O Financiamento da Política. Teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016, p. 110.
51
Idem, p. 112.
52
Idem, p. 113.
53
RUBIO, Delia Ferreira. Financiamento de Partidos e Campanhas – Fundos Públicos versus Fundos Privados.
Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo – SP, n. 73, 2005. p. 9.

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MICHEL BERTONI SOARES
FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO? PONDERAÇÕES ENTRE O FINANCIAMENTO PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO
49

Acerca do argumento de que o financiamento exclusivamente público poderia


contribuir para uma maior transparência na arrecadação e nos gastos eleitorais, melho­
rando o processo de fiscalização das contas de candidatos e partidos políticos, é impor­
tante destacar que sua adoção não eliminaria práticas relacionadas ao financia­mento
irregular,54 de modo que sem a existência de mecanismos eficientes de fiscalização para
identificar e sancionar arrecadações vindas de fontes privadas, o financiamento público
exclusivo seria inócuo do ponto de vista da transparência.
Sobre esse tema, inclusive, é importante ressaltar que a legislação eleitoral
bra­si­leira já detém uma série de mecanismos que permitem transparência sobre as
arrecadações e gastos eleitorais declarados, como os relatórios financeiros de campanha,
que devem ser enviados pelos candidatos e partidos políticos à Justiça Eleitoral no
prazo de setenta e duas horas, contadas do recebimento das doações financeiras, e a
prestação de contas parcial, remetida pelos candidatos e partidos políticos entre 9 e
13 de setembro, contendo informações sobre todos os recursos arrecadados e gastos
realizados, com a identificação dos respectivos doadores e fornecedores de campanha.
Outrossim, os relatórios financeiros e as prestações de contas parciais são
divulgados pelo TSE, permitindo que o eleitor tenha conhecimento sobre os doadores
e os fornecedores relativamente a grande parte das movimentações de campanha antes
da realização das eleições.
Posteriormente ao pleito e à entrega das prestações de contas finais, os dados
consolidados do financiamento eleitoral continuam a ser divulgados pelo TSE.
Também são divulgados no site do TSE os extratos eletrônicos das contas de
campanha e notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, tão logo as instituições bancárias
e as fazendas públicas, respectivamente, enviam esses documentos à Justiça Eleitoral.
Portanto, no que se refere à transparência, o Brasil se utiliza de inúmeros instru­
mentos com vistas a promover o voto informado, não faltando mecanismos para que
os eleitores tenham conhecimento sobre arrecadações e gastos declarados, bem como
sobre informações adicionais, como extratos bancários e notas fiscais eletrônicas.
O grande problema do ponto de vista da transparência são arrecadações e gastos
de campanha não declarados, que podem vir ou não a ser descobertos nos trabalhos
de auditoria das prestações de contas de candidatos e partidos políticos. Ocorre que
esse problema não desaparece como reflexo da simples adoção do financiamento
exclusivamente público.
A medida extinguiria o financiamento privado e deveria, portanto, ser acompa­
nhada do aperfeiçoamento dos mecanismos de fiscalização e de imposição de sanções.
Ocorre que a história demonstra que medidas muito restritivas tendem a ser inócuas
e prejudicam a transparência.
Nesse sentido, relembra-se que há mais de vinte anos a Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) do caso Collor concluiu que empresas, as quais eram ao tempo da
eleição presidencial de 1989 fontes vedadas de arrecadação, contribuíam às campanhas
eleitorais de maneira oculta, ou seja, por meio de caixa dois, constando do respectivo

54
SANTANO, Ana Cláudia. O Financiamento da Política. Teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016, p. 125.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
50 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

relatório a recomendação de que passassem a ser permitidas as doações privadas com


vistas à garantia da transparência, como relembra Lara Ferreira.55
Ressalta-se que no presente artigo não se analisa a questão da proibição de doações
provenientes de pessoas jurídicas, decorrente da decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 4.650, apenas se utilizam as conclusões da CPI
para demonstrar que medidas restritivas ao financiamento eleitoral desacompanhadas
de mecanismos eficazes de fiscalização tendem a gerar doações não contabilizadas (caixa
dois), prejudicando a transparência e o voto informado.
Por outro lado, o argumento de que o financiamento público diminui a
dependência de partidos políticos e candidatos de fontes de financiamento privado,
evitando, assim, abuso de poder econômico e estabelecimento de relações escusas,
também deve ser analisado com parcimônia.
De início, é preciso destacar que essa premissa faz sentido caso seja considerado
que não haverá doações ocultas (caixas dois); do contrário, continuará a haver relações
entre candidatos e partidos políticos, de um lado, e fontes de financiamento privado
de outro, e, isso pode impactar diretamente na transparência56 e no voto informado.
Outrossim, sendo todas as doações privadas realizadas de forma oculta (caixa
dois), seria muito mais fácil esconder as relações entre os candidatos e partidos políticos
e seus financiadores, dificultando a identificação e a investigação de possíveis desvios
ocorridos no curso dos mandatos.
Também é importante ressaltar que há uma premissa equivocada sendo difundida
sempre que se debate o financiamento privado consistente no falso entendimento de
que todas as doações realizadas por particulares carregam consigo interesses escusos
de doadores que no futuro cobrarão vantagens indevidas e provenientes do erário dos
mandatários eleitos em virtude da contribuição realizada às campanhas eleitorais.
Nesse ponto, a adoção do financiamento exclusivamente público ignoraria que
os particulares podem ter interesses legítimos em apoiar uma determinada campanha,
exercendo a sua liberdade de expressão pela via do financiamento eleitoral, ao destinar
recursos a candidatos e partidos políticos afinados com a sua ideologia.57
Demais disso, é importante ressaltar que quando se pretende dar cabo às relações
entre poder econômico e candidatos e partidos políticos com a finalidade de combater
a corrupção, utilizando o direito eleitoral como mecanismo prestante a tanto, deixa-se
de considerar que a maior parte dos problemas relacionados ao tema são muito mais

55
FERREIRA, Lara Marina. O financiamento de partidos políticos e de campanhas eleitorais no contexto da
reforma política brasileira. Estudos Eleitorais, Brasília, v. 6, n. 1, p. 91-110, jan./abr. 2011. Disponível em: <http://
bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/320>. Acesso em: 10 jan. 2018. p. 97.
56
RUBIO, Delia Ferreira. Financiamento de Partidos e Campanhas – Fundos Públicos versus Fundos Privados.
Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo – SP, n. 73, 2005. p. 10.
57
O presente artigo não trata da possibilidade de doações realizadas por pessoas jurídicas. A respeito desse tema,
destacamos: JORGE, André Guilherme Lemos; SOARES, Michel Bertoni. Financiamento eleitoral por pessoas
jurídicas: a influência do poder econômico sobre a democracia. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 54, n. 216,
p. 87-104, out./dez. 2017. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/216/ril_v54_n216_p87.
pdf>. Acesso em: 12 jan. 2018. Entretanto, destaca-se que, mesmo empresas podem ter interesses legítimos a
proteger e que sejam afinados com uma determinada ideologia partidária, conforme enfatiza André Ramos
Tavares (A Jurisprudência sobre Partidos Políticos no STF: Entre Eleições, Poder Econômico e Democracia. In:
NORONHA, João Otávio de; PAE KIM, Richard (Coord.). Sistema Político e Direito Eleitoral Brasileiros: Estudos
em Homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016. p. 61).

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atinentes ao direito administrativo58 e à governança pública, ocorrendo após o término


do processo eleitoral.
Destaque-se ainda, como relembra Delia Ferreira Rubio, que a implantação do
finan­ciamento público como antídoto à corrupção não tem comprovação empírica:

O efeito do financiamento público como antídoto contra a corrupção não tem corroboração
empírica suficiente. De fato, episódios de corrupção associados ao financiamento da política
verificam-se tanto em países que preveem o financiamento público quanto naqueles que
não os contemplam. Casos como o do chanceler alemão Helmut Kohl, o dos “Amigos
de Fox” no México e o dos que redundaram nos processos da operação Mãos Limpas
(Mani Pulite) na Itália se deram em contextos de sistemas com financiamento público de
partidos e campanhas.59

Por fim, é preciso destacar os aspectos desfavoráveis do financiamento exclusi­


vamente público.
Ana Cláudia Santano relembra alguns pontos tratados pela doutrina, como:
a possibilidade de petrificação do sistema de partidos, mediante dificuldades para
o surgimento de novas forças partidárias, com quebra do princípio da igualdade de
oportunidades; as desigualdades entre as pequenas e grandes agremiações; e possíveis
prejuízos à democracia interna, com cristalização das estruturas de direção.60
Acerca da questão da possível petrificação, ou seja, da manutenção do status quo
partidário como decorrência do financiamento exclusivamente público, Speck reconhece
que este risco pode decorrer dos critérios estabelecidos para a distribuição dos fundos
públicos.61 A situação é facilmente verificável na hipótese de os critérios se basearem
exclusivamente na votação ou cadeiras no legislativo obtidas na eleição anterior.
Speck ainda relata a possível dependência dos partidos políticos com relação
ao Estado.62 Daniel Zovatto destaca a mesma preocupação ao mencionar que o
financiamento exclusivamente público poderia acarretar estatização e ossificação das
agremiações.63
Referida dependência pode repercutir negativamente na relação entre os parti­
dos e suas bases, pois, sendo financiadas exclusivamente com recursos públicos, as
agremiações não teriam necessidade de se socorrer de seus filiados e de terceiros para
man­ter suas atividades ordinárias e participar das eleições.64 Assim, o financia­mento

58
SALGADO, Eneida Desiree; GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. A reforma da vez: PEC 77 e a democracia
intrapartidária. Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/a-reforma-da-vez-pec-77-e-a-democracia-
intrapartidaria-29082017>. Acesso em: 30 ago. 2017.
59
RUBIO, Delia Ferreira. Financiamento de Partidos e Campanhas – Fundos Públicos versus Fundos Privados.
Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo – SP, n. 73, 2005. p. 10.
60
SANTANO, Ana Cláudia. O Financiamento da Política. Teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016, p. 125.
61
SPECK, Bruno Wilhelm. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no
Brasil. Cadernos Adenauer, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 123-159, set. 2005. p. 156.
62
Idem, p. 155.
63
ZOVATTO, Daniel. Financiamento dos Partidos e Campanhas Eleitorais na América Latina: Uma Análise
Comparada. Opinião Pública, Campinas, v. 11, n. 2, p.287-336, out. 2005. p. 300.
64
ZOVATTO, Daniel. Financiamento dos Partidos e Campanhas Eleitorais na América Latina: Uma Análise
Comparada. Opinião Pública, Campinas, v. 11, n. 2, p.287-336, out. 2005. p. 300.

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52 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

exclu­sivamente público pode acarretar distanciamento dos partidos em relação à


sociedade e aumentar a crise de representatividade que afeta as agremiações.
De outra banda, é possível realizar o raciocínio inverso: contribuições privadas
podem ser positivas, uma vez que demonstram o relacionamento do partido com a
sociedade, ou seja, o seu enraizamento social, de modo que pequenas doações vindas
de vários financiadores seria uma prática positiva.65
Também como efeito negativo do financiamento exclusivamente público tem-
se a necessidade de aumento dos recursos públicos que necessitarão ser destinados
às agremiações para a manutenção de suas atividades ordinárias e promoção de
candidaturas.
Delia Ferreira Rubio observa que a necessidade de maiores aportes de recursos
públicos para o financiamento da política pode gerar questionamentos por parte da
sociedade, especialmente em países subdesenvolvidos e que apresentam inúmeras
demandas sociais não atendidas, de modo que a medida poderia não gozar de legiti­
midade social, tendo como efeito o aumento da desconfiança nos partidos políticos e
o agravamento da crise de representatividade.66
Entende-se que essa questão é central no caso brasileiro. Com efeito, considerando
o alto grau de desigualdade social existente no país, os inúmeros direitos sociais não
atendidos, os índices de desconfiança da população nos partidos políticos e nos Poderes
Legislativo e Executivo federais, as recentes medidas macroeconômicas e reformas que
afetam direitos sociais, como o congelamento dos gastos públicos e os debates atinentes
à reforma da previdência, a adoção do financiamento exclusivamente público não teria
legitimidade social e aumentaria a crise de representatividade.
Assim, entende-se que melhor solução se encontra no já adotado financiamento
misto, que permite combinar as vantagens entre o financiamento público (menor neces­
sidade de recursos privados, com possibilidade de contribuição para a diminuição da
dependência das agremiações com relação aos financiadores de campanha e reco­nhe­
cimento da importância do papel exercido pelas agremiações nas democracias contem­
porâneas) e o financiamento privado (possibilidade de permissão do enraizamento
social das agremiações).
Portanto, o modelo atual deve ser mantido e aperfeiçoado, com o incentivo a
pequenas doações realizadas por particulares e o aperfeiçoamento dos mecanismos
de fiscalização – objetivo constante da Justiça Eleitoral. Nesse passo, destaca-se, como
medida positiva promovida pela minirreforma eleitoral de 2017, a permissão de doações
por meio de arrecadação coletiva (crowdfunding).

2.6 Considerações finais


O tema do financiamento eleitoral tem gerado inúmeras discussões em virtude
de seu aspecto ambivalente: se, por um lado, são necessários recursos para que os
partidos políticos possam divulgar suas plataformas e os candidatos alavancar as suas

65
SPECK, Bruno Wilhelm. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no
Brasil. Cadernos Adenauer, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 123-159, set. 2005. p. 155.
66
RUBIO, Delia Ferreira. Financiamento de Partidos e Campanhas – Fundos Públicos versus Fundos Privados.
Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo – SP, n. 73, 2005. p. 9.

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MICHEL BERTONI SOARES
FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO? PONDERAÇÕES ENTRE O FINANCIAMENTO PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO
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candidaturas, sendo a realização de campanhas fundamental para que os cidadãos


possam se informar e decidir em quem votar, por outro, há uma série de preocupações
legítimas com o abuso de recursos e a influência do poder econômico sobre a democracia.
O debate sobre o tema deve considerar a importância dos partidos políticos para
a democracia representativa e a crise de representatividade que atinge as agremiações.
É preciso combater a referida crise, pois não há saída fora da política.
O financiamento público decorre do reconhecimento da importância dos partidos
políticos para a democracia e da busca pela redução da influência do poder econômico
sobre ela.
Todavia, a sua adoção como fonte exclusiva tende a produzir efeitos negativos,
com o agravamento da crise de representatividade pelo distanciamento dos partidos
das bases sociais, já que não teriam necessidade de buscar financiamento junto a filiados
e simpatizantes, e a dependência das agremiações com relação ao Estado.
Outrossim, o financiamento eleitoral sempre deve ser pensado com vistas à
garantia da igualdade de oportunidades entre candidatos e partidos políticos, não
sendo a simples adoção do financiamento público exclusivo suficiente para garantir
a paridade de armas no processo eleitoral. Pelo contrário, a igualdade e o pluralismo
partidário dependem diretamente dos critérios estabelecidos para a distribuição dos
recursos públicos.
Diante de todos os pontos elencados, entende-se que o financiamento misto
apresenta maiores vantagens, pois permite a combinação entre os aspectos positivos
do financiamento privado e os do financiamento público, devendo ser constantemente
aperfeiçoado.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SOARES, Michel Bertoni. Financiamento eleitoral exclusivamente público? Ponderações entre o


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CAPÍTULO 3

O FIM DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS: O IMPACTO


DO JULGAMENTO DA ADI 4.650 PELO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O FINANCIAMENTO
DAS CAMPANHAS ELEITORAIS NO BRASIL

DENISE GOULART SCHLICKMANN

3.1 Introdução
Este artigo tem por objetivo analisar, ainda que em linhas preliminares, a origem
dos recursos financiadores das campanhas eleitorais antes do julgamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 4.650 pelo Supremo Tribunal Federal, sua composição e
a predominância dos recursos privados no modelo de financiamento de campanha
brasileiro.
Em segundo momento, o estudo volta-se à identificação do impacto imediato
causado pelo julgamento da ADI 4.650 já nas eleições municipais de 2016, à aferição de
como as fontes de financiamento de campanha eleitoral sofreram alteração em relação às
eleições municipais de 2012 e ao exame dos mecanismos regulatórios fixados pela Justiça
Eleitoral para delimitar, com maior rigor, as fontes de financiamento então disponíveis.
Por fim, o estudo busca identificar os sinais que apontam ao futuro do
financiamento das campanhas eleitorais no Brasil após o fim das doações empresariais,
examinando os instrumentos compensatórios criados pela reforma eleitoral de 2017
para suprir a lacuna deixada pelo fim das doações de pessoas jurídicas.
A opção metodológica aplicada no estudo foi a dedutiva. Na pesquisa optar-se-á
pela análise bibliográfica, de dados legais e de coleta de dados junto à Justiça Eleitoral.

3.2 A origem dos recursos financiadores de campanhas eleitorais antes


do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650
pelo Supremo Tribunal Federal
O financiamento das campanhas eleitorais no Brasil observou, até as eleições
de 2014, composição mista fundada na origem privada e pública dos recursos, com
evidente predominância dos recursos privados.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
58 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Até aquele pleito, ao regulamentar a arrecadação de recursos para aquelas


eleições, o Tribunal Superior Eleitoral disciplinou expressamente as fontes que poderiam
financiar as campanhas eleitorais.
Para as eleições de 2014 – o ano que antecedeu a decisão paradigmática do
Supremo Tribunal Federal, objeto deste estudo – o disciplinamento da Resolução
nº 23.406/2014 (art. 19), limitou as fontes de financiamento de campanha eleitoral
expressamente a:
1. recursos próprios dos candidatos;
2. doações financeiras ou estimáveis em dinheiro, de pessoas físicas ou de pessoas
jurídicas;
3. doações de partidos políticos, comitês financeiros ou de outros candidatos;
4. recursos próprios dos partidos políticos, desde que identificada a sua origem;
5. recursos provenientes do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos
(Fundo Partidário), de que trata o art. 38 da Lei 9.096/1995;
6. receitas decorrentes da:
a) comercialização de bens e/ou serviços realizada diretamente pelo candidato,
comitê financeiro ou pelo partido;
b) promoção de eventos realizados diretamente pelos candidatos, comitês
finan­ceiros ou pelo partido;
c) aplicação financeira dos recursos de campanha.
As possibilidades de financiamento das campanhas eleitorais até aquele momento
respeitaram as previsões ínsitas dos dois diplomas legais que normatizam a arrecadação
de recursos em campanha: a Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) e a Lei nº 9.096/1995
(Lei dos Partidos Políticos).
A primeira norma, a Lei das Eleições, viabilizava as doações provenientes de
pessoas físicas e jurídicas e a segunda, a Lei dos Partidos Políticos, previa a utilização
dos recursos do Fundo Partidário em campanha eleitoral.
Todas as demais possibilidades de financiamento de campanha eleitoral esta­
tuídas no art. 19 da mencionada Resolução TSE nº 23.406/2014 nada mais fizeram
do que especificar as derivações diretas das possibilidades legalmente expressas,
ou seja: a espécie das doações (se financeiras ou estimáveis em dinheiro); se obtidas
diretamente de atos expressos de doação ou indiretamente (por intermédio de eventos
ou comercialização de bens ou serviços, hipóteses a que a norma conferiu também o
status de doações) e, por fim, os rendimentos financeiros decorrentes da aplicação no
mercado financeiro dos recursos anteriormente previstos.
Duas menções quanto às fontes de financiamento das campanhas eleitorais de
2014 merecem especial relevo.
A primeira diz respeito às fontes de financiamento de campanha eleitoral advindas
diretamente dos partidos políticos e diz respeito à caracterização do que sejam recursos
próprios de partidos políticos. Ora, o partido político, como instituição, não gera recursos,
daí por que o conceito de recursos próprios, para os fins da norma, ou seja, de delimitar
os recursos aplicáveis em campanha, deve ser compreendido como aqueles arrecadados
em anos anteriores ao da eleição pelo partido político, bem como aqueles decorrentes
da alienação de bens já incorporados, recebimento de contribuições de parlamentares e
filiados ou rendimentos de aplicação financeira. São, pois, aqueles que não tiveram por
finalidade precípua no seu recebimento a aplicação em campanhas eleitorais.

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O FIM DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS: O IMPACTO DO JULGAMENTO DA ADI 4.650 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O FINANCIAMENTO...
59

A segunda materializou a principal inovação da Resolução TSE nº 23.406/2014 ao


estabelecer novo limite à aplicação de recursos próprios dos candidatos em campanhas
eleitorais, introduzindo o limite de 50% do patrimônio informado à Receita Federal do
Brasil na Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física referente ao exercício anterior
ao pleito, conforme se verifica do art. 19, parágrafo único, que expressamente dispôs:

Art. 19. (...) Parágrafo único A utilização de recursos próprios dos candidatos é limitada
a 50% do patrimônio informado à Receita Federal do Brasil na Declaração de Imposto de
Renda da Pessoa Física referente ao exercício anterior ao pleito (arts. 548 e 549 do Código
Civil).

Assim, considerando-se as fontes de financiamento de campanha eleitoral


permitidas, assim como a significativa limitação da aplicação de recursos próprios
naquele pleito, dentre os recursos financiadores das eleições, a origem daqueles
provenientes de pessoas jurídicas, sem dúvida alguma, é maciçamente dominante.
Observe-se dos registros estatísticos obtidos junto ao Tribunal Superior Eleitoral
relativos às eleições de 20141:

Espécie das receitas de campanha eleitoral Valores (em Reais) Representatividade

Recursos de pessoas jurídicas R$ 3.038.400.390,69 43,25%

Recursos de partido político R$ 2.056.671.181,44 29,27%

Recursos de outros candidatos/comitês R$ 1.002.569.191,74 14,27%

Recursos de pessoas físicas R$ 552.403.056,00 7,86%

Recursos próprios R$ 373.166.985,43 5,31%

Doações pela Internet R$ 1.584.119,42 0,02%

Recursos de origens não identificadas R$ 587.849,83 0,01%

Rendimentos de aplicações financeiras R$ 452.573,23 0,01%

Comercialização de bens ou realização de eventos R$ 2.230,00 0,00%

Do montante de R$ 7.025.837.577,78 (sete bilhões, vinte e cinco milhões, oitocentos


e trinta e sete mil, quinhentos e setenta e sete reais e setenta e oito centavos), mais de 43%
desses valores tiveram por origem os recursos advindos do financiamento empresarial.
Observe-se graficamente o quantum dos recursos obtidos diretamente dessa fonte em
relação às demais fontes possíveis de financiamento:

1
Números fornecidos pela ASEPA – Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias.

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60 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Resta caracterizado, portanto, antes do julgamento da ADI nº 4.650, a natureza


mista do financiamento de campanhas eleitorais no Brasil, com predominância de
recursos privados, dos quais aqueles provenientes das pessoas jurídicas financiavam
mais de 40% das campanhas.

3.3 O impacto imediato do julgamento da Ação Direta de


Inconstitucionalidade nº 4.650 sobre o financiamento das
campanhas eleitorais
As fontes de financiamento de campanha eleitoral sofreram sua mais profunda
alteração ao longo da história com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) 4.650, pelo Supremo Tribunal Federal, em 17 de setembro de 2015.
Por maioria, tendo por relator o ministro Luiz Fux, a Corte

julgou procedente em parte o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade


(ADI) 4.650 para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam
as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, vencidos, em menor extensão,
os ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e Gilmar Mendes, que davam interpretação
conforme, nos termos do voto ora reajustado do ministro Teori Zavascki.

O Tribunal rejeitou, ainda, a modulação dos efeitos da declaração de inconsti­


tu­cionalidade por não ter alcançado o número de votos exigidos pelo artigo 27 da Lei
nº 9.868/99, e, consequentemente, a decisão tornou-se imediatamente aplicável às
eleições de 2016 e seguintes, a partir da sessão de julgamento, independentemente da
publicação do acórdão.
Nada se alterou no que se referia às doações de pessoas físicas, que permaneceram
reguladas pela Lei da Eleições.

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DENISE GOULART SCHLICKMANN
O FIM DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS: O IMPACTO DO JULGAMENTO DA ADI 4.650 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O FINANCIAMENTO...
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A ação foi ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) contra dispositivos da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) e da Lei dos Partidos
Políticos (Lei nº 9.096/1995), requerendo, no que importa a este estudo e no mérito,
consoante se extrai da inicial, fosse:

declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 24 da Lei 9.504/97,


na parte em que autoriza, a contrario sensu, a doação por pessoas jurídicas a campanhas
eleitorais, bem como a inconstitucionalidade do Parágrafo Único do mesmo dispositivo,
e do art. 81, caput e §1º do referido diploma legal;

Requereu ainda fosse

declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 31 da Lei


nº 9.096/95, na parte em que autoriza, a contrario sensu, a realização de doações por pessoas
jurídicas a partidos políticos; e a inconstitucionalidade das expressões “ou pessoa jurídica”,
constante no art. 38, inciso III, da mesma lei, e “e jurídicas”, inserida no art. 39, caput e
§5º do citado diploma legal;

Ora, o primeiro grande impacto da declaração de inconstitucionalidade das


doações de pessoas jurídicas ocorreu exatamente sobre o financiamento das campanhas
eleitorais de 2016, uma vez que restou banida a principal fonte de financiamento de
campanha eleitoral.
Todo o contexto em que ocorreu o julgamento da referida ADI 4.650 merece
reflexão, contudo, à luz da então reforma eleitoral que era gestada no Congresso
Nacional.
É que justamente após o julgamento da referida ADI 4.650, o Congresso Nacional
aprovou reforma eleitoral específica no ano de 2015 (Projeto de Lei nº 5.735/2013), cujo
texto final foi vetado pela Presidência da República em razão do julgamento do Supremo
Tribunal Federal e converteu-se na Lei nº 13.165/2015.
O referido Projeto de Lei da reforma eleitoral taxativamente previa a possibilidade
das doações de pessoas jurídicas, mas limitadas consoante abaixo se verifica:

Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em


dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie,
procedente de: (...)
XII – pessoas jurídicas com os vínculos com a administração pública especificados no §2º.
§2º Pessoas jurídicas que mantenham contrato de execução de obras com órgãos ou
entidades da administração pública direta e indireta são proibidas de fazer doações para
campanhas eleitorais na circunscrição do órgão ou entidade com a qual mantêm o contrato.
§3º As pessoas jurídicas que efetuarem doações em desacordo com o disposto neste artigo
estarão sujeitas ao pagamento de multa no valor de 100% (cem por cento) da quantia
doada e à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder
público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo
no qual seja assegurada ampla defesa.
§4º O partido ou candidato que receber recursos provenientes de fontes vedadas ou de
origem não identificada deverá proceder à devolução dos valores recebidos ou, não sendo
possível a identificação da fonte, transferi-los para a conta única do Tesouro Nacional.
Art. 24-A. É vedado ao candidato receber doação em dinheiro ou estimável em dinheiro,
inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoa jurídica.

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Parágrafo único. Não se consideram doações para os fins deste artigo as transferências ou
repasses de recursos de partidos ou comitês para os candidatos.
Art. 24-B. Doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão
ser feitas para os partidos políticos a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos
ou coligações.
§1º As doações e contribuições de que trata este artigo não poderão ultrapassar nenhum
dos seguintes limites:
I – 2% (dois por cento) do faturamento bruto do ano anterior à eleição, somadas todas
as doações feitas pelo mesmo doador, até o máximo de R$20.000.000,00 (vinte milhões
de reais);
II – 0,5% (cinco décimos por cento) do faturamento bruto, somadas todas as doações feitas
para um mesmo partido.
§2º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita a pessoa jurídica
ao pagamento de multa no valor de cinco vezes a quantia em excesso
§3º Sem prejuízo do disposto no §2º, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no
§1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos
com o poder público pelo período de cinco anos por determinação da Justiça Eleitoral,
em processo no qual seja assegurada ampla defesa.
§4º As representações propostas objetivando a aplicação das sanções previstas nos §§2º e
3º observarão o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990 e
o prazo de recurso contra as decisões proferidas com base neste artigo será de três dias, a
contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (grifou-se)

O projeto espelhado no texto final da reforma eleitoral, acima explicitado, pode


ser assim compreendido:
O projeto eleitoral inseria hipótese de vedação de financiamento das campanhas
eleitorais, proibindo o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas que
possuíssem vínculos com a administração pública, in casu, contrato de execução de obras
com órgãos ou entidades da administração pública direta e indireta. Tais empresas
estariam proibidas de fazer doações para campanhas eleitorais na circunscrição do
órgão ou entidade com a qual mantivessem contrato.
Duas particularidades aqui eram dignas de nota: apenas contratos de execução de
obras estariam abrangidos pela vedação, ou seja, quaisquer outros contratos relacionados
a obras que não fossem especificamente de execução não gerariam a vedação legal, o
que lhe restringiria a aplicação de forma muito significativa, pois as obras públicas,
via de regra, são contratações de grande monta de que a execução é apenas parte e
pode ser realizada por empresas que não possuem o mesmo poderio econômico que a
contratante da obra; a vedação se aplicaria apenas às doações realizadas na circunscrição
do órgão contratante e não no local de realização da obra. Além disso, talvez a definição
do gênero da contratação em si não fosse o melhor critério a ser considerado, mas seu
montante, independentemente de relacionar-se, ou não, à obra.
No §3º do mesmo dispositivo, importante inovação foi prevista, passando a fixar
multa para as pessoas jurídicas vedadas de financiarem campanhas eleitorais, além da
proibição de participarem de licitações e de celebrarem contratos com o poder público
pelo prazo de 5 anos. As últimas duas sanções existiam anteriormente na norma, mas
apenas para as pessoas jurídicas que realizassem doações acima dos limites legais.
Não havia na norma anterior a fixação de sanções específicas para pessoas jurídicas na
hipótese de doação às campanhas eleitorais quando se verificasse vedação. A fixação

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de sanção conferia, no texto original da reforma, maior eficácia à coibição de fontes


vedadas nas campanhas eleitorais.
No §4º, a norma previa que o beneficiário, ao receber fonte vedada ou de origem
não identificada para o financiamento de campanha eleitoral, deveria, prioritariamente,
devolver o recurso ao doador. Não sendo possível identificar a fonte, deveria transferir
o recurso para o Tesouro Nacional. A norma reforçava, nesse aspecto, o conceito de
impossibilidade de utilização.
Nos arts. 24-A e 24-B a reforma eleitoral previa a estrutura do financiamento
privado. De um lado, proibia taxativamente o recebimento de recursos de pessoa jurídica
diretamente por candidatos, mas permitia que tais doações fossem direcionadas aos
partidos políticos, que então poderiam repassá-las aos candidatos. Ou seja, o financia­
mento por pessoas jurídicas na reforma eleitoral tal como originariamente concebida
seria mantido, mas permitido apenas diretamente aos partidos políticos e com as
restrições de vínculo com o poder público acima expostas.
Ainda assim, observadas as duas condições acima apresentadas, tais doações
estariam ainda limitadas conforme segue:
• 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição, somadas todas as doações
feitas pelo mesmo doador, até o máximo de R$20.000.000,00 (vinte milhões de
reais) e
• 0,5% (cinco décimos por cento) do faturamento bruto, somadas todas as doações
feitas para um mesmo partido.
Ou seja, ao tempo em que mantinha as doações de pessoas jurídicas financiando
campanhas eleitorais, a reforma eleitoral lhes impunha severas restrições adicionais.
O julgamento da ADI 4.650 no Supremo Tribunal Federal, contudo, declarou a
incons­ti­tucionalidade dos dispositivos da legislação eleitoral que amparavam as doações
de pessoas jurídicas, fato que culminou por motivar o veto presidencial à reforma
eleitoral de todos os dispositivos julgados inconstitucionais.
Assim, com fundamento na proibição constitucional das doações de pessoas jurí­
dicas e de conformidade com as novas normas legais, toda a normatização emanada do
Tribunal Superior Eleitoral a respeito, e consubstanciada na Resolução TSE 23.463/2015,
foi também fortemente impactada no que concerne ao tema da origem dos recursos
financiadores de campanhas eleitorais nas eleições municipais de 2016, conforme
adiante se verá:

Art.14. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos,


somente são admitidos quando provenientes de:
I – recursos próprios dos candidatos;
II – doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas;
III – doações de outros partidos políticos e de outros candidatos;
IV – comercialização de bens e/ou serviços ou promoção de eventos de arrecadação
realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político;
V – recursos próprios dos partidos políticos, desde que identificada a sua origem e que
sejam provenientes:
a) do Fundo Partidário, de que trata o art. 38 da Lei 9.096/1995;
b) de doações de pessoas físicas efetuadas aos partidos políticos;
c) de contribuição dos seus filiados;
d) da comercialização de bens, serviços ou promoção de eventos de arrecadação;

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VI – receitas decorrentes da aplicação financeira dos recursos de campanha.


§1º Os rendimentos financeiros e os recursos obtidos com a alienação de bens têm a
mesma natureza dos recursos investidos ou utilizados para sua aquisição e devem ser
creditados na conta bancária na qual os recursos financeiros foram aplicados ou utilizados
para aquisição do bem.
§2º O partido político não poderá transferir para o candidato ou utilizar, direta ou indiretamente,
nas campanhas eleitorais, recursos que tenham sido doados por pessoas jurídicas, ainda que em
exercícios anteriores (STF, ADI 4.650).
Art. 15. O candidato e os partidos políticos não podem utilizar, a título de recursos próprios,
recursos que tenham sido obtidos mediante empréstimos pessoais que não tenham sido
contratados em instituições financeiras ou equiparadas autorizadas a funcionar pelo
Banco Central do Brasil e, no caso de candidatos, que não estejam caucionados por bem
que integre seu patrimônio no momento do registro de candidatura, ou que ultrapassem
a capacidade de pagamento decorrente dos rendimentos de sua atividade econômica.
§1º O candidato e o partido devem comprovar à Justiça Eleitoral a realização do empréstimo
por meio de documentação legal e idônea, assim como os pagamentos que se realizarem
até o momento da entrega da sua prestação de contas.
§2º O Juiz Eleitoral ou os Tribunais Eleitorais podem determinar que o candidato ou o
partido comprove o pagamento do empréstimo contraído e identifique a origem dos
recursos utilizados para quitação. (grifou-se)

Consoante se observa das normas emanadas do Tribunal Superior Eleitoral,


importantes modificações regulamentaram as eleições municipais de 2016.
A primeira delas consistiu na permissão de recebimento de doações apenas de
pessoas físicas e não mais de pessoas jurídicas. Essa modificação não altera o modelo de
financiamento das campanhas eleitorais no Brasil, que permanece sendo misto, ou seja,
parcialmente público, mediante o ingresso de recursos públicos que constituem o Fundo
Partidário, e parcialmente privado. Contudo, afeta substancialmente a composição da
parcela de recursos de origem privada. Observe-se do comparativo com as eleições
municipais de 2012, em que as doações de pessoas jurídicas eram possíveis:

Eleições de Eleições de Variação


Espécie das receitas 2012 2016 percentual
Comercialização de bens ou realização de eventos 381.938,19 129.888,17 -65,99%
Doações pela Internet 545.203,27 2.388.247,93 338,05%
Recursos de origens não identificadas 548.399,37 649.002,24 18,34%
Recursos de outros candidatos 154.228.948,26
Recursos de outros candidatos/comitês 746.791.872,81
Recursos de partido político 1.219.830.389,05 753.626.978,36 -38,22%
Recursos de pessoas físicas 1.276.068.717,84 1.366.708.981,83 7,10%
Recursos de pessoas jurídicas 1.875.488.906,16
Recursos próprios 978.220.018,26 1.100.261.241,52 12,48%
Rendimentos de aplicações financeiras 78.873,70 93.263,10 18,24%
Fundo Partidário 184.869.282,80 189.724.395,46 2,63%

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Em 2014, a participação de doações de pessoas jurídicas no financiamento das


campanhas eleitorais foi de 43,25%, conforme informações obtidas diretamente do
Tribunal Superior Eleitoral. É evidente e substancial, pois, até as eleições de 2014, a
maciça participação dos recursos provenientes de pessoas jurídicas para o financiamento
de campanhas, o que também se verifica em 2012, consoante se pode observar dos dados
acima. Embora não mais fosse possível a arrecadação de recursos de pessoas jurídicas,
em 2016 as doações de pessoas físicas não fizeram frente a essa importante perda.
Do acórdão do Supremo Tribunal Federal, que baniu as doações empresariais
como fontes de financiamento das campanhas eleitorais, extrai-se:

8. O princípio da liberdade de expressão assume, no aspecto político, uma dimensão


instrumental ou acessória, no sentido de estimular a ampliação do debate público, de sorte
a permitir que os indivíduos tomem contato com diferentes plataformas e projetos políticos.
9. A doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, antes de refletir eventuais
preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores, no afã de
estreitar suas relações com o poder público, em pactos, muitas vezes, desprovidos de
espírito republicano.

Não há dúvidas de que, para além dos judiciosos argumentos jurídicos aduzidos
no acórdão, o contexto político e, por que não dizer?, derivado da apuração de inúmeros
e fragorosos ilícitos diretamente relacionados ao financiamento de campanhas eleitorais
por empresas no Brasil e sua estreita e espúria relação com o Poder Público, cuja
consequência desbordou em escândalos de corrupção tidos como os maiores da história
política brasileira, influenciou profundamente o decisum superior.
É como se o banimento do mundo jurídico do que se julgou ser a principal causa
de crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva fosse determinante para
banir os ilícitos em si.
Mas foi justamente o disciplinamento das doações de pessoas jurídicas, a defi­
nição das vedações de fonte e a imposição de limites, insculpida na Lei nº 8.713/1993,
que trouxe tais doações à tona e permitiu que a Justiça Eleitoral e uma verdadeira e
moderna rede de controles – em evolução e eficazes, fruto do compartilhamento de
infor­mações entre os mais diversos órgãos da administração pública – pudesse ser
construída para coibir abusos e responsabilizar aqueles que infringissem as regras de
igualdade que fundamentam a disputa eleitoral. E mais; com a evolução verificada a
partir das eleições de 2010, coibindo-se progressiva e substancialmente o financiamento
por doações ocultas, pôde-se vincular com precisão eventuais origens ilícitas de recursos
e respectivos beneficiários, viabilizando a sanção de condutas indevidas, no intuito de
expurgá-las do processo eleitoral.
O banimento das pessoas jurídicas do processo de financiamento de contas
eleitorais não impõe automaticamente o fim de financiamento dessa natureza, mas o
coloca à margem dos mais modernos mecanismos de fiscalização e controle de que hoje
dispõe a Justiça Eleitoral. Impede, ao fim e ao cabo, que se faça a vinculação entre o
financiador ilícito e indireto das campanhas – que poderá agora estar completamente
relegado às sombras – e seus beneficiários, dificultando em muito a sua eventual res­
pon­sabilização. Se extrema e negativamente impactantes os processos de apuração de
finan­ciamento ilícito de campanhas eleitorais, a macular os processos eleitorais a que
se vinculam, é por esses mesmos processos que as instituições exercem o poder-dever

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66 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

de garantir a legitimidade dos pleitos, afastando a influência maléfica do financiamento


ilícito. Vale dizer: conhecer a irregularidade não é um mal em si. O mal está em praticá-la.
As eleições municipais de 2016 revelam, pois, marco histórico de financiamento
fundado essencialmente em recursos próprios (de candidatos e de partidos políticos),
prove­nientes do Fundo Partidário e de doações de pessoas físicas, em modelo cultu­
ral­mente distinto daquele até então praticado no Brasil.
Da proibição do financiamento das campanhas eleitorais com recursos oriundos
de doações de pessoas jurídicas derivou também a regulamentação do §2º do art. 14
da norma emanada do Tribunal Superior Eleitoral, impondo ao partido político a
proibição de transferir para o candidato ou utilizar, direta ou indiretamente, nas cam­
panhas eleitorais, recursos que tivessem sido doados por pessoas jurídicas, ainda que
em exercícios anteriores.
Esta regra, contudo, revela o problema derivado da ausência de modulação
dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que impediu tais doações. Ora, a
declaração de inconstitucionalidade opera, em regra, ex tunc, pois constata a invalidade
da norma desde a sua edição. Não havendo a modulação dos efeitos da decisão, a
regra de aplicação deveria refletir aquela de natureza geral e, assim sendo, inválida a
norma desde a sua edição, tais recursos oriundos de pessoas jurídicas revelam-se ilegais
qualquer que haja sido o destino da sua aplicação: se para financiamento de campanhas
eleitorais pretéritas e vindouras ou para o financiamento partidário ordinário.
Esta não parece ser a solução mais consentânea à questão oriunda da vedação
do financiamento de pessoas jurídicas, vez que tais doações, quando recebidas por
par­tidos políticos e candidatos em eleições anteriores ou mesmo para o financiamento
partidário, estavam revestidas da presunção de legalidade típica dos diplomas legais cuja
inconstitucionalidade não foi declarada. Ou seja, a norma, quando editada regularmente,
de conformidade com o processo legislativo constitucional ordinário, nasce com a
presunção de legalidade. E nessa condição ingressa na esfera jurídica e assim é aplicada.
Assim, a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral a respeito da impossibilidade
de utilização dos recursos arrecadados de pessoas jurídicas em período anterior ao da
declaração de inconstitucionalidade da regra pode ser objeto de interpretações disso­
nantes: a uma, de que reflete adequadamente a proibição constitucional atual; a duas,
contrariando aquela mesma decisão ao permitir, contrário senso, que tais doações sejam
aplicadas no financiamento ordinário dos partidos políticos, já que proíbe a aplicação
de tais doações apenas para o financiamento de campanhas eleitorais.
A modulação dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal, pois, era
essencial à aplicação da norma. Não tendo sido objeto de decisão da Corte Suprema,
gera invariavelmente decisões inconsistentes sob o ângulo da inconstitucionalidade da
arrecadação de tais recursos – para qualquer finalidade, segundo a ADI 4.650 – ou da
“legalidade” do financiamento por essas mesmas pessoas jurídicas de partidos políticos
e campanhas eleitorais anteriores, sob a égide de norma declarada posteriormente
inconstitucional. Não tendo havido a modulação, contudo, a normatização mais consen­
tânea seria, s.m.j., aquela que permitisse a aplicação dos recursos oriundos de doações
de pessoas jurídicas recebidos ao tempo de constitucionalidade aparente e presumida
da norma, ou seja, até a publicação da decisão que as considerou inconstitucionais.
Assim é que, reduzindo-se as fontes de financiamento da campanha eleitoral de
2016, a Resolução TSE 23.463/2015 tratou de regulamentar com maior rigor a aplicação

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daquelas passíveis de utilização. É o que se observa do art. 15, antes citado, no que
concerne aos recursos próprios dos candidatos advindos de empréstimos.
A norma cuidou de delimitar rigidamente essa forma de aplicação de recursos
próprios, com fundamento em duas diretrizes principais: a idoneidade da procedência
do empréstimo e a capacidade econômica para contratação do empréstimo e pagamento.
As diretrizes estabelecidas pela norma inibem a contratação fraudulenta de
empréstimos para ocultar a origem de recursos que possam ter procedência ilícita
quando regulamenta a origem, limitando-a às possibilidades legalmente reconhecidas
pelo sistema financeiro nacional e afere a capacidade econômica do contratante.
Ambas as diretrizes encontram operacionalidade nos comandos que determinam
que os empréstimos sejam contratados em instituições financeiras ou equiparadas, auto­
rizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e, na hipótese de terem sido con­tra­tados
por candidatos, que estejam garantidos por caução de bem que integre seu pa­trimônio
no momento do registro de candidatura e, adicionalmente, que sejam consen­tâneos com
a capacidade de pagamento decorrente dos rendimentos de sua atividade econômica.
Além disso, nos §§1º e 2º do mesmo art. 15, disciplinou a obrigatoriedade de
que candidato e partido comprovassem à Justiça Eleitoral a realização do empréstimo
por meio de documentação legal e idônea, bem como, os pagamentos realizados para
sua quitação até o momento da entrega da sua prestação de contas, prevendo, ainda, a
possibilidade de que as autoridades judiciais determinassem ao candidato ou ao partido
que comprovassem o pagamento do empréstimo, identificando a origem dos recursos
utilizados para quitação.
Por fim, quanto aos recursos provenientes dos partidos políticos, para além da
questão relativa à impossibilidade de aplicação de recursos por eles recebidos de pessoas
jurídicas, a Resolução TSE 23.463/2015 disciplinou consoante segue:

Art. 16. As doações realizadas por pessoas físicas ou as contribuições de filiados recebidas
pelos partidos políticos em anos anteriores ao da eleição para sua manutenção ordinária,
creditadas na conta bancária destinada à movimentação financeira de “Outros Recursos”,
prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos,
podem ser aplicadas nas campanhas eleitorais de 2016, desde que observados os seguintes
requisitos cumulativos:
I – identificação da sua origem e escrituração individualizada das doações e contribuições recebidas,
na prestação de contas anual, assim como seu registro financeiro na prestação de contas de campanha
eleitoral do partido;
II – observância das normas estatutárias e dos critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção
nacional, os quais devem ser fixados objetivamente e encaminhados ao Tribunal Superior Eleitoral
até 15 de agosto de 2016 (Lei 9.096/1995, art. 39, §5º);
III – transferência para a conta bancária “Doações para Campanha”, antes de sua destinação ou
utilização, respeitados os limites legais impostos a tais doações, calculados com base nos rendimentos
auferidos no ano anterior ao da eleição em que a doação for aplicada, ressalvados os recursos do
Fundo Partidário, cuja utilização deverá observar o disposto no parágrafo único do art. 8º;
IV – identificação, na prestação de contas eleitoral do partido e também nas respectivas contas
anuais, do nome ou razão social e do número do CPF da pessoa física ou do CNPJ do candidato
ou partido doador, bem como a identificação do número do recibo eleitoral ou do recibo de doação
original, emitido na forma do art. 6º.
§1º O encaminhamento de que trata o inc. II deve ser endereçado à Presidência do Tribunal
Superior Eleitoral, que os divulgará na página do Tribunal na internet.

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68 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

§2º Os recursos auferidos nos anos anteriores devem ser identificados como reserva ou
saldo de caixa nas prestações de contas anuais da agremiação, que devem ser apresentadas
até 30 de abril de 2016.
§3º Somente os recursos provenientes do Fundo Partidário ou de doações de pessoas
físicas que componham a reserva ou o saldo de caixa do partido podem ser utilizados
nas campanhas eleitorais.
§4º No ano da eleição, a parcela do Fundo Partidário prevista no inc. V do art. 44 da
Lei 9.096/1995, relativa à criação e manutenção de programas de promoção e difusão
da participação política das mulheres, pode ser integralmente destinada ao custeio de
campanhas eleitorais de mulheres candidatas (Lei 9.096/1995, art. 44, §7º).
Art. 17. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo
Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.
§1º A aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário, nas campanhas eleitorais,
pode ser realizada mediante:
I – transferência para conta bancária do candidato aberta nos termos do art. 8º;
II – transferência dos recursos de que tratam o §5º-A do art. 44 da Lei 9.096/1995 e o art. 9º
da Lei 13.165/2015 para a conta bancária de campanha de candidata aberta na forma do
art. 8º desta resolução;
III – pagamento dos custos e despesas diretamente relacionados às campanhas eleitorais
dos candidatos e dos partidos políticos, procedendo-se à sua individualização.
§2º Os partidos políticos devem manter as anotações relativas à origem e à transferência
dos recursos na sua prestação de contas anual e devem registrá-las na prestação de contas
de campanha eleitoral de forma a permitir a identificação do destinatário dos recursos
ou o seu beneficiário.
§3º As despesas e custos assumidos pelo partido político em benefício de mais de uma
candidatura devem ser registradas de acordo com o valor individualizado, apurado
mediante o rateio entre todas as candidaturas beneficiadas, na proporção do benefício
auferido.
§4º Os partidos políticos devem destinar no mínimo cinco por cento e no máximo quinze
por cento do montante do Fundo Partidário, destinado ao financiamento das campanhas
eleitorais, para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os
recursos a que se refere o inc. V do art. 44 da Lei 9.096/1995 (Lei 13.165/2015, art. 9º).
(grifou-se)

Foram diversas as novidades introduzidas pela norma emanada do Tribunal


Superior Eleitoral, as quais podem ser assim sintetizadas:
1. Apenas doações realizadas por pessoas físicas e contribuições de filiados
rece­bidas em anos anteriores ao da eleição para sua manutenção ordinária,
creditadas na conta bancária destinada à movimentação financeira de “Outros
Recursos”, poderiam ser aplicadas nas campanhas eleitorais de 2016;
2. Tornou-se obrigatória a identificação de origem e escrituração individualizada
das doações e contribuições recebidas, tanto na prestação de contas anual,
quanto o registro financeiro na prestação de contas de campanha eleitoral do
partido;
3. Tornou-se também obrigatória a transferência para a conta bancária “Doações
para Campanha”, antes de sua destinação ou utilização, devendo ser respei­
tados os limites legais impostos às doações de pessoas físicas, os quais deveriam
ser calculados com base nos rendimentos auferidos no ano anterior ao da
eleição em que a doação fosse aplicada;

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O FIM DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS: O IMPACTO DO JULGAMENTO DA ADI 4.650 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O FINANCIAMENTO...
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4. Os recursos do Fundo Partidário aplicados em campanha deveriam ser movi­


mentados na conta bancária originariamente destinada à sua movi­men­tação,
sendo vedada a sua transferência para a conta Doações para Campanha;
5. Obrigou-se à identificação em ambas as prestações de contas – anual e de
campanha – do nome ou razão social e do número do CPF da pessoa física ou
do CNPJ do candidato ou partido doador, bem como, a identificação do nú­
mero do recibo eleitoral ou do recibo de doação original, não sendo exigida a
emissão de recibo eleitoral quando houvesse sido emitido o recibo de doação;
6. Somente os recursos provenientes do Fundo Partidário ou de doações de
pessoas físicas que compusessem a reserva ou o saldo de caixa do partido
poderiam ser utilizados nas campanhas eleitorais.
Importa ressaltar, ao final, que as regras de captação de recursos constituem
verdadeiros pilares a sustentarem a legalidade da arrecadação dos recursos que finan­
ciam as campanhas eleitorais, daí por que necessária sua observância rigorosa.
Para as eleições 2016, os dispositivos legais que vigoram na Lei das Eleições a
respeito das vedações estavam, ainda, revogados tacitamente. A proibição de doações
de pessoas jurídicas operada pela ADI 4.650, julgada pelo Supremo Tribunal Federal,
que fundamentou o veto presidencial ao texto da reforma eleitoral operada pela Lei nº
13.165/2015, culminou por revogar a quase totalidade das hipóteses legalmente previstas.
Assim, de conformidade com as alterações havidas, foi a Resolução TSE
23.463/2015 o diploma normativo a fixar objetivamente os contornos das vedações para
o financia­mento das campanhas eleitorais, litteris:

Art. 25. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação
em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer
espécie, procedente de:
I – pessoas jurídicas;
II – origem estrangeira;
III – pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão
pública.
§1º O recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser
imediatamente devolvido ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira.
§2º O comprovante de devolução pode ser apresentado em qualquer fase da prestação
de contas ou até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas.
§3º A transferência de recurso recebido de fonte vedada para outro órgão partidário ou
candidato não isenta o donatário da obrigação prevista no §1º.
§4º O beneficiário de transferência cuja origem seja considerada fonte vedada pela Justiça
Eleitoral responde solidariamente pela irregularidade e as consequências serão aferidas
por ocasião do julgamento das respectivas contas.
§5º A devolução ou a determinação de devolução de recursos recebidos de fonte vedada
não impedem, se for o caso, a reprovação das contas, quando constatado que o candidato
se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a
apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei 9.504/1997, do art. 22 da Lei Complementar
64/1990 e do art. 14, §10, da Constituição da República. (grifou-se)

Veja-se que, apesar de o rol de vedações ter restado bastante diminuído, a Lei
das Eleições ainda contempla, de um modo geral, três grandes grupos, passíveis de
consolidação, agora representados, cada um deles, por uma das hipóteses de vedação:

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70 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

1. Entidades afastadas pelo legislador com o intuito de impedir que, ao


ingres­sarem nas campanhas eleitorais, interfiram largamente na disputa,
desigualando-a em razão do impacto de sua atuação – pessoas jurídicas;
2. Recursos que poderiam afetar diretamente a soberania do Estado brasileiro,
eis que diretamente vinculadas ao capital internacional, que poderia se fazer
representar na política local – origem estrangeira e
3. Recursos provenientes de pessoas vinculadas ao Estado ou que manifestem
predominância de interesse público e, portanto, estatal (seja direta ou indire­
tamente, pelo recebimento de recursos dele provenientes), que, por sua própria
natureza, não deve interferir no processo de financiamento de campanhas
eleitorais, ao menos da forma como hodiernamente o financiamento se encontra
disciplinado, vez que, se o fizesse, necessariamente privilegiaria determinadas
campanhas em detrimento de outras, com recursos compostos por uma socie­
dade que é politicamente plural e que não estaria, naquele momento, exercendo
adequadamente a sua opção de preferência por este ou aquele partido ou
candidato – pessoas físicas permissionárias de serviço público.

A sensível redução do rol de fontes vedadas justifica-se porque sua composição


anterior era basicamente de pessoas jurídicas, agora absorvidas pelo conceito genérico
do inc. I do art. 25 da norma.
A segunda hipótese, origem estrangeira, merece maior reflexão. Considerando
que todas as pessoas jurídicas já se encontram impedidas de realizar doações para
campanhas eleitorais, constituindo ampla fonte de vedação já contemplada no inc. I da
norma, a origem estrangeira necessariamente está voltada aos recursos provenientes
de pessoas físicas.
E aqui é importante considerar que os recursos, ainda que doados por pessoas
físicas nacionais, não podem ter origem estrangeira. Mas para caracterizar tal origem
também não basta que os recursos simplesmente cheguem às campanhas eleitorais pela
via internacional. É imperioso que tenham, como a lei determina, origem estrangeira,
ou seja, que a geração da riqueza tenha ocorrido em solo internacional.
A terceira hipótese de vedação diz respeito a doações recebidas de pessoa física
que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão pública. Aqui,
necessário observar que não há pessoas físicas concessionárias de serviço público, mas
sim, permissionárias de serviço público. É o que se extrai da Lei nº 8.987/1995, que dispõe
sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no
art. 175 da Constituição Federal, que em seu art. 2º dispõe, litteris:

II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente,
mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de
empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por
prazo determinado;
(...)
IV – permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da
prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que
demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. (grifou-se)

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A doutrina esclarece eventuais questões a respeito:

(...) a permissão de serviço público é descrito como o contrato de cunho administrativo,


por meio do qual o Poder Público, denominado permitente, transfere a um particular,
nomeado permissionário, a execução de específico serviço público, atentando-se para as
condições fixadas em normas de direito público, inclusive no que se refere à estipulação do
valor das tarifas. Neste sentido, apregoa Justen Filho que “permissão é o ato administrativo
de delegação da prestação de serviço público a particular, sem a imposição de deveres de
investimento amortizáveis em prazo mínimo de tempo”.
Com efeito, a permissão, conforme as valiosas lições de Hely Lopes Meirelles, “é o ato
administrativo negocial, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público faculta ao
particular a execução de serviços de interesse coletivo, ou o uso especial de bens públicos,
a título gratuito ou remunerado, nas condições estabelecidas pela Administração”. Ao lado
do expendido, quadra destacar que os serviços permitidos compreendem todos aqueles
em que a Administração Pública delimita os requisitos para sua prestação ao público e,
tido como ato unilateral, em decorrência de termo de permissão, competindo a execução
aos particulares que detiverem capacidade para sua realização. (RANGEL, 2012)

Assim, a vedação restringe-se às pessoas físicas permissionárias de serviço


público.

3.4 O futuro do financiamento das campanhas eleitorais após o fim das


doações empresariais: os mecanismos compensatórios
As eleições de 2016 bem refletem as consequências do fim do financiamento
empresarial, repercutindo não só na composição das fontes de financiamento como
também na regulamentação específica, pelo Tribunal Superior Eleitoral, do uso das
fontes disponíveis, consoante abordado no capítulo anterior.
Referidas eleições municipais foram marco histórico de financiamento fundado
essencialmente em recursos próprios (de candidatos e de partidos políticos), provenientes
do Fundo Partidário e de doações de pessoas físicas, em modelo culturalmente
distinto daquele até então praticado no Brasil, em que a participação das empresas no
financiamento de campanhas eleitorais era maciço.
O futuro, no entanto, aponta solução distinta. Ainda que o modelo de financia­
mento de campanhas eleitorais no Brasil permaneça misto, torna-se cada vez maior a
participação de recursos públicos nesse montante.
É o que se pode constatar da aprovação da reforma eleitoral consubstanciada
nas Leis nº 13.487/2017 e 13. 488/2017. No que se refere às fontes de financiamento de
campanha eleitoral, a reforma aponta a duas medidas específicas: a criação do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o alavancamento das doações de
pessoas físicas, mediante o financiamento coletivo. Ambas as medidas, sem dúvida
alguma, buscam suprir a imensa lacuna deixada pela ausência das doações empresariais
após o julgamento da ADI 4.650, como verdadeiros mecanismos compensatórios engen­
drados na esfera política para o financiamento do modelo representativo democrático
vigente.

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72 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

No que se refere ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), foi


instituído pela reforma eleitoral com destinação específica ao custeio de campanhas
eleitorais (art. 16-C da Lei das Eleições), 2 indicando como fontes para sua constituição
o montante de compensação fiscal devida pela propaganda partidária gratuita e
percentual específico (art. 3º da Lei nº 13.487/2017) das emendas de bancada estadual
(30%), conforme dispõe a Lei nº 13.473/2017, art. 12, §3º, II:

Art. 12 (...) §3º O Projeto de Lei Orçamentária de 2018 conterá reservas específicas para
atendimento de:
I – programações decorrentes de emendas individuais estabelecidas no §2o do art. 59; e
II – programações decorrentes de emendas de bancada estadual de execução obrigatória
e de despesas necessárias ao custeio de campanhas eleitorais.

Ao mesmo tempo, contudo, que a reforma prevê que o fundo seja constituído
com 30% dos recursos destinados às reservas de bancada, prevê que este percentual
possa ser reduzido se houver dotação orçamentária destinada em excesso ao Poder
Legislativo. Não há qualquer definição dos critérios que estabeleçam referidos excessos.
A reforma eleitoral estabeleceu previsão de que os valores do fundo estejam
disponíveis ao TSE, encarregado da distribuição dos recursos aos partidos políticos, até
o primeiro dia útil do mês de junho de cada ano eleitoral. Sua distribuição, contudo, será
condicionada à definição, pelo próprio partido político – esfera nacional, dos critérios
a serem adotados para a sua distribuição, os quais deverão ser aprovados pela maioria
absoluta dos membros da executiva nacional e divulgados publicamente.
A destinação do fundo especial para as campanhas eleitorais tem por consequência
que o saldo deste fundo não permaneça sob a guarda dos partidos políticos após as
eleições: os valores não utilizados devem ser devolvidos integralmente ao Tesouro
nacional já por ocasião da prestação de contas partidária nas eleições.
No que se refere à distribuição dos recursos do Fundo de Campanha, a norma
estabelece no art. 16-D. 3 (Lei das Eleições) que esta ocorrerá no primeiro turno

2
Art. 16-C. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é constituído por dotações orçamentárias
da União em ano eleitoral, em valor ao menos equivalente:
I – ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição, com base nos parâmetros definidos em lei;
II – a 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso II do §3º do art. 12 da Lei nº
13.473, de 8 de agosto de 2017. (...)
§2º O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do Brasil, em conta especial à disposição do Tribunal
Superior Eleitoral, até o primeiro dia útil do mês de junho do ano do pleito.
§3º Nos quinze dias subsequentes ao depósito, o Tribunal Superior Eleitoral:
I – divulgará o montante de recursos disponíveis no Fundo Eleitoral; e (...)
§7º Os recursos de que trata este artigo ficarão à disposição do partido político somente após a definição de
critérios para a sua distribuição, os quais, aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão de direção
executiva nacional do partido, serão divulgados publicamente. (...)
§11. Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que não forem utilizados nas
campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, no momento da apresentação
da respectiva prestação de contas. (...)
§15. O percentual dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo poderá ser reduzido mediante
compensação decorrente do remanejamento, se existirem, de dotações em excesso destinadas ao Poder
Legislativo.
3
Art. 16-D. Os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), para o primeiro turno das
eleições, serão distribuídos entre os partidos políticos, obedecidos aos seguintes critérios:

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73

das eleições, observando percentual de distribuição igualitária a todos os partidos


registrados no TSE – 2%. A reforma cria critérios diferenciados, contudo, para
distribuição do montante restante (98% dos recursos), considerando inicialmente a
participação partidária na Câmara dos Deputados. Prevê que a distribuição de 35%
desses recursos seja feita aos partidos que tenham pelo menos um deputado federal
eleito, distribuindo os recursos na proporção do percentual de votos obtidos na última
eleição. O critério para distribuição, nesta hipótese, é o número de votos alcançados, o
que privilegia os partidos políticos que possuem maior número de deputados federais
eleitos, pois o número de votos obtidos pelo partido será maior e, portanto, também a
representação proporcional desses votos em relação ao total.
Em segundo momento, prevê a distribuição de 48% desses recursos também consi­
derando a participação partidária na Câmara dos Deputados, mas agora considerando
apenas o número de representantes, ou seja, de deputados federais eleitos. Na prática,
a distribuição continua a privilegiar os partidos políticos que possuem maior número
de candidatos eleitos.
Por fim, a distribuição de 15% dos valores do fundo considera a proporção do
número de representantes no Senado Federal, o que, de igual forma, privilegia os
partidos políticos que possuem maior número de senadores eleitos. Considerando-se
os critérios legais estabelecidos, os recursos do novo fundo estarão concentrados nos
partidos políticos de maior porte.
É de se observar que, ao contrário dos recursos do Fundo Partidário, os recursos
do Fundo Especial consideram também a participação das bancadas no Senado, e não
apenas na Câmara dos Deputados.
A distribuição dos recursos do fundo, por sua vez, não é automática aos
candidatos e depende de requerimento ao órgão partidário respectivo, sem que a
norma traga maiores requisitos a respeito da referida distribuição final, o que induz à
presunção de que as regras serão aquelas estabelecidas no próprio seio da agremiação
partidária, em sua mais alta instância, ao fixar os critérios de distribuição internos,
limitando sobremaneira o acesso a esses recursos por candidaturas novas ou emergentes.
Já no que se refere ao financiamento coletivo de campanha, instituído também
pela reforma eleitoral (art. 23, §4º, IV),4 esta previu que ele possa ocorrer por sites de

I – 2% (dois por cento), divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal
Superior Eleitoral;
II – 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que tenham pelo menos um representante na
Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição geral para a
Câmara dos Deputados;
III – 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes na
Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
IV – 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado
Federal, consideradas as legendas dos titulares. (...)
§2º Para que o candidato tenha acesso aos recursos do Fundo a que se refere este artigo, deverá fazer
requerimento por escrito ao órgão partidário respectivo.
4
IV – instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios na internet,
aplicativos eletrônicos e outros recursos similares, que deverão atender aos seguintes requisitos:
a) cadastro prévio na Justiça Eleitoral, que estabelecerá regulamentação para prestação de contas, fiscalização
instantânea das doações, contas intermediárias, se houver, e repasses aos candidatos;
b) identificação obrigatória, com o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF)
de cada um dos doadores e das quantias doadas;

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internet, aplicativos eletrônicos ou recursos similares, os quais não especifica. Estabelece,


contudo, uma série de requisitos a serem observados para adotar-se essa modalidade
de arrecadação de recursos.
As entidades arrecadadoras, antes do início da captação de recursos pela via do
financiamento coletivo, devem cadastrar-se junto à Justiça Eleitoral, a quem incum­birá
regulamentar a prestação de contas do financiamento coletivo e fiscalizar instan­ta­
neamente as doações, inclusive contas intermediárias, bem como o repasse dos recursos
aos candidatos.
A norma fixa diversos requisitos para a arrecadação de recursos por esse instru­
mento, como a identificação obrigatória de cada um dos doadores e dos valores doados;
de publicidade na internet de todos os valores recebidos; de emissão de recibo e de
comunicação imediata à Justiça Eleitoral dos valores recebidos, além da impossibilidade
de receber recursos de fonte vedada pela via do financiamento coletivo. Caso isso
ocorra, aplicam-se as consequências do recebimento de recursos de fonte vedada já
estabelecidos na legislação eleitoral.
A lei prevê, ainda, que o financiamento coletivo deve observar regularmente
os requisitos para a arrecadação de recursos financeiros por quaisquer outras formas.
Contudo, a mesma reforma eleitoral previu no art. 22-A, §3º,5 a possibilidade de
arrecadação de recursos por esta modalidade por pré-candidatos já a partir de 15 de maio
do ano eleitoral, os quais ficariam retidos pelas entidades arrecadadoras até o efetivo
registro da candidatura. Esta possibilidade de arrecadação estava harmonizada com
o pré-registro de candidatos inicialmente constante do projeto que originou a reforma
eleitoral e perde finalidade com a sua retirada da reforma, criando uma possibilidade
de arrecadação de recursos sem controle pela Justiça Eleitoral. Isto porque estão sujeitos
à prestação de contas à Justiça Eleitoral apenas aqueles que efetivamente tornam-se
candidatos. Na hipótese do pré-registro de candidatos, incumbiria à Justiça Eleitoral
avaliar as condições de candidatura, condicionando a participação do pleito à efetiva
escolha do candidato em convenção. Havia, pois, um conhecimento prévio daqueles que
poderiam iniciar a arrecadação de recursos, pois havia uma expectativa à candidatura
controlada. Será muito dificultada a fiscalização da arrecadação de recursos nessas
condições.
A lei prevê que, não se efetivando o registro da candidatura, as entidades arreca­
dadoras responsáveis pela captação de recursos de financiamento coletivo façam a

c) disponibilização em sítio eletrônico de lista com identificação dos doadores e das respectivas quantias doadas,
a ser atualizada instantaneamente a cada nova doação;
d) emissão obrigatória de recibo para o doador, relativo a cada doação realizada, sob a responsabilidade da
entidade arrecadadora, com envio imediato para a Justiça Eleitoral e para o candidato de todas as informações
relativas à doação;
e) ampla ciência a candidatos e eleitores acerca das taxas administrativas a serem cobradas pela realização do
serviço;
f) não incidência em quaisquer das hipóteses listadas no art. 24 desta Lei;
g) observância do calendário eleitoral, especialmente no que diz respeito ao início do período de arrecadação
financeira, nos termos dispostos no §2º do art. 22-A desta Lei;
h) observância dos dispositivos desta Lei relacionados à propaganda na internet;
5
§3º Desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a arrecadação prévia de recursos
na modalidade prevista no inciso IV do §4º do art. 23 desta Lei, mas a liberação de recursos por parte das
entidades arrecadadoras fica condicionada ao registro da candidatura, e a realização de despesas de campanha
deverá observar o calendário eleitoral.

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devolução desses valores aos doadores, o que encontrará solução apenas nos acordos
privados firmados entre referidas entidades, doadores e beneficiários, pois não restará
configurada relação de natureza eleitoral que possa sofrer fiscalização da Justiça
Eleitoral, pois nesse período não se configurará a condição de candidatura.
Do que até aqui foi exposto, constata-se que as principais fontes de financiamento
das campanhas eleitorais, após o julgamento da ADI 4.650 e da aprovação da reforma
eleitoral de 2017, estarão concentradas em recursos próprios, doações de pessoas físicas
(impulsionadas pelo mecanismo do financiamento coletivo) e recursos públicos, agora
provenientes do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha
(FEFC).

3.5 Considerações finais


As fontes de financiamento das campanhas eleitorais no Brasil até 2014, em
período anterior ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 4.650, refletiam a prevalência maciça de recursos privados,
notadamente de doações de pessoas jurídicas. O modelo de financiamento era claro:
misto, mas com predominância eminentemente privada.
O fim das doações empresariais decretado pelo julgamento da ADI 4.650 impactou
grandemente já as eleições municipais de 2016. Desaparecendo a parcela mais expressiva
de seu financiamento, as doações de pessoas físicas não supriram o expressivo declínio
de financiamento constatado, voltando-se a própria Justiça Eleitoral à regulação ainda
mais rigorosa das fontes lícitas então previstas, com o objetivo de evitar o ingresso de
recursos ilegais no financiamento das campanhas. O financiamento das campanhas
eleitorais distribuiu-se, então, entre as fontes próprias, as doações de pessoas físicas e
os recursos públicos representados pelo Fundo Partidário.
O futuro do financiamento das campanhas eleitorais no Brasil, contudo, a partir de
então, revela aos poucos expressiva alteração no próprio modelo: ainda que permaneça
a característica mista do financiamento, é cada vez mais expressiva a participação dos
recursos públicos, representada pela criação de fundo específico de financiamento das
campanhas eleitorais. Busca-se, ainda, ao par da significativa evolução da participação
estatal no financiamento eleitoral, o alavancamento das doações de pessoas físicas, pela
via do financiamento coletivo, cuja efetiva implementação e resultados são incertos.
Certo é que, a toda evidência, o modelo de financiamento vem se alterando para
a prevalência pública de sua matriz, caminhando a passos largos para a implementação
do financiamento público exclusivo, a depender dos resultados que se obtenham do
financiamento coletivo proveniente das pessoas físicas. A participação do cidadão no
financiamento das campanhas, contudo, é medida que depende da mudança não apenas
da cultura do financiamento em si, mas da sua efetiva participação política. Até lá, a
ausência das doações de pessoas jurídicas será uma lacuna expressiva a ser suprida
pelos mecanismos mais diversos. Sim, a democracia custa caro.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 5 out. 1988. Seção 1, p. 1.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
76 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

______. Lei nº 8.713, de 30 de setembro de 1993. Estabelece normas para as eleições de 3 de outubro de 1994.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 out. 1993. Seção 1, p. 14.685.
______. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação
de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 fev. 1995. Seção 1, p. 1.917.
______. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 out. 1997. Seção 1, p. 21.801.
_______. Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os artigos
17 e 14, §3º, inciso V, da Constituição Federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
20 set.1995. Seção 1, p. 14.552.
______. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 nov.1999. Seção 1, p. 1.
_______. Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, 9.096,
de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, para reduzir os custos das
campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 set.2015. Seção 1, p. 1.
_______. Lei nº 13.473, de 8 de agosto de 2017. Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da
Lei Orçamentária de 2018 e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 9 ago.2017. Seção 1, p. 1.
_______. Lei nº 13.487, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis nºº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e 9.096, de
19 de setembro de 1995, para instituir o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e extinguir
a propaganda partidária no rádio e na televisão. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
6 out.2017. Seção 1, p. 1.
_______. Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis nºs 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei
das Eleições), 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), e revoga
dispositivos da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015 (Minirreforma Eleitoral de 2015), com o fim de
promover reforma no ordenamento político-eleitoral. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 6 out.2017. Seção 1, p. 1.
_______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 4.650, Brasília, DF, 17 de dezembro
de 2015. Diário de Justiça Eletrônico n. 34, 24 fev.2016.
______. Tribunal Superior Eleitoral. Dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos,
candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas Eleições de 2014. Resolução
nº 23.406, de 27 de fevereiro de 2014. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 5 mar. 2014.
______. Tribunal Superior Eleitoral. Dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos,
candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas Eleições de 2014. Resolução
nº 23.463, de 15 de dezembro de 2015. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 29 dez. 2015. p. 11-35.
RANGEL, Tauã Lima Verdan. O instituto da permissão dos serviços públicos: ponderações singelas sobre o
tema. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.
com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11681>. Acesso em: 27 dez. 2017.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SCHLICKMANN, Denise Goulart. O fim das doações empresariais: o impacto do julgamento da ADI
4.650 pelo Supremo Tribunal Federal sobre o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil. In:
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 57-76. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO IV

FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E PARTICIPAÇÃO:


O FINANCIAMENTO COLETIVO NA INTERNET

JÚLIA ROCHA DE BARCELOS

4.1 Introdução
Na esteira da promulgação da Lei nº 13.488/2017, que aprovou e regulou o
financiamento coletivo de campanhas, necessário considerar alguns elementos sociais
e jurídicos em torno desse mecanismo.
Assim, o presente trabalho se propõe a apresentar o financiamento coletivo na
internet como uma forma de participação cidadã, dentro de um contexto de engajamento
popular – limitado pela exclusão digital – nas redes sociais. Em seguida, será apresentado
o cenário de busca por uma alternativa de financiamento, decorrente da vedação de
doação de pessoas jurídicas. Nesse ponto, apresenta-se a alternativa do financiamento
coletivo de campanhas, sob o ponto de vista do Tribunal Superior Eleitoral, no contexto
jurídico então vigente.
Só então se chega a previsão legal do crowdfunding, com pesquisa do processo
legislativo e complementação regulatória por parte do TSE, os quais serão analisados
em sua adequação legal e conveniência social.

4.2 Financiamento coletivo na internet e participação cidadã1


O financiamento coletivo, conhecido por crowdfunding, é um método de obtenção
de fundos para um projeto ou iniciativa, por meio de uma chamada aberta, normalmente
na internet, que admite a participação de um amplo número de pessoas.2 Esse tipo

1
Este artigo foi baseado em monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Consti­
tucional do Programa de Pós-Graduação do IDDE – Instituto para o Desenvolvimento Democrático em par­ceria
com a Universidade de Coimbra e com a Faculdade Arnaldo, como requisito parcial para a obtenção do título de
Especialista em Direito Constitucional, sob orientação do Professor Rodolfo Viana Pereira, denominada “O fi­
nan­ciamento coletivo de campanhas eleitorais: uma análise da proposta da academia brasileira de direito eleitoral e político”.
2
ADAMS, Carl. Crowdfunding guidance and practice: value added and co-creation, 2014. Disponível em: <http://
ipp.oii.ox.ac.uk/2014/programme-2014/track-a-harnessing-the-crowd/design-iii/carl-adams-crowdfunding-
guidance-and>. IPP Oxford. Acesso em: 10 de julho de 2016. p. 11-12.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
78 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

de iniciativa é marcado, portanto, pela cooperação de uma coletividade voluntária


indeterminada.3
A prática pode ser considerada uma espécie do gênero crowdsourcing, termo
cunhado pela primeira vez por Jeff Howe em seu artigo “The Rise of Crowdsourcing”
e que se refere a modos de colaboração em massa tornados possíveis pelo atual estado
da tecnologia de comunicação.4
De fato, o avanço na tecnologia de informação e comunicação proporcionou a
superação das dificuldades de mobilização de recursos e execução que eram enfren­tadas
pelos sistemas em redes, fazendo com que esses, mais flexíveis e adaptáveis, possam
superar métodos centralizados de gestão.5 Na sociedade em rede, a autocomuni­cação de
massa pela internet permite a formação de redes horizontais de comunicação intera­tiva6
e nesse âmbito o crowdfunding permite a transformação do capital social, acumulado
nas redes digitais, em capital financeiro.7
É por essa razão que o método foi amplamente utilizado em campanhas eleitorais
como a de Pekka Haavisto, que concorreu à presidência da Finlândia em 2012,8 nas
campanhas de pelo menos quatro partidos na Espanha, além de estar previsto no orde­
namento jurídico da Itália.9 Contudo, seu uso mais notório foi pelo então pré-candidato
à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama, em 2008.
Necessário compreender, nesse ponto, que a realização de doações de campanha
por parte do cidadão é, inegavelmente, uma forma de expressão ideológica, protegida
pelas garantias de liberdade de expressão e autonomia pessoal, que aproxima o cidadão
da política institucionalizada, notadamente quando este não dispõe de tempo para a
militância.10 Deve-se ter em mente, assim, que:11

3
KHOMA, Natalia. Technologies of political (socio-political) crowdsourcing and crowdfunding: world
experience and steps towards implementation in Ukraine. Torun International Studies, Torun, v. 1, n. 8, p. 49-60.
2015. Disponível em: <http://apcz.pl/czasopisma/index.php/TSM/article/view/TIS.2015.005>. Acesso em: 16 jul.
2016. p. 54.
4
LYNGE-MANGUEIRA, Halfdan. Why “Professionalizing” International Election Observation Might Not be
Enough to Ensure Effective Election Observation. IDEA International, 2012. Disponível em: <http://www.idea.
int/democracydialog/upload/why-professionalizing-international-election-observation-might-not-be-enough-
to-ensure-effective-election-observation.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2016. p. 17.
5
CASTELLS, Manuel. Toward a Sociology of the Network Society. Contemporary Sociology, Washington, vol. 29,
n. 5, p. 693-699, setembro 2000. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2655234>. Acesso em: 15 de julho
de 2016.
6
CASTELLS, Manuel. Comunicación, poder y democracia. Conversa realizada na Acampada Barcelona em 27 de
maio 2011. Disponível em <http://escoladeredes.net/video/manuel-castells-en-acampadabcn-1>. Acesso em:
15 jul. 2016.
7
KHOMA, Natalia. loc. cit.
8
ERANTI, Veiko; LINDMAN, Juho. Crowdsourcing & Crowdfunding a Presidential Election, 2014. Disponível em:
<http://ipp.oii.ox.ac.uk/sites/ipp/files/documents/IPP2014_Eranti.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2016.
9
SANTANO, Ana Claudia. Como sobreviver na selva: fontes alternativas de financiamento de campanhas elei­
torais. In: SANTANO, Ana Cláudia; PEREIRA, Rodolfo Viana (org) Conexões eleitoralistas. Brasília: ABRADEP,
2016a. p. 54-55.
10
BERNARDELLI, Paula Regina. Financiamento Público Exclusivo de Partidos e Campanhas Eleitorais: uma análise
da (in)adequação ao desenho democrático constitucional. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Direito). Universidade Federal do Paraná, Curitiba. p. 44.
A autora defende ainda a necessidade de se preservar a doação por parte de pessoas jurídicas: “Se é legítimo
que se exija das empresas um papel atuante na construção do projeto democrático e na defesa de interesses
sociais, é coerente que se aceite a necessária ligação dessas pessoas jurídicas com os interesses políticos que
regulam e definem os rumos do país” (p. 46).
11
SANTANO, Ana Cláudia. La financiación de lós partidos políticos em Espana. Madrid: Centro de Estudios Políticos
y Constitucionales, 2016b. p. 251, tradução nossa.

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JÚLIA ROCHA DE BARCELOS
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E PARTICIPAÇÃO: O FINANCIAMENTO COLETIVO NA INTERNET
79

Há distintas formas de participação política que desde muito não se limitam mais ao
voto. Estas atividades permitem afirmar que, em algumas delas, é necessário tempo; em
outras, habilidades e em outras dinheiro. Em praticamente todas há um alcance coletivo
de seus resultados, sempre baseando-se em uma participação ativa, o que também permite
que o tempo e as habilidades sejam substituídos por recursos econômicos sem que isso
intervenha no funcionamento da democracia. Isto é, dinheiro considerado como um
elemento de participação política, como já afirmado neste trabalho, é tão natural como o
próprio direito de votar, além de ser uma evidência da saúde da conexão entre a sociedade
e a arena política.

Com efeito, o financiamento privado de partidos e campanhas eleitorais “se trata


de uma forma de participação política, já que ao mesmo tempo fomenta a reação de
confiança entre os partidos e os cidadãos, estimula o trabalho das organizações locais
dos partidos, e acaba por promover a democracia interna”, sendo, portanto, instrumento
importante e desejável de participação política voluntária.12
Em um primeiro momento, contudo, percebe-se que o cidadão brasileiro não se
dispõe a colaborar com as doações oficiais, por não se identificar, como regra, com a
prática da atividade política.13 Considera-se assim que “as campanhas financiadas com
recursos privados sofrem crescente desinteresse dos eleitores”.14
Inobstante, há uma recente tendência, verificada pelo IBOPE, de envolvimento
político do brasileiro na internet.15 Nesse sentido, “a internet está se convertendo de
forma rápida e irreversível em catalizador dessa nova ideia de espaço público”,16 que
possibilita a vivência de uma “democracia digital” ou e-democracy – definida como
“toda relação política que se estabelece entre indivíduos a partir de redes virtuais”17 – e
que torna necessário “(re) pensar as relações políticas a partir de um novo paradigma
introduzido pela realidade virtual”.18
Diante da possibilidade de “aproveitar [seus] atributos que podem ampliar o
espaço democrático, especialmente a sua arquitetura horizontal pela qual cada ponto
(cada “cidadão”) é um igual e tem as mesmas probabilidades de influenciar a vida e o
pensamento dos demais”, o potencial democratizante da rede é inegável.19
Note-se nesse sentido que a campanha de financiamento coletivo realizada por
duas amigas da presidente afastada em prol de Dilma Rouseff atingiu sua meta de

12
SANTANO, Ana Cláudia. La financiación de lós partidos políticos em Espana. Madrid: Centro de Estudios
Políticos y Constitucionales, 2016b. p. 33.
13
CORRÊA, Oscar Dias. Direito Eleitoral Contemporâneo. In: Patrícia Henriques Ribeiro; Mônica Aragão Costa;
Arthur Magno e Silva Guerra. (Org.). Direito Eleitoral: leituras complementares. 1ed. Belo Horizonte: D’Plácido,
2014, p 49-50. p.48.
14
PEREIRA, Rodolfo Viana; VIDAL, Luísa Ferreira. Op. cit. p. 392.
15
IBOPE INTELIGÊNCIA. Quando o assunto é política, brasileiros são os mais ativos na web nas Américas. 23 jun
2016. Disponível em: <http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/quando-o-assunto-e-politica-
brasileiros-sao-os-mais-ativos-na-web-nas-americas/>. Acesso em: 07 jul. 2016.
16
MEZZAROBA, Orides; FERREIRA, Marcelo Peregrino. @ democracia no processo político brasileiro: da
tradição do papel para o desafio da virtualidade. In: MORAES, Filomeno; SALGADO, Eneida Desiree: AIETA,
Vania Siciliano (org). Justiça Eleitoral, Controle das Eleições e Soberania Popular. Curitiba: Íthala, 2016. p. 375-396.
p. 376.
17
Ibid. p. 378.
18
Ibid. p. 375.
19
SOARES, Rafael Morgental. Repensando a democracia: do modelo representativo-competitivo ao modelo
interativo-colaborativo. In: MORAES, Filomeno; SALGADO, Eneida Desiree: AIETA, Vania Siciliano (org).
Justiça Eleitoral, Controle das Eleições e Soberania Popular. Curitiba: Íthala, 2016. p. 397-438. p. 476.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
80 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

500.000 reais em 48 horas.20 Ademais, segundo reportagem do Jornal Estado de Minas,


foram arrecadados perto de R$ 50 milhões por meio de plataformas de financiamento
coletivo no ano de 2015. As doações realizadas “podem ser simbólicas ou ultrapassar
a casa dos R$ 2 mil, mas, em média, giram perto de R$ 150”.21 Tal valor corresponde,
inclusive, ao valor médio de doações aos candidatos à presidência realizadas pela
internet no ano de 2014, equivalente a R$ 147,30.22 Segundo Emerson Urizzi Cervi:23

(...), a maior média, R$ 779,5 mil, foi em doações de “outros candidatos/comitês”, seguido
da média de R$ 602 mil para as doações de pessoas jurídicas. Já as doações de partidos
políticos ficaram com a média de R$ 354 mil. Depois há uma queda significativa nos
valores médios, com R$ 41,6 mil de média por operação de pessoas físicas e R$ 4,9 mil
para aplicações financeiras. A média de valor por doação pela internet foi a mais baixa,
com R$ 147,3 de média. Esses valores mostram como as doações pela internet foram a
única modalidade capaz de inserir o eleitor comum no rol de doadores de campanha,
pois mesmo para as pessoas físicas a média de R$ 41,6 mil por doação é inviável para a
maioria dos eleitores brasileiros.

O crowdfunding se manifesta, assim, como “uma resposta de novas forças políticas


que não são beneficiadas pelo sistema de financiamento tradicional ou que obtém poucos
recursos pelas vias comuns de arrecadação”.24
Com efeito – e sem ignorar a exclusão digital que ainda subiste no país – nota-se
que a doação por meio da internet possibilita engajar o eleitor comum nas doações de
campanha. Nesse sentido, Fernando Neisser reconhece que a internet é uma ferramenta
inestimável para facilitar as doações de pequeno valor realizadas por pessoas físicas,
que – diante de um cenário legal desestimulante – não estão acostumadas a participar
da política com doações.25
No mesmo sentido, Ana Cláudia Santano detalha as vantagens do financiamento
coletivo, dentre as quais:26 (i) permite a integração de candidatos que não recebem
recursos do Fundo Partidário; (ii) está ao alcance de todos sem os trâmites burocráticos
da atual legislação e sem submeter o doador ao julgamento social; (iii) promove a
transparência imediata dos gastos.

4.3 A busca por alternativas de financiamento


O modelo de financiamento eleitoral vigente no Brasil até as eleições de 2014
favo­recia “a relação entre partidos e pessoas jurídicas, tornando pouco ‘rentável’ o

20
ROSSI, Marina. A “vaquinha legal” entra na campanha das eleições municipais 2016. El país Brasil. 2016. Disponível
em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/08/politica/1468011468_841041.html>. Acesso em: 11 jul. 2016.
21
CASTRO, Marinella. Novo jeito de captar recursos. Estado de Minas. Economia. p. 6. 21 de agosto de 2016.
22
CERVI, Emerson Urizzi. op. cit. p. 77.
23
Ibid. p. 77.
24
SANTANO, Ana Claudia. op. cit. 2016a. p. 53.
25
REPERCUSSÃO GERAL. Participação de Fernando Neisser no programa Repercussão Geral, da Rádio Justiça,
tratando de duas consultas analisadas e rejeitadas pelo TSE, uma referente ao crowdfunding para campanhas
eleitorais e outra sobre os limites da pré-campanha. 2016. Disponível em: <https://soundcloud.com/fneisser/
programa-repercussao-geral-radio-justica-fernando-neisser-12072016>. Acesso em: 25 jul. 2016.
26
SANTANO, Ana Claudia, O financiamento coletivo de campanhas eleitorais como medida econômica de
democratização das eleições. Estudos Eleitorais, Brasília, v. 11. n. 2, p. 29-67, maio/agosto 2016c. p. 49-53.

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JÚLIA ROCHA DE BARCELOS
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E PARTICIPAÇÃO: O FINANCIAMENTO COLETIVO NA INTERNET
81

‘investimento’ em contato permanente e busca de recursos de eleitores comuns para


o financiamento das campanhas”.27 Com efeito, em 2014, “do total de R$ 1,8 bi para as
campanhas nacionais, as pessoas jurídicas foram responsáveis por R$ 1,3 bi”.28 Ademais
“do total de doações realizadas em 2010 e 2012, cerca de 11% e 22,6%, respectivamente,
correspondem a doações de pessoas físicas, sendo quase todas praticamente referente
ao autofinanciamento”.29
Este modelo, contudo, foi modificado no ano de 2015, tendo sido vetados dispo­
sitivos da Lei nº 13.165/2015 que regulavam a doação de pessoas jurídicas para cam­
panhas eleitorais.30 O veto se fundou no entendimento do Supremo Tribunal Federal,
expresso no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650, de que estas
contribuições violariam a igualdade política e os princípios republicano e democrático.31
Conforme a ementa do julgado32:

7. Os limites previstos pela legislação de regência para a doação de pessoas jurídicas para
as campanhas eleitorais se afigura assaz insuficiente a coibir, ou, ao menos, amainar, a
captura do político pelo poder econômico, de maneira a criar indesejada “plutocratização”
do processo político.
8. O princípio da liberdade de expressão assume, no aspecto político, uma dimensão
instrumental ou acessória, no sentido de estimular a ampliação do debate público, de sorte a
permitir que os indivíduos tomem contato com diferentes plataformas e projetos políticos.
9. A doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, antes de refletir eventuais prefe­
rências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores, no afã de estreitar
suas relações com o poder público, em pactos, muitas vezes, desprovidos de espírito
republicano.
10. O telos subjacente ao art. 24, da Lei das Eleições, que elenca um rol de entidades da
socie­dade civil que estão proibidas de financiarem campanhas eleitorais, destina-se a
bloquear a formação de relações e alianças promíscuas e não republicanas entre aludidas
instituições e o Poder Público, de maneira que a não extensão desses mesmos critérios às
demais pessoas jurídicas evidencia desequiparação desprovida de qualquer fundamento
constitucional idôneo.
11. Os critérios normativos vigentes relativos à doação a campanhas eleitorais feitas por
pessoas naturais, bem como o uso próprio de recursos pelos próprios candidatos, não
vulneram os princípios fundamentais democrático, republicano e da igualdade política.
[grifo nosso].

Nesse ponto “não há como deixar de reconhecer o impacto que as notícias


sobre corrupção eleitoral no País desde o ano de 2014 tiveram no entendimento do

27
CERVI, Emerson Urizzi. Doadores, partidos e estratégias para o financiamento de campanhas eleitorais no
Brasil: uma análise sobre o reduzido número de doadores e os elevados valores doados para os candidatos a
presidente em 2014. Política e Sociedade, Florianópolis, v. 15, n. 32, p. 65-101, jan/abr. de 2016. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/45414/32074>. Acesso em: 25 jul. 2016. p. 75.
28
Ibid. p. 76.
29
SANTANO, Ana Claudia. Op cit. 2016a. p. 45.
30
BRASIL, Presidência da Republica. Mensagem nº 358, de 29 de setembro de 2015. Disponível em: <http://www2.
camara.leg.br/legin/fed/lei/2015/lei-13165-29-setembro-2015-781615-veto-148261-pl.html>. Acesso em: 12 jul.
2015.
31
Ibid.
32
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4650. Acórdão de 17.09.2015. Dispo­nível em <http://www.
stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4650&classe=ADI&codigoClasse=0&
origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 4 abr. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
82 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Supremo Tribunal Federal e na decisão do veto presidencial”.33 Tem-se, assim, um


cenário de vedação de recebimento de recursos de pessoas jurídicas, até então as mais
relevantes doadoras de campanha,34 surgido como reação das instituições à “relação
indiscutivelmente negativa entre os grandes doadores (big donors), majoritariamente
grandes corporações e as candidaturas vencedoras nas urnas”.35
Tendo em vista inexistirem sinais de que esse cenário seria revertido em breve,
era inegável a necessidade de adoção de novas estratégias de financiamento e gastos
de campanha. Nesse ponto, destaca-se a doação de pessoas físicas, a qual, contudo, é
limitada a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano
anterior à eleição.36 Dessa forma, a busca por recursos poderia continuar a desvirtuar
o real objetivo das campanhas, “as quais deveriam servir mais à interlocução entre
candidatos e eleitores e menos ao encalço pelos (...) financiadores”.37
Uma das alternativas vislumbradas para as Eleições 2016 foi a escolha de
candidatos de alto poder aquisitivo que, não sofrendo a mesma limitação, teriam
condições de financiar a própria campanha, além de ter fácil acesso ao empresariado
apto a contribuir como pessoa física.38 De fato, o autofinanciamento é “uma via muito
utilizada para o financiamento de campanhas, já que são fundos já disponíveis ao
candidato e são regidos por um limite muitas vezes mais amplo (...), podendo abarcar
todo o limite de gastos para o cargo ao qual se concorre”.39
Os candidatos se voltaram também aos mecanismos de doação na internet
admitidos à época, os quais eram gerenciados por operadoras de cartão de crédito.
Contudo, tais mecanismos seriam caros, o que desestimulou o seu uso:40

Os procedimentos operacionais demandados pelas administradoras de cartão de crédito


e instituições financeiras praticamente inviabilizaram o uso desse meio de captação,
pois as regras em vigor para esse pleito exigem de forma muito rígida o recebimento de
recursos diretamente em conta bancária por transação bancária em que seja identificado
diretamente o CPF do doador. Se assim não fosse, ainda, o tempo de campanha eleitoral
é extremamente reduzido e dificulta em muito a operacionalização dos procedimentos
necessários à captação de recursos por intermédio de cartões de crédito ou débito.41

33
LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. O financiamento das campanhas eleitorais em 2016. In: MORAES,
Filomeno; SALGADO, Eneida Desiree: AIETA, Vania Siciliano (org). Justiça Eleitoral, Controle das Eleições e
Soberania Popular. Curitiba: Íthala, 2016. p. 365-374. p. 371.
34
PEREIRA, Rodolfo Viana; VIDAL, Luísa Ferreira. Big donors brasileiros: retrato das 10 (dez) empresas que mais
doaram para as campanhas e para os diretórios nacionais dos partidos políticos dos candidatos à Presidência
da República nas eleições de 2010. RIBEIRO, Patrícia Henriques; COSTA, Mônica Aragão; SILVA E GUERRA,
Arthur. Direito Eleitoral: leituras complementares. 1. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2014, p. 391-413. p. 411.
35
SANTANO, Ana Claudia. Op. Cit. 2016a. p. 39.
36
BRASIL. Lei das Eleições. Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial
da União, Brasília, 30 set. 1997. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm>. Acesso
em: 12 jul. 2016.
37
PEREIRA, Rodolfo Viana; VIDAL, Luísa Ferreira. Op. cit. p. 392.
38
SANTOS, Bruno. Com restrições de campanha, partidos buscam peixes grandes para disputa. Folhapress UOL. 2016.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/07/1788200-com-restricoes-de-campanha-partidos-
buscam-peixes-grandes-para-disputa.shtml>. Acesso em 06 jul.2016.
39
SANTANO, Ana Claudia. Op. Cit. 2016a. p. 43.
40
VENTURINI, Lilian. O TSE acertou ou errou ao manter o veto ao financiamento coletivo de campanhas. Nexo Jornal.
2016. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/07/04/O-TSE-acertou-ou-errou-ao-
manter-o-veto-ao-financiamento-coletivo-de-campanhas>. Acesso em 10 jul. 2016.
41
SCHLICKMANN, Denise Goulart. op. cit. P. 210-211.

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JÚLIA ROCHA DE BARCELOS
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E PARTICIPAÇÃO: O FINANCIAMENTO COLETIVO NA INTERNET
83

De fato, nas eleições municipais de 2016 foram encontradas dificuldades para


ope­ra­cionalizar a doação tradicional pela internet. Operadoras como a Cielo chegaram a
se negar a cadastrar campanhas, fazendo com que fosse necessária a edição da Portaria
TSE n. 930.42 Além disso, o tempo de campanha reduzido e os altos custos de opera­cio­na­
lização dessas doações dificultou o acesso por parte de candidatos com menos recursos.
Matéria veiculada pelo Jornal Hoje em Dia em 28 de outubro de 201643 corrobora
esse ponto de vista ao apurar que “entre as capitais dos 26 estados brasileiros, apenas em
seis os candidatos eleitos ou que foram para o segundo turno puderam contar com essa
modalidade financeira”. Inobstante, verificou-se um aumento nas doações realizadas
pela internet em relação ao ano de 2012, conforme tabela comparativa apresentada
pelo TSE:44

Tabela 1 – Origem dos recursos no 1º turno das eleições nos anos de 2012 e 2016

RECURSOS ATÉ O DIA DA ELEIÇÃO (1º TURNO)

DOAÇÕES 2012 2016

Candidato Comitê Partido Total Candidato Partido Total

Comercialização 173.144,43 46.124,89 105.779,23 325.048,55 158.253,00 9.000,00 167.253,00


de bens ou
realização de
eventos

Doações pela 162.282,91 55.105,00 291.980,04 509.367,95 1.111.110,97 89.568,00 1.200.678,97


Internet

Recursos de 356.433,34 84.723,33 58.012,61 499.169,28 487.736,25 95.366,60 583.102,85


origens não
identificadas

Recursos de 601.906.812,53 64.960.388,94 6.834.001,23 673.701.202,70 93.373.763,77 7.486.466,91 100.860.230,68


outros candidatos

Recursos de 588.762.715,34 235.086.874,06 209.824.903,07 1.033.674.492,47 324.302.456,55 216.343.159,43 540.645.615,98


partido político

Recursos de 918.485.644,08 189.758.185,12 37.450.616,82 1.145.694.446,02 1.039.648.579,37 120.925.241,64 1.160.573.821,01


pessoas físicas

Recursos de 599.232.149,91 225.175.327,81 786.448.547,93 1.610.856.025,65 N/A N/A N/A


pessoas jurídicas

Recursos próprios 847.505.549,66 N/A N/A 847.505.549,66 752.184.201,34 800 752.185.001,34

Rendimentos 11.855,34 3.804,36 9.902,36 25.562,06 6.083,58 21.089,13 27.172,71


de aplicações
financeiras

Total Geral 3.556.596.587,54 715.170.533,51 1.041.023.743,29 5.312.790.864,34 2.211.272.184,83 344.970.691,71 2.556.242.876,54

Fonte: adaptação própria de planilha elaborada pelo TSE

42
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Portaria n. 930, de 01.09.2016. Orienta sobre os procedimentos a serem
observados na arrecadação eleitoral de recursos por meio de cartões de crédito. Disponível em: <www.
justicaeleitoral.jus.br/arquivos/portaria-tse-930>. Acesso em 12 jul. 2016.
43
LAGÔA, Tatiana; MARIANO, Raul. À míngua na web: captação de recursos para campanhas pela internet foi
nula ou irrisória. Hoje em Dia. Primeiro Plano, p. 4. 28 de outubro de 2016.
44
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Eleições 2016: candidatos receberam mais de R$ 2,5 bilhões em doações.
2016. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Outubro/eleicoes-2016-candidatos-
receberam-mais-de-r-2-5-bilhoes-em-doacoes>. Acesso em: 14 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
84 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Observa-se ainda que o uso de recursos próprios, embora inferior ao das Eleições
de 2012 em valores absolutos, foi proporcionalmente maior (29,5%, contra 15,9%) uma
vez que o volume total de recursos arrecadados em 2016 foi cerca de 50% menor do
que em 2012.
Em comparação com autofinanciamento, contudo, o financiamento coletivo é
mais consentâneo com um ideal de participação, já que tem uma faceta de “mobilização
cívica de pessoas que sentem que sua participação pode ser mais efetiva e mais direta,
criando laços mais profundos entre os componentes da comunidade e fomentando o
sentimento de cidadania”.45

4.4 A alternativa do financiamento coletivo de campanha


O Tribunal Superior Eleitoral se deparou com o tema do financiamento coletivo
pela primeira vez em Consulta formulada pelo Deputado Federal Jean Willys no ano
de 2014.46 É interessante observar que, embora essa consulta tenha sido realizada antes
da proibição de doação por pessoas jurídicas, ela foi formulada por deputado filiado a
um partido em cujo estatuto se verifica a seguinte disposição:47

Não serão aceitas contribuições e doações financeiras provindas, direta ou indiretamente,


de empresas multinacionais, de empreiteiras e de bancos ou instituições financeiras
nacionais e/ou estrangeiros, sempre no marco das vedações contempladas pelo art. 31
da Lei nº 9096/95.

Na Consulta nº 20887 a Corte rejeitou essa possibilidade de financiamento,


ao fun­damento de que o método de doação não está previsto na legislação vigente.
Os prin­cipais pontos que fundamentaram a decisão foram: (i) a previsão do art. 23, §4º,
da Lei nº 9.504/97, segundo o qual o mecanismo de arrecadação das doações deve estar
dispo­nível em “sítio do candidato, partido ou coligação na internet”; (ii) a existência de
um organizador, figura intermediária que poderia ser remunerada percentualmente
pelos valores que viessem a ser captados; (iii) a frequente vinculação de doações coletivas
a programas de recompensas; (iv) a impossibilidade de delegar a emissão dos recibos
das doações a terceiros, sendo imprescindível a identificação do doador.48

45
SANTANO, Ana Cláudia. O financiamento da política: teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016d. p.85.
46
O financiamento coletivo consiste na obtenção de capital para iniciativas de interesse coletivo através da
agregação de múltiplas fontes de financiamento, em geral pessoas físicas interessadas na iniciativa. Traduz-
se por ações na Internet (websites) com o objetivo de arrecadar dinheiro para diversos fins. Destarte, indaga:
1- Considerando a jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral, bem como a legislação eleitoral vigente,
a arrecadação de recursos através de websites de financiamento coletivo mostra-se lícita no que tange às
campanhas eleitorais? 2- Tendo em vista que o financiamento coletivo prevê a figura de um organizador, que
é o responsável pelo repasse dos recursos arrecadados ao destinatário final, como seria operacionalizada a
emissão de recibos eleitorais? É permitida a emissão de somente um único recibo em nome do organizador, ou
são exigidos tantos recibos quantos os participantes do financiamento coletivo e em nome destes? 3- Permite-
se a divulgação do financiamento coletivo? Se sim, por quais meios de comunicação e de que forma? BRASIL.
Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 20887. Acórdão de 22.05.2014. Disponível em <http://www.tse.jus.br/
jurisprudencia/pesquisa-de-jurisprudencia/jurisprudencia> . Acesso em: 12 jul. 2016. p. 3.
47
PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE. Estatuto. Estatuto com a redação dada pelas alterações aprovadas
no II Congresso Nacional do Partido Socialismo e Liberdade, realizado em 22 de agosto de 2009, na cidade de
São Paulo-SP. Brasília, 2010.
48
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 20887. Acórdão de 22.05.2014. Disponível em <http://www.tse.
jus.br/jurisprudencia/pesquisa-de-jurisprudencia/jurisprudencia>. Acesso em: 12 jul. 2016. p. 5-7.

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JÚLIA ROCHA DE BARCELOS
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E PARTICIPAÇÃO: O FINANCIAMENTO COLETIVO NA INTERNET
85

Nova consulta formulada no ano de 2016 por Alessandro Molon e Daniel Coelho –
já após a proibição de doação por pessoas jurídicas, portanto – não chegou a ser
conhecida pela Corte, ao fundamento que a questão já fora apreciada “ainda que com
outra roupagem”.49
O teor destas decisões foi criticado por seu caráter restritivo. Segundo Ana Claudia
Santano “percebe-se uma posição de cautela por parte do TSE nos dois casos”, bem
como um “apego injustificado à norma”.50 Já para Ivar A. Hartmann51 “a lógica do TSE
foi perigosa (...). Afirmou que era necessária autorização explícita do legislador para
permitir algo que nunca foi proibido. Como se o crowdfunding fosse manifestação de
intervenção estatal, e não expressão da liberdade de organização e participação política”.
Há, contudo, quem considerou acertada a decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
É o caso de Fernando Neisser, para quem não poderia a Corte substituir o Poder
Legislativo criando regras a respeito do financiamento coletivo pela internet.52 Neisser
pontua que as empresas que prestam serviço de intermediação técnica de pagamentos na
internet violariam a lei eleitoral ao cobrar uma porcentagem sobre o valor transacionado
depositando para o beneficiário apenas o saldo. Isso porque a legislação eleitoral exige
que todo o recurso financeiro de campanha transite pela conta criada para esta finali­
dade, o que não ocorre quando utilizados tais mecanismos.53 Ademais, os sítios de
finan­ciamento existentes têm mecanismos internos de arrecadação e repasse para o bene­
ficiário que poderiam, de fato, impedir a individualização e identificação dos doadores.
Com efeito, uma análise das normas que regeram a arrecadação de recursos
de campanha ao longo do tempo demonstra que as mudanças normativas sempre se
deram no sentido de ampliar a possibilidade de ingresso, prevendo modalidades que
viabilizem a identificação do doador.54 Com efeito, não só no país “a transparência tem
sido durante muito tempo uma pedra fundamental do direito relativo ao financiamento
de campanha” uma vez que “a divulgação informa aos eleitores sobre os interesses
aos quais os candidatos podem ser mais suscetíveis”, bem como “garante aos eleitores
localizar cada candidato no espectro político”.55
Deve-se observar, inobstante, que, no julgamento da Consulta n. 27496, o Ministro
Henrique Neves registrou que a questão do webcrowdfunding “é realmente interessante
porque agora, com a proibição das pessoas jurídicas, é necessário que se busquem
novos meios para viabilizar que as pessoas físicas possam contribuir para as campanhas
eleitorais”. Apontou ainda que “o Tribunal está à disposição para essa discussão [com
o Congresso Nacional] para que se possa buscar algum mecanismo que em eleições
futuras, não nessa, isso possa vir a ser implementado”.56

49
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. CONSULTA Nº 27496. Acórdão de 01º.07.2014. Disponível em <http://
www.tse.jus.br/jurisprudencia/pesquisa-de-jurisprudencia/jurisprudencia> Acesso em: 15 set. 2016. p. 4.
50
SANTANO, Ana Claudia. op. cit. 2016c. p. 46.
51
HARTMANN. Ivar. TSE – Como estragar uma eleição. JOTA. 03.07.2016. Disponível em: <http://jota.uol.com.br/
tse-como-estragar-uma-eleicao>. Acesso em: 15 set. 2016.
52
REPERCUSSÃO GERAL. op.cit.
53
Ibid.
54
SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas eleitorais. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 186.
55
TRIBE, Laurence; MATZ, Joshua. Financiamento de campanha: siga o dinheiro. Estudos Eleitorais, Brasília, v. 11.
n. 2. p. 271-325, Maio/agosto 2016. Tradução: Adisson Leal e Cláudio Lucena. p. 313.
56
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Íntegra da sessão plenária de 01 de julho de 2016. Canal Justicaeleitoral.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KJbTq9hzG_s> Acesso em 12 jul. 2016.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
86 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Assim, com efeito, foi aprovada em 2017 a Lei que previu a possibilidade de
recolhimento de recursos por meio de sítio ou aplicativo de financiamento coletivo na
internet.

4.5 O financiamento coletivo na reforma eleitoral de 2017


O ponto mais discutido da reforma eleitoral realizada em 2017 foi a criação, por
meio da Lei nº 13.487/2017, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha57 e a
regulação de suas distribuição pelo artigo 16-D da Lei nº 13.488/2017. 58
Não foi essa, contudo, a única mudança promovida pela reforma, que, em seu
artigo 1º acrescentou o inciso IV ao dispositivo que regula a doação de recursos finan­
ceiros por pessoas físicas para campanhas eleitorais (art. 23, §4º), de forma a admitir o
financiamento coletivo de campanha, nos seguintes termos:

IV – instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de


sítios na internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares, que deverão atender
aos seguintes requisitos:
a) cadastro prévio na Justiça Eleitoral, que estabelecerá regulamentação para prestação de
contas, fiscalização instantânea das doações, contas intermediárias, se houver, e repasses
aos candidatos;
b) identificação obrigatória, com o nome completo e o número de inscrição no Cadastro
de Pessoas Físicas (CPF) de cada um dos doadores e das quantias doadas;
c) disponibilização em sítio eletrônico de lista com identificação dos doadores e das
respectivas quantias doadas, a ser atualizada instantaneamente a cada nova doação;
d) emissão obrigatória de recibo para o doador, relativo a cada doação realizada, sob a
responsabilidade da entidade arrecadadora, com envio imediato para a Justiça Eleitoral
e para o candidato de todas as informações relativas à doação;
e) ampla ciência a candidatos e eleitores acerca das taxas administrativas a serem cobradas
pela realização do serviço;
f) não incidência em quaisquer das hipóteses listadas no art. 24 desta Lei;
g) observância do calendário eleitoral, especialmente no que diz respeito ao início do
período de arrecadação financeira, nos termos dispostos no §2º do art. 22-A desta Lei;
h) observância dos dispositivos desta Lei relacionados à propaganda na internet;
(...)
§4º-A Na prestação de contas das doações mencionadas no §4º deste artigo, é dispensada
a apresentação de recibo eleitoral, e sua comprovação deverá ser realizada por meio de
documento bancário que identifique o CPF dos doadores.
§4º-B As doações realizadas por meio das modalidades previstas nos incisos III e IV do
§4º deste artigo devem ser informadas à Justiça Eleitoral pelos candidatos e partidos no
prazo previsto no inciso I do §4º do art. 28 desta Lei, contado a partir do momento em
que os recursos arrecadados forem depositados nas contas bancárias dos candidatos,
partidos ou coligações.
...........................................................................................................................................................

57
BRASIL, Lei nº 13.487 de 06 de outubro de 2017. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13487.htm>. Acesso em: 15 out. 2017.
58
BRASIL, Lei nº 13.488 de 06 de outubro de 2017. Brasília. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/
lei/2017/lei-13488-6-outubro-2017-785551-publicacaooriginal-153918-pl.html>. Acesso em: 15 out. 2017.

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JÚLIA ROCHA DE BARCELOS
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E PARTICIPAÇÃO: O FINANCIAMENTO COLETIVO NA INTERNET
87

§6º Na hipótese de doações realizadas por meio das modalidades previstas nos incisos
III e IV do §4º deste artigo, fraudes ou erros cometidos pelo doador sem conhecimento
dos candidatos, partidos ou coligações não ensejarão a responsabilidade destes nem a
rejeição de suas contas eleitorais (...)
§8º Ficam autorizadas a participar das transações relativas às modalidades de doações
previstas nos incisos III e IV do §4º deste artigo todas as instituições que atendam, nos
termos da lei e da regulamentação expedida pelo Banco Central, aos critérios para operar
arranjos de pagamento.
§9º As instituições financeiras e de pagamento não poderão recusar a utilização de cartões
de débito e de crédito como meio de doações eleitorais de pessoas físicas.

Essa norma se originou do Projeto de Lei nº 8.612/2017, da Câmara dos Deputados,


tendo contado com o mesmo conteúdo – embora com ligeiras mudanças de numeração
e redação – desde sua apresentação pela Comissão Especial para análise, estudo e
formulação de proposições relacionadas à Reforma Política – CEPOLITI59 em setembro
de 2017.
O Projeto de Lei, por sua vez, baseou-se em relatórios da CEPOLITI, que abordou
a questão do financiamento no Relatório Parcial n. 3.60 Em sua primeira versão, o RPA
3 registrara que, diante do cenário de redução de 50% dos recursos verificado nas
Eleições de 2016:

Estima-se (...) que, com o fim das doações de empresas, não haverá recursos suficientes
para a realização de campanhas já nas próximas eleições. Por essa razão, é fundamental
que aprovemos uma alternativa legislativa que viabilize o financiamento misto para as
campanhas eleitorais, combinando doações de pessoas físicas com o financiamento público.

Em complementação de voto, o relator pontuou que o financiamento coletivo


se prestaria a “estimular a cultura do financiamento eleitoral por parte de pessoas
físicas”. No mesmo sentido, a versão consolidada do texto em 22.08.2017 destacou que
o crowdfunding “em muitos países tem contribuído para democratizar o financiamento
de campanhas e derrubar a necessidade dos grandes financiadores”, de sorte que “ao
adotar este sistema no Brasil, espera-se estar contribuindo para o início de uma nova
cultura no financiamento de campanhas”.
Em plenário, a questão somente foi abordada em um contexto de defesa à manu­
tenção do art. 22-A, §3º, segundo o qual:

§3º Desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a arrecadação
prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do §4º do art. 23 desta Lei, mas a
liberação de recursos por parte das entidades arrecadadoras fica condicionada ao registro
da candidatura, e a realização de despesas de campanha deverá observar o calendário
eleitoral.
§4º Na hipótese prevista no §3º deste artigo, se não for efetivado o registro da candidatura,
as entidades arrecadadoras deverão devolver os valores arrecadados aos doadores (NR)

59
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 8612 de 2017. Brasília. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2151995>. Acesso em: 10 out. 2017.
60
BRASIL, Câmara dos Deputados, 2017. Relatório Parcial n. 3 da Comissão Especial para análise, estudo e formulação
de proposições relacionadas à Reforma Política. Disponível em: <http http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=2135165>. Acesso em: 23 abr. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
88 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

As manifestações foram as seguintes:

Deputado Glauber Braga (PSOL-RJ ) – (...) a favor do texto do Relator, porque considerava
esse um ponto positivo de arrecadação prévia, inclusive pelas redes, pela Internet. Seria
fundamental, como uma ação alternativa. (...)
Deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) – Sr. Presidente, o PCdoB vota “sim”. Esta é uma
medida positiva para estimular a cultura de doação das pessoas físicas. Para que haja
doação, deverá haver mudança de cultura. No Brasil, não há essa cultura. Por isso, para
nós é correto o texto proposto pelo Deputado Vicente Candido. Alerto os colegas para
o que estamos votando. Estamos votando um instrumento que permite que as pessoas
possam fazer doação para campanhas eleitorais. Se muitos votaram contra a criação do
fundo público, esta medida vai estimular a sociedade.
Deputado Alessandro Molon (REDE-RJ) – (...) Esta medida é extremamente correta e inteli­
gente. S.Exa., ao permitir a arrecadação prévia por crowdfunding a partir de maio, permitirá
que todos nós planejemos com antecedência o quanto poderemos gastar nas campanhas.
Não faz sentido atrasar isso para agosto, quando pode haver uma arrecadação prévia e
com transparência por 5 ou 6 meses. Quer dizer, durante a campanha, fica todo mundo
desesperado, querendo saber quanto vai arrecadar e quanto poderá gastar – uma bagunça!
O Deputado Vicente Candido permite uma arrecadação prévia, transparente e coletiva.
Por que tirar isso do seu parecer? É uma das partes mais positivas do relatório. A REDE
orienta o voto “sim” e faz um apelo para que o Deputado reveja sua posição e mantenha
o texto original. brasileira, para que cada pessoa, cada eleitor possa, de acordo com a
sua consciência, doar para uma campanha política. Portanto, votar “sim” é estimular a
autonomia do eleitor o financiamento de cada eleitor.

O Tribunal Superior Eleitoral já aprovou, em dezembro de 2017, uma minuta


da Resolução que regulará a questão do financiamento coletivo,61 na qual previu que
é vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras (art. 22,
§4º), que os recursos captados por meio de financiamento devem transitar pela conta
“doações para campanha” (art. 23, IX), bem como que:

Art. 24. Todas as doações recebidas mediante financiamento coletivo deverão ser lançadas
individualmente na prestação de contas de campanha eleitoral de candidatos e partidos
políticos.
Parágrafo único. As taxas cobradas pelas instituições arrecadadoras deverão ser consi­de­
radas despesas de campanha eleitoral e lançadas na prestação de contas de candidatos
e partidos políticos.
Art. 25. Havendo conta intermediária para a captação de doações por financiamento cole­
tivo, a instituição arrecadadora deve efetuar o repasse dos respectivos recursos à conta
ban­cária de campanha eleitoral do candidato ou do partido político (conta “Doações para
Campanha”).
Parágrafo único. No momento do repasse ao candidato ou partido político, que deverá
ser feito obrigatoriamente por transação bancária identificada, a instituição arrecadadora
deverá identificar, individualmente, os doadores relativos ao crédito na conta bancária
do destinatário final.

Inobstante a minuta tenha sido aprovada, esta ainda não foi publicada pelo TSE.

61
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Audiências públicas para as Eleições 2018: minutas das instruções. Dispo­ní­
vel em: <http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-2018/audiencias-publicas/audiencia-publicas-
para-as-eleicoes-2018>. Acesso em 14 jan. 2017.

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JÚLIA ROCHA DE BARCELOS
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E PARTICIPAÇÃO: O FINANCIAMENTO COLETIVO NA INTERNET
89

4.6 Considerações finais


A partir do estudo realizado, percebe-se que no atual contexto de engajamento
popular na internet e escassez de recursos privados para campanhas eleitorais, o
financiamento coletivo pode funcionar como forma de integrar o cidadão à política
institucionalizada, desenvolvendo sua confiança nos atores políticos.
Ademais, considerando que uma das vantagens do mecanismo é a viabilização
de candidatos que não recebem recursos do partido, ele ganha especial relevância no
atual cenário de financiamento eminentemente público, sob controle das agremiações.
É necessário analisar, contudo, se a previsão legal – bem como a regulamentação
pelo Tribunal Superior Eleitoral – é capaz de garantir a transparência fundamental ao
transcurso da campanha, bem como de superar as objeções realizadas anteriormente
pela própria Corte Eleitoral.
A primeira objeção, no sentido de que o mecanismo de arrecadação das doações
deveria estar disponível em “sítio do candidato, partido ou coligação na internet” é
facilmente superada pela redação do inciso IV, que prevê a possibilidade de doação
por “instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio
de sítios na internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares”, desde que
cumpridos os previamente definidos.
No que se refere à existência de um intermediário cuja remuneração se dá por
meio da retenção de valores – o que desvirtuaria a previsão de que todo recurso deve
tramitar pela conta de campanha – o legislador limitou-se a pontuar a necessidade de
que fosse dada ampla ciência a candidatos e eleitores acerca das taxas administrativas
a serem cobradas pela realização do serviço.
A minuta do TSE, contudo, é minuciosa na regulação da questão ao dispor,
conforme visto, que a instituição arrecadadora deve repassar os recursos para a conta
“doações para campanha”, identificando individualmente os doadores relativos
àquele crédito. Ainda, “as taxas cobradas pelas instituições arrecadadoras deverão ser
consideradas despesas de campanha eleitoral e lançadas na prestação de contas de
candidatos e partidos políticos”. Nesse ponto, a regulação se assemelha à contratação
de operadoras de cartão de crédito, já admitida no ordenamento eleitoral.
Ademais, não sendo inerente ao financiamento coletivo o recebimento de recom­
pensas, ao contrário do que havia pontuado o TSE em seu julgado, resta uma última
objeção da Corte Superior. Com efeito, a transparência nas doações e a identificação do
doador é o ponto mais relevante no contexto de financiamento de campanhas, tendo
sido exaustivamente regulado pela nova lei.
Nesse sentido, estão previstos como requisitos para o recolhimento de recursos
via financiamento coletivo não só o cadastro prévio das instituições, como a identificação
obrigatória de cada um dos doadores – por meio do CPF – e quantias doadas, com
disponibilização instantânea desses dados em sítio na internet. Ainda, previu o legislador
a emissão de recibo para o doador com envio imediato para a justiça eleitoral e para
o candidato das informações referentes à doação. É com a mesma preocupação de
identificação do doador que o TSE vedou doação por meio de moedas virtuais. Nota-se
por fim que “ a comprovação (das doações) deverá ser realizada por meio de documento
bancário que identifique o CPF dos doadores”.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
90 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

É de se reconhecer um elemento de fragilidade no controle em razão da previsão


do §6º, segundo o qual “fraudes ou erros cometidos pelo doador sem conhecimento
dos candidatos, partidos ou coligações não ensejarão a responsabilidade destes nem
a rejeição de suas contas eleitorais”. Essa brecha já existia, contudo, desde que foi
autorizada a doação pela internet.
Por fim, não se pode negar que este novo mecanismo trará novos desafios, tal
qual a dificuldade de fiscalização de doações pulverizadas em pequenos valores. Não
se sabe, ainda, se a regulamentação extensiva das plataformas – com a aplicação de
regras sobre propaganda na internet, por exemplo – terá algum efeito adverso diante da
espontaneidade que habitualmente caracteriza o crowdfunding na internet. Inobstante,
tudo indica que o financiamento coletivo será um mecanismo valioso nas eleições de
2018, notadamente diante da possibilidade de arrecadação por meio de plataformas
desde o mês de maio.

Referências
ADAMS, Carl. Crowdfunding guidance and practice: value added and co-creation, 2014. Disponível em: <http://
ipp.oii.ox.ac.uk/2014/programme-2014/track-a-harnessing-the-crowd/design-iii/carl-adams-crowdfunding-
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JÚLIA ROCHA DE BARCELOS
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BARCELOS, Júlia Rocha de. Financiamento de campanha e participação: o financiamento coletivo


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PARTE II

FINANCIAMENTO COMO
PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 1

AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER


COMO ACINTE AO FINANCIAMENTO ELEITORAL

WALBER DE MOURA AGRA

1.1 Introdução
O debate sobre financiamento eleitoral, independentemente de conjecturas econô­
micas, políticas e sociais, configura-se necessário e inevitável. Os últimos acontecimentos
envolvendo a classe política e a classe empresarial deixam claro que existe uma relação
espúria entre o poder econômico e o poder político, acarretando distorções graves na
auferição democrática. Dessa forma, é imperioso compreender que essa conexão é
evidenciada e distorcida no processo de financiamento de campanhas eleitorais.1
No entanto, é simplório e arriscado reduzir os debates em torno da questão do
financiamento de campanhas à proliferação das várias modalidades de abuso de poder.
O ato de financiar um candidato em determinado pleito eleitoral é bem mais complexo,
estando ligado à própria concretização do regime democrático, uma vez que é notória
a necessidade de recursos materiais para a realização das disputas eleitorais e, por
con­sequência, da democracia. Nesse sentido, é justamente esse ponto de discussão, a
relação entre a política e o dinheiro, bem como a forma que se debate essa vinculação
que definirá a qualidade de uma democracia.2
Assim, não se pode negar que os procedimentos eleitorais estão ligados ao ideal
democrático e ao próprio funcionamento do Estado de Direito, em que se constitui em
uma ferramenta para a emancipação política.3 Fica evidente, então, por que esses debates
estão tão presentes atualmente, inclusive em esferas da sociedade que não participavam

1
SPECK, Bruno Wilhelm. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no
Brasil. Cadernos Adenauer, VI, n. 2. Rio de Janeiro: Fundação KAS, 2005, p. 123.
2
ZOVATTO, Daniel. Financiamento de partidos e campanhas eleitorais na América Latina: uma análise comparada,
p. 288.
3
SALGADO. Eneida Desiree. Constituição e Democracia. Tijolo por tijolo em um desenho (quase) lógico: Vinte
anos de construção do projeto democrático brasileiro, p.29.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
96 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

das discussões políticas. Dessa forma, é imprescindível observar que o papel do Direito
Eleitoral nessa conjuntura é fundamental para acompanhar com seriedade os debates
que vêm ocorrendo.

1.2 A Reforma Política de 2017 e as modalidades do financiamento de


campanhas eleitorais
Feitos os esclarecimentos iniciais, é importante discorrer sobre as últimas atua­li­
zações jurídicas em torno das possibilidades de financiamento eleitoral. Em um primeiro
momento, é indispensável que se compreenda que a classificação do financiamento
eleitoral está ligada à origem dos recursos envolvidos, que é dividido em: público –
privado – misto. O financiamento eleitoral é definido como todos os recursos materiais
que um candidato ou partido empregam com a finalidade de angariar votos em uma
disputa eleitoral.4
A primeira modalidade, o financiamento público, tem como característica fun­
damental a utilização de recursos financeiros provenientes do Estado, com o propósito
de tornar a disputa isonômica, fazendo com que os recursos materiais não sejam um
obstáculo para as candidaturas.5 As formas de financiamento público são variadas,
dependendo muito de peculiaridades metajurídicas, podendo ser exclusivas ou mistas.6
O financiamento privado pode ser compreendido como uma forma de solidificar
a ligação entre o cidadão e o candidato/partido, permitindo que os correligionários
demonstrem seu posicionamento através do financiamento eleitoral, fazendo com
que o dinheiro público seja mais bem aplicado e permitindo uma maior liberdade dos
partidos que não ficam dependentes de recursos públicos. Por último, o financiamento
misto que tenta comungar as duas formas, variando na intensidade que utiliza recursos
públicos e privados.
No entanto, os casos de abuso de poder envolvendo empresas que se destacavam
em doações a candidatos e partidos fez reacender uma preocupação que já é, de certa
forma, antiga na legislação e no judiciário do país, no sentido de que o financiamento
privado, supostamente, é responsável pela maior parte dos ilícitos eleitorais em suas
múltiplas formas de abuso de poder econômico.
A modificação crucial ocorreu com a decisão do Supremo Tribunal Federal,
na ADI 4.650. A ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil requeria o fim
da modalidade de financiamento de campanhas por pessoas jurídicas, excluindo
essa expressão de toda a legislação eleitoral. Porquanto, postularam a declaração de
inconstitucionalidade parcial do art. 24 da Lei nº 9.504/97, na parte em que autoriza a
doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, assim como a inconstitucionalidade
parcial do art. 31, da Lei nº 9.096/95, que dispõe a mesma possibilidade de doação. Ainda
nessa toada, declarou-se a inconstitucionalidade das expressões “pessoa jurídica”,

4
GOMES. Jose Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2013. p. 336.
5
KANAAN, Alice. Financiamento público, privado e misto frente à reforma política eleitoral que propõe o financiamento
público exclusivo. Temas do Direito Eleitoral no Século XXI. André de Carvalho Ramos (coord.). Brasília: Escola
Superior do Ministério Público da União, 2012. p. 272.
6
VAN BIEZEN, Ingrid. Campaign and party finance. In: LEDUC, Lawrence; NIEMI, Richard; NORRIS, Pippa.
Comparing democracies: elections and voting in global perspective. P. 79 – 80.

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WALBER DE MOURA AGRA
AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER COMO ACINTE AO FINANCIAMENTO ELEITORAL
97

constante no art. 38, inciso III, da mesma lei, e “e jurídicas”, inserida no art. 39, caput e
§5º do citado diploma legal.7
A argumentação da ação já trazia os debates políticos em torno do abuso de
poder e suas mais variadas modalidades, fundamentando sua demanda na proteção ao
princípio da isonomia, princípio democrático e princípio republicano. Em linhas gerais,
manifestaram uma preocupação com o trato da coisa pública e com a insidiosa relação
entre políticos e empresários, bem como com a igualdade entre candidatos, uma vez
que alguns traziam muito mais financiadores para as suas campanhas.
Por maioria, a Corte compreendeu que o financiamento por parte de pessoas
jurídicas realmente dificultava a realização de um pleito eleitoral justo. Uma vez que
o voto é ato performático dos direitos políticos e as pessoas jurídicas não exercem tais
direitos, também foi invocada a visão de Dworkin para fundamentar a ideia de que a
essência das pessoas jurídicas não permite o desempenho dos direitos políticos, assim
como não emitem opiniões próprias e não podem, portanto, ter voz na política.8
É interessante notar que a sustentação para que essas modificações tenham
ocorrido em âmbito jurisdicional é a ideia de que, no caso do Brasil, a Constituição
Federal não estipulou um modelo de financiamento específico, porém, criou, no enten­di­
mento de Daniel Sarmento, uma moldura que deve servir de orientação para essas regras,
baseada no princípio democrático, republicano e no princípio da igualdade política.9

7
Lei nº 9.096/95: “Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto,
contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer
espécie, procedente de: I- entidades ou governos estrangeiros; II- autoridades ou órgãos públicos, ressalvadas
as dotações referidas no art. 38; III- autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos,
sociedades de economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgão
ou autoridades governamentais; IV- entidade de classe ou sindical.”
“Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por:
III- doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta
do Fundo Partidário.”
“Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas
para constituição de seus fundos. §5º. Em ano eleitoral, os partidos políticos poderão aplicar ou distribuir pelas
diversas eleições os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas ou jurídicas, observando-se o disposto no
Parágrafo 1º do art. 23, no art. 24 e no Parágrafo 1º do art. 81 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e os
critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias.”
Lei nº 9.504/97: “Art. 23. As pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para
campanhas eleitorais, obedecido ao disposto nesta lei: §1º. As doações e contribuições de que trata este artigo
ficam limitadas: I – no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior
à eleição. II – no caso de candidato que utilize recursos próprios, ao valor máximo de gastos estabelecido pelo
seu partido, na forma da lei.”
“Art. 24. É vedado a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável
em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, de: I – entidade ou governo estrangeiro;
II – órgão da administração pública direta ou indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do
Poder Público; III – concessionário ou permissionário de serviço público; IV – entidade de direito privado que
receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; V – entidade
de utilidade pública; VI – entidade de classe ou sindical; VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba
recursos do exterior; VIII – entidades beneficentes ou religiosas;
IX – entidades esportivas; X – organizações não-governamentais que recebam recursos públicos;
XI – organizações da sociedade civil de interesse público. Parágrafo único. Não se incluem nas vedações de que
trata este artigo as cooperativas cujos cooperados não sejam concessionários ou permissionários de serviços
públicos, desde que não estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, observado o disposto no art. 81.”
“Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir
do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações. §1º. As doações e contribuições de que trata este
artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.”
8
DWORKIN. Ronald. The Devastating Decision. In: The New York Tomes Review of Books, 25.02.2010. Disponível
em: <http://www.public.iastate.edu/~jwcwolf/Law/DworkinCitizensUnited.pdf>.
9
SARMENTO. Daniel. Osório. Aline. Uma mistura tóxica: política, dinheiro e o financiamento das eleições. p. 3.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
98 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Assim sendo, importa saber que a decisão abriu espaço para novas modalidades
de financiamento de campanhas. A primeira modificação importante, fruto da reforma
política, foi a constituição de um fundo de financiamento Eleitoral, com o objetivo de
auxiliar financeiramente os partidos e candidatos. Dessa forma, a Lei nº 9.504/97 definiu
critérios para o financiamento dos pleitos eleitorais, como a criação do Fundo Especial
de Financiamento de Campanha (FEFC), introduzido pela Lei nº 13.488/2017, no que
determinou a forma de distribuição dos recursos.10
Após a vedação do financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas,
o FECF foi criado com o intuito específico de financiar essas atividades. Assim, será
constituído em ano eleitoral por dotações orçamentárias da União a serem definidas
pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a cada eleição, correspondendo à somatória da
compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela
divulgação da propaganda partidária efetuada nos anos de 2016 e 2017 (art. 3º, Lei
nº 13.487/2017), além dos 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica para
as emendas de bancada de execução obrigatórias.11
Assim, a previsão é que o FEFC receba cerca de R$ 1,7 bilhão no ano de 2018,
que será utilizado nas campanhas eleitorais para as eleições gerais do ano. No entanto,
é importante lembrar que essa nova modalidade não se confunde com o já conhecido
Fundo Partidário, que continua existindo. Saliente-se que subsiste o financiamento
privado de pessoas físicas que seguem podendo doar até 10% do rendimento bruto
alcançado no ano anterior à eleição.12
O processo de financiamento através de fundos públicos é uma tentativa de dar
isonomia às disputas eleitorais e mitigar as mais variadas formas de abuso de poder
econômico.13 Igualmente, é uma tentativa de diminuir o volume de dinheiro envolvido
nas campanhas, pois se estima que o custo das campanhas em 2014 alcançou a cifra de
cerca de R$ 5 bilhões.14 Enquanto que a previsão do FEFC é de apenas 1,7 bilhão para
2018, que será acrescido de recursos do Fundo Partidário, em torno de 900 milhões
em 2018, e das doações de pessoas físicas. O que abre espaço para desconfianças em
torno da possibilidade de doações ilícitas e a continuação de outras distorções no
financiamento eleitoral.

10
Art. 16-C. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é constituído por dotações orçamentárias
da União em ano eleitoral, em valor ao menos equivalente:
I – ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição, com base nos parâmetros definidos em lei;
II – a 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso II do §3º do art. 12 da Lei
nº 13.473, de 8 de agosto de 2017.
11
Disponível em: <http://www.novoeleitoral.com/index.php/noticias/1047-fecf>. Acesso em: 10 jan. 2018.
12
Art. 16-D. da Lei das Eleições: Os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), para o
primeiro turno das eleições, serão distribuídos entre os partidos políticos, obedecidos aos seguintes critérios:
I – 2% (dois por cento), divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal
Superior Eleitoral; II – 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que tenham pelo menos um
representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última
eleição geral para a Câmara dos Deputados; III – 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos,
na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
IV – 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado
Federal, consideradas as legendas dos titulares.
13
ZOVATTO, Daniel. Financiamento de partidos e campanhas eleitorais na América Latina: uma análise comparada,
p. 299-300.
14
Custo de R$ 5 bilhões faz eleições deste ano baterem recorde histórico. Disponível em: <http://www1.folha.uol.
com.br/poder/2014/11/1555475-custo-de-r-5-bilhoes-faz-eleicoes-deste-ano-baterem-recorde-historico.shtml>.
Acesso em: 10 jan. 2018.

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WALBER DE MOURA AGRA
AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER COMO ACINTE AO FINANCIAMENTO ELEITORAL
99

1.3 As distorções do financiamento eleitoral


O financiamento eleitoral constitui-se em um dos pontos nodais do desenvol­
vimento democrático e condição imprescindível para a higidez do processo eleitoral.
É insofismável que todo processo democrático necessita de recursos materiais para a sua
realização, como também que esses recursos monetários podem desvirtuar o resultado
das eleições, privilegiando aqueles detentores do poder econômico. Para evitar esse
quadro de anomalias, urge regulamentar todos os recursos que afloram para o processo
político, tornando as eleições cada vez mais transparentes.
A urgência de aperfeiçoamento do sistema ficou mais evidente ainda com os
dados obtidos com a Operação Lava Jato, que comprovou que havia uma relação clara
entre as maiores empresas que financiavam os candidatos em pleitos eleitorais e os casos
de corrupção em licitação da Petrobrás, assim como na prática de caixa dois nos próprios
pleitos.15 Evidenciou-se que existe uma relação de troca entre doadores de campanhas
e políticos, constituindo-se a doação eleitoral como uma condição para o recebimento
de benefícios dos candidatos vencedores, através de relações com o Poder Público.
Porquanto, é completamente possível visualizar uma relação de dependência do
poder político frente ao poder econômico, situação, obviamente, mais clara antes da
decisão da ADI 4.650. Dados históricos e estatísticos demonstram a ligação contínua
entre empreiteiras, partido políticos e candidatos.16
Além disso, é necessário compreender que a participação dessas empresas no
processo eleitoral alcança um nível decisional muito forte. As eleições passaram a ter
custos muito altos, ainda que contabilizado somente o declarado. É imperioso mencionar
que a prática de caixa dois tornou-se comum no financiamento de campanhas eleitorais,
sendo que grande parte do financiamento eleitoral não é declarado na contabilidade
eleitoral.17
No entanto, apesar de a decisão ter um caráter importante, no que se refere à
constatação de que é necessário repensar a forma de se fazer política, é indispensável
enxergar que a questão do abuso de poder no financiamento eleitoral tem um grau
de complexidade que ultrapassa a simples vedação. A afirmação de que a democracia
tem custos é inegável. Portanto, tornar esse processo transparente é menos arriscado.18
Isso porque, como a relação com o poder público é extremamente rentável, o dinheiro
utilizado como caixa dois ainda continuará a existir e a abastecer as campanhas, sem
que existam mecanismos factíveis que impeçam esse fluxo.

15
Empreiteiras da Lava Jato doaram R$ 277 mi para 28 dos 32 partidos. Disponível em: <http://www.
gazetadopovo.com.br/vida-publica/empreiteiras-da-lava-jato-doaram-r-277-mi-para-28-dos-32-partidos-
egpx8vt2orj4e7n1qyu80iw5q>. Acesso em: 10 jan. 2018.
16
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A ditadura dos empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada,
suas formas associativas e o estado ditatorial brasileiro, 164-1985. Tese apresentada ao programa de pós-
graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção de
grau de Doutor em História, p. 61.
17
Marcelo Odebrecht diz que não conhece político eleito sem caixa 2. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-
hoje/noticia/2017/04/marcelo-odebrecht-diz-que-nao-conhecepolitico-eleito-sem-caixa-2.html>. Acesso em: 10
jan. 2018.
18
SANTANO. Ana Cláudia. Menos proibições e mais transparência: as (falsas) promessas sobre a vedação de
doações de pessoas jurídicas no financiamento de campanhas eleitorais. Revista Ballot – Rio de Janeiro, v. 1 n. 1,
Maio/Agosto 2015. p. 182-201. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ballot>. Acesso em:
10 dez. 2017.

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100 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

O que se quer evidenciar nesse debate é que as distorções nas formas de financiar
pleitos eleitorais não são eliminadas com a proibição. A necessidade de custos para
a realização das eleições é inevitável. Uma das medidas factíveis para um aprimora­
mento do sistema eleitoral é densificar sua transparência, permitindo que as doações
de campanha sejam conhecidas, para que o eleitor possa conhecer as vinculações dos
candidatos, e que as punições sejam aplicadas em caso de acinte ao ordenamento. O
que passa a ser decisivo para o bom funcionamento da política é a transparência e a
fiscalização para que o poder político não seja subordinado ao poder econômico.
Então, como é inevitável que haja recursos financeiros nas campanhas, o poder
econômico para desestabilizar a corrida eleitoral se utiliza de várias formas de abuso
de poder para alcançar o seu objetivo, fazendo com que os pleitos eleitorais não possam
auferir a vontade da população em geral, mas sim a vontade dos detentores dos recursos
financeiros.

1.4 Abuso de poder


A teoria do abuso de poder apresenta uma nítida correlação com o Direito Pri­
vado, mais precisamente com a ideia de responsabilidade civil por abuso de direito.
Contudo, Jairo Gomes ressalta que a seara da responsabilidade por abuso de direito
ultra­passa o âmbito da responsabilidade civil, vindo a expressar uma “questão geral
de moralidade no exercício dos direitos e dos poderes nesse compreendidos”.19 Nesse
sentido, George Ripert defende que há indicativos morais na cristalização do abuso dos
direitos, consubstanciando uma contraposição entre os referenciais de liberdade com
os de responsabilidade, havendo, portanto, limitações legais para exercício do direito
que tomam como guia a ideia de moralidade.20
Assim, a concepção de abuso do poder atuaria como “cláusula geral” modeladora
da responsabilidade do detentor de direito que, em excesso do seu exercício, viola
bem jurídico de terceiro.21 Kant corrobora com essa limitação quando se extrai de seu
pensamento que o direito de um termina onde começa o direito do outro.22
Evidencia-se que o abuso de poder é fato jurídico que perpassa diversos âmbitos
do Direito.23 Sua origem decorre do Direito Administrativo representando reação aos
atos abusivos praticados pela Administração.24 Considerado como princípio da proibição

19
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Atlas: São Paulo, 2016. p. 380
20
RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. 2. ed. trad. por Osório de Oliveira. Campinas: Bookseller,
2002. p. 168-17.
21
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Atlas: São Paulo, 2016. p. 380
22
KANT apud DANTAS, Ivo. Constituição & Processo – introdução ao direito processual constitucional. v. I.
Curitiba: Juruá, 2003. p. 54.
23
No direito constitucional, o abuso de poder pode configurar causa de pedir das ações constitucionais, tratando-
se, portanto, de fenômeno acintoso à Constituição. No que tange ao direito penal, inconteste a tipificação do
abuso de poder e de autoridade em diversos diplomas legais. No direito privado, abuso é o uso ilícito de
poderes ou faculdades.
24
O recurso de abuso de poder é uma forma de invalidação contenciosa que dá ao Conselho de Estado o poder
de anular uma decisão executória administrativa, se essa contém um excesso formal da autoridade que
adoptou a decisão (incompetência, violação de forma, desvio poder, violação da lei) e, portanto, tende a opor-
se ao procedimento de ofício. Este recurso é controvertido porque ele é levado perante um tribunal público, o
Conselho de Estado, e termina em uma decisão judicial dotada de força de coisa julgada. HAURIOU, Maurice.
Précis de Droit Administratifet de Droit Public. 9. éme. Paris: 1919. p. 471.

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AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER COMO ACINTE AO FINANCIAMENTO ELEITORAL
101

de excesso, teve inicialmente campo de atuação restrita ao Poder Executivo, poder


constituído destinado a ser, tipicamente, Estado-Administração.25
Na seara político-administrativa, para a substanciação da ideia de poder, importa
a designação do seu titular, na medida em que, como conceito primário, pode representar
força suficiente para transformar, concretizar ou influenciar algo. A identificação da
titularidade do poder seria uma condicionante para caracterização da forma de seu uso.
Em um Estado Social Democrático de Direito, a titularidade do poder político pertence
ao povo, ou seja, o poder encontra sua justificação na soberania popular.26
Portanto, no exercício das prerrogativas estatais, os dirigentes são apenas
mandatários, devendo pautar o uso do poder com acedência, expressa ou tácita, dos diri­
gidos, de acordo com os parâmetros legais, razão pela qual o abuso é indiscutivelmente
ilegítimo e ilegal.27 Afinal, o exercício do Poder Público deve ser inteiramente caracte­
rizado pelo seu real titular. Logo, práticas abusivas, que ultrapassam os limites de uso
normal põem em perigo direitos subjetivos – e, assim, a própria constituição do Estado –
e a democracia substantiva.28
Nesse diapasão, o abuso de poder denota aspecto vicioso do ato, que configura
arbitrariedade na conduta, eivando o ato de nulidade.29 Trata-se de aberração da discri­
cionariedade da qual é detentor o administrador da res publica, que se inclina ao interesse
pessoal, ab-rogando com sua conduta o interesse da Administração.30
O abuso de poder pela modalidade do excesso se configura todas as vezes em que
há uma afronta ao elemento normativo, de forma direta ou indireta, em razão de que o
sujeito extrapolou suas prerrogativas, indo além do que lhe era permitido legalmente.
Como a legalidade é a sacramentação do Estado Social Democrático de Direito, pune-se
toda a conduta em que há uma atuação em uma seara que ultrapassa os limites legais.
Configura-se em um vício de competência, consubstanciando o abuso pela inexistência
de atribuição legal para o ato.31
O desvio de poder, ou détournement de pouvoir, criado originariamente na juris­
prudência francesa, representa um limite ao poder discricionário pelo lado dos fins,
dos motivos da Administração.32 Ele, por sua vez, ocorre quando uma autoridade

25
O art. 27 da Constituição Francesa de 1791, primeiro dispositivo constitucional a positivar a preocupação com o
abuso de poder, previa: “Article 27. – Le ministre de la justice dénoncera au tribunal de cassation, parla voie du
commissaire du roi, et sans préjudice du droit des parties intéressées, les actes par lesquels les juges sauraient
excédé les bornes de leur pouvoir. – Le tribunal les annulera ; et s’ils donnent lieu à la forfaiture, le fait sera
dénoncé au Corps législatif, quirendrale décret d’accusation, s’il y a lieu, et renverra les prévenus devantla
haute Cournationale”.
26
“Para la teoria democrática, el pueblo – como conjunto de cidadanos – ejerce la soberanía que reside en la nación
toda, y desde este punto de vista, es en sus decisiones en las que se encuentra el origen de toda autoridad.
En otras palabras, la capacidad de mando del gobernante y su titularidad, emanan precisamente de que es
el pueblo el que ha determinado que él se encuentre allí”. VIVANCO, Ángela M. Las libertades de opinión y de
información. Santiago de Chile: Andrés Bello, 1992, p. 307.
27
ALVES, Alaôr Caffé. Estado e ideologia: aparência e realidade. São Paulo: Brasiliense. 1987, p. 195-196.
28
CHOMSKY, N. (2006). Failedstates: The abuse ofpower and theassault on democracy. New York, NY: Henry
Holt and Company. Disponível em: <http://www.kropfpolisci.com/foreign.policy.chomsky>. Acesso em: 04
maio 2017.
29
TÁCITO, Caio. O desvio do poder no controle dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 228, p. 2, abr.-jun. 2002.
30
CRETELLA JÚNIOR, José. Sintomas denunciadores do “desvio de poder”. Revista da Faculdade de Direito da
USP, v. 71, p. 79, 1976.
31
RIVERO, Jean. Droit Administratif. Paris: Dalloz, 2011. p. 247.
32
QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. A teoria do desvio de poder em Direito Administrativo. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, nº 7, p. 62-63, jan./mar. 1947.

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102 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

manuseia o poder discricionário com o fito de atingir fim diverso do que se estima no
interesse público previsto em lei, autorizando o Poder Judiciário a decretar a nulidade
do ato, já que a Administração fez uso indevido da discricionariedade.33 É limite que
visa a impedir que a prática do ato administrativo dirija-se à consecução de um fim
de interesse privado, ou até mesmo de outro fim público estranho à previsão legal.34
O desvio de poder é fundamento para anulação do ato administrativo, indagando-
se acerca dos motivos que inspiraram o administrador; o sentimento, o desejo que o
ins­pi­rou, haja vista que na forma o ato é perfeito.35 Assim, haverá desvio de poder
sem­pre que o agente atuar com finalidade diversa da perseguida em lei, viciando o ato,
ainda que não seja contrário ao ordenamento de forma direta.36 Esse tipo de abuso de
poder faz emergir ato cujo fim é absolutamente incompatível com o espírito de justiça
e im­par­cialidade que deve nortear os atos do agente público.37
Em sua forma omissiva, o abuso de poder consubstancia a inércia da autoridade
administrativa, que deixa de executar serviço que por lei está obrigada, lesando o
patrimônio jurídico individual, seja por omissão dolosa ou culposa.38 Suscite-se que
nem toda omissão administrativa é ilegal, excluindo-se as omissões genéricas em que
pertence ao administrador o poder de avaliar a oportunidade para adotar ou não uma
providência positiva.39 Todavia, são ilegais aquelas que suprimem direitos humanos
deferidos por instrumentos normativos.
No âmbito eleitoral, tem-se que o abuso de poder é fenômeno obstrutivo da
plena cidadania, uma vez que vem a macular a liberdade e a consciência do voto.
O voto é o instrumento pelo qual é exercido o direito de sufrágio. Por seu intermédio
o elei­tor exprime sua vontade, declarando quais dos seus candidatos devem exercer a
repre­sentação popular.40
Classifica-se como apanágio da democracia representativa em que as decisões
políticas não são tomadas diretamente pelo povo, mas por representantes nomeados pelo
voto dos eleitores. É através dele que a cidadania estabelece os Poderes Constituídos,
representando-a no dia a dia das decisões políticas, sem abdicar de sua soberania, esta
sim intransferível, podendo a qualquer momento ser readquirida em sua plenitude
através de um fenômeno denominado transconstitucionalização.
O voto, não viciado por práticas abusivas, é condição indispensável para que o
povo exerça o protagonismo do poder público, na medida em que a escolha livre dos

33
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 253.
34
TÁCITO, Caio. O desvio de poder no controle dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 228, p. 2, abr./jun. 2002.
35
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p. 174.
36
GORDILLO, Agustin. Tratado de derecho administrativo. 5. ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho
Administrativo, 2000. p. 23-24.
37
CRETELLA JÚNIOR, José. Sintomas denunciadores do “desvio de poder”. Revista da Faculdade de Direito da
USP, v. 71, p. 79, 1976.
38
TÁCITO, Caio. O poder de polícia e seus limites. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 27, p. 1-10,
jan./mar. 1952.
39
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 45.
40
“Voto é a manifestação firme de decisão que se impõe e que deve ser respeitada. Voto pressupõe liberdade. Não
há voto livre e soberano onde não há democracia” (VIDIGAL, Edson de Carvalho. Quanto ao voto. In: Direito
eleitoral contemporâneo: doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 76).

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AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER COMO ACINTE AO FINANCIAMENTO ELEITORAL
103

seus representantes está amparada na busca de se auferir a vontade popular até chegar
na essência da demos kratos – a existência de um poder cujo titular tem compromisso
exclusivo com a sua própria consciência.
Depreende-se que o abuso de poder constitui conceito jurídico dotado de textura
aberta, cuja designação e denotação apenas poderão ser aferidas a partir do caso
concreto.41 De modo que, por múltiplas formas, o abuso de poder poderá se manifestar
seja pelo abuso do poder político ou do poder econômico ou através da compra de
votos etc.
Malgrado a abrangência do seu conceito, o abuso de poder, em qualquer uma de
suas modalidades, imprime como linha descritiva geral a representação de condutas
que comprometam a verificação da denominada “verdade eleitoral”. Desse modo, o uso
abusivo do poder deve ser reprimido pela Justiça Eleitoral, desde que criadas condições
factíveis, a partir de comandos deontológicos do plano normativo e implementados
por decisão judicial em caso de descumprimento.42
Nesse contexto, a falta de transparência decorrente da ausência de fiscalização
dos recursos destinados ao pleito eleitoral direciona a configuração de uma conduta
abusiva de poder, constituindo violação patente ao Estado Democrático, na medida em
que possibilita uma relação viciada entre o candidato e o detentor do poder econômico
e/ou político.

1.5 As formas de abuso de poder no Direito Eleitoral


Como se mencionou anteriormente, o abuso de poder é gênero do qual se deflui
várias espécies. No Direito Eleitoral, foco da atual análise, pode-se depreender as
seguintes modalidades de abuso de poder ligadas ao financiamento eleitoral: abuso
de poder político; abuso de poder econômico; crime de corrupção; condutas vedadas;
abuso dos meios de comunicação social; crime de caixa dois; compra de votos – art.
41-A; arrecadação e gastos ilícitos de campanha – art. 30-A.
Na maioria dos casos, essas modalidades de abuso de poder, que ostentam uma
tipificação objetiva diversa, podem ser praticadas antes do período eleitoral, mas com
a clara finalidade de tirar proveito nas eleições. Todas elas, e esse é um elemento que
as une, possuem o fator teleológico da utilização de meios materiais para tirar proveito
nas eleições, desequiparando a igualdade das partes e distorcendo o processo eleitoral.
Sem a produção de uma teorética que possa precisar os seus específicos campos
de incidência, uma questão relevante é que há sérios equívocos em sua conceituação.
Diversas vezes já foi enquadrado o mesmo fato como abuso de poder econômico e
político! Na pragmática essa questão adquire ares de importância porque a indefinição de
seu campo de incidência provoca a impunidade de várias condutas, no que retroalimenta
o impulso para sua prática; ou implica um cenário de punição exacerbada, a todo e
qualquer custo, o que gera descrença na legitimidade da punição.

41
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Atlas: São Paulo, 2016. p. 384.
42
ALVIM, Frederico Franco. O Peso da Imprensa na Balança Eleitoral. Efeitos, Estratégias e Parâmetros para o Exame da
Gravidade das Circunstâncias em Hipóteses de uso Indevido dos Meios de Comunicação Social. Florianópolis: Resenha
Eleitoral, v.20, n.2, maio, 2017. p.38.

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104 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Em razão das limitações espaciais, concentrar-se-á atenção apenas no abuso de


poder político, no abuso de pode econômico e na compra de votos e no caixa dois. O
que une essas tipificações é a utilização de recursos financeiros para distorcer a vontade
do eleitorado, fazendo com que sejam um requisito insofismável para vencer eleições.

a) Abuso de poder econômico


Para Pedro Roberto Decomain, considera-se abuso de poder econômico o emprego
de bens e serviços fora da moldura traçada pelas regras de financiamento presentes na
Lei nº 9.504/1997.43 De forma mais delineada, o abuso de poder econômico refere-se à
utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou
humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou
coligação, afetando a normalidade, a isonomia e a legitimidade das eleições.
Assim, vislumbra-se o abuso de poder econômico nas situações que endossam
os gastos eleitorais em demasia com escopo de influenciar negativamente a vontade
do eleitorado, desvirtuando-a de sua opção inicial para que escolha candidato que
disponha desses recursos.
É assente para o Colendo Tribunal Superior Eleitoral que o abuso de poder eco­
nô­mico se caracteriza pela utilização deste com a intenção de desequilibrar a disputa
eleitoral, podendo ocorrer de modo irregular, oculto ou dissimulado.44 Com efeito, para
que haja a configuração do abuso de poder econômico é necessária a verificação da
gravi­dade lesiva da conduta, apta a influir no tratamento isonômico entre os candidatos
e no respeito à vontade popular.
Por fim, ressalta-se que a Corte Eleitoral pacificou o posicionamento dispensando
a comprovação de potencialidade de influenciar o pleito eleitoral, cabendo, apenas,
a verificação da gravidade da conduta descrita como irregular.45 Assim, a análise da
gravidade, por sua vez, não se detém ao resultado das eleições, perpassando todos os
elementos que podem influir no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral.46

43
DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidade. Florianópolis: Obra Jurídica, 2000. p. 72.
44
Ac. de 02.12.2003 no AgRgREsp nº 21.312, Rel. Min. Carlos Velloso.
45
“Quanto ao abuso de poder, nos termos da nova redação do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/1990,
não se analisa mais a potencialidade de a conduta influenciar no pleito (prova indiciária da interferência no
resultado), mas “a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”. Todavia, por se referir ao pleito de 2008,
aplica-se ao caso dos autos a jurisprudência da época que ainda condicionava a configuração do abuso de poder
à análise da potencialidade apta a desequilibrar o pleito. [Recurso Especial nº 1627021, Acórdão, Relator(a) Min.
Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 54, Data 20.03.2017, Página 90]
“(...) O abuso de poder (i.e., econômico, político, de autoridade e de mídia) reclama, para a sua configuração,
uma análise pelo critério qualitativo, materializado em evidências e indícios concretos de que se procedera ao
aviltamento da vontade livre, autônoma e independente do cidadão-eleitor de escolher seus representantes. 15.
O critério quantitativo (i.e., potencialidade para influenciar diretamente no resultado das urnas), conquanto
possa ser condição suficiente, não perfaz condição necessária para a caracterização do abuso de poder
econômico. 16. O fato de as condutas supostamente abusivas ostentarem potencial para influir no resultado do
pleito é relevante, mas não essencial. Há um elemento substantivo de análise que não pode ser negligenciado:
o grau de comprometimento aos bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral causado por essas ilicitudes,
circunstância revelada, in concrecto, pela magnitude e pela gravidade dos atos praticados (...)” [Recurso Especial
Eleitoral nº 42070, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 153,
Data 08.08.2017, Página 9/11].
46
O fato de os representados não terem sido eleitos não impede que a Justiça Eleitoral examine e julgue ação de
investigação judicial eleitoral na forma do art. 22 da LC 64/90. A aferição do abuso do poder econômico, político
ou do uso indevido dos meios de comunicação social independe do resultado do pleito, devendo ser aferida
de acordo com a gravidade da situação revelada pela prova dos autos. [Recurso Ordinário nº 138069, Acórdão,

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AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER COMO ACINTE AO FINANCIAMENTO ELEITORAL
105

Não há na jurisprudência do STF um delineamento nítido sobre os contornos


do abuso de poder econômico, normalmente confundindo-se com abuso político e
compra de votos. Primeiro urge necessário à comprovação do abuso, que não se pode
valer de ilações, sendo imprescindível sua individualização processual. Ele igualmente
pode ocorrer quando há compra de apoio político, que não se enquadra como o delito
do art. 299 do Código Eleitoral; quando ocorrem gastos maiores que o permitido em
transporte, alimentação e militância, no que evidencia a utilização do poder econômico
para desequiparar o processo eleitoral; e quando houver gastos vultosos em bens e
serviços proibidos e não declarados (Art. 22, 3o da Lei nº 9.504/ 97). Não pode, nesta
ultima hipótese, confundir-se com ilícitos referentes à arrecadação e gastos de campanha
porque a diferenciação é o valor pecuniário que tem a potencialidade de desequiparar
o pleito eleitoral.

b) Abuso de poder político


O abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder,
valendo-se de sua posição privilegiada em órgãos estatais, tenta influenciar o eleitor,
em detrimento da liberdade de voto.47 Dá-se com os atos praticados com desrespeito
aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência,
ou seja, os princípios basilares da Administração Pública. Essa conduta que estorva a
vontade do eleitor configura-se no momento em que a normalidade e a legitimidade
das eleições são comprometidas por condutas de agentes públicos que, valendo-se de
sua condição funcional, beneficiam candidaturas, em manifesto desvio de finalidade.48
Portanto, para que haja a devida configuração do abuso de poder político em
deter­minado caso concreto é necessário que, além da prova da sua materialização,
este­­jam presentes ação, omissão ou desvio de finalidade de ato da Administração
Pú­bli­ca e a gravidade da conduta.49 A fim de se averiguar a gravidade, verifica-se a

Relator(a) Min. Henrique Neves Silva, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 045, Data 07.03.2017,
Página 36-37].
Ac. de 6.05.2010 no AgR-REspe nº 36.650, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior.
47
TSE: “(...) 3. ‘Consoante a jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral, o abuso do poder político
caracteriza-se quando determinado agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto
desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício
de sua candidatura ou de terceiros’ (AgR-REspe nº 833-02/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
19.8.2014)” (Recurso Ordinário nº 466997, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE –
Diário justiça eletrônico, Data 03.10.2016, Página 37).
48
“Abuso de poder político configura-se quando agente público, valendo-se de condição funcional e em manifesto
desvio de finalidade, desequilibra disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros, ao passo que
abuso de poder econômico caracteriza-se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou
privados, de forma a comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas entre candidatos” (Recurso
Ordinário nº 378375, Acórdão, Relator(a) Min. Antônio Herman Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE –
Diário justiça eletrônico, Tomo 107, Data 06.06.2016, Página 9-10); Ac. de 21.09.2010 no RCED nº 661, Rel. Min.
Aldir Passarinho Junior.
49
“(...) Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, o abuso do poder político caracteriza-se quando
determinado agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade,
compromete a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou
de terceiros. (...)A gravidade da conduta é inequívoca (art. 22, XVI, da LC 64/90). Além das circunstâncias
já referidas – esquema praticado por longo período de tempo, atuação direta por parte dos recorrentes,
distribuição de grande quantidade de medicamentos e receituários e viabilização de cirurgias – é de se
ressaltar também o caos na saúde pública no Município, de modo que a população passou a depender do
assistencialismo dos vereadores para obterem tais serviços, disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em
benefício de sua candidatura ou de terceiros” (Recurso Especial Eleitoral nº 33315, Acórdão, Relator(a) Min.
João Otávio Noronha, Publicação: DJE – Diário justiça eletrônico, Tomo 60, Data 31.03.2016, Página 4).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
106 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

capacidade de o fato apurado como irregular desequilibrar a igualdade de condições dos


candidatos à disputa do pleito, ou seja, de as apontadas irregularidades impulsionarem
e emprestarem força desproporcional à candidatura de determinado candidato de
maneira ilegítima.50
Para Djalma Pinto o abuso de poder político acontece mediante uma ação ou
uma omissão.51 A exemplo dessa última, impende citar os casos em que há remissão de
débitos de IPTU, como também a não fiscalização do ICMS para determinado local, em
troca de apoio de comerciantes. Um exemplo claro do abuso de poder político acontece
quando há coação de eleitores a fim de que votem em candidato à reeleição, sob pena
de serem excluídos sumariamente de programa social. A coação estatal pode possuir
caráter econômico quando incute ao eleitor que, na hipótese de não votar no candidato,
perderá uma vantagem salarial, o que evidencia nítido conceito patrimonial.52
Por fim, importante salientar a diferença entre abuso de poder político e abuso
de poder econômico. Embora ambos integrem o gênero abuso de poder que busquem
beneficiar candidato, partido ou coligação, há nítida distinção entre o abuso do poder
econômico e o abuso do poder político. Enquanto aquele se refere à indevida utilização
de recursos materiais e humanos, que representem valor econômico, este se relaciona
com atos de autoridade praticados com desrespeito aos princípios constitucionais que
norteiam a Administração Pública em favor de candidato.
A conceituação do abuso de poder político é genérica, optando o legislador
por especificar mais detalhadamente em subtipos, como as condutas vedadas, que
são espécie de abuso político, bem como o abuso nos meios de comunicação social
pertencente ao governo.

c) Captação ilícita de sufrágio; captação ilícita de arrecadação e gastos de campanha e caixa dois
A captação ilícita de sufrágio encontra-se prevista no artigo 41-A da Lei das
Eleições (nº 9.504/97), o qual configura a conduta conhecida como compra de votos,
consis­tindo na ação de oferecer vantagem pessoal de qualquer forma, explicita ou
impli­ci­tamente, para eleitor em troca de seu voto.53

50
Recurso Ordinário nº 378375, Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Herman Vasconcellos E Benjamin, Publicação:
DJE – Diário justiça eletrônico, Tomo 107, Data 06.06.2016, Página 9-10.
Ac. de 27.04.2010 no AgR-REsp nº 36.357, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior.
51
PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2010, p. 221.
52
“(...) 2. O acórdão regional baseou a procedência da AIME em fatos que constituem abuso do poder político
strictu sensu, consubstanciado na intimidação exercida pelo prefeito, candidato à reeleição à época, contra os
servidores municipais, aos quais dirigia ameaças de perdas de cargos, rompimentos de contratos, redução
e supressão de salários, dentre outras represálias” (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 28459, Acórdão,
Relator(a) Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data
17.09.2008, Página 22
REsp nº 36.737/MG, redator para o acórdão Min. Arnaldo Versiani.
53
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei,
o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem
pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia
da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma,
observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela
Lei nº 9.840, de 28.9.1999)
§1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do
dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

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WALBER DE MOURA AGRA
AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER COMO ACINTE AO FINANCIAMENTO ELEITORAL
107

No magistério de José Jairo Gomes, a captação ilícita de sufrágio consubstancia-


se na ocorrência de ato ilícito eleitoral que se dá sempre que for oferecido, prometido
ou entregue a eleitor bem ou vantagem com o objetivo de obter-lhe o voto. Acrescenta,
ainda, que para que haja a configuração do ilícito não é necessário que a conduta seja
realizada pelo próprio candidato, podendo ser realizada por pessoa interposta.54
Portanto, para a caracterização da captação ilícita deve haver a simultaneidade
dos seguintes requisitos: a prática de uma das condutas típica prevista no art. 41- A
da Lei 9.504/97; a finalidade específica de obter o voto do eleitor e a participação ou
anuência do candidato na prática do ato.55
A vedação da captação de sufrágio trazida pelo art. 41-A da Lei 9.504/97 destina-
se a preservação da liberdade de voto, a livre escolha do eleitor. Assim, em razão de
seu objeto de proteção, não é necessário que o fato caracterizador da captação ilícita de
sufrágio tenha a potencialidade de influir no pleito, bastando a existência da conduta
vedada para que enseje a pena prevista, posto que tão somente a compra de um voto
já tolhe a liberdade do eleitor em questão.56
A captação ilícita de arrecadação e gastos de campanha com previsão no art. 30-A
da Lei nº 9.504/1997 foi inserido pela Lei nº 11.300/2006, com o escopo de aprimorar
o controle judicial das formas de arrecadação e gastos de recursos de campanha. Sua
finalidade é impedir a utilização de meios que possam desnivelar os candidatos em
disputa, privilegiando uns em detrimento de outros, isto é, tentar evitar a utilização
do tradicional “caixa dois”.
Para caracterização da captação ilícita de arrecadação e gastos de campanha,
prevista no artigo supracitado, a conduta precisa ser praticada dolosamente, ou seja,
com a firme e deliberada vontade de infringir os parâmetros legais estabelecidos, tendo
em vista que as condutas culposas não tipificam o acinte narrado, pois fogem do tipo
delineado normativamente.
Além disso, é indispensável a presença de provas contundentes dos atos prati­
cados. Necessita-se, de forma cabal, provar a gravidade dos fatos imputados, deixando
nítida a caracterização de que o financiamento de campanha não obedeceu aos parâ­
metros previstos. Não pode ser admitida a referida ação se os vícios apontados forem
de natureza formal ou insignificante diante do montante arrecadado.
Ademais, a captação ilícita de arrecadação e gastos eleitorais é um crime próprio,
pois apenas pode ser realizado pelo candidato ou por pessoa por ele designada, o
administrador financeiro (art. 20 da Lei nº 9.504/1997). Nesse caso, ambos são soli­
dariamente responsáveis pela veracidade das informações financeiras e contábeis da

§2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa,
com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.
(Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da
publicação do julgamento no Diário Oficial (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009).
54
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 418.
55
“(...) A caracterização da captação ilícita de sufrágio pressupõe a ocorrência simultânea dos seguintes requisitos:
a) prática de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) fim específico de obter o voto do eleitor;
c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato.” [Agravo Regimental em Recurso
Especial Eleitoral nº 815659, Acórdão de 01/12/2011, Relator(a) Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE –
Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 026, Data 06.02.2012, Página 28]
56
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Direito eleitoral e processo eleitoral. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 261

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
108 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

campanha (art. 21 da Lei nº 9.504/1997). Nenhuma outra pessoa pode realizar a conduta
tipificada porque carece de previsão legal.
O crime de caixa dois, muito mais frequente nas campanhas eleitorais do que se
imagina, consiste na entrada e saída de recursos financeiros de campanha sem sofrer
contabilização, ou seja, são recursos e gastos que fluem em um caixa paralelo. Atual­
mente, não há uma tipificação clara para criminalizar a prática de caixa dois e qualquer
tipo de interpretação extensiva é terminantemente proibida em razão do princípio
da legalidade estrita que vigora no Direito Penal. Enfrentando a celeuma, o Supremo
Tribunal Federal tem se utilizado do art. 350 do Código Eleitoral para punir as condutas
que abstratamente se configuram como esse ilícito, definindo-o como a omissão em
documento público ou particular de declaração que dele deveria constar.57
Existe uma ligação muito forte entre o tipo descrito no art. 30-A e o delito de
caixa dois. Como um tem natureza cível e o outro penal não há o impedimento que
um único fato jurídico possa desencadear as duas subsunções. Na maioria dos casos, o
dinheiro utilizado no art. 30-A provém de caixa dois porque seria uma incúria muito
grande deixar esse numerário registrado, mesmo quando ele proviesse de uma fonte
vedada, por exemplo.
Em arremate, não há que se confundir a conceituação de abuso de poder econômico
com os ilícitos previstos no art. 30-A, art. 41-A, ambos da LE/97 e o ilícito de caixa dois,
por exemplo. Não se pode negar que são fenômenos que guardam similaridade, haja
vista que todas são fenômenos decorrentes da utilização equivocada do abuso de poder.
Contudo, constituem tipos normativos de espécies distintas, com requisitos e campos
de incidência diversos, com autonomia própria, que, inclusive, devem ser perquiridas
por meio de ações distintas, com causa de pedir e pedidos diversos. Apenas seguem o
mesmo rito, que é o descrito no art. 22 da LC nº 64/90.
O abuso de poder econômico apresenta como uma de suas essencialidades
o aspecto quantitativo, ou seja, através da exorbitância de recursos materiais que é
despendido em uma campanha além dos limites estipulados legalmente. Segundo
Adriano Soares, é ação que foge dos parâmetros da razoabilidade e da normalidade
em razão de determinado contexto, no que revela a existência da exorbitância ou
excesso no exercício de direitos permitidos pela legislação eleitoral ou no emprego de
recursos eleitorais.58Já as condutas dos arts. 30-A e 41-A, ambos da LE/97, não exigem
o excesso para sua caracterização. Para as tipificações mencionadas, precisa apenas o
aspecto qualitativo, ou seja, da subsunção do tipo diante da ocorrência do fato jurídico
predeterminado.

1.6 Conclusão
A proibição de financiamento de campanha por parte das pessoas jurídicas
não signi­fica, absolutamente, que todas as práticas ilícitas conexas sejam debeladas.

57
Art. 350 do Código Eleitoral: Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar,
ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena –
reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e
pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.
58
COSTA, Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral. Teoria da Inelegibilidade. Direito Processual Eleitoral. p. 257.

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WALBER DE MOURA AGRA
AS VÁRIAS FORMAS DE ABUSO DE PODER COMO ACINTE AO FINANCIAMENTO ELEITORAL
109

As fontes de financiamento permitidas e aquelas consideradas ilícitas, como o caixa


dois, podem servir para o cometimento dessas ilicitudes. Outrossim, a reforma não
resolveu uma contradição básica: se é muito vantajoso o financiamento eleitoral, em
razão da oportunidade de negócios com a máquina pública, o poder econômico tentará
encontrar outras formas de se aproximar do poder político, sendo a utilização do caixa
dois um dos meios mais viável.
Assim, faz-se imperioso dar maior atenção para essas práticas, que não serão
extintas dos pleitos eleitorais, e precisam ser evitadas e/ou repreendidas. Para isso, urge
uma melhor conceituação e diferenciação tipológica, para que os operadores possam
mais facilmente atestar a sua realização fática.
O mais interessante para a prevenção e a repressão de todas essas ilicitudes é
que o Poder Judiciário estabeleça vetores que possam unificar a conduta de seus magis­
trados e impedir que casos gritantes sejam cometidos e fiquem sem nenhum tipo de
sanção. A melhor prevenção é o desestímulo de condutas contra as regras estabelecidas
para o financiamento eleitoral através da certeza da punição pelo Judiciário e suas
consequências jurídicas e eleitorais. O pior quadro ocorre quando não há uma certeza
para a realização dessas punições, podendo, no que se convencionou de “loteria judi­
ciária”, advinda de juízos probatórios distintos e de entendimentos distintos, fazer com
que iguais condutas tenham sentenças diversas.
Uma melhor depreensão do campo de incidência dessas ilicitudes mencionadas
e a convicção sólida de que essas espécies ainda continuarão a ter uma larga prática,
mesmo com a proibição da contribuição de pessoas jurídicas, fornecem o conhecimento
necessário para uma melhor depuração do sistema político brasileiro.

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AGRA, Walber. As várias formas de abuso de poder como acinte ao financiamento eleitoral. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 95-110. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.)
ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 2

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO


ELEITORAL: ROBERT POST E O CASO CITIZENS UNITED
V. FEDERAL ELECTION COMMISSION

VERA KARAM DE CHUEIRI

EDUARDO XAVIER

2.1 Introdução
O tema que pretendemos discutir não é original, pois qualquer arranjo democrático-
constitucional deve conjugar liberdade de expressão e financiamento eleitoral. Na
pesquisa que algum tempo vimos fazendo sobre a tensa e necessária relação entre
democracia e constitucionalismo, eis que enfrentamos a liberdade de expressão e sua
relação com as campanhas eleitorais, em particular o seu financiamento. De fato, o direito
à liberdade de expressão e seus desdobramentos também não é assunto novo e desde as
primeiras cartas e declarações modernas de direitos se coloca como fundamental para
o cidadão em sua comunidade. Entretanto, seu vínculo ao financiamento eleitoral traz
algum novo interesse, sobretudo quando o financiamento de campanha assumiu uma
centralidade nas democracias constitucionais, em certa medida, paradoxal.
Assim, partindo das considerações que faz o professor de Yale, Robert Post, e do
caso emblemático por ele discutido, Citizens United v. Federal Election Commission (FEC),
pretendemos expor alguns pontos e questões interessantes sobre a relação entre liber­
dade de expressão e financiamento de campanha eleitoral. Para tanto, utilizar-nos-emos
da obra de Post intitulada Citizens Divide. Campaign Finance Reform and the Constitution
(2014)1 que resulta das Tanner Lectures por ele proferidas. Nosso trabalho é precisamente
descritivo ao apresentarmos os argumentos do autor na análise crítica que ele oferece
acerca do caso. É interessante como reaparece com vigor nos argumentos do autor a

1
Post, Robert. Citizens divided. Campaign finance reform and the constitution. Cambridge, Mass: Harvard University
Press 2014.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
112 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

sua tomada de posição mais normativa acerca do constitucionalismo democrático e


suas implicações.
O caso ao qual Post se refere em seu trabalho, Citizens United v. FEC, diz respeito
a uma decisão da Suprema Corte estadunidense, na qual a Corte analisou a constitu­
cionalidade de uma legislação que limitava gastos independentes em campanhas
eleitorais, coibindo corporações de veicularem propagandas políticas. Para a decisão,
corporações possuem direito à liberdade de expressão, inexistindo justificativa apta a
restringir que elas se manifestem caso assim façam de forma não colaborativa com um
candidato ou partido.
Post é contrário à ideia de princípios neutros, isto é, a um tipo de compreensão
que opõe lei e política, sendo a primeira o campo da razão e a última o do arbítrio.
Para ele, a lei possui uma função social ampla, sendo possível uma convergência entre
o sistema jurídico e a política democrática.
Nesse sentido, as Cortes são tomadas como atores políticos, cujas decisões
produzidas se engajam na política e não a esvaziam; vale dizer, elas inspiram, informam
e canalizam o debate e as ações políticas. A consequência é que opiniões judiciais podem
ser construídas de forma a promover mais ou menos efetivamente apoio político para
valores essenciais (POST, 2010). Portanto, o autor não se esquiva de analisar as decisões
da Suprema Corte dos Estados Unidos, mas o faz colocando-as à luz de uma construção
comprometida com o constitucionalismo democrático que melhor promova os valores
essenciais à sociedade americana.
Pois bem, no que diz respeito à decisão do caso Citizens United v. FEC sustenta
Robert Post (2014, p. 03) que a mesma foi equivocada por diversas razões, mas,
sobretudo, porque nela a Suprema Corte ignorou a necessidade do que o autor denomina
de legitimação democrática.
Isto é, quando se fala sobre a Primeira Emenda da Constituição dos Estados
Unidos, segundo Post (2014, p. 04), se discute sobre como melhor avançar o valor do
autogoverno no contexto da construção da opinião pública. Daí dizer que a Suprema
Corte se prendeu de forma rasa à questão da corrupção (supostamente inexistente em
gastos independentes), mas não se atentou à questão da integridade eleitoral e nem
articulou a necessidade de se reconhecer a exigência constitucional de se restaurar a
confiança pública no governo representativo.
Pois bem, para descrever o argumento de Post, apresentaremos (1) a decisão da
Suprema Corte americana no caso Citizens United v. Federal Election Commission (FEC);
(2) o resgate histórico que ele faz, ressaltando o contexto no qual a Primeira Emenda está
inserida e a sua história de aplicação, isto é, a questão da representação republicana e
da deliberação democrática; (3) a crítica à opinião majoritária da Suprema Corte e seus
desdobramentos teóricos, isto é, a legitimação democrática e o caso Citizens United e,
por fim, (4) as considerações finais.

2.2 Citizens United v. FEC (2010)2


A questão em Citizens United é sobre a constitucionalidade do §441b do Bipartisan
Campaign Reform Act (BCRA), de 2002. O dispositivo proibiu gastos independentes por

2
Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/558/310/>

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VERA KARAM DE CHUEIRI, EDUARDO XAVIER
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO ELEITORAL: ROBERT POST E O CASO CITIZENS UNITED V. FEDERAL ELECTION COMMISSION
113

corporações para expressões definidas como comunicações eleitorais e para manifestações


defendendo a vitória ou derrota de um candidato. Comunicações eleitorais são definidas
como comunicações veiculadas por cabo ou satélite que se referem a um candidato
identificado, o qual concorre a cargo federal e que são realizadas entre 30 dias de uma
primária ou 60 dias de uma eleição geral. Dessa forma, o caso Citizens United não trata
de contribuições diretas por corporações, proibidas desde o início do século anterior,
mas de gastos independentes.
Citizens United é uma organização sem fins lucrativos, com um orçamento anual de
cerca de doze milhões de dólares, composto majoritariamente por doações individuais
e minoritariamente por doações advindas de corporações comerciais. Em janeiro de
2008, a organização colocou no ar e fez divulgar um filme com foco na senadora Hillary
Clinton, candidata nas primárias democráticas para a eleição presidencial de 2008, o qual
mostrava entrevistas com comentadores políticos, em sua maioria críticos de Clinton.
Para a Citizens United, o filme e sua publicidade estavam suportados pela primeira
emenda da Constituição estadunidense (liberdade de expressão) e, neste sentido, o §441b
do Bipartisan Campaign Reform Act (BCRA) ao proibir gastos independentes contrariava
Constituição, isto é, era inconstitucional. Assim, a referida organização apresentou,
em 2007, uma reclamação à Corte distrital do Distrito de Columbia questionando a
constitucionalidade de várias leis relativas à electioneering communication. Não satisfeita
com o resultado, a organização apelou, em 2008, para a Suprema Corte que, na sequência,
em 2009, pautou o caso para julgamento, o qual ocorreu em janeiro de 2010. Foram duas
as demandas postuladas pela organização: primeira, de que a publicidade do filme não
se encaixaria na previsão legal de comunicação eleitoral e, segunda, de que a legislação
que proibia gastos independentes era inconstitucional.
Pois bem, a Suprema Corte em uma decisão apertada e dividida, por 5 votos a 4,
decidiu que o gasto financeiro nesse caso equivaleria à expressão política, estando as
corporações comerciais protegidas pelos direitos comunicativos dispostos na Primeira
Emenda:

The Court has recognized that First Amendment protection extends to corporations. (…)
This protection has been extended by explicit holdings to the context of political speech.
(…) The Court has thus rejected the argument that political speech of corporations or other
associations should be treated differently under the First Amendment simply because
such associations are not “natural persons”.3

Dessa forma, a Corte reiterou as razões apresentadas, anteriormente, no caso


Buckley v. Valeo4 (por mais que doações diretas pudessem gerar corrupção ou aparência de
corrupção), qual seja, a de que manifestações independentes, tais como uma corporação
realizando propagandas televisivas a favor de um candidato, não podem ser limitadas.

3
558 U. S. ____ (2010), p. 26.
4
Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/424/1/>.
Neste caso de 1976, a Suprema Corte entendeu que algumas disposições do Federal Election Campaign Act
(FECA), de 1971, eram inconstitucionais ao impor limites aos vários tipos de gastos eleitorais suportados por
candidatos a cargos federais ou em favor destes. Ainda, Buckley v. Valeo introduziu a noção de que financiar um
candidato ou um partido político é uma forma de proteger o discurso, isto é, a liberdade de expressão.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
114 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Para a Suprema Corte, tais gastos independentes não criariam nenhum perigo imediato
para a democracia representativa, não cabendo restrições:

(…) this Court now concludes that independent expenditures, including those made by
corporations, do not give rise to corruption or the appearance of corruption. That speakers
may have influence over or access to elected officials does not mean that those officials
are corrupt. And the appearance of influence or access will not cause the electorate to lose
faith in this democracy.5

Logo depois da decisão da Suprema Corte em favor da organização Citizens


United e, com base nela, a Corte de Apelação decidiu no caso Speechnow.org v. FEC6 em
favor da ONG Speechnow.org tendo como consequência (destas decisões) o surgimento
dos chamados Super Pacs, isto é, organizações aptas a receber ilimitadamente doações
de corporações ou sindicatos e que realizam propagandas políticas também de forma
ilimitada. A exigência aos Super Pacs é apenas que, assim, o façam de forma independente,
sem colaboração de qualquer tipo com candidatos ou partidos. Com isso, a quantidade
de influência do dinheiro nas eleições americanas aumentou radicalmente.7
Robert Post sustenta que para melhor compreendermos o contexto dos argumentos
utilizados na decisão no caso Citizens United v. FEC devemos olhar inicialmente para a
história americana, analisando como eles foram criados e utilizados. Para tanto, traz-
se aqui o resgate histórico que o autor realiza para, posteriormente, utilizá-lo como
ferramenta de crítica da decisão mencionada.

2.3 Representação republicana e deliberação democrática


Segundo o autor, desde a sua constituição, os Estados Unidos partiram da pre­
missa do autogoverno e da autodeterminação. Na história americana, esses valores foram
tomados de duas formas distintas: representação republicana e deliberação democrática.
Na representação republicana, o valor da autodeterminação é realizado quando
as pessoas elegem os representantes que as governam. Na deliberação democrática,
esse mesmo valor é alcançado quando as pessoas participam ativamente na formação
da opinião pública. A questão fundamental relativa ao financiamento de campanhas é
como a tradição republicana americana pode ser conciliada com o comprometimento
com a deliberação democrática da democracia discursiva.

2.3.1 O surgimento da representação republicana


Post afirma (2014, p.07) que a luta da Revolução Americana foi para alcançar as
vantagens e seguranças do autogoverno, no qual toda a autoridade deriva do povo e

5
558 U. S. ____ (2010), p. 6.
6
Disponível em: <https://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/cadc/08-5223/08-5223-1236837-2011-03-
24.html>.
7
As consequências da decisão na política americana podem ser conferidas em: LEE, C.; FERGUSON, B.; EARLEY,
D. After Citizens United: the story in the states. New York: Brennan Center, 2014.

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO ELEITORAL: ROBERT POST E O CASO CITIZENS UNITED V. FEDERAL ELECTION COMMISSION
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em que o povo é a fonte do poder. Para ele, os framers8 buscaram criar um novo tipo de
autogoverno no qual toda autoridade, de todo tipo, é derivada pela representação do
povo, e o princípio democrático permeia, assim, todo governo.
Os estadunidenses acreditavam que a representação necessitava de uma cadeia de
comunicação entre o povo e aqueles que se comprometeram com o exercício do governo.
Ela precisava ser forte e discernível o suficiente para sustentar a convicção popular
que representantes falam pelo povo que procuram representar. Os Pais Fundadores
articularam dois pré-requisitos para uma representação bem-sucedida: consentimento
e comunhão de interesses.
Ainda que os Pais Fundadores e sua geração acreditassem no princípio demo­
crático do governo, ela possuía temor da fúria da democracia (POST, 2014, p. 11).9
O desejo era, portanto, formar um governo republicano para fugir tanto do despotismo
quanto dos extremos democráticos. A república seria uma forma de governo controlado,
que canalizaria a força irrefreável do sentimento popular por meio de leis e estruturas
constitucionais, aptas a dividir o poder em uma multiplicidade de centros competitivos.
O próprio princípio da representação presente nas repúblicas seria, em si mesmo, um
antídoto à possibilidade do caos democrático.
Não obstante, resta a questão de como conciliar a tensão entre independência
dos representantes e a necessária cadeia de comunicação apta a conectar representantes
e eleitores? Post (2014, p.13) argumenta que a resposta consiste em dois elementos: o
primeiro, presente na Primeira Emenda10 da Constituição dos Estados Unidos, a qual,
ao proteger a liberdade de expressão daria ao povo o direito de expressar seus desejos.
Da mesma forma, a liberdade de imprensa é expressamente declarada fora do alcance
estatal. O povo pode publicamente fazer referências a seus representantes, privadamente
aconselhá-los ou, ainda, declarar seus sentimentos por meio de petição a todo corpo
representativo. O segundo, diz respeito à frequência das eleições, a qual seria necessária
para preservar o bom comportamento dos representantes, dando força ao povo para
firmar interesses em comum com aqueles que buscavam eleger.
Portanto, para Post, desde o início da história americana, presume-se que um
sistema bem-sucedido de representação depende de uma relação particular entre
representantes e eleitores, e que um governo representativo não pode incorporar o
valor do autogoverno sem confiança entre ambos. Post dá o nome de integridade
representativa a essa relação (2014, p.16).

2.3.2 Ameaças à integridade representativa


A confiança do povo estadunidense na representação restou abalada por dife­
rentes vezes, a depender do contexto social vivenciado. Já no primeiro terço do século

8
Framers (criadores) são os 55 delegados que elaboraram o texto constitucional norte-estadunidense na
Convenção Constitucional de 1787, dos quais apenas 39 foram signatários. O termo aqui é utilizado com
distinção da expressão Founding Fathers (pais fundadores).
9
Para exemplificar seu ponto, Post cita o Federalista nº 10, no qual Madison chama as democracias de espetáculos
de turbulência.
10
“Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or
abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition
the Government for a redress of grievances”. http://constitutionus.com

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116 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

dezenove, a estrutura do governo representativo estadunidense foi forçada a se ajustar


ao inesperado colapso do sistema hierárquico que havia caracterizado a geração dos
Pais Fundadores (2014, p. 16). Isto é, o sistema de elites presente nas posições dos Fede­
ralistas e nas práticas político-representativas que se instituíram nos Estados Unidos
gerou reações, as quais culminaram, a partir de 1831, em uma nova fé no sentimento
público por parte do povo, eminentemente democrático e igualitário. A solução para
a preservação da integridade representativa, à época, veio com a criação do segundo
sistema partidário estadunidense – organizado, disciplinado e apto a conectar eleitores
diretamente com seus representantes. Assim, as eleições tornaram-se menos uma questão
de mérito individual do candidato, com eleitores podendo selecionar seus representantes
apenas com base em seus princípios partidários.
Mas novos problemas vieram nas décadas após a Guerra Civil Americana (1861 –
1865), na medida em que os partidos políticos passaram a ser vistos como organizações
dedicadas, principalmente, a se manter no poder (POST, 2014, p.24).
Com a virada para o século vinte e o início da chamada Era Progressista, restou
crescente a desconfiança com o sistema representativo. Se no passado os partidos
serviram como conexão entre eleitores e governo, agora eram vistos como máquinas
políticas e obstáculos ao autogoverno (POST, 2014, p. 26). Para o eleitor estadunidense,
os partidos e o sistema de representação passaram a servir aos homens de negócio.
Como resistência à captura econômica do governo representativo e a preservação
da integridade representativa, os progressistas responderam reestruturando a política,
privilegiando mecanismos da democracia direta e lutando para cortar as ligações entre
as corporações financeiras e a política.
Nesse sentido, Post (2014, p. 29) relembra que, já em 1894, Elihu Root havia
pro­posto emendar a Constituição do Estado de Nova Iorque para proibir o gasto de
corpo­rações em campanhas eleitorais. Em 1910, Theodore Roosevelt foi igualmente
explícito, afirmando que a Constituição protegia o direito de propriedade, mas não
estabe­lecia o direito de voto a corporações. Roosevelt advogou por leis que proibissem
o uso de fundos por corporações para fins políticos diretos ou indiretos, com base na
necessidade fundamental do governo representativo de garantir que os representantes
sirvam às pessoas que os elegeram e não a interesses alheios.
A esperança da chamada Era Progressista era de criar meios institucionais pelos
quais a opinião pública pudesse ser expressa diretamente, sem a necessidade de inter­
ferência. Seu objetivo consistia em criar um governo eficiente e transparente, responsivo
à vontade majoritária. Mas, após a Primeira Guerra Mundial, o ideal da democracia
direta, que supostamente abriria a possibilidade de uma desobstruída e genuína repre­
sentação da vontade majoritária, perde força. Isso, pois, a experiência totalitária do início
do século vinte com a organização de regimes fascistas e nazistas mostra como estes,
apoiados pelo povo, passaram a corromper os processos comunicativos necessários
para a criação da opinião pública.

2.3.3 A crescente valorização da opinião pública


Post (2014, p. 33) relembra que foram os progressistas que perceberam inicial­
mente a distinção entre o eleitorado e o povo e as implicações da opinião pública para o
autogoverno. Apesar de o eleitorado ser necessário uma vez que algum agente precisa

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO ELEITORAL: ROBERT POST E O CASO CITIZENS UNITED V. FEDERAL ELECTION COMMISSION
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decidir sobre qual ação imediata deve ser tomada, as eleições não seriam nem o começo
nem o fim do autogoverno. Na realidade, essas decisões particulares seriam frágeis: o
poder soberano realmente efetivo estaria na opinião pública em constante construção.
Por força dos avanços nos meios de comunicação, as discussões travadas no
Congresso não mais possuíam a antiga função de criar e guiar a opinião pública, mas
de servir como espelho para ela. As eleições seriam apenas mecanismos intermitentes de
declaração da opinião pública, que é constantemente ativa e exerce crescente influência
a longo prazo.
Segundo o autor (2014, p. 35-36), a opinião pública pode se manifestar direta­
mente por meio das instituições de governo, por meio de referendos, recalls e outros
instrumentos de democracia direta. Entretanto, a considerar os limites desta, uma
alternativa é a opinião pública como um processo permanentemente em fluxo, como
o rio de Heráclito, sempre em movimento e nunca o mesmo. Ela seria a voz abafada
que os eleitos se esforçam para ouvir e interpretar, e que dá ao povo estadunidense o
senti­mento de autoridade sobre seu governo. Nesse caso, a democracia é qualificada
pelo autor como discursiva.

Discursive democracy postulates that by participating in the ongoing and never-ending


formation of public opinion and by establishing institutions designed to make government
continuously responsive to public opinion, the people might come to develop a “sense of
ownership” of “their” government and so enjoy the benefit of self-government. (POST,
2014, p. 36)

É analisando essa perspectiva que Post argumenta que a crescente valorização da


opinião pública significa uma nova conexão entre a concretização do autogoverno e a
participação na construção do discurso público. Os efeitos dessa visão são observáveis
não apenas na doutrina, mas, também, na jurisprudência da Suprema Corte.
Em 1919, o juiz Holmes inicia a elaboração de uma teoria coerente sobre a Primeira
Emenda, utilizando-se da retórica para enfatizar a necessidade da livre troca de ideias.
Essa proteção seria necessária para determinar o que uma democracia deve fazer. Em
1920, o juiz Louis Brandeis (muito prestigiado pelo autor) estabeleceu a conexão entre
a Primeira Emenda e o princípio do autogoverno, quando afirma em voto dissidente
que o direito de um cidadão estadunidense de participar na criação de leis federais e
na conduta do governo inclui necessariamente o direito de falar ou escrever sobre eles.
Assim, ele deixa explícito que a liberdade de expressão e os direitos comunicativos
seriam o caminho para o autogoverno. (POST, 2014, p. 40)
É a partir dessa visão que a Suprema Corte, a partir da década de trinta, passa a
construir a estrutura de uma doutrina sobre a Primeira Emenda. Ela passa a enfatizar
que o discurso sobre assuntos públicos seria a essência do autogoverno, e que a emenda
exemplificava um comprometimento nacional profundo de que debates sobre assuntos
públicos devem ser desinibidos, robustos e abertos.
Como consequência, se a participação na formação da opinião pública serve como
fundamento do autogoverno democrático, todos devem ter o direito igual de parti­
cipar no processo comunicativo pelo qual ela é formada. Todos podem participar na
deliberação, porque decisões políticas são tipicamente impostas a todos. Esses direitos
de participação consagram-se no direito constitucional de comunicação. Ainda, tais
direitos de participação são distintos e mais essenciais do que qualquer particular e

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118 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

momentânea representação da opinião pública presente nas votações. Inclusive, utiliza-


se esses direitos comunicativos para definir os processos que produzem o que pode ser
considerada opinião pública.
Dessa forma, a Primeira Emenda é vista como caminho para garantir que o
cidadão individual possa efetivamente participar e contribuir para o sistema republicano
de autogoverno. Ela protege não tanto a integridade representativa pensada pelos Pais
Fundadores e configurada pela confiança na conexão entre eleitor e representante, mas
sim o processo de legitimação democrática necessário para democracia discursiva. Isto
é, o sentimento subjetivo de que o cidadão detém autoridade sobre seu governo, e que
é livre para participar na construção da opinião pública.

2.4 Legitimação democrática e Citizens United


O resgate histórico de Post mostra que os Estados Unidos passaram a valorizar
a liberdade de expressão como forma de concretização do autogoverno. Isso significa
a necessidade de construção de um debate público robusto, de maneira que as ideias
relativas à liberdade de expressão sejam vistas por esse viés, isto é, de maneira com­
prometida com a democracia discursiva.
Quando tais direitos comunicativos são alcançados de forma bem-sucedida,
gera-se o sentimento subjetivo de que o povo detém autoridade sobre seu governo,
processo que Post denomina de legitimação democrática. Para o autor (2014, p. 49),
tal legitimação ocorre quando o cidadão acredita que o governo é responsivo às suas
visões; ela depende do que as pessoas efetivamente acreditam.
Entretanto, como anteriormente observado, a liberdade de expressão não é a
única forma de concretização do autogoverno. Historicamente, eleições frequentes têm
sido utilizadas para eleger candidatos dentro do modelo de representação republicana.
Quando esses representantes possuem uma conexão forte com seus eleitores, há
integridade representativa.
Além disso, quando há confiança pública no instituto das eleições, isto é, a crença
subjetiva de que eleições recompensam candidatos responsivos à opinião pública, tem-
se integridade eleitoral. Essa confiança não é mera questão de direito, devendo sua
existência ser observada conforme o pensamento da população.
Houve momentos na história estadunidense em que tal confiança restou abalada,
gerando baixos índices de comparecimento de votantes e incentivando reformas políticas
aptas a restaurar os mecanismos capazes de gerar legitimação democrática.
Pois bem, até este momento, o autor indica que há dois caminhos para a concre­
tização do autogoverno e a realização do processo de legitimação democrática: eleições
frequentes que recompensam candidatos responsivos à opinião pública (integridade
eleitoral) e possibilidade de participação na construção do discurso público (direitos
comunicativos).
Todavia, no caso Citizens United, esses dois valores estão em conflito: tanto a
necessidade de liberdade de expressão política, defendida pela opinião majoritária da
Corte, como a necessidade de integridade eleitoral, defendida pela opinião dissidente,
parecem evidentes, porém, ainda sim, parecem incompatíveis.
Para Post, essa questão tem se provado difícil para a Corte por dois motivos: em
primeiro lugar, os proponentes da reforma do financiamento de campanha eleitoral

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO ELEITORAL: ROBERT POST E O CASO CITIZENS UNITED V. FEDERAL ELECTION COMMISSION
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falharam em justificar regulamentações capazes de estarem entrelaçadas com os


princípios básicos dispostos pela Primeira Emenda; segundo, o fato dela não possuir
uma explanação coerente de sua própria jurisprudência sobre direitos comunicativos.
Nesse sentido, para se criar uma doutrina que concilie ambos, é necessário afastar
argumentos que, para Post, não se adequam ao debate.

2.4.1 Liberdade de expressão e financiamento de campanha:


argumentos problemáticos
Preliminarmente, um dos argumentos utilizados para discordar da associação
entre financiamento de campanha e Primeira Emenda consiste na ideia de que dinheiro é
propriedade, mas não se caracteriza como expressão política, argumento este equivocado
(POST, 2014, p. 45). Mesmo que, ao contrário, se compreenda que dinheiro não é
expressão, não significa que a regulação do financiamento de campanha esteja imune
ao que dispõe a Primeira Emenda.
A Primeira Emenda deve ser compreendida, especialmente pela Corte, tendo
em vista tanto o objetivo da legislação, quanto os objetos que ela regula. Daí indagar
se nos casos Citizens United e Buckley o objetivo da legislação contestada é consistente
ou não com os princípios daquela, em especial, a liberdade de expressão? Caso uma
legislação tenha como objetivo distorcer a formação livre da opinião pública, certamente
não estará imune ao escrutínio relativo aos direitos comunicativos.
Segundo Post (2014, p. 47), três argumentos têm sido tradicionalmente utilizados
para justificar restrições a despesas de campanhas eleitorais: igualdade, redução de
distorções e combate à corrupção; entretanto, tais argumentos não oferecem uma
fundamentação adequada sobre os objetivos da Primeira Emenda.
No que tange à igualdade, o argumento baseia-se no fato de que as eleições foram
construídas para potencializar as influências individuais de cada cidadão, seguindo
a fórmula “uma pessoa, um voto”. Se a Constituição demanda que cidadãos tenham
vozes igualmente efetivas em uma eleição, por qual razão não permitiria que o governo
regulamente campanhas eleitorais para promover a influência igual de todos?
Mas Post afirma que a Primeira Emenda não garante a influência igual sobre a ação
governamental: ela não protege a democracia direta, guiada pela lógica representativa
e igualitária, mas a liberdade de expressão da democracia discursiva. Nesta, todos os
cidadãos são iguais aos olhos da lei, tendo cada um o direito de participar do discurso
público. A Primeira Emenda garante que a pessoa irá determinar por ela mesma sua
participação, apostando na liberdade de escolha do cidadão. Post (2014, p. 48) exemplifica
afirmando que seria impossível imaginar legislação que limitasse o número de livros
que um cidadão pode publicar por ano, ou as linhas que pode contribuir em colunas de
jornal, por mais que essas restrições servissem ao objetivo da igualdade de expressão.
Além disso, a legitimação democrática ocorre quando o cidadão acredita que o
governo é responsivo às suas visões (POST, 2014, p. 49); ela depende do que as pessoas
efetivamente acreditam. Essa natureza subjetiva da legitimação democrática subscreve
a natureza dos direitos da Primeira Emenda. A esperança consiste na identificação do
cidadão com o processo de formação da opinião pública, não com a efetiva influência
individual.

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Portanto, Post acredita que a Suprema Corte estava correta nesse ponto: o
princípio da igualdade de influência não pode ser transposto da lógica da representação
republicana para a lógica da liberdade de expressão da democracia discursiva.
Já o interesse na remoção de distorções defende que o resultado de uma eleição
deve refletir o apoio público verdadeiro, sendo este um interesse fundamental ao
princípio da representação. Uma vez que os gastos de corporações, alheios ao apoio
público verdadeiro, podem afetar o resultado das eleições, seria um interesse cons­ti­
tucional eliminar essa possibilidade de distorção. Em síntese, os representantes eleitos
devem depender do povo, não dos financiadores. (POST, 2014, p. 50)
Assim, como o argumento da igualdade, a ideia de distorção segue diretamente
a lógica da representação. Ela assume que o julgamento real do povo pode ser
representado, mas se esquece que, na perspectiva da democracia discursiva, a verdadeira
identidade do povo nunca é revelada e o público não toma decisões. Eleitores e povo
são coisas distintas. O que se privilegia é o processo de formação da opinião pública,
que não tem fim ou conclusão definitiva.
Sob essa ótica, seria impensável impedir alguém de falar sob o argumento que
sua expressão distorceria a opinião pública. Invariavelmente, teremos cidadãos que
se importam intensamente sobre algum assunto particular. O fato de eles devotarem
mais tempo e recursos para defender suas visões não significa uma distorção. Por
fim, o princípio da não distorção também não se traduz ao contexto contemporâneo
da Primeira Emenda por ser incapaz de responder uma pergunta: se na democracia
discursiva nunca se encontra a voz definitiva do povo, por qual ponto de referência
saberemos que a opinião pública foi distorcida?
O terceiro e mais importante argumento discutido pela Suprema Corte é a neces­
sidade de prevenir corrupção ou a aparência de corrupção. Mas, para Post, a Corte
nunca foi precisa sobre o significado de nenhum desses termos. Sabe-se que o caso para­
digmático de corrupção é o quid pro quo, isto é, a contribuição dada como recompensa
pela ação estatal/oficial. Nas palavras da Corte: dólares em troca de favores políticos.
(POST, 2014, p. 55)
Sublinha o autor que a Corte é incapaz de explicar adequadamente o conceito de
corrupção na qual se baseou: a dificuldade existe porque é esperado que representantes
sejam responsivos ao apoio de seus eleitores, isto é, que favoreçam determinadas
políticas e os eleitores e financiadores que apoiam essas políticas. A contradição aparece
na medida em que, ao mesmo tempo que a Suprema Corte entende que os representantes
devem ser responsivos, ela também concorda que eleitores podem expressar seus
desejos por meios financeiros. Seria necessário, em realidade, determinar quando
comprometimentos feitos em troca de suporte são impróprios.
De qualquer forma, Post defende que pensar em reformas no financiamento de
campanhas eleitorais pelo ponto de vista da prevenção de corrupção leva a um beco
sem saída. No caso Buckley, a Corte declarou que o Estado possui o interesse de prevenir
a corrupção inerente às situações de contribuição direta para campanha. Assim, a
preservação da integridade do governo representativo poderia ser sobreposta aos valores
da Primeira Emenda. Mas, para a Corte, gastos independentes não criariam nenhum
perigo imediato para o governo representativo, não cabendo restrições. Ou seja, em
Citizens United, a Corte se utilizou da mesma base do caso Buckley para decidir que os

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO ELEITORAL: ROBERT POST E O CASO CITIZENS UNITED V. FEDERAL ELECTION COMMISSION
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gastos independentes regulamentados pelo §441b não significavam perigo suficiente


de corrupção quid pro quo para justificar a restrição.
Dessa forma, a Corte imagina o interesse de evitar a corrupção como um interesse
distinto daqueles protegidos pela Primeira Emenda. Nessa visão, limitações ao financia­
mento de campanha sempre estarão em intrínseco conflito com os princípios da emenda.
Tal compreensão ignora a premissa de que tanto reformas eleitorais quanto direitos
comunicativos visam à legitimação democrática e, assim, a solução à qual ele conduz
aparece por meio de concessões instáveis e arbitrárias.

2.4.2 Liberdade de expressão e corporações comerciais


Outra questão relevante diz respeito ao papel das corporações comerciais como
detentoras dos direitos da Primeira Emenda. A partir da premissa liberal de desconfiança
no poder estatal, a Primeira Emenda proíbe a distinção entre falantes, uma vez que
restrições à fala com base na identidade de quem fala são, em geral, meios de censurar
conteúdos. Mas, por mais que seja verdade que o parágrafo discutido em Citizens United
trate a expressão de corporações de forma distinta da que faz com pessoas físicas, isso
não é necessariamente proibido. (POST, 2014, p. 67)
Para o autor, regras sobre a Primeira Emenda são de pouco valor caso não
saibamos quais são seus objetivos. Para ele, o paradigma existente não apoia uma
regra geral e abstrata proibindo discriminação entre falantes. Na realidade, nem toda
expressão é discurso público: a classificação como discurso público depende do valor da
contri­buição para a legitimação democrática. Logo, quando ela não está em questão, não
há que se invocar a Primeira Emenda. A título de exemplo, Post (2014, p. 67) retrata que
a sanção à advocacia sem licença não seria coibida pela Primeira Emenda, na medida
em que tal expressão não forma parte da construção do discurso público.
Ainda nessa linha, Post relembra que o valor da legitimação democrática aplica-
se às pessoas e não às coisas. Em Citizens United, a questão em debate é sobre o direito
de corporações, mas não sendo pessoas físicas elas não podem vivenciar o valor da
legitimação democrática. É por isso que não se permite que elas votem em eleições
ou sejam eleitas a cargos no legislativo, pois uma corporação não possui direito igual
a participação no discurso público. Há dessa forma o primeiro equívoco da Corte:
conceder direitos comunicativos a corporações comerciais comuns, tais como pessoas
naturais. (POST, 2014, p. 69)
Ao entendermos que as corporações comerciais não são formadas com a função
de desenvolver as atividades protegidas pela Primeira Emenda, temos que aquelas não
possuem o direito nem a responsabilidade de contribuir com suas visões para a opinião
pública. Post (2014, p. 70) cita inclusive voto do juiz Scalia em outro caso, quando este
diz que a Companhia de Sopa Campbell não existe para promover uma mensagem,
tendo apenas a proteção constitucional mínima da liberdade de associação comercial.
Afastados os argumentos que não se conciliam com a doutrina da Primeira
Emenda e explicitada a razão por qual uma corporação comercial não é detentora de
direitos comunicativos tais como um indivíduo, cabe trazer as orientações de Post para
uma construção doutrinária coerente.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
122 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

2.4.3 A legitimação democrática como objetivo da conciliação entre


direitos comunicativos e integridade eleitoral
Segundo Post, a opinião majoritária da Corte no caso Citizens United ao afirmar que
o discurso é um mecanismo essencial da democracia, na medida em que responsabiliza
representantes eleitos e que a liberdade de expressão é uma pré-condição para o
auto­governo esclarecido e um meio necessário para protegê-lo, o faz se utilizando de
princípios democráticos, os quais estão presentes na Primeira Emenda. Neste sentido,
leis que venham a restringir o discurso político devem ser analisadas com escrutínio.
Por sua vez, a opinião dissidente da Corte no caso Citizens United também se
baseia no princípio do autogoverno, mas, enquanto a opinião majoritária compreende o
autogoverno como o processo de cidadãos se comunicando entre si, a opinião dissidente
o compreende como a participação do povo na escolha de seus representantes. Ou
seja, o cerne da questão constitucional para o voto dissidente é a relação entre o povo e
seus representantes, a qual é mediada pela instituição das eleições. Para que as eleições
sejam efetivamente livres e representativas, o público precisa crer que os representantes
devem seus cargos ao povo e não às corporações mais abastadas.
Logo, Post defende que para compreender como a Primeira Emenda deve ser
aplicada no contexto do financiamento de campanha, precisamos teorizar sobre a relação
entre a democracia discursiva, protegida pela emenda, e o governo representativo, o
qual se busca preservar.
Se no governo representativo as pessoas precisam estar visíveis para que
suas vontades sejam representadas; na democracia discursiva, as pessoas precisam
desaparecer em processos impessoais de comunicação. Logo, princípios como igualdade
de influência e ausência de distorção, necessários ao governo representativo, não se
adequam ao contexto da liberdade de expressão dentro da democracia discursiva. Isso
não implica, entretanto, que a democracia discursiva e governo representativo não
possam ser inseridos em uma estrutura constitucional comum.
A solução para as referidas dificuldades é obtida por meio da construção de
uma cuidadosa e disciplinada jurisprudência sobre o tema. O argumento, em síntese,
defende que o objetivo primário da Primeira Emenda é tornar possível os valores do
autogoverno, o que requer confiança pública no papel das eleições de selecionarem
candidatos responsivos à opinião pública. Assim, regulamentações governamentais
que mantêm essa confiança asseguram a finalidade da Primeira Emenda.
Isso porque a democracia discursiva requer não apenas a participação livre na
formação do discurso público, mas também uma estrutura de governo que conecte os
agentes públicos à opinião pública. Para tanto, são utilizadas eleições frequentes como
forma de garantir a responsividade do governo. Aqui se mostra a importância da obra
de Post quando analisa historicamente a questão, dado que desde o início do governo
estadunidense a frequência das eleições é uma defesa da liberdade, sendo utilizadas
para garantir que o governo seja responsivo à opinião pública.
Para reforçar seu argumento Post faz referência a autores e, em especial, cita
Habermas (p. 266), quando este escreve que “o fluxo de comunicação entre a formação
da opinião pública, eleições institucionalizadas e decisões legislativas tem o propósito
de garantir que o poder comunicativo seja transformado, por meio da legislação, em
poder administrativo”.

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VERA KARAM DE CHUEIRI, EDUARDO XAVIER
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO ELEITORAL: ROBERT POST E O CASO CITIZENS UNITED V. FEDERAL ELECTION COMMISSION
123

Portanto, resta claro que as eleições também são essenciais à democracia


discursiva justamente porque inspiram a confiança pública que representantes serão
responsivos. E se o público não acredita que eleições fazem esse papel, a ligação entre
o discurso público e o autogoverno é quebrada. Sem essa confiança pública, os direitos
da Primeira Emenda, tão vigorosamente defendidos em Citizens United, não produzem
legitimação democrática. Se as pessoas não acreditam que agentes eleitos ouvem a
opinião pública, a participação na discussão pública, independente do quão livre seja,
não é capaz de criar a experiência do autogoverno.
Na crítica de Post (2014, p. 86), a Suprema Corte não considerou o interesse estatal
de promover a integridade eleitoral requerida pela Primeira Emenda e preocupou-se,
tão somente, em equilibrar direitos comunicativos com a necessidade de prevenir
corrupção. Ainda, a Corte compreendeu a integridade eleitoral como uma questão de
lei, não de fatos, afastando impacientemente a sugestão de que gastos de corporações
podem causar corrupção ou a aparência de corrupção. Isso retira o caráter contingente
da inte­gridade eleitoral relativamente ao desenho das instituições governamentais.
Outro equí­voco da Corte, na visão do autor, é considerar que o §441b do BCRA regula
o discurso público, na medida em que tal dispositivo de lei não controla a expressão das
pessoas físicas. O dispositivo permite a distribuição da informação por meio dos PACs.
Fato é que desde a chamada Era Progressista o povo estadunidense tem se
preocupado com a ameaça à integridade eleitoral causada por gastos ilimitados de
corporações: “(A)t times in our history elections have possessed electoral integrity, and
at other times they have not. Electoral integrity can be lost, and it can be gained” (POST,
2014, p. 63). Segundo o autor, a Suprema Corte, de forma arrogante, pelo voto de cinco
juízes (de um total de nove) simplesmente desconsiderou a preocupação histórica com
a integridade eleitoral.
Se o desenho das eleições pode prejudicar a integridade eleitoral, e o modelo
contemporâneo tem causado danos à fé no sistema representativo e na crença de que
eleições recompensam candidatos responsivos à opinião pública, não será a opinião da
Suprema Corte que resolverá, especialmente no contexto de uma decisão politicamente
controversa. A integridade eleitoral depende de como os estadunidenses acreditam que
suas eleições realmente funcionam.
Por fim, quando o governo atua para preservar a integridade eleitoral, age pelos
motivos certos. Justificar a regulamentação de gastos eleitorais com base em ameaças
reais à integridade eleitoral sugeriria limites naturais e óbvios à regulamentação do
discurso eleitoral. O autor não se arrisca em identificar quais práticas efetivamente
acabam com a fé na responsividade democrática, deixando a responsabilidade para
posteriores estudos empíricos. Ele argumenta, apenas, que devem ser indagadas as
questões constitucionais certas quando analisamos a relação entre a expressão política
existentes em gastos políticos e a preservação da integridade eleitoral.

2.5 Considerações finais


O argumento de Robert Post sobre a Primeira Emenda da Constituição Americana,
em especial, sobre a liberdade de expressão e sua aplicação nos casos de financiamento
eleitoral, bem como sua análise do caso Citizens United v. FEC tem em sua base a delicada
e complexa relação entre constitucionalismo e democracia. Importante compreender

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
124 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

que as controvérsias contemporâneas em torno da liberdade de expressão não repetem


meramente o passado. Isto, pois, no passado os debates se colocavam de forma
maniqueísta, ou seja, ou o Estado se opunha totalmente às liberdades e qualquer atuação
daquele em relação a estas deveria ser rejeitada ou o Estado intervia de maneira absoluta.
Casos como o Citizens United mostram, inicialmente, que a expressão tem um sentido
amplo e controverso e que pode ser tanto limitada quanto promovida pelo Estado.
Cabe-nos indagar, assim, que expressão deve ser esta a ser protegida? Aqui tomamos
mais uma vez o argumento de Post quando afirma que deve ser uma expressão que
qualifique democraticamente a liberdade.
A liberdade de expressão tal qual a Constituição brasileira assegura em seu
art. 5, IV (é livre a manifestação do pensamento), IX (é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença)
tem tanto uma dimensão privada e, portanto, não deve sofrer intervenção, como uma
dimensão pública e aqui a intervenção é necessária para sua promoção. O que isto traz
de novidade (se é que traz) é que em ambos os casos, a liberdade de expressão (como
direito) requer uma teoria e uma prática democráticas.
No Brasil, como nos Estados Unidos, o uso de recursos privados nas eleições
coloca a questão do financiamento das campanhas na agenda das Cortes. Tal fato evolve
os partidos políticos e o uso e abuso do poder econômico, mas não só.11 O fato é que os
direitos comunicativos estão umbilicalmente implicados nas campanhas eleitorais e,
enquanto os Estados Unidos são mais liberais a este respeito, o Brasil é mais regulador, na
medida em que a veiculação da campanha dos candidatos em televisão e rádio obedece
ao chamado horário eleitoral e na imprensa a sua restrição é quase total.
O caso emblemático que chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da Ação
Direta de Inconstitucionalidade 4.650, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, é o que
argui a inconstitucionalidade das regras relativas a doações privadas para campanhas
eleitorais e partidos políticos. Ele não trata das doações indiretas ou independentes
como o caso da Citizens United v. FEC, mas trata de financiamento privado.12
Na referida ADI são atacados dispositivos da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997)
e Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995), que tratam de contribuições de pessoas
jurídicas e pessoas físicas para campanhas. Em síntese, o Conselho Federal da OAB sus­
tenta que o capital não pode ser determinante para o sucesso das campanhas político-
eleitorais, na medida em que isto violaria os princípios democrático, republicano e
da razoabilidade. A mercantilização das eleições também se estenderia ao exercício
das funções eletivas transformando todo o processo representativo em um balcão de
negócios, isto é, o processo eleitoral se configuraria como um verdadeiro mercado
eleitoral.
Neste sentido, decidiu o Ministro-relator Luis Fux pela inconstitucionalidade
parcial sem redução de texto do art. 24 da Lei nº 9.504/97, na parte em que autoriza, a
contrario sensu, a doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, como também
pela inconstitucionalidade do art. 24, parágrafo único, e do art. 81, caput, e §1º, da Lei

11
O financiamento eleitoral e sua regulação aconteceu a partir da Constituição de 1946. Ver ainda o decreto-lei
nº 9.258/1946, decreto-lei nº 1.164/1950 e as leis nº 4.740/1965 e 5.682/1971 foram restritivos em matéria de
doações por meio de instituições privadas. Também as leis nº 9.096/1995 e 9.504/1997.
12
Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300084>.

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VERA KARAM DE CHUEIRI, EDUARDO XAVIER
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E FINANCIAMENTO ELEITORAL: ROBERT POST E O CASO CITIZENS UNITED V. FEDERAL ELECTION COMMISSION
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nº 9.507/94. Ainda pela inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 31


da Lei nº 9.096/95, na parte em que autoriza, a contrario sensu, a realização de doações
por pessoas jurídicas a partidos políticos e pela inconstitucionalidade das expressões
ou pessoa jurídica, constante no art. 38, inciso III, e e jurídicas, inserta no art. 39, caput e
§5º, todos os preceitos da Lei nº 9.096/95.13
O voto do Ministro Fux é bastante compreensivo doutrinariamente, colecio­
nando autores nacionais e estrangeiros que tratam do tema, como também, alguma
jurisprudência estrangeira, a exemplo dos casos Buckley v. Valeo e Citizens United v. FEC.
Não obstante os argumentos teóricos trazidos em sua fundamentação sejam valiosos e
as premissas de que se valeu o ministro para declarar a inconstitucionalidade parcial
ou total da maioria dos dispositivos atacados sugiram o enfrentamento do arranjo
democrático-constitucional, escapa da sua consideração um sentido mais substancial
acerca da democracia e, nela, da representação e o papel dos direitos, seus conflitos e
complexidades.
A julgar pela racionalidade das opiniões ou votos dos juízes constitucionais, o
uso da teoria estrangeira e dos precedentes judiciais requerem mais do que a erudição
de utilizá-los em suas fundamentações, afinal coerência e integridade devem estar na
base das decisões. Da mesma maneira, o compromisso político com um certo tipo de
democracia deve ser menos retórico e mais articulado com as práticas da Corte, seus
julgados e seus julgadores. Mas tudo isso é outra história.

Referências
HABERMAS, Jürgen. Between Facts and Norms: Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy.
Cambridge, Mass.: MIT Press., 1996.
LEE, C.; FERGUSON, B.; EARLEY, D. After Citizens United: the story in the states. New York: Brennan Center,
2014.
MADISON, HAMILTON, JAY. The Federalist papers. New York: Batam Book, 1982.
POST, Robert. Citizens divided. Campaign finance reform and the constitution. Cambridge, Mass.: Harvard
University Press 2014.
_____. Theorizing Disagreement: Reconceiving the Relationship Between Law and Politics, 2010.
TOFFOLI, José A. D. http://ibrade.org/images/Artigo-Min.-Dias-Toffoli.pdf

Sítios eletrônicos consultados


https://supreme.justia.com/cases/federal/us/558/310/
https://supreme.justia.com/cases/federal/us/424/1/
https://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/cadc/08-5223/08-5223-1236837-2011-03-24.html
http://constitutionus.com
http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300084

13
Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300084>.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CHUEIRI, Vera Karam de; XAVIER, Eduardo. Liberdade de expressão e financiamento eleitoral: Robert
Post e o caso Citizens United v. Federal Election Commission. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 111-126. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 3

A REPRESENTATIVIDADE E O FINANCIAMENTO
DE CAMPANHAS ELEITORAIS: A INTERNET COMO
ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

TASSIANA BEZERRA DOS SANTOS

3.1 Introdução
Quando Norberto Bobbio indagou sobre a identificação dos financiadores da
política na Itália, precisamente aqueles ligados a Berlusconi, havia um motivo que
ultrapassava os limites da vida política italiana.1 Havia ali uma preocupação sobre
como se estruturavam as relações entre os financiadores e os atores políticos e, por
con­sequência, como esses relacionamentos atingiam a sociedade.
Ainda que a pergunta estivesse relacionada diretamente a questão do finan­
ciamento de partidos, existia uma necessidade de problematizar o conhecimento das
fontes financeiras da política, uma vez que o funcionamento desse fenômeno está de
mãos dadas com a consolidação da democracia.2
A ideia de uma democracia traduz a participação popular, proveniente do próprio
sentido da etimologia da palavra, demos, povo, e cracia, governo, constituindo governo
do povo, em que o poder deste emana. A característica representativa carrega consigo
critérios como participação efetiva do cidadão na política e igualdade de voto, no sentido

1
BOBBIO. Norberto. Contra os novos despotismos: Escritos sobre o Berlusconismo. São Paulo: Editora Unesp. 2016,
p. 35.
2
“Acho que falta, das informações do presidente do Conselho, uma indicação muito importante: como são
financiados os clubes da Força Itália? Dou-me conta perfeitamente de que é uma pergunta muito delicada,
sobretudo depois que, por tanto tempo, fechamos não apenas um olho, mas todos os dois sobre o financiamento
de velhos partidos. Mas não se disse e repetiu que estamos entrando em uma nova fase? Não podemos esquecer
que o problema não esclarecido e nunca resolvido do financiamento dos partidos esteve na origem do final
indecoroso da Primeira República. (...) A democracia é impossível sem partidos, ou seja, sem aquelas associações
que – dizem os especialistas em política – “agregam as perguntas” ou, se preferirem, reúnem grupos de pessoas
em torno de ideias e de interesses para direcionar o voto em uma certa direção.” BOBBIO. Norberto. Contra os
novos despotismos: Escritos sobre o berlusconismo. São Paulo: Editora Unesp. 2016. p. 37.

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128 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

de que todos precisam ter, igualmente, ingerência sobre o processo decisional, ainda
que de forma indireta.3
Nesse sentido, é indispensável que se fale sobre o processo de concretização
da democracia para que seja possível compreender a preocupação sobre as questões
que envolvem o seu financiamento. Pois, em uma democracia o voto não é somente
procedimento, é a expressão da igualdade e liberdade.4
Diante desse debate é imperioso recordar o conceito de cidadania, também
recorrendo à sua origem etimológica, do latim civitas para designar a relação entre um
cidadão e uma organização política.5 Nesse conceito reside, portanto, o ponto nodal
dessa discussão, pois a cidadania se configura na participação política do cidadão.
Tendo em vista que é na política que se trata o controle do poder social, a influência
do dinheiro nessa área torna-se um tema essencial. Bobbio expõe, assim, uma questão
fundamental sobre as relações políticas na sociedade. Não se pode ignorar o papel e
a importância do dinheiro no debate político, inclusive como forma de possibilitar a
participação política.6
No entanto, o papel do dinheiro é ambíguo e é no processo de financiamento das
campanhas que o poder econômico alcança diretamente a política. Logo, no centro dessa
discussão se encontra a relação entre o poder político e o poder econômico e a questão
da realização da democracia representativa, uma vez que é pelo processo eleitoral que
se consolida a legitimidade que a democracia exige.
É importante, entretanto, que se observe que essa manifestação do poder
econômico não é só uma relação de poder iníqua. Pode se tornar uma forma de realizar
a soberania popular, o povo como titular do poder político, pois os recursos financeiros
possibilitam as discussões e as escolhas dos cidadãos.7
Logo, no núcleo do Direito Eleitoral estão, nesse momento, principalmente no
Brasil, as questões que envolvem o financiamento de campanhas, já que é inerente à
própria estrutura democrática e plural que esse assunto seja levado ao maior número
de pessoas.
Desse modo, esses esclarecimentos despertam para o fato de que o financiamento
de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas abre espaço para a estruturação de
uma relação insidiosa entre os representantes da política e aqueles do poder privado,
econômico.
Em meio a essa discussão é importante refletir sobre a efetividade da decisão do
STF e as alterações introduzidas pelas Leis nºs 13.487/2017 e 13.488/2017, assim como,
se é possível falar de um custo da democracia sem falar de preço; desse modo, refletir
sobre o que se compreende por custo e repensar o modo de fazer política.

3
DAHAL. Robert A. Sobre a Democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2016. p. 49.
4
RIBEIRO. Renato Janine. A Democracia. São Paulo: Publifolha. 2001. p. 20.
5
AGRA, Walber de Moura. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang;
STRECK, Lenio Luiz (Org.) Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 118.
6
SANTANO. Ana Cláudia. Menos proibições e mais transparência: as (falsas) promessas sobre a vedação de
doações de pessoas jurídicas no financiamento de campanhas eleitorais. Revista Ballot - Rio de Janeiro, v. 1 n. 1,
maio/agosto 2015. p. 182-201. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ballot>. Acesso em:
10 dez. 2017.
7
SALGADO. Eneida Desiree. Constituição e Democracia. Tijolo por tijolo em um desenho (quase) lógico: Vinte
anos de construção do projeto democrático brasileiro, 2007. p. 61.

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TASSIANA BEZERRA DOS SANTOS
A REPRESENTATIVIDADE E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: A INTERNET COMO ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
129

3.2 A atualização do tema: as decisões do Supremo Tribunal Federal e


as modificações introduzidas pela Reforma Política de 2017
Inicialmente é importante conhecer e observar os detalhes da conjuntura que
fundamentou todos esses debates, no sentido de especificar as questões políticas, jurí­
dicas e sociais. Desse modo, é inegável que o momento político atual pede que se discuta
com zelo a questão do financiamento dos pleitos eleitorais. É preciso compreender que
o processo eleitoral não é somente um conjunto de atos mecânicos com prazos e regras a
serem cumpridos. Existe nesse ritual o atendimento a uma questão fulcral, a efetivação
da democracia representativa.
A discussão sobre o tema, embora seja bem anterior à decisão do Supremo Tri­
bunal Federal, tomou outras proporções quando em 2015 houve a decisão, por maioria,
e seguindo o voto do Ministro Relator, Luiz Fux, julgando procedente pedido formulado
na ação direta de inconstitucionalidade nº 4.650, no que se referia à declaração de
inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as doações de pessoas
jurídicas às campanhas eleitorais.
A ação proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) tinha pretensões de alcance a todos os dispositivos normativos que pudessem
possibilitar o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Desse modo,
a intenção era restringir as contribuições somente para as pessoas físicas.
Dessa forma, o alvo é a declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 24 da
Lei nº 9.504/97, na parte em que autoriza a doação por pessoas jurídicas a campanhas
eleitorais, assim como a inconstitucionalidade parcial do art. 31, da Lei nº 9.096/95, que
dispõe a mesma possibilidade de doação. Ainda nesse sentido, declarou-se a incons­
titucionalidade das expressões “pessoa jurídica”, constante no art. 38, inciso III, da
mesma lei, e “e jurídicas”, inserida no art. 39, caput, e §5º do citado diploma legal.
A argumentação da ação fincou bases em três pilares fundamentais, em torno
da proteção ao princípio da isonomia, do princípio democrático e o do princípio
republicano.
O princípio da igualdade foi ali utilizado para argumentar que o financiamento
de campanhas eleitorais acentua as desigualdades políticas e sociais existentes. Pois
não é possível possibilitar o mesmo financiamento para pessoas jurídicas e físicas uma
vez que os donos de grandes empresas constituem um poder de influência decisivo nos
resultados eleitorais, muito superior àqueles provenientes de um cidadão comum. Desse
modo, a conjuntura legal estaria em clara afronta ao princípio da igualdade material.
Com relação ao princípio democrático, a sua violação foi fundamentada como
consequência da afronta ao princípio da igualdade, uma vez que sem a existência da
igualdade política não se pode pressupor a existência de um regime democrático, que
se constitui quando todos os cidadãos tenham a mesma possibilidade de interferir
nas decisões políticas. A preocupação presente na ação é de que a vontade de um
representante de uma empresa se sobreponha a de um cidadão, o que poderia afrontar
a soberania popular.
Outro ponto fundamental da argumentação foi a ideia de que o financiamento
por pessoas jurídicas contraria o princípio republicano, esse compreendido em sua
modalidade extensa de trato com a coisa a pública. A ideia ali defendida é de o dinheiro
de doações empresariais abre espaço para o atendimento de interesses individuais,
antirrepublicanas.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
130 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Ainda que cada voto tenha sido pormenorizado e atento a inúmeras questões, a
principal linha argumentativa, inclusive apresentada pelo Relator Ministro Luiz Fux, é
que a doação feita por pessoas jurídicas coloca em risco a própria noção de cidadania.
Além disso, o relator também defendeu que essa modalidade de financiamento
facilitava o encarecimento do processo eleitoral, sem permitir um verdadeiro debate
político e ideológico. O que passa a existir é um desequilíbrio na disputa eleitoral, em
virtude da influência do poder econômico sobre o poder político.8
A conclusão é a de que essas pessoas jurídicas não têm direitos políticos e,
portanto, não devem ter tanto poder de modificar os rumos de uma eleição, como
aconteceu nos últimos pleitos eleitorais. Essas características são intrínsecas à noção
de cidadania. Foram levantados muitos outros argumentos, mas o principal objetivo é
saber os pontos primordiais tratados na decisão com o intuito de ambientar, de maneira
geral, o tema.
Da mesma maneira, outra decisão importante sobre o tema foi tomada na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 5394, na qual se suspendeu a possibilidade de doações
ocultas por pessoas físicas às campanhas eleitorais.9 Todos os ministros concordaram
em suspender a expressão “sem individualização dos doadores”, que impediria a
identificação, nas prestações de contas, do vínculo entre doadores e candidatos, no
parágrafo 12 no artigo 28 da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), fruto da minirreforma
eleitoral de 2015.
A linha argumentativa é de que esse dispositivo dificulta os princípios da publici­
dade e da transparência, tão necessários ao processo eleitoral e a configuração de um
governo democrático. É importante pontuar essa discussão pelo objetivo principal do
texto que é visualizar novas formas de participação política que efetivem uma repre­
sentatividade.
Além dessas decisões, é necessário lembrar o debate que também já está sendo
travado no Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de candidaturas avulsas,
ou seja, políticos que possam disputar uma eleição sem vinculação com agremiações
partidárias.10
O principal fundamento utilizado na proposição da ação é de que exigir uma
filiação partidária fere a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de São
José da Costa Rica, que não a coloca como requisito para ser votado. No entanto, essa
questão merece uma atenção especial.
Como se verá adiante não se pode pensar o financiamento político sem uma
con­tex­tualização histórica que permita a compreensão da atual conjuntura dos altos
custos financeiros de uma eleição. Desse modo, será necessário revistar os caminhos
de diá­logo entre a sociedade e as esferas de poder, vendo os partidos como uma dessas
possibilidades. Logo, a ideia do surgimento de figuras políticas que não tenham com­
prometimento ideológico claro pode se constituir como um risco à própria democracia.

8
Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 4.650 do Distrito Federal. Ministro
Relator Luiz Fux. p. 20.
9
STF suspende item de lei que permitia doações ocultas a candidatos. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/
imprensa/noticias-tse/2015/Novembro/stf-suspende-item-de-lei-que-permitia-doacoes-ocultas-a-candidatos>.
Acesso em: 20 nov. 2017.
10
Supremo reconhece repercussão geral em recurso sobre candidatura avulsa. Disponível em: <https://www.
conjur.com.br/2017-out-05/stf-reconhece-repercussao-geral-recurso-candidatura-avulsa>. Acesso em: 20 dez.
2017.

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TASSIANA BEZERRA DOS SANTOS
A REPRESENTATIVIDADE E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: A INTERNET COMO ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
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Da mesma forma, o tema também está em constante debate no legislativo com a


aprovação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), como resposta
a impossibilidade de doações por pessoas jurídicas e a imposição dos limites de gastos
de campanhas para cada cargo. É importante mencionar também a possibilidade de
financiamento por crowdfundig, ou as chamadas vaquinhas com a Lei nº 13.488/2017.11
O que se pretende com essas informações é demonstrar que o tema do
financiamento político está no centro do debate no país. Contudo, ao mesmo tempo,
pretende-se esclarecer que a questão não é somente procedimental, com decisões ou
inovações legislativas. É preciso perceber que o problema tem um arcabouço histórico
e sociológico a ser debatido.

3.3 O alto custo das campanhas eleitorais e o processo de corrupção no


financiamento eleitoral: um extrato histórico
A partir do debate presente nas decisões do STF e das modificações referentes
ao financiamento eleitoral introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro, é possível
perceber a inafastabilidade de uma reflexão crítica sobre o incremento dos custos no
processo eleitoral.
Conforme constatado no início desse texto, a relação entre dinheiro e política é
um tema bastante polêmico e rico em detalhes que devem ser analisados. Nesse sentido
é imperioso o esclarecimento de um fato: o alto custo das campanhas eleitorais no Brasil
e no mundo.
Nos últimos anos o custo do voto aumentou vertiginosamente, sendo inegável
que o processo eleitoral exige um dispêndio financeiro do candidato e do partido.
Evolução do financiamento eleitoral:12

Doações a Doações a comitês/


Ano Compensação* Líquido Custo do voto
candidatos diretórios
2002 R$ 678.372.927 R$ 142.287.527 − R$ 28.113.522 R$ 792.546.932 R$ 1,30
2004 R$ 1.080.994.664 R$ 322.399.055 − R$ 10.171.303 R$ 1.393.222.416 R$ 6,83
2006 R$ 1.514.190.740 R$ 370.471.360 − R$ 155.619.523 R$ 1.729.042.577 R$ 3,05
2008 R$ 2.100.058.975 R$ 545.418.465 − R$ 133.071.291 R$ 2.512.406.149 R$ 11,79
2010 R$ 3.223.126.295 R$ 1.631.668.178 − R$ 1.188.189.284 R$ 3.666.605.190 R$ 5,53
2012 R$ 3.977.057.221 R$ 2.027.115.487 − R$ 1.376.961.387 R$ 4.627.211.322 R$ 20,61
2014 R$ 4.341.740.868 R$ 2.683.875.227 − R$ 2.209.910.306 R$ 4.815.705.789 R$ 7,90

Além disso, não se pode esquecer os valores não contabilizados, fruto do caixa
dois, o que permite a conclusão de que vivenciamos um dos processos eleitorais mais
caros do mundo.13 Desse modo, não se pode deixar de observar que a chance de sair

11
“Art. 23 (...) §4º As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas (...) por meio de:
(...)
IV – instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios na internet,
aplicativos eletrônicos e outros recursos similares (...)”.
12
Quadro retirado do site: <http://www.asclaras.org.br/@index.php?ano=2014>. Acesso em: 01 dez. 2017.
13
Marcelo Odebrecht diz que não conhece político eleito sem caixa 2. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-
hoje/noticia/2017/04/marcelo-odebrecht-diz-que-nao-conhece-politico-eleito-sem-caixa-2.html>. Acesso em: 01
dez. 2017.

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132 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

vencedor em uma eleição é diretamente proporcional ao montante financeiro envolvido,


deixando clara a dependência do sistema político em relação ao sistema econômico.14
Esse resultado é nítido quando tratamos a questão do financiamento eleitoral feito
por empresas, especificamente pessoas jurídicas com fins lucrativos.15 Por óbvio, essa
relação insidiosa abre espaço para inúmeros questionamentos que permitem concluir
que o financiamento de campanhas eleitorais sempre esteve ligado a casos de corrupção,
tanto no processo histórico político brasileiro como em âmbito internacional.
Todos os dados recentes da Operação Lava Jato e da imprensa demonstram a
clara ligação entre as principais empresas doadoras e os casos de corrupção e tráfico
de influência, fato evidenciado principalmente na América Latina.16 Não é a toa que
se estima que metade das operações da Polícia Federal esteja ligada ao financiamento
eleitoral, o que comprova uma situação de afronta direta ao espírito democrático.17
Ademais, ao se discutir um assunto de tamanha importância não é possível passar
ao largo das questões internacionais, tornando-se imprescindível a apreensão, ainda que
tímida, da relação entre dinheiro e política em alguns outros países. Pode-se observar
essa problemática nas eleições dos Estados Unidos, cuja última presidencial teve uma
alta participação das empresas arrecadando mais de 1 bilhão de dólares até agosto.18
O que se quer esclarecer com essas informações iniciais é que não se contesta o
elevado custo das campanhas, tampouco a associação entre corrupção e financiamento
eleitoral. Entretanto, o objetivo, aqui almejado, é perscrutar uma passagem histórica
que facilite a compreensão desses fenômenos.
Porquanto, existe a intenção de perceber o atual contexto político no encadeamento
de um quadro histórico para que se possa responder a indagação inicial: há uma
tendência inexorável para o incremento dos custos?
A hipótese levantada é a de que esse aumento dos valores que envolvem um
pleito eleitoral está relacionado a um modo de fazer política, que distancia a sociedade
dos seus representantes, abrindo espaço para um déficit de representatividade e a falta
de empenho dos cidadãos na participação política.
Não é difícil perceber que os períodos eleitorais se tornaram temporadas de
gran­des espetáculos que demandam uma rede de profissionais envolvidos e, por conse­
quência, requerem, cada vez mais, investimentos financeiros pelos candidatos e partidos
políticos. É fácil notar isso quando se analisa o surgimento do marketing político.

14
SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. Uma mistura tóxica: política, dinheiro e o financiamento das eleições.
Migalhas. Ribeirão Preto, 28.01.2014. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/1/
art20140130-01.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2017.
15
É importante esclarecer que esse trabalho não tem a intenção de debater o fato de que a decisão do STF se estende
às pessoas jurídicas e não somente empresas. Existe, portanto, a finalidade de problematizar o financiamento
feito por uma entidade que visa ao lucro.
16
ZOVATTO, Daniel; FREIDENBERG, Flavia. “Democratización Interna y Financiamiento de los Partidos
Políticos”. In: PAYNE, M.; et al (eds.): La Política Importa: Democracia y Desarrollo en América Latina. BID e Instituto
Internacional para la Democracia y la Asistencia Electoral, Washington D.C., 2006. p. 214-215.
17
BOAS, Taylor C.; HIDALGO, Daniel F.; RICHARDSON, Neal P. Spoils of victory: campaign donations and
government contracts in Brazil. The Helen Kellog Institute for International Studies. Working paper # 329. Ago.,
2011.
18
AGRA, Walber de Moura. Financiamento eleitoral no Brasil. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes
Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coord.). Tomo: Direito Administrativo e
Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire
(coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: <https://
enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/150/edicao-1/financiamento-eleitoral-no-brasil>.

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A REPRESENTATIVIDADE E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: A INTERNET COMO ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
133

Investe-se em propaganda que edificam uma personalidade para o candidato,


nascendo daí as reais chances de vencer uma eleição. Exemplo disso foi todo o dinheiro
envolvido na contratação de marqueteiros pelos dois principais candidatos à presidência
nas eleições de 2014.19
Por conseguinte, é fundamental refazer os passos históricos que ocasionaram tal
cenário, desde a compreensão de como se trava o diálogo político na sociedade em um
âmbito geral, até as questões sociais específicas do Brasil, pois só assim será possível
enxergar uma espécie de causalidade. Uma vez que é imperioso notar a sensibilidade
do tema, não se pode afirmar somente a existência de um alto custo eleitoral como um
fato estanque, é primordial investigar como circunstância historicizante.
Além disso, é importante discutir essa conjuntura – dos altos custos de campanhas
e consequente corrupção – com atenção para que não se realize uma demonização da
política pela sociedade. Esse é um discurso confortável, mas incoerente.20 Somente o
debate político e a participação direta permitem mudanças reais. No sentido de Weber:
“A política é um esforço tenaz e enérgico para atravessar grossas vigas de madeira.”21
Dessa maneira, examina-se a própria origem dos partidos políticos, pois, como foi
dito, falar de financiamento é falar de democracia e sociedade, e é partir das agremiações
partidárias que é possível abrir esse caminho de diálogo. Não se tem, entretanto, o
objetivo de conceituá-los – tarefa tão árdua – mas de contextualizar o seu papel com o
conteúdo do texto.
Nesse sentido, importante atentar para o fato de que seu surgimento ocorreu
paulatinamente, enquanto a sua concepção vem de forma contemporânea ao advento
da democracia representativa, a partir dos séculos XVII e XVIII.22
Embora existam inúmeras discussões a respeito das concepções evolvidas na ideia
de partidos políticos como, por exemplo, a organização de grupos livres da sociedade
com objetivos comuns e tantas outras,23 é importante demarcar o interesse nas suas
características ao longo do tempo.
Inicialmente os partidos políticos tinham importância circunstancial com fina­
lidades puramente eleitorais Desse modo, o único objetivo era atingir a vitória no pleito
eleitoral dos seus candidatos. Não havia, portanto, uma preocupação com a atividade
política em continuidade, essa foi uma característica posterior.24
Não havia, então, um papel social a ser desenvolvido pelos partidos. As agre­mia­
ções eram controladas pelas camadas mais ricas da sociedade, o que se intitula partido
de quadros, cujos membros principais eram os “notáveis”.25 Foi o sufrágio universal que

19
Com marqueteiro de Dilma Rousseff (PT), João Santana, foi gasto o valor de R$ 78 milhões, e de Aécio Neves
(PSDB), Paulo Vasconcelos, R$ 60 milhões. Informações disponíveis em: <http://epocanegocios.globo.com/
Informacao/Resultados/noticia/2014/12/campanhas-eleitorais-gastaram-r-5-bilhoes-em-2014.html>. Acesso em:
10 dez. 2017.
20
ALVES. Clara da Mota Santos Pimenta. Demonização da política e suas incoerências. Disponível em: <https://
www.jota.info/artigos/demonizacao-da-politica-e-suas-incoerencias-05042016>. Acesso em: 10 dez. 2017.
21
WEBER. Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2011, p. 156.
22
ALVIM. Frederico. A evolução histórica dos partidos políticos. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/o-tse/
escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-6-ano-3/a-evolucao-
historica-dos-partidos-politicos>. Acesso em: 20 dez. 2017.
23
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 448.
24
FARIAS NETO, P. S. Ciência política: enfoque integral avançado. São Paulo: Atlas, 2011. p. 178.
25
DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
134 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

modificou essa estrutura, tornando-se necessária a criação de uma ideologia partidária


para ganhar adeptos e eleitores, fala-se, aqui, em partidos de massa.
Contudo, as mudanças ocorridas no século XX fizeram com que esses partidos
perdessem força. Os meios de comunicação em massa abriram espaço para um público
muito maior, o que fez diminuir o vínculo estreito que existia entre cidadão e partidos.
As organizações partidárias, agora em sua modalidade catch all, afastam-se da aderência
a um arranjo ideológico consistente para se aproximar de uma verdadeira técnica de
profissionalização do agente político.
Alicerçado nessa historicidade fica mais fácil observar o motivo do aumento
dos custos das campanhas e até mesmo o negócio lucrativo que se tornou uma eleição.
Houve um afastamento entre sociedade e partidos, o que impossibilita um engajamento
político por parte dos cidadãos.
O cenário fica mais complicado quando se pensa que esses meios de comunicação
evoluíram. Já não se faz mais uma campanha com rádio e TV: a internet entra em cena
como um fator determinante, o que faz dos cidadãos já não mais receptores de infor­
mações e de personalidades políticas forjadas, esses mesmos indivíduos são também
produtores de informações.26 Logo, essa característica da política marcada por um
personalismo já começa a dar sinais de fraqueza.
Assim, a internet pode ser fulcral no caminho que volte a ligar a sociedade e o
fazer política. Por óbvio, ainda é necessário pensar nessa hipótese com zelo, uma vez
que a rede virtual é um terreno desconhecido. Mas, o que se quer esclarecer até aqui
é que existe uma conjuntura histórica que permite a compreensão dos fatos de forma
mais detalhada. E, assim como permite o entendimento, também pode possibilitar
uma resposta.
Percebe-se que o objetivo principal desse trabalho é, portanto, demonstrar que
o financiamento eleitoral como um negócio que proporciona o lucro e todos os casos
de corrupção são frutos de uma diminuição da participação política do cidadão e, por
conseguinte, de seu sentimento de representatividade pelo político.
Logo, o que se percebe é um ciclo vicioso, em que não há o engajamento político,
abrindo espaço para a figura do político profissional e causando a chamada crise de
repre­sentatividade, tendo em vista que esse agente político pagou para ser eleito e
serve a interesses próprios.27

26
MAGRANI, Eduardo. Democracia Conectada: a internet como ferramenta de engajamento político-democrático.
Curitiba: Juruá, 2014. p. 19.
27
“Quando a distância entre representantes e representados é ampla e disfuncional, a democracia representativa
dispõe de um mecanismo aparentemente muito eficaz: novas eleições, novos representantes. Mas aqui entra
outro fator: o sistema político e suas mediações institucionais. Entre tais mediações estão os partidos e as
organizações de interesses setoriais. Em tempos normais, mudar de representantes pode significar mudar de
partidos, mas não mudar os partidos e muito menos mudar o sistema de partidos ou o sistema de organização
de interesses. Ou seja, as eleições podem de fato muito pouco as coisas e, na medida em que isso ocorre
reiteradamente, a distância entre representantes e representados (patologia da representação) transforma-se
pouco a pouco na patologia da participação: os cidadãos se convencem de que seu voto não muda as coisas e,
por isso, deixam de fazer o esforço (por vezes considerável) de votar; assim, surge o abstencionismo.” SANTOS,
Boaventura de Souza. A difícil democracia: reinventar as esquerdas. São Paulo, 2016. p. 120.

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A REPRESENTATIVIDADE E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: A INTERNET COMO ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
135

3.4 Há uma tendência inexorável para o incremento dos custos? A


participação política como resposta
3.4.1 Representatividade e participação política
Diante do que foi abordado é fundamental conhecer e detalhar a representatividade
e a participação política, no sentido de percebê-las como uma resposta a esse aumento
dos custos no processo eleitoral.
Não se pode negar que a democracia representativa é apenas uma parte da
tradição democrática, muito mais ampla.28 Mas, é necessário perceber que a participação
no jogo da democracia representativa permite vitórias importantes para a sociedade.
Nesse sentido a ideia de participação e representatividade é fulcral para a democracia.
É bem verdade que o conceito de representação não é de fácil definição no contexto
político. Todas as estruturas e mudanças sociais influenciam, tornando-o complexo.
Classicamente, nas assembleias parlamentares a representação se corporifica, no entanto
não se pode ignorar a importância de outras instituições políticas.29
Desse modo, concebe-se a ideia do político como um representante da sociedade,
da vontade social, detentor de um poder transferido pelo voto. E, como foi colocado
anteriormente, essa ligação ocorre por meio dos partidos políticos, quando se consolidam
como um campo de diálogo. O problema se inicia quando a democracia representativa
se sustenta somente em um dos pilares, na força da autorização do voto, mas nega a
necessidade de contraprestação e controle social, tornando-se vulnerável ao fenômeno
da corrupção.30
O que ocorre no Brasil é justamente essa patologia da representatividade muito
bem exposta por Boaventura de Souza Santos. Apesar de o número de partidos aumen­
tarem constantemente, não existe uma preocupação efetiva com a ideologia adotada
ou com as propostas apresentadas.31
Esse cenário faz com que o ato de fazer política entre no campo da economia e
dos negócios e o financiamento eleitoral se consolidou como processo lucrativo, daí os
altos custos da democracia. Desse modo, o aumento dos custos não é inexorável, a via
de resistência está na própria política, no sentido de uma revigoração da democracia no
seu sentido amplo. Ou seja, a reativação do diálogo entre representantes e sociedade.
Esse caminho se constituirá não apenas pelo voto, mas por uma participação
política ativa. Como exemplo, pode-se utilizar a participação em comícios, organizações
comunitárias e partidos, assim como acompanhar de perto a atuação dos representantes.
32
Sem esquecer o papel da justiça nesse trabalho de fiscalização e transparência.
Não há como negar que o dinheiro também pode se constituir como forma de
participação política. O financiamento de um candidato ou partido é uma maneira de

28
SANTOS, Boaventura de Souza. A difícil democracia: reinventar as esquerdas. São Paulo, 2016. p. 121.
29
COTTA, Murizio et al. Dicionário de política. 11. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 1101.
30
SANTOS, Boaventura de Souza. A difícil democracia: reinventar as esquerdas. São Paulo, 2016. p. 121.
31
MANFREDINI, KARLA M. Democracia Representativa Brasileira: O Voto Distrital Puro Em Questão. Florianópolis,
2008. p. 25.
32
SANTANO. Ana Cláudia. Menos proibições e mais transparência: as (falsas) promessas sobre a vedação de
doações de pessoas jurídicas no financiamento de campanhas eleitorais. Revista Ballot, Rio de Janeiro, v. 1 n. 1,
Maio/Agosto 2015, p. 182-201. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ballot>. Acesso em:
10 dez. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
136 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

agir politicamente. Contudo, o que se espera é que a democracia controle o dinheiro,


e não o contrário.33
Dessa maneira, é inevitável analisar a vedação de doações por pessoas jurídicas
para campanhas eleitorais. É notável que esse ainda é um tema polêmico, uma vez que
não é possível acreditar que a vedação dessa modalidade de financiamento colocará
fim na corrupção. Prova disso é o número de inconsistências encontradas nas doações
feitas por pessoas físicas nas eleições de 2016, primeira sem financiamento empresarial.34
O objetivo é esclarecer que a vedação é o primeiro passo, porém faz-se primordial
um processo contínuo de transparência, fiscalização e engajamento político. Caso
contrário, a tendência, realmente, será não falar de um aumento de custos da democracia,
mas de um preço, no sentido mercadológico.

3.4.2 Novas formas de financiamento eleitoral e participação política


Com base no que foi tratado até aqui, torna-se imprescindível falar das novas
moda­li­dades de financiamento eleitoral e de participação política, elegendo como nova
ferra­menta que pode propiciar esses diálogos, a internet.
O atual cenário social é, sem dúvidas, formado pelo mundo digital. A internet
passou a ser a principal ferramenta de transmissão de informações, transformando-se
numa possibilidade de engajamento político e interesse público.35
Para isso, é importante reconhecer e propiciar o acesso de forma democrática
e segura, exemplo disso é o Marco Civil da Internet no Brasil, a Lei nº 12.965/14 que
dispõe em seu art. 7º a internet como essencial ao exercício da cidadania. Nesse sentido,
a internet se diferencia dos demais de comunicação por uma redução de custos e pela
sua velocidade, possibilitando discursos e debates instantâneos.
Também não se pode esquecer a contribuição da Lei de Acesso à Informação
de 2011(Lei nº 12.527). A partir dessa lei houve o estabelecimento da necessidade de
divulgação de dados na internet, assim como a possibilidade do cidadão requerer
informações à administração pública, fomentando a transparência.
Logo, é importante visualizar a internet como um espaço de realização da
participação democrática e como resposta a um financiamento político que desestrutura
a representação política. Desse modo, a literatura sobre o tema mostra uma melhoria
da transparência do processo político com a fiscalização dos políticos e do dinheiro
público, assim como, a maior probabilidade de um envolvimento direito do cidadão
nas esferas de participação política e o acesso a melhores informações.36 Exemplo claro

33
MOJOBI, E. H. África francófona. In: CARRILLO, M. et al. Dinero y contienda político-electoral. México: Fondo de
Cultura Económica, 2003.
34
“As doações empresariais a candidatos estão proibidas, mas a influência de empresas em campanhas continua,
com o mesmo predomínio de empreiteiras que se via nas eleições anteriores. A conclusão é de pesquisa inédita
da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp), que, a pedido do GLOBO,
cruzou CPFs de doadores de candidatos à prefeitura do Rio com CNPJs ativos”. Disponível em: <https://oglobo.
globo.com/brasil/empresas-driblam-lei-para-doar-campanhas-eleitorais-20132632#ixzz4r6pEleTW>. Acesso
em: 28 ago. 2017.
35
MAGRANI, Eduardo. Democracia Conectada: a internet como ferramenta de engajamento político-democrático.
Curitiba: Juruá, 2014. p. 19-20.
36
FARIA, Cristiano Ferri Soares de. O Parlamento aberto na era da internet: pode o povo colaborar com o
legislativo na elaboração das leis? Brasília: Câmara, 2012. p. 96.

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TASSIANA BEZERRA DOS SANTOS
A REPRESENTATIVIDADE E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: A INTERNET COMO ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
137

dessa possibilidade é o financiamento coletivo por meio de sítios na internet e aplicativos


eletrônicos introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro.
Essa modalidade de financiamento permite um elo mais forte entre o cidadão/
eleitor e o partido/candidato. Além disso, é possível retirar a influência dos grandes
e tradicionais doadores sobre os atores políticos. A ideia é perceber que existe um
espaço de debate aberto que propicia a volta do político, no sentido de construção de
ideologias partidárias reais. Assim como Boaventura argumentou que o abstencionismo
é consequência da falta de representatividade, esse déficit só será confrontado com uma
participação política efetiva.
Por óbvio, existem muitas outras diretrizes possíveis ao se discutir um tema como
esse, mas ultrapassaria a finalidade dessas linhas. O intuito, aqui delineado, foi pensar,
primordialmente, na participação política como principal resposta à questão dos altos
custos envolvidos no processo eleitoral. O déficit de representatividade é que abre
espaço para transformar a eleição em um negócio com finalidades lucrativas. E, como
foi tratado anteriormente, a internet pode ser o espaço mais propício para a realização
desse engajamento político.

Referências
AGRA, Walber de Moura. Financiamento eleitoral no Brasil. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes
Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coord.). Tomo: Direito Administrativo e
Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire
(coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: <https://
enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/150/edicao-1/financiamento-eleitoral-no-brasil>.
AGRA, Walber de Moura. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang;
STRECK, Lenio Luiz (Org.) Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
ALVES. Clara da Mota Santos Pimenta. Demonização da política e suas incoerências. Disponível em: <https://
www.jota.info/artigos/demonizacao-da-politica-e-suas-incoerencias-05042016>. Acesso em: 10 dez. 2017.
ALVIM. Frederico. A evolução histórica dos partidos políticos. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/o-tse/
escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-6-ano-3/a-evolucao-
historica-dos-partidos-politicos>. Acesso em: 20 dez. 2017.
BOAS, Taylor C.; HIDALGO, Daniel F.; RICHARDSON, Neal P. Spoils of victory: campaign donations and
government contracts in Brazil. The Helen Kellog Institute for International Studies. Working paper # 329.
Ago., 2011.
BOBBIO. Norberto. Contra os novos despotismos: Escritos sobre o Berlusconismo. São Paulo: Unesp, 2016.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
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DAHAL, Robert A. Sobre a Democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2016.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SANTOS, Tassiana Bezerra dos. A representatividade e o financiamento de campanhas eleitorais: a


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AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte:
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CAPÍTULO 4

PODER SOCIAL E PODER POLÍTICO:


COMO OCUPAÇÃO, GÊNERO, PATRIMÔNIO
E DINHEIRO SE COMBINAM NAS ELEIÇÕES
PARA DEPUTADOS FEDERAIS

ADRIANO CODATO

MARCIO CARLOMAGNO

4.1 Introdução
Em 1961 Robert Dahl escreveu: “No sistema político da oligarquia aristocrática,
recursos políticos eram marcados por uma acumulação desigual: quando um indivíduo
tinha muito mais um recurso do que outros, tal como patrimônio, ele usualmente
tinha mais em qualquer outro recurso – posição social, legitimidade, controle sobre
instituições religiosas e educacionais, conhecimento, cargos. No sistema político atual
[a democracia dos Estados Unidos em princípios dos anos 1960], desigualdades nos
recursos políticos permanecem, mas elas tendem a ser não-cumulativas” (DAHL, 2005,
p. 89).1 Isso quer dizer: ao contrário da oligarquia aristocrática, num sistema político
poliárquico, se um indivíduo fosse mais rico que a maioria, então provavelmente outro
indivíduo estaria melhor situado em termos de status social, outro teria mais controle
sobre o sistema de educação ou as instituições religiosas, outro seria mais inteligente
e um outro ainda seria aquele eleito ou indicado para um cargo na administração. As
desigualdades seriam dispersas e não cumulativas.

1
No original: “In the political system of the patrician oligarchy, political resources were marked by a cumulative
inequality: when one individual was much better off than another in one resource, such as wealth, he was
usually better off in almost every other resource – social standing, legitimacy, control over religious and
educational institutions, knowledge, office. In the political system of today, inequalities in political resources
remain, but they tend to be non-cumulative” (DAHL, 2005, p. 89). Para uma discussão dessa mesma passagem,
ver Domhoff (1978) e Dogan (2003).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
140 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Será mesmo? Sem entrar no mérito do ajuste da afirmação de Dahl para o contexto
por ele analisado, podemos perguntar, em sentido mais amplo: as desigualdades eleitorais
são, na democracia brasileira em princípios do século XXI, cumulativas?
Para responder a essa questão é preciso relacionar empiricamente recursos
polí­ticos a atributos sociais de candidatos a uma posição política eletiva. Receita de
cam­panha é um dos principais ativos eleitorais no Brasil, possuindo uma altíssima
corre­lação com os resultados finais e com a capacidade de se eleger ou não (SILVA &
CERVI, 2017; SPECK & MANCUSO, 2014). Atributos sociais, como profissões de origem
dos can­didatos (que pode funcionar como um indicador de “classe social”), patrimônio
acumu­lado (“riqueza”) ou gênero (homem/mulher), são capazes de explicar fenômenos
da dinâmica eleitoral, tal como a capacidade de arrecadação de recursos financeiros e,
com isso, as chances políticas dos competidores?
O objetivo deste capítulo é testar em que medida e de que maneiras esses recur­
sos se combinam concretamente tendo como parâmetro as receitas financeiras das
campanhas eleitorais. Analisamos uma série histórica de quatro eleições para deputado
federal no Brasil (2002, 2006, 2010 e 2014) em que concorreram mais de 19 mil candidatos.
Se indivíduos detentores de profissões de elite (empresários, profissionais liberais),
com alto patrimônio e de um determinado gênero forem invariavelmente aqueles que
conseguem mobilizar mais dinheiro para investir em suas campanhas políticas e,
assim, aumentar grandemente a chance de conquistarem uma cadeira legislativa, então
as desigualdades, para retomar o problema de Dahl, são cumulativas e isso seria um
problema (ou “o” problema) da democracia eleitoral brasileira hoje.

4.2 Materiais e métodos


Entre 2002 e 2014, 19.943 indivíduos concorreram ao cargo de deputado federal
nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Destes, 4.605 não fizeram a prestação
de contas financeira à Justiça Eleitoral (ou a mesma não foi atualizada pelo TSE em seu
banco de dados). Como este é um elemento central da análise, excluímos do universo
da pesquisa esses candidatos, ficando, portanto, com 15.338 concorrentes que compõem
a base de dados utilizados na análise, conforme a Tabela 1.

Tabela 1. Distribuição de candidatos a deputado federal no Brasil, 2002-2014


(casos analisados)

frequência percentual percentual acumulado

2002 2.682 17,5 17,5

2006 3.606 23,5 41,0

2010 4.072 26,5 67,5

2014 4.978 32,5 100,0

Total 15.338 100,0

Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE

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ADRIANO CODATO, MARCIO CARLOMAGNO
PODER SOCIAL E PODER POLÍTICO: COMO OCUPAÇÃO, GÊNERO, PATRIMÔNIO E DINHEIRO SE COMBINAM NAS ELEIÇÕES PARA DEPUTADOS FEDERAIS
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A fonte de todas as informações utilizadas no estudo são os bancos de dados do


Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A origem da variável “sexo” e da variável “ocupação”
é a autodeclaração do competidor no momento da candidatura. Todas as profissões
foram recodificadas na variável de “disposição à política” e os valores investidos nas
campanhas foram normalizados conforme as explicações abaixo.

4.2.1 O cálculo sociológico da disposição política


Codato, Costa e Massimo (2014) estabeleceram três critérios ligados à ocu­pação
do aspirante a um cargo eletivo que permitem medir as oportunidades oferecidas pelo
sistema de relações sociais em que eles estão inseridos a fim de estimar suas chances
de sucesso político: a) tipo de carreira profissional; b) status social da ocupação; c) afinidade
da ocupação com a atividade política. Isso é necessário para determinar os graus de dispo­
sição à política que as diferentes ocupações permitem.
O primeiro critério, tipo de carreira profissional, estima se determinado candi­
dato, em função da sua ocupação de origem, consegue tempo livre para dedicar-se à
militância política e se ele possui independência financeira e autonomia profissional.
Em resumo, se ele tem uma carreira profissional flexível.
O segundo critério, status social, estima a posição de determinada ocupação
frente a outras de acordo com o reconhecimento e o prestígio atribuído a ela por uma
comunidade. Em resumo, se ele usufrui de um status mais alto ou mais baixo em função
do seu ofício.
O terceiro critério, afinidade com a atividade política, estima o grau de conheci­
mentos específicos (jurídicos, técnicos, etc.) e/ou o grau de familiaridade com a máquina
pública que determinada profissão propicia, além da possibilidade dos seus titulares
estabelecerem redes de contatos no meio político.
Esses três critérios combinados permitem avaliar, para cada ocupação declarada
na ficha de inscrição dos candidatos nos Tribunais Regionais Eleitorais, se ela produz
ou não disposição para exercer a política institucional. Há então, conforme esse modelo,
profissões com alta disposição para a atividade política (presença dos três critérios: carreira
profissional flexível, status social elevado, ocupação com afinidade política), com média
disposição para a atividade política (presença de dois dos três critérios), com baixa ou com
nenhuma disposição para a política (presença de um ou ausência completa de algum dos
critérios).
Pontuamos cada uma das 251 ocupações declaradas pelos 19 mil candidatos de
zero a três, de modo que possuir cada um dos critérios estabelecidos fazia com que se
somasse um ponto por critério em cada ocupação. Indivíduos com nenhuma e com
baixa disposição foram agregados na mesma categoria, “baixa”.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
142 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Quadro 1. Modelo analítico de classificação de profissões conforme a disposição à política

carreira profissional status social ocupação com pontuação


flexível elevado afinidade política máxima

alta disposição 1 1 1 3

média disposição 0 ou 1 0 ou 1 0 ou 1 2

baixa disposição 0 ou 1 0 ou 1 0 ou 1 1

nenhuma disposição 0 0 0 0

Fonte: elaborado a partir de Codato, Costa e Massimo (2014).

Se a lógica interna do argumento sobre o qual se constrói o modelo de disposição


à política é válida (profissões diferentes permitem chances diferentes de ser bem-
sucedido na empresa eleitoral), ele deve ser então capaz de explicar, ao menos em
parte, o volume das receitas de campanha, visto que estas últimas estão relacionadas
justamente à capacidade dos candidatos mobilizar uma rede de contatos pessoais e
recursos financeiros junto aos investidores privados ou aos dirigentes dos seus partidos.2
A fim de poder testar separadamente o peso de se já estar no cargo de deputado –
federal ou estadual –, separamos aqueles que se autodeclararam “deputado” como
uma quarta categoria, denominada “mandatário”,3 classificando os demais políticos
profissionais (os que se declararam vereador, prefeito, governador, ministro, etc.) em
“alta” disposição.
A indistinção entre deputados federais e estaduais é uma limitação do banco
de dados do TSE. Para distingui-los, teríamos que verificar, um a um, quem era, na
data da eleição, deputado federal. Isso implicaria seguir outro critério de classificação
dos candidatos (investigação da biografia individual de cada concorrente) que não a
assunção da autodeclaração, como adotamos. Se fizéssemos isso (ordenar os dados
baseado na biografia), teríamos, para manter o rigor, que imputar a posição de deputado
também àqueles que se declararam como exercendo outra profissão (advogado,
empresário, servidor público etc.).
Mancuso e Figueiredo Filho, ao analisarem as eleições de 2002, 2006 e 2010 para
deputado federal concluem que “os mandatários tendem a ser mais financiados que
os desafiantes; os candidatos de grandes partidos de esquerda tendem a ser menos
finan­ciados que os candidatos de grandes partidos de centro e de direita (o que sugere
a impor­tância da ideologia partidária), mas tendem a ser mais financiados que os
candidatos de partidos pequenos, independentemente do perfil ideológico desses

2
Sobre a importância da instituição partidária, Horochovski e seus colaboradores (2015), usando análise de redes,
demonstram a localização do partido como ator central, mediando a alocação de recursos entre candidatos e
doadores.
3
No ano de 2002 as ocupações “senador, deputado e vereador” pertenciam à mesma categoria. Diante disso
haveria duas opções: classificar tal ocupação como “mandatário”, mesmo certamente colocando outros indi­
víduos, não mandatários, junto a estes, ou não ter o dado de “mandatário” para 2002, classificado como “alta”
disposição, com os demais políticos profissionais. Optamos pela segunda solução.

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ADRIANO CODATO, MARCIO CARLOMAGNO
PODER SOCIAL E PODER POLÍTICO: COMO OCUPAÇÃO, GÊNERO, PATRIMÔNIO E DINHEIRO SE COMBINAM NAS ELEIÇÕES PARA DEPUTADOS FEDERAIS
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partidos (o que indica a importância do porte partidário)” (2014, p. 20).4 Speck &
Mancuso (2013) lançam uma dúvida. Diante do impacto que exercer um cargo político
causa nas chances de eleger-se prefeito, argumentam que “Não está claro ainda, porém,
se esta vantagem competitiva expressa um talento ou uma característica do candidato, ou
se o capital político está vinculado ao cargo, sendo ativado por diferentes mecanismos
durante a disputa eleitoral” (Speck & Mancuso, 2013, p. 124). Esta dúvida, em fato, só
existe se consideramos apenas políticos exercendo mandatos. O modelo de disposição
à política (que inclui todos os políticos profissionais, tanto no cargo ou não) testado
neste artigo dialoga diretamente com tal questionamento, propondo uma resposta.

4.2.2 O cálculo contextualizado das receitas de campanha


Santos (2011, 2012) analisou as preferências dos grandes doadores que tendem
a maximizar recursos investindo em candidatos mais competitivos. Cervi (2010)
também encontrou que, para a eleição de prefeito nas capitais em 2008, doações de
pessoas jurídicas apresentaram maior correlação com candidaturas bem-sucedidas.
Assim, a associação entre volume de dinheiro e desempenho eleitoral já é um tópico
bem estabelecido pela literatura (LEMOS, MARCELINO, & PEDERIVA, 2010; SPECK,
2016),5 embora estudos recentes apontem também variações desta associação de acordo
com distintas maneiras como o dinheiro é alocado (CARLOMAGNO, 2015; HEILER,
VIANA, & SANTOS, 2016) ou efeitos específicos para certas ocupações, como líderes
religiosos (NETTO & SPECK, 2017).
Ao tratar recursos de campanha em termos longitudinais (através de quatro
eleições consecutivas) e em termos comparativos (entre diferentes unidades da fede­
ração), temos que ponderar que valores monetários não são diretamente comparáveis.
R$ 100 reais não valem o mesmo, em termos de poder de compra, em São Paulo do que
valem em Sergipe. R$ 100 reais não valem o mesmo, em termos de alcance e impacto,
em um colégio eleitoral com 1 milhão de eleitores do que em outro com 10 milhões.
R$ 100 reais não valem o mesmo, em termos monetários, em 2014 do que valiam em 2002.
Para tornar estes aspectos comparáveis, utilizamos o índice de sucesso de
receitas (ISR) proposto por Sacchet & Speck (2012, p. 426 nota 5). O cálculo é realizado
separadamente para cada estado e para as distintas eleições a partir da fórmula abaixo
onde: Rc = receitas do candidato; Nc = número de candidatos no pleito; Rt = total da
receita de todos candidatos naquele pleito

ISR = Rc * Nc
Rt

4
Cervi, Codato, Costa e Perissinotto chegaram às mesmas conclusões em outro trabalho (2015). Sobre a relação
entre financiamento privado de campanhas eleitorais e tipo de partido político, ver Mancuso, Figueiredo Filho,
Speck, Silva, & Rocha (2016). Heiler, Viana & Santos (2016) incoporaram o cálculo da disposição à política em
seu mapeamento dos gastos eleitorais efetuados na eleição de 2010 por candidatos a deputado federal.
5
Evidentemente, não é a única coisa que importa. Speck e Cervi (2016) combinaram receitas de campanha
juntamente com “memória eleitoral” (votos na eleição anterior) e tempo de televisão e encontraram que, na
eleição de prefeitos em 2012, o peso do dinheiro na explicação do voto caiu substancialmente em municípios
com mais de 200 mil habitantes (embora fosse significativo), ao passo que cresceu a importância do tempo no
horário de propaganda eleitoral.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
144 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Neste índice, a média do grupo é sempre igual a 1 e as análise não são sobre os
valores absolutos, mas em termos de distâncias da média. Assim podemos verificar a
posição dos candidatos diante dos seus adversários em termos contextuais.

4.3 Resultados
4.3.1 Diferenças de médias das receitas de campanha
O teste de análise de variância (ANOVA) que mede a associação entre a variável
contínua (índice de sucesso de receitas) e a categórica (disposição à política + mandatário)
é mostrado na Tabela 2.

Tabela 2. Teste ANOVA para associação entre disposição à política


e receitas de campanha*

Ano Sum of Squares Df Mean Square F Sig.

2002 945,488 2 472,744 48,025 ,000

2006 5839,116 3 1946,372 235,679 ,000

2010 8817,925 3 2939,308 456,877 ,000

2014 11372,549 3 3790,850 452,739 ,000

* Todos os valores se referem às diferenças “entre grupos”.

Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE

Entre 2002 e 2014 há uma tendência de crescimento de nosso fator explicativo


(indicado pela estatística F ou F-ratio). O F indica o quanto as médias desses grupos não
são iguais. Destacamos uma tendência de aumento das diferenças entre as categorias
no universo analisado. O valor do Sig. indica que podemos rejeitar a hipótese nula de
que não haveria associação entre os grupos da variável explicativa e as tendências do
índice (ou de que as diferenças tenham ocorrido por acaso).
No teste ANOVA, contudo, o nível de significância se aplica ao conjunto completo
dos grupos comparados, mas não nos dá detalhes sobre as distâncias entre eles. Por
isso, recorremos aos testes de diferenças de médias, aqui apresentados por meio de
gráficos de nível de confiança da diferença das médias. As informações exibidas com
este recurso são basicamente as mesmas que as dadas por um teste do tipo post-hoc,
com a vantagem da melhor compreensão visual das informações.6

6
Como informação adicional, o teste de Bonferroni para diferenças de médias pode ser encontrado no Anexo 1.

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Gráfico 1. Disposição à política aplicada às diferenças de médias de receitas de campanha.


Candidatos a deputado federal, 2002-2014

Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE

Conforme o Gráfico 1, há apenas dois casos em que as médias entre os grupos de


candidatos, classificados conforme suas ocupações e o quanto elas implicam disposição
à política, não são estatisticamente diferentes: entre as categorias de disposição
média e alta, nos anos de 2006 (1,16 contra 1,35) e 2010 (0,95 e 1,12, respectivamente).
Uma eventual explicação para isso poderia residir na presença de “empresários” e
“industriais” (profissões que mais têm chances de mobilizar grandes somas recursos
financeiros) na categoria de média propensão à política. Em todos os demais casos,
as distâncias entre os grupos foram estatisticamente significativas, o que indica que
o modelo analítico proposto funciona para explicar primeiramente as diferenças das
receitas dos candidatos.
Apesar disso, as distâncias entre os três grupos sociais foram menores do que
as que esperávamos, sobretudo quando se olha para o comportamento dos dados dos
mandatários (candidatos que detinham cargos de deputados estaduais ou federais).
Estes estão muito distantes dos demais (não há informações para as eleições de 2002,
como discutimos na nota 3).

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Quando inserimos a variável “sexo do candidato” podemos verificar o desem­


penho comparado de homens e mulheres em termos da capacidade de mobilizar
dinheiro para a política combinado com a variável “disposição à política” e mandatário.
Os resultados estão organizados no Gráfico 2. Os valores nas barras indicam, como no
Gráfico 1, as médias do índice de receitas.

Gráfico 2. Disposição à política aplicada às diferenças de médias de receitas


de campanha por sexo 2002-2014 para candidatos a deputado federal, 2002-2014

Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE

Sobretudo em 2010, e mais ainda em 2014, o jogo político, para os mandatários


fica menos desigual entre homens e mulheres (médias do ISR de 6,62 contra 5,53, para
2014, respectivamente). Há um movimento de crescimento progressivo e constante
das médias do índice de receitas de campanha das mulheres no grupo de políticos
profissionais (ISR 3,77; 4,34; 5,53, respectivamente), embora desigualdades persistam.
Ser representante e, nesse caso específico, deter já um mandato legislativo na Câmara
dos Deputados ou nas Assembleias Legislativas é mais determinante do que o gênero
dos competidores.

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ADRIANO CODATO, MARCIO CARLOMAGNO
PODER SOCIAL E PODER POLÍTICO: COMO OCUPAÇÃO, GÊNERO, PATRIMÔNIO E DINHEIRO SE COMBINAM NAS ELEIÇÕES PARA DEPUTADOS FEDERAIS
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Paras as demais categorias de disposição à política, o fenômeno parece ser inverso.


Não há evidência estatística de que as condições de competição eleitoral melhoraram
para as mulheres de baixa e média disposição no período analisado. Pelo contrário, há
evidência de piora das condições de disputa: para 2014 a diferença do ISR de homens
e mulheres no grupo de média disposição era de 0,7 e em 2010, 0,38. No próximo item,
abordaremos esse movimento com o uso de outro procedimento estatístico.

4.3.2 Divisão dos candidatos em quintis


Tratamos os dados analisados até aqui por meio da diferença de médias do índice
de sucesso de receitas. Para explorar e expor melhor as hierarquias entre classes dife­
rentes de candidatos, dividimos o universo em agrupamentos, mais especificamente
em quintis.
Os quintis cortam a variável analisada em cinco grupos iguais (no caso, o índice
de receitas de campanha considera sempre o estado do candidato e o ano da eleição).
Dessa forma, podemos visualizar com maior clareza em quais faixas há mais indivíduos
presentes. Dito de outra forma, em uma variação de 0 a 100, a cada 20 unidade de
medidas haverá um corte. Em seguida, verificamos qual a porção dos casos que se
concentra nos valores do grupo superior (Q5) e qual se localiza no grupo inferior (Q1).
A vantagem da divisão em quintis, e não quartis como é usual, está em proporcionar
uma verificação mais clara das pontas da distribuição, i.e., um grupo inferior (aqueles
que tiveram o pior desempenho) e um grupo superior (os de melhor desempenho),
além de três estágios intermediários (Q2, Q3 e Q4).
Os resultados são apresentados em resíduos padronizados. Este teste nos mos­
tra as diferenças em relação a uma distribuição normal esperada (se todos estivessem
distribuídos igualmente entre os grupos), além de permitir comparar grupos com
diferentes contagens internas. Os resíduos padronizados são estatisticamente signi­
ficativos a partir de 1,96 positivo ou negativo (indicando, respectivamente, presença
ou ausência naquele grupo). É esperado que 95% dos casos tenham resíduos padroni­
zados entre -1,96 e +1,96. Resíduos próximos de zero indicam que a presença naquele
grupo está próxima de uma distribuição normal. A Tabela 3 apresenta os dados para
disposição à política.

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Tabela 3. Resíduos padronizados para disposição à política e quintis de receitas.


candidatos a deputado federal, 2002-2014

Disposição à
Q1 Q2 Q3 Q4 Q5
política
Baixa 7,4 3,8 -1,3 -3,5 -6,4
2002 Média -1,3 ,5 -,6 ,9 ,4
Alta -7,7 -5,1 2,1 3,3 7,4
Baixa 9,4 4,2 1,6 -5,7 -9,5
Média -,6 1,4 1,6 ,2 -2,7
2006
Alta -6,8 -2,1 1,0 7,5 ,4
Mandatário -8,3 -7,9 -7,6 ,1 23,7
Baixa 7,5 7,7 1,2 -5,1 -11,3
Média ,3 -,6 1,4 1,3 -2,4
2010
Alta -6,5 -5,6 2,5 8,5 1,0
Mandatário -8,6 -8,7 -8,4 -2,2 28,1
Baixa 9,4 7,3 1,9 -5,5 -13,1
Média -1,6 -,7 1,8 1,8 -1,2
2014
Alta -8,5 -6,2 -,2 9,3 5,7
Mandatário -8,2 -8,3 -8,2 -3,5 28,4
Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE

Para todos os anos, o modelo da classificação das ocupações se mostra válido.


As células destacadas (estatisticamente significativas) demonstram isso visualmente
seguindo a seguinte ordem: esquerda-superior (baixa disposição = baixas receitas) até
direita-inferior (alta disposição para a política e mandatário = altas receitas), passando
por alguns estágios intermediários. A disposição à política está claramente associada
com os grupos de receitas de campanha e os números se tornam mais importantes à
medida que o tempo passa.
Fizemos o mesmo teste de resíduos padronizados para a variável “sexo” (Tabela
4). Os dados indicam um fenômeno a ser mais bem estudado.

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PODER SOCIAL E PODER POLÍTICO: COMO OCUPAÇÃO, GÊNERO, PATRIMÔNIO E DINHEIRO SE COMBINAM NAS ELEIÇÕES PARA DEPUTADOS FEDERAIS
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Tabela 4. Resíduos padronizados para sexo e quintis de receitas de campanha. candidatos


a deputado federal, 2002-2014

Receitas de campanha Q1 Q2 Q3 Q4 Q5
Masculino -,3 -,6 -,5 ,4 ,9
2002
Feminino ,8 1,6 1,4 -1,2 -2,6
Masculino -,7 -,8 -,1 ,5 1,0
2006
Feminino 1,9 2,1 ,2 -1,5 -2,7
Masculino -2,4 -1,6 ,0 1,8 2,3
2010
Feminino 5,6 3,6 ,1 -4,1 -5,2
Masculino -7,6 -2,6 ,3 3,5 6,4
2014
Feminino 12,3 4,2 -,5 -5,7 -10,3

Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE

Sacchet & Speck (2012, p. 424), comparando as eleições de 2006 e 2010, mostraram
que já então havia ocorrido uma queda no sucesso das mulheres na arrecada­ção da
primeira para a segunda disputa analisada. A Tabela 4 mostra que até 2006 as dis­
tribuições entre homens e mulheres nas categorias são mais próximas, com distâncias
estatisticamente pouco significativas. A partir de 2010, e mais enfaticamente em 2014,
estas desigualdades se acentuam consideravelmente. Homens passam a estar concen­
trados nos quintis superiores (resíduos positivos de 6,4 no Q5) e mulheres nos quintis
inferiores (resíduos positivos de 12,3 no Q1 em 2014). Uma possível explicação deste
fenômeno reside no que poderíamos chamar de “efeito perverso” da aplicação das cotas
de gênero para candidatos. A obrigação de alistar um percentual maior de candidatas
forçou os partidos a encontrar meios artificiais de cumprir a legislação, lançando mais
mulheres, mas sem quaisquer chances eleitorais. Há um percentual grande de candidatas
que recebem muito pouco dinheiro das siglas para suas campanhas ou sequer têm
condições de investirem já que, como se verá na seção seguinte, elas estão associadas
aos estratos mais baixos na hierarquia social.

4.4 Acumulando desigualdades na poliarquia brasileira


Nesta seção, apresentamos dados agrupados para as três varáveis tratadas até aqui
(receitas de campanha, sexo e disposição à política), adicionando um elemento novo na
análise: patrimônio declarado dos candidatos. Patrimônio está altamente correlacionado
ao tipo de profissão dos indivíduos e é muito possivelmente um confirmador de “origem
social”. Como dados sobre patrimônio só estão disponíveis no TSE a partir de 2006,
esta variável não consta para o primeiro ano da série estudada.
Para verificar a vizinhança entre essas quatro variáveis, utilizamos um teste
de correspondência múltipla (Gráfico 3). Este tipo de gráfico mostra a distância entre
va­riáveis categóricas.7 Trata-se de um método de visualização de dados (Beaudouin,

7
Uma explicação bem didática seria a seguinte: “A Análise de Múltipla Correspondência quantifica dados
nominais (categóricos) designando valores numéricos para os casos (objetos) e categorias, de modo que os
objetos dentro da mesma categoria estão próximos e objetos em diferentes categorias estão distantes. Cada

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150 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

2016, p. 20), não de teste de hipóteses. Portanto, nossa investigação é, antes de tudo,
descritiva. Utilizamos para as receitas de campanha os quintis criados a partir do ISR.
O mesmo procedimento foi realizado para o cálculo do patrimônio e sua categorização.
Para todos os testes de correspondência múltipla foi utilizada a técnica de normalização
simétrica e de exclusão de casos com variáveis ausentes (em vez de imputação de valor
simulado a partir da média). As linhas estão ajustadas no zero. As medidas registradas
indicam o seguinte: o Alfa de Cronbach varia de 0 a 1; quanto mais próximo de 1,
maior o poder explicativo do modelo (isto é, da combinatória entre todas as variáveis
escolhidas). A variância dos eixos 1 e 2 indica o quanto cada dimensão é responsável
pela distribuição dos pontos de categoria no espaço euclidiano. A proximidade entre
os pontos indica que há candidatos que reúnem em si aquelas mesmas características.
Por sua vez, quanto mais próximas as categorias estiverem do ponto centroide, mais
aquelas características são compartilhadas pelo universo.

Gráfico 3. Análise de correspondência múltiplas dos atributos sócio-políticos dos


candidatos a deputado federal, 2002-2014 (projeção de variáveis e de indivíduos)

Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE

objeto fica tão perto quanto possível dos pontos de categoria das categorias que são aplicados ao objecto. Dessa
forma, as categorias dividem os objetos em subgrupos homogêneos. As variáveis são consideradas homogêneas
quando classificam os objetos nas mesmas categorias para os mesmos subgrupos” (IBM, 2016, p. 35).

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PODER SOCIAL E PODER POLÍTICO: COMO OCUPAÇÃO, GÊNERO, PATRIMÔNIO E DINHEIRO SE COMBINAM NAS ELEIÇÕES PARA DEPUTADOS FEDERAIS
151

Homens aparecem em todas as figuras próximas do ponto centroide porque são


em muito maior número (em média 4 vezes mais do que as mulheres), o que implica que
eles compartilhem mais características entre si (ou seja, há homens tanto com patrimônio
em Q1, Q2, Q3 etc., com receitas de campanha em Q1, Q2, Q3 etc.). Mandatários são um
caso à parte. Estão em todas as eleições associados a alto patrimônio (Q5) e altas receitas
(Q5). A evidência mais importante diz respeito às mulheres. Exceto em 2002, em que
a distribuição de categorias não mostra associações tão nítidas (Alfa de Cronbach de
0,241), nos demais anos elas estão sempre próximas às profissões de baixa disposição à
política e aos quintis inferiores tanto de patrimônio quanto de receitas de campanhas.

4.5 Discussão e conclusões


O objetivo deste estudo era demonstrar se, como e quando um conjunto de fatores
sócio-políticos se associava e se acumulava, criando ou não desigualdade na competição
política.
Nossos achados podem ser resumidos em cinco pontos:
1 A presença em uma dada categoria de disposição à política (baixa, média ou
alta) implica clara associação com a presença em categoria análoga de receitas
de campanha (baixa, média ou alta) (Gráfico 1);
2 As distâncias entre homens e mulheres nas receitas de campanha aumentam
conforme aumenta a disposição à política. Isto é, o universo daqueles com alta
disposição à política é tão desigual quanto o universo daqueles com média e
baixa disposição (Gráfico 2);
3 As distâncias de receitas de campanha angariadas, tanto nas categorias de
disposição à política quanto sexo, são crescentes ao longo da série histórica,
indicando não uma diminuição das desigualdades eleitorais no Brasil, mas
um acirramento destas (Tabelas 3 e 4);
4 Mesmo um modelo mais complexo que reúne quatro variáveis (perfil político,
perfil patrimonial, gênero e recursos eleitorais) há a mesma lógica subjacente:
mulheres tendem a estar mais próximas dos níveis mais baixos de disposição,
receitas e patrimônio do que os homens. Há mais mulheres nos quintis de baixa
receita (Q1, Q2), mas porque há mais mulheres titulares de ofícios com baixa
disposição para a política. A variável central para a melhor compreensão do
fenômeno é profissão, não sexo (Gráfico 3);
5 Mandatários – indivíduos que eram, no momento da eleição, deputados
federais ou estaduais – possuem vantagens incomparáveis diante dos demais
candidatos: são mais “ricos” (variável patrimônio no Q5) e mais competitivos
(receitas no Q5). Nesse caso, as distâncias entre homens e mulheres são bem
menores e, portanto, gênero não é um fator de hierarquização desse universo
(Gráfico 3).
Retomando à questão inicial e retornando à proposição de Dahl sobre as
democracias contemporâneas (“desigualdades nos recursos políticos permanecem, mas
elas tendem a ser não-cumulativas”), as evidências indicam, para o caso do Brasil, uma
tendência oposta. Isto é, as nossas desigualdades tendem sim a ser cumulativas. E isso
tem se intensificado ao longo do tempo. Quem possui maior status social possui mais
patrimônio e possui mais receitas de campanhas. Em termos lógicos, isso faz sentido.

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152 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Quem possui certo capital financeiro e capital social tende a possuir também uma rede
de contatos que lhe permite angariar recursos de campanha entre doadores potenciais.
Em outras palavras, dinheiro atrai dinheiro e não há, no sistema político, mecanismos
institucionais que compensem essas desigualdades.
A classificação de disposição à política não funcionou perfeitamente no modelo
explicativo, especialmente entre os níveis médio e alto. Isso se deve, provavelmente,
ao fato de a categoria profissional “empresário”, seguindo o modelo proposto, ter sido
classificada como de média propensão à política. Ela, por natureza, tende a possuir
uma rede de contatos ampla, que lhe facilita obter recursos financeiros ou investir os
próprios em suas campanhas. Este é um ponto do modelo que pode ser repensado para
a aplicação em futuras análises, tratando-o como exceção nas pontuações propostas
(Quadro 1).
Estudos de séries históricas são uma das abordagens mais profícuas em Ciência
Política. Elas propiciam uma perspectiva das mudanças ocorridas em um dado período.
Ao longo do tempo, como se viu, as distâncias sociais relativas entre as classes de
políticos de carreira e não políticos estão aumentando. Recursos estão cada vez mais
concentrados nas mãos daqueles que já controlam posições de representação. Este é um
indicador do processo mais amplo de profissionalização da política (dos agentes e do
próprio campo político). Mas é também um indicador do fechamento desse universo
sobre si mesmo e das dificuldades, cada vez maiores, de adventícios conseguirem
superar barreiras sociais para entrar nele.
Nossos dados indicam, então, duas conclusões. Primeira: o Brasil está bem mais
perto de uma oligarquia aristocrática do que de uma poliarquia com poderes dispersos
entre os cidadãos politicamente ativos. Segunda: o uso combinado das três variáveis
– disposição à política medida através da ocupação profissional, sexo do candidato e
receitas de campanha declaradas –, eventualmente acrescidas de outras, pode funcionar
como um forte preditor de candidatos viáveis e não viáveis nos pleitos e, por extensão,
da configuração social da política brasileira contemporânea.

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154 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

ANEXO 1:
TABELA 5. TESTE DE BONFERRONI PARA DIFERENÇAS DE MÉDIAS: DISPOSIÇÃO À POLÍTICA
APLICADA A RECEITAS (ÍNDICE DE SUCESSO DE RECEITAS)

95% Confidence Interval


Ano Mean Difference (I-J) Std. Error Sig.
Lower Bound Upper Bound
Média -,56517* ,15085 ,001 -,9189 -,2114
Baixa
Alta -1,39934* ,14278 ,000 -1,7342 -1,0645
Baixa ,56517* ,15085 ,001 ,2114 ,9189
2002 Média
Alta -,83417* ,16305 ,000 -1,2165 -,4518
Baixa 1,39934* ,14278 ,000 1,0645 1,7342
Alta
Média ,83417* ,16305 ,000 ,4518 1,2165
Média -,50438* ,11805 ,000 -,8078 -,2010
Baixa Alta -,69821* ,12664 ,000 -1,0237 -,3727
Mandatário -4,54454* ,17203 0,000 -4,9867 -4,1024
Baixa ,50438* ,11805 ,000 ,2010 ,8078
Média Alta -,19383 ,13762 ,494 -,5475 ,1599
Mandatário -4,04016* ,18027 0,000 -4,5035 -3,5768
2006
Baixa ,69821* ,12664 ,000 ,3727 1,0237
Alta Média ,19383 ,13762 ,494 -,1599 ,5475
Mandatário -3,84633* ,18601 0,000 -4,3244 -3,3683
Baixa 4,54454* ,17203 0,000 4,1024 4,9867
Mandatário Média 4,04016* ,18027 0,000 3,5768 4,5035
Alta 3,84633* ,18601 0,000 3,3683 4,3244
Média -,47160* ,09447 ,000 -,7144 -,2288
Baixa Alta -,64841* ,11466 ,000 -,9431 -,3537
Mandatário -5,28133* ,14378 0,000 -5,6509 -4,9118
Baixa ,47160* ,09447 ,000 ,2288 ,7144
Média Alta -,17681 ,12299 ,476 -,4929 ,1393
Mandatário -4,80973* ,15051 0,000 -5,1966 -4,4229
2010
Baixa ,64841* ,11466 ,000 ,3537 ,9431
Alta Média ,17681 ,12299 ,476 -,1393 ,4929
Mandatário -4,63292* ,16394 0,000 -5,0543 -4,2116
Baixa 5,28133* ,14378 0,000 4,9118 5,6509
Mandatário Média 4,80973* ,15051 0,000 4,4229 5,1966
Alta 4,63292* ,16394 0,000 4,2116 5,0543
Média -,55613* ,09706 ,000 -,8056 -,3067
Baixa Alta -1,12129* ,11708 ,000 -1,4222 -,8204
Mandatário -6,09476* ,16659 ,000 -6,5229 -5,6666
Baixa ,55613* ,09706 ,000 ,3067 ,8056
Média Alta -,56516* ,12713 ,000 -,8919 -,2385
Mandatário -5,53863* ,17381 ,000 -5,9853 -5,0920
2014
Baixa 1,12129* ,11708 ,000 ,8204 1,4222
Alta Média ,56516* ,12713 ,000 ,2385 ,8919
Mandatário -4,97347* ,18572 ,000 -5,4508 -4,4962
Baixa 6,09476* ,16659 ,000 5,6666 6,5229
Mandatário Média 5,53863* ,17381 ,000 5,0920 5,9853
Alta 4,97347* ,18572 ,000 4,4962 5,4508

*. The mean difference is significant at the 0.05 level.


Fonte: Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE

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PODER SOCIAL E PODER POLÍTICO: COMO OCUPAÇÃO, GÊNERO, PATRIMÔNIO E DINHEIRO SE COMBINAM NAS ELEIÇÕES PARA DEPUTADOS FEDERAIS
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CODATO, Adriano; CARLOMAGNO, Marcio. Poder social e poder político: como ocupação, gênero,
patrimônio e dinheiro se combinam nas eleições para deputados federais. In: FUX, Luiz; PEREIRA,
Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.).
Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 139-155. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN
978-85-450-0499-8.

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PARTE III

TRANSPARÊNCIA DEMOCRÁTICA E A ATUAL


PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS

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CAPÍTULO 1

TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS

VIVIANE MACEDO GARCIA

1.1 Introdução
O termo “transparência” apareceu em meados da década de 1970, trazido pelas
reformas administrativas que ocorreram à época, para questionar a figura do “secreto”
presente nas administrações públicas tradicionais, buscando-se reformular de forma
profunda a relação entre o governo e a sociedade para melhorar sua eficácia e restaurar
sua legitimidade (CHEVALIER, 1988, p. 239).

A transparência designa, inicialmente, a propriedade de um corpo que se deixa atravessar


pela luz e permite distinguir, através de sua espessura, os objetos que se encontram atrás:
falar, neste sentido, de transparência administrativa significa que atrás da aparência
formal de uma instituição existem relações concretas entre indivíduos, entre grupos, que o
observador exterior pode perceber. Mas a transparência é suscetível de gradação: um corpo
pode ser realmente transparente, ou seja, límpido e fazer aparecer com nitidez os objetos
que recobre, ou somente translúcido, se ele não permite, ainda que seja permeável à luz,
distinguir nitidamente esses objetos, ou ainda diáfano, se a luz que ele deixa filtrar não
permite distinguir a forma desses objetos. Vemos então que a opacidade e a transparência
não estão em uma simples relação de exclusão, mas que há entre elas uma gradação, ou
mais exatamente, que elas se combinam em uma proporção variável, a opacidade nunca
sendo tal que proíbe qualquer percepção dos elementos constituintes e a transparência
não vai tão longe a ponto de fazer desaparecer o corpo do qual ela é a propriedade. Por
extensão, a transparência designará o que se deixa penetrar, alcançar levemente, o sentido escondido
que aparece facilmente, o que pode ser visto, conhecido de todos ou ainda que permite mostrar
a realidade inteira, o que exprime a verdade sem alterá-la. (CHEVALIER, 1988, p. 251-252)
(tradução livre da Autora) (grifamos)

A transparência, portanto, é a qualidade que permite que a realidade apareça em


sua inteireza, comportando gradações, conforme maior ou menor democraticidade da
instituição. Enquanto o “secreto” seria um resquício do autoritarismo.

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160 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

O princípio da transparência é ínsito ao Estado Democrático de Direito. A


transparência é inerente aos princípios democrático e republicano, posto que não se
admite em democracias, como regra, a realização de atos secretos, sigilosos e imotivados.

Seja qual for o grau de transparência administrativa em um ordenamento jurídico, esta


é considerada um dos alicerces básicos do Estado Democrático de Direito e da moderna
Administração Pública pelo acesso à informação e pela participação na gestão da coisa
pública, diminuindo os espaços reservados ao caráter sigiloso da atividade administrativa
– ponto de partida para os nichos da ineficiência, do arbítrio e da imunidade do poder.
(MARTINS JÚNIOR, 2004. p. 17)

O sigilo, como exceção à regra, deverá perdurar por um certo tempo, somente
enquanto for necessário para resguardar um bem jurídico maior (BOBBIO, 2015. p. 138).
Com efeito, nos dizeres de Norberto Bobbio, a democracia exige que os atos
sejam públicos. O termo “público” utilizado em sua dupla acepção, significando “coisa
pública”, de “Estado” e também no sentido de “manifesto”, “evidente”, “visível”:

Um dos lugares-comuns de todos os velhos e novos discursos sobre a democracia


consiste em afirmar que ela é o governo do “poder visível”. Que pertença à “natureza da
democracia” o fato de que “nada pode permanecer confinado no espaço do mistério” é
uma frase que nos ocorre ler, com poucas variantes todos os dias. Com um aparente jogo
de palavras pode-se definir o governo da democracia como o governo do poder público
em público. (BOBBIO, 2015. p. 134)

O arbítrio é incompatível com o princípio republicano, devendo o gestor apre­


sentar à sociedade os seus atos de forma clara e verdadeira. Para a efetivação dos direitos
fundamentais, necessário à observância do princípio da transparência dos atos políticos,
permitindo maior participação dos cidadãos na vida política do país.

Participação e Transparência são princípios derivados do Princípio Democrático do


Estado. A qualidade da democracia implica na qualidade da publicidade e transparência
das informações e, portanto, na garantia dos Direitos Fundamentais e da Cidadania
(SMANIO; CAROLI, 2015. p. 229)

Nas modernas democracias representativas, fundamentadas na confiança entre


governantes e governados, o cidadão somente poderá avaliar a gestão realizada por seu
representante, se tiver acesso a informações fidedignas, apresentadas de forma clara e
íntegra, sem a utilização de subterfúgios técnicos de manipulação de dados.
O processo eleitoral, como instrumento de construção da democracia represen­
tativa, tem que primar pela transparência sob pena de produzir uma crise de confiança e,
consequentemente, de legitimidade. A falta de transparência na condução das eleições,
bem como no exercício do mandato, propicia escândalos de corrupção, afasta o cidadão
da vida pública e desmobiliza a sociedade, criando verdadeira dissociação entre
governantes e governados, trazendo um descrédito generalizado para a classe política.
É direito subjetivo do cidadão o acesso às informações necessárias para conheci­
mento e análise das decisões políticas tomadas no exercício do poder representativo,
para que a sua adesão à política implementada seja consciente.

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TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
161

A transparência eleitoral, portanto, não é apenas uma exigência legal do processo


eleitoral, mas um elemento necessário à construção de uma democracia estável.1

A organização política associada à figura do Estado visa buscar enquadramentos


institucionais que valorizem uma estatalidade que permita aos cidadãos a visibilidade
no exercício do poder e a segurança de estabilidade política, mediante uma racionalidade
sobre a política capaz de instaurar não apenas “estados de direito”, mas sobretudo
“estados legítimos” com vista a salvaguardar a confiança do cidadão nas potencialidades
de um Estado parceiro, instrumental, consensual, com potencialidades elementares de
transparência e integridade, na construção de salvaguarda da liberdade e igualdade.
(MESSA, BARBOSA, 2015. p. 182-183)

Quanto maior a transparência, mais democrática é a gestão. O caráter público, a


transparência das decisões políticas é um dos critérios para auferir o maior ou menor
grau de democraticidade das instituições, diferenciando um Estado Constitucional de
um Estado Absoluto (BOBBIO, 2015. p. 139).

A democracia, de certo, revela um regime político sensível e exigente. Impõe a todos


observância e respeito às instituições. Requer transparência. Requer credibilidade, elemento
que, na verdade, constitui o ponto mais vulnerável das tensões que hoje se verificam entre
governo e governados. Exige a presença de confiança a legitimar esta delicada relação.
(CAGGIANO, 2015. p. 99)

O princípio da transparência está positivado na Constituição da República de


1988 por meio dos princípios da publicidade, da participação popular e do direito à
informação.
Os atos relativos à escolha dos mandatários, em especial de arrecadação de
recursos e de gastos em eleições, deverão ser amplamente divulgados para permitir o
controle social da população.
Não existe transparência, sem prestação de contas dos recursos empregados.
Transparência e obrigação de prestação de contas são princípios complementares, que
permitem avaliar o emprego dos recursos arrecadados.
A prestação de contas, em um Estado Democrático, deverá permitir o completo
entendimento do emprego dos recursos arrecadados, bem como das fontes de arre­
ca­dação. A Governança Corporativa utiliza o termo accountability para designar a
responsabilização dos dirigentes e, sobretudo, a obrigação de prestação de contas.

A noção de Accountability é plurívoca, porém, podemos afirmar que em seu sentido


genérico significa o dever dos sujeitos políticos de responderem por suas decisões quando
questionados pelos eleitores ou por outras instituições. O termo “responder”, no caso,
envolveria, basicamente, três condutas: (i) informar; (ii) justificar; e (iii) punir ou compensar.
(...)
É importante, portanto, fixar a noção de que accountability não se restringe a um mero
dever de prestar contas. Envolve, sim, um complexo de ações dos sujeitos políticos no
sentido de fornecer e esclarecer todas as informações relevantes ao eleitor para que este, a partir
disso, possa formar sua decisão de voto (LORENCINI, 2015. p. 171-172).

1
Nos dizeres de Fátima Anastasia e Carlos Ranulfo Melo “espera-se que a democracia seja estável e que a
estabilidade seja democrática” (2002, p. 25)

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162 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

O’Donnel diferencia os mecanismos de accountability vertical, que seriam relativos


à escolha dos representantes pelos cidadãos por meio de eleições e de accountability
horizontal que seriam referentes aos controles realizados pelos poderes constituídos,
um em relação aos outros, consagrados como sistema de freios e contrapesos. Segundo
o Autor:

Eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se
corra o risco de coerção, e cobertura regular pela mídia ao menos das mais visíveis dessas
reivindicações e de atos supostamente ilícitos de autoridades públicas são dimensões do
que chamo de “accountability vertical”.
(...)
Posso, agora, definir o que entendo por accountability horizontal: a existência de agências
estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para
realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment
contra ações ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser
qualificadas como delituosas (O’DONNEL, 1998)

Assim, não apenas por meio do voto e da escolha livre e consciente dos cidadãos
é realizado o controle político, mas também por meio da accountability horizontal, por
um sistema eficiente de análise e julgamento de prestação de contas por órgão externo
e autônomo em relação ao prestador das contas.
Nesse ponto, necessário distinguir a prestação de contas de campanha, da
prestação de contas anuais dos partidos políticos, tendo em vista que a legislação
apresenta procedimentos e sanções decorrentes de atos ilícitos diferentes para cada
uma delas.

1.2 Prestação de contas de campanha


Nos últimos anos, as prestações de contas de campanha eleitoral, no Brasil, têm
sido alvo de investigações a respeito do uso de recursos não contabilizados, o chamado
“Caixa 2”, e pelo uso em campanha de recursos advindos de corrupção.
Com efeito, a ausência de transparência nas prestações de contas e de respon­
sa­bilização direta dos candidatos, favoreciam a utilização de Caixa 2 em campanhas
eleitorais, prática disseminada na política brasileira. O abuso de poder econômico, por
meio de sofisticadas transações financeiras, somente foi possível em decorrência da
baixa accountability do sistema brasileiro.

A accountability portanto é, por excelência, o principal limite ao abuso do poder econô­


mico nas campanhas eleitorais, pois ela estabelece o dever de informação qualificada e
transparente no âmbito do fluir financeiro de partidos e candidatos, viabilizando ao
eleitor a possibilidade de sancionar, com seu voto, aqueles que não se comprometam com
programas de seu interesse (LORENCINI, 2015. p. 172).

O Brasil adota o sistema misto de financiamento de campanhas eleitorais,


admitindo doações privadas e recursos advindos de fundos públicos.
Ana Cláudia Santano, ao discorrer sobre os modelos de financiamento de
campanhas, alerta para a importância da observância de alguns princípios quando da

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TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
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elaboração da legislação. Ao lado dos princípios da subsidiariedade e da concorrência,


elenca os princípios da transparência e do combate à corrupção:

O terceiro princípio é o da transparência, fundamental para o funcionamento do Estado,


pois permite um controle do sistema. A transparência pode colaborar a recuperar a
confiança da opinião pública e é indispensável para o controle dos representantes políticos.
De igual forma ajuda a expressar melhor a vontade popular, como também a sua formação.
Está finalmente o princípio do combate contra a corrupção, que se alia com o princípio da
dignidade das eleições, legitimando todo o processo democrático (SANTANO, 2014, p. 168).

O financiamento privado de campanhas eleitorais somente poderá ser realizado


por meio de doações de pessoa física observados os limites previstos na lei, conforme
decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADI 4.650,2 que considerou inconstitucional a doação de pessoa jurídica a campanhas
eleitorais.
O financiamento público é realizado por meio do Fundo Partidário e do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha.
O Fundo Partidário, previsto no art. 38 da Lei nº 9.096/1995, é constituído por
multas e penalidades pecuniárias aplicada nos termos da legislação eleitoral, recursos
financeiros que lhe forem destinados por lei, doações de pessoa física ou jurídica
diretamente na conta do Fundo Partidário e dotações orçamentárias da União.
Nos últimos anos os recursos destinados ao Fundo Partidário aumentaram
sensivelmente, passando de 142 milhões3 em 2006 a 628 milhões4 em 2017.
Em 2017, a Lei nº 13.487 criou mais um fundo público para financiamento de
campanhas eleitorais: o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), cons­
tituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral, em valor a ser definido
pelo TSE com base na somatória da compensação fiscal que as emissoras comerciais
de rádio e televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária efetuada nos
anos de 2016 e 2017, atualizada monetariamente, a cada eleição, pelo Índice Nacional
de Preços ao Consumidor (INPC), da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir (art. 3º da Lei nº 13.487/2017).
Para as eleições de 2018, estima-se que o FEFC será de R$1,7 bilhão.5

2
STF. Número único: 9953901-24.2011.1.00.0000. ADI 4.650. Autor: Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil. Relator: Ministro Luiz Fux. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator,
julgou procedente em parte o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos
dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, vencidos,
em menor extensão, os Ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e Gilmar Mendes, que davam interpretação
conforme, nos termos do voto ora reajustado do Ministro Teori Zavascki. O Tribunal rejeitou a modulação dos
efeitos da declaração de inconstitucionalidade por não ter alcançado o número de votos exigido pelo art. 27 da
Lei nº 9.868/99, e, consequentemente, a decisão aplica-se às eleições de 2016 e seguintes, a partir da Sessão de
Julgamento, independentemente da publicação do acórdão. Com relação às pessoas físicas, as contribuições
ficam reguladas pela lei em vigor.
3
Disponível em: <http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/distribuicao-do-fundo-partidario-2006> Acesso
em: 15 jan. 2018.
4
Disponível em: <http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-duodecimo-de-novembro-2017> e <http://
www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-multas-de-outubro-2017> Acesso em: 15 jan. 2018.
5
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/545056-CAMARA-APROVA-
CRIACAO-DE-FUNDO-PUBLICO-DE-FINANCIAMENTO-DE-CAMPANHAS.html>.

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164 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

A destinação do expressivo montante de recursos públicos a campanhas eleitorais


exige maior transparência dos gastos realizados em campanha e aprimoramento dos
instrumentos de accountability.
Ana Cláudia Santano aponta três elementos essenciais para a realização de
controle das contas de campanha:

As ferramentas de controle de ingressos e gastos das formações políticas se compõem


de três elementos clássicos: como se realiza esse controle; quem é o responsável por esse
controle; e qual é o sistema de sanções pelo seu descumprimento. Adquirem também
centralidade os elementos de publicidade e transparência, pois afetam ao direito à
informação do eleitorado, melhorando consequentemente a qualidade da democracia
(SANTANO, 2014, p. 171/172)

A prestação de contas de campanha eleitoral é ato jurisdicional de competência


da Justiça Eleitoral. É realizada e transmitida pela internet por meio do programa
com­putacional denominado SPCE – Sistema de Prestação de Contas Eleitorais dispo­
nibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O exame das contas é técnico, podendo a Justiça Eleitoral requisitar técnicos dos
Tribunais de Contas (art. 30, §3º da Lei nº 9.504/97). Rodrigo Zílio ressalta que a análise
das contas não se restringe aos aspectos formais:

A Justiça Eleitoral faz um exame técnico sobre as contas apresentadas e prolata um juízo
de mérito sobre a matéria, não se restringindo a uma mera apuração formal. A análise da
Justiça Eleitoral, na prestação de contas, não se resume apenas ao aspecto instrumental e
contábil, sendo necessário perquirir materialmente a origem e o destino dos recursos de
campanha, verificando a idoneidade das fontes e a adequação do candidato e do comitê
financeiro às regras estabelecidas pelo legislador (ZÍLIO, 2012, p. 408).

Em 2015, em meio a escândalos de corrupção, o Congresso Nacional aprovou a


Lei nº 13.165/2015, que modificou a redação do art. 28, §§1º e 2º da Lei nº 9.504/1997, para
determinar que os candidatos serão responsáveis pela prestação de contas de campanha,
tanto nas eleições majoritárias como nas eleições proporcionais, colocando fim ao
chamado comitê financeiro, que retirava do candidato esta responsabilidade pessoal.
Denise Schlickmann ressalta a importância da responsabilização do candidato
pela veracidade das informações constante do art. 21 da Lei nº 9.504/1997:

Da mesma forma, é de suma importância a disposição legal que atribui ao candidato


total responsabilidade sobre a veracidade das informações prestadas, ainda que ocorra a
designação de terceiro para a administração financeira de sua campanha. Compromete o
candidato, pois, com os documentos apresentados, ainda que referentes a procedimentos
contábeis ou operacionais não realizados diretamente por ele. (SCHLICKMANN, 2016,
p. 170)

Esta foi uma importante medida para aumentar a transparência e responsabilização


pelas prestações de contas.
No entanto, a obrigatoriedade de prestação de contas não é suficiente para
garantir o controle social das contas de campanha, se a transparência das transações
não for garantida por meio da divulgação, a tempo e modo, das transações realizadas.

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TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
165

Assim sendo, a Lei nº 13.165/2015 determinou que as contas de campanha


deverão ser divulgadas na internet em sítio criado pela Justiça Eleitoral para este fim.
Os recursos em dinheiro recebidos para financiamento da campanha eleitoral deverão
ser divulgados, com indicação dos nomes, CPF dos doadores e respectivos valores, no
prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas de seu recebimento. E, no dia 15 de setembro,
deverá ser divulgado relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário,
os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos
realizados (art. 28, §§4º e 10 da Lei nº 9.504/1997).
Denise Schlickmann critica a legislação pela impossibilidade de aferição do total
gasto em campanha, posto que os gastos realizados diretamente por eleitores não são
registrados:

É oportuno observar, contudo, que reside neste aspecto uma das principais falhas da
legislação eleitoral no que concerne à viabilização dos procedimentos de auditoria nas
campanhas eleitorais: não há instrumentos legais que possibilitem a fiscalização do
financiamento global das campanhas eleitorais, mas somente das despesas realizadas
pelos partidos ou seus candidatos e, ainda, por eles liquidadas.

Inexistem dispositivos que permitam auferir o custo global das campanhas eleitorais,
considerando as despesas realizadas diretamente pelos contribuintes e/ou doadores.

Uma alternativa à questão seria a viabilização legal da requisição de livro Caixa e


documentos contábeis de empresas estrategicamente vinculadas à realização das
campanhas eleitorais, tais como gráficas, empresas de publicidade etc., para a identificação
das despesas realizadas. Neste sentido, a Justiça Eleitoral vem evoluindo ao prever a
possibilidade de adoção do procedimento de circularização de informações, mecanismo
de auditoria que permite a coleta de informações prévias obtidas diretamente, quer de
fornecedores quer de doadores de campanha, para cotejo final com as contas prestadas. A
medida é importante avanço no combate ao indesejado Caixa 2 derivado da contabilização
paralela de recursos de campanha. (SCHLICKMANN, 2016, p. 44/45)

As contas de campanha são julgadas pela Justiça Eleitoral, que verificará a


regularidade das mesmas, decidindo pela aprovação, aprovação com ressalvas, desa­
provação ou poderá considerá-las não prestadas (art. 30 da Lei nº 9.504/1997).
A existência de débitos não quitados até a data de apresentação da prestação
de contas que forem assumidos pelo partido político, nos termos dos arts. 29, §§3º e 4º
da Lei nº 9.504/1997, não poderá ser considerada como causa para rejeição de contas.
Rodrigo Zílio considera que tal norma vai na contramão de maior responsabilização
e transparência dos gastos eleitorais:

A norma apresenta profunda contradição com a regra que determina a responsabilização


em conformidade com a circunscrição do órgão partidário (art. 15-A e art. 28, §4º da LPP),
significa um retrocesso no processo de moralização da prestação de contas e estimula o
calote eleitoral. (...)
Da mesma sorte, a solidariedade assumida pelo partido político é causa impeditiva da
rejeição das contas do candidato. Nesse passo, o comando normativo erige causa de
excludente da responsabilidade contraditória com a própria finalidade da prestação de
contas, que é aferir a responsabilidade pessoal do candidato pelas contas apresentadas
(art. 21 da LE). A eximente legal se encontra fora do contexto lógico da sistemática da

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prestação de contas, já que afasta qualquer reflexo negativo nas contas do candidato apenas
com a futura promessa de pagamento do débito pela agremiação, incentivando atitudes
personalistas dos partidos em relação aos seus candidatos (ZÍLIO, 2012, p. 410/411).

Nas eleições de 2008, o Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução TSE
nº 22.715/2008, dispôs que a desaprovação de contas impedia a quitação eleitoral, o que
impediria o candidato que teve contas reprovadas de se candidatar durante o curso do
mandato para o qual concorreu.
No entanto, a minirreforma empreendida pela Lei nº 12.034/2009 incluiu o §7º
ao art. 11 da Lei nº 9.504/1997, permitindo que os candidatos que tivessem contas
reprovadas recebessem a quitação eleitoral, in verbis:

7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos


direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça
Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas,
em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas
de campanha eleitoral.

Denise Schlickmann critica a evolução legislativa e defende o entendimento


consagrado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE nº 22.715/2008. Afirma
a autora:

A Justiça Eleitoral depara-se ao longo dos anos, com a ausência total de mecanismos
que imponham limites às infrações ao financiamento das campanhas eleitorais. A
descriminalização de condutas que ocorreu ao longo dos últimos anos e o banimento
inclusive das penalidades de multa culminou por retirar a eficácia da desaprovação de
contas, permitindo que se agigantassem as práticas de Caixa 2 ou de “não contabilização de
recursos de campanha eleitoral”. Tal prática, muito além de expressar infrações de natureza
administrativa da campanha, pode revelar a ocorrência de condutas extremamente
gravosas ao processo eleitoral e democrático.
(...)
A norma é, pois, claramente uma reação legislativa à efetividade demonstrada pela Justiça
Eleitoral, que havia interpretado – com acerto inequívoco – que o conceito de quitação
não poderia abranger a mera apresentação de contas, visto que a quitação de natureza
eleitoral, propriamente dita, compreende, necessariamente, o cumprimento das obrigações
de natureza eleitoral.
Ora, se a Lei Eleitoral impõe uma série de regras a serem observadas por aqueles que
ingressam no pleito eleitoral, como se poderia dizer que aquele que, tendo suas contas
examinadas pela Justiça Eleitoral e tendo sobre elas a pecha da desaprovação, o julgamento
específico pela ocorrência de irregularidades graves (e, portanto, do descumprimento das
normas de natureza eleitoral) possa ter uma certidão de que cumpriu com suas obrigações?
(SCHLICKMANN, 2016, p. 645/646)

A rejeição de contas, portanto, não acarreta per si a inelegibilidade do candidato.

A rejeição de contas, por si só, não tem qualquer efeito sobre o candidato eleito, sendo
necessário o ajuizamento de uma ação eleitoral específica para o afastamento do mandato
eletivo. (ZILIO, 2012. p. 413)

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TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
167

Dessa forma, somente os candidatos que tiverem as contas julgadas como “não
prestadas”, terão negada a quitação eleitoral, o que os impede de concorrer às eleições
que ocorrerem até o final do mandato, persistindo os efeitos até a efetiva apresentação
das contas. A ausência de quitação eleitoral poderá trazer diversos impedimentos para a
vida civil do candidato como, por exemplo, impossibilidade de prestar concurso público.
Observa-se que o candidato eleito não será diplomado até a entrega da prestação
de contas (Art. 29, §2º da Lei nº 9.504/1997).
Consideram-se não prestadas as contas quando não apresentadas no prazo de
72 (setenta e duas) horas após notificação da Justiça Eleitoral ou quando as justificativas
não forem aceitas, e quando não forem apresentados os documentos e informações
necessários à análise da movimentação declarada na prestação de contas.
Elmana Viana Esmeraldo, ao comentar a Resolução nº 23.376 do Tribunal Superior
Eleitoral que regulamentou a prestação de contas nas Eleições de 2012, afirma:

IMPORTANTE! Veja que a norma considera como não apresentadas também aquelas
contas que não estão acompanhadas dos documentos que possibilitem a análise dos
recursos arrecadados e dos gastos realizados em campanha, visando evitar que sejam
apresentadas de forma “fajuta”, sem juntada dos documentos exigidos pela legislação.
(ESMERALDO, 2013, p.577)

A ausência parcial de documento somente ensejará o julgamento de “contas não


prestadas” se o mesmo for relevante e comprometer a regularidade das contas.
Erros formais e materiais corrigidos, ou erros irrelevantes que não comprometerem
o resultado, não autorizam a rejeição das contas e a cominação de sanção a candidato
ou partido (Art. 30, §§2º e 2º-A da Lei nº 9.504/1997).
Os recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada
deverão ser devolvidos. No caso de impossibilidade de identificação da fonte, deverão
ser transferidos para a conta única do Tesouro Nacional (Art. 24, §4º da Lei nº 9.504/1997).
Além das sanções de cassação do registro ou diploma e declaração de
inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição
em caso de uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico, nos termos previstos
no art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, o candidato eleito poderá ter o diploma
negado ou cassado, com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, em caso de arrecadação
ou gastos eleitorais em desacordo com a lei.

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral,
no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a
abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta
Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
§1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art.
22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber. (Incluído pela Lei
nº 11.300, de 2006)
§2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado
diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado. (Incluído pela Lei
nº 11.300, de 2006)
§3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base
neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário
Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

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168 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

O Tribunal Superior Eleitoral entende que para a configuração do ilícito é


necessário má-fé do candidato.

(...) A tipificação do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, à semelhança do abuso de poder, leva
“em conta elementos e requisitos diferentes daqueles observados no julgamento das
contas” (RO nº 780/SP, rel. Min. Fernando Neves, julgado em 8.6.2004), razão pela qual
a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma
de arrecadação e gasto de campanha, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-
fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito, o que não ficou
demonstrado pelo representante nem pelo Tribunal Regional. Precedentes do TSE. (TSE.
Processo 000001-72.2013.6.21.0151. RESPE – Agravo Regimental em Recurso Especial
Eleitoral nº 172 – BARRA DO RIBEIRO – RS. Acórdão de 17/11/2016. Relator(a) Min.
Gilmar Ferreira Mendes. Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data
03/02/2017, Página 119/120)

Observa-se que o art. 30-A é aplicável somente ao candidato eleito. O candidato


não eleito que tenha descumprido as normas de arrecadação e gastos eleitorais não
poderá ser sancionado com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, mas tão somente a
título de abuso de poder econômico, se comprovada a gravidade das circunstâncias
que o caracterizam (art. 22, XVI da Lei Complementar nº 64/1990).
Quanto ao partido político, a sanção pelo descumprimento das normas de
arrecadação e aplicação de recursos previstas na Lei nº 9.504/1997 é a perda do direito
ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, conforme art. 25 da Lei
Eleitoral abaixo transcrito:

Art 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de


recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário
do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do
poder econômico.
Parágrafo único. A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário,
por desaprovação total ou parcial da prestação de contas do candidato, deverá ser aplicada
de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por
meio do desconto, do valor a ser repassado, na importância apontada como irregular, não
podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada,
pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação. (Incluído pela
Lei nº 12.034, de 2009)

Dessa forma, temos que o controle das contas de campanha é realizado por ampla
divulgação, utilizando-se programa e sítio específico da internet. As contas são objeto
de julgamento pela Justiça Eleitoral e poderão ser impugnadas por qualquer partido
político, no entanto, temos que o controle das contas de campanha é fragilizado pelo
sistema de sanções pelo descumprimento das normas de arrecadação e gastos eleitorais,
que não são suficientes para inibir condutas ilícitas.

1.3 Prestação de contas partidária


A Constituição da República, em seu artigo 17, III prevê a autonomia dos partidos
polí­ticos para definir sua estrutura, organização e funcionamento, determinando,
contudo, prestação de contas à Justiça Eleitoral:

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TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
169

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
I – caráter nacional;
II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
ou de subordinação a estes;
III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e
o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
§2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil,
registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
§3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II – tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.
§4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.
§5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no §3º deste artigo é
assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os
tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos
do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão.

O processo de elaboração e entrega da prestação de contas anuais dos partidos


políticos está regulamentado pela Resolução TSE nº 23.464/2015.
Os partidos políticos deverão manter escrituração contábil, que permita
identificar a origem de suas receitas e a destinação de suas despesas e deverá prestar
contas anualmente à Justiça Eleitoral até o dia 30 de abril do ano seguinte. A prestação
de contas é realizada por meio do envio do balanço contábil, que será publicado na
imprensa oficial ou afixado na sede do Cartório Eleitoral.
A desaprovação da prestação de contas do partido não ensejará sanção alguma
que o impeça de participar do pleito eleitoral (art. 32 da Lei nº 9.096/1995, incluído pela
Lei nº 13.165/2015).
O balanço contábil anual a ser enviado à Justiça Eleitoral deverá conter todos os
itens previstos no art. 33 da Lei nº 9.096/1995, abaixo transcrito:

Art. 33. Os balanços devem conter, entre outros, os seguintes itens:


I – discriminação dos valores e destinação dos recursos oriundos do fundo partidário;
II – origem e valor das contribuições e doações;
III – despesas de caráter eleitoral, com a especificação e comprovação dos gastos com
programas no rádio e televisão, comitês, propaganda, publicações, comícios, e demais
atividades de campanha;
IV – discriminação detalhada das receitas e despesas.

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170 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

A análise da prestação de contas do partido não poderá ser pretexto para ferir a
autonomia partidária. Assim sendo, em caso de violação das normas legais e estatutárias
as sanções se limitam a suspensão das quotas do fundo partidário e devolução da
quantia apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% deste valor (arts. 36 e
37 da Lei nº 9.096/1995).
A responsabilidade pela prestação de contas é pessoal dos dirigentes partidários,
que responderão civil e criminalmente por atos ilícitos atribuídos ao partido político, em
caso de irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe em
enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido (art. 37, §13 da Lei nº 9.096/1995).
A não prestação de contas, no prazo previsto na legislação, implicará a suspensão
de novas cotas do Fundo Partidário, enquanto perdurar a inadimplência e sujeitará os
responsáveis às penas da lei (art. 37-A da Lei nº 9.096/1995).
Por fim, observa-se que os Estatutos dos Partidos Políticos, normalmente, preveem
a existência de um Conselho Fiscal, que deverá analisar internamente a prestação de
contas partidária.
Entendemos que os princípios democráticos da transparência e da accountability
devem ser internalizados pelos partidos em suas relações com os filiados.
Assim, entendemos que a prestação de contas deverá ser divulgada internamente
para que os filiados possam exercer o seu direito fundamental à informação.
Eneida Desiree Salgado ressalta que as democracias contemporâneas confiam
parte de seu funcionamento aos partidos políticos, que não poderão descurar de
práticas democráticas internamente, devendo respeitar os direitos fundamentais nas
suas práticas internas:

O filiado ao partido político deve ter respeitados todos os direitos fundamentais. Deve ser,
como garante a Constituição e a Lei dos Partidos Políticos, tratado com igualdade. Não
pode ter seus direitos relacionados à sua participação na vida partidária restritos sem a
observância de um devido processo, conforme precisão antecipada no Estatuto ao qual o
cidadão aderiu para se filiar à agremiação. (SALGADO, 2013. p. 150)

Os princípios da boa governança aplicados internamente nos partidos políticos,


permeando maior isonomia entre os filiados (fairness), transparência dos processos
decisórios (disclosure), prestação de contas (accountability) e conformidade (compliance),
permitiria, por um lado, maior participação, controle, identificação e comprometimento
dos filiados com o partido e, por outro lado, um eficiente combate à corrupção.
Neste aspecto, vale a pena reproduzir as sugestões de Raymundo Campos Neto:

Em relação à corrupção nos partidos, deve-se gerir o risco integrando os órgãos partidários
no processo de tomada de decisão e promovendo a transparência na condução dos
processos decisórios e nas finanças. Esta gestão de risco deve concentrar-se na prevenção
e no controle, tanto interno como externo, executando planos de prevenção à corrupção,
que poderiam ser premiados com regras benéficas em relação aos recursos públicos e ao
tempo de antena. (CAMPOS NETO, 2017, p. 179)

As contas partidárias anuais dos diretórios nacionais são julgadas pelo Tribunal
Superior Eleitoral que, reconhecidamente, não possui pessoal suficiente para análise.

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VIVIANE MACEDO GARCIA
TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
171

Em 2017, o Tribunal Superior Eleitoral julgou contas partidárias anuais relativas


a 2011. De acordo com notícia veiculada em jornal de grande circulação:

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acumula 156 prestações de contas anuais de partidos
políticos sem julgamento. As contas são referentes aos exercícios de 2011 a 2015 e somam
ao menos R$ 2,2 bilhões de recursos públicos repassados às legendas por meio do Fundo
Partidário, mas que ainda não foram fiscalizados. Com o acúmulo, a Corte já anistiou
desde o ano 2000, sem julgamento, ao menos 36 contas partidárias.6

Com o aumento exponencial dos fundos públicos, a prestação de contas passará a


ser de suma importância no cenário político brasileiro. Contudo, para tanto, necessário
aperfeiçoamento do processo de análise e julgamento das contas pelo Tribunal Superior
Eleitoral.

1.4 Conclusões
O Brasil vive uma intensa crise política – permeada por denúncias de corrupção
e de arrecadação de recursos e gastos em campanhas eleitorais sem registro formal nas
prestações de contas. A crise política permite identificar a falta de transparência e de
mecanismos deficientes de accountability do nosso sistema eleitoral.
O princípio da transparência decorre do princípio republicano, e é basilar no
Estado Democrático de Direito. Com efeito, em Estados Democráticos não se admitem
atos do Poder Público ocultos, ou secretos, que impeçam a participação e o controle
popular.
A realização de eleições livres, como mecanismo de accountability vertical, não
é suficiente para garantir a legitimidade do processo eleitoral, sendo necessária a
realização de prestação de contas dos recursos recebidos e gastos, com integridade de
dados, a chamada accountability horizontal.
O controle das contas pressupõe publicação dos dados para que a análise não se
restrinja ao órgão julgador, mas também possa ser realizada pelos demais interessados.
As modificações no sistema de financiamento de campanhas, com aumento
expressivo do financiamento público e proibição do financiamento empresarial, exigem
maior transparência e um sistema eficiente de prestação de contas.
O Tribunal Superior Eleitoral não possui quadro próprio de pessoal suficiente
para análise das prestações de contas anuais dos partidos, o que acaba gerando um
enorme lapso temporal entre as eleições e o julgamento das contas.
A accountability horizontal é prejudicada pelo deficiente sistema de sancionamento
de atos ilícitos, tanto referente à prestação de contas de campanha, quanto à prestação
de contas anuais partidárias.
Por outro lado, observa-se que os partidos políticos não internalizaram princípios
básicos da democracia. As prestações de contas de campanha e partidária não são am­
plamente divulgadas internamente, para controle e fiscalização dos próprios filiados, o
que seria importante medida para aumento da credibilidade dos partidos e identificação
dos filiados com as diretrizes partidárias.

6
Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tse-tem-156-prestacoes-de-contas-de-partidos-
paradas,70001671747> . Acesso em: 18 jan. 2018

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
172 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

A adoção dos princípios da boa governança pelos partidos políticos – com o


tratamento igualitário dos filiados, transparência dos atos decisórios, prestação de contas
aos filiados e procedimentos de compliance – é primordial para restaurar a confiança do
eleitorado e aumentar o nível de democraticidade do nosso sistema eleitoral.

Referências
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p. 25-74. In: MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. O Estado numa era de reformas:
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publication/278848519_Representacao_e_Estabilidade_Politica_no_Brasil>. Acesso em: 30 dez. 2017
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BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 13.ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2015.
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CARVALHO NETO, Tarcísio Vieira de; FERREIRA, Telson Luís Cavalcante (Coord.). Direito Eleitoral: aspectos
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CHEVALIER, Jacques. Le mithe de la transparence administrative. p. 239-275. In: Information et transparence
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ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual dos Candidatos e Partidos Políticos. Leme: J.H. Mizuno, 2013.
LIMA, Sídia Maria Porto. Prestação de Contas e Financiamento de Campanhas Eleitorais. Curitiba: Juruá, 2006.
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VIVIANE MACEDO GARCIA
TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
173

SMANIO, Gianpaolo Poggio; CAROLI, Denny Angelo da Silva de. Transparência no Processo Eleitoral. p.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

GARCIA, Viviane Macedo. Transparência e o dever de prestar contas. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda
Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 159-173. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-
0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 2

O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS


CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS
ELEITORAIS NO BRASIL

ELMANA VIANA LUCENA ESMERALDO

2.1 Introdução
Diante da histórica e forte correlação entre o dinheiro e o sucesso eleitoral, o
financiamento das campanhas e as correlatas prestações de contas têm sido tema de
destaque nos últimos anos e um dos principais alvos das discussões legislativas dentro
da tão almejada reforma política.
Afere-se que uma das razões mais importantes para regulamentar as contas
eleitorais, mormente no tocante às regras de autonomia e transparência, funda-se no
empoderamento dos eleitores, na necessidade de se colocar à disposição dos cidadãos
as informações necessárias sobre a movimentação financeira dos concorrentes ao prélio
para que tenham subsídios necessários a tomar uma decisão fundamentada no dia das
eleições. Assim, a divulgação de informações e a prestação de contas tornam-se, por
consectário, dois dos recursos mais eficazes para controlar os movimentos financeiros
dos partidos e candidatos e para amainar os excessos no financiamento das campanhas
e a influência do dinheiro no exercício da democracia.
Como observa Ferreira (2004, p. 77-106), o desafio nessa questão é criar os meios
para que a relação entre dinheiro e política seja cada vez mais transparente e possibilite
ao cidadão o exercício do voto informado, ao mesmo tempo em que estimule os partidos
a exercer um controle recíproco para ajustar sua conduta às normas existentes e às
expectativas da cidadania.
O tema ganha maior relevo ante as importantes alterações promovidas pela
reforma eleitoral de 2015, implementada pela Lei nº 13.165/2015, dentre as quais
destacamos a fixação dos limites de gastos em lei, o fim do financiamento das campanhas
por pessoas jurídicas e a redução do período de propaganda eleitoral.
Somam-se a essas mudanças, as novas exigências relacionadas à prestação de
informações relativas à arrecadação de recursos financeiros no prazo de 72 horas da sua

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
176 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

efetivação, acrescida à obrigação de apresentar prestação de contas parcial no curso da


campanha, medidas que permitem um acompanhamento pari passo pela Justiça Eleitoral
e pelos eleitores em geral, durante o processo.
Nessa toada também merecem destaque as alterações promovidas pela atual
reforma política implementada pelas Leis nº 13.487/17 e nº 13.488/17, em que se destacam
a utilização de recursos públicos para o financiamento das campanhas, a fixação de
limites de gastos e a implementação do financiamento coletivo.
Dentro desse contexto, o presente artigo explana, de forma suscinta e objetiva,
o atual modelo de financiamento eleitoral adotado no Brasil, as principais regras
relativas à arrecadação e à realização de gastos na campanha e todo o procedimento
de ela­boração, análise e julgamento das prestações de contas eleitorais, pontuando as
prin­cipais e recentes inovações legislativas dentro do tema.

2.2 O atual modelo de financiamento das campanhas eleitorais


Conceitualmente, tem-se por financiamento de campanha eleitoral, os recursos
financeiros em dinheiro ou estimáveis em dinheiro arrecadados por partidos políticos
e candidatos com o objetivo de aplicar nas campanhas eleitorais.
No Brasil, adota-se o sistema misto de financiamento das campanhas,1 com
recursos provenientes de fontes públicas, em especial do fundo partidário e do novel
Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), e de fontes privadas, oriundos
de doações de pessoas físicas e de outros candidatos e partidos políticos, além da
utilização de recursos próprios dos candidatos e os obtidos por meio da comercialização
de bens ou da realização de eventos com o fim próprio de aplicação nas campanhas.
Após ampla discussão doutrinária e jurisprudencial, afastou-se, nas eleições
municipais de 2016, por decisão do STF proferida nos autos da ADI nº 4.650/DF em
17.09.2015, ratificada pela Lei nº 13.165/2015, o financiamento por pessoas jurídicas.
A análise dessa medida dividiu os juristas, encontrando apoio em alguns e
discordância de outros. De um lado defende-se, em suma, que a permissão de doações
a campanhas eleitorais por pessoas jurídicas protege de forma insuficiente os princípios
da isonomia, democrático e republicano. Do lado oposto, alega-se que as doações por
pessoas jurídicas não consubstanciam fator de desequilíbrio na disputa eleitoral, quando
respeitados os limites máximos previstos na anterior legislação.
Certo é que essa medida jungida às outras novidades implementadas pela reforma
eleitoral de 2015 tiveram o potencial de reduzir os gastos das campanhas eleitorais
quando comparados a pleitos anteriores. Segundo o TSE, nas eleições de 2016, os
candidatos gastaram cerca de 3 bilhões de reais, o que importa uma redução de cerca
de 50% em relação aos gastos verificados quatro anos antes, que foram da ordem de 6
bilhões de reais, corrigidos pela inflação.

1
Tradicionalmente, o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil era predominantemente privado,
pois permitido que os partidos políticos e candidatos, dentro de certos limites, recebessem contribuições de
particulares (de pessoas físicas e de pessoas jurídicas). Existiam limitações de duas ordens: a) objetiva: as
pessoas físicas e jurídicas somente poderiam contribuir até um determinado limite (teto financeiro de doação,
de acordo com a renda auferida no ano anterior à eleição); b) subjetiva: as pessoas jurídicas de direito público,
bem como certas pessoas jurídicas de direito privado, não poderiam financiar campanhas eleitorais.

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ELMANA VIANA LUCENA ESMERALDO
O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
177

Com a proibição das doações por pessoas jurídicas que eram as principais
financiadoras das campanhas pretéritas e visando a garantir a existência de recursos
suficientes para o custeio das campanhas vindouras, a Lei nº 13.487/17 criou o Fundo
Especial de Financiamento de Campanhas, fundo constituído de recursos públicos
a serem destinados às campanhas dos candidatos que será mais bem analisado ao
comentarmos as novas regras implementadas pela reforma eleitoral de 2017.

2.3 Principais regras relativas à movimentação de recursos na campanha


Dentro do tema do financiamento das campanhas e das correlatas prestações de
contas eleitorais, destacam-se as exigências legais impostas aos candidatos e partidos
políticos na arrecadação de recursos e realização de gastos.

2.3.1 Arrecadação de recursos para a campanha


Preliminarmente, cabe registrar que qualquer arrecadação de recursos, financeiros
ou estimáveis em dinheiro, somente pode ocorrer após o requerimento do registro de
candidatura, emissão do CNPJ, abertura de conta bancária específica de campanha e a
emissão de recibos eleitorais.
Os recursos utilizados podem ser provenientes do próprio candidato ou ainda
de doações de pessoas físicas e de outros candidatos e partidos políticos, além dos
recursos públicos.
Estão proibidos de realizar doações diretas ou indiretas, seja de recursos finan­
ceiros ou de bens estimados em dinheiro, as pessoas jurídicas, as pessoas físicas que
exerçam atividade comercial decorrente de concessão ou permissão pública e as enti­
dades estrangeiras. O recurso oriundo dessas fontes vedadas não pode ser utilizado ou
aplicado na campanha, devendo ser devolvido ao doador imediatamente, se possível
a sua identificação, com o cancelamento do recibo eleitoral emitido. Vale mencionar,
ainda, que a transferência desse recurso para outros candidatos ou diretórios partidários
não isenta os donatários dessa obrigação. Assim, ainda que o candidato ou partido
que recebe o recurso de fonte vedada transfira o valor para outro candidato ou partido
político, mantém sua responsabilidade pela devolução. Não obstante, o beneficiário da
transferência responderá solidariamente pela irregularidade, sendo as consequências
aferidas por ocasião do julgamento das respectivas contas.
Nos termos da legislação eleitoral, é também vedada a utilização de recursos de
origem não identificada (RONI), pelo CPF (doações feitas por pessoas físicas) ou CNPJ
(doações feitas por outros candidatos ou partidos políticos) do respectivo doador. Esses
recursos também devem ser devolvidos ao doador, se possível for sua identificação, ou
transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).
Se esse recolhimento for efetuado de forma espontânea e imediata pelo candidato ou
partido beneficiário não incidirão juros e atualização monetária. Lado outro, se recolhido
somente após determinação judicial na prestação de contas ou mediante cobrança
promovida pela AGU, incidirão atualização monetária e juros moratórios calculados
com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, desde a data em que o
valor foi creditado na conta, até a data do efetivo recolhimento, salvo disposição diversa
na decisão judicial. Devolvido o recurso ao doador ou recolhido ao tesouro nacional,

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178 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

deve-se cancelar o recibo já emitido, especificando a operação em nota explicativa no


momento da apresentação da prestação de contas.
As doações de recursos para a campanha podem ser feitas em recursos financeiros
ou, ainda, em bens ou serviços estimáveis em dinheiro.
As doações em dinheiro de valor inferior a R$ 1.064,10 (um mil e sessenta e
quatro reais e dez centavos) podem ser efetivadas por meio de cheques cruzados e
nominais, transferências bancárias, depósitos em espécie devidamente identificados
com o CPF ou CNPJ do doador, boleto de cobrança com registro (doação pela internet)
ou por cartão de crédito ou de débito; já as doações de valor superior somente podem
ser realizadas por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador
e do beneficiário da doação.
Qualquer doação de recursos financeiros somente poderá ser efetuada na conta
bancária aberta especificamente para a campanha eleitoral, com exceção dos recursos do
fundo partidário aplicados nas campanhas, cuja movimentação deve ser feita na conta
específica para a movimentação de recursos oriundos do fundo partidário, estabelecida
no art. 43 da Lei nº 9.096/95.
O candidato também poderá utilizar os próprios bens na sua campanha, desde
que integrem o seu patrimônio antes do pedido de registro de candidatura. Pode,
ainda, doar recursos financeiros para a sua campanha, respeitando o limite de gastos
estabelecido por lei para o cargo em disputa. Deve observar, entretanto, que esses
recursos somente poderão ser utilizados após o requerimento do registro de candidatura,
emissão do CNPJ, abertura de conta bancária específica de campanha e emissão dos
recibos eleitorais. Ademais, o candidato também deve se valer dos meios legais citados
algures, ou seja, cheque, transferência bancária ou depósito identificado com seu CPF e
emitir o recibo eleitoral correspondente para fazer o dinheiro ingressar na sua campanha.
O candidato ou partido político pode, ainda, aplicar na campanha recursos obtidos
mediante empréstimos pessoais, desde que contratados em instituições financeiras ou
equiparadas, autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.2 Tratando-se de
candidato, exige-se que o empréstimo esteja caucionado por bem que integre o seu
patrimônio no momento do registro de candidatura, ou que ultrapasse a capacidade
de pagamento decorrente dos rendimentos de sua atividade econômica. Aplicado o
recurso obtido por meio de empréstimos, o candidato ou partido deve comprovar à
Justiça Eleitoral a sua formalização por meio de documentação legal e idônea, assim
como os pagamentos que se realizarem até o momento da entrega da sua prestação de
contas. Além disso, o Juiz Eleitoral ou o Relator nos Tribunais podem determinar que

2
Recentemente, em decisão publicada no DJE de 24.2.2017, o TSE considerou lícito a empréstimo obtido junto a
terceiro, desde que observadas as prescrições legais: “Recurso Ordinário nº 2622-47/TO.
Relatora: Ministra Luciana Lóssio. Ementa: ELEIÇÕES 2010. RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO.
ART. 30-A DA LEI No 9.504/97. CAPTAÇÃO OU GASTO ILÍCITO DE RECURSOS FINANCEIROS DE CAM­
PANHA. DEPUTADO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO JUNTO A PESSOA FÍSICA. LICITUDE.
AUSÊNCIA DE NORMA PROIBITIVA EXPRESSA. IMPROCEDÊNCIA NO TRE. DESPROVIMENTO.
1. A Res.-TSE nº 23.217/2011, que dispõe sobre a arrecadação e gastos de recursos de campanha, bem como sobre
a respectiva prestação de contas, não veda a possibilidade de a pessoa física do candidato contrair empréstimo
junto a terceiro, objetivando, a título de recursos próprios, promover aporte ao seu caixa de campanha, desde
que observados os demais ditames legais incidentes.
2. A representação do art. 30-A da Lei nº 9.504/97 exige, para a sua procedência, além do juízo de proporcionalidade
na fixação da pena, que os recursos ou gastos de campanha sejam ilícitos. 3. Recurso ordinário ao qual se nega
provimento.”

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O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
179

o candidato ou partido comprove o pagamento do empréstimo contraído e identifique


a origem dos recursos utilizados para quitação.
Os recursos de campanha podem também ter origem em repasses efetuados
por partidos políticos a candidatos ou outros partidos. Esses valores não entram na
campanha dos donatários como doação, mas sob a rubrica “transferência dos partidos”.
Não obstante, devem ser sempre identificadas pelo CPF/CNPJ do doador originário.
No ato do repasse, o partido vai ter que informar quem doou aquele valor para a agre­
miação. Com essa informação será possível verificar se a doação ao partido, repas­sada
para a campanha, infringiu alguma regra legal, a exemplo de doações feitas ao partido
por pessoas jurídicas em anos anteriores, antes da vedação, ou se a doação feita ao
partido extrapolou o limite legal imposto às doações efetuadas por pessoas físicas de
10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao pleito.
Ainda na busca de colmatar a influência do poder econômico nas campanhas
são impostos limites aos valores de doações realizadas por pessoas físicas. Tratando-
se de recursos financeiros, esse limite é de 10% (dez por cento) dos recursos brutos
auferidos no ano anterior ao pleito, sob pena de imposição de multa ao doador infrator
e de consequências ao donatário. O cruzamento de dados ocorre com a Receita Federal
que confronta a declaração de imposto de renda com o valor da doação realizada. Nos
termos da jurisprudência, no caso de pessoa isenta do recolhimento desse imposto,
o limite de 10% (dez por cento) será calculado com base no valor teto para a isenção.
Inobstante esse limite seja inaplicável à utilização de recursos próprios dos
candidatos, faz-se imprescindível atentar para possíveis manobras aos regramentos
legais, mormente ao recebimento de recursos de pessoas qualificadas como “laranjas”,
que ingressam nas campanhas como se fossem recursos próprios.
Tratando-se de doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens
móveis ou imóveis de propriedade do doador e à prestação de serviços próprios, aplica-
se o limite de R$ 40.000 (quarenta mil reais), apurados conforme o valor de mercado.3
Nesses casos, o doador deve demonstrar que é proprietário do bem ou que é o respon­
sável direto pela prestação de serviços. Essa regra não é aplicável aos partidos e outros
candidatos que podem doar entre si bens próprios ou serviços estimáveis em dinheiro,
ou ceder seu uso, ainda que não constituam produto de seus próprios serviços ou de
suas atividades. Cabe ressalvar, ainda, que, tratando-se de serviços prestados de forma
voluntária em favor de algum candidato, não há regramento legal que limite o seu valor
estimado, por tartar-se de engajamento político e não de doação.
Instituída pela Lei nº 12.034/2009 e regulamentada pela Resolução do TSE nº
23.216/2010, admite-se também as doações de recursos financeiros pela internet. Essa
modalidade de doação pode ser utilizada tanto pelas pessoas físicas como pelos candi­
datos e partidos políticos e está sujeita ao mesmo limite estabelecido para as doações
em dinheiro. Ficam proibidas as doações por meio de cartão de crédito emitido no
exterior, corporativo ou empresarial, inclusive os cartões de pagamento utilizados por
empresas privadas e por órgãos da administração pública direta e indireta de todas as
esferas de governo.

3
Art. 23, §7º da Lei nº 9.504/97 com a redação dada pela Lei nº 13.488/2017 – O limite previsto no §1º deste
artigo não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de
propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse
R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) por doador.

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180 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Como termo final do período de arrecadação, tem-se que os candidatos e partidos


políticos somente poderão arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.
Excepcionalmente, permite-se a arrecadação de recursos após o pleito, exclusivamente
para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia do pleito, as quais
deverão estar integralmente quitadas até a data da entrega da prestação de contas à
Justiça Eleitoral. Ademais, essa arrecadação somente é permitida no valor necessário
para pagar a dívida.
Admite-se, ainda, a assunção de dívida de campanha pelo órgão do partido
político por decisão do seu órgão nacional. Nesse caso, o órgão partidário da respectiva
circunscrição eleitoral passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o
candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como
causa para a rejeição de contas.
Já a existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido será aferida
na oportunidade do julgamento da prestação de contas do candidato e poderá ser
considerada motivo para a sua rejeição, uma vez que não é dado ao candidato gastar
mais do que arrecadado.

2.3.2 Gastos eleitorais


Em regra, todas as despesas relativas à campanha são consideradas gastos elei­
torais e poderão ser pagas com os recursos licitamente arrecadados para esse fim e
declarados na prestação de contas, a fim de cumprir o princípio da transparência e
permitir o seu efetivo controle.
O art. 26 da Lei nº 9.504/97 relaciona, de forma exemplificativa, os gastos de
cam­panha que podem ser feitos com os recursos arrecadados. Assim, outras despesas
poderão ser realizadas fora do rol, desde que lícitas e, igualmente, devem atender às
normas e às limitações legais.
Recentemente, a Lei nº 13.487/2017 excluiu, taxativamente, algumas despesas do
rol de gastos eleitorais: a) as relacionadas com combustível e manutenção de veículo
automotor usado pelo próprio candidato na campanha, bem como a remuneração, a
alimentação e a hospedagem do condutor do veículo; b) a alimentação e hospedagem
do próprio candidato e c) o uso de linhas telefônicas registradas em seu nome como
pessoa física, até o limite de três.
Assim como a arrecadação de recursos, os gastos destinados à campanha eleitoral
só podem ser realizados depois do requerimento do registro de candidatura, inscrição
no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, comprovação de abertura de conta bancária
específica destinada a registrar a movimentação financeira da campanha e emissão
dos recibos eleitorais. A realização de gastos antes de qualquer dessas etapas impede
ou prejudica a fiscalização por parte da Justiça Eleitoral e impõe a desaprovação das
contas de campanha. Como exceção a essa regra, permite-se a contratação de serviços
(e não o seu pagamento) antes de praticados os atos mencionados em relação aos
gastos destinados à preparação da campanha; aos gastos destinados à instalação física
de comitês de campanha de candidatos e partidos políticos e àqueles destinados à
instalação de página de internet de candidatos e partidos políticos. Nesses casos, os
serviços poderão ser contratados a partir do dia 20 de julho do ano eleitoral, após a
efetiva realização da respectiva convenção partidária, desde que a contratação seja

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O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
181

devidamente formalizada e que o desembolso financeiro ocorra somente depois da


obtenção do número de inscrição no CNPJ, da abertura de conta bancária específica de
campanha e da emissão dos recibos eleitorais.
Os limites de gastos nas campanhas passaram a ser definidos em lei. Além do
limite geral estabelecido nos arts. 5º a 7º da Lei nº 13.488/2017,4 a lei impõe limites
específicos relativos a determinados tipos de despesas, de forma que os gastos com a
alimentação de pessoal que presta serviços às candidaturas ou aos comitês de campanha
não podem ultrapassar 10% (dez por cento) do total de gastos contratados da campanha;
já as despesas com aluguel de veículos automotores não podem ultrapassar 20% (vinte
por cento) do total desses gastos.
O art. 100-A da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.891/135 estabelece, ainda,
limites para a contratação de pessoal em cada eleição, referentes a atividades de
militância e mobilização de rua, mediante a contratação direta ou terceirizada, pautados

4
Art. 5º Nas eleições para Presidente da República em 2018, o limite de gastos de campanha de cada candidato
será de R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais).
Parágrafo único. Na campanha para o segundo turno, se houver, o limite de gastos de cada candidato será de
50% (cinquenta por cento) do valor estabelecido no caput deste artigo.
Art. 6º O limite de gastos nas campanhas dos candidatos às eleições de Governador e Senador em 2018 será
definido de acordo com o número de eleitores de cada unidade da Federação apurado no dia 31 de maio de
2018, nos termos previstos neste artigo.
§1º Nas eleições para Governador, serão os seguintes os limites de gastos de campanha de cada candidato:
I – nas unidades da Federação com até um milhão de eleitores: R$ 2.800.000,00 (dois milhões e oitocentos mil
reais);
II – nas unidades da Federação com mais de um milhão de eleitores e de até dois milhões de eleitores:
R$ 4.900.000,00 (quatro milhões e novecentos mil reais);
III – nas unidades da Federação com mais de dois milhões de eleitores e de até quatro milhões de eleitores:
R$ 5.600.000,00 (cinco milhões e seiscentos mil reais);
IV – nas unidades da Federação com mais de quatro milhões de eleitores e de até dez milhões de eleitores:
R$ 9.100.000,00 (nove milhões e cem mil reais);
V – nas unidades da Federação com mais de dez milhões de eleitores e de até vinte milhões de eleitores:
R$ 14.000.000,00 (catorze milhões de reais);
VI – nas unidades da Federação com mais de vinte milhões de eleitores: R$ 21.000.000,00 (vinte e um milhões
de reais).
§2º Nas eleições para Senador, serão os seguintes os limites de gastos de campanha de cada candidato:
I – nas unidades da Federação com até dois milhões de eleitores: R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos
mil reais);
II – nas unidades da Federação com mais de dois milhões de eleitores e de até quatro milhões de eleitores:
R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais);
III – nas unidades da Federação com mais de quatro milhões de eleitores e de até dez milhões de eleitores:
R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais);
IV – nas unidades da Federação com mais de dez milhões de eleitores e de até vinte milhões de eleitores:
R$ 4.200.000,00 (quatro milhões e duzentos mil reais);
V – nas unidades da Federação com mais de vinte milhões de eleitores: R$ 5.600.000,00 (cinco milhões e
seiscentos mil reais).
§3º Nas campanhas para o segundo turno de governador, onde houver, o limite de gastos de cada candidato
será de 50% (cinquenta por cento) dos limites fixados no §1º deste artigo.
Art. 7º Em 2018, o limite de gastos será de:
I – R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) para as campanhas dos candidatos às eleições de
Deputado Federal;
II – R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para as campanhas dos candidatos às eleições de Deputado Estadual
e Deputado Distrital.
5
Art. 100-A. A contratação direta ou terceirizada de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades
de militância e mobilização de rua nas campanhas eleitorais observará os seguintes limites, impostos a cada
candidato:

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182 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

no princípio da proporcionalidade, considerando-se o cargo em disputa e o número de


eleitores na circunscrição eleitoral.
Quanto à forma de pagamento das despesas, a legislação impõe que estas sejam
pagas por meio de cheque nominal ou de transferência bancária que identifique o CPF
ou o CNPJ do beneficiário. Já as despesas de pequeno valor (até R$ 300,00), podem ser
pagas com os recursos do “fundo de caixa”6 em dinheiro diretamente ao beneficiário,
devendo os recursos necessariamente transitar na conta bancária específica de campanha.
Ainda dentro das despesas eleitorais, o art. 27 da lei das eleições permite que
qualquer eleitor realize, pessoalmente, gastos no valor de até R$ 1.064,10 (um mil e
sessenta e quatro reais e dez centavos) com a finalidade de apoiar candidato de sua
preferência. Esse valor não fica sujeito à contabilização, desde que não seja reembolsado.
Nesse caso, o bem ou serviço deve ser adquirido pelo eleitor e por ele usufruído, ainda
que proporcione benefícios ao candidato. Se o bem ou serviço for utilizado ou usufruído
pelo próprio candidato ou por sua equipe, o gasto deixa de ser albergado pelo art. 27 e
configura uma doação. Como a realização da despesa é feita diretamente pelo próprio
eleitor, o documento fiscal deverá ser emitido em seu nome. Trata-se de gasto não
eleitoral e que, portanto, não deve constar na prestação de contas.
A responsabilidade pelo pagamento dos gastos eleitorais contraídos pelos
candidatos é deles, juntamente com seu vice e suplentes, quando for o caso, além da
pessoa por ele indicada para a administração financeira de sua campanha eleitoral, se
houver. Os partidos políticos responderão apenas pelos gastos que realizarem, salvo
no caso de assunção de dívida após o dia da eleição, na forma já explanada acima.
Por fim, registra-se que ainda que o candidato ou partido político não arrecade
recursos e realize qualquer despesa com a campanha, deverá prestar contas, informando
a ausência de movimentação e comprovando o alegado por meio da apresentação dos
extratos bancários da conta de campanha ou de declaração firmada pelo gerente da
instituição financeira, atestando a ausência de movimentação.

I – em Municípios com até 30.000 (trinta mil) eleitores, não excederá a 1% (um por cento) do eleitorado;
II – nos demais Municípios e no Distrito Federal, corresponderá ao número máximo apurado no inciso I,
acrescido de 1 (uma) contratação para cada 1.000 (mil) eleitores que exceder o número de 30.000 (trinta mil).
§1º As contratações observarão ainda os seguintes limites nas candidaturas aos cargos a:
I – Presidente da República e Senador: em cada Estado, o número estabelecido para o Município com o maior
número de eleitores;
II – Governador de Estado e do Distrito Federal: no Estado, o dobro do limite estabelecido para o Município
com o maior número de eleitores, e, no Distrito Federal, o dobro do número alcançado no inciso II do caput;
III – Deputado Federal: na circunscrição, 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para o Município com
o maior número de eleitores, e, no Distrito Federal, esse mesmo percentual aplicado sobre o limite calculado na
forma do inciso II do caput, considerado o eleitorado da maior região administrativa;
IV – Deputado Estadual ou Distrital: na circunscrição, 50% (cinquenta por cento) do limite estabelecido para
Deputados Federais;
V – Prefeito: nos limites previstos nos incisos I e II do caput;
VI – Vereador: 50% (cinquenta por cento) dos limites previstos nos incisos I e II do caput, até o máximo de 80%
(oitenta por cento) do limite estabelecido para Deputados Estaduais.
6
Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário pode constituir reserva em dinheiro
(fundo de caixa) que observe o saldo máximo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), desde que não ultrapassem 2%
(dois por cento) dos gastos contratados pela agremiação.
Já a reserva em dinheiro (fundo de caixa) do candidato deve observar o saldo máximo de R$ 2.000,00 (dois mil
reais), desde que não ultrapasse 2% (dois por cento) do limite de gastos estabelecidos para sua candidatura.

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O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
183

2.4 O atual modelo de prestação de contas eleitorais


O atual modelo de prestação de contas eleitorais privilegia a regulamentação
abundante, a transparência e um regime de sanções amplo e fulcra-se na busca de um
processo político-eleitoral mais límpido e igualitário, com menor interferência do poder
econômico e uma fiscalização mais ampla e efetiva.
Por muito tempo, a análise da prestação de contas foi feita de forma ficta, sem
critérios para aferir a real movimentação de recursos. Muitos candidatos, mormente nos
municípios menores, não declaravam qualquer arrecadação ou gasto, mesmo realizando
campanhas vultosas e, ainda assim, tinham suas contas aprovadas.
Esse cenário mudou! A cada eleição, a legislação aperfeiçoa as exigências e os
instru­mentos de fiscalização, permitindo a análise substancial das contas de campanha,
a fim de que espelhem a realidade, com o fito de reduzir, em potencial, a influência
do poder econômico no processo eleitoral e combater o nefasto “caixa 2”, em busca da
higidez e da moralidade das campanhas eleitorais.
É certo que ainda não atingimos o estado ideal. O simples aperfeiçoamento da
legislação mostra-se insuficiente aos fins propostos, ante a ausência de políticas insti­
tucionais que possibilitem o efetivo controle dos recursos arrecadados e dos gastos
realizados durante a campanha; do exíguo prazo para análise e julgamento das contas
e do reduzido quadro de servidores da Justiça Eleitoral para analisá-las.
Preliminarmente, cabe registrar que a obrigação de prestar contas de campanha
decorre da necessidade de resguardar princípios insculpidos na Constituição Federal
e nas leis eleitorais, como o da moralidade das eleições, da igualdade de disputa entre
os candidatos, da probidade e da impessoalidade no exercício dos mandatos públicos
e na administração da coisa pública.
Todo candidato e partido político deve prestar contas de campanha, esclarecendo
à Justiça Eleitoral e aos eleitores em geral, quem foram os seus doadores, a quantidade
de recursos arrecadados e os gastos efetuados durante a campanha e demais dados
exigidos pela legislação eleitoral.
A prestação de contas está regulamentada na Lei nº 9.504/97, nos arts. 28 a 32
e a cada eleição, o TSE edita uma resolução com todas as regras a serem observadas.
Além disso, pode emitir orientações técnicas referentes a esse processo propostas pela
assessoria de exame de contas eleitorais e partidárias e aprovadas, por portaria, pelo
presidente do Tribunal.
A legislação sobre o tema é extensa, com regramentos específicos e bem defi­
nidos a serem observados na arrecadação e na realização de gastos. Essas limitações
quantitativas e qualitativas impostas visam a permitir uma disputa igualitária entre
os candidatos aos cargos públicos, tendo em vista que as condições financeiras entre
aqueles que disputam são díspares, de forma que muitos deles não têm condições de
arcar com os custos da campanha, tampouco dispõem de financiadores.
No atual modelo de prestação de contas, o candidato pode nomear uma pessoa
para fazer a administração financeira de sua campanha, delegando-lhe o poder de
cuidar da movimentação de recursos, organizar os documentos, fazer os registros no
sistema e preparar a prestação de contas. Não obstante a relevância da pessoa indicada,
o administrador financeiro não será o único responsável pelos atos praticados, já que
o candidato será solidariamente responsável por todas as informações financeiras e
contábeis de sua campanha.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
184 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Já a responsabilidade pela elaboração e envio da prestação de contas à Justiça


Eleitoral é dos próprios candidatos, quer disputem cargos majoritários ou proporcionais
na forma da atual redação do art. 28, §§1º e 2º da Lei nº 9.504/97, alterado pela Lei nº
13.165/15. Tratando-se de prestação de contas do partido político, a responsabilidade
pela elaboração e encaminhamento, bem como pela veracidade das informações pres­
tadas é do presidente e do tesoureiro do órgão partidário respectivo.
Visando a atribuir maior confiabilidade às contas, a legislação impõe a obrigato­
riedade de contratação de um profissional de contabilidade que pode ser tanto um
contador, profissional de nível superior, quanto o técnico em contabilidade, para
acompanhar a arrecadação de recursos e a realização de gastos, fazer os registros
contábeis pertinentes e auxiliar o candidato e o partido na elaboração da prestação de
contas com observância das normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Contabi­
lidade e das regras constantes na legislação eleitoral.
A partir da Lei nº 12.034/2009 que acrescentou os §§5º 6º e 7º ao art. 30 da Lei
nº 9.504/97, o processo de prestação de contas deixou de ter caráter eminentemente
administrativo e passou a ter natureza judicial, tornando imprescindível a representação
da parte por profissional de advocacia nesses autos. Busca-se com essa exigência,
conferir maior confiabilidade e seriedade às prestações de contas, permitir o efetivo
contraditório e a ampla defesa, além de facilitar a comunicação entre os partidos políticos
e candidatos e a Justiça Eleitoral.
Faz-se importante registrar que o processo de prestação de contas não pode
se desenvolver e ser analisado e julgado sem a presença de advogado. Assim, a não
constituição do causídico pode resultar no julgamento das contas como não prestadas,
o que implica graves sanções ao candidato (impossibilidade de obtenção de quitação
eleitoral no curso do mandato ou até que sejam efetivamente prestadas) ou partido
político omisso (suspensão com perda de cotas do fundo partidário).
Deve-se observar que mesmo na hipótese de ausência de movimentação de
recursos na campanha, a contratação do profissional de contabilidade e de advogado
perma­nece obrigatória.
Materialmente, a prestação de contas é elaborada eletronicamente por meio do
Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE), programa desenvolvido pela Justiça
Eleitoral e de uso obrigatório utilizado para a elaboração e envio eletrônico das peças.
Concluído o envio, o sistema emite um extrato que deve ser assinado e protocolado
no órgão da justiça eleitoral competente juntamente com os demais documentos obri­
gatórios dentro do prazo legal.
Além da prestação de contas final, há obrigatoriedade de entregar a Prestação de
contas Parcial e os Relatórios Financeiros, a fim de permitir um controle mais efetivo
pela Justiça Eleitoral de toda a movimentação dos recursos de campanha, bem como
pelos eleitores em geral.
Nos termos do art. 28, §4º da Lei das Eleições, incluído pela Lei nº 13.165/15, os
partidos políticos e os candidatos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, a
entre­gar à Justiça Eleitoral, para divulgação em página criada na internet, os dados
relativos aos recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha
por meio do SPCE em até setenta e duas horas contadas a partir da data do crédito da
doação financeira na conta bancária. Em seguida, esses dados serão disponibilizados
pelo TSE, na sua página na internet, em até 48 horas, ocasião em que também poderão

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O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
185

ser divulgados os gastos eleitorais declarados. A ausência dessas informações no prazo


estabelecido deve ser examinada de acordo com a quantidade e os valores envolvidos
na oportunidade do julgamento da prestação de contas, podendo, conforme o caso,
levar a sua rejeição.
A divulgação dos dados relativos ao financiamento das campanhas é de crucial
importância tanto para o eleitor a fim de que possa exercer de forma consciente o seu
direito de sufrágio, uma vez que lhe permite aferir quem são os financiadores e qual o
montante de gastos por eles realizados. Também permite uma maior fiscalização seja por
parte dos órgãos de fiscalização de justiça, seja por eleitores e demais candidatos ao prélio.
A Prestação de Contas Parcial, por sua vez, deve ser encaminhada também pelo
SPCE, via internet, no mês de setembro do ano eleitoral, fazendo constar o registro
da movimentação financeira de campanha ocorrida desde o seu início até a data
estabelecida pelo TSE em resolução. Em seguida, o TSE divulga, na sua página, na
internet, todas as prestações de contas parciais de candidatos e partidos políticos com
a indicação dos nomes, do CPF ou CNPJ dos doadores e os respectivos valores doados.
Nela, devem-se discriminar os recursos em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para o
financiamento da campanha eleitoral com indicação dos nomes e do CPF das pessoas
físicas doadoras ou o CNPJ dos partidos ou dos candidatos doadores e os respectivos
valores doados, bem como a identificação dos gastos realizados, com detalhamento dos
fornecedores. Embora a lei não tipifique uma sanção específica para o descumprimento
dessa obrigação, a não apresentação tempestiva ou a sua entrega de forma que não
corresponda à efetiva movimentação de recursos pode caracterizar infração grave, a
ser apurada na oportunidade do julgamento da prestação de contas final.
No sistema atual, o juiz ou tribunal eleitoral competente pode, desde logo,
determinar a autuação e distribuição da prestação de contas parcial e dar início a análise
das contas com base nos dados nela constantes e naqueles que estiverem disponíveis,
a exemplo dos extratos bancários eletrônicos, notas fiscais encaminhadas pela Receita
Federal e pelas Secretarias Financeiras Municipais, informações prestadas por doadores
e fornecedores e informações relativas a repasses dos recursos do fundo partidário.
Autuada a prestação de contas parcial, serão juntados ao processo os recibos
eleitorais emitidos e os que forem sendo emitidos, os extratos eletrônicos recebidos e
os que vierem a ser recebidos e, posteriormente, a prestação de contas final.
Por fim, todos os candidatos e partidos políticos devem, até 30 (trinta) dias após
o pleito, apresentar a Prestação de Contas Final. Se houver segundo turno, o prazo
será de 20 (vinte) dias a contar da sua realização. Esse prazo se refere tanto ao envio
eletrônico, via sistema, como ao protocolo físico do extrato da prestação de contas com
os documentos obrigatórios no órgão competente.
No modelo atual vigente implementado pela Reforma Eleitoral de 2015, existem
dois tipos de prestação de contas final: o completo e o simplificado.
O sistema simplificado se caracteriza pela análise informatizada e simplifi­
cada das contas que será elaborada exclusivamente pelo SPCE e pela menor quanti­
dade de documentos a serem apresentados,7 bem como pelo rito mais célere que, em

7
Art. 28 (...)
§10. O sistema simplificado referido no §9º deverá conter, pelo menos:

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186 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

regra, dispensa a realização de diligências. Podem apresentá-la qualquer candidato


cuja movimentação financeira na campanha não ultrapasse R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), atualizados monetariamente a cada eleição pelo Índice Nacional de Preços
ao Consumidor (INPC/IBGE) ou por índice que o substituir, e todos os candidatos
a prefeito e vereador nos municípios com menos de 50.000 (cinquenta mil) eleitores,
indepen­dentemente do valor gasto.
Os requisitos acima não são cumulativos. Assim, em qualquer município com
menos de cinquenta mil eleitores, independentemente do montante movimentado, a
prestação de contas será apresentada no formato simplificado. Lado outro, nos muni­
cípios com mais de cinquenta mil eleitores, também será apresentada a prestação de
contas simplificada por aqueles candidatos cuja movimentação financeira for até o
limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
A prestação de contas final completa, a ser apresentada por todos os prestadores
que não se enquadrem nos requisitos retromencionados relativos à prestação de contas
simplificada, deve conter os dados de qualificação do candidato, do administrador
financeiro e do profissional de contabilidade; uma demonstração dos recibos eleitorais
emitidos e dos utilizados; a descrição de todas as receitas em dinheiro e estimáveis
em dinheiro recebidas; demonstrativo da comercialização de bens e/ou serviços e/ou
da promoção de eventos; demonstrativo das doações efetuadas a outros candidatos e
partidos políticos; um demonstrativo de todos os gastos individuais realizados pelo
candidato e pelo partido, assim como dos gastos realizados pelo partido político em
favor do seu candidato; demonstrativo das despesas pagas após a eleição; conciliação
bancária e informações sobre eventuais sobras ou dívidas de campanha.
Deve ser obrigatoriamente acompanhada do extrato completo da conta bancária
específica de campanha, inclusive da conta aberta para a movimentação de recursos
do fundo partidário, se houver, e do instrumento de mandato para constituição de
advogado. Se for o caso, devem ainda ser juntados: a) o comprovante de recolhimento
ou entrega ao órgão partidário das sobras de campanha; b) os documentos fiscais que
comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do fundo
partidário; c) comprovantes bancários de devolução dos recursos recebidos de fonte
vedada ou provenientes de origem não identificada; d) autorização do órgão nacional
de direção partidária, na hipótese de assunção de dívida pelo partido político e f) de
notas explicativas com as justificativas pertinentes.
Inobstante a exigência legal para a apresentação dos documentos retromencio­
nados, todos os demais relacionados à campanha devem ser guardados e estarem
disponíveis, uma vez que poderão ser solicitados a qualquer momento para esclarecer
fatos e prová-los, sempre que necessário.
Protocolada a prestação de contas final, a Justiça Eleitoral disponibilizará todas
as informações constantes bem como os extratos eletrônicos encaminhados, na página
do TSE, na internet, dando amplo conhecimento a todos.

I – identificação das doações recebidas, com os nomes, o CPF ou CNPJ dos doadores e os respectivos valores
recebidos;
II – identificação das despesas realizadas, com os nomes e o CPF ou CNPJ dos fornecedores de material e dos
prestadores dos serviços realizados;
III – registro das eventuais sobras ou dívidas de campanha.

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O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
187

Em seguida, será imediatamente publicado edital com a relação das contas


apre­sentadas. No dia seguinte à publicação, tem início o prazo de 03 (três) dias para
que qualquer partido político, candidato ou coligação, o Ministério Público, bem como
qualquer outro interessado, possa impugnar as prestações de contas entregues.
Tratando-se de processo de natureza judicial, o processo de prestação de contas
deve seguir o devido processo legal, garantindo aos interessados o efetivo contraditório
e a ampla defesa e ser julgada pelo órgão judicial competente por decisão devidamente
fundamentada.
A primeira análise é feita de forma eletrônica pelo SPCEWEB (sistema interno
da Justiça Eleitoral) que realiza batimentos, cotejando as informações constantes na
prestação de contas com aquelas que compõem o banco de dados, externo e interno,
provenientes do Sistema de Recibos Eleitorais (SRE); do Sistema de Nota Fiscal
Eletrônica; de outras prestações de contas; do resultado da fiscalização de eventos; dos
extratos eletrônicos encaminhados pelas instituições bancárias; dos recursos recebidos de
fontes vedadas e de dados constantes no banco de dados da Receita Federal, bem como
de informações voluntárias de doadores e fornecedores ou resultantes de circularizações
inseridas no sistema disponível para esse fim.
Feitos os batimentos, são gerados relatórios, dentre eles, um destinado ao exame
técnico denominado “Procedimento Técnico de Exame” (PTE), no qual constarão
todos os aspectos a serem examinados, já com o resultado das críticas informatizadas
automáticas e com orientações quanto à aplicação de procedimentos manuais de exame
que poderão ser acessados pelos servidores da Justiça Eleitoral.
Em seguida, passa-se ao exame manual, com análise das informações e
documentos apresentados e identificação das falhas e irregularidades que possam, desde
logo, ser esclarecidas ou sanadas, e apresentação, ao final, do Relatório Preliminar de
Diligências, no qual serão relacionadas.
Havendo indícios de irregularidades, a Justiça Eleitoral deverá requisitar
informações adicionais do prestador de contas e determinar diligências específicas para
a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas no prazo de 72h, com
a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados,
adotando uma postura educativa e preventiva, sempre em prol da regularização das
contas.
Em resposta às diligências, o interessado deverá apresentar justificativa, por inter­
médio do advogado constituído nos autos, juntando documentos hábeis à correção das
falhas apontadas e, se necessário, apresentará prestação de contas retificadora.
Sempre que o cumprimento de diligências implicar a alteração das peças, será
obri­gatória a apresentação da prestação de contas retificadora, acompanhada dos docu­
mentos que comprovem a alteração realizada.
Cumpridas as diligências, procede-se à análise técnica completa com apresentação,
ao final, do Parecer Meritório.
Nessa nova análise, verificada a existência de falha, impropriedade ou irregu­
laridade em relação à qual não se tenha dado ao prestador de contas prévia oportunidade
de manifestação ou complementação na fase inicial, a unidade ou responsável pela análise
deve notificar o prestador de contas, por intermédio do seu procurador, para manifestar-
se ou complementá-las no prazo de 72h a contar da notificação. Ressalte-se que, nessas
diligências, a Justiça Eleitoral deverá privilegiar a oportunidade de o interessado sanar,

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188 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

tempestivamente e quando possível, as irregularidades e impropriedades verificadas,


identificando, de forma específica e individualizada, as providências a serem adotadas,
bem como o seu escopo. Ademais, essa nova oportunidade deve estar relacionada
apenas às questões não apontadas no Relatório Inicial de Diligências, sobre as quais a
parte ainda não teve oportunidade de se manifestar, não podendo servir como mais
uma “chance” para cumprir diligências já determinadas e não atendidas no prazo legal.
Em resposta a essas diligências, o interessado adotará providências, apresentando
justificativas, juntando documentos hábeis à correção das falhas e irregularidades
apontadas e, se necessário, apresentará prestação de contas retificadora.
Após análise da prestação de contas e da eventual realização de diligências, o
analista irá elaborar um parecer para subsidiar a decisão do juiz eleitoral.
O descumprimento de qualquer norma concernente à arrecadação e aplicação de
recursos e à prestação de contas deverá ser relatado pelo analista como falha verificada
no exame, quando da emissão do respectivo relatório. Ademais, o exame deverá pautar-
se pelo conjunto de todas as ocorrências técnicas verificadas e pelo valor envolvido
em cada uma das falhas eventualmente constatadas, atentando-se para a natureza
das inconsistências, classificadas, segundo os critérios abaixo adotados pelo TSE na
Portaria nº 488/2014:
– Falha de natureza formal – revelam o descumprimento de normas técnicas que
não afetam, no mérito, o exame das contas.
– Impropriedade – demonstram o descumprimento de obrigações de natureza
eleitoral, mas que não comprometem, isoladamente, a regularidade das contas,
gerando ressalvas.
– Irregularidade – demonstram o descumprimento de obrigações de natureza
eleitoral, contudo, de maior gravidade e repercussão sobre as contas, as quais
podem vir a comprometer a regularidade, a consistência e a confiabilidade das
contas prestadas, podendo gerar a desaprovação das contas ou o julgamento
pela sua não prestação.
A emissão do Parecer Técnico Conclusivo deve considerar, de acordo com o pru­
dente critério do analista de contas: a) o exame individualizado e minucioso do caso
concreto; b) o exame, em conjunto, de todas as eventuais falhas detectadas; c) o montante
envolvido na falha detectada e sua representatividade nas contas. Na utilização desses
parâmetros, devem-se excepcionar os casos em que, apesar de pequena monta, as
irregu­laridades culminam por afetar de forma irreparável a confiabilidade das contas ou
aquelas circunstâncias em que a norma, por si só, já determina a desaprovação, a exemplo
do uso de recursos financeiros para pagamento de gastos eleitorais que não provenham
da conta “doações para campanha” ou da conta específica para movimentação dos
recursos do fundo partidário. Ao final, o parecer deve concluir pela aprovação, aprovação
com ressalvas, desaprovação ou não prestação das contas.
Se o parecer técnico concluir pela existência de irregularidades e/ou improprie­
dades sobre as quais não se tenha dado oportunidade específica de manifestação ao
prestador de contas, a Justiça Eleitoral o notificará para, querendo, manifestar-se no
prazo de 72h a contar da notificação, vedada a juntada de documentos que não se refiram
especificamente à irregularidade e/ou à impropriedade apontada.
Apresentado o parecer conclusivo e decorrido o prazo para manifestação do
prestador, se for o caso, o Ministério Público Eleitoral terá vista dos autos, devendo
emitir parecer no prazo de quarenta e oito horas.

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O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
189

Embora a manifestação do órgão ministerial ocorra neste momento, deve-se


observe que, como fiscal do ordenamento jurídico, deverá acompanhar as prestações
de contas, inclusive as parciais durante todo o seu processamento, podendo, inclusive,
impugná-las e requerer a quebra do sigilo bancário e fiscal, dos candidatos, dos partidos
políticos, dos doadores, dos fornecedores e de terceiros envolvidos.
Caso o Ministério Público apresente parecer pela rejeição das contas por motivo
que não tenha sido anteriormente identificado ou considerado pelo órgão técnico, a
Justiça Eleitoral notificará o prestador de contas, por seu advogado, para, querendo,
manifestar-se no prazo de 72h, vedada a juntada de documentos que não se refiram
especificamente às irregularidades e/ou impropriedades apontadas.
Afere-se, portanto, que a análise do MPE poderá ir além do parecer técnico e
apontar falhas não apuradas até aquela oportunidade. Seria o caso, por exemplo, de
ter conhecimento de um gasto realizado pelo candidato não lançado na prestação de
contas. Nesses casos, em obediência ao princípio do contraditório, não se pode passar
ao julgamento antes de dar oportunidade para o prestador de contas complementar
dados e sanar as falhas apuradas.
Decorrido o prazo para parecer do MPE, ou se for o caso, para nova manifestação
do prestador de contas, com ou sem esta, os autos devem ser imediatamente conclusos
ao Juiz Eleitoral ou relator para decisão.
O juiz Eleitoral ou relator, por sua vez, verificará as contas, decidindo: a) pela
aprovação, quando estiverem regulares; b) pela aprovação com ressalvas, quando
verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade; c) pela desaprovação,
quando constatadas falhas que comprometem sua regularidade ou, ainda, pela d)
não prestação quando: d.1) não forem apresentados os documentos e as informações
que devem constar na prestação de contas, ou d.2) o responsável deixar de atender às
diligências determinadas para suprir a ausência que impeça a análise da movimentação
dos recursos financeiros.
Anote-se que nem sempre a ausência parcial de informações e documentos que
devem constar na prestação de contas ou o não atendimento às diligências determinadas
ensejará o julgamento das contas como não prestadas. Somente nos casos em que não
houver nos autos elementos mínimos necessários que permitam a análise das contas
é que estas devem ser julgadas como não prestadas. A autoridade judiciária deve,
sempre que possível, examinar se a ausência constatada é relevante e compromete a
regularidade das contas para efeito de sua aprovação com ressalvas ou desaprovação.
Por fim, cabe registrar que o julgamento da prestação de contas pela Justiça
Eleitoral não afasta a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de
eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações
em andamento ou futuras.
Eventuais crimes verificados, também deverão ser apurados pelos órgãos com­
petentes, cabendo à autoridade judicial responsável pela análise das contas remeter
as respectivas informações e documentos necessários àqueles, sempre que verificar a
presença de indícios de irregularidades que possam configurar ilícitos.
A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos deve ser publicada até 03
(três) dias antes da diplomação.
Uma grande falha ainda existente no sistema sancionatório das prestações de
contas, relaciona-se a ausência de efeitos diretos provocados pela desaprovação das

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190 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

contas, já que esta não importa em impedimento à obtenção de quitação eleitoral ou


na imposição de qualquer penalidade ao candidato. Nesse sentido, o teor da súmula
nº 57 do TSE: “A apresentação das contas de campanha é suficiente para a obtenção
da quitação eleitoral, nos termos da nova redação conferida ao art. 11, §7º, da Lei nº
9.504/97, pela Lei nº 12.034/2009”.
Não obstante esse vácuo legislativo, deve-se observar que na forma do §4º do
art. 22 da Lei das Eleições, desaprovadas as contas, a Justiça Eleitoral remeterá cópia
de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral, para fins de apuração de eventual
abuso de poder econômico ou de outras irregularidades que possam fundamentar a
propositura das ações eleitorais cabíveis.
Já o partido político que tem suas contas desaprovadas total ou parcialmente,
poderá perder o direito ao recebimento da cota do Fundo Partidário do ano seguinte ao
trânsito em julgado da decisão, de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um)
a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto no valor a ser repassado, da importância
apontada como irregular.
Por fim, dentro do atual sistema processual relacionado à prestação de contas,
têm crucial relevância as ações eleitorais autônomas que podem veicular ilicitudes
apuradas durante a movimentação de recursos e que estejam a ela relacionadas, como
a Representação por Doação acima do Limite legal e a Representação por Arrecadação
e Gastos Ilícitos em Campanha.
A Representação por doação acima do limite legal poderá ser proposta apenas
contra o doador, com fulcro no art. 23 da Lei nº 9.504/97 com o objetivo de apurar e
punir doações realizadas por pessoas físicas a partidos e candidatos em campanha,
acima dos limites legais,8 objetivando impedir o abuso do poder econômico e proteger
a igualdade entre os candidatos e a higidez das campanhas eleitorais, aplicando, ao
final, multa ao infrator condenado.9
Já a Representação por Arrecadação e Gastos Ilícitos em Campanha encontra
alicerce legal no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 e visa a punir condutas graves em desacordo
com as regras de arrecadação e gastos de campanha estabelecidas na lei das eleições,
com fins eleitorais, a fim de garantir a igualdade de condições dos candidatos, no
aspecto financeiro da disputa eleitoral, bem como garantir a higidez e a regularidade
das campanhas eleitorais, preservando a moralidade. O julgamento procedente pode
implicar a negação de outorga do diploma ou cassação, se já outorgado, multa no valor
equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que ultrapassar o limite nos casos de
candidato que efetua gastos acima do limite legal, além de implicar na inelegibilidade
do art. 1º, I, j, da LC nº 64/90 pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição em que o
ilícito foi praticado.
Além dessas ações, os abusos graves de poder econômico apurados durante a
campanha e hábeis a ferir a legitimidade e a normalidade do processo eleitoral, podem
ainda fundamentar a propositura da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), na
forma dos arts. 19 e 22 da LC nº 64/90, a ser proposta até a data da diplomação dos
eleitos, ou da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), nos termos do art. 14,
§10 da Constituição Federal, cujo termo final se dá 15 (quinze) dias após a diplomação.

8
10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao pleito.
9
Nos termos da atual redação do §3º do art. 23 da Lei nº 9.504/97, dada pela Lei nº 13.488/2017, essa multa é de
até 100% do valor em excesso, e não mais de 5 a 10 vezes a quantia doada em excesso.

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O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
191

2.5 Reforma Eleitoral de 2017


Dentro do tema proposto, cabe destacar as alterações promovidas, recentemente,
pelas Leis nº 13.487 e nº 13.488 de 2017, que, dentre outras inovações, instituiu o Fundo
Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), regulamentou os limites de gastos
nas campanhas eleitorais por cargo e autorizou o financiamento coletivo.
Temendo a ausência de recursos suficientes para custear as campanhas eleitorais
vindouras, ante a proibição de doações por pessoas jurídicas, a reforma eleitoral
de 2017 criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), fundo de
recursos públicos destinados às campanhas eleitorais que será constituído por dotações
orçamentárias da União em ano eleitoral, em valor ao menos equivalente:
I – à somatória da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio
e televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária efetuada
em 2016 e em 2017,10 atualizada monetariamente, a cada eleição, pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), da Fundação Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir.
II – a 30% dos recursos de emendas de bancada estadual de execução obrigatória
e de despesas necessárias ao custeio de campanhas eleitorais. Esse percentual
poderá ser reduzido mediante compensação decorrente do remanejamento, se
existirem, de dotações em excesso destinadas ao Poder Legislativo.
Os recursos do FEFC serão depositados pelo Tesouro Nacional no Banco do Brasil,
em conta especial que ficará à disposição do TSE até o primeiro dia útil de junho do ano
do pleito. Nos 15 (quinze) dias subsequentes ao depósito, o TSE divulgará o montante
dos recursos depositados.
Em seguida, o TSE fará a distribuição aos partidos políticos da seguinte forma:
2% (dois por cento) divididos igualmente entre todos os partidos com registro no TSE;
35% (trinta e cinco por cento) divididos entre as legendas com pelo menos um integrante
na câmara dos Deputados, na proporção dos votos conquistados por eles na última
eleição geral para a Câmara; 48% (quarenta e oito por cento) divididos entre os partidos
proporcionalmente ao número de deputados na Câmara, consideradas as legendas
dos titulares e 15% (quinze por cento) divididos entre os partidos proporcionalmente
ao número de senadores consideradas as legendas dos titulares. Para esse fim, deve-
se considerar o número de representantes titulares na Câmara dos Deputados e no
Senado Federal, apurado em 28 de Agosto de 2017 nas eleições de 2018. Nas eleições
subsequentes, considerar-se-á o número apurado no último dia da sessão legislativa
imediatamente anterior ao ano eleitoral.
Nos termos da lei, esses recursos ficarão à disposição do partido político somente
após a definição de critérios para a sua distribuição, os quais, aprovados pela maioria
absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional do partido, serão
divulgados publicamente.
Para que o candidato tenha acesso a esses recursos, deverá fazer um requerimento
por escrito ao órgão partidário respectivo. Os recursos que não forem utilizados nas
campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, no
momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

10
A propaganda partidária foi extinta a partir de 2018.

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192 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

A reforma estabeleceu, ainda, os seguintes limites de gastos de campanha para os


cargos em disputa: para o cargo de Presidente da República fixou o teto de 70 milhões
em despesas de campanha. Em caso de segundo turno, o limite será de 35 milhões.
Para Governador, o limite de gastos é variável entre 2,8 e 21 milhões, de acordo com o
número de eleitores de cada estado, apurado no dia 31 de maio do ano do pleito. Para
o cargo de Senador, o limite é variável entre 2,5 e 5,6 milhões e será fixado conforme o
eleitorado de cada estado, também apurado na mesma data. Para deputados federais,
o teto é de 2,5 milhões e para os deputados estaduais e distritais, 1 milhão.
Nas eleições de 2018, se as doações de pessoas físicas a candidatos, somadas aos
recursos públicos, excederem o limite de gastos permitido para a respectiva campanha,
o valor excedente poderá ser transferido para o partido do candidato.
Visando estimular as doações por pessoas físicas, a nova lei autorizou a arreca­
dação de recursos por meio de sites, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares
de financiamento coletivo (crowdfunding).11 As instituições que trabalham com esse
tipo de financiamento poderão arrecadar previamente, a partir de 15 de maio do ano
eleitoral, recursos para os pré-candidatos que as contratar. Para tanto, é necessário fazer
um cadastro prévio na Justiça Eleitoral. A liberação dos recursos doados pelas entidades
fica condicionada à apresentação do registro de candidatura; caso não seja apresentado,
o recurso arrecadado deverá ser devolvido ao respectivo doador.
Embora seja permitida a arrecadação de recursos prévia por essas entidades,
a realização de despesas, ainda que se valendo desses valores, deverá observar o
calendário eleitoral.
À semelhança das demais formas de arrecadação, é obrigatória a identificação de
cada um dos doadores pelo nome completo e pelo número de inscrição no cadastro de
pessoas físicas (CPF), bem como das quantias doadas. É também obrigatória a emissão
do recibo para o doador, sob a responsabilidade da entidade arrecadadora, com envio
imediato para a Justiça Eleitoral e para o candidato das informações relativas à doação.
Vale frisar que as doações realizadas nesse formato devem também observar todas
as regras aplicáveis às doações por pessoas físicas, inclusive as vedações constantes
no art. 24 da lei das eleições e o limite legal de doação, bem como os dispositivos rela­
cionados à doação pela internet.
Fraudes ou erros cometidos pelo doador sem conhecimento dos candidatos,
partidos ou coligações não ensejarão a responsabilidade destes nem a rejeição de suas
contas.
Em homenagem aos princípios da publicidade e da transparência que norteiam a
movimentação de recursos em campanha, exige-se, que durante a fase de arrecadação,
as instituições arrecadadoras divulguem a lista de doadores e quantias doadas e enca­
minhem estas informações à Justiça Eleitoral, atualizando-as instantaneamente a cada
nova doação.
Uma outra alteração promovida pela reforma diz respeito a multa por excesso de
doação por pessoas físicas a candidatos e partidos políticos em campanha aplicável ao

11
O alvo principal do crowfunding são as pequenas doações, que juntas forma um valor compatível para arcar
com um projeto que se apoia. Tratando-se de campanhas eleitorais, a tendência é que os principais beneficiários
sejam candidatos que não dispõem de apoio partidário.

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O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
193

doador que antes era de cinco a dez vezes o valor excedido e agora foi reduzida para
uma vez o excesso (100%).
O limite de doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis
ou imóveis de propriedade do doador também foi reduzido de R$ 80.000,00 para R$
40.000,00 e passou a abranger a doação de serviços próprios.
Algumas despesas pessoais dos candidatos foram, taxativamente, excluídas
do rol de gastos eleitorais pela nova lei, dispensando-se a sua comunicação à Justiça
Eleitoral. São elas, em suma, as relacionadas com combustível e manutenção de veículo
automotor usado pelo próprio candidato na campanha, bem como a remuneração, a
alimentação e a hospedagem do condutor do veículo; a alimentação e hospedagem do
próprio candidato e o uso de linhas telefônicas registradas em seu nome como pessoa
física, até o limite de três.
Restaram dispensadas de comprovação na prestação de contas, as despesas
relacionadas às cessões de automóveis de propriedade do candidato, do cônjuge e de
seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha. Nesses
casos, o valor deve constar na prestação de contas, mas não é necessário apresentar
documentos específicos correlatos.
Manteve-se a regra que permite ao candidato custear 100% (cem por cento) dos
gastos da sua campanha e o limite de doações realizadas por pessoas físicas de até 10%
(dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao do pleito.
Ainda no que pertine ao financiamento, a reforma definiu de forma mais clara
a proibição constante na Lei dos Partidos Políticos relativa às doações às agremiações
partidárias provenientes de autoridades. Esse dispositivo legal sempre gerou
controvérsias em torno da definição do termo “autoridade”. Nos termos da nova lei, a
limitação passou a atingir apenas as pessoas físicas que exercem função ou cargo público
de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário. Com essa
nova redação, resta claro que um funcionário público concursado ou um parlamentar,
por exemplo, podem realizar uma doação para o partido de sua preferência.
Por fim, a inclusão do art. 354-A no Código Eleitoral tipificou como crime o ato
de apropriar-se o candidato, o administrador financeiro da campanha, ou quem de fato
exerça essa função, de bens, recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral,
em proveito próprio ou alheio.

2.6 Conclusão
Inobstante as recentes reformas políticas tenham adotado medidas cruciais para
o aperfeiçoamento do atual sistema de financiamento das campanhas e das prestações
de contas eleitorais, tem-se que, ainda há uma forte influência do poder econômico no
resultado das eleições e a prática de ilícitos na movimentação de recursos em campanha
que viciam a vontade popular e maculam o processo eleitoral.
Embora a legislação disponha de forma analítica sobre o tema e adote um regime
de sanções, vivenciamos ainda uma instabilidade do sistema que se mostra inade­quado
e insuficiente para garantir uma disputa igualitária e o efetivo e legítimo exercício da
democracia.
Destacam-se como principais problemas para a manutenção desse cenário, a
ausência de políticas institucionais que possibilitem o efetivo controle dos recursos

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arrecadados e dos gastos durante as campanhas; o prazo exíguo para o exame e


julgamento das contas e a reduzida estrutura de servidores para analisá-la, forçando a
realização de uma análise superficial.
É necessário gerar uma cultura participativa, onde os meios de comunicação e
a sociedade civil, que já vem desempenhando um papel importante, tenha um espaço
ainda maior por meio da vigilância e denúncia. Deve-se promover a conscientização de
que o controle no campo do financiamento político deve ser entendido “não como uma
caça às bruxas ou uma atividade persecutória, mas como um mecanismo para legitimar
e democratizar o processo político” (FERREIRA RUBIO, 2004, op. cit.).
Uma efetiva reforma eleitoral deve, necessariamente, promover mudanças
no sistema eleitoral, no sistema partidário, na legislação eleitoral e, principalmente,
na reestruturação e fortalecimento das instituições de fiscalização (Justiça Eleitoral
e Ministério Público Eleitoral). Não há efeito prático em se exigir um alto volume
de informações e não dispor de instrumentos e recursos para processá-la adequada
e oportunamente. É preciso aproximar a retórica da prática e desvincular o
poder econômico da obtenção de votos para atingir resultados que promovam o
aperfeiçoamento da democracia com a realização de um processo eleitoral legítimo.

Referências
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__________. Código Eleitoral, de 15 de julho de 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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__________. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o Art. 14, §9º da
Constituição Federal, casos de Inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências. Disponível
em: <http://www.presidencia.gov.br/legislação/> Acesso em: 18 abr. 2016.
__________. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em:
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CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Edipro, 2008. 653p.
CASTRO, Edson de Resende. Teoria e Prática do Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. 640p.
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 7. ed. Revista dos Tribunais, 2008.
ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Processo Eleitoral: Sistematização das ações eleitorais. 3. ed. São Paulo:
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GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
OLlVEIRA, Marcelo Roseno. Direito Eleitoral – Reflexões sobre Temas Contemporâneos. Fortaleza: ABC
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SOARES, Antônio Carlos Martins Soares. Direito Eleitoral – Questões Controvertidas. 2 ed. Lumen Juris,
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ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. São Paulo: Verbo Jurídico, 2008.

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ELMANA VIANA LUCENA ESMERALDO
O ATUAL MODELO DE FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS E DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS ELEITORAIS NO BRASIL
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. O atual modelo de financiamento das campanhas e das prestações
de contas eleitorais no Brasil. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de
Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 175-195. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 3

O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS


E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL:
ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA
NA ESTABILIZAÇÃO INSTITUCIONAL E
DEMOCRÁTICA BRASILEIRA

LUIZ EUGENIO SCARPINO JUNIOR

3.1 Introdução
Sabidamente, as campanhas eleitorais demandam a movimentação de recursos
financeiros. As últimas eleições (2016, de cunho municipal) tiveram o custo de
R$ 2,2 bilhões.1 Levantamentos dão conta de que as últimas eleições gerais (de 2014)
custaram aproximadamente R$ 5 bilhões, em valores defasados.2
Logo, dentre os inúmeros custos para o fomento desta etapa democrática essencial
para viabilização e exposição de candidaturas como a contratação de pessoal, material,
produção midiática, por exemplo, precisam ser registrados, contabilizados e, até mesmo
controlados.
Neste sentido, é que se revela imprescindível a prestação de contas de candidaturas
para os postulantes a cargos eletivos.
O presente estudo tratará da prestação de contas em cotejo com as Resoluções do
Tribunal Superior Eleitoral, analisando os fundamentos, limites e cuidados que devem
se cercar para sua aplicação pela Justiça Eleitoral.

1
MOURA, Rafael Moraes. Gasto das campanhas eleitorais cai 71%, aponta TSE, O Estado de S. Paulo, 11.10.2016.
Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-das-campanhas-eleitorais-cai-71-aponta-
tse,10000081602>. Acesso em: 20 dez. 2017.
2
BURGARELLI, Rodrigo. Campanhas gastaram R$ 5 bilhões em 2014, O Estado de S. Paulo, 1.12.2014. Disponível
em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,campanhas-gastaram-r-5-bilhoes-em-2014-imp-,1600362>.
Acesso em: 20. dez. 2017.

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A compreensão da finalidade das Resoluções Eleitorais terá dois principais


marcos: a busca pela efetividade do processo eleitoral e a segurança jurídica que deve
ser resguardada.
Ao cabo, são tecidas reflexões e pontos de melhoria na atuação da Justiça através
das Resoluções, e mesmo da comunidade política quanto às intermináveis reformas
eleitorais.

3.2 A que se presta uma prestação de contas


A prestação de contas é procedimento indispensável àqueles que disputam um
cargo eletivo, mesmo àqueles não eleitos. 3 A obrigatoriedade de prestação de contas
atinge tanto os cargos majoritários quanto os que envolvem eleições proporcionais.
Na dicção de Carlos Mário da Silva Velloso, a prestação de contas objetiva:

(...) vislumbrar a origem dos recursos eleitorais e a forma como foram efetivados seus
gastos, possuindo o fator teleológico de impedir o abuso do poder econômico e assegurar
paridade para que todos os cidadãos tenham condições de disputar os pleitos eleitorais.4

A normalidade do processo eleitoral implica ser justo com as regras eleitorais,


afinal, não basta apenas o candidato vencer as eleições, mas também respeitar os ditames
legais para se sagrar legitimado também de hígida prestação de contas, o que busca
coibir a corrupção, o abuso econômico, doações escusas que influenciam e desvirtuam
o resultado e a legitimidade do sufrágio.5
Os partidos políticos, por seu turno, possuem obrigações específicas para lidar
com os recursos que transitam em suas contas, nos termos da lei própria (vide Lei
nº 9096/95, artigos 30 e seguintes).
A Lei da Eleições – Lei nº 9.504/97 (artigos 17 a 32) disciplina o procedimento de
prestação de contas a englobar a arrecadação e gastos em campanhas eleitorais.

3.2.1 Procedimentos
Prestar contas é uma obrigação dos postulantes a cargos eletivos para funções
no Executivo (Presidente, Governador, Prefeito e seus respectivos vices) e Legislativo
(vereador, deputados estadual, distrital e federal, além de senadores).
O candidato adquirirá vida para fins de campanha eleitoral, tanto que será
acolhido com um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), com contabilidade
específica e necessidade de abertura de conta bancária.
Os candidatos deverão abrir uma conta bancária na sequência da indicação de
seus nomes na convenção partidária, devendo arrecadar e gastar apenas com recursos

3
“Todos os candidatos, eleitos ou não, são obrigados a prestar contas à Justiça Eleitoral, inclusos também os
comitês financeiros”. DAL POZZO, Antonio Arnaldo Ferraz. Lei Eleitoral: Lei nº 9.504/97: estrutura, análise e
jurisprudência, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. p.136.
4
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral, São Paulo: Saraiva, 2009. p. 136.
5
FERREIRA, Telson L. Cavalcante, Prestação de contas de candidatos: obrigatoriedade, julgamento e aspectos
importantes, p. In: CARVALHO NETO, Tarcísio Vieira de; FERREIRA, Telson Luís Cavalcante. Direito Eleitoral:
aspectos materiais e processuais, São Paulo, Migalhas, 2016.

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LUIZ EUGENIO SCARPINO JUNIOR
O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA...
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transitados na conta oficial (ou nas contas, caso queira abrir mais de uma). A falta de
abertura bancária ou do trânsito de recursos financeiros para pagamento de gastos
eleitorais que não provenham da conta específica implicará a desaprovação de contas
e, se comprovado abuso de poder econômico, levará ao cancelamento de registro ou
cassação do diploma (art. 21, §3º, Lei das Eleições). Excepcionado estão os candidatos
que disputem eleições nos municípios com menos de 20 mil eleitores e onde não haja
agência de banco, sendo dispensada a conta específica.
Conforme determinado (art. 28, §1º, Lei das Eleições) os próprios candidatos são
obrigados a prestar suas contas, “devendo ser acompanhadas dos extratos das contas
bancárias referentes à movimentação dos recursos financeiros usados na campanha e
da relação dos cheques recebidos, com a indicação dos respectivos números, valores
e emitentes”.
Os recursos hábeis ao incremento de campanhas eleitorais são tanto de recursos
financeiros quanto de bens que tenham estimativa em dinheiro, devendo tanto um
quanto o outro serem integralmente acolhidos na contabilidade oficial do candidato.
A prestação de contas englobará todas as despesas e receitas ingressadas para a
campanha eleitoral. Considera-se que o marco temporal será iniciado após o término das
convenções partidárias até o dia da eleição, admitindo-se, eventualmente, a arrecadação
posterior (em período limitado até a data limite da prestação de contas final) para fins
de encerramento das contas e pagamento das despesas contraídas anteriormente (até
as eleições).
Entenda-se que além de cheques, os candidatos poderão receber recursos
advindos de depósitos e transferências bancárias, seja de pessoa física (de forma direta
ou mediante crowdfunding), da agremiação partidária ou sua coligação, sempre de forma
a identificar nominalmente o doador.
Os candidatos declararão todas as despesas incorridas no curso da campanha.
É pacífico que todos os candidatos devam prestar contas, mesmo àqueles falecidos
no curso da eleição, que desistiram da campanha ou nada arrecadaram.
A prestação de contas poderá ser simplificada para candidatos que tenham
movimentação de até R$ 20 mil (art. 28, §9º) ou para eleições municipais com menos
de 50 mil eleitores (art. 28, §11).
Como em toda norma contábil, deverá a prestação de contas demonstrar equilíbrio
entre receitas e despesas de campanha. Os débitos eleitorais deverão ser quitados até a
data da prestação de contas final, salvo se assumidos por partido político (§3º, art. 29).
Eventual sobra de recursos será transferida ao respectivo Diretório partidário.
A Lei das Eleições prevê no artigo 30 os possíveis tipos de julgamentos rela­
tivamente à prestação de contas: I – pela aprovação, quando as contas estiverem
regulares; II – pela aprovação com ressalvas, quando as falhas verificadas não lhe com­
prometerem a regularidade; III – pela desaprovação quando verificadas falhas que lhes
comprometam a regularidade; IV – pena não prestação, quando as contas não forem
apresentadas após notificação emitida pela Justiça Eleitoral, na qual deve constar a
obrigação expressa de prestar as suas contas, no prazo de setenta e duas horas.
Não é necessário maior esclarecimento quanto ao julgamento de aprovação das
contas. O resultado da aprovação significará que a candidatura conseguiu demonstrar a
higidez na arrecadação, correto desembolso e atendimento das formalidades constantes
da Lei e da Resolução específica.

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200 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

As contas aprovadas com ressalvas importam na mesma consequência jurídica


da aprovação, servindo como mera advertência.6 Todavia, a ressalva é feita quanto
à existência de erros formais ou materiais irrelevantes, os quais, no conjunto, não
comprometam a regularidade.
As contas desaprovadas resultam da existência de falhas que comprometam a
regularidade. Como assenta Coneglian,

Essa irregularidade das contas pode estar fora da própria prestação, ou seja, a prestação
de contas pode estar formalmente perfeita, mais indica arrecadação irregular, ou gastos
irregulares. E pode ser que a falha esteja na prestação de contas em si mesma, por não
estar e, forma contábil ou não obedecer aos parâmetros ou modelos fornecidos pelo TSE.
Havendo, pois irregularidade que comprometa a prestação de contas, deve ela ser julgada
irregular.7

As contas serão desaprovadas por vários motivos, dentre os quais, o recebimento


de doações de fontes vedadas (vide art. 24 da Lei das Eleições), além de falta de com­
provação adequada de gastos aplicado na campanha (serviços inconsistentes, incom­
patíveis ou materialmente inaplicáveis), doações simuladas feitas por pessoas físicas
para interpor uma doação por pessoa jurídica.
Entretanto, contas desaprovadas não significarão automaticamente conse­quên­
cias deletérias ao candidato. Se o motivo da rejeição for grave e ensejar a violação
à norma do art. 30-A da Leis das Eleições 8 poderá motivar a representação, ou
ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder econômico, por exemplo.
A comprovação da captação ou gasto ilícito de recursos, para fins eleitorais, renderá a
negativa do diploma ou cassação, caso já outorgado (§2º, art. 30-A). Eventualmente, a
rejeição das contas se combinada com abuso de poder econômico atrairá as reprimendas
da Lei das Inelegibilidades. José Jairo Gomes9 ventila a possibilidade da reprovação atrair
a perda do direito do partido em receber quota do Fundo partidário no ano seguinte
ao trânsito da decisão (art. 25, da Lei das Eleições).
Uma questão mais grave se dará com a não apresentação das contas de campanha.
Muito pior do que ter suas contas rejeitadas é não apresentá-las, posto que, eventual
rejeição de contas não ensejará de forma direta um reflexo negativo na capacidade
eleitoral ou mesmo, no status da condição de eleito. E há lógica: àquele que não apresenta
nenhum dado concernente à arrecadação e gasto não fornece elementos hábeis a
discutir se realizou uma campanha dentro das regras do jogo. A não apresentação de
contas foi considerada fato mais grave do que a própria desaprovação pelo legislador,
tanto que a Lei das Eleições previu para tal hipótese a falta de quitação eleitoral (§7º,
art. 11) e inclusive assim se posiciona a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.10

6
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral: de acordo com o Código Eleitoral e com a Lei 9.504/97, modificada
pelas Leis 9.840/99, 10.408/02, 10.740/03, 11.300/06 e 12.034/09, 10. ed., Curitiba, Juruá, 2010. p. 61.
7
Ibidem.
8
Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze)
dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar
condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.
9
GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, 11. ed., Atlas, São Paulo, 2015. p. 363.
10
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL:
“Registro. Quitação eleitoral. (...). 2. Conforme jurisprudência desta Corte Superior, não é admitida a juntada
extemporânea de certidão, após a sentença de indeferimento do registro, considerando, ainda, que o juiz

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O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA...
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A ausência de quitação, interpreta o TSE (consolidado em suas Resoluções Eleitorais),


se arrastará até a apresentação de contas e no mínimo, até o próximo pleito que tal
candidato vier a disputar.
Os candidatos eleitos terão maior grau de responsabilidade em termos de
prestação de contas. Sem prestar contas não há como diplomar os eleitos, consoante
expressado no §2º do art. 29 da Lei das Eleições. Ressalte-se que a rejeição das contas,
por si só, não impede a diplomação.
Cogita-se que eventual declaração falsa ou omissão dolosa na prestação de contas
pudesse atrair o crime de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral),11
apesar tanto o Tribunal Superior Eleitoral12 quanto o Tribunal Regional Eleitoral de São
Paulo13 terem entendido a atipicidade da conduta de omissão em prestação de contas por
ausência de dolo específico, pois podem ser verificados por outros documentos/provas.

3.2.2 Condicionantes quanto a arrecadação, doações e despesas


Como já propalado14 esta campanha será desabastecida de doações corporativas,
em razão do decidido pelo STF na ADI 4560.
Para fins arrecadatórios, os candidatos poderão dispor de financiamento público
e no aspecto privado, doações de pessoas físicas e autofinanciamento.
Quanto ao financiamento público, os partidos políticos já dispõem de aproxi­ma­
damente R$ 820 milhões do “Fundo Partidário” anualmente. Além disso, as propagandas
eleitorais que são gratuitas apenas aos partidos políticos, geraram no ano de 2016,15 o
direito ao ressarcimento às redes de TV e de rádio o importe de R$ 576 milhões. O Fundo
Especial para Financiamento de Campanhas introduzido na última reforma eleitoral

cumpriu o art. 33 da Res.-TSE nº 22.717/2008, facultando ao candidato a apresentação do referido documento,


nos termos do art. 33 da mencionada resolução. 3. Para rever o entendimento da Corte Regional, que indeferiu
o pedido de registro do candidato em razão de ele ter tido suas contas de campanha anterior julgadas como
não prestadas, seria necessário o reexame de fatos e provas, o que é vedado em sede de recurso especial, a teor
do Enunciado nº 279 do Supremo Tribunal Federal. (...).” (Ac. de 13.10.2010 no AgR-REspe nº 616755, rel. Min.
Arnaldo Versiani.)
“(...). Prestação de contas após o pedido de registro de candidatura. Ausência de quitação eleitoral. (...).
1. Conforme jurisprudência desta Corte, a prestação de contas de campanha após o pedido de registro de
candidatura inviabiliza a obtenção de quitação eleitoral. 2. Nos termos do art. 11, §10, da Lei nº 9.504/97, as
condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do
pedido de registro, ocasião em que o pré-candidato, de fato, não estava quite com a Justiça Eleitoral. (...).” (Ac.
de 29.9.2010 no AgR-REspe nº 139831, rel. Min. Marcelo Ribeiro.)
11
Coaduna com tal posicionamento José Jairo Gomes, op. cit., p. 364.
12
TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 12.799/SP, Rel. Min. Eduardo Alckmin; Recurso Especial Eleitoral nº 36.417,
decisão monocrática do Rel. Min. Felix Fischer.
13
TRE-SP, Habeas Corpus nº 7910-61.2014.6.26.0000, Rel. Alberto Toron, j. 21.1.2015.
14
“Com a proibição de doação por empresas, o escasseamento das doações por pessoas físicas e o receio acentuado
da utilização do uso do caixa 2, notadamente após a deflagração da operação Lava Jato, forte movimento busca
solucionar a questão de quem irá custear “a democracia” ou melhor dizendo, as campanhas eleitorais.” In:
MATURANA, Alexandre; PEREIRA, Danilo Atalla; SCARPINO JR., Luiz Eugenio. A Culpabilidade do Dirigente
Partidário pela rejeição de Contas Partidárias. Revista Eletrônica de Direito Eleitoral e Sistema Político, 1. ed. –
dezembro, 2017. Disponível em: <https://apps.tre-sp.jus.br/ojs/index.php/revistaEJEP/issue/viewIssue/5/7>.
Acesso em: 25 dez. 2017.
15
RECEITA FEDERAL. Demonstrativo dos Gastos Tributários, PLOA 2017. Disponível em: <http://idg.receita.
fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal/previsoes-ploa/dgt-ploa-2017-versao-1-1.pdf>. Acesso em: 28
ago 2017.

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202 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

(2017) será abastecido com recursos equivalentes a 30% das emendas parlamentares
que se estima atingir mais R$ 1,7 bilhões.
As campanhas de 2016 e, até mesmo, a de 2014 ainda possuem algumas faturas
em aberto em desfavor das agremiações partidárias. Houve, inclusive, tentativas (via
reforma eleitoral) de resgate de recursos dos Institutos vinculados a partidos para custear
despesas de campanha, o que se mostraria um expediente ilegal, e não tendo prosperado.
As inserções partidárias, por outro lado, foram extirpadas na minirreforma
operada para a alteração nas Eleições 2018 (Lei nº 13.487/17), como mecanismo de
suposta compensação ante a instituição do Fundo para campanhas eleitorais.
Sobre a arrecadação privada, restam os seguintes caminhos:
autofinanciamento: os candidatos até então, podiam autofinanciar-se, por com­
pleto, até o limite máximo arrecadatório. Temendo-se o efeito deletério de
privilégio a candidatos afortunados, a última reforma eleitoral de 2017 breca o
autofinanciamento a, no máximo, 10% do teto imposto pela Resolução do TSE. Se
um candidato a deputado federal possa ter gastos de até R$ 2,5 mi, a capacidade
de autodoação seria de R$ 250 mil. Entretanto, houve veto presidencial (ou
seja, retomando-se ao regime de que o candidato poderia se autofinanciar por
completo) que, por seu turno, foi rejeitado às vésperas do fim de 2017.16 Duvidosa
a solução a esta questão – se existe ou não um teto de autofinanciamento – tanto
que o TSE ao aprovar todas as Resoluções para as Eleições de 2018, inclusive a
relativa à arrecadação e gastos, deixou o tema a ser revisitado.
Doações financeiras ou de valores estimáveis em dinheiro por pessoas físicas: quaisquer
pessoas físicas, com exceção daquelas que exerçam cargos/função em comissão
ou cargo/emprego temporário não poderão doar, salvo se forem filiados a partido
político (art. 31, V, Lei nº 9096), de estrangeiro ou pessoa física que exerça atividade
comercial decorrente de permissão pública. Ademais, pessoas físicas poderão doar
até 10% do rendimento bruto auferido no ano anterior (2017), conforme informado
à Receita Federal. Inclui-se em doação de pessoa física a feita por intermédio de
financiamento coletivo. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro
deverão pertencer ao patrimônio do doador ou constituir atividade econômica
por ele exercida, limitando-se ao valor de até R$ 40 mil.
Eventos de arrecadação ou comercialização de bens: os candidatos poderão realizar
eventos arrecadatórios, ocasião em que os pagantes ou arrematantes de bens
disponibilizados às campanhas deverão ser custeados por fontes autorizadas pela
lei, obedecido, inclusive, ao limite do doador. Na hipótese de adoção deste meio
arrecadatório, o candidato deverá informar à Justiça Eleitoral e individualizar a
relação dos que participaram com doações, contabilizando-se todas as despesas,
inclusive.
Financiamento tomado pelo próprio candidato à sua campanha: além de poder ser
utilizado o patrimônio existente do candidato ou o mesmo, poderá tomar recursos
junto à instituição financeira para ser transferido para a conta de campanha,
desde que devidamente contabilizado e seja compatível com a capacidade de
pagamento de acordo com os rendimentos de sua atividade econômica.

16
O veto derrubado pelo Congresso (com a sanção de limites ao autofinanciamento) ocorre menos de 1 ano antes
das eleições, a colidir, em tese, com o princípio da anualidade, do artigo 16 da Constituição Federal.

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O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA...
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Cabem algumas linhas sobre o financiamento coletivo, possivelmente a maior das


evoluções deste último ciclo de reforma em 2017. O crowdfunding, conhecido também
como “vaquinha virtual”, é um mecanismo de financiamento coletivo pela internet, em
que pessoas aportam recursos em projetos geralmente de cunho artístico ou filantrópico,
com viés colaborativo. Já difundida mundialmente, o crowdfunding foi utilizado em
campanhas eleitorais de forma bem sucedida, sendo emblemática a forma difusa em
que Barack Obama conseguiu se financiar em 2008, com muitos doadores pessoas físicas
(mais de 2 milhões) contribuindo com valores não elevados e que chegaram a monta
de quase R$ 900 milhões (valores convertidos da época sem atualização).
Anteriormente, a Justiça Eleitoral pronunciara a impossibilidade legal de instituir
este tipo de financiamento, por entender que seria ilegítima a interposição de uma
pessoa jurídica – que ganha por operação – entre o candidato e o seu respectivo doador.
Faltavam marcos legais e garantias de que as doações não pudessem ser identificadas
nominalmente, além do temor de fraude, seja por propiciar doações feitas por pessoas
impedidas ou mediante utilização de recursos de origem ilícita.
O crowdfunding funcionará da seguinte forma: a partir de 15 de maio do ano
eleitoral, os pré-candidatos (só serão candidatos após as convenções, que ocorrem meses
após), poderão abrir uma campanha de arrecadação nos sites especializados (desde que
tenham autorização da Justiça Eleitoral), e divulgar para os cidadãos, que poderão fazer
doações. Ainda existe a limitação para doação pelos eleitores. Os sites deverão fazer
com que os doadores se identifiquem, informando, em especial, o nome e CPF, pois tais
dados serão disponibilizados na prestação de contas do futuro candidato, informando
direta e imediatamente à Justiça. Os sites deverão divulgar de forma clara as taxas
administrativas e qual será o montante liquido a ser destinado ao candidato. Ressalte-
se que não será considerado ato de pré-campanha a intenção do futuro postulante
divulgar o site que irá arrecadar recursos para sua campanha, embora seja de forma
inequívoca, um ato eleitoral. Outro ponto é que a utilização dos recursos arrecadados
pela vaquinha virtual dependerá de o candidato ser escolhido em convenção. Caso não
entre para a disputa, os valores serão devolvidos aos doadores.
Em tempos de proibição de doação por empresas e do caça às bruxas ao caixa 2,
o uso do crowdfounding pode constituir uma ferramenta importante para viabilizar o
financiamento das campanhas eleitorais.
As doações em excesso dos limites financeiros do doador serão sancionadas com
multa. Entretanto, sensível o afrouxamento da sanção: anteriormente, a doação em
excesso gerava a exação de 5 a 10 vezes o valor excedido; a partir das eleições de 2018
(ante a alteração instituída pela Lei nº 13.488/17) a multa corresponderá em até cem
por cento do excedido. Outro efeito possível pela doação em excesso é atrair no doador
a pecha da inelegibilidade (art. 1º, I, “p”, da LC 64/90), porém, este não é automático
sendo eventual efeito secundário a ser aferido para fins de registro de candidatura,
limitando-se ainda aos condicionantes trazidos no precedente abaixo:

Para definição do alcance da expressão “tida como ilegais”, constante da alínea p do Art.
1º, I, da LC 64/90, é necessário considerar o disposto no art. 14, §9º, da Constituição, pois
não é qualquer ilegalidade que gera a inelegibilidade, mas apenas aquelas que dizem
respeito à normalidade e legitimidade das eleições e visam proteção contra o abuso do
poder econômico ou político. 5. Reconhecido expressamente pelas decisões proferidas na
representação para apuração de excesso de doação que não houve quebra de isonomia

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204 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

entre as candidaturas, deve ser afastada a hipótese de inelegibilidade por ausência dos
parâmetros constitucionais que a regem. (...). (TSE, Ac. de 16.9.2014 no RO nº 53430, rel.
Min. Henrique Neves da Silva.

Não se aceitarão doações para campanhas das fontes prescritas no art. 24, da
Lei das Eleições.17
Sobre as despesas de campanha, necessário que sejam contabilizadas todas
aquelas incorridas para referida finalidade, sendo o rol do art. 26 da Lei das Eleições
meramente exemplificativo. A Justiça Eleitoral aferirá a pertinência, quantitativo, e
qualitativamente do tipo de gasto, para aferir sua compatibilidade e também analisar
eventual existência de abusos ou desvios – como, por exemplo, ante a apresentação
de uma suposta despesa que seja superfaturada para desvio em proveito próprio de
candidato ou de terceiro.
É consolidada a vedação de candidato prover distribuição de brindes a seus
eleitores, por mais módico que lhe pareça, sob pena de constituir corrupção eleitoral e
gasto ilícito, sujeito às sanções eleitorais das mais drásticas. Permite-se, entretanto, que
candidato doe recursos a outro candidato.
As constantes reformas eleitorais na Lei nº 9.504/97 vieram a afrouxar aquilo que
poderia ser considerado como despesa, inclusive daquelas que pudessem ser conta­
bilizadas unicamente como de bens ou serviços estimáveis. Por exemplo, na reforma de
2017 (Lei nº 13.488), gastos do candidato com o veículo próprio e combustível, suas linhas
telefônicas, alimentação e hospedagem não precisarão ser declaradas e contabilizadas.
Também não se declarará a cessão de automóvel conferido por cônjuge ou parente até o
3º grau de parentesco, desde que tal veículo seja utilizado para uso pessoal do candidato.
Restrições das mais distintas, as quais transbordam os limites deste estudo,
operam-se para as despesas de campanha pela internet. Na reforma de 2017, a Lei das
Eleições permite o impulsionamento pago de postagens ou de aplicações de busca na
internet desde que o provedor esteja no país (página ou escritório), desde que feito nas
redes sociais ou na página do próprio candidato, persistindo a vedação de veiculação em
páginas comerciais. Este tema certamente gerará os mais aguerridos debates, haja vista
a difusão das fake news impulsionadas por robots, perfis falsos ou mecanismos artificiais
de disparos, que também são temidos por propiciar difusão de ofensas ou inverdades
de candidatos – com reflexos na questão da propaganda eleitoral.
A Lei Eleitoral prevê mecanismos de contribuição para aferição e análise das
contas, com o contributo de técnicos, se necessário, requisitados dos Tribunais de
Contas (art. 30, §3º).
Não há na lei em si, mecanismos de circularização de informações entre doadores,
fornecedores, e candidatos para aferição dos gastos, embora seja tal um procedimento

17
Lei nº 9504/97, Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou
estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:
I - entidade ou governo estrangeiro; II - órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida
com recursos provenientes do Poder Público; III - concessionário ou permissionário de serviço público; IV -
entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de
disposição legal; V - entidade de utilidade pública; VI - entidade de classe ou sindical; VII - pessoa jurídica
sem fins lucrativos que receba recursos do exterior; VIII - entidades beneficentes e religiosas; IX - entidades
esportivas que recebam recursos públicos; IX - entidades esportivas; X - organizações não-governamentais que
recebam recursos públicos; XI - organizações da sociedade civil de interesse público.

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O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA...
205

consolidado na prática e nas Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, que conta com
informações encaminhadas da Receita Federal ao Ministério Público para tanto.

3.2.3 Recentes reformas: retrocessos e avanços


A Lei das Eleições – 9504/97 – sofre contínuas atualizações e minirreformas ao
longo de sua trajetória. O elixir dos problemas conjunturais na política brasileira conti­
nua­mente merece uma resposta legislativa – mesmo que essa não seja a verdadeira
causação.
Quanto ao tópico prestação de contas/doação e arrecadação para fins de cam­pa­
nhas eleitorais, devem ser elencadas as seguintes alterações na lei original Lei nº 12.300/06;
Lei nº 13.034/09; Lei nº 12891/13; Lei nº 13.165/15; Lei nº 13.488/17.
Entre avanços e retrocessos, podem ser destacados os seguintes pontos: o
incremento de fontes vedadas à doação; maior rigidez no controle e no contexto
de obrigações por parte dos candidatos – com algumas flexibilizações; contínua
necessidade de tecnicidade na prestação de contas que deixou de ter uma análise
meramente administrativa para merecer ingresso no rol de assuntos jurisdicionais (com
direito indiscutível a recurso), além do ingresso obrigatório de contador; assunção de
transferência integral de responsabilidade ao candidato pelas informações ali contidas;
limites de gastos serão fixados por Resolução do TSE enquanto não houver lei específica;
instituição de prestação de contas simplificada para alguns casos, além de prestação
parcial e disponibilizada na internet; restrição de doação oculta; clareza quanto aos
efeitos do julgamento da prestação de contas e eventuais restrições – o que ao longo do
caminho ficava a cargo do Judiciário decidir); redução do valor da multa por doação
em excesso; vedação de recebimento de doação por moedas virtuais ou criptomoedas,
são alguns dos exemplos.

3.3 O Judiciário que legifera: as Resoluções do Tribunal Superior


Eleitoral
A atuação da Justiça Eleitoral detém características especiais. Além da função
direta de julgar questões relacionadas aos pleitos eleitorais, alistamento, criação, fusão,
extinção e prestação de contas de partidos políticos possui uma função que, para sua
histórica atuação, não mais pode ser considerada atípica: executar, instrumentalizar e
administrar o processo eleitoral.
Tal função demandará desde a contratação de urnas eleitorais, gestão e mobili­
zação de forças de segurança, distribuição de alimentos e treinamento aos cidadãos
convocados, além do poder de polícia – ex officio, inclusive. A Justiça Eleitoral garantirá
plenas condições para que a liberdade, normalidade e autonomia do cidadão eleitor
sejam resguardadas. Na dicção de Adriano Soares da Costa, “a Justiça Eleitoral exerce
uma atividade administrativo-fiscalizadora das eleições, compositiva de conflitos e
legislativa”.18

18
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral, 7. ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008. p. 247.

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206 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

E para conferir igualdade e executoriedade à legislação, sobressai a competência


de expedir Resoluções.

3.3.1 Fundamentos normativos


A Justiça Eleitoral é estruturada na Constituição Federal nos artigos 93, inciso V
e artigo 118. Tendo na cúpula o Tribunal Superior Eleitoral, no âmbito de cada estado
federado (e distrito federal), abriga cada qual seu próprio Tribunal Regional Eleitoral.
Dentro de cada Estado, haverá a distribuição territorial em Zonas Eleitorais.
O artigo 121 da Constituição também confere poderes à lei complementar dispor
sobre organização e competência do Judiciário Eleitoral. A conferir esta posição, tem-se
o Código Eleitoral, que guarda tal status.
O inusual papel de um poder Judiciário, de exercer o poder normativo, através
da edição de Resoluções Eleitorais para organizar e instrumentalizar a execução
das Eleições guarda sintonia com o art. 23, IX do Código Eleitoral, do art. 61 da Lei
nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) e do art. 105 da Lei das Eleições.
Com efeito.
O art. 23, inciso IV, do Código Eleitoral, dispôs que compete privativamente ao
TSE “expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código”.
Do mesmo modo, o art. 105 da Lei das Eleições autoriza que, a cada eleição,
expeça o TSE instruções normativas necessárias à fiel execução da lei em referência.
Também existe a função consultiva, através da resposta a questões em abstrato
apresentadas pelos atores legitimados, no qual antes da conflagração do período eleitoral
o Tribunal Superior Eleitoral (art. 23, XII, do Código Eleitoral) e o Tribunal Regional
Eleitoral (art. 30, VIII do Código Eleitoral) responderão sobre a melhor incidência das
regras eleitorais.
O estribo jurídico à edição de Resoluções para fins de como a legislação eleitoral
deve ser aplicada advém de entendimento histórico e pacificado.19
As Resoluções cuidarão de regular o processo eleitoral e todo o seu trâmite, bem
como fazer incidir a sua aplicação tópica e sistêmica.
A clássica separação de poderes não deve ser tida por ameaçada pelo exercício
desta potestade, essencial diga-se, da Justiça Eleitoral em regulamentar a prática do
processo eleitoral. Como assevera o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho,20 “o
direito constitucional brasileiro, como o estrangeiro, cada qual na sua medida, nunca
separou de modo absoluto as três funções primordiais”.

19
“O entendimento jurisprudencial segundo o qual a Justiça Eleitoral possui função normativa, também é
histórico, podendo-se referir à Resolução nº 6.390, de 13 de novembro de 1959, em que o TSE, sob a presidência
do Ministro Nelson Hungria, e tendo, como Relator, o Ministro Ildefonso Mascarenhas da Silva, respondeu a
Consulta 1.745/AM, expressando, em sua ementa, que ‘o Tribunal Superior Eleitoral tem poder normativo na
expedição de instruções para fiel execução das leis eleitorais’. (...) Esse também foi o entendimento do Supremo
Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança nº 26.604/DF, em que a Relatora, Ministra Cármen
Lúcia, expressamente, afirmou que o Código Eleitoral na parte em que disciplina a organização e competência
da Justiça Eleitoral, foi recepcionado pela Constituição de 1988 ‘como lei material complementar’”. PAIM,
Gustavo Bohrer. Direito Eleitoral e segurança jurídica. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2016. p. 77-78.
20
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A separação dos poderes: a doutrina e sua concretização constitucional.
Cadernos Jurídicos da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, ano 16, nº 40, p. 67-81, abril-junho/2015.

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O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA...
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Eros Grau21 assevera que o Legislativo não detém o monopólio da função


legislativa – parcela da função normativa, cabendo, quando presente em lei, a função
regu­lamentar, que tem como escopo enunciar a interpretação da lei ou desenvolver o
seu alcance.
Não se deve descurar, como aponta Ferreira Filho, “a separação dos poderes
significa Poderes autônomos com atribuições próprias – definidas na Constituição ou
decorrentes desta – que não podem ser usurpadas por um deles, nem disfarçadamente”.
O desenvolvimento da função normativa é espraiada pelo todo que constitui o Estado,
equilibrando-se entre Executivo e Judiciário, inclusive.22
Poder-se-ia relacionar, analogamente, o papel da Justiça Eleitoral ao do Poder
Executivo sobre o tratamento que é conferido à lei. Se, ao Executivo cabe a edição
de Decretos para conferir o melhor sentido para sua executoriedade, para as Cortes
Eleitorais, resguardarão a competência de edição de Resoluções para operacionalizar
o processo e o sistema eleitoral.
Geraldo Ataliba já dizia que o poder regulamentar não serve para criar, extinguir,
exceder, restringir, ampliar ou inovar a ordem jurídica, restando-se a “assegurar o fiel
cumprimento e execução da lei posta”.23 Caio Tácito assenta que “regulamentar não é
somente reproduzir analiticamente a lei, mas ampliá-la e completá-la segundo o seu
espírito e conteúdo”.24
A atuação do judiciário eleitoral, por vezes, transborda o papel meramente regu­
lamentar e passa a usurpar o papel do Legislativo na produção de atos normativos
primários, como, por exemplo, no caso de definição de número de vereadores (aplicação
de um caso concreto com efeito abstrativizado que redundou na “invalidação” de
cen­tenas de Leis Orgânicas municipais25), ou na criação da Fidelidade Partidária.26 27

21
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 8 ed., São Paulo, Malheiros, 2011. p. 240-241
22
GRAU, op. cit., p. 244-245
23
ATALIBA, Geraldo. Decreto Regulamentar no sistema brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro,
97: 21-33, julho/setembro de 1969.
24
TÁCITO, CAIO. As Delegações Legislativas e o Poder Regulamentar. Revista de Direito Administrativo, v. 34,
471-473, 1953. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/13397/12306>.
Acesso em: 15 nov. 2017.
25
No Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 197.917 em maioria de votos, puxados pelo Relator
Ministro Maurício Côrrea em 24.3.2004 decidiu pela adoção de critérios de proporcionalidade na fixação
do número de vereadores na cidade paulista de Mira Estrela - o qual não se observara no caso em análise.
O Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução nº 21.702/04 para adotar faixas e estabelecer qual seria o
número de vereadores por faixa populacional, a despeito do estabelecido nas Leis Orgânicas dos 5 milhares
de municípios no Brasil. O STF, posteriormente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3345 teve tal
Resolução como constitucional.
26
A Consulta nº 1398/DF que tratava de interpretar a semântica da fidelidade partidária foi convolada na
Resolução nº 22.610/07 que acabou por disciplinar o processo e a decretação de perda de cargo eletivo em
decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.
27
Há quem concorde com este superpapel da Justiça Eleitoral, inclusive em assuntos extravagantes, propriamente
usurpados da esfera jurídica adequada – que seria o papel do Legislativo: “Talvez dotar a Justiça Eleitoral de
poderes normativos não seja a solução mais ortodoxa. Mas ao visualizá-la como um órgão eleitoral, percebe-se
que dentre todas as instituições brasileiras, é a que está mais bem posicionada para arbitrar as regras do jogo,
quando absolutamente necessário a seu bom andamento – o que na matéria eleitoral significa primar pela
liberdade do eleitor e pelo equilíbrio das forças em disputa”. MACEDO, Elaine Harzheim; SOARES, Rafael
Morgental. O poder normativo da Justiça Eleitoral e a separação dos poderes: um paradigma democrático?
In: VITA, Jonathan Barros; MALISKA, Marcos Augusto (Org.). Direitos fundamentais e democracia II [Recurso
eletrônico on-line, Florianópolis, CONPEDI, 2014, Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/
artigos/?cod=0bd791e117caac17>. Acesso em: 11 jan. 2015.

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208 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Esses dois exemplos são tidos por emblemáticos diante do exasperamento do poder
regulamentar pela Justiça Eleitoral.

3.3.2 As balizas democráticas: da executoriedade procedimental ao


ativismo
Induvidosa a necessidade de que a Justiça Eleitoral norme e expeça regulamentos
objetivando garantir e executar a legislação eleitoral. Afinal, o Tribunal Superior Eleitoral,
os Regionais Eleitorais e as Zonas Eleitorais não apenas decidirão casos concretos, mas
deverão operacionalizar e planejar o processo indispensável à democracia: a garantia de
um sufrágio livre, secreto, amplo, independente, seguro e que garanta a normalidade
para os cidadãos.
Entretanto, os limites existem e devem ser garantidos, em nome da independência
dos poderes, do resguardo institucional do poder do povo em estabelecer suas regras
e como essencial autocontenção do Judiciário de evitar corrigir as normas postas
para estabelecer o modo pelo qual a lei deveria ser – e não decidir como, de fato, ela
democraticamente foi firmada.
Com forte preocupação de excessos,28 a minirreforma eleitoral de 2009 modifica
a redação do artigo 105 da Lei das Eleições, ao delinear que o TSE expedirá todas as
instruções necessárias para sua fiel execução até o dia 05 de março do ano da eleição,
mas com as seguintes inovações:
– as instruções deverão atender ao caráter regulamentar;
– as Resoluções não restringirão direitos ou estabelecer sanções distintas das
previstas em lei;
– essencialidade de previamente à expedição, sejam realizadas audiências
públicas,29 com os delegados ou representantes dos partidos políticos.
Nítido, pois, que a preocupação da alteração posta no art. 105 da Lei das Eleições
em evitar que as Resoluções transbordem aos limites impostos em lei, seja na exasperação
da ampliação de reprimendas não contidas originalmente, seja por impor um caráter
inovador, ativista, no campo próprio de um legislador primário.
É curial destacar que o Supremo Tribunal Federal não tolhe em atuar para con­
trolar os limites de atos normativos que deveriam ser de cariz secundária:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de


decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar.
Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não
se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade
normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de consti­
tucionalidade (STF, ADI 3.664/RJ, DJe 21.09.2011, Rel. Min. Cezar Peluso).

28
“Foi ciúme, que não se converteu em maior produtividade legislativa” é o comentário feito por ocasião da
alteração no art. 105 da Lei das eleições segundo GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Direito Eleitoral, 2. ed.,
São Paulo, Atlas, 2012.
29
Notável a participação de delegados partidários, advogados militantes, entidades de classe, grupos de pesquisa,
professores e sociedade civil como um todo, enriquecendo o debate, e contribuindo para a tarefa do Tribunal
Superior Eleitoral no aprimoramento das Resoluções.

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O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA...
209

O controle judicial concentrado pode recair nas Resoluções quando se apontar


a sobreposição do Tribunal Superior Eleitoral à função legiferante ordinária, a cargo
do Congresso Nacional, cuja competência para criar regras é da União, mediante lei:

“Com efeito, um dos argumentos centrais da impugnação consiste justamente na tese de


que a Resolução teria desbordado da atribuição regulamentar do TSE e, nessa condição,
violado a competência privativa da União para legislar sobre processo, bem como o
princípio da separação dos Poderes. Nesse ponto, na linha de precedentes do Plenário, não
é necessário que o ato infralegal questionado seja desprovido de qualquer base legislativa,
sendo suficiente que haja pontos de descolamento e inovação substancial contrários à
reserva de lei” (STF, ADI 5104 MC / DF, Min. Marco Aurélio)

Já se afastou Resolução do TSE que criou regra de natureza processual ou tratava


de temas que competiam, materialmente, ao legislador ordinário:

“no âmbito do juízo delibatório inicial, é aquela veiculada contra o art. 8º da Resolução,
dispositivo esse que, inovando em relação aos atos regulamentares que disciplinaram
os últimos sufrágios, subtraiu do Ministério Público Eleitoral função que lhe é
constitucionalmente própria, de determinar a instauração de inquérito policial. Há, aqui,
portanto, relevantes razões para supor presente vício de inconstitucionalidade formal
(=criação de norma de natureza processual sem observância do princípio da legalidade
estrita) e material (=restrição injustificada das funções constitucionais do Ministério
Público)” (voto do Ministro Teori Zavascki na ADI 5104 MC / DF)

Por outro lado, o STF já reconheceu nas ADI nº 3.999 e nº 4.086, em que se
impugnavam as Resoluções nº 22.610/2007 e nº 22.733/2008 do TSE (que versam sobre
a perda de mandado eletivo por infidelidade partidária) que se o próprio Supremo
decidiu que a fidelidade partidária era um preceito constitucional, seria um contrassenso
não garantir instrumento que pudesse assegurar sua eficácia, ou seja, o TSE teria
prerrogativa de atuar via Resolução para sua plena concreção. Antes, na ADI nº 3.345,
o STF sinalizara a constitucionalidade da Resolução do TSE nº 21.702/2004 por entender
que ali era expressado a força normativa da Constituição em razão do que se decidiu
no Recurso Extraordinário nº 197.917/SP, quanto à faixa adequada de vereadores em
razão da quantidade de eleitores por município.

3.4 A garantia de um processo democrático, segurança e efetividade da


jurisdição
O §9º do art. 14 da Constituição Federal orienta tanto o escopo das regras quanto
aos princípios enunciadores e protetivos para a garantia da democracia: a normalidade
e legitimidade das eleições.
A normalidade do direito eleitoral emana a ausência de convulsões, intercor­rên­
cias, situações excepcionalizantes que possam traduzir casuísmos a afetar estabilidade
democrática; estabilidade esta que se relaciona com a temporariedade dos cargos
eletivos, o equilíbrio e garantia de democracia (com efetivas condições de qualquer do
povo ascender a uma função eletiva), a obediência ao sistema e conjunto de regras postas,
Enfim, a normalidade imperará quando haja fluidez para que os episódios conhecidos
como eleições transcorram sem sobressaltos e quebras institucionais.

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210 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

A legitimidade das eleições dependerá da ausência de influência indevida, seja


pelo abuso do poder nos seguintes aspectos: político, econômico e midiático. A falta
de legitimidade decorre do uso indevido de mecanismos que influenciem ilicitamente
na formação da expressão do voto pelo eleitor ou limite os meios pelos quais o próprio
processo pudesse seguir um caminho equilibrado, e o resultado, não seja o justo, fruto
de uma decisão amadurecida ou consciente tomada pelos cidadãos.

3.4.1 A estabilidade democrática: coerência e integridade do


comportamento
A pacificação de um regime democrático estriba-se no grau de confiabilidade
institucional e no sentimento de pertença que os cidadãos encontrem amalgamados no
modo com o qual o processo eleitoral transcorra.
Viver em estado de direito significa conviver com garantias, dentre elas a de
solidez jurídica: “a segurança jurídica é, hoje, um dos pilares sobre os quais se funda­
menta o Estado de direito”.30
Bem disserta Almiro Couto e Silva quando alegoriza segurança jurídica como
uma justa contraposição entre autoridade estatal e liberdade do indivíduo: “segurança
jurídica evidentemente não elimina a autoridade do Estado, mas a limita e torna por
certo mais justas as relações que ele estabelece com os indivíduos, os quais passam a
viver mais tranquilos no seu espaço de liberdade”.31
Canotilho corrobora com a extensão da segurança jurídica como a observância
da proteção da confiança:

o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e


responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da
segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de
Direito.32

Carlos Horbach33 compreende a segurança jurídica como complexa, tendo sua


vertente pública resumida como a confiança que o cidadão sente dos efeitos dura­douros,
previstos e calculados das normas. Continua a dissertar Horbach sobre a per­ma­nência
deste sentimento de confiança tendente a: a proibição de leis retroativas, a inalte­
rabilidade do caso julgado e a tendencial irrevogabilidade de atos jurídicos públicos
construtivos de direitos

30
ÁVILA, Humberto (org.). Fundamentos do Estado de Direito. Estudos em homenagem ao professor Almiro do
Couto e Silva. Malheiros: 2005. p. 125.
31
COUTO E SILVA, Almiro do. Princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. In: Tomo
Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017. Enciclopédia Jurídica da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/17/edicao-1/principio-da-
seguranca-juridica-no-direito-administrativo-brasileiro>. Acesso em: 25 dez. 2017.
32
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Almedina: 2009.
p. 252.
33
HORBACH, Carlos B., O Poder Normativo do TSE e a Segurança Jurídica, p. 357 In: CARVALHO NETO;
FERREIRA, op. cit..

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LUIZ EUGENIO SCARPINO JUNIOR
O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA...
211

Na obra de Ronald Dworkin,34 podem-se encontrar duas balizas com as quais se


relacionam com a segurança jurídica: integridade e coerência. Integridade para busca
da norma no seu sentido autêntico, atendendo-se aos anseios da comunidade política e
coerência para seguir um padrão, uma pertinência lógica posta em casos semelhantes.
O Tribunal Superior Eleitoral reconhece e tenta evitar guinadas em sua jurispru­
dência e na forma com a qual aplica a superação de entendimentos até então tido como
consolidados:

Em prol dos princípios da isonomia, da segurança jurídica e da proteção da confiança dos


jurisdicionados nos pronunciamentos desta Corte Superior, a interpretação conferida às
mesmas situações fáticas já analisadas nesta Justiça Especializada, capituladas nos mesmos
dispositivos legais e relativas ao mesmo pleito, deve, necessariamente, ser idêntica, salvo
se comprovadas distinções entre as circunstâncias dos casos concretos, o que não ocorre
na hipótese dos autos. (TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 33547
-MONTEIRO – PB, Acórdão de 26.10.2017, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 223, Data 20.11.2017, Página 22-23)

O TSE no julgado abaixo demonstra apreço pela integridade e coerência, notada­


mente na hipótese de superação de antigo posicionamento:

O ora recorrente agiu em estrita observância ao que fora decidido pela Justiça Eleitoral,
caracterizando a sua boa-fé, não devendo ser surpreendido com a cassação, no âmbito
de RCED, referente ao mesmo pleito, sob pena de violação aos princípios da proteção à
confiança e da segurança jurídica. (...)
Em razão do princípio da proteção à confiança, também aplicado na atividade jurisdicional,
devem-se proteger situações já consolidadas no tempo, notadamente, se o candidato agiu
com boa-fé, como é o caso, não havendo falar em tentativa de fraudar a lei constitucional no
que tange à transferência do domicílio eleitoral. (TSE, RESPE - Recurso Especial Eleitoral
nº 3111 - SÃO LUÍS DO QUITUNDE – AL, Acórdão de 09.10.2012, Relator(a) designado(a)
Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE,
Volume 25, Tomo 1, Data 09.10.2012, Página 9, DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo
226, Data 26.10.2012, Página 7)

Porém, não é sempre que o Tribunal Superior Eleitoral dá prevalência à segurança


jurídica, permitindo-se a incidência de seu novel entendimento de forma imediata,
inclusive no aspecto de restrição de acesso à elegibilidade (vedação à concessão da
quitação eleitoral de candidato que não tenha prestado contas), como se vê no ementado
abaixo:

PETIÇÃO. RECURSO. RES.-TSE Nº 23.217, DE 2010. CONTAS JULGADAS NÃO PRES­


TADAS. CANDIDATO. SENADOR. COMPETÊNCIA. TRE. RESTRIÇÃO. QUITAÇÃO.
PERÍODO DO MANDATO. LEGISLATURA. DIVERGÊNCIA. ANOTAÇÃO. CADASTRO.
ZONA ELEITORAL. RECEBIMENTO COMO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO.
INDEFERIMENTO.
1. A apresentação extemporânea das contas de campanha enseja seu julgamento como não
prestadas e a ausência de quitação eleitoral pelo prazo do mandato ao qual o candidato
concorreu e, ultrapassado esse prazo, até que sejam efetivamente apresentadas.

34
Vide principalmente, DWORKIN, Ronald. Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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2. A restauração da quitação eleitoral, com a atualização do cadastro eleitoral, de candidato


ao cargo de Senador que tenha suas contas de campanha julgadas não prestadas somente
ocorrerá após o transcurso do prazo de oito anos, finda a respectiva legislatura.
3. No aparente conflito suscitado pelo recorrente, considerados os princípios da boa-fé, da
segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, assumem prevalência os princípios
do interesse público, da moralidade e da razoabilidade, presente o imperativo de garantia
da transparência, da legalidade e da legitimidade das eleições.
4. Recurso administrativo recebido como pedido de reconsideração e indeferido.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, recebeu o recurso como pedido de reconsideração
e o indeferiu, determinando o arquivamento destes autos, com comunicação ao Tribunal
Regional Eleitoral de São Paulo, para ciência ao juízo da 346ª ZE/SP e ao interessado, nos
termos do voto da Relatora. (TSE, PET - Petição nº 25760 - SÃO PAULO – SP, Acórdão de
21.06.2016, Relator(a) Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário
de justiça eletrônico, Tomo 165, Data 26.08.2016, Página 126-127).

Evidencia-se também a quebra da segurança jurídica enunciada por Horbach,35


quanto ao caráter não vinculante das respostas dadas às consultas no âmbito do próprio
Tribunal Superior Eleitoral e na edição de consultas com cláusula limitadora de sua
eficácia, que restava restrita àquele pleito.
O efeito randômico da Justiça Eleitoral traduz o ocaso para interpretações casuís­
ticas (inautênticas e sem rigor com a coerência, quando não fadada a decisionismos),
resvalando em descrédito institucional, pois “tornam a conjuntura política mais e mais
imprevisível, naquilo que se atribui como ‘custo Brasil’ da insegurança jurídica”.36

3.4.2 Alguns apontamentos nas Resoluções sobre a prestação de contas


A hercúlea tarefa de dirigir a garantia da permanência da alternância do poder,
na execução do processo eleitoral e no julgamento de todos os conflitos dela decorrentes,
se torna proporcional aos desafios que se impõe para que tudo aconteça dentro da
normalidade institucional e legitimidade democrática.
Para isso, deve-se buscar o equilíbrio para que a atuação da Justiça Eleitoral não
se maximize a ponto de sobressair-se ao protagonismo que deva ser do eleitorado e
não da organizadora/pacificadora do processo.
As contínuas dilacerações legislativas que ocorrem no espectro eleitoral37 e mesmo
de certo conjunto de entendimentos do Judiciário Eleitoral acaba por dificultar a previ­
sibilidade, segurança jurídica e a proteção da confiança do eleitorado.38

35
Op. cit.
36
SCARPINO JR., Luiz Eugenio. Moralidade Eleitoral e Juristocracia: análise crítica da Lei da Ficha Limpa (Lei
Complementar nº 135/10), Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2016.
37
“A estabilidade legislativa ou durabilidade razoável das normas que se repercutam em situações jurídicas
subjetivas decorre do princípio da proteção da confiança, imanente ao Estado democrático de Direito” como
salienta MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2015. p. 417.
38
Bem pontua PAIM, op. cit., p. 21: “A fluidez das normas eleitorais, extremamente cambiantes, gera uma carência
de uniformidade, de sistematicidade, contribuindo para a dificuldade de cognoscibilidade do Direito Eleitoral.
Como se não bastasse, a edição de resoluções pela Justiça Eleitoral contribui ainda mais para a proliferação
normativa, o que faz com que até mesmo estudiosos da matéria sejam surpreendidos com repentinas mudanças
do arcabouço legislativo.”

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O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já decidiu quanto a não aplicação


imediata de guinadas na jurisprudência, em observância à segurança jurídica:

As decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo
após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma
repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto
e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. (STF, RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 637.485 RIO DE JANEIRO RELATOR: MIN. GILMAR MENDES,
DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 21.05.2013 - ATA Nº 72/2013. DJE nº 95, divulgado em
20.05.2013). 39

Um ponto crítico quanto à segurança jurídica se dá pelo fato de que as resoluções


eleitorais podem ser aprovadas até 05 de março, em desconformidade com a anuali­dade
(art. 16, da Constituição). Ainda que as Resoluções para as Eleições de 2018 tenham
sido aprovadas em dezembro de 2017, pontos como o autofinanciamento, por exemplo,
ficaram a ser solvidas nos primeiros meses de 2018. Nota-se que sequer a interpretação
de como a lei será operacionalizada (e aqui nem se aborda um possível o emprego
indevido de resoluções com efeito de norma primária) obedece à anterioridade, a
segurança jurídica afigura-se comprometida, desde a sua origem, no órgão de cúpula
da Justiça Eleitoral. Plano ideal seria que todas as alterações legislativas pudessem ser
sanadas com tempo de antecedência para que igualmente as Resoluções observassem
o princípio da anualidade. Afinal, se até a evolução de entendimentos do TSE pode se
sujeitar à anualidade, por qual motivo não levaria as suas Resoluções não seguirem a
mesma sorte?
Quanto à quebra da segurança jurídica, bem critica Carlos Horbach40 quando
identifica a correção de ações do Tribunal Superior Eleitoral que se afasta dos requisitos
de clareza, inteligibilidade, estabilidade e previsibilidade; quando não, identifica
atuação do TSE que se vale de mecanismos corretivos, que muito bem poderiam ser

39
Vide o trecho da ementa: “SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE
AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acom­
pa­nhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança
jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça
Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos
preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar
de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que
regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos
sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e
candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da
confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos
prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos
processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição.
O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia
constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703).
Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais
regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma
norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou
anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral
que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência
(e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e
somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior”.
40
Op. cit.

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214 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

evitadas se não mais existisse a segregação de funções ou mesmo a estabilização das


composições dos órgãos jurisdicionais eleitorais, em especial do TSE, por meio de
eventual alargamento de mandatos. Ora, a volatilidade decisional parece ser um traço
da temporariedade dos mandatos daqueles que judicam na seara eleitoral.41
Outro ponto que merece reflexão se dá com um procedimento institucionalizado
por seguidas Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral quanto à quebra antecipada do
sigilo fiscal para apuração de doações em excesso, sob a justificativa de circularização
de informações. Vale dizer, não há previsão legal para este procedimento.
A Receita Federal informa diretamente ao Ministério Público uma divergência
dos dados cruzados, em que o sistema aponta a existência de doações a maior do
que o teto legal permite. Ataca-se aqui a ocorrência de uma latente ilegalidade/
inconstitucionalidade.
Pois bem.
O Ministério Público recebe uma “comunicação” da Receita. Sem outros dados
investigativos, ou qualquer outra apuração, o Ministério Público interpõe representação
por suposta infringência à lei. Tudo isso, sem qualquer rubor, quebra-se às cântaras
sigilos fiscais de cidadãos, mediante comunicação direta da Receita não ao Judiciário,
mas ao braço estatal e acusatório do Ministério Público, que com base no documento
oficial, solicita ao juízo que, sem grande embaraço, confere a autorização para finalizar
a quebra do sigilo.
Primeiramente, aponta-se a duvidosa constitucionalidade quanto ao expediente
prévio de comunicação da Receita Federal diretamente ao Ministério Público, por
ofensa ao art. 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal. Isso porque, ainda que
decorra de poder normativo da Justiça Eleitoral a expedição de Resoluções, não é dado
a tal tipo de ato regulamentar assunto específico e reservado à lei, nos termos do art.
5º, II da própria Carta. Não se autoriza que Resolução permita a quebra, indistinta,
de informações fiscais, as quais são mandadas fragmentadas para que o Ministério
Público requisite o restante dos dados. Aqui, nem de longe, se amolda a uma das
autorizações do Código Tributário Nacional (art. 198, §1º, I e II) para permitir a quebra
prévia do sigilo fiscal, tampouco na atividade fiscalizatória do fisco para fins de atuação
da administração tributária (art. 145, §1º, segunda parte, da Constituição). Viola-se o
sigilo pela própria administração tributária que repassa a “desconformidade”, sem
esteio constitucional ou, até mesmo, infraconstitucional. Ou seja, permite-se uma “pré-
quebra” do sigilo fiscal, admoestando ao que o Ministério Público o requeira ao juízo,
que, por seu turno, tende a atuar como um órgão meramente homologador, diante da
presunção de veracidade da comunicação feita pela Receita Federal. Por qual razão o
juízo negaria a quebra de um sigilo se o mesmo está sedimentado em um documento
público, produzido de ofício e encaminhado ao Ministério Público que, por seu turno,
o replica sem qualquer tratamento? A autorização da Resolução do Tribunal Superior
Eleitoral de comunicação direta, à margem da reserva legal que exige a matéria (sigilo
é regra, quebra é a exceção), reveste-se de expediente odioso e violador aos direitos dos

41
PAIM, op. cit., p. 23: “E a instabilidade jurisprudencial é potencializada no Direito Eleitoral, que, além de
conviver com constantes alterações legislativas, é caracterizado pelas mudanças jurisprudenciais, muito em
razão da constante modificação da composição dos Tribunais, tendo em vista que os juízes eleitorais cumprem
mandatos de dois anos, podendo ser reconduzidos apenas para mais um biênio”.

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O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: ENTRE A EFETIVIDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA...
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cidadãos. Neste diapasão, a gritante falta de norma autorizativa, permite que Resolução
faça uma violação aos direitos fundamentais, em que, o Ministério Público, sem realizar
qualquer ato adicional, aparelha-o como meio único de perquirir não uma investigação,
mas a busca punitiva. Pior, fundante esta representação em prova ilícita (art. 5º, LVI,
CF), obtida por uma comunicação direta da Receita Federal, que deixa de exercer a
função de administração tributária e passa a enfronhar-se, na fiscalização de doações
eleitorais perante a própria Justiça Eleitoral, na defesa de interesses diversos daqueles
que a lei lhe assegura agir. Porquanto, afigura-se tal expediente de quebra antecipada
de dados inserido em seguidas Resoluções Eleitorais de atuar fora das margens legais
(art. 23, IX, Código Eleitoral; art. 61, Lei nº 9.096/95; art. 105, Lei nº 9.504/97), usurpando
o papel do Legislativo na produção de atos normativos primários.42
A prestação de contas deverá ser apresentada ao final das eleições e também no
seu interregno, com uma parcial. Ora, tanto rigor desmesurado parece incrementar
consi­deravelmente a burocracia, em vista da redução de campanha um período efetivo
de 45 dias. O motivo da redução seria a redução do custo de campanha. Entretanto,
deixou-se de facilitar a prestação de contas que é um mero instrumento, não devendo ser
burocrático a ponto de tisnar o protagonismo que é a correta exposição dos candidatos.
Parece, todavia, um sofisma a redução do período eleitoral para melhoria do sistema,
pois se reduzem os gastos declarados e sujeitos ao controle jurisdicional, ficando a
descoberto todas as ações perpetradas por pré-candidatos em período pré-eleitoral –
ressalvando-se a possibilidade de ingresso oportuno de ação de investigação eleitoral
por abuso de poder econômico por gastos incorridos antes da candidatura.
Outro aspecto a ser avivado se dá quanto às últimas Resoluções Eleitorais impu­
serem a obrigatoriedade de constituição de advogado para a prestação de contas,
embora nada na lei insira tal imposição. Ainda que a prestação de contas tenha ganhado
a natureza jurisdicional (antes recebia tratamento de cunho administrativo), a inter­
venção desde o primórdio não parece ser a intenção que o legislador tenha quisto como
impositiva. A efetividade e celeridade buscadas pela Justiça Eleitoral com a conveniência
de intimar o advogado ao invés de fazê-lo de forma direta ao candidato parecem ter
preponderado no momento de regular o assunto. No entanto, nem todo o processo de
prestação de contas terá natureza contenciosa, tal qual não se reveste o processo de
registro de candidatura – o qual sequer as Resoluções exigiram a presença de advogado,
salvo se houver processo de impugnação.
Exemplifica-se também a inadequada previsão de Resolução quanto ao burocra­
tismo incrustado na exigência de apresentação obrigatória de comprovação de avaliação
dos preços de bens ou serviços prestados quando ingressarem como receitas estimáveis
em dinheiro. Tais documentos até poderiam ser exigíveis em eventual fase instrutória
caso soasse inconsistente o conjunto declarado, porém sua apresentação desde o início
parece exorbitar o sentido legal, tornando ainda mais penosa e difícil a tarefa de se
candidatar a cargo eletivo. Tem-se como desarrazoada, inclusive, que a prestação de
contas simplificada tenha que apresentar este tipo de documento, de forma imediata
e obrigatória.

42
SCARPINO JR., Luiz Eugenio. Moralidade Eleitoral e Juristocracia: análise crítica da Lei da Ficha Limpa
(Lei Complementar nº 135/10), Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2016.

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3.5 Considerações finais


É crescente o sentimento e a resposta de que se experimenta uma crise na demo­
cracia, de desconfiança da política e nos políticos. A participação do eleitorado e a
esperança de que a democracia será capaz de solucionar a vida dos cidadãos são cada
vez menores, eleição a eleição. Imperam saídas nem sempre técnicas que sinalizam por
modificações na legislação eleitoral (que decisivamente pouco influem na alteração do
“status quo”) como um trunfo, rumo à inalcançável aclamação popular (ou midiática).
O processo de prestação de contas não está imune. As modificações tecnológicas
e a hiperconectividade possibilitam o incremento do controle social com mais transpa­
rência. É um caminho sem retorno.
Entretanto, o processo de prestação de contas exige tanto acuro a ponto de afastar
da política aqueles que não tenham um aparelhamento técnico suficiente a solucionar
tantos entraves burocráticos criados. Nesse sentido, as Resoluções do Tribunal Superior
Eleitoral, mesmo que para buscar o (necessário) aprimoramento, tornam penosa (e de
certa, forma, elitizada) a gestão das candidaturas.
O temor de uma juristocracia quando as forças do parlamento se mostram
enfraquecidas é latente, não menor do que eventuais desajustes em entendimentos
que possam abalar a segurança jurídica e a proteção da confiança dos candidatos e dos
cidadãos.
Os desafios impostos para que a Justiça Eleitoral consiga ser a seara pacificadora
e traga a efetividade ao processo – e assegurem a legitimidade e normalidade – não
podem permitir desvios na garantia de direitos fundamentais ou na sobreposição das
funções constitucionalmente esperadas.
Carece ainda de perenidade e sedimentação as regras eleitorais; o mesmo se
ressente da jurisprudência trôpega, que muda conforme as constantes mudanças na
composição das Cortes. Ganhando-se amadurecimento no Judiciário Eleitoral, as críticas
quanto a ativismos ou excessos em Resoluções Eleitorais perderão força – denotando-se
essencial o recrudescimento da força do Poder Legislativo enquanto real protagonista
na entabulação das leis.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
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In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
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PARTE IV

O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS


ELEITORAIS: GARANTIAS E EFETIVIDADE

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CAPÍTULO 1

PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS


PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE,
DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA ANTERIORIDADE:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS CONDENAÇÕES
REALIZADAS PELAS CORTES ELEITORAIS

ROGER FISCHER

1.1 Considerações introdutórias


O presente artigo tem por objetivo analisar o tema acerca da Prestação de Contas
de Candidato e as respectivas sanções eventualmente decorrentes da não observância
do seu regramento, bem como os Princípios Constitucionais da Legalidade e do Devido
Processo Legal.
Inicialmente, contudo, será realizada uma breve análise do instituto da Prestação
de Contas, que vem disciplinado pelos arts. 17 e seguintes, quando trata da arrecadação
e da aplicação dos recursos nas campanhas eleitorais, e pelos arts. 28 e seguintes, ao
sistematizar especificamente a denominada prestação de contas, todos da Lei nº 9.504/97,
sendo sistematicamente alterado pelas corriqueiras minirreformas eleitorais erigidas,
em geral, às vésperas de pleitos. Afirma-se isso porque, desde a data de sua promul­
gação, diversas modificações houve, sendo que relacionado à arrecadação de recursos
e respectiva prestação de contas ocorreram em 6 oportunidades: Lei nº 11.300/2006,
Lei nº 12.034/09, Lei nº 12.875/2013, Lei nº 12.891/2013, Lei nº 13.165/2015 – que trouxe
diversas e importantes alterações, posteriormente mencionadas – e Leis nº 13.487 e
13.488, ambas de 2017.
Em que pese divergência a respeito da classificação acerca do que se denomina
de processo eleitoral, inegável é que a arrecadação – e respectivos gastos – com a final
prestação das contas estão ligados necessariamente ao que costumeiramente se chama
de campanha eleitoral propriamente dita. É que o processo eleitoral, assim entendido
num conceito mais estrito, diz respeito aquele interstício que compreende os atos

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necessários para que, a final, ocorra o sufrágio, ou seja, engloba desde as normas da
convenção partidária, registro e propaganda até a diplomação dos eleitos. Por outro
lado, o direito processual eleitoral se relaciona às ações eleitorais.
A tal respeito, Rodrigo López Zilio1 conceitua o processo eleitoral como

um conjunto de regras, coordenadas entre si, que objetivam disciplinar os aspectos


materiais necessários ao exercício do sufrágio e se desenvolvem desde as normas de
convenção partidária, passando pelo pedido de registro de candidato, arrecadação e
gastos de campanha, pesquisa eleitoral, propaganda eleitoral e, também, pelo momento
da votação e do escrutínio, prestação de contas, culminando com a diplomação dos eleitos.

As previsões legislativas acerca da arrecadação e comprovação dos recursos na


campanha eleitoral têm por escopo, ao fim e ao cabo, fazer prevalecer os institutos do
Direito Eleitoral que visam a atender os seus princípios reguladores, notadamente o da
igualdade de oportunidade entre os candidatos e o da publicidade, sempre como norte
a lisura das eleições. Marcos Ramayana2 afirma que “a preservação da intangibilidade
dos votos e da igualdade de todos os candidatos perante a lei eleitoral e na propaganda
política eleitoral ensejam a observância ética e jurídica deste princípio básico do Direito
Eleitoral”.
Nesse sentido Eneida Desiree Salgado3 refere:

A Constituição estabelece como norma estruturante do Direito Eleitoral o princípio


constitucional da máxima igualdade entre os candidatos. Essa escolha reflete-se no
princípio republicano e na ideia de igualdade construída na Constituição, que impõe
uma regulação das campanhas eleitorais, alcançando o controle da propaganda eleitoral,
a neutralidade dos poderes públicos, a vedação ao abuso de poder econômico e a
imparcialidade dos meios de comunicação. A campanha eleitoral mostra se a eleição é
livre e justa.

E, mais adiante, quando examina a possibilidade das diversas formas de finan­


ciamento de campanha, a supramencionada doutrinadora, salientando “(...) que a
questão deve se concentrar no controle dos recursos e na identificação de sua origem
(...)”, aduz4:

Nas democracias de massa, a exigência de recursos financeiros para a realização de propa­


ganda surge como um forte elemento de desigualdade. Assim, o controle de financiamento
de campanhas se justifica a partir do comando constitucional de máxima igualdade entre
os candidatos. A atuação do Estado na regulamentação das contribuições e dos gastos
tem razões igualitárias: as restrições se justificam pela demanda de grupos concentrada
na “oportunidade plena e equitativa para participar no debate público”, relacionada,
portanto, à sua liberdade de expressão.

1
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico Editora, 2016, p.289.
2
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 22.
3
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios Constitucionais Eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, p. 177.
4
SALGADO, Eneida Desiree. Op. cit., p. 211.

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PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...
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A prestação de contas, portanto, segundo Rodrigo López Zilio,5 “consiste em


procedimento de caráter jurisdicional através do qual os candidatos e partidos políticos
apresentam à Justiça Eleitoral os valores arrecadados na campanha, demonstrando as
respectivas fontes e indicam o destino dos gastos eleitorais”.
Base nos princípios antes mencionados é que restou forjado o atual modelo de
arrecadação de recursos e respectiva prestação de contas estatuído pela Lei nº 9.504/97,
onde se viabiliza o financiamento misto, englobando público e privado, embora este
último, em razão da Lei nº 13.165/2015, tenha sofrido alteração significativa que diz com
a proibição das doações de pessoas jurídicas, com supedâneo em veto presidencial6 que
referiu julgamento7 histórico veiculado pelo egrégio Supremo Tribunal Federal (STF)
nos autos da ADI nº 4.650 ajuizada pela OAB.
Assim é que, hodiernamente, as campanhas eleitorais podem arrecadar recursos
de pessoas físicas, observado o limite de 10% (dez por cento) dos respectivos rendimentos
brutos auferidos no ano anterior – art. 23, §1º –, bem como por meio de quantias
repassadas pelo respectivo Partido provenientes do Fundo Partidário, cujos recursos
são vultosos,8 somando-se agora, em razão da Lei nº 13.487/2017, o Fundo Especial de
Financiamento de Campanha.
Os gastos eleitorais também estão previstos pela legislação, consoante expres­
samente consignado no art. 26 da Lei nº 9.504/97, bem como os seus limites, na esteira

5
ZILIO, Rodrigo López. Op. cit., p. 469.
6
“A possibilidade de doações e contribuições por pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais,
que seriam regulamentadas por esses dispositivos, confrontaria a igualdade política e os princípios republicano
e democrático, como decidiu o Supremo Tribunal Federal”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Msg/VEP-358.htm>. Acesso em: 23 maio 2016.
7
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. MODELO NORMATIVO VIGENTE DE FINANCIAMENTO
DE CAMPANHAS ELEITORAIS. LEI DAS ELEIÇÕES, ARTS. 23, §1º, INCISOS I e II, 24 E 81, CAPUT E §1º. LEI
ORGÂNICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS, ARTS. 31, 38, INCISO III, E 39, CAPUT E §5º. CRITÉRIOS DE DOAÇÕES
PARA PESSOAS JURÍDICAS E NATURAIS E PARA O USO DE RECURSOS PRÓPRIOS PELOS CANDIDATOS.
PRELIMINARES. (...). MÉRITO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DEMOCRÁTICOS E
DA IGUALDADE POLÍTICA. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS DE ADI E DE ADI POR OMISSÃO EM UMA
ÚNICA DEMANDA DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. VIABILIDADE
PROCESSUAL. PREMISSAS TEÓRICAS. POSTURA PARTICULARISTA E EXPANSIVA DA SUPREMA
CORTE NA SALVAGUARDA DOS PRESSUPOSTOS DEMOCRÁTICOS. SENSIBILIDADE DA MATÉRIA,
AFETA QUE É AO PROCESSO POLÍTICO-ELEITORAL. AUTOINTERESSE DOS AGENTES POLÍTICOS.
AUSÊNCIA DE MODELO CONSTITUCIONAL CERRADO DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS.
CONSTITUIÇÃO-MOLDURA. NORMAS FUNDAMENTAIS LIMITADORAS DA DISCRICIONARIEDADE
LEGISLATIVA. PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE NÃO ENCERRA O
DEBATE CONSTITUCIONAL EM SENTIDO AMPLO. DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS. ÚLTIMA PALAVRA
PROVISÓRIA. MÉRITO. DOAÇÃO POR PESSOAS JURÍDICAS. INCONSTITUCIONALIDADE DOS LIMITES
PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO (2% DO FATURAMENTO BRUTO DO ANO ANTERIOR À ELEIÇÃO).
VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS E DA IGUALDADE POLÍTICA. CAPTURA DO PROCESSO
POLÍTICO PELO PODER ECONÔMICO. “PLUTOCRATIZAÇÃO” DO PRÉLIO ELEITORAL. LIMITES
DE DOAÇÃO POR NATURAIS E USO DE RECURSOS PRÓPRIOS PELOS CANDIDATOS. COMPATIBILI­
DADE MATERIAL COM OS CÂNONES DEMOCRÁTICO, REPUBLICANO E DA IGUALDADE POLÍ­
TICA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (...).
19. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para assentar apenas e tão somente
a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 31 da Lei nº 9.096/95, na parte em que autoriza,
a contrario sensu, a realização de doações por pessoas jurídicas a partidos políticos, e pela declaração de
inconstitucionalidade das expressões “ou pessoa jurídica”, constante no art. 38, inciso III, e “ e jurídicas”, inserta
no art. 39, caput e §5º, todos os preceitos da Lei nº 9.096/95”. (DISTRITO FEDERAL. Supremo Tribunal Federal.
Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650. Relator Ministro Luiz Fux. Brasília, 17.9.2015).
8
De 2011 a 2014 entre R$ 300.000.000,00 e R$ 400.000.000,00, sendo que em 2015 e em 2016 o valor foi superior
a R$ 800.000.000,00, com redução no ano de 2017, que não atingiu a cifra de R$ 700.000,00, consoante consulta
disponível em: <http://www.tse.jus.br/partidos/fundo-partidario>. Acesso em: 4 jan. 2018.

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da previsão do art. 18 da mencionada legislação, assim redigido: “Os limites de gastos


de campanha serão definidos em lei e divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral”.
Tal dispositivo, cuja ideia tem origem na Lei nº 13.165/2015, sendo redigido de tal
forma com base na Lei nº 13.488/2017, de forma objetiva tratou de disciplinar a matéria,
considerando que a previsão até então existente, por ausência de fixação dos mesmos
pelo Congresso Nacional, repassava aos próprios candidatos a respectiva delimitação
do seu teto máximo. Assim, em obediência à legislação, o Tribunal Superior Eleitoral
editou, em 2015, a Resolução nº 23.459, estabelecendo os limites de gastos de cada
candidato para as eleições de 2016, providência agora repisada por ocasião da edição
da Resolução que disciplina as eleições de 2018 em seus artigos 4º a 6º.
Digno de nota a exigência de que ocorra a divulgação, no prazo de 72 (setenta
e duas) horas do respectivo recebimento, através de sítio disponibilizado pela Justiça
Eleitoral, dos recursos em dinheiro recebidos para o financiamento, com a indicação
dos nomes, do CPF ou CNPJ dos doadores e dos respectivos valores doados. Da mesma
forma exige-se a prestação de contas parcial de campanha no dia 15 de setembro,
ocasião em que se deverá fornecer relatório discriminando das transferências do
Fundo Partidário, os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem
como os gastos realizados – não houve qualquer modificação no dispositivo legal em
razão da criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha criado pela Lei
nº 13.487/2017.
Também importante referir que a Minirreforma Eleitoral de 2015 trouxe inovações
no que diz com as prestações de contas simplificadas, assim entendidas aquelas
campanhas cuja movimentação financeira tiverem por teto o valor de até R$20.000,00
(vinte mil reais) e também nos casos de eleições para Prefeito e Vereadores em municí­
pio com até 50.000 (cinquenta mil) eleitores, na forma dos §§9º a 11 do art. 28 da Lei
nº 9.504/97.9
Ao final das respectivas campanhas, será encaminhada à Justiça Eleitoral a
prestação de contas integral para que ocorra a respectiva análise, na forma prevista
pelo art. 30 da Lei nº 9.504/97, assim redigido:

Art. 30. A Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas de campanha, decidindo:
I – pela aprovação, quando estiverem regulares;
II – pela aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam
a regularidade;
III – pela desaprovação, quando verificadas falhas que lhes comprometam a regularidade;

9
§9º A Justiça Eleitoral adotará sistema simplificado de prestação de contas para candidatos que apresentarem
movimentação financeira correspondente a, no máximo, R$ 20.000,00 (vinte mil reais), atualizados
monetariamente, a cada eleição, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC da Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou por índice que o substituir.
§10. O sistema simplificado referido no §9o deverá conter, pelo menos:
I – identificação das doações recebidas, com os nomes, o CPF ou CNPJ dos doadores e os respectivos valores
recebidos;
II – identificação das despesas realizadas, com os nomes e o CPF ou CNPJ dos fornecedores de material e dos
prestadores dos serviços realizados;
III – registro das eventuais sobras ou dívidas de campanha.
§11. Nas eleições para Prefeito e Vereador de Municípios com menos de cinquenta mil eleitores, a prestação de
contas será feita sempre pelo sistema simplificado a que se referem os §§9º e 10.

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PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...
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IV – pela não prestação, quando não apresentadas as contas após a notificação emitida
pela Justiça Eleitoral, na qual constará a obrigação expressa de prestar as suas contas, no
prazo de setenta e duas horas.

Na esteira do mencionado por Rodrigo López Zilio,10 “a aprovação das contas,


em síntese, significa o reconhecimento pela Justiça Eleitoral da plena regularidade das
contas apresentadas, com a observância estrita das regras de arrecadação e gastos de
recursos eleitorais”.
Como eventual consequência pela não observância do regramento eleitoral no
que diz com a arrecadação e comprovação dos recursos de campanha, o art. 30-A da
Lei nº 9.504/97 é taxativo:

Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo


de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura
de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei,
relativas à arrecadação e gastos de recursos.

O procedimento regular-se-á pelo disposto no art. 22 da LC nº 64/90 sendo que,


“comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado
diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado”, na esteira do §2º do
mencionado art. 30-A.

1.2 O poder normativo da justiça eleitoral. (In)Observância


dos princípios da legalidade, do devido processo legal e da
anterioridade
Consoante cediço, a Justiça Eleitoral possui diversas atividades: judicial, adminis­
trativa, consultiva e regulamentar. Inserida nesta última, assenta-se que é garantido a ela
um denominado “poder normativo”, cuja origem adviria dos arts. 1º, parágrafo único,
e 23, IX, do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65). Tais dispositivos assegurariam ao TSE
competência para expedir instruções – assim entendidas genericamente – que julgar
convenientes para o cumprimento das disposições insertas no seu bojo, sendo digno de
nota que “o Código Eleitoral vigente, de 1965, na parte que disciplina a organização e
a competência da Justiça Eleitoral foi recepcionado pela Constituição de 1988 como lei
complementar em sentido material”.11
Elaine Harzheim Macedo e Rafael Morgental Soares12 afirmam que

a alternativa possível – dentro da separação de poderes, e não em ofensa a ela – é reconhecer


o poder normativo da Justiça Eleitoral como contrapeso ao domínio do poder legislativo
sobre as normas eleitorais: uma forma de aprimorar o sistema naquilo que a instância
legislativa não tem condições de fazer; e instar o legislador ao movimento, nas situações
em que a inércia é benéfica a seus agentes.

10
ZILIO, Rodrigo López. Op. cit., p. 482.
11
ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. Direito Eleitoral Regulador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 114.
12
MACEDO, Elaine Harzheim; SOARES, Rafael Morgental. A Criação do Direito pela Justiça Eleitoral: um estudo
sobre o seu poder normativo. In: MACEDO, Elaine Harzheim; FREITAS, Juliana Rodrigues. (Org.). Jurisdição
Eleitoral e Direitos Políticos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método; Belém, Cesupa, 2015. p. 61.

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A previsão legal antes mencionada, contudo, não autoriza à Justiça Eleitoral a


efetivamente legislar, na medida em que a Constituição Federal estabelece a competência
privativa da União para tal mister quando está a tratar de direito eleitoral, na esteira
do previsto pelo art. 22, I.13
Também assim o próprio legislador tratou de deixar claro o espectro de atuação
da Justiça Eleitoral no exercício do seu “poder normativo”, ao dispor no art. 105 da Lei
nº 9.504/97 que

até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter
regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta
Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias, para sua fiel execução, ouvidos,
previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos.

Comentando a limitação imposta pelo legislador, Gustavo Bohrer Paim14 diz que

(...) o Poder Legislativo, insatisfeito com a histórica e consagrada função normativa da


Justiça Eleitoral, tentou estabelecer limites para essa função, que deveria ter caráter
meramente regulamentar e não poderia restringir direitos e nem estabelecer sanções
distintas das previstas da Lei das Eleições.

De qualquer sorte, e na esteira do referido por José Jairo Gomes,15

(...) as Resoluções expedidas pelo TSE ostentam força de lei. Note-se, porém, que ter
força de lei não é o mesmo que ser lei! O ter força, aí, significa gozar do mesmo prestígio,
deter a mesma eficácia geral e abstrata atribuídas às leis. Mas estas são hierarquicamente
superiores às resoluções pretorianas. Impera no sistema pátrio o princípio da legalidade
(CF, art. 5º, II), pelo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei.

Em outras palavras: há a necessidade de as regras do Direito Eleitoral, assim


entendidas em seu conteúdo formal e material, serem provenientes do Parlamento, sob
pena de violação de Princípios basiladores de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Ocorre que em determinadas Resoluções editadas pela Justiça Eleitoral, ao contrário,
além de sequer ser obedecido ao Princípio da Anterioridade – consoante Eneida Desiree
Salgado, “uma exigência da predeterminação das regras do jogo da disputa eleitoral com
um ano de antecedência para evitar casuísmos e surpresas, em nome da estabilidade” –,16
há violação também do princípio da legalidade,17 porque efetivamente acabam “criando”
o Direito, o que não lhe é permitido mesmo sob o propalado “poder normativo”.
Ao analisar casos em que o TSE não se limita à função que lhe é atribuída por lei,
Gustavo Bohrer Paim18 refere que “o exercício do poder normativo instaura inovação

13
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...)”.
14
PAIM, Gustavo Bohrer. Direito eleitoral e segurança jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. p. 84.
15
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 68.
16
SALGADO, Eneida Desiree. Op. cit., p. 222.
17
Art. 5º, II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
18
PAIM, Gustavo Bohrer. Op. cit., p. 83.

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no ordenamento jurídico, fazendo lei no sentido material, não se confundindo com a


mera função regulamentadora”.
Djalma Pinto19 adverte que

as resoluções eleitorais são atos normativos dos tribunais que objetivam tornar factível a
aplicação da legislação, interpretar e disciplinar matéria, no âmbito do Direito Eleitoral,
visando ao aprimoramento do processo eletivo (parágrafo único, art. 1º, e art. 23, IX,
CE). Devem manter harmonia com a lei e com a Constituição. Não lhes cabe usurpar a
competência do legislador, a quem compete produzir a lei reguladora do processo eleitoral.

A respeito do princípio da legalidade, Alexandre de Moraes20 consigna:

Importante salientarmos as razões pelas quais, em defesa do Princípio da Legalidade,


o Parlamento historicamente detém o monopólio da atividade legislativa, de maneira a
assegurar o primado da lei como fonte máxima do direito:
- trata-se da sede institucional dos debates políticos;
- configura-se em uma caixa de ressonância para efeito de informação e mobilização da
opinião pública;
- é o órgão que, em tese, devido a sua composição heterogênea e a seu processo de
funcionamento, torna a lei não uma mera expressão dos sentimentos dominantes em
determinado setor social, mas a vontade resultante da síntese de posições antagônicas e
pluralistas da sociedade.

O mencionado doutrinador, ainda, falando acerca do princípio da legalidade,


faz referência ao princípio da reserva legal, salientando que “o primeiro significa a
submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador.
O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de
fazer-se necessariamente por lei formal”.
Há referir, outrossim, que não raras vezes as previsões trazidas com base no poder
normativo da Justiça Eleitoral acabam por violar o princípio do devido processo legal
no âmbito do Direito Processual Eleitoral, denominado por José Jairo Gomes21 como
“processo contencioso eleitoral”, que explica se tratar “da relação jurídica processual
instaurada entre partes e o Estado-juiz com vistas à resolução de lide eleitoral”.
Nesse norte, importante a lição de José Afonso da Silva: 22

O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com
um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: ninguém será privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito
de acesso à Justiça (art. 5º XXXV) e o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV),
fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo e, “quando se fala em
‘processo’, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais
adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada

19
PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2008. p. 22.
20
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 36-37.
21
GOMES, José Jairo. Op. cit., p. 465.
22
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 434-435.

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um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do


contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade
dos atos procedimentais”, conforme autorizada lição de Frederico Marques.

Também, repisando o mencionado, não se pode olvidar que muitas vezes os


regramentos expedidos pela Justiça Eleitoral não respeitam a anterioridade consagrada
no art. 16 23 da Constituição Federal (CF), violando, ao fim e ao cabo, o princípio do
devido processo legal no âmbito do Processo Eleitoral, alhures referido.
A tal respeito Rodrigo López Zilio24 afirma:

Em verdade, o desiderato do princípio da anualidade é propiciar aos contendores do


processo eleitoral um mínimo de segurança jurídica sobre as regras do jogo. Efetivamente,
todos os atores do processo eleitoral – candidatos, partidos políticos, coligações partidárias,
promotores de justiça, juízes eleitorais, advogados e eleitores – têm o inerradável direito
de ter pleno conhecimento de qual é a legislação aplicável por ocasião do desenrolar do
prélio eleitoral. Assim, o constituinte presumiu que, ante as circunstâncias específicas que
envolvem o embate eleitoral, o prazo de um ano de antecedência do pleito é o mínimo
razoável para que as eleições transcorram em aparente normalidade. Por conseqüência,
a Constituição Federal adota a regra de que as alterações materiais procedidas dentro do
prazo anual da eleição importam em quebra do princípio da segurança jurídica.

Nessa toada Tailaine Cristina Costa25 refere que

não obstante a importância da Justiça Eleitoral para a concretização da democracia, por


vezes seus atos normativos mitigam a segurança jurídica e surpreendem os partidos
políticos com determinações modificativas do processo eleitoral em período inferior a um
ano antes da realização do pleito. Essa conduta afronta a divisão dos poderes.

O próprio STF assim entendeu, quando do julgamento acerca da aplicabilidade


da intitulada “Lei da Ficha Limpa” (LC nº 135/2010), pronunciando-se pela sua
não observância para o pleito de 2010 em razão da não obediência ao princípio da
anterioridade como garantia do devido processo legal.26

23
A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que
ocorra até um ano da data de sua vigência.
24
ZILIO, Rodrigo López. Op. cit., p.39.
25
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral, n. 1, v. 2, 2013. p. 107.
26
“LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010, DENOMINADA LEI DA FICHA LIMPA. INAPLICABILIDADE ÀS
ELEIÇÕES GERAIS 2010. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL (ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA).
I. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
ELEITORAL. O pleno exercício de direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é
assegurado pela Constituição por meio de um sistema de normas que conformam o que se poderia denominar
de devido processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade
dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por
isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las. O art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração
legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício
de direitos políticos. Precedente: ADI 3.685, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 22.3.2006. A LC 135/2010 interferiu
numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia
com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos e vai até o registro das candidaturas
na Justiça Eleitoral. Essa fase não pode ser delimitada temporalmente entre os dias 10 e 30 de junho, no qual
ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo

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PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...
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Contudo, é verdade que tanto o TSE como o STF são claudicantes no que diz
com a aplicabilidade do art. 16 da CF, considerando que “o dispositivo constitucional
determina a não aplicação, para a eleição que ocorra a menos de um ano da entrada em
vigor, de lei que altere o processo eleitoral”, sendo que a expressão “processo eleitoral”
acabou sendo analisada de diferentes formas ao longo das últimas alterações legislativas,
o que, ao fim e ao cabo, enseja claramente insegurança jurídica.27

1.3 Prestação de contas e sanções. Casuística


Consoante mencionado, o procedimento de prestação de contas – a exemplo
de boa parte da legislação eleitoral – seguidamente é objeto de alterações legislativas.
Nesse norte, originariamente o texto legal não disciplinava quaisquer sanções atinentes
à desa­provação de contas de campanha, sendo matéria tratada através de resoluções do
TSE. A partir das eleições de 2008 é que a matéria passou a encerrar maiores discussões,
a ponto de existir celeumas a respeito.
Nas referidas eleições de 2008, através da Resolução nº 22.715/2008 – que repisava
o entendimento sufragado desde 2004 pela Resolução nº 21.823 –, o TSE estabeleceu,
no art. 41, §3º, que “a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o
impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao

e tem início com a própria filiação partidária do candidato, em outubro do ano anterior. A fase pré-eleitoral
de que trata a jurisprudência desta Corte não coincide com as datas de realização das convenções partidárias.
Ela começa muito antes, com a própria filiação partidária e a fixação de domicílio eleitoral dos candidatos, assim
como o registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral. A competição eleitoral se inicia exatamente um
ano antes da data das eleições e, nesse interregno, o art. 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas
regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso.
II. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IGUAL­
DADE DE CHANCES. Toda limitação legal ao direito de sufrágio passivo, isto é, qualquer restrição legal à
elegibilidade do cidadão constitui uma limitação da igualdade de oportunidades na competição eleitoral. Não
há como conceber causa de inelegibilidade que não restrinja a liberdade de acesso aos cargos públicos, por
parte dos candidatos, assim como a liberdade para escolher e apresentar candidaturas por parte dos partidos
políticos. E um dos fundamentos teleológicos do art. 16 da Constituição é impedir alterações no sistema eleitoral
que venham a atingir a igualdade de participação no prélio eleitoral.
III. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DAS
MINORIAS E O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA DEMOCRACIA. O princípio da
anterioridade eleitoral constitui uma garantia fundamental também destinada a assegurar o próprio exercício
do direito de minoria parlamentar em situações nas quais, por razões de conveniência da maioria, o Poder
Legislativo pretenda modificar, a qualquer tempo, as regras e critérios que regerão o processo eleitoral.
A aplicação do princípio da anterioridade não depende de considerações sobre a moralidade da legislação.
O art. 16 é uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria, e dessa forma deve ser aplicado por
esta Corte. A proteção das minorias parlamentares exige reflexão acerca do papel da Jurisdição Constitucional
nessa tarefa. A Jurisdição Constitucional cumpre a sua função quando aplica rigorosamente, sem subterfúgios
calcados em considerações subjetivas de moralidade, o princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16
da Constituição, pois essa norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a atuação
sempre ameaçadora da maioria.
IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. Recurso extraordinário conhecido para:
a) reconhecer a repercussão geral da questão constitucional atinente à aplicabilidade da LC 135/2010 às eleições
de 2010, em face do princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), de modo a permitir aos
Tribunais e Turmas Recursais do país a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou
declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou
se pautarem pela orientação ora firmada. b) dar provimento ao recurso, fixando a não aplicabilidade da Lei
Complementar n° 135/2010 às eleições gerais de 2010”. (DISTRITO FEDERAL. Supremo Tribunal Federal. RE
633.703. Relator Ministro. Gilmar Mendes. Brasília, 23.3.2011).
27
PAIM, Gustavo Bohrer. Op. cit. p.60.

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230 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

qual concorreu”. Isso, evidentemente, impedia aquele candidato que porventura tivesse
suas contas rejeitadas de novamente concorrer ao pleito seguinte, considerando que
para tanto necessário se faria – e se faz – a comprovação da quitação eleitoral.
Ocorre que o legislador, não satisfeito com a limitação imposta pela Resolução
do TSE, editou a Lei nº 12.034/2009, que incluiu o §7º ao art. 11 da Lei nº 9.504/97, com
a seguinte redação:

§7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos


direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça
Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas,
em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas
de campanha eleitoral.

Afere-se, portanto, que, para obter a certidão de quitação eleitoral, passou a ser
necessário apenas e tão somente a mera apresentação de contas de campanha, desim­
portando o resultado da sua análise – aprovação, aprovação parcial ou desaprovação –
pela Justiça Eleitoral.
Contudo, para as eleições de 2010, novamente o TSE editou Resolução –
23.221/2010 – em que afirmava, em seu art. 26, §4º, que

a quitação eleitoral de que trata o §1º deste artigo abrangerá exclusivamente a plenitude
do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações
da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas
aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação
regular de contas de campanha eleitoral (Lei nº 9.504/97, art. 11, §7º).(grifou-se).

Ora, justamente a inserção do vocábulo “regular” é que deu ensejo a discussões


doutrinária e jurisprudencial, considerando que a legislação formal não previa a neces­
sidade da regularidade – isso é, aprovação, consoante dicção do inciso I do art. 30 da
Lei 9.504/97 – da prestação de contas, mas tão somente a sua apresentação.
Ao fim e ao cabo, em que pese inicialmente em sentido inverso,28 em julgamento
pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), firmou-se entendimento acerca
da desnecessidade da aprovação das contas para a obtenção da certidão de quitação
eleitoral, bastando a sua mera apresentação, tudo em atenção ao previsto pela legislação.29
Finalmente, para os pleitos de 2012, 2014 e 2016, assim como para as eleições do
corrente ano de 2018, alteração legislativa no sentido formal não houve, mantendo-se
desde 2009 a redação conferida à Lei nº 9.504/97 pela Lei nº 12.034/2009 no que diz com
eventual sanção pela desaprovação ou mesmo aprovação parcial em sede de prestação de
contas de candidato. Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2015, novamente
editou Resoluções – 23.376, 23.406 e 23.463, respectivamente – repisando o texto previsto
pela Lei nº 9.504/97 no que diz com as três possibilidades de julgamento – aprovação,
aprovação com ressalvas e desaprovação -, mas estabelecendo novas previsões.

28
DISTRITO FEDERAL. Tribunal Superior Eleitoral. Processo Administrativo 59.459. Rel. Min. Arnaldo Versiani,
Rel. Designado Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, 23.9.2010.
29
DISTRITO FEDERAL. Tribunal Superior Eleitoral. RESpe 82.052 – Porto Velho/RO. Rel. Min. Marco Aurélio
Mello, Rel Designado Min. Aldir Guimarães. Brasília, 14.10.2010.

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PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...
231

Previu a Resolução nº 23.376/2015:

Art. 27. §1º Os recursos de fontes vedadas deverão ser transferidos ao Tesouro Nacional,
por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), pelo partido político, pelo comitê
financeiro ou pelo candidato até 5 dias após a decisão definitiva que julgar a prestação
de contas de campanha, com a apresentação do respectivo comprovante de recolhimento
dentro desse mesmo prazo.
(...)
Art. 52. A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada até 8 dias
antes da diplomação (Lei nº 9.504/97, art. 30, §1º). Parágrafo único. Na hipótese de gastos
irregulares de recursos do Fundo Partidário ou da ausência de sua comprovação, a decisão
que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional
no prazo de 5 dias após o seu trânsito em julgado.

Nesse sentido a previsão da Resolução nº 23.406/2015:

Art. 29. Os recursos de origem não identificada não poderão ser utilizados pelos candidatos,
partidos políticos e comitês financeiros e deverão ser transferidos ao Tesouro Nacional, por
meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), tão logo seja constatada a impossibilidade
de identificação, observando-se o prazo de até 5 dias após o trânsito em julgado da decisão
que julgar as contas de campanha.

Já na Resolução nº 23.463/2015 a previsão é a seguinte:

Art. 25. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação
em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer
espécie, procedente de: I – pessoas jurídicas; II – origem estrangeira; III – pessoa física
que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão pública. §1º O
recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser imediata­
mente devolvido ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira. §2º
O comprovante de devolução pode ser apresentado em qualquer fase da prestação de
contas ou até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas. §3º A
transferência de recurso recebido de fonte vedada para outro órgão partidário ou candidato
não isenta o donatário da obrigação prevista no §1º. §4º O beneficiário de transferência cuja
origem seja considerada fonte vedada pela Justiça Eleitoral responde solidariamente pela
irregularidade e as consequências serão aferidas por ocasião do julgamento das respectivas
contas. §5º A devolução ou a determinação de devolução de recursos recebidos de fonte
vedada não impedem, se for o caso, a reprovação das contas, quando constatado que
o candidato se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos,
assim como a apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, do art. 22 da
Lei Complementar nº 64/1990 e do art. 14, §10, da Constituição da República.
(...)
Art. 72. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada
a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta
única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma
prevista nos arts. 25 e 26.

Agora, para as Eleições de 2018, o texto da Resolução respectiva repisa tais


regramentos:

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232 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Art. 33. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação
em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer
espécie, procedente de:
I – pessoas jurídicas;
II – origem estrangeira.
III – pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de permissão pública.
§1º A vedação prevista no inciso III não alcança a aplicação de recursos próprios do candi­
dato em sua campanha.
§2º O recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser
imediatamente devolvido ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira.
§3º Na impossibilidade de devolução dos recursos ao doador, o prestador de contas deve
providenciar imediatamente a transferência dos recursos recebidos ao Tesouro Nacional,
por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).
§4º Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa
aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro
Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo
se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.
§5º O disposto no §4º não se aplica quando o candidato ou o partido promove espontânea e
imediatamente a transferência dos recursos para o Tesouro Nacional, sem deles se utilizar.
§6º A transferência de recurso recebido de fonte vedada para outro órgão partidário ou
candidato não isenta o donatário da obrigação prevista no §2º.
§7º O beneficiário de transferência cuja origem seja considerada fonte vedada pela Justiça
Eleitoral responde solidariamente pela irregularidade, e as consequências serão aferidas
por ocasião do julgamento das respectivas contas.
§8º A devolução ou a determinação de devolução de recursos recebidos de fonte vedada
não impedem, se for o caso, a reprovação das contas, quando constatado que o candidato
se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a
apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, do art. 22 da Lei Complementar
nº 64/1990 e do art. 14, §10, da Constituição da República.
§9º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser
apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou até cinco dias após o trânsito
em julgado da decisão que julgar as contas de campanha, sob pena de encaminhamento
das informações à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União
para fins de cobrança.
Art. 34. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos
políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia
de Recolhimento da União (GRU).
§1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:
I – a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou
II – a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas
de outros candidatos ou partidos políticos; e/ou
III – a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no
CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.
§2º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresen-
tado em qualquer fase da prestação de contas ou até cinco dias após o trânsito em julgado da
decisão que julgar as contas de campanha, sob pena de encaminhamento das informações à
representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União para fins de cobrança.
§3º Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa
aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro
Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo
se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

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ROGER FISCHER
PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...
233

§4º O disposto no §3º não se aplica quando o candidato ou o partido promove espontânea e
imediatamente a transferência dos recursos para o Tesouro Nacional, sem deles se utilizar.
§5º O candidato ou o partido pode retificar a doação, registrando-a no SPCE, ou devolvê-
la ao doador quando a não identificação deste decorra do erro de identificação de que
trata o inciso III do §1º e haja elementos suficientes para identificar a origem da doação.
§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o §5º, o valor deverá ser
imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.
(...)
Art. 82. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada
a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta
única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma
prevista nos arts. 33 e 34 desta Resolução.
§1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário
e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização inde­
vida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente
ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena
de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da
Advocacia-Geral da União para fins de cobrança.
§2º Na hipótese do §1º, incidirão juros moratórios e atualização monetária, calculados com
base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a ser recolhidos ao
Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento,
salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

Da leitura das mencionadas resoluções emerge claramente a previsão de sanções


em casos de não aprovação ou mesmo de aprovação com ressalvas em sede da compe­
tente prestação de contas, previsão esta que não encontra guarida no estabelecido pela
legislação formal, cuidando-se de atos elaborados pelo TSE com base em seu poder
regulamentar, mas que, consoante adiante explanado, extrapola em muito a respectiva
possibilidade.
Não se pode olvidar, consoante outrora mencionado, que houve reformas
legislativas na matéria eleitoral decorrentes das Leis nºs 13.165/2015, 13.487/2017 e
13.488/2017, sendo que nada restou previsto acerca de sanções decorrentes da não
aprovação de contas de candidatos – a não ser a manutenção do disposto pelo art. 30-
A, cuja redação originária é datada de 2006, com pequena alteração ocorrida em 2009.
Em realidade, de inovação em tal ponto, tão somente a Minirreforma Eleitoral
de 2015 tratou de tão somente regular sanções em caso de rejeição de contas prestadas
por partidos políticos, a teor da redação prevista ao art. 37 da Lei nº 9.096/95 (Lei dos
Partidos Políticos): “A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a
sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de
até 20% (vinte por cento)”.
Claro resta que o legislador, por expressa convicção, não disciplinou qualquer
espécie de sanção, no bojo da prestação de contas, ao candidato que eventualmente
tiver suas contas desaprovadas ou mesmo aprovadas com ressalvas. Não se pode falar,
outrossim, que o §4º do art. 24 da Lei nº 9.504/97,30 inserido pela Lei nº 13.165/2015, assim

30
O partido ou candidato que receber recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada
deverá proceder à devolução dos valores recebidos ou, não sendo possível a identificação da fonte, transferi-los
para a conta única do Tesouro Nacional.

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234 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

poderia ser considerado, mormente porque tal disciplina não diz com a prestação de
contas. Diz-se isso porque a prestação de contas prevista pela Lei das Eleições, embora
procedimento cuja natureza jurisdicional é reconhecida, não possui espaço hábil, com
contraditório e ampla defesa, para se estabelecer juízo condenatório, até porque não exis­te
qualquer previsão legislativa formal em tal sentido. Em verdade a eficácia da pres­tação
de contas se volta a proclamar julgamentos nos precisos termos do art. 30 e seus in­cisos
I a IV, da Lei nº 9.504/97. Tal desiderato – condenação a pagar – há de ser apu­ra­do, se
for o caso, em processo próprio, nos precisos termos do art. 30-A da Lei nº 9.504/97.
Mesmo que se admita que a redação do art. 24, §4º, da Lei das Eleições, passou a
estabelecer a possibilidade de condenações, inegável que tal disciplina em nada altera
o que se estatui no presente estudo no sentido de que, para tanto, o procedimento da
prestação de contas não se presta. Aquelas condenações provenientes de prestações de
contas anteriores à minirreforma não se sustentavam por ausência de previsão legal
de constituição de título executivo judicial e porque descabido o procedimento eleito;
as impostas em relação às eleições de 2016, base na Lei nº 13.165/2015, que superou
um dos pressupostos negativos – a ausência de previsão legislativa de constituição do
título executivo judicial –, e mesmo as eventualmente decorrentes das eleições de 2018,
se veiculadas em sede de prestação de contas, da mesma forma não poderão subsistir
porque permanecerá a inadequação da via eleita, consoante alhures comentado.
Há falar, outrossim, que nos casos em que ocorrer lacuna da lei – que prevê
procedimento próprio e respectivas sanções para casos em que ocorra irregularidades
detectadas na prestação de contas –, não há como utilizar-se de atos que se limitam a
regulamentar – e não a criar direito com força normativa -, considerando que a hipótese
fática é expressamente tratada na lei de regência. Um exemplo a respeito da possibilidade
do regramento emanado do TSE ser viável é o caso pertinente aos limites de gastos antes
mencionados: a legislação de regência, assim entendida formalmente, conferiu ao TSE
tal poder, e este o exerceu a partir da edição da Resolução nº 23.459 para as Eleições
de 2016 e, agora, com a edição da Resolução que trata dos limites para os respectivos
cargos para as Eleições de 2018.
As Resoluções mencionadas no preâmbulo do presente tópico, portanto,
extrapolam o direito regulamentador conferido à Justiça Eleitoral, em verdadeira
“criação de Direito”, vênia de entendimentos diversos, ofendendo o princípio da
legalidade antes consignado, assim como não observam o princípio do devido processo
legal, tanto no âmbito do Direito Processual Eleitoral, porquanto o procedimento
previsto para a prestação de contas não se traduz em espaço hábil com contraditório
e ampla defesa, como também no próprio Processo Eleitoral, na medida em que não
obedecida à anterioridade exigida pela lei.
A tal respeito importante trazer entendimento sufragado pelo Ministério Público
Eleitoral junto ao egrégio TSE em diversos pareceres exarados por ocasião do exame
de prestações de contas relativas às eleições de 2014. Nesse sentido, por exemplo no
RESpe 149.163 – Porto Alegre/RS, ao analisar a Resolução nº 23.504/2014, afirmou o
então Vice-Procurador-Geral Eleitoral:

(...)
Conclui-se que a Resolução dispõe que o candidato que não identificar a origem de valor
que arrecadou na campanha deve recolher o respectivo montante ao Tesouro Nacional,
sob pena de sofrer execução fiscal.

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ROGER FISCHER
PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...
235

Trata-se de direito novo ou de mera regra que explicita o modo de se cumprir a obrigação
de prestar contas já fixadas na Lei das Eleições? Como se viu, o que inviabiliza a norma
regulamentar, isso é, o que determina o seu caráter invasivo da reserva legal, é a criação
de direito novo. Se está diante de mera regra que deriva de obrigações já existentes, não
há violação do princípio da legalidade.
Como saber se há direito novo, isto é, se houve ou não inovação da ordem jurídica? Pelo
exame da relação que se estabelece com o regramento regulamentar. No caso concreto,
não fica difícil essa avaliação. A União Federal, antes da Resolução, possuía direito a
essa receita que a Resolução lhe confere? Era sujeito ativo dessa obrigação? O candidato,
antes dessa norma, possuía essa obrigação? Ela implica um liame, um vínculo que pode
repercutir sobre a sua esfera jurídica, inclusive seu patrimônio? O não cumprimento dessa
obrigação confere, ao credor, o direito à execução forçada? Esse direito preexistia à edição
da norma regulamentar ou foi criado por ela?
Não fica difícil responder a esses questionamentos, na medida em que é evidente que a
Resolução TSE nº 23.406/2014, em seu art. 29, caput e §2º, estabelece uma relação jurídica
que não existia antes de sua criação. A União passa a ser sujeito ativo de um crédito
que nunca existiu e o candidato sujeita-se a uma obrigação que a lei não prevê. Trata-se
de uma relação jurídica criada em resolução, com sujeito ativo, sujeito passivo, vínculo
obrigacional de caráter patrimonial com força executiva (schuld e haftung), enfim, todos
os aspectos de uma obrigação nova.
Não obstante o evidente propósito moralizador da regra regulamentar em exame – pois
confere eficácia à norma que proíbe a arrecadação de recursos sem fonte identificada na
campanha eleitoral – parece evidente que o TSE violou a reserva legal no exercício de sua
função normativa, na medida em que criou direito novo, sem autorização prevista em lei.

Não obstante o entendimento sufragado pelo então Vice-Procurador-Geral


Elei­toral, em regra no sentido inverso daquele pleiteado pelos seus pares perante os
respectivos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), fato é que o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) não deu vazão ao pleito, mantendo-se na íntegra os comandos estatuídos pelas
mencionadas Resoluções, notadamente aquela editada no ano de 2014, cujos comandos
foram reproduzidos para as eleições municipais de 2016 e também para as eleições
gerais de 2018.
Nesse sentido31:

Eleições 2014. Prestação de contas de campanha. Deputado estadual. Agravo de instru­


mento. Recurso especial. 1. O TSE não excedeu seu poder regulamentar ao aprovar a regra
prevista no art. 29 da Res.-TSE nº 23.406/2014, segundo a qual os recursos de origem não
identificada devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional. Precedente. 2. (...).
3. Recurso provido para aprovar as contas com ressalvas.

Na fundamentação do aresto é utilizado o entendimento no sentido de que a


Corte Superior Eleitoral,

em várias oportunidades e tratando dos mais diversos temas, assentou a regularidade do


poder regulamentar da Justiça Eleitoral, desde que exercido de acordo com as regras e os
princípios (implícitos e explícitos) insertos na Constituição Federal e na legislação eleitoral.

31
DISTRITO FEDERAL. Supremo Tribunal Federal. AI nº 149.163/RS. Rel. Min. Gilmar Mendes. Brasília,
15.12.2015.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
236 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Os julgadores afirmaram que “o exercício do poder regulamentar do qual resultou


a edição do art. 29 da Res.-TSE nº 23.406 é legítimo e acorde com as atribuições da
Justiça Eleitoral”, concluindo finalmente que “a regra do art. 29 da Res.-TSE nº 23.406
não estipula sanção por infração às obrigações impostas aos candidatos e aos partidos
políticos”, mas sim

diz respeito, apenas e tão somente, às consequências práticas derivadas da impossibilidade


de os candidatos ou os partidos políticos utilizarem recursos de origem não identificada
como determinam as regras que regem o financiamento das campanhas eleitorais e dos
partidos políticos.

Com a devida vênia aos eminentes Ministros, resta indubitável que a Resolução
por eles utilizada para fundamentar a condenação – sim, porque quando se determina
o “recolhimento de recursos ao Tesouro Nacional” em sede de prestação de contas a
eficácia é condenatória – em nada diz com o simples poder regulamentador da Justiça
Eleitoral. Cuida-se, isso sim, da efetiva criação de direito novo, competência que
sabidamente não é atribuída ao Poder Judiciário, mas, sim e tão somente, ao Poder
Legislativo, salvo exceções pontuais em que se permite ao Poder Executivo a edição de
Medidas Provisórias, cuja manutenção no ordenamento jurídico prescinde de posterior
aprovação pelo Congresso Nacional.
Nesse sentido, repisa-se, por expressa determinação o legislador optou pela não
previsão de sanção ou condenação – ou mesmo de “devolução” como mencionado nas
Resoluções emanadas do colendo TSE – decorrente da não identificação de eventuais
valores em sede de prestação de contas de candidato, e tampouco há previsão na Lei
nº 13.165/2015. Não se pode, pois, admitir-se condenações da espécie, sendo que a
legislação, base no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, prevê a possibilidade de discussão
acerca de eventual ilícito eleitoral, que poderá ensejar inclusive a não diplomação do
eleito, sempre se respeitando procedimento com espaço hábil para tanto, ou seja, aquele
previsto pelo art. 22 da LC nº 64/90.
Em suma, considerando que outrora a prestação de contas, base na lei, estabelecia
que a não aprovação conduziria a não concessão da certidão de quitação eleitoral, e
como consequência à inelegibilidade, o que não mais persiste em razão de alterações
realizadas pelo legislador, ao que parece a Justiça Eleitoral pretendeu criar uma nova
espécie de sanção, agora mesmo nos casos de aprovação com ressalvas das contas.32
Aliás, importante lembrar, porque se trata de situações corriqueiras, uma vez
ausente a penalidade tocante à não expedição de certidão de quitação eleitoral, as
Cortes – notadamente os Tribunais Regionais – passaram a ter um maior rigor no que
diz com a aprovação, mesmo com ressalvas, das contas: o que outrora era aprovado
com ressalvas, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, agora não mais é
assim, sendo as contas desaprovadas. Assim, mesmo deixando-se de lado a previsão
de condenação erigida pelas Resoluções ora combatidas, as Cortes Eleitorais, com
o seu maior rigor, estabelecem verdadeiras condenações políticas, em que eventual
não conferência de valores equivalentes a percentuais ínfimos são suficientes para
caracterizar a desaprovação das contas.

32
Não raras vezes se aprova com ressalvas contas de candidatos, mas estabelecem-se condenações base nas
Resoluções.

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ROGER FISCHER
PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...
237

De referir, outrossim, que muitas das condenações da espécie, mesmo anteriores


à previsão constante do art. 24, §4º, da Lei nº 9.504/97, foram prolatadas com a
determinação de “devolução” dos valores ao Tesouro Nacional. A tal respeito:

Prestação de contas de campanha. Candidato. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014.


Falta de identificação do doador originário. Previsão normativa determinando que o
prestador indique o CPF ou CNPJ do doador originário dos repasses realizados por
partidos, comitês e campanhas de outros candidatos. Necessidade da identificação da
pessoa física da qual realmente procede o valor, emitindo-se o respectivo recibo eleitoral
para cada doação, ainda que elas sejam provenientes de contribuições de filiados. A falha
importa a caracterização do valor irregularmente recebido pelo candidato como recurso
de origem não identificada, na forma do art. 29, §1º, da Resolução TSE n. 23.406/14.
Irretroatividade da nova Lei nº 13.165/15, aplicando-se ao caso os comandos legais vigentes
à época em que ocorridos os fatos. Devolução do valor ao Tesouro Nacional.
Desaprovação.33

ELEIÇÕES 2010 – PRESTAÇÃO DE CONTAS – CANDIDATO ELEITO – DEPUTADO


FEDERAL – RECEBIMENTO DE DOAÇÃO PROVENIENTE DE FONTE VEDADA –
RECURSO NÃO UTILIZADO NA CAMPANHA – SALDO NA CONTA BANCÁRIA –
DEVOLUÇÃO DO RESPECTIVO VALOR AO TESOURO NACIONAL (ART. 15, §2º, DA
RES. TSE N. 23.217/2010) – FALHA QUE NÃO COMPROMETE A CONFIABILIDADE DAS
CONTAS – APROVAÇÃO COM RESSALVAS.34

Ora, a impropriedade já se revela na própria etimologia do vocábulo “devolver”,


cujo significado35 é “restituir ou entregar ao dono ou primeiro transmissor”. Os recursos
mencionados, a toda evidência, embora sem a devida identificação da sua origem, não
pertenciam ao Tesouro Nacional, não podendo a ele serem devolvidos. Em última
análise traduz-se em enriquecimento indevido do próprio Estado. Se, contudo, não
se tratar de devolução de recursos, restará tipificado o conceito de sanção, com o que
também necessário o respeito aos princípios da legalidade e do devido processo legal
para ser estabelecida.

1.4 Conclusão
Não se olvida que se pretende, ao fim e ao cabo, atingirem-se condutas que, em
princípio, não atendem aos princípios que norteiam o processo eleitoral, tal como men­
cionado no preâmbulo e que podem, em última análise, configurar práticas delitivas
inclusiva na área penal.
Contudo, também é verdade que um Estado Democrático de Direito é assim
consi­derado com o respeito da ordem jurídica e legal constituída que, na espécie, não
impos­sibilita a identificação dos mencionados delitos. O que não pode ocorrer, por

33
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Eleitoral. PC – Prestação de Contas nº 144489. Desembargadora
Relatora Liselena Schifino Robles Ribeiro. Porto Alegre, 16.02.2016.
34
SANTA CATARINA. Tribunal Regional Eleitora. PC – Prestação de Contas nº 1421812. Juíza Relatora Cláudia
Lambert de Faria. Chapecó; 01.12.2010.
35
Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/devolver%20_945286.html>. Acesso
em: 8 mar 2016.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
238 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

ausência de previsão legal, são condenações com base em regramentos que não possuem
suporte para tanto, pelo menos no que diz com o procedimento utilizado.
A propósito a lição de Elaine Harzheim Macedo e Rafael Morgental36 é elucidativa,
ao asseverar que

em tempos de crise de representatividade, desconfiança em relação à função legislativa


e demonização geral da atividade político-partidária, não é difícil entender porque as
emanações mais contundentes e “moralizadoras” da justiça eleitoral – tanto jurisdicionais
quanto normativas – são geralmente saudadas pelo grande público.

Justamente por isso que Eneida Desiree Salgado37 assenta que

A falta de coerência das decisões, sua baixa consistência, a fraca densidade argumentativa,
as decisões criativas, o aspecto fortemente moralista (com desprezo aos princípios mais
elementares do Estado de Direito) tem marcado a atividade jurisdicional da Justiça
Eleitoral brasileira.
Marcada por um senso perfeccionista que não encontra fundamentos jurídicos e pela
construção das regras do jogo a partir de derivações nem sempre demonstradas dos
princípios constitucionais, ao arrepio da lei, a jurisdição eleitoral tem servido como um
filtro à democracia brasileira. Um filtro não democrático.

Embora não se filie inteiramente ao referido pela mencionada doutrinadora, o


caminho a ser trilhado era – como, de fato, o foi, a partir da edição da Lei 13.165/2015 -,
uma vez entendendo-se necessário como caráter sancionador e moralizador das condutas
que não identificam recursos utilizados em campanhas eleitorais por candidatos, o
estabelecimento de legislação formal pelo Congresso Nacional. O que não pode ser
admitido é, em momento anterior à vigência da Minirreforma Eleitoral de 2015 – por
exemplo, para as campanhas das eleições gerais de 2014 –, porquanto ausente legislação
formal a tal respeito, o estabelecimento de condenações sem qualquer supedâneo legal.
E, mais, mesmo se admitindo agora a existência de legislação – art. 24, §4º, da Lei
nº 9.504/97 -, a utilização de procedimento sabidamente inadequado para as Eleições
de 2016 e de 2018, baseado, novamente, em resoluções expedidas com base no poder
normativo da Justiça Eleitoral, deixando-se de lado garantias como o contraditório
e a ampla defesa, previstas pelo rito do art. 22 da LC nº 64/90 aplicável aos casos de
representações do art. 30-A da Lei das Eleições.
Também assim ocorreu com a denominada “Lei da Ficha Limpa”, ocasião em
que, por iniciativa popular, dentre outros aspectos, determinou-se a inclusão no rol
previsto pela LC nº 64/90 diversas outras condutas além daquelas já previstas a fim de
configurar inelegibilidades. Em momento anterior à vigência desta última legislação, por
certo que não se falava em condenações da espécie pelo Poder Judiciário, em especial
pela Justiça Eleitoral, com base tão somente em Resoluções ou mesmo se levando em
conta o caráter moralizador do comando judicial.

36
MACEDO, Elaine Harzheim; SOARES, Rafael Morgental. Op. cit., p. 57.
37
SALGADO, Eneida Desiree. Jurisdição Eleitoral e Direitos Políticos Fundamentais. In: DIREITO ELEITORAL.
Debates Ibero-Americanos. Memórias do V Congresso Ibero-americano de Direito Eleitoral e do IV Congresso
de Ciência Política e Direito Eleitoral do Piauí. Curitiba: Íthala, 2014. p. 130.

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ROGER FISCHER
PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CANDIDATOS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...
239

Em última análise, pode-se afirmar que eventuais condenações erigidas com


base no art. 24, §4º, da Lei das Eleições acabarão por violar o disposto no art. 10 do
NCPC – o que comumente passou-se a chamar de “vedação de decisão surpresa” –,
cuja aplicabilidade aos procedimentos judiciais eleitorais encontra expressa guarida
no previsto pelo art. 15 do novel diploma processual, que assevera a sua observância
supletiva e subsidiariamente.
Bem ou mal, num assim denominado Estado Democrático de Direito, há respeitar
o sistema de pesos e contrapesos, no qual o arcabouço jurídico é constituído através da
prévia constituição da legislação por quem de direito – ou seja, o Poder Legislativo – e
posterior aplicação, agora sim pelo Poder Judiciário. Nada mais é do que a aplicação da
Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu, não se podendo imaginar o contrário,
sob pena de expressa violação do sistema de Check and Balances, assim como, renovada
vênia, hodiernamente são previstas e posteriormente estabelecidas as condenações
ora criticadas, ambas pelo mesmo Poder Judiciário: a primeira amparada no referido
poder normativo instituído à Justiça Eleitoral, e a segunda com base na atividade fim,
o ato de julgar.
Ao fim do que foi explanado, válido lembrar uma das tantas frases do mencionado
político, filósofo e escritor francês referido acima: “As leis conservam o crédito não
porque sejam justas, mas porque são leis”.

Referências
ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. Direito Eleitoral Regulador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral, n. 1, v. 2, 2013, p.
99 a 114.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
MACEDO, Elaine Harzheim; SOARES, Rafael Morgental. A Criação do Direito pela Justiça Eleitoral: um estudo
sobre o seu poder normativo. In: MACEDO, Elaine Harzheim; FREITAS, Juliana Rodrigues (Orgs.). Jurisdição
Eleitoral e Direitos Políticos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. Belém: Cesupa, 2015.
PAIM, Gustavo Bohrer. Direito eleitoral e segurança jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.
PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais.4 ed.
São Paulo: Atlas, 2008.
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
SALGADO, Eneida Desiree. Jurisdição Eleitoral e Direitos Políticos Fundamentais. In:DIREITO ELEITORAL.
Debates Ibero-Americanos. Memórias do V Congresso Ibero-americano de Direito Eleitoral e do IV Congresso
de Ciência Política e Direito Eleitoral do Piauí. Curitiba: Íthala, 2014.
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios Constitucionais Eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
240 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

FISCHER, Roger. Prestações de contas de candidatos e os princípios constitucionais da legalidade, do


devido processo legal e da anterioridade: uma análise crítica das condenações realizadas pelas cortes
eleitorais. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 221-240. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 2

GARANTIAS PROCESSUAIS
NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS

DYOGO CROSARA

2.1 Considerações iniciais


A prestação de contas eleitorais tem sido motivo de enormes debates. Muito se
questiona sobre sua efetividade e sobre quais as soluções poderiam ser dadas para que
ela deixe de ser “um faz de conta” e se torne uma ferramenta que permita um efetivo
controle das receitas e das despesas de candidatos e de partidos políticos.
Desde a edição da lei das eleições em 1997 ou mesmo no ano anterior, com
a edição da lei dos partidos políticos, várias foram as reformas normativas que
buscaram diminuir os gastos de campanha ou mesmo assegurar maior transparência
no processo de prestação de contas. Todavia, muito pouco se evoluiu na organicidade
e no disciplinamento do processo de prestação de contas, no seu procedimento e nas
suas garantias.
Não há como exigir uma efetividade na prestação de contas quando não se
evolui na forma procedimental que deve ser seguida e ainda sobre quais as sanções
devem recair pelos equívocos cometidos pelos candidatos em seus gastos e ganhos de
campanha. Essa é uma discussão necessária, que passa inicialmente sobre o momento
normativo atual da prestação de contas e quais os caminhos podem ser sugeridos para
mudar tais rumos.

2.2 A natureza jurídica da prestação de contas eleitorais


A prestação de contas é uma obrigação legal, atualmente prevista pelo artigo 28
da lei das eleições e pelo artigo 30 da lei dos partidos políticos. Trata-se, assim, de um
dever que nenhum contendente do pleito eleitoral pode se esquivar, sob pena de se
submeter as sanções legais.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
242 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Conceitualmente, ela pode ser definida como:

Instituto que tem como finalidade primordial, emprestar transparência às campanhas


eleitorais, através da exigência da apresentação de informações, legalmente determinadas,
que têm o condão de evidenciar o montante, a origem e a destinação dos recursos utilizados
nas campanhas de partidos e candidatos, possibilitando a identificação de situações que
podem estar relacionadas ao abuso do poder econômico, além de prever sanções pelo
desrespeito aos dispositivos que o regulam.1

Na mesma linha, a lição de Carlos Mário da Silva Velloso define que:

A prestação de contas se configura procedimento, previsto em lei, para vislumbrar a


origem dos recursos eleitorais e a forma como foram efetivados seus gastos, possuindo o
fator teleológico de impedir o abuso do poder econômico e assegurar paridade para que
todos os cidadãos tenham condições de disputar os pleitos eleitorais.2

Invariavelmente, quando se começa a discutir a prestação de contas, seja as


de campanha ou as anualmente prestadas pelos órgãos partidários, passamos pela
discussão acerca da natureza do procedimento utilizado pela Justiça Eleitoral para
analisar as informações fornecidas pelos candidatos. Tal discussão é importante para
definirmos as garantias processuais que devem cercar tal procedimento, especialmente
diante da falta de previsão na legislação eleitoral sobre o rito a ser seguido.
Desde a edição do Código Eleitoral em 1965, a prestação de contas já estava
prevista. No início, ela tinha um viés claramente administrativo, sendo reiterados os
julgamentos das Cortes Eleitorais afirmando que a análise ali realizada era apenas formal
e não eram avaliados os aspectos materiais das informações trazidas pelos interessados.3
Esse entendimento ainda se encontra arraigado em vários Julgadores e reduz o
verdadeiro sentido da prestação de contas, que visa, eminentemente, ser o meio uti­
li­­zado pela Justiça Eleitoral para espelhar aquilo que de fato foi arrecadado e gasto
durante uma campanha eleitoral ou mesmo no dia a dia das agremiações partidárias.

1
LIMA, Sídia Maria Porto. Prestação de contas e financiamento de campanhas eleitorais. Curitiba: Juruá, 2005.
2
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de Direito Eleitoral. Saraiva, 2009, 9. 229
3
“O tema foi tratado pioneiramente na Lei nº 4.740/1965, na qual chama a atenção o fato de não prever a
prestação de contas de candidatos, tão somente de partidos, pois todos os gastos se deviam processar por meio
das legendas. Igualmente, a análise das contas não era de responsabilidade da Justiça Eleitoral, e sim de comitês
interpartidários formados para essa finalidade. O papel dela era o de “assegurar a publicidade das informações
colhidas e analisadas por integrantes dos próprios partidos políticos participantes das eleições” (LIMA, 2005,
p. 93). A Lei nº 8.713/1993 foi a primeira a afirmar, em seu art. 35, que o candidato a cargo eletivo é o responsável
direto, ou por intermédio de pessoa por ele designada, pela administração financeira de sua campanha. Ao
tratar da prestação de contas, ela fixa no art. 37 que: “o candidato é o único responsável pela veracidade das
informações financeiras e contábeis de sua campanha (...)”, o que é reafirmado no art. 54, parágrafo único.
A determinação foi repetida nas leis que se seguiram (nº 9.100/1995, art. 35, §5º; e nº 9.504/1997, art. 21) e nas
resoluções do TSE; mas mereceu uma sutil alteração por meio da Lei nº 11.300/2006, que tornou o candidato
também solidariamente responsável com a pessoa por ele indicada para tal finalidade. A partir das eleições
de 2002, a prestação passou a ser obrigatoriamente elaborada por meio do Sistema de Prestação de Contas
Eleitorais (SPCE), o que simplificou o processo, pois, conforme Schlickmann (2010, p. 269), ele “já contempla
os requisitos de formalidade e organização da apresentação, emitindo todas as peças passíveis de emissão
eletrônica”. (BARRETO, Álvaro Augusto de Borba; GRAEFF, Caroline Bianca. Prestação de contas de campanha
eleitoral como requisito à Certidão de Quitação Eleitoral: polêmicas e desencontros no ordenamento jurídico
brasileiro. Revista de informação legislativa: RIL, v. 53, n. 211, p. 81-104, jul./set. 2016. Disponível em: <https://
www12.senado.leg.br/ril/edicoes/53/211>.)

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DYOGO CROSARA
GARANTIAS PROCESSUAIS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS
243

Durante muito tempo o próprio Tribunal Superior Eleitoral entendia que a


prestação de contas tinha caráter eminentemente administrativo, conforme se verifica
em vários julgados:

Habeas corpus. Recurso ordinário. Trancamento. Inquéritos policiais. Ajuizamento.


Benefício. Pessoa jurídica. Não-cabimento. Portarias. Fundamento. Disposição da Lei nº
9.100/95. Impossibilidade. Subsistência. Apuração. Crime. Art. 350 do Código Eleitoral.
(…) 5. A eventual aprovação da prestação de contas, dado seu caráter administrativo, não
impede a análise de fatos a ela relacionados em procedimento criminal que investigue a
possível prática de crime eleitoral.
Recurso em habeas corpus parcialmente provido. (TSE – Recurso em Habeas Corpus
nº 99, Acórdão, Relator(a) Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, Publicação: DJ, Volume
1, Data 23/10/2007, Página 134) (grifo nosso).

Tal entendimento levou a vários julgados no sentido de que não seria sequer
possível a interposição de recursos em processo de prestação de contas, algo que
nas Eleições de 2008 era um entendimento pacificado no Tribunal Superior Eleitoral,
conforme se vê no julgado a ser ementado:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS


DE PARTIDO POLÍTICO REJEITADA. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2001. MATÉRIA
ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL. INADMISSIBILIDADE.
I – A decisão agravada está em harmonia com a atual jurisprudência desta Corte, a qual
tem assentado não caber recurso especial contra decisão relativa a prestação de contas,
por versar sobre matéria administrativa.
II – Agravo regimental improvido. (TSE – AGRAVO INSTRUMENTO nº 8231, Acórdão,
Relator(a) Min. Enrique Ricardo Lewandowski, Publicação: DJE – Diário justiça eletrônico,
Volume V, Tomo-, Data 20.05.2009, Página 27) (grifo nosso).

Apenas com a edição da Lei nº 12.034 de 2009 tornou-se evidente que as prestações
de contas têm caráter jurisdicional, o que foi expresso na inclusão dos parágrafos 5º a
7º ao art. 30 da lei das eleições4 e ao §6º no artigo 37 da lei dos partidos políticos, que
foi expresso ao prever que “o exame da prestação de contas dos órgãos partidários tem
caráter jurisdicional”.
Essas alterações legislativas, que se seguiram da alteração na jurisprudência
das Cortes eleitorais,5 foram importantes para se evidenciar o caráter jurisdicional

4
§5º Da decisão que julgar as contas prestadas pelos candidatos caberá recurso ao órgão superior da Justiça
Eleitoral, no prazo de 3 (três) dias, a contar da publicação no Diário Oficial.
§6º
No mesmo prazo previsto no §5º, caberá recurso especial para o Tribunal Superior Eleitoral, nas hipóteses
previstas nos incisos I e II do §4º do art. 121 da Constituição Federal.
§7º
O disposto neste artigo aplica-se aos processos judiciais pendentes.
5
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – PRESTAÇÃO DE CONTAS – ELEIÇÕES 2014 – NATUREZA JURIS­DI­
CIONAL DO PROCEDIMENTO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – JULGAMENTO PELA DESAPROVAÇÃO
DAS CONTAS – JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS APÓS O JULGAMENTO – PRETENSÃO DE
ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES PARA MODIFICAÇÃO DA DECISÃO QUE DESAPROVOU AS
CONTAS – OMISSÃO E OBSCURIDADE INEXISTENTES – REJEIÇÃO. Na prestação de contas – que passou
a ter caráter jurisdicional com o advento da Lei nº 12.034/2009 -, deixando a parte de sanar as irregularidades
apontadas no prazo concedido para tanto, não é admissível a juntada de novos documentos em âmbito de
embargos de declaração. (TRE-SC – EMBARGOS DE DECLARACAO EM PROCESSO nº 124146, ACÓRDÃO
nº 30724 de 20.05.2015, Relator(a) FERNANDO VIEIRA LUIZ, Publicação: DJE – Diário de JE, Data 28.05.2015).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
244 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

do procedimento, cuja definição da natureza também traz a necessidade de que seja


garantido que se trata de uma ação propriamente dita, com todas as garantias que
possui qualquer outra ação eleitoral.
Não se pode tratar a prestação de contas como algo fora do rol de ações eleitorais.
Ela possui os elementos necessários para ser considerada e nominada como tal, o que
torna um erro relegá-la a um procedimento administrativo ou mesmo a uma mera
formalidade processual.
Se tratarmos dos requisitos objetivos na prestação de contas, compreendemos que
ela dispõe de parte, causa de pedir e pedido. O fato de não haver uma clara pretensão
resistida classifica-a como uma ação eminentemente declaratória, mas não retira a
natureza da mesma como ação.
Esse introito mostra-se necessário para afirmar de forma contundente que a
prestação de contas é um processo em que as garantias processuais devem ser respeitadas
em sua inteireza, revelando-se necessária à sua completa normatização, além de se
permitir a aplicação principiológica dos fundamentos processuais civis pátrios.
Se buscarmos um instrumento para espelhar a realidade das contas não podemos
entendê-lo como algo formal, seco e bruto. Pelo contrário, devemos avaliar a real
importância de tal procedimento a fim de fortalecer o processo eleitoral.

2.3 A possibilidade de análise material de provas na prestação de contas


Uma discussão que ganha força é a possibilidade de apuração em sede de pres­
tação de contas da utilização de receitas ilícitas ou de despesas não contabilizadas. Nas
últimas eleições, em 2016, foram várias as tentativas, em especial pelo Ministério Público
Eleitoral, de discutir tais matérias nos autos da prestação de contas.
A discussão que se deve travar refere-se sobre ser ou não possível a juntada de
depoimentos, documentos e outras provas que demonstrem que a prestação de contas
não é o espelho da campanha eleitoral realizada. Inicialmente, é preciso investigar tal
tema analisando todo o conjunto normativo vigente, em especial, a regra do art. 30-A
da lei das eleições, que prevê a punição com a perda do diploma daqueles que tenham
contra si comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos.
Tal dispositivo é uma importante conquista no processo de moralização e aper­
feiçoamento das contas de campanha, especialmente por gerar a preocupação nos
candidatos e partidos de que o uso do Caixa 2 tem punição e uma punição severa em que
sequer se admite um juízo de proporcionalidade, analisando-se apenas a potencialidade
da conduta tida por ilícita.
Todavia, embora seja necessário dar à prestação de contas uma amplitude maior,
não se pode esquecer que o regramento atual não permite dilação probatória para análise
de acusações que também representem ofensa ao art. 30-A da lei das eleições. Tal fato
se dá especialmente diante da celeridade necessária para que a apreciação das contas
se efetive até a data da diplomação.
Assim, a prestação de contas não é o instrumento jurídico hábil para a apuração
de ofensas ao art. 30-A da lei das eleições e muito menos a análise de prática de abuso
do poder econômico. Tais infrações possuem dispositivos próprios e ritos próprios no
atual ordenamento, sendo incorreto, atualmente, buscar a utilização da prestação de
contas para tal fim.

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DYOGO CROSARA
GARANTIAS PROCESSUAIS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS
245

Deve ser garantida aos candidatos e aos partidos a possibilidade de discussão


das acusações apresentadas, assegurando o direito de defesa amplo, com uma devida
produção de provas. Ressalte-se que se pode admitir a juntada de documentos que
infor­mem erros na prestação de contas quando eles fizerem prova inconteste do alegado,
bastando apenas o contraditório diferido para permitir a parte que contrapuser tais
elementos probatórios.
Importante ressaltar que a juntada de tais documentos não pode se dar após a
emissão do parecer da unidade técnica responsável, devendo ser feita antes da emissão
do parecer inicial, ocasião em que ainda é possível a manifestação do candidato e,
novamente, da própria unidade sobre o seu teor. Os artigos 66 e 67 da Resolução TSE
nº 23.463/2015 que regulamentaram a prestação de contas nas Eleições 2016, previam
isso ao definir que:

Art. 66. Emitido parecer técnico conclusivo pela existência de irregularidades e/ou
impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade específica de manifestação
ao prestador de contas, a Justiça Eleitoral o notificará para, querendo, manifestar-se no
prazo de setenta e duas horas contadas da notificação, vedada a juntada de documentos
que não se refiram especificamente à irregularidade e/ou impropriedade apontada.

Art. 67. Apresentado o parecer conclusivo da unidade técnica e observado o disposto no


art. 66, o Ministério Público Eleitoral terá vista dos autos da prestação de contas, devendo
emitir parecer no prazo de quarenta e oito horas.

Parágrafo único. O disposto no art. 66 também é aplicável quando o Ministério Público


Eleitoral apresentar parecer pela rejeição das contas por motivo que não tenha sido
anteriormente identificado ou considerado pelo órgão técnico.

De tal regra, vê-se que quando já existe um parecer do órgão técnico pela
aprovação das contas não se pode permitir a juntada de novos documentos sem nova
oitiva dos interessados, sendo essa uma garantia processual intransponível. Notemos que
após a emissão do parecer conclusivo sequer é possível a juntada de novos documentos,
conforme entendimento de nossas Cortes Eleitorais sobre o tema:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOVAÇÃO NO PARECER CONCLUSIVO. FALTA


DE OPORTUNIZAÇÃO PARA MANIFESTAR SOBRE INFORMAÇÃO DA UNIDADE
TÉCNICA. NÃO OCORRÊNCIA. JUNTADA DE DOCUMENTOS APÓS O PARECER
CONCLUSIVO. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA E REFORMATIO
IN PEJUS. NÃO CONFIGURADOS. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. CONHECIDOS E
REJEITADOS.
1. Considerando que não houve qualquer inovação no parecer conclusivo, não há falar
em cerceamento de defesa.
2. Conforme jurisprudência reiterada deste Tribunal, nas prestações de contas de campanha, é
inadmissível a juntada de novos documentos após o parecer conclusivo, sob pena de eternização
do feito. (Precedente: EDcl em PC 198643; Relator: Airton Fernandes de Campos; Publicação:
16.06.2015).
3. O recolhimento ao Tesouro Nacional de verba de origem não identificada não se trata
de sanção; é efeito automático, não sendo necessário constar na sentença/acórdão (TSE,
REspe n. 2481-87; Min. Henrique Neves, 01.12.2015)

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246 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

4. Não evidenciada qualquer omissão, contradição ou obscuridade, conclui-se que, nesta


senda, os embargos apresentados visam apenas à rediscussão da matéria decidida com
o objetivo de modificar o julgado.
5. Embargos de Declaração conhecidos e rejeitados. (TRE-GO – EMBARGOS DE
DECLARACAO EM PROCESSO nº 204616, Acórdão nº 83/2016 de 14.03.2016, Relator(a)
FÁBIO CRISTÓVÃO DE CAMPOS FARIA, Publicação: DJ – Diário de justiça, Tomo 048,
Data 16.03.2016, Página 3) (grifo nosso)

Portanto, torna-se precluso o direito de juntar documentos após o parecer, visto


que há possibilidade de impugnar as contas e juntar qualquer documento apenas antes
do parecer final. Após o parecer conclusivo, não cabe mais qualquer juntada, sendo nulo
o ato que autorizar a juntada sem determinar a emissão de novo parecer conclusivo.
Sem embargos dessa possibilidade de juntada de documentos, caso a acusação de
gastos ilícitos ou de receitas vedadas necessite de dilação probatória para demonstrar o
alegado, não é viável a discussão em sede de prestação de contas, devendo a discussão
ser travada em sede de AIJE.
Notemos que o candidato/partido não pode em prestação de contas apresentar
qualquer prova de fato extintivo ou modificativo daqueles apresentados pela parte
que faz a acusação, visto que em tal procedimento não há dilação probatória. Sem a
possibilidade legal de promover a produção de nova prova, não se pode admitir tal
análise em sede prestação de contas, sendo que AIJE pelo art. 30-A é o foro correto
para tal fim.
Em recente decisão, no Recurso Eleitoral 336-25.2016, o TRE/GO enfrentou a
questão, tendo decidido que:

Apesar da suspeita de que não teriam os doadores citados capacidade econômica para
efetuar a doação e que, provavelmente, o recurso financeiro seria de outro doador ou
de uma fonte não identificada, esta não pode servir de justificativa para a desaprovação
das contas do candidato recorrente. Isso porque, como dito alhures, eventual excesso de
doação demanda apuração em ação própria, qual seja representação por doação acima
do limite e, em caso de fraude, restaria ao Ministério Público Eleitoral a deflagração da
competente ação criminal.
Quanto à informação prestada pelo Ministério Público Eleitoral, segundo a qual a Sra.
DIVINA GONÇALVES PEREIRA teria efetuado doação de dinheiro pertencente a
terceiro (seu marido), também não pode ser considerada para comprovar eventual burla
à legislação. Isso porque se trata de dado produzido unilateralmente, e havendo dúvida
quanto à ocorrência de possível irregularidade, essa deve ser resolvida em favor do
prestante, em consonância com o princípio do in dubio pro reo.
Não se está a dizer que a aprovação das contas exime o candidato prestador das respon­
sabilidades decorrentes de falsificações, fraudes, “caixa 2” ou qualquer outra irregularidade
verificada e comprovada. Mas no bojo da prestação de contas essa análise não é pertinente.
Diante dessas considerações, para efeito de prestação de contas, afasto as irregularidades
dos itens h, i e j.
(…)
Mesmo entendimento deve ser adotado com relação ao gasto com o contabilista DONIZETE
VIEIRA DE SOUZA, item k, posto que como foi contratado para atuar na prestação de
contas, é desnecessária a contabilização desse gasto na prestação de contas. Quanto à
sua declaração para o órgão do Ministério Público Eleitoral de que não teria recebido
pelo serviço, como se trata de prova produzida unilateralmente, sobre a qual carece o
contraditório e ampla defesa, não tem força para gerar uma anotação de irregularidade na

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DYOGO CROSARA
GARANTIAS PROCESSUAIS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS
247

presente prestação de contas. (TRE-GO – RECURSO ELEITORAL Nº 336-25.2016.6.09.0053


– CLASSE 30 – PROTOCOLO Nº 137.428/2016 – IPORÁ/GO (53ª ZONA ELEITORAL) –
RELATORA:DESEMBARGADORA NELMA BRANCO FERREIRA PERILO)

Veja que nesse precedente a Corte Goiana entendeu que declarações unilaterais
tomadas pelo Ministério Público não podem ser aceitas, visto que tomadas sem o
contraditório. E mais: tais declarações, quando firmadas em sede de PPE – Procedimento
Preparatório Eleitoral, cuja legalidade é altamente discutível, não permite a ampla
defesa, o que também afasta a possibilidade de utilização da mesma durante a análise
das contas.
Tais entendimentos deixam claro que se aplicam todas as garantias processuais na
prestação de contas eleitorais, especialmente o contraditório e a ampla defesa. Todavia,
o rito atual do julgamento de contas não permite que se eternize a discussão, afastando
a possibilidade de réplicas ou tréplicas de alegações, como bem decidiu recentemente
o e. TRE/TO:

ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. RECURSO ELEITORAL. PRELIMINAR DE


OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO CONTRADITÓRIO.
REJEIÇÃO. OMISSÃO DE GASTOS E CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. NÃO COM­
PROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. APURAÇÃO
POR MEIO PROCESSUAL ADEQUADO. NÃO REALIZAÇÃO. INDEFERIMENTO.
1. Depreende-se do art. 51 da Resolução TSE nº 23.463/2015, que disciplina a impugnação
à prestação de contas, que não há previsão para apresentação de réplica nos processos
de prestação de contas, posto que após contestação, os autos devem ser imediatamente
encaminhados ao Parquet Eleitoral e, após, à unidade técnica para continuidade do exame.
2. A restrição ao debate se justifica em razão da imprescindibilidade de o procedimento
de prestações de contas – e, por consectário, a impugnação a essa – ser célere, face ao
curtíssimo prazo para desfecho. Em função dessa característica, o rito não comportar
maiores dilações probatórias, como réplica ou tréplica.
3. Não há que se falar em ofensa ao devido processo legal e ao contraditório, quando
os documentos juntados posteriormente poderiam ter sido apresentados quando da
impugnação, vez que não houve comprovação de qualquer impedimento para o encarte
naquele momento.
4. O prolongamento da fase instrutória, como pretende a recorrente, afronta o princípio
da eventualidade que pauta todo o processo eleitoral, o qual estabelece que uma vez
praticado pela parte o respectivo ato processual, é defeso, posteriormente aduzir novos
fundamentos, bem como juntar novos documentos, em razão da preclusão consumativa,
sendo o desentranhamento das peças medida que se impõe. Preliminar rejeitada.
5. As alegadas omissões quanto à contratação de militância, de prestadores de serviço e
reduzido número de pessoas declaradas para trabalhar na campanha foram sustentadas
em meras reproduções da página dos candidatos na rede social Facebook, que apenas
demonstram a participação de eleitores em atos de campanha como comícios e passeatas,
sem qualquer força probatória a comprovar a efetiva contratação.
6. As supostas omissões de gastos de campanha relativas a eventos, jingles, locutor de
palco, foram sanadas com a apresentação dos documentos de fls. 191/194, de forma a
afastar as supostas irregularidades apresentadas pela coligação recorrente.
7. A aprovação, com ou sem ressalvas, ou desaprovação da prestação de contas do
candidato não vincula o resultado da representação de que trata o art. 30-A da Lei
nº 9.504/1997, nem impede a apuração do abuso de poder econômico em processo
apropriado.

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248 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

8. Recurso improvido. (TRE-TO – RECURSO ELEITORAL n 84690, ACÓRDÃO n 84690


de 02/06/2017, Relator(a) JACQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA, Publicação:
DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 98, Data 05.06.2017, Página 5)

Importante anotar que chega a ser absurdo aprovar formalmente uma prestação
de contas quando se sabe que ela não representa a realidade da campanha. Porém, não
há, pelas regras atuais, como se decidir de forma distinta, especialmente porque hoje
temos a obrigação de que as contas sejam julgadas antes da diplomação dos eleitos.
Isso faz com a Justiça Eleitoral atue apenas numa análise formal das contas, o que é
altamente indesejado para a lisura do processo eleitoral. Aqui reside a necessidade de
reforma de tal procedimento, reforma esta que deve se dar na alteração da lei eleitoral
e não apenas através dos regulamentos expedidos pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Não há motivo para se exigir o julgamento de contas de campanha antes da
diplomação. Se existem erros na prestação de contas, eles devem ser apurados em tal
seara, ficando a análise das contas suspensa até o julgamento da eventual AIJE que
discutir a matéria ou mesmo de uma melhor apuração da questão na própria prestação
de contas. Não se pode aprovar por aprovar, garantindo o cumprimento de um prazo,
mas deixando de garantir que os valores que norteiam o processo eleitoral, em especial,
da transparência e da legalidade, sejam descumpridos.
É necessário que se permita a protelação da análise das contas em casos onde
forem apresentados elementos que possam interferir no julgamento das mesmas.
Elas devem espelhar a realidade material do pleito e não apenas a análise formal de
relatórios e anexos. Assim, mostra-se razoável que se altere a norma legal para deter­
minar a suspensão da análise da prestação de contas quando ocorrer a apresentação
de fatos ou documentos que possam representar ofensa ao art. 30-A da lei das eleições
ou mesmo ao abuso de poder econômico.
A análise de tais fatos poderia se dar tanto em sede de AIJE ou mesmo nos próprios
autos da prestação de contas, com a diferença de que, aqui, a decisão apenas poderia
gerar a sua rejeição, sem qualquer reflexo no diploma ou no mandato do eleito. Esse é
um claro exemplo de como poderíamos modificar o processo eleitoral, criando regras
claras para a prestação de contas e exigindo que de fato elas representem a verdade
material dos atos e não apenas uma mera formalidade sem importância.

2.4 Da possibilidade de juntada de novos documentos em prestações


de contas
Nossos Tribunais eleitorais têm discutido de forma reiterada sobre a possibilidade
de juntada de novos documentos em sede de prestação de contas, bem como qual
seria o momento em que tal juntada torna-se possível. Inicialmente, convêm destacar
que tal discussão só é gerada porque há uma verdadeira desorganização de partidos
e candidatos durante a apresentação das contas eleitorais, que reiteradamente não
apresentam as contas na forma correta e muito menos acompanhadas dos documentos
necessários para a efetivação de tal análise.
Não se pode, todavia, deixar de se anotar que essa juntada tardia também é
gerada, em alguns casos, por exigências contraditórias das próprias unidades técnicas
da Justiça Eleitoral. Essas unidades não trazem, no parecer prévio de análise de contas,

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DYOGO CROSARA
GARANTIAS PROCESSUAIS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS
249

anotações claras sobre quais diligências devem ser atendidas, fazendo com que os
interessados passem a buscar a juntada de novas informações que permitam ao Julgador
a compreensão correta da matéria.
Ressalte-se nesse ponto que a Resolução do TSE para as eleições de 2018 sana
tal questão, prevendo que “verificada a existência de falha, impropriedade ou irregu­
laridade em relação à qual não se tenha dado ao prestador de contas prévia oportunidade
de manifestação ou complementação, a unidade ou o responsável pela análise técnica
deve notificá-lo” para nova manifestação.
Ao longo dos anos houve grande variação na jurisprudência das Cortes Superiores
sobre a possibilidade e a oportunidade de juntada de novos documentos em prestação
de contas. O c. TSE chegou a admitir para as eleições 2004 a juntada de documentos em
sede de embargos, algo que garantia aos candidatos e partidos uma possibilidade de
sanar equívocos verificados até mesmo no julgamento inicial da prestação de contas.
Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REJEIÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS.


IRREGULARIDADES NÃO SANADAS. CONCESSÃO DE DIVERSAS OPORTUNIDADES.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO
AGRAVADA.
(…)
2. Esta Corte Superior já afirmou ser possível a juntada de documentos novos em embargos
de declaração nos processos de análise de contas, sendo o recurso recebido como pedido
de reconsideração. Entretanto, em nenhum dos arestos paradigmas se noticia reiteradas
oportunidades e tão longo decurso de tempo para regularização das contas. Dissídio
jurisprudencial não comprovado por ausência de similitude fática.
3. Decisão agravada que se mantém por seus próprios fundamentos.
4. Agravo regimental não provido. (TSE – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
ESPECIAL ELEITORAL nº 25802, Acórdão de 06.06.2006, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO
DELGADO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 22.06.2006, Página 52)

O entendimento do Tribunal Superior Eleitoral para as eleições 2012 e 2014 foi no


sentido de que novos documentos só poderiam ser juntados no processo de prestação
de contas na fase de diligências, sendo inoportuna a juntada após a apresentação de
parecer conclusivo, especialmente, quando oportunizada à parte a manifestação em
sede de diligências. 6

6
No mesmo sentido: ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL MANEJADO EM 14.11.2016. AGRAVO NO
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL.
PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL (PMN). DESAPROVAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DA ORIGEM
DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTOS EM SEDE
DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO A DEMONSTRAR DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL. 1. Inadmitida, em processo de prestação de contas, a juntada de novos documentos com
os embargos de declaração quando a parte tenha sido anteriormente intimada a suprir a falha. Precedentes.
2. Oportunizado ao agravante se manifestar sobre as irregularidades apontadas pela unidade técnica, e quedando-
se inerte, alcançada pelo manto da preclusão a oportunidade de apresentar prestação de contas retificadora.
3. A mera transcrição de ementas de julgados não implica a demonstração do dissídio jurisprudencial. Agravo
regimental conhecido e não provido. (Agravo de Instrumento nº 162403, Acórdão, Relator(a) Min. ROSA
WEBER, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 72, Data 11.04.2017, Página 38)
ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AGR MANEJADO EM 13.5.16. PRESTAÇÃO
DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. PHS. DESAPROVAÇÃO. DOADOR ORIGINÁRIO.

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250 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DIRETÓRIO ESTADUAL.


DECISÃO REGIONAL. CONTAS NÃO PRESTADAS. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO
FUNDO PARTIDÁRIO.
1. O agravante reproduz literalmente as razões do agravo e do próprio recurso especial
denegado na origem, sem atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada,
o que atrai a incidência do verbete sumular 26 do TSE.
2. A decisão regional referente ao julgamento dos embargos de declaração não incorreu
em ofensa legal, porquanto devidamente entendeu descabida a juntada de documentos
novos para fins de reabertura da análise técnica e na iminência do julgamento das contas.
3. A regra do art. 37, §11, da Lei 9.096/95 diz respeito a contas partidárias, e o feito versa
sobre prestação de contas de campanha eleitoral, além do que o dispositivo em tela foi
trazido pela Lei 13.165/2015, razão pela qual é inaplicável às contas do pleito de 2014.
4. A não aceitação dos documentos apresentados extemporaneamente está em consonância
com a firme jurisprudência deste Tribunal, no sentido de não ser admitida a juntada de
documentos em sede de embargos, se facultada a prévia manifestação do partido sobre
as falhas apuradas na prestação de contas.
5. A aplicação da sanção de suspensão do repasse de quotas do fundo partidário pelo
período de quatro meses foi devidamente fundamentada, sobretudo quando considerada
a existência de diversas irregularidades graves (tais como falta de extratos bancários,
omissão de despesas e inconsistência de doações) e a desídia averiguada do órgão
partidário, razão pela qual se afigura incabível a revisão da dosimetria ora pretendida.
Agravo regimental a que se nega provimento. (TSE – Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento nº 199953, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE –
Diário de justiça eletrônico, Tomo 191, Data 03.10.2017, Página 8889)

Tal entendimento reforça a celeridade que a Justiça Eleitoral busca dar no jul­
gamento das contas, açodada pela necessidade de análise das mesmas até a diplomação
dos eleitos (no caso, por óbvio, das contas de campanha). Como já dito alhures, não
há razão para ser assim. A prestação de contas deve buscar a verdade e, sendo esse o
objetivo não se pode querer apertar um calendário em busca do cumprimento de uma
meta formal. Isso atrapalha tanto a defesa dos candidatos quanto os órgãos de controle,
que não podem demonstrar ou mesmo são tolhidos pela marcha do tempo.
O entendimento adotado atualmente pelas Cortes Eleitorais precisa ser revisto,
especialmente, diante das novas regras do Código de Processo Civil de 2015, aplicadas
supletivas e suplementarmente ao processo eleitoral na forma do art. 15 do citado
diploma legal. O CPC/15 é expresso em seu artigo 435 ao prever que:

NÃO IDENTIFICAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. ART. 29 DA RES.-TSE Nº 23.406/2014.


NÃO PROVIMENTO.
1. Julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra,
a juntada de novos documentos. Precedentes.
2. Firme a jurisprudência deste Tribunal Superior de que a doação recebida por candidato não prescinde da
adequada identificação do doador originário.
3. O art. 26, §3º, da Res.-TSE nº 23.406/2014 preceitua que doações entre partidos, comitês e candidatos devem
ser realizadas mediante recibo eleitoral com indicação de doador originário.
4. Recolhimento dos recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional que se impõe, a teor do art. 29
da Res.-TSE nº 23.406/2014.
Agravo regimental a que se nega provimento. (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 239956, Acórdão, Relator(a)
Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 209, Data
31.10.2016, Página 12)

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DYOGO CROSARA
GARANTIAS PROCESSUAIS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS
251

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando
destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los
aos que foram produzidos nos autos.
Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após
a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis
ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que
a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a
conduta da parte de acordo com o art. 5o.

Importante ressaltar que, mesmo na vigência do CPC/1973, a regra do art. 397


do citado diploma legal já vinha sendo relativizada. Vale aqui transcrever decisão do
Ministro Benedito Gonçalves, no REsp 1.689.554/MG, que bem ilustra a questão:

Com a devida vênia, não vejo razão para desconsiderar o documento, pois sua juntada
extemporânea não implicou qualquer prejuízo à defesa do apelado. É certo que a sua
juntada se deu nas razões finais, após a realização da prova técnica e da audiência
instrutória. Todavia, em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente em face do
Município, e , nesta instância recursal, o ente público teve a oportunidade de se manifestar
sobre a documentação em contrarrazões, e sequer alegou eventual cerceamento de defesa.
Além disso, a regra do art. 397 do CPC/1973, vigente à época da sentença, vinha sendo
flexibilizada pelo STJ, que tem admitido a juntada de documentos após a contestação,
desde que não haja cerceamento de defesa:

PROCESSO CIVIL. FASE RECURSAL. DOCUMENTOS QUE NÃO PODEM SER


QUALIFICADOS COMO NOVOS OU RELACIONADOS A FATO SUPERVENIENTE,
JUNTADA APÓS A SENTENÇA. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 397 DO
CPC (...)
(...)
4. Na linha de precedentes desta Corte, “somente os documentos tidos como indispensáveis,
porque pressupostos da ação, é que devem acompanhar a inicial e a defesa. A juntada dos
demais pode ocorrer em outras fases e até mesmo na via recursal, desde que ouvida a
parte contrária e inexistentes o espírito de ocultação premeditada e de surpresa de juízo”.
(...) (REsp 795.862/PB, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado
em 17.10.2006, DJ 06.11.2006, p. 337).

Outrossim, o documento possui relevância à análise do objeto da demanda, por se prestar


à definição da responsabilidade pelo evento danoso, motivo pelo qual, em homenagem
ao princípio da busca pela verdade real, deve ser mantido nos autos e considerado no
julgamento da causa.

Tal garantia processual deve ser aplicada na prestação de contas, especialmente,


se queremos enxergá-la como ação e como uma ferramenta que permita a lisura do
processo eleitoral. Sendo a busca da verdade no seu aspecto material uma necessidade
axiológica, não se pode admitir que anteparos temporais sejam empecilho para tal.
Permitir uma análise de um documento, que pode alterar o julgamento de uma
conta de campanha, não atrasa o processo e nem retira a eficiência da Justiça Eleitoral.
É preferível uma análise correta e mais alongada a uma injustiça célere. Dessa forma,
deve ser oportunizada a juntada de novos documentos em sede de prestação de contas,

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
252 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

mesmo que elaborados anteriormente, até o julgamento pelas instâncias ordinárias,


inclusive em sede de embargos de declaração.
Vejamos que, em sede de registro de candidatura, que tem uma necessidade de
celeridade muito maior que na prestação de contas, a jurisprudência vigente já possui
tal entendimento.7 Evidente que tal entendimento também pode ser aplicado em sede de
prestação de contas, que, repito, não pode se prender a restrições formais que impeçam
a garantia do integral direito de defesa.

2.5 Conclusão
Evidentemente, a fase de prestação de contas é uma das etapas do processo elei­
toral que precisam de maior atenção dos legisladores. Muito se evoluiu com a definição
de que a prestação de contas tem caráter jurisdicional, bem como com a inclusão do
art. 30-A na lei das eleições.
Todavia, questões importantes, como a dispensabilidade de julgamento até a
diplo­mação e ainda a possibilidade de dilação probatória ou de suspensão da análise
em caso de suspeitas da prática de gastos ilícitos ou de arrecadação irregular, precisam
claramente ser disciplinadas. Na forma atual de nossa legislação não há espaço para
que a prestação de contas analise os aspectos materiais das contas e nem que sirva como
instrumento processual para a apuração de ilícitos eleitorais.
Se a prestação é contas e não de “faz de conta” é preciso abrir espaço para a análise
real dos dados fornecidos, comparando-os com aquilo foi visto nas campanhas, em
especial, doravante com a quantidade de recursos públicos que serão aplicados e com
um limite de despesas e receitas previsto antecipadamente. Está claro que a prestação
de contas é um processo, uma etapa do processo eleitoral, com todas as garantias
processuais aplicáveis aos demais feitos eleitorais. Assim, ela não pode ter atropelos e
nem uma pressa desnecessária, devendo servir como um real instrumento para a lisura
do pleito eleitoral.

7
Nesse sentido: ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO
DE REGISTRO DE CANDIDATURA AO CARGO DE VEREADOR. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE
ELEGIBILIDADE. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTO NOVO EM EMBARGOS
DECLARATÓRIOS. POSSIBILIDADE NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AGRAVO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.1. Admite-se, nos processos de Registro de Candidatura, a apresentação de documentos novos
em âmbito de Embargos Declaratórios nas vias ordinárias. 2. Na espécie, o TRE de Mato Grosso é o Tribunal
competente para a análise de documentos, pois soberano no exame dos fatos e provas. 3. Merece ser desprovido
o Agravo Interno, tendo em vista a inexistência de argumentos hábeis para modificar o decisum agravado.
4. Retorno dos autos ao Tribunal Regional, a fim de que se manifeste acerca dos documentos novos apresentados.
5. Agravo Regimental a que se nega provimento. (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 20911, Acórdão, Relator(a)
Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 81, Data 26.04.2017,
Página 76).
Em igual sentido: EMENTA: ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. INDEFERIMENTO.
AUSÊNCIA DE CERTIDÃO CRIMINAL FORNECIDA PELA JUSTIÇA ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU.
APRESENTAÇÃO POSTERIOR. REGULARIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Nos processos de registro de
candidatura admite-se a apresentação de documentos até o esgotamento das instâncias ordinárias, ainda que
previamente oportunizado o suprimento do vício. 2. Recurso provido. (TRE-PR – RECURSO ELEITORAL
n 17912, ACÓRDÃO nº 51865 de 06.10.2016, Relator(a) ADALBERTO JORGE XISTO PEREIRA, Publicação:
PSESS – Publicado em Sessão, Data 06.10.2016)

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DYOGO CROSARA
GARANTIAS PROCESSUAIS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS
253

Referências
BARRETO, Álvaro Augusto de Borba; GRAEFF, Caroline Bianca. Prestação de contas de campanha eleitoral
como requisito à Certidão de Quitação Eleitoral: polêmicas e desencontros no ordenamento jurídico brasileiro.
Revista de informação legislativa: RIL, v. 53, n. 211, p. 81-104, jul./set. 2016. Disponível em: <https://www12.
senado.leg.br/ril/edicoes/53/211>.
BRASIL, Lei 13.105 de 16 de março de 2015.
LIMA, Sídia Maria Porto. Prestação de contas e financiamento de campanhas eleitorais. Curitiba: Juruá, 2005.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. A subsidiariedade do CPC no processo eleitoral. Disponível em: <http://www.
marceloabelha.com.br>. Acesso em: 12 dez. 2017.
Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento – v. I, 55. ed., Forense, 2014.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de Direito Eleitoral. Saraiva, 2009, 9. 229.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CROSARA, Dyogo. Garantias processuais na prestação de contas eleitorais. In: FUX, Luiz; PEREIRA,
Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.).
Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 241-253. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN
978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 3

AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO


DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO
PELA JUSTIÇA ELEITORAL

CARLA KARPSTEIN

3.1 Introdução
O presente artigo tem por objeto destacar as limitações do processo de prestação
de contas partidária e eleitoral para fins de controle da influência do poder econômico
na construção da democracia brasileira e as possíveis evoluções.
A análise histórica brasileira e do direito comparado deixa claro que a relação entre
dinheiro e política nunca foi simples, mas é essencial para a qualidade e estabilização
da democracia.
Nosso ordenamento foi construído, desde a Constituição Federal, priorizando
partidos políticos em detrimento da pessoa do candidato, razão pela qual a igualdade
de condições para disputa, especialmente no que tange aos recursos financeiros, é
fundamental para a solidificação democrática brasileira, atingida por duros golpes de
profunda crise institucional nos últimos anos.
Conforme destaca Zovatto (2005, p. 288):

(...) Como disse César Gaviria “criou-se entre muitas pessoas a falsa idéia de que era
possível fortalecer a democracia nas Américas ignorando ou, pior ainda, atacando os
partidos políticos”. Com efeito, os partidos prestam um serviço público essencial: o de
selecionar, recrutar e capacitar candidatos para que exerçam cargos públicos, mobilizar os
eleitores, participar e depois ganhar ou perder as eleições, assim como formar governos.
Em um modelo ideal, os partidos agregam interesses, desenvolvem alternativas de política
e, em geral, constituem o principal elo entre a cidadania e o governo. O funcionamento dos
partidos – sua organização e profissionalismo, sua base de financiamento e sustentabilidade –
tem um impacto direto na efetividade do resto do sistema político.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
256 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Os acontecimentos políticos ocorridos no Brasil nos últimos quatro anos


desnudaram uma relação um tanto promíscua, por assim dizer, entre o dinheiro e a polí­
tica, incluindo-se aí o financiamento partidário e eleitoral e suas respectivas prestações
de contas, que nunca espelharam a realidade financeira das campanhas eleitorais.
Mas antes da crise instalada no país em face das denúncias e prisões por corrupção
de vários líderes da política nacional, os partidos políticos já eram vistos com reservas,
tendo em vista não conseguirem atingir a ampla representatividade esperada no regime
democrático apesar do número expressivo de agremiações partidárias existentes no
Brasil.
E isso se deu, em grande medida, devido à legislação, que combina a permis­
sividade de amplas coligações proporcionais com a ausência de cláusulas de desem­
penho e a concentração dos recursos de financiamento partidário e eleitoral nas mãos dos
dirigentes partidários, que agem como verdadeiros proprietários do partido. Também se
deu pelo excesso de interferência do poder econômico nas eleições, situação que a exis­
tência de prestação de contas dos valores recebidos pelo partido para sua manutenção
ou realização de campanhas eleitorais não tem conseguido diminuir.
Nas últimas eleições gerais ocorridas no país (2014), em levantamento feito pelo
jornal Estado de São Paulo (Estadão),1 os deputados federais eleitos gastaram, em média,
quinze vezes mais do que os não eleitos e 25% declararam gastos acima do valor máximo
previsto na Lei nº 13.488/2017 (R$ 2.500.000,00). Os maiores partidos brasileiros foram
aqueles que mais gastaram e, consequentemente, mais elegeram congressistas: juntos
desembolsaram 40% dos gastos totais da campanha de 2014. Também foram aqueles com
maior número de denuciados e presos nas operações contra corrupção em curso no país.
Essa conjunção de fatores afastou os partidos de seu objetivo original que é
disputar eleições através da representatividade de grupos e ideias específicas, conforme
os fundamentos de cada agremiação.
O Brasil é, em uma visão mais liberal da democracia, um país democrático, pois
seus governos são formados através da disputa de eleições livres para atuar em favor
do interesse da população (MANIN, PRZEWORSKI, & STOKES, 2006). Todavia, essa
visão não se sustenta em face de uma sociedade que demanda mais participação política,
e que se encontra diante de impasses quanto à falta de qualidade da sua representação,
como ocorre na realidade brasileira. Apesar de as eleições não serem “(...) mecanismos
suficientes para assegurar que os governantes farão tudo o que puderem para maximizar
o bem-estar dos cidadãos” (MANIN, PRZEWORSKI, & STOKES, 2006, p. 132-133),
inegável é seu papel preponderante.
E se o dinheiro é o ator principal dessa relação, que deveria ser de identidade
de pensamentos e escolhas republicanas, a democracia resta claramente prejudicada,
o que faz com que regras severas de aplicação de recursos, públicos ou privados, por
parti­dos e candidatos e sua total transparência seja meio de recuperar a força do regime
demo­crático, bem como uma representatividade mais próxima da realidade.

1
Matéria completa disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-camara-14-dos-deputados-
estouraria-limite-de-gasto-em-eleicao,70002013618>.

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CARLA KARPSTEIN
AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
257

A democracia custa dinheiro, isso é claro. Todos os direitos fundamentais custam2


e, considerando que a democracia é o pilar de toda a concepção republicana trazida
pela Constituição de 1988, evidente é que muitos são necessários para a concretização
democrática, a exemplo dos direitos políticos e do direito à liberdade. Financiar
estruturas que promovam a democracia, portanto, está entre os gastos aceitáveis para
recursos públicos e privados, desde que esse financiamento seja utilizado para seus fins,
o que não se deixa transparecer ter ocorrido no Brasil nos últimos 20 anos. Neste sentido,
tem-se que “embora a democracia não tenha preço, ela tem um custo de funcionamento
que é preciso pagar e, por isso, é indispensável que seja o sistema democrático que
controle o dinheiro e não o oposto” (MOJOBI, 2003, apud CARRILLO, 2003, p. 41).
Dessa forma, regular e fiscalizar os gastos partidários, sejam eles para sua manu­
tenção interna ou participação em eleições, evitando-se a influência exagerada do poder
econômico e o locupletamento pessoal dos responsáveis pela administração financeira
do processo é essencial para a segurança democrática do país.
Essa necessidade de transparência na função do dinheiro na política foi
reconhecida internacionalmente pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção
(CNUCC), que afirma que os países devem “considerar a tomada de medidas legislativas
e administrativas adequadas (...) para aumentar a transparência no financiamento de
candidaturas a um mandato público e, quando aplicável, no financiamento de partidos
políticos” (OHMAN, 2015, p. 24).
Para tal fim, adaptou-se o instituto da prestação de contas para o direito partidário
e eleitoral, com o objetivo de tornar a relação da política com os recursos financeiros
mais transparentes.
Interessante destacar que a doutrina e jurisprudência sempre emprestaram
maior relevo e importância à prestação de contas eleitoral, aquela relativa às eleições
propriamente ditas, esquecendo que o volume de recursos financeiros (públicos e pri­
vados) é enorme nos partidos políticos brasileiros, valores que triplicaram com a criação
do Fundo Especial de Financiamento de Campanha pela Lei nº 13.487/2017.3
Passa-se então a discorrer sobre o histórico brasileiro da prestação de contas, o
direito comparado em relação ao instituto e quais os desafios culturais e tecnológicos
para que a prestação de contas tenha mais transparência e, consequentemente, se
diminua a influência do poder econômico na política.

2
Sobre o assunto, HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes.
New York: Norton & Company, 1999.
3
“Art. 16-C. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é constituído por dotações orçamentárias
da União em ano eleitoral, em valor ao menos equivalente:
I – ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição, com base nos parâmetros definidos em lei;
II – a 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso II do §3o do art. 12 da Lei
nº 13.473, de 8 de agosto de 2017.
(...)
§11. Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que não forem utilizados nas
campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, no momento da apresentação
da respectiva prestação de contas.
§15. O percentual dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo poderá ser reduzido mediante
compensação decorrente do remanejamento, se existirem, de dotações em excesso destinadas ao Poder
Legislativo.”

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
258 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

3.2 O dever de prestar contas no Brasil


A legislação brasileira determina há muito o dever de prestar contas (vide Lei
nº 4740/1965),4 mas apenas a partir de meados do ano 2000 é que as prestações de contas
eleitorais começaram a ter relevância, da mesma forma que em relação às contas dos
partidos políticos, sistema que o Tribunal Superior Eleitoral mantém em constante
evolução.
Foi nesse ano – 2000 – que o TSE aprovou a Instrução Normativa SCI nº 02, de
25.09.2000 que implantava o sistema de prestação de contas de campanhas eleitorais,
Módulo Analista, para as eleições municipais que se realizaram naquele ano. Tal sistema
permitiu uma evolução tecnológica na análise das prestações de contas eleitorais pelo
setor técnico da Justiça Eleitoral, que passou nesse momento a fiscalizar de maneira
mais próxima à realidade das campanhas eleitorais brasileiras, até então uma forma
de ficção jurídica.
A Justiça Eleitoral percebeu então que apenas tornar a prestação de contas mais
rígida aos partidos e candidatos, sem que houvesse previsão de significativa sanção no
caso de descumprimento das regras eleitorais, não traria mais transparência às eleições
brasileiras.
Tal visão vem em momento de enorme crescimento dos chamados ativismo
judicial e da judicialização da política, presentes desde a década de 90, em um período
de forte disputa pública entre o poder judiciário e o Congresso justamente por conta do
endurecimento da legislação eleitoral através da amplificação das Resoluções do TSE.
O que se vê é que há, portanto, a crescente influência do poder judiciário na formatação
das políticas públicas, bem como para a proteção de direitos individuais e coletivos.
No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 aumentou a demanda por
justiça na sociedade fazendo com que os Tribunais, especialmente no que tange à
questão eleitoral, passassem a ter papel diverso do que tinham até então, conduzindo
efetivamente o processo político brasileiro. Apesar de a Justiça Eleitoral já existir na
Constituição de 1934, foi apenas com sua previsão na Constituição de 1988, com um
aumento por demandas na justiça e o desempenho de um papel político do Poder
Judiciário, que se verificou de maneira contundente a judicialização de questões políticas
e sociais que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final.

4
“A Lei nº 4740/1965, Estatuto dos Partidos Políticos, já revogada, tinha as seguintes disposições:
Art. 54. Os partidos organizarão as respectivas finanças, com vista às suas finalidades, devendo, em
conseqüência, incluir nos seus estatutos preceitos que:
I – habilitem a fixar e apurar as quantias máximas que poderá despender na propaganda partidária e na de
seus candidatos;
II – fixem os limites das contribuições e auxílios de seus filiados.
§1º Os partidos deverão manter rigorosa escrituração de suas receitas e despesas, indicando-lhes a origem e
aplicação.
§2º Os livros de contabilidade do diretório nacional serão abertos, encerrados e em tôdas as fôlhas rubricadas
no Tribunal Superior Eleitoral.
§3º O Tribunal Regional Eleitoral e o juiz eleitoral exercerão a mesma atribuição quanto aos livros de
contabilidade dos diretórios do respectivo Estado, do Distrito Federal e Territórios, e dos diretórios municipais
das respectivas zonas.
Art. 55. Os partidos serão obrigados a enviar à Justiça Eleitoral, anualmente, o balanço financeiro do exercício
findo. (...)”

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CARLA KARPSTEIN
AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
259

A intromissão de um poder na competência de outro – o que se convencionou


chamar de ativismo judicial – tem contundentes críticas por doutrinadores brasileiros,
não sem razão. Consideram um retrocesso em relação à separação dos Poderes que leva
a converter a estrutura democrática em aristocrática. Nesta seara, tem-se o entendi­
mento de que:

E a outra face da moeda é o lado do decisionismo e do “oba-oba”. Acontece que muitos


juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem
a justiça – ou que entendem por justiça –, passaram a negligenciar no seu dever de
fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta “euforia” com os princípios abriu
um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as
vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua
retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste
quadro, converteram-se em verdadeiras “varinhas de condão”: com eles, o julgador de
plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente danosa
a valores extremamente caros ao Estado Democrático de Direito. Ela é prejudicial à
democracia, porque permite que juízes não eleitos imponham a suas preferências e valores
aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações do legislador. Ela
compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e
legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica, porque torna o direito muito menos
previsível, fazendo-o dependente das idiossincrasias do juiz de plantão, e prejudicando
com isso a capacidade do cidadão de planejar a própria vida com antecedência, de acordo
com o conhecimento prévio do ordenamento jurídico (SARMENTO, 2007).

Na mesma vertente, deve-se ressaltar que

O ativismo judicial, por sua vez, vincula-se a uma postura que advoga por uma participação
mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização dos valores e objetivos
constitucionais. Essa proatividade culminaria de interferência sobre espaços até então
tradicionalmente ocupados pelo Executivo e Legislativo (SALGADO, 2013. p. 21).

Por outro viés, no entanto, as Resoluções e decisões do TSE preencheram diversas


lacunas deixadas pelo legislador originário, omisso no que diz respeito a elaborar normas
mais restritivas e sancionadoras a si mesmo.
Interessante destacar que novamente estamos atravessando período semelhante,
onde o poder judiciário é protagonista da evolução legislativa, atuando na inércia e
vagareza do poder legislativo.
O STF e o TSE, com suas interpretações da legislação, mudou o padrão de com­
petição eleitoral nos últimos 15 anos no Brasil em relação a várias questões como:
verticalização,5 interpretação da alínea “g” da Lei nº 64/90, fidelidade partidária,6

5
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Consulta nº 1.185. Relator: Ministro Caputo Bastos, decidida em 03.03.2006,
publicada no DJe em 28.04.2006.
6
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resolução-TSE nº 22.610/2007. Disciplina o processo de perda de cargo
eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária. Relator: Ministro Cezar Peluso, decidida em
25.10.2007, publicada no DJe em 30.10.2007.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
260 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

alteração do número de cadeiras do legislativo,7 prestação de contas, quitação eleitoral,


doações ocultas,8 assunção de dívidas de campanha pelos partidos,9 dentre outras.
A partir da Resolução nº 20.775/2000 o TSE iniciou um regramento detalhado no
que tange à prestação de contas tanto partidária quanto eleitoral, tornando a aplicação
de recursos financeiros nas campanhas tema de preocupação entre os candidatos.
Como a não apresentação das contas importava em uma espécie de inelegibilidade
administrativa – não poder obter a certidão de quitação eleitoral inibiria a participação
em, no mínimo, uma eleição – os candidatos e partidos apresentavam contas absolu­
tamente descoladas da realidade da campanha, apenas para não sofrerem o veredicto
de não apresentação de contas.
Ainda na esteira do forte ativismo judicial tem-se a edição da Resolução TSE
nº 22.715/2008 que, em seu artigo 41, §3º, incluiu a desaprovação de contas como
impeditiva também da obtenção da quitação eleitoral.10
Ocorre que na citada Resolução de prestação de contas para as eleições municipais
de 2008 o TSE inovou legislativamente quando incluiu a sanção de impossibilidade de
obtenção de quitação eleitoral, documento obrigatório para o registro de candidatura,
para quem tivesse as contas desaprovadas (que até então era apenas para quem não
apresentava contas), o que na prática significava uma ausência de condição de elegi­
bilidade durante quatro anos.
Como reação ao protagonismo do TSE, o Congresso nacional aprovou em tempo
recorde a Lei nº 12.034/2009 que, dentre outras alterações, incluiu o §7º ao art. 11 da
Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) que determinava a disponibilização da certidão de
quitação eleitoral para aquele que apenas apresentasse contas perante a Justiça Eleitoral,
independentemente de seu julgamento.11

7
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 197.917-8/SP. Relator: Ministro Maurício Correa,
julgado em 24.03.2004, publicado no DJe em 31.03.2004.
8
A Lei nº 13.165/2015 incluiu o §12 no art. 28 da Lei nº 9504/97, determinando que “os valores transferidos
pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como
transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem
individualização dos doadores”. O STF concedeu, então, liminar na ADI 5394 para suspender o citado trecho de
dispositivo da Lei das Eleições, que permitia doações ocultas a candidatos.
9
“(...) Prestação de contas. Campanha. Comitê do candidato. Aprovação. Fonte vedada. Erro material. Dívida de
campanha. Novação (art. 360 do Código Civil). Assunção de dívida. Possibilidade. Precedente. (...) 2. Verificado,
em parecer técnico, erro material, de grande monta, na relação de notas fiscais emitidas por empresas que
forneceram bens a comitê de candidato em campanha eleitoral, não se pode afirmar ter havido falta grave na
prestação de contas. 3. É permitida a novação, com assunção liberatória de dívidas de campanha, por partido
político, desde que a documentação comprobatória de tal dívida seja consistente. 4. Feita a assunção liberatória
de dívida, o partido político, ao prestar suas contas anuais, deverá comprovar a origem dos recursos utilizados
no pagamento da dívida, recursos que estarão sujeitos às mesmas restrições impostas aos recursos de campanha
eleitoral. 5. Contas aprovadas”. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resolução-TSE nº 22.500/06. Relator:
Ministro Gerardo Grossi, decidida em 13.12.2006.
10
“Art. 41. A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada em até 8 dias antes da diplomação.
(…)
§3º Sem prejuízo do disposto no §1º, a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento
de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu.”
11
“Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove
horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições.
(…)
§7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o
regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos
ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a
apresentação de contas de campanha eleitoral.”

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CARLA KARPSTEIN
AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
261

Com a Lei nº 12.034/2009 passou-se a nova discussão jurisprudencial pelo TSE


quanto a seu alcance, cujo colegiado divergia internamente. Havia posicionamento no
sentido de que a desaprovação das contas continuaria a impedir a obtenção de certidão
de quitação eleitoral ao respectivo candidato sob o argumento de que a referida norma
deveria ser interpretada à luz dos princípios norteadores do processo eleitoral. Por
outro lado, formou-se um posicionamento contrário, sob a fundamentação de que o
legislador havia sido claro quanto ao fato de que a mera apresentação das contas de
cam­panha daria quitação ao candidato.
No ano de 2010, em novo round da disputa entre os poderes, o TSE edita a Reso­
lução-TSE nº 23.221/2010, cujo art. 26, §4º determinava que a quitação eleitoral deveria
abranger a apresentação “regular” de contas de campanha eleitoral. Em virtude dessa
expressão “regular”, de forte viés interpretativo, muito se discutiu se o TSE novamente
não extrapolava seu poder regulamentar.12
Diante das várias discussões quanto à expressão “apresentação regular das
contas de campanha” prevista na Resolução-TSE nº 23.221/2010, o que prevaleceu foi
o entendimento de que a rejeição das contas, por si só, não teria o poder de impedir a
obtenção da certidão de quitação eleitoral, decisão essa tomada em votação por maioria
no RESPE nº 4423-63/RS, da Relatoria do Ministro Arnaldo Versiani. (RESENDE, 2013)
Por fim, na Resolução nº 23.376/2012, o TSE demonstra então ter pacificado o
enten­dimento quanto à literalidade da Lei nº 12.034/09 no caso da quitação eleitoral:
modifica o texto da sua nova resolução para determinar que o julgamento das contas
era suficiente para a obtenção da quitação eleitoral, pacificando, assim, a jurisprudência
internamente.13
A Resolução sobre Prestação de Contas editada pelo TSE (23.464/2015) referente
às eleições municipais de 2016 vem embasada na Lei nº 13.165/2015, que promoveu
alterações mais significativas na contabilidade dos partidos políticos.
Dentre as questões relevantes adotadas na Resolução 23.464/2015 tem-se a
fixação dos limites de gastos de candidatos pela própria lei e não mais por indicação
dos partidos; a desobrigação de encaminhamento, pelos partidos políticos, da escritu­
ração contábil mensal à Justiça Eleitoral; a proibição de doação de pessoas jurídicas,
não apenas para as campanhas eleitorais, como também para os fundos próprios do
partido; obrigatoriedade de abertura de conta bancária específica para movimentação

12“
Art. 26. A via impressa do formulário Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) será apresentada com
os seguintes documentos
(…)
§4º A quitação eleitoral de que trata o §1º deste artigo abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos
direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os
trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e
não remitidas, e a apresentação regular de contas de campanha eleitoral.”
13
ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL
ELEI­TORAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS DE CAMPANHA. QUITAÇÃO ELEITORAL. ENTENDI­
MENTO JURISPRUDENCIAL MANTIDO NA RESOLUÇÃO Nº 23.376/2012. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO
DA SEGU­ RANÇA JURÍDICA. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE REGISTRO. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. A apresentação das contas de campanha é suficiente para a obtenção da quitação eleitoral, nos termos do art.
11, §7º, da Lei nº 9.504/1997, alterado pela Lei nº 12.034/2009.
2. Entendimento jurisprudencial acolhido pela retificação da Resolução nº 23.376/2012 do TSE.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 232-11/RJ. Relator:
Ministro Dias Tóffoli, julgado em 16.10.2012, publicado em sessão em 16.10.2012.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
262 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

dos recursos destinados ao programa de promoção e difusão da participação política


das mulheres; alteração do rol de fontes vedadas para adequação à reforma eleitoral e
possibilidade de prestação de contas online simplificada para os diretórios ou comissões
provisórias municipais que não movimentaram recursos financeiros.
A Lei nº 13.165/2015 foi a mais permissiva já analisada no que tange às contas
partidárias, reduzindo sanções e dificultando a aplicação destas no caso de violações
contábeis, tendência essa confirmada na recente legislação aprovada pelo Congresso
em relação às multas aplicadas e seu prazo de quitação.14
Esse ponto merece detalhamento. Os partidos políticos atualmente são financiados
fundamentalmente por recursos públicos através do fundo partidário e eventualmente
por contribuição de seus filiados, que é voluntária, tendo em vista o reconhecimento
da inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas pelo STF.15
A legislação referente à propaganda eleitoral válida até a edição da Lei nº 13.165/2015
incluía sanção pecuniária solidária aos candidatos e partidos políticos quando vio­ladas
as regras ali estabelecidas. Sendo o volume de violações às regras de propa­ganda eleitoral
gigantesco – culpa da legislação desnecessariamente restritiva e buro­crática – o montante
de aplicação de multas pecuniárias aos partidos políticos seguiu o mesmo patamar,
sanções estas que não podem ser quitadas com os repasses do fundo partidário, em
construção jurisprudencial firmada pelo TSE e incluída na Resolução TSE nº 23.464/2015.
Tentando dirimir o grave problema, a Lei nº 13.165/2015 retirou a punição
solidária aos partidos políticos, mesmo quando esse for beneficiado pelo ato irregular,
restringindo a aplicação de multa apenas quando comprovada a participação ativa do
partido no ilícito eleitoral.16
Ocorre que até o ano de 2015 os partidos políticos contavam com a possibilidade
das doações de pessoas jurídicas para quitação dessas multas. Com a vedação imposta
pelo STF e posteriormente incluída na legislação, os partidos políticos ficaram sem opção
de recursos para quitação dessas multas que não aquele recebido pelo Fundo Partidário,
o que estabeleceu um paradoxo que deve chegar aos tribunais superiores em breve.
Não bastasse tal impasse, estabeleceu a Lei nº 13.488/17 a vinculação do parcela­
mento das multas (eleitorais ou não) a um limite máximo de 2% do repasse mensal do
Fundo Partidário recebido pelo partido, gerando novo conflito de normas entre lei e
as resoluções do TSE.

14
“Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove
horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições.
§8º Para fins de expedição da certidão de que trata o §7º, considerar-se-ão quites aqueles que:
IV – o parcelamento de multas eleitorais e de outras multas e débitos de natureza não eleitoral imputados pelo
poder público é garantido também aos partidos políticos em até sessenta meses, salvo se o valor da parcela
ultrapassar o limite de 2% (dois por cento) do repasse mensal do Fundo Partidário, hipótese em que poderá
estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem o referido limite.”
15
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650. Relator: Ministro Luiz Fux,
Tribunal Pleno, julgado em 26.03.2013, publicado no DJe em 02.04.2013.
16
“Art. 96 Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ou representações relativas ao seu
descumprimento podem ser feitas por qualquer partido político, coligação ou candidato, e devem dirigir-se:
(…)
§11. As sanções aplicadas a candidato em razão do descumprimento de disposições desta Lei não se estendem
ao respectivo partido, mesmo na hipótese de esse ter se beneficiado da conduta, salvo quando comprovada a
sua participação.”

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CARLA KARPSTEIN
AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
263

Neste sentido, o TSE incluiu em sua Resolução nº 23.464/2015 a vedação expressa


de utilização de recursos do Fundo Partidário no pagamento de multas, mesmo não
havendo previsão legal para tal, formalizando a jurisprudência já uniformizada naquele
tribunal sobre o tema.
No entanto, a lei atualizada recentemente diz que as parcelas de eventuais mul­tas
recebidas pelos partidos políticos vinculam-se diretamente a um teto de 2% do repasse
mensal do Fundo, dando a clara interpretação que o Fundo Partidário pode ser usado
na quitação daquelas dívidas. Some-se a isso o fato de que os partidos basicamente
só possuem o Fundo Partidário como fonte de renda e tem-se estabelecido o conflito.
Mister ressaltar, nesse contexto, que há limitação do alcance formal e material
das Resoluções emitidas pelo TSE:

São normas relativas ao processo eleitoral propriamente dito as Resoluções que tratam: do
calendário eleitoral; de pesquisas eleitorais; da arrecadação, aplicação e prestação de contas
de recursos financeiros nas campanhas eleitorais; das convenções partidárias e registro de
candidatura; da propaganda eleitoral e condutas vedadas aos agentes públicos; dos atos
preparatórios; da recepção e fiscalização dos votos e garantias eleitorais; da proclamação
dos resultados e diplomação dos eleitos; das reclamações e representações relativas ao
descumprimento da Lei Eleitoral, dentre outras. (LACERDA & SILVA, 2004, p. 78)

Como se percebe pela doutrina, as instruções do TSE têm por objetivo claro
integrar a legislação eleitoral, ficando limitadas por diversos fatores. Um deles é o
chamado limite material dessas Instruções/Resoluções.
Esse limite está relacionado com o conteúdo das instruções, as quais devem tornar
aplicável o que já está estabelecido na lei. Além disso, já decidiu o STF que, dentro do
limite material, deve-se observar o princípio da razoabilidade,17 o que claramente não
se vislumbra na referida vedação, tema que certamente chegará à discussão do TSE nas
próximas prestações de contas dos diretórios nacionais e estaduais.
Desse aglomerado geral sobre as prestações de contas – eleitoral e partidária –
resta a dúvida quanto ao seu teto máximo de alcance: quantas mudanças ainda são
possíveis no que tange ao processo de prestação de contas para que estas espelhem a
movimentação financeira real de uma campanha eleitoral e como a tecnologia pode
auxiliar nesse processo.

3.3 O dever de prestar contas no direito comparado: lições dos Estados


Unidos e do Chile
Diferentemente do Brasil – em que se almeja, esperançosamente, uma mudança de
pensamento – muitos países, em especial os ocidentais, possuem seu foco na prestação
de contas com vistas à fiscalização do próprio cidadão interessado. Ou seja, a prestação
de contas não é somente feita formalmente a um órgão que as julgará; o foco será o
escrutínio de público, que, em muitas nações, conta com o auxílio indispensável da
mídia (para além da tradicional, com a inclusão da social media) e das novas tecnologias

17
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.407-2. Relator:
Ministro Celso de Mello, julgada em 07.03.1996, publicada no DJ em 15.03.1996.

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na publicização. Interessante notar, ainda, que a mídia possui um papel para além do
auxílio na fiscalização de contas – está por se tornar, gradualmente, em um meio de
obter o financiamento para campanhas.18
Em uma análise de diferentes sistemas de prestação de contas, tomemos os
Estados Unidos, que possuem uma forte tradição midiática e grande controle da política
pela população, como exemplo. Em matéria de prestação de contas, mister ressaltar a
organização da “Justiça Eleitoral” americana, que não se assemelha em nada ao Brasil,
mesmo porque o país norte-americano não possui uma vertente jurisdicional espe­
cializada como o vizinho sul-americano. O que há, visando à fiscalização de gastos
de campanha, é a Federal Election Commission (FEC), uma agência reguladora criada
pelo Federal Election Campaign Act, que, dentre diversas provisões, traz as balizas fun­
da­mentais para o financiamento de campanha – e, evidentemente, de prestação de
contas – estadunidense.
A FEC é definida como uma “agência reguladora independente encarregada com
a administração e o fazer cumprir da lei de financiamento de campanha federal que
possui jurisdição sobre o financiamento das campanhas para a Câmara dos Deputados,
o Senado, a Vice-Presidência e a Presidência”.19
Para além da responsabilidade de administração do financiamento eleitoral (o
que não é objeto da presente discussão), de acordo com a legislação vigente, em especial
o Federal Election Campaign Act of 1974 e o Bipartisan Campaign Reform Act, cabe ao FEC
receber as informações relativas às prestações de contas dos gastos realizados (e recursos
recebidos) pelos candidatos ao Congresso e à Presidência. Todas essas prestações
devem ser tornadas públicas por meio de relatórios da FEC em até 48 (quarenta e oito)
horas, se foram protocoladas em papel, ou em até 24 (vinte e quatro) horas se forem
protocoladas eletronicamente, nos termos da section 501 do Bipartisan Campaign Reform
Act,20 que alterou substancialmente as disposições relativas à Comissão.
Ainda, em relação às limitações e deveres impostos, mister ressaltar que existem
dois principais atores políticos que se encontram sujeitos às disposições da FEC: as
pessoas físicas e os comitês políticos federais. Em relação às pessoas físicas, devem
prestar contas quando fazem propaganda para o candidato com dinheiro próprio em
valor acima de US$ 250 por ano; ou, alternativamente, quando desejam contribuir
diretamente com a campanha, também estarão sujeitos a prestar o valor à FEC. (TELLES,
2009)
Em outra vertente, há o dever de registro dos comitês políticos federais de cam­
panha quando da sua constituição – período que não é exatamente delimitado pela lei.

18
Sobre o assunto, ver MCELWEE, L.; YASSERI, Taha. Social Media, Money and Politics: Campaign finance
in the 2016 US Congressional Cycle. Oxford: University of Oxford, 2016. Disponível em: <https://arxiv.org/
pdf/1711.10380.pdf>.
19
“The Federal Election Commission (FEC) is the independent regulatory agency charged with administering
and enforcing the federal campaign finance law. The FEC has jurisdiction over the financing of campaigns
for the U.S. House, Senate, Presidency and the Vice Presidency”. Disponível em: <https://www.fec.gov/about/
mission-and-history/>.
20
“The Commission shall make a designation, statement, report, or notification that is filed with the Commission
under this Act available for inspection by the public in the offices of the Commission and accessible to the public
on the Internet not later than 48 hours (or not later than 24 hours in the case of a designation, statement, report,
or notification filed electronically) after receipt by the Commission”. Disponível em: <https://www.gpo.gov/
fdsys/pkg/PLAW-107publ155/html/PLAW-107publ155.htm>.

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AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
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Por isso, é que há o entendimento de necessidade de registro perante a FEC a partir


do momento em que a pessoa física passa a ser candidato (por assim se denominar)
ou gastos no valor acima de US$ 5 mil. Ademais, necessário apontar que os comitês
dos candidatos devem suas prestações de contas quatro vezes ao ano e os comitês dos
partidos mensalmente (TELLES, 2009).
O FEC se encarrega da produção e publicização dos relatórios com as devidas
prestações de contas (todas as que lhes forem prestadas, não se limitando apenas aos
candidatos), que ficam disponíveis em uma database21 online, aos olhos de todos os
cidadãos e interessados que desejem acessa-las. Isso mostra que, apesar da diferença
cultural e histórica entre o Brasil e os Estados Unidos – em especial no modelo de
campanha, a exemplo da força do lobby legalizado na politica estadunidense – percebe-se
em ambos uma preocupação grande em disponibilizar nas plataformas mais acessíveis
o possível à população a prestação de contas.
Empresas, sindicatos e fornecedores do governo – proibidos, como os estrangeiros,
de contribuir diretamente às campanhas – podem montar comitês de ação política
(Political Action Committee – PACs) a fim de arrecadar recursos de funcionários, executivos
e sócios para candidatos e partidos, obedecidos os limites legais. No entanto, os esforços
para limitar a influência do poder econômico no resultado eleitoral foram corroídos
pela criação dos chamados SuperPACs.
Decisão de 2010 da Suprema Corte, a partir do caso Citizens United v. Federal
Election Commission, estabeleceu que os PACs podem receber contribuições ilimitadas,
em especial no que tange às empresas e sindicatos, desde que sejam para fins de
promoção de ideias, estratégias e propagandas – o chamado independent expenditure.
A decisão foi polêmica, gerando um debate que persiste até hoje, e acabou por criar,
indiretamente, os SuperPACs, que têm as bases bases dos PACs supracitados, mas que
são ilimitados em relação ao recebimento de doação. Ainda mais marcante, possibilita
o recebimento de dinheiro de corporações e sindicatos, o que antes era vedado pelo já
citado Bipartisan Campaign Reform Act de 2002 – tendo a decisão sido pautada na liberdade
de expressão, tão prezada pela Constituição e sociedade estadunidense.
É ao caixa desses grupos que são enviados os cheques individuais de milhões
de dólares dos mais engajados doadores americanos. Esses grupos não têm, ainda,
obrigação de divulgar sua lista de doadores, criando uma zona cinzenta nas campanhas
americanas.
Em uma realidade mais próxima, uma análise do Chile mostra que a prestação
de contas do vizinho sul-americano é próxima à brasileira. De modo mais simplificado,
todos os candidatos e partidos devem prestar contas de todos os seus aportes recebidos
e seus gastos com a campanha. A doação de recursos por pessoas físicas necessita do
“CPF” chileno de cada doador e deverá ser devidamente registrada no Serviço Eleitoral,
órgão este imprescindível para a regularidade da doação e seu recebimento pelo
candidato, que a receberá por meio de conta aberta no órgão supracitado. A preocupação
com a publicidade também se mostra muito forte, estando disposta22 a obrigação da

21
É possível acessar a database em: <http://classic.fec.gov/finance/disclosure/disclosure_data_search.shtml>.
22
O art. 48 da Lei 19.884/03 possui por redação “Las cuentas de los ingresos y gastos electorales presentadas ante
el Director del Servicio Electoral serán públicas y se encontrarán disponibles en el sitio electrónico del Servicio.
Además, cualquier persona podrá obtener, a su costa, copia de ellas. El Director del Servicio Electoral deberá

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disponibilização online – em até 10 (dez) dias úteis – de todas as contas prestadas e a


necessidade de providenciar cópias, caso seja requerido pelo cidadão.
Uma exceção à publicidade supracitada é a possibilidade de que doadores de
pequenos valores permaneçam anônimos, o que não significa que os valores doados
não serão prestados. O anonimato gira em torno da pessoa do doador – mas a regra
também possui exceções, impedindo que o candidato receba mais de 20% do limite de
gastos por meio das doações anônimas. Apesar de a regra visar a uma certa proteção
ao doador de influências políticas, não se mostra como algo que seria útil ou benéfico
se importado ao Brasil, considerando que, em grande parte, não há uma preocupação
de anonimato dos doadores, mas sim dos candidatos em ocultarem doações que talvez
lhes seriam prejudiciais – poderia haver, portanto, uma subversão do intuito da norma.

3.4 O processo de prestação de contas: tecnologia a serviço da


transparência das contas
O objetivo da prestação de contas “é assegurar a lisura e a probidade na cam­
panha, através do controle dos recursos financeiros nela aplicados, com vistas a
viabilizar a verificação de abusos e ilegalidades ocorridos durante a disputa eleitoral”.
(RAMAYANA, 2015, p. 599)
Dizia-se originalmente – posição ainda defendida por alguns autores – que
“a prestação de contas é procedimento de caráter administrativo” (ZILIO, 2010, p. 387)
pelo qual a Justiça Eleitoral analisa as contas do candidato ou do partido decidindo por
aprová-las, aprová-las com ressalva, desaprová-las ou julgar como não prestadas, nos
termos da Lei nº 9.504/97.23
No entanto, a própria Lei nº 9.096/95, Lei dos Partidos Políticos, em seu art. 37,
§6º, reconhece o caráter jurisdicional da prestação de contas, alteração legislativa
incluída pela Lei nº 12.034/2009. Objetivou o legislador vencer a resistência do Tribunal
Superior Eleitoral em acatar os recursos especiais oriundos das prestações de contas,
entendimento fundamentado no caráter administrativo do procedimento, o que se
percebeu bastante equivocado.
A análise de contas se faz sim no exercício de jurisdição, tendo em vista que as
situações jurídicas decorrentes do processo de entrega, aprovação, desaprovação e
não apresentação de contas partidárias e eleitorais só podem ser obtidas por meio do
poder judiciário, como a diplomação para os candidatos – vinculada à entrega e análise
da prestação de contas – ou o recebimento do fundo partidário, no caso dos partidos
políticos.

publicar en Internet las cuentas de las candidaturas a Presidente de la República, senador y diputado y de los
partidos políticos dentro del plazo establecido en el artículo 6º. A medida que el Servicio Electoral proceda a
la revisión de las mismas, deberá actualizar la información difundida en Internet indicando si tales cuentas
son aceptadas, rechazadas u observadas. Durante el examen de las cuentas, el Director del Servicio Electoral
velará porque el ejercicio del derecho establecido en el inciso anterior se compatibilice con sus labores propias”.
Disponível em: <https://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=213283>.
23
Sobre tal entendimento “(…) Ademais, a teor da recente jurisprudência do TSE, não cabe recurso especial contra
acórdão de Tribunal Regional Eleitoral, que examina prestação de contas de candidato, por constituir matéria
eminentemente administrativa (Acórdãos 26115/SP, DJ de 8.11.2006, rel. Min. José Delgado; e 25762/PB, julgado
em 28.11.2006, rel. Min. Caputo Bastos” (AgRgAg nº 6565/MG, rel. Min. Gerardo Grossi, DJ, 29.06.07, p. 339).

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AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
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O sistema de prestação de contas brasileiro é um dos mais evoluídos do mundo,


na esteira da própria Justiça Eleitoral. O programa específico, a cooperação técnica e de
dados com a Receita Federal, Banco Central e outras entidades trazem uma amplitude
não encontrada em outros países, pois talvez não se mostrem tão necessárias.
Ainda assim as prestações de contas não espelham a realidade das campanhas
eleitorais, que continuam fortemente calcadas nos recursos não contabilizados, o
popular “Caixa Dois”. Nada obstante, possui a Justiça Eleitoral espaço para evolução
tecnológica que traga transparência à real movimentação financeira de uma campanha
eleitoral? A resposta a essa pergunta passa obrigatoriamente por uma mudança cultural
da participação do dinheiro nas campanhas eleitorais, ainda que por imposição externa.
E é o que vem acontecendo no Brasil, mesmo que não por iniciativa da classe
política. O reconhecimento da inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas
para candidatos – e a precisão desse entendimento é deveras discutível – pelo STF,
associado às operações policiais de enfrentamento à corrupção, promoveu uma ruptura
profunda no sistema de financiamento eleitoral, e por uma razão muito simples: o senti­
mento de autopreservação dos doadores tradicionais.
A restrição drástica dos recursos financeiros para as campanhas eleitorais
combinada com um teto de gastos bastante restrito (R$ 100.000,00 na maioria dos
municípios brasileiros) foi sentida diretamente na eleição de 2016, com candidaturas
inviabilizadas e prefeitos e vereadores com problemas jurídicos em face de prestações
de contas descoladas da realidade da campanha.
Cabe então se fazer previamente um resumo do sistema de prestação de contas,
com seu arcabouço jurídico atualizado, para que se possa chegar à resposta se a prestação
de contas pode evoluir ainda a ponto de inviabilizar o uso do Caixa Dois e a omissão
de informações reais da campanha.
A Lei nº 9.504/97, já alterada pelas reformas eleitorais promovidas pelas Leis
nºs 13.487 e 13.488 de 2017, pouco inova no sistema de prestação de contas, embora
autorize formas modernas de arrecadação, como o uso de plataformas online de
financiamento, o chamado crowdfunding.
Além do uso das plataformas de financiamento coletivo, a Lei nº 13.487/2017
criou o chamado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC),24 fundo com

24
“Art. 16-C. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é constituído por dotações orçamentárias
da União em ano eleitoral, em valor ao menos equivalente.
I – ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição, com base nos parâmetros definidos em lei;
II – a 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso II do §3o do art. 12 da Lei no
13.473, de 8 de agosto de 2017.
Art. 16-D. Os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), para o primeiro turno das
eleições, serão distribuídos entre os partidos políticos, obedecidos os seguintes critérios:
I – 2% (dois por cento), divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal
Superior Eleitoral;
II – 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que tenham pelo menos um representante na
Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição geral para a
Câmara dos Deputados;
III – 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes na
Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
IV – 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado
Federal, consideradas as legendas dos titulares;
§1º (VETADO)

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recursos públicos oriundos de várias rubricas orçamentárias, além de valores de renúncia


fiscal pelo fim da propaganda partidária. Com a criação do FEFC é muito provável
que, nas eleições gerais de 2018, todas as esferas partidárias – diretórios municipais,
estaduais e nacional – tenham que prestar contas eleitorais, já que a transferência dos
recursos públicos que alimentarão as campanhas estaduais poderá alcançar os três níveis
partidários, o que gera a obrigatoriedade imediata de regulamentação dos diretórios
que porventura estejam com a administração de comissões provisórias e a abertura de
contas bancárias específicas. Por óbvio tal prestação de contas eleitoral não se confunde
com aquela anual prevista na Lei nº 9.096/95, embora sejam complementares.
Todos os candidatos devem prestar contas à Justiça Eleitoral, mesmo que tenham
falecido ou desistido no decorrer da campanha, ou que sejam vices ou suplentes. Além
destes também os partidos políticos têm a mesma determinação, estando desobrigados
apenas aqueles diretórios que porventura não tenham participado financeiramente da
eleição.
Na esfera municipal é onde reside a grande fragilidade de movimentação
financeira dos partidos políticos: os constantes processos de intervenção ou dissolução
de diretórios locais e consequente nomeação de comissões provisórias fazem com que
não exista estrutura partidária fora das capitais apta a organizar financeira­mente um
partido, sendo que a maioria destes sequer apresenta prestação de contas. Não se pode
esquecer que o Brasil possui quase 70% dos seus municípios com menos de 20 mil
habitantes (IBGE, 2017), sendo que a representação partidária chega a 96% dos mu­ni­
cípios, dependendo do partido político. (SILVA, 2017)
A prestação de contas eleitoral, hoje um sistema eletrônico, exige a apresentação
de documentos específicos determinados por lei25 para que tenham validade. Tal situação

§2º Para que o candidato tenha acesso aos recursos do Fundo a que se refere este artigo, deverá fazer
requerimento por escrito ao órgão partidário respectivo.”
25
Resumidamente, a Lei nº 9.504/97 determina a necessidade dos seguintes documentos para a prestação de
contas:
Recibos eleitorais (emitidos diretamente no sistema próprio do TSE);
Demonstrativo dos recursos arrecadados (conterá todas as doações recebidas, devidamente identificadas,
inclusive os recursos próprios e estimáveis em dinheiro);
Demonstrativo das despesas pagas após a eleição;
Demonstrativo de receitas e despesas;
Demonstrativo do resultado da comercialização de bens e da realização de eventos (deverá discriminar o
período da comercialização/realização do evento, seu valor total, o valor da aquisição dos bens e serviços ou de
seus insumos, ainda que recebidos em doação, a identificação dos doadores, dentre outros);
Conciliação Bancária;
Relatório de despesas efetuadas;
Demonstrativo de doações efetuadas a candidatos ou partidos políticos;
Descrição das receitas estimadas (deverá descrever o bem ou serviço doado, informando quantidade, valor
unitário e avaliação pelos preços praticados no mercado, com indicação da fonte da avaliação, além do
respectivo recibo eleitoral, informando a origem de sua emissão);
Extratos da conta bancária aberta em nome do candidato ou do partido político, conforme o caso, demonstrando
a movimentação ou a ausência de movimentação financeira ocorrida no período de campanha;
Guia de depósito comprovando o recolhimento à respectiva direção partidária das sobras financeiras de
campanha, quando houver;
Declaração da direção partidária comprovando o recebimento das sobras de campanha constituídas por bens e/
ou materiais permanentes, quando houver;
Documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo
Partidário e comercialização de bens/realização de eventos;
Os documentos integrantes da prestação de contas deverão ser obrigatoriamente assinados pelo candidato (ou
tesoureiro do partido, no caso de prestação de contas partidárias, advogado e contador;

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AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
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se apresenta inclusive nos casos de ausência de movimentação financeira ou de bens


estimáveis, onde há necessidade de produção de prova específica para tal fim.
Como uma das últimas mudanças em relação à prestação de contas – aplicada pela
primeira vez nas Eleições de 2016 – tem-se a obrigatoriedade de divulgação no site do
TSE, no prazo inafastável de 72 horas, de todas as doações em dinheiro recebidas pelos
candidatos para a campanha eleitoral, determinação essa que não escapa do elemento
subjetivo da doação: ela só será declarada nos termos apontados se for legal, pois se for
oriunda de Caixa Dois continuará à margem da atuação e fiscalização da justiça eleitoral.
Em relação às plataformas de financiamento coletivo (crowdfunding), a Lei
nº 13.488/2017 foi bastante omissa à formalidade na prestação de contas, resumindo-
se a determinar a divulgação, também no prazo de 72 horas, das doações recebidas
pelo sistema. Tal omissão legislativa não é nova, sendo bastante comum nas reformas
eleitorais promovidas pelo Congresso desde 2010, impondo ao TSE o preenchimento
das lacunas com obrigatória criação legislativa, já que não há balizamento na lei para
o específico e novo sistema.
Em proposta encaminhada pela Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR no
ano de 2017 havia previsão específica do procedimento de prestação de contas para os
casos de financiamento coletivo, mas não chegou a ser analisada pela Comissão Especial
de Reforma Política.26
As inovações legislativas advindas das constantes mudanças indefectivelmente
são repletas de direitos aos candidatos e silentes quanto à forma de coibição de abusos
e obrigatoriedade de transparência. Assim foi com a liberação da quitação eleitoral para
contas desaprovadas, a exigência de trânsito em julgado para decisões de cassação de
registro/mandato, o parcelamento praticamente ilimitado para as dívidas partidárias,
dentre tantos outros.

26
A proposta encaminhada pela Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR possuía as seguintes provisões:
Art. 1º. O artigo 23 da Lei nº 9.504/97 passa a ter a seguinte redação:
(...)
IV – Sistema eletrônico de doações, através das plataformas de financiamento coletivo, mediante autorização da
justiça eleitoral, que deverá atender aos seguintes requisitos:
a) Identificação do doador;
b) Emissão de recibo eleitoral para cada doação efetuada na plataforma;
c) Discriminação dos percentuais de taxas e impostos cobrados sobre cada doação;
d) Recebimento de doações por transferência eletrônica identificada ou cartões de crédito e débito de titularidade
do doador;
§8º Para utilização de plataformas de financiamento coletivo o candidato deverá obrigatoriamente requerer à
Justiça Eleitoral autorização para contratação, em petição própria, que deverá conter os dados do candidato
contratante e da empresa contratada, os valores, taxas e impostos praticados e o prazo de início e encerramento
da arrecadação, que não poderá ser anterior ao protocolo do registro de candidatura nem ultrapassar a data da
eleição. (grifo meu)
§9º É obrigatório ao candidato, no caso de utilização da plataforma de doações eleitorais de financiamento
coletivo autorizada pela Justiça Eleitoral, a divulgação dos valores recebidos pela empresa administradora em
sítio da Justiça Eleitoral, no prazo de 72 horas de seu recebimento, nos termos do art. 28, §4º desta Lei, sob pena
de desaprovação de contas no caso de descumprimento.
§10 As doações realizadas por meio de plataformas de financiamento coletivo ficarão sujeitas aos limites para doação de
pessoas físicas estabelecidos nesta Lei. (grifo meu)
§11 Os valores recebidos por meio das plataformas de financiamento coletivo deverão estar integralmente
declarados em prestação de contas do candidato, bem como os valores pagos à empresa administradora, que
serão obrigatoriamente registrados como gastos eleitorais do candidato. (grifo meu)
§12 Eventuais valores não utilizados deverão ser entendidos como sobras de campanha e depositados em conta
corrente do partido, nos termos do art. 31 desta lei.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
270 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

De outra monta, o Tribunal Superior Eleitoral, detentor de tecnologia de ponta


nos sistemas de processamento das prestações de contas, atualiza seu formato para
dificultar a cada eleição o uso de valores de Caixa Dois e o abuso do poder econômico
e político no financiamento das eleições.
Como já dito, o teto da transparência em relação à prestação de contas, seja esta
eleitoral ou partidária, sempre estará vinculado ao elemento humano e cultural, que
hoje se encontra em profunda transformação no Brasil. O “recurso não contabilizado”
diminuiu muito no mercado das eleições e por razões óbvias: operações de combate a
corrupção, medidas judiciais de bloqueio de bens e proibição pelo STF de doação das
pessoas jurídicas.
Um dos exemplos interessantes de plataforma que pode ser utilizada pela
Justiça Eleitoral no sistema de prestação de contas eleitoral e partidário é o de sistema
semelhante ao Vigie Aqui,27 uma ferramenta lançada pelo Instituto Reclame Aqui que
destaca, em qualquer site, os nomes de políticos que ocupam ou ocuparam cargos
eletivos com pendências na Justiça. Com apenas 3 cliques se instala um plugin no
navegador e, sempre que o nome de um político condenado, processado ou investigado
aparecer, a plataforma destaca o nome colorido. Depois, é só passar o mouse por cima
do nome para conferir a ficha judicial do político.
Tal ferramenta pode ser adaptada para o sistema de prestação de contas, seja
partidária ou eleitoral. Como a quase totalidade das empresas, individuais, pequenas
ou grandes, possuem cadastro eletrônico para emissão de notas fiscais, tal experiência
poderia ser adaptada, por exemplo, para gastos em nome de candidatos: sempre que
um candidato ou alguém em nome dele fizesse um gasto para a campanha – material
de propaganda, gasolina, locação de veículos – a plataforma ligada ao TSE identificaria
o nome e incluiria em um arquivo online, em tempo real, para depois ser comparado
com a prestação de contas entregue ao fim da eleição.
Entretanto, apenas a contribuição da Justiça Eleitoral não é suficiente para
alcançar a almejada transparência do processo de obtenção do voto. A construção de
um financiamento hialino das estruturas partidárias e das campanhas eleitorais passa
pela contribuição de todos os atores: Justiça Eleitoral, candidatos, dirigentes partidários
e, especialmente, o eleitor, que é aquele com maiores meios para fiscalizar o uso do
dinheiro na política, tendo em vista ser ele o destinatário final dessa estrutura.
A dificuldade, para o eleitor cidadão, está na análise do enorme volume de
informações disponíveis na internet e como filtrá-las a ponto de identificar condutas
impróprias no uso do dinheiro público, definição em que se encaixam o Fundo partidário
e o recém-criado Fundo Especial de Financiamento de Campanha.
O acesso às informações pela população e o mapeamento de dados são conquistas
permitidas pelas ferramentas de big data, que consistem em um enorme volume de dados.
Para que se facilite essa busca, estão sendo criadas e popularizadas estratégias de livre
acesso aos cidadãos, como canais diretos de denúncia e aplicativos de checagem, que
possibilitam o monitoramento de ações da administração pública, ferramentas estas
aplicáveis ao controle financeiro das campanhas eleitorais.

27
É possível acessar a plataforma em: <http://www.vigieaqui.com.br/>.

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CARLA KARPSTEIN
AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
271

A plataforma “Vote Bem”28 vem estabelecendo um sistema interessante de


condensação de informações sobre o candidatos e fiscalização de dinheiro público,
ferramenta plenamente adaptável ao controle financeiro dos partidos e campanhas
eleitorais. A iniciativa é tão eficiente que alguns Tribunais Regionais Eleitorais firmaram
termos de parceria para uso da tecnologia em prol da lisura das eleições, bem como a
OAB, com o objetivo de aumentar a transparência do processo.
Ou seja, a tecnologia, aliada à base de financiamento público estabelecida
atualmente na legislação brasileira, a mudança cultural imposta pela crise institucional
e a participação dos eleitores, é a forma mais eficaz de trazer transparência ao uso de
recursos financeiros nas campanhas eleitorais.

3.5 Considerações finais


A cultura brasileira remete à necessidade de sanção para cumprimento de uma
obrigação, isso é verdade. Talvez o excesso de legislação contribua para o perfil “rebelde”
do brasileiro médio, mas é fato que a ausência de punição pelo descumprimento de uma
regra, seja ela qual for, leva à sua eliminação tácita do inconsciente coletivo nacional.
Embora o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais não seja uma
atividade corrupta per se, a história recente da política latino-americana mostra que esse
tema é vinculado frequentemente à corrupção política, entendida esta como o “…mau
uso e abuso de poder, de origem pública ou privada, para fins partidários ou pessoais,
através da violação de normas de direito” (ZOVATTO, 2005, p. 289)
A corrupção política (ZOVATTO, 2005) é veneno que se espalha por várias
camadas das relações políticas-institucionais, desde a compra de votos para se eleger até
o abuso de recursos estatais para a manutenção do status quo, passando por oferecimento
e recebimento de propina, uso indevido do Estado para fins particulares, mantendo-se
um pernicioso círculo vicioso.
Uma das formas de se romper esse círculo nada virtuoso é o controle rígido da
movimentação de recursos nas campanhas políticas, evitando-se que o processo eleja
alguém já comprometido com valores pouco republicanos.
Utilizar-se da força motriz dos escândalos de corrupção, aproveitando-se da
exposição indesejada para se criar uma nova forma de financiar a política e eleger repre­
sentantes é um lado positivo da crise institucional, pois é recomendável se parar de cavar
quando se chega ao fundo do poço. Infelizmente tal situação não é comum na América
Latina, onde vemos a impunidade sobreviver em meio ao caos, apesar dos esforços.
O plano de ação da Cúpula de Québec expressa: “Para fortalecer a democracia,
criar a prosperidade e desenvolver o potencial humano, nossos governos (…) con­
vocarão, com o auspício da OEA e a colaboração do BID, reuniões de especialistas para
aprofundar o exame de questões, tais como o registro de partidos políticos, o acesso dos
partidos políticos ao financiamento e aos meios de comunicação, o financiamento de
campanhas eleitorais, a fiscalização e divulgação de resultados eleitorais e as relações
dos partidos políticos com outros setores da sociedade”.29

28
A plataforma está disponível em: <http://votebem.org.br/>.
29
A Cúpula de Québec foi um dos encontros da Cúpula das Américas, uma reunião entre os chefes de Estado dos
países do continente americano para a cooperação entre as nações. O Plano de Ação completo da Cúpula de

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
272 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

A Transparência Internacional desde 1995 publica o relatório anual Índice de


Percepção de Corrupção (IPC) que ordenas os países do mundo de acordo com o grau
de corrupção percebida. Também lista algumas determinações que devem ser seguidas
para que um país melhore sua participação política interna, reduzindo a influência dos
recursos financeiros no processo eleitoral, dentre elas: melhoria da legislação sobre
financiamento eleitoral e sua transparência, igualdade de oportunidades no acesso aos
meios de comunicação e financiamento, transparência absoluta na divulgação de fundos,
receitas e gastos pelos partidos e candidatos vinculados a um órgão independente e
implementação de legislação de conduta para os funcionários públicos em relação ao
trato com empresas privadas.
A análise do Índice de Percepção da Corrupção no ano de 2016, feita pela
organização Transparency,30 apontou que

(…) ajustes técnicos em leis específicas anticorrupção não são o suficiente. O que é
urgentemente necessário são reformas sistêmicas profundas, que corrijam o desequilíbrio
crescente entre poder e riqueza por meio do empoderamento social para acabar com a
impunidade, responsabilizar os poderosos e garantir que as pessoas tenham voz nas
decisões que afetam suas vidas.

O Brasil se encontra em um momento histórico crucial que poderá nos fazer


avançar muito na evolução política e institucional, aproveitando a ruptura de situações
enraizadas para a criação de uma nova realidade na relação público/privado/eleições.
O tempo dirá.

Referências
LACERDA, Paulo José Martins; CARNEIRO, Renato César; SILVA, Valter Félix da. O poder normativo da.
Justiça Eleitoral. João Pessoa: Sal da Terra, 2004.
MANIN, Bernard; PRZEWORSKI, Adam; STOKES, Susan C. Eleições e representação. Lua Nova. 2006, n.67, p.
105-138. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n67/a05n67.pdf>.
MOJOBI, E. H. África francófona. In: CARRILLO, M. et al. Dinero y contienda político-electoral. México:
Fondo de Cultura Económica, 2003.
OHMAN, Magnus. Introdução ao Financiamento Político: Por que o financiamento político é importante?. In:
FALGUERA, Elin; OHMAN, Magnus; JONES, Samuel (Org.). Financiamento de Partidos Políticos e Campanhas
Eleitorais: Um manual sobre financiamento político. Rio de Janeiro:FGV, 2015.
RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 14. ed. Niterói: Ímpetus, 2015.
RESENDE, Maria Letícia Rodrigues Guimarães Araújo. A desaprovação das contas de campanha e a quitação
eleitoral: a evolução do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral. Escola Judiciária Eleitoral, Brasília, v. 6,
n., out. 2013. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-
eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-6-ano-3/a-desaprovacao-das-contas-de-campanha-e-a-quitacao-eleitoral-
a-evolucao-do-entendimento-do-tribunal-superior-eleitoral>.

Québec, que estabeleceu princípios para a democracia, direitos fundamentais e crescimento econômico, pode
ser acessado em: <http://www.ftaa-alca.org/summits/quebec/plan_p.asp>.
30
A análise completa sobre o estudo da corrupção está disponível em: <https://www.transparency.org/news/
pressrelease/indice_de_percepcaeo_da_corrupcaeo_2016_circulo_vicioso_de_corrupcao>.

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CARLA KARPSTEIN
AS LIMITAÇÕES DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E O DEVER DE FISCALIZAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL
273

SALGADO, Eneida Desiree; ARAÚJO, Eduardo Borges. Do Legislativo ao Judiciário – A Lei Complementar
nº 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), a busca pela moralização da vida pública e os direitos fundamentais.
Belo Horizonte: Fórum, Revista de Direito Administrativo e Constitucional, n. 54, out./dez. 2013. Disponível
em: <https://www.academia.edu/9853212/SALGADO_Eneida_Desiree_ARA%C3%9AJO_Eduardo_
Borges._Do_Legislativo_ao_Judici%C3%A1rio_a_LC_C135_10_Lei_da_Ficha_Limpa_a_busca_pela_
moraliza%C3%A7%C3%A3o_da_vida_p%C3%BAblica_e_os_direitos_fundamentais._A_and_C_Revista_
de_Direito_Administrativo_and_Constitucional_Belo_Horizonte_ano_13_n._54_p._121-148_out._dez._2013>
SARMENTO, Daniel (Org.) A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas.
Coordenadores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
SILVA, Bruno Mitio Assano. A Organização Partidária nos Municípios Brasileiros. 2017. 84 f. Dissertação (Mestrado)
– Curso de Administração Pública e Governo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/18193/Dissertação Mestrado – Bruno Mitio A.
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TELLES, Olivia Raposo da Silva. Direito Eleitoral Comparado: Brasil, Estados Unidos, França. São Paulo:
Saraiva, 2009.
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.
ZOVATTO, Daniel. Financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na América Latina: Uma análise comparada.
Opinião Pública, Campinas, v. 11, n. 2, p.287-336, out. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

KARPSTEIN, Carla. As limitações do processo de prestação de contas e o dever de fiscalização pela


justiça eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 255-273. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 4

A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL


COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”:
A QUITAÇÃO ELEITORAL*

ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO

CAROLINE BIANCA GRAEFF

4.1 Introdução
O artigo aborda a exigência da prestação de contas da campanha eleitoral1 como
requisito para a obtenção de Certidão de Quitação Eleitoral e tem por objetivo descrever
o modo como esta vem sendo regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro. Para
tal, promove a análise comparada das leis e das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), as quais compõem a principal fonte da pesquisa. As leis são: nºs 8.713/93, que
regulamentou a eleição de 1994; 9.100/95, alusiva ao pleito de 1996, e 9.504/97, a “lei das
eleições”, pois promulgada como uma norma permanente que substituiu a tradição de
formular uma norma a cada pleito (ou procurou substituir, pois, na prática, ajustes e
mudanças continuam a ocorrer a cada eleição). Além delas, as leis subsequentes e que
promoveram mudanças na Lei nº 9.504/97 nesta questão, como: nºs 11.300/06, 12.034/09,
13.165/15. As Resoluções do TSE, por sua vez, são muitas, pois a cada pleito ele as produz
com vistas a explicar, interpretar, esclarecer determinações constantes na lei vigente e/
ou suprir lacunas nela identificadas. Cabe destacar, ainda, que trabalhos de especialistas
em Direito Eleitoral e debates ocorridos no TSE atuam como fontes secundárias.
Ressalva-se que não serão discutidos os efeitos que a prestação de contas traz
para o candidato na eleição em que acabou de concorrer.2 O objeto de estudo também

* Uma versão deste texto foi publicada na Revista de Informação Legislativa (n. 211, jul.-set. 2016). Este é uma
versão modificada e atualizada daquele artigo.
1
Também são adotadas neste texto e nas normas legais as expressões “apresentação de contas de campanha
eleitoral” e “prestação” ou “apresentação de contas eleitorais”.
2
Embora todos os concorrentes sejam passíveis de punição por causa das contas de campanha, os eleitos são
atingidos imediatamente: conforme a Lei nº 9.504/97, art. 29, §2º, a não prestação impossibilita que sejam

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
276 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

não se confunde com aquela que os partidos devem encaminhar anualmente à Justiça
Eleitoral, determinada pela Lei nº 9.096/95, a “lei dos partidos políticos”, e tampouco
com a rejeição das contas de quem exerce cargo ou função pública. Igualmente, não
discute a questão das formas de financiamento de campanhas eleitorais existentes ou
pretendidas para o país.
O texto está organizado em três seções. A primeira caracteriza sinteticamente
a prestação de contas eleitorais. As duas subsequentes analisam cronologicamente as
decisões que disciplinaram o tema: a seção 2 se centra na delimitação do conceito de
Quitação Eleitoral e na inserção da prestação de contas como um dos elementos que a
constitui; a seção 3 narra o modo como foi regulamentada na Lei nº 12.034/09, aborda o
acirramento da polêmica ocorrido entre 2010-2012 e como ela se encontra desde então.

4.2 Prestação de contas de campanha eleitoral


O primeiro passo nesta investigação é tentar conceituar o objeto de análise.
Os parâmetros são fornecidos por Lima (2005, p. 90), que a define nestes termos:

instituto que tem como finalidade primordial emprestar transparência às campanhas


eleitorais, através da exigência da apresentação de informações, legalmente determinadas,
que têm o condão de evidenciar o montante, a origem e a destinação dos recursos utilizados
nas campanhas de partidos e candidatos, possibilitando a identificação de situações que
podem estar relacionadas ao abuso do poder econômico, além de prever sanções pelo
desrespeito aos dispositivos que o regulam.

Deve ser encaminhada à Justiça Eleitoral3 por todo e qualquer candidato,4 bem
como por comitês financeiros e por partidos políticos, ainda que não haja movimentação
de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro. Conforme a redação original da Lei
nº 9.504/97, art. 28, I, II, §1º e 2º, candidatos a cargo proporcional podem optar pela
prestação individual ou via comitê financeiro e quem concorre a posto majoritário o
faz somente por intermédio de comitê financeiro. Contudo, desde as eleições de 2016,
em redação dada pela Lei nº 13.165/15, os parágrafos citados foram modificados, os

diplomados enquanto perdurar, isto é, até que seja entregue; e, desde a Resolução nº 21.609/04, art. 56, é exigido
o julgamento das contas, apesar de a rejeição não impedir a diplomação. O prazo para manifestação da Justiça
Eleitoral era de oito dias antes da diplomação entre 1994 e 2014 (leis nºs 8.713/93, art. 55, §3º; 9.504/97, art. 30,
§ 1º; 11.300/06), com exceção do pleito de 1996, fixado em três dias (Lei 9.100/95, art. 45, § 1º), o mesmo período
hoje vigente (Lei nº 13.165/15). Desde esta determinação da Resolução nº 21.609/04, o tempo para analisar as
contas dos não eleitos é mais dilatado, pois, até então, este prazo valia para o conjunto dos candidatos.
3
Em termos mais específicos: nas eleições municipais, exclusivamente ao juiz eleitoral; nas presidenciais, ao TSE;
nas demais, ao respectivo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
4
A partir da Resolução nº 20.987/02, o TSE detalhou que a exigência abrange os que renunciaram, desistiram
ou foram indeferidos, pelo período que participaram do processo eleitoral, ainda que não tenham realizado
campanha; e os que faleceram, pelo período em que a realizaram, o que foi antecipado pela Resolução
nº 20.775/00. A Resolução nº 22.715/08, art. 26, §1º, acresceu a referência ao candidato substituído. De 1998 a
2010, a de candidatos a vice e suplente era abrangida pela dos respectivos candidatos a titular (Resoluções
nºs 20.102/98, art. 19, §1º; 20.566/00, art. 17, §1º; 20.987/02, art. 25; 21.609/04, art. 37, §3º; 22.160/06, art. 24, § 3º;
e 22.715/08, art. 26, § 3º). A Resolução nº 23.217/10, art. 25, § 9º autorizou que elas pudessem ser apresentadas
separadamente e a de nº 23.406/14, art. 55, parágrafo único, repôs a excepcionalidade, pois só na hipótese de não
prestação do titular no prazo legal é que eles poderão fazê-lo separadamente.

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ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO, CAROLINE BIANCA GRAEFF
A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
277

comitês financeiros foram suprimidos e todas as prestações devem ser feitas pelos
próprios candidatos.
Segundo a mesma lei, art. 29, III, IV, §1º, o prazo para a entrega dessa prestação
de contas é até 30 dias após a votação, mas se ocorrer 2º turno, os candidatos que dele
participarem devem submeter uma única prestação. E, nesse caso, o prazo foi reduzido
pela Lei nº 13.165/15 para 20 dias após a votação dela.
Cabe desvelar que a Lei nº 11.300/06, ao incluir o §4º ao art. 28 da Lei nº 9.504/97,
criou as chamadas prestações de contas parciais. Para Carvalho (2010, p. 102), “não se
trata, propriamente, de prestação de contas parcial, mas de simples adiantamento de
informações (...)”. A Lei nº 13.165/15 determinou que ela implica a publicação de:

I – os recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha eleitoral, em


até 72 (setenta e duas) horas de seu recebimento; II – no dia 15 de setembro, relatório
discriminando as transferências do Fundo Partidário, os recursos em dinheiro e os
estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados (BRASIL, Lei nº 13.165,
2015, art. 28, §4º, I e II).

O tema da prestação de contas foi tratado pioneiramente na Lei nº 4.740/65. Chama


a atenção nesta norma o fato de não haver prestação de contas de candidatos, tão somente
de partidos, pois todos os gastos deviam se processar por meio das legendas, pois

§1º Nenhum candidato a cargo eletivo, sob pena de cassação do respectivo registro,
poderá efetuar, individualmente, despesas de caráter político ou eleitoral, ou alistamento,
arregimentação, propaganda e demais atividades definidas pela Justiça Eleitoral, devendo
processar todos os gastos através dos partidos ou comitês (BRASIL. Lei 4.740, art. 58).

Igualmente, a análise das contas não era de responsabilidade da Justiça Eleitoral,


e sim de comitês interpartidários formados para esta finalidade. O papel dela era o de
“assegurar a publicidade das informações colhidas e analisadas por integrantes dos
próprios partidos políticos participantes das eleições” (LIMA, 2005, p. 93).
A Lei nº 8.713/93 foi a primeira a afirmar, em seu art. 35, que o candidato a cargo
eletivo é o responsável direto, ou por intermédio de pessoa por ele designada, pela
administração financeira de sua campanha. Ao tratar da prestação de contas, ela fixa, no
art. 37: “o candidato é o único responsável pela veracidade das informações financeiras
e contábeis de sua campanha (...)”, o que é reafirmado no art. 54, parágrafo único.
A determinação foi repetida nas leis que se seguiram (nºs 9.100/95, art. 35, §5º;
9.504/97, art. 21) e nas Resoluções do TSE, mas mereceu uma sutil alteração por meio da
Lei nº 11.300/06, que fez o candidato também solidariamente responsável com a pessoa
por ele indicada para tal finalidade. Ao tratar deste dispositivo, a Resolução nº 22.250/06,
art. 24, parágrafo único, lembra: “o candidato não se exime da responsabilidade prevista
neste artigo, alegando ignorância sobre a origem e a destinação dos recursos recebidos
em campanha ou deixando de assinar as peças integrantes da prestação de contas”.
A partir das eleições de 2002, a prestação passou a ser obrigatoriamente elabo­
rada por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), o que simplificou
o processo, pois, conforme Schlickmann (2010, p. 269), ele “já contempla os requisitos
de formalidade e organização da apresentação, emitindo todas as peças passíveis

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
278 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

de emissão eletrônica”.5 Mas, em um primeiro momento, ele não implicou o fim


da utilização do papel, pois documentos gerados pelo SPCE devem acompanhar a
prestação. Uma versão inicial do SPCE foi implantada para uso facultativo na eleição
de 1998 (BRASIL. TSE. Resolução 20.102/98, art. 28; Resolução nº 20.266/98).
A Lei nº 8.713/93, art. 55, foi quem explicitou pioneiramente que cabe à Justiça
Eleitoral fazer “o exame da prestação de contas dos partidos e candidatos, referente a
cada eleição, devendo verificar a sua regularidade e correta apresentação das contas (...)”
(grifo dos autores).6 No que tange aos procedimentos adotados para cumprir esta
determinação, Lima (2005, p. 142) explica:

a análise técnica das prestações de contas encontra-se sob responsabilidade das


coordenadorias de controle interno dos Tribunais Regionais Eleitorais, operacionalizadas
através de comissões nomeadas pela Justiça Eleitoral, entre servidores dos Tribunais
Regionais Eleitorais (para as eleições gerais) e dos cartórios eleitorais (para as eleições
municipais), as quais incluem, muitas vezes, técnicos dos Tribunais de Contas do Estado
ou da União, requisitados exclusivamente para auxiliar nos trabalhos.

Foi a Resolução nº 20.987/02, art. 29, que explicitou que há três decisões em
relação às contas recebidas: a) pela aprovação, quando estiverem regulares; b) pela
aprovação com ressalvas, quando constatadas falhas que, examinadas em conjunto,
não lhe comprometem a regularidade; c) pela desaprovação, quando constatadas falhas
que, examinadas em conjunto, comprometem a regularidade. Até então, persistiam
dúvidas se havia alternativa intermediária, propiciadas pelos próprios textos legais, que
não a traziam, mas determinavam que “meros erros formais e materiais que venham
a ser corrigidos”, como a Lei nº 9.100/95, art. 45, §2º, ou que “erros formais e materiais
corrigidos não autorizam a rejeição das contas e a cominação de sanção a candidato ou
partido”, caso da Lei nº 9.504/97, art. 30, §2º.7
Essas alternativas foram mantidas para as Resoluções seguintes (nºs 21.609/04, art.
53; 22.160/06, art. 37; 22.715/08, art. 40) – sendo que, em 2006, o termo “desaprovação” foi
substituído por “rejeição” – e, enfim, incorporadas pela Lei 12.034/09 à nova redação do
art. 30 da Lei nº 9.504/97, ao lado de uma quarta possibilidade, que havia sido introduzida
pela Resolução nº 22.715/08: “contas não prestadas”, o que será discutido na sequência.
Até 2009, o TSE considerava tais decisões como “administrativas” e, por isso,
a elas não cabiam recursos. A flexibilização surgiu, ainda timidamente, na Resolução
nº 20.987/00, art. 35: “das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais que versarem sobre
contas somente caberá recurso para o Tribunal Superior Eleitoral quando proferidas
contra disposição expressa da Constituição Federal ou de lei, ou quando ocorrer

5
Anteriormente, a legislação exigia que ela fosse elaborada de acordo com os princípios fundamentais de
contabilidade aprovados pelo Conselho Federal de Contabilidade e assinada por profissional habilitado, caso
da Lei nº 8.713/93, art. 50.
6
Como o artigo discute amplamente, o modo como devem ser compreendidos os termos grifados motiva larga
discussão no âmbito jurídico-político.
7
O advento da aprovação com ressalvas não implicou a retirada dessas determinações. Ao contrário, a Lei
nº 12.034/09 as ampliou, pois acresceu ao art. 30 da Lei nº 9.504/97, o §2º-A: “erros formais ou materiais irrelevantes
no conjunto da prestação de contas, que não comprometam o seu resultado, não acarretarão a rejeição das
contas”. Schlickmann (2010, p. 344-345) pondera que, anteriormente, erros corrigidos não implicavam rejeição,
agora eles nem precisam ser corrigidos, basta serem considerados “irrelevantes”.

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A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
279

divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais”. A Resolução


nº 21.609/02, art. 55, acresceu: “da decisão que versar sobre contas não se admitirá pedido
de reconsideração, cabendo recurso para o Tribunal Regional Eleitoral” e reproduziu,
como parágrafo único, o art. 35 da Resolução nº 20.987/00.
Este cenário se alterou com a Lei nº 12.034/09, que acresceu o §5º ao art. 30 da Lei
nº 9.504/97: “(...) caberá recurso ao órgão superior da Justiça Eleitoral, no prazo de 3 (três)
dias, a contar da publicação no Diário Oficial”; e o §6º, “no mesmo prazo previsto no
§5º, caberá recurso especial para o Tribunal Superior Eleitoral, nas hipóteses previstas
nos incisos I e II do §4º do art. 121 da Constituição Federal”.

4.3 Inclusão como requisito para a Certidão de Quitação Eleitoral


Apontados os princípios básicos que constituem a prestação de contas, antes de
explicar o papel que ela desempenha como um dos requisitos para a obtenção da Certi­
dão de Quitação Eleitoral é preciso ponderar como se desenvolveu a própria noção de
Quitação Eleitoral.
Ela aparece na Lei nº 8.713/93, que fixa a Certidão a ela correspondente como um
dos documentos necessários para o registro da candidatura: “art. 11. (...) §1º O pedido
de registro deve ser instruído com os seguintes documentos: (...) d) certidão de quitação
eleitoral” (grifo dos autores). E foi incorporada de forma quase literal ao art. 11 da Lei
nº 9.504/97.8
O fundamento para a exigência está no texto constitucional (art. 14, §3º, II) que
inclui o “pleno exercício dos direitos políticos” como uma das condições de elegibilidade.
A Quitação Eleitoral é concebida, então, como um instrumento para garantir que o
pretendente a cargo eletivo cumpre este requisito.
Porém, durante algum tempo não restava clara a abrangência dessa expressão e,
consequentemente, os requisitos legais que a compunham. A regulamentação existente
era o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), cuja exegese permitia vinculá-la à condição de
eleitor (alistamento) e, conforme o art. 7º, §1º, à comprovação de votação no último
pleito (em caso de não comparecimento, à apresentação da devida justificativa e/ou ao
pagamento da respectiva multa). O mesmo diploma legal também previa punição – de
ordem pecuniária – aos que não atendessem as convocações da Justiça Eleitoral.
As punições ao descumprimento dessas exigências e que hoje atingem também
quem não possui a Quitação Eleitoral estão previstas no art. 7, §1º, e são estar impedido
de: I – inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou
empossar-se neles; II – receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função
ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais,
empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas
pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo
mês subsequente ao da eleição; III – participar de concorrência pública ou administrativa
da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das
respectivas autarquias; IV – obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia
mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência

8
Há uma diferença formal: na Lei nº 9.504/97, ela é o requisito “VI” (em número romano).

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280 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de


cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V – obter
passaporte ou carteira de identidade; VI – renovar matrícula em estabelecimento de
ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII – praticar qualquer ato para o qual se
exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.
A questão só ganhou precisão em 2004, quando o TSE expediu a Resolução
nº 21.823. Nela foi estabelecido que o conceito de Quitação Eleitoral abrange: (1)
plenitude do gozo dos direitos políticos; (2) regular exercício do voto, salvo quando
facultativo; (3) atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos
relativos ao pleito; (4) inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça
Eleitoral e não remitidas, excetuadas as anistias legais; (5) regular prestação de contas de
campanha eleitoral, quando se tratar de candidatos (grifo dos autores).
Ao contrário do que se possa pensar, a definição foi suscitada por um problema
operacional da Justiça Eleitoral, e não por uma questão jurídica abstrata. Conforme a
Corregedoria Eleitoral de Minas Gerais, autora do processo administrativo, o cadastro
eleitoral dispunha de mecanismos para registrar os três primeiros quesitos, mais a
existência de multa de natureza criminal. Estes eram, até então, os elementos que
compunham o conceito ou, como afirmam Rollemberg e Britto (2012, p. 91), na prática, ele
“se limitava ao que constava no banco de dados da Justiça Eleitoral”. Porém, o cadastro
não estava apto a registrar as sanções pecuniárias de natureza administrativa, aplicadas
pela Justiça Eleitoral, que vinham se somando àquelas exigências. Para incorporar este
dado, impunha-se delimitar a extensão da expressão “Quitação Eleitoral”.
A prestação de contas de campanha não constava dentre os requisitos que
compunham o conceito na minuta da Resolução nº 21.823/04. Ela foi incluída por
sugestão do Ministro Fernando Neves, acatada por unanimidade pela Corte, que a
propôs baseado na previsão contida no art. 28 da Lei nº 9.504/97, segundo a qual os
candidatos devem fazer tal prestação.9 Ele também citou o tema que suscitou tanta
discussão nos anos seguintes:

se é certo que a rejeição das contas não implica sanção imediata, podendo, apenas, servir
de fundamento para ações subsequentes, penso que não é menos certo que o candidato que
não apresentar contas estará em mora e, consequentemente, não poderá obter certidão de
quitação eleitoral no período do mandato para o qual concorreu (BRASIL. TSE. 2004, p. 7).

Por conta dessa novidade, a Resolução nº 21.833/04 acresceu o parágrafo único


ao art. 57, da Resolução nº 21.609/04: “a não apresentação de contas de campanha impede a
obtenção de certidão de quitação eleitoral no curso do mandato ao qual o interessado
concorreu” (grifo dos autores).
Todavia, a medida suscitou duas questões que, de um modo ou de outro,
repetiram-se nos anos subsequentes. A primeira, de ordem legal, girava em torno de
não ser claro se a prestação: a) era exigida em relação a pleitos pregressos (naquele
período, de 2002 para trás), portanto abarcava os que desejavam ser candidato naquele

9
O art. 28 da Lei nº 9.504/97, caput, incisos I e II diz: “a prestação de contas será feita: I, no caso dos candidatos
às eleições majoritárias, na forma disciplinada pela Justiça Eleitoral; II, no caso dos candidatos às eleições
proporcionais, de acordo com os modelos constantes no anexo desta lei”.

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A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
281

ano (2004); ou b) seria requisitada a partir das próximas eleições (no caso, 2006 em
diante). A segunda, de ordem operacional, era a seguinte: na hipótese de a ausência de
prestação de contas impossibilitar ser candidato em 2004, como aferir esse dado, se até
então ele não era exigido e o cadastro eleitoral não o registrava, razão porque, à época,
centenas de certidões já haviam sido emitidas?
De fato, a resposta oferecida pelo TSE procurou solucionar esta segunda pergunta,
que era um desafio mais imediato. Foi aprovada uma nova Resolução, a 21.848/04,
por meio da qual o órgão esclareceu: “a falta de apresentação de contas de campanha
pelo candidato impedirá a obtenção de Certidão de Quitação Eleitoral, com relação
às omissões verificadas a partir das eleições de 2004 (...)”. Paralelamente, a Justiça
Eleitoral providenciaria a adoção dos mecanismos para incluir as informações relativas
à prestação de contas no cadastro eleitoral, de modo a implantar a exigência a partir do
próximo pleito, ou seja, as eleições de 2006.
Quando estas se aproximavam, a Resolução 22.250/06 repetiu ipsis litteris, o art. 42,
§1º, da Resolução nº 21.833/04, tão somente com o acréscimo do §2º: “a partir do dia
imediato ao término do prazo para apresentação das contas, proceder-se-á, no cadastro
eleitoral, ao registro relativo à apresentação ou não, da prestação de contas, com base
nas informações inseridas no SPCE”,10 ou seja, informa que a Justiça Eleitoral já estava
capacitada a implementar a medida. Nessa perspectiva, a Resolução 22.156/06, art. 26,
dispensa o candidato de apresentar a Certidão de Quitação Eleitoral, pois ela seria
aferida pela própria Justiça Eleitoral.
Com vistas ao pleito de 2008, a Resolução nº 22.715/08, em seu art. 27, §5º, repetiu
a exigência da apresentação de contas nos termos fixados pelas que a antecederam.
Contudo, também se preocupou em tornar mais preciso o conceito de “não prestação”.
Ele não correspondia à simples ausência da entrega dos dados, e sim era o produto de
uma decisão da Justiça Eleitoral.11 E, para formar tal juízo, ela devia cumprir alguns
procedimentos, conforme a Resolução nº 22.715/08, art. 27, §4º: a) constatar os candidatos
e os comitês financeiros que não haviam apresentado as contas no prazo previsto pela
lei; b) notificá-los para que, no máximo em 72h, cumprissem essa obrigação, sob pena de
aplicação do disposto no art. 347 do Código Eleitoral12 e de serem as contas julgadas não
prestadas;13 c) verificar que, passado este prazo, elas ainda não haviam sido entregues.

10
Por esta razão, a prestação fora do prazo legal não sustava a impossibilidade de obter a Certidão de Quitação
Eleitoral pelo curso do mandato pretendido. O caso de maior repercussão foi a impugnação da candidatura
a presidente de Rui Pimenta (PCO) porque apresentou as contas da campanha de 2002 somente ao solicitar o
registro em 2006 (TERRA, 14 set. 2006).
11
A medida foi incorporada, pela Lei nº 12.034/09, ao art. 30, IV da Lei 9.504/97. Porém, implicou alterar o caput
do art. 30 que afirmava, na versão original: “examinando a prestação de contas e conhecendo-a, a Justiça
Eleitoral decidirá sobre a sua regularidade”. Como a “não apresentação” era, agora, uma decisão, ele passou a
dizer: “a Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas de campanha, decidindo:”, seguindo-se as quatro
possibilidades.
12
Detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dias-multas para quem “recusar (...) cumprimento ou
obediência a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução”.
13
Esses procedimentos têm merecido cada vez mais detalhamento. A Resolução nº 23.217/10, art. 26, §4º, incluiu
os partidos entre aqueles a serem notificados da ausência e fixou um prazo máximo de dez dias para que ela
ocorra, quando então passaria a contar o prazo de 72h. A Resolução nº 23.376/12, art. 38, §4º, reduziu este
período para cinco dias, o que foi seguido pela nº 23.406/14, art. 38, §3º. Já a Resolução nº 23.463/15 destaca:
“Art. 45 (...)
§4º Findos os prazos fixados neste artigo sem que as contas tenham sido prestadas, observar-se-ão os seguintes
procedimentos:

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282 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Conforme o art. 40, IV da mesma Resolução, somente após caberia determinar que
houvera a não prestação. Em função dessa inovação, a Resolução 22.715/08 repetiu:
“art. 42. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas implicará: I – ao
candidato, o impedimento de obter a Certidão de Quitação Eleitoral durante o curso
do mandato ao qual concorreu”.
A redação final da mesma Resolução – com acréscimo promovido pela Resolução
22.948/08 – também trazia uma novidade na modulação dos efeitos: contas não prestadas
impossibilitam a obtenção da Certidão de Quitação Eleitoral não somente pelo período
do mandato pretendido – como era determinado desde 2004 –, mas, passado esse prazo,
até que sejam apresentadas. Isto é, a punição não mais prescrevia.
Por consenso ou por ausência de atenção, até aquele momento a Corte nunca havia
discutido o fato de a punição ser pelo tempo do mandato a que o candidato concorreu.
A medida havia sido citada pelo Ministro Fernando Neves ao reivindicar a prestação
de contas como um dos requisitos da Quitação Eleitoral, todavia, a Resolução 21.823/04,
resultado da decisão, é omissa em relação a esta modulação, que aparece somente na
21.833/04, é repetida na 22.250/06 e na redação original da 22.715/08.
A mudança foi proposta pelo Ministro Joaquim Barbosa, sob o argumento que
a questão não devia ser examinada apenas à luz da Lei 9.504/97, mas também da
Constituição:

É que, por serem utilizados recursos do Fundo Partidário na campanha eleitoral, incidem
automaticamente sobre essa temática os comandos taxativos do parágrafo único do art. 70
da Constituição Federal, que estabelece: “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens
e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma
obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)”. Estamos, pois, diante do princípio constitucional da obrigatoriedade da prestação
de contas, uma das facetas da chamada “Accountability”, norma de enorme significado no
direito comparado e largamente observada nas grandes democracias modernas (BRASIL.
TSE. 2008. p. 25-26).

Ao concordar com o Ministro, o TSE emitiu a Resolução nº 22.948/08 com o


acréscimo da frase: “e, ultrapassado este prazo, até que sejam prestadas as contas” ao
art. 27, §5º, e ao art. 42, I, da Resolução nº 22.715/08.
Na regulamentação das eleições de 2008, o TSE produziu outra inovação na
temática em estudo: não bastava a prestação das contas de campanha para a obtenção
da Certidão de Quitação Eleitoral, era preciso que elas fossem aprovadas pela Justiça

I
– o chefe do Cartório Eleitoral ou a unidade técnica responsável pelo exame das contas, conforme o caso, informará
o fato, no prazo máximo de três dias:
a) ao presidente do Tribunal ou ao relator, caso designado; ou
b) ao Juiz Eleitoral;
II – a autoridade judicial determinará a autuação da informação na classe processual de prestação de contas,
caso ainda não tenha havido a autuação (...);
IV – o omisso será notificado para, querendo, manifestar-se no prazo de setenta e duas horas;
V – o Ministério Público Eleitoral terá vista dos autos da prestação de contas, devendo emitir parecer no prazo
de quarenta e oito horas;
VI – permanecendo a omissão, as contas serão julgadas como não prestadas (Lei nº 9.504/1997, art. 30, inciso IV).
§ 5º A notificação de que trata o inciso IV deve ser pessoal (...)”.

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A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
283

Eleitoral. Logo, independentemente do processo que poderia ser instaurado pelo


Ministério Público Eleitoral para apurar criminalmente a fraude nos gastos de campanha
(Lei nº 9.504/97, art. 22, §4º), conforme a Lei nº 9.504/97, art. 41: “§3º (...) a decisão que
desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a Certidão de Quitação
Eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu” (grifo dos autores).
Havia duas justificativas básicas a sustentar o novo posicionamento do TSE.
A primeira, que a apresentação das contas sem a devida aprovação tornava a exigência
sem efeito e incompleta, pois não havia sentido equiparar os que arrecadaram e
utilizaram corretamente os recursos e aqueles que não o fizeram. A segunda, menos
axiológica e mais hermenêutica, que a expressão “regular apresentação de contas de
campanha” presente na Resolução nº 21.823/04 englobava a aprovação, pois só assim era
possível garantir que a prestação apresentasse “regularidade”. Como comenta Pimenta
Júnior (2010, p. 58): “se as contas estão desaprovadas, é porque estão irregulares, e,
com isso, deixam de preencher as condições para fazer jus à Quitação Eleitoral, que
pressupõe a regularidade na prestação de contas”.
A determinação pôs em destaque o fato de que os textos legais em que estava
baseada não citam, em nenhum momento, a necessidade da aprovação das contas, sequer
determinam que estas sejam prestadas para obter a Quitação Eleitoral. Ela existia apenas
nas Resoluções do TSE, sendo, portanto, interpretação que a Justiça Eleitoral fazia da
legislação. Há um diálogo travado pelos ministros que é eloquente sobre a inovação
realizada pelo TSE e a surpresa de alguns membros da Corte, quando a constataram:

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO – (...) O parágrafo terceiro do artigo 41 da


Resolução que aprovamos diz:
Art. 41 (...) Sem prejuízo do disposto no parágrafo 10 a decisão que desaprovar as contas
implicará o impedimento de obter a Certidão de Quitação Eleitoral durante o curso do
mandato ao qual concorreu.
Essa parte é que me deixa preocupado.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (presidente): Na Lei 9.504/97?
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Não, na resolução.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (presidente): Mas a Resolução reproduz
a Lei.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Qual artigo?
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (presidente): Artigo 28.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Mas só fala na obrigatoriedade. Não traz
essa penalidade.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Não traz essa limitação?
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Não.
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: A limitação foi criada pela Resolução.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Este é o problema (BRASIL. TSE. 2008,
p. 38-39).

Ainda, um terceiro aspecto, este de ordem prática, foi apresentado pela Correge­
doria Eleitoral de Goiás e fez com que o TSE se defrontasse com a impossibilidade de
incluir no cadastro eleitoral a rejeição das contas de pleitos passados, visto que, até então,
ela não era requisito à emissão da Certidão de Quitação Eleitoral. Enfim, repetiam-se

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284 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

os problemas relativos à operacionalização registrados em 2004, quando da inclusão


da prestação de contas para a mesma finalidade.
O TSE se rendeu à impossibilidade de adotar a decisão e definiu, via Resolução
22.948/08, que ela produziria efeitos a partir do próximo pleito – o de 2010, portanto.14

A restrição à obtenção de Quitação Eleitoral em decorrência de prestação de contas após


o prazo definido nas instruções pertinentes à arrecadação e à aplicação de recursos por
candidatos e comitês financeiros e à prestação de contas nas eleições municipais de 2008,
bem como na hipótese de desaprovação das contas, somente alcançará situações verificadas
a partir do referido pleito, não atingindo eleições anteriores.

Nesse interregno, o cadastro eleitoral passaria a incluir a informação necessária


para viabilizar a exigência da aprovação das contas. Porém, esta não foi a motivação
oficial para a decisão, e sim o respeito ao princípio da irretroatividade da norma.15
No que tange à punição para a prestação fora do prazo legal, ela não só já existia
como vinha sendo aplicada, como comprova o caso de Rui Pimenta. O texto se tornou
mais claro a partir da Resolução nº 23.217/10, cujo art. 39, parágrafo único, diz: “julgadas
não prestadas, mas posteriormente apresentadas (...), as contas não serão objeto de
novo julgamento, sendo considerada a sua apresentação apenas para fins de divulgação
e de regularização no Cadastro Eleitoral ao término da legislatura”. A Resolução
nº 23.406/14, art. 54, acresceu:

§2º (...) as contas apresentadas [extemporaneamente] serão submetidas a exame técnico tão
somente para verificação de eventual existência de recursos de fontes vedadas, de origem
não identificada e da ausência de comprovação ou irregularidade na aplicação de recursos
oriundos do Fundo Partidário, com posterior encaminhamento ao Ministério Público.

4.4 A consagração em lei e a retomada da polêmica


No ano seguinte, o tema em estudo entrou na pauta de mudanças da legislação
eleitoral, o que redundou no acréscimo do §7º ao art. 11 da Lei nº 9.504/97, realizada
pela Lei nº 12.034/09:

A Certidão de Quitação Eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos


políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral
para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter
definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha
eleitoral (BRASIL. Lei nº 12.034/09) (grifo dos autores).

A principal inovação está no fato de o conceito de Certidão de Quitação Eleitoral


ser fixado em lei e não mais por meio de resoluções do TSE, como vinha acontecendo

14
A ressalvar que, apesar de a decisão ter sido tomada por unanimidade, a discussão perdurou de 24 de abril a 30
de setembro de 2008 e que, em três de setembro de 2008, ao apreciar o REspe 29.020, relativo ao indeferimento
de uma candidatura a vereador, o TSE já havia chegado a uma decisão idêntica (BRASIL. TSE, jul.-set. 2008,
p. 303-310).
15
Posteriormente, em 2012, ao decidir pela aplicação imediata da exigência da aprovação das contas de pleitos
precedentes, este princípio não foi considerado pelo TSE.

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A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
285

desde 2004. A exemplo de outras medidas, o entendimento da Justiça Eleitoral, ao


expedir instruções, antecipou o texto legal, serviu-lhe de inspiração e foi, em grande
medida, equivalente a legislar.
Porém, o Congresso Nacional demonstrou contrariedade com a interpretação
adotada pelo TSE a partir de 2008, razão pela qual procurou restringir a exigência à
apresentação das contas, de modo a retornar ao patamar que a Justiça Eleitoral havia
estabelecido em 2004. E teve o cuidado de não utilizar nesta passagem o termo “regular”,
existente na Resolução nº 21.823/04 e que dera margem, quando da elaboração da
Resolução 22.715/08, à interpretação de que a prestação de contas deveria ser não só
apresentada como também ser aprovada.
Aliás, havia contrariedade com a intervenção do judiciário na interpretação das
regras eleitorais, o que foi destacado como um mal a ser evitado ou um indicativo da
importância de o parlamento legislar sobre a matéria, de forma que o papel não fosse
desempenhado pelo TSE. O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), relator do Projeto de
lei (PL) nº 5.498/09 que se tornou a Lei nº 12.034/09, destacou na apresentação do seu
parecer:

quais são as principais características desse projeto? Em primeiro lugar, detalhar as regras
do processo eleitoral, as regras do jogo. Isso não é algo de menor importância, insignificante,
desprezível. Ao contrário, detalhar as regras do jogo, fazer esse detalhamento diz respeito
ao exercício de uma prerrogativa fundamental nossa, somente nossa, de estabelecer as
regras que presidirão as eleições, com um efeito muito importante: a diminuição da
judicialização da política. Detalhar significa diminuir a margem interpretativa, diminuir
as arbitrariedades, diminuir a subjetividade de cada juiz que trabalha com a matéria
eleitoral no nosso País (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. 08 jul. 2009, p. 34.059).

Por isso, a reforma eleitoral de 2009 também se preocupou em limitar o poder


regulamentar do TSE, ao acrescer, ao art. 105 da Lei nº 9.504/97, as partes grifadas:

Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter
regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei,
poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previa­
mente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos (grifo
dos autores).16

Ao incluir na lei a necessidade de tão somente prestar contas, é evidente que os


congressistas agiram com vistas a impedir que a exigência da aprovação fosse aplicada a
partir de 2010, pois sabiam que, se nada fosse feito em contrário, prevaleceria a decisão
do TSE. A ação interessada também pode ser verificada quando o texto legal associa
“exclusivamente” e “prestação de contas”, de modo a impedir que novos requisitos
fossem introduzidos via Resoluções. Assim, para Cerqueira e Cerqueira (2010, p. 92), a
Lei nº 12.034/09 “fez previsão taxativa do rol da Quitação Eleitoral, doravante, o TSE não
pode mais criar modalidades de Quitação Eleitoral não previstas pelo Poder Legislativo”.

16
A substituição do termo “expedirá”, constante na forma original, por “poderá expedir”, visava a eliminar a
obrigatoriedade da emissão das Resoluções.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
286 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

O interesse também pode ser atestado pelo alto grau de consenso que ela alcançou:
a redação aprovada constava na versão original e recebeu poucas emendas (BRASIL.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. 2009). Cabe lembrar que o PL nº 5.498/09 tocava em
questões-chave para todos os parlamentares, motivo porque, apesar de chancelado pelos
líderes de 13 partidos e de conter uma série de acordos, ele mereceu muitas emendas,
implicou ajustes e novas negociações até conseguir os votos para ser aprovado. Tal não
se mostrou necessário na questão em apreço.
O PL recebeu 136 emendas na Câmara dos Deputados, mas somente três abor­
daram a prestação de contas. A nº 92, de autoria de Leonardo Villela (PSDB-GO), pro­
punha a supressão da “inexistência de multas” e da “prestação de contas” dentre os
elementos exigidos para a Quitação Eleitoral, pois implicavam “ampliação indevida” do
conceito. As outras duas – nº 105, de Odair Cunha (PT-MG) e nº 120, de Vital do Rego
Filho (PMDB-PB) – buscavam incluir a necessidade de aprovação das contas. Todas
foram rejeitadas pelo relator Dep. Flávio Dino (PCdoB-MA) (BRASIL. CÂMARA DOS
DEPUTADOS. 09 jul. 2009, p. 34.526; 34.541-34.542; 34.567). Ao tramitar no Senado, como
PLC nº 141/09, houve apenas uma emenda relativa ao tema, de autoria de Álvaro Dias
(PSDB-PR), que fixava a obrigatoriedade da aprovação das contas. Ela também não foi
acatada (BRASIL. SENADO FEDERAL, 2009a; 2009b; 2009c).
A primeira Resolução do TSE a abordar o tema após a promulgação da Lei
nº 12.034/09, a de nº 23.217/10, seguiu o texto legal e consagrou, no art. 26, §5º: “a não
apresentação de contas impede a obtenção de Certidão de Quitação Eleitoral no curso do
mandato ao qual o interessado concorreu”, e reafirmou:

Art. 41 – a decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarretará:
I – ao candidato, o impedimento de obter a Certidão de Quitação Eleitoral durante o curso
do mandato ao qual concorreu, persistindo os efeitos da restrição até a efetiva apresentação
das contas (grifo dos autores).17

Ao determinar a necessidade de prestação das contas eleitorais, o texto legal


aprovado em 2009 não vedava expressamente a exigência da aprovação, ele simples­
mente não fazia referência à questão. Como não trazia essa informação, ele mantinha
a dúvida, apesar de incisivas interpretações em contrário, como a de Cerqueira e
Cerqueira (2010, p. 92).
Assim, a Resolução nº 23.221/10 determina, no art. 26, §4º: “a Quitação Eleitoral
(...) abrangerá exclusivamente (...) a apresentação regular de contas de campanha eleitoral
(grifo dos autores).18 Por um lado, ela repetiu os termos da Lei nº 12.034/09, vinculou
“exclu­si­vamente” a “apresentação de contas de campanha eleitoral” e respeitou o texto
legal. Por outro, retomou a expressão “apresentação regular de contas de campanha
eleitoral”, que constava na primeira Resolução relativa ao tema (nº 21.823/04) e,
como tal, inspirou a interpretação que exigia a aprovação, formalizada na Resolução
nº 22.715/08. Entretanto, a associação entre “regular” e “apresentação” não existe na lei,

17
É o mesmo texto-base utilizado desde a primeira Resolução sobre o tema, a de nº 21.833/04, com o acréscimo
introduzido pela Resolução nº 22.948/08 que tornava imprescritível a não prestação.
18
A partir da promulgação de Lei nº 12.034/09 as Resoluções do TSE relativas à escolha e ao registro dos candidatos
passaram a incorporar um parágrafo em que repetem a definição de Quitação Eleitoral fixada em lei. Contudo,
nem sempre se trata de repetição literal.

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ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO, CAROLINE BIANCA GRAEFF
A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
287

ela foi formulada pelo TSE ao redigir esta Resolução. É fato que o termo não está ausente
da norma, mas ele surge somente no art. 30, I, quando esta trata da decisão acerca das
contas prestadas, que são consideradas aprovadas, “quando estiverem regulares”. Ao
investir nessa ambiguidade, a Resolução nº 23.221/10 cimentou o caminho para modificar
a interpretação da lei e exigir que as contas fossem aprovadas.
Em maio de 2010, por meio Processo Administrativo 59459-DF, de iniciativa
da Corregedoria-Geral Eleitoral, o TSE se defrontou com a situação dos candidatos
cuja prestação de contas do pleito de 2008 havia sido rejeitada. Conforme a Resolução
vigente à época (nº 22.715/08), eles figuravam no cadastro eleitoral como impedidos de
receber a Certidão de Quitação Eleitoral e, consequentemente, de concorrer em 2010.
Contudo, a Lei nº 12.034, vigente desde setembro de 2009, definiu que, ressalvado os
demais requisitos exigidos, quem a havia entregado no prazo legal estava em condições
de receber a Certidão. Na prática, como a lei não explicitava a anistia das penalidades
até então aplicadas, o que estava em discussão era se o entendimento fixado por ela
retroagia ou se prevalecia a norma em vigor naquela oportunidade e as punições dela
decorrentes.
A decisão do TSE foi tomada em três de agosto de 2010, em uma votação apertada
(4 a 3). A Corte não se restringiu a apreciar a situação narrada acima, e sim se debruçou
sobre o novo teor do §7º do art. 11 da Lei nº 9.504/97 e entendeu existir margem para
interpretar que as contas de campanha deviam ser aprovadas para a obtenção da
Quitação Eleitoral. Em outros termos, o TSE reafirmou a determinação contida na
Resolução nº 22.715/08 e manteve a impossibilidade de os candidatos cuja prestação de
2008 fora rejeitada alcançarem a condição necessária para concorrer em 2010.
Assim como em 2008, o principal argumento a sustentar esta posição indicava que
a norma legal não podia ser interpretada literalmente, pois, nesse caso, era inegável a
exigência da mera prestação de contas. Ela devia ser analisada em razão de sua finalidade
maior, que era a de garantir a regularidade da arrecadação e dos gastos de recursos nas
campanhas. Em decorrência, era preciso uma interpretação extensiva e teleológica do
texto, a qual revelava como mens legis a necessidade da aprovação das contas prestadas
(BRASIL. TSE. 2010a). A posição contrária afirmava que, no caso em questão, não cabia
a interpretação extensiva, pois o texto era claro e, consequentemente, qualquer avanço
para construir outro sentido era indevido e implicava legislar em lugar do parlamento.
Contudo, o REspe 442.363/10 fez com que, em setembro de 2010, o Tribunal deba­
tesse novamente o assunto, agora em sede judicial, ao se defrontar com um caso concreto
decorrente da decisão tomada. Ao longo dessa discussão foi apresentado um argumento
novo: o Ministro-relator Arnaldo Versiani interpretou que o adjetivo “regular” associado
à “apresentação”, presente na Resolução nº 23.221/10, não evocava a necessidade de
as contas serem aprovadas para configurar a Quitação Eleitoral, e sim que a prestação
devia conter todos os elementos necessários ao seu exame (BRASIL. TSE. 2010b). Nessa
perspectiva, as contas não podem ser consideradas prestadas simplesmente pelo fato
de terem sido protocoladas na Justiça Eleitoral, no prazo estabelecido pela legislação.
Para que possam ser assim consideradas, candidato, comitê financeiro ou partido têm
de cumprir determinados procedimentos e anexar uma série de documentos. E, como
estabelecido pela Lei nº 12.034/09, o processo só se completa quando a Justiça Eleitoral
assim se manifesta, ou seja, diz que as contas apresentadas podem ser apreciadas. Agra
(2010, p. 18) concorda com o ponto destacado pelo Ministro Versiani, ou seja, que o

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
288 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

termo “regularidade” evoca a correção da prestação do ponto de vista formal, mas


não a contempla do ponto de vista material. É por essa razão que, na perspectiva dele,
somente o protocolo das contas de campanha, sem a verificação formal dos documentos
apresentados, não se mostra o mais adequado, visto que o principal objetivo da análise
é verificar a moralidade na obtenção e na destinação dos recursos de campanha.
O Ministro Versiani sustentou seu entendimento com a referência a um artigo
de outra Resolução recente do TSE (a 23.217/10):

Art. 26 (...)
§6º Também consideram-se não apresentadas as contas quando a respectiva prestação
estiver desacompanhada de documentos que possibilitem a análise dos recursos arreca­
dados e dos gastos de campanha e cuja falta não seja suprida após o prazo de 72 horas,
contado da intimação do responsável.

Este texto é a explicitação de um entendimento que podia ser reconhecido há


alguns anos na legislação e nas Resoluções. A Lei nº 9.100/95 dizia: “art. 45. Examinando
a prestação de contas, a Justiça Eleitoral, conhecendo-as, decidirá sobre a sua regularidade”
(grifo dos autores). Esta determinação, com alterações de ordenação dos termos,
constava da redação original do art. 30 da Lei nº 9.504/97. As Resoluções relativas às
eleições traziam esses elementos desde 1998 (BRASIL. TSE. Resolução nº 20.102/98,
art. 16, 23, 24; nº 20.566/00, art. 18; nº 21.118/02, art. 3), mas foi a partir da nº 21.609/04
que o texto deixou mais evidente a dissociação entre a simples “entrega” de documentos
e a “prestação” de contas:

Art. 46. Apresentada a prestação de contas, se o número de controle gerado pelo sistema
no disquete for idêntico ao existente nas peças por este impressas, o cartório emitirá o
correspondente recibo de recebimento da prestação de contas.
Parágrafo único. Se houver divergência entre o número de controle constante das peças
impressas e o constante do disquete; inconsistência, ausência de dados ou falha de leitura
do disquete; ausência do número de controle nas peças impressas; ou, ainda, qualquer
outra falha que impeça a recepção das contas na base de dados da Justiça Eleitoral, essas
deverão ser reapresentadas na forma descrita no artigo anterior.

Idêntica perspectiva figura na Resolução nº 22.160/06, ao dizer, no art. 31, §1º:


“não serão consideradas recebidas na base de dados da Justiça Eleitoral as prestações
de contas que apresentarem”, e repetir os elementos constantes no parág. único do
art. 46 da Resolução anterior. O §2º avisa que, se ocorrer quaisquer dessas hipóteses,
“o SPCE emitirá aviso de impossibilidade técnica de análise da prestação de contas, a
qual deverá ser reapresentada”.
As Resoluções nºs 22.250/06 (art. 33), 22.715/08 (art. 34) e 23.217/10 (art. 33)
preservaram os ditames narrados acima e a nº 23.376/12 trouxe mais detalhamento
advertindo que as contas serão consideradas como não prestadas quando:

Art. 51 (...)
IV (...)
a) não apresentados, tempestivamente, as peças e documentos de que trata o art. 40 desta
Resolução;

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ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO, CAROLINE BIANCA GRAEFF
A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
289

b) não reapresentadas as peças que as compõem, nos termos previstos no §2º do art. 45
e no art. 47 desta Resolução;
c) apresentadas desacompanhadas de documentos que possibilitem a análise dos recursos
arrecadados e dos gastos realizados na campanha.
§1º Também serão consideradas não prestadas as contas quando elas estiverem
desacompanhadas de documentos que possibilitem a análise dos recursos arrecadados
e dos gastos de campanha e cuja falta não seja suprida no prazo de 72 horas, contado da
intimação do responsável.

Ao apreciar o caso trazido pelo REspe 442.363/10, o TSE modificou outra vez
o seu entendimento, sendo que, novamente, a questão foi decidida por 4 votos a 3.
Desse modo, estabeleceu que, para as eleições de 2010, não seria exigido que as contas
estivessem aprovadas. A decisão não produziu nenhuma normativa específica, tendo
continuado vigente a necessidade da “apresentação regular de contas de campanha
eleitoral”, constante na Resolução nº 23.221/10, agora (ou novamente) compreendida
como ausência da obrigatoriedade de aprovação.
Nessa perspectiva, a Resolução nº 23.373/11 trazia esta determinação no art. 27,
§3º, em texto idêntico ao da nº 23.221/10, apenas com a supressão do termo “regular”,
detalhe não desprezível, tendo em vista as divergentes decisões do TSE do ano anterior.
Todavia, ao contrário do que se possa imaginar, a questão não estava pacificada.
O TSE pôs o assunto em pauta ao discutir as regras para o pleito de 2012, decidindo,
novamente por 4 a 3, que não bastava a apresentação das contas de campanha para
liberação da Certidão de Quitação Eleitoral, sendo necessária que esta fosse aprovada.
Logo, a Resolução nº 23.376/12, art. 52, §2º, fixa: “(...), a decisão que desaprovar as contas
de candidato implicará o impedimento de obter a Certidão de Quitação Eleitoral” (grifo
dos autores).
Conhecedor do histórico das decisões, o TSE atentou para detalhes que, por
não terem sido considerados em 2004 e em 2008, inviabilizaram que a medida fosse
implantada imediatamente naquelas oportunidades. Desse modo, desconsiderou o
princípio da irretroatividade e definiu que a exigência teria efeito imediato, de modo
a excluir da condição de terem a Certidão de Quitação Eleitoral todos os candidatos
cujas contas de campanhas precedentes haviam sido rejeitadas. Com a mesma atenção,
preferiu não incluir a modulação dos efeitos dessa desaprovação.
Com este entendimento o TSE pôs por terra ponderação como a de Silva (2012),
segundo o qual, como a Resolução disciplina a eleição de 2012, as contas desaprovadas
a que faz referência são as relativas a este pleito, o que é corroborado pelo tempo verbal
adotado: “a decisão que desaprovar” “implicará”, ou seja, produzirá efeitos no futuro.
Para o autor,

se a intenção do TSE era de atingir fatos pretéritos, deveria ter incluído no texto comando
expresso neste sentido, utilizando os tempos verbais mais adequados como “os candidatos
que tiveram (passado) contas de quaisquer campanhas desaprovadas pela Justiça Eleitoral
estão (presente) impedidos de obter a Quitação Eleitoral” (SILVA, 2012, p. 4).

Como seria de se esperar, os políticos não concordaram com a decisão do TSE.


Seguindo os critérios propostos por Ferraz Júnior (2008), pode-se dizer que eles reagiram
de duas formas: (1) por meio da estratégia refratária, com a apresentação de PL para

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290 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

reverter as bases jurídicas da decisão; e (2) da estratégia judicial reformadora, realizada


via encaminhamento de um Pedido de Reconsideração. Elas não são contraditórias entre
si, e sim formam frentes de ação com vistas a alcançar o mesmo objetivo: modificar a
decisão.
No caso da estratégia refratária, o deputado Roberto Balestra (PP-GO) apresentou,
em maio de 2012, o PL 3.839, que propunha a seguinte redação da Lei 9.504/97 sobre
o tema:

Art. 11 (...)
§8º Para fins de expedição da Certidão de que trata o §7º, considerar-se-ão quites aqueles
que:
III – apresentarem à Justiça Eleitoral a prestação de contas de campanha eleitoral nos termos
desta Lei, ainda que as contas sejam desaprovadas. (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS.
2012a) (grifo dos autores).

Na justificativa, o autor do PL explica que quer esclarecer definitivamente que


basta a apresentação de contas de campanha para obter a Certidão de Quitação Elei­toral
e, assim, pretende eliminar as possibilidades de interpretações divergentes da Justiça
Eleitoral. Lembra que o Congresso já havia definido com exatidão a questão, quando
aprovou a Lei nº 12.034/09, que esta concordava com a jurisprudência que o TSE esta­
belecera em 2004 e vigorara até que uma nova e, segundo ele, equivocada interpre­tação
tivesse sido apresentada pela Corte, em 2008. Apesar disso, em 2012, o TSE voltou a
insistir que a apresentação não era suficiente e fixou a obrigatoriedade da aprovação das
contas. Em razão disso, propunha um texto legal que tornava ainda mais explícito o que
a norma de 2009 já estabelecia (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. 2012a, p. 2-3).
O PL nº 3.839/12 tramitou em regime de urgência, definido a partir de requeri­
mento assinado por líderes de uma dezena de partidos, entre eles os então três maiores
da casa (PT, PMDB e PSDB); não recebeu nenhuma emenda e foi aprovado pela Câmara
dos Deputados, em votação simbólica, no dia 22 de maio, ou seja, após uma tramitação
recorde de 13 dias.
Encaminhado ao Senado, onde foi identificado como PLC nº 37/12, está com a
tramitação interrompida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Muito
provavelmente, a revisão da decisão no TSE reduziu a celeridade do Poder Legislativo e
ele passou a tramitar no ritmo a que são submetidos a maior parte dos PLs, especialmente
aqueles cujo interesse e urgência inexiste ou deixou de existir. Foi produzido apenas
o relatório da CCJ, apresentado em março de 2013, ainda não apreciado na própria
comissão, no qual o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) se manifestou pela aprovação
“para evitar a repetição do equívoco no futuro [a decisão em contrário do TSE], para
conferir segurança jurídica às normas que balizam as eleições” (BRASIL. SENADO
FEDERAL. 2012).19

19
O PL do deputado Balestra não foi o único, e nem o primeiro, a ser apresentado após a decisão do TSE.
O deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) encaminhou, em 06 de março de 2012, o PL nº 3.356, que pretendia
consagrar a interpretação da Justiça Eleitoral, ao propor que a Certidão de Quitação Eleitoral abrangerá
exclusivamente “a apresentação e a aprovação de contas de campanha eleitoral”. A tramitação se encerrou na
CCJ, sem que um relatório tenha sido apresentado e ele foi arquivado (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS.
2012b).

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ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO, CAROLINE BIANCA GRAEFF
A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
291

A estratégia judicial reformadora se serviu de um Pedido de Reconsideração,


protocolado pelo PT poucos dias após a decisão do TSE e que, em abril, passou a
contar com o apoio de outras 13 legendas – juntas elas atingiam quase 80% da Câmara
dos Deputados (BRASIL. TSE. 2012). O Pedido argumenta: não foi dada aos partidos a
oportu­nidade de manifestação antes da edição da Resolução, conforme determina o art.
105 da Lei nº 9.504/97; a exigência da aprovação das contas restringe direitos políticos
dos candidatos e impede o pleno exercício da cidadania; o legislador deixou claro na
elaboração do dispositivo legal que bastava a prestação para emissão da Certidão de
Quitação Eleitoral, o que não permitia ao TSE dar outra interpretação e ir além das
hipóteses elencadas no §7º do art. 11 da Lei nº 9.504/97.
Na sessão plenária de 28 de junho de 2012, o TSE analisou o Pedido de Recon­
sideração, acabou por modificar o primeiro entendimento e a considerar que basta a
apresentação de contas para a Certidão de Quitação Eleitoral. Novamente, a votação foi
decidida por 4 votos a 3. Por consequência, a Resolução nº 23.382/12 suprimiu o §2º do
art. 52 e transformou o §1º em parágrafo único, e a referência ao tema que permaneceu é:

Art. 53. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarretará:
I – ao candidato, o impedimento de obter a Certidão de Quitação Eleitoral até o final da
legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação
das contas.

Esta foi a terceira eleição seguida em que o Tribunal afirmou a necessidade de


aprovação das contas e depois recuou. A novidade é que, dessa vez, a mudança não
ocorreu a partir de um Processo Administrativo ou de um Respe, e sim de um Pedido de
Reconsideração, no qual as interpretações do TSE e dos partidos estiveram diretamente
confrontadas. A decisão retirou a questão da pauta do TSE, de modo que as Resoluções
dos pleitos de 2014 e 2016 repetiram as anteriores.20
No entanto, a polêmica ainda não se encerrou. Em janeiro de 2013, o Ministério
Público Federal (MPF) ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº
4899 contra o §7º do art. 11 da Lei nº 9.504/97. O fundamento do pedido é idêntico ao
utilizado pelo TSE nas decisões já descritas:

a única exegese compatível com a Constituição Federal da expressão “apresentação das


contas” (...) [que integra o conceito de Quitação Eleitoral], é aquela que a entende em seu
sentido substancial, interpretando-a, portanto, como a apresentação totalmente regular da
prestação de contas de campanha (em tempo oportuno e sem que sejam detectadas falhas
que lhes comprometam a regularidade) (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,
2013, p. 3).

Os princípios constitucionais que, no entender do MPF, vem sendo desrespeitados


são: o dever de prestar contas (art. 17, III; art. 70, parágrafo único), a moralidade para o
exercício do mandato e o dever do Estado de proteger a normalidade e a legitimidade
das eleições contra o poder econômico (art. 14, §9º).

20
No caso, as resoluções nºs 23.405/14 (art. 27, § 6º), 23.406/14 (art. 58, I), 23.455/15 (art. 27, §2º) e 23.463/15
(art. 73, I).

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292 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

A ADI tem como relator o Ministro Luiz Fux, que não concedeu a medida cautelar
solicitada, de modo que os objetivos do MPF ainda não foram atendidos. Mas a questão
permanece em aberto, pois a ADI ainda não foi apreciada pelo pleno do STF. Quando o
for, há a possibilidade de o pedido ser acolhido pela Corte, o que implicará a reversão da
exigência em vigor de as contas serem tão somente prestadas para a emissão da Certidão
de Quitação Eleitoral e, a depender da decisão, a fixação da necessidade de aprovação.21
Na instrução do processo, ainda em 2013, manifestaram-se Congresso Nacional,
Consultoria-Geral da União e Advocacia-Geral da União (AGU), e todos discordaram da
pretensão do MPF. As alegações foram que o dispositivo legal era claro e que a pretensão
da ADI alargava demasiadamente o espectro de abrangência da norma; revelava mera
discordância com o teor da decisão tomada pelo legislativo e desconsiderava o fato que
este detém a competência constitucional para decidir sobre o assunto e não a utilizara em
contrariedade à Constituição (BRASIL. CONGRESSO NACIONAL, 2013. AGU, 2013).

4.5 Considerações finais


O artigo descreveu como a exigência da prestação de contas de campanha
elei­toral como requisito para a obtenção de Certidão de Quitação Eleitoral tem sido
regulamentada no ordenamento jurídico do país. O inventário demonstrou que ela foi
introduzida em 2004, porém, surgiu como uma decisão do TSE, formalizada por meio
de Resolução, e que assim permaneceu até 2009, quando foi incorporada ao diploma
legal. Ao mesmo tempo em que consagrou a inovação formulada pelo TSE em 2004, a
Lei nº 12.034/09 divergiu da obrigatoriedade da aprovação das contas que a Corte havia
estabelecido em 2008, ou seja, considerou demasiada esta exigência.
Esta é a clivagem principal do debate. A obrigatoriedade de as contas de cam­
panhas serem prestadas se tornou consenso, contudo, enquanto uma corrente a considera
requisito suficiente para a Quitação Eleitoral, outra deseja ir além e determinar que,
para o mesmo fim, elas devem ser aprovadas. A polêmica se intensificou após o advento
da Lei nº 12.034/09, pois, nas Resoluções relativas aos pleitos de 2010 e de 2012, o TSE
interpretou o texto legal no sentido da necessidade de aprovação, em sentido divergente
ao que expressava em uma leitura literal.
A ressalvar que sempre que a Justiça Eleitoral tomou esta decisão, ela não foi
apli­cada, de fato. Em 2008, quando a questão ainda não estava expressa em lei,
foi apro­vada de modo consensual e, do mesmo modo, a Corte definiu que seria exigida
a partir do pleito seguinte, tendo em vista o princípio da irretroatividade e as possi­bili­
dades operacionais do cadastro eleitoral. Isto acabou por não se efetivar, pois, nesse
interregno, foi promulgada a Lei nº 12.034/09. Em 2010, a interpretação extensiva da
lei foi aprovada em decisão administrativa e, em seguida, reformada em sede judicial,
pela prevalência da literalidade do texto. Dois anos depois, foi definida em Resolução
e modificada por um Pedido de Reconsideração apresentado pelos partidos.
Nessas quatro votações, a decisão se deu pelo placar mínimo possível no
âmbito do TSE (4 a 3), a indicar alto grau de divisão na Corte. Desde então a questão

21
Nessa hipótese, arrisca-se a dizer que muito provavelmente o PL nº 3.839/12, proposto pelo deputado Balestra,
e hoje em stand by no Senado Federal, entrará na pauta de deliberações do Congresso Nacional, de modo a
reverter legalmente a interpretação do STF.

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ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO, CAROLINE BIANCA GRAEFF
A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
293

está pacificada na Justiça Eleitoral e vem sendo aplicada em torno da necessidade tão
somente da apresentação das contas no prazo legal, embora ainda padeça de análise
pelo STF uma ADI que deseja que a lei seja interpretada no sentido da exigência da
aprovação das contas. Em outros termos: caso a decisão do STF atenda o pedido, a
polêmica pode ressurgir.
A título de sistematização desse manancial de decisões sobre o tema, o quadro
abaixo resume como a questão figurou nas Resoluções do TSE e na Lei nº 12.034/09,
desde o seu surgimento, em 2004, e até as mais recentes deliberações, relativas ao pleito
de 2016.

Quadro 1 – Normatização da prestação de contas de campanha eleitoral como requisito à


emissão de Certidão de Quitação Eleitoral (2004-2016)

Tema Texto Norma Artigo


Conceito Quitação Eleitoral reúne (...) regular prestação de contas de campanha 21.823/04 -
eleitoral, quando candidato.
a Certidão de Quitação Eleitoral abrangerá exclusivamente (...) a Lei 12.034/09 (a)
apresentação de contas de campanha eleitoral.
a Quitação Eleitoral (...) abrangerá exclusivamente (...) a apresentação de 23.373/11 27, §3º
contas de campanha eleitoral. 23.405/14 27, §6º
23.455/15 27, §2º
a Quitação Eleitoral (...) abrangerá exclusivamente (...) a apresentação 23.221/10 26, §4º
regular de contas de campanha eleitoral.
Modulação a não apresentação de contas de campanha impede a obtenção 21.833/04 (b)
1 de Certidão de Quitação Eleitoral no curso do mandato ao qual o 22.160/06 40, §1º
interessado concorreu.
22.250/06 42, §1º
23.217/10 26, §4º
a não apresentação de contas impede a obtenção de Certidão de 22.715/08 27, §5º
Quitação Eleitoral no curso do mandato ao qual o interessado concorreu,
[e, ultrapassado este prazo, até que sejam prestadas as contas(c)].
Modulação a decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas implicará: 22.715/08 42, I
2 I – ao candidato, o impedimento de obter a Certidão de Quitação
Eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, e, ultrapassado
este prazo, até a apresentação das contas.
a decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarretará: 23.217/10 41, I
I – ao candidato, o impedimento de obter a Certidão de Quitação
Eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, persistindo os
efeitos da restrição até a efetiva apresentação das contas.
a decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarretará: 23.376/12 53, I
I – ao candidato, o impedimento de obter a Certidão de Quitação 23.406/14 58, I
Eleitoral até o final da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após
23.463/15 73, I
esse período até a efetiva apresentação das contas.
Desaprovar a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o 22.715/08 41, §3º
impedimento de obter a Certidão de Quitação Eleitoral durante o curso
do mandato ao qual concorreu.
a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o 23.376/12(d) 52, §2º
impedimento de obter a Certidão de Quitação eleitoral.

(a) Inclui o §7º ao art. 11 da Lei nº 9.504/97; (b) Acrescenta o parágrafo único ao art. 57 da Resolução
nº 21.609/04; (c) Acrescido pela Resolução nº 22.948/08; (d) Excluída pela Resolução nº 23.383/12

Fonte: TSE

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
294 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

No que se refere ao conceito de Quitação Eleitoral, a diferença mais significativa


está nas Resoluções de 2004 e de 2010, que optam pelo adjetivo “regular”, o qual serviu
de mote para a defesa da exigência de aprovação das contas. O termo “exclusivamente”
vem sendo utilizado desde que figurou na Lei nº 12.034/09. As outras variações são
apenas de redação: (1) a Lei nº 12.034/09 fala em “Certidão de Quitação Eleitoral” e as
Resoluções omitem o substantivo “certidão”; (2) o verbo “reunir” (no presente do indi­
cativo) aparece na Resolução inicial e depois foi substituído por “abranger” (no futuro
do indicativo) e o mesmo ocorre com “prestação” e “apresentação”.
Para a modulação das punições decorrentes da não apresentação de contas, não
há mudanças de entendimento significativas. Em 2004-06, ela implica a impossibilidade
de obtenção da Certidão de Quitação Eleitoral pelo período de duração do mandato
pretendido. A partir de 2008 foi acrescido que a punição continuaria, para além desse
prazo, até que as contas fossem prestadas. As demais diferenças são meramente de
redação. Na modulação 1, a partir de 2008, foi suprimido “de campanha”. Na modulação
2: (a) uso do verbo implicar (2008) ou acarretar (desde 2010); (b) determinação que
o impedimento é “durante o curso do mandato ao qual concorreu” (2008-10) ou
“até o final da legislatura” (desde 2012);22 (c) estabelecimento da persistência dos
efeitos “ultrapassado este prazo, até a apresentação das contas” (2008); “até a efetiva
apresentação das contas” (2010) ou “após esse período até a efetiva apresentação das
contas” (desde 2012).
Por fim, as duas Resoluções que afirmam a necessidade de aprovação das contas
se distinguem tão somente porque a 22.715/08 afirma a modulação dos efeitos e a
23.376/12, em sua versão original, não traz esta previsão.

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Acesso em: 08 dez. 2017.

22
Aqui há uma diferença: “legislatura” implica quatro anos e é comum a todos os cargos; “mandato” envolve
punição mais longa para candidatos a senador, posto que dura oito anos.

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ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO, CAROLINE BIANCA GRAEFF
A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
295

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
296 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

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ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO, CAROLINE BIANCA GRAEFF
A PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAL COMO CONDIÇÃO DE “REGISTRABILIDADE”: A QUITAÇÃO ELEITORAL
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CAPÍTULO 5

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA


E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO
DE QUITAÇÃO ELEITORAL*

TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS

5.1 Introdução
O presente trabalho está diretamente vinculado e é desdobramento de nossa
pesquisa para realização de trabalho de conclusão de graduação realizada no ano de
2012, que foi posteriormente publicada na Revista Brasileira de Direito Eleitoral (RBDE)
sob o título “Apresentação x aprovação de contas de campanha – O Tribunal Superior
Eleitoral e uma análise principiológica da forma de obtenção da certidão de quitação
eleitoral”.1 Ali sustentamos que era necessária a aprovação das contas de campanha
para que fosse possível a posterior emissão da certidão de quitação eleitoral. Passados
cinco anos do trabalho inicial, duas pós-graduações (uma lato e outra stricto sensu), mais
reflexões e estudos acerca de Direito Eleitoral e Constitucional, temos que o trabalho
originário merece ser criticado e algumas ponderações sobre ele serão feitas aqui.2
Embora desde as eleições de 2012 o tema tenha encontrado horizontes mais
pacíficos tanto na jurisprudência quanto na doutrina, até ali as posições eram muito
divergentes e variáveis, levando considerável insegurança jurídica a todos os atores
das disputas eleitorais.

1*
Agradeço às ponderações e revisões de cunho técnico efetuadas pelos Especialistas em Direito Eleitoral
Marcos Marins Guimarães e Pedro Alves Lira Filho, ambos servidores da Justiça Eleitoral (em MG e no PI,
respectivamente). Agradeço também aos ensinamentos do Professor Doutor Rodolfo Viana Pereira, que me
instigaram a continuar refletindo a respeito do tema.
SOUSA
DE BARROS, Tarcísio Augusto. Apresentação x aprovação de contas de campanha: o Tribunal Superior
Eleitoral e uma análise principiológica da forma de obtenção da certidão de quitação eleitoral. Revista Brasileira
de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, p. 197-217, jan./jun. 2013.
2
Embora tenha enfrentado temas como a constitucionalidade do poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral
no primeiro artigo, não o faremos neste, cujo objetivo é versar única e exclusivamente da apresentação (ou não)
das contas de campanha para fins de obtenção da certidão de quitação eleitoral.

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300 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Até o ano de 2004, para a obtenção da certidão de quitação eleitoral apenas era
exigível a regular votação na eleição anterior ou o pagamento da multa pela ausência do
voto.3 Para as eleições de 2004, contudo, o TSE expediu a Resolução/TSE nº 21.609/2004,
segundo a qual “a não-apresentação de contas de campanha impede a obtenção de certidão
de quitação eleitoral no curso do mandato ao qual o interessado concorreu” (no art. 57,
parágrafo único); a partir de então, exigia-se a apresentação das contas de campanha.
Esse entendimento não foi alterado para as eleições de 2006, oportunidade em
que o TSE expediu a Resolução/TSE nº 22.250/2006, que estabelecia (art. 42, §1º) que
“a não-apresentação de contas de campanha impede a obtenção de certidão de quitação
eleitoral no curso do mandato ao qual o interessado concorreu”.
Entre 2004 e 2006, então, o Tribunal Superior Eleitoral apenas tratava sobre a
“não-apresentação”. Em 2008, contudo, o Min. Ari Pargendler militou pelo entendimento
da necessidade de aprovação das contas de campanha, e o TSE definiu, novamente por
resolução, que “a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedi­
mento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual
concorreu” (art. 41, §3º, Res. 22.715/2008). Mesmo com a previsão em Resolução para as
eleições de 2008, fundamentando na impossibilidade de retroatividade da norma jurídica
para eleições anteriores a 2008, o TSE proferiu entendimento – em decorrência do PA
nº 19.899 (Resolução nº 22.948), de relatoria do próprio Min. Ari Pargendler – segundo
o qual a mudança de orientação jurisprudencial (necessidade de aprovação) apenas
surtiria efeitos na obtenção da certidão de quitação eleitoral para as eleições seguintes,
de 2010 em diante.4
Antes do pleito de 2010, no entanto, a Lei nº 12.034/2009 incluiu no art. 11 da Lei
nº 9.504/1997 o seguinte:

§7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos


direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça
Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas,
em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de
campanha eleitoral.

A inclusão do §7º ao art. 11 da Lei nº 9.504/1997 suscitou exponencial aumento


na divergência de entendimentos para as eleições de 2010 e 2012, uma vez que, para
uns, o termo “apresentação” apenas significaria efetivamente a apresentação, mas para
outros esta “apresentação” significaria a própria aprovação das contas.
Tamanha foi a discussão no interior do próprio Tribunal Superior Eleitoral que
em Acórdão datado de 03.08.2010, por maioria, o Tribunal proferiu entendimento
segundo o qual para a obtenção da quitação eleitoral era necessária a aprovação das
contas de campanha.5 Menos de dois meses depois, com a composição de ministros
alterada e também por maioria, em Acórdão datado de 28.09.2010, o Tribunal proferiu
novo entendimento, agora no sentido de que apenas seria necessária a apresentação das

3
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Processo Administrativo nº 594-59.2010.6.00.0000. Disponível em: <http://
www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor>. Acesso em: 11 jul. 2012. p. 23.
4
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Processo Administrativo nº 594-59.2010.6.00.0000. Op. Cit. p. 6.
5
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Processo Administrativo nº 594-59.2010.6.00.0000. Op. Cit.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
301

contas de campanha para a obtenção da certidão mencionada;6 vejamos a ementa deste


segundo acórdão:

Registro. Quitação eleitoral. Desaprovação de contas de campanha.


1. A Lei nº 12.034/2009 trouxe novas regras no que tange à quitação eleitoral, alterando o
art. 11 da Lei nº 9.504/97, que, em seu §7º, passou a dispor expressamente quais obrigações
necessárias para a quitação eleitoral, entre elas exigindo tão somente a apresentação de
contas de campanha eleitoral.
2. A desaprovação das contas não acarreta a falta de quitação eleitoral.
3. Eventuais irregularidades na prestação de contas relativas a arrecadação ou gastos de
recursos de campanha podem fundamentar a representação objeto do art. 30-A da Lei
nº 9.504/97.
Recurso especial provido.
(Recurso Especial Eleitoral nº 4423-63.2010.6.21.0000)

Mesmo com toda a divergência citada, tanto em 2010, quanto em 2012, 2014 e
2016 o entendimento que prevaleceu foi o de necessidade de apenas apresentar as contas
de campanha para fins de obter certidão de quitação eleitoral. Ainda vige o §7º do
art. 11 da Lei nº 9.504/1997 tal qual incluído pela Lei nº 12.034/2009 e recentemente7 o
Tribunal Superior Eleitoral sumulou o entendimento: “Súmula nº 57/TSE: A apresentação
das contas de campanha é suficiente para a obtenção da quitação eleitoral, nos termos
da nova redação conferida ao art. 11, §7º, da Lei nº 9.504/97, pela Lei nº 12.034/2009”.8

5.2 Certidão de quitação eleitoral e cidadania (o direito de ser votado e


de exercer outros atos da vida civil)
O conceito de cidadania é amplo e comporta inúmeras interpretações. Em pre­
cisa crítica, no entanto, Mayara de Carvalho Araújo afirma que “no que pese o salto
democrático obtido com a Constituição Federal de 1988, a compreensão de cidadania
presente em nossa Lei Fundamental ficou aquém do desejado”.9 A autora afirma
que no Brasil o conceito de cidadania restou apenas bipartido, em uma perspectiva
reducionista, traduzida nos vieses ativo e passivo do exercício político, correspondentes
às possibilidades e votar e ser votado.10 Para a autora, “a cidadania compõe o núcleo
essencial dos direitos humanos, uma vez que consiste no direito de ter direitos e deveres
reconhecidos na comunidade jurídica”.11 Assim, o conceito de cidadania excederia os
limites do Estado, sendo, por consequência, uma impropriedade reduzi-la aos direitos
políticos.12

6
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 4423-63.2010.6.21.0000. Disponível em: <http://
www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor>. Acesso em: 29 nov. 2017.
7
Publicação no DJE de 24, 27 e 28.6.2016.
8
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Súmula-TSE nº 57. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/legislacao/
codigo-eleitoral/sumulas/sumulas-do-tse/sumula-tse-no-57>. Acesso em: 01 dez. 2017.
9
ARAÚJO, Mayara de Carvalho. DO JUDICIARIO QUE TEMOS AO JUDICIARIO QUE QUEREMOS: o grande
desafio da cidadania no Brasil. In: CONPEDI; UNICURITIBA. (Org.). Acesso à justiça I. 1ed. Florianópolis:
FUNJAB, 2013. p. 7-29. p. 9.
10
ARAÚJO, Mayara de Carvalho. Op. cit. p. 9.
11
ARAÚJO, Mayara de Carvalho. Op. cit. p. 9-10.
12
ARAÚJO, Mayara de Carvalho. Op. cit. p. 10.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
302 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Partindo de uma concepção de Thomas Humphrey Marshall, Mayara de Carvalho


Araújo compreende a cidadania como “um status partilhado entre os membros de uma
comunidade que garante a eles igualdade no respeito de seus direitos e obrigações”13
a partir de três elementos intrínsecos: os direitos civis, políticos e sociais, relacionados,
mais direta e respectivamente, aos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.14 Daí
porque, para a autora, estaria ultrapassada a compreensão exposta na Constituição da
República.15
Cientes da relevância e da propriedade da crítica de Mayara de Carvalho Araújo,
acreditamos que o presente trabalho pode partir da concepção tradicional de cidadania,
adstrita, prioritariamente, aos elementos da conformação da vontade política nacional.
Ressaltando que se está utilizando do “signo cidadania como termo técnico, sem
conteúdo ideológico político”,16 Adriano Soares da Costa preceitua que o conceito de
cidadania no Direito Constitucional brasileiro deve ser compreendido “como a sobe­
rania popular na livre escolha dos destinos da nação, exercida por todos e por cada um
individualmente”,17 sendo, portanto, direito público subjetivo à participação política.18
Para o autor, na Constituição brasileira os termos cidadania e soberania popular são
sinônimos e designam o vínculo jurídico-político do cidadão com o Estado, de onde
exsurge os direitos de votar, ser votado e os deveres políticos para com o Estado.19
Essas ponderações são suficientes para Adriano Soares da Costa afirmar que “antes
do alistamento não existe, para o brasileiro nato ou naturalizado, o direito a participar
da vida política do País, sendo-lhe negada, por isso mesmo, a qualidade jurídica de
cidadão”.20
Embora, em um primeiro momento, José Afonso da Silva afirme que cidadania
está no rol de fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso II) “num
sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos”,21 qualificando “os
participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada

13
ARAÚJO, Mayara de Carvalho. Op. cit. p. 10.
14
ARAÚJO, Mayara de Carvalho. Op. cit. 10-12.
15
ARAÚJO, Mayara de Carvalho. Op. cit. p. 10. De forma resumida, assim trata a autora sobre os três elementos:
elemento civil – “o elemento civil corresponde aos direitos relacionados à liberdade individual e ao direito à
justiça. Sua compreensão, por isso, excede a noção tradicional de direitos civis, à medida que não só contempla o
direito à justiça, mas também confere a este direito um patamar diferenciado”; elemento político – “O elemento
político, por sua vez, equivale ao direito de participar das decisões políticas, seja na condição de membro de
alguma instituição dotada deste poder (MARSHALL, 1963, p. 63), seja por intermédio do voto e dos demais
meios de participação democrática semidireta, como plebiscitos, referendos e legislação participativa”; elemento
social – “o elemento social representaria o que concebemos hoje por direitos sociais. Segundo Marshall (1963,
p. 63-64), ‘o elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e
segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo
com os padrões que prevalecem na sociedade’” (ARAÚJO, Mayara de Carvalho. Op. cit. p. 10-11.).
16
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 9. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
p. 38.
17
COSTA, Adriano Soares da. Op. cit. p. 35.
18
COSTA, Adriano Soares da. Op. cit. p. 36.
19
COSTA, Adriano Soares da. Op. cit. p. 36.
20
COSTA, Adriano Soares da. Op. cit. p. 37. Em respeito às lições do autor, vale frisar a ressalva já feita: Adriano
Soares da Costa identifica dois planos do conceito de cidadania, sendo eles o plano político (ideológico) e
jurídico, enfatizando em seu trabalho a conceituação a partir deste último.
21
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2014.
p. 106.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
303

na sociedade estatal”,22 posteriormente suas assertivas vão ao encontro das de Adriano


Soares da Costa, uma vez que, para o constitucionalista, “cidadão, no direito brasileiro, é
o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado”,23 razão pela qual
“a cidadania se adquire com a obtenção da qualidade de eleitor, que documentalmente
se manifesta na posse do título de eleitor válido”.24
Também ressalvando se tratar de um sentido estritamente técnico, e aduzindo
que, num sentido mais amplo, todos têm direito à cidadania (independentemente do
alistamento), José Jairo Gomes afirma que “chama-se cidadão o detentor de direitos
políticos”.25 Por isso, cidadão é o “nacional admitido a participar da vida política
do País, seja escolhendo os governantes, seja sendo escolhido para ocupar cargos
político-eletivos”.26 Assim, também para José Jairo Gomes, a aquisição da cidadania é
decorrência do procedimento administrativo-eleitoral do alistamento, cujos requisitos
para sua realização estão estabelecidos na Constituição e na legislação correlata 27
(especialmente a Lei nº 4.737/1965, o Código Eleitoral); ainda para o autor, eventual
inalistabilidade impede a própria constituição da cidadania, pois impede o exercício
dos direitos políticos.28
Prescreve a Constituição da República que o alistamento eleitoral e o voto são
obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativos para os analfabetos, os maiores
de 70 anos, e para os maiores de 16 e menores de 18 anos (Art. 14, §1º). José Jairo Gomes
explica que “o brasileiro nato que não se alistar até os 19 anos ou o naturalizado que
não se alistar até um ano depois de adquirida a nacionalidade brasileira incorrerá em
multa imposta pelo juiz eleitoral e cobrada no ato da inscrição”.29
Após alistado o eleitor estará apto a votar e galgar uma possível candidatura.30
Para alcançar a condição de candidato o cidadão deverá preencher as condições de
elegibilidade e registrabilidade, bem como não incorrer nas causas de inelegibilidade.31
O empreendimento de Rodolfo Viana Pereira foi para verificar eventual justificação
constitucional nas condições de registrabilidade:

22
SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 106.
23
SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 350.
24
SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 351.
25
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 58.
26
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 58. Ainda no mesmo sentido ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual dos
candidatos e partidos políticos. Leme: J. H. Mizuno, 2013. p. 37.
27
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 162.
28
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 168.
29
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 162.
30
“Galgar” em razão de a candidatura não ser decorrência natural do alistamento, tal qual o é o direito de votar.
31
Dois renomados eleitoralistas brasileiros tratam sobre essas condições de elegibilidade, registrabilidade e
causas de inelegibilidade. São eles: Rodolfo Viana Pereira e Adriano Soares da Costa, nas suas obras citadas
no presente trabalho. Cada um apresenta sua teoria a respeito do tema, Pereira focando da registrabilidade e
Costa nas inelegibilidades. São visões peculiares e bem fundamentadas, pelo que recomendamos fortemente a
leitura. De maneira sucinta, iremos expor aqui dois conceitos básicos trabalhados por Rodolfo que se amoldam
à doutrina eleitoral majoritária: “As condições de elegibilidade estão descritas no artigo 14, §3º da CR/88 e
traduzem os requisitos a serem cumpridos, condições positivas a serem preenchidas”; “as denominadas causas
de inelegibilidade podem ser tanto de matriz constitucional, quanto infraconstitucional. As primeiras estão
previstas no artigo 14, §§4º a 8º, da CR/88 e, as segundas, na Lei Complementar nº 64/90, por autorização do
artigo 14, §9º da CR/88”. PEREIRA, Rodolfo Viana. Condições de registrabilidade e condições implícitas de
elegibilidade: esses obscuros objetos do desejo. In: SANTANO, Ana Cláudia; SALGADO, Eneida Desiree. Direito
eleitoral: debates ibero-americanos / compilação. Curitiba: Íthala, 2014. p. 279-280. As causas de inelegibilidade são os
“requisitos negativos” nos quais os cidadãos não podem incidir para poderem se candidatar.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
304 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Na impossibilidade de enquadrar tais tipos de requisitos na taxonomia constitucional,


a doutrina e a jurisprudência criaram um novo enquadramento, um novo tronco de
exigências oponíveis aos interessados em disputar o processo eleitoral: as chamadas
condições de registrabilidade.
Tão simples quanto isso: tudo o que não é condição de elegibilidade (ou seu detalhamento
infraconstitucional), nem causa de inelegibilidade (constitucional ou infraconstitucional),
e ainda assim for obrigatório para validade do registro de candidatura, passa a ser
enquadrado no universo tortuoso das condições de registrabilidade.32

Temos, então, o §1º do art. 11 da Lei nº 9.504/1997, “que elenca um conjunto de


documentos cuja apresentação é obrigatória para todo candidato”, mas que não podem
ser enquadrados nem como condições de elegibilidade nem como causas de inele­
gibilidade.33 Aí, tal qual explicado por Rodolfo Viana Pereira, encontram-se condições
de registrabilidade.
Consta do inciso VI, §1º do art. 11 da Lei nº 9.504/1997, que o pedido de registro
de candidatura deve ser instruído com a certidão de quitação eleitoral. A própria Justiça
Eleitoral assim define o que seja a certidão de quitação eleitoral: “documento emitido
pelo juiz eleitoral para, consultando o Cadastro Nacional de Eleitores, certificar o
cumprimento, pelo eleitor, de suas obrigações legais junto à Justiça Eleitoral”.34
Assim, estar quite com a Justiça Eleitoral, embora não seja, a princípio, requisito
necessário para a prática da cidadania ativa (votar), o é para a prática da cidadania
passiva (ser votado).35 Ou seja, temos uma condição de registrabilidade (que não encontra
vinculação direta a qualquer das condições de elegibilidade elencadas na Constituição
da República) como requisito direto para o exercício de uma possível candidatura.
Como explica Rodolfo Viana Pereira, embora “os direitos ao voto e à candidatura não
resum[a]m todas as facetas de realização democrática”, “o registro de candidatura é
expressão do exercício dos direitos políticos. E os direitos políticos são e sempre foram,
no marco do constitucionalismo moderno, direitos fundamentais”.36
Além de impedir a participação em campanhas eleitorais como candidato, não
conseguir a certidão de quitação eleitoral pode impossibilitar a realização de outros atos
da vida civil, como, por exemplo, inscrição / assunção de concurso público, matrícula

32
PEREIRA, Rodolfo Viana. Condições de registrabilidade e condições implícitas de elegibilidade: esses obscuros
objetos do desejo. Op. cit. p. 280-281.
33
PEREIRA, Rodolfo Viana. Condições de registrabilidade e condições implícitas de elegibilidade: esses obscuros
objetos do desejo. Op. cit. p. 280.
34
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Glossário. Certidão de quitação eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.jus.
br/eleitor-e-eleicoes/glossario/termos-iniciados-com-a-letra-c#certidao-de-quitacao-eleitoral>. Acesso em: 04
dez. 2017. Ainda pelas definições do Tribunal Superior Eleitoral: “A Certidão de Quitação Eleitoral destina-se a
atestar, conforme disciplinado pelo §7º do art. 11 da Lei nº 9.504, de 1997, a existência/inexistência de registro
no histórico da inscrição (título) do interessado no cadastro eleitoral de restrição no que se refere à plenitude
do gozo dos direitos políticos, ao regular exercício do voto, ao atendimento a convocações da Justiça Eleitoral
para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, à inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela
Justiça Eleitoral e não remitidas, e à apresentação de contas de campanha eleitoral”. BRASIL. Tribunal Superior
Eleitoral. Certidão de quitação eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/certidoes/
certidao-de-quitacao-eleitoral>. Acesso em: 04 de dez. 2017.
35
Cumpre frisar que os termos cidadania ativa e passiva estão sendo utilizados a partir dos conceitos anteriormente
expostos, que podem, e já o são, melhor elaborados.
36
PEREIRA, Rodolfo Viana. Condições de registrabilidade e condições implícitas de elegibilidade: esses obscuros
objetos do desejo. Op. cit. p. 280.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
305

em universidades e obtenção de empréstimos em bancos mantidos pelo governo. Isso se


extrai do §1º do art. 7º da Lei nº 4.737/1965, que estabelece o rol de impedimentos para o
eleitor que não comprove que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou que
se justificou devidamente. Embora a literalidade da norma verse sobre a comprovação
da votação ou do pagamento da respectiva multa,37 que não necessariamente exige a
certidão de quitação eleitoral, há entendimentos no sentido de que seria necessária a
comprovação da quitação eleitoral (que abrangeria todos os seus requisitos, como a
prestação de contas de campanha). Assim, ainda que seja possível realizar uma crítica
à extensão da interpretação do §1º do art. 7º da Lei nº 4.737/1965, partiremos do pressu­
posto de que para a realização destes atos seria necessária a certidão de quitação eleitoral,
pois é a realidade que si nos apresenta.
A referida certidão é, portanto, documento de extrema relevância para todo
cidadão. Eis, então, que cidadania, candidatura, quitação eleitoral e prestação de contas
de campanha se tocam. Isto em razão do que estabelece o já citado §7º do art. 11 da Lei
nº 9.504/1997:

§7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos


direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça
Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas,
em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de
campanha eleitoral.38

Daí é importante observarmos que a prestação de contas de campanha, em última


instância, interferirá diretamente na própria discussão de cidadania, candidatura e
exercício de determinados atos relevantes para a da vida civil, e por isso deve ser
analisada.

5.3 Quitação eleitoral e prestação de contas de campanha


O processo de prestação de contas de campanha está disciplinado a partir do art. 17
da Lei nº 9.504, especialmente entre os arts. 28 a 32. Este tema também é regularmente

37
A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu sobre a matéria (TRF-1 – AMS: 48610
DF 2004.34.00.048610-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE DEUS, Data de Julgamento:
06/09/2006, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 28.09.2006 DJ p.85), entendendo ser desnecessária a certidão
em específico, bastando o comprovante de votação ou pagamento da multa.
38
A Lei nº 9.504/1997 continua o detalhamento sobre quitação eleitoral no art. 11, §§8º e 9º: “§8º Para fins de
expedição da certidão de que trata o §7º, considerar-se-ão quites aqueles que: I – condenados ao pagamento de
multa, tenham, até a data da formalização do seu pedido de registro de candidatura, comprovado o pagamento
ou o parcelamento da dívida regularmente cumprido; II – pagarem a multa que lhes couber individualmente,
excluindo-se qualquer modalidade de responsabilidade solidária, mesmo quando imposta concomitantemente
com outros candidatos e em razão do mesmo fato. III – o parcelamento das multas eleitorais é direito dos
cidadãos e das pessoas jurídicas e pode ser feito em até sessenta meses, salvo quando o valor da parcela
ultrapassar 5% (cinco por cento) da renda mensal, no caso de cidadão, ou 2% (dois por cento) do faturamento,
no caso de pessoa jurídica, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas
não ultrapassem os referidos limites; IV – o parcelamento de multas eleitorais e de outras multas e débitos de
natureza não eleitoral imputados pelo poder público é garantido também aos partidos políticos em até sessenta
meses, salvo se o valor da parcela ultrapassar o limite de 2% (dois por cento) do repasse mensal do Fundo
Partidário, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem
o referido limite. §9º A Justiça Eleitoral enviará aos partidos políticos, na respectiva circunscrição, até o dia 5 de
junho do ano da eleição, a relação de todos os devedores de multa eleitoral, a qual embasará a expedição das
certidões de quitação eleitoral”.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
306 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

disciplinado pelo Tribunal Superior Eleitoral quando da expedição de suas Resoluções


para as eleições.39 Como explica Elmana Viana Lucena Esmeraldo:

Todo candidato e partido político (em todos os níveis, nacional, estadual e municipal)
deve prestar contas de campanha, esclarecendo à Justiça Eleitoral e aos eleitores em geral,
quem foram os seus doadores, a quantidade de recursos arrecadados e os gastos efetuados
durante a campanha e demais dados exigidos pela legislação eleitoral.40

José Jairo Gomes é contundente ao enfatizar que “o dinheiro é necessário para


o financiamento da democracia” e que não é possível pensar na realização de uma
campanha sem o dispêndio de recursos, ainda que em pouca monta. Ainda assim, o autor
ressalta que o financiamento da campanha não pode se desviar do ideal democrático,
devendo ser rechaçada sua indevida influência nos processos de decisões políticas.41
Elmana Viana Lucena Esmeraldo explica que a obrigação da prestação de contas de
campanha procede da “necessidade de resguardar princípios insculpidos na Consti­tuição
Federal e nas leis eleitorais, como o da moralidade das eleições, da igualdade da disputa
entre os candidatos, da probidade e da impessoalidade no exercício dos mandatos”.42
Rodolfo Viana Pereira já advertira que a própria origem das condições de regis­
trabilidade é o princípio da moralidade. O autor sintetiza tal entendimento criticando
que o referido princípio foi “alçado a farol a guiar o legislador e o magistrado a aduzirem
(e mesmo atribuírem) critérios, condições, requisitos à validação do registro dos bons
e à exclusão do registro dos maus”.43 e seria o fundamento para se fazer a limpeza da
política brasileira a partir da negativa do registro de candidatura dos impuros.44 Partindo
dessas premissas, Rodolfo Viana Pereira elabora os seguintes questionamentos:

(…) qual a validade constitucional da imposição, por lei ordinária ou por resolução, de
novos requisitos ao registro de candidatura que não derivam do mandamento consti­
tucional? Pode o legislador ordinário, com fundamento na autorização legislativa
prevista no art. 14, §3º, da CR/88 expandir as condições de elegibilidade? Ademais, pode
o magistrado pressupor a existência de condições implícitas, extraindo-se indiretamente
da Constituição de 1988?45

39
Aqui é importante destacar a crítica de Margarete de Castro Coelho: a Justiça Eleitoral brasileira “tem adotado
uma postura excessivamente ativista, não só quando decide para muito além (ou aquém) do que dispôs o
legislador”, mas no exercício da sua função regulamentar [normativa], “não se contenta apenas em ditar regras
para a ‘fiel execução’ das lei e, verdadeiramente, inova o ordenamento jurídico, introduzindo novas regras
sobre matérias, cuja competência legislativa a Constituição reserva ao Poder Legislativo” (COELHO, Margarete
de Castro. Sobre o envolvimento de instituições judiciais em disputas políticas: o papel da Justiça Eleitoral
Brasileira. In: SANTANO, Ana Cláudia; SALGADO, Eneida Desiree. Direito eleitoral: debates ibero-americanos
/ compilação. Curitiba: Íthala, 2014. p. 15-24. p. 15. A mesma crítica também pode ser vista em ESPÍNDOLA,
Ruy Samuel. Justiça Eleitoral contramajoritária e soberania popular – a democrática vontade das urnas e a
autocrática vontade judicial que a nulifica. In: Revista Brasileira de Direito Eleitoral. ano 5, n. 8, (jan./jun.2013).
p. 121-144. Belo Horizonte: Fórum, 2009.).
40
ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 147.
41
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 411.
42
ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais. Op. cit. p. 148.
43
PEREIRA, Rodolfo Viana. Condições de registrabilidade e condições implícitas de elegibilidade: esses obscuros
objetos do desejo. Op. cit. p. 281.
44
PEREIRA, Rodolfo Viana. Condições de registrabilidade e condições implícitas de elegibilidade: esses obscuros
objetos do desejo. Op. cit. p. 281.
45
PEREIRA, Rodolfo Viana. Condições de registrabilidade e condições implícitas de elegibilidade: esses obscuros
objetos do desejo. Op. cit. p. 282.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
307

O que temos, então, é que a certidão de quitação eleitoral é requisito para


determinados atos da vida civil, especialmente o de se candidatar. Eis aí o cerne da
discus­são: a reprovação das contas de campanha está apta a impedir que o cidadão
exerça seus atos regulares da vida civil, principalmente ser votado (cidadania passiva)?

5.3.1 Arrecadação e gasto de recursos em campanhas eleitorais


O manuseio das contas de campanha é, prioritariamente, responsabilidade dos
partidos políticos ou dos seus candidatos (art. 17 da Lei nº 9.504/1997) e, para o registro da
movimentação, tanto um quanto o outro (partido e candidato) deverá, obrigatoriamente,
abrir sua respectiva conta bancária específica para a campanha eleitoral (art. 22 da Lei
nº 9.504/1997). Esta obrigação de abrir a conta bancária e prestar contas à Justiça Eleitoral
é um dever de todo candidato, mesmo aquele que tenha seu registro indeferido, que
renuncie, que seja substituído, ou que não tenha movimentado qualquer recurso em
sua campanha, sob pena da não obtenção da quitação.46
Na administração financeira de sua campanha, o candidato, ou pessoa por ele
determinada, poderá dispor de recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos
à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas (art. 20 da
Lei nº 9.504/1997).
O candidato pode utilizar seus recursos próprios em campanha, estando limitado
apenas ao teto de gastos do cargo a que concorre. Quando recebe doações de pessoas
físicas, no entanto, estas estarão limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos
auferidos pelo doador no ano anterior à eleição (quando doação em dinheiro) e a R$
40.000,00 (quarenta mil reais) por doador quando se tratar de doações estimáveis em
dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador
ou à prestação de serviços próprios (art. 23 da Lei nº 9.504/1997).
Conforme estabelece a legislação eleitoral, os gastos eleitorais, sujeitos aos
registros e limites legais, são: confecção de material impresso, desde que respeitadas
as impo­sições legais de material e tamanho; propaganda e publicidade destinada a
conquistar votos; aluguel de locais para a promoção de atos de campanha; despesas com
trans­porte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas, obser­
vadas as exceções legais;47 correspondência e despesas postais; despesas de instalação,
organização e funcionamento de Comitês e serviços necessários às eleições; remuneração
ou gratificação de qualquer espécie a pessoal que preste serviços às candidaturas ou aos
comitês eleitorais;48 montagem e operação de carros de som, de propaganda e afins; a

46
Súmula nº 42 do Tribunal Superior Eleitoral: A decisão que julga não prestadas as contas de campanha impede
o candidato de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, persistindo
esses efeitos, após esse período, até a efetiva apresentação das contas.
47
Nos termos do §3º do art. 26 da Lei nº 9.504/1997, não são consideradas gastos eleitorais nem se sujeitam a
prestação de contas as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato: combustível e manutenção de
veículo automotor usado pelo candidato na campanha; remuneração, alimentação e hospedagem do condutor
do veículo usado pelo candidato; alimentação e hospedagem do candidato; uso de linhas telefônicas registradas
em seu nome como pessoa física, até o limite de três linhas.
48
Aqui é importante destacar que se trata de remuneração / gratificação em razão de serviço prestado à candidatura
e/ou à comitê eleitoral, sendo expressamente vedadas doações em dinheiro, bem como de troféus, prêmios,
ajudas de qualquer espécie feitas por candidato, entre o registro e a eleição, a pessoas físicas ou jurídicas (§5º do
art. 23 da Lei nº 9.504/1997).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
308 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura; produção de


programas de rádio, televisão ou vídeo; realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;
custos com a criação e inclusão de sítios na internet e com o impulsionamento de
conteúdos (art. 26 da Lei nº 9.504/1997).
Discute-se se o rol de gastos elencados no art. 26 da Lei nº 9.504/1997 é taxativo
ou exemplificativo. Além de comungarmos do exemplo de José Jairo Gomes, que
esclarece que a própria legislação eleitoral firmou outros gastos em outros dispositivos
(como a contratação de advogados que prestem serviços de consultoria às campanhas
eleitorais),49 razão pela qual o art. 26 não encerra todos os gastos de campanha,
temos que o citado dispositivo representa uma restrição do direito do candidato de
realização da sua campanha eleitoral; como norma restritiva de direito, então, deve ser
interpretada restritivamente, de forma que entendemos lícito todo gasto eleitoral que
não esteja de alguma maneira vedado pela legislação eleitoral, ainda que seu limite seja
a impossibilidade de “abusar do poder econômico”.
Em decorrência do atual impedimento de doação eleitoral por pessoas jurídicas,
podemos ler do art. 24 da Lei nº 9.504/1997 que é vedado ao partido político e ao
candidato o recebimento de doação em dinheiro ou estimável em dinheiro procedente
de: pessoas jurídicas; origem estrangeira; pessoa física que exerça atividade comercial
decorrente de concessão ou permissão pública. Para José Jairo Gomes, a utilização
(e não o mero recebimento) de verba proveniente de fonte vedada caracteriza captação
ilícita de recursos eleitorais, sendo irregularidade insanável para a prestação de contas.50
Sabendo-se que as contas de campanha têm publicidade e são de fácil acesso, de forma
que seria possível o partido ou candidato receber recursos, ainda que de boa-fé, de fonte
vedada ou mesmo de origem não identificada, o próprio legislador estabeleceu uma
saída, que seria proceder à devolução dos valores recebidos a quem é vedado doar ou,
não sendo possível a identificação da fonte, realizar a transferência para a conta única
do Tesouro Nacional (art. 24 da Lei nº 9.504/1997).

5.3.2 A prestação de contas eleitorais


Para atender a publicidade devida na utilização dos recursos de campanha, a
legis­lação eleitoral determina, ordinariamente,51 que os partidos políticos, as coligações e
os candidatos são obrigados a divulgar na internet, em sítio criado pela Justiça Eleitoral:
os recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha eleitoral
(em até 72 horas de seu recebimento) e no dia 15 de setembro, relatório discriminando
as transferências do Fundo Partidário, os recursos em dinheiro e os estimáveis em
dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados (§4º do art. 28 da Lei nº 9.504/1997).
Tais informações, divulgadas pela Justiça Eleitoral, conterão necessariamente a indicação
dos nomes, do CPF ou CNPJ dos doadores e dos respectivos valores doados (§7º do
art. 28 da Lei nº 9.504/1997).

49
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 433.
50
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 432.
51
Diz-se ordinariamente porque o legislador eleitoral trouxe, a partir da Lei nº 13.165 de 2015, a possibilidade
de Sistema Simplificado de Prestação de Contas (SSPC), para fins de, em casos expressamente previstos na Lei
nº 9.504/1997, conferir celeridade ao processo de prestação de contas. No entanto, mesmo o SSPC observará as
regras gerais que analisaremos neste trabalho.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
309

Candidatos e partidos políticos deverão resumir as informações contidas na


prestação de contas, de forma a apresentar demonstrativo consolidado das campanhas,
encaminhando à Justiça Eleitoral, até o trigésimo dia posterior à realização das eleições
(incisos II e III do art. 29 da Lei nº 9.504/1997), atendendo, com isso, o comando do
art. 34 da Lei nº 9.096/1995, que esclarece que cabe à Justiça Eleitoral a fiscalização
sobre as contas de campanha eleitoral, atestando se elas refletem adequadamente a
real movimentação financeira, os dispêndios e os recursos aplicados. Realizadas as
diligências exigidas pela Justiça Eleitoral após a prestação de contas final, ainda será
possível a submissão de uma prestação de contas retificadora, inclusive com a alteração
das peças anteriormente apresentadas.
Temos aí as quatro espécies de prestação de contas: i) relatórios financeiros de
campanha, que são as informações, em até 72 horas, dos recursos em dinheiro recebidos;
ii) prestação de contas parciais, entregues até o dia 15 de setembro, com todas as
informações sobre arrecadação e gastos de recursos até a referida data; iii) prestação
de contas finais, entregues até 30 dias após a realização das eleições, com todas as
informações de arrecadação e gastos de campanha; iv) prestação de contas retificadora.
Prestadas as contas e havendo indício de irregularidade (de natureza formal
e/ou material), a Justiça Eleitoral poderá requisitar do candidato as informações adi­
cionais necessárias, bem como determinar diligências para a complementação dos
dados ou o saneamento das falhas (§4º do art. 30 da Lei nº 9.504/1997). Vale ressaltar­
mos que a instrução das prestações de contas de campanha ainda é objeto de alguma
discussão nos tribunais, notadamente no que se refere à oitiva de testemunha. Alguns
Tribunais Regionais têm entendido pela impossibilidade de oitiva de testemunhas
nos processos de prestações de contas por ausência de previsão legal. Colocamos
em destaque o RE nº 90735, Ac. de 31.08.2017, do TRE-MG; PC nº 10581, Ac. nº 8411,
de 18.08.2014, do TRE-MS; RPREST nº 75304, Ac. nº 29137, de 25.03.2014, e RPREST
nº 20391, Ac. nº 28659, de 16.09.2013, ambas do TRE-SC; e RE nº 94921, Ac. nº 94921, de
16.12.2013, do TRE-TO. A relevância da mitigação de direito processual fundamental tão
importante poderá variar exponencialmente de acordo com as próprias consequências
do julgamento das contas de campanha, como veremos mais a frente.
Conforme o art. 30 da Lei nº 9.504/1997, a Justiça Eleitoral verificará a regularidade
das contas de campanha, decidindo (i) pela aprovação, quando estiverem regulares;
(ii) pela aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a
regularidade; (iii) pela desaprovação, quando verificadas falhas que lhes comprometam
a regularidade; (iv) pela não prestação, quando não apresentadas as contas após a
notificação emitida pela Justiça Eleitoral, na qual constará a obrigação expressa de
prestar as suas contas.
Os dois seguintes parágrafos do art. 30 da Lei nº 9.504/1997 possuem fundamental
importância para o julgamento das contas de campanha:

§2º Erros formais e materiais corrigidos não autorizam a rejeição das contas e a cominação
de sanção a candidato ou partido.
§2º-A Erros formais ou materiais irrelevantes no conjunto da prestação de contas, que não
comprometam o seu resultado, não acarretarão a rejeição das contas.

Como vemos, houve uma expressa escolha do legislador pátrio em relação


aos destinos do julgamento das prestações de contas. Além de, de certa forma,

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
310 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

compreensivelmente considerar irrelevantes erros formais no curso da prestação de


contas, ambos os dispositivos tratam de erros materiais. O §2º tem a sua lógica, espe­
cialmente porque considera a possibilidade de correção de equívocos, formais e/ou
materiais, que frequentemente acabam ocorrendo no decorrer do curto, atribulado e
desgastante período eleitoral. A inovação do §2º-A (incluído na Lei nº 9.504/1997 pela
Lei nº 12.034, de 2009), no entanto, é ainda mais significativa; isto porque, conforme o
dispositivo vigente, mesmo que não sanados os erros, formais e/ou materiais, o legislador
determina ser dever do magistrado a ponderação da sua relevância no conjunto da
prestação de contas do prestador.
Analisadas as ressalvas constantes nos §§2º e 2º-A do art. 30 da Lei nº 9.504/1997,
temos que o processo de prestação de contas não cuida prioritariamente, nos moldes
previstos pela legislação eleitoral, da fiscalização dos ilícitos de campanha; é, muito
mais, um verificador cartorário de regularidade contábil formal. Por óbvio, o processo
de prestação de contas poderá desnudar ilícitos eleitorais graves; contudo, tal como está
colocado na legislação, as prestações de contas servem muito mais para dar publicidade
às informações sobre arrecadação e gastos de recursos eleitorais do que, precipuamente,
voltar-se à fiscalização específica da captação e destinação de recursos de campanha
com a finalidade de desviar o curso regular das eleições.
Ainda assim, e esta parece ser a visão majoritária tanto na doutrina quanto na
jurisprudência, para José Jairo Gomes, a aprovação das contas, com ou sem ressalvas,
possui como consequência prática um inegável efeito ético. Quando aprovadas sem
ressalvas, apresentam-se como uma láurea ao candidato zeloso. No caso da aprovação
com ressalvas, a ausência de gravidade das irregularidades constatadas não atinge o
cerne da campanha ou do mandato, possuindo apenas um efeito predominantemente
moral. Ainda para o autor, diversa é a imagem que carrega o julgamento de reprovação
das contas de campanha, que vincula a campanha do candidato à ausência de legalidade,
induzindo à própria reprovação da consciência por parte dos eleitores.52
Vale destacar que “a decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será pu­
blicada em sessão até três dias antes da diplomação” (§1º do art. 30 da Lei nº 9.504/1997).
Temos aí uma grande incongruência no processo de prestação de contas. Em regra,
sabemos, os candidatos eleitos são os que realizam gastos mais elevados em suas
campanhas eleitorais. Ora, em regra, arrecadam mais, gastam mais, produzem mais
documentos para serem analisados; ainda assim, por imposição legal, suas contas devem
estar julgadas antes da diplomação. Essa obrigação coloca em xeque a atuação da Justiça
Eleitoral: em exíguo prazo deverá julgar contas que gozarão de uma imagem positiva,
de certa forma até mesmo as legitimando, ou negativa, que remeterá a ilegalidades.
Essa imagem que o julgamento da prestação de contas pode acabar passando
merece ser criticada, seja pelos caminhos que a legislação a respeito do tema nos
impõe, seja pela realidade praticada diariamente nos Tribunais Regionais. Observada
a legislação eleitoral, é perfeitamente factível a conclusão de que um candidato pode
ter suas contas reprovadas por um erro formal (como, por exemplo, ausência de uma
assinatura em um recibo eleitoral de valor relevante na campanha), e outro ter suas
contas aprovadas (com ou sem ressalvas), mesmo que tendo incorrido em grave erro

52
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 447.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
311

material, como, por exemplo, a arrecadação de recursos eleitorais advindos de fontes


vedadas (desde que, é claro, trate-se de valor não relevante no total da prestação de
contas). Ciente de tal fato, José Jairo Gomes faz precisa observação:

Note-se que a só aprovação das contas, com ou sem ressalvas, não afasta a discussão
acerca da ocorrência de abuso de poder, mormente se novos elementos probatórios forem
descortinados, bem como o eventual ajuizamento de ação eleitoral com essa finalidade.53

As lições de José Jairo Gomes encontram perfeita simetria com a jurisprudência


já consolidada no sentido de que, por serem ações autônomas, o julgamento da pres­
tação de contas de campanha em nada vincula eventuais outras ações propostas com
fundamento na arrecadação e gastos de recursos por candidatos (RESPE nº 174177,
Ac. de 17.03.2016, e RO nº 500324, Ac. de 02.12.2014, ambos do TSE). Mais do que isto,
atualmente a legislação eleitoral não prevê sanção decorrente da reprovação das contas.
Dito isto, temos a possibilidade de investigação das contas de campanha
seja através do processo de prestação de contas, seja por outras ações autônomas,
cujo julgamento de uma não vincula o julgamento da outra, não havendo qualquer
impropriedade (ao menos no âmbito legal), por exemplo, das contas de campanha
de um candidato serem aprovadas e, ainda assim, ter uma Ação de Investigação
Judicial Eleitoral (e/ou Representação do art. 30-A, de Lei nº 9.504/1997 e/ou Ação de
Impugnação de Mandato Eletivo) julgada procedente em razão da prática de abuso de
poder econômico.

5.4 Demais desdobramentos processuais da arrecadação e gasto de


recursos de campanha
Se por um lado temos que o processo de prestação de contas é um checklist de
natureza contábil, por outro a Justiça Eleitoral não pode se furtar da análise dos ilícitos
graves que eventualmente possam ocorrer nas campanhas eleitorais decorrentes da
arrecadação e gastos de recursos.
A legislação nos fornece ações autônomas para investigação desses ilícitos de
campanha e, eventualmente, punição dos candidatos. Aqui analisaremos, abrevia­
damente, as três a seguir:

5.4.1 Representação (do Art. 30-A da Lei nº 9.504/1977) por


Arrecadação e/ou Gasto Ilícito de Recursos de Campanha
É através da utilização de recursos financeiros (ainda que poucos) que os candi­
datos realizam suas respectivas campanhas. A tramitação desses restará atestada no
processo de prestação de contas. A legislação oferece a Representação por Arrecadação
e/ou Gasto Ilícito de Recursos de Campanha como meio processual hábil a verificar
ilícitos eleitorais e, eventualmente, punir. A referida representação encontra previsão
no art. 30-A da Lei nº 9.504/1977, que assim dispõe:

53
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 447. Assim também, ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas
eleitorais. Op. cit. p. 228.

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312 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral,
no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir
a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas
desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.
§1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22
da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.
§2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado
diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.
§3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base
neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário
Oficial.

Desse modo, a representação do art. 30-A pode ser proposta por qualquer partido
político ou coligação, além dos próprios candidatos54 e Ministério Público (legitimidade
ativa), no prazo de até quinze dias da diplomação (termo final), para apurar condutas
que versem sobre arrecadação e/ou gasto ilícito de recursos (hipóteses de cabimento),
sob o procedimento disciplinado no art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (rito).
Quanto ao termo inicial, o TSE decidiu que a representação prevista no art. 30-A da
Lei nº 9.504/1997 pode ser proposta antes mesmo da diplomação do candidato (RESPE
nº 1348-04, julgado em 15.12.2015), podendo, portanto, sê-lo desde o pedido de o pedido
de registro de candidatura.55 Ora, uma vez podendo ser proposta desde o requerimento
de candidatura, parece claro que a legitimidade passiva será de qualquer candidato
(não apenas eleitos e suplentes).
Entendemos que é a Representação do Art. 30-A da Lei nº 9.504/1977, e não o
processo de prestação de contas, o meio por excelência para apuração e punição das
irregularidades graves praticadas por candidatos e partidos políticos no que se refere
ao financiamento da sua campanha. Ora, “falhas, ainda que insanáveis, não revestidas
de gravidade, que não extrapolem o universo contábil, não são suficientes para atrair
a sua [da Representação] incidência”.56
Enquanto a prestação de contas se volta, prioritariamente, à análise contábil da
arrecadação e gastos de campanha – e sua análise fica, em regra, até aí adstrita -, o bem
jurídico protegido pela Representação do art. 30-A da Lei nº 9.504/997 é a lisura da cam­
panha eleitoral,57 salvaguardando a higidez das campanhas e assegurando igualdade
financeira de disputa entre os concorrentes.58
Como consequência do seu julgamento procedente, a decisão condenatória na
Representação por Arrecadação e/ou Gasto Ilícito de Recursos de Campanha pode
negar o diploma, caso tenha sido proferida antes da diplomação, ou, caso o candidato

54
Para Elmana Viana Lucena Esmeraldo, o candidato não possui legitimidade ativa (ESMERALDO, Elmana
Viana Lucena. Manual de contas eleitorais. Op. cit. p. 271). Nosso entendimento diverge do da autora e converge
com o de José Jairo Gomes, para quem “o interesse e a legitimidade de qualquer candidato são intuitivos, pois,
como participante do pleito, deve zelar pela sua lisura. Ademais, o candidato pode ser diretamente prejudicado
pela captação ou gastos ilícitos de recursos levados a efeito por seu concorrente”. GOMES, José Jairo. Op. cit.
p. 717.
55
ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais. Op. cit. p. 276.
56
ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais. Op. cit. p. 268.
57
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 714.
58
ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais. Op. cit. p. 264.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
313

já tinha sido diplomado, cassá-lo. Regularmente tramitada a Representação e com seu


julgamento de procedência, que deve levar em consideração a gravidade da conduta
do candidato, a decisão judicial atestará um ilícito eleitoral, sendo “evidente haver aí
comprometimento do direito de participar da gestão estatal, direito este enfaixado
na noção de cidadania passiva”.59 Desse modo, por força da alínea j, do inciso I, do
art. 1º da Lei Complementar nº 64/1990,60 outro efeito da decisão condenatória será a
inelegibilidade do candidato por oito anos.

5.4.2 Ação de Investigação Judicial Eleitoral e Ação de Impugnação de


Mandato Eletivo
O trâmite dos recursos financeiros e sua utilização em si, durante a campanha,
além de estarem adstritos aos limites formais e materiais impostos na prestação de
contas, bem como desafiar a Representação do Art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, ainda
podem configurar abuso de poder econômico.61 Leciona Adriano Soares da Costa que
“o abuso de poder econômico nas eleições, fato ilícito que é, pode ser censurado pela
ação de investigação judicial eleitoral e pela ação de impugnação de mandato eletivo”.62
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e a Ação de Impugnação de
Mandato Eletivo (AIME) estão previstas, respectivamente, no art. 22 da Lei Com­
plementar nº 64/199063 e no §10 do art. 14 da Constituição da República,64 a primeira
com rito definido a partir do próprio art. 22 da LC nº 64/1990 e a segunda com rito
definido a partir do art. 3º da mesma LC. Ressaltando que não há diferença substancial
entre ambos os ritos, José Jairo Gomes esclarece que o rito definido a partir do art. 3º da
LC nº 64/1990 é o rito ordinário eleitoral,65 ao passo que o do art. 22 é o rito sumário.66
Em ambos os casos a legislação trata de investigação e contenção do abuso de
poder67 econômico, sendo que na AIJE o legislador ainda fala da apuração do (i) uso

59
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 720.
60
“j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça
Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de
recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem
cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição;”
61
ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais. Op. cit. p. 277.
62
COSTA, Adriano Soares da. Op. cit. p. 422.
63
“Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à
Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e
circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder
econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em
benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito”
64
“Art. 14[Omissis]: §10 – O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze
dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.
65
Adriano Soares da Costa também chama de “rito ordinário eleitoral” o do art. 3º da LC nº 64/1990 (COSTA,
Adriano Soares da. Op. cit. p. 348), muito embora, em outra passagem do seu livro, escreva que: “Não há um rito
ordinário na Lei Complementar, tampouco em nenhuma outra lei extravagante, senão no Código de Processo
Civil” (COSTA, Adriano Soares da. Op. cit. p. 421).
66
GOMES, José Jairo. Op. cit. p. 658.
67
Sobre abuso de poder no Direito Eleitoral, bem como sobre a sua necessidade de controle, indicamos:
SOUSA DE BARROS, Tarcísio Augusto. Poder político na Câmara dos Deputados: sobre distributivismo, seus
reflexos eleitorais e teoria do controle. 126f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em
Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais. 2017; RIBEIRO, Fávila. Abuso de poder no direito
eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 1998; PEREIRA, Rodolfo Viana. Direito Constitucional Democrático: controle e

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
314 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

indevido e do (ii) desvio. Tal se dá em razão de que, conforme explica Eneida Desiree
Salgado, as disputas eleitorais, para serem iguais, devem ser protegidas de influências
irrelevantes ao processo, como poder político e/ou econômico,68 fatores indesejáveis69
à disputa eleitoral.
José dos Santos Carvalho Filho leciona que “uso do poder, portanto, é a utilização
normal, pelos agentes públicos, das prerrogativas que a lei lhes confere”,70 enquanto
“abuso de poder é a conduta ilegítima do administrador, quando atua fora dos objetivos
expressa ou implicitamente traçados na lei”.71 O abuso de poder é gênero cujas espécies
são o excesso de poder, quando “o agente atua fora dos limites de sua competência”,72
e desvio de poder, quando “o agente, embora dentro de sua competência, afasta-se do
interesse público que deve nortear todo o desempenho administrativo”.73
Para Fávila Ribeiro, “o abuso de poder, em síntese, consiste na incontinência,
na liberdade, no exercício de direito ou de competência funcional transviando-se em
desmando de uso”.74
A AIJE e a AIME são, portanto, as ações de Direito Eleitoral próprias para a inves­
tigação de abuso de poder (dentre eles o econômico) e para, eventualmente, punição
dos envolvidos. No caso da AIJE, o inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/1990 estabelece
que o julgamento de procedência da ação importa na declaração de inelegibilidade dos
investigados (o autor da conduta e eventuais partícipes, candidatos ou não) por oito
anos subsequentes à eleição na qual se praticou o ato ilícito, bem como na cassação do
registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado. Diferentemente da AIJE e
nos termos da jurisprudência do TSE, na AIME não há a possibilidade de declaração
de inelegibilidade do mandatário e de quem estiver envolvido nas condutas; a AIME
apenas se presta a desconstituir (cassar) o mandato do candidato eleito, ou suplente,
através de condutas ilícitas (abuso de poder, corrupção ou fraude) assim reconhecidas
em decisão judicial.
Ao analisar se a ação prevista no art. 22 da LC nº 64/1990 (Ação de Investigação
Judicial Eleitoral) teria natureza investigativa-administrativa ou processual (ação de
direito material), Adriano Soares da Costa faz uma importante observação que serve
tanto para quem ingressa com a AIJE, quanto com a AIME e/ou a Representação do
Art. 30-A da Lei nº 9.504/1997:

Ora, quem vem a juízo com espeque no art. 22 da LC nº 64/90 não vem pedir que seja
aberto um inquérito de faceta administrativa, mas sim vem deduzir sua pretensão a que
o juiz decrete a inelegibilidade do réu [ou, no caso da AIME e da RP do 30-A, casse seu

participação como elementos fundantes e garantidores da constitucionalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010;
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1979; SANTOS, Bruno Carazza dos. Interesses
econômicos, representação política e produção legislativa no Brasil sob a ótica do financiamento de campanhas eleitorais.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. 2016.
68
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 3-4.
69
SOUSA DE BARROS, Tarcísio Augusto. Poder político na Câmara dos Deputados: sobre distributivismo, seus reflexos
eleitorais e teoria do controle. Op. cit. p. 54.
70
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010. p. 48.
71
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 50.
72
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 51.
73
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 51.
74
RIBEIRO, Fávila. Abuso de poder no direito eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 22.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
315

diploma], daquele apontado para figurar no povo passivo da relação processual (…)
Logo, instala-se um contraditório, dando-se oportunidade a que o demandado deduza
sua contestação (defesa), além das dilações probatórias que visam a demonstrar a verdade
dos fatos alegados.75

Como explicado, portanto, nas três ações ora trabalhadas, o principal objetivo
do demandante em face do réu é o reconhecimento, pela Justiça Eleitoral, de um ilícito
eleitoral relevante que importe na negação do diploma ou na sua cassação. Diversamente
o é, entretanto, nos processos de prestação de contas, onde o principal objetivo é
saber se o candidato cumpriu pré-requisitos legais, formais e materiais, para fins de
gerenciamento dos seus recursos de campanha, em prol da lisura na sua administração
financeira durante todo o curso das eleições. Exatamente por isso frisamos que, muito
embora na prestação de contas seja possível evidenciar irregularidades relevantes nas
eleições, os meios processuais mais adequados para tanto são as três ações aqui expostas,
notadamente em razão do rito processual predefinidos para cada uma dessas três ações.

5.5 Conclusões: Aprovação da prestação de contas de campanha como


meio de obtenção da certidão de quitação eleitoral
A aprovação das contas de campanha como meio de quitação eleitoral é, antes
de tudo, uma discussão sobre a própria qualidade jurídica de cidadão. Isto porque,
conforme vimos, é forte na nossa tradição constitucional entender que cidadão é aquele
civil que está no gozo dos seus direitos políticos, especialmente o direito de votar e, de
igual maneira, o direito de ser votado.
Para este trabalho, utilizamo-nos da visão tradicional e partimos da premissa
de que nossa cidadania apenas seria atingida com o gozo dos direitos políticos; a
aquisição, portanto, seria com o alistamento eleitoral. A partir de então galgaríamos,
passo a passo, qualificar a condição de cidadão – na medida em que cada cargo possui
condições de elegibilidade próprias. Acima de 16 anos e alistados, ainda não haveria o
direito à candidatura; entretanto, a idade como condição de elegibilidade não é mais que
um critério formal, que decai com o transcurso do próprio tempo, com a aquisição da
cidadania plena quando se atinge a idade de 35 anos e a possibilidade de se candidatar
a qualquer cargo.
Adquiridos os direitos de votar e ser votado (seja para qual cargo for, ainda que
para vereador – 18 anos), a sua limitação (impossibilidade de exercício) possui inter­
ferência direta na condição de cidadão dos civis. A discussão sobre a quitação eleitoral
decorrente da prestação de contas de campanha não pode olvidar este enfoque, já que
a ausência de quitação eleitoral impede, dentre outros atos relevantes da vida civil, o
direito de se candidatar.
Ora, neste prisma, a discussão sobre obtenção da certidão de quitação eleitoral
decorrente das contas de campanha é, outrossim, discussão sobre a possibilidade de a
prestação de contas interferir na própria condição de cidadão.
Como vimos, a prestação de contas eleitoral pode ser analisada sob, no mínimo,
estes quatro vieses, todos eles autônomos entre si: o Processo de Prestação de Contas;

75
COSTA, Adriano Soares da. Op. cit. p. 351.

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316 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

a Representação Eleitoral por Arrecadação e/ou Gasto Ilícito de Recursos de Campanha;


Ação de Investigação Judicial Eleitoral; e Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.
Cada uma dessas formas de análise das contas de campanha possui características,
ritos, objetivos e consequências distintas.
A prática cotidiana nos tribunais eleitorais, a jurisprudência e a doutrina nos tem
mostrado que o processo de prestação de contas ainda não evoluiu substancialmente
para além da realização de uma análise cartorária-contábil das informações passadas
pelo próprio candidato. Tal realidade pode, inclusive, ser criticada; mas a crítica não
esconde o fato: por mais importante ideologicamente que possa ser o processo de
prestação de contas, ainda é necessária muita evolução, especialmente no que concerne
à fiscalização das contas e do adequado enquadramento do seu julgamento aos §§2º e
2º-A do art. 30 da Lei nº 9.504/1997. Se, por um lado, são compreensíveis as dificuldades
encaradas pela Justiça Eleitoral, mormente em razão da exiguidade dos prazos impostos
e do quadro pessoal muitas vezes em número insuficiente, esta não pode se furtar da
correta aplicação do que está disposto nos §§2º e 2º-A do art. 30 da Lei nº 9.504/1997, que
com clareza solar aduz que para a reprovação das contas de campanha são necessários
mais que meros erros formais e materiais.
De maneira objetiva: é razoável que a mera apreciação, como aprovadas ou não-
aprovadas, das contas de campanha no processo de prestação de contas, cujas carac­
terísticas que ostenta foram elucidadas aqui, tenha o condão de impedir o cidadão de
adquirir sua quitação eleitoral (e tudo que ela representa como expressão da cidadania)?
Nos moldes que temos hoje, endentemos que não.
Pelas características próprias do processo de prestação de contas, entendemos que
as ações aqui expostas (Representação Eleitoral por Arrecadação e/ou Gasto Ilícito de
Recursos de Campanha, Ação de Investigação Judicial Eleitoral e Ação de Impugnação
de Mandato Eletivo) são processualmente mais adequadas para a apuração de ilícitos
graves e que, efetivamente, ensejem consequências severas aos seus autores. Seus ritos,
a qualificação do contraditório evidenciada no maior rigor da dilação probatória, o
empreendimento que deve se submeter a autoridade judicial para detectar o fato ilícito
e julgar procedente a ação, e as consequências de cada hipótese de cabimento destas
ações são mais compatíveis com a limitação do exercício da cidadania passiva do que
tal qual se desenvolve no processo de prestação de contas.
Por óbvio que não estamos a defender nem a impunidade e nem a desnecessidade
da prestação de contas. Não acreditamos, contudo, que tecnicamente o processo de
prestação de contas (ainda carente de muita evolução nos planos normativo e prático)
seja o meio jurídico adequado para afastar a quitação eleitoral de um cidadão, ainda
mais quando se tem três ações que já podem impedir posteriores candidaturas de
alguém que incorra em ilícitos relativos à arrecadação e gastos de campanha durante
o processo eleitoral.
Ao sumular o entendimento de suficiência da apresentação das contas de campanha
para fins de obtenção da certidão de quitação eleitoral (Súmula nº 57/TSE) o Tribunal
Superior Eleitoral parece ter conseguido enxergar a matéria através do prisma mais
adequado. Exige-se, portanto, a apresentação das contas, para que o candidato não se
furte das obrigações formais e materiais elencadas na legislação, mas não toma este
processo como o último meio para impedir que o cidadão venha a adquirir, posterior­
mente, sua quitação eleitoral.

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TARCÍSIO AUGUSTO SOUSA DE BARROS
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA E SEUS REFLEXOS PARA A OBTENÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL
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Referências
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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
318 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

SOUSA DE BARROS, Tarcísio Augusto. Poder político na Câmara dos Deputados: sobre distributivismo, seus
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BARROS, Tarcísio Augusto Sousa de. Prestação de contas de campanha e seus reflexos para a obtenção
da certidão de quitação eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber
de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 299-318. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 6

A PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO INIBIÇÃO


AO “CAIXA 2” DE CAMPANHA: A MEDIDA CAUTELAR
DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015

LUIZ FELIPE DA SILVA ANDRADE

6.1 Introdução
Certo é que as eleições no Brasil passam por constantes mudanças, principalmente
no cenário normativo, havendo, a bem da verdade, um regramento jurídico a cada dois
anos. E, isso não é de hoje, pois a “evolução ou regressão” das normas eleitorais remonta
desde a independência de nosso país.
Dentre as evoluções legislativas, podemos afirmar que um dos principais marcos
normativos atinentes ao processo eleitoral ocorreu em 1932, mediante o Decreto nº
21.076 (Código Eleitoral) que além de regular em todo o país o alistamento eleitoral e
as eleições federais, estaduais e municipais, também instituiu a Justiça Eleitoral.
Inicialmente à Justiça Eleitoral, pelo arcabouço normativo da época, competia a
execução das eleições, bem como zelar pela normalidade destas. Entretanto, ainda que
seja umbilicalmente ligado à questão da normalidade das eleições, o financiamento de
campanha e consequentemente os seus gastos só foram normatizados em 1965, pela Lei
nº 4.740 que instituía a obrigatoriedade das prestações de contas de campanhas eleitorais.
Desde então, pode-se atestar que, pela legislação a época em vigência, pouca –
para não se falar nenhuma – importância era dada a temática prestação de contas, e via
de consequência à questão de financiamento e dos gastos de campanha.
Esse desinteresse durou até 1990, ano em que surgiu o famoso escândalo do
“Esquema PC Farias”, caso que redundou no impeachment do ex-Presidente Fernando
Collor de Mello, representando o início da abertura da “caixa de pandora” dos finan­
ciamentos de campanhas eleitorais.
Ante o desconforto gerado pelo primeiro escândalo pós redemocratização, em
1997, é promulgada a Lei nº 9.504 (Lei das Eleições) que, além de estabelecer normas
gerais para as eleições, institui um regular processo de prestação de contas, criando
regras específicas, bem como limites e vedações a gastos e doações eleitorais.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
320 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Todavia, ainda que com a melhor delimitação das normas atinentes à prestação
de contas, em 2004 surgiu um novo rebuliço atrelado ao financiamento de campanhas
eleitorais, o “Escândalo dos Bingos” que consistia na extorsão de empresários com a
finalidade de arrecadar fundos para campanha eleitoral, sendo seguido por diversos
outros escândalos, até que em 2014 sobreveio a “Lava Jato” que descortinou um esquema
de lavagem de dinheiro, em que boa parte do dinheiro “lavado” seria aplicado em
campanhas eleitorais, sendo até então o maior caso de corrupção da espécie.
Ante a gravidade dos fatos, mais uma vez um Presidente fora impeachmado.
Desde esse momento, o país tem enfrentado uma crise política sem precedentes, pois,
com a abertura da “caixa de pandora” dos financiamentos eleitorais, ficou evidente o
desalinhamento do centro do nosso sistema jurídico, qual seja o Estado Democrático.
E, isso se deu e se dá pela inércia dos legitimados no que pertine à fiscalização e
controle do sistema de financiamento eleitoral. Para tanto, o que se propõe no presente
trabalho é uma releitura da postura dos legitimados, no sentido de torná-la mais enérgica
frente ao combate do “Caixa 2”.

6.2 Democracia, financiamento de campanhas e caixa 2


Contudo, antes de adentrarmos na questão meritória propriamente dita,
necessária é a contextualização da relação entre a democracia, o financiamento de
campanhas, “Caixa 2”, e o seu combate por meio da prestação de contas eleitoral.
A democracia, historicamente falando, é uma exceção em nosso país, talvez por
isso haja um distanciamento entre a sua concepção filosófica do que temos na vivência
diuturna. Em apertada síntese, é possível afirmar a democracia como a efetiva partici­
pação do povo na construção do Estado.
Assim, ante essa concepção simplória, podemos afirmar que a legitimação da
democracia está atrelada à rotatividade do poder pela sua renovação periódica, no nosso
caso, mediante eleições a cada dois anos. E, é justamente na questão da viabilização da
rotatividade do poder que entra a figura do financiamento de campanha, e por via de
consequência do “Caixa 2”.
É notório que o processo eleitoral em si é caro. E, é justamente por isso que aqueles
que detêm o poder econômico acabam por guiar e até mesmo ditar os resultados das
eleições, interferindo posteriormente de forma ativa nas ações do governo, como aponta
o Jornalista Salomão Ribas Junior:1

No ano de 2011 as empresas doaram R$54,6 milhões aos 29 partidos aptos a receber
recursos. O PT ficou com R$50,1 milhões de 75 doadores, o que representa 89,5% do total
doado. O PMDB, segundo colocado, também da base de apoio do governo, recebeu 5,2%
dos recursos doados por empresas para financiar partidos políticos. O principal opositor
ao governo recebeu R$2,3 milhões ou 4,3% do total. Os outros partidos praticamente não
arrecadaram. Nesse ano não houve eleições.
O exame da natureza das atividades empresariais dos doadores mostra que a maior
parte dos recursos do PT veio de empreiteiras de obras públicas. Foi um total de R$48,9
milhões. Também foi o setor com maior número de doadores: 21 empreiteiras. A maior
contribuição foi da empreiteira Andrade Gutierrez, com R$4,6 milhões.

1
RIBAS JUNIOR, Salomão. Corrupção pública e privada. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 236-237.

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LUIZ FELIPE DA SILVA ANDRADE
A PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO INIBIÇÃO AO “CAIXA 2” DE CAMPANHA: A MEDIDA CAUTELAR DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015
321

Fornecedoras de serviços e equipamentos para Petrobrás ficaram em 2º lugar com 10,8%


das doações. O setor petroquímico contribuiu com 99% do total. Finalmente, o setor
financeiro respondeu por 7,9% das doações (DI CUNTO, p. 2012).
Nas eleições municipais de 2012 (Prefeitos e Vereadores) as tendências se repetem. As
empreiteiras respondem por 49% das doações de empresas aos partidos políticos.

Ante a isso, os legisladores têm buscado impedir o desequilíbrio financeiro na


disputa eleitoral, coibindo-se o abuso do poder econômico nas eleições. Porém, ao se
deixarem pautar tão somente pela mídia e/ou pela pressão popular os legisladores
acabam adotando posturas deveras restritivas, como leciona Ana Claudia Santano:2

É natural que, diante de problemas muito complexos, como costumam ser os vinculados
ao financiamento irregular de partidos e à corrupção, vozes se ergam na direção de uma
solução, geralmente simplista e pouco reflexiva, indicando um “culpado” para a situação.
Neste caso, as doações vindas desde as pessoas jurídicas estão sendo sinalizadas como
uma das principais “culpadas” pela corrupção política em muitos sistemas democráticos.
No entanto, a decisão de proibir – direta e simplesmente – este tipo de doação, vem
acompanhada de muita expectativa e de um discurso que pode não se verificar na prática,
ou, pelo menos, não se percebe da forma como está sendo exposto. (...)
No Brasil, o debate sobre a possibilidade da participação das pessoas jurídicas no processo
eleitoral por meio de recursos econômicos foi fomentado pelo julgamento perante o
Supremo Tribunal Federal da Ação Direita de Inconstitucionalidade 4.650, promovida pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O argumento principal é que, do
modo como estava regulado, o financiamento de campanhas eleitorais fazia com que as
empresas tivessem muita influência do poder econômico, o que ofenderia os princípios
democrático, republicano e de igualdade, constantes na Constituição Federal de 1988.
Ou seja, tratava-se de uma ADI fundamentada em princípios (ou, na linguagem utilizada
na petição inicial, em cláusulas pétreas), já que nem mesmo a própria Constituição aborda
um modelo específico de financiamento.
Com o atual discurso público moralizador da política, o resultado já podia ser previsto
com certa antecedência, o do provimento da ação. No entanto, paralelamente a este
julgamento, houve a aprovação da Lei 13.165/15, que alterou em profundidade não só o
sistema de financiamento de partidos e campanhas eleitorais, mas também toda a legislação
eleitoral. A principal modificação foi a proibição absoluta de doações oriundas de pessoas
jurídicas, que embora não tenha sido parte do texto original da Lei, resultou assim por
força do veto presidencial a estas doações, contemplando a decisão do Supremo Tribunal
Federal, proferida logo depois.
Com a proibição de uma de suas principais fontes de arrecadação de recursos de candidatos
e partidos, o sistema brasileiro oferece escassas possibilidades de obtenção de fundos para
as campanhas eleitorais. Atualmente, o sistema arrecadatório de recursos para campanhas
e para partidos conta com as seguintes fontes permitidas: (i) recursos próprios; (ii) doações
de pessoas físicas; (iii) doações de outros candidatos ou partidos políticos; (iv) repasse de
recursos provenientes do Fundo Partidário; (v) receita decorrente da comercialização de
bens ou da realização de eventos. (...)
Diante disso, o modelo se mostra muito restritivo e limitado desde o ponto de vista político
e econômico, tendo em vista a desproporção entre o número de fontes de captação de
recursos permitidas e proibidas. Isso sem mencionar o custo de uma campanha eleitoral
no Brasil, que é alto (...).

2
SANTANO, Ana Claudia. O financiamento da política: teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed. rev.
e ampl. Curitiba: Íthala, 2016. p. 73-75.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
322 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Nesse viés, sem que seja realizada a necessária reflexão sobre o tema – restrição
de financiamento de campanhas, de certo não pode haver outro resultando senão
o estímulo as fraudes, comuns no Brasil desde o nosso nascedouro com o “jeitinho
brasileiro” de burlar as normas, principalmente aquelas que visam a lisura do pleito.
E, aqui entra a figura do “Caixa 2”.
O “Caixa 2”, em síntese,3 são recursos, financeiros ou não, empregados nas
campanhas eleitorais, cuja origem real não é declarada à Justiça Eleitoral na forma
como preconizado na legislação, via prestação de contas. Convém chamar atenção
à terminologia “origem real’, haja vista que o “Caixa 2” não se manifesta apenas
na ocultação de recursos, mas também na transversão da sua origem, senão veja os
apontamentos da dissertação de mestrado em ciência política de Carlos Joel Carvalho
de Formiga Xavier:4

(...) o conceito de Caixa 2 de campanha definido como as doações com fins ao financiamento
privado de campanhas eleitorais cuja origem verdadeira não seja declarada à justiça
eleitoral. Mais uma vez, a especificidade de “origem verdadeira” visa classificar de Caixa
2 de campanhas aquelas doações “esquentadas” por doadores “laranjas”, que assumem
a autoria de doações feitas por terceiros que não querem se identificar. Ainda que esse
componente adicione dificuldade a qualquer esforço de mensuração, há indícios de que
deixá-lo de fora dessa classificação seria uma omissão quantitativamente representativa.
Além disso, a informação quanto às fontes verdadeiras das contribuições de uma campanha
é de grande relevância, conforme ressalta Speck ao afirmar que o financiamento é parte
integral e essencial das propostas políticas que estão sendo apresentadas pelos partidos
e candidatos. Para que os cidadãos possam fazer uma escolha baseada em informações,
é necessário que saibam antes das eleições os principais dados sobre o financiamento
(Speck, 2006, p. 158).
Desse modo, pela definição aqui adotada, é a origem das contribuições e não os gastos
que define o financiamento de campanha através de Caixa 2, sempre que sua origem seja
não declarada ou seja declarada de forma fraudulenta.

No mesmo sentido, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, na oportunidade


do julgamento do Inquérito nº 3.982/DF, decidiu que mesmo formalmente declarada à
Justiça Eleitoral a doação de recursos para campanha pode ser considerada propina e
confi­gurar a prática de crimes, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, valendo
destacar os seguintes trechos do voto do Eminente Ministro Celso de Mello:5

(...) A utilização criminosa da Justiça Eleitoral como estratégia de lavagem de dinheiro


referente a doações oficiais
(...) tenho para mim, por relevante, que a prestação de contas à Justiça Eleitoral pode
constituir meio instrumental viabilizador do crime de lavagem de dinheiro se os recursos
financeiros doados oficialmente a determinado candidato ou a certo partido político

3
Apesar de ser possível maiores digressões sobre o tema, utilizaremos uma conceituação mais enxuta para fins
de viabilizar o presente trabalho, sem que haja maiores fugas à temática proposta.
4
FORMIGA XAVIER, Carlos Joel Carvalho de. A corrupção política e o caixa 2 de campanha no Brasil. Dissertação
(Mestrado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo: São Paulo, 2011. p. 76-77.
5
In Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-09/leia-voto-celso-mello-denuncia-
valdir-raupp>. Acesso em: 28 dez. 2017.

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LUIZ FELIPE DA SILVA ANDRADE
A PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO INIBIÇÃO AO “CAIXA 2” DE CAMPANHA: A MEDIDA CAUTELAR DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015
323

tiverem origem criminosa, resultante da prática de outro ilícito penal, a denominada


infração penal antecedente, como os crimes contra a Administração Pública, pois,
configurado esse contexto, que traduz engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a
prestação de contas atuará como típico expediente de ocultação ou de dissimulação da
natureza delituosa das quantias doadas em caráter oficial oriundas da prática do crime
de corrupção, p.ex...
Esse comportamento, mais do que ousado, constitui gesto de indizível atrevimento e de
gravíssima ofensa à legislação penal da República, na medida em que os agentes da conduta
criminosa, valendo-se do próprio aparelho de Estado, objetivam, por intermédio da
Justiça Eleitoral e mediante defraudação do procedimento de prestação de contas, conferir
aparência de legitimidade a doações compostas de recursos financeiros manchados, em
sua origem, pela nota da delituosidade.

Nesse contexto, muito embora indesejável, tem-se que a legitimação democrática


(as eleições) está ligada umbilicalmente com a figura do financiamento de campanhas,
que, por sua vez, está vinculado, em alguns casos, ao “Caixa 2”.
E, nessa toada de combate à corrupção (“Caixa 2”) é que surge a Lei nº 13.165/2015,
marco pelo qual houve o impedimento das doações de pessoas jurídicas, não neces­
sariamente por consignação expressa em Lei, já que estas na redação originária do texto
normativo eram possíveis, desde que não tivessem vínculo com a administração pública,
mas sim por força da decisão proferida na ADI nº 4.650, utilizada pelo Presidente da
República como fundamento do veto às doações de pessoas jurídicas:

Inciso XII e §§2º e 3º do art. 24 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, inserido pelo
art. 2º do projeto de lei
“XII – pessoas jurídicas com os vínculos com a administração pública especificados no §2º.”
“§2º Pessoas jurídicas que mantenham contrato de execução de obras com órgãos ou
entidades da administração pública direta e indireta são proibidas de fazer doações para
campanhas eleitorais na circunscrição do órgão ou entidade com a qual mantêm o contrato.
§3º As pessoas jurídicas que efetuarem doações em desacordo com o disposto neste artigo
estarão sujeitas ao pagamento de multa no valor de 100% (cem por cento) da quantia
doada e à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder
público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo
no qual seja assegurada ampla defesa.”
Arts. 24-A e 24-B da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, inseridos pelo art. 2º do
projeto de lei
“Art. 24-A. É vedado ao candidato receber doação em dinheiro ou estimável em dinheiro,
inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoa jurídica.
Parágrafo único. Não se consideram doações para os fins deste artigo as transferências ou
repasses de recursos de partidos ou comitês para os candidatos.”
“Art. 24-B. Doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais
poderão ser feitas para os partidos políticos a partir do registro dos comitês financeiros
dos partidos ou coligações.
§1º As doações e contribuições de que trata este artigo não poderão ultrapassar nenhum
dos seguintes limites:
I – 2% (dois por cento) do faturamento bruto do ano anterior à eleição, somadas todas
as doa­ções feitas pelo mesmo doador, até o máximo de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões
de reais);
II – 0,5% (cinco décimos por cento) do faturamento bruto, somadas todas as doações feitas
para um mesmo partido.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
324 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

§2º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita a pessoa jurídica
ao pagamento de multa no valor de cinco vezes a quantia em excesso.
§3º Sem prejuízo do disposto no §2º, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no
§1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos
com o poder público pelo período de cinco anos por determinação da Justiça Eleitoral,
em processo no qual seja assegurada ampla defesa.
§4º As representações propostas objetivando a aplicação das sanções previstas nos §§2º e
3º observarão o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990,
e o prazo de recurso contra as decisões proferidas com base neste artigo será de três dias,
a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.”
Razões dos vetos
“A possibilidade de doações e contribuições por pessoas jurídicas a partidos políticos e
campanhas eleitorais, que seriam regulamentadas por esses dispositivos, confrontaria a
igualdade política e os princípios republicano e democrático, como decidiu o Supremo
Tribunal Federal – STF em sede de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI 4.650/DF),
proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB. O STF deter­
minou, inclusive, que a execução dessa decisão ‘aplica-se às eleições de 2016 e seguintes, a
partir da Sessão de Julgamento, independentemente da publicação do acórdão’, conforme
ata da 29ª sessão extraordinária de 17 de setembro de 2015.”

Assim, diante do veto presidencial, houve a limitação das fontes de custeio das
campanhas eleitorais, para as eleições de 2016, a: (I) recursos próprios do candidato;
(II) doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas; (III) doações
de outros partidos políticos e outros candidatos; (IV) comercialização de bens e/
ou serviços ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político; (V) recursos próprios dos partidos políticos, desde
que identificada a sua origem e que sejam provenientes do fundo partidário (art. 38 da
Lei nº 9.096/95), de contribuições de pessoas físicas efetuadas aos partidos políticos, de
contribuições dos seus filiados, da comercialização de bens, serviços ou promoção de
eventos de arrecadação; (VI) receitas decorrentes da aplicação financeira dos recursos
de campanhas. Sendo que tal limitação ficou a cabo do art. 14 da Resolução do TSE
nº 23.463/2015.
Em tese, acreditou-se que extirpando, mediante a Lei nº 13.165/2015 e a Resolução
do TSE nº 23.463/2015, as doações de pessoa jurídica para as campanhas eleitorais estar-
se-iam resolvendo o problema da corrupção atrelado às eleições (v.g.: crimes de lavagem
de dinheiro e corrupção ativa e passiva). Não obstante a isso, parecem ter esquecido que
foi justamente a maior regulamentação o efetivo controle e a transparência das doações
de pessoas jurídicas que permitiram a descoberta dos grandes escândalos de corrupção.
Nesse norte, convém destacar as lições de Denise Goulart Schickmann:6

É como se o banimento do mundo jurídico do que se julgou ser a principal causa de


crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva fosse determinante para banir
os ilícitos em si.
Mas foi justamente o disciplinamento das doações de pessoas jurídicas, a definição das
vedações de fonte e a imposição de limites, insculpida na Lei 8.713/1993, que trouxe tais
doações à tona e permitiu que a Justiça Eleitoral e uma verdadeira e moderna rede de

6
SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas eleitorais. Curitiba: Juruá, 2016. p. 283-285.

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LUIZ FELIPE DA SILVA ANDRADE
A PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO INIBIÇÃO AO “CAIXA 2” DE CAMPANHA: A MEDIDA CAUTELAR DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015
325

controles – em evolução e eficazes, fruto do compartilhamento de informações entre os


mais diversos órgãos da administração pública – pudesse ser construída para coibir abusos
e responsabilizar aqueles que infringissem as regras de igualdade que fundamentam a
disputa eleitoral. E mais; com a evolução verificada a partir das eleições de 2010, coibindo-
se progressiva e substancialmente o financiamento por doações ocultas, pôde-se vincular
com precisão eventuais origens ilícitas e recursos e respectivos beneficiários, viabilizando
a sanção de condutas indevidas, no intuito de expurgá-las do processo eleitoral.
O banimento das pessoas jurídicas do processo de financiamento das contas eleitorais
não impõe automaticamente o fim de financiamento dessa natureza, mas o coloca à
margem dos mais modernos mecanismos de fiscalização e controle de que hoje dispõe a
Justiça Eleitoral. Impede, ao fim e ao cabo, que se faça a vinculação entre o financiador
ilícito e indireto das campanhas – quem poderá agora estar completamente relegado às
sombras – e seus beneficiários, dificultando em muito a sua eventual responsabilização.
Se extrema e negativamente impactantes os processos de apuração de financiamento ilícito
de campanhas eleitorais, a macular os processos eleitorais a que se vinculam, é por esses
mesmos processos que as instituições exercem o poder-dever de garantir a legitimidade
dos pleitos, afastando a influência maléfica do financiamento ilícito. Vale dizer: conhecer
a irregularidade não é um mal em si. O mal está em praticá-la.

Merece destaque a preocupação da servidora da Justiça Eleitoral de Santa


Catarina, no sentido de que a proibição da doação de pessoas jurídicas de per si não
significa o fim do “Caixa 2”, mas sim o seu ocultamento. Em igual sentido, vale destacar
a posição de Ana Clara Santano:7

Com a proibição das pessoas jurídicas de realizar doações para partidos e candidatos,
dois efeitos podem ser causados de imediato (...): um deles é, sem dúvida, a interrupção
abruta dessa transferência de recursos para os partidos, deixando-os em uma situação
bastante delicada para arcar com seus compromissos, seu sustento e suas campanhas, ou
sem alternativas, já que, como demonstrado, (...) contam com muitas poucas opções de
arrecadação de recursos. O outro é que, sem ter como afrontar tais custos, com escassez de
dinheiro e com a ausência de medidas objetivas em prol da diminuição do custo da vida
política, os partidos não titubearão antes de recorrer às vias irregulares de financiamento.
Isso porque a proibição de pessoas jurídicas não está sendo acompanhada por medidas
de fomento de doações de pessoas físicas (...) nem de medidas de fiscalização (...),
comprometendo diretamente a transparência e formando um ambiente muito propício
para o denominado “caixa 2”, ou financiamento não declarado.
Como efeito mediato, aumentará mais a percepção e a ocorrência de corrupção política,
o que agravará, ainda mais, o descrédito e a repulsa pela classe política. Sublinha-se que
o que se está proibindo são as doações lícitas e registradas de pessoas jurídicas, sem
nenhuma providência contras as ilícitas e não declaradas.

Dessa forma, inevitável é concluir que as alterações providas no sistema de


finan­cia­mento de campanhas, longe de estancar o problema do “Caixa 2”, acabou por
incentivá-los.
Agravado esta situação, tem-se a Lei nº 13.488/2017 que restringiu ainda mais
a fonte de custeio das eleições, vez que doravante candidatos não poderão utilizar
recursos próprios, no patamar do valor máximo de gastos de campanha, como fonte
de custeio das eleições.

7
SANTANO, Ana Claudia. Ibid. p. 73-75.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
326 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Assim, de certo que as últimas alterações legislativas, ainda que tenham imple­
men­tado mecanismos de maior controle e fiscalização de gastos, bem como tenham
buscado vias alternativas a falta de recursos, falha em sua essência. Pois, como visto
acima, quanto maior a restrição ao acesso de recursos, maior é a “tentação” dos partidos
polí­ticos e candidatos na busca de recursos de “Caixa 2”.

6.3 A prestação de contas


Como já abordado no item I, as prestações de contas eleitorais e partidárias passa­
ram a ter maior relevo a partir de 1997, com a promulgação da Lei nº 9.504/97 (Lei das
Eleições), a qual originalmente assim consignava:

Art. 28. A prestação de contas será feita:


I – no caso dos candidatos às eleições majoritárias, na forma disciplinada pela Justiça
Eleitoral;
II – no caso dos candidatos às eleições proporcionais, de acordo com os modelos constantes
do Anexo desta Lei.
§1º As prestações de contas dos candidatos às eleições majoritárias serão feitas por
intermédio do comitê financeiro, devendo ser acompanhadas dos extratos das contas
bancárias referentes à movimentação dos recursos financeiros usados na campanha e
da relação dos cheques recebidos, com a indicação dos respectivos números, valores e
emitentes.
§2º As prestações de contas dos candidatos às eleições proporcionais serão feitas pelo
comitê financeiro ou pelo próprio candidato.

A não bastar o substrato normativo infraconstitucional, convém destacar que o


dever inerente à prestação das contas deriva originalmente do próprio texto constitu­
cional, conforme as observações do Eminente Ministro Luiz Fux e o do Eleitoralista
Carlos Eduardo Frazão:8

No plano de sua justificação, o dever de prestar contas encontra seu fundamento de


validade no princípio fundamental republicano (CRFB/88, art. 1º, caput) e seu corolário
imediato no postulado da publicidade (CRFB/88, arts. 1º, caput, 5º, XXXIII, e 37, caput).
A despeito de conteúdo plurissignificativo e de vagueza semântica, afigura-se possível
identificar alguns atributos normativos mínimos no conteúdo jurídico dos aludidos
cânones magnos.
(...) Obviamente, referido mandamento é exigido não apenas dos agentes já investidos na
gestão da coisa pública. É imposto, ainda, aos players da competição eleitoral, i.e., partidos,
comitês e candidatos. Como bem advertiu o Ministro Celso de Mello, quando do julgamento
da ADPF nº 144, (...) [a] plena submissão de todos os candidatos [todos os envolvidos no
processo eleitoral] aos princípios que derivam da ética republicana e a integral exposição de
seu comportamento individual, profissional e social, inclusive de sua vida pregressa, a amplo
escrutínio público qualificam-se como requisitos cujo conhecimento deve ser transmitido
aos cidadãos da República, para que disponham de elementos de informação necessários à
prática responsável do poder-dever de eleger os representantes do Povo”.

8
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 283-
285.

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LUIZ FELIPE DA SILVA ANDRADE
A PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO INIBIÇÃO AO “CAIXA 2” DE CAMPANHA: A MEDIDA CAUTELAR DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015
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A esse norte, outra não pode ser a conclusão senão de que a prestação de contas
é de extrema relevância para o processo democrático, vez que proporciona maior
segurança aos “players da competição eleitoral”, garantido a lisura e a probidade das
campanhas eleitorais, por meio do controle dos recursos nela utilizados.
Em igual manifestação, encontramos as lições de Elmana Viana Lucena
Esmeraldo,9 in verbis:

A obrigação de prestar contas de campanha decorre da necessidade de resguardar


princípios insculpidos na Constituição Federal e nas leis eleitorais, como o da moralidade
das eleições, da igualdade de disputa entre os candidatos, da probidade e da impessoalidade
no exercício dos mandatos públicos e na administração da coisa pública.
As limitações quantitativas e qualitativas impostas às doações e aos gastos eleitorais
estabelecidas pela lei visam permitir uma disputa igualitária entre os candidatos aos
cargos públicos, tendo em vista que as condições financeiras entre aqueles que disputam
são díspares, de forma que muitos deles não têm condições de arcar com os custos da
campanha, tampouco dispõem de financiadores.

Assim, certo é que o objetivo da prestação de contas é combate de práticas antir­


republicanas de abuso do poder econômico durante o pleito, não podendo, por isso,
ser utilizada como instrumento de subterfúgio para dar ares de legalidade a recursos
indevidamente empregados nas campanhas eleitorais.
Por tal razão, necessária é uma postura mais enérgica, tanto da Justiça Eleitoral,
quanto dos legitimados para a fiscalização do pleito – Ministério Público Eleitoral,
Partidos Políticos e Candidatos, no sentido de se combater de imediato a deturpação
da prestação de contas e, consequentemente, a indevida utilização de recursos nas
campanhas eleitorais.

6.4 Das medidas cautelares da Resolução TSE nº 23.463/2015


De acordo com a Resolução TSE nº 23.463/2015, o prazo para apresentação da
prestação de contas é:

Em até 72h do recebimento de doações financeiras.


9 a 13 de setembro – entrega da prestação de contas parcial.
1º de novembro, até 19h – entrega da prestação de contas final dos candidatos às eleições
a vereador; os candidatos a prefeito que concorrem apenas em um turno; e de todos os
partidos políticos (independente da esfera), inclusive daqueles que tenham candidatos
concorrendo em segundo turno, em relação à movimentação de recursos realizado até o
primeiro turno.
19 de novembro, até 19h – entrega da prestação de contas final dos candidatos a prefeito que
concorrem ao segundo turno, compreendendo a movimentação de recursos de toda cam­
panha; em forma de prestação de contas complementar, abrangendo toda movi­mentação
de recursos da campanha, os partidos políticos que tenham candidatos concor­rendo em
segundo turno ou que tenham doado a candidatos que concorreram em segundo turno.

9
ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais: manual prático de arrecadação e gastos de
recursos em campanha e de prestação de contas. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 148.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
328 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Observa-se, de tal modo, que, caso existam irregularidades graves na utilização/


captação de recursos, isso somente será visualizado nas seguintes oportunidades: I) 72h
após o recebimento de doações financeiras – se a irregularidade for afeta a recebimento
de recursos; II) durante a prestação de contas parcial, ou seja, após quase 30 dias de
campanha; III) durante a prestação de contas final, ou seja, após a campanha eleitoral.
Nesse norte, considerando a inovação no §3º do art. 224 do CE, trazida pela Lei
nº 13.165/2015, no sentido de que “a decisão da Justiça Eleitoral que importe o
indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato
eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas
eleições, independentemente do número de votos anulado”, torna-se um contrassenso
aguardar o término das eleições para que sejam coibidos os abusos atinentes ao financia­
mento de campanha. Se assim o for, a legitimação do processo democrático estará
deveras prejudicada.
E, justamente, no intuito de se evitar danos irreparáveis ao processo democrá­
tico, com a sua contaminação pelo abuso do poder econômico, é que a Resolução TSE
nº 23.463/2015 previu, em seu bojo, diversas medidas cautelares como forma de combater
as irregularidades no sistema de financiamento de campanhas.
Digno de nota, a conceituação sobre a finalidade da tutela cautelar, proferida
pelo Professor José Miguel Garcia Medina:10

A tutela cautelar tem escopo assecuratório: garantir a eficácia e a utilidade de providência


jurisdicional pleiteada (...).
A razão para a existência de uma medida com esta função protetiva é a natural demora
do processo (dano marginal), em razão da qual surgem situações de urgência a necessitar
de imediata intervenção judicial, isto a bem da proteção das pessoas, das coisas ou das
provas indispensável à concessão da tutela principal.

A esse esquadro, a Resolução TSE nº 23.463/2015 prevê como forma de busca


da verdade real que possibilitem a análise substancial da prestação de contas e, ainda,
como combate ao abuso do poder econômico nas eleições, garantindo a higidez das
eleições, as seguintes medidas cautelares:

Art. 40. O Juiz Eleitoral ou os Tribunais Eleitorais podem, a qualquer tempo, mediante
provo­cação ou de ofício, determinar a realização de diligências para verificação da regu­
laridade e efetiva realização dos gastos informados pelos partidos políticos ou candidatos.
§1º Para apuração da veracidade dos gastos eleitorais, o Juiz, mediante provocação do
Ministério Público Eleitoral ou de qualquer partido político, coligação ou candidato, pode
determinar em decisão fundamentada:
I – que os respectivos fornecedores apresentem provas aptas para demonstrar a prestação
de serviços ou a entrega dos bens contratados;
II – a realização de busca e apreensão, exibição de documentos e demais medidas
antecipatórias de produção de prova admitidas pela legislação;
III – a quebra do sigilo bancário e fiscal do fornecedor e/ou de terceiros envolvidos.

10
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de; GAJARDONI, Fernando Fonseca. Procedimentos
cautelares e especiais: ações coletivas, ações constitucionais, jurisdição voluntária, antecipação dos efeitos da tutela,
juizados especiais cíveis, federais e da fazenda pública. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010. p. 148.

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LUIZ FELIPE DA SILVA ANDRADE
A PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO INIBIÇÃO AO “CAIXA 2” DE CAMPANHA: A MEDIDA CAUTELAR DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015
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Art. 83. A autoridade judicial, à vista de denúncia fundamentada de filiado ou delegado


de partido, de representação do Procurador-Geral ou Regional ou de iniciativa do
Corregedor, diante de indícios de irregularidades na gestão financeira e econômica da
campanha, poderá determinar as diligências e providências que julgar necessárias para
obstar a utilização de recursos de origem não identificada ou de fonte vedada.

Art. 93. A qualquer tempo, o Ministério Público Eleitoral e os demais partidos políticos
poderão relatar indícios e apresentar provas de irregularidade relativa à movimentação
financeira, recebimento de recursos de fontes vedadas, utilização de recursos provenientes
do Fundo Partidário e realização de gastos que esteja sendo cometida ou esteja prestes
a ser cometida por candidato ou partido político antes da apresentação de suas contas
à Justiça Eleitoral, requerendo à autoridade judicial competente a adoção das medidas
cautelares pertinentes para evitar a irregularidade ou permitir o pronto restabelecimento
da legalidade.
§1º Na hipótese prevista neste artigo, a representação dos partidos políticos e do Ministério
Público Eleitoral deverá ser realizada pelos seus representantes que possuam legitimidade
para atuar perante a instância judicial competente para a análise e julgamento da prestação
de contas do candidato ou do órgão partidário que estiver cometendo a irregularidade.
§2º As ações preparatórias previstas neste artigo serão autuadas na classe Ação Cautelar
e, nos Tribunais, serão distribuídas a um relator.
§3º Recebida a inicial, a autoridade judicial, determinará:
I – as medidas urgentes que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória,
quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano
ou o risco ao resultado útil do processo;
II – a citação do candidato ou do órgão partidário, conforme o caso, entregando-lhe cópia
da inicial e dos documentos que a acompanham, a fim de que, no prazo de cinco dias,
ofereça ampla defesa acompanhada dos documentos e provas que pretende produzir.
§4º A ação prevista neste artigo observará, no que couber, o rito das ações cautelares
preparatórias ou antecedentes previstas no Código de Processo Civil.
§5º Definida a tutela provisória, que poderá a qualquer tempo ser revogada ou alterada,
os autos da ação cautelar permanecerão em secretaria para serem apensados à prestação
de contas do respectivo exercício quando esta for apresentada.

Ante a isso, é possível classificar as medidas da Resolução TSE nº 23.463/2015 em


dois grupos: I) produção de provas; e II) preventiva ou inibitória.

6.4.1 Das medidas de produção de provas


Segundo a dicção do §1º do art. 40 da Resolução TSE nº 23.463/2015, a qualquer
tempo o Juiz Eleitoral ou os Tribunais Regionais Eleitorais poderá, mediante provocação
do Ministério Público Eleitoral ou de qualquer partido político, candidato ou coligação,
por decisão fundamentada determinar a realização de diligências para verificar a
regularidade e efetiva realização dos gastos informados pelos partidos políticos ou
candidatos.
Dentre as medidas consignadas estão a possibilidade de estipular que os forne­
cedores apresentem provas aptas a demonstrarem a efetiva prestação de serviços ou a
entrega dos bens contratados.
Além disso, ainda é possível que seja realizada busca e apreensão, exibição
de documentos, quebra do sigilo bancário e fiscal do fornecedor e/ou de terceiros

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
330 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

envolvidos, bem como de demais medidas antecipatórias de produção de prova


admitidas pela legislação.
Note-se que, para a medida de produção de provas deve-se aquilatar única e
exclusivamente a probabilidade do direito evocado e o perigo de dano ao resultado
útil do processo, o qual, no presente caso, representaria na destruição das provas
perquiridas, ou na sua destruição.
Destaca-se que as medidas cautelares do grupo de produção de provas, visam
tão somente à produção antecipada de provas, com vistas à realização antecipada do
batimento das informações prestadas nas prestações de contas e/ou nos relatórios
financeiros. Assim, não há que se falar de valoração de prova, sendo tal momento o
julgamento final da prestação de contas ou eventual ação relacionada à movimentação
de recursos de campanha (v.g. representação do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, e da AIME
ou AIJE, por abuso de poder econômico).

6.4.2 Das medidas preventivas ou inibitórias


Ao contrário das medidas anteriores, as consignadas nos arts 83 e 93 da Resolução
TSE nº 23.463/2015 buscam uma análise, ainda que perfunctória, do mérito da demanda
ora proposta. Ou seja, neste caso há valoração das alegações e provas apresentadas em
juízo.
Na medida posta no art. 83, diante de indícios de irregularidades na gestão
finan­ceira e econômica da campanha, apresentadas por denúncia fundamentada de
filiado ou delegado de partido; representação do Procurador-Geral ou Regional; ou por
representação de iniciativa do Corregedor poderá a autoridade judicial determinar, por
decisão fundamentada, as diligências e providências que julgar necessárias para obstar
a utilização de recursos de origem não identificada ou de fonte vedada.
Já a tutela apresentada no art. 93, diferencia-se da anterior apenas e tão somente
no rol de legitimados, sendo para esta ação legítimos Ministério Público Eleitoral ou
partidos políticos – não há legitimidade de filiados ou delegados de partidos, bem como
não há possibilidade de instauração de ofício mediante representação do Corregedor.
Entretanto, tanto no objetivo quanto na processualística são iguais. Isto é, nada
mais são senão que uma tutela de natureza preventiva ou inibitória. Preventiva,
porquanto pode ser manejada antes da perpetração do ilícito, impedindo o seu
cometimento, e inibitória, pois pode ser manejada durante a perpetração do ilícito para
que este seja cessado, preservando-se a higidez e a lisura do pleito.
Assim, no que couber, deverão quanto ao procedimento serem observados os
dispostos no art. 300 a 310 do Código de Processo Civil de 2015.
Por fim, convém destacar que não há nessas medidas a pretensão de aplicação
de sanções aos candidatos e partidos políticos, mas apenas que seja tolhida a utilização
indevida de recursos em campanha, como forma de preservar a probidade do processo
eleitoral.

6.5 Considerações finais


Em arremate, face das considerações acima, outras não podem ser as conclusões,
senão as de que:

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LUIZ FELIPE DA SILVA ANDRADE
A PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO INIBIÇÃO AO “CAIXA 2” DE CAMPANHA: A MEDIDA CAUTELAR DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015
331

(I) as restrições quanto ao acesso de recursos para financiamento de campa­


nhas eleitorais (vedação de doação de pessoas jurídicas e proibição de
autofinanciamento) não é benéfico para a manutenção do princípio demo­
crático, haja vista que isso acaba incentivando o “Caixa 2” de campanha;
(II) ainda que seja de seu escopo, a prestação de contas de per si não combate o
“Caixa 2”, motivo pelo qual acertadamente a Resolução TSE nº 23.463/2015
previu em seu bojo a possibilidade de adoção de medidas cautelares, a fim
de que fosse dada maior efetividade à lisura e higidez do pleito eleitoral;
(III) as medidas cautelares da Resolução TSE nº 23.463/2015 podem ser divididas
em medidas de produção antecipada de provas e medidas inibitórias e pre­
ventivas;
(IV) as medidas de produção de provas, visam tão somente à produção antecipada
de provas, com vistas à realização antecipada do batimento das informações
prestadas nas prestações de contas e/ou nos relatórios financeiros. Assim,
não há que se falar de valoração de prova, sendo tal momento o julgamento
final da prestação de contas ou eventual ação relacionada à movimentação
de recursos de campanha;
(V) já as medidas inibitórias e preventivas buscam que seja tolhida a utilização
indevida de recursos em campanha, como forma de preservar a probidade do
processo eleitoral, não consistindo em aplicação de sanções aos candidatos
e partidos políticos;
(VI) em qualquer dos casos, as medidas cautelares deverão observar, no que
couber, a sistemática do Código de Processo Civil de 2015.
Ante a isso, acertado é afirmar que as prestações de contas em si não combatem
a malversação de recursos nas campanhas eleitorais, mormente quando por vezes o
próprio instituto é utilizado para mascarar as irregularidades atinentes à arrecadação
ou aos gastos.
Por isso, tem-se, atualmente, as medidas cautelares da Resolução TSE nº 23.463/
2015 como maiores instrumentos de combate ao “Caixa 2”, haja vista que buscam,
em sua essência, garantir a higidez e a lisura do pleito, viabilizando maior controle e
fiscalização dos recursos empregados em campanha.

Referências
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19 jul. 1965.
______. Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965. Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 19 jul. 1965.
______. Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 20 set. 1995.
______. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 1º out. 1997.
______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
13 mar. 2015.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
332 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

______. Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, 9.096,
de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, para reduzir os custos das
campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 nov. 2015.
______. Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis nºs 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das
Eleições), 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), e revoga
dispositivos da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015 (Minirreforma Eleitoral de 2015), com o fim de
promover reforma no ordenamento político-eleitoral. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 out. 2017.
______. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4.650. Relator Ministro Luiz Fux. Acórdão. Diário da Justiça Eletrônico
do Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, 25 fev. 2016.
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ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais: manual prático de arrecadação e gastos de
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FORMIGA XAVIER, Carlos Joel Carvalho de. A corrupção política e o caixa 2 de campanha no Brasil. Dissertação
(Mestrado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
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FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de; GAJARDONI, Fernando Fonseca. Procedimentos
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MELLO, Celso de. Voto no Inquérito nº 3.982/DF. In: Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.
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SANTANO, Ana Claudia. O financiamento da política: teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
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SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas eleitorais. Curitiba: Juruá, 2016.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

ANDRADE, Luiz Felipe da Silva. A prestação de contas como inibição ao “caixa 2” de campanha: a
medida cautelar da Resolução TSE nº 23.463/2015. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande;
AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 319-332. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 7

RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE


POLÍTICO: PROPOSTA PARA UM “NOVO” E EFETIVO
CONTROLE FINANCEIRO DAS CAMPANHAS
ELEITORAIS

ALESSANDRO JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA

7.1 Introdução
Acompanhando a crescente importância jurídica da estrutura Judiciária Eleitoral,
as contas de campanha, em proporção direta, aumentam em complexidade e necessário
acompanhamento.
Os recentes episódios criminais que assolam a realidade nacional, com maior ou
menor proximidade, orbitam nas questões atreladas à arrecadação e gastos de campanha,
o que acarreta o mister de maior acompanhamento e investimento no aprimoramento
dos mecanismos de controle e fiscalização.
A prestação de contas objetiva o controle nas arrecadações e gastos de campanha,
procurando assegurar a regularidade e transparência econômico-financeira do pleito
eleitoral, visando a obstar a utilização de recursos vedados, não identificados, sonegados
ou superfaturados. É por meio dela que se podem verificar eventuais irregularidades,
desde meras inconformidades formais, até condutas criminosas, com especial destaque
ao chamado “caixa 2” de campanha, vale dizer, movimentações paralelas de valores
envolvidos no processo eleitoral, sem considerar delitos conexos como corrução (a de­
pender do elemento finalístico), lavagem de dinheiro, etc.
Além da gravidade implícita na conduta criminosa em si, importante consignar
que eventuais fraudes nas contas de campanha, e sua prestação, influenciam diretamente
no pleito eleitoral, causando desequilíbrio entre os candidatos, com prejuízos evidentes
ao sufrágio, um dos pilares democráticos.

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334 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Por outro lado, o sistema hoje formatado para a aferição das receitas e despesas
dos candidatos, eleitos ou não, por inúmeros fatores, não propicia um real controle
das contas prestadas.
No procedimento de verificação em vigor, o sistema de fiscalização da Justiça
Eleitoral é chamado a verificar e aprovar não propriamente as contas (entendidas como
receitas e gastos de campanha), mas simplesmente o encontro de informações prestadas
pelos próprios candidatos com outras informações também por ele fornecidas, além de
outras confrontações com bases conveniadas e por meio de circularização.
Tampouco os recibos de contribuição e arrecadação, ou ainda os extratos da conta
bancária jungida aos autos de prestação, são hábeis a atestar a regularidade material
da informação, ou que todos os recursos efetivamente transitaram pela conta especi­
ficamente aberta. A prática indica que a existência de uma conta bancária oficial acaba
sendo, para o candidato que pretende movimentações paralelas, apenas um mecanismo
formal de fechamento contábil artificial após o processo eleitoral.
Em outras palavras, não se tem um “verdadeiro exame de contas”, senão tão
somente um mero e formal encontro de informações prestadas por uma mesma pessoa,
no caso, o próprio interessado, sem que se lhe seja exigido, no mais das vezes, qualquer
documento com o qual se pudesse verificar os dados por ele apresentados.
Bem por isso, discursos recorrentes entre suspeitos e acusados de crimes envol­
vendo contas de campanha, no sentido de buscarem isenção de responsabilidade a
partir da ideia que “a prestação de contas foi aprovada pela justiça eleitoral”, é um
argumento frágil, deslocado e puramente retórico.
Isso porque não há relação jurídica de dependência entre a aprovação/desapro­
vação/aprovação com ressalvas das contas de campanha pela Justiça Eleitoral e a
presença ou ausência de fraude ou conduta criminosa envolvida na omissão de
informações relevantes.
Campanhas viciadas, com movimentações financeiras paralelas, informações
falsas, podem ter sido aprovadas pela justiça eleitoral (que realiza uma análise formal
superficial, como vimos) sem que isso signifique um salvo conduto que indenize eventual
responsável pelas irregularidades verificadas. Assim como contas desaprovadas pela
Justiça Eleitoral não significam necessariamente a existência de conduta criminosa; aliás,
pelo sistema de responsabilidades da legislação eleitoral, a desaprovação de contas,
por si só, não acarreta nenhuma consequência ao candidato, que somente tem uma
situação jurídica mais punitiva se as contas forem consideradas como “não prestadas”,
mesmo assim não significa, automaticamente, a presença de alguma conduta criminosa
envolvida na prestação de contas.
Estabelecidas essas premissas, o presente ensaio visa a questionar a responsabi­
lidade jurídica penal do agente político (ou ausência de), pelas informações prestadas
perante a justiça eleitoral, relativas às contas de campanha.
Em outros termos, qual a responsabilidade penal, ou os pressupostos para
esta responsabilidade, para o agente político que concorre a cargo eletivo, em relação
à pres­tação de contas de campanha perante a Justiça Eleitoral, especialmente as
movimentações paralelas, empiricamente conhecidas como “caixa dois de campanha”,
como proposta possível para um efetivo controle financeiro das campanhas eleitorais.

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ALESSANDRO JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA
RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE POLÍTICO: PROPOSTA PARA UM “NOVO” E EFETIVO CONTROLE FINANCEIRO DAS CAMPANHAS...
335

7.2 Da Justiça Criminal Eleitoral


A Constituição Federal atribui à Justiça Eleitoral competência para processo e
julgamento dos “crimes eleitorais”. Sem uma carreira própria, senão constituída por uma
estrutura híbrida, a Justiça Eleitoral, ordinariamente, depara-se com causas criminais
eleitorais, propostas pelo também híbrido Ministério Público Eleitoral, vez que se trata
de infrações penais que demandam iniciativa pública incondicionada – ressalvada a
rara ação penal privada subsidiária da pública.
Dos crimes eleitorais destacam-se aqueles que apresentam agentes políticos
como sujeitos ativos (eventualmente, como partícipes). O agente político aqui no seu
sentido comum, como o cidadão que se apresenta como profissional deste setor social,
seja se apresentando como candidato, seja como dirigente de entidade partidária,
seja como exercente de cargo político eletivo, enfim aquele que pode ser categorizado
como “político profissional”. Ou seja, o agente político aqui utilizado não coincide,
necessariamente, com a noção utilizada em Direito Constitucional-Administrativo.
Exemplos de infrações penais epigrafadas poderiam ser citados a boca de urna,
transporte de eleitores, coação de eleitores, corrupção eleitoral, falsidade ideológica
(mormente na prestação de contas), etc. Condutas que podem apresentar a figura
(central) do político como autor ou, eventualmente, como partícipe. Porém, para o
presente ensaio que se volta ao controle financeiro das campanhas eleitorais, centraremos
a atenção à falsidade eleitoral e uso de documento ideologicamente falsos.
A dogmática penal tradicional, inspirada e circunscrita, ainda, em uma
abordagem liberal individualista do delito, não apresenta respostas adequadas aos
fenômenos criminais eleitorais contemporâneos, principalmente por não apresentarem
instrumentais suficientes para alcançar, ordinariamente, a responsabilidade (penal) dos
sujeitos ligados, objetiva e subjetivamente, à conduta ilícita.
Consequentemente, a justiça eleitoral não tem lidado bem com a responsabilidade
penal do “homem de trás”, isto é, do agente político, em benefício de quem as práticas
ilícitas são muitas vezes perpetradas.
Baseada em uma monocular noção de responsabilidade penal objetiva, tais
agentes, tão ou quão responsáveis pela conduta, quedam-se, muitas vezes, alheios à
persecução penal, forte em equívocas e ultrapassadas interpretações de doutrina penal
liberal-individualista.
A práxis penal eleitoral tem se voltado para a responsabilidade do autor imediato,
não raras vezes um “bode expiatório” de uma verdadeira organização criminosa, gerando
um pernicioso efeito espiral de movimentos retroalimentadores da criminalidade, até
em decorrência da fungibilidade de tais agentes. É dizer, falha o Direito Penal enquanto
contraestímulo, na medida em que se volta a elementos fungíveis de uma engrenagem
perniciosa que, sabidamente, está ligada a outras frentes de criminalidade organizada.
Ousamos dizer que a corrupção endêmica em “terra brasilis” tem nascedouro,
destino, ou caminho, em medidas injurídicas no processo eleitoral e é diretamente
estimulada por uma resposta penal míope e monocular do fenômeno criminal que se
serve de objeto.
Assim como a doutrina penal tem revisitada a responsabilidade penal nos cha­
mados delitos empresariais econômicos, temos ser perfeitamente possível o empréstimo
de algumas discussões e temáticas, para apresentar convergências à responsabilidade

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
336 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

penal do agente político, máxime com o crescente enlace empresarial do processo


eleitoral.
Trazer as contemporâneas críticas acerca da responsabilidade penal do chamado
autor de escrivaninha, isto é, aquele que não executa, materialmente, as condutas
previstas na norma penal incriminadora, mas que está ligado, objetiva e subjetivamente
a ela, fazendo uma leitura destas concepções para o Direito Penal Eleitoral, é medida
que urge na estrutura persecutória eleitoral. Ou ainda, levantar algumas indagações
acerca da doutrina penal tradicional e contemporânea, acerca da responsabilidade penal
do agente político em crimes eleitorais, a partir de uma perspectiva hermenêutica da
legislação hoje vigente (princípio da legalidade estrita).
Menos uma retroalimentação da tendência expansiva do Direito Penal, mais uma
adequação da doutrina penal para que os responsáveis possam responder pelos seus
atos, “na medida de suas culpabilidades”.
Mas há um problema estrutural nesta temática, a composição das cortes elei­
torais, composta por operadores do Direito experimentados na área eleitoral, não neces­
sariamente na área criminal, o que tende a gerar uma contradição perfomativa relevante,
fazendo com que o Direito Penal Eleitoral deixe de acompanhar as modernas discussões,
principalmente em termos de responsabilidade e elemento subjetivo das condutas
típicas, mantendo as discussões forenses em uma perspectiva liberal individualista que
tem sido revisitada alhures pela doutrina e jurisprudência penalistas.
O outro problema estrutural da Justiça Eleitoral no âmbito criminal-eleitoral diz
respeito à transitoriedade de seus membros e a dinâmica jurisprudencial.
A Justiça Eleitoral é elogiada pela necessária transitoriedade de seus membros e
a consequente dinâmica jurisprudencial. Chega-se a dizer que não existe propriamente
uma jurisprudência eleitoral, senão conjunto de decisões da atual composição das cortes
regionais ou do TSE.
Porém esta virtude tem um contraponto tendencialmente prejudicial à necessária
estabilidade e aprofundamento científico da matéria criminal, em que a instabilidade
decisória pouco contribui para a evolução e verticalidade de alguns temas de relevância.
Em síntese, na convergência entre duas especialidades jurídicas, a eleitoral e a
criminal, os crimes eleitorais sofrem de uma aporia e paradoxo em que as principais
virtudes da Justiça Eleitoral pouco contribuem e, em certa medida, estão em tensão
com um moderno sistema de responsabilidade penal, especialmente em termos de
contas de campanha.

7.3 O famigerado caixa 2 de campanha


Recentemente os meios jornalísticos anunciaram tentativas do Congresso
Nacional em “anistiar” o caixa 2 de campanha. Paralelamente, anuncia-se a inexistência
de uma previsão de crime de caixa 2. Como solucionar a aparente contradição, ou seja,
anistiar o que não existe!
Na verdade, de fato não existe a previsão específica de um tipo penal que crimi­
nalize o que se convencionou chamar de caixa 2 de campanha eleitoral, mas isso não
significa a irresponsabilidade penal. Isso porque a movimentação paralela de valores
significa, antes de tudo, omissão de informações juridicamente relevantes, ou prestação

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ALESSANDRO JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA
RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE POLÍTICO: PROPOSTA PARA UM “NOVO” E EFETIVO CONTROLE FINANCEIRO DAS CAMPANHAS...
337

de informações inverídicas, o que pode caracterizar os crimes de falsidade ideológica


eleitoral ou uso de documento falso.
A falsidade ideológica eleitoral vem prevista como crime pelo artigo 350 do
Código Eleitoral:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar,
ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para
fins eleitorais:
Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público,
e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

O tipo penal em questão é similar à falsidade ideológica do Código Penal, sendo


que apenas se acrescentou a expressão “para fins eleitorais” à conduta de omitir infor­
mação que deveria constar ou fazer constar informação falsa em documento público ou
particular. Sendo que tal elementar é, por óbvio, indispensável à configuração do tipo
penal (elemento subjetivo diverso do dolo, finalidade, dolo específico para a doutrina
clássica).
Tem-se, também, que conforme a capitulação do tipo penal, este pode ser consu­
mado tanto com conduta comissiva quanto omissiva. No entanto, qualquer dessas
condutas deve ser intencional, nas palavras de Nelson Hungria (HUNGRIA, 1959):

a inserção de falsa ou alterada declaração, ou omissão da declaração que deveria ser


feita, somente se incrimina quando intencional: se resulta de erro espontâneo, deixa de
ser punível; se de erro dolosamente provocado por terceiro, somente este responderá
pelo crime.

A consumação se dá justo com a ação omissiva ou comissiva (GOMES, 2000),


“assim, no momento em que restou omitida a declaração que deveria constar (…), ou
então, no momento em que foi inserida ou determinada inserção no documento de decla­
ração falsa ou diversa daquela que deveria constar, com fins eleitorais, consumado está o
crime”. E tal ação pode se dar das mais diversas formas, sendo crime de execução livre.
Ressalvada certa polêmica que não exploraremos, falsidade contida em prestação
de contas de campanha indica a finalidade eleitoral prevista no tipo subjetivo, afinal,
ela é o principal instrumento de controle do financiamento e dos fatos de campanha.
Representa a arma mais eficaz no combate ao abuso de poder econômico, tendo em
vista o necessário equilíbrio material entre os candidatos em um sistema democrático.
Resta claro, então, que a distinção a ser feita do falso eleitoral em relação à falsidade
comum que reclama a incidência do delito previsto no Código Eleitoral, não chega a
ser tão específica a ponto de se verificar se a conduta tem aptidão ou não para interferir
no resultado do pleito.
A norma tem por escopo proteger a fé pública eleitoral e, para tanto, se a ação
ou omissão verificada abalar a transparência e, por conseguinte, a confiança atrelada
aos documentos do processo eleitoral, em qualquer das suas fases, resta configurada
a conduta. Dessa forma, não há como definir finalidade eleitoral unicamente como a
possibilidade de alterar o resultado do pleito, uma vez que o processo eleitoral envolve,
também, atos praticados após eleições que, igualmente devem ser guiadas pela verdade
e transparência. Portanto, temos que deve ser afastado o entendimento segundo o qual

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
338 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

a omissão de informação na prestação de contas não pode caracterizar o crime previsto


no art. 350, por ela ser apresentada após o pleito e não ter capacidade de alterar o
resultado (CASTRO, 2012).
Considera-se, então, que a omissão de informação que deveria constar, ou inser­
ção de informação falsa em prestação de contas é conduta típica prevista pelo crime do
artigo 350 do Código Eleitoral, qual seja, a falsidade ideológica eleitoral.
Afora essa questão, a jurisprudência é uníssona ao considerar necessária à
tipificação da falsidade ideológica que essa seja praticada a fim de se ocultar/dissimilar
fato juridicamente relevante.
Nas palavras de Suzana de Camargo Gomes (GOMES, 2000, p. 302):

Ademais, somente resulta consumado o crime, se o documento falsificado ideologicamente


contiver potencialidade lesiva. Deve, portanto, oferecer risco ao processo eleitoral, posto
que, de outra forma, a falsidade é inócua, e neste caso, não há de se cogitar de crime (...).

O crime de uso de documento falso, por sua vez, vem previsto pelo artigo 353
do Código Eleitoral:

Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados, a que se referem
os artigos. 348 a 352:
Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

O tipo penal em questão é, também, similar ao crime de uso de documento falso


do Código Penal, lá previsto no artigo 304, com acréscimo da expressão “para fins
eleitorais, elemento subjetivo essencial à configuração do tipo.
O crime apenas se configura com o efetivo uso do documento anteriormente
falsificado, não bastando o mero porte do documento. Por óbvio, para que haja o crime
de uso de documento falso, deve estar presente, também, algum dos crimes previstos
entre os artigos 348 e 352, visto que não há como usar documento falso, sem antes
produzir o elemento falso do documento.
Por óbvio, o crime fim (uso) absorverá o crime anterior, seja este de falsificação
de documento particular/público ou de falsidade ideológica. Ensina Rodrigo López
Zilio (ZILIO, 2014. p. 207-208):

Esse tipo delitivo se perfaz com a efetiva utilização de quaisquer documentos que foram
falsificados – material ou ideologicamente – com finalidade eleitoral. Não basta, pois, o
mero porte do documento falso para a configuração do delito. MARINO PAZZAGLINI
FILHO acentua a necessidade de que “a exibição do documento falso seja espontânea,
por vontade do usuário e não forçada como ocorre em revista policial” (p. 131). O uso
do documento falso, como regra, pela jurisprudência majoritária, absorve as falsidades
havidas na documentação.

Não basta que estejam presentes as elementares do tipo para sua configuração,
a conduta deve ter potencialidade lesiva para ferir o bem jurídico tutelado que é a fé
pública eleitoral e a autenticidade dos documentos. Nesse aspecto também é uníssona
a jurisprudência.
Nas palavras de Suzana de Camargo Gomes (GOMES, 2010, p. 287):

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RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE POLÍTICO: PROPOSTA PARA UM “NOVO” E EFETIVO CONTROLE FINANCEIRO DAS CAMPANHAS...
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Por outro lado, cumpre consignar que o crime tipificado no art. 353 do Código Eleitoral
exige, para sua configuração, que o documento falso utilizado tenha aptidão para enganar,
para iludir, posto ser indispensável a existência de perigo de dano. Assim, a utilização
de documento, objeto de falsificação grosseira, sem potencialidade lesiva, não caracteriza
o crime em tela, sendo hipótese de reconhecimento de que se trata de crime impossível,
art. 17, CP.

Estando presentes, então, além das elementares do tipo, qual seja usar documento
anteriormente falsificado com finalidade eleitoral, também a potencialidade lesiva,
restará configurado o crime de uso de documento falso.
A utilização de documentos ideologicamente falsos, no processo de prestação de
contas da campanha eleitoral pode caracterizar, indubitavelmente, o crime epigrafado,
mormente no que tange movimentações financeiras paralelas.

7.4 A responsabilidade subjetiva do candidato pelas informações


constantes na prestação de contas de campanha
Estabelecidas algumas premissas quanto à estrutura da Justiça Criminal Eleitoral
enquanto estrutura orgânica integrante de um macrossistema de persecução criminal;
esclarecidos alguns pontos doutrinários rápidos acerca dos crimes de falsidade
ideológica e uso de documento falso, uma das principais ocorrências delituosas em
prestações de contas de campanhas viciadas, chega o momento, neste ensaio, de buscar
premissas metodológicas, enquanto proposta, sobre a responsabilidade subjetiva a
partir de práticas criminosas.
Não sem antes mais alguns esclarecimentos doutrinários operacionais.
Temos insistido que a prática forense criminal eleitoral ainda orbita em conceitos
clássicos, de um período liberal individualista do Direito Penal, deixando de acompanhar
categorias de responsabilidade da moderna teoria do Direito Penal. No que nos interessa,
deixa de acompanhar questões envolventes do dolo, da responsabilidade ou nexo de
responsabilidade subjetiva, bem como a partir da própria ideia de autoria e participação
de ilícito.
De fato, autoria e participação nos chamados delitos empresariais econômicos,
que temos emprestado para enfrentar a responsabilidade do agente político (à míngua
de uma doutrina própria), sofreram intensas mudanças na crítica penal nas últimas
décadas.
De maneira geral os sistemas unitário e diferenciador de autoria estão ligados aos
conceitos extensivo e restritivo de autor. Para o conceito extensivo de autor, todos os
que contribuíram para o tipo penal são autores, enquanto que para o conceito restrito,
somente quem “realiza” o tipo penal pode ser assim caracterizado.
Embora não haja uma relação direta de dependência, historicamente o sistema
unitário convive melhor com o conceito extensivo de autor enquanto o diferenciador com
o conceito restritivo. São categorias ligadas aos limites dos tipos penais, umbilicalmente
ligados ao conceito de legalidade, tão caro para o Direito Penal.
No Brasil, porém, a questão está mitigada pela redação do art. 29 do Código
Penal ao estabelecer a responsabilidade a partir da “medida de culpabilidade”, o que
de certa forma reduziu o ponto controvertido ao permitir qualidade/quantidade da

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340 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

consequência penal sem dependência direta da qualificação do agente como autor


ou participe. Seja autor ou partícipe, o agente estará sujeito à responsabilidade penal
nos limites do preceito penal secundário, sem reduções ou acréscimos a partir dessa
qualidade de forma que partícipe pode receber consequência mais gravosa que autor
e vice-versa.
Enfim, a doutrina penal utiliza as categorias de autoria e participação para
abran­ger todos potenciais responsáveis por condutas penalmente puníveis, de forma
a abran­ger, teoricamente, todas as “modalidades de contribuições pessoais para o fato
crimi­noso” (SANTOS, 2004, p. 271).
É no cerne dessa questão que surge a indagação sobre a responsabilidade penal
subjetiva do candidato, pelas informações constantes na prestação de contas. Não temos
receio em responder positivamente à indagação para afirmar que sim, em situações
que serão apresentadas brevemente, é possível, recomendável, jurídica e legítima a
respon­sabilidade penal do candidato pelas informações constantes na prestação de
contas de campanha.
É claro que essa responsabilidade não é automática, porquanto seria odiosamente
objetiva. O candidato não pode ser objetivamente responsabilizado (no plano penal),
pelas informações constantes na prestação de contas, máxime em campanhas de fôlego
como uma campanha majoritária nos planos estadual e nacional.
Mas se por um lado esta responsabilidade penal não é automática, por outro não
pode ser descartada, como tem sido tratada na prática, em que raramente (ou poucas
vezes) é cogitada.
Necessário que a justiça criminal eleitoral se defronte e possa considerar seria­
mente algumas categorias que ainda estão insipientes. Trazemos à baila, a título inicial,
categorias como teoria do domínio do fato, delitos especiais de dever, da cegueira
deliberada e, para usar uma figura já consagrada no Direito Penal pátrio, a omissão
penalmente relevante, a partir do “garante”, ou garantidor da não superveniência do
resultado. O que fazemos muito brevemente a seguir.
A teoria do domínio do fato somente pode ser considerada a partir de uma teoria
diferenciadora e em conceito restritivo de autor, pois é onde surge, desenvolve-se, e pode
ser categorizada. Surge a partir da legislação alemã, cujo Código Penal diferenciava os
conceitos de autor, coautor, partícipe, cúmplice e instigador.
Até então, vigorava o critério puramente subjetivo de autor, de forma que autor
seria aquele que quer o fato como seu. Para superar algumas dificuldades práticas desta
concepção, surge e se desenvolve a teoria do domínio do fato, que parte da ideia que
autor é aquele que “domina a realização do fato”.
Nesse sentido, existiriam três formas de dominar a realização do fato: a uma,
quando o sujeito domina a ação (verbo do tipo), enfim, realiza o tipo penal; a duas,
quem domina a vontade de outrem, seja induzindo alguém em erro do tipo ou de
proi­bição, seja coagindo o agente, ou seja, mediante o domínio da organização (que
desen­volveremos brevemente em seguida); a três, mediante um domínio funcional do
fato, ou seja, domínio sobre a realização ou não realização da conduta típica.
A teoria do domínio na organização foi desenvolvida a partir da teoria do
domínio do fato, por Roxin, no final da década de 60. De maneira muito breve, a partir
da concepção inicial, nas estruturas de organizações criminosas, quanto mais distante
do fato, maior a responsabilidade do “chefe”; para que seja considerado autor, contudo,

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RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE POLÍTICO: PROPOSTA PARA UM “NOVO” E EFETIVO CONTROLE FINANCEIRO DAS CAMPANHAS...
341

necessita estar na posição de comando, os executores do núcleo verbal necessitam ser


fungíveis, e a organização necessita estar dissociada da ordem jurídica.
A categoria da omissão imprópria (ou delitos comissivos por omissão) também
é relevante para nosso ensaio. Bem sabemos, a partir da redação do art. 13 do Código
Penal, que havendo dever legal, algumas situações jurídicas especiais transformam o
agente em responsável por evitar o resultado danoso ao bem jurídico protegido, ou
seja, responsável pela não superveniência do resultado (garante).
Pois é justamente o dever legal que se apresenta ao então candidato (agente
político para os fins a que nos propomos).
Isso porque o art. 17 da Lei nº 9.504/97 estabelece a responsabilidade dos
candidatos (e dos partidos em relação às despesas de campanha), estabelecendo um
dever legal de cuidado com a lisura das informações nele constantes. Senão vejamos.

Art. 17. As despesas da campanha eleitoral serão realizadas sob a responsabilidade dos
partidos, ou de seus candidatos, e financiadas na forma desta Lei.

Conforme leciona Rodrigo López Zilio (ZILIO, 2014, p. 414), “o legislador parte
da premissa de que, sendo os maiores beneficiários e interessados no sistema de
arrecadação de recursos para campanha eleitoral, os partidos e seus candidatos é que
têm a responsabilidade sobre as despesas realizadas”.
Ou ainda para deixar mais evidente o dever legal, os artigos 20 e 21 da chamada
Lei das eleições:

Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele
designada, a administração financeira de sua campanha, usando recursos repassados pelo
comitê, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações
de pessoas físicas ou jurídicas, na forma estabelecida nesta Lei.

Art. 21. O candidato é solidariamente responsável com a pessoa indicada na forma do art.
20 desta Lei pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha,
devendo ambos assinar a respectiva prestação de contas.

Seguindo o raciocínio, passemos a considerar a chamada teoria da cegueira


deliberada.
A teoria da cegueira deliberada (will ful blindness) ou “de evitar a consciência”
(conscious avoidance douctrine), construção originária dos países da common law, tem como
um de seus principais precedentes o leading case United States v. Jewell, 532 f 2.d 697,
70, da 9ª Corte de Apelações Federais, do que se extrai a seguinte exposição (MORO,
2010, p. 63-64):

A justificação substantiva para a regra é que ignorância deliberada e conhecimento positivo


são igualmente culpáveis. A justificativa textual é que, segundo o entendimento comum,
alguém “conhece” fatos mesmo quando ele está menos do que absolutamente certo sobre
eles. Agir “com conhecimento”, portanto, não é necessariamente agir apenas com conhecimento
positivo, mas também agir com indiferença quanto à elevada probabilidade da existência do fato em
questão. Quando essa indiferença está presente, o conhecimento “positivo” não é exigido.

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342 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Com efeito, consoante a referida teoria da “cegueira deliberada”, atua dolosa­


mente o agente por ter se colocado em posição de alienação sobre situações suspeitas,
buscando, de forma intencional, não aprofundar as circunstâncias objetivas. É a
intencional e inescusável autocolocação em estado de desconhecimento, para fins de
auferir alguma vantagem da situação objetivamente suspeita.
Conforme leciona Francis Beck (2011, p. 47), o agente “intencionalmente ‘cega-se’
diante de situação em que, se mantivesse ‘os olhos abertos’, teria condições de reconhecer
ou suspeitar fundadamente da tipicidade da conduta que pratica”.
Ou, novamente a partir da pena de MORO, (2010, p. 66):

É importante destacar que “ignorância deliberada” não se confunde com negligência,


havendo aqui a mesma fronteira tênue, pelo menos do ponto de vista probatório, entre o
dolo eventual e a culpa consciente.
A willful blindness doctrine tem sido aceita pelas Cortes norte-americanas, quando há
prova de: a) que o agente tinha conhecimento da elevada probabilidade de que os bens,
direitos ou valores envolvidos eram provenientes de crime; e b) que o agente agiu de
modo indiferente a esse conhecimento.

Vale não deslembrar que os tribunais pátrios têm admitido a teoria da cegueira
deliberada a partir da ideia de dolo eventual (categoria do sistema continental), a
partir do qual o agente “assume o risco “ da produção do resultado, ou seja, age com
indiferença tal que o resultado lhe é indiferente.
Por fim, trazemos a colação a ideia dos delitos especiais de infração de dever, no
qual não temos dúvida em enquadrar a ocorrência de falsidade na prestação de contas
de campanha, em relação ao candidato ou agente político que possui um especial dever
quanto a veracidade das informações alhures lançadas.
Pela teoria dos delitos especiais, ou delitos de infração de dever, em alguns
delitos,– como na perspectiva do candidato, os delitos dos arts. 350 e 353 do Código
Eleitoral –, a autoria é estabelecida a partir de um dever específico imposto pelo
legislador, no caso, o dever de prestar informações verídicas à Justiça Eleitoral.
Nesses delitos não interessa a ação realizada pelo agente, mas sim a norma que foi
por ele violada, no caso, o dever de fiscalizar a lisura das próprias contas de companha.
Ocorre, na perspectiva dos delitos especiais de violação de dever, uma equiparação
absoluta entre a ação e omissão, pois o que interessa é a infração do dever, no caso, o
dever de cuidado com as contas prestadas. Na lição de Francisco Muñoz Conde (2001,
p. 57-58):

Por una parte, la equiparación entre acción y omisión es aquí absoluta, pues em estos
delitos lo que interesa es la infracción del deber, siendo indiferente el que esta infracción
se lleve a cabo por acción o por omisión.
(…)
Otra consecuencia importante se extrae en el àmbito de a autoría; mientras que en los
delitos de acción sólo puede ser autor quien tenga el dominio del hecho, em los delitos
consistentes em la infracción de un deber sólo puede ser autor quien lesione el deber
extrapenal, sin que interesse en lo más mínimo el dominio del suceso externo.

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RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE POLÍTICO: PROPOSTA PARA UM “NOVO” E EFETIVO CONTROLE FINANCEIRO DAS CAMPANHAS...
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Conforme destaca Bruno Moura (MOURA, 2011), ao analisar a categoria de


delitos de infração de um dever revelada por ROXIN, “nesta classe de crimes a autoria
não se define pelo critério do domínio, mas exclusivamente pela violação de um dever
especial de natureza extrapenal subjacente ao tipo”, ressaltando, ainda, que “o titular
do dever especial é sempre autor, independentemente do quantum de sua intervenção”.
Verifica-se, portanto, que, a partir da teoria de infração de dever, da mesma
forma que a teoria da cegueira deliberada, o que interessa não é a ciência absoluta do
agente que comete uma infração penal ou, ainda, a execução do delito propriamente,
mas justamente a sua predisposição em não saber ou não querer saber, a fim de não
sofrer as consequências jurídicas pela ciência.

7.5 Considerações finais


De tudo o que fora apresentado, podemos concluir pela possibilidade de respon­­sa­
bilidade do agente político, no caso, pelo candidato, em relação à eventual incon­­gruência
criminosa entre a conta de campanha apresentada à Justiça Eleitoral e a efetiva­mente
realizada, especialmente movimentação não contabilizada de valores.
É claro que esta responsabilidade não é automática, de forma que o candidato se
torne responsável (objetivamente) pela incompatibilidade das informações contábeis
e financeiras fornecidas.
Por outro lado, a obrigação legal de acompanhamento e fiscalização, aliada à
assinatura na prestação de contas, que não pode ser simplesmente relegada a um indi­
ferente penal, permitem a ligação da conduta do candidato a eventual crime envolvido
na prestação de contas, o que não tem sido observado na prática forense criminal
eleitoral, por uma série de fatores.
Seja por possuir, ou dever possuir, o domínio funcional do fato (veracidade das
informações constantes); seja porque possui especial dever de fiscalização da lisura
das contas; seja porque tem o dever legal de impedir que as contas sejam inverídicas
ou frau­dadas; seja porque não pode deliberadamente cegar-se diante de eventuais
ilicitudes, o agente político pode estar ligado não somente no plano objetivo, mas
também subjetivamente, a eventuais ilícitos que se perpetrem nas contas de companha
e sua respectiva prestação perante a Justiça Eleitoral.
Os operadores do Direito Eleitoral devem estar atentos às modernas categorias
de Direito Penal de forma a adaptar o Direito Penal Eleitoral aos tempos hodiernos.
Enquanto o Direito Penal Eleitoral estiver lidando com conceitos ultrapassados,
liberais individualistas, na base do Tício, Mévio e Fúlvio, o aparelho persecutório
estará voltado única e exclusivamente ao que realiza boca de urna, ao motorista no
transporte irregular de eleitores, etc., deixando os “verdadeiros responsáveis” pela
violação aos bens jurídicos penalmente protegidos pelas normas eleitorais ao largo de
qualquer responsabilidade adequada, ou qualquer possibilidade jurídico-penal desta
responsabilidade.
Esta seletividade necessita ser revisitada e o presente ensaio visa tão somente a
principiar a necessária discussão.
Este, talvez, um importante passo, ou importante proposta para um “novo”
efetivo controle financeiro das contas de campanha, a lettere da atividade fiscalizatória
extrapenal.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
344 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Referências
BECK, Francis. A Doutrina da Cegueira Deliberada e sua (In) Aplicabilidade ao Crime de Lavagem de
Dinheiro. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul, n. 41, p. 45-68, set. 2011.
CASTRO, José Resende de. Curso de Direito Eleitoral. 6. ed. Atlas, 2012.
CONDE, Francisco Muñoz. Introdución al derecho penal. Editoral BdeF: Buenos Aires, 2001.
GOMES, Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 303.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. IX p. 277.
MORO, Sergio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010.
MOURA, Bruno. Autoria e participação nos crimes desde a empresa: bases para um modelo de imputação
individual. Revista CEPPG, Catalão/GO, n. 25, 2/2011.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Curitiba: Editora Forum, 2004.
ZILIO, Rodrigo López. Crimes eleitorais. Salvador: Juspodivm, 2014.
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à diplomação), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

OLIVEIRA, Alessandro José Fernandes de. Responsabilidade criminal do agente político: proposta para
um “novo” e efetivo controle financeiro das campanhas eleitorais. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Propaganda Eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 333-344. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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CAPÍTULO 8

TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA


DA PRÁTICA ELEITORAL

AMANDA LOBÃO TORRES

8.1 Introdução
O Direito Eleitoral, com exceção de poucas entidades privadas de ensino e raras
instituições governamentais, não consta como disciplina jurídica obrigatória dos cursos
jurídicos do país. Quando a matéria é ensinada em tais carreiras, normalmente consta
como optativa ou em seminários de presença facultativa aos estudantes, de modo
esporádico.
É bem possível que isso ainda ocorra em solo nacional pela trajetória histórico-
brasileira em matéria eleitoral, apesar de longa. A título explicativo, somente a partir da
década de 30 passamos a ter, no âmbito legislativo, um Direito Eleitoral sistematizado,
permanente e próprio com o advento da codificação eleitoral em vista do primeiro
Código Eleitoral editado em 1932, que, aliás, durou pouco já que com a Constituição
de 1934 e a posterior criação da Justiça Eleitoral, deu-se a edição do segundo Código
eleitoral a partir de 1935 para adequar as matérias à segunda Carta Magna republicana.
E em seguida tivemos um período de arrefecimento do desenvolvimento dos institutos
próprios do Direito eleitoral com o Estado Novo e a Carta de 1937, quando se extinguiu
a Justiça Eleitoral, até a Constituição democrática de 1946, quando então ocorreu a
volta da Justiça Eleitoral para o Poder Judiciário e veio o Código eleitoral de 1950,
posteriormente substituído pelo atual Código eleitoral (Lei nº 4.737, de 15.07.65) – o
quarto editado – que, embora sensivelmente derrogado, permanece em vigor até hoje,
paralelamente a leis eleitorais importantes.
Esse conjunto de regulamentações sobre a matéria eleitoral, isto é, o Direito Elei­
toral Brasileiro, como disciplina jurídica, pertence ao ramo do Direito Público, mas se
relaciona diretamente com outros ramos jurídicos do Direito, como o Privado. É exata­
mente sobre isso que trataremos no presente artigo, especificamente abordando temas
presentes na intersecção com o Direito Imobiliário, um ramo do direito privado que

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
346 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

trata e regulamenta vários aspectos da vida privada, tais quais o aluguel de imóveis,
a compra e venda de imóveis, o condomínio, a usucapião e os financiamentos da casa
própria, entre outros, e o Direito Eleitoral.
Afinal, a separação em tais ramos ocorre para fins didáticos, para facilitar o
ensinamento e compreensão da matéria, vez que o Direito é uno e congrega assuntos de
mais de um grupo específico. Ver-se-á, ao tratar da intersecção entre o Direito Imobiliário
e o Eleitoral, a tangência até mesmo do direito tributário e do direito penal, por exemplo.
Nesse sentido, selecionamos matérias constantemente avaliadas pela Justiça
Eleitoral, além da análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça, quais sejam: a multa por doação em excesso no caso de cessão de
bem imóvel a campanha eleitoral, a prestação de contas anual de partido político no
tocante aos aluguéis de bens imóveis e a contradição existente entre a justiça cível e a
eleitoral no que tange a documentação da locação, o procedimento de execução fiscal de
multas eleitorais e como tornar mais eficiente a cobrança destas, e por fim, a omissão de
propriedade de imóveis na declaração de bens apresentada no registro de candidatura
e a proteção da fé pública no âmbito eleitoral.

8.2 O procedimento de execução fiscal de multas eleitorais e como


tornar mais eficiente a cobrança destas
São muitas as hipóteses de incidência da multa eleitoral. A título exemplificativo,
em razão do não exercício do voto, e não se apresentando o eleitor para justificativa,
sem que seja caso de voto facultativo, incorrerá nas penalidades do art. 7º, do Código
Eleitoral, isto é, multa. Tem-se também a hipótese de sua incidência quando o eleitor
deixar de fazer seu alistamento até os 19 anos (em regra geral) e quando o membro da
mesa receptora não comparecer ao local de votação, em dia e hora determinados para
a realização de eleição, deixando de apresentar justa causa apresentada ao juiz eleitoral
nos 30 (trinta) dias posteriores.
Indeferida a justificação ou decorrido o prazo sem justificativa, ou ainda na hipó­
tese em que o eleitor deixa de se alistar no tempo definido em lei, a multa será aplicada
pelo juiz eleitoral. Além dessas hipóteses, a Lei das eleições também estabelece diversos
tipos de multas, como no caso de propaganda eleitoral antecipada.
A multa eleitoral, portanto, é constituída por decisão proferida pela Justiça
Elei­toral. Assim, conforme preceitua o artigo 367, incisos III e IV do Código Eleitoral,
após proferida a sentença condenatória que impõe a multa– exceto as oriundas de
feitos criminais eleitorais – e uma vez transitada em julgado, o apenado será intimado
pessoal­mente para satisfazer o pagamento do débito em 30 (trinta) dias sob pena de ver
o valor da multa inscrito na dívida ativa, com sua consequente inclusão no Cadastro
Informativo de Créditos não Quitados com o Setor Público Federal (o CADIN).
Se não o fizer, a serventia eleitoral certificará o decurso do prazo, lavrará o
respectivo Termo de Inscrição de Multa Eleitoral em seu livro próprio e a dívida será
considerada líquida e certa, com posterior remessa do termo para a Procuradoria da
Fazenda Nacional (PFN) competente para fins de cobrança mediante executivo fiscal
perante os juízos eleitorais. Nesse sentido, a PFN tem legitimidade para iniciar o processo
da execução da multa eleitoral, que se enquadra na modalidade de dívida ativa não
tributária da União, e que segue o procedimento da Lei nº 6830/90 (Lei de Execução

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AMANDA LOBÃO TORRES
TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA DA PRÁTICA ELEITORAL
347

Fiscal – LEF) que cuida da Execução Fiscal, modalidade de execução por quantia certa
com base em título executivo extrajudicial.
Iniciado o processo de execução, o executado será citado para, no prazo de 5
(cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na
Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução pelo valor da dívida, juros e multa
de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa por meio de: (i) depósito
em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure
atualização monetária; (ii) fiança bancária ou seguro garantia; (iii) nomeação de bens
à penhora; ou (iv) indicação à penhora de bens oferecidos por terceiros e aceitos pela
Fazenda Pública.
Concentrando no objetivo do presente artigo, atente-se que entre os bens que
podem ser indicados para penhora estão os bens imóveis, só podendo o executado
indicar e o terceiro oferecer bem imóvel à penhora com o consentimento expresso do
respectivo cônjuge. Por outro lado, não ocorrendo o pagamento nem a garantia da
execução, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, como os imóveis,
exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis.
O termo ou auto de penhora conterá, também, a avaliação do imóvel penhorado,
bem como demais bens, efetuada por quem o lavrar, a qual poderá ser impugnada.
É importante lembrar que em qualquer fase do processo será deferida pelo Juiz a
substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia.
O executado poderá se defender, na forma de embargos, mas não são admissíveis
embargos do executado antes de garantida a execução. Recebidos os embargos, o Juiz
mandará intimar a Fazenda, para impugná-los no prazo de 30 (trinta) dias, designando,
em seguida, audiência de instrução e julgamento. Caso não sejam oferecidos os
embargos, a Fazenda Pública manifestar-se-á sobre a garantia da execução.
De qualquer forma, a alienação de quaisquer bens penhorados será feita em leilão
público, no lugar designado pelo Juiz. Poderá a Fazenda Pública adjudicar os bens
penhorados antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada
ou se rejeitados os embargos. Outra opção é adjudicar após findar o leilão, no caso de
inexistência de licitante, pelo preço da avaliação. Ou, também neste momento posterior,
caso haja licitante, com preferência, em igualdade de condições com a melhor oferta,
é possível adjudicar no prazo de 30 (trinta) dias. Se o preço da avaliação ou o valor da
melhor oferta for superior ao dos créditos da Fazenda Pública, a adjudicação somente
será deferida pelo Juiz se a diferença for depositada, pela exequente, à ordem do Juízo,
no prazo de 30 (trinta) dias.
Vale ressaltar que praça é a hasta pública para a alienação de bens imóveis e leilão
é a hasta pública para a alienação de bens móveis, mas em se tratando de execução
fiscal, ou seja, dos processos de execução regidos pela Lei nº 6.830/80, não existe essa
diferença, e os bens móveis e imóveis são todos alienados em leilão.
Entretanto, o grande problema no caso da execução fiscal de multa eleitoral é
quando ocorre o pedido de realização de uma segunda hasta pública para alienação
judicial dos bens imóveis penhorados. Explica-se: os artigos 22 a 24 da Lei de Execução
Fiscal fazem referência a apenas um leilão dos bens penhorados. Mas diante da lacuna
desses dispositivos em relação à ausência de oferecimento de lance correspondente ao
valor de avaliação na primeira hasta pública, aplicar-se-á de forma subsidiária o Código
de Processo Civil consoante o artigo 1ºda Lei de Execução Fiscal.

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348 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Na vigência do CPC/1973, os tribunais aplicavam subsidiariamente os arti­gos


686, VI que tratava da comunicação do dia e hora designados para a alienação pelo
maior lance quando não se alcançava lance superior à importância da avaliação do
bem, juntamente com o artigo 692 que impossibilitava a aceitação, mesmo em segunda
praça ou leilão, de oferta por preço vil. A Súmula 128 do Superior Tribunal de Justiça,
na mesma direção, dispõe que na execução fiscal haverá segundo leilão, se no primeiro
não houver lance superior à avaliação.
De forma muito similar, o Novo CPC trata do tema nos artigos 886, V e 899
indicando que somente haverá dualidade de leilões se a sua realização for presencial e,
mesmo assim, quando não houver interessados no primeiro, isso porque a regra é que
o leilão seja realizado preferencialmente de forma eletrônica, cuja dinâmica é diversa,
com possibilidade de oferta de lance por determinado período de tempo, a ser indicado
no edital respectivo.1
Ocorre que há casos eleitorais de pedido de mais dois leilões (terceiro e quarto),
nos mesmos moldes do primeiro e segundo realizados até o momento de tal pedido.
E para este feito, continua inexistindo previsão legal regulamentadora tanto na Lei
de Execução Fiscal quanto no Código de Processo Civil. Por essa razão, os tribunais
pacificamente compreendem que devem ser levados em consideração os fatos ocorridos
nos leilões anteriores, quais sejam: a natureza dos bens penhorados, o valor de sua
avaliação, a presença de licitantes, entre outros, para se verificar a viabilidade da nova
hasta.2
Isto é, a excepcionalidade para a realização de um terceiro leilão deve levar em
conta as circunstâncias fáticas que cercaram o resultado dos leilões anteriores, como, por
exemplo, o bem penhorado, o valor da sua avaliação, a presença ou não de licitantes,
entre outros. Há, concomitantemente a esse pensamento, a aplicação da razoabilidade
para evitar maior oneração da máquina judiciária.3 Assim, não havendo qualquer
indício de que a nova hasta terá desfecho diferente da primeira, o pedido de realização
de segunda tentativa de alienação judicial dos bens imóveis penhorados em razão do
débito da multa eleitoral respectiva é indeferida.
Nota-se que a jurisprudência eleitoral, em sua imensa maioria, continua aplicando
as regras de execução fiscal para a cobrança forçada das multas dessa natureza, sem,
todavia, proceder à devida reflexão crítica acerca da viabilidade dessa sistemática.
Utiliza-se a aplicação de uma lei já defasada e ineficiente para a consecução do pedido,
o que não coaduna com a celeridade a qual a Justiça Eleitoral faz jus.
Entretanto, apesar do Código Eleitoral não deixar margem para interpretação
diversa acerca dessas execuções, há quem defenda a eficiência da cobrança judicial das
multas eleitorais por meio da substituição da sistemática das execuções fiscais pela atual
forma de cumprimento de sentenças por quantia certa, como o Juiz Federal Vicente
de Paula Ataide Junior: “na atualidade, as regras gerais do CPC oferecem melhores
instrumentos processuais do que as regras específicas da LEF, ao menos quando se
trata de cumprir decisões judiciais”.4

1
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 542.
2
TRF3, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, AI 0004301-53.2009.4.03.0000/SP-, DJe em 20.04.2012.
3
REsp 752.984/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 23.09.2008, DJe
23.10.2008.
4
JUNIOR, Vicente de Paula Ataíde. Como tornar mais eficiente a cobrança das multas eleitorais? Revista online
IBRAJUS. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br /revista/artigo.asp?idArtigo=335>.

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AMANDA LOBÃO TORRES
TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA DA PRÁTICA ELEITORAL
349

Note-se que o CPC/2015, vigente a partir de março de 2016, revela-se um meio


mais eficaz a promover as execuções de multas eleitorais do que a Lei de Execução
Fiscal. Ora, em 1965, quando da publicação do Código Eleitoral, estava em vigor o
Código de Processo Civil de 1939 que não vislumbrava nenhuma forma semelhante
ao cumprimento de sentença, e previa apenas formas executivas que são distantes
das atuais. Naquele momento, aparentemente o legislador optou pelo melhor sistema
existente à época para a cobrança de multas eleitorais. A modalidade de cumprimento
de sentença só foi inserida no nosso ordenamento pátrio em 2005, quando a Lei nº
11.232/2005 alterou o CPC de 1973, incluindo os artigos 475-I e seguintes. À época, as
execuções fiscais observavam o Decreto-Lei nº 960/1938, imposto por Getúlio Vargas,
que, em comparação com o CPC de 1939, oferecia uma sistemática privilegiada – mais
célere e eficiente, embora autoritária – para a cobrança da dívida ativa.
Então, por que ainda se aplica a Lei de Execuções Fiscais para executar as
sentenças que impõem multas eleitorais? Afinal, a execução das multas eleitorais,
realizada no âmbito do procedimento previsto pela Lei de Execuções Fiscais, sofre um
sério e preocupante déficit de efetividade. Muitas multas eleitorais sequer são inscritas
em dívida ativa. Outras, embora inscritas, não são cobradas em juízo. Na opinião
de Vicente de Paula, os juízos eleitorais não apresentam a estrutura necessária para
implementar o rito das execuções fiscais. Com isso, as multas eleitorais acabam sem
cobrança, comprometendo a autoridade sancionatória da Justiça Eleitoral e estimulando
a prática de infrações à respectiva legislação.5 Mas se continua aplicando o rito da LEF
porque é o que prevê o Código Eleitoral, lei específica com regência sobre a matéria e
que prevalece por sua especialidade em se tratando de conflito aparente de normas.
Ao contrário, contudo, uma doutrina tem propagado a aplicação da Teoria do
Diálogo das Fontes, originalmente formulada na Alemanha por Erik Jayme e introduzida
no Brasil por Cláudia Lima Marques, na defesa da cobrança dessas dívidas em fase de
cumprimento de sentença e não mais como título executivo extrajudicial:

Sinteticamente, a Teoria do Diálogo das Fontes propõe que a alteração dos conceitos e
prin­cípios de uma norma geral altera os conceitos e princípios das normas especiais com
ela relacionadas, sempre que isso for necessário para permitir a aplicação simultânea,
coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas convergentes, com finalidade de
proteção efetiva de um determinado bem jurídico. Com isso, muda-se um dos paradigmas
da teoria clássica do direito: do conflito para a coordenação de normas; da revogação de
uma das normas em conflito do sistema jurídico ou do “monólogo” de uma só norma, à
convivência dessas normas, ao “diálogo” das normas para alcançar a sua finalidade visada
ou “narrada” em ambas.6

Essa teoria já participa, com reconhecimento, da jurisprudência dos tribunais


superiores, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça, em matéria de execuções
fiscais.7 Assim, não obstante o Código Eleitoral determine que se utilize a LEF para

5
Idem.
6
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. 1. ed,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
7
REsp 1272827/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22.05.2013, DJe
31.05.2013.

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350 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

cobrar multas eleitorais, o sistema processual informa que, hoje, títulos judiciais (como
é o caso da sentença que fixa a multa eleitoral) são cobrados sob o comando do juiz que
fixou a multa na fase de cumprimento de sentença (como de ordinário acontece em
todo o sistema processual contemporâneo) sem a necessidade de inscrevê-la em dívida
ativa da União ou da iniciativa das Procuradorias da Fazenda Nacional. A doutrina
e a jurisprudência sobre a fase de cumprimento de sentença fornecerão as respostas
necessárias.
Assim, resta lançada a ideia para que uma série de dificuldades operacionais,
existentes por causa do rito das execuções fiscais, deixará de existir, tornando infinita­
mente melhor a prestação jurisdicional eleitoral.

8.3 Como não falhar na prestação de contas anual de partido político


no tocante aos aluguéis de bens imóveis e a contradição entre a
justiça cível e a eleitoral no que tange à documentação da locação
A questão é de extrema importância vez que a não comprovação da origem de
gastos implica a desaprovação das contas da agremiação partidária respectiva.
De acordo com a Lei dos Partidos Políticos, cabe à agremiação partidária, em todas
as esferas de direção, ou seja, por meio de seus órgãos nacionais, regionais e municipais,
enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço contábil do exercício findo, o que segue
repetido na Resolução nº 23.464/2015, que regulamenta as finanças e contabilidade dos
partidos. Desse modo, a agremiação deve manter a escrituração contábil de forma a
permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas.
Aliás, os partidos políticos, pessoas jurídicas de direito privado, e seus dirigentes,
sujeitam-se, no que se refere a finanças, contabilidade e prestação de contas à Justiça
Eleitoral, às disposições contidas na Constituição Federal, na Lei nº 9.096/1995 (Lei dos
Partidos Políticos), na Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), na Resolução nº 23.464/2015
(que regulamenta as finanças e contabilidade dos partidos), nas normas brasileiras de
contabilidade emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade e em outras normas
expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Referida Resolução esclarece que o processo de prestação de contas partidárias
tem caráter jurisdicional e se inicia com a apresentação, ao órgão da Justiça Eleitoral
competente, por meio do Sistema de Prestação de Contas Anual da Justiça Eleitoral, dos
documentos listados em seu artigo 20. Determina também que as doações de bens ou
serviços estimáveis em dinheiro ou cessões temporárias devem ser avaliadas com base
nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:
(i) documento fiscal emitido em nome do doador ou instrumento de doação, quando
se tratar de doação de bens de propriedade do doador pessoa física; (ii) instrumento
de cessão e comprovante de propriedade do bem cedido pelo doador, quando se tratar
de bens cedidos temporariamente ao partido político; (iii) instrumento de prestação de
serviços, quando se tratar de serviços prestados por pessoa física em favor do partido; ou
(iv) demonstração da avaliação do bem ou do serviço doado, mediante a comprovação
dos preços habitualmente praticados pelo doador e a sua adequação aos praticados no
mercado, com indicação da fonte de avaliação.

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AMANDA LOBÃO TORRES
TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA DA PRÁTICA ELEITORAL
351

A prestação de contas recebida deve ser autuada na respectiva classe processual


em nome do órgão partidário e de seus responsáveis e, nos tribunais, distribuída a um
relator. Após, a Secretaria do Tribunal ou o Cartório Eleitoral publica, na imprensa
oficial (ou no Cartório Eleitoral em localidade onde a imprensa oficial não existe),
a Demonstração do Resultado do Exercício e do Balanço Patrimonial apresentados,
encaminhando cópias desses documentos, por mandado, ao órgão do Ministério Público
Eleitoral da respectiva jurisdição.
Os autos permanecem na secretaria pelo prazo de 15 (quinze) dias para que
qualquer interessado possa examiná-los e obter cópias, sendo em seguida publicada
pela Justiça Eleitoral edital para que, no prazo de 5 (cinco) dias, o Ministério Público
ou qualquer partido político possa impugnar a prestação de contas apresentada, bem
como relatar fatos, indicar provas e pedir a abertura de investigação para apuração de
qualquer ato que viole as prescrições legais ou estatutárias a que, em matéria financeira,
os partidos e seus filiados estejam sujeitos.
Oferecida ou não a impugnação, o processo de prestação de contas deve ser
preliminarmente examinado pela unidade técnica responsável que realiza o exame
das contas partidárias. Nessa fase preliminar, verifica-se tão somente se todas as peças
exigidas foram devidamente apresentadas, isto é, a unidade técnica não procede à
análise individualizada dos comprovantes de receitas e gastos, manifestando-se apenas
em relação à sua aparente presença ou manifesta ausência.
Verificada a irregularidade, o órgão partidário é intimado a complementar a
docu­mentação no prazo de 20 (vinte) dias. Nesses casos de solicitação de material su­
plementar, mesmo quando exibida documentação adicional, ainda assim é possível que
judicialmente prevaleça o entendimento de que a manifestação apresentada não tenha
sanado ou corrigido os vícios que contaminam as contas prestadas. Uma das razões que
normalmente remanesce entre as irregularidades é a não comprovação com despesas
de “aluguéis de bens imóveis”, que ora se passa a tratar.
Um estudo da jurisprudência paulista8 revela que os pareceres da Secretaria
de Controle Interno do Tribunal Regional Eleitoral concluem como necessários para
a regu­laridade de gastos com “Locação de bens imóveis”, além do detalhamento dos
valores, a apresentação do contrato de locação, de sublocação ou termo de cessão
do imóvel vigente no exercício da respectiva prestação de contas, além de eventuais
instrumentos de aditamento em caso de reajuste de valores, prorrogação de vigência
ou de rescisão contratual.
Tal entendimento é corroborado pelos e. Julgadores da Corte e geram a desa­pro­
vação das contas da agremiação.
Por outro lado, a justiça cível, diferentemente da justiça eleitoral, reconhece a
vali­dade do contrato de locação ou de sua prorrogação de forma verbal e esta última,
até mesmo tácita.
Esse entendimento prevalece porque consonante com o art. 107 do Código Civil
que dispõe que a validade de um negócio jurídico não dependerá de forma especial,
senão quando a lei expressamente exigir, ou seja, não há, em regra, obrigatoriedade de

8
Prestação de contas nº 158-43.2011.6.26.0000, Prestação de Contas nº 14544, Prestação de Contas nº 2728 e
Prestação de Contas nº 242-10.2012.6.26.0000.

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352 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

um contrato ser escrito, a não ser quando exigido por lei. Aliás, a Lei do Inquilinato prevê
a modalidade verbal do ajuste da locação residencial no seu art. 47. Assim, um contrato
verbal (que possua agente capaz; objeto lícito e possível, determinado ou determinável)
é um contrato válido e cujos efeitos são reconhecidos na esfera cível.
Ademais, no tocante à prorrogação da locação residencial, é aceita pela juris­
prudência de maneira verbal ou tácita nos moldes previstos no parágrafo 1º do artigo 46
da Lei do Inquilinato, dispondo que findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na
posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-
se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e
condições do contrato. Por outro lado, no tocante à locação não residencial, o art. 51
prevê o direito à renovação do contrato por prazo igual, desde que presentes algumas
alguns requisitos.
Claro, entretanto, que um contrato verbal precisa, antes de tudo, ter sua existência
comprovada em caso de litígio, ou seja, ao ingressar no judiciário para pedir a execução
de um contrato verbal, há a necessidade primeira de provar que aquele contrato
realmente foi pactuado. Essa comprovação, no âmbito cível, pode ocorrer através de
testemunhas, documentos, objetos, e-mails e outros meios periciais. Se uma parte, por
exemplo, pagou por serviços prestados pela outra parte, essa é uma prova de existência
de um contrato, ainda que não se consiga provar os termos e cláusulas estipuladas no
acordo, e é assim que a justiça cível tem analisado e aceitado a locação verbal residencial
e não residencial.
Essa modalidade, por outro lado, parece rechaçada pela justiça eleitoral em vista
da Resolução nº 23.464/2015, pois idêntica à compreensão da Secretaria de Controle
Interno do Tribunal Regional Eleitoral, pacificamente entende pela necessidade do
contrato de locação, de sublocação ou termo de cessão do imóvel vigente no exercício
da respectiva prestação de contas, além de eventuais instrumentos de aditamento em
caso de reajuste de valores, prorrogação de vigência ou de rescisão contratual, para
que os gastos com “Locação de bens imóveis” sejam regulares, além do detalhamento
dos valores.
Nesse contexto, prudente é o questionamento a respeito dos limites ao poder
normativo do Tribunal Superior Eleitoral, vez que a Resolução prevê muito mais que
a Lei dos Partidos Políticos, a Lei das Eleições, além de contrariar o Código Civil, a
Lei do Inquilinato e a jurisprudência cível, ao restringir, para efeitos de prestação de
contas, o instituto da locação à escrita, não aceitando os efeitos da locação ou de sua
prorrogação verbal e limitando o instituto, como se vê das interpretações das secretarias
que encampam suas manifestações pela desaprovação das contas. É também uma
questão de preservação da hierarquia de normas.

8.4 A omissão de imóveis na declaração de bens apresentada no


registro de candidatura e a proteção da fé pública no âmbito
eleitoral
A apresentação da relação de bens quando do registro de candidatura, entre
outras finalidades, possibilita (i) aos eleitores fiscalizar a declaração pública de bens do
pretendente a cargo público, (ii) ao Ministério Público propor ações eleitorais pertinentes

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AMANDA LOBÃO TORRES
TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA DA PRÁTICA ELEITORAL
353

(impugnação ao registro; análise da prestação de contas, mandato eleitoral etc.) e (iii) ao


juízo eleitoral de obstar o registro, a eleição e a diplomação do edil que não se conduz
de modo probo. Por isso a fiscalização da evolução patrimonial no mesmo compasso
com a renda lícita é relevante para o sistema eleitoral, razão pela qual estão previstos
no Código Eleitoral os crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso para
fins eleitorais, vedações de conduta que tutelam a fé pública.
Segundo lição de Marino Pazzagilini Filho, a configuração da falsidade ideológica:

Pressupõe a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante com a finalidade


elei­toral. A falsidade sobre fato inócuo, incapaz de causar efeito no âmbito eleitoral, que
não contém nocividade efetiva ou potencial, não configura o crime de falsidade ideológica.
Portanto, para a sua caracterização, é imperiosa a demonstração da potencialidade lesiva
da conduta omissiva ou comissiva com finalidade eleitoral, ou seja, a potencialidade
de dano decorrente da falsidade do conteúdo do documento. Se o documento não
tem força para provar, por si só a afirmação falsa dele constante, como por exemplo, o
documento de declaração de bens apresentado pelo candidato por ocasião do registro de
sua candidatura perante a Justiça Eleitoral, cujas afirmações nele contidas estão sujeitas
à posterior verificação, não se configura o crime de falsidade ideológica.9

Nesse mesmo sentido, segundo a orientação do Supremo Tribunal Federal, cujo


entendimento também é encampado pela jurisprudência da e. Corte Superior Eleitoral
e das demais Cortes Superiores, a caracterização do delito de falsidade ideológica exige
que o documento no qual conste a informação falsa tenha sido preparado para provar,
por seu conteúdo, um fato juridicamente relevante, de modo que o fato de estarem as
afirmações nele constantes submetidas à posterior averiguação afasta a possibilidade
de ocorrer a falsidade intelectual.10 Outrossim, a declaração como proprietário de bens
imóveis que não integram verdadeiramente o acervo patrimonial do candidato nos casos
de atraso de escrituração, ou seja, estando o bem ainda formalmente sob a titularidade
o candidato ao tempo do registro da candidatura, deve este lançar o compromisso
particular de compra e venda em suas declarações à Secretaria da Receia Federal
Assim, como a declaração de bens constituía documento plenamente sujeito à
veri­ficação por parte da autoridade, as omissões são consideradas atípicas, não sur­
gindo, então, o delito de falsidade ideológica. É importante também ter-se em mente
a necessidade do dolo específico como elemento para a configuração do ilícito: o fim
eleitoral. Por consequência, não identificada a falsidade documental, não há utilização
de documento falso.
Nota-se, por fim, que no específico campo do tipo penal eleitoral, há uma
tendência jurisprudencial a diminuir a importância das irregularidades dessa declaração
de bens à Justiça Eleitoral e, por conseguinte, o campo de aplicação do art. 350 do Código
Eleitoral, no específico aspecto da hipótese de apresentação da declaração de bens, sendo
relevante notar que a não atualização em torno do negócio imobiliário na declaração de
bens para o registro da candidatura, ausente, portanto, o elemento subjetivo a nortear
a subsunção da conduta, embora possa representa e uma irregularidade formal.

9
FILHO, Marino Pazzagilini. Crimes Eleitorais. São Paulo: Atlhas, 2012. p. 127.
10
STF, HC 85976, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ 24.02.2006.

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354 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

8.5 Como se prevenir da multa ao doador por doação em excesso no


caso de cessão de bem imóvel a campanha eleitoral
A recente reforma eleitoral efetuada pela Lei nº 13.165/2015 (minirreforma que
alterou a Lei nº 9504/90 – Lei das Eleições – LE) tomou o rumo consolidado na decisão
do Supremo Tribunal Federal no bojo da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade
nº 4.650 que resultou na declaração de inconstitucionalidade do financiamento de
partidos políticos e campanhas eleitorais por pessoas jurídicas.
A título de recordação, para declarar a inconstitucionalidade das doações por
empresas, os ministros se basearam em princípios constitucionais como o da isonomia,
da paridade de armas, da democracia e da normalidade das eleições. O tribunal
ressaltou ainda que qualquer norma futura que colida com esses fundamentos deverá
ter o mesmo destino.
Mas, em relação à doação por pessoas físicas, continuaram em vigor as normas
vigentes àquele momento. Assim, de acordo com o artigo 23 da Lei das Eleições, pessoas
físicas continuaram (e continuam) podendo fazer doações de campanha em dinheiro ou
em bens ou serviços estimáveis em dinheiro. Para doar de modo lícito, estas doações e
contribuições ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos
pelo doador no ano anterior à eleição. Contudo, conforme o §7º do art. 23 alterado pela
minirreforma de 2017 (Lei nº 13488/2017), este limite não se aplica a doações estimáveis
em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador.
E para que se faça uso dessa exceção prevista, o valor estimado da doação não pode
ultrapassar a quantia de R$40.000,00 (quarenta mil reais) por doador.
Em se tratando do procedimento aplicável ao tema em questão, o levantamento
das provas sobre a doação em excesso eventualmente ocorrida começa com a represen­
tação pelo Ministério Público Eleitoral após informações prestadas pelo Tribunal
Superior Eleitoral em decorrência da Portaria Conjunta nº 74/2006, por meio da qual a
Secre­taria da Receita Federal informa à Corte Superior Eleitoral qualquer infração ao
disposto nos art. 23, 27 e 81 da Lei das Eleições.
Recebida a representação, normalmente advêm as informações da Receita
Federal sobre o valor total dos rendimentos declarados pelo doador no ano-exercício
anterior ao da eleição, identificando-se o eventual excesso correspondente, mesmo na
modalidade de doação estimável. Então, o Ministério Público Eleitoral manifesta-se pelo
prosseguimento do feito nos casos em que entende haver indícios de irregularidade na
representação com a consequente notificação do doador para que apresente sua defesa.
O que são, então, recursos estimáveis em dinheiro? São os bens e serviços doados
ou cedidos para as campanhas eleitorais, como por exemplo, veículos cedidos para
uso na campanha, imóveis cedidos para abrigar comitês de campanha, serviços de
contabilidade ou de advocacia, doados pelos contabilistas/advogados, entre outros. Não
se traduzem em dinheiro, mas possuem valor econômico, o qual deve ser estipulado
com base nos valores de mercado, para fins de contabilização na prestação de contas.
Concentrando o objetivo de tratar sobre o Direito Imobiliário na prática do Direito
Eleitoral, passa-se a destacar os pontos controversos na jurisprudência sobre a doação
na modalidade estimada em que houve cessão de bem imóvel.
Nestes casos, a descrição das receitas estimáveis em dinheiro deve conter a ava­
liação realizada em conformidade com os preços habitualmente praticados ou adequados

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AMANDA LOBÃO TORRES
TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA DA PRÁTICA ELEITORAL
355

aos praticados no mercado, com indicação da fonte de avaliação, ressaltando-se, é claro,


que devem fazer parte do patrimônio do doador.
Mas, no que tange aos bens imóveis próprios dos candidatos, eles devem integrar
o seu patrimônio antes dos registros de candidatura para que sejam doados como bens
estimáveis em dinheiro.
Ademais, a cessão temporária ao candidato ou ao partido político de uso de
imóveis estimável em dinheiro deve ser comprovada pelo (i) recibo eleitoral emitido,
além de outros documentos conforme resolução do Tribunal Superior Eleitoral sobre
o tema. A título exemplificativo: (ii) o instrumento de cessão e (iii) o comprovante de
propriedade do bem cedido pelo doador.
Nesses termos, o estudo da jurisprudência demonstra a ênfase do Ministério
Público Eleitoral em levar a juízo a situação para que neste âmbito, após a notificação
do doador e o regular processamento do feito, se produza a prova da propriedade dos
bens cedidos com respectivos valores de mercado.11
Por sua vez, os Tribunais Eleitorais anulam a sentença e determinam o retorno
dos autos para a primeira instância quando em primeiro grau se indefere a inicial
da representação entendendo que inexiste irregularidade na doação realizada cujo
enquadro na prestação de contas esteja na modalidade estimada e em valor inferior ao
limite, já que incide a exceção prevista, razão pela qual não haveria interesse processual
a legitimar a instauração do feito.
Mas revista em segunda instância, esse tipo de decisão é compreendido como
uma prematura extinção do feito que tolhe da sociedade o direito de trazer à luz o que
de fato foi doado pela pessoa física. Nesses casos, está o Juízo a quo optando por deixar
impune toda e qualquer doação estimável em valor inferior ao limite, opção desprovida
de ínfima demonstração da veracidade do valor declarado que seja da natureza do que
foi doado.
Ressalta-se que a doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita
o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em
excesso, conforme o §3º do art. 23 da Lei das Eleições alterado pela minirreforma de
2017, sem prejuízo de o candidato responder por abuso de poder econômico.
Isso exposto, como o ônus da prova acerca da natureza da exceção cabe ao
representado, no caso, o eventual doador, recomenda-se ilustrar a efetiva utilização
do bem imóvel doado para reforçar o material probatório, similar ao que ocorre com
a juntada do próprio material de campanha para comprovar sua impressão efetiva
atentando-se sempre, adicional e obrigatoriamente, aos documentos indicados como
necessários na Resolução aplicável à respectiva eleição e que tratar de prestação de
contas.

8.6 Conclusão
A intersecção entre o Direito Imobiliário e o Direito Eleitoral revela importantes
conclusões sobre a compreensão de institutos imobiliários no âmbito da prática da

11
Recurso Eleitoral nº 17-59.2015.6.26.0331, Recurso Eleitoral nº 28-26.2015.6.26.0364, Recurso Eleitoral 36-
95, Recurso Eleitoral 2065, Recurso Eleitoral 30-09, Recurso Eleitoral 1977 e Recurso Eleitoral 1625, todos do
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, por exemplo.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
356 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

justiça eleitoral, por vezes até comprometendo os entendimentos jurisprudenciais da


justiça comum.
Pôde-se conhecer, no âmbito do estudo do procedimento da execução de multas
eleitorais pelo rito da execução fiscal seguindo o que determina o Código Eleitoral, as
imperfeições presentes no sistema e que geram ineficácia da cobrança de tais débitos.
Por outro lado, contrariando o quanto dispõe no Código Eleitoral, introduziu-se
uma corrente de pensamento que defende a aplicação da Teoria do diálogo das
fontes, originalmente formulada na Alemanha por Erik Jayme e introduzida no Brasil
por Cláudia Lima Marques, para sustentar a cobrança dessas dívidas em fase de
cumprimento de sentença e não mais como título executivo extrajudicial, trazendo
eficiência e eficácia ao sistema.
Em seguida, a título explicativo para os operadores de direito que lidam com a
prestação de contas anual de partido político, sugeriu-se como lidar com os documentos
relacionados à locação e bens imóveis. Adicionalmente, a análise do tema na perspectiva
eleitoral proporcionou destacar as diferenças do tratamento do instituto da locação no
âmbito da legislação aplicável à espécie, como a Lei do Inquilinato, o Código Civil,
e a jurisprudência que o aborda. Essa comparação permite perceber que os ditames
legais sobre o instituto são limitados pela Resolução do Tribunal Superior Eleitoral ao
rechaçar a locação e sua prorrogação na modalidade verbal, apesar da oportunidade
de produção probatória em juízo.
Passou-se pelo problema da falta de escritura definitiva da compra e venda de
bem quando no momento da declaração pública de bens para registro de candidatura
encontra-se ele somente abordado por compromisso particular de compra e venda,
formalmente registrado, portanto, sob a titularidade do pretenso candidato. A sugestão
é lançar o compromisso particular de compra e venda nas declarações à Secretaria da
Receita Federal como forma de dissipar eventuais problemas futuros.
E por fim, abordando tema tradicional na justiça eleitoral, qual seja, o excesso
de doação à campanha eleitoral, abordou-se a cessão de uso de bem imóvel sob a
modalidade de doação estimável e a divergência de compreensão entre a primeira e
segunda instâncias no tocante à exceção prevista no §7º do art. 23 cujo limite de 10%
sobre o rendimento bruto auferido pelo doador não se aplica a doações estimáveis em
dinheiro relativas à utilização de bens imóveis de propriedade do doador, caso em que
o valor estimado da doação não pode ultrapassar a quantia de R$40.000,00 (quarenta
mil reais) por doador.
Assim, considerando que recursos estimáveis em dinheiro são os bens e serviços
doados ou cedidos para as campanhas eleitorais, como por exemplo, veículos cedidos
para uso na campanha, imóveis cedidos para abrigar comitês de campanha, serviços de
contabilidade ou de advocacia, doados pelos contabilistas/advogados, entre outros, que
não se traduzem em dinheiro, mas possuem valor econômico, deverá este ser estipulado
com base nos valores de mercado, para fins de contabilização na prestação de contas.
Recomendou-se, por fim, ilustrar a efetiva utilização do bem imóvel doado para
reforçar o material probatório, similar ao que ocorre com a juntada do próprio material
de campanha para comprovar sua impressão efetiva atentando-se sempre, adicional e
obrigatoriamente, aos documentos indicados como necessários na Resolução aplicável
à respectiva eleição e que tratar de prestação de contas.

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AMANDA LOBÃO TORRES
TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA DA PRÁTICA ELEITORAL
357

Referências
ATAÍDE JUNIOR, Vicente de Paula. Como tornar mais eficiente a cobrança das multas eleitorais? Revista
online IBRAJUS. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br /revista/artigo.asp?idArtigo=335>.
BUENO, Cassio Scarpinella – Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
FILHO, Marino Pazzagilini. Crimes Eleitorais. São Paulo: Atlhas, 2012.
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. 1.
ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

TORRES, Amanda Lobão. Temas imobiliários na perspectiva da prática eleitoral. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Propaganda Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 345-357. (Tratado de Direito Eleitoral, v.
4.) ISBN 978-85-450-0499-8.

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SOBRE OS AUTORES

Adriano Codato
Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor
associado de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR), editor da Revista de
Sociologia e Política e pesquisador 1D do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico. Atua no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e no Programa de Pós-
Graduação em Políticas Públicas na UFPR. Dedica-se ao estudo dos processos de recrutamento
da classe política brasileira e coordena o Observatory of social and political elites of Brazil (http://
observatory-elites.org/).

Alessandro José Fernandes de Oliveira


Procurador da República. Procurador Regional Eleitoral do Estado do Paraná nos biênios 2013/2015
e 2015/2017; atualmente é membro do Grupo Especial Nacional da Função Eleitoral (GENAFE)
do Ministério Público Federal e Procurador Regional Eleitoral Substituto do Estado do Paraná.
Graduado e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná.

Álvaro Augusto de Borba Barreto


Doutor em História (PUCRS), Mestre em História (UFRGS), professor no Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política (PPGCPol-UFPel)

Amanda Lobão Torres


Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Mestre em Direito Processual pela Universidade
Nacional de Rosário. Especialista em Direito Imobiliário.

André Guilherme Lemos Jorge


Advogado. Ex-Juiz Titular do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo na classe dos juristas.
Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Diretor do
Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho de São Paulo.

Carla Karpstein
Advogada Sócia do CK Advocacia. Especialista em Direito Público, Partidário e Eleitoral. Professora
da ESA/OAB-PR. Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR. Diretora do Instituto
Paranaense de Direito Eleitoral (IPRADE). Autora do livro Direito Eleitoral para Concursos (2011) –
Editora Iesde.

Caroline Bianca Graeff


Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas (PPGCPol-UFPel). Mestre
em Ciência Política pela UFPel. Advogada.

Denise Goulart Schlickmann


Bacharel em Ciências Econômicas, Ciências Contábeis e Direito, pela UFSC. Pós-graduada em
Auditoria Governamental pela FEPESE/UFSC, e em Direito Eleitoral pela UNIVALI. Mestranda
no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC. Membro do Núcleo de Inteligência da
Justiça Eleitoral. Autora da obra Financiamento de Campanhas Eleitorais, na oitava edição, pela
Editora Juruá.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
360 FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Dyogo Crosara
Formado pela Universidade Federal de Goiás, na Cidade de Goiás, pós-graduado em Direito Civil
e Direito Processual Civil pela UNIGRANRIO – 2005/2006. Foi analista judiciário do TRE/GO.
Conselheiro Estadual da OAB-GO na gestão 2013/2015, ocasião em que foi Diretor Adjunto
da Escola Superior da Advocacia da OAB-GO por dois anos. É professor de Direito Eleitoral e
Direito Administrativo.

Eduardo Xavier
Bacharel em Direito pela UFSC e mestrando em direito pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFPR. Membro do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia do Centro
de Estudos da Constituição (CCONS) do PPPGD/UFPR.

Elmana Viana Lucena Esmeraldo


Analista Judiciária do TRE/PA, Especialista em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pela PUC
de Minas Gerais, Especialista em Direito Público pela Verbo Jurídico, Especializanda em Direito
Processual Civil pela Verbo Jurídico. Autora dos livros: Processo Eleitoral – Sistematização das
ações eleitorais; Manual dos Candidatos e Partidos Políticos; Manual de Contas Eleitorais e
coautora da obra, Comentários à Lei das Eleições.

Filippe Soares Lizardo


Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Ex-Chefe da Seção de Contas
Eleitorais daquele Tribunal. Atualmente cedido ao Tribunal de Contas do Município de São
Paulo onde exerce o cargo de Assessor Jurídico. Mestrando em Direito pela Universidade Nove
de Julho de São Paulo.

Júlia Rocha de Barcelos


Mestranda em Direito Político pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito
Constitucional pelo Instituto para o Desenvolvimento Democrático. Bacharela em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Diretora Tesoureira da Associação Visibilidade Feminina.
Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. Assessora na Procuradoria da
República em Minas Gerais.

Luiz Eugenio Scarpino Junior


Advogado e Professor, Mestre em Direito (Universidade de Ribeirão Preto), Pós-Graduado “lato
sensu” em Direito Eleitoral (Unisul), Gerente de Cidade (FAAP) e Gestão Jurídica de Empresas
(Unesp/Franca), Coordenador da Comissão de Direito Eleitoral da 12ª Subseção da OAB/SP,
Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP. Autor do livro Moralidade Eleitoral e
juristocracia: uma análise crítica da Lei da Ficha Limpa, Lumen Juris, 2016, prefácio do Prof.
Lenio Streck

Luiz Felipe da Silva Andrade


Advogado; Pós-Graduado em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pelo TRE/RO em convênio
com a UNIRON; Pós-Graduado em Advocacia Pública pelo IDDE em convênio com o Centro de
Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Membro e Conselheiro
Fiscal da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP; Membro da Academia
Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.

Márcio Carlomagno
Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Ciência
Política pela mesma instituição, com período sanduíche na Université de Montréal (Canadá).
Graduado em comunicação institucional pela UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do
Paraná) e bacharel em gestão pública pela UFPR (Universidade Federal do Paraná). Seus interesses
de pesquisas incluem estudos legislativos, eleições e métodos quantitativos.

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AMANDA LOBÃO TORRES
TEMAS IMOBILIÁRIOS NA PERSPECTIVA DA PRÁTICA ELEITORAL
361

Michel Bertoni Soares


Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado
em Direito pela UENP. Foi advogado e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP
(2013-2014). Chefe da Seção de Contas Eleitorais do TRE/SP (2015- ). Membro do grupo de trabalho
designado pelo TSE para elaboração da minuta-base da resolução permanente sobre arrecadação,
gastos e prestações de contas eleitorais.

Pedro Roberto Decomain


Promotor de Justiça em Santa Catarina; Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale
do Itajaí - UNIVALI, Itajaí, SC.

Roger Fischer
Advogado. Especialista em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Membro do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral – IGADE e da Comissão Especial de Direito
Eleitoral da OAB/RS.

Tarcísio Augusto Sousa de Barros


Advogado e Professor. Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Federal do Estado do
Piauí em convênio com a Escola Judiciária Eleitoral do Estado do Piauí. Mestre em Direito Político
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Organizador e coautor do livro “Direito Eleitoral
em Debate” e autor do livro “Eleições Municipais de 2016: Guia Prático”.

Tassiana Bezerra dos Santos


Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Graduada em Direito pela
Universidade Católica de Pernambuco. Professora Universitária. Advogada.

Vera Karam de Chueiri


Professora dos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Direito da UFPR. Pesquisadora
PQ 2 do CNPq. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia do
Centro de Estudos da Constituição (CCONS) do PPPGD/UFPR. Visiting Reseacher na Yale Law
School 2015-16.

Viviane Macedo Garcia


Membro Fundadora da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. Membro
da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MG. Membro da Comissão da Mulher Advogada da
OAB/MG. Mestre em Administração (FEAD). MBA em Direito Tributário (FGV). Especialista em
Controle da Administração Pública (PUC Minas). Especialista em Gestão de Pessoas (PUC Minas)

Walber de Moura Agra


Mestre pela UFPE. Doutor pela UFPE/Università Degli Studio Di Firenze. Pós-Doutor pela
Université Montesquieu Bordeaux IV. Professor da Universidade Federal do Estado de
Pernambuco. Professor Visitante da Universitá degli Studio di Lecce. Membro do Conselho
Científico do Doutorado de Universidade de Lecce. Visiting Research Scholar of Cardozo Law
School. Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais – IBEC. Membro Correspondente
do Cerdradi – Centre d’Études Et de Recherches sur lês Droit Africains et sur Le Développement
Institucionnel des Pays em Développemment. Procurador do Estado de Pernambuco. Membro
da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB. Advogado.

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