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DIREITO PARTIDÁRIO
Belo Horizonte
CONHECIMENTO JURÍDICO
2018
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.
Conselho Editorial
Adilson Abreu Dallari Egon Bockmann Moreira Marcia Carla Pereira Ribeiro
Alécia Paolucci Nogueira Bicalho Emerson Gabardo Márcio Cammarosano
Alexandre Coutinho Pagliarini Fabrício Motta Marcos Ehrhardt Jr.
André Ramos Tavares Fernando Rossi Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Carlos Ayres Britto Flávio Henrique Unes Pereira Ney José de Freitas
Carlos Mário da Silva Velloso Floriano de Azevedo Marques Neto Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho
Cármen Lúcia Antunes Rocha Gustavo Justino de Oliveira Paulo Modesto
Cesar Augusto Guimarães Pereira Inês Virgínia Prado Soares Romeu Felipe Bacellar Filho
Clovis Beznos Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Sérgio Guerra
Cristiana Fortini Juarez Freitas Walber de Moura Agra
Dinorá Adelaide Musetti Grotti Luciano Ferraz
Diogo de Figueiredo Moreira Neto Lúcio Delfino
CONHECIMENTO JURÍDICO
D597 Direito Partidário / Luiz Fux, Luiz Fernando Casagrande Pereira, Walber de Moura
Agra (Coord.); Luiz Eduardo Peccinin (Org.). – Belo Horizonte : Fórum, 2018.
426 p.
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 426 p. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
PARTE I
DIREITO PARTIDÁRIO
CAPÍTULO 1
DEMOCRACIA E PARTIDOS POLÍTICOS
MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO.................................................................................... 15
Referências.................................................................................................................................. 21
CAPÍTULO 2
DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A
REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
RAFAEL MORGENTAL SOARES...................................................................................................... 23
2.1 Introdução................................................................................................................................... 23
2.2 Panorama do sistema partidário atual................................................................................... 25
2.3 Direitos existenciais................................................................................................................... 26
2.4 Direitos econômicos................................................................................................................... 32
2.5 Direitos eleitorais....................................................................................................................... 38
2.6 Direitos políticos........................................................................................................................ 41
2.7 Conclusões.................................................................................................................................. 43
Referências.................................................................................................................................. 44
CAPÍTULO 3
PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM
ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA
ANA PAULA FULIARO....................................................................................................................... 45
3.1 Introdução................................................................................................................................... 45
3.2 Partido político e representação política................................................................................ 46
3.3 O partido político no Brasil: regras para criação e extinção................................................ 49
3.4 O partido político na Colômbia: regras para criação e extinção......................................... 52
3.5 Considerações finais.................................................................................................................. 56
Referências.................................................................................................................................. 57
CAPÍTULO 5
AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS
HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI....... 71
5.1 Preâmbulo................................................................................................................................... 71
5.2 O partido político no ordenamento nacional......................................................................... 72
5.3 O Estado de Partidos................................................................................................................. 73
5.4 A regulação das candidaturas entre o direito doméstico e o direito internacional........ 79
5.4.1 A jurisprudência da Corte Interamericana sobre o relacionamento entre autoridades
nacionais e o Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos........................ 82
5.5 A jurisprudência da Corte IDH sobre candidaturas independentes e o controle de
convencionalidade..................................................................................................................... 84
CAPÍTULO 6
POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA
NO BRASIL
BRUNO BOLOGNESI, FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI............................................................. 89
6.1 Introdução................................................................................................................................... 89
6.2 O que é a direita? Conceito e contexto.................................................................................... 90
6.3 Os documentos partidários...................................................................................................... 91
6.4 Analisando os dados................................................................................................................. 95
6.5 Considerações finais................................................................................................................ 100
Referências................................................................................................................................ 101
Anexo: Porcentagem de texto para cada categoria de análise........................................... 102
PARTE II
FIDELIDADE PARTIDÁRIA
CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS
POLÍTICOS NO BRASIL
ÉDER RODRIGO GIMENES............................................................................................................ 109
1.1 Considerações iniciais............................................................................................................. 109
CAPÍTULO 2
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
GABRIELA ROLLEMBERG.............................................................................................................. 135
2.1 Introdução: os desafios da Justiça Eleitoral decorrentes da competência para julgar
processos que tratam da infidelidade partidária................................................................ 135
2.2 Fidelidade partidária: o elemento mais importante a ser considerado é o eleitor,
e não o partido político............................................................................................................ 137
2.3 Aspectos polêmicos e atuais sobre fidelidade partidária.................................................. 140
2.3.1 Fidelidade partidária em cargos eleitos pelo sistema majoritário.................................... 140
2.3.2 A criação da “janela partidária” e os seus efeitos............................................................... 148
2.3.3 Criação de novo partido como justa causa para desfiliação.............................................. 151
2.4 Considerações finais................................................................................................................ 158
Referências................................................................................................................................ 159
CAPÍTULO 3
FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO
OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
RICARDO SÉRVULO FÔNSECA DA COSTA.............................................................................. 161
3.1 Introdução..................................................................................................................................161
3.2 A crise das ideologias partidárias no Brasil e seus reflexos políticos.............................. 162
3.3 A disciplina partidária, independência do exercício do mandato, a legitimação
poupar e a possibilidade da migração de legendas............................................................ 164
3.4 A influência do coronelato político nas legendas partidárias brasileiras e o
resultado desse fenômeno na atuação parlamentar........................................................... 167
3.5 O populismo político na América Latina e a sua repercussão nos mandatos
parlamentares: o apreço às figuras políticas messiânicas no Brasil................................. 169
3.6 A crise de credibilidade e a criminalização da atividade política: um risco à
democracia................................................................................................................................ 171
3.7 O fenômeno das redes sociais e a influência na responsividade parlamentar............... 173
3.8 O Estado de Direito, o Estado Democrático de Direito, a maturação da democracia
e os efeitos nos mandatos parlamentares..............................................................................174
3.9 Considerações finais................................................................................................................ 176
Referências................................................................................................................................ 177
CAPÍTULO 1
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E A PRESTAÇÃO DE CONTAS
PARTIDÁRIAS
SÉRGIO SILVEIRA BANHOS.......................................................................................................... 181
1.1 Notas de introdução................................................................................................................ 181
1.2 A transparência no ordenamento jurídico........................................................................... 183
1.3 Abrangência do princípio da transparência na prestação de contas partidárias.......... 183
1.4 Desafios para as eleições de 2018........................................................................................... 186
1.5 Conclusão.................................................................................................................................. 188
Referências................................................................................................................................ 189
CAPÍTULO 2
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A
EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
DENISE GOULART SCHLICKMANN........................................................................................... 191
2.1 Introdução................................................................................................................................. 191
2.2 Partidos políticos e o dever de prestar contas..................................................................... 191
2.3 A evolução das normas de prestação de contas partidárias no Brasil............................. 195
2.4 Do exame formal ao processo administrativo que julga as contas e deste à
implementação do processo judicial de prestação de contas partidárias –
O impacto da evolução normativa......................................................................................... 200
2.5 Considerações finais................................................................................................................ 203
Referências................................................................................................................................ 204
CAPÍTULO 3
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA....................... 207
3.1 Introdução................................................................................................................................. 207
3.2 Problematização do tema........................................................................................................ 208
3.3 Conclusão.................................................................................................................................. 221
Referências................................................................................................................................ 223
CAPÍTULO 4
TOMEMOS A SÉRIO O DEBATE EM TORNO DO COMPLIANCE PARTIDÁRIO:
UMA PRIMEIRA REFLEXÃO CRÍTICA DOS PROJETOS DE LEI NoS 60/2017 E
429/2017, DO SENADO FEDERAL. EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO
MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO.......................................................................... 225
4.1 De que aspectos da vida partidária deve cuidar um programa de integridade e o que
se deve dele esperar – Programas de integridade × programas de conformidade –
A inaplicabilidade da LOC aos partidos políticos – Prestação de contas partidárias –
PARTE IV
DIREITO DE ANTENA
CAPÍTULO 1
DIREITO DE ANTENA E OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO POLÍTICA
PAULA BERNARDELLI..................................................................................................................... 255
1.1 Introdução................................................................................................................................. 255
1.2 O Direito de Antena................................................................................................................. 255
1.3 A liberdade de expressão política.......................................................................................... 259
1.4 Os limites do conteúdo divulgado por partidos e candidatos no exercício do
Direito de Antena..................................................................................................................... 260
1.5 As medidas judiciais para controle dos excessos................................................................ 263
1.6 Conclusão.................................................................................................................................. 264
Referências................................................................................................................................ 265
CAPÍTULO 2
A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO PARTIDÁRIA EM TEMPOS
DIGITAIS
MARCELO WEICK POGLIESE........................................................................................................ 267
CAPÍTULO 3
A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE OS CANDIDATOS E A
DESSIMETRIA DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO
VOLGANE OLIVEIRA CARVALHO, FREDERICO FRANCO ALVIM................................... 281
3.1 Introdução................................................................................................................................. 281
3.2 O direito de sufrágio passivo no ordenamento jurídico brasileiro.................................. 282
3.2.1 Breve memória da participação política passiva: o patrimonialismo político
brasileiro.................................................................................................................................... 282
3.2.2 Novas perspectivas para o sufrágio passivo: o candidato detentor de direitos............. 284
PARTE V
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS POLÍTICOS
CAPÍTULO 1
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
JOSÉ LUÍS BLASZAK......................................................................................................................... 307
1.1 Considerações iniciais............................................................................................................. 307
1.2 A formação e a organização dos partidos na Constituição da República e na
legislação infraconstitucional................................................................................................ 307
1.3 Comissão provisória – Um órgão temporário..................................................................... 310
1.4 O uso antidemocrático das comissões provisórias............................................................. 313
1.5 Participação feminina nos diretórios.................................................................................... 320
1.6 A necessária democracia interna........................................................................................... 322
1.7 A Justiça Eleitoral, em todo e qualquer tempo, como sede para dirimir todas as
questões de natureza interna corporis dos partidos políticos............................................. 325
1.8 Conclusão.................................................................................................................................. 325
Referências................................................................................................................................ 326
CAPÍTULO 2
DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA OLIGARQUIZAÇÃO DOS
PARTIDOS POLÍTICOS
RAYMUNDO CAMPOS NETO........................................................................................................ 327
2.1 Introdução................................................................................................................................. 327
2.2 Autonomia dos partidos políticos......................................................................................... 327
2.3 Processo de oligarquização.................................................................................................... 330
2.4 O princípio democrático e os partidos políticos................................................................. 338
2.5 Considerações finais................................................................................................................ 341
Referências................................................................................................................................ 342
CAPÍTULO 3
DEMOCRACIA PARITÁRIA INTRAMUROS
DIANA PATRÍCIA CÂMARA.......................................................................................................... 343
3.1 Democracia paritária............................................................................................................... 345
CAPÍTULO 4
OS DESAFIOS NA DEMOCRACIA INTERNA PARTIDÁRIA BRASILEIRA:
POSSÍVEIS FERRAMENTAS DE ATUAÇÃO PROCEDIMENTAL DAS
ORGANIZAÇÕES PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE
APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO
ANA CRISTINA FERRO BLASI....................................................................................................... 355
4.1 Introdução................................................................................................................................. 355
4.2 Democracia interna dos partidos políticos.......................................................................... 356
4.3 Partidos políticos e os desafios de representatividade....................................................... 359
4.4 Possíveis ferramentas de atuação procedimental das organizações partidárias
para sua articulação sociopolítica de aproximação com o cidadão brasileiro............... 362
4.5 Conclusão.................................................................................................................................. 365
Referências................................................................................................................................ 366
CAPÍTULO 5
DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES
INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
PEDRO FLORIANO RIBEIRO, BRINA DEPONTE LEVEGUEN,
LUÍS G. BRUNO LOCATELLI, PEDRO PAULO F. B. DE ASSIS.............................................. 369
5.1 Introdução................................................................................................................................. 369
5.2 Dilemas e implicações da regulação estatal sobre os partidos políticos......................... 371
5.3 Legislação partidária no Brasil.............................................................................................. 374
5.4 Intervenções e comissões provisórias nos partidos brasileiros: dados exploratórios... 378
5.5 Considerações finais................................................................................................................ 383
Referências................................................................................................................................ 383
PARTE VI
CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS E SUA INEXORABILIDADE
PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
CAPÍTULO 1
CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO, MARIA STEPHANY DOS SANTOS...................... 389
1.1 Introdução................................................................................................................................. 389
1.2 Considerações iniciais............................................................................................................. 390
1.3 Convenções partidárias: o estopim das eleições?............................................................... 392
CAPÍTULO 2
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O
APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES................................................................................ 403
2.1 Introdução................................................................................................................................. 403
2.2 Democracia: conceito e elementos......................................................................................... 404
2.3 Partidos políticos: estrutura e função................................................................................... 411
2.4 Convenções partidárias: características e caráter democrático........................................ 417
2.5 Conclusões................................................................................................................................ 420
Referências................................................................................................................................ 421
DIREITO PARTIDÁRIO
1
WEBER, M. Economia e società (1922), Comunità. Milano 1961. pp. 241-42, 718-28 do II volume. BOBBIO,
Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Trad. Carmen C., Varriale et al., coord. Trad. João
Ferreira. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília. Vol. I. Ed. 1998. p. 898-899.
no Brasil. Especialmente porque a maioria dos partidos hoje funciona como cartórios para
a formalização de candidaturas, concentrando grande poder na mão de seus presidentes.
Tal análise pode ser feita a partir do estudo dos Estatutos Partidários, que
funcionam como a “lei” interna dos partidos. Assim, um Partido que preze pela
democracia intrapartidária deve ter em seu estatuto dispositivos que prezem pela
possibilidade de reconfiguração de forças na legenda e que evitem autoritarismos.
Ressalta-se que a autonomia partidária, protegida pelo artigo 17 da Constituição
Federal, não é óbice às referidas mudanças, na medida em que a norma constitucional
visa evitar o autoritarismo de outrora, o que certamente não é o caso de medidas que
fortaleçam a democracia intrapartidária.
Espera-se demonstrar, neste itinerário, abordando todo o histórico da constituição
dos partidos políticos no Brasil, que a crise de representatividade pode ser superada com
a adoção de medidas de democracia intrapartidária, para o próprio fortalecimento dos
elementos essenciais ao regime político brasileiro com a consequente maior participação
da população no processo político-democrático. É preciso extirpar a democracia
meramente “delegativa”.2
Até 1821 o Brasil encontrava-se sob o jugo colonial de Portugal e, dessa forma, não
possuía uma estrutura partidária formal que desse suporte ao debate político.3 Todavia,
já operavam agrupamentos políticos que, apesar da falta de reconhecimento formal, se
reconheciam como partidos. Três eram os principais: o partido português que queria
a manutenção do Brasil no status de colônia de portuguesa; o partido brasileiro que
defendia a criação de uma monarquia dual entre Brasil e Portugal; e o partido liberal
radical que defendia a implantação de uma república democrática.
Após a independência, inaugurou-se o período imperial que, sob D. Pedro I, ficou
conhecido como primeiro império, não se verificando a existência de partidos políticos
organizados atuando oficialmente. Porém, existiam grupos de interesses semelhantes,4
dentre os quais se destacavam os monarquistas que apoiavam a centralização de
poderes na figura do imperador e liberais de diferentes matizes que defendiam menor
concentração e frequentemente se opunham às políticas de D. Pedro I.
Em seguida à sua abdicação, instaura-se o período regencial no qual foram
fundadas as bases do panorama partidário que perduraram até o fim da monarquia
e a proclamação da República.5 Nessa época foram criados o Partido Conservador e
o Partido Liberal que, com visões diferentes sob o papel da monarquia, disputaram a
hegemonia política durante o segundo reinado,6 sujeitando-se a D. Pedro II que exercia
o papel de árbitro como manifestação do Poder Moderador no que ficou conhecido
como “parlamentarismo às avessas”. Destaca-se que nessa época os partidos ainda não
possuíam um programa político ou estatuto como os partidos atuais, delineando suas
propostas a partir dos embates políticos que eram travados.7
2
O’DONNELL, Guillermo. Estado, democratización y ciudadanía. Nueva Sociedad, n. 128, 1993, p. 62-87.
3
JÚNIOR, Aloísio Zimmer. O estado brasileiro e seus partidos políticos: do Brasil Colônia à redemocratização. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
4
CARVALHO, José Murilo. Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: civilização Brasileira,
2007.
5
AZEVEDO, Moreira de. História Pátria: Brasil de 1981 a 1840. Rio de Janeiro, 1984. p. 83
6
FREIRE, Maria Célia P. V. F.; ORDONEZ, Marlene. História do Brasil. Rio de Janeiro: Ática, 1971.
7
DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1970.
8
CASALECCHI, José Ênio. O Partido Republicano paulista. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 50.
9
ZIMMERMANN, Maria Emília M. O PRP e os fazendeiros de café. Campinas: Editora da Unicamp, 1986. p.17.
10
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3. ed. São Paulo:
Alfa-Omega, 1976.
11
FREITAS, Valter de Almeida. ANL e PCB: mitos e realidade. Santa Cruz do Sul, SC, EDUNISC, 1998.
12
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.
política que seguiu ao fim da segunda guerra mundial.13 Duas inovações previstas na
norma ainda possuem forte influência na configuração do sistema partidário brasileiro: a
obrigatoriedade do caráter nacional das agremiações partidárias e o estabelecimento da
filiação partidária como condição para a candidatura a cargos políticos, vedando-se as
candidaturas avulsas. Igualmente, merece destaque a expressa proibição do registro de
partidos cujo programe contrarie os princípios democráticos, ou os direitos fundamentais
do homem definidos na Constituição.
Esse período de redemocratização durou até 1964 e teve três partidos como
principais atores no embate político partidário: União Democrática Nacional – UDN,
opunha-se fortemente a Getúlio Vargas14 e caracterizou-se pela defesa do liberalismo
econômico e da moralidade, tinha como principal líder o jornalista Carlos Lacerda;
Partido Social Democrático – PSD, era representante da socialdemocracia e concentrava
as alas mais conservadoras aliadas a Vargas; Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, foi
o partido fundado por Vargas que tinha orientação ideológica à esquerda no espectro
político e aliava traços nacionalistas, positivistas e socialdemocratas.
Em 1964, instaurou-se a ditadura militar que inicialmente extinguiu os partidos
políticos, por meio do Ato Institucional nº 2/1965, sendo posteriormente instituído o
bipartidarismo em 1966.15 Os dois partidos que disputaram o poder político no período
eram: Aliança Libertadora Nacional – ARENA, partido de ideologia conservadora e de
apoio oficial à ditadura; Movimento Democrático Brasileiro – MDB, formado por setores
liberais da sociedade brasileira e de oposição ao regime ditatorial.
No campo legislativo, a estrutura partidária foi marcada pela promulgação de
um novo Código Eleitoral em 1965, criado pela Lei nº 4.737, que trouxe novas regras
ao processo eleitoral, por exemplo, ao permitir o voto no exterior para presidente e
vice-presidente.
Após as restrições do período ditatorial às organizações partidárias, o contexto
político de redemocratização foi permeado pela ideia de que todas as vertentes
políticas deveriam ser incluídas no debate na arena política, principalmente aquelas
que foram reprimidas durante o antigo regime. Assim, o processo de elaboração da
nova Constituição visou assegurar ampla liberdade aos partidos, resultando em muitas
garantias concedidas aos partidos políticos, o que desencadeou significativas mudanças
na legislação aplicável à matéria.
Antes da promulgação da Constituição, os partidos políticos eram considerados
pessoas jurídicas de Direito Público interno e adquiriram a personalidade jurídica
tão somente com o seu registro no Tribunal Superior Eleitoral, nos termos da Lei nº
5.682/1971, Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
A Constituição Federal16 designou que os partidos políticos adquiram persona-
lidade jurídica na forma da lei civil, isto é, sujeitam-se às normas de direito privado
13
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-Omega,
1976.
14
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro, p. 278.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
15
KINZO, Maria D’alva G. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979). Trad. Heloisa Perrone
Attuy. São Paulo: Vértice, 1988. p. 28.
16
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional,
o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes
preceitos:
§2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos
no Tribunal Superior Eleitoral.
17
Lei nº 9.096/1995 que dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, §3º, inciso V, da Constituição
Federal.
18
CANOTILHO, J. J. Gomes (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2014.
p. 695.
19
SALGADO. Eneida Desirée. HUALDE. Alejandro Pérez. A democracia interna dos partidos políticos como
premissa da autenticidade democrática. A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 15. N. 60.
Abril/junho. p. 72.
20
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 90.
Referências
AZEVEDO, Moreira de. História Pátria: Brasil de 1981 a 1840. Rio de Janeiro, 1984.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.
CANOTILHO, J. J. Gomes (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2014.
CARVALHO, José Murilo. Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: civilização Brasileira,
2007.
CASALECCHI, José Ênio. O Partido Republicano paulista. São Paulo: Brasiliense, 1987.
DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Trad. de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1970.
FREIRE, Maria Célia P. V. F.; ORDONEZ, Marlene. História do Brasil. Rio de Janeiro: Ática, 1971.
FREITAS, Valter de Almeida. ANL e PCB: mitos e realidade. Santa Cruz do Sul, SC, EDUNISC, 1998.
JÚNIOR, Aloísio Zimmer. O estado brasileiro e seus partidos políticos: do Brasil Colônia à redemocratização.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
KINZO, Maria D’alva G. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979). Trad. Heloisa
Perrone Attuy. São Paulo: Vértice, 1988.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3. ed. São
Paulo: Alfa-Omega, 1976.
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
O’DONNELL, Guillermo. Estado, democratización y ciudadanía. Nueva Sociedad, n. 128, 1993.
SALGADO, Eneida Desiree; PÉREZ HUALDE, Alejandro. A democracia interna dos partidos políticos
como premissa da autenticidade democrática. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte, ano 15, n. 60, p. 63-83, abr./jun. 2015.SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos
Políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo:Alfa- Omega, 1976.
WEBER, M. Economia e società (1922), Comunità. Milano 1961. p. 241-42, 718-28 do II volume. BOBBIO,
Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Trad. Carmen C., Varriale et al., coord. Trad. João
Ferreira. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília. v. I. Ed. 1998.
ZIMMERMANN, Maria Emília M. O PRP e os fazendeiros de café. Campinas: Editora da Unicamp, 1986.
Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Democracia e partidos políticos. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito
Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 15-22. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-
0497-4.
2.1 Introdução
Nenhuma instituição democrática sofre tanto com a falta de credibilidade quanto
os partidos políticos.1 Embora o grau de confiança varie entre as agremiações, parece
evidente que o sistema partidário como um todo é alvo de ceticismo, quando não de
desprezo.
As razões para isso são variadas e complexas, não cabendo aqui uma análise
aprofundada. Mas é possível assumir que a visão negativa sobre os partidos está assentada
na sociedade civil e vem sendo sistematicamente explorada (o termo é propositadamente
ambíguo) pelos principais veículos de comunicação.
Os protestos populares em âmbito nacional realizados em junho de 20132 parecem
evidenciar este quadro: a hostilidade aos militantes partidários identificados na multidão3
1
Como o próprio nome está a sugerir, os partidos políticos são partições do ambiente político, só possíveis num
ambiente plural, num Estado parcial de partidos. A ideia de um partido único, portanto, é uma contradição em
termos: embora seja útil para designar um grupo político que tenha monopolizado o comando decisório de um
Estado, como ocorreu na Alemanha nazista e na União Soviética socialista, e como ainda ocorre na China do
Partido Comunista, ela é a própria negação do conceito de democracia. Mais do que uma condição existencial,
o pluralismo funciona como balizador da atividade partidária, pois numa sociedade assumidamente plural,
nenhuma das partes que a compõe pode se pretender a detentora da verdade absoluta, totalizante. “Denominam-
se Estado parcial de partidos aquelas sociedades politicamente organizadas em que não se adota o sistema de
partido único.” ARAS, Augusto. Fidelidade e ditadura (intra)partidárias. Bauru: Edipro, 2011, p. 15.
2
ROLNIK, Raquel. As vozes das ruas: as revoltas de junho e suas interpretações. In: Cidades rebeldes: passe livre e
as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. Ermínia Maricato et al. 1. ed. São Paulo: Boitempo/Carta Maior,
2013.
3
“A multidão designa um sujeito social internamente diferente e múltiplo cuja constituição e ação não se baseiam
na identidade ou na unidade (nem muito menos na indiferença), mas naquilo que tem em comum. A definição
conceitual inicial de multidão representa um claro desafio para toda a tradição da soberania. (…) Todo poder
soberano forma necessariamente um corpo político dotado de uma cabeça que comanda, de membros que obedecem
e de órgãos que funcionam conjuntamente para dar sustentação ao governante. O conceito de multidão desafia esta
verdade consagrada de soberania. A multidão, embora se mantenha múltipla e internamente diferente, é capaz
de agir em comum. (…) A multidão é o único sujeito social capaz de realizar a democracia, ou seja, o governo de
todos por todos.” HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do Império. Tradução
de Clóvis Marques. Rev. Giuseppe Cocco. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 140-141.
4
Em 1940 Simone Weil publicou um contundente manifesto denunciando a tendência totalitária dos partidos
políticos, tirando daí o motivo para propor a sua eliminação. “O fim primeiro (e, em última análise, único) de
todo partido político é seu próprio crescimento, sem limite. (…) todo partido é totalitário, potencialmente e em
aspiração.” WEIL, Simone. Pela supressão dos partidos políticos. Tradução: Lucas Neves. Belo Horizonte: Editora
Âyiné, 2016, p. 12.
5
Cujas fronteiras hoje são imprecisas, inclusive no âmbito do Direito. “Já houve uma ‘era da ordem’, na qual
o âmbito do direito público estava perfeitamente diferenciado do âmbito do direito privado, de tal modo que
podia ser desenvolvida uma dogmática baseada em ambas as esferas independentes. (…) Na atualidade existem
evidências suficientes de certa desordem na fronteira entre ambos.” LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão
judicial: fundamentos de direito. Tradução de Bruno Miragem. Notas de Cláudia Lima Marques. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, p. 39.
6
MONTEIRO, Jorge Vianna. Como funciona o governo: escolhas públicas na democracia representativa. Rio de
Janeiro: FGV, 2007, p. 52.
7
O que é um traço característico dos partidos catch-all (“pega tudo”), aqueles que discursam para todos os públicos,
como é o caso da maior parte dos partidos brasileiros. MAINWARING, Scott. P. Sistemas partidários em novas
democracias: o caso do Brasil. Tradução de Vera Pereira. Porto Alegre: Mercado Aberto; Rio de Janeiro: FGV, 2001,
p. 31.
8
Um apanhado de diferentes pensadores que estudam a tendência à concentração do poder pelas cúpulas partidárias
pode ser encontrado em HOLLANDA, Cristina Buarque de. Teoria das elites. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
9
MAINWARING, Scott. P. Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil. Tradução de Vera Pereira.
Porto Alegre: Mercado Aberto; Rio de Janeiro: FGV, 2001, p. 33-34.
10
“Quando um sistema é incapaz de tratar seus problemas vitais, ou ele se desintegra, ou, em sua própria desintegração,
é capaz de se metamorfosear em um metassistema mais rico, hábil para tratar seus problemas.” MORIN, Edgar.
Rumo ao abismo?: ensaio sobre o destino da humanidade. Tradução de Edgard de Assis Carvalho, Mariza Perassi
Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 14.
11
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. História e teoria dos partidos políticos no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980, p.
122.
na melhora das condições de vida de cada indivíduo alcançado pelos atos de poder.12
Afinal, temos uma democracia que é herdeira da tradição individual-liberal-racional.
Tais considerações, que talvez pequem pela obviedade, fazem-se necessária
na medida em que constatamos um certo “abuso de personalidade” de parte das
agremiações políticas, que não raro enxergam a si como instituições finalísticas e não
como instrumentos de realização da cidadania.
É provável que esta “hermenêutica invertida” seja responsável pela sensação de
que os partidos possuem privilégios em vez de direitos e pelo predomínio desses entes
sobre a máquina do Estado.13
Se está certo o diagnóstico, parece claro que o primeiro passo é rever o ponto
de partida hermenêutico: para além de avaliar tal ou qual direito partidário como um
instrumento em benefício dos partidos, deve-se antes formular a seguinte pergunta:
em que medida este ou aquele direito partidário contribui para o empoderamento do
cidadão? Pois a possibilidade de que um determinado direito fortaleça um partido em
específico ou o sistema de partidos como um todo, mas ao mesmo tempo prejudique
o exercício da cidadania é bastante real. Quer dizer, é possível que direitos disfarcem
privilégios. A análise desses direitos indicará hipóteses e ventilará alternativas.
Logicamente, o que dá forma ao sistema partidário é o conjunto de direitos e
deveres. Mas embora esses direitos interajam de tal modo que a alteração de um repercuta
sobre os demais, uma divisão para fins didáticos não fica impedida.
Propõe-se aqui uma classificação levando-se em conta as liberdades protegidas
pelas normas jurídicas. Assumindo o princípio da cidadania como fundante, verifica-se
que a legislação se dirigiu a quatro tipos de liberdade em favor dos partidos: existencial,
econômica, eleitoral e política.
12
Buscando descobrir quem é o povo para fins de atribuição da cidadania, Friederich Müller conclui que todas
as pessoas implicadas pelos atos de poder deveriam tomar parte no processo político, inclusive estrangeiros.
MÜLLER, Friederich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. Introdução Ralph Cristensen.
Tradução Peter Naumann. Revisão da Tradução Paulo Bonavides. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,
p. 52-53. Essa visão ampliativa ainda não foi internalizada no Brasil, que adota como regra o reconhecimento de
direitos políticos apenas a nacionais.
13
A ponto de Jorge Miranda falar em democracia de partidos: “A dificuldade – real, e bem grave – está em que a
democracia representativa, se tornou democracia de partidos; e estes tendem a ocupar todo o espaço público e a
deixar pouca margem de atuação para os cidadãos neles não integrados e para o próprio Parlamento.” MIRANDA,
Jorge (Org.); MACHADO, Joana Fernandes (Coord.) et al. Direito constitucional e democracia. Curitiba: Juruá, 2013,
p. 9.
14
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Tradução Beatriz Sidou. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 101 e
112.
lado é evidente que este direito também consagra as liberdades de opinião, associação e
reunião, por outro lado fica claro que a sua vocação principal de satisfazer o apetite pelo
poder o singulariza completamente.
Por certo, a liberdade existencial contempla a existência de partidos que não
pretendam (pelo menos no curto prazo) o domínio da máquina pública, contentando-se
em influenciar a opinião pública, o que impediria sua exclusão mesmo diante de um
período de dormência (sem apresentação de candidaturas).15
Mas as grandes questões acerca da liberdade existencial não dizem respeito à
eventual inércia de uma agremiação já criada, e sim ao surgimento de novas legendas. O
que é necessário para que o partido supere a barreira da tolerância e adentre ao universo
do incentivo? O que ocorre depois disso?
Enquanto a tolerância se dá pelo simples registro do partido como entidade civil,
ato que não pode ser obstado pelo Estado, o incentivo se dá pelo reconhecimento de
direitos econômicos, políticos e eleitorais que só são acessíveis aos partidos que preenchem
um critério quantitativo de apoio junto à cidadania. Não se trata de filiação partidária,
já que 90% dos cidadãos brasileiros não a possuem, mas de assinaturas que indiquem
a concordância com a criação da legenda em gestação.
É difícil criticar a opção do legislador infraconstitucional por um critério
quantitativo para reconhecer o direito a existir e os outros que lhe são subsequentes,
sobretudo pensando na praticabilidade da democracia representativa, que a partir de
certo número de partidos se torna confusa, bem como conceber outro critério quantitativo
que não seja o número de eleitores-apoiadores.
Pois se a liberdade para a criação de novos partidos não pode ser absoluta, sob
pena de incentivarmos o surgimento de legendas por um punhado de pessoas com
pretensão de obter dinheiro público ou simplesmente perturbar o já complicado quadro
político, a definição de algum critério será inevitável.
No entanto, os requisitos firmados pelo legislador ordinário para admitir um
partido na competição pelo poder merecem alguns apontamentos.
Se dentro do rol partidário já estabelecido a liberdade existencial é bastante
elástica, dado que a fusão, a incorporação, a extinção ou a simples mudança de nome
depende apenas da vontade dos agentes envolvidos, sem nenhum filtro externo (a
não ser, claro, o constrangimento imposto pela mídia e a opinião pública), no que diz
respeito ao surgimento de novas legendas nossa legislação é problemática.
Para existir politicamente não basta que o partido se registre no cartório civil.16 Com
o registro civil não passará de um ente social como qualquer outro, conquanto reconhecido
juridicamente como partido. Para ter vez e voz, recebendo os direitos reconhecidos aos
15
Esta afirmativa parte de uma definição orgânica de partidos, que os vê como agentes de transformação social e que
tradicionalmente se opõe à visão funcional, segundo a qual os partidos seriam apenas máquinas eleitorais. VIEIRA,
Reginaldo de Souza. Partidos políticos brasileiros: das origens ao princípio da autonomia político-partidária.
Criciúma-SC: Ed. da UNESC, 2010, p. 21. Acredita-se que além de ressaltar a liberdade existencial, permitindo que
os partidos fixem suas próprias finalidades (desde que respeitando a moldura constitucional), a visão orgânica
não entra em conflito com a visão funcional, mas antes a absorve, visto que a simples influência sobre a opinião
pública já revela uma estratégia política e eleitoral, ainda quando acompanhada da renúncia ao objetivo de exercer
a gestão pública. O não uso desta definição tem sido justificado pela impossibilidade de se obter organicidade
partidária em grandes democracias. Ora, a tecnologia digital está à disposição para a superação deste problema.
16
Constituição Federal, art. 17, §2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei
civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. Lei nº 9.096/1995, “art. 7º O partido político, após
adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral”.
17
Lei nº 9.096/1995, art. 7º, “§1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional,
considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a
partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição
geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço,
ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada
um deles. §2º Só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do
processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão, nos termos
fixados nesta Lei. §3º Somente o registro do estatuto do partido no Tribunal Superior Eleitoral assegura a
exclusividade da sua denominação, sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que
venham a induzir a erro ou confusão”.
18
Constituição Federal, “art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e
observados os seguintes preceitos: I – caráter nacional”.
19
Com o requinte de justificar a “poda” no combate à corrupção e realizá-la em nome da governabilidade, como
se os males do regime fossem provocados apenas pelos partidos pequenos e não pelos grandes.
20
Em três décadas saímos do bipartidarismo e alcançamos um regime com trinta e cinco partidos.
que se complicou. Mas nossa admiração pelo sistema binário praticado nos EUA – e por
outras maravilhas civilizatórias que aquele país alcançou – não deve ser motivo suficiente
para uma tentativa de cópia. Somos e sempre fomos país plural, ainda que desigual, o
que de certa forma nos capacita a habitar este mundo mais complexo. Se precisamos
de um novo modelo, mais pragmático, ele provavelmente não será encontrado dentre
alternativas muito simplistas.
Pois o que o “novo mundo virtual” nos coloca é a aparição de novas bandeiras,
menos englobantes e menos definitivas, porém mais persuasivas para uma cidadania ainda
latente. Se parece clara a exigência de uma democracia mais operante21 para governar
este novo mundo, menos clara – embora também óbvia – é a necessidade de partidos
mais aderentes. No fundo é a velha e tormentosa questão da legitimidade que se coloca.
Mas a esta altura não é razoável acreditar que o sistema atual conseguirá prover a
aderência necessária, até porque a mentalidade intrapartidária atual é menos voltada à
conquista de filiados do que à conquista de eleitores. Daí que a abertura do sistema a
novos players pareça uma medida saudável e “futurista”.
Em suma, se o excesso de partidos realmente prejudica o funcionamento do regime
atual, talvez a tarefa central não seja reduzir o número de siglas, mas antes prover um
novo sistema partidário e eleitoral que dê conta dessa inédita pluralidade, que é tanto
horizontal (alargamento da agenda política) quanto vertical (surgimento de instâncias
de mediação entre a base e o topo do poder que cumpram um papel semelhante ao
dos diretórios estaduais e municipais dos atuais partidos, com inspiração no princípio
federativo)22.
De fato, acreditar que a mera redução do número de partidos promoverá ganhos
em governança e legitimidade é apostar no improvável. A opção pela concentração do
sistema esperando que “as coisas voltem a ser mais fáceis como um dia já foram” traz, sim, o
risco de fortalecimento da ditadura (intra)partidária23 que tanto nos atormenta, levando ao
oligopólio ainda mais rígido do poder em poucas mãos e por isso mesmo contrariando
o mais fundamental princípio democrático, que é a fragmentação do poder.
21
Que ainda está por ser inventada. “A terceira invenção da democracia trata disso: da continuidade do processo
de democratização nas condições de uma sociedade-em-rede.” FRANCO, Augusto de. A terceira invenção da
democracia. São Paulo: 2013, disponível em: <http://pt.slideshare.net/augustodefranco/a-terceira-inveno-da-
democracia-29335826>. Acesso em: 17 jun. 2015, p. 32.
22
Eis a definição do princípio segundo Assis Brasil: “Entre um indivíduo e um grupo de indivíduos ligados por
um laço qualquer de coesão não há diferença senão na quantidade, pois a qualidade permanece a mesma. Por
conseguinte, os mesmos princípios que admito em relação ao indivíduo particularizado, são perfeitamente
admissíveis relativamente aos indivíduos congregados, e, assim, direi: um grupo de indivíduos, naquilo em
que apenas a sua pessoa coletiva é interessada, é soberanamente livre. Mas desde que coloquemos um grupo de
indivíduos em relação com outro grupo, desde que os atos que tiver de praticar não disserem respeito somente a
si, mas vão afetar esse outro grupo, tais atos deverão ser modificados segundo a vontade do grupo de indivíduos
que eles afetam. Estabeleçamos, pois, a lei: um grupo de indivíduos não é soberanamente livre para atos da vida
de relação. Desta base tão simples, destas ideias tão claras e tão corretas, que ninguém pode contestar, brota
originalmente o princípio federativo”. HOLLANDA, Cristina Buarque de (organização, introdução e notas).
Joaquim Francisco de Assis Brasil: uma antologia política. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011, p. 73. Texto: Dois discursos
pronunciados na Assembleia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul Base: notas taquigráficas publicadas
em 1886.
23
A expressão é de Augusto Aras. ARAS, Augusto. Fidelidade e ditadura (intra) partidárias. Bauru: Edipro, 2011, p. 25
e 73.
24
Constituição Federal, art. 17, §1º “É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura
interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e
sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas
eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação
entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer
normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)”.
25
Não percamos de vista o momento histórico do ato getulista: do lado de fora, nacionalismo estatizante europeu;
do lado de dentro, um atrito de caudilhos que só terminaria com uma liderança acima de tudo e de todos, capaz
de organizar a vida política, suprindo, de certa forma, o vácuo ocasionado pela queda da monarquia. Quer dizer:
não houve tempo nem oportunidade para a formação de uma mentalidade federalista.
26
Lei nº 9.096/1995, art. 7º, “§1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional,
considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a
partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição
geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço,
ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada
um deles. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)”.
Mas estes seriam critérios de transição, pois a verdade é que o cidadão atual não
empunha apenas uma bandeira: caso aberto o leque partidário para um sem-número de
partidos teríamos necessariamente de conviver com cidadãos simpáticos a várias correntes
ao mesmo tempo, sem mútua exclusão. Isso indica a necessidade de sobrevivência dos
partidos catch-all, porém não mais em regime de exclusividade, e sim de concorrência
com as legendas “de nicho”.
Independentemente do alcance de cada partido, o importante aqui é encontrar a
chave para aumentar o engajamento dos cidadãos na prática política, retirando-lhes da
contemplação ou – pior ainda – da alienação, sem, contudo, pretender um improvável
(e indesejável) “cidadão total”.27 Pois um Estado autenticamente democrático deve ter
todo o interesse em respaldar suas decisões na vontade de seus cidadãos, absorvendo
inclusive os efeitos das más escolhas, pedagogicamente. Se a existência de um sistema
fértil, amigável ao cidadão, é uma condição formal, a condição material é a ideia política
em si, junto a seu momento histórico, pois sem efeito viral nenhuma bandeira avança.
E, então, nos defrontamos com o problema da agenda. Sendo já difícil determinar
a legitimidade de um novo partido segundo o número de apoiadores e sua localização,
pior ainda é saber que bandeiras podem ser banidas a priori no jogo democrático. O
constituinte fixou como um dever partidário a obediência a certas balizas: a doutrina e
os atos dos partidos não podem ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa
humana, o regime democrático e o pluripartidarismo,28 exigindo-se das legendas o
compromisso indeclinável com a defesa dos direitos fundamentais.29
Essas previsões, aplicáveis não apenas para o registro de novos partidos, mas
a todos eles, colocam a Justiça Eleitoral na delicada posição de filtrar os deslizes, com
poder inclusive para cassar o registro de legendas infratoras.
Na prática o TSE não tem negado registro com base nesses ditames, e a única
cassação de legenda já existente ocorreu em 1947,30 quando o Partido Comunista
Brasileiro foi considerado “incompatível” com o regime democrático, o que em seguida
acarretou a perda do mandato de diversos parlamentares recém-eleitos, por ordem do
poder legislativo (que se louvou na decisão do TSE), após um expressivo desempenho
dos comunistas nas urnas.
Essa decisão antiga serve de alerta para os dias que se aproximam. Seja por um
eventual afrouxamento dos critérios para a admissão de novos partidos, conforme aqui
se defende, seja porque a tecnologia digital serve de base para a propagação de discursos
contrários aos direitos fundamentais, é possível que a Justiça Eleitoral venha a ser
demanda neste campo, impedindo que surjam ou se desenvolvam partidos incompatíveis
como o regime. O fascismo se metamorfoseia à espera de uma oportunidade.
Se e quando for o caso, a Justiça Eleitoral precisará de critérios. E então surgirá
uma série de questionamentos:
27
Bobbio adverte que o “excesso de democracia” também pode matá-la: BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia:
uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 26.
28
Constituição Federal, “art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados
os seguintes preceitos: (…)”.
29
Lei nº 9.096/1995, “art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse
do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos
na Constituição Federal”.
30
Resolução TSE nº 1.841/1947.
31
“ – ¿Qué sucedió con los gobiernos? – Según la tradición fueron cayendo gradualmente en desuso. Llamaban a
elecciones, declaraban guerras, imponían tarifas, confiscaban fortunas, ordenaban arrestos y pretendían imponer
la censura y nadie en el planeta los acataba.” p. 5. Borges, Jorge Luis. Utopía de un hombre que está cansado.
Disponível em: <https://recursosdeliteratura.wikispaces.com/file/view/Jorge+Luis+Borges+-+Utopia+de+un+
hombre+que+esta+cansado.pdf/212617568/Jorge%20Luis%20Borges%20-%20Utopia%20de%20un%20hombre%20
que%20esta%20cansado.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2017.
32
Manuel Castells apresenta um rol extenso de poderes que atuam na democracia e mesmo fora dela (ou em paralelo
a ela). CASTELLS, Manuel. Redes de indignación y esperanza. Los movimentos sociales en la era de internet. Madrid:
Alianza editorial, 2012, p. 25.
33
Fosse assim poderíamos desistir da democracia e entregar as chaves aos atuais membros da haute finance, a elite
financeira supranacional que desencadeou, ainda no século XIX, o processo histórico de sobreposição do poder
fato de que este poder estabelece uma ética segundo a qual todas as atividades humanas
podem ser em princípio apreciáveis economicamente (é dizer, valoradas em dinheiro),
inclusive a arte (inobstante sua rebeldia ao utilitarismo) e a política (inobstante sua busca
pela justiça e pela paz).34
Consequentemente, assimilamos a “tábua de valores” do mercado para apreciar
o poder político. Por exemplo: ciência utiliza indicadores como o “preço de cada voto”
para meditar sobre o fenômeno eleitoral; e as carreiras políticas se tornam também
carreiras profissionais.
O quão apropriada é a lógica do mercado para o universo político é uma questão
a ser ainda aprofundada. Para os fins deste trabalho basta dizer que a pressão do poder
econômico sobre o poder político estimula a democracia a funcionar como um jogo
competitivo de acumulação cujo objetivo fundamental é a aniquilação definitiva dos
adversários e a conquista do poder total (ou seja, a formação de um monopólio).35 Não
que a cooperação e a renúncia sejam impossíveis, mas elas normalmente aparecem em
segundo plano, como táticas, e não como finalidade.
Mesmo diante da incompatibilidade parcial entre esses dois poderes, parado-
xalmente eles se complementam e derivam a sua existência um do outro.36 Até o mais
livre dos mercados não prescinde da política, nem que seja para reconhecê-lo como tal
(legitimação).37
Numa palavra, a política é justamente o lugar onde os limites do mercado são
negociados, e isso explica satisfatoriamente por que o interesse econômico “se infiltra”
nela: para obter a melhor “negociação” possível aos constrangimentos jurídicos que lhe
serão impostos (como, por exemplo, a carga fiscal, a legislação trabalhista e ambiental,
todo o direito concorrencial e, mais profundamente, a disciplina da propriedade).
econômico sobre os poderes tradicionais do Estado. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa
época. Tradução de Fanny Wrobel. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 10-12.
34
“Já no último quarto do século XIX, os preços mundiais das mercadorias constituíam a realidade principal das
vidas de milhões de camponeses continentais (...). Só um louco duvidaria de que o sistema econômico internacional
era o eixo da existência material da raça humana.” Karl Polanyi, POLANYI, Karl. A grande transformação: as
origens da nossa época. Tradução de Fanny Wrobel. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. A dimensão econômica
vem gradualmente avançando sobre outros campos da existência humana, levando para “dentro do mercado”
coisas e comportamentos que antes não eram apreciadas sob a ótica das leis econômicas. LIPOVETSKY, Gilles, e
SERROY, Jean. A cultura-mundo: respostas a uma sociedade desorientada. Tradução de Maria Lúcia Machado. São
Paulo: Companhia das Letras, 201: “(…) pela primeira vez, a economia mundial se ordena segundo um modelo
único de normas, valores e objetivos – o éthos é o sistema tecnocapitalista –, e em que a cultura se impõe como
um mundo econômico de pleno direito.” p. 9; “O triunfo do hipercapitalismo não é apenas econômico; é cultural,
tornando-se o esquema organizador de todas as atividades, o modelo geral do agir e da vida em sociedade. Ele
atingiu o imaginário coletivo e individual, os modos de pensamento, os objetivos da existência, a relação com a
cultura, com a política e com a educação.” p. 38.
35
FRANCO, Augusto de. A terceira invenção da democracia. São Paulo: 2013, disponível em: <http://pt.slideshare.
net/augustodefranco/a-terceira-inveno-da-democracia-29335826>. Acesso em: 17 jun. 2015, p. 44-45 e 92-94.
36
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Tradução Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001: “(…)
a estreita associação entre democracia e capitalismo de mercado esconde um paradoxo a economia do capitalismo
de mercado, inevitavelmente, gera desigualdades nos recursos políticos a que os diferentes cidadãos têm acesso.
Assim, uma economia capitalista de mercado prejudica seriamente a igualdade política – cidadãos economicamente
desiguais têm grande probabilidade de ser também politicamente desiguais.” p. 175. “Democracia e capitalismo
de mercado são como duas pessoas ligadas por um casamento tempestuoso, assolado por conflitos – mas que
resiste, porque nenhum dos parceiros deseja separar-se do outro. Passando o exemplo para o mundo botânico,
os dois existem numa espécie de simbiose antagônica.” p. 183.
37
GRAU, Eros Roberto. Atividade econômica e regulação. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional,
n. 3 (Anais do IV Simpósio Nacional de Direito Constitucional). Curitiba – PR: Academia Brasileira de Direito
Constitucional, 2003, p. 449 e 450.
Assim, resta evidente que a legislação partidária e eleitoral também deve regular a
presença do poder econômico no jogo político. Mesmo não podendo afastar a racionalidade
econômica da disputa pelo poder do Estado, estas leis podem e devem dizer até que ponto
o dinheiro pode fazer a diferença em eleições. Pois sem limites haverá sempre o risco real de
absorção, e aí a própria ideia de representatividade estará comprometida, já que os “sem
dinheiro” não terão vez nem voz.
Trata-se de um problema que se repete em todo o mundo democrático e que
no Brasil ainda não teve uma solução satisfatória, embora o regime não possa ser
qualificado como ruim.
O simples reconhecimento de direitos econômicos aos partidos políticos regularmente
habilitados é um excelente começo. A regulação constitucional do tema, segundo
acreditamos, foi acertada, embora mereça algumas ressalvas.
Ao reconhecer – pelo silêncio – a natureza privada dos partidos políticos e a
possibilidade de que obtenham dinheiro junto à sociedade civil (o que foi confirmado
pela legislação ordinária), a Constituição fundou um regime partidário capaz de respeitar
os resultados do jogo econômico. E embora as doações de pessoas jurídicas tenham sido
recentemente proibidas, o quadro normativo ainda garante a legitimidade do interesse
econômico na disputa política, já que candidatos ricos podem doar mais.
Por outro lado, o constituinte estabeleceu um “mínimo existencial” chamado
de fundo partidário para garantir algum grau de competitividade (chances de vitória)
às correntes que não entusiasmam os principais detentores do poder econômico, mas
que respondem aos interesses de uma boa parte da população. Nesse sentido, ainda
que excepcionando a ideia segundo a qual entidades privadas não devem depender de
recursos públicos, concebida para evitar o avanço do Estado sobre a sociedade civil, o
fundo partidário representa um poderoso instituto democrático.
Se o financiamento privado se limita às doações de pessoas físicas, o financiamento
público vai além da transferência direta de valores aos cofres partidários. Temos duas
modalidades de financiamento público indireto previstas na Constituição: imunidade
tributária,38 que é um recorte do poder tributante, e acesso gratuito ao rádio e à
televisão,39 que é uma forma de renúncia fiscal, já que as empresas de telecomunicação
são indenizadas mediante compensação.40 Ou seja, esses dois direitos econômicos dos
partidos são pagos pelo contribuinte, em face da não arrecadação. Sobre eles podem
ser formulados os seguintes apontamentos.
Quanto à imunidade tributária, trata-se de assunto pouco explorado pela doutrina
sob o viés partidário e eleitoral, sujeitando-se sua interpretação aos cânones lapidados
no campo tributário. Lá o instituto é louvado como uma garantia fiscal a favor das
liberdades políticas e da neutralidade estatal, por impedir o embaraço da atividade
partidária mediante tributação excessivamente onerosa ou seletiva, e também como
um estímulo econômico ao florescimento do regime partidário.
38
Constituição Federal, “art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) c) patrimônio, renda
ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”.
39
Constituição Federal, art. 17, “§3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito
ao rádio e à televisão, na forma da lei”.
40
Lei nº 9.504/1997, art. 99, caput. “As emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência
do horário gratuito previsto nesta Lei”.
41
Súmula Vinculante nº 52: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a
qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis
seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas”.
Fê-lo para custear o fundo eleitoral sem aumento de despesa pública com
política, já que a compensação fiscal projetada para a transmissão do horário partidário
foi simplesmente remanejada para o fundo referido. Se por um lado essa medida
parece aumentar a liberdade dos partidos, já que suprime o “carimbo” da verba antes
destinada obrigatoriamente à aparição em rádio e TV, por outro lado se frustra o direito
do cidadão de sabe mais sobre os partidos. Com o agravante de que das duas formas
de propaganda, eleitoral e partidária, a segunda era a mais justa, pois dava um bom
quinhão aos pequenos partidos.
E assim este direito, que além de econômico é também político, foi modulado com
evidente prejuízo ao regime democrático.
Quanto à transferência direta de recursos públicos e privados os problemas não
são menores.
No antigo regime de doações de pessoas jurídicas tínhamos um problema de
eficácia do fundo partidário, primeiro, porque o volume de dinheiro privado em jogo
era comparativamente muito maior (favorecendo sempre as grandes legendas), segundo,
porque o fundo era distribuído segundo o mesmo critério de concentração aplicado ao
tempo de rádio e televisão: ganha mais quem já tem mais.
Quando o ambiente para a doação empresarial ficou hostil, graças à revelação
do mecanismo de interlocução entre os financiadores e seus respectivos financiados,
a proibição parecia uma solução fácil para recompor a um só tempo a moralidade e o
equilíbrio da disputa eleitoral.
Todavia, a recente criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha
(FEFC)42 vetou essa possibilidade, com danos adicionais. Ao compensar a perda da verba
empresarial com dinheiro público (motivo confessado abertamente no parlamento) o
legislador criou um regime de financiamento partidário e eleitoral quase que exclusi-
vamente público, já que as doações de pessoas físicas desempenham papel discreto,
desnaturando assim o caráter privado dos partidos e os sujeitando perigosamente ao
Estado, se não em ideologia, ao menos em dependência financeira, por conduzi-los à
barganha no parlamento e junto ao chefe do Erário.
Assim, o que deveria ser um mecanismo de compensação à prevalência do
poder econômico sobre o poder político se tornou acima de tudo um deslocamento de
custeio, de privado para público, sem a concepção de nenhum instrumento adicional
de controle de gastos, como seria de se esperar diante da natureza pública do dinheiro
consignado aos partidos.
Essa mudança, provavelmente a mais expressiva dos últimos anos no quadro
normativo, também é prejudicial aos partidos pequenos, já que o aquinhoamento
depende do desempenho eleitoral pretérito.
Mas o ponto mais interessante é a sua possível inconstitucionalidade. Não há
autorização constitucional para a transferência de recursos públicos aos partidos além
das modalidades expressamente previstas. A única forma de transferência direta é via
fundo partidário. Portanto, dada a natureza privada desses entes, acredita-se que o
legislador ordinário não estava habilitado a criar esta nova vantagem, ainda que do
ponto de vista orçamentário haja ocorrido compensação mediante a supressão dos
42
Criado pelas Leis nºs 13.487/2017 e 13.488/2017, que incluíram os arts. 16-C e 16-D, respectivamente, na Lei nº
9.504/1997.
custos com propaganda partidária (o que, aliás, parece também inconstitucional, como
já assinalado).
Se por um lado o quadro normativo é generoso e extenso na arrecadação, por
outro é tímido quanto aos gastos. Apesar de alguns parâmetros operacionais – com
nota de destaque para a obrigatoriedade de investimentos para ampliar a participação
das mulheres na política –,43 o regime é bastante liberal.
A contrapartida ao recebimento de recursos públicos é a prestação de contas,44
que ainda se justifica pela necessidade de se garantir a lisura da disputa política frente
à presença do poder econômico (dinheiro de origem privada). Este dever partidário está a
merecer reformulação substancial, pois a eficácia do controle hoje realizado pela Justiça
Eleitoral parece baixa, começando pelo fato de que as contas apreciadas são as contas
apresentadas, com pouca margem para o monitoramento de ilicitudes em tempo real
(ex.: obtenção de recursos de fonte vedada) e “baixa estima” (pouca importância) das
prestações de contas no quadro geral da jurisdição eleitoral (esses processos poderiam
receber uma atenção melhor, imprimindo-se visão de auditoria e não apenas de legalidade
estrita, sob pena de se perder valioso tempo julgando e punindo pequenos desvios).
Em síntese, o que temos é um regime de direitos econômicos de partidos políticos
que onera o contribuinte, mas não impede a forte influência do poder econômico no
jogo eleitoral. Ao contrário, neste regime os partidos dominantes, além de controlarem
a agenda do Estado mediante sucessivas vitórias eleitorais, também podem funcionar
como fonte de receita e zona cinzenta para cobrir ilícitos.
É claro que a solução desses problemas não é nada simples, uma vez que temos
um emaranhado de previsões interconectadas. A despeito das dificuldades, algumas
cogitações parecem cabíveis.
Em primeiro lugar se postula a retomada da legalidade das doações empresariais,
seja pelo reconhecimento da legitimidade do interesse econômico empresarial na
esfera política, que merece tutela regrada em vez de repúdio moralista, seja porque de
qualquer forma o dinheiro tem um comportamento líquido, infiltrando-se como água
nas campanhas e nos partidos, independentemente da legalidade ou da ilegalidade
desse tipo de financiamento. A proibição pode até inibir, mas não resolve inteiramente
o problema, e por isso acaba criando outros, como a presença de dinheiro ilícito (e que
representa interesses ilícitos) no “mercado político”. Assim, pensando num regime
praticável (aquele que os sujeitos estariam dispostos a cumprir), acredita-se que o melhor
caminho seja a fixação de limites quantitativos para doações dessa natureza, pautados
43
Lei nº 9.096/1995, “art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados (…) V – na criação e manutenção
de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria
da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de
doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional
de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; (Redação dada pela Lei nº 13.165,
de 2015) §7º A critério da secretaria da mulher ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pesquisa e
de doutrinação e educação política, os recursos a que se refere o inciso V do caput poderão ser acumulados em
diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas
eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando, neste caso, o disposto no §5º. (Incluído pela Lei nº 13.165,
de 2015)”.
44
Constituição Federal, “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e
observados os seguintes preceitos: (…) III – prestação de contas à Justiça Eleitoral”.
45
Pelo contrário, o mercado político logo se acomodará em um novo ponto de equilíbrio. MONTEIRO, Jorge Vianna.
Como funciona o governo: escolhas públicas na democracia representativa. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 143.
46
BARBOSA, Ruy. Os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo. Capital Federal: Companhia Impressora,
1983. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 30 set. 2013, p. 183.
47
Ver nota nº 17.
48
Lei nº 9.504/1997, “art. 4º Poderá participar das eleições o partido que, até seis meses antes do pleito, tenha registrado
seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral, conforme o disposto em lei, e tenha, até a data da convenção, órgão
de direção constituído na circunscrição, de acordo com o respectivo estatuto (Redação dada pela Lei nº 13.488,
de 2017)”.
49
Constituição Federal, “art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (…) §3º São condições de elegibilidade, na
forma da lei: (…) V – a filiação partidária”.
50
O que só veio a ocorrer em 2010, pois na ADI nº 3.685/DF o STF entendeu que a emenda não tinha a antecedência
necessária para alterar o processo eleitoral ainda em 2006, diante do art. 16 da Constituição Federal: “A lei que
alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até
um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993)”.
51
Lei nº 9.504/1997, art. 7º, “§2º Se a convenção partidária de nível inferior se opuser, na deliberação sobre coligações,
às diretrizes legitimamente estabelecidas pelo órgão de direção nacional, nos termos do respectivo estatuto,
poderá esse órgão anular a deliberação e os atos dela decorrentes. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)”.
as eleições proporcionais a partir de 2020. Ou seja, o argumento que antes não servia
prevalece uma década depois.
Não se pode deixar de consignar que o problema de fundo não é a consistência
ideológica. Fosse isso o Congresso teria eliminado também a possibilidade de coligações
para as eleições majoritárias. O que está em jogo – também com respaldo na opinião
pública – é a tentativa de reduzir o número de legendas mediante a extinção dos menores
partidos, ou melhor, daqueles que obtenham votações pequenas, já que a mesma reforma
de 2017 também fixou uma cláusula de barreira que esses partidos terão de enfrentar
sozinhos, dada a vedação às coligações.
Considerando que a coligação é um importante instrumento democrático, já que
pressupõe o consenso e o alinhamento de esforços, mesmo que temporário, acredita-se
que a modificação é um retrocesso, não apenas por forçar a competição onde poderia
haver cooperação, mas também porque sua combinação com a cláusula de barreira
deverá levar à exclusão de legendas com um desempenho episodicamente baixo, em
prejuízo à representatividade do regime.
Adiante. De todos os direitos partidários, o direito de fazer propaganda eleitoral
é o mais detalhado pela legislação ordinária, e também o que mais foi modificado. Sem
adentrar em suas minúcias para não fugir do escopo deste trabalho, deve-se pelo menos
consignar as tendências observáveis na última década, especialmente desde a reforma
de 2006, que se sucedeu a um reclame geral pelo barateamento das campanhas.
Embora se inscreva no rol das liberdades políticas fundamentais, a propaganda
eleitoral no Brasil é regulamentada e às vezes interpretada como se fosse direito privado,
e não público: circunscreve-se àquilo que o legislador expressamente permite.
Assim, suas modalidades são numerus clausus, e toda vez que surge uma nova
tecnologia de propaganda não falta quem defenda sua proibição, diante do silêncio
da lei e em nome da igualdade de chances na disputa eleitoral. É claro que se faz
necessário um marco regulatório mínimo. Conceba-se, por exemplo, a propaganda
massiva por drones. Como lidar com isso? Claro que os excessos seriam problemáticos,
mas talvez isso não seja um problema eleitoral, e sim de tráfego aéreo. O problema é
que o próprio eleitor parece desejar a “limpeza urbana”, o que habilita o legislador a
restringir paulatinamente o uso do espaço público para a conquista de votos. A cada
reforma eleitoral a propaganda de rua é restringida; logo em seguida terá sido aniquilada,
restando apenas a propaganda por mídias, acessível conforme o tamanho do capital
político de cada legenda, no caso do rádio e da televisão, e conforme a quantidade de
dinheiro no caso da propaganda pela internet, sobretudo agora, com a legalização da
compra de espaços (“links patrocinados”) nas redes sociais.
Este é o estado da arte de um sistema partidário que garante a concentração de
poder na mão das grandes legendas, impedindo a renovação nos quadros políticos de
nosso país pela formatação jurídica do ditado popular segundo o qual “quem não é
visto, não é lembrado”.
Quanto ao direito partidário de provocar a jurisdição eleitoral, trata-se de um traço
importantíssimo de nosso regime, tanto por consagrar a possibilidade de desfazimento
de mandados por decisão judicial, o que ganhou corpo no Brasil durante as últimas duas
décadas, quanto por afastar a legitimação da cidadania para atuar em juízo em matéria
eleitoral. A despeito de propostas doutrinárias no sentido de admitir uma legitimação
ativa mais ampla,52 o fato é que neste tópico também há um sólido monopólio em
52
PEREIRA, Rodolfo Viana. Tutela Coletiva no Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
53
Constituição Federal, art. 5º, “LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os
atos necessários ao exercício da cidadania”.
54
Lei nº 9.504/1997, “art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao
caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá
expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os
delegados ou representantes dos partidos políticos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)”.
55
Código Eleitoral, “art. 66. É licito aos partidos políticos, por seus delegados: I – acompanhar os processos de
inscrição; II – promover a exclusão de qualquer eleitor inscrito ilegalmente e assumir a defesa do eleitor cuja
exclusão esteja sendo promovida; III – examinar, sem perturbação do serviço e em presença dos servidores
designados, os documentos relativos ao alistamento eleitoral, podendo deles tirar cópias ou fotocópias. (…)”.
56
Lei nº 9.504/1997, “art. 66. Os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e
apuração das eleições e o processamento eletrônico da totalização dos resultados. (Redação dada pela Lei nº 10.408,
de 2002)”.
57
Lei nº 9.096/1995, “art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: (…) IV – na criação e
manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de,
no mínimo, vinte por cento do total recebido”.
58
Constituição Federal, “art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e
observados os seguintes preceitos: (…) IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei”.
59
Constituição Federal, art. 74, “§2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima
para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”.
60
Constituição Federal, “art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de
suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) (…) §3º Recebida a
denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará
ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus
membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 35, de 2001) (…) Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: (…) §2º Nos casos dos incisos I, II e VI,
a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta,
mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada
ampla defesa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013) §3º Nos casos previstos nos incisos III
a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus
membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.
61
Constituição Federal, “art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VIII – partido político com
representação no Congresso Nacional”.
62
Constituição Federal, “art. 5º, LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político
com representação no Congresso Nacional”.
63
Constituição Federal, “art. 140. A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão
composta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado
de defesa e ao estado de sítio”.
2.7 Conclusões
Neste rápido percurso tivemos a oportunidade de meditar sobre a (in)adequação
de diversos itens do regime jurídico partidário diante da finalidade essencial das
legendas, que é viabilizar o exercício da cidadania.
Pudemos constatar, sem muita dificuldade, que o cumprimento desta finalidade
é prejudicado por normas que são elaboradas pelos próprios partidos e que, a despeito
de não padecerem de inconstitucionalidade evidente, acabam gerando um sistema
que no conjunto frustra o objetivo inicial dos partidos fixado pela Constituição e bem
traduzido por Afonso Arinos: fazer deles um lar cívico para os cidadãos.
Esse cenário de produção legislativa para si, embora bastante conhecido e
suficientemente criticado, parece agora contar com um novo ingrediente, qual seja,
a possibilidade real de articulação política por fora das instâncias partidárias. Esta
possibilidade vem sendo explorada e é causa (pelo menos parcial) do decréscimo
da confiança nos partidos, que então respondem (pela ação legislativa) com mais
concentração e afirmação de poder. Ainda que alguns coletivos de fora do sistema,
aglutinados pelas redes sociais, venham sendo aos poucos absorvidos pelas legendas
existentes, há uma miríade de outros cuja bandeira ou modo de interação se mostra
incompatível com o regime formalizado.
Não se pode ainda prever o resultado desta tensão, mas acreditamos que uma
forma prudente de evitar a ruptura do regime partidário é torná-lo mais equilibrado,
mais plural, mais dinâmico e acima de tudo mais amigável ao cidadão comum.
Repensar os direitos partidários à luz da Constituição e dos novos tempos seria
um caminho possível para esta realização. Se a maior parte desses direitos merece
retoques, outra parte está a reclamar revisão completa.
O ponto mais sensível é a confluência do poder econômico e do poder político.
Dada a posição interseccional dos partidos frente a esses dois poderes e também o fato
de que o poder econômico busca sempre formas de dobrar a política, o desafio maior é
evitar que a democracia se assemelhe a um jogo de grandes investidores.
Se por um lado admitimos que a democracia é um regime de grupos mais do
que de pessoas,64 por outro somos levados a acreditar que no Brasil ela é quase que
exclusivamente partidária (no sentido de ter nos partidos o seu principal protagonista),
dando poucas oportunidades de intervenção para os sujeitos que são sua fonte de
legitimidade, fazendo deles simples átomos dispersos e carentes de um lugar propício
para a convergência de interesses.65
Assim, qualquer revisão sobre o regime de direitos e deveres partidários
deverá ter mente a preocupação central de abrir canais para a cidadania. Se esta obra
será efetivamente levada a cabo é algo que a história ainda está por registrar. Mas a
sobrevivência da democracia como a conhecemos depende disso.
O caminho mais seguro parece ser a reativação da micropolítica, proporcionando
ao cidadão, hoje isolado e sem aliados, meios para formar pontes com aqueles que
compartilham de seus interesses e ideais. Trata-se, ao mesmo tempo, de superar a
64
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 23.
65
FRANCO, Augusto de. A terceira invenção da democracia. 2013. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/
augustodefranco/a-terceira-inveno-da-democracia-29335826>. Acesso em: 17 jun. 2015, p. 76.
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wikispaces.com/file/view/Jorge+Luis+Borges+-+Utopia+de+un+hombre+que+esta+cansado.pdf/212617568/
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HOLLANDA, Cristina Buarque de (organização, introdução e notas). Joaquim Francisco de Assis Brasil: uma
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LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Tradução: Bruno Miragem.
Notas: Cláudia Lima Marques. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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WEIL, Simone. Pela supressão dos partidos políticos. Tradução de Lucas Neves. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2016.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
SOARES, Rafael Morgental. Direitos partidários: exame crítico e propostas sobre a regulação jurídica
do sistema partidário brasileiro. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber
de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 23-44. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
3.1 Introdução
O presente estudo propõe a análise da relação entre partidos políticos e represen-
tatividade popular sob a ótica dos critérios para criação e extinção dessas agremiações.
A perspectiva que se pretende estudar indica, como caminho para a pesquisa, a
identificação, na ordem jurídica vigente em determinado país, dos critérios estabelecidos
para a criação de partidos políticos, bem como das hipóteses estipuladas para que se
imponha o fim de um determinado partido.
Além da mera identificação do direito posto, é necessária uma análise crítica das
escolhas legislativas, valendo-se, neste aspecto, da literatura jurídica que se dedica ao
estudo do sistema de partidos e da representação política em ambiente democrático.
Estabelecido o método acima para avaliação do tema proposto, é de se destacar
que este é um trabalho de direito comparado, razão pela qual será dedicado um tópico
do estudo ao sistema brasileiro e, outro, para compreender a situação colombiana.
Nesse aspecto, esclareçam-se os motivos pelos quais se entende que a escolha da
Colômbia para comparação é útil e adequada.
Em primeiro lugar, a proximidade territorial entre Brasil e Colômbia faz com que se
assemelhem suas histórias e, por via de consequência, sua conformação social e política.
Ressalvadas as naturais peculiaridades de cada Estado, é de se observar que ambos os
países passaram por colonizações ibéricas, de natureza exploratória de recursos naturais
e construídas de modo tal que as instituições políticas demoraram a se desenvolver,
mesmo após a independência dessas nações. E, mesmo quando assim estabelecidas, o
substrato sociopolítico sofria de inadequação entre os problemas daquelas realidades e
os efeitos que as instituições, importadas da Europa e dos Estados Unidos, podiam gerar.
Foram escolhas equivocadas ou pouco úteis, decorrentes da falta de autonomia de ambos
os povos em suas vidas políticas, por muitos séculos controladas pelos colonizadores.1
1
FULIARO, Ana Paula. Democracia na América Latina: enfoque especial: alternância no poder. 2016. 313f. Tese
(Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2016. Ver especialmente capítulo 3.
2
É clássica a lição de Duverger no sentido de que os sistemas parlamentares geram a tendência ao bipartidarismo
ou à bipolarização de forças políticas, ao passo que o sistema presidencial tende a uma maior proliferação
partidária. DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1970.
3
LINZ, Juan. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América do Sul. Tradução
de Patrícia de Queiróz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 74.
4
SARTORI, Giovanni. Elementi di teoria politica. Bologna: Mulino, 1987, p. 46.
5
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo VII. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 88-89.
6
CAGGIANO, Monica Herman S. Democracia x Constitucionalismo. Um navio à deriva?. Cadernos de Pós-Graduação
em Direito: estudos e documentos de trabalho/Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n.
1, 2011.
7
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti et all. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000,
p. 70.
8
VERGOTTINI, Giuseppe de. Diritto Costituzionale Comparato. Padova: Cedam, 2004, p. 110.
9
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 243-250.
10
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 263-264.
11
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 264.
12
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 267-268.
13
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 269.
14
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 269-273.
15
CAGGIANO, Monica Herman. Oposição na política. São Paulo: Angelotti, 1995, p. 64.
16
CAGGIANO, Monica Herman. Oposição na política. São Paulo: Angelotti, 1995, p. 81.
17
CAGGIANO, Monica Herman. Oposição na política. São Paulo: Angelotti, 1995, p. 67.
18
LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Tradução de Roberto
Franco. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 52-53.
parcela possível da população sinta-se representada pelas decisões políticas adotadas por
determinado governo, que deve ter em consideração, ainda, as demandas das minorias.
Esse complexo arranjo de interesses e forças políticas, em Estados mais homogêneos,
consegue ser implementado em modelos bipartidários, apresentando-se de modo mais
claro. Contudo, sociedades mais heterogêneas, como é o caso da brasileira, exigem um
maior número de partidos para que se opere uma representação democrática. O desafio
a partir daí é que se encontre o limite adequado entre o multipartidarismo que impõe
saudável negociação política e a pulverização partidária que leva à ingovernabilidade.
Nos tópicos seguintes serão estudadas as experiências brasileira e colombiana,
para se analisar em que medida os mecanismos jurídicos vigentes são suficientes para
enfrentar esse desafio.
Partidos não são meras siglas aglutinadas ou cingidas segundo momentâneas circunstâncias
ou pelo querer de alguns que se arvoram até mesmo (e explicitamente não poucas vezes)
em seus donos. A Constituição formula-os como instrumentos depositários de ideologias
nacionais, consagradas pelo legítimo exercício do poder político (...).
Partidos políticos são agremiações de pessoas, formalmente organizados com um programa
estabelecido voltado a definição de ideias e práticas políticas a serem implantadas no
Estado, conferindo-se concretude ao projeto oferecido ao eleitorado.
(...)
A prática política observada na atualidade, em especial no quadro brasileiro, mostra haver
diferença entre partido político, como constitucionalmente mencionado e legalmente
definido, e legendas partidárias.
Formalizam-se, não raro, agremiações intituladas partidos políticos – e assim são
objetivamente –, sem qualquer substrato eleitoral com consistência e efetividade, que
atuam como subpartidos ou organismos de sustentação de outras pessoas partidárias,
somando ou subtraindo votos para se chegar a resultados eleitorais pouco claros, ou, às
vezes, até mesmo fraudadores da vontade dos eleitores (...).
Estas legendas são objeto de comércio. O mais grave e mais antirepublicano que se pode
conceber. Neste negócio, vende-se a pátria, agencia-se interesse e paga-se com o futuro.
Por outro lado, a Lei nº 9.096/95 prevê as causas de cancelamento dos partidos
políticos, prevendo, no artigo 28, as seguintes situações para tanto:
19
Para Sartori, esses tipos de arranjos pontuais sem qualquer vínculo ideológico-partidário não devem ser referidos
como coalizões. Estas precisam apresentar “um mínimo de solidez, isto é, alguma forma de entendimento
duradouro, abrangendo uma faixa congruente de temas”. SARTORI, Giovanni. Engenharia constitucional. Tradução
de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996, p. 106.
20
Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/inicio/Constitucion%20politica%20de%20Colombia.pdf>.
Acesso em 19 jan. 18.
21
Constituição colombiana. “Art. 107. Se garantiza a todos los ciudadanos el derecho a fundar, organizar y desarrollar
partidos y movimientos políticos, y la libertad de afiliarse a ellos o de retirarse. (…)”
22
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 715-716.
23
Disponível em: <https://www.registraduria.gov.co/IMG/pdf/ley_1475_2011.pdf>. Acesso em: 19 jan. 18.
24
Constituição colombiana. “Art. 108. El Consejo Nacional Electoral reconocerá Personería Jurídica a los partidos,
movimientos políticos y grupos significativos de ciudadanos. Estos podrán obtenerlas con votación no inferior
al tres por ciento (3%) de los votos emitidos válidamente en el territorio nacional en elecciones de Cámara de
Representantes o Senado. (…)”
25
O mesmo dispositivo legal trata de modo excepcional as circunscrições de minorias étnicas e políticas, exigindo,
nesses casos, que simplesmente se obtenha representação no Congresso.
26
Ley Estatutaria 1475 de 2011. “Art. 3º. (...) Parágrafo. Los grupos significativos de ciudadanos que postulen
candidatos al Senado de la República o a la Cámara de Representantes y obtengan los votos requeridos para el
reconocimiento de personería jurídica, podrán organizarse como partidos o movimientos políticos y solicitar la
correspondiente personería. La solicitud deberá ir acompañada del acta de fundación, los estatutos, la plataforma
ideológica y programática, la lista de afiliados y la prueba de la designación de los directivos, y será presentada ante
el Consejo Nacional Electoral por quien haya sido designado como representante legal del partido o movimiento
así constituido.(…)”.
(...) introduciéndose modificaciones tan solo em lo que há tenido a ver com la ‘fragmentacion’
partidista. Em virtude de esta última, los partidos políticos em Colombia no se han
oferecido a su electorado como uma organización consistente, sino que por ele contrario,
parecia como uma entidad que ofrecía a su elector uma gran cantidad de listas, de
liderazgos personalistas, las que uma vez pasado el proceso de elección, se organizaban
en coaliciones postelectorales. El partido entonces operaba como la suma de una gran
cantidad de facciones, que utilizaban el mismo nombre o la misma enseña partidista, (...).
27
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 717.
28
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 719.
29
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 719.
30
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 720-721.
31
Constituição colombiana. “Art. 108. El Consejo Nacional Electoral reconocerá Personería Jurídica a los partidos,
movimientos políticos y grupos significativos de ciudadanos. Estos podrán obtenerlas con votación no inferior
al tres por ciento (3%) de los votos emitidos válidamente en el territorio nacional en elecciones de Cámara de
Representantes o Senado. Las perderán si no consiguen ese porcentaje en las elecciones de las mismas Corporaciones
Públicas” (destacado).
32
Constituição colombiana. “Art. 108. (…) También será causal de pérdida de la Personería Jurídica de los partidos
y movimientos políticos si estos no celebran por lo menos durante cada dos (2) años convenciones que posibiliten
a sus miembros influir en la toma de las decisiones más importantes de la organización política. (…)”.
33
Constituição colombiana. “Art. 107. (…) Los Partidos y Movimientos Políticos deberán responder por toda violación
o contravención a las normas que rigen su organización, funcionamiento o financiación, así como también por
avalar candidatos elegidos en cargos o Corporaciones Públicas de elección popular, quienes hayan sido o fueren
condenados durante el ejercicio del cargo al cual se avaló mediante sentencia ejecutoriada en Colombia o en el
exterior por delitos relacionados con la vinculación a grupos armados ilegales y actividades del narcotráfico o
de delitos contra los mecanismos de participación democrática o de lesa humanidad”.
º partidos o movimientos políticos también responderán por avalar a candidatos no elegidos para cargos o
L s
Corporaciones Públicas de Elección Popular, si estos hubieran sido o fueren condenados durante el período del
cargo público al cual se candidatizó, mediante sentencia ejecutoriada en Colombia o en el exterior por delitos
relacionados con la vinculación a grupos armados ilegales y actividades del narcotráfico, cometidos con anterioridad
a la expedición del aval correspondiente. (…)”.
34
Ley 1475/2011, “art. 10. 4. Violar o tolerar que se violen los topes o límites de ingresos y gastos de las campañas
electorales”.
35
Ley 1475/2011, “art. 10. 5. Inscribir candidatos a cargos o corporaciones de elección popular que no reúnan los
requisitos o calidades, se encuentren incursos en causales objetivas de inhabilidad o incompatibilidad, o hayan
sido condenados o llegaren a serlo durante el periodo para el cual resultaren elegidos, por delitos cometidos
relacionados con la vinculación a grupos armados ilegales, actividades del narcotráfico, contra los mecanismos
de participación democrática o de lesa humanidad”.
36
Ley 1475/2011, “art. 10. 6. Estimular la formación de asociaciones ilegales, hacer parte de ellas o permitirles
realizar propaganda a favor del partido, movimiento o candidatos o que influya en la población para que apoye
a sus candidatos”.
Deve-se notar, por fim, que, como forma de aplicar a grave sanção de perda da
personalidade jurídica de forma proporcional à gravidade de cada falta, o artigo 12,
parágrafo 2º, da lei partidária, permite que a respectiva penalidade seja imposta na
circunscrição em que as faltas foram cometidas.45
Analisando os dados acima descritos, não se pode deixar de reconhecer a
pertinência da crítica doutrinária acerca da alteração dos critérios para a criação dos
partidos políticos. A fixação de uma única porta de entrada – o desempenho eleitoral
37
Ley 1475/2011, “art. 10. 7. Utilizar o permitir el uso de la violencia para el ejercicio de la participación política y
electoral”.
38
Ley 1475/2011, “art. 10. 8. Incurrir en actos tipificados como delitos contra mecanismos de participación democrática;
contra la administración pública; contra la existencia y seguridad del Estado; contra el régimen constitucional y
legal; de lesa humanidad; o relacionados con actividades de grupos armados ilegales o de narcotráfico”.
39
O artigo 12, 4, da Ley 1475/2011 estabelece que as situações previstas nos itens “c” a “g” podem gerar o cancelamento
da personalidade jurídica de partido ou movimento politico.
40
“Art. 12. 2. Suspensión de su personería jurídica, hasta por cuatro (4) años, cuando se trate de las faltas a que se
refieren los numerales 1 al 4 del artículo 10.”
41
Ley 1475/2011, “art. 10. 1. Incumplir los deberes de diligencia en la aplicación de las disposiciones constitucionales
o legales que regulan la organización, funcionamiento y/o financiación de los partidos y movimientos políticos”.
42
Ley 1475/2011, “art. 10. 2. Desconocer en forma reiterada, grave e injustificada, la solicitud de alguna instancia
u organismo interno”.
43
Ley 1475/2011, “art. 10. 3. Permitir la financiación de la organización y/o la de las campañas electorales, con
fuentes de financiación prohibidas”.
44
Ley 1475/2011, “art. 10.4. Violar o tolerar que se violen los topes o límites de ingresos y gastos de las campañas
electorales”.
45
Art. 12. “Parágrafo 2º. Las sanciones podrán ser impuestas con efectos en la circunscripción en la cual se cometieron
las faltas sancionables”.
46
Quinche Ramirez indica, quando da cifra de 2%, em 2009, que o espaço de votos a se conquistar era de 12 milhões
de eleitores. QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus
reformas. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 721.
47
PRZEWORSKI, Adam. Democracia e mercado: reformas políticas e econômicas na Europa Oriental e na América
Latina. Tradução de Vera Pereira. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
48
O ordenamento brasileiro já contemplou, em nível infraconstitucional, a cláusula de desempenho que, em
moldes similares, não impedia a investidura dos parlamentares eleitos por meio de partidos que não atingissem
Referências
CAGGIANO, Monica Herman. Oposição na política. São Paulo: Angelotti, 1995.
CAGGIANO, Monica Herman. Democracia x Constitucionalismo: um navio à deriva?. Cadernos de Pós-Graduação
em Direito: estudos e documentos de trabalho/Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo,
n. 1, 2011.
CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE COLOMBIA. Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/inicio/
Constitucion%20politica%20de%20Colombia.pdf>. Acesso em: 19 jan. 18.
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1970.
FULIARO, Ana Paula. Democracia na América Latina: enfoque especial: alternância no poder. 2016. 313f. Tese
(Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2016.
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti et al. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
LEY 1475 DE 2011. Disponível em: <https://www.registraduria.gov.co/IMG/pdf/ley_1475_2011.pdf>. Acesso
em 19 jan. 18.
LINZ, Juan. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América do Sul.
Tradução de Patrícia de Queiróz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
o percentual mínimo de votos, apenas tolhendo alguns direitos quanto à atividade parlamentar e, tal como
atualmente, limitando o acesso às fontes de financiamento público.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
FULIARO, Ana Paula. Partidos políticos e a busca da ampla representatividade: um estudo comparado
entre Brasil e Colômbia. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 45-58.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
O DECLÍNIO DO PLURIPARTIDARISMO
A PARTIR DA REFORMA POLÍTICA
4.1 Introdução
Resta evidenciado um verdadeiro descrédito na democracia representativa no
Brasil, nesta que impera o monopólio dos partidos políticos, que se convencionou
chamar de demonização da política. O modelo atual, plasmado sob o pluralismo
político – fundamento da República Federativa do Brasil – a despeito de um romantismo
exacerbado, não consegue viabilizar a transitividade entre as preferências individuais
e a atuação dos representantes, um dos motivos que levam a descrença no sistema
representativo atual, ocasionando, por consequência, toda essa crise de legitimidade.
Viceja, em pleno século XXI, uma enorme distância entre a elite dirigente e o
cidadão comum no Brasil, o que se evidencia no distanciamento do povo nos debates
públicos e a pouca influência nas decisões políticas. Outrossim, a multiplicidade
desordenada de partidos políticos viabiliza a ausência de identificação ideológica e
diminui a crença no sistema partidário como necessário canal de participação política
e importante instrumento de racionalização do dissenso.
Essa discussão assume maior relevância a partir de manifestações populares
que não mais foram convocadas a partir das instâncias ordinárias de poder, tal como
sindicatos e partidos políticos, tal como ocorrera nas manifestações que tomaram conta
do país em meados de 2013.
Naquela oportunidade, constatou-se, de forma intensa e inédita, a utilização
das redes sociais como meio de comunicação social a viabilizar a arregimentação de
manifestantes, situação esta impensável nos movimentos das “Diretas Já”, ou no caso
do impeachment de Fernando Collor (1992).
Ironicamente, os principais opositores do movimento, desta vez, localizavam-se
dentro dos órgãos tradicionais de organização da sociedade, tais como partidos, sindicatos
e entidades estudantis.
Em que pese a existência de 35 (trinta e cinco) legendas no Brasil, que, ao menos
em tese, deveriam refletir 35 matizes ideológicas ou talvez igual número de visões
diferentes de mundo, vislumbra-se uma verdadeira insuficiência de agremiações para
dar conta dos anseios democráticos da sociedade.
1
“Art. 18. Ficam extintos os autos Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros.”
Verifica-se que, não obstante terem nítida influência democrática na criação dos
partidos políticos como forma de acesso das massas ao exercício de seus interesses
por meio do poder político, tais agremiações se afastam dos preceitos democráticos
(ROCHA, p. 139).
Diante disso, repousa uma crítica acerca da ausência de democracia interna junto
aos partidos, não raro às vezes estarem controlados por um determinado grupo, ranço
histórico ainda do coronelismo.
Convencionou-se propagar aos quatro cantos que os partidos políticos não
têm ideologia – o que não é totalmente equivocado asseverar. Diante desse quadro,
chega-se muitas vezes a conclusão de que é preciso estabelecer limites com o objetivo
de reduzir o número de partidos como forma de fortalecimento das agremiações e de
suas respectivas ideologias (SATO, 2015, p. 32).
Sem a existência de uma cláusula de barreira, os 35 (trinta e cinco) partidos
com registro no TSE possuem direito à distribuição do fundo partidário, este que
contabilizou em 2017 a importância de R$645.978.546,27 (seiscentos e quarenta e cinco
milhões, novecentos e setenta e dois mil quinhentos e quarenta e seis reais e vinte e sete
centavos), conforme atualização do TSE em 16.01.2018.2
Não sem razão é que o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 97 que,
dentre outras medidas, vislumbra estabelecer normas de acesso dos partidos políticos
aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e televisão.
Importante lembrar que tais restrições não são inéditas no Brasil. Isso porque a
Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95), ao regulamentar os artigos 17 e 14, §3º, inciso
V, da CF/88, já previa a “cláusula de barreira” aos partidos políticos, especialmente
porque o artigo 13 da supracitada Lei, com redação bastante rigorosa, estabelecia
que os partidos que não alcançassem tais patamares teriam drástica redução de suas
participações no fundo partidário (art. 41, I), bem como o mesmo ocorreria quanto ao
acesso gratuito à televisão (art. 48).
Ocorre que, como é consabido, em dezembro de 2006, o Supremo Tribunal Federal
declarou no bojo da ADIn nº 1351, por unanimidade, a inconstitucionalidade dos citados
dispositivos da Lei nº 9.096/95, sob o fundamento de que os seus termos afrontavam
direitos fundamentais das minorias políticas, estes assegurados constitucionalmente.
Diante da proliferação de partidos políticos que foram criados em situações
extremamente duvidosas, a implantação de restrições na criação de agremiações
continuou em voga, inclusive com manifestações públicas de Ministros do Supremo
Tribunal Federal, estas que restaram consignadas inclusive na justificativa dada à PEC
nº 36/2016, a principal PEC que viabilizou o texto que fora aprovado pelo Congresso
Nacional.
Veja-se que, não obstante o texto enaltecer a declaração de inconstitucionalidade de
forma unânime pelo STF acerca da cláusula de desempenho, consignou de forma expressa
que “ministros da atual composição já compreendem e expressam a necessidade de se
incorporar ao ordenamento jurídico pátrio uma cláusula de desempenho” (BRASIL, 2016)
Diogo Rais e Pedro Henrique Espagnol de Farias, em recente pesquisa acerca da
mudança ou não de posicionamento dos Ministros do STF acerca do tema, constataram
2
Disponível em: <http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-duodecimo-de-dezembro-2017>. Acesso em: 22
jan. 2018.
4.5 Conclusão
Há um déficit democrático no sistema partidário brasileiro, acarretando, entre
outras coisas, uma crise de representação e de legitimidade desse importante canal de
participação social, bem como a descrença do cidadão com a política, compreendida
como poder de organização, mobilização e transformação da sociedade.
Não obstante a Constituição Federal de 1988 asseverar o pluralismo político
como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, tal valor vem sendo
rotineiramente desvirtuado na multiplicidade desordenada de partidos políticos,
resultando em um verdadeiro “Estado de Partidos”, muitas vezes identificado com
associações oligárquicas que desfrutam de um monopólio do poder.
Não sem razão é que o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional
nº 97/2017 com o escopo de diminuir a criação de partidos políticos que não estejam
alinhados com o seu verdadeiro sentido: instrumentalizar a participação popular com
base em valores democráticos.
Como pode ser verificado, muitas são as mudanças, que, em sua grande maioria,
vislumbram o fortalecimento dos grandes partidos políticos. Por sua vez, é premente
a necessidade de instituir ainda outros canais de participação política da sociedade,
ao passo que tal racionalização deve começar dentro dos próprios partidos políticos.
Referências
ALVES, Fernando de Brito. Constituição e participação popular: a construção histórico-discursiva do conteúdo
jurídico-político da democracia como direito fundamental. Curitiba: Juruá, 2013.
ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2005
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 out. 1988. Brasília: Presidência da República,
Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos, [s. d]. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 out. 2017.
BRASIL. Ato Institucional nº 2. Planalto, Brasília, 1964. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
ait/ait-02-65.htm>. Acesso em 03 de nov. 2017.
BRASIL. Constituição (2017). Emenda Constitucional nº 97, de 04 de outubro de 2017. Altera a Constituição
Federal para vedar as coligações partidárias nas eleições proporcionais, estabelecer normas sobre acesso dos
partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão
e dispor sobre regras de transição. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
emendas/emc/emc97.htm>. Acesso em: 22 jan. 2018.
BREGA FILHO. Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
DIAS, Renata Lívia Arruda de Bessa. O pluralismo partidário no Brasil. Revista Eletrônica da EJE, Brasília, ano
2, n. 6, p. 17-18, out./nov. 2012. Disponível em <http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/283>.
Acesso em: 27 out. 2017.
DUARTE, Eduardo Damian. A criação de um novo partido como justa causa para desfiliação. 2011. Disponível
em: <http://www.tre-rj.gov.br/eje/gecoi_arquivos/arq_050861.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2018
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. São Paulo: Globo, 2006.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
BERNARDINO, Laerty Morelin. O declínio do pluripartidarismo a partir da reforma política. In: FUX,
Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz
Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 59-70. (Tratado de Direito Eleitoral,
v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
5.1 Preâmbulo
Uma candidatura eletiva só pode ser analisada à luz do sistema eleitoral em que
está inscrita. Por isso mesmo, decidiu-se, para realizar alguns apontamentos sobre a
chamada candidatura avulsa no cenário nacional, buscar as premissas teóricas da filiação
partidária como condição de elegibilidade.
A regulação jurídica sobre o tema funda-se em premissa teórica sobre a modelagem
do Estado e Sociedade num regime democrático, tudo com vistas a transformar o poder
popular em manifestação estatal. Este resgate se faz necessário, porque a adoção de
determinado desenho institucional é, muitas vezes, incompatível com algumas inovações,
sem que se dê conta, num olhar mais apressado. É que, por evidente, há consequências
na adoção de determinado paradigma.
Para tal análise, entende-se necessário não somente tal regulação jurídica, mas
também, trabalhar com conceito de Estado de Partidos, de forma a contemplar os
objetivos propostos.
A exposição desses fundamentos mais teóricos tem o condão, assim, de esclarecer,
apontar anomalias e reconhecer o seu objeto de estudo com mais clareza.
A pretensão aqui é exatamente apontar o que informa a legislação nacional e as
opções do constituinte no tocante a partido político e às razões filosóficas da adoção
do monopólio das candidaturas pelas agremiações partidárias.
Todavia, tal regulação jurídica exige, ainda, que se analise o tratamento pelo
Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos à matéria da candidatura
avulsa, pois tal regulação não se esgota na produção do direito doméstico, tendo em
vista ser o Brasil um dos estados partes de tal Sistema.
Quer-se, com isso, ampliar a perspectiva de análise de forma a perquirir se as
candidaturas avulsas se adaptam ao cabedal de normas jurídicas que obrigam ao Estado
brasileiro.
1
A recente reforma eleitoral proibiu o registro de candidaturas avulsas: Lei nº 9504/97, Art. 11, “§14. É vedado o
registro de candidatura avulsa, ainda que o requerente tenha filiação partidária. (Incluído pela Lei nº 13.488, de
2017)”.
2
Para uma vasta descrição dos significados da palavra “representação” no direito comparado e na história, vide:
MEZZAROBA, Orides. introdução ao direito partidário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 9-45.
3
Op. cit. p. 237.
4
Op. cit., p. 156.
5
GARCÍA-PELAYO, Manuel. El Estado de Partidos. Madrid: Alianza, 1986, p. 23-25.
6
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 161.
7
A Constituição de Weimar, em seu artigo 124, passou a reconhecer “o direito das associações políticas que
adquirissem a sua personalidade jurídica de acordo com a legislação infraconstitucional”.
8
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona : Anagrama, 1980,
p. 29.
Destarte, como lembra Orides Mezzaroba, foi exatamente neste momento histórico
que surgiu a expressão “Estado de Partidos” (Parteinstaat), em oposição ao “modelo de
governo autocrático do Estado de Autoridade (Obrigkeitsstaat) que concebia o Estado a
partir de sua identificação com a autoridade, fosse de um príncipe ou das autoridades
burocráticas: em ambos os casos, os indivíduos eram considerados como súditos, isto
é, “massa passiva que deve ser governada e administrada” em todos os setores”.9
Os partidos tornam-se veículos pelos quais a vontade popular viabiliza-se e
tem projeção na formação das políticas públicas e do Estado na impossibilidade de ter
relevância a vontade individual. Apresentam-se como uma resposta ao esgarçamento do
mandato representativo. Aqui Orides Mezzaroba alerta para o impasse da Democracia
representativa com o alheamento dos mandatários com a inexistência de um sistema
de controle ou prestação de contas dos representantes. Daí vem a ideia da fórmula do
Estado de Partidos como resposta à deficiência da Democracia liberal-representativa,
momento em que há uma valorização do Partido Político como órgão de representação
– um mandato partidário.10
Veja-se que o monopólio do partido, em certa medida, vem para emprestar
responsabilidade e um maior controle sobre a atuação do representante, o que parece
paradoxal com as críticas dirigidas ao atual sistema partidário.
Também curioso e em certa medida assustador é o fato que a ideia do Estado de
Partidos, derrotada na Constituição de Weimar, trazia a necessidade da participação
popular por meio dos partidos, em oposição a outras formas menos democráticas de
mediação do poder soberano como aquela exercida por uma só pessoa: o presidente
(“um guardião da Constituição tem que ser independente e político-partidariamente
neutro”11). Com efeito, prevaleceu no texto constitucional alemão a adoção do ideário
de Carl Schmitt: “A Constituição busca, em especial, dar à autoridade do presidente do
Reich a possibilidade de se unir diretamente a essa vontade política da totalidade do
povo alemão e agir, por meio disso, como guardião e defensor da unidade e totalidade
constitucionais do povo alemão”.12
Observa-se em Carl Schmitt a oposição clara entre a totalidade da unidade política
representada pelo presidente do Reich, eleito em base plebiscitária e o excessivo
pluralismo partidário a dificultar e até impedir “um funcionamento normal do Estado
legiferante”. Embora a crítica desse autor se refira em especial à tutela constitucional,
impende ver a íntima relação, no que diz respeito ao desenho de um Estado Democrático,
entre a existência de partidos políticos e a ideologia do controle de constitucionalidade
a ser realizado por uma Corte Constitucional, alcunhada de pejorativamente por esse
autor de “aristocracia da toga”.
A crítica de Carl Schmitt, em 1932, pouco antes da ascensão de Hitler como
chanceler em janeiro de 1933, repousava na tirania da maioria parlamentar e nos
problemas oriundos dos partidos, cujos interesses mais terrenos perdiam de ver a
vontade popular na sua unidade e faleciam em “dignidade de uma assembleia”,13
9
Op. cit. p. 166.
10
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 77.
11
SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. BH: DelRey, 2007, p. 227.
12
Op. cit. p. 234.
13
SCHMITT, Carl. Legality and Legitimacy. Traduzido por Jeffrey Seitzer. Duke University Press, 2004, p. 94.
14
“(...) os partidos políticos são um mal inerente aos governos livres”. TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na
América. In: Jefferson, Federalistas, Paine, Tocqueville. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 220. (Coleção Os Pensadores).
“(...) não há nada mais absurdo do que este espírito de intolerância que, em todas as épocas, tem caracterizado os
partidos políticos”. HAMILTON, Alexandre, MADISON, James, JAY, John. O Federalista. In: Jefferson, Federalistas,
Paine, Tocqueville. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 88 (Coleção Os Pensadores) “(...) quando há facções, quando
se formam juntas parciais à custa da grande junta, a vontade de cada uma das primeiras torna-se geral no tocante
a seus membros, e particular, relativamente ao Estado”; “para que haja, pois, a exata declaração da vontade geral,
importa não haver no Estado sociedade parcial, e que cada cidadão manifeste seu próprio parecer”. ROUSSEAU,
Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de B. L. Viana. São Paulo: Edições Cultura, 1944, p. 82. “Tal como as
facções familiares, assim também as facções que se propõem o governo da religião, como os papistas, protestastes,
etc., ou o do Estado, como os patrícios e plebeus dos antigos tempos de Roma, e os aristocráticos e democráticos
dos antigos tempos da Grécia, são injustas, pois são contrárias à paz e a segurança do povo, e equivalem a tirar a
espada de entre as mãos do soberano”. HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico
e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maira Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 88
(Coleção Os Pensadores).
15
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona: Anagrama, 1980,
p. 10.
16
SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. BH: DelRey, 2007, p. 233.
17
Muito embora a lei de regência desses instrumentos (plebiscito, referendo e iniciativa popular, Lei n. 9.709, de
18 de novembro de 1998) preveja o referendo após o ato administrativo ou legislativo, não seria de estranhar um
movimento populista, tendo como objeto um ato do Poder Judiciário. Embora o comentário leve em consideração
o fechamento do parlamento, pode-se imaginar em um referendo que tenha como objeto uma decisão da Corte
constitucional de modo a confrontar uma decisão contramajoritária.
18
KELSEN, Hans. Esencia y valor de la democracia [orig. de 1920. 2. ed. rev. e amp.: 1929]. trad. de R. Luengo Tapia
e L. Legaz y Lacambra. Barcelona: Guadarrama, 1934, p. 31.
É patente que o indivíduo isolado carece por completo de existência política positiva por
não poder exercer influência nenhuma efetiva na formação da vontade do Estado, e que,
por conseguinte, a democracia sé é possível quando os indivíduos, a fim de lograr uma
atuação sobre a vontade coletiva, reúnem-se em organizações definidas por diversos fins
políticos, de tal maneira que entre indivíduo e Estado se interponham aquelas coletividades
que agrupam em forma de partidos políticos as vontades política coincidentes dos
indivíduos. Assim não se pode duvidar que o descrédito dos partidos políticos por parte
da teoria e doutrina da monarquia constitucional encobria um ataque contra a realização
da democracia. Somente por ofuscação ou dolo pode-se sustentar a possibilidade de
democracia sem partidos políticos. A democracia, necessária e inevitavelmente requer
um Estado de Partidos.
19
Op. cit. p. 37.
20
A escolha dos temas é, de certa forma, aleatória, mas reflete parte da atual impugnação ao monopólio dos
partidos tramitando no Supremo Tribunal Federal. Colhe-se do ARE nº 1.054.490, tendo como pano de fundo a
possibilidade do registro de uma candidatura avulsa: “Esse é o único modo de se fazer um contrapeso ao atual
oligopólio das legendas, isto é, contrabalançar a influência das agremiações e seus caciques na conturbadíssima
política brasileira”. Noutros trechos reveladores: “O modelo eleitoral brasileiro, em realidade, não foi feito para que
o povo dele participe. Trata-se, a bem da verdade, de um sistema quase inexpugnável aos desprovidos de padrinhos
políticos. O domínio das elites partidárias por sobre as respectivas máquinas é total e as agremiações são conduzidas
como propriedade privada, isto é, como algo completamente divorciado do bem comum. Os dirigentes não se
comportam com o esperado civismo daqueles legítimos representantes da sociedade. Não há, como deveria se
esperar dos chamados “homens públicos, qualquer compromisso histórico.”; “O Brasil, como país notoriamente
corrupto, tem na sua estrutura partidária a gênese desse processo. As cúpulas dos partidos se transformaram
em estruturas extremamente poderosas, com controle despótico sobre alianças eleitorais, distribuição de tempo
de televisão, administração do fundo partidário, gestão dos recursos financeiros destinados às campanhas e
definição das nominatas. No entanto, estão os partidos surdos às vozes das manifestações populares”.
Kelsen esclarece que muitos Estados históricos estão a serviço do grupo governante
e que a crença em um “ideal de um interesse coletivo superior aos interesses de grupo”,
“suprapartidário” é uma ilusão metafísica. Obtempera Kelsen que a vontade coletiva
não pode ser “expressão unilateral do interesse de um grupo”, mas deve surgir como
“resultante da transação de interesses divergentes e a articulação do povo em partidos
políticos significa propriamente a criação de condições orgânicas que façam possível
aquela transação e permitam a vontade coletiva a orientar-se em uma direção equitativa”.21
O papel dos partidos, destarte, seria de prover a vontade estatal22 e expressar a
vontade do povo, inexistentes como dados a priori, como algo a ser revelado por um
dirigente supremo. É dizer: a vontade do povo só surge mesmo com a transação dos
interesses divergentes, e a inserção dos partidos nas constituições é uma possibilidade
de democratizar a formação da vontade coletiva, ao contrário do que se apregoa.
Gerard Liebholz é peremptório:23
Os partidos são os únicos que no Estado de grande extensão territorial tem hoje a
possibilidade de unir milhares de eleitores em grupos capazes de ação política. São,
portanto, o porta-voz de que se serve o povo que atingiu a maturidade para expressar de
forma articulada e para poder adotar decisões políticas.
Assim, não é de se estranhar que entre os argumentos alegados hoje contra o parlamen-
tarismo figure em primeiro lugar a revelação de que a vontade do Estado formada pelo
Parlamento não é, de modo algum, a vontade do povo, e que o Parlamento não pode
expressar a vontade do povo pelo mero fato de que com arranjo das Constituições dos
21
KELSEN, Hans. Esencia y valor de la democracia [orig. de 1920. 2. ed. rev. e amp.: 1929]. trad. de R. Luengo Tapia
e L. Legaz y Lacambra. Barcelona: Guadarrama, 1934, p. 43.
22
É preciso esclarecer que para Kelsen a vontade estatal não é uma “realidade psíquica”, pois na ordem psicológica
só existem vontades individuais. A obrigação de se conduzir-se de alguma maneira (“conteúdo espiritual de em
que consiste a ordem coletiva”) se traduz para a massa como se o Estado quisesse que as pessoas se conduzissem
de certa forma: “O imperativo da ordem política se imagina assim como uma vontade estatal personificada. Por
conseguinte, a formação da vontade do Estado não significa senão o processo de criação da ordem estatal”. Op.
cit. p. 58.
23
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona: Anagrama, 1980,
p. 35.
24
CERRONI, Umberto. Política: métodos, teorias, processos, sujeitos, instituições, categorias. São Paulo: Brasiliense,
1993, p. 123.
Estados parlamentários não é possível formar uma vontade do povo, salvo para a eleição
de seus representantes.
25
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona: Anagrama, 1980,
p. 31.
26
Os elementos apenas mencionados podem se desdobrar em muitos outros. Orides Mezzaroba, por exemplo,
aponta a democracia interpartidária como elemento da formação da vontade do partido. Segundo ele, são os
seguintes os direitos que devem estar previstos: i) participação dos membros de forma ou por seus representantes
nas convenções e nos órgãos da organização; ii) garantia de voto dos militantes em qualquer decisão e em
qualquer nível do Partido; iii) garantia de alternações periódicas dos cargos de direção do Partido; iv) direito de
revogabilidade dos cargos; v) garantia de que os órgãos sempre decidam de forma colegiada; vi) prevalência do
princípio majoritário; vii) liberdade de expressão na organização; viii) direito de abandonar o partido; ix) direito
de ampla defesa em caso de eventual aplicação de sanções internas; x) direito de informação sobre qualquer
assunto de interesse da organização; xi) transparências nas finanças e na contabilidade; xii) inclusão de uma
cláusula de consciência para os representantes para fins do mandato partidário. MEZZAROBA, Orides. Introdução
ao direito partidário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 182.
27
É interessante notar que num estudo sobre as diferenças partidárias, a dimensão religiosa aparece como segundo
critério de importância para a definição dos partidos num estudo dentre vinte e duas democracias no período
de 1945-1980. Portanto, a incompatibilidade aludida deve ser vista com certa reserva. LIJPHART, Arend. As
democracias contemporâneas. Lisboa: Gradiva, 1989, p. 181.
28
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona: Anagrama, 1980,
p. 21.
29
Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992 (Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969).
30
Uma proposta muito rica, quanto simples é a de Jairo Nicolau englobando: 1) redução da fragmentação partidária;
2) correções no sistema representativo; 3) fortalecimento dos partidos. NICOLAU, Jairo. Representantes de quem?
Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. P. 141.
31
MAINWARING, Scott. Políticos, partidos e sistemas eleitorais: o Brasil numa perspectiva comparada. Novos
Estudos – CEBRAP, n. 29, p. 34-58, mar. 1991.
dos direitos humanos, caso a impusesse, fosse aceita no Brasil e, ainda, se haveria tal
imposição, como se quer fazer crer.
Já não é novidade que as reformas dos sistemas partidário e eleitoral aconteceram,
até o momento, por decisões concertadas do Congresso Nacional e do Poder Judiciário.
Mas, como será demonstrado, a aceitação das candidaturas independentes não pode,
nesse momento, ser feita por decisão do Supremo Tribunal Federal ou de outro tribunal
por não encontrar suporte jurídico doméstico ou internacional.
No plano estritamente “doméstico”, como se verificou, a Constituição Federal
impõe óbice claro à admissão de candidaturas independentes, tanto quanto no plano
teórico e filosófico da ideia de Estado de Partidos.
Porém, dúvida surge com o Direito advindo do direito internacional, especialmente,
do Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos. Isso porque, com a
ratificação, em 1992, da CADH, e da submissão, desde 1998, à jurisdição da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (IDH), o Brasil passou a ter o dever de adaptar
continuamente seu ordenamento doméstico às obrigações internacionais assumidas (art.
2º da CADH) e em estreito diálogo com as decisões proferidas por suas instituições,
sobretudo, com aquelas emanadas da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Corte IDH), conforme artigos 68 e 69 da Convenção Americana de Direitos Humanos,
ou Pacto de São José da Costa Rica, como preferem alguns.
A Corte IDH determina que todas as autoridades públicas, e os juízes, por conse-
guinte, devem aplicar não somente a CADH e seus protocolos, mas, ainda, a sua
jurisprudência, é dizer, devem fazer o controle de convencionalidade.32 Para isso,
exige-se que se desprendam da discussão sobre hierarquia dos tratados e foquem nas
normas (incluídos julgados) que conferem melhor proteção para os direitos humanos
envolvidos, além de um exame de proporcionalidade no caso concreto, o que pode
implicar aplicar a norma nacional ou internacional, a depender do caso.
O sistema interamericano de direitos humanos, ao qual se integra o Brasil, incide
no ordenamento jurídico pátrio. Embora os tribunais nacionais desrespeitem a orientação
do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, impondo os tratados internacionais aqui
e acolá, numa escolha aleatória desse conteúdo transnacional, sem a imposição da
normatividade geral desses tratados, a ideia da candidatura avulsa para cargos eletivos
não está, em princípio, no rol das muitas ofensas à Convenção Americana perpetrados
internamente.33
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica) consagra os direitos políticos em seu artigo 23. Os direitos políticos aqui tratados
estão circunscritos àquele núcleo relacionado ao votar e ser votado, isto é, excluindo-se
a dimensão de participação e acesso aos cargos públicos numa concepção mais alargada.
Esse diploma, em razão da gravidade dos direitos políticos, ab ovo, enuncia as possibili-
dades específicas de sua restrição, devendo tal cláusula ser lida numerus clausus: motivo
de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou
condenação por juiz competente em processo penal. Essas são as únicas restrições aos
32
Sobre o tema, dentre outros, ver CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. O controle de convencionalidade como parte
do constitucionalismo transnacional fundado na pessoa humana. Revista de Processo, v. 232, jun. 2014.
33
Tratou-se com mais profundidade do tema em: FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino Ferreira. O Controle de
Convencionalidade da Lei da Ficha Limpa: direitos políticos e inelegibilidade. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2016, 2º
edição.
34
“Segundo a ideia da ordenação lexical, as limitações impostas à extensão da liberdade ocorrem em nome da
própria liberdade e resultam numa liberdade menor, mas ainda igual” RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São
Paulo: Martins Fontes, p. 306.
Voto razonado do juiz Eduardo Mac-Gregor, em Corte Interamericana de Derechos Humanos. Caso Cabrera
35 cf.
García y Montiel Flores vs. México Sentencia de 26 de noviembre de 2010 (Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones
y Costas), parágrafo 51: “El juez nacional, por consiguiente, debe aplicar la jurisprudencia convencional incluso
la que se crea en aquellos asuntos donde no sea parte el Estado nacional al que pertenece, ya que lo que define la
integración de la jurisprudencia de la Corte IDH es la interpretación que ese Tribunal Interamericano realiza del
corpus juris interamericano con la finalidad de crear un estándar en la región sobre su aplicabilidad y efectividad”.
36
Cf. Caso Boyce y otros Vs. Barbados, sent. de 20/11/2007; Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile, sent. 26/09/2006;
Caso La Cantuta Vs. Peru, sent. 29/11/2006.
37
Não se faz uma diferenciação entre os critérios da norma mais favorável e o princípio pro homine, visto que se
entende ser o primeiro parte do ultimo. Em sentido contrário, RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional
de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 82 e ss.
38
Também BAZAN, Victor. Corte Interamericana de Derechos Humanos y Cortes Supremas o Tribunales Constitucionales
latinoamericanos: el control de convencionalidad y la necesidad de un diálogo interjurisdiccional crítico. Revista Europea
de Derechos Fundamentales, n. 16, 2º Semestre de 2010, Fundación Profesor Manuel Broseta e Instituto de Derecho
Público Universidad Rey Juan Carlos, Valencia, España, 2011.
39
Para um estudo sobre o tema, vf. CLAPHAN, Andrew. Human Rights in Private Sphere, Oxford, Clarendon, 2002,
p. 134. Para questão de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, em ambiente nacional, vf. CONCI,
Luiz Guilherme Arcaro, Da praça pública à praça de alimentação: problemas derivados da relação entre os direitos
fundamentais de propriedade, liberdade de expressão e reunião em Shopping Centers. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais, v. 10, p. 10-20, 2009.
40
HITTERS, Juan Carlos. Control de constitucionalidad y control de convencionalidad. Comparación (Criterios
fijados por la Corte Interamericana de Derechos Humanos). Estudios constitucionales: Revista del Centro de Estudios
Constitucionales, Ano 7, n. 2, p. 109-128, 2009.
41
RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos: seus elementos, a
reparação devida e sanções possíveis. Teoria e prática do direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 136.
da vontade estatal, que, caso violem o direito fundado no sistema regional de proteção
dos direitos humanos, podem ocasionar ao Estado-parte responsabilização no âmbito
internacional. Assim, mesmo argumentos como respeito ao direito nacional, coisa julgada42
ou, ainda, contrariedade entre a Constituição e o Direito Internacional dos Direitos
Humanos não assumem status de razões passíveis de serem tidas como juridicamente
válidas, é dizer, não estão aptas a afastar a aplicação dos tratados internacionais ou da
jurisprudência da CIDH a seu respeito, exceto em caos de menor proteção ou maiores
restrições aos direitos advindos do direito internacional.
Mesmo a existência de decisões judiciais contrárias aos precedentes da Corte IDH,
ainda que afetadas pela coisa julgada,43 pode levar – se esgotados os procedimentos
existentes para compatibilizar o direito nacional e suas decisões ao direito regional dos
direitos humanos – à condenação do Estado nacional.
Apesar de não dispor a Corte IDH de competência para anular decisões nacionais
– de cunho normativo, administrativo ou de resolução de conflitos – sua jurisprudência
pode levar à condenação do Estado nacional quando toma decisões contrárias aos seus
precedentes da Corte IDH ou aos tratados que a ela cabe ser a principal guardiã.
Significa dizer que previsão constitucional não pode limitar condenação de estado
no plano internacional e que as autoridades públicas, e os juízes, por conseguinte, devem
fazer o controle de convencionalidade.
42
GONZALES, Boris Barrios, La cosa juzgada nacional y el cumplimiento y ejecución de las sentencias de La Corte
Interamericana de los Derechos Humanos en los Estados Parte. Revista Estudios Constitucionales, Talca, Chile, p.
363-392. Ainda sobre coisa julgada, o excelente voto razonado do Juiz Sergio García Ramírez na sentença La
Cantuta, de 29 de novembro de 2006, par. 12.
43
Caso Acevedo Jaramillo y otros Vs. Peru. Sentencia de 7 de febrero de 2006. Corte Interamericana de Derechos
Humanos, par. 167.
Na eleição do ano 2000, foi suprimida pela lei eleitoral esta figura de participação
popular, 9 (nove) meses antes das eleições, admitindo-se, exclusivamente, a atuação
por meio de partidos políticos, meio impróprio e desconhecido daquelas populações
indígenas.
O YATAMA terminou por não apresentar candidato, não tendo participado das
eleições municipais do ano 2000, em virtude do indeferimento de seu registro, pela
Justiça Especializada, pelo descumprimento do tempo mínimo de 6 (seis) meses da
existência do partido antes das eleições.
A exigência da constituição do partido político foi compreendida, diante das
circunstâncias específicas das vítimas atingidas, como atentadora aos direitos políticos dos
envolvidos, porque representava um grave obstáculo à sua efetiva participação política.
De todo modo, o Estado da Nicarágua foi condenado pela violação do Artigo 23
da Convenção Americana, dentre outros dispositivos mencionados na decisão.
Percebe-se que o contexto fático levado a julgamento dizia respeito a organizações
sociais constituídas por representantes de comunidades indígenas do litoral daquele
país que foram excluídas do processo eleitoral e que a lei nacional que permitia que
essas entidades registrassem candidatos para eleições foi alterada para condicionar
a inscrição à filiação partidária prévia, e a restrição importa limitava as candidaturas
a partidos que tivessem representados em pelo menos 80% dos municípios, o que
inviabilizaria totalmente a representação de uma comunidade indígena de uma parte
do litoral nicaraguense.
Essa exigência foi considerada desproporcional pela Corte, já que impôs obrigação
a comunidades isoladas em determinada região do país, o que violaria seus usos e
costumes e, na prática, impedia que participassem das eleições (§§217-229).
No caso se percebe que a decisão da Corte IDH, ao trabalhar com costumes e
usos próprios, representação de minoria étnica, alteração da legislação no decorrer do
processo, dentre outros, aponta um contexto fático bastante diferente daquele que se
analisa no processo em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.
Sendo assim, ainda que a jurisprudência da Corte IDH seja imperativa para os
Estados-partes, há que se verificar, no caso concreto, se há identidade de pressupostos
fáticos para sua aplicação e, como se percebe, o caso se afasta, fortemente, do que se
está a decidir no Brasil.
Não se impõem como obrigatórios, assim, ao caso brasileiro.
Todavia, na mais recente apreciação, no Caso Castañeda Gutman v. México, em 6
de agosto de 2008, novamente, o tema veio à baila. O Sr. Castañeda Gutman pretendeu
concorrer ao cargo de Presidente do México sem ser filiado a partido político e fora do
prazo estabelecido pela legislação local com fundamento no Artigo 23 da Convenção
Americana. Neste caso, é de se notar a exaração de medida cautelar pela Comissão
Interamericana conferindo, ao autor, o registro de candidato a Presidente.
A Corte entendeu a necessidade de filiação partidária como uma necessidade social
imperativa (interesse público imperativo) pelas seguintes razões: i) a necessidade de
criar e fortalecer os sistemas de partidos como uma resposta a uma realidade histórica,
política e social; ii) a necessidade de organizar de forma eficaz o processo eleitoral num
universo de eleitores de 75 milhões de pessoas; iii) a necessidade de financiamento
predominantemente público para assegurar o desenvolvimento de eleições autênticas
e livres em igualdade de condições e, finalmente, a necessidade de fiscalizar os recursos
usados nas eleições.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino; CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. As candidaturas avulsas, o
sistema interamericano de direitos humanos e o Estado de Partidos. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito
Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 71-87. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-
0497-4.
BRUNO BOLOGNESI
FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI
6.1 Introdução
Como é, diante de um quadro partidário como o brasileiro, possível falar em direita
e esquerda? Talvez isso seja fácil quando tratamos dos grandes partidos, que polarizam
eleições presidenciais. Contudo, quando descemos para a Câmara dos Deputados, em
que nada menos do que 32 partidos desfrutam de representação, é possível dizer que
há espaço na escala ideológica para todos? Esse artigo tenta responder parcialmente
essa pergunta.
Apesar de abundarem estudos e análises sobre partidos políticos à esquerda
do espectro ideológico, a direita sempre foi tida como o patinho feio das análises
politológicas e, a ela, relegada o corolário de ‘não esquerda’. Mesmo com o crescimento
político e social desse modo de compreender o mundo, há parcos levantamentos acerca
das agremiações conservadoras, principalmente no Brasil.
A classificação dos partidos no continuum esquerda-direita é recorrente em estudos
partidários. Essa classificação traz consigo debates sobre a sua mensuração. Porém,
esses questionamentos não invalidam e nem esgotam as possibilidades de estudos e
suas utilizações, ao contrário, ressaltam a importância de ponderações e atualizações
no seu debate.
Há uma variação muito grande nas metodologias e em infindáveis debates sobre
as formas de mensuração ideológica dos partidos. Os questionamentos perpassam
desde: com que critérios é realizada, quais são os elementos destacados para análise
comparativa, passando pela questão teórica e empírica da aplicabilidade ou não de
tais categorias.
Com isso em mente, o capítulo busca levantar quais são os posicionamentos
políticos dos principais partidos de direita do Brasil, como também faz um exercício de
mensuração ideológica, a partir de documentos partidários públicos. O objetivo aqui é
identificar quais são os posicionamentos dos partidos numa série de temas e compará-los
entre si. Para a análise, foi utilizada a metodologia europeia desenvolvida pelo Manifesto
Research Group (MARPOR1), com também sua escala Rile,2 elaborada para determinar
o posicionamento das legendas no continuum direita-esquerda.
O capítulo inicia-se com uma breve discussão sobre o conceito de direita e seu
caráter relacional e contextual. Na sequência são apresentados os materiais e metodologia
de análise utilizados. Os dados das análises estão no item posterior. Na última parte
são apresentadas as conclusões.
1
<https://manifesto-project.wzb.eu/>.
2
Right-Left Scale, escala holística e composta que busca mensurar as posições de um partido, governo, indivíduo,
grupo, instituição, discurso a partir da diferença ponderada entre posições associadas a um ou outro polo
ideológico. Para saber mais consultar: <https://manifestoproject.wzb.eu/down/papers/budge_right-left-scale.
pdf>.
o enfoque de questões econômicas para culturais; a classe social foi substituída pela
identidade; e o universalismo para o particularismo (p. 33).
Na década de 1970 as ideias da direita ganharam novo fôlego, principalmente
nos Estados Unidos, com o governo de Ronald Reagan (1981), e no Reino Unido, com
o governo de Margareth Thatcher (1979). O que se passou a chamar de nova direita é
a junção de duas tradições ideológicas, aparentemente antagônicas, a economia liberal
clássica com a teoria social conservadora (HEYWOOD, 2010, p. 97). Hoje em dia, o que
temos é uma combinação de temas que vai desde a intervenção militar, o direito de
liberdade individuais (como aborto ou casamento igualitário), até o papel do Estado na
economia ou a liberdade de expressão como agendas incorporadas ao léxico das visões
de mundo. Por exemplo, a esquerda latino-americana, até a década de 2000 tinha como
principal sustentáculo a ideia de igualdade, a partir da entrada no século XXI, a agenda
passa ser a da aceitação da diferença. Enquanto a direita passa a defender a igualdade,
principalmente a legal, formal, a esquerda passa a defender a ideia de que as diferenças
devem ser respeitadas. Uma mudança radical na forma de apresentação, mas que ainda
faz valer a díade ideológica.
DOMÍNIOS CATEGORIAS
DOMÍNIOS CATEGORIAS
DIREITA ESQUERDA
104 Forças Armadas: positivo 103 Anti-imperalismo/anticolonialismo
201 Liberdade e Direitos Humanos: positivo 105 Forças Armadas: negativo
203 Constitucionalismo: positivo 106 Paz: positivo
305 Autoridade política: positivo 107 Internacionalismo: positivo
401 Livre iniciativa 202 Democracia: positivo
402 Incentivos 403 Regulação do mercado
407 Protecionismo: negativo 404 Planejamento econômico
414 Ortodoxia econômica 406 Protecionismo: positivo
505 Limitação Welfare State 412 Economia controlada
601 Nacionalismo: positivo 413 Nacionalização: positivo
603 Moralidade tradicional: positivo 504 Expansão do Welfare State
605 Lei e ordem: positivo 506 Expansão da educação: positivo
606 Harmonia social: positivo 701 Classes trabalhadoras: positivo
Fonte: KLINGEMANN et al., 2006.
i) domínios:
Nesta sessão estão as proporções de textos em cada Domínio, ou seja, a quantidade
de trechos dedicados por cada partido em cada tema. Essas frequências demonstram
a relevância de determinadas áreas temáticas para cada partido. Lembrando que em
cada Domínio há um conjunto de categorias que versam sobre ele, e em alguns casos
estão categorias opostas, positivo/negativo.
3
“201 Liberdade e Direitos Humanos: positivo. Descrição: Menção favorável da importância da liberdade pessoal e
os direitos civis, a liberdade de controle burocrático, a liberdade de expressão, a liberdade de coerção nas esferas
política e econômica, o individualismo.
202 Democracia: positivo. Descrição: Menção favorável da democracia como um método ou objetivo nacional
e em outras organizações; o envolvimento de todos os cidadãos na tomada de decisões, bem como de apoio
generalizado para manifestação da democracia no país.
203 Constitucionalismo: positivo; descrição: Suporte para aspectos específicos da constituição; uso do consti-
tucionalismo como um argumento para a política, bem como a aprovação geral do caminho constitucional de
fazer as coisas.”
A categoria nesse conjunto que ganha destaque em todos os partidos é a que faz
referência positiva às políticas públicas sociais. Em todos, é a primeira ou a segunda
em maior proporção. Outro ponto de destaque é a defesa de trabalhadores, todos os
partidos apresentam menções positivas nesse sentido. No caso do PR é a categoria com
maior proporção das demais, 11,11%, no PP e no PSC é a segunda. Referências positivas
de defesa e expansão da educação também estão presentes nos documentos partidários.
Como também a defesa da democracia e de princípios democráticos. Sendo a categoria
com maior presença em quatro partidos: PSD, DEM, PSC e PRB.
A defesa da democracia ganha destaque no Brasil devido ao passado recente de
regime autoritário, assim os partidos de modo geral se apresentam favoráveis ao regime
da livre competição eleitoral partidária, como um reforço pela estabilidade democrática
e para marcar um afastamento do passado autoritário.
A mensuração do posicionamento no continuum ideológico é resultante do cálculo
da subtração da proporção de texto das categorias de esquerda da direita. No quadro
a seguir estão os cálculos para cada partido.
Partidos D% E% Posicionamento
PP 14,44 35,53 –21,09
PR 21,47 39,25 –17,78
PRB 30,24 34,9 – 4,66
PSC 17,17 36,25 –19,08
DEM 21,19 27,17 –5,98
PSD 31,89 18,1 13,79
Fonte: Elaboração dos autores.
PP
PSD
PSC
PRB
PR
DEM
Elaboração dos autores.
Ao final da análise dos documentos, podemos observar que o partido mais à direita
entre os analisados é o PSD, com uma significativa distância dos demais partidos. O
partido mais à esquerda dentre os seis é o PP, mas estando próximo do PSC e PR. Ainda,
é preciso deixar aqui claro que não fizemos comparações com partidos usualmente de
colorações à esquerda do espectro ideológico na fauna partidária brasileira. Isso limita
nossos achados a dizer que o resultado aqui é absolutamente relacional. Ou seja, não
estamos propondo que PP ou PSC sejam partidos notadamente de esquerda, mas que,
entre os analisados, apresentaram manifestações atreladas a esse campo em maior
frequência do que seus pares de mesma estirpe.
A primeira impressão, pelos resultados, nos parece que os partidos de direita
no Brasil estariam mais à esquerda do que supostamente é esperado, porém cabem
algumas ressalvas. Relembrando, a metodologia aqui empregada é a originalmente
desenvolvida para partidos europeus, como os conceitos de direita e esquerda são
relacionais e contextuais, estes resultados comprovam que há temáticas abordadas
pelas legendas brasileiras que não são exclusivas de um eixo ideológico. Há temas
transversais à esquerda e à direita, como defesa de políticas públicas para saúde e
educação e também os direitos dos trabalhadores. Assim, esses temas não devem ser
tomados como exclusivos de determinadas colorações ideológicas.
Referências
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TAROUCO, G. S. Os partidos e a Constituição: ênfases programáticas e propostas de emenda. 161 f. Tese
(Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, 2007.
TAROUCO, G. S.; MADEIRA, R. M. Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Rev.
Sociol. Polit., Curitiba, v. 21, n. 45, mar. 2013.
Outras fontes
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no ano de 2018. Disponível em: <https://manifesto-project.wzb.eu/>. Acesso em: 23 jan. 2018.
ANEXO
Porcentagem de texto para cada categoria de análise
PP PR PRB
101 Relações especiais: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
102 Relações favoráveis: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
103 Anti-imperalismo anticolonialismo 1,81% 1,48% 0,00%
Relações Exteriores
PP PR PRB
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
BOLOGNESI, Bruno; BABIRESKI, Flávia Roberta. Posicionamentos ideológicos dos partidos políticos
de direita no Brasil. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 89-105.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
FIDELIDADE PARTIDÁRIA
Sendo assim, pensar o estabelecimento das relações dos eleitores com partidos
políticos perpassa aspectos diversos, como a estruturação interna das legendas e sua
organização no sistema partidário, a conformação das disputas eleitorais no país, a
importância do enraizamento dos partidos junto ao eleitorado e a cultura e comporta-
mento político dos brasileiros.
Nesse sentido, o presente capítulo contempla, além desta seção introdutória, mais
cinco tópicos. A próxima seção aborda a discussão internacional acerca do partidarismo,
perpassada pelas escolas que estudam tal relação desde a segunda metade do século
passado e pelo conceito de desalinhamento partidário. Na sequência, há duas seções
que tratam especificamente do caso brasileiro, referentes à constituição histórica das
relações entre eleitores e partidos políticos no atual período democrático e sobre causas
e efeitos do estabelecimento de vínculos subjetivos dos cidadãos com partidos. A quinta
seção expõe fenômeno relacionados ao desalinhamento partidário, discussão recente na
literatura internacional e para a qual já há estudos sobre o caso brasileiro, que tratam
de indiferenciação, alienação e antipartidarismo. Por fim, exponho nas considerações
finais um balanço sobre o conhecimento científico produzido até o momento com relação
ao partidarismo no Brasil, bem como reflexões acerca do enraizamento dos partidos
políticos entre o eleitorado nacional.
1
No que se refere especificamente aos Estados Unidos, a identificação partidária é menos relevante do que
características como sexo, etnia, religião, classe social e local onde residem, identidades sociais fundamentais. No
entanto, quando se trata de temas relacionados à política, o partidarismo revela-se altamente influente (GREEN;
PALMQUIST; SCHICKLER, 2002).
2
Em que pese tal suposição enfrentar questionamentos na literatura recente sobre comportamento eleitoral,
especialmente com relação à determinação de causalidade (LUPU, 2015). Para um balanço da literatura, ver
Rennó (2001).
atalho informacional utilizado pelos eleitores como produto de sua avaliação acerca
do desempenho dos partidos (DOWNS, 1957).3
A abordagem psicológica interpreta a identificação partidária como elemento
central da análise das atitudes e do comportamento político dos indivíduos, construída
ao longo de seu processo de socialização. Tal modelo, elaborado por Campbell et al (1960),
da Escola de Michigan, entende que a identificação partidária se constituiria a partir
de bases afetivas e seria, pela ênfase atribuída ao processo de socialização, resistente a
alterações. Seu caráter central na constituição do indivíduo lhe conferiria a posição de
“extensão do ego” (RICO, 2010).
Em estudo acerca do eleitorado norte-americano, Converse (1964), um dos
colaboradores da referida Escola, “publicou o que viria a ser um dos mais influentes
trabalhos sobre opinião pública dos Estados Unidos” (RENNÓ, 2001, p. 86), o livro The
nature of belief systems in mass publics, no qual tratou das discrepâncias na estruturação
dos sistemas de crenças de massas e de elites.4 Segundo o autor, a identificação partidária
se sedimentaria ao longo do tempo, à medida que as gerações acumulassem experiência
eleitoral, teria a função de atalho cognitivo para a minimização das dificuldades de
cidadãos com pouca cognição diante de escolhas eleitorais, uma vez que a diferença
entre a quantidade de informações abarcadas pelos sistemas de crenças dos mencionados
grupos de indivíduos se deve, em grande parte, à educação. A partir desses resultados, o
autor norte-americano classificou as dimensões ideológicas de avaliação dos indivíduos
em estratos hierárquicos, por níveis de conceitualização.5
Em se tratando da abordagem racional ou econômica, esta afirma que os atores
políticos racionais buscam a maximização de suas satisfações subjetivas e se utilizam,
para tanto, de atalhos de informação, elaborados pelos eleitores a partir das imagens
de partidos, candidatos e ideologias partidárias com a finalidade de diminuir os custos
de obtenção e processamento de informações políticas (DOWNS, 1957).6
Já Fiorina (1981) apresenta uma perspectiva revisionista, segundo a qual mesmo
que considerada a relevância da socialização dos indivíduos, a avaliação de sua
experiência acumulada como eleitores ao longo da vida adulta exerce peso maior sobre
sua identificação partidária. Em sua interpretação, os eleitores emitem juízos de valor
acerca das propostas e do desempenho partidário ao longo do tempo, de modo a balizar
seu julgamento sobre a preferência partidária. Nesse sentido, o autor busca explicar
tanto manifestações de estabilidade quanto de alterações na identificação partidária
do eleitorado, uma vez que o início da vida política dos eleitores é permeado por uma
3
Com relação às teorias explicativas da identificação partidária, há as correntes sociológica, psicológica e racional.
Considerando os objetivos deste artigo, não me deterei à discussão sobre a primeira e exponho apenas os
argumentos centrais das demais. Balanços sobre tais correntes encontram-se competentemente abordados em
Freire (2001) e Cervi (2010).
4
A despeito de críticas que tal abordagem recebeu a partir da década de 1970, vários trabalhos apresentam evidências
empíricas relevantes sobre a importância da socialização política na explicação do partidarismo, como Miller e
Shanks (1996), Green, Palmquist e SCHICKLER (2002) e Rico (2010).
5
Segundo Baquero e Prá (2007, p. 143), “a referida classificação deu origem à tipologia de estratos de eleitores
e que se constitui na contribuição mais relevante do autor, bem como no instrumento analítico conceitual que
permitirá compreender a dinâmica do comportamento político”.
6
A discussão empreendida por Downs (1957) sobre a teoria econômica da democracia trata o processo político-
eleitoral de maneira semelhante àquela adotada para a análise do mercado nas Ciências Econômicas, com destaque
ao cálculo empreendido por partidos e por eleitores em diferentes circunstâncias às quais estão sujeitos quando
da necessidade de tomar decisões.
identificação partidária estável, construída por sua socialização prévia,7 a qual pode
ser alterada ou mantida conforme os indivíduos adquirem experiência política e ainda
de acordo com mudanças em sua condição social e econômica, já que variações em tais
padrões interferem diretamente nos interesses dos cidadãos.
Diante das considerações acerca da identificação partidária, cabe destacar que a
natureza do comportamento político dos cidadãos vem se transformando de maneira
expressiva desde a década de 1960, quando eclodiram novos movimentos sociais, se
expandiram as modalidades de participação tradicional e surgiram outras modalidades
de atuação, de caráter contestatório.8 Para além do diagnóstico geral, de declínio de
modalidades convencionais, ascensão de formas não convencionais de engajamento e
da utilização de repertórios de ação política, no que tange especificamente aos partidos
políticos há muitos estudos que apontam o afastamento do eleitorado nos Estados
Unidos e em países europeus (GIMENES, 2017).
No que concerne aos diagnósticos do desalinhamento, estes apontam fatores
causais tanto de origem estrutural quanto elementos de nível individual. Em se tratando
do contexto, destacam-se as mudanças das prioridades no desempenho das funções
dos partidos, às quais se relacionam alterações institucionais em seu interior e na
competição partidária.
Com relação às funções dos partidos, a interpretação clássica de Key (1964)
afirma que é possível dividi-las em três frentes: enquanto organizações, nos governos
e junto ao eleitorado. No que tange à questão organizacional, são funções dos partidos
o recrutamento de lideranças, o treinamento das elites políticas e ainda a articulação e a
agregação dos interesses da sociedade (KEY, 1964; GUNTHER; DIAMOND, 2001). Com
relação ao seu papel governativo, os partidos devem organizar o governo, controlar o
desempenho administrativo e buscar viabilizar a implementação de suas propostas de
políticas públicas, de modo que suas responsabilidades nessa seara se tornam ainda
mais relevantes quando as decisões a serem empreendidas envolvem diferenças de
cunho normativo ou ideológico.
Sobre as duas primeiras funções, Mair (2003, p. 284) observa que o recrutamento,
não apenas de líderes políticos, mas também de funcionários para cargos públicos, tem
perdido importância à medida que os partidos “[...] parecem cada vez mais dispostos
a transporem os seus limites organizacionais imediatos quando procuram candidatos
adequados para determinados cargos e funções”. Sobre as demais atribuições, são
destacadas também por Gunther e Diamond (2001) e por Reis (2003, p. 22), que denomina
“vocalização” ao processo de apresentação desses interesses na arena política e discorre
sobre a “[...] necessidade de agregar interesses inicialmente fragmentários e dar-lhes,
assim, visibilidade no processo eleitoral e condições de se fazerem sentir efetivamente nas
decisões governamentais”. Conforme Mair (2003), as funções de articulação e agregação
de interesses políticos da sociedade têm sido, especialmente desde as últimas décadas,
cada vez mais partilhadas com associações e movimentos não partidários.
Já as funções dos partidos junto aos eleitores dizem respeito à educação política, à
mobilização para a participação e à criação de símbolos capazes de gerar identificação e
7
A socialização primária, nos termos de Rokeach (1968) e de Dahl (1997).
8
Tendo em vista os objetivos desta obra, não me deterei a esta discussão. Limito-me a apontar o competente balanço
acerca dos estudos e teorias sobre participação política disponível em Ribeiro e Borba (2015).
9
Termo cunhado para denominar partidos surgidos a partir da transformação de legendas da social democracia
que, até a Segunda Guerra Mundial, se caracterizavam pela ideologia, mas posteriormente direcionaram seus
esforços à captação de votos, desconsiderando ou minimizando aspectos ideológicos no intuito de atrair mais
eleitores, independentemente de sua cultura e valores políticos (KIRCHHEIMER, 1966).
e que se relacionam aos trabalhos de autores como Inglehart (1977; 1990), Dalton
(2002; 2007; 2008; 2013) e Norris (1999), que, em diversas obras, têm destacado o papel
da escolarização e sua relação com valores de autoexpressão, mobilização cognitiva,
pós-materialismo e cidadania crítica. O segundo ponto diz respeito ao processo de
socialização, especialmente com relação à idade e dialoga com uma ampla literatura
relacionada à influência dos períodos, ciclos de vida e as coortes etárias, especialmente
sobre a participação política na juventude (HIGHTON; WOLFINGER, 2001; KINDER,
2006; DALTON, 2009; FINLAY; WRAY-LAKE; FLANAGAN, 2010; FLANAGAN,
2013; OKADO, 2013). Por fim, o autor destaca as avaliações retrospectivas que os
indivíduos realizam sobre o desempenho dos partidos e trata de um argumento
apresentado por Fiorina (1981) e amplamente explorado pela Ciência Política nas
últimas três décadas.
Além da educação, tratada por Putnam (2002) como melhor preditor da vida, cabem
considerações sobre a expansão dos meios de comunicação. Os efeitos da mídia sobre
os valores, comportamentos e atitudes políticas dos indivíduos têm sido amplamente
analisados pela literatura contemporânea, de modo que há autores, como Patterson
(1998) e Mervin (1998), que afirmam que os meios de comunicação são responsáveis pela
desconfiança política dos cidadãos, ao passo que outros, como Norris (2000), destacam
que a mídia também fornece informações capazes de estimular o engajamento dos
cidadãos no que tange à democracia.
Segundo Mesquita (2013), a relação entre a mídia e os valores políticos dos
indivíduos é de interação, de modo que a avaliação da qualidade e da legitimidade
da democracia pelos cidadãos se dá pela relação entre sua sofisticação política e as
informações às quais tais indivíduos acessam. Nesse contexto, a expansão do acesso à
internet é indicativa da possibilidade de uso da informação disponível de maneira mais
democrática, já que na maioria dos países há liberdade de acesso a conteúdos diversos,
a critério dos indivíduos. No que se refere à relação entre cyberativismo e partidarismo,
Baker et al (2015) afirmam que as redes sociais são importantes canais para alterações
nas identidades partidárias.
No contexto das democracias consolidadas, a recorrência da constatação do
desalinhamento partidário tornou tal diagnóstico consensual. Contudo, uma série de
pesquisas dedicadas a esta discussão aponta distintos possíveis efeitos decorrentes do
crescente distanciamento entre partidos políticos e o eleitorado, de modo que classifico,
de maneira sintética e assim como em Gimenes (2017), os argumentos entre pessimistas
e otimistas.
Putnam (2002) apresenta uma visão negativa sobre o futuro do relacionamento entre
eleitores e partidos: a redução do engajamento partidário pode conduzir à diminuição
do comparecimento eleitoral, à fluidez na formulação de opiniões e opções de votos
dos eleitores e ao ceticismo com relação aos processos e instituições representativas. Por
sua vez, Whiteley (2011) afirma que os partidos políticos continuam a desempenhar um
papel central na governança das democracias modernas, mas reconhece que o declínio
em sua base voluntária tem implicações importantes para o futuro da democracia, uma
vez que é suscetível de enfraquecer a sociedade civil e minar as relações fundamentais
entre os cidadãos e o Estado. As prospecções pessimistas quanto ao desenvolvimento
do cenário político defendem que a descrença com relação ao Estado e às instituições
representativas seria um indício de uma crise de legitimidade, a qual pode até mesmo
culminar em instabilidade democrática (SELIGSON; BOOTH; GÓMEZ, 2006).
Em contrapartida, pesquisadores otimistas apontam para a possibilidade de
aumento da qualidade da democracia, por conta da maior sofisticação do eleitor
(nos termos de Dahl [1997]). Tais indivíduos, mais críticos com relação às instituições
tradicionais e hierarquizadas, seriam portadores de valores fortemente democráticos,
bem como orientados para ações políticas mais horizontalizadas e de autoexpressão
(NORRIS, 1999; DALTON; McALLISTER; WATTENBERG, 2003; DALTON, 2013), o que
teria como principal efeito o distanciamento entre o eleitorado e os partidos.
Considerada a inexistência de consenso acerca dos efeitos do desengajamento,
corroboro a afirmação de Dalton, McAllister e Wattenberg (2003, p. 317), de que “o
desalinhamento partidário tem potencial para produzir consequências, quer positivas,
quer negativas, para a política eleitoral, dependendo do modo como os sistemas
partidários e os eleitores reagem neste novo contexto”.
Nessa mesma linha argumentativa, Dalton, Farrell e McAllister (2011) discordam
dos pesquisadores que afirmam que os partidos políticos estão em crise. Para os autores
destacados, as legendas sofrem processos de adaptação ao contexto político, institucional,
organizacional e ainda a aspectos políticos, tais como a alteração da agenda no mundo
globalizado por meio da introdução de temáticas pós-materialistas (como gênero, questões
ambientais, de imigração etc.). As mudanças dos partidos não seriam apenas causas,
mas também consequências de um processo de mudanças sociais que se manifestam
no meio político e também nas relações sociais estabelecidas pelos indivíduos.
Os autores relativizam o argumento de que a democracia poderia estar em declínio
junto com os partidos, ao afirmar que estes estão se adaptando a novas condições políticas
contemporâneas e que este processo vem se desenvolvendo há mais de um século, o
que significa não uma tendência ao fim da democracia, mas seu fortalecimento por
conta da capacidade de adaptação destas instituições essenciais diante de alterações
relevantes. Sob tal ponto de vista, a evolução da relação entre partidos e eleitores seria
menos preocupante do que diagnostica boa parte da literatura, que toma o conceito
dos partidos de massa como referência ao invés de tratar do desempenho dos partidos
de modo geral (DALTON; FARRELL; McALLISTER, 2011).
Já em se tratando das novas democracias latino-americanas, cujo regime
democrático fora inaugurado ou retomado majoritariamente entre as décadas de 1970
e 1980 e a despeito de dificuldades de ordem política, social e econômica destacadas
por autores como Garretón (1993) e Baquero (2000), não há consenso sobre as formas de
relacionamento dos eleitores com os partidos políticos, de modo que os debates atuais
estão concentrados, por um lado, em entender a evolução do partidarismo na região e,
por outro lado, em identificar os determinantes do partidarismo e potenciais efeitos às
novas democracias em processo de fortalecimento e consolidação.
Desde Alcántara Sáez e Freidenberg (2002), há autores que destacam a relevância
dos partidos à estruturação política das democracias latino-americanas, com destaque
àqueles que apontam a manifestação de partidarismo como importante indicador à
institucionalização dos sistemas partidários nacionais na região (MAINWARING;
SCULLY, 1995; MAINWARING, 2001; MAINWARING; TORCAL, 2005; PAYNE, 2007).
No que concerne aos estudos mais recentes, análises de dados de diferentes naturezas
empreendidas por Carreras, Morgenstein e Su (2013), Albala e Vieira (2014) e Gimenes
10
O autor utiliza como critérios tanto aspectos ideológicos quanto a polaridade governo x oposição, tomada como
referência para este segundo critério a coalizão de governo no âmbito federal.
nas eleições para governador, senador e deputados estaduais e federais em 1994, 1998 e
2010, quando considerada a dimensão governo/oposição, aspecto no qual seus resultados
coadunam com aqueles anteriormente identificados em pesquisas de Anastasia, Nunes
e Meira (2010) e Miguel e Machado (2010).
Carneiro e Moisés (2015) corroboram a afirmação de Carreirão (2014) sobre a
tendência de institucionalização do sistema partidário brasileiro, mas destacam que
este se caracteriza por uma dupla face. Por um lado, os partidos cumprem sua função
na arena decisória, com atuação legislativa e executiva a contento. Em contrapartida,
as legendas encontram-se pouco enraizadas junto ao eleitorado, o que demonstra a
fragilidade no atendimento das expectativas dos eleitores com relação à representação.
Tal constatação conferiria ao Brasil o mesmo status verificado por Mair (2003), que
afirmou, considerado um grupo de democracias consolidadas, o declínio dos partidos
junto ao eleitorado e o fortalecimento de seu diálogo com o Estado.
Para além de condicionantes estruturais da legitimação democrática por meio de
partidos e do sistema partidário, a constatação até a década passada era de que poucos
estudos se preocuparam em “[...] olhar os partidos do prisma dos eleitores [...]” (KINZO;
BRAGA, 2007, p. 9). De maneira consonante, Lavareda (1991), Mainwaring e Scully
(1995) e Pimentel Junior (2007) ressaltaram que o desenvolvimento do partidarismo é
fundamental para a consolidação da democracia.
Em termos históricos, a declaração de identificação partidária no período
democrático anterior à ditadura no Brasil (1945-1964) era de cerca de 64% e atingiu
aproximadamente 70% do eleitorado durante o bipartidarismo (LAVAREDA, 1989;
BRAGA; PIMENTEL JUNIOR, 2011). Sobre tais percentuais, entretanto, Pereira (2014)
pondera que há dois fatores que devem ser considerados quando da comparação com
os valores atuais: [1] os analfabetos não participavam dos pleitos, o que significa que os
indivíduos com perfil menos propenso ao desenvolvimento de sentimentos partidários
não estavam legalmente autorizados a votar;11 e [2] as pesquisas eram realizadas
majoritariamente em capitais e áreas urbanas, o que poderia superestimar as taxas de
identificação se consideradas as desigualdades dos contextos urbano e rural.
Após a redemocratização, a identificação partidária sofreu expressiva queda no
país, com comportamento instável ao longo do tempo (RENNÓ, 2007). A expectativa
de Kinzo (2007) de que a retomada de eleições diretas para os cargos majoritários,
na década de 1980, e a experiência contínua de realização de pleitos com múltiplos
partidos contribuíssem para o fortalecimento da lealdade partidária não se confirmou
empiricamente: dados referentes aos anos de 1989 e 2002 apontam redução percentual
mínima (1%) de partidarismo manifestado pelos brasileiros. Segundo a autora, a ausência
de crescimento da identificação do eleitorado com partidos, mesmo após a realização de
três eleições presidenciais, seria um sinal de priorização de candidaturas pessoais, em
detrimento do estabelecimento de vínculos entre partidos e eleitores. Carreirão e Kinzo
(2004) discorreram sobre o período 1989-2002 e verificaram uma média da preferência
por algum partido em torno de 46,5% entre o eleitorado.
11
Considerado o primeiro período democrático, os eleitores correspondiam a 16% da população nacional em 1945
e a 24% em 1962 (LIMA JUNIOR, 1983).
12
Conflitos e escândalos políticos também influenciam o partidarismo em democracias consolidadas, como apontado
em Green, Palmquist e Schickler (2002) e Dalton, McAllister e Wattenberg (2003).
13
Os Estudos Eleitorais Brasileiros (ESEB) posteriores às eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010 apontaram
maior rejeição ao PSDB do que ao PT, mesmo após as denúncias de corrupção no meio da década (RIBEIRO;
CARREIRÃO; BORBA, 2011).
esteve presente em mais de 90% das coligações a candidaturas para prefeituras desde
2000 (ZUCCO JUNIOR, 2014) e conta com filiados e estruturas institucionais (diretórios
ou comissões provisórias) em praticamente todos os municípios brasileiros (BRAGA;
RODRIGUES-SILVEIRA, 2012).
A disputa eleitoral para a presidência no Brasil encontra-se polarizada entre
PT e PSDB, únicos partidos a apresentar candidatos em todos os pleitos majoritários
desde 1989 e que concentraram ao menos dois terços dos votos válidos nas últimas seis
eleições (GIMENES, no prelo). Enquanto o PSDB surgiu como dissidência do PMDB
durante o processo de elaboração da Carta Magna (KINZO, 1990), o PT foi fundado como
“novidade” no sistema partidário nacional por sua constituição em bases sindicais, de
movimentos sociais e relacionados à igreja católica (KECK, 1992). Aliados na defesa do
Estado de direitos, de liberdades democráticas contra o arrocho salarial e por eleições
diretas para presidente, entre outras bandeiras, o primeiro sinal de distanciamento se
deu quando do restabelecimento do voto direto na disputa majoritária, quando ambos
lançaram candidatos (Lula, pelo PT, e Mário Covas, pelo PSDB). Ainda que o PSDB
tenha apoiado o PT no segundo turno da disputa em 1989, ambas as legendas passaram
a buscar outros parceiros (ANASTASIA; NUNES; MEIRA, 2010).
Diante de tais considerações, evidencia-se que o sistema partidário brasileiro
possui três partidos fortes, embora apenas dois polarizem as disputem majoritárias (PT e
PSDB) e o terceiro se destaque nos níveis subnacionais (PMDB). Além disso, o eleitorado
tem dificuldades em se identificar com a maior parte das organizações partidárias, tanto
por conta do elevado número de partidos existentes quanto pelas diversas coligações
e coalizões estabelecidas pelas legendas e da recorrência de apresentação de propostas
semelhantes. Ademais, as avaliações do desempenho dos eleitos e da situação econômica
e o partidarismo têm peso nas decisões eleitorais dos indivíduos.
Conhecido o histórico do desenvolvimento dos partidos políticos que protagonizam
o sistema partidário nacional, é possível avançar à interpretação acerca dos eleitores
que desenvolvem vínculos subjetivos com as legendas partidárias, a fim de identificar
qual o perfil desses indivíduos e sob quais aspectos o enraizamento dos partidos junto
ao eleitorado contribui para o desenvolvimento da democracia.
relação se manifesta de maneira mais evidente entre identificados com o PT, quando
comparados com outros partidários (PIMENTEL JUNIOR, 2007; CARREIRÃO, 2008;
RIBEIRO; CARREIRÃO, BORBA, 2011; VEIGA, 2011), mas nos últimos anos tem se
verificado também um efeito negativo relacionado ao enraizamento dos partidos, o
antipartidarismo, sobre o qual trato na próxima seção deste capítulo.
Nesta seção, avanço na apresentação de estudos e conclusões acerca do que
representaria o partidarismo para a democracia no Brasil. Para tanto, há três questões a
serem respondidas: Quem são os eleitores partidários no Brasil? Como esses partidários
atuam politicamente? Há diferenças entre partidários que manifestam vínculos com
diferentes legendas?
Com relação à primeira questão, em pesquisa recente, mapeei os determinantes
individuais do partidarismo entre os brasileiros. Tal estudo, que utilizou dados dos
Estudos Eleitorais Brasileiros (ESEBs) de 2002, 2006, 2010 e 2014, destacou as alterações
dos perfis socioeconômico, cognitivo e atitudinal dos eleitores ao longo do período, tanto
tomados os partidários em conjunto (identificados x não identificados com partidos)
quanto por meio de análises específicas entre aqueles que manifestaram laços com as
principais legendas nacionais: PT, PSDB e PMDB. Dada a expressão da candidatura de
Marina Silva nos pleitos majoritários de 2010 e 2014, o PV e o PSB foram incluídos nas
análises (GIMENES et al, 2016).
Os resultados apontaram, primeiramente, a baixa capacidade explicativa de
atributos sociais às variações da identificação dos brasileiros com partidos no período,
tanto para os modelos condensados quanto para aqueles em que as legendas foram
tomadas em comparação. A inclusão de aspectos relacionados à sofisticação política
reduziu ainda mais os já escassos efeitos de sexo, faixa etária, escolaridade e renda
individual sobre o partidarismo, ao mesmo tempo em que confirmou a pertinência da
frequência de acesso a informações, do acompanhamento de campanhas eleitorais, da
capacidade de autoposicionamento no espectro ideológico e da importância atribuída
do voto. Contudo, esse segundo conjunto de variáveis independentes não se mostrou
eficiente para a verificação de diferenças significativas entre eleitores identificados com
o PT em comparação com os demais partidos.
Diante de tais resultados, Gimenes et al (2016) inferiram sobre a relevância do
partidarismo para além do momento eleitoral, uma vez que eleitores que manifestaram
vínculo subjetivo com algum partido apresentaram indícios de serem mais refinados
cognitiva e politicamente do que o “eleitor comum”, não partidário.14 No entanto,
quando a análise se concentrou no interior do grupo partidário, a expectativa de
que tais indivíduos se diferenciassem entre si não se confirmou, de modo que seria
o estabelecimento de laços com as legendas o que importaria para o comportamento
dos brasileiros, independente de qual o partido com o qual tal relação se desenvolve.
No que tange aos efeitos do partidarismo em termos de comportamento político,
Ribeiro, Carreirão e Borba (2011; 2016) analisaram o comportamento dos eleitores
com vínculos subjetivos positivos relacionados aos principais partidos nas disputas
presidenciais, PT e PSDB. A primeira pesquisa apontou diferenças que, apesar
14
Borba, Gimenes e Ribeiro (2015b) e Gimenes (2015) exploraram a relação entre partidarismo e sofisticação política
e cognitiva por meio da replicação da tese de Dalton (2013) sobre o apartidarismo no Brasil, sendo que o segundo
estudo também o fez para o conjunto de países da América Latina. Para o autor estadunidense, escolaridade e
interesse por política comporiam um indicador de mobilização cognitiva.
15
O termo fator decorre da natureza do teste estatístico realizado para tal agrupamento, denominado análise fatorial.
Para mais detalhes, consultar Carreirão et al (no prelo).
Assim, apesar de autores como Rose e Mishler (1998), Medeiros e Nöel (2014) e
Samuels e Zucco Junior (2015) afirmarem que o antipartidarismo é aspecto relevante à
estruturação do comportamento eleitoral e do comportamento político dos indivíduos,
pouco ainda se sabe sobre o fenômeno. No caso específico do Brasil, os poucos trabalhos
sobre o tema focaram principalmente no PT (SAMUELS; ZUCCO JUNIOR, 2015; RIBEIRO;
CARREIRÃO; BORBA, 2016; PAIVA, KRAUSE; LAMEIRÃO, 2016).
Em se tratando dos perfis sociodemográficos dos antipetistas, em sua análise de
dados do ESEB (2002-2014) Ribeiro, Carreirão e Borba (2016) verificaram probabilidade
de serem mais velhos apenas em 2002, enquanto níveis de escolaridade (para 2006,
2010 e 2014) e pertencimento ao grupo étnico branco (2002, 2010 e 2014) aumentariam
a chance de rejeição ao PT. Por fim, os autores verificaram ainda que os antipetistas
são menos interessados por política que os demais brasileiros em ambos os anos em
que havia tal variável independente (2002 e 2014), enquanto o sexo dos entrevistados
(para todos os anos) e residir em capitais (2002) não foram significativos ao modelo.
Com relação ao voto, tanto Samuels e Zucco Junior (2015) quanto Ribeiro, Carreirão
e Borba (2016) identificaram efeitos expressivos do antipetismo como estruturante da
opção por candidatos de oposição ao PT, com maior influência até mesmo do que a
própria manifestação de partidarismo relacionada à legenda pela qual se candidatou o
oponente ao/à candidato/a petista nos pleitos presidenciais das últimas duas décadas.
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GABRIELA ROLLEMBERG
1
TSE, Consulta nº 1398, Rel. Ministro César Asfor Rocha, julgado em 27.3.2007, DJ 8.5.2007, p. 143.
2
TSE, MS nº 20927, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 15.4.1994, p. 8061.
3
TSE, MS nº 23405, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ 23.4.2004, p. 8.
4
STF, MS nº 26602, Rel. Min. Eros Grau, DJe 17.10.2008, p. 190.
5
STF, MS nº 26603, Relator Ministro Celso de Mello, DJe 18.12.2008, p. 318.
6
TSE, MS nº 26604, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 2.10.2008, p. 135.
7
TSE, Resolução nº 17.643, Relator Min. Paulo Brossard, DJ 20.1.1992, p. 142.
8
Nesse sentido, ver os seguintes julgados: TSE, Consulta nº 1392, Relator Min. José Delgado, DJ 11.12.2006, p. 214.
TSE, Consulta nº 1.236, Relator Min. Gerardo Grossi, DJ 1º.6.2006. TSE, Consulta nº 761, Relator Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, DJ 12.4.2002. TSE, Consulta nº 706, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 1º.2.2002. TSE,
Resolução nº 12.279, Relator Min. Oscar Corrêa, DJ 24.9.1985, p. 16265.
9
Nesse sentido, ver os seguintes julgados: TSE, Representação nº 763, Relator Min. César Asfor Rocha, DJ 27.03.2007,
p. 130. TSE, Petição nº 12230, Relator Ministro Américo Luz, DJ 16.3.1992, p. 3064. TSE, Agravo Regimental em
Mandado de Segurança nº 3890, Relator Ministro Marcelo Ribeiro, DJe 7.4.2009, p. 26.
26.604, o certo é que a análise, na maioria das vezes, depende muito das nuances do
caso concreto, o que tem sido um grande desafio para a Justiça Eleitoral.10
Além disso, apenas em 2015 é que o Poder Legislativo decidiu enfrentar o tema,
por meio da inserção do artigo 22-A na Lei nº 9.096/95, estabelecendo expressamente
que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa,
do partido pelo qual foi eleito”. O texto legal ainda inovou na definição das hipóteses
de justa causa, pois confirmou as excludentes de “mudança substancial ou desvio
reiterado do programa partidário” e de “grave discriminação política pessoal”, e excluiu
as hipóteses de “criação de novo partido” e, “incorporação ou fusão do partido”, e
trouxe a janela partidária como justa causa, uma suspensão temporária da cláusula de
fidelidade, que possibilita que a mudança de partido seja realizada no período de trinta
dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária
ou proporcional, ao término do mandato vigente.
O que se pretende no presente artigo é demonstrar alguns dos aspectos que
precisam ser melhor refletidos na jurisprudência que trata da fidelidade partidária,
possibilitando que as decisões reflitam em maior proporção a verdadeira finalidade
do instituto, que é a preservação da representatividade do eleitor.
10
É o que revela, por exemplo, o fato de essa competência ter sido definida inicialmente como administrativa, no voto
proferido pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do Mandado de Segurança nº 26.603, mas posteriormente
alterada para a seara jurisdicional. Quando da análise de um caso concreto, o Mandado de Segurança nº 3699, a
Corte percebeu que essa competência somente poderia ser jurisdicional, pois a decisão a ser proferida no processo
poderia implicar na perda do um mandato eletivo. No mesmo julgamento, o Tribunal verificou a necessidade de
incluir a previsão da possibilidade de recurso para instância superior na Resolução nº 22.610/2007, pois, diante
dessa omissão, a insurgência contra as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais estava sendo feita por meio
de impetração de mandado de segurança, por ausência de previsão normativa. Todos esses fatos apenas revelam
que, em se tratando de um novo instituto, é a partir da análise de casos concretos que se verificam eventuais
omissões a serem supridas e erros a serem corrigidos no enfrentamento do tema.
11
STF, MS nº 26603, Trecho do Voto do Ministro Celso de Mello, DJe 18.12.2008, p. 318.
Não obstante, uma análise detida dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal
Federal na análise dos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, e da resposta
do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta nº 1398, revela que o principal elemento a
ser considerado nessa equação jurídica é exatamente o eleitor que, ao sufragar um
determinado ideário político ou corrente de pensamento, precisa que sua manifestação
de vontade seja representada durante o exercício do mandato.
Em síntese, a finalidade do instituto fidelidade partidária é preservar a “vontade
política expressada pelo eleitor no momento do voto”,12 protegendo assim a confiança que
foi depositada nas propostas defendidas no decorrer da trajetória política pelo partido,
personificadas no momento da eleição por um determinado candidato, resguardando-se
assim o sistema representativo.
Trata-se do verdadeiro sentido do princípio da soberania popular, segundo o qual
“todo o poder emana do povo” (CF, art. 1º, parágrafo único). É exatamente por essa
razão que todas as correntes ideológicas escolhidas pelos cidadãos-eleitores devem ser
representadas no processo político na proporção em que foram escolhidas nas urnas.
Daí a necessidade da fidelidade do mandatário aos cidadãos que o elegeram, pois,
do contrário, o que se tem é um “gesto de intolerável desrespeito à vontade soberana
do povo, fraudado em suas justas expectativas e frustrado pela conduta desviante
daquele que, pelo sufrágio popular e por intermédio da filiação a determinado partido,
foi investido no alto desempenho do mandato eletivo”.13
Portanto, não se trata de uma fidelidade exclusiva ao partido, mas especialmente
de uma fidelidade ao eleitor, a qual não é devida apenas pelo mandatário, mas também
pelo partido político. Afinal, há deveres recíprocos entre os componentes dessa relação,
que, quando descumpridos, geram causas de exclusão da fidelidade, como forma de
preservar a vontade do cidadão-eleitor, e a liberdade de associação e de pensamento.14
Na dinâmica da relação eleitor-partido, o mais importante é que sejam mantidos
os compromissos firmados pela agremiação não só na sua orientação programática, mas
durante a eleição, nas propostas e posicionamentos apresentados durante o processo
eleitoral.
Por sua vez, na dinâmica da relação partido-representante, há uma série de
aspectos a serem levados em consideração. Trata-se de uma relação recíproca, que deve
12
TSE, Consulta nº 1398, Trecho do voto do Ministro Cezar Peluso, DJ 8.5.2007, p. 143.
13
STF, MS nº 26603, Trecho do Voto do Ministro Celso de Mello, DJe 18.12.2008, p. 318.
14
É o que revela o voto do Ministro Cezar Peluso no Mandado de Segurança nº 26.602, que trata com maior
especificidade dessa questão: “Algumas exceções devem, contudo, ser asseguradas em homenagem à própria
necessidade de resguardo da relação eleitor representante e dos princípios constitucionais da liberdade de
associação e de pensamento. São elas, v.g., a existência de mudança significativa de orientação programática do
partido, hipótese em que, por razão intuitiva, estará o candidato eleito autorizado a desfiliar-se ou transferir-se de
partido, conservando o mandato. O mesmo pode dizer-se, mutatis mutandis, em caso de comprovada perseguição
política dentro do partido que abandonou.
Essas são situações em que a desfiliação e a mudança se justificam em reverência à mesma necessidade de pre-
servação do mandato conferido pelo povo ao representante afiliado a determinada agremiação política, com o
intuito de proteger o voto do eleitor, dado, em nosso sistema, não apenas à pessoa, mas sobretudo ao partido
que a acolhe. Resguarda-se aí, em substância, a confiança depositada pelo eleitor nas propostas e ideias cuja
expressão está à raiz do sistema representativo proporcional.
E, porque é o partido, que, em tais hipóteses, terá dado causa ao rompimento daquela relação complexa, por
alteração superveniente de sua linha político-ideológica ou pela prática odiosa de perseguição, será ele, não o
candidato eleito, que deverá suportar o juízo de inexistência de direito subjetivo à conservação do mandato em
sua esfera jurídica”.
ser respeitada por ambas as partes para que seja válida. As obrigações do partido foram
muito bem delineadas no voto da Ministra Cármen Lúcia no Mandado de Segurança
nº 26.604:15
Cabe, aqui, uma palavra sobre os compromissos que o partido político assume com o
interessado em candidatar-se e, posteriormente à sua escolha como candidato na convenção
partidária (art. 8º, da Lei nº 9.504/97), na campanha pela qual ele se terá exposto e pelo que
terá obtido os votos necessários à sua eleição, por integrar aquela organização partidária.
O partido político assume os compromissos de agir de acordo com os respectivos programa
e estatuto (art. 5º da Lei nº 9.096/95), que deverão estar inscritos no Registro Civil e no
Tribunal Superior Eleitoral (art. 9º, inc. I, e 10 da Lei nº 9.096/95).
É também a agremiação partidária responsável pela prestação de contas (arts. 30 e 32 da
Lei nº 9.096/95); pela administração e aplicação do Fundo de Assistência Financeira aos
Partidos Políticos (arts. 38 a 40); pelo acesso gratuito ao rádio e à televisão para realização
de propaganda partidária (arts. 45 a 49 da Lei nº 9.096/95 e art. 241 da Lei nº 4.747/65);
pela utilização gratuita de escolas ou Casas Legislativas para a realização de suas reuniões
ou convenções (art. 51 da Lei nº 9.096/95); pelo registro dos candidatos (art. 11, da Lei nº
9.504/97 e art. 94 da Lei nº 4.747/65; e pela fiscalização da votação e da apuração de votos
(arts. 131, 161 e 162 da Lei nº 4.737/65).
27. Assim, o partido acolhe na convenção exatamente o grupo de interessados que, nos
termos da legislação vigente, haverá de honrar os compromissos do partido e possibilitar,
pela sua atuação vinculada (nos termos do art. 24, da Lei nº 9.096/95), que a organização
partidária tenha possibilidade de ajudar a concretizar os fins que ele expôs à sociedade
como os que buscaria atingir em defesa do bem público.
15
TSE, MS nº 26604, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 2.10.2008, p. 135.
16
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Infidelidade partidária e proteção da confiança. Estudos Eleitorais. Tribunal
Superior Eleitoral, v. 5, n. 1, p. 9, jan./abr. 2010.
17
CARDOSO, José Carlos. Fidelidade partidária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 62.
18
STF, MS nº 26603, Trecho do Voto do Ministro Celso de Mello, DJe 18.12.2008, p. 318.
19
TSE, Consulta nº 1407, Resolução normativa, Relator Min. Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, Publicação: DJ
28 12 2007, p. 1.
relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, formulada pelo Partido dos Trabalhadores,
que indagava se “os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo
sistema eleitoral majoritário, quando houver pedido de cancelamento de: filiação ou de
transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”, respondeu que
“o partido político será sempre o primeiro e último detentor dos mandatos eletivos,
uma vez que não são estes propriedades dos que os auferem”.
O voto condutor do Ministro Relator traz argumentos firmes quanto ao fato de
que os Partidos Políticos têm a qualidade de autênticos protagonistas da democracia
representativa, seja no sistema proporcional seja no sistema majoritário. Afinal, ninguém
chega ao poder estatal de caráter eletivo-popular sem a formal participação de uma
dada agremiação política. O que traduz a formação de um vínculo necessário entre os
partidos políticos e o nosso regime representativo, a ponto de se poder afirmar que
esse regime é antes de tudo partidário.
Sendo assim, mesmo em se tratando de eleição majoritária, a representação é
operacionalizada pela intermediação partidária, que define de forma conjunta o programa
de governo a ser apresentado, de acordo com o seu próprio programa partidário e o
seu estatuto, o que equivale – ou ao menos deveria – a um contrato de adesão ao qual
o eleitor deve decidir se concorda ou não.
Para compreender melhor os argumentos do Relator, vale a leitura dos seguintes
trechos de seu voto:
14. Dou sequência ao raciocínio para aditar que, a essa função de sujeito processual ativo
que é ínsita aos partidos políticos, a Constituição ajuntou a de intermediário entre o corpo
de eleitores de uma dada circunscrição e todo e qualquer candidato a cargo de representação
popular. O partido enquanto necessária ponte. Elo imprescindível na corrente que vai do
eleitor ao eleito. É como está no inciso V do §3º do art. 14, que torna “a filiação partidária”
uma das explícitas “condições de elegibilidade, na forma da lei”.
15. Ora bem, a essa obrigatoriedade de filiação partidária só pode corresponder à proibição
de candidatura avulsa. Candidatura zumbi ou exclusivamente pessoal, pois a intercalação
partidária se faz em caráter absoluto ou sem a menor exceção. O que revela a inserção
dos partidos políticos na compostura e no funcionamento do sistema representativo, na
medida em que somente eles é que podem selecionar e emprestar suas legendas para todo
e qualquer candidato a posto político-eletivo.
Candidatos deles, partidos (devido a que ninguém em particular é candidato de si
mesmo), para o que a Constituição lhes concede o direito subjetivo de “autonomia para
“definir sua estrutura interna; “organização e funcionamento e para adotar os critérios
de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação
entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo
seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária” (§1º do art. 17).
Autonomia que é reforçada com a regra impeditiva da edição de medidas provisórias
sobre partidos políticos (alínea a do inciso I do §1º do art. 62) e com o desfrute do direito
subjetivo “a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma
da lei” (§2º). Tendo por contrapartida o dever de “prestação de contas à Justiça Eleitoral” e
a “proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
ou de subordinação a estes” (aqui, inciso II do art. 17, e, ali, inciso III desse mesmo artigo).
16. Dizendo as coisas por modo reverso, ninguém chega ao poder estatal de caráter
eletivo-popular sem a formal participação de uma dada agremiação política. O que
traduz a formação de um vínculo necessário entre os partidos políticos e o nosso regime
representativo, a ponto de se poder afirmar que esse regime é antes de tudo partidário.
Por isso que se fala, em todo o mundo ocidental civilizado, de democracia partidária, como
ressai dos escritos de Norberto Bobbio e Maurice Duverger. [...].
17. Com efeito, a ambiência normativo-constitucional aqui retratada nos autoriza a inferir
que:
I – se o regime representativo brasileiro decola da regra constitucional de que “Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (...)” (parágrafo
único do art. 1º da constituição), esse poder que tem no povo a sua única fonte é o de
natureza, justamente, político-representativa; isto é, poder de se investir, após candidatura
partidária vitoriosa, nos postos de comando político do nosso País, mediante os quais se
constitui e se exercita a democracia indireta ou representativa (por oposição à democracia
direta ou participativa, enunciada pela parte final desse mesmo parágrafo único do art.
1º e também pelo art. 14, caput, da Constituição);
II – se a soberania popular é o primeiro dos “fundamentos” da República Federativa do
Brasil (inciso I do art. 1º), e se tal soberania é a que se exerce “pelo sufrágio universal e,
pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos” (parte introdutória do art. 14),
nada disso é operacionalizado senão pela sobredita intermediação partidária. Vale
dizer, o esquema ou o arranjo político-partidário nacional é via de obrigatório trânsito
pelos exercentes da soberania popular para se chegar até aos candidatos eleitos. Soberania
popular, partidos políticos e candidatos eleitos a se atraírem magneticamente ou no curso
de uma necessária relação “de implicação e polaridade”, como dizia Miguel Reale para
caracterizar as relações de complementaridade ou de mútua causalidade. Aqui, nos autos
desta consulta, relação trina de causa e efeito.
18. Tal caminhar entrelaçado com a soberania popular e candidatos é explicativo, a seu
turno, do “caráter nacional” dos partidos políticos e da liberdade de sua “criação, fusão,
incorporação e extinção (...) resguardados a soberania nacional, o regime democrático,
o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana (...)” e “vedada a
utilização de organização paramilitar” (caput e inciso I do art. 17 da nossa Lei Fundamental,
combinadamente com o §4º desse artigo). É que todo grêmio partidário se define como
segmento, facção, parte, corrente, enfim, de convicção público-ideológica ou de filosofia
política. Centro subjetivado de opiniões convergentes quanto ao modo de conceber e
praticar o governo da polis brasileira, esse caracterizado espaço de irrupção contínua
das relações entre os nossos governantes e governados. Por conseguinte, a cada partido
é franqueado atuar em todas as circunscrições eleitorais brasileiras para divulgar uma
otimizada fórmula de engendrar e operacionalizar o governo do nosso País, e, assim,
arregimentar simpatizantes, associados e candidatos. Estou a dizer: cada partido político
é predisposto a laborar no campo da qualificação informativa dos eleitores-soberanos,
nesse plano da filosofia de governo ou “pluralismo político”, para a formação de blocos
de eleitos com perfil ideológico definido. Fórmula racional de se fazer política, pelo
antecipado conhecimento das linhas de atuação de governo e de oposição, com as
respectivas cobranças de fidelidade programático-partidária e de campanha eleitoral (daí
a parte final do §1o do art. 17, sobre a consignação, em estatuto, de “normas de disciplina
e fidelidade partidária”). Signo de uma autenticidade representativa e de uma lealdade
que têm tudo a ver com legitimação para o desempenho dos cargos públicos e superior
qualidade de vida política para o Brasil.
[...].
22. Numa primeira síntese, é em virtude de toda essa laboriosa engenharia constitucional
que se busca tonificar o pluralismo político e assim elevar os padrões da representatividade
popular em nosso país. Os partidos políticos a ocupar uma posição de nítida liderança no
processo político-eletivo, desde a filiação à escolha dos candidatos em convenção, para
desaguar na fiscalização dos eleitos e no co-desempenho dos cargos assim efetivamente
conquistados. Espécie de ímã e de bússola para simpatizantes, filiados, candidatos, eleitores
e eleitos. Logo, cada agremiação encarnando o civilizado apogeu da institucionalidade,
do coletivo, do estatutário e do programático, a patentear o reconhecimento da posição
de centralidade constitucional de todos eles, grêmios partidários. Seja qual for o cargo
eleitoralmente disputado e obtido. Seja qual for o “sistema” ou o “princípio” eleitoral de
votação (na linguagem da Constituição, “sistema proporcional” e “princípio majoritário”,
o primeiro a figurar no art. 45, e, o segundo, no art. 46).
[...].
37. Com efeito, é preciso conciliar as respectivas interpretações, a partir de uma pre-
ponderância que somente cabe àqueles três anteriores e fundamentais comandos
constitucionais. Donde a imperiosa compreensão de que, ao falar dos deputados federais
como representantes do povo (“A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do
povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito
Federal”), a nossa Lei Maior não recusou ao Presidente da República e aos senadores a
condição de legítimos detentores de uma representação popular (isto seria uma grosseira
negação ao parágrafo único do art. 1º e à parte inicial da cabeça o art. 14). Ela falou do
povo, é certo, porém como categoria demográfica. Não em sentido propriamente político
ou como instância /de poder soberano.
[...].
42. Nesse ritmo argumentativo, e já me encaminhando para o fecho desse voto, tenho
que todos os exercentes de mandato eletivo federal (com seus equivalentes nas pessoas
federadas periféricas) estão vinculados a um modelo de regime representativo que faz do
povo e dos partidos políticos uma fonte de legitimação eleitoral e um locus de embocadura
funcional. Tudo geminadamente, como verdadeiros irmãos siameses. Donde o instituto
da representatividade binária, incompatível com a tese da titularidade do mandato como
um patrimônio individual ou propriedade particular.
43. Respondo, pois, afirmativamente à consulta que nos é dirigida, para assentar que uma
arbitrária desfiliação partidária implica desqualificação para se permanecer à testa do cargo
político-eletivo. Desqualificação que é determinante da vaga na respectiva cadeira, a ser,
então, reivindicada pelo partido político abandonado. É a única resposta que me parece
rimada com a Constituição, toante e consoantemente, conforme procurei demonstrar.
Convicto de que é nò devocional respeito a ela, Constituição, que se propicia à sociedade o
máximo de segurança jurídica. Afinal, só a Constituição governa quem governa. Governa
permanentemente quem governa temporariamente. [...].
Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se apenas às
desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários
eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a
eleitos pelo sistema majoritário.
20
TSE, Resolução nº 22.610/2007. “Art. 10 – Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo,
comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o
suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias”.
21
Tribunal Superior Eleitoral, Consulta nº 1.714, Resolução nº 23.149, Relator: Ministro FELIX FISCHER, DJe de
16.10.2009, p. 26.
que o mandato eletivo pertence ao partido político e não ao candidato eleito, seja para
cargo majoritário ou proporcional”, e não houve qualquer ressalva quanto ao disposto
na Resolução quando do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº
3.999 e 4.086 pelo Supremo Tribunal Federal.
Vale destacar ainda que a Resolução nº 22.610/2007 serviu de embasamento
para o julgamento de um caso emblemático quanto ao tema da aplicação da fidelidade
partidária aos cargos majoritários pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.
Trata-se do pedido de decretação de perda do mandato do então Governador do Distrito
Federal, José Roberto Arruda, que se desfiliou do partido Democratas (DEM), quando
se deflagrou a crise política decorrente da Operação “Caixa de Pandora” em virtude da
divulgação dos fatos relacionados ao “Mensalão do DEM”, tendo sido aberto processo
interno para sua expulsão.
O Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, ao julgar a Petição nº 335-69,
entendeu que não haveria justa causa para desfiliação, decretando a perda do mandato
do então Governador, trazendo como principais argumentos:
O mandato eletivo, ainda que no sistema majoritário, não pertence ao candidato eleito,
que não é detentor de parcela da soberania popular e não pode edificá-la em propriedade
sua. O poder que do povo advém pelo sufrágio universal não pode ser apropriado de
forma privatística. O candidato, também no sistema majoritário, precisa do partido para
concorrer, pois permanece a filiação partidária como condição de elegibilidade, não sendo
possível uma candidatura autônoma, sem partido. O partido opera como liame entre o
candidato e o eleitor, sinalizando a este que aquele cumprirá as diretrizes programáticas
da lei. Natural que haja a perda do direito ao exercício do mandato quando o eleito se
afastar do compromisso assumido, deixando a sua agremiação política, abandonando a
diretriz programática a que empenhou fidelidade. Isso, independentemente, de haver
ou não suplente ou vice que possa ser empossado no seu lugar, até porque solução
institucional sempre haverá.
Aplica-se a disciplina da Resolução TSE nº 22.610/2007 também para os cargos majoritários.
Aliás, seus artigos 10 e 13 isso indicam claramente. Esse entendimento foi expresso pelo
próprio TSE na Consulta nº 714, em 24/09/2009.
A filiação partidária não é apenas uma condição de elegibilidade, mas também uma condição
para o exercício do mandato. Porque o eleitor elege o candidato, no sistema majoritário,
para honrar determinado programa, do partido a que se filiou para concorrer, é natural
a perda do direito ao exercício do mandato quando o eleito se afastar do compromisso
assumido, deixando a sua agremiação política, abandonando a diretriz programática a
que jurou fidelidade. Isso, independentemente, de haver vice que possa ser empossado
no seu lugar.22
22
Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Petição nº 335-69-DF. Relator: Desembargador MARIO MACHADO,
DJ 18/03/10, p. 1/2.
A interpretação não deve ser diferente, pois a nossa Constituição Federal é clara
quando define que os partidos políticos funcionam como elo entre os cidadãos e o
governo, não apenas no sistema proporcional, como também no sistema majoritário.
A relação “partido-eleitor-representante” exige respeito em ambos os sistemas, haja
vista vivermos em uma democracia indireta, onde os partidos políticos ocupam posição
de protagonismo. Eles são os verdadeiros fiadores de qualquer candidatura, seja ela
majoritária ou proporcional, e não apenas por concederem o tempo de televisão ou
os recursos financeiros, mas principalmente por serem responsáveis pelo conteúdo
das propostas apresentadas na eleição, as quais se espera sejam sempre construídas
conjuntamente com seus filiados, de modo a traduzir o que consta do seu programa
e Estatuto.25
Não é por outra razão que a Lei nº 9.504/97 exige que seja apresentado ainda no
registro de candidatura as “propostas defendidas pelo candidato a Prefeito, a Governador
23
Publicada no DJe de 24, 27 e 28.6.2016.
24
ARAS, Augusto. Fidelidade partidária; efetividade e aplicabilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016,
p. 379.
25
PÁDUA, Thiago Santos Aguiar de; FERREIRA, Fábio Luiz Bragança. Entre o Tribunal e o Parlamento: a atualidade
das lições dos casos de verticalização e fidelidade partidárias no contexto do papel das instituições na reforma
política. Revista da AGU, Brasília-DF, v. 14, n. 04, p. 231-270, out./dez. 2015.
26
SILVA, Adriana Campos; SANTOS, Polianna Pereira dos. O princípio da fidelidade partidária e a possibilidade
de perda de mandato por sua violação: uma análise segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. R.
do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ, Belo Horizonte, ano 11, n. 14, p. 13-34, jul./dez. 2013.
Vale ressaltar que, no âmbito majoritário, outros aspectos precisam ser levados
em consideração quanto às consequências da perda do mandato eletivo por infidelidade
partidária.
Primeiramente, via de regra, para a eleição majoritária, o partido político realiza
uma coligação, se juntando a outros partidos que constroem conjuntamente o programa
para o exercício do mandato. Nessa perspectiva, a coligação equivale a um partido
político na perspectiva do eleitor, que deverá considerar isso no momento do seu voto.
Além disso, o eleitor não elege apenas o titular, mas uma chapa una e indivisível,
que conta também com a participação do vice.27 Nessa perspectiva, não se trata de eleger
uma única pessoa, mas um grupo político capitaneado pelo titular. Caso o titular se
desfilie do seu partido de origem, quebrando com o pacto firmado com o eleitor na
eleição, o vice poderá dar sequência às propostas firmadas na eleição, ainda que seja
filiado a outro partido, sem qualquer violação à soberania popular.
27
Código Eleitoral. “Art. 91. O registro de candidatos a presidente e vice-presidente, governador e vice-governador,
ou prefeito e vice-prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança
de partidos”.
28
Resolução nº 22.610, de 25 de outubro de 2007.
“Art. 1º – O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo
eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.
§1º – Considera-se justa causa:
I) incorporação ou fusão do partido;
II) criação de novo partido;
III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
IV) grave discriminação pessoal’.
Artigo 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa
causa, do partido pelo qual foi eleito.
Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as
seguintes hipóteses:
[...]
III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo
de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término
do mandato vigente.
29
PASSARINHO, Nathalia. Eduardo Cunha autoriza abrir processo de impeachment de Dilma. [online] Disponível
em: <http://www.g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/eduardo-cunha-informa-que-autorizou-processo-de-
impeachment-de-dilma.html>. Acesso em: jan. 2018.
Art. 1º É facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi
eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo
do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos
do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.
É forçoso ressaltar que se trata de uma Emenda absolutamente sui generis, por várias razões.
A primeira delas reside no fato de ser uma norma constitucional “solta”, já que não houve
qualquer acréscimo, retirada ou alteração do texto constitucional, e nem mesmo altera ou
modifica qualquer dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Ademais, não há qualquer motivo aparente do ponto de vista social, econômico ou
jurídico que justifique a criação dessa “janela”. Politicamente, a Emenda n. 91 pode ser
justificada apenas pela proximidade das eleições de 2016, somada ao fato de a legislação
eleitoral prever desde setembro de 2015 que a regra geral de tempo mínimo de filiação
para candidaturas ser agora de seis meses, e não mais de um ano. Ademais, nada impede
que o Congresso Nacional, ao seu bel prazer, redija, aprove e promulgue emendas com o
mesmo teor a cada dois anos, fato que consistiria na negação ao novo regime de fidelidade
partidária construídos desde as decisões do TSE e do STF em 2007 e 2008.
Na verdade, fica nítido que o Congresso Nacional adotou um novo caminho para desviar
de decisões dos referidos tribunais quando estas não as convêm. O TSE, em 2002, criou
a verticalização das coligações partidárias, em decisão posteriormente referendada pelo
STF. Somente a promulgação de uma Emenda Constitucional (n. 52, de 08 de março de
2006) retirou a verticalização do ordenamento jurídico brasileiro. Na fidelidade partidária,
o Congresso sentiu-se de mãos atadas, diante do aprovação popular e de boa parte da
classe política às respostas das Consultas e ao teor da Resolução n. 22.610/2007.
Diante disso, o Poder Legislativo decidiu por caminhos mais curtos, com aparência de
transitoriedade, para flagrantemente escapar da interpretação que o TSE e o STF deram
a dispositivos da Constituição e do Código Eleitoral quanto à fidelidade partidária: no
sistema proporcional, os candidatos dependem por várias matizes de seus partidos para
serem eleitos e, por isso, o mandato pertence à legenda, e não ao candidato.
Essa questão também foi objeto de estudo de Polianna Pereira dos Santos e Rafaella
Barbosa Leão no artigo “EC 91/2016: emenda constitucional, mutação constitucional ou
mutação jurisprudencial?”, valendo destacar o seguinte trecho:
30
TSE. Consulta nº 10694, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJe, Tomo 88, Data 09.05.2016.
No mesmo sentido: Propaganda Partidária nº 49091, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJe, Data
18.04.2016.
Sem sequer adentrarmos aqui na discussão se a “janela de desfiliação” criada pela emenda
como justa causa, seria mesmo uma causa justa ou não, o que fica em evidência é que o
legislador se acovardou no sentido de enfrentar e alterar a Constituição na questão afeta
à fidelidade partidária (art. 17) e optou por criar uma brecha, via Emenda à Constituição,
para atender interesses daqueles (deputados) que não seriam beneficiados nas eleições
de 2016 pela “janela de desfiliação” criada pela Lei 13165/2015. Certamente, toda essa
manobra, não pode ser uma mutação constitucional.
Diante de tudo isso, como definir a natureza jurídica dessa emenda? Entendemos tratar-se
de uma nova hipótese de alteração da Constituição, que poderia ser chamada de “mutação
jurisprudencial”, pois, a bem verdade, ao que se pode perceber a Emenda Constitucional
nº 91 apenas serviu de instrumento para um desvirtuamento da interpretação sobre
fidelidade partidária e perda de mandato, firmado pelo STF em 2007.
31
Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 755-35-DF. Relator: Ministra FÁTIMA NANCY ANDRIGHI. DJe 01/08/2011,
p. 231.
32
Tribunal Superior Eleitoral. Partidos Políticos. Criação de Partidos. Partidos em Formação. Disponível em: <http://
www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/criacao-de-partido/partidos-em-formacao>. Acesso em: 25 jan. 2018.
partido, a novel legenda, para fins de acesso proporcional ao rádio e à televisão, leva
consigo a representatividade dos deputados federais que, quando de sua criação, para
ela migrarem diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos. Não há razão para se
conferir às hipóteses de criação de nova legenda tratamento diverso daquele conferido
aos casos de fusão e incorporação de partidos (art. 47, §4º, Lei das Eleições), já que todas
essas hipóteses detêm o mesmo patamar constitucional (art. 17, caput, CF/88), cabendo
à lei, e também ao seu intérprete, preservar o sistema. Se se entende que a criação de
partido político autoriza a migração dos parlamentares para a novel legenda, sem que
se possa falar em infidelidade partidária ou em perda do mandato parlamentar, essa
mudança resulta, de igual forma, na alteração da representação política da legenda
originária. Note-se que a Lei das Eleições, ao adotar o marco da última eleição para
deputados federais para fins de verificação da representação do partido (art. 47, §3º, da
Lei 9.504/97), não considerou a hipótese de criação de nova legenda. Nesse caso, o que
deve prevalecer não é o desempenho do partido nas eleições (critério inaplicável aos
novos partidos), mas, sim, a representatividade política conferida aos parlamentares
que deixaram seus partidos de origem para se filiarem ao novo partido político, recém
criado. Essa interpretação prestigia, por um lado, a liberdade constitucional de criação
de partidos políticos (art. 17, caput, CF/88) e, por outro, a representatividade do partido
que já nasce com representantes parlamentares, tudo em consonância com o sistema de
representação proporcional brasileiro.33
O §3º do artigo 47 da Lei n. 9.504 afirma que “a representação” é medida pelos eleitos, e
este Supremo Tribunal afirmou que os mandatos obtidos são dos partidos. Li todo o voto
do Ministro Relator, que gentilmente, ontem, me encaminhou, e é um belíssimo trabalho.
E a lei refere-se à fusão de partidos, e, em diversas oportunidades, nas peças processuais
e na tribuna, afirmou-se que aquele seria um silêncio eloquente, quer-se apenas saber
qual é a locução desse silêncio, para alguns, até mesmo em votações que nós já tivemos
no Tribunal Superior Eleitoral, é a de que não se quis falar de novo partido; para outros,
significa que não tendo falado nada se poderia ali fazer uma equivalência. Não me parece
que a criação seja situação não prevista por uma omissão legislativa, mas por um silêncio
que determinou qual é a situação.
Também não me toca em nada afirmar que a desfiliação é legítima – claro que ela pode
ser legítima mesmo –, prevista na resolução do TSE. O que importa é que o parlamentar
que tenha se desfiliado por justa causa não perde o mandato, porque teve um direito
reconhecido e garantido por determinação da própria Justiça. Ele não perder o mandato
não significa, a meu ver, que ele possa transferir os direitos que são do partido, e que ele
obteve na eleição, para uma nova agremiação já com vantagens, que são essas decorrentes
do tempo de televisão e do fundo partidário.
Como dito, a eleição desse parlamentar foi proporcionada pela estrutura do partido pelo
qual ele concorreu e que o guindou a essa condição. Não me parece razoável, portanto,
que o parlamentar, que pode desfiliar-se por motivos legítimos mesmo com a criação de
um novo partido, possa se beneficiar da estrutura que lhe foi garantida pelo partido, de
forma isolada ou coligada, e que não foi obtida por ele, porque era o partido que tinha o
tempo de propaganda e o fundo partidário. Muitos deles até mesmo por força da coligação
chegaram a essa condição, para beneficiar, na sequência eleitoral, outro partido novo que
nunca passou por uma eleição e que fica em condições de muitos que estão labutando
tempos para convencer os eleitores. Daí porque não me parece apropriado que o novo
33
Supremo Tribunal Federal – ADI nº 4.430-DF. Relator: Ministro DIAS TOFFOLI, DJ 18.09.13.
partido se valha de votos transferidos pelos novos filiados para fazer jus à distribuição
de tempo de propaganda em igualdade de condições.
Ao votar no TSE sobre fundo partidário, o Ministro Arnaldo Versiani alertava que, se o
critério fosse esse – que acabaria sendo adotado se fosse julgada procedente esta ação –, a
cada ano, ou, às vezes, a cada mês, nós poderíamos ter de rever essa distribuição para saber
exatamente qual é o tempo devido de propaganda, o fundo partidário a ser distribuído,
em que condições, por força das mudanças de parlamentares para um novo partido.
E, por isso, Senhor Presidente, como eu disse, não vou fazer a leitura do meu voto. Acho que
a conclusão do Ministro Relator é extremamente engenhosa, pode realmente levar a uma
legitimidade. Mas, a despeito dessa visão, que me pareceu realmente muito avançada, até
porque não se chega a uma situação de acabar com tudo, nem de igualdade de uma aplicação
que pode levar a essa mercancia partidária, a um mercado de partidos realmente para ter
até venda, como foi dito aqui da tribuna, minimizam-se os males decorrentes da criação
contínua de novos partidos, mas vou votar vencida, acompanhando a divergência iniciada
pelo Ministro Joaquim Barbosa para manter a constitucionalidade com a interpretação
que vem sendo aceita, que vem sendo adotada, julgando improcedente a Ação n. 4.430,
acompanhando o Ministro Relator no prejuízo da 4.795.
Art. 1º A Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 29. ....................................................................
§6º Havendo fusão ou incorporação, devem ser somados exclusivamente os votos dos
partidos fundidos ou incorporados obtidos na última eleição geral para a Câmara dos
Deputados, para efeito da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do acesso
gratuito ao rádio e à televisão.
...................................................................................” (NR)
“Art. 41-A. Do total do Fundo Partidário:
I – 5% (cinco por cento) serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos
que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral; e
34
Nesse mesmo sentido: TSE, Petição nº 174793, Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, Publicação:
RJTSE – Revista de jurisprudência do TSE, v. 23, t. 3, Data 29.06.2012, p. 93TSE, Petição nº 3075, Relator Min. Henrique
Neves Da Silva, Publicação: DJe, Tomo 157, Data 19.08.2013, p. 64.
II – 95% (noventa e cinco por cento) serão distribuídos aos partidos na proporção dos
votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II, serão desconsideradas as mudanças de
filiação partidária, em quaisquer hipóteses, ressalvado o disposto no §6º do art. 29.” (NR)
Art. 2º O art. 47 da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
“Art. 47..........................................................................
§2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do §1º, serão
distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato, observados os
seguintes critérios:
I – 2/3 (dois terços) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara
dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de
representantes de todos os partidos que a integram;
II – do restante, 1/3 (um terço) distribuído igualitariamente e 2/3 (dois terços) propor-
cionalmente ao número de representantes eleitos no pleito imediatamente anterior para
a Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do
número de representantes de todos os partidos que a integram.
.......................................................................................
§7º Para efeito do disposto no §2º, serão desconsideradas as mudanças de filiação partidária,
em quaisquer hipóteses, ressalvado o disposto no §6º do art. 29 da Lei no 9.096, de 19 de
setembro de 1995.” (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
35
“PETIÇÃO. DEMOCRATAS. RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RATEIO. NOVA LEGISLAÇÃO.
DEVOLUÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. LEI Nº 12.875/2013. NÃO
APLICÁVEL ÀS ELEIÇÕES DE 2014. INDEFERIMENTO.
1. As disposições introduzidas pela Lei nº 12.875/2013 não se aplicam às situações consolidadas antes de sua
edição, de modo que permanece inalterado o rateio de recursos do fundo partidário já autorizado nas hipóteses
de migrações partidárias verificadas anteriormente.
2. Ademais, este Tribunal Superior, ao apreciar a Pet nº 769-48/DF, entendeu que a novel legislação não é aplicável
às eleições de 2014, em observância ao princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição,
uma vez ter sido aprovada menos de um ano antes das eleições.
3. Pedido indeferido.”
(TSE, Petição nº 89683, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJe, Tomo 204, Data
29.10.2014, p. 245/246)
36
STF, ADI nº 5105, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01.10.2015, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-049 DIVULG 15-03-2016 PUBLIC 16-03-2016.
Depois disso, tivemos a reforma eleitoral realizada pela Lei nº 13.165/2015, que
introduziu o artigo 22-A na Lei nº 9.096/95, passando a disciplinar as hipóteses de justa
causa para desfiliação partidária, trazendo a expressão “somente as seguintes hipóteses”,
sendo que a criação de partido novo passou a não ser mais considerada uma hipótese
autorizativa de desfiliação sem a perda do mandato eletivo. Como já ressaltado, a
legislação restringiu as hipóteses para (I) mudança substancial ou desvio reiterado do
programa partidário, (II) grave discriminação política pessoal e (III) mudança de partido
efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei
para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
Ocorre que a lei entrou em vigor em 29 de setembro de 2015, sendo que o registro
da Rede Sustentabilidade havia sido deferido em 22 de setembro de 2015, do Partido
Novo em 15 de setembro de 2015, e do Partido da Mulher Brasileira no próprio dia
29 de setembro de 2015, os quais, a princípio, não teriam os mesmos benefícios da
“portabilidade da representação”, considerando os termos da nova lei em vigor.
prazo de 30 (trinta) dias para as filiações aos novos partidos já estava em curso. No caso
específico, alguns parlamentares já haviam migrado para uma dessas novas legendas
pouco antes da edição da Lei nº 13.165/2015.
Não resta dúvida de que havia a necessidade de preservar as situações jurídicas
já consolidadas antes da vigência da Lei nº 13.165/2015, mas entendemos que a alteração
produzida no sentido de revogar a criação de partido político como justa causa para
desfiliação veio em boa hora, na tentativa de fortalecer o princípio democrático, ao
impedir a migração intrapartidária fora dos 30 (trinta) dias anteriores do período
mínimo de filiação, de modo a proteger a correlação entre a votação dos partidos e sua
participação no sistema político, e preservando a vontade expressada pelo eleitor no
momento do voto. Além disso, porque protegeu o princípio da isonomia, ao igualar
a situação de partidos preexistentes e novos, impedindo a transferência do direito de
representação conquistados nas urnas por partidos preexistentes aos novos partidos e
a proliferação dos partidos.
37
TSE, Consulta nº 1398, Trecho do voto do Ministro Cezar Peluso, DJ 8.5.2007, p. 143.
38
ARAS, Augusto. Fidelidade Partidária: a perda do mandato parlamentar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 341.
Referências
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atualidade das lições dos casos de verticalização e fidelidade partidárias no contexto do papel das instituições
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PASSARINHO, Nathalia. Eduardo Cunha autoriza abrir processo de impeachment de Dilma. [online] Disponível
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WEBER, M. A “objetividade” nas Ciências Sociais. In: COHN, Gabriel (Org.). Max Weber. Trad. de Amélia Cohn
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
ROLLEMBERG, Gabriela. Aspectos polêmicos e atuais sobre fidelidade partidária. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 135-159. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.)
ISBN 978-85-450-0497-4.
3.1 Introdução
Ao analisar a questão da fidelidade, mandato político e suas fronteiras, que
transita entre a disciplina partidária e o fenômeno da responsividade, em expressão
de sua representatividade popular, parece fulcral, diante da temática abordada e da
natureza induvidosa, a necessidade de se fazer uma correlação entre os prismas da
ciência política e do olhar sociológico, no plano histórico e, por óbvio, no horizonte
jurídico, sendo tais eixos devidamente ajustados aos respectivos tempos sociais, onde
estão sendo experimentados e postos à prova, com o intuito de melhor compreensão
acerca da abordagem posta.
Cada povo, ao longo da história, reclamou de forma explícita, ou implicitamente,
determinados comportamentos de seus governantes em conformidade com suas agruras
existenciais e aspirações reinantes, conforme seu estilo e viabilidades da cena política. É
inolvidável se constatar que, mesmo diante das maiores barreiras da tirania e do arbítrio
vorazes, os movimentos de insurreição sempre existiram ao longo da odisseia sociológica
ao redor do mundo e de governos seculares, repita-se, bem ao modo de cada instante
sócio-político-cultural. A exemplo disso, têm-se as gestações das eclosões de revoluções
e levantes populares. O fato é que, mais cedo ou mais tarde, elas aconteceram. Daí,
nasceram comprovações e convicções de que os dominantes deveriam corresponder aos
pleitos de seus governados, sob pena de, não o fazendo, serem rejeitados na aprovação
dos seus respectivos tecidos sociais, aos quais pertenciam ou faziam parte.
Isto aconteceu em Roma, na Europa, por ocasião do medievo, no próprio período
da revolução industrial, no século XIX, e no decorrer do século XX. Hodiernamente, nas
suas proporções, materializam-se de igual forma também na primeira década e metade
da segunda década, do século XXI.
Com a concepção moderna da chamada essência da democracia representativa, tal
ideia ficou ainda mais próxima de quem elege e de quem é eleito, num ensaio e intento
de sintonia de papéis, quando se está a tratar dos verdadeiros experimentos nos estados
democráticos de direito e correspondentes distanciamentos dos chamados estados
Nesse passo, é natural que o espírito que os anima exerça considerável marcação em
suas identidades políticas originárias, quando da adoção das cores que mais causa
identificação na ocupação e atuação do seu campo político.
Na contraposição a isto, é inegável que as atmosferas de conveniências, sobretudo
pela sobrevivência e longevidade política, permitem que o aludido fator opere elevado
poder de escolha na definição da matriz ideológica adotada pela classe política. Em um
perfunctório acompanhamento da cena política brasileira, com preponderância após
o advento do marco da Carta Política de 1988, notar-se-á a mitigação da análise das
ideologias e estandartes partidários, em nome do denominado pragmatismo político,
objetivando o explícito, seguro e factível êxito nos resultados das alianças à conquista do
voto, para o evidente alçamento às hostes do poder e, como manutenção dessa lógica,
estendendo aos patamares do objetivo direto da denominada governabilidade, quando
instalados em seus cargos representativos e em seus fins, socorrem-se desta premissa.
No ponto, está-se adotando os ares influenciadores americanos do chamado
presidencialismo de coalizão. Dessa forma, nesse arcabouço, tem-se como forma
de plasmar-se a consequência prática, a relativização das ideologias políticas, pois
inarredavelmente ao se colocar em uso aquele mecanismo, produz-se como reflexo
político a exequibilidade do poder. Todavia, haverá a possibilidade de açoite ao arquétipo
ideológico como efeito colateral ao referido modelo adotado.
Nessa alameda, é relevante ser indagado sobre qual a forma de sobrevivência
no sistema político atual sem que se ponha em uso essa abstração ideológica, e sem
que ocorra o comprometimento da governança? A resposta é, sem maiores divagações,
no sentido de se constatar uma imensa dificuldade para gerir a máquina relacional da
atividade política. E aqui não se fala em promiscuidade de seu exercício, porém na
relativização das bandeiras ideológicas para a consequente vida das próprias legendas
partidárias. O pragmatismo típico da vida comum anglo-saxônica, posto em uso na
vida política brasileira.
A comprovação desse quadro relativista se dá quando se analisa o comporta-
mento de boa parte dos partidos de esquerda que até o final da década de 1980 tinha
forte resistência às alianças com os partidos de centro e, por óbvio, tal dificuldade
era acentuada à materialização das coalizões políticas com as siglas situadas aos
perfis de direita; entretanto, por ocasião dos anos 2000, passou-se a adotar um outro
comportamento ideológico e decidiu-se efetuar alianças, como dito, pragmáticas, até
então acordos políticos impensáveis e díspares com os seus dogmas e pilares ideológicos
outrora, cujo fato levou considerável número de integrantes, filiados e simpatizantes a
abandonarem as militâncias e filiações, levando-os a alinharem-se a outras agremiações,
que mantinham certa devoção às fidelidades ideológicas, animando-os a continuarem
cerrando fileiras em tais agrupamentos, que guardavam, evidentemente, identidades
ideológicas originárias.
Impende ser ressaltado que os mandatos parlamentares e suas correspondentes
desincumbências de atuações políticas sempre estiveram presentes nos dilemas
ideológicos e filosóficos das elites pensantes brasileiras, com especial cuidado de tais
sentimentos em se tratando dos partidos de esquerda e seus ideários históricos de
convicção socialista, em sua essência.
Noutro ângulo, também é verdade que, em se tratando das legendas de direita, tais
convicções também foram muito proeminentes, porém, com a praticidade de colocação
no campo oposto, por discordar de métodos e ideologias esquerdistas, menos pela dose
de romantismo que embalava a militância simpática aos traços marxistas, mais pela
real exequibilidade, em sua ótica, daquilo que acreditam.
Aqui, não se adentra na seara analítica com o condão de supremacia do pensamento
da direita em relação à esquerda, quando sócio e politicamente, alguns autores fazem
alusão ao marxismo, em relação, consequentemente, à sua ideologia, como por exemplo,
a corrente filosófica do pós-estruturalismo, ao sustentar como superação da própria
doutrina marxista.
No magistério de Aras (2006), ferrenho defensor da fidelidade partidária, o autor
preleciona em relação às legendas, a “fragilidade das estruturas partidárias, desprovidas
em grande parte, de definições ideológicas transparentes”. Isto é capaz de gerar uma
crise de identidade das agremiações e suas pretensas vocações ideológicas, de maneira
a elevar o grau de dificuldade para a defesa da titularidade do mandato, embasar as
próprias ações dos mandatários e criar um estado de ânimo em seus simpatizantes com
força para fidelizá-los.
O efeito desses fenômenos de volatilidade de grande parte das ideologias partidárias
no Brasil pode ser sentido como referido, no desapego às âncoras que arquitetaram os
pensamentos ideológicos de todas as matrizes e horizontes partidários que atuam no
universo nacional. Diz-se volatilidade, pois saem de cena de acordo com as conveniências
e retornam quando recomendável aos seus interesses, com cores retóricas a fundarem
alicerces para içar olhares com vistas às alianças ao pleito eletivo mais próximo.
Diante de tal panorama, é de fácil compreensão se supor que políticos que estejam
em partidos de uma determinada natureza ideológica tenham grande dificuldade de se
manterem fiéis em sua integralidade à mesma, pois os desafios da conhecida sobrevivência
política é bem mais significativo que a fidelidade ao verniz ideológico, isto é o que se
demonstra no caso concreto. Tal situação fica mais nítida ainda quando o bloco de
partidos políticos a que sua agremiação faz parte promove, por conveniências políticas,
verdadeiras reviravoltas em seus apoiamentos às políticas econômicas e financeiras,
quando no transcurso de seus mandatos o político é compelido a seguir tal inclinação que
era a síntese do antagonismo ideológico doutrinariamente defendido em tempos outros.
edificados no trabalho forte e contínuo, sempre visitado por ideais de liberdade, ética,
honra, patriotismo e independência.
No ordenamento eleitoral brasileiro, para que o indivíduo possua outorga
jurídica, legitimando-o a disputar eleições, mister se faz estar filiado a um partido
político ou, caso não concorde com as legendas existentes e seus ditames políticos e
ideológicos, há a possibilidade de criar uma nova agremiação, contanto que observadas
as exigências que deverão ser chanceladas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A alma
da representatividade democrática brasileira é confeccionada em um dos requisitos que
é a filiação partidária, para que possa fazer as vezes do exercício do poder, pela via do
acesso eletivo, no âmbito do executivo ou, no legislativo.
No magistério de Franco (1974), quando reporta à expressão “Partidos Políticos”,
na atual concepção, mas que somente foi utilizada a partir do século XVIII, pois até então
essa nomenclatura não continha nenhum traço característico das atuais organizações
partidárias, o autor diz que, mesmo em Roma, onde havia liberdade eleitoral, o uso
da palavra “partido” não tinha a concepção de organização partidária atual, senão de
classes sociais. A formatação dos partidos políticos, nos moldes em que se conhece
atualmente, não era idealizada quando da fundação dos Estados de outrora, eis uma
grande diferença do que ocorre nos Estados modernos.
Impende ressaltar, que a ascensão ao poder se dava, no passado, com o uso da
força, onde a deposição pela espada era voz corrente. Assim, a reunião de pessoas com
o intuito de constituir uma espécie de célula para agrupar ideias diferentes dispostas
à dialética, nunca rimou com a prática dos regimes despóticos e totalitários. As
agremiações partidárias inauguram um novo tempo na arena política, e pressupõem
a possibilidade de disputas e alternâncias no poder, sendo em sua convivência plural,
a forma diametralmente oposta, notadamente, aos estados absolutistas e autoritários.
É muito importante ser frisado que, nos chamados regimes fortes, nas ditaduras,
claramente não existe o pluripartidarismo, entretanto, as suas pseudolegitimações
interessam-se pela presença do bipartidarismo, para que deem a falsa ideia de que
existe oposição e estão fulcrados numa realidade democrática, o que, na verdade, não
é minimamente factível a assertiva e ao universo onde se desenrole o experimento da
vida política democrática.
No corolário do Professor Erick Wilson Pereira, escrevendo sobre os partidos
políticos, o autor jurídico sugere como seria a representação popular plausível por
intermédio dos partidos, assegurando que, no Brasil, a rotina da prática partidária é
bem outra, conforme transcreve Pimenta (2008, p. 34):
Pensa-se, pois, que no Brasil, os partidos políticos parecem ser muito mais
instrumentos designadores de representantes, do que condutores de ideias e de
disciplina interna entre os seus filiados. Em outras palavras, os partidos parecem ser
mandato em nada lhe diz respeito consubstancia-se em uma forma velada de aviltar
o princípio nuclear da democracia representativa. Ainda que se queira fortalecer as
legendas partidárias, como de fato é eloquentemente importante, por outro sentir, não
se afigura razoável ignorar a dinâmica de um conjunto de ações típicas de um político
exercendo um mandato parlamentar, cuja incumbência é inerente à liberdade da conexão
do representante para com os seus representados, e isso não vem a calhar como mero
clichê ou frase pronta que se queira rotular.
No caso, está-se a tratar do que é factível e viável em uma democracia com
tais características de ornamentos representativos, segundo sugerido. Há, no ponto,
naturais choques, conflitos de obrigações, papéis e direitos subjetivos ao pleno exercício
dessa representação, que está encarnada no espírito da máxima: do povo, para o povo
e pelo povo. Esse sentimento não se pode esquecer que foi devidamente consagrado
via sufrágio legalmente constituído. Nessa trilha de colisões pode ser fomentado o
desejo de o mandatário conjecturar mudanças de agremiação partidária, e sedimentar
a migração para outra legenda.
É inegável que a questão posta não é de trivial solução, ao contrário, eleva o grau
de complexidade dos limites do que é possível e aceitável no transcurso de um mandato
eletivo, de tal modo que, os polos envolvidos sejam resguardados e os interesses, não
apenas individuais, dos atores e sujeitos de direito envolvidos, sejam preservados.
Sobretudo, é vital observar o que é prioritário e, derradeiramente, quais os pontos que
carecem ser avaliados com vistas à proteção do estado democrático de direito e, de
modo especial, objetivando o interesse da sociedade.
Sobre a questão do livre exercício do mandato, preceitua Vega (1985, p. 33)
que, “mais do que um direito ou do que um privilégio do parlamentar, a liberdade
para o exercício do mandato é decorrência do direito de livre expressão e discussão”.
Nessa reflexão, emergem convicções de que inexistem antinomias entre primados que
possam ser lançados contra a liberdade de exercício das próprias posições da atuação
político-partidária parlamentar.
Face ao conflito de situações fáticas, jurídicas e políticas, o TSE teve a sensibilidade
de tratar da matéria da fidelidade partidária, norteando a possibilidade de o político
migrar para outra legenda sem perder o mandato, fazendo-o através da Resolução nº
22.610/07, que tem levado às barras dos Tribunais Regionais Eleitorais brasileiros e até
ao próprio TSE inúmeros casos envolvendo o controverso tema. O fato é que, a maioria
dos casos de perda de mandato tem sido decretada e reconhecida em relação aos
parlamentares municipais – os vereadores, pois, em comparação, mesmo proporcional,
ao número de parlamentares estaduais, a perda de mandatos em virtude de infidelidade
partidária é muito baixa. Se for levado em conta o caso de deputados federais, para
estes, praticamente inexiste decretação de perda de mandato, tratando de procedências
de ações judiciais com base na referida resolução.
Uma emenda que tenda a gerar donos de partidos é inconciliável com o regime democrático
concebido pelo constituinte originário. Por tudo isso, uma emenda dessa ordem choca-se
com a proibição de que se produzam alterações da Constituição que tendam a depreciar
princípios fundamentais da Carta de 1988.
O certo é que a autonomia partidária não pode ser construída a partir de uma arquitetura
institucional que contradiz o princípio democrático, razão de ser do próprio partido.
O problema da Emenda Constitucional 97, de 4 de outubro de 2017, quando assegura
aos partidos políticos autonomia sem limite para estabelecer a duração de seus órgãos
provisórios, está precisamente em propiciar essa situação que os princípios fundamentais
da ordem democrática e os direitos fundamentais de ordem política – todas cláusulas
pétreas explícitas ou implícitas – refugam. Não custa lembrar que o cidadão, em uma
democracia partidária, tem o direito fundamental não apenas a governos íntegros, mas
também a partidos políticos que operem de forma transparente e participativa. Preservar
essa relação é, em última instância, fortalecer a soberania popular.
No Brasil, essa prática ocorre com grande eloquência com o advento da revolução
de 1930, que pôs um fim à República Velha oligárquica, colocando no poder Getúlio
Vargas, que passou a ser figura nodal até os idos de 1954, tendo seu término em
consequência do seu suicídio. A figura de Vargas era vista como um verdadeiro pai
dos desvalidos e de grande parte da população brasileira, na época em que exerceu o
seu mandato em tal condição populista.
Noutro ângulo, Resende (2008, p. 90) aponta que,
Alguns autores que trabalham sobre teoria de populismo, encontram no fenômeno certa
rejeição à democracia representativa (RIKER, 1982), ao propor conexão sem mediação
entre cidadãos e governantes: “From the outset, populist movements opposed the institutions
or procedures which impeded the direct and full expression of the people’s voice” (MENY;
SUREL, 2002, p. 9). Assim, o populismo poderia significar uma tentativa de democracia
participativa integral, com tendência a não contar com a mediação de partidos políticos
(MAIR, 2002: p. 89). De todo modo, é praticamente consensual na literatura o que Shils
considera princípios cardeais do populismo: “the notion of the supremacy of the will of the
people, and the notion of the direct relationship between people and the government”. (SHILS,
1956, apud PANIZZA, 2005, p. 4)
Essa concepção afasta, por assim dizer, a participação do partido da cena política,
quase que por completo, na qual uma espécie de caudilho assume o papel de interlocução
direta com o povo, através de instrumentos retóricos e aparentes, correspondências às
súplicas dos “seus desassistidos” sociopolíticos. Essa tendência foi muito forte no Brasil
de 1930 a 1960, como dito.
Na Argentina, o populismo tem lugar na memória existencial política nacional,
com a figura de Juan Domingo Perón, a partir de 1943, quando este começa a se destacar
realmente no universo político argentino, passando essa imagem e, talvez até mais forte,
com idêntico sentimento, à sua esposa, Eva Perón, cuja figura pública o povo argentino
nutria grande empatia e boa parte dele, ainda o faz.
Na década de 2000, o populismo retorna, mais uma vez, e com bastante força, ao
universo da América do Sul, como ideia e como instalação de governos, com o referido
teor populista.
Ora, por absoluta fidedignidade histórica, segundo algumas visões, como a que
fora aludida, forçoso é relatar que tal prática foi registrada, nas devidas proporções, até
nos EUA, onde esse achado sociológico e histórico também houve por bem, ser reservado
numa espécie de populismo americano, que oferecia fomento à pequena agricultura,
por intermédio da prática de uma política monetária com base na expansão do próprio
viés monetário do crédito, bimetalismo.
Por outro lado, na construção russa do populismo, coloca-se o povo como uma
espécie de classe abstrata, e esta é inserida no centro da ação política, sem a presença
dos meios próprios da democracia representativa, nos moldes do que foi registrado no
século XIX, onde o objetivo seria o de transferir o poder político às comunas camponesas,
via hipótese de reforma agrária substancialmente radical, a chamada “partilha negra”.
A natureza humana brada, através de sua existência, em muitas ocasiões, por
figuras humanas em forma de líderes máximos sociais e políticos. A ideia é que esses
líderes socorram às carências socioafetivas que, na maioria dos casos, foram moldadas
nas sociedades patriarcais, de modo a deixar esse legado como forma de projetar
tais personalidades em suas existências, inclusive como foi aludido, em uma espécie
Por política entenderemos o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder
ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado.
[...] Sociologicamente, o Estado não se deixa definir a não ser pelo meio específico que
lhe é peculiar.
Cabe grafar aqui que a vontade democrática, nas variadas formas de experiência
de Estado Liberal, levantou diferentes interpretações a respeito do modo e do alcance da
participação popular em termos de representatividade, sistemas eleitorais e partidários.
Na realidade, o cerne político moveu-se das estruturas políticas, jurídicas, e institucionais
do Estado para a definição do âmbito de participação eleitoral.
Tais referências anuem o fato de constituir pedra mais que angular a necessidade
da efetivação do mecanismo da política nos átrios do pensamento sociocultural de
uma nação. Perigosamente involuiu-se ao se imaginar ser possível o descarte desse
autêntico direito-dever humano, de atuar em seu meio através da política, de sorte a
ser influenciado e influenciar a condução dos rumos da comunidade.
Toda e qualquer forma de patrocínio de mensagens explícitas ou subliminares,
de que “fazer política” é algo abjeto ou dos porões do limbo da natureza humana, é
empregar-se a atividade pouco inteligente e contraproducente ao elemento coletivo
social. É um caminho bastante arriscado taxar a política como atribuição de segunda
classe, é um bom serviço à tirania e ao pensamento e aos regimes de exceção.
No caso brasileiro, o cenário se não é igual ao dos EUA, chega bem próximo,
principalmente se tratando do eleitor das chamadas classes sociais A, B e C, com reflexo
considerável nas demais classes do eleitorado nacional. Na visão de Prado (2014),
jurídica individual, no sentido de que todos são sujeitos de direitos e centros de imputação
jurídica, ressalva feita à situação feminina e ao caráter censitário dos direitos políticos;
b) a igualdade perante a lei, que implica iguais consequências jurídicas para todos; c) a
certeza e a previsibilidade do direito, que supõe a definição prévia de crimes e penas,
a publicidade dos atos legislativos e administrativos, os enunciados normativos com
redação compreensível, o princípio do juiz natural; d) o reconhecimento constitucional
dos direitos subjetivos, com o poder de fazê-los valer perante os órgãos do Estado, o
que implica o princípio da judiciabilidade.
Nas bases aludidas, é de se verificar que, in casu, trata-se de supedâneos clássicos
do Estado de Direito, na dicção de Zolo (2006). Mais do que isso, como garantias inerentes
ao estado brasileiro tem-se a prática do explícito enunciado do Estado Democrático de
Direito que, por seu turno, é mais abrangente e garantista, fruto da Carta Política de
1988, sendo que, nesse universo jurídico-constitucional, um dos princípios protagonistas
maiores é pois, o “da dignidade da pessoa humana”, dando margem à interpretação,
conforme todo o escopo da Lei Maior, ao estender à compreensão do exercício e prática
dos direitos políticos como emanado desse sentimento do princípio ora apontado.
Fundado nessa proteção principiológica, é possível idealizar como legítima toda
pressão democrática para o aperfeiçoamento fático e dogmático da própria sistemática,
leia-se: dos eleitores em relação aos eleitos. Evidentemente, que o exercício e vigilância
do povo para com os seus políticos não admite extremos, como ataques pessoais e uso
de violência de qualquer natureza, entretanto, o império dessa prerrogativa precisa ser
desenvolvido por ser próprio do Estado Democrático de Direito e suas sabidas consequências.
Como aludido anteriormente, em matéria de democracia e seu exercício maduro,
consubstancia-se condição sine qua non que o povo esteja apto educacionalmente, para
que, de forma e meio adequados, possa participar nesse exercício de força a fim de
canalizar suas vontades no universo da legalidade democrática. A ignorância de um
povo é uma das principais matérias-primas à dominação de políticos mal-intencionados e
descompromissados com a sociedade; eles se servem dela para lograrem êxito nos intentos
sórdidos da desonestidade, da corrupção e do ataque ao tecido social como um todo.
Diante dessa construção e entendimento, indisfarçável é a constatação de que,
quando se está em um plano jurídico-social, em que as regras e os limites normativos
são consideravelmente claros e definidos, naturalmente, emerge uma cognição de
uma atmosfera de satisfação e obediência ao comando contratualista consolidado. Isso
acontece nas democracias avançadas por força dos anos e décadas de suas maturações e,
como já enumerado, graças à disposição política dos governos em investir na instrução
de seus concidadãos através da educação com acesso irrestrito a estes.
Cônscios de tal realidade, os políticos tendem a pautar melhor suas atuações, de
modo mais próximo possível do alcance da vista do povo que o elege. De certo modo,
chocando-se, não raras vezes, com as suas convicções pessoais e íntimas. O fazem, sob
o temor da desaprovação da massa de seu eleitorado. Daí, denota-se a cabal influência
dos estados democráticos verdadeiramente montados na serenidade de experiências
recorrentes das respectivas máquinas estatais e no poder limitado pelo legitimador
natural: a representatividade, e seu papel como núcleo político a que se presta.
Nessa esteira, a resposta aos clamores populares é ventilada, mesmo que a
harmonia programática partidária e seu sedimento comportamental de ser fiel à legenda
saia relativizado. Mas é de ser enfaticamente dito que a isso chama-se à colação do teor
Referências
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Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum,
2018. p. 161-177. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E A
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS
1
BANHOS, Sérgio. A aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento de contas
partidária pelo TSE. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, v. 5, p. 187-205, 2011.
2
Há expressa determinação constitucional de sigilo, tanto de natureza individual quanto pública, por exemplo, nos
casos de: inviolabilidade dos direitos relativos à privacidade – a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas (inciso X, do artigo 5º); inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas (XII, do artigo 5º); necessidade de preservação do sigilo da fonte, no
caso de exercício profissional (XIV, do artigo 5º); inviolabilidade de matérias que tratem das questões relativas à
segurança da sociedade e do Estado (XXXIII, do artigo 5º); inviolabilidade do sufrágio universal mediante voto
secreto (artigo 14, caput); previsão expressa de direito ao segredo de justiça, como no caso de ação de impugnação
de mandato eletivo por força de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (§11, do artigo 14).
3
CANHADAS, Fernando A. M. O princípio da transparência administrativa: a transparência obrigatória, a
transparência permitida e a transparência proibida. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2012.
4
O princípio da transparência administrativa: a transparência ..., op. cit., p. 272.
5
O princípio da transparência administrativa: a transparência ..., op. cit., p. 112
6
Regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Das Finanças e Contabilidade
dos Partidos.
7
SILVA, Henrique Neves. O saldo da reforma eleitoral: as regras para as eleições de 2018. Brasília: Disponível em:
<https://www.jota.info>. Acesso em: 09 out. 2017.
É de se notar, ainda, que não foi definido nenhum critério quanto à divisão interna
dessas verbas. A autonomia partidária prevaleceu determinando-se tão somente que sejam
estabelecidos e divulgados os critérios adotados. Tal liberdade de distribuição interna
parece acertada. Com efeito, cabe aos partidos apostarem nos candidatos com mais chances
de vencer, dado que a cláusula de desempenho alcançará as agremiações malsucedidas
eleitoralmente nas eleições subsequentes. Não parece hora de preferências pessoais nem
de uma distribuição a todos os candidatos, mas do exercício de uma visão pragmática na
escolha dos candidatos mais habilitados ao bom resultado eleitoral, à conquista dos votos.
Nesse momento, a imprensa noticia que as agremiações partidárias darão
prioridade à reeleição de candidatos na divisão de FEFC. Além disso, também devem
priorizar o espaço da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para os ditos
caciques partidários, bem como para os candidatos mais conhecidos em seus redutos.
Esse comportamento acaba por estar na contramão da expectativa de que as novas
regras eleitorais teriam o condão de acelerar uma renovação na política, prestigiando
as candidaturas dos entrantes.
Outro aspecto de relevo trazido na nova legislação diz respeito à previsão de uma
entrega única aos partidos dos recursos do FEFC: não há previsão de valores a serem
distribuídos para um eventual segundo turno eleitoral. A decisão de reservar parte da
verba para um eventual segundo turno será exclusiva das agremiações, sendo certo
que aquele montante do FEFC que não for gasto retornará necessariamente ao Erário.
Em relação aos limites de gastos por tipo de candidatura, foram estabelecidos
tetos fixos. Para as campanhas proporcionais de deputados federais, o valor de R$2,5
milhões; para as de deputados estaduais e distritais, o valor de R$1 milhão e, ainda,
para a campanha para presidente da República, um valor máximo de R$70 milhões.
No caso das eleições de governadores e senadores, por sua vez, os tetos consideraram
o número de eleitores de cada unidade da federação, podendo variar de R$2,8 a 14
milhões no caso de candidaturas para o cargo de governador e de R$2,5 a 5,6 milhões
no caso de pleito para senador.
Outra questão muito debatida pelo Congresso Nacional foi a referente à limitação
do autofinanciamento, pois era evidente o interesse de promover o equilíbrio do jogo
político, com vistas a evitar que os candidatos mais favorecidos financeiramente pudessem
doar a si mesmos muito acima da média dos demais contendores ou que pudessem até
mesmo vir a financiar toda a sua campanha.
Depois de idas e vindas, em uma queda de braço entre a Câmara e o Senado
Federal, ao final, com a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional,
em 13.12.2017, foi estipulado que as doações nominais não poderiam ultrapassar 10
(dez) salários mínimos e que o autofinanciamento estaria restrito ao limite de 10% do
rendimento bruto do doador no ano anterior ao certame.
Nesse momento, com a derrubada do veto, não há consenso sobre quando as
novas regras passarão a valer, já que a matéria foi promulgada no dia 18.12.2017, ou
seja, a menos de um ano do período eleitoral. A questão deve ser decidida pelo TSE.
A nova legislação trouxe, ademais, duas novas formas de financiamento. A
primeira, o crowdfunding, que nada mais é do que arrecadação coletiva de pequenas
doações, a ser administrado por empresas chanceladas pelo TSE. A segunda, a
comercialização de bens e serviços, a partir da promoção de eventos realizados pelos
candidatos ou pelas agremiações.
1.5 Conclusão
No mundo contemporâneo, não se toleram mais as práticas ilegítimas e ilegais de
gestão de recursos financeiros de origem pública. A prestação de contas relativas ao ano
de 2018, no qual ocorrerão eleições com novas regras de financiamento, oferecerá um
ambiente para novas observações quanto ao tema. A partir da inclusão no sistema de
financiamento de campanha de novas modalidades – Fundo Especial de Financiamento
de Campanha (FEFC), arrecadação coletiva e comercialização de bens e serviços –, nova
análise da eficácia do modelo de fiscalização e controle de prestação de contas poderá
ser feita.
Com o aprimoramento de ferramentas de controle e fiscalização de recursos,
com o prestígio aos convênios firmados pela Justiça Eleitoral com outros órgãos da
Administração, ensejando maior transparência das informações e permitindo análise
em tempo quase real das contas de campanha e de partido por parte das agremiações,
da própria sociedade e das autoridades competentes, será prestigiada a democracia e
a república.
A busca da transparência, viabilizando o controle pelos outros candidatos,
pelas agremiações e pela sociedade deve ser cada vez mais estimulada, somada à
fiscalização diligente da arrecadação e dos gastos, com a participação integrada dos
órgãos conveniados com o TSE, tais como o Tribunal de Contas da União, o Ministério
Público Federal, o Ministério Público Eleitoral, a Polícia Federal, a Receita Federal, o
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf).
Uma sociedade se constrói com mudanças continuadas. O mundo contemporâneo
está em profunda transformação. A democracia representativa clama por novos ares que
assegurem a manutenção da credibilidade não só dos atores políticos, mas também das
agremiações partidárias envolvidas. Os tempos de agora são de desafios constantes. A
Referências
BANHOS, Sérgio. A aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento de
contas partidárias pelo TSE. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, v. 5, p. 187-205, 2011.
BANHOS, Sérgio. Os efeitos da vedação do financiamento de campanhas por empresas nas eleições de 2016.
In: PEREIRA, Erick Wilson (Org.). Reforma política: Brasil república: em homenagem ao ministro Celso de
Mello. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2017.
CANHADAS, Fernando A.M. O princípio da transparência administrativa: a transparência obrigatória, a
transparência permitida e a transparência proibida. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2012.
SILVA, Henrique Neves. O saldo da reforma eleitoral: as regras para as eleições de 2018. Brasília: Disponível
em: <https://www.jota.info>. Acesso em: 09 out. 2017.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
BANHOS, Sérgio Silveira. O princípio da transparência e a prestação de contas partidárias. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 181-189. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.)
ISBN 978-85-450-0497-4.
2.1 Introdução
Esse artigo tem por objetivo analisar, ainda que em linhas preliminares, a evolução
do instituto de prestação de contas partidárias à Justiça Eleitoral no Brasil. Para tanto,
volta-se, em primeiro momento, ao exame do dever constitucional de prestar contas
imposto aos partidos políticos.
Em segundo momento, o estudo detém-se diante da evolução normativa do
instituto desde sua origem até os dias atuais, buscando identificar, ainda que brevemente,
os principais diplomas normativos que lhe deram forma.
Por fim, o artigo analisa, com a brevidade que comporta, a evolução normativa
do instituto da prestação de contas partidária desde o mero exame formal realizado
pela Justiça Eleitoral, passando pela implementação do processo administrativo que
efetivamente passou a julgar a regularidade das contas até a sua judicialização.
A opção metodológica aplicada no estudo foi a dedutiva. Na pesquisa, optar-se-á
pela análise bibliográfica, de dados legais e de coleta de dados junto à Justiça Eleitoral.
Uma das consequências da função representativa dos partidos é que o exercício do mandato
político, que o povo outorga a seus representantes, faz-se por intermédio deles, que,
desse modo, estão de permeio entre o povo e o governo, mas não no sentido de simples
intermediários entre dois polos opostos ou alheios entre si, mas como um instrumento
por meio do qual o povo governa. Dir-se-ia – em tese, ao menos – que o povo participa
do poder por meio dos partidos políticos. (SILVA, 1995, p. 388)
São as agremiações partidárias que partidos dão forma à base das massas que
anseiam por expressar a sua opinião no foro representativo da democracia. São eles que
cristalizam e elaboram a opinião bruta, lhe dão sustentáculo, atenuando as profundas
divergências individuais. Nas palavras de Duverger (1967, p. 413), “é só ele [o partido
político] que permite a existência de eleições e de representação política [...]”.
Incumbe aos partidos políticos definir as plataformas eleitorais e, ao sintetizar
as mais diversas correntes de opinião, difundi-las, com o objetivo de atrair o maior
número possível de eleitores, canalizando as mais distintas opiniões para dar-lhes
objetividade, adaptando-as aos interesses dos eleitores. Os partidos políticos conjugam
os seus próprios e especiais objetivos com os anseios dos eleitores. Os partidos tanto
criam a opinião quanto a representam. (DUVERGER, 1967).
Ademais, a Constituição Federal já estatui, em seu art. 1º, ao reconhecer o Brasil
como Estado Democrático de Direito fundado nos princípios da soberania e do pluralismo
político, a representação política como recurso próprio no processo de formação da
vontade política. A Carta Magna fixou, desde então e formalmente, a democracia
representativa partidária no país (MEZZAROBA, 2005).
A matriz constitutiva do partido político está, desta forma, na própria Constituição
Federal, seja pela personificação do pluralismo político que dá forma à democracia de
base representativa, já no artigo inaugural da lei máxima, seja pela dicção do art. 17
O próprio processo eleitoral consta de atos que nada de contencioso apresentam e que
mais se aproximam dos atos de jurisdição voluntária, na medida em que a presença do
órgão judiciário, sobretudo nos atos procedimentais do alistamento, da votação e da
apuração e mesmo da diplomação se destina mais a dar certeza e legalidade àqueles atos
e aos efeitos jurídicos deles decorrentes do que a promover a concretização de qualquer
direito subjetivo.
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: Regulamento
I – caráter nacional;
II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
ou de subordinação a estes;
III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei. (grifou-se)
1
Lei nº 9.096/1995.
dever de prestar contas, enfatizando em seu art. 30 que as contas partidárias prestadas
devem ser elaboradas “de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas
e a destinação de suas despesas”.
O art. 34 do mesmo diploma legal é cristalino ao delimitar a competência da
Justiça Eleitoral, quando prevê:
Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a prestação de contas do partido e das
despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação
financeira, os dispêndios e os recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação
das seguintes normas:
I – obrigatoriedade de designação de dirigentes partidários específicos para movimentar
recursos financeiros nas campanhas eleitorais;
II – (revogado);
III – relatório financeiro, com documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro
ou de bens recebidos e aplicados;
IV – obrigatoriedade de ser conservada pelo partido, por prazo não inferior a cinco anos,
a documentação comprobatória de suas prestações de contas;
V – obrigatoriedade de prestação de contas pelo partido político e por seus candidatos
no encerramento da campanha eleitoral, com o recolhimento imediato à tesouraria do
partido dos saldos financeiros eventualmente apurados.
§1º A fiscalização de que trata o caput tem por escopo identificar a origem das receitas e a
destinação das despesas com as atividades partidárias e eleitorais, mediante o exame formal
dos documentos fiscais apresentados pelos partidos políticos e candidatos, sendo vedada
a análise das atividades político-partidárias ou qualquer interferência em sua autonomia.
§2º Para efetuar os exames necessários ao atendimento do disposto no caput, a Justiça
Eleitoral pode requisitar técnicos do Tribunal de Contas da União ou dos Estados, pelo
tempo que for necessário. (grifou-se)
Pode-se asserir, diante do que até aqui foi exposto, que o dever de prestar contas à
Justiça Eleitoral é condição sine qua non para a própria existência dos partidos políticos,
sendo dever da Justiça Eleitoral julgar a sua regularidade com o propósito de aferir se
os mandamentos legais que fixam os requisitos tanto para o financiamento partidário
quanto para a realização de gastos foram efetivamente observados.
E está nos partidos políticos um dos elementos fundantes da representação
política e, em consequência, do próprio regime democrático.
Art. 58. A Justiça Eleitoral fiscalizará ... VETADO... processos eleitorais, fazendo observar,
entre outras, as seguintes normas:
I – obrigatoriedade de só receberem ou aplicarem recursos financeiros, em campanhas
políticas, determinados dirigentes dos partidos e comitês legalmente constituídos e
registrados para fins eleitorais;
Art. 71. Os partidos prestarão contas, anualmente, ao Tribunal de Contas da União, da aplicação
dos recursos recebidos no exercício anterior.
§1º As prestações de contas de cada órgão (municipal, regional ou nacional) serão feitas
em volumes distintos, remetidos ao Tribunal Superior Eleitoral.
§2º O Tribunal Superior verificará se a aplicação foi realizada nos têrmos do Código Eleitoral e
desta lei, e, com relatório que verse apenas sôbre êste assunto, encaminhará e prestação de contas
para exame e julgamento do Tribunal de Contas da União.
§3º Os diretórios serão responsáveis pela aplicação dos recursos do fundo partidário.
§4º A falta de prestação de contas ou a sua desaprovação, total ou parcial, implicará na
perda do direito ao recebimento de novas quotas e no segundo caso, sujeitará ainda à
responsabilidade civil e criminal os membros dos diretórios faltosos.
§5º O órgão tomador de contas poderá converter o julgamento em diligência, para que o
diretório as regularize.
§6º A Corregedoria da Justiça Eleitoral poderá, a qualquer tempo, proceder a investigação
sôbre a aplicação do fundo partidário, em qualquer esfera – nacional, regional ou municipal,
adotando as providências recomendáveis.
Art. 93. A Justiça Eleitoral exercerá fiscalização sôbre o movimento financeiro dos Partidos,
compreendendo recebimento, depósito e aplicação de recursos, inclusive escrituração contábil,
fazendo observar, entre outras, as seguintes normas:
I – obrigatoriedade de só receberem ou aplicarem recursos financeiros em campanhas
políticas, determinados dirigentes dos Partidos e Comitês legalmente constituídos e
registrados para fins Eleitorais;
II – caracterização da responsabilidade dos dirigentes de Partidos e comitês, inclusive do
tesoureiro, que responderão civil e criminalmente por quaisquer irregularidades;
III – escrituração contábil, com documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro
ou bens, recebidos e aplicados;
IV – obrigatoriedade de ser conservada pelos Partidos e Comitês a documentação
comprobatória de suas prestações de contas, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos;
V – obrigatoriedade de depositar no Banco do Brasil, Caixas Econômicas Federais e
Estaduais ou sociedades bancárias de economia mista, os fundos financeiros dos Partidos
ou Comitês e, inexistindo êsses estabelecimentos, no banco escolhido pela Comissão
Executiva, à ordem conjunta de um dirigente e de um tesoureiro do Partido;
VI – obrigatoriedade de prestação de contas pelos Partidos Políticos e Comitês, ao encerrar-se
cada campanha eleitoral;
VII – organização de Comitês interpartidários de inspeção, bem como publicidade ampla
de suas conclusões e relatórios sôbre as investigações a que procedam;
VIII – obrigatoriedade de remessa das prestações de contas, de que trata o número VI, aos
Comitês interpartidários de inspeção ou, ainda, às comissões parlamentares de inquérito
que solicitarem;
IX – exigência de registro dos Comitês que pretendam atuar nas campanhas eleitorais,
bem assim dos responsáveis pelos recursos financeiros a serem recebidos ou aplicados; e
X – fixação, nos pleitos eleitorais, de limites para donativos, contribuições ou despesas
de cada Comitê.
§1º Os Comitês de que trata o número I dêste artigo serão constituídos por partidários
que não disputem qualquer cargo eletivo.
§2º Nenhum candidato a cargo eletivo, sob pena de cassação do respectivo registro,
poderá efetuar, individualmente, despesas de caráter eleitoral, inclusive com alistamento,
arregimentação, propaganda e demais atividades definidas pela Justiça Eleitoral, devendo
processar todos os gastos através dos Partidos ou Comitês.
§3º Os Tribunais Regionais Eleitorais determinarão o acesso de tôdas as agremiações políticas
aos meios de comunicação, mesmo a Diretórios que se encontrem em outra jurisdição.
§4º O Tribunal Superior Eleitoral baixará instruções para o cumprimento do disposto
neste artigo. (grifou-se)
Art. 106. Os partidos prestarão contas, anualmente, ao Tribunal de Contas da União, da aplicação
dos recursos recebidos no exercício anterior.
§1º As prestações de contas de cada órgão (municipal, regional ou nacional) serão feitas
em volumes distintos e remetidos ao Tribunal Superior Eleitoral.
§2º O Tribunal Superior verificará se a aplicação foi realizada nos têrmos do Código Eleitoral e
desta lei e, com relatório que verse apenas sôbre êste assunto, encaminhará a prestação de contas
para exame e julgamento do Tribunal de Contas da União.
§3º Os Diretórios serão responsáveis pela aplicação dos recursos do Fundo Partidário.
§4º A falta de prestação de contas ou a sua desaprovação, total ou parcial, implicará na
perda do direito ao recebimento de novas quotas e sujeitará a responsabilidade civil e
criminal os membros das Comissões Executivas dos Diretórios faltosos.
§5º O órgão tomador de contas poderá converter o julgamento em diligência, para que o
Diretório as regularize.
§6º A Corregedoria da Justiça Eleitoral poderá, a qualquer tempo, proceder a investigação
sôbre a aplicação do Fundo Partidário em esfera nacional, regional ou municipal, adotando
as providências recomendáveis. (grifou-se)
Pouco antes da edição da Lei dos Partidos Políticos, a Lei nº 9.096/1995, o Tribunal
Superior Eleitoral aprovou a Resolução nº 19.585/1996, que disciplinava a prestação de
contas dos Partidos Políticos e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos
Políticos (Fundo Partidário), referindo-se expressamente à competência da Justiça Eleitoral
para realizar exame formal da prestação de contas partidária, remetendo-a à Corte de Contas:
Art. 22. O Tribunal Superior Eleitoral, após o exame formal da prestação de contas anual dos
partidos políticos, enviará cópia para o Tribunal de Contas da União, para as providências
cabíveis (CF, art. 71, II, VIII e XI).
2
“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas
da União, ao qual compete: [...]
II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da ad-
ministração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público
federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo
ao erário público; [...]
VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções
previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; [...]
XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.”
Norma Finalidade
Resolução nº 19.682/1996 Referida resolução alterou a redação de diversos dispositivos da
Resolução TSE nº 19.585/1996, dentre eles o art. 22, que passou a
dispor:
Art. 22. A Justiça Eleitoral, após o exame formal da prestação de contas
anual dos partidos políticos, enviará cópia para o Tribunal de Contas
da União, para as providências cabíveis, obedecendo-se ao disposto no
parágrafo único do art. 2º desta Resolução (CF, art. 71, II, VIII e XI).
E o referido art. 2º, parágrafo único, passou a dispor sobre a
competência das três instâncias da Justiça Eleitoral para fiscalização
dos órgãos nacional, estadual e municipal dos partidos políticos,
respectivamente.
Permaneceu, nesse período o envio dos autos à Corte de Contas
para julgamento das contas no que se referia à responsabilidade dos
gestores partidários perante os recursos do Fundo Partidário.
Resolução nº 19.768/1996 A norma disciplinou novamente a prestação de contas partidária,
deixando de disciplinar o envio de autos ao Tribunal de Contas da
União para julgamento sobre a aplicação dos recursos do Fundo
Partidário.
Resolução nº 19.864/1997 Alterou dispositivos da Resolução TSE nº 19.768/1996, no que se refere
ao Fundo Partidário.
Resolução nº 20.982/2002 Decidiu sobre a competência da Justiça Eleitoral para instaurar tomada
de contas especial em relação a partidos políticos que tiverem suas
contas consideradas desaprovadas ou não prestadas pela Justiça
Eleitoral e pela regulamentação do instrumento em resolução que
disciplinasse a prestação de contas dos partidos políticos e do fundo
especial de assistência financeira aos partidos políticos – Fundo
Partidário.
Norma Finalidade
Resolução nº 22.655/2007 Regulamentou a aferição do cumprimento da aplicação dos recursos
do Fundo Partidário em despesas com pessoal de forma centralizada,
na prestação de contas do órgão nacional do partido prestada ao
Tribunal Superior Eleitoral.
Resolução nº 23.432/2014 Disciplinou novamente a prestação de contas partidária,
regulamentando a sua natureza judicial e processamento, após a
edição da Lei nº 12.034/2009 (reforma eleitoral).
Resolução nº 23.464/2015 Promoveu alterações no disciplinamento anterior em razão da
aprovação da Lei nº 13.165/2015 (reforma eleitoral).
Resolução nº 23.546/17 Promoveu alterações no disciplinamento anterior em razão da
aprovação das Leis nº 13.487/2017 e 13.488/2017 (reforma eleitoral).
Art. 37 [...] §6º O exame da prestação de contas dos órgãos partidários tem caráter
jurisdicional.
12. extinção da tomada de contas especial como meio de execução das decisões de
prestação de contas, as quais passaram a ser executadas pela Advocacia-Geral
da União.
Art. 22-A [...] §4º Os órgãos partidários municipais que não hajam movimentado recursos financeiros
ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral,
exigindo-se do responsável partidário, no prazo estipulado no caput, a apresentação de
declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período. (grifou-se)
Ora, de tudo o quanto até aqui foi exposto, exsurge cristalina a invalidade material
da regra por afronta ao dever constitucional de prestar contas disposto no art. 17, III, da
Carta Magna, que impõe como condição de existência ao partido político a prestação
regular de suas contas à Justiça Eleitoral. A Constituição Federal não restringe o dever
de prestar contas à existência de movimentação de recursos.
A ninguém cabe, portanto, dispensar o partido político da prestação de contas
por qualquer circunstância, o que poderia ser implementado apenas na hipótese de
alteração do texto constitucional.
Antes, a ausência de movimentação financeira deve ser efetivamente declarada à
Justiça Eleitoral no seio da prestação de contas, para que este órgão de justiça especializada
possa proferir julgamento. E a Resolução nº 23.464/2015 cuidou de disciplinar esse
procedimento, regulamentando o seu processamento, de molde a instruir adequadamente
eventual informação de ausência de prestação de contas submetendo-a ao confronto
com as informações disponíveis na Justiça Eleitoral ou a que terceiros pudessem ter
acesso pela via da impugnação e prevendo, ante a eventual caracterização da falsidade
da informação, a devida responsabilização do dirigente partidário. Veja-se:
SEÇÃO II
DA PRESTAÇÃO DE CONTAS SEM MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA
Art. 45. Na hipótese de apresentação da declaração de ausência de movimentação de
recursos, na forma do §2º do art. 28 desta resolução, a autoridade judiciária determina,
sucessivamente:
I – a publicação de edital no Diário da Justiça Eletrônico ou, se não houver, em cartório,
com o nome de todos os órgãos partidários e respectivos responsáveis que apresentaram
a declaração de ausência de movimentação de recursos, facultando a qualquer interessado,
no prazo de 3 (três) dias contados da publicação do edital, a apresentação de impugnação
que deve ser apresentada em petição fundamentada e acompanhada das provas que
demonstrem a existência de movimentação financeira ou de bens estimáveis no período;
II – a juntada dos extratos bancários que tenham sido enviados para a Justiça Eleitoral,
na forma do §3º do art. 6º desta resolução;
III – a colheita e certificação nos autos das informações obtidas nos outros órgãos da
Justiça Eleitoral sobre a eventual emissão de recibos de doação e registros de repasse ou
distribuição de recursos do Fundo Partidário;
IV – a manifestação do responsável pela análise técnica sobre as matérias previstas os
incisos I, II e III deste parágrafo, no prazo de 5 (cinco) dias;
V – a manifestação do Ministério Público Eleitoral, após as informações de que tratam as
alíneas a e b deste parágrafo, no prazo de 5 (cinco) dias;
VI – as demais providências que entender necessárias, de ofício ou mediante provocação
do órgão técnico, do impugnante ou do Ministério Público Eleitoral;
VII – a abertura de vista aos interessados para se manifestar sobre, se houver, a impugnação,
as informações e os documentos apresentados nos autos, no prazo comum de 3 (três) dias; e
VIII – a submissão do feito a julgamento, observando que:
a) na hipótese de, concomitantemente, não existir impugnação ou movimentação financeira
registrada nos extratos bancários e existir manifestação favorável da análise técnica e do
Ministério Público Eleitoral, deve ser determinado o imediato arquivamento da declaração
apresentada pelo órgão partidário, considerando, para todos os efeitos, como prestadas
e aprovadas as respectivas contas;
b) na hipótese de existir impugnação ou manifestação contrária da análise técnica ou do
Ministério Público Eleitoral, a autoridade judiciária, após ter assegurado o amplo direito
de defesa, decide a causa de acordo com os elementos existentes e sua livre convicção;
c) verificado que a declaração apresentada não retrata a verdade, a autoridade judiciária
deve determinar a aplicação das sanções cabíveis ao órgão partidário e seus responsáveis,
na forma do art. 46 dessa resolução e a extração de cópias para encaminhamento ao
Ministério Público Eleitoral para apuração da prática de crime eleitoral, em especial, o
previsto no art. 350 do Código Eleitoral.
Referências
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2000. 717 p.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. 503 p.
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. Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965. Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jul. 1965. Seção 1, p. 6.764.
. Lei nº 5.682, de 21 de julho de 1971. Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 jul. 1971. Seção 1, p. 5.673.
. Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os artigos 17
e 14, §3º, inciso V, da Constituição Federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 set.
1995. Seção 1, p. 14.552.
. Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009. Altera as Leis nºs 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Lei
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15 de julho de 1965 – Código Eleitoral. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 set. 2009.
Seção 1, p. 1.
. Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, 9.096,
de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, para reduzir os custos das
campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 set. 2015. Seção 1, p. 1.
. Lei nº 13.487, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997, e 9.096, de
19 de setembro de 1995, para instituir o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e extinguir
a propaganda partidária no rádio e na televisão. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
6 out. 2017. Seção 1, p. 1.
. Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das
Eleições), 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), e revoga
dispositivos da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015 (Minirreforma Eleitoral de 2015), com o fim de
promover reforma no ordenamento político-eleitoral. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 6 out. 2017. Seção 1, p. 1.
. Tribunal Superior Eleitoral. Disciplina a Prestação de Contas dos Partidos Políticos e o Fundo Especial
de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário). Resolução nº 19.585, de 30 de maio de
1996. Diário de Justiça, Brasília, DF, 14 jun. 1996. p. 21.115.
BRASIL. Altera a redação do inciso V do art. 3º, o inciso II do art. 6º, o inciso IV e o §1º do art. 9º e o art. 22
da Resolução nº 19.585, que dispõe sobre a prestação de contas dos partidos políticos e o Fundo Especial
de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário). Resolução nº 19.682, de 12 de agosto de
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. Altera dispositivos da Resolução nº 19.768, de 17 de dezembro de 1996, que disciplina a prestação
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. Altera o artigo 8º da Resolução TSE nº 21.841, de 22 de junho de 2004, que disciplina a prestação de
contas dos partidos políticos e a Tomada de Contas Especial. Resolução nº 22.655, de 8 de novembro de 2007.
Diário de Justiça, Brasília, DF, 19 nov. 2007. p. 224.
. Regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Das Finanças e
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Brasília, DF, 30 dez. 2014. p. 2.
. Regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Das Finanças e
Contabilidade dos Partidos. Resolução nº 23.464, de 17 de dezembro de 2015. Diário de Justiça Eletrônico,
Brasília, DF, 21 dez. 2015. p. 3.
. Regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Das Finanças e
Contabilidade dos Partidos. Resolução nº 23.546, de 18 de dezembro de 2017. Diário de Justiça Eletrônico,
Brasília, DF, 27 dez. 2017. p. 2.
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Teoria do Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1969. 468 p.
COSTA, Elcias Ferreira da. Direito eleitoral: legislação, doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1994. 301 p.
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 465 p.
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GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2017. 914 p.
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MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos. Curitiba: Juruá, 2005. 192 p.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
SCHLICKMANN, Denise Goulart. Prestação de contas partidárias: o dever de prestar contas e a evolução
do instituto no Brasil. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 191-206.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
3.1 Introdução
Este artigo não busca fazer uma análise histórica, conceitual ou estritamente
técnica-contábil das Resoluções do TSE, que dispõem sobre a arrecadação e os gastos de
recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições, ou das
demais normas pertinentes às Finanças e Contabilidade dos Partidos.
Não se pretende também através deste estudo analisar e discorrer sobre as
agremiações partidárias,1 estas que sem sombra de dúvida são essenciais à viabilização
da democracia,2 muito embora o cenário hoje seja o de se rediscutir todo o sistema
político, partidário e eleitoral brasileiro. Isso, devido, principalmente, à perda de
identidade ideológica e fuga dos programas partidários pelas agremiações, assim como
aos escândalos financeiros e políticos (PC/Collor, mensalão, lava jato etc.). Estes que
expuseram e escancararam as relações espúrias entre partidos, setor privado e poder
público, bem como as fragilidades do próprio sistema de controle e fiscalização.
Nos processos judiciais e investigativos (em especial nas delações premiadas)
relacionados às referidas operações, soube-se que as empresas investigadas realizaram
doações a partidos políticos e seus candidatos, sendo que em alguns casos para a
agremiação em ano anterior ao pleito e muitas vezes com origem ilícita (caixa 2, tráfico
de drogas, crime organizado etc.). Emergindo ilegalidades nas mais diversas áreas do
Direito.
Em termos de campanha eleitoral, as eleições, principalmente para o Poder
Executivo, sempre foram marcadas pelo crescente aumento dos gastos, e apesar de na
teoria ter ocorrido a redução do tempo de campanha, a limitação de gastos e a exclusão
da participação da pessoa jurídica, na prática aconteceu e estimulou-se a busca por
1
Cf. arts. 1º ao 3º da Constituição Federal de 1998.
2
Cf. art. 17 da Constituição Federal de 1998.
3
Deslocamentos, carros de som, propaganda em bens particulares, material impresso de propaganda, comícios,
produção da propaganda em rádio e televisão, despesas com pessoal, dentre muitas outras.
4
Lembrando que devem ser prestadas separadamente, de forma autônoma, as contas dos candidatos e partidos,
pois são inconfundíveis.
5
De acordo com a Lei nº 9.096/95 o partido está obrigado a enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço
contábil do exercício findo, até o dia 30 de abril do ano seguinte. Estando desobrigado a esta apresentação o
Órgão partidário municipal que não haja movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis
em dinheiro, exigindo-se do responsável partidário, no mesmo prazo, apenas a apresentação de declaração da
ausência de movimentação de recursos no período (§4º, art. 32, Lei nº 9.096/95).
das despesas com as atividades partidárias e eleitorais, mediante o exame formal dos
documentos fiscais apresentados pelos partidos políticos e candidatos”, dispôs no mesmo
§1º do artigo 34 da Lei dos Partidos Políticos, que fica “vedada a análise das atividades
político-partidárias ou qualquer interferência em sua autonomia.”
Já a Lei nº 11.300/06, visando coibir as ilicitudes relativas à arrecadação e gastos
de recursos, introduziu o art. 30-A da Lei nº 9.504/97 (com posterior redação pela
Lei nº 12.034/09), que juntamente com o RCED (antes do julgamento do Processo nº
8-84.2011.6.18.00 pelo TSE, que reconheceu a inconstitucionalidade do inciso IV do art.
262 do Código Eleitoral, e da Lei nº 12.891/2013, que revogou todos os incisos) e AIME
acabam por ser os maiores identificadores e sancionadores dos abusos econômicos e
políticos, muitas vezes sequer detectados na prestação de contas (sendo que aprovação
ou desaprovação, por si só, não enseja a procedência ou improcedência da ação prevista
no artigo 30-A, da Lei nº 9.504/97).
Como toda informação contábil e como corolário do princípio da publicidade
(CRFB/88, arts. 1º, caput, 5º, XXXIII, e 37, caput), deve a prestação de contas partidária, seja
a anual (CRFB/88, art. 17, III) ou a de campanha eleitoral (art. 34 da Lei nº 9.096/1995), ter
como característica a transparência, a tempestividade, a veracidade e a confiabilidade,
principalmente. A accountability, segundo José Jairo Gomes, permite a realização de
contrastes e avaliações, prevenindo notadamente o abuso de poder econômico, que se
configura a partir de divergências verificadas entre os dados constantes da prestação de
contas e a realidade da campanha. Muito embora, completa o renomado doutrinador,
“ninguém em sã consciência declarará na prestação de contas o uso de recursos emanados
de fontes vedadas ou exporá o uso abusivo de recursos”.6
Na Justiça Eleitoral há uma Seção pertencente à Secretaria de Controle Interno
e Auditoria responsável pela análise e elaboração de um Parecer Técnico Conclusivo,
apontando a existência ou não de atecnias/irregularidades, sugerindo, por fim, a
aprovação ou desaprovação da Prestação de Contas, que será encaminhada ao Ministério
Público Eleitoral e posteriormente ao Juiz Relator. Este que, não raro, fica muito adstrito
ao Parecer Técnico Conclusivo emitido pela respectiva Seção.
Insta registar que o julgamento da prestação de contas pela Justiça Eleitoral não
afasta a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais
ilícitos antecedentes e/ou vinculados, na forma do art. 35 da Lei nº 9.096/95,7 e do art.
92 da Resolução do TSE nº 23.463/15.8 E neste ponto, reside uma das grandes discussões
atuais no tocante à matéria penal, na qual o Ministério Público Federal manifesta-se a
favor da inclusão dos partidos às penalidades da Lei nº 12.846/13 (As 10 medidas contra
6
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed., Atlas, 2016, p. 420.
7
“Art. 35. O Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais, à vista de denúncia fundamentada de
filiado ou delegado de partido, de representação do Procurador-Geral ou Regional ou de iniciativa do Corregedor,
determinarão o exame da escrituração do partido e a apuração de qualquer ato que viole as prescrições legais ou
estatutárias a que, em matéria financeira, aquele ou seus filiados estejam sujeitos, podendo, inclusive, determinar
a quebra de sigilo bancário das contas dos partidos para o esclarecimento ou apuração de fatos vinculados à
denúncia.”
8
“Art. 92. O julgamento da prestação de contas pela Justiça Eleitoral não afasta a possibilidade de apuração
por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de
investigações em andamento ou futuras.
Parágrafo único. A autoridade judicial responsável pela análise das contas, ao verificar a presença de indícios de
irregularidades que possam configurar ilícitos, remeterá as respectivas informações e documentos aos órgãos
competentes para apuração de eventuais crimes (Lei nº 9.096/1995, art. 35; e Código de Processo Penal, art. 40).”
[...] a modificação da Lei nº 9.096/95 para prever a responsabilização objetiva dos partidos
políticos em relação à sua contabilidade paralela (caixa 2), e à prática de ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade
de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, de
fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados
na forma exigida pela legislação. Também responderá o partido se utilizar, para fins
eleitorais, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, de fontes de recursos
vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida
pela legislação. A pena é de multa.9
O art. 17 do projeto altera a Lei nº 9.096/95, para vigorar acrescida, em seu Título
III, dos arts. 49-A, 49-B e 49-C. A Lei nº 9.504/97, para vigorar acrescida dos arts. 32-A
e 32-B. O art. 105-A da Lei nº 9.504/97 passa a vigorar acrescido do parágrafo único.10
No que tange ainda à questão criminal, apesar de o artigo 34, IV, da Lei nº 9.096/95
ter estabelecido a obrigatoriedade de o partido político conservar a documentação
comprobatória de suas prestações de contas pelo prazo não inferior a cinco anos, e
do artigo 32 da Lei nº 9.504/97, o dever para os candidatos e partidos de conservar a
documentação concernente a suas contas pelo prazo mínimo de cento e oitenta dias
após a diplomação,11 o legislador não previu sanção específica para o descumprimento
de referidos dispositivos. A doutrina é que vem afirmando que se no prazo houver
destruição, supressão ou ocultação de documentos, pode-se cogitar do delito tipificado
no artigo 305 do Código Penal.
9
Disponível em: <http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas>. Acesso em: 29 dez.
2017.
10
Segundo a Justificativa do Projeto de Lei (Disponível em: <http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/
conheca-as-medidas/docs/medida_8_versao-2015-06-25.pdf >. Acesso em: 29 dez. 2017):
“O art. 49-A proposto prevê a responsabilidade dos partidos políticos pelos atos ilícitos descritos no art. 5º da
Lei 12.846/2013 e, também, por condutas de “Caixa 2”, “lavagem de capitais” e utilização de doações de fontes
vedadas. Ele traz um roteiro para a aplicação das sanções, limitadas, a princípio, à esfera partidária responsável
pela prática dos atos irregulares. O art. 49-B descreve a extensão e o modo de cálculo das sanções propostas, e o
art. 49-C, a legitimação e o rito processual das ações a serem levadas à Justiça Eleitoral.
Propõe-se, também, a alteração da Lei das Eleições, Lei nº 9.504/1997, para tipificar, como crime, a conduta do
“Caixa 2” – art. 32-A – e a variante eleitoral da Lavagem de Dinheiro, art. 32 – B. São situações que apresentam
“dignidade penal”, em razão de sua grande repercussão nas disputas eleitorais, que podem ser por essa prática
desequilibradas.
Além disso, há insuficiência das sanções extrapenais, como a rejeição das contas de candidatos ou partidos e
mesmo a cassação do diploma que, por definição, só alcança candidatos eleitos. A quantidade de pena prevista
para a conduta eleitoral de “lavagem” corresponde às penas da Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, especialmente
para evitar que ilícitos de idêntica gravosidade recebam sanção distinta.
Por fim, faz-se a proposição de inclusão de um parágrafo único no artigo 105-A da lei referida, para regulamentar o
procedimento preparatório de alçada do Ministério Público Eleitoral, hoje previsto apenas em normativa infralegal.”
11
Sendo que na existência de recurso pendente de julgamento, a documentação deverá ser preservada até a decisão
final, ainda que ultrapassado aquele prazo.
12
Como grande novidade para o pleito de 2018, sendo mais uma fonte de recursos a ser fiscalizado na prestação de
contas, tem-se a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Redação dada pela Lei nº 13.488/17),
regulamentado nos artigos 16-C e 16-D da Lei nº 9.504/97.
13
Para o Nacional, regula o artigo 28, caput e III, da Lei nº 9.096/95.
14
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA nº 562, Acórdão, Relator(a) Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos,
Publicação: DJ 16.06.2008, p. 27; RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 15105, Acórdão, Relator(a) Min. José
Eduardo, Publicação: DJ 19/12/1997, p. 145.
15
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/tse-aprova-10-resolucoes-sobre-
regras-das-eleicoes-gerais-de-2018>. Acesso em: 29 dez. 2017.
16
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/tse-2018-prestacao-contas.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2017.
que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e
sobre a prestação de contas nas eleições de 2016, traz dispositivo17 que determina ao partido
político, no caso de julgamento de contas eleitorais como “não prestadas”, além da perda
do direito ao recebimento da quota do Fundo, a suspensão do registro ou da anotação
do órgão de direção estadual ou municipal.
Sendo que a Lei nº 9.096/95 determina apenas que a desaprovação das contas do
partido não suspende o registro ou a anotação de seus órgãos de direção partidária, nem
torna devedores ou inadimplentes os respectivos responsáveis partidários (art. 37, §2º,
da Lei nº 9.096/95), bem com que a “desaprovação da prestação de contas do partido
não ensejará sanção alguma que o impeça de participar do pleito eleitoral” (art. 32, §5º,
da Lei nº 9.096/95, com redação dada pelo minirreforma de 2015).
Ainda em manifesto retrocesso e em ofensa ao art. 17, III, da Constituição Federal
de 1988, a Lei nº 13.165/2015 incluiu o parágrafo doze18 no artigo 28 da Lei nº 9.504/97,
positivando as “doações ocultas” de partidos políticos a candidatos, ao determinar que
o registro fosse feito “sem a individualização dos doadores”. Entretanto, o STF deferiu,
por unanimidade (ainda sem julgamento definitivo), medida cautelar na ADI nº 5.394, em
12 de novembro de 2015, para suspender a expressão “individualização dos doadores”,
até o julgamento final da ação, conferindo, por maioria, efeitos ex tunc à decisão.
Na ADI nº 5.390, destacou com muita precisão o Relator, Ministro Teori Zavascki,19
que:
17
“Art. 83. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarreta:
I – ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura, persistindo os
efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas;
II – ao partido político, a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário e a suspensão do registro
ou da anotação do órgão de direção estadual ou municipal.”
18
“Art. 28. (omissis)
§12. Os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas
dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos
candidatos, sem individualização dos doadores.”
19
Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11999509>. Acesso em: 29
dez. 2017
20
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 337.
Outra questão que vinha sendo reiteradamente discutida e que está relacionada
a transparência das contas, mas sobre o julgamento efetivo das mesmas, diz respeito
ao prazo para juntada de documentos. Em boa hora, regulamentando em definitivo
a questão, a minirreforma de 2015 no artigo 37, §11, da Lei nº 9.504/97, estabeleceu a
21
Para os críticos do julgamento, existe o artigo 23, caput e §7º, e o art. 27, ambos da Lei nº 9.05/97 como forma de
realizar apoio eleitoral sem a devida contabilização ou efetivo aporte financeiro.
22
Muito embora no Modelo Representativo estabelecido na nossa Carta Magna, onde não existe o recall, a avaliação
dos políticos seja feita nas urnas a cada eleição, pois os “players” eleitos exercem seus mandatos com independência
(deveriam), não se vinculando às suas próprias promessas de campanha (deveriam), nem aos que os elegeram
(pelo menos não deveriam).
23
Disponível em:<http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 09 jan. 2018.
ausência de preclusão no julgamento das contas partidárias ao prescrever que “Os órgãos
partidários poderão apresentar documentos hábeis para esclarecer questionamentos
da Justiça Eleitoral ou para sanear irregularidades a qualquer tempo, enquanto não
transitada em julgado a decisão que julgar a prestação de contas”.
No âmbito do TRE/CE,24 nos autos do Processo nº 208-33.2016.6.06.0103,25 de
Relatoria do Juiz Federal Alcides Saldanha, julgado por unanimidade, entendeu a Corte
pela possibilidade de juntada de documentos em grau de recurso (até as instâncias
ordinárias) em processo de prestação de contas de campanha de candidato, estabelecendo
a aplicação sistemática dos arts. 6º e 1.014 do CPC/2015, sobretudo pelo fato de o CPC
privilegiar a decisão de mérito, a celeridade processual e a “pro atividade da instância
ad quem ordinária.”
Consta do voto o “[...] entendimento de que nos processos de prestação de contas
deve-se prestigiar a busca da verdade real, sempre que a prova apresentada permitir a
conclusão de que as contas se encontram em conformidade com o ordenamento jurídico”.
Referido entendimento decorre da jurisdição voluntária desse tipo de processo –
que justifica, inclusive, as regras dispostas no art. 64 da Resolução do TSE nº 23.463/2015
e mantidas no art. 72 para 201826 –, caminhando ao encontro da finalidade precípua do
processo de prestação de contas, que é realizar um exame mais confiável e aprofundado
da arrecadação e dos gastos de campanha.
Conclusões que restaram reafirmadas de forma mais detalhada no Processo nº
269-13, também do TRE/CE,27 ao dispor que:
24
Citamos por fazer parte de sua composição e pela rica fundamentação.
25
RECURSO ELEITORAL n 20833, ACÓRDÃO nº 20833 de 02.08.2017, Relator(a) ALCIDES SALDANHA LIMA,
Publicação: DJe, Tomo 147, Data 07.08.2017, p. 4-5.
26
“Art. 72. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente
ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação
dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que
devem ser apresentados (Lei nº 9.504/1997, art. 30, §4º).
§1º As diligências devem ser cumpridas pelos candidatos e partidos políticos no prazo de 3 (três) dias contados
da intimação, sob pena de preclusão.
§2º Na fase de exame técnico, inclusive de contas parciais, a unidade ou o responsável pela análise técnica das
contas pode promover circularizações, fixando o prazo máximo de 3 (três) dias para cumprimento.
§3º Determinada a diligência, decorrido o prazo do seu cumprimento com ou sem manifestação, acompanhados
ou não de documentos, os autos serão remetidos para a unidade ou o responsável pela análise técnica para
emissão de parecer conclusivo acerca das contas.
§4º Verificada a existência de falha, impropriedade ou irregularidade em relação à qual não se tenha dado ao
prestador de contas prévia oportunidade de manifestação ou complementação, a unidade ou o responsável pela
análise técnica deve notificá-lo, no prazo do §2º e na forma do art. 101 desta Resolução.
§5º Somente a autoridade judicial pode, em decisão fundamentada, de ofício ou por provocação do órgão técnico,
do Ministério Público ou do impugnante, determinar a quebra dos sigilos fiscal e bancário do candidato, dos
partidos políticos, dos doadores ou dos fornecedores da campanha.
§6º Nas diligências determinadas na prestação de contas, a Justiça Eleitoral deverá privilegiar a oportunidade
de o interessado sanar, tempestivamente e quando possível, as irregularidades e impropriedades verificadas,
identificando de forma específica e individualizada as providências a serem adotadas e seu escopo.”
27
RECURSO ELEITORAL nº 26913, ACÓRDÃO nº 26913 de 05.09.2017, Relator(a) ALCIDES SALDANHA LIMA,
Publicação: DJe, Tomo 169, Data 11.09.2017, p. 10/11.
A prestação de contas rege-se pelo princípio inquisitivo – o juiz pode decidir contrariamente
à vontade do interessado, não pelo da adstrição – sujeição estrita ao pedido. Nisso divisa-se
a primazia da verdade real sobre a processual.
E permitido, também, que o Juiz decida por equidade (Parágrafo único do art. 723,
CPC/2015 – O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em
cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna).
Nesse contexto, a busca da verdade real e o interesse público, diversamente do entendimento
explicitado na decisão recorrida, deve sim justificar a juntada de novos documentos
probatório com o presente recurso. Não a qualquer tempo ou indefinidamente, mas
enquanto a causa tramitar nas instâncias ordinária (primeiro e segundo graus de jurisdição).
A preclusão, embora seja relevante no processo em geral e no processo eleitoral no
particular, encontra no processo de jurisdição voluntária mitigação excepcional, pois
só secundum eventum probationis (cf. STJ, REsp 689703/AM – 2004/0131459-2, Quarta
Turma, ReI. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, pub. DJe 27/05/2010). Isto é, tratando-se
de prestação de contas não há preclusão quando não provado o evento arrecadação/gasto.
Outro ponto a ser considerado com dificuldade nos julgamentos diz respeito à
expressão “elementos mínimos”, que deixa a margem da autoridade judiciária examinar
se a ausência de documentos/informações tem ou não relevância de forma a comprometer
a regularidade das contas. Trazem as Resoluções que a ausência parcial dos documentos
e das informações de que trata a lei ou o não atendimento das diligências determinadas
não enseja o julgamento das contas como não prestadas se os autos contiverem “elementos
mínimos” que permitam a análise da prestação de contas.
Ora, o que seriam os “elementos mínimos”? O TSE, considerando a gravidade
das consequências jurídicas da não apresentação das contas, vem entendendo que a
ausência teria que inviabilizar em absoluto a aferição da movimentação financeira de
campanha, ou seja, constituir óbice para o processamento e a análise das contas pelos
órgãos da Justiça Eleitoral.28 O que ainda enche de conceitos abstratos, até subjetivistas,
a análise das contas.
Indaga-se: será que conceito tão indefinito tem contribuído para um maior
controle de contas?
Sobre a expressão “erros materiais”,29 por exemplo, a doutrina do sempre lembrado
José Jairo Gomes faz as seguintes e pertinentes indagações:
28
Cf. TSE – RESPE: 1594-71.2014.6.03.0000, MACAPÁ – AP, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 14.06.2016,
Data de Publicação: DJe, Data 12.09.2016, p. 35.
29
A legislação e a jurisprudência têm dado especial relevo, ante a dificuldade do sistema de prestação de contas
(complexidade), a não desaprovação por existência de erros formais ou materiais irrelevantes no conjunto, que
não comprometem o seu resultado ou o controle da arrecadação e dos gastos. O que também se verifica quando
ampliou a possibilidade de retificação (art. 37, §12 da Lei nº 9.096/95 e art. 30, §§2º e 2º-A, e §4º da Lei nº 9.504/97).
30
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. Atlas, 2016, p. 427.
31
“Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste
Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”
32
Para Fredie Didier “qualquer mudança de posicionamento (superação; overruling) deve ser justificada adequadamente,
além de ter sua eficácia modulada em respeito à segurança jurídica (dever de estabilidade)” (DIDIER Jr., Fredie;
BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito
probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11.ed. Salvador:
JusPodivm, 2016, p. 488).
33
Hoje existem 71 (setenta e uma) súmulas sobre os variados temas de Direito Eleitoral (sete estão canceladas).
34
Margarete de Castro Coelho (COELHO, Margarete de Castro. A democracia na encruzilhada: reflexões acerca da
legitimidade democrática da Justiça Eleitoral Brasileira para a cassação de mandatos eletivos. Belo Horizonte:
Fórum, 2015. p. 112), aponta que “[...] as regras eleitorais carecem de ampla discussão parlamentar [...] e por
diversas razões o Tribunal Superior Eleitoral tem inovado em matéria eleitoral, inclusive com a criação de
direitos e obrigações sem a devida autorização constitucional para tanto [...]. o que lhe compete é promover
instruções normativas direcionadas aos órgãos da Administração Pública, especificamente à esfera de atuação
administrativa dos seus diversos órgãos e não aos particulares. [...] Entretanto, a Justiça Eleitoral tem se dedicado
constantemente a inovar em matéria eleitoral, sobretudo através de resoluções e consultas. Tal atividade vem
sendo exercida pelo Tribunal Superior Eleitoral com fundamento em um poder regulamentar que não lhe foi
deferido constitucionalmente, conforme já se adiantou acima”.
35
Como na anterior Resolução do TSE nº 21.841/2004 (art. 18, que disciplinava “a prestação de contas dos partidos
políticos e a Tomada de Contas Especial”).
36
Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial, implica a suspensão de novas quotas
do fundo partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei, cabíveis na espécie, aplicado também o disposto no
art. 28.
Parágrafo único. A Justiça Eleitoral pode determinar diligências necessárias à complementação de informações
ou ao saneamento de irregularidades encontradas nas contas dos órgãos de direção partidária ou de candidatos.
Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas
do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis ás penas da lei. (Redação dada pela Lei nº 9.693, de 1998)
Outra questão que se aponta, relativa à normatividade do TSE, foi o Tribunal ter
considerado despesas eleitorais as contratações de contador e de advogado que prestem
serviços às campanhas eleitorais (art. 29, §1º e §1º-A, da Resolução nº 23.463/2015, e
art. 37, §1º, da Resolução para 2018) e as doações feitas a outros candidatos ou partidos
(art. 29, XIV e §3º, da Resolução nº 23.463/2015, e art. 37, §5º, da Resolução para 2018).
É que a Lei nº 11.300/2006 retirou a expressão “dentre outros” do caput do artigo 26
da Lei das Eleições, sugerindo serem as hipóteses restritas às descriminadas no artigo
(numerus clausus).
Outro ponto, não menos importante, é o reduzido quadro de servidores, e com
qualificação específica, para o volume de prestações de contas que devem ser julgadas
em exíguo prazo, não permitindo análise mais aprofundada e independente da
técnica (parecer conclusivo), ou incidindo à prescrição. As dos candidatos eleitos, que
têm informações partidárias relevantes, devem ser julgadas até 3 (três) dias antes da
diplomação (artigo 30, §1º, da Lei nº 9.504/97). O prazo de prescrição para julgamento
das contas anuais (art. 37, §7º, da Lei nº 9.504/97) e de campanha (art. 68, §5º, da Res. TSE
nº 23.463/2015, e art. 77, §6º, para 2018) é de 5 (cinco) anos, contados da apresentação
à Justiça Eleitoral.
São essas também as razões que fazem com que muitos dispositivos legais, como
os relativos aos procedimentos de diligências (quebra de sigilo, busca e apreensão etc.),
não sejam na prática efetivados ou quando determinados não se conseguir atingir pela
própria natureza do processo a sua finalidade.
Foram exatamente essas algumas das preocupações narradas na ADI nº 4650
– que declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as
contribuições de pessoas jurídicas –, no voto do Ministro do STF Gilmar Mendes, que
também destacou críticas apontadas pelos auditores do Tribunal de Contas da União
nos autos da Prestação de Contas nº 976-13/DF, nos seguintes termos:
37
Essa integração poderia se estender, por exemplo, para alguns servidores lotados nas assessorias de juízes e
controle interno, garantindo-os maior capacitação e participação na área de fiscalização e julgamento das contas,
já que ligados à área fim das Cortes.
38
Entre outros avanços tem-se: a obrigação das instituições financeiras identificar o CPF/CNPJ dos doadores nos
extratos bancários (art. 22, §1º, inciso II da Lei nº 9.504/97); o fim dos comitês financeiros (Lei nº 13.165/15);
obrigatoriedade que as doações a candidatos e partido sejam feitas mediante recibo (art. 23, §2º, da Lei nº 9.504/97);
comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político (art. 23, §4º, V, da Lei nº 9.504/97); ampliação do rol de fontes de financiamento
vedadas (art. 24 da Lei nº 9.504/97); introdução do sistema simplificado de prestação de contas (art. 28, §§9º e 10, da
Lei nº 9.504/97); a alteração do caput do art. 34 da Lei nº 9.096/95 para suprimir a fiscalização sobre a escrituração
contábil dos partidos políticos; definição dos gastos eleitorais sujeitos a registro e aos limites fixados em lei (art.
39, §5º, da Lei nº 9.096/95, e art. 26 da Lei nº 9.504/97) etc.
39
Apesar de a Lei nº 12.034/09 não ter se referido às contas de campanha, entende-se que, pela lógica processual, elas
também podem ser encaradas como de natureza jurisdicional, ainda mais pela obrigatoriedade de apresentação
de instrumento de mandato para constituição de advogado e indiretamente pela inclusão através da minirreforma
do §5º no art. 30 da LE, autorizando a interposição de recurso especial nos processos de exame de contas de
campanha (ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 392).
40
VERSIANI, Arnaldo. Prestação de contas de candidatos. In: NORINHA, João Otávio de; KIM, Richard Pae (Coord.).
Sistema político e direito eleitoral: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016, p. 106 a
116.
pode ser adotado para as partidárias, aponta ainda, exemplificando, que as intervenções
da Justiça Eleitoral podem, em outras hipóteses, assumir “caráter de verdadeira ficção
contábil”:
A Justiça Eleitoral, não obstante, mercê, como já se disse antes, do maior rigor de fiscalização,
tem intervindo no próprio valor eventualmente informado e comprovado pelo candidato,
o que merece ser examinado com a maior cautela, além de outras situações que parecem
desvirtuar o objetivo da prestação de contas.
Um deles é o questionamento do valor da mercadoria adquirida ou do serviço prestado.
(...)
Cuida-se, a tal avaliação do bem ou serviço doado, de informação sujeita a questionamento
altamente subjetivos, que não podem sofrer grandes interferências, sob pena de a prestação
de contas dos candidatos de transformar em processo penoso de verificação de preço de
mercadorias e de serviços.
Ademais, se a verificação de custos de qualquer mercadoria ou produto ou serviço fosse
tão simples assim, não haveria necessidade de procedimentos licitatórios para a sua
aquisição, por exemplo, pela Administração Pública.
Por isso, a consulta telefônica pela Justiça Eleitoral a respeito de preços de revistas não
pode ser suficiente e eficaz para glosar o documento fiscal emitido pela gráfica contratada.
E a situação fica ainda mais grave quando a Justiça Eleitoral supõe ou presume que, em
virtude da suposta redução de preços, essa diferença deve ser levada à conta de omissão
de gastos ou, pior, de que a gráfica, na verdade, estaria efetuando doação da diferença
não declarada pelo candidato, com repercussões gravíssimas, inclusive sobre o mandato
conquistado nas urnas.41
3.3 Conclusão
Com dito, tivemos em termos de regulamentação de “prestação de contas” muitos
avanços, mas também retrocessos, sendo válido transcrever o posicionamento extraído
do voto proferido pelo Ministro Teori Zavaski, por ocasião do julgamento da ADI nº
9364, quando afirma que “os resultados práticos dessas reformas foram úteis pelo
menos para revelar outras fragilidades do modelo” e que “para cada aprimoramento
do sistema de controle social, a astúcia adaptativa do ilícito produz uma resposta
correspondente”. E acrescenta:
Embora essas leis tenham propiciado avanços no controle da arrecadação e dos gastos
eleitorais, elas evidentemente não solveram todas as inconsistências do sistema. Mas, ainda
que não tenham sido tão satisfatórios como se poderia esperar, os resultados práticos dessas
reformas foram úteis pelo menos para revelar outras fragilidades do modelo, que acabaram
sendo aproveitadas para o encobrimento de possíveis irregularidades no financiamento
41
VERSIANI, Arnaldo. Prestação de contas de candidatos. In: NORINHA, João Otávio de; KIM, Richard Pae (Coord.).
Sistema político e direito eleitoral: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016, p. 112 a
116.
Adverte acertadamente o Ministro que: “O que se verificou foi mais uma prova
da aptidão que o dinheiro possui de se fazer clandestino”.
Walber de Moura Agra,42 ao tratar do financiamento e gastos de campanha
eleitoral, destaca que nenhum sistema de financiamento de campanha é imune a fraude
“devido as mudanças no seio social, na cultura, no procedimento eleitoral e no ciclo
vicioso da troca de interesses.”
Apesar disso, como discorrido, na busca de uma maior efetivação da democracia e
da representação real das escolhas dos eleitores, tivemos um significativo aperfeiçoamento
legislativo e uma grande modernização dos mecanismos, de forma a garantir um maior
e efetivo controle das condutas e eventual responsabilização. Entretanto, é certo, ainda
a um longo caminho a percorrer, mas sem necessidade de experiências ou grandes
inovações, pois não será uma reforma que resolverá, por si só, as graves distorções na
escolha dos governantes e na estrutura dos partidos.
E neste ponto, temos que reconhecer que muitos desses avanços decorreram da
participação do Poder Judiciário, que contribuiu (apesar das mais diversas críticas acerca
do ativismo/voluntarismo) significativamente com a normatização desse complexo
sistema de controle e fiscalização.
De toda sorte, acerca da legislação e da jurisprudência eleitoral, e destacando a
“necessária preservação da segurança jurídica que deve lastrear a realização das eleições,
especialmente a confiança dos cidadãos candidatos e cidadãos eleitores”, ante o que
dispõe o art. 16 da Constituição Federal e da força normativa dos atos judiciais do TSE,
assinalou o Ministro do STF e atual Presidente do TSE, Gilmar Mendes:
Aqui não se pode deixar de considerar o peculiar caráter geral ou quase normativo dos atos
judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral.
Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os
pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos
(eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, portanto, a segurança
jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das
expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais.
A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso
dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivada
no art. 16 da Constituição. Essa norma constitucional afirma que qualquer modificação
normativa que altere o processo eleitoral poderá entrar em vigor na data de sua publicação,
mas não poderá ser aplicada à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. O
Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-se como uma
garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances
e (3) das minorias (RE 633.703).
Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal
Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável
admitir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz
42
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 185.
Referências
AGRA. Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. Direito eleitoral regulador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4650, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
17.09.2015, DJe-034 DIVULG 23-02-2016 PUBLIC 24.02.2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 5394 MC, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno,
julgado em 12.11.2015, DJe-239 DIVULG 09-11-2016 PUBLIC 10.11.2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 637485, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 01.08.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-095 DIVULG
20-05-2013 PUBLIC 21.05.2013.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
43
MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 799.
44
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3823598>. Acesso em: 02
jan. 17.
45
Afinal “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição” (CRFB/88, art. 1º, parágrafo único).
46
KELSEN, H. A democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 40.
CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas no direito
brasileiro contemporâneo. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro et al. (Coord.). Direito jurisprudencial.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. II.
COELHO, Margarete de Castro. A democracia na encruzilhada: reflexões acerca da legitimidade democrática
da Justiça Eleitoral Brasileira acerca da cassação de mandatos eletivos. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno Braga; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação
dos efeitos da tutela. 11. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. São
Paulo: Malheiros, 2016.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Atlas, 2015.
SANTANO, Ana Claudia. O financiamento da política: teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.
KELSEN, H. A democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VERSIANI, Arnaldo. Prestação de contas de candidatos. In: NORONHA, João Otávio de; KIM, Richard Pae
(Coord.). Sistema político e direito eleitoral: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
CASTRO, Kamile Moreira; SILVA, Ricardo Regis Rodrigues da. Prestação de contas partidárias:
ineficiências e lacunas. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 207-224.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
Um dado fático inquestionável que deve servir de substrato para o presente estudo
consiste na constatação de que a luta contra a corrupção ocupa, presentemente, espaço
de centralidade nas reflexões sobre democracia travadas nos mais diversos países do
mundo. No Brasil, especificamente, esta realidade não é diferente.
Nesse sentido, vem de ser liberado, em 02/2018, o IPC – índice de percepção da
corrupção –, a revelar que o Brasil recuou, no ano de 2017, 17 posições relativamente
ao ano anterior, tendo conquistado apenas 37 pontos, numa escala em que a pontuação
zero revela altíssimo sentimento de corrupção e que a nota 100 denota sólida percepção
de integridade.
Associado ao sentimento nacional de que a corrupção contamina de modo
sensível as relações entre particulares e os poderes públicos (ou sobretudo em razão
deste sentimento), igualmente ganhou corpo na sociedade a percepção de que a política
e os partidos políticos estão associados ao cometimento de ilicitudes, dando ensejo ao
que doutrinadores denominam de “criminalização da política”.1
Nesse cenário, que é, em linhas gerais, comum às grandes nações democráticas,
vem ganhando espaço, agora especificamente no Brasil, a discussão sobre a aplicabilidade,
ou não, às agremiações partidárias, das políticas de compliance, tais como previstas na
Lei nº 12.846/2013 (Lei de Organizações Criminosas) e no Decreto nº 8.420/2015.
Os debates, é bom que se diga, ainda são embrionários, e a grande maioria dos
textos já produzidos a respeito e das entrevistas já concedidas sobre a temática passa ao
largo de uma reflexão mais profunda sobre as peculiaridades que qualificam o estatuto
jurídico constitucional das agremiações partidárias e sobre a necessidade de um regime
jurídico específico, que, consideradas tais peculiaridades, possibilite a institucionalização
1
AIETA, Vania Siciliano. Criminalização da Política, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
2
CARVALHOSA, Modesto. Gazeta online. 2015. Acesso em: jan. 2018.
3
MARTÍNS, Adán Nieto; CALATAYUD, Manuel Maroto. Public compliance: prevención de la corrupción en
administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha, 2014, p. 12-13.
quién vía subvención paguemos una multa, que además y en última instancia, tambíen
podría incluirse en el monto de la financiación ilegal. Pero sobre todo, lo que solo con la
mas extrema cautela debería resultar aplicable a partidos políticos son las sanciones interdictivas o
incluso la disolución que prevé el Codigo Penal. En este punto el legislador debía haberse esforzado
por crear un conjunto de sanciones más inteligentes, más eficaces desde el punto de vista preventivo
general pero, a la vez y cuando menos, inocuas para la libretad ideológica y de asociación y, a ser
posible, positivas desde el punto de vista de la promoción de la democracia interne en
estas organizaciones.
o compliance público4) inserem-se num contexto maior de combate aos crimes contra a
administração pública.
Estariam fora, em linha de princípio, de uma política de compliance, debates
outros, como, por exemplo, aquele pertinente à participação mínima de gênero nos
Conselhos das empresas, à existência de canais de denúncia contra o assédio sexual
ou mesmo moral, e outros temas que, embora pertinentes à noção mesma de “boas
práticas e condutas empresariais”, acham-se excluídos do objeto de incidência da Lei
das Organizações Criminosas, que é a única legislação nacional a fomentar a criação,
no âmbito as empresas, de um sistema de integridade.
É certo que há os que defendam que o código de ética e conduta a ser fixado e
aplicado no contexto do programa de integridade deve necessariamente prever regras
internas de boa governança que transcendam a interação da empresa com o poder
público e que disciplinem regras de bom comportamento entre funcionários e entre
dirigentes e funcionários:
(...). A resposta para o combate ao assédio moral é: ética. Mas não a ética como um ideal
formal e impraticável, e sim uma ética ergonômica e aplicada.
Diante disso os programas de compliance ganham especial importância, estendendo sua
aplicabilidade à seara trabalhista.
Trata-se de um instrumento destinado a estabelecer medidas que assegurem que as regras
que lhe são impostas sejam, de fato, cumpridas (KUHLEN, 2013, p. 51). Parece vago e
redundante falar em cumprimento normativo através dos programas de compliance, mas
assevera-se: a implantação destes pretende a criação de uma cultura corporativa voltada
à reafirmação de preceitos e valores.
Em que pese ter o direcionamento principal dos programas de integridade (que equivalem
aos programas de compliance) no Brasil por foco medidas anticorrupção, o conceito trazido
pelo artigo 41, do Decreto 8.420/2015 menciona que, no âmbito de uma pessoa jurídica,
os programas de integridade consistem no “conjunto de mecanismos e procedimentos
internos de integridade (...) e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta”.
Ora, parece indissociável da figura dos programas de compliance ou de integridade, a
existência e cumprimento de normas internas que preceituem o exercício da ética no próprio
ambiente de trabalho, pois do contrário cairia prontamente rechaçada a credibilidade
daquela organização quanto ao cumprimento de regras de ética para atuação no mercado.
Assim, identifica-se a presença deste quesito entre os ditames do quarto pilar dos programas
de integridade, qual seja: estruturação das regras e instrumentos, em que se prevê, em
primeira linha, padrões de ética e de conduta (BRASIL, 2015, p. 14).
Tais padrões consistem nos comportamentos esperados de todos os funcionários e dirigentes
da empresa, sendo conveniente que estas orientações constem documentadas, através de
um código de ética, destinado a tratar dos valores e princípios da empresa e, de um código
de conduta, que traga a previsão das condutas a serem seguidas pelos membros daquela.
Seria desarrazoado, senão contraditório, falar num programa de compliance destinado a
fixar os limites éticos para as condutas dos representantes da empresa perante o mercado
sem antes estabelecer normas internas para que estes mesmos princípios fossem praticados
nas dependências da própria organização.
Portanto, referidos códigos (de ética e conduta) devem elucidar não só as diretrizes éticas
de projeção externa (atuação da empresa no mercado), mas também (e principalmente)
4
FORTINI, Cristiana; MORAIS VIEIRA, Ariane Sherman. Governança Corporativa e Medidas Preventivas contra
a Corrupção na Administração Pública: um enfoque à luz da Lei nº 13303/2016. Revista de Direito da Administração
Pública, v. 1, n. 1, 2016.
(...). verifica-se que o Programa de Integridade tem como foco medidas anticorrupção
adotadas pela empresa, especialmente aquelas que visem à prevenção, detecção e remediação
dos atos lesivos contra a administração pública nacional e estrangeira previstos na Lei nº
12.846/2013. Empresas que já possuem programa de compliance, ou seja, uma estrutura para
o bom cumprimento de leis em geral, devem trabalhar para que medidas anticorrupção
sejam integradas ao programa já existente. Mesmo empresas que possuem e aplicam
medidas dessa natureza, sobretudo para atender a legislações antissuborno estrangeiras,
devem atentar-se para a necessidade de adaptá-las à nova lei brasileira, em especial para
refletir a preocupação com a ocorrência de fraudes em licitações e na execução de contratos
com o setor público. (com grifos no original)6
Estabelecida tal premissa, cumpre indagar, agora, qual seria o objeto específico
de um programa de integridade voltado aos partidos políticos.
Pois bem, a Lei de Organizações Criminosas, em seu art. 5º, assim elencou quais
são os atos lesivos à administração a atraírem a responsabilização objetiva (civil e
administrativa) nela previstas:
5
MAZZUCATO, Isadora Gomes. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho: compliance como instrumento de
mitigação de ocorrências. Revista Raízes Jurídicas, v. 9, n.2, 173-192, jul./dez. 2017.
6
<http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-
empresas-privadas.pdf>. Acesso em: fev. 2018.
(...) cabe señalar que el compliance es algo más que el cumplimiento normativo. Es, en
realidade, el sometmiento a aquellas normas de origen legislativo, pero también a aquellas
otras autoimpuestas, derivadas de unos estándares superiores a los exigidos por la ley.
Frente al concepto clássico de Derecho positivo (hard law), se anãde el cumplimiento
ético, la responsabilidad socialmcorporativa, etc (soft law).
Sentada esta base simplificada del contenido de la función de compliance parece sencillo
deducir que en el âmbito de los partidos políticos esta función se desarrolla primitiva-
mente en muy diversos âmbitos. Los partidos tienen que observar una serie de aspectos
puramente normativos, como pueden ser los relativos a su financiación, la proteccion
de datos personales de sus filiados y simpatizantes o, más recentemente, la prevención
penal. Junto a estas previsiones se empiezan a implantar otra serie decompromisos
de autocuplimiento que no vienen exigidos por las normas vigentes. Así comienzan a
desarrollarese códigos éticos o de buenas prácticas, que junto a las normas de Derecho
positivo, elevan los estandares exigidos por las mismas y tratan de completar, dentro del
partido, la función de compliance desde un punto de vista teórico (la exigenca de dimisión
a un cargo publico del partido imputado por corrupción seria unm ejemplo clássico de este
segundo grupo, pues no es una previsión legalmente estabelecida, pero sí autoimpuesta
en algunos partidos políticos).
Feita esta sutil diferenciação conceitual, cumpre indagar: o que se pretende, por
meio de programas de compliance aplicados a partidos políticos, é desenvolver no interior
dessas pessoas jurídicas mecanismos e estruturas voltadas ao estrito cumprimento da
7
GONZÁLEZ, Jorge Alexandre. Función de compliance y partidos políticos en España. Debate 21, maio de 2015.
Acesso em: jan. 2018.
8
“§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre
escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e
para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração
nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual,
distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.
A autonomia dos partidos políticos, assegurada pela CF (art. 17), não pode sobrepor-se
ao princípio da inafastabilidade, também com sede constitucional (art. 5º, inciso XXXV),
segundo o qual nem a lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão
ou ameaça de direito. Há um choque de princípios (inafastabilidade versus soberania
partidária) que se resolve em prol do primeiro, homenageando a supremacia dos interesses
públicos, políticos e sociais, na linha do que decidiu o já referido Tribunal Superior Eleitoral.12
9
BUCCHIANERI PINHEIRO, Maria Claudia. O Problema da (sub)representação política da mulher: um tema
central na agenda política nacional. COELHO, Marcus Vinícius Furtado; AGRA, Walber de Moura (Coord.).
Direito eleitoral e democracia: desafios e perspectivas. Editora do Conselho Federal da OAB, gestão 2010/2013.
10
Sobre aplicação horizontal dos direitos fundamentais: GONET BRANCO, Paulo Gustavo. op. cit., p. 169-180;
ABRANTES; José João Nunes. A vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais. Lisboa: AAFDL, 1990;
BILBAO UBILLOS, Juan Maria. La eficácia de los derechos fundamentales frente a particulares. Madrid: CEPC,
1997; ANDRADE, José Carlos Viera de. op. cit., p. 141 e ss; HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado.
Madrid: Civitas, 1995.
11
Disponível em <www.jfrn.gov.br/docs/doutrina193.doc>. Acesso em: 24 maio 2010.
12
Rec. nº 12.990, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, 23.09.1996.
partidos políticos, sem que tal comportamento revele qualquer tipo de violação ou
mesmo enfraquecimento da garantia fundamental da autonomia partidária.
Tal exigência de observância a valores constitucionais, sem qualquer prejuízo à
cláusula da autonomia, tanto mais se evidencia quando se constata que, hoje, considerado
o regime jurídico de financiamento da política no Brasil, uma importante parcela das
verbas que custeiam as atividades dos partidos provém do erário, o que torna ainda
mais evidente a necessidade de se construir um conceito de autonomia partidária que,
ao mesmo tempo em que proteja o núcleo ideológico e estratégico das opções e decisões
partidárias, viabilize o necessário controle e a inexorável regra de transparência que
são próprios do regime de gastos públicos.
Interessante debate, nesse ponto, é suscitado por José Joaquin García-Pando
Mosquera e merecia estudo específico:13 “Deben ajustarse los partidos políticos a
los critérios de economia y eficácia, por ser critérios que deben estar presentes en la
utilización de fondos públicos, evitando el dispêndio de los mismos?”.
Nesse sentido, autorizado magistério doutrinário, especificamente desenvolvido
na perspectiva do conflito apenas aparente que se instaura entre autonomia partidária,
de um lado, de programas de integridade partidária, de outro:14 “la característica de
las asociaciones y de la que los partidos también disfrutan, no puede ser para éstos tan
omnímoda que a su amparo se desvirtuén como instrumentos para la consecución de
sus fines constitucionales”.
Também assim Elisa de La Nuez, para quem a natureza “mista” dos partidos
políticos, “como entes de base associativa privada y a la vez elementos esenciales de
la arquitectura constitucional y de la democracia supone una tensión permanente entre la
autorregulación propia de las primeras y la necesidad de un major control y regulación externo
propio o característico de los segundos”.15
Feitas tais observações, retorna-se ao ponto anterior deste tópico: o que deve,
então, estar inserido no espectro de incidência de um sistema de integridade voltado
aos partidos políticos?
Como dito, por transcender à própria ideia de mera conformidade, um programa
de integridade capaz de restaurar a confiabilidade dos partidos deve ir além do mero
controle e incentivo ao cumprimento da lei, notadamente no que concerne às regras
de arrecadação e gastos, já que as contas partidárias já são anualmente submetidas a
rígido controle externo a cargo da Justiça Eleitoral.
É preciso, portanto, desenvolver mecanismos voltados à consolidação de uma
cultura de ética e boa governança, centrada na transparência das atividades partidárias,
na abertura de suas estruturas ao controle de filiados e de terceiros, no incentivo a
denúncias, mediante a criação de um canal externo e de proteção dos denunciantes,
na criação de um órgão independente (compliance officer), que seja responsável pela
13
GARCÍA PANDO MOSQUERA, José Joaquin. Las cuentas de la Democracia. Public compliance: prevención de la
corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha, 2014,
p. 139.
14
GARCÍA PANDO MOSQUERA, José Joaquin. Las cuentas de la Democracia. Public compliance: prevención de la
corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha,
2014, p. 140.
15
LA NUEZ, Elisa. Partidos políticos y transparencia. In: GARCÍA PANDO MOSQUERA, José Joaquin. Las cuentas
de la Democracia. Public compliance: prevención de la corrupción en administraciones públicas y partidos políticos.
Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha, 2014, p. 156.
(...). los mecanismos internos de control de los partidos deben consistir, de una parte, en
órganos de fiscalización o auditoría independientes (es decir, no formados ni elegidos
por miembros de la directiva o que hayan formado parte de ella en los años previos), y
de otras, en procedimientos de información y rendición de cuentas (en principio frente
a filiados, pero tambíen frentea todos los electores), al menos con periodicidad anual (y
sobre el año que se cierra). Al ello debería sumarese una possibilidad mayor de circulación interna
de miembros de la organización en cargos de responsabilidad.
16
GIMÉNEZ, Fernando Flores. Democracia interna y participación ciudadana como mecanismos de control. In:
GARCÍA PANDO MOSQUERA, José Joaquin. Las cuentas de la Democracia. Public compliance: prevención de la
corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha,
2014, p. 185.
17
BARBOSA, Carlos Henrique. Partidos políticos perdem por não investirem em ética. Disponível em: <Mercadopopular.
org>. Acesso em: jan. 2018.
18
GARCÍA-PANDO MOSQUERA, José Joaquín. Las cuentas de la democracia In: Public compliance: prevención
de la corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La
Mancha, 2014, p. 136.
Pelo modelo por ele proposto, todos os Estatutos Partidários deveriam prever a
existência de um programa de integridade, necessariamente acompanhado da elaboração
de um Código de Conduta e Integridade e, para fins de “enforcement” dessa nova
imposição legal, o projeto previu que a inexistência e a falta de efetividade do programa
de integridade poderiam ser denunciadas por meio de representação, que seria julgada
pela Justiça Eleitoral nos termos do art. 96 da Lei nº 9.504/97, e cuja procedência, grosso
modo, poderia desembocar na suspensão do repasse de cotas do fundo partidário.
Um processo judicial eleitoral, portanto, movido exclusivamente para que seja
aferida a existência ou a efetividade do programa de integridade partidária, que é
obrigatório por si mesmo, tudo isso desvinculado de qualquer contexto de cometimento
de ilicitudes.
Interessante observar que o projeto do Senador Ricardo Ferraço – que institui
o compliance partidário como forma de sanção premial, sem torná-lo compulsório,
portanto – é praticamente uma cópia dos arts. 2º, 3º, 4º e 5º da Lei nº 12.846 (LOC), com
pequenos ajustes derivado de sua destinação a partidos.
No entanto, e como já dito, como nem todos os atos tidos como lesivos à
administração pública, para fins de incidência da Lei de Organizações Criminosas, se
ajustam à realidade partidária (pois a grande maioria deles refere-se à participação em
procedimentos licitatórios e à celebração de contratos administrativos), o projeto de lei
do Senador Ricardo Ferraço culminou por fixar a responsabilização objetiva dos partidos
políticos em apenas 4 situações, reduzíveis essencialmente a apenas duas: pagamento
de propina (bribery) e obstrução de justiça.
Eis o que se contém no referido Projeto:
§4º Constituem atos contra a Administração Pública aqueles que atentem contra o patrimônio
público ou os princípios da Administração Pública, assim definidos:
I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público,
ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II – financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo incentivar a prática de atos ilícitos
previstos nesta Lei;
III – utilizar-se de interposta pessoa, física ou jurídica, para ocultar ou dissimular seus
reais interesses ou a identidade dos atos praticados;
IV – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes
públicos, ou intervir em sua atuação.
Criminosas e que conceituou o que deve ser entendido como “programa de integridade”,
conferindo-lhe parâmetros concretos.
Pelo referido projeto, competiria à Justiça Eleitoral, em representação, controlar
a existência do programa ou sua efetividade, podendo impor, em cada caso específico,
mas exclusivamente no controle “abstrato” de existência e eficácia do sistema de
integridade, suspensão no repasse de quotas do fundo partidário.
Aqui, em resumo, o que se tem são os custos de se deslocar para a Justiça Eleitoral
um controle por si e em si da existência do programa de integridade, bem assim de
sua eficácia, tudo isso dissociado de qualquer prática irregular a ser devidamente
sancionada, já que, pelo modelo concebido pelo PL nº 429/2017, o compliance não está
inserido num contexto maior como causa de redução de penalidade, presente uma
situação de concreta ilegalidade.
Ambos os projetos, no entanto, apesar de louváveis, como já dito, mas sobretudo
por replicarem, em essência, as disposições já existentes, apenas estendendo-as aos
partidos, sem maiores reflexões e calibragens para torná-las mais efetivas, merecem
aprimoramentos.
De partida, o que importa dizer, neste tópico do estudo, é que há, efetivamente,
uma terceira maneira de introduzir legalmente o compliance partidário: a maneira mista,
qual seja, tornando-o desde já obrigatório, mas, ainda assim, inserindo-o também num
contexto de atenuação de eventuais penalidades, ocasião em que, num cenário de desvios
e ilegalidades, será concretamente aferida sua efetividade.
A existência de um programa de integridade passa a ser compulsória e uma
simples revisão dos estatutos, a cargo do Ministério Público, por exemplo, seria suficiente
para tanto. Já a efetividade dos mecanismos de integridade seria analisada apenas num
cenário de condenação por condutas irregulares e para fins de redução, ou não, das
penalidades cabíveis.
Esse modelo misto (obrigatório quanto à existência e promocional quanto à efetividade)
de implementação da política de compliance partidário traz benefícios sensíveis, no
nosso entender.
Em primeiro lugar, ele se afasta do baixo estímulo a que nos referimos, no que
concerne ao PL nº 60/2017.
Se se pretende conceber um modelo de integridade que, tal como ocorre com as
demais pessoas jurídicas, seja de facultativa implementação, mas se qualifique como
causa de diminuição de uma penalidade, então imperioso que os tipos que desembocam
em tais penalidades sejam múltiplos e atinjam o núcleo, o coração das atividades
partidárias (tal como uma licitação integra o coração de uma empresa especializada em
obras públicas), para que o receio de uma condenação possível seja uma força motriz
suficiente para que a adoção de uma política de compliance se generalize.
No entanto, se se concebe um modelo de imposição obrigatória do compliance, a
avaliação desse grau de estímulo passa a ser desnecessária.
Nesse modelo, contudo, a análise em tese dos programas de compliance instituídos
pelos partidos, tal como propugnado pelo PL nº 429/2017, converteria a Justiça Eleitoral
em verdadeira “autoridade certificadora”, chanceladora do formato escolhido por cada
agremiação, em típica subversão das finalidades que lhe são próprias.
Já o sistema misto afastaria esse inconveniente do PL nº 429/2017, que é o de
submeter à Justiça Eleitoral o ônus de avaliar, via representação judicial, a efetividade
em tese de um dado programa de compliance.
19
“caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento
de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no
Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas”.
20
Eis o que se contém, no ponto, na exposição de motivos da referida Lei Orgânica: “En primer lugar, se modifica
la regulación de la responsabilidad penal de las personas jurídicas con la finalidad de incluir a partidos políticos
y sindicatos dentro del régimen general de responsabilidad, suprimiendo la referencia a los mismos que
hasta ahora se contenía en la excepción regulada en el apartado 5 del artículo 31 bis del Código Penal. De este
modo se supera la percepción de impunidad de estos dos actores de la vida política que trasladaba la anterior
regulación, y se extiende a ellos, en los supuestos previstos por la ley, la responsabilidad por las actuaciones
ilícitas desarrolladas por su cuenta y en su beneficio, por sus representantes legales y administradores, o por los
sometidos a la autoridad de los anteriores cuando no haya existido un control adecuado sobre los mismos”.
(...). En principio podría decirse que basta con una ley que obligara a cada administración
publica a contar con un plan anticorrupción. No obstante, la experiencia muestra que para
que la autorregulación funcione, hace falta establecer sanciones que incentiven a los dirigentes
de una organización a mejorar su autorregulación. Es lo que se conoce como autorregulación
coaccionada (...).
4.3 Análise crítica geral dos Projetos de Lei nºs 60/2017 e 429/2017
De tudo o quanto já dito, percebe-se que o modelo de compliance partidário
ora defendido, como o que mais se ajusta às peculiaridades inerentes às funções das
agremiações políticas, afasta-se dos dois projetos de lei em curso no Congresso Nacional
a respeito da matéria, ambos muito focados na reprodução de dispositivos seja da Lei
das Organizações Criminosas, seja do Decreto nº 8.420, que a regulamentou.
O PL nº 60/2017, de autoria do Relator Ricardo Ferraço, já comentado de forma
difusa ao longo do presente estudo, mereceria, no nosso entendimento, os seguintes
aperfeiçoamentos:
21
Asociación Española de Compliance. Gustavo Matos Expósito. Acesso em: jan. 2018.
22
NIETO MARTÍN, Adán. De la ética publica al public compliance: sobre la prevención de la corrupción en las
administraciones públicas. In: Public compliance: prevención de la corrupción en administraciones públicas y
partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha, 2014, p. 20.
programas de integridade e sua previsão seria uma boa iniciativa. Por outro
lado, a vedação ao nepotismo nas estruturas de direção partidária também
poderia ter sido prevista no referido projeto, como mais um parâmetro de
aferição da efetividade do compliance.
2. Por outro lado, para além da realização de due diligence para a contratação de
gastos mais substanciais, o projeto de lei prevê a “realização de diligências
apropriadas e transparência quanto às doações recebidas e consideradas de
alto valor, com parâmetros a serem estabelecidos em resolução do TSE”, para
aferição do “setor do mercado em que atua o doador” e seu “grau de interação
com o poder público”. Aqui, com todo respeito, entendemos que o projeto gera
dúvidas e avança sobre terreno já objeto de disciplina específica. Isso porque a
legislação já é absolutamente restritiva no que concerne às fontes legítimas de
doação. Apenas pessoas físicas podem doar e, mesmo assim, observado o limite
de 10% dos rendimentos brutos do ano anterior. Pessoas físicas que exerçam
função ou cargo público de livre exoneração também não podem doar, a não
ser que sejam filiadas ao partido (art. 31, V, da Lei nº 9.096). Ora bem, exigir
do partido uma maior investigação sobre qual a atividade do doador legítimo
e que respeita os limites legais é fechar ainda mais as vias já restritíssimas de
financiamento da política no Brasil. Por outro lado, a lei torna obrigatória a
investigação sobre o grau de interação do doador com o setor público, mas, no
entanto, nada diz sobre qual seria a consequência esperada de tal diligência. É
dizer: o partido se veria compelido a investigar as atividades do doador, mas
nenhuma consequência seria retirada do resultado dessa apuração (a fonte
não passaria a ser vedada apenas porque a pessoa física é proprietária de uma
empresa com elevado grau de interação com o poder público). Trata-se, portanto,
de due diligence completamente desnecessária porque, nos termos do projeto
de lei, de seu resultado não derivaria nenhum comportamento esperado do
partido. Diligências desnecessárias e desvestidas de consequências devem, no
nosso entender, ser retiradas do projeto, por implicarem na necessária criação
de uma estrutura, sem nenhum avanço prático a ela relacionado.
3. O projeto de lei estabelece, ainda, que o comitê de compliance (responsável pela
aplicação, monitoramento e fiscalização do programa) se reporte diretamente
ao presidente do partido, mas não fixa qual seria a competência do Presidente
em face dos resultados apurados pelo Comitê. O ideal, entende-se, para que
se tenha uma instância genuinamente autônoma de aplicação de compliance,
é que o órgão responsável pela fiscalização do sistema de integridade tenha
totais poderes e autonomia para desde já aplicar as sanções respectivas, dando
encaminhamento de suas conclusões diretamente ao Ministério Público para, se
for o caso, a adoção das demais medidas cabíveis, sem qualquer subordinação,
ao Presidente da agremiação.
4. Prevê-se, como já dito, a competência da Justiça Eleitoral para julgar em tese a
efetividade do programa de compliance, num contexto absolutamente divorciado
de qualquer irregularidade, o que tende a tornar o sistema de integridade num
projeto formal, independentemente de sua aplicabilidade prática, além de
converter a Justiça Eleitoral em indevida instância certificadora do programa
de integridade.
23
Ac.-TSE, de 24.9.2015, na Rp nº 425461: não obstante a omissão do partido em prestar contas, impõe-se a observância
do princípio da proporcionalidade diante do protagonismo dos partidos políticos no cenário democrático, das
circunstâncias de cada caso e da cumulação de penalidades impostas à agremiação; Res.-TSE nº 20679/2000: a não
prestação de contas pelos órgãos partidários regionais ou municipais não implica o cancelamento dos mesmos.
pleito eleitoral, está de alguma forma contemplada no art. 336 do Código Eleitoral,24
cuja constitucionalidade é objeto de dissenso doutrinário25), parece-nos interessante
a fixação da responsabilização administrativa de partidos por atos ilícitos praticados
em seu favor, a ser penalizada com multa fixada em percentuais do fundo partidário.
A multa ali fixada, é bom que se diga, é imposta “sem prejuízo das sanções pela
desaprovação das contas”, o que importa dizer que, num mesmo exercício, o partido
político corre seríssimos riscos de, somadas as penalidades pecuniárias eventualmente
aplicáveis, ver-se inviabilizado do exercício de suas funções constitucionais.
Daí a imperiosa fixação de um teto objetivo de comprometimento do fundo
partidário para pagamento de tais penalidades, bem assim a previsão – inexistente
na referida proposta, de cunho marcadamente repressivo – de que a efetividade de
um programa de integridade sirva como critério de substancial redução da multa
objetivamente imposta à agremiação.
A associação, no entanto, da responsabilização objetiva dos partidos políticos
na esfera administrativa, tal como ali prevista, à política de integridade como fator de
redução significativa de eventual penalidade, tal como estatuído na LOC e no Decreto
nº 8.420 desembocariam na produção de um texto normativo completo e específico,
capaz, entendemos, de gerar uma cultura de integridade e ética nos partidos, mediante
programas de integridade eficazes e adaptados à realidades dos partidos.
24
“Art. 336. Na sentença que julgar ação penal pela infração de qualquer dos arts. 322, 323, 324, 325, 326, 328, 329, 331,
332, 333, 334 e 335, deve o juiz verificar, de acordo com o seu livre convencimento, se o diretório local do partido,
por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente.
Parágrafo único. Nesse caso, imporá o juiz ao diretório responsável pena de suspensão de sua atividade eleitoral
por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas reincidências”.
25
COSTA, Tito. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 110; CUNHA, Mariana
Garcia. Responsabilidade penal dos partidos políticos: análise do art. 336 do Código Eleitoral. Resenha Eleitoral,
TRE/SC, 06/2012.
Importante mencionar que as sanções derivadas da responsabilização objetiva administrativa, civil e eleitoral dos
partidos não interferem na aplicação das penalidades próprias, derivadas do julgamento das prestações de contas
partidárias. Daí porque o art. 5º do art. 32 da Lei nº 9.096, introduzido pela Lei nº 13.165/2015, e que estabelece
que “a desaprovação da prestação de contas do partido não ensejará sanção alguma que o impeça de participar
do pleito eleitoral” não teria qualquer influência num contexto de eventual responsabilização eleitoral objetiva.
dos partidos políticos com seus filiados, com terceiros, com prestadores de serviço e
fornecedores e com a Justiça Eleitoral.
O modelo ideal de implementação da política de compliance partidário, no nosso
entendimento, é o modelo misto, também já adotado na Espanha, e através do qual
sistemas de integridade passam a ser obrigatórios (o que deve gerar a revisão de todos
os Estatutos Partidários em prazo a ser legalmente fixado) e, associado a isso, sua real
efetividade é de ser aferida apenas no contexto de eventual aplicação de penalidades,
a serem previstas num cenário a ser legalmente fixado de responsabilização objetiva
das agremiações partidárias (modelo de varas e cenouras).
Como forma de atribuição de máxima efetividade à política de integridade voltada
a partidos políticos, o que se sugere é que regras de democracia interna no partido,
por refletirem na possibilidade de controle efetivo dos atos partidários e no grau de
transparência da agremiação, devem ser consideradas como parâmetros de aferição da
efetividade do sistema de integridade, no momento de eventual redução de reprimenda.
Para além disso, os mecanismos de integridade seriam obrigatórios apenas para
os diretórios nacionais e, quanto aos estaduais e municipais, para aqueles que receberem
a partir de um determinado valor do fundo partidário no ano anterior, a ser fixado pelo
Tribunal Superior Eleitoral, com o que se pretende adequar a exigência de uma política
de compliance com a baixíssima estrutura de muitos órgãos partidários no Brasil.
Essas conclusões iniciais, é bom que se diga, devem ser aprimoradas e mais bem
detalhadas em estudos posteriores. No entanto, revelam como a temática tem sido tratada
de forma genérica e superficial no Brasil, com o risco de criação de normas despidas do
tônus normativo suficiente para se converterem em fatores de real alteração da realidade
e da cultura partidárias no país.
É preciso tomar a sério o debate em torno do compliance partidário, para que o
design normativo a ser adotado no Brasil confira máxima efetividade a essa política de
prevenção, detecção e combate de irregularidades no seio dos partidos.
Tal como adverte Gonzáles,26 “si entidades privadas, cuyos intereses no dejan de
ser particulares establecen este tipo de políticas de control y cultura de compliance, los
partidos políticos – que fueran parte esencial de nuestro sistema constitucional y realizan
funciones básicas de canalización de la participación ciudadana – deben seguir ese
mismo recorrido, sentando las bases de un sistema de control y responsabilidad de los
partidos políticos – y sus miembros – en lo que podríamos denominar una arquitectura
democrática del siglo XXI”.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
PINHEIRO, Maria Claudia Bucchianeri. Tomemos a sério o debate em torno do compliance partidário:
uma primeira reflexão crítica dos Projetos de Lei nºs 60/2017 e 429/2017, do Senado Federal. Em busca
de um modelo efetivo. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 225-251.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
26
GONZÁLEZ, Jorge Alexandre. Función de compliance y partidos políticos en España. Debate 21, maio de 2015.
Acesso em: jan. 2018.
DIREITO DE ANTENA
PAULA BERNARDELLI
1.1 Introdução
As discussões e debates sobre o Direito de Antena muitas vezes se pautam na
análise da pertinência ou não de sua manutenção como elemento útil à disputa eleitoral.
Aborda-se, assim, seu custo aos cofres públicos, seu alcance social e a sua capacidade
de influenciar o resultado eleitoral.
Sem ignorar a pertinência dessas questões para a construção de um cenário
eleitoral cada vez mais verdadeiramente democrático, pretende-se aqui outra abordagem.
Parte-se da ideia do Direito de Antena como conquista democrática – que, portanto, será
analisado não só pelo seu valor atrelado à capacidade de construção de um resultado nas
eleições, mas também, e principalmente, em função da sua utilidade para a construção
do debate público.
A ocupação do espaço público por ideias plurais é essencial para a construção
de uma democracia republicana e, por essa leitura, o Direito de Antena não apenas é
essencial, como, arrisca-se dizer, deveria ser estendido para outros grupos de relevância
social.
Analisam-se, portanto, o histórico dessa conquista democrática, o valor da
liberdade de expressão política para a construção da esfera pública, e, com isso, as
possibilidade de regulação para o melhor e mais democrático exercício desse direito,
analisando, brevemente, as medidas judiciais possíveis para controle de eventuais abusos.
1
DUARTE, Adriana. Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Disponível
em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo>. Acesso em: nov. 2017.
Até o início dos anos 30 havia total liberdade para utilização das ondas de
rádio. Foi a Constituição Federal de 1934 que trouxe a primeira mudança legislativa
significativa no tratamento das ondas de radiodifusão, com a nova ordem Constitucional,
ficou definida como competência privativa da união explorar ou dar em concessão os
serviços de radiocomunicação.2
A Constituição de 1937 manteve a competência privativa da União para exploração
dos serviços e a estendeu para a possibilidade de legislar sobre o tema,3 permitindo aos
Estados legislar sobre radiocomunicação apenas em algumas hipóteses.4 Ainda, o artigo
122, 15, “a”, previa a possibilidade de censura prévia, estabelecendo que a lei poderia
prescrever “com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia
da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade
competente proibir a circulação, a difusão ou a representação”.
A Constituição de 1946 foi promulgada em um novo cenário. Com o surgimento e
popularização da televisão, foi incluída entre as competências da União a possibilidade
de explorar também os serviços de radiodifusão. A utilização do espectro eletromagnético
neste período é colocada, ao contrário da lógica privada da década de 30, como serviço
exclusivamente público e vinculado ao Estado, embora explorado por grupos econômicos
privados, nacionais e estrangeiros.
Foi somente com a Constituição Federal de 1988, que incluiu os direitos ambientais
de índole difusa, que a radiodifusão e radiocomunicação passaram a ter um novo
tratamento constitucional, sendo abarcados no que se chamou de Direito de Antena.
Diferente de muitos países nos quais o Direito de Antena se refere à possibilidade
de criar empresas cujo objeto é a difusão de mensagens culturais e informativas,5 no
Brasil, está relacionado aos agentes transmissores e captadores da transmissão. Direito
de Antena é o direito de captar e transmitir ondas eletromagnéticas. Sob essa perspectiva
o Direito de Antena “A exemplo de outras formas de promoção da responsabilidade
social da mídia supera a via de sentido único, e transforma a comunicação numa via de
mão-dupla entre emissores e receptores; entre público, profissionais e empresários”.6
O direito de captação e transmissão da comunicação baseada em ondas eletro-
magnéticas, assim, é colocado nessa nova ordem constitucional como direito a bem de
uso comum do povo, o que indica que seu exercício pode ocorrer pelo Estado e pela
sociedade civil organizada.7
2
“Art. 5º – Compete privativamente à União: (...) VIII – explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos,
radiocomunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias-férreas que liguem
diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais, ou transponham os limites de um Estado;”
3
“Art. 16 – Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: (...) X – correios,
telégrafos e radiocomunicação;”
4
“Art. 18 – Independentemente de autorização, os Estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre
a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou
diminuam es exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta regule, sobre os seguintes
assuntos: (...) b) radiocomunicação; regime de eletricidade, salvo o disposto no nº XV do art. 16;”
5
Essa definição de Direito de Antena é adotada em países como Espanha, Itália e Alemanha. Sobre o tema:
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 419.
6
PAULINO, Fernando Oliveira. Responsabilidade social da mídia: análise conceitual e perspectivas de aplicação no
Brasil, Portugal e Espanha. 2008. 348 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade de Brasília, Brasília,
2008.
7
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito de Antena em face do direito ambiental brasileiro. Tese de Livre Docência.
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade São Paulo, São Paulo, 2000, p. 130.
8
“Além dos partidos políticos, devem poder exercer o chamado direito de antena, já instituído nas Constituições da
Espanha e de Portugal, as entidades privadas ou oficiais, reconhecidas de utilidade pública. Ou seja, elas devem
poder fazer passar suas mensagens, de modo livre e gratuito, no rádio e na televisão, reservando-se, para tanto,
um tempo mínimo nos respectivos veículos.” COMPARATO, Fábio Konder Prefácio. In: LIMA, Venicio Artur
de. Liberdade de expressão vs. liberdade de imprensa. Publisher: 2010.
9
“Art. 130. As estações de rádio, com exceção das referidas no artigo anterior e das de potência inferior e dez
kilowats, nos noventa dias anteriores às eleições gerais de todo o país ou de cada circunscrição eleitoral, reservarão
diariamente duas horas à propaganda partidária, sendo uma delas pelo menos à noite, destinando-as, sob rigoroso
critério de rotatividade, aos diferentes partidos, mediante tabela de preços iguais para todos.”
10
“Art. 11. A Justiça Eleitoral fará ampla divulgação pela imprensa e pela radiodifusão onde houver bem assim
por meio de cartazes afixados em lugares públicos das relações dos nomes e dos números correspondentes
dos candidatos registrados, com indicação do partido ou da coligação a que pertençam. (...)§3º As estações de
radiodifusão e televisão de qualquer potência, inclusive as de propriedades da União, dos Estados, Distrito Federal
e Territórios, Municípios, Autarquias Sociedades de Economia e Fundações, nos 60 (sessenta) dias anteriores às 48
(quarenta e oito) horas do pleito de cada Circunscrição Eleitoral do País, reservarão diàriamente duas (2) horas
para propaganda política gratuita, sendo uma delas durante o dia entre as 13 (treze) e as 18 (dezoito) horas e
outra à noite entre as 20 (vinte) e as 22 (vinte e duas) horas sob critério de rigorosa rotatividade aos diferentes
partidos, e distribuídos entre êles na proporção das respectivas legendas no Congresso Nacional e nas Assembléias
Legislativas Estaduais e, Câmaras Municipais. §4º Para efeito de comprimento do disposto nos parágrafos anteriores
a distribuição dos horários dos diversos partidos será fixada e fiscalizada pela Justiça Eleitoral. §5º No caso de
aliança de partidos a ela se atenderá com observância da igualdade aqui prescrita. §6º O horário não utilizado
por qualquer partido se redistribuirá pelos demais, vedada a cessão ou transferência. §7º No período destinado
à propaganda política gratuita prevista no §3º dêste artigo, não prevalecerão, quaisquer contratos firmados pelas
emprêsas de rádio e televisão que possam burlar ou tornar inexeqüível a regra ali fixada.”
11
“§10. As estações de rádio e televisão é vedado cobrar, na publicidade, política, preços superiores aos que tenham
vigorado, nos 6 (seis) meses anteriores, para a publicidade comum.”
12
“§12. Fora dos horários da propaganda gratuita de que trata o §3º dêste artigo é proibida nos trinta dias que
precedem as eleições a divulgação de propaganda individual ou partidária em qualquer localidade do território
nacional, através do rádio ou da televisão ressalvada apenas a transmissão ou retransmissão não mais de uma
vez, de cada comício público realizado nos locais permitidos pela autoridade competente, na forma da lei.”
13
O artigo 243 estabelecia o que não seria tolerado. Como propagandas de guerra, subversivas, contrárias às forças
armadas, que incitassem as forças armadas contra as classes e instituições civis, que estimulassem atentados
contra pessoas ou bens, que instigassem a desobediência coletiva ou o descumprimento da lei de ordem pública,
caluniosas, difamatórias ou injuriosas.
que proibiu a propaganda paga no rádio e televisão,14 o que nunca mais foi alterado,
bem como criou limites para a propaganda paga em impressos.
Em 1976, com a promulgação da chamada Lei Falcão (Lei nº 6.339), houve
alteração do Código Eleitoral e uma severa restrição do exercício do Direito de Atena,
determinando que na propaganda eleitoral gratuita os partidos podiam exibir somente
foto, currículo do candidato, partido e número do registro, além de poder informar data,
local e hora de comícios. Essa lei foi revogada em 1985, e em 1988 foi constitucionalizado
o direito ao acesso gratuito dos partidos e candidatos ao rádio e à televisão, que na
última reforma eleitoral, com a EC nº 97/17, foi limitado aos partidos que “obtiverem,
nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos
válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um
mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas”, ou aqueles que
“tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação”.15
A Lei nº 9.096/95 regulamentou os artigos 17 e 14 da Constituição Federal,
estabelecendo regras para a Propaganda Partidária e para a Propaganda Eleitoral, mas
foi em 1997, com a Lei nº 9.504, que o Congresso Nacional apresentou uma legislação
mais completa sobre o Direito de Antena no Direito Eleitoral, com regras específicas e
regulação de forma e conteúdo permitido, que serão abordados mais adiante.
Embora o Direito de Antena em si não seja alvo de grandes debates, sendo certa
sua pertinência para a concretização de princípios democráticos e pluralidade do debate
público, sua gratuidade não é assim tão pacífica. Isso porque a gratuidade se aplica
somente aos partidos e candidatos, mas existe um custo real para as emissoras, que é
compensando com abatimento no Imposto de Renda, de forma que o exercício gratuito
do Direito de Antena é considerado uma forma indireta de financiamento público de
partidos e campanhas.
A destinação de dinheiro público – ou, no caso, a abdicação de parcela de
imposto que seria recolhido aos cofres públicos – para financiamento de campanhas
e partidos é medida sempre recebida com duras críticas. Se, por um lado, é alto o
investimento de dinheiro público em campanhas e partidos, cenário que, aliado à crise
de representatividade, cada vez mais evidente faz parecer esse investimento, numa
análise superficial, bastante inadequado, por outro, a gratuidade do horário permite
que partidos e candidatos com poucos recursos tenham acesso ao eleitorado e possam
se apresentar e se fazer conhecer, além de reduzir significativamente os custos de uma
campanha eleitoral.
14
“Art. 12. A propaganda eleitoral, no rádio e na televisão, circunscrever-se-á, única e exclusivamente, ao horário
gratuito disciplinado pela Justiça Eleitoral, com a expressa proibição de qualquer propaganda paga. Parágrafo
único. Será permitida apenas a divulgação paga, pela imprensa escrita, do curriculum-vitae do candidato e do
número do seu registro na Justiça Eleitoral, bem como do partido a que pertence.”
15
“§3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei,
os partidos políticos que alternativamente I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo,
3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um
mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou II – tiverem elegido pelo menos quinze
Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.”
16
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007, p. 350.
17
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 139.
18
HABERMAS, Jügen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 272.
19
Cf. RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. Rio de Janeiro: Ática, 2000.
20
Cf. DWORKIN, Ronald. Sovereign Virtue: the theory and practice of equality. Cambridge: Harvard University
Press, 2000. Em igual sentido
21
Cf. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. São Paulo:
Martins Fontes, 2008.
22
DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here?: principles for a new political debate. Princeton: Princeton University
Press, 2006. Em igual sentido: NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra:
Coimbra, 2006, p. 32-35.
23
HABERMAS, Jügen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 280.
24
HABERMAS, Jugen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações sobre uma categoria da sociedade burguesa.
São Paulo:, Unesp, 2014, p. 472.
25
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: companhia das letras, 2012, p. 147.
26
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: companhia das letras, 2012, p. 145.
27
“Art. 44. A propaganda eleitoral no rádio e na televisão restringe-se ao horário gratuito definido nesta Lei, vedada
a veiculação de propaganda paga. (...)§3º Será punida, nos termos do §1º do art. 37, a emissora que, não autorizada
a funcionar pelo poder competente, veicular propaganda eleitoral.”
por pré-candidato.28 Bem como proíbe que o horário de propaganda eleitoral destinado
aos candidatos a determinado cargo eletivo seja utilizado para fazer propaganda para
outro candidato.29
Obriga, ainda, que a mensagem veiculada seja acompanhada de Linguagem
Brasileira de Sinais ou recurso de legenda, para garantir a acessibilidade do discurso
político.30 Proíbe, ainda, o desvirtuamento do espaço, que não pode ser utilizado nem
de forma subliminar para a promoção de marca ou produto.31
A propaganda eleitoral, desde a reforma eleitoral introduzida pela Lei nº
13.165/2015, é transmitida nos trinta e cinco dias que antecedem a antevéspera das
eleições, em dias e horários estabelecidos pelo texto legal.
Contrariando a legítima e necessária preocupação com a igualdade no exercício
do direito de antena, a divisão dos horários destinados à propaganda é feita de forma
consideravelmente desigual entre os partidos, sendo 10% do tempo dividido igualita-
riamente entre os partidos, e 90% proporcionalmente ao número de representantes na
Câmara dos Deputados.32
E se a divisão entre os partidos já é objeto de críticas bastante pertinentes, a divisão
intrapartidária do tempo de antena é ainda mais problemática, isso porque, em razão
da proteção constitucional da autonomia partidária, não existe nenhuma definição legal
para garantir uma divisão entre os candidatos, tratando-se de matéria de competência
exclusiva de cada agremiação, inexistindo qualquer proteção legal para candidatos que
sejam prejudicados nessa divisão.
Por não existir essa determinação – o que é justificável, embora seja possível
questionar os limites da autonomia partidária em um cenário de partidos pouco, ou
nada, democráticos e absolutamente opacos –, a ordem “natural” da divisão do tempo
é dar aos candidatos mais conhecidos mais tempo de propaganda, o que contraria
absolutamente o modelo de democracia republicana pautada no discurso plural,
anteriormente apresentado.
A Lei Eleitoral apresenta ainda outras limitações à forma de comunicação no
exercício do direito de antena. Boa parte dessas limitações encontrava razão de ser
na tentativa de barateamento das campanhas, proibindo, por exemplo, montagens,
28
“Art. 45 §1º A partir de 30 de junho do ano da eleição, é vedado, ainda, às emissoras transmitir programa
apresentado ou comentado por pré-candidato, sob pena, no caso de sua escolha na convenção partidária, de
imposição da multa prevista no §2º e de cancelamento do registro da candidatura do beneficiário.
29
“Art. 53-A. É vedado aos partidos políticos e às coligações incluir no horário destinado aos candidatos às eleições
proporcionais propaganda das candidaturas a eleições majoritárias ou vice-versa, ressalvada a utilização, durante
a exibição do programa, de legendas com referência aos candidatos majoritários ou, ao fundo, de cartazes ou
fotografias desses candidatos, ficando autorizada a menção ao nome e ao número de qualquer candidato do
partido ou da coligação.”
30
“§1º A propaganda eleitoral gratuita na televisão deverá utilizar a Linguagem Brasileira de Sinais – LIBRAS ou
o recurso de legenda, que deverão constar obrigatoriamente do material entregue às emissoras.”
31
“§2º No horário reservado para a propaganda eleitoral, não se permitirá utilização comercial ou propaganda
realizada com a intenção, ainda que disfarçada ou subliminar, de promover marca ou produto”
32
“§2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do §1º, serão distribuídos entre todos os
partidos e coligações que tenham candidato, observados os seguintes critérios
I – 90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos
Deputados, considerados, no caso de coligação para eleições majoritárias, o resultado da soma do número de
representantes dos seis maiores partidos que a integrem e, nos casos de coligações para eleições proporcionais,
o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integrem. II – 10% (dez por cento)
distribuídos igualitariamente.”
33
“Art. 54. Nos programas e inserções de rádio e televisão destinados à propaganda eleitoral gratuita de cada partido
ou coligação só poderão aparecer, em gravações internas e externas, observado o disposto no §2º, candidatos,
caracteres com propostas, fotos, jingles, clipes com música ou vinhetas, inclusive de passagem, com indicação
do número do candidato ou do partido, bem como seus apoiadores, inclusive os candidatos de que trata o §1º
do art. 53-A, que poderão dispor de até 25% (vinte e cinco por cento) do tempo de cada programa ou inserção,
sendo vedadas montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais.”
34
“Art. 54. §4º Entende-se por trucagem todo e qualquer efeito realizado em áudio ou vídeo que degradar ou
ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar
qualquer candidato, partido político ou coligação. §5o Entende-se por montagem toda e qualquer junção de
registros de áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que
desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação.”
35
Virgílio Afonso da Silva bem discorre acerca da relevância e da imprescindibilidade da justificativa nas hipóteses de
mitigação de direitos fundamentais, em tese que defendeu para obtenção do título de livre-docência na Universidade
de São Paulo, Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia (São Paulo: Editora Malheiros, 2010).
ainda que ácidas, vez que “quem exerce atividade pública deve estar preparado para
receber críticas, muitas vezes severas, por estar constantemente sob o escrutínio público”.
Parece claro que, ainda que seja essencial a proteção à honra dos candidatos, “proibir
todo tipo de manifestação de desapreço por alguém que exerça ou pretenda desempenhar
mandato eletivo, além de antidemocrático, porque flerta com a censura, empobrece o
debate público, limita a capacidade de os eleitores formarem seu discernimento, torna
viável o predomínio do pensamento único, incompatível com uma sociedade múltipla
e diversificada em suas tendências e ideologias”.36
O conceito de honra na esfera eleitoral, portanto, é elastecido para dar conta da
profundidade que o debate exige e da liberdade que a democracia necessita no período
eleitoral.
36
Todos os trechos mencionados foram retirados do acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, confirmado
pelo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 1429-11.2016.6.26.0001/SP.
37
“Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido
ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória,
injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social. §1º O ofendido, ou
seu representante legal, poderá pedir o exercício do direito de resposta à Justiça Eleitoral nos seguintes prazos,
contados a partir da veiculação da ofensa: I – vinte e quatro horas, quando se tratar do horário eleitoral gratuito;”
38
“III – no horário eleitoral gratuito: a) o ofendido usará, para a resposta, tempo igual ao da ofensa, nunca inferior,
porém, a um minuto; b) a resposta será veiculada no horário destinado ao partido ou coligação responsável
pela ofensa, devendo necessariamente dirigir-se aos fatos nela veiculados; c) se o tempo reservado ao partido
ou coligação responsável pela ofensa for inferior a um minuto, a resposta será levada ao ar tantas vezes quantas
sejam necessárias para a sua complementação;”
1.6 Conclusão
Na construção do pensamento político há a noção de que uma sociedade melhor
governada é aquela que apresenta repartidos e numerosos centros de poder, sendo
esse um critério de avaliação do nível de democracia de uma sociedade. Essa ideia
de pluralismo, que reúne a ideia de uma sociedade complexa que adota um sistema
político capaz de permitir “aos vários grupos ou camadas sociais que se expressem
politicamente, participem, direta ou indiretamente, na formação da vontade coletiva”,39
abarca de forma inegável a construção histórica do Direito de Antena.
Isso porque, se a imprensa é inegavelmente um centro de poder, sua democra-
tização deve se dar não apenas com a transparência de seu conteúdo, mas também
pela pluralidade no direito de emissão de conteúdo, abrindo espaço para grupos
representativos da sociedade em geral.
Para que esse direito seja exercido da forma mais ampla e democrática possível é
necessária sua regulação, estabelecendo limites, com base na ideia de que uma “adequada
proposta política requer uma pratica de civilidade’ mediante atos de engajamento e
participação”,40 bem como limites objetivos para que a ocupação dos espaços de poder
se deem de forma plural, evitando, assim, que a liberdade de expressão política se perca
em seu próprio excesso.
Não se discute, por óbvio, a possibilidade de censura, muito menos de rejeitar a
ideia fundante da conquista do Direito de Antena – de pulverização de discursos em
espaços limitados de poder –, mas sim da verificação de espaços para abusos de direito
que impeçam seu exercício pleno por outros grupos.
Defender uma concepção irrestrita de liberdade de expressão, livre de qualquer
limitação e interferência estatal – até mesmo para a divisão dos espaços de reverberação
dos discursos –, seria adotar um posicionamento libertário, que ignora até mesmo
39
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira. 4. ed. Brasília: UnB, 1999, p. 16.
40
GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 41.
a diferença nas condições fáticas entre indivíduos que ocupam o espaço público e
constroem o debate.41
Não parece ser esse, contudo, o desenho democrático trazido em nossa Constituição,
em verdade, o discurso libertário parece ser uma grande ameaça ao modelo de
democracia fundado em 1988, vez que, na contramão da ideia de pluralidade, permitiria
o fortalecimento excessivo de determinados indivíduos ou grupos – o que é difícil de
ser combatido mesmo com um texto constitucional mais republicano e igualitário.42
Parece adequado a uma leitura constitucional, portanto, a construção de um
equilíbrio entre controle e proteção do discurso político no exercício do direito de
antena. Sua proteção, aqui, tomada em sentido amplo, de proteger não apenas seu
conteúdo – com elastecimento de conceitos –, mas também a possibilidade de exercício
plural desse direito.
E seu controle em concordância com essa ideia, compreendendo que a liberdade
de expressão individual não é direito absoluto, justamente para evitar abusos que
desvirtuem o exercício desse direito do objetivo de construir canais de comunicação
plurais com os diversos grupos sociais.
Referências
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira. 4. ed. Brasília: UnB, 1999.
COMPARATO, Fábio Konder Prefácio. In: LIMA, Venicio Artur de. Liberdade de expressão vs. liberdade de
imprensa. Publisher: 2010.
DUARTE, Adriana. Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Disponível
em <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo>. Acesso em: nov. 2017.
DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue: the theory and practice of equality. Cambridge: Harvard University
Press, 2000.
DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here?: principles for a new political debate. Princeton: Princeton
University Press, 2006.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito de antena em face do direito ambiental brasileiro. Tese de Livre Docência.
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade São Paulo, São Paulo, 2000.
GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
HABERMAS, Jügen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
HABERMAS, Jugen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações sobre uma categoria da sociedade
burguesa. São Paulo: Unesp, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007.
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006.
41
SOUZA, Claudia Beeck Moreira de; COSTA, Tailane. Libertarismo, felicidade e justiça. In: GABARDO, Emerson;
SALGADO, Eneida Desiree (Org.). Direito, felicidade e justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 141.
42
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 89.
PAULINO, Fernando Oliveira. Responsabilidade social da mídia: análise conceitual e perspectivas de aplicação
no Brasil, Portugal e Espanha. 2008. 348 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade de Brasília,
Brasília, 2008.
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. Rio de Janeiro: Ática, 2000.
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
BERNARDELLI, Paula. Direito de Antena e os limites da liberdade de expressão política. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 255-266. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.)
ISBN 978-85-450-0497-4.
1
VOLTAIRE. Tratado sobre a intolerância. São Paulo: Edipro, 2017.
2
CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
3
BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 96.
4
Idem, p. 87.
5
Expressão utilizada por SOUZA SANTOS, Boaventura. A crítica da razão indolente: contra o desperdício e a
experiência. São Paulo: Cortez Editora, 2001, p. 257.
6
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do estado e ciência política. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 318.
7
Expressão conferida por Otto Kirchheimer, citada por PANEBIANCO, Angelo. Organização e poder nos partidos
políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 511.
8
Idem, p. 511.
9
Idem, p. 512.
10
ABAL MEDINA, Juan. La muerte y la resurrección de la representación politica. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Económica, 2004, p. 69-93.
11
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário com
Agravo nº 1.054.490 (Relator Ministro Luís Roberto Barroso), no qual se discute a questão da possibilidade ou
não de se admitir no Brasil a candidatura avulsa; em outras palavras, se ainda vigerá a opção do constituinte
originário brasileiro de dotar os partidos políticos do monopólio do oferecimento de candidaturas para cargos
eletivos no Legislativo e no Executivo, nos termos da Constituição Federal de 1988 (art. 14, §3º, inciso V) e da Lei
dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95). Essa análise decorre de um recurso no qual um cidadão insurge-se contra
decisão da Justiça Eleitoral que indeferiu sua candidatura avulsa a prefeito do Rio de Janeiro (RJ) nas eleições
de 2016. A motivação do Judiciário ordinário eleitoral decorre da própria Constituição Federal, na qual, em seu
artigo 14, parágrafo 3º, inciso V, veda candidaturas avulsas ao estabelecer que a filiação partidária é condição
de elegibilidade. No recurso ao STF, o candidato sustenta que o Texto Constitucional deveria ser interpretado
conforme à Convenção de Direitos Humanos de San José da Costa Rica, a fim de permitir que os cidadãos
brasileiros tenham o direito de ser candidatos (e, posteriormente, eleitos) sem a exigência da filiação partidária
(condição de elegibilidade). Essa decisão pode gerar efeitos, inclusive, alterações na própria jurisprudência firmada
pelo Supremo Tribunal Federal em 2007, quando definiu que o mandato parlamentar no sistema proporcional
pertenceria ao partido político e não ao próprio candidato (questão da infidelidade partidária).
12
Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99054.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2017.
13
Disponível em: <https://www.itu.int/en/ITU-D/Statistics/Documents/publications/misr2017/MISR2017_Volume2.
pdf>. Acesso em: 03 dez. 2017.
14
A realidade brasileira (2016) é superior, por exemplo, aos países como a Índia (29,55%) e China (53,20%), mas
ainda inferior aos Estados Unidos (76,18%), Rússia (76,41%), França (85,62%) e Alemanha (89,65%) e a alguns
países latino-americanos, tais como da Argentina (70,15%), Uruguai (66,40%), Chile (66,01%) e Venezuela (60,00%).
15
BUENO, Roberto. Sociedade aberta democrática. São Paulo: Mackenzie, 2007, p. 325.
16
SALGADO, Eneida Desiree. Os partidos políticos e o estado democrático: a tensão entre a autonomia partidária
e a exigência de democracia interna. In: SALGADO, Eneida Desiree; DANTAS, Ivo. Partidos políticos e seu regime
jurídico. Curitiba: Juruá, 2013, p. 135-165, p. 136.
17
A autora explica em nota de rodapé que essa expressão foi cunhada por Richard Sennett (SENNET, Richard. A
cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 151), com o objetivo de destacar a espetacularização
das campanhas eleitorais, o desenvolvimento discursivo com poucas diferenças de conteúdo entre os adversários
e com uma atuação propagandística eleitoral focada na pessoa do candidato e não no partido. Idem, p. 136.
18
HABERMAS, Jüngen. A transformação estrutural da esfera pública. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.
362.
19
AVELAR, Lúcia. Elites políticas, o eleitorado brasileiro e perspectivas da democracia na década vindoura. In:
Democracia como projeto para o século XXI. Debates. n. 17. Ano 1998. Centro de Estudos Konrad Adenauer
Stiffung, p. 9-26, p. 9.
20
POGLIESE, Marcelo Weick. Em busca da ágora pós-moderna: o governo eletrônico deliberativo como
alternativa democrática de gestão das cidades brasileiras. Defesa em 11 de agosto de 2015. 316 fls. Tese
(Doutorado) –Universidade do Estado Rio de Janeiro – UERJ, Centro de Ciências Sociais, Faculdade
de Direito da UERJ. Disponível em: <http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/processaPesquisa.
php?listaDetalhes%5B%5D=7241&listaIncluiPasta%5B%5D=7241&processar=Processar>. Acesso em: 10 dez. 2017.
21
GUIZOT, François. A história das origens do governo representativo na Europa. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008, p. 637.
22
RAHN, Wendy M., KROSNICK, John A., BREUNING, Marijke. Rationalization and derivation process in survey
studies of political candidate evaluation. American Journal of Political Science, 38:582-600, p. 592, 1994.
23
ACHEN, Christopher H., BARTELS, Larry. Democracy for realists: why elections do not produce responsive
government. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2016, p. 269.
24
Idem, p. 313.
25
ABREU, Giovanna, NICOLAU, Marcos. Big data, publicidade e consumidor dataficado: o caso da série House of
Cards. Cultura e Mídia – Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB. Ano X, n. 18, p. 135-151,
p. 137, jan./jun. 2017. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/em>. Acesso em: 03 dez. 2017.
26
Termo sugerido por ABREU e NICOLAU para “identificar consumidores que têm todos os seus dados pessoais
capturados, armazenados e analisados por empresas que objetivam rentabilizar a informação em torno do seu
próprio negócio. O termo em inglês é scored consumer”. Idem, p. 135.
27
VAN DIJCK, José. Confiamos nos dados? As implicações da datificação para o monitoramento social. Matrizes. v. 11,
n. 1, jan./abr. 2017. USP, São Paulo, p. 39-59. Disponível em: <www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/131620>.
Acesso em: 03 dez. 2017.
28
Idem, p. 43.
29
Idem, p. 44.
30
“Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de
voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes
atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: I – a participação de
filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na
televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras
de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; II – a realização de encontros, seminários ou
congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos
eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo
tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; III – a realização de prévias
partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão
da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; IV – a divulgação de atos de parlamentares e
debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre
questões políticas, inclusive nas redes sociais; VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de
iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade,
para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias; VII – campanha de arrecadação prévia de recursos na
modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23 desta Lei; §1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras
de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social;
§2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-
candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver; §3º O disposto no § 2º não se
aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão.”
31
COURA, Alexandre Basílio. Propaganda eleitoral na internet. Apresentação realizada no VII Ciclo de Debates
da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. Mesa 2 – Propaganda eleitoral e condutas ilícitas nas
campanhas eleitorais. Evento realizado no Allia Gran Hotel, Brasília – DF, em 01 de dezembro de 2017. Disponível
em: <https://prezi.com/view/m/KsEXPWMEzN2poeG7mPHa/>. Acesso em: 01 de dezembro de 2017.
32
“Art. 26 – São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei: (...) XV – custos
com a criação e inclusão de sítios na internet e com o impulsionamento de conteúdos contratados diretamente
com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País.”
33
A alínea “b”, inciso IV, do art. 57-B, da Lei nº 9.504/97, veda a possibilidade de as pessoas naturais contratarem
impulsionamento de conteúdos na internet.
34
Art. 57-B, “§2º – Não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de
aplicação de internet com a intenção de falsear identidade”.
35
“Art. 57-C – É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o
impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente
por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.”
36
<https://sclgroup.cc/home>.
37
<https://cambridgeanalytica.org>.
38
Disponível em: <https://www.showmetech.com.br/big-data-trump>. Acesso em: 04.12.2017. Sobre o tema, ver
também: <http://www.mediapicking.com/medias/files_medias/nytimes---google-and-facebook-take-aim-at-fake-
news-sites-0237488001479491012.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2017.
39
No Brasil, embora a Resolução TSE nº 23.404/2014 impedisse a realização de propaganda eleitoral via telemarketing,
em qualquer horário (art. 25, §2º, da referida Resolução), nas eleições de 2014 foram constatados alguns casos
em que os telefones móveis e fixos dos eleitores foram acionados com mensagens eletrônicas pelo sistema VoIP
(Voice over Internet Protocol). Este sistema funciona como um telefone convencional, porém usa a rede da internet
já existente como meio de transmissão de voz; ou seja, as ligações são realizadas pela internet, sem passar,
necessariamente, pelas centrais telefônicas das operadoras. Nas eleições para o Governo do Estado do Rio de
Janeiro, Eleições de 2014, os candidatos Marcelo Crivella e Lindbergh Farias foram vítimas, respectivamente,
de mensagens de áudio caluniosas, difamatórias e injuriosas transmitidas aos telefones dos usuários (eleitores)
daquele Estado por intermédio do desencadeamento de milhares de ligações via sistema VoIP, o que dificultou
em demasia o rastreamento dos seus responsáveis, inclusive porque a maioria dos equipamentos que deu origem
às referidas ligações estava alocada fora do Brasil (Trata-se da AC nº 0006947-48.2014.6.19.0000 e AIJE nº 0007782-
36.2014.6.19.0000 – Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro).
40
O TSE manteve, posteriormente a Resolução nº 23.404/2014, a proibição do uso de telemarketing em campanhas
eleitorais e partidárias (Vide Resolução TSE nº 23.457/2015 – art. 27, §2º; e, em seguida, Consulta nº 0000385-
80.2016.6.00.0000. Publicado no DJe 02.08.2017).
sobre política), seja porque se consolida um diálogo extremista entre grupos dotados
de diversas personalidades e pensamentos.41
Esses movimentos arquitetados na internet exploram nos indivíduos o sentimento
de indignação e desilusão e os tornam, sob à égide de uma suposta cidadania digital,
defensores de posições mais radicais e intolerantes, muitas vezes em velocidade e
proporção (efeito tsunami) difíceis de serem contidas (e revertidas) pelos adversários e
oponentes no curto lapso temporal das campanhas eleitorais.
Então, pergunta-se: a Justiça Eleitoral pode funcionar como o tutor ou censor
em defesa do “debate fértil e autêntico” da boa propaganda eleitoral, limitando-se
apenas a aceitar aquela que viesse a ser vinculada “às propostas de planos de governo,
divulgação e discussão de ideias, lastreadas no interesse público e balizadas na ética,
decoro e urbanidade”, como se tentou fazer nas eleições presidenciais brasileiras de
2014?42 Como controlar tudo isso à luz do direito à liberdade de exposição dos partidos
políticos e dos candidatos?
Sobre esse tema, há uma constatação que precede toda a discussão: a baixa
densidade constitucional interpretativa do Direito Eleitoral brasileiro para fins de
posicionamento da liberdade de expressão e de seus direitos consectários (entre os
quais a liberdade de exposição dos partidos políticos e candidatos). Essa questão já foi
tratada por alguns autores nacionais, a exemplo de Osorio43 e Sarmento,44 este, por sua
vez, defensor da ideia de que existe “uma verdadeira banalização da censura imposta
pela Justiça Eleitoral”.
Por óbvio, não se está a defender que a liberdade de expressão (nas suas diversas
facetas) é um direito absoluto. Há precedentes do Supremo Tribunal Federal45 e do
próprio Tribunal Superior Eleitoral46 que realizam a necessária ponderação de interesses
para fins de convivência harmônica entre a liberdade de expressão e os demais direitos
fundamentais.
Assim como se deu, por exemplo, no julgamento da ADI nº 4.450,47 quando
admitiu o direito dos humoristas (programas humorísticos, charges e caricatura em modo
geral) de fazerem “críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente,
sarcástico, irônico ou irrelevante, especialmente contra autoridades e aparelhos do
Estado”, a questão é garantir,
41
HOPP, Toby; VARGO, Chris J. Does negative campaign advertising stimulate uncivil communication on social
media? Measuring audience response using big data. Computers in Human Behavior 68 (2017) 368-377, p. 369.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.chb.2016.11.034>. Acesso em: 11 dez. 2017.
42
Expressões extraídas dos precedentes: TSE – Representação nº 165865, Relator Ministro Admar Gonzaga. Decisão
por maioria. Publicado em 16.10.2014; e, Representação nº 172445, Relator Ministro Admar Gonzaga. Publicado
em Sessão 21.10.2014. Importante destacar que nos julgados ora mencionados o enfoque da análise era o programa
eleitoral gratuito em emissoras e rádio e televisão, o que poderia, com as reservas quanto à interpretação, ser
justificada à luz do art. 221, da Constituição Federal.
43
OSORIO, Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
44
SARMENTO, Daniel. Quando a censura veste a toga. Observatório de imprensa, 05.10.2010. Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/caderno-da-cidadania/quando-a-censura-veste-toga/>. Acesso em: 10
dez. 2017.
45
ADI nº 2404/DF, Relator Ministro Dias Toffoli. DJe 01.08.2017.
46
TSE – Representação nº 0001312-17.2014.0.00.0000. Relator Ministro Admar Gonzaga Neto. Acórdão de 25.09.2014.
47
STF. ADI nº 4451. Relator Ministro Carlos Ayres Britto. DJe 24.08.2012.
48
OSORIO. Idem, p. 83.
49
TSE. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 1987-93.2014.6.03.0000. Relator Ministro Luiz Fux.
Decisão Unânime. DJe 27.10.2017.
50
“Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio
da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c
do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem
eletrônica.”
51
SILVA, Virgílio Guimarães Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros, 2009.
52
“Art. 220 da CF – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
53
Decisão do STF que denegou o pedido formulado por um escritor de obra literária de conteúdo racista e antissemita.
54
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do hate speech. In: SARMENTO, Daniel. Livres e
iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2006.
55
Idem.
56
DWORAK, Fernando. A favor de las campañas negativas. Um alegato para México. Revista del Instituto de Ciencias
Juridicas de Puebla, México. ISSN: 1870-2147. Ano VI, n. 30, p. 118-135, julio-decembre 2012.
57
OSORIO. Idem, p. 229.
58
Art. 45, §1º, inciso III, da Lei nº 9.096/95.
59
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e mentira na política. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 203.
60
OSORIO. Idem, p. 236.
caso recente, o Superior Tribunal de Justiça brasileiro não acatou pleito da empresa
de comunicação Folha de S.Paulo no qual questionava a coexistência de um veículo
jornalístico, denominado Falha de São Paulo, cujo conteúdo cinge-se em produzir crítica
aos posicionamentos políticos e ideológicos da outra (Folha). Venceu no Superior
Tribunal de Justiça a tese de que a empresa Falha produz paródia com base nas matérias
produzidas pela Folha, expressando-se, de modo contrário às opiniões expostas pelo
jornal, por meio da sátira e do humor.61 Como destacou o Ministro Luis Felipe Salomão,
61
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1548849 – São Paulo. Relator Ministro Marco Buzzi. Relator
para o Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Publicado no DJ em 04.09.2017.
62
Aqui também se aplica à paródia musical, inclusive quanto é utilizado os hinos e símbolos nacionais. A Suprema
Corte americana, por exemplo, admitiu como absorvido pelo direito à liberdade de expressão e manifestação do
pensamento a possibilidade de se queimar a bandeira dos Estados Unidos como forma de protesto.
“novos inimigos digitais” (internos ou externos) não sejam justificativas isoladas para
a consolidação de uma posição legal e jurisprudencial exaustivamente cerceadora da
liberdade de expressão e de cooptação partidária na arena pública, aqui incluída as
ações comunicacionais dentro da pré-campanha e no próprio micro processo eleitoral.
Além da importância de se realizar uma efetiva construção doutrinária e
jurisprudencial que diferencie a exposição negativa (importante para o debate político)
da exposição suja (suscetível de restrição), propõe-se que os excessos da cooptação
discursiva partidária e eleitoral sejam combatidos no mundo das redes com algumas
medidas operacionais, algumas já existentes, inclusive, na legislação eleitoral brasileira
(proibição do anonimato, teto de gastos para contratação de serviços de impulsionamento,
proibição de contratação de empresa estrangeira, entre outros), sem comprometimento
do núcleo estruturante do direito constitucional à liberdade de expressão, fundamental
a manutenção e aprimoramento das democracias contemporâneas.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
POGLIESE, Marcelo Weick. A liberdade de exposição e a cooptação partidária em tempos digitais. In:
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz
Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 267-280. (Tratado de Direito Eleitoral,
v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
3.1 Introdução
A democracia é um patrimônio civilizatório aperfeiçoado desde o seu nascedouro,
na Antiguidade Clássica. Durante o período histórico ocorreram incontáveis modificações
na forma de concretização dos processos democráticos; contudo, nos últimos séculos,
uma característica se mantém: a democracia, em última instância, materializa-se num
conjunto de relações decorrentes do exercício do poder por uma parcela da população.
Desde que evolve para um modelo representativo, a experiência democrática
é protagonizada por duas personagens que mantêm uma relação quase simbiótica:
o eleitor e o candidato. O eleitor é o titular natural do poder de escolha, a quem cabe
nomear – em nível coletivo – os administradores de seus interesses e os representantes
de suas opiniões no parlamento e no comando da administração pública. A concretização
desse direito, obviamente, depende da existência de alternativas políticas personificadas
na figura dos candidatos. Assim é que ambos surgem como atores determinantes para
o funcionamento da engrenagem do modelo de governança popular.
Esse modelo, no entanto, possui exigências axiológicas mais finas, uma vez
que se preocupa, adicionalmente, com a justificação do governo estabelecido e com
a harmonização dos divergentes interesses sociais. Nesse contexto, o imperativo da
igualdade representa um bem axial para o direito das eleições, notadamente porque
não existe democracia onde a competição pelos cargos políticos não se desenhe a partir
da premissa de que todos os concorrentes são, à luz do sistema, essencialmente iguais.
Nada obstante, é certo que o arranjo brasileiro responde, em perspectiva histórica,
ao patrimonialismo, valorizando em termos desmedidos a capacidade econômica dos
candidatos, tornando esse status elemento de primeira grandeza no processo eleitoral. A
configuração normativa das disputas falha em desativar essa pré-condição de vantagem
e, assim, o destino dos pleitos sói gravitar em torno do cabedal financeiro dos diversos
concorrentes. Não por acaso, o Direito Eleitoral dedica muito de sua força ao controle do
modo como são realizadas as campanhas eleitorais (estabelecendo limites financeiros e
63
Atualmente, a concessão de tratamento constitucional à matéria eleitoral é, praticamente, uma constante universal.
Nada obstante, no século XIX não era raro que a disciplina, sempre polêmica e dinâmica, ficasse de fora das cartas
políticas. Veja-se, por exemplo, que a Constituição argentina, datada de 1853, silenciou sobre o tema por mais de
um século, até que os direitos políticos finalmente lhe fossem insertos na reforma constitucional de 1994.
64
No contexto internacional, as eleições nacionais gozam de boa reputação. De acordo com a avaliação realizada pela
iniciativa PEI (Perceptions of Electoral Integrity), os pleitos brasileiros demonstram resultados bastante satisfatórios:
a escala obtida (67,46, para um máximo de 100) supera a média global, atualmente firmada em 55,58, assim como
a média ostentada pelo continente pan-americano (58,07). Com a nota, o país restou enquadrado na categoria
quatro, relativa a eleições com “alta taxa de integridade”. Na visão dos especialistas, a média de apreciação da
integridade em termos gerais é igualmente satisfatória, alcançando a marca de 8,76 pontos, numa escala de zero
a dez.
65
Não se nega que o enfraquecimento das posições ideológicas, embalado pelo surgimento dos meios de comunicação
de massas e pela volatilidade do eleitorado, vem ocorrendo em termos globais, como, a propósito, alerta MANIN
(2013). Argumenta-se, não obstante, que no Brasil o fisiologismo partidário alcança níveis extraordinários, por
exemplo demonstrados pelo incessante inchaço no sistema de partidos e pela abundância das denominadas
“legendas de aluguel”.
66
A Carta de 1824, v.g. refletia esse aspecto, restringindo o direito de voto aos que percebessem renda anual
mínima de 100 mil réis. Posteriormente, Lei Eleitoral de 1846 elevou o nível de renda, dificultando ainda mais o
acesso à cidadania. Em 1875, a lei que criou o registro permanente de eleitores também os obrigou a efetuar uma
comprovação de renda, o que dificultava sobremodo o seu registro (ALVIM, 2012).
67
Essa tradição de “mandonismo” (QUEIRÓZ, 1976) foi relacionada com os governos oligárquicos e ruralistas
típicos da República Velha, a Revolução de 1930 e ascensão de Getúlio Vargas não foram suficientes para o
seu desmonte. Na verdade, as oligarquias rurais passaram a ser ladeadas por grupos políticos com métodos e
propósitos similares, mas com bases fincadas nas cidades. Os grupos políticos notáveis vêm sendo sucessivamente
substituídos, mas ainda possuem forte fundo econômico na sua chegada ao poder.
68
Os vultosos custos dos pleitos prejudicam a competitividade das eleições, na medida em que excluem da disputa
eletiva um imenso número de cidadãos. O aumento progressivo das despesas eleitorais é algo que só pode
interessar a atores economicamente privilegiados. As últimas eleições presidenciais brasileiras bateram todos os
recordes de gastos e, não por coincidência, os pleitos majoritários raramente são vencidos por candidatos com
campanhas modestas. No pleito de 2014, os três primeiros colocados, Dilma Roussef, Aécio Neves e Marina Silva,
foram, nessa exata ordem, aqueles que despenderam o maior volume de recursos (R$350 milhões; R$223 milhões e
R$62 milhões, respectivamente), sendo ainda interessante notar que todos os partidos que conseguiram eleger ao
menos um deputado federal gastaram pelo menos a quantia de R$10 milhões, conforme levantamento do jornal O
Estado de São Paulo, em matéria publicada em 1º de dezembro de 2014. Em comparação, as eleições argentinas,
sujeitas a um teto de gastos fixado por lei (Leis nºs 26.215 e 26.571), apresentam um controle normativo apto a
frenar a escalada ilimitada dos gastos. Para o pleito de 2015, as eleições presidenciais no país vizinho tiveram
como limite máximo o montante de $169.812,774, o que denota a realização de campanhas consideravelmente
menos dispendiosas do que as brasileiras: considerados os respectivos tetos (maior gasto realizado, no caso
brasileiro, e limite legal, no caso argentino), em números arredondados as eleições brasileiras de 2014 custaram,
em dólares, USD 0,79 por eleitor, ao tempo em que o pleito argentino que se aproxima poderia, no máximo,
chegar ao patamar de USD 0,58. Ou seja: mesmo que uma agremiação argentina atingisse o máximo previsto em
lei, ainda assim teria desembolsado, por eleitor, um valor 36% menor do que se verificou no Brasil.
69
Jairo Nicolau (2012), José Murilo de Carvalho (2011) e Márlon Reis (2013) concordam com a existência de uma
cultura patrimonialista no processo eleitoral brasileiro.
No campo dos direitos políticos, entretanto, essa oxigenação ainda não foi sentida
por completo. Com efeito, o processo eleitoral brasileiro tem ainda os rumos em grande
medida ditados pelo dinheiro, muitas vezes sobressalentes sobre os atributos históricos,
pessoais e programáticos dos diversos candidatos. É perfeitamente viável a interação
entre direitos políticos e direitos de personalidade em unicidade, vez que a aplicação
estanque dos dois blocos protetivos não possui o mesmo potencial positivo. Dessa
maneira, a repersonalização do candidato permitiria:
Essa privatização dos espaços públicos movida pelo individualismo tem o condão
de produzir efeitos profundos na dinâmica do exercício do direito de sufrágio ativo,
libertando o candidato das amarras patrimoniais e permitindo que ele possa exercitar a
sua individualidade. A individualidade materializa-se pelo desejo de ser único dentro
de um universo de iguais (BAUMAN, 2009). A concretização desse individualismo
passa, indubitavelmente, pela repersonalização do candidato, ou seja, é necessário
e inadiável que o candidato seja agraciado pela aplicação do princípio da dignidade
da pessoa humana ao processo eleitoral, o que implica a defesa concreta de direitos e
interesses até agora relegados a planos secundários.
Esse processo não é traumático nem irrealizável. Na verdade, o cerne do debate
acerca da repersonalização do candidato é, basicamente, interpretativo: não se pretende
realizar uma revolução normativa, mas uma ponderação hermenêutica. O frenesi de
alteração legislativa é uma ilusão simbólica. A boa norma permanece intacta, servindo
ao trabalho do intérprete como a tela à ação do pintor. Trata-se do paradoxo de toda
norma: permanecer imutável, mas sempre atual.70
Trata-se, portanto, basicamente, de um processo de reconhecimento de direitos
já regulados. Inicialmente, o candidato tem direito pleno ao uso do nome, assim, não
devem prosperar ações que objetivam impedir alguém de registrar nome para a disputa
eleitoral que envolva referência a órgão público. O Estado não pode impedir o uso de
uma alcunha que representa a identidade do indivíduo naquela comunidade.
Do mesmo modo, não se pode coibir o direito à identidade sexual; assim, os
transexuais que participem das eleições têm o direito de promover o seu registro de
candidatura com a designação do sexo conforme sua autoidentidade, mesmo que em
contrariedade com sua condição biológica.
No corpo da eleição, há que se reconhecer o direito dos concorrentes à intimidade,
privacidade e honra, especialmente, através do estabelecimento de limites objetivos
para a realização da propaganda eleitoral. Não é possível que o ataque à vida privada
do candidato e a divulgação de dados íntimos de sua vida possam ser matéria que
interesse ao eleitorado.
No mesmo sentido, há que se reconhecer o direito do candidato ao esquecimento
para impedir a divulgação de fatos de seu passado que sejam meramente desabonadores
70
Michel Foucault (2012, p. 24) confirma a ideia, ao diferenciar o comentário da obra comentada: “o fato de o texto
primeiro pairar acima, sua permanência, seu estatuto de discurso sempre reatualizável, o sentido de múltiplo
ou oculto de que passa a ser detentor, a reticência e a riqueza essenciais que lhe atribuímos, tudo isso funda uma
possibilidade aberta de falar”
71
Cunhada por Fulco Lanchester, a expressão se refere a setores do ordenamento eleitoral destinados à regulamentação
do acesso à disputa e a garantias de igualdade de oportunidades entre os sujeitos que adentram aquela competição.
A legislação eleitoral de contorno, portanto, diz respeito eminentemente ao arranjo que configura as condições
postas para a organização e para o desenvolvimento das campanhas eleitorais.
72
A essencialidade da igualdade na seara eleitoral é também sublinhada por Jorge Miranda (2007, p. 241): “Igualdade
eleitoral abrange tudo quanto tenha a ver com eleições, mesmo antes de iniciados os respectivos procedimentos.
É igualdade: na formação dos sujeitos proponentes de candidaturas; na obtenção dos elementos necessários à
formalização das candidaturas; nos direitos das candidaturas e dos candidatos; na fiscalização das operações de
votação e apuramento; nos meios contenciosos”. Continuando, assevera, ainda, que a isonomia “[...] não rege
apenas as relações dos cidadãos com o Estado ou no âmbito da comunidade política em geral mas também as
relações das pessoas singulares no interior de quaisquer instituições, associações ou grupos”.
[...] fundamental que a legislação que disciplina o sistema eleitoral, a atividade dos partidos
políticos e dos candidatos, o seu financiamento, o acesso aos meios de comunicação, o
uso de propaganda governamental, dentre outras, não negligencie a ideia de igualdade
de chances sob pena de a concorrência entre agremiações e candidatos se tornar algo
ficcional, com grave comprometimento do processo democrático.
mais contundente, pela extensão do plexo de direitos fundamentais operada pelo artigo
5º, §2º, que incorpora ao ordenamento jurídico interno normas oriundas de tratados
que tenham entre os seus signatários o Estado brasileiro, hipótese que abarca os pactos
internacionais alhures mencionados.
Sánchez Muñoz (2007) assevera que a igualdade de oportunidades pode ser
compreendida sobre uma dupla perspectiva: a dimensão positiva diz com a necessidade
de o Estado criar ações concretas que busquem garantir que as diferentes tendências
políticas, representadas por partidos, coligações e candidatos, tenham visibilidade social
e se tornem verdadeiramente conhecidas do eleitorado (essas ações devem refletir,
v.g., no financiamento público de campanhas em medidas que busquem a redução
dos custos das disputas eleitorais ou, como se propõe, no fornecimento universal de
espaços adequados ao pleno desenvolvimento da publicidade política); em outro polo, a
dimensão negativa tem por escopo impedir que a superioridade fática de um candidato
possa ser utilizada de modo exagerado por qualquer dos contendores para desequilibrar
desmesuradamente o equilíbrio entre os contendores. Tal dimensão é concretizada com
a adoção de medidas limitadoras da atuação dos diversos atores políticos.
Ainda no esquema de Sánchez Muñoz (2007), a busca pelo equilíbrio entre os
candidatos se espraia por diferentes áreas, mas possui alguma prevalência na seara
propagandística. Certamente, grande parte do sucesso de um candidato decorre da
quantidade de publicidade com que será aquinhoado durante o pleito, a fim de que
suas ideias cheguem com maiores força e intensidade ao corpo de eleitores. Segundo
o autor, no campo do acesso aos meios de comunicação:
visíveis perante os eleitores, em função de que algumas delas contam com vantagens
ou privilégios desproporcionais.
No último caso, ainda que do ponto de vista subjetivo a decisão dos eleitores
siga sendo livre, porquanto isenta de constrições individuais, pelo ângulo objetivo o
processo de formação da vontade é claramente afetado pela atmosfera tendenciosa
em que a opinião é construída. Fala-se, aí, de uma limitação de vontade que afeta de
maneira difusa o conjunto dos eleitores, que é menos livre para escolher na medida
em que se encontra sujeito a determinadas “condicionamentos” (SÁNCHEZ MUÑOZ,
2007) ou “pressões” (SANTOS, 2012) ambientais. É o que precisamente ocorre quando
alguma(s) das opções confrontantes goza(m) de privilégios exagerados na distribuição
do direito de acesso ao broadcasting no rádio e na televisão.
Art. 47 [...] §2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do
parágrafo anterior, serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham
candidato e representação na Câmara dos Deputados, observados os seguintes critérios:
I – um terço, igualitariamente;
II – dois terços, proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados,
considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de representantes de
todos os partidos que a integram.
Art. 47 [...] §2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do §1º,
serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato, observados
os seguintes critérios:
Art. 47 [...] §2º[...] I – 90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número
de representantes na Câmara dos Deputados, considerados, no caso de coligação para
eleições majoritárias, o resultado da soma do número de representantes dos seis maiores
partidos que a integrem e, nos casos de coligações para eleições proporcionais, o resultado
da soma do número de representantes de todos os partidos que a integrem;
II – 10% (dez por cento) distribuídos igualitariamente.
73
Uma breve pesquisa no direito comparado é capaz de demonstrar o desajuste do modelo brasileiro. Enquanto
no Brasil, atualmente, apenas 10% do tempo de propaganda é dividido de maneira igual para todos os partidos,
na experiência estrangeira. Na Espanha, os partidos sem representação fazem jus a pelo menos 10 minutos de
propaganda, quase ¼ do espaço correspondente às maiores forças, que acedem à quota de 45 minutos quando
hajam obtido ao menos 20% da votação nacional no último pleito correspondente (art. 64, LOREG). No México,
a parte destinada à distribuição igualitária é de 30% (art. 167, COFIPE). Na Argentina, esse patamar é elevado à
metade (50%), sendo que a distribuição alcança, sem discriminações, os partidos desprovidos de representação
(art. 43 sexies, da Lei 26.215 de Financiamento dos Partidos Políticos). Portugal e Chile também distribuem os
espaços de propaganda no rádio e na televisão de maneira mais justa do que o Estado brasileiro. No país lusitano,
a repartição ocorre com base num critério de igualdade estrita (art. 63º, 2, Lei Eleitoral da Assembleia da República
Portuguesa), ao tempo que nas eleições presidenciais chilenas também os espaços de propaganda são divididos
de maneira igual para cada um dos candidatos (art. 32, Lei Orgânica Constitucional sobre Votações Populares e
Escrutínios).
74
Na realidade, a divisão do tempo com base na força parlamentar tende a coibir a renovação do quadro político
nacional, vez que: “[...] reforça-se a espiral de êxito de partidos tradicionais, os quais conservam maior tempo de
publicidade e, assim, tendem a ocupar maiores espaços no parlamento, prejudicando a oxigenação das instâncias
de governo” (ALVIM, 2016).
75
É de se observar que a situação se agudiza quando se coloca em perspectiva a edição da Lei nº 13.487/17, que
modificando a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, extinguiu a propaganda partidária. Desse modo, os partidos
novos acabam tendo o seu direito de antena cassado e, consequentemente, terão mais dificuldades de serem
conhecidos pelo eleitorado e de eleger congressistas, oque acaba criando um círculo negativo. Nessa quadra, a
exclusão que já era grave antes, agora fica ainda mais gravosa, de modo influir no surgimento de novas legendas.
à natureza volátil das coisas humanas. Reputa-se, pois, bastante acertada, no ponto, a
mencionada decisão do Supremo.
Outrossim, é certo que o uso de uma fórmula mais ampla, a mesclar as diversas
categorias de pleitos e a usar, como base, o número de votos (e não o de cargos)
resultaria em um parâmetro mais próximo (e mais atual) do verdadeiro índice de suporte
carreado por cada agremiação. Com efeito, causa espécie o fato de que o modelo atual,
em hipótese, priva da propaganda no rádio e na televisão um partido que não possua
deputados federais, embora conte com senadores e governadores, além de um bom
número de prefeitos e vereadores.
Outro foco de polêmica reside na regra do §3º do art. 47 da Lei das Eleições, que
pretende amarrar o parâmetro de apoio político unicamente ao resultado do pleito
passado. Na mesma ADI nº 4.430, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei das
Eleições, ao adotar o marco da última eleição para deputados federais para fins de
verificação da representação dos partidos, não considerou a hipótese de nova legenda; daí
porque, nesse caso, o que deve prevalecer não é o desempenho do partido nas eleições,
mas sim a representatividade política conferida aos parlamentares que deixaram a sua
legenda para adotar um grêmio neonato. Nesse diapasão, resulta que:
[...] o parlamentar que deixe o partido pelo qual foi eleito para, sem escalas, adentrar os
quadros de uma legenda recém-criada, leva consigo a quota-parte relativa ao tempo de
distribuição da propaganda gratuita no rádio e na televisão. O transfuguismo, porém, não
altera o quadro de distribuição de propaganda quando a mitigação ocorra em janela de
transferência partidária (no caso da EC 91/2016, por expressa disposição constitucional;
no caso do art. 22-A, LPP, por não se amoldar à regra excepcional, plasmada no art. 39,
§1º, da Resolução 23.457/2015). (ALVIM, 2016)
Ao comentar a norma, José Jairo Gomes (2017), afirma que “não se pode esquecer
que o tempo de propaganda no rádio e na televisão é também uma conquista do partido,
que envidou esforços e emprenhou-se na peleja eleitoral para ver sagrados seus próprios
candidatos”. Isso é correto. Contudo, afora a hipótese de criação de legenda, a solução
ora operante desconsidera o peso dos candidatos na captação daquele apoio, de sorte
que os casos de ruptura entre mandatários e partidos políticos ensejam, no que diz
com a transferência do tempo de propaganda, um severo desvio da vontade política.
No ponto, é bem de relembrar que o comportamento do eleitor brasileiro denota,
historicamente, baixos índices de identificação partidária,76 e que o voto personalista
é prevalente. Nesse contexto, defende-se, de lege ferenda, a adoção de uma fórmula
conciliatória coerente com o caráter dúplice do voto, de maneira que os parlamentares,
enquanto parceiros na destinação dos votos, façam jus à metade do tempo correspondente
aos seus votos, sempre que caminhem rumo a um outro partido.
O maior problema do modelo atual, contudo, reside no desequilíbrio de forças
provocado pela alta disparidade na distribuição das faixas de propaganda gratuita. Pese
a confirmação de sua constitucionalidade pelo Supremo,77 acredita-se que o critério afeta
76
De acordo com dados do Latinobarómetro (2015), mais de 75% dos eleitores brasileiros não se sentem próximos
de nenhuma agremiação partidária.
77
No julgamento da já reportada ADI nº 4.430, o Supremo considerou que a inexistência de igualdade material entre
os partidos políticos, no que se relaciona com o número de representantes na Câmara dos Deputados, confirma
a constitucionalidade do critério de divisão proporcional estipulado pela Lei nº 9.504/97.
Pelo que foi verificado, o problema da liberdade de propaganda eleitoral não pode ser
tratado por ótica eminentemente individualista, tendo de encontrar compatível projeção
social, interligando e compondo-se com a igualdade, para que a proteção concedida pela
ordem jurídica possa ser efetivamente desfrutada por todos, com erradicação de privilégios.78
78
Analisando uma norma que proibia a propaganda paga em rádio e televisão, o autor escancara a necessidade
de proteção e garantia do princípio da isonomia na propaganda eleitoral. Fávila Ribeiro temia que o abuso de
poder econômico pudesse favorecer uns em detrimento de outros, e tachava de inaceitáveis as diferenças nas
alternativas de comunicação entre candidatos e eleitores.
79
A divisão do tempo de propaganda foi disciplinada pelos seguintes atos normativos do TSE: Resolução nº 20.534
(Eleições de 1998), Resolução nº 21.171 (Eleições de 2002), Resolução nº 22.390 (Eleições de 2006), Resolução nº
23.320 (Eleições de 2010) e Resolução nº 23.429 (Eleições de 2014).
Esse tempo mínimo é o patrimônio que pertence a todas as agremiações, sendo o único
foco de tratamento isonômico em um sistema onde esse deveria dar a tônica.
80
A redação originária da Lei das Eleições (art. 47, §1º) destinava 25 minutos de propaganda no rádio e na televisão,
por bloco, para os candidatos a Presidência da República. A propaganda diária é dividida em quatro blocos: 1
matutino (rádio), 2 vespertinos (rádio e televisão) e 1 noturno (televisão). As informações analisadas referem-se,
portanto, a estes números.
QUANTIDADE
CANDIDATOS COM QUANTIDADE DE DEPUTADOS
ELEIÇÃO MAIOR TEMPO DE DE PARTIDOS NA NOS PARTIDOS
PROPAGANDA COLIGAÇÃO COMPONENTES DA
COLIGAÇÃO
Fernando Henrique Cardoso 5 273
1998
Lula 5 108
José Serra 2 183
2002
Lula 5 80
Geraldo Alckmin 3 152
2006
Lula 3 102
Dilma Rousseff 10 274
2010
José Serra 6 180
Dilma Rousseff 9 328
2014
Aécio Neves 9 118
muitos candidatos viáveis com coligações fortes (José Serra, Lula, Ciro Gomes e Anthony
Garotinho), o que favorecia a diluição do tempo; além disso, o PFL (dono da maior
bancada na Câmara dos Deputados com mais de 90 cadeiras) não apoiou formalmente
nenhum dos concorrentes.
Em 2006, de modo similar, alguns partidos com grande representatividade – como
PMDB, PP, PTB e PSB, que juntos somavam mais de 170 deputados – não apoiaram
formalmente nenhum dos postulantes à presidência da nação.
Isso demonstra que o tabuleiro da divisão do tempo de propaganda também se
organiza através de omissões (apoios não formalizados produzem impactos no jogo
político, mas não repercutem no xadrez do horário eleitoral gratuito).
Uma vez mais, transparece a distorção entre os concorrentes, aqueles que não
conseguem atrair partidos para suas chapas acabam diminuindo drasticamente as
chances de sucesso eleitoral.
CANDIDATOS PERCENTUAL
PERCENTUAL
CANDIDATOS COM MAIOR DO TEMPO
ELEIÇÃO DE VOTOS
MAIS VOTADOS TEMPO DE TOTAL DE
VÁLIDOS
PROPAGANDA PROPAGANDA
Fernando Henrique 53,06% Fernando Henrique 47,82%
1998 Cardoso Cardoso
Lula 31,71% Lula 20,60%
Lula 46,44% José Serra 41,54%
2002
José Serra 23,19% Lula 21,29%
Lula 48,61% Geraldo Alckmin 40,88%
2006
Geraldo Alckmin 41,64% Lula 28,80%
Dilma Rousseff 46,91% Dilma Rousseff 42,57%
2010
José Serra 32,61% José Serra 29,24%
Dilma Rousseff 41,59% Dilma Rousseff 45,78%
2014
Aécio Neves 33,55% Aécio Neves 18,41%
exposição, em detrimento dos membros de partidos menores e que ainda não conseguiram
representação na Câmara Federal. Em resumo: “[...] candidatos que têm maior tempo
para expor sua plataforma eleitoral no rádio e na TV possuem uma maior vantagem
em relação aos demais, dada a popularidade dos referidos meios de comunicação”
(RODRIGUES; JORGE, 2014, p. 248). São afirmações intuitivas que, inclusive, se
confirmam na prática, conforme demonstrado por inúmeros estudos internacionais que
constatam a elevada importância das campanhas eleitorais no processo de captação do
voto (MARTÍNEZ i COMA, 2008).81
Nesse cenário, os candidatos governistas levam franca vantagem frente aos demais,
por possuir melhores condições de negociar apoios enquanto detiverem o poder sobre
a máquina pública. Conforme se verifica na Tabela 2, em uma única oportunidade
(Eleições de 2006) o candidato governista não possuía o maior tempo de propaganda.
O principal fator que pode propiciar o rompimento dessa barreira imaginária
formada pela distribuição do tempo de propaganda é o nível de conhecimento que o
eleitor tem de um dado concorrente. Isso explica o sucesso eleitoral de Lula em 2002
e 2006, embora com menor tempo, acabou sagrando-se vitorioso, em grande medida,
por já ser conhecido do eleitorado (já disputara outras eleições presidenciais) e porque
o tempo de propaganda, ainda que menor, era muito superior à quota igualitária.
Dessa forma, os candidatos que acessam apenas a quota igualitária do tempo de
propaganda, sem participar da distribuição subsequente, estão fadados, regra geral, ao
fracasso de sua candidatura, pois a isonomia não se confirma na prática cotidiana das
disputas eleitorais. Os dados mostram que a atual parcela de distribuição igualitária
é baixa e possui uma eficácia reduzida, praticamente insignificante quando o número
de postulantes é grande. Esse modelo acaba por produzir uma plêiade de candidatos
sem voz, incapazes de aceder aos eleitores e, menos ainda, de expor com clareza as
suas plataformas de governo.82
81
Martínez i Coma (2008) alude a pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Espanha que demonstram que as
campanhas eleitorais são determinantes para a definição do voto de, respectivamente, 37% e 18% dos eleitores,
números obviamente expressivos e capazes de moldar o resultado de muitos pleitos.
82
Os resultados que emergem das eleições presidenciais realizadas entre 1998 e 2014 são desalentadores, e não
há esperança de ajustes no horizonte, tendo em vista que a Eleição de 2018 será realizada sob a égide das novas
regras de distribuição de tempo que reduziram a apenas 10% do total a parcela igualitária.
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das despesas com campanhas eleitorais, alterando a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11300.htm#art1>. Acesso: 21 dez. 2017.
. Lei nº 12.875, de 30 de outubro de 2013. Altera as Leis nºs 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 9.504,
de 30 de setembro de 1997, nos termos que especifica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12875.htm#art2>. Acesso: 21 dez. 2017.
. Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nºs 9.504, de 30 de setembro de 1997, 9.096, de 19
de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, para reduzir os custos das campanhas
eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina. Disponível
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
Diz o texto constitucional alterado que caberá, a partir de 4.10.2017, aos partidos
políticos fixarem prazo próprio em seus estatutos.
§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e
o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
A PGR manejou a ADI entendendo que a norma deverá ser ajustada às cláusulas
pétreas e que a autonomia concedida aos partidos não é plena, invocou que o Supremo
Tribunal Federal (STF) já enfrentou em parte as limitações da autonomia partidária em
Medida Cautelar na ADI nº 5311/DF:2
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI NACIONAL N. 13.107, DE 24 DE
MAÇO DE 2015. ALTERAÇÃO DA LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DA LEI ELEITORAL
(LEI 9.096/1995 E 9.504/1997). NOVAS CONDIÇÕES LEGAIS PARA CRIAÇÃO, FUSÃO E
INCORPORAÇÃO DE PARTIDOS POLÍTICOS. APOIO DE ELEITORES NÃO FILIADOS E
PRAZO MÍNIMO DE CINCO ANOS DE EXISTÊNCIA DOS PARTIDOS. FORTALECIMENTO
DO MODELO REPRESENTATIVO E DENSIFICAÇÃO DO PLURIPARTIDARISMO.
FUNDAMENTO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA.
INDEFERIMENTO DA CAUTELAR. 1. A Constituição da República assegura a livre criação,
fusão e incorporação de partidos políticos. Liberdade não é absoluta, condicionando-se aos
princípios do sistema democrático-representativo e do pluripartidarismo.
1
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5336273>.
2
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4758587>.
O ministro apontou ainda que a redação proposta pela legenda nos parágrafos 1º e 2º
do artigo 42 de seu estatuto “exprime lacunoso campo interpretativo, ao estabelecer
genericamente que a substituição, a alteração e a extinção dos órgãos provisórios atenderão
unicamente os interesses partidários, consideradas as peculiaridades políticas e partidárias
de cada localidade”. No caso, assinalou o ministro, sem “salvaguardar instrumentos
democráticos mínimos que materializem a garantia do exercício do contraditório e da
ampla defesa, especialmente quando em curso conflitos internos”.
Da mesma forma, Tarcisio Vieira disse que a alteração apresentada pelo PSD para o artigo
41 de seu estatuto, especialmente no inciso III, também é imprópria quando remete à
criação de novas comissões provisórias por meio de decisão sumária de intervenção no
órgão provisório anterior.3
3
<http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Fevereiro/desaprovados-itens-do-estatuto-do-psd-por-nao-
tratarem-de-prazo-de-duracao-de-comissoes-provisorias>.
4
<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-do-partido-pmdb-aprovado-em-18-12-2017
5
<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-do-partido-pt-de-3-6-2017-aprovado-em-17-10-2017>.
6
<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-psdb-de-9-12-2015-deferido-em-29-3-2016>.
PMDB PT PSDB
Art. 43. Na hipótese do §1º do art. 14, §1º: A Comissão Provisória terá prazo que for estabelecido no ato de
não havendo Diretório e Comissão validade até eventual destituição sua designação.
Executiva Zonal organizados, a pela Comissão Executiva que a Art. 47. As Comissões Municipais,
Comissão Executiva Municipal nomeou, ou será válida até a data designadas nos termos do art. 45,
designará uma Comissão Provisória estipulada no caput deste artigo, dirigirão o Partido com as atribuições
de até 5 (cinco) membros, eleitores hipótese em que deverá ser nomeada de Diretório e Comissão Executiva
da base territorial correspondente, outra Comissão Provisória para Municipal e só serão autorizadas
sendo um deles o Presidente, a qual organização do Partido e constituição a organizar e dirigir a Convenção
se incumbirá de organizar e dirigir do respectivo Diretório. para eleição do Diretório, Delegados
a Convenção dentro de 90 (noventa) §2º: Se o Diretório for constituído e demais órgãos partidários, após
dias, e exercerá as atribuições de fora do calendário nacional de eleição o atendimento da exigência do
Diretório e Comissão Zonal. das direções, através de Processo número mínimo de filiados a que se
de Eleições Diretas Extraordinário refere o art. 163 e participação em
(PEDEX), o término do respectivo uma eleição, municipal ou geral,
mandato coincidirá com o mandato apresentando desempenho político-
dos eleitos e eleitas no Processo de eleitoral avaliado pela Comissão
Eleições Diretas (PED). Executiva Estadual segundo os
Art. 59. O PEDEX a que se refere o critérios, as diretrizes e orientações
parágrafo anterior será convocado estabelecidos em resolução da
a cada dois anos, e será obrigatório Comissão Executiva Nacional.
para a eleição das direções nos Art. 48. Quando for dissolvido o
municípios que não convocaram Diretório Nacional, a maioria dos
o PED, como também servirá para Presidentes das Comissões Executivas
eleger novas direções nos municípios Estaduais residuais designam uma
que já não mais tiverem o número Comissão Provisória com o poder
mínimo de membros para sua restrito de preparar a Convenção
validação. Nacional, dentro do prazo que for
Parágrafo único: Não constituída a estabelecido no respectivo ato.
direção municipal após a realização
do PEDEX, será nomeada nova
Comissão Provisória Municipal sem
a inclusão, dentre os seus membros,
dos dirigentes anteriores.
Art. 60. A instância nacional poderá
estabelecer, por meio de resolução,
o número mínimo de filiações
para a constituição dos Diretórios
Municipais ou Zonais, ouvidas as
instâncias estaduais, adotando como
base a relação do eleitorado do ano
imediatamente anterior à realização
dos Encontros Ordinários.
7
Idem.
8
Idem.
9
Idem.
PMDB PT PSDB
§1º – Será também decretada III– assegurar a disciplina e a partidários, nos termos estabelecidos
a dissolução do Diretório cujo fidelidade partidárias; neste Estatuto;
desempenho eleitoral não IV – reorganizar as finanças e as III – preservar a linha política fixada
corresponder aos interesses do transferências de recursos para outras pelos órgãos competentes e as
Partido ou, a critério do órgão instâncias partidárias, previstas neste normas estatutárias;
hierárquico imediatamente superior, Estatuto; IV – impedir acordo ou coligação com
for considerado impeditivo do V– normalizar o controle das filiações outros partidos em desacordo com as
progresso e do desenvolvimento partidárias; decisões superiores;
partidários. VI – impedir acordo ou coligação com V – assegurar a disciplina, a
§2º – O pedido de dissolução será outros partidos em desacordo com as fidelidade e a ética partidárias;
formulado perante o Diretório decisões superiores; VI – garantir o exercício da
hierárquico imediatamente VII – preservar as normas democracia interna, dos direitos dos
superior, em petição fundamentada, estatutárias, a ética partidária, filiados e das minorias;
acompanhada dos elementos os princípios programáticos ou a VII – promover o desempenho
indispensáveis à formação da linha política fixada pelos órgãos político-eleitoral, de acordo com os
convicção. competentes; critérios, as diretrizes e orientações
§3º – O Diretório imputado será VIII – garantir o cumprimento das aprovados pela Comissão Executiva
intimado, para, no prazo de 5 (cinco) disposições partidárias sobre o Nacional.
dias, apresentar defesa escrita, processo político-eleitoral. VII – regularizar a prestação de
ficando-lhe assegurado o direito de §1º: O pedido de intervenção contas do órgão partidário quando
promovê-la, também oralmente, por será fundamentado e instruído não apresentada ou julgada não
20 (vinte) minutos, na sessão em que com elementos que comprovem prestada.
ocorrer o julgamento. a ocorrência ou a iminência das §1º. O pedido de intervenção será
§4º – Dissolvido o Diretório, será infrações previstas neste artigo. devidamente fundamentado e
promovido o cancelamento do
§2º: Até 5 (cinco) dias antes da data instruído com documentos que
seu registro, se da decisão não
da reunião que deliberará sobre a provem a ocorrência das infrações
houver recurso no prazo de 5
intervenção, deverá a instância visada previstas neste artigo.
(cinco) dias, para órgão hierárquico
ser notificada, por carta com aviso §2º. Recebido o pedido de
imediatamente superior.
de recebimento, para apresentar intervenção, o Presidente da
§5º – A dissolução será decretada
sua defesa por escrito ou apresentar Comissão Executiva imediatamente
pelo voto da maioria absoluta dos
defesa oral pelo prazo de 15 (quinze) superior deverá:
membros do órgão competente
minutos, na reunião do julgamento I – decidir se o caso s eenquadra no
imediatamente superior; tomada por
do pedido. art. 136-A;
dois terços dos membros titulares
§3º: A intervenção será decretada II – designar relator do processo;
será irrecorrível.
pelo voto de 60% (sessenta por cento) III – determinar a notificação do
§6º – O recurso recebido com efeito
dos membros do Diretório respectivo, órgão visado, que terá 8 (oito) dias
exclusivamente devolutivo será
devendo do ato constar a designação para apresentar defesa prévia, por
apreciado pelo órgão superior, no
prazo de 30 (trinta) dias. da Comissão Interventora, composta escrito.
§7º – As decisões proferidas em grau de 5 (cinco) membros, e o prazo de §3º. A intervenção será decretada
de recurso serão terminativas. sua duração. pelo voto da maioria absoluta dos
§8º – Se do ato de dissolução não §4º: O prazo da intervenção poderá membros da Comissão Executiva do
houver recurso ou, em havendo, ser prorrogado por ato da Comissão Diretório imediatamente superior,
for mantida a decisão, realizar-se-á Executiva que a decretou, enquanto devendo do ato constar a indicação
Convenção para escolha do novo não cessarem as causas que a dos nomes componentes da
Diretório, dentro de 90 (noventa) determinaram. Comissão Interventora, constituída
dias. §5º: A Comissão Interventora, uma de até 7 (sete) membros, e o prazo de
§9º – A dissolução pode ser requerida vez designada, estará investida de sua duração.
por qualquer filiado da circunscrição, todos os poderes para deliberar, §4º. No caso de a deliberação referida
Senador, Deputado Federal e aplicando-lhe, no que couber, a no parágrafo anterior ter sido
Estadual ou membro do Diretório competência de Comissão Provisória. tomada por maioria inferior a 3/5
Estadual. §6º: Da decisão que deliberar sobre a (três quintos) dos membros, o órgão
Art. 62. A dissolução do Diretório intervenção caberá recurso, sem efeito atingido poderá interpor recurso ao
Nacional só poderá ocorrer pelo voto suspensivo, no prazo de 10 (dez) dias, órgão imediatamente superior, no
da maioria absoluta dos membros da para o Diretório hierarquicamente prazo máximo de 7 (sete) dias.
Convenção Nacional, que convocará superior, e ao Encontro Nacional se o §5º. Quando o fundamento do pedido
nova Convenção para, dentro de 60 ato for do Diretório Nacional. de intervenção for o contido nos
(sessenta) dias, eleger novo Diretório. Seção II – Da dissolução e da incisos V e VI, a decisão prevista no
Art. 63. Dissolvido o Diretório, destituição de Comissões Executivas parágrafo anterior será precedida
dirigirá o Partido uma Comissão Art. 248. A dissolução de Diretório ou de parecer do Conselho de Ética e
Provisória, designada pela a destituição de Comissão Executiva Disciplina do nível do órgão que
Convenção que decretar a dissolução, poderá ser decretada nos casos de: decidir da intervenção.
PMDB PT PSDB
com poderes restritos à preparação I – violação do Estatuto, do Programa §6º. A intervenção perdurará
da nova Convenção. ou da ética partidária, bem como enquanto não cessarem suas causas
Parágrafo único. Considera-se desrespeito a qualquer deliberação determinantes, permanecendo
dissolvido o Diretório que perder as regularmente tomada pelos órgãos os órgãos com suas atribuições
condições de deliberação (art. 28). superiores do Partido; suspensas.
II – indisciplina partidária; §7º. No caso de a deliberação
III– renúncia da maioria absoluta dos referida no parágrafo anterior ter
membros do Diretório. sido tomada por maioria inferior a
§1º: O Diretório ou Comissão 3/5 dos membros, o órgão atingido
Executiva objeto do pedido será poderá interpor recurso ao órgão
notificado, por carta com aviso de imediatamente superior, no prazo
recebimento, até 10 (dez) dias antes máximo de 7 (sete) dias.
da data da realização da reunião, §8º. Quando o fundamento de pedido
para apresentar defesa oral por 30 de intervenção for o contudo nos
(trinta) minutos; incisos V e VI, a decisão prevista no
§2º: Dissolvido o Diretório ou parágrafo anterior será precedida
destituída a Comissão Executiva, de parecer do Conselho de Ética e
ser-lhe-á negada a anotação na Disciplina do nível do órgão que
Justiça Eleitoral ou promovido o seu decidir da intervenção.
cancelamento, se já efetuado. §9º. A intervenção perdurará
§3º: A dissolução de Diretório ou a enquanto não cessarem suas causas
destituição de Comissão Executiva determinantes, permanecendo os
será decretada pelo voto da maioria órgãos com as suas atribuições
absoluta dos membros do Diretório suspensas.
hierarquicamente superior, devendo Art. 136-A. Em caso de gravidade
do ato de dissolução constar a e urgência, a Comissão Executiva
designação de uma Comissão Nacional, em caráter liminar, poderá
Provisória, observada para a sua decretar a imediata intervenção nos
composição as normas estabelecidas órgãos partidários de hierarquia
neste Estatuto. inferior, com a suspensão de suas
§4º: Da decisão que dissolver atribuições e nomeação de Comissão
Diretório ou destituir Comissão Interventora, constituída de até
Executiva, caberá recurso no 7 (sete) membros, com prazo de
prazo de 10 (dez) dias ao Diretório duração fixada no respectivo ato.
hierarquicamente superior, e ao §1º. Decretada a intervenção liminar,
Encontro Nacional, se o ato for nos termos deste artigo, o Presidente
do Diretório Nacional, que será da Comissão Executiva Nacional
recebido pela Comissão Executiva determinará a instauração do
correspondente com efeito processo nos termos dos incisos I e
suspensivo. III, do §2º do art. 136.
§5º: O efeito suspensivo previsto §2º. As Comissões Executivas
no parágrafo anterior não se aplica Estaduais poderão decretar
nos casos de resoluções ou matérias intervenção, em caráter liminar,
relacionadas ao processo eleitoral em relação aos órgãos municipais,
em que a legislação em vigor torne observadas as disposições
indispensável a aplicação imediata da estabelecidas neste artigo e
decisão de dissolução de Diretório ou assegurado à Comissão Executiva
destituição de Comissão Executiva. Nacional o direito de avocar o
processo de aplicação da medida.
§3º. A Comissão Interventora
nomeada por infração ao inciso
VIII do artigo 136, caberá, ainda,
a obrigação de prestar as devidas
contas à Justiça Eleitoral, no prazo
máximo de 30 (trinta) dias.
Seção II – Da Dissolução e Destituição
dos Órgãos Partidários
Art. 137. O Diretório ou a Comissão
Executiva responsável por violação
de disposições deste Estatuto,
especialmente o Programa ou as
diretrizes e princípios
PMDB PT PSDB
programáticos estabelecidos no art.
3º; que desrespeitar qualquer das
deliberações estabelecidas pelos
órgãos competentes, ou apresentar
desempenho político-eleitoral
inadequado, ou ainda que venha a ser
objeto de intervenção, poderá receber
a pena de dissolução ou destituição,
aplicada pelo órgão hierarquicamente
superior, pelo voto da maioria
absoluta de seus membros.
§1º. O Diretório ou Comissão
Executiva visados serão citados
para, no prazo de 5 (cinco) dias,
apresentar defesa escrita, ficando-lhes
assegurado o direito de apresentar
defesa oral, por 20 (vinte) minutos, na
sessão do julgamento.
§2º. Da decisão de dissolução ou
destituição caberá recurso para o
órgão imediatamente superior, no
prazo máximo de 7 (sete) dias da data
da notificação da decisão, cabendo
a este órgão, ao receber o recurso,
decidir imediatamente se lhe confere
ou não efeito suspensivo, e dar a
decisão final dentro do prazo máximo
de 30 (trinta) dias, sob pena de
cessação imediata da medida.
§3º. Dissolvido o Diretório ou
destituída a Comissão Executiva,
ser-lhe-á negada a anotação na
Justiça Eleitoral ou promovido o seu
cancelamento, se já efetuado.
§4º. As decisões proferidas em grau
de recurso são irrecorríveis.
Art. 137-A. Em caso de gravidade e
urgência e na ocorrência de quaisquer
das condições definidas no art.
137, caput, a Comissão Executiva
Nacional, em caráter liminar, como
medida preparatória do processo de
dissolução ou destituição, poderá
decretar a imediata intervenção nos
órgãos partidários de hierarquia
inferior, com a suspensão de suas
atribuições e nomeação de Comissão
Interventora, constituída de até
7 (sete) membros, com prazo de
duração fixada no respectivo ato.
§1º. Decretada a intervenção liminar,
nos termos deste artigo, o Presidente
da Comissão Executiva Nacional
determinará a instauração do devido
processo de dissolução ou destituição
do órgão, observadas as disposições
dos §§1º ao 4º, do art. 137.
§2º. As Comissões Executivas
Estaduais poderão decretar a
intervenção, em caráter liminar,
preparatória do processo de
dissolução ou destituição, em relação
PMDB PT PSDB
aos órgãos municipais, observadas as
disposições deste artigo e assegurado
à Comissão Executiva Nacional
o direito de avocar o processo de
aplicação da medida.
Art. 138. Quando for dissolvido o
Diretório Estadual, Municipal ou
Zonal, será designada Comissão
Provisória, nos termos das
disposições dos arts. 44 a 46, deste
Estatuto; quando houver a destituição
da Comissão Executiva, o Diretório
respectivo será convocado pelo seu
membro mais idoso para, dentro
de 30 (trinta) dias, eleger a nova
Comissão Executiva que terminará o
mandato da anterior.
Parágrafo Único. Se faltar menos de
um ano para o término do mandato
do Diretório dissolvido, a Comissão
Provisória poderá ser designada para
completar o mandato.
A ditadura invisível dos partidos, já desvinculada do povo, estende-se por outro lado
às casas legislativas, cuja representação, exercendo de fato um mandato imperativo,
baqueia de todo dominada ou esmagada pela direção partidária. O partido onipotente,
a esta altura, já não é o povo nem a sua vontade geral. Mas ínfima minoria que, tendo os
postos de mando e os cordões com que guiar a ação política, desnaturou nesse processo de
condução partidária toda a verdade democrática. Quando a fatalidade oligárquica assim
se cumpre, segundo a lei sociológica de Michels, da democracia restam apenas ruínas.
Uma contradição irônica terá destruído o imenso edifício das esperanças doutrinárias no
governo do povo pelo povo. (BONAVIDES, 2000, p. 359)10
10
Idem.
Por ocasião das últimas eleições municipais de 2016, o Ministro Luiz Fux, do
Colendo Tribunal Superior Eleitoral, relator do Recurso Especial Eleitoral nº 11228,
votou de forma contundente as limitações dos poderes praticados pelos partidos em
matéria de vigência das comissões provisórias, expressando, assim, o pensamento atual
da Corte no tocante às intervenções indevidas.
Eleitoral nº 11228, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: PSESS – Publicado em
Sessão, Data 04.10.2016)
11
<http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/10/art20171031-16.pdf>.
Destarte, os efeitos práticos da norma insculpida no art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97 dependem,
necessariamente, do fortalecimento das mulheres no âmbito interno partidário, questão
essa cuja solução perpassa necessariamente pela inclusão de um maior número de mulheres
nas estruturas decisórias das agremiações.
Não se desconhece que a Constituição Federal, no §1º de seu art. 17, assegura autonomia
aos partidos políticos para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e
para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais.
Essa autonomia, todavia, condiciona-se à observância dos princípios contidos do caput do
art. 17, quais sejam: a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, e os
direitos fundamentais da pessoa humana. Portanto, longe de ser ilimitada ou absoluta, a
autonomia partidária deve se pautar nos vetores axiológicos da Constituição.
Nessa direção, cumpre frisar que a Constituição alberga o princípio da isonomia como
preceito fundamental, dispondo que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, e que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Essa prescrição obsta qualquer conduta discriminatória oriunda, dentre outros critérios,
de sexo, c estabelece a necessidade de se assegurar oportunidade para efetiva participação
de homens e mulheres nas esferas políticas.
O princípio do pluralismo político, por sua vez, implica, entre outros valores, no direito
de acesso igualitário de homens e mulheres a cargos eletivos, promovendo representações
políticas que reflitam a proporção de gêneros verificada na demografia do país.
Assim, uma harmonização entre o princípio da autonomia partidária e os pressupostos
constitucionais da isonomia e do pluralismo político mostra que os percentuais de
participação por gênero definidos pelo art. 10, §3º da Lei 9.504/97 devem ser observados
também na constituição dos órgãos partidários, como forma de promover uma maior
participação feminina nas esferas político-decisórias do país.
Consulta nº 0603816-39.2017.6.00.000013
PARECER
CONSULTA. AUTONOMIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS. REPRESENTATIVIDADE
FEMININA. ARTIGO 10 DA LEI N.0 9.504/97. RESERVA DE VAGAS. COMISSÕES
EXECUTIVAS E DIRETÓRIOS NACIONAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS. COMISSÕES
PROVISÓRIAS E ÓRGÃOS EQUIVALENTES.
A consulta ao Tribunal Superior Eleitoral sobre o âmbito de incidência e validade da norma
jurídica eleitoral não deve desbordar da solução do impasse normativo formal, cabendo,
pois, ao Tribunal Superior dizer aquilo que o legislador fez e, assim, aquilo que a norma é.
A consulta merece conhecimento quando proposta por ator legítimo, deduzida com
abstração e formulada sobre tema sindicável pelo TSE.
12
Idem.
13
<http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/10/art20171031-15.pdf>.
O dito espaço “interna corporis” é tao autônomo quanto vinculado à Constituição, não
sendo, portanto, insindicável pela Justiça Eleitoral, respeitada a ontológica liberdade dos
partidos políticos, vital para o pluralismo e a democracia em um Estado Democrático de
Direito.
O legislador disciplinou percentuais mínimo e máximo de candidaturas por gênero em um
parágrafo em artigo (10º da Lei 9.504/97) sobre registro de candidaturas para “a Câmara dos
Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais”.
A toda literalidade, não se incluem nesse dispositivo cargos nele não enunciados, sobretudo
as comissões executivas e diretórios da democracia partidária interna, cuja disciplina
legislativa desafia a autonomia partidária e, portanto, não pode ser feita de modo implícito
ou dependente de construção criativa e elástica do alcance da norma legal.
Diante do exposto, o Ministério Público Eleitoral mas está-se pela resposta negativa ao
primeiro quesito, o que prejudica ao segundo quesito, com as ressalvas constantes da
presente pronunciamento.
A prática partidária interna não está em bom momento e precisa ser revista
com urgência a fim de oferecer aos cidadãos e cidadãs uma nova perspectiva do fazer
política nacional.
Na lição do professor Clèmerson Merlin Clève é dito que:
A par disso tudo, a Lei nº 9.096/1995, Lei dos Partidos, precisa urgentemente
de releitura e inovações a fim de constar expressamente garantias fundamentais do
exercício político partidário com fixação de novas regras de direção, de fomentação
política e engajamentos sociais concretos, de participação popular, de processos internos
de votação com máxima transparência. As oligarquias e caciquismos políticos precisam
ser coibidos para dar maior amplitude democrática às agremiações com a participação
ativa de todas as camadas de filiados. O poder interno precisa ser descentralizado a
fim de oportunizar o robustecimento da sigla como sendo de propriedade de todos e
não de alguns. Faz-se necessária uma legislação que legitime da maior forma possível
a participação dos filiados no processo eleitoral interno e de organização.
Soma-se, ainda, a fixação de regras mais transparentes e de equidade na forma
de acesso e repartimento do fundo partidário. Os diretórios municipais sequer veem
algum valor, enquanto os regionais se queixam do quase nada. É assunto amplo para
outra discussão.
Diz a lei quanto à essência partidária, verbis:
O artigo da lei acima citado deve ter hermenêutica firme a fim de tornar as
agremiações fortes e efetivas, despertando, assim, nos diversos cidadãos e cidadãs a
vontade de se filiar e defender os ideais insculpidos nos estatutos e bandeiras partidárias.
A maior força de um partido se dá quando ele é somente um partido. Nada
mais. Por consequência, a democracia interna estará devidamente garantida tal
como a Constituição da República idealizou, e, assim, a democracia externa ganhará,
automaticamente, um bom aliado.
1.8 Conclusão
Os partidos políticos com suas amplitudes e garantias constitucionais são
instrumentos indispensáveis da consolidação do exercício da democracia pelo povo
brasileiro de forma ampla e irrestrita. Votar e ser votado é uma conquista consolidada
e é um dos principais sinais de democracia de uma nação. Ainda que haja quem diga
que até os países com governos ditatoriais possuem eleições, o que se quer diferenciar
é que estamos a falar em votar e ser votado de forma ampla e irrestrita.
Contudo, o exercício partidário externo do voto, como garantia constitucional
maior da democracia, precisa que ao seu lado haja o avanço de forma urgente do
Referências
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2000.
CAMPOS NETO, Raymundo. A democracia interna dos partidos políticos brasileiros. Belo Horizonte: D’Placido, 2017.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade Partidária impeachment e justiça eleitoral. Curitiba: Juruá, 2008.
COSTA, Adriano Soares. Fidelidade partidária, criação de novo partido e perda de mandato eletivo. Direito
Eleitoral. 2012. Disponível em: <http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com.br/2012/01/fidelidade-partidaria-
criacao-de-novo.html>. Acesso em: 01 jan. 2013.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. São Paulo: Atlas, 2012.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
SALGADO, Eneida Desiree. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, Fórum,
ano 3, n. 11, jan./mar. 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
BLASZAK, José Luís. Democracia interna dos partidos. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 307-326. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
2.1 Introdução
Os partidos políticos possuem autonomia garantida pelo art. 17 da Constituição
da República de 1988 e, assim sendo, os estatutos das agremiações partidárias têm força
equivalente à lei complementar, não podendo a lei ordinária sobrepor-se às normas
estatutárias relativas à estrutura interna, à organização e ao funcionamento.
Observa-se, ainda, que é livre a criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos
políticos, sendo obrigatório resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o
pluripartidarismo e os direitos fundamentais.
Note-se que, muito embora os partidos possuam autonomia, eles devem
obedecer àqueles princípios constantes do art. 17 da Carta Constitucional. Dessa forma,
entende-se que a autonomia dos partidos políticos não é absoluta, sendo considerada
uma autonomia mitigada.
Nesse contexto de autonomia partidária, buscar-se-á analisar o fenômeno da
oligarquização dos partidos políticos, como ela se manifesta no interior destes, quais as
suas causas e consequências, tanto para o partido político em si, como para o sistema
pluripartidário, um dos vetores da democracia brasileira.
Para tanto, utilizaremos o conceito e as características do processo de oligarquização
dos partidos das obras La democracia y los partidos políticos, de Moisei Ostrogorski, e
Sociologia dos partidos políticos, de Robert Michels.
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
I – caráter nacional;
II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
ou de subordinação a estes;
III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e
o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
§2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil,
registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
§3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II – tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.
§4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.
§5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no §3º deste artigo é
assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os
tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos
do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão. (BRASIL, 1988)
O texto constitucional revela a autonomia mitigada dos partidos políticos, justamente por
conta da posição que as agremiações ocupam no Estado Brasileiro. Ao impor a observância
da soberania nacional, do regime democrático, do pluripartidarismo e dos direitos
fundamentais da pessoa humana, há um recorte na sua capacidade de auto-organização e
funcionamento. Não se admite um partido político que tenha como seus objetivos a afronta
Dessa forma, o partido político não poderá atuar de forma a infringir princípios
constitucionais, muito embora tenha autonomia para se auto-organizar e autodirigir,
até mesmo, para desenvolver práticas e estruturar o partido de forma a privilegiar a
concentração de poder na mão de um grupo de pessoas ou para buscar a democracia
interna.
1
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000101873&base=
baseAcordaos>. Acesso em: 10 out. 2016.
2
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor>. Acesso em: 1º set. 2016. Grifos nossos.
Uma grande multidão reunida num pequeno espaço é incontestavelmente mais acessível
ao pânico cego ou ao entusiasmo irrefletido que um pequeno grupo, no qual os membros
podem discutir tranquilamente entre si.
[...]
É um fato da experiência diária que as gigantescas reuniões populares aprovam geralmente
por aclamação, ou por voto em bloco, as resoluções às quais essas mesmas assembleias,
divididas em seções de cinquenta pessoas, por exemplo, evitariam dar a sua adesão. Assim
agem os grandes partidos em seus congressos, onde estão reunidos, contudo a elite de
seus membros. Atos e palavras são menos pesados pela massa que por indivíduos ou por
pequenos grupos que a compõem. Este é um fato incontestável. Ele é uma manifestação
da patologia das massas. A multidão anula o indivíduo, e, desse modo, sua personalidade
e seu sentimento de responsabilidade.
[...]
Mas, o mais formidável argumento contra a soberania das massas é tirado da impossibilidade
mecânica e técnica de sua realização. Basta querer reunir regularmente deliberantes de
milhares de membros para nos vermos às voltas com as maiores dificuldades de tempo e
de espaço. E a coisa se tornará, do ponto de vista topográfico, completamente impossível,
se o número de membros atingir, por exemplo, dez mil. Mesmo imaginando-se meios de
comunicação mais perfeitos do que aqueles de que dispomos, como seria possível reunir
tamanhas multidões em um determinado local, em horas fixas e com a frequência que
impõem as exigências da vida partidária. E não falamos da impossibilidade em que se
encontraria o orador, mesmo o mais poderoso, de fazer-se ouvido por uma massa de dez
mil pessoas. (MICHELS, 1982, p. 17-18)
3
Segundo Bobbio: “Por teoria das Elites ou elitista – de onde também o nome de elitismo – se entende a teoria
segundo a qual, em toda a sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora
do poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada. Uma vez que, entre todas as formas de poder
(entre aquelas que, socialmente ou estrategicamente, são mais importantes estão o poder econômico, o poder
ideológico e o poder político), a teoria das Elites nasceu e se desenvolveu por uma especial relação com o estudo
das Elites políticas, ela pode ser redefinida como a teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder político
pertence sempre a um restrito círculo de pessoas: o poder de tomar e de impor decisões válidas para todos os
membros do grupo, mesmo que tenha de recorrer à força, em última instância” (BOBBIO, 2010, p. 385-386).
Diante desse cenário, a única preocupação da oligarquia seria “[...] afastar tudo
que seja suscetível de introduzir-se nas rodas da sua engrenagem, ameaçando assim,
senão o próprio organismo, então sua forma externa representada pela organização”
(MICHELS, 1982, p. 223).
A oligarquização do partido político, também, funda-se na ideia da necessidade
de outorgar a uma elite os poderes para definir e executar ações com a agilidade
necessária a fim de alcançar os objetivos perseguidos pela organização. Neste sentido,
Robert Michels explicita:
Ferdinand Lassalle que fundou um partido operário de ação revolucionária [...] sustentava,
principalmente, que a ditadura imposta por ele à sociedade, deveria ser considerada como
justificada na teoria e indispensável do ponto de vista prático. As milícias, dizia ele, devem
seguir docilmente seu chefe, etoda a associação deve ser como um martelo nas mãos dele.
[...] Num partido, e particularmente, num partido de combate, a democracia não se presta
ao uso doméstico; ela é, sobretudo, um artigo de exportação. É que toda organização
política precisa de um “equipamento leve, que não incomode inutilmente os movimentos”.
A democracia é completamente incompatível com a prontidão estratégica, e suas forças não se
prestam a uma ação rápida. Daí a hostilidade do partido político, mesmo democrático, com relação
ao referendum e a todas as outras medidas de prevenção democrática: daí também a necessidade de
uma constituição que, sem ser cesariana no sentido absoluto da palavra, não deixa de ser fortemente
centralizada e oligárquica. (MICHELS, 1982, p. 27-28, grifo nosso)
Não é exagero afirmar que entre os cidadãos que gozam de direitos políticos, o número
dos que realmente se interessam pelos assuntos públicos é insignificante. Entre a maioria,
o significado das relações íntimas existentes entre o bem individual e o bem coletivo
está muito pouco desenvolvido. A maior parte não tem a mínima ideia das influências
e consequências que os assuntos desse órgão que chamamos de Estado podem exercer
sobre seus interesses privados, sobre sua prosperidade e sobre sua vida.
[...]
Na vida dos partidos democráticos, podemos observar sinais de uma indiferença política
análoga. Apenas uma minoria, e às vezes uma minoria irrisória, participa das decisões do
partido. As resoluções mais importantes, tomadas em nome do partido rigorosamente
mais democrático, isto é, do partido socialista, emanam, com muita frequência, de um
pequeno número de partidários.
[...]
É verdade que a renúncia ao exercício dos direitos democráticos é uma renúncia voluntária,
salvo nos casos muito frequentes, em que a massa organizada é impedida de participar
ativamente da vida do partido, por condições geográficas ou topográficas. Em todo o caso,
é certo que, de uma maneira geral, é a organização urbana que decide sozinha. Quanto
aos membros que habitam no campo ou nas cidades do interior distantes dos grandes
centros, seu papel se limita ao cumprimento dos deveres sociais: pagamento das cotas e
votação, durante as eleições, em favor dos candidatos designados pela organização da
cidade grande. (MICHELS, 1982, p. 33)
À medida que os chefes se distanciam das massas, eles cooptam efetivos e se mostram
cada vez mais dispostos a ocupar os vazios que se produzem em seus quadros, não pela
via da eleição popular, mas pela cooptação; a aumentar seus efetivos criando, por sua
própria iniciativa, sempre que isso for possível, novos postos. Os chefes tendem, por assim
dizer, a isolar-se, a formar uma espécie de cartel, a rodear-se de um muro que só pode ser
transposto por aqueles que os agradam (MICHELS, 1982, p. 66).
[...]
4
Segundo Panebianco: “os líderes são aqueles que controlam as principais áreas de incerteza, cruciais para a
organização, e que podem usar esse recurso nas negociações internas (nos jogos de poder)” (PANEBIANCO,
2005, p. 45).
Da delegação de fato nasce o direito moral à delegação. Os delegados eleitos uma vez ficam
no cargo sem interrupção, a não ser pela observância excepcionalmente escrupulosa de
disposições estatutárias ou por acontecimentos completamente extraordinários. A eleição
realizada para ter uma duração determinada torna-se um cargo para o resto da vida. O
hábito se transforma em direito. O indivíduo regularmente delegado para um certo período
acaba pretendendo que a delegação constituía sua propriedade. Se lhes negam a reeleição
ele imediatamente ameaça com represálias, das quais a demissão ainda é a menos grave,
que terão por efeito semear a confusão entre seus camaradas. E essa confusão terminará
quase sempre [...] com sua vitória. (MICHELS, 1982, p. 31)
A luta pelo poder dentro das organizações, também, é tratada por Michels
(1982). No interior de uma organização oligárquica, há grupos que pretendem tomar o
poder, suplantando o grupo a fim de inaugurar uma nova oligarquia, que não foge às
regras e mecanismos oligárquicos (MICHELS, 1982). O autor enumera os motivos das
divergências, que podem ser: de ordem pessoal, de teorias e de ordem intelectual, e.g.,
sobre a tática que deve ser adotada em uma determinada situação:
Toda oligarquia é suspeita em relação aos seus próprios aspirantes, nos quais ela busca
não apenas seus herdeiros eventuais, mas também sucessores prontos a suplantá-la sem
esperar sua morte natural. É, para servir-nos de uma expressão yankee, uma luta entre
os ins e os outs, entre os que não estão dentro e os que esperam do lado de fora, entre os
capitães e os aspirantes ao capitanato. (MICHELS, 1982, p. 97)
Reduzida à sua mais breve expressão, a lei sociológica fundamental a que refere ineluta-
velmente os partidos políticos (dando à palavra “políticos” seu sentido mais abrangente)
pode ser formulada assim: a organização é a fonte de onde nasce a dominação dos eleitos, dos
mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que os delegam. Quem diz organização,
diz oligarquia.
Toda organização de partido representa uma potência oligárquica repousada sobre uma base
democrática. Encontramos em toda parte eleitores e eleitos. Mas também encontramos em
toda parte um poder quase ilimitado dos eleitos sobre as massas que elegem. A estrutura
oligárquica do edifício abafa o princípio democrático fundamental. O que é oprimido, o
que deveria ser. Para as massas, essa diferença essencial entre a realidade e o ideal é ainda
um mistério. (MICHELS, 1982, p. 238, grifos nossos)
[...] o antídoto à lei de Michels é ‘mais participação’, então nossa participação, então
nossa compreensão atual da lógica da ação coletiva dá razão ao pessimismo michelsiano.
No argumento de Mancur Olson, os partidos e sindicatos fornecem, a seus membros e
seguidores em geral, bens coletivos (indivisíveis), isto é, benefícios que cabem a cada
membro do grupo, seja ele ou não um participante, contribua ou não para suas conquistas.
Portanto, o indivíduo “não tem incentivo para sacrificar voluntariamente seu tempo
ou dinheiro para ajudar uma organização a obter um bem coletivo; sozinho, não pode
ser decisivo para determinar se esse bem coletivo será ou não obtido, mas se é obtido
pelo esforço dos outros, ele, de qualquer forma estará inevitavelmente em condições de
usufruí-lo. Assim sendo, quanto maior uma organização, tanto menos “racional” é para
seus membros reais ou potenciais dividirem seus ônus. Nesse caso, a própria natureza dos
benefícios coletivos indivisíveis justifica e motiva a apatia. Por isso, hoje em dia existem
mais motivos do que no começo do século para o temor de que as previsões de Michels
tivessem bons fundamentos.
Pode-se notar que levo o argumento de Michels a sério. Apesar disso, considero-o um
exemplo de erro fundamental de premissa, qual seja, de como podemos buscar a democracia
sem nunca chegar até ela. Se avaliarmos um Estado democrático comparando suas estruturas
organizativas com associações voluntárias prototípicas, vai ser difícil, com esse padrão
de medida, provar que Michels está errado. Mas podemos passar de uma democracia
face a uma democracia em escala nacional como se as duas coisas fossem comparáveis e
pertencessem ao mesmo continuum? Eis a questão. Michels concebia democracia à maneira
de Rousseau. Em sua formulação do problema, Michels não é diferente de Proudhon, Marx
ou Bakunin; todos eles se referem à matriz das associações voluntárias e, usando-a como
padrão de medida, chegam à conclusão de que a democracia política sob a qual viveram
e sob a qual vivemos não tem uma forma organizada que corresponda àquele protótipo.
(SARTORI, 1994, p. 206-207)
forma, o partido político deixa de ser um meio para se tornar um fim em si mesmo. A
permanência de dirigentes por longos períodos, a ruptura entre a vontade dos líderes
e a vontade das massas e a falta de controle por parte destas são os eixos que moldam
a oligarquização nos partidos.
Sem presumir que o indivíduo seja um ser totalmente racional, livre das influências
de grupo, ou identificações de massa, pode-se ainda argumentar que o valor básico da
democracia consiste em que cada pessoa receba a mais plena oportunidade de realizar
as suas potencialidades individuais. O sistema deve funcionar de modo a aumentar ao
máximo esse valor e é justificado na medida em que o faz. (CHAMBERS, 1966, p. 17)
A democracia política não pode ser vista tão somente pelo enfoque institucional
ou ideológico dado que se afirma também pelo contexto histórico e socioeconômico na
visão de Schumpeter, como se segue:
Artigo 21
[Partidos]
(1) Os partidos colaboram na formação da vontade política do povo. A sua fundação é
livre. A sua organização interna tem de ser condizente com os princípios democráticos. Eles têm
de prestar contas publicamente sobre a origem e a aplicação de seus recursos financeiros,
bem como sobre seu patrimônio.
(2) São inconstitucionais os partidos que, pelos seus objetivos ou pelas atitudes dos seus
adeptos, tentarem prejudicar ou eliminar a ordem fundamental livre e democrática ou por
em perigo a existência da República Federal da Alemanha. Cabe ao Tribunal Constitucional
Federal decidir sobre a questão da inconstitucionalidade.
(3) A matéria será regulamentada por leis federais. (Tradução livre do autor. Grifo nosso)
Art. 49.
Todos os cidadãos têm direito de se associar livremente em partidos, para concorrerem,
com métodos democráticos, na determinação da política nacional. (Tradução livre do autor)
Na França, os partidos políticos tiveram mais dificuldades de se desenvolver e de se
legitimar em decorrência da tradição liberal, fortemente individualista. Até o século XIX,
a Lei Chapelier restringiu o direito de associação política. Posteriormente, em 1901, foi
criada a lei sobre contrato de associação, com base no Código Civil, que foi aplicada
também aos partidos políticos (MEZZAROBA, 2004).
ARTIGO 4º
Os partidos e associações políticas contribuem para a expressão do sufrágio. Eles se
formam e exercem a sua atividade livremente e devem respeitar os princípios da soberania
nacional e da democracia. Contribuem para a aplicação do princípio enunciado no segundo
parágrafo do artigo 1º, nas condições determinadas pela lei. A lei garante as expressões
pluralistas de opiniões e a participação equitativa dos partidos e associações políticas na
vida democrática da Nação. (Tradução livre do Autor)
Artigo 6
Os partidos políticos expressam o pluralismo político, concorrem para a formação e
manifestação da vontade popular e são instrumentos fundamentais para a participação
política. Sua criação e o exercício de sua atividade são livres dentro do respeito à Constituição
e a lei. Sua estrutura interna e funcionamento deverão ser democráticos (Tradução livre do
autor. Grifo nosso).
Artigo 51º
Associações e partidos políticos
1. A liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações
e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da
vontade popular e a organização do poder político.
2. Ninguém pode estar inscrito simultaneamente em mais de um partido político nem ser
privado do exercício de qualquer direito por estar ou deixar de estar inscrito em algum
partido legalmente constituído.
3. Os partidos políticos não podem, sem prejuízo da filosofia ou ideologia inspiradora
do seu programa, usar denominação que contenha expressões directamente relacionadas
com quaisquer religiões ou igrejas, bem como emblemas confundíveis com símbolos
nacionais ou religiosos.
4. Não podem constituir-se partidos que, pela sua designação ou pelos seus objectivos
programáticos, tenham índole ou âmbito regional.
5. Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão
democráticas e da participação de todos os seus membros.
6. A lei estabelece as regras de financiamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto
aos requisitos e limites do financiamento público, bem como às exigências de publicidade
do seu patrimônio e das suas contas. (grifo nosso)
Pode-se perceber, pela leitura das Constituições trazidas aqui que, guardadas as
peculiaridades de cada sistema, a preocupação de delimitar a esfera de liberdade dos
partidos frente ao Estado (liberdade externa) e a liberdade de auto-organização frente
aos direitos dos filiados (liberdade interna), a fim de autenticar as decisões partidárias
sob a égide do princípio democrático. As constituições alemã, espanhola e portuguesa
expressamente exigem dos partidos que sejam democráticos internamente.
A Constituição do Brasil não elenca expressamente democracia interna como
princípio norteador. Todavia, o regime democrático é expresso no sentido de mitigar
a autonomia partidária, no caput do art. 17 da Constituição, e deve ser interpretado de
forma que o princípio democrático deva ser observado pelos partidos tanto em suas
relações externas como internas.
Neste passo, o direito fundamental de participação dos filiados não pode ser
afastado pelo princípio da autonomia partidária, dado que os princípios da autonomia
partidária e os demais princípios constitucionais devam ser ponderados, como se segue:
O equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz das variáveis
fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído
a cada cânone constitucional em confronto. E a técnica de decisão que, sem perder de
vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância às suas dimensões
fáticas, é o método de ponderação de bens. (SARMENTO, 2004, p. 55)
De acordo com Alexy (1993 apud FARIAS, 2000) na colisão de princípios, como só
podem colidir princípios válidos, acontece na dimensão do peso. Assim, quando dois
princípios entram em colisão um deles prevalecerá sobre o outro e isso não significa
que o princípio preterido deva ser declarado inválido, haja vista que sob determinadas
condições um princípio tem mais peso ou importância do que outro e em outras
circunstâncias poderá suceder o inverso.
Nesse compasso, a democracia intrapartidária tem como pressupostos, à luz da
teoria democrática de Dahl (1997): “[...] a inclusão dos filiados no processo decisório
Muito embora o partido político seja pessoa jurídica de direito privado, possua
autonomia garantida pela Constituição Federal, ele deve se pautar pelos princípios
democráticos, tanto nas suas relações externas como nas internas. Dessa forma, o partido
político deve garantir a transparência em suas ações e no seu processo decisório e,
em ultima instância, deve democratizar sua organização e funcionamento interno em
respeito ao princípio democrático.
Referências
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Lumen Juris. 2006. t. IV.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 13. ed. Brasília: UnB, 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/const ituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 dez. 2017.
CHAMBERS, William N.; SALISBURY, Robert H. (Org.). A questão democrática: valores e estruturas. In:
Problemas e perspectivas atuais da democracia. Trad. Constantino Paleólogo. Rio de Janeiro: Zahar, 1966, p. 17.
FARIAS, Edílson Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a
liberdade de expressão e informação. 2. ed. Porto Alegre: PC Editorial Ltda., 2000.
LACERDA, Alan Daniel Freire de. Dados. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, p. 39-79, 2002.
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OSTROGORSKI, Moisei. La democracia y los partidos políticos. Madrid: Mínima Trotta, 2008.
PANEBIANCO, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes,
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RIBEIRO, Pedro Floriano. Realismo e utopia em Robert Michels. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p.
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SALGADO, Eneida Desiree. Os partidos políticos e o estado Democrático: a tensão entre a autonomia partidária
e a exigência de democracia interna. In: SALGADO, Eneida Desiree; DANTAS, Ivo (Coord.). Partidos políticos
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SALGADO, Eneida Desiree. HUALDE, Alejandro Pérez. A democracia interna dos partidos políticos como
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SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: Editora da UnB, 1982.
SARTORI, Giovani. A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo. São Paulo: Ática, 1994.
SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalismo, socialismo e democracia. Trad. Ray Jungmann. Rio de Janeiro: Fundo
de Cultura, 1961.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
CAMPOS NETO, Raymundo. Democracia interna e o fenômeno da oligarquização dos partidos políticos.
In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 327-342. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
A palavra democracia é de origem grega e pode ser definida como governo (kratos)
do povo (demo). Todavia, uma das mais difundidas definições sobre a democracia é
a “Democracia é o exercício do povo, pelo povo, para o povo” (Abraham Lincoln).
Essa definição nos remete imediatamente a outras palavras, como igualdade, direitos,
liberdade, voto, partidos políticos, eleição, entre outras. O pilar da democracia no Estado
Moderno é o sufrágio e, assim como plebiscitos, referendos e iniciativas populares,
constitui a efetiva soberania popular, além de permitir a inferência do povo nas decisões
públicas e políticas do país. Assim, a democracia pode ser compreendida como um
regime de governo em que o povo é quem deve tomar as decisões políticas e de poder.
Na Grécia antiga se estabeleceu a realização de Assembleias, que eram reuniões
com a participação da população na discursão de temas públicos onde todos podiam
participar, importando apenas a racionalidade dos argumentos para serem aceitos
independentemente da classe social de quem os apresentava. Entretanto, vale registrar,
as mulheres não podiam participar, pois não eram consideradas como “cidadãos”, bem
como os estrangeiros e os menores de 21 anos.
Ao longo da história, podemos identificar, basicamente, dois tipos de democracia.
A democracia direta, também conhecida como participativa, onde os cidadãos participam
diretamente das decisões. O próprio cidadão se representa nas decisões. E, noutro
diapasão, a democracia indireta que é aquela, que se dá de forma representativa.
Esta última nasceu no século XIX como reflexo do aumento da influência e da
importância do parlamento nos estados europeus e teve como marco a Primavera
dos Povos (1848), bem como pela impossibilidade de todos os cidadãos tomarem
diretamente e individualmente decisões de poder, assim, estas passaram a ser tomadas
por representantes eleitos. Nesse caso, são os representantes que tomam as decisões em
nome daqueles que os elegeram. Nesse formato, cabe ao parlamento ouvir a população
e levar os anseios populacionais a votação e depois para uma decisão do monarca ou da
autoridade republicana. Na democracia representativa são eleitos representantes através
do voto popular que irão representar uma parcela da comunidade por um período de
tempo, podendo ou não ser reeleito. Na democracia indireta o povo é soberano e o
poder emana do povo.
No Brasil é utilizada a democracia indireta e está representada, por exemplo, pelos
deputados, que são eleitos para representar o povo, por isso, a Câmara dos Deputados é
1
DA SILVA, José Afonso.
Foi a primeira mulher da América Latina a assumir o governo de uma cidade, segundo
notícia publicada na época pelo jornal americano The New York Times.
Por outro lado, em 1933, a primeira mulher deputada federal brasileira foi eleita
por São Paulo, Carlota Pereira de Queirós, era médica, escritora e pedagoga, e participou
dos trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935.
Entre 1890 e 1994, mulheres da maioria dos países adquiriram o direito de votar
e se candidatar a um cargo público. Em 1893, a Nova Zelândia tornou-se o primeiro
país do mundo a reconhecer o direito do voto feminino. Lá, desde 1886 as mulheres já
tinham direitos políticos, mas em âmbito municipal. Em 1902, com algumas restrições, a
Austrália concedeu o direito do voto às mulheres. O primeiro país europeu a concedê-lo
foi a Finlândia em 1906. Hoje, a maioria dos países asseguram às mulheres o direito de
votar e ser votada, mas tempo e espaço são duas variáveis que diferem muito quando
analisamos os países, por exemplo, a Arábia Saudita concedeu esse direito às mulheres
apenas em 2011.
Por outro lado, voltando a observar o voto feminino no Brasil, podemos concluir
que foi conseguido muito tardiamente, pois mesmo depois de 1932, a restrição ao voto
dos analfabetos limitou muito o voto das mulheres, que, na época, em sua maioria, não
estudavam e eram analfabetas. A participação das mulheres cresceu realmente depois
dos anos 70.
Percebe-se, também, que as mulheres têm mais dificuldade de provar seu valor
à militância, bem como aos próprios eleitores, nesse mundo partidário considerado
masculino e ainda muito impregnado de preconceitos. A política, inclusive partidária,
ainda está impregnada de machismo e preconceito. Por isso, é necessário refletir sobre
essa precária participação política, a pouca aceitação das mulheres no espaço público e,
em especial, dentro dos partidos políticos. Atualmente, pouquíssimas mulheres atuam
nas esferas de poder dentro dos partidos políticos, os diretórios são predominantemente
compostos por homens.
Diversos especialistas apontam que o fato se deve ao preconceito que ainda existe,
tanto na sociedade quanto dentro dos próprios partidos, tendo em vista que muitos
ainda pensam que política é “coisa de homem”, ocasionando o pouco investimento na
formação de quadros femininos competitivos e desinteresse dos partidos políticos no
financiamento da campanha de candidatas mulheres e do empoderamento das mesmas.
A representação feminina no Congresso, no Executivo e no Judiciário ainda é
tímida, bem como nos órgãos públicos e nos cargos de chefia. Ainda estamos longe do
real empoderamento feminino em que as mulheres naturalmente ocupariam cargos de
poder em igualdade com os homens.
Por isso, a participação feminina na política é tão importante para a democracia
e é necessária para a luta pela igualdade de homens e mulheres na sociedade. Todavia,
isso só irá acontecer quando as mulheres forem vistas como parte do espaço público,
forem vistas como iguais, como seres de voz, opinião e pensamento.
Ainda hoje, na prática, é dificultada a militância das mulheres por causa de seu
gênero, inclusive, intramuros partidário, como dito anteriormente. É necessário que haja
uma correção nesta conjuntura para que as mulheres, além de comemorar o direito de votar
e ser votada, possam, de fato, fazer parte da política de forma significativa e construtiva.
Por outro lado, entretanto, da mesma forma, as minorias sociais também precisam
ter uma atuação mais ativa e de poder nos órgãos de decisão, públicos e partidários,
para que possam ter voz ativa e atuante na busca de melhorias na qualidade de vida das
categorias. Atualmente, pode-se entender como minorias sociais os afrodescendentes, os
LGBT (homossexuais), os economicamente vulneráveis (como os moradores de favela
ou de rua), os indígenas, os imigrantes, os idosos e os portadores de deficiências.
Resta claro que, alguns grupos sociais minoritários e em situação de vulnerabilidade
social não participam de forma contundente dos processos de tomada de decisões. Tal
fato se deve em especial pela ausência de representação própria, através de candidatos
ou dentro dos partidos políticos, bem como em razão do descrédito dos governantes para
com os direitos desses grupos, em razão de serem minoritários e destituídos de poder.
Este cenário é preocupante e é algo recorrente nas democracias ao redor do
mundo, sobretudo nas democracias recentes da América Latina e de países emergentes.
Com isto, nestes lugares, o regime democrático é constantemente alvo de críticas e
questionamentos sobre sua legitimidade.
Vale ressaltar que em países plurais, como o Brasil, originado a partir da misci-
genação de várias etnias, com discrepâncias econômicas concretas entre suas regiões,
é comum a existência de diversos grupos minoritários e vulneráveis.
Sem dúvida, o pluralismo é um dos aspectos mais marcantes que caracterizam
o modelo de sociedade democrática brasileira. A diversidade faz parte do meio social
em que vivemos e é um elemento essencial para o desenvolvimento da comunidade.
Por essa observação, pode-se chegar à conclusão do quão importante é a proteção das
minorias e grupos vulneráveis para garantir que o Brasil seja de fato um país democrático.
É preciso entender e diferenciar terminologicamente o que são minorias e o que
são grupos vulneráveis. Pode-se classificar como minorias os grupos numericamente
inferiores quando comparados com outros grupos, ou seja, são minoritários aqueles
que ocupam posição de não dominância no país. Por outro lado, os grupos vulneráveis
não são, necessariamente, inferiores em número, todavia, também ocupam posições
inferiores no país, sendo destituídos de poder e de visibilidade, como é o caso de
mulheres, crianças e idosos.
Conferir voz e visibilidade para todos os grupos é um desafio essencial para a
consolidação de uma democracia plural, justa e coerente.
O ideal é que a representação proporcional parlamentar assegure a cada partido
político uma representação no Parlamento correspondente a sua presença numérica na
sociedade. Dessa sorte, tenciona-se que a composição do Poder Legislativo deve retratar
fielmente as diversas ideologias presentes na comunidade.
Essa realidade só é possível a partir do momento em que esses grupos tenham
representação política e, com isso, possam deliberar e firmar presença no debate de
temas importantes, ou seja, que sejam rompidas as barreiras que impedem a projeção
de suas vozes e de suas necessidades. Esse é o caminho para vencer o preconceito e a
indiferença aos quais estão submetidas.
uma vez que concederia espaços relevantes para que as minorias participassem da
comunidade. Para tanto, vale registrar que os direitos previstos em um dado momento
histórico não serão substituídos por aqueles surgidos posteriormente. Os direitos de
cada geração continuam igualmente válidos, lado a lado com os da nova geração, mesmo
que com novos significados e contornos.
As discriminações positivas tratam de políticas, públicas ou privadas, direcionadas
para grupos socialmente vulneráveis, as quais objetivam remediar ou, ao menos, atenuar
distorções históricas e proporcionar igualdade de tratamento e de oportunidades no
presente.
Através da desigualação positiva, promove-se a igualação jurídica efetiva, ou
seja, concebe-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social,
política, econômica segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no
sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, assim, uma forma jurídica para
se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias.
A definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica
e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a
igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na
cultura dominante na sociedade.
Dessa forma, as quotas servem como um instrumento temporário de política
social, praticado por entidades privadas ou pelo governo, nos diferentes poderes e
nos diferentes níveis, por meio do qual se visa a integrar certo grupo de pessoas à
sociedade, objetivando aumentar a participação desses indivíduos sub-representados
em determinadas esferas, nas quais permaneceriam alijados por razões de raça, sexo,
etnia, deficiências física e mental ou classe social.
No que tange ao sexo, insta observar que a Constituição da Republica, em seu
artigo 5º, inciso I, afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.
De tal dispositivo retira-se a norma que a lei infraconstitucional não pode estabelecer
distinções, exceto quando ambiciona reduzir desníveis, hipótese na qual estaria em
busca da igualdade material constitucionalmente almejada.
Em que pese a inegável ascensão do papel feminino, ainda há inúmeros resquícios
de sujeição da mulher e obstáculos a serem transpostos na luta pela igualdade de
direitos entre os sexos.
A discriminação representa, senão a maior, uma das mais difíceis barreiras a ser
afastada para que homens e mulheres compitam em pé de igualdade. É imprudente
acreditar que não subsista o preconceito contra as mulheres. Inúmeros são os entraves à
participação paritária em diversos campos da vida social, inclusive dentro dos partidos
políticos. As representantes do sexo feminino são ainda sub-representadas politicamente,
preteridas no mercado de trabalho ou atingidas por disparidades salariais gritantes e
vítimas de assédio sexual e moral, e, muitas vezes, economicamente dependentes dos
homens.
Nesse contexto, emerge a utilização de ações afirmativas como instrumento de
realização da igualdade material, visto que a inércia estatal e até mesmo da sociedade
foram incapazes de alçar o princípio da igualdade a um patamar de relevo.
As cotas eleitorais de gênero são tidas como um instrumento de ação afirmativa
eleitoral, tendo em vista a evolução do princípio constitucional da igualdade e seus
atuais contornos. A reserva de candidaturas constantes do art. 10, §3º, da Lei nº 9.504,
serve como uma ferramenta apta a franquear maior acesso às mulheres na esfera política
nacional.
Porém, apesar de, em 1996, o Congresso ter instituído cotas na Legislação
Eleitoral, obrigando os partidos a inscreverem no mínimo 20% de mulheres nas chapas
proporcionais e desse percentual ter sido ampliado para 30%, em 2009, a baixa presença
das mulheres no quadro político se mantém.
Assim, a cada eleição, os partidos políticos correm para cumprir a quota de sexo
para os candidatos, que determina o ajuste da quantidade de candidaturas femininas e
masculinas aos percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70%. Todavia, na prática,
isso não tem aumentado a presença feminina em postos eleitorais. Um dos motivos
é o fato de os partidos não oferecerem apoio e suporte igualitário entre candidatos
homens e mulheres. Com isso, vemos o surgimento de candidatas “laranjas”, que tem
seus nomes lançados apenas para cumprir o percentual previsto na legislação, contudo,
não são candidatas de verdade, não participam da campanha eleitoral.
Por conta da legislação, quando o período eleitoral se aproxima, é comum
presenciar o esforço de lideranças partidárias na investida de campanhas para atrair
mulheres dispostas a se candidatar, tendo em vista que se a legenda não atingir o
percentual previsto em lei, a sigla terá de lançar menos candidatos ou ficará fora da
disputa eleitoral.
Posto isso, é necessário observar que existem as leis e existem os fatos. E os
fatos, basta observar as últimas eleições, demonstram que as leis por si só não chegam
ao seu objetivo se o seu cumprimento não for sempre exigido e se a sua aplicação não
for efetiva. Por essa lógica, a Justiça Eleitoral e o Ministério Público vêm endurecendo
o rigor na observação do cumprimento das regras que buscam a paridade de gênero.
Todavia, de toda sorte, a busca da equidade de gênero na legislação já é tida
como um considerável avanço nas ações afirmativas eleitorais tocantes à participação e
à representação política das mulheres. Porém, para que essa lei goze de eficácia algumas
barreias devem ser vencidas. Portanto, para que o fim almejado pelo dispositivo legal
seja alcançado, um desafio é a própria divulgação do tema junto à população, sua defesa
no seio dos órgãos institucionais e entre os próprios partidos políticos.
Há uma consulta formulada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pendente
de julgamento, que questiona se a previsão de reserva de vagas para candidaturas
proporcionais deve ser levada em conta também para a composição das comissões
executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais dos partidos políticos. Tal
consulta, visa alcançar o empoderamento das mulheres dentro das esferas partidárias,
através de quota de reserva de sexo, a fim de estimular e promover a real mudança social
a começar com uma maior inserção feminina dentro da própria estrutura partidária.
O pano de fundo é a concepção de que se as mulheres tiverem mais espaços e papel
de decisão intramuros poderão implementar a paridade de gêneros dentro das esferas
de poder.
Assim, a referida consulta ao TSE, CTA 060381639, que está sob a relatoria da
ministra Rosa Weber, questiona os seguintes termos sobre a participação feminina
na constituição dos órgãos partidários: “1 – A previsão de reserva de vagas para
candidaturas proporcionais, inscrita no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei nº 9.504/97,
deve ser observada também para a composição das comissões executivas e diretórios
nacionais, estaduais e municipais dos partidos políticos, de suas comissões provisórias
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
CÂMARA, Diana Patrícia. Democracia paritária intramuros. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 343-354. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
4.1 Introdução
Uma breve análise da dimensão evolutiva da história política jurídica de formação
das organizações partidárias no Brasil, desde o período colonial até o período da
República, demonstra o quanto o regime democrático fundamentou-se na estruturação dos
partidos políticos operada pelas elites, utilizando-o apenas como instrumento eleitoral.
Partindo dessa premissa e, tomando como base a teoria tradicional, a atuação
dos partidos políticos, no contexto social brasileiro, restringiu-se à forma ou função
parlamentar, sem apelo ou articulação sociopolítico, o que acarretou a baixa represen-
tatividade ou o descrédito do seu funcionamento junto à sociedade.
Ainda que não se discuta a essencialidade dos partidos políticos como elemento
de preservação do regime democrático, a sua construção, ao menos no sistema brasileiro,
sempre esteve conectada à manutenção do status quo econômico. A aproximação
junto aos cidadãos ocorre apenas nos períodos eleitorais. Por consequência, é possível
verificar uma constante e crescente perda da confiança dos cidadãos brasileiros nos
partidos políticos em geral, ao ponto de começarem a votar em partidos “antissistema”,
configurando-se, assim, uma “crise” (desafios) da democracia interna das próprias
organizações partidárias.
Todavia, fato é que não se imagina, atualmente, uma maneira de conduzir
política sem que seja por meio dos partidos políticos. Além da sua importância nos
regimes democráticos e no próprio processo eleitoral, partidos atuantes e que garantam
mobilização social fazem com que os cidadãos confiem no sistema e sintam que, por meio
do voto, podem contribuir para o resultado da eleição ou para mudanças expressivas,
sociais e econômicas.
Nesse sentido, considerando que o caminho não é a recusa do sistema de partidos
políticos, mas sua transformação ou a modificação no modo de exercer suas funções,
[...] (i) formular suas preferências; (ii) expressar suas preferências a seus concidadãos e ao
governo através da ação individual e da coletiva; e de (iii) ter suas preferências igualmente
consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem discriminação decorrente
do conteúdo ou da fonte de preferência.32
1
SARTORI, Giovani. A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo. São Paulo: Ática, 1994.
2
DAHL, Robert. A poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997, p.
26.
[...] A ditadura invisível dos partidos, já desvinculada do povo, estende-se por outro
lado às casas legislativas, cuja representação, exercendo de fato um mandato imperativo,
3
LIMA, Eduardo Martins de. Sistemas multipartidários e eleitorais brasileiros em perspectiva comparada. São Paulo:
Annablume, Belo Horizonte: FUMEC, 2004.
4
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UnB, 1980, p. 28.
5
SALGADO, Eneida Desirre. A democracia interna dos partidos políticos como premissa de autenticidade
democrática. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, Fórum, ano 3, n. 11, p. 63-81, jan./
mar. 2003.
6
SALGADO, Eneida Desirre. A democracia interna dos partidos políticos como premissa de autenticidade
democrática. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, Fórum, ano 3, n. 11, p. 63-81, jan./
mar. 2003.
7
MAIR, Peter. Os partidos políticos e a democracia. Análise Social, v. XXXVIII (167), p. 277 – 293, 2003.
8
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 359.
9
DUVERGER, Maurice. Os regimes políticos. 2. ed. São Paulo: Difel, 1996, p. 357-358.
10
AMARAL, Oswaldo E. do. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos
de literatura. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 11-21, maio/ago. 2013.
11
SALGADO, Eneida Desirre. Os partidos políticos e o Estado Democrático: a tensão entre a autonomia partidária
e a exigência de democracia interna. In: Partidos políticos e seu regime jurídico. Juruá, 2013.
Premente, portanto, a reforma dos sistemas eleitorais internos dos partidos políticos, pois
este é o ponto de partida capaz de garantir a autenticidade do sistema representativo,
afastando-se do modelo arcaico que ainda persiste nos dias atuais.
Portanto, se democracia é regra de procedimento prevista e, se os partidos
constituem a coluna vertebral que dá azo ao sistema democrático, devem ser eles dotados
de transparência e democracia interna, de maneira a garantir a sustentabilidade do regime.
[...] está claro que o indivíduo isolado não tem, politicamente, nenhum existência real,
não podendo exercer influência real sobre a formação da vontade do Estado. Portanto, a
democracia só poderá existir se os indivíduos se agruparem segundo afinidades políticas,
com o fim de dirigir a vontade geral para os seus fins políticos, de tal forma que, entre o
12
DUVERGER, Maurice. Os regimes políticos. 2. ed. São Paulo: Difel, 1996, p. 357-358.
13
AMARAL, Oswaldo E. do. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos
de literatura. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 11-21, maio/ago. 2013.
14
AMARAL, Oswaldo E. do. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos
de literatura. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 11-21, maio/ago. 2013.
indivíduo e o Estado, se insiram aquelas formações coletivas que, como partidos políticos,
sintetizem as vontades iguais de cada um dos indivíduos.
Ainda, para Kelsen, “só a ilusão ou a hipocrisia pode acreditar que a democracia
seja possível sem partidos políticos”. Note-se que todo esse ideário kelseniano vem
junto com a concepção de que a democracia direta não é mais possível em face das
dimensões do Estado moderno e da multiplicidade dos seus deveres, e a democracia
do Estado moderno é a indireta, parlamentar.15
Serviriam os partidos políticos, desse modo, como instrumentos funcionais cujo
objetivo seria colocar, por meio de eleições, representantes de cargos públicos para
desempenharem papéis em nome e para o todo (sociedade) e não em nome ou para
uma parte (classe).
Segundo Bonavides, “um partido político para se constituir necessita de um grupo
social, organização interna, acervo de ideias e princípios diretrizes, interesse e auto
conservação na tomada do poder”.16 Por isso, a história ou a formação de um partido
político não deixa de ser a história ou aglomerado de um grupo social. Daí porque
Antonio Gramsci defende que o partido político deve ser capaz de, ao mesmo tempo,
elaborar e agir, deve proporcionar o surgimento de operadores de ideias, de novos
projetos ideológicos, e não de determinar a simples reprodução de ideias de comando,
e o compromisso do partido é servir de protótipo de sociedade do futuro e possibilitar
a confrontação entre as mais diferentes correntes de pensamento.17
O partido político como um dos instrumentos procedimentais do regime
democrático de um país depende, para sua formação, de um aglomerado de grupo
social divergentes, embora, para a sua atuação, ele dependa da vontade externa coletiva
em prol de um bem estar que seja convergente (comum).
No mesmo sentido, Norberto Bobbio analisa que o partido político “compreende
formações sociais assaz diversas, desde os grupos unidos por vínculos pessoais e parti-
cularistas às organizações complexas de estilo burocrático e impessoal, cuja característica
comum é a de se moverem na esfera do poder político”.18 Logo, os partidos políticos
unificam ação e pensamento do “príncipe moderno”,19 concretizando uma vontade
coletiva que não pode ser satisfeita num indivíduo real ou concreto, mas somente num
organismo cujo aglomerado seja expressivo ou representativo da vontade coletiva.
No mais, conforme explica Eneida Desirre Salgado “os partidos políticos são
pessoas jurídicas de direito privado que desempenham importante função pública
na democracia brasileira. Pelo desenho constitucional, detêm o monopólio para a
apresentação de candidatos a cargos eletivos, a partir de uma seleção em seus próprios
quadros, e são destinatários de garantias e vedações fixadas constitucionalmente.”20
Portanto, a essencialidade dos partidos políticos é ideia predominante na doutrina,
a qual destaca que num Estado democrático, o sistema partidário é um dos principais
15
KELSEN, Hans. A democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
16
BONAVIDADES, Paulo. Ciência política. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
17
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
18
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UNB, 2004.
19
Expressão de: Antonio Gramsci.
20
SALGADO, Eneida Desirre. Os partidos políticos e o Estado Democrático: a tensão entre a autonomia partidária
e a exigência de democracia interna. In: Partidos políticos e seu regime jurídico. Juruá, 2013.
21
SOSPEDRA, M. M. Introducción a los partidos políticos. Barcelona: Ariel, 1996.
22
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
23
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: UnB, 2004, p. 553.
pois sem as suas agremiações a própria democracia pode ser inviabilizada ou vir a
sucumbir.
Dessa forma, é essencial sejam reformuladas as bases arcaicas das organizações
partidárias, na medida em que manutenção do modelo de partido com tendências
oligárquicas e com a ausência de participação das bases sociais não mais se sustenta.
Para realizar a democracia interna dos partidos políticos com a recuperação histórica da
crença social da sua função constitucional de representatividade, é preciso, portanto, criar
ferramentas (normas jurídicas) de atuação procedimental das organizações partidárias
a fim de articular a vontade sociopolítica de aproximação com o cidadão brasileiro.
24
MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: UnB, 1982.
Art. 17.
§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e
o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
25
CAMPOS NETO, Raymundo. A democracia interna nos partidos políticos brasileiros. Disponível em: <www.fumec.
br/revista>. Acesso em: 12 de jan. 2018.
26
SALGADO, Eneida Desirre; HUALDE, Alejandro Pérez. A democracia interna dos partidos políticos como
premissa da autenticidade democrática. A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Fórum, p. 63-81,
2015.
[...] Não se pode aceitar emenda que deturpe o caráter nacional dos partidos, subtraindo-lhes,
ou permitindo que deles se subtraia, a importância das suas raízes locais, em favor de
um mando próximo do absoluto pelo grupo menor que compõe os seus órgãos centrais.
Uma emenda que o viabilize tende a enfraquecer o regime democrático, não apenas porque
dá ensejo a estruturas partidárias internas em si mesmas antidemocráticas, como porque
impede que interesses locais tenham a importância devida para a definição das linhas de
ação do partido, capturado pela cúpula central. Uma emenda que tenda a gerar donos de
partidos é inconciliável com o regime democrático concebido pelo constituinte originário.
Por tudo isso, uma emenda dessa ordem choca-se com a proibição de que se produzam
alterações da Constituição que tendam a depreciar princípios fundamentais da Carta de
1988.27
[...] Não é incomum que partidos políticos mantenham por largo tempo diretórios
municipais ou estaduais administrados por comissões provisórias. Em anos eleitorais,
figuras eminentes em nível nacional nomeiam os dirigentes desses diretórios a título
precário. Esses integrantes dos diretórios locais, assim, dependem da vontade de órgãos
centrais para permanecer na função, com o óbvio inconveniente de não poderem, na prática,
escapar às imposições que lhe façam os que mantêm posição de mando sobre o partido
no plano nacional. São esses diretórios precários, assim limitados na sua liberdade, afinal,
que indicarão os candidatos do partido na circunscrição em que atuam.
27
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/Consultar
ProcessoEletronico.jsf?seqobj etoincidente=5336273>. Acesso em: 11 jan. 2018.
4.5 Conclusão
O objetivo central desse artigo foi descrever possíveis caminhos para dar
credibilidade à democracia interna dos partidos políticos.
Para isso, inicialmente, conceituou-se a democracia de um país como um regime
que depende de regras de procedimento.
No segundo momento, explicou-se que os partidos políticos são conglomerados
da vontade política externa e que exercem a função de representatividade dos cidadãos,
embora no Brasil, historicamente, ainda persista um déficit de credibilidade partidária,
o que abre espaços para partidos antidemocráticos centrados em figuras de líderes.
Por último, discutiu-se que a democracia interna nos partidos e o regime
democrático, caminham de mãos dadas. Não é possível falar-se em democracia sem que
os integrantes dos próprios partidos políticos façam consolidar a democracia interna
intrapartidária.
Descreveu-se que a promulgação do art. 1º da Emenda Constitucional nº 97 no
Brasil, na parte em que assegura aos partidos políticos autonomia para estabelecer
duração de seus órgãos provisórios, consiste em verdadeiro retrocesso, na medida em
que impede a transparência e as eleições diretas para os órgãos partidários municipal
e estadual, além de favorecer o fortalecimento do modelo oligárquico, tão prejudicial
ao regime democrático.
Para se alcançar a verdadeira democracia interna nos partidos políticos, é
necessária pressão social para que ocorra o impulso legislativo, de modo a serem
Referências
AMARAL, Oswaldo E. do. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100
anos de literatura. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 11-21, maio/ago. 2013.
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5.1 Introdução
No contexto de redemocratização do país, a Lei nº 6.767/1979 (Lei da Reforma
Partidária, LRP) representou o passo inicial para a reorganização do sistema partidário
brasileiro, ao afrouxar os principais requisitos organizacionais e eleitorais que dificultavam
a fundação de novos partidos. Abrindo as portas ao multipartidarismo, a nova legislação
manteve, no entanto, praticamente intactos os dispositivos que regulavam, de modo
bastante rígido, o funcionamento e a dinâmica interna das organizações partidárias.
Tais dispositivos constavam da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP, Lei nº 5.682),
implementada durante a ditadura militar, em 1971, para regulamentar o funcionamento
interno da ARENA e do MDB e conferir um verniz legal à proibição, de facto, da criação
de novos partidos. A LOPP formalizava, na verdade, um modelo organizativo que já
era praticado pelos principais partidos do regime democrático de 1946 – PTB, UDN e
PSD, – matrizes formadoras da ARENA e do MDB em 1965-66.
A partir de 1995, a nova legislação partidária (LPP, Lei nº 9.096) concedeu ampla
autonomia organizativa aos partidos, removendo as amarras legais da LOPP. No entanto,
diversos dos dispositivos da LOPP (mantidos em 1979) continuam povoando os estatutos
dos principais partidos brasileiros, mesmo hoje. O objetivo deste capítulo é discutir, a
partir de bases empíricas pouco utilizadas, dois desses mecanismos: as intervenções
internas e as comissões provisórias. As intervenções de diretórios hierarquicamente
superiores sobre inferiores eram previstas pela LOPP (art. 27), sob justificativa de
preservar a disciplina partidária, reorganizar as finanças regionais ou locais etc. Já as
comissões provisórias permitiam o funcionamento temporário dos partidos nos estados
e municípios que não atendiam aos requisitos necessários para realizar as convenções,
que elegeriam os respectivos diretórios (e estes elegeriam as executivas). A LRP manteve
a vigência desses mecanismos, que seriam removidos do arcabouço legal apenas com
a Lei nº 9.096 em 1995.1
A conservação desses dispositivos nos estatutos partidários, mais de vinte anos
após a concessão da autonomia organizacional (e mantendo-se, em diversos casos, a
mesma redação da LOPP), poderia ser encarada como sintoma de inércia institucional.
Mais realista, porém, é interpretá-la como resultado de um processo de aprendizado
institucional, experimentado por atores políticos quando submetidos às mesmas
regras do jogo (instituições) durante longos períodos de tempo (PIERSON, 2004).
De instrumentos de exceção (dissolução de diretório) ou de organização temporária
de partidos em processo de formação (comissões provisórias), tais dispositivos se
transformaram em mecanismos corriqueiros de gestão partidária e resolução de conflitos
internos, nas mãos principalmente das elites nacionais dos partidos. Na medida em que,
na maioria dos casos, a intervenção resulta na indicação de uma comissão provisória
pelo órgão interventor (a substituir o órgão dissolvido), esses fenômenos só podem
ser avaliados de modo conjunto (LEVEGUEN, 2018). Com base em dados que cobrem
os nove principais partidos do país entre 2006 e 2017,2 este capítulo sustenta a tese
do aprendizado institucional. No período analisado, 137 diretórios estaduais foram
dissolvidos pelas cúpulas nacionais dos nove partidos; algumas legendas passaram a
se organizar quase que exclusivamente através de comissões provisórias, tanto locais
quanto estaduais (ver tabelas na sequência).
O uso generalizado de tais mecanismos afeta a democracia interna dos partidos, já
que os diretórios e comissões executivas deixam de emanar das decisões tomadas pelas
respectivas convenções. Atento a isso, o TSE tenta, desde o final de 2015, regulamentar
com maior rigidez a existência de órgãos provisórios, limitando sua duração a 120
dias – mas concedendo aos partidos a prerrogativa de definir, em seus estatutos, prazos
mais extensos (Resoluções do TSE nº 23.465/2015 e nº 23.471/2016). Com tal limitação,
a prerrogativa de destituição de órgãos inferiores seria igualmente afetada. Frente à
resistência dos partidos, o TSE adiou a implantação da norma para agosto de 2017
(Resolução nº 23.511/2017).
Este capítulo contribui, assim, para um debate que segue em aberto. A primeira
seção do texto aborda as implicações e bases teóricas da discussão, com foco no debate
internacional sobre partidos políticos e regulação estatal. A seção seguinte reconstrói
brevemente a trajetória da party law no Brasil, destacando continuidades e rupturas
entre LOPP, LRP e LPP. A terceira seção apresenta e discute os dados sobre intervenções
e comissões provisórias nos partidos brasileiros, entre 2006 e 2017. As considerações
finais destacam que tais mecanismos têm funcionado como válvula de escape frente
ao rígido sistema interno de representação piramidal das organizações, assentado nas
convenções de delegados e herdado da LOPP. Também se aponta a necessidade de se
incluir a temática da democracia intrapartidária em qualquer debate sobre a reforma
das instituições políticas no Brasil.
1
A LRP (arts. 35-37) facilitou a realização de convenções e a constituição de diretórios, ao afrouxar todos os requisitos
necessários (X% de filiados no município para constituir o diretório local, X% de diretórios locais organizados
para formar o diretório estadual etc.).
2
PMDB, PT, PSDB, PFL/DEM, PP, PSB, PDT, PR e PTB
3
Baseado numa concepção minimalista de partidos políticos e democracia, Schattschneider (1942, p. 1) argumenta:
“partidos políticos criaram a democracia moderna e a democracia moderna é impensável exceto em termos
dos partidos”. Sobre a relevância dos partidos para o funcionamento das democracias, especialmente novas
democracias ver Larry Diamond (1997, p. xxiii).
4
Sartori (1976, p. 43-44) define sistema partidário: “the concept of system is meaningless (…) unless (1) the system
displays properties that do not belong to a separate consideration of its component elements and (2) the system
results from, and consists of, the patterned interactions of its component parts, thereby (…) a party system is
precisely the system of interactions resulting from inter-party competition”.
5
Na esteira das três fases da constitucionalização dos partidos políticos apontadas por van Biezen (2014), Casal
Bértoa et al. (2014, p. 123) sugerem segmentar também em três fases a implementação das leis especificamente
destinadas aos partidos políticos nas democracias modernas, com algum grau de correspondência com as ondas
de democratização. A primeira leva de implementação da lei de partidos foi baseada na necessidade de controle
do emprego dos fundos públicos. As leis subsequentes foram motivadas primordialmente pelo diagnóstico da
necessidade de consolidação da democracia, além do aumento da democracia intrapartidária. Para os autores,
nota-se um aumento linear da regulação desde a segunda metade do século XX na maioria dos países.
6
Segundo van Biezen (2004, p 704): “In fact, it is the growing acceptance of parties as the key intermediary
institutions of contemporary democracy which has paved the way for the legitimation of state support”.
direto aos partidos, e 78% possuem algum tipo de subsídio indireto, especialmente
vinculado ao acesso aos meios de comunicação de massa.
Em larga medida, ainda que a América Latina trilhe caminho semelhante em
termos de ampliação da regulação estatal – tal como nas democracias europeias e
em outras novas democracias –, o limite substantivo para efetivação da regulação é
a baixa capacidade de enforcement e fiscalização por parte do Estado e da sociedade
(LONDOÑO; ZOVATTO, 2014). Os poderes e recursos à disposição de agências e órgãos
de controle são ainda restritos – embora, de acordo com Molenaar (2010), os tribunais
estejam assumindo certo protagonismo sobre tal temática na região. Nesse sentido, cabe
discutir os possíveis custos e benefícios desse processo, principalmente observando as
motivações e os resultados objetivos da regulação, o tamanho do gap entre normas e
práticas, e os efeitos para qualidade da representação e da democracia.
7
Faz referência às formas de interação entre os órgãos intrapartidários de um mesmo nível, e entre os níveis
municipal, estadual e nacional da organização. Diz respeito aos graus de hierarquia e de autonomia entre as
partes que compõem a estrutura da organização: a centralização/descentralização orgânica do partido (Ribeiro,
2013).
8
“We turn to an examination of history because social life unfolds over time. Real social processes have distinctly
temporal dimensions” (PIERSON, 2004, p. 5).
9
Considerando a sequência, timing e self-reinforcement dos eventos e processos socioinstitucionais que constituíram
a trajetória do party law no Brasil (Pierson, 2004).
10
Os aspectos descritos a seguir referem-se apenas às formas de articulação entre os principais órgãos que compõem
os partidos. Tanto as legislações como os partidos discutidos abrangem uma complexidade empírica e analítica
maior – as legislações abrangem uma gama maior de dimensões e os partidos apresentam nuances e dinâmicas
organizativas próprias e específicas. A simplificação da abordagem empregada tem em vista tornar possível
desenhar, mapear e comparar as formas de articulações partidárias brasileiras de modo geral.
11
A LOPP de 1971 permitia às organizações partidárias regularem dimensões internas não tratadas pela própria
legislação. Assim era possível “complementar” a estrutura organizacional imposta com instâncias adjacentes
(mesmo que não oficiais); essa foi a brecha aproveitada pelo PT.
12
Por exemplo, as Convenções Municipais (CM) indicavam os candidatos aos cargos de vereador e prefeito, as
Convenções Regionais (CR) determinavam os candidatos a deputado estadual, governador, deputados federais
e senadores, e a Convenção Nacional (CN) indicava o candidato à Presidência da República.
13
A Convenção Nacional do partido também era uma instância de destaque – responsável, entre outras funções,
por aprovar ou vetar alterações no programa e estatuto dos partidos.
14
“Na prática, a LOPP e os dispositivos posteriores apenas oficializaram um arranjo que já vigorava na ARENA
e no MDB: a autonomia concedida às seções estaduais combinava-se com uma centralização, nas bancadas no
Congresso, das decisões nacionais relevantes” (RIBEIRO, 2013, p. 234)
15
“Some causal processes and outcomes occur slowly because they are incremental – it simply takes a long time
for them to add up to anything” (PIERSON, 2004, p. 13)
16
Para informações mais detalhadas das evoluções estatutárias dos partidos no país, ver Ribeiro (2013).
17
Por exemplo: preservar a “linha político-partidária” da organização e a “disciplina partidária” – justificativas de
alto teor subjetivo.
PFL/
PMDB PT PSDB PP PDT PSB PR PTB
DEM
Diretório Convenção
45 a
Diretório 71 60 31 a 105 45 a 71 71 a 141 Nacional Estadual 33
99
define define
Até 1/3 de No mínimo
Comissão membros 20% do
13 14 21 21 11 23 14
Executiva efetivos do número do
Diretório Diretório
Comissão 7a
07 08 07 07 a 25 07 a 17 05 a 11 05 a 07 07
Provisória 21
Fonte: Estatutos mais recentes dos partidos. Os membros natos não foram computados.
Art. 60. Os órgãos do Partido somente intervirão nos órgãos hierarquicamente inferiores
para:
I – manter a integridade partidária;
II – assegurar o exercício dos direitos das minorias;
III – reorganizar as finanças e regularizar as transferências de recursos para outros órgãos
partidários, previstas no Estatuto ou em resoluções.
IV – assegurar a disciplina e a democracia interna.
V – garantir o desempenho político-eleitoral do Partido.
VI – impedir acordo ou coligação com outros partidos em desacordo com as decisões
superiores;
VII – preservar as normas estatutárias, a ética partidária, os princípios programáticos, ou
a linha político-partidária fixada pelos órgãos superiores e a linha política fixada pelos
órgãos competentes.
VIII – regularizar o controle das filiações partidárias. (...)
Art. 61. O Diretório que se tornar responsável pela violação do Código de Ética, dos
princípios programáticos, do Estatuto, ou por desrespeito a qualquer diretriz ou deliberação
regularmente estabelecida pelos órgãos competentes, incorrerá na pena de dissolução,
que será aplicada pelo Diretório de hierarquia imediatamente superior.
§1º – Será também decretada a dissolução do Diretório cujo desempenho eleitoral não
corresponder aos interesses do Partido ou, a critério do órgão hierárquico imediatamente
superior, for considerado impeditivo do progresso e do desenvolvimento partidários.
(ESTATUTO DO PMDB, 2013)
Ano da
PMDB PT PSDB DEM PP PDT PSB PR PTB Total
intervenção
2006 0 0 0 0 0 0 0 0 0 –
2007 0 0 0 0 0 1 1 0 0 2
2008 0 0 0 0 0 0 2 0 1 3
2009 0 0 0 0 0 2 1 1 1 5
2010 0 0 0 2 1 3 1 0 0 7
2011 2 0 4 12 5 12 12 2 4 53
2012 5 0 0 0 3 7 10 5 6 36
2013 3 6 8 1 3 7 9 8 1 46
2014 1 1 1 0 3 4 2 4 1 17
2015 8 0 8 13 2 22 16 3 6 78
2016 0 0 1 3 6 16 2 2 5 35
2017 0 9 6 3 3 2 11 1 2 37
Total 19 16 28 34 26 76 67 26 27 319
18
Embora pareça contraditório, os estatutos permitem que os órgãos nacionais realizem intervenções e destituições
nas comissões provisórias, caso elas não solucionem os motivos que originaram a intervenção primária.
19
O recorte considera as composições eleitas imediatamente antes de 2006 até as eleitas em 2016, com vigência
em 2017. Nesse caso, foram consideradas tanto as intervenções nos diretórios estaduais quanto nas comissões
provisórias.
Esta seção trouxe apenas dados exploratórios sobre o tema. Novas pesquisas
precisam ser feitas, para se compreender em profundidade os fenômenos das intervenções
internas e comissões provisórias nos partidos brasileiros.
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CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS E
SUA INEXORABILIDADE PARA O
APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
1.1 Introdução
Parte-se de uma análise perfunctória sobre aspectos relevantes acerca da
elegibilidade e, por conseguinte, já atrelado ao contexto e objeto de estudo desse artigo,
abordam-se questões preliminares e conceituais em relação ao ato político partidário
(convenções partidárias).
Por uma questão didática optou-se destacar pontos importantes das fases que
são objeto das convenções partidárias e o entendimento doutrinário e jurisprudencial
a respeito.
Sabe-se que as convenções partidárias marcam o início da escolha de candidatos e
celebração de coligações, esse ato é a mais pura personificação da autonomia partidária
consagrada no art. 3º da Lei nº 9.096/95. Note-se que, apesar de a Lei dos Partidos e a Lei
Geral das Eleições insculpirem a data para realização das convenções (sua formalização)
e trazer vedações no uso de alguns meios de comunicação e propaganda para tais fins,
a Justiça Eleitoral não interfere na escolha dessa seleção de candidatos.
Essa autonomia é conferida com fins de que o partido político busque de acordo
com as concepções e seus anseios a organização e gerenciamento de sua estrutura
interna em prol da realização de seus objetivos, logo, cabe aos partidos (por meio
dessa autonomia) a definição de cronogramas de suas atividades partidárias eleitorais,
obedecendo sempre os ditames trazidos pelas normas eleitorais.
A partir dessa constatação, averigua-se uma obnubilação em relação à intervenção
do Poder Judiciário em questões que envolvam o partido político, pois os atos interna
corporis são insuscetíveis de questionamento judicial, pela própria natureza constitucional
e em prol do enaltecimento da democracia.1
Nesse passo, diante das controvérsias apontadas, esse ensaio irá analisar todo
o procedimento relacionado às convenções partidárias e as suas nuances processuais
que, cada vez mais, é de merecer nossa vista.
1
COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado. Direito Eleitoral Processual Eleitoral Penal Eleitoral. 4º Ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2016, p. 137.
2
A forma de governo indica a maneira como se dá a formação do poder da sociedade e a relação do povo com os
seus respectivos governantes.
3
O Estado na precisa lição de BOBBIO compreende um momento supremo e definitivo da vida comum e coletiva
do homem. (BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2004. p. 20). HOBBES o define como um ente de natureza absolutista, o Estado Leviatã, onde os cidadãos
deviam ceder as suas vontades para estabilizar a sociedade, pacificando e trazendo segurança. (MALMESBURY,
Thomas Hobbes de. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Abril, 1997. p.
107). ENGELS e MARX atribuem a conceituação de estado um papel de assegurador da exploração do homem
pelo homem servindo como meio de uma classe social dominar outra. Seria uma sociedade comunista, com
a aniquilação da diferença entre as classes sociais, com o fim da propriedade privada e do estado. (ENGELS,
Friedrich; MARX, Karl Heinrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Rocketedition. 2002. p. 22).
4
Alvim sintetiza magistralmente a importância basilar do direito eleitoral: “O direito eleitoral corresponde ao ramo
do Direito Público composto por um conjunto coerente e sistematizado de normas voltadas à regulamentação
das eleições, entendidas como mecanismos de transmissão pacífica do poder, fundados na conversão da vontade
popular livremente manifestada em mandatos políticos democráticos”. (ALVIM, Frederico Franco. Curso de
Direito Eleitoral. 2º Ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 31). Nesse mesmo caminho, o eleitoralista Marcus Vinícius “Cabe
ao direito eleitoral delinear e efetivar um processo que respeite as normas, assegurando liberdade de escolha dos
representantes que exercerão o poder político nas esferas legislativas e executivas.” (COÊLHO, Marcus Vinícius
Furtado. Direito Eleitoral Processual Eleitoral Penal Eleitoral. 4º Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 17.)
5
Art 63 – São órgãos do Poder Judiciário: a) a Corte Suprema; b) os Juízes e Tribunais federais; c) os Juízes e
Tribunais militares; d) os Juízes e Tribunais eleitorais.
6
Art 90 – São órgãos do Poder Judiciário: (Vide Lei Constitucional nº 14, de 1945) a) o Supremo Tribunal Federal;
b) os Juízes e Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; c) os Juízes e Tribunais militares.
7
“Art. 94 – O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I – Supremo Tribunal Federal; II – Tribunal Federal
de Recursos e Juízes Federais; III – Tribunais e Juízes Militares; IV – Tribunais e Juízes Eleitorais; V – Tribunais
e Juízes do Trabalho.”
8
Art 107 – O Poder Judiciário da União é exercido pelos seguintes órgãos: I – Supremo Tribunal Federal; II – Tribunais
Federais de Recursos e Juizes Federais; III – Tribunais e Juízes Militares; IV – Tribunais e Juízes Eleitorais; V –
Tribunais e Juízes do Trabalho.
9
“Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I – o Supremo Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) II – o Superior Tribunal de Justiça; II-A – o Tribunal Superior
do Trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 92, de 2016) III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes
Federais; IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho; V – os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI – os Tribunais e Juízes
Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. § 1º O Supremo Tribunal
Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição
em todo o território nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
10
A Lei das Eleições nº 9.504/97, a Lei dos Partidos 9.096/95, o Código Eleitoral 4.737/65, e as diversas resoluções
editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
11
DA COSTA, Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral – teoria da inelegibilidade – direito processual
eleitoral. Ed. 1ª.Belo Horizonte: ed. Fórum, 2013, p. 67.
12
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 122.
13
“Art. 8º A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de
20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto,
rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação.”
14
PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2010, p. 205.
15
Diante da inexistência de instrumento normativo regulador do processo eleitoral, notadamente, atrelado ao
princípio da temporariedade, o próprio Tribunal Superior Eleitoral, por vezes, consignou que o início do processo
eleitoral estaria ligado às convenções partidárias e em outros momentos entendeu que o início se daria a partir
do registro dos candidatos (Respe nº 16.684/2000, Relator Ministro Waldemar Zveiter; Respe nº 17.210, Relator
Ministro Fernando Neves); O último entendimento é mais lógico, haja vista que antes há o famigerado período
“pré-eleitoral”, o qual não traz nenhuma alteração no âmbito processual, pois os prazos restaram incólumes
(em sua contagem), a partir da finalização do período de registro de candidatura (com a efetiva escolha dos
candidatos) os prazos passam a ser contínuos e peremptórios, inclusive, tendo o seu dies ad quem nos feriados ou
mesmo finais de semana, em estrita obediência ao art. 16, da Lei Complementar nº 64/90.
16
AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 3. ed. São Paulo: Saraiva.
2012, p. 173.
partido político não disponha de normas que regulem a convenção partidária (omissão no
estatuto partidário), deverá o órgão nacional diretivo elaborá-las e publicá-las no Diário
Oficial da União em até 180 (cento e oitenta) dias antes do pleito eleitoral e encaminhá-las
ao Tribunal Superior Eleitoral antes da realização de sua convenção, conforme dispõe
o art. 7º, §1º, da Lei nº 9.504/97.
A etimologia do instituto convenção tem origem do latim “conventio” e segundo
o eleitoralista Agra “significa assembleia ou reunião em que se discute ou delibera
sobre determinado assunto”.17 Já Gomes, perfilhando o mesmo entendimento, aduz “é
a reunião ou assembleia formada pelos filiados a um partido político – denominados
convencionais – cuja finalidade é eleger os que concorrerão ao pleito”.18 Por sua vez,
Camargo aduz “a assembleia ou reunião onde os convencionais, mediante o voto,
deliberam sobre a formação de coligações e escolhem os candidatos do partido político
que serão registrados na Justiça Eleitoral para disputar as eleições”.19
O processo eleitoral inicia-se muito antes do período de seleção de candidatos
pelos partidos na convenção partidária (para a disputa do pleito eleitoral). A convenção
partidária está inserta na fase pré-eleitoral e não configura o prelúdio desse processo,20
propriamente dito, haja vista a complexidade (pressupostos) que antecede esse instituto
jurídico como, por exemplo, a filiação partidária, o domicílio eleitoral, etc.21 Segundo
Alvim “as convenções consistem em assembleias realizadas pelas agremiações partidárias,
para que seus filiados com direito a voto – aí chamados convencionais – deliberem sobre
assuntos de seu interesse”.22
Nesse escopo, deve ser evidenciado que a convenção partidária poderá ensejar
dois momentos peculiares no âmbito dos partidos políticos, haja vista que as respectivas
deliberações instauradas são denominadas de convenção, logo, os partidos políticos
podem realizar encontros anuais, mensais ou semanais (a depender do regimento
interno) não, necessariamente, para a deliberação e escolha de candidatos que devem
concorrer ao pleito eleitoral. Assim, para que haja um esclarecimento acerca da matéria,
é de suma importância destacar que este estudo está voltado para a convenção partidária
que escolhe o candidato para concorrer ao pleito eleitoral, a qual deve ocorrer entre
os dias 20 de julho a 05 de agosto no ano eleitoral. A outra modalidade de convenção
partidária, que não possui marco na legislação eleitoral e poderá ocorrer a qualquer
momento (desde que haja assentimento do partido), devendo obediência estrita ao
estatuto partidário em sua convocação (seja ordinária ou extraordinária), não será
17
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 101.
18
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 324.
19
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Convenções partidárias, pedido de registro de candidaturas e ação de
impugnação ao registro de candidaturas. In: ÁVALO, Alexandre et al. (Coord.) O novo direito eleitoral brasileiro:
manual de Direito Eleitoral. 2. ed. rev., atual. eampl. Belo Horizonte: Juruá, 2014. p. 147-176.
20
Insta recordar a minirreforma eleitoral (Lei nº 13.165/2015) que trouxe modificações ao conceito de propaganda
extemporânea vedando a realização de qualquer tipo de propaganda que traga em seu bojo o pedido de voto
expresso, senão estar-se-ia inserto na penalidade contida no art. 36, §3º, da Lei nº 9.504/97, haja vista que o período
de propaganda eleitoral (o qual permite o pedido de votos expressamente) inicia-se a partir do dia 16 de agosto
do ano eleitoral.
21
STF – RE: 633703 MG, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 23.03.2011, Tribunal Pleno, Data
de Publicação: Repercussão Geral – Mérito.
22
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 251.
Nesse passo, insta destacar que a convocação dos filiados a respectiva convenção
partidária e, consequentemente, seleção de candidatos para a disputa do pleito eleitoral
possui regras próprias para esta finalidade. Todos os estatutos partidários já trazem o
órgão e o procedimento para a realização na convocação de seus filiados.
A publicidade desse ato político partidário deve restar adstrito aos convencionados,
segundo dispõe o art. 36 da Lei nº 9.504/97. Permite-se na quinzena anterior da realização
23
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 251.
24
Essa autonomia é corolário da liberdade de criação dos partidos políticos (pluralismo político, fundamento
constitucional), art. 17 da Constituição Federal.
25
“Art. 7º As normas para a escolha e substituição dos candidatos e para a formação de coligações serão estabelecidas
no estatuto do partido, observadas as disposições desta Lei.”
26
AGRA, Walber de Moura; CAVALCANTI, Francisco Queiroz. Comentários à nova lei eleitoral: lei nº 12.034, de 29
de setembro de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 23.
27
Ora, denominada pelo mesmo autor como “regional”.
28
PESSUTI; BUZATO. Os abusos na propaganda eleitoral: considerações sobre a propaganda eleitoral antecipada
e as vedações trazidas pela Lei nº 11.300/2006. In: DEMETERCO NETO, Antenor (Org.). O abuso nas eleições: a
conquista ilícita de mandato eletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 95.
29
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 463.
30
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 288.
31
“[...] Propaganda antecipada. Divulgação. Texto. Internet. Blog. Conotação eleitoral. Presente. [...] 5. A propaganda
intrapartidária é permitida ao postulante à candidatura com vistas à indicação de seu nome em convenção, e deve
ser dirigida somente aos respectivos convencionais. [...]” (Ac. de 17.3.2011 no R-Rp nº 203745, rel. Min. Marcelo
Ribeiro.)
32
“RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. CARRO DE
SOM. CONVOCAÇÃO PARA A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA. DIVULGAÇÃO DE CANDIDATURA. MULTA.
1. A Resolução TSE 23.370/2011, em seu artigo 1º, proibiu a realização de qualquer tipo de propaganda política,
antes do dia 6 de julho de 2012, à exceção de propaganda intrapartidária destinada unicamente aos convencionais.
2. Há desvirtuamento da propaganda intrapartidária quando extrapola limites de abrangência e finalidade. 4.
Desprovimento da pretensão recursal. (TRE-PE – RE nº 1870 PE, Relator: VIRGÍNIO MARQUES CARNEIRO
LEÃO, Data de Julgamento: 07.08.2012, Data de Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 7.8.2012).
33
“[...] Propaganda eleitoral antecipada. Internet. Divulgação. Discurso. Intrapartidário. Responsabilidade. Sítio. 1.
O discurso realizado em encontro partidário, realizado em ambiente fechado, no qual filiado manifesta apoio à
candidatura de outro, não caracteriza propaganda eleitoral antecipada, a teor do art. 36-A, II, da Lei nº 9.504/97.
2. A sua posterior divulgação pela internet, contudo, extrapola os limites da exceção prevista no dispositivo
mencionado, pois, além de noticiar o apoio prestado, visa difundir a candidatura. 3. Pela divulgação do discurso
proferido no âmbito intrapartidário responde o provedor de conteúdo da página da internet, que, no caso, é
confessadamente o Partido Político que a mantém e controla seu conteúdo. 4. Recurso dos representados provido
em parte para excluir a multa aplicada ao candidato, mantendo-se a multa aplicada à agremiação. Recurso do
Ministério Público desprovido.” (Ac. De 16.11.2010 no R-Rp nº 259954, rel. Min. Henrique Neves).
realizar uma comunicação prévia com 72 (setenta e duas) horas de antecedência à Justiça
Eleitoral e caso haja mais de uma solicitação, prevalecerá o primeiro pedido.34
b) Instrumento de formalização – Ata da convenção (requisito/pressuposto de
registrabilidade)
A escolha do candidato em convenção partidária dá ensejo ao perfazimento de
um dos pressupostos de registrabilidade.35 As atas da convenção partidária devem ser
lavradas em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral e publicadas em 24 (vinte e
quatro) horas em qualquer meio de comunicação.
A inobservância desse prazo, de 24 (vinte e quatro) horas, enseja em um indício de
fraude, o que denotaria na anulação do ato e indeferimento dos registros de candidaturas
que o tivessem por base, mas essa corrente é minoritária, pois só haverá fraude caso
exista irregularidade grave.36 Ressalte-se que, caso o respectivo partido perca o prazo
para a realização da referida convenção partidária, haverá flexibilização para o seu
acontecimento, mas deverá ser demonstrado a força maior ou caso fortuito (reconhecidas
pela Justiça Eleitoral),37 o que poderá ser feito até a data final de apresentação dos
registros de candidatura (15 de agosto do ano eleitoral).38
A respectiva ata deverá ser depositada em cartório ou na respectiva secretaria do
Tribunal Regional, com o fim precípuo de simples conferência com a respectiva cópia
que serve de substrato para o registro de candidatura (art. 11, §1º, inciso I, da Lei nº
9.504/97). No que concerne à falsidade da ata de convenção partidária, esta deve ser
discutida nos autos do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) da
coligação, e não no processo de registro de candidatura individual, conforme se extrai
do entendimento sodalício do Tribunal Superior Eleitoral.39 40
Já em relação à nulidade da ata de convenção partidária deve restar demonstrado
que o vício transgrediu as regras legais e estatutárias. Outrossim, partido político,
34
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 103.
35
“EMENTA: RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA – CONVENÇÃO PARTIDÁRIA PARA
ESCOLHA DE CANDIDATOS E FORMAÇÃO DE COLIGAÇÃO – DISSOLUÇÃO DE COMISSÃO PROVISÓRIA
– CONVENÇÃO PARTIDÁRIA DECLARADA NULA PELA JUSTIÇA ELEITORAL – CONVENÇÃO VALIDADE
– IMPUGNAÇÃO IMPROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO. 1. Diante de decisão judicial invalidando os
efeitos da dissolução da comissão municipal provisória, prevalece a convenção partidária por ela realizada. 2.
Pedido de registro de candidato escolhido em convenção partidária declarada regular, ainda que em sede de
liminar, atende aos requisitos dos artigos 23, 24 e 25, da Resolução-TSE nº 23.373/11. 3. Recurso desprovido.
(TRE-PR – RE nº 19034 PR, Relator: ROGÉRIO COELHO, Data de Julgamento: 24.08.2012, Data de Publicação:
PSESS – Publicado em Sessão, Data 24.8.2012).
36
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 251.
37
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 103.
38
“RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO REGISTRO DE CANDIDATURA. ESCOLHA DE CANDIDATOS E DELIBERAÇÃO
SOBRE COLIGAÇÕES. DELEGAÇÃO PARA ÓRGÃO DE DIREÇÃO PARTIDÁRIA. DELIBERAÇÃO APÓS
O PRAZO DO ART. DA LEI Nº MAS NO PRAZO DO ART. DA MESMA LEI. POSSIBILIDADE. NEGADO
PROVIMENTO. (TSE – RESPE nº 26763 PA, Relator: FRANCISCO CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento:
21.09.2006, Data de Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 21.09.2006).
39
Recurso Especial Eleitoral nº 23763, Acórdão de 11.10.2012, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES,
Publicado em Sessão, Data 11.10.2012.
40
“Não cumpre as exigências da legislação eleitoral, coligação que apresenta documento falso na oportunidade do
requerimento do registro de candidatura” (AgR-REsp nº 13.154-10/BA, de 02.08.2010, Rel. Min. Marcelo Ribeiro.
c) Do direito de resposta
A partir da realização das convenções partidárias, a legislação eleitoral assegura a
utilização do instrumento jurídico do direito de resposta. O direito de resposta garante
ao candidato que sofreu a referida e injusta agressão o direito de ajuizar representação
eleitoral com fins de corrigir a informação veiculada e dar a devida resposta, sendo
esta divulgada nos mesmos moldes da notícia inverídica ou errônea, a qual poderá
ser feita em jornal, propaganda eleitoral na TV, rádio e ainda na internet (ou seja, em
qualquer meio de informação). Portanto, esse instrumento jurídico configura-se como
um legítimo mecanismo de preservação da isonomia de informações difundidas durante
o pleito eleitoral.43
A hipótese de incidência do direito de resposta pressupõe sempre um acinte,
ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória,
injuriosa ou sabidamente inverídica. Nos três primeiros casos, atinge-se a honra pessoal
do cidadão. Vale lembrar que o conceito de honra, depreende-se em vertente objetiva
e subjetiva, no primeiro, trata-se da reputação do cidadão perante o contexto social,
ao passo que no segundo caso, trata-se de um caráter axiológico individual de cada
cidadão, agregado ao autorrespeito.
41
Ac. de 25.9.2014 no AgR-REspe nº 35292, rel. Min. João Otávio de Noronha.
42
“[...] Registro de coligação. Impugnação. Alegação de irregularidades. Convenção partidária. Matéria interna
corporis. Ilegitimidade ativa da coligação adversária. Desprovimento do agravo [...] 2. A coligação adversária
não tem legitimidade para propor impugnação com fundamento em irregularidade na convenção partidária, por
se tratar de matéria interna corporis. Precedentes [...]” (Ac. de 6.12.2012 no AgR-REspe nº 20982, rel. Min. Dias
Toffoli.
43
AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 3. ed. São Paulo: Saraiva.
2012, p. 252.
a jurisdição, que tem por fim prevenir e compor os conflitos levados à apreciação do
Poder Judiciário,44 nos dizeres de Liebmann:
[...] a Justiça Eleitoral seja competente para julgar questões interna corporis dos partidos
que tenham reflexo no pleito eleitoral. Precedentes. 2. Anulada pela Justiça Comum a
intervenção promovida pelo Órgão Estadual do partido no âmbito municipal, há de
prevalecer a convenção realizada pelo diretório municipal na qual se deliberou pela formação
de coligação entre os partidos PSDB/PDT/PSD. 3. Cabe ao Órgão nacional do partido anular
as deliberações e atos decorrentes de convenção na qual tenha o órgão de nível inferior
contrariado as diretrizes da direção nacional, consoante prescreve o parágrafo 2º do art.
7º da Lei nº 9.504/97. 4. É inviável o agravo regimental que não infirma os fundamentos
da decisão agravada. 5. Agravo regimental desprovido. (TSE – Agravo Regimental no
Recurso Especial Eleitoral nº 64-15/SC Relator: Ministro Dias Toffoli DJe de 12.3.2013)
44
“[...] direito de provocar a jurisdição estatal no sentido de obter a prestação jurisdicional, a pretensão à tutela
jurídica: (a) é pré-processual, porque, constituindo pressuposto para que se possa invocar a proteção da jurisdição
estatal, existe antes do processo e (b) tem natureza de direito material, não formal (= processual)” (MELLO, Marcos
Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 1ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 116).
45
LIEBMANN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 40.
46
O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, reafirmando monocraticamente o entendimento pretoriano acima
retratado, asseverou expressamente que “a jurisprudência desta Corte alinhou-se no sentido da competência da
Justiça Comum Estadual para o exame de pretensões não diretamente ligadas ao pleito e formuladas em período
pré-eleitoral, adstritas a questões de natureza ‘interna corporis’’, como no caso dos autos” (CC nº 123.904/SP, DJe
11/03/2013).
47
Para maiores esclarecimentos: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao
=2091667>.
Referências
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
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29 de setembro de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 3. ed. São Paulo:
Saraiva. 2012.
48
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 103.
49
“RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO REGISTRO DE CANDIDATURA. ESCOLHA DE CANDIDATOS E DELIBERAÇÃO
SOBRE COLIGAÇÕES. DELEGAÇÃO PARA ÓRGÃO DE DIREÇÃO PARTIDÁRIA. DELIBERAÇÃO APÓS
O PRAZO DO ART. DA LEI Nº MAS NO PRAZO DO ART. DA MESMA LEI. POSSIBILIDADE. NEGADO
PROVIMENTO” (TSE – RESPE nº 26763 PA, Relator: FRANCISCO CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento:
21.09.2006, Data de Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 21.09.2006).
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LIEBMANN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985.
MALMESBURY, Thomas Hobbes de. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo:
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PESSUTI; BUZATO. Os abusos na propaganda eleitoral: considerações sobre a propaganda eleitoral antecipada
e as vedações trazidas pela Lei nº 11.300/2006. In: DEMETERCO NETO, Antenor (Org.). O abuso nas eleições:
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PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 4. ed. São Paulo:
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
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In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 389-401. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.
2.1 Introdução
Como definição mínima de democracia, entende-se um sistema político que
assegura à população adulta (cidadãos) a oportunidade de participar das decisões
políticas que dizem respeito ao polo dos decision makers.
O significado clássico de cidadania está associado à participação política. É
notoriamente um termo relacionado com a vida em sociedade. Sua origem está ligada
ao desenvolvimento da polis grega, entre os séculos VIII e VII a. C. A partir de então, esse
desenvolvimento tornou-se referência aos estudos que enfocam a política e as próprias
condições de seu exercício, tanto nas sociedades antigas quanto nas modernas. Por outro
lado, as mudanças nas estruturas socioeconômicas incidiram, igualmente, na evolução
do conceito e da prática da cidadania, moldando-a de acordo com as necessidades de
cada época.
A democracia é uma forma de governo que apresenta solo fecundo para o
exercício da cidadania; ela é desejável porque concede espaço para o homem ser e
existir, comandando as ações responsáveis por seu próprio futuro.
A atual democracia, possível, é a representativa, na qual o povo elege seus
representantes que serão sua voz no exercício do poder. No caso brasileiro, ela é
operacionalizada pelos partidos políticos, vez que estes detêm o monopólio eleitoral, e,
entre outras funções, a mais relevante diz respeito à interface que o partido faz entre os
cidadãos e o Estado. Assim, a forma do povo participar no governo será por intermédio
dos partidos políticos.
Sob esse aspecto, a forma embrionária da participação política do cidadão é a
atuação na vida partidária. O partido, enquanto parte do todo, pode ser considerado
um espelho da prática democrática em sociedade, o que se pratica no micro reflete no
macro. Mesmo os partidos totalitários ou autoritários, em termos de interna corporis,
de alguma forma, exercem nuances democráticas para sua sobrevivência.
O partido, como reflexo do exercício da democracia, é um sistema que apresenta
grupos com interesses diferentes, muitas vezes rivais, que buscam espaço de atuação
através das convenções, especialmente os relacionados ao sistema eleitoral intrapartidário
e à definição de candidatos aos pleitos eleitorais. Por esta perspectiva, a política interna,
especialmente em ambiente de governos de coalizão, pode ter o condão de mudar a
política externa (governamental).
A realização das convenções implica um nível maior de inclusão dos atores no
processo decisório, e, consequentemente amplia a democracia, de dentro para fora.
Embora as legendas sejam estudadas sob várias perspectivas, enquanto operadoras
da democracia, pouco se fala sobre sua prática democrática interna, como primórdio
de informação, formação e exercício de cidadania política.
O objetivo do presente artigo é iniciar uma discussão, sobre a existência ou não,
do caráter democrático intrapartidário, pretendido pelas convenções, e o quanto elas
contribuem com o aprimoramento da democracia.
O trabalho inicia com uma análise do conceito e dos elementos da democracia,
com o intuito de verificar-se, posteriormente, se estão presentes na vida intrapartidária.
Ulteriormente, examina-se o partido, a partir de sua estrutura e funções, tendo em vista
seu caráter embrionário de exercício da cidadania. Por final, investiga-se se as convenções
têm o condão de ser um mecanismo de aprimoramento da democracia, no aspecto
intrapartidário, e, em caso afirmativo, se isso é refletido externamente na sociedade.
Simone Goyard-Fabre explica que, tomando-se por base a raiz grega da palavra
democracia, essa significa o poder do povo (demos, kratos). É uma noção que surgiu na
Grécia antiga a partir do século VI a. C., em Mileto, Megara, Samos e Atenas.2
Quanto ao conceito “originário”, Robert Dahl assinala que “foram os gregos –
provavelmente os atenienses – que cunharam o termo demokratia: demos, o povo, e kratos,
governar”.3 Ainda para Dahl, a demokratia envolvia a igualdade de alguma forma, uma
vez que certos tipos de igualdade se apresentavam como características recomendáveis
do sistema político ateniense, tais como a igualdade de direito de todos os cidadãos
falarem na assembleia de governo e a igualdade perante a lei.4
Para o autor, a visão grega de uma ordem social ideal, qual seja, uma ordem
democrática, deveria contemplar seis condições: 1) um conjunto de cidadãos harmoniosos
1
CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas eleitorais x representação política. São Paulo: Centro Gráfico do
Senado Federal, 1987, p. 14.
2
GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia?: a genealogia filosófica de uma grande aventura humana. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
3
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009, p. 21.
4
DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
em seus interesses com vistas a compartilhar o sentimento de bem geral, de tal forma
que não esteja em contradição com seus interesses pessoais; 2) os cidadãos devem ser
homogêneos, não devendo haver grande desigualdade econômica e de tempo para se
dedicarem a polis, tendo a mesma religião, idioma e nível educacional; 3) pequeno corpo
de cidadãos para evitar a heterogeneidade e desarmonia, bem como propiciar que os
cidadãos convivam e conheçam sua cidade, tornando factível a reunião em assembleia
de modo a servirem como governantes soberanos da cidade; 4) os cidadãos devem ser
capazes de se reunir e decidir de forma direta sobre as leis e os cursos de ação política;
5) participação ativa dos cidadãos na administração da cidade; 6) a cidade-estado
deve permanecer completamente autônoma, ser autossuficiente política, econômica e
militarmente.5
Atenas foi a fonte inspiradora das lições da democracia, sendo que a democracia
ateniense durou em torno de dois séculos, das reformas de Clístenes (509 a. C.) à paz
de 322 a. C., quando Antípatro impôs a transformação das instituições políticas. Essa
democracia era a democracia direta com participação,6 ou seja, o exercício pessoal do
poder e o direito a ele. A democracia da polis era um governo democrático baseado na
participação direta dos cidadãos na administração pública.7
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o modelo da democracia ateniense, até
fins do século XVIII, foi considerado o único verdadeiramente democrático, que na
atualidade se batizou de democracia direta. Já a democracia dos modernos é indireta
com representação; é um sistema de controle e limitação do poder que se utiliza
dos mecanismos da representação para transmissão do poder do povo para seus
representantes.8
A democracia direta foi possível na polis porque essa não tinha a dimensão das
nações modernas e eram pequenas cidades-estado ligadas pelo mesmo destino, com
o mesmo ethos e religião, onde os cidadãos viviam em simbiose com suas cidades.9 A
política se reduzia a conviver na polis, uma cidade constituída em comunidade, uma
democracia sem o Estado na acepção moderna.
David Held assinala que o que talvez tenha alimentado um modo de vida
democrático, na Grécia antiga, seja o surgimento de uma cidadania, a existência de
uma “cidade” econômica e militarmente independente, num contexto de comunidades
relativamente pequenas e compactas; comunidades em que todos os cidadãos podiam e
deviam participar da criação e sustentação de uma vida em comum. O demos era o poder
soberano, a autoridade suprema que se ocupava das funções legislativa e judicial; ser
cidadão implicava fazer parte dessas funções, participando diretamente dos assuntos do
5
DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos…, op. cit., p. 26/28.
6
“Entre as democracias gregas, a de Atenas era de longe a mais importante, a mais conhecida na época (...)
considerada um exemplo primordial de participação dos cidadãos ou, como diriam alguns, era uma democracia
participante”. DAHL, Robert A. Sobre a democracia..., op. cit., p. 22.
7
“O supremo poder na democracia ateniense era atribuído a todos os cidadãos. Nisso estava o ponto-chave para
a qualificação de Atenas como uma democracia. Todo cidadão ateniense tinha o direito de participar, usando
da palavra e votando, na assembleia onde se tomavam as decisões políticas fundamentais”. FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. Curso de direito Constitucional. 36. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 109.
8
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Sete vezes democracia. São Paulo: Convívio, 1977.
9
“Na visão grega da democracia, o cidadão é uma pessoa íntegra, para quem a política era uma atividade social,
natural, não separada nitidamente do resto da vida, e para quem o governo e o Estado – ou melhor, a polis – não
são entidades remotas e alheias, distantes entre si. Ao contrário, a vida política é uma extensão dessa pessoa e está
em harmonia com ela”. DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos…, op. cit., p. 26.
10
HELD, David. Modelos de democracia. Madrid: Alianza Editorial S.A., 2012, p. 33/39.
11
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional…, op. cit., p. 109.
12
SARTORI, Giovanni. ¿Qué es la democracia? Madrid: Santillana Ediciones Generales, 2007.
13
DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos…, op. cit.
14
“Res publica é a ‘coisa de todos’, enquanto que democracia, para Aristóteles, queria dizer ‘coisa de uma parte’ (o
demos como parte pobre do todo). E se democracia alude ao ‘poder de alguém’ (de uma parte), res publica pelo
contrário diz respeito ao interesse geral, ao bem-comum. Res publica designa portanto um sistema político de
todos no interesse de todos”, tradução nossa. SARTORI, Giovanni. ¿Qué es la democracia? Madrid: Santillana
Ediciones Generales, 2007, p. 177.
15
O autor refere-se à subdivisão interna de Atenas entre ricos e pobres.
16
DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos..., op. cit.
17
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
18
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 30/33.
a forma de governo na qual valem normas gerais, chamadas leis fundamentais, que
permitem aos membros de uma sociedade, mesmo que sejam numerosos, resolver os
conflitos que inevitavelmente nascem entre os grupos que defendem valores e interesses
diferentes, sem necessidade de recorrer à violência.19
19
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elsevier,
2000, p. 238.
20
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 40.
21
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição..., op. cit.
22
SARTORI, Giovanni. ¿Quées la democracia?... op. cit.
23
SARTORI, Giovanni. Elementos de teoría política. Madrid: Alianza Editorial, 2012.
24
“A distribuição do exercício e controle do poder político e a concentração do exercício do poder, que está livre de
controle, cria o quadro conceitual para a fundamental dicotomia dos sistemas em constitucionalismo e autocracia”,
tradução nossa. LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. Barcelona: Editorial Ariel, 1976, p. 50.
25
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución…, op. cit.
26
DAHL, Robert A. Sobre a democracia…, op. cit.
27
O termo é usado no sentido de identificar os Estados Unidos da América e não o continente onde está inserido,
de forma a manter a nomenclatura utilizada pelo autor.
28
TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São
Paulo, 1987.
29
BOBBIO, Norberto. Norberto Bobbio: o filósofo e a política: antologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003, p. 235.
30
GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia?: a genealogia filosófica de uma grande aventura humana…, op.
cit., p. 13.
31
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 2005.
32
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos…, op. cit.
político permeado por mediação, que evita as radicalizações, e por ser um sistema de
controle e limitação do poder.33
A democracia representativa traz consigo o pluralismo, que com suas diferenças,
diversidade de opiniões e debate, ajuda a ordem político-social. A sociedade é constituída
pela diversidade, e, sendo os representantes uma projeção do corpo eleitoral, o parlamento
será composto por todos os segmentos sociais, fato que enriquece o debate e direciona
a decisão política no rumo da vontade social. Nas palavras de Márlon Reis,
33
SARTORI, Giovanni. ¿Quées la democracia?..., op. cit.
34
REIS, Márlon. Direito eleitoral brasileiro. Brasília: Alumnus, 2012, p. 67/68.
35
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución…, op. cit.
36
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos…, op. cit.
37
DAHL, Robert A. Sobre a democracia..., op. cit.
38
DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p.
25/37.
39
DAHL, Robert A. Sobre a democracia..., op. cit., p. 104.
sujeito e objeto do poder; é o governo do povo sobre o povo, sendo uma característica
da democracia a liberdade com igualdade.40
Segundo Juan Linz e Alfred Stepan, a democracia é uma forma de governo do
Estado na qual a sociedade civil deve ser livre e ativa. A sociedade política deve ser
relativamente autônoma e valorizada, em um contexto em que esteja presente o estado
de direito para assegurar as garantias legais das liberdades dos cidadãos e da vida
associativa independente. Por fim, é necessária a existência de uma sociedade econômica
institucionalizada:41 “A democracia é uma forma de governo da vida em uma polis, na
qual os cidadãos possuem direitos que são assegurados e protegidos”.42
Para Giovanni Sartori, falar de democracia é falar de soberania (princípio de
legitimidade), igualdade (leis iguais para todos e voto igual) e autogoverno (aplicável às
microdemocracias); sendo a soberania popular caracterizada pelo poder do povo, é ela
quem define a titularidade do poder. O autor observa, ainda, que a democracia é apoiada
na opinião pública, devendo a ação do governo ser baseada nessa opinião, a qual deve ser
livre para corresponder à expressão da vontade popular. A opinião pública é fundamento
substancial e operativo da democracia e as condições para sua concretização são a liberdade
de pensamento, a liberdade de expressão, a liberdade de organização e o policentrismo,
que se trata da informação oriunda de vários centros diferentes.43
Prosseguindo na questão dos elementos da democracia, tem-se que para Karl
Loewenstein, sob o prisma da democracia constitucional, identifica o sistema político
pelas instituições e técnicas e pelas instituições e ideologias. Constituem elementos do
sistema constitucional a existência de partidos políticos que manejarão as eleições e
determinarão a adesão ao parlamento e a composição política do governo. A técnica
utilizada nas eleições é construída com várias ideologias representadas pelos partidos
e candidatos que serão eleitos livremente. A conduta política se baseia na persuasão e
compreensão e exige que a maioria respeite os direitos das minorias, o consentimento
outorgado opera desde baixo através das eleições e decisões da maioria.44
Maurice Duverger identifica como elementos da democracia a soberania popular,
as eleições, os parlamentos, a independência dos juízes, as liberdades públicas e o
pluralismo dos partidos. O autor observa, contudo, que esses elementos não conduzem a
um poder político forte, em razão da vontade de enfraquecer o Estado ante a preocupação
de proteger as liberdades em face do abuso do poder.45
Observa-se, nesse ponto, que a democracia acontece não só em razão de condições
favoráveis, mas principalmente do desejo de perseguir a liberdade que está no ser
humano; é como se a democracia fizesse parte do ser. A democracia é tão almejada
em razão de defender um dos maiores bens do homem, que é a liberdade; somente
a partir dela é que o indivíduo tem condições para ser e desenvolver-se intelectual
e existencialmente. Ter liberdade é ser, pensar e, portanto, existir. Outro ponto que
40
KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 25/35.
41
LINZ, Juan J., STEPAN, Alfred. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América
do Sul. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
42
LINZ, Juan J.; STEPAN, Alfred. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América
do Sul…, op. cit., p. 29.
43
SARTORI, Giovanni. ¿Quées la democracia?..., op. cit.
44
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución…, op. cit.
45
DUVERGER, Maurice. As modernas tecnocracias: poder econômico e poder político. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1975.
reforça a busca pela democracia é que a própria existência, nas sociedades modernas,
está vinculada ao alcance de patamares razoáveis em termos econômicos e culturais,
conquistas essas que dependem da implementação da igualdade.
Nessa busca de conceituação e elementos da democracia, embasada no cotejo entre
a democracia dos antigos e a dos modernos, encontram-se pontos que foram preservados,
podendo esses pontos configurarem o mínimo a ser considerado como democrático e
elementos indissociáveis da democracia, sendo eles a liberdade, a igualdade e a forma
de participação política. E, enquanto conceito mínimo, é o governo exercido pelo povo.
Identificado, de forma mínima, o conceito e os elementos da democracia, e, tendo
vista que, no caso brasileiro, é operada pelos partidos, que detêm o monopólio eleitoral,
deve-se investigar a estrutura e a função dos partidos políticos com vistas a verificar se
estes praticam e incentivam a democracia.
46
“Tal sistema é caracterizado por uma relação triangular na qual o governo, idealmente representante dos interesses
nacionais, intervém unicamente como mediador entre as partes sociais e, no máximo, como garante (geralmente
importante) do cumprimento do acordo. Aqueles que elaboram, há cerca de dez anos, esse modelo – que hoje ocupa
o centro do debate sobre as ‘transformações’ da democracia – definiram a sociedade neocorporativa como uma
forma de solução dos conflitos sociais que se vale de um procedimento (o do acordo entre grandes organizações)
que nada tem a ver com a representação política e é, ao contrário, uma expressão típica da representação de
interesses”. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia..., op. cit., p. 38.
47
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia..., op. cit.
48
KELSEN, Hans. I fondamenti della democrazia. Bologna: Mulino, 1970.
49
TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América…, op. cit., p. 136.
Alexis de Tocqueville promove seu estudo em meados do século XIX, sob forte
influência do pensamento liberal. Adentrando-se no século XX, com relação ao estudo
dos partidos políticos, um pesquisador de reconhecida contribuição para a matéria
é Robert Michels, que traz um diagnóstico pessimista quanto aos partidos políticos,
fazendo sua análise a partir do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) e de sindicatos
operários. Estuda o funcionamento interno das organizações e sua estrutura, especial-
mente quanto ao poder, como o é no interior partidário, como se reproduz, como se
modificam essas relações de poder e com quais consequências organizativas. Aponta
que a dinâmica organizacional do partido é gravada por duas tendências opostas entre
si: a inclinação à concentração de poderes nas mãos de uma oligarquia e o anseio de
participação da coletividade. Observa que a democracia é inviável em organizações e
sociedades complexas, o tamanho obriga a especialização e a divisão de funções que
acabam dificultando os processos democráticos e leva à oligarquização do partido.50
Segundo Robert Michels, o fenômeno da oligarquia nos partidos é explicado a partir
de aspectos da sociologia das organizações e da psicologia social. O partido necessita
de uma organização estável e de uma classe dirigente para alcançar algum êxito. A
oligarquia instala-se em razão de os dirigentes dominarem a estrutura organizacional
do partido, eles se transformam em uma classe apartada dos demais membros, uma
vez que dominam o conhecimento, definem as estratégias de relacionamento nos
ambientes de atuação partidária e direcionam o funcionamento da organização para
proveito próprio. Seus interesses distanciam-se dos objetivos da maioria dos filiados
e a organização passa a ser um fim em si mesma. O crescimento do partido e seu
desenvolvimento organizacional conduzem à especialização e à divisão do trabalho, que
dão origem à delegação e à representação, que evoluem para uma minoria de dirigentes
mais permanentes, ocorrendo, então, a centralização administrativa e, por conseguinte,
finda-se a democracia direta nas organizações políticas, onde a chefia antes refletia a
vontade da massa, cuja decisão era tomada em grupo.51
Michels afirma que à medida que a organização se desenvolve, torna-se gradual-
mente menos democrática e mais oligárquica em razão dos efeitos psicológicos do
exercício do poder e da “lei de ferro da oligarquia”. Outro fator de distanciamento
entre dirigentes e coletividade é o poder centralizador intrapartidário que impõem
autoridade e disciplina.52
Diferente de Robert Michels, que analisou a estrutura do partido a partir do
poder, outro expoente a dissecar o partido político foi Maurice Duverger, em sua obra
Les partis politiques. Na obra, o autor também analisa os partidos, sob outro ponto de
vista, a partir de sua estrutura, dividindo-os em partidos de quadro e de massa, havendo
ainda espaço para os intermediários.53
Para Duverger, os partidos surgiram e desenvolveram-se com os processos
eleitorais e parlamentares, inicialmente como comitês eleitorais, e no parlamento, como
grupos parlamentares que reuniam deputados com a mesma tendência para uma ação
comum, o que veio a propiciar as coligações dos comitês eleitorais, na base, criando-se
50
“O que se observa na vida partidária é que a democracia, a partir de certo momento da evolução, vai fazendo
um movimento de retrocesso. A democracia entra em fase de declínio à medida que aumenta o nível de organização”.
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Lisboa: Antígona, 2001, p. 55.
51
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Lisboa: Antígona, 2001.
52
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna..., op. cit.
53
DUVERGER, Maurice. Los partidos políticos. 3. ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1965.
assim os primeiros partidos. Mesmo nos regimes políticos sem eleição e sem parlamento,
ou com pseudoeleições e parlamentos, o partido teve seu papel como partido único, que
mesmo nesse quadro deformado, relacionou-se com o processo eleitoral e o parlamento.
Citada técnica é muito utilizada pelas ditaduras para dar aparência da existência de um
processo eleitoral e parlamentar, moldando uma democracia de fachada.
Quanto à estrutura, Duverger, considera o partido sob o aspecto de “máquina”,
organização, “aparelho”, sendo organizado de forma interna (quadro ou massa) e
externa (sistema de partidos).
Com relação à organização interna, segundo Maurice Duverger, os partidos
de quadros, tradicionais, são característicos do Estado Liberal em tempos de sufrágio
limitado ou no início da aplicação do sufrágio universal, quando o eleitor ainda confiava
nas elites sociais tradicionais, sendo divididos em tipo europeu e tipo americano.
O partido de quadro do tipo europeu visa reunir os mais notáveis, a qualidade
importa mais que a quantidade, visto que são arregimentados em razão de seu prestígio,
que lhes conferem influência moral, ou por sua fortuna, que irá auxiliar no custeio das
campanhas. A organização interna é fraca e sua autonomia é elevada. Já o partido de
quadro do tipo americano sofreu a influência do sistema de prévias, que teve como
consequência a quebra dos estreitos quadros dos comitês de notáveis porque essas
prévias obrigavam os comitês a se abrirem à influência das massas eleitorais.
Com relação aos partidos de massa, Maurice Duverger afirma que esses foram
criados pelos movimentos socialistas, adotados posteriormente pelos partidos comunistas,
fascistas, partidos de países subdesenvolvidos e por certos partidos democrata-cristãos,
dividindo-se em tipo socialista, tipo comunista e tipo fascista.
O partido de massa do tipo socialista surge com o objetivo de financiar as
eleições de candidatos operários, então considerados revolucionários e, portanto,
sem a possibilidade de financiamento pelos meios usuais (banqueiros, industriais,
comerciantes etc.). A organização financeira também se prestou a auxiliar na escolha dos
candidatos do partido, visto que os membros foram organizados de forma democrática
em assembleias gerais locais e nacionais, que designavam os candidatos e dirigiam o
partido. Essas reuniões serviam também para promover a educação cívica das massas
populares e permitiam-lhes exercer seus direitos. A estrutura do partido ampliava a
democracia, que se abria à quase totalidade da população que participava de modo
permanente na gestão do Estado e não se limitava apenas a votar de tempos em tempos.
Os partidos de massa do tipo comunista, no pensamento de Duverger, têm origem
na cisão interna dos partidos socialistas e adotam o seu modelo, possuindo a melhor
organização entre todos os partidos. Eles buscam atrair grande número de adeptos,
que são agrupados em células, sendo este seu grande diferencial, pois em razão de
serem agrupamentos de pequenas dezenas de pessoas, constituindo uma pequena
comunidade, propiciavam uma maior solidariedade e homogeneidade entre os adeptos,
fato difícil de ser alcançado em uma seção que reunia centenas ou milhares de pessoas.
Nesse tipo de partido, a organização era autoritária e centralizada, os dirigentes eram
escolhidos pelo centro e ratificados em eleições internas do partido. As decisões eram
tomadas de forma centralizada e os chefes locais se incumbiam de assegurar a sua
execução, fazendo com que o poder fosse exercido de cima para baixo. Não obstante
essa centralização, os comunistas entendiam ser democráticos, tendo em vista que
antes das decisões serem tomadas pelo centro, os temas eram amplamente debatidos
em todos os escalões, mantendo-se, assim, o contato com a base.
54
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución…, op. cit.
55
“Los partidos políticos son, pues, formas de organización de la clase política. En consecuencia, son grupos
societarios y secundarios, cuyo fin inmediato es la posesión y el ejercicio del poder político organizado para establecer,
reformar o defender un orden como articulación de los fines que responden a las convicciones comunes de sus miembros”.
SANCHEZ AGESTA, Luis. Principios de teoría política. Madrid: Editora Nacional, 1979. p. 255.
56
SANCHEZ AGESTA, Luis. Principios de teoría política..., op. cit.
57
SANCHEZ AGESTA, Luis. Principios de teoría política..., op. cit.
58
SANCHEZ AGESTA, Luis. Principios de teoría política..., op. cit.
59
OPPO, Anna. Partidos políticos. In: Curso de introdução à ciência política. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
v.5, 1982.
60
OPPO, Anna. Partidos políticos…, op. cit., p. 15.
61
Organização das campanhas eleitorais, fiscalização das eleições e respectivas apurações, bem como acompanhamento
da diplomação dos eleitos. LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito eleitoral. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 62.
62
Responsabilização por parte dos partidos quanto à mobilização da sociedade de forma a estimular o eleitorado
a participar do processo eleitoral. LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito eleitoral…,
op. cit., p. 62.
63
Busca e seleção no meio social das personalidades que integrarão o processo político e as atividades administrativas.
LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito eleitoral…, op. cit., p. 62.
64
“Captam e canalizam os interesses e as demandas emergentes da comunidade, acoplando-lhes caráter político
e transformando-as em programas gerais”. LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito
eleitoral…, op. cit., p. 62.
65
“(...) formação das políticas públicas, mediante o desdobramento dos programas partidários em ação governamental”.
LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito eleitoral…, op. cit., p. 62.
Prosseguindo no estudo sobre a função e conceito dos partidos, outro autor que
aborda o tema é o professor Paulo Bonavides, que os define como “uma organização de
pessoas que inspiradas por ideias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder,
normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização dos
fins propugnados”,66 sendo
Com relação aos partidos políticos, Goffredo Telles Junior os define como:
uma associação de pessoas, instituída para a conquista do Governo por meio do voto
popular, ou para participar do Governo e nele influir, ou, ainda, para dele discordar,
fazendo-lhe oposição, sempre com o anseio de realizar ideias de bem-comum que motivam sua
existência.68
Outro viés do partido político é sua atuação como oposição na política, trazida
por Monica Herman Salem Caggiano. Segundo a doutrinadora, os partidos são
“organizações estáveis, direcionadas a arregimentar e coordenar a participação nas
atividades governamentais”,69 “vetor de interação entre governantes e governados no
esquema da representação política”,70 no qual a oposição age como controle do poder
e impõe limites a ele.
Em termos da atual Constituição brasileira, Márlon Reis afirma que essa deter-
minou uma democracia representativa partidária, a qual considera evoluída frente à
democracia representativa, na qual prevalecia a representação política do indivíduo.
Para o autor “por meio dos partidos políticos opera-se a manifestação dos grupos
politicamente organizados, dos quais se espera uma mobilização motivada em interesses
lícitos, legítimos e supraindividuais”.71 Tendo por finalidades desenvolver políticas
e programas de ação, canalizar demandas sociais, recrutar e selecionar pessoas para
futuros mandatos e relacionar-se com o governo, apoiando-o ou opondo-se a ele.72
Pelo estudo apresentado, o partido político é por excelência o canal da repre-
sentação. As legendas são o mecanismo institucional mais importante da expressão
política. É através delas que os grupos sociais costumam exprimir suas reivindicações
e interesses, assim como participar, de modo mais ou menos eficaz, da formação das
decisões políticas, tendo o condão de efetivar a democracia.
66
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 372.
67
BONAVIDES, Paulo. Ciência política…, op. cit., p. 372.
68
TELLES JUNIOR. Goffredo. O povo e o poder: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2006. p. 63.
69
CAGGIANO, Monica Herman Salem. Oposição na política: proposta para uma rearquitetura da democracia. São
Paulo: Angelotti, 1995. p. 77.
70
CAGGIANO, Monica Herman Salem. Oposição na política: proposta para uma rearquitetura da democracia…, op.
cit., p. 78.
71
REIS, Márlon Jacinto. Direito eleitoral brasileiro. Brasília: Alumnus, 2012. p. 153.
72
REIS, Márlon. Direito eleitoral brasileiro…, op. cit.
No âmbito da sociedade, fica cristalino que o partido político opera e pode ampliar
a democracia, restando verificar se internamente as práticas democráticas são aplicadas
e o quanto isso aprimora a democracia na esfera externa (sociedade).
73
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Coordenação Marina Baird
Ferreira, Margarida dos Anjos. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009. p. 542.
74
BOBBIO, Norberto. MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 13. ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, v.1, 2010. p. 285.
75
De acordo com a redação do artigo 8º da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015.
76
De acordo com a redação do artigo 8º, parágrafo 2º da Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997.
O governo representativo significa que o povo inteiro, ou pelo menos grande parte dele,
exercite, por intermédio de deputados periodicamente eleitos por ele, o poder do controle
supremo, que deve existir em algum lugar em todas as constituições. Este poder supremo
deve ser mantido em toda sua perfeição. O povo deve ser amo e senhor, sempre que quiser,
de todas as atividades do governo.79
77
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1978.
78
MILL, John Stuart. O governo representativo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981, p. 39/43.
79
MILL, John Stuart. O governo representativo…, op. cit., p. 47.
80
Apud. SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Tradução de Waltensir Dutra; apresentação à edição
brasileira do Prof. David Fleischer. Ed. brasileira rev. e ampl. Rio de Janeiro: Zahar. Brasília: Ed. Universidade
de Brasília, 1982. p. 93.
partidário, coligações, definição dos candidatos aos pleitos eleitorais e coalizão ao governo
em exercício, bem como é o momento em que os grupos com interesses diversos, muitas
vezes rivais, buscam espaço de atuação política. Particularmente em governos de coalizão,
como no caso brasileiro, o embate entre grupos rivais, intrapartidários, a depender do
vencedor, pode ter a capacidade de mudar ou interferir na política governamental.
Partindo-se da premissa de que a estrutura constitucional brasileira foi arquitetada
para votar-se em partidos, portanto, em seus programas, e que estes são definidos ou
alterados nas convenções, essas assembleias têm o potencial de influenciar diretamente
nos rumos do país. Além do que, a realização das convenções implica um nível maior
de inclusão dos atores no processo decisório, e, consequentemente amplia a democracia,
de dentro para fora.
A participação nas convenções é fechada (restrita a todos ou alguns membros)
ou aberta ao eleitorado em geral, ganhando caráter de maior ou menor integração de
agentes, espelhando uma expansão ou não da democracia, dependendo do espectro
admitido.
Neste aspecto, tomando-se por base a estrutura das agremiações, sob o ponto
de vista de Duverger, os partidos de massa têm maior propensão e incentivo para as
práticas democráticas intrapartidárias, do que os partidos de quadros, vez que as decisões
são tomadas de baixo para cima por meio da participação direta dos associados.81 Para
Michels, que analisa a estrutura do partido a partir do poder, a democracia intrapartidária
é inexistente, pois a organização que o partido necessita impõe hierarquização e chefia,
centralizando o poder e criando autonomia de decisão para a direção, transmutando-se
na “lei de ferro da oligarquia”, deixando para trás os princípios democráticos.82
Sob o ponto de vista das funções primordiais da legenda, têm-se a apresentação
de candidatos aos pleitos eleitorais e ser o canal de comunicação entre a estrutura social
e o poder político, sendo que as convenções têm um papel fundamental neste ângulo,
vez que nelas são definidos os candidatos e os programas partidários.
As convenções têm, ainda, a capacidade de mobilização e ativação dos eleitores,
fato decisivo nos momentos de grandes transformações econômicas e sociais, que
abalam a ordem tradicional da sociedade e ameaçam modificar as relações de poder.
Elas retiram a apatia política, o indivíduo envolvido e acostumado com as questões
políticas passa a desenvolver um comportamento mais ativo.
Retomando a proposta inicial, no sentido de que o partido é “uma miniatura do
sistema político”, e, portanto, propício para o treinamento da prática democrática, são nas
convenções que os indivíduos vão exercitar o voto, considerado o ápice da democracia
representativa, neste momento terão a oportunidade de aprender a sua importância e
valor, passando a ter uma atitude mais responsável perante as urnas eleitorais, fato que
impactará diretamente na qualidade dos governantes, e, por consequência, auxiliará
no combate à corrupção política, que é um câncer, que hoje corrói a democracia e a
coloca em risco.
Outro elemento essencial da democracia é a alternância no poder, promovida pela
oposição, sendo que as convenções prestigiam tal prática, ante a possibilidade de embate
entre frações dissonantes no interior da agremiação, além do que o enfrentamento entre
81
DUVERGER, Maurice. Los partidos políticos. 3. ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1965.
82
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Lisboa: Antígona, 2001.
uma multidão enorme, concentrada num mesmo ponto, é muito mais receptiva ao pânico, ao
susto, à admiração irrefletida, etc., do que um pequeno número de indivíduos que possam
falar uns com os outros de modo racional (...) A multidão faz desaparecer o indivíduo e
com ele a respectiva personalidade e sentimento de responsabilidade.83
2.5 Conclusões
Democracia, sob um aspecto mais simplista, pode-se dizer que é uma forma
de governo na qual a vontade do povo é a fonte do poder e indicativo dos rumos do
governo, tendo por elementos a liberdade, a igualdade e a forma de participação política.
A democracia possível, para a sociedade moderna, é a representativa, operada
pelos partidos políticos, passando estes a serem peça fundamental para a implementação
e manutenção da democracia.
Tomando-se por base os elementos indissociáveis da democracia, quais sejam, a
liberdade, a igualdade e a forma de participação política, as convenções são o meio pelo
qual os partidos praticam e incentivam o espírito democrático, vez que nelas os membros
partidários têm, de forma direta, a liberdade, em pé de igualdade, de tomarem decisões.
As convenções transformam os indivíduos em cidadãos participativos, que são
desejáveis e necessários para o bom funcionamento da democracia. Elas têm o condão
83
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Lisboa: Antígona, 2001. p. 59.
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Bruno Bolognesi
Cientista político. Professor do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR e
do Departamento de Ciência Política na mesma instituição. Coordenador do Laboratório dos
Partidos Políticos e Sistemas Partidários (LAPeS/UFPR) – <www.lapesufpr.com.br>. Pesquisador
do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-americanos (NEPPLA/UFSCar) e do Centro
de Opinião Pública (CESOP/Unicamp), e editor associado da Revista de Sociologia e Política <www.
scielo.br/rsocp>.
Gabriela Rollemberg
Advogada graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e em Ciência
Política pela Universidade de Brasília (UnB). Pós-Graduada em Direito Eleitoral pelo Instituto
Luiz Flávio Gomes. Membro-fundadora da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político
(ABRADEP). Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da
OAB. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade). Organizadora do livro Aspectos
Polêmicos e Atuais no Direito Eleitoral e coautora da obra Manual do Candidato. Professora de Direito
Eleitoral em diversas instituições, entre elas o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e a
Escola Nacional de Advocacia (ENA).
Paula Bernardelli
Advogada Eleitoralista. Graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora
do grupo Política por/de/e para Mulheres (UFPR/UERJ). Membro da Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro da Comissão Permanente de Direito Político e
Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).