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DIREITO PARTIDÁRIO

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TRATADO DE DIREITO ELEITORAL

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LUIZ FUX
LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA
WALBER DE MOURA AGRA
Coordenadores

Luiz Eduardo Peccinin


Organizador

DIREITO PARTIDÁRIO

Belo Horizonte

CONHECIMENTO JURÍDICO

2018

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TRATADO DE DIREITO ELEITORAL

Coordenadores Organizador Comissão Científica Comissão Executiva


Luiz Fux Luiz Eduardo Peccinin Roberta Maia Gresta Maitê Chaves Marrez
Luiz Fernando Casagrande Pereira Frederico Franco Alvim Paulo Henrique Golambiuk
Walber de Moura Agra João Andrade Neto Waldir Franco Félix Júnior

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CONHECIMENTO JURÍDICO

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D597 Direito Partidário / Luiz Fux, Luiz Fernando Casagrande Pereira, Walber de Moura
Agra (Coord.); Luiz Eduardo Peccinin (Org.). – Belo Horizonte : Fórum, 2018.
426 p.

Tratado de Direito Eleitoral


V. 2

ISBN da Coleção: 978-85-450-0495-0


ISBN do Volume: 978-85-450-0497-4

1. Direito Eleitoral. 2. Direito Constitucional. 3. Direito partidário. 4. Ciência Política.


I. Fux, Luiz. II. Pereira, Luiz Fernando Casagrande. III. Agra, Walber de Moura. IV.
Peccinin, Luiz Eduardo. V. Título.
CDD 341.28
CDU 342.8

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 426 p. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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SUMÁRIO

PARTE I
DIREITO PARTIDÁRIO

CAPÍTULO 1
DEMOCRACIA E PARTIDOS POLÍTICOS
MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO.................................................................................... 15
Referências.................................................................................................................................. 21

CAPÍTULO 2
DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A
REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
RAFAEL MORGENTAL SOARES...................................................................................................... 23
2.1 Introdução................................................................................................................................... 23
2.2 Panorama do sistema partidário atual................................................................................... 25
2.3 Direitos existenciais................................................................................................................... 26
2.4 Direitos econômicos................................................................................................................... 32
2.5 Direitos eleitorais....................................................................................................................... 38
2.6 Direitos políticos........................................................................................................................ 41
2.7 Conclusões.................................................................................................................................. 43
Referências.................................................................................................................................. 44

CAPÍTULO 3
PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM
ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA
ANA PAULA FULIARO....................................................................................................................... 45
3.1 Introdução................................................................................................................................... 45
3.2 Partido político e representação política................................................................................ 46
3.3 O partido político no Brasil: regras para criação e extinção................................................ 49
3.4 O partido político na Colômbia: regras para criação e extinção......................................... 52
3.5 Considerações finais.................................................................................................................. 56
Referências.................................................................................................................................. 57

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CAPÍTULO 4
O DECLÍNIO DO PLURIPARTIDARISMO A PARTIR DA REFORMA POLÍTICA
LAERTY MORELIN BERNARDINO................................................................................................. 59
4.1 Introdução................................................................................................................................... 59
4.2 O pluripartidarismo no Brasil.................................................................................................. 60
4.3 O declínio do pluripartidarismo............................................................................................. 62
4.4 Abordagem político-jurídica do pluripartidarismo à luz da reforma política................. 64
4.5 Conclusão.................................................................................................................................... 68
Referências.................................................................................................................................. 69

CAPÍTULO 5
AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS
HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI....... 71
5.1 Preâmbulo................................................................................................................................... 71
5.2 O partido político no ordenamento nacional......................................................................... 72
5.3 O Estado de Partidos................................................................................................................. 73
5.4 A regulação das candidaturas entre o direito doméstico e o direito internacional........ 79
5.4.1 A jurisprudência da Corte Interamericana sobre o relacionamento entre autoridades
nacionais e o Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos........................ 82
5.5 A jurisprudência da Corte IDH sobre candidaturas independentes e o controle de
convencionalidade..................................................................................................................... 84

CAPÍTULO 6
POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA
NO BRASIL
BRUNO BOLOGNESI, FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI............................................................. 89
6.1 Introdução................................................................................................................................... 89
6.2 O que é a direita? Conceito e contexto.................................................................................... 90
6.3 Os documentos partidários...................................................................................................... 91
6.4 Analisando os dados................................................................................................................. 95
6.5 Considerações finais................................................................................................................ 100
Referências................................................................................................................................ 101
Anexo: Porcentagem de texto para cada categoria de análise........................................... 102

PARTE II
FIDELIDADE PARTIDÁRIA

CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS
POLÍTICOS NO BRASIL
ÉDER RODRIGO GIMENES............................................................................................................ 109
1.1 Considerações iniciais............................................................................................................. 109

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1.2 Partidarismo, desalinhamento partidário e democracia na literatura internacional... 110
1.3 Partidos políticos, sistema partidário e identificação partidária no Brasil..................... 117
1.4 Determinantes e efeitos do partidarismo entre os brasileiros.......................................... 120
1.5 A emergência de sentimentos negativos: indiferenciação, alienação
e antipartidarismo.................................................................................................................... 124
1.6 Considerações finais................................................................................................................ 126
Referências................................................................................................................................ 127

CAPÍTULO 2
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
GABRIELA ROLLEMBERG.............................................................................................................. 135
2.1 Introdução: os desafios da Justiça Eleitoral decorrentes da competência para julgar
processos que tratam da infidelidade partidária................................................................ 135
2.2 Fidelidade partidária: o elemento mais importante a ser considerado é o eleitor,
e não o partido político............................................................................................................ 137
2.3 Aspectos polêmicos e atuais sobre fidelidade partidária.................................................. 140
2.3.1 Fidelidade partidária em cargos eleitos pelo sistema majoritário.................................... 140
2.3.2 A criação da “janela partidária” e os seus efeitos............................................................... 148
2.3.3 Criação de novo partido como justa causa para desfiliação.............................................. 151
2.4 Considerações finais................................................................................................................ 158
Referências................................................................................................................................ 159

CAPÍTULO 3
FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO
OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
RICARDO SÉRVULO FÔNSECA DA COSTA.............................................................................. 161
3.1 Introdução..................................................................................................................................161
3.2 A crise das ideologias partidárias no Brasil e seus reflexos políticos.............................. 162
3.3 A disciplina partidária, independência do exercício do mandato, a legitimação
poupar e a possibilidade da migração de legendas............................................................ 164
3.4 A influência do coronelato político nas legendas partidárias brasileiras e o
resultado desse fenômeno na atuação parlamentar........................................................... 167
3.5 O populismo político na América Latina e a sua repercussão nos mandatos
parlamentares: o apreço às figuras políticas messiânicas no Brasil................................. 169
3.6 A crise de credibilidade e a criminalização da atividade política: um risco à
democracia................................................................................................................................ 171
3.7 O fenômeno das redes sociais e a influência na responsividade parlamentar............... 173
3.8 O Estado de Direito, o Estado Democrático de Direito, a maturação da democracia
e os efeitos nos mandatos parlamentares..............................................................................174
3.9 Considerações finais................................................................................................................ 176
Referências................................................................................................................................ 177

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PARTE III
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS

CAPÍTULO 1
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E A PRESTAÇÃO DE CONTAS
PARTIDÁRIAS
SÉRGIO SILVEIRA BANHOS.......................................................................................................... 181
1.1 Notas de introdução................................................................................................................ 181
1.2 A transparência no ordenamento jurídico........................................................................... 183
1.3 Abrangência do princípio da transparência na prestação de contas partidárias.......... 183
1.4 Desafios para as eleições de 2018........................................................................................... 186
1.5 Conclusão.................................................................................................................................. 188
Referências................................................................................................................................ 189

CAPÍTULO 2
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A
EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
DENISE GOULART SCHLICKMANN........................................................................................... 191
2.1 Introdução................................................................................................................................. 191
2.2 Partidos políticos e o dever de prestar contas..................................................................... 191
2.3 A evolução das normas de prestação de contas partidárias no Brasil............................. 195
2.4 Do exame formal ao processo administrativo que julga as contas e deste à
implementação do processo judicial de prestação de contas partidárias –
O impacto da evolução normativa......................................................................................... 200
2.5 Considerações finais................................................................................................................ 203
Referências................................................................................................................................ 204

CAPÍTULO 3
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA....................... 207
3.1 Introdução................................................................................................................................. 207
3.2 Problematização do tema........................................................................................................ 208
3.3 Conclusão.................................................................................................................................. 221
Referências................................................................................................................................ 223

CAPÍTULO 4
TOMEMOS A SÉRIO O DEBATE EM TORNO DO COMPLIANCE PARTIDÁRIO:
UMA PRIMEIRA REFLEXÃO CRÍTICA DOS PROJETOS DE LEI NoS 60/2017 E
429/2017, DO SENADO FEDERAL. EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO
MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO.......................................................................... 225
4.1 De que aspectos da vida partidária deve cuidar um programa de integridade e o que
se deve dele esperar – Programas de integridade × programas de conformidade –
A inaplicabilidade da LOC aos partidos políticos – Prestação de contas partidárias –

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Programas de compliance e autonomia partidária – A democracia interna dos partidos
políticos como elemento imprescindível para o desenvolvimento de uma cultura de
transparência e controle.......................................................................................................... 229
4.2 Qual a melhor forma de implementar uma política de compliance partidário?
Obrigatoriedade pura e simples do programa ou introdução da política de integridade
como forma de atenuação de penalidades no contexto de responsabilização objetiva
dos partidos políticos? Pela construção de um modelo misto, de obrigatoriedade
e incentivos (“varas e cenouras”) – A inviabilidade de imposição irrestrita do
sistema de compliance a todas as esferas partidárias, indistintamente – O exemplo
espanhol..................................................................................................................................... 241
4.3 Análise crítica geral dos Projetos de Lei nºs 60/2017 e 429/2017........................................ 245
4.4 A Medida nº 8 inserida no pacote de combate à corrupção apresentado pelo
Ministério Público – Da responsabilização objetiva dos partidos políticos................... 248
4.5 Conclusões iniciais................................................................................................................... 250

PARTE IV
DIREITO DE ANTENA

CAPÍTULO 1
DIREITO DE ANTENA E OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO POLÍTICA
PAULA BERNARDELLI..................................................................................................................... 255
1.1 Introdução................................................................................................................................. 255
1.2 O Direito de Antena................................................................................................................. 255
1.3 A liberdade de expressão política.......................................................................................... 259
1.4 Os limites do conteúdo divulgado por partidos e candidatos no exercício do
Direito de Antena..................................................................................................................... 260
1.5 As medidas judiciais para controle dos excessos................................................................ 263
1.6 Conclusão.................................................................................................................................. 264
Referências................................................................................................................................ 265

CAPÍTULO 2
A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO PARTIDÁRIA EM TEMPOS
DIGITAIS
MARCELO WEICK POGLIESE........................................................................................................ 267

CAPÍTULO 3
A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE OS CANDIDATOS E A
DESSIMETRIA DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO
VOLGANE OLIVEIRA CARVALHO, FREDERICO FRANCO ALVIM................................... 281
3.1 Introdução................................................................................................................................. 281
3.2 O direito de sufrágio passivo no ordenamento jurídico brasileiro.................................. 282
3.2.1 Breve memória da participação política passiva: o patrimonialismo político
brasileiro.................................................................................................................................... 282
3.2.2 Novas perspectivas para o sufrágio passivo: o candidato detentor de direitos............. 284

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3.3 Sufrágio passivo versus equidade eleitoral: interações e contradições............................ 287
3.4 A distribuição do tempo de propaganda eleitoral e a igualdade de oportunidades.... 291
3.4.1 Histórico legislativo................................................................................................................. 291
3.4.2 Crítica ao modelo brasileiro................................................................................................... 293
3.5 O case das eleições presidenciais brasileiras: o tempo de propaganda desequilibra
a disputa?................................................................................................................................... 296
3.5.1 Estudo dos dados referentes à distribuição do tempo de propaganda eleitoral
nas últimas eleições presidenciais......................................................................................... 296
3.6 Considerações finais................................................................................................................ 301
Referências................................................................................................................................ 302

PARTE V
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS POLÍTICOS

CAPÍTULO 1
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
JOSÉ LUÍS BLASZAK......................................................................................................................... 307
1.1 Considerações iniciais............................................................................................................. 307
1.2 A formação e a organização dos partidos na Constituição da República e na
legislação infraconstitucional................................................................................................ 307
1.3 Comissão provisória – Um órgão temporário..................................................................... 310
1.4 O uso antidemocrático das comissões provisórias............................................................. 313
1.5 Participação feminina nos diretórios.................................................................................... 320
1.6 A necessária democracia interna........................................................................................... 322
1.7 A Justiça Eleitoral, em todo e qualquer tempo, como sede para dirimir todas as
questões de natureza interna corporis dos partidos políticos............................................. 325
1.8 Conclusão.................................................................................................................................. 325
Referências................................................................................................................................ 326

CAPÍTULO 2
DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA OLIGARQUIZAÇÃO DOS
PARTIDOS POLÍTICOS
RAYMUNDO CAMPOS NETO........................................................................................................ 327
2.1 Introdução................................................................................................................................. 327
2.2 Autonomia dos partidos políticos......................................................................................... 327
2.3 Processo de oligarquização.................................................................................................... 330
2.4 O princípio democrático e os partidos políticos................................................................. 338
2.5 Considerações finais................................................................................................................ 341
Referências................................................................................................................................ 342

CAPÍTULO 3
DEMOCRACIA PARITÁRIA INTRAMUROS
DIANA PATRÍCIA CÂMARA.......................................................................................................... 343
3.1 Democracia paritária............................................................................................................... 345

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3.1.1 Políticas paritárias intramuros: necessidade de mudanças de postura em relação
às mulheres e às minorias....................................................................................................... 346
3.1.1.1 Estabelecimento de quotas, reserva de sexo e reserva de verbas do Fundo
Partidário como ações afirmativas para alcançar a paridade........................................... 348
3.1.2 A necessidade de fortalecer os partidos políticos e democratizar o acesso das
minorias e vulneráveis aos espaços de poder..................................................................... 352

CAPÍTULO 4
OS DESAFIOS NA DEMOCRACIA INTERNA PARTIDÁRIA BRASILEIRA:
POSSÍVEIS FERRAMENTAS DE ATUAÇÃO PROCEDIMENTAL DAS
ORGANIZAÇÕES PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE
APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO
ANA CRISTINA FERRO BLASI....................................................................................................... 355
4.1 Introdução................................................................................................................................. 355
4.2 Democracia interna dos partidos políticos.......................................................................... 356
4.3 Partidos políticos e os desafios de representatividade....................................................... 359
4.4 Possíveis ferramentas de atuação procedimental das organizações partidárias
para sua articulação sociopolítica de aproximação com o cidadão brasileiro............... 362
4.5 Conclusão.................................................................................................................................. 365
Referências................................................................................................................................ 366

CAPÍTULO 5
DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES
INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
PEDRO FLORIANO RIBEIRO, BRINA DEPONTE LEVEGUEN,
LUÍS G. BRUNO LOCATELLI, PEDRO PAULO F. B. DE ASSIS.............................................. 369
5.1 Introdução................................................................................................................................. 369
5.2 Dilemas e implicações da regulação estatal sobre os partidos políticos......................... 371
5.3 Legislação partidária no Brasil.............................................................................................. 374
5.4 Intervenções e comissões provisórias nos partidos brasileiros: dados exploratórios... 378
5.5 Considerações finais................................................................................................................ 383
Referências................................................................................................................................ 383

PARTE VI
CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS E SUA INEXORABILIDADE
PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA

CAPÍTULO 1
CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO, MARIA STEPHANY DOS SANTOS...................... 389
1.1 Introdução................................................................................................................................. 389
1.2 Considerações iniciais............................................................................................................. 390
1.3 Convenções partidárias: o estopim das eleições?............................................................... 392

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1.4 Competência para apreciar e julgar os conflitos internos nos órgãos diretivos de
partido político......................................................................................................................... 397
1.5 Considerações finais................................................................................................................ 399
Referências................................................................................................................................ 400

CAPÍTULO 2
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O
APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES................................................................................ 403
2.1 Introdução................................................................................................................................. 403
2.2 Democracia: conceito e elementos......................................................................................... 404
2.3 Partidos políticos: estrutura e função................................................................................... 411
2.4 Convenções partidárias: características e caráter democrático........................................ 417
2.5 Conclusões................................................................................................................................ 420
Referências................................................................................................................................ 421

SOBRE OS AUTORES........................................................................................................................... 423

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PARTE I

DIREITO PARTIDÁRIO

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CAPÍTULO 1

DEMOCRACIA E PARTIDOS POLÍTICOS

MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO

Ao procurar definir partidos políticos, Weber1 escreveu que se trata de associações


motivadas tanto pela realização de um plano objetivo com pretensões materiais ou ideais
de determinado grupo quanto pelo fim pessoal de participar na gestão do poder político
e na obtenção de benefícios. Referida definição demonstra não só a multiplicidade das
intenções que compõem uma ação política associada como também a problemática
envolvida na própria adoção dos partidos políticos como mecanismo de efetivação de
uma democracia representativa.
A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, ao assegurar
o pluripartidarismo, não previu que o voto popular chegaria a ser disputado com a
existência de trinta e cinco partidos políticos. Em realidade, sua intenção era impedir
a gradual concentração da disputa eleitoral em torno de poucas legendas, como no
período militar, quando os candidatos eram da ARENA ou do MDB.
A democracia representativa brasileira tem nos partidos políticos um dos principais
pilares do seu funcionamento, pois, além de representar diferentes ideologias e convicções
políticas existentes na sociedade, são os responsáveis por lançar candidatos a cargos
eletivos, vez que no Brasil é proibido o registro de candidaturas avulsas. Contudo, o
atual desgaste das instituições nos mostra que a função dos partidos políticos, que é a
organização e a representação da vontade popular, foi desvirtuada.
Os partidos criados e descritos como “legendas de aluguel” possuem participação
no cenário político que pode se resumir em barganha entre coligações adversárias por
minutos de participação na propaganda eleitoral gratuita com o fim de obtenção de
mais recursos do fundo partidário, ignorando possíveis incompatibilidades ideológicas.
Nesse cenário, a corrupção endêmica é um dos fatores de desvio democrático do ideal
constitucional.
Se os partidos são fundamentais para a escolha democrática dos representantes da
população, o mesmo não pode se afirmar sobre os dirigentes dos partidos. Analisando-se
o quadro geral, percebe-se que a democracia intrapartidária ainda é bastante incipiente

1
WEBER, M. Economia e società (1922), Comunità. Milano 1961. pp. 241-42, 718-28 do II volume. BOBBIO,
Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Trad. Carmen C., Varriale et al., coord. Trad. João
Ferreira. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília. Vol. I. Ed. 1998. p. 898-899.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
16 DIREITO PARTIDÁRIO

no Brasil. Especialmente porque a maioria dos partidos hoje funciona como cartórios para
a formalização de candidaturas, concentrando grande poder na mão de seus presidentes.
Tal análise pode ser feita a partir do estudo dos Estatutos Partidários, que
funcionam como a “lei” interna dos partidos. Assim, um Partido que preze pela
democracia intrapartidária deve ter em seu estatuto dispositivos que prezem pela
possibilidade de reconfiguração de forças na legenda e que evitem autoritarismos.
Ressalta-se que a autonomia partidária, protegida pelo artigo 17 da Constituição
Federal, não é óbice às referidas mudanças, na medida em que a norma constitucional
visa evitar o autoritarismo de outrora, o que certamente não é o caso de medidas que
fortaleçam a democracia intrapartidária.
Espera-se demonstrar, neste itinerário, abordando todo o histórico da constituição
dos partidos políticos no Brasil, que a crise de representatividade pode ser superada com
a adoção de medidas de democracia intrapartidária, para o próprio fortalecimento dos
elementos essenciais ao regime político brasileiro com a consequente maior participação
da população no processo político-democrático. É preciso extirpar a democracia
meramente “delegativa”.2
Até 1821 o Brasil encontrava-se sob o jugo colonial de Portugal e, dessa forma, não
possuía uma estrutura partidária formal que desse suporte ao debate político.3 Todavia,
já operavam agrupamentos políticos que, apesar da falta de reconhecimento formal, se
reconheciam como partidos. Três eram os principais: o partido português que queria
a manutenção do Brasil no status de colônia de portuguesa; o partido brasileiro que
defendia a criação de uma monarquia dual entre Brasil e Portugal; e o partido liberal
radical que defendia a implantação de uma república democrática.
Após a independência, inaugurou-se o período imperial que, sob D. Pedro I, ficou
conhecido como primeiro império, não se verificando a existência de partidos políticos
organizados atuando oficialmente. Porém, existiam grupos de interesses semelhantes,4
dentre os quais se destacavam os monarquistas que apoiavam a centralização de
poderes na figura do imperador e liberais de diferentes matizes que defendiam menor
concentração e frequentemente se opunham às políticas de D. Pedro I.
Em seguida à sua abdicação, instaura-se o período regencial no qual foram
fundadas as bases do panorama partidário que perduraram até o fim da monarquia
e a proclamação da República.5 Nessa época foram criados o Partido Conservador e
o Partido Liberal que, com visões diferentes sob o papel da monarquia, disputaram a
hegemonia política durante o segundo reinado,6 sujeitando-se a D. Pedro II que exercia
o papel de árbitro como manifestação do Poder Moderador no que ficou conhecido
como “parlamentarismo às avessas”. Destaca-se que nessa época os partidos ainda não
possuíam um programa político ou estatuto como os partidos atuais, delineando suas
propostas a partir dos embates políticos que eram travados.7

2
O’DONNELL, Guillermo. Estado, democratización y ciudadanía. Nueva Sociedad, n. 128, 1993, p. 62-87.
3
JÚNIOR, Aloísio Zimmer. O estado brasileiro e seus partidos políticos: do Brasil Colônia à redemocratização. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
4
CARVALHO, José Murilo. Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: civilização Brasileira,
2007.
5
AZEVEDO, Moreira de. História Pátria: Brasil de 1981 a 1840. Rio de Janeiro, 1984. p. 83
6
FREIRE, Maria Célia P. V. F.; ORDONEZ, Marlene. História do Brasil. Rio de Janeiro: Ática, 1971.
7
DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1970.

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MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO
DEMOCRACIA E PARTIDOS POLÍTICOS
17

Na penúltima década do regime imperial, em 1873, surgiu o Partido Republicano


Paulista, promovido pelos cafeicultores do oeste paulista,8 propondo a adoção de uma
república federativa com alto grau de descentralização em contraposição à monarquia.
Todavia, sua influência oficial nesse período foi limitada, passando a exercer papel de
maior destaque após a Proclamação da República em 1889.
De 1889 a 1930 o Brasil vivenciou o período da primeira república que se
caracterizou pelo surgimento e fortalecimento de partidos republicanos regionalizados.
Estes partidos, como os Partidos Republicanos de São Paulo e Minas Gerais, possuíam
seu próprio estatuto, visavam maior autonomia regional9 e tinham propensão a defender
com maior afinco os interesses de suas províncias de origem. Ainda, a regionalização
do poder resultou no fortalecimento do poder político dos coronéis conhecido como
“coronelismo”,10 marcado pelo uso de sua influência perante os eleitores para a prática
de fraudes eleitorais em larga escala. A Primeira República também presenciou a criação
do primeiro partido com um programa ideológico consistente, o Partido Comunista
do Brasil, fundado em 1922.
O ano de 1930 marca o fim da Primeira República após a denominada “Revolução
de 30”, responsável pela deposição do então presidente Washington Luís e pela
nomeação de Getúlio Vargas como chefe de um governo provisório, além de ser o
início da era Vargas que perdurou até 1945. Nesse contexto, o ano de 1932 é marcante
porque, além de ser o ano de fundação da Ação Integralista Brasileira – AIB, partido
de inspiração fascista liderado por Plínio Salgado, marcou a promulgação do primeiro
Código Eleitoral do Brasil.
O Código de 1932 criou e estruturou a Justiça Eleitoral, responsável por todos
os procedimentos concernentes às eleições, além de conter a primeira referência aos
partidos políticos na seara eleitoral e importantes conquistas da sociedade como a
previsão do voto feminino. Porém, ainda permitia-se a existência de candidaturas
avulsas sem filiação a algum partido.
Ressalta-se que em 1935 foi criada a Aliança Nacional Libertadora – ANL sob a
liderança de Júlio Prestes, com uma proposta oposta aos integralistas e ao governo de
Vargas.11 A ANL foi declarada ilegal quatro meses após sua vinda a público. Em 1937,
Getúlio Vargas ordenou o fechamento do Congresso e apresentou uma nova Constituição,
conhecida como “Polaca”, iniciando o período do Estado Novo.
A “Polaca” extinguiu a Justiça Eleitoral, aboliu os partidos políticos, suspendeu
as eleições livres e estabeleceu a eleição indireta para presidente da República. Essa
situação de limitação democrática12 só foi revertida após o fim do Estado Novo e a
promulgação do Código Eleitoral de 1945, conhecido como “Lei Agamenon”.
O Código de 1945 restabeleceu definitivamente a Justiça Eleitoral no país e
retomou conquistas alcançadas pelo Código de 1932, no contexto histórico de abertura

8
CASALECCHI, José Ênio. O Partido Republicano paulista. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 50.
9
ZIMMERMANN, Maria Emília M. O PRP e os fazendeiros de café. Campinas: Editora da Unicamp, 1986. p.17.
10
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3. ed. São Paulo:
Alfa-Omega, 1976.
11
FREITAS, Valter de Almeida. ANL e PCB: mitos e realidade. Santa Cruz do Sul, SC, EDUNISC, 1998.
12
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
18 DIREITO PARTIDÁRIO

política que seguiu ao fim da segunda guerra mundial.13 Duas inovações previstas na
norma ainda possuem forte influência na configuração do sistema partidário brasileiro: a
obrigatoriedade do caráter nacional das agremiações partidárias e o estabelecimento da
filiação partidária como condição para a candidatura a cargos políticos, vedando-se as
candidaturas avulsas. Igualmente, merece destaque a expressa proibição do registro de
partidos cujo programe contrarie os princípios democráticos, ou os direitos fundamentais
do homem definidos na Constituição.
Esse período de redemocratização durou até 1964 e teve três partidos como
principais atores no embate político partidário: União Democrática Nacional – UDN,
opunha-se fortemente a Getúlio Vargas14 e caracterizou-se pela defesa do liberalismo
econômico e da moralidade, tinha como principal líder o jornalista Carlos Lacerda;
Partido Social Democrático – PSD, era representante da socialdemocracia e concentrava
as alas mais conservadoras aliadas a Vargas; Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, foi
o partido fundado por Vargas que tinha orientação ideológica à esquerda no espectro
político e aliava traços nacionalistas, positivistas e socialdemocratas.
Em 1964, instaurou-se a ditadura militar que inicialmente extinguiu os partidos
políticos, por meio do Ato Institucional nº 2/1965, sendo posteriormente instituído o
bipartidarismo em 1966.15 Os dois partidos que disputaram o poder político no período
eram: Aliança Libertadora Nacional – ARENA, partido de ideologia conservadora e de
apoio oficial à ditadura; Movimento Democrático Brasileiro – MDB, formado por setores
liberais da sociedade brasileira e de oposição ao regime ditatorial.
No campo legislativo, a estrutura partidária foi marcada pela promulgação de
um novo Código Eleitoral em 1965, criado pela Lei nº 4.737, que trouxe novas regras
ao processo eleitoral, por exemplo, ao permitir o voto no exterior para presidente e
vice-presidente.
Após as restrições do período ditatorial às organizações partidárias, o contexto
político de redemocratização foi permeado pela ideia de que todas as vertentes
políticas deveriam ser incluídas no debate na arena política, principalmente aquelas
que foram reprimidas durante o antigo regime. Assim, o processo de elaboração da
nova Constituição visou assegurar ampla liberdade aos partidos, resultando em muitas
garantias concedidas aos partidos políticos, o que desencadeou significativas mudanças
na legislação aplicável à matéria.
Antes da promulgação da Constituição, os partidos políticos eram considerados
pessoas jurídicas de Direito Público interno e adquiriram a personalidade jurídica
tão somente com o seu registro no Tribunal Superior Eleitoral, nos termos da Lei nº
5.682/1971, Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
A Constituição Federal16 designou que os partidos políticos adquiram persona-
lidade jurídica na forma da lei civil, isto é, sujeitam-se às normas de direito privado

13
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-Omega,
1976.
14
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro, p. 278.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
15
KINZO, Maria D’alva G. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979). Trad. Heloisa Perrone
Attuy. São Paulo: Vértice, 1988. p. 28.
16
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional,
o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes
preceitos:

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MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO
DEMOCRACIA E PARTIDOS POLÍTICOS
19

aplicável à matéria. Desse modo, os partidos políticos adquiriram personalidade jurídica


de direito privado e tornaram-se associações privadas com a função de expressar a
vontade política de seus correligionários.
A finalidade precípua da natureza jurídica de direito privado dos partidos políticos
é garantir a liberdade política e impedir que a Justiça Eleitoral cause ingerências durante
o processo de criação, organização de funcionamento das agremiações partidárias. Dessa
forma, a Constituição Federal garantiu aos partidos políticos a autonomia partidária
para dispor sobre sua regulação interna corporis.
Ainda, para regulamentar as inovações introduzidas pela Constituição Federal,
foi criada a Lei dos Partidos Políticos.17 No diploma legal, afirma-se expressamente que
os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado e destinam-se a assegurar,
no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a
defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal, em consonância
com o que já asseverava o Código Eleitoral de 1945.
A Lei dos Partidos Políticos também desencadeou alterações na Lei nº 6.015/1973
que dispõe sobre os registros públicos, conforme observado nos artigos 114 a 121 do
último diploma citado, ao estabelecer que a aquisição da personalidade jurídica de direito
privado ocorre mediante o registro em Cartório de Registro de Títulos e Documentos para,
em momento posterior, ocorrer o registro do estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.18
A Constituição Federal também previu que é livre a criação, fusão, incorporação e
extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático,
o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, adotou o
princípio da liberdade de organização.
Atualmente, os maiores desafios dos partidos estão atrelados à sua represen-
tatividade e funcionamento no sistema democrático. Originalmente criados como
instâncias para o agrupamento de pessoas com ideologias convergentes, os partidos
vêm adquirindo no Brasil uma natureza cartorial que nega a essência democrática da
instituição partidária.
Isto é resultado direto da falta de critérios para o acesso às benesses partidárias,
como fundo eleitoral e tempo de televisão, que deveriam servir para fomentar o debate
democrático. Ocorre que essas benesses estimulam a criação de agremiações sem base
social ou com uma proposta ideológica consistente, resultando na cartorialização desses
partidos em detrimento de um projeto político consistente que almeje representatividade.
Verifica-se nas últimas décadas uma mudança principiológica nos partidos
políticos, ocasionando em uma crise de identidade com o fim único e exclusivo de
permanência no poder com a busca sem medida de votos, independente da ideologia
inicialmente firmada pela associação política.
Os partidos políticos possuem importância que transcende os seus interesses
particulares e, infelizmente, em nosso ordenamento jurídico não há exigência expressa
de democracia intrapartidária que vincule as agremiações. Diferentemente, na Argentina,

§2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos
no Tribunal Superior Eleitoral.
17
Lei nº 9.096/1995 que dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, §3º, inciso V, da Constituição
Federal.
18
CANOTILHO, J. J. Gomes (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2014.
p. 695.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
20 DIREITO PARTIDÁRIO

país vizinho, foi estabelecido regramento preocupado com a obrigatoriedade da adoção


de políticas democráticas internamente nos partidos políticos.19
Para que as agremiações políticas possam atuar de maneira adequada nas
democracias, cumprindo o papel a eles reservado pelas Constituições, faz-se necessário
provocar uma renovação em suas práticas internas. Talvez impossibilitar aos ocupantes
de funções na administração partidária o lançamento de sua própria candidatura,
inviabilizasse a autopromoção dos dirigentes em detrimento dos demais filiados.
Outra medida importante e necessária é incentivo efetivo à real participação
de minorias, que é o caso da participação feminina, que hoje sabemos que é irrisória.
Apesar de a Lei nº 9.504/97 estabelecer, em seu art. 10, cota mínima de 30% para
candidaturas de cada sexo, nas eleições de 2016 apenas 13,5% dos vereadores eleitos
e 12% dos prefeitos eleitos no primeiro turno são mulheres (em comparação a 13,3% e
12%, respectivamente, em 2012). Dessa forma, a simples cota não é suficiente se as
mulheres não possuírem outras ferramentas partidárias que as auxiliem no processo
eleitoral a ter uma candidatura.
Os partidos políticos em uma democracia liberal como a nossa devem funcionar
como porta-voz e ao mesmo tempo filtro dos anseios populares, respeitando sempre
a ideologia sustentada em seus estatutos. Para Mezzaroba, os partidos surgem “como
instrumentos mediadores entre a sociedade e o Estado, com a função de aglutinar
vontades individuais e harmonizá-las em vontades coletivas”.20
O perfil histórico do quadro partidário no Brasil demonstra que, desde o início
do debate político formal a partir da Independência, as organizações partidárias
apresentam-se como estruturas insuficientes para efetivar a vontade de representação
política da sociedade. Esse panorama é em parte uma extensão de parâmetros culturais
antidemocráticos legados pelos portugueses como o clientelismo, patrimonialismo,
paternalismo, cartorialismo e corporativismo.
A herança colonial legou aos partidos, principalmente nas primeiras fases
pós-independência, o papel de agremiações que reuniam pessoas com interesses
individuais comuns em face do pertencimento a determinada classe social ou pela
origem de uma mesma região. A preocupação com a construção de um projeto de país
sob um viés ideológico bem definido, característica intrínseca aos partidos políticos em
democracias maduras, era secundária ou inexistente.
Por outro lado, os momentos de maior efervescência política, aqueles em que a
discussão sob os rumos do país passou a movimentar amplos setores da sociedade e
não apenas pequenos grupos da elite comandante, foram interrompidos por arroubos
autoritários. A Constituição Polaca de 1937 e o Ato Institucional nº 2 constituem infelizes
expressões de supressão da atividade político-partidária que, ao final, sinalizam o parco
desenvolvimento da democracia como valor fundamental no ideário coletivo, visto que
parcelas expressivas do povo apoiaram-nos.
Quando o país se torna um Estado Democrático de Direito com a promulgação
da Constituição de 1988, as estruturas partidárias se demonstram insatisfatórias no
papel de canalizar os anseios político-sociais. O pluralismo partidário não foi capaz,

19
SALGADO. Eneida Desirée. HUALDE. Alejandro Pérez. A democracia interna dos partidos políticos como
premissa da autenticidade democrática. A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 15. N. 60.
Abril/junho. p. 72.
20
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 90.

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MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO
DEMOCRACIA E PARTIDOS POLÍTICOS
21

por si só, de projetar à população o sentimento de representatividade necessário em


uma democracia essencialmente representativa.
A nova legislação que limita o acesso aos benefícios partidários, por meio da
cláusula de barreira, é um mecanismo que permite atenuar essa situação de baixa
representatividade ao limitar a atuação das chamadas “legendas de aluguel”. Ademais,
é necessário um conjunto de medidas legais que reforce a democracia intrapartidária,
respeitando a autonomia de cada partido, de modo a evitar o controle das legendas
por pessoas sem interesse na renovação e no debate de ideias.
Portanto, qualquer discussão que se proponha a discutir a representatividade
no parlamento deve ponderar acerca da democracia intrapartidária. Considerando-se
que os partidos são estruturas políticas indispensáveis no contexto contemporâneo de
sociedades complexas, deve-se buscar o aumento dos espaços de debate nas siglas e
combater a cartorialização que impede a renovação dos arranjos de poder nos partidos.

Referências
AZEVEDO, Moreira de. História Pátria: Brasil de 1981 a 1840. Rio de Janeiro, 1984.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.
CANOTILHO, J. J. Gomes (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2014.
CARVALHO, José Murilo. Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: civilização Brasileira,
2007.
CASALECCHI, José Ênio. O Partido Republicano paulista. São Paulo: Brasiliense, 1987.
DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Trad. de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1970.
FREIRE, Maria Célia P. V. F.; ORDONEZ, Marlene. História do Brasil. Rio de Janeiro: Ática, 1971.
FREITAS, Valter de Almeida. ANL e PCB: mitos e realidade. Santa Cruz do Sul, SC, EDUNISC, 1998.
JÚNIOR, Aloísio Zimmer. O estado brasileiro e seus partidos políticos: do Brasil Colônia à redemocratização.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
KINZO, Maria D’alva G. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979). Trad. Heloisa
Perrone Attuy. São Paulo: Vértice, 1988.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3. ed. São
Paulo: Alfa-Omega, 1976.
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
O’DONNELL, Guillermo. Estado, democratización y ciudadanía. Nueva Sociedad, n. 128, 1993.
SALGADO, Eneida Desiree; PÉREZ HUALDE, Alejandro. A democracia interna dos partidos políticos
como premissa da autenticidade democrática. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte, ano 15, n. 60, p. 63-83, abr./jun. 2015.SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos
Políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo:Alfa- Omega, 1976.
WEBER, M. Economia e società (1922), Comunità. Milano 1961. p. 241-42, 718-28 do II volume. BOBBIO,
Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Trad. Carmen C., Varriale et al., coord. Trad. João
Ferreira. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília. v. I. Ed. 1998.
ZIMMERMANN, Maria Emília M. O PRP e os fazendeiros de café. Campinas: Editora da Unicamp, 1986.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
22 DIREITO PARTIDÁRIO

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Democracia e partidos políticos. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito
Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 15-22. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-
0497-4.

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CAPÍTULO 2

DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E


PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA
DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO

RAFAEL MORGENTAL SOARES

2.1 Introdução
Nenhuma instituição democrática sofre tanto com a falta de credibilidade quanto
os partidos políticos.1 Embora o grau de confiança varie entre as agremiações, parece
evidente que o sistema partidário como um todo é alvo de ceticismo, quando não de
desprezo.
As razões para isso são variadas e complexas, não cabendo aqui uma análise
aprofundada. Mas é possível assumir que a visão negativa sobre os partidos está assentada
na sociedade civil e vem sendo sistematicamente explorada (o termo é propositadamente
ambíguo) pelos principais veículos de comunicação.
Os protestos populares em âmbito nacional realizados em junho de 20132 parecem
evidenciar este quadro: a hostilidade aos militantes partidários identificados na multidão3

1
Como o próprio nome está a sugerir, os partidos políticos são partições do ambiente político, só possíveis num
ambiente plural, num Estado parcial de partidos. A ideia de um partido único, portanto, é uma contradição em
termos: embora seja útil para designar um grupo político que tenha monopolizado o comando decisório de um
Estado, como ocorreu na Alemanha nazista e na União Soviética socialista, e como ainda ocorre na China do
Partido Comunista, ela é a própria negação do conceito de democracia. Mais do que uma condição existencial,
o pluralismo funciona como balizador da atividade partidária, pois numa sociedade assumidamente plural,
nenhuma das partes que a compõe pode se pretender a detentora da verdade absoluta, totalizante. “Denominam-
se Estado parcial de partidos aquelas sociedades politicamente organizadas em que não se adota o sistema de
partido único.” ARAS, Augusto. Fidelidade e ditadura (intra)partidárias. Bauru: Edipro, 2011, p. 15.
2
ROLNIK, Raquel. As vozes das ruas: as revoltas de junho e suas interpretações. In: Cidades rebeldes: passe livre e
as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. Ermínia Maricato et al. 1. ed. São Paulo: Boitempo/Carta Maior,
2013.
3
“A multidão designa um sujeito social internamente diferente e múltiplo cuja constituição e ação não se baseiam
na identidade ou na unidade (nem muito menos na indiferença), mas naquilo que tem em comum. A definição
conceitual inicial de multidão representa um claro desafio para toda a tradição da soberania. (…) Todo poder
soberano forma necessariamente um corpo político dotado de uma cabeça que comanda, de membros que obedecem
e de órgãos que funcionam conjuntamente para dar sustentação ao governante. O conceito de multidão desafia esta
verdade consagrada de soberania. A multidão, embora se mantenha múltipla e internamente diferente, é capaz
de agir em comum. (…) A multidão é o único sujeito social capaz de realizar a democracia, ou seja, o governo de
todos por todos.” HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do Império. Tradução
de Clóvis Marques. Rev. Giuseppe Cocco. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 140-141.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
24 DIREITO PARTIDÁRIO

(especialmente aos defensores dos grandes players da política brasileira) e o slogan


do “não me representa” indicam que uma parcela da cidadania postula, inclusive, a
aniquilação dos partidos.
Se uma proposta como essa não surpreende,4 pois a repulsa à instituição partido
político faz parte da história da democracia representativa, a novidade está em que
somente agora parecem estar reunidas as condições técnicas para tanto.
Pois para quem considera – não sem alguma dose de razão – que os partidos
políticos são acima de tudo uma necessidade operacional da democracia em larga escala,
a tecnologia da informação é capaz de possibilitar uma solução que supere ou pelo
menos contorne a função de mediação entre a cidadania e o Estado hoje desempenhada
pelo sistema partidário, provendo outros veículos que conduzam a soberania popular
ao poder institucionalizado e que funcionem como ambiente de intersecção (não de
confusão) entre o público e o privado.5
Atualmente a ideia de uma sociedade sem partidos carece de viabilidade não
porque lhe falte aptidão tecnológica, mas sim por menosprezar a principal virtude do
sistema partidário, cuja simples existência determina a obrigatoriedade de negociação,
impedindo que a democracia se dissolva numa anarquia ou se contraia até a tirania.
No entanto, isso não significa que o sistema partidário seja capaz de seguir existindo
na mesma conformação. De fato, parece que gradualmente vai se formando um cenário
favorável a mudanças. Desgastados pelo rótulo de firmas de corretagem6 de interesses
escusos, carentes de consistência/identidade ideológica7 (ressalvadas as exceções em cada
ponta do gradiente partidário) e ademais contaminados pela tendência à verticalização
do poder (tendência sem exceções visíveis),8 algumas legendas brasileiras, recentemente,
apresentaram uma reação curiosa: a alteração de nome, com a retirada do prefixo
“partido”. Os partidos não querem mais parecer partidos, mas alguma outra coisa que
indique adequação aos novos tempos: maior abertura, interação e horizontalidade (daí,
por exemplo, a criação de um partido chamado REDE).
Por óbvio, incrementar o teor democrático do regime de partidos demanda muito
mais. Mas promover mudanças num sistema extremamente resiliente e refratário a
intervenções externas não é um desafio pequeno. As ameaças à estabilidade deste sistema

4
Em 1940 Simone Weil publicou um contundente manifesto denunciando a tendência totalitária dos partidos
políticos, tirando daí o motivo para propor a sua eliminação. “O fim primeiro (e, em última análise, único) de
todo partido político é seu próprio crescimento, sem limite. (…) todo partido é totalitário, potencialmente e em
aspiração.” WEIL, Simone. Pela supressão dos partidos políticos. Tradução: Lucas Neves. Belo Horizonte: Editora
Âyiné, 2016, p. 12.
5
Cujas fronteiras hoje são imprecisas, inclusive no âmbito do Direito. “Já houve uma ‘era da ordem’, na qual
o âmbito do direito público estava perfeitamente diferenciado do âmbito do direito privado, de tal modo que
podia ser desenvolvida uma dogmática baseada em ambas as esferas independentes. (…) Na atualidade existem
evidências suficientes de certa desordem na fronteira entre ambos.” LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão
judicial: fundamentos de direito. Tradução de Bruno Miragem. Notas de Cláudia Lima Marques. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, p. 39.
6
MONTEIRO, Jorge Vianna. Como funciona o governo: escolhas públicas na democracia representativa. Rio de
Janeiro: FGV, 2007, p. 52.
7
O que é um traço característico dos partidos catch-all (“pega tudo”), aqueles que discursam para todos os públicos,
como é o caso da maior parte dos partidos brasileiros. MAINWARING, Scott. P. Sistemas partidários em novas
democracias: o caso do Brasil. Tradução de Vera Pereira. Porto Alegre: Mercado Aberto; Rio de Janeiro: FGV, 2001,
p. 31.
8
Um apanhado de diferentes pensadores que estudam a tendência à concentração do poder pelas cúpulas partidárias
pode ser encontrado em HOLLANDA, Cristina Buarque de. Teoria das elites. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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RAFAEL MORGENTAL SOARES
DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
25

costumam resultar na singular convergência de entendimento da quase totalidade das


legendas quando estão em jogo reformas substanciais, o que ajuda a explicar o caráter
“cosmético” das últimas atualizações da legislação partidária e eleitoral.
Mesmo quando o sistema muda, a tendência é a produção dos mesmos resul-
tados. Não é por menos que já contamos sete sistemas partidários distintos desde a
independência,9 sem nenhum registro de que em algum momento o povo tenha tido
a possibilidade concreta de ditar o seu próprio destino. Somos – reconheça-se – um
pouco enamorados do messianismo e, peculiarmente, sujeitos ao pensamento mágico,
características sociológicas que não se harmonizam bem com a pesada tarefa de se
engajar politicamente.
Mas a despeito da resistência e resiliência do sistema partidário e de uma
indignação popular apenas contemplativa, acredita-se que a crítica acadêmica pode ser
uma indutora razoavelmente eficaz para reformas pró-democracia, desde que alcance
alguma ressonância na opinião pública e na mídia. Assim, embora não se possa prometer
uma grande revolução, pode-se dar o empurrão inicial pela via da ciência.10
Do ponto de vista da ciência jurídica, que medita sobre um fenômeno essen-
cialmente conservador (afinal, o Direito busca a paz social mediante a estabilidade
institucional), o desafio é oferecer soluções de transição para este novo mundo evitando
a “política da terra arrasada”, mas também a simples manutenção do status quo.
Neste trabalho, optou-se por enfrentar esse desafio enfocando-se os direitos
partidários, que correspondem ao conjunto de enunciados jurídicos favoráveis à existência
e desenvolvimento dos partidos políticos.
O objetivo é cogitar um aprimoramento responsável e consequente, destinado a
fortalecer o sistema, evitando-se a todo custo a armadilha do niilismo.
Por óbvio, fortalecer o sistema de partidos não significa necessariamente fortalecer
o poder relativo de cada legenda, mas acima de tudo resgatar a concepção septuagenária
de que os partidos devem servir como o “lar cívico” da cidadania.11

2.2 Panorama do sistema partidário atual


Como se sabe, a razão fundamental de nossa democracia é a dignidade da
pessoa humana. Este pressuposto obriga à conclusão lógica de que o cidadão é o vértice
do regime político. Assim, a soberania popular nada mais é do que uma fórmula que
proporciona dimensão coletiva à cidadania: todos e cada um dos cidadãos são os reais
detentores do poder. Por isso, ao menos no plano das declarações constitucionais, todas
as instituições democráticas convergem para o mesmo centro, devendo se empenhar

9
MAINWARING, Scott. P. Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil. Tradução de Vera Pereira.
Porto Alegre: Mercado Aberto; Rio de Janeiro: FGV, 2001, p. 33-34.
10
“Quando um sistema é incapaz de tratar seus problemas vitais, ou ele se desintegra, ou, em sua própria desintegração,
é capaz de se metamorfosear em um metassistema mais rico, hábil para tratar seus problemas.” MORIN, Edgar.
Rumo ao abismo?: ensaio sobre o destino da humanidade. Tradução de Edgard de Assis Carvalho, Mariza Perassi
Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 14.
11
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. História e teoria dos partidos políticos no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980, p.
122.

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26 DIREITO PARTIDÁRIO

na melhora das condições de vida de cada indivíduo alcançado pelos atos de poder.12
Afinal, temos uma democracia que é herdeira da tradição individual-liberal-racional.
Tais considerações, que talvez pequem pela obviedade, fazem-se necessária
na medida em que constatamos um certo “abuso de personalidade” de parte das
agremiações políticas, que não raro enxergam a si como instituições finalísticas e não
como instrumentos de realização da cidadania.
É provável que esta “hermenêutica invertida” seja responsável pela sensação de
que os partidos possuem privilégios em vez de direitos e pelo predomínio desses entes
sobre a máquina do Estado.13
Se está certo o diagnóstico, parece claro que o primeiro passo é rever o ponto
de partida hermenêutico: para além de avaliar tal ou qual direito partidário como um
instrumento em benefício dos partidos, deve-se antes formular a seguinte pergunta:
em que medida este ou aquele direito partidário contribui para o empoderamento do
cidadão? Pois a possibilidade de que um determinado direito fortaleça um partido em
específico ou o sistema de partidos como um todo, mas ao mesmo tempo prejudique
o exercício da cidadania é bastante real. Quer dizer, é possível que direitos disfarcem
privilégios. A análise desses direitos indicará hipóteses e ventilará alternativas.
Logicamente, o que dá forma ao sistema partidário é o conjunto de direitos e
deveres. Mas embora esses direitos interajam de tal modo que a alteração de um repercuta
sobre os demais, uma divisão para fins didáticos não fica impedida.
Propõe-se aqui uma classificação levando-se em conta as liberdades protegidas
pelas normas jurídicas. Assumindo o princípio da cidadania como fundante, verifica-se
que a legislação se dirigiu a quatro tipos de liberdade em favor dos partidos: existencial,
econômica, eleitoral e política.

2.3 Direitos existenciais


A história dos partidos demonstra um caminho que começa com a refutação,
avança para a desconfiança, passa pela tolerância e chega na essencialidade. Não se
concebe hoje uma democracia sem partidos.14
Nesse quadrante, a liberdade existencial prevista no caput do art. 17 da Constituição
Federal não reflete apenas um Estado que tolera os partidos políticos, mas que depende deles
para existir. A tolerância está embutida na necessidade, como um dever de neutralidade.
Desse modo, está juridicamente garantido aos cidadãos o direito de formar
coletivos com o propósito de interferir na condução dos negócios públicos. Se por um

12
Buscando descobrir quem é o povo para fins de atribuição da cidadania, Friederich Müller conclui que todas
as pessoas implicadas pelos atos de poder deveriam tomar parte no processo político, inclusive estrangeiros.
MÜLLER, Friederich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. Introdução Ralph Cristensen.
Tradução Peter Naumann. Revisão da Tradução Paulo Bonavides. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,
p. 52-53. Essa visão ampliativa ainda não foi internalizada no Brasil, que adota como regra o reconhecimento de
direitos políticos apenas a nacionais.
13
A ponto de Jorge Miranda falar em democracia de partidos: “A dificuldade – real, e bem grave – está em que a
democracia representativa, se tornou democracia de partidos; e estes tendem a ocupar todo o espaço público e a
deixar pouca margem de atuação para os cidadãos neles não integrados e para o próprio Parlamento.” MIRANDA,
Jorge (Org.); MACHADO, Joana Fernandes (Coord.) et al. Direito constitucional e democracia. Curitiba: Juruá, 2013,
p. 9.
14
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Tradução Beatriz Sidou. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 101 e
112.

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RAFAEL MORGENTAL SOARES
DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
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lado é evidente que este direito também consagra as liberdades de opinião, associação e
reunião, por outro lado fica claro que a sua vocação principal de satisfazer o apetite pelo
poder o singulariza completamente.
Por certo, a liberdade existencial contempla a existência de partidos que não
pretendam (pelo menos no curto prazo) o domínio da máquina pública, contentando-se
em influenciar a opinião pública, o que impediria sua exclusão mesmo diante de um
período de dormência (sem apresentação de candidaturas).15
Mas as grandes questões acerca da liberdade existencial não dizem respeito à
eventual inércia de uma agremiação já criada, e sim ao surgimento de novas legendas. O
que é necessário para que o partido supere a barreira da tolerância e adentre ao universo
do incentivo? O que ocorre depois disso?
Enquanto a tolerância se dá pelo simples registro do partido como entidade civil,
ato que não pode ser obstado pelo Estado, o incentivo se dá pelo reconhecimento de
direitos econômicos, políticos e eleitorais que só são acessíveis aos partidos que preenchem
um critério quantitativo de apoio junto à cidadania. Não se trata de filiação partidária,
já que 90% dos cidadãos brasileiros não a possuem, mas de assinaturas que indiquem
a concordância com a criação da legenda em gestação.
É difícil criticar a opção do legislador infraconstitucional por um critério
quantitativo para reconhecer o direito a existir e os outros que lhe são subsequentes,
sobretudo pensando na praticabilidade da democracia representativa, que a partir de
certo número de partidos se torna confusa, bem como conceber outro critério quantitativo
que não seja o número de eleitores-apoiadores.
Pois se a liberdade para a criação de novos partidos não pode ser absoluta, sob
pena de incentivarmos o surgimento de legendas por um punhado de pessoas com
pretensão de obter dinheiro público ou simplesmente perturbar o já complicado quadro
político, a definição de algum critério será inevitável.
No entanto, os requisitos firmados pelo legislador ordinário para admitir um
partido na competição pelo poder merecem alguns apontamentos.
Se dentro do rol partidário já estabelecido a liberdade existencial é bastante
elástica, dado que a fusão, a incorporação, a extinção ou a simples mudança de nome
depende apenas da vontade dos agentes envolvidos, sem nenhum filtro externo (a
não ser, claro, o constrangimento imposto pela mídia e a opinião pública), no que diz
respeito ao surgimento de novas legendas nossa legislação é problemática.
Para existir politicamente não basta que o partido se registre no cartório civil.16 Com
o registro civil não passará de um ente social como qualquer outro, conquanto reconhecido
juridicamente como partido. Para ter vez e voz, recebendo os direitos reconhecidos aos

15
Esta afirmativa parte de uma definição orgânica de partidos, que os vê como agentes de transformação social e que
tradicionalmente se opõe à visão funcional, segundo a qual os partidos seriam apenas máquinas eleitorais. VIEIRA,
Reginaldo de Souza. Partidos políticos brasileiros: das origens ao princípio da autonomia político-partidária.
Criciúma-SC: Ed. da UNESC, 2010, p. 21. Acredita-se que além de ressaltar a liberdade existencial, permitindo que
os partidos fixem suas próprias finalidades (desde que respeitando a moldura constitucional), a visão orgânica
não entra em conflito com a visão funcional, mas antes a absorve, visto que a simples influência sobre a opinião
pública já revela uma estratégia política e eleitoral, ainda quando acompanhada da renúncia ao objetivo de exercer
a gestão pública. O não uso desta definição tem sido justificado pela impossibilidade de se obter organicidade
partidária em grandes democracias. Ora, a tecnologia digital está à disposição para a superação deste problema.
16
Constituição Federal, art. 17, §2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei
civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. Lei nº 9.096/1995, “art. 7º O partido político, após
adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral”.

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28 DIREITO PARTIDÁRIO

demais concorrentes, a agremiação precisa recolher milhões de assinaturas diluídas


no território nacional.17
Mesmo admitindo a necessidade de se atender ao requisito constitucional do
caráter nacional da legenda,18 parece que a quantidade de apoiadores e sua distribuição
territorial são exigências significativamente altas.
Há, sem dúvida, um consenso estabelecido a respeito do excesso de siglas em nosso
sistema, o que estimula o legislador a adotar barreiras de contenção, como foi o caso
na reforma eleitoral e partidária de 2017, especialmente concebida para enfraquecer e
quem sabe aniquilar os partidos menores (leiam-se menores em quantidade de votos
recebidos).19
Mas será que a solução que este consenso sugere está correta? Seria o caso de um
enxugamento do quadro partidário?
A resposta é afirmativa se considerarmos a dinâmica atual dos poderes executivo
e legislativo e também a forma como organizamos nossas eleições. Ainda que os
partidos pequenos paguem uma conta que não é apenas sua, parece claro que a grande
quantidade de siglas20 realmente contribui para a corrupção, para a ingovernabilidade
e – principalmente – para dificultar a tarefa do eleitor.
Contudo, se abrirmos uma janela para o futuro e projetarmos uma democracia
adequada às dinâmicas sociais surgidas com a revolução digital, talvez tenhamos de
admitir que nossa política deverá ser ainda mais plural. O impacto disso no sistema de
partidos será (já é) evidente.
Até o século XX pudemos viver a era das grandes dicotomias: direita e esquerda,
capitalismo e comunismo, Estado e mercado, ocidente e oriente, a guerra fria, o
cristianismo e o islã. Mas no século XXI a explosão de alternativas em todos os campos
da existência trouxe variáveis inéditas para o campo político e reformulou outras
possibilidades já existentes. Basta pensarmos em temas como ambientalismo, direito dos
animais, limites éticos da ciência, conceito de família, uso do próprio corpo (sexualidade,
eutanásia), intimidade/privacidade etc. O atual sistema de partidos dará conta de tanta
fragmentação num mundo em que até o conceito de verdade objetiva parece impossível
(vide o fenômeno das fake news)?
Talvez a tendência à polarização que testemunhamos no Brasil atual seja a melhor
forma de respaldar uma resposta negativa. Esta reação parece menos uma forma de
canalizar ódio (embora sirva a este propósito) do que uma tentativa de simplificar o

17
Lei nº 9.096/1995, art. 7º, “§1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional,
considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a
partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição
geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço,
ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada
um deles. §2º Só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do
processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão, nos termos
fixados nesta Lei. §3º Somente o registro do estatuto do partido no Tribunal Superior Eleitoral assegura a
exclusividade da sua denominação, sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que
venham a induzir a erro ou confusão”.
18
Constituição Federal, “art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e
observados os seguintes preceitos: I – caráter nacional”.
19
Com o requinte de justificar a “poda” no combate à corrupção e realizá-la em nome da governabilidade, como
se os males do regime fossem provocados apenas pelos partidos pequenos e não pelos grandes.
20
Em três décadas saímos do bipartidarismo e alcançamos um regime com trinta e cinco partidos.

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RAFAEL MORGENTAL SOARES
DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
29

que se complicou. Mas nossa admiração pelo sistema binário praticado nos EUA – e por
outras maravilhas civilizatórias que aquele país alcançou – não deve ser motivo suficiente
para uma tentativa de cópia. Somos e sempre fomos país plural, ainda que desigual, o
que de certa forma nos capacita a habitar este mundo mais complexo. Se precisamos
de um novo modelo, mais pragmático, ele provavelmente não será encontrado dentre
alternativas muito simplistas.
Pois o que o “novo mundo virtual” nos coloca é a aparição de novas bandeiras,
menos englobantes e menos definitivas, porém mais persuasivas para uma cidadania ainda
latente. Se parece clara a exigência de uma democracia mais operante21 para governar
este novo mundo, menos clara – embora também óbvia – é a necessidade de partidos
mais aderentes. No fundo é a velha e tormentosa questão da legitimidade que se coloca.
Mas a esta altura não é razoável acreditar que o sistema atual conseguirá prover a
aderência necessária, até porque a mentalidade intrapartidária atual é menos voltada à
conquista de filiados do que à conquista de eleitores. Daí que a abertura do sistema a
novos players pareça uma medida saudável e “futurista”.
Em suma, se o excesso de partidos realmente prejudica o funcionamento do regime
atual, talvez a tarefa central não seja reduzir o número de siglas, mas antes prover um
novo sistema partidário e eleitoral que dê conta dessa inédita pluralidade, que é tanto
horizontal (alargamento da agenda política) quanto vertical (surgimento de instâncias
de mediação entre a base e o topo do poder que cumpram um papel semelhante ao
dos diretórios estaduais e municipais dos atuais partidos, com inspiração no princípio
federativo)22.
De fato, acreditar que a mera redução do número de partidos promoverá ganhos
em governança e legitimidade é apostar no improvável. A opção pela concentração do
sistema esperando que “as coisas voltem a ser mais fáceis como um dia já foram” traz, sim, o
risco de fortalecimento da ditadura (intra)partidária23 que tanto nos atormenta, levando ao
oligopólio ainda mais rígido do poder em poucas mãos e por isso mesmo contrariando
o mais fundamental princípio democrático, que é a fragmentação do poder.

21
Que ainda está por ser inventada. “A terceira invenção da democracia trata disso: da continuidade do processo
de democratização nas condições de uma sociedade-em-rede.” FRANCO, Augusto de. A terceira invenção da
democracia. São Paulo: 2013, disponível em: <http://pt.slideshare.net/augustodefranco/a-terceira-inveno-da-
democracia-29335826>. Acesso em: 17 jun. 2015, p. 32.
22
Eis a definição do princípio segundo Assis Brasil: “Entre um indivíduo e um grupo de indivíduos ligados por
um laço qualquer de coesão não há diferença senão na quantidade, pois a qualidade permanece a mesma. Por
conseguinte, os mesmos princípios que admito em relação ao indivíduo particularizado, são perfeitamente
admissíveis relativamente aos indivíduos congregados, e, assim, direi: um grupo de indivíduos, naquilo em
que apenas a sua pessoa coletiva é interessada, é soberanamente livre. Mas desde que coloquemos um grupo de
indivíduos em relação com outro grupo, desde que os atos que tiver de praticar não disserem respeito somente a
si, mas vão afetar esse outro grupo, tais atos deverão ser modificados segundo a vontade do grupo de indivíduos
que eles afetam. Estabeleçamos, pois, a lei: um grupo de indivíduos não é soberanamente livre para atos da vida
de relação. Desta base tão simples, destas ideias tão claras e tão corretas, que ninguém pode contestar, brota
originalmente o princípio federativo”. HOLLANDA, Cristina Buarque de (organização, introdução e notas).
Joaquim Francisco de Assis Brasil: uma antologia política. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011, p. 73. Texto: Dois discursos
pronunciados na Assembleia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul Base: notas taquigráficas publicadas
em 1886.
23
A expressão é de Augusto Aras. ARAS, Augusto. Fidelidade e ditadura (intra) partidárias. Bauru: Edipro, 2011, p. 25
e 73.

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30 DIREITO PARTIDÁRIO

Pois a verdade é que neste cenário a autonomia organizacional,24 direito situado


neste mesmo grupo existencial e que deveria garantir o protagonismo das células menores
(diretórios estaduais e municipais), acaba apenas reforçando o controle exercido pelas
cúpulas nacionais.
Mas a concepção de um novo regime é tarefa das mais sensíveis, que não se
completa sem amadurecimento teórico nem regulação competente. O experimentalismo
é um risco a mais para a democracia. Mesmo assim, o abandono dos grandes bordões
do século passado já seria um passo significativo. Partidos com pautas mais específicas
e maior coesão seriam sem dúvida uma inovação interessante para superar o marasmo
das velhas fórmulas totalizantes. Pois se as grandes visões de mundo ainda são capazes
de excitar as hostes, instilando em algumas almas o medo genuíno de um capitalismo ou
um comunismo opressor, parece bastante claro que na política de carne e osso – aquela
que pode realmente engajar as pessoas comuns, na vida de bairro ou no município – as
“pequenas questões” embutem assuntos envolventes e que justificariam quiçá uma
filiação partidária.
Na prática isso demandaria duas alterações normativas.
A primeira seria eliminar o caráter nacional dos partidos, garantindo a assimilação
das diferenças regionais e locais na política formal. Os impactos disso no sistema
eleitoral, inclusive no atual modelo eletrônico de votação, certamente trariam algumas
dificuldades, mas não a ponto de impedi-la. Quanto ao caráter constitucional da previsão
atual, temos apenas um problema de quorum, já que a disciplina dos partidos não
está coberta pela cláusula de eternidade. A grande dificuldade é cultural: desde quando
Getúlio Vargas enterrou a experiência desagregadora da República Velha e seus partidos
regionais, vivemos sob a égide de um nacionalismo forte, incompatível com federalismo
e suas virtudes políticas.25
A segunda medida seria reduzir a quantidade de apoiadores exigível para a
formação de um novo partido, mas compensando esta liberalização com a exigência
de um pouco mais de densidade no vínculo entre o cidadão-apoiador e o partido em
criação, por filiação partidária ou pelo menos pela proibição de que o filiado a um partido
político apoie o surgimento de outro. Esta, aliás, foi a solução encontrada pela reforma
eleitoral de 2015.26 Com isso poderíamos ter muito mais partidos e incrementaríamos
potencialmente a militância: partidos menores compostos por cidadãos mais engajados.

24
Constituição Federal, art. 17, §1º “É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura
interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e
sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas
eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação
entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer
normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)”.
25
Não percamos de vista o momento histórico do ato getulista: do lado de fora, nacionalismo estatizante europeu;
do lado de dentro, um atrito de caudilhos que só terminaria com uma liderança acima de tudo e de todos, capaz
de organizar a vida política, suprindo, de certa forma, o vácuo ocasionado pela queda da monarquia. Quer dizer:
não houve tempo nem oportunidade para a formação de uma mentalidade federalista.
26
Lei nº 9.096/1995, art. 7º, “§1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional,
considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a
partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição
geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço,
ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada
um deles. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)”.

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DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
31

Mas estes seriam critérios de transição, pois a verdade é que o cidadão atual não
empunha apenas uma bandeira: caso aberto o leque partidário para um sem-número de
partidos teríamos necessariamente de conviver com cidadãos simpáticos a várias correntes
ao mesmo tempo, sem mútua exclusão. Isso indica a necessidade de sobrevivência dos
partidos catch-all, porém não mais em regime de exclusividade, e sim de concorrência
com as legendas “de nicho”.
Independentemente do alcance de cada partido, o importante aqui é encontrar a
chave para aumentar o engajamento dos cidadãos na prática política, retirando-lhes da
contemplação ou – pior ainda – da alienação, sem, contudo, pretender um improvável
(e indesejável) “cidadão total”.27 Pois um Estado autenticamente democrático deve ter
todo o interesse em respaldar suas decisões na vontade de seus cidadãos, absorvendo
inclusive os efeitos das más escolhas, pedagogicamente. Se a existência de um sistema
fértil, amigável ao cidadão, é uma condição formal, a condição material é a ideia política
em si, junto a seu momento histórico, pois sem efeito viral nenhuma bandeira avança.
E, então, nos defrontamos com o problema da agenda. Sendo já difícil determinar
a legitimidade de um novo partido segundo o número de apoiadores e sua localização,
pior ainda é saber que bandeiras podem ser banidas a priori no jogo democrático. O
constituinte fixou como um dever partidário a obediência a certas balizas: a doutrina e
os atos dos partidos não podem ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa
humana, o regime democrático e o pluripartidarismo,28 exigindo-se das legendas o
compromisso indeclinável com a defesa dos direitos fundamentais.29
Essas previsões, aplicáveis não apenas para o registro de novos partidos, mas
a todos eles, colocam a Justiça Eleitoral na delicada posição de filtrar os deslizes, com
poder inclusive para cassar o registro de legendas infratoras.
Na prática o TSE não tem negado registro com base nesses ditames, e a única
cassação de legenda já existente ocorreu em 1947,30 quando o Partido Comunista
Brasileiro foi considerado “incompatível” com o regime democrático, o que em seguida
acarretou a perda do mandato de diversos parlamentares recém-eleitos, por ordem do
poder legislativo (que se louvou na decisão do TSE), após um expressivo desempenho
dos comunistas nas urnas.
Essa decisão antiga serve de alerta para os dias que se aproximam. Seja por um
eventual afrouxamento dos critérios para a admissão de novos partidos, conforme aqui
se defende, seja porque a tecnologia digital serve de base para a propagação de discursos
contrários aos direitos fundamentais, é possível que a Justiça Eleitoral venha a ser
demanda neste campo, impedindo que surjam ou se desenvolvam partidos incompatíveis
como o regime. O fascismo se metamorfoseia à espera de uma oportunidade.
Se e quando for o caso, a Justiça Eleitoral precisará de critérios. E então surgirá
uma série de questionamentos:

27
Bobbio adverte que o “excesso de democracia” também pode matá-la: BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia:
uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 26.
28
Constituição Federal, “art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados
os seguintes preceitos: (…)”.
29
Lei nº 9.096/1995, “art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse
do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos
na Constituição Federal”.
30
Resolução TSE nº 1.841/1947.

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32 DIREITO PARTIDÁRIO

Como julgar se um partido está defendendo os direitos fundamentais quando


divulga propostas de limitação desses direitos, e que são levadas a sério por uma parcela
significativa da população, como no caso da liberdade sexual?
O exame deveria recair sobre o programa partidário em abstrato ou sobre as
ações concretas dos filiados? Que tipo de filiados: apenas dirigentes e ocupantes de
cargos por indicação partidária?
Qual o risco de decisões como aquela dos anos 1950?
Ou seja: o que afinal está proibido aos partidos e como controlar essas proibições?
Seria bastante desejável que este rol de indagações nunca fosse invocado,
tolerando-se os excessos como pontos fora da curva, a serem reposicionados na própria
dinâmica do jogo partidário-eleitoral.
No entanto o que se percebe é o aumento constante de pautas da política na
mesa dos juízes. Se por um lado é a luta pelo voto que responde primordialmente pela
“judicialização da política” na Justiça Eleitoral, por outro se percebe que a matéria
partidária e esse ramo especializado do poder judiciário parecem ter um encontro
marcado, a depender de um já esperado acerto jurisprudencial que afaste definitivamente
da justiça comum o trato da matéria partidária.
Enfim, se formos abrir o sistema teremos de lidar com os excessos. Mas se não o
abrirmos, se continuarmos testando seus limites a despeito da deslegitimação constante,
é possível que em algum ponto do futuro o sistema de partidos seja apontado como
uma das causas de realização da Utopia de un hombre cansado, de Jorge Luis Borges, que
“previu” o fim dos governos pelo desuso.31

2.4 Direitos econômicos


Como entidade bruta de dominação, o poder se expressa de diferentes formas.
Começando pelo poder físico, o poder primordial, proscrito do Estado de Direito e
admitido apenas como instrumento de contenção.
De resto, a violência é sempre simbólica. Dentro dos limites civilizatórios, as
expressões de poder são abstratas. Mas nunca são puras: os diferentes tipos de poder se
combinam, se traduzem, se condicionam e se limitam reciprocamente a todo momento.
Por exemplo: o poder midiático limita o poder político, mas também se traduz nele. O
poder artístico se contrapõe ao poder econômico, mas também depende dele.32
Na sociedade atual há uma espécie de denominador comum de todos os poderes,
um “sobrepoder”, que é o poder econômico. A supremacia do poder econômico não está
apenas no fato de que o dinheiro pode comprar quase tudo,33 mas principalmente no

31
“ – ¿Qué sucedió con los gobiernos? – Según la tradición fueron cayendo gradualmente en desuso. Llamaban a
elecciones, declaraban guerras, imponían tarifas, confiscaban fortunas, ordenaban arrestos y pretendían imponer
la censura y nadie en el planeta los acataba.” p. 5. Borges, Jorge Luis. Utopía de un hombre que está cansado.
Disponível em: <https://recursosdeliteratura.wikispaces.com/file/view/Jorge+Luis+Borges+-+Utopia+de+un+
hombre+que+esta+cansado.pdf/212617568/Jorge%20Luis%20Borges%20-%20Utopia%20de%20un%20hombre%20
que%20esta%20cansado.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2017.
32
Manuel Castells apresenta um rol extenso de poderes que atuam na democracia e mesmo fora dela (ou em paralelo
a ela). CASTELLS, Manuel. Redes de indignación y esperanza. Los movimentos sociales en la era de internet. Madrid:
Alianza editorial, 2012, p. 25.
33
Fosse assim poderíamos desistir da democracia e entregar as chaves aos atuais membros da haute finance, a elite
financeira supranacional que desencadeou, ainda no século XIX, o processo histórico de sobreposição do poder

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DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
33

fato de que este poder estabelece uma ética segundo a qual todas as atividades humanas
podem ser em princípio apreciáveis economicamente (é dizer, valoradas em dinheiro),
inclusive a arte (inobstante sua rebeldia ao utilitarismo) e a política (inobstante sua busca
pela justiça e pela paz).34
Consequentemente, assimilamos a “tábua de valores” do mercado para apreciar
o poder político. Por exemplo: ciência utiliza indicadores como o “preço de cada voto”
para meditar sobre o fenômeno eleitoral; e as carreiras políticas se tornam também
carreiras profissionais.
O quão apropriada é a lógica do mercado para o universo político é uma questão
a ser ainda aprofundada. Para os fins deste trabalho basta dizer que a pressão do poder
econômico sobre o poder político estimula a democracia a funcionar como um jogo
competitivo de acumulação cujo objetivo fundamental é a aniquilação definitiva dos
adversários e a conquista do poder total (ou seja, a formação de um monopólio).35 Não
que a cooperação e a renúncia sejam impossíveis, mas elas normalmente aparecem em
segundo plano, como táticas, e não como finalidade.
Mesmo diante da incompatibilidade parcial entre esses dois poderes, parado-
xalmente eles se complementam e derivam a sua existência um do outro.36 Até o mais
livre dos mercados não prescinde da política, nem que seja para reconhecê-lo como tal
(legitimação).37
Numa palavra, a política é justamente o lugar onde os limites do mercado são
negociados, e isso explica satisfatoriamente por que o interesse econômico “se infiltra”
nela: para obter a melhor “negociação” possível aos constrangimentos jurídicos que lhe
serão impostos (como, por exemplo, a carga fiscal, a legislação trabalhista e ambiental,
todo o direito concorrencial e, mais profundamente, a disciplina da propriedade).

econômico sobre os poderes tradicionais do Estado. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa
época. Tradução de Fanny Wrobel. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 10-12.
34
“Já no último quarto do século XIX, os preços mundiais das mercadorias constituíam a realidade principal das
vidas de milhões de camponeses continentais (...). Só um louco duvidaria de que o sistema econômico internacional
era o eixo da existência material da raça humana.” Karl Polanyi, POLANYI, Karl. A grande transformação: as
origens da nossa época. Tradução de Fanny Wrobel. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. A dimensão econômica
vem gradualmente avançando sobre outros campos da existência humana, levando para “dentro do mercado”
coisas e comportamentos que antes não eram apreciadas sob a ótica das leis econômicas. LIPOVETSKY, Gilles, e
SERROY, Jean. A cultura-mundo: respostas a uma sociedade desorientada. Tradução de Maria Lúcia Machado. São
Paulo: Companhia das Letras, 201: “(…) pela primeira vez, a economia mundial se ordena segundo um modelo
único de normas, valores e objetivos – o éthos é o sistema tecnocapitalista –, e em que a cultura se impõe como
um mundo econômico de pleno direito.” p. 9; “O triunfo do hipercapitalismo não é apenas econômico; é cultural,
tornando-se o esquema organizador de todas as atividades, o modelo geral do agir e da vida em sociedade. Ele
atingiu o imaginário coletivo e individual, os modos de pensamento, os objetivos da existência, a relação com a
cultura, com a política e com a educação.” p. 38.
35
FRANCO, Augusto de. A terceira invenção da democracia. São Paulo: 2013, disponível em: <http://pt.slideshare.
net/augustodefranco/a-terceira-inveno-da-democracia-29335826>. Acesso em: 17 jun. 2015, p. 44-45 e 92-94.
36
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Tradução Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001: “(…)
a estreita associação entre democracia e capitalismo de mercado esconde um paradoxo a economia do capitalismo
de mercado, inevitavelmente, gera desigualdades nos recursos políticos a que os diferentes cidadãos têm acesso.
Assim, uma economia capitalista de mercado prejudica seriamente a igualdade política – cidadãos economicamente
desiguais têm grande probabilidade de ser também politicamente desiguais.” p. 175. “Democracia e capitalismo
de mercado são como duas pessoas ligadas por um casamento tempestuoso, assolado por conflitos – mas que
resiste, porque nenhum dos parceiros deseja separar-se do outro. Passando o exemplo para o mundo botânico,
os dois existem numa espécie de simbiose antagônica.” p. 183.
37
GRAU, Eros Roberto. Atividade econômica e regulação. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional,
n. 3 (Anais do IV Simpósio Nacional de Direito Constitucional). Curitiba – PR: Academia Brasileira de Direito
Constitucional, 2003, p. 449 e 450.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
34 DIREITO PARTIDÁRIO

Assim, resta evidente que a legislação partidária e eleitoral também deve regular a
presença do poder econômico no jogo político. Mesmo não podendo afastar a racionalidade
econômica da disputa pelo poder do Estado, estas leis podem e devem dizer até que ponto
o dinheiro pode fazer a diferença em eleições. Pois sem limites haverá sempre o risco real de
absorção, e aí a própria ideia de representatividade estará comprometida, já que os “sem
dinheiro” não terão vez nem voz.
Trata-se de um problema que se repete em todo o mundo democrático e que
no Brasil ainda não teve uma solução satisfatória, embora o regime não possa ser
qualificado como ruim.
O simples reconhecimento de direitos econômicos aos partidos políticos regularmente
habilitados é um excelente começo. A regulação constitucional do tema, segundo
acreditamos, foi acertada, embora mereça algumas ressalvas.
Ao reconhecer – pelo silêncio – a natureza privada dos partidos políticos e a
possibilidade de que obtenham dinheiro junto à sociedade civil (o que foi confirmado
pela legislação ordinária), a Constituição fundou um regime partidário capaz de respeitar
os resultados do jogo econômico. E embora as doações de pessoas jurídicas tenham sido
recentemente proibidas, o quadro normativo ainda garante a legitimidade do interesse
econômico na disputa política, já que candidatos ricos podem doar mais.
Por outro lado, o constituinte estabeleceu um “mínimo existencial” chamado
de fundo partidário para garantir algum grau de competitividade (chances de vitória)
às correntes que não entusiasmam os principais detentores do poder econômico, mas
que respondem aos interesses de uma boa parte da população. Nesse sentido, ainda
que excepcionando a ideia segundo a qual entidades privadas não devem depender de
recursos públicos, concebida para evitar o avanço do Estado sobre a sociedade civil, o
fundo partidário representa um poderoso instituto democrático.
Se o financiamento privado se limita às doações de pessoas físicas, o financiamento
público vai além da transferência direta de valores aos cofres partidários. Temos duas
modalidades de financiamento público indireto previstas na Constituição: imunidade
tributária,38 que é um recorte do poder tributante, e acesso gratuito ao rádio e à
televisão,39 que é uma forma de renúncia fiscal, já que as empresas de telecomunicação
são indenizadas mediante compensação.40 Ou seja, esses dois direitos econômicos dos
partidos são pagos pelo contribuinte, em face da não arrecadação. Sobre eles podem
ser formulados os seguintes apontamentos.
Quanto à imunidade tributária, trata-se de assunto pouco explorado pela doutrina
sob o viés partidário e eleitoral, sujeitando-se sua interpretação aos cânones lapidados
no campo tributário. Lá o instituto é louvado como uma garantia fiscal a favor das
liberdades políticas e da neutralidade estatal, por impedir o embaraço da atividade
partidária mediante tributação excessivamente onerosa ou seletiva, e também como
um estímulo econômico ao florescimento do regime partidário.

38
Constituição Federal, “art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) c) patrimônio, renda
ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”.
39
Constituição Federal, art. 17, “§3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito
ao rádio e à televisão, na forma da lei”.
40
Lei nº 9.504/1997, art. 99, caput. “As emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência
do horário gratuito previsto nesta Lei”.

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DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
35

A garantia de não tributação, que também favorece sindicatos e igrejas, tem


merecido uma hermenêutica ampliativa por parte do STF, muito em função do tratamento
fiscal dado ao instituto. Mas se mesurarmos seus efeitos nos dias de hoje, talvez seja o
caso de rever esta postura benevolente.
Essa garantia surgiu na Constituição de 1946, época em que o Brasil tentava
reorganizar o sistema partidário. À época a vantagem fazia sentido, já que os recursos
partidários eram escassos, e então a desoneração fiscal servia como estímulo (ou pelo
menos como a remoção de um empecilho) para o desenvolvimento das legendas.
Atualmente a manutenção de uma zona intributável no âmbito dos partidos
pode servir de convite à prática de ilícitos, já que determina o desinteresse dos órgãos
fazendários em imprimir sua fiscalização, já que sua lógica é a da cobrança. Pensemos
apenas na lavagem de dinheiro. Mesmo a troca de informações entre a Justiça Eleitoral
e a Receita Federal não tem se mostrado suficiente para um controle eficaz.
Em segundo plano, vê-se uma interferência indevida na livre concorrência, já que
esses entes “competem” (explorando atividade econômica) em situação de vantagem
sobre os demais players do mercado, graças à autorização do STF para a prática de
atividades atípicas (alheias à finalidade essencial para a qual foram constituídos).41
Num regime de campanhas baratas, cofres partidários modestos e fiscalização
adequada, como parece ser o ponto de partida imaginado pelo constituinte em 1988,
esta imunidade prestaria grande serviço.
Porém, num regime de arrecadação privada pouco limitado, farto em recursos
públicos e carente de fiscalização, conforme a lapidação dada pelo legislador infra-
constitucional, a imunidade em questão serve mais como manto protetor de ilicitudes
(atraindo capital de origem suspeita para a zona intributável) e fator de desestabilização
da liberdade concorrencial do que como uma virtude pró cidadania. Enfim, vale mais
como privilégio do que como direito.
Avançando, o acesso gratuito ao rádio e à televisão, concebido para garantir a
comunicação entre partidos e cidadãos (é um direito dúplice) tanto no período eleitoral
(propaganda eleitoral) quanto fora dele (propaganda partidária), tem merecido outro
bloco de críticas. A primeira e mais conhecida é o custeio pelo contribuinte, já onerado
com os “fundos” e a imunidade. A segunda é o caráter invasivo da medida, dada a
obrigatoriedade de transmissão pelas empresas de telecomunicação (as quais, além de
terem sua grade de programação invadida, ao argumento de prestarem serviço público
delegado, não logram compensar integralmente os custos da operação). A terceira,
a mais sensível, diz respeito ao critério de distribuição do tempo: as legendas mais
votadas em eleições passadas absorvem o maior tempo de exibição no futuro, lógica
de concentração que se repete na distribuição do fundo partidário e do fundo eleitoral.
Com isso a tentativa de equalizar a visibilidade das legendas mediante o custeio indireto
da aparição nas grandes mídias restou frustrada.
Aliás, com a extinção legal do horário partidário gratuito na reforma de 2017, o
legislador parece ter cometido uma inconstitucionalidade, já que esvaziou na prática a
garantia firmada no texto maior.

41
Súmula Vinculante nº 52: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a
qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis
seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas”.

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36 DIREITO PARTIDÁRIO

Fê-lo para custear o fundo eleitoral sem aumento de despesa pública com
política, já que a compensação fiscal projetada para a transmissão do horário partidário
foi simplesmente remanejada para o fundo referido. Se por um lado essa medida
parece aumentar a liberdade dos partidos, já que suprime o “carimbo” da verba antes
destinada obrigatoriamente à aparição em rádio e TV, por outro lado se frustra o direito
do cidadão de sabe mais sobre os partidos. Com o agravante de que das duas formas
de propaganda, eleitoral e partidária, a segunda era a mais justa, pois dava um bom
quinhão aos pequenos partidos.
E assim este direito, que além de econômico é também político, foi modulado com
evidente prejuízo ao regime democrático.
Quanto à transferência direta de recursos públicos e privados os problemas não
são menores.
No antigo regime de doações de pessoas jurídicas tínhamos um problema de
eficácia do fundo partidário, primeiro, porque o volume de dinheiro privado em jogo
era comparativamente muito maior (favorecendo sempre as grandes legendas), segundo,
porque o fundo era distribuído segundo o mesmo critério de concentração aplicado ao
tempo de rádio e televisão: ganha mais quem já tem mais.
Quando o ambiente para a doação empresarial ficou hostil, graças à revelação
do mecanismo de interlocução entre os financiadores e seus respectivos financiados,
a proibição parecia uma solução fácil para recompor a um só tempo a moralidade e o
equilíbrio da disputa eleitoral.
Todavia, a recente criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha
(FEFC)42 vetou essa possibilidade, com danos adicionais. Ao compensar a perda da verba
empresarial com dinheiro público (motivo confessado abertamente no parlamento) o
legislador criou um regime de financiamento partidário e eleitoral quase que exclusi-
vamente público, já que as doações de pessoas físicas desempenham papel discreto,
desnaturando assim o caráter privado dos partidos e os sujeitando perigosamente ao
Estado, se não em ideologia, ao menos em dependência financeira, por conduzi-los à
barganha no parlamento e junto ao chefe do Erário.
Assim, o que deveria ser um mecanismo de compensação à prevalência do
poder econômico sobre o poder político se tornou acima de tudo um deslocamento de
custeio, de privado para público, sem a concepção de nenhum instrumento adicional
de controle de gastos, como seria de se esperar diante da natureza pública do dinheiro
consignado aos partidos.
Essa mudança, provavelmente a mais expressiva dos últimos anos no quadro
normativo, também é prejudicial aos partidos pequenos, já que o aquinhoamento
depende do desempenho eleitoral pretérito.
Mas o ponto mais interessante é a sua possível inconstitucionalidade. Não há
autorização constitucional para a transferência de recursos públicos aos partidos além
das modalidades expressamente previstas. A única forma de transferência direta é via
fundo partidário. Portanto, dada a natureza privada desses entes, acredita-se que o
legislador ordinário não estava habilitado a criar esta nova vantagem, ainda que do
ponto de vista orçamentário haja ocorrido compensação mediante a supressão dos

42
Criado pelas Leis nºs 13.487/2017 e 13.488/2017, que incluíram os arts. 16-C e 16-D, respectivamente, na Lei nº
9.504/1997.

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DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
37

custos com propaganda partidária (o que, aliás, parece também inconstitucional, como
já assinalado).
Se por um lado o quadro normativo é generoso e extenso na arrecadação, por
outro é tímido quanto aos gastos. Apesar de alguns parâmetros operacionais – com
nota de destaque para a obrigatoriedade de investimentos para ampliar a participação
das mulheres na política –,43 o regime é bastante liberal.
A contrapartida ao recebimento de recursos públicos é a prestação de contas,44
que ainda se justifica pela necessidade de se garantir a lisura da disputa política frente
à presença do poder econômico (dinheiro de origem privada). Este dever partidário está a
merecer reformulação substancial, pois a eficácia do controle hoje realizado pela Justiça
Eleitoral parece baixa, começando pelo fato de que as contas apreciadas são as contas
apresentadas, com pouca margem para o monitoramento de ilicitudes em tempo real
(ex.: obtenção de recursos de fonte vedada) e “baixa estima” (pouca importância) das
prestações de contas no quadro geral da jurisdição eleitoral (esses processos poderiam
receber uma atenção melhor, imprimindo-se visão de auditoria e não apenas de legalidade
estrita, sob pena de se perder valioso tempo julgando e punindo pequenos desvios).
Em síntese, o que temos é um regime de direitos econômicos de partidos políticos
que onera o contribuinte, mas não impede a forte influência do poder econômico no
jogo eleitoral. Ao contrário, neste regime os partidos dominantes, além de controlarem
a agenda do Estado mediante sucessivas vitórias eleitorais, também podem funcionar
como fonte de receita e zona cinzenta para cobrir ilícitos.
É claro que a solução desses problemas não é nada simples, uma vez que temos
um emaranhado de previsões interconectadas. A despeito das dificuldades, algumas
cogitações parecem cabíveis.
Em primeiro lugar se postula a retomada da legalidade das doações empresariais,
seja pelo reconhecimento da legitimidade do interesse econômico empresarial na
esfera política, que merece tutela regrada em vez de repúdio moralista, seja porque de
qualquer forma o dinheiro tem um comportamento líquido, infiltrando-se como água
nas campanhas e nos partidos, independentemente da legalidade ou da ilegalidade
desse tipo de financiamento. A proibição pode até inibir, mas não resolve inteiramente
o problema, e por isso acaba criando outros, como a presença de dinheiro ilícito (e que
representa interesses ilícitos) no “mercado político”. Assim, pensando num regime
praticável (aquele que os sujeitos estariam dispostos a cumprir), acredita-se que o melhor
caminho seja a fixação de limites quantitativos para doações dessa natureza, pautados

43
Lei nº 9.096/1995, “art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados (…) V – na criação e manutenção
de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria
da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de
doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional
de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; (Redação dada pela Lei nº 13.165,
de 2015) §7º A critério da secretaria da mulher ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pesquisa e
de doutrinação e educação política, os recursos a que se refere o inciso V do caput poderão ser acumulados em
diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas
eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando, neste caso, o disposto no §5º. (Incluído pela Lei nº 13.165,
de 2015)”.
44
Constituição Federal, “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e
observados os seguintes preceitos: (…) III – prestação de contas à Justiça Eleitoral”.

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38 DIREITO PARTIDÁRIO

por um critério de razoabilidade, e o estabelecimento de fiscalização eficaz, com visão


de auditoria e não simplesmente de “chancela de contas apresentadas”.
Em segundo lugar se defende a paralisação do crescimento das despesas públicas
com partidos e campanhas como forma de respeito ao erário de um país carente
em diversas áreas. Se esta lógica de ascensão ilimitada for mantida, a tendência é o
comprometimento cada vez maior do orçamento público com a disputa partidária
e eleitoral, pois em tese sempre será possível gastar mais e mais para conquistar o
poder: não há um valor exato para a boa realização da campanha.45 Mas se diminuir o
volume de recursos atualmente aplicado é uma hipótese descartável, que pelo menos
não sigamos incrementando o custo das campanhas.
Em terceiro lugar é preciso encontrar uma medida de distribuição do dinheiro
público que contemple a votação anterior como critério fundamental, mas que não se
resuma a ela. O equilíbrio da disputa nunca será perfeito, mas a competitividade dentro
do sistema deve ser garantida, o que significa proporcionar alguma chance de vitória às
legendas menores. Este parece ser o maior problema no que toca aos direitos econômicos
dos partidos, pois se dar mais para quem tem mais parece injusto, dar muito para quem
não merece porque não tem legitimidade/ressonância também não parece correto.
Finalmente cogita-se a extinção da imunidade tributária dos partidos políticos,
seja por seu impacto no sistema partidário acima tratado, seja ainda por um primado
de justiça fiscal. Embora desejável e ademais respaldada pela opinião pública, esta ideia
contraria opinião doutrinária massiva e também a jurisprudência uníssona do Supremo
Tribunal Federal, que consideram a imunidade uma cláusula pétrea, entendimento não
perfilhado por este autor.

2.5 Direitos eleitorais


Os direitos partidários até agora mencionados são direitos de contorno, quer
dizer, direitos que apoiam outros direitos. Poderiam, por isso, ser identificados como
garantias,46 já que servem a um propósito superior: dar as condições para que os partidos
desempenhem suas finalidades essenciais na arena política.
Os direitos eleitorais são o cerne dos direitos partidários. Cuida-se de previsões
que viabilizam a competição eleitoral. Seu gozo exige o prévio registro no TSE,47 sem
o que o partido existe apenas como um fantasma eleitoral.
Cumprida a exigência, obtém-se o direito de participar das eleições, apresentar
candidaturas, celebrar coligações, fazer propaganda (inclusive gratuita em rádio e TV),
movimentar dinheiro em campanhas e provocar a jurisdição eleitoral.
O direito de participar das eleições foi recentemente alterado. O prazo para
obtenção de registro no TSE caiu de um ano para seis meses, o que sem dúvida é um
estímulo ao surgimento de novas legendas na iminência do pleito.48

45
Pelo contrário, o mercado político logo se acomodará em um novo ponto de equilíbrio. MONTEIRO, Jorge Vianna.
Como funciona o governo: escolhas públicas na democracia representativa. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 143.
46
BARBOSA, Ruy. Os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo. Capital Federal: Companhia Impressora,
1983. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 30 set. 2013, p. 183.
47
Ver nota nº 17.
48
Lei nº 9.504/1997, “art. 4º Poderá participar das eleições o partido que, até seis meses antes do pleito, tenha registrado
seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral, conforme o disposto em lei, e tenha, até a data da convenção, órgão

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DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
39

Embora a concretização desse direito normalmente se dê com a apresentação de


candidaturas, entende-se que o partido pode participar de eleições sem ter candidatos,
conforme já sustentado anteriormente, formalizando uma coligação com o intuito de
robustecer a(s) candidatura(s) de outra (s) legenda(s).
A apresentação de candidaturas é monopólio dos partidos,49 e este talvez seja um
dos pontos mais polêmicos de nosso sistema atual, tanto que o tema das candidaturas
avulsas já chegou ao Supremo Tribunal Federal. A ideia de candidatos sem partidos é
sintoma eloquente do desgaste da imagem e da credibilidade dos partidos políticos, fato
que reforça nosso diagnóstico sobre a necessidade de reforma do sistema em busca de
maior legitimidade (aderência). Se esta reforma deve ser dar pela via judiciária, contra
texto expresso da Constituição, é algo de que não estamos convencidos. Mas considerando
que o Supremo Tribunal Federal nos últimos anos vem alinhando algumas de suas
decisões às expectativas populares, não seria surpreendente uma decisão autorizando
candidatos sem filiação ou pelo menos indicação partidária explícita.
O direito de celebrar coligações tem sofrido alterações normativas sucessivas. À
verticalização das coligações imposta pelo TSE para as eleições de 2002 e 2006 o Congresso
Nacional reagiu com a Emenda Constitucional nº 52/2006, permitindo competições
regionais entre partidos alinhados no plano nacional.50 Inobstante a relevância teórica da
disputa entre a Justiça Eleitoral e o parlamento na conformação das normas eleitorais, o
que merece destaque aqui é o teor da mudança. Enquanto o TSE partia de um modelo de
partidos nacionais e se movia pelo desejo de promover coerência ideológica nas alianças,
o poder legislativo agiu pautado pela realidade da política brasileira contemporânea,
marcada por profundas divergências nos planos estadual e municipal. Mas a alteração
não incrementou a autonomia das instâncias estaduais e municipais, já que está prevista
na lei eleitoral a anulação das decisões locais pelos diretórios nacionais.51
Assim, o que esse episódio demonstra é a procedência de nossa crítica ao sistema
de partidos exclusivamente nacionais. Talvez pelo receio do impacto de uma mudança
tão drástica quanto a permissão de partidos regionais e locais o parlamento tenha optado
pela solução mais simples: autorizar que os partidos formassem diferentes compromissos
em cada nível, mas sem eliminar a “supervisão” pelas cúpulas.
A reforma de 2017 trouxe um novo regime para o direito de formar coligações,
e que expõe as contradições da opinião parlamentar sobre o tema num curto espaço de
tempo. Após pagar o preço da derrubada da verticalização em 2006 – pois o fato é que a
opinião pública também reclamava por mais coerência ideológica nos atos partidários,
reforçando a posição do TSE –, o Congresso Nacional agora se vale do mesmo argumento
que antes recusou para justificar a mudança constitucional que proíbe coligações para

de direção constituído na circunscrição, de acordo com o respectivo estatuto (Redação dada pela Lei nº 13.488,
de 2017)”.
49
Constituição Federal, “art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (…) §3º São condições de elegibilidade, na
forma da lei: (…) V – a filiação partidária”.
50
O que só veio a ocorrer em 2010, pois na ADI nº 3.685/DF o STF entendeu que a emenda não tinha a antecedência
necessária para alterar o processo eleitoral ainda em 2006, diante do art. 16 da Constituição Federal: “A lei que
alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até
um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993)”.
51
Lei nº 9.504/1997, art. 7º, “§2º Se a convenção partidária de nível inferior se opuser, na deliberação sobre coligações,
às diretrizes legitimamente estabelecidas pelo órgão de direção nacional, nos termos do respectivo estatuto,
poderá esse órgão anular a deliberação e os atos dela decorrentes. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)”.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
40 DIREITO PARTIDÁRIO

as eleições proporcionais a partir de 2020. Ou seja, o argumento que antes não servia
prevalece uma década depois.
Não se pode deixar de consignar que o problema de fundo não é a consistência
ideológica. Fosse isso o Congresso teria eliminado também a possibilidade de coligações
para as eleições majoritárias. O que está em jogo – também com respaldo na opinião
pública – é a tentativa de reduzir o número de legendas mediante a extinção dos menores
partidos, ou melhor, daqueles que obtenham votações pequenas, já que a mesma reforma
de 2017 também fixou uma cláusula de barreira que esses partidos terão de enfrentar
sozinhos, dada a vedação às coligações.
Considerando que a coligação é um importante instrumento democrático, já que
pressupõe o consenso e o alinhamento de esforços, mesmo que temporário, acredita-se
que a modificação é um retrocesso, não apenas por forçar a competição onde poderia
haver cooperação, mas também porque sua combinação com a cláusula de barreira
deverá levar à exclusão de legendas com um desempenho episodicamente baixo, em
prejuízo à representatividade do regime.
Adiante. De todos os direitos partidários, o direito de fazer propaganda eleitoral
é o mais detalhado pela legislação ordinária, e também o que mais foi modificado. Sem
adentrar em suas minúcias para não fugir do escopo deste trabalho, deve-se pelo menos
consignar as tendências observáveis na última década, especialmente desde a reforma
de 2006, que se sucedeu a um reclame geral pelo barateamento das campanhas.
Embora se inscreva no rol das liberdades políticas fundamentais, a propaganda
eleitoral no Brasil é regulamentada e às vezes interpretada como se fosse direito privado,
e não público: circunscreve-se àquilo que o legislador expressamente permite.
Assim, suas modalidades são numerus clausus, e toda vez que surge uma nova
tecnologia de propaganda não falta quem defenda sua proibição, diante do silêncio
da lei e em nome da igualdade de chances na disputa eleitoral. É claro que se faz
necessário um marco regulatório mínimo. Conceba-se, por exemplo, a propaganda
massiva por drones. Como lidar com isso? Claro que os excessos seriam problemáticos,
mas talvez isso não seja um problema eleitoral, e sim de tráfego aéreo. O problema é
que o próprio eleitor parece desejar a “limpeza urbana”, o que habilita o legislador a
restringir paulatinamente o uso do espaço público para a conquista de votos. A cada
reforma eleitoral a propaganda de rua é restringida; logo em seguida terá sido aniquilada,
restando apenas a propaganda por mídias, acessível conforme o tamanho do capital
político de cada legenda, no caso do rádio e da televisão, e conforme a quantidade de
dinheiro no caso da propaganda pela internet, sobretudo agora, com a legalização da
compra de espaços (“links patrocinados”) nas redes sociais.
Este é o estado da arte de um sistema partidário que garante a concentração de
poder na mão das grandes legendas, impedindo a renovação nos quadros políticos de
nosso país pela formatação jurídica do ditado popular segundo o qual “quem não é
visto, não é lembrado”.
Quanto ao direito partidário de provocar a jurisdição eleitoral, trata-se de um traço
importantíssimo de nosso regime, tanto por consagrar a possibilidade de desfazimento
de mandados por decisão judicial, o que ganhou corpo no Brasil durante as últimas duas
décadas, quanto por afastar a legitimação da cidadania para atuar em juízo em matéria
eleitoral. A despeito de propostas doutrinárias no sentido de admitir uma legitimação
ativa mais ampla,52 o fato é que neste tópico também há um sólido monopólio em

52
PEREIRA, Rodolfo Viana. Tutela Coletiva no Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

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RAFAEL MORGENTAL SOARES
DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
41

favor dos partidos. A suprema ironia é a dispensa de custas judiciais e honorários de


sucumbência na Justiça Eleitoral ao argumento de que são gratuitos os atos necessários
ao exercício da cidadania (onde estaria incluída a legitimação para agir em juízo em
matéria eleitoral).53
Finalmente, e embora pouco ou quase nunca lembrados, podemos destacar
como direitos eleitorais dos partidos a intervenção na produção das resoluções a cargo
do Tribunal Superior Eleitoral54 e a fiscalização das operações do cadastro eleitoral55 e
do processo eleitoral como um todo, notadamente das etapas que envolvem o sistema
informatizado de votação e apuração.56 Quanto a estes direitos, o que normalmente se
observa é uma atitude irresponsável por parte de algumas legendas: fazem barulho
contra o poder normativo do TSE e suscitam a possibilidade de manipulação eletrônica
dos resultados eleitorais mas não acompanham devidamente os atos nem apresentam
razões suficientes.
Diante de tudo isso e afora as conclusões já consignadas, podemos finalizar o exame
dos direitos eleitorais anotando que: 1) a lógica de concentração de poder na cúpula das
grandes legendas preside todo o detalhamento desses direitos; 2) esta tendência vem se
agravando nas sucessivas reformas eleitorais e partidárias; 3) o pluralismo político e o
princípio federativo restam prejudicados pela falta de mecanismos que proporcionem
mínima competitividade aos partidos pequenos e absorção de segmentos sociais
marcantes, porém pouco numerosos na arena eleitoral, os quais são então obrigados
a buscar abrigo nas legendas já existentes, assimilando todo o “kit ideológico” que a
elas diz respeito.

2.6 Direitos políticos


Embora os partidos políticos existam principalmente para disputar eleições e
exercer o poder, outras formas de atuação também são possíveis e necessárias. Em
primeiro lugar, os partidos têm o dever de oferecer quadros políticos para garantir a
eficácia da gestão pública. Assim, reconhece-se a eles o direito de realizar doutrinação,
que nada mais é do que uma forma de educar os filiados na arte de governar.57
Em segundo lugar, os partidos têm um compromisso com a organização do
debate público, podendo suscitar, reverberar e até mesmo silenciar agendas. Esta é,

53
Constituição Federal, art. 5º, “LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os
atos necessários ao exercício da cidadania”.
54
Lei nº 9.504/1997, “art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao
caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá
expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os
delegados ou representantes dos partidos políticos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)”.
55
Código Eleitoral, “art. 66. É licito aos partidos políticos, por seus delegados: I – acompanhar os processos de
inscrição; II – promover a exclusão de qualquer eleitor inscrito ilegalmente e assumir a defesa do eleitor cuja
exclusão esteja sendo promovida; III – examinar, sem perturbação do serviço e em presença dos servidores
designados, os documentos relativos ao alistamento eleitoral, podendo deles tirar cópias ou fotocópias. (…)”.
56
Lei nº 9.504/1997, “art. 66. Os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e
apuração das eleições e o processamento eletrônico da totalização dos resultados. (Redação dada pela Lei nº 10.408,
de 2002)”.
57
Lei nº 9.096/1995, “art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: (…) IV – na criação e
manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de,
no mínimo, vinte por cento do total recebido”.

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42 DIREITO PARTIDÁRIO

aliás, uma das grandes justificativas de sua existência na democracia representativa.


Por isso, garante-se o direito de antena e a participação de candidatos em debates.
Embora esses direitos também possam ser considerados eleitorais, são essencial-
mente direitos políticos porque seu alcance supera o evento eleitoral.
A eles se alinha o direito a funcionamento parlamentar, consagrado diretamente
na Constituição58 e que permite a intervenção partidária no processo legislativo, com a
formação de bancadas e outras ações contempladas nos regimentos das casas legislativas.
O direito de atuar perante o Tribunal de Contas da União a fim de contribuir para
a fiscalização dos gastos públicos também tem assento constitucional.59
Há ainda o direito de atuar na persecução das responsabilidades de parlamentares,60
o direito de participar do controle abstrato de constitucionalidade, concretizado pela
legitimação para provocar a jurisdição constitucional61 e o de defender judicialmente
os interesses de filiados mediante mandado de segurança coletivo.62
Finalmente, os partidos também podem atuar nos casos de grave perturbação
pública que levem ao estado de defesa ou ao estado de sítio.63
Diante desse rol é possível notar que os partidos estão muito bem equipados para
fazer política. Trata-se de um corpo de previsões que poderia ser mais bem explorado,
como, por exemplo, a possibilidade de acompanhar a atuação do Tribunal de Contas da
União, local de pouca visibilidade perto de sua importância institucional, ou o direito
de provocar a jurisdição constitucional, que normalmente só é exercido pelas legendas
quando se trata de seus próprios interesses na disputa eleitoral.
A explicação mais plausível para este baixo aproveitamento de direitos políticos
talvez se encontre na já mencionada forma como os partidos enxergam a si: como
máquinas eleitorais cujo propósito é simplesmente vencer eleições e, no limite, exercer
o poder total, e não como agentes de transformação social incumbidos de entusiasmar
a participação política cidadã. Esta é uma questão cultural que apenas com muito
sacrifício será revertida e, quem sabe, fortalecida no plano normativo.

58
Constituição Federal, “art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e
observados os seguintes preceitos: (…) IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei”.
59
Constituição Federal, art. 74, “§2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima
para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”.
60
Constituição Federal, “art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de
suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) (…) §3º Recebida a
denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará
ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus
membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 35, de 2001) (…) Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: (…) §2º Nos casos dos incisos I, II e VI,
a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta,
mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada
ampla defesa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013) §3º Nos casos previstos nos incisos III
a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus
membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.
61
Constituição Federal, “art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VIII – partido político com
representação no Congresso Nacional”.
62
Constituição Federal, “art. 5º, LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político
com representação no Congresso Nacional”.
63
Constituição Federal, “art. 140. A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão
composta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado
de defesa e ao estado de sítio”.

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RAFAEL MORGENTAL SOARES
DIREITOS PARTIDÁRIOS: EXAME CRÍTICO E PROPOSTAS SOBRE A REGULAÇÃO JURÍDICA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
43

2.7 Conclusões
Neste rápido percurso tivemos a oportunidade de meditar sobre a (in)adequação
de diversos itens do regime jurídico partidário diante da finalidade essencial das
legendas, que é viabilizar o exercício da cidadania.
Pudemos constatar, sem muita dificuldade, que o cumprimento desta finalidade
é prejudicado por normas que são elaboradas pelos próprios partidos e que, a despeito
de não padecerem de inconstitucionalidade evidente, acabam gerando um sistema
que no conjunto frustra o objetivo inicial dos partidos fixado pela Constituição e bem
traduzido por Afonso Arinos: fazer deles um lar cívico para os cidadãos.
Esse cenário de produção legislativa para si, embora bastante conhecido e
suficientemente criticado, parece agora contar com um novo ingrediente, qual seja,
a possibilidade real de articulação política por fora das instâncias partidárias. Esta
possibilidade vem sendo explorada e é causa (pelo menos parcial) do decréscimo
da confiança nos partidos, que então respondem (pela ação legislativa) com mais
concentração e afirmação de poder. Ainda que alguns coletivos de fora do sistema,
aglutinados pelas redes sociais, venham sendo aos poucos absorvidos pelas legendas
existentes, há uma miríade de outros cuja bandeira ou modo de interação se mostra
incompatível com o regime formalizado.
Não se pode ainda prever o resultado desta tensão, mas acreditamos que uma
forma prudente de evitar a ruptura do regime partidário é torná-lo mais equilibrado,
mais plural, mais dinâmico e acima de tudo mais amigável ao cidadão comum.
Repensar os direitos partidários à luz da Constituição e dos novos tempos seria
um caminho possível para esta realização. Se a maior parte desses direitos merece
retoques, outra parte está a reclamar revisão completa.
O ponto mais sensível é a confluência do poder econômico e do poder político.
Dada a posição interseccional dos partidos frente a esses dois poderes e também o fato
de que o poder econômico busca sempre formas de dobrar a política, o desafio maior é
evitar que a democracia se assemelhe a um jogo de grandes investidores.
Se por um lado admitimos que a democracia é um regime de grupos mais do
que de pessoas,64 por outro somos levados a acreditar que no Brasil ela é quase que
exclusivamente partidária (no sentido de ter nos partidos o seu principal protagonista),
dando poucas oportunidades de intervenção para os sujeitos que são sua fonte de
legitimidade, fazendo deles simples átomos dispersos e carentes de um lugar propício
para a convergência de interesses.65
Assim, qualquer revisão sobre o regime de direitos e deveres partidários
deverá ter mente a preocupação central de abrir canais para a cidadania. Se esta obra
será efetivamente levada a cabo é algo que a história ainda está por registrar. Mas a
sobrevivência da democracia como a conhecemos depende disso.
O caminho mais seguro parece ser a reativação da micropolítica, proporcionando
ao cidadão, hoje isolado e sem aliados, meios para formar pontes com aqueles que
compartilham de seus interesses e ideais. Trata-se, ao mesmo tempo, de superar a

64
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 23.
65
FRANCO, Augusto de. A terceira invenção da democracia. 2013. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/
augustodefranco/a-terceira-inveno-da-democracia-29335826>. Acesso em: 17 jun. 2015, p. 76.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
44 DIREITO PARTIDÁRIO

exclusividade política, jurídica e teórica de um regime ancorado no nacionalismo e de


internalizar na democracia formal o calor da política local e o dinamismo da política
desterritorializada.

Referências
ARAS, Augusto. Fidelidade e ditadura (intra) partidárias. Bauru: Edipro, 2011.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco Aurélio Nogueira.
6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
BORGES, Jorge Luis. Utopia de un hombre que está cansado. Disponível em: <https://recursosdeliteratura.
wikispaces.com/file/view/Jorge+Luis+Borges+-+Utopia+de+un+hombre+que+esta+cansado.pdf/212617568/
Jorge%20Luis%20Borges%20-%20Utopia%20de%20un%20hombre%20que%20esta%20cansado.pdf>. Acesso
em: 22 ago. 2017.
CASTELLS, Manuel. Redes de indignación y esperanza: los movimientos sociales en la era de internet. Alianza
editorial: Madrid, 2012.
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Tradução Beatriz Sidou. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. História e teoria dos partidos políticos no Brasil. São Paulo: Alfa – Omega, 1980.
FRANCO, Augusto de. A terceira invenção da democracia. 2013. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/
augustodefranco/a-terceira-inveno-da-democracia-29335826>. Acesso em: 17 jun. 2015.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do Império. Tradução de Clóvis
Marques. Rev. Giuseppe Cocco. Rio de Janeiro: Record, 2005.
HOLLANDA, Cristina Buarque de (organização, introdução e notas). Joaquim Francisco de Assis Brasil: uma
antologia política. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011.
HOLLANDA, Cristina Buarque de. Teoria das elites. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Tradução: Bruno Miragem.
Notas: Cláudia Lima Marques. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
MAINWARING, Scott. P. Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil. Tradução de Vera Pereira.
Porto Alegre: Mercado Aberto; Rio de Janeiro: FGV, 2001, p. 31.
MONTEIRO, Jorge Vianna. Como funciona o governo: escolhas públicas na democracia representativa. Rio de
Janeiro: FGV, 2007.
MORIN, Edgar. Rumo ao abismo?: ensaio sobre o destino da humanidade. Tradução de Edgard de Assis
Carvalho, Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Tradução de Fanny Wrobel. 2. ed. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2012.
ROLNIK, Raquel. As vozes das ruas: as revoltas de junho e suas interpretações. In: Cidades rebeldes: passe
livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. Ermínia Maricato et al. 1. ed. São Paulo: Boitempo:
Carta Maior, 2013.
WEIL, Simone. Pela supressão dos partidos políticos. Tradução de Lucas Neves. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2016.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SOARES, Rafael Morgental. Direitos partidários: exame crítico e propostas sobre a regulação jurídica
do sistema partidário brasileiro. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber
de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 23-44. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 3

PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA


AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM ESTUDO
COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA

ANA PAULA FULIARO

3.1 Introdução
O presente estudo propõe a análise da relação entre partidos políticos e represen-
tatividade popular sob a ótica dos critérios para criação e extinção dessas agremiações.
A perspectiva que se pretende estudar indica, como caminho para a pesquisa, a
identificação, na ordem jurídica vigente em determinado país, dos critérios estabelecidos
para a criação de partidos políticos, bem como das hipóteses estipuladas para que se
imponha o fim de um determinado partido.
Além da mera identificação do direito posto, é necessária uma análise crítica das
escolhas legislativas, valendo-se, neste aspecto, da literatura jurídica que se dedica ao
estudo do sistema de partidos e da representação política em ambiente democrático.
Estabelecido o método acima para avaliação do tema proposto, é de se destacar
que este é um trabalho de direito comparado, razão pela qual será dedicado um tópico
do estudo ao sistema brasileiro e, outro, para compreender a situação colombiana.
Nesse aspecto, esclareçam-se os motivos pelos quais se entende que a escolha da
Colômbia para comparação é útil e adequada.
Em primeiro lugar, a proximidade territorial entre Brasil e Colômbia faz com que se
assemelhem suas histórias e, por via de consequência, sua conformação social e política.
Ressalvadas as naturais peculiaridades de cada Estado, é de se observar que ambos os
países passaram por colonizações ibéricas, de natureza exploratória de recursos naturais
e construídas de modo tal que as instituições políticas demoraram a se desenvolver,
mesmo após a independência dessas nações. E, mesmo quando assim estabelecidas, o
substrato sociopolítico sofria de inadequação entre os problemas daquelas realidades e
os efeitos que as instituições, importadas da Europa e dos Estados Unidos, podiam gerar.
Foram escolhas equivocadas ou pouco úteis, decorrentes da falta de autonomia de ambos
os povos em suas vidas políticas, por muitos séculos controladas pelos colonizadores.1

1
FULIARO, Ana Paula. Democracia na América Latina: enfoque especial: alternância no poder. 2016. 313f. Tese
(Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2016. Ver especialmente capítulo 3.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
46 DIREITO PARTIDÁRIO

O resultado dessa condição, no tema em debate, por exemplo, é verificar a idêntica


preocupação, no Brasil e na Colômbia, com o excessivo número de partidos políticos,
a nortear as discussões acerca da reforma política.
Sob outro prisma, a tendência ao personalismo político, fortemente presente na
América Latina, impacta diretamente na conformação partidária, na medida em que
se verifica o constante esforço doutrinário e legislativo para dar um caráter racional e
objetivo à atuação partidária, em contrapartida a incontáveis episódios eleitorais, em
que o resultado das urnas consagrava líderes carismáticos.
Ademais o sistema de governo adotado por ambos os países é o mesmo, o sistema
presidencial, o que gera resultados aproximados no que tange ao sistema de partidos,2
permitindo uma análise de situações similares.
Feitas essas considerações, é certo que a comparação das regras para criação
e extinção de partidos políticos no Brasil e na Colômbia avalia países com traços de
identidade, resultando em maior utilidade da pesquisa, o que não aconteceria no caso
de comparação de Estados com formação histórica e conformação jurídica díspares,
como ocorreria na comparação entre Brasil e Reino Unido, por exemplo.
Deste modo, cumpre fazer a revisão de literatura acerca da relação entre sistema
partidário e representação democrática para, em seguida, verificar as normas adotadas
por Brasil e Colômbia e, ao final, realizar um juízo crítico sobre elas.

3.2 Partido político e representação política


Em ambiente democrático, é necessário que a representação política responda à
demanda de “governo do povo, pelo povo e para o povo”, razão pela qual os partidos
políticos, que atuam com vistas a exercerem a representação possam contemplar as
mais diferentes vertentes sociais.
Isso porque a democracia impõe pluralismo político responsável, já que se faz
necessário compromisso com a cidadania, com normas e procedimentos da contestação
das decisões políticas adotadas, respeito aos direitos das minorias e valorização do
individualismo. É neste tipo de regime que se deve possibilitar a organização autônoma
da sociedade civil e competição entre os partidos políticos, com vistas a se atingir a
escolha mais consentânea com o tecido social em dado momento, por meio de eleições
livres que acontecem de modo periódico.3
No mesmo sentido, destaca Sartori que a democracia por ele denominada
procedimental deve levar em conta, entre outros fatores, a regra da maioria e adotar
os mecanismos de proteção das minorias,4 fortalecendo o aspecto pluralista que deve
ser levado em consideração.

2
É clássica a lição de Duverger no sentido de que os sistemas parlamentares geram a tendência ao bipartidarismo
ou à bipolarização de forças políticas, ao passo que o sistema presidencial tende a uma maior proliferação
partidária. DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1970.
3
LINZ, Juan. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América do Sul. Tradução
de Patrícia de Queiróz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 74.
4
SARTORI, Giovanni. Elementi di teoria politica. Bologna: Mulino, 1987, p. 46.

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ANA PAULA FULIARO
PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA
47

Miranda, ainda, assevera que a democracia representativa não é simplesmente o


governo da maioria, demandando uma dialética entre maioria e minoria, já que neste
sistema, a minoria pode vir a conquistar o exercício do poder em momento posterior.5
Nesse aspecto, a presença da oposição desempenha papel de grande relevo na
conformação democrática, uma vez que essa é capaz de influenciar a formação da
opinião pública, além de representar as minorias.6
Kelsen, por sua vez, trata a democracia como o regime democrático como aquele
em que os indivíduos são organizados em dois grupos essenciais, maioria e minoria. É do
debate entre esses dois polos que devem surgir as decisões políticas, transformando-se
“a tese a antítese dos interesses políticos numa síntese”.7
Tomando-se a democracia sob esse aspecto, é impossível realizá-la sem que
se privilegie o pluralismo e, tendo em vista a importância dos partidos políticos na
movimentação do jogo democrático, deve-se buscar o pluralismo político-partidário.
O sistema de partidos é de tamanha importância para a democracia, que a forma
de organização partidária influencia o modo pelo qual se representam os interesses
sociais, inclusive para facilitar ou dificultar que a população expresse sua concordância
ou discordância com determinado tipo de governo que venha a ser exercido, alcançando
a substituição de forças políticas no governo.
De Vergottini destaca que a influência dos partidos políticos na forma de
governo é bastante expressiva. Assim, se de um lado se verifica se o sistema partidário
se organiza como um bipartidarismo, um pluripartidarismo “temperado” (o modelo
germânico) ou um pluripartidarismo extremo, também é relevante notar se as forças
políticas organizam-se sob a forma de coalizão ou contraposição na definição da maioria
governante e da minoria de oposição.8
Duverger, por sua vez, observa que o bipartidarismo organiza-se a partir da
existência de dois partidos predominantes, circundados de outros pequenos sem
relevante expressão em âmbito nacional. Considera que o bipartidarismo ostenta um
caráter natural, uma vez que o dualismo político apresenta-se nas escolhas políticas
em geral, que implicaria a decisão em favor de uma solução em detrimento de outra.9
Nos casos de multipartidarismo, o governo, que deve ser reflexo da representação
política, funciona de modo diverso. Duverger define o multipartidarismo como os
cenários em que há múltiplas forças políticas devidamente estruturadas em organizações
partidárias estáveis, não se incluindo nesse conceito as situações de existência de
numerosos grupos instáveis, efêmeros e fluidos.10

5
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo VII. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 88-89.
6
CAGGIANO, Monica Herman S. Democracia x Constitucionalismo. Um navio à deriva?. Cadernos de Pós-Graduação
em Direito: estudos e documentos de trabalho/Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n.
1, 2011.
7
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti et all. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000,
p. 70.
8
VERGOTTINI, Giuseppe de. Diritto Costituzionale Comparato. Padova: Cedam, 2004, p. 110.
9
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 243-250.
10
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 263-264.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
48 DIREITO PARTIDÁRIO

Denota, de outro lado, a grande dificuldade decorrente da tentativa de classificar


as diferentes manifestações multipartidárias, uma vez que o número de partidos que
esse sistema pode contar vai “de três ao infinito”.11
Identifica, ademais, que a origem do multipartidarismo decorre da independência
recíproca das oposições, na medida em que os diversos atores políticos são diferentes
entre si, discordando de maneiras variadas sobre os assuntos da vida pública, haja vista
que a democracia contempla em seu bojo o pluralismo de ideias.12
Diante desse amplo espectro de organização do sistema de partidos, Duverger
propõe uma tipologia a partir do número de rivais, contemplando: o tripartidarismo,
o quadripartidarismo e o polipartidarismo.13
Do ponto de vista do tripartidarismo e do quadripartidarismo seria possível
identificar organização sólida e estável dos partidos de modo a compreender, inclusive,
a coerência na formação de coalizões quando necessário, o que seria impossível em
cenários com mais de quatro partidos, dada a multiplicidade e fluidez das opiniões.14
Caggiano destaca que a atividade parlamentar e de governo, nos cenários
multipartidários, depende da formação de coligações, o que pode comprometer a
estabilidade de governo, já que a coesão das forças políticas em polos de poder é
enfraquecida, podendo chegar, até mesmo, a frágeis coalizões,15 em que os partidos se
distanciam de seus programas partidários, o que “provoca uma acentuada confusão no
espírito do eleitor, importando, assim, na ruptura de uma das características do voto
como instrumento de participação política, isto é, a sua assepsia”.16
De outro lado, pondera que o ambiente de coligações característico dos sistemas
proporcionais não necessariamente gera a ingovernabilidade, sendo saudável para o
pluralismo na medida em que se consiga atingir o equilíbrio necessário para aumentar
a participação das forças políticas no processo decisório.17
No mesmo sentido, Lijphart identifica que a fragmentação de forças políticas pode
levar à instabilidade política, mas essa não é uma decorrência inexorável. Quando se está
diante de uma realidade em que há homogeneidade de valores sócio-políticos quanto
ao respeito à democracia e às regras do jogo eleitoral, pode-se atingir a governabilidade,
mesmo em ambiente multipartidário. Ela é impossível, contudo, em países marcados
por uma cultura de descontinuidade democrática.18
Feita essa breve revisão de literatura, pode-se afirmar que a representação política,
em ambiente democrático, impõe o privilégio ao pluralismo, de modo que a maior

11
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 264.
12
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 267-268.
13
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 269.
14
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução de Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970, p. 269-273.
15
CAGGIANO, Monica Herman. Oposição na política. São Paulo: Angelotti, 1995, p. 64.
16
CAGGIANO, Monica Herman. Oposição na política. São Paulo: Angelotti, 1995, p. 81.
17
CAGGIANO, Monica Herman. Oposição na política. São Paulo: Angelotti, 1995, p. 67.
18
LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Tradução de Roberto
Franco. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 52-53.

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ANA PAULA FULIARO
PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA
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parcela possível da população sinta-se representada pelas decisões políticas adotadas por
determinado governo, que deve ter em consideração, ainda, as demandas das minorias.
Esse complexo arranjo de interesses e forças políticas, em Estados mais homogêneos,
consegue ser implementado em modelos bipartidários, apresentando-se de modo mais
claro. Contudo, sociedades mais heterogêneas, como é o caso da brasileira, exigem um
maior número de partidos para que se opere uma representação democrática. O desafio
a partir daí é que se encontre o limite adequado entre o multipartidarismo que impõe
saudável negociação política e a pulverização partidária que leva à ingovernabilidade.
Nos tópicos seguintes serão estudadas as experiências brasileira e colombiana,
para se analisar em que medida os mecanismos jurídicos vigentes são suficientes para
enfrentar esse desafio.

3.3 O partido político no Brasil: regras para criação e extinção

Em cenário brasileiro, o texto constitucional é incisivo, no artigo 17, em estabelecer


a regra de plena liberdade aos partidos políticos, tanto para criação, como para fusão,
incorporação e extinção desses.
Os requisitos específicos para a criação de novos partidos políticos foram
detalhados na Lei dos Partidos Políticos – Lei nº 9.096/95, especialmente em seu artigo 7º.
Nesse sentido, é de se destacar que o partido político, no Brasil, necessariamente
deve adquirir personalidade jurídica antes de sua participação em cenário eleitoral.
Sendo considerado uma pessoa jurídica de direito privado, deve ser constituído
na forma da lei civil, elaborando-se um estatuto que deve ser levado a registro perante
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (art. 7º, Lei nº 9.096/95).
É neste momento que se verifica o critério relativo à representatividade social
do partido político. Para se obter o registro perante o TSE, deve-se comprovar que a
agremiação tem caráter nacional e que é apoiada por eleitores na razão de, pelo menos,
0,5% dos votos válidos da última eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos
por um terço dos Estados da Federação, com 0,1%, no mínimo, do eleitorado em cada
um deles (art. 7º, §1º, Lei nº 9.096/95).
Com relação a essas exigências, é importante destacar que a Lei nº 13.165/15
adicionou a esses critérios, a limitação temporal de 2 anos para que se consiga a
comprovação do apoio necessário.
Além disso, há uma ressalva com relação aos eleitores que podem apoiar a
criação de um partido político: não podem ser filiados a outro partido. Esta ressalva
foi introduzida pela Lei nº 13.107/15, tendo sido objeto de questionamento, perante o
Supremo Tribunal Federal, quanto a sua constitucionalidade, uma vez que impede os
cidadãos já filiados a partidos políticos de se articularem politicamente para a criação
de novo partido.
A discussão está travada no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 5.311 e a Suprema Corte concluiu, ao analisar o pedido de medida cautelar, pelo
indeferimento da liminar. E assim o fez sob o argumento de que a desigualdade entre
cidadãos, criada pela lei, é consentânea com o ordenamento jurídico que proíbe a
dupla filiação, como também com o regime democrático, que impõe a coerência e a
coesão entre representantes e representados, o que se refletiria no dever de fidelidade

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50 DIREITO PARTIDÁRIO

intrapartidária, sendo interessante destacar o seguinte trecho do voto vencedor, da


Ministra Cármen Lúcia:

Também na espécie, a fidelidade partidária irradia efeitos a alcançar todos os filiados.


Mesmo com as exigências democráticas que vinculam o funcionamento interno dos
partidos, não se há de restringir a fidelidade apenas aos filiados mandatários, fazendo-se
tabula rasa do mesmo princípio quanto aos que lhe compõem a base, sob pena de se
anularem os seus fundamentos.
O direito à oposição partidária interna, a ser garantido aos filiados como corolário da
plena cidadania, há que ser exercida em benefício e segundo o ideário do partido, do
fortalecimento e cumprimento de seu programa, ainda que circunstancialmente contrária
a determinados dirigentes ou pautas.
Nesse aspecto, a limitação criada pela norma impugnada, quanto ao apoio para a criação
de novos partidos, restrito que fica aos cidadãos sem filiação partidária, conforma-se,
com razoabilidade, com o regramento constitucional relativo ao sistema representativo,
garantindo-lhe maior coesão e coerência.

Quando da análise da alteração legislativa questionada nesse expediente judicial,


nota-se que a Suprema Corte colocou diante de si, para análise, a gravíssima crise de
pulverização partidária e todos os efeitos deletérios daí decorrentes para a participação
política, assim sintetizado na mesma peça:

Partidos não são meras siglas aglutinadas ou cingidas segundo momentâneas circunstâncias
ou pelo querer de alguns que se arvoram até mesmo (e explicitamente não poucas vezes)
em seus donos. A Constituição formula-os como instrumentos depositários de ideologias
nacionais, consagradas pelo legítimo exercício do poder político (...).
Partidos políticos são agremiações de pessoas, formalmente organizados com um programa
estabelecido voltado a definição de ideias e práticas políticas a serem implantadas no
Estado, conferindo-se concretude ao projeto oferecido ao eleitorado.
(...)
A prática política observada na atualidade, em especial no quadro brasileiro, mostra haver
diferença entre partido político, como constitucionalmente mencionado e legalmente
definido, e legendas partidárias.
Formalizam-se, não raro, agremiações intituladas partidos políticos – e assim são
objetivamente –, sem qualquer substrato eleitoral com consistência e efetividade, que
atuam como subpartidos ou organismos de sustentação de outras pessoas partidárias,
somando ou subtraindo votos para se chegar a resultados eleitorais pouco claros, ou, às
vezes, até mesmo fraudadores da vontade dos eleitores (...).
Estas legendas são objeto de comércio. O mais grave e mais antirepublicano que se pode
conceber. Neste negócio, vende-se a pátria, agencia-se interesse e paga-se com o futuro.

É nesse cenário, em que a Corte Constitucional coloca diante de si a guarda pelo


princípio da representação democrática que começam a ser estabelecidos os limites entre
a plena liberdade partidária e a representação democrática, buscando-se incorporar
regras ao sistema que resultem na dificuldade de criação de novas agremiações:

A digressão sobre as características históricas do sistema representativo auxilia a identificar,


com maior clareza, a necessidade sempre crescente de legitimação do exercício do poder
político, sob pena de se desacreditar a democracia.
Nesse sentido, a atuação do legislador conferindo coerência a um sistema partidário
historicamente frágil (em sua acepção sociológico-jurídica) e esgarçado pelo distanciamento

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PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA
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e parca participação cidadã, contribui para a densificação dos princípios constitucionais


da democracia representativa.

Por outro lado, a Lei nº 9.096/95 prevê as causas de cancelamento dos partidos
políticos, prevendo, no artigo 28, as seguintes situações para tanto:

a) receber recursos financeiros estrangeiros;


b) subordinar-se a entidade ou governo estrangeiros;
c) não prestar contas à Justiça Eleitoral;
d) manter organização paramilitar.

Relevante ressaltar, ainda, que além do juízo de proporcionalidade próprio das


decisões judiciais, há previsão expressa, no parágrafo 3º do artigo 28, estabelecendo
que as sanções partidárias devem ser aplicadas apenas nos casos de faltas cometidas
pelos diretórios nacionais, criando-se uma fraca cadeia de responsabilização quanto
aos atos lesivos ocorridos no bojo dos órgãos regionais ou municipais, muito embora
se estabeleça a obrigatoriedade do caráter nacional dos partidos políticos.
Feito o relato do direito posto quanto à criação e à extinção de partidos políticos
no Brasil, é de se assinalar que as regras estabelecidas revelam pouca força cogente para
o objetivo de reduzir o número de partidos políticos registrados.
Pouco se regula até mesmo para excluir do cenário político aqueles faltosos, que por
seus atos causaram ou permitiram que se causassem a subversão da lisura competitiva
e de trato da coisa pública, fundamentais para a vida democrática e republicana.
Nesse sentido, por exemplo, note-se que os partidos políticos brasileiros não são
responsabilizados nem mesmo por avalizarem candidaturas impuras, de candidatos
incursos em hipóteses de inelegibilidade. Ou, de outro lado, nem mesmo são sancionados
caso desrespeitem o princípio democrático em seu âmbito interno.
E não há que se falar em partidos que possam contribuir para o cenário político
de disputa democrática se eles, monopolizando a apresentação de candidaturas, não
escolhem os possíveis representantes de modo internamente democrático, desencadeando
um processo eleitoral que, em sua origem, padece do mal da oligarquia.
A pulverização partidária é medida que deve ser combatida, não apenas pela
patologia que inspira a criação dos partidos como legendas de aluguel, tal como
asseverado pela Min. Cármen Lúcia, mas também pela própria corrosão do sistema de
governo que leva à ingovernabilidade.
Isso porque, num sistema presidencial, como o brasileiro, o multipartidarismo
impõe a formação de coalizões para que o chefe do Poder Executivo obtenha apoio do
Legislativo para governar. Importante, para tanto, o mínimo de logicidade programática
nessa união de partidos a formarem a base governista e o bloco de oposição para que
se mantenha coesão e coerência de governo. A pulverização partidária carece desse
mínimo substrato ideológico para sustentar um governo de coalizão, razão pela qual
Sartori assevera que esse tipo de união nem mesmo de coalizão pode ser chamado e
tem como resultado inexorável a ingovernabilidade.19

19
Para Sartori, esses tipos de arranjos pontuais sem qualquer vínculo ideológico-partidário não devem ser referidos
como coalizões. Estas precisam apresentar “um mínimo de solidez, isto é, alguma forma de entendimento

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3.4 O partido político na Colômbia: regras para criação e extinção


A Constituição colombiana de 199120 dedicou, desde sua edição, atenção especial
às regras atinentes às formas de representação política, consagrando, atualmente em seu
art. 107, o direito de participação política organizada a todos os cidadãos, que poderão
fazê-lo sob a forma de partidos ou movimentos políticos.21
Quando da vigência da Ley Estatutaria de los partidos políticos 130 de 1994,
verificava-se a diferenciação na definição dessas duas figuras, estabelecendo-se, que
o partido político era instituição permanente que refletisse o pluralismo político,
promovesse a participação cidadã e contribuísse para a formação e manifestação da
vontade popular, com o objetivo de alcançar cargos políticos e influenciar nas decisões
políticas e democráticas do país. Por outro lado, os movimentos políticos seriam
associações de cidadãos constituídas para influenciar na formação da vontade política
ou para participação nas eleições. Como ponto de identidade, ambos gozariam de
personalidade jurídica.22
Após a superveniência da Ley Estatutaria 1475 de 2011,23 não mais se procede à
definição diferenciadora das duas figuras, que aqui serão referidas de modo conjunto.
O artigo 108 da Constituição colombiana estabelece a cifra de 3% (três por cento)
dos votos válidos no território nacional na eleição da Cámara de Representantes ou
do Senado como o requisito para atribuição de personalidade jurídica a partidos ou
movimentos políticos.24 25
Interessante notar, ademais, que a legislação infraconstitucional (Ley Estatutaria
1475 de 2011), no parágrafo de seu art. 3º,26 estabelece a desnecessidade de persona-
lidade jurídica registrada perante o Conselho Nacional Eleitoral para apresentação de
candidaturas. Isso porque prevê que os grupos significativos de cidadãos que postulem
candidaturas ao Senado ou à Câmara e obtenham a votação acima requerida, poderão
solicitar – depois de comprovado o resultado eleitoral, portanto – seu respectivo registro
como partido ou movimento político.

duradouro, abrangendo uma faixa congruente de temas”. SARTORI, Giovanni. Engenharia constitucional. Tradução
de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996, p. 106.
20
Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/inicio/Constitucion%20politica%20de%20Colombia.pdf>.
Acesso em 19 jan. 18.
21
Constituição colombiana. “Art. 107. Se garantiza a todos los ciudadanos el derecho a fundar, organizar y desarrollar
partidos y movimientos políticos, y la libertad de afiliarse a ellos o de retirarse. (…)”
22
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 715-716.
23
Disponível em: <https://www.registraduria.gov.co/IMG/pdf/ley_1475_2011.pdf>. Acesso em: 19 jan. 18.
24
Constituição colombiana. “Art. 108. El Consejo Nacional Electoral reconocerá Personería Jurídica a los partidos,
movimientos políticos y grupos significativos de ciudadanos. Estos podrán obtenerlas con votación no inferior
al tres por ciento (3%) de los votos emitidos válidamente en el territorio nacional en elecciones de Cámara de
Representantes o Senado. (…)”
25
O mesmo dispositivo legal trata de modo excepcional as circunscrições de minorias étnicas e políticas, exigindo,
nesses casos, que simplesmente se obtenha representação no Congresso.
26
Ley Estatutaria 1475 de 2011. “Art. 3º. (...) Parágrafo. Los grupos significativos de ciudadanos que postulen
candidatos al Senado de la República o a la Cámara de Representantes y obtengan los votos requeridos para el
reconocimiento de personería jurídica, podrán organizarse como partidos o movimientos políticos y solicitar la
correspondiente personería. La solicitud deberá ir acompañada del acta de fundación, los estatutos, la plataforma
ideológica y programática, la lista de afiliados y la prueba de la designación de los directivos, y será presentada ante
el Consejo Nacional Electoral por quien haya sido designado como representante legal del partido o movimiento
así constituido.(…)”.

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ANA PAULA FULIARO
PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA
53

Ainda sobre o critério colombiano para a criação dos partidos ou movimentos


políticos, é importante destacar que este foi objeto de duas alterações em âmbito
constitucional.
A primeira delas, operada pelo Acto Legislativo nº 1 de 2003 e a segunda, que
implementou o texto atualmente vigente, acima referido, introduzida pelo Acto Legislativo
nº 1 de 2009.
Observa-se, ao longo dessas reformas, que o objetivo era a busca, pelo critério
de criação de partidos e movimentos políticos que significasse o equilíbrio entre
representatividade popular e racionalidade na vida política.
Nos dizeres de Quinche Ramirez,27 acerca da reforma de 2003:

(...) introduciéndose modificaciones tan solo em lo que há tenido a ver com la ‘fragmentacion’
partidista. Em virtude de esta última, los partidos políticos em Colombia no se han
oferecido a su electorado como uma organización consistente, sino que por ele contrario,
parecia como uma entidad que ofrecía a su elector uma gran cantidad de listas, de
liderazgos personalistas, las que uma vez pasado el proceso de elección, se organizaban
en coaliciones postelectorales. El partido entonces operaba como la suma de una gran
cantidad de facciones, que utilizaban el mismo nombre o la misma enseña partidista, (...).

A situação de fragmentação partidária descrita acima, que foi objeto da reforma


de 2003, resultava das regras originárias da Constituição de 1991, que estabeleciam
que a personalidade jurídica dos partidos poderia ser obtida atendendo-se uma das 3
hipóteses: (i) obtenção de 50.000 assinaturas de apoio; (ii) obtenção de 50.000 votos na
eleição imediatamente anterior ou (iii) alcançar representação no Congresso.28
Pelo Ato Legislativo nº 1/2003, restringiu-se a possibilidade de criação de partidos
ou movimentos sociais, exigindo-se, para tanto, que se obtivesse votação não inferior
a 2% dos votos válidos em todo o território nacional nas eleições para a Câmara ou o
Senado.
Esta alteração – estabelecendo percentual inferior ao atualmente vigente, de
3% – foi criticada pela doutrina, quer porque a vinculação às eleições parlamentares
excluiria desempenhos a outros cargos que teriam expressão de votos similar, quer
porque se estabeleceu quantidade significativamente alta de votos.29
Quinche-Ramirez conclui, então, que o preço a se pagar para evitar a fragmentação
partidária e o personalismo político seria a diminuição da participação política, uma vez
que se fortalece desmedidamente os grupos parlamentares já estabelecidos, descartando
as formas regionalizadas de organização das forças políticas.30
Considerando, como frisado acima, que a reforma de 2009 acabou por aumentar
o desempenho mínimo para 3% dos votos válidos para as eleições para a Câmara ou
Senado, a ampla participação política por outros meios que não a competição por esses
cargos restou ainda mais debilitada.

27
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 717.
28
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 719.
29
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 719.
30
QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus reformas.
Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 720-721.

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54 DIREITO PARTIDÁRIO

Note-se, por outro lado, que as situações de perda da personalidade jurídica de


partidos ou movimentos políticos não são poucas e apresentam-se como interessante
mecanismo de responsabilidade política dos partidos e movimentos e não apenas dos
candidatos por eles apoiados.
De início, ressalte-se que o mesmo artigo 108 da Constituição estabelece que o
não atingimento da mesma cifra de 3% dos votos válidos para Câmara ou Senado é caso
de perda da personalidade jurídica perante o Conselho Nacional Eleitoral.31
Há ainda outras hipóteses de possibilidade de perda da personalidade jurídica
a partidos ou movimentos políticos, podendo ser assim enumeradas:

a) falta de democracia intrapartidária, assim considerada quando os partidos ou


movimentos deixem, por mais de 2 anos, de realizar convenções que permitam
a seus membros influencia na tomada das decisões mais importantes da
organização32;
b) indicar candidaturas de candidatos condenados por delitos relacionados à
vinculação a grupos armados ilegais e a atividade do narcotráfico; delitos contra
os mecanismos de participação democrática ou delitos contra a humanidade.33
c) violar ou permitir violação dos limites de arrecadação e gastos eleitorais;34
d) apresentar candidaturas que não ostentem as condições de elegibilidade ou
apresentem situações de inelegibilidade;35
e) estimular a formação de associações ilegais, integrá-las, permitir que elas
façam propaganda em seu favor ou influencie a população para que apoie
seus candidatos;36

31
Constituição colombiana. “Art. 108. El Consejo Nacional Electoral reconocerá Personería Jurídica a los partidos,
movimientos políticos y grupos significativos de ciudadanos. Estos podrán obtenerlas con votación no inferior
al tres por ciento (3%) de los votos emitidos válidamente en el territorio nacional en elecciones de Cámara de
Representantes o Senado. Las perderán si no consiguen ese porcentaje en las elecciones de las mismas Corporaciones
Públicas” (destacado).
32
Constituição colombiana. “Art. 108. (…) También será causal de pérdida de la Personería Jurídica de los partidos
y movimientos políticos si estos no celebran por lo menos durante cada dos (2) años convenciones que posibiliten
a sus miembros influir en la toma de las decisiones más importantes de la organización política. (…)”.
33
Constituição colombiana. “Art. 107. (…) Los Partidos y Movimientos Políticos deberán responder por toda violación
o contravención a las normas que rigen su organización, funcionamiento o financiación, así como también por
avalar candidatos elegidos en cargos o Corporaciones Públicas de elección popular, quienes hayan sido o fueren
condenados durante el ejercicio del cargo al cual se avaló mediante sentencia ejecutoriada en Colombia o en el
exterior por delitos relacionados con la vinculación a grupos armados ilegales y actividades del narcotráfico o
de delitos contra los mecanismos de participación democrática o de lesa humanidad”.
º partidos o movimientos políticos también responderán por avalar a candidatos no elegidos para cargos o
L s

Corporaciones Públicas de Elección Popular, si estos hubieran sido o fueren condenados durante el período del
cargo público al cual se candidatizó, mediante sentencia ejecutoriada en Colombia o en el exterior por delitos
relacionados con la vinculación a grupos armados ilegales y actividades del narcotráfico, cometidos con anterioridad
a la expedición del aval correspondiente. (…)”.
34
Ley 1475/2011, “art. 10. 4. Violar o tolerar que se violen los topes o límites de ingresos y gastos de las campañas
electorales”.
35
Ley 1475/2011, “art. 10. 5. Inscribir candidatos a cargos o corporaciones de elección popular que no reúnan los
requisitos o calidades, se encuentren incursos en causales objetivas de inhabilidad o incompatibilidad, o hayan
sido condenados o llegaren a serlo durante el periodo para el cual resultaren elegidos, por delitos cometidos
relacionados con la vinculación a grupos armados ilegales, actividades del narcotráfico, contra los mecanismos
de participación democrática o de lesa humanidad”.
36
Ley 1475/2011, “art. 10. 6. Estimular la formación de asociaciones ilegales, hacer parte de ellas o permitirles
realizar propaganda a favor del partido, movimiento o candidatos o que influya en la población para que apoye
a sus candidatos”.

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PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA
55

f) utilizar ou permitir que se use a violência para o exercício da participação


política;37
g) praticar atos contra os mecanismos de participação democrática, contra a
administração pública, contra a existência e segurança do Estado, contra
o regime constitucional e legal, contra a humanidade ou relacionados às
atividades de grupos armados e narcotráfico.38 39

A ordem jurídica colombiana apresenta, ainda, interessante mecanismo de


afastamento temporário dos partidos ou movimentos do cenário político-eleitoral, com
a suspensão de sua personalidade jurídica por até 4 anos,40 possibilitando, diante de
faltas menos graves, que a agremiação faça uma reestruturação de valores e condutas
e retorne, depois de cumprir o período de afastamento a que foi condenado, à atuação
regular na vida política colombiana.
A Ley 1475/2011 enumera as seguintes hipóteses como aptas a levar à suspensão
temporária de personalidade jurídica:

a) descumprir os deveres de diligência na aplicação das disposições constitucionais


ou legais, que regulam a organização, funcionamento e financiamento dos
partidos e movimentos políticos41;
b) ignorar de forma reiterada, grave e justificada, a solicitação de alguma instância
ou organismo interno42;
c) permitir o financiamento partidário ou eleitoral a partir de fontes proibidas43;
d) violar ou permitir violação dos limites de arrecadação e gastos eleitorais.44

Deve-se notar, por fim, que, como forma de aplicar a grave sanção de perda da
personalidade jurídica de forma proporcional à gravidade de cada falta, o artigo 12,
parágrafo 2º, da lei partidária, permite que a respectiva penalidade seja imposta na
circunscrição em que as faltas foram cometidas.45
Analisando os dados acima descritos, não se pode deixar de reconhecer a
pertinência da crítica doutrinária acerca da alteração dos critérios para a criação dos
partidos políticos. A fixação de uma única porta de entrada – o desempenho eleitoral

37
Ley 1475/2011, “art. 10. 7. Utilizar o permitir el uso de la violencia para el ejercicio de la participación política y
electoral”.
38
Ley 1475/2011, “art. 10. 8. Incurrir en actos tipificados como delitos contra mecanismos de participación democrática;
contra la administración pública; contra la existencia y seguridad del Estado; contra el régimen constitucional y
legal; de lesa humanidad; o relacionados con actividades de grupos armados ilegales o de narcotráfico”.
39
O artigo 12, 4, da Ley 1475/2011 estabelece que as situações previstas nos itens “c” a “g” podem gerar o cancelamento
da personalidade jurídica de partido ou movimento politico.
40
“Art. 12. 2. Suspensión de su personería jurídica, hasta por cuatro (4) años, cuando se trate de las faltas a que se
refieren los numerales 1 al 4 del artículo 10.”
41
Ley 1475/2011, “art. 10. 1. Incumplir los deberes de diligencia en la aplicación de las disposiciones constitucionales
o legales que regulan la organización, funcionamiento y/o financiación de los partidos y movimientos políticos”.
42
Ley 1475/2011, “art. 10. 2. Desconocer en forma reiterada, grave e injustificada, la solicitud de alguna instancia
u organismo interno”.
43
Ley 1475/2011, “art. 10. 3. Permitir la financiación de la organización y/o la de las campañas electorales, con
fuentes de financiación prohibidas”.
44
Ley 1475/2011, “art. 10.4. Violar o tolerar que se violen los topes o límites de ingresos y gastos de las campañas
electorales”.
45
Art. 12. “Parágrafo 2º. Las sanciones podrán ser impuestas con efectos en la circunscripción en la cual se cometieron
las faltas sancionables”.

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56 DIREITO PARTIDÁRIO

nas eleições para o Congresso – e o aumento no montante de expressão popular a ser


conquistada, de 50.000 assinaturas de apoio para 3% dos votos válidos no território
nacional para a Câmara ou Senado,46 certamente aumenta a dificuldade de conquistar
postos políticos para as forças minoritárias organizadas regionalmente.
Contudo, a possibilidade de os grupos sociais apresentarem candidaturas antes
da aquisição da personalidade jurídica permite que, aqueles que sejam efetivamente
significativos de um extrato social, possam se articular antes de dispenderem recursos
para o estabelecimento de uma estrutura partidária.
Por outro lado, com relação à perda da habilitação para participação da vida
política, nota-se uma relativa facilidade, decorrente das várias situações que podem
nela resultar. Apesar disso, não se pode afirmar que essa característica seria negativa
no que tange ao privilégio à participação democrática.
Isso porque, a democracia é regime de embate em busca do poder, com incerteza
quanto ao resultado – que é disputado – mas com certeza com relação às instituições,
dentre outras, as regras do processo eleitoral.47 Nesse sentido, afastar, ainda que
temporariamente, partidos ou movimentos políticos que criem fatores poluidores na
busca pela aferição da vontade do eleitorado está em consonância com o princípio
democrático, sendo-lhe uma regra protetiva.

3.5 Considerações finais


A análise elaborada neste trabalho leva a uma primeira conclusão: há identidade
quanto ao problema partidário em ambiente latino americano. Tanto no Brasil como
na Colômbia, os legisladores e os juristas entendem que há uma maléfica pulverização
partidária.
Busca-se, então, encontrar uma fórmula que estanque a proliferação irracional
de agremiações políticas ao mesmo tempo que não impeça a estruturação de novas
e variadas forças políticas advindas do tecido social, sob pena de se comprometer o
pluralismo e, assim, o regime democrático.
O Brasil apresenta tímidas investidas nesse tema, especialmente no que tange
aos requisitos mínimos para a criação de partidos políticos, que não são restritivos.
Além dos mecanismos já vigentes, referidos no tópico relativo à legislação brasileira,
não se pode olvidar a recente inclusão de nova “cláusula de desempenho” por meio da
alteração do artigo 17, §3º, da Constituição, operada pela Emenda Constitucional nº 97/17.
Deixou-se de analisar essa inovação de modo mais detido ao longo do trabalho,
uma vez que se trata de alteração muito recente, sem aplicação até o momento para
que se possam apurar os resultados.
De todo modo, já se pode notar uma grande diferença entre este mecanismo e o
expediente similar colombiano: mais uma vez48 a cláusula de barreira brasileira limita-se,

46
Quinche Ramirez indica, quando da cifra de 2%, em 2009, que o espaço de votos a se conquistar era de 12 milhões
de eleitores. QUINCHE-RAMIREZ, Manuel Fernando. Derecho constitucional colombiano de la Carta de 1991 y sus
reformas. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009, p. 721.
47
PRZEWORSKI, Adam. Democracia e mercado: reformas políticas e econômicas na Europa Oriental e na América
Latina. Tradução de Vera Pereira. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
48
O ordenamento brasileiro já contemplou, em nível infraconstitucional, a cláusula de desempenho que, em
moldes similares, não impedia a investidura dos parlamentares eleitos por meio de partidos que não atingissem

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ANA PAULA FULIARO
PARTIDOS POLÍTICOS E A BUSCA DA AMPLA REPRESENTATIVIDADE: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E COLÔMBIA
57

primordialmente, a restringir as formas de financiamento público aos partidos que não


atinjam o percentual de votos considerado mínimo para representação. Já na Colômbia,
a falta do desempenho estipulado leva à perda da personalidade jurídica do partido ou
movimento político, sendo, evidentemente, uma medida muito mais drástica.
Ao se estudar as reformas colombianas com vistas à redução do número de
partidos, nota-se também a drasticidade na alteração dos requisitos para a criação das
agremiações que, na crítica ali expendida, leva a uma concentração do poder político
nas mãos daqueles que já estão na vida política, dificultando a capacidade de renovação
e, por via de consequência, mitigando o pluralismo político.
Por outro lado, uma reflexão que o estudo comparado diz respeito às possibilidades
de extinção dos partidos. Isso porque as hipóteses colombianas são mais amplas e, em
grande medida, visam a eliminar do jogo político-eleitoral aquelas agremiações que
fizeram mau uso do poder de representação, comprometendo a lisura do pleito ou do
trato com a coisa pública.
Na situação brasileira, em que se verifica que a pulverização partidária tem como
motivo interesses nada republicanos, extirpar partidos pelas condutas inconsistentes
como esse princípio pode ser uma maneira de se iniciar a solução do problema.
Em outras palavras, o problema de proliferação dos partidos é grave e de difícil
solução, tanto no Brasil quanto na Colômbia. O enfoque apenas nas regras de criação de
novas agremiações pode implicar sérias perdas de pluralismo para sociedades que têm
experiência recente no trato democrático, o que deve ser evitado. Contudo o caminho
que busque diminuir o número de partidos por meio do agravamento das regras de
responsabilidade política apresenta-se como interessante e adequado para o início da
solução deste problema.

Referências
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Tradução de Patrícia de Queiróz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

o percentual mínimo de votos, apenas tolhendo alguns direitos quanto à atividade parlamentar e, tal como
atualmente, limitando o acesso às fontes de financiamento público.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
58 DIREITO PARTIDÁRIO

LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Tradução de


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MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo VII. Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
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VERGOTTINI, Giuseppe de. Diritto Costituzionale Comparato. Padova: Cedam, 2004.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

FULIARO, Ana Paula. Partidos políticos e a busca da ampla representatividade: um estudo comparado
entre Brasil e Colômbia. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 45-58.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 4

O DECLÍNIO DO PLURIPARTIDARISMO
A PARTIR DA REFORMA POLÍTICA

LAERTY MORELIN BERNARDINO

4.1 Introdução
Resta evidenciado um verdadeiro descrédito na democracia representativa no
Brasil, nesta que impera o monopólio dos partidos políticos, que se convencionou
chamar de demonização da política. O modelo atual, plasmado sob o pluralismo
político – fundamento da República Federativa do Brasil – a despeito de um romantismo
exacerbado, não consegue viabilizar a transitividade entre as preferências individuais
e a atuação dos representantes, um dos motivos que levam a descrença no sistema
representativo atual, ocasionando, por consequência, toda essa crise de legitimidade.
Viceja, em pleno século XXI, uma enorme distância entre a elite dirigente e o
cidadão comum no Brasil, o que se evidencia no distanciamento do povo nos debates
públicos e a pouca influência nas decisões políticas. Outrossim, a multiplicidade
desordenada de partidos políticos viabiliza a ausência de identificação ideológica e
diminui a crença no sistema partidário como necessário canal de participação política
e importante instrumento de racionalização do dissenso.
Essa discussão assume maior relevância a partir de manifestações populares
que não mais foram convocadas a partir das instâncias ordinárias de poder, tal como
sindicatos e partidos políticos, tal como ocorrera nas manifestações que tomaram conta
do país em meados de 2013.
Naquela oportunidade, constatou-se, de forma intensa e inédita, a utilização
das redes sociais como meio de comunicação social a viabilizar a arregimentação de
manifestantes, situação esta impensável nos movimentos das “Diretas Já”, ou no caso
do impeachment de Fernando Collor (1992).
Ironicamente, os principais opositores do movimento, desta vez, localizavam-se
dentro dos órgãos tradicionais de organização da sociedade, tais como partidos, sindicatos
e entidades estudantis.
Em que pese a existência de 35 (trinta e cinco) legendas no Brasil, que, ao menos
em tese, deveriam refletir 35 matizes ideológicas ou talvez igual número de visões
diferentes de mundo, vislumbra-se uma verdadeira insuficiência de agremiações para
dar conta dos anseios democráticos da sociedade.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
60 DIREITO PARTIDÁRIO

Esse apetite político para a criação de novos partidos, atendendo à interesses


nefastos, está relacionado, entre outras coisas, à captação de recursos do fundo partidário
e de tempo de televisão a que têm direito por garantia constitucional.
Não sem razão é que o Congresso promulgou a asséptica Emenda Constitucional
nº 97, com vistas a restringir, de forma gradual, o acesso dos partidos políticos ao fundo
eleitoral e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e televisão, ocasionando assim a
diminuição das chamadas legendas de aluguel e incentivando a reunião de pequenos
partidos representantes da mesma identidade ideológica.
Diante do quadro atual, vislumbra-se realizar uma análise político-jurídica do
pluripartidarismo à luz da Reforma Política – considerada esta a mãe de todas as outras
reformas.

4.2 O pluripartidarismo no Brasil


A existência de inúmeros partidos políticos no Brasil decorre da própria escolha
do Poder Constituinte Originário, haja vista que o pluralismo político no Brasil está
consagrado como fundamento da República Federativa do Brasil, sob o pálio do artigo
1º, inciso V, da Constituição Federal de 1988.
É consabido que a ênfase dada a tal valor é uma resposta da redemocratização à
restrição do pluralismo político evidenciado durante o período ditatorial, oportunidade
em que o regime militar extinguiu 13 (treze) partidos políticos, estabelecendo consequen-
temente um bipartidarismo rígido, no qual um partido da situação e outro de oposição
serviriam para dar cunhos de democracia a um regime notoriamente autoritário.
Um dos objetivos do famigerado Ato Institucional nº 2,1 de 27 de outubro de 1965,
foi eliminar o fantasma dos velhos partidos reformistas e progressistas estampados nas
siglas PSD e – principalmente – PTB. Esse novo Ato Institucional extinguiu os partidos
até então existentes. Em consequência, o Ato Complementar nº 4 estabeleceu um sistema
partidário compulsório segundo o qual dificilmente se poderia dar vida a mais de dois
partidos (SOARES; TAUIL; COLOMBO, 2016).
Vislumbra-se, nessa ocasião, a decretação do fim do até então existente pluripar-
tidarismo e consequente gênese do bipartidarismo.
Depois de um período em que o monopólio partidário restou delimitado entre
ARENA e MDB, o governo, preocupado com a possibilidade de derrota daquela legenda
nas eleições de 1978, encorajou o debate sobre a criação de novos partidos visando
atingir a unidade do MDB (KINZO, 1988, p. 206).
Diante do quadro instaurado, em 22 de novembro de 1979 foi aprovada a
reforma política que acabou com a ARENA e o MDB. Com isso, todas as organizações
políticas deveriam utilizar o termo “partido”. Vislumbrou-se que, ao restabelecer o
pluripartidarismo, enfraquecer sobremaneira a oposição, dada a sua pulverização em
diversos partidos. Assim, tal medida contribuiu para a permanência do regime e o seu
predomínio no cenário político (MOTTA, 2008, p. 105).
Veja-se que, não obstante a derrocada do bipartidarismo, persiste o controle e a
tutela do Estado sobre a organização partidária, tema este voltou a ser debatido com
a redemocratização.

1
“Art. 18. Ficam extintos os autos Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros.”

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LAERTY MORELIN BERNARDINO
O DECLÍNIO DO PLURIPARTIDARISMO A PARTIR DA REFORMA POLÍTICA
61

Diante desse quadro, é assaz revelador a preocupação da Assembleia Nacional


Constituinte em retroceder ao bipartidarismo, reforçando-se assim a opção pelo
pluralismo político como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Isso é facilmente exemplificado em emenda de Aluízio Campos, ao apresentar
redação do Preâmbulo Constitucional, especificamente ao asseverar “a liberdade, a
fraternidade, a igualdade e a justiça, como postulados e valores supremos de uma
sociedade pluripartidária e sem preconceitos”.
Por sua vez, Marcondes Gadelha sugeriu a substituição do termo “pluripartidária”
por “pluralista”, de modo que o autor da emenda tão logo respondera que em sua
proposta se prevenia qualquer tentativa de bipartidarismo (SALGADO, 2005, p. 148).
Como é consabido, não obstante o termo pluripartidarismo não restar consignado
na versão promulgada da Constituição Federal de 1988, não só teve assento no Capitulo
V da Lex Legum, este que trata especificamente dos partidos políticos e dos seus requisitos
para criação, como teve o pluralismo político alçado a um dos fundamentos de nossa
República, como ressaltado alhures.
Nesse ínterim, vislumbra-se que o pluripartidarismo aflora sobremaneira na
sequência de regimes ditatoriais, estes que causam na sociedade a vontade de serem
representados verdadeiramente e pela ideologia que lhes melhor definam.
O pluralismo político, ao ressaltar os valores democráticos de nossa sociedade, é
encarado como apanágio de nossa estrutura estatal. Assim, a pluralidade de ideologias
e de partidos indica a solidificação de instituições, como a opinião pública livre e outras
fundamentais à preservação da democracia (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2005, p. 86).
Não sem razão é que Alexandre de Moraes enaltece que a escolha pelo pluralismo
político demonstra a preocupação do legislador constituinte em afirmar-se a ampla e
livre participação popular nos destinos políticos do país, garantindo a liberdade de
convicção filosófica e política e, também, a possibilidade de organização e participação
em partidos políticos (MORAES, 2017, p. 49).
Fernando de Brito Alves, ao discorrer sobre os direitos fundamentais, enaltece
o risco de se atribuir fundamentalidade a direitos que absolutamente carecem de
qualquer fundamentalidade ou que possuem fundamentalidade duvidosa, tal qual
o direito fundamental ao amor; a honra coletiva; ao esporte; ao fornecimento estatal
de medicamentos; ao patrimônio cultural linguístico e até mesmo à exceção de
pré-executividade, entre outros valores citados pela doutrina (ALVES, 2013, p. 111).
A conclusão é que a adjetivação de uma norma com o predicado “fundamental”
atualmente é mais um recurso retórico do que a derivação racional do seu conteúdo de
“direito fundamental”, abarcando, portanto, conceitos que não estão em sintonia com
tal adjetivação, tal como visto acima.
Não é outro o entendimento de Vladimir Brega Filho, quando assevera que
não podemos considerar todos os direitos como sendo fundamentais, sob pena de
desmerecermos a proteção e a distinção dada a eles nos vários sistemas constitucionais
(BREGA FILHO, 2002, p. 28-29).
Por sua vez, esse não é o caso do pluralismo político e o pluripartidarismo,
corolário do direito fundamental previsto no art. 5º, inciso VIII, da CF/88, que garante que
ninguém será privado de direito por conta de crenças religiosas, filosóficas ou políticas.
Ocorre que, sob o manto do pluralismo político e do pluripartidarismo, tal
instrumento de participação política vem sendo utilizado de forma vil e acintosa

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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por alguns dirigentes partidários, especialmente na forma de barganha política e de


rentabilidade.
Dias lembra que no Brasil prepondera um extenso número de legendas partidárias.
Todavia, muitas delas são constituídas por ideologias fracas e que existem tão somente
como meio de facilitar o alcance dos interesses pessoais dos candidatos que a elas se
filiam (DIAS, 2012, p. 17).
O imbróglio se dá entre o mundo do ser e do dever-ser, na medida em que neste
plano teórico subjaz extremamente benéfico o pluripartidarismo, viabilizando, assim,
a expressão de diversas ideologias, vez que isso é fruto de uma democracia plural e de
país com dimensões continentais, resultando sobremaneira na proteção de minorias.
Por outro lado, o crescimento exponencial de legendas partidárias, viabilizado
pela facilidade de cumprimento dos requisitos legais e constitucionais para a criação
de um partido, consubstanciado no fato de ser mais fácil criar um partido do que
aprovar um projeto de lei de iniciativa popular, faz com que esse descrédito da política
e especialmente dos partidos seja tão debatido na sociedade atual.

4.3 O declínio do pluripartidarismo

Em que pese a sua importância como canal necessário de participação política,


o declínio do pluripartidarismo está relacionado não à pluralidade de partidos em si,
mas especialmente pela multiplicidade desordenada destes nos últimos anos.
Essa demonização da esfera partidária também é consequência de recorrentes
e consecutivas denúncias, escândalos e processos que trazem à tona diversos casos de
corrupção praticados por partidos políticos e seus filiados, fatos estes que só desestimulam
o eleitor, causando um sentimento de repulsa pela política.
Parte do descrédito no sistema pluripartidarista deve-se ao fato de vários partidos
existirem somente com o fito de angariarem recursos, sejam eles fruto do fundo partidário,
sejam doações privadas ou, ainda, de existirem somente com a finalidade de realizarem
negócios, não raras vezes espúrios, acerca do tempo de propaganda disponível, o que
em uma campanha pode determinar o êxito ou não de um candidato.
Assim, impera um verdadeiro “Estado de Partidos”, que, não rara às vezes,
tornaram-se associações oligárquicas que desfrutam de um monopólio de fato, legal ou
constitucional da arena eleitoral e do acesso ao poder político do Estado, distanciando-se
de suas funções (GERHARDT; NEVES FILHO; VASCONCELOS, 2015, p. 46).
Por sua vez, importante ressaltar que os principais fatores do atual sistema de
promoção dos partidos políticos que propicia esse desvirtuamento e o consequente
enfraquecimento de sua função representativa é a distribuição de verba pública
proveniente do Fundo Partidário e da quota mínima do tempo na propaganda eleitoral
gratuita (SATO, 2015, p. 32-33).
No discurso sedutor contra o pluripartidarismo, quase passa despercebido o
interesse de uma minoria representada por parcela da classe política que, diante do atual
sistema de distribuição do Fundo Partidário e do tempo de rádio e TV, é “obrigada” a
se coligar (negociar) com partidos menores para agregar mais tempo em favor de suas
coligações, o que distorce o papel institucional dos partidos no sistema representativo
(SATO, 2015, p. 32-33).

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LAERTY MORELIN BERNARDINO
O DECLÍNIO DO PLURIPARTIDARISMO A PARTIR DA REFORMA POLÍTICA
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O resultado inexorável é o descrédito do atual sistema junto à opinião pública,


considerada esta como extremamente necessária, vez que sem coesão social não é
possível manter um sistema vigente. Não raro é a existência de propostas milagrosas
que prometem acabar com a corrupção ao defender propostas como a manutenção de
apenas, exempli gratia, 2 (dois) ou 3 (três) partidos, discurso este repetido pelo senso
comum.
E forçoso constatar a existência de partidos que não guardam qualquer identidade
ideológica, não realizando a representação de qualquer setor da sociedade brasileira.
Diante disso, tais legendas representa o que se convencionou chamar de “balcão de
negócios”, viabilizando a formação de coligações somente para que os partidos maiores
tenham mais tempo de propaganda, aumentando o acesso ao fundo partidário. Assim,
o ideal partidário por vezes se perde diante da pulverização dos partidos políticos
(DIAS, 2012, p. 17-18).
Em consequência, o ranço do coronelismo oligárquico encrustado no sistema
partidário brasileiro visa a realização de interesses privados ou de grupos de pressão,
especialmente econômicos, contra a atuação vinculada aos interesses do povo que
deveriam representar (GERHARDT; NEVES FILHO; VASCONCELOS, 2015, p. 46).
O aumento da fragmentação partidária e da consequente descrença dos eleitores
nos partidos fortalece candidatos que possuem algum outro canal de comunicação, como
o religioso ou midiático. Ao mesmo tempo, a fragmentação viabiliza a possibilidade de
sucesso de partidos pequenos elegerem candidatos em grandes metrópoles, tal como
acontecera no Rio de Janeiro (Marcelo Crivella-PRB) e Curitiba (Rafael Greca-PMN).
Outrossim, a intensa pluralidade dos partidos se manifesta até mesmo na formação
de coligações contraditórias entre as ideologias propagadas entre as legendas. Diante
desse quadro, convém lembrar a famigerada verticalização das coligações partidárias,
esta que vislumbrava uma coerência mínima entre os diversos níveis partidários.
O tema da simetria das coligações partidárias – ou regra da verticalização, como
o tema ficou conhecido – não só estabeleceu limites mais rígidos para a formação de
alianças, como demonstrou a insegurança jurídica que prevaleceu no embate entre TSE
e Poder Legislativo.
Convém ressaltar que o crescimento dos partidos que disputaram exclusivamente
as eleições estaduais foi acompanhado pelo decréscimo dos partidos que disputaram,
isoladamente ou em coligações, as eleições presidenciais. Esse é um indício bastante
forte de que, quando os partidos foram colocados diante de duas opções (alianças
nacionais ou estaduais), ficaram com a segunda. Isso não significa que esses partidos se
ausentaram da campanha presidencial: significa que a regra judicial jogou as alianças
para a informalidade, fazendo com que, em cada estado, os candidatos à presidência
continuassem a subir em palanques de partidos nacionalmente adversários (MARCHETTI;
CORTEZ, 2009).
Desta feita, como pode o eleitor se sentir representado se nem o próprio partido,
excluindo neste pensamento as causas financeiras acima citadas, decide-se sobre a sua
forma de agir, não mantendo uma coerência, onde não raras vezes, nem os próprios
políticos do partido fictício Y concordam com as normas, direções e rumos para que o
partido fora criado.
Por isso que o pensamento de Sato, quando fala em uma disfunção na representação
política, é pertinente de ser trazido à baila:

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
64 DIREITO PARTIDÁRIO

A distorção produzida pelas normas atualmente vigentes – e em certa medida mantida


nos projetos de reforma política – é que boa parte dos partidos não tem representação nos
estados e, de forma mais acentuada, não se faz presente nos municípios. Todavia, pelo
critério atualmente vigente, partidos com representação na Câmara Federal têm direito
ao tempo de propaganda eleitoral gratuita e aos recursos financeiros para utilizar nas
eleições estaduais e municipais. Esse aspecto propicia o fenômeno conhecido como partidos
de aluguel, em que são formadas coligações para disputas locais e regionais integradas
por agremiações que existem somente no imaginário e não têm qualquer identidade e
proximidade com a realidade daquele âmbito eleitoral (SATO, 2015, p. 34)

Assim, como demonstrou a judicialização da política quanto à verticalização das


coligações, a polêmica também é se arrasta na doutrina.
Para Renata Dias, um dos fatores que auxiliam a diminuição da pulverização
partidária é a regra de verticalização, que mantém o partido fiel às suas propostas
partidárias e aos seus ideais, bem como fortalece suas alianças, acabando, por conseguinte,
com partidos sem expressão e os conhecidos como partidos de aluguel (DIAS, 2012, p. 18).
Ao revés, Sato vislumbra a necessidade de se avançar na discussão sobre a
instituição de cláusulas de barreira e de eficiência no sentido de se estabelecer um
critério local e regional, sem prejuízo do federal. Em outras palavras, a distribuição dos
benefícios a que cada partido tem direito deveria levar em conta a sua representatividade
no Poder Legislativo de cada circunscrição eleitoral, ou seja, a Câmara dos Vereadores,
nas eleições municipais, a Assembleia Legislativa, nas eleições estaduais, e a Câmara
Federal, na eleição federal, o que fortaleceria não só a representatividade local, mas,
sobretudo, a opção e preferência do cidadão em cada âmbito de votação (SATO, 2015,
p. 34).
E isso não é tudo. Outro fator que contribuiu para a explosão de partidos políticos
foi norma emanada pela Corte Superior Eleitoral criada para integrar a lacunosa legislação
ordinária, esta que fora criada a fim de atender o decidido pelo STF nos Mandados de
Segurança nºs 26.602, 26.603 e 26.604.
Assim, coube ao TSE, por meio da Resolução nº 22.610, disciplinar as hipóteses
de justa causa para a desfiliação partidária que autorizariam o detentor de mandato
permanecer no exercício do cargo eletivo, mesmo após a desfiliação.
Conforme assevera Eduardo Damian Duarte, a criação de um novo partido não
permite a incidência de qualquer subjetividade por parte do julgador. Ocorrendo a
desfiliação partidária para ingresso nos quadros de um novo partido, restando assim
protegido o direito ao exercício do cargo eletivo (DUARTE, 2011).
Como se verifica, muitas são as causas que resultaram no declínio do pluriparti-
darismo. Todavia, não há que pôr em relevo soluções rápidas e “milagrosas”, tampouco
acreditar que soluções reducionistas poderão resolver todas as mazelas da sociedade
brasileira.

4.4 Abordagem político-jurídica do pluripartidarismo à luz da


reforma política

Rotineiramente, no centro de discussões sobre reforma política – a mãe de todas


as outras reformas – tornou-se quase um mantra a discussão do pluripartidarismo.

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LAERTY MORELIN BERNARDINO
O DECLÍNIO DO PLURIPARTIDARISMO A PARTIR DA REFORMA POLÍTICA
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Verifica-se que, não obstante terem nítida influência democrática na criação dos
partidos políticos como forma de acesso das massas ao exercício de seus interesses
por meio do poder político, tais agremiações se afastam dos preceitos democráticos
(ROCHA, p. 139).
Diante disso, repousa uma crítica acerca da ausência de democracia interna junto
aos partidos, não raro às vezes estarem controlados por um determinado grupo, ranço
histórico ainda do coronelismo.
Convencionou-se propagar aos quatro cantos que os partidos políticos não
têm ideologia – o que não é totalmente equivocado asseverar. Diante desse quadro,
chega-se muitas vezes a conclusão de que é preciso estabelecer limites com o objetivo
de reduzir o número de partidos como forma de fortalecimento das agremiações e de
suas respectivas ideologias (SATO, 2015, p. 32).
Sem a existência de uma cláusula de barreira, os 35 (trinta e cinco) partidos
com registro no TSE possuem direito à distribuição do fundo partidário, este que
contabilizou em 2017 a importância de R$645.978.546,27 (seiscentos e quarenta e cinco
milhões, novecentos e setenta e dois mil quinhentos e quarenta e seis reais e vinte e sete
centavos), conforme atualização do TSE em 16.01.2018.2
Não sem razão é que o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 97 que,
dentre outras medidas, vislumbra estabelecer normas de acesso dos partidos políticos
aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e televisão.
Importante lembrar que tais restrições não são inéditas no Brasil. Isso porque a
Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95), ao regulamentar os artigos 17 e 14, §3º, inciso
V, da CF/88, já previa a “cláusula de barreira” aos partidos políticos, especialmente
porque o artigo 13 da supracitada Lei, com redação bastante rigorosa, estabelecia
que os partidos que não alcançassem tais patamares teriam drástica redução de suas
participações no fundo partidário (art. 41, I), bem como o mesmo ocorreria quanto ao
acesso gratuito à televisão (art. 48).
Ocorre que, como é consabido, em dezembro de 2006, o Supremo Tribunal Federal
declarou no bojo da ADIn nº 1351, por unanimidade, a inconstitucionalidade dos citados
dispositivos da Lei nº 9.096/95, sob o fundamento de que os seus termos afrontavam
direitos fundamentais das minorias políticas, estes assegurados constitucionalmente.
Diante da proliferação de partidos políticos que foram criados em situações
extremamente duvidosas, a implantação de restrições na criação de agremiações
continuou em voga, inclusive com manifestações públicas de Ministros do Supremo
Tribunal Federal, estas que restaram consignadas inclusive na justificativa dada à PEC
nº 36/2016, a principal PEC que viabilizou o texto que fora aprovado pelo Congresso
Nacional.
Veja-se que, não obstante o texto enaltecer a declaração de inconstitucionalidade de
forma unânime pelo STF acerca da cláusula de desempenho, consignou de forma expressa
que “ministros da atual composição já compreendem e expressam a necessidade de se
incorporar ao ordenamento jurídico pátrio uma cláusula de desempenho” (BRASIL, 2016)
Diogo Rais e Pedro Henrique Espagnol de Farias, em recente pesquisa acerca da
mudança ou não de posicionamento dos Ministros do STF acerca do tema, constataram

2
Disponível em: <http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-duodecimo-de-dezembro-2017>. Acesso em: 22
jan. 2018.

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66 DIREITO PARTIDÁRIO

uma espécie de arrependimento da decisão outrora prolatada de forma unânime. Esses


parecem ser o caso dos Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski (RAIS;
FARIAS, 2017, p. 113).
Os subscritores da supracitada Proposta de Emenda à Constituição ainda
colacionam exemplos resgatados do Direito comparado, demonstrando a viabilidade
de cláusulas de desempenho em países da Europa e América do Sul. Veja-se, pois:

A experiência internacional demonstra o sucesso da medida ora pretendida. As cláusulas


de barreira operam em países de sólida tradição democrática, e impedem até mesmo a
posse de representantes de partidos que não atinjam patamares mínimos de votação
global. A título de exemplo, a Alemanha, a Dinamarca, a Argentina e o México adotam
cláusulas de desempenho que variam de dois a cinco por cento a nível nacional. Na franca
e na Espanha, os patamares mínimos de votação, respectivamente cinco e três por cento,
são verificados a nível distrital. (BRASIL, 2016)

Assim, ao promulgar a famigerada Emenda, ou seja, agora com status constitu-


cional em detrimento da Lei dos Partidos Políticos, há que se contornar os respeitáveis
argumentos lançados no julgamento da ADIn nº 1.531 pelo STF.
Inicialmente, importante assinalar o fim das coligações para as eleições propor-
cionais a partir de 2020, conforme §1º do artigo 17, notadamente com o intuito de
enfraquecer legendas menores e aglutinar filiados com um mesmo perfil ideológico
em poucos partidos que assegurem tal representação.
Com isso, o art. 6º da Lei nº 9.504/97 não foi recepcionado pela EC nº 97/2017,
subsistindo tão somente a possibilidade de celebração de coligações para a eleição
majoritária.
Por sua vez, a medida mais polêmica é o restabelecimento de uma cláusula de
desempenho, esta com percentuais gradativos de votação mínima a partir de 2018, com
aplicabilidade integral a partir das eleições de 2030, prevendo assim uma transição
gradual quanto às restrições ao acesso aos recursos do fundo partidário e acesso gratuito
ao rádio e à televisão.
A supracitada regra de transição inicia-se para a legislatura seguinte às eleições
de 2018, haja vista que prevê a necessidade de obterem, nas eleições para a Câmara dos
Deputados, no mínimo 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em
pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento)
dos votos válidos em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos nove Deputados
Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.
Para tanto, importante colacionar a supracitada regra de transição. Veja-se, pois:

Art. 3º O disposto no § 3º do art. 17 da Constituição Federal quanto ao acesso dos partidos


políticos aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão
aplicar-se-á a partir das eleições de 2030.
Parágrafo único. Terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita
no rádio e na televisão os partidos políticos que:
I – na legislatura seguinte às eleições de 2018:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% (um e meio por
cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação,
com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em pelo menos um
terço das unidades da Federação;

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LAERTY MORELIN BERNARDINO
O DECLÍNIO DO PLURIPARTIDARISMO A PARTIR DA REFORMA POLÍTICA
67

II – na legislatura seguinte às eleições de 2022:


a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% (dois por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos onze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um
terço das unidades da Federação;
III – na legislatura seguinte às eleições de 2026:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2,5% (dois e meio por
cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação,
com um mínimo de 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos treze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um
terço das unidades da Federação. (BRASIL, 2017, grifo nosso)

Por fim, já para a legislatura subsequente à eleição de 2030, há a necessidade de


se obter, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos
válidos em uma delas; ou eleger ao menos 15 (quinze) Deputados Federais distribuídos
em pelo menos um terço das unidades da Federação, conforme consignado no art. 17,
§3º, I e I, da Constituição Federal.
Diante desse quadro, especialmente quanto ao critério de um terço das unidades
da federação tanto para votação mínima quanto para a eleição mínima de Deputados
Federais, vislumbra-se o receio da regionalização dos Partidos Políticos, algo que colide
com a necessidade do Partido Político observar o caráter nacional, conforme exigência
do art. 17, I, da Constituição Federal de 1988.
Por sua vez, importante lembrar que o aludido caráter nacional fora proclamado
na Constituição Cidadã justamente para evitar o retorno da “política do café-com-leite”,
tal como ocorrera na Primeira República, quando São Paulo e Minas Gerais revezavam-se
no Poder.
No caso do inciso II, a grande maioria dos partidos não conta com 15 (quinze)
Deputados Federais, tal como o Solidariedade, o PC do B, PPS, PHS, PV, REDE e PEN.
Diante desse quadro, em tese, teriam que se valer do inciso I.
A Emenda Constitucional promulgada é apontada como necessária na busca de
inibir a formação de “partidos de aluguel”, cuja proliferação será um dos fundamentos
para o enfraquecimento da disputa ideológica no jogo democrático do país. Por outro
lado, sobre críticas ligadas ao cerceamento de representação das minorias políticas,
porquanto cerca de 21 partidos ficariam sem funcionamento (RAIS; FARIAS, 2007, p. 112).
Por sua vez, se de por um lado a emenda vislumbra restringir o acesso dos
partidos ao fundo partidário, por outro ressalta a soberania do mandato legitimamente
conquistado nas urnas, ao acrescentar mais uma justa causa para mudança de partido
sem incorrer na perda do mandato por infidelidade partidária, haja vista que o eleito
por partido que não preencher os requisitos mínimos da cláusula de desempenho será
assegurado o mandato e facultada a filiação em outro partido que os tenha atingido,
isso tudo conforme consignado no §5º da supracitada emenda.
Por fim, importante ressaltar que, a despeito de toda essa polêmica na tentativa
de evitar a criação desmedida de partidos políticos, a reforma eleitoral, consubstanciada
pela Lei nº 13.487/2017, afirmou o monopólio dos partidos políticos para o registro de
candidaturas.

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68 DIREITO PARTIDÁRIO

Nessa vereda, é vedado o registro de candidatura avulsa, ainda que o requerente


tenha filiação partidária, conforme consignado no art. 11, §14, da Lei das Eleições, com
a redação dada pela reforma eleitoral acima supracitada.
Por sua vez, importante assinalar que a polêmica não é recente e o STF reconheceu
a aplicação de repercussão geral na discussão sobre a possibilidade de candidatos sem
filiação partidária participarem de eleições. A discussão será tratada no bojo de uma
Questão de Ordem proposta pelo Ministro Luís Roberto Barroso, relator do ARE nº
1.054.490.
Para os defensores do fim do monopólio partidário no registo de candidatura, o
Pacto de São José da Costa Rica, firmado na Convenção Americana de Direitos Humanos
de 1969 e ratificado pelo Brasil em 1992, autoriza a candidatura avulsa, haja vista que o
referido pacto prevê a todos os cidadãos a possibilidade de “votar e ser eleito em eleições
periódicas” e “de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de
seu país”. Tal entendimento é corroborado pela Procuradoria-Geral da República, uma
vez que exarou parecer favorável a candidaturas avulsas.
Ocorre que repousa uma preocupação demasiada em deixar de vincular a filiação
partidária ao registro de candidatura, na medida em que candidaturas avulsas podem
acarretar a implementação de preferências individuais em detrimento do interesse
público, haja vista a inexistência de qualquer filtro, que bem ou mal, existe em um
sistema eleitoral estável, como ocorre no âmbito dos partidos políticos, especialmente
na escolha de políticas públicas.
Verifica-se, portanto, que com o escopo de impedir a multiplicidade desordenada
de partidos, esqueça-se de outros graves problemas relacionados a esse canal de
participação política, tal como a ausência de democracia interna das agremiações, a
falta de transparência no gasto de recursos e na falta de identidade ideológica.

4.5 Conclusão
Há um déficit democrático no sistema partidário brasileiro, acarretando, entre
outras coisas, uma crise de representação e de legitimidade desse importante canal de
participação social, bem como a descrença do cidadão com a política, compreendida
como poder de organização, mobilização e transformação da sociedade.
Não obstante a Constituição Federal de 1988 asseverar o pluralismo político
como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, tal valor vem sendo
rotineiramente desvirtuado na multiplicidade desordenada de partidos políticos,
resultando em um verdadeiro “Estado de Partidos”, muitas vezes identificado com
associações oligárquicas que desfrutam de um monopólio do poder.
Não sem razão é que o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional
nº 97/2017 com o escopo de diminuir a criação de partidos políticos que não estejam
alinhados com o seu verdadeiro sentido: instrumentalizar a participação popular com
base em valores democráticos.
Como pode ser verificado, muitas são as mudanças, que, em sua grande maioria,
vislumbram o fortalecimento dos grandes partidos políticos. Por sua vez, é premente
a necessidade de instituir ainda outros canais de participação política da sociedade,
ao passo que tal racionalização deve começar dentro dos próprios partidos políticos.

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O DECLÍNIO DO PLURIPARTIDARISMO A PARTIR DA REFORMA POLÍTICA
69

Urge a necessidade de fortalecer os partidos e adequá-los ao regime estabelecido


na Constituição Federal. Para tanto, é medida que se impõe a democratização das
agremiações políticas, com a implementação de normas intrapartidárias que estabeleçam
uma ampla participação dos filiados nas decisões da agremiação.
Em âmbito infraconstitucional, mostra-se viável do ponto de vista político e
jurídico a submissão dos Partidos Políticos aos ditames da Lei de Acesso à Informação
(Lei nº 12.527/2011), sobretudo para que se confira maior transparência aos gastos do
fundo partidário, viabilizando assim um maior controle social, bem como o necessário
auxílio ao cidadão para compreender melhor o que o partido faz e por que faz.
A cláusula de barreira, nos moldes instituídos pela famigerada emenda constitu-
cional, isto é, com a redação mais branda do que a declarada inconstitucional nas ADIs
nºs 1351 e 1354, pode impedir a proliferação de partidos que não guardem identidade
com objetivos republicanos, diminuindo assim o déficit de identidade ideológica no
sistema partidário brasileiro.
De qualquer maneira, rechaçam-se experimentalismos e retrocessos democráticos
em movimentos reformistas, bem como o enfraquecimento dos partidos políticos, consi-
derados estes como importante instrumento de participação social e de racionalização
do dissenso.
Agindo bem, o Brasil terá grandes chances de superar a posição lançada por
Raymundo Faoro ao revelar que a “história não é senão um cemitério de elites, que
correm, ao longo secular, como um rio” (FAORO, 2006, p. 109).

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BERNARDINO, Laerty Morelin. O declínio do pluripartidarismo a partir da reforma política. In: FUX,
Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz
Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 59-70. (Tratado de Direito Eleitoral,
v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 5

AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA


INTERAMERICANO DE DIREITOS
HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS

MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA


LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI

5.1 Preâmbulo
Uma candidatura eletiva só pode ser analisada à luz do sistema eleitoral em que
está inscrita. Por isso mesmo, decidiu-se, para realizar alguns apontamentos sobre a
chamada candidatura avulsa no cenário nacional, buscar as premissas teóricas da filiação
partidária como condição de elegibilidade.
A regulação jurídica sobre o tema funda-se em premissa teórica sobre a modelagem
do Estado e Sociedade num regime democrático, tudo com vistas a transformar o poder
popular em manifestação estatal. Este resgate se faz necessário, porque a adoção de
determinado desenho institucional é, muitas vezes, incompatível com algumas inovações,
sem que se dê conta, num olhar mais apressado. É que, por evidente, há consequências
na adoção de determinado paradigma.
Para tal análise, entende-se necessário não somente tal regulação jurídica, mas
também, trabalhar com conceito de Estado de Partidos, de forma a contemplar os
objetivos propostos.
A exposição desses fundamentos mais teóricos tem o condão, assim, de esclarecer,
apontar anomalias e reconhecer o seu objeto de estudo com mais clareza.
A pretensão aqui é exatamente apontar o que informa a legislação nacional e as
opções do constituinte no tocante a partido político e às razões filosóficas da adoção
do monopólio das candidaturas pelas agremiações partidárias.
Todavia, tal regulação jurídica exige, ainda, que se analise o tratamento pelo
Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos à matéria da candidatura
avulsa, pois tal regulação não se esgota na produção do direito doméstico, tendo em
vista ser o Brasil um dos estados partes de tal Sistema.
Quer-se, com isso, ampliar a perspectiva de análise de forma a perquirir se as
candidaturas avulsas se adaptam ao cabedal de normas jurídicas que obrigam ao Estado
brasileiro.

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72 DIREITO PARTIDÁRIO

5.2 O partido político no ordenamento nacional


No ordenamento brasileiro, os partidos políticos têm a natureza de pessoa jurídica
de direito privado. A Constituição, em seu artigo 17, assegura a liberdade de criação
e a autonomia dos partidos políticos, de acordo com os balizamentos expressos nos
desdobramentos do caput, a saber: i) caráter nacional; II – proibição de recebimento de
recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;
III – prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV – funcionamento parlamentar de acordo
com a lei e a vedação de atuação paramilitar.
O Código Civil, em seu art. 44, inciso V, assegura ser o partido político uma pessoa
jurídica de direito privado. A Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95, LPP), de igual
forma, assenta a liberdade e a autonomia desses entes que se destinam a assegurar “no
interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender
os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal” (art. 1º).
Essa faceta privada do partido político não permite antever sua importância pública
e social, já que a filiação partidária é uma condição de elegibilidade expressamente
contemplada na Constituição Federal (art. 14, §3º, inciso V). E a filiação se dá com o
atendimento das regras estatutárias do partido. (art. 17, LPP). É dizer: a democracia
brasileira é uma democracia partidária que elegeu a representação organizada, por meio
de grupos ideologicamente diferentes, em contraposição, por exemplo, à possibilidade
das candidaturas avulsas, sem qualquer vínculo com partido político, como o meio pelo
qual o sistema deve se organizar. Sem partidos, portanto, não há registro de candidaturas
avulsas no ordenamento jurídico eleitoral nacional, por expressa disposição legal.1
Observa-se que há não apenas previsão legal de fidelidade e de disciplina
partidária (art. 23, LPP), mas, inclusive, perda de mandato, nos casos de desfiliação do
partido sem justa causa (art. 22-A, LPP).
É que a Constituição da República aduz no seu art. 1º, parágrafo único, que
o exercício do poder popular pode se dar diretamente ou por meio da representação
política.2 Esta representação política se dá, de forma evidente, pelos partidos políticos,
como afirma Orides Mezzaroba, como “recurso no processo de formação da vontade
política do Povo”.3
O termo de referência situa-se na ideia de um Estado de Partidos (Partinstaat),
de uma democracia de partidos onde, conforme Orides Mezzaroba:
(...) além de mediar os interesses dos órgãos representativos e dos representados, os
Partidos também funcionam como fator decisivo na mediação entre os cidadãos e seus
representantes, caso em que estes últimos ficam submetidos ao mandato partidário, ou seja,
à vontade única e exclusiva do Partido, pois se considera que a vontade do indivíduo é
inerente à vontade da organização partidária”.4

O conceito de Estado de Partidos merece maior detalhamento.

1
A recente reforma eleitoral proibiu o registro de candidaturas avulsas: Lei nº 9504/97, Art. 11, “§14. É vedado o
registro de candidatura avulsa, ainda que o requerente tenha filiação partidária. (Incluído pela Lei nº 13.488, de
2017)”.
2
Para uma vasta descrição dos significados da palavra “representação” no direito comparado e na história, vide:
MEZZAROBA, Orides. introdução ao direito partidário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 9-45.
3
Op. cit. p. 237.
4
Op. cit., p. 156.

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MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI
AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
73

5.3 O Estado de Partidos


Toma-se como referencial teórico o trabalho de alguns autores integrantes do
debate alemão sobre a Constituição de Weimar. Na Alemanha, a partir da metade do
século XIX, havia a reflexão sobre o partido e a estrutura do Estado, em razão dos
seguintes fatores apresentados por Garcia-Pelayo: i) surgimento de uma Teoria do Estado
sistematizado com a problematização da questão estatal junto com as relações sociais;
ii) existência de tensão entre o componente parlamentar e o monárquico parlamentar.
A discussão situava-se sobre se centro das decisões políticas devia se dar no Parlamento
ou na estrutura do governo monárquico, pois de 1850 a 1918 vigorou na Alemanha uma
monarquia constitucional; iii) existência da consciência da necessidade de separação
entre Estado e Sociedade, o que foi determinante para o desenvolvimento da Teoria do
Estado de Partidos.5
Os elementos apontados, em conjunto, reuniram as condições para o afloramento
e amadurecimento do debate sobre o Estado de Partidos.
Ao tema deve se integrar o debate antecedente ocorrido na Alemanha sobre o
papel, a natureza e função de Estado e Sociedade. É a partir desse viés que os partidos
políticos passam a ganhar espaço nas discussões sobre o desenho próprio do Estado
alemão. Segundo Orides Mezzaroba, já em 1869, Bluntschil, Jellinek e Richard Schmidt
trataram do tema, sendo que no primeiro ano do século XX, Richard Schmidt aproxima a
Teoria do Partido da Teoria do Estado “afirmando a cristalização de um vínculo político
permanente entre Estado e Sociedade mediante a atuação imprescindível dos Partidos”.6
Em Richard Schmidt, o partido político deixa de ser um mero agrupamento
humano para determinado fim, para se integrar ao próprio nascedouro da vontade
estatal. Partindo da premissa da impossibilidade da vontade individual de moldar ou
de implementar uma política pública, a indagação sobre qual organismo irá mediar a
relação entre Estado e Sociedade tem resposta nos partidos políticos, surgindo como
“forças formadores do Estado dentro da vida social”. Interessante notar que este autor,
dada a relevância dos partidos em sua concepção, situa-os como parte integrante da
própria Teoria do Estado, em cujo objeto de estudo estaria a própria sistematização da
vida dos partidos.
Portanto, a ideia-chave de Richard Schmidt situa-se na concepção de que a atuação
partidária é necessária e fundamental no processo de formação política e jurídica do
Estado. Veja-se que o partido aqui perde sua função de simples agremiação reunidora
de interesses comuns, de uniões eleitorais como se viu na Alemanha até 1918,7 para se
integrar aos meios dos cidadãos de produção jurídica, de implementação e formação do
próprio Estado ao ajudar a criar a vontade estatal. Aquilo que outrora poderia parecer
como faccioso, a luta dos partidos na defesa de seus distintos interesses, para Richard
Schmidt tem um “valor constitutivo do Estado”.8

5
GARCÍA-PELAYO, Manuel. El Estado de Partidos. Madrid: Alianza, 1986, p. 23-25.
6
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 161.
7
A Constituição de Weimar, em seu artigo 124, passou a reconhecer “o direito das associações políticas que
adquirissem a sua personalidade jurídica de acordo com a legislação infraconstitucional”.
8
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona : Anagrama, 1980,
p. 29.

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Destarte, como lembra Orides Mezzaroba, foi exatamente neste momento histórico
que surgiu a expressão “Estado de Partidos” (Parteinstaat), em oposição ao “modelo de
governo autocrático do Estado de Autoridade (Obrigkeitsstaat) que concebia o Estado a
partir de sua identificação com a autoridade, fosse de um príncipe ou das autoridades
burocráticas: em ambos os casos, os indivíduos eram considerados como súditos, isto
é, “massa passiva que deve ser governada e administrada” em todos os setores”.9
Os partidos tornam-se veículos pelos quais a vontade popular viabiliza-se e
tem projeção na formação das políticas públicas e do Estado na impossibilidade de ter
relevância a vontade individual. Apresentam-se como uma resposta ao esgarçamento do
mandato representativo. Aqui Orides Mezzaroba alerta para o impasse da Democracia
representativa com o alheamento dos mandatários com a inexistência de um sistema
de controle ou prestação de contas dos representantes. Daí vem a ideia da fórmula do
Estado de Partidos como resposta à deficiência da Democracia liberal-representativa,
momento em que há uma valorização do Partido Político como órgão de representação
– um mandato partidário.10
Veja-se que o monopólio do partido, em certa medida, vem para emprestar
responsabilidade e um maior controle sobre a atuação do representante, o que parece
paradoxal com as críticas dirigidas ao atual sistema partidário.
Também curioso e em certa medida assustador é o fato que a ideia do Estado de
Partidos, derrotada na Constituição de Weimar, trazia a necessidade da participação
popular por meio dos partidos, em oposição a outras formas menos democráticas de
mediação do poder soberano como aquela exercida por uma só pessoa: o presidente
(“um guardião da Constituição tem que ser independente e político-partidariamente
neutro”11). Com efeito, prevaleceu no texto constitucional alemão a adoção do ideário
de Carl Schmitt: “A Constituição busca, em especial, dar à autoridade do presidente do
Reich a possibilidade de se unir diretamente a essa vontade política da totalidade do
povo alemão e agir, por meio disso, como guardião e defensor da unidade e totalidade
constitucionais do povo alemão”.12
Observa-se em Carl Schmitt a oposição clara entre a totalidade da unidade política
representada pelo presidente do Reich, eleito em base plebiscitária e o excessivo
pluralismo partidário a dificultar e até impedir “um funcionamento normal do Estado
legiferante”. Embora a crítica desse autor se refira em especial à tutela constitucional,
impende ver a íntima relação, no que diz respeito ao desenho de um Estado Democrático,
entre a existência de partidos políticos e a ideologia do controle de constitucionalidade
a ser realizado por uma Corte Constitucional, alcunhada de pejorativamente por esse
autor de “aristocracia da toga”.
A crítica de Carl Schmitt, em 1932, pouco antes da ascensão de Hitler como
chanceler em janeiro de 1933, repousava na tirania da maioria parlamentar e nos
problemas oriundos dos partidos, cujos interesses mais terrenos perdiam de ver a
vontade popular na sua unidade e faleciam em “dignidade de uma assembleia”,13

9
Op. cit. p. 166.
10
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 77.
11
SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. BH: DelRey, 2007, p. 227.
12
Op. cit. p. 234.
13
SCHMITT, Carl. Legality and Legitimacy. Traduzido por Jeffrey Seitzer. Duke University Press, 2004, p. 94.

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AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
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sendo-lhe aceitável que este poder concentrado se deslocasse do Parlamento para o


Presidente do Reich.
No entanto, a hostilidade aos partidos políticos não é recente. Pelo contrário,
Rousseau, Hobbes, James Madison, Alexis Tocqueville14 deram suas contribuições à
crítica dessa instituição.
Outra vertente da crítica aos partidos situa-se em um “formalismo com legitimação
no direito público” abonado por Heinrich Triepel, em razão dos partidos não estarem
contidos na esfera estatal, sendo evidente para Lenk também a prevalência do ideal
hegeliano, segundo o qual os espíritos dos povos encarnaram-se nos Estados nacionais
na Idade Moderna, tudo a conspirar contra os prosaicos interesses dos partidos. Em
outras palavras, a fetichização do Estado, derivada de Hegel, hostiliza o espaço para
os partidos políticos, considerados, então, como usurpadores de um poder autêntico.15
Para Schmitt, o presidente do Reich é o guardião da Constituição com fundamento
no princípio democrático, por ter sido eleito pela totalidade do povo (um poder
autêntico, como dito), sendo seus atos mais extremos, como a dissolução do Parlamento
e a instituição do plebiscito, vistos como um “apelo ao povo”.16 Interessante apontar
como atos tidos hoje como atentados ao regime democrático17 podem ser vistos como
uma espécie de retorno à soberania popular.
Por isso, é preciso contrapor, em primeira mão, a ideia de povo, a partir da visão
de Hans Kelsen, para se desnudar o conceito do Estado de Partidos. Para esse autor, a
unidade do povo somente como ser entendida como “unidade de ordenação jurídica
do Estado reguladora da conduta dos homens sujeitos a ela”.18 Assevera Kelsen que:
“A participação na formação da vontade coletiva é o conteúdo dos chamados direitos
políticos. O povo, como conjunto de titulares desses direitos, representa, mesmo em
uma democracia radical, apenas um pequeno setor da totalidade dos submetidos à
ordenação política, ou seja, povo como objeto de poder”. Em suma, os limites naturais

14
“(...) os partidos políticos são um mal inerente aos governos livres”. TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na
América. In: Jefferson, Federalistas, Paine, Tocqueville. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 220. (Coleção Os Pensadores).
“(...) não há nada mais absurdo do que este espírito de intolerância que, em todas as épocas, tem caracterizado os
partidos políticos”. HAMILTON, Alexandre, MADISON, James, JAY, John. O Federalista. In: Jefferson, Federalistas,
Paine, Tocqueville. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 88 (Coleção Os Pensadores) “(...) quando há facções, quando
se formam juntas parciais à custa da grande junta, a vontade de cada uma das primeiras torna-se geral no tocante
a seus membros, e particular, relativamente ao Estado”; “para que haja, pois, a exata declaração da vontade geral,
importa não haver no Estado sociedade parcial, e que cada cidadão manifeste seu próprio parecer”. ROUSSEAU,
Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de B. L. Viana. São Paulo: Edições Cultura, 1944, p. 82. “Tal como as
facções familiares, assim também as facções que se propõem o governo da religião, como os papistas, protestastes,
etc., ou o do Estado, como os patrícios e plebeus dos antigos tempos de Roma, e os aristocráticos e democráticos
dos antigos tempos da Grécia, são injustas, pois são contrárias à paz e a segurança do povo, e equivalem a tirar a
espada de entre as mãos do soberano”. HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico
e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maira Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 88
(Coleção Os Pensadores).
15
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona: Anagrama, 1980,
p. 10.
16
SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. BH: DelRey, 2007, p. 233.
17
Muito embora a lei de regência desses instrumentos (plebiscito, referendo e iniciativa popular, Lei n. 9.709, de
18 de novembro de 1998) preveja o referendo após o ato administrativo ou legislativo, não seria de estranhar um
movimento populista, tendo como objeto um ato do Poder Judiciário. Embora o comentário leve em consideração
o fechamento do parlamento, pode-se imaginar em um referendo que tenha como objeto uma decisão da Corte
constitucional de modo a confrontar uma decisão contramajoritária.
18
KELSEN, Hans. Esencia y valor de la democracia [orig. de 1920. 2. ed. rev. e amp.: 1929]. trad. de R. Luengo Tapia
e L. Legaz y Lacambra. Barcelona: Guadarrama, 1934, p. 31.

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como idade, capacidade mental e moral restringem o conceito de povo em sentido


ativo, enquanto para o conceito de povo em sentido passivo não há qualquer restrição.
A partir daí, Kelsen aborda os partidos políticos lamentando a ausência de sua
presença nas constituições como forma de “racionalização do poder”19 e a impossibilidade
da democracia se constituir por meio de cidadãos autônomos, em passagem clássica
e contundente:

É patente que o indivíduo isolado carece por completo de existência política positiva por
não poder exercer influência nenhuma efetiva na formação da vontade do Estado, e que,
por conseguinte, a democracia sé é possível quando os indivíduos, a fim de lograr uma
atuação sobre a vontade coletiva, reúnem-se em organizações definidas por diversos fins
políticos, de tal maneira que entre indivíduo e Estado se interponham aquelas coletividades
que agrupam em forma de partidos políticos as vontades política coincidentes dos
indivíduos. Assim não se pode duvidar que o descrédito dos partidos políticos por parte
da teoria e doutrina da monarquia constitucional encobria um ataque contra a realização
da democracia. Somente por ofuscação ou dolo pode-se sustentar a possibilidade de
democracia sem partidos políticos. A democracia, necessária e inevitavelmente requer
um Estado de Partidos.

A assertiva acima, segundo Kelsen, é a comprovação de uma realidade demons-


trada pela evolução de todas as democracias históricas. Individualmente não se tem a
possibilidade de exercer influência sobre o Estado.
Parece que o debate atual no Brasil, em apoio às candidaturas avulsas repousa
em alguns fatores fundamentais20 mais relacionados ao papel da política e dos partidos
políticos do que à virtude do individualismo: i) o entrave que os partidos representam
para o funcionamento da democracia (ausência de democracia interna, caciquismo,
corrupção, etc.); ii) um certo fastio com a própria ideia da política, sendo o candidato
avulso e alheio à vida partidária dotado de virtudes não encontradas na política
partidária; iii) ausência de correlação entre os interesses do povo e a atuação parlamentar
e, finalmente, iv) a noção de que alguém não filiado a um partido pode representar os
interesses suprapartidários do povo (considerando-se, portanto, existente uma vontade
popular a priori), de forma impoluta e desinteressada, tal como a ideia do presidente
do Reich de Schmitt. Em críticas mais técnicas, aponta-se a existência de candidaturas
avulsas em muitos países.

19
Op. cit. p. 37.
20
A escolha dos temas é, de certa forma, aleatória, mas reflete parte da atual impugnação ao monopólio dos
partidos tramitando no Supremo Tribunal Federal. Colhe-se do ARE nº 1.054.490, tendo como pano de fundo a
possibilidade do registro de uma candidatura avulsa: “Esse é o único modo de se fazer um contrapeso ao atual
oligopólio das legendas, isto é, contrabalançar a influência das agremiações e seus caciques na conturbadíssima
política brasileira”. Noutros trechos reveladores: “O modelo eleitoral brasileiro, em realidade, não foi feito para que
o povo dele participe. Trata-se, a bem da verdade, de um sistema quase inexpugnável aos desprovidos de padrinhos
políticos. O domínio das elites partidárias por sobre as respectivas máquinas é total e as agremiações são conduzidas
como propriedade privada, isto é, como algo completamente divorciado do bem comum. Os dirigentes não se
comportam com o esperado civismo daqueles legítimos representantes da sociedade. Não há, como deveria se
esperar dos chamados “homens públicos, qualquer compromisso histórico.”; “O Brasil, como país notoriamente
corrupto, tem na sua estrutura partidária a gênese desse processo. As cúpulas dos partidos se transformaram
em estruturas extremamente poderosas, com controle despótico sobre alianças eleitorais, distribuição de tempo
de televisão, administração do fundo partidário, gestão dos recursos financeiros destinados às campanhas e
definição das nominatas. No entanto, estão os partidos surdos às vozes das manifestações populares”.

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AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
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Kelsen esclarece que muitos Estados históricos estão a serviço do grupo governante
e que a crença em um “ideal de um interesse coletivo superior aos interesses de grupo”,
“suprapartidário” é uma ilusão metafísica. Obtempera Kelsen que a vontade coletiva
não pode ser “expressão unilateral do interesse de um grupo”, mas deve surgir como
“resultante da transação de interesses divergentes e a articulação do povo em partidos
políticos significa propriamente a criação de condições orgânicas que façam possível
aquela transação e permitam a vontade coletiva a orientar-se em uma direção equitativa”.21
O papel dos partidos, destarte, seria de prover a vontade estatal22 e expressar a
vontade do povo, inexistentes como dados a priori, como algo a ser revelado por um
dirigente supremo. É dizer: a vontade do povo só surge mesmo com a transação dos
interesses divergentes, e a inserção dos partidos nas constituições é uma possibilidade
de democratizar a formação da vontade coletiva, ao contrário do que se apregoa.
Gerard Liebholz é peremptório:23

Os partidos são os únicos que no Estado de grande extensão territorial tem hoje a
possibilidade de unir milhares de eleitores em grupos capazes de ação política. São,
portanto, o porta-voz de que se serve o povo que atingiu a maturidade para expressar de
forma articulada e para poder adotar decisões políticas.

A bem da verdade, os partidos políticos funcionam como fiadores da estabilidade


institucional das democracias ocidentais. Umberto Cerroni esclarece que “a centralidade
do partido depende do fato que no mundo moderno produziu-se uma cisão vertical
entre a esfera social e a esfera estatal e que o partido acaba, de certo modo, por constituir
o veículo mediante o qual aquela cisão é mediada e regulada”.24
É bastante revelador em Kelsen também a sua visão sobre o Parlamento. Ele refuta
a ideia da ficção da representação do povo para simplificar a existência das assembleias
como um “meio específico e técnico social para a estruturação da ordem estatal”, quase
como uma necessidade natural dos grupamentos humanos, pela divisão mesma do
trabalho. A identidade do Parlamento com o povo decorre das lutas contra a autocracia
simbolizadas pelo Parlamento, maior conquista a ser angariada do monarca, mas não
representa um dado real. Esclarece ele:

Assim, não é de se estranhar que entre os argumentos alegados hoje contra o parlamen-
tarismo figure em primeiro lugar a revelação de que a vontade do Estado formada pelo
Parlamento não é, de modo algum, a vontade do povo, e que o Parlamento não pode
expressar a vontade do povo pelo mero fato de que com arranjo das Constituições dos

21
KELSEN, Hans. Esencia y valor de la democracia [orig. de 1920. 2. ed. rev. e amp.: 1929]. trad. de R. Luengo Tapia
e L. Legaz y Lacambra. Barcelona: Guadarrama, 1934, p. 43.
22
É preciso esclarecer que para Kelsen a vontade estatal não é uma “realidade psíquica”, pois na ordem psicológica
só existem vontades individuais. A obrigação de se conduzir-se de alguma maneira (“conteúdo espiritual de em
que consiste a ordem coletiva”) se traduz para a massa como se o Estado quisesse que as pessoas se conduzissem
de certa forma: “O imperativo da ordem política se imagina assim como uma vontade estatal personificada. Por
conseguinte, a formação da vontade do Estado não significa senão o processo de criação da ordem estatal”. Op.
cit. p. 58.
23
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona: Anagrama, 1980,
p. 35.
24
CERRONI, Umberto. Política: métodos, teorias, processos, sujeitos, instituições, categorias. São Paulo: Brasiliense,
1993, p. 123.

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Estados parlamentários não é possível formar uma vontade do povo, salvo para a eleição
de seus representantes.

A chamada ficção da representação, assinala Kelsen, é a visão do parlamento, a


partir da ideia de soberania popular como fundamento da legitimidade da sua existência
(parlamento).
A derrota daqueles que defendiam a expressa previsão constitucional do papel
dos partidos políticos na Constituição de Weimar deu azo à interpretação totalitária
do partido como ente secundário do regime democrático, levando a outras formas de
mediação do poder popular ou de sua representação. De acordo com Lenk: “Para eles o
Estado de partidos da constituição de Weimar tinha que ser ‘completada ou substituída’
por um presidente representante do povo, por um Estado funcional suprapartidário,
por um Estado administrativo ou por um Estado de Juízes”.25
É intuitivo do monopólio partidário das candidaturas que haja, em contrapartida,
freios e requisitos, no plano teórico, para o ideal funcionamento das agremiações e do
sistema eleitoral. Pode-se apontar como pressupostos do Estado de Partidos, de forma
tópica e não exauriente26: i) sistema proporcional, para que a maior parte da população
esteja devidamente representada e possa colaborar na conformação da vontade
estatal; ii) existência de partidos; iii) mandatos partidários; iv) democracia interna
dos partidos; v) fidelidade partidária; vi) direito de receber financiamento público e
o direito de utilização dos meios de comunicação para a propaganda eleitoral; vii) a
constitucionalização do partido.
A noção do Estado de Partidos lança luz, por exemplo, sobre a possível
incompatibilidade e, deveras, a necessidade de proibição de um partido informado
pela religião27 num ambiente laico. A propósito, a crítica de Bluntschli à existência de
“híbridos partidos político-religiosos” vale menção, porquanto os fins divinos ou a vida
religiosa-eclesiástica (interesses extraestatais) não se coadunam com os fins estatais de
tomada de poder dos partidos políticos.28
O modelo apregoado da existência prévia de uma vontade do povo ou de um
bem comum a serem guiados pelo Presidente do Reich, ente dotado de independência
e neutralidade e a indiferença e hostilidade aos partidos políticos como elementos

25
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona: Anagrama, 1980,
p. 31.
26
Os elementos apenas mencionados podem se desdobrar em muitos outros. Orides Mezzaroba, por exemplo,
aponta a democracia interpartidária como elemento da formação da vontade do partido. Segundo ele, são os
seguintes os direitos que devem estar previstos: i) participação dos membros de forma ou por seus representantes
nas convenções e nos órgãos da organização; ii) garantia de voto dos militantes em qualquer decisão e em
qualquer nível do Partido; iii) garantia de alternações periódicas dos cargos de direção do Partido; iv) direito de
revogabilidade dos cargos; v) garantia de que os órgãos sempre decidam de forma colegiada; vi) prevalência do
princípio majoritário; vii) liberdade de expressão na organização; viii) direito de abandonar o partido; ix) direito
de ampla defesa em caso de eventual aplicação de sanções internas; x) direito de informação sobre qualquer
assunto de interesse da organização; xi) transparências nas finanças e na contabilidade; xii) inclusão de uma
cláusula de consciência para os representantes para fins do mandato partidário. MEZZAROBA, Orides. Introdução
ao direito partidário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 182.
27
É interessante notar que num estudo sobre as diferenças partidárias, a dimensão religiosa aparece como segundo
critério de importância para a definição dos partidos num estudo dentre vinte e duas democracias no período
de 1945-1980. Portanto, a incompatibilidade aludida deve ser vista com certa reserva. LIJPHART, Arend. As
democracias contemporâneas. Lisboa: Gradiva, 1989, p. 181.
28
LENK, Kurt; NEUMANN, Sigmund. Teoría y sociología críticas de los partidos políticos. Barcelona: Anagrama, 1980,
p. 21.

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essenciais do processo democrático, sem dúvida, colaboraram para a derrocada da


Constituição de Weimar e para a Segunda Guerra Mundial. E esta parece ser a tônica
da candidatura avulsa: a retomada do bem comum e da vontade popular obliterados pelos
“partidos surdos às vozes das manifestações populares” (ARE nº 1.054.490).
E aqui reside a importância do Estado de Partidos para a estabilidade das
instituições democráticas, não sendo á toa que este seja o paradigma constitucional
no Brasil.

5.4 A regulação das candidaturas entre o direito doméstico e o


direito internacional
No Brasil, a filiação a partido político é condição de elegibilidade. Sem a filiação
a algum partido político, não há candidatura a cargo eletivo (art. 14, parágrafo 3, inc.
V). Há quem veja aí um descumprimento da Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos.29 Eis a razão da discordância:
Todavia, hoje já se têm candidatos avulsos de seus partidos e o problema do sistema
eleitoral está mais na liberdade e autonomia para os eleitos, em relação ao partido que o
contrário.30 Segundo Mainwaring, nenhuma democracia ocidental dá tanta autonomia
aos eleitos, tocante aos respectivos partidos.31 A pouca história dos partidos políticos,
extintos desde o Império por cinco vezes (1889, 1930, 1937, 1965 e 1979), impediu o
florescimento de partidos fortes, elemento essencial do regime democrático. De todas
as interrupções restaram os anos de 1946 a 1964 e o pós-1988 até a data de hoje, ou
seja, nada no horizonte histórico da necessidade de amadurecimento das instituições.
Com o julgamento do ARE nº 1.054.490 (STF), tem-se propagado existir uma
obrigação de admitir candidaturas independentes, derivada do artigo 23.2 da Convenção
Americana de Direitos Humanos (CADH), que estaria em confronto com o artigo 14,
§3º da Constituição Federal, a exigir filiação partidária para candidaturas, o que deve
ocorrer até seis meses antes das eleições (art. 9º da Lei nº 9.504/97).
Como já analisado anteriormente, a Constituição Federal fez opção por uma
democracia de partidos, que se constitui no espaço de alocação de pessoas e ideais em
torno das quais a vontade política toma corpo e se organiza institucionalmente para
participar de eleições, sendo o instrumento de realização das candidaturas e de suporte
coeso para governos e seus projetos. Sendo assim, percebe-se que há um óbice de ordem
constitucional para a aceitação de candidaturas independentes no país que, a nosso
sentir, poderia ser superado por decisão do constituinte derivado mediante emenda à
Constituição, de modo a alterar a previsão referida, embora seja incompatível com a
ideia de Estado de Partidos.
A pergunta que resta, e que se pretende enfrentar se resume a verificar se essa
previsão constitucional seria um óbice intransponível para que o direito internacional

29
Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992 (Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969).
30
Uma proposta muito rica, quanto simples é a de Jairo Nicolau englobando: 1) redução da fragmentação partidária;
2) correções no sistema representativo; 3) fortalecimento dos partidos. NICOLAU, Jairo. Representantes de quem?
Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. P. 141.
31
MAINWARING, Scott. Políticos, partidos e sistemas eleitorais: o Brasil numa perspectiva comparada. Novos
Estudos – CEBRAP, n. 29, p. 34-58, mar. 1991.

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80 DIREITO PARTIDÁRIO

dos direitos humanos, caso a impusesse, fosse aceita no Brasil e, ainda, se haveria tal
imposição, como se quer fazer crer.
Já não é novidade que as reformas dos sistemas partidário e eleitoral aconteceram,
até o momento, por decisões concertadas do Congresso Nacional e do Poder Judiciário.
Mas, como será demonstrado, a aceitação das candidaturas independentes não pode,
nesse momento, ser feita por decisão do Supremo Tribunal Federal ou de outro tribunal
por não encontrar suporte jurídico doméstico ou internacional.
No plano estritamente “doméstico”, como se verificou, a Constituição Federal
impõe óbice claro à admissão de candidaturas independentes, tanto quanto no plano
teórico e filosófico da ideia de Estado de Partidos.
Porém, dúvida surge com o Direito advindo do direito internacional, especialmente,
do Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos. Isso porque, com a
ratificação, em 1992, da CADH, e da submissão, desde 1998, à jurisdição da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (IDH), o Brasil passou a ter o dever de adaptar
continuamente seu ordenamento doméstico às obrigações internacionais assumidas (art.
2º da CADH) e em estreito diálogo com as decisões proferidas por suas instituições,
sobretudo, com aquelas emanadas da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Corte IDH), conforme artigos 68 e 69 da Convenção Americana de Direitos Humanos,
ou Pacto de São José da Costa Rica, como preferem alguns.
A Corte IDH determina que todas as autoridades públicas, e os juízes, por conse-
guinte, devem aplicar não somente a CADH e seus protocolos, mas, ainda, a sua
jurisprudência, é dizer, devem fazer o controle de convencionalidade.32 Para isso,
exige-se que se desprendam da discussão sobre hierarquia dos tratados e foquem nas
normas (incluídos julgados) que conferem melhor proteção para os direitos humanos
envolvidos, além de um exame de proporcionalidade no caso concreto, o que pode
implicar aplicar a norma nacional ou internacional, a depender do caso.
O sistema interamericano de direitos humanos, ao qual se integra o Brasil, incide
no ordenamento jurídico pátrio. Embora os tribunais nacionais desrespeitem a orientação
do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, impondo os tratados internacionais aqui
e acolá, numa escolha aleatória desse conteúdo transnacional, sem a imposição da
normatividade geral desses tratados, a ideia da candidatura avulsa para cargos eletivos
não está, em princípio, no rol das muitas ofensas à Convenção Americana perpetrados
internamente.33
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica) consagra os direitos políticos em seu artigo 23. Os direitos políticos aqui tratados
estão circunscritos àquele núcleo relacionado ao votar e ser votado, isto é, excluindo-se
a dimensão de participação e acesso aos cargos públicos numa concepção mais alargada.
Esse diploma, em razão da gravidade dos direitos políticos, ab ovo, enuncia as possibili-
dades específicas de sua restrição, devendo tal cláusula ser lida numerus clausus: motivo
de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou
condenação por juiz competente em processo penal. Essas são as únicas restrições aos

32
Sobre o tema, dentre outros, ver CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. O controle de convencionalidade como parte
do constitucionalismo transnacional fundado na pessoa humana. Revista de Processo, v. 232, jun. 2014.
33
Tratou-se com mais profundidade do tema em: FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino Ferreira. O Controle de
Convencionalidade da Lei da Ficha Limpa: direitos políticos e inelegibilidade. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2016, 2º
edição.

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MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI
AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
81

direitos e oportunidades de participação política acolhidas pela norma convencional,


dada a repercussão desses direitos fundamentais. E a magnitude de tais normas fica
ainda mais nítida quando a Convenção Americana exclui da possibilidade de suspensão
das garantias (dispositivo emergencial da Convenção do art. 27), em momentos de grave
turbação, exatamente, os direitos políticos e aqueles necessários para seu usufruto. É
bem verdade que a limitação dos direitos políticos fundamentais encontra barreira séria
no art. 23 da Convenção Americana, mas o fato dos partidos políticos não figurarem
ali como causas da restrição dos direitos políticos não desautoriza a existência desses
como condição de elegibilidade, tal como está previsto na Constituição Federal. Esta é
uma interpretação excessivamente linear e literal do fenômeno político.
Em primeiro lugar, seria até desnecessário afirmar que outras restrições sobre
os direitos políticos poderão existir sem que tais limitações importem em diminuição
do conteúdo próprio desses direitos. Embora soe paradoxal, há admoestações que
impendem em fomento e preservação dos direitos. Na seara eleitoral o alistamento
eleitoral, por exemplo, novidade da Lei Eleitoral de 1881, impede o não alistado de votar,
mas seguramente traz em idoneidade para o pleito ao compor um quadro fidedigno
dos eleitores. Na mesma trilha, a existência de constituição judicial das candidaturas
e todos os requisitos para tanto como as certidões eleitorais, a existência de foto, os
percentuais de gênero, a obrigatoriedade de um programa todas são restrições aos
direitos políticos fundamentais que podem inclusive impedir a sua fruição, mas que,
em seu conjunto, contribuem para fomentar a ideia geral de liberdade. A restrição tem
o fim último de preservação e fomento do direito e, assim, é admitida. Restringe-se a
liberdade, em nome da liberdade, diz Rawls.34
O necessário contato entre o direito interno e o direito internacional, especialmente
do direito internacional dos direitos humanos, no plano regional (Sistema Interamericano
de Proteção de Direitos Humanos), vem consolidando a necessidade de que tanto os
juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (adiante Corte IDH) quanto as
autoridades públicas nacionais, e os juízes, por consequência, têm o dever de controlar
a validade dos atos internos (leis, atos administrativos, constituições, decisões judiciais,
etc.) a partir do direito internacional dos direitos humanos e a sua relação com o direito
doméstico.
Significa que tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos e sua inter-
pretação derivada das decisões da Corte IDH (bloco de convencionalidade) quanto a
Constituição, os tratados internacionais com hierarquia constitucional e a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal (bloco de constitucionalidade) precisam ser coordenados
e, por essa razão, tanto os juízes da Corte IDH quanto as autoridades públicas nacionais
são parte de um grupo de atores coeso: são autoridades interamericanas35 e devem
aplicar a doutrina do controle de convencionalidade.

34
“Segundo a ideia da ordenação lexical, as limitações impostas à extensão da liberdade ocorrem em nome da
própria liberdade e resultam numa liberdade menor, mas ainda igual” RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São
Paulo: Martins Fontes, p. 306.
Voto razonado do juiz Eduardo Mac-Gregor, em Corte Interamericana de Derechos Humanos. Caso Cabrera
35 cf.

García y Montiel Flores vs. México Sentencia de 26 de noviembre de 2010 (Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones
y Costas), parágrafo 51: “El juez nacional, por consiguiente, debe aplicar la jurisprudencia convencional incluso
la que se crea en aquellos asuntos donde no sea parte el Estado nacional al que pertenece, ya que lo que define la
integración de la jurisprudencia de la Corte IDH es la interpretación que ese Tribunal Interamericano realiza del
corpus juris interamericano con la finalidad de crear un estándar en la región sobre su aplicabilidad y efectividad”.

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82 DIREITO PARTIDÁRIO

5.4.1 A jurisprudência da Corte Interamericana sobre o


relacionamento entre autoridades nacionais e o Sistema
Interamericano de Proteção de Direitos Humanos
Com a evolução do tratamento do controle de convencionalidade pela Corte IDH,
aponta-se para a necessidade de que autoridades públicas analisem a compatibilidade
entre as normas jurídicas internas do Estado e a Convenção Americana,36 além das próprias
decisões da Corte IDH, tendo como fundamento o artigo 2º da Convenção Americana,
que impõe aos Estados-Partes um dever geral de adaptação dos ordenamentos internos
ao sistema interamericano de direitos humanos com o objetivo de harmonizá-los.
Esse dever de adaptação, é bom dizer, deve ser conformado pelo próprio estado
nacional, que faz sua opção quanto ao modo como procederá a essa aproximação,
que pode ocorrer de modos distintos, é dizer, com revogação de lei ou outro ato
normativo, alteração de decisões judiciais, aprovação de nova lei ou ato normativo
outro ou, eventualmente, até com a reforma da Constituição. No presente caso, isso
seria importante porque está se falando de uma previsão constitucional que obsta
candidaturas independentes.
Esse último exemplo ficou demonstrado no caso “La Última Tentación de Cristo”
(Olmedo Bustos y otros) Vs. Chile (Sentença de 5.2.2001), que tratava da liberdade de
expressão e os limites da intervenção estatal nesta liberdade. O estado chileno, para
cumprir esse “dever de adaptação”, alterou sua Constituição, que previa algo próximo
do que se entende por censura prévia. Significa isso dizer que para a Corte IDH, previsão
constitucional não é óbice para a realização do controle de convencionalidade.
Isso porque, diferentemente do que ocorre com a jurisdição constitucional
nacional, que tem a Constituição e o critério hierárquico como paradigmas, o controle
de convencionalidade se constrói a partir de três pressupostos: (a) efeito útil; (b)
princípio pro persona ou pro homine; (c) boa fé ou pacta sunt servanda, o que faz com
que o inter-relacionamento entre normas nacionais e interamericanas se dê mediante
uma análise prevalentemente substancial, é dizer, a norma de direitos humanos mais
favorável37 (mais protetiva ou menos restritiva) à pessoa humana deve prevalecer, de
modo que se dê primazia à dignidade da pessoa humana. Sendo assim, não importa o
modo ou o status hierárquico que um tratado internacional de direitos humanos adquire
em âmbito interno. Importam, sim, seu conteúdo e a verificação de que materialmente
é mais protetivo que as normas nacionais. Assim, a mera contrariedade entre norma
nacional e norma interamericana não leva, obviamente, à inconvencionalidade, pois a
análise comparativa é o centro da análise e depende de um exame acurado caso a caso.
Trata-se de um diálogo crítico, que, conforme Victor Bazán:38

36
Cf. Caso Boyce y otros Vs. Barbados, sent. de 20/11/2007; Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile, sent. 26/09/2006;
Caso La Cantuta Vs. Peru, sent. 29/11/2006.
37
Não se faz uma diferenciação entre os critérios da norma mais favorável e o princípio pro homine, visto que se
entende ser o primeiro parte do ultimo. Em sentido contrário, RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional
de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 82 e ss.
38
Também BAZAN, Victor. Corte Interamericana de Derechos Humanos y Cortes Supremas o Tribunales Constitucionales
latinoamericanos: el control de convencionalidad y la necesidad de un diálogo interjurisdiccional crítico. Revista Europea
de Derechos Fundamentales, n. 16, 2º Semestre de 2010, Fundación Profesor Manuel Broseta e Instituto de Derecho
Público Universidad Rey Juan Carlos, Valencia, España, 2011.

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MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI
AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
83

En el fondo, y como se adelantaba, la cooperación entre los tribunales internos y los


tribunales internacionales no apunta a generar una relación de jerarquización formalizada
entre éstos y aquéllos, sino a trazar una vinculación de cooperación en la interpretación, pro
homine de los derechos humanos.

Assim, é dever dos juízes nacionais respeitarem, não somente os tratados


internacionais de direitos humanos, mas também, e para além desse dever, estarem
atentos aos precedentes estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos,
a partir do momento em que esses Estados nacionais aderiram aos procedimentos e
aceitaram a jurisdição da Corte IDH.
A implicação desse dever, vertido em duas exigências, faz, ainda, com que os
Estados-partes e suas autoridades públicas, e não somente os juízes, tenham conhecimento
e apliquem os precedentes da Corte IDH, decorrentes da interpretação dada ao direito
internacional dos direitos humanos que decorre do sistema regional de proteção dos
direitos humanos. Com isso, ficam obrigados a conhecer e estabelecer um procedimento
decisório aplicando tais decisões, ainda que para contrariá-las, a administração pública,
os juízes e os legisladores, além dos particulares – razão pela qual se pode falar, tal
como no direito nacional, em uma vinculação dos particulares ao Direito Internacional
dos Direitos Humanos.39
Esse dever de seguimento das decisões regionais, mais ainda daquelas derivadas
da jurisprudência da Corte IDH, precisa ser mais bem explorado neste espaço,
sobretudo quando se refere, especificamente, à relação entre os as autoridades públicas
e os precedentes da Corte IDH, os quais devem ser seguidos, inclusive, de ofício, ou
independentemente de provocação.40
Sob o aspecto unicamente formal, há que se dizer que a CIDH não se faz corte
revisora das decisões produzidas pelo Poder Judiciário dos Estados nacionais que se
submetem à sua jurisdição. São, assim, os Estados nacionais, e o Poder Judiciário de
cada um deles, autônomos, no sentido de dar determinada interpretação ao seu direito
nacional. Todavia, quando esse direito nacional deriva ou está presente no sistema regional
de proteção de direitos humanos, surge novo questionamento. Isso porque, ainda que
atuando de forma complementar, a exigir, em regra, o esgotamento dos recursos internos
no ambiente judiciário nacional, a jurisdição da CIDH se faz indiretamente presente, pois
o descumprimento do direito construído regionalmente pode levar, se provocada, que a
Corte IDH se manifeste sobre questão afeta ao CIDH, especificamente no sistema regional
de proteção de direitos humanos, em posição contrária ao que decidiu o Estado nacional.
Nesse cenário internacional, as decisões judiciais, tal como as leis, os atos
administrativos, entre outros atos estatais, são tidas como meros fatos,41 ou manifestações

39
Para um estudo sobre o tema, vf. CLAPHAN, Andrew. Human Rights in Private Sphere, Oxford, Clarendon, 2002,
p. 134. Para questão de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, em ambiente nacional, vf. CONCI,
Luiz Guilherme Arcaro, Da praça pública à praça de alimentação: problemas derivados da relação entre os direitos
fundamentais de propriedade, liberdade de expressão e reunião em Shopping Centers. Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais, v. 10, p. 10-20, 2009.
40
HITTERS, Juan Carlos. Control de constitucionalidad y control de convencionalidad. Comparación (Criterios
fijados por la Corte Interamericana de Derechos Humanos). Estudios constitucionales: Revista del Centro de Estudios
Constitucionales, Ano 7, n. 2, p. 109-128, 2009.
41
RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos: seus elementos, a
reparação devida e sanções possíveis. Teoria e prática do direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 136.

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84 DIREITO PARTIDÁRIO

da vontade estatal, que, caso violem o direito fundado no sistema regional de proteção
dos direitos humanos, podem ocasionar ao Estado-parte responsabilização no âmbito
internacional. Assim, mesmo argumentos como respeito ao direito nacional, coisa julgada42
ou, ainda, contrariedade entre a Constituição e o Direito Internacional dos Direitos
Humanos não assumem status de razões passíveis de serem tidas como juridicamente
válidas, é dizer, não estão aptas a afastar a aplicação dos tratados internacionais ou da
jurisprudência da CIDH a seu respeito, exceto em caos de menor proteção ou maiores
restrições aos direitos advindos do direito internacional.
Mesmo a existência de decisões judiciais contrárias aos precedentes da Corte IDH,
ainda que afetadas pela coisa julgada,43 pode levar – se esgotados os procedimentos
existentes para compatibilizar o direito nacional e suas decisões ao direito regional dos
direitos humanos – à condenação do Estado nacional.
Apesar de não dispor a Corte IDH de competência para anular decisões nacionais
– de cunho normativo, administrativo ou de resolução de conflitos – sua jurisprudência
pode levar à condenação do Estado nacional quando toma decisões contrárias aos seus
precedentes da Corte IDH ou aos tratados que a ela cabe ser a principal guardiã.
Significa dizer que previsão constitucional não pode limitar condenação de estado
no plano internacional e que as autoridades públicas, e os juízes, por conseguinte, devem
fazer o controle de convencionalidade.

5.5 A jurisprudência da Corte IDH sobre candidaturas


independentes e o controle de convencionalidade
A Corte Interamericana de Direitos Humanos já tratou das candidaturas avulsas
em duas oportunidades: Caso YATAMA v. Nicarágua, 2005 e Caso Castañeda Gutman v.
México, 2008.
Na realidade, observa-se que o objeto próprio da decisão nesses casos era o
monopólio dos partidos para o lançamento de candidaturas, ou seja, a convenciona-
lidade do modelo do Estado de Partidos e não a convencionalidade das candidaturas
independentes, porque em ambos os casos não havia legislação paroquial prevendo
tais registros individuais.
Em 2005, a Corte Interamericana teve a oportunidade de se manifestar sobre
os direitos políticos no Caso YATAMA v. Nicarágua. Nesse precedente, várias pessoas
foram impedidas de participar do pleito municipal do ano 2000 nas regiões Autônomas
do Atlântico Norte e Atlântico Sul, em razão de uma resolução restritiva emitida pelo
Conselho Supremo Eleitoral.
No Caso YATAMA, seus candidatos já haviam participado das eleições de 1990
e 1996 como “organização de subscrição popular”. Estas associações permitiam a
participação política desde que se reunisse um mínimo de 5% de eleitores na respectiva
circunscrição eleitoral inscritos na lista de eleitores da eleição anterior.

42
GONZALES, Boris Barrios, La cosa juzgada nacional y el cumplimiento y ejecución de las sentencias de La Corte
Interamericana de los Derechos Humanos en los Estados Parte. Revista Estudios Constitucionales, Talca, Chile, p.
363-392. Ainda sobre coisa julgada, o excelente voto razonado do Juiz Sergio García Ramírez na sentença La
Cantuta, de 29 de novembro de 2006, par. 12.
43
Caso Acevedo Jaramillo y otros Vs. Peru. Sentencia de 7 de febrero de 2006. Corte Interamericana de Derechos
Humanos, par. 167.

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MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI
AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
85

Na eleição do ano 2000, foi suprimida pela lei eleitoral esta figura de participação
popular, 9 (nove) meses antes das eleições, admitindo-se, exclusivamente, a atuação
por meio de partidos políticos, meio impróprio e desconhecido daquelas populações
indígenas.
O YATAMA terminou por não apresentar candidato, não tendo participado das
eleições municipais do ano 2000, em virtude do indeferimento de seu registro, pela
Justiça Especializada, pelo descumprimento do tempo mínimo de 6 (seis) meses da
existência do partido antes das eleições.
A exigência da constituição do partido político foi compreendida, diante das
circunstâncias específicas das vítimas atingidas, como atentadora aos direitos políticos dos
envolvidos, porque representava um grave obstáculo à sua efetiva participação política.
De todo modo, o Estado da Nicarágua foi condenado pela violação do Artigo 23
da Convenção Americana, dentre outros dispositivos mencionados na decisão.
Percebe-se que o contexto fático levado a julgamento dizia respeito a organizações
sociais constituídas por representantes de comunidades indígenas do litoral daquele
país que foram excluídas do processo eleitoral e que a lei nacional que permitia que
essas entidades registrassem candidatos para eleições foi alterada para condicionar
a inscrição à filiação partidária prévia, e a restrição importa limitava as candidaturas
a partidos que tivessem representados em pelo menos 80% dos municípios, o que
inviabilizaria totalmente a representação de uma comunidade indígena de uma parte
do litoral nicaraguense.
Essa exigência foi considerada desproporcional pela Corte, já que impôs obrigação
a comunidades isoladas em determinada região do país, o que violaria seus usos e
costumes e, na prática, impedia que participassem das eleições (§§217-229).
No caso se percebe que a decisão da Corte IDH, ao trabalhar com costumes e
usos próprios, representação de minoria étnica, alteração da legislação no decorrer do
processo, dentre outros, aponta um contexto fático bastante diferente daquele que se
analisa no processo em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.
Sendo assim, ainda que a jurisprudência da Corte IDH seja imperativa para os
Estados-partes, há que se verificar, no caso concreto, se há identidade de pressupostos
fáticos para sua aplicação e, como se percebe, o caso se afasta, fortemente, do que se
está a decidir no Brasil.
Não se impõem como obrigatórios, assim, ao caso brasileiro.
Todavia, na mais recente apreciação, no Caso Castañeda Gutman v. México, em 6
de agosto de 2008, novamente, o tema veio à baila. O Sr. Castañeda Gutman pretendeu
concorrer ao cargo de Presidente do México sem ser filiado a partido político e fora do
prazo estabelecido pela legislação local com fundamento no Artigo 23 da Convenção
Americana. Neste caso, é de se notar a exaração de medida cautelar pela Comissão
Interamericana conferindo, ao autor, o registro de candidato a Presidente.
A Corte entendeu a necessidade de filiação partidária como uma necessidade social
imperativa (interesse público imperativo) pelas seguintes razões: i) a necessidade de
criar e fortalecer os sistemas de partidos como uma resposta a uma realidade histórica,
política e social; ii) a necessidade de organizar de forma eficaz o processo eleitoral num
universo de eleitores de 75 milhões de pessoas; iii) a necessidade de financiamento
predominantemente público para assegurar o desenvolvimento de eleições autênticas
e livres em igualdade de condições e, finalmente, a necessidade de fiscalizar os recursos
usados nas eleições.

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86 DIREITO PARTIDÁRIO

Observa-se que a Corte Interamericana, ao analisar a restrição de um direito


fundamental, indaga se tal limitação é necessária para o funcionamento de uma
sociedade democrática, como no caso da exigência – reputada como convencional – de
filiação partidária do candidato, levando em consideração o disposto nas suas normas
próprias de interpretação (arts. 29, 30 e 32 da Convenção Americana). E examina se as
hipóteses para o afastamento da capacidade eleitoral passiva se encontram naqueles
casos taxativos, exclusivos apontados pela Convenção Americana em seu artigo 23.
Não se pode negar, claro, que o caso tem muito mais semelhança contextual com
o brasileiro que o anteriormente referido.
O México, tal qual o Brasil, é também um Estado com dimensões continentais
e dispõe de uma organização territorial federativa. Outrossim, o sistema partidário
também é múltiplo, mas não se compara ao processo de fragmentação que se apresenta
por aqui. Está se falando em um sistema, o brasileiro, em que a candidatura é muito mais
facilitada, tendo em vista a existência de dezenas de partidos políticos, o que implica
em uma associação nacional. Também a pouca democracia partidária e a fragilidade
ideológica naquele sistema de partidos têm relação de semelhança com o Brasil.
Mas a própria Corte IDH, no Caso Castañeda Gutman, afirmou que Estado deve
regular seu próprio sistema eleitoral e o Sistema Interamericano não impõe um modelo
único a ser observado (§§159-160). Significa dizer que a democracia de partidos, tal qual
escolhida pelo constituinte em 1987-1988, e afirmada ainda hoje na Constituição Federal,
não é inconvencional como modelo, pois não há opção por um único.
Ademais, a multiplicidade de partidos políticos no Brasil dá conta de que o
acesso aos cargos elegíveis impõe menos dificuldades que em um Estado com número
menor de partidos.
A Corte impõe a posição de que o sistema político-partidário deve ser regulado
por lei ou pela Constituição para o exercício dos direitos políticos (§181), de forma que
os instrumentos de imposição das regras democráticas sejam discutidos e aprovados
pelos representantes do povo.
Por fim, a Corte afirma que haveria necessidade social imperativa do monopólio
da candidatura por partidos, conforme argumentado pelo México e aceito pela Corte
IDH (§193 da decisão). Se é verdade que todos os argumentos do Estado mexicano,
em favor da filiação partidária, respondem a um interesse público imperativo, requisito
para a restrição de um direito fundamental, Castaneda Gutman não demonstrou como
o monopólio da candidatura por partidos políticos viola seus direitos políticos.
No caso concreto, a Corte não viu na filiação partidária um “obstáculo concreto
e específico que representou uma restrição desproporcionada, grave ou arbitrária” do
direito de ser votado, expresso no art. 23 da Convenção Americana. Pelo contrário, o autor,
assim como os defensores das candidaturas avulsas não demonstram a impossibilidade
de alternativas para ser eleito como o ingresso em um partido político e a indicação
pela via democrática em uma convenção partidária. Nem tampouco demonstram o
porquê não militam na formação de seu próprio partido e competem em condições de
igualdade e, finalmente, silenciam-se sobre a criação de uma associação política nacional
que celebre um acordo de participação com um partido, conforme expressamente restou
assentado na decisão (§202).
O que se vê é que a jurisprudência mais recente de Corte IDH, em caso de singular
identidade com o caso brasileiro, entende que o modelo de Estado de Partidos, com

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MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI
AS CANDIDATURAS AVULSAS, O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DE PARTIDOS
87

o consequente monopólio das candidaturas, não ofende o Sistema Interamericano de


Proteção aos Direitos Humanos, estando toda a ideia da candidatura avulsa fundada
na premissa equivocada da existência de uma vontade popular oculta a ser desvendada
e guiada pelos honrados e virtuosos cavaleiros independentes – a promessa metafísica,
como criticado por Kelsen, e aposta totalitária de Carl Schmitt.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino; CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. As candidaturas avulsas, o
sistema interamericano de direitos humanos e o Estado de Partidos. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito
Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 71-87. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-
0497-4.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 6

POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS


PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL

BRUNO BOLOGNESI
FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI

6.1 Introdução
Como é, diante de um quadro partidário como o brasileiro, possível falar em direita
e esquerda? Talvez isso seja fácil quando tratamos dos grandes partidos, que polarizam
eleições presidenciais. Contudo, quando descemos para a Câmara dos Deputados, em
que nada menos do que 32 partidos desfrutam de representação, é possível dizer que
há espaço na escala ideológica para todos? Esse artigo tenta responder parcialmente
essa pergunta.
Apesar de abundarem estudos e análises sobre partidos políticos à esquerda
do espectro ideológico, a direita sempre foi tida como o patinho feio das análises
politológicas e, a ela, relegada o corolário de ‘não esquerda’. Mesmo com o crescimento
político e social desse modo de compreender o mundo, há parcos levantamentos acerca
das agremiações conservadoras, principalmente no Brasil.
A classificação dos partidos no continuum esquerda-direita é recorrente em estudos
partidários. Essa classificação traz consigo debates sobre a sua mensuração. Porém,
esses questionamentos não invalidam e nem esgotam as possibilidades de estudos e
suas utilizações, ao contrário, ressaltam a importância de ponderações e atualizações
no seu debate.
Há uma variação muito grande nas metodologias e em infindáveis debates sobre
as formas de mensuração ideológica dos partidos. Os questionamentos perpassam
desde: com que critérios é realizada, quais são os elementos destacados para análise
comparativa, passando pela questão teórica e empírica da aplicabilidade ou não de
tais categorias.
Com isso em mente, o capítulo busca levantar quais são os posicionamentos
políticos dos principais partidos de direita do Brasil, como também faz um exercício de
mensuração ideológica, a partir de documentos partidários públicos. O objetivo aqui é
identificar quais são os posicionamentos dos partidos numa série de temas e compará-los
entre si. Para a análise, foi utilizada a metodologia europeia desenvolvida pelo Manifesto

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
90 DIREITO PARTIDÁRIO

Research Group (MARPOR1), com também sua escala Rile,2 elaborada para determinar
o posicionamento das legendas no continuum direita-esquerda.
O capítulo inicia-se com uma breve discussão sobre o conceito de direita e seu
caráter relacional e contextual. Na sequência são apresentados os materiais e metodologia
de análise utilizados. Os dados das análises estão no item posterior. Na última parte
são apresentadas as conclusões.

6.2 O que é a direita? Conceito e contexto


A separação entre direita e esquerda teve início na Revolução Francesa de 1789.
Denotava uma divisão espacial dos assentos de dois grupos distintos na primeira
reunião dos Estados-Gerais. Simplificando, os favoráveis ao igualitarismo, inclinados
a uma reforma social, sentavam-se a esquerda, enquanto os contrários, inclinados ao
conservadorismo e aristocracia, sentavam-se a direita.
Com o passar do tempo esses dois termos ganharam significado de posiciona-
mentos ideológicos distintos e, no limite, opostos. Esses são conceitos relacionais e
contextuais, pois se forjam mutualmente e necessitam de uma ligação com a empiria
para obter significado. Ou seja, não é possível a existência da esquerda sem a direita e
vice-versa. Contudo, o conceito se modifica e ajusta aos contextos em que está inserido.
É possível que determinado tema esteja ligado à direita em um tempo histórico ou um
país e depois o mesmo se modifique na medida em que vai se incorporando aos ritos
e convenções sociais e políticas.
Bobbio (2011), em seu livro Esquerda e Direita, afirma que as distinções entre esses
conceitos ainda devem ser usadas. Bobbio desenvolve o que seriam os dois pressupostos
que demarcariam os dois campos do espectro ideológico: igualdade e liberdade. A
díade igualdade-desigualdade limitaria o posicionamento entre esquerda-direita. O
posicionamento diante dos princípios de liberdade-autoridade demarcaria as graduações
entre moderados e extremistas. Criando-se assim uma combinação com quadro possíveis
posicionamentos. Poderíamos ter tanto esquerda e direita liberal, quanto esquerda e
direita autoritárias.
Heywood (2010) aponta que as principais mudanças nas questões políticas e
ideológicas ocorreram pós anos 1960, decorrente de três principais fatores: a mudança de
sociedade industrial para pós-industrial; globalização e transnacionalismo; e o colapso
do comunismo. O autor busca demonstrar o que chama de clássicas e novas ideologias,
ressaltando que a expressão ‘nova’ não remetem a ideologias recém-elaboradas, e sim a
ideologias que têm sua origem no século XIX ou antes, porém, mais recentemente elas
vêm dando notoriedade a questões até então impensadas e contestadoras. Por exemplo, a
esquerda europeia passa a ter em sua agenda temas como direitos de grupos minoritários
e melhores condições de vida. Uma novidade dentro da esquerda classicamente marxista
que buscava apenas os direitos e condições ideais de trabalho. Essa mudança deslocou

1
<https://manifesto-project.wzb.eu/>.
2
Right-Left Scale, escala holística e composta que busca mensurar as posições de um partido, governo, indivíduo,
grupo, instituição, discurso a partir da diferença ponderada entre posições associadas a um ou outro polo
ideológico. Para saber mais consultar: <https://manifestoproject.wzb.eu/down/papers/budge_right-left-scale.
pdf>.

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BRUNO BOLOGNESI, FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI
POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL
91

o enfoque de questões econômicas para culturais; a classe social foi substituída pela
identidade; e o universalismo para o particularismo (p. 33).
Na década de 1970 as ideias da direita ganharam novo fôlego, principalmente
nos Estados Unidos, com o governo de Ronald Reagan (1981), e no Reino Unido, com
o governo de Margareth Thatcher (1979). O que se passou a chamar de nova direita é
a junção de duas tradições ideológicas, aparentemente antagônicas, a economia liberal
clássica com a teoria social conservadora (HEYWOOD, 2010, p. 97). Hoje em dia, o que
temos é uma combinação de temas que vai desde a intervenção militar, o direito de
liberdade individuais (como aborto ou casamento igualitário), até o papel do Estado na
economia ou a liberdade de expressão como agendas incorporadas ao léxico das visões
de mundo. Por exemplo, a esquerda latino-americana, até a década de 2000 tinha como
principal sustentáculo a ideia de igualdade, a partir da entrada no século XXI, a agenda
passa ser a da aceitação da diferença. Enquanto a direita passa a defender a igualdade,
principalmente a legal, formal, a esquerda passa a defender a ideia de que as diferenças
devem ser respeitadas. Uma mudança radical na forma de apresentação, mas que ainda
faz valer a díade ideológica.

6.3 Os documentos partidários

O material utilizado vem a partir do problema que nos propomos responder:


identificar os posicionamentos políticos dos partidos de direita. Para responder à questão
buscamos por documentos dos partidos que apresentem os seus posicionamentos
ideológicos. Para isso foram coletados: manifestos, declarações de princípios, ideários,
diretrizes e programas. A seleção desses documentos se deu pelo seu conteúdo, não
apenas pelo seu título ou denominação.
Os documentos são públicos. São os documentos disponibilizados pelos partidos
que são de fácil acesso ao eleitor. Esses documentos estão reunidos em publicações
oficiais do Senado Federal, sites dos partidos e no Tribunal Superior Eleitoral. Aqui
não temos o intuito de apresentar o histórico das mudanças nos posicionamentos dos
partidos ao longo da sua história, apenas mostrar o que o eleitor pode encontrar a
respeito dos partidos.
A justificativa ao se estudar os documentos partidários é que se busca chegar
mais próximo do posicionamento do partido em si, o partido como objeto de estudo e
não posicionamentos individuais dos membros que o compõe. Os recortes que utilizam,
por exemplo, votações, entrevistas ou surveys com agentes partidários ou eleitos, correm
o risco de obter o comportamento/posicionamento do agente e não do partido. Outra
questão que deve ser levantada é para o caso das votações ou entrevistas com eleitos,
quando um partido apresenta número baixo de eleitos ou nenhum eleito, aumentam-se
os riscos de os resultados conterem desvios, pois as ações de poucos ou um único eleito
representará o posicionamento do seu partido como um todo. A opção por análise de
documentos partidários diminui drasticamente estes riscos.
Para a definição de quais partidos estudaríamos, utilizamos os critérios ao
selecionar partidos de direita com até dez deputados que tomaram posse para a
55º legislatura na Câmara dos Deputados (2015). Assim, os partidos analisados, os
documentos de cada um e o número de páginas foram:

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
92 DIREITO PARTIDÁRIO

Quadro 1 – Partidos e documentos analisados

PARTIDO Nº DOC TIPO/NOME Nº PÁGINAS


Princípios e valores 2
Partido Social
3 Programa do partido 2
Democrático (PSD)
Diretrizes Iniciais do PSD 3
Partido Progressista (PP) 1 Programa partidário 9
Programa do Partido da República 10
Partido da República (PR) 2
Apresentação e Bandeiras do partido 7
Partido Republicano
1 Programa 3
Brasileiro (PRB)
Ideário do DEM 2
Democratas (DEM) 3 Diretrizes do Democratas 5
Princípios do Democratas 2
Partido Social Cristão
1 Programa 4
(PSC)
Total 11 49

A metodologia que utilizamos foi a elaborada pelo Manifesto Research Group.


O Manifesto Research Group (MARPOR) foi lançado em 1979, vinculado ao European
Consortium for Political Research (ECPR), com o objetivo de estudar os manifestos dos
partidos europeus (KLINGEMANN et al., 2006, xvii). Hoje é mantido pelo Comparative
Manifesto Project (CMP), no Wissenschaftszentrum, em Berlim. Atualmente o banco de dados
é composto por documentos que vão de 1945 a 2016. No total são 4121 documentos, de
1053 partidos, 698 eleições, de mais de 50 países (MANIFESTO PROJECT DATABASE,
2018).
A técnica do MARPOR consiste numa metodologia em que divide o texto em
unidades de análise, chamada de quasi-sentence. Essa unidade pode ser uma frase ou
período, inteiro ou desmembrado, que deve expressar apenas uma ideia, argumento ou
posição política. Caso haja um período ou frase contenha uma sequência de ideias ou
argumentos, ele é desmembrado e cada trecho recebe uma classificação. Cada unidade é
classificada em uma das 56 categorias predeterminadas pela metodologia, e o resultado
é a soma da frequência de cada categoria em cada documento.
As 56 categorias estão distribuídas em sete grandes domínios, cada um com
um tema diferente e definidos pelo Manifesto Research Group. Os sete domínios são: 1)
Relações Internacionais, que contém nove categorias; 2) Liberdade e Democracia, com
quatro categorias; 3) Sistema Político, com cinco categorias; 4) Economia, com dezesseis
categorias; 5) Welfare State e Qualidade de vida, com sete categorias; 6) Estrutura da
sociedade, com oito categorias; e 7) Grupos Sociais, com seis categorias.

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POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL
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Quadro 2 – Domínios e categorias do MARPOR

DOMÍNIOS CATEGORIAS

101 Relações exteriores especiais: positivo


102 Relações exteriores favoráveis: negativo
103 Anti-imperalismo anticolonialismo
104 Forças Armadas: positivo
105 Forças Armadas: negativo
Domínio 1: Relações Exteriores
106 Paz: positivo
107 Internacionalismo: positivo
108 Integração europeia: positivo
109 Internacionalismo: negativo
110 Integração europeia: negativo
201 Liberdade e Direitos Humanos: positivo
202 Democracia: positivo
Domínio 2: Liberdade e Democracia
203 Constitucionalismo: positivo
204 Constitucionalismo: negativo
301 Descentralização: positivo
302 Centralização: positivo
Domínio 3: Sistema Político 303 Governo e administração eficientes: positiva
304 Corrupção política: negativa
305 Autoridade política: positivo
401 Livre Iniciativa
402 Incentivos
403 Regulação do Mercado
404 Planejamento Econômico
405 Corporativismo: positivo
406 Protecionismo: positivo
407 Protecionismo: negativo
408 Metas econômicas
Domínio 4: Economia
409 Gestão de demanda Keynesiana: positivo
410 Produtividade: positivo
411 Tecnologia e infraestrutura: positivo
412 Economia controlada
413 Nacionalização: positivo
414 Ortodoxia econômica
415 Análise marxista
416 Anticrescimento econômico: positivo
501 Proteção ambiental: positivo
502 Cultura: positivo
503 Justiça social: positivo
Domínio 5: Welfare State e
504 Expansão do Welfare State
Qualidade de vida
505 Limitação Welfare State
506 Expansão da educação: positivo
507 Limitação da educação: positivo

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
94 DIREITO PARTIDÁRIO

DOMÍNIOS CATEGORIAS

601 Nacionalismo: positivo


602 Nacionalismo: negativo
603 Moralidade tradicional: positivo
604 Moralidade tradicional: negativo
Domínio 6: Estrutura da sociedade
605 Lei e ordem: positivo
606 Harmonia social: positivo
607 Multiculturalismo: positivo
608 Multiculturalismo: negativo
701 Classes trabalhadoras: positivo
702 Classes trabalhadoras: negativo
703 Agricultores: positivo
Domínio 7: Grupos Sociais
704 Classe média ou grupos profissionais: positivo
705 Grupos minoritários: positivo
706 Grupos demográficos não econômicos: positivo
  000 Não codificável
Fonte: KLINGEMANN et al., 2006.

O índice Rile, ou escala direita-esquerda, consiste na seleção de 26 categorias,


entre as 56, que são reagrupadas em dois conjuntos, direita e esquerda. O resultado
do índice é obtido através da diferença da proporção de texto entre os dois conjuntos,
direita e esquerda. Assim, depois da análise de todo o documento são somadas as
frequências que cada documento apresenta para as 13 categorias de direita e para as
13 de esquerda (Quadro 3). A somatória da proporção “esquerda” é diminuída da
somatória da proporção “direita”. Assim, a escala varia de +100 a –100, extrema direita
à extrema esquerda. Por exemplo, um documento partidário em que a totalidade do seu
texto mencionasse apenas as 13 categorias de direita apresentaria o valor +100, ficando
a agremiação na extrema direita da escala.

Quadro 3 – Composição da escala direita-esquerda

DIREITA ESQUERDA
104 Forças Armadas: positivo 103 Anti-imperalismo/anticolonialismo
201 Liberdade e Direitos Humanos: positivo 105 Forças Armadas: negativo
203 Constitucionalismo: positivo 106 Paz: positivo
305 Autoridade política: positivo 107 Internacionalismo: positivo
401 Livre iniciativa 202 Democracia: positivo
402 Incentivos 403 Regulação do mercado
407 Protecionismo: negativo 404 Planejamento econômico
414 Ortodoxia econômica 406 Protecionismo: positivo
505 Limitação Welfare State 412 Economia controlada
601 Nacionalismo: positivo 413 Nacionalização: positivo
603 Moralidade tradicional: positivo 504 Expansão do Welfare State
605 Lei e ordem: positivo 506 Expansão da educação: positivo
606 Harmonia social: positivo 701 Classes trabalhadoras: positivo
Fonte: KLINGEMANN et al., 2006.

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POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL
95

A escala Rile é uma forma de mensuração de posicionamento ideológico


amplamente difundida e consolidada, principalmente na Europa, utilizada em análises
comparativas entre manifestos partidários. Essa metodologia ainda não está amplamente
difundida entre os pesquisadores brasileiros, são poucos os trabalhos demonstrando
sua aplicabilidade, Contrera (2014), Tarouco e Madeira (2013).
Apesar de a metodologia permitir, neste estudo optamos por não realizar nenhuma
adaptação na escala original do MARPOR. Para poder propor adaptações metodológicas
consistentes são necessários aprofundamentos nos contextos históricos, econômicos e
sociais. Como também a ampliação no número de partidos, nesse caso restrito, apenas
aos de direita, e estudos em séries temporais. Além disso, este trabalho busca testar a
viabilidade metodológica, e também contribuir com a discussão da sua aplicação com
partidos brasileiros.

6.4 Analisando os dados


Primeiramente serão apresentados os resultados agrupados por Domínios, na
sequência, é apresentada a operacionalização da escala Rile.

i) domínios:
Nesta sessão estão as proporções de textos em cada Domínio, ou seja, a quantidade
de trechos dedicados por cada partido em cada tema. Essas frequências demonstram
a relevância de determinadas áreas temáticas para cada partido. Lembrando que em
cada Domínio há um conjunto de categorias que versam sobre ele, e em alguns casos
estão categorias opostas, positivo/negativo.

Tabela 1 – Porcentagem por domínios em cada partido (2015)

Domínios: PP PR PRB PSC DEM PSD


1 – Domínio Relações Exteriores 5,42% 3,7% 9,3% 7,5% 5,99% 1,72%
2 – Domínio Liberdade e Democracia 7,23% 17,78% 23,26% 12,5% 16,13% 30,17%
3 – Domínio Sistema Político 10,84% 4,44% 4,65% 7,5% 16,59% 16,38%
4 – Domínio Economia 18,07% 15,56% 18,6% 10% 17,05% 12,93%
5 – Domínio Welfare State e
25,3% 25,93% 27,91% 21,25% 19,35% 22,41%
Qualidade de Vida
6 – Domínio Estrutura da sociedade 5,42% 2,96% 0% 11,25% 3,23% 1,72%
7 – Domínio Grupos Sociais 14,46% 17,04% 11,63% 21,25% 9,68% 5,17%
Não codificável 13,25% 12,59% 4,65% 8,75% 11,98% 9,48%
Total 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Elaboração dos autores

Entre todos os domínios, o 5 – Welfare State e qualidade de vida, no geral, é o mais


presente nos documentos, em todos os partidos ele ultrapassa 20% das menções. Nesse

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
96 DIREITO PARTIDÁRIO

domínio são apontadas questões que envolvem posicionamentos, positivos e negativos,


sobre políticas de bem-estar social, justiça social, proteção ambiental e cultura. Entre os
seis partidos, apenas no PSD este não é o domínio com maior presença, mas se destaca
como o segundo. Já nos demais partidos este é o domínio com maior presença.
Isso demonstra que temas relacionados às políticas públicas nas áreas sociais estão
presentes nos partidos de direita, não são um tema exclusivo, ou predominante apenas nos
partidos de esquerda. Essa presença se dá de forma positiva nos seis partidos estudados.
As maiores menções incidem nas categorias: 503 – Justiça social: positivo; 504 – Expansão do
Welfare State e 506 – Expansão da Educação demonstram isso. Já as categorias em sentido
oposto a essas, como: 505 – Limitação Welfare State e 507 – Limitação da educação, não há
menção em nenhum trecho de nenhum documento dos partidos. Ou seja, os partidos
de direta também se mostram favoráveis a políticas sociais, demonstrando que está não
pode ser aferida como uma política exclusiva da esquerda.
O domínio 2 – Liberdade e Democracia também se apresenta de forma bastante
significativa nos partidos. Nos documentos do PSD as menções nessas categorias chegam
a um terço dos documentos, é a temática predominante no partido. No PRB passam de
20%, no PR chega a 17,78%. O partido que apresenta menor presença desse domínio é o
PP, com 7,23%, mas essa não chega a ser a menor presença no partido. Nesse domínio
englobam as categorias:3 201 – Liberdade e Direitos Humanos: positivo; 202 – Democracia:
positivo; 203 – Constitucionalismo: positivo. O destaque está na categoria 201, no PSD e
PR chegam a 16,38% e 14,07%, respectivamente, no PRB 9,3% e 8,29% no DEM. Na
categoria 202 o PSD tem 11,21% de menções e PRB 9,3%. Ou seja, os partidos de direita
apresentam forte apego a liberdade individual, a defesa da democracia como regime
e ao constitucionalismo.
No domínio 3 – Sistema Político a categoria predominante é a 301 – Descentralização.
Essa categoria refere-se a posicionamentos favoráveis ao federalismo e a descentralização.
Apenas a categoria Descentralização refere-se na proporção de 6% do documento do PP,
no DEM 8,75%, PR 2,96%, PRB 2,33%, e PSD 5,17%. No PSD e DEM ainda se destaca
a categoria 303 – Governo e administração eficientes, 5,17% e 7,37%, respectivamente. No
PSC, dentro de Sistema Política, o destaque é 304 – Corrupção política: negativa com
presença em 3,75% do seu documento.
Dentro do Domínio 4 – Economia, estão aglutinadas 16 categorias. A categoria com
maior destaque é 401: Livre Iniciativa, no PRB e PSD com 6,98% e 6,03%. Essa categoria
faz referência à defesa da livre iniciativa, da propriedade privada, superioridade da
iniciativa/investimento pessoal e individual sobre o estatal. Defesas tradicionalmente
atribuídas à direita e como podemos ver aqui, no Brasil os partidos de direita também
fazem defesa desses princípios em seus manifestos e ideários.

3
“201 Liberdade e Direitos Humanos: positivo. Descrição: Menção favorável da importância da liberdade pessoal e
os direitos civis, a liberdade de controle burocrático, a liberdade de expressão, a liberdade de coerção nas esferas
política e econômica, o individualismo.
202 Democracia: positivo. Descrição: Menção favorável da democracia como um método ou objetivo nacional
e em outras organizações; o envolvimento de todos os cidadãos na tomada de decisões, bem como de apoio
generalizado para manifestação da democracia no país.
203 Constitucionalismo: positivo; descrição: Suporte para aspectos específicos da constituição; uso do consti-
tucionalismo como um argumento para a política, bem como a aprovação geral do caminho constitucional de
fazer as coisas.”

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BRUNO BOLOGNESI, FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI
POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL
97

Em Estrutura da sociedade o destaque é o PSC com a maior proporção de menções,


decorrente da categoria 605 – Lei e Ordem: positivo que chega a 5%. Essa categoria designa
referências positivas ao cumprimento das leis, apoio e recursos à polícia, segurança
pública, violência e criminalidade. Como podemos observar, novamente a direita
brasileira atua sobre questões tradicionalmente de seu campo.
No domínio 7 – Grupos Sociais a categoria que se destaca é 701 – Classes trabalhadoras:
positivo, referem-se às menções positivas aos trabalhadores, apoio aos sindicatos, direito
dos trabalhadores, liberdade sindical, e salários. No PR chega a 11,11%, no PP 7,83%,
PSC 6,25% e DEM 5,07%. Ainda dentro desse domínio destaca-se também a categoria
703 – Agricultores: positivo, que é referências de apoio aos agricultores e fazendeiros,
benefícios e direitos a esse grupo, política agrícola e reforma agrária. No PP são 5,42%
das menções, PSC 8,75% e no PSD 2,59%, sendo nestes dois últimos a categoria com
maior proporção nesse domínio. Neste ponto é que podemos observar que a direita
no Brasil não se apresenta avessa aos trabalhadores e aos seus direitos, também traz
propostas e defesas de seus direitos, nenhum partido aponta para a direção inversa,
para diminuição dos direitos.

ii) o Índice Rile


Como mencionado anteriormente, a escala Rile consiste no reagrupamento de
26 categorias em dois grupos, 13 de direita e 13 de esquerda. A composição da escala
é feita as pelas categorias apresentadas no Quadro 3. Nesta sessão, são apresentados
os resultados para as categorias de direita, depois para as da esquerda e, por fim, o
resultado do índice.

Tabela 2 – Porcentagem nas categorias de direita nos partidos selecionados (2015)

Categorias Direita: PP PR PRB PSC DEM PSD


104 Forças Armadas: positivo 1,20% 0% 6,98% 0% 0,92% 0%
201 Liberdade e Direitos Humanos:
1,81% 14,07% 9,30% 3,75% 8,29% 16,38%
positivo
203 Constitucionalismo: positivo 0,60% 0,74% 4,65% 1,25% 0,46% 2,59%
305 Autoridade política: positivo 0% 0% 2,33% 0% 0% 2,59%
401 Livre Iniciativa 1,20% 2,22% 6,98% 1,25% 3,23% 6,03%
402 Incentivos 3,61% 1,48% 0% 0% 0,92% 1,72%
407 Protecionismo: negativo 0% 0% 0% 0% 0% 0,86%
414 Ortodoxia econômica 2,41% 0% 0% 0% 5,53% 0%
505 Limitação Welfare State 0% 0% 0% 0% 0% 0%
601 Nacionalismo: positivo 0,60% 0% 0% 0,92% 0% 0%
603 Moralidade tradicional: positivo 1,20% 0% 0% 1,25% 0% 0,86%
605 Lei e ordem: positivo 1,81% 2,96% 0% 5% 0,92% 0%
606 Harmonia social: positivo 0% 0% 0% 3,75% 0,92% 0,86%
Total 14,44% 21,47% 30,24% 17,17% 21,19% 31,89%

Fonte: Elaboração dos autores.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
98 DIREITO PARTIDÁRIO

Entre os seis partidos analisados, o que apresenta maior proporção de menções


nas categorias de direita é o PSD, podemos observar pelo total de 31,89%, em seguida
está o PRB, com 30,24%. Esses dois partidos apresentam mais que um terço dos seus
documentos com trechos definidos tradicionalmente como de direita. O DEM e PR
estão próximos em suas proporções, 21,29% e 21,47%. O PSC 17,17%, e o partido com
menor proporção é o PP, 14,44%.
O PSD se destaca pela maior proporção na categoria que faz referência a liberdade
e direitos humanos, com 16,38%. Vemos que o tema mais priorizado pela legenda é a
defesa da liberdade individual, característico de partidos de direita. Outro destaque é a
defesa da livre iniciativa, 6,03%. A defesa da liberdade individual também está bastante
presente no PR, PRB e DEM.
No PSC o destaque é a defesa da lei, da polícia, segurança pública, combate à
criminalidade e a violência. No PP o destaque está na questão econômica, com a defesa
de incentivos financeiros, políticas tributárias para induzir o investimento, apoio a
pequena empresa.

Tabela 3 – Porcentagem nas categorias de esquerda

Categorias Esquerda: PP PR PRB PSC DEM PSD


103 Anti-imperalismo
1,81% 1,48% 0% 2,50% 1,38%
anticolonialismo 0%
105 Forças Armadas: negativo 0% 0% 0% 0% 0% 0%
106 Paz: positivo 0,60% 0,74% 2,33% 3,75% 0% 0,86%
107 Internacionalismo: positivo 1,20% 1,48% 0% 1,25% 0,46% 0%
202 Democracia: positivo 4,82% 2,96% 9,30% 7,50% 7,37% 11,21%
403 Regulação do mercado 2,41% 3,70% 2,33% 0% 0,92% 0,86%
404 Planejamento econômico 0% 0% 2,33% 0% 0,92% 0%
406 Protecionismo: positivo 0,60% 3,70% 0% 2,50% 0,92% 0%
412 Economia controlada 0,60% 0% 0% 0% 0,92% 0%
413 Nacionalização: positivo 0% 0% 0% 0% 0% 0%
504 Expansão do Welfare State 10,24% 8,89% 6,98% 7,50% 6,91% 3,45%
506 Expansão da educação: positivo 5,42% 5,19% 9,30% 5% 2,30% 0%
701 Classes trabalhadoras: positivo 7,83% 11,11% 2,33% 6,25% 5,07% 1,72%
Total 35,53% 39,25% 34,90% 36,25% 27,17% 18,10%

Fonte: Elaboração dos autores.

No conjunto de categorias de esquerda, pode-se observar que quatro partidos,


PR, PSC, PP e PRB, ultrapassaram um terço das menções neste conjunto. O destaque é
o PR, onde mais de 39% das menções em seus textos estão nessas categorias. O partido
com menor proporção é o PSD, 18%.

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BRUNO BOLOGNESI, FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI
POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL
99

A categoria nesse conjunto que ganha destaque em todos os partidos é a que faz
referência positiva às políticas públicas sociais. Em todos, é a primeira ou a segunda
em maior proporção. Outro ponto de destaque é a defesa de trabalhadores, todos os
partidos apresentam menções positivas nesse sentido. No caso do PR é a categoria com
maior proporção das demais, 11,11%, no PP e no PSC é a segunda. Referências positivas
de defesa e expansão da educação também estão presentes nos documentos partidários.
Como também a defesa da democracia e de princípios democráticos. Sendo a categoria
com maior presença em quatro partidos: PSD, DEM, PSC e PRB.
A defesa da democracia ganha destaque no Brasil devido ao passado recente de
regime autoritário, assim os partidos de modo geral se apresentam favoráveis ao regime
da livre competição eleitoral partidária, como um reforço pela estabilidade democrática
e para marcar um afastamento do passado autoritário.
A mensuração do posicionamento no continuum ideológico é resultante do cálculo
da subtração da proporção de texto das categorias de esquerda da direita. No quadro
a seguir estão os cálculos para cada partido.

Quadro 4 – Cálculo do posicionamento ideológico

Partidos D% E% Posicionamento
PP 14,44 35,53 –21,09
PR 21,47 39,25 –17,78
PRB 30,24 34,9 – 4,66
PSC 17,17 36,25 –19,08
DEM 21,19 27,17 –5,98
PSD 31,89 18,1 13,79
Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 1 – Posicionamento dos partidos no continuum esquerda-direita


Centro
Esquerda Direita

PP
PSD
PSC
PRB
PR
DEM
Elaboração dos autores.

Ao final da análise dos documentos, podemos observar que o partido mais à direita
entre os analisados é o PSD, com uma significativa distância dos demais partidos. O
partido mais à esquerda dentre os seis é o PP, mas estando próximo do PSC e PR. Ainda,
é preciso deixar aqui claro que não fizemos comparações com partidos usualmente de
colorações à esquerda do espectro ideológico na fauna partidária brasileira. Isso limita

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
100 DIREITO PARTIDÁRIO

nossos achados a dizer que o resultado aqui é absolutamente relacional. Ou seja, não
estamos propondo que PP ou PSC sejam partidos notadamente de esquerda, mas que,
entre os analisados, apresentaram manifestações atreladas a esse campo em maior
frequência do que seus pares de mesma estirpe.
A primeira impressão, pelos resultados, nos parece que os partidos de direita
no Brasil estariam mais à esquerda do que supostamente é esperado, porém cabem
algumas ressalvas. Relembrando, a metodologia aqui empregada é a originalmente
desenvolvida para partidos europeus, como os conceitos de direita e esquerda são
relacionais e contextuais, estes resultados comprovam que há temáticas abordadas
pelas legendas brasileiras que não são exclusivas de um eixo ideológico. Há temas
transversais à esquerda e à direita, como defesa de políticas públicas para saúde e
educação e também os direitos dos trabalhadores. Assim, esses temas não devem ser
tomados como exclusivos de determinadas colorações ideológicas.

6.5 Considerações finais


Demonstramos nas análises dos documentos de seis partidos de direita que
existem nuanças entre os partidos, existem diferenças nos enfoques temáticos entre eles.
Os partidos podem ser identificados dentro de um grupo ideológico, porém eles não
podem ser tomados como homogêneos e sinônimos uns dos outros. Eles apresentam
grandes diferenças entre si, mas sem deixar de serem considerados de direita.
Dos resultados encontrados, o destaque sobre os domínios estão os temas
relacionados a políticas de bem-estar social. Nos partidos há a defesa de políticas públicas
sociais, como saúde, educação, previdência. As legendas não trazem posicionamentos
favoráveis a cortes em áreas sociais, como saúde, educação e previdência. Isso demonstra
que essas não são bandeiras exclusivas da esquerda. De modo geral, os partidos
apresentam predominância também sobre questões de liberdade e economia.
Na análise mais pontual, debruçando sobre os temas, os partidos apresentam
maiores diferenças. O PP apresenta além da defesa da expansão de políticas sociais,
a defesa dos trabalhadores, a descentralização política (federalismo), e defesa dos
agricultores.
Para o PR as principais questões envolvem a liberdade individual, defesa dos
trabalhadores, expansão do estado de bem-estar social e justiça social.
No PRB, além da justiça social, questões de liberdade individual e expansão
da educação, o destaque do partido está na defesa das Forças Armadas. No apoio a
instituição e necessidade de investimentos.
O PSC traz como a categoria de maior destaque entre todas a defesa da agricultura,
logo depois vem democracia, expansão de políticas públicas na área social e defesa dos
trabalhadores.
Para o Democratas, as maiores menções estão na questão da descentralização,
liberdade individual, defesa da democracia e maior eficiência na administração pública.
O PSD é o que apresenta a maior defesa da liberdade individual entre as legendas,
destaque também a justiça social, defesa da democracia e da superioridade da livre
iniciativa sobre a estatal.
O trabalho demonstrou através da análise dos programas que os partidos de
direita apresentam as diferentes ênfases nos posicionamentos políticos. Isso se revela

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BRUNO BOLOGNESI, FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI
POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL
101

importante em dois sentidos. Primeiro no sentido político de entender que as posições


ideológicas são sempre ‘sujas’ e não há purismo na arena partidário-eleitoral. O segundo
no sentido científico de que é preciso estudar os partidos políticos brasileiros a partir
daquilo que os mesmos produzem e assinam como suas cartas de princípio. É comum
que se associe sempre a personalidade de determinado político ou de uma determinada
política pública para classificar partidos políticos no Brasil. A pergunta é se algum dia
o partido em questão pretendia tomar essa ação ou eleger determinado indivíduo.
Quando soubermos as bases ideológicas sob as quais se erguem as agremiações políticas
brasileiras, ficará mais fácil reconhecer em seus quadros a tinta ideológica que os recobre.

Referências
BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora da UNESP, 1995.
CONTRERA, F. A utilização do método do Manifesto Project para a análise do posicionamento dos partidos
estadunidenses em política externa. In: 1º WORKSHOP DE METODOLOGIA EM CIÊNCIA POLÍTICA, Anais do
Evento, São Carlos, 2014. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0B6vBJMmeqKvMUNYNk1STHhwcTg/
edit?pli=1> Acesso em: 30 abr. 2014.
FRANZMANN, S.; KAISER, A. 2000. Putting Parties in Their Place: Inferring Party Left-Right Ideological
Positions from Party Manifestos Data. American Journal of Political Science, v. 44, n. 1, (94-103). Disponível
em:<http://ppq.sagepub.com/content/12/2/163>. Acesso em: 20 dez. 2013.
HEYWOOD, A. Ideologias políticas: do liberalismo ao fascismo. São Paulo: Ática, 2010a.
HEYWOOD, A. Ideologias políticas: do feminismo ao multiculturalismo. São Paulo: 2010b.
KLINGEMANN, H. D.; VOLKENS, A.; BARA, J.; BUDGE, I.; MCDONALD, M. Mapping Policy Preferences II.
Estimates for Parties, Electors, and Governments in Eastern Europe, the European Union and the OECD, 1990-2003.
Oxford: Oxford University Press, 2006.
MADEIRA, R.; TAROUCO, G. Esquerda e direta no Brasil: uma análise conceitual. Revista Pós Ciências Sociais,
São Luís, v. 8, n. 15. jan./jun. 2011.
MÖLDER, M. The validity of the RILE left-right index as a measure of party policy. Party Politcs. Dec, 10.
(1-12). 2013. Disponível em:<http://ppq.sagepub.com/content/early/2013/12/09/1354068813509525>. Acesso
em: 20 dez. 2013.
TAROUCO, G. S. Os partidos e a Constituição: ênfases programáticas e propostas de emenda. 161 f. Tese
(Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, 2007.
TAROUCO, G. S.; MADEIRA, R. M. Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Rev.
Sociol. Polit., Curitiba, v. 21, n. 45, mar. 2013.

Outras fontes
MANIFESTO PROJECT DATABASE. 2015. Dados referentes ao tamanho do banco de dados do MARPOR
no ano de 2018. Disponível em: <https://manifesto-project.wzb.eu/>. Acesso em: 23 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
102 DIREITO PARTIDÁRIO

ANEXO
Porcentagem de texto para cada categoria de análise

PP PR PRB
101 Relações especiais: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
102 Relações favoráveis: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
103 Anti-imperalismo anticolonialismo 1,81% 1,48% 0,00%
Relações Exteriores

104 Forças Armadas: positivo 1,20% 0,00% 6,98%


105 Forças Armadas: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
106 Paz: positivo 0,60% 0,74% 2,33%
107 Internacionalismo: positivo 1,20% 1,48% 0,00%
108 Integração europeia: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
109 Internacionalismo: negativo 0,60% 0,00% 0,00%
110 Integração europeia: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
201 Liberdade e Direitos Humanos: positivo 1,81% 14,07% 9,30%
Liberdade e
Democracia

202 Democracia: positivo 4,82% 2,96% 9,30%


203 Constitucionalismo: positivo 0,60% 0,74% 4,65%
204 Constitucionalismo: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
301 Descentralização: positivo 6,02% 2,96% 2,33%
Sistema Político

302 Centralização: positivo 0,60% 0,00% 0,00%


303 Governo e administração eficientes: positiva 2,41% 0,00% 0,00%
304 Corrupção política: negativa 1,81% 1,48% 0,00%
305 Autoridade política: positivo 0,00% 0,00% 2,33%
401 Livre Iniciativa 1,20% 2,22% 6,98%
402 Incentivos 3,61% 1,48% 0,00%
403 Regulação do mercado 2,41% 3,70% 2,33%
404 Planejamento econômico 0,00% 0,00% 2,33%
Economia

405 Corporativismo: positivo 0,00% 0,74% 0,00%


406 Protecionismo: positivo 0,60% 3,70% 0,00%
407 Protecionismo: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
408 Metas econômicas 0,00% 1,48% 0,00%
409 Gestão de demanda Keynesiana: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
410 Produtividade: positivo 2,41% 1,48% 4,65%

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BRUNO BOLOGNESI, FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI
POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL
103

PP PR PRB

411 Tecnologia e infraestrutura: positivo 4,82% 0,74% 2,33%


412 Economia controlada 0,60% 0,00% 0,00%
Economia

413 Nacionalização: positivo 0,00% 0,00% 0,00%


414 Ortodoxia econômica 2,41% 0,00% 0,00%
415 Análise marxista 0,00% 0,00% 0,00%
416 Economia anticrescimento: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
501 Proteção ambiental: positivo 2,41% 0,74% 0,00%
502 Cultura: positivo 3,61% 1,48% 0,00%
Qualidade de vida
Welfare State e

503 Justiça social: positivo 3,61% 9,63% 11,63%


504 Expansão do Welfare State 10,24% 8,89% 6,98%
505 Limitação Welfare State 0,00% 0,00% 0,00%
506 Expansão da Educação: positivo 5,42% 5,19% 9,30%
507 Limitação da Educação: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
601 Nacionalismo: positivo 0,60% 0,00% 0,00%
602 Nacionalismo: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
Estrutura da sociedade

603 Moralidade tradicional: positivo 1,20% 0,00% 0,00%


604 Moralidade tradicional: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
605 Lei e ordem: positivo 1,81% 2,96% 0,00%
606 Harmonia social: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
607 Multiculturalismo: positivo 1,81% 0,00% 0,00%
608 Multiculturalismo: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
701 Classes trabalhadoras: positivo 7,83% 11,11% 2,33%
702 Classes trabalhadoras: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
Grupos Sociais

703 Agricultores: positivo 5,42% 0,74% 0,00%


704 Classe média ou grupos profissionais: positivo 0,60% 0,74% 0,00%
705 Grupos minoritários: positivo 0,00% 0,00% 4,65%
706 Grupos demográficos não econômicos: positivo 0,60% 4,44% 4,65%
000 Não codificável 13,25% 12,59% 4,65%

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
104 DIREITO PARTIDÁRIO

PSC DEM PSD

101 Relações especiais; positivo 0,00% 0,00% 0,00%


102 Relações favoráveis: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
103 Anti-imperalismo anticolonialismo 2,50% 1,38% 0,00%
Relações Exteriores

104 Forças Armadas: positivo 0,00% 0,92% 0,00%


105 Forças Armadas: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
106 Paz: positivo 3,75% 0,00% 0,86%
107 Internacionalismo: positivo 1,25% 0,46% 0,00%
108 Integração europeia: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
109 Internacionalismo: negativo 0,00% 3,23% 0,86%
110 Integração europeia: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
201 Liberdade e Direitos Humanos: positivo 3,75% 8,29% 16,38%
Liberdade e
Democracia

202 Democracia: positivo 7,50% 7,37% 11,21%


203 Constitucionalismo: positivo 1,25% 0,46% 2,59%
204 Constitucionalismo: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
301 Descentralização: positivo 2,50% 8,76% 5,17%
Sistema Político

302 Centralização: positivo 0,00% 0,00% 0,00%


303 Governo e administração eficientes: positiva 1,25% 7,37% 5,17%
304 Corrupção política: negativa 3,75% 0,46% 3,45%
305 Autoridade política: positivo 0,00% 0,00% 2,59%
401 Livre iniciativa 1,25% 3,23% 6,03%
402 Incentivos 0,00% 0,92% 1,72%
403 Regulação do mercado 0,00% 0,92% 0,86%
404 Planejamento econômico 0,00% 0,92% 0,00%
405 Corporativismo: positivo 0,00% 0,92% 0,86%
Economia

406 Protecionismo: positivo 2,50% 0,92% 0,00%


407 Protecionismo negativo 0,00% 0,00% 0,86%
408 Metas econômicas 0,00% 0,92% 0,00%
409 Gestão de demanda Keynesiana: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
410 Produtividade: positivo 1,25% 0,92% 0,86%
411 Tecnologia e infraestrutura: positivo 3,75% 0,92% 0,86%
412 Economia controlada 0,00% 0,92% 0,00%

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BRUNO BOLOGNESI, FLÁVIA ROBERTA BABIRESKI
POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE DIREITA NO BRASIL
105

PSC DEM PSD

413 Nacionalização: positivo 0,00% 0,00% 0,00%


Economia

414 Ortodoxia econômica 0,00% 5,53% 0,00%


415 Análise marxista 0,00% 0,00% 0,00%
416 Economia anticrescimento: positivo 1,25% 0,00% 0,86%
501 Proteção ambiental: positivo 2,50% 2,30% 2,59%
502 Cultura: positivo 1,25% 2,76% 0,86%
Qualidade de vida
Welfare State e

503 Justiça social: positivo 5,00% 5,07% 15,52%


504 Expansão do Welfare State 7,50% 6,91% 3,45%
505 Limitação Welfare State 0,00% 0,00% 0,00%
506 Expansão da Educação: positivo 5,00% 2,30% 0,00%
507 Limitação da Educação: positivo 0,00% 0,00% 0,00%
601 Nacionalismo: positivo 0,00% 0,92% 0,00%
602 Nacionalismo: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
Estruturas da sociedade

603 Moralidade tradicional: positivo 1,25% 0,00% 0,86%


604 Moralidade tradicional: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
605 Lei e ordem: positivo 5,00% 0,92% 0,00%
606 Harmonia social: positivo 3,75% 0,92% 0,86%
607 Multiculturalismo: positivo 1,25% 0,46% 0,00%
608 Multiculturalismo: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
701 Classes trabalhadoras: positivo 6,25% 5,07% 1,72%
702 Classes trabalhadoras: negativo 0,00% 0,00% 0,00%
Grupos Sociais

703 Agricultores: positivo 8,75% 2,30% 2,59%


704 Classe média ou grupos profissionais: positivo 1,25% 0,00% 0,00%
705 Grupos minoritários: positivo 1,25% 0,92% 0,00%
706 Grupos demográficos não econômicos: positivo 3,75% 1,38% 0,86%
000 Não codificável 8,75% 11,98% 9,48%

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BOLOGNESI, Bruno; BABIRESKI, Flávia Roberta. Posicionamentos ideológicos dos partidos políticos
de direita no Brasil. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 89-105.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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PARTE II

FIDELIDADE PARTIDÁRIA

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 1

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE


ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

ÉDER RODRIGO GIMENES

1.1 Considerações iniciais


Na Ciência Política contemporânea, uma das máximas que resiste às críticas é o
pressuposto de que a democracia é impensável sem a existência de partidos políticos
(SCHATTSCHNEIDER, 1942). Considerada especialmente a função atribuída aos partidos
com relação à mediação da relação entre os cidadãos e o Estado, as referidas instituições
são relevantes por estabelecerem o diálogo entre as demandas, necessidades e interesses
dos cidadãos frente àquilo que o poder público conforma em políticas públicas e/ou
ações políticas, sociais e econômicas.
Considerando o cenário político brasileiro, no entanto, a percepção dos indivíduos
com relação aos partidos políticos e à sua importância com relação ao funcionamento
do Estado não é uníssona: por um lado, há aqueles que defendem a reestruturação do
sistema partidário e da competição eleitoral entre as legendas existentes e entre novos
partidos, mas há também, por outro lado, discursos críticos tanto contra os partidos
existentes, quanto contrários à própria existência e necessidade dessas instituições para
que o governa seja exercido.
Tendo em vista este cenário político nacional, o presente capítulo tem por
objetivo estabelecer um compêndio acerca da produção acadêmica referente ao tema
do partidarismo no Brasil. Para tanto, assumo a ótica de que tal conceito é amplo,

[...] pois designa um padrão de relacionamento entre cidadãos e essas instituições


centrais do sistema democrático. Nesses termos, é importante o comportamento efetivo
de participação formalizada ou não, mas também devem ser levadas em consideração
dimensões atitudinais e valorativas. (BORBA; GIMENES; RIBEIRO, 2015a, p. 21)

Sendo assim, pensar o estabelecimento das relações dos eleitores com partidos
políticos perpassa aspectos diversos, como a estruturação interna das legendas e sua
organização no sistema partidário, a conformação das disputas eleitorais no país, a
importância do enraizamento dos partidos junto ao eleitorado e a cultura e comporta-
mento político dos brasileiros.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
110 DIREITO PARTIDÁRIO

Nesse sentido, o presente capítulo contempla, além desta seção introdutória, mais
cinco tópicos. A próxima seção aborda a discussão internacional acerca do partidarismo,
perpassada pelas escolas que estudam tal relação desde a segunda metade do século
passado e pelo conceito de desalinhamento partidário. Na sequência, há duas seções
que tratam especificamente do caso brasileiro, referentes à constituição histórica das
relações entre eleitores e partidos políticos no atual período democrático e sobre causas
e efeitos do estabelecimento de vínculos subjetivos dos cidadãos com partidos. A quinta
seção expõe fenômeno relacionados ao desalinhamento partidário, discussão recente na
literatura internacional e para a qual já há estudos sobre o caso brasileiro, que tratam
de indiferenciação, alienação e antipartidarismo. Por fim, exponho nas considerações
finais um balanço sobre o conhecimento científico produzido até o momento com relação
ao partidarismo no Brasil, bem como reflexões acerca do enraizamento dos partidos
políticos entre o eleitorado nacional.

1.2 Partidarismo, desalinhamento partidário e democracia na


literatura internacional
O conceito de identificação partidária tem sido central na literatura internacional
sobre comportamento político (MAINWARING, 2001; MAINWARING; TORCAL,
2005; PAYNE, 2007). Weisberg e Greene (2003) afirmam que a identificação partidária
constitui o eixo da compreensão moderna das democracias eleitorais e que esta posição
teórica provavelmente se manterá, o que se verifica ao constatar que tal medida é
tratada como indicador primordial do desenvolvimento e da institucionalização dos
sistemas partidários (MAINWARING; SCULLY, 1995; MAINWARING, 2001; DALTON;
WELDON, 2007; DALTON, 2007; 2013; PAYNE, 2007). Além disso, níveis elevados de
partidarismo podem minimizar a volatilidade eleitoral (DALTON; WELDON, 2007;
MAINWARING; ZOCO, 2007).
Em termos gerais, há estudos que apontam que o partidarismo tende a estruturar
e dar significado “ao sistema de crenças individuais” (DALTON; McALLISTER;
WATTENBERG, 2003, p. 295), da mesma maneira como a existência de vínculos dos
eleitores com partidos políticos estrutura, em alguma medida, o voto dos indivíduos, tanto
em democracias consolidadas (GREEN; PALMQUIST; SCHICKLER, 2002; WEISBERG;
GREENE, 2003; DALTON, 2014)1 quanto em regimes mais novos (CARREIRÃO; KINZO,
2004; CARREIRÃO, 2007; RODRÍGUEZ, 2013; LUPU, 2015).2
Em se tratando das teorias que se dedicam a analisar os determinantes da
identificação partidária, destaco a distinção entre a abordagem que interpreta tal
medida como um fenômeno identitário, decorrente do processo de socialização política
(GREEN; PALMQUIST; SCHICKLER, 2002), e aquela que trata tal indicador como um

1
No que se refere especificamente aos Estados Unidos, a identificação partidária é menos relevante do que
características como sexo, etnia, religião, classe social e local onde residem, identidades sociais fundamentais. No
entanto, quando se trata de temas relacionados à política, o partidarismo revela-se altamente influente (GREEN;
PALMQUIST; SCHICKLER, 2002).
2
Em que pese tal suposição enfrentar questionamentos na literatura recente sobre comportamento eleitoral,
especialmente com relação à determinação de causalidade (LUPU, 2015). Para um balanço da literatura, ver
Rennó (2001).

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
111

atalho informacional utilizado pelos eleitores como produto de sua avaliação acerca
do desempenho dos partidos (DOWNS, 1957).3
A abordagem psicológica interpreta a identificação partidária como elemento
central da análise das atitudes e do comportamento político dos indivíduos, construída
ao longo de seu processo de socialização. Tal modelo, elaborado por Campbell et al (1960),
da Escola de Michigan, entende que a identificação partidária se constituiria a partir
de bases afetivas e seria, pela ênfase atribuída ao processo de socialização, resistente a
alterações. Seu caráter central na constituição do indivíduo lhe conferiria a posição de
“extensão do ego” (RICO, 2010).
Em estudo acerca do eleitorado norte-americano, Converse (1964), um dos
colaboradores da referida Escola, “publicou o que viria a ser um dos mais influentes
trabalhos sobre opinião pública dos Estados Unidos” (RENNÓ, 2001, p. 86), o livro The
nature of belief systems in mass publics, no qual tratou das discrepâncias na estruturação
dos sistemas de crenças de massas e de elites.4 Segundo o autor, a identificação partidária
se sedimentaria ao longo do tempo, à medida que as gerações acumulassem experiência
eleitoral, teria a função de atalho cognitivo para a minimização das dificuldades de
cidadãos com pouca cognição diante de escolhas eleitorais, uma vez que a diferença
entre a quantidade de informações abarcadas pelos sistemas de crenças dos mencionados
grupos de indivíduos se deve, em grande parte, à educação. A partir desses resultados, o
autor norte-americano classificou as dimensões ideológicas de avaliação dos indivíduos
em estratos hierárquicos, por níveis de conceitualização.5
Em se tratando da abordagem racional ou econômica, esta afirma que os atores
políticos racionais buscam a maximização de suas satisfações subjetivas e se utilizam,
para tanto, de atalhos de informação, elaborados pelos eleitores a partir das imagens
de partidos, candidatos e ideologias partidárias com a finalidade de diminuir os custos
de obtenção e processamento de informações políticas (DOWNS, 1957).6
Já Fiorina (1981) apresenta uma perspectiva revisionista, segundo a qual mesmo
que considerada a relevância da socialização dos indivíduos, a avaliação de sua
experiência acumulada como eleitores ao longo da vida adulta exerce peso maior sobre
sua identificação partidária. Em sua interpretação, os eleitores emitem juízos de valor
acerca das propostas e do desempenho partidário ao longo do tempo, de modo a balizar
seu julgamento sobre a preferência partidária. Nesse sentido, o autor busca explicar
tanto manifestações de estabilidade quanto de alterações na identificação partidária
do eleitorado, uma vez que o início da vida política dos eleitores é permeado por uma

3
Com relação às teorias explicativas da identificação partidária, há as correntes sociológica, psicológica e racional.
Considerando os objetivos deste artigo, não me deterei à discussão sobre a primeira e exponho apenas os
argumentos centrais das demais. Balanços sobre tais correntes encontram-se competentemente abordados em
Freire (2001) e Cervi (2010).
4
A despeito de críticas que tal abordagem recebeu a partir da década de 1970, vários trabalhos apresentam evidências
empíricas relevantes sobre a importância da socialização política na explicação do partidarismo, como Miller e
Shanks (1996), Green, Palmquist e SCHICKLER (2002) e Rico (2010).
5
Segundo Baquero e Prá (2007, p. 143), “a referida classificação deu origem à tipologia de estratos de eleitores
e que se constitui na contribuição mais relevante do autor, bem como no instrumento analítico conceitual que
permitirá compreender a dinâmica do comportamento político”.
6
A discussão empreendida por Downs (1957) sobre a teoria econômica da democracia trata o processo político-
eleitoral de maneira semelhante àquela adotada para a análise do mercado nas Ciências Econômicas, com destaque
ao cálculo empreendido por partidos e por eleitores em diferentes circunstâncias às quais estão sujeitos quando
da necessidade de tomar decisões.

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112 DIREITO PARTIDÁRIO

identificação partidária estável, construída por sua socialização prévia,7 a qual pode
ser alterada ou mantida conforme os indivíduos adquirem experiência política e ainda
de acordo com mudanças em sua condição social e econômica, já que variações em tais
padrões interferem diretamente nos interesses dos cidadãos.
Diante das considerações acerca da identificação partidária, cabe destacar que a
natureza do comportamento político dos cidadãos vem se transformando de maneira
expressiva desde a década de 1960, quando eclodiram novos movimentos sociais, se
expandiram as modalidades de participação tradicional e surgiram outras modalidades
de atuação, de caráter contestatório.8 Para além do diagnóstico geral, de declínio de
modalidades convencionais, ascensão de formas não convencionais de engajamento e
da utilização de repertórios de ação política, no que tange especificamente aos partidos
políticos há muitos estudos que apontam o afastamento do eleitorado nos Estados
Unidos e em países europeus (GIMENES, 2017).
No que concerne aos diagnósticos do desalinhamento, estes apontam fatores
causais tanto de origem estrutural quanto elementos de nível individual. Em se tratando
do contexto, destacam-se as mudanças das prioridades no desempenho das funções
dos partidos, às quais se relacionam alterações institucionais em seu interior e na
competição partidária.
Com relação às funções dos partidos, a interpretação clássica de Key (1964)
afirma que é possível dividi-las em três frentes: enquanto organizações, nos governos
e junto ao eleitorado. No que tange à questão organizacional, são funções dos partidos
o recrutamento de lideranças, o treinamento das elites políticas e ainda a articulação e a
agregação dos interesses da sociedade (KEY, 1964; GUNTHER; DIAMOND, 2001). Com
relação ao seu papel governativo, os partidos devem organizar o governo, controlar o
desempenho administrativo e buscar viabilizar a implementação de suas propostas de
políticas públicas, de modo que suas responsabilidades nessa seara se tornam ainda
mais relevantes quando as decisões a serem empreendidas envolvem diferenças de
cunho normativo ou ideológico.
Sobre as duas primeiras funções, Mair (2003, p. 284) observa que o recrutamento,
não apenas de líderes políticos, mas também de funcionários para cargos públicos, tem
perdido importância à medida que os partidos “[...] parecem cada vez mais dispostos
a transporem os seus limites organizacionais imediatos quando procuram candidatos
adequados para determinados cargos e funções”. Sobre as demais atribuições, são
destacadas também por Gunther e Diamond (2001) e por Reis (2003, p. 22), que denomina
“vocalização” ao processo de apresentação desses interesses na arena política e discorre
sobre a “[...] necessidade de agregar interesses inicialmente fragmentários e dar-lhes,
assim, visibilidade no processo eleitoral e condições de se fazerem sentir efetivamente nas
decisões governamentais”. Conforme Mair (2003), as funções de articulação e agregação
de interesses políticos da sociedade têm sido, especialmente desde as últimas décadas,
cada vez mais partilhadas com associações e movimentos não partidários.
Já as funções dos partidos junto aos eleitores dizem respeito à educação política, à
mobilização para a participação e à criação de símbolos capazes de gerar identificação e

7
A socialização primária, nos termos de Rokeach (1968) e de Dahl (1997).
8
Tendo em vista os objetivos desta obra, não me deterei a esta discussão. Limito-me a apontar o competente balanço
acerca dos estudos e teorias sobre participação política disponível em Ribeiro e Borba (2015).

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
113

fidelidade, de modo a simplificar o voto. Nesse sentido, o desenvolvimento da educação


e da socialização políticas teria por finalidade a formação da opinião dos eleitores, por
meio da apresentação de temas, de agendas e de perspectivas para as questões sociais.
Mair (2003) distingue partidos políticos e organizações partidárias ao tratar das
diferentes funções abordadas por Key (1964). Segundo o autor contemporâneo, os partidos
se comportam como tal quando se trata de suas funções agregativas e representativas, as
quais dizem respeito à identificação por parte do eleitorado, à mobilização, à socialização
e à militância de tais atores, ao passo que as demais funções, que se referem àquelas
de governabilidade e relacionadas às políticas públicas, corresponderiam aos partidos
enquanto organizações partidárias. Seriam os partidos como tais que estão fracassando,
tanto em quantidade de pessoas identificadas quanto em se tratando do envolvimento
dos cidadãos em suas atividades. Em contrapartida ao afastamento dos eleitores, ainda
segundo Mair (2003), a aproximação dos partidos com relação ao Estado e aos governos
é crescente nas últimas décadas, de modo que hoje tais instituições são inextricáveis do
aparato estatal, conforme já indicaram Katz e Mair (1995).
Uma explicação coerente para a queda da relevância do ativismo nos partidos
de massas é que os líderes desses partidos têm agora menor necessidade de membros
individuais, se comparados com o período do surgimento de tal eleitorado (final do
século XIX e início do XX), quando se faziam salutares os membros e seus recursos,
tanto humanos como financeiros, para a mobilização política dos eleitores. Com o
desenvolvimento da comunicação e do marketing de massa, os partidos podem alcançar os
eleitores diretamente, especialmente em épocas de eleições (RIBEIRO, 2004; LAVAREDA;
TELLES, 2011; BEZERRA; MUNDIM, 2011; TELLES, 2012; DALTON, 2013) e a primazia
do recrutamento de filiados desapareceu. Além disso, como conseguiram atrair grandes
doações de organizações empresariais e de pessoas ricas, os partidos tornaram-se menos
dependentes de pequenas inscrições e de doações de membros individuais (DALTON;
McALLISTER; WATTENBERG, 2003; SEYD; WITHELEY, 2004).
Ademais, a formação de grupos de partidos (carteis), o surgimento de legendas sem
bandeiras definidas, a perda da identidade de certos partidos na tentativa de aproximar
seu discurso e sua prática àquelas dos partidos que obtêm sucesso no sistema eleitoral
(catch-all9) e a flexibilização dos acordos, alianças e coligações estabelecidas pelos partidos
políticos, entre outras razões, contribuem negativamente para a construção de vínculos
por parte do eleitorado, uma vez que são condições que dificultam a diferenciação das
imagens das instituições partidárias pelos eleitores.
Por outro lado, há que se considerar ainda a relevância de fatores exógenos às
instituições, em especial o refinamento cognitivo dos indivíduos (BAQUERO, 2000;
MAIR, 2003; WITHELEY, 2011; DALTON, 2013). Sob essa perspectiva, o afastamento
das massas não seria tratado apenas como consequência, mas também como fator causal
do declínio dos partidos enquanto instituições representativas. No campo microssocial,
destacam-se os aumentos da escolarização dos indivíduos e da disponibilidade de
informação política e, por consequência, de seus recursos cognitivos e políticos, além
da proliferação de grupos de interesses (DALTON; WATTENBERG, 2002; DALTON;

9
Termo cunhado para denominar partidos surgidos a partir da transformação de legendas da social democracia
que, até a Segunda Guerra Mundial, se caracterizavam pela ideologia, mas posteriormente direcionaram seus
esforços à captação de votos, desconsiderando ou minimizando aspectos ideológicos no intuito de atrair mais
eleitores, independentemente de sua cultura e valores políticos (KIRCHHEIMER, 1966).

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114 DIREITO PARTIDÁRIO

McALLISTER; WATTENBERG, 2003) e das alterações nas estruturas das relações de


trabalho (ALBALA; VIEIRA, 2014).
Segundo Mair (2003) e van Biezen, Mair e Poguntke (2012), os partidos, em especial
aqueles de massas, têm sofrido as consequências de um processo amplo de redução do
envolvimento dos indivíduos em organizações hierarquizadas, o qual é acompanhado
pelo desenvolvimento de valores pós-materialistas e de cidadania crítica, bem como
pela opção por formas diretas de autoexpressão (INGLEHART, 1977; NORRIS, 1999;
INGLEHART; WELZEL, 2009).
Uma parte considerável da literatura internacional tem evidenciado o aumento
nos níveis educacionais como condicionante para a identificação dos indivíduos
cognitivamente mais engajados desde o período posterior à Segunda Guerra Mundial
(ALMOND; VERBA, 1989 [1963]; DALTON, 1984; 2013; INGLEHART, 1990). Já na década
de 1950 era perceptível a relevância da escolarização, entre os norte-americanos, para
a definição de seus valores e crenças políticas. Segundo Almond e Verba (1989 [1963]),
os cidadãos instruídos são mais ativos politicamente em suas comunidades, mais
informados sobre a política e mais tolerantes. Já conforme Converse (1983), a cultura
política daqueles que possuíam educação superior era muito diferenciada daquela dos
demais cidadãos, cujas necessidades se mostravam mais materialistas, nos termos de
Inglehart (1977).
De maneira resumida, os resultados de tais pesquisas destacam que o fator
educacional encontra-se amplamente associado ao conhecimento político, à participação
em partidos, em atividades voluntárias e em sindicatos e ainda a outras formas de
engajamento político. Da mesma maneira, outros trabalhos associam as habilidades
cognitivas e a educação como fundamentos para o engajamento político, envolvendo os
cidadãos em eleições, ações diretas sobre campanhas políticas e em atividades partidárias
propriamente ditas (INGLEHART, 1990; DALTON, 2006; 2007; 2013).
Tendo em vista que a participação em partidos políticos pressupõe uma cultura
política diferenciada por parte dos indivíduos engajados em tais instituições, em sua
discussão acerca das crenças de ativistas políticos, Dahl (1997) afirmou que pessoas
diferentes provocam efeitos distintos em qualquer sistema político e propôs como
importante questão a identificação de quem alimenta quais crenças políticas. Apesar
de ressaltar que essa abordagem não implica a desconsideração dos valores difundidos
entre o restante da população, o autor apontou que o conjunto dos valores das camadas
politicamente mais atuantes e envolvidas com as atividades políticas pode ser um
importante fator nos estudos sobre poliarquias.
Diferentemente da maioria das pessoas, os ativistas políticos teriam sistemas
de crenças complexos e ricos, o que poderia ser explicado, em grande medida, pela
associação entre essa sofisticação e os níveis de escolaridade e interesse por política.
Além disso, no que diz respeito à dimensão estritamente cognitiva da cultura política,
o autor é categórico ao afirmar que é plausível supor que o conhecimento sobre os
diferentes aspectos da vida política seja maior entre tais indivíduos do que entre a
população em geral (DAHL, 1997).
Por sua vez, Pereira (2012) afirma haver ao menos três conjuntos de fatores
individuais capazes de influenciar a manifestação de vínculo dos indivíduos com
algum partido político. O primeiro fator reúne o interesse por política e o conhecimento
político, variáveis que contribuem para o entendimento acerca da política e dos partidos

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
115

e que se relacionam aos trabalhos de autores como Inglehart (1977; 1990), Dalton
(2002; 2007; 2008; 2013) e Norris (1999), que, em diversas obras, têm destacado o papel
da escolarização e sua relação com valores de autoexpressão, mobilização cognitiva,
pós-materialismo e cidadania crítica. O segundo ponto diz respeito ao processo de
socialização, especialmente com relação à idade e dialoga com uma ampla literatura
relacionada à influência dos períodos, ciclos de vida e as coortes etárias, especialmente
sobre a participação política na juventude (HIGHTON; WOLFINGER, 2001; KINDER,
2006; DALTON, 2009; FINLAY; WRAY-LAKE; FLANAGAN, 2010; FLANAGAN,
2013; OKADO, 2013). Por fim, o autor destaca as avaliações retrospectivas que os
indivíduos realizam sobre o desempenho dos partidos e trata de um argumento
apresentado por Fiorina (1981) e amplamente explorado pela Ciência Política nas
últimas três décadas.
Além da educação, tratada por Putnam (2002) como melhor preditor da vida, cabem
considerações sobre a expansão dos meios de comunicação. Os efeitos da mídia sobre
os valores, comportamentos e atitudes políticas dos indivíduos têm sido amplamente
analisados pela literatura contemporânea, de modo que há autores, como Patterson
(1998) e Mervin (1998), que afirmam que os meios de comunicação são responsáveis pela
desconfiança política dos cidadãos, ao passo que outros, como Norris (2000), destacam
que a mídia também fornece informações capazes de estimular o engajamento dos
cidadãos no que tange à democracia.
Segundo Mesquita (2013), a relação entre a mídia e os valores políticos dos
indivíduos é de interação, de modo que a avaliação da qualidade e da legitimidade
da democracia pelos cidadãos se dá pela relação entre sua sofisticação política e as
informações às quais tais indivíduos acessam. Nesse contexto, a expansão do acesso à
internet é indicativa da possibilidade de uso da informação disponível de maneira mais
democrática, já que na maioria dos países há liberdade de acesso a conteúdos diversos,
a critério dos indivíduos. No que se refere à relação entre cyberativismo e partidarismo,
Baker et al (2015) afirmam que as redes sociais são importantes canais para alterações
nas identidades partidárias.
No contexto das democracias consolidadas, a recorrência da constatação do
desalinhamento partidário tornou tal diagnóstico consensual. Contudo, uma série de
pesquisas dedicadas a esta discussão aponta distintos possíveis efeitos decorrentes do
crescente distanciamento entre partidos políticos e o eleitorado, de modo que classifico,
de maneira sintética e assim como em Gimenes (2017), os argumentos entre pessimistas
e otimistas.
Putnam (2002) apresenta uma visão negativa sobre o futuro do relacionamento entre
eleitores e partidos: a redução do engajamento partidário pode conduzir à diminuição
do comparecimento eleitoral, à fluidez na formulação de opiniões e opções de votos
dos eleitores e ao ceticismo com relação aos processos e instituições representativas. Por
sua vez, Whiteley (2011) afirma que os partidos políticos continuam a desempenhar um
papel central na governança das democracias modernas, mas reconhece que o declínio
em sua base voluntária tem implicações importantes para o futuro da democracia, uma
vez que é suscetível de enfraquecer a sociedade civil e minar as relações fundamentais
entre os cidadãos e o Estado. As prospecções pessimistas quanto ao desenvolvimento
do cenário político defendem que a descrença com relação ao Estado e às instituições

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
116 DIREITO PARTIDÁRIO

representativas seria um indício de uma crise de legitimidade, a qual pode até mesmo
culminar em instabilidade democrática (SELIGSON; BOOTH; GÓMEZ, 2006).
Em contrapartida, pesquisadores otimistas apontam para a possibilidade de
aumento da qualidade da democracia, por conta da maior sofisticação do eleitor
(nos termos de Dahl [1997]). Tais indivíduos, mais críticos com relação às instituições
tradicionais e hierarquizadas, seriam portadores de valores fortemente democráticos,
bem como orientados para ações políticas mais horizontalizadas e de autoexpressão
(NORRIS, 1999; DALTON; McALLISTER; WATTENBERG, 2003; DALTON, 2013), o que
teria como principal efeito o distanciamento entre o eleitorado e os partidos.
Considerada a inexistência de consenso acerca dos efeitos do desengajamento,
corroboro a afirmação de Dalton, McAllister e Wattenberg (2003, p. 317), de que “o
desalinhamento partidário tem potencial para produzir consequências, quer positivas,
quer negativas, para a política eleitoral, dependendo do modo como os sistemas
partidários e os eleitores reagem neste novo contexto”.
Nessa mesma linha argumentativa, Dalton, Farrell e McAllister (2011) discordam
dos pesquisadores que afirmam que os partidos políticos estão em crise. Para os autores
destacados, as legendas sofrem processos de adaptação ao contexto político, institucional,
organizacional e ainda a aspectos políticos, tais como a alteração da agenda no mundo
globalizado por meio da introdução de temáticas pós-materialistas (como gênero, questões
ambientais, de imigração etc.). As mudanças dos partidos não seriam apenas causas,
mas também consequências de um processo de mudanças sociais que se manifestam
no meio político e também nas relações sociais estabelecidas pelos indivíduos.
Os autores relativizam o argumento de que a democracia poderia estar em declínio
junto com os partidos, ao afirmar que estes estão se adaptando a novas condições políticas
contemporâneas e que este processo vem se desenvolvendo há mais de um século, o
que significa não uma tendência ao fim da democracia, mas seu fortalecimento por
conta da capacidade de adaptação destas instituições essenciais diante de alterações
relevantes. Sob tal ponto de vista, a evolução da relação entre partidos e eleitores seria
menos preocupante do que diagnostica boa parte da literatura, que toma o conceito
dos partidos de massa como referência ao invés de tratar do desempenho dos partidos
de modo geral (DALTON; FARRELL; McALLISTER, 2011).
Já em se tratando das novas democracias latino-americanas, cujo regime
democrático fora inaugurado ou retomado majoritariamente entre as décadas de 1970
e 1980 e a despeito de dificuldades de ordem política, social e econômica destacadas
por autores como Garretón (1993) e Baquero (2000), não há consenso sobre as formas de
relacionamento dos eleitores com os partidos políticos, de modo que os debates atuais
estão concentrados, por um lado, em entender a evolução do partidarismo na região e,
por outro lado, em identificar os determinantes do partidarismo e potenciais efeitos às
novas democracias em processo de fortalecimento e consolidação.
Desde Alcántara Sáez e Freidenberg (2002), há autores que destacam a relevância
dos partidos à estruturação política das democracias latino-americanas, com destaque
àqueles que apontam a manifestação de partidarismo como importante indicador à
institucionalização dos sistemas partidários nacionais na região (MAINWARING;
SCULLY, 1995; MAINWARING, 2001; MAINWARING; TORCAL, 2005; PAYNE, 2007).
No que concerne aos estudos mais recentes, análises de dados de diferentes naturezas
empreendidas por Carreras, Morgenstein e Su (2013), Albala e Vieira (2014) e Gimenes

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
117

(2017) argumentam no sentido de que a transposição do conceito de desalinhamento


partidário não cabe à maior parte das democracias na América Latina, uma vez que
o referido fenômeno se manifestaria após um período em que fosse verificada a
estabilidade de ao menos um partido ou do próprio sistema partidário com relação ao
enraizamento do eleitorado, algo não verificado de maneira expressiva e longitudinal
até então, incluído o caso brasileiro.

1.3 Partidos políticos, sistema partidário e identificação partidária


no Brasil
A trajetória do sistema partidário brasileiro é de bastante instabilidade. A
inconstância na manutenção de um padrão de organização dos partidos políticos é fator
relevante à discussão sobre o relacionamento entre o eleitorado e tais instituições, em
especial no momento atual, em que vivenciamos a mais longa experiência democrática
da história do país.
Desde o marco político de abertura do sistema partidário em 1979, que representou
passo importante ao fim do ciclo de governos militares e o início do processo de redemo-
cratização, são muitos os estudos que apontam debilidades do sistema partidário e dos
partidos políticos brasileiros, como, por exemplo, o baixo grau de institucionalização
das legendas, a desconfiança do eleitorado com relação aos partidos, a ineficácia das
instituições políticas brasileiras, incluídos os partidos, as denúncias de corrupção e o
alto número de partidos efetivos no Legislativo nacional (GIMENES, no prelo).
Há que se destacar ainda a complexa estrutura institucional brasileira, composta
por um conjunto de regras eleitorais definidas pela fragmentação do poder diante da
combinação entre presidencialismo, representação proporcional e federalismo, bem
como por alianças entre partidos, o que dificulta o fortalecimento dos partidos e gera
baixas representatividade e diferenciação programática (BRAGA, 2010).
Ademais, os acordos estabelecidos nas diferentes esferas em um mesmo pleito
e entre partidos diversos entre uma eleição e outra contribuem para a dificuldade de
diferenciação de tais instituições entre o eleitorado (TAVARES, 1994; CARREIRÃO, 2006;
MIZUCA, 2007; MIGUEL; MACHADO, 2010; SAMUELS; ZUCCO JUNIOR, 2012). Da
mesma maneira, a recorrência de propostas apresentadas por organizações que assumem
bandeiras ideológicas divergentes e o fortalecimento de partidos catch-all contribuem
para a dificuldade dos eleitores em se afeiçoar aos partidos políticos no país.
A despeito desse conjunto de características remeterem à noção de sistema
partidário instável ou sem enraizamento junto à sociedade, a estabilidade nos padrões de
competição eleitoral, a redução da volatilidade nas eleições presidenciais e a relevância
dos laços partidários à estruturação do comportamento político de uma parcela da
população são aspectos que denotam o fortalecimento dos partidos no Brasil.
Tarouco (2010) entende que o sistema partidário brasileiro está razoavelmente
estabilizado, enquanto Bohn e Paiva (2009) e Braga (2010) afirmam que o mesmo encon­
tra-se em meio a um processo dinâmico de institucionalização. Por sua vez, Carreirão
(2014) destaca a proliferação crescente de coligações ideologicamente inconsistentes10

10
O autor utiliza como critérios tanto aspectos ideológicos quanto a polaridade governo x oposição, tomada como
referência para este segundo critério a coalizão de governo no âmbito federal.

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118 DIREITO PARTIDÁRIO

nas eleições para governador, senador e deputados estaduais e federais em 1994, 1998 e
2010, quando considerada a dimensão governo/oposição, aspecto no qual seus resultados
coadunam com aqueles anteriormente identificados em pesquisas de Anastasia, Nunes
e Meira (2010) e Miguel e Machado (2010).
Carneiro e Moisés (2015) corroboram a afirmação de Carreirão (2014) sobre a
tendência de institucionalização do sistema partidário brasileiro, mas destacam que
este se caracteriza por uma dupla face. Por um lado, os partidos cumprem sua função
na arena decisória, com atuação legislativa e executiva a contento. Em contrapartida,
as legendas encontram-se pouco enraizadas junto ao eleitorado, o que demonstra a
fragilidade no atendimento das expectativas dos eleitores com relação à representação.
Tal constatação conferiria ao Brasil o mesmo status verificado por Mair (2003), que
afirmou, considerado um grupo de democracias consolidadas, o declínio dos partidos
junto ao eleitorado e o fortalecimento de seu diálogo com o Estado.
Para além de condicionantes estruturais da legitimação democrática por meio de
partidos e do sistema partidário, a constatação até a década passada era de que poucos
estudos se preocuparam em “[...] olhar os partidos do prisma dos eleitores [...]” (KINZO;
BRAGA, 2007, p. 9). De maneira consonante, Lavareda (1991), Mainwaring e Scully
(1995) e Pimentel Junior (2007) ressaltaram que o desenvolvimento do partidarismo é
fundamental para a consolidação da democracia.
Em termos históricos, a declaração de identificação partidária no período
democrático anterior à ditadura no Brasil (1945-1964) era de cerca de 64% e atingiu
aproximadamente 70% do eleitorado durante o bipartidarismo (LAVAREDA, 1989;
BRAGA; PIMENTEL JUNIOR, 2011). Sobre tais percentuais, entretanto, Pereira (2014)
pondera que há dois fatores que devem ser considerados quando da comparação com
os valores atuais: [1] os analfabetos não participavam dos pleitos, o que significa que os
indivíduos com perfil menos propenso ao desenvolvimento de sentimentos partidários
não estavam legalmente autorizados a votar;11 e [2] as pesquisas eram realizadas
majoritariamente em capitais e áreas urbanas, o que poderia superestimar as taxas de
identificação se consideradas as desigualdades dos contextos urbano e rural.
Após a redemocratização, a identificação partidária sofreu expressiva queda no
país, com comportamento instável ao longo do tempo (RENNÓ, 2007). A expectativa
de Kinzo (2007) de que a retomada de eleições diretas para os cargos majoritários,
na década de 1980, e a experiência contínua de realização de pleitos com múltiplos
partidos contribuíssem para o fortalecimento da lealdade partidária não se confirmou
empiricamente: dados referentes aos anos de 1989 e 2002 apontam redução percentual
mínima (1%) de partidarismo manifestado pelos brasileiros. Segundo a autora, a ausência
de crescimento da identificação do eleitorado com partidos, mesmo após a realização de
três eleições presidenciais, seria um sinal de priorização de candidaturas pessoais, em
detrimento do estabelecimento de vínculos entre partidos e eleitores. Carreirão e Kinzo
(2004) discorreram sobre o período 1989-2002 e verificaram uma média da preferência
por algum partido em torno de 46,5% entre o eleitorado.

11
Considerado o primeiro período democrático, os eleitores correspondiam a 16% da população nacional em 1945
e a 24% em 1962 (LIMA JUNIOR, 1983).

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
119

Em se tratando especificamente do período 2000-2005, Braga e Pimentel Junior


(2011) afirmaram que, apesar da redução da identificação partidária em relação ao
período bipartidário, na primeira parte da década passada verificou-se no Brasil taxas
acima da média mundial e semelhantes a democracias consolidadas, como Dinamarca,
Finlândia, Grã-Bretanha, Irlanda, Noruega e Suécia.
No período entre 2002 e 2010, Veiga (2011) destacou a estabilidade na identificação
partidária, em torno de 39% nos anos inicial e final. Tal manutenção seria positiva e
resultaria de uma recuperação na medida, uma vez que denúncias de corrupção que
irromperam no país durante o período – com maior intensidade em 2005 – conduziram
a uma queda generalizada dos índices de identificação partidária, que atingiram 28%
em 2006, o menor percentual em todo o período pós-redemocratização. Essa redução
atingiu os partidos em geral,12 enquanto no processo de retomada da identificação
partidária o Partido dos Trabalhadores (PT) foi mais efetivo que as demais legendas, de
modo que foi o que mais contribuiu para a retomada do percentual verificado em 2010.13
Contudo, as alterações no sistema partidário e na manifestação de partidarismo
no Brasil não se relacionam exclusivamente ao PT. Ainda que haja atualmente no país
mais de três dezenas de legendas constituídas e que tal número se mantenha elevado ao
longo do período democrático contemporâneo, apenas mais dois partidos se destacam
nacionalmente. Em termos de identificação partidária, Carreirão e Kinzo (2004), Veiga
(2011) e Samuels e Zucco Junior (2012) atribuem aos maiores partidos brasileiros, em
grande medida, a causalidade das alterações nas taxas de partidarismo nos últimos
anos. Enquanto o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) sofreu redução
acentuada no número de identificados, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)
e o PT apresentaram crescimento, o último com grande expressão.
Sobre o PMDB, o partido foi constituído após a alteração da legislação partidária
em 1979, mas suas bases remontam ao MDB, grupo opositor à ARENA e ao governo
militar vigente no país anteriormente. Segundo Sadek (1989), o PMDB foi responsável
pelo protagonismo da transição democrática, de modo que, nas primeiras eleições após
a abertura política, o partido elegeu Tancredo Neves e José Sarney para a presidência
da República e governadores em 22 unidades da federação, além da maior parte dos
senadores e deputados federais e estaduais, o que lhe garantiu o controle dos Executivos
e Legislativos federal e estaduais. Contudo, crises de ordem política e econômica
acometeram o governo Sarney e impactaram negativamente sobre a liderança do
partido no sistema partidário nacional (LAMOUNIER, 1989). Nas eleições presidenciais
seguintes, o partido obteve baixo percentual de votos e, evidenciada a ausência de
lideranças partidárias na esfera nacional, tornou-se coadjuvante nas disputas majoritárias,
consolidando-se como maior aliado de todos os governos federais, e mantendo seu
expressivo desempenho nas eleições parlamentares e para os Executivos estaduais e
municipais (CORTEZ, 2009; MELO; CÂMARA, 2012). Ainda assim, o partido goza de
expressivo desempenho para cargos legislativos (COUTO; ABRUCIO; TEIXEIRA, 2013),

12
Conflitos e escândalos políticos também influenciam o partidarismo em democracias consolidadas, como apontado
em Green, Palmquist e Schickler (2002) e Dalton, McAllister e Wattenberg (2003).
13
Os Estudos Eleitorais Brasileiros (ESEB) posteriores às eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010 apontaram
maior rejeição ao PSDB do que ao PT, mesmo após as denúncias de corrupção no meio da década (RIBEIRO;
CARREIRÃO; BORBA, 2011).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
120 DIREITO PARTIDÁRIO

esteve presente em mais de 90% das coligações a candidaturas para prefeituras desde
2000 (ZUCCO JUNIOR, 2014) e conta com filiados e estruturas institucionais (diretórios
ou comissões provisórias) em praticamente todos os municípios brasileiros (BRAGA;
RODRIGUES-SILVEIRA, 2012).
A disputa eleitoral para a presidência no Brasil encontra-se polarizada entre
PT e PSDB, únicos partidos a apresentar candidatos em todos os pleitos majoritários
desde 1989 e que concentraram ao menos dois terços dos votos válidos nas últimas seis
eleições (GIMENES, no prelo). Enquanto o PSDB surgiu como dissidência do PMDB
durante o processo de elaboração da Carta Magna (KINZO, 1990), o PT foi fundado como
“novidade” no sistema partidário nacional por sua constituição em bases sindicais, de
movimentos sociais e relacionados à igreja católica (KECK, 1992). Aliados na defesa do
Estado de direitos, de liberdades democráticas contra o arrocho salarial e por eleições
diretas para presidente, entre outras bandeiras, o primeiro sinal de distanciamento se
deu quando do restabelecimento do voto direto na disputa majoritária, quando ambos
lançaram candidatos (Lula, pelo PT, e Mário Covas, pelo PSDB). Ainda que o PSDB
tenha apoiado o PT no segundo turno da disputa em 1989, ambas as legendas passaram
a buscar outros parceiros (ANASTASIA; NUNES; MEIRA, 2010).
Diante de tais considerações, evidencia-se que o sistema partidário brasileiro
possui três partidos fortes, embora apenas dois polarizem as disputem majoritárias (PT e
PSDB) e o terceiro se destaque nos níveis subnacionais (PMDB). Além disso, o eleitorado
tem dificuldades em se identificar com a maior parte das organizações partidárias, tanto
por conta do elevado número de partidos existentes quanto pelas diversas coligações
e coalizões estabelecidas pelas legendas e da recorrência de apresentação de propostas
semelhantes. Ademais, as avaliações do desempenho dos eleitos e da situação econômica
e o partidarismo têm peso nas decisões eleitorais dos indivíduos.
Conhecido o histórico do desenvolvimento dos partidos políticos que protagonizam
o sistema partidário nacional, é possível avançar à interpretação acerca dos eleitores
que desenvolvem vínculos subjetivos com as legendas partidárias, a fim de identificar
qual o perfil desses indivíduos e sob quais aspectos o enraizamento dos partidos junto
ao eleitorado contribui para o desenvolvimento da democracia.

1.4 Determinantes e efeitos do partidarismo entre os brasileiros


Os estudos sobre partidarismo no Brasil evidenciaram, especialmente até o
início do século XXI, três aspectos: [1] os partidos encontram-se enraizados entre
parcela minoritária da população brasileira desde a redemocratização na década de
1980; [2] o PT é o partido mais enraizado junto aos brasileiros; e [3] o partidarismo
influencia o voto.
Com relação ao primeiro aspecto, dados de opinião pública coletados desde o
ano de realização da primeira eleição direta para presidente deste período democrático
apontam parcelas superiores a 40% do eleitorado com alguma preferência partidária
entre 1989 e 2013 (1992 fim uma exceção, com 53% de partidarismo) e, após o ano de
realização das grandes manifestações de rua, queda expressiva do partidarismo até
2015, com leve retomada em 2016 (GIMENES et al, 2016). Entretanto, dados do Latin
American Public Opinion Project (LAPOP) referentes ao ano de 2017 indicam nova redução
da medida, dessa vez a apenas 19% do eleitorado.

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
121

Figura 1 – Partidarismo no Brasil (1989-2016)

Fonte: Gimenes et al, 2016, p. 127.

No que tange ao segundo aspecto, é recorrente o resultado de expressividade


do PT entre os eleitores nacionais: mesmo em períodos de crises políticas, é a referida
legenda partidária que concentra mais da metade dos eleitores que declaram algum
vínculo partidário subjetivo. Por ocasião do escândalo de corrupção do “mensalão”,
a redução do partidarismo atingiu a todos os partidos, mas a retomada dos vínculos
se deu de maneira muito mais forte com relação ao PT do que entre outros partidos
(VEIGA, 2011; GIMENES, 2015). Mesmo após o impeachment de Dilma Rousseff (2016),
o partidarismo segue concentrado na legenda, uma vez que os dados do LAPOP
apontam que mais de 50% dos eleitores que declararam vínculo subjetivo com algum
partido em 2017 o fizeram com relação ao PT. Ademais, ainda que a “alma” do partido
tenha se alterado por conta da redução de seu discurso social e aproximação de pautas
liberais, em que consistiriam as bases do lulismo (SINGER, 2012), o partido manteve-se
expressivo por conta da alteração de suas bases sociais ao longo dos anos, sendo que
o perfil do eleitor partidário petista se tornou menos escolarizado e com menor renda
no início desta década, em comparação com a base social do partido quando de sua
fundação e na sua primeira década de existência (VEIGA, 2011).
A despeito das oscilações do partidarismo entre os brasileiros ao longo do tempo
e de que a expectativa de Kinzo (2007) com relação ao enraizamento dos partidos entre
o eleitorado não tenham se consolidado, tal variável é de extrema relevância aos valores,
atitudes e comportamentos políticos daqueles que possuem tais vínculos subjetivos,
conforme demonstram os resultados de muitos estudos sobre o comportamento eleitoral
no Brasil (entre os quais, por exemplo, BALBACHEVSKY, 1992; CASTRO, 1994; SINGER,
2000; CARREIRÃO; KINZO, 2004; CARREIRÃO, 2007, 2008; NICOLAU, 2007; VEIGA,
2007, 2011; RIBEIRO; CARREIRÃO, BORBA, 2011; BRAGA; PIMENTEL JUNIOR, 2011;
SAMUELS; ZUCCO JUNIOR, 2012; PEREIRA, 2014; ZUCCO JUNIOR, 2014), para os
quais os laços partidários se revelam preditores mais expressivos, não raras vezes, do
que fatores sociodemográficos, como escolaridade e renda familiar, à definição do voto.
Em diálogo entre o primeiro e o segundo aspecto destacados, cabe ressaltar que tal

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
122 DIREITO PARTIDÁRIO

relação se manifesta de maneira mais evidente entre identificados com o PT, quando
comparados com outros partidários (PIMENTEL JUNIOR, 2007; CARREIRÃO, 2008;
RIBEIRO; CARREIRÃO, BORBA, 2011; VEIGA, 2011), mas nos últimos anos tem se
verificado também um efeito negativo relacionado ao enraizamento dos partidos, o
antipartidarismo, sobre o qual trato na próxima seção deste capítulo.
Nesta seção, avanço na apresentação de estudos e conclusões acerca do que
representaria o partidarismo para a democracia no Brasil. Para tanto, há três questões a
serem respondidas: Quem são os eleitores partidários no Brasil? Como esses partidários
atuam politicamente? Há diferenças entre partidários que manifestam vínculos com
diferentes legendas?
Com relação à primeira questão, em pesquisa recente, mapeei os determinantes
individuais do partidarismo entre os brasileiros. Tal estudo, que utilizou dados dos
Estudos Eleitorais Brasileiros (ESEBs) de 2002, 2006, 2010 e 2014, destacou as alterações
dos perfis socioeconômico, cognitivo e atitudinal dos eleitores ao longo do período, tanto
tomados os partidários em conjunto (identificados x não identificados com partidos)
quanto por meio de análises específicas entre aqueles que manifestaram laços com as
principais legendas nacionais: PT, PSDB e PMDB. Dada a expressão da candidatura de
Marina Silva nos pleitos majoritários de 2010 e 2014, o PV e o PSB foram incluídos nas
análises (GIMENES et al, 2016).
Os resultados apontaram, primeiramente, a baixa capacidade explicativa de
atributos sociais às variações da identificação dos brasileiros com partidos no período,
tanto para os modelos condensados quanto para aqueles em que as legendas foram
tomadas em comparação. A inclusão de aspectos relacionados à sofisticação política
reduziu ainda mais os já escassos efeitos de sexo, faixa etária, escolaridade e renda
individual sobre o partidarismo, ao mesmo tempo em que confirmou a pertinência da
frequência de acesso a informações, do acompanhamento de campanhas eleitorais, da
capacidade de autoposicionamento no espectro ideológico e da importância atribuída
do voto. Contudo, esse segundo conjunto de variáveis independentes não se mostrou
eficiente para a verificação de diferenças significativas entre eleitores identificados com
o PT em comparação com os demais partidos.
Diante de tais resultados, Gimenes et al (2016) inferiram sobre a relevância do
partidarismo para além do momento eleitoral, uma vez que eleitores que manifestaram
vínculo subjetivo com algum partido apresentaram indícios de serem mais refinados
cognitiva e politicamente do que o “eleitor comum”, não partidário.14 No entanto,
quando a análise se concentrou no interior do grupo partidário, a expectativa de
que tais indivíduos se diferenciassem entre si não se confirmou, de modo que seria
o estabelecimento de laços com as legendas o que importaria para o comportamento
dos brasileiros, independente de qual o partido com o qual tal relação se desenvolve.
No que tange aos efeitos do partidarismo em termos de comportamento político,
Ribeiro, Carreirão e Borba (2011; 2016) analisaram o comportamento dos eleitores
com vínculos subjetivos positivos relacionados aos principais partidos nas disputas
presidenciais, PT e PSDB. A primeira pesquisa apontou diferenças que, apesar

14
Borba, Gimenes e Ribeiro (2015b) e Gimenes (2015) exploraram a relação entre partidarismo e sofisticação política
e cognitiva por meio da replicação da tese de Dalton (2013) sobre o apartidarismo no Brasil, sendo que o segundo
estudo também o fez para o conjunto de países da América Latina. Para o autor estadunidense, escolaridade e
interesse por política comporiam um indicador de mobilização cognitiva.

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
123

de pequenas e decrescentes entre 2002 e 2010, permitiriam distinguir petistas e


peessedebistas: os primeiros manifestariam maior apoio à democracia como sistema
de governo, com defesa do estatismo (maior intervenção do Estado na economia),
preferência por políticas igualitaristas e aceitação em censura em poucos casos; o
segundo grupo se caracterizaria por baixo apoio e menor preferência pela democracia,
redução do papel do Estado, igualitarismo e aceitação de repressão e censura (RIBEIRO;
CARREIRÃO; BORBA, 2011). Os dados referentes a 2014 reforçaram a constatação de
que os eleitores partidários caminham para a indiferenciação atitudinal com relação à
adesão à democracia, preferência por tal regime, estatismo e igualitarismo (RIBEIRO;
CARREIRÃO; BORBA, 2016).
Em ambas as pesquisas, destacou-se, contudo, a expressividade do partidarismo
à estruturação do voto, conforme evidenciado anteriormente, porém, no artigo mais
recente, com destaque a um aspecto ainda pouco explorado em termos empíricos no
Brasil, que se destacou especialmente a partir das manifestações de rua de 2013: o
antipartidarismo, tema da próxima seção.
Para além de aspectos atitudinais, é importante destacar ainda os efeitos do
partidarismo sobre a efetivação de comportamentos políticos. Nesse sentido, autores
como Balbachevsky (1992), Silveira (1998), Singer (2000), Carreirão e Kinzo (2004), Speck,
Braga e Costa (2015), Borba, Gimenes e Ribeiro (2015b) e Speck e Balbachevsky (2016)
investigaram a existência de relações entre partidarismo e participação política, mas
não há consenso entre os resultados, especialmente pelo fato de que, como apontam
Carreirão et al (no prelo), a tentativa de estabelecimento de causalidade entre os dois
fenômenos é complexa, uma vez que pode haver influência mútua entre os vínculos
partidários subjetivos e o desenvolvimento de atividades políticas.
Considerando tal limitação, Carreirão et al (no prelo) se dedicaram a analisar um
conjunto de modalidades de envolvimento político, para as quais buscaram identificar a
existência de relação de influência do partidarismo. Para tanto, selecionaram um conjunto
de dezenove maneiras de participação política, dentre as quais foi possível estabelecer
quatro conjuntos de ações cujo desenvolvimento estaria fortemente relacionado, ou seja,
fatores15 que congregariam ações políticas que indivíduos com perfis semelhantes teriam
maior probabilidade de executar. À exceção de modalidades que não foram passíveis
de agrupamento – seja por alta disseminação entre todos os perfis de eleitores (como a
participação em reuniões de organizações religiosas) ou por outras especificidades –, os
fatores identificados foram: [1] contato com políticos (pedidos de ajuda a vereadores,
autoridades locais, prefeitos, governadores, deputados, senadores, secretarias, ministérios
ou outra instituição pública); [2] associativismo (participação em reuniões de associações
de pais e mestres, de bairro ou profissionais); [3] protesto (participação em manifestações,
assinatura de petições ou abaixo-assinados ou compartilhamento de conteúdo político
na internet); e [4] participação eleitoral (trabalhar em campanha e/ou tentar convencer
alguém a votar em determinado partido ou candidato e votar).
Primeiramente, os autores buscaram verificar se, e em que medida, o parti-
darismo influenciaria cada um dos fatores, ao que verificaram baixa capacidade
preditiva dos vínculos partidários subjetivos com relação ao estabelecimento de

15
O termo fator decorre da natureza do teste estatístico realizado para tal agrupamento, denominado análise fatorial.
Para mais detalhes, consultar Carreirão et al (no prelo).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
124 DIREITO PARTIDÁRIO

contato com políticos, ao protesto e à participação eleitoral. O passo seguinte foi


diferenciar eleitores petistas dos demais, tendo em vista a origem histórica do partido,
decorrente de movimentos sociais, de comunidades eclesiais de base e de sindicatos,
ao que a expectativa teórica foi refutada: eleitores petistas têm menor propensão ao
contato com autoridades do que aqueles partidários de outras legendas, ao passo que
praticamente não se diferenciam por partidos aqueles que protestam e que participam
de atividades eleitorais. Nesse sentido, os autores identificaram que o partidarismo
estrutura, em alguma medida, o comportamento político dos brasileiros, mas que
pouco influencia em tal relação o partido com o qual o eleitor estabelece vínculos
subjetivos (CARREIRÃO et al, no prelo).

1.5 A emergência de sentimentos negativos: indiferenciação,


alienação e antipartidarismo
O diagnóstico de desalinhamento partidário conduz a tentativas de explicações das
relações estabelecidas pelos eleitores com os partidos políticos na contemporaneidade.
Dentre as possibilidades analíticas para a interpretação do fenômeno, destacam-se as
dimensões da indiferenciação, da alienação e do antipartidarismo.
De modo geral, são diversos os autores que demonstram preocupação com esse
afastamento dos eleitores, sendo que Norris (1999) e Dalton (2013), por exemplo, advogam
que cidadãos livres de vínculos partidários subjetivos estariam mais próximos ao ideal
democrático, ou seja, tomariam decisões, conformariam suas opiniões e atitudes e
estabeleceriam comportamentos políticos independentemente de partidos, mas pautados
por seu interesse e conhecimento sobre política. Por outro lado, há também aqueles
que apontam que o desalinhamento refletiria alheamento com relação à política, o que
poderia culminar em riscos à legitimidade democrática (ALBRIGHT, 2009; WITHELEY,
2011; DASSONNEVILLE, HOOGHE e VANHOUTTE, 2012; VAN BIEZEN, MAIR e
POGUNTKE, 2012).
Tendo em vista as análises empreendidas por Borba, Gimenes e Ribeiro (2015b)
e por Gimenes (2015), que apontaram que cerca de dois terços do eleitorado nacional
goza de baixa sofisticação política e cognitiva e não manifesta vínculos subjetivos com
partidos, é salutar discorrer sobre as interpretações que se filiam à segunda perspectiva,
pessimista com relação à ausência de partidarismo e/ou dificuldade de enraizamento
dos partidos políticos no Brasil.
Tendo como referência a pesquisa realizada por Dassoneville e Hooghe (2016)
entre países europeus, Ribeiro et al (2017) buscaram entender como, em que medida
e quais causas do não alinhamento partidário entre os brasileiros, pautados pelos
conceitos de indiferenciação e de alienação, tomados como antagônicos pela literatura
internacional. Com relação a tais aspectos,

O termo indiferenciação é mobilizado pelos autores em seu sentido original, o de identificar


eleitores que percebem pouca ou nenhuma distinção entre os partidos e estão propensos
de modo similar a votar nas diversas legendas. [...] Já o termo alienação remete à percepção
de que todas as alternativas partidárias estão distantes dos (e pelos) eleitores, de modo
que eleitores alienados também têm reduzida sua disposição para votar, por conta dos
custos envolvidos. (RIBEIRO et al, 2017, p. 5)

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
125

Nesse sentido, o primeiro aspecto caracterizou-se pela distinção entre as notas


atribuídas (em uma escala onde 0 significava não gostar de modo algum do partido e
10 significava gostar muito do partido) ao PT e ao PSDB. Assim, a diferença entre as
notas representava em que medida os eleitores percebiam os partidos como distintos,
de modo que, em contrapartida, quanto menor o resultado, maior a indiferenciação
entre os partidos pelo eleitorado. Já a alienação diz respeito ao conjunto de eleitores que
declarou não gostar de nenhum partido e que nenhum partido representa sua maneira
de pensar. Tendo em vista a literatura internacional, a indiferenciação seria positiva,
pois remeteria à independência política do eleitorado – mais sofisticado – com relação
aos partidos, enquanto a alienação representaria apatia ou falta de interesse político.
Tendo em vista dados das quatro ondas do ESEB (2002-2014), os autores verificaram
que tanto a indiferenciação quanto a alienação se manifestaram em maior medida em
períodos de crise política, uma vez que nas eleições de 2006 e de 2014 – posteriores
ao escândalo do mensalão e às manifestações de junho de 2013 (não somente, mas
especialmente) – ambos os indicadores foram maiores do que nos pleitos de 2002 e de
2010. Com relação aos seus determinantes, os resultados permitiram inferir que em
muitos casos os mesmos eleitores que têm dificuldade em diferenciar os partidos são
também alienados, o que implicou resultado distinto da expectativa teórica de que a
indiferenciação fosse positiva ao fortalecimento democrático, especialmente porque em
ambos os casos verificou-se baixa sofisticação política do eleitorado. Por outro lado,
e é este um ponto positivo, tal resultado aponta que os partidos ainda exercem papel
relevante na estruturação do mundo da política para os brasileiros, fornecendo atalhos
informacionais ao seu posicionamento (RIBEIRO et al, 2017).
Para além da manifestação de indiferenciação e/ou de alienação por parte
do eleitorado brasileiro, especialmente a partir das manifestações de rua em 2013
destacaram-se bandeiras e pautas antipartidárias. Segundo Paiva, Krause e Lameirão
(2016), ainda é incipiente a conceituação do que seria o antipartidarismo ou os sentimentos
negativos com relação a partidos, de modo que os cientistas políticos têm como desafio
estabelecer a conceituação e a maneira mais adequada de mensurar o fenômeno. De
modo geral, segundo as autoras,

O antipartidarismo é um fenômeno multifacetado, que pode decorrer da crença do eleitor


de que a sua maneira de pensar não é representada por nenhum partido existente, de
uma indiferença ou ainda do desencanto deste em relação à política e, em consequência,
uma rejeição generalizada e radical aos partidos enquanto organização política. (PAIVA;
KRAUSE; LAMEIRÃO, 2016, p. 638)

Assim, apesar de autores como Rose e Mishler (1998), Medeiros e Nöel (2014) e
Samuels e Zucco Junior (2015) afirmarem que o antipartidarismo é aspecto relevante à
estruturação do comportamento eleitoral e do comportamento político dos indivíduos,
pouco ainda se sabe sobre o fenômeno. No caso específico do Brasil, os poucos trabalhos
sobre o tema focaram principalmente no PT (SAMUELS; ZUCCO JUNIOR, 2015; RIBEIRO;
CARREIRÃO; BORBA, 2016; PAIVA, KRAUSE; LAMEIRÃO, 2016).
Em se tratando dos perfis sociodemográficos dos antipetistas, em sua análise de
dados do ESEB (2002-2014) Ribeiro, Carreirão e Borba (2016) verificaram probabilidade
de serem mais velhos apenas em 2002, enquanto níveis de escolaridade (para 2006,
2010 e 2014) e pertencimento ao grupo étnico branco (2002, 2010 e 2014) aumentariam

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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a chance de rejeição ao PT. Por fim, os autores verificaram ainda que os antipetistas
são menos interessados por política que os demais brasileiros em ambos os anos em
que havia tal variável independente (2002 e 2014), enquanto o sexo dos entrevistados
(para todos os anos) e residir em capitais (2002) não foram significativos ao modelo.
Com relação ao voto, tanto Samuels e Zucco Junior (2015) quanto Ribeiro, Carreirão
e Borba (2016) identificaram efeitos expressivos do antipetismo como estruturante da
opção por candidatos de oposição ao PT, com maior influência até mesmo do que a
própria manifestação de partidarismo relacionada à legenda pela qual se candidatou o
oponente ao/à candidato/a petista nos pleitos presidenciais das últimas duas décadas.

1.6 Considerações finais


O presente capítulo foi construído com o objetivo de oferecer um compêndio
acerca da produção acadêmica referente ao tema do partidarismo no Brasil. Para tanto,
apresentou aspectos teóricos, históricos e empíricos acerca das relações estabelecidas
pelos eleitores brasileiros com os partidos políticos.
De modo direto, o compêndio de resultados apresentado é composto por oito
itens. Os três primeiros foram anunciados ao longo do texto e dizem respeito a aspectos
amplamente apontados por pesquisas nacionais. Já os demais itens dizem respeito ao
balanço de literatura realizado pelo autor, cuja sistematização conduziu às constatações
que seguem.
Eis uma síntese do conhecimento acadêmico sobre o enraizamento dos partidos
políticos entre o eleitorado no Brasil:

1. os partidos encontram-se enraizados entre parcela minoritária da população


brasileira desde a redemocratização na década de 1980;
2. o PT é o partido mais enraizado junto aos brasileiros;
3. o partidarismo influencia o voto;
4. eleitores que estabelecem vínculos subjetivos com partidos gozam de maior
sofisticação política e cognitiva, ao passo que aqueles com baixa sofisticação
tendem a ter dificuldade em diferenciar os partidos e/ou se tornam alienados
às referidas instituições;
5. o partidarismo influencia, em alguma medida e sem desconsiderar a possibi-
lidade de efeito mútuo, modalidades de envolvimento político relacionadas
ao contato com autoridades, protesto e participação eleitoral;
6. há cada vez menos diferenciação com relação ao perfil social, atitudinal e
comportamental dos eleitores que manifestam partidarismo com distintas
legendas;
7. estudos sobre antipartidarismo destacam a emergência e fortalecimento de
sentimentos negativos com relação ao PT;
8. o antipetismo estrutura o voto em candidatos de oposição ao partido, em
maior medida, inclusive, do que o partidarismo manifestado pela legenda
do candidato que recebe o voto.

Diante do exposto, tendo em vista aspectos teóricos relacionados à relevância


do partidarismo e do enraizamento dos partidos políticos junto ao eleitorado para

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ÉDER RODRIGO GIMENES
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE ELEITORES E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
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o funcionamento das democracias, bem como aspectos históricos relacionados à


conformação das principais legendas e do sistema partidário brasileiro em contato com
o eleitorado, o conjunto de conclusões acima elencadas permite duas considerações
relevantes.
A primeira diz respeito à importância do partidarismo (em medida global).
Considerando que a maioria dos brasileiros goza de baixa sofisticação política e cognitiva,
eleitores que estabelecem vínculos partidários subjetivos dispõem de maior capacidade
de interpretação e atuação no mundo da política, o que significa que, neste momento em
que a redemocratização completa três décadas, os partidos seguem exercendo função
essencial à organização da política no Brasil.
A segunda consideração é específica com relação ao PT. Por conta de seu
surgimento como partido decorrente de articulações de ações coletivas e grupos sociais
e populares, o partido destacou-se desde o início da década de 1980 frente às demais
legendas, de modo que desde então (e até a atualidade) o PT estruturaria o sistema
partidário brasileiro e se constituiria em sua “espinha dorsal” (SINGER, 2000). Em
contrapartida – e certamente por conta de suas gestões à frente do Governo Federal,
das políticas públicas implementadas em combinação com ações econômicas liberais,
das denúncias de corrupção do mensalão, das acusações contra a presidenta Dilma
Rousseff e de seu impeachment – também se fortaleceu o sentimento negativo com relação
ao partido, sendo que este tem se destacado como preditor do voto de oposição ao PT.
Em outras palavras, se o petismo estrutura o comportamento político de parcela dos
brasileiros, o antipetismo também tem se revelado estruturante do comportamento
eleitoral de outro conjunto do eleitorado nacional.

Referências
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latinoamericanos en el escenario reciente. Política – Revista de Ciência Política, v. 52, n. 1. p. 145-170.
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thesis. Electoral Studies, n. 28, v. 2, p. 248-260.
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Campinas, v. 8, n. 2, p. 137-157.
ALMOND, G. A., VERBA, S. 1989 [1963]. The civic culture: political attitudes and democracy in five nations.
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GIMENES, Éder Rodrigo. Considerações sobre as relações entre eleitores e partidos políticos no Brasil.
In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 109-133. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 2

ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE


FIDELIDADE PARTIDÁRIA

GABRIELA ROLLEMBERG

2.1 Introdução: os desafios da Justiça Eleitoral decorrentes da


competência para julgar processos que tratam da infidelidade
partidária
O tema da fidelidade partidária voltou a ser discutido no âmbito do Tribunal
Superior Eleitoral a partir da Consulta nº 1.398 formulada pelo então Partido da Frente
Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), que diante da migração de diversos filiados eleitos
na legislatura 2007-2011 para outras legendas, formulou questionamento indagando
sobre a possibilidade de a agremiação preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral
proporcional quando houver pedido de cancelamento de filiação ou transferência do
candidato eleito pelo partido para outra legenda.1
A resposta do Tribunal foi afirmativa, reacendendo a discussão sobre o tema
da fidelidade partidária, que já havia sido analisado de forma diametralmente diversa
pelo Supremo Tribunal Federal em precedentes anteriores, tal como no Mandado de
Segurança nº 20.927, da relatoria do Ministro Moreira Alves,2 e no Mandado de Segurança
nº 23.405, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.3
Em virtude do posicionamento do TSE, a discussão sobre o tema voltou ao
Supremo Tribunal Federal por meio dos Mandados de Segurança nº 26.602,4 26.6035 e
26.604,6 os quais se insurgiram contra o ato do Presidente da Câmara dos Deputados,
que se recusou a declarar vagos os mandatos dos parlamentares que se desfiliaram para
dar posse aos suplentes do partido, com base no que decidido na Consulta nº 1398.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o tema, ratificou o entendimento do
Tribunal Superior Eleitoral na Consulta nº 1398, estabelecendo que a permanência do

1
TSE, Consulta nº 1398, Rel. Ministro César Asfor Rocha, julgado em 27.3.2007, DJ 8.5.2007, p. 143.
2
TSE, MS nº 20927, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 15.4.1994, p. 8061.
3
TSE, MS nº 23405, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ 23.4.2004, p. 8.
4
STF, MS nº 26602, Rel. Min. Eros Grau, DJe 17.10.2008, p. 190.
5
STF, MS nº 26603, Relator Ministro Celso de Mello, DJe 18.12.2008, p. 318.
6
TSE, MS nº 26604, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 2.10.2008, p. 135.

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136 DIREITO PARTIDÁRIO

parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção


da representatividade do eleitor, e que, por essa razão, o abandono de legenda enseja a
perda do mandato, ressalvadas situações específicas, como, por exemplo, mudanças na
ideologia do partido ou perseguições políticas, que deveriam ser definidas e apreciadas
caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O Tribunal Superior Eleitoral, em observância ao que decidido pelo Supremo
Tribunal Federal, editou a Resolução nº 22.610/2007, para disciplinar o processo de
perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, e estabeleceu
como hipóteses de justa causa: I) incorporação ou fusão do partido; II) criação de novo
partido; III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; IV) grave
discriminação pessoal.
A partir do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal e da edição da Resolução
nº 22.610/2007 pelo Tribunal Superior Eleitoral, iniciou-se uma nova competência para
a Justiça Eleitoral. Afinal, o entendimento da jurisprudência sempre foi pacífico no
sentido de que a competência da Justiça Eleitoral cessava com a diplomação dos eleitos,
com exceção das cassações de mandatos por causas eleitorais tais como, por exemplo,
a prática de captação ilícita de sufrágio, condutas vedadas, e abuso do poder político
e econômico durante a eleição.
Na verdade, a perda de mandato eletivo por causas não diretamente eleitorais, até
então, era considerada “tema pertinente ao direito constitucional, federal ou estadual,
que ultrapassava os limites do direito eleitoral”.7 São inúmeros os precedentes nesse
sentido.8
A Justiça Eleitoral partia do pressuposto de que as questões que envolvem o
exercício do mandato em si tinham natureza eminentemente política, e não eleitoral.
Questões como as mencionadas nos mandados de segurança julgados pelo Supremo,
que trataram da justa causa para desfiliação pela mudança na orientação programática
da agremiação ou por eventual perseguição política do filiado, eram tidas como temas
interna corporis dos partidos políticos, o que afastava a competência da Justiça Eleitoral,
que a atribuía à Justiça Comum.9
Não se pretende discutir se foi correto ou não o entendimento do Supremo
Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral que culminou na criação dessa nova
competência para a Justiça Eleitoral a partir da interpretação da Constituição Federal.
A questão é que, a partir da inauguração dessa competência, a Justiça Eleitoral se viu
diante da necessidade de ingressar em um campo desconhecido, por ter que adentrar
nas questões políticas e intrapartidárias que envolvem a fidelidade, temas sobre os
quais nunca havia se pronunciado antes.
Muito embora o Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução nº 26.610/2007,
tenha buscado positivar ou tornar objetivas as premissas de justa causa contidas na
Consulta nº 1.398 e nos acórdãos dos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603, e

7
TSE, Resolução nº 17.643, Relator Min. Paulo Brossard, DJ 20.1.1992, p. 142.
8
Nesse sentido, ver os seguintes julgados: TSE, Consulta nº 1392, Relator Min. José Delgado, DJ 11.12.2006, p. 214.
TSE, Consulta nº 1.236, Relator Min. Gerardo Grossi, DJ 1º.6.2006. TSE, Consulta nº 761, Relator Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, DJ 12.4.2002. TSE, Consulta nº 706, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 1º.2.2002. TSE,
Resolução nº 12.279, Relator Min. Oscar Corrêa, DJ 24.9.1985, p. 16265.
9
Nesse sentido, ver os seguintes julgados: TSE, Representação nº 763, Relator Min. César Asfor Rocha, DJ 27.03.2007,
p. 130. TSE, Petição nº 12230, Relator Ministro Américo Luz, DJ 16.3.1992, p. 3064. TSE, Agravo Regimental em
Mandado de Segurança nº 3890, Relator Ministro Marcelo Ribeiro, DJe 7.4.2009, p. 26.

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GABRIELA ROLLEMBERG
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
137

26.604, o certo é que a análise, na maioria das vezes, depende muito das nuances do
caso concreto, o que tem sido um grande desafio para a Justiça Eleitoral.10
Além disso, apenas em 2015 é que o Poder Legislativo decidiu enfrentar o tema,
por meio da inserção do artigo 22-A na Lei nº 9.096/95, estabelecendo expressamente
que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa,
do partido pelo qual foi eleito”. O texto legal ainda inovou na definição das hipóteses
de justa causa, pois confirmou as excludentes de “mudança substancial ou desvio
reiterado do programa partidário” e de “grave discriminação política pessoal”, e excluiu
as hipóteses de “criação de novo partido” e, “incorporação ou fusão do partido”, e
trouxe a janela partidária como justa causa, uma suspensão temporária da cláusula de
fidelidade, que possibilita que a mudança de partido seja realizada no período de trinta
dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária
ou proporcional, ao término do mandato vigente.
O que se pretende no presente artigo é demonstrar alguns dos aspectos que
precisam ser melhor refletidos na jurisprudência que trata da fidelidade partidária,
possibilitando que as decisões reflitam em maior proporção a verdadeira finalidade
do instituto, que é a preservação da representatividade do eleitor.

2.2 Fidelidade partidária: o elemento mais importante a ser


considerado é o eleitor, e não o partido político
É importante deixar claras algumas das balizas definidas pelo Supremo Tribunal
Federal quanto ao tema da fidelidade partidária, para que se possam demonstrar quais
temas precisam ser revisitados na análise dos casos concretos.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu que, na nossa democracia representativa,
os partidos políticos detém o “monopólio das candidaturas aos cargos eletivos”.11
Isso porque a representação popular apenas é possível por intermédio de um partido
político, o qual deve definir toda a condução ideológica, estratégica, propagandística
e financeira do candidato.
Na perspectiva do que decidido, a relação de fidelidade a ser analisada é formada
por três elementos: eleitor-partido-representante, sendo o partido um elemento essencial
de intermediação entre eleitor e representante.
Ocorre que a análise dos casos concretos julgados pela Justiça Eleitoral revela,
em certa medida, a desconsideração da perspectiva do eleitor, situando-se a discussão
eminentemente entre o partido e o representante, como se fossem os únicos componentes
importantes da relação.

10
É o que revela, por exemplo, o fato de essa competência ter sido definida inicialmente como administrativa, no voto
proferido pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do Mandado de Segurança nº 26.603, mas posteriormente
alterada para a seara jurisdicional. Quando da análise de um caso concreto, o Mandado de Segurança nº 3699, a
Corte percebeu que essa competência somente poderia ser jurisdicional, pois a decisão a ser proferida no processo
poderia implicar na perda do um mandato eletivo. No mesmo julgamento, o Tribunal verificou a necessidade de
incluir a previsão da possibilidade de recurso para instância superior na Resolução nº 22.610/2007, pois, diante
dessa omissão, a insurgência contra as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais estava sendo feita por meio
de impetração de mandado de segurança, por ausência de previsão normativa. Todos esses fatos apenas revelam
que, em se tratando de um novo instituto, é a partir da análise de casos concretos que se verificam eventuais
omissões a serem supridas e erros a serem corrigidos no enfrentamento do tema.
11
STF, MS nº 26603, Trecho do Voto do Ministro Celso de Mello, DJe 18.12.2008, p. 318.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
138 DIREITO PARTIDÁRIO

Não obstante, uma análise detida dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal
Federal na análise dos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, e da resposta
do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta nº 1398, revela que o principal elemento a
ser considerado nessa equação jurídica é exatamente o eleitor que, ao sufragar um
determinado ideário político ou corrente de pensamento, precisa que sua manifestação
de vontade seja representada durante o exercício do mandato.
Em síntese, a finalidade do instituto fidelidade partidária é preservar a “vontade
política expressada pelo eleitor no momento do voto”,12 protegendo assim a confiança que
foi depositada nas propostas defendidas no decorrer da trajetória política pelo partido,
personificadas no momento da eleição por um determinado candidato, resguardando-se
assim o sistema representativo.
Trata-se do verdadeiro sentido do princípio da soberania popular, segundo o qual
“todo o poder emana do povo” (CF, art. 1º, parágrafo único). É exatamente por essa
razão que todas as correntes ideológicas escolhidas pelos cidadãos-eleitores devem ser
representadas no processo político na proporção em que foram escolhidas nas urnas.
Daí a necessidade da fidelidade do mandatário aos cidadãos que o elegeram, pois,
do contrário, o que se tem é um “gesto de intolerável desrespeito à vontade soberana
do povo, fraudado em suas justas expectativas e frustrado pela conduta desviante
daquele que, pelo sufrágio popular e por intermédio da filiação a determinado partido,
foi investido no alto desempenho do mandato eletivo”.13
Portanto, não se trata de uma fidelidade exclusiva ao partido, mas especialmente
de uma fidelidade ao eleitor, a qual não é devida apenas pelo mandatário, mas também
pelo partido político. Afinal, há deveres recíprocos entre os componentes dessa relação,
que, quando descumpridos, geram causas de exclusão da fidelidade, como forma de
preservar a vontade do cidadão-eleitor, e a liberdade de associação e de pensamento.14
Na dinâmica da relação eleitor-partido, o mais importante é que sejam mantidos
os compromissos firmados pela agremiação não só na sua orientação programática, mas
durante a eleição, nas propostas e posicionamentos apresentados durante o processo
eleitoral.
Por sua vez, na dinâmica da relação partido-representante, há uma série de
aspectos a serem levados em consideração. Trata-se de uma relação recíproca, que deve

12
TSE, Consulta nº 1398, Trecho do voto do Ministro Cezar Peluso, DJ 8.5.2007, p. 143.
13
STF, MS nº 26603, Trecho do Voto do Ministro Celso de Mello, DJe 18.12.2008, p. 318.
14
É o que revela o voto do Ministro Cezar Peluso no Mandado de Segurança nº 26.602, que trata com maior
especificidade dessa questão: “Algumas exceções devem, contudo, ser asseguradas em homenagem à própria
necessidade de resguardo da relação eleitor representante e dos princípios constitucionais da liberdade de
associação e de pensamento. São elas, v.g., a existência de mudança significativa de orientação programática do
partido, hipótese em que, por razão intuitiva, estará o candidato eleito autorizado a desfiliar-se ou transferir-se de
partido, conservando o mandato. O mesmo pode dizer-se, mutatis mutandis, em caso de comprovada perseguição
política dentro do partido que abandonou.
Essas são situações em que a desfiliação e a mudança se justificam em reverência à mesma necessidade de pre-
servação do mandato conferido pelo povo ao representante afiliado a determinada agremiação política, com o
intuito de proteger o voto do eleitor, dado, em nosso sistema, não apenas à pessoa, mas sobretudo ao partido
que a acolhe. Resguarda-se aí, em substância, a confiança depositada pelo eleitor nas propostas e ideias cuja
expressão está à raiz do sistema representativo proporcional.
E, porque é o partido, que, em tais hipóteses, terá dado causa ao rompimento daquela relação complexa, por
alteração superveniente de sua linha político-ideológica ou pela prática odiosa de perseguição, será ele, não o
candidato eleito, que deverá suportar o juízo de inexistência de direito subjetivo à conservação do mandato em
sua esfera jurídica”.

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GABRIELA ROLLEMBERG
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
139

ser respeitada por ambas as partes para que seja válida. As obrigações do partido foram
muito bem delineadas no voto da Ministra Cármen Lúcia no Mandado de Segurança
nº 26.604:15

Cabe, aqui, uma palavra sobre os compromissos que o partido político assume com o
interessado em candidatar-se e, posteriormente à sua escolha como candidato na convenção
partidária (art. 8º, da Lei nº 9.504/97), na campanha pela qual ele se terá exposto e pelo que
terá obtido os votos necessários à sua eleição, por integrar aquela organização partidária.
O partido político assume os compromissos de agir de acordo com os respectivos programa
e estatuto (art. 5º da Lei nº 9.096/95), que deverão estar inscritos no Registro Civil e no
Tribunal Superior Eleitoral (art. 9º, inc. I, e 10 da Lei nº 9.096/95).
É também a agremiação partidária responsável pela prestação de contas (arts. 30 e 32 da
Lei nº 9.096/95); pela administração e aplicação do Fundo de Assistência Financeira aos
Partidos Políticos (arts. 38 a 40); pelo acesso gratuito ao rádio e à televisão para realização
de propaganda partidária (arts. 45 a 49 da Lei nº 9.096/95 e art. 241 da Lei nº 4.747/65);
pela utilização gratuita de escolas ou Casas Legislativas para a realização de suas reuniões
ou convenções (art. 51 da Lei nº 9.096/95); pelo registro dos candidatos (art. 11, da Lei nº
9.504/97 e art. 94 da Lei nº 4.747/65; e pela fiscalização da votação e da apuração de votos
(arts. 131, 161 e 162 da Lei nº 4.737/65).
27. Assim, o partido acolhe na convenção exatamente o grupo de interessados que, nos
termos da legislação vigente, haverá de honrar os compromissos do partido e possibilitar,
pela sua atuação vinculada (nos termos do art. 24, da Lei nº 9.096/95), que a organização
partidária tenha possibilidade de ajudar a concretizar os fins que ele expôs à sociedade
como os que buscaria atingir em defesa do bem público.

O “agir de acordo com os respectivos programa e estatuto” envolve uma questão da


maior relevância que tem sido também, em certa medida, mitigada na análise dos casos
concretos pela Justiça Eleitoral. É que as decisões partidárias devem ser necessariamente
tomadas de forma democrática, sem a imposição da vontade dos dirigentes partidários
sobre os filiados.
Em síntese, para que seja válida a cláusula de fidelidade firmada entre partido-
representante, os partidos políticos devem funcionar internamente de forma democrática,
consultando seus filiados sobre os temas mais relevantes e estratégicos.
Esse tema tem sido pouco considerado na análise de casos concretos pela
Justiça Eleitoral. Não se pode encarar sempre com normalidade a divergência interna
na agremiação, consignando que isso não se revela em justa causa para a desfiliação,
quando não foi feito um exame sobre o respeito às diretrizes programáticas no que
concerne à democracia intrapartidária na tomada de decisões, ao respeito ao devido
processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.
Trata-se apenas de fazer uma análise mais consentânea com a realidade dos
partidos políticos brasileiros, a qual é bem delineada pelo Ministro Ricardo Lewandowski,
em seu artigo “Infidelidade Partidária e Proteção da Confiança”:16

No Brasil, como se sabe, os partidos políticos sofreram as vicissitudes da alternância


cíclica entre regimes democráticos e ditatoriais, que impediu, com raras exceções, que

15
TSE, MS nº 26604, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 2.10.2008, p. 135.
16
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Infidelidade partidária e proteção da confiança. Estudos Eleitorais. Tribunal
Superior Eleitoral, v. 5, n. 1, p. 9, jan./abr. 2010.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
140 DIREITO PARTIDÁRIO

desenvolvessem uma base ideológica consistente (FLEISCHER, 2004, p. 249), capaz de


libertá-los do fenômeno que Maurice Duverger, trilhando a senda aberta por Robert
Michels, identificou como o domínio oligárquico dos dirigentes partidários, cujo apanágio
é “o apego a velhas fisionomias e o conservadorismo”. (DUVERGER, 1970, p. 197)

Conforme demonstrado, há aspectos a serem levados em consideração nos


processos de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária, e que têm sido muitas
vezes mitigados por uma equivocada leitura da decisão do Supremo Tribunal Federal.
A ausência de uma análise que leve em consideração a realidade dos partidos
políticos brasileiros tem implicado a construção de uma ditadura partidária, que
reconhece apenas a existência de deveres aos filiados sem que seja necessária uma
contrapartida da agremiação. Como ressalta Cardoso, “deve-se manter permanente
vigilância no sentido de se evitar o desvirtuamento das finalidades do partido político
e com isso transformar a questão da fidelidade partidária em odioso instrumento de
opressão dos filiados [...]”.17
Por outro lado, caso a Justiça Eleitoral analise os casos concretos levando em conta
exatamente a imprescindibilidade de o partido honrar os compromissos firmados com
o eleitorado, tanto quanto seus filiados, tem-se a possibilidade de resgatar a verdadeira
essência dos partidos políticos, que se verão obrigados a assumir posturas cada vez
mais democráticas e ideológicas.
É exatamente a partir das balizas definidas pelo Supremo Tribunal Federal
no julgamento dos mandados de segurança que é possível que se tenha evolução na
análise de algumas temáticas, possibilitando maior coerência ao sistema e eficácia do
instituto da fidelidade, que deixa de ser vista apenas como partidária, para se tornar
político-eleitoral.

2.3 Aspectos polêmicos e atuais sobre fidelidade partidária


2.3.1 Fidelidade partidária em cargos eleitos pelo sistema majoritário
A Consulta nº 1.398, que trouxe toda a questão da fidelidade partidária novamente
para debate, se referia à mudança de partido pelos mandatários eleitos pelo sistema
proporcional, o que também foi a questão concreta trazida nos Mandados de Segurança
nºs 26.602, 26.603 e 26.604 julgados pelo Supremo Tribunal Federal.
No entanto, é certo que a fundamentação desenvolvida naquela ocasião evidenciou
que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que, na nossa democracia representativa,
os partidos políticos detêm o “monopólio das candidaturas aos cargos eletivos”,18 pois
a representação política apenas é possível por intermédio de um partido, o qual deve
definir a condução ideológica, estratégica, propagandística e financeira do candidato.
Nessa perspectiva, como o princípio da fidelidade partidária rege a relação formada
pelo eleitor-partido-representante independente de se tratar do sistema proporcional
ou majoritário, o Tribunal Superior Eleitoral, ao responder à Consulta nº 1.407,19 da

17
CARDOSO, José Carlos. Fidelidade partidária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 62.
18
STF, MS nº 26603, Trecho do Voto do Ministro Celso de Mello, DJe 18.12.2008, p. 318.
19
TSE, Consulta nº 1407, Resolução normativa, Relator Min. Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, Publicação: DJ
28 12 2007, p. 1.

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GABRIELA ROLLEMBERG
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
141

relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, formulada pelo Partido dos Trabalhadores,
que indagava se “os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo
sistema eleitoral majoritário, quando houver pedido de cancelamento de: filiação ou de
transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”, respondeu que
“o partido político será sempre o primeiro e último detentor dos mandatos eletivos,
uma vez que não são estes propriedades dos que os auferem”.
O voto condutor do Ministro Relator traz argumentos firmes quanto ao fato de
que os Partidos Políticos têm a qualidade de autênticos protagonistas da democracia
representativa, seja no sistema proporcional seja no sistema majoritário. Afinal, ninguém
chega ao poder estatal de caráter eletivo-popular sem a formal participação de uma
dada agremiação política. O que traduz a formação de um vínculo necessário entre os
partidos políticos e o nosso regime representativo, a ponto de se poder afirmar que
esse regime é antes de tudo partidário.
Sendo assim, mesmo em se tratando de eleição majoritária, a representação é
operacionalizada pela intermediação partidária, que define de forma conjunta o programa
de governo a ser apresentado, de acordo com o seu próprio programa partidário e o
seu estatuto, o que equivale – ou ao menos deveria – a um contrato de adesão ao qual
o eleitor deve decidir se concorda ou não.
Para compreender melhor os argumentos do Relator, vale a leitura dos seguintes
trechos de seu voto:

14. Dou sequência ao raciocínio para aditar que, a essa função de sujeito processual ativo
que é ínsita aos partidos políticos, a Constituição ajuntou a de intermediário entre o corpo
de eleitores de uma dada circunscrição e todo e qualquer candidato a cargo de representação
popular. O partido enquanto necessária ponte. Elo imprescindível na corrente que vai do
eleitor ao eleito. É como está no inciso V do §3º do art. 14, que torna “a filiação partidária”
uma das explícitas “condições de elegibilidade, na forma da lei”.
15. Ora bem, a essa obrigatoriedade de filiação partidária só pode corresponder à proibição
de candidatura avulsa. Candidatura zumbi ou exclusivamente pessoal, pois a intercalação
partidária se faz em caráter absoluto ou sem a menor exceção. O que revela a inserção
dos partidos políticos na compostura e no funcionamento do sistema representativo, na
medida em que somente eles é que podem selecionar e emprestar suas legendas para todo
e qualquer candidato a posto político-eletivo.
Candidatos deles, partidos (devido a que ninguém em particular é candidato de si
mesmo), para o que a Constituição lhes concede o direito subjetivo de “autonomia para
“definir sua estrutura interna; “organização e funcionamento e para adotar os critérios
de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação
entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo
seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária” (§1º do art. 17).
Autonomia que é reforçada com a regra impeditiva da edição de medidas provisórias
sobre partidos políticos (alínea a do inciso I do §1º do art. 62) e com o desfrute do direito
subjetivo “a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma
da lei” (§2º). Tendo por contrapartida o dever de “prestação de contas à Justiça Eleitoral” e
a “proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
ou de subordinação a estes” (aqui, inciso II do art. 17, e, ali, inciso III desse mesmo artigo).
16. Dizendo as coisas por modo reverso, ninguém chega ao poder estatal de caráter
eletivo-popular sem a formal participação de uma dada agremiação política. O que
traduz a formação de um vínculo necessário entre os partidos políticos e o nosso regime
representativo, a ponto de se poder afirmar que esse regime é antes de tudo partidário.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
142 DIREITO PARTIDÁRIO

Por isso que se fala, em todo o mundo ocidental civilizado, de democracia partidária, como
ressai dos escritos de Norberto Bobbio e Maurice Duverger. [...].
17. Com efeito, a ambiência normativo-constitucional aqui retratada nos autoriza a inferir
que:
I – se o regime representativo brasileiro decola da regra constitucional de que “Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (...)” (parágrafo
único do art. 1º da constituição), esse poder que tem no povo a sua única fonte é o de
natureza, justamente, político-representativa; isto é, poder de se investir, após candidatura
partidária vitoriosa, nos postos de comando político do nosso País, mediante os quais se
constitui e se exercita a democracia indireta ou representativa (por oposição à democracia
direta ou participativa, enunciada pela parte final desse mesmo parágrafo único do art.
1º e também pelo art. 14, caput, da Constituição);
II – se a soberania popular é o primeiro dos “fundamentos” da República Federativa do
Brasil (inciso I do art. 1º), e se tal soberania é a que se exerce “pelo sufrágio universal e,
pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos” (parte introdutória do art. 14),
nada disso é operacionalizado senão pela sobredita intermediação partidária. Vale
dizer, o esquema ou o arranjo político-partidário nacional é via de obrigatório trânsito
pelos exercentes da soberania popular para se chegar até aos candidatos eleitos. Soberania
popular, partidos políticos e candidatos eleitos a se atraírem magneticamente ou no curso
de uma necessária relação “de implicação e polaridade”, como dizia Miguel Reale para
caracterizar as relações de complementaridade ou de mútua causalidade. Aqui, nos autos
desta consulta, relação trina de causa e efeito.
18. Tal caminhar entrelaçado com a soberania popular e candidatos é explicativo, a seu
turno, do “caráter nacional” dos partidos políticos e da liberdade de sua “criação, fusão,
incorporação e extinção (...) resguardados a soberania nacional, o regime democrático,
o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana (...)” e “vedada a
utilização de organização paramilitar” (caput e inciso I do art. 17 da nossa Lei Fundamental,
combinadamente com o §4º desse artigo). É que todo grêmio partidário se define como
segmento, facção, parte, corrente, enfim, de convicção público-ideológica ou de filosofia
política. Centro subjetivado de opiniões convergentes quanto ao modo de conceber e
praticar o governo da polis brasileira, esse caracterizado espaço de irrupção contínua
das relações entre os nossos governantes e governados. Por conseguinte, a cada partido
é franqueado atuar em todas as circunscrições eleitorais brasileiras para divulgar uma
otimizada fórmula de engendrar e operacionalizar o governo do nosso País, e, assim,
arregimentar simpatizantes, associados e candidatos. Estou a dizer: cada partido político
é predisposto a laborar no campo da qualificação informativa dos eleitores-soberanos,
nesse plano da filosofia de governo ou “pluralismo político”, para a formação de blocos
de eleitos com perfil ideológico definido. Fórmula racional de se fazer política, pelo
antecipado conhecimento das linhas de atuação de governo e de oposição, com as
respectivas cobranças de fidelidade programático-partidária e de campanha eleitoral (daí
a parte final do §1o do art. 17, sobre a consignação, em estatuto, de “normas de disciplina
e fidelidade partidária”). Signo de uma autenticidade representativa e de uma lealdade
que têm tudo a ver com legitimação para o desempenho dos cargos públicos e superior
qualidade de vida política para o Brasil.
[...].
22. Numa primeira síntese, é em virtude de toda essa laboriosa engenharia constitucional
que se busca tonificar o pluralismo político e assim elevar os padrões da representatividade
popular em nosso país. Os partidos políticos a ocupar uma posição de nítida liderança no
processo político-eletivo, desde a filiação à escolha dos candidatos em convenção, para
desaguar na fiscalização dos eleitos e no co-desempenho dos cargos assim efetivamente
conquistados. Espécie de ímã e de bússola para simpatizantes, filiados, candidatos, eleitores
e eleitos. Logo, cada agremiação encarnando o civilizado apogeu da institucionalidade,
do coletivo, do estatutário e do programático, a patentear o reconhecimento da posição

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ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
143

de centralidade constitucional de todos eles, grêmios partidários. Seja qual for o cargo
eleitoralmente disputado e obtido. Seja qual for o “sistema” ou o “princípio” eleitoral de
votação (na linguagem da Constituição, “sistema proporcional” e “princípio majoritário”,
o primeiro a figurar no art. 45, e, o segundo, no art. 46).
[...].
37. Com efeito, é preciso conciliar as respectivas interpretações, a partir de uma pre-
ponderância que somente cabe àqueles três anteriores e fundamentais comandos
constitucionais. Donde a imperiosa compreensão de que, ao falar dos deputados federais
como representantes do povo (“A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do
povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito
Federal”), a nossa Lei Maior não recusou ao Presidente da República e aos senadores a
condição de legítimos detentores de uma representação popular (isto seria uma grosseira
negação ao parágrafo único do art. 1º e à parte inicial da cabeça o art. 14). Ela falou do
povo, é certo, porém como categoria demográfica. Não em sentido propriamente político
ou como instância /de poder soberano.
[...].
42. Nesse ritmo argumentativo, e já me encaminhando para o fecho desse voto, tenho
que todos os exercentes de mandato eletivo federal (com seus equivalentes nas pessoas
federadas periféricas) estão vinculados a um modelo de regime representativo que faz do
povo e dos partidos políticos uma fonte de legitimação eleitoral e um locus de embocadura
funcional. Tudo geminadamente, como verdadeiros irmãos siameses. Donde o instituto
da representatividade binária, incompatível com a tese da titularidade do mandato como
um patrimônio individual ou propriedade particular.
43. Respondo, pois, afirmativamente à consulta que nos é dirigida, para assentar que uma
arbitrária desfiliação partidária implica desqualificação para se permanecer à testa do cargo
político-eletivo. Desqualificação que é determinante da vaga na respectiva cadeira, a ser,
então, reivindicada pelo partido político abandonado. É a única resposta que me parece
rimada com a Constituição, toante e consoantemente, conforme procurei demonstrar.
Convicto de que é nò devocional respeito a ela, Constituição, que se propicia à sociedade o
máximo de segurança jurídica. Afinal, só a Constituição governa quem governa. Governa
permanentemente quem governa temporariamente. [...].

Não é por outra razão que, quando da elaboração da Resolução nº 22.610/2007,


o Tribunal Superior Eleitoral contemplou os cargos majoritários, mais especificamente
quando previu no artigo 1020 a possibilidade da determinação de posse do vice, quando
houver a decretação da perda do mandato do titular majoritário por infidelidade
partidária, e expressamente pelo disposto no artigo 13:

Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se apenas às
desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários
eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a
eleitos pelo sistema majoritário.

Esse posicionamento foi reafirmado pelo tribunal ao apreciar a Consulta nº 1.714,21


da qual se extrai que “é reiterada a jurisprudência desta c. Corte Superior Eleitoral de

20
TSE, Resolução nº 22.610/2007. “Art. 10 – Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo,
comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o
suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias”.
21
Tribunal Superior Eleitoral, Consulta nº 1.714, Resolução nº 23.149, Relator: Ministro FELIX FISCHER, DJe de
16.10.2009, p. 26.

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144 DIREITO PARTIDÁRIO

que o mandato eletivo pertence ao partido político e não ao candidato eleito, seja para
cargo majoritário ou proporcional”, e não houve qualquer ressalva quanto ao disposto
na Resolução quando do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº
3.999 e 4.086 pelo Supremo Tribunal Federal.
Vale destacar ainda que a Resolução nº 22.610/2007 serviu de embasamento
para o julgamento de um caso emblemático quanto ao tema da aplicação da fidelidade
partidária aos cargos majoritários pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.
Trata-se do pedido de decretação de perda do mandato do então Governador do Distrito
Federal, José Roberto Arruda, que se desfiliou do partido Democratas (DEM), quando
se deflagrou a crise política decorrente da Operação “Caixa de Pandora” em virtude da
divulgação dos fatos relacionados ao “Mensalão do DEM”, tendo sido aberto processo
interno para sua expulsão.
O Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, ao julgar a Petição nº 335-69,
entendeu que não haveria justa causa para desfiliação, decretando a perda do mandato
do então Governador, trazendo como principais argumentos:

O mandato eletivo, ainda que no sistema majoritário, não pertence ao candidato eleito,
que não é detentor de parcela da soberania popular e não pode edificá-la em propriedade
sua. O poder que do povo advém pelo sufrágio universal não pode ser apropriado de
forma privatística. O candidato, também no sistema majoritário, precisa do partido para
concorrer, pois permanece a filiação partidária como condição de elegibilidade, não sendo
possível uma candidatura autônoma, sem partido. O partido opera como liame entre o
candidato e o eleitor, sinalizando a este que aquele cumprirá as diretrizes programáticas
da lei. Natural que haja a perda do direito ao exercício do mandato quando o eleito se
afastar do compromisso assumido, deixando a sua agremiação política, abandonando a
diretriz programática a que empenhou fidelidade. Isso, independentemente, de haver
ou não suplente ou vice que possa ser empossado no seu lugar, até porque solução
institucional sempre haverá.
Aplica-se a disciplina da Resolução TSE nº 22.610/2007 também para os cargos majoritários.
Aliás, seus artigos 10 e 13 isso indicam claramente. Esse entendimento foi expresso pelo
próprio TSE na Consulta nº 714, em 24/09/2009.
A filiação partidária não é apenas uma condição de elegibilidade, mas também uma condição
para o exercício do mandato. Porque o eleitor elege o candidato, no sistema majoritário,
para honrar determinado programa, do partido a que se filiou para concorrer, é natural
a perda do direito ao exercício do mandato quando o eleito se afastar do compromisso
assumido, deixando a sua agremiação política, abandonando a diretriz programática a
que jurou fidelidade. Isso, independentemente, de haver vice que possa ser empossado
no seu lugar.22

O entendimento proferido pelo Relator e acompanhado pela maioria dos


desembargadores em uma votação apertada, em que houve a necessidade de desempate
mediante o voto do desembargador Presidente, destacou a importância do instituto
da filiação partidária como algo que vai além de um mero requisito positivo para a
candidatura do indivíduo. No entendimento do Tribunal, a necessidade da filiação
partidária não se encerra quando o candidato é eleito, devendo ser observada também
durante o exercício do mandato.

22
Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Petição nº 335-69-DF. Relator: Desembargador MARIO MACHADO,
DJ 18/03/10, p. 1/2.

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ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
145

A ausência de recurso contra o acórdão do TRE-DF por parte da defesa de José


Roberto Arruda não permitiu a ascensão da questão concernente à fidelidade partidária
em cargos majoritários para o TSE, impedindo que houvesse um pronunciamento da
Corte Eleitoral acerca do tema em caso concreto.
Esse tema voltou ao debate em decorrência do ajuizamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 5.081 pela Procuradoria-Geral da República, que questionou
a incidência da Resolução nº 22.610/2007 para os candidatos eleitos segundo o sistema
majoritário, sustentando que a decisão dos Mandados de Segurança nºs 26.602, 26.603
e 26.604 tiveram como pano de fundo o sistema proporcional, e que contemplar o
sistema majoritário implicaria violação ao sistema eleitoral, ao estatuto constitucional
dos congressistas, especialmente os artigos 14, caput; 46, caput; e os parágrafos do art.
77, todos da Constituição Federal.
Nessa perspectiva, a Procuradoria-Geral da República sustentou a inaplicabilidade
da regra da fidelidade partidária ao sistema majoritário. Isso porque o vínculo do mandato
com o partido no sistema majoritário seria mais tênue, pois não se orienta pela mesma
lógica do sistema proporcional. Isso porque supostamente, no âmbito proporcional,
haveria a primazia da escolha de legendas partidárias para compor o poder político,
enquanto que no majoritário o destaque maior residiria no candidato. Alegou ainda
que a perda de mandato no sistema majoritário não beneficiaria necessariamente o
partido, pois as chapas em eleições majoritárias são formadas, em diversos casos, por
candidatos de diferentes agremiações partidárias.
O relator da ação direta de inconstitucionalidade, Ministro Luís Roberto Barroso,
acolheu a fundamentação da Procuradoria, tendo entendido que as decisões da Suprema
Corte nos Mandados de Segurança nºs 26.602, 26.603 e 26.604 tiveram como embasamento
apenas o sistema proporcional. Segundo seu entendimento, em razão da inexistência de
qualquer regra explícita na Constituição a respeito da fidelidade partidária, qualquer
afirmação jurisprudencial acerca do tema “deve decorrer de maneira clara e inequívoca
da Constituição”. Nessa perspectiva, haveria fundamento constitucional para a existência
de fidelidade partidária apenas para sistema proporcional e não no sistema majoritário.
No entendimento do relator, “no sistema majoritário atualmente aplicado no
Brasil, a imposição de perda do mandato por infidelidade partidária se antagoniza
com a soberania popular, que, como se sabe, integra o núcleo essencial do princípio
democrático”. Na sua perspectiva, como o sistema majoritário daria mais ênfase ao
candidato que ao partido, tais peculiaridades não permitiriam a aplicação da regra
da fidelidade partidária, sob pena de frustrar a vontade do eleitor e violar a soberania
popular prescrita no artigo 14 da Constituição Federal. Isso porque retirar o mandato
de um candidato escolhido de maneira legítima implicaria em um “desvirtuamento da
vontade popular vocalizada nas eleições”. Assim, ao igualar os sistemas proporcional e
majoritário no tocante à exigência de fidelidade partidária, a Resolução nº 22.610/2007
estaria violando as peculiaridades de cada sistema eleitoral e afrontando o princípio
da soberania popular.
Surpreendentemente, todos os demais ministros acompanharam o voto do
Relator, e o Supremo Tribunal Federal julgou a ADI procedente decidindo pela
inconstitucionalidade de parte dos artigos 10 e 13 da Resolução nº 22.610/2007 do
Tribunal Superior Eleitoral, entendendo pela inaplicabilidade da regra de perda do
mandato em decorrência de mudança de partido para os candidatos eleitos mediante

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
146 DIREITO PARTIDÁRIO

o sistema majoritário. O Tribunal fixou a seguinte tese: “a perda do mandato em razão


da mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário,
sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor”.
Posteriormente, assentando o entendimento ora consolidado pelo Supremo
Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral editou o enunciado da Súmula nº 67:
“a perda do mandato em razão da desfiliação partidária não se aplica aos candidatos
eleitos pelo sistema majoritário”.23
No entanto, o Tribunal não considerou que, em 29 de setembro de 2015, entrou
em vigor a Lei nº 13.165, que, entre outras alterações, acrescentou o artigo 22-A à Lei
9.096/95, dispondo expressamente sobre a perda de mandato em razão de infidelidade
partidária, e não há na lei nenhuma especificidade no que tange à modalidade do cargo,
se majoritário ou proporcional, nem como se dará a perda do mandato de acordo com
as peculiaridades dos dois sistemas eleitorais.
Ao contrário, a leitura atenta da legislação atual demonstra que o legislador
definiu que os cargos majoritários também se submetem ao princípio da fidelidade
partidária, pois inseriu expressamente a menção ao cargo majoritário no inciso III do
parágrafo único, ao fazer referência à aplicação da “janela partidária”.
Nesse sentido também já se posicionou Augusto Aras:24

A nova Lei reafirma a aplicabilidade do instituto da Fidelidade Partidária às eleições


majoritárias e proporcionais que, respectivamente, investem os chefes do Poder Executivo
nos cargos eletivos e conferem mandatos aos integrantes do Poder Legislativo.
Há normas constitucionais e legais disciplinando a perda dos mandatos políticos por ato
de infidelidade partidária, em ambos os sistemas majoritário e proporcional, com expressa
previsão normativa, sendo certo que a teoria dos poderes implícitos consagra o postulado
de que não existem palavras inúteis na Lei e quem quer os fins deve propiciar os meios,
orientando o princípio hermenêutico constitucional da máxima efetividade da norma.

A interpretação não deve ser diferente, pois a nossa Constituição Federal é clara
quando define que os partidos políticos funcionam como elo entre os cidadãos e o
governo, não apenas no sistema proporcional, como também no sistema majoritário.
A relação “partido-eleitor-representante” exige respeito em ambos os sistemas, haja
vista vivermos em uma democracia indireta, onde os partidos políticos ocupam posição
de protagonismo. Eles são os verdadeiros fiadores de qualquer candidatura, seja ela
majoritária ou proporcional, e não apenas por concederem o tempo de televisão ou
os recursos financeiros, mas principalmente por serem responsáveis pelo conteúdo
das propostas apresentadas na eleição, as quais se espera sejam sempre construídas
conjuntamente com seus filiados, de modo a traduzir o que consta do seu programa
e Estatuto.25
Não é por outra razão que a Lei nº 9.504/97 exige que seja apresentado ainda no
registro de candidatura as “propostas defendidas pelo candidato a Prefeito, a Governador

23
Publicada no DJe de 24, 27 e 28.6.2016.
24
ARAS, Augusto. Fidelidade partidária; efetividade e aplicabilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016,
p. 379.
25
PÁDUA, Thiago Santos Aguiar de; FERREIRA, Fábio Luiz Bragança. Entre o Tribunal e o Parlamento: a atualidade
das lições dos casos de verticalização e fidelidade partidárias no contexto do papel das instituições na reforma
política. Revista da AGU, Brasília-DF, v. 14, n. 04, p. 231-270, out./dez. 2015.

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GABRIELA ROLLEMBERG
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
147

de Estado e a Presidente da República”, pois é o que vai nortear o eleitor no momento


de escolha de seus representantes, pois servirá como baliza para o exercício de todo o
mandato.
A decisão do STF de não aplicar a fidelidade partidária em cargos majoritários
diminui sobremaneira a importância da filiação partidária para que seja possível a
candidatura, condição de elegibilidade contida na Constituição Federal, concedendo
quase que plena autonomia ao titular do mandato majoritário após a eleição, como se
o mandato pudesse ser travestido em propriedade particular.
O partido político funciona como um “instrumento eficaz para a despersonalização
na disputa partidária”, haja vista tratar-se de um grupo de pessoas com uma ideologia
comum.26 O eleitor também leva em conta as principais bandeiras defendidas pelo partido
político ao escolher seu representante majoritário, o que lhe permite certas expectativas
quanto às decisões vindouras. Mudar de partido significa quebrar o contrato firmado
na eleição, o que desvirtua justamente a soberania popular, que serviu de fundamento
para o Supremo Tribunal Federal.
Importante ressaltar ainda que a decisão do Supremo Tribunal Federal que definiu
a inaplicabilidade da fidelidade partidária para cargos majoritários foi um prenúncio
dos debates que posteriormente se instalaram no âmbito do Recurso Extraordinário
com Agravo nº 1054490, que tramitou sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso,
que reconheceu a repercussão geral do tema das candidaturas avulsas.
Naquele caso, a candidatura foi indeferida pela Justiça Eleitoral sob o entendimento
de que a Constituição Federal (artigo 14, parágrafo 3º, inciso V) veda candidaturas avulsas
ao estabelecer que a filiação partidária é condição de elegibilidade. No recurso ao STF,
o candidato sustentou que a norma deveria ser interpretada segundo a Convenção de
Direitos Humanos de San José da Costa Rica, que estabelece como direito dos cidadãos
“votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal
e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores”.
Ao proferir seu voto, o Relator apresentou questão de ordem na qual propôs
reconhecimento da repercussão geral, observando que, na interpretação dada à
Constituição de 1988, prevalece o entendimento de que a filiação partidária é condição
de elegibilidade e, por consequência, são vedadas as candidaturas avulsas. Segundo ele,
é importante que o STF discuta se a interpretação dessa norma constitucional contraria
o Pacto de San José da Costa Rica, que não prevê a exigência de filiação partidária.
O relator lembrou que, no caso da prisão de depositário infiel, mesmo havendo
previsão constitucional e legal para tanto, o STF entendeu que a aplicação das normas
nesse sentido deveria ser suspensa em razão do caráter supralegal do Pacto de San
José. Rememorou também as diversas legislações eleitorais que vigeram no país e
observou que, ao longo do tempo, houve modelos políticos nos quais se admitia as
candidaturas avulsas e outros nos quais a possibilidade era vedada, sem que esse fator
tenha se revelado, por si só, uma causa de crises institucionais. Segundo ele, há vários
argumentos a favor e contra as candidaturas avulsas e, por esse motivo, é importante
a discussão com a sociedade e o Legislativo antes de uma decisão judicial.

26
SILVA, Adriana Campos; SANTOS, Polianna Pereira dos. O princípio da fidelidade partidária e a possibilidade
de perda de mandato por sua violação: uma análise segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. R.
do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ, Belo Horizonte, ano 11, n. 14, p. 13-34, jul./dez. 2013.

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148 DIREITO PARTIDÁRIO

Vale ressaltar que, no âmbito majoritário, outros aspectos precisam ser levados
em consideração quanto às consequências da perda do mandato eletivo por infidelidade
partidária.
Primeiramente, via de regra, para a eleição majoritária, o partido político realiza
uma coligação, se juntando a outros partidos que constroem conjuntamente o programa
para o exercício do mandato. Nessa perspectiva, a coligação equivale a um partido
político na perspectiva do eleitor, que deverá considerar isso no momento do seu voto.
Além disso, o eleitor não elege apenas o titular, mas uma chapa una e indivisível,
que conta também com a participação do vice.27 Nessa perspectiva, não se trata de eleger
uma única pessoa, mas um grupo político capitaneado pelo titular. Caso o titular se
desfilie do seu partido de origem, quebrando com o pacto firmado com o eleitor na
eleição, o vice poderá dar sequência às propostas firmadas na eleição, ainda que seja
filiado a outro partido, sem qualquer violação à soberania popular.

2.3.2 A criação da “janela partidária” e os seus efeitos


A partir do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal e da tradução normativa
firmada pela Resolução nº 22.610/2007,28 as possibilidades de mudança de partido sem
ensejar a perda do mandato ficaram restritas de forma taxativa, trazendo dificuldade
de uma reconfiguração da trajetória política dos mandatários, considerando eventuais
dissonâncias que ocorriam com o partido, mas que não se configuravam em justa causa
na perspectiva da jurisprudência.
Assim, quando o mandato se encaminha para o fim, é comum que se faça uma
análise de custo-benefício sobre a permanência da filiação no partido, considerando
diversos fatores, tais como a posição que o partido vem adotando quanto aos mais diversos
temas e o impacto gerado na opinião pública, a relação estabelecida com a direção do
partido, o tempo de televisão e recursos financeiros que o partido disponibilizou na
eleição anterior e a expectativa quanto ao que será disponibilizado na próxima eleição, a
aliança partidária que será firmada, e as chances de êxito na eleição que se aproxima etc.
Nessa perspectiva é que, desde que se reconheceu o princípio da fidelidade partidária
com o alcance definido pelo Supremo Tribunal Federal, se debatia a criação de uma “janela
partidária”, de modo a definir um momento em que se teria a suspensão temporária dessa
obrigação constitucional, para possibilitar um rearranjo das forças políticas.
No entanto, apenas a partir da reforma eleitoral introduzida pela Lei nº 13.165/2015
é que, após muitos debates e negociação no Congresso Nacional, foi possível definir como
justa causa para desfiliação a famigerada “janela partidária”, a partir do disposto no
artigo 22-A, parágrafo único, inciso III, incluindo na Lei nº 9.096/1995 os seguintes termos:

27
Código Eleitoral. “Art. 91. O registro de candidatos a presidente e vice-presidente, governador e vice-governador,
ou prefeito e vice-prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança
de partidos”.
28
Resolução nº 22.610, de 25 de outubro de 2007.
“Art. 1º – O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo
eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.
§1º – Considera-se justa causa:
I) incorporação ou fusão do partido;
II) criação de novo partido;
III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
IV) grave discriminação pessoal’.

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ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
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Artigo 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa
causa, do partido pelo qual foi eleito.
Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as
seguintes hipóteses:
[...]
III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo
de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término
do mandato vigente.

A mesma reforma eleitoral reduziu o prazo de filiação partidária de um ano para


seis meses antes da eleição, o que postergou a ocorrência da “janela partidária” para o
ano da eleição, possibilitando que, nesse período determinado, aquele que for detentor
de mandato possa migrar para outro partido político sem que decorra qualquer sanção
por suposta infidelidade partidária.
Considerando apenas a relação eleitor-partido-representante, é certo que o ideal
seria que o mandatário tivesse que permanecer filiado durante todo o mandato, para
garantir o cumprimento do pacto firmado na eleição.
No entanto, necessário que se estabeleça uma ponderação de princípios consti-
tucionais, pois não se pode deixar de garantir uma mínima liberdade individual ao
mandatário para se reposicionar em algum momento, principalmente considerando
que a Constituição Federal assegura o pluralismo político.
Caso não se estabelecesse a “janela partidária”, o filiado teria que esperar a
conclusão do seu mandato para poder mudar de partido, ficando sem exercer mandato
até pelo menos obter sucesso numa próxima eleição, o que traria um prejuízo imensurável
para a sua esfera pessoal e trajetória política, violando o princípio da proporcionalidade
e da razoabilidade.
Nessa perspectiva, o legislador buscou uma solução equilibrada, definindo um
período curto de suspensão da aplicação do princípio constitucional da fidelidade
partidária, e reduzindo o prazo mínimo de filiação para seis meses. Buscou assim garantir
que o mandatário cumpra com o compromisso firmado na eleição pelo máximo de tempo
possível, e que apenas seja possível comprometer uma fração menor do momento final
do mandato, quando, pragmaticamente, todas as atenções já estão mesmo voltadas
para a eleição seguinte.
O interessante é que a janela partidária somente se abriria a partir de 2016 e estava
restrita aos que estavam concluindo os seus mandatos municipais, ou seja, apenas aos
vereadores. Para os Deputados Federais e Estaduais, a janela somente se abriria em
2018, no ano da eleição, quando se aproximaria o final do mandato.
No entanto, considerando o contexto político que se encontrava o país, tendo se
iniciado o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff no final de 201529 com
o recebimento do pedido pelo então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha, e ainda por ser ano de eleição municipal, houve um grande movimento por
parte dos congressistas para que se possibilitasse um rearranjo das forças políticas com
a criação de uma nova janela que tivesse duração certa e peremptória.

29
PASSARINHO, Nathalia. Eduardo Cunha autoriza abrir processo de impeachment de Dilma. [online] Disponível
em: <http://www.g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/eduardo-cunha-informa-que-autorizou-processo-de-
impeachment-de-dilma.html>. Acesso em: jan. 2018.

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150 DIREITO PARTIDÁRIO

Assim, veio à tona a Emenda Constitucional nº 91, que definiu que:

Art. 1º É facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi
eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo
do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos
do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.

Dessa forma, a partir da promulgação da emenda em 18 de fevereiro de 2016, os


deputados federais e estaduais puderam se desfiliar do partido para o qual foram eleitos
dentro dos trinta dias, sem que isso impactasse na distribuição dos recursos do Fundo
Partidário ou no acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão, conforme expressamente
definido no texto normativo e confirmado na jurisprudência.30
O interessante é que é uma emenda que tem natureza jurídica totalmente
diferenciada, pois não se inseriu no texto permanente da Constituição Federal, e também
não está contida no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o que
certamente evidencia que foi apenas o instrumento encontrado para excepcionar e
afastar o princípio da fidelidade partidária, tal como bem apontado por Daniel Falcão:

É forçoso ressaltar que se trata de uma Emenda absolutamente sui generis, por várias razões.
A primeira delas reside no fato de ser uma norma constitucional “solta”, já que não houve
qualquer acréscimo, retirada ou alteração do texto constitucional, e nem mesmo altera ou
modifica qualquer dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Ademais, não há qualquer motivo aparente do ponto de vista social, econômico ou
jurídico que justifique a criação dessa “janela”. Politicamente, a Emenda n. 91 pode ser
justificada apenas pela proximidade das eleições de 2016, somada ao fato de a legislação
eleitoral prever desde setembro de 2015 que a regra geral de tempo mínimo de filiação
para candidaturas ser agora de seis meses, e não mais de um ano. Ademais, nada impede
que o Congresso Nacional, ao seu bel prazer, redija, aprove e promulgue emendas com o
mesmo teor a cada dois anos, fato que consistiria na negação ao novo regime de fidelidade
partidária construídos desde as decisões do TSE e do STF em 2007 e 2008.
Na verdade, fica nítido que o Congresso Nacional adotou um novo caminho para desviar
de decisões dos referidos tribunais quando estas não as convêm. O TSE, em 2002, criou
a verticalização das coligações partidárias, em decisão posteriormente referendada pelo
STF. Somente a promulgação de uma Emenda Constitucional (n. 52, de 08 de março de
2006) retirou a verticalização do ordenamento jurídico brasileiro. Na fidelidade partidária,
o Congresso sentiu-se de mãos atadas, diante do aprovação popular e de boa parte da
classe política às respostas das Consultas e ao teor da Resolução n. 22.610/2007.
Diante disso, o Poder Legislativo decidiu por caminhos mais curtos, com aparência de
transitoriedade, para flagrantemente escapar da interpretação que o TSE e o STF deram
a dispositivos da Constituição e do Código Eleitoral quanto à fidelidade partidária: no
sistema proporcional, os candidatos dependem por várias matizes de seus partidos para
serem eleitos e, por isso, o mandato pertence à legenda, e não ao candidato.

Essa questão também foi objeto de estudo de Polianna Pereira dos Santos e Rafaella
Barbosa Leão no artigo “EC 91/2016: emenda constitucional, mutação constitucional ou
mutação jurisprudencial?”, valendo destacar o seguinte trecho:

30
TSE. Consulta nº 10694, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJe, Tomo 88, Data 09.05.2016.
No mesmo sentido: Propaganda Partidária nº 49091, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJe, Data
18.04.2016.

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GABRIELA ROLLEMBERG
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
151

Sem sequer adentrarmos aqui na discussão se a “janela de desfiliação” criada pela emenda
como justa causa, seria mesmo uma causa justa ou não, o que fica em evidência é que o
legislador se acovardou no sentido de enfrentar e alterar a Constituição na questão afeta
à fidelidade partidária (art. 17) e optou por criar uma brecha, via Emenda à Constituição,
para atender interesses daqueles (deputados) que não seriam beneficiados nas eleições
de 2016 pela “janela de desfiliação” criada pela Lei 13165/2015. Certamente, toda essa
manobra, não pode ser uma mutação constitucional.
Diante de tudo isso, como definir a natureza jurídica dessa emenda? Entendemos tratar-se
de uma nova hipótese de alteração da Constituição, que poderia ser chamada de “mutação
jurisprudencial”, pois, a bem verdade, ao que se pode perceber a Emenda Constitucional
nº 91 apenas serviu de instrumento para um desvirtuamento da interpretação sobre
fidelidade partidária e perda de mandato, firmado pelo STF em 2007.

O certo é que, considerando todo o contexto de introdução do princípio da


fidelidade partidária no cenário político-jurídico brasileiro atual, na verdade, houve
demora do Poder Legislativo em dar alguma resposta para as decisões do Poder Judiciário.
Evidente que não se concorda com a criação de janelas transitórias que dependam do
mero juízo político de conveniência do Congresso Nacional. No entanto, considera-se
perfeitamente legítima a criação de uma janela previamente definida e que tenha aplicação
somente no momento final do mandato, quando se definirão as perspectivas para a
próxima eleição, para se estabelecer um novo pacto entre eleitor-partido-representante.

2.3.3 Criação de novo partido como justa causa para desfiliação


Muito embora o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Mandados de
Segurança nºs 26.602, 26.603 e 26.604, tenha se limitado a mencionar como possíveis
hipóteses de justa causa a mudança substancial ou desvio do programa partidário, a
perseguição pessoal, e a incorporação ou fusão, ao normatizar as hipóteses de justa causa
previstas na Resolução nº 22.610/2007, o Tribunal Superior inovou, trazendo a criação de
novo partido como justa causa para desfiliação, o que teve inúmeros desdobramentos
no sistema partidário brasileiro.
A princípio, a ideia seria preservar o pluralismo político, possibilitando a livre
coexistência de pensamentos e concepções políticas. No entanto, desde o primeiro
momento, não faz sentido entender que a desfiliação motivada pela criação de novo
partido é uma causa justa para não perder o mandato.
Afinal, em todas as demais hipóteses de justa causa, quem descumpre o pacto
firmado na eleição é o partido, seja por não cumprir o seu programa ou estatuto, por
perseguir o mandatário, ou por entender que quer dar um novo rumo político ideológico
para a agremiação, com a realização de uma fusão ou incorporação. A traição, em todas
essas hipóteses, seria perpetrada exclusivamente pela agremiação partidária, sem que o
mandatário tenha concorrido com ela. Por essa razão é que haveria a quebra da relação
de confiança com o mandatário, e se abriria a possibilidade de ele migrar sem perder
o direito de exercer plenamente seu mandato.
No entanto, quando se trata do próprio mandatário buscar um novo rumo
por meio da criação de novo partido político, quem está rompendo com a relação de
confiança com o partido e com o eleitor é ele próprio, não havendo como se concluir
que isso se constituiria numa causa justa.

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152 DIREITO PARTIDÁRIO

Ora, a relação tripartite de interesses e valores firmada entre eleitor-partido-


representante corresponde a um contrato que se estabelece na eleição, não sendo
proporcional ou razoável que o mandatário possa ser livre para mudar de posição durante
o exercício do mandato por simplesmente querer aderir a uma nova ideologia, com
um novo programa partidário e propostas diversas daquelas que foram apresentadas
durante a campanha eleitoral.
Nessa perspectiva, o Partido Popular Socialista ajuizou, ainda em 2011, a Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 4583, que tramita sob a relatoria da Ministra Rosa
Weber, e ainda se encontra pendente de julgamento, alegando exatamente que o Tribunal
Superior Eleitoral foi além das balizas definidas pelo Supremo Tribunal Federal quando
da elaboração da Resolução nº 22.610/2007, alegando a violação ao princípio do regime
democrático, ao princípio do voto proporcional para a Câmara dos Deputados, ao
artigo 14, §3º, inciso V, ao artigo 17, caput, e ao artigo 45, caput, da Constituição Federal.
O certo é que a hipótese criada pelo Tribunal Superior Eleitoral acabou se tornando
uma brecha interessante, que acabou por incentivar a criação de diversos novos partidos,
num sistema partidário que já vinha intensamente fragmentado. Após a Resolução nº
22.610/2007, foram criados o Partido Social Democrático (PSD), o Partido da Pátria Livre
(PPL), o Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriotas), o Solidariedade (SDD), o
Partido Republicano da Ordem Social (PROS), a Rede Sustentabilidade (REDE), Partido
da Mulher Brasileira (PMB), e o Partido Novo (NOVO).
Quanto ao tema, importante a leitura da Consulta nº 755-35, da relatoria da Ministra
Nancy Andrighi, e que trouxe algumas definições relevantes, como, por exemplo, a de
que não existe filiação partidária antes da constituição definitiva do partido político,
que somente acontece com o registro perante o Tribunal Superior Eleitoral. Além disso,
definiu que o prazo razoável para que a migração de partido seja considerada justa
causa é de trinta dias depois do registro.31
A criação de partido político se tornou um negócio lucrativo, havendo mais 71
(setenta e um) pedidos de registro de novos partidos políticos tramitando no Tribunal
Superior Eleitoral,32 principalmente a partir do entendimento do Supremo Tribunal
Federal que, ao se pronunciar a respeito da interpretação sobre a representatividade
política para divisão do tempo de propaganda entre os partidos políticos, no julgamento
das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4.430 e 4.795, entendeu que o que deve
prevalecer não é o desempenho do partido nas eleições (critério inaplicável aos novos
partidos), mas, sim, a representatividade política conferida aos parlamentares que
deixaram seus partidos de origem para se filiarem ao novo partido político, recém-criado.
Assim, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a ação para
reconhecer a “portabilidade da representação” na criação de partido político, definindo
que aquele que migra para partido recém-criado leva com ele o tempo de televisão:

Extrai-se do princípio da liberdade de criação e transformação departidos políticos


contido no caput do art. 17 da Constituição da República o fundamento constitucional
para reputar como legítimo o entendimento de que, na hipótese de criação de um novo

31
Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 755-35-DF. Relator: Ministra FÁTIMA NANCY ANDRIGHI. DJe 01/08/2011,
p. 231.
32
Tribunal Superior Eleitoral. Partidos Políticos. Criação de Partidos. Partidos em Formação. Disponível em: <http://
www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/criacao-de-partido/partidos-em-formacao>. Acesso em: 25 jan. 2018.

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ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
153

partido, a novel legenda, para fins de acesso proporcional ao rádio e à televisão, leva
consigo a representatividade dos deputados federais que, quando de sua criação, para
ela migrarem diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos. Não há razão para se
conferir às hipóteses de criação de nova legenda tratamento diverso daquele conferido
aos casos de fusão e incorporação de partidos (art. 47, §4º, Lei das Eleições), já que todas
essas hipóteses detêm o mesmo patamar constitucional (art. 17, caput, CF/88), cabendo
à lei, e também ao seu intérprete, preservar o sistema. Se se entende que a criação de
partido político autoriza a migração dos parlamentares para a novel legenda, sem que
se possa falar em infidelidade partidária ou em perda do mandato parlamentar, essa
mudança resulta, de igual forma, na alteração da representação política da legenda
originária. Note-se que a Lei das Eleições, ao adotar o marco da última eleição para
deputados federais para fins de verificação da representação do partido (art. 47, §3º, da
Lei 9.504/97), não considerou a hipótese de criação de nova legenda. Nesse caso, o que
deve prevalecer não é o desempenho do partido nas eleições (critério inaplicável aos
novos partidos), mas, sim, a representatividade política conferida aos parlamentares
que deixaram seus partidos de origem para se filiarem ao novo partido político, recém
criado. Essa interpretação prestigia, por um lado, a liberdade constitucional de criação
de partidos políticos (art. 17, caput, CF/88) e, por outro, a representatividade do partido
que já nasce com representantes parlamentares, tudo em consonância com o sistema de
representação proporcional brasileiro.33

Os votos vencidos já indicavam os possíveis desdobramentos daquela decisão,


como se extrai do seguinte trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia:

O §3º do artigo 47 da Lei n. 9.504 afirma que “a representação” é medida pelos eleitos, e
este Supremo Tribunal afirmou que os mandatos obtidos são dos partidos. Li todo o voto
do Ministro Relator, que gentilmente, ontem, me encaminhou, e é um belíssimo trabalho.
E a lei refere-se à fusão de partidos, e, em diversas oportunidades, nas peças processuais
e na tribuna, afirmou-se que aquele seria um silêncio eloquente, quer-se apenas saber
qual é a locução desse silêncio, para alguns, até mesmo em votações que nós já tivemos
no Tribunal Superior Eleitoral, é a de que não se quis falar de novo partido; para outros,
significa que não tendo falado nada se poderia ali fazer uma equivalência. Não me parece
que a criação seja situação não prevista por uma omissão legislativa, mas por um silêncio
que determinou qual é a situação.
Também não me toca em nada afirmar que a desfiliação é legítima – claro que ela pode
ser legítima mesmo –, prevista na resolução do TSE. O que importa é que o parlamentar
que tenha se desfiliado por justa causa não perde o mandato, porque teve um direito
reconhecido e garantido por determinação da própria Justiça. Ele não perder o mandato
não significa, a meu ver, que ele possa transferir os direitos que são do partido, e que ele
obteve na eleição, para uma nova agremiação já com vantagens, que são essas decorrentes
do tempo de televisão e do fundo partidário.
Como dito, a eleição desse parlamentar foi proporcionada pela estrutura do partido pelo
qual ele concorreu e que o guindou a essa condição. Não me parece razoável, portanto,
que o parlamentar, que pode desfiliar-se por motivos legítimos mesmo com a criação de
um novo partido, possa se beneficiar da estrutura que lhe foi garantida pelo partido, de
forma isolada ou coligada, e que não foi obtida por ele, porque era o partido que tinha o
tempo de propaganda e o fundo partidário. Muitos deles até mesmo por força da coligação
chegaram a essa condição, para beneficiar, na sequência eleitoral, outro partido novo que
nunca passou por uma eleição e que fica em condições de muitos que estão labutando
tempos para convencer os eleitores. Daí porque não me parece apropriado que o novo

33
Supremo Tribunal Federal – ADI nº 4.430-DF. Relator: Ministro DIAS TOFFOLI, DJ 18.09.13.

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154 DIREITO PARTIDÁRIO

partido se valha de votos transferidos pelos novos filiados para fazer jus à distribuição
de tempo de propaganda em igualdade de condições.
Ao votar no TSE sobre fundo partidário, o Ministro Arnaldo Versiani alertava que, se o
critério fosse esse – que acabaria sendo adotado se fosse julgada procedente esta ação –, a
cada ano, ou, às vezes, a cada mês, nós poderíamos ter de rever essa distribuição para saber
exatamente qual é o tempo devido de propaganda, o fundo partidário a ser distribuído,
em que condições, por força das mudanças de parlamentares para um novo partido.
E, por isso, Senhor Presidente, como eu disse, não vou fazer a leitura do meu voto. Acho que
a conclusão do Ministro Relator é extremamente engenhosa, pode realmente levar a uma
legitimidade. Mas, a despeito dessa visão, que me pareceu realmente muito avançada, até
porque não se chega a uma situação de acabar com tudo, nem de igualdade de uma aplicação
que pode levar a essa mercancia partidária, a um mercado de partidos realmente para ter
até venda, como foi dito aqui da tribuna, minimizam-se os males decorrentes da criação
contínua de novos partidos, mas vou votar vencida, acompanhando a divergência iniciada
pelo Ministro Joaquim Barbosa para manter a constitucionalidade com a interpretação
que vem sendo aceita, que vem sendo adotada, julgando improcedente a Ação n. 4.430,
acompanhando o Ministro Relator no prejuízo da 4.795.

A mencionada decisão do STF teve impacto na distribuição dos recursos do


Fundo Partidário, tendo a questão sido debatida inicialmente quanto ao Partido Social
Democrático (PSD), que requereu ao TSE, por meio da Petição nº 1747-93, a participação
no rateio do montante de 95%, considerada a então representação na Câmara dos
Deputados, não obstante ter sido criado em data posterior à eleição de referência.34
Naquela assentada, o TSE definiu que mesmo os novos partidos não tendo
participado da eleição, teriam direito a participar da distribuição dos recursos do fundo
partidário. Assim, ficou definido que a “portabilidade da representação” seria ampla,
implicando que o parlamentar que se desfiliasse em virtude da criação de novo partido
levaria o tempo de televisão e os recursos do Fundo Partidário equivalentes à parcela
da sua representação.
Em resposta a esse entendimento, que teve grande impacto nos cofres dos partidos
políticos, considerando os diversos partidos criados à época, o que estava implicando
uma verdadeira sangria de partidos tradicionais, foi elaborada a Lei nº 12.875/2013,
que trouxe disposições restritivas justamente para tentar afastar essa interpretação, a
qual dispunha:

Art. 1º A Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 29. ....................................................................
§6º Havendo fusão ou incorporação, devem ser somados exclusivamente os votos dos
partidos fundidos ou incorporados obtidos na última eleição geral para a Câmara dos
Deputados, para efeito da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do acesso
gratuito ao rádio e à televisão.
...................................................................................” (NR)
“Art. 41-A. Do total do Fundo Partidário:
I – 5% (cinco por cento) serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos
que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral; e

34
Nesse mesmo sentido: TSE, Petição nº 174793, Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, Publicação:
RJTSE – Revista de jurisprudência do TSE, v. 23, t. 3, Data 29.06.2012, p. 93TSE, Petição nº 3075, Relator Min. Henrique
Neves Da Silva, Publicação: DJe, Tomo 157, Data 19.08.2013, p. 64.

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GABRIELA ROLLEMBERG
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
155

II – 95% (noventa e cinco por cento) serão distribuídos aos partidos na proporção dos
votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II, serão desconsideradas as mudanças de
filiação partidária, em quaisquer hipóteses, ressalvado o disposto no §6º do art. 29.” (NR)
Art. 2º O art. 47 da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
“Art. 47..........................................................................
§2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do §1º, serão
distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato, observados os
seguintes critérios:
I – 2/3 (dois terços) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara
dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de
representantes de todos os partidos que a integram;
II – do restante, 1/3 (um terço) distribuído igualitariamente e 2/3 (dois terços) propor-
cionalmente ao número de representantes eleitos no pleito imediatamente anterior para
a Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do
número de representantes de todos os partidos que a integram.
.......................................................................................
§7º Para efeito do disposto no §2º, serão desconsideradas as mudanças de filiação partidária,
em quaisquer hipóteses, ressalvado o disposto no §6º do art. 29 da Lei no 9.096, de 19 de
setembro de 1995.” (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Inicialmente, nessas alterações não foram aplicadas o princípio da anterioridade


eleitoral, pois a lei somente entrou em vigor no dia 30 de outubro de 2013, ou seja, a
menos de um ano da eleição de 2014.35
Além disso, a Lei nº 12.875/2013 acabou por ser objeto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 5105, da relatoria do Ministro Luiz Fux, tendo sido declarada
inconstitucional, em virtude dos seguintes fundamentos:36

[...]. 5.2. A legislação infraconstitucional que colida frontalmente com a jurisprudência


(leis in your face) nasce com presunção iuris tantum de inconstitucionalidade, de forma
que caberá ao legislador ordinário o ônus de demonstrar, argumentativamente, que
a correção do precedente faz-se necessária, ou, ainda, comprovar, lançando mão de
novos argumentos, que as premissas fáticas e axiológicas sobre as quais se fundou o
posicionamento jurisprudencial não mais subsistem, em exemplo acadêmico de mutação
constitucional pela via legislativa. Nesse caso, a novel legislação se submete a um escrutínio
de constitucionalidade mais rigoroso, nomeadamente quando o precedente superado

35
“PETIÇÃO. DEMOCRATAS. RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RATEIO. NOVA LEGISLAÇÃO.
DEVOLUÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. LEI Nº 12.875/2013. NÃO
APLICÁVEL ÀS ELEIÇÕES DE 2014. INDEFERIMENTO.
1. As disposições introduzidas pela Lei nº 12.875/2013 não se aplicam às situações consolidadas antes de sua
edição, de modo que permanece inalterado o rateio de recursos do fundo partidário já autorizado nas hipóteses
de migrações partidárias verificadas anteriormente.
2. Ademais, este Tribunal Superior, ao apreciar a Pet nº 769-48/DF, entendeu que a novel legislação não é aplicável
às eleições de 2014, em observância ao princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição,
uma vez ter sido aprovada menos de um ano antes das eleições.
3. Pedido indeferido.”
(TSE, Petição nº 89683, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJe, Tomo 204, Data
29.10.2014, p. 245/246)
36
STF, ADI nº 5105, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01.10.2015, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-049 DIVULG 15-03-2016 PUBLIC 16-03-2016.

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156 DIREITO PARTIDÁRIO

amparar-se em cláusulas pétreas. 6. O dever de fundamentação das decisões judicial,


inserto no art. 93 IX, da Constituição, impõe que o Supremo Tribunal Federal enfrente
novamente a questão de fundo anteriormente equacionada sempre que o legislador lançar
mão de novos fundamentos. 7. O Congresso Nacional, no caso sub examine, ao editar a
Lei nº 12.875/2013, não apresentou, em suas justificações, qualquer argumentação idônea
a superar os fundamentos assentados pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento
das ADIs nº 4430 e nº 4795, rel. Min. Dias Toffoli, em que restou consignado que o art. 17
da Constituição de 1988 – que consagra o direito político fundamental da liberdade de
criação de partidos – tutela, de igual modo, as agremiações que tenham representação no
Congresso Nacional, sendo irrelevante perquirir se esta representatividade resulta, ou não,
da criação de nova legenda no curso da legislatura. 8. A criação de novos partidos, como
hipótese caracterizadora de justa causa para as migrações partidárias, somada ao direito
constitucional de livre criação de novas legendas, impõe a conclusão inescapável de que
é defeso privar as prerrogativas inerentes à representatividade política do parlamentar
trânsfuga. 9. No caso sub examine, a justificação do projeto de lei limitou-se a afirmar,
em termos genéricos, que a regulamentação da matéria, excluindo dos partidos criados o
direito de antena e o fundo partidário, fortaleceria as agremiações partidárias, sem enfrentar
os densos fundamentos aduzidos pelo voto do relator e corroborado pelo Plenário. 10.
A postura particularista do Supremo Tribunal Federal, no exercício da judicial review, é
medida que se impõe nas hipóteses de salvaguarda das condições de funcionamento das
instituições democráticas, de sorte (i) a corrigir as patologias que desvirtuem o sistema
representativo, máxime quando obstruam as vias de expressão e os canais de participação
política, e (ii) a proteger os interesses e direitos dos grupos políticos minoritários, cujas
demandas dificilmente encontram eco nas deliberações majoritárias. 11. In casu, é
inobjetável que, com as restrições previstas na Lei nº 12.875/2013, há uma tentativa obtusa
de inviabilizar o funcionamento e o desenvolvimento das novas agremiações, sob o rótulo
falacioso de fortalecer os partidos políticos. Uma coisa é criar mecanismos mais rigorosos
de criação, fusão e incorporação dos partidos, o que, a meu juízo, encontra assento
constitucional. Algo bastante distinto é, uma vez criadas as legendas, formular mecanismos
normativos que dificultem seu funcionamento, o que não encontra guarida na Lei Maior.
Justamente por isso, torna-se legítima a atuação do Supremo Tribunal Federal, no intuito
de impedir a obstrução dos canais de participação política e, por via de consequência,
fiscalizar os pressupostos ao adequado funcionamento da democracia. 12. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts.
1º e 2º, da Lei nº 12.875/2013.

Depois disso, tivemos a reforma eleitoral realizada pela Lei nº 13.165/2015, que
introduziu o artigo 22-A na Lei nº 9.096/95, passando a disciplinar as hipóteses de justa
causa para desfiliação partidária, trazendo a expressão “somente as seguintes hipóteses”,
sendo que a criação de partido novo passou a não ser mais considerada uma hipótese
autorizativa de desfiliação sem a perda do mandato eletivo. Como já ressaltado, a
legislação restringiu as hipóteses para (I) mudança substancial ou desvio reiterado do
programa partidário, (II) grave discriminação política pessoal e (III) mudança de partido
efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei
para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
Ocorre que a lei entrou em vigor em 29 de setembro de 2015, sendo que o registro
da Rede Sustentabilidade havia sido deferido em 22 de setembro de 2015, do Partido
Novo em 15 de setembro de 2015, e do Partido da Mulher Brasileira no próprio dia
29 de setembro de 2015, os quais, a princípio, não teriam os mesmos benefícios da
“portabilidade da representação”, considerando os termos da nova lei em vigor.

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GABRIELA ROLLEMBERG
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
157

Em virtude disso, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.398, com


pedido de medida cautelar, pela Rede Sustentabilidade, a qual impugnou exatamente
o artigo 22-A da Lei nº 9.096/97, sustentando que, até a edição da Lei nº 13.165/2015,
havia um regime jurídico consolidado, nos termos do art. 1º, §1º, II, da Resolução
TSE nº 22.610/2007, o qual previa que a criação de novo partido constituía justa causa
para a desfiliação partidária. Alegou ainda que, no julgamento da Consulta nº 755-35,
o Tribunal Superior Eleitoral teria ratificado a sua jurisprudência sobre a matéria,
assentando como prazo razoável para a migração de detentores de mandato a partido
novo, sem perda do cargo eletivo, o período de 30 (trinta) dias contados do registro do
estatuto partidário pelo TSE.
Na sua linha principal de argumentação, o art. 22-A da Lei nº 13.165/2015, ao
utilizar a expressão “somente as seguintes hipóteses”, teria excluído, a contrario sensu, a
criação de nova legenda como hipótese excepcional na qual o parlamentar não perderia
o mandato. Com isso, os partidos políticos criados antes da vigência da nova lei, cujo
prazo de 30 (trinta) dias para as filiações ainda estava fluindo, não mais poderiam
receber parlamentares eleitos sem que estes se sujeitassem à perda do cargo eletivo por
infidelidade partidária, o que seria inconstitucional por violar os princípios democrático
(CF/88, art. 1º, caput), do pluralismo político (CF/88, art. 1º, V) e da livre criação de
partidos (CF/88, art. 17).
Uma outra questão destacada foi que o dispositivo impugnado traria problemas
de direito intertemporal pela retroatividade da norma especificamente em relação aos
partidos políticos criados antes da vigência da Lei nº 13.165/2015, mas cujo prazo de 30
dias para as filiações de detentores de mandato eletivo ainda estava transcorrendo. Para
o partido, tanto o STF, na ADI nº 4.430, quanto o TSE, teriam estabilizado as situações
jurídicas advindas da criação de novos partidos políticos, “gerando previsibilidade da
conduta devida para detentores de mandatos eletivos que desejassem se filiar nas novas
agremiações”. Contudo, em função da ausência de disposições transitórias, a lei nova
teria sujeitado o parlamentar à sanção de perda do mandato eletivo por infidelidade
partidária, a qual, inclusive, “alcançaria os fatos submetidos a outra disciplina legal,
retroativamente”. Como resultado, o partido sustentou que o art. 22-A ofenderia também
o princípio da segurança jurídica (CF/88, art. 5º, caput), o direito adquirido (CF/88, art.
5º, XXXVI) e a irretroatividade das normas sancionadoras (CF/88, art. 5º, XXXIX).
O Ministro Luís Roberto Barroso deferiu parcialmente a medida cautelar,
para determinar a devolução integral do prazo de 30 (trinta) dias para filiações aos
partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral até a data da entrada em vigor da
Lei nº 13.165/2015, entendendo basicamente que seria necessário proteger as situações
estabilizadas pela previsão normativa anterior, assegurando uma transição razoável,
em respeito às legítimas expectativas geradas nas novas agremiações e também em
parlamentares que estivessem em vias de se filiarem a elas. Segundo ele, a proteção das
legítimas expectativas criadas em particulares por atos do próprio Poder Público decorre
da obrigação estatal de agir com boa-fé.
Assim, defendeu que a referida expectativa legítima foi gerada nos partidos novos
não apenas pelas manifestações do TSE, na Resolução nº 22.610/2007, e na Consulta nº
755-35, de 2011, mas também por sucessivos pronunciamentos do STF, que implícita
ou explicitamente, assentaram que a migração a legendas recém-criadas constituía
justa causa para desfiliação. Tal expectativa é ainda mais intensa considerando-se que o

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
158 DIREITO PARTIDÁRIO

prazo de 30 (trinta) dias para as filiações aos novos partidos já estava em curso. No caso
específico, alguns parlamentares já haviam migrado para uma dessas novas legendas
pouco antes da edição da Lei nº 13.165/2015.
Não resta dúvida de que havia a necessidade de preservar as situações jurídicas
já consolidadas antes da vigência da Lei nº 13.165/2015, mas entendemos que a alteração
produzida no sentido de revogar a criação de partido político como justa causa para
desfiliação veio em boa hora, na tentativa de fortalecer o princípio democrático, ao
impedir a migração intrapartidária fora dos 30 (trinta) dias anteriores do período
mínimo de filiação, de modo a proteger a correlação entre a votação dos partidos e sua
participação no sistema político, e preservando a vontade expressada pelo eleitor no
momento do voto. Além disso, porque protegeu o princípio da isonomia, ao igualar
a situação de partidos preexistentes e novos, impedindo a transferência do direito de
representação conquistados nas urnas por partidos preexistentes aos novos partidos e
a proliferação dos partidos.

2.4 Considerações finais


O instituto da fidelidade partidária tem se constituído em um grande desafio
para a Justiça Eleitoral, que teve de ingressar em questões políticas e intrapartidárias
que sempre foram alheias à sua competência.
Preocupa a leitura superficial que tem sido feita da decisão do Supremo Tribunal
Federal em alguns casos concretos de que “o mandato é do partido”, pois não revela
exatamente o que decidido e tem levado ao cometimento de alguns equívocos. Por essa
razão, se faz necessária uma reflexão, uma análise crítica do que tem sido decidido, e
de quais os reflexos dessas decisões no alcance do objetivo da fidelidade partidária, ou
seja, na preservação da representatividade do eleitor, da “vontade política expressada
pelo eleitor no momento do voto”.37
Para que seja possível a evolução da jurisprudência sobre o tema, o Poder Judiciário
deverá começar a levar em consideração a realidade dos partidos políticos brasileiros,
pois “a realidade social é algo que não pode ser desvinculado do processo de aplicação
do texto constitucional, sob pena deste cair no vazio”.38
Caso a Justiça Eleitoral se aprofunde na análise dos casos concretos, verificando
minuciosamente qual o verdadeiro pacto firmado entre eleitor-partido-representante no
momento da eleição, abandonando qualquer pré-conceito a respeito dos representantes
que se desfiliam, bem como observando que o verdadeiro sentido da fidelidade é o
respeito à manifestação do eleitor, tem-se a possibilidade de resgatar a verdadeira
essência do sistema partidário brasileiro.
Não se pode desconsiderar ainda a legítima participação do Poder Legislativo
ao revogar a hipótese de criação de partido político como justa causa para desfiliação,
e ao prever uma janela nos 30 (trinta) dias anteriores do período mínimo de filiação. Os
ajustes realizados fortaleceram o princípio democrático, protegendo a correlação entre
a votação dos partidos e sua participação no sistema político, preservando a vontade
expressada pelo eleitor no momento do voto. Além disso, protegeram o princípio da

37
TSE, Consulta nº 1398, Trecho do voto do Ministro Cezar Peluso, DJ 8.5.2007, p. 143.
38
ARAS, Augusto. Fidelidade Partidária: a perda do mandato parlamentar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 341.

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GABRIELA ROLLEMBERG
ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA
159

isonomia, ao igualar a situação de partidos preexistentes e novos. Ao mesmo tempo,


foi assegurada a liberdade de criação de novos partidos e o pluralismo político, por
possibilitar a migração partidária, ainda que em um período determinado de tempo.

Referências
ARAS, Augusto. Fidelidade partidária: a perda do mandato parlamentar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
ARAS AUGUSTO. Fidelidade partidária: efetividade e aplicabilidade. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016.
CARDOSO, José Carlos. Fidelidade partidária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade partidária: impeachment e Justiça Eleitoral. Curitiba: Juruá, 1998.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Expulsão do partido por ato de infidelidade e perda do mandato. Paraná Eleitoral:
Revista Brasileira de Direito Eleitoral e Ciência Política. v. 1, n. 2, p 161-169.
FRANCISCO, José Carlos. Traços históricos dos partidos políticos: do surgimento até a segunda era da
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KINZO, Maria D’Alva. Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985. Revista Brasileira de Ciências Sociais,
v. 19, n. 54, fev. 2004.
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Infidelidade partidária e proteção da confiança. Estudos Eleitorais. Tribunal
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LÓSSIO, Luciana. Infidelidade partidária para os cargos majoritários: análise de um caso concreto. Revista
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PÁDUA, Thiago Santos Aguiar De. FERREIRA, Fábio Luiz Bragança. Entre o Tribunal e o Parlamento: A
atualidade das lições dos casos de verticalização e fidelidade partidárias no contexto do papel das instituições
na reforma política. Revista da AGU, Brasília-DF, v. 14, n. 04, p. 231-270, out./dez. 2015.
PASSARINHO, Nathalia. Eduardo Cunha autoriza abrir processo de impeachment de Dilma. [online] Disponível
em: <http://www.g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/eduardo-cunha-informa-que-autorizou-processo-
de-impeachment-de-dilma.html>. Acesso em: 24 jan. 2018.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1961, v. 1.
RESENDE, Enio. Cidadania: o remédio para as doenças culturais brasileiras. 2. ed. São Paulo: Summus, 1992.
RODRIGUES, Leôncio Martins. Partidos, ideologia e composição social. Revista Brasileira de Ciências Sociais,
v. 17, n. 48, fev. 2002.
SILVA, Adriana Campos. SANTOS, Polianna Pereira dos. O princípio da fidelidade partidária e a possibilidade
de perda de mandato por sua violação: uma análise segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
R. do Instituto de Hermenêutica Jur. – RIHJ, Belo Horizonte, ano 11, n.14, p. 13-34, jul./dez. 2013.
WEBER, M. A “objetividade” nas Ciências Sociais. In: COHN, Gabriel (Org.). Max Weber. Trad. de Amélia Cohn
e Gabriel Cohn. 2. ed. São Paulo: Ática, 1982, p. 105).

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

ROLLEMBERG, Gabriela. Aspectos polêmicos e atuais sobre fidelidade partidária. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 135-159. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.)
ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 3

FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A


DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO OBSTÁCULO
À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR

RICARDO SÉRVULO FÔNSECA DA COSTA

3.1 Introdução
Ao analisar a questão da fidelidade, mandato político e suas fronteiras, que
transita entre a disciplina partidária e o fenômeno da responsividade, em expressão
de sua representatividade popular, parece fulcral, diante da temática abordada e da
natureza induvidosa, a necessidade de se fazer uma correlação entre os prismas da
ciência política e do olhar sociológico, no plano histórico e, por óbvio, no horizonte
jurídico, sendo tais eixos devidamente ajustados aos respectivos tempos sociais, onde
estão sendo experimentados e postos à prova, com o intuito de melhor compreensão
acerca da abordagem posta.
Cada povo, ao longo da história, reclamou de forma explícita, ou implicitamente,
determinados comportamentos de seus governantes em conformidade com suas agruras
existenciais e aspirações reinantes, conforme seu estilo e viabilidades da cena política. É
inolvidável se constatar que, mesmo diante das maiores barreiras da tirania e do arbítrio
vorazes, os movimentos de insurreição sempre existiram ao longo da odisseia sociológica
ao redor do mundo e de governos seculares, repita-se, bem ao modo de cada instante
sócio-político-cultural. A exemplo disso, têm-se as gestações das eclosões de revoluções
e levantes populares. O fato é que, mais cedo ou mais tarde, elas aconteceram. Daí,
nasceram comprovações e convicções de que os dominantes deveriam corresponder aos
pleitos de seus governados, sob pena de, não o fazendo, serem rejeitados na aprovação
dos seus respectivos tecidos sociais, aos quais pertenciam ou faziam parte.
Isto aconteceu em Roma, na Europa, por ocasião do medievo, no próprio período
da revolução industrial, no século XIX, e no decorrer do século XX. Hodiernamente, nas
suas proporções, materializam-se de igual forma também na primeira década e metade
da segunda década, do século XXI.
Com a concepção moderna da chamada essência da democracia representativa, tal
ideia ficou ainda mais próxima de quem elege e de quem é eleito, num ensaio e intento
de sintonia de papéis, quando se está a tratar dos verdadeiros experimentos nos estados
democráticos de direito e correspondentes distanciamentos dos chamados estados

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totalitários, despóticos e tirânicos. Contudo, um novo componente fora introjetado na


substância e conteúdo que embalam a concepção de tais cores e representações do viés
democrático-representativo, qual seja, os limites delineadores das amarras dos ditames
partidários, as devoções programáticas e o império da observância de suas funções em
uma espécie de obrigação com o selo e comando onde os políticos precisam dar respostas
às súplicas de seus agrupamentos eleitorais, e também, aos seus ideários pessoais, estes,
como grande dilema existencial do mandatário e à fidelidade partidária.
Importa ser realçado que as respostas do, e no mandato parlamentar não bastam
ser dadas na condição de meros representantes de um grupo isolado, mas como partícipes
de um fenômeno político-parlamentar que dão e recebem influências em seus debates
nas casas e comissões que atuam, em suas vidas políticas internas como agentes que
projetam e também são movidos e convencidos por novas ideias, propostas e paradigmas
dentro da essência dos debates e ausculta das teses políticas contrárias.
Eis aqui, alguns problemas que carecem de reflexões sérias e desapaixonadas,
como forma de exercício livre, ético e responsável de um mandato parlamentar que
corresponda à própria lógica democrática, enquanto construção a que se presta.
Noutra alameda, não há de ser negligenciada a matriz jurídica onde tantas nuances
precisam ser observadas e, a um só tempo, harmonizadas, tudo em conformidade com
os ditames legais, sob pena de se impingir ao detentor de um mandato parlamentar
o severo ônus da infidelidade partidária, por inobservância de cuidados às cartas
político-programáticas das agremiações que o abrigam, o que, noutro vértice, de igual
sorte, vulnera a afirmação do primado democrático.
Como reflexão precípua, impende desde logo, trilhar-se um norte em que: se
há por parte do mandatário político, ou seja, daquele que recebe a outorga popular a
chancela para mirar os escopos de suas eleições, noutro sentir, existe também a marca
indelével em que as impressões e convicções políticas e sociais também estão presentes
na formação de um parlamentar, quando este venha a decidir por determinado plano ou
outro, sobre dada matéria a ser resolvida, vez que, todo ser politicamente atuante é, em si,
um representante do resultado das convicções que foram e lhe são presentes no decurso
da formação do mandato popular outorgado, não como simples agente da política, mas
como fruto de sua própria existência política e resolução de suas reais funções.

3.2 A crise das ideologias partidárias no Brasil e seus reflexos


políticos
Da análise etimológica do que traduz a ideia de ideologia, chega-se à ótica do
senso comum, e nesta classificação, é o conjunto de objetivos e ideários que têm o
condão de traçar pensamentos, visões, doutrinas e orientações no que toca à vontade
de construir ações sociais, de modo especial, com viés político, em direção a um destino
existencial do fenômeno humano. No caso específico, trata-se de emprestar precípua
atenção a essa categoria de significação ligada à linha semântica, vez que se está sob o
prisma da matéria político-eleitoral.
Segundo a visão marxista, a ideologia atua mascarando a realidade em si.
Contudo, através da história, registra-se, na vocação antropológica dos indivíduos, uma
espécie de inclinação às próprias tendências e seus gostos por materializações de suas
aptidões, mesmo considerando a influência do universo sociocultural que os absorve.

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RICARDO SÉRVULO FÔNSECA DA COSTA
FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
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Nesse passo, é natural que o espírito que os anima exerça considerável marcação em
suas identidades políticas originárias, quando da adoção das cores que mais causa
identificação na ocupação e atuação do seu campo político.
Na contraposição a isto, é inegável que as atmosferas de conveniências, sobretudo
pela sobrevivência e longevidade política, permitem que o aludido fator opere elevado
poder de escolha na definição da matriz ideológica adotada pela classe política. Em um
perfunctório acompanhamento da cena política brasileira, com preponderância após
o advento do marco da Carta Política de 1988, notar-se-á a mitigação da análise das
ideologias e estandartes partidários, em nome do denominado pragmatismo político,
objetivando o explícito, seguro e factível êxito nos resultados das alianças à conquista do
voto, para o evidente alçamento às hostes do poder e, como manutenção dessa lógica,
estendendo aos patamares do objetivo direto da denominada governabilidade, quando
instalados em seus cargos representativos e em seus fins, socorrem-se desta premissa.
No ponto, está-se adotando os ares influenciadores americanos do chamado
presidencialismo de coalizão. Dessa forma, nesse arcabouço, tem-se como forma
de plasmar-se a consequência prática, a relativização das ideologias políticas, pois
inarredavelmente ao se colocar em uso aquele mecanismo, produz-se como reflexo
político a exequibilidade do poder. Todavia, haverá a possibilidade de açoite ao arquétipo
ideológico como efeito colateral ao referido modelo adotado.
Nessa alameda, é relevante ser indagado sobre qual a forma de sobrevivência
no sistema político atual sem que se ponha em uso essa abstração ideológica, e sem
que ocorra o comprometimento da governança? A resposta é, sem maiores divagações,
no sentido de se constatar uma imensa dificuldade para gerir a máquina relacional da
atividade política. E aqui não se fala em promiscuidade de seu exercício, porém na
relativização das bandeiras ideológicas para a consequente vida das próprias legendas
partidárias. O pragmatismo típico da vida comum anglo-saxônica, posto em uso na
vida política brasileira.
A comprovação desse quadro relativista se dá quando se analisa o comporta-
mento de boa parte dos partidos de esquerda que até o final da década de 1980 tinha
forte resistência às alianças com os partidos de centro e, por óbvio, tal dificuldade
era acentuada à materialização das coalizões políticas com as siglas situadas aos
perfis de direita; entretanto, por ocasião dos anos 2000, passou-se a adotar um outro
comportamento ideológico e decidiu-se efetuar alianças, como dito, pragmáticas, até
então acordos políticos impensáveis e díspares com os seus dogmas e pilares ideológicos
outrora, cujo fato levou considerável número de integrantes, filiados e simpatizantes a
abandonarem as militâncias e filiações, levando-os a alinharem-se a outras agremiações,
que mantinham certa devoção às fidelidades ideológicas, animando-os a continuarem
cerrando fileiras em tais agrupamentos, que guardavam, evidentemente, identidades
ideológicas originárias.
Impende ser ressaltado que os mandatos parlamentares e suas correspondentes
desincumbências de atuações políticas sempre estiveram presentes nos dilemas
ideológicos e filosóficos das elites pensantes brasileiras, com especial cuidado de tais
sentimentos em se tratando dos partidos de esquerda e seus ideários históricos de
convicção socialista, em sua essência.
Noutro ângulo, também é verdade que, em se tratando das legendas de direita, tais
convicções também foram muito proeminentes, porém, com a praticidade de colocação

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no campo oposto, por discordar de métodos e ideologias esquerdistas, menos pela dose
de romantismo que embalava a militância simpática aos traços marxistas, mais pela
real exequibilidade, em sua ótica, daquilo que acreditam.
Aqui, não se adentra na seara analítica com o condão de supremacia do pensamento
da direita em relação à esquerda, quando sócio e politicamente, alguns autores fazem
alusão ao marxismo, em relação, consequentemente, à sua ideologia, como por exemplo,
a corrente filosófica do pós-estruturalismo, ao sustentar como superação da própria
doutrina marxista.
No magistério de Aras (2006), ferrenho defensor da fidelidade partidária, o autor
preleciona em relação às legendas, a “fragilidade das estruturas partidárias, desprovidas
em grande parte, de definições ideológicas transparentes”. Isto é capaz de gerar uma
crise de identidade das agremiações e suas pretensas vocações ideológicas, de maneira
a elevar o grau de dificuldade para a defesa da titularidade do mandato, embasar as
próprias ações dos mandatários e criar um estado de ânimo em seus simpatizantes com
força para fidelizá-los.
O efeito desses fenômenos de volatilidade de grande parte das ideologias partidárias
no Brasil pode ser sentido como referido, no desapego às âncoras que arquitetaram os
pensamentos ideológicos de todas as matrizes e horizontes partidários que atuam no
universo nacional. Diz-se volatilidade, pois saem de cena de acordo com as conveniências
e retornam quando recomendável aos seus interesses, com cores retóricas a fundarem
alicerces para içar olhares com vistas às alianças ao pleito eletivo mais próximo.
Diante de tal panorama, é de fácil compreensão se supor que políticos que estejam
em partidos de uma determinada natureza ideológica tenham grande dificuldade de se
manterem fiéis em sua integralidade à mesma, pois os desafios da conhecida sobrevivência
política é bem mais significativo que a fidelidade ao verniz ideológico, isto é o que se
demonstra no caso concreto. Tal situação fica mais nítida ainda quando o bloco de
partidos políticos a que sua agremiação faz parte promove, por conveniências políticas,
verdadeiras reviravoltas em seus apoiamentos às políticas econômicas e financeiras,
quando no transcurso de seus mandatos o político é compelido a seguir tal inclinação que
era a síntese do antagonismo ideológico doutrinariamente defendido em tempos outros.

3.3 A disciplina partidária, independência do exercício do mandato,


a legitimação poupar e a possibilidade da migração de legendas
É necessário, inicialmente, fazer uma breve incursão na ideia conceitual de partido
político, segundo o olhar dado por Amaral e Cunha (2002), quando assim discorrem
sobre a matéria: “Nesse contexto teórico, partido é o grupo formal, juridicamente
personalizado, que assume explicitamente um programa para a organização do Estado
e exercício do poder estatal, empenhando-se em realizá-lo”
No Brasil, é crucial lembrar que ainda não existe o instituto da candidatura avulsa,
como ocorre em outros países, como, por exemplo, nos Estados Unidos da América, onde
o cidadão que quiser construir uma candidatura independente poderá fazê-lo. Inclusive,
tal possibilidade jurídico-legal-eleitoral é muito bem vista pela cultura e eleitorado
americanos, até mesmo fundado na lógica socioantropológica do “made himself”, que
arrima um estilo de vida, por essência, a encarnar o chamado sonho americano, forte
na premissa de que, naquela nação, todas as pessoas podem alçar voos, desde que

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RICARDO SÉRVULO FÔNSECA DA COSTA
FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
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edificados no trabalho forte e contínuo, sempre visitado por ideais de liberdade, ética,
honra, patriotismo e independência.
No ordenamento eleitoral brasileiro, para que o indivíduo possua outorga
jurídica, legitimando-o a disputar eleições, mister se faz estar filiado a um partido
político ou, caso não concorde com as legendas existentes e seus ditames políticos e
ideológicos, há a possibilidade de criar uma nova agremiação, contanto que observadas
as exigências que deverão ser chanceladas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A alma
da representatividade democrática brasileira é confeccionada em um dos requisitos que
é a filiação partidária, para que possa fazer as vezes do exercício do poder, pela via do
acesso eletivo, no âmbito do executivo ou, no legislativo.
No magistério de Franco (1974), quando reporta à expressão “Partidos Políticos”,
na atual concepção, mas que somente foi utilizada a partir do século XVIII, pois até então
essa nomenclatura não continha nenhum traço característico das atuais organizações
partidárias, o autor diz que, mesmo em Roma, onde havia liberdade eleitoral, o uso
da palavra “partido” não tinha a concepção de organização partidária atual, senão de
classes sociais. A formatação dos partidos políticos, nos moldes em que se conhece
atualmente, não era idealizada quando da fundação dos Estados de outrora, eis uma
grande diferença do que ocorre nos Estados modernos.
Impende ressaltar, que a ascensão ao poder se dava, no passado, com o uso da
força, onde a deposição pela espada era voz corrente. Assim, a reunião de pessoas com
o intuito de constituir uma espécie de célula para agrupar ideias diferentes dispostas
à dialética, nunca rimou com a prática dos regimes despóticos e totalitários. As
agremiações partidárias inauguram um novo tempo na arena política, e pressupõem
a possibilidade de disputas e alternâncias no poder, sendo em sua convivência plural,
a forma diametralmente oposta, notadamente, aos estados absolutistas e autoritários.
É muito importante ser frisado que, nos chamados regimes fortes, nas ditaduras,
claramente não existe o pluripartidarismo, entretanto, as suas pseudolegitimações
interessam-se pela presença do bipartidarismo, para que deem a falsa ideia de que
existe oposição e estão fulcrados numa realidade democrática, o que, na verdade, não
é minimamente factível a assertiva e ao universo onde se desenrole o experimento da
vida política democrática.
No corolário do Professor Erick Wilson Pereira, escrevendo sobre os partidos
políticos, o autor jurídico sugere como seria a representação popular plausível por
intermédio dos partidos, assegurando que, no Brasil, a rotina da prática partidária é
bem outra, conforme transcreve Pimenta (2008, p. 34):

Entretanto, esse ideal Kelseniano pressupõe um partido organizado, com um conteúdo


programático, capaz de conduzir seus filiados dentro da diretriz antecedentemente traçado
com base na sua disciplina e política interna. Ao votar num partido, o cidadão estaria, por
conseguinte, escolhendo a melhor proposta política para ser defendida pelo representante
eleito. Esse ideal partidário implica a monopolização do processo político pelos partidos,
visto que não há candidatura independente, mas somente sob legenda partidária. Neste
caso, o candidato é o próprio partido a lutar pelo Poder.

Pensa-se, pois, que no Brasil, os partidos políticos parecem ser muito mais
instrumentos designadores de representantes, do que condutores de ideias e de
disciplina interna entre os seus filiados. Em outras palavras, os partidos parecem ser

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166 DIREITO PARTIDÁRIO

instrumentos que viabilizam a abstenção do exercício individual e dos benefícios do


poder (PIMENTA, 2008, p. 22).
Por outro lado, na visão eminentemente pragmática de Bobbio et al. (1998, p. 87),
renomado doutrinador, a entidade do Partido Político pode ser definida como sendo
“uma associação que visa a um fim deliberado, seja ele objetivo, como a realização de um
plano com intuitos materiais ou ideais, seja pessoal, isto é, destinado a obter benefícios,
poder e, consequentemente, glória para os chefes e sequazes […]”.
Em que pesem todas essas visões e considerações, é de suma importância ser
compreendido que se está falando de um país cuja natureza social, política e jurídica
possui peculiaridades ímpares, em que a engrenagem posta em funcionamento é
permeada por interrupções dos processos democráticos, numa atmosfera que inexista
tradição de segurança política e jurídica, nesta última particularidade, vê-se uma edição
de resoluções e confecções reiteradas, de inovações jurisprudenciais em que, quase a
todo instante, os tribunais mudam de entendimento sobre a abordagem de julgamentos
de suas matérias eleitorais, gerando um túnel que conduz a um sem número de dúvidas
e indagações sobre os limites e bases para as regras do jogo eleitoral. Não há, no caso
brasileiro, sequer uma razoável certeza dos ditames normativos que irão reger uma
próxima eleição. Isso exerce uma influência muito negativa, que interfere até nos humores
e nas convicções dos investidores estrangeiros em relação ao mercado brasileiro.
Diante dessa realidade, não seria sem propósito imaginar outro cenário jurídico que
existisse uma cultura diferente, com molduras mais sólidas e sóbrias em que realmente
os precedentes fossem também mais estáveis, de sorte que seria, sem a menor dúvida,
muito bem-vinda à formatação da maturação do sistema jurídico-eleitoral brasileiro.
Noutro passo, também é pertinente mencionar o elastério de entendimentos, a
exemplo do que concerne ao campo da economia interna partidária e, por assim ser,
só sendo cabível às agremiações divagar e deliberar sobre determinado tema, e o que
realmente compete à justiça eleitoral fazer a projeção da entrega jurisdicional, vez que
está esgotada aquela competência administrativa. Mais ainda, há um terreno nebuloso,
no que diz respeito à competência e à área de exercício jurisdicional dentro das próprias
hostes do Poder Judiciário, quando instaladas a dúvida sobre quem deve se pronunciar
referente a alguma matéria jurisdicional, se seria na justiça especializada eleitoral, ou
se era a hipótese de o deslinde da questão ser feito na justiça cível.
Diante dos universos apontados, de certo modo é compreensível que no imaginário
dos detentores de mandatos, especialmente no que tange aos políticos no exercício de
mandatos parlamentares, haver forte gama de questionamentos atinentes ao modo de
agir dentro de suas legendas político-partidárias, quais os seus espaços de atuação,
quais os marcos e tolerâncias entre possíveis conflitos estatutários partidários, e como
conciliar tudo isso com a liberdade do exercício constitucional de seus mandatos. Há
um terreno limítrofe de algo que pode ser preservado e aquilo que é inegociável para
a identidade de uma atuação política e que corresponda com a legitimação de seu
mandato, legado máximo que fora transmitido através do voto.
Nesse vértice, mirando-se no ensino de Rollo e Carvalho (2005, p. 10), “existe,
reconhecida ao representante, uma liberdade individual de expressão política e um
conjunto de direitos políticos concernentes à representação, o que leva ao livre exercício
do mandato”.
Nesse diapasão, imaginar exclusivamente que um parlamentar se porta bem no
exercício de seu mandato resume-se à observância de um estatuto partidário, e que o

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RICARDO SÉRVULO FÔNSECA DA COSTA
FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
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mandato em nada lhe diz respeito consubstancia-se em uma forma velada de aviltar
o princípio nuclear da democracia representativa. Ainda que se queira fortalecer as
legendas partidárias, como de fato é eloquentemente importante, por outro sentir, não
se afigura razoável ignorar a dinâmica de um conjunto de ações típicas de um político
exercendo um mandato parlamentar, cuja incumbência é inerente à liberdade da conexão
do representante para com os seus representados, e isso não vem a calhar como mero
clichê ou frase pronta que se queira rotular.
No caso, está-se a tratar do que é factível e viável em uma democracia com
tais características de ornamentos representativos, segundo sugerido. Há, no ponto,
naturais choques, conflitos de obrigações, papéis e direitos subjetivos ao pleno exercício
dessa representação, que está encarnada no espírito da máxima: do povo, para o povo
e pelo povo. Esse sentimento não se pode esquecer que foi devidamente consagrado
via sufrágio legalmente constituído. Nessa trilha de colisões pode ser fomentado o
desejo de o mandatário conjecturar mudanças de agremiação partidária, e sedimentar
a migração para outra legenda.
É inegável que a questão posta não é de trivial solução, ao contrário, eleva o grau
de complexidade dos limites do que é possível e aceitável no transcurso de um mandato
eletivo, de tal modo que, os polos envolvidos sejam resguardados e os interesses, não
apenas individuais, dos atores e sujeitos de direito envolvidos, sejam preservados.
Sobretudo, é vital observar o que é prioritário e, derradeiramente, quais os pontos que
carecem ser avaliados com vistas à proteção do estado democrático de direito e, de
modo especial, objetivando o interesse da sociedade.
Sobre a questão do livre exercício do mandato, preceitua Vega (1985, p. 33)
que, “mais do que um direito ou do que um privilégio do parlamentar, a liberdade
para o exercício do mandato é decorrência do direito de livre expressão e discussão”.
Nessa reflexão, emergem convicções de que inexistem antinomias entre primados que
possam ser lançados contra a liberdade de exercício das próprias posições da atuação
político-partidária parlamentar.
Face ao conflito de situações fáticas, jurídicas e políticas, o TSE teve a sensibilidade
de tratar da matéria da fidelidade partidária, norteando a possibilidade de o político
migrar para outra legenda sem perder o mandato, fazendo-o através da Resolução nº
22.610/07, que tem levado às barras dos Tribunais Regionais Eleitorais brasileiros e até
ao próprio TSE inúmeros casos envolvendo o controverso tema. O fato é que, a maioria
dos casos de perda de mandato tem sido decretada e reconhecida em relação aos
parlamentares municipais – os vereadores, pois, em comparação, mesmo proporcional,
ao número de parlamentares estaduais, a perda de mandatos em virtude de infidelidade
partidária é muito baixa. Se for levado em conta o caso de deputados federais, para
estes, praticamente inexiste decretação de perda de mandato, tratando de procedências
de ações judiciais com base na referida resolução.

3.4 A influência do coronelato político nas legendas partidárias


brasileiras e o resultado desse fenômeno na atuação parlamentar
Numa ideia inicial, quando se cogita a hipótese de coronelato político na atual
experiência eleitoral, de plano, vem à memória o exemplo de tal ocorrência no Nordeste
brasileiro. Não é sem razão que esse fato histórico ganhe alma e formato nítidos nessa

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168 DIREITO PARTIDÁRIO

região do país. Histórica e sociologicamente, é bastante perceptível o exercício do


poder do coronelato político nos estados brasileiros situados no Nordeste. Há mais
que um considerável poder dos conhecidos coronéis políticos, nesse contexto da esteira
política brasileira. Existe, em verdade, um alto teor mandonista, que resta plasmado em
sentimento de pertença, consumando-se em uma espécie de direito sucessório e todos
os efeitos dele decorrentes, quando verificado o exercício do controle, administração e
domínio de boa parte das legendas políticas, fato que acontece por décadas em muitos
estados e municípios brasileiros da área aludida.
Em si, em função do quadro exposto, muitos políticos passam o controle
dos partidos para seus filhos, e estes transmitem para seus netos, numa verdadeira
modalidade de espólio partidário para firmar e reafirmar os laços de consanguinidade
no controle das agremiações. Basta que se analisem os sobrenomes que integraram os
partidos e suas direções ou comandos nos últimos 60 anos no Brasil. É inconteste que
tal comportamento político-sociológico-histórico é deletério à democracia e causa dura
influência negativa no exercício dos mandatos parlamentares e às respostas aos reais e
singelos apelos do povo ao não ver contemplado o sentimento de representatividade.
A formação do patronato político brasileiro sempre foi alicerçada nessa lógica de
capital político e nessa herança de bens materialmente traduzidos em controle de glebas
e nichos políticos, que são embalados pela tônica do DNA de seus atores e representantes
das siglas partidárias, com vistas a cumprir a aparente natureza democrática.
É de se ressaltar que essa marca do dito comportamento coronelesco não é
exclusividade da região Nordeste brasileira; seria ingenuidade se pensar diferente.
Nas demais regiões do Brasil, encontra-se uma face bem assemelhada, quando se vê o
retrospecto do exercício do poder e controle político-partidário nessas outras regiões, no
que tange à hegemonia do controle e destinos das legendas, através de representantes
que há muito ditam a toada dos movimentos partidários em seus estados e rincões. A
consequência disso vem em forma de realizações de acordos e coalizões para o exercício
do poder e na impressão de interesses peculiares, desde a adoção de um determinado
modelo econômico a ser seguido, até a forma de adição ou não, de políticas públicas,
que se proponham a atender os gritos do estado social brasileiro, que por excelência
estão preconizados na Carta Política de 1988, e na visão de mundo quando se trata de
democracias avançadas, guardadas as devidas proporções, revestindo-se de prudência
e até inteligência à sua viabilização (pois, longe de serem políticas assistencialistas, são
medidas de natureza de justiça social e que incrementam o próprio desenvolvimento
do país de um modo geral).
Segundo sugerido, esse status quo acaba por muito influir no modo pelo qual
um parlamentar irá expor e propriamente agir no transcurso de suas atividades
parlamentares. Há aqui, de igual sorte, uma grande eclosão de matrizes e premissas
que restam por canalizar a sua atuação diante desse cenário. Perante esse quadro fático,
resta vasta dificuldade de dar respostas às límpidas e altruístas motivações e o que
precisa ser valorizado, não apenas desta feita à observância da fidelidade à legenda,
mas também em harmonia com o ritmo do exercício do poder, que é cadenciado pelos
ares do coronel político de plantão ou, mais modernamente falando, do cacique político
que cumpre inestimável força deliberativa dentro e fora dos muros da legenda a que
lhe compete comandar.

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FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
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Contra essa prática de ingerência indevida e antidemocrática no controle das


legendas políticas no Brasil, o Ministério Público, através da Procuradora Geral da
República, Raquel Dodge, ajuizou em 2017, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
que questiona o artigo 1º da Emenda Constitucional nº 97/17, perante o Supremo Tribunal
Federal, que trata da duração das direções das comissões provisórias partidárias. Diz a
Procuradora Geral da República, em um dado ponto da peça de forma taxativa:

Uma emenda que tenda a gerar donos de partidos é inconciliável com o regime democrático
concebido pelo constituinte originário. Por tudo isso, uma emenda dessa ordem choca-se
com a proibição de que se produzam alterações da Constituição que tendam a depreciar
princípios fundamentais da Carta de 1988.

A Procuradora Geral da República vai além em seu arrazoado jurídico, e assevera


noutro trecho:

O certo é que a autonomia partidária não pode ser construída a partir de uma arquitetura
institucional que contradiz o princípio democrático, razão de ser do próprio partido.
O problema da Emenda Constitucional 97, de 4 de outubro de 2017, quando assegura
aos partidos políticos autonomia sem limite para estabelecer a duração de seus órgãos
provisórios, está precisamente em propiciar essa situação que os princípios fundamentais
da ordem democrática e os direitos fundamentais de ordem política – todas cláusulas
pétreas explícitas ou implícitas – refugam. Não custa lembrar que o cidadão, em uma
democracia partidária, tem o direito fundamental não apenas a governos íntegros, mas
também a partidos políticos que operem de forma transparente e participativa. Preservar
essa relação é, em última instância, fortalecer a soberania popular.

É notório o entendimento do Ministério Público no tocante à matéria, e a


grande alternativa a isso consubstancia-se na oxigenação e renovação dos comandos
partidários de modo livre e espontânea nas hostes partidárias. Fora dessa via, o ideal
de independência e do espírito democrático tende a estar fadado ao continuísmo de
quadros nada recomendáveis por aqueles que manipulam as agremiações, e que em
nada são visitadas por atmosferas das verdadeiras democracias e, acima de tudo, não
estarão contemplados os pilares que sustentam os ideais desses regimes sócio-políticos.

3.5 O populismo político na América Latina e a sua repercussão


nos mandatos parlamentares: o apreço às figuras políticas
messiânicas no Brasil
Nas últimas décadas, o mundo tem assistido ao crescimento de populismos
políticos, que atingem governos de esquerda e de direita, e suas formas extremas em
ambas as vertentes ideológicas. Vale ressaltar que, a partir de 1930, o populismo foi um
fator político que ganhou muito mais força na América Latina. No dizer de Cancian
(2007), “o populismo é um fenômeno político que se baseia no carisma de governantes”.
Tais governantes utilizam-se de métodos, práticas e comportamentos políticos a fim de
selar uma relação com as massas e suas respectivas lideranças, para que, afinados os seus
discursos, possam conquistar suas instalações políticas e consequentes longevidades
mandatárias.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
170 DIREITO PARTIDÁRIO

No Brasil, essa prática ocorre com grande eloquência com o advento da revolução
de 1930, que pôs um fim à República Velha oligárquica, colocando no poder Getúlio
Vargas, que passou a ser figura nodal até os idos de 1954, tendo seu término em
consequência do seu suicídio. A figura de Vargas era vista como um verdadeiro pai
dos desvalidos e de grande parte da população brasileira, na época em que exerceu o
seu mandato em tal condição populista.
Noutro ângulo, Resende (2008, p. 90) aponta que,

Alguns autores que trabalham sobre teoria de populismo, encontram no fenômeno certa
rejeição à democracia representativa (RIKER, 1982), ao propor conexão sem mediação
entre cidadãos e governantes: “From the outset, populist movements opposed the institutions
or procedures which impeded the direct and full expression of the people’s voice” (MENY;
SUREL, 2002, p. 9). Assim, o populismo poderia significar uma tentativa de democracia
participativa integral, com tendência a não contar com a mediação de partidos políticos
(MAIR, 2002: p. 89). De todo modo, é praticamente consensual na literatura o que Shils
considera princípios cardeais do populismo: “the notion of the supremacy of the will of the
people, and the notion of the direct relationship between people and the government”. (SHILS,
1956, apud PANIZZA, 2005, p. 4)

Essa concepção afasta, por assim dizer, a participação do partido da cena política,
quase que por completo, na qual uma espécie de caudilho assume o papel de interlocução
direta com o povo, através de instrumentos retóricos e aparentes, correspondências às
súplicas dos “seus desassistidos” sociopolíticos. Essa tendência foi muito forte no Brasil
de 1930 a 1960, como dito.
Na Argentina, o populismo tem lugar na memória existencial política nacional,
com a figura de Juan Domingo Perón, a partir de 1943, quando este começa a se destacar
realmente no universo político argentino, passando essa imagem e, talvez até mais forte,
com idêntico sentimento, à sua esposa, Eva Perón, cuja figura pública o povo argentino
nutria grande empatia e boa parte dele, ainda o faz.
Na década de 2000, o populismo retorna, mais uma vez, e com bastante força, ao
universo da América do Sul, como ideia e como instalação de governos, com o referido
teor populista.
Ora, por absoluta fidedignidade histórica, segundo algumas visões, como a que
fora aludida, forçoso é relatar que tal prática foi registrada, nas devidas proporções, até
nos EUA, onde esse achado sociológico e histórico também houve por bem, ser reservado
numa espécie de populismo americano, que oferecia fomento à pequena agricultura,
por intermédio da prática de uma política monetária com base na expansão do próprio
viés monetário do crédito, bimetalismo.
Por outro lado, na construção russa do populismo, coloca-se o povo como uma
espécie de classe abstrata, e esta é inserida no centro da ação política, sem a presença
dos meios próprios da democracia representativa, nos moldes do que foi registrado no
século XIX, onde o objetivo seria o de transferir o poder político às comunas camponesas,
via hipótese de reforma agrária substancialmente radical, a chamada “partilha negra”.
A natureza humana brada, através de sua existência, em muitas ocasiões, por
figuras humanas em forma de líderes máximos sociais e políticos. A ideia é que esses
líderes socorram às carências socioafetivas que, na maioria dos casos, foram moldadas
nas sociedades patriarcais, de modo a deixar esse legado como forma de projetar
tais personalidades em suas existências, inclusive como foi aludido, em uma espécie

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FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
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de provedores emocionais, além de meros condutores políticos. Dessa forma, Roma


contribuiu de maneira suprema para que esse imaginário fosse perpetuado através
dos séculos.
No Brasil, como em outras partes do mundo, essa caricatura de líder e salvador,
que pudesse dar tais condições, foi marcante e, curiosamente, ainda existe a espera desse
padrão populista e messiânico de parcela do nosso eleitorado. Sem maiores esforços,
a história revela a todos que essa dependência não é positiva, posto que sempre dará
margem à possibilidade de abusos e, em muitos casos, pode, evidentemente, abrir
caminho para ditaduras, onde os “estimados salvadores” são, literalmente, aclamados
e permitidos por seus governados.
No caso da atuação parlamentar, resguarda-se a esta uma posição secundária
(quando presente o fenômeno do populismo), não só quando regimes autoritários e
ditatoriais estão definitivamente instalados, mas, progressivamente. O parlamento
tende a ficar à sombra da imagem do líder populista, que ocupa o centro das atenções.
O mais grave, diante do populismo e do seu líder representante, é que ele começa
a ser a fonte de esperança para o deslinde das questões das mais variadas matrizes. Neste
quadro, o parlamentar que não estiver alinhado com as condições políticas e ideológicas
do chefe do executivo, ficará fadado aos maiores assaques de impopularidade e até
de acusação de traição às causas nacionais e ao povo, logo, sujeito às consequências
advindas disso.
Em relação ao populismo e à coexistência com a autêntica democracia represen-
tativa, a concepção terminológica desta é, por condição existencial, refratária à hipótese
em comento. O todo será sempre o todo, pois reveste-se de possibilidade de dar lugar
às partes que, hegemonicamente e logicamente, o formam e, como tal, também poderão
atuar ativamente no revezamento de lideranças no poder (CANCIAN, 2007).

3.6 A crise de credibilidade e a criminalização da atividade política:


um risco à democracia
A sociedade brasileira vem testemunhando um ensaio e condição que remetem
à urgente vigília, no tocante ao patrocínio de um processo velado de desmonte e
desconstrução sistemática do prestígio, e da credibilidade da classe política e sua
atividade. Tais constatações enfraquecem veementemente o desempenho dos mandatos
e, de modo especial, os mandatos legislativos. Essa tarefa, muitas vezes capitaneadas
por membros dos outros poderes republicanos, é, na verdade, um vetor extremamente
grave sob todos os ângulos. A política e os políticos são fundamentais em uma civilização
minimamente organizada.
Weber (1968 apud MANARIN, 2017), em trecho de seu discurso proferido numa
conferência em 1918, e publicada na Alemanha em 1919, era taxativo, ao registrar sobre
o significado da política:

Por política entenderemos o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder
ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado.
[...] Sociologicamente, o Estado não se deixa definir a não ser pelo meio específico que
lhe é peculiar.

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Ainda na mesma linha, acerca da imperiosa necessidade da utilização da política,


o economista e professor, Celso Furtado foi da mesma forma induvidoso ao afirmar
que “qualquer estrutura social que haja alcançado um certo grau de diferenciação
necessitará organizar-se politicamente a fim de que os seus conflitos internos não a
tornem inviável” (AQUINO; QUEIROZ, 2004).
Nesse trilhar, soam inverossímeis propostas de fragmentação e fragilização da
prática política, e, note-se, o enfraquecimento da voz da representatividade que, por
excelência, é a rotina parlamentar conforme se entende, revestindo-se na mais ingênua
forma de combater parte do estado pelo próprio estado, e talvez, a vertente tripartite mais
legítima do povo, pois como dito, materializa o verbo dos eleitores em seu papel-fim.
Reforçando mais ainda a natureza indispensável da política, Schmitt (2001, p. 30),
em sua teoria do Estado, revela os mesmos traços, ao assegurar que “a política está acima
de qualquer outro elemento caracterizador do Estado”. Na verdade, o autor submete
o Direito à Política ou, em outras palavras, remete todo o Direito ao âmbito político.
A política é anterior à norma jurídica e a ela não se sujeita. É o que revela ao afirmar
que “o Estado não tem uma Constituição, segundo a qual se formaria e se fundaria à
vontade estatal; em vez disto, o Estado é Constituição, ou seja, é uma situação presente
de ser, um status de unidade e ordenação” (SCHMITT, 2001 apud RANIERE, 2013, p. 30).
Diametralmente ao pensamento de Schmitt está Hans Kelsen, que parte do primado
da norma sobre o poder. Para ele, o problema do poder do Estado encontra-se em um
patamar inferior, uma vez que toda a política carece de estar atrelada ao próprio Direito,
segundo se extrai de sua Teoria Pura do Direito (FREITAS, 2016). Como se pode ver, há
um inesgotável aporte valorativo à política, seja mais eloquente ou menos pronunciante.
É certo que o condão que se tenta impor, principalmente no imaginário popular, é o de
que tal produto da vida social humana é descartável, é ocupação impura, que não se
reveste de basilar lisura e probidade, chegando-se a rotulá-la de atividade suja.
Noutra banda, nunca é demais rememorar-se John Stuart Mill quando fala da
participação do povo e da representatividade na política, frisando o grau de importância
disso ao afirmar que “votar, fazer parte da vida comunitária e do júri constituía o germe do
desenvolvimento político, o que também levaria à maximização de benefícios”. Segundo
Mill, “o sistema representativo, juntamente com a liberdade de expressão, a de imprensa
e a de associação, garantiria que o poder do Estado fosse vigiado e controlado (o que
revela certa desconfiança em relação à autonomia dos representantes)” (RANIERI, 2013).
Segundo Ranieri (2013), Mill escreve em Sobre a liberdade (1859), e O governo
representativo (1861), que “há uma clara associação entre liberdade e representação,
partindo do pressuposto de que a participação política não pode ser privilégio de
poucos”. O pensador sugere que a Inglaterra deve garantir o direito do voto às mulheres
promovendo a sua emancipação, a criação de instrumentos de contestação pública,
que caracteriza a nova ordem política derivada do liberalismo, tendo, inclusive, como
fruto de tal atitude a previsão de um sistema eleitoral proporcional, que garantiria a
representação das minorias e a adição do voto plural.
Ademais, Mill ainda asseverava que, uma das maiores formas de garantir a
maximização das vantagens coletivas era a educação pública (gratuita, para os que
não pudessem pagar), essa herança é advinda do Iluminismo e da necessidade social
de credenciar os indivíduos para atuarem na sociedade em que viviam na condição de
eleitores esclarecidos.

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Cabe grafar aqui que a vontade democrática, nas variadas formas de experiência
de Estado Liberal, levantou diferentes interpretações a respeito do modo e do alcance da
participação popular em termos de representatividade, sistemas eleitorais e partidários.
Na realidade, o cerne político moveu-se das estruturas políticas, jurídicas, e institucionais
do Estado para a definição do âmbito de participação eleitoral.
Tais referências anuem o fato de constituir pedra mais que angular a necessidade
da efetivação do mecanismo da política nos átrios do pensamento sociocultural de
uma nação. Perigosamente involuiu-se ao se imaginar ser possível o descarte desse
autêntico direito-dever humano, de atuar em seu meio através da política, de sorte a
ser influenciado e influenciar a condução dos rumos da comunidade.
Toda e qualquer forma de patrocínio de mensagens explícitas ou subliminares,
de que “fazer política” é algo abjeto ou dos porões do limbo da natureza humana, é
empregar-se a atividade pouco inteligente e contraproducente ao elemento coletivo
social. É um caminho bastante arriscado taxar a política como atribuição de segunda
classe, é um bom serviço à tirania e ao pensamento e aos regimes de exceção.

3.7 O fenômeno das redes sociais e a influência na responsividade


parlamentar
A comunicação sempre exerceu o papel preponderante nas sociedades ao longo
do tempo, de tal forma que nenhum poder fora constituído sem que houvesse o uso da
comunicação, seja em sua modalidade de atingir grandes agrupamentos humanos, seja
no meio mais individualizado e restrito aos núcleos pensantes, através de líderes do
processo político. A questão é que, com a mudança do tempo e a fluidez dos artifícios
de mecanismos de comunicação, passando pelo registro das cerâmicas e com o invento
da escrita pelos sumérios, por volta de 3.500 anos a. C, tornando-a mais objetiva com
a técnica cuneiforme, facilitou bastante o entendimento da mensagem que se queria
registrar chegando até o século XXI, sendo a comunicação a forma de materializar o
próprio poder.
Com o advento da prensa tipográfica, pelo alemão Johannes Gutenberg (1398-
1468), a partir da criação de um sistema mecânico de tipos móveis que deu início à
Revolução da Imprensa, e que é amplamente considerado o invento mais importante
do segundo milênio, a escrita exerceu papel importante na Renascença, Reforma e
Revolução Científica, havendo posto fundamentos para as relações modernas, com base
no conhecimento e na difusão em massa do processo de comunicação, passando pelas
grandes criações do rádio e, recentemente, do ponto de vista histórico, da televisão,
fazendo com que os grupos sociais possam ser fortemente influenciados por tais meios
de comunicação.
Nas últimas décadas, houve o surgimento da internet e a grande revolução das
redes sociais. Quiçá estas assumirão, em um futuro próximo, um ofício mais importante
e mais relevante que o da própria televisão, com reflexos diretos e insofismáveis nas
eleições, no exercício dos mandatos e na política. Essa experiência e sua influência
avassaladoras tiveram como palco recente as eleições presidenciais americanas, com
o então candidato Barack Obama, em que o eleitorado americano participou de forma
veemente da campanha e de forma especial nas contribuições e doações financeiras
para o pleito vitorioso de Obama, eleito Presidente dos Estados Unidos.

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174 DIREITO PARTIDÁRIO

No caso brasileiro, o cenário se não é igual ao dos EUA, chega bem próximo,
principalmente se tratando do eleitor das chamadas classes sociais A, B e C, com reflexo
considerável nas demais classes do eleitorado nacional. Na visão de Prado (2014),

As redes sociais surgiram como meios de grande influência em vários segmentos. Na


atividade política essas ferramentas estão contribuindo, sobremaneira, para a construção
ou desconstrução de imagens e disseminação de ideias. Até pouco tempo atrás, a opinião
pública era formada com base em dados passados pelos veículos de comunicação
tradicionais, como jornal, rádio e televisão. Hoje, na era da tecnologia, Twitter, Facebook,
Instagram, Google+ e tantos outros, servem para espalhar subsídios diversos sobre pessoas,
partidos e governos. É um amálgama de escritos, números, imagens e vídeos de todo tipo,
que enchem os internautas de curiosidade.

Ao voltar as atenções para o material de comunicação, entre os quais depoimentos,


documentos, vídeos, denúncias, notícias e agora também as chamadas fake news, este
último, um neologismo que quer dizer, notícias falsas, notícias fabricadas, cujo termo
foi criado nos meios tradicionais de comunicação, vê-se o quão expressiva tem sido a
participação da internet, através dos blogs, sítios eletrônicos, redes sociais e afins, todos
também a serviço da comunicação na política e que age diretamente no comportamento
dos eleitores e dos políticos, no desempenho de seus mandatos.
É impossível negar que essa nova modalidade de comunicação humana e interação
tem um diferenciado papel na atividade profissional, educacional, social e política
das pessoas. Especificamente, no caso da política, esses artifícios estão contribuindo
fortemente para a construção, e também, para a queda de muitas figuras públicas. A
história recente tem demonstrado isso. O potencial que as redes sociais têm para serem
divulgadas ideias e mensagens de cunho positivo é algo que causa grande alento e
produz proeminente esperança para a prática da política propositiva e da resposta
política aos reclamos e clamores do povo, em suas mais diversificadas modalidades e
tons de protestos democráticos.
A par de tal realidade histórica, do uso das redes sociais na atuação política, os
políticos e suas assessorias de comunicação, de modo especial, os parlamentares nos
três níveis de representação, vereadores, deputados estaduais, federais, e incluindo os
próprios senadores, orientam, e são orientados por estes profissionais, a manterem essa
importante artéria de comunicação para captarem os anseios do eleitorado, e darem
respostas no desempenho de seus mandatos. Até os mais resistentes às inovações do
mundo virtual começam a entender a necessidade do uso dessa importante ferramenta
e desse instrumento de comunicação pública, e o resultado dessa relação entre o povo e
as decisões políticas é uma realidade que impera, e cria um mecanismo, através do qual
se facilita à responsividade parlamentar com base na utilização desses meios interativos.

3.8 O Estado de Direito, o Estado Democrático de Direito,


a maturação da democracia e os efeitos nos mandatos
parlamentares
Na concepção de Zolo (2006), existem os princípios fundamentais das matrizes
clássicas do Estado de Direito, que de forma prática podem-se elencar os elementos
que estão voltados à ampliação dos poderes do Estado, como sendo: a) a personalidade

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RICARDO SÉRVULO FÔNSECA DA COSTA
FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
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jurídica individual, no sentido de que todos são sujeitos de direitos e centros de imputação
jurídica, ressalva feita à situação feminina e ao caráter censitário dos direitos políticos;
b) a igualdade perante a lei, que implica iguais consequências jurídicas para todos; c) a
certeza e a previsibilidade do direito, que supõe a definição prévia de crimes e penas,
a publicidade dos atos legislativos e administrativos, os enunciados normativos com
redação compreensível, o princípio do juiz natural; d) o reconhecimento constitucional
dos direitos subjetivos, com o poder de fazê-los valer perante os órgãos do Estado, o
que implica o princípio da judiciabilidade.
Nas bases aludidas, é de se verificar que, in casu, trata-se de supedâneos clássicos
do Estado de Direito, na dicção de Zolo (2006). Mais do que isso, como garantias inerentes
ao estado brasileiro tem-se a prática do explícito enunciado do Estado Democrático de
Direito que, por seu turno, é mais abrangente e garantista, fruto da Carta Política de
1988, sendo que, nesse universo jurídico-constitucional, um dos princípios protagonistas
maiores é pois, o “da dignidade da pessoa humana”, dando margem à interpretação,
conforme todo o escopo da Lei Maior, ao estender à compreensão do exercício e prática
dos direitos políticos como emanado desse sentimento do princípio ora apontado.
Fundado nessa proteção principiológica, é possível idealizar como legítima toda
pressão democrática para o aperfeiçoamento fático e dogmático da própria sistemática,
leia-se: dos eleitores em relação aos eleitos. Evidentemente, que o exercício e vigilância
do povo para com os seus políticos não admite extremos, como ataques pessoais e uso
de violência de qualquer natureza, entretanto, o império dessa prerrogativa precisa ser
desenvolvido por ser próprio do Estado Democrático de Direito e suas sabidas consequências.
Como aludido anteriormente, em matéria de democracia e seu exercício maduro,
consubstancia-se condição sine qua non que o povo esteja apto educacionalmente, para
que, de forma e meio adequados, possa participar nesse exercício de força a fim de
canalizar suas vontades no universo da legalidade democrática. A ignorância de um
povo é uma das principais matérias-primas à dominação de políticos mal-intencionados e
descompromissados com a sociedade; eles se servem dela para lograrem êxito nos intentos
sórdidos da desonestidade, da corrupção e do ataque ao tecido social como um todo.
Diante dessa construção e entendimento, indisfarçável é a constatação de que,
quando se está em um plano jurídico-social, em que as regras e os limites normativos
são consideravelmente claros e definidos, naturalmente, emerge uma cognição de
uma atmosfera de satisfação e obediência ao comando contratualista consolidado. Isso
acontece nas democracias avançadas por força dos anos e décadas de suas maturações e,
como já enumerado, graças à disposição política dos governos em investir na instrução
de seus concidadãos através da educação com acesso irrestrito a estes.
Cônscios de tal realidade, os políticos tendem a pautar melhor suas atuações, de
modo mais próximo possível do alcance da vista do povo que o elege. De certo modo,
chocando-se, não raras vezes, com as suas convicções pessoais e íntimas. O fazem, sob
o temor da desaprovação da massa de seu eleitorado. Daí, denota-se a cabal influência
dos estados democráticos verdadeiramente montados na serenidade de experiências
recorrentes das respectivas máquinas estatais e no poder limitado pelo legitimador
natural: a representatividade, e seu papel como núcleo político a que se presta.
Nessa esteira, a resposta aos clamores populares é ventilada, mesmo que a
harmonia programática partidária e seu sedimento comportamental de ser fiel à legenda
saia relativizado. Mas é de ser enfaticamente dito que a isso chama-se à colação do teor

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176 DIREITO PARTIDÁRIO

de amadurecimento dos papéis e fatores da condição de uma democracia, onde a práxis


é a correspondência e sintonia entre os polos de eleitor e eleito.

3.9 Considerações finais


O resultado analítico desse tema é bastante convidativo ao concluir ser inegável
que, consciente ou inconscientemente, o detentor de mandato parlamentar está voltado à
desincumbência de suas vocações e responsabilidades, diante de um encargo que o anima
à fidelidade da respectiva representação popular e à resposta aos ecos de tais demandas.
Ao mesmo tempo, encontra-se verdadeiro dilema de atender às convicções ideológicas e
políticas pessoais, somando-se a tudo isto o complicador de ter que balizar o dever jurídico
de observar a dicção normativa partidária para não se tornar infiel, ao preconizado pela
agremiação a que pertence, o que não é uma missão nada fácil de ser alcançada.
Impende ressaltar-se um vetor de extrema fragilidade em relação à identidade
partidária e a respectiva demarcação de suas hostes políticas e ideológicas, que é a falta
de tradição e apelo às raízes de sua existência, em se tratando da chancela popular.
No Brasil, a frágil longevidade das legendas políticas é algo a ser vencido, visto que a
tradição histórica é açoitada por curtos períodos de efetiva existência na grande maioria
dos partidos. Nesse aspecto, não parece claro que tal fato deve-se exclusivamente às
lacunas e interrupções dos processos democráticos. Mais que isso, há uma apatia
participativa do povo no que tange a integrar e acreditar na vida política partidária
como uma necessidade à prática e vivência políticas.
Os contornos de militância, simpatia e afeição partidárias tendem a tomar um
viés de fidelidade um pouco mais consistente. Enfatize-se, de forma tímida, a partir da
década de 1980, com a fundação ou reafirmação de alguns partidos de esquerda, apenas
como marcos divisórios de doutrinas e ideologias, porém, sem o nítido fortalecimento
de legendas vocacionadas a ter fôlego histórico, como no caso dos principais partidos
da democracia americana. Aqui, os sentimentos motivadores são outros, prova disso é
a própria segmentação em demasia dos estandartes formadores dos blocos partidários.
Esse comportamento fenomenológico político-partidário resta por materializar
um distanciamento do povo, da atividade partidária, reduzindo-a a uma participação
endopartidária, que não acrescenta muito, ou quase nada, ao fortalecimento das legendas
e, de modo especial, à democracia e seu amadurecimento. Cria-se, assim, um tipo de
militância profissional que é pouco voltado à dialética das representações populares, por
identidade genuína às cartas e bandeiras programáticas das agremiações. Tudo isso faz
com que o hiato aumente entre o exercício de um mandato parlamentar e sua legitimação
com os anseios daqueles que o construíram, a razão de ser do mandato. Nessa mesma
linha, como efeito desta equação, o sentimento de fidelidade de um político às dicções
ideológicas e legais da agremiação sofre acentuada mitigação.
Afigura-se oportuno o registro da épica sentença de Abraham Lincoln, quando
disse, “nós, os cidadãos, somos os legítimos senhores do Congresso e dos tribunais,
não para derrubar a Constituição, mas para derrubar os homens que pervertem a
Constituição”. O estadista americano incorpora a essência do primado de que o poder
do povo e sua materialização é a tônica de uma sociedade que elege seus contratos,
baseados na liberdade e pluralidade para uma lógica onde o estado é uma ficção a serviço
de quem o origina. É, com a máxima propriedade, a razão de ser de sua representação

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RICARDO SÉRVULO FÔNSECA DA COSTA
FIDELIDADE VERSUS MANDATO LIVRE: A DISCIPLINA PARTIDÁRIA COMO OBSTÁCULO À RESPONSIVIDADE DO PARLAMENTAR
177

parlamentar e da formatação de suas Cortes de poder, em todos os níveis, que só estão


ao dispor dos seus coletivos, que somam o todo, por derradeiro, nada mais que isso, e a
estes, as respostas nos exercícios dos mandatos precisam ser valoradas e consideradas.

Referências
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AQUINO, Laura Christina Mello de; QUEIROZ, Ronald de. Biografia Celso Furtado. Paraíba. Jornal da União,
2004. 24 p. Disponível em <http://celsofurtado.phl-net.com.br/artigos_scf/Aquino_Queiroz.pdf>. Acesso em:
09 jan. 2018.
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BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Trad. Carmen C. Varriale et al.; coord. Trad. João Ferreira; rev.
Geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
CANCIAN, Renato. Populismo: fenômeno político baseia-se no carisma de governantes. 25/07/2007. Disponível
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MANARIN, Laís. Ciência e política: duas vocações – Max Weber. 2017. Disponível em: <https://laismanarin.
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PIMENTA, Fernando Gurgel. Guia prático da fidelidade partidária à luz da Resolução TSE 22.610/07. São Paulo:
J. H. Mizuno, 2008.
PRADO, Mendonça. A influência das redes sociais na atividade política. 22 de Abril de 2014. Disponível em:
<http://www.dem.org.br/noticias/a-influencia-das-redes-sociais-na-atividade-politica/>. Acesso em: 09 jan. 2018.
RANIERI, Nina. Teoria do Estado: do estado de direito ao estado democrático de direito. 1. ed. São Paulo:
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RESENDE, Paulo Edgar da Rocha. A democracia participativa no olhar populista. Revista Ponto-e-vírgula. 4. ed.
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Acesso em: 09 jan. 2018.
ROLLO, Alberto; CARVALHO, João Fernando Lopes de. Fidelidade partidária e perda de mandato. Semestre
Eleitoral [Tribunal Regional Eleitoral da Bahia], Salvador, v. 9, n. 1/2, p. 9-32, jan./dez. 2005, p. 10 e 28-29.
SCMHITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madri: Alianza Editorial, 2001.
VEGA, Pedro de. Significado Constitucional de La Representación Política. Revista de Estudos Políticos (Nueva
Época), Madrid, n. 44, p. 24-44, mar/abr. 1985, p. 33.
ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de direito. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (Org.). O Estado de
Direito. Tradução de Carlos Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

COSTA, Ricardo Sérvulo Fônseca da. Fidelidade versus mandato livre: a disciplina partidária como
obstáculo à responsividade do parlamentar. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA,
Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum,
2018. p. 161-177. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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PARTE III

PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS

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CAPÍTULO 1

O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E A
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS

SÉRGIO SILVEIRA BANHOS

1.1 Notas de introdução


Em ocasião anterior, apresentamos artigo que abordava a aplicação dos princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento das contas partidárias pela
Justiça Eleitoral.1 Neste momento, em acréscimo àquele despretensioso desenvolvimento
doutrinário, objetiva-se o desafio de abordar a temática na tônica do princípio da
transparência, de essencial importância no ambiente constitucional contemporâneo.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso V, assevera que constitui
fundamento do Estado Democrático de Direito do Brasil o pluralismo político. Não
bastasse, o parágrafo único do citado artigo prescreve que “todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente”.
Por sua vez, o artigo 17 da Carta da República cuida da matéria relativa aos partidos
políticos, com a finalidade de fortalecer as agremiações partidárias e garantir a soberania
nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa
humana (caput), bem assim para assegurar a imprescindível autonomia dos partidos
políticos (§1º). Para tal, as agremiações terão direito a recursos do fundo partidário e acesso
gratuito ao rádio e à televisão, limitados, a partir da nova redação trazida pela Emenda
Constitucional nº 97/2017, aos “partidos políticos que alternativamente: I – obtiverem,
nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos
válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um
mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou II – tiverem
elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço
das unidades da Federação” (§3º).
Com o objetivo de propiciar o desenvolvimento e a atuação dos partidos políticos,
para que esses possam cumprir a missão constitucional que lhes é confiada, torna-se
imprescindível garantir a eles condições de subsistência. É exatamente para isso que
serve o fundo partidário.

1
BANHOS, Sérgio. A aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento de contas
partidária pelo TSE. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, v. 5, p. 187-205, 2011.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
182 DIREITO PARTIDÁRIO

Não bastasse, a Constituição de 1988 confere relevo ao princípio da transparência.


É que, em decorrência do princípio republicano, como todo o poder emana do povo,
toda e qualquer informação relativa ao exercício deste poder deve ser assegurada aos
cidadãos, exceto quando o sigilo for exigido pelo interesse individual ou público.2
Como adverte Fernando Canhadas,3 em magistral tese de doutoramento, o caráter
sigiloso imposto pela Constituição traduz efetivas restrições à efetivação do princípio
da transparência quando interesses públicos possam ser violados; quando o acesso à
informação possa colocar em risco a soberania da nação, a segurança do Estado e das
suas instituições democráticas; nas hipóteses em que interesses privados possam ser
malferidos; além dos casos em que a divulgação da informação possa violar os direitos
à intimidade e à inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das informações
telefônicas, fiscais e bancárias, bem como à vida privada, à honra, à imagem, ao sigilo
profissional e ao segredo comercial, entre outros.
Além de pautar-se no princípio republicano, como já dito, o princípio da trans-
parência busca seus fundamentos no princípio da supremacia e da indisponibilidade
do interesse público, no princípio da segurança jurídica, na boa-fé administrativa,
além de consignar uma imprescindível relação com a igualdade, a razoabilidade, a
proporcionalidade, a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a eficiência, a motivação,
com a participação popular, bem assim com a publicidade dos atos e negócios públicos.
Feitas essas considerações preliminares, o princípio da transparência, na exegese
de Canhadas,4 pode ser definido como sendo:

Princípio jurídico fundado na supremacia e na indisponibilidade do interesse público, bem


como na segurança jurídica, boa-fé administrativa e especialmente no princípio republicano,
cuja aplicação deve se dar na maior medida possível diante do caso concreto, levando-se
em consideração as potenciais restrições relativas às hipóteses de sigilo exigidas por
força de determinados interesses públicos e privados privilegiados constitucionalmente,
abrangendo toda e qualquer informação produzida ou detida pela Administração Pública
ou por quem lhe faça as vezes, inclusive em razão de vínculos indiretos e de recebimento
ou custódia de recursos públicos.

O presente artigo tem como escopo demonstrar o relevo que o princípio da


transparência assume na aplicação do direito no mundo contemporâneo, especificamente
no que se refere à fiscalização e ao controle das contas partidárias, que envolvem recursos
públicos, neste momento de tantas reflexões e angústias em relação à forma e maneira
como conduzida a democracia representativa.

2
Há expressa determinação constitucional de sigilo, tanto de natureza individual quanto pública, por exemplo, nos
casos de: inviolabilidade dos direitos relativos à privacidade – a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas (inciso X, do artigo 5º); inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas (XII, do artigo 5º); necessidade de preservação do sigilo da fonte, no
caso de exercício profissional (XIV, do artigo 5º); inviolabilidade de matérias que tratem das questões relativas à
segurança da sociedade e do Estado (XXXIII, do artigo 5º); inviolabilidade do sufrágio universal mediante voto
secreto (artigo 14, caput); previsão expressa de direito ao segredo de justiça, como no caso de ação de impugnação
de mandato eletivo por força de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (§11, do artigo 14).
3
CANHADAS, Fernando A. M. O princípio da transparência administrativa: a transparência obrigatória, a
transparência permitida e a transparência proibida. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2012.
4
O princípio da transparência administrativa: a transparência ..., op. cit., p. 272.

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SÉRGIO SILVEIRA BANHOS
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E A PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS
183

1.2 A transparência no ordenamento jurídico


Os princípios da transparência e da publicidade não se confundem. Muito embora
seja correta a assertiva de que a toda e qualquer informação pública deva se conferir, em
princípio, transparência, não necessariamente deverá ser a essa assegurada publicidade,
em razão de interesses individuais ou públicos constitucionalmente garantidos.
Há, ainda, outro elemento que caracteriza e individualiza o princípio da trans-
parência: não basta a publicidade, a informação deve ser endereçada de forma clara,
objetiva e completa. Nas palavras de Canhadas,5 “ao proteger o direito de acesso à
informação, está sendo tutelado não apenas o acesso em si, mas também o direito de
acesso a uma informação clara, objetiva e organizada, isto é, o direito de acesso a uma
informação compreensível”.
Enquanto o princípio da publicidade encontra-se expressamente previsto no
artigo 37, caput, da CF/88, a ratio do princípio da transparência tem que ser extraída de
diversos dispositivos constitucionais e legais, tais como no: (i) inciso XIV do artigo 5º,
no qual é assegurado a todos os cidadãos o acesso à informação; (ii) inciso XXXIV do
artigo 5º, que assegura a todos a obtenção de certidões em repartições públicas, para
defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; (iii) inciso LXXII do
artigo 5º, que prevê o habeas data, que objetiva garantir o conhecimento de informações
pessoais constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou
de caráter público, bem assim a retificação de dados; (iv) inciso XXXIII do artigo 5º,
segundo o qual todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado; (v) artigo 162, que traz a exigência de divulgação,
pelos entes políticos, mensalmente, dos montantes de cada um dos tributos arrecadados;
(vi) §3º do artigo 165, com a exigência de publicação bimestral do relatório resumido da
execução orçamentária; e (vii) §2º do artigo 216, que registra o dever da Administração
de realizar a fiel gestão da documentação governamental e zelar pelas providências
para franquear sua consulta aos interessados, entre outros.

1.3 Abrangência do princípio da transparência na prestação de


contas partidárias
O interesse jurídico tutelado pelo princípio da transparência não é apenas
aquele relativo aos direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos. Muito ao
contrário. Há também um dever especial de defesa do interesse público, concernente
ao controle social da Administração e dos gastos públicos. Nesses casos, a transparência
deve operar de forma proativa, dado que a Administração deve prover a sociedade
de informações, claras e precisas, quanto à forma em que os recursos públicos estão
sendo consumidos. Cuida-se de medida de proteção do próprio Estado, uma vez que
democratiza a fiscalização e o controle das contas públicas pela própria população e
pelas autoridades competentes.

5
O princípio da transparência administrativa: a transparência ..., op. cit., p. 112

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
184 DIREITO PARTIDÁRIO

Em relação às contas partidárias prestadas à Justiça Eleitoral, algumas conside-


rações inaugurais devem ser conferidas. O exame de contas tem por função identificar a
origem das receitas e a destinação das despesas com as atividades partidárias e eleitorais,
mediante avaliação formal dos documentos contábeis e fiscais apresentados pelos partidos
políticos e candidatos, sendo vedada a análise das atividades político-partidárias ou
qualquer interferência em sua autonomia. É que, como já mencionado, a Constituição
garante autonomia aos partidos políticos (artigo 17, §1º, da CF/88).
Tal autonomia, todavia, não se confunde com a desnecessidade de fiscalização
e controle das contas das agremiações. De fato, a liberdade concedida para o trato de
assuntos de organização interna e de estratégias de busca de poder não as exime da
prestação de contas, uma vez que os partidos recebem dinheiro público, seja mediante o
depósito mensal da quota do Fundo Partidário, seja pelo recebimento em anos eleitorais
de quota do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), criado pela
reforma eleitoral de 2017.
Exatamente por receberem e administrarem recursos públicos, os dirigentes
partidários experimentam responsabilização administrativa, cível e criminal, decorrente
da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político,
quando “verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que
importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido” (§13 do artigo 37 da
Lei nº 9.096/95).
No âmbito da Justiça Eleitoral, a Resolução nº 23.464, de 17 de dezembro de
20156, é expressa, em seu artigo 2º, em determinar que os partidos políticos e seus
dirigentes estão submetidos, no que se refere a finanças, contabilidade e prestação de
contas à Justiça Eleitoral, às disposições contidas na CF/88, na Lei nº 9.096/95, na Lei nº
9.504/97, nas normas brasileiras de contabilidade emitidas pelo Conselho Federal de
Contabilidade e em outras normas expedidas pelo TSE.
Demais disso, no artigo 3º da referida resolução, resta registrado que os estatutos
de partidos políticos devem conter disposições que tratem das finanças e contabilidade,
estabelecendo, inclusive, normas que os habilitem a apurar as quantias que seus candi-
datos possam despender com a própria eleição, que fixem os limites das contribuições
dos filiados e que definam as diversas fontes de receita do partido, bem assim os critérios
de distribuição dos recursos do Fundo Partidário entre os órgãos de âmbito nacional,
estadual ou distrital, municipal e zonal.
No artigo 4º, por sua vez, ficam os partidos políticos, em nome de uma melhor
fiscalização e controle das contas, obrigados a inscrever-se no Cadastro Nacional
de Pessoa Jurídica (CNPJ); proceder à movimentação financeira exclusivamente em
contas bancárias distintas, observada a segregação de recursos conforme a natureza
da receita; realizar gastos em conformidade com o disposto na referida resolução e
na legislação aplicável; manter escrituração contábil digital, sob a responsabilidade
de profissional de contabilidade habilitado, que permita a aferição da origem de suas
receitas e a destinação de seus gastos, bem como de sua situação patrimonial; remeter
à Justiça Eleitoral, nos prazos estabelecidos, o Balanço Patrimonial e a Demonstração
do Resultado do Exercício, gravado em meio eletrônico, com formatação adequada

6
Regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Das Finanças e Contabilidade
dos Partidos.

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SÉRGIO SILVEIRA BANHOS
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E A PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS
185

à publicação no Diário da Justiça Eletrônico; e, ainda, remeter, até o dia 30 de abril do


ano subsequente ao exercício financeiro, a prestação de contas anual, sendo certo que
tal prestação de contas é obrigatória, mesmo que não haja o recebimento de recursos
financeiros ou estimáveis em dinheiro (§2º).
O processo de prestação de contas partidárias tem caráter jurisdicional (artigo 29),
devendo ser a prestação de contas recebida e autuada na respectiva classe processual
em nome do órgão partidário e de seus responsáveis e, nos tribunais, distribuída, por
sorteio, a um relator, sendo que, “para efetuar o exame das prestações de contas anuais
dos partidos políticos, a Justiça Eleitoral pode requisitar técnicos do Tribunal de Contas
da União ou dos Estados, pelo tempo que for necessário” (artigo 32).
Quanto ao efetivo exame da prestação de contas, a unidade técnica da Justiça
Eleitoral poderá solicitar: do órgão partidário documentos ausentes ou complementares
que sejam necessários ao exame das contas; dos doadores, fornecedores e prestadores
de serviço informações para verificação da autenticidade dos documentos constantes
da prestação de contas; dos órgãos públicos informações com vistas à verificação da
origem dos recursos e das vedações; e de outros órgãos da Administração Direta,
Indireta e Fundacional informações para a realização do confronto com as informações
constantes da prestação de contas (§3º).
A qualquer tempo, o Ministério Público Eleitoral e os demais partidos políticos
podem relatar indícios e apresentar provas de irregularidade relativa à movimentação
financeira, ao recebimento de recursos de fontes vedadas, à utilização de recursos
provenientes do Fundo Partidário e à realização de gastos que esteja sendo cometida ou
prestes a ser cometida por partido político; requerendo à autoridade judicial competente
a adoção das medidas cautelares pertinentes para evitar a irregularidade ou permitir o
pronto restabelecimento da legalidade (artigo 71).
Além disso, a Justiça Eleitoral e os órgãos da administração direta, indireta e
fundacional podem celebrar convênio com o objetivo de realizar o batimento eletrônico
de dados (§4º), sendo que a requisição de informações que envolvam a quebra do sigilo
fiscal do prestador de serviços ou de terceiros somente pode ser realizada após prévia
e fundamentada decisão do Juiz ou Relator (§5º).
Poderão ainda, a qualquer tempo, de ofício ou mediante indicação ou solicitação
da unidade técnica, do Ministério Público Eleitoral, do impugnante ou dos responsáveis,
ser determinadas pelo Juízo diligências para esclarecer fatos (§6º). O não atendimento
por terceiros das diligências determinadas, por certo, pode sujeitar o infrator à sanção
prevista no artigo 347 do Código Eleitoral, a ser apurada em processo próprio de iniciativa
do Ministério Público Eleitoral, sem prejuízo de outras cominações legais cabíveis (§7º).
Especificamente no que tange à transparência, a referida resolução registra
expressamente que “os processos de prestação de contas partidárias são públicos e
podem ser livremente consultados por qualquer interessado, o qual responde pelos
custos de reprodução e pela utilização das cópias de peças e documentos que requerer”
(artigo 68), bem assim que tal transparência pode ser restringida quanto ao “acesso aos
autos e a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado
no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (§1º).
Por fim, para assegurar o melhor acesso à informação, efetivando o princípio da
transparência, a referida resolução conferiu à Secretaria de Tecnologia da Informação

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
186 DIREITO PARTIDÁRIO

do Tribunal Superior Eleitoral o dever de desenvolver, no prazo de um ano, um sistema


para divulgação, pela internet, dos dados relativos aos valores arrecadados e gastos
pelos partidos políticos (§2º), missão essa que já foi cumprida.
Como se vê, já há aparato legal suficiente para a efetiva fiscalização e o controle
das contas partidárias. A transparência das informações, na velocidade e na qualidade
exigidas, permite a análise das contas de campanha e de partido por parte das
agremiações, da própria sociedade e das autoridades competentes.

1.4 Desafios para as eleições de 2018


Após quase um ano de fervorosos debates no Poder Legislativo, com a publicação
das Leis nºs 13.487 e 13.488, em edição extra do Diário Oficial, uma reforma eleitoral
tímida, mas significativa em alguns avanços, foi concluída poucas horas antes do prazo
fatal para que pudesse ser aplicada às eleições de 2018.
A respeito do financiamento de campanhas, destacou-se a criação do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), estimado em R$1,7 bilhão, a ser
constituído a partir do remanejamento do orçamento de 2018: uma parte referente a
30% dos recursos destinados às emendas de bancada de execução obrigatória; outra, a
partir da compensação fiscal devida às emissoras de rádio e televisão pela veiculação da
propaganda partidária, que deixará de ocorrer no primeiro semestre dos anos eleitorais.
A novel legislação trouxe uma distribuição taxativa do FEFC. A parcela de 2%
deverá ser dividida igualitariamente entre todos os partidos; 35% serão divididos
proporcionalmente ao número de votos obtidos pelos partidos com um representante
para a Câmara dos Deputados; 48% deverão ser rateados considerado o número de
deputados federais e, por fim, 15% será a cota a ser dividida a partir do número de
Senadores.
Perceba-se que o percentual estabelecido em 2% para divisão igualitária e a
restrição da divisão da parcela relativa ao número de votos obtidos nas últimas eleições
somente aos partidos com representação na Câmara acabam por ensejar a concentração
das verbas nas maiores e mais tradicionais agremiações, desprestigiando uma melhor
igualdade de oportunidades entre os partidos.
A matéria promete muitos embates jurídicos. Daí porque Henrique Neves da
Silva7 entende que, por ser de natureza constitucional, a temática “ensejará debates
e, eventualmente, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria”.
É que, no julgamento da ADI nº 1.351, o STF, “ainda que tenha admitido um critério
de igualdade gradual, considerou que a destinação de apenas um por cento do fundo
partidário para divisão igualitária entre os partidos era inconstitucional, por não garantir
um mínimo necessário a cada agremiação”.
Ou seja, no entendimento do jurista, é bem provável que, nas renovadas discussões
que venham a ocorrer no ambiente constitucional, possam ser reeditados argumentos
relativos ao crescimento do número de partidos políticos e à sua efetiva representati-
vidade, contrapostos às dificuldades enfrentadas pelas novas agremiações de manter
um lugar ao sol.

7
SILVA, Henrique Neves. O saldo da reforma eleitoral: as regras para as eleições de 2018. Brasília: Disponível em:
<https://www.jota.info>. Acesso em: 09 out. 2017.

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SÉRGIO SILVEIRA BANHOS
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E A PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS
187

É de se notar, ainda, que não foi definido nenhum critério quanto à divisão interna
dessas verbas. A autonomia partidária prevaleceu determinando-se tão somente que sejam
estabelecidos e divulgados os critérios adotados. Tal liberdade de distribuição interna
parece acertada. Com efeito, cabe aos partidos apostarem nos candidatos com mais chances
de vencer, dado que a cláusula de desempenho alcançará as agremiações malsucedidas
eleitoralmente nas eleições subsequentes. Não parece hora de preferências pessoais nem
de uma distribuição a todos os candidatos, mas do exercício de uma visão pragmática na
escolha dos candidatos mais habilitados ao bom resultado eleitoral, à conquista dos votos.
Nesse momento, a imprensa noticia que as agremiações partidárias darão
prioridade à reeleição de candidatos na divisão de FEFC. Além disso, também devem
priorizar o espaço da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para os ditos
caciques partidários, bem como para os candidatos mais conhecidos em seus redutos.
Esse comportamento acaba por estar na contramão da expectativa de que as novas
regras eleitorais teriam o condão de acelerar uma renovação na política, prestigiando
as candidaturas dos entrantes.
Outro aspecto de relevo trazido na nova legislação diz respeito à previsão de uma
entrega única aos partidos dos recursos do FEFC: não há previsão de valores a serem
distribuídos para um eventual segundo turno eleitoral. A decisão de reservar parte da
verba para um eventual segundo turno será exclusiva das agremiações, sendo certo
que aquele montante do FEFC que não for gasto retornará necessariamente ao Erário.
Em relação aos limites de gastos por tipo de candidatura, foram estabelecidos
tetos fixos. Para as campanhas proporcionais de deputados federais, o valor de R$2,5
milhões; para as de deputados estaduais e distritais, o valor de R$1 milhão e, ainda,
para a campanha para presidente da República, um valor máximo de R$70 milhões.
No caso das eleições de governadores e senadores, por sua vez, os tetos consideraram
o número de eleitores de cada unidade da federação, podendo variar de R$2,8 a 14
milhões no caso de candidaturas para o cargo de governador e de R$2,5 a 5,6 milhões
no caso de pleito para senador.
Outra questão muito debatida pelo Congresso Nacional foi a referente à limitação
do autofinanciamento, pois era evidente o interesse de promover o equilíbrio do jogo
político, com vistas a evitar que os candidatos mais favorecidos financeiramente pudessem
doar a si mesmos muito acima da média dos demais contendores ou que pudessem até
mesmo vir a financiar toda a sua campanha.
Depois de idas e vindas, em uma queda de braço entre a Câmara e o Senado
Federal, ao final, com a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional,
em 13.12.2017, foi estipulado que as doações nominais não poderiam ultrapassar 10
(dez) salários mínimos e que o autofinanciamento estaria restrito ao limite de 10% do
rendimento bruto do doador no ano anterior ao certame.
Nesse momento, com a derrubada do veto, não há consenso sobre quando as
novas regras passarão a valer, já que a matéria foi promulgada no dia 18.12.2017, ou
seja, a menos de um ano do período eleitoral. A questão deve ser decidida pelo TSE.
A nova legislação trouxe, ademais, duas novas formas de financiamento. A
primeira, o crowdfunding, que nada mais é do que arrecadação coletiva de pequenas
doações, a ser administrado por empresas chanceladas pelo TSE. A segunda, a
comercialização de bens e serviços, a partir da promoção de eventos realizados pelos
candidatos ou pelas agremiações.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
188 DIREITO PARTIDÁRIO

A boa notícia é o crowdfunding, a ser implementado por intermédio da internet,


em contas administradas por empresas especializadas nessa modalidade de arrecadação.
A legislação impõe transparência nas transações, com a identificação do doador e com
a possibilidade de vários meios de contribuição, dependendo do valor a ser doado, tais
como depósito em conta corrente, cartão de crédito e de débito, bem como transferência
bancária.
A nova lei permite também que a arrecadação das doações via internet possa ser
realizada a partir do mês de maio do ano eleitoral. Se o pré-candidato for escolhido em
convenção e se tornar candidato, poderá sacar os recursos para as eleições; se não, o valor
arrecadado será devolvido aos doadores, descontada a taxa de administração do fundo.
Ou seja, a nova legislação traz novos desafios à fiscalização e ao controle das
contas por parte da Justiça Eleitoral, em especial aquelas relativas aos anos eleitorais,
uma vez que não se tem mais apenas uma modalidade de financiamento público. Ao
Fundo Partidário, agregou-se outro financiamento oriundo de verbas públicas, qual
seja, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). A fiscalização e o
controle das contas partidárias relativas ao ano eleitoral de 2018 demandará, por certo,
necessária atenção no exame das contas de campanha e das contas do partido relativas
ao ano das eleições.

1.5 Conclusão
No mundo contemporâneo, não se toleram mais as práticas ilegítimas e ilegais de
gestão de recursos financeiros de origem pública. A prestação de contas relativas ao ano
de 2018, no qual ocorrerão eleições com novas regras de financiamento, oferecerá um
ambiente para novas observações quanto ao tema. A partir da inclusão no sistema de
financiamento de campanha de novas modalidades – Fundo Especial de Financiamento
de Campanha (FEFC), arrecadação coletiva e comercialização de bens e serviços –, nova
análise da eficácia do modelo de fiscalização e controle de prestação de contas poderá
ser feita.
Com o aprimoramento de ferramentas de controle e fiscalização de recursos,
com o prestígio aos convênios firmados pela Justiça Eleitoral com outros órgãos da
Administração, ensejando maior transparência das informações e permitindo análise
em tempo quase real das contas de campanha e de partido por parte das agremiações,
da própria sociedade e das autoridades competentes, será prestigiada a democracia e
a república.
A busca da transparência, viabilizando o controle pelos outros candidatos,
pelas agremiações e pela sociedade deve ser cada vez mais estimulada, somada à
fiscalização diligente da arrecadação e dos gastos, com a participação integrada dos
órgãos conveniados com o TSE, tais como o Tribunal de Contas da União, o Ministério
Público Federal, o Ministério Público Eleitoral, a Polícia Federal, a Receita Federal, o
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf).
Uma sociedade se constrói com mudanças continuadas. O mundo contemporâneo
está em profunda transformação. A democracia representativa clama por novos ares que
assegurem a manutenção da credibilidade não só dos atores políticos, mas também das
agremiações partidárias envolvidas. Os tempos de agora são de desafios constantes. A

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SÉRGIO SILVEIRA BANHOS
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E A PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS
189

transparência ressoa como a ferramenta essencial ao prestígio de valores constitucionais


essenciais à valorização da democracia.
O momento é de quebra de paradigmas. Há duas décadas praticamente não se
ouvia falar de transparência no país. A lisura na prestação de contas é matéria muito cara
ao mundo contemporâneo e é cobrada diariamente pela sociedade. Os mecanismos de
fiscalização e controle já existem e estão em constante aprimoramento. Os profissionais
estão em constante qualificação para o desafio. Os convênios estão firmados. É preciso
agora que a sociedade e as autoridades competentes caminhem juntas em direção ao
combate efetivo às más práticas no que diz respeito à fiel prestação das contas partidárias.
A transparência, é bom que se repita, é ferramenta indispensável para tal.

Referências
BANHOS, Sérgio. A aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento de
contas partidárias pelo TSE. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, v. 5, p. 187-205, 2011.
BANHOS, Sérgio. Os efeitos da vedação do financiamento de campanhas por empresas nas eleições de 2016.
In: PEREIRA, Erick Wilson (Org.). Reforma política: Brasil república: em homenagem ao ministro Celso de
Mello. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2017.
CANHADAS, Fernando A.M. O princípio da transparência administrativa: a transparência obrigatória, a
transparência permitida e a transparência proibida. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2012.
SILVA, Henrique Neves. O saldo da reforma eleitoral: as regras para as eleições de 2018. Brasília: Disponível
em: <https://www.jota.info>. Acesso em: 09 out. 2017.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BANHOS, Sérgio Silveira. O princípio da transparência e a prestação de contas partidárias. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 181-189. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.)
ISBN 978-85-450-0497-4.

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 2

PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS:


O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A
EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL

DENISE GOULART SCHLICKMANN

2.1 Introdução
Esse artigo tem por objetivo analisar, ainda que em linhas preliminares, a evolução
do instituto de prestação de contas partidárias à Justiça Eleitoral no Brasil. Para tanto,
volta-se, em primeiro momento, ao exame do dever constitucional de prestar contas
imposto aos partidos políticos.
Em segundo momento, o estudo detém-se diante da evolução normativa do
instituto desde sua origem até os dias atuais, buscando identificar, ainda que brevemente,
os principais diplomas normativos que lhe deram forma.
Por fim, o artigo analisa, com a brevidade que comporta, a evolução normativa
do instituto da prestação de contas partidária desde o mero exame formal realizado
pela Justiça Eleitoral, passando pela implementação do processo administrativo que
efetivamente passou a julgar a regularidade das contas até a sua judicialização.
A opção metodológica aplicada no estudo foi a dedutiva. Na pesquisa, optar-se-á
pela análise bibliográfica, de dados legais e de coleta de dados junto à Justiça Eleitoral.

2.2 Partidos políticos e o dever de prestar contas


Nos regimes democráticos, o poder político emana da sociedade e é exercido
através de seus representantes, legal e legitimamente constituídos. No entanto, o exercício
do poder exige o estabelecimento de regras que disciplinem a representatividade e, ao
mesmo tempo, garantam que a vontade coletiva, entendida esta como a vontade da
maioria, seja exercida em plenitude.
A sociedade é detentora do poder político puro, sem rótulos e preferências
institucionais, características da organização partidária. Por isso, ainda que as diversas
concepções sociais se expressem na formação dos partidos políticos, cabe aos indivíduos
que compõem a sociedade (independentemente de filiação partidária) conferir a um
ou outro estrato social o poder político, através do voto.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
192 DIREITO PARTIDÁRIO

O regime democrático é, nas palavras de Cavalcanti (1969, p. 268) “... uma


organização política que transfere ao povo, não somente o exercício pleno da soberania,
mas também imprime certo estado de espírito à consciência coletiva...”.
É, nesse sentido, o princípio da representação política que alicerça o regime
democrático que operacionaliza a distribuição do poder político.
Em qualquer de suas formas de expressão, que evoluíram ao longo da história, o
sistema representativo de governo exige e pressupõe um sistema eleitoral que garanta
a legitimidade do ato de votar, expresso na liberdade de manifestação da maioria e na
organização de cargos eletivos que viabilizem o exercício do mandato eletivo.
E a participação do indivíduo de forma direta ou representativa, na definição de
Kelsen (1993), nada mais representa do que o processo de criação e aplicação da ordem
social que constitui a comunidade, o critério propriamente dito do sistema político
democrático.
Reside, então, nos pleitos eleitorais e no sistema eleitoral como um todo a
responsabilidade de garantir a legitimidade do regime democrático, fundado no Estado
Constitucional de Direito sobre o qual leciona Ferrajoli (2015, p. 61), ao tratar das
profundas alterações que esse modelo de Estado operou sobre o Estado de Direito, litteris:

Não se tratou apenas da subordinação ao direito do próprio poder legislativo, mas


também da subordinação da política a princípios e direitos estipulados nas Constituições
como razão de ser de todo o artifício jurídico. Tratou-se, portanto, de uma transformação
e de uma integração, além das condições de validade do direito, também das fontes de
legitimidade democrática dos sistemas políticos, vinculados e funcionalizados à garantia
de tais princípios e direitos. (FERRAJOLI, 2015, p. 61)

Assim, pode-se constatar que o regime democrático representativo pressupõe um


conjunto de instituições para a disciplina da participação popular no processo político,
que, em última instância, garante o exercício pleno da cidadania.

[...] o termo “representação” pode reivindicar o significado não apenas de representação do


Estado, mas, ao mesmo tempo, de representação do povo do Estado, única e exclusivamente
se remeter à representação por órgãos eleitos por via democrática. (KELSEN, 1993, p. 151)

No Brasil, o regime político funda-se no princípio democrático, instituído


constitucionalmente. Consoante prevê a Carta Magna, em seus arts. 1º e 3º, destina-se
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, livre, justa e solidária, fundada na soberania popular, na cidadania,
na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,
e no pluralismo político.
A democracia representativa é exercida no Brasil de forma indireta, periódica e
formal, por intermédio das instituições eleitorais que objetivam disciplinar e legitimar a
escolha dos representantes do povo. A importância da materialização formal do processo
democrático e de sua estrutura fundada no Poder Judiciário reside no próprio conceito
do ato de votar: eleger significa “... expressar preferência entre alternativas, realizar um
ato formal de decisão política” (SILVA, 1995, p. 138).

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DENISE GOULART SCHLICKMANN
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
193

O voto é a materialização do direito de sufrágio. Através do ato de votar e ser


votado o indivíduo exerce uma função social, função esta que se origina da soberania
popular, fundamento da democracia representativa.
O sufrágio, conforme ensina Bonavides (1994, p. 228), “é o poder que se reconhece
a certo número de pessoas (o corpo de cidadãos) de participar direta ou indiretamente
na soberania, isto é, na gerência da vida pública”. Caracteriza a oportunidade da
designação de representantes que exercem o poder e constroem a democracia indireta.
Faculta a participação democrática a todos, indistintamente, sem preterir ninguém em
função da riqueza, grau de instrução, raça ou sexo.
São os partidos políticos as instituições que viabilizam o exercício do direito
político de votar e ser votado, condição estruturante de todos os direitos políticos e
fundamento da democracia representativa. Agregam as diferentes correntes de opinião
e permitem o fracionamento ideológico da sociedade que, então, pode fazer a escolha
daqueles que irão representar e administrar seus interesses, representando, segundo
ensina Kelsen (1993) instituições mediadoras que contribuem decisivamente para a
própria substância da representação.
Os partidos políticos asseguram a autenticidade do sistema representativo, pois
organizam e preparam as diversas candidaturas para a disputa que se consagra no
pleito eleitoral.

Uma das consequências da função representativa dos partidos é que o exercício do mandato
político, que o povo outorga a seus representantes, faz-se por intermédio deles, que,
desse modo, estão de permeio entre o povo e o governo, mas não no sentido de simples
intermediários entre dois polos opostos ou alheios entre si, mas como um instrumento
por meio do qual o povo governa. Dir-se-ia – em tese, ao menos – que o povo participa
do poder por meio dos partidos políticos. (SILVA, 1995, p. 388)

São as agremiações partidárias que partidos dão forma à base das massas que
anseiam por expressar a sua opinião no foro representativo da democracia. São eles que
cristalizam e elaboram a opinião bruta, lhe dão sustentáculo, atenuando as profundas
divergências individuais. Nas palavras de Duverger (1967, p. 413), “é só ele [o partido
político] que permite a existência de eleições e de representação política [...]”.
Incumbe aos partidos políticos definir as plataformas eleitorais e, ao sintetizar
as mais diversas correntes de opinião, difundi-las, com o objetivo de atrair o maior
número possível de eleitores, canalizando as mais distintas opiniões para dar-lhes
objetividade, adaptando-as aos interesses dos eleitores. Os partidos políticos conjugam
os seus próprios e especiais objetivos com os anseios dos eleitores. Os partidos tanto
criam a opinião quanto a representam. (DUVERGER, 1967).
Ademais, a Constituição Federal já estatui, em seu art. 1º, ao reconhecer o Brasil
como Estado Democrático de Direito fundado nos princípios da soberania e do pluralismo
político, a representação política como recurso próprio no processo de formação da
vontade política. A Carta Magna fixou, desde então e formalmente, a democracia
representativa partidária no país (MEZZAROBA, 2005).
A matriz constitutiva do partido político está, desta forma, na própria Constituição
Federal, seja pela personificação do pluralismo político que dá forma à democracia de
base representativa, já no artigo inaugural da lei máxima, seja pela dicção do art. 17

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
194 DIREITO PARTIDÁRIO

da mesma Carta, que direta e especificamente autoriza a criação, fusão, incorporação


e extinção dos partidos políticos.
Pode-se afirmar que é pelos partidos políticos que se conforma o poder político
em si, que se caracteriza pelo uso da força, materializando o poder soberano, “cuja posse
distingue, em toda sociedade organizada, a classe dominante” (BOBBIO, 2000, p. 221).
Peças essenciais ao funcionamento do complexo mecanismo democrático no
mundo contemporâneo, os partidos políticos detêm o monopólio do sistema eleitoral,
sendo responsáveis, não raras vezes, pela própria definição do perfil do Estado, pois são
eles mesmos que acabam por definir o sentido das ações empreendidas pelo Estado. Daí
porque se pode afirmar que não existe, efetivamente, representação popular e exercício
do poder estatal sem a intermediação partidária (GOMES, 2017).
E no contexto da outorga de poder político, é o procedimento eleitoral o meio
pelo qual são desenvolvidos sucessivamente os atos que culminam com a escolha dos
eleitos: a apresentação das candidaturas, a organização e realização do escrutínio e o
contencioso eleitoral.
Integrando o sistema eleitoral brasileiro, a Justiça Eleitoral atua como Justiça
Especializada, a quem competem atos tanto de natureza jurisdicional quanto de natureza
administrativa. Da lavra de Costa (1994, p. 5), extrai-se:

O próprio processo eleitoral consta de atos que nada de contencioso apresentam e que
mais se aproximam dos atos de jurisdição voluntária, na medida em que a presença do
órgão judiciário, sobretudo nos atos procedimentais do alistamento, da votação e da
apuração e mesmo da diplomação se destina mais a dar certeza e legalidade àqueles atos
e aos efeitos jurídicos deles decorrentes do que a promover a concretização de qualquer
direito subjetivo.

E no exercício de suas competências, algumas delas derivadas diretamente da


Constituição Federal, incumbe à Justiça Eleitoral também a responsabilidade institucional
de acompanhamento das atividades partidárias, desde sua constituição, na busca
da concretização do pretendido controle estatal, com a imparcialidade inerente ao
desempenho judiciário, até a realização dos pleitos.
A Carta Magna é soberana ao definir as condições estruturantes dos partidos
políticos, entrelaçando-as com as competências da Justiça Eleitoral, ao disciplinar em
seu art. 17, litteris:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: Regulamento
I – caráter nacional;
II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
ou de subordinação a estes;
III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei. (grifou-se)

E disciplinando o preceito constitucional, a Lei dos Partidos Políticos1 regulamenta


a competência da Justiça Eleitoral, fixando em seu Capítulo I as regras determinantes do

1
Lei nº 9.096/1995.

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DENISE GOULART SCHLICKMANN
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
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dever de prestar contas, enfatizando em seu art. 30 que as contas partidárias prestadas
devem ser elaboradas “de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas
e a destinação de suas despesas”.
O art. 34 do mesmo diploma legal é cristalino ao delimitar a competência da
Justiça Eleitoral, quando prevê:

Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a prestação de contas do partido e das
despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação
financeira, os dispêndios e os recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação
das seguintes normas:
I – obrigatoriedade de designação de dirigentes partidários específicos para movimentar
recursos financeiros nas campanhas eleitorais;
II – (revogado);
III – relatório financeiro, com documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro
ou de bens recebidos e aplicados;
IV – obrigatoriedade de ser conservada pelo partido, por prazo não inferior a cinco anos,
a documentação comprobatória de suas prestações de contas;
V – obrigatoriedade de prestação de contas pelo partido político e por seus candidatos
no encerramento da campanha eleitoral, com o recolhimento imediato à tesouraria do
partido dos saldos financeiros eventualmente apurados.
§1º A fiscalização de que trata o caput tem por escopo identificar a origem das receitas e a
destinação das despesas com as atividades partidárias e eleitorais, mediante o exame formal
dos documentos fiscais apresentados pelos partidos políticos e candidatos, sendo vedada
a análise das atividades político-partidárias ou qualquer interferência em sua autonomia.
§2º Para efetuar os exames necessários ao atendimento do disposto no caput, a Justiça
Eleitoral pode requisitar técnicos do Tribunal de Contas da União ou dos Estados, pelo
tempo que for necessário. (grifou-se)

Pode-se asserir, diante do que até aqui foi exposto, que o dever de prestar contas à
Justiça Eleitoral é condição sine qua non para a própria existência dos partidos políticos,
sendo dever da Justiça Eleitoral julgar a sua regularidade com o propósito de aferir se
os mandamentos legais que fixam os requisitos tanto para o financiamento partidário
quanto para a realização de gastos foram efetivamente observados.
E está nos partidos políticos um dos elementos fundantes da representação
política e, em consequência, do próprio regime democrático.

2.3 A evolução das normas de prestação de contas partidárias no


Brasil
O instituto da prestação de contas partidária no Brasil foi regulado, inicialmente,
pela Lei nº 4.740/1965, que fixava em seu art. 58 a competência da Justiça Eleitoral para
fiscalizar a observância de normas específicas relativas à administração financeira dos
partidos políticos, litteris:

Art. 58. A Justiça Eleitoral fiscalizará ... VETADO... processos eleitorais, fazendo observar,
entre outras, as seguintes normas:
I – obrigatoriedade de só receberem ou aplicarem recursos financeiros, em campanhas
políticas, determinados dirigentes dos partidos e comitês legalmente constituídos e
registrados para fins eleitorais;

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
196 DIREITO PARTIDÁRIO

II – caracterização da responsabilidade dos dirigentes de partidos e comitês, inclusive do


tesoureiro, que responderá civil e criminalmente por quaisquer irregularidades;
III – escrituração contábil, com documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro
ou bens, recebidos e aplicados;
IV – obrigatoriedade de ser conservada pelos partidos e comitês a documentação
comprobatória de suas prestações de contas, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos;
V – obrigatoriedade de se depositar, no Banco do Brasil, Caixas Econômicas Federais e
Estaduais, ou sociedades bancárias de economia mista, os fundos financeiros dos partidos ou
comitês e, inexistindo êsses estabelecimentos, no banco escolhido pela comissão executiva,
à ordem conjunta de um dirigente do partido e de um tesoureiro;
VI – obrigatoriedade de prestação de contas pelos partidos políticos e comitês ao encerrar-se
cada campanha eleitoral;
VII – organização de comitês interpartidários de inspeção, bem como publicidade ampla
de suas conclusões e relatórios sôbre as investigações a que proceda;
VIII – obrigatoriedade de remessa das prestações de contas, de que trata o inciso VI, aos
comitês interpartidários de inspeção ou ainda às comissões parlamentares de inquérito
que solicitarem;
IX – exigência de registro de todos os comitês que pretendam atuar nas campanhas eleitorais,
bem assim dos responsáveis pelos recursos financeiros a serem recebidos ou aplicados;
X – fixação, nos pleitos eleitorais de limites para donativos, contribuições ou despesas
de cada comitê.
§1º Nenhum candidato a cargo eletivo, sob pena cassação do respectivo registro,
poderá efetuar, individualmente, despesas de caráter político ou eleitoral, ou alistamento,
arregimentação, propaganda e demais atividades definidas pela Justiça Eleitoral, devendo
processar todos os gastos através dos partidos ou comitês.

Atribuía o mesmo diploma legal, contudo, a competência ao Tribunal de Contas da


União, em seu art. 71, para o julgamento da prestação de contas dos recursos recebidos
do Fundo Partidário:

Art. 71. Os partidos prestarão contas, anualmente, ao Tribunal de Contas da União, da aplicação
dos recursos recebidos no exercício anterior.
§1º As prestações de contas de cada órgão (municipal, regional ou nacional) serão feitas
em volumes distintos, remetidos ao Tribunal Superior Eleitoral.
§2º O Tribunal Superior verificará se a aplicação foi realizada nos têrmos do Código Eleitoral e
desta lei, e, com relatório que verse apenas sôbre êste assunto, encaminhará e prestação de contas
para exame e julgamento do Tribunal de Contas da União.
§3º Os diretórios serão responsáveis pela aplicação dos recursos do fundo partidário.
§4º A falta de prestação de contas ou a sua desaprovação, total ou parcial, implicará na
perda do direito ao recebimento de novas quotas e no segundo caso, sujeitará ainda à
responsabilidade civil e criminal os membros dos diretórios faltosos.
§5º O órgão tomador de contas poderá converter o julgamento em diligência, para que o
diretório as regularize.
§6º A Corregedoria da Justiça Eleitoral poderá, a qualquer tempo, proceder a investigação
sôbre a aplicação do fundo partidário, em qualquer esfera – nacional, regional ou municipal,
adotando as providências recomendáveis.

A Justiça Eleitoral exercia papel, nessa época, de mera relatora, fornecendo


elementos de instrução em processo que seria julgado pela Corte de Contas, que detinha
a competência para o exame de regularidade dos recursos do Fundo Partidário.

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DENISE GOULART SCHLICKMANN
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
197

A Lei nº 5.682/1971 passou a dispor expressamente sobre a competência da Justiça


Eleitoral para fiscalizar a movimentação financeira dos partidos políticos, consoante
se observa:

Art. 93. A Justiça Eleitoral exercerá fiscalização sôbre o movimento financeiro dos Partidos,
compreendendo recebimento, depósito e aplicação de recursos, inclusive escrituração contábil,
fazendo observar, entre outras, as seguintes normas:
I – obrigatoriedade de só receberem ou aplicarem recursos financeiros em campanhas
políticas, determinados dirigentes dos Partidos e Comitês legalmente constituídos e
registrados para fins Eleitorais;
II – caracterização da responsabilidade dos dirigentes de Partidos e comitês, inclusive do
tesoureiro, que responderão civil e criminalmente por quaisquer irregularidades;
III – escrituração contábil, com documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro
ou bens, recebidos e aplicados;
IV – obrigatoriedade de ser conservada pelos Partidos e Comitês a documentação
comprobatória de suas prestações de contas, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos;
V – obrigatoriedade de depositar no Banco do Brasil, Caixas Econômicas Federais e
Estaduais ou sociedades bancárias de economia mista, os fundos financeiros dos Partidos
ou Comitês e, inexistindo êsses estabelecimentos, no banco escolhido pela Comissão
Executiva, à ordem conjunta de um dirigente e de um tesoureiro do Partido;
VI – obrigatoriedade de prestação de contas pelos Partidos Políticos e Comitês, ao encerrar-se
cada campanha eleitoral;
VII – organização de Comitês interpartidários de inspeção, bem como publicidade ampla
de suas conclusões e relatórios sôbre as investigações a que procedam;
VIII – obrigatoriedade de remessa das prestações de contas, de que trata o número VI, aos
Comitês interpartidários de inspeção ou, ainda, às comissões parlamentares de inquérito
que solicitarem;
IX – exigência de registro dos Comitês que pretendam atuar nas campanhas eleitorais,
bem assim dos responsáveis pelos recursos financeiros a serem recebidos ou aplicados; e
X – fixação, nos pleitos eleitorais, de limites para donativos, contribuições ou despesas
de cada Comitê.
§1º Os Comitês de que trata o número I dêste artigo serão constituídos por partidários
que não disputem qualquer cargo eletivo.
§2º Nenhum candidato a cargo eletivo, sob pena de cassação do respectivo registro,
poderá efetuar, individualmente, despesas de caráter eleitoral, inclusive com alistamento,
arregimentação, propaganda e demais atividades definidas pela Justiça Eleitoral, devendo
processar todos os gastos através dos Partidos ou Comitês.
§3º Os Tribunais Regionais Eleitorais determinarão o acesso de tôdas as agremiações políticas
aos meios de comunicação, mesmo a Diretórios que se encontrem em outra jurisdição.
§4º O Tribunal Superior Eleitoral baixará instruções para o cumprimento do disposto
neste artigo. (grifou-se)

Contudo, a competência para efetivamente julgar prestação de contas – sempre


com ênfase na aplicação dos recursos do Fundo Partidário – permaneceu acometida ao
Tribunal de Contas da União, conforme se pode constatar do art. 106 daquele diploma
legal:

Art. 106. Os partidos prestarão contas, anualmente, ao Tribunal de Contas da União, da aplicação
dos recursos recebidos no exercício anterior.
§1º As prestações de contas de cada órgão (municipal, regional ou nacional) serão feitas
em volumes distintos e remetidos ao Tribunal Superior Eleitoral.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
198 DIREITO PARTIDÁRIO

§2º O Tribunal Superior verificará se a aplicação foi realizada nos têrmos do Código Eleitoral e
desta lei e, com relatório que verse apenas sôbre êste assunto, encaminhará a prestação de contas
para exame e julgamento do Tribunal de Contas da União.
§3º Os Diretórios serão responsáveis pela aplicação dos recursos do Fundo Partidário.
§4º A falta de prestação de contas ou a sua desaprovação, total ou parcial, implicará na
perda do direito ao recebimento de novas quotas e sujeitará a responsabilidade civil e
criminal os membros das Comissões Executivas dos Diretórios faltosos.
§5º O órgão tomador de contas poderá converter o julgamento em diligência, para que o
Diretório as regularize.
§6º A Corregedoria da Justiça Eleitoral poderá, a qualquer tempo, proceder a investigação
sôbre a aplicação do Fundo Partidário em esfera nacional, regional ou municipal, adotando
as providências recomendáveis. (grifou-se)

Pouco antes da edição da Lei dos Partidos Políticos, a Lei nº 9.096/1995, o Tribunal
Superior Eleitoral aprovou a Resolução nº 19.585/1996, que disciplinava a prestação de
contas dos Partidos Políticos e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos
Políticos (Fundo Partidário), referindo-se expressamente à competência da Justiça Eleitoral
para realizar exame formal da prestação de contas partidária, remetendo-a à Corte de Contas:

Art. 22. O Tribunal Superior Eleitoral, após o exame formal da prestação de contas anual dos
partidos políticos, enviará cópia para o Tribunal de Contas da União, para as providências
cabíveis (CF, art. 71, II, VIII e XI).

Os artigos constitucionais referenciados dizem respeito às competências do


Tribunal de Contas da União para julgar as contas dos responsáveis pela administração
de valores de natureza pública (na hipótese, o Fundo Partidário), aplicar sanções e
representar sobre irregularidades e abusos apurados.2
É incontestável, contudo, que foi a própria Lei dos Partidos Políticos que fixou,
definitivamente, a competência da Justiça Eleitoral para efetivamente decidir sobre a
regularidade das contas prestadas pelos partidos políticos, consoante dispõe o art. 34
daquele diploma legal, antes citado.
E com a finalidade de regulamentar a prestação de contas à Justiça Eleitoral, o
Tribunal Superior Eleitoral aprovou diversas resoluções, cuja evolução no tempo pode
ser assim sintetizada:

2
“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas
da União, ao qual compete: [...]
II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da ad-
ministração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público
federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo
ao erário público; [...]
VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções
previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; [...]
XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.”

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DENISE GOULART SCHLICKMANN
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
199

Norma Finalidade
Resolução nº 19.682/1996 Referida resolução alterou a redação de diversos dispositivos da
Resolução TSE nº 19.585/1996, dentre eles o art. 22, que passou a
dispor:
Art. 22. A Justiça Eleitoral, após o exame formal da prestação de contas
anual dos partidos políticos, enviará cópia para o Tribunal de Contas
da União, para as providências cabíveis, obedecendo-se ao disposto no
parágrafo único do art. 2º desta Resolução (CF, art. 71, II, VIII e XI).
E o referido art. 2º, parágrafo único, passou a dispor sobre a
competência das três instâncias da Justiça Eleitoral para fiscalização
dos órgãos nacional, estadual e municipal dos partidos políticos,
respectivamente.
Permaneceu, nesse período o envio dos autos à Corte de Contas
para julgamento das contas no que se referia à responsabilidade dos
gestores partidários perante os recursos do Fundo Partidário.
Resolução nº 19.768/1996 A norma disciplinou novamente a prestação de contas partidária,
deixando de disciplinar o envio de autos ao Tribunal de Contas da
União para julgamento sobre a aplicação dos recursos do Fundo
Partidário.
Resolução nº 19.864/1997 Alterou dispositivos da Resolução TSE nº 19.768/1996, no que se refere
ao Fundo Partidário.

Resolução nº 20.982/2002 Decidiu sobre a competência da Justiça Eleitoral para instaurar tomada
de contas especial em relação a partidos políticos que tiverem suas
contas consideradas desaprovadas ou não prestadas pela Justiça
Eleitoral e pela regulamentação do instrumento em resolução que
disciplinasse a prestação de contas dos partidos políticos e do fundo
especial de assistência financeira aos partidos políticos – Fundo
Partidário.

Resolução nº 21.841/2004 Disciplinou a prestação de contas partidária e a instauração, pela


Justiça Eleitoral, de Tomada de Contas Especial, contra os responsáveis
pelas contas do partido na hipótese de não comprovação da aplicação
dos recursos do Fundo Partidário ou por sua aplicação irregular.
A referida norma passou a dispor, expressamente, em seu art. 27, sobre
o julgamento das contas partidárias pela Justiça Eleitoral:
Art. 27. Compete à Justiça Eleitoral decidir sobre a regularidade das
contas dos partidos políticos, julgando-as:
I – aprovadas, quando regulares;
II – aprovadas com ressalvas, quando constatadas falhas que,
examinadas em conjunto, não comprometam a regularidade das
contas; e
III – desaprovadas, quando constatadas falhas que, examinadas em
conjunto, comprometam a regularidade das contas.
Resolução nº 22.067/2005 Instituiu o Sistema de Prestação de Contas Partidária (SPCP).

Resolução nº 22.466/2006 Decidiu, em razão da complexidade do sistema SPCP e de dificuldades


técnicas encontradas pelos usuários, pela promoção de estudos para
futura implementação (atualmente, os partidos políticos têm à sua
disposição para a prestação de contas o Sistema de Prestação de
Contas Anuais – SPCA)).

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200 DIREITO PARTIDÁRIO

Norma Finalidade
Resolução nº 22.655/2007 Regulamentou a aferição do cumprimento da aplicação dos recursos
do Fundo Partidário em despesas com pessoal de forma centralizada,
na prestação de contas do órgão nacional do partido prestada ao
Tribunal Superior Eleitoral.
Resolução nº 23.432/2014 Disciplinou novamente a prestação de contas partidária,
regulamentando a sua natureza judicial e processamento, após a
edição da Lei nº 12.034/2009 (reforma eleitoral).
Resolução nº 23.464/2015 Promoveu alterações no disciplinamento anterior em razão da
aprovação da Lei nº 13.165/2015 (reforma eleitoral).
Resolução nº 23.546/17 Promoveu alterações no disciplinamento anterior em razão da
aprovação das Leis nº 13.487/2017 e 13.488/2017 (reforma eleitoral).

2.4 Do exame formal ao processo administrativo que julga as contas


e deste à implementação do processo judicial de prestação de
contas partidárias – O impacto da evolução normativa
A evolução normativa da prestação de contas partidária à Justiça Eleitoral
demonstra marcos muito significativos, que merecem uma breve reflexão.
A Justiça Eleitoral teve sua competência indelevelmente fixada para julgar em
definitivo as contas partidárias apenas após a aprovação da Lei nº 9.096/1995 e de sua
regulamentação pela Resolução nº 19.768/1996. Essa norma fez cessar o caráter de exame
meramente formal a ser realizado pela Justiça Eleitoral para que o Tribunal de Contas
da União efetivamente julgasse as contas dos responsáveis, no que se referia à aplicação
dos recursos do Fundo Partidário.
Ainda assim, ante a natureza administrativa de tais processos, as normas ainda
expressavam a dependência da Justiça Eleitoral do Tribunal de Contas da União para
conferir eficácia às suas decisões, pela via do julgamento de Tomada de Contas Especial
instaurada no seio da Justiça Eleitoral, responsabilizando os gestores em relação aos
valores que eventualmente não recolhessem ao Tesouro Nacional em decorrência de
sanções aplicadas pela Justiça Eleitoral, o que foi regulamentado pela Resolução nº
21.841/2004, que vigorou por uma década.
Apenas a judicialização dos processos de prestação de contas, advinda com a
reforma eleitoral implementada pela Lei nº 12.034/2009, trouxe às decisões proferidas pela
Justiça Eleitoral em matéria de prestação de contas a real possibilidade de conferir-lhes
eficácia direta.
É que referida lei alterou o art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, acrescendo-lhe
o §6º, que expressamente passou a dispor:

Art. 37 [...] §6º O exame da prestação de contas dos órgãos partidários tem caráter
jurisdicional.

E a regulamentação da natureza judicial das prestações de contas partidárias


trouxe em seu bojo – com a edição da Resolução TSE nº 23.432/14 – importantíssimas
alterações para o instituto, algumas definitivamente reestruturantes. Dessa verdadeira

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DENISE GOULART SCHLICKMANN
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
201

mudança de paradigma nas contas partidárias, é importante destacar as seguintes


alterações normativas:

1. obrigatoriedade de abertura de contas bancárias distintas não apenas para


o processamento dos recursos do Fundo Partidário, mas também para o
recebimento de Doações para Campanha Eleitoral, conta bancária que foi
instituída com caráter permanente, para o processamento não apenas do
recebimento de doações para todas as campanhas eleitorais de todas as eleições,
mas também para a quitação de dívidas eventualmente assumidas pelo partido
político. Manteve-se, ainda, a conta bancária destinada à administração de
Outros Recursos, destinados à manutenção partidária;
2. obrigatoriedade de adoção da escrituração contábil digital e seu encaminha-
mento à Receita Federal do Brasil, conforme cronograma específico estabelecido
pela norma com prazos diferenciados para os diretórios nacionais, diretórios
estaduais e municipais;
3. obrigatoriedade de encaminhamento pelas instituições financeiras de extratos
eletrônicos, mensalmente, com identificação de contraparte (repassador e
destinatário dos recursos), ampliando as possibilidades de controle e conferindo
maior transparência aos recursos administrados pelos partidos políticos;
4. instituição de recibos de doação para a captação de recursos, emitidos na
página de internet do Tribunal Superior Eleitoral, aos moldes dos recibos
eleitorais para as campanhas;
5. equiparação de fontes vedadas àquelas das campanhas eleitorais, que
representavam, à época rol muito mais extenso que aquelas aplicáveis às
contas partidárias;
6. impossibilidade de utilização de recursos do Fundo Partidário para quitação
de obrigações quando o partido originariamente responsável pela dívida
estivesse impedido de receber esse tipo de recursos, conferindo efetividade
às decisões proferidas: vedação à transferência indireta de recursos do Fundo
Partidário para frustrar a aplicação de sanção; impossibilidade de pagamento
de despesas de órgão cujo recebimento de recursos do Fundo Partidário
houvesse sido suspenso com recursos dessa mesma natureza por outro; e
desaprovação das contas do órgão partidário que houvesse contribuído para
a transferência indireta;
7. profunda alteração no rito de processamento das contas;
8. disciplinamento do exame técnico das contas, dividindo-o em duas fases
(preliminar e de exame propriamente dito) e ampliação dos prazos para
manifestação partidária nos autos;
9. inserção das categorias de julgamento de desaprovação parcial e não prestação
de contas.
10. estabelecimento de sanção de suspensão de registro ou anotação dos órgãos
partidários na hipótese de julgamento de contas não prestadas, bem como
de devolução de recursos do Fundo Partidário recebidos.
11. disciplinamento da impossibilidade de aplicar sanções cumulativamente,
evitando que a eficácia de uma sanção fosse inteiramente absorvida por outra
aplicada concomitantemente;

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
202 DIREITO PARTIDÁRIO

12. extinção da tomada de contas especial como meio de execução das decisões de
prestação de contas, as quais passaram a ser executadas pela Advocacia-Geral
da União.

Referida resolução estabeleceu, ainda, a inaplicabilidade das normas ao exame de


mérito dos processos anteriores a 2014, impondo a imediata aplicação das disposições
processuais aos processos relativos ao exercício de 2009 e seguintes que não houvessem
sido julgados.
As normas que se seguiram – Resoluções nº 23.464/2015 e 23.546/2017 – não
trouxeram inovações estruturantes, salvo a adequação regulatória às reformas eleitorais
então aprovadas pelo Congresso Nacional.
É de se destacar, entretanto, na Resolução nº 23.464/2015 o disciplinamento da
prestação de contas sem movimentação financeira, em oposição ao que a reforma eleitoral
efetivada pela Lei nº 13.165/2015 havia intentado implementar no §4º do art. 22-A:

Art. 22-A [...] §4º Os órgãos partidários municipais que não hajam movimentado recursos financeiros
ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral,
exigindo-se do responsável partidário, no prazo estipulado no caput, a apresentação de
declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período. (grifou-se)

Ora, de tudo o quanto até aqui foi exposto, exsurge cristalina a invalidade material
da regra por afronta ao dever constitucional de prestar contas disposto no art. 17, III, da
Carta Magna, que impõe como condição de existência ao partido político a prestação
regular de suas contas à Justiça Eleitoral. A Constituição Federal não restringe o dever
de prestar contas à existência de movimentação de recursos.
A ninguém cabe, portanto, dispensar o partido político da prestação de contas
por qualquer circunstância, o que poderia ser implementado apenas na hipótese de
alteração do texto constitucional.
Antes, a ausência de movimentação financeira deve ser efetivamente declarada à
Justiça Eleitoral no seio da prestação de contas, para que este órgão de justiça especializada
possa proferir julgamento. E a Resolução nº 23.464/2015 cuidou de disciplinar esse
procedimento, regulamentando o seu processamento, de molde a instruir adequadamente
eventual informação de ausência de prestação de contas submetendo-a ao confronto
com as informações disponíveis na Justiça Eleitoral ou a que terceiros pudessem ter
acesso pela via da impugnação e prevendo, ante a eventual caracterização da falsidade
da informação, a devida responsabilização do dirigente partidário. Veja-se:

SEÇÃO II
DA PRESTAÇÃO DE CONTAS SEM MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA
Art. 45. Na hipótese de apresentação da declaração de ausência de movimentação de
recursos, na forma do §2º do art. 28 desta resolução, a autoridade judiciária determina,
sucessivamente:
I – a publicação de edital no Diário da Justiça Eletrônico ou, se não houver, em cartório,
com o nome de todos os órgãos partidários e respectivos responsáveis que apresentaram
a declaração de ausência de movimentação de recursos, facultando a qualquer interessado,
no prazo de 3 (três) dias contados da publicação do edital, a apresentação de impugnação
que deve ser apresentada em petição fundamentada e acompanhada das provas que
demonstrem a existência de movimentação financeira ou de bens estimáveis no período;

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DENISE GOULART SCHLICKMANN
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
203

II – a juntada dos extratos bancários que tenham sido enviados para a Justiça Eleitoral,
na forma do §3º do art. 6º desta resolução;
III – a colheita e certificação nos autos das informações obtidas nos outros órgãos da
Justiça Eleitoral sobre a eventual emissão de recibos de doação e registros de repasse ou
distribuição de recursos do Fundo Partidário;
IV – a manifestação do responsável pela análise técnica sobre as matérias previstas os
incisos I, II e III deste parágrafo, no prazo de 5 (cinco) dias;
V – a manifestação do Ministério Público Eleitoral, após as informações de que tratam as
alíneas a e b deste parágrafo, no prazo de 5 (cinco) dias;
VI – as demais providências que entender necessárias, de ofício ou mediante provocação
do órgão técnico, do impugnante ou do Ministério Público Eleitoral;
VII – a abertura de vista aos interessados para se manifestar sobre, se houver, a impugnação,
as informações e os documentos apresentados nos autos, no prazo comum de 3 (três) dias; e
VIII – a submissão do feito a julgamento, observando que:
a) na hipótese de, concomitantemente, não existir impugnação ou movimentação financeira
registrada nos extratos bancários e existir manifestação favorável da análise técnica e do
Ministério Público Eleitoral, deve ser determinado o imediato arquivamento da declaração
apresentada pelo órgão partidário, considerando, para todos os efeitos, como prestadas
e aprovadas as respectivas contas;
b) na hipótese de existir impugnação ou manifestação contrária da análise técnica ou do
Ministério Público Eleitoral, a autoridade judiciária, após ter assegurado o amplo direito
de defesa, decide a causa de acordo com os elementos existentes e sua livre convicção;
c) verificado que a declaração apresentada não retrata a verdade, a autoridade judiciária
deve determinar a aplicação das sanções cabíveis ao órgão partidário e seus responsáveis,
na forma do art. 46 dessa resolução e a extração de cópias para encaminhamento ao
Ministério Público Eleitoral para apuração da prática de crime eleitoral, em especial, o
previsto no art. 350 do Código Eleitoral.

Registre-se, a propósito da eventual alegação de absoluta ausência de movimentação


de recursos – e aqui há que se destacar que a expressão recursos não abrange apenas o
recebimento de recursos financeiros, mas também a doação de bens e serviços estimáveis
em dinheiro – que o funcionamento partidário não prescinde do mínimo exigível para
assegurar-lhe a existência, ainda que esta seja materializada exclusivamente na prestação
dos serviços do advogado que apresenta as contas e do contador que necessariamente
executa a escrituração contábil, exigível às pessoas jurídicas de direito privado.

2.5 Considerações finais


A prestação de contas dos partidos políticos à Justiça Eleitoral é obrigação
constitucional inafastável, que revela sua importância por incidir sobre aqueles que
representam verdadeiro pilar da representação política e do regime democrático.
Ao longo do tempo, o instituto esteve diretamente entrelaçado às competências
da Justiça Eleitoral, afirmando-se à medida que as próprias competências deste ramo
de justiça especializada evoluíam: do mero exame formal, acessório ao exercício das
competências do Tribunal de Contas da União, aos poucos evoluindo para o julgamento
de regularidade, ainda dependente de execução de suas decisões mediante o julgamento
de Tomada de Contas Especial pela Corte de Contas, até alcançar o status definitivo de
apreciação judicial de regularidade das contas.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
204 DIREITO PARTIDÁRIO

Com a judicialização do instituto, a complexidade processual foi instaurada, mas


também o exame mais aprofundado e tecnicamente efetivo, à altura do que se espera
de um julgamento de prestação de contas partidária, que tem por finalidade atestar a
real movimentação financeira declarada.
Esse desiderato, contudo, somente poderá ser definitivamente alcançado
quando – sem desrespeitar as regras de direito material e processual – a Justiça Eleitoral
puder efetivamente examinar além das aparências formais de regularidade, partindo
das informações declaradas para alcançar-lhes o real significado; quando todas as
informações puderem ser confrontadas com aquelas disponíveis junto ao Poder Público
em suas mais diversas esferas e ramos de atuação típicos de controle e quando, enfim,
o cidadão efetivamente participar do controle social de que é titular.

Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus,
2000. 717 p.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. 503 p.
   . Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. 498 p.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 5 out. 1988. Seção 1, p. 1.
   . Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965. Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jul. 1965. Seção 1, p. 6.764.
   . Lei nº 5.682, de 21 de julho de 1971. Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 jul. 1971. Seção 1, p. 5.673.
   . Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os artigos 17
e 14, §3º, inciso V, da Constituição Federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 set.
1995. Seção 1, p. 14.552.
   . Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009. Altera as Leis nºs 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Lei
dos Partidos Políticos, 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e 4.737, de
15 de julho de 1965 – Código Eleitoral. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 set. 2009.
Seção 1, p. 1.
   . Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, 9.096,
de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, para reduzir os custos das
campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 set. 2015. Seção 1, p. 1.
   . Lei nº 13.487, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997, e 9.096, de
19 de setembro de 1995, para instituir o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e extinguir
a propaganda partidária no rádio e na televisão. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
6 out. 2017. Seção 1, p. 1.
   . Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das
Eleições), 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), e revoga
dispositivos da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015 (Minirreforma Eleitoral de 2015), com o fim de
promover reforma no ordenamento político-eleitoral. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 6 out. 2017. Seção 1, p. 1.
   . Tribunal Superior Eleitoral. Disciplina a Prestação de Contas dos Partidos Políticos e o Fundo Especial
de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário). Resolução nº 19.585, de 30 de maio de
1996. Diário de Justiça, Brasília, DF, 14 jun. 1996. p. 21.115.

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DENISE GOULART SCHLICKMANN
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: O DEVER DE PRESTAR CONTAS E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL
205

BRASIL. Altera a redação do inciso V do art. 3º, o inciso II do art. 6º, o inciso IV e o §1º do art. 9º e o art. 22
da Resolução nº 19.585, que dispõe sobre a prestação de contas dos partidos políticos e o Fundo Especial
de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário). Resolução nº 19.682, de 12 de agosto de
1996. Diário de Justiça, Brasília, DF, 20 ago. 1996. p. 29.354.
   . Disciplina a Prestação de Contas dos Partidos Políticos e o Fundo Especial de Assistência Financeira
aos Partidos Políticos (Fundo Partidário). Resolução nº 19.768, de 17 de dezembro de 1996. Diário de Justiça,
Brasília, DF, 17 fev. 1997. p. 2.112.
   . Altera dispositivos da Resolução nº 19.768, de 17 de dezembro de 1996, que disciplina a prestação
de contas dos partidos políticos e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo
Partidário). Resolução nº 19.864, de 13 de maio de 1997. Diário de Justiça, Brasília, DF, 27 mai. 1997. p. 22.724.
   . Processo administrativo. Recursos públicos. Partidos políticos. Fundo partidário. Tomada de contas
especial. Competência do TSE. PT do B. Recursos do fundo partidário repassados em 1996. Aplicação do
art. 8º da lei nº 8.443/92. Resolução nº 20.982, de 14 de fevereiro de 2002. Diário de Justiça, Brasília, DF, 15
mar. 2002. p. 182.
   . Disciplina a Prestação de Contas dos Partidos Políticos e a Tomada de Contas Especial. Resolução
nº 21.841, de 22 de junho de 2004. Diário de Justiça, Brasília, DF, 11 ago. 2004. p. 1.
   . Altera a Resolução nº 21.841, de 22.6.2004 – Disciplina a Prestação de Contas dos Partidos Políticos
e a Tomada de Contas Especial. Resolução nº 22.067, de 23 de agosto de 2005. Diário de Justiça, Brasília, DF,
6 set. 2005. p. 107.
   . Petição. Sistema de Prestação de Contas dos Partidos Políticos (SPCP). Operacionalização. Multiuso.
Dificuldades técnicas. Estudo. Objeto. Resolução nº 22.466, de 31 de outubro de 2006. Diário de Justiça, Brasília,
DF, 22 jun. 2006. p. 154.
   . Altera o artigo 8º da Resolução TSE nº 21.841, de 22 de junho de 2004, que disciplina a prestação de
contas dos partidos políticos e a Tomada de Contas Especial. Resolução nº 22.655, de 8 de novembro de 2007.
Diário de Justiça, Brasília, DF, 19 nov. 2007. p. 224.
   . Regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Das Finanças e
Contabilidade dos Partidos. Resolução nº 23.432, de 16 de dezembro de 2014. Diário de Justiça Eletrônico,
Brasília, DF, 30 dez. 2014. p. 2.
   . Regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Das Finanças e
Contabilidade dos Partidos. Resolução nº 23.464, de 17 de dezembro de 2015. Diário de Justiça Eletrônico,
Brasília, DF, 21 dez. 2015. p. 3.
   . Regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Das Finanças e
Contabilidade dos Partidos. Resolução nº 23.546, de 18 de dezembro de 2017. Diário de Justiça Eletrônico,
Brasília, DF, 27 dez. 2017. p. 2.
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Teoria do Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1969. 468 p.
COSTA, Elcias Ferreira da. Direito eleitoral: legislação, doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1994. 301 p.
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 465 p.
FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. 254 p.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2017. 914 p.
KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 329 p.
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos. Curitiba: Juruá, 2005. 192 p.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 871 p.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
206 DIREITO PARTIDÁRIO

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

SCHLICKMANN, Denise Goulart. Prestação de contas partidárias: o dever de prestar contas e a evolução
do instituto no Brasil. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 191-206.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 3

PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS:


INEFICIÊNCIAS E LACUNAS

KAMILE MOREIRA CASTRO


RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA

3.1 Introdução
Este artigo não busca fazer uma análise histórica, conceitual ou estritamente
técnica-contábil das Resoluções do TSE, que dispõem sobre a arrecadação e os gastos de
recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições, ou das
demais normas pertinentes às Finanças e Contabilidade dos Partidos.
Não se pretende também através deste estudo analisar e discorrer sobre as
agremiações partidárias,1 estas que sem sombra de dúvida são essenciais à viabilização
da democracia,2 muito embora o cenário hoje seja o de se rediscutir todo o sistema
político, partidário e eleitoral brasileiro. Isso, devido, principalmente, à perda de
identidade ideológica e fuga dos programas partidários pelas agremiações, assim como
aos escândalos financeiros e políticos (PC/Collor, mensalão, lava jato etc.). Estes que
expuseram e escancararam as relações espúrias entre partidos, setor privado e poder
público, bem como as fragilidades do próprio sistema de controle e fiscalização.
Nos processos judiciais e investigativos (em especial nas delações premiadas)
relacionados às referidas operações, soube-se que as empresas investigadas realizaram
doações a partidos políticos e seus candidatos, sendo que em alguns casos para a
agremiação em ano anterior ao pleito e muitas vezes com origem ilícita (caixa 2, tráfico
de drogas, crime organizado etc.). Emergindo ilegalidades nas mais diversas áreas do
Direito.
Em termos de campanha eleitoral, as eleições, principalmente para o Poder
Executivo, sempre foram marcadas pelo crescente aumento dos gastos, e apesar de na
teoria ter ocorrido a redução do tempo de campanha, a limitação de gastos e a exclusão
da participação da pessoa jurídica, na prática aconteceu e estimulou-se a busca por

1
Cf. arts. 1º ao 3º da Constituição Federal de 1998.
2
Cf. art. 17 da Constituição Federal de 1998.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
208 DIREITO PARTIDÁRIO

alternativas à margem da legislação, já que na vida real as despesas continuaram as


mesmas.3
Tem-se, assim, que as contas “não prestadas” e as receitas e despesas “não
contabilizadas” são o ponto crítico da Accountability.
Na busca de alcançar o seu objetivo, este texto explorará, sem esgotar a matéria,
algumas questões relativas às dificuldades de se abordar nas Prestações de Contas
Partidárias (tangenciaremos as dos candidatos também, pois encontram-se de algum
modo ligadas às dos partidos4) todo o cenário que envolve os partidos, com sua
contabilidade e finanças, trazendo lacunas e ineficiências do sistema de controle e
fiscalização. Examinam-se as regras e faz-se um enfrentamento crítico e particular do
assunto, citando também um pouco da doutrina especializada e jurisprudência.
No tema, nos últimos anos tivemos muitos avanços, com legislações mais realistas,
mas também retrocessos, seja a partir do Poder Judiciário ou do Legislativo. Porém, certos
de que o sistema eleitoral perfeito não existe, acreditamos que as alterações legislativas
e as decisões judiciais devem, em prioridade, ocorrer de forma a: assegurar o direito à
informação (CRFB/88, 5º, XIV); dificultar a influência do poder econômico no cenário
político e nas campanhas eleitorais; permitir uma maior moralização e transparência
das contas; e garantir a igualdade entre todos os players do processo eleitoral.
Isso, claro, acompanhadas de uma reforma coesa do sistema eleitoral e do
fortalecimento das Instituições, possibilitando um efetivo e célere controle das receitas
e das despesas com as atividades partidárias (tão desprestigiada pela sociedade).

3.2 Problematização do tema


O Código Eleitoral de 1950, no capítulo sobre partidos políticos, possuía dispositivo
relacionado à “prestação de contas”, mas sem uma efetiva regulamentação do controle
e fiscalização. Esta somente teve início com a entrada em vigor da “Lei Orgânica dos
Partidos Políticos” (Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965 – Capítulos relativos ao “Fundo
Partidário” e “Finanças e Contabilidade dos Partidos”), e após a edição das Leis nºs
9.504/97 e 9.096/95 (ainda vigentes) várias legislações surgiram, realizando alterações
diversas, objetivando o aprimoramento e fiscalização da prestação de contas.
Os partidos políticos estão obrigados constitucionalmente a prestar contas, mas
a regulamentação encontra-se essencialmente nas Resoluções e jurisprudências do TSE,
bem como existe a obrigatoriedade de observar as normas estabelecidas pelo Conselho
Federal de Contabilidade.5
A Lei nº 13.165/15, que alterou as Leis nºs 9.504/97, 9.096/95 e 4.737/65, ao
estabelecer que o escopo da fiscalização é “identificar a origem das receitas e a destinação

3
Deslocamentos, carros de som, propaganda em bens particulares, material impresso de propaganda, comícios,
produção da propaganda em rádio e televisão, despesas com pessoal, dentre muitas outras.
4
Lembrando que devem ser prestadas separadamente, de forma autônoma, as contas dos candidatos e partidos,
pois são inconfundíveis.
5
De acordo com a Lei nº 9.096/95 o partido está obrigado a enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço
contábil do exercício findo, até o dia 30 de abril do ano seguinte. Estando desobrigado a esta apresentação o
Órgão partidário municipal que não haja movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis
em dinheiro, exigindo-se do responsável partidário, no mesmo prazo, apenas a apresentação de declaração da
ausência de movimentação de recursos no período (§4º, art. 32, Lei nº 9.096/95).

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KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
209

das despesas com as atividades partidárias e eleitorais, mediante o exame formal dos
documentos fiscais apresentados pelos partidos políticos e candidatos”, dispôs no mesmo
§1º do artigo 34 da Lei dos Partidos Políticos, que fica “vedada a análise das atividades
político-partidárias ou qualquer interferência em sua autonomia.”
Já a Lei nº 11.300/06, visando coibir as ilicitudes relativas à arrecadação e gastos
de recursos, introduziu o art. 30-A da Lei nº 9.504/97 (com posterior redação pela
Lei nº 12.034/09), que juntamente com o RCED (antes do julgamento do Processo nº
8-84.2011.6.18.00 pelo TSE, que reconheceu a inconstitucionalidade do inciso IV do art.
262 do Código Eleitoral, e da Lei nº 12.891/2013, que revogou todos os incisos) e AIME
acabam por ser os maiores identificadores e sancionadores dos abusos econômicos e
políticos, muitas vezes sequer detectados na prestação de contas (sendo que aprovação
ou desaprovação, por si só, não enseja a procedência ou improcedência da ação prevista
no artigo 30-A, da Lei nº 9.504/97).
Como toda informação contábil e como corolário do princípio da publicidade
(CRFB/88, arts. 1º, caput, 5º, XXXIII, e 37, caput), deve a prestação de contas partidária, seja
a anual (CRFB/88, art. 17, III) ou a de campanha eleitoral (art. 34 da Lei nº 9.096/1995), ter
como característica a transparência, a tempestividade, a veracidade e a confiabilidade,
principalmente. A accountability, segundo José Jairo Gomes, permite a realização de
contrastes e avaliações, prevenindo notadamente o abuso de poder econômico, que se
configura a partir de divergências verificadas entre os dados constantes da prestação de
contas e a realidade da campanha. Muito embora, completa o renomado doutrinador,
“ninguém em sã consciência declarará na prestação de contas o uso de recursos emanados
de fontes vedadas ou exporá o uso abusivo de recursos”.6
Na Justiça Eleitoral há uma Seção pertencente à Secretaria de Controle Interno
e Auditoria responsável pela análise e elaboração de um Parecer Técnico Conclusivo,
apontando a existência ou não de atecnias/irregularidades, sugerindo, por fim, a
aprovação ou desaprovação da Prestação de Contas, que será encaminhada ao Ministério
Público Eleitoral e posteriormente ao Juiz Relator. Este que, não raro, fica muito adstrito
ao Parecer Técnico Conclusivo emitido pela respectiva Seção.
Insta registar que o julgamento da prestação de contas pela Justiça Eleitoral não
afasta a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais
ilícitos antecedentes e/ou vinculados, na forma do art. 35 da Lei nº 9.096/95,7 e do art.
92 da Resolução do TSE nº 23.463/15.8 E neste ponto, reside uma das grandes discussões
atuais no tocante à matéria penal, na qual o Ministério Público Federal manifesta-se a
favor da inclusão dos partidos às penalidades da Lei nº 12.846/13 (As 10 medidas contra

6
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed., Atlas, 2016, p. 420.
7
“Art. 35. O Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais, à vista de denúncia fundamentada de
filiado ou delegado de partido, de representação do Procurador-Geral ou Regional ou de iniciativa do Corregedor,
determinarão o exame da escrituração do partido e a apuração de qualquer ato que viole as prescrições legais ou
estatutárias a que, em matéria financeira, aquele ou seus filiados estejam sujeitos, podendo, inclusive, determinar
a quebra de sigilo bancário das contas dos partidos para o esclarecimento ou apuração de fatos vinculados à
denúncia.”
8
“Art. 92. O julgamento da prestação de contas pela Justiça Eleitoral não afasta a possibilidade de apuração
por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de
investigações em andamento ou futuras.
Parágrafo único. A autoridade judicial responsável pela análise das contas, ao verificar a presença de indícios de
irregularidades que possam configurar ilícitos, remeterá as respectivas informações e documentos aos órgãos
competentes para apuração de eventuais crimes (Lei nº 9.096/1995, art. 35; e Código de Processo Penal, art. 40).”

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
210 DIREITO PARTIDÁRIO

a corrupção – Projeto de Lei nº 4850/2016), estabelecendo a responsabilidade objetiva


dos mesmos, já que no atual momento, apenas os dirigentes (pessoas físicas) podem
responder por eventuais crimes cometidos em benefício das agremiações.
Defende ainda o MPF a criminalização do caixa 2 para as pessoas físicas direta-
mente envolvidas na movimentação e utilização desses recursos, cuja pena seria de
reclusão de 4 a 5 anos.
A Medida número 8 (oito) do projeto propõe:

[...] a modificação da Lei nº 9.096/95 para prever a responsabilização objetiva dos partidos
políticos em relação à sua contabilidade paralela (caixa 2), e à prática de ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade
de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, de
fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados
na forma exigida pela legislação. Também responderá o partido se utilizar, para fins
eleitorais, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, de fontes de recursos
vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida
pela legislação. A pena é de multa.9

O art. 17 do projeto altera a Lei nº 9.096/95, para vigorar acrescida, em seu Título
III, dos arts. 49-A, 49-B e 49-C. A Lei nº 9.504/97, para vigorar acrescida dos arts. 32-A
e 32-B. O art. 105-A da Lei nº 9.504/97 passa a vigorar acrescido do parágrafo único.10
No que tange ainda à questão criminal, apesar de o artigo 34, IV, da Lei nº 9.096/95
ter estabelecido a obrigatoriedade de o partido político conservar a documentação
comprobatória de suas prestações de contas pelo prazo não inferior a cinco anos, e
do artigo 32 da Lei nº 9.504/97, o dever para os candidatos e partidos de conservar a
documentação concernente a suas contas pelo prazo mínimo de cento e oitenta dias
após a diplomação,11 o legislador não previu sanção específica para o descumprimento
de referidos dispositivos. A doutrina é que vem afirmando que se no prazo houver
destruição, supressão ou ocultação de documentos, pode-se cogitar do delito tipificado
no artigo 305 do Código Penal.

9
Disponível em: <http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas>. Acesso em: 29 dez.
2017.
10
Segundo a Justificativa do Projeto de Lei (Disponível em: <http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/
conheca-as-medidas/docs/medida_8_versao-2015-06-25.pdf >. Acesso em: 29 dez. 2017):
“O art. 49-A proposto prevê a responsabilidade dos partidos políticos pelos atos ilícitos descritos no art. 5º da
Lei 12.846/2013 e, também, por condutas de “Caixa 2”, “lavagem de capitais” e utilização de doações de fontes
vedadas. Ele traz um roteiro para a aplicação das sanções, limitadas, a princípio, à esfera partidária responsável
pela prática dos atos irregulares. O art. 49-B descreve a extensão e o modo de cálculo das sanções propostas, e o
art. 49-C, a legitimação e o rito processual das ações a serem levadas à Justiça Eleitoral.
Propõe-se, também, a alteração da Lei das Eleições, Lei nº 9.504/1997, para tipificar, como crime, a conduta do
“Caixa 2” – art. 32-A – e a variante eleitoral da Lavagem de Dinheiro, art. 32 – B. São situações que apresentam
“dignidade penal”, em razão de sua grande repercussão nas disputas eleitorais, que podem ser por essa prática
desequilibradas.
Além disso, há insuficiência das sanções extrapenais, como a rejeição das contas de candidatos ou partidos e
mesmo a cassação do diploma que, por definição, só alcança candidatos eleitos. A quantidade de pena prevista
para a conduta eleitoral de “lavagem” corresponde às penas da Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, especialmente
para evitar que ilícitos de idêntica gravosidade recebam sanção distinta.
Por fim, faz-se a proposição de inclusão de um parágrafo único no artigo 105-A da lei referida, para regulamentar o
procedimento preparatório de alçada do Ministério Público Eleitoral, hoje previsto apenas em normativa infralegal.”
11
Sendo que na existência de recurso pendente de julgamento, a documentação deverá ser preservada até a decisão
final, ainda que ultrapassado aquele prazo.

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KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
211

Entre as outras principais sanções estabelecidas na legislação específica do tema,


tem-se: julgadas não prestadas as contas do órgão nacional do partido, o cancelamento
do registro civil e do estatuto (art. 28, caput e inciso III, da Lei nº 9.096/95); a desaprovação
das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância
apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (art. 37, caput, da Lei nº 9.096/95);
a responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários decorrente da
desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político, que
somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta
dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido (art. 37, §13,
da Lei nº 9.096/95); o órgão partidário, de qualquer esfera, que tiver as suas contas julgadas
como não prestadas fica obrigado a devolver integralmente todos os recursos provenientes
do Fundo Partidário que lhe forem entregues, distribuídos ou repassados (art. 48, §2º, da
Resolução TSE nº 23.464/15); encaminhamento dos autos ao Ministério Público para fins
do artigo 22 da LC nº 64/90 (art. 22, §4º, da Lei nº 9504/97); o partido que descumprir as
normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas na Lei nº 9.504/97 perderá
o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de
responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico (art. 25, caput).
A sanção, na falta de prestação de contas, da suspensão de novas cotas do Fundo
Partidário enquanto perdurar a inadimplência e que sujeitará os responsáveis às penas
da lei (artigo 37-A da Lei nº 9.096/95), tem sido a que mais preocupa as agremiações que
recebem o Fundo Partidário, já que se trata da maior fonte de recursos. Apesar de não
cobrir todas as despesas, pelas razões acima, ainda vem motivando a apresentação das
contas.12 Entretanto, como a realidade tem mostrado que a grande maioria dos Diretórios
Municipais e Regionais não recebem cotas do Fundo, aqueles costumam não apresentar
contas, prestar de forma zerada, ou sem os elementos mínimos que permitam a análise
pela Justiça, ensejando punição de suspensão de recebimento de valores que nunca
receberam ou nem receberão (ao Diretório Nacional cabe a distribuição).
Tem-se, assim, que a não prestação de contas anual para aqueles Diretórios13 ainda
é muito vantajosa, não intimidando sequer os partidos a falta de rigorosa norma que o
excluam do pleito, que cancele seu registro, ou que torne devedores ou inadimplentes os
respectivos responsáveis partidários. Sequer se cogita de inelegibilidade dos dirigentes
ou de alguma forma de seus afastamentos da Direção, por exemplo.
Para o TSE, inclusive, não prestar contas não enseja sequer a prática do crime
de desobediência previsto no artigo 34714 do Código Eleitoral, restando apenas as
penalidades político-administrativo, como destacado.
Registre-se que a Minuta de Resolução para o Pleito de 2018, aprovada na Sessão
do TSE de 18.12.201715 e ainda sem publicação,16 ao contrário da Resolução TSE 23.463/15,

12
Como grande novidade para o pleito de 2018, sendo mais uma fonte de recursos a ser fiscalizado na prestação de
contas, tem-se a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Redação dada pela Lei nº 13.488/17),
regulamentado nos artigos 16-C e 16-D da Lei nº 9.504/97.
13
Para o Nacional, regula o artigo 28, caput e III, da Lei nº 9.096/95.
14
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA nº 562, Acórdão, Relator(a) Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos,
Publicação: DJ 16.06.2008, p. 27; RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 15105, Acórdão, Relator(a) Min. José
Eduardo, Publicação: DJ 19/12/1997, p. 145.
15
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/tse-aprova-10-resolucoes-sobre-
regras-das-eleicoes-gerais-de-2018>. Acesso em: 29 dez. 2017.
16
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/tse-2018-prestacao-contas.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e
sobre a prestação de contas nas eleições de 2016, traz dispositivo17 que determina ao partido
político, no caso de julgamento de contas eleitorais como “não prestadas”, além da perda
do direito ao recebimento da quota do Fundo, a suspensão do registro ou da anotação
do órgão de direção estadual ou municipal.
Sendo que a Lei nº 9.096/95 determina apenas que a desaprovação das contas do
partido não suspende o registro ou a anotação de seus órgãos de direção partidária, nem
torna devedores ou inadimplentes os respectivos responsáveis partidários (art. 37, §2º,
da Lei nº 9.096/95), bem com que a “desaprovação da prestação de contas do partido
não ensejará sanção alguma que o impeça de participar do pleito eleitoral” (art. 32, §5º,
da Lei nº 9.096/95, com redação dada pelo minirreforma de 2015).
Ainda em manifesto retrocesso e em ofensa ao art. 17, III, da Constituição Federal
de 1988, a Lei nº 13.165/2015 incluiu o parágrafo doze18 no artigo 28 da Lei nº 9.504/97,
positivando as “doações ocultas” de partidos políticos a candidatos, ao determinar que
o registro fosse feito “sem a individualização dos doadores”. Entretanto, o STF deferiu,
por unanimidade (ainda sem julgamento definitivo), medida cautelar na ADI nº 5.394, em
12 de novembro de 2015, para suspender a expressão “individualização dos doadores”,
até o julgamento final da ação, conferindo, por maioria, efeitos ex tunc à decisão.
Na ADI nº 5.390, destacou com muita precisão o Relator, Ministro Teori Zavascki,19
que:

Ao determinar que as doações feitas a candidatos por intermédio de partidos sejam


registradas sem a identificação dos doadores originários, a norma institui uma metodologia
contábil diversionista, estabelecendo uma verdadeira “cortina de fumaça” sobre as
declarações de campanha e positivando um controle de fantasia.
Pior, premia o comportamento elusivo dos participantes do processo eleitoral e dos
responsáveis pela administração dos gastos de campanha, reverenciando o patrocínio
eleitoral dissimulado. Isto sem dúvida alguma atenta contra todo um bloco de princípios
constitucionais que estão na medula do sistema democrático de representação popular,
como o princípio republicano, o da moralidade e o da publicidade.

No mesmo julgamento, o Ministro Dias Toffoli, citando doutrina de José Jairo


Gomes,20 lembrou bem que o financiamento de campanhas eleitorais por particulares
muitas vezes pressupõe o comprometimento do candidato para com os interesses do
doador, este que por sua vez espera um “retorno” daquele, caso venha a ser eleito.
“Retorno” que, algumas vezes, revela-se de “conteúdo econômico-financeiro, angariado
por meio da corrupção política”.

17
“Art. 83. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarreta:
I – ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura, persistindo os
efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas;
II – ao partido político, a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário e a suspensão do registro
ou da anotação do órgão de direção estadual ou municipal.”
18
“Art. 28. (omissis)
§12. Os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas
dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos
candidatos, sem individualização dos doadores.”
19
Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11999509>. Acesso em: 29
dez. 2017
20
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 337.

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KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
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A Ministra Cármen Lúcia, invocando o constitucionalista Canotilho, escreveu


de sua obra que: “a exigência de anonimato é incompatível não apenas com o dever
de prestar contas mas também com a liberdade interna (‘quem paga, diz a música que
se deve tocar nos partidos políticos. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. 7. ed. 2. reimpr. Coimbra: Almedina, 2003. p. 322)”.
É que a lei, ao ocultar informações, retira a efetividade do controle da justiça
eleitoral e, por consequência, impede a prestação de contas transparente, representando
grave ofensa aos princípios, direitos e garantias fundamentais (CRFB/88, arts. 1º, caput,
5º, XIV e XXXIII, 14, §9º e 37, caput). Omite-se não só dos órgãos de controle e do eleitor
– que fica impossibilitado de saber quem está financiando o candidato e que interesses
poderão ser patrocinados pelo mesmo, caso seja eleito, exercendo indevida influência
na política governamental21 –, como também dos próprios candidatos beneficiados, que
ficam impedidos de rejeitar a doação por não saberem sua origem.22
Válido registrar que o TSE no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 86348
(Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJe, Data 15.03.2016, p. 35-36), referente ao pleito
de 2012, entendeu que a desaprovação das contas de partido, auferidas por fonte
vedada pela legislação, não teria o condão de contaminar automaticamente as contas
do candidato a quem foi repassada parcela desses recursos e que os tenha empregado
em sua campanha eleitoral.
Assentou o Tribunal, por unanimidade, que a contaminação implicaria “indevida
e odiosa hipótese de responsabilidade objetiva na seara eleitoral”, que as contas dos
candidatos e partidos “são inconfundíveis, de maneira que a análise de cada uma delas
deve ocorrer de forma autônoma e independente”, e que, a prevalecer o entendimento do
TRE/MG, “todo candidato seria litisconsorte passivo unitário ou, no mínimo, assistente
com sua agremiação”. Sobre a relação e comportamento dos candidatos com a prestação
de contas dos partidos, apontou:

Os candidatos ver-se-iam compelidos a fiscalizar previamente as contas de seus partidos, o


que, em uma análise realista do desenho institucional, desestimularia, em vez de incentivar,
os cidadãos a lançarem-se na competição eleitoral.
Os partidos, como cediço, percebem recursos dos mais diferentes doadores, não se
afigurando viável discriminar, de maneira precisa, a parcela encaminhada aos candidatos
provenientes de fonte lícita daquela originada ilicitamente. Em consequência, exceção
feita aos casos em que a integralidade da doação se deu mediante fontes vedadas, a
desaprovação automática das contas dos candidatos encerraria medida insipiente e sem
amparo jurídico.23

Outra questão que vinha sendo reiteradamente discutida e que está relacionada
a transparência das contas, mas sobre o julgamento efetivo das mesmas, diz respeito
ao prazo para juntada de documentos. Em boa hora, regulamentando em definitivo
a questão, a minirreforma de 2015 no artigo 37, §11, da Lei nº 9.504/97, estabeleceu a

21
Para os críticos do julgamento, existe o artigo 23, caput e §7º, e o art. 27, ambos da Lei nº 9.05/97 como forma de
realizar apoio eleitoral sem a devida contabilização ou efetivo aporte financeiro.
22
Muito embora no Modelo Representativo estabelecido na nossa Carta Magna, onde não existe o recall, a avaliação
dos políticos seja feita nas urnas a cada eleição, pois os “players” eleitos exercem seus mandatos com independência
(deveriam), não se vinculando às suas próprias promessas de campanha (deveriam), nem aos que os elegeram
(pelo menos não deveriam).
23
Disponível em:<http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 09 jan. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
214 DIREITO PARTIDÁRIO

ausência de preclusão no julgamento das contas partidárias ao prescrever que “Os órgãos
partidários poderão apresentar documentos hábeis para esclarecer questionamentos
da Justiça Eleitoral ou para sanear irregularidades a qualquer tempo, enquanto não
transitada em julgado a decisão que julgar a prestação de contas”.
No âmbito do TRE/CE,24 nos autos do Processo nº 208-33.2016.6.06.0103,25 de
Relatoria do Juiz Federal Alcides Saldanha, julgado por unanimidade, entendeu a Corte
pela possibilidade de juntada de documentos em grau de recurso (até as instâncias
ordinárias) em processo de prestação de contas de campanha de candidato, estabelecendo
a aplicação sistemática dos arts. 6º e 1.014 do CPC/2015, sobretudo pelo fato de o CPC
privilegiar a decisão de mérito, a celeridade processual e a “pro atividade da instância
ad quem ordinária.”
Consta do voto o “[...] entendimento de que nos processos de prestação de contas
deve-se prestigiar a busca da verdade real, sempre que a prova apresentada permitir a
conclusão de que as contas se encontram em conformidade com o ordenamento jurídico”.
Referido entendimento decorre da jurisdição voluntária desse tipo de processo –
que justifica, inclusive, as regras dispostas no art. 64 da Resolução do TSE nº 23.463/2015
e mantidas no art. 72 para 201826 –, caminhando ao encontro da finalidade precípua do
processo de prestação de contas, que é realizar um exame mais confiável e aprofundado
da arrecadação e dos gastos de campanha.
Conclusões que restaram reafirmadas de forma mais detalhada no Processo nº
269-13, também do TRE/CE,27 ao dispor que:

Por essa característica a decisão no processo de prestação de contas só produz coisa


julgada formal e não material, admitindo-se que a discussão em tomo de elementos da
arrecadação ou gasto seja apreciada em outra demanda judicial.
(...)

24
Citamos por fazer parte de sua composição e pela rica fundamentação.
25
RECURSO ELEITORAL n 20833, ACÓRDÃO nº 20833 de 02.08.2017, Relator(a) ALCIDES SALDANHA LIMA,
Publicação: DJe, Tomo 147, Data 07.08.2017, p. 4-5.
26
“Art. 72. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente
ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação
dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que
devem ser apresentados (Lei nº 9.504/1997, art. 30, §4º).
§1º As diligências devem ser cumpridas pelos candidatos e partidos políticos no prazo de 3 (três) dias contados
da intimação, sob pena de preclusão.
§2º Na fase de exame técnico, inclusive de contas parciais, a unidade ou o responsável pela análise técnica das
contas pode promover circularizações, fixando o prazo máximo de 3 (três) dias para cumprimento.
§3º Determinada a diligência, decorrido o prazo do seu cumprimento com ou sem manifestação, acompanhados
ou não de documentos, os autos serão remetidos para a unidade ou o responsável pela análise técnica para
emissão de parecer conclusivo acerca das contas.
§4º Verificada a existência de falha, impropriedade ou irregularidade em relação à qual não se tenha dado ao
prestador de contas prévia oportunidade de manifestação ou complementação, a unidade ou o responsável pela
análise técnica deve notificá-lo, no prazo do §2º e na forma do art. 101 desta Resolução.
§5º Somente a autoridade judicial pode, em decisão fundamentada, de ofício ou por provocação do órgão técnico,
do Ministério Público ou do impugnante, determinar a quebra dos sigilos fiscal e bancário do candidato, dos
partidos políticos, dos doadores ou dos fornecedores da campanha.
§6º Nas diligências determinadas na prestação de contas, a Justiça Eleitoral deverá privilegiar a oportunidade
de o interessado sanar, tempestivamente e quando possível, as irregularidades e impropriedades verificadas,
identificando de forma específica e individualizada as providências a serem adotadas e seu escopo.”
27
RECURSO ELEITORAL nº 26913, ACÓRDÃO nº 26913 de 05.09.2017, Relator(a) ALCIDES SALDANHA LIMA,
Publicação: DJe, Tomo 169, Data 11.09.2017, p. 10/11.

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KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
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A prestação de contas rege-se pelo princípio inquisitivo – o juiz pode decidir contrariamente
à vontade do interessado, não pelo da adstrição – sujeição estrita ao pedido. Nisso divisa-se
a primazia da verdade real sobre a processual.
E permitido, também, que o Juiz decida por equidade (Parágrafo único do art. 723,
CPC/2015 – O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em
cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna).
Nesse contexto, a busca da verdade real e o interesse público, diversamente do entendimento
explicitado na decisão recorrida, deve sim justificar a juntada de novos documentos
probatório com o presente recurso. Não a qualquer tempo ou indefinidamente, mas
enquanto a causa tramitar nas instâncias ordinária (primeiro e segundo graus de jurisdição).
A preclusão, embora seja relevante no processo em geral e no processo eleitoral no
particular, encontra no processo de jurisdição voluntária mitigação excepcional, pois
só secundum eventum probationis (cf. STJ, REsp 689703/AM – 2004/0131459-2, Quarta
Turma, ReI. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, pub. DJe 27/05/2010). Isto é, tratando-se
de prestação de contas não há preclusão quando não provado o evento arrecadação/gasto.

Outro ponto a ser considerado com dificuldade nos julgamentos diz respeito à
expressão “elementos mínimos”, que deixa a margem da autoridade judiciária examinar
se a ausência de documentos/informações tem ou não relevância de forma a comprometer
a regularidade das contas. Trazem as Resoluções que a ausência parcial dos documentos
e das informações de que trata a lei ou o não atendimento das diligências determinadas
não enseja o julgamento das contas como não prestadas se os autos contiverem “elementos
mínimos” que permitam a análise da prestação de contas.
Ora, o que seriam os “elementos mínimos”? O TSE, considerando a gravidade
das consequências jurídicas da não apresentação das contas, vem entendendo que a
ausência teria que inviabilizar em absoluto a aferição da movimentação financeira de
campanha, ou seja, constituir óbice para o processamento e a análise das contas pelos
órgãos da Justiça Eleitoral.28 O que ainda enche de conceitos abstratos, até subjetivistas,
a análise das contas.
Indaga-se: será que conceito tão indefinito tem contribuído para um maior
controle de contas?
Sobre a expressão “erros materiais”,29 por exemplo, a doutrina do sempre lembrado
José Jairo Gomes faz as seguintes e pertinentes indagações:

Entretanto, inexistem critérios normativos seguros que possam balizar o intérprete na


definição do que sejam pequenos erros materiais. Quais valores podem ser tidos por
irrelevantes?
Quais parâmetros servem para a realização de cotejo seguro? Uma falha aparentemente
pouco expressiva pode ser a ponta de uma campanha repleta de irregularidades financeiras,
irrigada com recursos ilícitos. É óbvio que oficialmente só serão levados aos autos os dados
e documentos que não comprometam o prestador.30

28
Cf. TSE – RESPE: 1594-71.2014.6.03.0000, MACAPÁ – AP, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 14.06.2016,
Data de Publicação: DJe, Data 12.09.2016, p. 35.
29
A legislação e a jurisprudência têm dado especial relevo, ante a dificuldade do sistema de prestação de contas
(complexidade), a não desaprovação por existência de erros formais ou materiais irrelevantes no conjunto, que
não comprometem o seu resultado ou o controle da arrecadação e dos gastos. O que também se verifica quando
ampliou a possibilidade de retificação (art. 37, §12 da Lei nº 9.096/95 e art. 30, §§2º e 2º-A, e §4º da Lei nº 9.504/97).
30
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. Atlas, 2016, p. 427.

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216 DIREITO PARTIDÁRIO

Ainda sobre o julgamento em si das contas, entendemos que se deve evitar


subjetivismos (juízos de valor), mas também não se pode resumir em uma atividade
jurisdicional bastante formal e abstrata, ou ainda em uma atividade fria de cálculos
matemáticos, face à necessária busca da verdade real (embora tenha cada vez mais a
legislação feito uma espécie de tabelamento quanto aos gastos). E aqui as disposições
do NCPC (Lei nº 13.105/2015), aplicável ao processo eleitoral por força do art. 15,31 em
especial os artigos 489 a 495 e no âmbito dos Tribunais os artigos 926, 927 e 932, ganham
relevância,32 ante a base jurisprudencial do Direito Eleitoral.33
Sobre o poder normativo do TSE, destaco que há quem defenda34 que as Resoluções
do Tribunal, ou até mesmo alguns dos procedimentos e sanções regulados por aquelas,
são inconstitucionais por ofender a competência legislativa privativa da União, por meio
do Congresso Nacional, pelo fato de o TSE ampliar seu poder regulamentar, infringindo
os arts. 2º, 22, I, 48, 60, §4º, III, e 84, IV, todos da Constituição Federal de 1988.
Aponta-se o procedimento do art. 30 da Resolução nº 23.432/14 e da Resolução
nº 23.464/15, que regulamentam o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19 de setembro
de 1995 – Das Finanças e Contabilidade dos Partidos, por tratar-se de regras de natureza
processual.
Para além da observação acima, critica-se o fato de o procedimento de referido
artigo ser extremamente burocrático, ofendendo, inclusive, o princípio da eficiência e
da celeridade processual (CRFB/88, art. 37, caput, e art. 5º, LXXVIII), e por trata-se de
obrigação ex lege e com prazo certo, deveria incidir,35 no caso de não prestação de contas,
de forma imediata, independe de provocação e de decisão, na suspensão das contas
(Lei nº 9.096/95, art. 37, antiga redação36). Dessa forma, vê-se que aqui as alterações
legislativas dificultaram e postergaram, muitas vezes, a punição.

31
“Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste
Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”
32
Para Fredie Didier “qualquer mudança de posicionamento (superação; overruling) deve ser justificada adequadamente,
além de ter sua eficácia modulada em respeito à segurança jurídica (dever de estabilidade)” (DIDIER Jr., Fredie;
BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito
probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11.ed. Salvador:
JusPodivm, 2016, p. 488).
33
Hoje existem 71 (setenta e uma) súmulas sobre os variados temas de Direito Eleitoral (sete estão canceladas).
34
Margarete de Castro Coelho (COELHO, Margarete de Castro. A democracia na encruzilhada: reflexões acerca da
legitimidade democrática da Justiça Eleitoral Brasileira para a cassação de mandatos eletivos. Belo Horizonte:
Fórum, 2015. p. 112), aponta que “[...] as regras eleitorais carecem de ampla discussão parlamentar [...] e por
diversas razões o Tribunal Superior Eleitoral tem inovado em matéria eleitoral, inclusive com a criação de
direitos e obrigações sem a devida autorização constitucional para tanto [...]. o que lhe compete é promover
instruções normativas direcionadas aos órgãos da Administração Pública, especificamente à esfera de atuação
administrativa dos seus diversos órgãos e não aos particulares. [...] Entretanto, a Justiça Eleitoral tem se dedicado
constantemente a inovar em matéria eleitoral, sobretudo através de resoluções e consultas. Tal atividade vem
sendo exercida pelo Tribunal Superior Eleitoral com fundamento em um poder regulamentar que não lhe foi
deferido constitucionalmente, conforme já se adiantou acima”.
35
Como na anterior Resolução do TSE nº 21.841/2004 (art. 18, que disciplinava “a prestação de contas dos partidos
políticos e a Tomada de Contas Especial”).
36
Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial, implica a suspensão de novas quotas
do fundo partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei, cabíveis na espécie, aplicado também o disposto no
art. 28.
Parágrafo único. A Justiça Eleitoral pode determinar diligências necessárias à complementação de informações
ou ao saneamento de irregularidades encontradas nas contas dos órgãos de direção partidária ou de candidatos.
Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas
do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis ás penas da lei. (Redação dada pela Lei nº 9.693, de 1998)

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KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
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Outra questão que se aponta, relativa à normatividade do TSE, foi o Tribunal ter
considerado despesas eleitorais as contratações de contador e de advogado que prestem
serviços às campanhas eleitorais (art. 29, §1º e §1º-A, da Resolução nº 23.463/2015, e
art. 37, §1º, da Resolução para 2018) e as doações feitas a outros candidatos ou partidos
(art. 29, XIV e §3º, da Resolução nº 23.463/2015, e art. 37, §5º, da Resolução para 2018).
É que a Lei nº 11.300/2006 retirou a expressão “dentre outros” do caput do artigo 26
da Lei das Eleições, sugerindo serem as hipóteses restritas às descriminadas no artigo
(numerus clausus).
Outro ponto, não menos importante, é o reduzido quadro de servidores, e com
qualificação específica, para o volume de prestações de contas que devem ser julgadas
em exíguo prazo, não permitindo análise mais aprofundada e independente da
técnica (parecer conclusivo), ou incidindo à prescrição. As dos candidatos eleitos, que
têm informações partidárias relevantes, devem ser julgadas até 3 (três) dias antes da
diplomação (artigo 30, §1º, da Lei nº 9.504/97). O prazo de prescrição para julgamento
das contas anuais (art. 37, §7º, da Lei nº 9.504/97) e de campanha (art. 68, §5º, da Res. TSE
nº 23.463/2015, e art. 77, §6º, para 2018) é de 5 (cinco) anos, contados da apresentação
à Justiça Eleitoral.
São essas também as razões que fazem com que muitos dispositivos legais, como
os relativos aos procedimentos de diligências (quebra de sigilo, busca e apreensão etc.),
não sejam na prática efetivados ou quando determinados não se conseguir atingir pela
própria natureza do processo a sua finalidade.
Foram exatamente essas algumas das preocupações narradas na ADI nº 4650
– que declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as
contribuições de pessoas jurídicas –, no voto do Ministro do STF Gilmar Mendes, que
também destacou críticas apontadas pelos auditores do Tribunal de Contas da União
nos autos da Prestação de Contas nº 976-13/DF, nos seguintes termos:

Em outras palavras, pouco importando a origem dos recursos arrecadados (doação de


pessoa física, de pessoa jurídica ou recursos do Fundo Partidário), estávamos diante de um
sério indício de gasto simulado, que não se resolverá com a simples proibição de pessoas
jurídicas participarem do processo eleitoral na condição de doadoras.
Em todos aqueles casos, fica evidente que os atuais mecanismos de controle e de fiscalização
das contas, o prazo exíguo para exame da contabilidade e da respectiva documentação,
relativa à movimentação de vultosas quantias e a reduzida estrutura de servidores não
permitem à Justiça Eleitoral analisar, no processo de prestação de contas se, por exemplo,
uma doação aparentemente legal é proveniente de recursos ilícitos – conforme amplamente
noticiado ou especulado, por exemplo, pelos meios de comunicação –, ou se os serviços
contratados em campanha foram efetivamente prestados pelo contratado.
Essa afirmação foi reforçada, inclusive, pelos auditores do Tribunal de Contas da União
nos autos da Prestação de Contas nº 976-13/DF, nos seguintes termos:
“[...] por mais aperfeiçoado que venham a se tornar o processo e o procedimento de
composição, análise e julgamento das prestações de contas eleitorais de partidos/
candidatos/comitês financeiros, algumas das possíveis fraudes ora fartamente veiculadas
nos órgãos de imprensa dificilmente poderão ser detectadas em feitos da espécie, quer
pelo requinte dos métodos utilizados, quer pela profissionalização dos protagonistas,
quer pela dificuldade mesma decorrente do fato de que o dinheiro, mormente quando
em espécie, “não tem carimbo”.
11. Como exemplo de situação difícil de ser detectada em processo de prestação de
contas partidárias ou eleitorais, por mais aperfeiçoados que sejam os métodos de análise,

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218 DIREITO PARTIDÁRIO

poderíamos citar o que recentemente foi noticiado na imprensa de que dinheiro de


corrupção teria sido “lavado” por meio de doação oficial a partidos políticos. [É o que
relata o TCU em seu relatório técnico]
• Ora, por mais verdadeiro que isso possa ser, a dinâmica do processamento das prestações
de contas, mesmo que venha a ser aperfeiçoada, dificilmente permite a coleta de provas
cabais do ilícito. Isto porque, por exemplo, suponhamos que um grande doador, com
faturamento anual de bilhões de reais, tenha doado, hipoteticamente, R$30 milhões para
determinado partido e que tenha contabilizado e emitido cheque nesse valor (débito
constante no extrato bancário). Suponhamos também que o partido beneficiado tenha
emitido o competente recibo eleitoral e também contabilizado o aporte. Ora, se o doador
diz e prova que doou e se o partido beneficiário recebeu e prova que o fez, emitindo o
exigível recibo eleitoral, formalmente a doação é legal. Suponhamos, no entanto, que
investigações de órgãos policiais, do Ministério Público ou de órgãos de controle externo
ou interno, tenham apontado que o doador mencionado tenha recebido por contrato
manifestamente superfaturado pagamentos, digamos de R$ 300 milhões, mas que tenha,
efetivamente, entregue os bens ou serviços contratados. Logo, em tal suposição, apenas
uma parte do valor recebido seria ilegal, já que a outra corresponderia ao valor real da
contraprestação. Suponhamos também que esse grande fornecedor-doador tenham [sic]
recebido diversos valores de outros contratos e efetuado inúmeras despesas, além da
doação, inclusive eventuais pagamentos aos agentes envolvidos na cadeia da corrupção.
Diante disso tudo, cremos, é de se perguntar, em face da mistura de dinheiro “limpo”
com dinheiro “sujo” e da diversidade dos momentos de entradas e de saídas, se é possível
de algum modo tecnicamente provado afirmar-se que realmente o dinheiro doado para
a campanha seja de fato decorrente do ato de corrupção, muito embora, também nos
parece aceitável, que até mesmo a inteligência mediana do homem comum possa assim
intuir”’. (Fls. 581-582).

Foi justamente a especificidade da matéria e por ter a Justiça Eleitoral reduzido


quadro capacitado na matéria relativa à contabilidade, que o Plenário do TSE para o
pleito de 2016 aprovou a Resolução nº 23.439, que trata do Planejamento Estratégico da
Justiça Eleitoral para o quinquênio 2015/2220, que entre outras ações visou ao combate
à corrupção, bem como instituiu o Núcleo de Inteligência que atuou, em especial, no
financiamento das campanhas eleitorais. Referido núcleo é formado por representantes
do Tribunal Superior Eleitoral, dos Tribunais Regionais Eleitorais, do Ministério Público
Federal, da Polícia Federal, do Tribunal de Contas da União, da Receita Federal do
Brasil e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
As ações integradas desses órgãos visam identificar situações de movimentações
atípicas relacionadas com questões eleitorais, tratadas na prestação de contas. Daí foram
definidas uma série de batimentos, buscando indícios de situações irregulares por meio
de tipologias definidas pelo Núcleo de Inteligência.37
Percebe-se, portanto, que tem a Justiça Eleitoral visado cada vez mais a integração
de órgãos de controle das movimentações financeiras dos partidos e candidatos,
objetivando dar transparência, coibir cada vez mais os ilícitos e a realizar sua identificação
em tempo quase real e não mais após a efetiva prestação de contas (após eleições).
Entretanto, apesar de um verdadeiro intercambio de dados, não se tem conseguido
impedir as ilicitudes eleitorais.

37
Essa integração poderia se estender, por exemplo, para alguns servidores lotados nas assessorias de juízes e
controle interno, garantindo-os maior capacitação e participação na área de fiscalização e julgamento das contas,
já que ligados à área fim das Cortes.

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KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
219

O TCU e o TSE, e já percebemos no âmbito dos processos julgados do pleito de


2016 no TRE/CE, identificaram vários indícios de irregularidades nas prestações de
contas apresentadas em 2016 (principalmente de candidatos), relativas à existência de
pessoas físicas inscritas no Programa Bolsa Família que fizeram doações, doação de
pessoas físicas que integram quadro societário, contratação de empresa em que o sócio
figura como beneficiário de programa social, doadores cuja renda é incompatível com o
valor doado, doadores inscritos como beneficiários dos programas sociais do Governo
e cujo vínculo empregatício é desconhecido nos 60 dias antecedentes à doação, doador
sócio ou dirigente de empresa que recebeu recursos da administração pública, doadores
sem aparente capacidade financeira, contribuições de doadores falecidos, doadores de
campanha sem emprego formal declarado (desempregados), entre outros.
Na prática, o procedimento para identificação e apuração das citadas ilicitudes,
apesar de terem prioridade (Instrução Normativa nº 18, editada pelo TSE em 16 de
agosto de 2016) e serem dotados de instrumentos diligenciais, ainda possuem prazos
largos e entraves burocráticos, impedindo uma efetiva e real punição dentro ainda do
processo eleitoral. Ademais, após o cumprimento das diligências ou a certificação do
decurso do prazo, o Juiz Eleitoral, ante os elementos probatórios obtidos, encaminhará
o feito ao Ministério Público Eleitoral ou, se entender necessário, à autoridade policial
competente para instauração de inquérito (§4º do art. 2º). E, na forma do §5º, havendo
indícios de irregularidades relativas ao financiamento da campanha, os elementos
probatórios serão juntados aos autos da prestação de contas e aí analisados.
Assim, apesar de todas as críticas, certo é que também tivemos inovações no campo
da Prestação de Contas.38 Destaco em particular a obrigatoriedade de constituição de
advogado e profissional da contabilidade (Resolução TSE nº 23.406/2014) e as alterações
referentes ao caráter jurisdicional do exame da prestação de contas dos órgãos partidários
(art. 37, §6º, da Lei nº 9.096/95).39
Como novidade ainda, em 2016 pela primeira vez, as prestações de contas foram
divulgadas durante o curso da eleição, uma vez que os recursos em dinheiro recebidos
para financiamento de campanha eleitoral devem ser entregues e divulgadas a cada 72
horas à Justiça Eleitoral (art. 28, §4º, I, da Lei nº 9.504/97), dando efetividade à Lei de
Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).
A minirreforma de 2015 também incluiu o inciso II no §4º do art. 28 da Lei nº
9.504/97, dispondo que os partidos, coligações e candidatos devem divulgar no dia 15

38
Entre outros avanços tem-se: a obrigação das instituições financeiras identificar o CPF/CNPJ dos doadores nos
extratos bancários (art. 22, §1º, inciso II da Lei nº 9.504/97); o fim dos comitês financeiros (Lei nº 13.165/15);
obrigatoriedade que as doações a candidatos e partido sejam feitas mediante recibo (art. 23, §2º, da Lei nº 9.504/97);
comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político (art. 23, §4º, V, da Lei nº 9.504/97); ampliação do rol de fontes de financiamento
vedadas (art. 24 da Lei nº 9.504/97); introdução do sistema simplificado de prestação de contas (art. 28, §§9º e 10, da
Lei nº 9.504/97); a alteração do caput do art. 34 da Lei nº 9.096/95 para suprimir a fiscalização sobre a escrituração
contábil dos partidos políticos; definição dos gastos eleitorais sujeitos a registro e aos limites fixados em lei (art.
39, §5º, da Lei nº 9.096/95, e art. 26 da Lei nº 9.504/97) etc.
39
Apesar de a Lei nº 12.034/09 não ter se referido às contas de campanha, entende-se que, pela lógica processual, elas
também podem ser encaradas como de natureza jurisdicional, ainda mais pela obrigatoriedade de apresentação
de instrumento de mandato para constituição de advogado e indiretamente pela inclusão através da minirreforma
do §5º no art. 30 da LE, autorizando a interposição de recurso especial nos processos de exame de contas de
campanha (ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 392).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
220 DIREITO PARTIDÁRIO

de setembro, relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário, os recursos


em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados.
Procedimento mantido para 2018 (artigo 50, I e II, e §2º, da minuta, incluindo
também o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC), permitindo maior
fiscalização pelos candidatos, partidos e sociedade. Esta que agora tem, ainda no
transcorrer das eleições, com a maior publicidade das contas, mais um instrumento
para avaliar seus candidatos e partidos, podendo, inclusive, alterar seu voto, a tempo.
Porém, aqui merece as seguintes observações: a) no inciso I, deixou-se de exigir a
identificação dos doadores e valores, impedindo no curso da campanha a identificação
real de doadores; b) não foi estabelecida sanção específica para os dois incisos em caso
de descumprimento, não obstante o que dispõem os §§6º e 7º do artigo 43 e §§6º e 7º
do artigo 50, respectivamente, das Resoluções de 2016 e 2018, acerca da verificação do
ato no julgamento da prestação de contas final.
Outro avanço foi implantado pela Portaria do TSE nº 1.143/2016 que obrigou pela
primeira vez os diretórios nacionais dos partidos políticos a apresentar suas prestações
de contas anuais de forma on-line por meio do Processo Judicial Eletrônico (PJe). O
Sistema de Prestação de Contas Anuais (SPCA), também obrigatório, deve ser utilizado
por todos os níveis de direção partidária, permitindo um amplo monitoramento das
movimentações financeiras pela Justiça Eleitoral.
Outro instrumento é a disponibilização pelo TSE em seu Portal na internet da
Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, com consulta ao financiamento da
eleição municipal, bem como de formulários para que os cidadãos informem, não
compulsoriamente, as doações ou contratação de bens e serviços fornecidos a partidos e
candidatos na campanha, visando comparar os dados das prestações de contas eleitorais
com os enviados por doadores e fornecedores.
Como se pode ver, tivemos muitas reformas na legislação eleitoral, quiçá mais até
que eleições propriamente ditas, mas em sua maior parte sem qualquer relação entre
si. Entretanto, chegamos mais perto da realidade contábil, e a Justiça eleitoral teve um
grande papel na regulamentação, controle e publicidade.
Defensor da maior aplicação do sistema de prestação de contas simplificada – não
podendo ser, a princípio, um simples “livro caixa” –, e, mais precisamente, de um
simplificado entendimento e juízo de valor pelos que analisam e julgam as contas,
acreditando ainda que o legislador procurou simplificar a accountability para que o
candidato possa dedicar mais tempo e esforços com a campanha, o ex-ministro do
TSE Arnaldo Versiani, defende que “[,...] o exame das contas pode e deve ter o aspecto
pedagógico e educativo, voltado ao aperfeiçoamento do sistema e à instrução dos
candidatos e partidos, e não apenas à aplicação de sanções”.40
Entende o ex-Ministro que, com a complexidade das normas de prestação de contas
e com a redução do tempo de campanha, as desaprovações de contas têm aumentado
de forma excessiva e os candidatos gastam maior parte do tempo preocupando-se
mais com elas do que com a campanha e a busca de votos. Crítico da forma como são
analisadas as prestações de contas, em especial as dos candidatos, o que em paralelo

40
VERSIANI, Arnaldo. Prestação de contas de candidatos. In: NORINHA, João Otávio de; KIM, Richard Pae (Coord.).
Sistema político e direito eleitoral: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016, p. 106 a
116.

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KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
221

pode ser adotado para as partidárias, aponta ainda, exemplificando, que as intervenções
da Justiça Eleitoral podem, em outras hipóteses, assumir “caráter de verdadeira ficção
contábil”:

A Justiça Eleitoral, não obstante, mercê, como já se disse antes, do maior rigor de fiscalização,
tem intervindo no próprio valor eventualmente informado e comprovado pelo candidato,
o que merece ser examinado com a maior cautela, além de outras situações que parecem
desvirtuar o objetivo da prestação de contas.
Um deles é o questionamento do valor da mercadoria adquirida ou do serviço prestado.
(...)
Cuida-se, a tal avaliação do bem ou serviço doado, de informação sujeita a questionamento
altamente subjetivos, que não podem sofrer grandes interferências, sob pena de a prestação
de contas dos candidatos de transformar em processo penoso de verificação de preço de
mercadorias e de serviços.
Ademais, se a verificação de custos de qualquer mercadoria ou produto ou serviço fosse
tão simples assim, não haveria necessidade de procedimentos licitatórios para a sua
aquisição, por exemplo, pela Administração Pública.
Por isso, a consulta telefônica pela Justiça Eleitoral a respeito de preços de revistas não
pode ser suficiente e eficaz para glosar o documento fiscal emitido pela gráfica contratada.
E a situação fica ainda mais grave quando a Justiça Eleitoral supõe ou presume que, em
virtude da suposta redução de preços, essa diferença deve ser levada à conta de omissão
de gastos ou, pior, de que a gráfica, na verdade, estaria efetuando doação da diferença
não declarada pelo candidato, com repercussões gravíssimas, inclusive sobre o mandato
conquistado nas urnas.41

Não esqueçamos que é crucial a participação da sociedade no processo legislativo


e um maior fortalecimento das instituições para que tenhamos eleições seguras, trans-
parentes e livre, garantindo-se a transparência das contas e uma política governamental
séria, independente e livre de abusos.

3.3 Conclusão
Com dito, tivemos em termos de regulamentação de “prestação de contas” muitos
avanços, mas também retrocessos, sendo válido transcrever o posicionamento extraído
do voto proferido pelo Ministro Teori Zavaski, por ocasião do julgamento da ADI nº
9364, quando afirma que “os resultados práticos dessas reformas foram úteis pelo
menos para revelar outras fragilidades do modelo” e que “para cada aprimoramento
do sistema de controle social, a astúcia adaptativa do ilícito produz uma resposta
correspondente”. E acrescenta:

Embora essas leis tenham propiciado avanços no controle da arrecadação e dos gastos
eleitorais, elas evidentemente não solveram todas as inconsistências do sistema. Mas, ainda
que não tenham sido tão satisfatórios como se poderia esperar, os resultados práticos dessas
reformas foram úteis pelo menos para revelar outras fragilidades do modelo, que acabaram
sendo aproveitadas para o encobrimento de possíveis irregularidades no financiamento

41
VERSIANI, Arnaldo. Prestação de contas de candidatos. In: NORINHA, João Otávio de; KIM, Richard Pae (Coord.).
Sistema político e direito eleitoral: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016, p. 112 a
116.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
222 DIREITO PARTIDÁRIO

de campanhas do conhecimento da sociedade e da Justiça Eleitoral. Trata-se de capítulo


natural na crônica civilizatória de qualquer sociedade: para cada aprimoramento do sistema
de controle social, a astúcia adaptativa do ilícito produz uma resposta correspondente. Isto
é singularmente verdadeiro na seara eleitoral, em que a aplicação da legislação reclama
constante supervisão por parte das instâncias estatais e da sociedade.

Adverte acertadamente o Ministro que: “O que se verificou foi mais uma prova
da aptidão que o dinheiro possui de se fazer clandestino”.
Walber de Moura Agra,42 ao tratar do financiamento e gastos de campanha
eleitoral, destaca que nenhum sistema de financiamento de campanha é imune a fraude
“devido as mudanças no seio social, na cultura, no procedimento eleitoral e no ciclo
vicioso da troca de interesses.”
Apesar disso, como discorrido, na busca de uma maior efetivação da democracia e
da representação real das escolhas dos eleitores, tivemos um significativo aperfeiçoamento
legislativo e uma grande modernização dos mecanismos, de forma a garantir um maior
e efetivo controle das condutas e eventual responsabilização. Entretanto, é certo, ainda
a um longo caminho a percorrer, mas sem necessidade de experiências ou grandes
inovações, pois não será uma reforma que resolverá, por si só, as graves distorções na
escolha dos governantes e na estrutura dos partidos.
E neste ponto, temos que reconhecer que muitos desses avanços decorreram da
participação do Poder Judiciário, que contribuiu (apesar das mais diversas críticas acerca
do ativismo/voluntarismo) significativamente com a normatização desse complexo
sistema de controle e fiscalização.
De toda sorte, acerca da legislação e da jurisprudência eleitoral, e destacando a
“necessária preservação da segurança jurídica que deve lastrear a realização das eleições,
especialmente a confiança dos cidadãos candidatos e cidadãos eleitores”, ante o que
dispõe o art. 16 da Constituição Federal e da força normativa dos atos judiciais do TSE,
assinalou o Ministro do STF e atual Presidente do TSE, Gilmar Mendes:

Aqui não se pode deixar de considerar o peculiar caráter geral ou quase normativo dos atos
judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral.
Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os
pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos
(eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, portanto, a segurança
jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das
expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais.
A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso
dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivada
no art. 16 da Constituição. Essa norma constitucional afirma que qualquer modificação
normativa que altere o processo eleitoral poderá entrar em vigor na data de sua publicação,
mas não poderá ser aplicada à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. O
Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-se como uma
garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances
e (3) das minorias (RE 633.703).
Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal
Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável
admitir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz

42
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 185.

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KAMILE MOREIRA CASTRO, RICARDO REGIS RODRIGUES DA SILVA
PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS: INEFICIÊNCIAS E LACUNAS
223

o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em


relação à alteração da jurisprudência do TSE.
O Supremo Tribunal Federal concluiu que as decisões do Tribunal Superior Eleitoral
que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança
de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm
aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no
pleito eleitoral posterior.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, dotada de todos os efeitos próprios do instituto
da repercussão geral, impõe uma nova diretriz para a atuação da Justiça Eleitoral, fundada
no respeito incondicional à segurança jurídica como postulado do Estado de Direito.
Contribui, portanto, para a estabilidade e legitimidade dos processos eleitorais, em mais
um passo importante no aperfeiçoamento da democracia no Brasil.43

O Ministro, por ocasião do seu voto no RE nº 637.485,44 chamando atenção para


a necessidade de cuidadosa reflexão sobre as consequências de mudanças radicais,
assinalou que não só o STF, mas também o TSE “deve adotar tais cautelas por ocasião
das chamadas ‘viragens jurisprudenciais’ na interpretação dos preceitos constitucionais
que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral”.
Porém, não esqueçamos que mudanças devem contar com a total participação
da sociedade45 (informada e educada sobre as temáticas políticas) e desestimular o
enriquecimento ilícito e os desvios de dinheiro público, fazendo renascer a confiança
dos cidadãos nas instituições e resgatando a finalidade dos partidos políticos, que
possuem como sua maior função a de representação.
Já dizia Kelsen:46 “Só a ilusão ou a hipocrisia pode acreditar que a democracia
seja possível sem partidos políticos”.

Referências
AGRA. Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. Direito eleitoral regulador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4650, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
17.09.2015, DJe-034 DIVULG 23-02-2016 PUBLIC 24.02.2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 5394 MC, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno,
julgado em 12.11.2015, DJe-239 DIVULG 09-11-2016 PUBLIC 10.11.2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 637485, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 01.08.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-095 DIVULG
20-05-2013 PUBLIC 21.05.2013.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

43
MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 799.
44
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3823598>. Acesso em: 02
jan. 17.
45
Afinal “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição” (CRFB/88, art. 1º, parágrafo único).
46
KELSEN, H. A democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 40.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
224 DIREITO PARTIDÁRIO

CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas no direito
brasileiro contemporâneo. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro et al. (Coord.). Direito jurisprudencial.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. II.
COELHO, Margarete de Castro. A democracia na encruzilhada: reflexões acerca da legitimidade democrática
da Justiça Eleitoral Brasileira acerca da cassação de mandatos eletivos. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno Braga; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação
dos efeitos da tutela. 11. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. São
Paulo: Malheiros, 2016.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Atlas, 2015.
SANTANO, Ana Claudia. O financiamento da política: teoria geral e experiências no direito comparado. 2. ed.
Curitiba: Íthala, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.
KELSEN, H. A democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VERSIANI, Arnaldo. Prestação de contas de candidatos. In: NORONHA, João Otávio de; KIM, Richard Pae
(Coord.). Sistema político e direito eleitoral: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CASTRO, Kamile Moreira; SILVA, Ricardo Regis Rodrigues da. Prestação de contas partidárias:
ineficiências e lacunas. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 207-224.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 4

TOMEMOS A SÉRIO O DEBATE EM TORNO DO


COMPLIANCE PARTIDÁRIO: UMA PRIMEIRA
REFLEXÃO CRÍTICA DOS PROJETOS DE LEI
Nos 60/2017 E 429/2017, DO SENADO FEDERAL.
EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO

MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO

Um dado fático inquestionável que deve servir de substrato para o presente estudo
consiste na constatação de que a luta contra a corrupção ocupa, presentemente, espaço
de centralidade nas reflexões sobre democracia travadas nos mais diversos países do
mundo. No Brasil, especificamente, esta realidade não é diferente.
Nesse sentido, vem de ser liberado, em 02/2018, o IPC – índice de percepção da
corrupção –, a revelar que o Brasil recuou, no ano de 2017, 17 posições relativamente
ao ano anterior, tendo conquistado apenas 37 pontos, numa escala em que a pontuação
zero revela altíssimo sentimento de corrupção e que a nota 100 denota sólida percepção
de integridade.
Associado ao sentimento nacional de que a corrupção contamina de modo
sensível as relações entre particulares e os poderes públicos (ou sobretudo em razão
deste sentimento), igualmente ganhou corpo na sociedade a percepção de que a política
e os partidos políticos estão associados ao cometimento de ilicitudes, dando ensejo ao
que doutrinadores denominam de “criminalização da política”.1
Nesse cenário, que é, em linhas gerais, comum às grandes nações democráticas,
vem ganhando espaço, agora especificamente no Brasil, a discussão sobre a aplicabilidade,
ou não, às agremiações partidárias, das políticas de compliance, tais como previstas na
Lei nº 12.846/2013 (Lei de Organizações Criminosas) e no Decreto nº 8.420/2015.
Os debates, é bom que se diga, ainda são embrionários, e a grande maioria dos
textos já produzidos a respeito e das entrevistas já concedidas sobre a temática passa ao
largo de uma reflexão mais profunda sobre as peculiaridades que qualificam o estatuto
jurídico constitucional das agremiações partidárias e sobre a necessidade de um regime
jurídico específico, que, consideradas tais peculiaridades, possibilite a institucionalização

1
AIETA, Vania Siciliano. Criminalização da Política, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
226 DIREITO PARTIDÁRIO

de sistemas de compliance partidários que sejam ao mesmo tempo viáveis e efetivos no


desenvolvimento de uma cultura de ética e de governança no contexto dos partidos.
Há, de um lado, aqueles que entendem pura e simplesmente que a Lei de
Organizações Criminosas (e a previsão de programa de compliance ali fixada) já seria
automaticamente aplicável aos partidos políticos, considerada a redação do parágrafo
único do seu artigo 1º, a estabelecer a extensão da referida disciplina normativa “às
sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independente-
mente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer
fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham
sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito,
ainda que temporariamente”.
A redação aberta do referido dispositivo legal, sobretudo no que concerne ao seu
alcance subjetivo, permitira a automática conclusão de que os partidos políticos, enquanto
entidades associativas de direito privado, estariam, como qualquer outra pessoa jurídica
assemelhada, submetidos ao regramento fixado na Lei de Organizações Criminosas.2
Por outro lado, há os que entendem que os partidos políticos, considerada
sua disciplina jurídica específica, toda ela fixada na Lei nº 9.096, e, ainda, em razão
de seu estatuto jurídico constitucional, todo ele estruturado em razão de sua função
estruturante e monopolística no contexto da representação política, não se encaixam na
disciplina genérica da Lei de Organizações Criminosas, naturalmente concebida para
reger empresas e suas relações com a administração pública.
Esta última posição, no nosso entender, é a mais acertada.
Parece-nos impróprio, com todo respeito, pretender a incidência às agremiações
partidárias de uma lei (LOC) que, ao estabelecer a responsabilização objetiva adminis-
trativa das pessoas jurídicas, fixa como sanções administrativas a “multa, no valor
de 0,1% a 20% do faturamento bruto do ano anterior ao da instauração do processo
administrativo” e a “publicação extraordinária da decisão condenatória” (incisos I e II do
art. 6º da Lei nº 12.846/2014), e, ainda, como sanção judicial, a “dissolução compulsória
da pessoa jurídica” (art. 19, III e §1º da LOC).
Ora bem, tendo em vista que conceito jurídico de faturamento bruto é absoluta-
mente alheio à realidade dos partidos políticos e considerando, ainda, que a gravíssima
medida da dissolução compulsória de uma agremiação partidária, como consequência de
supostos atos ilícitos praticados por seus dirigentes, é de constitucionalidade altamente
duvidosa, sobretudo num regime democrático fundado no pluralismo e na liberdade
de criação partidária como direitos fundamentais (art. 17 da Carta Política), pode-se
concluir que a Lei de Organizações Criminosas não pode ser legitimamente tida como
automaticamente aplicável aos partidos.
No que concerne às dificuldades inerentes à aplicação da penalidade de dissolução
de sociedades aos partidos políticos, irretocáveis as observações de Adán Nieto Martín
e Manuel Maroto Calatayud, para quem:3

En un sistema de financiación que vive de subvenciones públicas es irracional que la multa


sea la sanción principal, a no ser que el Código pena pretenda que al final seamos todos

2
CARVALHOSA, Modesto. Gazeta online. 2015. Acesso em: jan. 2018.
3
MARTÍNS, Adán Nieto; CALATAYUD, Manuel Maroto. Public compliance: prevención de la corrupción en
administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha, 2014, p. 12-13.

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TOMEMOS A SÉRIO O DEBATE EM TORNO DO COMPLIANCE PARTIDÁRIO: UMA PRIMEIRA REFLEXÃO CRÍTICA DOS PROJETOS DE 227
LEI N 60/2017 E 429/2017, DO SENADO FEDERAL. EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO
os

quién vía subvención paguemos una multa, que además y en última instancia, tambíen
podría incluirse en el monto de la financiación ilegal. Pero sobre todo, lo que solo con la
mas extrema cautela debería resultar aplicable a partidos políticos son las sanciones interdictivas o
incluso la disolución que prevé el Codigo Penal. En este punto el legislador debía haberse esforzado
por crear un conjunto de sanciones más inteligentes, más eficaces desde el punto de vista preventivo
general pero, a la vez y cuando menos, inocuas para la libretad ideológica y de asociación y, a ser
posible, positivas desde el punto de vista de la promoción de la democracia interne en
estas organizaciones.

Assim, em razão das próprias peculiaridades inerentes às suas atividades,


bem assim da elevadíssima função de corpos intermediários em uma democracia
representativa, os partidos, em tema de design institucional de combate à corrupção,
estão a demandar regramento legal calibrado e específico, que cumpra, de um lado,
com a finalidade de prevenir e coibir, de modo efetivo, a prática de atos de ilícitos por
seus dirigentes e por terceiros a eles vinculados, mas que respeite, de outro, as especiais
características das funções partidárias e sua centralidade no modelo constitucional
brasileiro.
Irretocáveis, no ponto, sob tal aspecto, as observações do Ministro Celso de
Mello, a revelarem a centralidade dos partidos políticos na concretização da democracia
representativa:
– A Constituição da República, ao delinear os mecanismos de atuação do regime
democrático e ao proclamar os postulados básicos concernentes às instituições partidárias,
consagrou, em seu texto, o próprio estatuto jurídico dos partidos políticos, definindo
princípios, que, revestidos de estatura jurídica incontrastável, fixam diretrizes normativas
e instituem vetores condicionantes da organização e funcionamento das agremiações
partidárias. Precedentes.
– A normação constitucional dos partidos políticos – que concorrem para a formação
da vontade política do povo – tem por objetivo regular e disciplinar, em seus aspectos
gerais, não só o processo de institucionalização desses corpos intermediários, como
também assegurar o acesso dos cidadãos ao exercício do poder estatal, na medida em que
pertence às agremiações partidárias – e somente a estas – o monopólio das candidaturas
aos cargos eletivos.
– A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua
quando se tem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na
concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto histórico
que conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios fundamentais no processo
de legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo – fonte de que emana
a soberania nacional – tem, nessas agremiações, o veículo necessário ao desempenho
das funções de regência política do Estado. As agremiações partidárias, como corpos
intermediários que são, posicionando-se entre a sociedade civil e a sociedade política, atuam
como canais institucionalizados de expressão dos anseios políticos e das reivindicações
sociais dos diversos estratos e correntes de pensamento que se manifestam no seio da
comunhão nacional (...). (MS nº 26.603, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 18.12.2008)

E é exatamente nessa perspectiva, de busca de um regime próprio de combate


à corrupção que seja aplicável aos partidos políticos, que se inserem os Projetos de Lei
nºs 60/2017 e 429/2017, de autoria, respectivamente, dos Senhores Senadores Ricardo
Ferraço e Antonio Anastasia, através dos quais, por diferentes maneiras, as agremiações
partidárias passariam a também se submeter ao que se chama de política de compliance
ou integridade.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
228 DIREITO PARTIDÁRIO

Ambas as propostas, a despeito de louváveis quanto aos motivos que as inspiraram,


apresentam, no nosso entendimento, falhas significativas, derivadas, sobretudo, da
ausência de uma maior adaptação das disposições inseridas na Lei de Organizações
Criminosas e no Decreto nº 8.420/2015 às características e peculiaridades que conferem
essência à própria ideia de partido político.
Tais falhas, pode-se supor, são apenas o reflexo normativo da própria ausência, no
Brasil, de um debate mais vertical voltado, de um lado, à detecção das peculiaridades das
agremiações partidárias e, de outro, à harmonização de tais especificidades na construção
de um modelo de política de integridade que seja ao mesmo tempo estruturalmente
viável e concretamente eficaz na detecção, na prevenção e no combate a atos irregulares
praticados pelos/para os partidos políticos.
São imprescindíveis, portanto, antes de se construir qualquer modelo de
integridade aplicável aos partidos, reflexões prévias sobre temas centrais ao design
que deve ser dado a tal política, tais como: o que se deve esperar de um sistema de
compliance aplicável aos partidos políticos? Que tipo de atividades e matérias devem estar
submetidas aos mecanismos de fiscalização e controle que são próprios dos sistemas
de integridade? O foco do compliance partidário deve ser a prevenção, detecção e a
superação de fraudes ou irregularidades na aplicação de verbas percebidas do erário
(fundo partidário e fundo especial de financiamento de campanha – art. 38 da Lei nº
9.096 e art. 16-C da Lei nº 9.504/97) ou, para além disso, devem se submeter ao controle
do compliance a arrecadação de pessoas físicas (já submetidas a regime restritivo de
legalidade) e os critérios de realização dos gastos partidários, tais como a escolha de
empresas e terceiros contratados? Para além do combate à arrecadação e aos gastos não
contabilizados, democracia interna dos partidos e percentual de candidaturas indeferidas
por eventuais inelegibilidades são matérias que também deveriam estar inseridas num
programa de compliance, como forma de aprimoramento das funções partidárias? E o
debate em torno da representatividade de gênero nos órgãos de direção partidária?
Trata-se de matéria afeta ao compliance?
Mais ainda: qual o mais adequado modelo legal de previsão e instituição de
programa de integridade aplicável aos partidos políticos, no contexto brasileiro? O modelo
compulsório, segundo o qual, por meio de lei, toda e qualquer agremiação partidária
passaria a ser obrigada a prever, em seu Estatuto, um “programa de integridade”
(proposta do PL nº 429/2017, do Senador Antonio Anastasia)? Ou o modelo facultativo e
promocional, acompanhado da fixação da responsabilização objetiva administrativa dos
partidos políticos, em que a existência e a efetividade de um programa de compliance, a
despeito de opcionais, serviriam como forma de diminuição de eventuais penalidades, em
caso de condenação por eventual prática de irregularidades (modelo da Lei nº 8.420/2015
e do PL 60/2017 do Senador Ricardo Ferraço)? Ou, ainda, o modelo cumulativo, utilizado,
exemplificativamente, na Espanha, em que a adoção de um sistema de integridade
pelos partidos políticos é simultaneamente obrigatório e, no que concerne à aferição
de sua concreta efetividade, um elemento de redução de sanções, num contexto de
responsabilização objetiva das agremiações partidárias? (modelo apelidado de palos y
las zanahorias, ou seja, de “varas e cenouras”, a expressarem uma política concomitante
de obrigatoriedade e incentivos).
Finalmente, mas não menos importante, sobretudo no contexto de um país com
as dimensões federativas do Brasil: é viável e igualmente efetiva a imposição de um

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LEI N 60/2017 E 429/2017, DO SENADO FEDERAL. EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO
os

programa de integridade nas três esferas partidárias (nacional, estadual e municipal)


ou, ao contrário disso, necessária seria a fixação de um recorte, para que diretórios de
dimensões muito pequenas não culminassem por se inviabilizarem, considerada a total
inexistência de recursos humanos e financeiros para a criação de uma estrutura, por
mínima que fosse, de política de compliance?
Todas essas indagações merecem séria reflexão, para que se conceba um
modelo de compliance partidário que, para além de viável, seja concretamente efetivo,
convertendo-se num fator real de inibição e combate a atos irregulares praticados no
contexto das estruturas partidárias.
O tema não é singelo, é de natureza inquestionavelmente multidisciplinar e é a ele
que se dedicam as próximas linhas, como forma de iniciar um debate tão urgente como
necessário e que certamente haverá de ser melhor aprofundado em escritos posteriores.

4.1 De que aspectos da vida partidária deve cuidar um programa


de integridade e o que se deve dele esperar – Programas de
integridade × programas de conformidade – A inaplicabilidade
da LOC aos partidos políticos – Prestação de contas partidárias –
Programas de compliance e autonomia partidária – A democracia
interna dos partidos políticos como elemento imprescindível para
o desenvolvimento de uma cultura de transparência e controle

Um primeiro ponto a ser objeto de necessária reflexão, em tema de programa


de integridade partidária, refere-se à definição de quais aspectos da vida do partido
político devem ser objeto de controle e devem se inserir dentro de uma política efetiva
de compliance.
Diz-se isso, em primeiro lugar, porque a Lei nº 8.420/2015 (Lei de Organizações
Criminosas) teve por objetivo prevenir e sancionar, por meio da responsabilização
objetiva civil e administrativa, “atos lesivos à administração pública nacional e estrangeira”
(art. 5º). Também o art. 41 do Decreto 8.420/2015 define programa de integridade como o
“conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo
à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e condutas,
políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e
atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.
Donde a conclusão evidente de que o sistema legal de combate às organizações
criminosas (em cujo contexto se previram os programas de integridade como uma forma
de atenuar penalidades e de desenvolver nas empresas privadas uma cultura de ética,
governança e conformidade legal) tem como foco central a prevenção e a repressão a
ilícitos praticados por empresas privadas em sua interação com o setor público, a ocorrer,
exemplificativamente, em situações de “pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações,
obtenção de autorizações licenças, permissões e certidões” (art. 42, VIII do Decreto nº
8.420), participação em procedimentos licitatórios e de celebração de contratos públicos
(art. 12 do Decreto nº 8.420).
Em resumo: os programas de integridade já previstos para as demais pessoas
jurídicas de direito privado no Brasil (sem prejuízo da relevantíssima discussão sobre

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230 DIREITO PARTIDÁRIO

o compliance público4) inserem-se num contexto maior de combate aos crimes contra a
administração pública.
Estariam fora, em linha de princípio, de uma política de compliance, debates
outros, como, por exemplo, aquele pertinente à participação mínima de gênero nos
Conselhos das empresas, à existência de canais de denúncia contra o assédio sexual
ou mesmo moral, e outros temas que, embora pertinentes à noção mesma de “boas
práticas e condutas empresariais”, acham-se excluídos do objeto de incidência da Lei
das Organizações Criminosas, que é a única legislação nacional a fomentar a criação,
no âmbito as empresas, de um sistema de integridade.
É certo que há os que defendam que o código de ética e conduta a ser fixado e
aplicado no contexto do programa de integridade deve necessariamente prever regras
internas de boa governança que transcendam a interação da empresa com o poder
público e que disciplinem regras de bom comportamento entre funcionários e entre
dirigentes e funcionários:

(...). A resposta para o combate ao assédio moral é: ética. Mas não a ética como um ideal
formal e impraticável, e sim uma ética ergonômica e aplicada.
Diante disso os programas de compliance ganham especial importância, estendendo sua
aplicabilidade à seara trabalhista.
Trata-se de um instrumento destinado a estabelecer medidas que assegurem que as regras
que lhe são impostas sejam, de fato, cumpridas (KUHLEN, 2013, p. 51). Parece vago e
redundante falar em cumprimento normativo através dos programas de compliance, mas
assevera-se: a implantação destes pretende a criação de uma cultura corporativa voltada
à reafirmação de preceitos e valores.
Em que pese ter o direcionamento principal dos programas de integridade (que equivalem
aos programas de compliance) no Brasil por foco medidas anticorrupção, o conceito trazido
pelo artigo 41, do Decreto 8.420/2015 menciona que, no âmbito de uma pessoa jurídica,
os programas de integridade consistem no “conjunto de mecanismos e procedimentos
internos de integridade (...) e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta”.
Ora, parece indissociável da figura dos programas de compliance ou de integridade, a
existência e cumprimento de normas internas que preceituem o exercício da ética no próprio
ambiente de trabalho, pois do contrário cairia prontamente rechaçada a credibilidade
daquela organização quanto ao cumprimento de regras de ética para atuação no mercado.
Assim, identifica-se a presença deste quesito entre os ditames do quarto pilar dos programas
de integridade, qual seja: estruturação das regras e instrumentos, em que se prevê, em
primeira linha, padrões de ética e de conduta (BRASIL, 2015, p. 14).
Tais padrões consistem nos comportamentos esperados de todos os funcionários e dirigentes
da empresa, sendo conveniente que estas orientações constem documentadas, através de
um código de ética, destinado a tratar dos valores e princípios da empresa e, de um código
de conduta, que traga a previsão das condutas a serem seguidas pelos membros daquela.
Seria desarrazoado, senão contraditório, falar num programa de compliance destinado a
fixar os limites éticos para as condutas dos representantes da empresa perante o mercado
sem antes estabelecer normas internas para que estes mesmos princípios fossem praticados
nas dependências da própria organização.
Portanto, referidos códigos (de ética e conduta) devem elucidar não só as diretrizes éticas
de projeção externa (atuação da empresa no mercado), mas também (e principalmente)

4
FORTINI, Cristiana; MORAIS VIEIRA, Ariane Sherman. Governança Corporativa e Medidas Preventivas contra
a Corrupção na Administração Pública: um enfoque à luz da Lei nº 13303/2016. Revista de Direito da Administração
Pública, v. 1, n. 1, 2016.

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LEI N 60/2017 E 429/2017, DO SENADO FEDERAL. EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO
os

os preceitos éticos de projeção interna, ou seja, direcionados a balizar o próprio desen-


volvimento das atividades internamente e, por conseguinte, com reflexos diretos no meio
ambiente de trabalho que ali se estabelece.5

Com todo o respeito devido, a despeito de se concordar com a premissa de


que as empresas devem se comprometer com a criação de um ambiente de trabalho
saudável e ético, os programas de integridade a que aludem a LOC e o Decreto nº 8.420
têm como objeto exclusivo “detectar e sanar desvios, fraudes e irregularidades e atos
ilícitos praticados contra a administração pública” e é apenas em relação a tal finalidade
concretamente definida que o programa será avaliado quanto à sua efetividade (art. 42
do Decreto nº 8.420), numa eventual aplicação de penalidade administrativa.
Não por outro motivo, a cartilha expedida pela Controladoria Geral da União
(Programa de Integridade – Diretrizes para Empresas Privadas) é claríssima ao delimitar
como objeto dos programas de integridade o estabelecimento de regras e procedimentos
voltados especificamente ao combate da corrupção:

(...). verifica-se que o Programa de Integridade tem como foco medidas anticorrupção
adotadas pela empresa, especialmente aquelas que visem à prevenção, detecção e remediação
dos atos lesivos contra a administração pública nacional e estrangeira previstos na Lei nº
12.846/2013. Empresas que já possuem programa de compliance, ou seja, uma estrutura para
o bom cumprimento de leis em geral, devem trabalhar para que medidas anticorrupção
sejam integradas ao programa já existente. Mesmo empresas que possuem e aplicam
medidas dessa natureza, sobretudo para atender a legislações antissuborno estrangeiras,
devem atentar-se para a necessidade de adaptá-las à nova lei brasileira, em especial para
refletir a preocupação com a ocorrência de fraudes em licitações e na execução de contratos
com o setor público. (com grifos no original)6

Estabelecida tal premissa, cumpre indagar, agora, qual seria o objeto específico
de um programa de integridade voltado aos partidos políticos.
Pois bem, a Lei de Organizações Criminosas, em seu art. 5º, assim elencou quais
são os atos lesivos à administração a atraírem a responsabilização objetiva (civil e
administrativa) nela previstas:

Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para


os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no
parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro,
contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos
pelo Brasil, assim definidos:
I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público,
ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar
a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar
ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV – no tocante a licitações e contratos:

5
MAZZUCATO, Isadora Gomes. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho: compliance como instrumento de
mitigação de ocorrências. Revista Raízes Jurídicas, v. 9, n.2, 173-192, jul./dez. 2017.
6
<http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-
empresas-privadas.pdf>. Acesso em: fev. 2018.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
232 DIREITO PARTIDÁRIO

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o


caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório
público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem
de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação
pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou
prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei,
no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com
a administração pública;
V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes
públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos
órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

De se ver, portanto, que, à exceção da real possibilidade de partidos políticos


se verem envolvidos em situação de suborno (I – prometer, oferecer ou dar, direta
ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele
relacionada e II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer
modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei), as demais situações
legalmente previstas (especialmente concentradas em processos licitatórios e contratações
públicas, realidades alheias aos partidos) culminam por não fazerem parte do cotidiano
das agremiações partidárias.
Evidentemente que há, em tese, a possibilidade de partidos políticos serem o
destinatário final de verbas provenientes de atos ilícitos, inclusive de fraudes licitatórias.
Também é evidentemente possível, em tese, que partidos políticos recebam numerário
de fonte legalmente vedada ou que façam aplicação irregular ou desviada dos repasses
públicos de que são destinatários.
Tais possíveis irregularidades, essas sim específicas e próprias da realidade
partidária, não se acham devidamente tipificadas em nenhum dos incisos do art. 5º da
Lei nº 12.846, o que evidencia, a não mais poder, sua total inaplicabilidade às agremiações
partidárias, que devem ser destinatárias de disciplina própria.
Não por outro motivo, como já dito na introdução deste estudo inicial, a Lei
de Organizações Criminosas fixa penalidades administrativas que são materialmente
incompatíveis com os partidos políticos, tal como o é a multa administrativa, calculada
em função do “faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do
processo” (sabendo-se que o conceito legal de faturamento é estranho aos partidos), bem
assim a sanção extrema, constitucionalmente inconcebível às agremiações partidárias,
considerada sua essencialidade ao funcionamento da democracia representativa, da
dissolução compulsória (inciso III do art. 19 da LOC).
Ora bem, se as condutas tipificadas pela Lei de Organizações Criminosas não se
ajustam com propriedade à realidade da vida dos partidos e se as principais sanções
ali previstas também não se revelam próprias às agremiações, então evidentemente
que qualquer debate em torno de compliance partidário deve partir da imperiosidade
de edição de lei específica versando a matéria.

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os

No entanto, indaga-se: se o objetivo central da Lei de Organizações Criminosas


é o combate à corrupção e à prática de atos lesivos à administração, qual deve ser o
objetivo primordial de uma eventual lei que estabeleça os programas de integridade no
contexto dos partidos?
O efetivo controle da contabilidade e da finança dos partidos, de sorte a evitar irregu-
laridades na arrecadação (fonte vedadas) e o mau uso dos repasses públicos de que
são titulares as agremiações? Esse deveria ser o foco de uma política de integridade
partidária? Uma integridade na prestação de contas?
Há aqueles que entendem que sim, que a política de integridade partidária deverá
ter como foco a prevenção e a reprimenda de eventuais irregularidades relacionadas
às regras atinentes à arrecadação e aos gastos pelos partidos.
Nesse ponto, uma diferença conceitual é de ser estabelecida entre programas
de “conformidade”, de um lado, e programas de integridade ou de compliance, de outro.
Para alguns, programas de conformidade se restringiriam à necessidade de criação,
no contexto das pessoas jurídicas, de mecanismos de incentivo e controle ao cumprimento
das normas jurídicas postas. O núcleo do conceito de conformidade estaria no integral
respeito, pelas empresas em geral, ao princípio de legalidade.
Já a ideia de integridade ou compliance iria além, para compreender não apenas o
estímulo e a fiscalização atinentes ao respeito e ao cumprimento das leis postas, mas, por
igual, para abranger o fomento de uma cultura de ética e de boa governança, fundada
em rigorosos padrões de boa conduta.
Nesse sentido, Jorge Alexandre González, para quem:7

(...) cabe señalar que el compliance es algo más que el cumplimiento normativo. Es, en
realidade, el sometmiento a aquellas normas de origen legislativo, pero también a aquellas
otras autoimpuestas, derivadas de unos estándares superiores a los exigidos por la ley.
Frente al concepto clássico de Derecho positivo (hard law), se anãde el cumplimiento
ético, la responsabilidad socialmcorporativa, etc (soft law).
Sentada esta base simplificada del contenido de la función de compliance parece sencillo
deducir que en el âmbito de los partidos políticos esta función se desarrolla primitiva-
mente en muy diversos âmbitos. Los partidos tienen que observar una serie de aspectos
puramente normativos, como pueden ser los relativos a su financiación, la proteccion
de datos personales de sus filiados y simpatizantes o, más recentemente, la prevención
penal. Junto a estas previsiones se empiezan a implantar otra serie decompromisos
de autocuplimiento que no vienen exigidos por las normas vigentes. Así comienzan a
desarrollarese códigos éticos o de buenas prácticas, que junto a las normas de Derecho
positivo, elevan los estandares exigidos por las mismas y tratan de completar, dentro del
partido, la función de compliance desde un punto de vista teórico (la exigenca de dimisión
a un cargo publico del partido imputado por corrupción seria unm ejemplo clássico de este
segundo grupo, pues no es una previsión legalmente estabelecida, pero sí autoimpuesta
en algunos partidos políticos).

Feita esta sutil diferenciação conceitual, cumpre indagar: o que se pretende, por
meio de programas de compliance aplicados a partidos políticos, é desenvolver no interior
dessas pessoas jurídicas mecanismos e estruturas voltadas ao estrito cumprimento da

7
GONZÁLEZ, Jorge Alexandre. Función de compliance y partidos políticos en España. Debate 21, maio de 2015.
Acesso em: jan. 2018.

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234 DIREITO PARTIDÁRIO

legislação partidária respectiva (notadamente no que concerne a gastos e arrecadações)


ou, para além disso, o que se espera é a criação de uma cultura de ética, de transparência
e de boa governança que, transcendendo a fiscalização contábil, possa servir como
instrumento de restauração da confiança social nos partidos políticos, enquanto elementos
essenciais à prática da democracia?
Entendemos que não há qualquer sentido em se debater a instituição, no contexto
dos partidos, de meros programas de conformidade, limitados à fiscalização e ao controle
das normas partidárias respectivas, sobretudo aquelas pertinentes à arrecadação e aos
gastos partidários. O tema do compliance partidário, insista-se, não deve ser um tema
centrado nas contas partidárias.
Isso porque, como é de todos sabido, os partidos políticos, considerada sua
especial função no exercício da democracia representativa, já se submetem a rígido
controle EXTERNO quanto às suas normas internas e, mais do que isso, já expõem sua
contabilidade interna ao rigoroso escrutínio da Justiça Eleitoral, a quem compete, por
meio de processo judicial (art. 34 da Lei nº 9.096), analisar e julgar as contas anuais das
três esferas partidárias (municipal, estadual e nacional), impondo-lhes multas e sanções
pecuniárias diversas no caso de eventuais irregularidades.
Ora bem, perde total relevância e centralidade a criação de qualquer estrutura
interna aos partidos, voltada apenas à fiscalização de suas contabilidades, se essa
mesma prestação de contas, ao fim e ao cabo, será realizada diretamente perante o Poder
Judiciário, a quem competirá analisá-la, com apoio de seus rigorosos órgãos técnicos
ou de técnicos dos Tribunais de Contas (§2º do art. 34 da Lei nº 9.096).
É claro que, em eventual programa de compliance, serão estabelecidos procedi-
mentos e mecanismos que assegurem o cumprimento das regras legais de arrecadação
e gastos partidários.
O mecanismo, no entanto, não pode se limitar e nem mesmo pode ter como ponto
central este específico aspecto contábil da vida partidária, que já sofre controle externo
anual a cargo do Poder Judiciário, e deve compreender, segundo entendemos, a criação
de padrões éticos, de boa governança e de transparência, a nortearem a relação das
agremiações também com seus filiados, com seus colaboradores, com seus dirigentes,
com terceiros prestadores de serviço e, por evidente, com a própria Administração
Pública, de sorte a resgatar-lhes a credibilidade e a confiabilidade de que depende, em
alguma medida, a própria crença no funcionamento da democracia.
O foco do compliance partidário, portanto, não deve ser sua contabilidade, já
submetida a controle judicial. Deve ser, isso sim, o desenvolvimento de uma cultura
ética e de boa governança no seio das agremiações, o que exige, por evidente, a fixação
de padrões de conduta que vão muito além da mera observância das normas postas
sobre arrecadação e gastos partidários.
Nesse contexto, o que se defende, neste debate inicial, é que o programa de
compliance partidário, por exemplo, necessariamente fundado num Código de Boa
Conduta e de Ética, deverá estabelecer regras sobre o recebimento de presentes por
dirigentes partidários, sobre a contratação de parentes ou empresas com vínculos
familiares com membros do partido, deverá fixar diligências e prever análise de riscos na
contratação de prestadores de serviços (due diligence), tudo isso entre outras matérias que,
a despeito de estranhas e alheias à disciplina legal de arrecadação e gastos partidários,

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os

são parte indispensável de uma cultura de ética, transparência e boa governança a


serem impostas às agremiações.
Essa pretendida interpretação ampliativa da ideia de compliance, que o expande para
além do controle dos gastos e arrecadações partidárias, cujas contas já são submetidas a
escrutínio judicial, suscita, ainda, um outro debate relevante, agora atinente à garantia
constitucional da autonomia partidária e à possibilidade de imposição, por meio de lei,
de padrões de comportamento, organização e conduta a entidades que, por força de
expressa disposição da Carta Política (art. 17, §1º), são livres para definição de regras
de organização interna.
O tema não é singelo, sendo certo que a cláusula constitucional da autonomia
partidária tem sido sistematicamente invocada a cada tentativa de imposição, seja por
lei, seja por jurisprudência, de critérios mínimos de comportamento a serem observados
pelos partidos.
Sobre a cláusula constitucional da autonomia partidária, já assentou o Supremo
Tribunal Federal que “O princípio constitucional da autonomia partidária – além de
repelir qualquer possibilidade de controle ideológico do Estado sobre os partidos
políticos – cria, em favor desses corpos intermediários, sempre que se tratar da definição
de sua estrutura, de sua organização ou de seu interno funcionamento, uma área de
reserva estatutária absolutamente indevassável pela ação normativa do Poder Público,
vedando, nesse domínio jurídico, qualquer ensaio de ingerência legislativa do aparelho
estatal (...)” (ADI nº 1.063, Rel. Min. Celso de Mello).
Assim, por exemplo, o debate, hoje já superado, em torno daquilo que se
denominou “candidaturas natas”, tidas como inconstitucionais pela Suprema Corte,
justamente por violação à garantia institucional da autonomia partidária (ADI nº 2.530,
Rel. Min. Sydney Sanches).
Mais recentemente, a cláusula constitucional da autonomia partidária foi invocada
como óbice à alteração introduzida pela Lei nº 12.034/2009 na Lei nº 9.504/97, que
tornou obrigatório o mínimo de 30% de cada gênero nas listas de candidaturas (§3º do
art. 10º), alegação já afastada pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que
corretamente tem conferido enforcement a tal previsão e que tem indeferido o registro
de DRAPS que desrespeitem tal percentual, sem falar na firme atuação contra aquilo
que ficou pejorativamente conhecido como “candidaturas laranjas”.
Ainda mais recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral, reafirmando a premissa
de que a cláusula constitucional da autonomia partidária não deve ser confundida com
qualquer tipo de “soberania” ou “blindagem” aos próprios valores constitucionais, vem
de novamente assentar a absoluta ilegitimidade de comissões provisórias instituídas por
prazos indeterminados (convolando-se em definitivas), fixando o prazo máximo de 4
meses para as devidas adequações, tudo isso a despeito da recentíssima EC nº 97/2017,
que, de forma claramente superadora de pronunciamento anterior do TSE, pretendeu
incluir no conceito de autonomia partidária a liberdade absoluta das agremiações para
fixar a duração de seus órgãos provisórios.8

8
“§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre
escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e
para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração
nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual,
distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.

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236 DIREITO PARTIDÁRIO

Somos daqueles que entendem que, muito embora a cláusula da autonomia


seja inerente ao próprio estatuto constitucional dos partidos políticos, conferindo-lhes
uma esfera de privacidade e intimidade dogmática e institucional/organizacional que
é infensa à intervenção estatal, isso não significa que tais corpos intermediários sejam
integralmente imunes às regras e aos princípios fundamentais constantes da Carta
Política, que é expressa ao condicionar este espaço de autonomia ao incondicional
respeito à soberania nacional, ao regime democrático, ao pluripartidarismo e aos direitos
fundamentais da pessoa humana.9
Para além disso, o fato é que se mostra inquestionável a oponibilidade, também
aos partidos, enquanto entidades privadas que são – art. 1º da Lei Orgânica dos Partidos
Políticos – dos direitos fundamentais, o que decorre do natural efeito externo ou eficácia
horizontal de valores que são revestidos do atributo da fundamentalidade (e que deixam
de ser analisados em sua dimensão unicamente voltada às relações travadas entre
indivíduos e o poder público, para condicionarem, de igual modo, os relacionamentos
firmados entre particulares).10
Não há falar, pois, em soberania partidária, mas, unicamente, em autonomia, o
que autoriza e legitima a imposição legal de determinados padrões de comportamento
fundados no respeito à Constituição, bem assim a atuação corretiva do Poder Judiciário.
Nesse sentido, Ivan Lira de Carvalho, em seu trabalho Partidos políticos: autonomia,
propaganda e controle judicial:11

A autonomia dos partidos políticos, assegurada pela CF (art. 17), não pode sobrepor-se
ao princípio da inafastabilidade, também com sede constitucional (art. 5º, inciso XXXV),
segundo o qual nem a lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão
ou ameaça de direito. Há um choque de princípios (inafastabilidade versus soberania
partidária) que se resolve em prol do primeiro, homenageando a supremacia dos interesses
públicos, políticos e sociais, na linha do que decidiu o já referido Tribunal Superior Eleitoral.12

Em resumo, portanto, a cláusula constitucional da autonomia partidária –


especialmente forjada para garantir que os partidos políticos ficassem protegidos da
esfera interventiva do Estado, sobretudo no que concerne às suas ideologias e aos seus
critérios de atuação – não pode ser interpretada de forma a conferir às agremiações
uma espécie de imunidade absoluta que as torne impermeáveis até mesmo às regras
e valores constitucionais.
Se é certo, portanto, que o “core” ideológico, que as estratégias políticas, que
as visões de mundo e que as escolhas partidárias devem se achar fora do alcance
interventivo do Estado, não é menos exato que o respeito aos valores constitucionais
como os da igualdade, da transparência e da moralidade pode e deve ser exigido dos

9
BUCCHIANERI PINHEIRO, Maria Claudia. O Problema da (sub)representação política da mulher: um tema
central na agenda política nacional. COELHO, Marcus Vinícius Furtado; AGRA, Walber de Moura (Coord.).
Direito eleitoral e democracia: desafios e perspectivas. Editora do Conselho Federal da OAB, gestão 2010/2013.
10
Sobre aplicação horizontal dos direitos fundamentais: GONET BRANCO, Paulo Gustavo. op. cit., p. 169-180;
ABRANTES; José João Nunes. A vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais. Lisboa: AAFDL, 1990;
BILBAO UBILLOS, Juan Maria. La eficácia de los derechos fundamentales frente a particulares. Madrid: CEPC,
1997; ANDRADE, José Carlos Viera de. op. cit., p. 141 e ss; HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado.
Madrid: Civitas, 1995.
11
Disponível em <www.jfrn.gov.br/docs/doutrina193.doc>. Acesso em: 24 maio 2010.
12
Rec. nº 12.990, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, 23.09.1996.

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os

partidos políticos, sem que tal comportamento revele qualquer tipo de violação ou
mesmo enfraquecimento da garantia fundamental da autonomia partidária.
Tal exigência de observância a valores constitucionais, sem qualquer prejuízo à
cláusula da autonomia, tanto mais se evidencia quando se constata que, hoje, considerado
o regime jurídico de financiamento da política no Brasil, uma importante parcela das
verbas que custeiam as atividades dos partidos provém do erário, o que torna ainda
mais evidente a necessidade de se construir um conceito de autonomia partidária que,
ao mesmo tempo em que proteja o núcleo ideológico e estratégico das opções e decisões
partidárias, viabilize o necessário controle e a inexorável regra de transparência que
são próprios do regime de gastos públicos.
Interessante debate, nesse ponto, é suscitado por José Joaquin García-Pando
Mosquera e merecia estudo específico:13 “Deben ajustarse los partidos políticos a
los critérios de economia y eficácia, por ser critérios que deben estar presentes en la
utilización de fondos públicos, evitando el dispêndio de los mismos?”.
Nesse sentido, autorizado magistério doutrinário, especificamente desenvolvido
na perspectiva do conflito apenas aparente que se instaura entre autonomia partidária,
de um lado, de programas de integridade partidária, de outro:14 “la característica de
las asociaciones y de la que los partidos también disfrutan, no puede ser para éstos tan
omnímoda que a su amparo se desvirtuén como instrumentos para la consecución de
sus fines constitucionales”.
Também assim Elisa de La Nuez, para quem a natureza “mista” dos partidos
políticos, “como entes de base associativa privada y a la vez elementos esenciales de
la arquitectura constitucional y de la democracia supone una tensión permanente entre la
autorregulación propia de las primeras y la necesidad de un major control y regulación externo
propio o característico de los segundos”.15
Feitas tais observações, retorna-se ao ponto anterior deste tópico: o que deve,
então, estar inserido no espectro de incidência de um sistema de integridade voltado
aos partidos políticos?
Como dito, por transcender à própria ideia de mera conformidade, um programa
de integridade capaz de restaurar a confiabilidade dos partidos deve ir além do mero
controle e incentivo ao cumprimento da lei, notadamente no que concerne às regras
de arrecadação e gastos, já que as contas partidárias já são anualmente submetidas a
rígido controle externo a cargo da Justiça Eleitoral.
É preciso, portanto, desenvolver mecanismos voltados à consolidação de uma
cultura de ética e boa governança, centrada na transparência das atividades partidárias,
na abertura de suas estruturas ao controle de filiados e de terceiros, no incentivo a
denúncias, mediante a criação de um canal externo e de proteção dos denunciantes,
na criação de um órgão independente (compliance officer), que seja responsável pela

13
GARCÍA PANDO MOSQUERA, José Joaquin. Las cuentas de la Democracia. Public compliance: prevención de la
corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha, 2014,
p. 139.
14
GARCÍA PANDO MOSQUERA, José Joaquin. Las cuentas de la Democracia. Public compliance: prevención de la
corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha,
2014, p. 140.
15
LA NUEZ, Elisa. Partidos políticos y transparencia. In: GARCÍA PANDO MOSQUERA, José Joaquin. Las cuentas
de la Democracia. Public compliance: prevención de la corrupción en administraciones públicas y partidos políticos.
Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha, 2014, p. 156.

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238 DIREITO PARTIDÁRIO

fiscalização do cumprimento das regras de compliance fixadas em Código de Ética e


Boa Conduta a ser fixado pelo partido e que tenha autonomia e legitimidade para
tomar todas as medidas necessárias para a impedir, fazer cessar e punir eventuais atos
irregularidades praticados pelo partido ou em seu benefício.
Transparência nos atos do partido, para filiados e não filiados; comprometimento
da direção partidária com o pleno cumprimento do Código de Boa Conduta; incentivo
à denúncia e independência do órgão responsável pela fiscalização das regras compor-
tamento e pela imposição de penalidades aos que as desrespeitam. Esses são os núcleos
essenciais à construção de um modelo de compliance partidário que se faça efetivo.
Todos eles, no entanto, segundo entendemos, pressupõem e demandam, para que
não revelem compromissos meramente formais, uma mudança ainda mais estruturante
nas organizações partidárias brasileiras, consistente na imposição de normas de
democracia interna.
Isso porque, com todo respeito, não há falar em transparência real, em controle
material dos atos partidários, em consolidação de uma cultura de transparência e de boa
governança no contexto de entidades cujas estruturas se organizam de forma opaca em
favor dos interesses particulares de pequenos grupos, também os responsáveis pelas
tomadas de decisões e pela fixação dos destinos de determinada agremiação.
Nesse ponto, não se pode perder de perspectiva as peculiaridades que são
próprias dos partidos políticos, enquanto corpos intermediários que se posicionam entre
a sociedade e a exercício do poder. A conquista do poder político é a finalidade última
dos partidos numa democracia representativa, o que faz da captura das agremiações
por determinados grupos uma forma comum de promoção de interesses egoísticos e de
aniquilação de uma real disputa interna entre os que pretendem, em nome do partido,
exercer as parcelas de poder por ele conquistadas.
Não há transparência na tomada de decisões em partidos sem democracia
interna. Não há efetivo controle dos atos praticados pelo e para o partido, ou mesmo
em seu nome, num ambiente completamente impermeável à alternância ou a dissensos
efetivos e em que os interesses dos partidos são submetidos às pretensões pessoas de
alguns de seus dirigentes. Difícil cogitar-se de um espaço de incentivo a denúncias
no âmago de uma agremiação em que novas lideranças apenas conseguem espaço e
apoio, a depender do voluntarismo de alguns poucos dirigentes, sem nenhuma janela
efetivamente aberta para a renovação.
Nesse sentido, a observação de Fernando Flores Giménez, em seu estudo sobre
“Democracia interna e participação cidadã como mecanismos de controle”:16

(...). los mecanismos internos de control de los partidos deben consistir, de una parte, en
órganos de fiscalización o auditoría independientes (es decir, no formados ni elegidos
por miembros de la directiva o que hayan formado parte de ella en los años previos), y
de otras, en procedimientos de información y rendición de cuentas (en principio frente
a filiados, pero tambíen frentea todos los electores), al menos con periodicidad anual (y
sobre el año que se cierra). Al ello debería sumarese una possibilidad mayor de circulación interna
de miembros de la organización en cargos de responsabilidad.

16
GIMÉNEZ, Fernando Flores. Democracia interna y participación ciudadana como mecanismos de control. In:
GARCÍA PANDO MOSQUERA, José Joaquin. Las cuentas de la Democracia. Public compliance: prevención de la
corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha,
2014, p. 185.

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Debater a criação de normas de integridade aplicáveis a partidos políticos de


forma dissociada de qualquer indagação sobre a necessária implementação da exigência
de democracia interna nos partidos é não responder adequadamente ao problema de
absoluta desconfiança partidária e é também não solucionar com efetividade o déficit de
transparência que culminou por permitir, no Brasil, que uma série de ilegalidades fossem
cometidas em nome de partidos políticos, mas como forma comum de consolidação
das ambições políticas pessoais de seus dirigentes.
Não há, entendemos, como debater seriamente a instituição de um sistema de
integridade partidário de forma dissociada da urgente discussão em torno da completa
inexistência, no Brasil, de critérios mínimos de democracia interna a serem observados
por todas as agremiações.
Qualquer legislação voltada à matéria, portanto, deverá tratar as temáticas da
democracia interna e dos sistemas de compliance de forma conjugada, sob pena de
criação de fórmulas meramente retóricas, sem grandes consequências na realidade do
comportamento dos partidos.
A democracia interna partidária, por exemplo, poderia se tornar impositiva e
obrigatória mediante parcial alteração, por emenda constitucional, da norma do caput
do art. 17 (para que ali se previsse como elemento necessário aos respectivos estatutos
normas concretizadoras de democracia interna) e, simultaneamente, mediante a criação,
agora por lei ordinária, de procedimentos formais materializadores de tal princípio
democrático (obrigatoriedade de prévias; fixação de prazos para as comissões provisórias,
o que o E. TSE vem de fazer no contexto do RPP nº 141796; limitação de mandatos;
proibição de parentes nos órgãos de direção; eleições periódicas, etc.).
Há, no entanto, outra possibilidade de se contemplar, no Brasil, regras mínimas
de democracia interna nos partidos políticos.
Isso se daria – e essa é a proposta ora defendida – através da previsão em lei
ordinária de regras de democracia interna como um critério de aferição da EFETIVIDADE
do modelo de compliance adotado por determinado partido político, quando a existência de
tal sistema de integridade vier a ser invocada para fins de atenuação da responsabilidade
partidária por determinado ato ilícito praticado em seu nome ou em seu benefício (tema
a ser enfrentado no capítulo seguinte deste estudo).
O grau de democracia interna de determinada agremiação, portanto, seria incluído
dentro dos parâmetros de aferição da efetividade de sua política de compliance, tudo
num contexto premial de estímulo a essa maior abertura das instâncias do partido.
Por outro lado, e indo um pouco além no debate em torno de quais matérias
devem estar compreendidas numa política de integridade partidária, há aqueles que
ainda defendem que os debates em torno da representatividade de gênero nos órgãos
de direção partidária ou que o controle dos nomes que comporão as listas partidárias, na
condição de candidatos, evitando-se um excesso de candidaturas indeferidas,17 seriam
matérias a serem contempladas por uma política de integridade.
No que concerne à listagem de seus candidatos, “Jesús Lizcano, en su artículo
publicado el 4 de febrero de 2014 en El País”, inseriu, dentro de um contexto de necessária
transparência das agremiações partidárias, a imperiosidade de que publiquem, em seus

17
BARBOSA, Carlos Henrique. Partidos políticos perdem por não investirem em ética. Disponível em: <Mercadopopular.
org>. Acesso em: jan. 2018.

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240 DIREITO PARTIDÁRIO

respectivos sítios eletrônicos, “declaración de la inexistencia en las listas electorales de


procesados o investigados por corrupción”.18
Muito embora esse debate mereça melhor aprofundamento em estudo específico,
entendemos que tais temáticas, embora relevantes à noção de boa governança e
importantes no processo de reaproximação dos partidos com a sociedade, culminam
por ser alheias aos princípios básicos inerentes a uma política de integridade, fundados
nos critérios de transparência, da ética e do combate à corrupção.
É dizer: a despeito da importância da representatividade feminina nos órgãos de
direção partidária (representatividade que, segundo entendemos, já se faz impositiva,
independentemente de qualquer regramento específico, sendo passível de direta
exigência, inclusive judicial, por efeito da aplicação direta da Constituição Federal
e da eficácia horizontal dos direitos fundamentais) e da relevância de mecanismos
de filtragem de possíveis candidaturas a serem apresentadas pelas agremiações, tais
matérias passam ao largo do foco de um sistema de integridade partidária, voltado
à formação de uma cultura ética, de respeito à coisa pública, de confiabilidade e de
combate à corrupção, da mesma forma como o combate ao “assédio” qualifica-se como
matéria alheia à politica de compliance de empresas privadas.
Seja como for, uma primeira conclusão, portanto, pode ser tirada dessas iniciais
reflexões, voltadas ao “o que”, ou seja, ao objeto, ao que se deve entender como inserido
no espectro de controle de um programa de integridade, para que este possa ser aplicado
com efetividade no contexto das agremiações políticas, rompendo-se com a lógica de
desconfiança hoje existente em relação aos partidos, que passariam a estar inseridos
engajados nas iniciativas de combate à corrupção já aplicáveis às demais pessoas
jurídicas pela Lei de Organizações Criminosas: a de que o sistema de compliance deve
transcender a ideia de mera conformidade legal nos gastos e na arrecadação partidárias
(até porque as contas respectivas já se submetem anualmente a controle externo e
rigoroso a cargo da Justiça Eleitoral) e deve compreender o fomento a uma cultura
de ética, boa governança e transparência, nos termos de Código de Boa Conduta a ser
aprovado pelo próprio partido, cuja efetividade está a pressupor a irrestrita previsão
de regras de democracia interna, conditio sine qua non para a existência de um comitê
de compliance independente, forte, eficaz e para o fomento de um ambiente controle e
de estímulos reais à realização de denúncias.

18
GARCÍA-PANDO MOSQUERA, José Joaquín. Las cuentas de la democracia In: Public compliance: prevención
de la corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La
Mancha, 2014, p. 136.

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os

4.2 Qual a melhor forma de implementar uma política de compliance


partidário? Obrigatoriedade pura e simples do programa ou
introdução da política de integridade como forma de atenuação
de penalidades no contexto de responsabilização objetiva
dos partidos políticos? Pela construção de um modelo misto,
de obrigatoriedade e incentivos (“varas e cenouras”) – A
inviabilidade de imposição irrestrita do sistema de compliance
a todas as esferas partidárias, indistintamente – O exemplo
espanhol
Feitas algumas reflexões iniciais sobre o “o que”, ou seja, sobre o possível objeto
de uma política de compliance voltada às agremiações partidárias, cumpre, agora, indagar
qual seria a melhor forma de introduzir os sistemas de integridade nas estruturas
internas dos partidos políticos.
Como se sabe, a Lei das Organizações Criminosas não tornou obrigatória a adoção
de política de compliance.
Ao contrário disso, limitou-se a estabelecer, no contexto da positivação de situações
configuradoras de responsabilidade administrativa objetiva das pessoas jurídicas,
que a “existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria
e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e
conduta no âmbito das pessoas jurídicas” será levada “em consideração na aplicação
das sanções” (art. 7º, VIII, da LOC).
As multas administrativas impostas a pessoas jurídicas que ofendam a Lei de
Organizações Criminosas, nos termos do Decreto nº 8.420, poderão ser reduzidas de “um
por cento a quatro por cento” em razão da comprovação de a pessoa jurídica possuir e
aplicar um programa de integridade (art. 18, V, do Decreto nº 8.420), cujos parâmetros
de efetividade são elencados no art. 41 desse mesmo diploma.
Isso significa, portanto, que a política de integridade aplicável às empresas
nasceu, no Brasil, num contexto de recrudescimento das sanções aplicáveis em caso
de atos contra o patrimônio público e sob a forma de uma sanção premial, ou seja, na
perspectiva de uma política de incentivos.
Essa, portanto, é uma das possibilidades de introdução do compliance no ambiente
partidário, qual seja, mediante a criação de uma dada responsabilização objetiva dos
partidos, a fixação de penalidades no caso de descumprimento de um determinado
sistema de normas de combate à corrupção e a previsão de que a existência de um sistema
efetivo de integridade será um fator de redução da reprimenda legalmente prevista.
Essa, registre-se, é a proposta do Senador Ricardo Ferraço, que será comentada
detalhadamente no próximo tópico deste estudo preliminar.
Outro formato de introdução de uma política de compliance partidário consistiria no
estabelecimento legal de sua obrigatoriedade pura e simples, no contexto dos Estatutos
Partidários, sem nenhuma relação com qualquer tipo de responsabilização objetiva e
sem qualquer função premial de atenuação de eventuais penalidades.
Essa é a sugestão do Projeto de Lei de autoria do Senador Antonio Anastasia,
também a ser comentada abaixo.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
242 DIREITO PARTIDÁRIO

Pelo modelo por ele proposto, todos os Estatutos Partidários deveriam prever a
existência de um programa de integridade, necessariamente acompanhado da elaboração
de um Código de Conduta e Integridade e, para fins de “enforcement” dessa nova
imposição legal, o projeto previu que a inexistência e a falta de efetividade do programa
de integridade poderiam ser denunciadas por meio de representação, que seria julgada
pela Justiça Eleitoral nos termos do art. 96 da Lei nº 9.504/97, e cuja procedência, grosso
modo, poderia desembocar na suspensão do repasse de cotas do fundo partidário.
Um processo judicial eleitoral, portanto, movido exclusivamente para que seja
aferida a existência ou a efetividade do programa de integridade partidária, que é
obrigatório por si mesmo, tudo isso desvinculado de qualquer contexto de cometimento
de ilicitudes.
Interessante observar que o projeto do Senador Ricardo Ferraço – que institui
o compliance partidário como forma de sanção premial, sem torná-lo compulsório,
portanto – é praticamente uma cópia dos arts. 2º, 3º, 4º e 5º da Lei nº 12.846 (LOC), com
pequenos ajustes derivado de sua destinação a partidos.
No entanto, e como já dito, como nem todos os atos tidos como lesivos à
administração pública, para fins de incidência da Lei de Organizações Criminosas, se
ajustam à realidade partidária (pois a grande maioria deles refere-se à participação em
procedimentos licitatórios e à celebração de contratos administrativos), o projeto de lei
do Senador Ricardo Ferraço culminou por fixar a responsabilização objetiva dos partidos
políticos em apenas 4 situações, reduzíveis essencialmente a apenas duas: pagamento
de propina (bribery) e obstrução de justiça.
Eis o que se contém no referido Projeto:

§4º Constituem atos contra a Administração Pública aqueles que atentem contra o patrimônio
público ou os princípios da Administração Pública, assim definidos:
I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público,
ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II – financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo incentivar a prática de atos ilícitos
previstos nesta Lei;
III – utilizar-se de interposta pessoa, física ou jurídica, para ocultar ou dissimular seus
reais interesses ou a identidade dos atos praticados;
IV – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes
públicos, ou intervir em sua atuação.

A singeleza das situações que atrairiam a suposta responsabilização objetiva


dos partidos, sem a inclusão de fatos outros que, inerentes ao cotidiano partidário, não
foram previstos na Lei das Organizações Criminosas (de onde a proposta legislativa
foi transplantada), porque estranhos às empresas em geral, culminou por esvaziar
sobremaneira o incentivo à instituição de sistemas de integridade.
Ora bem, se a existência de um mecanismo de compliance qualifica-se como forma
de redução de eventuais penalidades, mas se os ilícitos que geram tais penalidades
são de baixa tipificação, então pouco estímulo terão os partidos para investirem num
sistema de integridade.
Já o projeto do Senador Antonio Anastasia – que estabelece a adoção de mecanismos
de compliance partidário como uma obrigação estatutária pura e simples, sob pena de
suspensão do repasse do fundo partidário, sem qualquer contexto de incentivo – é, em
larga medida, réplica do Decreto nº 8.420, que regulamentou a Lei de Organizações

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Criminosas e que conceituou o que deve ser entendido como “programa de integridade”,
conferindo-lhe parâmetros concretos.
Pelo referido projeto, competiria à Justiça Eleitoral, em representação, controlar
a existência do programa ou sua efetividade, podendo impor, em cada caso específico,
mas exclusivamente no controle “abstrato” de existência e eficácia do sistema de
integridade, suspensão no repasse de quotas do fundo partidário.
Aqui, em resumo, o que se tem são os custos de se deslocar para a Justiça Eleitoral
um controle por si e em si da existência do programa de integridade, bem assim de
sua eficácia, tudo isso dissociado de qualquer prática irregular a ser devidamente
sancionada, já que, pelo modelo concebido pelo PL nº 429/2017, o compliance não está
inserido num contexto maior como causa de redução de penalidade, presente uma
situação de concreta ilegalidade.
Ambos os projetos, no entanto, apesar de louváveis, como já dito, mas sobretudo
por replicarem, em essência, as disposições já existentes, apenas estendendo-as aos
partidos, sem maiores reflexões e calibragens para torná-las mais efetivas, merecem
aprimoramentos.
De partida, o que importa dizer, neste tópico do estudo, é que há, efetivamente,
uma terceira maneira de introduzir legalmente o compliance partidário: a maneira mista,
qual seja, tornando-o desde já obrigatório, mas, ainda assim, inserindo-o também num
contexto de atenuação de eventuais penalidades, ocasião em que, num cenário de desvios
e ilegalidades, será concretamente aferida sua efetividade.
A existência de um programa de integridade passa a ser compulsória e uma
simples revisão dos estatutos, a cargo do Ministério Público, por exemplo, seria suficiente
para tanto. Já a efetividade dos mecanismos de integridade seria analisada apenas num
cenário de condenação por condutas irregulares e para fins de redução, ou não, das
penalidades cabíveis.
Esse modelo misto (obrigatório quanto à existência e promocional quanto à efetividade)
de implementação da política de compliance partidário traz benefícios sensíveis, no
nosso entender.
Em primeiro lugar, ele se afasta do baixo estímulo a que nos referimos, no que
concerne ao PL nº 60/2017.
Se se pretende conceber um modelo de integridade que, tal como ocorre com as
demais pessoas jurídicas, seja de facultativa implementação, mas se qualifique como
causa de diminuição de uma penalidade, então imperioso que os tipos que desembocam
em tais penalidades sejam múltiplos e atinjam o núcleo, o coração das atividades
partidárias (tal como uma licitação integra o coração de uma empresa especializada em
obras públicas), para que o receio de uma condenação possível seja uma força motriz
suficiente para que a adoção de uma política de compliance se generalize.
No entanto, se se concebe um modelo de imposição obrigatória do compliance, a
avaliação desse grau de estímulo passa a ser desnecessária.
Nesse modelo, contudo, a análise em tese dos programas de compliance instituídos
pelos partidos, tal como propugnado pelo PL nº 429/2017, converteria a Justiça Eleitoral
em verdadeira “autoridade certificadora”, chanceladora do formato escolhido por cada
agremiação, em típica subversão das finalidades que lhe são próprias.
Já o sistema misto afastaria esse inconveniente do PL nº 429/2017, que é o de
submeter à Justiça Eleitoral o ônus de avaliar, via representação judicial, a efetividade
em tese de um dado programa de compliance.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
244 DIREITO PARTIDÁRIO

Isso porque a existência da política de integridade seria assegurada mediante


simples procedimento administrativo de revisão de estatutos partidários, sendo fixado,
por lei, o prazo necessário para tanto, sob pena de suspensão em todos os repasses do
fundo partidário, até que a situação se regularize.
Já a efetividade e o funcionamento do sistema de integridade apenas seriam avaliados
quando do julgamento de possível prática de atos que violam a referida lei e exclusi-
vamente para fins de diminuição, ou não, da reprimenda a ser imposta à agremiação
condenada, à semelhança do que já estabelece o §4º do art. 5º do Decreto nº 8.420.19
Essa, entendemos, é a melhor política de implementação do compliance partidário:
tornando-o desde logo obrigatório nos Estatutos, com a fixação de um prazo razoável
para tanto, sem prejuízo da deflagração de procedimentos administrativos de revisão
estatutária, uma vez encerrado o lapso respectivo, o que se mostra de fácil implementação;
e, simultaneamente, mediante o estabelecimento de hipóteses de responsabilização
objetiva dos partidos políticos, em cujo contexto a efetividade do programa de integridade
(e aí seriam incluídas também regras de democracia interna) deverá ser aferida para
fins de redução da penalidade a ser imposta.
Trata-se, o modelo misto, daquilo que, na Espanha, denominou-se de política
de “cenouras e varas” (palos y las zanahorias), a simbolizar a simultânea previsão da
compulsoriedade do compliance e da sua utilização como um benefício no caso de eventual
imposição de penalidades, em sede de responsabilização penal objetiva.
Na Espanha, num primeiro momento, estendeu-se, aos partidos políticos (e
também aos sindicatos), a responsabilidade penal objetiva que o artigo 31 “bis” do
Código Penal já previa para as demais pessoas jurídicas, o que se fez através da Lei
Orgânica 07/2012.20 No referido modelo de responsabilização penal das pessoas jurídicas,
agora aplicável às agremiações partidárias, já se previa a existência de “modelos de
organização e gestão que incluam medidas de vigilância e controle idôneos para a
prevenção de delitos idênticos ou para reduzir os riscos de sua reincidência” como
causa de “atenuação da pena”.
Três anos depois, através da Lei Orgânica nº 03/2015, introduziu-se, na Lei Orgânica
dos Partidos Políticos, o artigo 9º “bis”, intitulado “prevenção e supervisão”, em que se
fixou que “Los partidos políticos deberán adoptar en sus normas internas un sistema
de prevención de conductas contrarias al ordenamiento jurídico y de supervisión, a los
efectos previstos en el artículo 31 bis del Código Penal”.
Daí a conclusão da doutrina, no sentido de que, no que concerne à política de
compliance, o legislador espanhol foi, em relação aos partidos políticos, ainda mais
“exigente” do que com as demais pessoas jurídicas, pois para eles, a adoção de mecanismos

19
“caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento
de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no
Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas”.
20
Eis o que se contém, no ponto, na exposição de motivos da referida Lei Orgânica: “En primer lugar, se modifica
la regulación de la responsabilidad penal de las personas jurídicas con la finalidad de incluir a partidos políticos
y sindicatos dentro del régimen general de responsabilidad, suprimiendo la referencia a los mismos que
hasta ahora se contenía en la excepción regulada en el apartado 5 del artículo 31 bis del Código Penal. De este
modo se supera la percepción de impunidad de estos dos actores de la vida política que trasladaba la anterior
regulación, y se extiende a ellos, en los supuestos previstos por la ley, la responsabilidad por las actuaciones
ilícitas desarrolladas por su cuenta y en su beneficio, por sus representantes legales y administradores, o por los
sometidos a la autoridad de los anteriores cuando no haya existido un control adecuado sobre los mismos”.

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MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO
TOMEMOS A SÉRIO O DEBATE EM TORNO DO COMPLIANCE PARTIDÁRIO: UMA PRIMEIRA REFLEXÃO CRÍTICA DOS PROJETOS DE 245
LEI N 60/2017 E 429/2017, DO SENADO FEDERAL. EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO
os

de controle e supervisão tornou-se obrigatório, sem prejuízo de sua análise em eventual


situação de fixação de penalidades num contexto de responsabilidade penal objetiva.21
Aí, portanto, o modelo misto, em que o compliance partidário é obrigatório, além
de servir, a depender de sua efetividade, como critério de redução de penalidades em
sede de responsabilização objetiva (no caso, penal).
Sobre a maior efetividade de um modelo misto de implementação de compliance, as
observações de Adán Nieto Martín, relativas ao debate em torno do compliance público22:

(...). En principio podría decirse que basta con una ley que obligara a cada administración
publica a contar con un plan anticorrupción. No obstante, la experiencia muestra que para
que la autorregulación funcione, hace falta establecer sanciones que incentiven a los dirigentes
de una organización a mejorar su autorregulación. Es lo que se conoce como autorregulación
coaccionada (...).

O modelo misto, entendemos, tal como adotado na Espanha, é o que mais se


adapta à realidade partidária nacional, é o que mais se compatibiliza com as funções
que são próprias à Justiça Eleitoral (que apenas investigaria o conteúdo e a efetividade
dos mecanismos de compliance se e quando presente situação de efetiva prática de atos
ilegais a ensejarem a aplicação de penalidades) e é o que confere maiores chances de
efetividade e de sucesso a essa nova política de transformação da própria cultura de
ética partidária no país.

4.3 Análise crítica geral dos Projetos de Lei nºs 60/2017 e 429/2017
De tudo o quanto já dito, percebe-se que o modelo de compliance partidário
ora defendido, como o que mais se ajusta às peculiaridades inerentes às funções das
agremiações políticas, afasta-se dos dois projetos de lei em curso no Congresso Nacional
a respeito da matéria, ambos muito focados na reprodução de dispositivos seja da Lei
das Organizações Criminosas, seja do Decreto nº 8.420, que a regulamentou.
O PL nº 60/2017, de autoria do Relator Ricardo Ferraço, já comentado de forma
difusa ao longo do presente estudo, mereceria, no nosso entendimento, os seguintes
aperfeiçoamentos:

1. O PL estabelece a responsabilização objetiva dos partidos políticos por atos


contra administração pública praticados por seus dirigentes, mas deixa de
fixar a respectiva penalidade pelos quatro ilícitos por ele previstos (seria a de
multa? Suspensão do fundo partidário? Seria possível restringir a participação
no fundo especial de financiamento de campanha ou, por se tratar de recurso
dirigido às campanhas e não propriamente ao funcionamento partidário, tal
penalidade não seria cabível na espécie?). Na Lei de Organizações Criminosas,
por exemplo, as penalidades administrativas estão previstas no art. 6º e

21
Asociación Española de Compliance. Gustavo Matos Expósito. Acesso em: jan. 2018.
22
NIETO MARTÍN, Adán. De la ética publica al public compliance: sobre la prevención de la corrupción en las
administraciones públicas. In: Public compliance: prevención de la corrupción en administraciones públicas y
partidos políticos. Ediciones de la Universidad de Castilla La Mancha, 2014, p. 20.

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246 DIREITO PARTIDÁRIO

consistem em multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício,


além da publicação extraordinária da decisão condenatória.
2. O projeto também deixa de estabelecer quem seria o órgão competente para
realizar tal julgamento administrativo e para fixar a pena respectiva, também
não prevista. Seria competência da Justiça Eleitoral? Sob qual rito? (na Lei
de Organização Criminosa, por exemplo, a competência está prevista art. 8º,
caput e parágrafos e o rito está fixado no art. 10 e seguintes);
3. O PL nº 60/2017, como já dito, possui baixa tipificação dos atos passíveis de
responsabilização objetiva, limitado a quatro situações, facilmente reduzíveis
a duas. Por apenas reproduzir dispositivos da LOC, e como muitos deles
são estranhos à realidade partidária, pois se referem a processos licitatórios
e contratos administrativos, o projeto deixou de contemplar aspectos outros
da vida partidária que justificariam a responsabilização objetiva, tais como a
lavagem de dinheiro de fonte ilícita; o estímulo a atos de corrupção para fins de
financiamento da máquina partidária; o desvio de dinheiro dentro do próprio
partido, mediante contratações simuladas ou superfaturadas, entre outros.
4. A limitação do próprio conceito de programa de integridade, inserido, pelo
referido PL nº 60/2017, no Título III do Capítulo I da Lei nº 9.096, que trata apenas
das “Finanças e Contabilidade” dos partidos e da “prestação de contas”, quando,
como já dito, a própria integridade vai muito além das contas partidárias, que
já se submetem ao controle externo a cargo da Justiça Eleitoral.

A baixa tipificação de ilícitos, a ausência de expressa fixação das penalidades


cabíveis, a indeterminação do órgão competente e do rito procedimental respectivo,
sem falar na restrição da ideia de compliance às contas partidárias, já submetidas a
controle externo judicial, esvaziam, entendemos, as possibilidades de que tal design de
política de compliance se converta num elemento efetivo de real mudança das estruturas
partidárias, num contexto maior de transparência e combate à corrupção.
Já o PL nº 429/2017, de autoria do Senador Antonio Anastasia, mais extenso e
detalhado, mereceria, no nosso modesto pensar, as seguintes observações:

1. Na fixação dos parâmetros de avaliação do programa de integridade, referido


projeto de lei praticamente reproduz aquilo que já se contém no artigo 42
do Decreto nº 8.420, com poucos ajustes de adaptação para aplicação aos
partidos. Numa das poucas situações em que desce mais propriamente à
realidade partidária, referido projeto estabelece a necessidade de adoção de
“políticas específicas e detalhadas de integridade no caso de gastos do partido
considerados de maior vulnerabilidade quanto à ocorrência de irregularidades”
(due diligence). Nesse ponto, agiu muitíssimo bem o projeto, disciplinando um
aspecto importante da vida partidária, que já é externamente controlado pela
Justiça Eleitoral, atinente aos gastos partidários. Aqui, sugere-se, o projeto
deveria ter ido além e estabelecido algumas vedações, como a contratação de
empresas ou prestadores de serviços já condenados em ações de improbidade,
em situação de débito fiscal e, ainda, que contem em seu quadro societário
com parentes de dirigentes do partido contratante. A criação de escala de
riscos de fornecedores (bandeiras vermelha, amarela e verde), a depender de
anteriores comportamentos com a administração pública, é prática comum nos

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LEI N 60/2017 E 429/2017, DO SENADO FEDERAL. EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO
os

programas de integridade e sua previsão seria uma boa iniciativa. Por outro
lado, a vedação ao nepotismo nas estruturas de direção partidária também
poderia ter sido prevista no referido projeto, como mais um parâmetro de
aferição da efetividade do compliance.
2. Por outro lado, para além da realização de due diligence para a contratação de
gastos mais substanciais, o projeto de lei prevê a “realização de diligências
apropriadas e transparência quanto às doações recebidas e consideradas de
alto valor, com parâmetros a serem estabelecidos em resolução do TSE”, para
aferição do “setor do mercado em que atua o doador” e seu “grau de interação
com o poder público”. Aqui, com todo respeito, entendemos que o projeto gera
dúvidas e avança sobre terreno já objeto de disciplina específica. Isso porque a
legislação já é absolutamente restritiva no que concerne às fontes legítimas de
doação. Apenas pessoas físicas podem doar e, mesmo assim, observado o limite
de 10% dos rendimentos brutos do ano anterior. Pessoas físicas que exerçam
função ou cargo público de livre exoneração também não podem doar, a não
ser que sejam filiadas ao partido (art. 31, V, da Lei nº 9.096). Ora bem, exigir
do partido uma maior investigação sobre qual a atividade do doador legítimo
e que respeita os limites legais é fechar ainda mais as vias já restritíssimas de
financiamento da política no Brasil. Por outro lado, a lei torna obrigatória a
investigação sobre o grau de interação do doador com o setor público, mas, no
entanto, nada diz sobre qual seria a consequência esperada de tal diligência. É
dizer: o partido se veria compelido a investigar as atividades do doador, mas
nenhuma consequência seria retirada do resultado dessa apuração (a fonte
não passaria a ser vedada apenas porque a pessoa física é proprietária de uma
empresa com elevado grau de interação com o poder público). Trata-se, portanto,
de due diligence completamente desnecessária porque, nos termos do projeto
de lei, de seu resultado não derivaria nenhum comportamento esperado do
partido. Diligências desnecessárias e desvestidas de consequências devem, no
nosso entender, ser retiradas do projeto, por implicarem na necessária criação
de uma estrutura, sem nenhum avanço prático a ela relacionado.
3. O projeto de lei estabelece, ainda, que o comitê de compliance (responsável pela
aplicação, monitoramento e fiscalização do programa) se reporte diretamente
ao presidente do partido, mas não fixa qual seria a competência do Presidente
em face dos resultados apurados pelo Comitê. O ideal, entende-se, para que
se tenha uma instância genuinamente autônoma de aplicação de compliance,
é que o órgão responsável pela fiscalização do sistema de integridade tenha
totais poderes e autonomia para desde já aplicar as sanções respectivas, dando
encaminhamento de suas conclusões diretamente ao Ministério Público para, se
for o caso, a adoção das demais medidas cabíveis, sem qualquer subordinação,
ao Presidente da agremiação.
4. Prevê-se, como já dito, a competência da Justiça Eleitoral para julgar em tese a
efetividade do programa de compliance, num contexto absolutamente divorciado
de qualquer irregularidade, o que tende a tornar o sistema de integridade num
projeto formal, independentemente de sua aplicabilidade prática, além de
converter a Justiça Eleitoral em indevida instância certificadora do programa
de integridade.

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248 DIREITO PARTIDÁRIO

5. Mencionado projeto, ainda, torna obrigatória a adoção de sistema de integridade


em todos os níveis partidários, ou seja, nos diretórios municipais, estaduais e
nacionais, apenas tornando mais simplificada a estrutura dos dois primeiros,
o que, no nosso ver, é de difícil implementação. Com todo respeito, a realidade
partidária num país com a extensão do Brasil é muito plural, sendo certo que,
em pequenos municípios ou mesmo no interior, a estrutura de que dispõem os
diretórios municipais é altamente precária. Impor a tais diretórios, ainda, uma
exigência de criação de sistema de integridade, sob pena, inclusive, de perda
dos repasses de quotas do fundo partidário significa, em resumo, condenar tais
esferas partidárias à própria morte. O recorte que propomos, e que entendemos
razoável, é que a obrigatoriedade de implementação de um sistema de integridade
atinja, apenas, os diretórios nacionais de todos os partidos e, quanto aos estaduais
e municipais, apenas aqueles que receberam, no ano anterior ao da publicação
da lei respectiva, a título de repasse do fundo partidário, valor superior a um
determinado piso, a ser estabelecido por Resolução do TSE, com o que se evita
que a exigência se faça sentir de modo desproporcional em diretórios sem
nenhuma condição financeira e estrutural de implementar qualquer programa
minimamente sério e efetivo de integridade.
6. Nada estabelece o referido projeto, sobre elementos de democracia interna
como parâmetros de avaliação da política de integridade.

De se ver, portanto, que ambas as propostas normativas, a despeito de louváveis,


podem, no nosso entendimento, ser sensivelmente aprimoradas, sobretudo para que
se adaptem com mais precisão à realidade dos partidos políticos e ao núcleo de suas
atividade, viabilizando, assim, a criação de um design legal de compliance partidário
que seja efetivo no combate à corrupção e na propagação de uma cultura de ética e boa
governança no seio das agremiações.

4.4 A Medida nº 8 inserida no pacote de combate à corrupção


apresentado pelo Ministério Público – Da responsabilização
objetiva dos partidos políticos
Há, ainda, outra proposta normativa que merece ser objeto de consideração no
presente estudo, muito embora não se refira expressamente à política de integridade.
Trata-se da 8ª medida incluída no denominado pacote de “combate à corrupção”.
Tal proposta legislativa, em apertado resumo, torna os partidos políticos
objetivamente responsáveis no âmbito administrativo, civil e eleitoral pela prática
de quaisquer das condutas descritas na Lei das Organizações Criminosas praticadas
em seu interesse ou benefício (o que, em linha de partida, o Projeto de Lei nº 60/2017,
do Senador Ricardo Ferraço também o faz), mas, indo além, igualmente estabelece
situações específicas de responsabilização objetiva das agremiações partidárias, para
além daquelas previstas na Lei nº 12.846, quais sejam:

Art. 49-A. Os partidos políticos serão responsabilizados objetivamente, no âmbito


administrativo, civil e eleitoral, pelas condutas descritas na Lei nº 12.846, de 1º de agosto
de 2013, praticadas em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não, e também por:

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os

I – manter ou movimentar qualquer tipo de recurso ou valor paralelamente à contabilidade


exigida pela legislação eleitoral;
II – ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de
infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham
sido contabilizados na forma exigida pela legislação;
III – utilizar, para fins eleitorais, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, de
fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados
na forma exigida pela legislação.

Vê-se, logo de saída, que referida proposição, ao ir além da Lei de Organizações


Criminosas e particularizar atos que são próprios da rotina partidária, ganha maior tônus
de efetividade, porque disciplina atos e fatos que se inserem na contexto da vida dos
partidos. Tem-se, portanto, uma correta tipificação de atos passíveis de desembocarem
na responsabilização objetiva da agremiação partidária.
A título de responsabilização administrativa, referida proposta prevê a imposição
de multa no percentual de 10 a 40% do repasse do fundo partidário relativo ao exercício
no qual ocorreu a ilicitude, a ser descontada no ano seguinte, multa que nunca poderá
ser inferior à vantagem auferida.
Art. 49-B. As sanções aplicáveis aos partidos políticos, do âmbito da circunscrição eleitoral
onde houve a irregularidade, são as seguintes:
I – multa no valor de 10% a 40% do valor dos repasses do fundo partidário, relativos ao
exercício no qual ocorreu a ilicitude, a serem descontados dos novos repasses do ano
seguinte ou anos seguintes ao da condenação, sem prejuízo das sanções pela desaprovação
das contas;
II – se o ilícito ocorrer ao longo de mais de um exercício, os valores serão somados;
III – o valor da multa não deve ser inferior ao da vantagem auferida.

A título de responsabilidade civil objetiva, referida proposta fixa o dever partidário


de “ressarcir integralmente o dano causado à administração pública”.
E, por fim, a título de responsabilização objetiva eleitoral, a proposta prevê, para
irregularidades de grave dimensão, para as quais a multa for tida como insuficiente,
a “suspensão do funcionamento do diretório do partido da circunscrição onde foram
praticadas as irregularidades, pelo prazo de 2 a 4 anos” e, ainda, a possibilidade
de “cancelamento do registro da agremiação partidária”, se as condutas forem de
responsabilidade do diretório nacional.
O julgamento da responsabilidade objetiva dos partidos, nos termos da referida
proposta, seria de competência da Justiça Eleitoral, mediante o rito do art. 22 da LC nº
64/90 (rito mais dilargado do que o previsto pelo PL nº 429/2017, que é o próprio das
representações, nos termos do art. 96 da Lei nº 9.504/97).
Sem prejuízo do posterior debate, em outro estudo, sobre a legitimidade consti-
tucional, ou não, da responsabilização objetiva civil e eleitoral dos partidos (sabendo-se
que, na eleitoral, o cancelamento de registro já é previsto no artigo 28 da Lei nº 9.09623
e a suspensão de atividades, que pode desembocar na vedação à participação em um

23
Ac.-TSE, de 24.9.2015, na Rp nº 425461: não obstante a omissão do partido em prestar contas, impõe-se a observância
do princípio da proporcionalidade diante do protagonismo dos partidos políticos no cenário democrático, das
circunstâncias de cada caso e da cumulação de penalidades impostas à agremiação; Res.-TSE nº 20679/2000: a não
prestação de contas pelos órgãos partidários regionais ou municipais não implica o cancelamento dos mesmos.

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250 DIREITO PARTIDÁRIO

pleito eleitoral, está de alguma forma contemplada no art. 336 do Código Eleitoral,24
cuja constitucionalidade é objeto de dissenso doutrinário25), parece-nos interessante
a fixação da responsabilização administrativa de partidos por atos ilícitos praticados
em seu favor, a ser penalizada com multa fixada em percentuais do fundo partidário.
A multa ali fixada, é bom que se diga, é imposta “sem prejuízo das sanções pela
desaprovação das contas”, o que importa dizer que, num mesmo exercício, o partido
político corre seríssimos riscos de, somadas as penalidades pecuniárias eventualmente
aplicáveis, ver-se inviabilizado do exercício de suas funções constitucionais.
Daí a imperiosa fixação de um teto objetivo de comprometimento do fundo
partidário para pagamento de tais penalidades, bem assim a previsão – inexistente
na referida proposta, de cunho marcadamente repressivo – de que a efetividade de
um programa de integridade sirva como critério de substancial redução da multa
objetivamente imposta à agremiação.
A associação, no entanto, da responsabilização objetiva dos partidos políticos
na esfera administrativa, tal como ali prevista, à política de integridade como fator de
redução significativa de eventual penalidade, tal como estatuído na LOC e no Decreto
nº 8.420 desembocariam na produção de um texto normativo completo e específico,
capaz, entendemos, de gerar uma cultura de integridade e ética nos partidos, mediante
programas de integridade eficazes e adaptados à realidades dos partidos.

4.5 Conclusões iniciais


Vê-se, portanto, que a adoção de premissas prévias sobre o que se deve esperar
de um programa de integridade partidária e sobre a melhor forma de implementá-lo
no cenário normativo nacional determina de forma significativa a concepção do design
institucional a ser conferido a tal iniciativa, para que ela tenha aptidão de se tornar efetiva.
Parece claro, no nosso entendimento, que a Lei das Organizações Criminosas e
o Decreto nº 8.420, por suas disposições mesmas (alheias à realidade partidária), são
inaplicáveis aos partidos políticos (tanto no que concerne às infrações tipificadas, como
no que concerne às sanções ali previstas).
Nesse cenário, imperiosa se faz a edição de regramento específico que não apenas
reproduza, com pequenos ajustes, aquilo que já se contém na Lei nº 12.846 e no Decreto
nº 8.420, mas, sobretudo, que preveja e discipline situações concretas que são próprias
das atividades partidárias, disciplinando-as adequadamente, para que se conceba um
modelo de política de integridade particularmente concebido para reger as relações

24
“Art. 336. Na sentença que julgar ação penal pela infração de qualquer dos arts. 322, 323, 324, 325, 326, 328, 329, 331,
332, 333, 334 e 335, deve o juiz verificar, de acordo com o seu livre convencimento, se o diretório local do partido,
por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente.
Parágrafo único. Nesse caso, imporá o juiz ao diretório responsável pena de suspensão de sua atividade eleitoral
por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas reincidências”.
25
COSTA, Tito. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 110; CUNHA, Mariana
Garcia. Responsabilidade penal dos partidos políticos: análise do art. 336 do Código Eleitoral. Resenha Eleitoral,
TRE/SC, 06/2012.
Importante mencionar que as sanções derivadas da responsabilização objetiva administrativa, civil e eleitoral dos
partidos não interferem na aplicação das penalidades próprias, derivadas do julgamento das prestações de contas
partidárias. Daí porque o art. 5º do art. 32 da Lei nº 9.096, introduzido pela Lei nº 13.165/2015, e que estabelece
que “a desaprovação da prestação de contas do partido não ensejará sanção alguma que o impeça de participar
do pleito eleitoral” não teria qualquer influência num contexto de eventual responsabilização eleitoral objetiva.

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TOMEMOS A SÉRIO O DEBATE EM TORNO DO COMPLIANCE PARTIDÁRIO: UMA PRIMEIRA REFLEXÃO CRÍTICA DOS PROJETOS DE 251
LEI N 60/2017 E 429/2017, DO SENADO FEDERAL. EM BUSCA DE UM MODELO EFETIVO
os

dos partidos políticos com seus filiados, com terceiros, com prestadores de serviço e
fornecedores e com a Justiça Eleitoral.
O modelo ideal de implementação da política de compliance partidário, no nosso
entendimento, é o modelo misto, também já adotado na Espanha, e através do qual
sistemas de integridade passam a ser obrigatórios (o que deve gerar a revisão de todos
os Estatutos Partidários em prazo a ser legalmente fixado) e, associado a isso, sua real
efetividade é de ser aferida apenas no contexto de eventual aplicação de penalidades,
a serem previstas num cenário a ser legalmente fixado de responsabilização objetiva
das agremiações partidárias (modelo de varas e cenouras).
Como forma de atribuição de máxima efetividade à política de integridade voltada
a partidos políticos, o que se sugere é que regras de democracia interna no partido,
por refletirem na possibilidade de controle efetivo dos atos partidários e no grau de
transparência da agremiação, devem ser consideradas como parâmetros de aferição da
efetividade do sistema de integridade, no momento de eventual redução de reprimenda.
Para além disso, os mecanismos de integridade seriam obrigatórios apenas para
os diretórios nacionais e, quanto aos estaduais e municipais, para aqueles que receberem
a partir de um determinado valor do fundo partidário no ano anterior, a ser fixado pelo
Tribunal Superior Eleitoral, com o que se pretende adequar a exigência de uma política
de compliance com a baixíssima estrutura de muitos órgãos partidários no Brasil.
Essas conclusões iniciais, é bom que se diga, devem ser aprimoradas e mais bem
detalhadas em estudos posteriores. No entanto, revelam como a temática tem sido tratada
de forma genérica e superficial no Brasil, com o risco de criação de normas despidas do
tônus normativo suficiente para se converterem em fatores de real alteração da realidade
e da cultura partidárias no país.
É preciso tomar a sério o debate em torno do compliance partidário, para que o
design normativo a ser adotado no Brasil confira máxima efetividade a essa política de
prevenção, detecção e combate de irregularidades no seio dos partidos.
Tal como adverte Gonzáles,26 “si entidades privadas, cuyos intereses no dejan de
ser particulares establecen este tipo de políticas de control y cultura de compliance, los
partidos políticos – que fueran parte esencial de nuestro sistema constitucional y realizan
funciones básicas de canalización de la participación ciudadana – deben seguir ese
mismo recorrido, sentando las bases de un sistema de control y responsabilidad de los
partidos políticos – y sus miembros – en lo que podríamos denominar una arquitectura
democrática del siglo XXI”.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

PINHEIRO, Maria Claudia Bucchianeri. Tomemos a sério o debate em torno do compliance partidário:
uma primeira reflexão crítica dos Projetos de Lei nºs 60/2017 e 429/2017, do Senado Federal. Em busca
de um modelo efetivo. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 225-251.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

26
GONZÁLEZ, Jorge Alexandre. Función de compliance y partidos políticos en España. Debate 21, maio de 2015.
Acesso em: jan. 2018.

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PARTE IV

DIREITO DE ANTENA

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CAPÍTULO 1

DIREITO DE ANTENA E OS LIMITES DA


LIBERDADE DE EXPRESSÃO POLÍTICA

PAULA BERNARDELLI

1.1 Introdução
As discussões e debates sobre o Direito de Antena muitas vezes se pautam na
análise da pertinência ou não de sua manutenção como elemento útil à disputa eleitoral.
Aborda-se, assim, seu custo aos cofres públicos, seu alcance social e a sua capacidade
de influenciar o resultado eleitoral.
Sem ignorar a pertinência dessas questões para a construção de um cenário
eleitoral cada vez mais verdadeiramente democrático, pretende-se aqui outra abordagem.
Parte-se da ideia do Direito de Antena como conquista democrática – que, portanto, será
analisado não só pelo seu valor atrelado à capacidade de construção de um resultado nas
eleições, mas também, e principalmente, em função da sua utilidade para a construção
do debate público.
A ocupação do espaço público por ideias plurais é essencial para a construção
de uma democracia republicana e, por essa leitura, o Direito de Antena não apenas é
essencial, como, arrisca-se dizer, deveria ser estendido para outros grupos de relevância
social.
Analisam-se, portanto, o histórico dessa conquista democrática, o valor da
liberdade de expressão política para a construção da esfera pública, e, com isso, as
possibilidade de regulação para o melhor e mais democrático exercício desse direito,
analisando, brevemente, as medidas judiciais possíveis para controle de eventuais abusos.

1.2 O Direito de Antena


O ano de 1923 inaugura, com a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a
era do rádio no Brasil. As primeiras rádios existentes no país tinham o formato de clube
e eram financiadas integralmente por seus sócios, que tinham como objetivo principal
difundir conhecimento e cultura para a população.1

1
DUARTE, Adriana. Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Disponível
em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo>. Acesso em: nov. 2017.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
256 DIREITO PARTIDÁRIO

Até o início dos anos 30 havia total liberdade para utilização das ondas de
rádio. Foi a Constituição Federal de 1934 que trouxe a primeira mudança legislativa
significativa no tratamento das ondas de radiodifusão, com a nova ordem Constitucional,
ficou definida como competência privativa da união explorar ou dar em concessão os
serviços de radiocomunicação.2
A Constituição de 1937 manteve a competência privativa da União para exploração
dos serviços e a estendeu para a possibilidade de legislar sobre o tema,3 permitindo aos
Estados legislar sobre radiocomunicação apenas em algumas hipóteses.4 Ainda, o artigo
122, 15, “a”, previa a possibilidade de censura prévia, estabelecendo que a lei poderia
prescrever “com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia
da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade
competente proibir a circulação, a difusão ou a representação”.
A Constituição de 1946 foi promulgada em um novo cenário. Com o surgimento e
popularização da televisão, foi incluída entre as competências da União a possibilidade
de explorar também os serviços de radiodifusão. A utilização do espectro eletromagnético
neste período é colocada, ao contrário da lógica privada da década de 30, como serviço
exclusivamente público e vinculado ao Estado, embora explorado por grupos econômicos
privados, nacionais e estrangeiros.
Foi somente com a Constituição Federal de 1988, que incluiu os direitos ambientais
de índole difusa, que a radiodifusão e radiocomunicação passaram a ter um novo
tratamento constitucional, sendo abarcados no que se chamou de Direito de Antena.
Diferente de muitos países nos quais o Direito de Antena se refere à possibilidade
de criar empresas cujo objeto é a difusão de mensagens culturais e informativas,5 no
Brasil, está relacionado aos agentes transmissores e captadores da transmissão. Direito
de Antena é o direito de captar e transmitir ondas eletromagnéticas. Sob essa perspectiva
o Direito de Antena “A exemplo de outras formas de promoção da responsabilidade
social da mídia supera a via de sentido único, e transforma a comunicação numa via de
mão-dupla entre emissores e receptores; entre público, profissionais e empresários”.6
O direito de captação e transmissão da comunicação baseada em ondas eletro-
magnéticas, assim, é colocado nessa nova ordem constitucional como direito a bem de
uso comum do povo, o que indica que seu exercício pode ocorrer pelo Estado e pela
sociedade civil organizada.7

2
“Art. 5º – Compete privativamente à União: (...) VIII – explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos,
radiocomunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias-férreas que liguem
diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais, ou transponham os limites de um Estado;”
3
“Art. 16 – Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: (...) X – correios,
telégrafos e radiocomunicação;”
4
“Art. 18 – Independentemente de autorização, os Estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre
a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou
diminuam es exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta regule, sobre os seguintes
assuntos: (...) b) radiocomunicação; regime de eletricidade, salvo o disposto no nº XV do art. 16;”
5
Essa definição de Direito de Antena é adotada em países como Espanha, Itália e Alemanha. Sobre o tema:
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 419.
6
PAULINO, Fernando Oliveira. Responsabilidade social da mídia: análise conceitual e perspectivas de aplicação no
Brasil, Portugal e Espanha. 2008. 348 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade de Brasília, Brasília,
2008.
7
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito de Antena em face do direito ambiental brasileiro. Tese de Livre Docência.
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade São Paulo, São Paulo, 2000, p. 130.

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PAULA BERNARDELLI
DIREITO DE ANTENA E OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO POLÍTICA
257

No Brasil, na categoria de sociedade civil, somente os partidos políticos exercem


efetivamente esse Direito, amparados pela legislação eleitoral, mas há quem defenda
que outros grupos deveriam poder ocupar esses espaços de transmissão de conteúdos.8
A regulamentação do Direito de Antena de partidos e candidatos iniciou com
a Lei nº 1.164/50, que obrigava as emissoras privadas de rádio a reservarem espaço
para a propaganda eleitoral.9 O horário não era gratuito, mas havia regras quanto a
rotatividade dos partidos e igualdade nos valores praticados.
A gratuidade do exercício desse direito se deu com a Lei nº 4.115/62, que criou o
Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral,10 que passou a coexistir com a propaganda
paga, ainda permitida11 até trinta dias antes das eleições.12
O Código Eleitoral – Lei nº 4.737/65 – manteve o horário eleitoral gratuito,
incluindo algumas limitações ao seu conteúdo,13 mantendo a permissão de propaganda
paga – proibida apenas nos dez dias anteriores ao pleito –, e instituindo o horário gratuito
de propaganda partidária, ao determinar em seu artigo 250, “fora do período eleitoral,
as estações de radiodifusão e televisão de qualquer potência, reservarão as mesmas
estações uma hora por mês, para propaganda permanente do programa dos partidos”.
A medida, no entanto, foi retirada do ordenamento em 1966 pela Lei nº 4.961 e
voltou a existir somente após a redemocratização nos anos 80. Foi a Lei nº 6.091/1974

8
“Além dos partidos políticos, devem poder exercer o chamado direito de antena, já instituído nas Constituições da
Espanha e de Portugal, as entidades privadas ou oficiais, reconhecidas de utilidade pública. Ou seja, elas devem
poder fazer passar suas mensagens, de modo livre e gratuito, no rádio e na televisão, reservando-se, para tanto,
um tempo mínimo nos respectivos veículos.” COMPARATO, Fábio Konder Prefácio. In: LIMA, Venicio Artur
de. Liberdade de expressão vs. liberdade de imprensa. Publisher: 2010.
9
“Art. 130. As estações de rádio, com exceção das referidas no artigo anterior e das de potência inferior e dez
kilowats, nos noventa dias anteriores às eleições gerais de todo o país ou de cada circunscrição eleitoral, reservarão
diariamente duas horas à propaganda partidária, sendo uma delas pelo menos à noite, destinando-as, sob rigoroso
critério de rotatividade, aos diferentes partidos, mediante tabela de preços iguais para todos.”
10
“Art. 11. A Justiça Eleitoral fará ampla divulgação pela imprensa e pela radiodifusão onde houver bem assim
por meio de cartazes afixados em lugares públicos das relações dos nomes e dos números correspondentes
dos candidatos registrados, com indicação do partido ou da coligação a que pertençam. (...)§3º As estações de
radiodifusão e televisão de qualquer potência, inclusive as de propriedades da União, dos Estados, Distrito Federal
e Territórios, Municípios, Autarquias Sociedades de Economia e Fundações, nos 60 (sessenta) dias anteriores às 48
(quarenta e oito) horas do pleito de cada Circunscrição Eleitoral do País, reservarão diàriamente duas (2) horas
para propaganda política gratuita, sendo uma delas durante o dia entre as 13 (treze) e as 18 (dezoito) horas e
outra à noite entre as 20 (vinte) e as 22 (vinte e duas) horas sob critério de rigorosa rotatividade aos diferentes
partidos, e distribuídos entre êles na proporção das respectivas legendas no Congresso Nacional e nas Assembléias
Legislativas Estaduais e, Câmaras Municipais. §4º Para efeito de comprimento do disposto nos parágrafos anteriores
a distribuição dos horários dos diversos partidos será fixada e fiscalizada pela Justiça Eleitoral. §5º No caso de
aliança de partidos a ela se atenderá com observância da igualdade aqui prescrita. §6º O horário não utilizado
por qualquer partido se redistribuirá pelos demais, vedada a cessão ou transferência. §7º No período destinado
à propaganda política gratuita prevista no §3º dêste artigo, não prevalecerão, quaisquer contratos firmados pelas
emprêsas de rádio e televisão que possam burlar ou tornar inexeqüível a regra ali fixada.”
11
“§10. As estações de rádio e televisão é vedado cobrar, na publicidade, política, preços superiores aos que tenham
vigorado, nos 6 (seis) meses anteriores, para a publicidade comum.”
12
“§12. Fora dos horários da propaganda gratuita de que trata o §3º dêste artigo é proibida nos trinta dias que
precedem as eleições a divulgação de propaganda individual ou partidária em qualquer localidade do território
nacional, através do rádio ou da televisão ressalvada apenas a transmissão ou retransmissão não mais de uma
vez, de cada comício público realizado nos locais permitidos pela autoridade competente, na forma da lei.”
13
O artigo 243 estabelecia o que não seria tolerado. Como propagandas de guerra, subversivas, contrárias às forças
armadas, que incitassem as forças armadas contra as classes e instituições civis, que estimulassem atentados
contra pessoas ou bens, que instigassem a desobediência coletiva ou o descumprimento da lei de ordem pública,
caluniosas, difamatórias ou injuriosas.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
258 DIREITO PARTIDÁRIO

que proibiu a propaganda paga no rádio e televisão,14 o que nunca mais foi alterado,
bem como criou limites para a propaganda paga em impressos.
Em 1976, com a promulgação da chamada Lei Falcão (Lei nº 6.339), houve
alteração do Código Eleitoral e uma severa restrição do exercício do Direito de Atena,
determinando que na propaganda eleitoral gratuita os partidos podiam exibir somente
foto, currículo do candidato, partido e número do registro, além de poder informar data,
local e hora de comícios. Essa lei foi revogada em 1985, e em 1988 foi constitucionalizado
o direito ao acesso gratuito dos partidos e candidatos ao rádio e à televisão, que na
última reforma eleitoral, com a EC nº 97/17, foi limitado aos partidos que “obtiverem,
nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos
válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um
mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas”, ou aqueles que
“tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação”.15
A Lei nº 9.096/95 regulamentou os artigos 17 e 14 da Constituição Federal,
estabelecendo regras para a Propaganda Partidária e para a Propaganda Eleitoral, mas
foi em 1997, com a Lei nº 9.504, que o Congresso Nacional apresentou uma legislação
mais completa sobre o Direito de Antena no Direito Eleitoral, com regras específicas e
regulação de forma e conteúdo permitido, que serão abordados mais adiante.
Embora o Direito de Antena em si não seja alvo de grandes debates, sendo certa
sua pertinência para a concretização de princípios democráticos e pluralidade do debate
público, sua gratuidade não é assim tão pacífica. Isso porque a gratuidade se aplica
somente aos partidos e candidatos, mas existe um custo real para as emissoras, que é
compensando com abatimento no Imposto de Renda, de forma que o exercício gratuito
do Direito de Antena é considerado uma forma indireta de financiamento público de
partidos e campanhas.
A destinação de dinheiro público – ou, no caso, a abdicação de parcela de
imposto que seria recolhido aos cofres públicos – para financiamento de campanhas
e partidos é medida sempre recebida com duras críticas. Se, por um lado, é alto o
investimento de dinheiro público em campanhas e partidos, cenário que, aliado à crise
de representatividade, cada vez mais evidente faz parecer esse investimento, numa
análise superficial, bastante inadequado, por outro, a gratuidade do horário permite
que partidos e candidatos com poucos recursos tenham acesso ao eleitorado e possam
se apresentar e se fazer conhecer, além de reduzir significativamente os custos de uma
campanha eleitoral.

14
“Art. 12. A propaganda eleitoral, no rádio e na televisão, circunscrever-se-á, única e exclusivamente, ao horário
gratuito disciplinado pela Justiça Eleitoral, com a expressa proibição de qualquer propaganda paga. Parágrafo
único. Será permitida apenas a divulgação paga, pela imprensa escrita, do curriculum-vitae do candidato e do
número do seu registro na Justiça Eleitoral, bem como do partido a que pertence.”
15
“§3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei,
os partidos políticos que alternativamente I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo,
3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um
mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou II – tiverem elegido pelo menos quinze
Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.”

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PAULA BERNARDELLI
DIREITO DE ANTENA E OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO POLÍTICA
259

1.3 A liberdade de expressão política


A consolidação do Direito de Antena para partidos e candidatos de forma
gratuita foi uma das conquistas do processo de redemocratização, consolidando um
canal para o exercício efetivo da liberdade de expressão política, direito fundamental
que abarca prerrogativas diversas, como a comunicação de pensamentos, de ideias, de
informações e de expressões não verbais, sendo que todas as suas variáveis encontram
proteção constitucional.
A proteção da pluralidade de pensamentos e ideologias é meio de funcionamento
e preservação da própria ideia de democracia,16 razão pela qual a Constituição Federal
de 1988 trouxe proteção ampla ao exercício da liberdade de ideias, vedando, a princípio,
somente o anonimato e garantindo espaços para que os mais diversos discursos tenham
alcance.
Esse conceito bastante abrangente da liberdade de expressão por vezes acaba
sendo elastecido de forma exagerada, sendo utilizado para justificar uma tolerância
absoluta a qualquer discurso e uma consequente relativização de todos os valores,17 no
entanto, não parece ser o modelo delineado com base em uma democracia deliberativa
republicana. Os direitos de cidadania, que incluem a participação e livre expressão
política, não são protegidos apenas de eventuais limitações externas, mas também
pela promoção positiva de participação de todos os cidadãos que, através do exercício
ativo dessa liberdade, podem se tornar sujeitos com responsabilidade política em uma
comunidade igualitária.18
Os princípios republicanos insculpidos na Constituição Federal parecem se
distanciar do modelo clássico de republicanismo – que se basearia numa auto-organização
social, em comum acordo pela via comunicativa – e se aproximar de uma abordagem do
liberalismo igualitário de John Rawls19 e Ronald Dworkin,20 mais atento à necessidade
de considerar as condições materiais da sociedade para a conquista da igualdade,
compreendendo assim os direitos de liberdade em dupla dimensão,21 e defendendo uma
ideia de democracia que protege o status dos cidadãos e sua capacidade de participação.22
É também por apresentar um modelo democrático fundado em princípios
republicanos que a liberdade de expressão política assegurada pela Constituição
Federal brasileira é delineada por princípios que protegem o exercício dessa liberdade
do abuso de si mesma, impondo limites para o seu exercício a fim de garantir o poder
comunicativo de todos os setores da sociedade. Dessa forma, pode-se dizer que o modelo
democrático apresentado pela Constituição Federal de 1988, ao proteger a liberdade

16
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007, p. 350.
17
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 139.
18
HABERMAS, Jügen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 272.
19
Cf. RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. Rio de Janeiro: Ática, 2000.
20
Cf. DWORKIN, Ronald. Sovereign Virtue: the theory and practice of equality. Cambridge: Harvard University
Press, 2000. Em igual sentido
21
Cf. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. São Paulo:
Martins Fontes, 2008.
22
DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here?: principles for a new political debate. Princeton: Princeton University
Press, 2006. Em igual sentido: NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra:
Coimbra, 2006, p. 32-35.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
260 DIREITO PARTIDÁRIO

de expressão política, considera um cenário de “intersubjetividade mais avançada


presente em processos de entendimento mútuo que se cumprem, por um lado, na forma
institucionalizada de aconselhamentos em corporações parlamentares, bem como, por
outro lado, na rede de comunicação formada pela opinião pública de cunho político”.23
A liberdade de expressão política é elemento essencial para a construção de um
canal comunicativo direto com os cidadãos, para além de uma esfera institucional.
Ainda, a esfera pública, enquanto mecanismo de materialização democrática, deve ser
estruturada para comportar uma pluralidade de discursos, a busca pela comunicação
plena – essencial para uma democracia republicana deliberativa – demanda uma arena
de discussões políticas com ampla participação. Pontuando a importância da construção
de uma esfera pública politicamente ativa, com ampla liberdade de discurso, Habermas
defende que “a partir do momento em que as próprias instituições publicísticas se
tornam um poder social, apropriadas para privilegiar e boicotar os interesses privados
que afluem na esfera pública e mediatizar todas as opiniões meramente individuais”,24
o Estado deve intervir para que se garanta a liberdade pública de opinião.
Evidente que não se trata aqui de censura prévia aos discursos que são proferidos
no debate, o que é inadmissível na arena democrática. Estabelecer um contorno específico
para o exercício da liberdade de expressão, no entanto, não se trata de censura, “trata-se
de apelar para a responsabilidade dos que têm o poder de difundir informações e
opiniões”.25 Adotando como principal critério as relações de poder “entre aquele que
fala e aquele de quem se fala”.26

1.4 Os limites do conteúdo divulgado por partidos e candidatos no


exercício do Direito de Antena
Partindo justamente dessa ideia de necessidade de regulação do exercício da
liberdade de expressão política para garantir o direito ao maior número possível de
grupos é que se justificam as limitações legalmente estabelecidas para o exercício do
Direito de Antena – espaço legítimo para exercício do direito de liberdade de expressão
política por partidos e candidatos.
A Lei nº 9.504/97 apresenta uma série de requisitos a serem observados no
exercício desse direito, como a proibição de compra de horário além do horário gratuito
estabelecido por lei, bem como a transmissão de propaganda eleitoral por emissora
não autorizada a funcionar,27 sendo essa mais uma das medidas para manutenção de
um patamar mínimo de equilíbrio na disputa e de coibir a interferência excessiva do
poder econômico.
Também para garantir esse equilíbrio de alcance comunicativo, a partir de 30 de
junho do ano eleitoral fica vedada a transmissão de programa apresentado ou comentado

23
HABERMAS, Jügen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 280.
24
HABERMAS, Jugen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações sobre uma categoria da sociedade burguesa.
São Paulo:, Unesp, 2014, p. 472.
25
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: companhia das letras, 2012, p. 147.
26
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: companhia das letras, 2012, p. 145.
27
“Art. 44. A propaganda eleitoral no rádio e na televisão restringe-se ao horário gratuito definido nesta Lei, vedada
a veiculação de propaganda paga. (...)§3º Será punida, nos termos do §1º do art. 37, a emissora que, não autorizada
a funcionar pelo poder competente, veicular propaganda eleitoral.”

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PAULA BERNARDELLI
DIREITO DE ANTENA E OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO POLÍTICA
261

por pré-candidato.28 Bem como proíbe que o horário de propaganda eleitoral destinado
aos candidatos a determinado cargo eletivo seja utilizado para fazer propaganda para
outro candidato.29
Obriga, ainda, que a mensagem veiculada seja acompanhada de Linguagem
Brasileira de Sinais ou recurso de legenda, para garantir a acessibilidade do discurso
político.30 Proíbe, ainda, o desvirtuamento do espaço, que não pode ser utilizado nem
de forma subliminar para a promoção de marca ou produto.31
A propaganda eleitoral, desde a reforma eleitoral introduzida pela Lei nº
13.165/2015, é transmitida nos trinta e cinco dias que antecedem a antevéspera das
eleições, em dias e horários estabelecidos pelo texto legal.
Contrariando a legítima e necessária preocupação com a igualdade no exercício
do direito de antena, a divisão dos horários destinados à propaganda é feita de forma
consideravelmente desigual entre os partidos, sendo 10% do tempo dividido igualita-
riamente entre os partidos, e 90% proporcionalmente ao número de representantes na
Câmara dos Deputados.32
E se a divisão entre os partidos já é objeto de críticas bastante pertinentes, a divisão
intrapartidária do tempo de antena é ainda mais problemática, isso porque, em razão
da proteção constitucional da autonomia partidária, não existe nenhuma definição legal
para garantir uma divisão entre os candidatos, tratando-se de matéria de competência
exclusiva de cada agremiação, inexistindo qualquer proteção legal para candidatos que
sejam prejudicados nessa divisão.
Por não existir essa determinação – o que é justificável, embora seja possível
questionar os limites da autonomia partidária em um cenário de partidos pouco, ou
nada, democráticos e absolutamente opacos –, a ordem “natural” da divisão do tempo
é dar aos candidatos mais conhecidos mais tempo de propaganda, o que contraria
absolutamente o modelo de democracia republicana pautada no discurso plural,
anteriormente apresentado.
A Lei Eleitoral apresenta ainda outras limitações à forma de comunicação no
exercício do direito de antena. Boa parte dessas limitações encontrava razão de ser
na tentativa de barateamento das campanhas, proibindo, por exemplo, montagens,

28
“Art. 45 §1º A partir de 30 de junho do ano da eleição, é vedado, ainda, às emissoras transmitir programa
apresentado ou comentado por pré-candidato, sob pena, no caso de sua escolha na convenção partidária, de
imposição da multa prevista no §2º e de cancelamento do registro da candidatura do beneficiário.
29
“Art. 53-A. É vedado aos partidos políticos e às coligações incluir no horário destinado aos candidatos às eleições
proporcionais propaganda das candidaturas a eleições majoritárias ou vice-versa, ressalvada a utilização, durante
a exibição do programa, de legendas com referência aos candidatos majoritários ou, ao fundo, de cartazes ou
fotografias desses candidatos, ficando autorizada a menção ao nome e ao número de qualquer candidato do
partido ou da coligação.”
30
“§1º A propaganda eleitoral gratuita na televisão deverá utilizar a Linguagem Brasileira de Sinais – LIBRAS ou
o recurso de legenda, que deverão constar obrigatoriamente do material entregue às emissoras.”
31
“§2º No horário reservado para a propaganda eleitoral, não se permitirá utilização comercial ou propaganda
realizada com a intenção, ainda que disfarçada ou subliminar, de promover marca ou produto”
32
“§2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do §1º, serão distribuídos entre todos os
partidos e coligações que tenham candidato, observados os seguintes critérios
I – 90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos
Deputados, considerados, no caso de coligação para eleições majoritárias, o resultado da soma do número de
representantes dos seis maiores partidos que a integrem e, nos casos de coligações para eleições proporcionais,
o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integrem. II – 10% (dez por cento)
distribuídos igualitariamente.”

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
262 DIREITO PARTIDÁRIO

computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais.33 Essas limitações, no entanto,


com o avanço da tecnologia são pouco justificáveis, criando cenários em que é até mais
custoso aos partidos cumprir todas essas exigências na gravação de seus conteúdos.
As limitações ao conteúdo, como se viu, são poucas, além daquelas que vêm para
garantir o não desvirtuamento do uso desse espaço, já mencionadas, proíbe-se também
que com o pretexto de exercício da liberdade de expressão política, sejam apresentados
efeitos ou discursos que degradem ou ridicularizem candidatos, partidos ou coligações, ou
ainda que desvirtuem da realidade, apresentando fatos comprovadamente inverídicos.34
Observa-se, assim, a construção de um limite bastante claro à liberdade de
expressão no exercício do Direito de Antena, que é a proteção da verdade – ou ao
menos a proibição da mentira que altera substancialmente os fatos – e a proteção da
honra dos candidatos.
Importante observar, no entanto, que os conceitos de “degradação e ridiculari-
zação” na esfera do debate público eleitoral são construídos de forma bastante restrita,
acompanhando um evidente elastecimento do conceito de honra. As decisões judiciais
sobre o tema tendem a confirmar que, ainda que o direito à livre manifestação do
pensamento, insculpido no art. 5º da Constituição Federal, não seja absoluto, trata-se,
todavia, de direito fundamental, de suporte fático amplo, cujo exercício só é passível
de mitigação a posteriori, excepcional e justificadamente.35
Ainda, há o entendimento de que os agentes públicos, no exercício das prerrogativas
que lhe são constitucionalmente outorgadas, e na qualidade de representantes da vontade
do Estado, que serve diretamente ao povo, sujeitam-se a críticas, ínsitas e salutares ao
regime democrático de direito (as críticas, a par de constituir exercício de fiscalização
direta do governo, colaboram com o aprimoramento das instituições públicas). O que
ocorre também com aqueles que se lançam ao debate público como candidatos, tendo
que passar pelo crivo do eleitorado e pelo embate com outros candidatos.
Críticas à condução da Administração ou à conduta de candidatos não podem
configurar, per si, ofensa à honra ou ensejar retaliações no âmbito da disputa eleitoral.
A coibição da livre manifestação do pensamento – mormente aquele dirigido à
Administração Pública, ou a agentes públicos (como o são os candidatos a pleito
majoritário), frise-se –, de plano, é medida autoritária, que não se coaduna com a
natureza libertária do Estado consagrado na Constituição de 1988.
O Tribunal Superior Eleitoral vem construindo o entendimento de que “excesso de
sensibilidade não se compatibiliza com o jogo democrático”, sendo legítimas as críticas,

33
“Art. 54. Nos programas e inserções de rádio e televisão destinados à propaganda eleitoral gratuita de cada partido
ou coligação só poderão aparecer, em gravações internas e externas, observado o disposto no §2º, candidatos,
caracteres com propostas, fotos, jingles, clipes com música ou vinhetas, inclusive de passagem, com indicação
do número do candidato ou do partido, bem como seus apoiadores, inclusive os candidatos de que trata o §1º
do art. 53-A, que poderão dispor de até 25% (vinte e cinco por cento) do tempo de cada programa ou inserção,
sendo vedadas montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais.”
34
“Art. 54. §4º Entende-se por trucagem todo e qualquer efeito realizado em áudio ou vídeo que degradar ou
ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar
qualquer candidato, partido político ou coligação. §5o Entende-se por montagem toda e qualquer junção de
registros de áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que
desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação.”
35
Virgílio Afonso da Silva bem discorre acerca da relevância e da imprescindibilidade da justificativa nas hipóteses de
mitigação de direitos fundamentais, em tese que defendeu para obtenção do título de livre-docência na Universidade
de São Paulo, Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia (São Paulo: Editora Malheiros, 2010).

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PAULA BERNARDELLI
DIREITO DE ANTENA E OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO POLÍTICA
263

ainda que ácidas, vez que “quem exerce atividade pública deve estar preparado para
receber críticas, muitas vezes severas, por estar constantemente sob o escrutínio público”.
Parece claro que, ainda que seja essencial a proteção à honra dos candidatos, “proibir
todo tipo de manifestação de desapreço por alguém que exerça ou pretenda desempenhar
mandato eletivo, além de antidemocrático, porque flerta com a censura, empobrece o
debate público, limita a capacidade de os eleitores formarem seu discernimento, torna
viável o predomínio do pensamento único, incompatível com uma sociedade múltipla
e diversificada em suas tendências e ideologias”.36
O conceito de honra na esfera eleitoral, portanto, é elastecido para dar conta da
profundidade que o debate exige e da liberdade que a democracia necessita no período
eleitoral.

1.5 As medidas judiciais para controle dos excessos


Ainda que exista um elastecimento do conceito de honra, não há, como efetivamente
não deve haver, sua total mitigação, havendo, portanto, um limite a partir do qual fica
configurado o abuso no exercício da liberdade de expressão política e surge a necessidade
de reparação do dano.
As propagandas que descumprem quaisquer das regras trazidas pela Lei
Eleitoral ou pelas resoluções editadas a cada ciclo eleitoral podem ser representadas
perante a Justiça Eleitoral para que deixem de ser veiculadas, bem como, a depender
da irregularidade, sejam sancionadas com multa.
Ao lado dessa possibilidade de controle de irregularidades, em caso de abuso
no exercício da liberdade de expressão que atinja diretamente candidato, partido ou
coligação, há a previsão legal de pedido de direito de resposta. Isso é possível a partir da
escolha de candidatos em convenção, para aqueles atingidos, mesmo que indiretamente,
por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente
inverídica. 37
No horário eleitoral gratuito, a veiculação da resposta ocorre no horário destinado
ao partido ou coligação responsável pela ofensa, utilizando sempre o mesmo tempo
que a ofensa, não podendo ser inferior a um minuto. No caso do tempo destinado ao
partido ou coligação ser menor que um minuto, a resposta deve ser veiculada quantas
vezes forem necessárias para complementação do tempo.38
Não há nenhuma medida prevista, no entanto, para reparação de ofensas
proferidas contra grupos ou indivíduos que não sejam também agentes na disputa

36
Todos os trechos mencionados foram retirados do acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, confirmado
pelo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 1429-11.2016.6.26.0001/SP.
37
“Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido
ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória,
injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social. §1º O ofendido, ou
seu representante legal, poderá pedir o exercício do direito de resposta à Justiça Eleitoral nos seguintes prazos,
contados a partir da veiculação da ofensa: I – vinte e quatro horas, quando se tratar do horário eleitoral gratuito;”
38
“III – no horário eleitoral gratuito: a) o ofendido usará, para a resposta, tempo igual ao da ofensa, nunca inferior,
porém, a um minuto; b) a resposta será veiculada no horário destinado ao partido ou coligação responsável
pela ofensa, devendo necessariamente dirigir-se aos fatos nela veiculados; c) se o tempo reservado ao partido
ou coligação responsável pela ofensa for inferior a um minuto, a resposta será levada ao ar tantas vezes quantas
sejam necessárias para a sua complementação;”

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
264 DIREITO PARTIDÁRIO

eleitoral. Observa-se, assim, que a preocupação do legislador eleitoral, mesmo nos


casos em que oferece proteção à honra, não é efetivamente um controle do discurso ou
a proteção da imagem – pois, se assim fosse, caberia também o direito de resposta para
cidadãos não candidatos –, mas uma garantia da igualdade, transparência e lealdade
na disputa eleitoral.
Os excessos no direito de antena que atinjam outras pessoas, ou mesmo que atinjam
candidatos de forma grave o suficiente para ajuizamento de demandas indenizatórias
não são competência da Justiça Eleitoral, sendo perfeitamente possível, no entanto, o
ajuizamento de demanda na Justiça Comum para a busca de reparação.
Os discursos proferidos no exercício do direito de antena e, especialmente, no
período de campanha eleitoral, embora merecidamente encontrem uma proteção maior
que o discurso proferido em outras esferas – proteção essencial para o debate – não
estão imunes às proteções civis e penais à honra de grupos e indivíduos.

1.6 Conclusão
Na construção do pensamento político há a noção de que uma sociedade melhor
governada é aquela que apresenta repartidos e numerosos centros de poder, sendo
esse um critério de avaliação do nível de democracia de uma sociedade. Essa ideia
de pluralismo, que reúne a ideia de uma sociedade complexa que adota um sistema
político capaz de permitir “aos vários grupos ou camadas sociais que se expressem
politicamente, participem, direta ou indiretamente, na formação da vontade coletiva”,39
abarca de forma inegável a construção histórica do Direito de Antena.
Isso porque, se a imprensa é inegavelmente um centro de poder, sua democra-
tização deve se dar não apenas com a transparência de seu conteúdo, mas também
pela pluralidade no direito de emissão de conteúdo, abrindo espaço para grupos
representativos da sociedade em geral.
Para que esse direito seja exercido da forma mais ampla e democrática possível é
necessária sua regulação, estabelecendo limites, com base na ideia de que uma “adequada
proposta política requer uma pratica de civilidade’ mediante atos de engajamento e
participação”,40 bem como limites objetivos para que a ocupação dos espaços de poder
se deem de forma plural, evitando, assim, que a liberdade de expressão política se perca
em seu próprio excesso.
Não se discute, por óbvio, a possibilidade de censura, muito menos de rejeitar a
ideia fundante da conquista do Direito de Antena – de pulverização de discursos em
espaços limitados de poder –, mas sim da verificação de espaços para abusos de direito
que impeçam seu exercício pleno por outros grupos.
Defender uma concepção irrestrita de liberdade de expressão, livre de qualquer
limitação e interferência estatal – até mesmo para a divisão dos espaços de reverberação
dos discursos –, seria adotar um posicionamento libertário, que ignora até mesmo

39
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira. 4. ed. Brasília: UnB, 1999, p. 16.
40
GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 41.

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PAULA BERNARDELLI
DIREITO DE ANTENA E OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO POLÍTICA
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a diferença nas condições fáticas entre indivíduos que ocupam o espaço público e
constroem o debate.41
Não parece ser esse, contudo, o desenho democrático trazido em nossa Constituição,
em verdade, o discurso libertário parece ser uma grande ameaça ao modelo de
democracia fundado em 1988, vez que, na contramão da ideia de pluralidade, permitiria
o fortalecimento excessivo de determinados indivíduos ou grupos – o que é difícil de
ser combatido mesmo com um texto constitucional mais republicano e igualitário.42
Parece adequado a uma leitura constitucional, portanto, a construção de um
equilíbrio entre controle e proteção do discurso político no exercício do direito de
antena. Sua proteção, aqui, tomada em sentido amplo, de proteger não apenas seu
conteúdo – com elastecimento de conceitos –, mas também a possibilidade de exercício
plural desse direito.
E seu controle em concordância com essa ideia, compreendendo que a liberdade
de expressão individual não é direito absoluto, justamente para evitar abusos que
desvirtuem o exercício desse direito do objetivo de construir canais de comunicação
plurais com os diversos grupos sociais.

Referências
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira. 4. ed. Brasília: UnB, 1999.
COMPARATO, Fábio Konder Prefácio. In: LIMA, Venicio Artur de. Liberdade de expressão vs. liberdade de
imprensa. Publisher: 2010.
DUARTE, Adriana. Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Disponível
em <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo>. Acesso em: nov. 2017.
DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue: the theory and practice of equality. Cambridge: Harvard University
Press, 2000.
DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here?: principles for a new political debate. Princeton: Princeton
University Press, 2006.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito de antena em face do direito ambiental brasileiro. Tese de Livre Docência.
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade São Paulo, São Paulo, 2000.
GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
HABERMAS, Jügen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
HABERMAS, Jugen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações sobre uma categoria da sociedade
burguesa. São Paulo: Unesp, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007.
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006.

41
SOUZA, Claudia Beeck Moreira de; COSTA, Tailane. Libertarismo, felicidade e justiça. In: GABARDO, Emerson;
SALGADO, Eneida Desiree (Org.). Direito, felicidade e justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 141.
42
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 89.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
266 DIREITO PARTIDÁRIO

PAULINO, Fernando Oliveira. Responsabilidade social da mídia: análise conceitual e perspectivas de aplicação
no Brasil, Portugal e Espanha. 2008. 348 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade de Brasília,
Brasília, 2008.
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. Rio de Janeiro: Ática, 2000.
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BERNARDELLI, Paula. Direito de Antena e os limites da liberdade de expressão política. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 255-266. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.)
ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 2

A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO


PARTIDÁRIA EM TEMPOS DIGITAIS

MARCELO WEICK POGLIESE

Na segunda metade do século XVIII, um cidadão protestante, Jean Calas, foi


brutalmente executado no suplício da roda, em plena França católica, acusado de ter sido
o assassino de seu próprio filho. Todas as evidências indiciárias, contudo, sinalizavam
que os protestos populares católicos suplantavam as necessárias fundamentações
acusatórias; situações nas quais, acrescido de um processo formal apressado e com
carência de evidências de culpabilidade, evidenciavam a forte probabilidade que de se
tratava, na verdade, de um claro exemplo de intolerância religiosa. E o acusado bradou
inocência até a sua morte.
Esse fato foi o elemento propulsor para que, em 1762, Voltaire viesse a publicar o
Tratado sobre a tolerância,1 um manifesto contra toda e qualquer forma de intolerância e de
violência desproporcional, na defesa de conceitos da modernidade, como a ductilidade
dos modos, a racionalidade e seus valores, a civilidade e a concórdia social.
De tempos em tempos, a sociedade revisita as superstições e idiossincrasias
do passado, com lampejos gradualmente mais próximos dos traços de barbárie que
caracterizavam o mundo medievo. Seja fruto de um movimento cíclico ou de evidentes
retrocessos, uma das principais dificuldades da atual quadra temporal é encontrar, dentro
de um mundo globalizado, conectado e líquido, pontos de convergência de garantam a
convivência harmônica da nova sociedade em rede, assim descrita por Castells.2
O século XX foi recheado de promessas de avanços e milagres econômicos, de
desenvolvimento e cientificização da vida,3 mas, em contrapartida, de inúmeros conflitos,
fracassos e engodos, que, pouco a pouco, desmantelam a modernidade, desnutrindo os
seus valores, princípios, crenças e instituições. Há um evidente processo de destruição
do mundo natural e de esgotamento do espaço físico sobre os quais se baseia o próprio
questionamento quanto à sobrevivência qualitativa das populações nacionais e mundial.4

1
VOLTAIRE. Tratado sobre a intolerância. São Paulo: Edipro, 2017.
2
CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
3
BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 96.
4
Idem, p. 87.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
268 DIREITO PARTIDÁRIO

Sob a órbita da teoria política, a transição paradigmática5 da pós-modernidade


unifica o discurso de desencantamento do Estado e fortalece o conceito de pluralismo
e de fragmentação do poder político. Se, por um lado, o pluralismo torna o ambiente
político mais aberto e livre, noutra banda potencializa o radicalismo, a exacerbação de
gestos e opiniões e, mais ainda, a diminuição do respeito aos princípios da tolerância,
da solidariedade e da fraternidade.
As práticas fundamentalistas, sejam quais elas forem, contrapõem-se às conquistas
históricas e dimensionais dos direitos fundamentais, especialmente sob a ótica de um
mundo multicultural.
Essa nova sociedade urbana, participativa, informacional e progressivamente
mais virtualizada, reposiciona o exercício do direito de opinião e da prática do dissenso,
mas consigo também carrega os riscos da exacerbação do bom senso e do respeito à
diferença, a ponto de se discutir atualmente sobre a possibilidade – e como assim seria
– de se conviver e tolerar a própria intolerância, disseminadora do ódio nos Estados
constitucionais contemporâneos.
Em paralelo, na esfera pública das sociedades de perfil democrático, mesmo
diante de um turvo ambiente de alta desorientação, individualismo e heterogeneidade,
ainda prepondera, noutra banda, a opção pelos sistemas representativos, nos quais
as eleições e os partidos políticos constituem os instrumentos principais de acesso ao
exercício do poder político e governamental.
O voto dos eleitores deveria ser, aprioristicamente, a manifestação não só da
opção a quem se pretende eleger, mas uma decisão em prol de determinados programas
políticos e elencos governativos a constituir.6
Ocorre que, atualmente, a expressiva maioria dos partidos políticos abandonou
suas raízes ideológicas ou de massa e trilhou por um viés “pega tudo”,7 alterando
substancialmente o seu respectivo âmbito de cooptação, ou seja, o “território de caça”.8
Panebianco destaca que, desde o início da segunda metade do século XX
(pós-guerra), esta transformação dos partidos políticos consolidou, via de regra, uma
nova estrutura organizacional, com as seguintes características: (1) acentuada redução
da bagagem ideológica; (2) abertura do partido à influência dos grupos de interesse
e das organizações colaterais (sindicatos, igrejas etc.); (3) perda do peso político dos
filiados e declínio do papel da militância política de base; (4) fortalecimento do papel
dos líderes partidários (cada vez mais vinculados aos grupos de interesses do que com
os filiados) e (5) diminuição da identidade relacional entre o partido e o eleitorado.9
Essa morfologia permite a ascensão de uma nova classe política focada numa
visão partidária profissional-eleitoral,10 marcada por uma concepção pragmática e
realista. Nesse formato, o papel da liderança é maior do que o da própria organização
partidária, o que talvez estimule discussões como a que está a ocorrer no âmbito do

5
Expressão utilizada por SOUZA SANTOS, Boaventura. A crítica da razão indolente: contra o desperdício e a
experiência. São Paulo: Cortez Editora, 2001, p. 257.
6
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do estado e ciência política. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 318.
7
Expressão conferida por Otto Kirchheimer, citada por PANEBIANCO, Angelo. Organização e poder nos partidos
políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 511.
8
Idem, p. 511.
9
Idem, p. 512.
10
ABAL MEDINA, Juan. La muerte y la resurrección de la representación politica. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Económica, 2004, p. 69-93.

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MARCELO WEICK POGLIESE
A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO PARTIDÁRIA EM TEMPOS DIGITAIS
269

Supremo Tribunal brasileiro quanto às candidaturas avulsas;11 e, assim, a ideologia


perde espaço para o simples convencimento do eleitorado quanto às melhores soluções
para os problemas cotidianos (em detrimento das ideias dos adversários).
Progressivamente, o apelo ao eleitorado fiel é substituído pela agregação do
eleitorado de opinião, crescentemente mais volátil e, portanto, menos controlável pelos
partidos políticos, especialmente em tempos contemporâneos de profundos avanços
tecnológicos, informacionais e de comunicação disruptiva.
Sabe-se que a preponderância do ambiente virtual já é uma realidade em diversos
países, inclusive no Brasil, com contundentes reflexos no cenário político-eleitoral.
Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
verificou-se um crescimento exponencial da importância da Internet no cotidiano dos
brasileiros. Em 2015, 57,5% do total da população de 10 ou mais anos de idade acessaram
a Internet no período de referência nos últimos três meses.12 Mais recentemente, a
International Telecommunication Union (ITU),13 agência especializada das Nações Unidas
(ONU) para as tecnologias de informação e comunicação, destaca que 59,7% da população
brasileira acessou a internet no ano de 2016,14 enquanto, em 2000, apenas 2,87% dos
brasileiros tinham acesso à rede mundial de computadores. Em números absolutos,
pode-se dizer que em torno de 123 milhões de brasileiros estiveram conectados à
internet no ano de 2016.
O evidente crescimento do fenômeno da virtualização da arena pública não é
suficiente para alertar os detentores do poder de que os caminhos para a superação
da crise de representatividade não se encontram apenas no âmbito do processo de
seleção dos representantes e das respectivas leis eleitorais. Os governos, as instituições e
organizações (aqui incluídos os partidos políticos) não estão adaptados e preparados para
dar vazão a todos os anseios reprimidos da sociedade informacional, consubstanciada
em uma teia de incontáveis fluxos comunicacionais, o “mundo” das redes.
Isso se agrava ainda mais quando se constata, entre outras situações, que o
fenômeno pós-moderno individualista diminui a importância do homem público em favor
do homem privado e, assim, compromete o grau de engajamento dos cidadãos às causas

11
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário com
Agravo nº 1.054.490 (Relator Ministro Luís Roberto Barroso), no qual se discute a questão da possibilidade ou
não de se admitir no Brasil a candidatura avulsa; em outras palavras, se ainda vigerá a opção do constituinte
originário brasileiro de dotar os partidos políticos do monopólio do oferecimento de candidaturas para cargos
eletivos no Legislativo e no Executivo, nos termos da Constituição Federal de 1988 (art. 14, §3º, inciso V) e da Lei
dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95). Essa análise decorre de um recurso no qual um cidadão insurge-se contra
decisão da Justiça Eleitoral que indeferiu sua candidatura avulsa a prefeito do Rio de Janeiro (RJ) nas eleições
de 2016. A motivação do Judiciário ordinário eleitoral decorre da própria Constituição Federal, na qual, em seu
artigo 14, parágrafo 3º, inciso V, veda candidaturas avulsas ao estabelecer que a filiação partidária é condição
de elegibilidade. No recurso ao STF, o candidato sustenta que o Texto Constitucional deveria ser interpretado
conforme à Convenção de Direitos Humanos de San José da Costa Rica, a fim de permitir que os cidadãos
brasileiros tenham o direito de ser candidatos (e, posteriormente, eleitos) sem a exigência da filiação partidária
(condição de elegibilidade). Essa decisão pode gerar efeitos, inclusive, alterações na própria jurisprudência firmada
pelo Supremo Tribunal Federal em 2007, quando definiu que o mandato parlamentar no sistema proporcional
pertenceria ao partido político e não ao próprio candidato (questão da infidelidade partidária).
12
Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99054.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2017.
13
Disponível em: <https://www.itu.int/en/ITU-D/Statistics/Documents/publications/misr2017/MISR2017_Volume2.
pdf>. Acesso em: 03 dez. 2017.
14
A realidade brasileira (2016) é superior, por exemplo, aos países como a Índia (29,55%) e China (53,20%), mas
ainda inferior aos Estados Unidos (76,18%), Rússia (76,41%), França (85,62%) e Alemanha (89,65%) e a alguns
países latino-americanos, tais como da Argentina (70,15%), Uruguai (66,40%), Chile (66,01%) e Venezuela (60,00%).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
270 DIREITO PARTIDÁRIO

coletivas e à sua atuação no cenário político. Nesse particular, o superdimensionamento


da esfera privada coloca a vida pública em um plano secundário no rol das preocupações
das sociedades democráticas atuais. O indivíduo e seus problemas passam a ocupar um
status na agenda política até então dominada pelo coletivo, pelo todo.15
Volvendo-se ainda mais para a sua esfera privada, diante do descontentamento,
do ceticismo e da desilusão com a esfera pública, com o coletivo e com a totalidade, o
eleitorado alia-se circunstancialmente ao partido político, especialmente em sistemas
pluripartidários, a partir de uma análise conjuntural e momentânea, especialmente na
defesa das suas próprias identidades primárias.
Como defende Salgado,16 a democracia de partidos do século XX transforma-se,
portanto, em democracia com partidos no século XXI, nos quais “os profissionais de
marketing substituem as bases de decisão sobre as mensagens partidárias, as diferenças
entre os partidos passam a ser ‘laminadas a ouro’17 e os partidos não mais protagonizam
o debate político”.
Os partidos políticos passam a se utilizar de estratégias similares ao marketing
comercial para influenciar a decisão do voto do eleitor, abrindo espaço para profissionais
(peritos) do ramo publicitário, pagos para “vender política de uma forma apolítica”.18
De fato, mesmo que os partidos não mais protagonizem a cena política, as
democracias representativas ainda dependem dessa lógica partidária.
No Brasil, existem padrões seculares de representação de interesses e de interme-
diação política que dificultam sobremaneira a consolidação de um processo de ruptura,
capaz de criar uma nova configuração política democrática, com melhor distribuição
de poder e maior participação (direta) dos cidadãos no espaço público19 (aqui incluído
o ambiente informacional, da internet e das redes).
Há de haver, assim, métodos alternativos que reposicionem as eleições (atualmente,
o mais efetivo ponto de conexão entre os cidadãos e o governo e/ou parlamento), a fim
de construir a estrutura propícia para o exercício efetivo das ferramentas concretas de
atuação direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular), utilizando-se, inclusive, da
própria tecnologia da informação para a edificação desse novo ecossistema político.20
Enquanto isso não acontece, importante entender como os partidos políticos
tentam sobreviver, se reinventar e se reconectar ao eleitorado, na perspectiva de que

15
BUENO, Roberto. Sociedade aberta democrática. São Paulo: Mackenzie, 2007, p. 325.
16
SALGADO, Eneida Desiree. Os partidos políticos e o estado democrático: a tensão entre a autonomia partidária
e a exigência de democracia interna. In: SALGADO, Eneida Desiree; DANTAS, Ivo. Partidos políticos e seu regime
jurídico. Curitiba: Juruá, 2013, p. 135-165, p. 136.
17
A autora explica em nota de rodapé que essa expressão foi cunhada por Richard Sennett (SENNET, Richard. A
cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 151), com o objetivo de destacar a espetacularização
das campanhas eleitorais, o desenvolvimento discursivo com poucas diferenças de conteúdo entre os adversários
e com uma atuação propagandística eleitoral focada na pessoa do candidato e não no partido. Idem, p. 136.
18
HABERMAS, Jüngen. A transformação estrutural da esfera pública. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p.
362.
19
AVELAR, Lúcia. Elites políticas, o eleitorado brasileiro e perspectivas da democracia na década vindoura. In:
Democracia como projeto para o século XXI. Debates. n. 17. Ano 1998. Centro de Estudos Konrad Adenauer
Stiffung, p. 9-26, p. 9.
20
POGLIESE, Marcelo Weick. Em busca da ágora pós-moderna: o governo eletrônico deliberativo como
alternativa democrática de gestão das cidades brasileiras. Defesa em 11 de agosto de 2015. 316 fls. Tese
(Doutorado) –Universidade do Estado Rio de Janeiro – UERJ, Centro de Ciências Sociais, Faculdade
de Direito da UERJ. Disponível em: <http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/processaPesquisa.
php?listaDetalhes%5B%5D=7241&listaIncluiPasta%5B%5D=7241&processar=Processar>. Acesso em: 10 dez. 2017.

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MARCELO WEICK POGLIESE
A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO PARTIDÁRIA EM TEMPOS DIGITAIS
271

precisam angariar apoio popular para eleger os seus representantes ao governo e ao


parlamento; e, ainda, quais seriam os limites – se é que existem – desse processo de
convencimento, de agregação dos eleitores aos seus respectivos projetos de poder.
Aqui está, portanto, o estudo da liberdade de exposição que os partidos políticos e seus
representantes possuiriam para a cooptação de seus apoiadores na arena pública, com
destaque no processo eleitoral.
Do ponto de vista teórico, sem adentrar na discussão quanto ao mandato
imperativo, a legitimação da representação poderia ser alcançada mediante um processo
de escolha (outorga de representatividade) precedido de uma conexão de ideias, de
uma familiarização de assuntos, de uma relação contínua entre eleitores e candidatos,
de “pensamentos intercambiados”;21 etapas condicionantes para a escolha baseada no
discernimento livre e racional do eleitor.
Ocorre que, em geral, como observam Rahn, Krosnick e Breuning, as pessoas estão
tendenciosas, quando solicitadas a explicar suas preferências, a mencionar e exteriorizar
os motivos que parecem ser os mais racionais e sistemáticos e que enfatizem o objeto
do que está sendo avaliado; porém, não evidenciam ou revelam as razões emocionais e
outros fatores além das qualidades do objeto.22 Em suma, as pessoas racionalizam suas
inclinações e opções pré-existentes.
Desse modo, uma função importante do discurso racional partidário é minimizar,
segundo Achen e Bartels, a dissonância cognitiva, ou seja, o sentimento desagradável
do destinatário (eleitor) de que os candidatos desse partido não compartilham de suas
mesmas preferências.23
Sabe-se que as visões políticas dos candidatos eleitos tendem a ser apenas
semelhantes às opiniões das pessoas que os elegeram. Os políticos pertencem aos
partidos, e esses tentam moldar os pontos de vista dos candidatos, com sucesso ou não.
Daí por que os políticos podem vir a traduzir – com maior ou menor intensidade – os
pontos de vista dos seus eleitores. Mas a relação entre as opiniões dos eleitores e as
decisões de seus representantes (os escolhidos) é de correlação e não de causalidade; e
essa interdependência é bastante modesta – aquém do se esperaria sob a ótica da teoria
popular da democracia.24
Na perspectiva dos partidos profissionais-eleitorais, a grande dificuldade consiste
em realizar a leitura antecipada do cenário político e do universo eleitoral e, como
consequência, ajustar o seu discurso e propostas para alcançar a vitória nas eleições.
Compreender o que move o eleitor a escolher na urna um candidato é talvez uma das
tarefas mais desafiadoras.
Portanto, grande parte do sucesso das urnas no processo eleitoral decorre da
acurada percepção antecipada do sentimento dos eleitores, ou seja, do que eles querem
ouvir do candidato e da postura que este apresenta durante o período que antecede as
eleições, seja sob a ótica do que ele já produziu na sua trajetória no serviço público (ou

21
GUIZOT, François. A história das origens do governo representativo na Europa. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008, p. 637.
22
RAHN, Wendy M., KROSNICK, John A., BREUNING, Marijke. Rationalization and derivation process in survey
studies of political candidate evaluation. American Journal of Political Science, 38:582-600, p. 592, 1994.
23
ACHEN, Christopher H., BARTELS, Larry. Democracy for realists: why elections do not produce responsive
government. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2016, p. 269.
24
Idem, p. 313.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
272 DIREITO PARTIDÁRIO

no setor privado – outsiders politicians), seja sob o prisma da confiança e da credibilidade


que o candidato demonstra para aquilo que pretende fazer.
Ocorre que, na era da sociedade em rede, os discursos do candidato e dos partidos
não são mais uniformes, visto que esses podem ser adaptados para diversos grupos
que compõem a teia social interconectada. Se outrora a identificação do pensamento do
eleitor (inclusive suas emoções) era classificada por conceitos demográficos amostrais
– (critérios menos subjetivos, tais como gênero, escolaridade, domicílio etc.), com as
novas ferramentas científicas e tecnológicas é possível reconhecer o que pensa e o que
sente cada um dos eleitores. E, como consequência, torna-se concreto o ato de direcionar
conteúdo propagandístico específico, em maior escala e qualidade, para cada um dos
eleitores ou grupo de eleitores.
E como esse direcionamento ocorre? Todos os passos dos usuários da internet são
mapeados; essa navegação pela rede mundial dos computadores pode ser utilizada para
consolidar o perfil de cada usuário, assim como os seus respectivos interesses. Quanto
mais passeamos pela internet, quanto mais produzimos, divulgamos ou interagimos na
rede, nossa personalidade digital torna-se mais bem delineada, previsível e controlada.25
A quase totalidade das mídias sociais e plataformas de comunicação (a exemplo de
Facebook, Twitter, WhatsApp, LinkedIn, Tumblr, iTunes, Skype, YouTube e Snapchat),
das de busca e de conteúdo (tais como Google, Yahoo, Bing, Achei, Buscaki, Spotify,
Netflix, Uol, Globo.com), dos serviços gratuitos de e-mail (como o Gmail e Hotmail),
das empresas de telefonia e de outras tantas empresas da economia digital (tais como
Airbnb e Uber) realizam a rastreabilidade do comportamento dos seus usuários,
mediante rebuscados algoritmos.
Se, anteriormente, o perfil do eleitorado era extraído de uma amostra, o mundo
da internet permite não só captação de um conjunto massivo e infinito de dados, mas
também a sua análise com ferramentas computacionais de alta performance, identificando
padrões, inferindo probabilidades e fazendo previsões.
O indivíduo, na sua plêiade de facetas (consumidor, expectador, cidadão, eleitor),
torna-se um ser dataficado26 ou datificado,27 mediante incontáveis parametrizações, como
idade, gênero, peso, altura, estado civil, nível educacional, crenças religiosas e políticas,
hábitos alimentares, desejos e opções consumeristas, preocupações com saúde e família,
músicas e esportes favoritos, entre outros. Compartilhar uma mensagem no Facebook ou
um simples like no Instagram contribuem, por exemplo, para o desenho comportamental
do usuário das redes.
A avaliação desses metadados das mídias sociais é considerada, a cada dia, como
o “mais escrupuloso e compreensivo método para medir a interação cotidiana, superior
à amostragem (N=todos) e mais confiável do que entrevistas ou levantamentos”.28

25
ABREU, Giovanna, NICOLAU, Marcos. Big data, publicidade e consumidor dataficado: o caso da série House of
Cards. Cultura e Mídia – Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB. Ano X, n. 18, p. 135-151,
p. 137, jan./jun. 2017. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/em>. Acesso em: 03 dez. 2017.
26
Termo sugerido por ABREU e NICOLAU para “identificar consumidores que têm todos os seus dados pessoais
capturados, armazenados e analisados por empresas que objetivam rentabilizar a informação em torno do seu
próprio negócio. O termo em inglês é scored consumer”. Idem, p. 135.
27
VAN DIJCK, José. Confiamos nos dados? As implicações da datificação para o monitoramento social. Matrizes. v. 11,
n. 1, jan./abr. 2017. USP, São Paulo, p. 39-59. Disponível em: <www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/131620>.
Acesso em: 03 dez. 2017.
28
Idem, p. 43.

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MARCELO WEICK POGLIESE
A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO PARTIDÁRIA EM TEMPOS DIGITAIS
273

A pesquisa comportamental dos internautas propicia, portanto, uma atmosfera


analítica apta a tirar conclusões a partir da leitura dos hábitos diários e do quanto estes
influenciam nossas decisões e atitudes.
O problema não reside apenas em discutir os limites do uso desses metadados,
a partir da perspectiva do direito à privacidade (um dos dilemas do Big Data), mas em
compreender que essas plataformas digitais não só armazenam, medem, sistematizam
e analisam os dados dos indivíduos, como também manipulam (e, porque não,
monetarizam) o comportamento humano on-line.29
É comum as empresas reprocessarem os metadados e vendê-los para outras
companhias de dados e para os próprios “anunciantes”, aqui incluídos, porque não, os
candidatos e os seus respectivos partidos políticos.
Portanto, o Big Data permite a realização do caminho inverso. O que isso
significa? A partir dos metadados coletados, processados, correlacionados e analisados,
podem ser produzidas mensagens e peças publicitárias para os internautas datificados.
A informação sujeita à personalização, adaptada à vontade ou ao gosto do indivíduo,
especificamente; a mensagem compatível com os perfis (perfilamento) e com os desejos
daquele a quem se remete.
Do ponto de vista político-eleitoral, por mais que isso possa transparecer polêmico
e eticamente reprovável, o candidato cada vez mais se “vende” ao eleitorado como
um produto. E tal como acontece no mercado publicitário privado, as mensagens
político-eleitorais manipulam a imagem do candidato e dos seus respectivos discursos
e propostas, compatibilizando-os, aproximadamente, ao gosto (doce ou amargo) do
destinatário ou grupo de destinatários.
No Brasil, esse direcionamento informativo, realizado a partir das análises dos
comportamentos dos eleitores na internet, pode ser concretizado mediante mensagens
não só durante as campanhas eleitorais propriamente ditas, mas também durante a
denominada “pré-campanha”, esta autorizada pela legislação brasileira atual (inciso
V do art. 36-A da Lei nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015),30 desde
que não haja pedido explícito de voto.

29
Idem, p. 44.
30
“Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de
voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes
atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: I – a participação de
filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na
televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras
de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; II – a realização de encontros, seminários ou
congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos
eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo
tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; III – a realização de prévias
partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão
da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; IV – a divulgação de atos de parlamentares e
debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre
questões políticas, inclusive nas redes sociais; VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de
iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade,
para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias; VII – campanha de arrecadação prévia de recursos na
modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23 desta Lei; §1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras
de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social;
§2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-
candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver; §3º O disposto no § 2º não se
aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão.”

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
274 DIREITO PARTIDÁRIO

Outrossim, a força e a importância do universo das redes na política partidária


potencializam-se ainda mais quando já é factível a contratação de serviços tecnológicos,
com as empresas provedoras de aplicações da internet, para impulsionar (operacionalizar
de forma potencializada) a disseminação dessas mensagens aos indivíduos (eleitores)
datificados, por intermédio de bots ou robôs.
Nas lições de Coura, “o impulsionamento é a técnica mediante remuneração a
provedores de serviços ou conteúdo para que potencializem o alcance e a divulgação
da informação visando atingir usuários que, normalmente, não teriam essa visibilidade
pelas formas tradicionais”.31
A título de exemplo, o conteúdo propagandístico é criado e inserido nos diversos
canais oficiais da campanha ou do candidato. Em seguida, essa mensagem é impulsionada
aos eleitores, por intermédio dos provedores das diversas aplicações de internet. E as
alternativas são as mais diversas.
A própria legislação eleitoral brasileira, com o advento da Lei nº 13.488, de 06 de
outubro de 2017 que alterou a Lei nº 9.504/97, não só consolidou capítulo específico para
a propaganda eleitoral na internet, como, de igual modo, autorizou gastos eleitorais
com empresas de impulsionamento de conteúdos, a serem contratadas diretamente
com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país (art. 26, inciso XV,32 da
Lei nº 9.504/97), desde que essas despesas tenham sido formalizadas exclusivamente
pelos candidatos, partidos ou coligações.33
Ademais, não se admite o falseamento da identidade (anonimato) do emissor
das mensagens (§2º do art. 57-B34), tampouco outras formas de publicidade pagas no
âmbito na internet.35
A questão não reside apenas em propiciar e incrementar o impulsionamento, mas
fazer a leitura adequada do perfilamento de seu público alvo e, em seguida, produzir
e disponibilizar informação propagandística compatível aos respectivos destinatários
(via marketing de conteúdo, marketing viral, marketing de mídias sociais, e-mail marketing,
telefone etc.). Em escala mundial, existem companhias especializadas nesse tipo de
serviço, tais como a Strategic Communication Laboratories (SCL Group36) e a Cambridge
Analytica.37
Esta última foi a responsável, por exemplo, pela campanha vitoriosa de Donald
Trump (republicano), nas eleições presidenciais americanas de 2016. O tripé ciência

31
COURA, Alexandre Basílio. Propaganda eleitoral na internet. Apresentação realizada no VII Ciclo de Debates
da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. Mesa 2 – Propaganda eleitoral e condutas ilícitas nas
campanhas eleitorais. Evento realizado no Allia Gran Hotel, Brasília – DF, em 01 de dezembro de 2017. Disponível
em: <https://prezi.com/view/m/KsEXPWMEzN2poeG7mPHa/>. Acesso em: 01 de dezembro de 2017.
32
“Art. 26 – São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei: (...) XV – custos
com a criação e inclusão de sítios na internet e com o impulsionamento de conteúdos contratados diretamente
com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País.”
33
A alínea “b”, inciso IV, do art. 57-B, da Lei nº 9.504/97, veda a possibilidade de as pessoas naturais contratarem
impulsionamento de conteúdos na internet.
34
Art. 57-B, “§2º – Não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de
aplicação de internet com a intenção de falsear identidade”.
35
“Art. 57-C – É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o
impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente
por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.”
36
<https://sclgroup.cc/home>.
37
<https://cambridgeanalytica.org>.

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MARCELO WEICK POGLIESE
A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO PARTIDÁRIA EM TEMPOS DIGITAIS
275

comportamental, Big Data e segmentação de anúncios foi essencial, segundo especialistas,


para esse sucesso eleitoral.38
E explica-se: Durante as prévias das eleições americanas e do próprio período
eleitoral de 2016, constatou-se que o candidato republicano vitorioso contratou a análise
de metadados e de milhões de outros pontos de dados, e, em seguida, organizou
a identificação consistente dos eleitores mais persuasíveis e os problemas que os
preocupavam.
Posteriormente, a empresa responsável pela campanha de Donald Trump nas
redes enviou-lhes mensagens direcionadas em momentos-chave do processo eleitoral.
Sob a ótica da convergência comunicacional, o contato com os eleitores americanos
na campanha republicana vencedora se deu preponderantemente pela internet, mas
também pelo telefone.39 40
Por outro lado, além dessas novas ferramentas tecnológicas permitirem que as
mensagens dos partidos políticos ou candidatos possam se perfilar aos destinatários
(o que facilita sobremodo o processo de cooptação partidário e eleitoral), aquelas
também possibilitam que o partido político e o candidato tenham estratégias diversas de
disseminação, aproximadas às táticas de guerrilha, mediante um profundo e sofisticado
corpo a corpo digital.
Nesse sentido, torna-se perfeitamente possível a construção de um discurso
mais genérico (verdadeiro ou falso) nos veículos tradicionais de propaganda e de
opinião (televisão, rádio, jornais e revistas) e uma atuação diferenciada e mais direta
nas mensagens individualizadas ou segmentadas.
Por outro lado, nas mais recentes eleições pelo mundo, as redes sociais viraram
alvo de campanhas negativas difundidas por partidos políticos e candidatos, com a
intrínseca finalidade de propagar suas ideias àqueles que não eram interessados com
a política e aos que não possuíam conhecimento dos fatos relacionados às mensagens
negativas, edificando-se, assim, mais um método de cooptação no mundo das redes.
Embora a prática da propaganda negativa aumente a participação da sociedade na
política, acaba produzindo discussões não civilizadas entre os membros de determinada
comunidade, seja porque se cria uma interação manipulada (entre pessoas que são
politicamente ativas com aquelas que nunca haviam sequer entrado em rodas de debates

38
Disponível em: <https://www.showmetech.com.br/big-data-trump>. Acesso em: 04.12.2017. Sobre o tema, ver
também: <http://www.mediapicking.com/medias/files_medias/nytimes---google-and-facebook-take-aim-at-fake-
news-sites-0237488001479491012.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2017.
39
No Brasil, embora a Resolução TSE nº 23.404/2014 impedisse a realização de propaganda eleitoral via telemarketing,
em qualquer horário (art. 25, §2º, da referida Resolução), nas eleições de 2014 foram constatados alguns casos
em que os telefones móveis e fixos dos eleitores foram acionados com mensagens eletrônicas pelo sistema VoIP
(Voice over Internet Protocol). Este sistema funciona como um telefone convencional, porém usa a rede da internet
já existente como meio de transmissão de voz; ou seja, as ligações são realizadas pela internet, sem passar,
necessariamente, pelas centrais telefônicas das operadoras. Nas eleições para o Governo do Estado do Rio de
Janeiro, Eleições de 2014, os candidatos Marcelo Crivella e Lindbergh Farias foram vítimas, respectivamente,
de mensagens de áudio caluniosas, difamatórias e injuriosas transmitidas aos telefones dos usuários (eleitores)
daquele Estado por intermédio do desencadeamento de milhares de ligações via sistema VoIP, o que dificultou
em demasia o rastreamento dos seus responsáveis, inclusive porque a maioria dos equipamentos que deu origem
às referidas ligações estava alocada fora do Brasil (Trata-se da AC nº 0006947-48.2014.6.19.0000 e AIJE nº 0007782-
36.2014.6.19.0000 – Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro).
40
O TSE manteve, posteriormente a Resolução nº 23.404/2014, a proibição do uso de telemarketing em campanhas
eleitorais e partidárias (Vide Resolução TSE nº 23.457/2015 – art. 27, §2º; e, em seguida, Consulta nº 0000385-
80.2016.6.00.0000. Publicado no DJe 02.08.2017).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
276 DIREITO PARTIDÁRIO

sobre política), seja porque se consolida um diálogo extremista entre grupos dotados
de diversas personalidades e pensamentos.41
Esses movimentos arquitetados na internet exploram nos indivíduos o sentimento
de indignação e desilusão e os tornam, sob à égide de uma suposta cidadania digital,
defensores de posições mais radicais e intolerantes, muitas vezes em velocidade e
proporção (efeito tsunami) difíceis de serem contidas (e revertidas) pelos adversários e
oponentes no curto lapso temporal das campanhas eleitorais.
Então, pergunta-se: a Justiça Eleitoral pode funcionar como o tutor ou censor
em defesa do “debate fértil e autêntico” da boa propaganda eleitoral, limitando-se
apenas a aceitar aquela que viesse a ser vinculada “às propostas de planos de governo,
divulgação e discussão de ideias, lastreadas no interesse público e balizadas na ética,
decoro e urbanidade”, como se tentou fazer nas eleições presidenciais brasileiras de
2014?42 Como controlar tudo isso à luz do direito à liberdade de exposição dos partidos
políticos e dos candidatos?
Sobre esse tema, há uma constatação que precede toda a discussão: a baixa
densidade constitucional interpretativa do Direito Eleitoral brasileiro para fins de
posicionamento da liberdade de expressão e de seus direitos consectários (entre os
quais a liberdade de exposição dos partidos políticos e candidatos). Essa questão já foi
tratada por alguns autores nacionais, a exemplo de Osorio43 e Sarmento,44 este, por sua
vez, defensor da ideia de que existe “uma verdadeira banalização da censura imposta
pela Justiça Eleitoral”.
Por óbvio, não se está a defender que a liberdade de expressão (nas suas diversas
facetas) é um direito absoluto. Há precedentes do Supremo Tribunal Federal45 e do
próprio Tribunal Superior Eleitoral46 que realizam a necessária ponderação de interesses
para fins de convivência harmônica entre a liberdade de expressão e os demais direitos
fundamentais.
Assim como se deu, por exemplo, no julgamento da ADI nº 4.450,47 quando
admitiu o direito dos humoristas (programas humorísticos, charges e caricatura em modo
geral) de fazerem “críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente,
sarcástico, irônico ou irrelevante, especialmente contra autoridades e aparelhos do
Estado”, a questão é garantir,

41
HOPP, Toby; VARGO, Chris J. Does negative campaign advertising stimulate uncivil communication on social
media? Measuring audience response using big data. Computers in Human Behavior 68 (2017) 368-377, p. 369.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.chb.2016.11.034>. Acesso em: 11 dez. 2017.
42
Expressões extraídas dos precedentes: TSE – Representação nº 165865, Relator Ministro Admar Gonzaga. Decisão
por maioria. Publicado em 16.10.2014; e, Representação nº 172445, Relator Ministro Admar Gonzaga. Publicado
em Sessão 21.10.2014. Importante destacar que nos julgados ora mencionados o enfoque da análise era o programa
eleitoral gratuito em emissoras e rádio e televisão, o que poderia, com as reservas quanto à interpretação, ser
justificada à luz do art. 221, da Constituição Federal.
43
OSORIO, Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
44
SARMENTO, Daniel. Quando a censura veste a toga. Observatório de imprensa, 05.10.2010. Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/caderno-da-cidadania/quando-a-censura-veste-toga/>. Acesso em: 10
dez. 2017.
45
ADI nº 2404/DF, Relator Ministro Dias Toffoli. DJe 01.08.2017.
46
TSE – Representação nº 0001312-17.2014.0.00.0000. Relator Ministro Admar Gonzaga Neto. Acórdão de 25.09.2014.
47
STF. ADI nº 4451. Relator Ministro Carlos Ayres Britto. DJe 24.08.2012.

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MARCELO WEICK POGLIESE
A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO PARTIDÁRIA EM TEMPOS DIGITAIS
277

(i) a possibilidade de que as pessoas e grupos possam manifestar interesses e ideologias


conflitantes e competir duramente com aqueles que têm visões opostas; (ii) a possibilidade
de que os indivíduos possam perseguir na arena pública tanto aquilo que considerem
que é o ‘bem comum’, quanto seus interesses privados, desde que por meio lícitos; (iii) a
possibilidade de que a expressão dos pontos de vista e a tentativa de conhecimento seja
feita não apenas com razões e ‘bom comportamento, mas também de forma emocionada,
apaixonada e fora dos padrões socialmente aceitos de civilidade.48

Em recente julgado, o Tribunal Superior Eleitoral consignou que a liberdade de


expressão deve gozar de proteção reforçada, ostentando uma envergadura preferencial
(preferred position), diante do fato de não só estar contida no patrimônio individual, mas
também porque corresponde a um dos alicerces funcionais do Estado Democrático de
Direito.49 Por isso, o TSE admitiu a exteriorização de opiniões favoráveis ou desfavoráveis,
por um dos meios de comunicação de massa (naquele caso, via emissoras de rádio).
A liberdade de manifestação do pensamento do eleitor, do candidato e dos
partidos políticos deve ser garantida, especialmente durante a campanha eleitoral,
como assim prevê o art. 57-D da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.034/2009.50 Mas
isso não quer dizer que não poderá ser objeto de uma reflexão jurisdicional no caso
concreto, cuja análise pressupõe o respeito ao limite dos limites.51
Assim, a liberdade de exposição dos partidos políticos, enquanto extensão do
direito à liberdade de expressão, deve ser protegida de restrições diversas daquelas
inerentes à própria interpretação conciliatória de eventuais colisões concretas de direitos
fundamentais (art. 220 da Constituição Federal 198852), levando-se em consideração
que toda e qualquer contenção material à liberdade de exposição do partido político
deve ser realizada da maneira mais contida possível, sob pena de, em não o fazendo, se
consumam indevidamente censuras e exclusões às mensagens (politicamente corretas
ou não) dessas agremiações partidárias, exteriorizações importantes para o debate
político-eleitoral e para a esfera pública como um todo.
Por exemplo, a parte final do art. 243, inciso I, do Código Eleitoral veda a realização
de propaganda baseada em preconceitos de raça ou de classes. Dentro dessa perspectiva
constitucional do Direito Eleitoral, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal
brasileiro no Habeas Corpus nº 82.42453, conhecido como caso Ellwanger, solidificou o
entendimento de que a liberdade de expressão não autoriza a intolerância racial e o
estímulo à violência. Em outras palavras, a liberdade de expressão deve ser harmonizada

48
OSORIO. Idem, p. 83.
49
TSE. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 1987-93.2014.6.03.0000. Relator Ministro Luiz Fux.
Decisão Unânime. DJe 27.10.2017.
50
“Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio
da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c
do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem
eletrônica.”
51
SILVA, Virgílio Guimarães Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros, 2009.
52
“Art. 220 da CF – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
53
Decisão do STF que denegou o pedido formulado por um escritor de obra literária de conteúdo racista e antissemita.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
278 DIREITO PARTIDÁRIO

com outros direitos fundamentais consagrados no Texto Constitucional e nos Tratados


e Convenções Internacionais dos quais o Estado brasileiro é signatário.54
Como dito anteriormente, essa interpretação não pode – ainda mais diante de
choque aparente de direitos fundamentais – ser desapegada na análise do caso concreto.
E essa premissa não é uma questão nova na jurisprudência constitucional comparada.
No voto prolatado do Ministro Marco Aurélio nos autos do citado Habeas Corpus nº
82.424, foram apresentados diversos exemplos em Tribunais Constitucionais ao redor
do mundo.
E quando o direito de liberdade de exposição dos partidos políticos está travestido
em um suposto discurso de defesa de valores éticos e morais, a exemplo da família e
da proteção dos bons costumes?
Nesse particular, Sarmento destaca a preocupação quanto ao perigo da liberdade
de expressão tornar-se refém das doutrinas morais majoritárias e das concepções sobre
o politicamente correto,55 vinculadas aos ventos e aos sabores de cada contexto e momento
histórico.
Nesse particular é importante realizar a distinção qualitativa entre a exposição
(propaganda) negativa e a exposição (propaganda) suja, ambas detectáveis no processo de
cooptação político-partidária.56 Enquanto a negativa pode ser considerada um “antídoto
contra a demagogia das propagandas eleitorais”,57 posto que dá ênfase ao ataque ao
adversário, a partir de críticas às qualificações e atitudes dos opositores, seus partidos
e correligionários, a exposição suja concentra-se nas ofensas pessoais, na manipulação
da informação, na falsa notícia (fake news e junkie news), na calúnia ou na intromissão
excessiva ou deturpadora da vida íntima do candidato oponente.
A Lei dos Partidos Políticos desautoriza, por exemplo, a utilização das propagandas
partidárias gratuitas o emprego “de imagens ou cenas incorretas ou incompletas, efeitos
e quaisquer outros recursos que distorçam ou falseiem os fatos ou a sua comunicação”.58
Esse dispositivo por ser considerado uma hipótese aberta de limitação da exposição
(propaganda) partidária suja.
No que se refere às propagandas negativas, não há controle governamental nos
Estados Unidos, por exemplo, sobre o conteúdo da publicidade eleitoral.59 Porém, no
Brasil, a sua vedação é encontrada em diversos preceitos da legislação eleitoral, com
evidentes vícios de inconstitucionalidade, posto que constroem a orientação normativa
de que haveria, em tese, sempre uma preponderância do direito à honra em detrimento
do direito de liberdade de expressão e exposição.60
Nesse sentido, tornar-se-ia perfeitamente factível, dentro de uma perspectiva
constitucional, admitir e aceitar o emprego de sátira, da paródia, da caricatura e de
outros mecanismos de comunicação no processo eleitoral. Á título exemplificativo, em

54
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do hate speech. In: SARMENTO, Daniel. Livres e
iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2006.
55
Idem.
56
DWORAK, Fernando. A favor de las campañas negativas. Um alegato para México. Revista del Instituto de Ciencias
Juridicas de Puebla, México. ISSN: 1870-2147. Ano VI, n. 30, p. 118-135, julio-decembre 2012.
57
OSORIO. Idem, p. 229.
58
Art. 45, §1º, inciso III, da Lei nº 9.096/95.
59
NEISSER, Fernando Gaspar. Crime e mentira na política. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 203.
60
OSORIO. Idem, p. 236.

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MARCELO WEICK POGLIESE
A LIBERDADE DE EXPOSIÇÃO E A COOPTAÇÃO PARTIDÁRIA EM TEMPOS DIGITAIS
279

caso recente, o Superior Tribunal de Justiça brasileiro não acatou pleito da empresa
de comunicação Folha de S.Paulo no qual questionava a coexistência de um veículo
jornalístico, denominado Falha de São Paulo, cujo conteúdo cinge-se em produzir crítica
aos posicionamentos políticos e ideológicos da outra (Folha). Venceu no Superior
Tribunal de Justiça a tese de que a empresa Falha produz paródia com base nas matérias
produzidas pela Folha, expressando-se, de modo contrário às opiniões expostas pelo
jornal, por meio da sátira e do humor.61 Como destacou o Ministro Luis Felipe Salomão,

A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária,


filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia
para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto,
como versão diferente, debochada, satírica.
(...) A paródia é uma das limitações do direito do autor, com previsão no art. 47, da Lei
n. 9.610/1998, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras
reproduções da obra originária nem lhes implicarem descrédito. Essas as condições para
que determina obra seja parodiada, sem a necessidade de autorização do titular.

Assim, os gêneros como a sátira, a paródia e a caricatura, inclusive dentro do


contexto político-eleitoral, ainda mais por se estar diante da arena pública,62 poderiam
ser enquadrados no conceito de propaganda negativa (permitida sob a interpretação
constitucional do direito à liberdade de expressão), mas não necessariamente como
uma espécie de propaganda suja (objeto de eventual restrição jurisprudencial, quando
da análise do caso concreto), mesmo se estas forem patrocinadas pelos candidatos e
partidos políticos (e não apenas pelo eleitor).
Como se ainda não bastasse, um dos maiores desafios interpretativos do
constitucionalismo atual, com reflexos óbvios no Direito Eleitoral, consiste em compa-
tibilizar ou acomodar os crescentes reclamos fundamentalistas – traduzidos não só
pela indignação e discurso de ódio das redes sociais, mas em práticas legislativas das
bancadas religiosas e conservadoras – às mensagens de comunicação política e partidária
de forte engajamento político e ideológico. A contenção do discurso de ódio e/ou da
ação radical não pode estar amparada em conceitos jurídicos indeterminados, como o
respeito à ordem pública e aos bons costumes.
O que não se pode aceitar, em contrapartida, é o discurso do ódio travestido de
propaganda política, em especial quando se está diante da imposição de sanções penais
sobre condutas antijurídicas determinadas de lastro constitucional, como acontece com
o racismo. Nesses momentos, o intérprete deverá rigorosamente revelar o núcleo da
mensagem política em questão e, como consequência, extirpá-lo da zona permissiva
da livre exteriorização do pensamento.
Em resumo, o que se está a defender é a necessidade de maior densidade
constitucional à interpretação jurisprudencial sobre os casos que envolvam a liberdade
de exposição dos partidos políticos e candidatos, evitando-se que, nessa nova sociedade
em rede, as preocupações com a integridade e segurança do processo eleitoral face aos

61
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1548849 – São Paulo. Relator Ministro Marco Buzzi. Relator
para o Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Publicado no DJ em 04.09.2017.
62
Aqui também se aplica à paródia musical, inclusive quanto é utilizado os hinos e símbolos nacionais. A Suprema
Corte americana, por exemplo, admitiu como absorvido pelo direito à liberdade de expressão e manifestação do
pensamento a possibilidade de se queimar a bandeira dos Estados Unidos como forma de protesto.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
280 DIREITO PARTIDÁRIO

“novos inimigos digitais” (internos ou externos) não sejam justificativas isoladas para
a consolidação de uma posição legal e jurisprudencial exaustivamente cerceadora da
liberdade de expressão e de cooptação partidária na arena pública, aqui incluída as
ações comunicacionais dentro da pré-campanha e no próprio micro processo eleitoral.
Além da importância de se realizar uma efetiva construção doutrinária e
jurisprudencial que diferencie a exposição negativa (importante para o debate político)
da exposição suja (suscetível de restrição), propõe-se que os excessos da cooptação
discursiva partidária e eleitoral sejam combatidos no mundo das redes com algumas
medidas operacionais, algumas já existentes, inclusive, na legislação eleitoral brasileira
(proibição do anonimato, teto de gastos para contratação de serviços de impulsionamento,
proibição de contratação de empresa estrangeira, entre outros), sem comprometimento
do núcleo estruturante do direito constitucional à liberdade de expressão, fundamental
a manutenção e aprimoramento das democracias contemporâneas.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

POGLIESE, Marcelo Weick. A liberdade de exposição e a cooptação partidária em tempos digitais. In:
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz
Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 267-280. (Tratado de Direito Eleitoral,
v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 3

A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE


OS CANDIDATOS E A DESSIMETRIA DO
HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO

VOLGANE OLIVEIRA CARVALHO


FREDERICO FRANCO ALVIM

3.1 Introdução
A democracia é um patrimônio civilizatório aperfeiçoado desde o seu nascedouro,
na Antiguidade Clássica. Durante o período histórico ocorreram incontáveis modificações
na forma de concretização dos processos democráticos; contudo, nos últimos séculos,
uma característica se mantém: a democracia, em última instância, materializa-se num
conjunto de relações decorrentes do exercício do poder por uma parcela da população.
Desde que evolve para um modelo representativo, a experiência democrática
é protagonizada por duas personagens que mantêm uma relação quase simbiótica:
o eleitor e o candidato. O eleitor é o titular natural do poder de escolha, a quem cabe
nomear – em nível coletivo – os administradores de seus interesses e os representantes
de suas opiniões no parlamento e no comando da administração pública. A concretização
desse direito, obviamente, depende da existência de alternativas políticas personificadas
na figura dos candidatos. Assim é que ambos surgem como atores determinantes para
o funcionamento da engrenagem do modelo de governança popular.
Esse modelo, no entanto, possui exigências axiológicas mais finas, uma vez
que se preocupa, adicionalmente, com a justificação do governo estabelecido e com
a harmonização dos divergentes interesses sociais. Nesse contexto, o imperativo da
igualdade representa um bem axial para o direito das eleições, notadamente porque
não existe democracia onde a competição pelos cargos políticos não se desenhe a partir
da premissa de que todos os concorrentes são, à luz do sistema, essencialmente iguais.
Nada obstante, é certo que o arranjo brasileiro responde, em perspectiva histórica,
ao patrimonialismo, valorizando em termos desmedidos a capacidade econômica dos
candidatos, tornando esse status elemento de primeira grandeza no processo eleitoral. A
configuração normativa das disputas falha em desativar essa pré-condição de vantagem
e, assim, o destino dos pleitos sói gravitar em torno do cabedal financeiro dos diversos
concorrentes. Não por acaso, o Direito Eleitoral dedica muito de sua força ao controle do
modo como são realizadas as campanhas eleitorais (estabelecendo limites financeiros e

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
282 DIREITO PARTIDÁRIO

modais à propaganda) ou monitorando a retidão do comportamento dos atores durante


o desenrolar do processo (criando um vasto menu de ações judiciais de impugnação).
A tendência para o patrimonialismo, no entanto, é de ser posta em questão nos
dias atuais. A concorrência política deve atender à dinâmica da efetividade dos direitos
fundamentais e, nesse sentido, é necessário repensar o papel dos cidadãos no jogo
democrático e, igualmente, rever os direitos e garantias que competem aos candidatos.
Em rigor, urge perscrutar novos prismas para os direitos políticos passivos, levando
em conta a centralidade do princípio da dignidade da pessoa humana e a necessidade
de sua aplicação no campo político.
No alvorecer do novo século, há que se despir a disputa política de sua aura
patrimonial, promovendo a ascensão de seus índices de integridade mediante o desenho
de regras que melhor resguardem os seus pressupostos éticos e as prerrogativas consti-
tucionais dos participantes. Fala-se, pois, da superação de um modelo de pensamento
político por outro mais consentâneo com o espírito de valorização do indivíduo típico
da modernidade líquida.
Com essa visão, o presente trabalho pretende discutir a disparidade nos critérios
de distribuição do tempo de propaganda gratuita nas eleições brasileiras como pano
de fundo para a proposição de uma discussão mais ampla e importante, referente à
promoção da igualdade de oportunidades entre os candidatos como parte do núcleo
inafastável dos direitos relativos à participação política.

3.2 O direito de sufrágio passivo no ordenamento jurídico brasileiro


No Brasil, os direitos políticos foram tratados por todas as Constituições.63 Desde
a Carta de 1824, os conceitos relacionados aos direitos políticos sofreram uma evidente
evolução paulatina; contudo, alguns princípios básicos permanecem inalterados. Nesse
sentido, mantém-se intocada a lógica de que os direitos políticos primazes residem
nas prerrogativas de votar e ser votado, muito embora as capacidades em questão, ao
longo do tempo, tenham sido submetidas a condições e contornos bastante diferentes.

3.2.1 Breve memória da participação política passiva: o


patrimonialismo político brasileiro
A evolução legislativa propiciou a atualização de muitos institutos relacionados
com os direitos políticos e com o seu exercício, tornando o processo eleitoral brasileiro
um dos mais modernos e confiáveis do mundo.64 Por outro lado, o cariz patrimonialista

63
Atualmente, a concessão de tratamento constitucional à matéria eleitoral é, praticamente, uma constante universal.
Nada obstante, no século XIX não era raro que a disciplina, sempre polêmica e dinâmica, ficasse de fora das cartas
políticas. Veja-se, por exemplo, que a Constituição argentina, datada de 1853, silenciou sobre o tema por mais de
um século, até que os direitos políticos finalmente lhe fossem insertos na reforma constitucional de 1994.
64
No contexto internacional, as eleições nacionais gozam de boa reputação. De acordo com a avaliação realizada pela
iniciativa PEI (Perceptions of Electoral Integrity), os pleitos brasileiros demonstram resultados bastante satisfatórios:
a escala obtida (67,46, para um máximo de 100) supera a média global, atualmente firmada em 55,58, assim como
a média ostentada pelo continente pan-americano (58,07). Com a nota, o país restou enquadrado na categoria
quatro, relativa a eleições com “alta taxa de integridade”. Na visão dos especialistas, a média de apreciação da
integridade em termos gerais é igualmente satisfatória, alcançando a marca de 8,76 pontos, numa escala de zero
a dez.

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VOLGANE OLIVEIRA CARVALHO, FREDERICO FRANCO ALVIM
A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE OS CANDIDATOS E A DESSIMETRIA DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO
283

é de suas marcas indeléveis, sendo inegável a grande monetarização dos pleitos e o


baixo fluxo ideológico de propostas nas campanhas eleitorais.65 Os reflexos dessa cultura
são visíveis tanto na postura de candidatos como na própria construção legislativa e
jurisprudencial.
Em sua primeira infância, as disputas eleitorais no Brasil possuíam caráter
nitidamente econômico, tendo em vista a existência de um sistema censitário que exigia
o acúmulo de um patrimônio para a aquisição do status de eleitor ou candidato.66 Esse
modelo, vigente no Império, logicamente atrofia o espectro de concorrentes, tornando
as eleições um jogo de possibilidades estritas e, portanto, de resultados relativamente
previsíveis. Posteriormente, na República Velha, a fraude eleitoral resultou institucio-
nalizada por uma série de medidas que garantiam a vitória dos grupos financeira e
politicamente dominantes (CARVALHO, 2016).
Essa tradição foi sucessivamente repassada chegando até às portas do século XXI,
influenciando, inclusive, o processo legislativo, normalmente centrado nos aspectos
patrimoniais dos pleitos – como demonstram as abundantes regras relativas à captação
de recursos e à prestação de contas a despeito dos gastos realizados no transcurso das
campanhas eleitorais, sem, contudo, lograr o necessário nivelamento das chances dos
concorrentes mediante a promoção de um ambiente em que as preferências políticas
sejam buscadas em condições minimamente equitativas.
Ademais, levando-se em conta que o poder econômico serve como garantidor de
uma eleição mais cômoda, operando no mínimo como um meio para evitar a derrota
certeira (PALETZ, 1997), segue-se que os candidatos com maior volume de recursos
possuem imensa vantagem sobre os demais, não só em função da tradução potencial
do dinheiro em oportunidades de visibilidade, mas ainda por conta das relações de
dependência que se formam no interior e nas periferias (LEAL, 2012),67 que fomentam
a cultura do voto irrefletido, cativo de práticas clientelistas.
O lastro econômico é importante nas disputas eleitorais, também, em decorrência
dos elevados custos de uma campanha que envolve um volume incomensurável de
despesas com pagamento de pessoal, fornecedores, deslocamentos e execução de
programas de rádio e televisão. O aumento exponencial dos custos das disputas políticas68

65
Não se nega que o enfraquecimento das posições ideológicas, embalado pelo surgimento dos meios de comunicação
de massas e pela volatilidade do eleitorado, vem ocorrendo em termos globais, como, a propósito, alerta MANIN
(2013). Argumenta-se, não obstante, que no Brasil o fisiologismo partidário alcança níveis extraordinários, por
exemplo demonstrados pelo incessante inchaço no sistema de partidos e pela abundância das denominadas
“legendas de aluguel”.
66
A Carta de 1824, v.g. refletia esse aspecto, restringindo o direito de voto aos que percebessem renda anual
mínima de 100 mil réis. Posteriormente, Lei Eleitoral de 1846 elevou o nível de renda, dificultando ainda mais o
acesso à cidadania. Em 1875, a lei que criou o registro permanente de eleitores também os obrigou a efetuar uma
comprovação de renda, o que dificultava sobremodo o seu registro (ALVIM, 2012).
67
Essa tradição de “mandonismo” (QUEIRÓZ, 1976) foi relacionada com os governos oligárquicos e ruralistas
típicos da República Velha, a Revolução de 1930 e ascensão de Getúlio Vargas não foram suficientes para o
seu desmonte. Na verdade, as oligarquias rurais passaram a ser ladeadas por grupos políticos com métodos e
propósitos similares, mas com bases fincadas nas cidades. Os grupos políticos notáveis vêm sendo sucessivamente
substituídos, mas ainda possuem forte fundo econômico na sua chegada ao poder.
68
Os vultosos custos dos pleitos prejudicam a competitividade das eleições, na medida em que excluem da disputa
eletiva um imenso número de cidadãos. O aumento progressivo das despesas eleitorais é algo que só pode
interessar a atores economicamente privilegiados. As últimas eleições presidenciais brasileiras bateram todos os
recordes de gastos e, não por coincidência, os pleitos majoritários raramente são vencidos por candidatos com
campanhas modestas. No pleito de 2014, os três primeiros colocados, Dilma Roussef, Aécio Neves e Marina Silva,
foram, nessa exata ordem, aqueles que despenderam o maior volume de recursos (R$350 milhões; R$223 milhões e

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
284 DIREITO PARTIDÁRIO

acaba estimulando a adoção de medidas de caráter ilícito para o levantamento de receitas.


Esse cenário eleitoral é desalentador, visto que o candidato viável acaba se tornando
um empresário da democracia, administrando entradas e saídas de caixa e de votos.69

3.2.2 Novas perspectivas para o sufrágio passivo: o candidato


detentor de direitos
O regime constitucional iniciado em 1988 apresenta claros sinais de que pretende
romper com a lógica tradicional das eleições brasileiras, buscando, em certa medida,
humanizá-las. O primeiro elemento que aponta nesse sentido é uma importante ruptura
de paradigmas caracterizada pela elevação da dignidade da pessoa humana a princípio
fundamental na estrutura político-social do país.
Esse avanço propiciou uma mudança na compreensão dos direitos individuais
e coletivos, levando a uma progressiva e irreversível humanização dos mesmos,
contribuindo, nessa toda, para um aumento exponencial da influência constitucional
sobre os domínios do direito privado.
O fato de o legislador constitucional privilegiar o respeito à dignidade da
pessoa humana faz um importante resgate histórico do indivíduo, centrando-o como
verdadeiro titular de direitos também na prática cotidiana. Nesse caminho, Moraes
(2010) assevera que o princípio tem por finalidade proteger a dignidade da pessoa não
apenas no sentido de assegurar um tratamento “não degradante”, oferecendo simples
garantias à integridade física dos cidadãos, mas sobretudo desenvolver um ambiente
onde a vulnerabilidade humana seja tutelada, onde quer que se manifeste.
Essa visão deve ser aplicada de modo amplo, sem restrições deletérias. Nesse
diapasão, a ideia de repersonalização conduz à necessidade de se ressaltar a condição
de pessoa do candidato, aplicando simbioticamente diretrizes constitucionais e de
direito privado de sorte a dessorar a força determinante de sua potência econômica.
Referindo-se ao âmbito dos direitos reais Ricardo Aronne (2006, p. 44) aduz que:

A repersonalização perseguida advém de uma nova noção, substancializada, de sistema,


bem como da análise de seus componentes axiológico-normativos. Ou seja, na positivação
do princípio da dignidade da pessoa humana, no grau de princípio fundamental, as normas
do direito das coisas passam a receber seu influxo, migrando para uma nova dimensão
finalística. O sujeito, intersubjetivamente considerado, no seu meio e interação social, por
imposição do ordenamento, retoma o centro protetivo do Direito, em detrimento da pertença.

R$62 milhões, respectivamente), sendo ainda interessante notar que todos os partidos que conseguiram eleger ao
menos um deputado federal gastaram pelo menos a quantia de R$10 milhões, conforme levantamento do jornal O
Estado de São Paulo, em matéria publicada em 1º de dezembro de 2014. Em comparação, as eleições argentinas,
sujeitas a um teto de gastos fixado por lei (Leis nºs 26.215 e 26.571), apresentam um controle normativo apto a
frenar a escalada ilimitada dos gastos. Para o pleito de 2015, as eleições presidenciais no país vizinho tiveram
como limite máximo o montante de $169.812,774, o que denota a realização de campanhas consideravelmente
menos dispendiosas do que as brasileiras: considerados os respectivos tetos (maior gasto realizado, no caso
brasileiro, e limite legal, no caso argentino), em números arredondados as eleições brasileiras de 2014 custaram,
em dólares, USD 0,79 por eleitor, ao tempo em que o pleito argentino que se aproxima poderia, no máximo,
chegar ao patamar de USD 0,58. Ou seja: mesmo que uma agremiação argentina atingisse o máximo previsto em
lei, ainda assim teria desembolsado, por eleitor, um valor 36% menor do que se verificou no Brasil.
69
Jairo Nicolau (2012), José Murilo de Carvalho (2011) e Márlon Reis (2013) concordam com a existência de uma
cultura patrimonialista no processo eleitoral brasileiro.

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VOLGANE OLIVEIRA CARVALHO, FREDERICO FRANCO ALVIM
A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE OS CANDIDATOS E A DESSIMETRIA DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO
285

No campo dos direitos políticos, entretanto, essa oxigenação ainda não foi sentida
por completo. Com efeito, o processo eleitoral brasileiro tem ainda os rumos em grande
medida ditados pelo dinheiro, muitas vezes sobressalentes sobre os atributos históricos,
pessoais e programáticos dos diversos candidatos. É perfeitamente viável a interação
entre direitos políticos e direitos de personalidade em unicidade, vez que a aplicação
estanque dos dois blocos protetivos não possui o mesmo potencial positivo. Dessa
maneira, a repersonalização do candidato permitiria:

[...] uma melhor visualização do exercício dos direitos políticos, diferenciando-o do


exercício de outros direitos fundamentais, como o direito à liberdade de manifestação,
à liberdade artística e ao trabalho (CF/88, art. 5º, incs. IV, IX e XIII). Não que a presença
das circunstâncias supracitadas descaracterize o exercício destes direitos fundamentais.
Acontece que, sem as referidas peculiaridades, haverá tão somente exercício de outros
direitos fundamentais, ao passo que, presentes as peculiaridades, haverá exercício destes
outros direitos civis em interface com o exercício dos direitos políticos. Há, nessa última
hipótese, simbiose entre público e o privado no exercício dos direitos pelo cidadão, dada
a vocação preponderantemente publicista dos direitos políticos. (CONCEIÇÃO, 2012)

A repersonalização é nada mais do que a concretização do princípio da dignidade


da pessoa humana, que foi tratado de forma privilegiada pelo legislador constitucional de
1988. Segundo Fernando Ferreira Santos (1999, p. 93-94): “A pessoa é, nesta perspectiva,
o valor último, o valor supremo da democracia, que a dimensiona e humaniza. É,
igualmente, a raiz antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de Direito
[...]”.
Aos olhos da modernidade sólida tal solução seria impossível, o que redundaria
na continuidade do estado de submissão que enfraquece a cidadania. Na modernidade
líquida tal patamar é perfeitamente atingível. Hodiernamente, assiste-se a uma sucessão
de quebras de paradigmas representadas simbolicamente no âmbito do Direito pela queda
dos muros artificiais que separavam direito público e direito privado (BAUMAN, 2001).
A modernidade líquida é apresentada como forte contraposição a modernidade
sólida, ou tradicional. O passado moderno, iniciado no fim do medievo e fortalecido
com o Renascimento cultural, as grandes navegações e a reforma protestante, é preso a
padrões de correção pré-estabelecidos que representam verdadeiras amarras à evolução
social e, consequentemente, jurídica.
A liquidez dos institutos possibilitou a alteração de comportamentos sociais com
mais facilidade e de forma menos traumática e, consequentemente, produziu efeitos
no cenário jurídico. Elemento essencial na caracterização da modernidade líquida é
a velocidade e quantidade de informação disseminada, o que aumenta o acesso dos
indivíduos ao conhecimento e potencializa seu desejo de opinar e participar dos processos
decisórios com mais efetividade. Esse desejo é fomentado pela possibilidade de obter
sucesso em demandas individuais sem que para isso precise depender da boa vontade
dos governantes ou da máquina estatal (BAUMAN, 2007).
Esse conjunto de elementos conduz a uma terceira característica da modernidade
líquida: um aumento expressivo do individualismo em todos os seus aspectos. Isso
redunda na formação de um novo indivíduo que passa a conhecer seus direitos e lutar
por eles e que deseja possuir participação mais efetiva na sociedade. Desse processo
remanesce um progressivo enfraquecimento do Estado tutor e das instituições políticas

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
286 DIREITO PARTIDÁRIO

como tradicionalmente são conhecidas. O resultado disso é uma inversão de tendências:


se, recentemente, viveu-se com intensidade a publicização dos espaços privados,
inclusive pelo Direito, passa-se à fase inversa: assim, a modernidade líquida modifica
os polos desta relação.

Não é verdade que o “público” tente colonizar o “privado”. O que se dá é o contrário: é


o privado que coloniza o espaço público, espremendo e expulsando o que quer que não
possa ser expresso inteiramente, sem deixar resíduos, no vernáculo dos cuidados, angústias
e iniciativas privadas. (BAUMAN, 2001)

Essa privatização dos espaços públicos movida pelo individualismo tem o condão
de produzir efeitos profundos na dinâmica do exercício do direito de sufrágio ativo,
libertando o candidato das amarras patrimoniais e permitindo que ele possa exercitar a
sua individualidade. A individualidade materializa-se pelo desejo de ser único dentro
de um universo de iguais (BAUMAN, 2009). A concretização desse individualismo
passa, indubitavelmente, pela repersonalização do candidato, ou seja, é necessário
e inadiável que o candidato seja agraciado pela aplicação do princípio da dignidade
da pessoa humana ao processo eleitoral, o que implica a defesa concreta de direitos e
interesses até agora relegados a planos secundários.
Esse processo não é traumático nem irrealizável. Na verdade, o cerne do debate
acerca da repersonalização do candidato é, basicamente, interpretativo: não se pretende
realizar uma revolução normativa, mas uma ponderação hermenêutica. O frenesi de
alteração legislativa é uma ilusão simbólica. A boa norma permanece intacta, servindo
ao trabalho do intérprete como a tela à ação do pintor. Trata-se do paradoxo de toda
norma: permanecer imutável, mas sempre atual.70
Trata-se, portanto, basicamente, de um processo de reconhecimento de direitos
já regulados. Inicialmente, o candidato tem direito pleno ao uso do nome, assim, não
devem prosperar ações que objetivam impedir alguém de registrar nome para a disputa
eleitoral que envolva referência a órgão público. O Estado não pode impedir o uso de
uma alcunha que representa a identidade do indivíduo naquela comunidade.
Do mesmo modo, não se pode coibir o direito à identidade sexual; assim, os
transexuais que participem das eleições têm o direito de promover o seu registro de
candidatura com a designação do sexo conforme sua autoidentidade, mesmo que em
contrariedade com sua condição biológica.
No corpo da eleição, há que se reconhecer o direito dos concorrentes à intimidade,
privacidade e honra, especialmente, através do estabelecimento de limites objetivos
para a realização da propaganda eleitoral. Não é possível que o ataque à vida privada
do candidato e a divulgação de dados íntimos de sua vida possam ser matéria que
interesse ao eleitorado.
No mesmo sentido, há que se reconhecer o direito do candidato ao esquecimento
para impedir a divulgação de fatos de seu passado que sejam meramente desabonadores

70
Michel Foucault (2012, p. 24) confirma a ideia, ao diferenciar o comentário da obra comentada: “o fato de o texto
primeiro pairar acima, sua permanência, seu estatuto de discurso sempre reatualizável, o sentido de múltiplo
ou oculto de que passa a ser detentor, a reticência e a riqueza essenciais que lhe atribuímos, tudo isso funda uma
possibilidade aberta de falar”

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287

e não tenham repercussão em sua envergadura ética ou na sua capacidade administrativa


ou legislativa.
É imperioso, ainda, o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado e dos
particulares por desrespeito ao direito de sufrágio passivo, ou seja, o candidato que
foi prejudicado no pleito por erro ou desídia tem direito à reparação do dano que lhe
foi causado.
O árduo caminho em direção à repersonalização dos candidatos teve seu percurso
iniciado e já possui demonstrações de êxito consubstanciadas em decisões emanadas,
especialmente dos Tribunais Regionais Eleitorais. Indubitavelmente, trata-se de um
avanço positivo que indica, espera-se, um percurso sem volta.
O progresso na formação de um núcleo essencial de direitos que constitua o
verdadeiro patrimônio do candidato não pode ficar restrito à aplicação dos direitos
de personalidade e do princípio da dignidade da pessoa humana. Existem, entretanto,
outros aspectos do sufrágio passivo que precisam ser reconhecidos como componentes
do corpo de direitos inerentes à condição de candidato. Destaque-se nesse grupo a
vedação à existência de mecanismos indevidos de diferenciação entre os candidatos,
que acabem criando desequilíbrios nas disputas eleitorais e favorecendo uns em
detrimento de outros.
Cuida-se de um ponto sensível para o sistema, visto que, como mencionado, não
existe democracia sem a equidade eleitoral (DWORKIN, 2016). Contudo, diferentemente
das questões relacionadas à repersonalização do candidato, a igualdade de oportunidades
tem sido negligenciada, na medida em que não existem grandes esforços em busca do
estabelecimento de diretrizes protetivas da isonomia entre os contendores da disputa
eleitoral. Constituem focos de produção de desigualdades, em especial, as regras de
distribuição dos recursos públicos para o financiamento das atividades políticas e,
segundo se defende, a concessão desequilibrada de espaços de publicidade no rádio
e na televisão.

3.3 Sufrágio passivo versus equidade eleitoral: interações e


contradições
A ausência de condições simétricas de disputa entre candidatos em uma eleição
pode esvaziar o seu substrato ético e direcionar o seu resultado, criando uma incômoda
sensação social de falibilidade do sistema e enfraquecimento da democracia. A existência
de fissuras no sistema acaba fomentando percepções negativas por parte dos atores
políticos e, consequentemente, minando o comprometimento com os resultados
dos pleitos, arriscando, a um só tempo, tanto a crença na validade da ordem como a
estabilidade do panorama político. Dúvidas quanto aos níveis de integridade eleitoral
minam a aptidão do processo para a promoção da transmissão pacífica do poder e
acarretam, empiricamente, inúmeros problemas à ordem social: reduzem a confiança
nas autoridades eleitas, incrementam os níveis de abstenção, dão azo a protestos e
alimentam conflitos (NORRIS, 2014).
Estudos realizados pela Comissão Global sobre Eleições, Democracia e Segurança
(2012) demonstram que eleições realizadas sem respeitar um núcleo mínimo de
integridade originam instituições políticas vazias, desprovidas dos grandes valores
democráticos. A má qualidade dos procedimentos de escolha popular tem como produto

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288 DIREITO PARTIDÁRIO

o surgimento de compromissos cívicos tênues, inidôneos à garantia do funcionamento


estável do sistema. Por isso, espera-se constante a luta em busca de certames cada vez
mais livres, justos e confiáveis, tanto do ponto de vista técnico como pela ótica dos atores,
de modo resgatar a sua ratio essendi e a elevar o nível da confiança que lhes é dispensada.
A ideia de legitimidade não se resume ao respeito aos regulamentos previamente
estabelecidos; pelo contrário, engloba a qualidade da produção legislativa, incidindo
mais propriamente sobre a chamada “legislação eleitoral de contorno”,71 onde, afinal,
são dadas as condições de justiça (fairness) do jogo. Nessa toada, Sánchez Muñoz (2007)
chama a atenção para a urgência de se atingir um arranjo especialmente cauteloso no
que diz com a promoção da igualdade de oportunidade entre os candidatos, o que,
consequentemente, supõe um estímulo à competitividade, a englobar uma efetiva
proteção da esfera da liberdade no processo de construção da opinião eleitoral.
A atenção para com a saúde do ambiente decisório é crucial para um sistema
democrático, dado que um de seus princípios básicos é que o voto nasça de uma
decisão equilibrada, justa e ponderada (RENIU VILAMALA, 2012), para o que é preciso
assegurar a existência, o volume e o equilíbrio da oferta informacional acerca das diversas
alternativas em liça. A essência de um processo eleitoral, em rigor, está em que a opinião
eleitoral possa ser conquistada por quaisquer dos atores, o que só ocorre quando esses
mesmos atores disponham de condições razoáveis para se colocarem em evidência.
A igualdade surge, então, como um valor jurídico fundamental para a legitimidade
das contendas eleitorais.72 A Constituição firma suas bases no princípio republicano e na
ideia da isonomia, e com isso transforma a máxima igualdade entre os candidatos em
um verdadeiro “princípio estruturante” (SALGADO, 2010) ou “mandamento nuclear”
(FUX; FRAZÃO, 2016) do Direito Eleitoral, ao impor a expectativa de que a peleja
ocorra entre candidatos que desfrutem das mesmas condições e lutem com paridade
de armas (REIS, 2012).
Por isso, é óbvio que o princípio da igualdade de voto, verdadeiro consectário
lógico da ideia de democracia, em rigor “[...] não se limita ao ato eleitoral em si, antes
envolve todo procedimento de sufrágio” (CANOTILHO, 2003, p. 305). Logo, além do
igual valor do voto e da universalidade da participação dos eleitores, emerge, com o
mesmo valor e importância, a premissa da igualdade na concorrência eleitoral.
Nesse cenário, a construção dos parâmetros para a definição de eleições verda-
deiramente democráticas, após o consenso em torno do combate incessante a todas as
modalidades de fraude eleitoral, caminha cada vez mais em busca de uma verdadeira
isonomia entre os concorrentes, tudo para que se preserve a liberdade de escolha do
eleitorado e a competitividade inerente à disputa. Reputa-se, portanto, irretocável a

71
Cunhada por Fulco Lanchester, a expressão se refere a setores do ordenamento eleitoral destinados à regulamentação
do acesso à disputa e a garantias de igualdade de oportunidades entre os sujeitos que adentram aquela competição.
A legislação eleitoral de contorno, portanto, diz respeito eminentemente ao arranjo que configura as condições
postas para a organização e para o desenvolvimento das campanhas eleitorais.
72
A essencialidade da igualdade na seara eleitoral é também sublinhada por Jorge Miranda (2007, p. 241): “Igualdade
eleitoral abrange tudo quanto tenha a ver com eleições, mesmo antes de iniciados os respectivos procedimentos.
É igualdade: na formação dos sujeitos proponentes de candidaturas; na obtenção dos elementos necessários à
formalização das candidaturas; nos direitos das candidaturas e dos candidatos; na fiscalização das operações de
votação e apuramento; nos meios contenciosos”. Continuando, assevera, ainda, que a isonomia “[...] não rege
apenas as relações dos cidadãos com o Estado ou no âmbito da comunidade política em geral mas também as
relações das pessoas singulares no interior de quaisquer instituições, associações ou grupos”.

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afirmação do ministro Gilmar Mendes em voto proferido no RE nº 633.703/MG, no


sentido de que o princípio em exame torna:

[...] fundamental que a legislação que disciplina o sistema eleitoral, a atividade dos partidos
políticos e dos candidatos, o seu financiamento, o acesso aos meios de comunicação, o
uso de propaganda governamental, dentre outras, não negligencie a ideia de igualdade
de chances sob pena de a concorrência entre agremiações e candidatos se tornar algo
ficcional, com grave comprometimento do processo democrático.

Falar de competitividade é falar sobre o emparelhamento da disputa e, conse-


quentemente, sobre a imprevisibilidade dos resultados em função de uma paridade
inicial entre todos os postulantes. Assim, permite-se que o deslinde do pleito dependa
tão somente do que Sánchez Muñoz (2007) chama de “fatores relevantes para a disputa”,
entre os quais é lícito situar a solidez das propostas apresentadas, a desenvoltura dos
contendores, a aptidão para cativar e criar empatia com eleitorado e outros elementos
surgidos ao longo da campanha, como um eventual passado de serviços prestados
ou a capacidade de adaptação às tendências de opinião transparecidas no processo
interação com os eleitores.
De fato, as disputas eleitorais serão tanto mais competitivas “[...] quanto melhor
se conseguir manter o equilíbrio entre os concorrentes, sejam eles candidatos indivi-
duais, partidos políticos ou coligações” (PASQUINO, 2009). Disso resulta a ideia de
que a igualdade de oportunidades entre os candidatos tem de ser reconhecida como
fundamental para a legitimidade de um certame, constituindo, também, parte do núcleo
de direitos que assiste aos indivíduos que enfrentam a disputa.
A reivindicação de eleições competitivas emerge como consequência do reconhe-
cimento da prerrogativa de igualdade de condições de acesso a cargos e funções públicas
a todos os componentes de uma dada comunidade política. O princípio da igualdade de
oportunidades entre os candidatos foi insculpido em variados diplomas domésticos, v. g.
Constituição da República Portuguesa (arts. 47º e 113º, 3, “b”) e Constituição Espanhola
(art. 23), do mesmo modo, foi referido em documentos internacionais, tais quais a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 21º, 2), o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (art. 25º), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(art. 23, “b”) e a Carta Democrática Interamericana (art. 23, “c”). Não se trata, pois, de
uma quimera, mas de requisito consolidado em inúmeros atos normativos de expressão.
Em termos claros: a igualdade de oportunidades entre os competidores é um instituto
eleitoral com uma inquestionável força normativa.
A Constituição de 1988 silenciou sobre o tema, o que não significa que a ideia de
proteção à isonomia nas disputas eleitorais esteja dissociada do zeitgeist constitucional.
Como mencionado, a estrutura do edifício constitucional brasileiro apresenta claros
indícios da necessidade de respeitar a isonomia eleitoral (princípio democrático,
princípio republicano, sufrágio igualitário), não apenas de uma forma conceitual, mas
até mesmo através de ações. Demais disso, é evidente que a expressão da igualdade de
oportunidades entre os candidatos pode, de certa forma, ser vista como uma “medida
supérflua”, haja vista que seu conteúdo certamente habita o espectro do direito geral
de igualdade previsto no caput do art. 5º da Carta maior.
Isso decorre, também, do fato de o legislador constitucional claramente ter optado
pela defesa intransigente da legitimidade das eleições (art. 14, §9º) e, de forma ainda

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290 DIREITO PARTIDÁRIO

mais contundente, pela extensão do plexo de direitos fundamentais operada pelo artigo
5º, §2º, que incorpora ao ordenamento jurídico interno normas oriundas de tratados
que tenham entre os seus signatários o Estado brasileiro, hipótese que abarca os pactos
internacionais alhures mencionados.
Sánchez Muñoz (2007) assevera que a igualdade de oportunidades pode ser
compreendida sobre uma dupla perspectiva: a dimensão positiva diz com a necessidade
de o Estado criar ações concretas que busquem garantir que as diferentes tendências
políticas, representadas por partidos, coligações e candidatos, tenham visibilidade social
e se tornem verdadeiramente conhecidas do eleitorado (essas ações devem refletir,
v.g., no financiamento público de campanhas em medidas que busquem a redução
dos custos das disputas eleitorais ou, como se propõe, no fornecimento universal de
espaços adequados ao pleno desenvolvimento da publicidade política); em outro polo, a
dimensão negativa tem por escopo impedir que a superioridade fática de um candidato
possa ser utilizada de modo exagerado por qualquer dos contendores para desequilibrar
desmesuradamente o equilíbrio entre os contendores. Tal dimensão é concretizada com
a adoção de medidas limitadoras da atuação dos diversos atores políticos.
Ainda no esquema de Sánchez Muñoz (2007), a busca pelo equilíbrio entre os
candidatos se espraia por diferentes áreas, mas possui alguma prevalência na seara
propagandística. Certamente, grande parte do sucesso de um candidato decorre da
quantidade de publicidade com que será aquinhoado durante o pleito, a fim de que
suas ideias cheguem com maiores força e intensidade ao corpo de eleitores. Segundo
o autor, no campo do acesso aos meios de comunicação:

[...] el principio de igualdad de oportunidades actúa como un mandato de optimización de


la visibilidad de las fuerzas políticas que concurren a las elecciones, mandato que, de una
parte, en su dimensión negativa fundamenta la adopción de medidas tendentes a vedar el
abuso de la situación de superioridad mediática de determinados competidores, mientras
que, de otra parte, en su dimensión positiva, serviría de justificación constitucional a la
adopción de medidas de tipo prestacional, tendentes a reequilibrar las situaciones de hecho
en las que se encuentran los distintos competidores, favoreciendo el acceso de todos ellos
a los médios de comunicación [...] en función de criterios equitativos.

A condução da campanha é matéria que cabe ao candidato e se sujeita à fiscalização


da Justiça Eleitoral; a distribuição do tempo de propaganda, entretanto, é matéria
consolidada na legislação eleitoral, sem qualquer espaço para manobras ou subjeti-
vidades. Contudo, os maiores desequilíbrios nas disputas decorrem, justamente, da
distribuição do tempo de propaganda entre as diversas forças, pelo que se faz necessário
redimensionar os critérios de distribuição da propaganda, em respeito à paridade como
valor determinante para o conceito de integridade eleitoral (ALVIM, 2015).
Ao fim, a pars conditio entre os candidatos, mormente no que tange à distribuição
do tempo de propaganda, não é apenas um direito subjetivo decorrente do sufrágio
passivo, mas ainda um elemento qualitativo para o exercício do direito de voto. Com
efeito, a liberdade do processo de formação da escolha pode ser ameaçada não apenas
no plano individual, quando um eleitor se encontra vítima de pressões ou coações que
o obrigam a optar por uma das alternativas sem que isso seja fruto de seu arbítrio livre,
mas ainda no plano coletivo, quando o processo de comunicação prévio à votação não
seja um processo no qual as diferentes alternativas têm as mesmas chances de se fazerem

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visíveis perante os eleitores, em função de que algumas delas contam com vantagens
ou privilégios desproporcionais.
No último caso, ainda que do ponto de vista subjetivo a decisão dos eleitores
siga sendo livre, porquanto isenta de constrições individuais, pelo ângulo objetivo o
processo de formação da vontade é claramente afetado pela atmosfera tendenciosa
em que a opinião é construída. Fala-se, aí, de uma limitação de vontade que afeta de
maneira difusa o conjunto dos eleitores, que é menos livre para escolher na medida
em que se encontra sujeito a determinadas “condicionamentos” (SÁNCHEZ MUÑOZ,
2007) ou “pressões” (SANTOS, 2012) ambientais. É o que precisamente ocorre quando
alguma(s) das opções confrontantes goza(m) de privilégios exagerados na distribuição
do direito de acesso ao broadcasting no rádio e na televisão.

3.4 A distribuição do tempo de propaganda eleitoral e a igualdade


de oportunidades
O Brasil possui uma forte tradição eleitoral: ao longo de sua história, as eleições
foram a regra, mesmo em períodos autoritários. Salvo raras exceções (no Império e
durante o Estado Novo), o brasileiro vem às urnas periodicamente e, na maioria das
vezes, envolve-se afetivamente com os processos eleitorais.
À longa tradição, no entanto, não se segue o desenrolar de um sistema regulatório
plenamente justo.
Indubitavelmente, o respeito à igualdade de oportunidades de que as regras
de publicidade atendam ao princípio democrático. Nesse diapasão, faz-se imperativo
discutir o atual método de distribuição do tempo da propaganda gratuita, questionando,
sob o prisma da integridade eleitoral, a sua quota de adequação.

3.4.1 Histórico legislativo


A edição da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições) foi um importante avanço nos
processos de organização e sistematização das regras norteadores dos pleitos no Brasil,
especialmente quando se tem em mente o anacronismo do Código Eleitoral, em muitos
pontos incompatível com o regime constitucional vigente.
A publicidade eleitoral ocupa uma parte importante do Código Eleitoral; em
tópico específico, o diploma originalmente mencionava que a distribuição do tempo
de propaganda entre os candidatos deveria ser feita pela Justiça Eleitoral, “tendo em
conta os direitos iguais dos partidos” (art. 250, §2º). O espírito igualitário, entretanto,
não chegou a embalar nenhum pleito presidencial, tendo em vista que a primeira eleição
pós-ditadura foi regulada por uma lei especial (Lei nº 7.773/1989).
De acordo com o diploma (art. 17), em 1989 a propaganda eleitoral no rádio e na
televisão foi distribuída da seguinte forma: a) trinta segundos para todos os partidos
carentes de representação no Congresso Nacional; b) cinco minutos para os partidos
com até 20 congressistas; c) dez minutos para os partidos que possuíssem entre 21
e 60 congressistas; d) treze minutos para os partidos que possuíssem entre 61 e 120
congressistas; e) dezesseis minutos para partidos que possuíssem entre 121 e 200
congressistas; e f) vinte e dois minutos para partidos com mais de 200 congressistas.

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292 DIREITO PARTIDÁRIO

Como se nota, a distribuição se operava segundo um critério de proporcionalidade


imperfeita; no limiar, a diferença de um único representante poderia determinar a
concessão de um aumento significativo no tempo de propaganda. Entretanto, percebe-se
que o arranjo concedia um interessante patamar de visibilidade mínima, na medida
em que concedia ao menos cinco minutos de propaganda para todas as legendas com
representação no Poder Legislativo federal. Ademais, chama a atenção o fato de que
a representatividade era aferida a partir de uma base mais ampla, a envolver também
as eleições para o Senado.
Posteriormente, a Lei nº 8.713/1993 assim distribuiu a propaganda gratuita nas
eleições presidenciais de 1994 (art. 74): a) dez minutos divididos igualitariamente
entre todos os partidos e coligações; e b) vinte minutos divididos proporcionalmente
ao número de representantes de cada partido ou coligação na Câmara dos Deputados.
Naquela oportunidade, portanto, começava a se desenhar um modelo mais semelhante
ao que seria inaugurado com a Lei das Eleições.
Os critérios de distribuição do tempo de propaganda foram solidificados com a
gênese da Lei das Eleições. Porém, a norma não garantiu a estabilidade esperada, tendo
sofrido sucessivas reformas que alteraram, drasticamente, os critérios de repartição. Na
redação originária, a norma definia:

Art. 47 [...] §2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do
parágrafo anterior, serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham
candidato e representação na Câmara dos Deputados, observados os seguintes critérios:
I – um terço, igualitariamente;
II – dois terços, proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados,
considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de representantes de
todos os partidos que a integram.

O legislador distribuiu o tempo seguindo os critérios criados para as eleições


anteriores: uma parte comum e isonômica (1/3) para todos os contendores e outra parcela
(2/3) proporcional à representação partidária na Câmara dos Deputados. Além disso,
o §3º do mesmo artigo determinava que a quantidade de deputados de cada partido
deveria ser apurada tendo como base o início da legislatura em curso.
A norma cuidou, também, de prever a situação decorrente da fusão ou incorporação
de partidos, caso em que deveria ser utilizado o somatório das bancadas dos partidos
unidos no início da legislatura.
A primeira reforma ocorreu em 2006 e modificou a redação do §3º, estabelecendo
que: “para efeito do disposto neste artigo, a representação de cada partido na Câmara
dos Deputados é a resultante da eleição”. A mudança objetivava preservar o resultado
expresso pelos eleitores nas urnas, evitando que as mudanças de filiação ocorridas
entre a eleição e o início da legislatura influíssem na distribuição futura do tempo de
propaganda.
Em 2013, ocorreu uma mudança mais drástica, alterando a própria forma de
cálculo do tempo de propaganda. Assim a redação do dispositivo passou para os
seguintes termos:

Art. 47 [...] §2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do §1º,
serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato, observados
os seguintes critérios:

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293

I – 2/3 (dois terços) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara


dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de
representantes de todos os partidos que a integram;
II – do restante, 1/3 (um terço) distribuído igualitariamente e 2/3 (dois terços) propor-
cionalmente ao número de representantes eleitos no pleito imediatamente anterior para
a Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do
número de representantes de todos os partidos que a integram.

A nova redação reduziu radicalmente a fatia de divisão igualitária, diminuindo-a


a apenas 1/9 do tempo total e, assim, elevando a faixa proporcional a 88% do tempo. A
medida era especialmente prejudicial aos partidos novos, que ficariam praticamente
privados do acesso à propaganda gratuita. Por tal motivo, a norma teve sua validade
questionada no bojo da ADI nº 5.105, no exame da qual o Supremo Tribunal Federal
declarou a inconstitucionalidade desse ponto específico da Lei nº 12.875/2013. Nesse
contexto, a propaganda eleitoral nas eleições de 2014 foi feita com base no modelo anterior.
Por fim, a alteração mais recente, veiculada pela Lei nº 13.165/2015, voltou a
alterar método de distribuição do tempo de propaganda eleitoral determinando que:

Art. 47 [...] §2º[...] I – 90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número
de representantes na Câmara dos Deputados, considerados, no caso de coligação para
eleições majoritárias, o resultado da soma do número de representantes dos seis maiores
partidos que a integrem e, nos casos de coligações para eleições proporcionais, o resultado
da soma do número de representantes de todos os partidos que a integrem;
II – 10% (dez por cento) distribuídos igualitariamente.

A norma atual é ainda mais concentratória, deixando apenas 10% do tempo


total para ser dividido igualmente entre todos os postulantes. Por outro lado, houve
uma mitigação quanto ao método de divisão decorrente da representação parlamentar,
limitando a seis partidos o número a ser utilizado para o cálculo do tempo das coligações,
despontando como intenção velada o desejo de conter o uso de legendas de aluguel na
composição das alianças políticas.

3.4.2 Crítica ao modelo brasileiro


O modelo brasileiro de distribuição da propaganda eleitoral possui ao menos
quatro pontos problemáticos que permitem, à luz da competitividade, colocar em causa a
sua adequação. São eles: a) a baixa proporcionalidade na outorga dos quinhões de espaço
publicitário;73 b) a completa exclusão dos partidos sem representação parlamentar do
horário eleitoral gratuito; c) o uso de um único pleito como base de cálculo estática para

73
Uma breve pesquisa no direito comparado é capaz de demonstrar o desajuste do modelo brasileiro. Enquanto
no Brasil, atualmente, apenas 10% do tempo de propaganda é dividido de maneira igual para todos os partidos,
na experiência estrangeira. Na Espanha, os partidos sem representação fazem jus a pelo menos 10 minutos de
propaganda, quase ¼ do espaço correspondente às maiores forças, que acedem à quota de 45 minutos quando
hajam obtido ao menos 20% da votação nacional no último pleito correspondente (art. 64, LOREG). No México,
a parte destinada à distribuição igualitária é de 30% (art. 167, COFIPE). Na Argentina, esse patamar é elevado à
metade (50%), sendo que a distribuição alcança, sem discriminações, os partidos desprovidos de representação
(art. 43 sexies, da Lei 26.215 de Financiamento dos Partidos Políticos). Portugal e Chile também distribuem os
espaços de propaganda no rádio e na televisão de maneira mais justa do que o Estado brasileiro. No país lusitano,
a repartição ocorre com base num critério de igualdade estrita (art. 63º, 2, Lei Eleitoral da Assembleia da República
Portuguesa), ao tempo que nas eleições presidenciais chilenas também os espaços de propaganda são divididos

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294 DIREITO PARTIDÁRIO

o dimensionamento da representatividade correspondente a cada legenda partidária;


e d) a desconsideração da figura do candidato como determinante cognitivo do voto
na regra que impede a transferência do tempo de propaganda nos casos de migração
partidária.
Seguindo uma tradição iniciada com a Lei nº 8.713/1993, o art. 47, §2º, da Lei
das Eleições promove a repartição da propaganda eleitoral gratuita de acordo com
um critério de proporcionalidade cuja base singular é o pleito próximo passado para a
Câmara de Deputados.74 Ao contrário da lei anterior, porém, o novo parâmetro deixava
de fora os partidos sem representação, reduzindo-lhes sobremaneira as chances de um
desempenho exitoso no certame.
Consideram-se sem representação tanto os partidos recém-criados como as
legendas pretéritas despidas de apoio social expressivo. Em ambos os casos, a recusa
de visibilidade no horário eleitoral gratuito configura um tratamento discriminatório
desproporcional, ofensivo não apenas ao imperativo da igualdade de oportunidades
entre os candidatos como ainda ao princípio do fomento da atividade partidária
(ALVIM, 2016).75
Nesse passo, no exame da ADI nº 4.430, o Supremo Tribunal Federal assentou o
entendimento de que a exclusão completa de agremiações sem representação na Câmara
dos Deputados é inconstitucional, por violar o direito de acesso gratuito ao rádio e à
televisão (art. 17, §3º, CF).
A opção legislativa buscava fundamento na ideia de que somente a representati-
vidade justifica a realização de gastos públicos em favor da publicidade das máquinas
partidárias. Essa ideia, em princípio válida, de fato perde força à medida que se nota que
a propaganda política é um fenômeno de interesse público, calcado no direito à ampla
informação do eleitor e, mais, que o termômetro utilizado para a aferição da adesão
popular constitui um critério arbitrário, porquanto equívoco: o pleito para a Câmara dos
Deputados é somente um dentre os diversos processos eleitorais realizados pelo país.
Além disso, as eleições presidenciais são antecedidas por consultas municipais,
de maneira que, para aquelas, a conversão da simpatia popular é operada a partir de
números que não são sequer os mais recentes e não dizem respeito às realidades locais,
refletindo um resumo das vontades eleitorais de todo o país, o que pode gerar grandes
distorções.
Em rigor, considera-se lícito o uso do apoio popular como princípio norteador
da divisão das janelas de visibilidade ofertadas às distintas organizações políticas.
Nada obstante, parece descabida a ausência de uma faixa, ainda que estreita, para os
partidos desprovidos de representação, notadamente porque o apoio político responde

de maneira igual para cada um dos candidatos (art. 32, Lei Orgânica Constitucional sobre Votações Populares e
Escrutínios).
74
Na realidade, a divisão do tempo com base na força parlamentar tende a coibir a renovação do quadro político
nacional, vez que: “[...] reforça-se a espiral de êxito de partidos tradicionais, os quais conservam maior tempo de
publicidade e, assim, tendem a ocupar maiores espaços no parlamento, prejudicando a oxigenação das instâncias
de governo” (ALVIM, 2016).
75
É de se observar que a situação se agudiza quando se coloca em perspectiva a edição da Lei nº 13.487/17, que
modificando a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, extinguiu a propaganda partidária. Desse modo, os partidos
novos acabam tendo o seu direito de antena cassado e, consequentemente, terão mais dificuldades de serem
conhecidos pelo eleitorado e de eleger congressistas, oque acaba criando um círculo negativo. Nessa quadra, a
exclusão que já era grave antes, agora fica ainda mais gravosa, de modo influir no surgimento de novas legendas.

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295

à natureza volátil das coisas humanas. Reputa-se, pois, bastante acertada, no ponto, a
mencionada decisão do Supremo.
Outrossim, é certo que o uso de uma fórmula mais ampla, a mesclar as diversas
categorias de pleitos e a usar, como base, o número de votos (e não o de cargos)
resultaria em um parâmetro mais próximo (e mais atual) do verdadeiro índice de suporte
carreado por cada agremiação. Com efeito, causa espécie o fato de que o modelo atual,
em hipótese, priva da propaganda no rádio e na televisão um partido que não possua
deputados federais, embora conte com senadores e governadores, além de um bom
número de prefeitos e vereadores.
Outro foco de polêmica reside na regra do §3º do art. 47 da Lei das Eleições, que
pretende amarrar o parâmetro de apoio político unicamente ao resultado do pleito
passado. Na mesma ADI nº 4.430, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei das
Eleições, ao adotar o marco da última eleição para deputados federais para fins de
verificação da representação dos partidos, não considerou a hipótese de nova legenda; daí
porque, nesse caso, o que deve prevalecer não é o desempenho do partido nas eleições,
mas sim a representatividade política conferida aos parlamentares que deixaram a sua
legenda para adotar um grêmio neonato. Nesse diapasão, resulta que:

[...] o parlamentar que deixe o partido pelo qual foi eleito para, sem escalas, adentrar os
quadros de uma legenda recém-criada, leva consigo a quota-parte relativa ao tempo de
distribuição da propaganda gratuita no rádio e na televisão. O transfuguismo, porém, não
altera o quadro de distribuição de propaganda quando a mitigação ocorra em janela de
transferência partidária (no caso da EC 91/2016, por expressa disposição constitucional;
no caso do art. 22-A, LPP, por não se amoldar à regra excepcional, plasmada no art. 39,
§1º, da Resolução 23.457/2015). (ALVIM, 2016)

Ao comentar a norma, José Jairo Gomes (2017), afirma que “não se pode esquecer
que o tempo de propaganda no rádio e na televisão é também uma conquista do partido,
que envidou esforços e emprenhou-se na peleja eleitoral para ver sagrados seus próprios
candidatos”. Isso é correto. Contudo, afora a hipótese de criação de legenda, a solução
ora operante desconsidera o peso dos candidatos na captação daquele apoio, de sorte
que os casos de ruptura entre mandatários e partidos políticos ensejam, no que diz
com a transferência do tempo de propaganda, um severo desvio da vontade política.
No ponto, é bem de relembrar que o comportamento do eleitor brasileiro denota,
historicamente, baixos índices de identificação partidária,76 e que o voto personalista
é prevalente. Nesse contexto, defende-se, de lege ferenda, a adoção de uma fórmula
conciliatória coerente com o caráter dúplice do voto, de maneira que os parlamentares,
enquanto parceiros na destinação dos votos, façam jus à metade do tempo correspondente
aos seus votos, sempre que caminhem rumo a um outro partido.
O maior problema do modelo atual, contudo, reside no desequilíbrio de forças
provocado pela alta disparidade na distribuição das faixas de propaganda gratuita. Pese
a confirmação de sua constitucionalidade pelo Supremo,77 acredita-se que o critério afeta

76
De acordo com dados do Latinobarómetro (2015), mais de 75% dos eleitores brasileiros não se sentem próximos
de nenhuma agremiação partidária.
77
No julgamento da já reportada ADI nº 4.430, o Supremo considerou que a inexistência de igualdade material entre
os partidos políticos, no que se relaciona com o número de representantes na Câmara dos Deputados, confirma
a constitucionalidade do critério de divisão proporcional estipulado pela Lei nº 9.504/97.

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negativamente o grau de integridade no certame, na medida em que confere às eleições


as características de um “jogo de campo inclinado”. Em um cenário de distribuição
assimétrica, o suposto teórico de um entrave equitativo simplesmente não se perfaz.
A igualdade de oportunidades entre os candidatos no processo de comunicação
com o eleitorado é um imperativo inafastável da legitimidade das eleições. Nesse
caminho, Fávila Ribeiro (1976) há tempos alertava:

Pelo que foi verificado, o problema da liberdade de propaganda eleitoral não pode ser
tratado por ótica eminentemente individualista, tendo de encontrar compatível projeção
social, interligando e compondo-se com a igualdade, para que a proteção concedida pela
ordem jurídica possa ser efetivamente desfrutada por todos, com erradicação de privilégios.78

Eis, portanto, o nó górdio do tema: as campanhas eleitorais brasileiras são


regidas por normas indutoras de um desequilíbrio exacerbado no acesso às principais
plataformas de publicidade, desequilíbrio este supostamente legitimado por critérios
que, ao fim e ao cabo, revelam-se claramente inadequados e inegavelmente excludentes.

3.5 O case das eleições presidenciais brasileiras: o tempo de


propaganda desequilibra a disputa?
As eleições presidenciais são um ótimo laboratório para o estudo das desigualdades
entre candidatos, pois englobam um eleitorado de milhões de pessoas distribuídas por
todo o território nacional. Ademais, ao menos em tese, todos os candidatos devem possuir
as mesmas oportunidades de acesso aos eleitores para trabalhar o seu convencimento
e obter o seu voto.
Os dados referentes às últimas disputas presidenciais fornecem informações
importantes sobre a busca da isonomia entre os concorrentes e sua relação direta com
o modelo de distribuição do tempo reservado para a propaganda eleitoral obrigatória.

3.5.1 Estudo dos dados referentes à distribuição do tempo de


propaganda eleitoral nas últimas eleições presidenciais
A distribuição do tempo de propaganda eleitoral em eleições presidenciais é
disciplinada por normas específicas editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral,79 para
fins deste estudo, serão consideradas apenas as disputas realizadas sob a égide da Lei
das Eleições (Lei nº 9.504/97). Assim, estão abrangidos os pleitos ocorridos entre 1998
e 2014, totalizando, portanto, um total de cinco ciclos eleitorais.
Como visto alhures, o regime criado pela Lei das Eleições estabeleceu que parte do
tempo total de propaganda deveria ser dividido igualmente entre todos os concorrentes.

78
Analisando uma norma que proibia a propaganda paga em rádio e televisão, o autor escancara a necessidade
de proteção e garantia do princípio da isonomia na propaganda eleitoral. Fávila Ribeiro temia que o abuso de
poder econômico pudesse favorecer uns em detrimento de outros, e tachava de inaceitáveis as diferenças nas
alternativas de comunicação entre candidatos e eleitores.
79
A divisão do tempo de propaganda foi disciplinada pelos seguintes atos normativos do TSE: Resolução nº 20.534
(Eleições de 1998), Resolução nº 21.171 (Eleições de 2002), Resolução nº 22.390 (Eleições de 2006), Resolução nº
23.320 (Eleições de 2010) e Resolução nº 23.429 (Eleições de 2014).

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Esse tempo mínimo é o patrimônio que pertence a todas as agremiações, sendo o único
foco de tratamento isonômico em um sistema onde esse deveria dar a tônica.

Gráfico 1 – Tempo de propaganda igualitária (em minutos) atribuída a todos os


candidatos por eleição

Fonte: CARVALHO, ALVIM, 2017.

O Gráfico 1 representa o montante da propaganda igualitária atribuída a cada


um dos candidatos em cada bloco de propaganda80 no período ora pesquisado. A
distribuição do tempo, obviamente, é proporcional à quantidade de candidatos na
disputa; assim, quanto maior o número de concorrentes, menor será a parcela do tempo
igualitário. Desse modo, na Eleição de 2002, quando havia apenas seis candidatos na
refrega, atingiu-se o maior valor em todo período pesquisado, totalizando 1min23s3cs,
valor que representa exatamente o dobro daquele atribuído aos contendores de 1998,
que eram doze.
É óbvio que em eleições com mais candidatos o tempo igualitário de propaganda
fica diluído, aumentando consideravelmente a importância da outra parcela da
propaganda que será distribuída conforme a composição das bancadas dos partidos
na Câmara dos Deputados. Nessa quadra, é nítida a tendência de redução do tempo
igualitário experimentada desde 2002, o que decorre dos critérios de distribuição do
tempo e da quantidade de candidatos que concorreram à Presidência da República.
Nas eleições presidenciais de 2018, os valores da quota igualitária sofrerão
drástica redução em decorrência da edição da Lei nº 13.165/15, que, alterando a redação
originária das Lei das Eleições, reduziu pela metade o tempo da propaganda eleitoral

80
A redação originária da Lei das Eleições (art. 47, §1º) destinava 25 minutos de propaganda no rádio e na televisão,
por bloco, para os candidatos a Presidência da República. A propaganda diária é dividida em quatro blocos: 1
matutino (rádio), 2 vespertinos (rádio e televisão) e 1 noturno (televisão). As informações analisadas referem-se,
portanto, a estes números.

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dos candidatos à Presidência da República. Isso significará que, possivelmente, existam


candidatos que contarão com apenas algumas dezenas de segundos para apresentar
suas propostas ao eleitorado o que tornará sua publicidade praticamente inviável.
À segunda parte da propaganda, que representa a maior parcela do tempo, soma-se
a parte igualitária para definir qual o montante caberá a cada um dos candidatos. Esses
dados revelam discrepâncias ainda mais contundentes.

Gráfico 2 – Candidatos com maior e menor tempo de propaganda


(em minutos) por eleição

Fonte: CARVALHO, ALVIM, 2017.

Como é possível aferir do Gráfico 2, há uma enorme distância entre os candidatos


que conseguem amealhar o maior tempo de propaganda e os candidatos menos
favorecidos pela distribuição. A distância entre os extremos sem dúvida ultrapassa o
limite do razoável. Na Eleição de 1998, por exemplo, a Coligação União, Trabalho e
Progresso, encabeçada por Fernando Henrique Cardoso possuía 1.722% mais tempo
do que os candidatos do PRONA (Enéas), PSDC (Eymael), PSTU (José Maria), PT do
B (João de Deus), PTN (Thereza Ruiz) e PSN (Vasco Neto).
A desigualdade exagerada voltou a repetir-se, em proporção um pouco menor,
no pleito de 2014, oportunidade em que a Coligação Com a Força do Povo, encabeçada
por Dilma Rousseff possuía 1.520% mais tempo de propaganda do que os candidatos
do PSDC (Eymael), PSTU (José Maria), PCO (Rui Costa Pimenta) e PCB (Mauro Iasi)
individualmente considerados.
A distribuição mais equilibrada ocorreu no pleito de 2002, quando a Coligação
Grande Aliança, cujo candidato era José Serra, conseguiu 748% mais tempo do que os
candidatos do PSTU (José Maria) e PCO (Rui Costa Pimenta).
A necessidade de garantir uma larga vantagem na divisão do tempo de propa-
ganda fortalece a ideia de que um candidato viável deve possuir uma coligação forte,

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preferencialmente com muitos partidos agregados. Essa filosofia acaba favorecendo a


formação de grupos puramente fisiológicos, muitas vezes comprometendo a governa-
bilidade da gestão futura.
O criticado modelo de presidencialismo de coalizão brasileiro não tem sua
gênese na composição com o Congresso Nacional em busca da formação de maiorias
legislativas; na verdade, ele começa a ser germinado ainda na fase de pré-campanha ou
nas convenções partidárias e serve para alimentar uma busca frenética por preciosos
minutos do tempo de propaganda.
Nesse cenário, os candidatos que possuem maiores condições de agregar partidos
a suas coligações apresentam clara vantagem em relação aos demais concorrentes.

Tabela 1 – Quantidades de partidos componentes da coligação dos candidatos


detentores dos maiores tempos de propaganda por eleição

QUANTIDADE
CANDIDATOS COM QUANTIDADE DE DEPUTADOS
ELEIÇÃO MAIOR TEMPO DE DE PARTIDOS NA NOS PARTIDOS
PROPAGANDA COLIGAÇÃO COMPONENTES DA
COLIGAÇÃO
Fernando Henrique Cardoso 5 273
1998
Lula 5 108
José Serra 2 183
2002
Lula 5 80
Geraldo Alckmin 3 152
2006
Lula 3 102
Dilma Rousseff 10 274
2010
José Serra 6 180
Dilma Rousseff 9 328
2014
Aécio Neves 9 118

Fonte: CARVALHO, ALVIM, 2017.

É de se observar que a busca por coligações que garantam tempo de propaganda


não se resume à agregação de legendas ao barco de um concorrente. É necessário, mais,
que se consiga a cooptação de legendas com muitos deputados. Ao fim e ao cabo, um
lote de muitos deputados é o que verdadeiramente importa para as estratégias de
maximização do tempo.
A diluição da representatividade congressual pode ser facilmente observada
na Tabela 1. Em 1998, a coligação de Fernando Henrique Cardoso precisou de cinco
legendas para unir 273 deputados federais; anos depois a coligação de Dilma Rousseff
(2010) precisou amealhar dez siglas para chegar a 274 congressistas.
Importante observar que a baixa quantidade de deputados apontada nas Eleições
de 2002 e 2006 decorre de fatos específicos daquelas ocasiões. No pleito de 2002, havia

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muitos candidatos viáveis com coligações fortes (José Serra, Lula, Ciro Gomes e Anthony
Garotinho), o que favorecia a diluição do tempo; além disso, o PFL (dono da maior
bancada na Câmara dos Deputados com mais de 90 cadeiras) não apoiou formalmente
nenhum dos concorrentes.
Em 2006, de modo similar, alguns partidos com grande representatividade – como
PMDB, PP, PTB e PSB, que juntos somavam mais de 170 deputados – não apoiaram
formalmente nenhum dos postulantes à presidência da nação.
Isso demonstra que o tabuleiro da divisão do tempo de propaganda também se
organiza através de omissões (apoios não formalizados produzem impactos no jogo
político, mas não repercutem no xadrez do horário eleitoral gratuito).
Uma vez mais, transparece a distorção entre os concorrentes, aqueles que não
conseguem atrair partidos para suas chapas acabam diminuindo drasticamente as
chances de sucesso eleitoral.

Tabela 2 – Relação entre os percentuais de tempo de propaganda e a votação obtida


no 1º Turno por eleição

CANDIDATOS PERCENTUAL
PERCENTUAL
CANDIDATOS COM MAIOR DO TEMPO
ELEIÇÃO DE VOTOS
MAIS VOTADOS TEMPO DE TOTAL DE
VÁLIDOS
PROPAGANDA PROPAGANDA
Fernando Henrique 53,06% Fernando Henrique 47,82%
1998 Cardoso Cardoso
Lula 31,71% Lula 20,60%
Lula 46,44% José Serra 41,54%
2002
José Serra 23,19% Lula 21,29%
Lula 48,61% Geraldo Alckmin 40,88%
2006
Geraldo Alckmin 41,64% Lula 28,80%
Dilma Rousseff 46,91% Dilma Rousseff 42,57%
2010
José Serra 32,61% José Serra 29,24%
Dilma Rousseff 41,59% Dilma Rousseff 45,78%
2014
Aécio Neves 33,55% Aécio Neves 18,41%

Fonte: CARVALHO, ALVIM, 2017.

Em todas as eleições presidenciais realizadas sob a égide da Lei das Eleições,


os dois candidatos com mais tempo de propaganda terminaram o 1º Turno como
primeiro e segundo mais votados, repetindo, quase sempre, a mesma ordem. O único
furo na apontada tradição foi o caso de Lula, que mesmo com o segundo maior tempo
de propaganda, acabou em primeiro lugar no fim do primeiro turno das Eleições de
2002 e 2006.
Esses dados demonstram, de modo irrefutável, que a distribuição desproporcional
do tempo de propaganda auxilia nitidamente aqueles que possuem maior tempo de

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A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE OS CANDIDATOS E A DESSIMETRIA DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO
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exposição, em detrimento dos membros de partidos menores e que ainda não conseguiram
representação na Câmara Federal. Em resumo: “[...] candidatos que têm maior tempo
para expor sua plataforma eleitoral no rádio e na TV possuem uma maior vantagem
em relação aos demais, dada a popularidade dos referidos meios de comunicação”
(RODRIGUES; JORGE, 2014, p. 248). São afirmações intuitivas que, inclusive, se
confirmam na prática, conforme demonstrado por inúmeros estudos internacionais que
constatam a elevada importância das campanhas eleitorais no processo de captação do
voto (MARTÍNEZ i COMA, 2008).81
Nesse cenário, os candidatos governistas levam franca vantagem frente aos demais,
por possuir melhores condições de negociar apoios enquanto detiverem o poder sobre
a máquina pública. Conforme se verifica na Tabela 2, em uma única oportunidade
(Eleições de 2006) o candidato governista não possuía o maior tempo de propaganda.
O principal fator que pode propiciar o rompimento dessa barreira imaginária
formada pela distribuição do tempo de propaganda é o nível de conhecimento que o
eleitor tem de um dado concorrente. Isso explica o sucesso eleitoral de Lula em 2002
e 2006, embora com menor tempo, acabou sagrando-se vitorioso, em grande medida,
por já ser conhecido do eleitorado (já disputara outras eleições presidenciais) e porque
o tempo de propaganda, ainda que menor, era muito superior à quota igualitária.
Dessa forma, os candidatos que acessam apenas a quota igualitária do tempo de
propaganda, sem participar da distribuição subsequente, estão fadados, regra geral, ao
fracasso de sua candidatura, pois a isonomia não se confirma na prática cotidiana das
disputas eleitorais. Os dados mostram que a atual parcela de distribuição igualitária
é baixa e possui uma eficácia reduzida, praticamente insignificante quando o número
de postulantes é grande. Esse modelo acaba por produzir uma plêiade de candidatos
sem voz, incapazes de aceder aos eleitores e, menos ainda, de expor com clareza as
suas plataformas de governo.82

3.6 Considerações finais


A interpretação reducionista empregada aos direitos políticos no Brasil acaba
restringindo a importância do candidato, tornando-o apenas uma sombra de seu
partido político ou coligação. Esse comportamento estimula um modelo de democracia
restrito, que fomenta o desenvolvimento de uma cultura eleitoral simpática ao reforço
do caciquismo.
O candidato precisa ter seu papel no processo eleitoral revisitado, a fim de que
lhe sejam ampliados os direitos extrapatrimoniais. A doutrina e a jurisprudência vêm
avançando nessa jornada, reconhecendo – ainda que de modo tímido e enviesado – a
existência de alguns direitos relacionados à personalidade do candidato (nome, identidade
sexual, resguardo da privacidade, liberdade de expressão).

81
Martínez i Coma (2008) alude a pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Espanha que demonstram que as
campanhas eleitorais são determinantes para a definição do voto de, respectivamente, 37% e 18% dos eleitores,
números obviamente expressivos e capazes de moldar o resultado de muitos pleitos.
82
Os resultados que emergem das eleições presidenciais realizadas entre 1998 e 2014 são desalentadores, e não
há esperança de ajustes no horizonte, tendo em vista que a Eleição de 2018 será realizada sob a égide das novas
regras de distribuição de tempo que reduziram a apenas 10% do total a parcela igualitária.

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302 DIREITO PARTIDÁRIO

O avanço, inobstante, é insuficiente: faz-se premente o início de um processo


maior, direcionado à densificação da isonomia das contendas, mediante a concretização
legislativa do princípio da paridade de armas na disputa pela preferência do eleitor.
No campo da comunicação, a igualdade de oportunidades entre os candidatos
atua como um mandado de otimização da visibilidade das alternativas políticas, cujo
ponto neural se assenta na distribuição do acesso aos espaços publicitários no rádio e
na televisão segundo critérios equitativos, de modo a permitir que a opinião externada
nas urnas reflita uma decisão autodeterminada, surgidas no ocaso de um processo
de amadurecimento desenvolvido em um ambiente informativo saudável, livre de
dirigismos ou pressões ambientais.
No Brasil, o maior obstáculo à concretização desse princípio se encontra no modelo
de distribuição do tempo de propaganda no rádio e na televisão atualmente vigente. A
divisão do horário eleitoral gratuito em termos absolutamente desproporcionais tem
criado um sistema gravemente distorcido, que praticamente anula as chances da maior
parte dos concorrentes, contribuindo um sufocamento da oxigenação política, como
demonstra a arraigada consolidação do establishment político tradicional.
É preciso, pois, aperfeiçoar o arranjo, tornando-o apto à reprodução de ambientes
mais abertos, equilibrados e competitivos. Nessa busca, o presente trabalho propõe a
realização de um duplo ajuste no regramento vigente, no sentido de (i) elevar a fatia
de distribuição igualitária (considerando-se razoável um retorno aos 30% constantes
da redação original da Lei das Eleições) e (ii) cambiar o parâmetro de aferição da
representatividade para fins de distribuição da parcela proporcional, abandonando-se
o referencial isolado de representantes eleitos no último pleito para a Câmara dos
Deputados em favor de um norte mais lógico e justo, calcado no número de votos
apurados pelos diferentes partidos em todas as eleições do quatriênio antecedente. Os
ajustes apontados visam, basicamente, a promover uma maior equalização nos espaços
de interação entre candidatos e eleitores e, ademais, a otimizar o parâmetro para a
aferição da força real de cada partido no processo de conversão da representatividade
em espaços de publicidade na campanha eleitoral.

Referências
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ARONNE, Ricardo. Direito civil-constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. Porto Alegre: Livraria
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VOLGANE OLIVEIRA CARVALHO, FREDERICO FRANCO ALVIM
A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE OS CANDIDATOS E A DESSIMETRIA DO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO
303

BRASIL. Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006. Dispõe sobre propaganda, financiamento e prestação de contas
das despesas com campanhas eleitorais, alterando a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Disponível
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   . Lei nº 12.875, de 30 de outubro de 2013. Altera as Leis nºs 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 9.504,
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de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, para reduzir os custos das campanhas
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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
304 DIREITO PARTIDÁRIO

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

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candidatos e a dessimetria do horário eleitoral gratuito. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 281-304. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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PARTE V

DEMOCRACIA INTERNA DOS


PARTIDOS POLÍTICOS

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PÁGINA EM BRANCO

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CAPÍTULO 1

DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS

JOSÉ LUÍS BLASZAK

1.1 Considerações iniciais


A sociedade usa o sistema partidário para exercer o seu direito de votar e ser
votado a fim de compor as casas legislativas e ocupar cargos do Executivo. Para tanto,
a Constituição da República condiciona as candidaturas à filiação a um partido político.
Ressalva-se que tramitam no Supremo Tribunal Federal anseios pela candidatura avulsa,
mas nada decidido ainda.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o exercício de vontades de forma
democrática, do livre pensar, da livre escolha se destacaram entre as principais garantias
fundamentais. Essa democracia de vontade ganhou diversos contornos. Entre eles,
destaca-se o exercício de votar e ser votado sob a igualdade de condições nas disputas
entre partidos pela titularidade dos mandatos do Poder Executivo, e, na sequência, a
composição do Legislativo.
Em que pese a importância das disputas entre partidos, é no meio intrapartidário
que se quer dar especial atenção neste estudo, pois o exercício da democracia interna
tem sido muito desrespeitado, requerendo mudanças, em especial, do perfil organiza-
cional. Sem democracia interna, os partidos têm a legitimidade para exercer mandatos
comprometidos.
Dois temas se destacam ao se falar sobre revisão na democracia intrapartidária:
comissões provisórias e participação feminina nos diretórios.

1.2 A formação e a organização dos partidos na Constituição da


República e na legislação infraconstitucional
A organização dos partidos políticos se dá por meio dos estatutos e dos regimentos
internos, encontrando como principal fundamento o texto do §1º do artigo 17 da
Constituição Federal. Artigo este, que foi modificado pela EC nº 17/2017, de 4.10.2017.
A alteração constitucional acendeu ainda mais a discussão sobre o prazo de validade
para as comissões provisórias, órgão interno dito como o causador dos mais variados
percalços no cotidiano das agremiações.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
308 DIREITO PARTIDÁRIO

Diz o texto constitucional alterado que caberá, a partir de 4.10.2017, aos partidos
políticos fixarem prazo próprio em seus estatutos.
§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e
o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.

A EC nº 17/2017 parece ter resgatado a intenção que já dispunha a Lei nº


9.096/1995 – Lei dos Partidos Políticos, no seu art. 15:
Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas sobre:
[...]
IV – modo como se organiza e administra, com a definição de sua estrutura geral e
identificação, composição e competências dos órgãos partidários nos níveis municipal,
estadual e nacional, duração dos mandatos e processo de eleição dos seus membros;

O §1º do artigo 17 da CF vigente destaca que deve haver fixação de prazo de


duração dos órgãos permanentes e provisórios, porém, não fixa o lapso temporal máximo.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), não satisfeita com a alteração
constitucional, distribuiu em 27.12.2017 a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
58751, questionando o citado artigo e parágrafo. Isso, porque a alteração, de certa
forma, suspenderia o que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por ocasião das Eleições
Municipais de 2016, havia regrado com a edição da Resolução nº 23.471/2016, que alterou
o art. 39 da Resolução nº 23.465/2015, fixando lapso temporal máximo para os órgãos
provisórios dos partidos em 120 dias, verbis:
Art. 39 As anotações relativas aos órgãos provisórios têm validade de 120 (cento e vinte)
dias, salvo se o estatuto partidário estabelecer prazo razoável diverso.

A PGR manejou a ADI entendendo que a norma deverá ser ajustada às cláusulas
pétreas e que a autonomia concedida aos partidos não é plena, invocou que o Supremo
Tribunal Federal (STF) já enfrentou em parte as limitações da autonomia partidária em
Medida Cautelar na ADI nº 5311/DF:2
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI NACIONAL N. 13.107, DE 24 DE
MAÇO DE 2015. ALTERAÇÃO DA LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DA LEI ELEITORAL
(LEI 9.096/1995 E 9.504/1997). NOVAS CONDIÇÕES LEGAIS PARA CRIAÇÃO, FUSÃO E
INCORPORAÇÃO DE PARTIDOS POLÍTICOS. APOIO DE ELEITORES NÃO FILIADOS E
PRAZO MÍNIMO DE CINCO ANOS DE EXISTÊNCIA DOS PARTIDOS. FORTALECIMENTO
DO MODELO REPRESENTATIVO E DENSIFICAÇÃO DO PLURIPARTIDARISMO.
FUNDAMENTO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA.
INDEFERIMENTO DA CAUTELAR. 1. A Constituição da República assegura a livre criação,
fusão e incorporação de partidos políticos. Liberdade não é absoluta, condicionando-se aos
princípios do sistema democrático-representativo e do pluripartidarismo.

1
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5336273>.
2
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4758587>.

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JOSÉ LUÍS BLASZAK
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
309

2. São constitucionais as normas que fortalecem o controle quantitativo e qualitativo


dos partidos, sem afronta ao princípio da igualdade ou qualquer ingerência em seu
funcionamento interno.
3. O requisito constitucional do caráter nacional dos partidos políticos objetiva impedir
a proliferação de agremiações sem expressão política, que podem atuar como “legendas
de aluguel”, fraudando a representação, base do regime democrático.
4. Medida cautelar indeferida.

Enquanto não se resolve no STF, a temática ganha corpo proporcionalmente


aos embates internos tocante às candidaturas a cada eleição, considerando as ações
dos órgãos partidários superiores sobre os inferiores, por meio de intervenções nos
diretórios, por exemplo, formando novas comissões provisórias.
Contudo, mesmo com a alteração do texto do §1º do artigo 17 da Constituição
Federal, dia 20.2.2017, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu por
unanimidade, na sessão administrativa dessa terça-feira, RPP – Registro de Partido
Político nº 0001417-96.2011.6.00.0000, indeferir alterações feitas pelo Partido Social
Democrático (PSD) nos artigos 41 e 42 de seu estatuto partidário, por não mencionarem
prazo razoável de duração de suas comissões provisórias.
Noticiou o Tribunal Superior Eleitoral:
Além disso, a Corte aprovou o envio de sugestão ao Ministério Público Eleitoral (MPE)
para que o órgão revise os demais estatutos dos partidos registrados no TSE quanto à
“duração desmesurada das comissões provisórias”, atendendo ao pedido feito pelo ministro
Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, em seu voto divergente vencedor no caso.
(...)
Ao apresentar voto-vista sobre a solicitação do PSD, o ministro Tarcisio Vieira divergiu
do voto do ministro Herman Benjamin, por entender que os dispositivos da Resolução
23.465/2015 do TSE, quanto ao assunto, permanecem firmes.
“Não obstante a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 97, de [outubro de]
2017, ao parágrafo 1º ao artigo 17 da Constituição Federal, naquilo que assegura autonomia
dos partidos políticos para estabelecer a duração dos seus órgãos provisórios, tem-se que
a liberdade conferida não é absoluta, dada a previsão expressa do caput [do artigo 17],
no sentido de que as agremiações partidárias devem resguardar o regime democrático.
O TSE, alicerçado na sua competência regulamentar, editou a Resolução nº 23.465, em
2015, a qual prevê em seu artigo 39 que ‘as anotações relativas aos órgãos provisórios têm
validade de 120 dias, salvo se o estatuto partidário estabelecer prazo razoável diverso’”,
ressaltou o ministro.
O ministro Tarcisio Vieira salientou que, em julgamento anterior [PA 750-72], o TSE
destacou que “não há como se conceber que, em uma democracia, os principais atores da
representação popular não sejam igualmente democráticos”. O ministro lembrou que esse,
inclusive, é o comando no artigo 17 da Constituição Federal, que, ao assegurar a autonomia
partidária, “determina expressamente que sejam resguardados a soberania nacional, o
regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana”.
Assim, diante desses argumentos, Tarcisio Vieira afirmou que, “se repousar precisamente”
no caput do artigo 17 da Constituição, a Resolução TSE nº 23.465/2015 “mantém sua
higidez, não comportando leitura distinta daquela já adotada neste Tribunal Superior”.
Segundo o ministro, a alteração proposta pelo PSD em seu estatuto, “além de não satisfazer
anterior determinação desta Corte, ofende a regulamentação contida na resolução”. Isso
porque, acrescentou Tarcisio Vieira, a alteração prevê que a vigência do órgão provisório
apenas não poderá ultrapassar a data final de validade do diretório definitivo correspon-
dente, sendo passível de prorrogação, como dispõem itens do artigo 42 do estatuto do PSD.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
310 DIREITO PARTIDÁRIO

O ministro apontou ainda que a redação proposta pela legenda nos parágrafos 1º e 2º
do artigo 42 de seu estatuto “exprime lacunoso campo interpretativo, ao estabelecer
genericamente que a substituição, a alteração e a extinção dos órgãos provisórios atenderão
unicamente os interesses partidários, consideradas as peculiaridades políticas e partidárias
de cada localidade”. No caso, assinalou o ministro, sem “salvaguardar instrumentos
democráticos mínimos que materializem a garantia do exercício do contraditório e da
ampla defesa, especialmente quando em curso conflitos internos”.
Da mesma forma, Tarcisio Vieira disse que a alteração apresentada pelo PSD para o artigo
41 de seu estatuto, especialmente no inciso III, também é imprópria quando remete à
criação de novas comissões provisórias por meio de decisão sumária de intervenção no
órgão provisório anterior.3

Assim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº 5.875, deverá fixar as


regras em última instância sobre a duração razoável das comissões provisórias, uma vez
ser matéria constitucional. Enquanto isso, o TSE já deu o recado que somente aceitará
estatutos com lapso temporal máximo de 120 dias para as citadas comissões.
Como é de conhecimento amplo, os partidos políticos são pessoas jurídicas de
direito privado com precípua finalidade de reunir pessoas identificadas com uma
determinada sigla partidária. Em tempos não tão recentes, a identificação maior era
a ideologia insculpida criteriosamente nos estatutos das agremiações. No entanto, no
dizer da professora Eneida Desiree Salgado, os partidos passam por uma desideologização,
perdendo, inclusive, a sua função pedagógica (SALGADO, 2003, p. 7).
Devem, os partidos, reunir as pessoas em torno de ideias, identidades, objetivos,
culminando com projetos de poder de governo. Os partidos deveriam sempre ter como
projeto maior a boa e saudável disputa pelo poder de governar. É parte legítima da cidadania
governar e ser governado. O partido político foi a forma pensada na modernidade como
a mais sensata para a disputa entre grupos com objetivos de alcançar a governança.
Contudo, nos tempos atuais, se vê fenômenos transversos que contaminam o
objetivo partidário político. Os partidos ganharam retoques de grupos de interesses
diversificados em jurídicos, de negócios, de representatividade de classes, entre outros.
Com isso, é inegável a necessidade de se fazer uma releitura do exercício da
democracia na formação e administração dos partidos. Ao se idealizar a defesa da
democracia extrapartidária, faz-se necessária a construção interna das bases partidárias
à luz do que se prega fora. O cenário interno dos partidos aponta para uma séria crise
de exercício da democracia interna, sendo urgente refazer estatutos e regimentos.
Deve-se iniciar enfrentando um dos temas polêmicos em todos os partidos, qual
seja, as comissões provisórias.

1.3 Comissão provisória – Um órgão temporário


É amplamente divulgado que é pelas comissões provisórias que se governam os
partidos políticos na atualidade. É preciso pensar sobre isso.
A título de exemplificação, traz-se o texto tocante às comissões provisórias dos
estatutos dos 3 (três) partidos com maior bancada na Câmara dos Deputados.

3
<http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Fevereiro/desaprovados-itens-do-estatuto-do-psd-por-nao-
tratarem-de-prazo-de-duracao-de-comissoes-provisorias>.

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JOSÉ LUÍS BLASZAK
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
311

PMDB4 PT5 PSDB6


DAS COMISSÕES PROVISÓRIAS DAS COMISSÕES PROVISÓRIAS DAS COMISSÕES PROVISÓRIAS
Art. 41. Para os Estados ou Territórios Art. 56. Nos estados, municípios Art. 44. Para os Estados onde não
onde não houver Diretório e ou zonas onde não existam houver Diretório organizado, ou
Comissão Executiva Estadual Diretórios organizados ou que este tiver sido dissolvido ou se
organizados ou tiver ocorrido forem dissolvidos nos termos desconstituído, o Presidente da
dissolução, a Comissão Executiva deste Estatuto, serão nomeadas Comissão Executiva Nacional
Nacional designará uma Comissão Comissões Provisórias pelas designará Comissão Provisória com
Provisória de 7 (sete) membros, Comissões Executivas das instâncias no mínimo 7 (sete) membros, com
renovável, no máximo, duas vezes, imediatamente superiores e anotadas um presidente, um secretário e um
presidida por um deles, indicado perante a Justiça Eleitoral. tesoureiro, indicados no ato, que terá
no ato. §1º: As Comissões Provisórias as competências de Diretório e de
§1º. A Comissão Provisória referida Estaduais serão designadas pela Comissão Executiva Estaduais.
no caput incumbir-se-á, com a Comissão Executiva Nacional e serão Parágrafo Único. Quando necessário
competência de Comissão Executiva e formadas por 8 (oito) membros, a Comissão Provisória designará
de Diretório Estadual, de organizar e eleitores do estado e filiados ou também o Conselho de Ética e
dirigir, dentro de 90 (noventa) dias, a filiadas ao Partido. Disciplina e o Conselho Fiscal, nos
Convenção Estadual. §2º: As Comissões Provisórias termos deste Estatuto.
§2º. A convenção para organização Municipais serão designadas pela Art. 45. Para os municípios onde
do Diretório Estadual somente será Comissão Executiva Estadual do não houver Diretório Municipal
realizada após estarem organizados respectivo estado e serão formadas organizado, ou este tiver sido
1/3 (um terço), no mínimo, de dissolvido ou se desconstituído,
por 6 (seis) membros eleitores do
Diretórios Municipais, que a Comissão Executiva Estadual
município e filiados ou filiadas ao
representem 30% (trinta por cento) do ou, na falta desta, a Comissão
Partido.
eleitorado do Estado. Provisória Estadual, ou o Presidente
§3º: As Comissões Provisórias Zonais
§3º. A Convenção de que trata da Comissão Executiva Nacional,
serão designadas pela Comissão
o presente artigo será realizada designará Comissão Provisória com
Executiva do Diretório Municipal
independentemente da previsão do no mínimo 5 (cinco) membros, com
correspondente e serão formadas
calendário. um presidente, um secretário e um
por 6 (seis) membros eleitores no
Art. 42. No Município onde não tesoureiro, indicados no ato, que
município e filiados ou filiadas ao
houver Diretório e Comissão terá as atribuições do Diretório e da
Partido.
Executiva organizados ou tiver Comissão Executiva Municipais e
§4º: Para o cumprimento do disposto
ocorrido dissolução, a Comissão se incumbirá de organizar e dirigir
Executiva Estadual designará uma no parágrafo anterior, não estando
a Convenção Municipal, no prazo
Comissão Provisória de 5 (cinco) organizada a instância partidária que for estabelecido no ato de sua
membros, eleitores do município, responsável pela designação, a designação.
sendo um deles o Presidente, Comissão Provisória poderá ser Art. 46. Nos Municípios com mais
renovável, no máximo, duas vezes, a nomeada pela Comissão Executiva da de quinhentos mil eleitores, quando
qual incumbirá organizar e dirigir a instância imediatamente superior. algum Diretório Zonal deixar de
Convenção, que se realizará dentro Art. 57. A Comissão Provisória, com a realizar sua convenção no prazo
de 90 (noventa) dias, contados competência de Comissão Executiva determinado, ou não houver
da designação, exercendo ela as local, terá as atribuições de organizar Diretório Zonal organizado ou
atribuições de Comissão Executiva e e dirigir o Partido até a eleição da este houver sido dissolvido ou se
Diretório Municipal, competindo-lhe, respectiva instância de direção. desconstituído, a Comissão Executiva
também, a escolha dos candidatos a Art. 58. No ato de nomeação da Municipal ou, na falta desta, a
cargos eletivos, se for o caso. Comissão Provisória, a Comissão Comissão Provisória Municipal,
§1º. No caso de escolha de Executiva a que se refere o artigo designará uma Comissão Zonal
candidatos deliberará em conjunto 56 deverá fixar um prazo máximo Provisória de 3 (três) a 5 (cinco)
com os parlamentares filiados na para a constituição do Diretório membros, eleitores da Zona Eleitoral,
circunscrição. correspondente e designar, entre com um presidente e um secretário,
§2º. Aplicam-se às convenções de os membros indicados, no mínimo, indicados no ato, que terá as
que trata o caput deste artigo, no que um presidente ou presidenta, atribuições de Diretório e Comissão
couber, as disposições dos parágrafos um secretário ou secretária e um Executiva Zonais e se incumbirá de
do artigo anterior. tesoureiro ou tesoureira. organizar e dirigir a Convenção, no

4
<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-do-partido-pmdb-aprovado-em-18-12-2017
5
<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-do-partido-pt-de-3-6-2017-aprovado-em-17-10-2017>.
6
<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-psdb-de-9-12-2015-deferido-em-29-3-2016>.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
312 DIREITO PARTIDÁRIO

PMDB PT PSDB
Art. 43. Na hipótese do §1º do art. 14, §1º: A Comissão Provisória terá prazo que for estabelecido no ato de
não havendo Diretório e Comissão validade até eventual destituição sua designação.
Executiva Zonal organizados, a pela Comissão Executiva que a Art. 47. As Comissões Municipais,
Comissão Executiva Municipal nomeou, ou será válida até a data designadas nos termos do art. 45,
designará uma Comissão Provisória estipulada no caput deste artigo, dirigirão o Partido com as atribuições
de até 5 (cinco) membros, eleitores hipótese em que deverá ser nomeada de Diretório e Comissão Executiva
da base territorial correspondente, outra Comissão Provisória para Municipal e só serão autorizadas
sendo um deles o Presidente, a qual organização do Partido e constituição a organizar e dirigir a Convenção
se incumbirá de organizar e dirigir do respectivo Diretório. para eleição do Diretório, Delegados
a Convenção dentro de 90 (noventa) §2º: Se o Diretório for constituído e demais órgãos partidários, após
dias, e exercerá as atribuições de fora do calendário nacional de eleição o atendimento da exigência do
Diretório e Comissão Zonal. das direções, através de Processo número mínimo de filiados a que se
de Eleições Diretas Extraordinário refere o art. 163 e participação em
(PEDEX), o término do respectivo uma eleição, municipal ou geral,
mandato coincidirá com o mandato apresentando desempenho político-
dos eleitos e eleitas no Processo de eleitoral avaliado pela Comissão
Eleições Diretas (PED). Executiva Estadual segundo os
Art. 59. O PEDEX a que se refere o critérios, as diretrizes e orientações
parágrafo anterior será convocado estabelecidos em resolução da
a cada dois anos, e será obrigatório Comissão Executiva Nacional.
para a eleição das direções nos Art. 48. Quando for dissolvido o
municípios que não convocaram Diretório Nacional, a maioria dos
o PED, como também servirá para Presidentes das Comissões Executivas
eleger novas direções nos municípios Estaduais residuais designam uma
que já não mais tiverem o número Comissão Provisória com o poder
mínimo de membros para sua restrito de preparar a Convenção
validação. Nacional, dentro do prazo que for
Parágrafo único: Não constituída a estabelecido no respectivo ato.
direção municipal após a realização
do PEDEX, será nomeada nova
Comissão Provisória Municipal sem
a inclusão, dentre os seus membros,
dos dirigentes anteriores.
Art. 60. A instância nacional poderá
estabelecer, por meio de resolução,
o número mínimo de filiações
para a constituição dos Diretórios
Municipais ou Zonais, ouvidas as
instâncias estaduais, adotando como
base a relação do eleitorado do ano
imediatamente anterior à realização
dos Encontros Ordinários.

Os três estatutos estabelecem que as comissões executivas nacionais instalarão


comissões provisórias onde não houver diretórios organizados ou tiver ocorrido
dissolução de diretórios.
A antidemocracia tem ganhado corpo em grande número de casos quando se
trata de desalinhamento político entre as esferas internas dos partidos, ou seja, quando
há desobediência à chamada verticalização de posicionamentos. Por consequência, a
insatisfação superior robustece a figura do intervencionismo, lançando mão, especial-
mente, de uma ferramenta ditatorial denominada dissolução, ou seja, a dissolução dos
diretórios quando não há alinhamento político.
É de suma importância frisar que os diretórios devidamente constituídos são
revestidos de poder para o enfrentamento das instâncias internas superiores. Os
diretórios possuem legitimidade e respaldo legal para convocar convenções e registrar
candidaturas. Por isso, se torna necessária a sua dissolução para que prevaleça a vontade
divergente dos órgãos internos superiores, representados ora pelo diretório nacional

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JOSÉ LUÍS BLASZAK
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
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em relação a todos os demais ou ora pelo diretório regional quando indevidamente


estabelece a intervenção em diretórios municipais.
A questão a ser posta para melhor entendimento é exatamente a do desalinhamento
político interno, usando o intervencionismo como forma desrespeitosa às vontades das
bases, praticando-se por meio da ferramenta dissolução espécie de ditadura de vontades
prevalecentes de caciques, os quais agem como se fossem donos das agremiações.

1.4 O uso antidemocrático das comissões provisórias


Com o objetivo de se criar um time forte na disputa eleitoral, por vezes, as
estratégias de candidaturas são pensadas sob várias manobras de filiação e desfiliação,
bem como de interferência nos diretórios partidários. O mais grave é que tal prática
tem culminado em procedimentos nada democráticos.
Há uma identificação de procedimentos negativos pelos comandantes das
agremiações em geral. Os diretórios nacionais estão sob gerência de nomes de expressão
nacional, que ocuparam num passado recente mandatos de presidente da república,
senadores ou governadores. Representam, assim, uma espécie de liderança com
predominância de opiniões e escolhas.
Os diretórios estaduais, em forte sintonia com os diretórios nacionais, são liderados
por deputados federais ou estaduais que, na ativa, sonham em alçar voos mais altos na
política. Por isso, buscam sempre a sintonia fina com quem exerce o comando nacional
do partido. Quando a sintonia deixa de existir, cresce os enfrentamentos e os diretórios
nacionais exercem uma espécie de abuso de poder e interferem nos diretórios regionais,
aplicando a dissolução.
A maioria dos diretórios municipais é comandada por comissões provisórias
impostas pelos diretórios regionais.
Vejamos os textos estatutários dos partidos anteriormente exemplificados tocante
ao procedimento interno da intervenção e dissolução de diretórios.

PMDB7 PT8 PSDB9


DA DISSOLUÇÃO DA INTERVENÇÃO, DA DA INTERVENÇÃO, DISSOLUÇÃO
DOS ÓRGÃOS PARTIDÁRIOS DISSOLUÇÃO E DA DESTITUIÇÃO E DESTITUIÇÃO DE ÓRGÃOS
Art. 61. O Diretório que se tornar DE INSTÂNCIAS PARTIDÁRIA PARTIDÁRIOS
responsável pela violação do Seção I – Da intervenção nas Seção I – Da intervenção nos Órgãos
Código de Ética, dos princípios instâncias de direção Partidários
programáticos, do Estatuto, ou
Art. 247. As instâncias de Art. 136. Os órgãos do Partido só
por desrespeito a qualquer diretriz
direção poderão intervir nas intervirão nos hierarquicamente
ou deliberação regularmente
estabelecida pelos órgãos hierarquicamente inferiores para: inferiores para:
competentes, incorrerá na pena I – manter a integridade partidária; I – manter a integridade partidária;
de dissolução, que será aplicada II– garantir o exercício da democracia II – reorganizar as finanças e
pelo Diretório de hierarquia interna, dos direitos dos filiados, das regularizar as transferências de
imediatamente superior. filiadas e das minorias; recursos para outros órgãos

7
Idem.
8
Idem.
9
Idem.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
314 DIREITO PARTIDÁRIO

PMDB PT PSDB
§1º – Será também decretada III– assegurar a disciplina e a partidários, nos termos estabelecidos
a dissolução do Diretório cujo fidelidade partidárias; neste Estatuto;
desempenho eleitoral não IV – reorganizar as finanças e as III – preservar a linha política fixada
corresponder aos interesses do transferências de recursos para outras pelos órgãos competentes e as
Partido ou, a critério do órgão instâncias partidárias, previstas neste normas estatutárias;
hierárquico imediatamente superior, Estatuto; IV – impedir acordo ou coligação com
for considerado impeditivo do V– normalizar o controle das filiações outros partidos em desacordo com as
progresso e do desenvolvimento partidárias; decisões superiores;
partidários. VI – impedir acordo ou coligação com V – assegurar a disciplina, a
§2º – O pedido de dissolução será outros partidos em desacordo com as fidelidade e a ética partidárias;
formulado perante o Diretório decisões superiores; VI – garantir o exercício da
hierárquico imediatamente VII – preservar as normas democracia interna, dos direitos dos
superior, em petição fundamentada, estatutárias, a ética partidária, filiados e das minorias;
acompanhada dos elementos os princípios programáticos ou a VII – promover o desempenho
indispensáveis à formação da linha política fixada pelos órgãos político-eleitoral, de acordo com os
convicção. competentes; critérios, as diretrizes e orientações
§3º – O Diretório imputado será VIII – garantir o cumprimento das aprovados pela Comissão Executiva
intimado, para, no prazo de 5 (cinco) disposições partidárias sobre o Nacional.
dias, apresentar defesa escrita, processo político-eleitoral. VII – regularizar a prestação de
ficando-lhe assegurado o direito de §1º: O pedido de intervenção contas do órgão partidário quando
promovê-la, também oralmente, por será fundamentado e instruído não apresentada ou julgada não
20 (vinte) minutos, na sessão em que com elementos que comprovem prestada.
ocorrer o julgamento. a ocorrência ou a iminência das §1º. O pedido de intervenção será
§4º – Dissolvido o Diretório, será infrações previstas neste artigo. devidamente fundamentado e
promovido o cancelamento do
§2º: Até 5 (cinco) dias antes da data instruído com documentos que
seu registro, se da decisão não
da reunião que deliberará sobre a provem a ocorrência das infrações
houver recurso no prazo de 5
intervenção, deverá a instância visada previstas neste artigo.
(cinco) dias, para órgão hierárquico
ser notificada, por carta com aviso §2º. Recebido o pedido de
imediatamente superior.
de recebimento, para apresentar intervenção, o Presidente da
§5º – A dissolução será decretada
sua defesa por escrito ou apresentar Comissão Executiva imediatamente
pelo voto da maioria absoluta dos
defesa oral pelo prazo de 15 (quinze) superior deverá:
membros do órgão competente
minutos, na reunião do julgamento I – decidir se o caso s eenquadra no
imediatamente superior; tomada por
do pedido. art. 136-A;
dois terços dos membros titulares
§3º: A intervenção será decretada II – designar relator do processo;
será irrecorrível.
pelo voto de 60% (sessenta por cento) III – determinar a notificação do
§6º – O recurso recebido com efeito
dos membros do Diretório respectivo, órgão visado, que terá 8 (oito) dias
exclusivamente devolutivo será
devendo do ato constar a designação para apresentar defesa prévia, por
apreciado pelo órgão superior, no
prazo de 30 (trinta) dias. da Comissão Interventora, composta escrito.
§7º – As decisões proferidas em grau de 5 (cinco) membros, e o prazo de §3º. A intervenção será decretada
de recurso serão terminativas. sua duração. pelo voto da maioria absoluta dos
§8º – Se do ato de dissolução não §4º: O prazo da intervenção poderá membros da Comissão Executiva do
houver recurso ou, em havendo, ser prorrogado por ato da Comissão Diretório imediatamente superior,
for mantida a decisão, realizar-se-á Executiva que a decretou, enquanto devendo do ato constar a indicação
Convenção para escolha do novo não cessarem as causas que a dos nomes componentes da
Diretório, dentro de 90 (noventa) determinaram. Comissão Interventora, constituída
dias. §5º: A Comissão Interventora, uma de até 7 (sete) membros, e o prazo de
§9º – A dissolução pode ser requerida vez designada, estará investida de sua duração.
por qualquer filiado da circunscrição, todos os poderes para deliberar, §4º. No caso de a deliberação referida
Senador, Deputado Federal e aplicando-lhe, no que couber, a no parágrafo anterior ter sido
Estadual ou membro do Diretório competência de Comissão Provisória. tomada por maioria inferior a 3/5
Estadual. §6º: Da decisão que deliberar sobre a (três quintos) dos membros, o órgão
Art. 62. A dissolução do Diretório intervenção caberá recurso, sem efeito atingido poderá interpor recurso ao
Nacional só poderá ocorrer pelo voto suspensivo, no prazo de 10 (dez) dias, órgão imediatamente superior, no
da maioria absoluta dos membros da para o Diretório hierarquicamente prazo máximo de 7 (sete) dias.
Convenção Nacional, que convocará superior, e ao Encontro Nacional se o §5º. Quando o fundamento do pedido
nova Convenção para, dentro de 60 ato for do Diretório Nacional. de intervenção for o contido nos
(sessenta) dias, eleger novo Diretório. Seção II – Da dissolução e da incisos V e VI, a decisão prevista no
Art. 63. Dissolvido o Diretório, destituição de Comissões Executivas parágrafo anterior será precedida
dirigirá o Partido uma Comissão Art. 248. A dissolução de Diretório ou de parecer do Conselho de Ética e
Provisória, designada pela a destituição de Comissão Executiva Disciplina do nível do órgão que
Convenção que decretar a dissolução, poderá ser decretada nos casos de: decidir da intervenção.

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DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
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PMDB PT PSDB
com poderes restritos à preparação I – violação do Estatuto, do Programa §6º. A intervenção perdurará
da nova Convenção. ou da ética partidária, bem como enquanto não cessarem suas causas
Parágrafo único. Considera-se desrespeito a qualquer deliberação determinantes, permanecendo
dissolvido o Diretório que perder as regularmente tomada pelos órgãos os órgãos com suas atribuições
condições de deliberação (art. 28). superiores do Partido; suspensas.
II – indisciplina partidária; §7º. No caso de a deliberação
III– renúncia da maioria absoluta dos referida no parágrafo anterior ter
membros do Diretório. sido tomada por maioria inferior a
§1º: O Diretório ou Comissão 3/5 dos membros, o órgão atingido
Executiva objeto do pedido será poderá interpor recurso ao órgão
notificado, por carta com aviso de imediatamente superior, no prazo
recebimento, até 10 (dez) dias antes máximo de 7 (sete) dias.
da data da realização da reunião, §8º. Quando o fundamento de pedido
para apresentar defesa oral por 30 de intervenção for o contudo nos
(trinta) minutos; incisos V e VI, a decisão prevista no
§2º: Dissolvido o Diretório ou parágrafo anterior será precedida
destituída a Comissão Executiva, de parecer do Conselho de Ética e
ser-lhe-á negada a anotação na Disciplina do nível do órgão que
Justiça Eleitoral ou promovido o seu decidir da intervenção.
cancelamento, se já efetuado. §9º. A intervenção perdurará
§3º: A dissolução de Diretório ou a enquanto não cessarem suas causas
destituição de Comissão Executiva determinantes, permanecendo os
será decretada pelo voto da maioria órgãos com as suas atribuições
absoluta dos membros do Diretório suspensas.
hierarquicamente superior, devendo Art. 136-A. Em caso de gravidade
do ato de dissolução constar a e urgência, a Comissão Executiva
designação de uma Comissão Nacional, em caráter liminar, poderá
Provisória, observada para a sua decretar a imediata intervenção nos
composição as normas estabelecidas órgãos partidários de hierarquia
neste Estatuto. inferior, com a suspensão de suas
§4º: Da decisão que dissolver atribuições e nomeação de Comissão
Diretório ou destituir Comissão Interventora, constituída de até
Executiva, caberá recurso no 7 (sete) membros, com prazo de
prazo de 10 (dez) dias ao Diretório duração fixada no respectivo ato.
hierarquicamente superior, e ao §1º. Decretada a intervenção liminar,
Encontro Nacional, se o ato for nos termos deste artigo, o Presidente
do Diretório Nacional, que será da Comissão Executiva Nacional
recebido pela Comissão Executiva determinará a instauração do
correspondente com efeito processo nos termos dos incisos I e
suspensivo. III, do §2º do art. 136.
§5º: O efeito suspensivo previsto §2º. As Comissões Executivas
no parágrafo anterior não se aplica Estaduais poderão decretar
nos casos de resoluções ou matérias intervenção, em caráter liminar,
relacionadas ao processo eleitoral em relação aos órgãos municipais,
em que a legislação em vigor torne observadas as disposições
indispensável a aplicação imediata da estabelecidas neste artigo e
decisão de dissolução de Diretório ou assegurado à Comissão Executiva
destituição de Comissão Executiva. Nacional o direito de avocar o
processo de aplicação da medida.
§3º. A Comissão Interventora
nomeada por infração ao inciso
VIII do artigo 136, caberá, ainda,
a obrigação de prestar as devidas
contas à Justiça Eleitoral, no prazo
máximo de 30 (trinta) dias.
Seção II – Da Dissolução e Destituição
dos Órgãos Partidários
Art. 137. O Diretório ou a Comissão
Executiva responsável por violação
de disposições deste Estatuto,
especialmente o Programa ou as
diretrizes e princípios

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
316 DIREITO PARTIDÁRIO

PMDB PT PSDB
programáticos estabelecidos no art.
3º; que desrespeitar qualquer das
deliberações estabelecidas pelos
órgãos competentes, ou apresentar
desempenho político-eleitoral
inadequado, ou ainda que venha a ser
objeto de intervenção, poderá receber
a pena de dissolução ou destituição,
aplicada pelo órgão hierarquicamente
superior, pelo voto da maioria
absoluta de seus membros.
§1º. O Diretório ou Comissão
Executiva visados serão citados
para, no prazo de 5 (cinco) dias,
apresentar defesa escrita, ficando-lhes
assegurado o direito de apresentar
defesa oral, por 20 (vinte) minutos, na
sessão do julgamento.
§2º. Da decisão de dissolução ou
destituição caberá recurso para o
órgão imediatamente superior, no
prazo máximo de 7 (sete) dias da data
da notificação da decisão, cabendo
a este órgão, ao receber o recurso,
decidir imediatamente se lhe confere
ou não efeito suspensivo, e dar a
decisão final dentro do prazo máximo
de 30 (trinta) dias, sob pena de
cessação imediata da medida.
§3º. Dissolvido o Diretório ou
destituída a Comissão Executiva,
ser-lhe-á negada a anotação na
Justiça Eleitoral ou promovido o seu
cancelamento, se já efetuado.
§4º. As decisões proferidas em grau
de recurso são irrecorríveis.
Art. 137-A. Em caso de gravidade e
urgência e na ocorrência de quaisquer
das condições definidas no art.
137, caput, a Comissão Executiva
Nacional, em caráter liminar, como
medida preparatória do processo de
dissolução ou destituição, poderá
decretar a imediata intervenção nos
órgãos partidários de hierarquia
inferior, com a suspensão de suas
atribuições e nomeação de Comissão
Interventora, constituída de até
7 (sete) membros, com prazo de
duração fixada no respectivo ato.
§1º. Decretada a intervenção liminar,
nos termos deste artigo, o Presidente
da Comissão Executiva Nacional
determinará a instauração do devido
processo de dissolução ou destituição
do órgão, observadas as disposições
dos §§1º ao 4º, do art. 137.
§2º. As Comissões Executivas
Estaduais poderão decretar a
intervenção, em caráter liminar,
preparatória do processo de
dissolução ou destituição, em relação

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JOSÉ LUÍS BLASZAK
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
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PMDB PT PSDB
aos órgãos municipais, observadas as
disposições deste artigo e assegurado
à Comissão Executiva Nacional
o direito de avocar o processo de
aplicação da medida.
Art. 138. Quando for dissolvido o
Diretório Estadual, Municipal ou
Zonal, será designada Comissão
Provisória, nos termos das
disposições dos arts. 44 a 46, deste
Estatuto; quando houver a destituição
da Comissão Executiva, o Diretório
respectivo será convocado pelo seu
membro mais idoso para, dentro
de 30 (trinta) dias, eleger a nova
Comissão Executiva que terminará o
mandato da anterior.
Parágrafo Único. Se faltar menos de
um ano para o término do mandato
do Diretório dissolvido, a Comissão
Provisória poderá ser designada para
completar o mandato.

É de fácil constatação de que há diversas possibilidades de reprimendas internas


semelhantes e que facilmente podem desencadear cerceamentos de manifestações e
vontades dos filiados, culminando em processos administrativos disciplinares com
desfecho certo de intervenção ou dissolução.
É assustador se concluir que a maioria dos diretórios regionais e municipais são
comandados por comissões provisórias decorrentes de embates por desalinhamentos
políticos, de posicionamentos e orientações partidárias divergentes.
Ganha destaque a discussão tocante à falta de fixação de tempo determinado de
vigência das comissões provisórias, ferindo de morte o processo democrático interno
dos partidos políticos, pois além de coibir a marcha normal dos procedimentos de votar
e ser votado no processo de formação dos diretórios, faz perpetuar o comando por mão
de ferro dos que administram as agremiações.
Paulo Bonavides, em citação oportuna na ADI nº 5.875, inspira o ideal intrapar-
tidário:

A ditadura invisível dos partidos, já desvinculada do povo, estende-se por outro lado
às casas legislativas, cuja representação, exercendo de fato um mandato imperativo,
baqueia de todo dominada ou esmagada pela direção partidária. O partido onipotente,
a esta altura, já não é o povo nem a sua vontade geral. Mas ínfima minoria que, tendo os
postos de mando e os cordões com que guiar a ação política, desnaturou nesse processo de
condução partidária toda a verdade democrática. Quando a fatalidade oligárquica assim
se cumpre, segundo a lei sociológica de Michels, da democracia restam apenas ruínas.
Uma contradição irônica terá destruído o imenso edifício das esperanças doutrinárias no
governo do povo pelo povo. (BONAVIDES, 2000, p. 359)10

10
Idem.

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318 DIREITO PARTIDÁRIO

Em 2012, quando ocupávamos uma das cadeiras do Tribunal Regional Eleitoral


de Mato Grosso (TRE/MT), já manifestávamos posição tocante a essa matéria, refutando
de todo as comissões sem prazo determinado de validade.

RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA – DRAP – PARTIDO/


COLIGAÇÃO – CARGO – PREFEITO/VICE-PREFEITO – ELEIÇÕES 2012 –
REPRESENTATIVIDADE DE COMISSÃO DO PARTIDO/COMISSÃO PROVISÓRIA
– LEGITIMIDADE – DOCUMENTAÇÃO OFICIAL DA JUSTIÇA ELEITORAL – RECURSO
DESPROVIDO.
1. Tem legitimidade a responder pelo Partido e, em conseqüência, pela respectiva Coligação,
a Comissão constituída e embasada em documentação oficial da Justiça Eleitoral.
2. As Comissões Provisórias com tempo indeterminado devem ser expurgadas da dinâmica
desta Justiça Especializada. Se for provisória é de curto tempo, ou seja, o suficiente para
a prática de atos urgentes, devendo se manter até que se transforme em definitiva ou se
convoque eleições para tal.
3. A convenção deliberada por Comissão Provisória que não seja aquela oficialmente
reconhecida pela Justiça Eleitoral é nula de pleno direito, não podendo produzir efeitos.
(Registro de Candidatura n 17660, ACÓRDÃO n 21966 de 05.09.2012, Relator(a) JOSÉ LUÍS
BLASZAK, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 06.09.2012)

Por ocasião das últimas eleições municipais de 2016, o Ministro Luiz Fux, do
Colendo Tribunal Superior Eleitoral, relator do Recurso Especial Eleitoral nº 11228,
votou de forma contundente as limitações dos poderes praticados pelos partidos em
matéria de vigência das comissões provisórias, expressando, assim, o pensamento atual
da Corte no tocante às intervenções indevidas.

ELEIÇÕES 2016. DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DE ATOS PARTIDÁRIOS


(DRAP). COLIGAÇÃO FORMADA PELA PRIMEIRA CONVENÇÃO PARTIDÁRIA
MUNICIPAL. CONSTITUIÇÃO DE NOVA COMISSÃO PROVISÓRIA QUE REALIZOU
NOVA CONVENÇÃO PARTIDÁRIA EM DATA POSTERIOR. ANULAÇÃO DA PRIMEIRA
CONVENÇÃO POR ESSA NOVEL COMISSÃO PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ART. 7º,
§2º, DA LEI DAS ELEIÇÕES. PRERROGATIVA EXCLUSIVA CONFIADA AO DIRETÓRIO
NACIONAL. HIPÓTESES ESTRITAS DE DESCUMPRIMENTO DE SUAS DIRETRIZES
ANTERIORMENTE ESTABELECIDAS E DESDE QUE A INTERVENÇÃO DO ÓRGÃO
NACIONAL OBSERVE OS IMPERATIVOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Os partidos políticos, mercê da proeminência dispensada em nosso arquétipo consti-
tucional, não gozam de imunidade para, a seu talante, praticarem barbáries e arbítrios
entre seus Diretórios, máxime porque referidas entidades gozam de elevada envergadura
institucional, posto essenciais que são para a tomada de decisões e na própria conformação
do regime democrático. 2. A autonomia partidária, postulado fundamental insculpido no
art. 17, §1º, da Lei Fundamental de 1988, manto normativo protetor contra ingerências
estatais canhestras em domínios específicos dessas entidades (e.g., estrutura, organização e
funcionamento interno), não imuniza os partidos políticos do controle jurisdicional, a ponto
de erigir uma barreira intransponível à prerrogativa do Poder Judiciário de imiscuir-se
no equacionamento das divergências internas partidárias, uma vez que as disposições
regimentais (ou estatutárias) consubstanciam, em tese, autênticas normas jurídicas e, como
tais, são dotadas de imperatividade e de caráter vinculante. 3. O estatuto partidário denota
autolimitação voluntária por parte da grei, enquanto produção normativa endógena, que
traduz um pré-compromisso com a disciplina interna de suas atividades, de modo que sua
violação habilita a pronta e imediata resposta do ordenamento jurídico. 4. Os atos interna

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JOSÉ LUÍS BLASZAK
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
319

corporis dos partidos políticos, quando potencialmente apresentarem riscos ao processo


democrático e lesão aos interesses subjetivos envolvidos (suposto ultraje a princípios
fundamentais do processo) não são imunes ao controle da Justiça Eleitoral, sob pena de
se revelar concepção atávica, inadequada e ultrapassada, em um Estado Democrático de
Direito, como o é a República Federativa do Brasil (CRFB/88, art. 1º, caput). 5. O órgão
nacional da grei partidária ostenta a prerrogativa exclusiva de anular as deliberações e
atos decorrentes de convenções realizadas pelas instâncias de nível inferior, sempre que se
verificar ultraje às diretrizes da direção nacional, ex vi do art. 7º, §2º, da Lei das Eleições,
desde que indigitadas orientações não desbordem dos balizamentos erigidos pelos
imperativos constitucionais. 6. A jurisdição mais incisiva se justifica nas hipóteses em que
a disposição estatutária, supostamente transgredida, densificar/concretizar diretamente
um comando constitucional. 7. As discussões partidárias não podem situar-se em campo
que esteja blindado contra a revisão jurisdicional, adstritas tão somente à alçada exclusiva
da respectiva grei partidária, porquanto insulamento extremo é capaz de comprometer
a própria higidez do processo político-eleitoral, e, no limite, o adequado funcionamento
das instituições democráticas. 8. A Justiça Eleitoral possui competência para apreciar as
controvérsias internas de partido político, sempre que delas advierem reflexos no processo
eleitoral, circunstância que mitiga o postulado fundamental da autonomia partidária,
ex vi do art. 17, §1º, da Constituição da República – cânone normativo invocado para
censurar intervenções externas nas deliberações da entidade –, o qual cede terreno para
maior controle jurisdicional. 9. In casu, a) Foram constituídas duas Comissões Provisórias,
as quais realizaram duas Convenções Partidárias pelo PTB, em datas distintas e com
resultados destoantes em cada uma delas, o que ocasionou a formação de duas coligações
diversas. b) A primeira Convenção Partidária Municipal, realizada pela Primeira Comissão
Provisória, válida de 4.7.2016 a 27.7.2016, decidiu pela formação da Coligação “PARAR
NUNCA, AVANÇAR SEMPRE” e “AVANTE BANNACH”, integrada pelo PMDB, PP e PTB
(fls. 149). c) Após, ocorreu a segunda Convenção Partidária Municipal, organizada pela
Comissão Provisória, vigente entre 28.7.2016 a 15.8.2016, que, procedendo à anulação da
deliberação anterior (fls. 83), optou por formar a coligação “UNIDOS POR BANNACH”,
composta pelas seguintes greis PT, PCdoB, DEM, PSD, PEN e PTB. d) Para os Recorrentes,
a matéria debatida encerra “questão interna corporis do partido PTB, que, num primeiro
momento, decidiu contrário às diretrizes do Partido no âmbito regional e, então, houve a
substituição da comissão provisória”. e) A seu turno, a Corte Regional Eleitoral, em seu
aresto ora hostilizado, endossando as conclusões do juízo da 60ª Zona Eleitoral de Rio
Maria/PA, assentou vício de competência no ato anulatório levado ao cabo pela segunda
Comissão Provisória, porquanto apenas e tão somente o órgão de direção nacional ostenta
a prerrogativa legal, com caráter de exclusividade, de nulificar as deliberações das demais
instâncias partidárias (regionais e locais), quando contrárias às suas diretrizes, nos termos
do art. 7º, §2º, da Lei das Eleições. f) Como consectário, à luz das premissas expostas,
a decisão do Regional Eleitoral paraense não merece reparos, ante a impossibilidade
normativa de a novel Comissão Provisória Municipal anular a Convenção Partidária
primeva da agremiação, realizada pela Primeira Comissão Provisória do PTB e instituir
nova Convenção com formação de outra Coligação, desafia o indigitado art. 7º, §2º, da Lei
das Eleições. g) Ademais, os próprios Recorrentes afirmam, em bases peremptórias, que
a deliberação da Primeira Comissão Provisória contrariou “as diretrizes do Partido no
âmbito regional” (fls. 154 de suas razões recursais), e não as orientações do órgão nacional
– este, sim, suporte fático-jurídico de incidência da anulação da deliberação da Comissão
Provisória –, circunstância que impõe, também sob essa perspectiva, o não acolhimento
da pretensão recursal deduzida. 10. Ex positis, desprovejo o presente recurso especial
eleitoral, a fim de manter a Coligação “UNIDOS POR BANACH”, com a exclusão do PTB,
ante o reconhecimento da nulidade da segunda Convenção Partidária. (Recurso Especial

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320 DIREITO PARTIDÁRIO

Eleitoral nº 11228, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: PSESS – Publicado em
Sessão, Data 04.10.2016)

Os partidos não gozam de imunidade para praticarem barbáries e arbítrios entre


seus diretórios. A concentração de poder exercida pelos diretórios nacionais é de se
banir da organização partidária. O exercício de poder nos partidos deve ser aquele de
fomentação de ideias de governança para ocupação de cargos no Executivo e de ampla
representatividade e defesa de anseios populares ao compor o Legislativo – em qualquer
das esferas – municipal, estadual ou federal.

1.5 Participação feminina nos diretórios


Os diretórios dos partidos políticos, em todas as instâncias, sempre foram
compostos maciçamente por homens. O processo eleitoral nos anos 1980 inaugurou,
mesmo que acanhadamente, as participações femininas nas candidaturas.
Infelizmente, com o passar dos anos, mesmo com o advento em 1997 de texto legal
estipulando a reserva de gênero para registro de candidaturas de partidos e coligações,
conforme o art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/1997, não foi suficiente para garantir, ainda que
de forma gradativa, a participação real e efetiva da representatividade feminina nos
diretórios partidários. A realidade é que elas ainda lutam com muito sacrifício por
condições de igualdade com os homens no processo eleitoral em si, travando verdadeiras
guerras internas para garantirem as candidaturas, espaço na propaganda eleitoral,
financiamento de campanha, entre outros.
Não há mais como permanecer como está. A participação feminina efetiva e
equânime na vida partidária interna é uma garantia fundamental de exercício de
democracia que se denomina imperativa.
Traz-se para conhecimento e incremento da discussão o teor da Consulta nº
0603816-39.2017.6.00.0000,11 em tramitação no TSE, que foi feita no sentido específico
sobre a participação das mulheres nos diretórios partidários.
A consulta formula duas perguntas diretas ao Tribunal Superior Eleitoral, quais
sejam:

1) A previsão de reserva de vagas para candidaturas proporcionais, inscrita no §3º do


artigo 10 da Lei n. 9.504/97, deve ser observada também para a composição das comissões
executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais dos partidos políticos, de suas
comissões provisórias e demais órgãos equivalentes?
2) Caso a resposta ao primeiro quesito seja positiva, serão indeferidos pela Justiça Eleitoral,
nos termos da Resolução-TSE n. 23.465/2015, os pedidos de anotação dos órgãos de direção
partidária que não tenham observado os percentuais previstos no §3º do art. 10 da Lei
n. 9.504/97?

As duas perguntas formuladas na parte final da referida consulta é precedida


de fundamentada exposição, assinada pelos juristas Daniel Falcão e Rafael de Alencar

11
<http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/10/art20171031-16.pdf>.

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JOSÉ LUÍS BLASZAK
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
321

Araripe Carneiro, representando a Senadora Lidice da Mata e Souza.12 Destaca-se da


consulta.

Destarte, os efeitos práticos da norma insculpida no art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97 dependem,
necessariamente, do fortalecimento das mulheres no âmbito interno partidário, questão
essa cuja solução perpassa necessariamente pela inclusão de um maior número de mulheres
nas estruturas decisórias das agremiações.
Não se desconhece que a Constituição Federal, no §1º de seu art. 17, assegura autonomia
aos partidos políticos para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e
para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais.
Essa autonomia, todavia, condiciona-se à observância dos princípios contidos do caput do
art. 17, quais sejam: a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, e os
direitos fundamentais da pessoa humana. Portanto, longe de ser ilimitada ou absoluta, a
autonomia partidária deve se pautar nos vetores axiológicos da Constituição.
Nessa direção, cumpre frisar que a Constituição alberga o princípio da isonomia como
preceito fundamental, dispondo que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, e que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Essa prescrição obsta qualquer conduta discriminatória oriunda, dentre outros critérios,
de sexo, c estabelece a necessidade de se assegurar oportunidade para efetiva participação
de homens e mulheres nas esferas políticas.
O princípio do pluralismo político, por sua vez, implica, entre outros valores, no direito
de acesso igualitário de homens e mulheres a cargos eletivos, promovendo representações
políticas que reflitam a proporção de gêneros verificada na demografia do país.
Assim, uma harmonização entre o princípio da autonomia partidária e os pressupostos
constitucionais da isonomia e do pluralismo político mostra que os percentuais de
participação por gênero definidos pelo art. 10, §3º da Lei 9.504/97 devem ser observados
também na constituição dos órgãos partidários, como forma de promover uma maior
participação feminina nas esferas político-decisórias do país.

Nessa linha de convicção, algumas instituições manifestaram junto ao TSE, fazendo


juntada de petição de apoio à citada consulta, tais como Mais Mulheres no Direito,
Visibilidade Feminina, Procuradoria da Mulher no Senado Federal, representando a
bancada feminina e a Confederação Nacional dos Municípios.
Contudo, o parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral indica para respostas negativas
às perguntas formuladas na consulta em questão.

Consulta nº 0603816-39.2017.6.00.000013
PARECER
CONSULTA. AUTONOMIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS. REPRESENTATIVIDADE
FEMININA. ARTIGO 10 DA LEI N.0 9.504/97. RESERVA DE VAGAS. COMISSÕES
EXECUTIVAS E DIRETÓRIOS NACIONAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS. COMISSÕES
PROVISÓRIAS E ÓRGÃOS EQUIVALENTES.
A consulta ao Tribunal Superior Eleitoral sobre o âmbito de incidência e validade da norma
jurídica eleitoral não deve desbordar da solução do impasse normativo formal, cabendo,
pois, ao Tribunal Superior dizer aquilo que o legislador fez e, assim, aquilo que a norma é.
A consulta merece conhecimento quando proposta por ator legítimo, deduzida com
abstração e formulada sobre tema sindicável pelo TSE.

12
Idem.
13
<http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/10/art20171031-15.pdf>.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
322 DIREITO PARTIDÁRIO

O dito espaço “interna corporis” é tao autônomo quanto vinculado à Constituição, não
sendo, portanto, insindicável pela Justiça Eleitoral, respeitada a ontológica liberdade dos
partidos políticos, vital para o pluralismo e a democracia em um Estado Democrático de
Direito.
O legislador disciplinou percentuais mínimo e máximo de candidaturas por gênero em um
parágrafo em artigo (10º da Lei 9.504/97) sobre registro de candidaturas para “a Câmara dos
Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais”.
A toda literalidade, não se incluem nesse dispositivo cargos nele não enunciados, sobretudo
as comissões executivas e diretórios da democracia partidária interna, cuja disciplina
legislativa desafia a autonomia partidária e, portanto, não pode ser feita de modo implícito
ou dependente de construção criativa e elástica do alcance da norma legal.
Diante do exposto, o Ministério Público Eleitoral mas está-se pela resposta negativa ao
primeiro quesito, o que prejudica ao segundo quesito, com as ressalvas constantes da
presente pronunciamento.

O parecer ministerial, numa linha hermenêutica pura, opina no sentido de que


o texto legal, tocante às garantias de registro de candidaturas, não abre possibilidades
para extensão interpretativa para as questões interna corporis dos partidos.
Entendemos semelhantemente nesse ponto. É necessário constar uma garantia
legal a respeito do tema na Lei nº 9.096/1995 – Lei dos Partidos. Além dessa regra, pode-se
pleitear, de forma autônoma, ou seja, cada partido faça constar nos seus estatutos a
garantia de equidade de ocupação de cargos internos entre homens e mulheres.
Registra-se que persiste por si só a necessidade da releitura e reposicionamento
dos partidos quanto à matéria em debate por conta do momento de maior partici-
pação feminina na política pátria. Não há mais tempo a esperar para a efetivação da
participação feminina em todas as esferas políticas – intra e extrapartidárias. O tempo
do reconhecimento já acabou. Agora, é o tempo da efetividade. Somente a efetividade
cravará a democracia interna na história da vida intrapartidária.

1.6 A necessária democracia interna


A vida partidária é salutar. Não há democracia sem partidos. As candidaturas
avulsas, ainda em estudos, parece-nos uma espécie de partido de um só filiado,
representando ausência de coragem para o debate, não quer enfrentar as transformações
do partido pelo exercício do votar e ser votado internamente. Parece ser a ausência
da essência da democracia, uma ideia de antidemocracia. Porém, ao se considerar os
partidos como elementos indispensáveis para o exercício profícuo da democracia, eles
precisam consolidar o processo democrático como também um ideal interno.
A organização, disciplina e funcionamento dos partidos deve seguir regras. Os
estatutos já explicitam procedimentos de ordem para isso, devendo passar por aprimo-
ramento. Para a aceitação de uma boa disciplina interna dos partidos, os procedimentos
devem passar pelo crivo da transparência, ampla defesa, contraditório. Votar e ser
votado com clareza de candidaturas (campanhas e apuração), tempo determinado de
validade das comissões provisórias, limitação dos poderes das comissões, e, sobretudo,
limitação de poderes dos dirigentes, bem como a obrigatoriedade de as decisões serem
respaldadas pelos filiados em convenções. A garantia de maior participação dos filiados
nas diretrizes do partido é matéria inadiável nos estatutos partidários.

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JOSÉ LUÍS BLASZAK
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
323

Destaca-se do voto do Ministro Luiz Fux, no Recurso Especial Eleitoral nº 10380,


que o próprio TSE reconhece a legalidade da soberania dos diretórios nacionais sobre
os demais, a partir do entendimento sobre o art. 7º, §2º, da Lei dos Partidos. Destaca-se
que essa soberania carece de urgente revisão com necessária imposição de limitações.

Segundo a legislação eleitoral aplicável à espécie, apenas as diretrizes previamente


estabelecidas pelo Órgão Nacional do partido político é que devem ser observadas, de
forma compulsória, pelas demais instâncias partidárias (i.e., diretórios regionais e locais), o
que é extraído do art. 7º, §2º, da Lei das Eleições (Art. 7. [...]. §2º – Se a convenção partidária
de nível inferior se opuser, na deliberação sobre coligações, às diretrizes legitimamente
estabelecidas pelo órgão de direção nacional, nos termos do respectivo estatuto, poderá
esse órgão anular a deliberação e os atos dela decorrentes).
Se, em vez disso, a Comissão Provisória Municipal se opuser às deliberações fixadas pelo
Diretório Regional, inexiste legitimidade para que uma dada Comissão Executiva Estadual,
por exemplo, proceda à intervenção no órgão local, no afã de anular, em consequência, a
deliberação tomada em uma Convenção. É o ultraje às orientações instituídas pela instância
nacional do partido que autoriza a intervenção por parte do Diretório Nacional no órgão
de nível inferior, ex vi do precitado art. 7º, §2º, da Lei nº 9.504/97.
Neste pormenor, ao examinar o preceito, pontuou, com precisão, a eminente Ministra
Luciana Lóssio, em seu voto no AgR-REspe nº 114-03, DJ de 22.8.2013, que “a norma de
regência somente prevê a anulação de convenções que se opuserem a orientação do órgão de
direção nacional, cabendo a este, de forma exclusiva, declarar a nulidade do referido ato”.
Aliás, essa é a remansosa jurisprudência deste Tribunal Superior:
ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.
RECURSO ESPECIAL. DEFERIMENTO. DRAP. COLIGAÇÃO. JUSTIÇA COMUM.
INVALIDAÇÃO. INTERVENÇÃO. ÓRGÃO ESTADUAL. ÓRGÃO MUNICIPAL. PARTIDO.
INCOMPETÊNCIA. JUSTIÇA ELEITORAL. ANULAÇÃO. DECISÃO. SUBSISTÊNCIA.
CONVENÇÃO MUNICIPAL. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS.
1. Não cabe a esta Justiça Especializada desconsiderar ou anular decisão proferida pela
Justiça Comum que mantenha ou invalide ato interventivo de órgão partidário, ainda que
a Justiça Eleitoral seja competente para julgar questões interna corporis dos partidos que
tenham reflexo no pleito eleitoral. Precedentes. 2. Anulada pela Justiça Comum a intervenção
promovida pelo Órgão Estadual do partido no âmbito municipal, há de prevalecer a
convenção realizada pelo diretório municipal na qual se deliberou pela formação de
coligação entre os partidos PSDB/PDT/PSD. 3. Cabe ao Órgão nacional do partido anular
as deliberações e atos decorrentes de convenção na qual tenha o órgão de nível inferior
contrariado as diretrizes da direção nacional, consoante prescreve o parágrafo 2º do art.
7º da Lei nº 9.504/97. 4. É inviável o agravo regimental que não infirma os fundamentos
da decisão agravada. 5. Agravo regimental desprovido. (AgR-REspe nº 64-15/SC, Rei.
Min. Dias Toffoli, DJe de 12.3.2013)

A prática partidária interna não está em bom momento e precisa ser revista
com urgência a fim de oferecer aos cidadãos e cidadãs uma nova perspectiva do fazer
política nacional.
Na lição do professor Clèmerson Merlin Clève é dito que:

Na atual Constituição, portanto, e ao contrário do que ocorria na Constituição anterior,


possuem os partidos políticos liberdade de organização, podendo, ademais, definir as suas
normas de estrutura interna e funcionamento, as quais, evidentemente, poderão variar
de partido para partido. Se é certo, porém, que aos próprios partidos compete a definição
da respectiva estrutura interna, não é menos certo que pode a lei, respeitada a autonomia

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
324 DIREITO PARTIDÁRIO

conferida pela Constituição, fixar determinadas regras para efeito de compatibilizar a


liberdade partidária com outros postulados constitucionais de observância obrigatória.
Cumpre, então, deixar claro que a autonomia do partido imuniza a agremiação da
interferência indevida do legislador ordinário, mas não imuniza totalmente a agremiação
contra o atuar normativo do legislador, desde que compatível com os parâmetros fixados
pela Constituição. (CLÈVE, 2008, p. 19).

Isso significa que é possível dar continuidade ao perfil de autonomia organizacional


aos partidos, porém sempre sob observação dos ditames constitucionais necessários para
se garantir o espírito democrático interno na aplicação dos seus estatutos. Raymundo
Campos Neto leciona nesse sentido:

À luz da teoria de democracia de Dahl (1997), procura analisar o arranjo institucional


dos partidos consistente no conjunto de regras constantes nos estatutos partidários e em
regra informais continuamente cumpridas, que definem “[...] 1) a inclusão dos filiados
no processo decisório partidário e 2) a institucionalização da competição interna pelos
postos de direção partidária” (LACERDA, 2002, p.41).
Dessa forma, utilizando o marco teórico descrito, seria possível classificar os partidos polí-
ticos analogamente como ocorre com as democracias, como sendo partidos oligarquizados,
centralizado-inclusivo, centralizado-competitivo e inclusivo-competitivo (LACERDA,
2002), avaliando sistematicamente três princípios: (i) existência de limites no poder dos
dirigentes dos partidos; (ii) participação da militância na formação da vontade do partido
e (iii) reconhecimento e garantia eficaz dos direitos fundamentais dos filiados. Para
realizar o primeiro princípio eposto, deverá haver legitimação democrática dos dirigentes,
repartição efetiva do poder entre órgãos e controle recíproco, renovação temporal das
elites partidárias, e responsabilização dos dirigentes. Quanto ao segundo princípio, deve
haver a garantia do pluralismo político no interior do partido; circulação da informação
para formação livre de opinião; capacidade de cada um dos filiados participar, intervir e
influir nos processos de tomada de decisões e identidade de interesses e opiniões entre a
organização e seus filiados (PEREZ-MONEO, 2012). (CAMPOS NETO, 2017, p. 27)

A par disso tudo, a Lei nº 9.096/1995, Lei dos Partidos, precisa urgentemente
de releitura e inovações a fim de constar expressamente garantias fundamentais do
exercício político partidário com fixação de novas regras de direção, de fomentação
política e engajamentos sociais concretos, de participação popular, de processos internos
de votação com máxima transparência. As oligarquias e caciquismos políticos precisam
ser coibidos para dar maior amplitude democrática às agremiações com a participação
ativa de todas as camadas de filiados. O poder interno precisa ser descentralizado a
fim de oportunizar o robustecimento da sigla como sendo de propriedade de todos e
não de alguns. Faz-se necessária uma legislação que legitime da maior forma possível
a participação dos filiados no processo eleitoral interno e de organização.
Soma-se, ainda, a fixação de regras mais transparentes e de equidade na forma
de acesso e repartimento do fundo partidário. Os diretórios municipais sequer veem
algum valor, enquanto os regionais se queixam do quase nada. É assunto amplo para
outra discussão.
Diz a lei quanto à essência partidária, verbis:

Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no


interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender
os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.

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JOSÉ LUÍS BLASZAK
DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS
325

O artigo da lei acima citado deve ter hermenêutica firme a fim de tornar as
agremiações fortes e efetivas, despertando, assim, nos diversos cidadãos e cidadãs a
vontade de se filiar e defender os ideais insculpidos nos estatutos e bandeiras partidárias.
A maior força de um partido se dá quando ele é somente um partido. Nada
mais. Por consequência, a democracia interna estará devidamente garantida tal
como a Constituição da República idealizou, e, assim, a democracia externa ganhará,
automaticamente, um bom aliado.

1.7 A Justiça Eleitoral, em todo e qualquer tempo, como sede para


dirimir todas as questões de natureza interna corporis dos partidos
políticos
Ainda hoje se discute a competência para dirimir questões interna corporis dos
partidos políticos.
Após a Constituição Federal de 1988, os partidos políticos passaram a ser
considerados agremiações com personalidade jurídica de direito privado. Isso fez
com que até a data das convenções partidárias as pendengas deveriam ser resolvidas
na Justiça Comum. O deslocamento para a Justiça Eleitoral se dá, unicamente, após
deflagrado o processo eleitoral que, unanimemente, se entendeu como sendo a partir
das escolhas dos candidatos nas convenções partidárias.
Com o passar do tempo ficou claro que a divisão de competência não fez bem,
especialmente, para as causas intrapartidárias. O momento dos partidos políticos é de
revisão dessa divisão, com a preferência uníssona no sentido de que todas as causas
relacionadas ao direito eleitoral devem ter a justiça especializada eleitoral como a
competente.
O motivo é simples e único, ou seja, a matéria atrai a competência. O óbvio é que
a solução de um processo cuja matéria indica reflexos nas eleições, ainda que seja de
administração intrapartidária, deve tramitar no Juízo que tem mais afinidade com o
objeto, ou seja, eleitoral. Além desse patamar, os partidos políticos anseiam que além das
matérias com reflexos diretos nas eleições, os processos cujo objeto seja qualquer matéria
de cunho interna corporis possam ser dirimidos, de igual forma, na justiça especializada.
Assim, entende-se que o momento político brasileiro indica que a Constituição
Federal deve receber uma emenda elegendo a Justiça Eleitoral como competente para
dirimir as questões interna corporis dos partidos políticos em todo e qualquer tempo.

1.8 Conclusão
Os partidos políticos com suas amplitudes e garantias constitucionais são
instrumentos indispensáveis da consolidação do exercício da democracia pelo povo
brasileiro de forma ampla e irrestrita. Votar e ser votado é uma conquista consolidada
e é um dos principais sinais de democracia de uma nação. Ainda que haja quem diga
que até os países com governos ditatoriais possuem eleições, o que se quer diferenciar
é que estamos a falar em votar e ser votado de forma ampla e irrestrita.
Contudo, o exercício partidário externo do voto, como garantia constitucional
maior da democracia, precisa que ao seu lado haja o avanço de forma urgente do

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
326 DIREITO PARTIDÁRIO

exercício democrático interno partidário para consolidar, de fato, a democracia como


processo amplo, irrestrito, de liberdade e transparência.
A democracia interna dos partidos passa obrigatoriamente pelas mudanças
positivas tocante ao exercício das comissões provisórias e referente à participação
equânime entre homens e mulheres nos diretórios partidários municipais, estaduais
e nacionais.

Referências
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2000.
CAMPOS NETO, Raymundo. A democracia interna dos partidos políticos brasileiros. Belo Horizonte: D’Placido, 2017.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade Partidária impeachment e justiça eleitoral. Curitiba: Juruá, 2008.
COSTA, Adriano Soares. Fidelidade partidária, criação de novo partido e perda de mandato eletivo. Direito
Eleitoral. 2012. Disponível em: <http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com.br/2012/01/fidelidade-partidaria-
criacao-de-novo.html>. Acesso em: 01 jan. 2013.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. São Paulo: Atlas, 2012.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
SALGADO, Eneida Desiree. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, Fórum,
ano 3, n. 11, jan./mar. 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BLASZAK, José Luís. Democracia interna dos partidos. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 307-326. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 2

DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA


OLIGARQUIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS

RAYMUNDO CAMPOS NETO

2.1 Introdução
Os partidos políticos possuem autonomia garantida pelo art. 17 da Constituição
da República de 1988 e, assim sendo, os estatutos das agremiações partidárias têm força
equivalente à lei complementar, não podendo a lei ordinária sobrepor-se às normas
estatutárias relativas à estrutura interna, à organização e ao funcionamento.
Observa-se, ainda, que é livre a criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos
políticos, sendo obrigatório resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o
pluripartidarismo e os direitos fundamentais.
Note-se que, muito embora os partidos possuam autonomia, eles devem
obedecer àqueles princípios constantes do art. 17 da Carta Constitucional. Dessa forma,
entende-se que a autonomia dos partidos políticos não é absoluta, sendo considerada
uma autonomia mitigada.
Nesse contexto de autonomia partidária, buscar-se-á analisar o fenômeno da
oligarquização dos partidos políticos, como ela se manifesta no interior destes, quais as
suas causas e consequências, tanto para o partido político em si, como para o sistema
pluripartidário, um dos vetores da democracia brasileira.
Para tanto, utilizaremos o conceito e as características do processo de oligarquização
dos partidos das obras La democracia y los partidos políticos, de Moisei Ostrogorski, e
Sociologia dos partidos políticos, de Robert Michels.

2.2 Autonomia dos partidos políticos


Os partidos políticos são protagonistas nas democracias contemporâneas. No Brasil,
eles devem se submeter a um regramento legal para sua criação e institucionalização,
que segundo Vania Aieta, possui os seguintes objetivos:

A institucionalização dos partidos políticos busca alguns objetivos, a saber: a racionalização


da luta partidária, a garantia do financiamento dos partidos por vias legais, a facilitação e
o controle que o Estado deve exercer sobre a origem dos fundos econômicos dos partidos,

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
328 DIREITO PARTIDÁRIO

a exigibilidade de requisitos mínimos para a formação e a sobrevivência das legendas,


a obstrução do ‘partido laranja’ e o fortalecimento da democracia partidária. (AIETA,
2006, p. 222)

A Constituição da República de 1988, no art. 17, inserido no Título II – Dos Direitos


e Garantias Fundamentais, Capítulo V – Dos Partidos Políticos, traz o regramento
constitucional que direciona todas as regras infraconstitucionais sobre as agremiações
partidárias. O art. 17 da CRF/88 assim versa:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
I – caráter nacional;
II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
ou de subordinação a estes;
III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e
o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
§2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil,
registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
§3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II – tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.
§4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.
§5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no §3º deste artigo é
assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os
tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos
do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão. (BRASIL, 1988)

Em decorrência da autonomia concedida aos partidos pela Constituição da


República, o estatuto das agremiações partidárias tem força equivalente à lei comple-
mentar, não podendo a lei ordinária sobrepor-se às normas estatutárias relativas à
estrutura interna, à organização, ao funcionamento e à formação e duração de seus
órgãos permanentes e provisórios.
Segundo Eneida Desiree Salgado:

O texto constitucional revela a autonomia mitigada dos partidos políticos, justamente por
conta da posição que as agremiações ocupam no Estado Brasileiro. Ao impor a observância
da soberania nacional, do regime democrático, do pluripartidarismo e dos direitos
fundamentais da pessoa humana, há um recorte na sua capacidade de auto-organização e
funcionamento. Não se admite um partido político que tenha como seus objetivos a afronta

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RAYMUNDO CAMPOS NETO
DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA OLIGARQUIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
329

à soberania nacional, a volta do bipartidarismo ou a instalação de um regime de partido


único, a instituição de um regime autoritário ou a discriminação de um determinado grupo
social, ao menos declaradamente, em seus estatutos ou programas; distinta é a questão
de sua prática política. (SALGADO, 2013, p. 145)

O Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre a autonomia partidária quanto à


definição de sua estrutura, de sua organização e de seu funcionamento interno, conforme
abaixo, in verbis:

[...] O postulado constitucional da autonomia partidária criou, em favor dos Partidos


Políticos – sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização ou de
seu interno funcionamento – uma área de reserva estatutária absolutamente indevassável
pela ação normativa do Poder Público. Há, portanto, um domínio constitucionalmente
delimitado, que pré-exclui – por efeito de expressa cláusula constitucional (CF, art. 17,
§1º) – qualquer possibilidade de intervenção legislativa em tudo o que disser respeito à
intimidade estrutural, organizacional e operacional dos Partidos Políticos. Precedente: ADI
n. 1.063-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. PROCESSO ELEITORAL E PRINCÍPIO DA
RESERVA CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO CONGRESSO
NACIONAL (CF. art. 22, I) (ADI 1407 MC. Relator: Ministro Celso de Mello. Tribunal
Pleno. Julgado em 07/03/1996. DJ 24-11-2000 PP-00086 EMENT VOL-02013-10 PP-01974).1

Ademais, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral reconhece que é matéria


interna corporis os assuntos afetos à estrutura interna, organização e funcionamento dos
partidos:

Recurso. Filiação. Matéria interna corporis. Relação de filiados. Encaminhamento à Justiça


Eleitoral. Publicação. Autonomia dos Partidos Políticos. Recurso Provido. “A autonomia
dos partidos políticos quanto a sua estrutura interna, organização e funcionamento flui diretamente
da Constituição Federal para os estatutos, como se estes fossem uma lei complementar. A lei
ordinária, portanto, não pode se sobrepor ao que estiver nos estatutos, em se tratando de estrutura
interna, organização e funcionamento. Não sendo mais tutelados pela Justiça Eleitoral, como
ocorria no regime constitucional anterior, os partidos políticos é que podem atestar, pela
autoridade competente dos seus órgãos de direção, a filiação do eleitor aos seus quadros.
A obrigação de remessa da lista de filiados ao cartório eleitoral é salvaguarda do próprio
filiado contra eventual manobra da cúpula partidária visando alijá-lo [...]” (Acórdão TSE
15.384C, de 05.09.1998, da lavra do Relator designado Ministro Edson Carvalho Vidigal,
vencido o Relator Ministro José Néri da Silveira, que não conhecia do recurso e, no mesmo
sentido, Acórdão TRESC 16.120, de 22.03.2000, relatado pelo eminente Des. Alberto Luiz
da Costa). (Ac. TRESC 16.187, 11.05.2000, Rel. André Mello Filho)2

Dessa forma, o partido político não poderá atuar de forma a infringir princípios
constitucionais, muito embora tenha autonomia para se auto-organizar e autodirigir,
até mesmo, para desenvolver práticas e estruturar o partido de forma a privilegiar a
concentração de poder na mão de um grupo de pessoas ou para buscar a democracia
interna.

1
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000101873&base=
baseAcordaos>. Acesso em: 10 out. 2016.
2
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor>. Acesso em: 1º set. 2016. Grifos nossos.

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330 DIREITO PARTIDÁRIO

2.3 Processo de oligarquização


Percebe-se que Robert Michels, em sua obra Sociologia dos partidos políticos,
inspirada nas ideias de Mosca e de Pareto, dedica-se a estudar a estrutura dos grandes
partidos de massa, especialmente o Partido Social-Democrático alemão (BOBBIO, 2010).
A obra de Michels, segundo Bobbio (2010, p. 386), constitui “[...] uma confirmação
histórica e empírica da teoria elitista, uma verificação num campo específico como no
dos partidos de massa e, mostrando a possibilidade de sua mais ampla aplicação”.
Partindo da ideia da necessidade de representação nos partidos políticos para
que as decisões sejam tomadas de forma refletida e segura, Robert Michels afirma:

Uma grande multidão reunida num pequeno espaço é incontestavelmente mais acessível
ao pânico cego ou ao entusiasmo irrefletido que um pequeno grupo, no qual os membros
podem discutir tranquilamente entre si.
[...]
É um fato da experiência diária que as gigantescas reuniões populares aprovam geralmente
por aclamação, ou por voto em bloco, as resoluções às quais essas mesmas assembleias,
divididas em seções de cinquenta pessoas, por exemplo, evitariam dar a sua adesão. Assim
agem os grandes partidos em seus congressos, onde estão reunidos, contudo a elite de
seus membros. Atos e palavras são menos pesados pela massa que por indivíduos ou por
pequenos grupos que a compõem. Este é um fato incontestável. Ele é uma manifestação
da patologia das massas. A multidão anula o indivíduo, e, desse modo, sua personalidade
e seu sentimento de responsabilidade.
[...]
Mas, o mais formidável argumento contra a soberania das massas é tirado da impossibilidade
mecânica e técnica de sua realização. Basta querer reunir regularmente deliberantes de
milhares de membros para nos vermos às voltas com as maiores dificuldades de tempo e
de espaço. E a coisa se tornará, do ponto de vista topográfico, completamente impossível,
se o número de membros atingir, por exemplo, dez mil. Mesmo imaginando-se meios de
comunicação mais perfeitos do que aqueles de que dispomos, como seria possível reunir
tamanhas multidões em um determinado local, em horas fixas e com a frequência que
impõem as exigências da vida partidária. E não falamos da impossibilidade em que se
encontraria o orador, mesmo o mais poderoso, de fazer-se ouvido por uma massa de dez
mil pessoas. (MICHELS, 1982, p. 17-18)

Dessa forma, a soberania das massas daria lugar à necessária representação


política, tendo em vista a impossibilidade de deliberação de um número grande de
cidadãos em um espaço limitado. Mesmo em um partido político torna-se inviável a
deliberação de um grupo grande de filiados, sendo necessária a eleição de delegados.
Ao lado da necessidade de eleger delegados, há a necessidade de profissionalização e
especialização técnica das pessoas dirigentes e chefes em geral (MICHELS, 1982).
Segundo Robert Michels:

A especialização técnica, esta consequência inevitável de qualquer organização mais ou


menos extensa, torna necessário o que chamamos direção dos negócios. Daí resulta que
o poder de decisão, considerado como um dos atributos específicos da direção é pouco
retirado das massas e concentrado exclusivamente nas mãos dos chefes. E estes, que antes
não eram senão os órgãos executivos da vontade coletiva, em breve se tornam independentes
das massas, frustrando-se ao seu controle. (MICHELS, 1982, p. 21)

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RAYMUNDO CAMPOS NETO
DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA OLIGARQUIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
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Nesse compasso, à medida que a organização se desenvolve e cresce em número de


filiados, “[...] o direito de controle reconhecido à massa torna-se cada vez mais ilusório”
e os partidos são obrigados a confiar a tarefa administrativa há certas pessoas. Dessa
forma, só sobraria aos filiados contentar-se com prestações de contas sumaríssimas ou
recorrer a comissões de controle (MICHELS, 1982, p. 22).
Na obra de Moisey Ostrogorski, extrai-se, também, ideias que se filiam à teoria
elitista,3 sobre o que ocorre no interior do partido político, especialmente quanto ao
fenômeno da burocratização de sua estrutura.
De acordo com Robert Michels, um dos problemas do sistema representativo
seria a utilização permanente do poder de representação pelo representante de uma
massa heterogênea, nos mais diversos assuntos e problemas “[...] criados pela crescente
desigualdade da nossa vida política e econômica [...]”. Isso “[...] equivaleria a uma
hegemonia dos representantes sobre os representados” (MICHELS, 1982, p. 25). Somente
haveria possibilidade da representação legítima, em certos casos isolados, “quando
se trata, por exemplo, de questões de contornos nítidos e flexíveis, e quando, por
superposição, a delegação é de curta duração” (MICHELS, 1982, p. 25). Essa opinião é
bastante próxima a de Ostrogorski (2008), que defende como solução para este problema
que os partidos existam até que um determinado objetivo específico seja atingido ou
em caráter precário ou por prazo determinado.
O partido político como organização permanente, com um programa que
abarque diversos assuntos e objetivos, cederia lugar a organizações precárias limitadas
a objetivos particulares. Dessa forma, o partido “[...] deixaria de ser uma amálgama de
grupos e indivíduos reunidos por um acordo fictício e constituiria numa associação
cuja homogeneidade estaria assegurada por um único objetivo” (OSTROGORSKI, 2008,
p. 68, tradução nossa).
Nesse contexto de representação política, Ostrogorski (2008) critica o monopólio
da representação pelos partidos políticos, dado que aceito esse monopólio, o sistema de
partidos seria democrático somente na aparência, tendo em vista que reduz as relações
políticas a um conformismo meramente exterior. Tal formalismo do sistema partidário
acentua as debilidades do governo democrático, retirando do cidadão o poder de coação
moral exercido contra os governantes (OSTROGORSKI, 2008).
Segundo Ostrogorski (2008), com o monopólio da representação política pelos
partidos, há a tendência de que “[...] os cidadãos votem docilmente em um ‘cão amarelo’
porque leva as cores do partido; assistem impassíveis às desordens da vida pública
porque a bandeira de seu partido cobre essas mazelas” (OSTROGORSKI, 2008, p. 42-43,
tradução nossa).
Por sua vez, a passividade da massa de cidadãos comprometeria a ideia do governo
democrático que exige a participação ativa dos cidadãos. A máxima de Montesquieu,
que atribui à democracia como princípio, não seria realista, dado que em todas as

3
Segundo Bobbio: “Por teoria das Elites ou elitista – de onde também o nome de elitismo – se entende a teoria
segundo a qual, em toda a sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora
do poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada. Uma vez que, entre todas as formas de poder
(entre aquelas que, socialmente ou estrategicamente, são mais importantes estão o poder econômico, o poder
ideológico e o poder político), a teoria das Elites nasceu e se desenvolveu por uma especial relação com o estudo
das Elites políticas, ela pode ser redefinida como a teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder político
pertence sempre a um restrito círculo de pessoas: o poder de tomar e de impor decisões válidas para todos os
membros do grupo, mesmo que tenha de recorrer à força, em última instância” (BOBBIO, 2010, p. 385-386).

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332 DIREITO PARTIDÁRIO

democracias, a virtude democrática não é predominante e sua realização efetiva não é


provável. O espírito público nas massas revelar-se-ia com inconstância, com acessos de
civismo exasperado e geralmente violentos “[...] parecidos a essas erupções vulcânicas
que, em princípio, expurgam fogo e chamas, e deixam atrás de si somente lava e lama
fria” (OSTROGORSKI, 2008, p. 36, tradução nossa). Corroborando essa visão, Robert
Michels (1982) afirma que “[...] representar significa fazer aceitar, como sendo vontade
da massa, o que não passa de vontade individual” (MICHELS, 1982, p. 25).
Assim, na visão de Ostrogorski (2008), a democracia seria menos capaz de
realizar o espírito público nas condições da civilização moderna, dado que ela, a cada
dia, revela-se mais complexa e os interesses privados preponderam sobre o interesse
público. Ainda segundo o autor elitista “[...] o cidadão, como ser humano, é egoísta
e está disposto a sacrificar o interesse da cidade (interesse público), que parece a ele
mais distante e menos urgente, em busca do seu sustento e outras preocupações que
o absorvem” (OSTROGORSKI, 2008, p. 37, tradução nossa). Nesse diapasão, o sistema
partidário agravaria o afastamento do cidadão das questões públicas.
Outro fator observado por Michels (1982) e que repercute na democracia interna
dos partidos políticos seria o sistema eleitoral indireto adotado. Segundo Robert Michels:

Mesmo nos Congressos que representam a quintessência do partido, passando através


de sete crivos, vemos cada vez mais estabelecer-se o hábito de devolver as questões
importantes a comissões que deliberam a portas fechadas.
[...]
Esta metamorfose não decorre nem de convenções especiais, nem de mudanças nos estatutos.
É pela força das coisas que um simples empregado consegue elevar-se à condição de chefe
e a adquirir uma liberdade de ação que ele não deveria possuir. O chefe habitua-se então
a despachar a maioria dos assuntos importantes e a resolver um número cada vez maior
de questões relacionadas à vida do partido; e isto por sua própria iniciativa, sem consultar
nem pedir a colaboração das bases.
[...]
É assim que a esfera do controle democrático se estreita progressivamente, para reduzir-se,
finalmente, a um mínimo insignificante. Em todos os partidos socialistas, o número de
funções retiradas das assembleias eleitorais e transferidas aos conselhos diretivos aumenta
incessantemente. Eleva-se, desse modo, um imponente edifício, de estrutura complicada.
O princípio da divisão do trabalho, impondo-se cada vez mais, as jurisdições se dividem
e subdividem. Forma-se uma burocracia rigorosamente delimitada e hierarquizada. A
observação rigorosa de regras hierárquicas torna-se o primeiro artigo do catecismo que
delineia e define os deveres do partido. Esta hierarquia é o resultado das necessidades
técnicas e a condição mais essencial do funcionamento regular da máquina do partido.
(MICHELS, 1982, p. 22-23)

A crescente profissionalização dos partidos ocorre diante do amadurecimento


gradual da organização, da necessidade de contratação de chefes profissionais e não
mais ocasionais, com dedicação remunerada e exclusiva. Toda organização partidária
exige certo número de pessoas que lhe dediquem toda a sua atividade, portanto “a massa
delega, então, o contingente necessário, e os delegados, munidos de uma procuração
formal, representam a massa de forma permanente e abandonam suas outras atividades”
(MICHELS, 1982, p. 23).
Dessa forma, o partido amadurecido burocratiza-se e a direção torna-se oligárquica.
O partido deixa de ser meio e passa a se tornar fim. Todos os órgãos e instrumentos

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RAYMUNDO CAMPOS NETO
DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA OLIGARQUIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
333

que em princípio eram destinados a assegurar “[...] o funcionamento da máquina do


partido – subordinação, cooperação harmoniosa dos membros individuais, relações
hierárquicas, discrição, correção – acaba-se atribuindo mais importância que ao grau
de rendimento da máquina” (MICHELS, 1982, p. 223).
O processo denominado por Angelo Panebianco (2005) como institucionalização
é muito similar ao fenômeno da burocratização de Moisei Ostrogorski (2008) e Robert
Michels (1982) quanto a seus efeitos relativos à organização partidária, em especial, ao
processo de oligarquização, in verbis:

Institucionalização é efetivamente o processo por meio do qual a organização incorpora


valores e objetivos dos fundadores do partido. [...] Se o processo de institucionalização
tem sucesso, a organização perde, pouco a pouco, o caráter de instrumento estimado não
por si mesmo, mas somente em vista dos objetivos organizativos: adquire valor em si, os
objetivos são incorporados à organização, e dela se tornam inseparáveis e, geralmente,
indistinguíveis. Característico de um processo de institucionalização bem-sucedido é o fato
de que, para a maioria, o “bem” da organização tende a coincidir com os seus objetivos:
ou seja, tudo o que “for bom” para o partido, que for em direção ao seu fortalecimento
vis-à-vis às organizações concorrentes, tende a ser considerado automaticamente como
parte integrante do próprio objetivo. A organização tornar-se, ela própria “objetivo” para
uma grande parte dos seus filiados e, desse modo, “carrega-se” de valores. (PANEBIANCO,
2005, p. 101)

Diante desse cenário, a única preocupação da oligarquia seria “[...] afastar tudo
que seja suscetível de introduzir-se nas rodas da sua engrenagem, ameaçando assim,
senão o próprio organismo, então sua forma externa representada pela organização”
(MICHELS, 1982, p. 223).
A oligarquização do partido político, também, funda-se na ideia da necessidade
de outorgar a uma elite os poderes para definir e executar ações com a agilidade
necessária a fim de alcançar os objetivos perseguidos pela organização. Neste sentido,
Robert Michels explicita:

Ferdinand Lassalle que fundou um partido operário de ação revolucionária [...] sustentava,
principalmente, que a ditadura imposta por ele à sociedade, deveria ser considerada como
justificada na teoria e indispensável do ponto de vista prático. As milícias, dizia ele, devem
seguir docilmente seu chefe, etoda a associação deve ser como um martelo nas mãos dele.
[...] Num partido, e particularmente, num partido de combate, a democracia não se presta
ao uso doméstico; ela é, sobretudo, um artigo de exportação. É que toda organização
política precisa de um “equipamento leve, que não incomode inutilmente os movimentos”.
A democracia é completamente incompatível com a prontidão estratégica, e suas forças não se
prestam a uma ação rápida. Daí a hostilidade do partido político, mesmo democrático, com relação
ao referendum e a todas as outras medidas de prevenção democrática: daí também a necessidade de
uma constituição que, sem ser cesariana no sentido absoluto da palavra, não deixa de ser fortemente
centralizada e oligárquica. (MICHELS, 1982, p. 27-28, grifo nosso)

Um fator que alimentaria o livre processo de oligarquização seria a passionalidade


dos cidadãos em assuntos relacionados à política e, nos partidos políticos, a abstenção
voluntária dos filiados na participação das decisões do partido. A participação popular,
no âmbito externo, e a participação partidária, no âmbito interno da organização, são
restritas a grupos reduzidos de pessoas que tomam as decisões pelo todo, conforme
pontuado por Robert Michels:

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Não é exagero afirmar que entre os cidadãos que gozam de direitos políticos, o número
dos que realmente se interessam pelos assuntos públicos é insignificante. Entre a maioria,
o significado das relações íntimas existentes entre o bem individual e o bem coletivo
está muito pouco desenvolvido. A maior parte não tem a mínima ideia das influências
e consequências que os assuntos desse órgão que chamamos de Estado podem exercer
sobre seus interesses privados, sobre sua prosperidade e sobre sua vida.
[...]
Na vida dos partidos democráticos, podemos observar sinais de uma indiferença política
análoga. Apenas uma minoria, e às vezes uma minoria irrisória, participa das decisões do
partido. As resoluções mais importantes, tomadas em nome do partido rigorosamente
mais democrático, isto é, do partido socialista, emanam, com muita frequência, de um
pequeno número de partidários.
[...]
É verdade que a renúncia ao exercício dos direitos democráticos é uma renúncia voluntária,
salvo nos casos muito frequentes, em que a massa organizada é impedida de participar
ativamente da vida do partido, por condições geográficas ou topográficas. Em todo o caso,
é certo que, de uma maneira geral, é a organização urbana que decide sozinha. Quanto
aos membros que habitam no campo ou nas cidades do interior distantes dos grandes
centros, seu papel se limita ao cumprimento dos deveres sociais: pagamento das cotas e
votação, durante as eleições, em favor dos candidatos designados pela organização da
cidade grande. (MICHELS, 1982, p. 33)

Um grupo de pessoas participa com mais frequência nas sessões e decisões do


partido político “[...] como aqueles dos devotos que frequentam as igrejas, de duas
categorias bem diferentes: a categoria dos que são animados pelo nobre sentimento do
dever e a categoria dos que só vão às sessões por hábito”, sendo que “a maioria dos
organizados tem pela organização a mesma indiferença que a maioria dos eleitores tem
pelo Parlamento” (MICHELS, 1982, p. 34).
Ao lado disso, o fator estabilidade dos dirigentes partidários também promoveria
o processo de oligarquização. Esta estabilidade seria consequência, conforme Robert
Michels, da adoração de lideres4 que muitas vezes personificam os ideais do partido; e
também do fenômeno da cooptação e do nepotismo, que são utilizados pelos dirigentes
para se manter no poder. A cooptação de lideranças é utilizado na formação de grupos
fechados, causando um distanciamento entre o chefe e os filiados. O nepotismo também
se revela como instrumento de criação de grupos fechados, promovendo a concentração
do poder em pequenos grupos.
Michels (1982) diz, ainda, que:

À medida que os chefes se distanciam das massas, eles cooptam efetivos e se mostram
cada vez mais dispostos a ocupar os vazios que se produzem em seus quadros, não pela
via da eleição popular, mas pela cooptação; a aumentar seus efetivos criando, por sua
própria iniciativa, sempre que isso for possível, novos postos. Os chefes tendem, por assim
dizer, a isolar-se, a formar uma espécie de cartel, a rodear-se de um muro que só pode ser
transposto por aqueles que os agradam (MICHELS, 1982, p. 66).
[...]

4
Segundo Panebianco: “os líderes são aqueles que controlam as principais áreas de incerteza, cruciais para a
organização, e que podem usar esse recurso nas negociações internas (nos jogos de poder)” (PANEBIANCO,
2005, p. 45).

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RAYMUNDO CAMPOS NETO
DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA OLIGARQUIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
335

Na apresentação dos candidatos políticos se manifesta ainda um outro fenômeno oligárquico


grave: o nepotismo. A escolha de candidatos depende quase sempre de uma pequena
coligação formada por chefes e subchefes locais que impõe à maioria dos camaradas seus
próprios candidatos. Em muitos casos, o colégio eleitoral é considerado simplesmente
uma prioridade de família. (MICHELS, 1982, p. 67)

Ademais, outro fator de estabilidade, conforme Michels (1982), seria a duração


extensa do mandato dos delegados. Observa-se:

Da delegação de fato nasce o direito moral à delegação. Os delegados eleitos uma vez ficam
no cargo sem interrupção, a não ser pela observância excepcionalmente escrupulosa de
disposições estatutárias ou por acontecimentos completamente extraordinários. A eleição
realizada para ter uma duração determinada torna-se um cargo para o resto da vida. O
hábito se transforma em direito. O indivíduo regularmente delegado para um certo período
acaba pretendendo que a delegação constituía sua propriedade. Se lhes negam a reeleição
ele imediatamente ameaça com represálias, das quais a demissão ainda é a menos grave,
que terão por efeito semear a confusão entre seus camaradas. E essa confusão terminará
quase sempre [...] com sua vitória. (MICHELS, 1982, p. 31)

A luta pelo poder dentro das organizações, também, é tratada por Michels
(1982). No interior de uma organização oligárquica, há grupos que pretendem tomar o
poder, suplantando o grupo a fim de inaugurar uma nova oligarquia, que não foge às
regras e mecanismos oligárquicos (MICHELS, 1982). O autor enumera os motivos das
divergências, que podem ser: de ordem pessoal, de teorias e de ordem intelectual, e.g.,
sobre a tática que deve ser adotada em uma determinada situação:

Toda oligarquia é suspeita em relação aos seus próprios aspirantes, nos quais ela busca
não apenas seus herdeiros eventuais, mas também sucessores prontos a suplantá-la sem
esperar sua morte natural. É, para servir-nos de uma expressão yankee, uma luta entre
os ins e os outs, entre os que não estão dentro e os que esperam do lado de fora, entre os
capitães e os aspirantes ao capitanato. (MICHELS, 1982, p. 97)

Dessa forma, independentemente do grupo minoritário, a estrutura oligárquica


permanece. A naturalidade do processo oligárquico no interior dos partidos independe
das pessoas que a eles estão filiadas. A oligarquia serve-se do conhecimento muitas
vezes não compartilhado de forma a centralizar o poder no círculo restrito dos oligarcas.
Quanto aos mecanismos externos que promoveriam a conservação do poder
no interior dos partidos, Michels (1982) cita, como exemplo, a utilização da imprensa
como fator de conquista, de conservação e de consolidação do poder dos dirigentes
sobre a massa de filiados.
Em relação à atuação do partido político submetido a uma direção oligárquica,
o autor entende que, embora seja dirigida por oligarcas, a agremiação pode agir sobre
o Estado no sentido democrático, sendo que os oligarcas devem se submeter não só
às ordens estatais, mas também as exigências vindas de baixo (MICHELS, 1982). Essa
posição de Michels assemelha-se à visão da democracia competitiva de Schumpeter,
quando diz que “[...] o método democrático é um sistema institucional, para a tomada
de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decisão por meio de uma
luta competitiva pelos votos do eleitor” (SCHUMPETER, 1968, p. 321, tradução nossa).

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336 DIREITO PARTIDÁRIO

Já Eneida Desiree Salgado entende que os partidos políticos, pelo processo de


oligarquização e burocratização, tornam-se impermeáveis à democracia que lhes está fora,
em desacordo com seus estatutos, com a legislação e com a inteligência da Constituição
da República. A democracia interna dos partidos políticos deveria ser entendida como
premissa da autenticidade democrática, dado que “[...] o partido político é o depositário
da confiança constitucional na medida em que é constituído como o protagonista da
democracia representativa” (SALGADO, 2015, p. 67).
Dessa forma, a oligarquia baseia-se no fato de que os chefes são tecnicamente
indispensáveis. O fenômeno oligárquico, que se produz desse modo, encontra em parte,
portanto, uma explicação psicológica decorrente das transformações psíquicas que as
diferentes personalidades do partido sofrem ao longo da sua vida e também pelo que
se poderia chamar de “a psicologia da própria organização”, isto é, “pelas necessidades
de ordem tática e técnica que decorrem da consolidação de qualquer agregado político
disciplinado” (MICHELS, 1982, p. 238).
A constituição de oligarquias é um fenômeno orgânico e tal tendência é inexorável,
até em organizações socialistas e anarquistas, sendo que em toda organização repousa
uma potência oligárquica sobre uma base democrática. A natureza, por si, já impõe
relações de dominação e de dependência (MICHELS, 1982):

Reduzida à sua mais breve expressão, a lei sociológica fundamental a que refere ineluta-
velmente os partidos políticos (dando à palavra “políticos” seu sentido mais abrangente)
pode ser formulada assim: a organização é a fonte de onde nasce a dominação dos eleitos, dos
mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que os delegam. Quem diz organização,
diz oligarquia.
Toda organização de partido representa uma potência oligárquica repousada sobre uma base
democrática. Encontramos em toda parte eleitores e eleitos. Mas também encontramos em
toda parte um poder quase ilimitado dos eleitos sobre as massas que elegem. A estrutura
oligárquica do edifício abafa o princípio democrático fundamental. O que é oprimido, o
que deveria ser. Para as massas, essa diferença essencial entre a realidade e o ideal é ainda
um mistério. (MICHELS, 1982, p. 238, grifos nossos)

Como visto, na visão de Michels (1982), pode-se afirmar que o encadeamento


causal dos fatores técnico-burocráticos para a formação e manutenção de uma oligarquia
no interior dos partidos resume-se a:

ao atingir certa dimensão toda organização passa a enfrentar dificuldades insuperáveis,


de ordem prática, para envolver seus membros pessoal e diretamente nos processos
decisórios; surge, assim, a necessidade de delegar poderes a representantes. (2) Ao
mesmo tempo em que cresce, a organização passa a desempenhar tarefas cada vez mais
numerosas e complexas, em prol dos objetivos organizacionais, impulsionando a divisão
do trabalho, a especialização de funções e a profissionalização dos dirigentes (remunerados
para se dedicarem exclusivamente à organização); conforma-se, assim, uma burocracia
hierarquizada. (3) Ocupando cargos especializados, os dirigentes adquirem expertise
crescente em suas áreas de atuação, tornando-se cada vez mais indispensáveis para uma
atuação eficaz da organização; com isso, passam a gozar de ampla estabilidade em seus
postos. (RIBEIRO, 2012, p. 3)

Quanto ao conjunto de necessidades de ordem psicológica dos líderes e das


massas, pode-se dizer, em síntese:

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337

os indivíduos tendem a ser apáticos e passivos em relação às atividades políticas, desejando


que alguém decida em seu lugar. (2) Além da tendência à indiferença, o indivíduo tem
sua racionalidade crítica sufocada quando em grupo, o que faz da massa uma entidade
incompetente e irracional, incapaz de decidir sobre seus próprios rumos, e pronta para
adorar e seguir líderes fortes. (3) As características individuais intrínsecas aos líderes, que
fazem eles serem escolhidos pela massa (oratória, liderança, superioridade intelectual etc.),
são reforçadas com a rotinização da atividade profissional, já que os dirigentes adquirem
expertise crescente em suas áreas. (4) As massas passam a ver os dirigentes (e estes a si
mesmos) como indispensáveis e insubstituíveis, o que incentiva sua longa permanência nos
cargos. (5) Considerando-se “donos” de seus cargos, e dependentes deles para sobreviver,
os dirigentes passam a ver a organização como um fim em si mesmo, e não como meio na
luta por uma causa específica; sob o imperativo de preservar seu poder interno (graças a
um apetite “natural” dos homens pelo poder), tornam-se crescentemente conservadores,
afastando-se dos interesses dos representados. (RIBEIRO, 2012, p. 3-4)

Em linhas gerais, Michels (1982) entende que o processo oligárquico baseia-se na


falta de controle dos representantes pelos representados, da rarefeita responsividade
consistente na disposição dos líderes em adotar as medidas preferidas pelos liderados
e de accountability, consideradas a prestação de contas dos representantes perante os
representados e a capacidade destes em impor sanções (RIBEIRO, 2012).
Giovanni Sartori critica os posicionamentos de Michels:

[...] o antídoto à lei de Michels é ‘mais participação’, então nossa participação, então
nossa compreensão atual da lógica da ação coletiva dá razão ao pessimismo michelsiano.
No argumento de Mancur Olson, os partidos e sindicatos fornecem, a seus membros e
seguidores em geral, bens coletivos (indivisíveis), isto é, benefícios que cabem a cada
membro do grupo, seja ele ou não um participante, contribua ou não para suas conquistas.
Portanto, o indivíduo “não tem incentivo para sacrificar voluntariamente seu tempo
ou dinheiro para ajudar uma organização a obter um bem coletivo; sozinho, não pode
ser decisivo para determinar se esse bem coletivo será ou não obtido, mas se é obtido
pelo esforço dos outros, ele, de qualquer forma estará inevitavelmente em condições de
usufruí-lo. Assim sendo, quanto maior uma organização, tanto menos “racional” é para
seus membros reais ou potenciais dividirem seus ônus. Nesse caso, a própria natureza dos
benefícios coletivos indivisíveis justifica e motiva a apatia. Por isso, hoje em dia existem
mais motivos do que no começo do século para o temor de que as previsões de Michels
tivessem bons fundamentos.
Pode-se notar que levo o argumento de Michels a sério. Apesar disso, considero-o um
exemplo de erro fundamental de premissa, qual seja, de como podemos buscar a democracia
sem nunca chegar até ela. Se avaliarmos um Estado democrático comparando suas estruturas
organizativas com associações voluntárias prototípicas, vai ser difícil, com esse padrão
de medida, provar que Michels está errado. Mas podemos passar de uma democracia
face a uma democracia em escala nacional como se as duas coisas fossem comparáveis e
pertencessem ao mesmo continuum? Eis a questão. Michels concebia democracia à maneira
de Rousseau. Em sua formulação do problema, Michels não é diferente de Proudhon, Marx
ou Bakunin; todos eles se referem à matriz das associações voluntárias e, usando-a como
padrão de medida, chegam à conclusão de que a democracia política sob a qual viveram
e sob a qual vivemos não tem uma forma organizada que corresponda àquele protótipo.
(SARTORI, 1994, p. 206-207)

Percebe-se, pelo exposto, que Ostrogorski e Michels expõem o fenômeno da


oligarquização e burocratização como sendo inevitável nos partidos políticos. Dessa

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
338 DIREITO PARTIDÁRIO

forma, o partido político deixa de ser um meio para se tornar um fim em si mesmo. A
permanência de dirigentes por longos períodos, a ruptura entre a vontade dos líderes
e a vontade das massas e a falta de controle por parte destas são os eixos que moldam
a oligarquização nos partidos.

2.4 O princípio democrático e os partidos políticos


Os partidos políticos possuem diversas funções na democracia contemporânea.
Para agir no ambiente externo, os partidos políticos devem se pautar pelo jogo
democrático, sendo vedado a eles, pela Constituição da República, se organizar e
funcionar de forma a subverter os princípios constitucionais. Aos partidos resta, sem
dúvida, observar interna e externamente o princípio democrático.
Portanto, a Constituição não abriga partidos políticos antissistema que defendem
a ruptura do regime democrático.
A definição de partidos antissistema foi trazida por Sartori que os classifica como
aqueles que possuem “[...] a propriedade de questionarem um regime e de enfraquecerem
sua base de apoio. Assim sendo, um partido pode ser definido como sendo antissistema
sempre que enfraquece a legitimidade do regime a que se opõe” (SARTORI, 1982, p. 158;
grifos no original).
Nesse passo, é importante dizer que o regime democrático, em relação aos direitos
subjetivos, oportuniza ao indivíduo a realização de suas potencialidades pessoais, como
podemos perceber abaixo:

Sem presumir que o indivíduo seja um ser totalmente racional, livre das influências
de grupo, ou identificações de massa, pode-se ainda argumentar que o valor básico da
democracia consiste em que cada pessoa receba a mais plena oportunidade de realizar
as suas potencialidades individuais. O sistema deve funcionar de modo a aumentar ao
máximo esse valor e é justificado na medida em que o faz. (CHAMBERS, 1966, p. 17)

A democracia política não pode ser vista tão somente pelo enfoque institucional
ou ideológico dado que se afirma também pelo contexto histórico e socioeconômico na
visão de Schumpeter, como se segue:

A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para


chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz
de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas
condições históricas. (...) A democracia, como qualquer outro método, não produz sempre
os mesmos resultados nem favorece sempre os mesmos interesses ou ideais. A lealdade
racional à democracia, por isso mesmo, pressupõe não apenas um esquema de valores
hiper-racionais, mas também certas condições da sociedade na qual a democracia pode
operar de maneira que nos agrade. (SCHUMPETER, 1961, p. 295-296)

Nesse compasso, é importante analisar como é tratado o assunto nas constituições


em países que marcadamente influenciam o constitucionalismo e o ideário democrático
brasileiro.

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RAYMUNDO CAMPOS NETO
DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA OLIGARQUIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
339

A Lei Fundamental da República Federal Alemã, em seu artigo 21, diz:

Artigo 21
[Partidos]
(1) Os partidos colaboram na formação da vontade política do povo. A sua fundação é
livre. A sua organização interna tem de ser condizente com os princípios democráticos. Eles têm
de prestar contas publicamente sobre a origem e a aplicação de seus recursos financeiros,
bem como sobre seu patrimônio.
(2) São inconstitucionais os partidos que, pelos seus objetivos ou pelas atitudes dos seus
adeptos, tentarem prejudicar ou eliminar a ordem fundamental livre e democrática ou por
em perigo a existência da República Federal da Alemanha. Cabe ao Tribunal Constitucional
Federal decidir sobre a questão da inconstitucionalidade.
(3) A matéria será regulamentada por leis federais. (Tradução livre do autor. Grifo nosso)

Sobre os partidos, a Constituição Italiana atribui sucintamente a eles função de


relevo na República:

Art. 49.
Todos os cidadãos têm direito de se associar livremente em partidos, para concorrerem,
com métodos democráticos, na determinação da política nacional. (Tradução livre do autor)
Na França, os partidos políticos tiveram mais dificuldades de se desenvolver e de se
legitimar em decorrência da tradição liberal, fortemente individualista. Até o século XIX,
a Lei Chapelier restringiu o direito de associação política. Posteriormente, em 1901, foi
criada a lei sobre contrato de associação, com base no Código Civil, que foi aplicada
também aos partidos políticos (MEZZAROBA, 2004).

A Constituição Francesa da V República, promulgada em 1958, reconheceu pela


primeira vez os partidos políticos. Todavia, os partidos políticos ainda são submetidos
à lei sobre contrato de associação de 1901, no que concerne a controle da democracia
interna e dissolução (MEZZAROBA, 2004).
A Constituição Francesa assim versa sobre os partidos:

ARTIGO 4º
Os partidos e associações políticas contribuem para a expressão do sufrágio. Eles se
formam e exercem a sua atividade livremente e devem respeitar os princípios da soberania
nacional e da democracia. Contribuem para a aplicação do princípio enunciado no segundo
parágrafo do artigo 1º, nas condições determinadas pela lei. A lei garante as expressões
pluralistas de opiniões e a participação equitativa dos partidos e associações políticas na
vida democrática da Nação. (Tradução livre do Autor)

A Constituição Espanhola, de 1978, assim dispõe sobre partidos políticos:

Artigo 6
Os partidos políticos expressam o pluralismo político, concorrem para a formação e
manifestação da vontade popular e são instrumentos fundamentais para a participação
política. Sua criação e o exercício de sua atividade são livres dentro do respeito à Constituição
e a lei. Sua estrutura interna e funcionamento deverão ser democráticos (Tradução livre do
autor. Grifo nosso).

Por sua vez, a Constituição Portuguesa, tratando os partidos com amplitude


equivalente à Constituição Alemã, assim se expressa sobre os partidos políticos:

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
340 DIREITO PARTIDÁRIO

Artigo 51º
Associações e partidos políticos
1. A liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações
e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da
vontade popular e a organização do poder político.
2. Ninguém pode estar inscrito simultaneamente em mais de um partido político nem ser
privado do exercício de qualquer direito por estar ou deixar de estar inscrito em algum
partido legalmente constituído.
3. Os partidos políticos não podem, sem prejuízo da filosofia ou ideologia inspiradora
do seu programa, usar denominação que contenha expressões directamente relacionadas
com quaisquer religiões ou igrejas, bem como emblemas confundíveis com símbolos
nacionais ou religiosos.
4. Não podem constituir-se partidos que, pela sua designação ou pelos seus objectivos
programáticos, tenham índole ou âmbito regional.
5. Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão
democráticas e da participação de todos os seus membros.
6. A lei estabelece as regras de financiamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto
aos requisitos e limites do financiamento público, bem como às exigências de publicidade
do seu patrimônio e das suas contas. (grifo nosso)

Pode-se perceber, pela leitura das Constituições trazidas aqui que, guardadas as
peculiaridades de cada sistema, a preocupação de delimitar a esfera de liberdade dos
partidos frente ao Estado (liberdade externa) e a liberdade de auto-organização frente
aos direitos dos filiados (liberdade interna), a fim de autenticar as decisões partidárias
sob a égide do princípio democrático. As constituições alemã, espanhola e portuguesa
expressamente exigem dos partidos que sejam democráticos internamente.
A Constituição do Brasil não elenca expressamente democracia interna como
princípio norteador. Todavia, o regime democrático é expresso no sentido de mitigar
a autonomia partidária, no caput do art. 17 da Constituição, e deve ser interpretado de
forma que o princípio democrático deva ser observado pelos partidos tanto em suas
relações externas como internas.
Neste passo, o direito fundamental de participação dos filiados não pode ser
afastado pelo princípio da autonomia partidária, dado que os princípios da autonomia
partidária e os demais princípios constitucionais devam ser ponderados, como se segue:
O equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz das variáveis
fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído
a cada cânone constitucional em confronto. E a técnica de decisão que, sem perder de
vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância às suas dimensões
fáticas, é o método de ponderação de bens. (SARMENTO, 2004, p. 55)

De acordo com Alexy (1993 apud FARIAS, 2000) na colisão de princípios, como só
podem colidir princípios válidos, acontece na dimensão do peso. Assim, quando dois
princípios entram em colisão um deles prevalecerá sobre o outro e isso não significa
que o princípio preterido deva ser declarado inválido, haja vista que sob determinadas
condições um princípio tem mais peso ou importância do que outro e em outras
circunstâncias poderá suceder o inverso.
Nesse compasso, a democracia intrapartidária tem como pressupostos, à luz da
teoria democrática de Dahl (1997): “[...] a inclusão dos filiados no processo decisório

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RAYMUNDO CAMPOS NETO
DEMOCRACIA INTERNA E O FENÔMENO DA OLIGARQUIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
341

partidário e [...] a institucionalização da competição interna pelos postos de direção


partidária” (LACERDA, 2002, p. 41).
Além disso, entendendo a transparência como corolário da democracia, os
partidos devem agir de forma que os filiados possam ter conhecimento de seu processo
decisório. Note-se que:
A participação da comunidade na condução dos negócios públicos é fator de sua
legitimidade, orientada tanto pelo princípio democrático quanto pelo princípio da
transparência, suplantada a noção formal de democracia representativa. O princípio
democrático articula o princípio da transparência como corolário lógico: o Estado e seus
Poderes só são realmente democráticos se visíveis e abertos ao povo forem suas ações e
o processo de tomada de decisões. (MARTINS JÚNIOR, 2004, p. 23-24)

Muito embora o partido político seja pessoa jurídica de direito privado, possua
autonomia garantida pela Constituição Federal, ele deve se pautar pelos princípios
democráticos, tanto nas suas relações externas como nas internas. Dessa forma, o partido
político deve garantir a transparência em suas ações e no seu processo decisório e,
em ultima instância, deve democratizar sua organização e funcionamento interno em
respeito ao princípio democrático.

2.5 Considerações finais


Segundo entendimento de Robert Michels, os partidos políticos estão fadados
ao processo de oligarquização.
O partido político deve se pautar pelo bloco de juridicidade, incluindo os princípios
da soberania nacional, do regime democrático, do pluripartidarismo e os direitos
fundamentais da pessoa humana. Não obstante, o partido político possui autonomia
para definir sobre os assuntos fulcrais no que diz respeito ao seu funcionamento,
estrutura e organização interna. A autonomia partidária, embora mitigada pelo art. 17
da Constituição da República, concede ampla liberdade de atuação ao partido político,
sendo que a sua organização e funcionamento, em regra, não podem sofrer qualquer
tipo de interferência do Estado.
Dessa forma, o partido político tende a se organizar de forma a concentrar poder
em determinados órgãos e dirigentes e impedir ou mitigar o controle dos dirigentes
pelos filiados e órgãos subalternos sobre o líder único, dirigentes e órgãos superiores,
trazendo um ambiente propício para a instauração de uma organização oligopólica,
com insuficiência de controle dos representantes pelos representados e de escassa
responsividade e accountability.
A autenticidade da representação partidária depende, em grande medida, da
democracia interna dos partidos políticos. Todavia, o método democrático, caracterizado
pela franca competição político-eleitoral, exige dos partidos a assunção da vontade dos
eleitores. Com isso, mesmo no ambiente interno, o partido tende a buscar mais a vontade
dos eleitores do que a dos próprios membros, agindo em maior medida visando aos anseios
dos eleitores em geral do que de seus membros, a fim de alcançar o sucesso eleitoral.
Ainda pode-se notar que o uso da tecnologia moderna deslocou a importância
que tinham os membros dos partidos em busca de apoio político para os meios de
comunicação de massa, agravando o desprestígio da maioria dos membros no seio do
partido político.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
342 DIREITO PARTIDÁRIO

A falta de transparência no processo decisório nos partidos permite que as


estruturas e organização antidemocráticas se consolidem e se ampliem.
Nesse contexto, a apatia da maioria dos filiados ainda será o grande obstáculo
para a democratização das agremiações e apenas a participação efetiva dos filiados
promoverá a democracia no interior dos partidos políticos.

Referências
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Lumen Juris. 2006. t. IV.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 13. ed. Brasília: UnB, 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/const ituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 dez. 2017.
CHAMBERS, William N.; SALISBURY, Robert H. (Org.). A questão democrática: valores e estruturas. In:
Problemas e perspectivas atuais da democracia. Trad. Constantino Paleólogo. Rio de Janeiro: Zahar, 1966, p. 17.
FARIAS, Edílson Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a
liberdade de expressão e informação. 2. ed. Porto Alegre: PC Editorial Ltda., 2000.
LACERDA, Alan Daniel Freire de. Dados. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, p. 39-79, 2002.
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação e participação
popular. São Paulo: Saraiva, 2004.
MEZZAROBA, Oridez. Introdução ao direito partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: UnB, 1982.
OSTROGORSKI, Moisei. La democracia y los partidos políticos. Madrid: Mínima Trotta, 2008.
PANEBIANCO, A. Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes,
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RIBEIRO, Pedro Floriano. Realismo e utopia em Robert Michels. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p.
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SALGADO, Eneida Desiree. Os partidos políticos e o estado Democrático: a tensão entre a autonomia partidária
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SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: Editora da UnB, 1982.
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SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalismo, socialismo e democracia. Trad. Ray Jungmann. Rio de Janeiro: Fundo
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CAMPOS NETO, Raymundo. Democracia interna e o fenômeno da oligarquização dos partidos políticos.
In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 327-342. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 3

DEMOCRACIA PARITÁRIA INTRAMUROS

DIANA PATRÍCIA CÂMARA

A palavra democracia é de origem grega e pode ser definida como governo (kratos)
do povo (demo). Todavia, uma das mais difundidas definições sobre a democracia é
a “Democracia é o exercício do povo, pelo povo, para o povo” (Abraham Lincoln).
Essa definição nos remete imediatamente a outras palavras, como igualdade, direitos,
liberdade, voto, partidos políticos, eleição, entre outras. O pilar da democracia no Estado
Moderno é o sufrágio e, assim como plebiscitos, referendos e iniciativas populares,
constitui a efetiva soberania popular, além de permitir a inferência do povo nas decisões
públicas e políticas do país. Assim, a democracia pode ser compreendida como um
regime de governo em que o povo é quem deve tomar as decisões políticas e de poder.
Na Grécia antiga se estabeleceu a realização de Assembleias, que eram reuniões
com a participação da população na discursão de temas públicos onde todos podiam
participar, importando apenas a racionalidade dos argumentos para serem aceitos
independentemente da classe social de quem os apresentava. Entretanto, vale registrar,
as mulheres não podiam participar, pois não eram consideradas como “cidadãos”, bem
como os estrangeiros e os menores de 21 anos.
Ao longo da história, podemos identificar, basicamente, dois tipos de democracia.
A democracia direta, também conhecida como participativa, onde os cidadãos participam
diretamente das decisões. O próprio cidadão se representa nas decisões. E, noutro
diapasão, a democracia indireta que é aquela, que se dá de forma representativa.
Esta última nasceu no século XIX como reflexo do aumento da influência e da
importância do parlamento nos estados europeus e teve como marco a Primavera
dos Povos (1848), bem como pela impossibilidade de todos os cidadãos tomarem
diretamente e individualmente decisões de poder, assim, estas passaram a ser tomadas
por representantes eleitos. Nesse caso, são os representantes que tomam as decisões em
nome daqueles que os elegeram. Nesse formato, cabe ao parlamento ouvir a população
e levar os anseios populacionais a votação e depois para uma decisão do monarca ou da
autoridade republicana. Na democracia representativa são eleitos representantes através
do voto popular que irão representar uma parcela da comunidade por um período de
tempo, podendo ou não ser reeleito. Na democracia indireta o povo é soberano e o
poder emana do povo.
No Brasil é utilizada a democracia indireta e está representada, por exemplo, pelos
deputados, que são eleitos para representar o povo, por isso, a Câmara dos Deputados é

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
344 DIREITO PARTIDÁRIO

também chamada de “a casa do povo”. A concepção é que os deputados irão representar


indiretamente os anseios do povo nascidos das pretensões e necessidades populares.
Esses políticos são escolhidos através da eleição com votação direta dos eleitores, na qual
o povo irá escolher seus representantes dentre os candidatos que forem apresentados
pelos partidos políticos.
Nossa Constituição Federal de 1988 assegura que o Brasil é um Estado Democrático
de Direito e, como tal, através das diretrizes constitucionais, o cidadão tem o direito
humano fundamental de participação política, através de mecanismos da democracia
representativa e participativa, para que cada cidadão possa atuar, de forma permanente,
fiscalizar e exigir que a atuação dos Poderes Públicos esteja em consonância com os
objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil.
Com o amadurecimento da democracia, quase todas as democracias representativas
contemporâneas se baseiam no sistema de partidos políticos. A evolução histórica
dos partidos políticos variou desde a execração pelos filósofos da antiguidade até a
consagração pelos teóricos da democracia representativa. Os partidos políticos são
instituições intrinsicamente ligadas à democracia. Tamanha é a importância dos partidos
políticos para a democracia representativa que está previsto e garantido pela nossa
Constituição da República Federal em seu artigo 17. Esse dispositivo da Carta Magna
assegura aos partidos políticos a autonomia para definir sua estrutura interna, organização
e funcionamento, bem como autonomia para adotar os critérios de escolha e o regime
de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas
em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer
normas de disciplina e de fidelidade partidária. Assim, a autonomia intramuros é uma
garantia constitucional.
Por outro lado, pode-se dizer que partido político é uma forma de agremiação de
um grupo social que se propõe a organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular
com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo.1
A função normalmente associada aos partidos políticos é a organização e repre-
sentação da vontade popular. Porém, no ordenamento jurídico brasileiro, nota-se que os
partidos devem se pautar pelo respeito à soberania nacional, ao regime democrático, ao
pluripartidarismo, à autenticidade do sistema representativo e pela defesa dos direitos
fundamentais da pessoa humana. Portanto, é prevista a coexistência pacífica de partidos
com ideias distintas, muitas vezes opostas, de situação e de oposição, que, por vezes,
alternem de posição. Para tanto, é natural a presença de partidos minoritários a fim
de representar todas as esferas da sociedade. Nesse contexto, reserva-se aos partidos
de situação a função governamental e aos partidos de oposição a de fiscalização. Esta
última pressupõe a garantia do direito de crítica e de informação da atividade estatal,
com a edificação de instrumentos legais hábeis a sua intervenção.
Os partidos políticos deverão desenvolver atividades que ofereçam diversas
manifestações, como, por exemplo, as que permitam aos cidadãos participar nas funções
e políticas públicas, atuem como representantes da vontade popular e da opinião pública,
instrumentem a educação política do povo, desenvolvam programas de governo,
facilitem a coordenação dos órgãos políticos do Estado, dentre outras.

1
DA SILVA, José Afonso.

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DIANA PATRÍCIA CÂMARA
DEMOCRACIA PARITÁRIA INTRAMUROS
345

Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da


organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros.
Mas será que existe democracia paritária dentro do universo político do partido? Este
será o nosso ponto de reflexão.

3.1 Democracia paritária


Atualmente, a democracia não pode ser mais vista apenas sob seu aspecto formal,
como sendo a vontade da maioria. Ela deve ser analisada por um prisma substancial,
compreendendo a vontade da maioria aliada à proteção dos direitos fundamentais
inclusive das minorias. Sobretudo, a democracia por não ser um valor recebido
se não a muito custo, deve ser realizada em toda sua plenitude. De igual modo, o
pluralismo – fundamento da República Federativa do Brasil – não deve simploriamente
ser considerado sinônimo de pluralismo político. O pluralismo vai além, denotando a
diversidade religiosa, cultural, artística, ideológica, étnica e sexual.
Por outro prisma, a paridade é uma forma de corrigir distorções entre categorias,
especialmente quando estas estão em números muito desiguais. A palavra paritária vem
sendo cada vez mais utilizada e perseguida como forma de legitimar a democracia. Diz-se
que uma situação é paritária quando composta por um número igual de elementos para
evitar diferenças ou injustiças, ou ainda, diz-se de um organismo em que duas partes
(em presença) são representadas em pé de igualdade. Em apertada síntese, paridade é
tratar de forma diferente os desiguais para que se oportunize a igualdade.
Por exemplo, nas eleições paritárias o voto não é universal, onde cada pessoa
corresponde a um voto. A despeito da diferença numérica entre as várias categorias
que compõem o Colégio Eleitoral, os votos serão calculados de modo a garantir que
o resultado final reflita a vontade dos segmentos e de toda a comunidade, de forma
equilibrada e democrática.
Além disso, a paridade é plena quando houver comparecimento proporcional
entre todas as categorias. Se 100% dos eleitores de todas as categorias comparecerem
às urnas, então o resultado final será paritário. Da mesma forma, se o comparecimento
for de 40% para todas as categorias, o resultado final também será paritário. Porém, se
alguma categoria comparecer em menor proporção que outra, então ela terá peso menor
no resultado final. No Brasil, esse formato está sendo bastante cogitado, por exemplo,
nas eleições das faculdades para escolha do reitor e diretoria, abrindo a votação para
os alunos, professores e funcionários da instituição utilizando pesos distintos para o
voto de cada categoria.
Em nosso país, nas eleições para escolhas dos representantes do povo no parlamento,
deputados e vereadores, o exemplo mais vivido que temos de paridade é a previsão trazida
na Lei das Eleições, que obriga que a lista de candidatos apresentada pelas coligações e
partidos que deverá ser preenchida nos percentuais de no mínimo 30% (trinta por cento) e no
máximo 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo para disputar as eleições.
Esse percentual serve para garantir uma reserva de sexo nas candidaturas.
Em Portugal, foi criada uma lei específica para assegurar essa reserva de sexo.
Desde agosto de 2006, esse país deu um importante salto qualitativo em sua democracia
quando o parlamento aprovou a Lei da Paridade, Lei Orgânica nº 3/2006, que estabelece
que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
346 DIREITO PARTIDÁRIO

Autarquias Locais devem ser compostas de modo a assegurar a representação mínima


de 33,3% de cada um dos sexos a fim de promover a paridade entre homens e mulheres.
Esse tipo de lei, promulgada no Brasil e em Portugal, torna-se necessária quando
a sociedade não evoluiu espontaneamente no sentido de ofertar mesmas oportunidades
de representação, nesse caso, as mulheres, que por vezes chegam a ser maioria na
sociedade. Essa discriminação positiva serve para coroar o princípio da igualdade de
oportunidades utilizado em muitos países quando se pretende rapidamente igualizar
socialmente desníveis ancestrais.

3.1.1 Políticas paritárias intramuros: necessidade de mudanças de


postura em relação às mulheres e às minorias
Até o início do século XX, em quase toda a totalidade dos países, o voto era
um direito dos homens, especialmente dos ricos. Esse século foi cenário de grandes
transformações sociais e políticas. As mulheres buscaram alcançar direitos como, por
exemplo, o direito de votar e ser votada. As ativistas que se mobilizaram pelo direito
feminino à participação política ficaram conhecidas como sufragistas.
No Brasil, as mulheres conseguiram o direito de votar a partir de 1932. O voto
feminino no país foi assegurado após intensa campanha nacional pelo direito das mulheres
ao voto. Fruto de uma longa luta iniciada antes mesmo da Proclamação da República.
Depois de muitos anos de reivindicações e discussões, as mulheres conquistavam o
direito de votar e serem eleitas para cargos no Executivo e Legislativo.
O Código Eleitoral Provisório (Decreto nº 21.076), de 24 de fevereiro de 1932, é
tido como um marco na história da mulher brasileira, pois possibilitou a conquista do
direito de participação política da mulher pelo exercício do voto. Todavia, registre-se,
não era pleno, pois foi aprovado parcialmente, só permitindo esse direito às mulheres
casadas, com autorização dos maridos, e às viúvas e solteiras que tivessem renda própria.
Em 1934, as restrições ao voto feminino foram eliminadas do Código Eleitoral, embora a
obrigatoriedade do voto fosse um dever masculino. Somente em 1946 a obrigatoriedade
do voto foi estendida às mulheres.
Para pontuar essa luta das mulheres em busca da paridade de direitos de votar e
ser votada, apenas como registro, podemos citar a história de Celina Guimarães Viana,
que tornou-se a primeira mulher a ter o direito de votar no Brasil. Em 1928, ou seja,
bem antes do Código Eleitoral de 1932, aos 29 anos, ela pediu em um cartório da cidade
de Mossoró, no Rio Grande do Norte, para ingressar na lista dos eleitores daquela
cidade. Junto com outras seguidoras, Celina votou nas eleições de 5 de abril de 1928. Ela
aproveitou a Lei nº 660, de outubro de 1927, que estabelecia as regras para o eleitorado
solicitar seu alistamento e participação. Em todo o país, o estado potiguar foi o primeiro
a regulamentar seu sistema eleitoral, acrescentando um artigo que definia o sufrágio
sem ‘distinção de sexo’. O caso ganhou repercussão mundial, porém a Comissão de
Poderes do Senado não aceitou o voto. Nada obstante, a iniciativa da professora marcou
a inserção da mulher na política eleitoral brasileira.
Em outro episódio, na mesma época, cinco anos antes de aprovado o Código
Eleitoral Brasileiro, que estendia às mulheres o direito ao voto, no sertão do Rio Grande
do Norte, já ocorrera a eleição de uma prefeita. A fazendeira Alzira Soriano de Souza, em
1928, se elegeu na pequena cidade de Lajes, cidade pioneira no direito ao voto feminino.

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Foi a primeira mulher da América Latina a assumir o governo de uma cidade, segundo
notícia publicada na época pelo jornal americano The New York Times.
Por outro lado, em 1933, a primeira mulher deputada federal brasileira foi eleita
por São Paulo, Carlota Pereira de Queirós, era médica, escritora e pedagoga, e participou
dos trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935.
Entre 1890 e 1994, mulheres da maioria dos países adquiriram o direito de votar
e se candidatar a um cargo público. Em 1893, a Nova Zelândia tornou-se o primeiro
país do mundo a reconhecer o direito do voto feminino. Lá, desde 1886 as mulheres já
tinham direitos políticos, mas em âmbito municipal. Em 1902, com algumas restrições, a
Austrália concedeu o direito do voto às mulheres. O primeiro país europeu a concedê-lo
foi a Finlândia em 1906. Hoje, a maioria dos países asseguram às mulheres o direito de
votar e ser votada, mas tempo e espaço são duas variáveis que diferem muito quando
analisamos os países, por exemplo, a Arábia Saudita concedeu esse direito às mulheres
apenas em 2011.
Por outro lado, voltando a observar o voto feminino no Brasil, podemos concluir
que foi conseguido muito tardiamente, pois mesmo depois de 1932, a restrição ao voto
dos analfabetos limitou muito o voto das mulheres, que, na época, em sua maioria, não
estudavam e eram analfabetas. A participação das mulheres cresceu realmente depois
dos anos 70.
Percebe-se, também, que as mulheres têm mais dificuldade de provar seu valor
à militância, bem como aos próprios eleitores, nesse mundo partidário considerado
masculino e ainda muito impregnado de preconceitos. A política, inclusive partidária,
ainda está impregnada de machismo e preconceito. Por isso, é necessário refletir sobre
essa precária participação política, a pouca aceitação das mulheres no espaço público e,
em especial, dentro dos partidos políticos. Atualmente, pouquíssimas mulheres atuam
nas esferas de poder dentro dos partidos políticos, os diretórios são predominantemente
compostos por homens.
Diversos especialistas apontam que o fato se deve ao preconceito que ainda existe,
tanto na sociedade quanto dentro dos próprios partidos, tendo em vista que muitos
ainda pensam que política é “coisa de homem”, ocasionando o pouco investimento na
formação de quadros femininos competitivos e desinteresse dos partidos políticos no
financiamento da campanha de candidatas mulheres e do empoderamento das mesmas.
A representação feminina no Congresso, no Executivo e no Judiciário ainda é
tímida, bem como nos órgãos públicos e nos cargos de chefia. Ainda estamos longe do
real empoderamento feminino em que as mulheres naturalmente ocupariam cargos de
poder em igualdade com os homens.
Por isso, a participação feminina na política é tão importante para a democracia
e é necessária para a luta pela igualdade de homens e mulheres na sociedade. Todavia,
isso só irá acontecer quando as mulheres forem vistas como parte do espaço público,
forem vistas como iguais, como seres de voz, opinião e pensamento.
Ainda hoje, na prática, é dificultada a militância das mulheres por causa de seu
gênero, inclusive, intramuros partidário, como dito anteriormente. É necessário que haja
uma correção nesta conjuntura para que as mulheres, além de comemorar o direito de votar
e ser votada, possam, de fato, fazer parte da política de forma significativa e construtiva.
Por outro lado, entretanto, da mesma forma, as minorias sociais também precisam
ter uma atuação mais ativa e de poder nos órgãos de decisão, públicos e partidários,

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para que possam ter voz ativa e atuante na busca de melhorias na qualidade de vida das
categorias. Atualmente, pode-se entender como minorias sociais os afrodescendentes, os
LGBT (homossexuais), os economicamente vulneráveis (como os moradores de favela
ou de rua), os indígenas, os imigrantes, os idosos e os portadores de deficiências.
Resta claro que, alguns grupos sociais minoritários e em situação de vulnerabilidade
social não participam de forma contundente dos processos de tomada de decisões. Tal
fato se deve em especial pela ausência de representação própria, através de candidatos
ou dentro dos partidos políticos, bem como em razão do descrédito dos governantes para
com os direitos desses grupos, em razão de serem minoritários e destituídos de poder.
Este cenário é preocupante e é algo recorrente nas democracias ao redor do
mundo, sobretudo nas democracias recentes da América Latina e de países emergentes.
Com isto, nestes lugares, o regime democrático é constantemente alvo de críticas e
questionamentos sobre sua legitimidade.
Vale ressaltar que em países plurais, como o Brasil, originado a partir da misci-
genação de várias etnias, com discrepâncias econômicas concretas entre suas regiões,
é comum a existência de diversos grupos minoritários e vulneráveis.
Sem dúvida, o pluralismo é um dos aspectos mais marcantes que caracterizam
o modelo de sociedade democrática brasileira. A diversidade faz parte do meio social
em que vivemos e é um elemento essencial para o desenvolvimento da comunidade.
Por essa observação, pode-se chegar à conclusão do quão importante é a proteção das
minorias e grupos vulneráveis para garantir que o Brasil seja de fato um país democrático.
É preciso entender e diferenciar terminologicamente o que são minorias e o que
são grupos vulneráveis. Pode-se classificar como minorias os grupos numericamente
inferiores quando comparados com outros grupos, ou seja, são minoritários aqueles
que ocupam posição de não dominância no país. Por outro lado, os grupos vulneráveis
não são, necessariamente, inferiores em número, todavia, também ocupam posições
inferiores no país, sendo destituídos de poder e de visibilidade, como é o caso de
mulheres, crianças e idosos.
Conferir voz e visibilidade para todos os grupos é um desafio essencial para a
consolidação de uma democracia plural, justa e coerente.
O ideal é que a representação proporcional parlamentar assegure a cada partido
político uma representação no Parlamento correspondente a sua presença numérica na
sociedade. Dessa sorte, tenciona-se que a composição do Poder Legislativo deve retratar
fielmente as diversas ideologias presentes na comunidade.
Essa realidade só é possível a partir do momento em que esses grupos tenham
representação política e, com isso, possam deliberar e firmar presença no debate de
temas importantes, ou seja, que sejam rompidas as barreiras que impedem a projeção
de suas vozes e de suas necessidades. Esse é o caminho para vencer o preconceito e a
indiferença aos quais estão submetidas.

3.1.1.1 Estabelecimento de quotas, reserva de sexo e reserva de


verbas do Fundo Partidário como ações afirmativas para
alcançar a paridade
Procura-se com programas positivos, como as quotas, promover o desenvolvimento
de uma sociedade plural, diversificada, consciente, tolerante às diferenças e democrática,

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uma vez que concederia espaços relevantes para que as minorias participassem da
comunidade. Para tanto, vale registrar que os direitos previstos em um dado momento
histórico não serão substituídos por aqueles surgidos posteriormente. Os direitos de
cada geração continuam igualmente válidos, lado a lado com os da nova geração, mesmo
que com novos significados e contornos.
As discriminações positivas tratam de políticas, públicas ou privadas, direcionadas
para grupos socialmente vulneráveis, as quais objetivam remediar ou, ao menos, atenuar
distorções históricas e proporcionar igualdade de tratamento e de oportunidades no
presente.
Através da desigualação positiva, promove-se a igualação jurídica efetiva, ou
seja, concebe-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social,
política, econômica segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no
sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, assim, uma forma jurídica para
se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias.
A definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica
e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a
igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na
cultura dominante na sociedade.
Dessa forma, as quotas servem como um instrumento temporário de política
social, praticado por entidades privadas ou pelo governo, nos diferentes poderes e
nos diferentes níveis, por meio do qual se visa a integrar certo grupo de pessoas à
sociedade, objetivando aumentar a participação desses indivíduos sub-representados
em determinadas esferas, nas quais permaneceriam alijados por razões de raça, sexo,
etnia, deficiências física e mental ou classe social.
No que tange ao sexo, insta observar que a Constituição da Republica, em seu
artigo 5º, inciso I, afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.
De tal dispositivo retira-se a norma que a lei infraconstitucional não pode estabelecer
distinções, exceto quando ambiciona reduzir desníveis, hipótese na qual estaria em
busca da igualdade material constitucionalmente almejada.
Em que pese a inegável ascensão do papel feminino, ainda há inúmeros resquícios
de sujeição da mulher e obstáculos a serem transpostos na luta pela igualdade de
direitos entre os sexos.
A discriminação representa, senão a maior, uma das mais difíceis barreiras a ser
afastada para que homens e mulheres compitam em pé de igualdade. É imprudente
acreditar que não subsista o preconceito contra as mulheres. Inúmeros são os entraves à
participação paritária em diversos campos da vida social, inclusive dentro dos partidos
políticos. As representantes do sexo feminino são ainda sub-representadas politicamente,
preteridas no mercado de trabalho ou atingidas por disparidades salariais gritantes e
vítimas de assédio sexual e moral, e, muitas vezes, economicamente dependentes dos
homens.
Nesse contexto, emerge a utilização de ações afirmativas como instrumento de
realização da igualdade material, visto que a inércia estatal e até mesmo da sociedade
foram incapazes de alçar o princípio da igualdade a um patamar de relevo.
As cotas eleitorais de gênero são tidas como um instrumento de ação afirmativa
eleitoral, tendo em vista a evolução do princípio constitucional da igualdade e seus
atuais contornos. A reserva de candidaturas constantes do art. 10, §3º, da Lei nº 9.504,

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350 DIREITO PARTIDÁRIO

serve como uma ferramenta apta a franquear maior acesso às mulheres na esfera política
nacional.
Porém, apesar de, em 1996, o Congresso ter instituído cotas na Legislação
Eleitoral, obrigando os partidos a inscreverem no mínimo 20% de mulheres nas chapas
proporcionais e desse percentual ter sido ampliado para 30%, em 2009, a baixa presença
das mulheres no quadro político se mantém.
Assim, a cada eleição, os partidos políticos correm para cumprir a quota de sexo
para os candidatos, que determina o ajuste da quantidade de candidaturas femininas e
masculinas aos percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70%. Todavia, na prática,
isso não tem aumentado a presença feminina em postos eleitorais. Um dos motivos
é o fato de os partidos não oferecerem apoio e suporte igualitário entre candidatos
homens e mulheres. Com isso, vemos o surgimento de candidatas “laranjas”, que tem
seus nomes lançados apenas para cumprir o percentual previsto na legislação, contudo,
não são candidatas de verdade, não participam da campanha eleitoral.
Por conta da legislação, quando o período eleitoral se aproxima, é comum
presenciar o esforço de lideranças partidárias na investida de campanhas para atrair
mulheres dispostas a se candidatar, tendo em vista que se a legenda não atingir o
percentual previsto em lei, a sigla terá de lançar menos candidatos ou ficará fora da
disputa eleitoral.
Posto isso, é necessário observar que existem as leis e existem os fatos. E os
fatos, basta observar as últimas eleições, demonstram que as leis por si só não chegam
ao seu objetivo se o seu cumprimento não for sempre exigido e se a sua aplicação não
for efetiva. Por essa lógica, a Justiça Eleitoral e o Ministério Público vêm endurecendo
o rigor na observação do cumprimento das regras que buscam a paridade de gênero.
Todavia, de toda sorte, a busca da equidade de gênero na legislação já é tida
como um considerável avanço nas ações afirmativas eleitorais tocantes à participação e
à representação política das mulheres. Porém, para que essa lei goze de eficácia algumas
barreias devem ser vencidas. Portanto, para que o fim almejado pelo dispositivo legal
seja alcançado, um desafio é a própria divulgação do tema junto à população, sua defesa
no seio dos órgãos institucionais e entre os próprios partidos políticos.
Há uma consulta formulada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pendente
de julgamento, que questiona se a previsão de reserva de vagas para candidaturas
proporcionais deve ser levada em conta também para a composição das comissões
executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais dos partidos políticos. Tal
consulta, visa alcançar o empoderamento das mulheres dentro das esferas partidárias,
através de quota de reserva de sexo, a fim de estimular e promover a real mudança social
a começar com uma maior inserção feminina dentro da própria estrutura partidária.
O pano de fundo é a concepção de que se as mulheres tiverem mais espaços e papel
de decisão intramuros poderão implementar a paridade de gêneros dentro das esferas
de poder.
Assim, a referida consulta ao TSE, CTA 060381639, que está sob a relatoria da
ministra Rosa Weber, questiona os seguintes termos sobre a participação feminina
na constituição dos órgãos partidários: “1 – A previsão de reserva de vagas para
candidaturas proporcionais, inscrita no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei nº 9.504/97,
deve ser observada também para a composição das comissões executivas e diretórios
nacionais, estaduais e municipais dos partidos políticos, de suas comissões provisórias

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e demais órgãos equivalentes? 2 – Caso a resposta ao primeiro quesito seja positiva,


serão indeferidos pela Justiça Eleitoral, nos termos da Resolução – TSE nº 23.465/2015,
os pedidos de anotação dos órgãos de direção partidária que não tenham observado os
percentuais previstos no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei 9.504/97?”.
Caso o entendimento seja positivo, diversos partidos políticos terão que se
desdobrar para conseguir atender à chamada “cota feminina”, pois passará a ser
obrigatória a composição de pelo menos 30% de mulheres tanto nos diretórios quanto
nas executivas. Nesse caso, se o julgamento for positivo, serão indeferidos pela Justiça
Eleitoral os pedidos de anotação dos órgãos de direção partidária que não tenham
observado os percentuais previstos.
O interesse por política deve ser socialmente construído. É fundamental construir
as condições para que as mulheres passem a ver a política como um espaço que é
possível de ser criado por elas.
Além da quota de reserva de sexo, por força da legislação, os partidos devem
investir recursos em propaganda e formação de mulheres. As mudanças positivas na Lei
dos Partidos Políticos, Lei nº 9.096/1995, determinou uma reserva de no mínimo 10% do
tempo de propaganda partidária para o incentivo da participação feminina na política
e a destinação de 5% do Fundo Partidário para a criação e manutenção de programas
de promoção e difusão da participação política das mulheres. Tais disposições só vêm
reforçar o desejado incremento na ainda incipiente participação feminina nas eleições.
Com o aumento da participação feminina na política, mais mulheres tendem a se
eleger para cargos públicos, ganhando visibilidade. Com isso, naturalmente, o interesse
das mulheres pela política tende a crescer.
Noutro diapasão, além da cota feminina nos partidos políticos, outra consulta ao
TSE sobre minorias ainda está em aberto, é o caso das cotas para transgêneros. Na consulta
apresentada ao TSE, que está sob a relatoria do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto,
as indagações relacionam-se à interpretação sobre as cotas de candidaturas estabelecidas
em lei, no que se refere aos transgêneros: “1 – A expressão “cada sexo” contida no art.
19, parágrafo 3º da Lei das Eleições se refere ao sexo biológico ou ao gênero? Homens e
mulheres trans devem ser contabilizados nas cotas, respectivas, feminina e masculina?
2 – A determinação de que o candidato deve “indicar seu nome completo”, contida no
art. 12, caput da Lei das Eleições, no pedido de candidatura, se refere ao nome social ou
ao nome civil: é lícito que os (as) candidatos (as) indiquem somente seus nomes sociais,
se fizerem prova que as certidões referem a eles próprios? 3 – Caso as pessoas trans
devam indicar seu nome civil, é possível que sejam indicadas, nas urnas eletrônicas e
demais cadastros eleitorais, apenas por seus nomes sociais? 4 – A expressão contida na
mesma norma “não estabeleça dúvida quanto à sua identidade” aplica-se à identidade
de gênero, enquanto especificação do direito de personalidade à identidade pessoal?
5 – O uso dos nomes sociais, mesmo que equiparados aos ‘apelidos’ a que se refere a
norma do artigo 12 da Lei das Eleições, se restringe às candidaturas proporcionais ou
aplica-se às candidaturas majoritárias?”.
Como novidade, dessa vez no Congresso Nacional, no que tange a outra minoria,
os afrodescendentes, recentemente, foi apresentado e votado no Senado um projeto de
lei, PLS nº 160/2013, que obriga os partidos a utilizarem 5% (cinco por cento) da verba
oriunda do fundo partidário para estimular a participação política dos negros. O senador
autor do PLS alega que a participação destes na política brasileira é minoritária e marcada

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pelo preconceito. Pode-se observar que o número de parlamentares afrodescendentes


no Congresso Nacional ainda é muito pequeno e, em muitos estados, há Assembleias
Legislativas sem nenhum deputado estadual negro. Apenas como registro e para
ilustrar essa perspectiva, em 2014, nas últimas eleições gerais ocorridas no país, dos
1.627 candidatos eleitos para os cargos em disputa, declararam-se pardos apenas 342
(21% do total). Ainda menos candidatos se disseram negros: apenas 51, o equivalente
a 3,1% do total.
Assim, o PLS nº 160/2013 foi inspirado na legislação atual, que já prevê incentivo
para inserção de mulheres na política, e vislumbra alterar o art. 44 da Lei nº 9.096/1995, Lei
dos Partidos Políticos, para dispor que os recursos do Fundo Partidário serão aplicados
na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política
dos afrodescendentes.
Na oportunidade da votação, os senadores decidiram adotar benefício semelhante
ao concedido às mulheres por compreender que os afrodescendentes enfrentam de
forma similar muitas das dificuldades encaradas pelas mulheres em sua inserção na vida
política. Dessa forma, o Senado aprovou o PLS a fim de estender aos afrodescendentes
as regras legais que fomentam a participação feminina na política. O parecer aprovado
trouxe ainda uma emenda do relator para uniformizar o tratamento e atualizar a
legislação para os dois grupos, permitindo, por exemplo, a acumulação dos recursos em
diferentes exercícios financeiros, para uso em campanhas eleitorais futuras de candidatos
negros e mulheres. Atualmente, o projeto encontra-se na Câmara dos Deputados para
deliberação e votação.
Por fim, é primordial que se compreendam os programas de ações afirmativas
não como mecanismo fim e único, mas como um pontapé para que a sociedade reveja
a desigualdade nela existente.

3.1.2 A necessidade de fortalecer os partidos políticos e democratizar


o acesso das minorias e vulneráveis aos espaços de poder
Pode-se observar que quase todas as democracias representativas contemporâneas
se baseiam no sistema de partidos políticos. Entretanto, é praticamente um consenso
que as estruturas partidárias, em maior ou menor grau, têm se revelado incapazes de
filtrar eficazmente as demandas sociais e convertê-las em decisões políticas adequadas
aos anseios e necessidades da sociedade.
Em uma sociedade muito numerosa, é impossível o exercício direto do autogo-
verno. Desta sorte, a expressão apresentada no início “democracia é o governo do
povo, pelo povo e para o povo” é falha e utópica, já que ela encerra a suposição de
que o detentor da autoridade (soberania popular) é quem possui o poder de fato. Nas
sociedades contemporâneas, podemos observar que a soberania pode ser interpretada
como uma ficção jurídica, pois existem governos “para o povo”, e não “pelo povo”.
Atualmente, o sistema eleitoral que vigora no Brasil repele a representação de
minorias, tendo em vista que o próprio financiamento de campanha privilegia partidos
grandes e poderosos. Os partidos pequenos, por vezes, representantes dessas minorias,
não conseguem bancar uma campanha equivalente à dos outros e, por isso, não ganham
tanta projeção. Ademais, o coeficiente eleitoral, que condiciona determinado candidato
ao montante de votos do partido e sua presença no Congresso, frequentemente, impede

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que candidatos de grupos minoritários ganhem a eleição e, consequentemente, se


perpetuam no poder os políticos que têm mandato e seus afilhados, fazendo com que
o poder fique concentrado nas mãos da uma elite política.
Para alguns estudiosos, os partidos políticos enfrentam uma crise e esta se assenta
em questões estruturais, conjunturais e sociais. Entre os problemas estruturais, um dos
fatores é a irresponsabilidade e falta de compromisso do mandatário pelos seus atos
perante o eleitorado. Esta ponderação é importante, na medida em que a atuação do
parlamentar deveria se orientar para a defesa dos interesses gerais da sociedade civil e
não dos interesses particulares dos políticos ou de uma categoria que, eventualmente,
tenha-o ajudado a se eleger. No que tange a questões conjunturais, identificam-se
três primordiais fatores para a crise dos partidos políticos: o desvirtuamento da
proporcionalidade parlamentar, o desligamento do parlamentar com seu partido
político e, por fim, a ausência de regulamentação eficaz na atuação dos grupos de
pressão perante o Parlamento. Entre os fatores sociais, é importante mencionarmos a
perda do paradigma da oposição entre capital e trabalho, a pulverização dos interesses
sociais, a transitoriedade das agremiações, a perda da importância do relacionamento
entre governo e parlamento como ambiente próprio às decisões políticas e, no campo
econômico, substituição das políticas públicas pelas meras manobras monetárias. Por
derradeiro, surgem as questões ligadas à própria evolução das relações sociais e, em
especial, à velocidade vertiginosa com que elas se apresentam nos dias atuais.
Algumas medidas adotadas por países com a democracia mais consolidada
visaram incentivar e abrir espaço para a participação de grupos minoritários no cenário
político desses países e foram tomadas a fim de criar as condições necessárias para a
efetiva participação de pessoas pertencentes às minorias nacionais na vida cultural,
social e econômica e nos negócios públicos, particularmente naqueles que as afetem.
Neste passo, as políticas afirmativas são bem-vindas para diminuir as desigualdades
e proporcionar a paridade.
Porém, ainda é preciso fazer muito em termos legiferantes, de modo a incentivar
e permitir uma maior participação das minorias no processo político brasileiro. Muitas
reformas eleitorais e políticas públicas podem e devem ser implementadas para alterar
esse abismo.
Uma evolução em relação à paridade de gênero seria a ampliação das quotas
para garantir não apenas a participação das mulheres como candidatas nas eleições
proporcionais, mas para garantir quotas relativas às cadeiras legislativas, como chegou a
ser debatido na última reforma eleitoral, ocorrida em 2017, mas que não restou aprovada.
E, ainda, que a consulta a ser respondida, em breve, pelo Tribunal Superior Eleitoral
quanto à obrigatoriedade de um percentual mínimo de 30% de reserva de sexo para
os órgãos de direção partidária seja respondida de forma afirmativa. Pois, frisem-se,
todas essas ações afirmativas são de grande relevância para a paridade entre homens
e mulheres e inserção das minorias.
Em suma, é perceptível que uma participação política de grupos minoritários
e vulneráveis nos processos decisórios partidários é fundamental para consolidar,
efetivar e salvaguardar os direitos básicos desses grupos. Mais do que isso, assegurar
uma participação efetiva de grupos em situação de vulnerabilidade e destituídos de
poder significa fortalecer a democracia e avançar no processo de afirmação dos direitos
humanos. É fundamental aplicar tais medidas quando se está diante de uma nação tão

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
354 DIREITO PARTIDÁRIO

diversa e pluralista como a nação brasileira. Infelizmente, até o presente momento,


diversos grupos sociais estão alijados dos processos decisórios e, por isso, veem, a cada
dia, seus direitos sendo tolhidos e sua cidadania não sendo respeitada. A utopia da
democracia, portanto, está longe de ser alcançada quando se pensa o direito das minorias.
Portanto, conclui-se, a Democracia paritária intramuros ainda apresenta diversos
problemas que devem ser solucionados e adequados aos novos métodos políticos, desde
a própria existência de democracia interna até a própria imposição majoritária de suas
ideias em respeito aos direitos da minoria. O poder sobre as decisões públicas, que
deveria ser amplo e irrestrito, representativo e proporcional a toda a população, ainda
é marcado por gênero, raça e classe, o que abala a representatividade das instituições
políticas e resulta em pouca sensibilidade no mundo político diante desses assuntos.
Assim como outras instituições, o partido político é o reflexo da sociedade na qual
está inserido. Num cenário de extrema desigualdade social, como é o caso do Brasil,
onde poucos têm acesso aos canais de participação e aos recursos que oportunizam
e dão acesso ao mundo das decisões políticas, os partidos tendem a se tornar meros
suportes burocráticos de personagens políticos com grande autonomia de ação. Contudo,
a história recente mostra que o partido político pode ter um papel fundamental na
ampliação e concretização da democracia. Se aceitarmos que a democracia é o regime
onde a vontade coletiva é construída cotidianamente pela manifestação dos múltiplos
interesses no espaço público, o partido deve ser entendido como uma instituição central
no exercício da mediação entre o Estado e a sociedade civil.
Ao partido político cabe, concomitantemente, a tarefa de organizar e informar
um determinado grupo político, conforme seus interesses, coloração política e diretrizes
partidárias, bem como, ao mesmo tempo, fazer com que as demandas desse grupo
cheguem à agenda de debates públicos. Pois é essa dinâmica da institucionalização
das demandas que deve legitimar o exercício do poder político e dar credibilidade ao
contrato social, evitando a violência gerada pelo inconformismo e pela exclusão.
Por fim, o partido político é a instituição central da construção do público,
porquanto não é concebível uma democracia no seu sentido mais amplo sem partidos
fortes. O fortalecimento dos partidos está diretamente ligado ao fortalecimento da
democracia, bem como à necessidade de inserção das minorias e dos grupos vulneráveis
nas esferas de poder para se alcançar uma democracia paritária, inclusive, intramuros.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CÂMARA, Diana Patrícia. Democracia paritária intramuros. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 343-354. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 4

OS DESAFIOS NA DEMOCRACIA INTERNA


PARTIDÁRIA BRASILEIRA: POSSÍVEIS FERRAMENTAS
DE ATUAÇÃO PROCEDIMENTAL DAS ORGANIZAÇÕES
PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO
SOCIOPOLÍTICA DE APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO

ANA CRISTINA FERRO BLASI

4.1 Introdução
Uma breve análise da dimensão evolutiva da história política jurídica de formação
das organizações partidárias no Brasil, desde o período colonial até o período da
República, demonstra o quanto o regime democrático fundamentou-se na estruturação dos
partidos políticos operada pelas elites, utilizando-o apenas como instrumento eleitoral.
Partindo dessa premissa e, tomando como base a teoria tradicional, a atuação
dos partidos políticos, no contexto social brasileiro, restringiu-se à forma ou função
parlamentar, sem apelo ou articulação sociopolítico, o que acarretou a baixa represen-
tatividade ou o descrédito do seu funcionamento junto à sociedade.
Ainda que não se discuta a essencialidade dos partidos políticos como elemento
de preservação do regime democrático, a sua construção, ao menos no sistema brasileiro,
sempre esteve conectada à manutenção do status quo econômico. A aproximação
junto aos cidadãos ocorre apenas nos períodos eleitorais. Por consequência, é possível
verificar uma constante e crescente perda da confiança dos cidadãos brasileiros nos
partidos políticos em geral, ao ponto de começarem a votar em partidos “antissistema”,
configurando-se, assim, uma “crise” (desafios) da democracia interna das próprias
organizações partidárias.
Todavia, fato é que não se imagina, atualmente, uma maneira de conduzir
política sem que seja por meio dos partidos políticos. Além da sua importância nos
regimes democráticos e no próprio processo eleitoral, partidos atuantes e que garantam
mobilização social fazem com que os cidadãos confiem no sistema e sintam que, por meio
do voto, podem contribuir para o resultado da eleição ou para mudanças expressivas,
sociais e econômicas.
Nesse sentido, considerando que o caminho não é a recusa do sistema de partidos
políticos, mas sua transformação ou a modificação no modo de exercer suas funções,

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
356 DIREITO PARTIDÁRIO

o presente artigo propõe discutir quais são as possíveis ferramentas à realização da


democracia interna dos partidos políticos no Brasil. Ou seja, se os partidos políticos,
no Brasil, precisam mudar, quais seriam os sentidos ou quais as possíveis direções?
Para o problema acima indicado levanta-se como possível hipótese que a liberdade
de atuação e de auto-organização sem quaisquer fontes de controles e procedimentos,
como se verifica na recente promulgação do art. 1º da Emenda Constitucional nº 97,
de 4 de outubro de 2017, na parte em que garante aos partidos políticos estabelecer a
duração de seus órgãos provisórios, abre espaço à implementação de possíveis aspectos
antidemocráticos dos partidos. Desse modo, o desenvolvimento de mecanismos que
obstaculizem pontos obscuros, a ocorrer por meio da criação de instrumentos jurídicos
e de normas que obriguem os partidos a funcionarem democraticamente é um dos
possíveis caminhos para garantia da democracia interna dos partidos políticos no Brasil.
Para o desenvolvimento do artigo são feitas três seções com os seguintes objetivos
específicos: a primeira, visa conceituar democracia interna dos partidos políticos; a
segunda, pretende explicar sobre o conceito de partido político e as suas funções,
principalmente de representatividade e; a terceira seção, objetiva discorrer sobre a crise
(os desafios) existentes na democracia interna dos partidos e as possíveis ferramentas de
atuação e organização procedimental para articulação sociopolítica e de aproximação
com o cidadão.
O método utilizado na pesquisa foi o indutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica.

4.2 Democracia interna dos partidos políticos


Tendo em vista os possíveis aspectos a serem destacados numa democracia,
considera-se difícil teórica e pragmaticamente conceituá-la, “pelos vários usos que
são dados ao termo, como democracia social, democracia industrial e democracia
econômica”.1 Diante desse contexto, Robert Dahl diz que num governo democrático,
os cidadãos que a ele pertencem, devem ter oportunidades plenas para:

[...] (i) formular suas preferências; (ii) expressar suas preferências a seus concidadãos e ao
governo através da ação individual e da coletiva; e de (iii) ter suas preferências igualmente
consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem discriminação decorrente
do conteúdo ou da fonte de preferência.32

Ainda sobre o tema, Lima destaca:

[...] a democracia é um conjunto de regras de procedimento para a constituição de governo


e para a formação das decisões políticas. A característica essencial da democracia repre-
sentativa é a oportunidade conferida aos cidadãos de substituir uma liderança por outra,
e assim, se protegerem dos excessos das decisões políticas do governantes. Ao privilegiar
a democracia competitiva de caráter elitista, pensadores como Joseph Schumpeter não
fazem referência aos diversos grupos de interesses que compõem as sociedades modernas,
tais como associações profissionais e comunitárias, grupos religiosos, sindicatos e outros.

1
SARTORI, Giovani. A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo. São Paulo: Ática, 1994.
2
DAHL, Robert. A poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997, p.
26.

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OS DESAFIOS NA DEMOCRACIA INTERNA PARTIDÁRIA BRASILEIRA: POSSÍVEIS FERRAMENTAS DE ATUAÇÃO PROCEDIMENTAL DAS ORGANIZAÇÕES 357
PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO

Essa insuficiência da análise Schumpeteriana foi, posteriormente enfrentada pelos teóricos


da concepção pluralista de democracia.3

Partindo da noção acima elencada; de democracia como ambiente para os cidadãos


terem oportunidade plena de decisão enquanto ação coletiva, adota-se, para fins deste
artigo, que a funcionalidade democrática depende de regras de procedimento, ou seja,
emprega-se o conceito de democracia como regra de procedimento para tomada de
decisões políticas plurais.
Os procedimentos, nesta análise, são “[...] concebidos como mecanismos que
permitem a institucionalização do direito na dimensão social de sentido e a consequente
generalização social de expectativas normativas”.4
Tendo em vista o ponto de partida de democracia como regra de procedimento,
acerta Salgado quando afirma que enquanto a democracia responde à questão de
quem exerce o poder, o liberalismo trata de como se exerce. Por isso – vale insistir – as
democracias argentina e brasileira são democracias liberais; que reconhecem leis e
direitos que as “governam”. Em ambos os casos, as democracias reconhecem uma
Constituição e, ainda, princípios que não podem ser desvirtuados”.5
A democracia, sujeita a regras de procedimentos, possui normas que orientam
o acesso e o exercício do poder que restam reconhecidas e previstas em Constituições.
Aponta Salgado que “no embate entre constitucionalismo e democracia, a apologia a
uma democracia constitucional é o que protege os pré-compromissos com a liberdade e a
igualdade. Essas amarras que governam a democracia garantem a liberdade da geração
presente e das gerações futuras, que passam a contar com uma estrutura democrática
consolidada e que embaraça decisões que possam implicar a renúncia da liberdade.”6
No contexto em que a democracia depende de regras de procedimentos, um dos
instrumentos para colocar em prática tais regras é o partido político que passa a exercer
papel fundamental de integrante das normas constitucionais de procedimento para o
exercício da democracia no Brasil.
Ocorre que, historicamente, o regime partidário brasileiro sempre esteve em vigor
como instrumento de processo eleitoral e mantendo-se alheio ao cenário representativo
das vontades sociais. Tal manifestação histórica acarretou entre os cidadãos brasileiros
a descrença ou perda da sua eficácia de atuação representativa. Não é à toa que,
atualmente, os partidos políticos restam reduzidos “aos seus líderes que ocupam cargos
públicos, sendo os líderes partidários o mais importante stock de capital disponível dos
partidos”.7 Segundo Paulo Bonavides:

[...] A ditadura invisível dos partidos, já desvinculada do povo, estende-se por outro
lado às casas legislativas, cuja representação, exercendo de fato um mandato imperativo,

3
LIMA, Eduardo Martins de. Sistemas multipartidários e eleitorais brasileiros em perspectiva comparada. São Paulo:
Annablume, Belo Horizonte: FUMEC, 2004.
4
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UnB, 1980, p. 28.
5
SALGADO, Eneida Desirre. A democracia interna dos partidos políticos como premissa de autenticidade
democrática. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, Fórum, ano 3, n. 11, p. 63-81, jan./
mar. 2003.
6
SALGADO, Eneida Desirre. A democracia interna dos partidos políticos como premissa de autenticidade
democrática. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, Fórum, ano 3, n. 11, p. 63-81, jan./
mar. 2003.
7
MAIR, Peter. Os partidos políticos e a democracia. Análise Social, v. XXXVIII (167), p. 277 – 293, 2003.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
358 DIREITO PARTIDÁRIO

baqueia de todo dominada ou esmagada pela direção partidária. O partido onipotente,


a esta altura, já não é o povo nem a sua vontade geral. Mas ínfima minoria que, tendo os
postos de mando e os cordões com que guiar a ação política, desnaturou nesse processo de
condução partidária toda a verdade democrática. Quando a fatalidade oligárquica assim
se cumpre, segundo a lei sociológica de Michels, da democracia restam apenas ruínas.
Uma contradição irônica terá destruído o imenso edifício das esperanças doutrinárias no
governo do povo pelo povo.8

Ao desvincular-se historicamente do povo para se fixar como instrumento


do processo eleitoral, o partido político brasileiro também se afastou de suas bases
constitucionais, razão pela qual apenas a instituição real e efetiva de uma democracia
intrapartidária é que garantirá a transformação das funções de representatividade dos
partidos, desenvolvendo-os com a finalidade de sustentar, em último grau, o próprio
regime democrático. Isso porque hoje, a relação dos votantes com os partidos é precária.
A estabilidade da identificação partidária no Brasil, comparado à Europa, em que os
sistemas partidários têm permanecido estáveis nos últimos anos, é excepcional.
Existem tendências oligárquicas, que são motivadas “pelas necessidades da luta
política competitiva, pois um partido não organizado é um partido débil e com limitadas
possibilidades de sobrevivência”,9 ou seja, baseiam-se no fato de os dirigentes dos partidos
não serem eleitos democraticamente; e o recrutamento é, ao contrário, autocrático.
Logo, a democracia interna se constitui em medidas jurídicas e políticas que
objetivam garantir a seleção dos dirigentes partidários, assim como dos candidatos que
objetivam concorrer ao pleito eleitoral popular, por meio da vontade majoritária das
bases do partido e não na imposição dos dirigentes políticos ou econômicos.
Segundo Amaral, “de uma maneira geral, a literatura se refere a esse fenômeno
como ‘democratização interna’ e, na maior parte dos casos, ele está ligado à crescente
capacidade dos membros em participar diretamente (um filiado, um voto) dos processos
de seleção de candidatos e lideranças e elaboração de propostas partidárias”.10
Daí se conclui que a democracia interna somente estará concretizada quando
estiverem tutelados direitos fundamentais de militantes do partido, tratando especi-
ficamente da participação dos filiados na escolha dos dirigentes partidários e da
forma de seleção de tais candidatos, prevendo ainda um controle de legalidade e
constitucionalidade sobre a atividade interna do partido.
Especificamente no que se refere à democracia interna dos partidos, há que estarem
previstos controles e procedimentos para limitar aspectos antidemocráticos que possam
ter os sistemas partidários. Todos os membros precisam ter direito de acesso aos cargos
e às informações sobre as atividades e sobre a situação econômica dos partidos. A eleição
de órgãos diretivos deve realizar-se por meio de voto livre e direto, com respeito às
minorias, garantindo-se a existência de órgãos de controle democráticos no partido.
A disputa eleitoral, ainda segundo Salgado, “dá-se entre líderes, não entre
partidos”.11 Não há, no Brasil, comando legal que imponha a democracia partidária.

8
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 359.
9
DUVERGER, Maurice. Os regimes políticos. 2. ed. São Paulo: Difel, 1996, p. 357-358.
10
AMARAL, Oswaldo E. do. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos
de literatura. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 11-21, maio/ago. 2013.
11
SALGADO, Eneida Desirre. Os partidos políticos e o Estado Democrático: a tensão entre a autonomia partidária
e a exigência de democracia interna. In: Partidos políticos e seu regime jurídico. Juruá, 2013.

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ANA CRISTINA FERRO BLASI
OS DESAFIOS NA DEMOCRACIA INTERNA PARTIDÁRIA BRASILEIRA: POSSÍVEIS FERRAMENTAS DE ATUAÇÃO PROCEDIMENTAL DAS ORGANIZAÇÕES 359
PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO

Premente, portanto, a reforma dos sistemas eleitorais internos dos partidos políticos, pois
este é o ponto de partida capaz de garantir a autenticidade do sistema representativo,
afastando-se do modelo arcaico que ainda persiste nos dias atuais.
Portanto, se democracia é regra de procedimento prevista e, se os partidos
constituem a coluna vertebral que dá azo ao sistema democrático, devem ser eles dotados
de transparência e democracia interna, de maneira a garantir a sustentabilidade do regime.

4.3 Partidos políticos e os desafios de representatividade


Após as transformações econômicas e as sociais produzidas pelo processo de
industrialização que incluíram as massas populares no jogo político, surgiram os
denominados “partidos de massa”, conceituados por Duverger como “o modelo de
partido mais apto às condições da democracia moderna”, para quem “o partido constitui
uma organização autocrática e oligárquica.”12
Posteriormente, segundo Amaral, o conhecido partido catch all apareceu em
razão do crescimento econômico e do amadurecimento do Estado do Bem-Estar Social
como “produto da desideologização do discurso partidário, do declínio da importância
da militância de base, do apelo eleitoral pluriclassista e da abertura para grupos de
interesse variados”.13
Continua o autor descrevendo que “a literatura indica que o ápice da aproximação
entre partidos políticos e organizações da sociedade civil aconteceu na ‘época de
ouro’ dos partidos de massa, entre os anos 20 e 60 do Século passado. Desde então,
a emergência do Estado de Bem-Estar e o processo de modernização socioeconômico
agiram na erosão dos laços entre os partidos e grupos sociais específicos, levando a
uma maior autonomia tanto dos partidos políticos quanto das próprias organizações
da sociedade civil.”14
Já o autor Hans Kelsen, em sua consagrada obra A democracia, dispõe que “um
dos elementos mais importantes da democracia real” são os partidos políticos, que
“agrupam os homens de mesma opinião, para lhes garantir influência efetiva sobre a
gestão dos negócios públicos”. Para ele, os impulsos provenientes dos partidos políticos
são como numerosas fontes subterrâneas que alimentam um rio que só sai à superfície
na assembleia popular ou no parlamento, para depois correr em leito único do lado de
cá. Kelsen diz que “a moderna democracia funda-se inteiramente nos partidos políticos,
cuja importância será tanto maior quanto maior for a aplicação encontrada pelo princípio
democrático”. Segundo o autor:

[...] está claro que o indivíduo isolado não tem, politicamente, nenhum existência real,
não podendo exercer influência real sobre a formação da vontade do Estado. Portanto, a
democracia só poderá existir se os indivíduos se agruparem segundo afinidades políticas,
com o fim de dirigir a vontade geral para os seus fins políticos, de tal forma que, entre o

12
DUVERGER, Maurice. Os regimes políticos. 2. ed. São Paulo: Difel, 1996, p. 357-358.
13
AMARAL, Oswaldo E. do. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos
de literatura. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 11-21, maio/ago. 2013.
14
AMARAL, Oswaldo E. do. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos
de literatura. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 11-21, maio/ago. 2013.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
360 DIREITO PARTIDÁRIO

indivíduo e o Estado, se insiram aquelas formações coletivas que, como partidos políticos,
sintetizem as vontades iguais de cada um dos indivíduos.

Ainda, para Kelsen, “só a ilusão ou a hipocrisia pode acreditar que a democracia
seja possível sem partidos políticos”. Note-se que todo esse ideário kelseniano vem
junto com a concepção de que a democracia direta não é mais possível em face das
dimensões do Estado moderno e da multiplicidade dos seus deveres, e a democracia
do Estado moderno é a indireta, parlamentar.15
Serviriam os partidos políticos, desse modo, como instrumentos funcionais cujo
objetivo seria colocar, por meio de eleições, representantes de cargos públicos para
desempenharem papéis em nome e para o todo (sociedade) e não em nome ou para
uma parte (classe).
Segundo Bonavides, “um partido político para se constituir necessita de um grupo
social, organização interna, acervo de ideias e princípios diretrizes, interesse e auto
conservação na tomada do poder”.16 Por isso, a história ou a formação de um partido
político não deixa de ser a história ou aglomerado de um grupo social. Daí porque
Antonio Gramsci defende que o partido político deve ser capaz de, ao mesmo tempo,
elaborar e agir, deve proporcionar o surgimento de operadores de ideias, de novos
projetos ideológicos, e não de determinar a simples reprodução de ideias de comando,
e o compromisso do partido é servir de protótipo de sociedade do futuro e possibilitar
a confrontação entre as mais diferentes correntes de pensamento.17
O partido político como um dos instrumentos procedimentais do regime
democrático de um país depende, para sua formação, de um aglomerado de grupo
social divergentes, embora, para a sua atuação, ele dependa da vontade externa coletiva
em prol de um bem estar que seja convergente (comum).
No mesmo sentido, Norberto Bobbio analisa que o partido político “compreende
formações sociais assaz diversas, desde os grupos unidos por vínculos pessoais e parti-
cularistas às organizações complexas de estilo burocrático e impessoal, cuja característica
comum é a de se moverem na esfera do poder político”.18 Logo, os partidos políticos
unificam ação e pensamento do “príncipe moderno”,19 concretizando uma vontade
coletiva que não pode ser satisfeita num indivíduo real ou concreto, mas somente num
organismo cujo aglomerado seja expressivo ou representativo da vontade coletiva.
No mais, conforme explica Eneida Desirre Salgado “os partidos políticos são
pessoas jurídicas de direito privado que desempenham importante função pública
na democracia brasileira. Pelo desenho constitucional, detêm o monopólio para a
apresentação de candidatos a cargos eletivos, a partir de uma seleção em seus próprios
quadros, e são destinatários de garantias e vedações fixadas constitucionalmente.”20
Portanto, a essencialidade dos partidos políticos é ideia predominante na doutrina,
a qual destaca que num Estado democrático, o sistema partidário é um dos principais

15
KELSEN, Hans. A democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
16
BONAVIDADES, Paulo. Ciência política. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
17
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
18
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UNB, 2004.
19
Expressão de: Antonio Gramsci.
20
SALGADO, Eneida Desirre. Os partidos políticos e o Estado Democrático: a tensão entre a autonomia partidária
e a exigência de democracia interna. In: Partidos políticos e seu regime jurídico. Juruá, 2013.

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ANA CRISTINA FERRO BLASI
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PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO

pilares e condição necessária à sua existência.21 Inegável, pois, o protagonismo dos


partidos políticos e sua relevância, posto que eles ocupam o governo e passam pelo
filtro político das organizações, orientados pelas diretrizes partidárias.
Seguindo essa diretriz, no Brasil, o art. 1º da Lei nº 9.096/95, conhecida como
a Lei dos Partidos Políticos, dispõe que partido político é pessoa jurídica de direito
privado e que suas finalidades são: a) assegurar, no interesse do regime democrático, a
autenticidade do sistema representativo e b) defender os direitos fundamentais definidos
na Constituição Federal.
A Lei dos Partidos Políticos no Brasil regulamenta os arts. 17 e 14, §3º, inciso V, da
Constituição Federal, que correspondem, respectivamente, à condição de elegibilidade
ativa para representar a soberania popular e a criação, a fusão, a incorporação e a extinção
dos partidos políticos. Note-se que a preocupação da redemocratização em nosso país
por meio da Constituição Federal de 1988 foi resguardar a soberania nacional, o regime
democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais, ou seja, foi dispor de um
segmento social que comportasse a capacidade de direcionar, de modo hegemônico,
o conjunto de vontades plurais da sociedade e não apenas a parcela de uma classe ou
seguimento.
No Brasil, portanto, segundo a norma hierárquica superior – Constituição Federal
– cumpre aos partidos políticos a “tarefa de aglutinar as vozes individuais e transportá-la
para a esfera do espaço público e, finalmente, para a estrutura do Estado”.22 Com isso,
são os partidos elementos de coesão do contexto social, não podendo ficar distanciados
dos cidadãos, pois, para mediar política, economia, direito e vontades divergentes, é
preciso canalizar, em última escala, as necessidades majoritárias e minoritárias e operar
na lógica do pluralismo.
De todo modo, conforme a teoria orgânica do partido político, fica claro que a
organização partidária não pode ser vista somente como um instrumento do sistema
eleitoral de candidaturas, elegibilidades ou inelegibilidades, mas um ambiente de
reflexão do cidadão enquanto sujeito histórico, ou seja, como ponte entre o contexto
organizacional parlamentar e as aspirações sociais da comunidade em que se encontra
inserido.
Ora, o governo entendido como o conjunto de indivíduos que exercem o poder
político e que determinam a direção política de uma sociedade23 é formado pelo que
se denomina “governo de partidos”, razão de ser essencial à existência dos partidos
políticos, em que pesem as confirmadas imperfeições do sistema.
Ainda que o sistema partidário brasileiro seja imperfeito, não se imagina, atual-
mente, uma maneira de se fazer política sem que seja por meio dos partidos políticos.
Além da sua importância nos regimes democráticos e no próprio processo eleitoral,
partidos atuantes e que garantem a mobilização social, fazem com que os cidadãos
confiem no sistema e sintam que o seu voto influencia no resultado do processo eleitoral.
Dito isso, pode-se concluir que o caminho não é a recusa do sistema dos partidos
políticos, mas a sua transformação ou modificação no modo como exercem suas funções,

21
SOSPEDRA, M. M. Introducción a los partidos políticos. Barcelona: Ariel, 1996.
22
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
23
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: UnB, 2004, p. 553.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
362 DIREITO PARTIDÁRIO

pois sem as suas agremiações a própria democracia pode ser inviabilizada ou vir a
sucumbir.
Dessa forma, é essencial sejam reformuladas as bases arcaicas das organizações
partidárias, na medida em que manutenção do modelo de partido com tendências
oligárquicas e com a ausência de participação das bases sociais não mais se sustenta.
Para realizar a democracia interna dos partidos políticos com a recuperação histórica da
crença social da sua função constitucional de representatividade, é preciso, portanto, criar
ferramentas (normas jurídicas) de atuação procedimental das organizações partidárias
a fim de articular a vontade sociopolítica de aproximação com o cidadão brasileiro.

4.4 Possíveis ferramentas de atuação procedimental das organizações


partidárias para sua articulação sociopolítica de aproximação
com o cidadão brasileiro
Conforme mencionado, hoje, no Brasil, os partidos políticos são corpos com
déficit democrático, uma vez que na concepção de Michels24 liberdade de atuação e de
auto-organização o faz eclodir, por meio do processo de oligarquização, além, é claro,
de serem protagonistas da profunda deterioração na relação com os eleitores havida
nos últimos anos.
O discurso dos partidos, contendo mensagens contraditórias, promessas não
cumpridas, crítica demagógica na contramão do interesse dos cidadãos, por meio de
seus ideais e propostas divorciadas da realidade social, tem contribuído para que o
eleitor se distancie da atividade política.
Todavia, não é possível imaginar uma sociedade com instituições democráticas
avançadas serem sustentadas por um conjunto de partidos políticos com grande déficit
democrático interno e, ainda dotados de total falta de transparência no cumprimento
das funções constitucionais. A degradação da democracia interna dos partidos insere-se
no âmbito de degradação da própria atividade política e, consequentemente, corrói a
própria democracia. O atual sistema político brasileiro propicia o surgimento de líderes
que centralizam o poder dos partidos, sem que haja grande preocupação para com
os eleitores. Assim, se os partidos políticos constituem a coluna vertebral do sistema
democrático, devem também constituir-se em corpos dotados de transparência e de
democracia interna, de maneira a garantir a sustentabilidade do regime democrático.
Para que os eleitores possam confiar novamente nos partidos políticos, é necessária
uma regeneração democrática em seu interior, garantindo uma codecisão nos temas
mais relevantes, reservados hoje, ao núcleo duro dos partidos, inacessível, na maioria
das vezes, às minorias.
Para que se efetive a democracia interna dos partidos políticos, no Brasil, é
necessário garantir o primado do princípio da máxima voluntariedade do afiliado
partidário para assumir qualquer tipo de atividade partidária. Ademais, para evitar
corrupção política, nada mais democrático do que a eleição ser realizada por um
colégio eleitoral formado por todos os filiados, garantindo-se lhes acesso da base e não

24
MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: UnB, 1982.

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ANA CRISTINA FERRO BLASI
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PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO

somente aos denominados político profissionais – aqueles que exercem a atividade


política como profissão.
Se assim procedermos, o partido estará dotado de estruturas decisórias que
permitem a “accountability”, ou a ampla transparência, inclusive financeira. Segundo
Raymundo Campos Neto, no Brasil, “não há normas estatutárias que assegurem igualdade
de tratamento entre todos os órgãos partidários (inclusive municipais) e candidatos no
que se refere a financiamento advindo de fonte privada e do Fundo Partidário. A falta de
equidade normativa e de controle efetivo dos filiados e dos próprios órgãos subalternos
(accountability) pode apontar déficit de democracia interna nos partidos políticos”.25
Daí porque se conclui que os partidos políticos brasileiros, segundo o processo
de oligarquização e burocratização, tornam-se impermeáveis à democracia, dado que
“(...) o partido político é o depositário da confiança constitucional na medida em que
é constituído como o protagonista da democracia representativa”.26 Ainda conforme
Campos Neto, “as estruturas decisórias dos partidos políticos brasileiros estão
organizadas de forma mais ou menos centralizadas”.
Prova disso é que recentemente foi promulgada a Emenda Constitucional nº 97,
de 4 de outubro de 2017, cujo art. 1º prevê que os partidos políticos podem estipular
duração de seus órgãos provisórios, impedindo o exercício da democracia no interior
do próprio partido político.
O art. 17, §1º da Emenda Constitucional nº 97/2017, que alterou a Constituição
Federal para vedar as coligações partidárias nas eleições proporcionais, estabelecer
normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo
de propaganda gratuito no rádio e na televisão e dispor sobre regras de transição, ficou
assim redigido:

Art. 17.
§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e
o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.

A Procuradoria-Geral da República, visando à declaração de inconstitucionalidade


do mencionado dispositivo, na parte em que assegura aos partidos políticos autonomia
para estabelecer duração de seus órgãos provisórios, em razão da possibilidade de os
partidos políticos ficarem livres para perpetuar práticas que vulnerem a democracia
interna, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5875/DF perante o Supremo
Tribunal Federal, ainda pendente de apreciação. Colhe-se da petição inicial:

25
CAMPOS NETO, Raymundo. A democracia interna nos partidos políticos brasileiros. Disponível em: <www.fumec.
br/revista>. Acesso em: 12 de jan. 2018.
26
SALGADO, Eneida Desirre; HUALDE, Alejandro Pérez. A democracia interna dos partidos políticos como
premissa da autenticidade democrática. A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Fórum, p. 63-81,
2015.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
364 DIREITO PARTIDÁRIO

[...] Não se pode aceitar emenda que deturpe o caráter nacional dos partidos, subtraindo-lhes,
ou permitindo que deles se subtraia, a importância das suas raízes locais, em favor de
um mando próximo do absoluto pelo grupo menor que compõe os seus órgãos centrais.
Uma emenda que o viabilize tende a enfraquecer o regime democrático, não apenas porque
dá ensejo a estruturas partidárias internas em si mesmas antidemocráticas, como porque
impede que interesses locais tenham a importância devida para a definição das linhas de
ação do partido, capturado pela cúpula central. Uma emenda que tenda a gerar donos de
partidos é inconciliável com o regime democrático concebido pelo constituinte originário.
Por tudo isso, uma emenda dessa ordem choca-se com a proibição de que se produzam
alterações da Constituição que tendam a depreciar princípios fundamentais da Carta de
1988.27

De fato, o art. 1º da Emenda à Constituição nº 97, de 4 de outubro de 2017, ao


prever que os partidos políticos podem estipular a duração de seus órgãos provisórios,
permitindo que tal provisoriedade (que, por si só é precária) se alongue indefinidamente
pelo tempo em que o partido político considerar apropriado, além de incidir em
inconstitucionalidade manifesta, impede o exercício da democracia interna no partido.
Ao entregar aos partidos políticos autonomia para fixar a duração de seus órgãos
provisórios, a Emenda Constitucional nº 97, indubitavelmente, afrontou limite imposto
ao constituinte derivado – de respeitar os princípios fundamentais impostos pelo
constituinte originário, como o do Estado Democrático de Direito (caput do art. 1º, bem
como o seu parágrafo único, da CF). Correto, no ponto, o entendimento do autor da ação:

[...] Não é incomum que partidos políticos mantenham por largo tempo diretórios
municipais ou estaduais administrados por comissões provisórias. Em anos eleitorais,
figuras eminentes em nível nacional nomeiam os dirigentes desses diretórios a título
precário. Esses integrantes dos diretórios locais, assim, dependem da vontade de órgãos
centrais para permanecer na função, com o óbvio inconveniente de não poderem, na prática,
escapar às imposições que lhe façam os que mantêm posição de mando sobre o partido
no plano nacional. São esses diretórios precários, assim limitados na sua liberdade, afinal,
que indicarão os candidatos do partido na circunscrição em que atuam.

Significa dizer, portanto, que deixar ao livre alvedrio do partido a decisão de


estabelecer – ou não – o prazo de validade dos seus diretórios provisórios infringe os
princípios constitucionais que sustentam o regime democrático, na medida em que não
se perfectibiliza a democracia interna, porque se impede a renovação política municipal
ou estadual, que somente atenderá à perpetuidade dos líderes da direção nacional dos
partidos.
A emenda constitucional, da forma com que foi aprovada, impede o surgimento
de candidatos oriundos das próprias bases partidárias, caracterizando uma organização
partidária autoritária, com prejuízo evidente ao regime democrático.
O art. 1º da Emenda Constitucional nº 97 consiste em verdadeiro retrocesso, uma
vez que impede a transparência e as eleições diretas para os órgãos partidários municipal
e estadual, além de favorecer o fortalecimento do modelo oligárquico incompatível com
o regime democrático.

27
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/Consultar
ProcessoEletronico.jsf?seqobj etoincidente=5336273>. Acesso em: 11 jan. 2018.

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ANA CRISTINA FERRO BLASI
OS DESAFIOS NA DEMOCRACIA INTERNA PARTIDÁRIA BRASILEIRA: POSSÍVEIS FERRAMENTAS DE ATUAÇÃO PROCEDIMENTAL DAS ORGANIZAÇÕES 365
PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO

Entretanto, raciocínio contrário a essa emenda em que se impusesse, legalmente,


prazo de validade aos diretórios provisórios locais, ou seja, que os partidos políticos
não pudessem estipular livremente a duração de seus órgãos provisórios, seria um bom
exemplo de uma possível ferramenta para viabilizar a democracia interna dos partidos
políticos e os aproximar do cidadão brasileiro. Isso porque tal norma não impediria o
surgimento de candidatos oriundos das próprias bases partidárias, caracterizando uma
organização partidária plural, sem limitar ou impedir o direito de participação política.
A autonomia do partido político não se sobrepõe ao regime democrático, ao
contrário, como já descrito neste artigo, partidos políticos constituem-se em um dos
instrumentos que dão validade às regras procedimentais inerentes à democracia.
Para alcançar a verdadeira democracia interna nos partidos políticos é necessária
pressão social e impulso legislativo, de modo a serem penalizados aqueles que não
adotem pautas democráticas. E mais: é necessário também sejam previstos direitos e
obrigações de afiliados e órgãos de direção, tais como: a igualdade do voto, o direito
de eleger e ser eleito, a prestação de contas para garantir transparência e consolidar o
avanço democrático da sociedade.
É que a autonomia partidária não significa soberania absoluta. A democracia
intrapartidária fortalece os partidos políticos ao obstar gestões internas opacas e
eternizadas pelo monopólio decisório; daí não poder ser preterida.
Portanto, a democracia interna dos partidos políticos somente estará concretizada
quando estiverem tutelados os direitos fundamentais de componentes do partido,
efetivando ferramentas de controle de legalidade e de constitucionalidade e transparência
sobre a atividade interna do próprio partido.

4.5 Conclusão
O objetivo central desse artigo foi descrever possíveis caminhos para dar
credibilidade à democracia interna dos partidos políticos.
Para isso, inicialmente, conceituou-se a democracia de um país como um regime
que depende de regras de procedimento.
No segundo momento, explicou-se que os partidos políticos são conglomerados
da vontade política externa e que exercem a função de representatividade dos cidadãos,
embora no Brasil, historicamente, ainda persista um déficit de credibilidade partidária,
o que abre espaços para partidos antidemocráticos centrados em figuras de líderes.
Por último, discutiu-se que a democracia interna nos partidos e o regime
democrático, caminham de mãos dadas. Não é possível falar-se em democracia sem que
os integrantes dos próprios partidos políticos façam consolidar a democracia interna
intrapartidária.
Descreveu-se que a promulgação do art. 1º da Emenda Constitucional nº 97 no
Brasil, na parte em que assegura aos partidos políticos autonomia para estabelecer
duração de seus órgãos provisórios, consiste em verdadeiro retrocesso, na medida em
que impede a transparência e as eleições diretas para os órgãos partidários municipal
e estadual, além de favorecer o fortalecimento do modelo oligárquico, tão prejudicial
ao regime democrático.
Para se alcançar a verdadeira democracia interna nos partidos políticos, é
necessária pressão social para que ocorra o impulso legislativo, de modo a serem

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
366 DIREITO PARTIDÁRIO

penalizados aqueles que não adotem as pautas democráticas. É necessário também,


normas jurídicas de direitos e obrigações de afiliados e órgãos de direção como: igualdade
do voto, direito de eleger e ser eleito, prestação de contas e transparência. Em suma,
o papel dos partidos políticos é essencial para se implementar a democracia. É claro
que existem setores da população indiferentes à atividade política e, para estes, o tema
concernente à democracia interna não tem importância alguma. Dentro dos partidos
políticos também há aqueles que propugnam veementemente pela desnecessidade de
reforma, pois não se pode negar (a história brasileira comprova isso) que são muitos
os interesses que movem as castas políticas, impedindo aprofundar-se a democracia
interna intrapartidária.
O principal problema dos partidos políticos brasileiros resume-se nos desafios de
representatividade, ou seja, na sua má-formação de estrutura e de funcionamento, que
se baseiam em mecanismos próprios de instituições arcaicas, não sendo de se estranhar
o déficit de representatividade e a baixa credibilidade junto aos cidadãos.
Para criar uma função orgânica em que os partidos políticos conectem-se com os
objetivos sociais dos cidadãos brasileiros torna-se indispensável que criem ferramentas
(normas jurídicas) de atuação plural e transparente. É preciso, portanto, fundar uma
pauta de gestão interna democrática dos próprios partidos políticos. Sabe-se que no
Brasil, a implantação da democracia interna nos partidos existentes é variável, porque o
próprio conceito de democracia tem fortemente um componente político. No entanto, o
certo é que a consecução de um nível aceitável de democracia interna só será possível se
houver um movimento político social tanto no interior dos partidos quanto na própria
sociedade.
Por fim, não custa lembrar que o cidadão, em qualquer democracia partidária,
tem direito fundamental não apenas a governos íntegros, mas também a partidos
políticos que operem de forma transparente e participativa. Preservar essa relação é, em
última instância, fortalecer os fundamentos previstos no art. 1º da Constituição Federal
brasileira, em particular, o pluralismo político e a soberania popular.

Referências
AMARAL, Oswaldo E. do. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100
anos de literatura. Revista Debates, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 11-21, maio/ago. 2013.
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ANA CRISTINA FERRO BLASI
OS DESAFIOS NA DEMOCRACIA INTERNA PARTIDÁRIA BRASILEIRA: POSSÍVEIS FERRAMENTAS DE ATUAÇÃO PROCEDIMENTAL DAS ORGANIZAÇÕES 367
PARTIDÁRIAS PARA SUA ARTICULAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE APROXIMAÇÃO COM O CIDADÃO

MAIR, Peter. Os partidos políticos e a democracia. Análise Social, v. XXXVIII (167), p. 277-293, 2003.
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: UnB, 1982.
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e a exigência de democracia interna. In: Partidos políticos e seu regime jurídico. Juruá, 2013.
SARTORI, Giovani. A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo. São Paulo: Ática S.A, 1994.
SOSPEDRA, M.M. Introducción a los Partidos Políticos. Barcelona: Ariel, 1996.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

BLASI, Ana Cristina Ferro. Os desafios na democracia interna partidária brasileira: possíveis ferramentas
de atuação procedimental das organizações partidárias para sua articulação sociopolítica de aproximação
com o cidadão. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 355-367. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 5

DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO


INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES
INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS
NOS PARTIDOS BRASILEIROS

PEDRO FLORIANO RIBEIRO


BRINA DEPONTE LEVEGUEN
LUÍS G. BRUNO LOCATELLI
PEDRO PAULO F. B. DE ASSIS

5.1 Introdução
No contexto de redemocratização do país, a Lei nº 6.767/1979 (Lei da Reforma
Partidária, LRP) representou o passo inicial para a reorganização do sistema partidário
brasileiro, ao afrouxar os principais requisitos organizacionais e eleitorais que dificultavam
a fundação de novos partidos. Abrindo as portas ao multipartidarismo, a nova legislação
manteve, no entanto, praticamente intactos os dispositivos que regulavam, de modo
bastante rígido, o funcionamento e a dinâmica interna das organizações partidárias.
Tais dispositivos constavam da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP, Lei nº 5.682),
implementada durante a ditadura militar, em 1971, para regulamentar o funcionamento
interno da ARENA e do MDB e conferir um verniz legal à proibição, de facto, da criação
de novos partidos. A LOPP formalizava, na verdade, um modelo organizativo que já
era praticado pelos principais partidos do regime democrático de 1946 – PTB, UDN e
PSD, – matrizes formadoras da ARENA e do MDB em 1965-66.
A partir de 1995, a nova legislação partidária (LPP, Lei nº 9.096) concedeu ampla
autonomia organizativa aos partidos, removendo as amarras legais da LOPP. No entanto,
diversos dos dispositivos da LOPP (mantidos em 1979) continuam povoando os estatutos
dos principais partidos brasileiros, mesmo hoje. O objetivo deste capítulo é discutir, a
partir de bases empíricas pouco utilizadas, dois desses mecanismos: as intervenções
internas e as comissões provisórias. As intervenções de diretórios hierarquicamente
superiores sobre inferiores eram previstas pela LOPP (art. 27), sob justificativa de
preservar a disciplina partidária, reorganizar as finanças regionais ou locais etc. Já as
comissões provisórias permitiam o funcionamento temporário dos partidos nos estados
e municípios que não atendiam aos requisitos necessários para realizar as convenções,
que elegeriam os respectivos diretórios (e estes elegeriam as executivas). A LRP manteve

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
370 DIREITO PARTIDÁRIO

a vigência desses mecanismos, que seriam removidos do arcabouço legal apenas com
a Lei nº 9.096 em 1995.1
A conservação desses dispositivos nos estatutos partidários, mais de vinte anos
após a concessão da autonomia organizacional (e mantendo-se, em diversos casos, a
mesma redação da LOPP), poderia ser encarada como sintoma de inércia institucional.
Mais realista, porém, é interpretá-la como resultado de um processo de aprendizado
institucional, experimentado por atores políticos quando submetidos às mesmas
regras do jogo (instituições) durante longos períodos de tempo (PIERSON, 2004).
De instrumentos de exceção (dissolução de diretório) ou de organização temporária
de partidos em processo de formação (comissões provisórias), tais dispositivos se
transformaram em mecanismos corriqueiros de gestão partidária e resolução de conflitos
internos, nas mãos principalmente das elites nacionais dos partidos. Na medida em que,
na maioria dos casos, a intervenção resulta na indicação de uma comissão provisória
pelo órgão interventor (a substituir o órgão dissolvido), esses fenômenos só podem
ser avaliados de modo conjunto (LEVEGUEN, 2018). Com base em dados que cobrem
os nove principais partidos do país entre 2006 e 2017,2 este capítulo sustenta a tese
do aprendizado institucional. No período analisado, 137 diretórios estaduais foram
dissolvidos pelas cúpulas nacionais dos nove partidos; algumas legendas passaram a
se organizar quase que exclusivamente através de comissões provisórias, tanto locais
quanto estaduais (ver tabelas na sequência).
O uso generalizado de tais mecanismos afeta a democracia interna dos partidos, já
que os diretórios e comissões executivas deixam de emanar das decisões tomadas pelas
respectivas convenções. Atento a isso, o TSE tenta, desde o final de 2015, regulamentar
com maior rigidez a existência de órgãos provisórios, limitando sua duração a 120
dias – mas concedendo aos partidos a prerrogativa de definir, em seus estatutos, prazos
mais extensos (Resoluções do TSE nº 23.465/2015 e nº 23.471/2016). Com tal limitação,
a prerrogativa de destituição de órgãos inferiores seria igualmente afetada. Frente à
resistência dos partidos, o TSE adiou a implantação da norma para agosto de 2017
(Resolução nº 23.511/2017).
Este capítulo contribui, assim, para um debate que segue em aberto. A primeira
seção do texto aborda as implicações e bases teóricas da discussão, com foco no debate
internacional sobre partidos políticos e regulação estatal. A seção seguinte reconstrói
brevemente a trajetória da party law no Brasil, destacando continuidades e rupturas
entre LOPP, LRP e LPP. A terceira seção apresenta e discute os dados sobre intervenções
e comissões provisórias nos partidos brasileiros, entre 2006 e 2017. As considerações
finais destacam que tais mecanismos têm funcionado como válvula de escape frente
ao rígido sistema interno de representação piramidal das organizações, assentado nas
convenções de delegados e herdado da LOPP. Também se aponta a necessidade de se
incluir a temática da democracia intrapartidária em qualquer debate sobre a reforma
das instituições políticas no Brasil.

1
A LRP (arts. 35-37) facilitou a realização de convenções e a constituição de diretórios, ao afrouxar todos os requisitos
necessários (X% de filiados no município para constituir o diretório local, X% de diretórios locais organizados
para formar o diretório estadual etc.).
2
PMDB, PT, PSDB, PFL/DEM, PP, PSB, PDT, PR e PTB

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PEDRO FLORIANO RIBEIRO, BRINA DEPONTE LEVEGUEN, LUÍS G. BRUNO LOCATELLI, PEDRO PAULO F. B. DE ASSIS
DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
371

5.2 Dilemas e implicações da regulação estatal sobre os partidos


políticos
Ao longo dos últimos quarenta anos, verificou-se um alargamento significativo
das fronteiras da democracia representativa em diversas regiões. O Brasil integrou
esse processo ao lado de diversos países na América Latina. Na prática, tal expansão
resultou no crescimento progressivo dos níveis de competição pacífica pelo poder político,
combinado com o aumento da participação dos cidadãos nos processos decisórios,
especialmente pela via eleitoral. Embora não suficientes, os partidos políticos são
imprescindíveis para o funcionamento da democracia representativa.3
Teoricamente, sob uma perspectiva funcional e abrangente, conforme sintetiza
Richard Katz (2014, p. 19), os partidos políticos são prioritariamente responsáveis pela
articulação e agregação dos interesses dos cidadãos em face do Estado. O processo de
articulação das preferências implica a capacidade de expressar determinadas demandas
individuais e/ou de organizações (sindicatos, igrejas, associações etc.), tal como de se
relacionar e ouvir setores diversos do eleitorado – dimensão representativa dos partidos
políticos (BARTOLINI; MAIR, 2001).
No tocante à agregação dos interesses pelas organizações partidárias, tal dinâmica
envolve a interlocução, seleção e a tradução do conjunto das demandas sociais nas
arenas decisórias. Assim, os partidos estruturam governos e facultam a tessitura de
compromissos e alianças entre os interesses, que acabam resultando em determinadas
políticas públicas – dimensão governativa dos partidos (BARTOLINI; MAIR, 2001;
KATZ, 2014). Diante disso, as escolhas regulatórias e legais podem impactar diretamente
a performance partidária dessas funções, sobretudo em atividades recorrentes, como a
seleção de candidatos, modalidades de financiamento (eleitoral e partidário), democracia
interna, níveis de centralização organizacional, integração entre os órgãos etc. Ademais,
podem influenciar na conformação das plataformas e programas partidários.
Desse modo, a party law (legislação partidária) é um elemento imprescindível para
a compreensão da dinâmica interna dos partidos, visto que opera como fonte direta de
constrangimento externo sobre suas principais atividades. Por consequência, apresenta
desdobramentos para a compreensão dos diferentes momentos de suas trajetórias
organizacionais: origem, expansão e transformações, sobretudo quando observadas
longitudinalmente ou em perspectiva comparada. Os sistemas partidários – conjunto das
interações entre partidos políticos, cujo todo é maior do que a soma das partes4 – também
são impactados pelas respectivas molduras legais. O caso paradigmático são as regras
que estabelecem os requisitos para criação de novas legendas, imponto obstáculos de
entrada aos novos competidores, assim afetando a estrutura de competição em sentido
monopolístico (MAIR, 1997; MOLENAAR, 2014 SCHERLIS, 2014).

3
Baseado numa concepção minimalista de partidos políticos e democracia, Schattschneider (1942, p. 1) argumenta:
“partidos políticos criaram a democracia moderna e a democracia moderna é impensável exceto em termos
dos partidos”. Sobre a relevância dos partidos para o funcionamento das democracias, especialmente novas
democracias ver Larry Diamond (1997, p. xxiii).
4
Sartori (1976, p. 43-44) define sistema partidário: “the concept of system is meaningless (…) unless (1) the system
displays properties that do not belong to a separate consideration of its component elements and (2) the system
results from, and consists of, the patterned interactions of its component parts, thereby (…) a party system is
precisely the system of interactions resulting from inter-party competition”.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
372 DIREITO PARTIDÁRIO

Sob o ponto de vista da Ciência Política, a party law define-se enquanto um


conjunto de leis e regulamentações que incidem diretamente e/ou indiretamente nos
partidos políticos (JANDA, 2005; MÜLLER AND SIEBERER, 2006; VAN BIEZEN E
PICCIO, 2013; VAN BIEZEN, 2014). Para Kenneth Janda (2006), similarmente ao caso
das representações de conjuntos numéricos descritos pelos diagramas de Venn, a
composição da party law se configura pela sobreposição de distintas normatizações legais.
Seus principais componentes seriam: regulação sobre o funcionamento e a organização
dos partidos, leis eleitorais e de campanha, leis de financiamento partidário e eleitoral,
leis de mídia, leis de associação civil, constituições, regras administrativas, regimentos
legislativos e decisões de cortes constitucionais (e também cortes eleitorais, como no
caso brasileiro). Por esse ângulo, Katz (2014, p. 25) sugere subdividir conceitualmente
a party law pela sua respectiva incidência em três eixos: 1) partidos como organizações;
2) partidos como competidores eleitorais; e 3) partidos como agentes governamentais.
Observando-se a trajetória regulatória sobre as organizações partidárias em
perspectiva histórica comparada, os partidos emergentes na Europa até a primeira
metade do século XX eram compreendidos como associações privadas e voluntárias,
experimentando um baixo nível de intervenção e regulamentação estatal (VAN BIEZEN
E PÍCCIO, 2013; KATZ, 2014). Todavia, análises recentes expõem evidências do acréscimo
da regulação estatal no ambiente intrapartidário, com particular relevância encontrada
nos casos italiano, austríaco e alemão, tal qual em democracias emergentes nos anos 80
e 90 – denominadas “terceira e quarta onda”.
Segundo van Biezen (2014), os indícios disso são verificáveis, por exemplo,
na ampliação do processo de constitucionalização dos partidos políticos, que inclui
democracias consolidadas e também novas democracias.5 De modo geral, as justificativas
públicas ao incremento da regulação são múltiplas, sendo que as mais recorrentes
enfatizam: a) reconhecimento estatal da imprescindibilidade das funções partidárias para
a democracia, e a importância do seu aperfeiçoamento;6 b) transparência no emprego
dos fundos públicos destinados ao financiamento partidário e eleitoral; c) algum grau
de profilaxia em relação aos partidos e líderes antidemocráticos; d) aprofundamento
dos níveis de democracia interna e de participação partidária, visando aumentar a
qualidade da democracia (KATZ; CROSS, 2013; KATZ, 2014).
A ampliação generalizada da regulação estatal é um indício relevante da adoção
de estratégias adaptativas pelos partidos via aumento da proximidade com o Estado,
principalmente como resposta às mutações ambientais. No caso das democracias
europeias, tal processo é descrito pela teoria da “cartelização”, na qual as organizações
partidárias, reagindo às transformações provocadas pela modernização social, optam
por se entrincheirar no Estado para maximizar certos recursos – principalmente

5
Na esteira das três fases da constitucionalização dos partidos políticos apontadas por van Biezen (2014), Casal
Bértoa et al. (2014, p. 123) sugerem segmentar também em três fases a implementação das leis especificamente
destinadas aos partidos políticos nas democracias modernas, com algum grau de correspondência com as ondas
de democratização. A primeira leva de implementação da lei de partidos foi baseada na necessidade de controle
do emprego dos fundos públicos. As leis subsequentes foram motivadas primordialmente pelo diagnóstico da
necessidade de consolidação da democracia, além do aumento da democracia intrapartidária. Para os autores,
nota-se um aumento linear da regulação desde a segunda metade do século XX na maioria dos países.
6
Segundo van Biezen (2004, p 704): “In fact, it is the growing acceptance of parties as the key intermediary
institutions of contemporary democracy which has paved the way for the legitimation of state support”.

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PEDRO FLORIANO RIBEIRO, BRINA DEPONTE LEVEGUEN, LUÍS G. BRUNO LOCATELLI, PEDRO PAULO F. B. DE ASSIS
DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
373

financiamento público e patronagem. Desse modo, garantem sua sobrevivência (KATZ;


MAIR, 1995; VAN BIEZEN, 2004).
Em relação aos partidos em novas democracias, tal rationale também é válida, visto
que a maioria das organizações partidárias possui origem adjacente e/ou promovida
pelo próprio Estado (VAN BIEZEN, 2003). Ainda de acordo com van Biezen (2004),
as mudanças identificadas sugerem o abandono do caráter associativo e privado
dos partidos políticos em favor da sua designação como “agências públicas” (public
utilities) – “At this stage, what seems clear is that the more parties become regulated,
the more public they become” (VAN BIEZEN; NAPEL, 2014, p. 13). A juridificação dos
partidos, especialmente pelo estabelecimento de regras de financiamento partidário,
ocorre vis-à-vis a implementação do financiamento público em diversas democracias
(KATZ; MAIR, 1995; VAN BIEZEN, 2004, 2014).
Anteriormente, as organizações partidárias eram reguladas como entidades da
esfera social, ou seja, como instrumentos da sociedade civil (KATZ, 1996, 2014 E 2014B;
VAN BIEZEN, 2004). Para Katz (2014), a constatação de tal alteração em curso expõe
uma contradição inerente ao princípio liberal da livre associação, e também impõe uma
ressignificação importante sobre a compreensão dos atores partidários por parte da
legislação e do próprio Estado. Desse modo, Katz (2002, p. 90) é assertivo ao constatar
a emergência de tal ambivalência nas atuais democracias: “legitimate objects of state
regulation to a degree far exceeding what would normally be acceptable for private
associations in a liberal society”.
A moeda de troca para os partidos obterem acesso aos fundos públicos e recursos
de mídia passa pelo aumento da transparência e do controle estatal. Em outras palavras:
os partidos oferecem um serviço público e são remunerados para tal; logo, o mínimo
de regulação é politicamente (e socialmente) legitimada (KATZ; MAIR, 1995; VAN
BIEZEN, 2004). Os significados desse processo para as democracias representativas
ainda são incertos, mas sugerem uma desidratação da capacidade das organizações
partidárias em operacionalizar funções como as de articulação de interesses e linkage
com o eleitorado, especialmente entre os eleitores mais jovens (MAIR, 2013; DALTON;
WATTENBERG, 2002; SCHMITTER, 2001; KATZ, 1990).
No que se refere à América Latina, as fronteiras entre Estado e partidos políticos
são historicamente bem menos claras, na maioria dos casos. Em geral, segundo Zovatto
(2006), os partidos latino-americanos seguiram ao menos três etapas no processo de
juridificação e regulação: 1) oposição e indiferença (século XIX até metade do século
XX): perseguição e fechamento dos partidos políticos e regulação incipiente sobre o
processo eleitoral; 2) reconhecimento e legalização (até 1978): constitucionalização
e regulação indireta pelas leis eleitorais; 3) incorporação: criação de leis diretas e
específicas, pormenorizadas para regular as organizações e processos internos, além
da sua plena constitucionalização. Desse modo, a dinâmica da regulação e legalização
foi se complexificando na América Latina com a constitucionalização dos partidos
políticos em quase todos os países, durante e após os processos de redemocratização
dos anos 80 e 90 (ZOVATTO, 2006).
No tocante ao financiamento eleitoral direto (fundo eleitoral e partidário) e indireto
(acesso à televisão e às mídias), verifica-se também um panorama de dependência dos
recursos públicos e forte regulação estatal. De acordo com Londoño e Zovatto (2014),
entre as democracias latino-americanas, 88% contam com alguma forma de financiamento

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374 DIREITO PARTIDÁRIO

direto aos partidos, e 78% possuem algum tipo de subsídio indireto, especialmente
vinculado ao acesso aos meios de comunicação de massa.
Em larga medida, ainda que a América Latina trilhe caminho semelhante em
termos de ampliação da regulação estatal – tal como nas democracias europeias e
em outras novas democracias –, o limite substantivo para efetivação da regulação é
a baixa capacidade de enforcement e fiscalização por parte do Estado e da sociedade
(LONDOÑO; ZOVATTO, 2014). Os poderes e recursos à disposição de agências e órgãos
de controle são ainda restritos – embora, de acordo com Molenaar (2010), os tribunais
estejam assumindo certo protagonismo sobre tal temática na região. Nesse sentido, cabe
discutir os possíveis custos e benefícios desse processo, principalmente observando as
motivações e os resultados objetivos da regulação, o tamanho do gap entre normas e
práticas, e os efeitos para qualidade da representação e da democracia.

5.3 Legislação partidária no Brasil


A party law, como abordado na seção anterior, diz respeito ao conjunto de
instituições (regras do jogo, no jargão da Ciência Política contemporânea) que regulam
de forma direta e indireta os diversos aspectos que cercam as organizações partidárias.
O tratamento exaustivo do desenvolvimento das leis partidárias brasileiras pelos
diversos ângulos possíveis (financiamento partidário, lei eleitoral etc.) foge ao alcance e
objetivos do capítulo. Tendo isso em mente, esta seção apresenta, de forma introdutória,
os constrangimentos e transformações institucionais que cercam o desenvolvimento
histórico da regulação partidária no Brasil, destacando os impactos sobre as relações
de poder entre os distintos órgãos intrapartidários7 – no que tange, principalmente, às
intervenções dentro dos partidos políticos.
É com o passar do tempo que as consequências de dinâmicas institucionais,
perenes ou mutantes, são desenhadas nos cenários políticos.8 Ou seja: é no desenrolar
das linhas históricas que é possível perceber os efeitos inerciais ou de mudanças das
instituições nos fenômenos políticos (PIERSON, 2004). Isso não é diferente na relação
entre as leis partidárias brasileiras e as organizações dos partidos políticos. Um olhar
sobre a progressão histórica das instituições em questão pode contribuir na exploração
e na captura dos impactos da trajetória do party law brasileiro nas formas de articulação
organizacional dos partidos políticos. Nessa perspectiva, há uma evidente vantagem em
se investigar o desenvolvimento das leis partidárias brasileiras a partir de sua dimensão
temporal, em termos de path dependence9 (dependência da trajetória): entender como se
deu o aprendizado institucional, dada a dinâmica das regras do jogo, ou seja, as ações
e reações das organizações partidárias no cenário político, tendo em vista a dinâmica
institucional.

7
Faz referência às formas de interação entre os órgãos intrapartidários de um mesmo nível, e entre os níveis
municipal, estadual e nacional da organização. Diz respeito aos graus de hierarquia e de autonomia entre as
partes que compõem a estrutura da organização: a centralização/descentralização orgânica do partido (Ribeiro,
2013).
8
“We turn to an examination of history because social life unfolds over time. Real social processes have distinctly
temporal dimensions” (PIERSON, 2004, p. 5).
9
Considerando a sequência, timing e self-reinforcement dos eventos e processos socioinstitucionais que constituíram
a trajetória do party law no Brasil (Pierson, 2004).

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DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
375

Se observarmos o desenvolvimento das instituições regulatórias dos partidos


brasileiros na República pós-1988, duas fases são nítidas:

1. o período em que vigorava a Lei nº 5.682, de 21 julho de 1971, a Lei Orgânica


dos Partidos Políticos (LOPP, mantida em vigor em seus aspectos organizativos,
grosso modo, mesmo após a Lei da Reforma Partidária de 1979, nº 6.767);
2. e a fase posterior, de vigência da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, a
Lei dos Partidos Políticos (LPP).

A primeira etapa foi marcada por constrangimentos agudos sobre diversas


dimensões das organizações partidárias, enquanto a segunda é caracterizada pela
desregulamentação, a concessão da autorregulação organizativa aos partidos. Do ponto de
vista histórico, a LOPP de 1971, e a LPP, de 1995, foram eventos críticos (PIERSON, 2004)
no desenvolvimento das trajetórias organizativas dos partidos brasileiros – estabelecendo
e rompendo, respectivamente, fortes constrangimentos institucionais às suas dinâmicas
internas. No que faz referência às formas de articulação interna dos partidos brasileiros
em ambos os períodos, uma trajetória partilhada pode ser observada: a partida de um
lugar comum (condições homogêneas de organização interna, dada a rigidez da LOPP),
sucedida por movimentos graduais de especializações/diferenciações das organizações.
Para entender essas trajetórias, é necessário destrinchar os cenários de ambos os eventos
críticos mencionados.
O sistema partidário que emerge nos anos 80 tem suas raízes no período ditatorial.
No que diz respeito à estrutura e articulação organizativa dos partidos brasileiros, a
LOPP (e suas alterações, na Lei da Reforma Partidária e seguintes) continuou sendo o
principal arcabouço regulatório, mesmo após a Carta de 1988.10
A LOPP de 1971 operacionalizava as formas de organização partidária do então
bipartidarismo brasileiro em um regime federalizado (RIBEIRO, 2013) – os órgãos
partidários correspondiam, em regra, aos três níveis da federação (municipal, estadual
e nacional). A forma de articulação entre os órgãos era simples, e permanece até hoje:
o tripé Convenção, Diretório e Executiva organiza a vida interna do partido em cada
nível, que se conecta aos demais por uma estrutura federalizada de poder. Essa estrutura
piramidal/hierárquica é ascendentemente representativa na seleção dos delegados e
dirigentes, e descendentemente centralizadora na gestão do partido (ver Figura 1).

10
Os aspectos descritos a seguir referem-se apenas às formas de articulação entre os principais órgãos que compõem
os partidos. Tanto as legislações como os partidos discutidos abrangem uma complexidade empírica e analítica
maior – as legislações abrangem uma gama maior de dimensões e os partidos apresentam nuances e dinâmicas
organizativas próprias e específicas. A simplificação da abordagem empregada tem em vista tornar possível
desenhar, mapear e comparar as formas de articulações partidárias brasileiras de modo geral.

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376 DIREITO PARTIDÁRIO

Figura 1 – Fluxograma simplificado da Figura 2 – Fluxograma simplificado da


estrutura de organização interna dos estrutura de organização interna do PT no
partidos segundo a LOPP período de vigência da LOPP

Convenção Diretório Executiva Encontro Convenção Diretório Executiva

Convenção Diretório Executiva Encontro Convenção Diretório Executiva

Convenção Diretório Executiva Encontro Convenção Diretório Executiva

Eleição/Seleção na composição dos órgãos partidários.


Graus hierárquicos estabelecidos.

O único partido criado durante a transição democrática que se diferenciou do


homogêneo padrão organizativo estabelecido foi o PT (Figura 2). Aproveitando uma
brecha da LOPP,11 o partido criou uma instância complementar ao rígido arranjo regula-
mentado – os Encontros, – inovando em sua estrutura de articulação intrapartidária. Essas
instâncias, criadas desde a fundação do partido, substituíram na prática as Convenções
partidárias em cada nível da organização; as Convenções “legais” se tornaram órgãos
ratificadores das decisões dos respectivos Encontros, mais representativos das bases –
militantes, filiados e facções (RIBEIRO, 2010). Conformando uma estrutura interna de
representação mais complexa, conformou-se também um grau de centralização nacional
e hierarquização decisória superior ao padrão organizacional dos demais partidos – que
se mantiveram mais descentralizados, com ampla autonomia conferida aos Diretórios
e Convenções Estaduais.
Principal órgão deliberativo em todos os outros partidos, as Convenções eram
convocadas em cada nível a cada dois anos. Em seu respectivo nível, era o órgão
responsável pela elaboração das diretrizes do partido, indicação das coligações
eleitorais e seleções de candidatos, de dirigentes locais e dos delegados – os “eleitores”
nas convenções de níveis imediatamente superiores. Os Diretórios de cada nível
desenvolviam, formalmente, as principais prerrogativas deliberativas e diretivas durante
os “mandatos partidários” – períodos entre as Convenções. Entretanto, a maior parte
dessas funções podia, e de fato eram, ser delegada às respectivas Executivas no dia a
dia da vida organizacional do partido (GUARNIERI, 2009; RIBEIRO, 2013) – sendo a
Executiva eleita pelo próprio Diretório correspondente.
O tripé mencionado, adequado a cada nível na federação, era o motor da vida
interna dos partidos brasileiros nos mais diversos aspectos.12 Por outro lado, a LOPP

11
A LOPP de 1971 permitia às organizações partidárias regularem dimensões internas não tratadas pela própria
legislação. Assim era possível “complementar” a estrutura organizacional imposta com instâncias adjacentes
(mesmo que não oficiais); essa foi a brecha aproveitada pelo PT.
12
Por exemplo, as Convenções Municipais (CM) indicavam os candidatos aos cargos de vereador e prefeito, as
Convenções Regionais (CR) determinavam os candidatos a deputado estadual, governador, deputados federais
e senadores, e a Convenção Nacional (CN) indicava o candidato à Presidência da República.

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DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
377

de 1971 estabelecia uma autonomia relativa dos órgãos de um nível em relação às


instâncias superiores. A legislação concedia poder de dissolução e veto aos Diretórios
superiores sobre os imediatamente inferiores, para garantir o cumprimento das regras
estatutárias e das linhas políticas estabelecidas. Isto é, foram estabelecidas pela LOPP
claras linhas de autoridade no sentido top-down entre os níveis do partido, com Diretório
Nacional e Executiva Nacional ocupando posição de proeminência nas organizações.13
No entanto, os órgãos regionais/estaduais sempre concentraram um número grande
de prerrogativas, principalmente em relação à seleção de candidatos e formação de
coligações nas respectivas eleições, descentralizando importantes recursos na estruturação
interna de poder.14
A Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979 – Lei da Reforma Partidária (LRP) –,
é promulgada com vistas a reformar o sistema partidário brasileiro, preservando, em
grande medida, as ingerências estatais da LOPP sobre as estruturas organizativas dos
partidos. A LRP de 1979 põe fim ao bipartidarismo até então em voga e afrouxa os
entraves para a formação de novos partidos, criando condições para o surgimento do
multipartidarismo – o que realmente foi acontecendo na sequência dos pleitos eleitorais.
Do ponto de vista da articulação intrapartidária, no entanto, o básico da LOPP foi
mantido. Ou seja, a LRP de 1979 dá vazão legal ao multipartidarismo no Brasil, sem
alterar o desenho organizacional interno que já vinha desde antes da redemocratização.
O rígido arranjo institucional da LOPP vigorou até o estabelecimento do novo
evento crítico na trajetória da party law brasileira: a Lei nº 9.096 (LPP), que regulamentou
o artigo 17 da Constituição de 1988 ao conceder autonomia às organizações partidárias.
Os partidos políticos passaram, formalmente, a ter maior liberdade em regular questões
relativas à estrutura e funcionamento interno de suas organizações – autonomia quanto
à gerência dos mecanismos de intervenção e do grau de inclusividade nas seleções de
candidatos, por exemplo.
No entanto, o efeito inercial da LOPP de 1971 persistiu, mesmo após sua revogação;
a adaptação das estruturas internas dos partidos foi bastante gradual.15 Legendas
centrais no sistema partidário brasileiro – como PT e PFL/DEM – promoveram mudanças
significativas em seus estatutos, enquanto outras apenas salientaram dinâmicas já
praticadas.16
O desenvolvimento da instituição da intervenção interna nos partidos brasileiros
denota um processo de aprendizado institucional entre a era de ingerência estatal
(LOPP de 1971) e a era de autonomia (LPP de 1995). Tal instituição é peça-chave na
articulação entre os órgãos multiníveis das organizações. A LOPP (artigos 27 e 71) e
a Lei nº 8.214, de 24 de julho de 1991 (artigo 18), conferiam, de forma descendente na
estrutura partidária, poder de intervenção aos diretórios superiores sobre os inferiores.
Esses órgãos de instâncias superiores tinham a prerrogativa para dissolver Diretórios,

13
A Convenção Nacional do partido também era uma instância de destaque – responsável, entre outras funções,
por aprovar ou vetar alterações no programa e estatuto dos partidos.
14
“Na prática, a LOPP e os dispositivos posteriores apenas oficializaram um arranjo que já vigorava na ARENA
e no MDB: a autonomia concedida às seções estaduais combinava-se com uma centralização, nas bancadas no
Congresso, das decisões nacionais relevantes” (RIBEIRO, 2013, p. 234)
15
“Some causal processes and outcomes occur slowly because they are incremental – it simply takes a long time
for them to add up to anything” (PIERSON, 2004, p. 13)
16
Para informações mais detalhadas das evoluções estatutárias dos partidos no país, ver Ribeiro (2013).

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378 DIREITO PARTIDÁRIO

destituir Comissões Executivas e anular decisões das Convenções relativas a coligações


e candidaturas. Esses e outros dispositivos legais posteriores guardam um aspecto
importante em comum: as razões apontadas para justificar processos de intervenção
sempre foram amplas, genéricas e ambíguas, conferindo alto grau de discricionariedade
para o uso do instituto aos órgãos superiores.17
A LPP de 1995 (artigo 15) e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (artigo 7),
incumbem aos partidos políticos (nas dimensões organizacional e eleitoral, respectiva-
mente) autonomia para decidir sobre os mecanismos de intervenção partidária – desde
que previstos e amparados nos seus estatutos. A partir de então, a prerrogativa de
intervenção é individualizada em cada organização, podendo essa sofrer efeitos de
inércia institucional ou de adaptação no novo ambiente de autonomia legal. A depender
das respostas de cada partido, as estruturas partidárias experimentaram processos de
centralização nacional ou descentralização desde então.
A multiplicação das comissões provisórias estaduais e municipais, em praticamente
todos os partidos, indica que o caminho da centralização tem sido o preponderante –
com consequências para a democracia intrapartidária, tendo em vista que as direções
provisórias são indicadas pelo órgão interventor, ao invés de serem eleitas em convenção
do mesmo nível. Agora, é a party law brasileira que reage, buscando se adaptar a um
comportamento que se tornou padrão. A Resolução nº 23.465 do TSE, de 17 de dezembro
de 2015, alterou a LPP de 1995 para tentar limitar a existência de órgãos provisórios
por mais de 120 dias – o que acabaria por limitar também o próprio uso do instituto da
intervenção interna. Entretanto, com a Emenda Constitucional nº 97, de 4 de outubro de
2017, a questão ganhou contornos complexos e está em debate. Nesse sentido, vale lembrar
que o artigo 17 da Constituição Federal (§1º) assegura especificamente autonomia aos
partidos políticos para decidir sobre a duração de seus órgãos provisórios e permanentes.

5.4 Intervenções e comissões provisórias nos partidos brasileiros:


dados exploratórios
Como visto, os partidos brasileiros estão submetidos a incentivos contraditórios.
De um lado, a legislação eleitoral concentra nos diretórios estaduais o processo de
seleção de candidatos para quase todos os cargos relevantes do país (única exceção: a
Presidência da República), o que contribui para a descentralização do poder interno.
No vetor inverso, a simultaneidade das eleições (que amarra, em alguns partidos, as
estratégias estaduais ao projeto nacional de disputa pela Presidência), a alocação do
fundo partidário direta e exclusivamente às cúpulas nacionais, e a possibilidade de
intervenções internas top-down, com elevado teor de discricionariedade são fatores que
conduzem à centralização do poder interno (BORGES, 2015; RIBEIRO; FABRE, 2016).
Nesse sentido, uma das maneiras mais difundidas, em contextos federativos, para
promoção da integração vertical nos partidos (entre órgãos nacionais e subnacionais)
é a garantia ex officio de representação regional nas cúpulas nacionais das legendas
(RIBEIRO; FABRE, 2016). Nos partidos brasileiros, porém, essa não é uma prática tão
tradicional (Quadro 1).

17
Por exemplo: preservar a “linha político-partidária” da organização e a “disciplina partidária” – justificativas de
alto teor subjetivo.

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PEDRO FLORIANO RIBEIRO, BRINA DEPONTE LEVEGUEN, LUÍS G. BRUNO LOCATELLI, PEDRO PAULO F. B. DE ASSIS
DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
379

Quadro 1 – Representação estadual ex officio no Diretório Nacional (DN) e Comissão


Executiva Nacional (CEN)

PMDB PSDB PT DEM PP PDT PSB PR PTB


27 Presidentes 27 Presidentes
Representação
Estaduais são Sem representação assegurada Estaduais:
estadual no DN
membros natos membros
Representação natos no DN
Sem representação assegurada e CEN
estadual na CEN
Fonte: Estatutos mais recentes dos partidos.

A falta de representação regional assegurada coloca a elite nacional dos partidos


em situação institucional privilegiada para a promoção de intervenções internas, seja para
preservar decisões nacionais (em relação a coligações, lançamento de candidaturas etc.),
seja nas batalhas internas entre facções e lideranças. O fenômeno da multiplicação das
comissões provisórias deve ser entendido nesse diapasão: o resultado da manipulação
do instituto da intervenção pelas elites partidárias. Comissões provisórias estaduais
surgem a partir da dissolução de diretórios e executivas estaduais pela cúpula nacional,
enquanto comissões provisórias locais resultam de processos de intervenção promovidos
seja pela cúpula nacional, seja pelos órgãos estaduais respectivos. Ao intervir, o órgão
superior nomeia os dirigentes que farão parte da gestão provisória, mantendo o poder
de renovar seus mandatos conforme as conveniências.
Como mostram os dados da Tabela 1, esse fenômeno se tornou generalizado nos
últimos anos. Após um período de aprendizado institucional, as comissões provisórias
deixaram de ser um dispositivo que permitia a organização temporária e incipiente de
partidos em formação (com menos exigências formais do que a composição de diretórios),
para se converter em mecanismo estratégico de gestão organizacional cotidiana e de
centralização do poder.

Tabela 1 – Comissões provisórias e diretórios, em estados e municípios

PMDB PT PSDB DEM PP PDT PSB PR PTB


Diretórios estaduais
27 27 22 16 14 16 11 – 11
constituídos (n)
Comissões provisórias
– – 5 11 13 11 16 27 16
estaduais (n)
A – Diretórios municipais
3357 4443 2589 1093 1068 1289 771 40 32
constituídos (n)
B – Comissões provisórias
1571 937 2195 3265 3111 2899 3530 4388 3910
municipais (n)
Proporção: comissões
provisórias (B) sobre total de 32% 17% 46% 75% 74% 69% 82% 99% 99%
organização local (A+ B)
Fonte: TSE. Dados locais são de 2013. Dados estaduais são de 2017.

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380 DIREITO PARTIDÁRIO

Esse mecanismo não demonstra fragilidade organizacional ou baixo nível


de institucionalização dos partidos no Brasil. Pelo contrário, indica a centralização
organizacional e a força das elites partidárias nacionais (compostas principalmente por
parlamentares federais), que se tornam capazes de contrabalançar a descentralização
de cunho federativo que marca as legendas no país. Os partidos são
fortes porque detêm recursos essenciais para os políticos e porque esses recursos são
controlados pelas lideranças por meio de mecanismos como os das comissões provisórias.
Os partidos são formados da base para a cúpula, mas a cúpula pode a qualquer momento
dissolver a organização de base e remontá-la de modo a lhe beneficiar. (GUARNIERI,
2009, p. 170)

O mecanismo de dissolver um diretório demonstra a forma como as elites dirigentes


nacionais usam as regras formais de maneira estratégica, a fim de centralizar o controle
sobre as decisões. O eixo de representação interna ocorre normalmente da base (nível
municipal) para o topo (nível nacional), através das convenções. Como os diretórios
estaduais são representados na convenção nacional, a elite nacional precisa controlar
o maior número possível daqueles órgãos, principalmente em momentos de disputa
e tensão interna. No caso de intervenção e formação de comissão provisória estadual,
quem designa os dirigentes estaduais é a cúpula nacional, assegurando que os membros
indicados por elas estarão presentes na convenção nacional (com o mesmo acontecendo
na relação entre estados e municípios). Além disso, a comissão provisória estadual tem
um número de membros bem inferior ao do diretório e comissão executiva estaduais,
o que maximiza os ganhos do órgão interventor (Tabela 2). Esse seria um dos motivos
para a multiplicação de comissões provisórias, mesmo em partidos criados há mais de
30 anos (GUARNIERI, 2009).

Tabela 2 – Número de membros dos órgãos estaduais

PFL/
PMDB PT PSDB PP PDT PSB PR PTB
DEM
Diretório Convenção
45 a
Diretório 71 60 31 a 105 45 a 71 71 a 141 Nacional Estadual 33
99
define define
Até 1/3 de No mínimo
Comissão membros 20% do
13 14 21 21 11 23 14
Executiva efetivos do número do
Diretório Diretório

Comissão 7a
07 08 07 07 a 25 07 a 17 05 a 11 05 a 07 07
Provisória 21

Fonte: Estatutos mais recentes dos partidos. Os membros natos não foram computados.

Os motivos formais para as intervenções vão desde a regularização contábil e o


desempenho eleitoral, passando pelas decisões sobre coligações, e chegando à manutenção
da disciplina partidária. A seguir são reproduzidos alguns trechos que definem essas
normativas no estatuto do PMDB. Os demais partidos possuem dispositivos bastante
semelhantes.

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DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
381

Art. 60. Os órgãos do Partido somente intervirão nos órgãos hierarquicamente inferiores
para:
I – manter a integridade partidária;
II – assegurar o exercício dos direitos das minorias;
III – reorganizar as finanças e regularizar as transferências de recursos para outros órgãos
partidários, previstas no Estatuto ou em resoluções.
IV – assegurar a disciplina e a democracia interna.
V – garantir o desempenho político-eleitoral do Partido.
VI – impedir acordo ou coligação com outros partidos em desacordo com as decisões
superiores;
VII – preservar as normas estatutárias, a ética partidária, os princípios programáticos, ou
a linha político-partidária fixada pelos órgãos superiores e a linha política fixada pelos
órgãos competentes.
VIII – regularizar o controle das filiações partidárias. (...)
Art. 61. O Diretório que se tornar responsável pela violação do Código de Ética, dos
princípios programáticos, do Estatuto, ou por desrespeito a qualquer diretriz ou deliberação
regularmente estabelecida pelos órgãos competentes, incorrerá na pena de dissolução,
que será aplicada pelo Diretório de hierarquia imediatamente superior.
§1º – Será também decretada a dissolução do Diretório cujo desempenho eleitoral não
corresponder aos interesses do Partido ou, a critério do órgão hierárquico imediatamente
superior, for considerado impeditivo do progresso e do desenvolvimento partidários.
(ESTATUTO DO PMDB, 2013)

Os dados da Tabela 3 dimensionam o uso das intervenções internas nos nove


principais partidos brasileiros, entre 2007 e 2017, considerando todos os estados do país
(e apenas em termos das interferências das cúpulas nacionais sobre os estados). Os órgãos
estaduais foram classificados em quatro categorias: diretórios estaduais que finalizaram seus
mandatos sem sofrer nenhum tipo de intervenção; diretórios que sofreram intervenções;

Tabela 3 – Intervenções do DN sobre órgãos estaduais, por partido (2006-2017)

PMDB PT PSDB DEM PP PDT PSB PR PTB Total


Diretórios sem
92 65 87 40 53 47 23 2 34 443
intervenção
Diretórios
que sofreram 16 16 20 16 11 20 26 0 12 137
intervenção
Comissões
provisórias sem 05 0 09 65 91 59 25 55 62 371
intervenção
Comissões
provisórias
03 0 08 18 15 56 41 26 15 182
que sofreram
intervenção

Total 116 81 124 139 170 182 115 83 123 1133

Fonte: Leveguen (2018), a partir de dados do TSE.

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382 DIREITO PARTIDÁRIO

comissões provisórias formadas, e que não sofreram intervenção; e comissões provisórias


que sofreram intervenção.18 No total, foram 1133 composições analisadas.
Dos 580 diretórios estaduais regularmente eleitos no período de onze anos, 137
(24%) sofreram processos de intervenção. PMDB, PT e PSDB são os partidos que mais
preservam os diretórios estaduais eleitos pelos delegados nas convenções estaduais. Vale
destacar que nem toda intervenção resulta na formação de uma comissão provisória, já
que o diretório estadual pode ser reestruturado em um novo diretório – é o caso do PT,
que teve processos de intervenção interna sem a formação de comissões provisórias.
A Tabela 4 desagrega, por ano e partido, os 319 casos de intervenções da cúpula
nacional sobre diretórios e comissões provisórias estaduais.19 Os dados sugerem o
impacto das eleições, tanto gerais quanto municipais, sobre as organizações partidárias:
a partir de 2011, os anos imediatamente pós-eleitorais (anos ímpares) apresentam as
maiores quantidades de intervenções internas. Cabe ressalvar que os dados anteriores
a 2011 são pouco confiáveis, já que o TSE não centralizava essas informações de modo
consistente; os quantitativos estão provavelmente subestimados, portanto. Eles não
refletem, por exemplo, o processo de ‘refundação’ do PFL em 2007, quando todos os
diretórios estaduais foram dissolvidos.

Tabela 4 – Intervenções nos órgãos estaduais, por ano e partido (2006-2017)

Ano da
PMDB PT PSDB DEM PP PDT PSB PR PTB Total
intervenção
2006 0 0 0 0 0 0 0 0 0 –
2007 0 0 0 0 0 1 1 0 0 2
2008 0 0 0 0 0 0 2 0 1 3
2009 0 0 0 0 0 2 1 1 1 5
2010 0 0 0 2 1 3 1 0 0 7
2011 2 0 4 12 5 12 12 2 4 53
2012 5 0 0 0 3 7 10 5 6 36
2013 3 6 8 1 3 7 9 8 1 46
2014 1 1 1 0 3 4 2 4 1 17
2015 8 0 8 13 2 22 16 3 6 78
2016 0 0 1 3 6 16 2 2 5 35
2017 0 9 6 3 3 2 11 1 2 37
Total 19 16 28 34 26 76 67 26 27 319

Fonte: Leveguen (2018), a partir de dados do TSE.

18
Embora pareça contraditório, os estatutos permitem que os órgãos nacionais realizem intervenções e destituições
nas comissões provisórias, caso elas não solucionem os motivos que originaram a intervenção primária.
19
O recorte considera as composições eleitas imediatamente antes de 2006 até as eleitas em 2016, com vigência
em 2017. Nesse caso, foram consideradas tanto as intervenções nos diretórios estaduais quanto nas comissões
provisórias.

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PEDRO FLORIANO RIBEIRO, BRINA DEPONTE LEVEGUEN, LUÍS G. BRUNO LOCATELLI, PEDRO PAULO F. B. DE ASSIS
DA PREVISÃO LEGAL AO APRENDIZADO INSTITUCIONAL: INTERVENÇÕES INTERNAS E COMISSÕES PROVISÓRIAS NOS PARTIDOS BRASILEIROS
383

Esta seção trouxe apenas dados exploratórios sobre o tema. Novas pesquisas
precisam ser feitas, para se compreender em profundidade os fenômenos das intervenções
internas e comissões provisórias nos partidos brasileiros.

5.5 Considerações finais


Seguindo a tendência das democracias contemporâneas, os partidos brasileiros
são cada vez mais dependentes dos recursos estatais para sua sobrevivência. No entanto,
contrariando essas mesmas tendências, o país caminhou, com a implantação da nova
legislação partidária em 1995, para um panorama de maior autonomia organizacional.
A preocupação dos legisladores em remover legados autoritários (LOPP) é parte da
explicação desse aparente paradoxo. Outra parte reside na extensa rede regulatória
de outros arcabouços legais, não necessariamente específicos ao funcionamento das
organizações partidárias, mas que continuaram afetando-as direta ou indiretamente:
leis eleitorais, resoluções e portarias do TSE e decisões do STF garantem doses pequenas
de autonomia às legendas – e que tendem a ser cada vez menores, com a importância
crescente do fundo partidário no financiamento das agremiações.
Este capítulo procurou demonstrar como as elites partidárias não ficaram inertes
frente às transformações no arcabouço legal brasileiro. Os mecanismos de intervenção
e comissões provisórias, parcialmente abolidos no novo cenário legal de autonomia,
permaneceram vivos nos estatutos e na prática cotidiana das legendas. Mais que isso,
passaram a ser amplamente instrumentalizados pelas elites partidárias, como válvula
de escape frente ao sistema de representação interna das organizações, que configura
um rígido esquema piramidal-hierárquico assentado nas convenções de delegados.
Nota-se um claro descompasso, portanto, entre o desenho institucional legado da LOPP
e a dinâmica e gestão cada vez mais centralizados dos partidos brasileiros.
Estão em jogo, nesse descompasso, o tipo e o nível de democracia praticada
(e desejada) no interior dos partidos políticos brasileiros. Investigar as formas de
apropriação e execução desses mecanismos pelas organizações partidárias é buscar
entender e descrever a história organizacional dos partidos brasileiros. Mas é apontar,
sobretudo, para a necessidade de se incluir a temática da democracia intrapartidária
nos debates que circundam as diversas propostas de reforma política ora em voga. Até
o momento, esse é tema praticamente ausente da discussão. Não há democracia sem
partidos e sem participação popular. Qualquer reforma política incisiva deve levar
em conta a necessidade de se injetar essa participação nas legendas – o que passa pelo
debate sobre suas práticas de democracia interna.

Referências
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PEDRO FLORIANO RIBEIRO, BRINA DEPONTE LEVEGUEN, LUÍS G. BRUNO LOCATELLI, PEDRO PAULO F. B. DE ASSIS
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Principais legislações citadas:


– Lei nº 5.682, de 21 julho de 1971, a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP);
– Lei nº 6.767 de 20 de dezembro de 1979, a Lei da Reforma Partidária (LRP);
– Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, a Lei dos Partidos Políticos (LPP);
– Lei nº 8.214, de 24 de julho de 1991;
– Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

RIBEIRO, Pedro Floriano et al. Da previsão legal ao aprendizado institucional: intervenções internas e
comissões provisórias nos partidos brasileiros. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande;
AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 369-385. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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PARTE VI

CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS E
SUA INEXORABILIDADE PARA O
APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA

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CAPÍTULO 1

CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO

DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO


MARIA STEPHANY DOS SANTOS

1.1 Introdução
Parte-se de uma análise perfunctória sobre aspectos relevantes acerca da
elegibilidade e, por conseguinte, já atrelado ao contexto e objeto de estudo desse artigo,
abordam-se questões preliminares e conceituais em relação ao ato político partidário
(convenções partidárias).
Por uma questão didática optou-se destacar pontos importantes das fases que
são objeto das convenções partidárias e o entendimento doutrinário e jurisprudencial
a respeito.
Sabe-se que as convenções partidárias marcam o início da escolha de candidatos e
celebração de coligações, esse ato é a mais pura personificação da autonomia partidária
consagrada no art. 3º da Lei nº 9.096/95. Note-se que, apesar de a Lei dos Partidos e a Lei
Geral das Eleições insculpirem a data para realização das convenções (sua formalização)
e trazer vedações no uso de alguns meios de comunicação e propaganda para tais fins,
a Justiça Eleitoral não interfere na escolha dessa seleção de candidatos.
Essa autonomia é conferida com fins de que o partido político busque de acordo
com as concepções e seus anseios a organização e gerenciamento de sua estrutura
interna em prol da realização de seus objetivos, logo, cabe aos partidos (por meio
dessa autonomia) a definição de cronogramas de suas atividades partidárias eleitorais,
obedecendo sempre os ditames trazidos pelas normas eleitorais.
A partir dessa constatação, averigua-se uma obnubilação em relação à intervenção
do Poder Judiciário em questões que envolvam o partido político, pois os atos interna
corporis são insuscetíveis de questionamento judicial, pela própria natureza constitucional
e em prol do enaltecimento da democracia.1
Nesse passo, diante das controvérsias apontadas, esse ensaio irá analisar todo
o procedimento relacionado às convenções partidárias e as suas nuances processuais
que, cada vez mais, é de merecer nossa vista.

1
COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado. Direito Eleitoral Processual Eleitoral Penal Eleitoral. 4º Ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2016, p. 137.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
390 DIREITO PARTIDÁRIO

1.2 Considerações iniciais


O Direito Eleitoral, matéria de Direito Público indisponível por sua própria natureza,
emerge diretamente nas relações sociais, estando intimamente concatenado a um dos pilares
do Estado (governo),2 principalmente, no que se refere ao seu procedimento de renovação
que favorece a democracia, regime político adotado no Brasil.3 É de suma importância
destacar que esse ramo no direito brasileiro possui o fim colimado de proteger a probidade
administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, trazendo parâmetros objetivos
capazes de controlar a corrida incessante pelo poder garantindo, assim, o enaltecimento
da paridade de armas entre os candidatos, o que exige, portanto, amparo e cautela de
uma justiça especializada com o fito de preservar referida disputa.4
A Justiça Eleitoral foi criada a partir da promulgação do Código Eleitoral de 1932
(Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932) ganhando ares constitucionais a partir da
Lei Maior do Estado de 1934,5 auferindo uma seção própria, não trazendo traços pujantes e
diferenciadores da atual sistemática desenvolvida na Constituição de 1988, principalmente,
no que concerne a sua estrutura de órgãos (Tribunal Superior de Justiça Eleitoral; Tribunal
Regional; Juízes singulares; Juntas especiais admitidas no art. 83, §3º). Na Constituição
de 1937,6 a Justiça Eleitoral não integrou a base dos órgãos do Poder Judiciário, ante a
clarividente inobservância dos preceitos democráticos que vigoravam à época.
A partir da Constituição Federal de 1946,7 a Justiça Eleitoral passou a ter um
enfoque consolidado e incólume nos textos constitucionais até os dias hodiernos (19678
e 19889).

2
A forma de governo indica a maneira como se dá a formação do poder da sociedade e a relação do povo com os
seus respectivos governantes.
3
O Estado na precisa lição de BOBBIO compreende um momento supremo e definitivo da vida comum e coletiva
do homem. (BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2004. p. 20). HOBBES o define como um ente de natureza absolutista, o Estado Leviatã, onde os cidadãos
deviam ceder as suas vontades para estabilizar a sociedade, pacificando e trazendo segurança. (MALMESBURY,
Thomas Hobbes de. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Abril, 1997. p.
107). ENGELS e MARX atribuem a conceituação de estado um papel de assegurador da exploração do homem
pelo homem servindo como meio de uma classe social dominar outra. Seria uma sociedade comunista, com
a aniquilação da diferença entre as classes sociais, com o fim da propriedade privada e do estado. (ENGELS,
Friedrich; MARX, Karl Heinrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Rocketedition. 2002. p. 22).
4
Alvim sintetiza magistralmente a importância basilar do direito eleitoral: “O direito eleitoral corresponde ao ramo
do Direito Público composto por um conjunto coerente e sistematizado de normas voltadas à regulamentação
das eleições, entendidas como mecanismos de transmissão pacífica do poder, fundados na conversão da vontade
popular livremente manifestada em mandatos políticos democráticos”. (ALVIM, Frederico Franco. Curso de
Direito Eleitoral. 2º Ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 31). Nesse mesmo caminho, o eleitoralista Marcus Vinícius “Cabe
ao direito eleitoral delinear e efetivar um processo que respeite as normas, assegurando liberdade de escolha dos
representantes que exercerão o poder político nas esferas legislativas e executivas.” (COÊLHO, Marcus Vinícius
Furtado. Direito Eleitoral Processual Eleitoral Penal Eleitoral. 4º Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 17.)
5
Art 63 – São órgãos do Poder Judiciário: a) a Corte Suprema; b) os Juízes e Tribunais federais; c) os Juízes e
Tribunais militares; d) os Juízes e Tribunais eleitorais.
6
Art 90 – São órgãos do Poder Judiciário: (Vide Lei Constitucional nº 14, de 1945) a) o Supremo Tribunal Federal;
b) os Juízes e Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; c) os Juízes e Tribunais militares.
7
“Art. 94 – O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I – Supremo Tribunal Federal; II – Tribunal Federal
de Recursos e Juízes Federais; III – Tribunais e Juízes Militares; IV – Tribunais e Juízes Eleitorais; V – Tribunais
e Juízes do Trabalho.”
8
Art 107 – O Poder Judiciário da União é exercido pelos seguintes órgãos: I – Supremo Tribunal Federal; II – Tribunais
Federais de Recursos e Juizes Federais; III – Tribunais e Juízes Militares; IV – Tribunais e Juízes Eleitorais; V –
Tribunais e Juízes do Trabalho.
9
“Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I – o Supremo Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) II – o Superior Tribunal de Justiça; II-A – o Tribunal Superior

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DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO, MARIA STEPHANY DOS SANTOS
CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
391

Assim, destaque-se a importância da criação e manutenção da referida estrutura


judiciária eleitoral em prol dos preceitos republicanos, precipuamente, nessa área
do direito, que sofre fortes influências externas capazes de desestruturar a forma de
governo um país.
Há de ser destacado ainda que o direito eleitoral encontra-se ramificado em
variadas leis e,10 consequentemente, há diversos direitos e deveres que devem ser
seguidos pelos pretensos cidadãos que almejam exercer o seu direito político passivo.
O exercício do direito político passivo encontra-se delineado em âmbito constitucional
a partir de seu art. 14, donde se extrai a elegibilidade. Deve-se fazer uma diferenciação
teleológica entre as condições de elegibilidade e a elegibilidade. As condições são
pressupostos para a aparição da elegibilidade, enquanto a elegibilidade é o direito de
ser votado. Pressupostos (suporte fático), efeitos jurídicos.11
Alvim sintetiza que “os direitos políticos passivos correspondem à aptidão
jurídica para o lançamento de candidatura e o posterior recebimento de votos”.12
Decerto, para que seja factível o livre exercício do direito político passivo, o respectivo
cidadão deverá preencher a elegibilidade que impõe a observância das condições de
elegibilidade, pressupostos de registrabilidade e a não incidência em qualquer causa
de inelegibilidade (constitucional ou infraconstitucional).
O cidadão, após o devido preenchimento dos pressupostos exigidos pela
Constituição Federal e da legislação eleitoral (elegibilidade), exercerá o seu ius honorum e
passará a observar todas as diretrizes insculpidas na legislação ordinária, inexoravelmente,
a Lei nº 9.504/97, que estabelece as normas gerais direcionadas aos pleitos eleitorais
a Lei nº 4.737/65, o Código Eleitoral, sem olvidar as diversas resoluções oriundas do
Tribunal Superior Eleitoral.
O processo eleitoral obedece a uma cadeia lógica, previamente. Para o fiel
exercício do direito político passivo exige-se o preenchimento de algumas nuances.
A princípio, o cidadão deverá estar filiado a algum partido político 06 (seis) meses
antes da data do pleito eleitoral, prazo que foi reduzido após a promulgação da Lei nº
13.165/2015 (minirreforma eleitoral), e com o advento da nova minirreforma eleitoral (Lei
nº 13.488/2017), esse mesmo prazo, passou a ser exigido no que se refere ao domicílio
eleitoral na respectiva circunscrição na qual irá concorrer ao pleito eleitoral.
Após o preenchimento de um dos requisitos da condição de elegibilidade (a
filiação), o filiado deverá ser escolhido em convenção partidária para que seja possível
realizar o seu registro de candidatura.13 O referido pedido de registro deverá ser instruído
com os seguintes documentos:

do Trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 92, de 2016) III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes
Federais; IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho; V – os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI – os Tribunais e Juízes
Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. § 1º O Supremo Tribunal
Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição
em todo o território nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
10
A Lei das Eleições nº 9.504/97, a Lei dos Partidos 9.096/95, o Código Eleitoral 4.737/65, e as diversas resoluções
editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
11
DA COSTA, Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral – teoria da inelegibilidade – direito processual
eleitoral. Ed. 1ª.Belo Horizonte: ed. Fórum, 2013, p. 67.
12
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 122.
13
“Art. 8º A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de
20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto,
rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação.”

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
392 DIREITO PARTIDÁRIO

I – cópia da ata a que se refere o art. 8º;


II – autorização do candidato, por escrito;
III – prova de filiação partidária;
IV – declaração de bens, assinada pelo candidato;
V – cópia do título eleitoral ou certidão, fornecida pelo cartório eleitoral, de que o candidato
é eleitor na circunscrição ou requereu sua inscrição ou transferência de domicílio no prazo
previsto no art. 9º;
VI – certidão de quitação eleitoral;
VII – certidões criminais fornecidas pelos órgãos de distribuição da Justiça Eleitoral,
Federal e Estadual;
VIII – fotografia do candidato, nas dimensões estabelecidas em instrução da Justiça
Eleitoral, para efeito do disposto no §1º do art. 59.
IX – propostas defendidas pelo candidato a Prefeito, a Governador de Estado e a Presidente
da República.

Com o registro realizado perante a Justiça Eleitoral, a partir do dia 15 de agosto


do ano eleitoral, inicia-se o período da propaganda, que se finda nas 22 (vinte e duas)
horas do dia anterior ao pleito, ainda poderá haver a distribuição de material gráfico,
caminhadas, carreatas, passeatas e carros de som, esse período é o marco do “fim”
das eleições, pois os atos subsequentes são meramente declaratórios, quais sejam: a
diplomação e a posse. O eleitoralista Djalma Pinto, com maestria, explica:

o processo eleitoral compreende todos os atos necessários à formação da representação


popular. Esses atos vão da constituição do colégio eleitoral à diplomação dos eleitos ou,
se existirem ações para sua desconstituição, a decisão cassando ou não o mandato.14 15

Ou seja, o Direito Eleitoral ostenta a missão de solidificar o alicerce em que a


cidadania reverbera seu apogeu, normatizando todo o processo eleitoral que não pode
ser resumido apenas às eleições. O Direito Eleitoral contribui para o desenvolvimento da
responsabilidade do cidadão com a “res” pública, intensificando o grau da democracia
participativa e densificando a legitimação do governo em virtude de possibilitar vários
instrumentos de controle às políticas públicas.

1.3 Convenções partidárias: o estopim das eleições?


De proêmio, frise-se que somente podem concorrer às eleições candidatos
registrados por partidos e que estejam em dia com suas obrigações partidárias.16 Caso o

14
PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2010, p. 205.
15
Diante da inexistência de instrumento normativo regulador do processo eleitoral, notadamente, atrelado ao
princípio da temporariedade, o próprio Tribunal Superior Eleitoral, por vezes, consignou que o início do processo
eleitoral estaria ligado às convenções partidárias e em outros momentos entendeu que o início se daria a partir
do registro dos candidatos (Respe nº 16.684/2000, Relator Ministro Waldemar Zveiter; Respe nº 17.210, Relator
Ministro Fernando Neves); O último entendimento é mais lógico, haja vista que antes há o famigerado período
“pré-eleitoral”, o qual não traz nenhuma alteração no âmbito processual, pois os prazos restaram incólumes
(em sua contagem), a partir da finalização do período de registro de candidatura (com a efetiva escolha dos
candidatos) os prazos passam a ser contínuos e peremptórios, inclusive, tendo o seu dies ad quem nos feriados ou
mesmo finais de semana, em estrita obediência ao art. 16, da Lei Complementar nº 64/90.
16
AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 3. ed. São Paulo: Saraiva.
2012, p. 173.

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DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO, MARIA STEPHANY DOS SANTOS
CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
393

partido político não disponha de normas que regulem a convenção partidária (omissão no
estatuto partidário), deverá o órgão nacional diretivo elaborá-las e publicá-las no Diário
Oficial da União em até 180 (cento e oitenta) dias antes do pleito eleitoral e encaminhá-las
ao Tribunal Superior Eleitoral antes da realização de sua convenção, conforme dispõe
o art. 7º, §1º, da Lei nº 9.504/97.
A etimologia do instituto convenção tem origem do latim “conventio” e segundo
o eleitoralista Agra “significa assembleia ou reunião em que se discute ou delibera
sobre determinado assunto”.17 Já Gomes, perfilhando o mesmo entendimento, aduz “é
a reunião ou assembleia formada pelos filiados a um partido político – denominados
convencionais – cuja finalidade é eleger os que concorrerão ao pleito”.18 Por sua vez,
Camargo aduz “a assembleia ou reunião onde os convencionais, mediante o voto,
deliberam sobre a formação de coligações e escolhem os candidatos do partido político
que serão registrados na Justiça Eleitoral para disputar as eleições”.19
O processo eleitoral inicia-se muito antes do período de seleção de candidatos
pelos partidos na convenção partidária (para a disputa do pleito eleitoral). A convenção
partidária está inserta na fase pré-eleitoral e não configura o prelúdio desse processo,20
propriamente dito, haja vista a complexidade (pressupostos) que antecede esse instituto
jurídico como, por exemplo, a filiação partidária, o domicílio eleitoral, etc.21 Segundo
Alvim “as convenções consistem em assembleias realizadas pelas agremiações partidárias,
para que seus filiados com direito a voto – aí chamados convencionais – deliberem sobre
assuntos de seu interesse”.22
Nesse escopo, deve ser evidenciado que a convenção partidária poderá ensejar
dois momentos peculiares no âmbito dos partidos políticos, haja vista que as respectivas
deliberações instauradas são denominadas de convenção, logo, os partidos políticos
podem realizar encontros anuais, mensais ou semanais (a depender do regimento
interno) não, necessariamente, para a deliberação e escolha de candidatos que devem
concorrer ao pleito eleitoral. Assim, para que haja um esclarecimento acerca da matéria,
é de suma importância destacar que este estudo está voltado para a convenção partidária
que escolhe o candidato para concorrer ao pleito eleitoral, a qual deve ocorrer entre
os dias 20 de julho a 05 de agosto no ano eleitoral. A outra modalidade de convenção
partidária, que não possui marco na legislação eleitoral e poderá ocorrer a qualquer
momento (desde que haja assentimento do partido), devendo obediência estrita ao
estatuto partidário em sua convocação (seja ordinária ou extraordinária), não será

17
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 101.
18
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 324.
19
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Convenções partidárias, pedido de registro de candidaturas e ação de
impugnação ao registro de candidaturas. In: ÁVALO, Alexandre et al. (Coord.) O novo direito eleitoral brasileiro:
manual de Direito Eleitoral. 2. ed. rev., atual. eampl. Belo Horizonte: Juruá, 2014. p. 147-176.
20
Insta recordar a minirreforma eleitoral (Lei nº 13.165/2015) que trouxe modificações ao conceito de propaganda
extemporânea vedando a realização de qualquer tipo de propaganda que traga em seu bojo o pedido de voto
expresso, senão estar-se-ia inserto na penalidade contida no art. 36, §3º, da Lei nº 9.504/97, haja vista que o período
de propaganda eleitoral (o qual permite o pedido de votos expressamente) inicia-se a partir do dia 16 de agosto
do ano eleitoral.
21
STF – RE: 633703 MG, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 23.03.2011, Tribunal Pleno, Data
de Publicação: Repercussão Geral – Mérito.
22
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 251.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
394 DIREITO PARTIDÁRIO

objeto de análise neste artigo, tendo em conta o quantitativo de partidos brasileiros, o


que demandaria um trabalho mais aprofundado.23
Nada obstante, no que se refere à legislação eleitoral delimitar um lapso temporal
para a realização da convenção na escolha de candidatos, esta exigência não está atrelada
as filigranas procedimentais, isto é, é assegurada ao partido político autonomia para
definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, o que abrange as convenções,
conforme se extrai do art. 3º da Lei nº 9.096/95.24 25
Ademais, é vedado ao Poder Judiciário imiscuir-se em relação às questões interna
corporis dos partidos, salvo quando os referidos atos não se coadunarem com a legislação
aplicável ou estiolarem direitos e garantias dos filiados.
Assim, após a filiação partidária, podem os partidos políticos, em período
pré-eleitoral, realizarem ato político-partidário com fins de escolha de candidatos que
devem concorrer ao pleito eleitoral. Existem três tipos de convenções partidárias:26 a)
Municipal: a qual escolhe os candidatos que pleitearam os cargos de prefeito, vice-prefeito
e vereador; b) Estadual:27 escolhe os candidatos que concorreram ao pleito de governador,
vice-governador, deputado estadual, federal e distrital e senador federal; c) Nacional:
delibera a escolha de candidatos ao cargo de Presidente da República e respectivo vice.
Para dar maior clareza ao objeto em estudo, delinear-se-á todos os pontos correlatos
com o ato político partidário.

a) Edital para a convocação – Meios de publicação. Propaganda intrapartidária


O direito à informação, no direito eleitoral, está explicitamente garantido no art.
17, §3º, da Constituição Federal “Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo
partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”. Pessuti e Buzato,
corroborando com este entendimento, esclarecem que:

a propaganda eleitoral tem um papel preponderante, seja como ‘garantia da liberdade


de expressão e pensamento’, mas também como o instrumento eficaz e de maior grau
de abrangência que os partidos políticos e seus candidatos contam para propagar suas
propostas e ideias, objetivando a conquista dos votos dos eleitores.28

Nesse passo, insta destacar que a convocação dos filiados a respectiva convenção
partidária e, consequentemente, seleção de candidatos para a disputa do pleito eleitoral
possui regras próprias para esta finalidade. Todos os estatutos partidários já trazem o
órgão e o procedimento para a realização na convocação de seus filiados.
A publicidade desse ato político partidário deve restar adstrito aos convencionados,
segundo dispõe o art. 36 da Lei nº 9.504/97. Permite-se na quinzena anterior da realização

23
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 251.
24
Essa autonomia é corolário da liberdade de criação dos partidos políticos (pluralismo político, fundamento
constitucional), art. 17 da Constituição Federal.
25
“Art. 7º As normas para a escolha e substituição dos candidatos e para a formação de coligações serão estabelecidas
no estatuto do partido, observadas as disposições desta Lei.”
26
AGRA, Walber de Moura; CAVALCANTI, Francisco Queiroz. Comentários à nova lei eleitoral: lei nº 12.034, de 29
de setembro de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 23.
27
Ora, denominada pelo mesmo autor como “regional”.
28
PESSUTI; BUZATO. Os abusos na propaganda eleitoral: considerações sobre a propaganda eleitoral antecipada
e as vedações trazidas pela Lei nº 11.300/2006. In: DEMETERCO NETO, Antenor (Org.). O abuso nas eleições: a
conquista ilícita de mandato eletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 95.

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DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO, MARIA STEPHANY DOS SANTOS
CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
395

da convenção partidária a utilização da propaganda intrapartidária com vista à indicação


de nome de candidato, vedado o uso de rádio, televisão e outdoor para tais fins, em prol
da paridade de armas.
É de suma importância ressaltar que o fim teleológico da propaganda está
concatenado com a ideia de difundir, espalhar, propalar, alastrar, multiplicar por
meio de reprodução, tornar comum a muitas pessoas.29 Ou seja, tem o condão de
interferir diretamente/indiretamente nos processos decisórios, haja vista que desperta
uma curiosidade e inclina a determinados posicionamentos. Propaganda, em si, é um
meio de difundir uma mensagem que não só é informativa, mas também persuasiva.30
Há uma diferença ontológica entre a propaganda partidária e a intrapartidária que
reside, especialmente, na esfera de atuação. A primeira é direcionada a atrair novos
filiados, enquanto a segunda restringe-se aos já filiados na escolha de candidatos aptos
a concorrer ao pleito eleitoral.
Dessa forma, em linhas gerais, a convocação para a participação do ato político
partidário obedece a critérios delineados pelo estatuto partidário de cada partido e a
sua publicidade está restringida aos convencionados, sendo permitido o uso de faixas
e cartazes em local próximo à convenção e vedado o uso de rádio, de televisão, de
outdoor, de telão, de entrevistas concedidas pelo candidato, bem como o uso de carros
de som para a sua convocação.31 32 Além do que, com a atual e crescente exposição dos
candidatos na internet, a Justiça Eleitoral também rechaça a veiculação da convenção
partidária através desse meio de comunicação.33
A inobservância de tais regras pelo responsável, quando comprovado o seu prévio
conhecimento, acarreta o pagamento de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais)
a R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se
este for maior.
Ademais, a legislação eleitoral oportuniza a realização das convenções partidárias
em prédios públicos, responsabilizando-os pelos danos ulteriores constatados, conforme
se extrai do art. 8º, §2º, da Lei nº 9.504/97. Para ter direito a tal benesse, o partido deverá

29
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 463.
30
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 288.
31
“[...] Propaganda antecipada. Divulgação. Texto. Internet. Blog. Conotação eleitoral. Presente. [...] 5. A propaganda
intrapartidária é permitida ao postulante à candidatura com vistas à indicação de seu nome em convenção, e deve
ser dirigida somente aos respectivos convencionais. [...]” (Ac. de 17.3.2011 no R-Rp nº 203745, rel. Min. Marcelo
Ribeiro.)
32
“RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. CARRO DE
SOM. CONVOCAÇÃO PARA A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA. DIVULGAÇÃO DE CANDIDATURA. MULTA.
1. A Resolução TSE 23.370/2011, em seu artigo 1º, proibiu a realização de qualquer tipo de propaganda política,
antes do dia 6 de julho de 2012, à exceção de propaganda intrapartidária destinada unicamente aos convencionais.
2. Há desvirtuamento da propaganda intrapartidária quando extrapola limites de abrangência e finalidade. 4.
Desprovimento da pretensão recursal. (TRE-PE – RE nº 1870 PE, Relator: VIRGÍNIO MARQUES CARNEIRO
LEÃO, Data de Julgamento: 07.08.2012, Data de Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 7.8.2012).
33
“[...] Propaganda eleitoral antecipada. Internet. Divulgação. Discurso. Intrapartidário. Responsabilidade. Sítio. 1.
O discurso realizado em encontro partidário, realizado em ambiente fechado, no qual filiado manifesta apoio à
candidatura de outro, não caracteriza propaganda eleitoral antecipada, a teor do art. 36-A, II, da Lei nº 9.504/97.
2. A sua posterior divulgação pela internet, contudo, extrapola os limites da exceção prevista no dispositivo
mencionado, pois, além de noticiar o apoio prestado, visa difundir a candidatura. 3. Pela divulgação do discurso
proferido no âmbito intrapartidário responde o provedor de conteúdo da página da internet, que, no caso, é
confessadamente o Partido Político que a mantém e controla seu conteúdo. 4. Recurso dos representados provido
em parte para excluir a multa aplicada ao candidato, mantendo-se a multa aplicada à agremiação. Recurso do
Ministério Público desprovido.” (Ac. De 16.11.2010 no R-Rp nº 259954, rel. Min. Henrique Neves).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
396 DIREITO PARTIDÁRIO

realizar uma comunicação prévia com 72 (setenta e duas) horas de antecedência à Justiça
Eleitoral e caso haja mais de uma solicitação, prevalecerá o primeiro pedido.34
b) Instrumento de formalização – Ata da convenção (requisito/pressuposto de
registrabilidade)
A escolha do candidato em convenção partidária dá ensejo ao perfazimento de
um dos pressupostos de registrabilidade.35 As atas da convenção partidária devem ser
lavradas em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral e publicadas em 24 (vinte e
quatro) horas em qualquer meio de comunicação.
A inobservância desse prazo, de 24 (vinte e quatro) horas, enseja em um indício de
fraude, o que denotaria na anulação do ato e indeferimento dos registros de candidaturas
que o tivessem por base, mas essa corrente é minoritária, pois só haverá fraude caso
exista irregularidade grave.36 Ressalte-se que, caso o respectivo partido perca o prazo
para a realização da referida convenção partidária, haverá flexibilização para o seu
acontecimento, mas deverá ser demonstrado a força maior ou caso fortuito (reconhecidas
pela Justiça Eleitoral),37 o que poderá ser feito até a data final de apresentação dos
registros de candidatura (15 de agosto do ano eleitoral).38
A respectiva ata deverá ser depositada em cartório ou na respectiva secretaria do
Tribunal Regional, com o fim precípuo de simples conferência com a respectiva cópia
que serve de substrato para o registro de candidatura (art. 11, §1º, inciso I, da Lei nº
9.504/97). No que concerne à falsidade da ata de convenção partidária, esta deve ser
discutida nos autos do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) da
coligação, e não no processo de registro de candidatura individual, conforme se extrai
do entendimento sodalício do Tribunal Superior Eleitoral.39 40
Já em relação à nulidade da ata de convenção partidária deve restar demonstrado
que o vício transgrediu as regras legais e estatutárias. Outrossim, partido político,

34
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 103.
35
“EMENTA: RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA – CONVENÇÃO PARTIDÁRIA PARA
ESCOLHA DE CANDIDATOS E FORMAÇÃO DE COLIGAÇÃO – DISSOLUÇÃO DE COMISSÃO PROVISÓRIA
– CONVENÇÃO PARTIDÁRIA DECLARADA NULA PELA JUSTIÇA ELEITORAL – CONVENÇÃO VALIDADE
– IMPUGNAÇÃO IMPROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO. 1. Diante de decisão judicial invalidando os
efeitos da dissolução da comissão municipal provisória, prevalece a convenção partidária por ela realizada. 2.
Pedido de registro de candidato escolhido em convenção partidária declarada regular, ainda que em sede de
liminar, atende aos requisitos dos artigos 23, 24 e 25, da Resolução-TSE nº 23.373/11. 3. Recurso desprovido.
(TRE-PR – RE nº 19034 PR, Relator: ROGÉRIO COELHO, Data de Julgamento: 24.08.2012, Data de Publicação:
PSESS – Publicado em Sessão, Data 24.8.2012).
36
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 251.
37
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 103.
38
“RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO REGISTRO DE CANDIDATURA. ESCOLHA DE CANDIDATOS E DELIBERAÇÃO
SOBRE COLIGAÇÕES. DELEGAÇÃO PARA ÓRGÃO DE DIREÇÃO PARTIDÁRIA. DELIBERAÇÃO APÓS
O PRAZO DO ART. DA LEI Nº MAS NO PRAZO DO ART. DA MESMA LEI. POSSIBILIDADE. NEGADO
PROVIMENTO. (TSE – RESPE nº 26763 PA, Relator: FRANCISCO CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento:
21.09.2006, Data de Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 21.09.2006).
39
Recurso Especial Eleitoral nº 23763, Acórdão de 11.10.2012, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES,
Publicado em Sessão, Data 11.10.2012.
40
“Não cumpre as exigências da legislação eleitoral, coligação que apresenta documento falso na oportunidade do
requerimento do registro de candidatura” (AgR-REsp nº 13.154-10/BA, de 02.08.2010, Rel. Min. Marcelo Ribeiro.

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DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO, MARIA STEPHANY DOS SANTOS
CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
397

coligação ou candidato não têm legitimidade para impugnar a validade de coligação


adversária, haja vista a inexistência de interesse próprio.41 42
A autonomia partidária que também pode ser vislumbrada no art. 7º, §3º, da
Lei das Eleições, determina que as anulações de deliberações dos atos decorrentes de
convenção partidária deverão ser (tão somente) comunicadas à Justiça Eleitoral no prazo
de 30 (trinta) dias, após a data limite para o registro de candidatos. Ou seja, trata-se de
mera comunicação, a fim de que a Justiça Eleitoral tome as providências consequentes.
Se da anulação decorrer a necessidade de escolha de novos candidatos, o pedido
de registro deverá ser apresentado à Justiça Eleitoral nos 10 (dez) dias seguintes à
deliberação, sendo facultado ao partido ou coligação, substituir o candidato inelegível, que
renunciar, que falecer após o termo final do prazo do registro (que resta compreendido
até as 19h do dia 15 de agosto do ano eleitoral), bem como poderá substituir nos casos
em que o registro do candidato tenha sido indeferido ou cancelado.

c) Do direito de resposta
A partir da realização das convenções partidárias, a legislação eleitoral assegura a
utilização do instrumento jurídico do direito de resposta. O direito de resposta garante
ao candidato que sofreu a referida e injusta agressão o direito de ajuizar representação
eleitoral com fins de corrigir a informação veiculada e dar a devida resposta, sendo
esta divulgada nos mesmos moldes da notícia inverídica ou errônea, a qual poderá
ser feita em jornal, propaganda eleitoral na TV, rádio e ainda na internet (ou seja, em
qualquer meio de informação). Portanto, esse instrumento jurídico configura-se como
um legítimo mecanismo de preservação da isonomia de informações difundidas durante
o pleito eleitoral.43
A hipótese de incidência do direito de resposta pressupõe sempre um acinte,
ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória,
injuriosa ou sabidamente inverídica. Nos três primeiros casos, atinge-se a honra pessoal
do cidadão. Vale lembrar que o conceito de honra, depreende-se em vertente objetiva
e subjetiva, no primeiro, trata-se da reputação do cidadão perante o contexto social,
ao passo que no segundo caso, trata-se de um caráter axiológico individual de cada
cidadão, agregado ao autorrespeito.

1.4 Competência para apreciar e julgar os conflitos internos nos


órgãos diretivos de partido político
Antes de adentramos propriamente na temática, ora estudada, deve ser feita
uma pequena síntese acerca do conceito de competência e sua nítida associação com

41
Ac. de 25.9.2014 no AgR-REspe nº 35292, rel. Min. João Otávio de Noronha.
42
“[...] Registro de coligação. Impugnação. Alegação de irregularidades. Convenção partidária. Matéria interna
corporis. Ilegitimidade ativa da coligação adversária. Desprovimento do agravo [...] 2. A coligação adversária
não tem legitimidade para propor impugnação com fundamento em irregularidade na convenção partidária, por
se tratar de matéria interna corporis. Precedentes [...]” (Ac. de 6.12.2012 no AgR-REspe nº 20982, rel. Min. Dias
Toffoli.
43
AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 3. ed. São Paulo: Saraiva.
2012, p. 252.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
398 DIREITO PARTIDÁRIO

a jurisdição, que tem por fim prevenir e compor os conflitos levados à apreciação do
Poder Judiciário,44 nos dizeres de Liebmann:

A jurisdição consiste na atividade do juiz de julgar, ou seja ‘valorar um fato passado


como justo ou injusto, como lícito ou ilício, segundo critério de julgamento fornecido pelo
direito vigente, enunciando a regra jurídica concreta destinada a valer como disciplina
do cado (fattispecie).45

A jurisdição é una, porquanto manifestação do poder estatal, mas por questão


de conveniência, especializa-se em setores da função jurisdicional (competência), para
fins, inclusive, de otimizar e aperfeiçoar o exercício da jurisdição. A competência é,
portando, o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei (princípio
da tipicidade), por meio do qual o juiz (Estado) exerce a sua jurisdição.
A Constituição Federal é quem realiza a distribuição das competências no Poder
Judiciário (STF, STJ e Justiças Federais: Justiça Militar, Eleitoral, Trabalhista e Federal
Comum), sendo a competência da Justiça Estadual residual.
A Constituição Federal vigente integra a Justiça Eleitoral à estrutura do Poder
Judiciário, tratando-a como justiça especializada de natureza federal mantida pela União
(art. 92, da CF). No Brasil, a competência das justiças especializadas é determinada em
razão da matéria (ratione materiae). “Matéria eleitoral” é, portanto, o campo dentro do
qual se move a Justiça Eleitoral, tendo sido remetida a lei complementar a tarefa de
especificar os contornos precisos (art. 121, CF).
Nota-se que, a Constituição não trouxe com exatidão as matérias que ficam a cargo
da competência da Justiça Eleitoral. Por esse motivo, há tantos imbróglios concernentes
à questão interna corporis dos partidos políticos, haja vista que remansosa jurisprudência
indica que tal causa de pedir deverá ficar sob o crivo da Justiça Estadual Comum, mas
ao se analisar precedentes exarados pelo Tribunal Superior Eleitoral, verificou-se que se
a matéria interna do partido tiver reflexos no pleito eleitoral a Justiça Eleitoral é quem
terá competência para apreciar o feito:

[...] a Justiça Eleitoral seja competente para julgar questões interna corporis dos partidos
que tenham reflexo no pleito eleitoral. Precedentes. 2. Anulada pela Justiça Comum a
intervenção promovida pelo Órgão Estadual do partido no âmbito municipal, há de
prevalecer a convenção realizada pelo diretório municipal na qual se deliberou pela formação
de coligação entre os partidos PSDB/PDT/PSD. 3. Cabe ao Órgão nacional do partido anular
as deliberações e atos decorrentes de convenção na qual tenha o órgão de nível inferior
contrariado as diretrizes da direção nacional, consoante prescreve o parágrafo 2º do art.
7º da Lei nº 9.504/97. 4. É inviável o agravo regimental que não infirma os fundamentos
da decisão agravada. 5. Agravo regimental desprovido. (TSE – Agravo Regimental no
Recurso Especial Eleitoral nº 64-15/SC Relator: Ministro Dias Toffoli DJe de 12.3.2013)

E nesse sentido, também, o Tribunal da Cidadania converge:

44
“[...] direito de provocar a jurisdição estatal no sentido de obter a prestação jurisdicional, a pretensão à tutela
jurídica: (a) é pré-processual, porque, constituindo pressuposto para que se possa invocar a proteção da jurisdição
estatal, existe antes do processo e (b) tem natureza de direito material, não formal (= processual)” (MELLO, Marcos
Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 1ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 116).
45
LIEBMANN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 40.

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DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO, MARIA STEPHANY DOS SANTOS
CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
399

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. REGISTRO DE CANDIDATURA DE FILIADO EM


PARTIDO POLÍTICO NEGADO. CONTROVÉRSIA INTERNA CORPORIS. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. – Conforme jurisprudência pacífica desta Corte, nas
causas envolvendo discussão acerca da validade da convenção partidária, a competência
da justiça eleitoral só se caracteriza quando já iniciado o processo eleitoral – A controvérsia
sobre a validade de registro de candidatura de filiado em determinado partido político é
de natureza “interna corporis”, questão esta a ser dirimida pela justiça comum estadual.
– Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 6ª Vara da Fazenda
Pública de Fortaleza.” (STJ, CC nº 36.655/ CE, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA
MARTINS, Primeira Seção, julgado em 10.11.2004, DJ 17.12.2004 p. 391)

Outrossim, quando a questão estiver relacionada a convenções partidárias, caberá


à Justiça Comum Estadual apreciá-la e não à Justiça Eleitoral, em relação a desavenças
de pré-candidaturas:]

PROCESSO CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – CONVENÇÃO DE PARTIDO


POLÍTICO: DISCUSSÃO EM TORNO DE DESAVENÇAS SURGIDAS NA CONVENÇÃO.
1. Estabeleceu-se como precedente desta Corte o entendimento de que só é competente a
Justiça Eleitoral para processar e julgar os feitos relativos a questões eleitorais após iniciado
o procedimento eleitoral. 2. Desavenças de pré-candidaturas, no âmbito da convenção
partidária, são da competência da Justiça Comum. 3. Conflito conhecido para declarar-se
competente o juiz estadual suscitante. (CC nº 30.176/MA, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10.10.2001, DJ 04.02.2002, p. 256)46

Nessa senda, observa-se que as contendas partidárias instauradas antes do


período eleitoral, ou seja, na fase pré-eleitoral, serão dirimidas pela Justiça Comum,
mesmo que incidam diretamente em questões do período eleitoral, logo, as causas em
que se discutam a validade das convenções partidárias só recairão na Justiça Eleitoral
caso já tenha sido iniciado o processo eleitoral, propriamente dito.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar
nº 301/16, com fins de ampliar a competência da Justiça Eleitoral para apreciar e julgar
os conflitos internos nos órgãos diretivos de Partido Político na forma prevista na Lei
nº 4.737/65, passando a Justiça Eleitoral a ter competência para dirimir conflitos sempre
que houver questões interna corporis a serem solucionadas, independentemente do início
ou não do processo eleitoral.47

1.5 Considerações finais


As convenções partidárias estão encampadas na formalização de um dos
pressupostos exigidos na registrabilidade dos candidatos que devem concorrer ao pleito
eleitoral. Há de ser destacado que para o pleno exercício do direito político passivo

46
O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, reafirmando monocraticamente o entendimento pretoriano acima
retratado, asseverou expressamente que “a jurisprudência desta Corte alinhou-se no sentido da competência da
Justiça Comum Estadual para o exame de pretensões não diretamente ligadas ao pleito e formuladas em período
pré-eleitoral, adstritas a questões de natureza ‘interna corporis’’, como no caso dos autos” (CC nº 123.904/SP, DJe
11/03/2013).
47
Para maiores esclarecimentos: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao
=2091667>.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
400 DIREITO PARTIDÁRIO

(elegibilidade) exige-se a associação de três pressupostos: condições de elegibilidade;


inexistência de uma das causas de inelegibilidade e registrabilidade.
Após o preenchimento, inexorável, de todos esses pressupostos, o partido que
pretender lançar candidato ao referido pleito o formalizará por meio do ato partidário,
denominado de convenções partidárias, muitos partidos já possuem todas as filigranas
que devem ser obedecidas nessa formalização, mas a legislação eleitoral traz àqueles
partidos que não a possua um prazo de 180 (cento e oitenta) dias antes da realização
do pleito a viabilidade de elaboração e publicação de normas no Diário Oficial da União
e, consequentemente, o envio para o Tribunal Superior Eleitoral antes da realização
das convenções.
A seleção de candidatos está intrinsecamente atrelada a questões interna corporis
do partido, por este motivo a Justiça Eleitoral não pratica nenhum ato de gerência nesta
formalização (escolha).
É de suma importância destacar que essa formalização deve ser direcionada
aos convencionados, isto é, não é admissível a publicidade dessa convenção partidária
além dos filiados, assim, veda-se o uso de rádio, filmagem ou mesmo carros de som
na respectiva convocação, bem como após a inserção da internet – como meio de
comunicação –, veda-se a transmissão da convenção partidária por qualquer tipo de
aplicativo.
Após a realização das convenções partidárias, a ata será lavrada em livro aberto,
o qual é rubricado pela Justiça Eleitoral e publicada em 24 (vinte e quatro) horas em
qualquer meio de comunicação. Outrossim, se o respectivo partido perder o prazo para a
realização da referida convenção partidária, haverá flexibilização para a sua realização.48 49
Por fim, tenciona-se mencionar que a problemática em relação à intervenção do
Poder Judiciário nas relações partidárias, que envolvam as questões interna corporis e,
principalmente, as causas que envolverem discussão sobre a validade da convenção
partidária, caberá à justiça eleitoral a apreciação apenas se já iniciado o processo eleitoral.
De mais a mais, tramita na Câmara dos Deputados Projeto de Lei Complementar
nº 301/16, que fulminará, de uma vez por todas, qualquer entendimento controvertido
acerca da competência na análise de demandas que possuem como causa de pedir as
questões internas do partido passando, portanto, a Justiça Eleitoral a ter competência
absoluta em todos esses casos.

Referências
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
AGRA, Walber de Moura; CAVALCANTI, Francisco Queiroz. Comentários à nova lei eleitoral: Lei nº 12.034, de
29 de setembro de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 3. ed. São Paulo:
Saraiva. 2012.

48
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 103.
49
“RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO REGISTRO DE CANDIDATURA. ESCOLHA DE CANDIDATOS E DELIBERAÇÃO
SOBRE COLIGAÇÕES. DELEGAÇÃO PARA ÓRGÃO DE DIREÇÃO PARTIDÁRIA. DELIBERAÇÃO APÓS
O PRAZO DO ART. DA LEI Nº MAS NO PRAZO DO ART. DA MESMA LEI. POSSIBILIDADE. NEGADO
PROVIMENTO” (TSE – RESPE nº 26763 PA, Relator: FRANCISCO CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento:
21.09.2006, Data de Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 21.09.2006).

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DELMIRO DANTAS CAMPOS NETO, MARIA STEPHANY DOS SANTOS
CONVENÇÕES: ATO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
401

ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
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PESSUTI; BUZATO. Os abusos na propaganda eleitoral: considerações sobre a propaganda eleitoral antecipada
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PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 4. ed. São Paulo:
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

CAMPOS NETO, Delmiro Dantas; SANTOS, Maria Stephany dos. Convenções: ato político-partidário.
In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 389-401. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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CAPÍTULO 2

A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO


PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA

VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES

2.1 Introdução
Como definição mínima de democracia, entende-se um sistema político que
assegura à população adulta (cidadãos) a oportunidade de participar das decisões
políticas que dizem respeito ao polo dos decision makers.
O significado clássico de cidadania está associado à participação política. É
notoriamente um termo relacionado com a vida em sociedade. Sua origem está ligada
ao desenvolvimento da polis grega, entre os séculos VIII e VII a. C. A partir de então, esse
desenvolvimento tornou-se referência aos estudos que enfocam a política e as próprias
condições de seu exercício, tanto nas sociedades antigas quanto nas modernas. Por outro
lado, as mudanças nas estruturas socioeconômicas incidiram, igualmente, na evolução
do conceito e da prática da cidadania, moldando-a de acordo com as necessidades de
cada época.
A democracia é uma forma de governo que apresenta solo fecundo para o
exercício da cidadania; ela é desejável porque concede espaço para o homem ser e
existir, comandando as ações responsáveis por seu próprio futuro.
A atual democracia, possível, é a representativa, na qual o povo elege seus
representantes que serão sua voz no exercício do poder. No caso brasileiro, ela é
operacionalizada pelos partidos políticos, vez que estes detêm o monopólio eleitoral, e,
entre outras funções, a mais relevante diz respeito à interface que o partido faz entre os
cidadãos e o Estado. Assim, a forma do povo participar no governo será por intermédio
dos partidos políticos.
Sob esse aspecto, a forma embrionária da participação política do cidadão é a
atuação na vida partidária. O partido, enquanto parte do todo, pode ser considerado
um espelho da prática democrática em sociedade, o que se pratica no micro reflete no
macro. Mesmo os partidos totalitários ou autoritários, em termos de interna corporis,
de alguma forma, exercem nuances democráticas para sua sobrevivência.
O partido, como reflexo do exercício da democracia, é um sistema que apresenta
grupos com interesses diferentes, muitas vezes rivais, que buscam espaço de atuação
através das convenções, especialmente os relacionados ao sistema eleitoral intrapartidário

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
404 DIREITO PARTIDÁRIO

e à definição de candidatos aos pleitos eleitorais. Por esta perspectiva, a política interna,
especialmente em ambiente de governos de coalizão, pode ter o condão de mudar a
política externa (governamental).
A realização das convenções implica um nível maior de inclusão dos atores no
processo decisório, e, consequentemente amplia a democracia, de dentro para fora.
Embora as legendas sejam estudadas sob várias perspectivas, enquanto operadoras
da democracia, pouco se fala sobre sua prática democrática interna, como primórdio
de informação, formação e exercício de cidadania política.
O objetivo do presente artigo é iniciar uma discussão, sobre a existência ou não,
do caráter democrático intrapartidário, pretendido pelas convenções, e o quanto elas
contribuem com o aprimoramento da democracia.
O trabalho inicia com uma análise do conceito e dos elementos da democracia,
com o intuito de verificar-se, posteriormente, se estão presentes na vida intrapartidária.
Ulteriormente, examina-se o partido, a partir de sua estrutura e funções, tendo em vista
seu caráter embrionário de exercício da cidadania. Por final, investiga-se se as convenções
têm o condão de ser um mecanismo de aprimoramento da democracia, no aspecto
intrapartidário, e, em caso afirmativo, se isso é refletido externamente na sociedade.

2.2 Democracia: conceito e elementos


Democracia, segundo Monica Herman Salem Caggiano:

(...) configura, na realidade, uma categoria histórico-social, ajustando-se, nas suas


variadas nuanças, à condição de cada povo, à peculiaridades de cada uma das sociedades,
donde a extrema dificuldade de uma conceituação precisa. (...) Certo é, que ela exsurge
como mecanismo de preservação da liberdade individual – o governo do povo pelo
povo – penetrando na história das instituições políticas com o exemplo ateniense, onde a
assembleia geral do povo reunida sobre as colinas de Pnyx procede à tomada das decisões.1

Simone Goyard-Fabre explica que, tomando-se por base a raiz grega da palavra
democracia, essa significa o poder do povo (demos, kratos). É uma noção que surgiu na
Grécia antiga a partir do século VI a. C., em Mileto, Megara, Samos e Atenas.2
Quanto ao conceito “originário”, Robert Dahl assinala que “foram os gregos –
provavelmente os atenienses – que cunharam o termo demokratia: demos, o povo, e kratos,
governar”.3 Ainda para Dahl, a demokratia envolvia a igualdade de alguma forma, uma
vez que certos tipos de igualdade se apresentavam como características recomendáveis
do sistema político ateniense, tais como a igualdade de direito de todos os cidadãos
falarem na assembleia de governo e a igualdade perante a lei.4
Para o autor, a visão grega de uma ordem social ideal, qual seja, uma ordem
democrática, deveria contemplar seis condições: 1) um conjunto de cidadãos harmoniosos

1
CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas eleitorais x representação política. São Paulo: Centro Gráfico do
Senado Federal, 1987, p. 14.
2
GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia?: a genealogia filosófica de uma grande aventura humana. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
3
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009, p. 21.
4
DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
405

em seus interesses com vistas a compartilhar o sentimento de bem geral, de tal forma
que não esteja em contradição com seus interesses pessoais; 2) os cidadãos devem ser
homogêneos, não devendo haver grande desigualdade econômica e de tempo para se
dedicarem a polis, tendo a mesma religião, idioma e nível educacional; 3) pequeno corpo
de cidadãos para evitar a heterogeneidade e desarmonia, bem como propiciar que os
cidadãos convivam e conheçam sua cidade, tornando factível a reunião em assembleia
de modo a servirem como governantes soberanos da cidade; 4) os cidadãos devem ser
capazes de se reunir e decidir de forma direta sobre as leis e os cursos de ação política;
5) participação ativa dos cidadãos na administração da cidade; 6) a cidade-estado
deve permanecer completamente autônoma, ser autossuficiente política, econômica e
militarmente.5
Atenas foi a fonte inspiradora das lições da democracia, sendo que a democracia
ateniense durou em torno de dois séculos, das reformas de Clístenes (509 a. C.) à paz
de 322 a. C., quando Antípatro impôs a transformação das instituições políticas. Essa
democracia era a democracia direta com participação,6 ou seja, o exercício pessoal do
poder e o direito a ele. A democracia da polis era um governo democrático baseado na
participação direta dos cidadãos na administração pública.7
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o modelo da democracia ateniense, até
fins do século XVIII, foi considerado o único verdadeiramente democrático, que na
atualidade se batizou de democracia direta. Já a democracia dos modernos é indireta
com representação; é um sistema de controle e limitação do poder que se utiliza
dos mecanismos da representação para transmissão do poder do povo para seus
representantes.8
A democracia direta foi possível na polis porque essa não tinha a dimensão das
nações modernas e eram pequenas cidades-estado ligadas pelo mesmo destino, com
o mesmo ethos e religião, onde os cidadãos viviam em simbiose com suas cidades.9 A
política se reduzia a conviver na polis, uma cidade constituída em comunidade, uma
democracia sem o Estado na acepção moderna.
David Held assinala que o que talvez tenha alimentado um modo de vida
democrático, na Grécia antiga, seja o surgimento de uma cidadania, a existência de
uma “cidade” econômica e militarmente independente, num contexto de comunidades
relativamente pequenas e compactas; comunidades em que todos os cidadãos podiam e
deviam participar da criação e sustentação de uma vida em comum. O demos era o poder
soberano, a autoridade suprema que se ocupava das funções legislativa e judicial; ser
cidadão implicava fazer parte dessas funções, participando diretamente dos assuntos do

5
DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos…, op. cit., p. 26/28.
6
“Entre as democracias gregas, a de Atenas era de longe a mais importante, a mais conhecida na época (...)
considerada um exemplo primordial de participação dos cidadãos ou, como diriam alguns, era uma democracia
participante”. DAHL, Robert A. Sobre a democracia..., op. cit., p. 22.
7
“O supremo poder na democracia ateniense era atribuído a todos os cidadãos. Nisso estava o ponto-chave para
a qualificação de Atenas como uma democracia. Todo cidadão ateniense tinha o direito de participar, usando
da palavra e votando, na assembleia onde se tomavam as decisões políticas fundamentais”. FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. Curso de direito Constitucional. 36. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 109.
8
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Sete vezes democracia. São Paulo: Convívio, 1977.
9
“Na visão grega da democracia, o cidadão é uma pessoa íntegra, para quem a política era uma atividade social,
natural, não separada nitidamente do resto da vida, e para quem o governo e o Estado – ou melhor, a polis – não
são entidades remotas e alheias, distantes entre si. Ao contrário, a vida política é uma extensão dessa pessoa e está
em harmonia com ela”. DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos…, op. cit., p. 26.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
406 DIREITO PARTIDÁRIO

Estado. A democracia ateniense caracterizava-se por um compromisso generalizado com


o princípio da virtude cívica. O cidadão devia dedicar-se à cidade-estado e subordinar a
vida privada aos assuntos públicos e ao bem-comum. A virtude do indivíduo confundia-se
com a virtude do cidadão.10
Manoel Gonçalves Ferreira Filho aduz que a democracia direta “é uma reminis-
cência histórica ou uma curiosidade quase folclórica”, tendo em vista que hoje, nenhum
Estado pode adotá-la em razão de não haver condições de se reunir milhões de cidadãos
na praça pública, o tempo todo, para resolver os problemas comuns.11
Segundo Giovanni Sartori, Aristóteles via a democracia como uma forma
degenerativa, como o governo de muitos, e sendo essa maioria representada pelos pobres,
esses governariam em seu próprio interesse.12 Já Robert Dahl observa que Aristóteles
não apreciava o poder conferido aos pobres em razão da expansão da democracia e
que Platão a condenava, entendendo ser um governo dos ineptos, por isso defendia
um sistema de governo pelos mais qualificados.13
Com o término da democracia ateniense (por volta de 323 a. C.), essa fica esquecida
por aproximadamente dois mil anos. Nesse período, a democracia foi tomada como
algo pejorativo e o tido como ideal foi a república.14
É também Dahl, ao comentar o fim da democracia ateniense, que argumenta que
sua derrocada em Atenas ocorreu em razão do crescimento do ódio entre “duas cidades”,15
uma de minoria mais rica, governada por uma maioria mais pobre, pelo menos sob a
ótica dos mais ricos, que acabaram por colocar no governo os Trinta Tiranos.16
Sob o ponto de vista do conceito e da própria definição, a democracia tem contornos
diversos na modernidade. Norberto Bobbio, apresenta como definição mínima de
democracia o conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que definem quem está
autorizado a tomar as decisões coletivas, quais os procedimentos a serem utilizados
para tanto e as alternativas de escolha por parte tanto dos que serão chamados a decidir
quanto dos que elegeram os que decidem.17
Para o autor, deve haver ainda a garantia dos direitos de liberdade de opinião, de
expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação etc. As regras, que podem
ser escritas ou consuetudinárias, são necessárias para que as decisões tomadas por
alguns indivíduos, que vincularam todos os membros, sejam aceitas de forma coletiva.
A democracia caracteriza-se por atribuir esse poder a um número de membros do
grupo.18 Sob um aspecto simplista a conceitua como

10
HELD, David. Modelos de democracia. Madrid: Alianza Editorial S.A., 2012, p. 33/39.
11
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional…, op. cit., p. 109.
12
SARTORI, Giovanni. ¿Qué es la democracia? Madrid: Santillana Ediciones Generales, 2007.
13
DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos…, op. cit.
14
“Res publica é a ‘coisa de todos’, enquanto que democracia, para Aristóteles, queria dizer ‘coisa de uma parte’ (o
demos como parte pobre do todo). E se democracia alude ao ‘poder de alguém’ (de uma parte), res publica pelo
contrário diz respeito ao interesse geral, ao bem-comum. Res publica designa portanto um sistema político de
todos no interesse de todos”, tradução nossa. SARTORI, Giovanni. ¿Qué es la democracia? Madrid: Santillana
Ediciones Generales, 2007, p. 177.
15
O autor refere-se à subdivisão interna de Atenas entre ricos e pobres.
16
DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos..., op. cit.
17
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
18
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 30/33.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
407

a forma de governo na qual valem normas gerais, chamadas leis fundamentais, que
permitem aos membros de uma sociedade, mesmo que sejam numerosos, resolver os
conflitos que inevitavelmente nascem entre os grupos que defendem valores e interesses
diferentes, sem necessidade de recorrer à violência.19

José Afonso da Silva ensina que democracia é um conceito histórico, um “meio e


instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem
basicamente nos direitos fundamentais do homem”.20 Um regime político baseado
na vontade do povo que é a fonte primária do poder, caracterizado pelo princípio da
soberania popular.21
Quanto à definição de democracia, Sartori esclarece que são duas as formas
de definir, uma de forma fundamental (literal) e outra instrumental (mecanismos e
procedimentos do modus operandi democrático). Em termos literis, democracia gira
em torno da palavra “povo”, que é soberano e do qual tudo deriva, sendo a matriz
racionalista. Na definição instrumental de democracia, a palavra “povo” não aparece;
parte-se dos mecanismos democráticos de um sistema pluripartidarista no qual a
maioria livremente eleita governa respeitando os direitos da minoria. Sendo essa matriz
empirista, a democracia se reduz a sua estrutura e às técnicas que a fazem operar. A
melhor definição de democracia deve contemplar a soma da definição fundamental e
a instrumental.22 Ainda para Sartori, a democracia tem três aspectos: um princípio de
legitimidade, um sistema político chamado a resolver problemas de exercício do poder
e um ideal.23
Dentre os aspectos da democracia, elucidados pelo cientista político, o mais
sensível diz respeito ao ideal, que, num sentido amplo, em ambiente democrático seria
a busca pela igualdade. A sociedade moderna, baseada nos direitos fundamentais,
reclama do Estado um conglomerado de necessidades que exigem uma plataforma de
governo planejada e preocupada com a redução das desigualdades. Dentro de uma
democracia representativa, na qual o povo governa-se por terceiros, a definição dessa
plataforma fica a cargo dos representantes, e, portanto, dos partidos.
Karl Loewenstein define o que é uma democracia fazendo a diferenciação entre
o constitucionalismo e a autocracia: uma classificação baseada na maneira e forma de
ser exercido e controlado o poder político na sociedade.24 O modelo constitucional, que
corresponde ao democrático, baseia-se no sistema de distribuição do poder, no qual
vários detentores do poder ou órgãos estatais participam da formação da vontade do
Estado. As funções estão submetidas ao controle de uns com os outros, enquanto que
a autocracia baseia-se na concentração do poder. No constitucionalismo, o processo do
poder é pluralista e dinâmico; no âmbito do poder, as ideologias competem e as forças
sociais que as apoiam circulam livre e igualmente. Na autocracia a concentração do poder

19
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elsevier,
2000, p. 238.
20
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 40.
21
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição..., op. cit.
22
SARTORI, Giovanni. ¿Quées la democracia?... op. cit.
23
SARTORI, Giovanni. Elementos de teoría política. Madrid: Alianza Editorial, 2012.
24
“A distribuição do exercício e controle do poder político e a concentração do exercício do poder, que está livre de
controle, cria o quadro conceitual para a fundamental dicotomia dos sistemas em constitucionalismo e autocracia”,
tradução nossa. LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. Barcelona: Editorial Ariel, 1976, p. 50.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
408 DIREITO PARTIDÁRIO

permanece sob a figura de um detentor (pessoa, partido ou assembleia), não havendo


controle efetivo sobre ele, não estando o poder submetido a limites constitucionais, é
absoluto e exclui outras ideologias ou forças sociais.25
Segundo Robert Dahl, a expansão da democracia pode ser atribuída à difusão
de ideias e práticas democráticas. A democracia parece ter sido inventada mais de uma
vez em mais de um local, sendo ainda inventada e reinventada de maneira autônoma
sempre que se reunirem as condições favoráveis. Essa ideia apoia-se na suposição de
que, se existisse um número razoável de membros de um mesmo grupo que se vissem
iguais, emergiriam tendências democráticas naturalmente. A participação democrática
desenvolve-se a partir da lógica da igualdade. Boa parte dos membros, por essa lógica,
participaria de quaisquer decisões que tivessem que tomar como grupo.26
Alexis de Tocqueville pôde verificar in locu o que posteriormente foi preconizado
por Dahl ao visitar a América27 e constatar que a sociedade americana é eminentemente
democrática desde seu nascedouro, reverenciando desde o início o saber e a virtude,
dando ênfase à igualdade, sendo todos iguais medianamente, nenhum é forte o bastante
para lutar sozinho, o que leva à conjugação de todos para o alcance da liberdade.28
Pelo exemplo americano trazido por Alexis de Tocqueville, nota-se que a igualdade
é a base construtiva da democracia. Nesse mesmo sentido, Norberto Bobbio afirma
que “desde a Antiguidade, a democracia foi contraposta a outros regimes a partir do
princípio da igualdade. Na origem, não por casualidade, o sinônimo de democracia é
‘isonomia’, que significa igualdade diante da lei”.29
Simone Goyard-Fabre, ao discorrer sobre as origens da democracia, destaca dois
aspectos que entende terem se perpetuado. O primeiro, no sentido de que a democracia
define a forma de um regime que garante a presença dos governados no poder, vez
que a autoridade do governo é fundada no povo. Já o segundo aspecto é o de que a
democracia traz para o âmbito da política o caráter conflituoso das paixões humanas.30
Bobbio, ao analisar a democracia, tendo por ponto de partida o modo de
exercer o direito de tomar decisões, que no caso dos antigos era direta e dos modernos
representativa,31 encontra como ponto em comum o princípio da legitimidade, em que o
poder é aceito como legítimo e, como tal, é obedecido; o poder repousa no consentimento
daqueles que são seus destinatários e na superioridade de quem o detêm; é uma forma
de poder ascendente que se transmite de baixo para cima.32
Para Giovanni Sartori, a democracia representativa é uma atenuação e correção da
democracia direta. As vantagens da democracia representativa são a de ser um processo

25
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución…, op. cit.
26
DAHL, Robert A. Sobre a democracia…, op. cit.
27
O termo é usado no sentido de identificar os Estados Unidos da América e não o continente onde está inserido,
de forma a manter a nomenclatura utilizada pelo autor.
28
TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São
Paulo, 1987.
29
BOBBIO, Norberto. Norberto Bobbio: o filósofo e a política: antologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003, p. 235.
30
GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia?: a genealogia filosófica de uma grande aventura humana…, op.
cit., p. 13.
31
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 2005.
32
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos…, op. cit.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
409

político permeado por mediação, que evita as radicalizações, e por ser um sistema de
controle e limitação do poder.33
A democracia representativa traz consigo o pluralismo, que com suas diferenças,
diversidade de opiniões e debate, ajuda a ordem político-social. A sociedade é constituída
pela diversidade, e, sendo os representantes uma projeção do corpo eleitoral, o parlamento
será composto por todos os segmentos sociais, fato que enriquece o debate e direciona
a decisão política no rumo da vontade social. Nas palavras de Márlon Reis,

a democracia representativa constitui, pois, mecanismo que objetiva reproduzir no governo


a mesma complexidade que marca a composição do “tecido social”. Quanto mais amplos
os estratos e segmentos sociais, se espera, maior será a sua presença proporcional nos
órgãos de representação política.34

Além do aspecto positivo da pluralidade da democracia representativa atual,


Karl Loewenstein lembra, ainda, que a técnica da representação é indispensável para
a distribuição do poder político a vários detentores do poder.35
Norberto Bobbio afirma que os princípios inspiradores da democracia são o êxito
na tendência de eliminar toda forma de violência política, a amplitude dos direitos
de liberdade, a proteção por parte do Estado das liberdades pessoais, a dimensão do
igualitarismo que se estende da igualdade formal às várias formas de igualdade, que
é a característica substancial do Estado social.36
Já Robert Dahl destaca como critérios para um processo democrático a participação
efetiva, a igualdade de voto, o entendimento esclarecido, o controle do programa de
planejamento e a inclusão dos adultos.37 Afirma que a democratização exige oposição,
rivalidade ou competição entre um governo e seus oponentes. A democracia é um sistema
político que tem como característica a qualidade de ser responsável com todos os seus
cidadãos considerados politicamente iguais. Constituem os requisitos da democracia:
a liberdade de formar e aderir a organizações, a liberdade de expressão, o direito ao
voto (participação ampliada, inclusividade), o direito de líderes políticos disputarem
apoio e voto, fontes alternativas de informações, eleições livres e idôneas, elegibilidade
para cargos públicos e instituições que façam com que as políticas governamentais
dependam de eleição e de manifestação de preferências.38 O cientista político denomina
esse tipo moderno de governo democrático de Poliarquia, que deriva de palavras gregas
que significam “governo de muitos”.39
Hans Kelsen afirma que a democracia é uma forma de Estado e de sociedade
em que a vontade geral ou a ordem social é realizada por quem está submetido a essa
ordem, ou seja, o povo; significa a identidade entre governantes e governados, entre

33
SARTORI, Giovanni. ¿Quées la democracia?..., op. cit.
34
REIS, Márlon. Direito eleitoral brasileiro. Brasília: Alumnus, 2012, p. 67/68.
35
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución…, op. cit.
36
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos…, op. cit.
37
DAHL, Robert A. Sobre a democracia..., op. cit.
38
DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p.
25/37.
39
DAHL, Robert A. Sobre a democracia..., op. cit., p. 104.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
410 DIREITO PARTIDÁRIO

sujeito e objeto do poder; é o governo do povo sobre o povo, sendo uma característica
da democracia a liberdade com igualdade.40
Segundo Juan Linz e Alfred Stepan, a democracia é uma forma de governo do
Estado na qual a sociedade civil deve ser livre e ativa. A sociedade política deve ser
relativamente autônoma e valorizada, em um contexto em que esteja presente o estado
de direito para assegurar as garantias legais das liberdades dos cidadãos e da vida
associativa independente. Por fim, é necessária a existência de uma sociedade econômica
institucionalizada:41 “A democracia é uma forma de governo da vida em uma polis, na
qual os cidadãos possuem direitos que são assegurados e protegidos”.42
Para Giovanni Sartori, falar de democracia é falar de soberania (princípio de
legitimidade), igualdade (leis iguais para todos e voto igual) e autogoverno (aplicável às
microdemocracias); sendo a soberania popular caracterizada pelo poder do povo, é ela
quem define a titularidade do poder. O autor observa, ainda, que a democracia é apoiada
na opinião pública, devendo a ação do governo ser baseada nessa opinião, a qual deve ser
livre para corresponder à expressão da vontade popular. A opinião pública é fundamento
substancial e operativo da democracia e as condições para sua concretização são a liberdade
de pensamento, a liberdade de expressão, a liberdade de organização e o policentrismo,
que se trata da informação oriunda de vários centros diferentes.43
Prosseguindo na questão dos elementos da democracia, tem-se que para Karl
Loewenstein, sob o prisma da democracia constitucional, identifica o sistema político
pelas instituições e técnicas e pelas instituições e ideologias. Constituem elementos do
sistema constitucional a existência de partidos políticos que manejarão as eleições e
determinarão a adesão ao parlamento e a composição política do governo. A técnica
utilizada nas eleições é construída com várias ideologias representadas pelos partidos
e candidatos que serão eleitos livremente. A conduta política se baseia na persuasão e
compreensão e exige que a maioria respeite os direitos das minorias, o consentimento
outorgado opera desde baixo através das eleições e decisões da maioria.44
Maurice Duverger identifica como elementos da democracia a soberania popular,
as eleições, os parlamentos, a independência dos juízes, as liberdades públicas e o
pluralismo dos partidos. O autor observa, contudo, que esses elementos não conduzem a
um poder político forte, em razão da vontade de enfraquecer o Estado ante a preocupação
de proteger as liberdades em face do abuso do poder.45
Observa-se, nesse ponto, que a democracia acontece não só em razão de condições
favoráveis, mas principalmente do desejo de perseguir a liberdade que está no ser
humano; é como se a democracia fizesse parte do ser. A democracia é tão almejada
em razão de defender um dos maiores bens do homem, que é a liberdade; somente
a partir dela é que o indivíduo tem condições para ser e desenvolver-se intelectual
e existencialmente. Ter liberdade é ser, pensar e, portanto, existir. Outro ponto que

40
KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 25/35.
41
LINZ, Juan J., STEPAN, Alfred. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América
do Sul. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
42
LINZ, Juan J.; STEPAN, Alfred. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América
do Sul…, op. cit., p. 29.
43
SARTORI, Giovanni. ¿Quées la democracia?..., op. cit.
44
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución…, op. cit.
45
DUVERGER, Maurice. As modernas tecnocracias: poder econômico e poder político. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1975.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
411

reforça a busca pela democracia é que a própria existência, nas sociedades modernas,
está vinculada ao alcance de patamares razoáveis em termos econômicos e culturais,
conquistas essas que dependem da implementação da igualdade.
Nessa busca de conceituação e elementos da democracia, embasada no cotejo entre
a democracia dos antigos e a dos modernos, encontram-se pontos que foram preservados,
podendo esses pontos configurarem o mínimo a ser considerado como democrático e
elementos indissociáveis da democracia, sendo eles a liberdade, a igualdade e a forma
de participação política. E, enquanto conceito mínimo, é o governo exercido pelo povo.
Identificado, de forma mínima, o conceito e os elementos da democracia, e, tendo
vista que, no caso brasileiro, é operada pelos partidos, que detêm o monopólio eleitoral,
deve-se investigar a estrutura e a função dos partidos políticos com vistas a verificar se
estes praticam e incentivam a democracia.

2.3 Partidos políticos: estrutura e função


Sob uma ótica moderna e analítica, Norberto Bobbio, expõe que a democracia
representativa é caracterizada pela representação política, na qual o representante deve
perseguir os interesses da nação e não os interesses particulares. Contudo tal preceito, nas
democracias contemporâneas, é violado tendo em vista que os representantes eleitos ficam
vinculados aos interesses das agremiações partidárias às quais fazem parte e submetidos
ao sistema neocorporativo,46 que se trata de uma relação entre os grandes grupos de
interesses e o parlamento, na qual o interesse corporativo predomina sobre o da nação.47
No sentido de correção das insuficiências da democracia representativa, Hans
Kelsen apresenta a democracia pelos partidos ou Estado de partidos com a valorização
destes, tendo o papel de conduzir as eleições e coordenar a atuação parlamentar. Por
meio dos partidos, o povo escolhe não somente os representantes, mas também a
orientação política a ser seguida pelo governo eleito. A eleição se dá entre as agremiações
e o triunfo significa a opção por um programa a conduzir a comunidade, visto que o
voto é dado em função do programa e os eleitos devem estar presos a esse, sendo a
fidelidade partidária e um programa consistente altamente relevantes nesses casos, sob
pena de o sistema fracassar.48
Buscando-se pesquisar, na linha do tempo, o conceito e a função dos partidos,
cita-se inicialmente o pensamento de Alexis de Tocqueville. Para o autor, quando um povo
tem interesses contraditórios de forma a criar uma oposição permanente, deparam-se
conflitos entre povos rivais, já quando os cidadãos diferem com relação a questões que
interessam igualmente a todos, nascem os partidos, que em sua concepção “são um
mal inerente aos governos livres”.49

46
“Tal sistema é caracterizado por uma relação triangular na qual o governo, idealmente representante dos interesses
nacionais, intervém unicamente como mediador entre as partes sociais e, no máximo, como garante (geralmente
importante) do cumprimento do acordo. Aqueles que elaboram, há cerca de dez anos, esse modelo – que hoje ocupa
o centro do debate sobre as ‘transformações’ da democracia – definiram a sociedade neocorporativa como uma
forma de solução dos conflitos sociais que se vale de um procedimento (o do acordo entre grandes organizações)
que nada tem a ver com a representação política e é, ao contrário, uma expressão típica da representação de
interesses”. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia..., op. cit., p. 38.
47
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia..., op. cit.
48
KELSEN, Hans. I fondamenti della democrazia. Bologna: Mulino, 1970.
49
TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América…, op. cit., p. 136.

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412 DIREITO PARTIDÁRIO

Alexis de Tocqueville promove seu estudo em meados do século XIX, sob forte
influência do pensamento liberal. Adentrando-se no século XX, com relação ao estudo
dos partidos políticos, um pesquisador de reconhecida contribuição para a matéria
é Robert Michels, que traz um diagnóstico pessimista quanto aos partidos políticos,
fazendo sua análise a partir do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) e de sindicatos
operários. Estuda o funcionamento interno das organizações e sua estrutura, especial-
mente quanto ao poder, como o é no interior partidário, como se reproduz, como se
modificam essas relações de poder e com quais consequências organizativas. Aponta
que a dinâmica organizacional do partido é gravada por duas tendências opostas entre
si: a inclinação à concentração de poderes nas mãos de uma oligarquia e o anseio de
participação da coletividade. Observa que a democracia é inviável em organizações e
sociedades complexas, o tamanho obriga a especialização e a divisão de funções que
acabam dificultando os processos democráticos e leva à oligarquização do partido.50
Segundo Robert Michels, o fenômeno da oligarquia nos partidos é explicado a partir
de aspectos da sociologia das organizações e da psicologia social. O partido necessita
de uma organização estável e de uma classe dirigente para alcançar algum êxito. A
oligarquia instala-se em razão de os dirigentes dominarem a estrutura organizacional
do partido, eles se transformam em uma classe apartada dos demais membros, uma
vez que dominam o conhecimento, definem as estratégias de relacionamento nos
ambientes de atuação partidária e direcionam o funcionamento da organização para
proveito próprio. Seus interesses distanciam-se dos objetivos da maioria dos filiados
e a organização passa a ser um fim em si mesma. O crescimento do partido e seu
desenvolvimento organizacional conduzem à especialização e à divisão do trabalho, que
dão origem à delegação e à representação, que evoluem para uma minoria de dirigentes
mais permanentes, ocorrendo, então, a centralização administrativa e, por conseguinte,
finda-se a democracia direta nas organizações políticas, onde a chefia antes refletia a
vontade da massa, cuja decisão era tomada em grupo.51
Michels afirma que à medida que a organização se desenvolve, torna-se gradual-
mente menos democrática e mais oligárquica em razão dos efeitos psicológicos do
exercício do poder e da “lei de ferro da oligarquia”. Outro fator de distanciamento
entre dirigentes e coletividade é o poder centralizador intrapartidário que impõem
autoridade e disciplina.52
Diferente de Robert Michels, que analisou a estrutura do partido a partir do
poder, outro expoente a dissecar o partido político foi Maurice Duverger, em sua obra
Les partis politiques. Na obra, o autor também analisa os partidos, sob outro ponto de
vista, a partir de sua estrutura, dividindo-os em partidos de quadro e de massa, havendo
ainda espaço para os intermediários.53
Para Duverger, os partidos surgiram e desenvolveram-se com os processos
eleitorais e parlamentares, inicialmente como comitês eleitorais, e no parlamento, como
grupos parlamentares que reuniam deputados com a mesma tendência para uma ação
comum, o que veio a propiciar as coligações dos comitês eleitorais, na base, criando-se

50
“O que se observa na vida partidária é que a democracia, a partir de certo momento da evolução, vai fazendo
um movimento de retrocesso. A democracia entra em fase de declínio à medida que aumenta o nível de organização”.
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Lisboa: Antígona, 2001, p. 55.
51
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Lisboa: Antígona, 2001.
52
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna..., op. cit.
53
DUVERGER, Maurice. Los partidos políticos. 3. ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1965.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
413

assim os primeiros partidos. Mesmo nos regimes políticos sem eleição e sem parlamento,
ou com pseudoeleições e parlamentos, o partido teve seu papel como partido único, que
mesmo nesse quadro deformado, relacionou-se com o processo eleitoral e o parlamento.
Citada técnica é muito utilizada pelas ditaduras para dar aparência da existência de um
processo eleitoral e parlamentar, moldando uma democracia de fachada.
Quanto à estrutura, Duverger, considera o partido sob o aspecto de “máquina”,
organização, “aparelho”, sendo organizado de forma interna (quadro ou massa) e
externa (sistema de partidos).
Com relação à organização interna, segundo Maurice Duverger, os partidos
de quadros, tradicionais, são característicos do Estado Liberal em tempos de sufrágio
limitado ou no início da aplicação do sufrágio universal, quando o eleitor ainda confiava
nas elites sociais tradicionais, sendo divididos em tipo europeu e tipo americano.
O partido de quadro do tipo europeu visa reunir os mais notáveis, a qualidade
importa mais que a quantidade, visto que são arregimentados em razão de seu prestígio,
que lhes conferem influência moral, ou por sua fortuna, que irá auxiliar no custeio das
campanhas. A organização interna é fraca e sua autonomia é elevada. Já o partido de
quadro do tipo americano sofreu a influência do sistema de prévias, que teve como
consequência a quebra dos estreitos quadros dos comitês de notáveis porque essas
prévias obrigavam os comitês a se abrirem à influência das massas eleitorais.
Com relação aos partidos de massa, Maurice Duverger afirma que esses foram
criados pelos movimentos socialistas, adotados posteriormente pelos partidos comunistas,
fascistas, partidos de países subdesenvolvidos e por certos partidos democrata-cristãos,
dividindo-se em tipo socialista, tipo comunista e tipo fascista.
O partido de massa do tipo socialista surge com o objetivo de financiar as
eleições de candidatos operários, então considerados revolucionários e, portanto,
sem a possibilidade de financiamento pelos meios usuais (banqueiros, industriais,
comerciantes etc.). A organização financeira também se prestou a auxiliar na escolha dos
candidatos do partido, visto que os membros foram organizados de forma democrática
em assembleias gerais locais e nacionais, que designavam os candidatos e dirigiam o
partido. Essas reuniões serviam também para promover a educação cívica das massas
populares e permitiam-lhes exercer seus direitos. A estrutura do partido ampliava a
democracia, que se abria à quase totalidade da população que participava de modo
permanente na gestão do Estado e não se limitava apenas a votar de tempos em tempos.
Os partidos de massa do tipo comunista, no pensamento de Duverger, têm origem
na cisão interna dos partidos socialistas e adotam o seu modelo, possuindo a melhor
organização entre todos os partidos. Eles buscam atrair grande número de adeptos,
que são agrupados em células, sendo este seu grande diferencial, pois em razão de
serem agrupamentos de pequenas dezenas de pessoas, constituindo uma pequena
comunidade, propiciavam uma maior solidariedade e homogeneidade entre os adeptos,
fato difícil de ser alcançado em uma seção que reunia centenas ou milhares de pessoas.
Nesse tipo de partido, a organização era autoritária e centralizada, os dirigentes eram
escolhidos pelo centro e ratificados em eleições internas do partido. As decisões eram
tomadas de forma centralizada e os chefes locais se incumbiam de assegurar a sua
execução, fazendo com que o poder fosse exercido de cima para baixo. Não obstante
essa centralização, os comunistas entendiam ser democráticos, tendo em vista que
antes das decisões serem tomadas pelo centro, os temas eram amplamente debatidos
em todos os escalões, mantendo-se, assim, o contato com a base.

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414 DIREITO PARTIDÁRIO

Por fim, em termos de organização interna, temos os partidos de massa do tipo


fascista, que, para Maurice Duverger, tentam imitar as técnicas comunistas. Tais partidos
têm uma construção rígida, forte centralização e um sistema de ligações verticais. Sua
originalidade encontra-se no fato de aplicarem técnicas militares ao enquadramento
político das massas, constituindo milícias e seções de assalto como elementos essenciais
do partido. Sua base é formada por pequenos agrupamentos, facilmente reunidos em
razão de sua proximidade espacial, que se articulam uns com os outros segundo uma
pirâmide hierárquica de múltiplos degraus, à semelhança da formação de um exército.
Após a fotografia dos partidos de quadro e de massa, restam, entre eles, os
partidos intermediários, quais sejam, os partidos indiretos e os partidos de países
subdesenvolvidos. Sobre eles Duverger afirma que estão mais próximos dos partidos
de massas do que dos de quadros.
Sob o ponto de vista constitucional, os partidos políticos, para Karl Loewenstein,
são ignorados ou superficialmente citados nas constituições, essas em geral silenciam
com relação à participação dos partidos na formação da vontade estatal e na liderança
do processo do poder político, não são entidades oficiais, contudo não se pode negar que
são os legítimos detentores do poder na sociedade moderna e que são indispensáveis ao
processo político em razão de sua capacidade de mobilização e ativação dos eleitores.54
Quanto à característica essencial dos partidos políticos, Karl Loewenstein
entende que são organizações voltadas para a conquista do poder, já para Luis Sanchez
Agesta, o conceito se atem a descrevê-los como sujeitos coletivos de uma ação política e
organizações da classe política.55 O partido é um canal de comunicação entre a estrutura
social e o poder político, de forma a simplificar e coordenar os interesses e opiniões
da comunidade, tendo por finalidade imediata a posse e o exercício do poder político,
sendo o acesso ao poder promovido pelas eleições mediante a apresentação de membros
do partido como candidatos ao pleito eleitoral.56
Com relação à estrutura dos partidos, Luis Sanchez Agesta, sublinha que são
genéricas e variadas, distinguindo-se: os líderes; a organização burocrática e técnica
do partido que prepara os programas, organiza as campanhas e executa os acordos; os
membros ativos que participam dos atos e acordos e os membros passivos que aderem
às votações do partido; o grupo parlamentar que participa da função legislativa e tem
especial importância para definir a maioria e ordenar o debate. Para recrutar e enquadrar
seus membros, o partido estabelece uma rede de organizações locais unidas pela
convenção nacional, congresso do partido ou sob a autoridade dos órgãos centrais. A
organização interna dos partidos se dá de duas formas, uma de caráter exclusivamente
hierárquico com doutrina dogmática e disciplina rigorosa, outra se baseia nos acordos
tomados nas votações em convenções ou congressos do partido.57
Quanto ao surgimento dos partidos, o estudioso menciona que nasceram como
associações espontâneas, constituídos sob a proteção do direito de associação e da livre

54
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución…, op. cit.
55
“Los partidos políticos son, pues, formas de organización de la clase política. En consecuencia, son grupos
societarios y secundarios, cuyo fin inmediato es la posesión y el ejercicio del poder político organizado para establecer,
reformar o defender un orden como articulación de los fines que responden a las convicciones comunes de sus miembros”.
SANCHEZ AGESTA, Luis. Principios de teoría política. Madrid: Editora Nacional, 1979. p. 255.
56
SANCHEZ AGESTA, Luis. Principios de teoría política..., op. cit.
57
SANCHEZ AGESTA, Luis. Principios de teoría política..., op. cit.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
415

expressão do pensamento. Com relação às funções do partido tem-se que: coordenam e


simplificam as opiniões e os interesses que influenciarão o poder político; difundem e
propagam seu programa político, são instrumento de promoção ideológica; selecionam
os indivíduos que ascenderão ao poder; organizam as eleições; apoiam, criticam e
controlam o governo; estabelecem seus quadros e providenciam meios para a execução
de suas atividades.58
Anna Oppo relaciona os partidos com a participação política, afirmando que o
surgimento daqueles está relacionado ao problema da participação, ou seja, eles nascem
e se desenvolvem em razão da ampliação da demanda de participação no processo de
formação das decisões políticas por parte dos vários grupos sociais, cuja necessidade de
ampliação participativa se intensifica nos momentos de grandes transformações econô-
micas e sociais, que abalam a ordem tradicional da sociedade e ameaçam modificar as
relações de poder.59 Constituindo como funções do partido transmitir o “questionamento
político” da sociedade e permitir que as massas participem no processo de formação
das decisões políticas; na primeira, estão relacionadas as atividades partidárias que têm
por escopo que nas decisões tomadas sejam levadas em consideração as necessidades
da sociedade, enquanto que na segunda os partidos promovem atos de “organização
das eleições, a nomeação de pessoal político etc.; através disso, o partido se constitui
sujeito de ação política e é delegado para agir no sistema a fim de conquistar o poder
e governar”.60
Retomando a questão da participação política, Claudio Lembo denota que uma
das formas de participação política é pelo voto, o que leva à necessidade de se estudar
o Estado de Partidos, em razão da titularidade dos partidos no monopólio eleitoral, na
medida em que indicam, apresentam e divulgam as candidaturas. O desenvolvimento
dos partidos se deu juntamente com o alargamento do sufrágio, alcançando a realidade
constitucional, constituíram-se como pessoas jurídicas de direito privado e, portanto,
não afetos à interferência em suas atividades programáticas, apresentando organicidade
e disciplina interna e legal, tendo por funções: a mediação e intermediação entre a
sociedade e o Estado, função de estruturação das atividades atinentes ao voto,61 função
integradora-mobilizadora e participativa,62 recrutamento do pessoal político,63 agregação
de interesses e demandas64 e a formação de políticas públicas.65

58
SANCHEZ AGESTA, Luis. Principios de teoría política..., op. cit.
59
OPPO, Anna. Partidos políticos. In: Curso de introdução à ciência política. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
v.5, 1982.
60
OPPO, Anna. Partidos políticos…, op. cit., p. 15.
61
Organização das campanhas eleitorais, fiscalização das eleições e respectivas apurações, bem como acompanhamento
da diplomação dos eleitos. LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito eleitoral. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 62.
62
Responsabilização por parte dos partidos quanto à mobilização da sociedade de forma a estimular o eleitorado
a participar do processo eleitoral. LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito eleitoral…,
op. cit., p. 62.
63
Busca e seleção no meio social das personalidades que integrarão o processo político e as atividades administrativas.
LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito eleitoral…, op. cit., p. 62.
64
“Captam e canalizam os interesses e as demandas emergentes da comunidade, acoplando-lhes caráter político
e transformando-as em programas gerais”. LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito
eleitoral…, op. cit., p. 62.
65
“(...) formação das políticas públicas, mediante o desdobramento dos programas partidários em ação governamental”.
LEMBO, Claudio. Participação política e assistência simples no direito eleitoral…, op. cit., p. 62.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
416 DIREITO PARTIDÁRIO

Prosseguindo no estudo sobre a função e conceito dos partidos, outro autor que
aborda o tema é o professor Paulo Bonavides, que os define como “uma organização de
pessoas que inspiradas por ideias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder,
normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização dos
fins propugnados”,66 sendo

indispensável na composição dos ordenamentos partidários: a) um grupo social; b) um


princípio de organização; c) um acervo de ideias e princípios, que inspiram a ação do
partido; d) um interesse básico em vista: a tomada do poder; e e) um sentimento de
conservação desse mesmo poder ou de domínio do aparelho governativo quando este
lhes chega às mãos.67

Com relação aos partidos políticos, Goffredo Telles Junior os define como:

uma associação de pessoas, instituída para a conquista do Governo por meio do voto
popular, ou para participar do Governo e nele influir, ou, ainda, para dele discordar,
fazendo-lhe oposição, sempre com o anseio de realizar ideias de bem-comum que motivam sua
existência.68

Outro viés do partido político é sua atuação como oposição na política, trazida
por Monica Herman Salem Caggiano. Segundo a doutrinadora, os partidos são
“organizações estáveis, direcionadas a arregimentar e coordenar a participação nas
atividades governamentais”,69 “vetor de interação entre governantes e governados no
esquema da representação política”,70 no qual a oposição age como controle do poder
e impõe limites a ele.
Em termos da atual Constituição brasileira, Márlon Reis afirma que essa deter-
minou uma democracia representativa partidária, a qual considera evoluída frente à
democracia representativa, na qual prevalecia a representação política do indivíduo.
Para o autor “por meio dos partidos políticos opera-se a manifestação dos grupos
politicamente organizados, dos quais se espera uma mobilização motivada em interesses
lícitos, legítimos e supraindividuais”.71 Tendo por finalidades desenvolver políticas
e programas de ação, canalizar demandas sociais, recrutar e selecionar pessoas para
futuros mandatos e relacionar-se com o governo, apoiando-o ou opondo-se a ele.72
Pelo estudo apresentado, o partido político é por excelência o canal da repre-
sentação. As legendas são o mecanismo institucional mais importante da expressão
política. É através delas que os grupos sociais costumam exprimir suas reivindicações
e interesses, assim como participar, de modo mais ou menos eficaz, da formação das
decisões políticas, tendo o condão de efetivar a democracia.

66
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 372.
67
BONAVIDES, Paulo. Ciência política…, op. cit., p. 372.
68
TELLES JUNIOR. Goffredo. O povo e o poder: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2006. p. 63.
69
CAGGIANO, Monica Herman Salem. Oposição na política: proposta para uma rearquitetura da democracia. São
Paulo: Angelotti, 1995. p. 77.
70
CAGGIANO, Monica Herman Salem. Oposição na política: proposta para uma rearquitetura da democracia…, op.
cit., p. 78.
71
REIS, Márlon Jacinto. Direito eleitoral brasileiro. Brasília: Alumnus, 2012. p. 153.
72
REIS, Márlon. Direito eleitoral brasileiro…, op. cit.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
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No âmbito da sociedade, fica cristalino que o partido político opera e pode ampliar
a democracia, restando verificar se internamente as práticas democráticas são aplicadas
e o quanto isso aprimora a democracia na esfera externa (sociedade).

2.4 Convenções partidárias: características e caráter democrático


Com relação às características das convenções, estas serão apresentadas com
contornos gerais e de forma simplificada, apenas para se ter uma noção de suas principais
peculiaridades.
Convenção, palavra que tem sua origem no latim, conventione, que significa ajuste,
acordo ou determinação sobre um assunto ou fato.73 Para a ciência política, segundo o
sentido norte-americano, a convenção é uma “assembleia de delegados de um partido
convocada para designar os candidatos a cargos eletivos, fixar programas ou preparar
campanhas eleitorais”,74 no caso brasileiro, é uma reunião dos filiados a um partido
político para deliberação de assuntos de interesse da legenda, regra geral, para escolher
candidatos, adotar plataformas e definir preceitos do partido. As convenções partidárias
podem ocorrer em nível municipal, estadual ou nacional.
As regras que regulam as convenções são definidas pelos estatutos de cada partido,
tendo em vista que a Constituição Federal e a Lei das Eleições asseguram às agremiações
autonomia para definir sua estrutura interna, sua organização e seu funcionamento,
a legislação pátria estabelece, apenas, o período de sua realização para definição de
candidaturas ao pleito eleitoral e a deliberação sobre coligações, que deverão ser feitas
no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que ocorrerem as eleições, devendo-se
lavrar a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em
vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação.75
No que tange às regras das convenções, estas versam, majoritariamente, sobre
os tipos, a forma de convocação (edital, notificação, publicação na imprensa, na justiça
eleitoral, etc.), os prazos de realização, o quórum de instalação e deliberação e definem
quem pode participar, sendo que os votos serão colhidos de forma aberta, secreta ou
por aclamação.
As convenções deverão ser registradas em ata própria, contendo a narrativa
das ocorrências, discussões, deliberações e votações, bem como catalogar os presentes.
Quanto aos locais de realização das convenções, as agremiações poderão utilizar-se
de bens particulares ou públicos, sendo que no segundo caso o uso é permitido para
a escolha de candidatos, sendo gratuito, e as legendas deverão se responsabilizar por
danos causados com a realização do evento.76
As convenções têm por objetivos primordiais: a alteração estatutária; as eleições
de dirigentes; a definição ou modificação do programa partidário; a resolução sobre
as coligações; a fixação dos candidatos aos pleitos eleitorais; e a decisão com relação à
coalizão ao governo em exercício.

73
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Coordenação Marina Baird
Ferreira, Margarida dos Anjos. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009. p. 542.
74
BOBBIO, Norberto. MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 13. ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, v.1, 2010. p. 285.
75
De acordo com a redação do artigo 8º da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015.
76
De acordo com a redação do artigo 8º, parágrafo 2º da Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997.

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418 DIREITO PARTIDÁRIO

Quanto ao caráter democrático das convenções partidárias, inicia-se pontuando


que a democracia e a cidadania são termos de complexa definição que caminham lado
a lado, de tal forma a influenciarem-se reciprocamente. Não há como discorrer sobre
democracia sem o elemento cidadania, assim como o inverso constitui difícil ocorrência.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho explica que as instituições democráticas requerem
um povo com certo grau de amadurecimento, cultura política, formação cívica e coesão
em torno de alguns princípios de vida que prepararão o homem a fazer uso e gozo
da liberdade. A democracia não é uma forma de governo simples e reclama um povo
educado para ela, com as virtudes cívicas gravadas no seu espírito de tal forma que o
capacite a tomar decisões políticas sob seu jugo.77
Sob este aspecto, John Stuart Mill aduz que o governo representativo requer um
povo disposto a aceitá-lo, propenso a fazer o necessário para preservá-lo e que possua
vontade e capacidade de cumprir os deveres e exercer as funções necessárias a esse
governo. Esse governo não se fixa onde o povo seja passivo e submisso demais, ou
extremamente inquieto e guerreiro. O governo representativo precisa de um povo sem
vícios, sem hábitos, com cultura intelectual e não ignorante, sob pena de sua assembleia
refletir tais defeitos:78

O governo representativo significa que o povo inteiro, ou pelo menos grande parte dele,
exercite, por intermédio de deputados periodicamente eleitos por ele, o poder do controle
supremo, que deve existir em algum lugar em todas as constituições. Este poder supremo
deve ser mantido em toda sua perfeição. O povo deve ser amo e senhor, sempre que quiser,
de todas as atividades do governo.79

A democracia não é algo que pode ser simplesmente almejado, depende de


formação e informação política, deve ser cultivada e praticada, e isso ocorrerá por
meio da participação política ativa do povo, não pode ser perpetrada apenas durante
os pleitos eleitorais, deve ser exercitada continuamente, sendo que a atuação na vida
partidária tem o condão de representar o primórdio da participação política ativa, isso
partindo-se do princípio que o partido é o microcosmo da prática democrática, nele o
cidadão vai assimilar o que é preciso.
Segundo Samuel Eldersveld, o partido é “uma miniatura do sistema político, tem
uma estrutura de autoridade (...) possui um processo representativo, um sistema eleitoral
e subprocessos para recrutamento de líderes, definição de metas e soluções de conflitos
do sistema interno, acima de tudo, o partido é um sistema de tomar decisões”,80 pelo
que pode ser considerado uma microssociedade democrática, e como tal, um ambiente
propício para o treinamento da prática democrática, na medida em que o exercitado
em esfera diminuta é repetido em esfera ampliada.
Em ambiente intrapartidário, a democracia participativa é implementada nas
convenções, que são assembleias ou reuniões, em que se discute, delibera e decide,
especialmente, sobre questões como alteração estatutária, eleições de dirigentes, programa

77
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1978.
78
MILL, John Stuart. O governo representativo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981, p. 39/43.
79
MILL, John Stuart. O governo representativo…, op. cit., p. 47.
80
Apud. SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Tradução de Waltensir Dutra; apresentação à edição
brasileira do Prof. David Fleischer. Ed. brasileira rev. e ampl. Rio de Janeiro: Zahar. Brasília: Ed. Universidade
de Brasília, 1982. p. 93.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
419

partidário, coligações, definição dos candidatos aos pleitos eleitorais e coalizão ao governo
em exercício, bem como é o momento em que os grupos com interesses diversos, muitas
vezes rivais, buscam espaço de atuação política. Particularmente em governos de coalizão,
como no caso brasileiro, o embate entre grupos rivais, intrapartidários, a depender do
vencedor, pode ter a capacidade de mudar ou interferir na política governamental.
Partindo-se da premissa de que a estrutura constitucional brasileira foi arquitetada
para votar-se em partidos, portanto, em seus programas, e que estes são definidos ou
alterados nas convenções, essas assembleias têm o potencial de influenciar diretamente
nos rumos do país. Além do que, a realização das convenções implica um nível maior
de inclusão dos atores no processo decisório, e, consequentemente amplia a democracia,
de dentro para fora.
A participação nas convenções é fechada (restrita a todos ou alguns membros)
ou aberta ao eleitorado em geral, ganhando caráter de maior ou menor integração de
agentes, espelhando uma expansão ou não da democracia, dependendo do espectro
admitido.
Neste aspecto, tomando-se por base a estrutura das agremiações, sob o ponto
de vista de Duverger, os partidos de massa têm maior propensão e incentivo para as
práticas democráticas intrapartidárias, do que os partidos de quadros, vez que as decisões
são tomadas de baixo para cima por meio da participação direta dos associados.81 Para
Michels, que analisa a estrutura do partido a partir do poder, a democracia intrapartidária
é inexistente, pois a organização que o partido necessita impõe hierarquização e chefia,
centralizando o poder e criando autonomia de decisão para a direção, transmutando-se
na “lei de ferro da oligarquia”, deixando para trás os princípios democráticos.82
Sob o ponto de vista das funções primordiais da legenda, têm-se a apresentação
de candidatos aos pleitos eleitorais e ser o canal de comunicação entre a estrutura social
e o poder político, sendo que as convenções têm um papel fundamental neste ângulo,
vez que nelas são definidos os candidatos e os programas partidários.
As convenções têm, ainda, a capacidade de mobilização e ativação dos eleitores,
fato decisivo nos momentos de grandes transformações econômicas e sociais, que
abalam a ordem tradicional da sociedade e ameaçam modificar as relações de poder.
Elas retiram a apatia política, o indivíduo envolvido e acostumado com as questões
políticas passa a desenvolver um comportamento mais ativo.
Retomando a proposta inicial, no sentido de que o partido é “uma miniatura do
sistema político”, e, portanto, propício para o treinamento da prática democrática, são nas
convenções que os indivíduos vão exercitar o voto, considerado o ápice da democracia
representativa, neste momento terão a oportunidade de aprender a sua importância e
valor, passando a ter uma atitude mais responsável perante as urnas eleitorais, fato que
impactará diretamente na qualidade dos governantes, e, por consequência, auxiliará
no combate à corrupção política, que é um câncer, que hoje corrói a democracia e a
coloca em risco.
Outro elemento essencial da democracia é a alternância no poder, promovida pela
oposição, sendo que as convenções prestigiam tal prática, ante a possibilidade de embate
entre frações dissonantes no interior da agremiação, além do que o enfrentamento entre

81
DUVERGER, Maurice. Los partidos políticos. 3. ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1965.
82
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Lisboa: Antígona, 2001.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
420 DIREITO PARTIDÁRIO

as tendências intrapartidárias traz o pluralismo, que com suas diferenças, diversidade


de opiniões e debate, ajuda a ordem político-social a aprimorar-se.
Ao pensarmos na democracia dos antigos e dos modernos, que se diferenciavam na
forma de tomar decisão, que no primeiro caso era direta e na outra indireta, as convenções
podem ser consideradas, por analogia, um retorno à democracia dos antigos, onde os
cidadãos reuniam-se e tomavam para si as rédeas do poder, e, consequentemente, as
decisões governamentais sem intermediários.
A crítica que se faz às convenções em muito podem ser embasadas nas ideias de
Michels, na medida em que elas são constituídas pelas massas, e estas são facilmente
manipuladas. Pequenos grupos tomam decisões pensadas, enquanto que a massa decide
por impulso. Em suas palavras,

uma multidão enorme, concentrada num mesmo ponto, é muito mais receptiva ao pânico, ao
susto, à admiração irrefletida, etc., do que um pequeno número de indivíduos que possam
falar uns com os outros de modo racional (...) A multidão faz desaparecer o indivíduo e
com ele a respectiva personalidade e sentimento de responsabilidade.83

Nesse prisma, as convenções tornam-se referendárias ou aclamatórias das


decisões dos dirigentes partidários, perdendo por completo o seu caráter democrático.
Esse assunto torna-se especialmente inquietante, quando diz respeito à definição de
candidatos para a disputa do pleito eleitoral, em que as convenções, em muitos casos,
prestam-se a homologar as candidaturas previamente definidas pelos dirigentes.
Outra censura que se faz é com relação à quantidade de convenções anuais
realizadas pelas legendas. Ficou claro, neste estudo, que as convenções trazem o
caráter democrático do partido, são a oportunidade de participação dos membros,
por vezes do eleitorado em geral, na tomada de decisões. O que se observa é a míngua
quantitativa das convenções, passando as decisões a serem tomadas, a portas fechadas,
pelos dirigentes ou por pequenos grupos que compõem a oligarquia partidária, fato
que encolhe a democracia.

2.5 Conclusões
Democracia, sob um aspecto mais simplista, pode-se dizer que é uma forma
de governo na qual a vontade do povo é a fonte do poder e indicativo dos rumos do
governo, tendo por elementos a liberdade, a igualdade e a forma de participação política.
A democracia possível, para a sociedade moderna, é a representativa, operada
pelos partidos políticos, passando estes a serem peça fundamental para a implementação
e manutenção da democracia.
Tomando-se por base os elementos indissociáveis da democracia, quais sejam, a
liberdade, a igualdade e a forma de participação política, as convenções são o meio pelo
qual os partidos praticam e incentivam o espírito democrático, vez que nelas os membros
partidários têm, de forma direta, a liberdade, em pé de igualdade, de tomarem decisões.
As convenções transformam os indivíduos em cidadãos participativos, que são
desejáveis e necessários para o bom funcionamento da democracia. Elas têm o condão

83
MICHELS, Robert. Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Lisboa: Antígona, 2001. p. 59.

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VIVIAN DE ALMEIDA GREGORI TORRES
A CONVENÇÃO PARTIDÁRIA COMO INSTRUMENTO PARA O APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA
421

de mobilizar e ativar os eleitores, excluindo a apatia política. Promovem a inclusão de


mais atores no processo decisório, na medida em que permitem discutir, deliberar e
decidir de forma coletiva, bem como ensinam a importância e o valor do voto, criando
eleitores mais responsáveis perante as urnas eleitorais, fato que contribuirá diretamente
para a qualidade dos governantes em exercício no poder.
Nas convenções partidárias é que se definirão os futuros detentores do poder e
os rumos governamentais, é o momento em que são fixados os candidatos aos pleitos
eleitorais e os programas partidários, que conterão as políticas públicas a serem
implementadas pelos representantes empossados, pode-se dizer que é o ponto que
contém a essência da democracia, qual seja, a vontade do povo como fonte do poder e
como indicativo dos rumos do governo.
As convenções das agremiações viabilizam o embate entre as frações partidárias,
dando espaço à oposição, que tem o viés de propiciar a alternância no poder, que é uma
das características essenciais da democracia. As discussões fomentadas pelas oposições
intrapartidárias carregam e inserem a pluralidade de pensamento das parcelas sociais,
outra particularidade da democracia, que é conjugar e incluir, o quanto possível, todos
os estratos da sociedade.
Da análise realizada, dentro dos parâmetros propostos, no sentido de provocar o
debate sobre as convenções partidárias e seu reflexo no aprimoramento da democracia,
verifica-se que elas, de fato, têm o condão de ampliá-la e aperfeiçoá-la, bem como
representam o aspecto democrático, interna corporis, dos partidos políticos.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

TORRES, Vivian de Almeida Gregori. A convenção partidária como instrumento para o aprimoramento
da democracia. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 403-422. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 2.) ISBN 978-85-450-0497-4.

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SOBRE OS AUTORES

Ana Cristina Ferro Blasi


Mestre em Direito. Advogada e Ex-juíza membro da corte do Tribunal Regional Eleitoral de Santa
Catarina. E-mail: <ana@blasivalduga.adv.br>.

Ana Paula Fuliaro


Doutora em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP).
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Professora
na Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Membro da Comissão Especial de Ensino
Jurídico, da OAB/SP e da Comissão Especial de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, da OAB/SP.
Membro do Comitê Científico da Revista Eletrônica de Direito Eleitoral e Sistema Político – ReDESP
da Escola Judiciária Eleitoral Paulista (EJEP). Advogada de Fidalgo Advogados, atuando nas
áreas de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Eleitoral.

Brina Deponte Leveguen


Mestre em Ciência Política pela UFSCar (bolsa FAPESP). Foi bolsista de iniciação científica da
FAPESP e da CAPES, e vencedora do Prêmio Eduardo Kugelmas, da Associação Brasileira de
Ciência Política, em 2014 (2º lugar) e 2016 (1º lugar).

Bruno Bolognesi
Cientista político. Professor do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR e
do Departamento de Ciência Política na mesma instituição. Coordenador do Laboratório dos
Partidos Políticos e Sistemas Partidários (LAPeS/UFPR) – <www.lapesufpr.com.br>. Pesquisador
do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-americanos (NEPPLA/UFSCar) e do Centro
de Opinião Pública (CESOP/Unicamp), e editor associado da Revista de Sociologia e Política <www.
scielo.br/rsocp>.

Delmiro Dantas Campos Neto


Advogado. Sócio-diretor do escritório Campos & Pedrosa Advogados Associados. Membro
da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Coordenador
do Núcleo de Direito Eleitoral da Escola Superior da Advocacia Ruy Antunes (ESA/OAB/PE).
Pós-Graduado em Direito Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral do TRE/PE (2012/2013).
Desembargador Eleitoral Substituto do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (2017/2019)
e Diretor da Escola Judiciária Eleitoral do Estado de Pernambuco (2017/2019).

Denise Goulart Schlickmann


Bacharel em Ciências Econômicas, Ciências Contábeis e Direito, pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Pós-Graduada em Auditoria Governamental pela FEPESE/UFSC e em
Direito Eleitoral pela UNIVALI. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político
(ABRADEP). Membro do Núcleo de Inteligência da Justiça Eleitoral. Secretária de Controle Interno
e Auditoria do TRE/SC. Instrutora nas áreas de licitação e contratos, auditoria governamental e
controle interno, no âmbito da Justiça Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Conferencista na
área de direito eleitoral. Autora da obra Financiamento de Campanhas Eleitorais, na oitava edição,
pela Editora Juruá. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina.

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
424 DIREITO PARTIDÁRIO

Diana Patrícia Câmara


Pós-Graduada em Direito e Processo Eleitoral (UNISSAU). Secretária-Geral da Comissão Especial
de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB (2016/2018). Presidente do Instituto de Direito
Eleitoral e Público de Pernambuco (IDEPPE) (2016/2019). Membro-fundadora da Academia
Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Secretária Executiva de Assuntos Jurídicos da
Prefeitura do Recife (2013/2014), eleita Conselheira Estadual da OAB/PE. Autora de livros jurídicos.

Éder Rodrigo Gimenes


Doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente
permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e colaborador do Programa de
Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Docente do
curso de Direito na Faculdade Metropolitana de Maringá (FAMMA) e do curso de Tecnologia
em Gestão de Organizações do Terceiro Setor no Centro Universitário de Maringá (CESUMAR).
Segundo Líder do grupo de pesquisa “Cultura Política, Comportamento e Democracia” (UEM/
CNPq), pesquisador do grupo de pesquisa “Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais” (NPMS
– UFSC/CNPq) e do “Núcleo de Pesquisas em Participação Política” (NUPPOL – UEM). Autor
de artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais, de capítulos de livros, da obra
Eleitores e Partidos Políticos na América Latina e organizador da coletânea Participação Política e
Democracia no Brasil Contemporâneo.

Flávia Roberta Babireski


Cientista política. Doutoranda em Ciência Política na UFPR. Pesquisadora do Laboratório de
Partidos Políticos e Sistemas Partidários (<www.lapesufpr.com.br>) e editora executiva da Revista
Eletrônica de Ciência Política (<http://revistas.ufpr.br/politica>).

Frederico Franco Alvim


Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Assessor-Chefe da Assessoria
Especial da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais
(UMSA). Mestre em Direito (UNIMEP). Especialista em Direito Eleitoral (UFG/UNAM). Autor
dos livros: Manual de Direito Eleitoral (Fórum) e Curso de Direito Eleitoral (Juruá). Professor de
pós-graduação. Membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (ABRADEP).

Gabriela Rollemberg
Advogada graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e em Ciência
Política pela Universidade de Brasília (UnB). Pós-Graduada em Direito Eleitoral pelo Instituto
Luiz Flávio Gomes. Membro-fundadora da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político
(ABRADEP). Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da
OAB. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade). Organizadora do livro Aspectos
Polêmicos e Atuais no Direito Eleitoral e coautora da obra Manual do Candidato. Professora de Direito
Eleitoral em diversas instituições, entre elas o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e a
Escola Nacional de Advocacia (ENA).

José Luís Blaszak


Professor e advogado eleitoralista. Foi juiz-membro do TRE/MT na classe jurista e presidente
da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MT. É membro do Colégio Permanente de Juristas da
Justiça Eleitoral (COPEJE).

Kamile Moreira Castro


Advogada. Juíza Substituta do TRE/CE (Biênio 2016/2018). Especialização em Direito Processual
Penal (UNIFOR). Especializanda em Direito e Processo Eleitoral (ESMEC). Mestranda em Ciência
Política pela Universidade de Lisboa. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE.

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SOBRE OS AUTORES 425

Laerty Morelin Bernardino


Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná. Possui Graduação
em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Centro de Ciências Sociais
Aplicadas (CCSA) de Jacarezinho, Paraná, conclusão em 2010. Professor das disciplinas de Direito
Constitucional, Direito Eleitoral e Direito Ambiental junto à UNIESP, Ibaiti/PR. Procurador
Jurídico da Câmara Municipal de Quatiguá/PR, bem como advogado militante na Comarca de
Joaquim Távora/PR.

Luís G. Bruno Locatelli


Mestre em Ciência Política pela UFSCar (bolsa CAPES). Foi bolsista de iniciação científica da
FAPESP e recebeu o Prêmio Eduardo Kugelmas, da Associação Brasileira de Ciência Política,
em 2014 e 2016 (1º lugar).

Luiz Guilherme Arcaro Conci


Professor da Faculdade de Direito e Coordenador do Curso de Especialização em Direito
Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutor e Mestre em
Direito pela PUC-SP. Professor Titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo –
Autarquia Municipal. Professor colaborador do Mestrado em Direitos Humanos da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul. Professor Visitante das Universidades de Bolonha (2016) e de
Buenos Aires (2011-2014). E-mail: <lgaconci@hotmail.com/lgaconci@pucsp.br>.

Marcelo Ramos Peregrino Ferreira


Doutorando em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC. Mestre em Direito
pela PUC/SP. Advogado em Florianópolis/SC. Membro da Academia Catarinense de Direito
Eleitoral (ACADE) e da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). E-mail:
<peregrinoferreira@uol.com.br>.

Marcelo Weick Pogliese


Mestre em Direito (UFRN). Doutor em Direito (UERJ). Professor UFPB e UNIPÊ. Advogado
eleitoral.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho


Advogado. Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca. Presidente Nacional da OAB de
2013 a 2016. Presidente da Comissão Constitucional da OAB Nacional de 2016 a 2019. Membro
da Comissão do Senado Federal que elaborou o atual CPC.

Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro


Advogada. Mestra em Direito e Estado pela Universidade de São Paulo. Professora de Pós-
graduação em Direito Eleitoral e em Direito Constitucional. Membro-fundadora da Academia
Brasileira de Direito Eleitoral e Político e membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral.
Membro da Comissão Nacional de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB).
Ex-assessora de Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.

Maria Stephany dos Santos


Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PE (2017). Participante no Grupo de Pesquisa
– eleições 2016 (IDP 2016). Participante no Grupo de Extensão Universitária em Ciência Política,
USP (2016). Pós-Graduada em Direito Eleitoral na EJE (TRE/PE) (2015). Advogada (2014).

Paula Bernardelli
Advogada Eleitoralista. Graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora
do grupo Política por/de/e para Mulheres (UFPR/UERJ). Membro da Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro da Comissão Permanente de Direito Político e
Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

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LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
426 DIREITO PARTIDÁRIO

Pedro Floriano Ribeiro


Professor de Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos. Editor Associado da Brazilian
Political Science Review e colunista eventual do jornal Valor Econômico. Foi Fulbright Chair in
Democracy and Human Development no Kellogg Institute, Universidade de Notre Dame (EUA,
2018) e Celso Furtado Visiting Professor na Universidade de Cambridge, St John’s College (2015-
16). Doutor em Ciência Política pela UFSCar. Recebeu o Prêmio CAPES de Teses 2009, e o Prêmio
Olavo Brasil de Lima Jr. em 2014, conferido pela Associação Brasileira de Ciência Política. É
pesquisador da FAPESP e do CNPq (bolsista de produtividade).
Pedro Paulo F. B. de Assis
Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (bolsa CAPES). Doutorando em Ciência
Política na UFSCar, com bolsa da FAPESP.
Rafael Morgental Soares
Mestre em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito Público pelo IDC. Advogado.
Raymundo Campos Neto
Mestre em Direito pela FUMEC/MG. Advogado Eleitoralista. Membro da Academia Brasileira
de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
Ricardo Regis Rodrigues da Silva
Advogado (1990/1996). Analista Judiciário (TRE/MA – 1996/1999, TRE/CE 2000/2018).
Especialização em Direito e Processo Eleitoral (UNISUL).
Ricardo Sérvulo Fônseca da Costa
Doutorando pela Universidad del Museo Social Argentino, Buenos Aires. Pós-Graduado em
Direito Processual Civil (UNP). Bacharel em Direito (UNIPÊ, J. Pessoa). Membro da Academia
Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro da Academia Paraibana de Letras
Jurídicas (APLJ). Membro do Instituto de Direito Eleitoral da Paraíba (IDEL). Ex-Procurador-Geral
de Bayeux/PB. Procurador-Geral de Itabaiana/PB. E-mail: <rservuloadv@gmail.com>.
Sérgio Silveira Banhos
Ministro Substituto do Tribunal Superior Eleitoral. Procurador do Distrito Federal. Advogado.
Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP). Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Sussex, Inglaterra.
Vivian de Almeida Gregori Torres
Advogada. Doutora em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista
em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduada pela Faculdade
de Direito de São Bernardo do Campo. Professora na Universidade Nove de Julho. Membro do
Comitê Científico da Revista Eletrônica de Direito Eleitoral e Sistema Político – ReDESP da Escola
Judiciária Eleitoral Paulista (EJEP). Presidente da Comissão de Pesquisa e Pós-Graduação em
Direito da OAB/SP. Vice-Presidente da Comissão de Propostas de Parcerias e Convênios Públicos
da OAB/SP. Membro Efetivo da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/SP. Relatora da 2ª Câmara
do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Conselheira da OAB/SP.
Volgane Oliveira Carvalho
Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão. Professor do Curso de Direito do
Instituto Camillo Filho. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS). Autor dos livros: Direitos Políticos no Brasil: o Eleitor no Século XXI e Manual das
Inelegibilidades. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (ABRADEP).

Esta obra foi composta em fonte Palatino Linotype, corpo 10


e impressa em papel Offset 75g (miolo) e Supremo 250g (capa)
pela Gráfica Expressão & Arte, em Belo Horizonte/MG.

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