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Capitulo 11

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Capitulo 11

PRESCRIÇÃO BÁSICA
Fabiolla Martins Costa
A Prescrição médica hospitalar pode ser definida como uma etapa no processo
de fornecimento de medicamentos para um paciente internado. Esse processo é
multidisciplinar, envolvendo médicos, farmacêuticos, nutricionistas e equipe de
enfermagem e pode adquirir enorme complexidade (Figura 1). A Prescrição é a
primeira etapa do processo, sendo o médico o responsável pela sua execução. Por
sua vez, a prescrição é também a finalização de outro processo essencialmente
médico, que parte da coleta de dados, elaboração de uma hipótese diagnóstica e
determinação de um planejamento terapêutico.

A Prescrição é a transcrição do planejamento terapêutico, no formato de


comandos, a serem executados pela equipe de apoio no tratamento do paciente. Erros
de Prescrição são comuns. Uma análise sistemática recente estimou a incidência
desses erros numa mediana de 7% das solicitações de medicações, 52 erros por 100
admissões e 24 erros para cada 1000 pacientes-dia.2 É muito complexo o estudo de
erros de Prescrição, por problemas metodológicos que vão desde a definição do que é
erro até tipos específicos de pacientes ou condições clínicas em que os erros são mais
comuns.3,4 Apesar dessa dificuldade, em 1999, um relatório denominado To err is
human: building a safer health care system produzido pelo Institute of Medicine norte-
americano, chamou a atenção para a magnitude do problema e desencadeou o
processo de melhoria de qualidade vigente. Esse relatório atribuiu aos erros do
processo de fornecimento de medicação a principal causa de mortalidade intra-
hospitalar não esperada. Independentemente da contestação desse dado na literatura,
é indubitável que a habilidade de prescrever adequadamente é necessária para a vida
profissional do médico e é apontada na literatura sobre educação médica como uma
atividade negligenciada em diversos currículos, havendo uma campanha para
promover seu ensino de modo sistemático.
A prescrição médica básica consiste na prescrição de medicamento, escrita em
língua portuguesa, contendo orientação de uso para o paciente, efetuada por
profissional legalmente habilitado, quer seja de formulação magistral ou de produto

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industrializado. Portaria N.º344/1998 SVS (Secretaria de Vigilância Sanitária/Ministério


da Saúde).
Para que a prescrição seja feita com sucesso, é necessário o seguimento das
outras três fases subsequentes: Transcrição, Dispensação, Administração.
Prescrição: é de responsabilidade do médico. Determina como os
medicamentos selecionados para o paciente deverão ser administrados. Esta fase
pode ser escrita, ou diretamente em formulário eletrônico.
Transcrição: ato no qual as orientações que constam na prescrição são
transcritas para formulários pelos enfermeiros ou escriturários para que possam ser
solicitadas na Farmácia da instituição. Essa fase pode ser suprimida na versão
eletrônica da prescrição.
Dispensação: fase em que os medicamentos solicitados são separados na
Farmácia e enviados para Enfermaria em que o paciente se encontra. Essa fase pode
ter diversos graus de complexidade de acordo com o desenvolvimento da instituição.
Administração: fase em que o enfermeiro aplica o medicamento ao paciente e
anota na folha de prescrição que aquela etapa foi concluída. Também é uma fase de
complexidade variável que depende do desenvolvimento da instituição.
O primeiro item a ser prescrito é sempre a dieta, seguido pelas medicações
endovenosas, das quais os soros são geralmente os primeiros (hidratação), em
seguida analgesia e terapêuticos, posteriormente pelas medicações por via oral,
demais vias e finalmente profilaxias, controle glicêmico e os cuidados a serem
oferecidos.
Estrutura da Prescrição Médica
Para se compreender a estrutura da Prescrição médica, utilizaremos como
base a Figura 2 e a Tabela 1. Deve-se ter sempre presente que o que se propõe a
seguir tem objetivo didático e pode variar entre Instituições.
O objetivo final é que o médico tenha uma estrutura mental de quais são os
componentes principais da Prescrição para evitar o erro. Discutiremos os tipos de
erros e como evitá-los posteriormente, mas o simples fato de se ter uma estrutura a
ser seguida já é uma maneira de evitá-los. Como demonstrado na Figura 2, a
Prescrição pode ser dividida em três componentes principais. O Componente A é
definido como SEGURANÇA DO PACIENTE. A chave desse componente é a
identificação de para quem a Prescrição se destina, em que data e em que hora.
Parece ser algo óbvio, mas é comum, por exemplo, na mesma enfermaria termos dois
pacientes com nome João ou duas pacientes com nome Maria. A identificação com
nome completo e com o registro facilita a checagem que a enfermagem deve fazer na
fase de Dispensação. O Componente B da Prescrição é constituído pelas ordens de
quais medicamentos devem ser administrados ao paciente. Para simplificar a
compreensão, vamos nos basear nas setas vertical e horizontal da Figura 2. A seta
vertical ilustra a hierarquia ou sequência a ser seguida, que tem como base a via de
administração dos medicamentos.
O primeiro item a ser prescrito é sempre a dieta, seguido pelas medicações
endovenosas, das quais os soros são geralmente os primeiros, posteriormente pelas
medicações por via oral, demais vias e finalmente os cuidados a serem oferecidos.
Para facilitar a memorização, pode-se utilizar o recurso de como eu DEVO prescrever

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- Dieta, Endovenoso, Via Oral, Outras vias e cuidados. Essa sequência que organiza
os medicamentos de acordo com as vias de administração facilita as demais fases do
processo de fornecimento de medicamentos. Não é importante se os medicamentos
que serão aplicados por via endovenosa venham antes ou depois dos de via oral, mas
é importante agrupar os medicamentos segundo via de administração.
A Prescrição inicia-se pela dieta pela complexidade que essa pode assumir
(mas você pode criar seu roteiro, desde que ele seja sistemático e comtemple os 7
itens mostrados a seguir). A dieta pode variar na via de administração enteral
(associada ou não ao uso de próteses como a sonda enteral nasogástrica ou
nasoentérica, gastrostomia, jejunostomia) e parenteral (endovenosa), em que as
principais indicações são: impossibilidade de usar TGI, fístulas enterais, caquexia
grave pré-operatória, intestino curto, falha em manter > 60% do aporte calórico ideal.
Pode variar também na apresentação (líquida, branda, pastosa ou geral), na
composição (como nas situações para diabéticos, hipertensos, rica em fibras, sem
gorduras, ou intolerância à lactose) e no fracionamento (número de refeições
apresentadas, como por exemplo, a ênfase no lanche noturno em diabéticos). Todas
essas características tornam a dieta complexa e deve-se, sempre que possível,
consultar o nutricionista responsável para casos mais elaborados.
1. Dieta
2. Hidratação
3. Analgesia
4. Terapêuticos
5. Profilaxias
6. Controle Glicêmico
7. Cuidados Gerais
A seta horizontal do Componente B da Figura 2 ilustra as características
importantes a serem lembradas para cada item a ser prescrito. Eles são mais bem
detalhados na Tabela 1 e, a exemplo do recurso mnemônico utilizado anteriormente,
pode ser guardado como DDVI - Droga, Dose, Via de administração e Intervalo. Em
suma, nesse ponto é importante detalhar a posologia da medicação a ser
administrada. No componente B da Prescrição, ainda há um espaço na frente de cada
item para que sejam feitas anotações de enfermagem. Essas anotações indicam se o
medicamento foi feito ou não, em qual horário ele foi efetivamente aplicado e se houve
alguma intercorrência.
Após a dieta, deve-se continuar a prescrição com a hidratação (deve-se avaliar
a necessidade ou não de hidratação venosa, ponderar o balanço hídrico e a
tolerabilidade ao volume). A hidratação é divida em etapas, o gotejamento é calculado
da seguinte forma: volume de uma etapa/ intervalo em horas entre cada etapa X 3.
Ou seja: se fizermos 3 etapas de 500ml (500ml de 8/8h), teremos 500/8 X 3 =
500/24, o que é aproximadamente 21 gts/min.
O que nos leva a um macete: toda vez que as etapas forem de 500ml, o
gotejamento será aproximadamente o número de etapas X 7.

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Deve-se sempre especificar o componente das etapas, e evitar soluções


Riger em pacientes nefropatas. A reposição rápida consiste em 20ml/kg/15 minutos e
a reposição basal em 20ml/kg/24H (adultos) e 30ml/kg/24H (crianças).
Ex: Hidratação venosa – 3 etapas – Ringer simples 500 ml - EV - 21 gotas/min.
Em seguida, segue-se com a Analgesia, de acordo com a presença ou não de
dor, e a intensidade dela. Presença de dor leve a modera indica-se o uso de inibidores
da COX-1, COX-2 e COX-3 (Ex: dipirona, paracetamol, diclofenaco, ibuprofeno).

Ex: Dipirona sódica (500mg/ml) – Fazer 2ml + 8ml AD – EV - 8/8h.


Ex2: Diclofenaco 50mg – Tomar 1 cp VO 8/8H.
Se existir dor forte, pode-se fazer um opióide fraco (tramadol, codeína,
metadona), e, se a dor for muito forte, pode-se fazer opióides fortes (morfina, fentanil).
Ex: Tramal (100mg/2ml) – Fazer 100mg + 100ml SF 0,9% EV – 6/6H
Em seguida segue-se à terapêutica básica do paciente (se está fazendo uso de
anti-hipertensivos, diuréticos, fibratos, estatinas, etc, assim como o tratamento da
doença de base que o levou à internação, como antibióticos, corticosteroides, etc).
Ex: Teicoplanina 400mg + 100ml SF 0,9% - EV – 1x/dia (D1 – D10).
Deve-se especificar o dia em que o paciente iniciou a antibioticoterapia, para
que se tenha o controle do início e final da terapêutica. Aqui está um macete que irá
lhe ajudar no dia a dia. Lembrando que na falta de algum dos antibióticos listados para
partes moles , de TGI e TGU são os de primeira escolha e vice versa.

• Partes Moles • Tratos GI e GU

Ceftriaxona 1g – IV – 12/12h Ciprofloxacino 400mg – IV – 12/12h

Meropenem - 500mg\10ml – 10ml + Metronidazol 500mg – IV – 8/8h


100ml sf0,9% -- ev – correr em 3h – 8\8h
Clindamicina 600mg – IV – 6/6h TGU: Ertapenem - 1g\10ml – 10ml +

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100ml sf0,9% -- ev – correr em 3h – 1 x


dia
TGI: Imipenem - 1g\10ml – 10ml + 100ml
sf0,9% -- ev – correr em 3h – 6\6h

Em seguida, segue-se com as profilaxias (gástrica e para TVP). Os protetores


gástricos são indicados para profilaxia de úlceras pelo uso de AINES, estresse em
pacientes com sepse ou em ventilação mecânica.
Ex: Omeprazol 40 mg – 1 amp – EV + diluente – 1x/dia em jejum.
Ex2: Ranitidina 50 mg – 1 cp – VO – 12/12H.
A tromboprofilaxia também é importante, já que os pacientes acamados
apresentam pelo menos um dos três componentes da tríade de Virchow: estase
sanguínea, lesão endotelial e estado de hipercoagulabilidade, que favorecem a
formação de trombos e leva à trombose venosa profunda, condição em que suas
consequências podem ser fatais.
Existe uma estratificação de risco para os pacientes em relação à TVP, que
consiste em: - Baixo risco (menor que 40 anos, ausência de fatores de risco genéticos
e adquiridos, que foram submetidos à cirurgia eletiva menor ou anestesia geral <30
minutos): faz-se a profilaxia apenas com medidas não-farmacológicas, tais como:
estimular deambulação no mínimo 5x/dia, uso de meias compressivas elásticas em
membros inferiores e compressão pneumática intermitente – tem sido questionada sua
eficácia.
- Médio risco (idade entre 40-60 anos, ausência de fatores de risco
genéticos e adquiridos ou presença de algum fator de risco e feito uma cirurgia de
pequeno porte ou que se submeteu à anestesia > 30 minutos): faz-se medidas
farmacológicas e não-farmacológicas. Ex: HNF – 5000UI – SC – 12/12H; Enoxaparina
0,2ml – SC – 1x/dia; Fondaparinux 0,5ml – SC – 1x/dia.
- Alto risco (idade > 60 anos, ou entre 40-60 anos com fatores de risco,
pacientes submetidos à grandes cirurgias, como artroplastias de joelho ou quadril,
cirurgias pélvicas, cirurgias de neoplasias em geral): medidas farmacológicas + não-
farmacológicas. Ex: HNF – 5000UI – SC – 8/8H; Enoxaparina 0,4ml – SC – 1x/dia.
Os principais fatores de risco para TVP são: genéticos (Trombofilias – fator V
de Leiden, mutação do gene da protrombina, deficiência de proteína C e proteína S,
deficiência de anti-trombina III) e adquiridos (uso de ACO; pós-operatório de cirurgias
de grande porte, como artroplastia de quadril ou de joelho, cirurgias de câncer; trauma;
câncer; obesidade; viagens de longa distância, síndrome nefrótica, doença intestinal
inflamatória).
Em seguida segue-se a prescrição com insulinoterapia e reposição glicêmica
do paciente (deve-se suspender os hipoglicemiantes orais de que o paciente faça
uso).
Ex: Insulina regular ; 1000 UI/ml FRASCO-AMP 10ml – SC - conforme
esquema:
I. < 180 = 0

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II. 181 – 200 = 2UI


III. 200-250 = 4UI
IV. 251-300 = 6UI
V. > 300 = avisar plantonista
- Glicose 50% - ampola 10ml – EV - 3 amp – EV – se glicemia < 70mg/dl;
O final da prescrição deve estar composto dos cuidados gerais, que consistem
em:
- Elevar a cabeceira 30° ou 45° - Curativo nas UPP 1x/dia
- Glicemia capilar 6/6h - Fisioterapia motora 3x/dia
- SSVV + CCGG 6/6H (sinais - Fisioterapia respiratória 3x/dia
vitais e cuidados gerais checados 6/6H)
- Aspiração Orotraqueal,
- Pesagem diária em jejum conforme necessidade.
- Alternar decúbito 2/2H
Existe um outro mnemônico bastante difundido que auxilia a
memorizar as etapas da prescrição: FAST HUG EPM (F-feeding/ A-
analgesy / S-sedation / T-thromboembolic prevention / H-head of bed
elevated / U-ulcer profilaxis / G-glucose control / E-evitar uso
desnecessário de cateteres e sondas / P-programar desmame da VM / M-
manter drogas ajustadas para função hepática).
Essas anotações, bem como a anotação de enfermagem no prontuário, podem
auxiliar a modificação da estratégia terapêutica na evolução diária do paciente.
Finalmente, o Componente C da Prescrição é denominado SEGURANÇA DO
PROFISSIONAL, sendo constituído pela assinatura e identificação clara de quem foi o
profissional responsável pela Prescrição. Não há recomendação formal para o uso de
carimbo, mas ele é uma das melhores formas de reproduzir todas as informações
necessárias de modo consistente. Como a Prescrição é um ato médico, cabe lembrar
que apenas profissionais registrados no Conselho Regional de Medicina estão
autorizados a executá-la.

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Vale lembrar que estamos vivendo uma revolução em termos de informação


digital e que, num período muito curto, a certificação digital de documentos eletrônicos
como a Prescrição médica estará em uso. Já há recursos disponíveis para que o
médico se familiarize com essa nova situação. Independentemente de ser o
documento escrito ou digital, ele deve ser devidamente certificado pelo profissional.

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