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SCIELO - Processos Cognitivos e Plasticidade Cerebral Na Síndrome de Down
SCIELO - Processos Cognitivos e Plasticidade Cerebral Na Síndrome de Down
RESUMO: muito tem se falado sobre a Síndrome de Down. Mas um ponto se destaca: suas dificuldades
cognitivas. Quais as áreas mais afetadas? Como potencializá-las? Essas são perguntas que instigam muitos
pesquisadores. Com a efetivação da inclusão escolar, ampliaram-se as buscas por respostas, uma vez que, nas
últimas décadas, ficou evidente que pessoas com Síndrome de Down têm potencial cognitivo a desenvolver.
Deixamos claro aqui que não estamos negando a constatação de lesões em função de alterações genéticas, mas
a possibilidade de minimizá-las. Esse artigo tem o intuito de abordar e discutir algumas das descobertas
relacionadas aos processos cognitivos na Síndrome de Down, procurando evidenciar a importância da
plasticidade cerebral no desenvolvimento e na aquisição da aprendizagem. Assim, procuraremos fazer um
apanhado dos processos cognitivos na Síndrome de Down, correlacionando-os com os conceitos gerais de
plasticidade cerebral e verificar como esses conhecimentos podem favorecer a aprendizagem. Temos plena
consciência de que não esgotaremos o tema, mas pretendemos iniciar uma reflexão. Para isso, faremos uma
revisão de literatura, contemplando as pesquisas, desde as mais antigas até as mais recentes, numa tentativa
de entender melhor como fazer uso dessas descobertas.
PALAVRAS-CHAVE: Síndrome de Down; plasticidade cerebral; processos cognitivos.
ABSTRACT: much has been said about Down Syndrome. But one aspect stands out: their cognitive difficulties.
Which areas are most affected? How can they be enhanced? Such questions have instigated many researchers.
As inclusion in the schools is being achieved, such issues have augmented the search for answers, since, during
the last decades have shown that people with Down Syndrome do have cognitive potential to develop. We
would like to point out at this time that we don’t intend to deny the evidence of real lesions due to genetic
alterations, but rather to highlight the possibility of minimizing their negative effect. The aim of this article is
to address and discuss some of the recent discoveries related to cognitive processes in Down Syndrome, so as
to show how important brain plasticity can be in development and acquisition of knowledge. To this end, we
aim to discuss cognitive processes present in Down Syndrome, relating them to general concepts of brain
plasticity and look at ways such knowledge can favor learning. We acknowledge that it isn’t possible to
exhaust the subject, but we do intend to start thinking about this issue. To do so, we begin with a review of the
literature, looking at research, from the oldest to the most recent publications, in an attempt to better understand
how to make use of these findings.
1
Mestre em Educação/Cognição e Aprendizagem pela UFPR; Docente em Psicologia do Desenvolvimento,
Escolar e Necessidades Especiais na Faculdade Evangélica do Paraná; Psicóloga do Ambulatório da Síndrome
de Down do Hospital de Clínicas da UFPR. E-mail: afcaldeira@brturbo.com.br
2
Graduanda do 4º ano do Curso de Psicologia da Faculdade Evangélica do Paraná. E- mail:
andreiakleinhans@brturbo.com.br
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INTRODUÇÃO
A Síndrome de Down (SD) é a síndrome genética de maior incidência
e tem como principal conseqüência a deficiência mental. Compreende
aproximadamente 18% do total de deficientes mentais em instituições
especializadas (MOREIRA; EL-HANI, GUSMÃO, 2000). A incidência da SD em
nascidos vivos é de 1 para cada 600/800 nascimentos, tendo uma média de 8.000
novos casos por ano no Brasil. De acordo com os dados levantados pelo IBGE, com
base no Censo de 2000, existem 300 mil pessoas com SD no país, com expectativa
de vida de 50 anos, sendo esses dados bastante semelhantes às estatísticas mundiais
(SCHWARTZMAN, 1999; MOELLER, 2006).
Os dados descritos acima apontam para a crescente necessidade de se
buscar conhecimentos sobre a SD, em todos os seus aspectos, biológicos, sociais e
culturais, visto que, apesar de ser um assunto que recebe vasta atenção da
comunidade científica, muitas vezes, as descobertas não chegam de forma
apropriada àqueles profissionais que trabalham nas escolas e/ou instituições de
ensino e saúde. Em um estudo sobre os conceitos saúde-doença, inclusão-exclusão
e representações sociais relacionadas à SD, verificou-se a presença de idéias
estigmatizadas e rotulação em relação à pessoa com SD (LIMA; FERRAZ, 2000).
Por isso, salienta-se a necessidade de melhor formação dos profissionais dedicados
ao trabalho com os portadores de SD, no sentido de melhor preparo para se lidar
com as diferenças relativas às capacidades cognitivas de cada indivíduo.
Dessa forma, evidencia-se a necessidade de oferecer acesso a
informações atualizadas, que possam esclarecer pais e profissionais de diferentes
áreas. Apesar de a SD ser classificada como deficiência mental, não se pode nunca
predeterminar qual será o limite de desenvolvimento do indivíduo. Por isso,
perguntamos: O que podemos fazer pelo seu desenvolvimento cognitivo?
Esse artigo tem o intuito de abordar e discutir algumas das descobertas
relacionadas à SD, procurando evidenciar a importância de um trabalho efetivo.
Assim, faremos um apanhado dos processos cognitivos na Síndrome de Down,
correlacionando-os com os conceitos gerais de plasticidade cerebral, a fim de
verificar como esses conhecimentos podem favorecer a aprendizagem. Temos plena
consciência de que não esgotaremos o tema, mas pretendemos iniciar uma reflexão.
Para isso, faremos uma revisão de literatura contemplando as pesquisas, numa
tentativa de entender melhor como fazer uso dessas descobertas.
DESENVOLVIMENTO
A SÍNDROME DE DOWN
Caracterizada por um erro na distribuição dos cromossomos das células,
a SD apresenta um cromossomo extra no par 21 (na grande maioria dos casos), que
provoca um desequilíbrio da função reguladora que os genes exercem sobre a
síntese de proteína, perda de harmonia no desenvolvimento e nas funções das
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A PLASTICIDADE CEREBRAL
Até meados do século passado, supunha-se que os neurônios não
possuíam capacidade de se dividirem, sendo impossível de se fazer algo quando
as conexões e neurônios eram perdidos em conseqüência de lesões. A falta de
conhecimentos específicos sobre a maleabilidade cerebral acabava favorecendo
uma inércia terapêutica, em que se esperava apenas por uma recuperação
espontânea das funções danificadas. Hoje, sabe-se, porém, que ao ocorrer uma
lesão cerebral, as áreas relacionadas podem assumir em parte ou totalmente as
funções daquela área lesada. “Essa plasticidade envolve todos os níveis do sistema
nervoso, do córtex e até da medula espinal” (GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005,
p.142).
A plasticidade cerebral é a denominação usada para referenciar a
capacidade adaptativa do sistema nervoso central; habilidade para modificar sua
organização estrutural e funcional. Propriedade do sistema nervoso que permite o
desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência e como
adaptação a condições mutantes e a estímulos repetidos (KANDEL; SCHAWARTZ,
2003; KOLB; WHISHAW, 2002).
Existem várias teorias que tentam explicar as diferentes formas como
pode acontecer a recuperação das funções perdidas em uma lesão cerebral:
♦ poderia ser mediada por partes adjacentes de tecido nervoso que não foram
lesadas e a conseqüência da lesão dependeria mais da quantidade de tecido
poupado do que da localização da lesão;
♦ pela alteração qualitativa da função de uma via nervosa íntegra controlando
uma função que antes não era sua;
♦ por meio de estratégias motoras diferentes para realizar uma atividade que
esteja perdida, sendo o movimento recuperado diferente do original, embora
o resultado final seja semelhante (KANDEL; SCHAWARTZ, 2003; KOLB;
WHISHAW, 2002).
Para entendermos melhor esse processo, é preciso conhecer melhor o
neurônio, a natureza das suas conexões sinápticas e da organização das áreas
cerebrais. Estamos longe de simplicidade quando falamos na organização cerebral,
visto que o mecanismo de plasticidade envolve a estimulação de receptores na
superfície celular por neurotransmissores, promovendo a ativação de cascatas
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CONCLUSÕES
A exemplo do que foi abordado neste artigo, pode-se concluir que existe
uma área bastante rica de pesquisa no que diz respeito à SD e suas especificidades.
Não se buscou, como já dito anteriormente, uma sublimação das dificuldades que
acompanham a pessoa com SD, uma vez que elas estarão presentes, já que tratamos
de uma anomalia genética. Mas ao se estudar e conhecer as alterações inerentes à
SD, pode-se compreender que a capacidade espetacular do organismo humano
em se adaptar ao meio e a plasticidade cerebral estão relacionadas à qualidade,
duração e forma de estimulação que recebe o indivíduo com a síndrome. Ou seja,
falar em plasticidade na SD implica diretamente em considerar o ecossistema em
que a pessoa está inserida.
A inserção da família como parte ativa no tratamento ficou evidente.
Hoje, não se concebe um atendimento fragmentado. Para que se possam minimizar
os fatores de risco, a família, a escola e os profissionais (médicos, psicólogos,
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SILVA, M. F. M. C.; KLEINHANS, A. C. S
Recebido em 20/01/2006
Reformulado em 24/04/2006
Aceito em 30/04/2006
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