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Revision Article

C Damas1 Fibrose quística: Revisão


A Amorim2
I Gomes3
Cystic fibrosis: Review

Recebido para publicação/received for publication: 07.01.15


Aceite para publicação/accepted for publication: 07.09.19

Resumo Abstract
A fibrose quística (FQ) é a doença autossómica recessiva Cystic Fibrosis (CF) is the recessive autossomic di-
mais frequente na raça caucasiana. Caracteriza-se por sease more frequent in the caucasian race. The main
mutações na CFTR, uma proteína transmembranar res- characteristic is a mutation in CFTR, a trans-mem-
ponsável pelo transporte de cloretos. Esta proteína tem branar protein, responsible for chlorates transporta-
uma ampla distribuição epitelial, o que dá um carácter tion. This protein has a diffuse epithelial distribu-
sistémico a esta doença e consequentemente múltiplas tion, which gives a multissistemic involvement to
manifestações clínicas de gravidade variável. A melhoria this disease, with clinical manifestations with varia-
dos cuidados de saúde, associada ao desenvolvimento do ble degrees of severity. The development of better
arsenal terapêutico, permitiu um aumento da sobrevida health care associated with new therapeutic options
destes doentes, de tal forma que a FQ já não pode ser became responsible for an increase of survival, so
abordada como doença da idade pediátrica. Também a CF is no longer a paediatric disease. Lung transplan-
evolução técnica na transplantação abriu novas perspec- tation also has an important role, bringing new tre-
tivas quanto ao tratamento desta afecção. atment perspectives.
Assim, cada vez mais esta patologia implica um en- So, this pathology has an increased multi-disciplinary
volvimento multidisciplinar no qual a pneumologia involvement in which the pulmonologist have a pre-
tem uma parte preponderante. ponderant role.
Rev Port Pneumol 2008; XIV (1): 89-112 Rev Port Pneumol 2008; XIV (1): 89-112
Palavras-chave: Fibrose quística, revisão. Key-words: Cystic fibrosis, review.

1
Interna complementar de pneumologia
2
Assistente hospitalar de pneumologia
3
Assistente hospitalar graduada de pneumologia
Serviço de Pneumologia do Hospital de São João, Porto
Director: Prof. Doutor V P Hespanhol
Alameda Hernâni Monteiro
4200 Porto
Contacto: Carla Damas
Travessa Fernando Namora 48 5.º esq
4425 Pedrouços – Maia

R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a 89
Vol XIV N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2008
Fibrose quística: Revisão
C Damas, A Amorim, I Gomes

Introdução Epidemiologia
A fibrose quística (FQ) é a doença hereditá- A maioria dos autores refere uma incidência
ria, com carácter autossómico recessivo, de 2500 a 3000 nados-vivos na raça branca,
mais frequente na raça caucasiana, que se mas existe uma grande variabilidade nos dife-
caracteriza pela existência de uma mutação rentes países. Assim, como exemplo dos países
no braço longo do cromossoma sete. europeus com maior e menor incidência, des-
Já na Idade Média são feitas referências, no fol- taca-se a Irlanda com o valor de 1/1461 e a
clore popular do Norte da Europa, ao facto de Finlândia com o valor de 1/25 0005. Cerca de
que crianças cuja pele tinha um gosto salgado 93,7% dos doentes são de raça caucasiana6.
morriam cedo1. No entanto, apenas na terceira Nas últimas três décadas tem-se verificado
década do século XX Anderson2 utiliza a desig- um aumento do número de doentes com o
nação de fibrose quística do pâncreas para desig- diagnóstico de FQ, sendo que, segundo a Cys-
nar uma doença em que se descreviam áreas de tic Fibrosis Foundation, cerca de 41,8% dos
fibrose neste órgão, associadas a dilatação quís- doentes têm mais de 18 anos7. Um factor fun-
tica dos ductos pancreáticos. Farber3, em 1944, damental para que esta situação se verifique é
utilizou o termo mucoviscidose como sinónimo o aumento da sobrevida dos doentes, sendo a
da FQ, tendo em conta as características das se- média de idade de diagnóstico de seis meses
creções, que se apresentavam espessas e viscosas, (0-74 anos)7. Em 1938, menos de 50% dos
A FQ é uma doença afirmando tratar-se de uma doença generalizada doentes sobrevivia para além do ano de vida;
hereditária, que afectava as glândulas secretoras. Apenas nos em 1970 a esperança média de vida era de 16
autossómica anos 80 se fizeram avanços no conhecimento da anos e, actualmente, ronda os 36,8 anos8. De
recessiva etiopatogenia da FQ. Quinton, Knowles e Bou- entre os doentes com FQ, 64% têm idades
chin descreveram, em 1983, a existência de um compreendidas entre os 18-29 anos, 25% en-
canal iónico no epitélio dos canais sudoríparos tre 30-39 anos, 10% entre 40-49 anos e 2%
que condicionava uma alteração na reabsorção têm mais de 50 anos9. Apesar de não se consi-
do cloro1. Em 1989, o gene cuja mutação é res- derar a existência de diferenças a nível do
ponsável pela doença foi clonado pela primeira sexo, cerca de 52,1% dos doentes pertencem
vez. Este gene codifica uma proteína com 1480 ao sexo masculino, o que parece ser justifica-
aminoácidos, que funciona como reguladora de do por uma discreta vantagem em termos de
condutância transmembranar (cystic fibrosis sobrevida nos doentes do sexo masculino9.
transmembrane condutance regulator – CFTR).
Esta proteína controla um canal iónico de clore-
tos e sódio localizado a nível da membrana api- Genética
cal das células dos epitélios de alguns órgãos,
nomeadamente criptas intestinais, pâncreas, vias Padrão de transmissão
biliares, aparelho respiratório, aparelho reprodu- A FQ é uma doença hereditária, autossómi-
tor, glândulas sudoríparas e túbulos renais. A ca recessiva. O portador da doença apresen-
distribuição do canal iónico, bem como a altera- ta uma só mutação e é assintomático. Num
ção da viscosidade das secreções, condicionada casal de portadores o risco de FQ na descen-
pela sua disfunção, justifica o envolvimento sis- dência é de 25%; 50% serão portadores; e
témico que caracteriza a doença4. 25% não terá nenhuma mutação.

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Gene CFTR res (TM1 e TM2) com seis segmentos cada,


O gene CFTR localiza-se no braço longo do dois domínios de ligação a nucleótidos (NB1
cromossoma 7, contém 180 000 pares de ba- e NB2) e um domínio R com múltiplos locais
ses e codifica uma proteína com 1480 ami- de fosforilação. Estas últimas três estruturas Estão actualmente
noácidos, reguladora da condutância trans- encontram-se no citoplasma. A activação do descritas 1521
membranar6,10. Estão actualmente descritas canal de cloretos requer a fosforilação do do- mutações ao longo
1521 mutações ao longo de todo o gene mínio R mediado pela fosfoquinase A14, 15. de todo o gene CFTR
CFTR11. A denominação das mutações des- Enquanto o domínio R se mantém fosforila-
creve a alteração na sequência a nível do do, os ciclos de união e hidrólise de ATP a
ADN. As mutações do tipo missense, em nível de NB1 e NB2 sucedem-se e o canal
que a alteração de um nucleótido determina abre e fecha regularmente13. Têm sido descri-
a alteração do aminoácido, correspondem tas outras funções celulares da CFTR, como a
aproximadamente a 50%12,13. regulação de outros canais iónicos (o canal de
A mutação ΔF508 é a mais prevalente, ten- sódio epitelial, os canais de cloro activados
do sido a primeira identificada. O seu apa- pelo cálcio e os canais de potássio), funções de
recimento é condicionado pela deleção da exocitose e de formação de complexos mole-
sequência CTT, causando perda da fenilala- culares na membrana plasmática. Assim, o
nina na posição 508. Na população mun- papel da CFTR nas células epiteliais ultrapas-
dial, cerca de 70% dos casos de FQ corres- sa a função de permeabilidade ao cloro14.
pondem a esta mutação, apesar de a sua As diversas mutações têm efeitos sobre a sín-
frequência ser muito variável. Na Europa, tese e/ou estrutura da proteína. Com base
esta oscila entre os 87% na Dinamarca e os em estudos funcionais, classificamos as mu-
21% na Turquia, observando-se um gra- tações em seis grupos10,16:
diente norte-sul, o que é indicativo de uma
maior heterogeneidade molecular na região • Classe I: existe uma ausência total da
mediterrânica. Todas as outras mutações são CFTR, devido a uma terminação precoce
na maioria raras e apenas 11 se encontram do RNA.
em mais de 100 doentes12,13. • Classe II: a CFTR é sintetizada mas não
sofre o processo de maturação e migração
Proteína CFTR adequadas até à membrana, sofrendo de-
Esta protéina pertence a uma família de pro- gradação prematura. A mutação ΔF508 é
teínas designada por ABC (ATP-Binding a mais relevante.
Cassette). Nesta família incluem-se proteí- • Classe III: ocorre uma redução da resposta
nas que participam na regulação do trans- ao ATP, com diminuição da sua ligação à
porte transmembranar de iões, de aminoáci- CFTR e hidrólise. Nesta classe, as molécu-
dos, de bactérias e da proteína de resistência las de CFTR incluem alterações em NB1
a fármacos (mammalian multidrug resistan- e NB2 e do domínio R. A consequência é
ce- MDR), nomeadamente à clorocina10. a alteração da regulação do canal iónico e
A CFTR é responsável pela regulação de um diminuição da sua actividade.
canal de cloretos, regulado pelo AMPc. Esta • Classe IV: identificam-se moléculas de
proteína tem dois domínios transmembrana- CFTR na superfície celular, mas o fluxo

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dos electrólitos através dos canais iónicos gãos considerados, estando menos estabeleci-
é menor (diminuição da condutância) por da a nível pulmonar, existindo em todos os
alteração dos domínios TM 1 e TM2. fenótipos uma grande variação individual18.
• Classe V: existe uma menor síntese de Têm sido feitos vários estudos no sentido de en-
CFTR, mas a sua é função normal. contrar outros factores contributivos para a
• Classe VI: produção de CFTR normal, grande variabilidade fenotípica da FQ, para
mas com remoção rápida da superfície ce- além da grande heterogeneidade do gene
lular. Ocorre por perda da extremidade CFTR. Apesar das influências ambientais e te-
COOH da proteína, o que diminui a esta- rapêuticas poderem modificar a evolução clíni-
bilidade da molécula. ca, existem provavelmente factores genéticos
adicionais a contribuírem para a expressão fe-
Cerca de 85% dos doentes apresentam mu- notípica final. Um desses factores são os poli-
tações pertencentes à classe II e 7% têm mu- morfismos do gene CFTR, ou seja, variações na
A correlação entre tações da classe I. As mutações das classes I sequência do gene, que por si só não têm ex-
o genótipo e a e II caracterizam-se pela inexistência de mo- pressão clínica, mas que na presença de uma
doença pulmonar léculas de CFTR na superfície celular, en- mutação poderão modular a sua expressão. Ou-
tem sido difícil quanto nas restantes classes está presente tros factores que têm sido objecto de vários es-
de estabelecer alguma actividade residual da molécula. tudos são os polimorfismos genéticos não
CFTR, ou os designados genes modificadores.
Correlação genótipo-fenótipo Vários candidatos têm sido apontados, mas os
O fenótipo da FQ é bastante complexo e resultados não são consensuais. São genes res-
variável. Vários estudos mostraram uma re- ponsáveis pela produção de substâncias/estru-
lação clara entre o genótipo e a ausência bi- turas envolvidas na defesa do hospedeiro, na
lateral congénita de vas deferens, a insufi- inflamação, na reparação epitelial, na produção
ciência pancreática e os níveis de cloreto no de mucinas e na hiperreactividade brônquica18.
suor17,18.
A correlação entre o genótipo e a doença
pulmonar tem sido mais difícil de estabele- Patogenia
cer. Um estudo publicado em 2005, que in- A glândula sudorípara normal produz um
cluiu apenas adultos seguidos no mesmo líquido isotónico graças ao conteúdo em
centro, concluiu que os doentes com muta- cloro e sódio. Quando ocorre perda da fun-
ções das classes I e II em ambos os cromos- ção da CFTR, o cloro não pode entrar na
somas tinham valores de função pulmonar célula, nem o sódio que está na sua depen-
mais baixos, maior declínio da função pul- dência, originando um suor “salgado”. No
monar, maior risco de desenvolvimento de entanto, não ocorre obstrução nem altera-
doença pulmonar moderada a grave e me- ções patológicas major das glândulas14.
nor sobrevida pela doença pulmonar com- Existem duas teorias sobre as alterações ió-
parativamente aos doentes com pelo menos nicas para explicar o aumento da viscosida-
uma mutação da classe III, IV ou V17. de das secreções respiratórias. A teoria isotó-
Em conclusão, pode-se dizer que a correlação nica afirma que, na FQ, o epitélio pulmonar
genótipo-fenótipo varia com os sistemas/ór- se comporta de forma essencialmente opos-

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ta ao das glândulas sudoríparas. Neste mo- Outros factores possíveis que contribuirão
delo, a ausência da CFTR leva a uma sobre- para o aumento da viscosidade do muco são
actividade da absorção do sódio pelo canal o aumento da sulfatação das mucinas e os
de sódio epitelial. Como no pulmão existem produtos de degradação dos neutrófilos
outros canais para o cloro não CFTR, o re- (moléculas de ADN e filamentos de actina),
sultado é um aumento relativo da absorção bem como a perda de células ciliadas secun-
do sódio, cloro e água. Estas alterações cau- dária à inflamação crónica e infecção20.
sarão desidratação das secreções e um defei- A composição e as propriedades mecânicas
to no transporte mucociliar. anormais das secreções não explicam a propen-
A hipótese alternativa é a teoria hipotónica são para a colonização com um número limita-
na qual a superfície epitelial da vias aéreas se do de bactérias, em particular a Pseudomonas
comporta de forma semelhante à das glân- aeruginosa. Uma das hipóteses será o aumento
dulas sudoríparas, onde a CFTR é a princi- da aderência desta bactéria às células epiteliais,
pal via de absorção do cloro. Como conse- secundária ao aumento dos receptores asialo- É pouco provável
quência ocorrerão altas concentrações de gangliósido-1 expressos pelas células com CFTR que as alterações
cloreto de sódio, de que resultará a inactiva- mutante e nas áreas de epitélio regenerativo19. da absorção do
ção dos péptidos anti-microbianos com au- Outra explicação é de que a CFTR mutante cloreto de sódio
mento da predisposição para as infecções servirá como receptor para a internalização da ou da função dos
bacterianas14,19. Pseudomonas aeruginosa e subsequente fagoci- péptidos contribuam
Alguns trabalhos recentes analisaram o lí- tose e clearence por descamação. Assim, a maior para as lesões
quido da superfície das vias aéreas de indiví- ligação da bactéria à CFTR mutante levará a encontradas nos
duos saudáveis e de doentes com FQ, e de- menor eliminação da mesma19. outros órgãos
monstraram que em ambos os casos são
isotónicos, o que aponta para o facto de a
primeira teoria referida estar mais próxima Manifestações clínicas
da realidade20.
É pouco provável que as alterações da absor- Aparelho respiratório
ção do cloreto de sódio ou da função dos A idade de início dos sintomas respiratórios
péptidos contribuam para as lesões encon- é muito variável. As principais manifesta-
tradas nos outros órgãos. Nos canais pancre- ções do foro respiratório incluem tosse per-
áticos ocorre uma insuficiência na libertação sistente, seca de início e posteriormente com
de aniões (incluindo cloro e bicarbonato) e broncorreia abundante, sendo as secreções
fluidos, verificando-se a acumulação de brônquicas espessas e viscosas. À medida
muco, obstrução das glândulas exócrinas e, que ocorre a progressão da doença dimuniu
por fim, a lesão do órgão. Um mecanismo a capacidade de esforço e surge a dispneia.
semelhante justifica as alterações a nível in- As exacerbações são caracterizadas por um
testinal, hepático e dos ductos deferentes14. aumento da produção de secreções, da sua
No pulmão estas alterações são corroboradas viscosidade e purulência, da tosse, redução
pelo achado muito precoce de glândulas sub- da tolerância ao esforço e aumento da disp-
mucosas dilatadas, as quais constituem o local neia, astenia e perda de peso. Pode ocorrer
de maior expressão da CFTR no organismo14. febre, leucocitose, taquicardia, taquipneia,

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redução do FEV1, FVC e da Sat O2. São descritas, sendo mais sensível do que a fun-
À medida que ocorre consideradas moderadas a discretas se há ção pulmonar na detecção precoce da doen-
agravamento clínico um declínio modesto na função pulmonar ça e da progressão da mesma24.
surge hipocratismo (<10% FEV1), sem novas alterações no Rx Estes doentes desenvolvem um quadro obs-
digital do tórax. Se existem modificações radiológi- trutivo, com aumento do volume residual e
cas, declínio de mais de 10% no FEV1, au- redução do fluxo expiratório (nomeada-
mento da tosse ou das secreções brônquicas, mente do FEF25-75, numa fase inicial, e
a exacerbação é considerada como severa21. posteriormente do FEV1). Uma particulari-
As alterações no exame físico vão depender dade é a variabilidade dos resultados obtidos
do grau de gravidade da doença. À ausculta- no estudo funcional destes doentes, com re-
ção, o mais frequente são as crepitações bifá- duções dos parâmetros durante as exacerba-
sicas e, por vezes, sibilos, sobretudo quando ções e posterior recuperação total ou parcial
existe hiperreactividade brônquica (25 a para os valores basais. No entanto, apesar do
50% dos casos)22. À medida que ocorre tratamento agressivo, ocorre um decréscimo
agravamento clínico surge hipocratismo di- progressivo da função pulmonar, que pode
gital. O seu aparecimento na infância exige variar de doente para doente. Assim, pode
a exclusão de FQ, dado ser um sinal fre- ocorrer um decréscimo progressivo do FEV1,
quente desta patologia nesta faixa etária. A uma estabilidade dos valores seguida de um
obstrução das vias aéreas conduz a uma hi- declínio súbito, ou uma redução progressiva
perinsuflação pulmonar que pode acarretar dos valores funcionais durante anos de esta-
a deformidade da caixa torácica, com cifose bilidade clínica2.
e aumento do diâmetro ântero-posterior. A função respiratória deve ser avaliada de for-
Existem diferentes sistemas de avaliação clí- ma seriada e o FEV1 reflecte claramente a pro-
nica que valorizam a gravidade geral da gressão da doença, tendo uma boa correlação
doença e predizem um prognóstico. Um dos com a mortalidade (quando inferior a 30% a
mais frequentemente usados é o sistema de mortalidade aos 2 anos atinge os 50%)22.
Scwachman-Kulczyky23. Do ponto de vista gasométrico, pode ocorrer
A alteração radiológica mais precoce é a hi- hipoxemia. Numa fase tardia, ocorre hiper-
perinsuflação pulmonar. Com a idade e com capnia, que conjuntamente com a hipoxia
as exacerbações aumenta o grau de hiperin- crónica levam ao desenvolvimento de hiper-
suflação, surge engrossamento peribrônqui- tensão pulmonar ou mesmo cor pulmonale.
co e impactações mucóides. A partir dos Apesar da insuficiência respiratória crónica,
5-10 anos podem tornar-se evidentes bron- a policetemia raras vezes se identifica nestes
quiectasias quísticas e cilíndricas, principal- doentes, devido à anemia crónica associada
mente nos lobos superiores. Nos doentes à carência de ferro25.
com doença grave, as artérias pulmonares A via aérea superior também apresenta fre-
tornam-se mais proeminentes pela hiperten- quentemente alterações. A grande maioria
são pulmonar secundária à hipoxemia. A to- dos doentes com FQ desenvolve sinusite cró-
mografia axial computarizada (TAC), prin- nica, identificando-se em 90-100% dos doen-
cipalmente a de alta resolução, permite tes uma pan-opacificação dos seios perinasais.
observar com maior detalhe as alterações Em 10-32% dos doentes ocorre polipose na-

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sal1 mais ou menos exuberante. Como conse- infecção por este agente ronda os 6%26. A
quência da obstrução do sistema de drenagem sua aquisição associa-se habitualmente a de-
dos seios perinasais, podem surgir quistos de- terioração clínica e funcional24.
signados por mucocelos22. Alguns doentes não têm nenhum agrava-
Existe um conjunto de bactérias característi- mento, outro grupo sofre um agravamento Existe um conjunto
cas da doença e que são adquiridas segundo progressivo com múltiplas agudizações e de bactérias
uma sequência temporal mais ou menos co- outros doentes apresentam uma deteriora- características da
nhecida, dependente da idade. Nas crianças, ção rapidamente progressiva, com evolução doença e que são
as colonizações bacterianas mais frequentes fulminante para pneumonia necrozante que adquiridas segundo
são pelo Staphylococcus aureus, Haemophilus leva à morte (síndroma cepacia). Estudos re- uma sequência
influenza e Streptococcus pneumoniae. Mais centes mostraram que a B. cepacia corres- temporal mais ou
tarde surge a Pseudomonas aeruginosa, que ponde a um grupo de espécies semelhantes, menos conhecida,
muitas vezes coexiste com o Staphylococcus denominadas genomovars, pelo que actual- dependente da idade
aureus. Mais de 80% dos adultos estão in- mente é denominada por Burkolderia cepa-
fectados por P. aeruginosa e, uma vez coloni- cia complex. Já foram descritos pelo menos
zados cronicamente, a sua erradicação é qua- nove genomovars. A maioria das infecções na
se impossível24. FQ são causadas pelo tipo II (B. multivo-
A medida que as estirpes de P. aeruginosa são rans), III (B. cenocepacia) e V (B. vietna-
isoladas nos doentes com FQ com doença miensis). A maior parte das infecções mais
mais avançada, adquirem características feno- graves e dos casos epidémicos são causadas
típicas distintas. Um dos aspectos mais típicos pela B. cenocepacia 19.
é a produção de uma cápsula de polissacárido, A S. maltophila é outro agente cuja impor-
denominada alginato (estirpes mucóides), ca- tância e influência na evolução da doença
paz de englobar as bactérias, formando uma ainda não está esclarecida. A sua incidência
muralha de protecção contra a acção dos cí- ronda os 5 a 10% e frequentemente está as-
lios, células fagocíticas, anticorpos, factores de sociada a co-infecção por P. aeruginosa.
complemento e antibióticos19,20. As micobactérias (M. tuberculosis e atípicas)
A aquisição deste agente associa-se habitual- também foram descritas como agentes pato-
mente a deterioração clínica e funcional24, mais génios na FQ, com uma incidência que os-
intensa quando se trata de estirpes mucóides. cila entre 4 a 20%.
Dada a maior sobrevida dos doentes, o uso de
ciclos repetidos de antibióticos e o de meios Complicações respiratórias não infecciosas
de cultura mais selectivos têm sido descritos
outros microrganismos multirresistentes, como • Pneumotórax
a Burkolderia cepacia, o Achromobacter xyloso- Por definição, pneumotórax corresponde à
xidans e a Stenotrophomonas maltophilia (os presença de ar no espaço pleural, podendo
quais se isolam em um terço dos adultos)9, ser primário (neste grupo é incluído o idio-
bem como fungos (Aspergillus fumigatus) e pático) ou secundário.
micobactérias atípicas19. Desde 1966, quando foi publicado o pri-
A colonização pela B. cepacia produz vários meiro caso associado à FQ, que o pneumo-
tipos de evolução, sendo que a incidência de tórax é considerado uma das complicações

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da mesma, sendo atribuído à ruptura de bo- Face à elevada taxa de recorrência de pneu-
lhas subpleurais, mais frequentes em doen- motórax (cerca de 50%), alguns autores de-
tes mais velhos e com doença mais grave. A fendem a realização de pleurodese após o
sua incidência neste grupo de doentes ronda primeiro episódio.
os 2,8 a 18,9%, correlacionado-se directa- Uma possibilidade a considerar é a utiliza-
mente com a idade dos mesmos. O risco é ção de cola fisiológica por minitoracotomia.
igual em ambos os sexos, não estando referi-
da na literatura uma maior associação ao • Hemoptises
consumo de tabaco. Também a extensão de As hemoptises moderadas a graves são das
tecido pulmonar lesado não determina o complicações mais sérias, com necessidade de
risco de pneumotórax. intervenção imediata, associadas a deteriora-
Se o pneumotórax é pequeno (<20% do he- ção da função pulmonar, tendo uma incidên-
mitórax afectado), assintomático e consti- cia que varia de 5 a 61%. Surgem num con-
tuir o primeiro episódio, pode tratar-se de texto de infecção respiratória, ainda que para
forma conservadora com o doente em re- o seu aparecimento possam contribuir outros
pouso, internado e sob oxigenoterapia. Se factores, como o tratamento com anti-infla-
resolver ou não sofrer alteração em 24 horas, matórios não esteróides (AINE) ou penicili-
o doente pode ter alta. Se o pneumotórax é nas semi-sintéticas, o défice de vitamina K ou
sintomático e/ou > 20%, dever-se-á colocar a administração de fármacos em aerossol28.
um dreno torácico27,28. Define-se hemoptise maciça quando o volu-
Dadas as elevadas taxas de fracasso com o me da hemorragia é superior a 240 ml/24
As hemoptises tratamento anterior e de recorrência, a horas ou quando origina episódios recorren-
moderadas a graves maioria dos doentes necessita de pleurode- tes de hemoptise moderada (3 ou mais emis-
são das complicações se. No respeitante à pleurodese cirúrgica, sões de sangue de 100 ml/dia numa semana)
mais sérias, com apesar de ser o método mais eficaz no trata- ou hemorragia recorrente que põe em peri-
necessidade de mento do pneumotórax persistente ou reci- go a vida do doente28.
intervenção imediata divante (entendendo-se por pneumotórax O tratamento inicial de uma hemoptise ma-
recidivante aquele que recorre no mesmo ciça é assegurar a permeabilidade da via aé-
lado num período inferior a sete dias), a rea e manter a estabilidade hemodinâmica.
maioria dos indivíduos não tem condições Se o local da hemorragia é suspeito, o doente
cirúrgicas, quer pela insuficiência respirató- deve permanecer em decúbito lateral sobre o
ria, quer pela insuficiência cardíaca. Nestes lado afectado. Deve-se suspender a fisiotera-
casos a pleurodese química pode ser uma pia pelo menos durante 48 horas, bem como
opção. Este procedimento foi até há algum a medicação nebulizada e os AINE. É acon-
tempo considerado contra-indicação abso- selhável o início de antibioterapia endoveno-
luta para transplante pulmonar, devido ao sa, preferencialmente com actividade anti-
risco aumentado de aderências e hemor- pseudomonas. Se as medidas anteriores não
ragia. Sob este ponto de vista, a pleurodese controlarem a hemoptise, impõe-se o recur-
cirúrgica é mais segura, sendo actualmente so à embolização arterial. Se a hemoptise
uma contra-indicação relativa e devendo não cessa, deve considerar-se a reemboliza-
cada caso ser analisado individualmente. ção, até 3 vezes no mesmo episódio. A eficá-

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cia da embolização é de 75 a 93% depois da Aparelho digestivo


primeira, segunda e terceira tentativas28.
Em casos especiais, quando as manobras an- • Doença Pancreática
teriores falharam, a origem da hemorragia é A lesão do pâncreas inicia-se na vida intra-
bem localizada e o doente tem boas condi- -uterina, de forma que em 85% dos doentes
ções cirúrgicas, pode-se considerar a ressec- a insuficiência pancreática exócrina (IPE)
ção pulmonar local29. surge no primeiro ano de vida32. Em 5-10%
Depois de superado o episódio agudo, a he- dos casos a IPE manifestar-se-á nos primei-
moptise maciça não parece agravar o prog- ros 10 anos de vida33.
nóstico a longo prazo28. As manifestações clínicas da IPE só surgem
quando a secreção pancreática é inferior a
• Aspergilose broncopulmonar alérgica 98% e consistem em esteatorreia, emagreci-
A aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) mento, distensão abdominal, malnutrição e
resulta de uma reacção de hipersensibilidade hipovitaminose (vitaminas lipossolúveis A,
ao Aspergillus fumigatus, apesar de já terem sido D, E e K). Aproximadamente 20% dos doen- O método de imagem
descritas reacções semelhantes a outras espé- tes apresentam prolapso rectal secundário à inicial para a
cies de Aspergillus e a outros fungos. esteatorreia (mais frequente nos primeiros avaliação do
A prevalência da ABPA na FQ varia entre anos de vida). A pancreatite aguda ocorre envolvimento
1-15%, embora a colonização ocorra em em 0,5% dos casos, sendo mais frequente pancreático
57% dos doentes28,29. Ocorre um pico de nos doentes com suficiência pancreática33. é a ecografia
incidência na adolescência. Outros factores Actualmente, o teste de eleição para o diag-
associados à ABPA são a atopia, a deteriora- nóstico e seguimento da IPE é o doseamen-
ção da função pulmonar e a colonização por to da elastase fecal, dada a sua elevada sensi-
P. aeruginosa, B. cepacia e S. maltophilia28. bilidade (90%) e especificidade (98%) e
O diagnóstico de ABPA é difícil, dada a também pelo facto de não ser influenciado
sobreposição dos sintomas e sinais entre a pela administração de suplementos de enzi-
ABPA e a FQ. mas pancreáticas32,33.
Os critérios de diagnóstico englobam um O método de imagem inicial para a avalia-
agravamento clínico agudo ou subagudo, não ção do envolvimento pancreático é a ecogra-
atribuível a outras causas, um valor de IgE fia. Cerca de 70-100% dos doentes apresen-
total sérica>1000 UI/ml (2400 ng/ml), um tam alterações, nomeadamente diminuição
prick test >3 mm a Aspergillus ou IgE para A. de volume, calcificações, quistos e aumento
fumigatus in vitro positivo, precipitinas ou da ecogenecidade devido à substituição da
IgG sérica específica para A. fumigatus positi- glândula por gordura33.
vo e novas alterações radiológicas que não re- A intolerância à glicose e a diabetes rela-
solveram com antibioterapia e cinesiterapia31. cionadas com a FQ (DRFQ) são complica-
O tratamento consiste em corticoterapia ções da doença dependentes do aumento da
durante 2-3 meses. Deve-se ponderar a as- sobrevida (>15% dos doentes com mais de
sociação com itraconazol, se houver má res- 35 anos) e a sua prevalência é 100 vezes su-
posta ou toxicidade aos corticóides e em perior, comparativamente à população geral.
casos de ABPA corticodependente28. Habitualmente, surge entre os 18-21 anos,

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predomina nas mulheres e associa-se a um não difere de outros quadros de oclusão in-
aumento da morbilidade e mortalidade. testinal, variando desde a dor nos quadran-
O principal factor de risco é a doença pan- tes inferiores do abdómen, até à distensão
creática progressiva, já que o défice de insu- abdominal, náuseas e vómitos. O aspecto
lina se torna evidente quando há perda de fundamental nesta síndroma é o seu reco-
80% da função das células β. A DRFQ é a nhecimento e tratamento precoces de forma
forma mais frequente de diabetes não auto- a evitar a cirurgia.
-imune e é diferente da diabetes tipos 1 e 2. O íleo meconial está presente em 10-20%
Os doentes podem permanecer assintomáti- dos recém-nascidos com FQ, sendo consi-
cos durante anos, surgindo apenas hipergli- derado patognomónico. No entanto, não
cemias em períodos de stress ou infecções. estão descritas mutações específicas que pre-
Os primeiros sintomas ou sinais são muitas disponham ao seu aparecimento.
vezes a incapacidade de manter ou aumen-
tar de peso e o agravamento da função pul- • Doença hepato-biliar
monar32-34. O envolvimento hepático e das vias biliares
Todos os doentes com IPE e mais de 10 anos pode condicionar a longo prazo o desenvol-
devem realizar anualmente uma avaliação vimento de fibrose biliar focal (patognomó-
do metabolismo da glicose, incluindo um nica) e cirrose multilobular. Calcula-se que
teste de tolerância oral à glicose (1,75 gr/kg, cerca de 17% das crianças têm doença hepá-
máximo de 75 g) nos casos duvidosos33-35. tica clinicamente significativa33,34.
A hepatopatia é na maioria dos casos assin-
• Doença gastrintestinal tomática (inclusive em alguns casos cursa
A incidência do refluxo gastroesofágico é sem alterações analíticas), mas constitui a
superior à da população geral, podendo ser segunda causa de morte, depois das compli-
de 30%. É importante o seu diagnóstico cações cardiorrespiratórias. É mais frequen-
porque pode influenciar negativamente a te em homens. O envolvimento grave surge
função pulmonar33. na pré-puberdade ou na puberdade e ocorre
A síndroma de obstrução do intestino em doentes com IPE31.
O envolvimento distal (SOID), ou equivalente do íleo me- A natureza focal da fibrose e a distribuição
hepático e das conial33,34, ocorre em cerca de 3,5% dos dos canalículos biliares fazem com que não
vias biliares pode doentes com FQ3 e caracteriza-se pela obs- se manifestem os sinais de colestase e a fun-
condicionar trução do íleo e cólon ascendente. Está asso- ção hepática se mantenha normal por muito
a longo prazo o ciada a genótipos de pior prognóstico, com tempo33,35.
desenvolvimento de doença pulmonar grave. Ocorre quase ex- Não existe um teste simples para diagnósti-
fibrose biliar focal clusivamente em doentes com insuficiência co da doença hepática, pelo que é preciso a
e cirrose multilobular pancreática3, estando descritos vários facto- combinação de achados clínicos, exames
res desencadeantes, como a desidratação, o analíticos e imagiológicos. Os critérios de
uso de fármacos modificadores da motilida- diagnóstico mais aceites são 2 das seguintes
de intestinal (como os narcóticos) e a falta alterações, em pelo menos 2 consultas con-
de adesão à terapêutica de suplementação secutivas, no período de um ano: hepato-
enzimática. Do ponto de vista clínico, a SOID megalia (>2 cm abaixo do rebordo costal

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direito), confirmada por ecografia, aumento Se no sexo masculino a infertilidade é um


da TGO, TGP e gama-GT e alteração do aspecto importante e bem estabelecido, na
padrão ecográfico (excluindo esteatose)36-38. mulher o panorama é um pouco diferente
O envolvimento hepatobiliar pode manifes- no que respeita à gravidade, importância e
tar-se por colestase neonatal, elevação assin- repercussões.
tomática da função hepática, hepatomegalia A CFTR é encontrada em grande quantida- A maioria dos
assintomática, esteatose hepática, colelitiase, de no colo uterino, sendo a sua expressão homens com FQ
colecistite e hipertensão portal33,39. dependente da concentração hormonal43. apresenta agenesia
Um aspecto observado nestas mulheres é a do ducto deferente
Infertilidade inexistência de uma maior fluidez do muco bilateral
A maioria dos homens com FQ (97%) apre- uterino no período de ovulação. O restante
senta agenesia do ducto deferente (ADD) tracto genital, apesar de apresentar alguns
bilateral40, de que resulta numa azoospermia receptores de CFTR, não mostra alterações
obstrutiva, sem possibilidade de correcção que justifiquem uma redução da capacidade
cirúrgica. reprodutora. Frequentemente, as mulheres
Contudo, podem ser identificados múltiplos têm alterações menstruais (22% com ame-
fenótipos que vão desde a normalidade, alte- norreia e 28% com irregularidade), princi-
rações das características do esperma, atrofia palmente se existirem alterações pulmonares
ou agenesia das vesículas seminais e encurta- graves, sendo que a incidência de infertili-
mento do epidídimo, até à ausência bilateral dade ronda os 20%43.
de ducto deferente. Esta miríade de manifes- Se, numa mulher saudável, as alterações asso-
tações suscitou dúvidas no que respeita à im- ciadas à gravidez são bem toleradas, elas po-
portância da CFTR na espermatogénese. Vá- dem por si só condicionar a evolução da gra-
rios estudos sugeriram que esta proteína possa videz numa mulher com FQ. O consumo de
estar envolvida na maturação do esperma e O2, o maior débito cardíaco, a hiperventila-
no desenvolvimento das glândulas do epidí- ção e o aumento das secreções condicionado
dimo e ducto deferente, isto porque foram pela produção hormonal podem contribuir
demonstradas mutações da CFTR em indiví- para o aumento da dispneia, de exacerbações
duos saudáveis com redução da qualidade do infecciosas e atelectasias. A idade gestacional
esperma e azoospermia mas sem ADD41. é um dado importante ao limitar a escolha
A ADD é considerada uma entidade que dos antibióticos e das suas doses.
por si só obriga ao despiste de FQ. Deve ser A função pulmonar é considerada o principal
proposta a realização de um espermograma factor preditivo de sobrevida materna e fetal, as-
a todos os adolescentes com FQ41. sociada ao estado nutricional (IMC<18 kg/m2),
Actualmente, novas técnicas de fertilização à existência de diabetes e à infecção ou coloni-
tornaram a paternidade possível, nomeada- zação por B. cepacia (pode ser uma contra-in-
mente com recurso a aspiração microcirúr- dicação relativa). Em vários estudos o FEV1 é
gica ou percutânea de esperma, obtendo-se, considerado o factor mais importante de prog-
mediante injecção intracitoplasmática do nóstico, sendo a evolução favorável se este pa-
esperma, taxas de fertilização que rondam râmetro rondar os 50 a 60%. No pólo oposto,
os 37-48%42. encontra-se a hipertensão pulmonar e o cor

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pulmonale, cuja presença é indicação para respiratórias e deterioração da função respi-


abortamento e contra-indicação absoluta para ratória. As crianças e adultos com FQ de-
a gravidez. vem fazer uma densitometria óssea de ras-
Apesar do previamente descrito, a probabi- treio e, caso seja normal, devem repetir após
lidade de a gravidez ser bem sucedida ronda 2-5 anos.
os 70 a 80%43. Quanto ao modo como a O tratamento inclui medidas gerais, como
gravidez vai interferir na evolução da doen- exercício fisíco, consumo adequado de pro-
ça materna, os estudos divergem mas coin- dutos lácteos, exposição ao sol, suplementos
cidem com a importância de uma boa fun- de cálcio e vitamina D. Alguns autores reco-
ção pulmonar no início da gravidez, apesar mendam o uso de bifosfonatos com resulta-
de se encontrarem descritos casos de dete- dos satisfatórios9.
rioração da função pulmonar associada a Em 30% dos doentes aparecem sintomas
exacerbações infecciosas, mais grave do que articulares inespecíficos, e em 2-8,5% surge
seria de esperar para a reserva existente. No uma verdadeira artrite. A idade média de
entanto, a opinião geral e a experiência exis- aparecimento é dos 13-20 anos, manifestan-
tente permitem considerar que, nas doentes do-se como episódios recorrentes de dor ar-
estáveis, a gravidez em pouco modifica a ticular, inflamação, hipersensibilidade e li-
evolução da doença e o prognóstico. mitação de movimentos, a intervalos de
Nunca é de mais referir a importância do várias semanas-meses, com duração de 7-10
aconselhamento genético como parte inte- dias. O envolvimento é geralmente assimé-
grante dos tratamentos de fertilidade, de trico e será provavelmente secundário a pro-
forma que todas as decisões sejam tomadas cessos imunológicos. A resposta aos AINE é
numa perspectiva informada e consciente. boa44.
Em particular na mulher, é importante A osteoartropatia hipertrófica é a segunda
considerar os riscos para a mãe durante e complicação articular mais frequente, com
depois da gravidez e a responsabilização incidência de 2-7% e idade média de apare-
pela criança no caso de morte prematura da cimento por volta dos 20 anos. Envolve o
mãe. osso, as articulações e os tecidos moles (pe-
riostite proliferativa crónica), de forma insi-
Alterações músculo-esqueléticas diosa e simétrica. Afecta os cotovelos, pulsos,
A osteoartropatia Muitos doentes com FQ apresentam doen- joelhos e raramente pequenas articulações
hipertrófica é a ça óssea e articular, incluindo baixa densida- da mão. O derrame articular é frequente,
segunda complicação de mineral óssea (DMO). A doença óssea principalmente nos joelhos. A sua etiologia é
articular mais (osteopenia ou osteoporose) pode levar a ci- desconhecida. Surge nos doentes com doen-
frequente fose e fracturas. É mais comum em adultos ça pulmonar grave e tende a exacerbar-se
(38-77%) do que em crianças (19-67%) e com as infecções respiratórias, cujo trata-
nos doentes transplantados. A sua causa é mento conduz a melhoria dos sintomas arti-
multifactorial, atribuindo-se a factores como culares44,45.
administração de glucocorticóides, baixo O Quadro I mostra, em resumo, algumas
índice de massa corporal, hipovitaminose das manifestações clínicas mais frequente-
D, alteração da absorção de cálcio, infecções mente associadas à FQ.

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Quadro I – Manifestações clínicas

Doença sino-pulmonar
• Colonização /infecção com agentes típicos da FQ (Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Bulkholderia
cepacia)
• Tosse persistente, produtiva
• Alterações radiológicas persistentes (bronquiectasias, infiltrados e hiperinsuflação)
• Obstrução das vias aéreas
• Pólipos nasais e alterações radiológicas dos seios perinasais
• Hipocratismo digital
Alterações digestivas
• Prolapso retal e DIOS
• Insuficiência pancreática e pancreatite recorrente
• Doença hepática crónica com evidência clínica ou histológica de cirrose biliar ou multilobular
Síndroma de perdas salinas
• Alcalose metabólica
• Deficiência aguda de sal
Alterações urogenitais
• Azoospermia obstrutiva (agenesia dos ductos de Wolf)

Diagnóstico Podem ter IPE ou não apresentar uma evo-


Em 1998 foram definidos como critérios de lução grave com rápida progressão dos sin- Constatou-se a
diagnóstico a evidência de pelo menos uma tomas ou uma evolução mais moderada46. existência de uma
alteração clínica característica (Quadro I), A FQ atípica engloba indivíduos com en- grande
ou história familiar de FQ, ou rastreio neo- volvimento de pelo menos um órgão e pro- heterogeneidade nas
-natal positivo associado à existência de duas va de suor normal (<30 mmol/l) ou inter- manifestações
mutações da CFTR ou evidência da disfun- média (30-60 mmol/l). A comprovação clínicas da FQ
ção da CFTR pela prova de suor ou pela diagnóstica exige a detecção de uma muta-
diferença de potencial nasal (DPN)23. Mas ção em cada gene da CFTR ou a quantifica-
estabelecer um diagnóstico de FQ nem sem- ção directa da disfunção da CFTR pela me-
pre é simples. dição da DPN. A maioria dos doentes não
Desde a descoberta da alteração genética em tem IPE e a doença pulmonar é discreta.
1989 constatou-se a existência de uma gran- Quando são detectadas duas mutações, geral-
de heterogeneidade nas manifestações clíni- mente uma é classificada como “ligeira”46.
cas da FQ, daí que se subdivida actualmente Alguns doentes com envolvimento de um
em dois grandes grupos: FQ típica ou clássi- só órgão podem ser mais correctamente de-
ca e a FQ atípica ou não clássica46. finidos, segundo a classificação proposta
No primeiro grupo encontram-se os doen- pela OMS, como tendo doenças relaciona-
tes com um ou mais aspectos fenotípicos das com a CFTR, nas quais é identificada
característicos e uma prova de suor superior pelo menos uma mutação. Esta lista inclui
a 60 mmol/l, o que corresponde à maioria azoospermia obstrutiva isolada, pancreatite
dos doentes. Geralmente é possível definir crónica, aspergilose broncoplumonar alérgi-
uma mutação em cada um dos genes CFTR. ca, bronquiectasias disseminadas, panbron-

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quiolite difusa, colangite esclerosante e hi- Sweat Check, com resultado superior ou igual
pertripsinogenemia neonatal47. a 50 mmol/l, deverá ser seguido de uma
O diagnóstico de FQ é essencialmente clíni- avaliação quantitativa de cloro51.
co e os testes de diagnóstico têm como objec- A prova de suor apoia o diagnóstico de FQ
tivo principal a sua confirmação, ou, em ca- se for positiva em pelo menos duas avalia-
sos mais atípicos, o seu suporte ou exclusão. ções. Resultados superiores a 160 mmol/l
A prova de suor, desenvolvida em 1959 por são fisiologicamente impossíveis22.
Gibson e Cooke, designada por quantitative Idealmente, a prova de suor deverá realizar-
O diagnóstico de FQ pilocarpine iontophoresis test continua a ser o -se só após as 2-3 primeiras semanas de vida,
é essencialmente teste gold standard para a confirmação diag- com o doente clinicamente estável, bem hi-
clínico nóstica48,49. É um método quantitativo que dratado, sem sinais de doença aguda e sem
mede a concentração de ião cloreto (Cl-) no receber tratamento com corticóides51.
suor, sendo que concentrações superiores ou Os indivíduos com suspeita de FQ e com
iguais a 60 mmol/l são consideradas patoló- prova de suor normal ou intermédia devem
gicas, excepto nos lactentes com menos de 3 efectuar um estudo genético. É um teste
meses, nos quais se considera positivo quan- bastante específico mas com sensibilidade
do >40 mmol/l50,51. Há algumas patologias entre os 70-90%, uma vez que os painéis co-
que podem cursar com provas de suor positi- merciais de rastreio incluem apenas as mu-
vas mas que são distintas da FQ51. tações mais comuns em dada população. Os
Aproximadamente 98% do total dos doen- doentes com diagnóstico depois dos 18 anos
tes com FQ tem uma prova de suor positiva, maior probabilidade de terem mutações ra-
reduzindo-se para 90% nos casos de diag- ras23. Outra limitação deste teste decorre de,
nóstico na vida adulta49,51. por vezes, ser difícil reconhecer se a mutação
O método original de recolha de suor tem reúne os critérios de FQ ou se corresponde
sido substituído por outras técnicas de exe- apenas a um polimorfismo46,51.
cução mais fácil, nomeadamente a determi- Nos indivíduos com clínica sugestiva de FQ,
nação da condutividade dos electrólitos no a identificação de duas mutações confirma o
suor pelo método Macroduct Sweat Collection diagnóstico, mas a sua ausência não exclui.
System/Wescor Sweat Check Conductivity Analy- Neste caso, pode-se recorrer à sequênciação
zer. Estes testes são considerados de rastreio completa do gene CFTR, ou nos centros onde
e têm valores de referência diferentes do se efectua a medição da DPN pode-se restrin-
método de Gibson e Cooke, pelo que, na gir o estudo genético completo para os doen-
interpretação de uma prova de suor, há que tes com traçado de DPN inconclusivo46.
ter em consideração a metolodologia utili- O transporte iónico na membrana apical
zada. Segundo as normas do Reino Unido das células gera uma DPN que é maior nos
sobre o teste de suor, valores de condutivi- doentes com FQ do que nas pessoas nor-
dade <60mmol/l é pouco provável que este- mais (-45,3±11,4 vs -18,2±8,3 mV). É esta
jam associados a FQ e valores superiores a alteração que fundamenta o uso da medição
90 mmo/l suportam o diagnóstico50. Segun- da DPN.
do a Cystic Fibrosis Foundation, uma medi- Esta técnica permite avaliar a diferença de po-
ção da condutividade pelo método Wescor tencial determinado por dois eléctrodos, um

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colocado no antebraço (subcutâneo) e outro Tratamento


na mucosa nasal (próximo do corneto infe-
rior). A diferença de potencial medida (consi- Cinesiterapia respiratória
derando como valores normais -24,7±0,9 mV A incapacidade de eliminação das secreções
e -53±1,8mvV como anormais)4 está correla- brônquicas, em parte pela redução do clea-
cionada com o movimento do sódio ao longo rence mucociliar e pelo aumento da viscosi-
das membranas celulares e é este aspecto que dade das mesmas, é um aspecto importante
está alterado nos doentes com FQ. A medição na patogénese das infeções respiratórias nes-
é feita após a perfusão da cavidade nasal com tes doentes. Como tal, desde há algum tem-
amilorido, ocorrendo nesse momento uma po que a cinesiterapia respiratória tem sido
redução da diferença de potencial, superior utilizada para facilitar a eliminação das se-
nos doentes com FQ quando comparada com creções. Com isso, para além da redução do
a redução que ocorre em indivíduos normais número de infecções respiratórias, diminui-
(de 73% e 53%, respectivamente)4. Depois -se a obstrução brônquica, melhoram-se as
desta manobra, a cavidade nasal é irrigada trocas e, ao eliminar as secreções ricas em
com uma solução salina isotónica e isopros- elastase proveniente da autólise dos neutró-
trenol, havendo um aumento da diferença de filos, reduz-se o risco de lesão pulmonar.
potencial em indivíduos normais, mas que No entanto, ainda se mantêm algumas re-
não ocorre em indivíduos com FQ. servas quanto ao melhor método a seguir.
Este exame é complicado no que se refere à Isto porque o sucesso da cinesiterapia de-
sua execução e implica a existência de mate- pende em grande parte da compliance do
rial e pessoal especializado51,52, o que restringe doente, que por sua vez pode ser determina-
a sua utilização a doentes com dificuldades da pela técnica utilizada. Quanto a este as-
na confirmação do diagnóstico ou com doen- pecto, existem várias hipóteses com diversos
ça das glândulas sudoríparas. A polipose nasal estudos comparativos realizados.
pode condicionar resultados falsos negativos. Associado ao recurso à cinesiterapia, o uso
O grau de alterações na diferença de poten- de broncodilatadores, soluções salinas hi-
cial não está correlacionada com a gravidade pertónicas e agentes modificadores do muco
da doença, mas pode estar relacionada com parecem optimizar os resultados obtidos.
os diferentes fenótipos da mesma, sendo que A cinesiterapia standard, com a utilização
a secreção anormal de cloretos está associada de técnicas de percussão torácica e drena-
a insuficiência pancreática e a hiperabsorção gem postural, é demorada, requer pessoal
de sódio a doença pulmonar grave49,53. especializado, e por vezes a adesão ao trata-
A presença de pólipos nasais ou de inflama- mento por parte do doente é reduzida, prin-
ção da mucosa nasal pode provocar falsos cipalmente pelo tempo investido. Um outro
negativos. É viável em crianças com poucas aspecto importante a salientar é o refluxo
horas de vida, mas crianças mais velhas (2-5 gastroesofágico associado à drenagem pos-
anos) podem necessitar de alguma sedação. tural. Este incoveniente pode ser relativa-
Em caso de positividade, deve repetir-se mente contornado recorrendo a outras téc-
pelo menos uma vez, para confirmação dos nicas, como a pressão expiratória positiva
resultados. (PEP).

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Outras técnicas possíveis de utilização são a Por outro lado, sempre que se fala em profi-
expiração forçada activa, PEP, válvulas de laxia, a resistência a antibióticos deve ser
Flutter (baratas e uma boa alternativa para considerada. Isto parece ser verdade para o
adultos activos) e o oscilómetro. uso de cefalosporinas, macrólidos e tetraci-
Na FQ, o benefício da cinesiterapia foi de- clinas, mas não para a flucloxacilina, sendo
monstrado através do atraso na progressão esta, numa abordagem inicial, o fármaco
da doença pulmonar. No entanto, não se mais indicado no tratamento da infecção
observaram diferenças significativas quanto por S. aureus55.
à técnica a utilizar. O uso de broncodilata- Dadas as graves repercussões clínicas e fun-
dores, de agentes modificadores do muco e cionais que implica a aquisição de P. aerugi-
uma boa hidratação parecem optimizar os nosa, a sua detecção e eliminação é de gran-
resultados obtidos na cinesiterapia, sendo a de importância. Actualmente, distingue-se
aplicação de soluções salinas menos consen- colonização inicial (primeira cultura positi-
sual, pois podem induzir broncospasmo. va), intermitente ou esporádica (culturas
Caso o doente tolere, deve ser encorajado o consecutivas intermitentemente positivas e
exercício físico (marcha, natação ou ciclismo). negativas) e crónica (culturas positivas per-
sistentes)58. A colonização intermitente pode
Antibioterapia anteceder a crónica em média em 12 meses.
A realização de exames bacteriológicos de Cada uma destas situações pode ou não ser
expectoração, incluindo antibiograma, deve acompanhada de critérios de exacerbação58.
ser solicitada, no mínimo, anualmente, e de É fundamental um seguimento microbioló-
preferência cada três meses9. gico que permita detectar a primeira coloni-
Relativamente ao S. aureus, alguns centros zação por P. aeruginosa. O uso de antibió-
optam por instituir antibioterapia profilác- ticos de forma agressiva nesta situação pode
tica, de forma a evitar ou pelo menos atrasar prevenir a persistência da colonização e atra-
a colonização54,55. Esta forma de abordagem sar a infecção crónica. Considera-se erradi-
pode reduzir o número de hospitalizações cação quando, após tratamento, há pelo me-
ou tomas de antibiótico nos primeiros anos nos três culturas negativas separadas entre si
de vida; no entanto, parece estar relacionada no mínimo de 1 mês58. A erradicação só
com uma infecção mais precoce por P. aeru- ocorrerá nas fases de colonização inicial e,
ginosa. Outros centros iniciam terapêutica mais raramente, na fase de colonização in-
após o primeiro isolamento, mantendo-a termitente.
ininterruptamente, independentemente de O tratamento nas situações de colonização
ocorrer infecção por gram-negativos56. A inicial ou intermitente requer abordagem
terceira opção é tratar apenas as infecções sistémica, geralmente por via oral, e associa-
sintomáticas, mantendo-a até erradicar o ção com antibióticos inalados, como a colis-
agente ou ocorrer melhoria sintomática (a tina (1-3 milhões de U/12 h) ou a tobrami-
experiência de centros que optam por esta cina não fenólica na formulação para
terceira hipótese traduz-se em menos de inalação (Tobi®) (300 mg/12 h) em ciclos
10% dos doentes cronicamente infectados on-off de 28 dias. Alternativamente, pode
pelo agente)55. utilizar-se a via endovenosa (EV), associada

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ou não a tratamento inalado. A duração do aéreas (só 1 a 10% do fármaco atinge as pe-
tratamento pode variar de 3-4 semanas até quenas vias aéreas, 15 a 25% permanece nas
6-12 meses58. vias aéreas superiores)62 e o tempo dispendido
O tratamento da colonização crónica, de- pelo doente são alguns aspectos menos positi-
nominado também tratamento de manu- vos desta forma de administração.
tenção ou supressivo crónico, destina-se a Esta terapêutica pode complicar-se com he-
reduzir, de forma sustentada, a carga bacte- moptises significativas que levam à sua sus-
riana e, consequentemente, a resposta infla- pensão. No caso particular da tobramicina,
matória. Tem sido demonstrado que esta deve evitar-se o uso deste fármaco em doen-
abordagem (inclusive na ausência de exacer- tes com insuficiência renal, com disfunções O tratamento da
bações) não só evita a deterioração funcio- auditiva, vestibular ou neuromuscular. Tam- exacerbação aguda
nal, como pode favorecer a sua recupera- bém é conveniente evitar a associação deste consiste na redução
ção58. O tratamento mais frequentemente fármaco à furosemida, ácido etacrínico, ma- imediata do inóculo
usado consiste na inalação de antibióticos, nitol ou outros fármacos com potencial ne- bacteriano
como a colistina ou a tobramicina. O uso fro ou ototóxico.
deste último antibiótico demonstrou uma O tratamento da exacerbação aguda consis-
clara melhoria da função pulmonar, uma te na redução imediata do inóculo bacteria-
diminuição da densidade da P. aeruginosa no, para o qual é usado terapêutica ev, ex-
na expectoração e número de dias de hospi- cepto nas exacerbações leves, nas quais se
talização59,60. Alguns centros de FQ têm op- escolhem fármacos por via oral. Geralmente
tado por outra estratégia, que consiste na usa-se um aminoglicosídeo (geralmente to-
administração ev de β-lactâmicos de forma bramicina) associado a um β-lactâmico com
regular, por exemplo a cada 3-4 meses, in- actividade antipseudomonas, ou associação
dependentemente da sintomatologia. Os de qualquer um deles com a ciprofloxacina
resultados desta opção, quando analisados durante 2-3 semanas58. A escolha precisa
em ensaios clínicos controlados, não têm deve basear-se nos exames bacteriológicos
sido superiores à terapêutica convencional, da expectoração mais recentes e nos estudos
que restringe o uso de antibióticos ev unica- de sensibilidade. Não se pode esquecer que
mente para as exacerbações61. os microrganismos responsáveis pela exacer-
Quanto à monotorização do tratamento, bação podem ser diferentes conforme a ida-
apesar do ideal ser uma visita domiciliária de do doente, sendo que nos mais jovens se
pelo pessoal de enfermagem, actualmente, isolam mais frequentemente S. aureus ou H.
pela escassez de recursos humanos, opta-se influenza, o que condiciona a escolha da an-
pela observação em consulta uma semana tibioterapia.
após iniciar o tratamento em ambulatório e, Dado o risco de desenvolvimento de resis-
posteriormente, no término do tratamento. tências, devem usar-se associações de anti-
A administração da antibioterapia em aerossol bióticos e diversificar os esquemas terapêu-
permite obter uma maior concentração anti- ticos, com base num adequado seguimento
biótica no órgão-alvo, com redução dos efeitos clínico e microbiológico.
laterais sistémicos. No entanto, o seu preço, o Sempre que for necessário tratamento anti-
acesso deficiente do fármaco às pequenas vias biótico endovenoso, poderá ser considerada

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a possibilidade de tratamento domiciliário. comenda o uso de minociclina, doxiciclina,


A selecção adequada dos doentes é funda- moxifloxacina, levofloxacina. No caso do A.
mental para o sucesso deste programa. Di- xylosoxidans recomendam-se várias associa-
versos aspectos devem ser considerados, no- ções, das quais se salienta a piperacilina-ta-
meadamente: idade, distância do domicílio zobactam, com um aminoglicosídeo e uma
(não deve ser superior a 2 horas de percur- fluoroquinolona62.
so), adesão ao tratamento, e aspectos psico-
sociais (a existência de telefone, água cor- Agentes modificadores do muco
rente e condições de higiene, entre outras), Na FQ há um aumento da viscosidade das
os quais constituem o maior obstáculo a este secreções com origem na redução do teor da
tipo de abordagem (60%)61. água, mas também na libertação do ADN
A insuficiência respiratória, a sépsis e as he- dos neutrófilos que sofreram lise. Com base
moptises severas a moderadas constituem im- nesta informação recorre-se ao uso de dorna-
pedimento para esta opção de tratamento em se alfa recombinante humana (rh DNase) que
45% dos casos, enquanto em 40% a má ade- reduz a viscosidade do muco. A utilização de
são ao tratamento condiciona a decisão. rh-DNase está associada a uma diminuição
É fundamental que a opção por esta forma do número de exacerbações e hospitalizações
Na FQ há um aumento de tratamento seja voluntária, não sendo a (cerca de 28%), à melhoria da função pulmo-
da viscosidade das idade contra-indicação. Quanto ao acesso, a nar (cerca de 5,8%) e do FEV1 e FVC, inde-
secreções maior parte dos estudos aponta para a utili- pendentemente do recurso a cinesiterapia.
zação de um acesso venoso periférico. Se se O fármaco é administrado uma vez por dia, sob
prevê administração prolongada do fármaco a forma de nebulização, na dose de 2,5 mg.
ou o acesso periférico for difícil de obter Quanto a efeitos laterais, que são pouco
pode-se ponderar a colocação de cateter de frequentes, referem-se a rouquidão, o rash
longa duração. cutâneo e, raramente, um risco aumentado
O tratamento da infecção por B. cepacia de hemorragia.
deve guiar-se pelos resultados de sensibilida- O preço continua ainda a ser um aspecto a
de in vitro. Nalguns doentes, pode ser útil a considerar nos tratamentos mais prolongados.
associação de três dos seguintes antibióticos: Estudos recentes demonstraram que nebuli-
β-lactâmico (meropenem ou ceftazidima), a zações com soro hipertónico, precedidas por
ciprofloxacina, o cloranfenicol, a minocicli- broncodilatadores, são uma terapêutica se-
na ou a rifampicina. Nunca é sensível à co- gura e eficaz nestes doentes, aumentando o
listina e raramente aos aminoglicosídeos. clearence mucociliar e promovendo uma
Em nenhum caso a sensibilidade ou resis- melhoria da função pulmonar63.
tência in vitro garante o êxito ou fracasso do
tratamento62. Broncodilatadores
A S. maltophilia e o A. xylosoxidans tam- O uso deste tipo de medicamentos na FQ
bém são resistentes à maioria dos antibióti- ainda é muito discutível, em parte por falta de
cos. A S. maltophilia pode ser sensível ao estudos nestas circunstâncias que permitam
trimetroprim-sulfametoxazol, consideran- esclarecer a vantagem do recurso aos mesmos.
do-se o fármaco de eleição. Também se re- No entanto, cerca de 50 a 60% dos doentes a

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quem são administrados estes fármacos (habi- Nutrição


tualmente agonistas beta de longa duração) Um objectivo a perseguir na FQ é a manu-
apresentam melhoria da função pulmonar. tenção de um estado nutricional adequado,
Várias acções lhes têm sido atribuídas, para pelo que uma dieta rica em gorduras, hiper-
além do relaxamento da musculatura lisa calórica e com suplementos vitamínicos e
brônquica, aumento do clearence mucociliar, enzimas pancreáticas é habitualmente insti-
efeitos directos sobre as células inflamatórias, tuída. Isto torna-se mais evidente se o doen-
aderência bacteriana e, possivelmente, por te se apresenta com aspecto malnutrido,
efeitos directos na função do CFTR. com o índice peso/altura abaixo de percentil
85 ou se refere perda de cerca de 5% do peso
Oxigenioterapia e ventilação nos últimos 2 meses.
A necessidade de recorrer a suporte ventila- O tratamento da IPE consiste na adminis-
tório (quer por técnicas invasivas ou não in- tração oral de enzimas pancreáticas. A dose Um objectivo a
vasivas) é uma opção a considerar em doen- tem que ser ajustada à idade do doente e ao perseguir na FQ é a
tes com insuficiência respiratória, assente número diário de refeições. Recomenda-se manutenção de um
nos parâmetros gasométricos. para as crianças com mais de 4 anos e adul- estado nutricional
O recurso a oxigenioterapia de longa duração tos 500 U de lipase/kg antes das principais adequado
(OLD) é necessário, de acordo com as prin- refeições, até ao máximo de 2500 U/kg,
cipais indicações da mesma (PO2< 55mmHg para evitar o desenvolvimento de colonopa-
e Sat O2 <88%)64. O objectivo é reduzir a tia fibrosante35.
hipoxemia e com isso diminuir o risco de hi-
pertensão pulmonar e cor pulmonale, os quais Anti-inflamatórios
agravam o prognóstico e modificam a abor- O processo inflamatório na FQ está bem
dagem no que respeita ao transplante pulmo- descrito e o recurso a anti-inflamatórios não
nar. Nos doentes com dessaturação nocturna esteróides (AINE) tem sido difundido, com
(valores de Sat O2 inferiores a 88% por um o pressuposto de que a diminuição da res-
período superior a 10% do total de tempo posta inflamatória local com redução da mi-
avaliado) ou associada a alterações na prova gração de neutrófilos e consequente liberta-
de marcha (valores de Sat O2 inferiores a ção de ADN, redução da viscosidade do
88%), a oxigenoterapia em período diurno muco e da aderência bacteriana, levaria a
também deve ser considerada9. melhoria clínica e funcional a qual, até à
No que respeita à ventilação não invasiva data, não foi comprovada a não ser em situa-
(VNI), a abordagem destes doentes enqua- ções pontuais.
dra-se nas guidelines habituais para esta tera- O recurso à corticoterapia oral habitualmen-
pêutica. Estes parâmetros consistem em te ocorre por períodos pequenos se existem
PaCO2>45 mmHg, com pH < 7,35 ou sintomas “asma-like”, e períodos maiores
PO2/FiO2<200, associados a critérios de or- quando se trata de aspergilose broncopul-
dem clínica, como taquipneia com FR supe- monar alérgica. No entanto, os estudos e
rior a 24 ciclos/min, uso de músculos acessó- ensaios associados a estes fármacos não têm
rios da respiração, movimentos paradoxais e sido bem sucedidos, dado os efeitos laterais
agravamento marcado da dispneia65. que a eles estão associados.

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O uso de corticóides inalados tem por base internamentos sucessivos, a limitação da ac-
reduzir a hiperreactividade brônquica, a tos- tividade física, os múltiplos componentes da
se e a dispneia, apesar dos três ensaios efec- terapêutica de suporte, nomeadamente a ci-
tuados não terem sido conclusivos. nesiterapia respiratória e outros factores con-
Na idade pediátrica (entre os 5 e os 13 anos) dicionam uma vivência limitada, com pre-
o uso de ibuprofeno por períodos de cerca de juízo da actividade profissional. Esta, além
4 anos parece reduzir a progressão da doença das repercussões económicas, também tem
pulmonar. No entanto, devem monitorizar- aspectos de carácter pessoal ao limitar o sen-
-se os níveis séricos e os efeitos laterais a nível timento de realização e a integração social do
renal e gástrico. Nos adultos não foi demons- doente. Por isto, é importante considerar o
trada a utilidade deste fármaco, podendo ser acompanhamento psicológico e apoio social,
utilizado no tratamento da artrite. de forma a que a integração seja facilitada.
Os macrólidos têm sido alvo de estudos re-
centes, nomeadamente a azitromicina. Os
vários ensaios desenvolvidos têm mostrado Transplantação pulmonar
um aumento do FEV1, do peso corporal, Apesar do aumento da sobrevida dos doentes
redução do número de hospitalizações e me- com FQ, cerca de 80% destes doentes morre
lhoria da qualidade de vida, principalmente prematuramente devido a doença pulmonar
se associados outros fármacos, como a tobra- terminal. Nestas circunstâncias, e quando as
micina ou a rhDNAse66. restantes opções terapêuticas falham, a trans-
Actualmente recomenda-se em doentes com plantação pulmonar é a opção a considerar.
mais de 6 anos e cronicamente colonizados No entanto, ainda é objecto de alguma dis-
com P. aeruginosa a administração de azitromi- cussão a selecção dos candidatos e os critérios
cina na dose de 250 mg ou 500 mg três vezes a seguir. Outro aspecto que também deve ser
por semana, conforme o doente tenha menos considerado é a escassez de dadores, sendo a
ou mais de 40 kg, respectivamente67. lista de espera de cerca de 2 anos, o que con-
Desconhece-se o mecanismo preciso de ac- diciona a sobrevida destes doentes, verifican-
Cerca de 80% destes ção dos macrólidos, mas, ao não se docu- do-se que cerca de 15 a 40% morre antes do
doentes morre mentarem efeitos bactericida/bacteriostáti- transplante68. O inverso também deve ser
prematuramente cos destes fármacos, é proposto que a sua considerado. Isto porque a sobrevida no pós-
devido a doença actividade anti-inflamatória seja responsável -transplante é de cerca de 56% e 48% aos
pulmonar terminal pela melhoria observada. In vitro, foi consta- três e cinco anos respectivamente, motivo
tado que a associação dos macrólidos a ou- porque esta abordagem também reduz signi-
tros antibióticos com actividade anti-pseu- ficativamente a sobrevida dos doentes.
domónica pode ter um efeito sinérgico58. Quanto à definição dos critérios de inclusão
num programa de transplante, eles baseiam-
Apoio psicológico e social -se em vários estudos que definiram um ponto
Dada a cronicidade da doença, a mortalida- a partir do qual a probabilidade de o doente
de e morbilidades associadas, estes doentes morrer aumenta, tendo em conta as suas ca-
requerem apoio específico que compreende racterísticas clínicas (idade, peso, número de
aspectos pessoais e sociais importantes. Os hospitalizações/ano, FEV1 e microbiologia).

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Assim, as guidelines internacionais68 conside- contram associadas ao uso de imunossupresso-


ram como critérios de inclusão os seguintes: res são sempre um problema a considerar,
obrigando muitas vezes à sua suspensão (por
• FEV1<30% exemplo, as doenças linfoproliferativas associa-
• hipoxemia e hipercapnia graves. das ao micofenolato, as alterações hepáticas
• aumento da frequência e duração das exa- condicionadas pela azatioprina ou as crises con-
cerbações e hospitalizações vulsivas após administração de ciclosporina).
• complicações pulmonares major, como as
hemoptises
• aumento das resistências aos antibióticos. Prognóstico
Avanços significativos no tratamento das in-
Tradicionalmente, o transplante é bilateral, fecções respiratórias, insuficiência pancreáti-
recorrendo-se a uma toracoesternotomia bi- ca e uma melhoria da prestação de cuidados
lateral. O recurso a dadores vivos no trans- por equipas multidisciplinares resultaram
plante bilateral dos dois lobos inferiores é num aumento da sobrevida, que actualmen-
uma opção nos doentes pediátricos. te ultrapassa os 30 anos. Este aumento é de-
São contra-indicações para a transplantação vido em grande parte ao desenvolvimento de
pulmonar as seguintes: antibióticos eficazes no tratamento da infec-
ção por P. aeruginosa. Por outro lado, apesar
• diabetes mellitus com atingimento de órgão- dos avanços conseguidos de forma a deter-
-alvo. minar a correlação fenótipo-genótipo, para a
• falência multiorgânica maioria dos genótipos, se não tratados, o
• insuficiência hepática prognóstico é mau, motivo pelo qual a ade-
• neoplasia maligna diagnosticada nos últi- são ao tratamento é fundamental para redu-
mos cinco anos zir a lesão pulmonar na idade adulta. Para a
• osteoporose grave maioria dos doentes com FQ, o tratamento
• infecção activa por Mycobacterium tuber- implica cuidados diários, medicação profi-
culosis, infecção por VIH e hepatite B láctica, administração de suplementos de en-
• problemas sócio-económicos graves. zimas pancreáticas e vitamínicos e cinesitera-
pia diária. Da má adesão à terapêutica (que
As infecções por P. aeruginosa multirresisten- oscila entre os 30-70%) resulta um aumento
te, B. cepacia, A. fumigatus e micobactérias das exacerbações, progressão da doença e
atípicas, bem como aderências pleurais, trans- prescrição mais frequente e desnecessária de
plante ou toracotomias prévias e a cortico- fármacos mais potentes e tóxicos.
dependência são contra-indicações relativas. Quanto à função pulmonar, ela habitual-
Quanto às complicações, elas podem ser consi- mente é medida pelo FEV1. Valores de FEV1
deradas como imediatas ou tardias. Neste últi- inferiores a 10% encontram-se associados,
mo grupo inclui-se a rejeição tardia. No pós- na maior parte dos casos, a alguns factores
transplante imediato a infecção, a rejeição, a que no seu conjunto contribuem para um
bronquiolite obliterante e a deiscência de sutu- agravamento do prognóstico. Entre eles con-
ra são as principais complicações. As que se en- tam-se baixo peso, pneumotórax, sintomas

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respiratórios como forma de apresentação da resolver nestes domínios, nomeadamente a


doença, infecção por P. aeruginosa (especial- segurança (com recurso a genes virais como
mente se for uma aquisição em idade preco- vectores) e eficácia (terapêutica com genes
ce de uma estirpe mucóide) e B. cepacea. lipossómicos). Actualmente, os ensaios so-
Na última década a terapêutica genética le- bre este tipo de terapêutica já estão a ser
vantou algumas expectativas, nomeadamen- efectuados em adultos humanos. No entan-
te pela hipótese de poder administrar o gene to, ainda há um longo caminho a percorrer
da CFTR funcional aos doentes. No entan- até esta forma de tratamento poder entrar
to, vários problemas se encontram ainda por na rotina.

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112 R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a
Vol XIV N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2008

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