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Exame de Ordem - Ciclos de Correção - 2ª Parte - Como

identificar a peça
1. INTRODUÇÃO

Para quem está no início da preparação para a segunda fase, o ponto de


maior ansiedade é a correta identificação da peça cabível. É um sentimento
natural, afinal, se errar a peça, a prova estará perdida. No entanto, com o
tempo, o aluno percebe que a identificação da peça é o aspecto mais fácil na
segunda fase. Na prova prática, o verdadeiro problema é a identificação da
tese, assunto que deixarei para o futuro.

Em prática penal, errar a peça é praticamente impossível. Digo isso porque, o


momento de cabimento de cada uma é tão específico, que não há como fazer
confusão. Em todos os Exames de Ordem unificados – desde a época do
CESPE -, somente em duas provas a escolha da peça foi motivo de
discussão na área penal. Em todas as demais, não houve qualquer dúvida a
respeito de qual seria a peça cabível.

Por isso, para acalmar o coração dos mais aflitos, iniciarei o nosso estudo
pela correta identificação da peça cabível. Em seguida, nos próximos posts,
veremos as principais peças, uma a uma. Procure não memorizar a
explicação a seguir, pois veremos as peças individualmente, e, com o tempo,
o cabimento de cada uma estará enraizado em sua mente. Por enquanto,
preocupe-se apenas em entender as fases processuais. São o ponto principal
de estudo deste resumo de hoje.

2. AS FASES PROCESSUAIS

Para a escolha da peça adequada, é essencial que se tenha em mente que o


processo penal é dividido em fases. É possível fazer uma porção de divisões,
mas adotarei a mais simples possível: a) fase pré-processual; b) fase
processual; c) fase pós-processual. Para cada uma delas, há um rol de peças,
com objetivos específicos.

FASE PRÉ-PROCESSUAL

A fase pré-processual engloba tudo o que ocorrer antes do RECEBIMENTO


da denúncia ou da queixa. Ainda não existe um processo em andamento.
Antes de falarmos da fase pré-processual em si, uma distinção importante:
não confunda oferecimento da petição inicial com o seu recebimento. Um
exemplo que talvez esclareça:

João é promotor de justiça. Francisco praticou um roubo. João OFERECE


denúncia contra Francisco. Carlos, o juiz da comarca, RECEBE a denúncia
contra Francisco, dando início ao processo.
No momento em que o promotor OFERECEU a denúncia, a fase ainda é a
pré-processual. No entanto, quando o juiz a RECEBEU – houve uma decisão
judicial dizendo que a petição inicial do promotor está de acordo com o
art. 395 do CPP -, deu-se início à fase processual. Pode parecer besteira,
mas veja algumas situações em que essa distinção é exigida:
1ª. O arrependimento posterior (CP, art. 16) só é possível se ocorrer até o
RECEBIMENTO da denúncia.
2ª. A retratação da representação, em crime de ação penal pública
condicionada, só é possível até o OFERECIMENTO da denúncia (CPP,
art. 25).
3ª. A prescrição é interrompida pelo RECEBIMENTO da petição inicial, e não
pelo OFERECIMENTO (CP, art. 117, I).
Portanto, como já dito, a fase pré-processual é encerrada no momento em
que a petição inicial (denúncia ou queixa) é recebida, quando é dado início à
fase processual. Sabendo disso, veja como é simples saber se uma peça é
pré-processual ou processual. Dois exemplos:

1º. Defesa Prévia da Lei de Drogas (Lei 11.343/06): “Art. 55. Oferecida a


denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa
prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.”.
2º. Resposta à Acusação (CPP, art. 396): “Art. 396. Nos procedimentos
ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar
liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à
acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.”.
No primeiro exemplo, o dispositivo diz: oferecida a denúncia, o acusado deve
oferecer defesa prévia. Logo, fase pré-processual. No segundo, o CPP fala
recebimento. Destarte, fase processual. Então, se o enunciado da prova
dissesse que a petição inicial foi recebida, a defesa prévia da Lei de Drogas
estaria descartada, pois só é cabível após o oferecimento e antes do
recebimento da denúncia.
Na fase pré-processual, embora existam outras peças, as realmente possíveis
para a segunda fase são as seguintes:

a) Liberdade Provisória: o enunciado descreverá hipótese em que o cliente foi


preso em flagrante dentro da legalidade, mas estão ausentes os requisitos da
prisão preventiva (CPP, art. 312). Não há denúncia e nem nada. Apenas a
prisão em flagrante. Exemplo: “João foi preso em flagrante por estar dirigindo
embriagado. Ele possui residência fixa, trabalha e é a primeira vez em que é
preso. Como advogado de João, elabore a peça adequada em sua defesa”. A
LP nunca caiu em uma segunda fase por ser uma peça extremamente
simples, que não comporta muitas teses. Se caísse na próxima segunda fase,
seria, sem dúvida, uma grande surpresa.
b) Relaxamento da Prisão em Flagrante: assim como na liberdade provisória,
o seu cliente foi preso em flagrante, mas há um porém: a prisão é ilegal.
Exemplo: “Após ser obrigado a fazer o teste do bafômetro, João foi preso em
flagrante por estar dirigindo embriagado. Como seu advogado, elabore a peça
adequada em sua defesa”. Como todos sabemos, ninguém pode ser obrigado
a fazer o teste. Logo, a prisão em flagrante foi ilegal, devendo ser relaxada.
Veja que não há qualquer menção ao recebimento de denúncia ou queixa.
Portanto, fácil perceber que estamos lidando com peça da fase pré-
processual. O relaxamento caiu no VI Exame de Ordem.

c) Queixa-Crime: é uma peça com boas chances para a próxima segunda


fase. O enunciado dirá que o seu cliente foi vítima de um delito e você, como
advogado, deve buscar os meios adequados para que o criminoso seja
punido. Exemplo: “João disse em uma rede social que Francisco, seu vizinho,
está tendo um caso extraconjugal. Segundo ele, Francisco encontra a amante
às quartas, após o expediente. Como advogado de Francisco, elabore a peça
adequada para a defesa dos seus interesses”. Veja que não se falou em
recebimento de queixa ou em sentença. O seu cliente foi ofendido e você
deve fazer algo em sua defesa. Portanto, a peça só pode ser a queixa-crime,
que não cai desde o XV Exame de Ordem.

d) Defesa Preliminar (Crimes Funcionais): o art. 514 do CPP diz assim:


“Art. 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida
forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para
responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias.”. Trata-se de peça do
rito especial dos crimes funcionais (crimes cometidos por funcionários
públicos). Perceba que o dispositivo não fala, em momento algum, que a
denúncia foi recebida. Embora tenha havido manifestação do juiz, não houve
o recebimento da petição inicial. Logo, mais uma peça pré-processual. Dica:
antes do recebimento, o juiz manda notificar; após o recebimento, o juiz
manda citar. Se o dispositivo legal disser “notificar”, você já sabe que a peça
é pré-processual. Exemplo: “João foi preso em flagrante pela prática do crime
de peculato (CP, art. 312). Concluído o inquérito, o promotor de justiça o
denunciou pela prática delituosa. O juiz da comarca o notificou a respeito da
denúncia, para que ofereça a peça cabível. Como advogado de João, ofereça
a peça adequada”.
e) Defesa Prévia (Lei de Drogas, art. 55): o enunciado da prova descreverá
situação em que o cliente praticou crime da Lei 11.343/06 – provavelmente,
tráfico – e dirá que a denúncia foi oferecida, mas ainda não recebida.
Exemplo: “João foi preso em flagrante por estar transportando 2kg de
maconha. O promotor de justiça o denunciou pelo crime de tráfico de drogas,
com fundamento no art. 33 da Lei 11.343/06. João foi notificado no dia de
ontem da denúncia. Como seu advogado, elabore a peça cabível”. Perceba,
mais uma vez, que não foi falado em recebimento, fazendo com que o leitor
do enunciado conclua com facilidade que se trata de peça pré-processual.
Como já dito, há outras peças pré-processuais. Algumas serão vistas durante
a nossa preparação. No entanto, as de maior probabilidade para a próxima
segunda fase são as descritas acima. Para que não reste qualquer dúvida,
um “ligue os pontos” do que foi dito.
FASE PROCESSUAL

A fase processual tem início com o recebimento da petição inicial (denúncia


ou queixa). O juiz decide se recebe ou não a inicial com fundamento no
art. 395 do CPP – marque em seu vade mecum, pois pode ser útil no futuro.
As principais peças da fase processual são as seguintes:
a) Resposta à Acusação: é a primeira chance de defesa na fase processual.
O problema dirá que a denúncia foi recebida e que o cliente foi citado.
Exemplo: “João foi preso em flagrante pela prática do crime de roubo. O
promotor de justiça o denunciou pela prática delituosa. O juiz de direito
recebeu a inicial e determinou a citação do réu, ocorrida há dois dias. Como
advogado de João, elabore a peça cabível”. Veja que não foi falado em
audiência ou em sentença. A problema tem como último ato o recebimento da
inicial. A resposta à acusação foi a peça em três Exames de Ordem.

b) Memoriais: como regra, concluída a audiência, advogados e Ministério


Público devem fazer as alegações finais oralmente. No entanto, em algumas
situações, isso não é possível, e o juiz abre prazo para que as alegações
sejam oferecidas por escrito. São os memoriais. Portanto, se o problema
disser que houve audiência, mas ainda não foi dada a sentença, os memoriais
são a única peça possível. Exemplo: “João foi preso em flagrante pela prática
do crime de roubo. O promotor de justiça o denunciou pela prática delituosa.
O juiz de direito recebeu a inicial e determinou a citação do réu. A resposta à
acusação foi oferecida. Ocorrida a audiência, saíram as partes intimadas para
que ofereçam suas considerações finais. Como advogado de João, elabore a
peça cabível”. A FGV já cobrou memoriais em quatro oportunidades.

c) Apelação e Recurso em Sentido Estrito (razões): se o problema disser que


houve decisão de juiz de primeira instância, é bem provável que a peça
cabível seja uma dessas duas. Há outras, a exemplo dos embargos de
declaração, que serão estudadas, mas a chance de caírem em uma segunda
fase é quase inexistente. Para decidir por uma ou por outra, veja se a
hipótese relatada se encaixa em uma das situações do art. 581 do CPP. Se
houver correspondência, faça o recurso em sentido estrito. Caso contrário,
faça apelação. Exemplo: “João foi denunciado pela prática de um homicídio.
Recebida a inicial e ocorrida a audiência, o juiz decidiu pronunciá-lo. Como
advogado de defesa, elabore a peça cabível”. Como o art. 581, IV, prevê que
a peça cabível é o RESE, é a peça a ser elaborada no exemplo. Outro
exemplo: “João foi denunciado pelo crime de roubo. Concluída a audiência, o
juiz o condenou à pena de 6 anos. Como advogado de João, elabore a peça
adequada”. Como o art. 581 não prevê a hipótese do segundo exemplo, por
eliminação, a peça cabível é a apelação. A apelação já caiu em oito edições
da prova. O RESE, em duas, e já não cai há algum tempo, o que me leva a
crer que pode ser a peça da próxima segunda fase. Atenção: pode ocorrer de
o enunciado descrever hipótese em que a outra parte ofereceu apelação ou
recurso em sentido estrito. Neste caso, para defender o cliente do recurso
interposto, deverão ser oferecidas contrarrazões.
d) Embargos Infringentes e/ou de Nulidade: nunca caíram em uma segunda
fase – e, sinceramente, acho que nem cairão. Digo isso pela facilidade da
peça. Os embargos são cabíveis contra decisão por acórdão (decisão de
órgão colegiado, a exemplo de uma câmara criminal de TJ), quando não
houver unanimidade entre os julgadores. Explico: se uma câmara criminal for
composta por três desembargadores, pode ocorrer de dois votarem pela
condenação e um pela absolvição. Neste caso, o réu pode oferecer embargos
infringentes e/ou de nulidade para que o voto do desembargador que
entendeu pela absolvição prevaleça.

e) Recurso Especial e Recurso Extraordinário: nunca caíram, mas acredito


que pela dificuldade. São os recursos cabíveis contra decisões de tribunais
em hipóteses bem específicas, previstas nos arts. 102, III, e 105, III, da CF. O
Recurso Especial leva a discussão ao STJ; o Extraordinário, ao STF. Se
caírem um dia, a reprovação será em massa. Considerando que a FGV pegou
pesado na primeira fase do XXIII Exame de Ordem, não acredito em um dos
dois para a próxima segunda fase. De qualquer forma, serão estudados.
f) Recurso Ordinário Constitucional: carinhosamente chamado de “ROC”, é
uma peça com boas chances para uma segunda fase. O ROC é cabível
contra decisão de tribunal que denega HC e MS. Se a decisão for de TJ ou
TRF, o ROC deve ser endereçado ao STJ; se a decisão for do STJ, a peça é
endereçada ao STF. Exemplo: “João teve a sua prisão preventiva decretada
pelo juiz da 1ª Vara Criminal. Um Habeas Corpus foi impetrado em seu favor,
mas o Tribunal de Justiça o denegou. Como advogado de João, elabore a
peça cabível”. No exemplo, a peça é um ROC ao STJ.

Vejamos mais um “ligue os pontos”:

FASE PRÓ-PROCESSUAL

Considera-se fase pós-processual tudo aquilo ocorrido após o trânsito em


julgado, momento em que a fase processual é encerrada. Como advogado,
há dois motivos de intervenção pós-processual: para a discussão do
cumprimento da pena (ex.: pedido de progressão de regime) ou para buscar a
rediscussão de um caso já transitado, quando nenhum recurso é mais
cabível. Para o Exame de Ordem, há duas peças pós-processuais com
grande probabilidade:

a) Agravo em Execução: é o único recurso cabível contra decisão do juiz da


execução penal. Se o problema disser que o a decisão partiu de juiz da Vara
da Execução penal, pode fazer Agravo em Execução, sem medo de errar.
Exemplo: “João cumpriu 1/6 de sua pena em regime fechado. Embora
presentes os requisitos para a progressão de regime, o juiz da Vara da
Execução penal negou o pedido feito. Como advogado de João, elabore a
peça cabível”. Caiu uma vez no Exame de Ordem.
b) Revisão Criminal: é a peça cabível para voltar a discutir o mérito de um
processo já transitado. Como já não há mais recursos cabíveis, resta ao
injustiçado buscar o que lhe é de direito em revisão – equivalente à rescisória
do processo civil. Exemplo: “João foi condenado pelo crime de roubo.
Transitada em julgado a sentença condenatória, surgem documentos que
provam a sua inocência. Como advogado de João, elabore a peça adequada
em busca dos seus interesses”. Também caiu uma vez no Exame de Ordem.

O “ligue os pontos” final:

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É claro, há outras peças – HC, MS, carta testemunhável etc. Todas elas serão
estudadas. No entanto, a FGV não é de inovar no que vem pedindo. Por isso,
o seu foco deve estar voltado às peças vistas neste resumo. Uma delas cairá
na próxima segunda fase. No próximo post, começaremos com o estudo
individualizado das peças. A primeira será o relaxamento da prisão em
flagrante. Por ora, tenho uma sugestão: leia os enunciados das provas
passadas e tente identificar quais foram as peças cobradas.

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