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CAPÍTULO 3:“QUE BANDO É ESSE? É UMBANDO DE CIGANO!

”:
“Que bando é esse? É umbando de cigano!
Caravana, caravana. Caravana de
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Cigano!”

Dentro da linhagem espiritual dos ciganos não existem sobrenomes, como verificado
na falange dos mestres (Pelintra, Mulambo, Padilha, Acais, etc.), eles se apresentam por meio
de um nome próprio (Adriano, Carlos, Carmen, Leonora, etc.)ou se denominam a partir de uma
característica(Odalisca, da Estrada, Sete Saias, e etc.). Os ciganos se organizam espiritualmente
através dos “bandos”, espécie de organização grupal e étnica que reproduzo modo como
historicamente os grupos ou famílias ciganas são apreendidos interna e externamente.

femininos, com bebidas,cores, objetos, gestos, adereços, etc., realizando pela interaçãoentre
vivos e mortos (MEYER, 2004).

Cigana SeteSaias:
Incorporadaalgumas vezes pela juremeiraThuane, aciganaqueatendepelo
nomedeSete Saias éuma entidadebastantecultuadanajurema, etambém naumbanda. Ela
recebeeste nome por causadasua saia, queécomposta por sete cores diferentes.Conforme
aponta Maia(2014) “A saia setornaum marcador deethos feminino cigano, umaconstrução
simbólicado próprio corpobiológico”, uma certa“naturalização”dessefeminino, quenesse
contexto setornaum “marcador espiritual eritualístico”. A saia daciganaconseguereunir
significações, tal qual o perfume eo leque, quesão características das ciganas.
Assimcomo aciganaOdalisca, seus trabalhosmágico-religiosossão em suamaioria
relacionados aoâmbito amoroso, muito emboranesta casaela nãoseja consideradauma
pombagiracigana. Segundo Thuane,as suas incorporaçõescom esta entidadeforam muito
poucas, edifere-sedas incorporações quetêm com sua
pombagira(entidadedefrente),pela“leveza”desua energia.Quandoincorporada,
preferebebercerveja, efumar cigarros. Sua performance reproduz ideia de erotismo entre as
ciganas.

Demais ciganos:
O restantedo bando cigano (Adriano, Pedro eCarmem) não incorporam em seus
“cavalos”, eporisso pouco sesabesobreelesalém deseus nomes.Noentanto, todossão
igualmente cultuados em suas mais diversas formas.

3.2 ASPECTOS GERAIS DO CULTO AOSCIGANOS

As marcas dereligiosidadeentreos ciganos são apontadas por pesquisadores, como


éo caso dePereiraCosta (2009), quenos fala deuma religiosidadeintrínsecaaesse povo,
destacando algumas práticas místicas ou“tradicionais”: cartomancia,quiromancia ouleitura
do destino, como próprias aos ciganos. Nalegislação e nas práticas de controle sobre
os ciganos, também foram associadas a“feitiçaria”ou embuste, servido tanto como
símbolo de identificação como de discriminação social. 75
Deacordo com Pai Bal, os ciganos fazem partedeuma “raça”quezela
pormuitaalegriaefartura. Irradiam muita energiapositivaem seus trabalhos mágico-
religiosostrabalham com lenços,fitas, punhais, adagas, moedas, incensos eelementos como
terra, fogoeágua, também serecorrendoaos astros: lua, sol e estrelas. Trabalham com
todososassuntos, mas nacasainclinam àfalangeaprosperidade,ao financeiro eaadivinhação.
Isso não significaquenão haverátrabalho amoroso feito com eles, estessão
realizadosgeralmente pelas pombagiras ciganas. Raramentesão utilizados paratrabalhos
negativos. O hábito detrabalharcom as cores écaracterístico entreos ciganos,
fazendodiferenciar-sedeoutras falanges.
As ciganasencantadassão tidas comomais vaidosas, adoramusar roupascoloridas,
brincos, pulseirasebatom, quando incorporadas costumam desfilarpelo terreiro com seus
leques etaças devidro.São conhecidas pela leiturado presente, passado efuturo através
dapalmadamão,das cartas eaté daborradecafé. Jáos ciganos, neste terreiro, sãomais
discretos, emboraadorem usaranéis deouroechapéu.Costumam trabalharmais para
o financeiro do juremeiro.

Figura17: “Paraosespíritos”.–LucasM.A.Vale.AcervoPessoal.

Quando escolhemum “cavalo”sãobastanteradicais,sãoespíritos taxativos:“trabalham


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primeiro para cobrar o que é deles, eeles sempre cobram!” .Segundo o pai-de-

Informaçãooral.Pai Aderbal dosSantos.Caicó/RN.7de janeirode 2017.76


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santo, “nãofazemnadasem quehaja umaboabarganha” . Os seus discípulos, deacordocom
Faninha, herdam deles avaidadeeaintuição.“São pessoas perfeccionistas, queadoram andar
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arrumadas” .
Deacordo com os médiunsqueincorporam com estes espíritos,
suaenergiadiferencia-sedas outras falanges porser“mais leve”.Isso dá-seao fato
dequequasenuncatais espíritos recorrerem ao uso das energias negativas, que é
considerada“pesada”.

Os assentamentos
Os assentamentos dafalangedosciganosdiferenciam-seno YlêAxéNagô
Ôxáguiãdetodosos outros por ao invés deseremarranjados sobumalguidardebarro, são
montadosutilizandolouçadevidro. Segundo Pai Bal, os ciganos encantados podem ser
cultuados no alguidar debarro, eaté mesmo numagamelademadeira, como já presenciou em
outros terreiros, noentanto alouçadevidro setornou padrão em sua casa, pois deacordo com
eleéconsideradaaforma mais puradesefazer.O vidro paraeles simbolizariqueza,eéo mais
adequado paraespíritos responsáveis por agir sobreo caminho financeiro.

Figura18: “Assentamentoda cigana Leonora”.–LucasM.A.Vale.AcervoPessoal.

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Idem.
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Informaçãooral. AdaufanyBarbosaSimões.Caicó/RN.12de fevereirode 2017.77


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Os assentamentos dos ciganosem geral tem como baseum prato devidro
(queficaembaixo esão usados parasecolocar as oferendas),em cimadele vai uma
vidência(que podem ser jarros, taças, copos ou pratos fundos)cheia de água e com gotas
deperfume(podendo haver também algumapedraou cristaldentro),
acimadavidênciaficaoutralouçadevidro, queservecomo recipiente parao otar etodas as outras
coisasquevão dentro (moedas, mel, azeitedeoliva, castanhas-do-pará,noz-moscada,
pimentadacostaepimentado reino).

As oferendas
Háum lequeextenso deoferendasqueagradamos ciganos. Deacordo com PaiBal
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“Ciganos sesatisfazem desde umajoiaauma moedadecincocentavos” . Aeles geralmente são
ofertadosincenso, chá, perfume, frutas, rosaseanimais.Pai Bal citou em entrevistaum
pratocozidoqueagradabastanteo seucigano, feito comarroz, porco,maracujá, azeite,
melecastanha-do-pará.

Figura19: “Oferenda aocigano”.–LucasM.A.Vale.AcervoPessoal.

A sangria(bebidaalcoólicafeitaàbasedefrutas vermelhas evinho)éconsideradaa


bebida típica dos ciganose é feitaem momentos especiais, como na festa dos ciganos. Em
dias demesadejurema ou degiraos ciganos geralmente bebem vinho, mas deacordo com
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Quandose trata de uma pomba-gira cigana,a vidência de vidroé trocada poruma de barro.
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Informaçãooral.Pai Aderbal dosSantos.Caicó/RN.7de janeirode 2017.78


Pai Bal háos queprefiramchampanhe, cerveja, whisky, cachaçaouvodca. A
bebidavariadeacordo com o gosto do espírito.
As oferendas são quasesemprecolocadas dentrodos assentamentos, ou em cimado
prato queservecomo base, nesta últimasituaçãoo prato écolocadono topo comasofertas.Há
também a possibilidade de ofertar a todos os espíritos em coletivo, dentro deum alguidar.
Os animaispodemserofertadosvivos(apresentados no assentamentoesoltos namata),
ou sacrificados no ritual dematança–oqueémais comum. Sacrificam-separaos ciganos:galos,
galinhas,carneiros, ovelhas, cabras, pavões eperuas. Os animais do sexomasculino são
ofertados aos espíritos dogênero masculino eosanimais do sexo feminino são ofertados aos
espíritos do gênero feminino.

Figura20: “Pai Bal e a fogueira dosciganos”.–LucasM.A.Vale.AcervoPessoal.79


Figura21: “O sangue que alimenta oespírito”.–LucasM.A.Vale.AcervoPessoal.

No YlêAxéNagô Ôxáguiã, mensalmente ofertam-sefrutas aos ciganos.O


ritualocorreimpreterivelmentenaprimeirasegunda-feirado mês, ondetambém são ofertados
farofa-de-dendêparaos exus eum prato com bifes paraas pombagiras.Trata-sedeum
compromisso feito com os encantados, em
trocadesegurança,estabilidadefinanceiraeemocional.As frutassãovariadas, costumam dar
uvas, morango, mamão, maçã, melancia,maracujá,goiaba,laranja eetc. Ciganossão
considerados espíritos muitounidos. Quando um come, todos devem comer, e por isso as
frutas devem ser ofertadas a todos os ciganos. 80
Figura22: “Oferenda à cigana Esmeralda”.–LucasM.A.Vale.AcervoPessoal.

A Festa Os ciganos sãodescritos pelo pai-de-santocomo um povo muito festeiro,


e,segundo ele,esta característicapermaneceapós amorte. ParaPai Bal,afesta dos ciganos
éuma dasmais belas emais ricas. O salão enche-sedecor, com fitas coloridas penduradas em
varais.Aliás, as cores nas festa ecultos aos ciganos são intensas, ondeo vermelho eoutras
cores fortes se destacam, tal qual a saia daciganaanteriormente citada.
A festa, queaconteceno mês deabril,começacom uma giraeno meio dela
sãoofertadas asfrutasnos assentamentos enospés daJurema, ao termino do ritual estas frutas
são retiradas eofertadas aos presentes. Acreditamqueasfrutassão abençoadas emultiplicaseu
valor positivo. Éfeito umafogueirano centrodo salão,o chão podeser forrado efolhasesão
feitas barracas ondeos ciganos incorporados fazem consultas eatendem em trocas
depresentes (moedas, frutas, joias, etc). 81
Figura23: “Barracacigana”.–Fotocedida.AcervoPessoal.

Nadamais simbólico queabarraca(Figura5)paraser espaço derealização de


uma “festacigana”, quereproduzaideiademobilidadeeexoticidadeentreos ciganos, até
mesmo depois de desencarnados (OKELY, 1983).
A festainicia-seno cairdanoite, geralmentehámuitos convidados etodossão
convocadosaentrar nagira.Láeles batem palmas eacompanham os pontos-cantados. Após
afesta, uma jantageralmente éservidaondeos “pagãos”são usadosem seu preparo.Além
das frutas, a sangria é consumida por todos.

3 3 O QU OS JUREME ROS PE SAM S BR OS CIGA OS?


V mos até qui dive sas no ões constru d s a pa ti da experiê cia mágicorelig osa jurem ira s
br os espír tos ciga os, nde e tes apar cem omo p vos sá ios detent re de conhecime tos mág
c s e divinatór os, com ro p s e go tos característ c s e que traba ham a a a prosperid de, u a e
a or. E tas no ões form la no jurem i o o entendim nt do qu , do que nã é, ser cig no, v sto
que udo aq ilo que oge d ste mo e o é refut
V mos até qui dive sas no ões constru d s a pa ti da experiê cia mágicorelig osa
jurem ira s br os espír tos ciga os, nde e tes apar cem omo p vos sá ios detent re de
conhecime tos mág c s e divinatór os, com ro p s e go tos característ c s e que traba ham a a
a prosperid de, u a e a or. E tas no ões form la no jurem i o o entendim nt do qu , do que nã
é, ser cig no, v sto que udo aq ilo que oge d ste mo e o é refut 3 3 O QU OS JUREME ROS
PE SAM S BR OS CIGA OS?
V mos até qui dive sas no ões constru d s a pa ti da experiê cia mágicorelig osa
jurem ira s br os espír tos ciga os, nde e tes apar cem omo p vos sá ios detent re de
conhecime tos mág c s e divinatór os, com ro p s e go tos característ c s e que traba ham a a
a prosperid de, u a e a or. E tas no ões form la no jurem i o o entendim nt do qu , do que nã
é, ser cig no, v sto que udo aq ilo que oge d ste mo e o é refut

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Diante das incursões nocampo percebi queacategoria “raça”éum
marcadorbastanteutilizado paradestacardiferençasentreos espíritos ciganos edemais
entidades. Há magias efeitiços quesão conhecidas apenas pelos ciganos, esuas formas
desevestir gesticular efalar, também reforçaaideiadaexistência deuma diferençacultural
eétnica-racial dosoutros espíritos. Há, porém, além deuma diferençamaterial
esimbólicaentreos espíritos, aconstrução devalorização distintaparacom os vivoseosmortos.
Os espíritosancestrais são vistos com bons olhos esão desejados pelos juremeiros, enquanto
queosciganos vivossãocriticados por uma supostaperdade“características daraçacigana”,
pornão demonstrarem as mesmas característicasencontradas nos encantados.
Quando perguntei ajuremeiraFaninha sobreoqueéser cigano, amesma
merespondeu:
"cigano é troca! Cigano é negócio! Você me dá, eu lhe dou! Mão vai,
mãovem!Eu sempregosto dedizer que eu era pra ternascido em
bandocigano, pra estar no meiodo mundo!Não ter umcanto só!Cigano
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ériqueza, cigano é amor!".

Vemos nesta falaacimao uso dealguns estereótipos comunsaos ciganos, como aquele
que“naturalmente”realizatrocas, sabebarganhar. Esta característicatambémencontra-
seligadaaideiadeviverem “bando”enuma situação denomadismo ou viver“no meio do
mundo. Não ter um canto só”. InteressantequeFaninhanuncaconheceu nenhum “cigano
vivo”, seu contato semprefoi com os ciganos encantados. Em entrevista,contou-me
quequando eracriançavia as caravanas deciganos passando com suas carroças pela cidade,
esempreachou aquilo lindo. Paraela: "Aúnica diferença entre os ciganosvivos e os mortos é
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o conhecimento, os ancestrais são os que têm mais" .
Presente no discurso tanto deFaninha como no dePai Bal, háo lamento em
nãoreconhecer as características dos encantados nos ciganos vivos. Os ciganos dehoje,
segundo eles, teriam perdido aculturaeasabedoria, emuitos deles nemsepermitem
serchamados deciganos.

Os ciganos encantados eos ciganos vivosParaos Juremeiros háduas modalidades desere


estarcigano: ados vivoseados

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Informaçãooral. AdaufanyBarbosaSimões.Caicó/RN.12de fevereirode 2017


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Idem.86
encantados. Um não émenos ou mais real queo outro, entretanto avalorização éfeitade
maneiraassimétrica, dando aos últimos citados maiorimportância eautenticidade. Estas
modalidades sãoconstruídas apartir desuasexperiênciasmágico-religiosas, definidapor
Chaves (2012) como:
Avivência de uma realidadeque compreende campos
cognitivos,sensoriais, emocionais, reflexivos, entre outros,
estreitamenteintricados.Talvivência é ainda, naturalmente, composta
pormúltiplasdimensõesdesignificados culturais, nasquais individuo e
sociedade, pensamento eafeto, experiência ordináriae místicanão estão
separados.(CHAVES,2012, p. 119)

Os “ciganos vivos”, sãoos ciganos do presente, aqueles que(sobre)vivem no


Seridó potiguarou no restantedo mundo. A elesédado um papel demenor importância,
pois não demonstram teras mesmas características sublimadas nos “ciganos
encantados”.Em geral são tidos como“comuns”, ou seja, sem conhecimento mágico-
religioso. Segundo aóticajuremeira, separecem emisturam-secom os não-ciganos,
cultivando apenas poucasou nenhuma semelhançacom os ancestrais cultuados.Entretanto,
apesar deestarem em umpatamar inferior, os ciganos vivossão ainda assim tidoscomo
povosdignos derespeitopelos juremeiros, e devem ser isentos dos estereótipos negativos
quea eles são associados.
Jáos “ciganos encantados”são aqueles quesão cultuados naJurema Sagrada,
quetêm suas histórias contadas nos pontoscantados eincorporam em seus “cavalos”, afim de
sedignificarespiritualmente etrabalharem proldesi edos outros.Sãoaqueles queainda,
segundo os juremeiros, guardam os segredos damagia cigana,dacartomancia edaleiturade
mãos. São eles que têm o poder de ajudar.87
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo o sociólogo Émile Durkheim(2003) as representações religiosas


são“representações coletivasqueexprimem realidades coletivas”(DURKHEIN, 2003,
p.38)eos seus ritos “são maneiras deagir quesurgem unicamentenoseio dos grupos
reunidosquesedestinam asuscitar,amanter ouarefazercertosestados mentais desses grupos"
(DURKHEIN, 2003, p.38), tomando isto como premissa,compreendemos queas
representações religiosas dos juremeiros sobreos ciganosexprimem as suas próprias
realidades enoções construídas sobreo queéser cigano apartir dasua experiência com
osagrado, eseus ritos (rituais, oferendas, festas etoadas) eféagem como legitimação
emanutenção destas representações.
Nestas representações os ciganos são sublimados, objetos deféedevoção. No
terreiro deJurema os ciganos encantados operam magicamente, fazem usodacartomancia
eoutros métodos divinatórios, erealizam trabalhos espirituais afim deajudaro próximo.Estes
ciganos são despidos dequalquerestereótipo negativo queatingeos ciganos vivos: osditos
comosujos, ladrões e traiçoeiros.
Além deformular ideias sobreos ciganos encantados, areligião juremeirano
YlêAxéNagõ Ôxáguiã criaparâmetros de“ciganidade”paraos ciganos do presente baseado
em seus ritos erepresentações, queapesar deigualmente despida deestereótipos
negativos,impõeavalorização desigual das duas categorias emdetrimento do seu
entendimento doque é ser, e do quecaracteriza os ciganos.
Refletir acercadas operações deconstruções sociais eimagéticas deconhecimento
sobreaetniaciganano culto aos espíritos/entidades
ciganosnaJuremaSagradadoYlêAxéNagôÔxáguiãfoi uma tarefaquesó setornou possível
graçasàimersão etnográficanocampo depesquisa. Pormeio das entrevistas, observação
participante, doestabelecimento deumarelaçãodeconfiançacomos informantes edo acesso
aos rituais mais privados, foi possível descrever um poucodo imenso campo
dasrepresentações e símbolos sobre os ciganos encantados.
Acompreensão sobreasmaneirascomo os religiososrealizam os seus
rituais,edecomo, por meio deles,(re)significam culturas eapropriam-sedestas em suas
práticas sagradasfoi acessadaetransformadaem texto por meio deum exercício complexo
de88
alternânciaentremeu próprio lugar deproduçãoenquanto juremeiro–com obrigações,
deveres,conflitos,e relações hierárquicaseafetivas–e como pesquisador.
Observar o familiar nãoéuma tarefafácil, realizar uma (auto)etnografia comaqueles
queseconstituem como suaprópriafamíliaéaindamais difícil. Foi necessáriodespir-me
dosconceitos pré-existentes epensaralgo quefazpartedasminhas práticascotidianas através
dooutro, quetambém épróximo. Foi, sobretudo, um exercício dealteridadeesensibilidade.
Aome colocarenquanto pesquisador,dentro do meu próprio terreiro,passei ame questionar
eperguntar sobrecoisas quejamais antes despertaraaminha curiosidade.
Permiti-meser afetado pelo meu campo depesquisa, enão
hádúvidasdequeantropólogos menos afetados poderiam produzir algo totalmente
diferentedaquilo quefiz.São esses diferentes tipos deafetos, visões e/ou perspectivas, que, no
meu entendimento,enriquecem o debate antropológico ea produção de conhecimento.
Diante do exposto, acredito queestetrabalhoavançanoestudosobreaquilo quesepensa
eserepresentasobreos ciganos, sejam elesvivosou encantados.
Esperoquemesmosetratando deuma análisemuito particular, esta dissertação permita o
alargamento dacategoria“cigano”, sobretudo, no quedizrespeito ao
pensamentoreligiosoenacompreensão darelação das culturas ciganas (ou do quesepensa
ser culturacigana) com amagia, enquanto um processo social ehistórico envolvido por
crenças ereligiões (muitas vezes pertencentes àqueles quenãosão ciganos).Também
buscamos contribuir com o estudodaJurema nordestinaedaAntropologia das
Religiões,dando enfoqueao culto deentidades quegeralmentesão associadas apenas
àumbanda,equenajurema, ou catimbó,ganham formas particulares de culto.

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