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Especial

Dicas de Mestre II
~iuiio-tec~ ~iFic~
Downloads de hvros e matena1s de RPG !
J. M. Trevisan
Marcelo Cassara "Paladino"
Rogério "Katabrok" Saladino

Dicas de Mestre II
Dragão Brasil Especial

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Dragão Brasil Especial

Diretor Capa
Ruy Pereira Dawis Roos

Editor executivo Ilustração de capa


Marcelo Cassaro " Paladino" Evandro Gregorio

Editores-assistentes Revisão
J. M. Trevisan Maria Helena Nery
Rogério "Katabrok" Saladino
Editoração eletrônica
Fernanda Gomes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Trevi san, J.M.


Dicas de mestre TI: Dragão Brasil Especial / J.M. Trevisan, Marcelo Cassaro
"Puladino", Rogério "Katabrok" Saladino . .-- São Paulo: Talismã, 2004.
1. Dragão Brasil (Revista) 2. Jogos de aventura 3. Jogos de fantas ia 1. Cassaro,
Mnrcelo. li. Saladino, Rogt:rio. IH Título.

04- 31 16 CDD-793.93

fntlices para catálogo sistemático:


1. Jogos de aventura : Recreação 793.93
2. Jogos de fantasia : Recreação 793.93
3. "Rolcplaying Games" : Recreação 793.93

!' edição: maio de 2004


Tiragem: 1O mil exemplares

Todos os direitos reservados à Editora Talismã Ltda.


R. Cel. Paulino Carlos, 176 - Paraíso - CEP 04006-040 - São Paulo / SP / Brasil
Telefax: (11) 3052-2288
Na Internet: http://www.dragaobrasil.com.br
Correio eletrônico: dragaobrasil@uol.com.br

Copyright © 2004 by Dragão Brasil, uma publicação da Editora Talismã Ltda.


ISSN J4 l 3-599X
Sumário

Apresentação ....... ... ...................................... ..... ............... 7


I - A interpretação do mal .. .. ....... .. .. .. ..... .. .. .. ..... .. .. .. .. ... . .. . 11
11 - A maldição do estereótipo .. .. .. .. ... .. .. .. ....... .. .. .. .. ..... ... . 15
III - Suspense! ........................... ...................................... 21
IV - Dungeons inteligentes ........................ ..................... 27
V - Ser humano........... .................................................... 33
VI - A primeira missão..................... ............................... 39
VII - One shot - Aventuras de uma tarde ...... .............. .... 44
VIII - Adaptando ............................................................. 50
IX -:-- Viva e deixe viver ......... ..................................... ...... 56
X - Unidos .................................... ................................... 62
XI - Low power ......................... .. .................................... 70
XII - Mundos perdidos ... .............. ................. .... .. ........ .... 77
XIII - Viver o jogo ......... ........... ...................................... 85
XIV - Deuses!... .............................................................. 91
XV - Magia elástica ou mutável? ................................ .... 99
XVI - Meu monstro! .... ..................................... .............. 106
XVII - Inimigos .................... ........ ................................... 116
XVIII - Impostor ......................... .................................... 124
XIX-Que os jogos comecem! ........................................ 130
XX - O lado negro do RPGista ........................................ 1 37
XXI - Vilão também tem razão! . .. .. .. ....... ... . .. .. .. .. .. .. .. .. .... 144
XXII - Que os céus nos acudam! ........................ ............ 151
XXIII - Morte ... . .. .. .... .. .. .. .. ... .. .. .. .. .. ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ... .. .. .. . 160
XXIV - A interpretação do mal - II ................................ 167
XXV - Mascote .. . .. .. .. .. .... .. ..... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ....... 174
XXVI - O peso da honra ................................................. 179
XXVII - Como é bom ser looouco ! ................................. 189
XX VIII - Apelões ! .......................................................... 194
XXIX - A conquista da fama ............. .............................. 205
XXX - Bom senso ............... ........................................... 211
XXXI - Monstros com Inteligência ................................ 217
Glossário .............. ... ... ................. .. .... ....... .... .................... 225
Dados sobre os autores ...................... ...... ...... ....................... 23 3
Apresentação

Ser Mestre é uma grande responsabilidade.


Quem já tentou, quem pretende tentar ou quem tem medo de
entrar nessa sabe do que estou falando. É nas mãos do Mestre de
Jogo que, inicialmente, cai toda a responsabilidade de criar uma
aventura ou campanha divertida, memorável, inesquecível. É claro
que os jogadores também tem sua parte no sucesso ou não da expe-
riência, mas é ele quem interpreta os NPCs, quem dá clima à história,
quem envolve os j ogadores no mundo imaginário em que vivem os
personagens.
Um bom Mestre pode transformar um RPG simples, com pou-
cas regras e ambientação pobre numa verdadeira obra de arte. En-
quanto um Mestre mal preparado pode arruinar o mais perfeito RPG
do mundo.
Imaginem então qual o tamanho da responsabilidade de alguém
encarregado de fornecer as dicas necessárias para que este "traba-
1ho" seja desempenhado de melhor forma possível. Ou pior: imagi-
nem "substituir" Marcelo Cassam, em tal tarefa.
O que pouca gente sabe é que quando ingressei na Dragão
llrasil há quase 10 anos (sim, o tempo voa mesmo!), jamais imagi-

7
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

nei que me tomaria Editor-Assistente, ou mesmo que iria escrever


matérias regularmente. Minha intenção era colaborar com histórias
em quadrinhos e contos, tipo de coisa com a qual já tinha bastante
familiaridade na época.
Mas a progressão foi natural. Aos poucos fui desempenhando
mais papé is. Passei um bom tempo escrevendo quase tudo o que
saia de Vampiro: A Máscara (numa época em que o jogo ainda era
divertido), fiz resenhas e matérias para AD&o, digitei os anúncios
da Barraquinha do Ore e as cotações das cartas de Magic.
Uma das poucas seções que não tinha ainda passado "pelas
minhas mãos" ainda era mesmo a "Dicas de Mestre". Aliás, nem
pelas minhas mãos nem pela de ninguém que não fosse o Cassam.
Todo mundo compreendia isso na boa, afinal, aquele era seu "can-
to". O playground onde ele gostava de exercitar sua parte mais cria-
tiva. E por muitas e muitas edições as coisas continuaram assim.
Dicas era do Cassara. Beleza. Jóia. Tudo numa boa.
Até o dia em que ele ME pediu para escrever um texto para a
seção.
Eu já tinha uma boa experiência como Mestre. Sou daqueles
chatos, que gostam de elaborar tudo com antecedência, que se preo-
c upa com background, com os NPCs, com o equilfbrio entre porrada
e roleplay. Na prática a gente sabe como funciona. Com o passar dos
anos acaba virando instinti vo: você se enfia atrás da screen e já sabe
o que fazer. Mas como teorizar sobre tudo isso? Como escolher te-
mas que sejam relevantes tanto para o garoto que está começando
quanto para o veterano que, em alguns casos, joga até há mais tem-
po que eu? Além do mais, os leitores já estavam acostumados com o
estilo do Cassaro e com a alta qualidade dos seus textos. Como pre-
encher esta vaga (mesmo que esporadicamente) sem decepcionar
ninguém?
Tudo isso passou (ou deve ter passado, já que as recordações
nunca são totalmente precisas) pela minha cabeça naquele mês. E
nessas horas a resposta parece tão complexa e impossível quanto
um enigma de masmorra baseado em matrizes e equações de segun-
do grau (e sim, um Mestre nosso já fez isso!).

8
D ICAS DE MESTRE II

Para minha sorte, a verdadeira solução era bem mais fácil do


que parecia.
Muito do que era necessário para resolver os problemas en-
frentados pela maioria dos Mestres já vinha de minha experiência
com histórias em quadrinhos, a arte que tem tanto em comum com o
RPG. Além disso, muitas das dificuldades encontradas são comuns a
boa parte das mesas de jogo. Inclusive a minha.
A partir daí foi só uma questão de colocar o peso da responsa-
bilidade de lado e refletir sobre o que acontecia todas as vezes que
nos reuníamos para jogar. Cada sessão acaba inspirado um tema, um
tópico diferente. Conforme os meses se passavam escrever as Dicas
de Mestre se tornava tão natural quanto redigir qualquer outra parte
da revista. Só que a importância de guiar os outros pelos caminhos
que eu já havia percorrido tornava essa missão não mais um fardo,
mas uma diversão.
É lógico que, como o Cassam disse na introdução do primeiro
volume deste livro, hoje em dia as coisas são um pouco mais difí-
ceis. Afinal de contas, são anos e anos escrevendo e mesmo o mais
talentoso mágico um dia acaba se vendo com cada vez menos tru-
ques na manga.
A grande vantagem, nossa grande salvação, é que nenhum jo-
gador é previsível. E cada vez que um deles aparece com uma nova
idéia, um novo desafio surge para quem controla o jogo.
E cada vez que isso acontece, nascem novas Dicas de Mestre.

J. M. Trevisan

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1
A interpretação do mal

É correto assumir o papel de personagens malignos?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 12

Quando teve que opinar sobre a matéria "Demônio: a negocia-


ção", publicada na edição da Dragão Brasil #12, este paladino aqui
enfrentou um dilema. Era um ótimo artigo, oferecendo instruções
para o uso de demônios corno personagens do sistema Storyteller -
que abrange os jogos Vampiro, Lobisomem e outros. As regras eram
bem planejadas, a adaptação era convincente ... mas havia um pro-
blerninha. Eram DEMÔNIOS, pô !
Assim como os vampiros e lobisomens Storyteller, os demôni-
os apresentados no texto não são agentes do mal dedicados à destrui-
ção da raça humana, ou coisa do tipo. São negociantes ambiciosos,
que buscam conseguir almas humanas - da mesma forma que pes-
soas comuns buscam dinheiro. Mesmo assim, pedi que fosse acres-
centada à matéria uma recomendação aos Narradores, para que não
permitam o uso de demônios como jogadores. Tomar almas de seres
humanos, ainda que com sua autorização (e também oferecendo gran-
des poderes em troca), não me parece coisa muito elogiável.
A mesma preocupação perseguiu-me com relação à aventu-
ra-solo "Assalto ao Mestre Arsenal ", publicada em Dragão Bra-

11
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

si/ #11. A aventura colocava o leitor no papel de Andrus, um as-


saltante profissional, bem ao estilo dos ladrões de D&D e AD&D.
Andrus era membro de um sindicato do crime, e seu objetivo era
conquistar a chefia - coisa que ele consegue, assassinando o anti-
go líder e tomando seu lugar. Essa seria a atitude do personagem,
a atitude de um criminoso, supondo que o leitor é esperto o bas-
tante para saber que isso não serve de exemplo na vida real (a
menos que você esteja MESMO cobiçando a chefia de um sindica-
to do crime!).
Tenho esse tipo de coisa em mente porque, por motivos como
esses, o RPG não é bem visto por algumas pessoas e entidades - da
mesma forma que os quadrinhos, os videogames e quaisquer outras
formas de lazer que possam incentivar a violência.

RPG é ruim?

Como é? Incentivar a violência? RPG pode ser prejudicial? Fingir


maldade na ficção poderia influenciar atitudes erradas na vida real?
Sim, se você não consegue perceber a diferença entre o real e o
imaginário. Seria algo tão idiota quanto jogar Mortal Kombat no
fliperama e sair por aí querendo bater em todo mundo, ou assistir
um filme do Rambo e começar a gostar de armas de fogo. Infeliz-
mente existem pessoas assim - e são essas pessoas que trazem má
fama aos RPGistas.
No passado a própria TSR teve problemas com a Igreja Católi-
ca dos Estados Unidos, porque em seu Advanced Dungeons &
Dragons havia demônios entre os monstros que podiam ser enfren-
tados pelos heróis. Hoje, se você consultar o Livro dos Monstros,
não encontrará mais demônios: em seu lugar estão os baatezu e os
tanar' ri, poderosas e malévolas entidades de outra dimensão (gran-
de diferença!). Pelo mesmo motivo o AD&D orienta os jogadores a
não tomarem atitudes malignas e incentiva o uso dos personagens
"bons", como paladinos, rangers e clérigos de deuses do Bem; os
personagens "maus" (monstros, magos necromantes, clérigos de
deuses do Mal...) são usados como vilões.

12
DICAS DE M ESTRE II

Os jogos da editora White Wolf, embora não pareça, também


seguem uma linha de conduta parecida. Seus personagens podem
ser vampiros e lobisomens, mas não necessariamente malignos: são
vítimas de uma maldição e sobrevivem como podem - como em
Entrevista com o Vampiro, onde o virtuoso Louis sofre com a trans-
formação em morto-vivo, mas nem por isso deixa de matar gente.
Nesse caso, contudo, a linha divisória entre Bem e Mal é bem mais
sutil, e deixa de ser notada por muitos.

É bom evitar o mal

Sei que devo estar me repetindo, mas é fundamental separar as


coisas. Para interpretar personagens malignos (ou qualquer outro
personagem) é preciso ser como um escritor de histórias de misté-
rio, que entende o funcionamento das mentes pervertidas dos assas-
sinos - mas nem por isso sai por aí matando gente. Um ator pode
encarnar vilões realmente odiosos, sem que isso tenha influência em
seu comportamento pessoal. Alguns atores, inclusive, sentem-se
muito mal quando precisam atuar em cenas violentas.
Interpretar vilões é diferente de gostar de vilões: alguns perso-
nagens malignos são fascinantes e ganham nossa simpatia, como o
Coringa, Darth Vader, Lex Luthor, os klingons ... mas AGIR como
eles é outra coisa. Adotar um comportamento maligno SEM ser ma-
ligno exige certo preparo psicológico. Se você não tem esse prepa-
ro, fique longe; pode até experimentar uma ou duas vezes, se quiser;
ou chacinar alguns camponeses, sacrificar algumas virgens e estu-
prar algumas donzelas ... mas é bem possível que a experiência seja
incômoda.
Eu, pessoalmente, sinto-me desconfortável com personagens
cruéis. Certa vez joguei uma partida de Vampiro representando um
cainita que era coronel da Força Aérea. A verdadeira natureza desse
rn ronel foi descoberta por dois agentes do FBI, de modo que ele
1kveria matá-los para preservar a Máscara. Esses agentes não eram
11 inguém menos que Fox Mulder e Dana Scully (o Narrador era um
rrunde fã de Arquivo X). Fox e a Força Aérea nunca foram grandes

13
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

amigos. Não foi nada agradável metralhar os dois pelas costas, se


bem que no final eles sobreviveram (com uma ajudazinha suspeita
do Narrador). Fiz a coisa certa-pois, naquele caso, a "coisa errada"
era a coisa certa. Mesmo assim, confesso que não dormi muito bem
depois daquela partida. Às vezes é realmente difícil separar o joga-
dor do personagem.
Portanto, fica aqui o meu conselho: afaste-se de personagens
do Mal, se não estiver realmente preparado para eles. E, acredite,
poucos estão preparados para isso.

Paladino

14
II
A maldição do estereótipo
Por que um personagem sempre precisa ser o que parece?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 33

estereotipar v. t. 1. Imprimir por estereotipia.


2. Tornar fixo, inalterável
(Minidicionário Aurélio)

Talvez um dos grandes males dentro do meio RPGístico seja a


"maldição do estereótipo". Para quem não conhece a palavra, aqui
vai um exemplo prático: quando sua mãe diz que "todo roqueiro é
marginal" ou que "todo jogador de RPG é louco", ela está estereoti-
pando estes tipos de pessoa. Estereotipar é generalizar exagerada-
mente certa característica, como se todos se enquadrassem naquela
descrição, sem qualquer possibilidade de exceção.
Quando a maldição do estereótipo ataca dentro do RPG, joga-
dores e mestres se vêem limitados dentro de meia dúzia de concei-
tos básicos de personagens. Considerando que o melhor do RPG é
fazer e criar tudo o que desejamos, temos aí um grande problema.
Não sei quanto aos outros, mas nos últimos tempos tenho visto
111ai or número de estereótipos em mesas de Vampiro: a Máscara.
Nno em TODAS as mesas de Vampiro ou APENAS neste RPG (o AD&D

15
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

também é vítima deste problema). Mas a incidência nas mesas do


sistema Storyteller tem sido das mais elevadas.
Vejamos o que acontece, então. Em Vampiro existem dois tipos
mais comuns da "maldição do estereótipo". A primeira é a do princi-
piante. Quando começamos a jogar qualquer RPG, é natural se agar-
rar aos exemplos apresentados no livro básico - guerreiros brigões,
anões rabugentos, magos sombrios, bárbaros burros e assim por dian-
te. O apego às características principais de um personagem é uma
forma de se acostumar com o jogo, de pisar aos poucos nesse am-
biente ainda não-familiar.
Até aí, nada demais. É até recomendável. O problema é quan-
do o jogador novato se agarra tanto ao estereótipo que não consegue
mais ir além. Não consegue pensar em outra coisa além de anões
rabugentos e bárbaros burros - o que nos leva ao segundo tipo de
"maldição".
Estereotipar não é privilégio de principiantes. O caso se torna
grave quando jogadores experientes adotam a prática do estereóti-
po. Embora mais "refinado", este tipo de maldição é tão perigoso
quanto o primeiro. Ao contrário do principiante, que se apega sim-
plesmente aos arquétipos de personagem, o experiente "amaldi-
çoado" se agarra com unhas e dentes ao que aprendeu nos livros
de seu jogo preferido. O livro básico é s ua "bíblia sagrada'', e os
suplementos, as " tábuas dos mandamentos". A palavra da editora é
a lei - o que vier em contrário é simples blasfêmia. Logicamente
estamos exagerando, mas as coisas não são assim tão diferentes na
vida real.
Problema exposto, cabe a nós oferecer uma solução viável.
(Hummm ... creio que um simples "Remover Maldição" não seria
suficiente neste caso.)

Nem tudo é o que parece

Mundo das Trevas. Você entra numa casa noturna barra pesada
no centro velho da cidade. Logo de cara vê uma loira deslumbrante,
fazendo um strip tease ensandecido no palco; e percebe que ela é

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DICAS DE MESTRE II

uma vampira como você. Com toda e completa certeza ela é uma
Malkaviana ou uma Caitiff desgarrada, certo?
Errado. Nada impede que nossa adorável vampiro seja uma
Toreador. Qual o problema se, para ela, dançar e tirar a roupa de
modo que todos a desejem é uma forma de arte?
Não se prenda a arquétipos. Nem todo Toreador é "fresco",
anda arrumadinho e tem orgasmos diante de um Da Vinci. E nem
todo Brujah usa jaqueta de couro, cabelo à moicana e só procura
briga. A própria White Wolf oferece, através dos Livros dos Clãs,
personagens bem diferentes do arquétipo básico (geralmente igno-
radas, é verdade).
E a maldição não termina aí. Às vezes, uma característica de
um clã ou tipo de personagem fica tão enraizada na mente de joga-
dores vítimas da "peste'', que poucos conseguem sequer pensar di-
ferente.
O que me faz lembrar uma discussão a respeito dos Tremere.
Apenas sugeri que um tive action se passasse durante urna festa dada
por um dos Tremere mais importantes da cidade. Qual não foi a
minha surpresa quando ouvi que isso seria "impossível"? De acordo
com a pessoa que discordava (amigavelmente, que fique bem cla-
ro), um Tremere JAMAIS daria uma festa. E por quê? Porque mem-
bros do clã Tremere NÃO DÃO festas ! Não é simples?
Que me perdoem os puritanos, mas considero este o estado
terminal da "maldição do estereótipo". Que os Tremere em geral
não dêem festas, vá lá- mas NENHUM deles NUNCA dá uma festinha
que seja? Nada impede que o SEU personagem seja um Tremere
festeiro! Talvez ele já gostasse disso muuuito antes de virar vampi-
ro. O que há de errado nisso? Logicamente alguns podem argumen-
tar que a "organização hierárquica" da farm1ia Tremere JAMAIS per-
111 itiria tal coisa. Bobagem. Eles permitem aquilo que o Narrador
quiser - afinal, ELE é quem manda. Com criatividade, tudo é adaptá-
vd e flexível.
Os Nosferatu são vampiros horríveis que se escondem nos es-
~· 1H os, vivem à margem da sociedade e quase nunca dão as caras,
n •rto? Errado. Em uma crônica que mestrei há algum tempo, um

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DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

amigo jogou com um Nosferatu que era ex-agente da CTA. Ele usava
seus poderes e Disciplinas para encobrir sua identidade e realizar
suas missões sem chamar a atenção.
Querem outro exemplo? Verônica, a vampira Toreador do conto
"Masquerade". Acham que ela se derrete toda diante de quadros abs-
tratos ou canções melodiosas? Ela quer mais é ver sangue, acreditan-
do que a verdadeira arte está em amarrar, chicotear e torturar! Muito
poucos se lembram de como um Toreador pode ser violento e cruel.

Crônicas estereotipadas

Muitas vezes o estereótipo não se prende apenas a persona-


gens. Aventuras também podem ser vítimas da maldição - especial-
mente em live actions.
É sempre a mesma coisa. Quando rola um tive, salvo algumas
exceções, a história sempre gira em torno do tema "problema na
cidade/reunião de elders". No máximo acontece uma variação bem
sutil, mas o cerne da coisa é o mesmo.
É possível variar o tema de live actions sem ficar preso a essa
velha fórmula. Festas ou algum outro tipo de celebração (aqui estou
e u de novo com as festas) são ótimas desculpas para reunir vampi-
ros. Que tal uma festa de Halloween patrocinada pelos malkavianos?
Ou uma exposição das obras de arte de um proeminente membro
Toreador?
Por que diabos os vampiros só resolvem se reunir quando há
"problemas na cidade", quando o "Príncipe desaparece" ou quando
"o Sabá resolve atacar"? Acredite, há muito mais a ser explorado.

Clã vs. individualidade

Voltando a tocar na "ferida" dos tive actions, há também uma


enorme tendência de supervalorizar a importância do clã, deixando
de lado a individualidade do personagem.
Complicado de ma is? Ok, vamos resumir: trata-se do famoso
"onde o elder vai, o clã vai atrás". Estamos falando de outro estereó-

18
DICAS DE MESTRE II

tipo, exaustivamente explorado pelos jogadores de tive actions: o


grupo de vampiros que "segue fielmente seu clã", praticamente como
um time, que tenta trabalhar em equipe para "derrotar" os demais.
Até parece campeonato de futebol.
Ok. Não queremos encher o tive de traidores que sacaneiam
seus líderes . Mas ... será que APENAS a Camarilla, o clã e as intrigas
da sociedade vampírica determinam o comportamento do persona-
gem? Lamento, mas adotar este comportamento "autômato" é colo-
car em segundo plano idéias beeem mais interessantes.
Lembre-se, seu personagem não é apenas um vampiro. Ele já
foi (e ainda é) uma pessoa, com seus próprios ideais, objetivos, con-
vicções, preferências ... Por que vampiros devem ser diferentes? Ele
não foi assimilado pelos Borgs ou algo assim!
Torne seu personagem um indivíduo. Pense no que ele é, não
no que esperam que ele seja. Você não precisa necessariamente se
revoltar contra seu clã e a Camarilla - não mesmo. Apenas deixe de
bancar o cameirinho obediente, lembre-se que "obrigações vampí-
ricas" não são as únicas que o personagem tem.
Tenha opinião própria. Vestir-se de preto, seguir seu "elder"
durante três ou quatro horas, falar polidamente e concordar com
90% do que todos dizem é muuuuito fácil. Criar um personagem
interessante e interpretá-lo de verdade (o que não inclui ficar andan-
do pelos cantos "até que algo aconteça"), isso sim é difícil.

Quebre os moldes

Não se prenda. Use estereótipos e arquétipos como apoio, não


como muletas. Individualize seu personagem, faça com que ele
seja único e tenha opinião própria. Que tenha objetivos e ambi-
ções . Não deixe que ele se torne apenas mais um robozinho na
linha de montagem.
Se você é um Mestre ou Narrador, quebre as regras. Vire o
mundo de pernas para o ar. Surpreenda seus jogadores, ao invés de
colocá-los nas situações de sempre. Afinal, quantas vezes um Prín-
cipe pode ser realmente assassinado?

19
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

A única verdade absoluta dentro do RPG é que TUDO pode acon-


tecer. Esta é a diferença entre fantasia e realidade. Nós nos adapta-
mos ao mundo real. Em um mundo de fantasia, é a realidade que
deve se adaptar a você. Pense nisso e ... quebre os moldes!

J. M. Trevisan

20
III
Suspense!
Como criar (e manter) medo e tensão na mesa de jogo

Artigo publicado na Dragão Brasil# 37

Clima, atmosfera, suspense ... chame do que quiser. Este ingre-


diente chega a ser essencial quando se trata de uma partida séria de
RPG. Kult, Vampiro, Armageddon, AD&D (sem cara feia, senhores,
não vou ter que explicar tudo de novo, vou?), todos estes RPGs de-
pendem, em algum estágio, de um clima de suspense e tensão. De
certa forma, é isso que faz a diferença entre uma partida séria, pesa-
da, e uma "normal".
A idéia hoje é ajudar você a dar clima às suas aventuras. Dei-
xar todo mundo nervoso, sentado na ponta da cadeira, esperando
pelo próximo acontecimento. Isso não quer dizer que jogar de qual-
quer outra maneira seja errado - longe disso. Afinal, como a gente
sempre diz, RPG cada um joga como quer!

Olho na trama!

Não, esta não é uma propaganda disfarçada para que você não
1wrca os incríveis lançamentos em quadrinhos da Editora Trama.
h~o é sério.

21
DRAGÃO BRASfL ESPECIAL

Não há clima que segure uma aventura sem uma boa trama.
Mais que o normal, a aventura climática depende de uma boa histó-
ria. Pense em filmes: basta comparar, por exemplo, True Lies e Seven
- Os Sete Pecados Capitais. Ambos são bons filmes, mas Seven tem
uma trama extremamente mai s elaborada e usa e ab usa do suspense.
Não é fáci l chegar a este estágio, mas existem algumas dicas práti-
cas.
Uma delas é: nunca entregue tudo de bandeja. O Mestre preci-
sa aprender a "segurar" as informações e surpreender os jogadores.
A surpresa é a chave do suspense.
Uma técnica legal é elaborar a trama de forma que a aventura
pareça uma aventura qualquer. Você espera que os jogadores se acos-
tumem com a situação, relaxem e então ... BUM! Vira a aventura de
cabeça para baixo. Isso costuma deixar os jogadores desnorteados,
perdidos e impotentes (na aventura, senhores, na AVENTURA).
Difícil de entender? Bem, vamos ao exemplo. Durante uma de
minhas aventuras de Vampiro, um amigo resolveu jogar com um
personagem extremamente galante. Do tipo Don Juan, com posição
privilegiada na sociedade vampírica. Boa condição financeira, um
belo apartamento, carro ... enfim, uma boa vida.
Entre as mulheres com quem costumava sair, uma era louca-
mente apaixonada por ele - e conhecia sua condição vampírica. O
vampiro se aproveitava para usar e abusar, às vezes tratando-a com
desprezo. Por ocasião da aventura, uma fita de vídeo provando a
existência vampírica foi parar nas mãos de um apresentador de tele-
visão, que convocou seus telespectadores para um testemunho. Ma-
goada, a mulher entrou em contato com o programa e contou o se-
gredo de nosso Don Juan em rede nacional de televisão o que foi
suficiente para que o jovem conquistador fosse caçado por toda a
cidade, perdendo tudo o que tinha e tornando-se um pária dentro da
sociedade (mesmo depois do assunto ter sido resolvido pelos outros
jogadores... ).
Nem sempre a "virada" precisa ser tão radical. Às vezes a suti-
leza mostra-se uma saída mais vantajosa. O interessante é brincar
com os clichês do RPG, coisas que os RPGistas já aceitam quase auto-

22
DICAS DE MESTRE II

maticamente. Em AD&D, o velhinho que vem pedir ajuda para sal-


var sua vila pode ser um monstro canibal transmorfo tentando levar
o jantar para o resto da família! O solícito NPC que salva o grupo de
Vampiro na hora H pode ser urn caçador competentemente disfarça-
do. Percebe o que quero dizer?
Outro recurso válido e muito utilizado é o do mistério constan-
te em nome da tensão. Quem não ficou louco para saber quem era o
assassino de Seven, por exemplo? Não é preciso nem apelar para o
cinema. Arquivo X, seriado cultuado por muitos RPGistas (eu, inclu-
sive), usa e abusa do recurso do segredo perene.
O interessante é deixar que os jogadores cheguem perto de
solucionar o mistério, somente para perceberem que todas as suas
suspeitas eram infundadas. Ern outra campanha de Vampiro, colo-
quei os personagens diante de um problema ainda mais complica-
do: vampiros proeminentes do círculo de artistas da sociedade
vampírica eram encontrados mortos e completamente sem sangue.
Quem é o misterioso serial killer que vem aterrorizando San Fran-
cisco? Responder parece simples, mas não é. Uma história clássi-
ca de assassinato e investigação pode levar a uma trama cada vez
mais complicada (alguém aqui se lembra de Coração Satânico ou
Twin Peaks?).
A idéia neste caso é mostrar somente a pontinha de um iceberg
de mais de três quilômetros. Podemos comparar a trama a um bura-
co raso. Os jogadores cavam, cavam, cavam ... e nunca chegam ao
fundo. Quando finalmente atingem seu objetivo eles olham para
cima ... e percebem que não têm corno voltar!
Portanto, memorize a primeira lição: sem uma boa trama não
há aventura climática. Usar recursos para suspense sem uma boa
hi stória é como torrar o orçamento em um filme que só tem efeitos
especiais. Pode até ficar bonito, mas não leva a lugar algum.

Disciplina e efeitos especiais

É preciso disciplina em uma mesa onde se desenvolve uma


aventura climática. Nem o mai s habilidoso mestre consegue criar

23
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

clima quando as pessoas falam demais, brincam demais ou discu-


tem sobre coisas que não têm nada a ver com o que acontece dentro
da partida.
Para manter os jogadores na linha algumas providências po-
dem ser tomadas. A primeira é considerar TUDO o que disserem como
dito pelo próprio personagem. Não importa se foi uma piada ou al-
gum comentário maldoso: tudo faz parte da aventura. Se o jogador
faz um comentário não aconselhável j ustamente durante a visita ao
Príncipe da cidade ... que sofra as conseqüências. Mostre que, pelo
menos naquele dia, o Mestre não está para brincadeiras. Você verá
como aos poucos os jogadores assumirão seu devido papel quase
inconscientemente.
O clima também depende de fatores externos. Uma atmosfera
de suspense adiciona diversão e facilita o trabalho do Mestre. Abdi-
car da luz elétrica acendendo algumas velas para iluminar a mesa
(com cuidado para não queimar a casa, é lógico) é uma ótima idéia.
A atmosfera escura segue o princípio do cinema: com menos ele-
mentos para desviar a atenção à volta, a concentração do jogador
fica toda no Mestre.
Uma boa trilha sonora também é aconselhável se um aparelho
de som estiver disponível. Trilhas como Drácula de Eram Stoker,
Entrevista com o Vampiro e Conan, o Bárbaro estão entre as prefe-
ridas. Com um pouco de paciência e planejamento é possível, inclu-
sive, preparar uma seleção de músicas para momentos específicos
da aventura. Dá trabalho, mas compensa.
Embora alguns aprovem, prefiro não aconselhar vestimentas
macabras, taças ou coisa do gênero. Pode parecer legal a princípio,
mas não deve ser tão divertido para alguém que não conhece RPG e
entra na sala de repente. Melhor deixar esse tipo de efeito para os
live actions, ok?

Hora do espanto

Nem só de efeitos especiais vive o Mestre. A atmosfera aj uda,


mas não é tudo na aventura climática. Os efeitos nada mais são do

24
DICAS DE MESTRE II

que acessórios para facilitar a vida do Mestre. O trabalho começa


mesmo com o início da aventura.
O medo é, provavelmente, uma das sensações mais espontâne-
as do ser humano. É como um monstro que segue o jogador pelas
ruas escuras e o encurrala em um beco sem saída. Ninguém finge
que tem medo-você sente-o ou não. Sendo assim, como gerar medo
dentro de uma aventura de RPG?
Não é fácil. Medo total e pleno talvez seja um objetivo ainda a
ser alcançado, mas é possível causar aquela inquietação ... aquele frio-
zinho no estômago a que estamos tão acostumados durante os filmes
de suspense. Talvez com algumas dicas consigamos chegar lá.
O Mestre que pretende criar suspense deve ter atenção redo-
brada quanto à descrição dos lugares por onde os personagens pas-
sam. Mais do que nunca é preciso que os jogadores vejam exata-
mente como é o lugar, que sintam o clima de onde estão. Para isso é
preciso aplicação redobrada no que diz respeito aos detalhes.
Sej a minucioso nas descrições. Crie atmosfera. E quando digo
detalhes, não me refiro apenas ao visual. É preciso transmitir sensa-
ções; uma vez que o corpo do jogador não está lá para vivenciar o
momento, VOCÊ, como Mestre, deve fazer o papel dos sentidos do
jogador, preenchendo a lacuna e transmitindo as sensações para ele.
Som, tato e cheiros - principalmente cheiros. Use e abuse das metá-
foras e comparações. Como experiência própria, eu até hoje odeio
maionese por causa de uma maldita comparação feita por Frank
Miller em Elektra Assassina ...
Para quem não está fam ili arizado com tal "excesso descriti-
vo", vale a pena dar uma olhada nas obras de Edgar Allan Poe e H.
P. Lovecraft, mestres do terror gótico. Para uma versão mais con-
temporânea da mesma técnica, a dica é Stephen King (esqueçam os
filmes; os livros são assustadoramente incríveis).
Na luta para causar pânico vale tudo. A falta de escrúpulos do
Mestre é quase pré-requisito. Todas as táticas são válidas para que o
jogador se sinta realmente mal.
Separar o grupo, por exemplo. É um golpe baixo, mas dá resul-
tado - principalmente dentro de urna campanha. Depois de muito

25
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

tempo agindo j untos, os jogadores adquirem um senso de conjunto e


união que traz vantagens, mas os torna dependentes. Quando este
elo é quebrado, a desorientação é quase assegurada. O personagem
precisa reaprender a "se virar sozinho'', e até lá estará completa-
mente vulnerável a táticas maquiavélicas.
Procure fraquezas. Faça experiências com o personagem, ten-
tando descobrir o que ele (o jogador) teme. Explore o medo como
quem cutuca uma ferida aberta. Tente! É como brincar com ratinhos
de laboratório ...
Bem, senhores, o assunto é extenso - mas o espaço, limitado.
Há pelo menos mais uma dúzia de dicas nesse sentido. Mas, com o
que foi exposto aqui, já temos um começo. Provavelmente você vai
encontrá-las por si próprio . E não se espante se seus jogadores o
olharem com preocupação antes de cada sessão de jogo...
A título de curiosidade, a maior parte dessas dicas foi colhida
do livro básico de Ravenloft, um mundo de terror gótico dentro de
AD&D. Só uma cutucada em quem ainda acha que AD&D é só panca-
daria ...

J. M. Trevisan
(Editor-assistente,. roteirista,
filho pródigo e sádico de plantão)

26
IV
Dungeons inteligentes
Por que a aranha gigante não ataca
os homens- lagarto no aposento vizinho?

Artigo publicado na Dragão Brasil # 37

Sempre odiei dungeons. Masmorras, cavernas, túneis, caste-


los, ruínas - ou seja, qualquer tipo de local cheio de aposentos po-
voados de monstros.
Desde que comecei ajogarRPG com certa freqüência e me apai-
xonei por AD&D, há cerca de seis ou sete anos, contraí uma grave
alergia a este tipo de cenário. Sou o tipo de jogador que prefere
pensar, interpretar, interagir com dúzias de NPCs inteligentes e vagar
por cidades exaustivamente planejadas. Pensando deste modo, o que
diabos pode haver de interessante em entrar na masmorra, abri r por-
tas, matar monstros e coletar tesouros durante a aventura inteira? A
resposta não é muito animadora.
Há quem goste de aventuras tradicionais, do tipo matar-pilhar-
destruir. Mas os que não gostam devem simplesmente eliminar o
gênero dungeon de seu cardápio de aventuras? Por incrível que pos-
sa parecer, a resposta é não.
É possível transformar uma aventura com dungeon em algo
16gico, desafiador e coerente sem apelar para três dúzias de criatu-
rns escolhidas no Livro dos Monstros ou tabelas de encontros aJea-

27
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

tórios. A idéia aqui é fornecer algumas dicas para que sua dungeon
se torne menos "descerebrada", por assim dizer, e o Mestre seja ca-
paz de contentar todos os tipos de jogadores.

Background: masmorras têm história

Encaremos a realidade: é impossível, dentro do RPG, escapar


da importância do background (passado, história... ). Ele é como um
míssil teleguiado, que nos persegue em todas as etapas de elabora-
ção de uma aventura de RPG. E aqui não é diferente.
Uma dungeon não existe simplesmente por existir! O primeiro
passo para a construção de nossa dungeon é dar uma história a ela.
O background é que vai ditar boa parte das etapas seguintes.
Pense exatamente em como você quer sua dungeon e depois
recue no passado. Pense no porquê das coisas serem como são. Por
que a dungeon está exatamente ali? Qual é (ou foi) o papel dela
dentro do contexto da região onde ela se encontra? No caso de uma
ruína, o que havia ali antes de ser destruído? Por que isso aconte-
ceu? Como influencia o lugar nos tempos atuais?
Essas perguntas parecem simples, mas não são. Todo back-
ground exige um bom planejamento e horas de trabalho do Mestre.
É trabalhoso, mas não muito difícil: tendo em mãos a idéia primor-
dial, o restante vem como conseqüência.
Vamos usar aqui um exemplo prático. Comecemos supondo a
existência, em tempos passados, de uma grande população de anões
vivendo dentro da enorme montanha Algrandhir. Rica em jóias e
minérios, a montanha possibilitou aos anões o comércio com os rei-
nos humanos, transformando o que antes era uma pequena comuni-
dade em um império situado dentro de suas entranhas.
Durante uma das inúmeras escavações, o anão Durghar Fire-
blade encontrou encravada na rocha uma enorme pedra preciosa de
dois metros de altura e um quarto de diâmetro. Era a maior já vista e
valeria uma fortuna. Com muito esforço a pedra foi extraída - mas,
em vez de fortuna, ela trouxe o terror! O buraco que se formou onde
antes estava a pedra era uma passagem para um reino de criaturas

28
D ICAS DE MESTRE II

maléficas e mortais. Agora livres para invadir este mundo, elas dizi-
maram a outrora gloriosa sociedade anã ...
Ainda hoje o nome da cidade fantasma de Algrandhir é sussur-
rado pelos quatro cantos do continente. Uns a procuram em busca
de riqueza e prosperidade - outros, na esperança de vingar seus an-
tepassados mortos. A verdade, porém, é que pouco ou nada se sabe a
respeito das criaturas que agora povoam a antiga cidade ou o lugar
de onde elas vieram. Pelo que se sabe, ninguém que tenha partido
para Algrandhir foi capaz de voltar para contar a história...
Admito que é um exemplo simples, apenas para ilustrar o tópi-
co, mas todas as perguntas podem ser respondidas partindo deste
simples resumo. Temos a idéia principal. O resto é só uma questão
de estender o raciocínio.

Prato principal ou acompanhamento?

Uma dungeon pode ser utilizada de duas formas: como moti-


vação e objetivo primário, ou como cenário secundário de urna aven-
tura inserida dentro de uma campanha.
No primeiro caso não há muitas preocupações, uma vez que a
dungeon dita o que acontecerá. Ela é o sítio principal; os cenários
restantes são criados em função do que ela é. Simplificando o racio-
cínio: qualquer background bem elaborado cabe dentro do que a
aventura propõe.
Já no caso de uma aventura dentro de uma campanha, a coisa
muda de figura. Seria extremamente interessante se a dungeon colo-
cada em uma das aventuras (ou série delas) tivesse uma história
interligada com a campanha. Uma dungeon independente é possí-
vel, mas é muito mais gratificante e motivante para o jogador saber
que, vencendo aquele desafio, estará progredindo para alcançar um
outro ainda maior.
Talvez o grupo tenha como grande objetivo aprisionar Mallakir,
um perigoso mago maléfico. Um antigo ingrediente mágico para o
encanto que pode prender o inimigo está no enorme castelo de uma
ordem de magia. Lá, além de uma escola de magia e laboratórios,

29
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

encontra-se uma espécie de zoológico de criaturas estudadas pelos


magos. Com a carta do rei de Salithur, os jogadores não precisariam
de mais do que dez minutos de conversação diplomática para conse-
guir o que querem. Entretanto, quando os jogadores chegam , encon-
tram somente ruínas. Sem saber qual a natureza do ingrediente que
podia trazer sua derrocada, Mallakir faz o que pode para atrasar e
dificultar a missão dos jogadores: organiza um ataque, mata todos
os que lá estão e solta todas as criaturas antes confinadas. Agora os
jogadores terão que explorar as ruínas do castelo para manter as
chances de conseguir o que querem: o fim de Mallakir.

A teoria dos ratos e ores: lógica e coerência

Imagine uma dungeon tradicional. Abrindo a porta de um apo-


sento, os jogadores encontram cinco ores. Os grupos se enfrentam e
os heróis se livram da ameaça ... somente para encontrar quatro ratos
gigantes no aposento adjacente. A questão é: por que os ratos gigan-
tes não atacaram os ores, e vice-versa?
Isso nos leva ao nosso próximo problema quando se pretende
montar uma dungeon inteligente: lógica e bom senso. O background
facilita nossa tarefa. Além disso, dungeons não precisam necessari-
amente ficar estagnadas no tempo, mantendo sempre um mesmo
status quo.
Voltando às ruínas da antiga ordem de magia, é certo dizer que
em seu interior pode-se encontrar quase qualquer tipo de criatura
descrita no Livro dos Monstros. Sendo um lugar de pesquisas, é nor-
mal que exista a maior variedade de monstros possível. Esta afirma-
ção, entretanto, só é válida se o grupo chegou às ruínas um ou dois
dias desde o ataque. Avançando na linha do tempo, as coisas podem
mudar completamente ...
Se os aventureiros chegassem uma semana após o acontecido,
a situação seria diferente. É certo que dentro do castelo haveria
monstros mais perigosos e outros mais inofensivos: ocorreria uma
espécie de seleção natural dentro da dungeon. Os animais mais for-
tes subj ugariam os mais fracos por comida ou território. Criaturas

30
DICAS DE M ESTRE II

inteligentes poderiam, inclusive, escravizar as inferiores para criar


suas próprias forças. Com mais de uma criatura inteligente agindo,
poderíamos ter até duas ou mais forças antagônicas disputando ter-
ritório dentro do próprio castelo. Lembre-se ainda de que no lugar
residia uma ordem de magos: onde há magos existem itens mágicos,
1ivros de magia ...
Comparando esta situação com a inicial, podemos dizer que
essa dungeon poderia ficar mais mortal a cada dia. Se por algum
motivo nossos heróis são obrigados a voltar ao antigo castelo, é cer-
to que encontrariam um bom acervo de surpresas.
O principal é não tratar os monstros de uma dungeon como se
rossem bonecos dentro de uma casa mal-assombrada. Trate-os com
coerência e lógica. A recompensa virá naturalmente.

Enigmas: o método Lara Croft

Nem só de monstros vive uma dungeon. Ela pode ser baseada


inteira ou parcialmente em enigmas.
Este artifício força o jogador a exercitar o cérebro, quando o
natural seria usar os punhos. Um enigma é, a muuuuito grosso modo,
um "chefe de fase" dentro da dungeon. Embora o recurso esteja
presente no RPG de mesa, é encontrado amplamente nos jogos de
videogame: os mega-sucessos Tomb RidereResident Evil são a maior
prova da eficiência deste tipo de abordagem. Quando mais desafia-
dor o enigma a ser resolvido, mais compensador para o grupo é
w ncê-Io.
Um enigma não se resume a adivinhações. Uma charada dita
pm uma esfinge, acompanhada da tradicional frase "decifra-me ou
1kvoro-te", é um enigma. Mas uma porta na entrada do templo do
1)l'l1S Gato, que tem como chave uma jóia, escondida dentro da
l''llatueta de um tigre, também é.
A variedade é a maior vantagem deste recurso. As possibilida-
1k~ do uso de enigmas só terminam quando a imaginação do Mestre
_,. l'sgota.

31
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

- ... NPCs.?
E por que nao

Sim, NPCs! A presença de NPCs bem planejados dentro de uma


dungeon não chega a ser absurda como pode parecer a princípio.
Desde que bem justificada e coerente com o background, a presença
de NPCs inteligentes só acrescenta diversão à aventura. Exemplos?
Recordando a cidade-fantasma de anões de Algrandhir, nada
impede que entre suas explorações os jogadores encontrem o fan-
tasma de Durghar Fireblade, o grande responsável por toda a tragé-
dia. Talvez ele ajude os personagens contando sua história e servin-
do de guia pelas ruínas que conhece tão bem. Ou talvez ele faça de
tudo para afastá-los, a fim de que o sono dos mortos não seja pertur-
bado. Uma vez que ele falhou com seus companheiros quando vivo,
é plausível que queira compensar isso.
Sociedades inteiras podem se situar em dungeons. Imagine um
culto dedicado a monstros e bestas. Talvez eles conseguissem de-
senvolver artefatos para evitar ataques por parte de seus objetos de
adoração, podendo transitar incólumes pelos vários níveis da
dungeon. O que aconteceria, neste caso, se os aventureiros invadis-
sem a masmorra para dizimar as criaturas e saquear seus tesouros?
As possibilidades são grandes.
Elaborar uma dungeon inteligente não é difícil... mas exige
muuuuito trabalho. Entretanto, quando o trabalho é bem feito, a re-
compensa vem em dobro na forma da satisfação dos jogadores.

J. M. Trevisan
(Roteirista, piadista e
Editor-assistente titular na ponta direita)

32
V
Ser humano

Eles são estranhos. Apresentam flutuações de humor,


problemas de relacionamento e personalidades
variadíssimas. Suas vidas são insuportavelmente
curtas e problemáticas. Sim, estamos falando
de criaturas curiosas e enigmáticas.

Artigo publicado na Dragão Brasil# 38

Quem disse vampiros ou lobisomens, passou longe. Hoje o as-


sunto é outro. Vamos falar de humanos.
Não sei se é apenas comigo mas, lendo e acompanhando o
material que a White Wolf anda publicando para seu World of
Oa rkness lá fora, às vezes tenho a impressão de que o mundo inteiro
e dominado por magos, vampiros, fadas, fantasmas, ciganos, feiti-
~·ci ros e o diabo a quatro. Em uma aventura de Vampiro, nunca xin-
gue um motorista no trânsito; muito provavelmente ele deve ser o
Hldcr Tremere que saiu para dar uma volta depois do "almoço".
l<l'damar da conta no restaurante? Nem pensar! O gerente pode ser
11111 Ventrue prontíssimo para derrubá-lo na hierarquia vampírica,
lc 1111ando seu status tão valioso quanto cadáver de Caittiff.
Piadas à parte, na maioria das vezes o Narrador, os jogadores e
n prc)pria White Wolf se esquecem de que existem humanos no mundo
'u1111brio de Vampiro , Lobisomem e Mago - e que esses são a grande
11111ioria. Ou você acha realmente que humano em Storyteller só ser-
vr para ser manipulado pela "elite sobrenatural"?

33
DRAGÃO BRAS IL ESPEC IAL

Existem algumas dicas úteis para quem prefere um WoD mais


acreditável e ameaçador, utilizando-se somente de pessoas "no1mais''.
No texto que se segue apresentamos uma série de toques para quem
quer injetar um pouco de "humanidade" em sua crônica.

Figurantes inativos

A parte mais importante para a utilização efetiva de "pessoas


comuns" em uma crônica de Storyteller é entender o conceito de
figurante ativo.
Mantenha em mente que humanos não servem só corno "cená-
rio de fundo" para as intrigas e picuinhas vampíricas. Humanos,
mesmo como figurantes, devem ter vida própria. É lógico que o
Narrador não precisa (e nem deve) se preocupar com todos os deta-
lhes de todos os freqüentadores de um shopping onde irá se passar
um encontro entre dois vampiros, por exemplo.
O que deve ser feito com maior freqüência é aproveitar as con-
seqüências dos atos dos jogadores sobre os "figurantes" do jogo, é
transformá-las em aventuras em potencial. Confuso? Nem tanto.
Temos um grupo de vampiros. São quatro Brujah dentro de um
carro, em perseguição desenfreada a um grupo Sabá. Os Sabá ati-
ram pela janela do carro. Os Brujah respondem. O carro de nossos
heróis se descontrola e bate na mureta. Os Brujah saem e con-em
usando Rapidez. Tudo perfeito, certo? Errado.
Em primeiro lugar, há gente nas ruas. Ao usar armas de fogo,
um erro na rolagem de dados pode resultar em moites acidentais de
gente inocente, o que não é NADA legal. Vítimas inocentes geral-
mente tê m famílias que se preocupam com os PORQUÊS das coisas.
N inguém morre de graça. Assim, as balas perdidas podem acarretar
em extensa investigação.
Segundo: os vampiros têm grande influência sobre os poderes-
chave de uma cidade, mas não comando total. Os Ventrue podem
até controlar a imprensa e o Departamento de Polícia, mas não TO-
DOS os repórteres e policiais da cidade. Sempre haverá uma grande
possibilidade de que a polícia realmente se importe com o que está

34
DICAS DE MESTRE II

acontecendo. Cá entre nós, ninguém sai em disparada com um carro


atirando no meio da cidade e passa despercebido: pelo menos duas
ou três viaturas estariam atrás de nossos amigos Brujah logo no ter-
ceiro quarteirão de perseguição.
Se esquecermos a polícia, teremos ainda a imprensa. Um re-
pórter obstinado e ambicioso vai até o inferno atrás de um furo de
reportagem. Outro repórter pode ser idealista e, além de tudo, quer
respostas. Uma cidade onde os hábitos vampíricos não são discretos
é prato cheio para ambos.

Perito em confusão

Lembro-me de uma ocasião em urna crônica mestrada por mim


que serve como uma luva para ilustrar estas explicações. Havia um
assassino serial nas ruas de San Francisco. As vítimas eram encon-
lradas completamente sem sangue, e quase todas eram artistas. Um
dos jogadores era um vampiro que trabalhava em uma das delegaci-
as da cidade - ele fazia parte da perícia técnica, e examinava o local
do crime em busca de provas.
Certo dia, impossibilitado de se alimentar, esse vampiro entrou
cm frenesi e atacou um transeunte. Sua sede era tanta que ele perdeu
o controle e sugou o humano até a morte. Bem, a polícia encontrou
o corpo e, dada à causa mortis, concluiu que era mais uma vítima do
111i sterioso assassino serial. Uma repórter passou a liderar uma gran-
de campanha exigindo um maior empenho da polícia na captura do
terrível criminoso.
A investigação minuciosa do último assassinato levou dire-
tamente ao perito que era o personagem do jogador. Ele foi preso
l ' a imprensa pediu sua cabeça. O Príncipe da cidade, temendo
pl' la Máscara, ordenou a explosão da delegacia, antes que se che-
1•usse a maiores conclusões. O personagem (que, afinal de contas,
NAO era o assassino procurado) escapou por muito pouco, mas
prl' reriu "sumir por uns tempos" - e tudo isso por um frenesi na
hora errada, coisa que pode acontecer a qualquer momento em
qualquer grupo de vampiros. Percebe como uma única interação

35
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

com "simples humanos" pode transformar toda a trajetória de um


personagem?
Este tipo de abordagem, bem aplicada, adiciona um ingredien-
te muito importante em uma aventura de Storyteller: o imprevisível.
Depois da primeira mancada é certo que os jogadores vão tomar
muito mais cuidado ao mexer com "gente comum".

Dia da caça

Nem todos os humanos normais são "cordeirinhos" entre os


"lobos" do Mundo das Trevas. Alguns descobrem a verdade sobre
as criaturas sobrenaturais e deixam a passividade para fazer algo a
respeito. São os caçadores (ou witch hunters, como preferem al-
guns).
Caçadores não se encaixam no conceito de figurante ativo. Este
NPC acaba por se enquadrar como personagem coadjuvante e/ou
antagonista. E não pensem que um caçador sem poderes sobre-hu-
manos não é páreo para um vampiro ou lobisomem. Na verdade, aí
que está a vantagem de um caçador...
Seres sobrenaturais tendem a se tornar autoconfiantes em de-
masia. Os longos anos fazem com que esses fiquem dependentes
demais de seus poderes adquiridos depois da "transformação". Mui-
tas vezes eles tendem a se encarar como verdadeiros imortais.
Com um humano que se torna caçador acontece exatamente o
contrário: ele está ciente de sua inferioridade e sempre busca me-
lhorar suas habilidades. Humanos têm consciência da própria mor-
talidade e sabem que não podem cometer um só deslize.
Todos estes conceitos podem ser aproveitados pelo bom
Narrador para oferecer aos jogadores uma alternativa ao velho e
manjado esquema Sabá X Camarilla, Gaia x Wyrm, etc, etc. Prova-
velmente eles vão se preocupar muito pouco com um "simples" hu-
mano após derrotarem Dançarinos da Espiral Negra e outros. Mas é
esta a idéia. Lembre-se: a imprevisibilidade é sempre um ingredien-
te importante.

36
DICAS DE MESTRE II

O que você vai ser?

Embora isso seja relativamente raro entre os principiantes, às


vezes um jogador resolve experimentar alguma coisa diferente ... e
prefere jogar de humano ao invés de vampiro. À primeira vista esta
situação pode parecer um tanto quanto complicada, mas há grande
potencial em uma aventura jogada desta maneira.
O ideal é que o personagem seja um completo ignorante quan-
to à realidade do sobrenatural. Fica mais interessante se ele é com-
pletamente descrente (o que é comum, analisando nossa própria rea-
lidade: você acredita em vampiros?), ou tem convicções equivoca-
das sobre o assunto.
Iniciar como um caçador de vampiros não é muito interessan-
te. Geralmente o jogador se empolga demais, vai com muita sede ao
pote e acaba morto na primeira sessão. É melhor que ele próprio vá
tomando consciência da existência do sobrenatural, através dos des-
lizes dos outros jogadores; no decorrer da aventura ele decide qual
será sua postura diante desse conhecimento. Isso obriga os outros
jogadores a conviver com uma espécie de "freio", tomando cuidado
com o que fazem e escolhendo melhor as palavras ao conversar so-
bre assuntos da Família.
Ao criar o personagem humano, não utilize uma daquelas fichas
"discretíssimas" do Guia do Jogador, onde aparece MORTAL em letras
garrafais. Use uma ficha normal de Vampiro. Preencha informações
vampíricas com dados falsos (que não terão uso prático no jogo). Se
algum jogador perguntar "de que clã você vai ser?" ou algo parecido,
mantenha a farsa com uma resposta do tipo "não sei ... talvez um Brujah
drag queen. O que você acha?" O importante é segurar sua verdadeira
identidade até que o jogo comece, e deixar que os outros a percebam
de acordo com seu roleplay dentro da partida.

Crônicas alternativas

Apesar da divergência de alguns quanto à eficiência das re-


~" as, sempre fui um dos defensores do sistema Storyteller como ver-

37
DRAG ÃO BRASIL E S PECIAL

dadeiro sistema genérico. Suas regras são bem mais simples e


maleáveis que as de GURPS , por exemplo.
Com base nisso é possível desenvolver crônicas alternativas,
em cenários alternativos, apenas com humanos no papel principal.
Em minhas constantes discussões da lista TRAILS-RPG na Internet,
tomei conhecimento de uma crônica alternativa baseada no seriado
Millennium que vale ser citada (e que o autor me perdoe se houver
algum erro).
Os jogadores usavam personagens que investigavam fenôme-
nos e assassinatos paranormais - como o protagonista da série Frank
Black. O Narrador gravava o episódio da semana (o qual os jogado-
res eram proibidos de assistir) e planejava a aventura com base no
mesmo. A aventura era mestrada e, após o término, todos assistiam
juntos ao episódio que dera origem ao jogo.
Neste tipo de abordagem o céu é o limite. Pode-se jogar aven-
turas de alta espionagem durante a Guerra Fria ou no futuro próximo
à la Biade Runner. Eu mesmo pretendo mestrar algo nestes moldes,
utilizando uma versão modificada de Holy City (Só Aventuras #7).
A princípio pode parecer estranha a utilização de Storyteller
para aventuras fora do Mundo das Trevas. Mas a experiência com-
pensa, criando uma boa alternativa para quem está farto de vampi-
ros, magos e lobisomens, e não está disposto a aprender um novo
sistema de regra ...

J. M. Trevisan
(humano e normal... acho)

38
VI
A primeira missão
"Puxai Então você joga o tal RPG? Como é esse jogo?
Pode fazer uma partida para uns amigos meus?"

Artigo publicado na Dragão Brasil# 39

Todo mestre que se preza acaba ouvindo essa expressão, cedo


ou tarde. Principalmente quando está fora do seu "habitat natural
RPGístico" - ou seja, na escola, em uma festa, na casa de parentes ...
Isso é bastante normal. Muita gente até ouviu falar em RPG
através de reportagens, entrevistas, ou mesmo conhecendo outros
jogadores. E então, por algum motivo, essas pessoas acharam que
você pode mostrar como se joga o tal RPG. E você, nobre Mestre,
ansioso para difundir esse hobby tão sadio (e também para detonar
alguns novatos ... ), faz um esforço heróico para transformar em ver-
dadeiros RPGistas aqueles pobres bárbaros sem cultura, que apenas
ouviram falar "daquele jogo estranho".
Mas acautele-se, Mestre! Ao planejar uma aventura de RPG para
pessoas que nunca jogaram, existem precauções a tomar. Do contrá-
rio, o jogo pode resultar em desastre completo!
Veremos a seguir alguns conselhos para o Mestre que deseja
iniciar humanos normais na sublime arte do RPG. Nossas dicas não
1•stão gravadas em pedra-você deve ter sabedoria para mudá-las de
llt'Ordo com a situação, prática que qualquer Mestre competente deve

39
DRAGÃO BRASlL ESPECIAL

dominar. O mais importante é recordar sempre a regra de ouro do


RPG: tudo não passa de um jogo entre amigos. O objetivo principal é
reunir pessoas e se divertir!

Paciência é a alma do negócio

Esteja preparado para responder mesmo a mais básica e óbvia


das perguntas. Lembre-se de que nós, RPGistas, estamos habituados
a um vocabulário próprio - role 1D6, faça saving throw, diga qual
seu Nh, coloque 3 pontos na CA ... Mais que suficiente para fundir a
cabeça de qualquer não-RPGista! Então, não bufe impaciente ou re-
vire os olhos quando ouvir perguntas óbvias para um RPGista, mas
que atormentam a cabeça de um leigo.
Conceitos como ficha de personagem, atributos, perícia e ou-
tros são completamente estranhos para um leigo. Evite usar as fra-
ses comuns em uma mesa de jogo, como "rolar um atributo" e "che-
que de Carisma'', entre outras. Apenas diga "jogue esse dado aí".
"E como é que eu vou saber o número que saiu nesse dado?"

Basta adicionar jogadores

Prepare o máximo que puder ANTES do jogo. Mapas, cartas,


pistas... e, se possível, use personagens prontos. Alguns mestres dei-
xam os jogadores novatos criarem seus próprios personagens para
"pegar o clima" do RPG. Isso é válido, mas tente não confundfr mui-
to a cabeça do novato com muitas decisões. Pelo menos não na pri-
meira partida.
E que esses personagens sejam estereótipos, porque assim fica
bem mais fácil para as pessoas entenderem. Use o guerreiro bom de
briga, o Brujah nervoso e revoltado, o mago fraco mas inteligente, o
Toreador cheio de grana que nunca viu um revólver... O não-RPGista
vai entender esses personagens muito mais facilmente.
"Esperem mais um pouco enquanto eu desenho mais ou menos
o mapa da casa abandonada que vocês invadiram... "

40
DICAS DE MESTRE II

Quanto mais familiar, melhor

Procure explicar o jogo usando exemplos comuns, referências


de filmes, desenhos animados, seriados ou até mesmo de coisas que
tenham acontecido com o grupo.
Personagens clássicos ou conhecidos são muito úteis para ex-
plicar como se parece uma classe/clã/profissão/raça, ou como eles
se comportam. Você pode explicar um bardo lembrando aquele do
Corcunda de Notre Dame (o desenho da Disney), e um Brujah lem-
brando o filme Os garotos perdidos. Aqui também vale a dica de
não usar termos próprios de RPGistas - lembre-se, muitos não sabem
direito o que é um ranger, um paladino, um Sabá...
"Então esse personagem é uma mistura de Capitão América
com Rei Arthur: Ah, eu manjo!"

Deus salve os estereótipos!

Muitos podem reclamar, mas em jogos com grupos iniciantes


não adianta muito você usar personagens (ou equipamentos, ou
aventuras ... ) alternativos, diferentes do convencional para aquele
jogo. Se for AD&D, use masmorras e dragões - nada de aloprar
com cenários exóticos como Dark Sun, Ravenloft e Planescape
logo na primeira aventura! Aventuras complexas e campanhas lon-
gas não são muito boas para jogos com novatos. Prefira a boa e
velha aventura de "matar-o-monstro-mau-que-ataca-a-vila". Fun-
c iona perfeitamente.
Nada de coisas que só você viu naquele suplemento obscuro
que ninguém mais tem. Por mais legais que esses personagens se-
jam, os novatos não vão pegar todo o seu potencial. Pelo menos no
começo, use o padrão, o comum. Pode ser comum e até sem graça
para você, mas para um novato é algo totalmente novo.
"Você pode me explicar de novo como se usa esta arma que
1•.l'fá aqui na minha.ficha... E como se pronuncia o nome dela?"

41
DRAGÃO BRASLL E sPECTAL

Auxiliares de Mestre

Uma boa sacada é ter no grupo alguém que já jogue RPG. De


preferência, um amigo ou companheiro de campanha experiente. Ele
pode ajudar os jogadores a tirar pequenas dúvidas sem mobilizar o
Mestre. Esse jogador mais experiente serve também para jogar com
personagens estranhos e difíceis, mas às vezes necessários no grupo,
como bardos, tremeres, psiônicos, mutantes, aJjenígenas, metalianos ...
"Ei você aí, vai explicando para eles como é que se usa essa
magia e esse item mágico... "

Simplifique

Em uma sessão de jogo você NUNCA usará todas as regras do


livro básico. Por isso, nem sequer as mencione.
Prepare as fichas apenas com as informações que os jogadores
irão usar no começo. Habilidades, armas, proteção, pontos de vida;
se isso é importante, que só tenha isso na ficha. Qual a vantagem de
presentear um iniciante em GURPS com um personagem que tem a
vantagem Imunidade contra Veneno, se ninguém será envenenado
na sua aventura?
A princípio, esqueça coisas como experiência, tendência, des-
vantagens de longo prazo e outras coisas que não influem direta-
mente na primeira aventura. Recorde aquela velha história: para que
complicar, se os jogadores COM CERTEZA vão fazer isso por você?
"Isto aqui? Não se preocupe, você não vai usar agora. Nem
isto, isto, isto, isto... "

Traduzindo...

Use j ogos em português. Mesmo que todos os j ogadores digam


que sabem inglês muito bem, você vai se embananar bem menos.
Hoje em dia, louvados sejam os deuses, existem muitos RPGs
em português - principalmente os mais simples. Isso também evita
mal entendidos causados por pronúncias e sotaques .

42
DICAS DE MESTRE II

"Como é? Duárfe fa iter bédeuaques especxialiste?"


Um pouco de experiência também é muito bom para jogos com
inexperientes completos. Afinal, se você aprendeu a jogar ontem,
não vai querer pegar um abacaxi desses hoje, vai?
Acima de tudo, tente mostrar que RPG é um j ogo legal, diverti-
do - e não um amontoado de regras, tabelas e números, que uns
caras esquisitos curtem ficar recitando. Pode não parecer, mas uma
das melhores formas de se di vulgar RPG é mostrar para os não-
RPGistas que qualquer um pode jogar, com demonstrações e jogos
para leigos .
Quem sabe se aquele grupo de novatos se transforma no seu
próximo grupo de jogo?

Rogério "Katabrok" Saladino

43
VII
One shot
Aventuras de uma tarde
Aventuras rápidas não significam diversão menor!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 39

Você está encurralado num beco sem saída e não há escapató-


ria. Um sujeito de capa negra e armado aparece na entrada do beco
e vem andando na sua direção. Você ainda tem seu revólver calibre
38, é verdade, mas há um porém: você tem apenas UMA bala. Um
erro na hora de puxar o gatilho e sua missão (qualquer que seja e la)
vai por água abaixo. Sem falar na sua vida. No momento, meu caro,
você tem duas opções: acertar ou acertar.
Dependendo da situação, uma aventura de RPG pode ser, para o
Mestre, uma experiência muito semelhante à descrita no primeiro
parágrafo. São as aventuras de uma tarde, sem ligação com qual-
quer campanha. Popularmente conhecidas aventuras one-shot, são
jogadas geralmente quando o jogador de um personagem importan-
te falta - ou em convenções de RPG.
Muitos mestres não estão acostumados a mestrar aventuras one-
shot, principalmente para jogadores desconhecidos e (ou)
inexperientes.
Com a chegada do Encontro Internacional de RPG (e do fim do
meu prazo para a entrega desta matéria) , onde este tipo de aventura

44
DICAS DE MESTRE II

é bastante comum, o tema foi-me sugerido por um amigo na internet


(ThanX, Alter!). Desta vez vamos tentar solucionar este tipo de pro-
blema, oferecendo algumas táticas e dicas para o Mestre interessado
cm fazer um bom papel em uma aventura sem muitas pretensões.

Contenha-se

Convenhamos, senhores e senhoras: na hora de elaborar uma


aventura, é muito difícil para o Mestre refrear seus instintos criati-
vos. Ora, para eu fazer uma aventura simples é possível desenvolver
uma saga enorme, com inúmeras ramificações e eventos que irão
abalar o mundo onde se passa a própria? Bem, me parte o coração
dizer isso mas... esqueçam!
Quando se trata de uma aventura one-shot, não há lugar para
megalomania ou maquinações estrambóticas além do limite dispo-
nível. Uma aventura one-shot é uma aventura única - e, salvo pou-
cas exceções, não deve de maneira alguma obrigar uma continua-
ção.
Utilize plots menos extensos e limite um pouco as opções dos
jogadores. Aventuras one-shot às vezes têm um limite de tempo cer-
10 para terminar (no Encontro Internacional, por exemplo, sempre
há inúmeras mesas com várias aventuras rolando - e ninguém pre-
tende passar seis horas em apenas uma delas).
Faça o possível para tentar manter a aventura dentro de um
111icrocosmo, um cenário contido e.orno uma cidade, castelo ou
dungeon, por exemplo. Cenários como esses são relativamente limi-
lacJos, é verdade, mas muito mais fáceis de lidar que um reino ou um
planeta inteiro. Embora minha campanha de AD&D dure quase qua-
lrn anos, já me utilizei das dicas citadas acima.
Lembro-me de uma aventura em particular, de Dragonlance,
que mestrei para apenas dois de meus jogadores. Os personagens
lmam convocados por um alto comandante dos Cavaleiros de
Solamnia para capturarem um minotauro que, com sua gangue, vi-
nha aterrorizando as vilas vizinhas. O inimigo, entretanto, não de-
v1·1 ia ser ferido em hipótese alguma!

45
DRAGÃO BRASIL ESPECLAL

Encontrada a criatura, os jogadores o levaram (com muito


esforço, diga-se de passagem) até o castelo do cavaleiro. Lá um
amuleto foi colocado no mesmo e uma transformação ocorreu: o
minotauro revelou-se na verdade um anão. O diminuto herói era
um velho amigo do importante cavaleiro, e havia sido apanhado
por um mago das vestes negras (de alinhamento maligno, para quem
não conhece Dragonlance) durante uma missão em me io à Guerra
da Lança. O anão havia sido privado pelo vilão de suas memórias,
e transformado em um crue l e selvagem minotauro. Uma história
simples, que resultou em pelo menos três horas de diversão des-
pretensiosa.
Aprenda a pensar pequeno (isso não significa fazer uma aven-
tura só com anões e halflings ... ). Se a campanha é como um seriado
ou novela, uma aventura one-shot con-esponde a um longa-metragem
de cerca de duas horas de duração.

Planejamento...

Tanto o planejamenLo quanto o improviso têm espaço assegu-


rado dentro do conceito de aventura one-shot.
O planej amento é mais indicado quando se trata de jogadores
desconhecidos. Afinal, não se pode prever com exatidão satisfatória
o que farão jogadores que você sequer tem idéia de COMO jogam.
Tente mestrar uma mesma aventura com seu grupo de jogo freqüen-
te e, mais tarde, com outro composto de pessoas que você não co-
nhece. Geralmente as escolhas tendem a ser bem diferentes. O pla-
nejamento permite que você mantenha um controle rígido sobre o
que irá acontecer dentro do j ogo.
Em primeiro lugar, você precisa pensar em um plot - um moti-
vo para a aventura. É preciso que a aventura tenha início, meio e
fim, como um filme. Pense na história que você pretende levar à
frente, e separe em tópicos a partir dos acontecimentos mais impor-
tantes. Partindo desses você deve pensar em duas ou três ramifica-
ções prováveis para cada um, indicando os rumos com maior proba-
bilidade de serem seguidos pelos jogadores.

46
DICAS DE MESTRE II

Tente, entretanto, não "espalhar" demais a aventura. O meio


mais seguro é abrir a situação com duas opções diferentes e depois
afunilar novamente, fazendo com que as duas opções culminem
no mesmo resultado. Este é um modo de manter o pulso firme na
aventura e manipular os jogadores sem que eles próprios perce-
bam.
Vamos a um exemplo parcialmente extraído do suplemento The
Complete Book of Villains. O gmpo fica sabendo que um de seus
inimigos mortais seqüestrou um de seus importantes aliados. Os
personagens podem partir para o resgate tanto por terra quanto por
mar. Se forem por mar, irão enfrentar, digamos, uma serpente mari-
nha - e, se naufragarem, terão a ajuda de um navio mercante para
chegarem a seu destino. Se forem por terra, os personagens vão dar
de cara com ladrões saqueadores de caravans e alguns ores. Como
você vê, independentemente do meio que escolherem para viajar, o
objetivo final a ser alcançado não muda - chegar aos castelo do
inimigo e resgatar o prisioneiro. Esse recurso é bastante utilizado
em aventuras-solo e livros-jogos.
Anote com antecedência em um caderno ou folha de papel os
acontecimentos de cada uma das ramificações a serem oferecidas.
Faça mapas dos lugares mais importantes. Isso oferece uma maior
dinâmica à aventura, evitando a porcentagem de chance do Mestre
ser pego de calças curtas. É importante oferecer e deixar que os
jogadores façam suas próprias escolhas, mesmo que essas não fa-
çam tanta diferença assim...

. . . e improviso

O improviso, nestes casos, exige um pouco mais de habilidade


l'experiência por parte do Mestre- e não deve ser tentado sem estes
pré-requisitos. Quando se trata de improviso, é difícil ter a aventura
"nas mãos" o tempo todo. Isso dá mais liberdade para os jogadores,
111as é uma faca de dois gumes para o Mestre.
A vantagem deste método é que o Mestre não fica preso a um
1nteiro pré-determinado, podendo modificar as coisas mais facil-

47
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

mente de acordo com sua vontade. Mesmo assim, não é bom che-
gar totalmente despreparado. Anote em uma folha de papel a his-
tória de sua aventura, nem que seja resumida em apenas urna frase
("os jogadores são contratados para destruir o monstro que apavo-
ra a cidade") e os elementos que você pretende acrescentar ao jogo,
de maneira bem vaga ("o monstro é um vampiro"; "o prefeito e o
vampiro são aliados"; "o vampiro tem uma múmia como escra-
vo").
Esta simples folha de papel será seu guia, que poderá ser alte-
rado a qualquer momento. Apesar de não apresentar a rigidez do
planejamento, este método oferece um meio seguro e maleável de
manter a aventura "nos eixos". Outra dica é dar uma espiada em
aventuras prontas vendidas em lojas e aproveitar as idéias princi-
pais, ajeitando-as ao gosto do freguês ; é uma alternativa bem mais
liberal do que seguir as "receitas de bolo passo-a-passo" que geral-
mente acompanham as aventuras prontas.
Quando a escolha é mesmo o improviso, jogue a responsabili-
dade sobre os próprios jogadores: dê cerca de dez ou quinze minu-
tos antes da aventura começar e peça que determinem seus objetivos
e crenças. Além de fazer com que os jogadores encarnem mais facil-
mente seus papéis, este tipo de medida oferece um grande instru-
mento de ajuda para o Mestre na hora de improvisar e colocar o
"tempero" na aventura: os próprios backgrounds dos personagens
podem fornecer dicas para o Mestre. Um background bem feito pra-
ticamente cria plots por si próprio.
Improvisar não significa estar desprevenido. Em certos mo-
mentos é preciso utilizar NPCs na aventura, seja na forma de um
vi lão ou de um aliado importante. Para quem não quer passar horas
preenchendo fichas de personagens que talvez nem sejam utiliza-
dos, vale uma dica: use seus próprios personagens jogadores (ou
não) de outras campanhas. Conserve os números, mude os nomes e
voilá ! Um NPC prontinho, sem muito trabalho. Outra alternativa é
aproveitar os números de NPCs descritos em livros e suplementos -
por que perder tempo calculando estatísticas para um taverneiro, se
você pode agarrar os números daqueles que estão à disposição em

48
DICAS DE MESTRE II

vários livros de AD&D? Eu, por exemplo, vivo me aproveitando de


Unsung Heroes, um antigo suplemento de Dragonlance.

J. M. Trevisan
(inventor do termo "save ass" e único proprietário
da Estalagem do Macaco Molhado)

49
VIII
Adaptando
Então você que jogar RPG no mundo de Guerra nas Estrelas?
Bem, você tem duas escolhas: pode perseguir o RPG oficial
importado, em inglês, e aprender todo um novo conjunto de
regras... ou pode usar as regras de um RPG que já conhece.
Isso você consegue...

Artigo publicado na Dragão Brasil# 41

Desde o início da Dragão Brasil, quarenta números atrás, as


adaptações de cenários e personagens de outras mídias para os siste-
mas mais populares de RPG foram como uma marca registrada. Du-
rante esses anos vimos de tudo: Arquivo X , Starship Troopers, Star
Wars e até Cavaleiros do Zodíaco, entre muitos outros. O gosto dos
le itores sempre se dividiu em duas opiniões quanto a esse tipo de
matéria: uns amam, outros odeiam.
Por muito tempo, mesmo pertencendo à equipe de redatores da
revista, fiz parte do segundo grupo. Sempre fui meio puritano (prin-
cipalmente com relação a AD&D) e nunca gostei de muita "salada"
com meu sistema preferido. Com o tempo, entretanto, dei o braço a
torcer. As adaptações têm suas grandes vantagens e méritos, que
compensam as poucas deficiências.
A diferença está em COMO se adapta.

Por que adaptar?

Antes de começar, discutamos um pouco sobre o assunto. A


maioria dos detratores de adaptações apóia seus argumentos no fato

50
DICAS DE MESTRE II

de que "certos cenários já tem seus RPGs específicos"; quem gosta de


esculacho, que jogue Paranóia ou Men in Black. Quem quer cavalei-
ros Jedi, que vá jogar Star Wars. Assim, de acordo com tal "filosofia",
adaptar um cenário seria limitar as opções do jogador e impedir que o
mesmo amplie seus horizontes, aprendendo novos sistemas.
Bem... digam o que quiserem, mandem dúzias de cartas para a
redação discordando disso - mas, na minha opinião, esta é uma BES-
TEIRA das maiores.
Em primeiro lugar, RPGs específicos são publicados sim. No
EXTERIOR, e em INGL~S . Embora o idioma seja bem difundido no
Brasil, ainda estamos muito longe de chegar ao ponto em que todos
saibam a língua de Shakespeare. Além disso, RPGs estrangeiros pre-
cisam ser trazidos "de fora" pelas importadoras. Se em capitais como
São Paulo e Rio encontrar RPGs importados já não é tarefa das mais
fáceis, o que dizer de pontos mais isolados do país, onde mal encon-
tramos as próprias lojas de RPG?
Em segundo lugar, o que mais dificulta a expansão do RPG - e
também afasta jogadores em potencial. - é justamente a obrigação
de adotar um sistema próprio para cada jogo novo. É verdade que
cada RPG tem regras adequadas para seu tipo de ambientação (quem
precisaria da Humanidade de Vampiro: A Máscara em Defensores
de Tóquio?), mas aprender todo um novo conj unto de regras para
cada cenário é bobagem.
Adaptar é um ótimo meio de jogar com seus cenários e perso-
nagens preferidos, seja Star Trek, Millenium ou Megaman, sem obri-
gar seu grupo de jogo a aprender mais uma tonelada de regras. Por-
tanto, esqueça o preconceito e prossiga sua leitura.

Cada coisa em seu lugar

Considerando que você seja um Mestre de vários sistemas, a


primeira providência é escolher o sistema para o qual você vai adap-
lar o cenário escolhido. Cada sistema de jogo tem seus pontos for-
lcs, o que toma alguns deles mais indicados para certos gêneros,
personagens e ambientes.

51
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Teoricamente falando, GURPS seria o mais forte candidato, uma


vez que se trata de um sistema genérico e universal (há quem discor-
de disso; segundo muitos, GURPS só funciona bem em aventuras de
fantasia medieval, mas vamos deixar essa polêmica para outro dia).
Outros jogos, entretanto, também podem ser universais - embora
não tenham sido especificamente criados para este tipo de tarefa. O
próprio Defensores de Tóquio, por sua simplicidade extrema (cinco
atributos, vantagens, desvantagens e fim), tem sido utilizado infor-
malmente em cenários que não envolvem super-heróis nipônicos.
Na verdade, a Trama Editorial tem planos para lançar um sistema
genérico baseado em Defensores; deve se chamar 3D&T.
Meu sistema de regras favorito é o Storyteller, usado em Vam-
piro, Lobisomem e Mago. As regras têm abrangência razoável e o
sistema de distribuição de pontos através das já famosas "bolinhas"
- o tornam ainda mais flexível. Como se não bastasse, Storyteller é
um dos sistemas mais jogados pelo público brasileiro - então faz
sentido usar suas regras para adaptar coisas como Arquivo X e até
Resident Evil.
Entretanto, antes de definir a escolha, é interessante considerar
o gênero do cenário escolhido - e todas as implicações e dificulda-
des que ele trará quando transformado em RPG. Digamos que você
resolva adaptar Jornada nas Estrelas para algum sistema que co-
nheça (pelo que sabemos, existiu um dia o RPG oficial de Star Trek,
mas era tão ruim que desapareceu sem deixar vestígio).
Seria teoricamente possível usar regras de Storyteller para um
cenário de Star Trek, mesmo que seu universo não tenha a nada a ver
com lobisomens e vampiros. Mas eis a contra-indicação: Star Trek
depende de naves espaciais, equipamentos pessoais de alta tecnologia
e muitas, MUITAS raças não-humanas com poderes próprios. O siste-
ma Storyteller não é eficiente para lidar com tudo isso - como pro-
va, confira em Dragão Brasil #28 as muitas alterações necessárias
para usar Storyteller no cenário de Star Wars. GURPS exigiu bem
menos trabalho.
Por outro lado, Storyteller comporta muito bem qualquer cená-
rio de horror moderno, como Arquivo X ou Millenium, que exigem

52
DICAS DE MESTRE II

menos regras, mais roleplay e maior agilidade na mecânica do jogo.


Neste caso, ficaríamos com o sistema da White Wolf.
FC funciona em GURPS. Horror funciona em Storyteller. O ter-
ceiro grande gênero do RPG, a fantasia medieval, estará muito bem
servido se adaptado para AD&D, GURPS e até mesmo o recente Vam-
piro: Idade das Trevas - que, no final das contas, é também urna
adaptação. Sempre existe pelo menos um sistema que se encaixe
com a atmosfera de seu filme, história em quadrinhos, desenho ani-
mado ou seriado de TV favorito.
Logicamente você também deve considerar os recursos de que
dispõe. Se você tem apenas o GURPS Módulo Básico e quer jogar
Arquivo X, não tem problema. Horror moderno funciona em GURPS,
se você esquecer algumas regras e adotar mais clima - o próprio
suplemento GURPS Horror tem muito mais ambientação e muito
menos regulamentos. Não há vantagem nenhuma em comprar um
Vampiro: A Máscara só para adaptar Arquivo X - o que importa é a
praticidade para o Mestre e jogadores. Portanto, na falta do jogo
mais indicado, solte a imaginação e use o que estiver à mão.
Na verdade, aventuras muito exóticas e divertidas podem re-
sultar de adaptações pouco convencionais, entre gêneros diferentes
- corno quando certa edição da Só Aventuras trouxe versões alterna-
tivas de Mulder e Scully para os mundos medievais de AD&D. E
para aqueles que acharam isso absurdo, uma singela curiosidade:
em tempos recentes, a Dragon Magazine - revista norte-americana
oficial da TSR - TAMBÉM adaptou Arquivo X para AD&D. Pois é,
vej am vocês ...

Fidelidade total ou parcial

Existem tipos diferentes de abordagem quando se pretende


adaptar um cenário.O método mais comum é a fidelidade total - o
Mestre apenas mantém todas as características e acontecimentos
presentes no original adaptado. O que geralmente acontece nesse
raso é o planejamento de uma aventura apenas, e não do cenário
rn mpleto. Na mesa de jogo os acontecimentos podem até sair um

53
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

pouquinho diferentes, mas o Mestre fará o possível para que a fide-


lidade seja mantida (pelo menos até certo ponto).
Neste caminho, a quantidade de informação que o Mestre tem
é a mesma que o autor inclui em sua obra original. Como exemplo
prático posso citar a adaptação de Resident Evil, nesta mesma edi-
ção: seguindo o método da adaptação total, seria apenas uma ques-
tão de copiar os mapas originais dos games, espalhar mortos-vivos
e teríamos algo muito semelhante a uma sessão de Playstation.
Algumas perguntas ficariam sem resposta, uma vez que o game
não esclarece todos os mistérios. Não haveria como saber, por exem-
plo, se restou ou não alguma prova na mansão destruída, ou se a
Umbrell a Corp. continua investindo em pesquisas como os G e T-
Yírus.
A abordagem fiel é interessante por provocar uma identifica-
ção maior com o personagem adaptado. O jogador se empolga quando
se vê na mesma situação que seu personagem preferido e podendo
fazer as escolhas por ele. Por outro lado, a fidelidade total acaba
"cortando as asinhas" do Mestre, praticamente não deixando espaço
para vôos mais ousados.
Em seguida temos o que podemos chamar de fidelidade parci-
al. Se no primeiro método o conhecimento fica restrito ao que foi
mostrado no seri ado/filme/quadrinho escolhido, aqui a coisa muda
um pouco. O Mestre continua respeitando os personagens e aconte-
cimentos originais, mas também toma certas liberdades: em vez de
deixar certas perguntas sem resposta, ele mesmo "responde o ques-
tionário".
Foi o que escolhi fazer com Resident Evil. O jogo deixa várias
"portas" abertas, mas não explica tudo - então respondi algumas
das perguntas deixadas no ar, da maneira mais lógica possível. Quem
já jogou RE sabe que não aparece no jogo nenhum repórter com as
iniciais NG. Porém, quando precisei de um narrador para a história,
achei lógico imaginar que mais pessoas escaparam vivas daquele
inferno. Do mesmo modo, achei natural que a Umbrella Corp. con-
tinuasse com suas pesquisas com vírus, oculta sob uma de suas sub-
sidiárias.

54
DICAS DE MESTRE II

Não há nenhuma dificuldade anormal nesse tipo de abordagem


- basta imaginar a história e tentar preenchê-la. É como um quebra-
cabeça, ou um daqueles exercícios com seqüências de números: ana-
lise os fatos à disposição, veja onde estão os "buracos" e preencha
com lógica, completando a linha dos acontecimentos. Não é difícil.
Este método é o que costumo usar com mais freqüência e, na
minha opinião, o mais recomendado. Ele conserva a fidelidade que
os jogadores cobram, mas dá espaço para o Mestre incluir seu toque
pessoal.

Cuidado!!!

Quando se pretende adaptar qualquer coisa, pelo menos UM


conselho é sempre válido: tenha certeza de que conhece o assunto
sobre o qual está falando. É muito importante que o Mestre estude
bem os personagens, que assista quantos episódios (ou leia quantas
histórias) precisar até conhecer tudo. Somente com a familiaridade
você poderá aproveitar o máximo de seu trabalho.
Seja o mais coerente possível. Respeite as características dos
personagens originais e o "clima" do cenário. Fazer uma adaptação
é "dar a cara para bater": se os seus jogadores conhecem a origem
do cenário tão bem quanto você, as cobranças serão inevitáveis.
Lembre-se de que quando alguém joga uma aventura de Arquivo X,
vai estar esperando o mesmo clima nervoso, as mesmas característi-
cas nos personagens principais. Às vezes um deslize (como mostrar
o Canceroso chupando pirulito) é capaz de pôr abaixo suas esperan-
ças de diversão.

J. M. Trevisan & Paladino

55
IX
Viva e deixe viver

Nos mundos violentos do RPG, encontrar soluções


pacificas pode ser o maior dos desafios!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 42

Mestre: Então, como vai seu personagem?


Jogador: Ahn, estou pensando em uma ladra. Assaltante de mansões
e palácios.
Mestre: Certo. Que tipo de armas ela usa?
Jogador: Nenhuma. Ela não usa armas.
Mestre: Ela... NÃO usa armas?!
Jogador: Não. Ela nunca tenta ferir ninguém. Sofreu um trauma du-
rante a infância, viu os pais sendo assassinados ou coisa assim.
Mestre: Nada disso! Nesta campanha, você NÃO PODE ter um perso-
nagem que não usa armas.
Jogador: Ei, eu disse que ela é uma assaltante de casas! Ela se escon-
de nas sombras, escala paredes, entra pelas janelas, agarra as jóias e
depois vai embora. Quem precisa de armas para isso?
Mestre: O que acontece quando ela é atacada?
Jogador: Ela foge.
Mestre: E se ela não tem condições de fugir ?
Jogador: Ela foge.
Mestre: E se ela não tem condições de fugir?

56
DICAS DE MESTRE II

Jogador: Ela CRIA condições para fugir.


Mestre: Ah, é? Então você estava na floresta, longe da cidade, e se
abrigou da chuva em uma caverna. Enquanto tenta se secar diante da
fogueira, semi nua, aparece um ogre com cara de poucos amigos. Ele
está bloqueando a única saída. Como você sai dessa?
Jogador: Deixa ver... bem, quando ele chegar mais perto, eu chuto as
brasas da fogueira diante do rosto dele.
Mestre: Não vai causar nenhum dano.
Jogador: Não, mas vai deixá-lo cego pelo menos por um instante. Eu
aproveito, passo por ele e escapo da caverna.
Mestre: Jogue os dados para a Esquiva.
Jogador: Aí está. Consegui. Sem armas, sem dano. Posso jogar com
minha ladra agora?
Mestre: Hunf! Tá bom, pode...

Este episódio acorreu exatamente no final de 1997, durante


uma viagem de fim-de-ano para Parati. O Mestre era meu amigo
Ricardo "Druida", rolando uma aventura com seu sistema próprio, o
"D l 2". O jogador era e u.
Acreditem em mim: é divertido ver a surpresa no rosto dos
Mestres quando você entra em jogo com um aventureiro sem ne-
nhuma aptidão para combate. Ninguém espera por isso em um jogo
de RPG. Mesmo em Vampiro, cujos ardorosos adeptos clamam ser
" mais interpretação" e "menos porrada", é muito raro encontrar ti-
pos totalmente não-combativos. Verifique você mesmo: entre os
muitos personagens prontos que povoam os livros dos Clãs, quando
deles não possuem NENHUM ponto em Briga, Armas de Fogo e Ar-
mas Brancas? Não muitos, certo?
Pois é. Tenho visto por aí "trocentos" personagens descritos da
~l..!guinte forma: "ele é assim e assim, se veste de tal jeito, tem a
profissão tal, mas também sabe se virar na porrada''. Ao que pare-
1 e, existe certa dificuldade geral em imaginar heróis aventureiros

'111c não resolvem nada sem socos, lâminas e tiros. Por que isso acon-
11·cc? Na vida real a maioria das pessoas não se preocupa em desen-
volver treinamento de combate, nem mesmo como esporte (futebol

57
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

é muito mais popular) . E ntão por que, em RPG, praticamente TODO


MU NDO domina alguma forma de infligir dano?
A resposta mais imediata é esta: os mundos do RPG são violen-
tos. OK, a vida real também é repleta de guerra, crime e hostilidade,
mas geralmente não temos contato direto com essa violência (exceto,
claro, quando estamos sem sorte). Heróis e ave ntureiros de RPG , por
outro lado, estão envolvidos com perigo e violência o tempo todo.
Como os inimigos não aceitam conversa civilizada, precisam ser
detidos de alguma outra forma: socos, lâminas e tiros.
Mas ... será mesmo?

Elementar, m eu caro

Você pode ficar surpreso ao saber, mas existem MUlTOS heróis


de ficção que solucionam crimes, prendem bandidos e salvam vidas
sem socar as fuças de ninguém.
Muito provavelmente, o mais clássico é Sherlo ck Holmes.
Embora treinado no uso de pistolas e pugilismo, o célebre detetive
inglês criado por Conan Doyle nunca era visto resolvendo casos
com socos e balas. Ele preferia recolher pistas, meditar sobre elas
em seu apartamento na Baker Street, enviar um telegrama à Scotland
Yard e acompanhar o inspetor Lestrade durante a captura do crimi-
noso.
Mas isso foi no século passado. Nos anos 80, quando as séries
ele T V eram infestadas de policias e detetives atiradores, eis que sur-
g ia um conceito novo: MacGyver, um herói lacônico que usava in-
genuidade e tranqueiras contra os caras maus. Sem armas, ele confi-
ava em seu canivete e fita adesiva para desarmar bombas, sabotar
carros e improvisar armadilhas. Nem sequer sabia lutar : só vencia
uma briga após distrair ou enganar o oponente com algum truque
inventivo, conseguindo assim a chance de aplicar um soco certeiro.
MacGyver ficou no ar de 1985 a 1992. E ntão, para que não me
chamem de saudosista, vamos citar um herói não-violento mais re-
cente. Que tal nosso tão querido Fox Mulder, de Arquivo X? Não
costumamos vê-lo esmunando alienígenas ou derrubando OVNis a

58
D ICAS DE MESTRF. II

tiros, ce1to? Na verdade, os fãs da série costumam se divertir con-


tando nos dedos quantos tiros Mulder disparou em toda a tempora-
da. ("Deixa ver... eu tinha seis balas quando entrei para o FBI, gastei
duas no treinamento, perdi uma no cinema ...").
Também não vamos esquecer de Frank Black, o "detetive psí-
quico" de Millennium. Ele está em constante contato com psicopa-
tas, assassinos seriais e mistérios sobrenaturais. Suas histórias são
tensas e cheias de horror. Mesmo assim, Frank usa apenas poderes
paranormais para resolver crimes, levando a polícia aos bandidos -
e tentando mantê.-los longe de sua famíl ia.
Então, podemos ver que é possível criar bons personagens que
não usam violência - pelo menos não o tempo todo. Agora, duas
perguntas: COMO fazer isso, e POR QUE fazer isso?

COMO ser pacífico?

Muitos acusam AD&D de ser um jogo "pura porrada", com seus


aventure iros cheios de bolas de fogo, relâmpagos, armas e armadu-
ras mágicas. Até mesmos seus paladinos, supostos "guerreiros do
bem", saem por aí degolando cabeças com espadas sagradas. Neste
tipo de cenário, fica bem difícil imagi nar a sobrevivência de um
aventureiro não-violento.
Para começar, evite guerreiros. Evite clérigos ta mbém - a me-
nos que você possua The Complete Priest's Handbook, com opções
de clérigos com mais magias e menor capacidade de combate. Prefi-
ra ladrões, bardos, druidas e magos, especialmente magos ilusionis-
las. Estas classes vão ajudá-lo a descobrir como vencer sem debu-
lhar Pontos de Vida alheios .
Em GURPS, experimente pelo menos uma vez comprar ades-
vantagem Pacifismo: Não-Violência Total. Cre ia, é enorme a enor-
me variedade de aventureiros que podem ser construídos em volta
1k sta desvantagem. Além dos pacatos magos, padres e médicos con-
vencionais, também temos pilotos (desde que você não tente atrope-
lm ninguém); investigadores (sim, isso mesmo: muitos detetives
passam a vida toda sem sacar uma arma); espiões (espionagem de

59
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

verdade significa colher informações, e não metralhar centenas de


inimigos feito James Bond); e até mesmo artistas marciais que pre-
gam a paz, como os monges shao-lin. A perícia Judô, por exemplo,
permite derrubar ou imobilizar oponentes sem causar dano.
Ah, sim. Nosso Vampiro "não-pancadaria". Vejamos, você con-
segue preencher aquela imensa planilha de personagem sem colocar
NENHUM ponto de Briga, Armas Brancas e Armas de Fogo? Vamos,
faça uma forcinha. Ahn, você não é capaz? Então vamos tentar outra
coisa: quando foi a última vez que você criou um Cainita com Hu-
manidade 10? Sim, você pode ter Briga, Armas de Fogo e Armas
Brancas - mas evitará seu uso constante. Será um autêntico paladi-
no moderno, atirando apenas nas mãos dos inimigos e nocauteando
em vez de matar.
Uma boa forma de exercitar seu pacifismo é jogar uma aventu-
ra ou duas em RPGs mais alternativos - tipo Paranóia, Call of Cthulhu
e até Invasão. Esses jogos não concedem tanta oportunidade de vio-
lência para os jogadores: se tentarem resolver todos os seus proble-
mas com socos e tiros, vão se sair mal. Aqui os aventureiros preci-
sam de soluções inteligentes - não necessariamente porque prefe-
rem assim, mas porque não há outra escolha.
E se você acha muito difícil adotar um personagem pacífico
total, tente um meio-termo - violento em um aspecto, não-violento
em outro. Batman odeia armas de fogo, mas isso nunca o impediu
de quebrar mandíbulas com os punhos ou enterrar batarangues em
braços portando pistolas, Já é um começo.

Por que ser pacífico?

Antes que me entendam mal, mi/adies e cavalheiros, não pre-


tendo iniciar nenhuma cruzada contra a violência no RPG. Já posso
ouvir vocês reclamando: "Não enche, seu Paladino chato! Por que
não posso socar, trucidar e matar? RPG é tudo de mentira, não é real.
Não faz mal para ninguém. Quem precisa ficar queimando as pesta-
nas e planejando esquemas complicados? Detonar o inimigo é mui-
to mais fácil".

60
DICAS DE M ESTRE II

JUSTAMENTE! Detonar o inimigo é muito mais fácil - FÁCIL


DEMAIS! Aí está uma grande diferença entre as duas facções princi-
pais de RPGistas: os Estrategistas e "Overpowers" (que gostam de
combate e matança) e os Roleplayers e Narradores (que gostam de
drama, teatro e interpretação). Os primeiros se empenham em cole-
cionar ajustes e bônus - e, portanto, levam vantagem com violência.
Os demais evitam os dados, preferindo usar a cabeça.
Eis uma das razões para esta rivalidade: Roleplayers dizem que
"Overpowers" são simples arremessadores de dados. Eles não são
imaginativos - e RPG é, antes de tudo, um jogo de imaginação. Se-
gundo alguns, você depende apenas de espadas +4 para vencer, não
é um bom RPGista. Veremos, pois! Adotar um personagem pacífico
pode ser sua chance suprema de provar o contrário - seja você
"Overpower", Estrategista ou o que for.
Fica aqui meu conselho, então. Tente, uma vez ao menos, ser
pacífico em um mundo violento. Pode ser o maior desafio que você
já enfrentou.

Paladino

61
X
Unidos
Como transformar um bando de caras
estranhos em uma equipe?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 42

Um grupo de aventureiros em uma aventura de RPG é capaz de


enfrentar as mais terríveis ameaças. Monstros do Abismo, criaturas
das trevas, zumbis ... não há limite para a quantidade de inimigos
diferentes capazes de desafiar as forças do Bem, representadas pe-
los personagens dos jogadores . E quem costuma ver filmes ou ler
livros sabe: os "mocinhos" nunca perdem.
Existe, porém, uma ameaça mais terrível que todas as citadas
acima. Esta presença hedionda é capaz de destruir mesmo o mais
poderoso dos grupos. Chega a aterrorizar até os próprios Mestres,
de qualquer sistema.
Este perigo não está no Livros dos Monstros ou em qualquer
outro suplemento. Ele é a falta de interação entre os personagens, ou
a dificuldade em consegui-la - um problema muito mais comum nas
mesas de j ogo do que pensa.
Quando se começa uma aventura, independentemente do siste-
ma, a primeira dificuldade é juntar todos os personagens (o que não
chega a ser uma medida obrigatória, mas é a mais simples - de certa
forma- e a mais usada). Geralmente é preciso reunir todos os persa-

62
DICAS DE MESTRE II

11ugens, fazer com que andem juntos e só então prosseguir com a


11vcntura. Como sempre, existem algumas abordagens diferentes para
.,l. chegar ao mesmo objeto. Vamos a elas.

Já éramos amigos?

Cem por cento dos Mestres principiantes, especialmente e m


\ D&D, começam a aventura dizendo algo do tipo: "Bem, você já se
con hecem há alguns anos, são amigos há um bom tempo." Mesmo
que os j ogadores NUNCA tenham usado aqueles personagens em uma
111csma aventura. Tudo bem, não é uma abordagem completamente
111úlil - afinal, os personagens PODEM ser velhos amigos-, mas dei-
\ a muito a desejar. Talvez, com alguns ajustes, possamos chegar a
11111 resultado mais satisfatório.
Você quer que os aventureiros se conheçam antes da saga co-
111cçar? Caso os personagens não sejam iniciantes (1 º nível em AD&D,
100 pontos em GURPS ... ), use o método do "background interliga-
do". Deixe que os jogadores se reúnam após a construção dos perso-
1111gcns e conversem. Cada um deve falar de seu aventureiro, descre-
\·1·r sua personalidade e aquilo que se espera dele. Algumas idéias
111 L·liminares de backgroundtambém são bem-vindas. A interligação
'1r;í naturalmente.
Talvez o jogador que faz um ladrão renegado tenha começado
""ª carreira juntamente com o guerreiro mercenário do grupo. E
nada impede que o mago tenha crescido na mesma vila que a clériga,
1111 que o ranger tenha freqüentado durantes anos a mesma floresta
qm· o druida. É trabalho mais fácil do que parece - basta confrontar
"" idéias e seguir o rumo natural. Jogadores que se dão bem j untos
llrnrão gratos em poder estender a amizade "real" para o universo
ll11 1ogo.
Util izei este método pela primeira vez quando me preparava
1'111 a jogar meu primeiro live action de Vampiro (muito antes do Brasil
Ili' NiRhl e outros lives se tornarem tão populares). A história era
lut í vamente simples: alguém havia matado o Príncipe de São Pau-
lo r toda sua prirnigênie, e o caos havia se instaurado entre a socie-
63
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

dade vampírica paulistana. Sentamos com o Narrador dois meses


antes do tive e resolvemos que seríamos os responsáveis pelos as-
sassinatos. Então se concluiu que o "nível" de nossos personagens
teria de ser muito elevado. Seríamos vampiros com séculos de exis-
tência. E também precisávamos de um bom motivo para estarmos
juntos. Daí para os "backgrounds interligados" foi um pulo.
Em uma única reunião resolvemos que meu personagem (um
Brujah escocês chamado Brian McKlush) seria o irmão há muito
desaparecido de Andréas, um dos toreadores presentes. Um Treme-
re do grupo que vivia escondido nas masmorras do castelo McKlush,
acidentalmente descoberto, tomou-se amigo do regente. Além dis-
so, todos tínhamos pelo menos um fato em comum : éramos vampi-
ros renegados. No dia do tive tínhamos os personagens na ponta da
língua e um entrosamento muito superior ao de qualquer outro gru-
po de jogadores.
Esta mesma tática fo i usada por Margareth Weis e Tracy
Hickman em suas Crônicas de Dragonlance. No primeiro livro os
heróis já se conhecem e estão se reencontrando após cinco anos afas-
tados. As aventuras anteriores não são contadas (pelo menos não
neste livro; a série "Prelúdios", lançada tempos depois, se encarrega
disso), mas os personagens se recordam de fatos anteriores ao início
do livro.
O segredo é atribuir aos PCs papéis que normalmente caberiam
a NPCs estáticos.

Nunca vi mais gordo...

A outra abordagem é exatamente inversa. Os personagens nun-


ca se viram antes e não se conhecem. Este método traz mais dificul-
dades: como reunir um bando de desconhecidos e torná-los colegas
de batalha?
A resposta não é tão difícil. Basta observar nosso m undo real.
Pense em seus amigos e pense em como surgiu sua amizade. Na
maioria das vezes, uma situação propícia provocou o encontro que
levou à conversa e então à amizade. Talvez você não tivesse conhe-

64
DICAS DE MESTRE II

1Ido sua atual namorada se, justo naquela noite, não perguntasse a
r•l:1 sobre o isqueiro que esqueceu. Ou talvez você não jogasse RPG ,
111•111 conhecesse seu atual grupo de jogo, se não tivesse visto um
~\:11·oto no ônibus com um Livro do Jogador AD&D embaixo do bra-
1,11. Só a circunstância não basta, entretanto.
A situação ideal faz com que as pessoas se encontrem, mas não
"" mantém juntas (existem exceções, lógico). Geralmente as pes-
•;1ias se conhecem porque têm interesses parecidos ou coisa do gêne-
11>. Um conjunto de gostos, objetivos e às vezes até personalidades

w melhantes, que acaba trazendo certa identificação. Analise suas


p11í prias amizades e você vai perceber pelo menos uma dúzia de
l.1lores em comum com seus amigos. Os opostos se atraem, é verda-
d1•, mas não ficam muito tempo juntos...
Transferindo esse papo "pseudo-sociólogico" para o mundo do
10 1(; (aquilo que nos interessa no momento), a vida do Mestre fica
111 ~1i s fácil. Se funciona de maneira natural no mundo real, porque
11:10 funcionaria para os personagens dos jogadores? Basta criar a
, tn::unstância certa para que eles se encontrem e vejam as vantagens
d1• permanecerem juntos.
Vejamos um exemplo prático. Quando mestrei minha primei-
111 a ventura de Dragonlance, fiz questão de que os personagens dos
lllgadores não fossem conhecidos de longa data. Para falar a verda-
111'. cada um veio de um lado e nem sabia da existência do outro.
l'ut coincidência (leia-se "manipulação necessária do Mestre") to-
dos seguiram para a mesma taverna. Um dos guerreiros, um anão,
1111 abordado por um rapaz com pinta de malandro, magro ... um
Nl'c ' propondo um duelo entre o anão e um guerreiro envolto em
1u1111bras. Havia uma grande quantia envolvida na aposta, mas o
1111;10 resolveu recusar. Meia hora depois o rapaz reaparece, desta
\'r1 diante do balcão, fazendo uma espécie de pronunciamento: al-
~ 111·1n havia aceitado o desafio (um guerreiro franzino com cara de
1111v1110). Mas ninguém sabia que o "guerreiro envolto em sombras"
111 11a verdade um enorme minotauro, conhecido como Silverhorn
(ll11h11 um chifre prateado). O confronto seria na praça central, ao
1t11111 dia.

65
DRAGÃO BRASTL ESPECIAL

Considerando que todo jogador adora ver a desgraça de NPC,


fica meio óbvio que os personagens dos jogadores compareceram
no outro dia, prontos para ver um massacre. Encurtando a história: a
guarda da cidade soube do tumulto e mandou prender todos que
estavam por lá. Por coincidência (leia-se ... ah, esquece!) todos os
PCs ficaram na mesma cela. Lá começaram a conversar, pensando
juntos na situação em que estavam. Aplicando aqui nosso raciocínio
anterior, fica fácil perceber: a circunstância foi a prisão, mas o mo-
tivo para permanecerem juntos foi o objetivo comum - escapar da
prisão. Pronto. Temos um grupo entrosado.
Também é possível ser menos drástico. Dependendo da situa-
ção, circunstâncias mais simples podem ser arranjadas. Os PCs po-
dem estar passando pelo mesmo teste para serem aceitos na Guarda
Real, por exemplo.

Intriga e conflito

OBJETIVOS DlFERENTES: na maioria das vezes o grupo é manti-


do em convivência pacífica, tanto pelo Mestre quanto pelos pró-
prios jogadores. Em perfeita harmonia. Todos concordam com o
objetivo da missão, os métodos a serem utilizados etc. A lógica dis-
so se justifica em nossas explicações anteriores: os personagens são
amigos e têm um ou mais objetivo comuns.
Entretanto, nem todo mundo concorda em tudo. Pessoas dife-
rentes têm objetivos diferentes, idéias diferentes . O que acontece
quando as metas pessoais de um personagem entram em conflito
com as do grupo? Como o ladrão vai conseguir exercer seus talentos
com o paladino certinho por perto? Existe um meio de mantê-los
juntos mesmo assim?
Vamos ao exemplo. Em certa campanha, um amigo resolveu
jogar com um anão. Este personagem teve o olho direito inutilizado,
anos antes, durante uma luta com um mago. Daí lhe veio a dedução
de que, no mundo, nenhum mago é confiável; ele tornou-se um wizard
slayer (um tipo de caçador de magos). O problema: antes que esse
anão chegasse, já havia um mago no grupo!

66
ÜICAS DE MESTRE II

A solução, neste caso, está na interpretação de ambos os perso-


11agens. O anão pode se mostrar irredutível em sua atitude, mas como
l'lc passará a pensar se o mago salvar sua vida uma ou duas vezes?
Ou mesmo se o mago provar que é tão valoroso e leal quanto qual-
quer outro herói ? Talvez o anão não deixe de lado sua vocação para
111izard slayer, mas perca ao menos o interesse em liquidar o mago
do grupo.
CONVICÇÕES DIFERENTES: outro exemplo de discórdia. Muitos
Mestres (principalmente em AD&D) proíbem o uso de personagens
111alignos, justamente para não quebrar a harmonia do grupo. Como
ugora estamos falando de intriga e divergências ente os persona-
gens, é interessante analisar este assunto. É possível permitir perso-
nagens malignos no grupo e mesmo assim mantê-los unidos. De
n~rta forma.
Em AD&D, seria necessária certa adaptação na descrição da
tt·ndência - uma espécie de dedução particular. Mesmo assim, ape-
11as duas tendências malignas são recomendadas para jogadores: Vil
,. l ~goísta.
Um personagem Vil (Maligno e Leal), por exemplo, é mais
111dicado para quem insiste em ser o bad boy - mas não pretende
l'nar problemas para o grupo. O jogador é logicamente maligno,
11ias o caráter Leal resolve nossos problemas. Ele honra seus com-
p1 omissos e mantém sua palavra, não importa se é bom ou mau .
~fr ndo assim, nada impede que ele tenha um débito com o restante
do grupo. Ou talvez aq ueles sejam seus únicos amigos (sim, um
rwrsonagem maligno PODE ter amigos). Encarando desse modo, o
11H·ntureiro Vil reserva suas "maldades" para o resto do mundo. Será
11111 oponente frio, cruel e implacável para seus inimigos ... mas ja-
11111is se voltaria contra o grupo, exceto se alguém lhe der uma boa
j11 .. 1ificativa para quebrar seu voto ...
Personagens Egoístas (Neutros e Malignos) também podem ser
1111li1.ados, mas com mais cuidado. Esse personagens não têm o me-
11111 t:scrúpulo - tudo é justificável, desde que traga alguma vanta-
111· 111. Parece difícil encaixar alguém assim no grupo, mas com um
1t1111t·o de esforço ainda é possível. Já que ganho pessoal é o pensa-

67
DRAGÃO BRASIL ESPEClAL

mento constante do personagem, basta encontrar alguma vantagem


em permanecer com o grupo. Talvez ele seja fraco ou de nível abai-
xo e dependa da força dos demais. Talvez seja perseguido justamen-
te pelos inimigos do grupo. Juntar-se a pessoas mais fortes capazes
de protegê-lo é uma GRANDE vantagem. Outra hipótese é que ores-
tante do grupo compartilha do mesmo objetivo do personagem ma-
ligno: talvez estejam atrás do mesmo artefato ou procurando o mes-
mo portal para voltar para casa. Assim, nosso Egoísta precisa ape-
nas fingir um pouco de lealdade - mas todo cuidado é pouco. Egoís-
tas são traidores em potencial.
Excluí personagens de tendência Cruel (Maligno e Caótico)
desta lista. Falta a este tipo a flexibilidade dos outros dois para tra-
balhar com personagens opostos. Colocar alguém Cruel entre os
mocinhos é o mesmo que colocar um Vil; não é exatamente impos-
sível, mas ... esqueçamos isso por hora. Fica para uma próxima opor-
tunidade.
BACKGROUND COMO FATOR DE INTRIGA: já falamos sobre oba-
ckground interligado de maneira harmoniosa. Certo. Mas e se fosse
feito o contrário? E se o passado do personagem fosse usado para
gerar intriga dentro do grupo? Isso não poderia abalar um pouco as
relações entre personagens?
Nem todos os fatos do passado são agradáveis. Talvez Derek, o
ladrão do grupo, tenha ouvido comentários sobre os "trabalhinhos"
nada agradáveis de Justin, o guerreiro mercenário - coisas como
assassinar mulheres em vilas a mando de governantes tiranos. E tal-
vez Justin tenha se juntado ao grupo justamente para se redimir de
seus feitos, realizando algo de bom para o mundo. Então, ele prova-
velmente não quer que estes fatos venham à tona.
O que Derek fará com a informação? Chantagear Justin? Es-
quecer? E o que Justin vai fazer a respeito? Matar o ladrão para
manter seu segredo, mesmo correndo o risco de perder o pouco que
conquistou? Ou confessará sua história perante o grupo, sujeitando-
se ao j ulgamento de seus amigos?
Este é só um exemplo tirado da manga às pressas, mas pode
servir de ponto de partida para alguns conflitos bem interessantes.

68
DlCAS DE M ESTRE II

NPCs: alguém realmente achou que eu ia encerrar o texto sem


l:tlar de NPCs? Tsc, tsc. Bem, um NPC colocado no meio do grupo
(seja corno amigo ou futuro traidor) pode trazer mais intriga. Tive
11m exemplo assim em minha campanha de Dragonlance. (Voltar a
mestrar? Quem sabe um dia ... ).
Introduzi Aaron Blankenship no grupo durante a segunda aven-
tura da campanha; o vilão havia roubado um artefato que no mo-
111ento estava com os jogadores, mas na verdade pertencia à vila de
Aaron. Sendo assim, ele permaneceu com os aventureiros em busca
do objeto. Aaron nunca deixou de mostrar lealdade ao grupo, mas
~cu s métodos não agradavam em nada o jovem clérigo Halak:is
eJrcenfeld. O conflito entre ambos estava armado. Halak:is insistia
q11e Aaron era um traidor, etc, etc. Nenhum dos outros personagens
dos jogadores jamais concordou, o que chegou a gerar algumas dis-
1•11ssões. Final ·da história: o grupo rec uperou o artefato e, no mo-
111<.;nto em que todos estavam ausentes, Aaron pegou o objeto e par-
tiu . Aaron era um traidor? Não se sabe. Halakis estava certo? Par-
1•rnlmente. O acontecimento abalou o grupo? Com certeza.
Existem inúmeros problemas e inúmeras alternativas quando
~1' trata de interação dentro de RPG. Tente pesar as necessidades e
J;!nslos do seu grupo de jogo antes de resolver que abordagem será
tomada. Às vezes uma convivência harmoniosa é a solução. Em
111 11ras, os jogadores preferem um pouco mais de intriga como alter-
1111tiva.
De qualquer modo, a nós cabe apenas mostrar os caminhos.
( hu.:m escolhe por onde vai viajar é você ...

J. M. Trevisan
(King of the Hill e Mestre aposentado por invalidez)

69
XI
Low power
Você não precisa de um Garou de Posto 5 ou um
Paladino de 30" nível para chutar o balde!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 44

Vive dizendo o Homem-Aranha: "Com grande poder, vem gran-


de responsabilidade." Isso é verdade na vida real, nos quadrinhos e
também em aventuras de RPG.
Por que existem níveis de experiência de personagem em GURPS
e pontos de bônus em Vampiro? Por que um aventureiro sempre
começa fraq uinho, incapaz de enfrentar muita coisa além de goblins
e kobolds, só mais tarde conquistando poder para as façanhas real-
mente heróicas? Ora, simplesmente porque de outra forma não ha-
veria desafio! Boa parte da emoção da campanha está em vencer
perigos crescentes, conq uistar novas habilidades, derrotar inimigos
cada vez mais perigosos. O que existe de excitante em surrar o
chefão final de um videogame logo na primeira Juta? Como teria
sido Cavaleiros do Zodíaco se Seiya e os outros tivessem desperta-
do o Sétimo Sentido logo no primeiro episódio da série? Meio cha-
to, não?
Então, seguir em uma campanha significa evoluir, ganhar mais
poder. Isso é natural em qualquer RPG . Mas é necessário? Ou me-
lhor, será isso realmente importante?

70
DICAS DE MESTRE II

Claro que, em uma campanha de 5° nível, o Mestre não vai per-


mitir que você jogue com um personagem de 10° nível. Mas o que
acontece quando resolvemos fazer o contrário? Que tal tentar jogar
1.:0111 um PC inferior, em poder, aos outros personagens do grnpo?
"E POR QUE DIABOS EU FARIA UMA COISA IMBECIL DESSAS?",
pergunta você.
Outro dia falamos sobre como se dive11ir com um personagem
pacífico - ou seja, alguém que tenta resolver seus problemas com
111ais cérebro e menos artilharia. Hoje vamos tentar uma coisa pare-
t: ida: provar que, mesmo em uma campanha com aventureiros de
18º nível, você pode entrar com um bardo furreca de 1º nível e
111csmo assim provocar muito agito.

Devolva minha câmera, seu príncipe filho da p ... !

Regularmente ouço de meus amigos e colegas J. M. "Macaco


< 'aoJho" Trevisan e Evandro Gregorio uma história sobre como os
dois chutaram longe o balde em uma aventura de Vampiro. Foi no
R10, durante um live-action ligado ao antigo Projeto Brazil by Night.
< ' 01110 nenhum dos dois tinha personagens fixos no Projeto, resolve-
111111 improvisar fazendo os papéis de um diretor de TV e seu câmera,
ltlmando o evento social que servia de fachada para a reunião dos
v111npiros. Detalhe impo11ante: ambos eram humanos normais!
É comum que, quando participam de um live, jogadores novos
11•1·l·bam permissão para usar apenas personagens fraquinhos (isso
trdu..: os riscos de que um novato resolva atacar o Príncipe em pú-
o
hl11·0, debulhar a Máscara e mandar todo live para os infernos).
1 111110, se você é apenas um mortal ou vampiro bunda-mole de 13ª
Ch·rnção, com certeza vai pensar duas vezes antes de mexer com os
••1111d os, certo?
1~rrado. Muito, MUITO errado.
1~u adoraria estar lá para ver a surpresa nos rostos daqueles
11h11·s, galantes e embasbacados predadores da noite quando
fl pmio interrompeu uma importantíssima reunião de Anciões -
ll111 1tlo, xingando e metendo o dedo na cara do Príncipe - para ter

71
DRAGÃO BRASI L ESPEC IAL

de volta sua câmera que havia sido confiscada. Os outros partici-


pantes, acostumados aos jogos de política, manipulação e sutileza
tão cultivados neste jogo, simplesmente não conseguiam acreditar
na cena! E agora sejam sinceros, senhores freqüentadores de lives:
mesmo sabendo que RPG é apenas faz-de-conta e que não existem
riscos verdadeiros, quantos de vocês teriam coragem para deixar de
puxar o saco do Príncipe e fazer algo assim?
Coragem. Ai está a chave. Pegar um personagem superpoderoso
e sair detonando tudo é fácil. Para o RPGista, o verdadeiro talento e
ousadia estão em encarar desafios muito acima da capacidade de
seus PCs. Coragem é peitar Tiamat com um paladino mixuruca de 3º
nível, ou tramar a destruição total do Sabá sendo apenas um Ventrue
de 12ª Geração. Conseguir, então, melhor ainda!
Apenas faça o favor de não confundir coragem com imprudên-
cia ou idiotice. Não se trata de procurar encrenca o tempo todo ou
até estragar a aventura inteira, apenas para provar aos outros que
tem coragem. Notem que, ao meter o dedo na cara do Príncipe,
Gregorio não prejudicou em nada o andamento normal do tive - foi
apenas uma confusão breve; mas meter uma bala em sua cabeça
teria sido outra história ...

Vampiro? Eu?

O exercício do "mortal no meio dos vampiros" é excelente nesse


sentido. Em nosso grupo de jogo também costumamos recordar a
atuação de outro amigo nosso, Kmt. Ele participou de uma crônica
de vampiros jogando com um mortal, e sobreviveu a muitas e mui-
tas histórias. No princípio, nem mesmo seus colegas sabiam da ver-
dade! Os outros jogadores acreditavam que Kurt era um vampiro,
como eles próprios. Apenas com o tempo perceberam que era um
simples mortal - e que haviam quebrado a Máscara em mil pedaci-
nhos diante dele!
Claro que, pelo menos no começo, você não precisa ir tão lon-
ge. Em um grupo de vampiros, jogar com um personagem carniçal
já chega a ser razoável prova de coragem (como é, ninguém aí teve

72
DICAS DE M ESTRE II

peito para usar as regras sobre personagens carniçais que mostra-


nios em DB #24 ?) . Muito mais bravura você vaj precisar para j ogar
uma crônica de Lobisomem com um Parente (TAMBÉM tivemos re-
gras para jogadores Parentes, na DB #27); para um simples humano,
conseguir se destacar em meio a um grupo de truculentos Garou não
l<desafio dos mais fáceis - mas também não é impossível. Eu mes-
ino fiz isso uma vez: meu personagem, apenas um professor univer-
sitário (que ainda por cima mancava de uma perna, sendo obrigado
:1 usar bengala), foi o único que no final da aventura havia consegui-
do matar uma criatura da Wyrm! !!
Outra coisa que faz um personagem fraco valer a pena é a falta
de compromisso. Com grande poder, grande "responsa", lembra?
lintão, com pouco poder, pouca ou nenhuma "responsa"! Que os
grandes guerreiros, magos e clérigos do grupo se preocupem em
derrotar o vilão e resolver outros problemas "sérios". Enquanto isso
você se diverte com seu ladrão ou bardo, batendo carteiras, escalan-
do paredes, pulando de galho em galho e azarando raparigas. Quem
di sse que o único lazer em mundos medievais é detonar dragões e
rn lccionar XPs?
É sempre bom lembrar que nem só de poderosos heróis vivem
·'"aventuras. Para cada grande aventureiro existem outros persona-
p1·ns secundários, mais fracos, mas também interessantes. Cada
Shcrlock Holmes tem seu caro Watson, cada Xena tem sua Gabriele,
1 ada Groo tem seu Ruferto. E lembre-se de que, quando bem inter-

p1 clado, um personagem "secundário" sempre pode acabar rouban-


do a cena e se destacando muito mais que o próprio herói.
Adotar personagens fracos também pode ser sua chance de
np lorar aquelas classes e raças que antes não ousaria. Você joga
\i1111piro? Quando foi a última vez que tentou viver um Nosferatu,
11 C'l ã mais rejeitado de todos? Lobisomem ? Em vez dos habituais

l ' 1 ws de Fenris, Garras Vermelhas e Fúrias Negras, vamos tentar


nlt•o novo - talvez a nobreza enjoativa dos Presas de Prata, ou o
p11l'ifismo exagerado dos Filhos de Gaia. GURPS? Comece a arris-
u11 algumas desvantagens realmente graves, como Cegueira, Ma-
111 f.1 ou Deficiente Físico (este conselho também vale para Vampiro

73
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

e Lobisomem, se você usa as regras de Qualidades e Defeitos) .


AD&D? Chega de humanos, e lfos e meio-elfos - comece a tentar
gnomos, halflings e kenders, raças fracas, mas muito divertidas. E
você pode descobrir que ser um ranger, druida ou paladino não é
tão chato quanto parecia.
E, se você está mesmo disposto a ir muito longe, pode escolher
tipos realmente absurdos ! Uma vez estava eu assistindo a uma aven-
tura de Vampiro. Um amigo, Flávio, comandava um Malkaviano
que tinha uma pequena coleção de bichos de estimação - um cão,
um galo, um pato e outros, todos vampíricos. Eles foram assassin a-
dos um a um pelo sanguinário personagem de outro jogador, restan-
do apenas o pato. Eu queria participar, mas a aventura já estava pró-
xima do fim e não havia como introduzir mais um personagem sem
atrapalhar tudo.
- Ei, Mestre! Posso jogar com o pato?
- Você quer j ogar com ... com o PATO?!
Diante do olhar pai-vo do Mestre, que pelo visto nunca havia
recebido proposta tão exótica, os outros jogadores trataram de ex-
plicar:
-Tudo bem. Não preci sa estranhar, não. Ele é o Paladino.
Sabem, até hoje não sei se aquilo foi exatamente um e logio. De
qualquer forma, o Mestre deu permissão e tive minha chance de
aplicar umas bicadas - e garanto que, apesar da breve participação,
todos ainda se lembram da famigerada "aventura do pato".

A saga de Klunk, o Bárbaro

E se você acha muito difícil jogar com um personagem sem


poder, esta idéia talvez ajude: você pode tentar um PC com GRANDE
poder, mas também GRANDES fraquezas.
Como exemplo vou citar aq uele que é, no momento, meu per-
sonagem preferido para aventuras de AD&D: Klunk, o Bárbaro,
cujas patéticas façanhas já são bem conhecidas por quem acompa-
nha nossas Lendas Lendárias. Criado a partir de um kit do suple-
mento importado The Complete Barbarian 's Handbook, Klunk é

74
DICAS DE M ESTRE II

um Bruto - o bárbaro do tipo mai s primitivo, quase um homem das


l'avernas.
Originalmente, quando foi criado, Klun k tinha Força 18/00 (em
:\D&D, o máximo possível para um humano). Mais tarde, no decor-
rer da campanha, ele teve sua força e tamanho ampliados por um
Desejo ("Klunk perdeu luta! Klunk fraquinho! Klunk quer ser mais
lorle!"); atualmente ele tem Força 20 e três metros de altura, como
11111 gigante das rochas! (Normalmente um Desejo não pode aumen-
tar uma Força 18/00 para 20, mas o Mestre fez uma exceção). O
dano de sua clava, feita com um fêmur de dragão, é 2d6 + bônus de
h>rça - e ele ainda pode arremessar pedras que causam 3d10 de
dano!
"E ISSO LÁ É PERSONAGEM FRACO?!", vocês perguntam. Bem,
l\ lunk pode ser fisicamente forte, mas em qualquer outro assunto é
11m inepto total. De acordo com as limitações de seu kit, ele tem
l111eligência 6 e Carisma 8! Não pode aprender mais de um idioma,
11:10 tem pontos de perícias comuns, não tem dinheiro ("Klunk não
11 11er coisinhas redondas e duras! Não servem pra comerl"), não pode
11 sur nenhuma armadura e nem armas "modernas" como espadas,
l.111ças e arcos - apenas clava!
Resultado: quando está em campanha, Klunk pode ser fac il-
111t·11le enganado ("Sim, Klunk troca anel mágico estúpido por pre-
~ 111110 !").Ele nunca vai poder acumular tesouros, nem itens mági-
1 ns. E, com seu cérebro de samambaia plástica, está sempre airan-
jnndo problemas para si mesmo e para o grupo. ("Aquelas coisinhas
11·dondas e duras? Não prestam pra nada! Klunk jogou tudo fora! ")
Moral da história do Klunk: seja moderado, e será recompen-
'111110. Mesmo que você possua um personagem poderoso, não abuse
dr ...cu poder - tente explorar, isso sim, suas fraquezas. Além de ser
dlv1·1t iclo, com isso você pode mostrar ao Mestre que sabe usar cor-
l11111cnte um PC poderoso, sem desequilibrar a campanha - e o
~fr~ trc com certeza será mais benevolente no futuro.

75
DRAGÃO BRASlL E SPECIAL

Digo-te NÃO!

Agora, a verdade. Um personagem poderoso demais nas mãos


de um jogador irresponsável pode estragar a aventura - mas um
jogador inteligente, mesmo com um personagem fraco, pode conse-
guir grandes atuações.
Então aceite este novo desafio: em sua próxima aventura, es-
colha um personagem inferior aos demais - "inferior" pelo ponto de
vista das regras, é claro. Um bom personagem não se mede por seu
poder. Se assim fosse, Thor seria mais popular que o Wolverine!

Paladino

76
XII
Mundos perdidos
Mundos que o tempo esqueceu em sua campanha

Artigo publicado na Dragão Brasil# 44

Mundos perdidos. Lugares distantes dos olhos da civilização.


Lugares onde o tempo parou, habitados por animais pré-históricos,
111onstros gigantes e tribos primitivas. Mundos perdidos são o sonho
dos autores de fantasia e ficção científica desde o surgimento destes
p1·11eros. Muito antes do Mundo Perdido que deu seqüência ao Par-
1/ll<' dos Dinossauros de Michael Crichton, um romance de mesmo
nome escrito por Conan Doyle - o célebre criador de Sherlock Holmes
1á trazia aventuras envolvendo dinossauros na floresta amazônica.
l'arn as aventuras de Tarzã, Edgar Rice Burroughts criou Pellucidar,
11111a Terra oca com dinossauros vivos. As histórias de Perry Rhodan,
- lll'l'SSO na literatura de ficção científica, falam de um planeta Vênus
l oherto de selva e infestado de dinos. Em sua primeira versão para
l t11vma, King Kong reinava em uma ilha de dinossauros. No universo
&111... quadrinhos Marvel existe a Terra Selvagem, uma selva tropical
111 pl eno continente antártico, aquecido por atividade vulcânica; e
&tt111ilém a Ilha Monstro, reduto do Toupeira, clássico vilão das histó-
ftn' do Quarteto Fantástico. E não vamos nos esquecer do recente
pl1111l'! óide Keyla, cenário da minissérie Lua dos Dragões.

77
DRAGÃO BRASIL E SPEC LAL

Todo mundo de RPG que se preza também tem seu mundo per-
dido. Em Forgotten Realms, o mundo favorito de AD&D, a penín-
s ula de Chult é uma selva h abitada por feras pré históricas.
Estranhamente, o "mundo colcha de retalhos" Yrth de GURPS Fantasy
não tem nada parecido com um mundo perdido, mas apresenta nu-
merosas regiões isoladas e inexploradas que podem conter lugares
onde o tempo parou. As páginas desta revista também j á tiveram seu
próprio "mini-mundo perdido": a Ilha da Caveira, apresentada na
prime ira parte de "O Disco dos Três" - a mais clássica aventura da
Dragão Brasil, e até hoje um grande sucesso. E também vale citar a
aventura Mundo Perdido para Lobisomem (DB #30), baseada no fil-
me, propondo uma ilha dominada pelos licantropos Mokolé - pro-
vando, assim, que até mesmo um mundo das trevas punk-gótico tem
lugar para uma terra de dinossauros.
Mundos perdidos são extremamente populares em RPG , cená-
rios perfeitos para testar a perícia dos aventureiros. Em que outros
lugares eles podem encontrar tantos monstros imensos cheios de
garras, presas, chifres ... e pontos de experiência? Ok, não é um am-
biente muito indicado para quem prefere mais interpretação e me-
nos pancadaria, mas de uma coisa você pode ter certeza: após sobre-
viver a algumas batalhas contra dinossauros e monstros gigantes,
seu grupo de jogo terá um lugar especial no coração para aquela
parte da campanha.

A velha receita

Talvez não pareça, mas um mundo perdido está entre os cená-


rios mais simples de elaborar porque todos eles têm muitos elemen-
tos em comum. Basta seguir a "receita" e eis seu próprio Vale dos
Dinossauros.
Comece lembrando que mundos perdidos sempre ficam e m al-
guma região remota, isolada do resto do mundo, de alguma forma
protegida da Grande Extinção ocorrida há 65 milhões de anos (natu-
ralmente, outros planetas também tiveram sua própria Grande Ex-
tinção). Além de dinos, mundos perdidos também costumam abri-

78
DrcAs DE MESTRE II

gar outros tipos de monstros e animais gigantes - às vezes, até mes-


1110 criaturas muito maiores que os dinossauros. Insetos gigantescos,
plantas carnívoras e outros monstros são presença obrigatória em
cenários assim. Um mundo perdido "típico" também é habitado por
uma ou mais tribos de homens das cavernas, que ainda conservam
seus valores no último mjlhão de anos.
Homens primüivos nem sempre são as únicas criaturas inte li-
gentes do lugar. A selva ancestral pode esconder outras raças - os
homens-lagarto, descendentes de dinossauros, são as mai s clássica
raça não-humana encontrada em mundos perdidos. E nem todos os
habitantes são bárbaros ou primitivos; também podem existir civili -
1.ações mais avançadas, com templos, palácios e tudo o mai s, de
alguma forma protegidos dos monstros locais.
E, para completar o mundo perdido típico, um personagem
importante que governa o lugar - geralmente um vilão dos mais
poderosos. Fora do alcance da lei, ele se empenha em acumular po-
der, realizar pesquisas genéticas, reunir exércitos (de dinos, homens
das cavernas ou ambos) para iniciar sua diabólica conquista do mun-
do. Este ingrediente é especialmente importante em histórias de super-
llcróis: a excelente revista Wolverine na Terra Selvagem, de Mike
M ignota, mostrava o vilão Apocalipse realizando experimentos com
os homens primitivos locais. Coloque bem no centro de seu mundo
perdido um castelo ou fortaleza habitado por um grande vilão, e
apenas veja os aventureiros correndo para lá!
Vamos apresentar aqui um exemplo de mundo perdido para
... ua campanha - a Ilha Galrasia. Ela tem todos os elementos clássi-
<'OS do gênero, mas também algumas características novas para sur-
preender os jogadores. Galrasia pode ser incluída em Forgotten
l<ealms , Mystara, GURPS Fantasy e outros cenários medievais, como
for: mar, Arkanun, Aventuras Fantásticas e outros (as regras são vol-
t:idas para AD&D e GURPS; adaptações para outros mundos ficam
pnr sua conta). Para povoar a ilha, vamos também economizar um
pouco de trabalho para o Mestre e pescar algumas criaturas vistas
<'lll edições anteriores da DB, portanto, comece a fuçar sua coleção
d<· revistas antigas. Atenção: a Ilha Galrasia estará presente no mun-

79
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

do medieval multissistema a ser apresentado na edição comemorati-


va Dragão Brasil #50.

A ilha de Galrasia

Galrasia é uma ilha de vida. Ela é única, porque emana uma


poderosa força vital que nenhuma outra região do mundo pode igua-
lar. Qualquer organismo vivo no local recebe seus efeitos benéficos.
A cura natural (incluindo a Recuperação Física e Regeneração de
GURPS Supers) funciona duas vezes mais rápido. Qualquer magia de
cura consegue automaticamente um acerto crítico e/ou efeito máxi-
mo (não é necessário jogar dados).
Este é o lado bom. Agora vem o lado ruim: essa mesma força
vital faz com que todas as criaturas da ilha atinjam dimensões mons-
truosas. Quase todos os animais nativos são enormes, duas vezes
maiores e oito vezes mais pesados que o normal. Aqui temos croco-
dilos de quinze metros e sapos quase tão grandes quanto porcos. As
aranhas, besouros, centopéias, escorpiões e outros artrópodes "gi-
gantes" que infestam dungeons no resto do mundo são realmente
imensos neste lugar.
A vida vegetal também é farta e exuberante. A grama rasteira
comum atinge a altura dos joelhos, e algumas árvores chegam a meio
quilômetro de altura. Plantas carnívoras e outros monstros vegetais
são freqüentes. Conta-se que neste local surgiram os lendários golens-
árvore, criaturas construídas a partir de árvores vivas: criados por
um antigo e poderoso druida, foram as primeiras criaturas artificiais
com um ciclo vital completo - elas crescem, se alimentam, se repro-
duzem e morrem. Golens-árvore existem em três variedades: o
Galhada, criatura com aspecto de cervo, mas feita de xaxim; o Espa-
da-da-Floresta, humanóide e portador de espadas mágicas feitas de
madeira; e a apavorante Árvore-Matilha, um tronco retorcido que
rasteja sobre patas disformes, com numerosas cabeças sem olhos e
m andíbulas de lobo. (Os golens-árvore são descritos em detalhes na
revista Só Aventuras #1).

80
DICAS DE M ESTRE II

Dinossauros

A energia vital da ilha também impediu a extinção de criaturas


há muito desaparecidas no resto do mundo. O lugar abriga dinos-
sauros, mastodontes, tigres dente-de-sabre e outras feras pré-histó-
ricas.
Os dinossauros da ilha são de tamanho "normal" (para
dinossauros, pelo menos); ao que parece, as leis naturais que limi-
tam o tamanho das criaturas também impediram que os lagartos ter-
ríveis se tornassem maiores. Sua aparência e poderes, contudo, são
bem diferente dos dinos convencionais (veja o quadro Tatu-Mo11la
nha). Temos tiranossauros com caudas espinhosas, vcloci raplorcs
com garras de lagosta e triceratops capazes de cavar tão rápido quanto
tatus. Alguns dinossauros de Galrasia têm habilidades camaleônicas,
sendo capazes de mudar de cor mais rápido que a vista; outros pos-
suem ferrões venenosos ou podem exalar gases tóxicos. O Mestre
tem praticamente a obrigação de usar esses "dinos exóticos" como
uma chance para pegar os jogadores de surpresa: que tal tiranossauros
vegetarianos, brontossauros blindados ou pterodátilos telepatas?
Mestres de AD&D podem encontrar no Livro dos Monstros vá-
rios tipos de dinossauros e dar-lhes novos poderes. Mestres de GURPS
podem recorrer aos suplementos importados GURPS Bestiary ou
<JURPS Dinossaurs. Caso não consigam encontrar estes livros, al-
guns tipos de dinos para GURPS foram mostrados na aventura "A
foa nde Raça de Yith" (DB #10).
Não existem humanos nativos em Galrasia, mas a ilha é habi-
tada por numerosas tribos de homens-lagarto. Na verdade, o lugar
p:trece ser o berço de todas as raças sauróides conhecidas - homens-
lugarto, reptantes, trogloditas, saurials e outros. A forma de vida mais
uvançada de Galrasia são os antropossauros, uma variedade de povo-
tl inossauro. Apesar da aparência sauróide, são considerados mamí-
lt'l'os para todos os efeitos - têm sangue quente e até glândulas ma-
111:írias. Antropossauros dividem-se em numerosas subespécies, como
n.. dragoas-caçadoras (mais detalhes em os #18), ceratops, velocis,
l'll'ros (os #30) e outros.

81
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

O centro do horror

O maior paradoxo de Galrasia é que sua maior fonte de vida é


também a coisa mais temida do lugar. Um segredo conhecido por
poucos é que a energia vital emana de uma gigantesca estrutura no
centro da ilha: uma edificação com centenas de metros de altura.
Apesar da força vital que exala, ela é chamada pelos nativos de Tor-
re da Morte.
Vislumbrar a Torre da Morte é recordar os piores pesadelos
que qualquer criatura racional poderia ter. O prédio parece feito de
ossos retorcidos, cinzentos e metálicos, ligados entre si por tendões
e membranas translúcidas. Quatro prolongamentos gigantes nascem
na base da Torre e lembram asas secas, ou pernas de aranha: ainda
que a sanidade rejeite tal teoria, a Torre se parece com uma criatura
insetóide, imensa e macabra - que pode se levantar a qualquer mo-
mento para trazer horror indescritível ao mundo.
O lhar para a Torre por muito tempo provoca vários pequenos
desconfortos, como dores de cabeça, enjôo, tontura e mal estar. En-
trar lá é uma provação para a bravura (exige testes de resistência
contra paralisia em AD&D, ou Verificações de Pânico em GURPS). O
interior da Torre abriga um vasto complexo de túneis cilíndricos e
segmentados - quem caminha dentro deles tem a impressão de estar
dentro de uma traquéia gigante.
A Torre é habitada por horrores que desafiam a imaginação -
milhares de criaturas feitas de sombra e medo, com olhos vermelhos
luminosos que brilham em cada canto escuro do prédio. Eles possu-
em formas variadas e couraças naturais quase indestrutíveis. Têm
poderes variados: alguns podem se tornar invisíveis, outros emitem
luzes cegantes ou radiação venenosa, e existem até aqueles capazes
de expelir chamas. Até onde se sabe, podem ser feridos apenas com
magia ou armas mágicas.
Conta-se que os monstros servem a um poder superior desco-
nhecido. Nada se sabe sobre tal entidade, exceto que não pertence a
este mundo. Uns acreditam que o líder dos monstros exerce seu co-
mando em uma vasta câmara no interior da estrutura - mas outros

82
DICAS DE M ESTRE II

teorizam que ele é, na verdade, a própria criatura que empresta seu


corpo à Torre.

O fim do tédio

Aí está. Um mundo perdido padrão, mas com muitos elemen-


los únicos . Muita coisa foi deixada por conta da imaginação do
Mestre, mas ainda assim Galrasia funciona como terreno fértil para
muitas aventuras.
Mundos perdidos são principalmente cenfü-ios que ex igcrn mai s
combate e menos conversa, mas não deixam de ser inlcrcssantcs
especialmente para jogadores iniciantes, ans iosos para dcbu 1har in i
migos diferentes. Quando matar kobolds, ores e csquclclos fi ca te-
dioso, experimente esta solução primitiva.

Paladino

Tatu-montanha

O primitivo tatu-montanha funciona como um habitante exótico de


mundos perdidos. Este imenso invertebrado não é realmente um tatu,
mas sim uma variedade gigante de caramujo. O tatu-montanha lembra
mais algum tipo de tartaruga monstruosa. O corpo é blindado com uma
carapaça convexa, seca e marrom, medindo mais de cinco metros de
altura no topo. Sob a carapaça não há patas, e sim uma barriga rastejante
de caramujo. Saindo da abertura onde deveria haver uma cabeça, exis-
te uma massa de tentáculos com protuberâncias redondas em suas ex-
tremidades. Possui uma longa e espinhosa cauda muscular, trazendo
na ponta uma esfera massivamente revestida de espinhos, à semelhan-
ça de uma maça.
Tatus-montanha podem ser encontrados em manadas, pastando em
pftntanos - eles filtram a água para reter matéria orgânica e microorga-
nismos. Quando atacados, recolhem-se sob as conchas e tentam atingir

83
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

o agressor com a cauda (em GURPS, ataques com a cauda são feitos
com NH 12). Além de fortíssima contra qualquer ataque físico, a concha
do tatu-montanha é também imune a qualquer tipo de ácido.
Tatus-montanha podem ser facilmente domesticados como animais
de montaria. Verdadeiras ilhas ambulantes, eles podem transportar mui-
ta carga. Infelizmente, o animal não sobrevive muito tempo fora de terre-
no pantanoso - apenas 2d6 semanas. Esse tempo pode ser prolongado
se o animal puder pastar em pântano durante pelo menos uma hora por
dia.
A concha enorme do tatu-montanha, quando vazia, costuma ser
usada por tribos locais como cabanas - são fortes, duráveis e algumas
têm espaço para abrigar famílias inteiras. Conchas de exemplares me-
nores podem ser usadas como depósitos de água e caldeirões; por se-
rem invulneráveis ao ácido, as conchas costumam ser usadas por ma-
gos como reservatórios de substâncias corrosivas.

84
XIII
Viver o jogo

A criação de um bom personagem de Live Action

Artigo publicado na Dragão Brasil# 45

Live action: Mistura de festa à fantasia e jogo de RPG, com os


participantes fingindo ser seus próprios personagens e improvisan-
do suas falas. Atores e jogadores a um só tempo. Já falamos bastante
sobre tive action aqui na Dragão Brasil. Martelamos todas as regras
de segurança, sobre não tocar, nada de armas falsas e tudo o mais.
Fizemos nossa parte para tornar os lives seguros e divertidos, em
vez de incidentes envolvendo vizinhos apavorados com todos aque-
les caras vestidos de preto. Com isso em mente, já podemos explo-
rar novos aspectos do tive action - a ousadia máxima em RPG.

RPG de mesa e live action

O primeiro ato da maioria dos jogadores quando pensa em par-


11cipar de um tive é preencher a planilha de personagens. Sim, claro.
Esta é também nossa primeira providência quando jogamos o con-
vencional RPG de mesa.
Mas há um porém. Na mesa não existem limites - a imagina-
\ IH! desconhece fronteiras, leva a qualquer situação. Você pode ser

85
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

um anão, um robô, um alienígena de seis braços ... qualquer coisa.


Pode realizar façanhas impossíveis no mundo real, como saltar en-
tre prédios, arremessar carros, lançar bolas de fogo, brandir espadas
mágicas e mil outras proezas. Tudo é possível, tudo é válido.
Em um tive, a história é outra. Saboreamos a sensação única de
viver na pele um personagem, uma história, uma saga ... mas paga-
mos o preço. Ficamos novamente presos às cruéis limitações da re-
alidade. Aqui estamos restritos a personagens de aspecto humano
(ou humano com máscara de boITacha, na melhor das hipóteses).
Nada de grandes mágicas ou super-poderes, também - apenas pode-
res menores e mais sutis, como leitura e domínio da mente,
invisibilidade e coisinhas assim.
Aonde queremos chegar? Um bom personagem para jogo de
mesa nem sempre funciona direito em um live, e vice-versa. Na mesa,
por exemplo, temos muito mais situações de combate - e combates
são raros em tives. Suas melhores histórias envolvem apenas misté-
rio, intriga e jogos mentais, sem matança (afinal, matar alguém sig-
nifica remover o jogador da festa). Então, esqueça aq ueles cinco
pontos que você ia colocar em Briga, Armas Brancas ou Armas de
Fogo, pois dificilmente vai precisar. Sim, claro que você PODE ter
um personagem combativo e brandir suas armas de plástico (não
diante de transeuntes desavisados, por favor!), mas depois não fique
decepcionado se não rolar nenhum tiroteio ou batalha épica durante
a festa!
Na verdade, cm um live ágil e bem coordenado, você nem
mesmo vai precisar fazer quaisquer testes com dados - tudo se re-
solve com conversas, pactos, chantagens e armações. Um bom joga-
dor de tive nem sequer precisa de uma ficha! Faça como em Castelo
Falkenstein (sei que estou me repetindo, mas este j ogo é realmente
ótimo!): apenas escreva uma história para o personagem, destacan-
do seu comp01tarnento e modo de se vestir, sem se preocupar tanto
com poderes ou estatísticas de jogo. No momento da ação, escutar
uma conversa sigilosa através da janela vai provar ser mais eficiente
que qualquer Ofuscação em nível 5.

86
DICAS DE M ESTRE II

Mais simples é melhor

Lembram-se do background? Seu passado, seu recheio, sua tra-


jetória até o presente momento (falamos sobre isso em tempos re-
centes, na DB # 43). Os jogadores mais devotados de Vampiro sim-
plesmente adoram preencher páginas e mais páginas com o back-
ground de seu personagem. Quando terminam, têm quase um ro-
mance gótico nas mãos. Produzir esse tipo de história é prazeroso,
sei bem ... mas quão útil isso será durante o próprio jogo?
Veja bem, um live action é literalmente "ação ao vivo" . Tudo
acontece aqui e agora. Se você construiu um passado ri co e elabora-
do, parabéns pelo resultado - mas como você espera apresenta r essa
obra aos demais jogadores? De nada adianta criar um conceito tão
complicado que ninguém poderia entender facilmente. Pelo amor
dos deuses, esqueça aqueles malkavianos com "trocentas" persona-
lidades diferentes - ninguém vai conseguir reparar em todas elas !
Um live mediano tem dezenas de paiticipantes: você está mesmo
cli.sposto a recitar a história e conceito de seu personagem diante de
cada um, apenas para mostrar sua genialidade? Você vai mostrar seu
um grande chato, isso sim!
Você não terá tempo de exibir sua riqueza e conflitos internos
para os demais, que estão ocupados desempenhando seus próprios
papéis. Se você está jogando uma grande campanha de lives, então
tudo bem; com o tempo você pode introduzir um background com-
plexo. Do contrário, prefira uma idéia simples, direta e marcante.
Quando participa de tives de Vampiro, nosso colega Rogério
"Katabrok" Saladino utiliza um dos tipos mais geniais que já vi: um
Malkaviano que acredita ser o Coringa (e, sinceramente, Rogério é
dez vezes mais parecido com o Coringa que qualquer Jack Nichol-
son). Você olha e entende na hora. Simples e direto.
Ah, você prefere esconder o jogo? Curtir os jogos de intriga
tno cultivados entre os habitantes do Mundo das Trevas? Bem, nin-
pu ~m disse que você precisa pendurar no pescoço uma placa reve-
lando todos os seus segredos. Lembre-se de que em Vampiro existe
11qucla coisa de Natureza e Comportamento - a face real do vampi-

87
DRAGÃO BRASIL ESPECIA L

ro, e a face que ele mostra ao mundo. Permita, então, que ao menos
o Comportamento seja claro; a Natureza será descoberta pelos mais
astutos ...
Se você consegue resumir seu personagem em uma única fra-
se (um detetive psíquico aposentado, um mago demonologista, um
padre caçador de vampiros ... ) então ele está perfeito para um live.
Isso pode parecer muito pobre a princípio, mas não se incomode.
Ele vai ganhar substância mais tarde, com seus feitos, no decorrer
do jogo. Ninguém ligava para o irmão desconhecido de Sherlock
Holmes no início daquele live de Castelo Falkenstein, durante o li
Encontro Internacional de RPG ... até que ele começou a solucionar
os assassinatos!

A roupa faz o homem (ou vampiro, lobisomem ... )

Você não precisa de roupa especial para jogar RPG de mesa. Na


verdade, você também NÃO precisa de roupa especial para jogar
tive action. Nem sempre, pelo menos.
Alguns tipos de tive não exigem nenhum tipo de fantasia. Lem-
bro-me de quando, durante uma USPCON, tomei parte em um live de
Paranóia - um RPG futuri sta de humor negro: os cidadãos do Com-
plexo Alfa tentam sobreviver à tirania de um computador neurótico
que vê traidores em cada canto. Cada cidadão tem um "nível de
segurança" medida através das cores do espectro luminoso: preto
(para o invisível infra-vermelho), vermelho, laranja, amarelo, ver-
de, azul, anil, violeta e branco (para o ultravioleta). Então, para re-
presentar esses níveis, cada jogador recebeu uma fita colorida com a
cor correspondente. Nenhuma roupa especial foi necessária - e o
sistema de clones de Paranóia mostra-se ideal para tive action, uma
vez que um mesmo jogador tem várias "vidas". Excelente live. O
melhor que já joguei.
Mas vamos reconhecer, vestir fantasias é parte importante da
mágica dos tives. Quando o Halloween já passou e bailes a fantasia
estão fora de moda, que outras chances você tem para usar trajes de
vampiro, lobisomem, mago ou lorde bávaro? Sim, vestir disfarces é

88
DICAS DE MESTRE II

dive11ido... mas também um pouco mais complicado que apenas es-


crever "couraça completa" na planilha de personagem.
Desnecessário dizer, mas você deveria pensar primeiro no con-
teúdo de seu guarda-roupa e depois na construção do personagem -
a menos que esteja com muita disposição para visitar todos os brechós
da cidade em busca de um paletó roxo para sua fantasia de Coringa
(diabos, Rogério, COMO você conseguiu?) É bobagem preencher a
planilha, empenhar-se na criação do background, e depois sair feito
louco procurando as roupas ce11as. Faça o contrário: examine as
roupas que tem, visite algumas lojas e brechós e só então faça sua
escolha. Seja flexível, também: você estava pensando em ser um
típico Ventrue mauricinho - mas encontrou um casaco militar euro-
peu de segunda mão, bem barato e um tanto surrado, que combina
direitinho com um Nosferatu veterano de guerra? Possibilidades!
Outra coisa: além de jogo, um live é também uma festa - e
ninguém gosta de ir mal vestido a uma festa. Quando falamos de um
live, "mal vestido" significa usar roupas inadequadas à história. Algo
como usar bermudas e camiseta regata durante o baile de gala que
marca a posse de um novo Príncipe. Não senhor, esperlinho, não
vale alegar que "meu personagem é Malkaviano e usa bermudas e
camiseta regata o tempo todo". É verdade que vampiros são infini -
tos na variedade de seu vestuário, mas usar fantasia de Capitão Ninja
durante uma importante reunião da Camarilla acaba com o clima do
jogo!
O inverso também é válido. Você não precisa forçar demais a
barra, nem ficar obcecado em ser o melhor vampiro da festa! Não
precisa se esforçar tanto para descolar um "uniforme de vampiro
padrão". Ora, se existe mesmo uma Tradição de Máscara que obriga
ns vampiros a esconder sua existência dos mo11ais, então por que os
tives de Vampiro são cheios de gente coberta da cabeça aos pés com
roupa preta e maquiagem pesada? Só falta um crachá onde constem
sçu Clã, Geração, Disciplinas...
Você sempre pode conseguir um toque exótico e vampiresco
·•em exagerar, apenas com uma ou duas boas idéias. A Toreador
Vcrônica, administradora do Clube Masquerade, é minha vampira

89
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

favorita (confira nas edições #22 e #43 da DB), usa apenas algumas
peças marcantes - óculos e cadeados, combinados com qualquer
roupa noturna. São detalhes simples, mas que chamam atenção e
marcariam presença em um Live.

Outra diversão

O segredo para aproveitar um Live é entender que, aqui, tudo é


diferente do RPG de mesa. O objetivo ainda é o mesmo - se divertir-,
mas a diversão vem de outra forma.
Não se trata de degolar criaturas da Wyrm ou detonar os vam-
piros do Sabá infiltrados na festa - apenas desmascarar o di sfarce
dos Sabá já é uma grande vitória. Nesse caso um plano bem bolado
vale mais que grandes poderes sobrenaturais, e um simples mortal
caçador de vampiros pode arruinar a pós-vida de um Príncipe, de
um Ancião ou mesmo de um Clã inteiro! Tenha isso em mente, e seu
próximo tive action será muito mais interessante.

Paladino

90
XIV
Deuses!
Como criar seus próprios poderes
supremos do Bem e do Mal

Artigo pub licado na Dragão Brasil ii 45

· Em se tratando aventuras medievais, do tipo AD&D, alguns ele-


mentos não podem faltar em uma boa campanha ou cenário: um
dragão, um paladino nobre e leal, anões rabugentos e irasc íveis ... e
deuses !
Basta analisar os mundos de campanha publicados pela TSR
para seu RPG supremo . 90% dos cenários conhecidos (com exceção
de peças exóticas como Dark Sun e Dragonlance FifthAge) tê m boa
parte de sua história e mitos fundamentada em um panteão de deu-
ses ou algo similar. Forgotten Realms teve o grande evento Tempo
da Perturbações, que resultou na morte de alguns deuses (como Bane,
por exemplo) e o surgimento de outros (como Cyric) . A história de
Krynn anterior à Quinta Era é lotada de referências a deuses e avatares
que interferem na vida dos mortais, como aconteceu durante a Guerra
da Lança. Mesmo o semiplano do terror Ravenloft, embora não te-
nha deuses no sentido literal da palavra, é regido por forças "miste-
riosas" - os enigmáticos Dark Powers, que ninguém sabe o que são,
na verdade. Os exemplos são inúmeros.

91
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Panteão

Um panteão nada mais é do que um conjunto organizado de


deuses. Embora nossa cultura cristã aceite a existência de apenas
um deus onipresente e onipotente, outras culturas no decorrer da
história não pensavam dessa forma.
Talvez a mais conhecida de todas as mitologias politeístas seja
a greco-romana, que vemos em filmes como Fúria de Titãs, séries
de TV como Hércules e Xena: a Princesa Guerreira, e nos quadri-
nhos da Mulher Maravilha (especialmente a fantástica fase pós-Cri-
se de George Pérez). Ao invés de um único deus regendo todos os
aspectos da vida, os deuses greco-romanos dividiam tarefas. Afrodite/
Vênus era a deusa do amor, enquanto Ares/Marte era o deus da guerra,
por exemplo. Outros bons exemplos de panteão e religião politeísta
podem ser encontrados na cultura dos vikings (com seus Odin, Thor,
Loki... ) e egípcios (Rá, Hórus, Anúbis ... ).

Criação

Não há um ponto exato para começar entre a organização do


panteão e a criação do mundo e dos próprios deuses. Os dois estão
intimamente ligados e devem ser trabalhados juntos.
Como nascem os deuses? Em nosso mundo não temos a menor
explicação de como algo assim acontece (pelo menos em termos
metafísicos). Mas, em seu mundo medieval, você provavelmente
vai ter que esclarecer a questão. Lembre-se que deuses estão ligados
a lendas contadas pelos povos de seu mundo, e cada povo tem pelo
menos uma explicação sobre corno tudo começou.
A grande maioria das religiões politeístas segue a teoria do
Grande Deus: o mundo e todas as coisas foram criadas por uma
única divindade ancestral, que depois criou os deuses menores e
partiu ou morreu.
É assim na mitologia greco-romana. Urano, o deus primordial,
teve um filho chamado Cronos/Saturno, e este um filho chamado
Zeus/Júpiter. Zeus, o novo senhor do mundo, era um deus de "ter-

92
DICAS DE MESTRE II

l'Cira geração" (até parece coisa de Vampiro) que criou um novo


l'Stilo de reinado divino, no qual os deuses tinham comportamento
mais humano. De Zeus vieram numerosos deuses menores, e nem
todos filhos de sua esposa Hera/Juno - Zeus não era lá um marido
111uito fiel, bastante conhecido por pular a cerca do Monte Olimpo e
ter relações com as mais belas mortais do mundo. Uma dessas "es-
capadas" gerou o semideus Heracles/Hércules.
A teoria do Grande Deus também é usada na mitologia de
f) ragonlance. Claro que, em seu próprio mundo, a história pode ser
diferente. Como sugere o suplemento World Builder's Guidebook, o
nrande Deus pode ter morrido ao final do processo de criação do
Universo - talvez a energia empregada para tal façanha tenha sido
demais para ele. A partir dos fragmentos desse deus morto nasceram
di vindades menores que comandam o mundo criado pelo pai, seja
por nobreza, seja por ganância.
Os deuses atuais também poderiam ser filhos gerados pela pró-
pria Mãe Natureza em seu "casamento" com o Grande Deus. Há
11inda a possibilidade de não existir nenhuma outra divindade além
do Grande Deus, gerando uma religião monoteísta como o cristia
11ismo. Uma vez que boa parte dos mundos de fantasia medieval
.,l·gue a opção politeísta, uma sociedade completamente monoteísta
wria uma exótica novidade em sua mesa de jogo.
E temos ainda a teoria dos deuses "alienígenas": o mundo foi
1 1iado por forças naturais, e os deuses chegaram depois. Essas di-

vi ndades estrangeiras poderiam ser corpos celestes de um mundo


rnndenado, transformados em deuses para recomeçar a dança da
vida em outro lugar do universo; ou antigos heróis de uma civiliza-
\ ;\o condenada, responsável pelo extermínio de toda a vida do pla-
lll'la; agora transformados em deuses, ele têm o dever de supervisi-
1111ar e proteger o mundo, de modo que o que aconteceu antes não
volte a ocorrer.
Neste caso, os deuses não precisam ser necessariamente "deu-
N1·s" - podem ser apenas seres extraterrestres ou extraplanares mui-
'"" poderosos. Uma sociedade medieval não notaria a diferença! Ao
tl1·.,cobrir um mundo repleto de "pequenos humanos" buscando orien-

93
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

tação, qualquer criatura poderosa (ou grupo de criaturas) poderia


aceitar o cargo de proteger ou dominar esse rebanho, por bem ou
por mal. É assim com os deuses egípcios no filme Stargate.

Representação

Deuses, em nosso mundo real, e historicamente falando, sem-


pre refletiram uma espécie de representação do que era desconheci-
do para o home m até então. Entre os gregos, por exemplo, chuva e
trovoadas eram provável resultado da fúria de Zeus; e quando a guerra
explodia entre os povos, isso com certeza era obra de Ares.
Na fantasia medieval não é diferente. Atribuir papéis reais ou
simbólicos aos deuses que você vai criar é a melhor maneira de
iniciar um panteão. A quantidade de deuses e que papel caberá a
cada um dependerá da abordagem que você escolher. Alguns exem-
plos:
ELEMENTAIS: cada deus está ligado a um dos elementos forma-
dores do uni verso (provavelmente terra, ar, água e fogo, em um
mundo mais ou menos normal) e seus "derivados" (o relâmpago, o
gelo, a neblina ... ). Nosso conhecido Thor, famoso por sua versão
em quadrinhos, era o deus nórdico do trovão. E novamente entre os
greco-romanos temos Poseidon/Ne tuno, deus dos mares.
VIRTUDES, EMOÇÕES E FORÇAS MAJORES: certos deuses estão
ligados não a coisas materiais ou fenômenos naturais, mas sim a
qualidades, defeitos ou conceitos humanos - alguma virtude, fra-
queza, emoção ou uma força maior como a Justiça, o Amor, a Vin-
gança. Ares/Marte era um deus da g uerra, enquanto seus filhos Fobos
e Deimos eram deuses do medo. Deuses bons e malignos podem
representar sentimentos opostos, e neste caso provavelmente seriam
inimigos. Um deu s do bem poderia representar a vida, a criação e
renascimento, enquanto seu oposto representa a mo1te, destruição e
entropia.
CELESTTAIS: os deuses estão relacionados a corpos celestes e
constelações - é muito comum entre os povos primitivos reverenci-
ar os astros. Rá, a di vindade-mor dos antigos egípcios, é o deus-sol.

94
DICAS DE M ESTRE II

Os gregos e romanos também tinham um deus para o astro-rei, Hé-


lio/Sol, e também uma Selene/Lua. Em Dragonlance, até o fim da
Quarta Era, quando os deuses partiram após a GuetTa do Caos, as
lrês deusas da magia eram representadas pelas três luas presentes
nos céus de Krynn.
FORÇAS NATURAIS: os deuses representam criaturas e aspectos
da natureza. Aqui se encaixam os deuses (ou espíritos, ou totens ... )
venerados por comunidades indígenas ou bárbaras. Deuses ligados
aos animais (deus-lobo, deus-urso, deus-macaco-caolho ... ) e forças
naturais como o vento, as montanhas, as estações do ano e outros se
encaixam nesta categoria.
Povos E RAÇAS: cada povo ou raça tem seu próprio deus -
ou conj unto de deuses. Talvez sejam realmente deuses separados,
ou apenas versões locais dos mesmos deuses. Voltando aos gregos
e romanos, eles tinham nomes diferentes para as mesmas divinda-
des: Zeus/Júpiter, Afrodite/Vênus, Hefesto/Vulcano, Hermes/Mer-
cúrio ...
Obviamente, cada povo ou raça deveria ser representado por
um deus que mostrasse a principal virtude dessa gente. Assim, o
deus de um povo bravo e lutador seria um poderoso guerreiro (Thor,
deus dos vikings, é um bom exemplo), enquanto um deus dos clfos
seria uma graciosa arqueira.

Bem, Mal e Neutralidade

É preciso pensar também nos deuses em relação a suas "ten-


dências". Corno diz uma criança diante de um novo personagem:
" Ele é do Bem ou é do Mal"?
Talvez você prefira um sistema totalmente maniqueísta, "preto
110 branco'', onde só existem Bem e Mal - e cada deus precisa neces-
sariamente pertencer a um lado, tendo todos os deuses do mesmo
lado como aliados e todos os outros como inimigos. Mas talvez seja
interessante complicar a coisa, introduzindo a neutralidade como
mais um fator. O deus do amor é nitidamente Bom, assim como o
deus da mentira pode ser claramente Mau ... mas e um deus da mor-

95
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

te? Muitos dirão que é Mau - mas a morte é conseqüência da vida,


faz parte do ciclo natural de todas as coisas vivas. Por outro lado,
isso não faz da morte algo bom, já que ela nos priva de amigos,
parentes e outras pessoas que amamos. Isso sem falar no medo natu-
ral que todos temos de morrer. Complicado, não?
É aí que entra a Neutralidade. Quando alguma força represen-
tada por um deus está ligada ao equilíbrio e não parece pender para
o Bem ou para o Mal, enquadre-a como neutra. Isso vai exigir um
bocado de prática e discussões filosóficas, mas pode valer a pena.
Em tempo: enquanto o deus da morte é tradicionalmente encarado
como Mau, eu o colocaria no "time" dos neutros.

Envolvimento

Agora que seu panteão deve estar ao menos encaminhado, é


preciso determinar o grau de envolvimento e interatividade entre
seus deuses e os pobres mortais que habitam o planetinha redondo
(cu acho ... ) abaixo deles.
Alguns deuses simplesmente não dão a mínima para o povo.
Alguns até desconhecem que sua existência depende da adoração
dos mortais. Divindades assim geralmente estão preocup_adas de-
mais com seus assuntos celestiais - taJvez seu panteão esteja em
guerra com uma horda de demônios ou outro tipo de raça "divina"
(como a eterna guerra entre os asgardianos e os gigantes). Nesse
caso, apenas um grande evento ou um herói extraordinário chama-
ria a atenção dos deuses. Em termos de jogo, o Mestre pode inclusi-
ve dificultar o acesso a certas magias divinas e/ou aumentar o nú-
mero de pontos de experiência necessários para que o clérigo s uba
de nível.
Outros panteões, por outro lado, identificam-se com seu povo.
Eles têm tanta afinidade com suas próprias criações que mantém, no
mínimo, um olho sempre aberto no qtie está acontecendo. Podem
inclusive enviar avatares - em AD&D, avatares são encarnações vi-
vas do poder de um deus, e estão entre os seres mais poderosos do
mundo. Seguidores de importância recebem avisos e clérigos espe-

96
DICAS DE MESTRE 11

cíficos ganham poderes extras. Ora, um deus pode até mesmo cami-
nhar pelo mundo pessoalmente! Mais uma vez este é o caso de
/)ragonlance, do Thor dos quadrinhos e dos deuses greco-romanos,
que às vezes desciam do Monte Olimpo para viver aventuras e ro-
mances (especialmente romances) na Terra.
É preciso pesar bem a participação dos deuses em seu mun-
do. Se sua presença mal é notada, então deuses são quase desne-
cessários. Se podem ser encontrados em qualq uer esquina, seus
fe itos podem acabar intimidando ou eclipsando os feitos dos pró-
prios PCS .

Mais de um Panteão

Com já foi mencionado no tópico sobre deuses de povos e rn


ças, é possível que exista mais de um panteão em seu mundo. Na-
ções ou raças diferentes podem ter deuses diferentes. Durante a an-
tiguidade os egípcios, os gregos e os vikings idolatravam panteões
próprios. Do mesmo modo, um povo no hemisfério sul de seu mun-
do e outro no hemisfério norte podem ter panteões completamente
diferentes. O próprio AD&D, através do suplemento importado
Monsters Mythology, declara que as principais raças semi-humanas
têm seus próprios deuses.
Depois de definir a quantidade de panteões, decida se eles
interagem ou não entre si. Os deu ses cultuados pelos ores sabem
da existê ncia dos deuses dos a nões, ou um panteão ignora a exis-
tência do outro? Se ambos têm contato, que tipo de interação
eles têm? Muito provavelmente estariam em guerra - e, portan-
to, seus seguidores também estariam em guerra com os seguido-
res do outro panteão. Uma guerra que cedo ou tarde vai envolver
os PCS.
Ampliar o número de panteões de um mundo é uma opção in-
teressante, mas extremamente trabalhosa. É necessário cuidado para
que as histórias dos deuses se encaixem e tudo funcione. Mas se
você é um Mestre que não teme trabalho e gosta de cenários bem
l'!aborados, vá em frente. Como fonte de consulta, você pode procu-

97
DRAGÃO BRAS IL ESPECIAL

rar pelos suplementos The Complete Priest's Handbook e World


Builder's Guidebook, ambos de AD&o.

J. M. Trevisan
(avatar do Deus-Macaco-Caolho)

98
XV
Magia elástica ou imutável?
Bola de fogo, relâmpago, dardos místicos... É apenas isso ?
Receitas prontas que ninguém pode mudar? Saiba mais
sobre como funciona a magia em Ao&o

Artigo publicado na Dragão Brasil# 47

Sem entrar no mérito sobre qual sistema de RPG é o melhor,


devemos admitir que todos eles têm pontos falhos. E uma das regras
mais criticadas em Advanced Dungeons & Drago11.\· é seu sistema de
magias. Uma vez que as magias de AD&D têm efeitos espcdfiços.
muitos críticos afirmam que o Arcano deste jogo só lida com "recei-
tas prontas de bolo"; o jogador fica incapaz de exercer sua criativ i-
dade, incapaz de fazer alterações mínimas em suas magias. Uma
hola de fogo é uma bola de fogo, um relâmpago é um relâmpago.
Alcance, duração, área afetada, pessoa afetadas, efeitos visíveis...
ludo imutável, inflexível... "imexível"!
É verdade que, em outros RPGs, as magias podem ser mais
manuseáveis. Em Mago: a Ascensão, uma série de esferas determi-
na o tipo de magia (Vida, Espírito, Matéria, Entropia ... ) e a pontua-
<;ão do mago em cada esfera dá a medida do seu poder - o resto fica
por conta da imaginação do jogador. Infelizmente, esse sistema tão
... imples deixa muita chance para o jogador "apelão" exceder os li-
111ites. Entre os seres sobrenaturais do Mundo das Trevas, o mago é
de longe o mais poderoso e desequilibrado.

99
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

No nacional Arkanun acontece mais ou menos o mesmo, mas


com fronteiras mais restritas para frear jogadores impulsivos. Com
seus Caminhos de Aprendizado (Ar, Água, Terra, Fogo, Luz, Trevas
e outros) e uma pontuação chamada Focus, o jogador pode escolher
milhares de efeitos para a magia - mas todos dentro de certos limi-
tes de alcance, dano, área de efeito ... Por sua simplicidade e eficá-
cia, esse mesmo sistema foi adaptado para o novo 3o&T, Defenso-
res de Tóquio - 3ª Edição (como visto na DB #46).
Então, comparado a estes jogos onde a imaginação rola solta
no uso da magia, AD&D parece mesmo um tanto restritivo demais.
Mas, como fazemos questão de frisar, nem sempre isso precisa ser
verdade - pelo menos não na sua mesa de jogo. É possível, tanto
para Mestres quanto para jogadores, alterar o modo como são feitas
as magias. Ou, pelo menos, acrescentar seu toque pessoal.

. e ... aspmna.
M agia .. ?

Anlcs d isso, porém, é preciso entender com funciona a magia


clcnlro cio AD&D. É importante lembrar em que tipo de mago é ba-
seada a classe Arcano e como eles pensam. Eles não são propria-
mente inspirados nos magos "reais" de nossa história (se é que isso
existe ... ou alguém acredita mesmo no Paulo Coelho?).
Na fantasia medieval - tema central de AD&D -, os magos
enxergam a magia como um tipo de ciência. Não se trata de uma
energia maleável e flexível, que pode ser torcida à vontade pelo
mago: os feitiços são ritualísticos, obedecem a regras. São trata-
dos como verdades escritas em pedra, que nunca devem ser con-
trariadas - não sem conseqüências graves. Você acha que, em um
"bom" sistema de magia, uma bo la de fogo poderia ser usada ape-
nas para acender uma fogueira? Seria o mesmo que ingerir um
forte sedativo contra traumatismo craniano para tentar curar uma
dor-de-cabeça comum!
Imagine se você começa a misturar todos os remédios que en-
contra no armário do banheiro, pensando em criar um "supermedi-
camento de cura universal". Acha mesmo que ia funcionar? Muito

100
DICAS DE MESTRE II

provavelmente você teria nas mãos um super criador de úlcera ou


coisa assim! O mesmo vale para as magias de AD&D - cada uma tem
sua utilidade específica, e você não pode tentar mudá-las impune-
mente.
Na verdade, com todas as suas receitas e fórmulas, um Arcano
é muito parecido com um médico moderno. Até os dias de hoje a
comunidade médica não é capaz de entender totalmente o funciona-
mento da aspirina, um remédio antiqüíssimo - mas todos os médi-
cos conhecem seus efeitos, sabem que a aspirina traz resultados. O
mesmo vale para os arcanos de AD&D - a maioria deles não faz idéia
de como a magia funciona, mas todos sabem que funciona! Uks
podem ver os efeitos da magia, assim como o méd ico vê os efeitos
da aspirina. Em AD&D não é dito como o mago faz, de verdade, seus
feitiços. Fala-se que o Arcano "manipula e nergias místicas" ou que
"a magia é uma força que está espalhada p or todo lugar". São afir-
mações amplas e genéricas, que nem sequer arranham uma explica-
ção.
Então, em AD&D, a magia é uma tradição passada de mago
para aprendiz - como o pai que conta para o filho suas experiências
pessoais. Ele não estudou o porquê dessas experiências, mas sabe o
que causam. Os arcanos não sabem que essa força incrível e, segun-
do eles, incontrolável, PODERIA ser manipulada de maneira mais fina
- eles não conhecem o método. Ou talvez, nos mundos de AD&D, a
magia não possa mesmo ser manipulada.

Não é para qualquer um

Imagine esta cena: o mago Ambrosius entra correndo no labo-


ratório de seu amigo, o mago Teophilus, dizendo:
- Ei, Téo, você precisa ver isso! Estava trabalhando em minhas
pesquisas quando descobri que, quando faço uma pequena bolinha
tlc guano de morcego assim, coloco entre os dedos assim e digo
l'stas palavras que escrevi aqui, com certa dose de concentração,
.tparece uma enorme bola de fogo! Não é incrível?!
-Puxa, é mesmo? Deixe-me anotar tudo isso. Guano de mor-

101
DRAGÃO BRASI L E SPECIAL

cego ... palavras ... concentração ... não parece difícil. Deixe-me
tentar. ..
- Ei , aqui dentro não! A bola de fogo é m uito grand ...
FOUUSHH!!!
Guardadas as devidas proporções, é mai s ou menos assim que
acontece com as magias de AD&D: alguém consegue um resultado,
anota exatamente o que fez, chega outro alguém e segue fielmente o
mesmo procedimento para ter os mesmo resultados.
Essa forma de ver a magia faz com que o mago (ou melhor, o
j ogador) seja muito criterioso ao usar seus feitiços, por dois moti-
vos: primeiro, as mag ias são poucas e limitadas - depois de esgotar
a quantidade de feitiços que pode realizar, o Arcano não tem prati-
camente nenhuma forma de ataque ou defesa, ficando à mercê dos
seus inimigos; e segundo, suas magias têm efeitos precisos, que não
podem ser adaptados para as circuntâncias. O mago (novamente, o
jogador) deve conhecer muito bem o efeito de suas magias, para não
acabar se que imando com suas bolas de fogo ou atrapalhando seus
a111igos com uma Teia que não afetou o gigante que estava atacando
o grupo.
lsso não torna os Arcanos piores, e nem quer dizer que os
magos de Mago, Arkanun ou qualquer outro sistema são mais es-
pertos ou mai s burros. São apenas diferentes porque seus cenários
são diferentes - e cada mago funciona bem dentro de seu próprio
cenário.

Sua própria receita

Mesmo assim, apesar dessa rigidez, um grande erro - ou me-


lhor, uma grande falha - do AD&o é não deixar claro como um Arcano
poderia alterar ou criar suas próprias magias.
Se o Arcano é aq uele cara que mantém o nariz enfiado em li -
vros, pesquisando, estudando fórmulas e materiais estranhos, por
que é tão difícil para um personagem jogador criar uma magia nova,
por maior que seja sua inteligência ou nível de experiência? Nem
mesmo uma simples magiazinha de primeiro círculo?

102
DICAS DE MESTRE II

Criar uma nova magia é possível, sim, mas MUITO difíc il. No-
vas magias, como dizem o Livro do Jogador e o Livro do Mestre,
exigem muita pesquisa, tempo livre e dinheiro para instrumentos de
laboratório e materiais raros. Podem acreditar: o mago que inventou
a famosa bola de fogo provavelmente passou boa parte da vida de-
bruçado sobre livros em uma sala escura - e não perambulando em
masmorras com um grupo de aventureiros, em busca de tesouros e
itens mágicos, como qualquer personagem jogador.
Mas então como, cargas d' água, se faz para criar uma nova
magia em AD&D?! Embora os livros oficiai s não tragam detalhes a
respeito, o raciocínio chega a ser meio lógico: qual a diferença
entre um bolo de chocolate e um de limão? Basicamente, apenas
alguns ingredientes. A massa é quase a mesma, mas o sabor (ou
seja, o resultado da magia) é completamente diferente. Usando esse
raciocínio, quando falamos de magia em AD&D, as coisas ficam
mais simples - os "ingredientes" de uma magia são seus compo-
nentes Vocal, Gestual e Material. Alterando ligeiramente um ou
mais deles, temos dois resultados possíveis: a magia apenas não
funciona ou funciona de forma diferen te, c riando assim uma nova
magia. Esse resultado é quase sempre imprev isível e muitas v1.•
zes perigoso; manipular uma magia de Teleportc pode tra7.cr resul
Lados ainda piores que no filme A mosca-, mas dessa forma fora111
desco bertas quase todas as magias de AD&D. Faça por sua cont a e
risco !
Outra opção, menos perigosa mas nem sempre satisfatória, é o
uso mais criativo das magias já existentes. Sim, as magias de AD&D
têm efeitos específicos e imutáveis, mas com criatividade você pode
explorar esse efeitos e conseguir melhores usos para cada magia.
Entre os veteranos de AD&D, o exemplo mais conhecido são as fa-
mosas "pedrinhas de Luz Contínua": você usa uma Magia de Luz
Contínua e m uma pedra comum e cria uma lanterna, resolvendo to-
dos os tradicionais problemas com relação à duração de tochas de
óleo para lampiões. Existe também a fam igerada "Bola de Fogo Ilu-
sória": o mago usa Força Fantasmagórica para criar a ilusão de uma
bola de fogo, capaz de liquidar muitos ores desavisados. Formas

103
DRAGÃO BRAS IL ESPECIAL

"criativas" de usar magia em AD&D já foram abordadas na seção


ABC do RPG, em antigas edições desta revista.

Magia na Quinta Era

Uma forma simples para criar e manipular magias surgiu com


Dragonlance Fifth Age - uma nova linha AD&D lançada no exterior,
com regras diferentes, baseadas em cartas em vez de dados. Aqui as
regras de magia são completamente diferentes.
E como se explica isso? Uma vez que as antigas formas de
magia foram expurgadas do planeta K.rynn após a Guerra do Caos
(descrita e m detalhes no importado Dragons of Summer Flame), os
magos passaram a usar a energia mística latente no próprio planeta.
Em te1mos práticos, neste mundo um mago não precisa mais memo-
rizar magias - e os feitiços também não estão presos a uma forma
rígida. Tudo é feito no improviso.
Digamos que o grupo de aventureiros está correndo na direção
de um desfiladeiro, perseguido por trinta draconianos. O mago diz
ao Mestre que quer "criar uma ponte de pedra" . O Mestre imagina
um tempo de concentração razoável para a magia (digamos ... duas
rodadas), estabelece o nível de dificuldade e ... voilá!
A vantagem deste sistema é a flexibilidade que normalmente
não temos sem AD&D. Toda a magia se torna única e maleável de
acordo com a vontade do mago. Para muitos é assim que deveria
funcionar a verdadeira magia. Em termos de ambientação, pode-se
dizer que a força mágica (ou mana) do planeta é tão forte que agora
é mais fácil manipulá-la.
É possível transferir este sistema para o AD&D convencional?
Na verdade, sim. Bastam algumas mudanças nas regras, como es-
quecer que um mago deve memorizar magias. Talvez ele ainda pre-
cise dormir rigidamente durante oito horas para voltar a fazer ma-
gia, mas não precisa mais decorar nada. Mesmo assim, talvez seja
interessante manter um grimório com as magias já "criadas" pelo
mago. Essas deveriam ter seu nível de dificuldade reduzido quando
usadas de novo.

104
DICAS DE MESTRE II

Então, agora a escolha fica por conta de seu grupo: continuar


usando as magias como "receitas de bolo", seguindo fórmulas quase
imutáveis e explorando usos criativos - ou mudar tudo e adotar um
sistema mais elástico, esquecendo as fórmulas e usando mais a ima-
ginação? Buscar e pesquisar novas magias a duras penas, encarar
cada feitiço como um mistério diferente a ser decifrado, com um
cientista que busca a cura para o câncer? Ou apenas ter quaisquer
efeitos mágicos nas pontas dos dedos? Ambas têm suas vantagens e
desvantagens, e tolo é aquele que aponta as magias de AD&D como
obstáculos para a criatividade.

J. M. Saladino & Rogério " Katabrok " Trevisan

105
XVI
Meu monstro!
Coisas que todo Mestre deveria saber
antes de inventar novos monstros

Artigo publicado na Dragão Brasil# 47

Que Mestre de RPG nunca tentou criar seus próprios monstros?


Ou raças novas de criaturas ou personagens? Ou modificou mons-
tros que já existiam, pintando e bordando com os atributos que o
j ogo apresenta?
Alguns Mestres discordam dos números que seu jogo de RPG
apresenta para criaturas mitológicas ou famosas. De fato, certos j o-
gos cometem erros nesse sentido. Um dos casos mais estranhos pode
ser encontrado em GURPS: no suplemento GURPS Cthulhupunk, é dito
que o Grande Cthulhu - um deus-monstro ancestral com quilôme-
tros de altura! - tem uma força igual a ST 150 ; enquanto isso, o livro
GURPS Bestiary diz que o triceratops, um dinossauro de chifres cen-
tenas de vezes menor, tem ST 200! Como pode?
O resultado é que cada Mestre acaba criando seus próprios
monstros, ou alterando aqueles q ue já existe m. Na verdade, criar
novos monstros costuma ser tão divertido quanto fazer uma aventu-
ra ou mestrá-la. Infelizmente, certos detalhes costumam ser esque-
cidos - afinal, uma criatura não é apenas um amontoado grotesco de

106
DICAS DE MESTRE II

números altos e habilidades mágicas poderosas, salivando em busca


de personagens jogadores para descer o sarrafo neles !

Sopa primordial

Antes de mais nada, algumas perguntas que o Mestre deve se


fazer quando (ou melhor, antes de) resolver criar uma criatura nova.
Você realmente PRECISA de uma criatura nova? Será que não
tem nenhuma no li vro básico (ou livro de criaturas) de seu j ogo, que
você possa usar? Se o objetivo é surpreender ou pegar despreveni-
dos os jogadores, muitas vezes basta fazer uma pequena modifica
ção em um bicho já existente para adaptá-lo à s ua ave111 ura/campa-
nha. Que tal pegar os números de um urso comum, mexer aqui e ali
e transformá-lo em um urso polar para usar naque la aventura no
ártico, em vez de ter um trabalhão para criar a "terrível pantera-
alada-albina-glacial-devoradora-de-gente''?
Essa criatura é mágica? Criaturas mágicas quase sempre têm
habilidades que imitam magias já existentes (cuspir fogo, transfor-
mar vítimas em pedra com o olhar... ), ou apenas sabem usar magias
como os magos (alguém falou em dragão?) . Nesse caso, nem sem-
pre você precisa inventar um poder novo - apenas descobrir um
poder ou magia já existente e presentear sua criatura com ele.
A criatura foi magicamente alterada ou é uma versão diferente
de um animal que já existe? Em muitos cenários de fantasia medie-
val (e outros mais exóticos como Shadowrun, Deadlands e Mago)
abundam criaturas que parecem saídas do bloco de rascunhos de um
cientista louco. Animais com partes de outros, asas, tentáculos, pa-
las a mais e outros adereços exóticos. Qualquer animal real pode ser
um monstro bem interessante se tiver um pequeno detalhe alterado.
Que tal um cardume de piranhas voadoras? (Que, aliás, já foi assun-
to para filme pra lá de trash).
A sua criatura é única, ou pertence a uma raça ou espécie?
Você pretende criar um novo Tarrasque, ou uma nova raça de
Reptantes, que está prestes a dominar o mundo? Depende de qual
vai ser mais interessante, tanto para os jogadores quanto para o

107
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Mestre. Sem esquecer que isso vai fazer parte do seu mundo - se
você quiser, claro -, e portanto deve estar dentro do estilo dele.
Depois de resolver essas questões, o próximo passo é pensar
naquilo de que ninguém se lembra (ou se lembra por último) e de
importância fundamental em uma criatura razoavelmente consistente.

Ecologicamente chato

Está no dicionário. Ecologia é "o estudo da planta, do animal


ou do homem em relação com o meio ou com o ambiente; estudo
biológico das relações dos seres vivos com o ambiente em que vi-
vem".
Um monstro não existe naquela região simplesmente para ata-
car os aventureiros quando eles passam por ali! Quando você inven-
ta urna criatura, deve pensar em onde ela vive e como se relaciona
com seu meio. Como o am biente (clima/geografia) afeta o animal/
monstro? O clima e tipo de terreno onde ela vive são vitais, determi-
nando fatores importantes na sua criação. Um monstro que vive em
clima tropical não preci sa tanto de uma pelagem protetora quanto
aq ueles que moram no ártico. Da mesma forma, lagartos dependem
de calor do sol e não podem viver em lugares frios - então fica meio
estranho encontrar um crocodilo gigante cochilando em um iceberg.
(Claro, você sempre pode criar uma raça especial de crocodilo. Ei,
isto é RPG; TUDO pode acontecer!)
Parece um detalhe besta, mas a ecologia do tal animal pode até
ser o ponto principal de toda uma aventu ra. Imagine uma criatura
que se alimenta de carvão mineral - digamos, uma enorme serpente
feita de pedra. Quando o carvão da sua confortável caverna acabou,
ela resolveu se mudar para um outro lugar cheio de comida, como a
carvoaria (ou uma fábrica, em cenários mais modernos) da cidade
dos jogadores. Imagine a confusão que o bicharoco, acostumado à
vida solitária da montanha, vai aprontar na cidade.
E por falar em comer, seu monstro se alimenta de quê? Natu-
ralmente ele precisa comer alguma coisa ALÉM de aventureiros! Sim,
pode parecer surpresa, mas os animais (e muitos monstros também)

108
DICAS DE M ESTRE II

não vivem apenas para devorar paladinos, arqueiros elfos e guerrei-


ros anões. Na maior parte do tempo eles estão em busca de alimen-
to, ou tentando evitar ser alimento para outro animal.
O monstro é carnívoro, herbívoro ou onívoro? Na-nã-nã, sem
essa de " lógico que ele come carne, que graça tem lutar com um
animal vegetariano?" Um animal herbívoro pode ser muito peri go-
so - especialmente porque alguns precisam lutar com carnívoros
para continuar vivendo. Ou você acha que búfalos, rinocerontes,
elefantes e mamutes são "bichinhos mansinhos"? O búfalo-cafre
africano é um herbívoro que apavora até os leões!
Herbívoros não atacam aventureiros para devorá-los, claro. Mas
muitos animais herbívoros atacam quando se sentem ameaçados ou
apenas iITitados. Até mesmo um herbívoro "manso" pode ferir ou
até matar acidentalmente um ser humano - no mundo real, aciden-
tes com ursos e gorilas adestrados são comuns. Em RPG, então, pior:
aquele macaco de laboratório com dez metros de altura não sabe
que sua patada pode reduzir o cinetista a pudim de ameixa.
Ah, animais carnívoros dão excelentes predadores, sim. Mas
sempre é bom lembrar que, em determinado ambiente, deve haver
um número pequeno de carnívoros e grande quantidade de presas.
Senão, depois de um tempo, os carnívoros comeram todos os hcrhí-
voros e morreram de fome logo a seguir. Pode parecer documentário
do Discovery Channel, mas também se aplica a mu ndos de fantasia :
você não pode ter uma floresta cheia de mantícoras, quimeras e dra-
gões só para mostrar aos jogadores como o lugar é perigoso. O que
esses bichos estão comendo para viver? E como é que não mataram
uns aos outros ainda?
Você pode usar a frase "você é o que come" para personalizar
o seu monstro. Em AD&D existe um monstro relativamente inofensi-
vo, mas que nenhum guerreiro quer encontrar: o monstro da ferru-
gem. Essa estranha criatura possui a habilidade de enferrujar armas
e armaduras, pois se alimenta de ferrugem. Então, imagine outros
monstros capazes de comer ouro, prata, diamantes ... Além do gran-
de prejuízo monetário, esses monstros provavelmente seriam bem
resistentes. Se a criatura consegue identificar metais, deve ser um

109
DRAGÃO BRASIL ESPECI AL

pouquinho perigosa, não? E ainda na linha de "criaturas com hábi-


tos alimentares inconvenientes", temos o monstro do filme A relí-
quia - que se alimentava de um hormônio encontrado apenas na
base do cérebro humano (ugh!) ou em uma rara planta tropical.

Dois mais dois é ...

Seu monstro é inteligente? Ele pensa como um animal? ou é


mais esperto?
Não pense em termos de tudo ou nada. Ser "inteligente" não
significa que seu monstro sabe jogar xadrez ou falar oito línguas;
ele não precisa ser um grande gênio estratégico ou usar táticas geni-
ais para exterminar os aventureiros. Muitos animais do mundo real
são inteligentes, mas não tanto quanto seres humanos, como cães,
macacos, golfinhos, baleias e outros.
lnleligência existe em níveis. Muitos sistemas de RPG, espe-
cia lmente GURPS, têm listas comparativas de inteligência para ani-
mais que você pode usar como parâmetro para sua criatura. Como
regra geral, predadores costumam ser um pouco mais espertos que
herbívoros, mas claro que há exceções: dificilmente o predador lou-
va-a-deus seria mais esperto que um cavalo.
Ainda existe a explicação de uma mente estimulada por expe-
riências (talvez por aquele Progenitor de Mago: a ascensão), tor-
nando o animal mais inteligente que o normal. No livro (e no filme)
Parque dos dinossauros, os velociraptors eram os dinos mais assus-
tadores, simplesmente porque eram espertos - eles sabiam armar
emboscadas e até abrir portas!
Decidindo que seu monstro é inteligente, lembre-se que ele
não vai atacar os personagens como uma vaca louca! Dependendo
da sagacidade da criatura, ela poderá preparar tocaias, atacar em
terrenos onde leva vantagem, tentar ferir ou incapacitar a vítima se
não conseguir matá-la, e até mesmo fugir se a presa se mostrar um
inimigo muito poderoso.
Leia um pouco aqueles livros de biologia e zoologia na biblio-
teca da escola, que não faz mal nenhum. Eles contém informações

110
DICAS DE MESTRE II

muito interessantes sobre criaturas aparentemente sem graça, mas


que podem se tornar oponentes difíceis para os jogadores. Mas não
se prenda muito ao mundo real, apenas use-o como ponto de partida
para suas criações.

Matar! Matar! Matar!

Agora a parte que muitos mestres adoram: dar ao monstro ou


animal um (ou vários) ataques especiais para arrancar exclamações
dos jogadores (e pedaços de seus personagens).
O objetivo maior de qualquer criatura é permanecer viva. Cla-
ro, alguns magos e cientistas inventam cliaturas com outras finali-
dades - mas eles não iam querer que sua criação fosse fac ilmente
destruída. Para isso, todo animal conta com algum ataque poderoso,
uma boa defesa ou excelente meio de fuga. Monstros clássicos cos-
tumam ter g<mas, presas, chifres e adereços do gênero. Criaturas
mágicas disparam raios pelos olhos, expelem jatos de ácido, nuvens
tóxicas, fogo, e alguns até usam magia ou poderes mentais - MAS
NÃO TUDO DE UMA VEZ! Alguns mestres novatos (e alguns experien-
tes, mas "apelões") costumam sobrecarregar o monstro com pode-
res e habilidades só para deixá-lo "ma is legal". Exageram na quan-
tidade de dano que eles causam, enchem-no de proteções e inwnitla-
des. Ei, isso é sadismo!
Que um monstro precisa ser forte, resistente ou poderoso, tudo
bem - mas não invencível. Suas habilidades deveriam seguir uma
certa linha, um certo tema. Não é estranho que um monstro devorador
de cérebros tenha poderes mentais, mas seria bem esquisito se ele
tivesse superforça! Da mesma forma, um monstro que faz ataques
com fogo deveria ser resistente - ou até invulnerável - ao fogo e
calor. Da mesma foram, um animal venenoso deveria ser imune ao
próprio veneno e, talvez, resistente a venenos em geral.
Também evite dar ao monstro o poder de "morte instantânea",
sem direito a nenhum teste de Vigor, HT, Resistência ou semelhante.
Isso pode tomar o monstro assustador, mas um jogador fica extre-
mamente frustrado ao descoblir que seu personagem morreu antes

111
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

de tentar qualquer coisa! Sim, existem muitos monstros mitológicos


capazes de matar com apenas um olhar, como o cocatriz e o catoble-
pas de AD&D. Ora, adaptados para seu sistema favorito, esse "ma-
tar" não precisa ser tão forte assim. Simplesmente admita que o tal
olhar causa grande dano, ou pode ser evitado de alguma forma (fe-
chando os olhos, por exemplo).
Garras, presas e chifres são outro ponto importante. A maioria
dos animais agressivos conta com pelo menos uma destas armas,
para ataque ou defesa. E novamente você pode cair no problema do
exagero, atribuindo um número obsceno para a quantidade de dano
que uma "simples" garra pode causar. Como evitar? Compare com
animais reais. Muitos livros básicos de RPG trazem dados de alguns
animais reais justamente com esse propósito. Seu monstro tem gar-
ras tão grandes quanto as de um leão? Então ele deveria causar dano
semelhante (talvez um pouquinho mais, devido a uma força maior)
Em GURPS fica até mais fácil, pois dano das garras é determinado
pe la ST do bicho.
Outra coisa: um único ataque poderoso é bom, mas vários ata-
ques menores costuma ser melhor. Isso permite que a criatura consi-
ga lidar com vários aventureiros ao mesmo tempo, mas ainda com a
opção de usar todos os ataques contra um único alvo. Apenas tome
cuidado, não exagere no número de ataques - ou você pode ser ou-
tra vítima do "elefante ninja": o Livro dos Monstros de AD&D diz
que um elefante pode fazer CINCO ataques por rodada- duas presas,
uma tromba e as duas patas dianteiras. Tente imaginar a cena! Um
elefante pode fazer todos esses ataques, sim, mas não na mesma
rodada!
A maior parte dos animais consegue usar a combinação garra/
garra/mordida. Isso é perfeitamente possível, porque ele atacam a
presa com as garras e presas preparadas. Outros, como cavalos, se
erguem nas patas traseiras para fazer dois ataques com as dianteiras.
Animais com chifres não podem atacar com as patas ou mordida
juntamente com a marrada.
Uma maneira cruel de aumentar o perigo de uma mordida/gar-
ra/chifres é acrescentar ao dano normal uma habilidade especial. No

112
DICAS DE MESTRE II

mundo real , o dragão-de-komodo da Indonésia possui a boca tão


cheia de bactérias que apenas uma mordida basta para provocar uma
forte infecção: então, quando o lagarto ataca e a presa consegue
fugir, ele apenas segue sua pista durante alguns dias até que ela morra
doente (alguns cientistas teorizam que o tiranossauro rex também
linha essa capacidade). Sua própria criatura poderia ter algo pareci-
do, ou pior - como saliva venenosa ou ácida.
Outra coisa a ser lembrada é que várias habilidades aparente-
mente inofensivas podem ser combinadas de forma mortal. Cobras
tropicais possuem uma "inofensiva" capacidade de camuflagem -
mas que, somada a seu veneno - torna o animal muito perigoso.
Ambas são habilidades compatíveis com o animal e podem ser com-
binadas sem tornar o bicho invencível; afinal, em combate normal, é
muito fácil matar uma cobra!
E também não se esqueça dos números. Às vezes, uma cente-
na de ratazanas pode ser algo muito mais perigoso que um único
dragão!

Motivos

Por que é que seu monstro vai atacar os personagens dos seus
jogadores?
Sem essa de dizer que é "porque ele é um monstro". Ok, a
fantasia medieval está cheia de monstros que atacam qualquer coisa
que se mova - mas geralmente são aberrações, criadas por magos
malignos para defender seus esconderijos e coisas assim. Na verda-
de, na mitologia clássica monstros aparecem como animais de guar-
da de tesouros ou locais importantes.
Animais carnívoros e onívoros atacam para conseguir comida,
e herbívoros para se defender quando acham que estão sendo amea-
çados. Você pode dizer que o seu monstro tem um péssimo humor e
alaca qualquer um que passe por perto - como o rinoceronte faz -,
mas nem todos são assim. A imensa maioria dos animais e monstros
prefere evitar o combate; esses animais podem ser evitados sem mui-
1os problemas, se os personagens forem cuidadosos e silenciosos.

113
DRAGÃO BRASTL ESPECIAL

Os monstros mais inteligentes, por outro lado, podem ter os


mais variados motivos para atacar os jogadores - e raramente será
para saciar a fome, pois existem refeições muito mais fáceis e sabo-
rosas que um anão com cota de malha! Talvez os aventureiros te-
nham algo que o monstro desej a (o dragão pode estar interessado
em acrescentar a seu tesouro a espada mágica daquele guerreiro ... ).
Ou talvez os aventureiros possam vencer algum desafio que o pró-
prio monstro não pode ou não quer vencer. Por que o vampiro se
arriscaria em combate contra aquele gigante que invadiu seu territó-
rio, quando é muito mais fácil enganar um grupo de aventureiros
para fazê-lo?
Um monstro inteligente vai preferir planos e estratagemas, jo-
gando os personagens contra outros monstros, armadilhas ou até
uns contra os outros. Ele só vai atacar os personagens diretamente
em caso de extrema necessidade, ou se isso fizer parte de algum
plano maior.

Conclusão

Muitas o utras considerações podem ser levadas em conta, mas


essas já são um bom começo.
O principal é não fazer da sua criatura um bicho sem cara, sem
estilo, feito só para matar os personagens dos seus jogadores. RPG
não é uma competição para ver quem é melhor - as criaturas do
Mestre ou os personagens jogadores. Monstros apenas dão um cli-
ma especial ao jogo. E isso não vale apenas para jogos de fantasia
medieval. Que tal adaptar as baratas do filme Mutação para uma
aventura de Vampiro? Criaturas perigosas, loucas por sangue, que
vivem no esgoto; não parece perfeito?
Animais novos e monstros não servem apenas como material de
combate para os aventureiros - eles podem tomar uma história mais
interessante. Fazer com que seus jogadores tentem adivinhar os pon-
tos fracos da nova criatura, ou como o tal bicho se comporta, pode dar
espaço para excelentes momentos de interpretação, motivando aven-
turas, crônicas e até mesmo campanhas(" A busca pelo ticuscá fujão").

114
DICAS DE MESTRE II

Agora, que tal passar na locadora e alugar A sombra e a escuri-


dão (The ghost and the darkness) para descobrir como um "simples
leão" pode ser mesmo assustador?

Rogério "Katabrok" Saladino

115
XVII
Inimigos
Como tornar o pior inimigo REALMENTE pior!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 48

Desde o lançamento de Defensores de Tóquio - 3ª Edição, ou


apenas 3D&T, tenho notado um fenômeno interessante: parece que,
em RPG, todo mundo adora inimigos.
Em 3o&T um personagem é construído com pontos. Ao con-
trário do que acontece em GURPS, contudo, você não precisa de tan~
tos cálculos - são apenas doze pontos para comprar as cinco carac-
terísticas básicas (Força, Habilidade, Resistência, Annadura e Po-
der de Fogo) e vantagens (Ataque Especial, Aliados, Teleporte, Pe-
rícias ...). Também como em GURPS , temos algumas Desvantagens
que oferecem mais pontos para gastar. Até agora foram apresenta-
das exatamente oito Desvantagens: Código de Honra, Devoção, In-
culto, Má Fama, Monstruoso, Ponto Fraco, Protegido Indefeso ... e a
grande campeã, primeiro lugar nas paradas de sucessos: Inimigo.
A redação da Dragão Brasil tem recebido de todo o Brasil car-
tas de Mestres e jogadores de 3o&T, falando sobre como rolam suas
aventuras - e nos concedendo a preciosa oportunidade de saber como
os RPGistas estão jogando. De acordo com estes relatos, ao construir
seus personagens, a imensa maioria dos jogadores prefere inimigos.

116
DICAS DE M ESTRE II

Alguns, inclusive, aproveitam seu limite de até três Desvantagens


APENAS com inimigos, coletando um total de -3 pontos (-1 para cada
fnimigo). E existem até mesmo aqueles que escolhem inimigos muito
poderosos, no valor de -2 pontos cada!
Não é difícil imaginar as razões. A maior vantagem de um ini-
migo é que você não precisa carregar esta Desvantagem sempre com
você: um personagem Monstruoso será sempre monstruoso, um In-
culto será sempre inculto, um Código de Honra ou Devoção sempre
precisa ser seguido ... mas um Inimigo não costuma estar por perto o
tempo todo. Portanto, esta é apenas uma Desvantagem ocasional.
Outro atrativo de um Inimigo: ele oferece uma oportunidade
extra de combate durante as aventuras. Não adianta negar, um dos
maiores prazeres em aventuras de RPG (especialmente quando há
Street Fighters e Kombatentes envolvidos ... ) é derrotar oponentes
cada vez mais poderosos. Além disso, todo grande herói tem sua
coleção de arquiinimigos - o que seria do Batman sem o Coringa, a
Mulher-Gato, o Duas-Caras e tantos outros para atazanar sua vida?
Será que nosso Cavaleiro das Trevas faria tanto sucesso apenas pe-
gando bandidinhos de terceira em becos? Se assim fosse, com certe-
za seu gibi não seria nenhum fenômeno de vendas ...

Quero um Inimigo!

Um Inimigo é, então, uma "desvantagem" das mais atraentes.


Tudo bem que um ou mais Inimigos sejam cobiçados - todo herói
consistente deveria possuir pelo m enos um deles.
Mas espere! Tem alguma coisa errada. Mesmo com todo o seu
potencial em termos de drama, emoção e pancadaria, por que tantos
jogadores ficam tããão ansiosos para agarrar esta Desvantagem ?
Obviamente, para ganhar pontos. É interessante notar que os joga-
dores adquirem Inimigos APENAS quando eles dão pontos extras para
gastar. É assim não só em 3D&T, mas também em GURPS, Vampiro
(com seu sistema de Qualidades e Defeitos, o suplemento Guia do
Jogador oferece essa possibilidade) e alguns outros. Curiosamente,
não vemos jogadores de AD&D ou Arkanun incluindo Inimigos em

117
DRAGÃO B RASIL ESPECIAL

suas fichas de personagem - porque nesses jogos ter Inimigos não


dá ponto nenhum. Espettinhos não?
Ok, ok. São regras do jogo, então não podemos reclamar. Dei-
xemos que os j ogadores colecionem antagonistas e recebam seus
pontinhos. Mas, mesmo assim, AINDA existe alguma coisa errada.
Ter um Inimigo NUNCA deveria ser uma coisa agradável ou desejada
- emocionante, sim, mas nunca desejada.
Se os jogadores de um grupo só querem saber de Inimigos, a
culpa é toda do Mestre. Ele não está se empenhando em tomar o
Inim igo realmente incômodo, um espinho na v ida do personagem.
Se ele faz do Inimigo apenas mais um oponente ou monstro errante
a ser derrotado no decorrer da aventura, o que existe de terrível nis-
so? (Ok, deixa ver, agora aparecem diante de você seis ores ... não,
cinco ores e o inimigo de fulano!). Neste caso ele não deveria contar
como uma verdadeira Desvantagem.
Não senhor, um verdadeiro Inimigo não é apenas mais um ore
no caminho. Ele é alguém devotado a destruir ou atormentar o he-
r6 i, alguém que existe para prejudicar sua vida.

Inimigo também é gente!

A primeira providência é dar ao Inimigo um rrúnimo de pro-


fundidade. Não senhor, não venha dizendo que ele apenas apareceu
do nada com um profundo e inexplicável ódio pelo herói. Ele preci-
sa de um motivo, uma razão forte para ser um Inimigo. Pense bem:
que tipo de coisa faria VOCÊ abrir mão de sua vida, levar uma exis-
tência de ira e amargura, apenas dedicando-se a destruir uma única
pessoa?
Comece pensando em como era a vida do Ini migo antes de tê-
la amlinada pelo herói. Seria ele apenas um devotado pai de fanu1ia,
que viu a esposa e filhos massacrados durante um combate entre
Street Fighters? Um antigo rival, rejeitado pelo Grande Mestre para
receber os poderes que foram concedidos ao herói? Ou talvez um
vil ão, que teve seu grande plano de conquista mundial arruinado por
um aventureiro intrometido?

11 8
D ICAS DE M ESTRE li

Para conquistar um Inimigo, o herói com certeza fez alguma


coisa terrível - pelo ponto de vista do Inimigo, claro. Talvez o herói
não seja realmente culpado, mas o Inimigo acredita que sim e não
há forma de convencê-lo do contrário. Em Mortal Kombat, o ninja
morto-vivo Scorpion Supostamente teve sua família assassinada por
Sub Zero, líder do clã ninja Lin Kuei: ele agora quer vingança con-
tra Sub Zero, sem saber que o verdadeiro assassino foi o feiticeiro
Quan Chi.
Um Inimigo com motivações profundas pode obrigar o herói e
seus amigos a pensar um pouco antes de atacar. Afinal, será que o
Inimigo não tem razão? Pense em alguém que veio de uma família
cigana perseguida, viu sua mãe ser morta e condenada ao inferno, e
teve seu rosto arruinado. No lugar dessa pessoa, será que você tam-
bém não teria se tomado o Doutor Destino? TEMCERTEZA QUE NÃO?!
Como outro exemplo de Inimigo com motivações justas (ou
pelo menos razoáveis), eu poderia citar Nickie, a vi lã da mini-
série Capitão Ninja (e que também foi vista na matéria "Metal
Líquido", em DB #32). No passado, o Capitão foi encarregado de
impedir que a jovem fosse abduzida por alienígenas, mas falhou .
Após anos de torturas e testes, ela recebeu no corpo uma camada
úe metal líquido e agora está livre, ans iosa por vingança. Ela odeia
o Capitão porque agonizou durante anos nas mãos dos aliens, por
causa dele - e ela TEM RAZÃO. Será que um herói honrado poderia
mesmo culpá-la?

Todos por um?

Vejam só que coisa. Digamos que um dos personagens do gru-


po tem um Inimigo. Talvez o ladrão que invadiu o quaito da prince-
"ª Rhana, e agora é profundamente odiado por seu noivo - o ciu-
mento príncipe do reino vizinho. Então, quando o p1íncipe aparece
110 meio da aventura para acertar contas com o ladrão, em uma fra-
ção de segundo saltam sobre ele o paladino, o guerreiro anão, o elfo
arqueiro e TODOS os outros aventureiros do grupo, que não tinham
nada a ver com a história! O Inimigo pertencia apenas ao ladrão,

119
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

mas o resto do grupo resolve ajudar o amigo. Oh, mas que coisa
bonita! Que solidariedade! Que SACANAGEM, isso sim!
Ora, claro que um grupo de aventureiros não deveria simples-
mente ficar olhando enquanto um colega é massacrado. Mas tam-
bém não parece muito justo ver um grupo inteiro de heróis investin-
do contra um único príncipe enciumado. Neste caso específico, o
príncipe deveria exigir um duelo de honra com o ladrão, sem in-
terferência dos demais. Quaisquer aventureiros honrados seriam for-
çados a aceitar.
Você nunca vê os heróis dos quadrinhos e TV reunindo toda a
turrninha para atacar um oponente pessoal - exceto no caso de ad-
versários MUITO poderosos, tipo Massacre. " Vocês, fiquem fora dis-
to! Esta luta é minha!", são coisas que costumamos ouvir de heróis
corajosos ou honrados. Infelizmente, parece que meu RPG não é bem
assim . Em quase dez anos de jogo, eu NUNCA ouvi um RPGista pro-
nunciar tais palavras corajosas por livre vontade. Uma pena que fa-
çam isso apenas quando forçados pelas regras (em 3D&T, por exem-
plo, você nunca recebe pontos de Experiência ao vencer oponentes
c m desvantagem numérica). Então, quando, os jogadores escolhem
a desonra e covardia, cabe ao Mestre evitar que aproveitem sua van-
tagem numérica contra os Inimigos.
Para começar, lembre-se de que nem todos os Inimigos são
imbecis totais ! Um antagonista esperto não vai simplesmente pular
no caminho de um bando de heróis e enfrentar todos, quando deseja
prejudicar apenas um deles. Ele vai esperar pela chance de enfrentá-
lo sozinho, quando estiver afastado dos demais. Se essa chance não
aparecer (sim, pois há aqueles covardes que coletam montes de Ini-
migos e depois não desgrudam dos coleguinhas!), então o Inimigo
deve tentar ele próprio dividir os heróis, usando iscas, armadilhas e
disfarces.
Um Inimigo sagaz pode aproveitar momentos de crise e caos
para fazer seu ataque. Se o grupo de aventureiros está em meio a um
combate contra uma tribo de bárbaros, lidando com montes de opo-
nentes ao mesmo tempo, não seria este o instante ideal para um Ini-
migo agir? Os colegas do herói ainda podem tentar ajudar, mas isso

120
DICAS DE MESTRE II

será muito mais dffícil. Portanto, Mestre, sempre que o grupo esti-
ver envolvido em outra batalha, pense se não seria uma boa oportu-
nidade para o Inimi go se revelar.
Outra solução para o Inimigo em desvantagem numérica é
compensá-la conseguindo aliados. No caso do príncipe ciumento,
ele seria muito mais inteligente trazendo consigo alguns soldados
ou mercenários para distrair os outros aventureiros enquanto ele pró-
prio cuida do ladrão. Na verdade, o Inimigo nem mesmo precisa
atacar pessoalmente - bastam algum dinheiro ou mentiras para jo-
gar povoados inteiros contra os heróis. Os mais traiçoeiros Inimigos
nunca lutam eles próprios: J. J. Jamenson, o editor do jornal Clarim ,
não tem nenhum superpoder, mas mesmo assim consegue colocar
Nova Iorque inteira contra o Homem-Aranha!
E por falar em reunir forças ... por que não? Se os heróis sabem
Lrabalhar em equipe, por que seus Inimigos não podem fazer o mes-
mo? É verdade que vil ões não podem confiar uns nos outros, e sa-
bem muito bem di sso - mas até mesmo eles reconhecem as vanta-
gens de uma aliança temporária. Que tal formar um bando com to-
dos os Inimigos do grupo? Ou talvez eles resolvam trocar de opo-
nentes, para pegar os heróis desprevenidos - nos quadrinhos Marvel,
a ótima saga "Atos de Vingança" se baseava em super-heróis sendo
atacados por vilões diferentes de seus inimigos tradicionais. Vimos
o Aranha contra Magneto, Wolverine contra o Tubarão-Tigre e ou-
tras combinações inesperadas.
E um último lembrete sobre números: quando um jogador com-
pra três Inimigos que só atacam um de cada vez, isso é quase o
mesmo que comprar um Inimigo. Ele apenas ganhou mais pontos
pelo mesmo inconveniente. Então, se um jogador escolhe ter vários
Inimigos, faça-o sofrer as conseqüências: esses Inimigos deveriam
alacar todos ao mesmo tempo!

A Morte do Inimigo

Ora, vejam outra coisa engraçada. Vem o jogador, constrói seu


personagem, devora os pontinhos que ganhou por ter um Inimigo ...

12 1
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

e então, quando começa a aventura, seu maior desejo é tirar do ca-


minho esse cretino para sempre! E adivinhe qual a melhor maneira
de fazer isso? Destruí-lo, é claro!
Voltemos a falar do Homem-Aranha. Ele tem montes de Inimi-
gos, e não gosta que seja assim. Mas quando derrota algum deles,
não o mata, simplesmente! Deixa-o embrulhado em teia para ser
recolhido pela polícia. Claro que cedo ou tarde esse Inimi go acaba
fugindo da cadeia e volta a infernizar o Aranha, mas é isso que torna
sua galeria de vilões tão interessante. Que graça teria se o Doutor
Octopus tivesse morrido após a primeira luta? Com certeza ninguém
iria se lembrar dele!
Então, procure fazer o mesmo com os Inimigos de seus joga-
dores - faça-os durar! Em 3o&T, um personagem com a Desvanta-
gem Código de Honra nunca pode atacar um oponente caído; neste
caso, seria simples fazer o Inimigo retornar muitas e muitas vezes.
Infelizmente, muito poucos jogadores escolhem adotar um Código
de Honra, obrigando o Mestre a usar outros recursos para garantir o
retorno do Inimigo. O truque mais antigo do mundo é fazer com que
o corpo desapareça após a derrota (o modo clássico é caindo de um
abismo), de forma que sua morte não possa ser confirmada. E assim,
quando o Inimigo retorna vivo e furioso, temos a famigerada frase:
"Você?! Impossível! Você deveria estar morto!"
Em alguns casos, a destruição do Cnimigo é mesmo inevitável.
Após muitas e muitas lutas (ou descuido do Mestre), um aventureiro
poderia realmente matar o Injmigo. Ora, o próprio Doutor Octopus
durou bastante, mas agora está morto. U ma pena. Mas vejam, o he-
rói ainda te m os pontos que ganhou pela Desvantagem Cnimigo! O
que fazer?
Existem duas soluções básicas - e nenhuma delas será agradá-
vel para o jogador. A primeira, mais óbvia, é obrigá-lo a recomprar
a Desvantagem. O Mestre poderia reduzir uma de suas Característi-
cas ou eliminar uma de suas Vantagens para equilibrar os pontos.
Como explicação, você pode argumentar que a energia necessária
para destruir o Inimigo foi tão imensa que o herói perdeu parte de
sua Força, ou não pode mais usar seu Ataque Especial. Isso é forçar

122
DICAS DE MESTRE II

um pouco a barra, mas pelo menos resolve a parte matemática cio


problema.
A segunda solução é muito mais interessante. Você pode dar ao
personagem outro Inimigo, MAIS poderoso. Ele pode ser semelhante
ao anterior (quando o D outor Octopus morreu, em seu lugar surgiu a
Doutora Octopus) ou totalmente diferente. Esse novo Inimigo não
aparece por puro acaso, e sim como conseqüência da morte do ante-
rior. Muito provavelmente era um amigo, parente ou amante, e ago-
ra quer vingança. Poderia ser também alguém que ouviu falar da
"grande luta" e agora desej a enfrentar o vitorioso. ("Então você der-
rotou o Duende Verde? Pois prepare-se agora para enfrentar o Duende
Macabro!")
Em 3o&T, se você destruiu um Inimigo de 12 pontos, então
esteja preparado para a chegada de outro com pelo menos 15 pon-
tos. E perceba que, mesmo sendo um Inimigo mais poderoso que o
anterior, o lutador NÃO ganha pontos extras de personagem por isso
- ora, ninguém mandou destruir para sempre aquele oponente mais
fácil de vencer!

Inimigo? Não quero!

Seja você jogador ou Mestre, espero que tenha agora uma idéia
diferente sobre Inimigos. Sim, eles são ingredientes importantes na
carreira de um herói aventureiro, mas sempre serão também uma
pedra em sua bota.
Após estes conselhos, vamos torcer para que o Mestre consiga
dar a seus j ogadores Inimigos realmente perturbadores - e pode ter
ce1teza, eles vão pensar duas vezes antes de adotar essa Desvanta-
gem como sua favorita. Talvez seja melhor ter uma Devoção, Má
Fama, Ponto Fraco, Protegido Indefeso ...

Paladino

123
XVIII
Impostor

Quando você não é o que parece ...

Artigo publicado na Dragão Brasil# 49

Holy Avenger, nossa aventura para AD&D e GURPS publicada


ao longo das revistas DB #44, #45 e #46, foi para nós uma divertida
oportunidade de criar um grupo de personagens novos e únicos. Entre
eles, dois eram impostores: a opulenta elfa Niele, considerada por
todos como uma das maiores magas do mundo, mas na realidade
apenas uma barda inexperiente; e o jovem guerreiro Sandro, orgu-
lhoso filho de um dos maiores ladrões do reino, mas em verdade um
incompetente total na carreira criminosa que escolheu.
Estes dois personagens são a prova de que nem tudo é como
parece - principalmente nos mundos de RPG. Encontrar um senhor
de longas barbas vestindo um manto cheio de estrelas não significa
que você esteja mesmo diante de um mago. Da mesma forma, aque-
le valente e honesto paladino do qual você ouviu falar pode não ser
exatamente assim. E aquele vampiro que age feito maluco não pre-
cisa ser necessariamente um Malkaviano!
Mestres experientes sabem usar as aparências para iludir os
jogadores. Assim como Niele e Sandro enganaram os aventureiros,
outros NPCs também podem fazê-lo. O viajante que pede para acom-

124
DICAS DE MESTRE II

panhar os heróis pode ser um criminoso procurado, buscando prote-


ção. Aldeões apavorados que pedem aj uda podem ser, na verdade,
monstros canibais em busca de comida. Aquela linda donzela apri-
s ionada na caverna do dragão poderia ser o próprio dragão,
metamorfoseado. Disfarces, magias ilusórias, mudanças de forma,
reputações falsas ... são infinitos os recursos. Mas a arte de engambelar
o grupo de PCs é coisa que vamos discutir outro dia. Esta matéria é
para jogadores, não Mestres.
Em Holy Avenger, Niele e Sandro apareceram como NPCs -
mas ambos surgiram como personagens jogadores em nosso grupo
ue AD&D, e depois sofreram modificações. Niele, meu personagem,
era originalmente um elfo bardo que fingia ser um mago das vestes
brancas de Dragonlance. E Sandro, na verdade, era o nome do joga-
dor, não do guerreiro (uma singela homenagem a nosso amigo
Sandrão). Eram os únicos personagens do grupo, durante uma aven-
tura hilária que marcou a inauguração da Taverna do Macaco Empa-
lhado. Mas isso é outra história...
Impostores são muito úteis como NPCs para conduzir aventu-
reiros incautos até ciladas e outros objetivos. Mas eles também são
di vertidos como personagens jogadores. Um RPGista experiente, can-
sado de apenas chacinar os monstros que aparecem pela frente, pode
encontrar um desafio estimulante sendo um .impostor - além dos
perigos normais da aventura, ele precisa também se preocupar em
proteger sua verdadeira identidade. Um RPGista iniciante pode achar
essa façanha um tanto difícil demais ... mas não custa nada tentar!
Ser um impostor é bem divertido. Costuma gerar todo tipo de
situação engraçada, especialmente quando você precisa sacar da
manga alguma desculpa para explicar suas atitudes incomuns.
("Ora, mas é CLARO que sou uma maga ! Não vê minhas roupas?
Minhas orelhas? Meu cetro? Como? Você quer que eu PROVE meus
poderes? ! Como ousa? Apenas desta vez vou poupar sua vida, in-
solente!")
Esse tipo de coisa você só vai descobrir por experiência pró-
pria, na mesa de jogo. Então, o que vamos fazer é ajudá-lo a ser um
hom impostor.

125
DRAGÃO BRAS IL ESPECIAL

Falsidade variada

Para ser um impostor existem três receitas básicas: você pode


disfarçar sua aparência, seus atos, ou sua reputação. O verdadeiro
mestre do disfarce consegue usar todas as três; para um iniciante, o
ideal é usar apenas uma ou duas.
Ser um impostor em aparência é bem fácil. Se você quer pare-
cer um guerreiro, vista uma armadura e caiTegue consigo algumas
armas de aparência bem perigosa - mesmo que não saiba usá-las!
Um mago disfarçado de guerreiro pode levar muita vantagem em
combate, porque os inim igos mais inteligentes costumam atacar pri-
meiro os magos. Não, na verdade um mago não pode usar armadu-
ras sem interferir com suas magias - mas isso se resolve com uma
armadura falsa ou uma magia ilusória. O inverso também é válido:
você, um habilidoso guerreiro, poderia cobrir sua armadura e aimas
com um manto estrelado para fingir ser um mago. Isso pode ser
peri goso, atraindo atenção indesejada, mas também serve para apa-
nhar inimigos desprevenidos.
Ser um impostor através de seus atos é um pouco mais compli-
cado: não basta se parecer com alguém, você precisa AGIR como
esse alguém. Se é um mago fingindo ser guerreiro, de vez em quan-
do terá que fazê-lo de forma discreta ("Vocês viram como aq ueles
ores fugiram apavorados? Até parece mágica ... "). Niele consegue se
fazer passar por maga apenas porque ela carrega um artefato pode-
roso, os Olhos de Sszzaas, capazes de realizar magias incríveis; ela
própria não controla bem esses poderes, mas aqueles que testemu-
nham seus relâmpagos e bolas de fogo não sabem disso!
Por último, você pode ser um impostor através de reputação.
Em GURPS e Vampiro isso é bem simples - você pode usar pontos
para comprar vantagens como Reputação e Fama. Em AD&D, você
terá que conversar com o Mestre sobre como sua falsa identidade
ficou famosa. Esta é a forma mais fácil de ser um impostor, mas
apenas no começo - pois no decorrer do jogo você terá de trabalhar
duro para manter sua farsa intacta. Atrapalhado como é, o jovem
Sandro consegue manter uma boa reputação graças à fama de seu

126
DICAS DE M ESTRE II

pai, o maior e mais famosos ladrão do reino - mas essa reputação


nunca dura muito tempo; aqueles que acompanham seus feitos logo
descobrem a incompetência do guerreiro.

Pequenos delitos

É como dizem: você pode enganar algumas pessoas durante


algum tempo, mas não pode enganar todo mundo o tempo todo.
Se você é um impostor, naturalmente pretende enganar alguém.
Mas quem, exatamente? Quanto menos pessoas e menor seu contato
com elas, maiores as chances de sucesso. Não adianta acreditar que
você pode iludir todos que encontrar - a farsa não vai durar para
sempre.
Um impostor iniciante pode começar enganando apenas UMA
pessoa. Pouco? Nem tanto. Com alguma imaginação, você pode cri-
ar uma situação divertida. Pense em um humano mago e um anão
gueITeiro. Os dois resolvem atuar em um mesmo grupo de aventu-
reiros e acabam se tornando amigos, mas há um problema: o anão
Leve sua aldeia destruída por um mago, e jurou devotar sua vida a
caçar e matar todos eles! O que nosso amigo humano pode fazer?
Para conservar a amizade do anão e preservar a própria vida, ele
pode fingir que não é mago - QUALQUER outra coisa, exceto um
mago! Ele só poderá usar suas magias quando o anão não estiver
olhando. E os colegas aventureiros poderiam ajudar na farsa, uma
vez que revelar o segredo só traria problemas ao grupo.
Ok, chega de fazer de idiota o anãozinho. Que tal um pequeno
vilarejo? Quando o grupo de aventureiros passar pela próxima al-
deia, experimente bolar alg uma falsa identidade para apresentar aos
camponeses - afi nal , não é difícil enganar pessoas simples que nun-
t:a viram você. Esse recurso é especialmente útil para ladrões; con-
quistar a confiança de alguém leva tempo, e muitas vezes você não
tem tempo suficiente. Então, chegando à próxima cidade, evite ser
denunciado por suas habilidades ladinas. Tente parecer outra coisa.
Mais tarde você pode tentar façanhas dignas dos melhores im-
postores. Que tal se fazer passar por um grande herói, uma figura

127
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

famosa e conhecida, no momento ausente da cidade? Mágica pode


ajudar, mas mesmo assim você vai precisar de muita habilidade. Em
Vampiro e Lobisomem, o desafio seria fingir pertencer a outro clã ou
tribo e participar de suas reuniões . Missão de alto risco ...
E no fim, quando estiver bem treinado, você pode tentar o de-
safio definitivo: chega de NPCs. É tempo de enganar os outros joga-
dores!

Ora, seu ... seu falso!

Diz o antigo provérbio ninja: "Para enganar os inimigos, pri-


me iro é preciso enganar os aliados" (Para ser honesto, não sei se é
realmente um provérbio ninja; vi isso em um episódio do Jiraya ...).
Ser impostor com a colaboração dos jogadores e enganar ape-
nas o NPCs que encontra pelo caminho, é uma coisa. Mas enganar os
próprios jogadores do grupo é beeem diferente. Neste caso, apenas
você e o Mestre conhecem sua verdadeira identidade - e ambos vão
precisar de muita habilidade e sutileza para manter o segredo. Algu-
mas comunicações com o Mestre precisam ser feitas através de bi-
lhetes (e sem abusar, ou vai despertar suspeitas). Você provavel-
mente vai precisar de uma ficha de personagem falsa para manter
sobre a mesa; a verdadeira fica escondida com o Mestre, entre suas
anotações. Tenha certeza de conhecer, de memória, todas as infor-
mações da ficha verdadeira - porque você não poderá consultá-la.
Tenha muito, muito cuidado quando tentar ser um impostor
com seus colegas. É uma situação delicada. É possível que os outros
jogadores entendam mal sua atitude, acreditando que você está ten-
tando fazê-los de tolos - e podem ficar zangados. Talvez não jo-
guem mais com você. Não os culpe por isso: você também não vol-
tm"ia a confiar em uma pessoa que lhe me ntisse uma única vez.
Tenha a certeza de fazer isso apenas com RPGistas experientes,
que conhecem bem o jogo. Em alguns casos, você nem mesmo pre-
cisa guardar segredo: mesmo que descubra sua identidade na vida
real, um bom jogador ainda é capaz de manter o segredo dentro do
jogo- ele pode fingir que não sabe de nada. É nestes momentos que

128
DICAS DE MESTRE II

reconhecemos o verdadeiro talento de um RPGista, a capacidade de


separar o real e o imaginário.
RPGistas experientes e conscientes podem gargalhar muito com
um impostor "conhecido" no grupo. Durante o jogo eles podem fin-
gir que suspeitam dele, ou colocá-lo em situações difíce is apenas
por diversão. Se Niele estivesse em seu grupo e você soubesse seu
segredo, não seria divertido pedir a ela para usar magia o tempo
todo? Ou contar com Sandro e sua habilidades de ladrão, quando ele
de fato não as possui? Problemas para o grupo ... e risadas para os
jogadores!

Paladino

129
XIX
Que os jogos comecem!
Quem precisa de masmorras? Todos os monstros
e tesouros que você procura estão logo ali,
na arena da cidade!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 49

Arenas de gladiadores. Em RPGs de fantasia medieval, pratica-


mente cada grande cidade tem um anfiteatro para sediar jogos -
desde a complicada Mégalos de GURPS Fantasy até Waterdeep em
Forgotten Realms e PaJanthas em Dragonlance, ambas de AD&D.
Não é plágio e nem coincidência. No mundo antigo, antes do
rádio, cinema e televisão, os jogos eram a principal forma de entre-
tenimento para o povo. O Coliseu de Roma foi o mais famoso anfi-
teatro destinado a combates de gladiadores e outros espetáculos, mas
não o único - muitas províncias romanas menores também tinham
suas próprias arenas. Os imperadores adotavam a política do "pão e
circo'', sediando grandes shows para d istrair as massas de seus ver-
dadeiros problemas (impostos, pobreza, crime ... ). Portanto, os jo-
gos tinham importância imensa na Roma Imperial.
Em mundos medievais de ficção, arenas de jogos também exis-
tem por outros motivos. Mesmo em cidades prósperas, um anfitea-
tro pode trazer prestígio para os governantes locais ou atrair visitan-
tes, incentivando o turismo. Mas a presença dos jogos no mundo de
RPG tem outra forte razão: e m uma grande cidade medieval, uma

130
DICAS DE M ESTRE II

arena de gladiadores é o melhor lugar para um herói encontrar desa-


fio e riqueza. Quem precisa explorar ruínas antigas e distantes, em
busca de tesouros e batalhas contra monstros, quando todos esses
ingredientes podem ser encontrados bem ali na arena? Os riscos são
menores e a glória é maior; quando você mata um dragão negro no
meio do pântano, geralmente não tem platéia!
Quando bem explorado, um anfiteatro é um cenário tão rico
quanto qualquer masmorra - talvez muito mais. Este simples edifí-
cio pode abrigar uma longa campanha, repleta de combales, mons-
lros, heroísmo e intriga. E os aventureiros nem precisam sa ir da t· i-
dade!

Uso em campanha

O uso mais óbvio de uma arena é como ... arena! Um lugar onde
lutar, um lugar onde os aventureiros podem combater inimigos exóti-
cos e criaturas fantásticas. Dentro das muralhas das grandes cidades,
dificilmente eles teriam essa chance em qualquer outro lugar.
Mas claro que esta não é a única utilidade de um anfiteatro
para o Mestre. Para começar, aq ui é um dos poucos lugares urbanos
onde podem ser encontradas criaturas de quase qualquer raça exis-
tente neste mundo - e outras! Os organizadores dos jogos estão sem-
pre à procura de figuras diferentes e exóticas para surpreender a
platéia. Então, se você mesmo pertence a uma espécie estran ha e
procura dinheiro ou emoção ...
Aventureiros iniciantes podem encontrar nos jogos um meio
mais seguro de ganhar experiência antes de encarar desafios mais
~érios. Afinal, nem todos os combates de gladiadores são até a mor-
lc - sempre existe a simples luta por esporte. Nesta modalidade as
recompensas pela vitória são menores, mas os riscos também; os
l'e rimentos graves são raros, e existem clérigos prontos para socor-
rer os feridos em caso de acidentes. Muitas vezes o públ ico nem
1·onhece a diferença entre uma luta real ou simulada.
Você também pode fazer o contrário: em vez de um lugar inte-
ll'Ssante para visitar, a arena pode ser um lugar terrível de onde fu -

13 1
DRAGÃO BRAS IL ESPEC IAL

gir! O Coliseu de Roma muitas vezes sediava lutas com bárbaros


capturados em regiões distantes, escravos foragidos, criminosos con-
denados e outros "gladiadores forçados". Normalmente esses con-
denados eram obrigados a lutar até a morte contra feras ou lutadores
poderosos. Para personagens jogadores nesta situação, existem ape-
nas duas saídas: a vitória (um feito difícil, pois os condenados são
sempre colocados em desvantagem) ou a fuga (ainda mais difícil;
em Roma, a única revolta de escravos bem sucedida foi aquela lide-
rada por Espártaco).
E arenas não servem apenas para abrigar gladiadores sem cére-
bro ou conteúdo, que só pensam em lutar. Um anfiteatro também
pode ser palco de muito drama e intriga, com personagens comple-
xos. Basta conhecer a gladiadora Loriane, vista na história em qua-
drinhos Estrela (DB #45 e #46); uma meio-elfa carente e faminta por
ft1111 <1 e gl6ria, presa a um pacto com uma maga, obrigada a perma-
lll'l'l'I' pura e intocada se deseja continuar recebendo aplausos. Para
csl u pt;rsonagcm, combates são secundários; suas motivações emo-
c ionais são muito mais interessantes.

Vejam! Um minotauro!

Outro ponto de interesse em anfiteatros é que cidades medie-


vais são lugares onde o povo pode conhecer criaturas exóticas e
perigosas. No Império Romano, animais ainda desconhecidos como
elefantes, leões e leopardos eram grandes atrações nos jogos. En-
tão, em mundos de fantasia, o mesmo vale para monstros fantásti-
cos como lagartos gigantes, grifos, quimeras e até pequenos dra-
gões.
O uso de animais selvagens e monstros nos jogos é ferramenta
útil para o Mestre - uma maneira de colocar os aventureiros contra
todo tipo de monstro, sem se preocupar onde eles vivem. Mas com-
bates entre homens e feras nem sempre são reais: muitas vezes os
animais estão drogados, ou com suas garras e presas cortadas, ou até
mesmo podem ser falsos - apenas pessoas fantasiadas como ani -
mais comuns, com maquiagem. Coloque na arena um homem com

132
DICAS DE MESTRE II

máscara de touro: você acha que a platéia, que nunca viu um


minotauro antes, saberá a diferença?
Por outro lado, feras verdadeiras e perigosas também podem
fazer parte dos jogos. A arena de Sigil, a cidade mais importante de
Planescape, costuma sediar combates sangrentos entre demônios e
monstros de vários mundos. Esta é, provavelmente, uma das arenas
mais violentas de AD&D.
Os animais e monstros para os jogos, c laro, precisam vir de
algum lugar - e esta pode ser a semente para uma nova aventura ou
campanha: os aventureiros podem ser contratados para percof'l'ur o
mundo e capturar animais exóticos para os jogos. Q uanto mai s raro
e perigoso o monstro, maior a recompensa- e mais difícil a missão
dos heróis. Eles também podem se encontrar em dilemas quando
descobrem que uma fera capturada é na verdade um ser inteligente e
bondoso, ou uma criatura em extinção: será que eles vão cumprir o
contrato, ou fazer a coisa certa e libertar o cativo, atraindo o ódio ou
vingança de seu contratador?

Nem só gladiadores

À primeira vista pode parecer que os jogos são interessantes


apenas para guerreiros. Nada mais distante da verdade; o anfiteatro
pode abrigar qualquer outro tipo de personagem típico em grupos
de aventureiros.
No Coliseu, combates entre gladiadores não eram a única
atração: havia também competições esportivas menos violentas,
especialmente provas de atletismo (corrida, arco e flecha, arre-
messo ... ) e as famosas corridas de bigas. Peças teatrais e shows
musicais também eram populares - oportun idade excelente para
os bardos.
Em algumas arenas de AD&D a magia é proibida: magos não
podem participar, e nem portadores de armas e armaduras mágicas -
na maioria das vezes o público não vê os efeitos da magia, e, portan-
to, não consegue entender o que está acontecendo. Equipes de ma-
1•os ficam encarregadas de detectar e anular magias presentes nos

133
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

gladiadores. Outras arenas, contudo, aceitam magos: imagine o de-


lírio da platéia diante da explosão de uma bola de fogo!
Sacerdotes costumam ser empregados para tratar os feridos -
ou, em alguns casos, para lutar; clérigos de deuses da guerra podem
tomar parte nos combates. Ladrões vão encontrar aqui grandes
chances para roubar bolsas, empresariar gladiadores e administrar
apostas.
Embora geralmente desprezem lutar por fama, glória ou rique-
za, paladinos poderiam estar no anfiteatro para garantir a segurança
dos governantes ali presentes. Até poderiam lutar na arena, mas ape-
nas se alguma causa nobre estivesse em jogo: talvez um paladino
escolha combater no lugar de um condenado à morte, se acreditar
que ele é inocente.
Rangers e druidas são adeptos da vida selvagem, mas também
podem cnconlrar seu lugar no anfiteatro - especialmente quando
1111i111ais são usados nos jogos. Eles podem ser segurança dos ani-
111ui), l' garantir que tai s animais ofereçam um bom show. R angers e
dl'uidas l arnbérn poderiam lutar nos jogos.

Arena-padrão?

Como funcionam os jogos em sua campanha? Se quiser, você


pode se basear nos jogos do Império Romano, que são a pedra fun-
damental deste tipo de evento. A melhor fonte de referências sobre
isso é o suplemento GURPS Império Romano (veja quadro). Com
suas regras para personagens gladiadores, o Livro do Guerreiro tam-
bém é útil. Você também pode procurar, em sua coleção de revistas
antigas, pela Só Aventuras #8 - a matéria "Gladiadores" oferece re-
gras para esse tipo de personagem e suas armas, assim como idéias
para aventuras em arenas.
Mas o Coliseu de Roma não é o único tipo de arena; você pode
encontrar idéias para jogos em muitos outros lugares. Em Arena, um
romance baseado em jogo de cards Magic: the gathering, toda a
economia de uma região circula em volta do Festival - um grande
torneio anual entre magos-g uerreiros, no qual o vencedor será prc·

134
DICAS DE MESTRE II

miado pelo ser extradimensional chamado Peregrino. No livro-jogo


O Calabouço da Morte, da série "Aventuras Fantásticas", a Prova
dos Campeões leva aventureiros a vencer o Labirinto de Fang - cri-
ado pelo diabólico governante local, o Barão Sukumvit, como en-
tretenimento para o povo e para si próprio. (Este mesmo livro-jogo
serviu de base para o game Deathtrap Dungeon, para Playstation.).
E existe Triunphus, a Cidade da Vida Eterna, apresentada na
OB #19 (se você perdeu, não se preocupe; Triunphus será reapresen-
ta da na edição comemorativa DB #50). A Arena de Jogos de Triunph us
emprega gladiadores voluntários, crimjnosos que cumprem 1w1111
lutando, ou escravos que tentam pagar dívidas. Nesla c idade, onde
uma maldição impede a morte de qualquer pessoa, os w mbalcs cos-
tumam ser muito mais violentos ...

Gladiadores modernos

Antes de encerrar, vamos lembrar que aventuras baseadas em


arena não precisam ficar restritas à fantasia medieval. Elas podem
existir também no mundo atual.
A maioria das histórias e crônicas de Street fighter: o jogo de
RPG (já nas bancas em todo o Brasil !) se baseia em arenas. Em SF os
jogadores representam equipes de lutadores, participando de tornei-
os secretos entre artistas marciais que rolam no mundo todo - nada
muito diferente da vida de um gladiador romano. Platéias, empresá-
rios, apostas, trapaças ... todos os elementos clássicos existem aq ui.
Neste jogo cada Guerreiro Mundial tem sua própria arena. Os gran-
des torneios são o recheio básico das aventuras, transformando os
Street Fighters em autênticos gladiadores. Tal é a riqueza do jogo
nesta área que você pode até usar as idéias de SF para aventuras
medievais de arena.
Se funciona em SF, claro que também funciona em 3D&T, De-
/('nsores de Tóquio - 3ª Edição. Os cenários principais para este
sistema apresentados até agora são puramente baseados em arenas :
cm Street Fighter Zero conhecemos as origens dos lutadores que
vfí.o se tornar os Guerreiros Mundiais após lutar no grande torneio

135
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

da Shadaloo; em Mortal Kombat, os Deuses Anciões estabeleceram


um torneio para preservar o Reino da Terra; e em Final Fight, o
bairro nobre de Metrocity abriga um luxuoso ginásio de lutas, além
de arenas secretas em outros pontos da cidade.
Como vimos, uma arena pode ser muito além de mais um pon-
to no mapa. Ela pode ser o foco principal da campanha, um lugar
onde os aventureiros enfrentam suas maiores batalhas ... e também o
lugar que eles chamam de lar!

Paladino

136
XX
O lado negro do RPGista
Acredite: você PODE se divertir em um encontro ou
convenção de RPG sem arruinar a reputação dos RPGistas

Artigo publicado na Dragão Brasil# 51

Embora tenha um certo potencial para desenvolver o individu-


alismo no que diz respeito ao escapismo inevitavelmente inerente a
certos aspectos do jogo (alguém entendeu algo?), o RPG pode, sem
sombra de dúvida, ser considerado um jogo social.
É preciso que você tenha um grupo de amigos ou pessoas inte-
ressadas para poder jogar. Mas graças à falta de lugares disponíveis,
os j ogadores deste fascinante hobby se vêem cada vez mais isolados
em suas casas - onde seu passatempo predileto pode ser desenvolvi-
do sem muitos problemas ou intenupções. Isso tem tornado cada
vez mais difícil a confraternização entre grupos de jogo.
Há seis anos, desde que o RPG explodiu com força total, todos
nós - jogadores e mestres - temos pelo menos uma ocas.ião no ano
quando podemos encontrar pessoas que compartilham de nossa mes-
ma paixão: o Encontro Internacional de RPG, a maior e mais impor-
tante convenção do gênero no Brasil - e a segunda maior em todo o
inundo, perdendo apenas para a famosa GenCon nos Estados Uni-
dos.

137
DRAGÃO BRASJL ES PECIAL

Palco de novos lançamentos, palestras e convidados especiais


- incluindo "astros internacionais" como Steve Jackson, Mark Rein
Hagen e tantos outros-, o Encontro é principalmente uma oportuni-
dade para que os RPGistas revejam velhos amigos, façam novos, e
também tragam mais praticantes ao jogo. O Encontro também se
empenha em explicar o RPG aos leigos, especialmente professores e
jornalistas, buscando desfazer a fama negativa que este passatempo
tem perante os menos esclarecidos (pois é, ainda há quem acredite
que RPG induz ao satanismo, magia negra e outras bobagens).
O Encontro Internacional e outras convenções são extrema-
mente importantes para a sobrevivência e crescimento do RPG. Infe-
lizmente, a continuidade desses eventos pode estar sendo ameaçada
pelos próprios RPGistas.

Coisa de maluco?

Embora a quanLidade de RPGistas no Brasil seja crescente, ainda


é muito dif'fc iJ encontrar grupos que jogam regularmente. Grupos
que rolam a mesma campanha durante meses (ou anos!) eram tradi-
ção nos velhos tempos, mas hoje uma raridade. Encontrar o u for-
mar novos grupos é tarefa difícil - basta observar nossa Barraquinha
do Ore todos os meses, sempre lotada de anúncios enviados por
RPGistas à procura de grupos. Assim , o Encontro e outras conven-
ções são oportunidades de ouro para conhecer outros RPGistas e
formar grupos.
Entretanto, para que o Encontro Internacional e outras conven-
ções continuem existindo - assim como o próprio RPG -, o RPGista
deveria observar certas noções básicas de comportamento e exerci-
tar um pouco mais seu bom senso.
Talvez empolgadas com a atmosfera do evento, hordas de su-
postos jogadores adquiriram o exótico costume de correr gritando
como se algum míssil perdido da OTAN estivesse a caminho, ou coi-
sa parecida . Pode até parecer divertido na hora, mas não há o menor
sentido nisso. Esse tipo de atitude de teriora ainda mais a imagem
dos RPGistas ("B ando de loucos!", pensou a velhinha enquanto pas-

138
DICAS DE MESTRE II

seava com seu poodle) e também atrapalha aqueles que chegaram


cedo, pegaram fila (que não era das menores), esperaram horas e
pretendiam fazer algo muito simples: jogar RPG.
É um conselho tão básico que chega a parecer besteira colocá-
lo aqui. Não custa nada andar devagar, sem tumulto e agir com edu-
cação. Batucar nas mesas em conjunto quando cai uma cadeira não
Lem problema algum; já virou até uma tradição do Encontro (e cá
entre nós, quantas vezes isso acontece por dia? Duas? Três?). Mas
berrar insanamente ou bradar palavras sem sentido de cinco cm cin-
co minutos não tem justificativa. Uma mesa de jogo localizada cm
um Encontro já sofre com a barulheira normal - ninguém precisa de
mais gdtaria para atrapalhar. Divirta-se, mas deixe que os outros se
divirtam também.

Sou RPGista! Verdade!

O jogador de RPG, em geral, gosta de fantasiar. Isso é muito


natural - fazer-de-conta é parte da mágica do jogo, aquilo que torna
o RPG tão fascinante e atraente para aqueles que têm imaginação
sobrando.
Por esse motivo, a grande maioria dos RPGistas ADORA usar
disfarces e fantasias. Desde o clássico sobretudo, roupa preta e vi-
sual gótico dos jogadores de Vampiro, até armaduras e mantos me-
dievais ou uniformes de super-heróis. Ora, isso não é nenhuma ma-
nia esquisita exclusiva dos RPGistas - as convenções de trekkers, os
lãs ardorosos de Jornadas nas Estrelas, também estão cheias de gente
fantasiada. E assim como as convenções de trekkers, o Encontro é
uma oportunidade de usar roupa esquisita sem se sentir deslocado
nu impressionar negativamente as pessoas. Durante o Encontro des-
.'IC ano tivemos figuras memoráveis, desde um solene Vorlon ("Onde
vai aquele cara fantasiado de geladeira?", disse um amigo que nada
... abia sobre Babylon 5) até um excelente Darth Maul, vilão principal
do novo Star wars - Episódio /.
Sim, usar fantasias é legal, é dez, é duca l O problema: quando
você encontra essas figurinhas em uma convenção, ninguém acha

139
DRAGÃO BRASI L ESPECIAL

estranho. Agora tente fazer o mesmo na Avenida Paulista, por exem-


plo (ok, ex istem coisas estranhas na Paulista, mas não TÃO estra-
nhas assim). Provavelmente muita gente vai parar para ver. Outros
vão rir. E alguns vão manter uma distância segura, com a certeza de
que você é algum tipo de lunático.
O que poucos RPGistas entendem, ou pouco se esforçam para
tentar entender, é que o grande público não tem A MENOR IDÉIA do
que é RPG. Muitos j á ouviram falar que é algum tipo de j ogo, com
livros e dados; outros o conhecem (e já ouvi isso mais de uma vez)
como " um j ogo de lunáticos nocivo à mente dos jovens" - e fica
meio difícil provar o contrário quando você resolve se vestir de
vampiro ou brandir espadas no meio da rua.
Quando você enverga sua fantasia dentro dos limites de uma
<.:nnvcnção de RPG, especialmente quando ela é realizada em lugar
l'cchado (como o VI Encontro Internacional, realizado no Galpão
1:ab1 ka) n<io há problema algum . Mas, quando possível, evite vir de
1.:asa já rnmplctamente fantasiado - não importa se você vai usar
lrnnsporle público o u carro particular. Por quê?! Ora, se você está
vcsl ido como Darth Yader, Chun Li ou Mickey Mouse, claro que o
pessoal nas ruas pode mostrar reações divertidas e amistosas. Mas e
q uando você pretende participar do tradicional live action de Vam-
piro (praticamente obrigatório em todos os encontros), vestido como
o líder de uma gangue Bruj ah, ou uma excessivamen te sensual
Toreador? Lembre-se, o público e as autoridades não têm nenhuma
obrigação de saber que você está indo para um Encontro de RPG, e
na verdade não passa de um pacífico e inofensivo estudante de se-
gundo grau ! (Até hoje conta-se que, durante o r Encontro Interna-
cional, o carro de um bando de jogadores fantasiados de vampiros
Nosferatu - todos com as cabeças raspadas! - teria sido detido pela
polícia.)
Caso não seja possível percorrer o trajeto até o local do Encon-
tro e só depois vestir sua fantasia, tudo bem. Você ainda pode vestir
apenas PARTE da indumentária, conservando um aspecto mais ou
menos normal: pegar o ônibus fantasiado de Capitão Ninja (havia
VÁRIOS deles no Encontro deste ano!), com máscara e espadas nas

140
DICAS DE MESTRE II

costas, é garantia quase certa de atrair problemas. Muito mais inteli-


gente seria rumar para o local usando apenas as calças camufladas
(que até andam em moda, notaram?), trazendo o resto do uniforme
devidamente acomodado na mochila.
Em último caso, se você precisa MESMO sair de casa já total-
mente di sfarçado como vampiro Brujah, nem tudo está perdido -
basta agir como uma pessoa normal enquanto estiver em público.
Ande calmamente, não corra ao encontrar seus "colegas de ga ngue",
não encare as pessoas na rua, e evite ficar gritando coisas corno
"morte aos lobisomens!" ou "vou matar todos os Ventruc!" Por fu-
vor, guarde a interpretação para o Encontro. Isso vai poupar todos
nós de muitos problemas, pode acreditar.

Desarmamento

Ainda sobre fantasias, algumas exigem sempre algum tipo de


acessório - algo para incrementar o visual, como uma máscara, ócu-
los escuros, um cinto de utilidades ... Até aí, tudo bem. Entretanto,
como infelizmente foi notado no Encontro Internacional deste ano,
alguns jogadores acabam indo longe demais e trazem ARMAS para o
evento - armas REAIS. No Encontro foram vistas espadas, tacos de
baseball e correntes, entre outros itens perigosos.
Talvez eu esteja sendo duro demais (e se estiver, paciência),
mas levar armas verdadeiras para um encontro de RPG está entre as
coisas mais estúpidas que alguém poderia fazer.
Sim, ok, tudo bem. Todos estamos cansados de saber que
RPGistas, em geral, são pacíficos e conservam a violência dentro do
jogo. Mas, insisto em repetir, os não-RPGistas não tem obrigação
nenhuma de saber disso. Eles têm todo o direito de ficar assustados
ou intimidados quando você aparece exibindo armas em público. E
inti midar pessoas com armas é crime.
Muitos participantes deste Encontro tiveram o bom senso de
levar armas falsas, inofensivas - como certas espadas próprias para
çxibição, sem corte, e com a ponta protegida por uma peça plástica.
Outros usaram espadas de papelão. Houve, contudo, um garoto que

141
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

teve sua espada katana legítima (afiada e mortal!) apreendida pelos


policiais presentes no parque - o que não podia ser melhor. Imagine
se, por uma infelicidade, começa uma briga e algum empolgadinho
agarra essa espada para "duelar"? Ou se a arma é roubada por pes-
soas mais violentas? Ora, uma simples queda acidental poderia re-
sultar em uma tragédia capaz de cancelar para sempre o Encontro de
RPG - isso sem falar na vida de alguém!
Usar armas falsas é mais sábio e mais seguro, mas pode não ser
suficiente - elas ainda são capazes de assustar pessoas desinformadas,
e isso também é crime. Então, mesmo que você use armas falsas,
elas NÃO devem ser exibidas abertamente fora dos limites do En-
contro. Nosso colega Cassam, que costuma ser visto fantasiado de
Capitão Ninja, sempre complementa seu uniforme com uma ou duas
espadas falsas de alumínio - mas sem jamais sair da área do Encon-
tro com elas. NOTA: Cassam é praticante de kendô e TEM em casa
u111u cspa<la ninja verdadeira, mas nunca cometeu a imbelicilidade
dv kvCi-la pura um encontro de RPG.
O ideal mesmo é que as armas pareçam OBVIAMENTE falsas.
Uma espada plástica do He-man, Jiraya ou Thundercats (será que
ainda existem essas relíquias?) pode parecer ridícula, mas é sufi-
ciente para aplicar golpes imagináiios. Nosso Darth Mau! trazia como
"arma" um sabre de luz obviamente plástico e totalmente inofensi-
vo. Nota dez para ele!

Comportem-se!

Se você está habituado a abrir sua Dragão Brasil e encontrar


nesta seção dicas para se divertir mais em aventuras de RPG, então
sentimos muito por desapontá-los desta vez.
Este artigo nasceu exatamente da preocupação da DB e Devir
Livraria sobre as repercussões geradas pelos incidentes no mais rc·
cente Encontro Internacional. Apenas observando certas regras do
conduta e educação poderemos preservar os poucos espaços públi-
cos que nos restam para jogar, bem como as convenções nas quaiA
podemos nos reunir.

142
DICAS DE M ESTRE II

Então vamos esperar que, no futuro, nossas páginas jamais pre-


cisem ser outra vez desperdiçadas para ensinar boa educação aos
RPGistas e salvar a reputação do jogo.

J. M. Trevisan
(Agradecimentos a Douglas Quinta Reis)

143
XXI
Vilão também tem razão!

O que é preciso para ser um vilão ?


Por que um vilão faz coisas malignas?
Será que o vilão precisa sempre estar errado?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 51

Tenho um problema muito grave para um escritor de romances,


avenlllras de RPG e roteiros de quadrinhos: eu não acredito em vilania.
É verdade. Você não encontra, na vida real, pessoas totalmente
boas ou totalmente más. Todos somos simples mortais, seres huma-
nos, trazendo no coração o potencial para bondade e maldade - tudo
depende das muitas escolhas que fazemos ao longo da vida. E creia,
uma única escolha certa ou en-ada não faz de você um verdadeiro
herói ou vilão. Nunca.
Fica bem difícil para mim imaginar um cara completamente
maligno, com desprezo total pela paz, amor, beleza, amizade e tudo
que torna a vida agradável. Na verdade, às vezes sou capaz de escre-
ver aventuras inteiras sem a participação de um único vilão - pelo
menos não no verdadeiro sentido da palavra.
Vejam, por exemplo, a mini-série Lua dos Dragões (demorou,
mas terminou!). Logo no início da história somos levados a pensar
que as dragoas-caçadoras são vilãs, amarrando e torturando a pobre
Keyla. Ao longo da saga, contudo, passamos a conhecer melhor sua
cultura e seus costumes: descobrimos então que elas são, na verdade,

144
DICAS DE MESTRE II

guerreiras honradas que lutam pelos fracos e indefesos. Apenas na


última parte da história vemos alguma coisa PARECIDA com um vilão.
No RPG Invasão também não vemos vilões verdadeiros - pelo
menos, não para mim. Temos a raça alienígena dos metalianos, ho-
mens-inseto metálicos de cabeça alongada e fêmeas com seios (isso
é uma looonga história ... ). Seres nobres, capazes de valorizar a vida,
o amor e as coisas boas exatamente como nós. Mas ocorre que
metalianos descendem de insetos sociais, como as formigas e c u-
pins: sua rainha-mãe é o pilar fundamental de sua sociedade, aquilo
que consideram mais importante no universo. Por amá-la tanto, le-
vam sua proteção ao exagero - sendo capazes de exterminar raças
inteiras quando encontram qualquer mínima ameaça à segurança da
imperatriz.
Será que isso faz dos metalianos vilões verdadeiros? Pensem
bem: se VOCÊ tivesse que escolher entre as vidas de uma nação in-
teira e desconhecida, ou a vida de sua própria mãe, o que escolhe-
ria? Puxa, até parece enredo de algum "Você Decide!''. ..
"E onde você quer chegar, Paladino? Está tentando dizer que
não existem caras maus?" Não, nada disso! Vilões existem, sim- e
ainda bem, porque precisamos deles para ter boas histórias. Uma
aventura de RPG seria terrivelmente frustrante sem um dragão, cava-
leiro negro, mago maligno, Mestre Arsenal ou outro grande vilão
para levar pancada no final.
Mesmo assim, acho eu, vale a pena discutir um pouco sobre
duas coisas: SE alguém é vilão e POR QUE esse alguém é vilão.

Vilão clássico

Não, nada de poderes malignos, maldições arcanas ou Lado


Negro da Força. Em quase todos os casos, você precisa de apenas
um ingrediente para bolar um verdadeiro vilão.
Um motivo. Só isso.
POR QUE o vilão é um vilão? Tá bom, ele rouba, mata engana,
corrompe etc, mas por que ele FAZ essas coisas? Ninguém comete
crimes apenas por esporte ou diversão, exceto os malucos (e alguns

145
DRAGÃO B RASIL EsPEC IAL

vilões SÃO malucos: alguém falou em Coringa?). PRECISA existir


um motivo por trás das ações de um vilão - do contrário, ele será
apenas mais um mago maligno/cientista louco/cavaleiro negro pa-
drão, que faz maldades só por fazer. (Por falar nisso, vocês já nota-
ram como a série de TV Lois & Clark: as Novas Aventuras do
Superman está CHEIA de vilões que apenas "gostam" de ser vilões'?
Que coisa mais besta!)
Então, todo vilão precisa de um motivo forte para praticar mal-
dades - nem que seja qualquer coisa nebulosa corno "ser corrompi·
do pelo Lado Negro da Força". Muitas vezes esse motivo é claro e
aparente: o mercenário vem e mata a princesa para receber um gor-
do pagamento do diabólico rei vizinho. Pronto! Mas outras vezes as
razões são secretas, complicadas ou além de nosso entendimento.
("Ora, destruir a Estátua da Liberdade fazia parte de meus planos
pura colonizar a América com homens-guaxinim!")
Se você está pensando em criar um vilão, pode começar esco-
ll 1e11do seu motivo. Em geral, o "vilão clássico" age por egoísmo.
ganância, cobiça, loucura, vingança ... ou uma combi nação de todos.
Essas motivações simples são mais que suficientes para colocar qual-
quer grupo de aventureiros no caminho do vi lão ("Ah, esses maldi-
tos intrometidos! Sempre atrapalhando meus planos!").
Esse "vilão clássico" é muito mais confortável para o Mestre:
ele pode sair de qualquer buraco, pelo motivo mais ridículo - ficou
cansado da mãe que o chamava de imprestável e resolveu dominar o
mundo só para provar que ela estava errada, ou coisa assim. Tam-
bém é muito fácil para este vilão ser rapidamente odiado pelos aven-
tureiros: quem não ficaria louco da vida com um babaca que quei-
mou sua aldeia, matou sua esposa e/ou chacinou sua família, só por-
que não tinha coisa melhor para fazer?

Vilão? EU?!

Pelo menos para os aventureiros, lidar com um vilão-malvado


padrão é fácil: você o enche de pancada e joga na cadeia, ou coisu
assim.

146
DICAS DE MESTRE II

Mas ... e quando ele tem um motivo razoável para agir como
age? E se ele, sob seu ponto de vista - ou o ponto de vista de seu
povo-, está fazendo a "coisa certa"? Mesmo quando, para nós, pa-
rece a coisa errada? Será que alguém assim é MESMO um vilão?
Você acha que é fácil rotular alguém como vilão? Então pense
naquele formigueiro que apareceu em seu quintal. Ei, aquelas for-
migas podem destruir a horta que sua mãe teve tanto trabalho para
plantar. Jamais! Equipado com sua sagrada pá +3 contra insetos
devoradores de folha, você avança e a colônia sucumbe após alguns
golpes. Tudo acabado, você é recebido em casa como um herói.
Herói? Não na opinião das formigas, com certeza! Ora, você
apareceu sem NENHUM motivo (pelo menos, nenhum motivo que
uma formiga consiga entender) e destruiu uma cidade com milhares
de habitantes, construída com tanto esforço por criaturas que traba-
1havam honestamente. Então responda, amigo: qual a diferença en-
tre você e um daqueles monstros que aparecem para derrubar Tó-
quio toda semana?
É duro dizer, mas você acaba de ser tornar um grande vilão.
Vamos esperar que não exista entre as formigas nenhum tipo de pa-
ladino ou super-herói, ou você estará encrencado ...

Santovasku

Ok, chega de formigas. Como exemplo de vilões com bons


motivos, eu gostaria de falar de Outlanders - uma saga espacial crn
quadrinhos produzida no Japão pelo artista Johji Manabe, e publicada
nos Estados Unidos pela editora Dark Horse. Muito pouco conheci-
da no Brasil, essa série foi meu primeiro contato pessoal com os
quadrinhos tipo mangá, e também uma das mais divertidas histórias
que tive chance de Ler.
À primeira vista, a idéia básica de Outlanders parece das mais
111anj adas - um poderoso império alienígena atacando a Terra.
l>ãããã, que original! Apenas conhecendo melhor a história pode-
111os entender que, mesmo e nquanto enviam gigantescas frotas de
11uves biomecânicas para arrasar nossas cidades, os assim chama-

147
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

dos "vilões" estão cobertos de razão - sob seu próprio ponto de


vista, claro!
Há milhares de anos, a Terra abrigou a mais poderosa civiliza-
ção conhecida - o Império Santovasku. Um povo tão avançado que
há muito tempo abandonou a "tecnologia comum'', e hoje utili za
engenhos biomecânicos (criaturas vivas) modelados através de ma-
gia. Desde imensas naves estelares até veículos menores e aparelhos
de comunicação, toda a tecnologia do império é biomecânica.
Contando com uma frota de mais de oito milhões de naves (é
isso mesmo, OITO MILHÕES!), o Impéri o Santovasku avança pela
galáxia conquistando novos mundos - deixando para trás seu ama-
do mundo-mãe, o Planeta Sagrado. Atualmente sediado em muitos
outros planetas, o Império envia expedições regulares ao Planeta
Sagrado para verificar se está tudo bem. E agora, escutem essa! Uma
dessas expedições acaba de chegar, e detectou "formas de vida
infectando seu amado mundo-mãe''.
Adiv inhem quem são essas formas de vida?
/\ saga prossegue com os terrestres e os imperiais lutando entre
si, cada um acusando o outro de "invasor" (e ambos com razão!).
No início o povo da Terra parece não ter chance nenhuma contra as
naves-monstros de Santovasku , mas surge uma esperança: a j ovem
princesa Kharn, apaixonada por um terrestre, decide começar uma
rebelião e se voltar contra o império para proteger a Terra.
Muito mais que naves e mundo explodindo, Outlanders com-
bina aventura, humor e drama de forma extraordinária. Ainda tenho
esperanças de ver esta série publicada no Brasil algum dia - então
não vou estragar tudo contando o final. Só uma coisa: se vocês espe-
ram algo previsível do tipo "os rebeldes derrotam o Império e sal-
vam o dia", podem esquecer...

Vilão arrependido?

Pois bem, então a tal princesa Kham era uma guerreira mima-
da, arrogante, teimosa, sanguinária, ninfomaníaca e sem respeito
nenhum pela vida humana. Ou seja, tem tudo para ser uma vilã de

148
DICAS DE M ESTRE II

primeira grandeza. Mas de repente ela se volta contra o Império


para defender a Terra. Isso faz dela uma heroína? Como pode, se
Kham CONTINUA mimada, arrogante, teimosa, sanguinária, ninfo-
,
ma111aca ....?
Parece papo de cientista louco, mas isso tem a ver com a Teoria
da Relatividade de Einstein : tudo é relativo, TUDO mesmo! Até a
vi lania. Kham passou de vilã a heroína mesmo sem mudar nada em
seu íntimo, sua personalidade ou suas idéias - mudou apenas sua
relação com a Terra e o Império. Ora, até mesmo um paladino de
AD&D pode ser visto como vilão: ele não sai por aí clcslruindo
kobolds, goblinóides e demônios, mesmo quando eles não <.:onlell'
ram crime algum? Einstein tinha razão! A vilania é relativa.

Entenda a vilania

E com isso chegamos ao grande segredo da criação de um vi-


lão : a pura vilania não existe. Quando entender isso, você será capaz
de criar vilões muito mais convincentes.
Existe, sim, diferença de valores. O vilão luta por uma causa
"maior" - desde seu próprio conforto egoísta ou as vidas de uma
população inteira -, e por esse motivo ignora coisas importantes
para os aventureiros: família, sociedade ou até a própria existência
do planeta. Um "vilão" pode ser inteligente, honrado, honesto, sen-
sível... e mesmo assim vê a raça humana como uma praga que não
fará a menor falta!
Pense melhor sobre vilões bonzinhos e heróis maus ... ou vice-
versa!

Paladino
(com colaboração de Daniel Bernardo)

149
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Princesa Khan

Protagonista da série Outlanders, a princesa Kham tem sido um


espinho na vida de seu pai, o Imperador Quevas; já tinha idade para se
casar, mas era tão rebelde e teimosa que nenhum nobre na galáxia se-
quer pensaria em tê-la como esposa!
Um dia, entendiada, Kham resolveu acompanhar a expedição puni-
tiva que seria enviada para destruir os invasores do Planeta Sag rado -a
Terra. Desobedecendo ordens, como sempre, ela rumou para o campo
de batalha sozinha e usando apenas sua espada e armadura. Em meio
as ruínas de Tóquio ela se divertia matando soldados - quando encon-
trou Tetsuya Wakatsuki, um fotógrafo atrapalhado.
Naturalmente, Kham tentou matá-lo. Mas Tetsuya teve mais sorte:
não apenas sobreviveu, como também roubou a espada de Kham.
Enfurecida, mas também curiosa, Kham perseguiu e capturou Tetsuya.
No início o manteve como mascote, depois como amigo, e no fim aca-
bou totalmente apaixonada por ele.
Kham não se incomodava nem um pouco com o milhões de vidas
que seriam destruídas pelas naves imperiais - mas, por razões que ela
não conseguia entender, seu amado parecia "estranhamente aborreci-
do" com a destruição de todo o povo da Terra. Então ela resolveu pedir
ao pai para se casar com Tetsuya e assim decretar a paz entre os dois
povos.
Incapaz de aceitar outra maluquice de sua filha, o Imperador recu-
sou o pedido. Acostumada a ter tudo que queria, Kham ficou tão frustra-
da e fu riosa que resolveu iniciar um movimento rebelde contra o Império
Santovasku para proteger a Terra.
E assim, uma vilã é hoje nossa única esperança!

150
XXII
Que os céus nos acudam!
Muito bem, agora você tem deuses e regras
para os clérigos de Arton. Mas será que
você sabe jogar com wn clérigo?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 52

Clérigos e sacerdotes. Talvez os personagens mais complexos


e propensos a problemas e discussões em RPGs de fantasia.
Sou RPGista há pelo menos dez anos - muito antes que a pró-
pria palavra "RPGista" fosse inventada! Em te mpos recentes, revi-
rando minhas antigas fichas de personagens de AD&D, descobri que
já joguei com um montão de guerreiros, uma verdadeira guilda de
ladrões e quase um time de futebol de magos. Isso sem mencionar
os personagens multiclasse e subclasses como rangers, paladinos,
bardos ...
Mas só achei um clérigo.
Sacerdotes são personagens difíceis, por um motivo bem sim-
ples: falta de modelos. Quem aí consegue citar um herói clérigo da
literatura, cinema ou quadrinhos, em menos de 20 segundos? Para o
leitor desesperado, que não se lembrou de ninguém, um consolo -
l! U ta mbém não consegui . O único que me vem à lembrança é o bom
l! velho Frei Tuck, companheiro de Robin Hood. E mesmo ele não
tinha lá uma grande participação na história ...

151
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Mas, afinal, o que é um clérigo? Pelo menos em AD&D e outros


RPGs de fantasia medieval (incluindo GURPS Fantasy, Tagmar e ou-
tros), considera-se que um clérigo ou sacerdote seja um homem san-
to, cuja fé em sua divindade é tamanha que ele chega a ser agraciado
com poderes divinos (bênçãos, melhor dizendo) como recompensa
por sua dedicação. Na prática, eles são um tipo diferente de mago -
com a diferença que recebem suas magias dos deuses, e precisam
retribuir esses poderes cumprindo certos votos. Como suas magias
são menos ofensivas (voltadas para a cura e proteção), clérigos cos-
tumam ter habilidade com armas superiores aos magos. Apenas em
AD&D os clérigos são mais detalhadamente explicados: em GURPS
você vai encontrar alguma coisa sobre magia clerical em GURPS
Magia e na matéria "Panteão", nesta edição.
Sacerdotes são divididos (grosseiramente) em dois tipos: aqueles
que protegem e cuidam da vida espiritual de seus seguidores (NPCs,
na maioria dos casos), permanecendo em pequenas vilas ou cidades;
e aqueles que se aventuram para pregar a fé em sua di vindade ou
cumprir seus votos, que geralmente incluem combater o mal, trazer
socorro aos aflitos, proteger os inocentes e coisas assim. Estes cos-
tumam ser personagens jogadores.
Pena que, no momento do jogo, alguns se esquecem da verda-
deira missão. Na visão limitada de muitos jogadores (e até Mes-
tres!), um clérigo é apenas um guerreiro que faz magias-aquele cari-
nho com poder de cura que todo grupo precisa ter, para renovar os
Pontos de Vida dos outros personagens. O jogador chega, agarra os
poderes clericais com água na boca e imediatamente esquece sua
devoção a um ser superior.

História

Então o personagem resolveu devotar sua vida a uma causa


maior. Certo. Mas por quê? Ele apenas saiu da cama, viu um belo
amanhecer e disse: "serei um clérigo do sol"?
Algo deve ter acontecido ao personagem para que ele acredite
no deus ou poder que escolheu. Talvez ele tenha conhecido um grande

152
DICAS DE MESTRE II

paladino ou sacerdote e ficou impressionado. Talvez tenha recebido


uma visão (nem precisa ser uma visão verdadeira, apenas um pe-
queno engano que levou o futuro sacerdote a acreditar que teve uma
experiência sobrenatural). Ou então ele pretende continuar uma tra-
dição de família, tal como seu pai, avô, bisavô ...
Nem sempre alguém se torna clérigo por causa de um único
evento ou razão isolados. Pode ser que ele apenas tenha crescido em
contato com um ambiente ou uma verdade que o faz diferente, me-
recedor dos poderes divinos. Se você foi criado por animais em uma
floresta, longe da civilização, tem grande chance de se tornar um
druida ou clérigo da natureza.
Outra idéia interessante seria tornar o personagem um tipo de
"escolhido" - alguém descrito nas profecias da ordem, destinado a
realizar um grande feito. Suas primeiras aventuras seriam testes para
confirmar que ele é "o escolhido", ou treinamentos para sua verda-
deira missão. Neste caso, o Mestre deve ter algo grandioso esperan-
do pelo personagem (e também pelo resto do grupo), algo que traga
grandes conseqüências para o mundo. Para melhor ou para pior...

Motivação

Clérigos de divindades que pregam o bem (ou que, pelo me-


nos, NÃO pregam o mal) normalmente se tomam aventureiros para
combater o mal e a injustiça no mundo. Eles tentam seguir os
ensinamentos e feitos dos grandes heróis de sua religião, como são
descritos nas escrituras sagradas da ordem - ou então eles desejam
SER esses grandes heróis! Outros participam de aventuras para ter
certeza de que os interesses da ordem sejam mantidos ou protegidos
- como os sacerdotes de deuses da natureza, que vagam pelas flo-
restas combatendo aqueles que as destróem. Você vai encontrar
muitas idéias sobre as motivações de um clérigo na matéria
"Panteão".
Um verdadeiro sacerdote, seja bondoso ou maligno, raramente
pensa em si mesmo em primeiro lugar. Ele é dedicado a um poder
superior, um ideal mais importante que seu conforto ou sua própria

153
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

vida. O clérigo serve voluntariamente à sua igreja, seu rebanho e


seu deus. Ele acredita com firmeza nessa forma de vida, acredita ser
o instrumento de um bem (ou mal) maior. Pode até parecer uma vida
severa demais, mas um sacerdote que não atingiu esse grau de devo-
ção simplesmente não recebe poderes divinos. Eis porque nem to-
dos os padres de AD&D têm magias: a maioria deles são apenas per-
sonagens de nível O.
A menos que os ensinamentos de sua divindade sejam especí-
ficos sobre conseguir riqueza (um deus do comércio, por exemplo),
um sacerdote nunca vai acumular bens materiais. Um verdadeiro
clérigo da natureza nunca levantaria sua maça contra lobos ferozes
sem antes tentar uma solução pacífica. E um sacerdote que encontra
uma pessoa ferida pelo caminho nem pensaria em "guardar suas
magias de cura para mais tarde".
Muitos li vros-suplementos importados de AD&D para clérigos
como The Complete Priest's Handbook, Faiths & Avatars e Powers
& Pantheons - têm regras explícitas sobre como os sacerdotes de-
vem se comportar. C laro, muitos jogadores vasculham esses livros e
escolhem este ou aquele deus apenas porque dá poderes melhores:
em Forgotten Realms, os mestres devem ser cautelosos contra os
extremamente apelativos clérigos de Mystra (que também podem
usar magias de mago!) e de Horus-Re, um clérigo com TODOS os
poderes de um paladino e MAIS ALGUNS! Absurdo!
Escolher um clérigo da guerra só porque ele tem as melhores
armas e armaduras tornam o personagem mais vazio, sem graça. Ele
não luta apenas por lutar - ele luta pela glória de seu deus ! Para ele,
guerrear é mais importante que viver. Isso significa que o clérigo da
guerra sempre vai procurar oportunidades de combate, MESMO QUAN-
DO ESTIVER EM DESVANTAGEM! Será que o deus da guerra fica con-
tente quando um de seus clérigos é o primeiro a fugir do dragão que
ataca os aventureiros? Ou quando ele perde tempo revirando os bol-
sos do oponente caído enquanto ainda há inimigos pela frente? Como
se vê, alguns parecem não se lembrar desses detalhes ...

154
DICAS DE M ESTRE II

Bom Senso

As outras pessoas vêem os sacerdotes como sábios, conhece-


dores de muitas verdades reveladas pelos próprios deuses. Seria bom
que os personagens clérigos confirmassem essa crença- afinal, aque-
la "Sabedoria 18" em sua ficha de personagem não está ali por nada.
Um clérigo deve ser o membro mais sensato, razoável e comedido
do grnpo, aquele que pensa em todas as conseqüências de seus atos.
As pessoas acreditam que os servos dos deuses sabem o que
deve ser feito, o que é certo ou errado. Aos olhos do homem com um,
sacerdotes são li vres (pelo menos em parte) dos defeitos e i111pcrfci
ções possuídos pelos outros, os pecadores. Então é natural que o
povo procure por sua orientação, em busca de esclareci mento e rcs
postas que ele não consegue encontrar.
Magos sabem muito, é verdade, mas geralmente guardam sua
sabedoria para si mesmos. Além disso, o conhecimento arcano cos-
tuma ser compl icado demais para os não-magos. Já o sacerdote sabe
explicar os grandes mistérios da vida com palavras simples, que o
homem comum consegue entender. Na Idade Média real, os sacer-
dotes eram o receptáculo máximo do conhecimento e das tradições.
Eles reproduziam, guardavam e escreviam praticamente todos os
livros que existiam. Não eram apenas bibliotecários, mas autorida-
des no assunto. Quando alguém queria aprender a ler, seria um pa-
dre ou monge aq uele que ia ensinar.
Então, se um personagem jogador esquece seu papel como sá-
bio e educador e só quer saber de espancar monstros... bem, é quase
certo que os de uses vão abandonar esse infeliz a qualquer momento.

Cerimônias e rituais

Em jogos de fantasia, onde clérigos esconjuram mortos-vivos


e curam com rn.agia, os sacerdotes têm outros papéis, muitas vezes
esquecidos. Não importa a que deus pertença, qualquer sacerdote
(até mesmo um clérigo da guerra ou da morte!) tem o conhecimento
e autoridade necessários para realizar cerimônias e rituais simples,

155
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

não-mágicos: casamentos, batizados, graças pela colheita, rituais


fúnebres (para impedir que um morto retome corno morto-vivo) e
outros.
Esses rituais são muito importantes para as pessoas comuns;
sem eles, suas almas estarão à mercê dos espíritos malignos que
infestam o mundo, suas colheitas não serão satisfatórias, os casa-
mentos não seriam felizes e coisas do gênero. Um sacerdote não
poderia nunca se negar a realizar esses rituais! São oportunidades
únicas para propagar sua crença, para espalhar os ensinamentos de
seu deus.
E esses ensinamentos, aliás, deveriam ser a linha de conduta
do personagem. Lembro-me bem de um amigo cujo personagem
não cessava de citar "A Sabedoria"; apenas frases improvisadas de
acordo com a circunstância, mas que supostamente estariam escri-
tas no livro da ordem como se fossem "moral da história". Essa tal
"Sabedoria" não ajudava em nada, porque o clérigo só as menciona-
va DEPOIS que alguma coisa saía errado. Mesmo isso, assim tornava
o personagem muito mais marcante.

Armas e magias

Clérigos sabem usar algumas armas e costumam usar armadu-


ras e escudos (geralmente limitados por sua divindade), mas isso
serve para refletir a natureza protetora do sacerdote. O "clérigo-
padrão" de AD&o não pode usar armas cortantes ou perfurantes,
por serem mais sangrentas e agressivas (e esmagar a cabeça de al-
gum infeli z com uma maça não é agressivo? Ah, deixa pra lá!) .
Claro que há exceções, como o clérigo anão que não di spensa um
bom machado.
Embora saibam lutar melhor que os magos, clérigos-padrão
são protetores acima de tudo. Eles devem sempre tentar resolver
problemas de forma pacífica, sem ferir ninguém. Apenas quando
alguma coisa chega a ameaçar um inocente, ou aqueles que ele con-
sidera parte de seu rebanho, nesse caso o homem vira bicho! E le
prefere não entrar em uma briga, mas raramente foge de urna.

156
DICAS DE MESTRE II

As magias divinas também refletem o aspecto protetor dosa-


cerdote. Além de cura, clérigos são especialistas em magias de pro-
teção. Os deuses sabem como seus servos se arriscam para cumprir
suas missões, e por isso protegem seus escolhidos contra tais agru-
ras. Um clérigo com relativo poder é um personagem difícil de ma-
tar, seja com armas, magias, monstros, forças da natureza e coisas
assim . Um jogador astuto, capaz de fazer uso inteligente das magias
divinas, pode tomar seu personagem quase indestrutível, como se
fosse um avatar ou enviado dos deuses.
Bem... de certa forma, ele é.
Mas cuidado! Como já foi dito, um clérigo não deve pensar
apenas em si. Embora muitas magias sejam protetoras, ele não deve
guardar todas mesquinhamente para si próprio. Deve usá-las para
atingir um grande objetivo, que salvará vidas (não necessariamente
a sua) ou resultará em um bem maior. Se o guerreiro do grupo é
aquele com maior chance de derrubar o lorde demônio, então ELE
deve receber aquela última e preciosa magia de Proteção ao Mal que
resta ao clérigo.
Sacerdotes que se entopem com magias de proteção e depois
desafiam oponentes para "uma luta justa, de homem para homem",
certamente não terão muita aprovação de seu deus. Então, não fique
surpreso se suas magias protetoras subitamente sumirem durante o
combate ...

Superiores

Em cenários de fantasia, os deuses têm participação muito ati-


va nas tramas que envolvem o mundo e os personagens. Então, quem
melhor que um clérigo para motivar (positivamente ou negativa-
mente) essas participações? Um deus sempre pode aparecer pesso-
almente para castigar ou recompensar um sacerdote, de acordo com
o Mestre.
Mas é claro que os deuses são gente ocupada, têm outros afa-
1.eres além de advertir clérigos de 1° nível. Neste caso, será que um
clérigo pode ser rebelde "enquanto o deus não está olhando"? Ah,

157
DRAGÃO BRASIL ES PECIAL

mas tem um pequeno detalhe que todo mundo esquece; um sacerdo-


te não presta contas APENAS a seu deus - ele deve obediência a ou-
tros superiores aqui mesmo, neste m undo. A maioria dos clérigos
pertence a uma ordem, uma igreja; neste caso existe uma hierarq uia,
e ele deve seguir ordens, mandatos, mensagens e cartas de sacerdo-
tes com nível hierárquico maior. Este é um excelente recurso para
que o Mestre mantenha sob controle um personagem que está sain-
do da linha ...
Além disso, toda ordem religiosa tem um superior máximo -
muitas vezes conhecido como o sumo-sacerdote. Ele é o clérigo mais
poderoso daquele deus no mundo. Uma vez que os deuses não são
vistos pessoalmente (pelo menos não o tempo todo!), então o su mo-
sacerdote passa a ser o representante direto dos deuses! Qualquer
clérigo deve lealdade total e completa ao sumo-sacerdote. Trair ou
rejeitar suas ordens é o mesmo que desafiar o próprio deus: um clé-
ri go que faça isso perde imediatamente seus poderes.
Os supe riores de um c lé rigo são excelentes motivadores para
manlcr um jogador fiel à interpretação e evitar que ele use os pode-
res di vi nos de forma errada.

Clérigo é dez!

Muito mais poderia ser dito sobre como jogar bem com um
clérigo . Ou melhor, como se DEVERlAjogar - pois muito RPGista por
aí só consegue ver as vantagens e poderes dos sacerdotes, despre-
zando o verdadeiro sentido do j ogo: representar um papel.
Esse tipo de coisa é deplorável com qualquer personagem, mas
especialmente com clérigos! Com suas crenças e devoções, um sa-
cerdote tem potencial de interpretação formidável. Aqueles que co-
nhecem a saga de Dragonlance (q ue os deuses do RPG tragam essa
série para o Brasil !) sabem do que estou falando: ali temos Goldmoon,
uma sacerdotisa, no time dos heróis - e um dos mais memoráveis
vilões da história é Lord Verminaard, um clérigo. E não vamos es-
quecer que o arqui vilão supremo do mundo de Tormenta é nosso
conhecido Mestre Arsenal, o sumo-sacerdote da guerra !

158
DICAS DE MESTRE II

Dificilmente um guerreiro ou ladrão tem uma personalidade


ou objetivos tão definidos qu anto um clérigo. Sacerdotes têm justi-
ficativas muito boas para se aventurar, para andar em grupo mesmo
quando são poderosos e poderiam dispensar a ajuda de outros. Eles
seguem ordens de sua divindade, e isso basta.
Às vezes, as explicações simples são as melhores. Amém.

Rogério "Katabrok" Saladino


("Aquele-que-!ouva-o-Sen hor-no-cu mc-
da-m ais-alta-montanha")

159
XXI II
Morte
Nem sempre a morte dos heróis pode ser evitada.
Então, saiba como aproveitá-la!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 52

Todos os jogos de RPG, como hoje são conhecidos, não nasce-


ram do nada. Eles evoluíram a partir de um outro gênero de jogo: os
wargames - jogos de estratégia, com exércitos de miniaturas se en-
frentando em tabuleiros gigantescos, simulando terrenos e fortifica-
ções. O objetivo era sempre tomar posições estratégicas, conquistar
territórios e, sobretudo, liquidar o exército inimigo. Nada de inter-
pretar personagens, nada de faz-de-conta; apenas vencer o oponen-
te, corno em qualquer outro jogo.
Quando o RPG surg iu, em 1974, era natural que restassem al-
guns resquícios dos wargames. Agora não havia mais um outro jo-
gador do outro lado da mesa para controlar os "exércitos inimigos".
Havia o Mestre, que representava não só os inimigos, mas todos os
personagens ou criaturas a serem encontrados pelos jogadores. ·o en
tro do raciocínio do wargame - e considerando que as primeira!!
aventuras de RPG eram puramente baseadas em "matar-pilhar-dcs
truir" -, era natural que mestres e jogadores vissem uns aos outmM
como inimigos mortais. O objetivo dos jogadores era superar oM

160
DICAS DE MESTRE II

desafios impostos pelo Mestre - e o objetivo do Mestre era tentar


matar os personagens!
Um exemplo que reflete claramente esse raciocínio é o jogo de
tabuleiro Hero Quest, lançado no Brasil pela Estrela há alguns anos.
Servindo como uma introdução ao RPG, Hero Quest era na verdade
um wargame rudimentar. Um dos jogadores ass umia o posto de
Zargon, controlando as armadilhas e monstros da masmorra. O
Zargon pode até ser parecido com um Mestre de verdade, mas seu
objetivo não era apenas conduzir a aventura - ele real mente joga
para vencer, joga para destruir todos os aventureiros!
Hoje os tempos são outros. Com muitas opções além das anti -
gas masmorras, que compunham os únicos cenários disponíveis na
época do nascimento do RPG, jogadores e Mestres têm consciência
de que é preciso trabalhar em conjunto para ter uma boa aventura.
Mais do que oferecer desafios aos jogadores, o objetivo do Mestre é
oferecer diversão.
Mesmo assim, dentro de uma aventura, existe sempre um ou
outro momento crucial em que a vida de um personagem se encon-
tra por um fio. Sua vida está exclusivamente nas mãos de UMA pes-
soa. O Mestre.
O que fazer em um momento desses? Como o Mestre deve
lidar com a vida e a morte dos personagens j ogadores? Como apro-
veitar seu potencial dramático?

Nível de periculosidade
(ou qualquer nome técnico mais interessante)

Antes de decidir sobre matar ou não matar um aventureiro, o


Mestre deve ter uma coisa sempre em mente: o personagem é como
um filho para o jogador.
Construir um personagem consome tempo, esforço e imagina-
t;ão por parte do jogador; invariavelmente, e le acaba se apegando à
sua obra - e ficará ainda mais apegado com o transcorrer das aven-
turas, quando seu personagem coleciona façanhas espertas, heróicas
ou simples golpes de sorte ("Lembra quando cortei uma das cabeças

161
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

do Demogórgona?"). Quanto mais tempo de campanha o jogador


tiver com o personagem, maior a probabilidade de frustração e re-
volta caso esse personagem morra. O Mestre deve sempre conside-
rar esse fator quando determina o "nível de periculosidade" de sua
aventura.
Medir o nível de perigo da aventura e alertar os jogadores an-
tes de iniciá-la é uma boa maneira de evitar a frustração decorrente
da morte de um personagem querido. Quando uma aventura é muito
perigosa, avise o grupo antes ("Olha aí, uns dois ou três de vocês
podem morrer hoje!"). Assim, prevenidos, os jogadores podem es-
colher participar com personagens de menor importância - ou então
construir personagens novos especificamente para essa aventura. E
se mesmo assim eles resolverem jogar com seus personagens habi-
tuais, o Mestre estará isento de qualquer responsabi lidade.
Uma campanha com alto nível de risco pode exigir que os jo-
gadores tenham uma espécie de "banco de reserva". Caso ocorra
uma morte, o jogador escolhe outro personagem do "banco" e con-
1i11ua na campanha. Este tipo de estratégia era recomendada e utili-
í',adn no caixa básico de Dark Sun, um dos mais mortíferos cenários
para AD&D: s uas regras aconselhavam que cada jogador tivesse pelo
menos quatro fichas de personagens prontos.
Para saber qual o nível de perigo de sua aventura, o Mestre
deve "dissecá-la" com cuidado. Estude os monstros e seus poderes:
muitos podem parecer fracos em seus atributos, mas às vezes têm
algum poder especial capaz de matar ou incapacitar um persona-
gem. Um bom exemplo é o cocatriz, uma mistura de galo, lagarto e
morcego, descrito no Livro dos Monstros AD&D: o dono de seu ata-
que é ridículo (apenas ld3), mas o toque de seu bico provoca
petrificação!
Considere também a dificuldade da missão a ser cumprida. In-
vadir um covil de kobolds para resgatar um amuleto é, sem dúvida,
bem menos perigoso que atravessar o exército goblinóide de Thwor
lronfist em busca de informações. É preciso que o Mestre observe
cada ponto-chave de conflito no aventura para só então determinar
seu veredicto.

162
DICAS DE MESTRE II

Evitando a morte

Nem sempre, entretanto, o Mestre pode prever todos os peri-


gos da aventura. É normal esquecer pelo menos um ou dois pontos .
Além disso, os personagens podem tomar rumos inesperados que
levem a caminhos ainda mais arriscados. Nesses casos pode aconte-
cer o que poderíamos chamar de "morte ocasional".
A morte ocasional é quando um personagem morre em alguma
circunstância que poderia ser facilmente evitada. Figuras como um
guerreiro de 7º nível que consegue uma seqüência infeliz ao rolar os
dados contra cinco ores, ou um grande ladrão presenteado com uma
falha crítica ao tentar saltar de um prédio para outro ... ambos podem
ser vítimas da morte ocasional.
Embora esse tipo de coisa aconteça em campanhas realistas,
em campanhas herói cas isso deve ser evitado a todo custo. Imagine
o personagem de Bruce Willis morto pela prime ira rajada de balas
em Duro de Matar. Ou então Indiana Jones esmagado pela grande
bola de pedra logo no comecinho de Caçadores da Arca Perdida.
Ora, heróis são pessoas acima da média que se superam a todo mo-
mento e têm, principalmente, a sorte ao seu lado. No caso do RPG, a
sorte é o Mestre.
Se for preciso trapacear para evitar a morte ocasional de um
personagem importante, faça-o! Reduza bruscamente os Pontos de
Vida do monstro, ou troque-o por outro mais fraco. Vale até trans-
formar aquele sucesso decisivo do inimigo em falha crítica.
O mais importante é evitar que os jogadores percebam isso.
Esconda bem suas trapaças atrás do escudo. Proteja-os, mas não
diga nada. Se eles notarem que estão imunes a "mortes vulgares'',
você terá nas mãos um bando de loucos que saltam pelas janelas ou
sobre os prédios sem nenhum motivo!

Morte voluntária ou sacrifício

Em certos mome ntos, a morte pode ser interessante tanto para


o Mestre quanto para os jogadores. Como regra geral, se a morte de

163
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

um personagem acrescenta algo novo à campanha ou aventura, en-


tão ela é válida. Estas são as mortes heróicas, quando o herói se
sacrifica por um bem maior - e, embora muitos se esqueçam, os
heróis FAZEM esse tipo de coisa!
Qualquer jogador que toma a decisão de sacrificar seu perso-
nage m deve ser recompensado. Se um herói deu a vida para salvar
seus companheiros, ou tombou corajosamente em batalha diante de
um grande vilão que ele não tinha nenhuma chance de vencer, o
Mestre deve dar importância ao sacrifício. Do contrário, o jogador
ficará frustrado - e com razão.
Se a aventura terminar ali e ninguém nunca mais se lembrar de
"Ferrin, o guerreiro que venceu a batalha contra o Deus Serpente no
monte Mordmar", então o jogador terá motivos de sobra para se
chatear. Mas, se o Mestre é atento, o "Lendário Ferrin" nunca mais
será esquecido. A morte e as façanhas de nosso guerreiro poderão
ser cantadas pelos bardos através de gerações e gerações. O próprio
monte onde ocorreu a batalha poderia receber o nome de Ferrin em
honra ao grande herói.
Agindo assim o Mestre estará recompensando o jogador, fa-
zendo com que seu personagem seja parte do cenário e da história
do mundo onde ele joga. Será gratificante para o jogador passar por
aquela montanha outra vez e reconhecer ali o nome de seu maior e
mais precioso herói.

A morte como punição

Sendo direto e pouco polido : às vezes jogadores são estúpidos.


Certos tipos preferem procurar sempre o caminho mais difícil e pe-
rigoso para realizar atos simples. Outros apenas têm certa fixação
por arranjar encrenca.
Geralmente isso ocorre quando o jogador acha seu personagem
invencível, tão poderoso que não pode ser derrubado por nada que
existe no Livro dos Monstros; ou então pensa que, em nome da diver-
são, o Mestre nunca vai matar seu herói por mais que ele se exponha
a riscos estúpidos. Nessas horas a morte pode servir como punição.

164
DICAS DE MESTRE II

Claro que mesmo uma "morte punitiva" não deve ser comple-
tamente arbitrária ou sem lógica ("um raio cai do céu e transforma
você em poeira'', gargalha o Mestre). É preciso uma leve dose de
sutileza. Se um encrenqueiro insiste em procurar briga na taverna,
deixe-o espancar o NPC mais inofensivo. O brigão vai se sentir o
máximo, contando vantagem para seus companheiros ... pelo menos
até a chegada do irmão guerreiro de 14° nível daquele NPC! Em
situações semelhantes já presenciei um elfo perder as orelhas ao
arranjar encrenca na rua, e um guerreiro ser crivado de flechas por
insistir em atravessar um território sitiado.
Nestas circunstâncias seja implacável. Não trapaceie nos da-
dos para favorecer o jogador. É preciso que o grupo saiba: atos estú-
pidos resultam em mortes estúpidas.

Ressurreição

Alguns RPGs, principalmente AD&D, apresentam a ressurrei-


ção como alternativa quando acontece a morte de um personagem
impo1tante. Por outro lado, se mal empregada, esta ferramenta aca-
ba vulgarizando a morte e tirando seu potencial dramático.
Justamente por acontecer raramente, a morte deve ter sua im-
portância preservada. Que valor teria o sacrifício do "lendário Ferrin"
se ele pudesse ser facilmente ressuscitado no dia seguinte? Então,
caso você queira usar a morte como ferramenta dramática, é preciso
dosar e limitar a possibilidade de ressurreição.
Tornar a ressurreição algo raro e/ou extremamente dispendioso
são boas alternativas, que podem transformar esta "simples" busca
em uma campanha completa. Talvez os heróis precisem lutar na are-
na para conseguir dinheiro e pagar o clérigo que devolverá à vida
um amigo querido. Ou talvez a ressurreição esteja nas mãos de um
único mago misterioso ("Aaaah, Mister M !"). As alternativas são
inúmeras.
Não elimine completamente a possibilidade de ressurreição.
Mas tente aproveitá-la sem desvalorizar a morte de um persona-
gem. Siga nossos conselhos com moderação e bom senso, adicio-

165
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

ne suas próprias observações e tenh a muito cuidado. Afinal, a vida


é urna só.

J. M. Trevisan
(esperando Star wars - Episódio!, mesmo
sabendo que no final o Darth Mau! morr... ops !)

166
XXIV
A interpretação do mal - II
Voltamos a um tema polêmico:
o uso de personagens jogadores malignos

Artigo publicado na Dragão Brasil# 54

Aqueles que acompanham esta adorável revista desde seu pri-


meiro ano devem se lembrar de um artigo publicado na edição de
número doze na hoje famosa seção "Dicas de Mestre". Não?
A matéria refletia sobre os aspectos morais e dificUldades de
jogar com personagens nitidamente malignos. A conclusão: só ex-
perimente se estiver REALMENTE preparado para isso. Ou seja, só
jogue com personagens maus se você tiver plena consciência de que
realidade e RPG são coisas completamente diferentes. Se você acha
que assaltar um banco é divertido no RPG e não vê maldade nenhu-
ma em tentar isso de verdade "qualquer dia destes", é melhor parar
por aqui e procurar uma leitura mais saudável e singela - como O
Pequeno Príncipe, por exemplo. Usuários de camisa de força tam-
bém deveriam seguir o mesmo conselho, pois ambos têm muito em
comum ...
Pensando nas pessoas normais e sensatas, resolvemos que se-
ri a interessante aprofundarmo-nos mais no tema e fornecermos al-
gumas idéias, ferramentas para que aqueles que pretendem interpre-
tar personagens malignos possam fazê-lo de maneira efic iente.

167
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Bem e Mal

MANIQUEÍSMO: Doutrina do persa Mani ou Manes (séc. J11)


que serviu de base para a criação de uma seita religiosa que teve
adeptos na Índia, China, África, Itália e sul da Espanha, segundo a
qual o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagô-
nicos e irredutíveis: Deus, ou o bem absoluto, e o Diabo, ou o mal
absoluto. Resumindo, o maniqueísmo d iz que existe apenas o bem e
o mal, sem meio-termo. É o famoso preto no branco, sem tons de
cinza. O que não é bom é mau, e vice-versa. Ponto.
Sabemos que a realidade não é assim. Não é como em quadri-
nhos de super-heróis ou desenhos animados, onde cada um precisa
necessariamente ser herói ou vilão, "do bem" ou "do mal". Não exis-
tem pessoas totalmente boas ou totalmente más - todos temos um
pouco de ambos. Na vida real, mesmo as pessoas mais sacanas têm
algo de bom. Só para citar um exemplo, um dos maiores assassinos
Sl'ii:tis dos Estados Unidos também trabalhava como palhaço, ani-
1111111do crianças cm hospitais.
C'faro que isso é vida real. Na ficção, nem sempre precisamos -
o u qucn;mos - ficar presos à vida real. Em filmes, quadrinhos e
RPG, o maniqueís mo é amplamente utilizado, uma forma fácil e con-
fortável de dividir todas as forças e criaturas em dois times.

Maniqueísmo e RPG

Em jogos mais modernos - como Kult, Trevas, Vampiro e seus


derivados - não percebemos tanto a presença maniqueísta. Claro,
você sabe exatamente quem são seus inimigos (o Sabá, a Wyrm, a
Tecnocracia... Whatever), mas HÁ exceções.
Em Vampiro, por exemplo, existem os membros da Camarilla
(aqueles normalmente destinados a personagens jogadores) e do Sabá
(os inimigos). A Camarilla é vista como sensata e ponderada, bus-
cando a ordem, preservando o que resta de sua humanidade - en-
qu anto os Sabás, totalmente caóticos e desumanos, se opõem a isso.
O que não significa necessariamente que a Camarilla seja "do bem"

168
DICAS DE MESTRE II

e o Sabá "do mal", eles são apenas antagonistas. Um vampiro parti-


cular da Camarilla pode ser dez vezes mais cruel e desumano que
um membro do Sabá, por exemplo. E mesmo membros do Sabá po-
dem ter justificativas plausíveis para seu comportamento tido como
anormal.
Já o jogo AD&D, mais antigo, é basicamente maniqueísta. Seu
tema sempre foi a luta do bem contra o mal - quem conhece
Dragonlance, por exemplo, sabe exatamente do que estamos falan-
do. Para seus jogadores existem apenas personagens "heróicos" como
clérigos, paladinos, magos e outros que lutam pelo bem. Até os la-
drões aventureiros passaram a ser "do bem" . Magos necromantes,
vampiros, demônios, ores e monstros em geral são proibidos para
jogadores: eles serão sempre antagonistas, e apenas o Mestre pode
controlá-los. "Mas eu podia ser um guerreiro humano maligno", al-
guém sugere. Não, porque em AD&D existem também as tendências
(ou alinhamentos): ordeiro, caótico, bom, neutro e mau, em combi-
nações diversas. De modo geral, personagens jogadores costumam
a ser "ordeiros" e/ou "bons"; os " maus" são rejeitados pelo Mestre.
Mas por quê? Afinal, se o maniqueísmo não corresponde à vida
real, por que cargas d' água um jogador consciente não pode ter um
personagem maligno?

O mal é encrenca!

Mestres costumam proibir personagens jogadores malignos,


geralmente baseados em conselhos dos livros de AD&D. Mas, além
dos problemas sobre estarem ou não preparados para isso, alguns
não conhecem exatamente a razão. E não se trata apenas de ser bom
ou mau, certo ou errado. Trata-se de prejudicar a aventura - e isso
não vale apenas para AD&D, mas para qualquer outro jogo.
Um dos maiores problemas de um Mestre é manter o grupo
unido em um objetivo comum. Sim, claro que ele tem poder para
isso ("Vocês v ÃO seguir naquela direção porque NÃO TEM outro ca-
minho!"), mas se abusar desse poder os jogadores vão se sentir pri-
vados de sua livre escolha- e acaba a diversão. Narradores de Vam-

169
DRAGÃO BRASTL ESPECIAL

piro são especialmente atormentados por esse dilema: Mark


Rein•Hagen incentiva os jogadores a criar personagens únicos, com
sua própria história, personalidade e objetivos pessoais. Ok, fica
bonito, fica legal.. mas agora temos um Toreador que tenta se vingar
do Príncipe, um Nosferatu apaixonado por uma Sabá, um Gangrel
preso a um Tremere por um Laço de Sangue... E haja malabarismo
do Nan-ador para criar uma trama que coloque todos esses caras tão
diferentes indo na mesma direção. Problema dele, n é, tio
Rein•Hagen?
Provavelmente vocês já entenderam o recado. Personagens
heróicos trabalham juntos, colaboram entre si, têm objetivos comuns
(destruir monstros, proteger os fracos e inocentes, eliminar o mal...).
Personagens malignos só pensam no próprio bem-estar, só estão in-
teressados em seus próprios objetivos, e danem-se os outros. Então,
obviamente, é muito mais fácil para o Mestre condu zir uma aventu-
ra apenas com personagens do bem.
Dessa forma, o segredo para jogar com um personagem malig-
no é: colabore com o Mestre.

Objetivos iguais

Se um aventureiro é bom ou mau, isso não importa tanto para o


Mestre. Importa, isso sim, se ele tem interesses e objetivos iguais ao
resto do grupo.
Mas como um cara mau poderia querer a mesma coisa que um
bando de caras bons? Por que meu ladrão assassino ninja deveria se
importar em resgatar uma jóia preciosa para os clérigos de Lena, a
Deusa da Vida? Por que meu bárbaro colecionador de orelhas hu-
manas ajudaria a derrubar um governante tirano e libertar um povo
oprimido?
A primeira coisa é esquecer os estereótipos de vilões dos qua-
drinhos e desenhos animados - aqueles que estão sempre tentando
destruir ou atormentar os heróis, sem motivo nenhum, mesmo que
não saiam ganhando nada com isso. Patético! Só porque você é um
cara mau, não quer dizer que PRECISA combater ou destruir os caras

170
DICAS DE MESTRE II

bons (a menos que e les interfiram com seus planos, é claro). Na


verdade, mesmo sendo mau, você ainda pode ser um companheiro
fiel e prestativo.
A chave é dar ao personagem maligno um motivo, uma razão
para andar com os caras bons. Digamos que aquela tal jóia preciosa
seja, na verdade, um poderosíssimo artefato confiado ao templo de
Lena para ser protegido. Bem, talvez seu personagem seja um la-
drão contratado para roubar a jóia; neste caso ele acompanha o gru-
po de aventureiros e, no último instante, rouba o artefato e desapare-
ce. Mas para isso, antes ele teria que acompanhar o grupo e mostrar
lealdade - não apenas para preservar seu disfarce, mas também por-
que é mais vantajoso ter a ajuda de uma equipe.
Um bandido infiltrado faz exatamente o contrário do que se
espera de alguém maligno : tenta ser legal, aj uda sempre que preci-
so, e pode até salvar a vida de seus "companheiros" se a chance
aparecer. Tudo para ganhar a confiança de todos... até o momento
final , quando ele revela seus verdadeiros objetivos. Faça tudo direi-
tinho e você se diverte, o Mestre ganha mais material para trabalhar
a aventura, e os outros jogadores ganham um clímax e uma surpresa
extra naq uela missão que parecia ter sido bem sucedida.

Não tão mau assim ...

E já que estamos mesmo fugindo do maniqueísmo, uma outra


idéia seria dar ao seu personagem maligno um "lado bom".
Como fazer isso? Talvez você seja um assassino mercenário
contratado para matar o grupo, mas acabou se apaixonando pela
linda elfa arqueira que acompanha os heróis - ele não ficou bonzi-
nho de repente, mas encontra-se em um dilema e por enquanto vai
colaborar. Ou talvez você seja um cavaleiro honrado, um vilão de
palavra, e teve a vida salva pot um dos heróis; agora existe uma
dívida de honra, e você precisa acompanhar o grupo até ter a chance
de devolver o favor.
Nestes casos, não haveria problemas em ser um cara mau -
basta que não seja totalmente mau. Em AD&D , você poderia esco-

171
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

lher um personagem de tendência Egoísta (neutro e maligno): você


é egoísta e interesseiro, buscando seu próprio bem estar acima de
qualquer coisa (e tem coisa melhor que andar com clérigos e paladi-
nos capazes de curá-lo?). Ou você pode ser Vil (leal e maligno),
alguém maligno mas preso a um código de honra. Você geralmente
não mente, cumpre suas promessas e salda suas dívidas. Evite ape-
nas a tendência Cruel (caótico e maligno): este personagem é total-
mente mau, vilão até os ossos, e não tem absolutamente NENHUM
motivo para concordar ou colaborar com os heróis. Guarde este ali-
nhamento para os vilões de verdade.
Jogadores e mestres experientes e conscientes não encontram
problemas em usar personagens malignos - especialmente quando
eles acrescentam algo à campanha e não atrapalham o grupo. Tudo
depende da habilidade e boa vontade de todos. Mas uma coisa deve
ficar clara: que ninguém se atreva a esfregar este artigo na cara do
Mestre para que ele autorize personagens malignos. Não importa se
ele o faz por razões morais, pessoais ou práticas: o Mestre sempre
tem a palavra final.

J. M. Trevisan & Paladino

172
DICAS DE MESTRE II

Kilgan: um herói do Mal

Eis aqui uma sugestão para um personagem jogador maligno que


não vai contra os interesses do grupo, não vai trair seus colegas e nem
atrapalhar muito o Mestre ...
Kilgantargalogh foi um poderoso dragão verde de Arton, que desde
antes da Grande Guerra espalhava terror sobre Lamnor. Um dia, duran-
te uma caçada rotineira, ele atacou o que parecia ser apenas uma elfa
solitária. Na verdade era Glórienn, a deusa dos elfos, que visitava o
mundo como avatar. Como castigo, ela transformou Kilgan em um hu-
mano comum, sem poderes, guardando apenas lembranças (nenhum
conhecimento útil, somente algumas memórias, suficientes para lembrá-
lo de tudo que perdeu).
Kilgan ainda odeia e despreza todos os humanos e semi-humanos
- mas ele entende que agora é muito mais fraco e vu lnerável. Fazendo-
se passar por um aventureiro comum , ele participa de missões na espe-
rança de encontrar uma forma de voltar ao normal. Por enquanto, ape-
nas por enquanto, ele vai ajudar seus companheiros. Talvez decida poupá-
los quando recuperar sua forma de dragão. Talvez ...

173
xxv
Mascotes
Como dar bichos de estimação para seus heróis

Artigo publicado na Dragão Brasil# 55

Ash, Misty, Brok. .. com toda essa febre Pokémon, está voltan-
do à moda um tipo de herói que andava meio esquecido. O herói que
é um ser humano comum, sem grandes habilidades de combate,
magias ou superpoderes de qualquer tipo ... mas que conta com a
amizade de um animal ou criatura fantástica.
Especialmente nas décadas de setenta e oitenta, muitos astros de
filmes, quadrinhos e desenhos animados eram garotos que se torna-
vam amigos de algum bicho estranho. As variantes eram muitas: des-
de o antiqüíssimo Dino Boy (nos intervalos de Space Ghost) até a
clássica parceria com um robô gigante, como em Robô Gigante e
Frankenstein Júnior. Tínhamos também Os Herculóides, sobre uma
família tribal que tinha como bichos de estimação um dragão, um
rinoceronte blindado, um gigante de pedra e duas ... hã... amebas bron-
cas ou coisa assim. Ora, urna geração inteira de desenhos se baseava
em grupos de jovens detetives com alguma mascote mais ou menos
estranha, no melhor estilo Scooby-Doo. E como esquecer Gamera, a
tartaruga gigante esp ac ial matadora de monstros e amiga das
criancinhas? (Hmm... pensando bem, ISSO eu gostaria de esquecer... )

174
DICAS DE MESTRE II

Pena que poucos jogadores pensam nesse tipo de coisa ao cons-


truir seus personagens. Um companheiro animal pode tornar um herói
muito mais interessante e marcante (afinal, o que seria de Ash sem
Pikachu?), e também levar a situações memoráveis na mesa de jogo.
E além de um recurso extra para o jogador, uma mascote também
permite ao Mestre ter um controle maior sobre o personagem.
Existem dois tipos básicos de mascote para um personagem
jogador: um companheiro ou ajudante, ou um monstro poderoso.

Mascote menor: Gabrielle, escove o Argo!

No primeiro caso, o personagem jogador ainda é um herói com


suas próprias habilidades de combate- e o animal é apenas um aju-
dante ou companheiro. Em cenários de fantasia medieval, o exem-
plo mais típico são os magos e seus familiares: quem não conhece a
clássica figura do mago ou bruxa sempre acompanhado por um gato
preto, corvo, coruja, serpente ou outro bicho agourento? Em AD&D,
uma das mais básicas magias arcanas (de 1° círculo) chama-se Con-
jurar Familiar, e permite ao mago invocar uma dessas criaturas. Per-
ceba que os familiares são animais pequenos e pouco ofensivos, usa-
dos para tarefas menores como espionagem ou recuperação de obje-
tos. Um mago que usa seu familiar em combates não vai conservá-
lo por muito tempo ...
Existem, contudo, companheiros mais combativos. Entre os kils
oferecidos pelo suplemento Livro do Guerreiro está o Domador de
Feras, um guerreiro bárbaro fortemente ligado a um animal. A liga-
ção é tão poderosa que eles podem se comunicar mentalmente, e um
sempre sabe onde o outro está. O tipo exato de animal depende da
aprovação do Mestre, mas será sempre mais perigoso que um sim-
ples familiar: um búfalo, urso, lagaito-gigante, tigre ou até um grifo
ou dragão .
A maioria dos RPGs não tem problemas para lidar com masco-
tes menores. Em GURPS, um capítulo inteiro do Módulo Básico é
dedicado a animais, incluindo formas de possuir bichos treinados.
Em Storyteller, além dos clássicos animais carniçais dos vampiros.

175
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

o único título com regras claras para companheiros animais é Street


Fighter: o jogo de RPG. Ali existe o Antecedente Mascote, que pode
ir de 1 (um animal comum, manso e bem treinado) até 5 (um animal
único no mundo, ligado misticamente ao dono). E em 3D&T uma
mascote pode ser possuída simplesmente através de Vantagens como
Aliado ou Parceiro.

Mascote maior: chamem Godzilla!

O outro caminho para o jogador que deseja uma mascote é


muito mais ousado: você escolhe como personagem jogador uma
pessoa sem poderes, totalmente não combativa, mas com um amigo
monstro muito poderoso - a clássica fórmula "garotinho e seu
dinossauro". Veja bem, ele não PRECISA ser um garotinho; isso é
apenas um estereótipo comum. Pode ser qualquer pessoa normal,
sem poderes.
Esse não é um tipo de personagem muito comum em RPG. A
maioria dos jogadores prefere heróis que possuam seus próprios
poderes, em vez de assumir papéis de "heróis fracos" que dependem
de suas mascotes. Isso é uma grande bobagem, uma evidente inse-
gurança e falta de ousadia. Pokémon é a prova de como essa fórmu-
la pode ser atraente.
Infelizmente, poucos jogos têm regras eficientes para lidar com
mascotes MAIS poderosas que os personagens jogadores. Para GURPS,
na antiga revista Só Aventuras #7, apresentamos uma matéria sobre
monstros companheiros: a idéia se baseava em comprar um animal
ou criatura fantástica como Aliado, por um elevado custo em pon-
tos. O custo podia variar desde um diabo-da-tasmânia ou wolverine
(-20 pontos) até um tiranossauro (50 pontos) ou mesmo uma bionave
metaliana (350 pontos). Esse custo básico leva em conta uma par-
ticipação normal em aventuras (resultado menor ou igual a 9); para
um companheiro constante, que esteja sempre por perto, o custo é
triplicado. Havia também uma nova vantagem, a Ligação Natural,
que podia imitar a ligação sobrenatural do Domador de Feras de
AD&D (veja o quadro).

176
DICAS DE MESTRE II

Na maioria dos casos, o melhor mesmo é esquecer as regras.


Em Pokémon para 3D&T, por exemplo, usamos uma pontuação bai-
xa para os personagens jogadores e um único Pokémon inicial, sem
nenhum custo em pontos: a única forma de ganhar mais deles é em
campanha. Você NÃO pode construir seus próprios Pokémon ou
comprá-los com pontos. Acreditem, isso poupa todos de um monte
de problemas.
Em resumo: faça um personagem humano normal, sem pode-
res (qualquer RPG tem regras para isso) e peça ao Mestre para ter um
monstro poderoso. Faça algumas sugestões, mas deixe que ele faça
a escolha final - e não fique surpreso se o Mestre mostrar certa
generosidade inesperada, presenteando o jogador com um dinossauro,
dragão ou gorila gigante!
À primeira vista, pode até parecer apelação quando um jovem
limpador de estábulos ganha um dragão de estimação - mas na verda-
de esse jogador está mostrando um bocado de coragem. Afinal, sua
arma mais poderosa está inteiramente nas mãos do Mestre (acima de
tudo, o dragão ainda é um NPC), e ele nem sempre estará disponível.
Perceba que esse tipo de coisa só vai funcionar direito em gru-
pos experientes, nos quais existe confiança mútua: se o Mestre gos-
ta de "sacanear" seus jogadores e pretende sumir com a mascote no
primeiro minuto da aventura, isso não vai dar muito certo.

Prometo que vou cuidar dele!

O Mestre deve estar atento aos heróis desleixados com suas


mascotes. Note que alguns jogadores usam seus bichos como puro
recurso estratégico, apenas uma arma extra em combates - e não
deveria ser assim. É muito fácil escrever "pantera negra" ansiosa-
mente na ficha de personagem, anotando o dano de suas garras e
presas, mas esquecendo de dar-lhe um nome! Se você só lembra de
sua mascote quando os inimigos aparecem, o Mestre pode puni-lo
com a desobediência, fuga ou mesmo a morte do animal.
Se você quer a lealdade de um bicho de estimação, antes preci-
sa oferecer sua própria lealdade em troca. Não coloque seu animal

177
DRAGÃO B RASIL E SPECIAL

em perigo sem necessidade (afinal, um amigo leal assume os riscos


ele próprio). Insista que seu amigo também deve dormir dentro da
barraca, ou então durma com ele lá fora. Brigue com o taverneiro
que não deixa sua mascote entrar na taverna. E quando não estiver
fazendo nada, comece a escovar o pêlo ou crina do bicho. Mascotes
são excelentes para dar ao personagem um colorido extra, uma cole-
ção de chances para momentos dramáticos (ou engraçados).
E não custa lembrar uma coisa. Não importa quão bem treina-
da seja sua mascote, não importa quantos pontos você gastou para
possuí-la. Uma mascote será SEMPRE um NPC, um personagem do
Mestre. ELE decide os atos da mascote - incluindo sua decisão de
sumir para sempre quando seu dono insiste em lançar um texugo
sozinho contra um bando de trolls ...

Paladino

Ligação natural

Esta é uma vantagem para GURPS e 3D&T que serve para imitar a
ligação sobrenatural do Domador de Feras de AD&D.
Você tem uma ligação poderosa e sobrenatu ral com um animal ou
criatura. Os dois foram destinados um ao outro desde que nasceram.
Este animal jamais vai atacá-lo, e será capaz de sacrificar a própria
vida para proteger o companheiro - que, por sua vez, vai retribui r essa
proteção.
Se estiverem dentro do mesmo campo visual, vocês podem perce-
ber os pensamentos um do outro; são capazes de se com unicar sem
nenhum sinal aparente, e sem a necessidade de treinamento ou ades-
tramento. Fora do campo de visão, vocês podem apenas sentir emo-
ções gerais. Um sempre saberá em que direção e distância pode encon-
trar o outro, não importa quão distantes estejam.

178
XXVI
O peso da honra
Então você pegou -4 pontos em Código da Honra?
Ah, coitado ...

Artigo publicado na Dragão Brasil# 55

Assim como em GURPS, um personagem de Defensores de Tó-


quio - 3ª. Edição é feito com pontos. O jogador pode usar esses
pontos para comprar Atributos (Força, Habilidade, Resistência, Ar-
madura e Poder de Fogo) ou uma série de Vantagens especiais, que
mudam dependendo do gênero da aventura. Existem também as
Desvantagens, que - novamente como em GURPS - concedem pon-
tos extras para gastar.
Normalmente é permitido a um jogador possuir até três Des-
vantagens de qualquer valor. Até recentemente, todas elas valiam -1
ponto (aquelas mais "suaves", como Inculto, Má Fama, Monstruo-
so, Maldição ...) ou -2 (as mais graves: Assombrado, Devoção, um
Inimigo poderoso ... ). Existe uma única Desvantagem de -3 pontos,
gravíssima: Vulnerabilidade a Poder de Fogo, que apareceu na re-
cente Dragão Brasil Especial M egaman . Ela faz com que a Arma-
dura de seu portador tenha efeito mínimo contra TODOS os ataques
baseados e m PdF (os m ais freqü e ntes do jogo) . Toda s as
Vulnerabilidades funcionam melhor para NPCs poderosos, como fra-
quezas que os heróis precisam descobrir neles antes de enfrentá-los

179
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

cara a cara. De fato, até agora não ouvi falar de nenhum personagem
jogador que possua Vulnerabilidade a Poder de Fogo, mesmo para
pegar seus gordos -3 pontos.
Contudo, novamente em DB Especial Megaman, uma antiga
Desvantagem que ninguém queria foi modificada e ampliada: Códi-
go de Honra. Antes existia apenas um Código, no valor de -1 ponto.
Agora há uma lista com muitos códigos valendo -1 ponto cada, que
podem ser coletados e acumulados até um total de -4 pontos, con-
tando como uma única Desvantagem - a mais cara do jogo.
Como resultado, temos visto uma nova geração de persona-
gens entupidos com Códigos de Honra até o limite, unicamente para
agarrar aquele montão de pontos. E alguns mestres protestam: "Puxa,
-4 é muita coisa! O cara pega duas Desvantagens de -2 cada, mais
um Código de -4 e ganha mais 8 pontos para fazer uma máquina de
matar! Como posso manter o controle da aventura com personagens
assim?"
Não, senhores, -4 não é muita coisa. Separadamente, os Códi-
gos de Honra de 3D&T já são bastante severos: um jogador que re-
solve coletar quatro deles é um verdadeiro maluco, pois está ofere-
cendo grandes fraquezas para serem exploradas pelos inimigos - e
também um instrumento poderoso para o Mestre manter controle
sobre esse personagem. O j ogador acredita que, com seus pontos
extras, pode turbinar seu poder de combate e assim enfrentar quais-
quer problemas trazidos pelos códigos. Ele está muito, muito e1rn-
do ...
Infelizmente, alguns Mestres não sabem explorar os códigos
como se deve. Esquecem deles ou fazem concessões, e acabam
desconsiderando a Desvantagem - o que não é justo para os outros
jogadores, que construíram personagens mais equilibrados. Muitas
vezes o próprio Mestre se sente prejudicado, forçado a lidar com
personagens que ele acha fortes demais, e então põe a culpa nas
regras.
Pois bem. Hoje vamos ajudar esses mestres a entender como
um Código de Honra exagerado pode ser pior que um Inimigo de 40
pontos ...

180
DTCAS DE M ESTRE II

Afinal, o que é?

Um Código de Honra é uma forma de comportamento, uma


coisa que o personagem não pode fazer - ou deixar de fazer. Perce-
ba que não é apenas uma preferência ou tendência ocasional: o per-
sonagem NUNCA pode violar o Código, queira ou não. Isso é impos-
sível para ele, seja porque é um robô e as ordens estão gravadas em
seu cérebro, seja porque foi condicionado a isso por lavagem cere-
bral, seja porque teve uma criação muito rígida... não importam os
motivos. Não há testes ou rolagens de dados para isso. Um Código
de Honra NUNCA pode ser desobedecido. Ponto.
Isso exige, claro, que o Mestre esteja atento. Quando um joga-
dor tenta alguma coisa que vai contra seu Código, basta dizer que
ele simplesmente não consegue. Jogadores que insistem no e1TO, ou
que começam longas discussões com o Mestre sobre estarem ou não
infligindo seus códigos, são sérios candidatos a ter sua Desvanta-
gem confiscada- juntamente com o(s) pontos(s) que ganharam com
ela.
Existe uma única condição que permite a um jogador agir con-
tra seu Código: quando ele o faz por acidente. Afinal, ele não sabia
que estava fazendo algo proibido. Por exemplo, um herói que segue
a 1ª Lei de Asimov poderia destruir um monstro-robô e descobrir,
apenas tarde demais, que havia dentro dele um piloto humano - agora
morto.
Mesmo assim, ignorar a lei não é desculpa para violar a lei.
Um personagem que desobedece seu Código de Honra vai sofrer
algum tipo de trauma grave, a critério do Mestre, desde apenas tom-
bar inconsciente (seus PVs caem para zero) até perder um ponto em
um de seus Atributos básicos, ou mesmo morrer! Além disso, esse
personagem jamais poderia arriscar cometer o mesmo erro outra vez.
Então, nosso atormentado herói que matou o piloto nunca atacaria
outro robô, até ter certeza de que não existe um humano no interior.

181
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Código de combate

Nunca usar armas superiores às armas do oponente, nem ata-


car oponentes caídos ou em desvantagem numérica.
Este foi o Código de Honra original, que surgiu pela primeira
vez em DB Especial SF03 e sofreu uma ou duas modificações desde
então. Na antiga versão ele proibia o uso de armas - mas, uma vez
que em 3D&T usar armas ou deixar de usar não faz diferença algu-
ma, isso não tinha muito sentido.
Em vez disso, agora o personagem não pode usar recursos ou
certas vantagens que o oponente não possui. Se você tem Poder de
Fogo, e o oponente não, DEVE abrir mão de seus ataques à di stância
e lutar corpo-a-corpo. Se o oponente não tem uma Arma Especial,
você também DEVE guardar a sua. O Mestre pode decidir que qual-
quer outra Vantagem é desigual em combate.
Não atacar oponentes caídos quer dizer exatamente isso. Quando
um personagem chega a O PVs, ele não morre necessariamente -
apenas perde os sentidos. Então, você NÃO pode desferir o ataque
final que mataria o inimigo.
Quanto a não lutar em vantagem numérica, isso quer dizer que
você deve escolher um inimigo e lutar com ele sozinho e NÃO pode
aceitar a ajuda de seus colegas. Não, nada de cruzar os braços e
dizer: "Ok, não posso fazer nada para fazê-los mudar de idéia". Se
eles insistem em ajudar, você DEVE tentar impedir de alguma forma
- seja abandonando a luta, seja atacando-os se não houver outra
opção.

1 ª Lei de Asimov

Jamais causar mal a um ser humano ou, por omissão, permitir


que um ser humano sofra qualquer mal.
Quem leu um ou dois contos sobre robôs de Isaac Asimov sabe
como este Código pode ser restritivo. Robôs são mais fortes, inteli-
gentes e resistentes que os seres humanos. Então, para impedir os
robôs de dominar ou destruir os humanos, foram criadas as leis da

182
DICAS DE MESTRE II

Robótica. Elas eram levadas muito a sério, programadas diretamen-


te no cérebro positrônico de TODOS os robôs fabricados no mu ndo.
Em 3D&T, esse Código não precisa ser exclusivo de robôs. Para
um humano ou membro de outra raça, ele poderia representar um
forte pacifismo ou incapacidade total de ferir pessoas. Não parece
muita coisa, levando em conta que a maioria dos inimigos encontra-
dos na aventura são monstros ou tipo assim (na verdade, em cenári-
os onde humanos são raros, o Mestre deveria proibir esta Desvanta-
gem).
Mas preste atenção à segunda parte da lei: "ou, por omissão,
permitir que um ser humano sofra qualquer mal." Ora, isso quer
dizer que você não apenas é proibido de atacar humanos, mas tam-
bém DEVE salvar todos aqueles que estejam em perigo - INCLUINDO
VILÕES!! ! Na verdade, se um vilão humano é atacado por seus cole-
gas, você DEVE imediatamente tentar impedir!

2ª Lei de Asimov

SEMPRE obedecer ordens de seres humanos, exceto quando es-


sas ordens violam qualquer outro Código que você possua.
Se a 1ª Lei já era ruim, esta é pior. Diante das ordens de um
humano - qualquer humano, vilão ou não - você será um au tômato
sem vontade própria. Basta ao vilão dizer "pare" e você fica parali-
sado. Basta ele dizer "ataque seus amigos", e você se torna outro
inimigo a ser derrotado. E basta ele dizer "atire em sua própria cabe-
ça", que é o fim da linha para você.
Perceba que o humano nem precisa estar presente (dar a seus
colegas a chance de atacá-lo? Que tipo de idiota ele seria?). Basta
que você receba ordens dele por rádio, telepatia, ventriloquismo ou
coisa que o valha.
A única salvação para quem tem esse Código são os outros
códigos, porque eles têm supremacia. Se você segue o Código dos
Heróis e um humano ordena que recuse um pedido de ajuda, a or-
dem é ignorada (eis porque Megaman não precisa obedecer ordens
do vilão Dr. Wily). Um jogador pode tentar se apoiar em suas outras

183
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

diretrizes para recusar ordens humanas, mas nada de reinterpretar!


Não vale dizer "Sou um herói, e portanto não posso atacar meus
amigos como você ordena!" Não senhor! O Código dos Heróis não
diz nada sobre lealdade aos amigos ou coisa assim.

Código de Área

Nunca lutar em áreas urbanas ou rurais/ selvagens (escolha uma


das duas).
Sobre esse Código não há muito a dizer. Se estiver na área
proibida, você não pode fazer nenhum tipo de ataque - mesmo que
seja um ataque inofensivo, incapaz de causar dano. Pode apenas se
esconder, fugir... ou apanhar!
Ah, então vem aquele mago ou clérigo apelão e, quando come-
ça uma luta na área proibida, fica lançando magias para curar os
amigos ou aumentar o dano de suas armas. NÃO PODE!!! Você não é
apenas proibido de lutar, mas também de PARTICIPAR de lutas. Não
pode nem mesmo gritar: "Cuidado! Atrás de você!"
Note que este Código não faz muito sentido em cenários que
têm APENAS áreas urbanas (como um mundo cyberpunk) ou rurais/
selvagens (como a pré-história). Se é o caso, o Mestre pode proibir
a Desvantagem.

Código dos Heróis

Sempre cumprir sua palavra, sempre proteger qualquer pessoa


ou criatura mais fraca que você, e jamais recusar um pedido de aju-
da.
Tem muito jogador metido a esperto que agarra este Código
com unhas e dentes, pensando que é fácil ser herói. Graaande erro ...
Basta ver alguns desenhos animados antigos (Homem-Pássa-
ro, Space Ghost, Herculóides... ) para descobrir como um verdadei-
ro herói se comporta. Vem o vilão, implora por ajuda, jura que vai se
regenerar... e com isso atrai o herói para uma armadilha, coisa que o
espectador no sofá da sala já sabia há muito tempo. Você acha que o

184
ÜICAS DE MESTRE Il

herói foi boboca? Pois se pegou o Código dos Heróis, então para-
béns - você também é um boboca! Um herói NUNCA pode recusar
um pedido de ajuda, mesmo que venha da pessoa mais indigna de
confiança no mundo. E claro que os vilões se aproveitam disso o
tempo todo ...
O verdadeiro herói também tem palavra, ou seja, sempre cum-
pre suas promessas. Você prometeu que não ia fazer mal àquela ve-
lhinha assustada? Azar seu, porque era um demônio disfarçado. Pro-
meteu que iria até o local do resgate sozinho e desarmado? A chance
perfeita do vilão para dar fim à sua carreira. Manter a palavra não é
nada fácil...
Quanto a proteger qualquer pessoa ou criatura mais fraca que
você ... bem, isso inclui a maioria das pessoas (e animais!) que você
vai encontrar no decorrer da aventura. É bem parecido com a 1ª Lei
da Robótica. A estratégia favorita dos vilões é fazer um refém, ou
colocar algum inocente em perigo (derrubando prédios, incendian-
do carros ... ) para manter o herói ocupado, enquanto ele gargalha e
foge ... ou ataca!
Se um vilão é mais fraco que você, não quer dizer que deve
protegê-lo ou obedecê-lo. Mesmo assim, matá-lo em vez de levá-lo
às autoridades não seria lá muito heróico ...

Código da Honestidade

Nunca roubar, trapacear, mentir ou desobedecer às leis locais,


nem permitir que seus companheiros o façam.
Este é muito parecido com o Código dos Heróis, exceto pelo
fato de que você não precisa ficar salvando todo mundo ou correndo
por aí cada vez que alguém pede socorro. Na verdade, na maioria
dos lugares, as leis locais proíbem que cidadãos comuns (ou seja,
não policiais) tentem impedir crimes. Não seria engraçado? Um
poderoso personagem de 12 pontos chamando a polícia para pren-
der os ladrões de banco que acabam de passar?
Nunca roubar, mentir, trapacear ou violar leis é bem difícil,
mas pior ainda é seguir a segunda porte do Código: "nem permitir

185
DRAGÃO BRASIL ESPEC IAL

que seus companheiros o façam." Seria bem confortável cruzar os


braços e olhar para o outro lado enquanto seus colegas roubam um
carro para a persegu ição, certo? Nã-nã-nã. Caso seu grupo tente
qualquer coisa desonesta, você deve persuadi-los a mudar de idéia.
E se não conseguir, deve cumprir seu dever como cidadão honesto e
denunciá-las às autoridades. Sim, senhor!

Código do Caçador

Nunca matar (combater ou capturar, quando necessário, mas


nunca matar) filhotes ou fêmeas grávidas de qualquer espécie. Nun-
ca abandonar uma caça abatida. Sempre escolher como oponente a
criatura mais perigosa que esteja por perto.
Este apareceu na matéria "Aliens vs. Predator" (DB #52) e em
/lo/y Avenger # 1. À primeira vista parece o mais brando e menos
restritivo dos códigos, e por isso tornou-se logo o favorito dos joga-
dores caça-pontos. Mas, se deseja dar uma lição neles, o Mestre tem
muitos recursos para explorar...
Nunca matar filhotes ou fêmeas grávidas, certo? Nem precisa-
mos ir muito longe: em uma colônia de Aliens, uma Rainha-Mãe
estará SEMPRE grávida, e TODOS os Face-Huggers e Chestbursters
são filhotes. Claro, você pode combatê-los, mas não matá-los - e
perceba que reduzir alguém a O PVs não garante que ele vai ficar
apenas inconsciente. O Mestre decide quando uma vítima com O
PVs morre ou não.
Nunca abandonar uma caça abatida. Ou, na verdade, um opo-
nente derrotado. Se você venceu um inimigo, agora tem a obrigação
de levá-lo à justiça, ou empalhar sua cabeça como troféu, ou seja lá
o que for. Você NÃO pode simplesmente largá-lo ali - e, se o fizer,
deve recuperá-lo mais tarde. Hã? Ele caiu no abismo? Melho r co-
meçar a descer, vai ser uma longa viagem. Foi reduzido a mil peda-
cinhos? Se tiver sorte, talvez você consiga recolher todos antes que
a aventura termine. Foi levado pelos colegas dele? Trate de ir atrás.
(Lembram do trabalhão que o Predador do filme teve para recuperar
sua presa abatida, que havia sido levada pelos outros soldados?)

186
DICAS DE M ESTRE II

Sempre escolher a criatura mais perigosa?! Este é o pior! Sig-


nifica que, entre muitos inimigos, você só vai atacar o maior, mais
poderoso e malvado deles. Enquanto luta contra o hobgoblin, nem
pense em dar um tapinha sequer nos kobolds que estão enfiando
facas em suas costas. Além disso, imagine esta situação: o doutor
Wily sonindo calmamente diante de você, bem tranqüilo, sabendo
que você não pode atacá-lo antes de derrotar o robô de quinze tone-
ladas que está bem ali ao lado ...

Código da Derrota

Nunca se permitir ser capturado com vida e nunca aceitar a


derrota. Caso seja reduzido a OPontos de Vida (apenas em situações
de combate honrado, um contra um) ou capturado (em qualquer si-
tuação), você DEVE tirar a própria vida.
Outro Código que nasceu de "Aliens vs. Predator". Devia ser-
vir só para os Predadores ; não pensamos que algum jogador seria
louco o bastante para pegá-lo. Mas alguns foram!
Novamente, este pobre tolo crê que todos os pontos ganhos
podem garantir um personagem poderoso, que nunca será derrotado
- então não faz diferença ter este Código, certo? Ha, ha, ha! Saiba,
senhor suicida, que cedo ou tarde vai aparecer um inimigo NPC mais
poderoso que você (afinal, não custa lembrar, NPCs não precisam
pagar pontos por nada ... ) e dar-lhe uma sova. Então, em vez de aguar-
dar sua recuperação como as regras de 3D&T permitem tão bondo-
samente ... BANG ! Tiro na cabeça.
E tem mais. Você não precisa apenas ser denotado - pode ser
apenas capturado! Basta urna j aula suspensa, alçapão, laço, rede ou
raio paralisante para obrigar seu superpersonagem a desistir da vida.
Que vexame!
Alguns jogadores gostam de combinar este Código com a Van-
tagem Imortal (DB Especial MK4). Nenhum Mestre com um pingo
de bom senso deveria permitir isso.

187
ÜRAGÃO BRASIL E SPECIAL

A honra é tudo!

E aqui está. Uma série de estratégias para o Mestre que deseja


contra-atacar jogadores atolados em Códigos de Honra. Basta lem-
brar o mandamento máximo dos vilões: se um herói é poderoso de-
mais para ser derrotado pela força, use contra ele sua nobreza.
Depois disto tudo, temos certeza de que muitos jogadores vão
fugir dos códigos feito vampiro da cruz. Mas seria uma pena se to-
dos fizessem isso. Interpretar um herói honrado é muito mais diver-
tido e desafiador que ter um superpersonagem sem fraquezas. As-
sim é o paladino de Ao&o, que recebe grandes poderes divinos em
troca de um comportamento nobre.
Então, senhores, daqui em diante moderem seu apetite por có-
digos de honra. Caso contrário, como diz a Equipe Rocket, "prepa-
rem-se para encrenca... "

Paladino

188
XXVII
Como é bom ser looouco!
Como explorar melhor os personagens insanos

Artigo publicado na Dragão Brasil # 56

Não sem motivo, a loucura é tema constante em jogos de RPG. E


antes que os fanáticos e paranóicos de plantão se levantem em hordas
furiosas atrás de nosso escalpo (nota do Trevisan: o que não deixa de
ser uma piada particular, para quem me conhece... ), não estamos que-
rendo dizer que todo RPGista é invariavelmente louco (só alguns).
Dizemos apenas que a loucura, na maioria dos casos, fornece material
interessantíssimo para campanhas, personagens e aventuras.
Basta verificar como a insanidade se mostra presente em RPGs
diversos. No Brasil, o que temos de mais conhecido são os membros
do Clã Malkavian, de Vampiro: a Máscara. Como se a própria mal-
dição dos mortos-vivos não fosse suficiente, os vampiros deste Clã
também são insanos. Eles possuem uma ou várias Perturbações, um
tipo de enfermidade mental: quanto mais delas você tem, mais lou-
co você é. Perturbações não são exclusivas dos Malkavian - qual-
quer vampiro ou mortal pode acabar ganhando uma delas após um
trauma ou coisa assim.
Também conhecido no Brasil - embora ainda inexistente em
português - é o jogo Call of Cthulhu. Baseado na literatura de hor-

189
DRAGÃO BRASJ L ESPECIAL

ror de H. P. Lovecraft, este RPG clássico coloca investigadores do


oculto contra monstros cósmicos ancestrais que a humanidade não
deveria conhecer; tanto que, quando os personagens jogadores pre-
senciam cenas assustadoras demais, devem fazer testes para evitar a
perda de Pontos de Sanidade. Isso garante a maior peculiaridade de
Cal/ of Cthulhu: é o único RPG em que os personagens não ficam
mais poderosos, apenas ficam mais loucos !
Até recente mente, pelo menos no Brasil, o j ogo de fantasia
heróica AD&D não tinha lugar para personagens loucos. Fica até es-
tranho que um guerreiro novato, recém-saído de uma pacata aldeia
de camponeses, possa encarar zumbis e esqueletos sem sofrer ne-
nhum dano mental. Isso mudou com a chegada de Ravenloft - Do-
mínios do Medo , que trou xe consigo os Testes de Medo, de Horror e
de Loucura.
Não pode mos esquecer também as Verificações de Pânico de
GU RPS, capazes de reduzir qualquer personagem a uma ruína insana;
os c ientistas loucos de Dead Lands, um premiado RPG de faroeste
fantástico; ou até a singela Insanidade de 3D&T, pouco mais que um
efeito especial. Em quase todos os jogos existem horrores que a mente
não pode tolerar, e cedo ou tarde, um personagem jogador deve se
confrontar com eles.
Mas, quando isso acontecer, nada de lamentar! Interpretar um per-
sonagem louco pode ser a coisa mais divertida que você já fez na mesa
de jogo. Basta ver o sucesso que eles fazem quando aparecem em fil-
mes, TV e quadrinhos, desde a memorável atuação de Brad Pitt em Os
Doze Macacos até um certo Jamanta que andou circulando pelas nove-
las das oito (e até hoje, teimosamente, se recusa a mon-er.. .).

Louco, sim; idiota, não!

Vamos tomar um exemplo clássico de personagem maluco: o


Coringa, arquivilão do Batman e alter-ego de Rogério Saladino, nosso
parceiro no ramo da "assistência editorial" (isso existe?).
O comportamento daquele que é provavelmente o mais mortí-
fero vilão do rol de inimigos do Homem-Morcego já mudou algu-

190
DICAS DE MESTRE II

mas vezes - graças às mudanças de roteiristas, tão comuns no ramo


dos quadrinhos. Podemos, entretanto, destacar duas abordagens bá-
sicas: o Coringa interpretado por César Romero, no seriado dos anos
60, e o Coringa escrito por Alan Moore na célebre graphic novel A
Piada Mortal, editada e reeditada no Brasil pela Abril Jovem (se
você não conhece, corra até uma banca de revistas usadas e tente
encontrar algum exemplar; é imperdível!) . Agora vejamos: qual a
diferença básica entre as duas abordagens?
É mais simples do que parece. No seriado de TV, César Romero
e os roteiristas levavam ao pé da letra a alcunha pela qual o Coringa
foi sempre conhecido: "o Palhaço do Crime". Ali o personagem de-
monstrava uma loucura exagerada, quase cômica (aliás, como o se-
riado inteiro). Era como uma caricatura ambulante, saltitando por
Gotham City e pregando peças praticamente inofensivas, mais do
que cometendo atos vis.
Já em A Piada Mortal, Alan Moore nos mostra um Coringa
sarcástico, irônico e com períodos de lucidez assustadora. É um au-
têntico psicopata, um louco assassino, o lado negro que se esconde
no fundo de qualquer ser humano. Muito mais assustador.
Então, pelo menos sob o ponto de vista ficcional, temos dois
"tipos" de louco: o palhaço inofensivo e o psicopata perigoso. lnfe-
1izmente, ao jogar com personagens loucos, quase todo mundo es-
colhe o primeiro tipo - tanto que, em Vampiro - 3° Edição, os auto-
res fazem questão de fri sar que os Malkavian não têm nada de "en-
graçadinhos'', como todo mundo costumava encarar este Clã. Os
loucos inofensivos, estilo Freakzoid, podem até ser divertidos - mas
raramente conseguem fazer com que os outros jogadores levem sua
loucura a sério. No final das contas ele acaba se tornando o bobo da
corte do grupo, sempre em segundo plano, ou aquele chato que todo
mundo quer matar na primeira oportunidade.
A segunda abordagem, o louco psicopata, pode ser muito mais
interessante. Não apenas o Coringa, mas quase toda a galeria de
vilões do Batman - Duas-Caras, Charada, Chapeleiro Louco ... - é
composta por insanos, e nenhum deles do "tipo engraçadinho". São
todos loucos, mas não idiotas; são espertos o bastante para cometer

191
DRAGÃO BRASrL ESPEClAL

todo tipo de crime e ameaçar populações inteiras. Especialmente em


jogos de horror, um personagem louco pode ser muito mais assusta-
dor que qualquer outro. O Livro do Clã Malkavian é especialmente
precioso como orientação sobre isso.
Seu personagem pode ser louco, mas não necessariamente idi-
ota. Loucura e bobeira são diferentes. Lembre-se disso.

Louco? Eu? Euzinho?

Talvez a loucura mais assustadora seja aquela que não chama a


atenção. Nem todos que são loucos PARECEM loucos - a maioria,
inclusive, nem mesmo admite a própria loucura. Estes infelizes en-
xergam o mundo de forma diferente e distorcida, mas você rara-
mente vai convencê-los de que estão errados: conseguir esse tipo de
coisa exige tratamento psiquiátrico.
Apenas loucos exagerados como o Coringa aceitam ser cha-
mados disso. Todos os outros preferem dizer algo como "eu sou
normal; os loucos são eles!" Na verdade, no mundo real, muitas
vezes chega a ser difícil provar que alguém é mesmo louco - apenas
médicos devidamente autorizados podem fazê-lo. Ninguém pode ser
oficialmente tachado como louco apenas por ter um ponto de vista
diferente (se fosse assim, a vida seria ainda mais difícil para nós,
RPGistas ... ). Da mesma forma, muitas vezes uma pessoa absoluta-
mente sã pode ser julgada louca e ter grandes dificuldades para pro-
var o contrário - como Sarah Connor em Exterminador do Futuro 2.
Então, se você é um Malkaviano acreditando ser uma criança
de cinco anos, nunca diga "sou louco" e sim "quero sorvete!".

Insano progressivo

Também vale lembrar que, mesmo em RPG, poucos ficam lou-


cos de uma só vez. A loucura é progressiva, começa aos poucos e
vai piorando.
Você pode imitar esse comportamento adotando uma mania
inofensiva qualquer que se torna cada vez mais importante, freqüente

192
DICAS DE MESTRE II

ou intensa, até virar loucura real. Algo simples como rasgar papel o
tempo inteiro - não em fúria, mas caaalmamente. Em longas tiras,
da mesma espessura, me-ti-cul-lo-sa-men-te. Assim fazia o Sr.
Toomy, personagem da novela de Stephen King, Os Langoliers
(publicada aqui na coletânea Depois da Meia-Noite), que acabou
virando mini-série na TV americana e fita de vídeo no Brasil. Este
foi o modo que encontrou para controlar sua insanidade, mesmo que
não admitisse isso.
Correndo o risco de puxar ainda mais o saco do escritor predi-
leto do Trevisan, há um outro "insano progressivo" nas criações de
Stephen King que vale a pena ser comentado: Jack Torrance, o zela-
dor do Overlook Hotel de O Iluminado, interpretado por Jack Ni-
cholson no cinema. Ele começa a história como um pai de fanúlia
perfeitamente são. No entanto, quando ele começa a ser presenteado
com visões do tenebroso passado daquele hotel, vai afundando na
loucura- de forma lenta, gradual e quase imperceptível. A esposa e
o filho de Torrance só percebem o que está acontecendo com Jack
quando já é tarde demais.
A grande vantagem de esconder a loucura e tomá-la pouco per-
ceptível é pegar a todos de surpresa. Confiar em um personagem
jogador e de repente descobrir que ele é um psicopata pode ser o
maior susto que o grupo de jogo já experimentou.

J. M. Trevisan & Paladino

193
XXVIII
Apelões!
Saiba como lidar com estas pestes!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 56

O amante do RPG e leitor costumeiro da Dragão Brasil prova-


velmente já conhece os tipos básicos de jogadores, não é mesmo?
Não? Então vamos recordar...
Existe o RolePlayer, aquele que gosta de interpretar. Adora o
lado teatral do RPG, e não liga a mínima para poderes, armas mági-
cas, Pontos de Experiência e outras "recompensas" próprias para
turbinar o personagem. Ele daria um braço para ter aquele Nosferatu
de 15ª Geração que ninguém mais quer, porque enxergou nele um
enorme potencial dramático - ou apenas porque o achou divertido.
Temos o Estrategista, aquele que examina as coisas de forma
racional e matemática, tentando prever as ações do Mestre e reagin-
do de maneira adequada. Este é o tipo de RPGista mais antigo, "des-
cendente" dos adeptos de jogos de estratégia. Gosta de realismo,
sistemas eficientes, cálculos claros, regras que cobrem todas as situ-
ações. Para ele, as 250 páginas tamanho-gigante do GURPS Módulo
Básico são verdadeiras escrituras sagradas.
Já o Historiador não liga para teatro e nem para as regras - RPU
é um jogo de contar histórias, e é justamente isso que ele prefere.

194
DICAS DE MESTRE TI

Em vez de se preocupar apenas com seu próprio personagem joga-


dor, ele gosta mais de explorar o mundo fantástico onde vive, interagir
com esse mundo. Cenários cheios de elementos como o Mundo das
Trevas e Dragonlance são o paraíso para ele.
E, é claro, temos o fam igerado Advogado de Regras. É um
pouco como o Estrategista, um verdadeiro fuçador de livros; lê o
Livro do Jogador, do Mestre, dos Monstros, das Armas, dos Artefa-
tos, dos Guerreiros, dos Elfos ... todos ! Mas ao contrário do Estrate-
gista, que realmente aprecia o balé dos números e a música das re-
gras (hummm ... ficou meio gay, isso ... ), o Advogado quer apenas
colecionar argumentos para poder usá-los contra o Mestre na mesa
do jogo.
Embora muita gente ache o Advogado uma ameaça, não é bem
assim. Muitas vezes ele pode ser valioso, ajudando o próprio Mestre
quando esse tem alguma dúvida. O verdadeiro perigo aparece quan-
do surge sua "forma evoluída" (já que Pokémon tá na moda), igual-
mente temida por principiantes e veteranos: o Apelão.
O jogador Apelão (ou Overpower, Big Bill, Bandalha ... entre
outros) não só desenterra regras obscuras a fim de conseguir os mais
diversos benefícios, como também faz questão de ignorar as des-
vantagens trazidas pela regra escolhida. Seu objetivo é puramente
mostrar-se poderoso e invencível aos olhos do Mestre e dos outros
jogadores, custe o que custar.
Muitos mestres novatos - especialmente uma recente geração
de mestres de 3D&T - nos escrevem em busca de orientação para
lidar com estes tipinhos. Então vamos lá...

Corte pela raiz

Uma abordagem muito simples - mas eficiente - é cortar o mal


logo pela raiz. Se o Apelão usa como arma as regras obscuras, então
trate de desarmar logo o suje ito.
Todo RPG tem certa quantidade de regras, vantagens, desvanta-
gens, poderes... Alguns têm pequenas listas, outros exibem vastas co-
leções. É comum que um Mestre iniciante, ainda desconhecendo seu

195
DRAGÃO BRAS IL ESPECIAL

verdadeiro poder, acredite que TODAS essas opções podem ou devem


ser usadas. Isso é errado: não importa o que ilizem os manuais, um
Mestre sempre pode proibir ou permitir toda e qualquer regra.
Em 3D&T, por exemplo, certas combinações de Vantagens e
Desvantagens permitem criar personagens poderosos demais. Con-
tudo, isso só acontece quando você as coleta de cenários diferentes
(Street Zero 3, MK4, Darkstalkers, Megaman, Aliens vs. Predator,
Matrix, regras de magia ... ). Esse problema pode ser facilmente re-
solvido agrupando os personagens em "classes" (Street Fighters,
Kombatentes, Darkstalkers ... ) e permitindo para cada uma apenas
certas Vantagens e Desvantagens. Caso não exista na campanha ne-
nhuma classe ou coisa assim, apenas faça uma lista dos itens permi-
tidos e ponto.
Perceba que é melhor fazer isso quando os jogadores ainda
estão criando seus personagens; depois será tarde, e então o único
jeito será proibir aquele personagem apelão que o jogador teve tanto
trabalho para turbinar (oh, bem ... até que seria um castigo mereci-
do). Então, em vez de liberar todas as regras, benefícios, vantagens
e tudo o mais, você pode limitá-los quando eles ainda estão sendo
criados.
Durante as raras vezes em que jogamos Marvel Super Heroes
entre o pessoal da redação, certos heróis são vetados logo de cara:
todos já perdemos as esperanças de jogar com o Hulk, Thor, Surfista
Prateado ... Isso é feito simplesmente para não desequilibrar o jogo.
Personagens como esses são tão poderosos que podem resolver tudo
sozinhos, coisa um tanto frustrante para o resto do grupo - enquanto
o Thor desce o martelo na moringa do Superskrull, o Demolidor fica
ali jogando baralho com o Justiceiro e o Capitão América...
Em Vampiro: a Máscara, da mesma forma, a restrição mais
comum é limitar o número de pontos gastos no Antecedente Gera-
ção (o mais imperativo). Isso é mais ou menos o que se costuma
fazer em AD&D, onde o Mestre determina o mesmo Nível de Expe-
riência para todos os personagens jogadores. Logicamente este tipo
de medida depende da sua campanha; quanto maior a dificuldade da
aventura, maior deve ser o poder dos personagens.

196
DICAS DE M ESTRE II

Quando mestramos Vampiro, implantamos uma regra que (as-


sim acreditamos) não aparece no livro básico. Em vez de permitir a
distribuição normal de pontos em Habilidades, ficou estabelecido
que apenas UMA Habilidade poderia ter cinco pontos . A explicação
(ou a desculpa, se você preferir) é que pouca gente consegue ser
especialista em mais de uma coisa durante sua vida toda; Pelé foi o
maior jogador de futebol de todos os tempos, mas dificilmente seria
tão bom pilotando carros ou domando leões, por exemplo. Isso evita
aqueles detestáveis personagens "porrada pura", com Briga 5, Ar-
mas de Fogo 5 e Armas Brancas 5.
Embora seja das mais eficientes, esta tática deve ser emprega-
da com cuidado. Nunca é uma boa tolher demais as escolhas dos
jogadores, pois pode causar frustrações - e depois você fica aí se
perguntando por que ninguém mais quer jogar com você. Estude
bem seus jogadores, a aventura, o RPG que você está utilizando, e
proíba apenas o que achar realmente necessário para evitar futuras
apelações.

O juiz

Se existe um Advogado, então você - como Mestre - tem o


dever de atuar como juiz.
Em um tribunal, o juiz é sempre a autoridade máxima. Tudo que
um advogado faz é tentar convencer o juiz, citando argumentos, evi-
dências e leis; o advogado realmente talentoso é aquele que encontra
leis obscuras, esquecidas ou que permitem várias interpretações. Ape-
sar de sua autoridade, um juiz não pode tomar decisões violando a Lei
- pelo menos não o tempo todo, ou terá uma carreira curta.
Em RPG, o jogador Advogado faz algo parecido, lançando na
cara do Mestre apenas as regras que o favorecem naquele momento;
isso pode fazer o Mestre se sentir intimidado ou inseguro sobre vio
lar a Lei (neste caso, as regras do RPG em questão), perm itindo ns
sim as ações do Advogado.
Ora, se o Advogado de Regras conhece os livnis 11 f umlo, ~nlAn
faça o mesmo ! A grande arma doApelão é conlwt't'I ll'lll ll!I oh11t:11rn11

197
DRAGÃO BRASlL ESPECIAL

de que ninguém mais se lembra, e usá-las a seu favor. Além disso,


ele tem o estranho e útil superpoder de alterar regras desconhecidas
e torná-las mais, digamos... favoráveis a si próprio. Em nosso grupo
temos um jogador (ao qual vamos nos referir através do pseudôni-
mo "Chen", para poupá-lo de chacotas e galhofas posteriores) capaz
de criar um personagem de AD&D multiclasse guerreiro/mago/cléri-
go/ranger com "trocentos" poderes, e mostrar ao Mestre todas as
regras que lhe permitiram construir esta criatura esdrúxula e fora de
propósito.
O Mestre deve ter em mente que, conhecendo bem os livros
básicos (e uma dose generosa de suplementos também!) , sabendo
cada minúcia das regras, então difi cilmente será apanhado de sur-
presa. Lembre-se de que na m aioria dos RPGs existe uma preocu-
pação em manter o equilíbrio: boa parte das regras que propõem
benefícios ao personagem também trazem algum inconveniente ou
desvantagem - coisas que o Advogado costuma ignorar ou "es-
quecer".
Como quase tudo na vida, esta abordagem tem seus inconveni-
entes: além de dar ao Mestre o trabalho extra de ler e decorar as
regras de qualquer RPG, as aventuras tendem a ser tornar verdadei-
ras batalhas judiciais - nas quais jogador e Mestre desenterram li-
vros e livros para provar seus pontos de vista em uma discussão
infindável, que mergulha os outros jogadores em um pegajoso pân-
tano de tédio.
Oh, bem. Mesmo que não dê certo quando estiver mestrando,
você ainda pode usar o conhecimento adquirido para se tornar
Advogado de Regras na aventura de OUTRO Mestre. (Brincadei-
rinha!)

Porque EU QUERO!!!!

Quando tentamos explicar o RPG para alguém não familiariza-


do com o j go e precisamos dizer exatamente qual a função do Mes-
tre, costumamos dizer simplesmente que, na mesa de jogo, "o Mes-
tre é Deus". O que de certa forma é verdade.

198
D ICAS DE MESTRE H

Se o juiz é a autoridade máxima em um tribunal e precisa obe-


decer à Lei, Deus não precisa. Ele é autoridade máxima no universo
inteiro, e pode fazer o que bem entender tendo apenas seu próprio
bom senso como fator limitante. Este talvez seja o meio mais fácil
de lidar com Apelões; quando recebe uma regra obscura arremessa-
da na cara, o Mestre simplesmente liga seu campo-de-força e faz o
insidioso projétil ricochetear de volta, dizendo: "NÃO!"
Aqui o Mestre pode fazer o que quiser e ignorar os livros de
regras quando achar necessário. O Livro do Jogador AD&D diz
que a perícia Cavalgar é baseada em Sabedoria - coisa um tanto
estranha; então clérigos e druidas sabem cavalgar melhor que os
outros? Se um Apelão resolve se aproveitar disso apenas para criar
um sacerdote expert em montaria, o Mestre pode simplesmente
mudar a regra (baseando a perícia em Destreza, o que seria bem
mais lógico).
O Mestre NÃO precisa aceitar que elfos de três pernas ganham
acerto e dano máximo com rifles laser só porque algum livro diz
assim. Se ele achar que tal fato vai deseq uilibrar a campanha, causar
algum prejuízo em sua história ou dar munição aos Apelões, ele tem
todo o direito de ignorar a regra ou substituí-la por outra mais ade-
quada. Uma regra existe para auxi liar o Mest re a gerenciar a mesa
de jogo. Se você a julga desnecessária, ou se algum jogador a l'SIÍI
utilizando para obter vantagens sobre-huma nas, jogue-a 110 lixo .
Fazer isso pode parecer simples, mas não é. Nas mãos de Mes-
tres com menos experiência ou escrúpulos, o prejuízo pode ser in-
calculável. O Mestre despreparado pode cair no autoritarismo e tor-
nar-se uma espécie de "Mestre Apelão", um verdadeiro tirano, fa-
zendo-se parte do problema que estamos tentando solucionar. Basta
ter bom senso, comedimento e responsabilidade. Lembre-se de que
as liberdades tomadas pelo mestre têm dois objetivos básicos: equi-
librar o jogo neutrali zando personagens overpower e aumentar adi-
versão.
E quando tudo mais falhar, sempre existe aquele truque infalí-
vel contra personagens turbinados: examine sua ficha e depois pre-
senteie esse aventureiro com um inimigo NPC especial - um gêmeo

199
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

maligno com características, poderes e vantagens EXATAMENTE


IGUAISàs suas. Ou um pouco maiores, até ...

Paladino & J. M. Trevisan


(Mestre da sinuca e deus da caipirinha de vodka)

Você é um Apelão?

Responda estas perguntas e vamos descobrir que tipo de jogador


você é. Você pode marcar mais de uma resposta em cada q uestão.

1. Quando você está construindo um personagem, qual sua maior preo-


cupação?
a) Suas habilidades e poder de combate.
b) Seus atributos, perícias e bônus.
c) Preencher logo aquela ficha chata.
d)Sua história e laços com o cená rio do jogo.

2. Quantos RPGs você conhece para ser Mestre?


a) Um ou dois.
b) Cinco ou mais.
c) Quem disse que quero ser Mestre?
d) E precisa conhecer?

3. Ao construir um personagem, você pensa em coisa como:


a) "Será que consigo convencer o Mestre a me dar uma espada vorpal?".
b) "Deixa ver... Se eu fizer assim e assim, meu bônus será de + 18, e não
+17".
c) "Melissa não conheceu a verdadeira mãe e foi molestada pelo pai.
Que influência isso poderia ter em sua reação quando descobriu que
era um lobisomem?".
d) "Hum ... Nesta região não gostam de anões. Vai ser interessante ... "

200
DICAS D E M ESTRE II

4. quando seu personagem morre de forma injusta, você:


a) Xinga a mãe do Mestre.
b) Consulta o livro básico e só depois xinga a mãe do Mestre.
c) Desencana e vai assaltar a geladeira do Mestre.
d) Faz outro personagem, que era filho ou aprendiz daquele que morreu.

5. Em Vampiro: a Máscara, qual destes clãs você p refere?


a) Brujah ou Gangrel.
b) Tremere ou Giovanni.
c) Malkaviano ou Toreador.
d) Ventrue ou Nosferatu.

6. E em Ao&o, qual sua classe favorita?


a) Guerreiro.
b) Mago.
c) Paladino.
d) Ladrão ou bardo.

7. O que atrai você em um RPG?


a) Personagens poderosos
b) Regras realistas.
c) Personagens marcantes.
d) Um cenário rico.

8) Em sua opinião, o melhor plano para derrotar um dragão é:


a) Descolar uma espada +20 contra dragões.
b) Roubar um de seus ovos e fazer chantagem.
c) Blefar com toda a convicção.
d) Aliar-se ao maior inimigo do dragão.

9. Com que personagem você não jogaria de jeito nenhum?


a) Um kobold.
b) Uma tartaruga ninja.
c) Comigo não tem isso, topo qualquer parada!
d) Um bárbaro burro.

201
DRAGÃO BRASI L ESPECIAL

1O. Um filme que você viu e gostou:


a) "lndependence Day!.
b) "Coração Valente".
c) "Seven - Os Sete Pecados Capitais''.
d) "De Volta Para o Futuro''.

11 . Você gosta de conversar com outros RPGistas sobre:


a) Os itens mágicos que seu personagem tem, as criaturas que matou e
o nível que ati ngiu.
b) Seus engenhosos esquemas táticos e as reg ras opcionais que criou
para cobrir áreas pouco claras nos sistemas que joga.
c) O caráter de seus personagens e "causos" envolvendo os mesmos.
d) Os cenários de diferentes jogos e o desenrolar dos eventos na cam-
panha em que está jogando ou criando.

12. Seu maior defeito é:


a) Brigar com o Mestre sobre regras .
b) Brigar com todo mundo sobre regras.
c) Apegar-se demais ao personagem.
d) Recusar regras e personagens opcionais.

13. O que você acharia mais absurdo?


a) "Quê?! Meu guerreiro/mago/ninja/samurai/monge shaolin de 20° n í-
vel foi derrotado por um GOBLIN?!".
b)"Então, de acordo com esta regra , tenho 15% de chances de matar
um ser humano com uma BOLA DE PAPEL AMASSADO?!".
e) "Como assim, ele está me atacando?! Estou com uma arma na cabe-
ça da FILHA DELE!".
d) "Ei! Essa taverna não tinha sido destruída durante a Guerra da Lança?!".

14. Qual dessas séries de TV você prefere?


a) MacGyver.
b) Jornada nas Estrelas.
e) Arquivo X.
d) Todos as anteriores.

202
DICAS DE MESTRE II

15. Quanto ao sistema de regras, você acha importante que seja:


a) Mais flexível, com muitas regras opcionais.
b) Mais detalhado e realista.
c) Simples de aprender e fácil de jogar.
d) Apenas adequado ao cenário.

16. Seus videogames favoritos são:


a) Fighting games e jogos "de matança" (Street Fighter, Mortal Kombat,
Quake ... )
b) Jogos de estratégia (Sim City, Warcraft...)
c) RPGs (Final Fantasy, Baldur's Gate ... )
d) Games "com história" (Parasi te Eve, Metal Gear Solid, Xenoge-
ars .. . )

17. Um personagem com o qual você gostaria de jogar:


a) Wolverine.
b) Spock.
c) Fox Mulder.
d) Sir Lancelot.

18. O que você acha mais divertido?


a) Arrebentar as fuças do Lorde do Abismo.
b) Desenvolver a aplicar regras para combate em condições climáticas
diversas (chuva, neve, neblina, nuvem de gafanhotos ... ).
c) Desafiar um leprechaun para um concurso de piadas.
d) Descobrir que seu personagem é vítima de uma maldição de 5.000
anos.

19. Um livro que você leu e gostou:


a) Gosto mais de quadrinhos.
b) A Arte da Guerra.
c) Entrevista com o Vampiro.
d} O Senhor dos Anéis.

203
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

20. Para você, a aventura é um sucesso completo quando:


a) Seu personagem termina com mais itens, mais tesouros, mais pontos
de experiência e nenhum companheiro morto.
b) Seu plano brilhante levou o grupo à vitória, com baixas mínimas.
c) Seu personagem foi o centro das atenções, tenha sobrevivido ou não.
d) Seu personagem foi autor de feitos que serão cantados pelos bardos,
e terão influência em futuras campanhas.

Se você marcou mais respostas "b", você é um Estrategista. Se


marcou mais respostas "c'', é um RoleP/ayer. Se marcou mais "d", é um
Historiador. Mas se marcou mais respostas "a", você é um Advogado de
Regras com grande potencial para ser um Apelão. Toma jeito, cara!

204
XXIX
A conquista da fama
O Cavaleiro Negro: bastou uma
armadura invocada, e ele ficou famoso!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 57

Até que se prove o contrário, o heroísmo é a base do RPG. Um


vampiro que luta bravamente contra a besta interior a fim de manter
sua humanidade, um paladino em missão sagrada, um bombeiro que
arrisca sua vida por um inocente ... todos são heróis. Uma campanha
de RPG nada mais é do que uma seqüência de feitos heróicos que,
juntos, irão desencadear um feito ainda maior.
Todo jogador se sente satisfeito depois que seu personagem e
seus companheiros terminam de frustrar os planos do governante
malvado que dominava a cidade. E após a grande conquista os he-
róis são carregados nos braços, celebrados como os grandes salva-
dores que são, ganhando o reconhecimento eterno de todos os cida-
dãos, certo?
Nem tanto. Digamos que "eterno" é um termo não muito
adequado. Para falar a verdade, o mais provável é que ninguém
mais se lembre dos aventureiros quando eles retornarem à cidade
uma ou duas campanhas depois. Pode parecer injusto, mas ape-
nas realizar feitos heróicos não garante fama e reputação a nin-
guém - especialmente em mundos medievais fantásticos, onde

205
DRAGÃO BRAS IL E SPECIAL

aventureiros ex istem aos milhares e monstros são vencidos em


cada esquina. Do contrário, cada g rupo de aventureiros te ria
monumentos e estátuas em sua homenagem espalhados por todo
o continente.
Só são homenageados e lembrados para sempre aqueles que se
destacam. Aqueles que deixam sua marca. Ser herói não é tão difícil
no mundo do RPG; difícil é ser lembrado como tal.

Imagem não é nada? Hmm ...

O que fazer, então? Como fazer com que todas aquelas mis-
sões incríveis não sejam apagadas pelo tempo e esquecidas pelo
povo? Bem, temos aqui algumas idéias.
Como universitário recém formado em Publicidade (palmas para
mim! ) ta lvez eu esteja sendo influenciado pelas teorias aprendidas
na raculdade, mas creio que não é difícil imaginar um personagem
de RPG como um produto a ser divulgado. Ninguém fica famoso
sem um bom agente dando as dicas. Neste ca~o o agente é você - e
a estrela, seu personagem. Pense bem: se funciona para os astros de
Hollywood e do mundo da música, então deve funcionar para um
g uerreiro de quinto nível, não é?
Em primeiro lugar devemos pensar na imagem. Um guerreiro
normal com uma armadura velha e gasta dificilmente será lembrado
em anos posteriores, por mais nobres que tenham sido suas ações .
Pode não parecer, mas a aparência é importante.
Se você é um paladino ou um guerreiro, trate de arranjar uma
armad ura que demonstre todo o seu caráter e valor. Ela deve repre-
sentar seus princípios, seja você honrado ou maligno. Não é à toa
que todos se lembram do Cavaleiro Negro, por exemplo . Em uma
de nossas campanhas de AD&D, um dos j ogadores escolheu um guer-
reiro Dragon Slayer (matador de dragões, para quem não lembra),
usando regras da caixa importada Council of Yfyrms. Este kit obriga
o personagem a trajar uma a1madura com aparência de dragão (tipo
Cavaleiros do Zodíaco, mesmo !). Assim , à primeira vista qualquer
pessoa já podia saber que aquele não era qualquer guerreiro - e sim

206
DICAS DE M ESTRE II

um Dragon Slayer! Isso já seria suficiente para trazer certa notorie-


dade a qualquer mortal.
Ter armas mágicas também ajuda bastante - que o digam os
meninos de Caverna do Dragão. De preferência aquelas com efei-
tos espetaculares, pirotécnicos e devastadores. Uma faiscante lâmi-
na do Sol deve dar um bom resultado, assim como uma Vorpal ("Você
viu como Gunther cortou a cabeça dos três ladrões?"). Mas se o
Mestre é mão-de-vaca (como eu) ou você não teve a sorte de conse-
guir uma dessas, pelo menos arranje alguma arma grande e impo-
nente. De preferência com entalhes e palavras estranhas gravadas
na lâmina. Dar um nome para a arma também aj uda (Alguém disse
Excalibur?).
Magos também têm sua chance no mundo das aparências. Todd
Reynoldson dá uma porção de idéias interessantes em seu artigo
"Feats of Valor - How to be a Hero and Survive", publicado na
revista norte-americana Polyhedron em dezembro de 1992. Robes
impressionam, principalmente aqueles adornados com escritos
arcanos. Cajados trabalhados também. Por mais idiota que possa
parecer, a maioria das pessoas pensa duas vezes antes de mexer com
um mago portando um cajado que ao menos pareça mágico (sem
duplo sentido, rapazes!).
Quando se trata de feiticeiros, as pessoas tendem a associar
poder com idade: se seu mago é jovem, faça com que ele deixe cres-
cer uma barba - ela torna o personagem mais maduro. Quem ia acre-
ditar no poder de um mago com cara de backstreetboy? Espalhar pó
de cristal ou glitter pela roupa é outro golpe de mestre: vendo as
"fagulhas" que saem das vestes do mago quando ele se move, os
transeuntes desavisados tendem a imaginar que aquilo é "poder
mágico" exalando pelo corpo do feiticeiro ...
Claro, ladrões precisam ser mais sutis a esse respeito. Ao invés
de tomar sua aparência conhecida - o que inevitavelmente seria pre-
judicial a suas atividades ilícitas -, é mais inteligente associar seus
feitos a uma marca ou nome simbólico. Tellanni Dantallas, a ladra do
conto "O Paladino e a Ladra", é conhecida apenas pela marca que
deixa no local de seus assaltos: o desenho de uma cabeça de raposa.

207
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

Assim, Tellanni é apenas uma elfa entre muitas outras, mas a Raposa
(ou Q Raposa, como às vezes é erroneamente denominada) é uma das
ladras mais conhecidas de Arton. Deste modo, o ladrão pode ganhar
reputação e reconhecimento sem denunciar sua identidade.

Um herói: prove!

Imagem é importante, mas não é tudo. Nenhum herói constrói


sua reputação sem fazer absolutamente nada. Feitos heróicos legíti-
mos, além de ser o objetivo do personagem (assim esperamos), tam-
bém são extremamente necessários.
Nem sempre é a quantidade de boas ações que ajuda. O preten-
dente a "herói famoso" precisa realizar feitos realmente memorá-
veis e estrategicamente escolhidos. Um bom plano é escolher um
vil arejo (de preferência não muito isolado; é bom que existam algu-
mas cidades vizinhas para onde a notícia POSSA se espalhar) amea-
çadas conslan lcme nte por algo que atrapalhe o desenvolvimento e/
ou trantjüilidade do lugar. Algo como assaltantes goblins que moles-
tam os mercadores, ou um dragão que exige como tributo os tesou-
ros e as jovens mais belas do lugar. Exterminar uma dessas ameaças
é não só livrar o mundo de um perigo maligno, mas devolver paz a
uma comunidade inteira. Combinado com as estratégias indicadas
no tópico interior, este feito será lembrado por muitos e muitos anos.
Personagens menos nobres que queiram elev,a r seu status de
maneira rápida e eficiente também podem se utilizar de métodos,
digamos, mais escusos. Uma saída é espalhar boatos falsos sobre si
mesmo, contando com o apoio de membros da comunidade previa-
mente recompensados para sustentar sua farsa. Com o tempo muitos
poderão acreditar que seu kender é na verdade um terrível Dragon
Slayer! Por outro lado, um dia suas habilidades irão, indubitavel-
mente, ser postas à prova - o que pode acabar de vez com sua falsa
reputação, ou chutá-la até as estrelas caso você seja surpreendente-
mente bem sucedido. É uma opção arriscada, mas com certeza di-
vertida.

208
DICAS DE M ESTRE II

Regras para a fama

Às vezes as próprias regras do RPG fornecem meios para que o


personagem seja notório (ou não) desde o início da campanha. Em
GURPS, Reputação é uma vantagem a ser comprada com pontos da
mesma forma que Boa Fama em 3D&T. E há um kit de AD&D que
fornece 10% de popularidade por cada nível de experiência; já tive-
mos em nossa campanha um guerreiro de 20° nível, conhecido até
pelos esquilos que encontrávamos pelo caminho ...
Um cenário de AD&D que fornece regras específicas para este
tipo de coisa é o épico Dragonlance. Uma regra opcional pouco
usada determina, através da rolagem de dados, o status do persona-
gem a partir de sua criação. Algumas raças e classes têm bônus,
enquanto outras recebem redutores. Cada classificação tem suas
vantagens e desvantagens. Os que se interessarem e dominarem o
idioma inglês podem achar essa regra na página 95 do livro básico
da caixa Tales of the Lance; apesar de idealizado para Dragonlance,
com poucas adaptações o sistema pode ser utilizado em qualquer
cenário de AD&D.

Contra-indicações

Vale lembrar que ser famoso não traz apenas vantagens. Como
qualquer astro do mundo real, seu personagem deverá estar prepara-
do para aturar as desvantagens e intempéries da fama. Personagens
com reputação alta tendem a atrair seguidores, e nem todos são de-
sejados. Imagine um monarca que convoca um famoso grupo de
heróis apenas para deixar seu filho a seus cuidados - sustentando a
idéia de que, sob tutela de grandes e nobres aventureiros, ele tam-
bém será valoroso quando amadurecer! E a fama também traz ini-
migos, como rivais interessados em tomar seu lugar ou vilões pre-
tendendo destruí-lo com o propósito de elevar seu próprio status.
("Cuidado com Gorda!<. Foi ele quem matou Rollenn, o Puro!")
Para encerrar, vamos citar o RPG eletrônico Baldur's Gate, ba-
seado em AD&D - e já visto em edições anteriores da DB. Embora

209
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

não seja um RPG de mesa, mostra com perfeição como funciona a


reputação. No game, ela é medida de acordo com as ações do grupo
e do personagem principal. Uma reputação alta indica que você será
bem recebido na cidade, que os preços nas lojas e estalagens serão
mais baixos, e que as pessoas terão o maior prazer em fornecer in-
formações para ajudar em sua missão. Já uma baixa reputação vai
trazer sérios problemas, como guardas caçando seu grupo assim que
você põe os pés na cidade, caçadores de recompensa querendo sua
cabeça e transeuntes hostis a qualquer aproximação.
Então, lembrem-se: uma armadura +6 e uma espada vorpal
podem ser legais, mas ter boa reputação também ajuda!

J. M. Trevisan
(Vice-Campeão Mundial lnterclubes
e alviverde até a morte)

210
xxx
Bom senso
As regras são mais importantes
que um personagem coerente?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 59

O que é RPG? Se você preencheu planilhas e rolou dados algum


dia, com certeza já teve que responder essa pergunta para alguém -
e não achou nada fácil. Pois é, nós também. A melhor e mais simples
definição que encontramos até agora é esta: RPG é um jogo de faz-
de-conta, mas com regras. Isso resume tudo.
Todos já brincamos de fazer-de-conta quando crianças. Caubói
e índio, polícia e ladrão, casinha... e todos também lembramos o
tipo de discussão que invariavelmente costumava ocorrer durante
essas brincadeiras. "Eu sou mais forte que você!" "Eu atirei primei-
ro!" "Mas eu sou à prova de bala!" "Eu estava atrás do muro!" "Não
estava!"
Esse tipo de coisa acontece sempre que deixamos tudo a cargo
da imaginação - afinal, raramente duas pessoas imaginam a mesma
coisa da mesma maneira. O RPG tem regras para evitar isso. Os nú-
meros nas Fichas de Personagem dizem quão forte, ágil e resistente
é seu herói. Rolagens de dados dizem quando você conseguiu reali-
zar um feito ou não.

211
DRAGÃO BRAS IL EsPEC LAL

As regras também cuidam para que todos os jogadores tenham


personagens com poder equilibrado, sem que nenhum consiga ser
mais poderoso que os demais. O ideal é que cada herói seja eficiente
em sua especialidade, como acontece nos grupos de AD&D: guerrei-
ros usam armas, magos lançam magias ofensivas, clérigos curam e
lançam magias defensivas, ladrões agem sorrateiramente ... o grupo
funciona como um todo, sem que nenhum personagem sej a melhor
que o outro. Assim todos se divertem igualmente, ou pelo menos
têm a oportunidade de fazê-lo.
As regras também existem para resolver o que normalmente
não se consegue resolver: sem uma ação real. Como saber se uma
pedra vai ou não atingir o local que eu quero? Na vida real é fácil ,
basta jogar a pedra a ver. Mas em uma partida de RPG, a coisa pega.
Como decidir se o meu personagem, ou o personagem de outro jo-
gador, consegue acertar o alvo? É só usar alguma regra pré-definida
e pronto.
Nada disso é novidade (pelo menos acredito que não seja!),
mas leva a uma questão com que sempre me deparo: por que é que
alguns jogadores - seja durante a criação do personagem, seja no
momento do jogo - parecem dar mais valor às regras e menos ao
bom senso?

Guerreiro imortal ou faca com defeito?

Não existe um sistema perfeito. Nenhum RPG consegue abran-


ger com suas regras todas as situações que poderiam acontecer na
vida real (não senhor, nem mesmo GURPS!). O melhor que cada jogo
faz é mostrar regras próprias para aventuras em certos gêneros. AD&D,
· por exemplo, é um jogo de fantasia heróica. Embora um guerreiro
seja um humano "normal'', ele tem muitos Pontos de Vida para re-
fletir sua resistência e tolerância a ferimentos. Claro que isso leva a
situações que seriam absurdas na vida real, como o fato de ser im-
possível matar um guerreiro desses com um golpe de faca (uma
faca causa ld4 de dano: imagine quantos golpes são necessários
para matar um guerreiro com 80 pontos de Vida!) . Com certeza os

212
DICAS DE MESTRE II

autores do jogo sabem que isso não tem lógica, mas dane-se! Essa
regra é necessária para dar clima ao AD&D.
Da mesma forma, não existe jogo mais irreal que 3D&T - se
você está atrás de situações bizarras, este é o lugar. Um guerreiro
com Força 3 causa mais dano de mãos vazias que outro com uma
serra elétrica e Força 2. Um garoto com Poder de Fogo 5 armado
com pistola d' água é muito mais destrutivo que um guerrilheiro com
PdF 1 e um lança-granadas. O jogo foi feito assim por dois motivos:
para imitar os lutadores de mangá, anime efighting games (que con-
seguem causar dano em QUALQUER coisa que tenham em mãos!) e
para facilitar o aprendizado, eliminando a necessidade de tabelas de
armas. E com isso o realismo foi varrido para baixo do tapete.
Mas nem sempre o realismo é sacrificado de propósito - mui-
tas vezes existe mesmo algum defeito nas regras, algo que os auto-
res não previram. Em AD&D, usando certas regras (que NÃO vamos
revelar aqui, espertinhos), é possível causar mais dano por rodada
arremessando dardos do que com uma espada de duas mãos! E em
Vampiro, uma vez que o dano de socos e chutes é baseado em Força,
tanto faz se você é um nerd de computador (Destreza 1, Briga 0) ou
um tremendo artista marcial (Destreza 5, Briga 5): se ambos têm a
mesma Força, provocam o mesmo dano !
O problema: um monte de jogadores (e alguns Mestres tam-
bém, só para não ser injusto) revira o livro de regras à procura des-
sas regras, só para se aproveitar e fazer combos de magias, itens
mágicos, programas de hackers, equipamentos, material biônico,
Disciplinas e semelhantes. Eles criam personagens que são verda-
deiros absurdos, monstros capazes de matar Tiamat com um pé nas
costas antes do café da manhã, só para acordar de bom humor.
Esses jogadores recebem uma interessante coleção de apeli-
dos: Overpower, Bandalha, Big Bill e outros. Seu grande objetivo
parece ser ficar correndo atrás de certas combinações de regras para
fazer o seu personagem mais poderoso. Pior é que eles ainda tentam
defender seu comportamento, inventando vári as justificativas para
a existência de seus monstros: "as regras permitem", "tá escrito aqui,
na página 234 do livro XPTO ... " e coisas assim.

213
DRAGÃO BRASIL E SPECIA L

Tais jogadores esquecem o principal do RPG: Interpretação.


Pensar em como um personagem - em geral muito diferente de nós
mesmos - agiria diante de certas situações.

Não tão burro assim ...

Eis aqui um dos casos m ais clássicos da "Síndrome do Apro-


veitamento de Regras e Ignorância do Bom Senso": o jogador inte-
ligente que usa um guerreiro burro. Ele escolhe um personagem com
baixa inteligência e/ou uma série de desvantagens mentais (alguém
se lembra da receita Fúria+Sanguinolência+Sadismo em GURPS?).
Fazendo isso ele ganha pontos ou bônus para as habilidades de
combate. Até aí, tudo bem. Só que, durante o jogo, as desvantagens
mentais e o Q.I. de ostra do "guerreiro burro" são convenientemente
esquecidas! O jogador age com cautela, evita armadilhas, resolve
enigmas ... quando deveria estar fing indo burrice! Claro que nesses
casos o Mestre pode exigir testes de inteligência para cada boa idéia
que esse guerreiro burro apresenta - mas isso não seria necessário
se o jogador fosse fiel a seu papel.
Tempos atrás, quando eu mestrava uma crônica de Vampiro,
um jogador do grupo, queria substituir seu personagem costumeiro
- que ele usava desde que aprendeu a jogar - por um novo. Logo
percebi que esse personagem "novo" aproveitava muito melhor as
regras do jogo. Tinha níveis elevados nas Habilidades mais utiliza-
das, as Disciplinas e Qualidades mais úteis, tudo dentro das regras ...
só que não fazia sentido algum!
Teoricamente, era um estudante de Medicina. Mas sua Ficha
de Personagem era de matar de susto muito lobisomem por aí: forte
como Arnold Schwarzeneger, ágil como um jogador da NBA, com o
raciocínio de um computador, atirava melhor que todo mundo, vári-
as bolinhas em Armas Brancas, Briga e Condução. Medicina? Tinha
uma bolinha. E a qual Clã de vampiros ele pertencia? TREMERE, é
óbvio! Justamente os menos combativos de todos os vampiros (cu-
riosidade: o Livro do Clã Tremere reúne mais personagens sem Bri-
ga, Armas Brancas e Atmas de Fogo que todos os outros Livros dos

214
DICAS DE MESTRE II

Clãs). E ainda por cima com Taumaturgia 5, Sedução das Chamas -


o poder mais apelativo do Clã.
Por que, raios e trovões, os ponderados e racionais membros
do Clã Tremere mostrariam a menor intenção de Abraçar um verda-
deiro Rambo? E pior ainda, ensinar Taumaturgia - o maior e mais
precioso segredo do Clã - para um neófito que seria muito melhor
sucedido como um carniçal guarda-costas?
Esse jogador estava trocando o bom senso pelas regras.

Mas e o tal bom senso?

Ok, ok. Sabemos que seu personagem é um herói e tudo mais.


Sabemos que tudo é faz-de-conta, que estamos em um mundo fictí-
cio e nada precisa ser absolutamente realista - afinal, a gente joga
RPG para "dar uma escapadinha" da realidade, mesmo.
Mas precisa ter um pouquinho de bom senso, não acham?
Interpretar com lógica seria uma boa idéia de vez em quando.
Pare para pensar como seria sua ação na vida real, como seria o seu
personagem se ele existisse, mesmo que fosse em um filme ou dese-
nho animado (se esse for o clima do seu jogo).
Na Dragão Brasil, recebemos inúmeras cartas pedindo ou per-
guntando por regras para coisas totalmente lógicas, que não preci-
sam de regras para serem resolvidas . Já teve gente que perguntou
com é que se faz para jogar pedra! Isso sem falar nos sucessivos
"personagens desafiadores de 3D&T", criados por jogadores que
obedecem todas as regras (ou quase todas) com o único objetivo de
produzir máquinas assassinas.
Ora, não faz diferença alguma se o jogador seguiu as regras do
livro básico ou não. Quando surge uma aberração dessas no grupo
de jogo, o Mestre tem todo o direito de simplesmente proibir sua
presença. Tais jogadores deveriam pensar um pouco antes de criar
tais personagens-monstros - e, o que é pior, querer jogar com eles!
E a coisa não termina aí. Quem aí faz o personagem reclamar
de dor quando perde Pontos de Vidas? Durante a aventura,. o joga-
dor faz coisas que nenhuma criatura pensante faria, como alguém

215
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

que uma vez enfiou a mão em um lago de lava vulcânica. Esse joga-
dor (que vamos chamar pelo nome fictício de "Chen'', para poupá-
lo de chacotas) estava sofrendo de uma maldição, e nenhuma magia
funcionava com ele. O jogador teve o seguinte raciocínio: "se meu
personagem pode cancelar magia, ele irá cancelar o lago de lava
deITetida, já que ele é mágico". Ora bolas, ninguém faria tal coisa,
principalmente sem saber com certeza que poderia não sofrer nada.
Isso só aconteceu porque o jogador (e não o personagem) conhecia
um monte de regras de RPG.
Imagine um guerreiro de 12° nível desarmado e cercado por
quatro assaltantes armados com bestas. O que ele fará? Muitos diri-
am: "Como tenho 110 pontos de vida e cada flecha tira no máximo
6, multiplicado por 4 ... eles não vão conseguir me matar. Eu ataco!"
Uma pessoa de carne e osso jamais faria isso, mesmo um guerreiro
experiente! Da mesma foram, mesmo que as regras fossem favorá-
veis, um ladrão novato nunca tentaria bater a bolsa de um grande
guerre iro, acreditando que "ele deve ser de nível alto, então tem um
monte de itens mágicos ... "
Pergunte-se sempre o que seu personagem faria em dada situa-
ção, de acordo com o que ele sabe, vê ou imagina - e não de acordo
com o que VOCÊ sabe. Então o vampiro sabe que aquele mortal é
imune a poderes de Dominação, por isso seu primeiro ataque será
físico. Mas o personagem sabe mesmo disso, ou será que é você? E
como é que seu mago em AD&D sabe que, para derrotar aquela cria-
tura, só serve uma magia de Desintegrar? Será que o mago andou
lendo o Livro dos Monstros?
Basta lembrar que o melhor no RPG é participar de uma histó-
ria, uma aventura épica, dramática, divertida ou tudo isso junto. E
não desfilar personagens super-poderosos, vazios e sem sentindo,
mas que podem desferir quarenta e dois ataques em uma rodada de
três segundos...

Rogério "Katabrok" Saladino & Paladino

216
XXXI
Monstros com Inteligência
Quando combates com monstros começam
a ficar chatos, talvez seja hora de tentar coisas novas.. .

Artigo publicado na Dragão Brasil # 59

Como Mestre, você tem a missão de fornecer oponentes para


desafiar os personagens jogadores em suas aventuras. A maioria dos
RPGs oferece centenas e centenas de monstros para esse propósito,
muitas vezes em livros próprios conhecidos como "compêndios de
monstros" ou simplesmente "bestiários".
Advanced Dungeons & Dragons é campeão nessa categoria.
Além das mais de trezentas espécies listadas no Livro dos Monstros,
existem suplementos importados conhecidos como Monstrous
Compendium que trazem muitos outros. Não existe RPG com tantos
monstros e criaturas disponíveis quanto o AD&D.
Mas pense no seguinte: muitos escritores e roteiristas de ação,
aventura e horror utilizam apenas um tipo de monstro em suas histó-
rias - seres humanos. Mesmo sem as "trocentas" espécies de mor-
tos-vivos, golens e demônios que encontramos nos livros de AD&D,
esses autores conseguem criar ameaças capazes de entreter seu pú-
blico. Você nunca vai encontrar um tópico "vilão" em nenhum
bestiário; cada vilão humano (ou elfo, ou anão ... ) é único, com seus
próprios poderes, fraquezas, habilidades e magias. E uma vez que

217
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

vilões humanos costumam ser construídos com as mesmas regras


usadas para personagens jogadores, este é também o motivo pelo
qual podemos jogar GURPS mesmo que não exista no Brasil nenhum
bestiário para ele (mas que faz falta, faz!).
O que é preciso para tornar um vilão diferente de um humano
normal? Imaginação e inovação. Máscaras metálicas, vozes caver-
nosas e toda uma coleção de pequenas mudanças. Ora, se é assim,
o mesmo raciocínio pode ser aplicado aos monstros! Você não pre-
cisa utilizar ores, goblins e kobolds exatamente da mesma forma,
só porque eles aparecem assim em algum livro. Algumas mudan-
ças simples em seus monstros podem oferecer surpresas aos aven-
tureiros.

Variantes ambientais

A maioria dos monstros já existentes em cenários de RPG vi-


vem em algum tipo particular de terreno. Eles foram criados (pelos
deuses, pela natureza, por magos loucos ou seja por quem for) para
sobreviver melhor nesse tipo de ambiente, onde levam vantagem
sobre seus inimigos. Então, para ter um monstro inesperado, você
pode apenas removê-lo de seu ambiente natural - justamente onde
os aventureiros não esperam encontrá-lo. Quem imaginaria achar,
digamos, um demônio em uma selva de dinossauros?
O problema é que isso coloca o monstro em desvantagem, fora
de sua arena natural. Então, outro truque seria criar uma "variante
ambiental" - uma versão diferente do mesmo monstro, mas adapta-
da para aquele tipo de terreno. Não existem leões em lugares árti-
cos, mas no game Final Fantasy vm temos o snow-líon ("leão-das-
neves"). Você também pode dar novos poderes, habilidades e fra-
quezas ligadas a esse novo habitat: o snow-lion absorve ataques ba-
seados em frio (ele ganha pontos de vida em vez de perder) e pode
expelir uma baforada congelante, como um dragão branco. Os
Monstrous Compendium de AD&D trazem muitas variantes ambien-
tais de monstros tradicionais, como trolls-marinhos, tubarões-ter-
restres e outras bizarrices.

218
DICAS DE MESTRE II

Perceba também que uma variante não precisa ser sempre "am-
biental". Você pode pegar qualquer monstro já existente e mudá-lo,
fazendo com que ele não pareça ser o que é. Uma aparência incomum,
disfarces, habilidades especiais, armas, ferramentas, poder mágico
(o monstro não precisa necessariamente ser mago ou clérigo; ele
pode possuir uma magia como habilidade natural). Combinar pode-
res de vários monstros diferentes também funciona. Você ficará sur-
preso com a reação de seus jogadores quando eles encontrarem sim-
ples variantes sutis, como ores de pele azulada (lembram-se deles
em Holy Avenger, DB #45?), imaginando que tipo de novos poderes
e fraquezas eles podem ter.

Nomes diferentes

Quase todos os mundos medievais usam nomes-padrão para


monstros. Um dragão vermelho, por exemplo, será quase sempre
um réptil voador inteligente e maligno, capaz de expelir fogo pela
boca e lançar magias. Assim, quando ouvem falar em "dragão ver-
melho", os heróis já sabem o que esperar e começam a preparar suas
magias e itens mágicos de proteção contra fogo. Esse tipo de coisa
rouba um pouco a excitação da aventura.
Contudo, perceba que na vida real os animais têm nomes dife-
rentes em regiões diferentes. Muitos exemplos são conhecidos no
continente americano, onde certos animais existem tanto na Améri-
ca do Norte quanto na América do Sul, recebendo nomes distintos:
wolverine/carcaju, anaconda/sucuri, jaguar/onça-pintada... De fato,
os animais podem ter tantos nomes regionais que os cientistas prefe-
rem se referir a eles por seus nomes científicos, que são sempre
únicos. Felis concolor será sempre o mesmo bicho, não importa se é
também conhecido como puma, suçuarana, leão-da-montanha...
Em mundos medievais, um mesmo monstro pode ser conheci-
do por vários nomes diferentes - ou um mesmo nome pode ser apli-
cado a vários monstros diferentes. Essa simples providência pode
mudar completamente uma aventura, obrigando seus jogadores a
lidar com o inesperado. Muitos monstros medievais têm nomes al-

219
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

ternativos um tanto famosos (o beholder é também conhecido como


"observador" ou "h01Tor de muitos olhos"), enquanto outros têm
nomes locais incomuns ("Dra-co-lich? Ah, por aqui a gente chama
de coisa-osso!").
Vale lembrar também que os habitantes de uma aldeia ou vilarejo
podem não conhecer nada sobre monstros, exceto através de lendas.
Para eles, qualquer lagarto de grande tamanho vai parecer um dra-
gão - mesmo que não fale, não tenha asas e nem baforada. E lá vai
um bando de aventureiros mal informados rumo ao covil da fera,
esperando encontrar um grande tesouro de dragão, quando tudo que
existe ali é o ninho de um lagarto-de-fogo ...
Outro truque interessante é dar nomes individuais aos mons-
tros. Talvez o ogre que vive na caverna seja conhecido pelos aldeões
simplesmente como "o monstro da caverna". Melhor ainda, o mons-
tro pode ter um nome próprio: Jugranir, o Tenebroso, soa bem mais
dramático que simplesmente "elfo negro". Mudar os nomes vai man-
ter seus jogadores atentos, mesmo que eles conheçam o Livro dos
Monstros da primeira à última página.

Monstro único

Em mitos e lendas, muitos monstros são únicos. A medusa, o


minotauro e o pégaso da mitologia grega não eram tipos ou espéci-
es, criaturas que podiam ser encontradas ao acaso em certas regiões.
Eles eram seres únicos. Havia apenas um de cada.
Uma vez que os compêndios e bestiários trazem centenas de
criaturas, é muito pouco provável que você coloque TODAS elas contra
os aventureiros MAIS de uma vez! Então, mesmo que à primeira vis-
ta pareça desperdício, escolha algumas como monstros únicos (ou
um único bando daquele monstro). Em vez de várias esfinges, seu
cenário de campanha pode ter apenas A Esfinge - o que vai tomá-la
muito mais especial. E se ela for derrotada pelos aventureiros, dane-
se! Como já dissemos, você tem muitos outros monstros à disposi-
ção.

220
DICAS DE MESTRE II

Táticas especiais

Quase todos os monstros têm seus métodos costumeiros de ata-


car, adequados a seus poderes e habilidades. Os trogloditas, raça
guerreira de homens-lagarto, têm poder camaleônico, talento para
arremesso de lanças, e um óleo fétido que enfraquece os inimigos.
Então, quando atacam caravanas, o que eles fazem é esperar escon-
didos em desfiladeiros (usando sua camuflagem natural, que se con-
funde com as rochas), arremessar chuvas de lanças e então lutar
corpo-a-corpo com os sobreviventes, enfraquecendo-os com o óleo
fedorento.
Mas você pode, sim, usar diferentes técnicas de combate para
tornar seus monstros imprevisíveis. Talvez aqueles trogloditas vi-
vam em uma região florestal, onde sua camuflagem não funciona e
não se pode arremessar lanças de grandes distâncias; nessas condi-
ções, eles teriam que adotar outros métodos de caça.
Mortos-vivos cujo toque pode paralisar ou drenar energia não
assustam muito à distância, mas pense em alguns deles enterrados
no chão e surgindo sob os pés dos aventureiros! E quanto aos kobolds,
habituados a emboscadas e armadilhas? Talvez exista na região uma
planta alucinógena que induz os monstrinhos a ter grande coragem,
atacando abertamente qualquer intruso. Pode não ser lá muito efi-
ciente ou assustador, mas com certeza será inesperado!

Monstros demais

É verdade que AD&D oferece muitos monstros para escolher,


mas você não precisa usar TODOS eles. Na verdade, nenhum tipo de
mundo poderia sustentar todas as criaturas mostradas no Livro dos
Monstros, porque a maioria delas são predadores perigosos.
Se você estava prestando atenção às aulas de ecologia na esco-
la, deve se lembrar de algo chamado "pirâmide alimentar" . Na base
da pirâmide temos vegetais, acima delas os herbívoros, e mais aci-
ma, os carnívoros. Herbívoros existem em quantidade muito maior
que os carnívoros, porque do contrário não haveria presas suficien-

221
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

tes para alimentar os predadores. Na África, um território onde pas-


tam grandes bandos de antílopes, búfalos e girafas sustenta apenas
uma família de leões. Então, um mundo lotado de feras que aguar-
dam para atacar e devorar aventureiros não faz muito sentido.
A Terra já teve sua época de monstros - a Era Mesozóica e seus
dinossauros. Durante os milhões de anos em que eles dominaram o
mundo, os mamíferos eram pequenos como ratos e viviam sempre
escondidos. A raça humana só teve condições de aparecer e se de-
senvolver muito depois da extinção dos dinos. Então, em um mundo
infestado de predadores mais perigosos que o homem, seria bem
difícil surgir uma civilização medieval ou de qualquer outro tipo.
Existe também a questão da seleção natural. Digamos que em
seu mundo existe um grande rato amarelo que diz "Pi-ka-chu", ca-
paz de emitir descargas elétricas como forma de ataque. Esse é um
bicho que gato nenhum teria condições de caçar. Bem, bem ... o que
iria impedir esse monstrinho de se reproduzir sem controle, toman-
do o território e alimento de todos os outros ratos, e levando-os à
extinção? (Provavelmente foi esse o fim de toda a vida animal no
mundo dos Pokémon ... )
Por esses motivos, você deve limitar a quantidade depredado-
res. Os monstros mais perigosos devem ser também os mais raros.
Isso não só vai fazer seu mundo mais lógico e realista, mas também
tomar seu encontro com os aventureiros mais interessante. Do con-
trário, lutar com monstros fica vulgar e enjoado.
Afinal, quando alguém deixa de dizer "Cuidado! Um dragão
azul !" e diz "Oba! Azul! É a única escama que falta em minha cole-
ção!", isso é sinal de que alguma coisa está meio esquisita ...

Paladino

222
DICAS DE MESTRE II

O grifo morto-vivo

Agora vamos pegar uma criatu ra simples, bem típica em mundos


medievais - o grifo -, e transformá-la.em um monstro único seguindo
algumas dicas deste artigo.
Nas Montanhas Sanguinárias de Arton vivem comunidades huma-
nas de bárbaros que, para sobreviver, adotam como animais de caça e
montaria certos monstros locais. Uns poucos guerreiros e caçadores
ficam tão ligados a seu companheiro que suas almas passam a ser
uma só.
Diz a lenda que uma dessas tribos tinha como animal companheiro
o grifo- criaturas com corpo de leão, cabeça, garras e asas de águia. Ali
vivia uma caçadora que amava seu animal como nunca nenhum grifo foi
amado, com uma adoração que não podia ser igualada nem mesmo
pelo mais devotado cléri go. Um dia, durante uma caçada, ambos foram
emboscados por uma expedição de mercenários que veio às Sanguiná-
rias caçar monstros. A guerreira foi morta e seu grifo, Kaska, capturado.
Os caçadores planejavam vender sua valiosa presa no mercado de
Vectora por um alto preço. Mas, durante a viagem , o animal ficou doente
e morreu - aparentemente de pura tristeza. Frustrados, os caçadores
apenas esfolaram sua pele (que ainda podia ser vendida por um bom
preço) e deixaram a carcaça para os abutres.
Semanas depois, a meio caminho do Reinado, os caçadores foram
atacados e mortos por uma criatura voadora putrefata. Kaska havia
retornado. Como morto-vivo.
Kaska tem quase os mesmos Atributos, Velocidade, Poder de Vôo,
Ataques e Dano de um grifo, combinados às Fraquezas e Imunidades
de um morto-vivo. Ele percorre o mundo atacando e matando grupos de
caçadores, sejam bons ou maus. Alguns aventu reiros afirmam ter en-
contrado e destruído a fera, mas relatos posteriores dizem que ela con-
tinua ativa. Caso isso seja verdade, estudiosos teorizam que Kaska só
poderá ser realmente destruído se os restos mortais de sua companhei-
ra sejam encontrados e devolvidos à vida.

223
Glossário

Este glossário deve familíarizar o não-jogador de RPG com os


títulos dos jogos mais conhecidos no mercado (muitos deles citados
ao longo deste livro) e também com muitos termos de jogo empre-
gados pelos RPGistas.

3D&T: Defensores de Tóquio - 3ª Edição; RPG em que os jogadores


fazem o papel de heróis poderosos, baseados em mangá, anime de
videogames; para jogá-lo é preciso possuir o Manual 3D&T ou as
revistas Dragão Brasil Especial 3D&T.

AD&D: Advanced Dungeons & Dragons; jogo de RPG em que os


jogadores fazem o papel de guerreiros, magos, clérigos, ladrões e
outros aventureiros, combatendo monstros e conquistando tesouros
em mundos medievais. Atualmente o jogo está extinto, substituído
por uma nova versão, o D&D - 3ª Edição.

ANJOS - A CIDADE DE PRATA: RPG de horror; regras para persona-


gens anjos e seu mundo, a Cidade de Prata; compatível com Trevas.
ARKANUN: RPG de horror medieval; os jogadores fazem o papel de
magos e guerreiros na Europa medieval, em plena Idade das Trevas,
às voltas com a Santa Inquisição, anjos, demônios, bruxas e outros
inimigos; compatível com Trevas.

225
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

A VENTURA: uma história; um desafio apresentado pelo Mestre, a


ser vencido pelos jogadores.

A VENTURAS FANTÁSTICAS: o primeiro RPG publicado no Brasil,


consiste de uma coleção de livros-jogos, um módulo básico (Aven-
turas Fantásticas- Uma Introdução aos RolePlaying Games) e nu-
merosos suplementos (Dungeoneer, Blacksand, Out ofthe Pit e Titan
- O Mundo de Aventuras Fantásticas).

AVENTURA-SOLO: uma aventura envolvendo apenas um j ogador e o


Mestre; também pode ser um livro-jogo.

BACKGROUND: o passado, a história de um personagem, criatura,


objeto ou lugar.

BlRTHRIGHT: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre gover-


nantes e seus problemas para administrar seus reinos.

CAMPANHA: uma sucessão de aventuras envolvendo os mesmos per-


sonagens.

CENÁRIO DE CAMPANHA: veja Mundo de Campanha.

COMPATÍVEL: significa que um jogo ou suplemento usa regras iguais


ou similares a outro(s) jogo(s) de RPG.

CONAN: suplemento para GURPS sobre a Era Hiboriana, cenário das


aventuras de Conan, o Bárbaro.

CRÔNICA: o mesmo que campanha, em jogos da linha Storyteller.


D&D: Dungeons & Dragons; o primeiro jogo de RPG do mundo.
Mais tarde este jogo se tornou AD&D, Advanced Dungeons &
Dragons, e recentemente recebeu uma terceira edição, voltando a
ser D&D, ou D&D - 3E.

226
DrcAs DE MESTRE lI

DARK SuN: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre um mun-


do desértico que teve sua energia vital sugada por praticantes de
magia.

DESAFIO DOS BANDEIRANTES: RPG de fantasia histórica; os jogado-


res fazem o papel de aventureiros na Terra de Santa Cruz, um reino
de fantasia baseado no Brasil colonial e suas lendas.

DESCOBRIMENTO DO BRASIL: RPG histórico sobre a chegada da es-


quadra de Cabral; compatível com Mini GURPS.

DEVIR: a mais importante editora brasileira em publicação de jogos


de RPG, responsável pelos títulos Vampiro, Lobisomem, Mago, GURPS,
D&D, Shadowrun e outros.

DRAGONLANCE: antigo cenário de campanha para AD&D, baseado


em uma série de romances que contava sobre a Gue1rn da Lança.
Atualmente conta com uma nova versão para D&D 3E.

ENTRADAS E BANDEIRAS: RPG histórico sobre as expedições


exploratórias dos bandeirantes; compatível com Mini GURPS.

FANTASY: suplemento para GURPS sobre Yrth, um mundo de fanta-


sia medieval.

FICHA DE PERSONAGEM: tipo de formulário usado pelos jogadores


para anotar informações sobre um personagem.

FIRST QUEST: versão para iniciantes do jogo AD&D.

FORGOTTEN REALMS: o maior e mais rico cenário de campanha para


AD&D, atualmente também disponível em D&D - 3E, sobre o vasto
mundo mágico de Toril e seus muitos perigos e maravilhas.

227
DRAGÃO BRAS IL ESPECIAL

GURPS CYBERPUNK: suplemento para GURPS sobre aventuras futu-


ristas envolvendo megacorporações, ciberespaço, aventureiros com
partes biônicas e armas de alta tecnologia.

GURPS FANTASY: suplemento para GURPS sobre de Yrth, um mundo


de campanha baseado em fantasia medieval.

GURPS HORROR: suplemento para GURPS sobre aventuras de honor,


mortos-vivos, demônios e outros monstros sobrenaturais.

GURPS lLLUMINATI: suplemento para GURPS sobre os Illuminati, lí-


deres secretos que comandam a humanidade através de lavagem ce-
rebral, mensagens subliminares, satélites espiões e outros métodos
temidos pelos "teóricos da conspiração".

GURPS IMPÉRIO ROMANO: suplemento para GURPS sobre a Roma


Imperial.

GURPS MAGIA: suplemento para GURPS sobre várias formas para o


uso de mágica; uma " magia" também pode ser qualquer feitiço ou
mágica.

GURPS MÓDULO BÁSICO: livro básico do jogo GURPS.

GURPS SUPERS: suplemento para GURPS sobre super-heróis ; um


"Super" também pode ser qualquer personagem com supe rpoderes.

GURPS ULTRATECH: suplemento para GURPS sobre equipamento de


alta tecnologia.

GURPS V IAGEM ESPACIAL: suplemento para GURPS sobre aventuras


e m outros planetas, naves espaciais, raças alienígenas e equipamen-
to de alta tecnologia.

228
DrcAs DE M ESTRE II

GURPS: Generic Universal RolePlaying System; jogo em que os per-


sonagens e aventuras podem pertencer a qualquer gênero (fantasia,
horror, ficção, super-heróis ... ); para jogá-lo é preciso o livro GURPS
Módulo Básico.

INVASÃO: RPG de suspense; os jogadores fazem o papel de agentes


especiais, ligados a agências e entidades que combatem os metal ianos
e traktorianos, extraterrestres infiltrados na Terra; compatível com
Trevas.

LIVRO BÁSICO: o manual principal de um jogo de RPG; o livro com


as regras principais, e o único realmente necessário para jogar.

LIVRO DO JOGADOR: um dos três livros básicos do jogo AD&D.

LIVRO DO MESTRE: um dos três livros básicos do jogo AD&D.

LIVRO DOS MONSTROS: um dos três livros básicos do jogo AD&D.

LTVRO-JOGO: uma história de aventura (tipicamente baseada em fan-


tasia medieval) dividida em capítulos numerados. Os capítulos não
fazem sentido quando lidos em ordem numérica; ao final de cada
capítulo, o leitor deve fazer uma escolha que levará a história para
um rumo diferente. Os mais famosos livros deste tipo publicados no
Brasil pertencem à série Aventuras Fantásticas.

LIVROS DAS TRIBOS: suplementos para o j ogo Lobisomem, sobre


cada uma das facções de lobisomens do Mundo das Trevas.

LIVROS DOS CLÃS: suplementos para o j ogo Vampiro, sobre cada


uma das facções de vampiros do Mundo das Trevas.

LIVROS VERMELHOS: apelido da série Th.e Complete Handbooks,


suplementos para o jogo AD&D.

229
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

LOBISOMEM: o Apocalipse: RPG em que os jogadores fazem o papel


de lobisomens, uma raça de gueffeiros transmorfos em gueffa con-
tra uma entidade maligna chamada Wyrm; compatív el com
Storyteller.

MAGO: a Ascensão: RPG em que os jogadores fazem o papel de ma-


gos, seres com o poder de alterar a realidade com sua mágica; juntos
eles tentam libertar o mundo do controle da Tecnocracia; compatí-
vel com Storyteller.

MANUAL 3D&T: livro básico do jogo 3D&T.

MESTRE: um tipo especial de jogador, que comanda a aventura e


coordena as ações dos outros jogadores. Ele atua como roteirista,
árbitro e diretor de teatro.

MINI GURPS: versão para iniciantes do jogo GURPS.

MUNDO DAS TREVAS: cenário de campanha para a maioria dos jo-


gos da linha Storyteller; um mundo igual ao nosso, mas mais som-
brio, e habitado por todo tipo de criaturas sobrenaturais.

MUNDO DE CAMPANHA: um cenário ficcional, geralmente um pla-


neta ou continente, usado para sediar as aventuras. Livros contendo
a descrição desses mundos, voltados para jogos de RPG, estão entre
os suplementos mais populares.

NARRADOR: o mesmo que Mestre, em jogos da linha Storyteller.

NPC: NonPlayer Character, Personagem Não-Jogador; um perso-


nagem coadjuvante, controlado pelo Mestre.

PC: Player Character, Personagem Jogador; cada um dos persona-


gens controlados pelos jogadores.

230
DrcAs DE M ESTRE II

PLANESCAPE: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre acida-


de planar de Sigil, situada em uma encruzilhada de dimensões.

PLANILHA DE PERSONAGEM: veja Ficha de Personagem.

QUILOMBO DOS PALMARES: RPG histórico sobre a fuga de escravos


em busca de liberdade; compatível com Mini GURPS.

RAvENLOFf: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre uma


dimensão maligna de onde é impossível escapar, e governada por
monstros sobrenaturais.

ROLEPLAY: o ato de interpretar um personagem; falar e gesticular


como se fosse seu personagem falando, e não você.

RPG: RolePlaying Game, Jogo de Interpretação de Personagens (ou


Papéis); tipo de jogo-teatro em que cada jogador assume o papel de
um personagem, geralmente um herói aventureiro desafiando peri-
gos em mundos de fantasia.

RPGISTA: relativo a RPG; jogador ou Mestre de RPG.

SPELLJAMMER: antigo cenário de campanha para AD&D, misturando


fantasia medieval e ficção científica, com navios mágicos voadores
que viajam pelo espaço.

STORYTELLER: sistema de regras adotado pelos jogos Vampiro, Lo-


bisomem, Mago , Street Fighter e outros; Storyteller também quer
dizer Narrador, como é chamado o M estre nos jogos desta linha.

STREET FrGHTER: o Jogo de RPG: RPG de ação; os jogadores fazem o


papel de Street Fighters, lutadores com poderes especiais, envolvi-
dos no combate à organização mali gna Shadaloo; compatível com
Storyteller.

231
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

SUPLEMENTO: livro de referência que complementa o livro básico,


trazendo mais regras, informações, personagens e aventuras para
enriquecer o jogo. Em geral um suplemento trata de um aspecto
mais específico do jogo, de forma mais detalhada e profunda que no
livro básico.

TAGMAR: RPG de fantasia medieval; o primeiro RPG criado por bra-


sileiros.

TORMENTA: mundo de fantasia medieval para jogos de RPG.

TREVAS: RPG de horror moderno; os jogadores fazem o papel de


investigadores do oculto, envolvidos com ordens de magos, anjos,
demônios, vampiros e outras ameaças.

TR!:NITY: jogo de ficção científica em que os jogadores fazem o papel


de seres poderosos em defesa da Terra. Compatível com Storyteller.

TSR: editora norte-americana responsável pelos jogos D&D, AD&D,


Altemity e outros. Atualmente é uma subdivisão da Wizards of the Coast.

V AMPJRO: a Máscara: RPG de horror gótico; os jogadores fazem o


papel de vampiros, transformados em poderosos predadores da noi-
te, mas amaldiçoados com a sede de sangue e perda de sua humani-
dade; compatível com St0tyteller.

VAMPIROS MITOLÓGICOS: RPG de horror; regras para personagens


vampiros, baseados em lendas; compatível com Trevas.

WHITE WOLF: editora norte-americana responsável pelos jogos da


linha Storyteller.

W!ZARDS OF THE COAST: editora norte-americana que inclui a TSR,


e atual responsável pelos jogos D&D, Star Wars RPG e outros.

232
Dados sobre os autores

Marcelo Cassara "Paladino"

DATA DE NASCIMENTO: 1970 (o dia do aniversário ele não revela!)

OCUPAÇÃO: editor/redator/ilustrador da revista de RPG Dragão Brasil; edi-


tor/roteirista/ninja de Holy Avenger; e outras multiclasses que não interes-
sam.

ANTECEDENTES: começou sua carreira profissional e m 1985, nos estúdios


da Maurício de Souza Produções, como assistente de design em desenhos
an imados. Contratado pe la Editora Abril Jovem em 1989, atuou como
argumen~ista e desenhista de quadrinhos infantis e super-heróis. Venceu o
Prêmio Abril de Jornalismo e m 199 1, 1992 e 1994, na categoria "Roteiro
de História em Quadri nhos". Assinou como editor e roteirista as mini-sé-
ries U.F.O. Team, Capitão Ninja, Lua dos Dragões, Street Fighter Zero 3 e,
agora, HA. Na área de RPG, escreveu os jogos 3D&T •Defensores de Tóquio
- 3" Edição, Invasão e é um dos autores do mundo de Tormenta.

BASE DE OPERAÇÕES: ltaim Bibi, em Sampa.

ESCR ITOR: Asimov.

ROTEIRISTA: John Byrne.

233
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

DESENHISTA: Massamune Shirow (mas não ultimamente).

FILME: Sociedade dos Poetas Mortos.

LIVRO: Missão Terra.


MÚSICA: Holding outfor a hero, de Bonnie Tyler.
PASSATEMPOS: PlayStation, Ibirapuera, TV na cama (isso, claro, quando
tem algum tempo para passar).

GOSTA DE: anime/mangá, ficção científica, jogar o&o, pizza de mozzarella


da mamãe.

NÃO GOSTA DE: pizza califórnia, ser chamado de "Tio Palada", festa-sur-
presa de aniversário (o próximo que tentar isso vai ter!).

PERSONAGENS FAVORITOS: Deadpool (Marvel Comics), Ranma, Belldandy


(Ah! My Goddess), Blanka (Street Fighter li).

PERSONAGEM QUE MAIS GOSTA EM HA: Niele.

PERSONAGEM QUE MENOS GOSTA EM HA: o Paladino.

MANIAS ESTRANI IAS: Tem por hábito levar Kasumi (o apelido carinhoso de
sua enxaqueca de oito ou nove anos) para passear no lbirapuera. Costuma-
va aparecer em convenções de RPG fantasiado como Capitão Ninja, mas
não faz mais isso: já passou da idade (e do peso).

234
J. M. Trevisan

DATA DE NASCIMENTO: 24 de janeiro de 1976, embora existam controvérsi-


as à respeito.

OCUPAÇÃO: Edi tor-Assitente das revistas de RPG Dragão Brasil e Tormen-


ta, co-criador dos personagens do quadrinho mensa1 Holy Avenger, roteirista,
DJ, contista e ex-professor de história em quadrinhos.

ANTECEDENTES: Começou na revista Dragão Brasil fazendo quadrinhos


em parceria com Evandro Gregorio. Assumiu aos poucos a função de reda-
torfreelctncere, mais tarde, de Editor-Assistente, cargo que exerce até hoje.
Base de Operações: Lapa, São Paulo.

EsCRITORES: Stephen King, Margaret Weis e Tracy Hickman.

ROTELRISTAS: Garth Ennis, Alan Moore, Neil Gaiman, Frank Miller e Kurt
Busiek.

DESENHISTAS: Chris Bachallo, Frank Quitely, John Byrne (na década de


1980), Mi ke Mignola, George Pérez e Frank Miller.

PERSONAGENS DE RPG INESQUECÍVEIS: Skipp Greenwood (elfo, thief) meu


primeiro personagem de AD&o e Thrish, meu primeiro kender.

235
DRAGÃO BRASTL ESPECIAL

M UNDO DE CAMPANHA PREFERIDO: Dragonlance.

TIME DE FuTEBOL: Palmeiras.

FILME: Seven.

LIVRO: A Coisa (Stephen King), Highfidelity (N ick Hornby) e as Crônicas


de Dragonlance (Weis & Hickman).

MÚSICA: Um monte - Drain You (Nirvana); Black, Footsleps e Yellow


ledbetter (Pearl Jam); Exit Music, Paranoid Android, Creep e True Love
Awaits (Radiohead); Born Slippy (Underworld); Girl!Boy Song (Aphex
Twin); Cowboys (Portishead); Style (Orbital); Claire de Lune (Beethoven);
Air e Tocatta e Fuga (J. S. B ach); Endlessly, Muscle Museum, TSP e
Darkshines (M use).

PASSATEMPOS: PlayStation, baladas, computador Uogando Championship


Manager), baladas, fazer música eletrônica, colecionar camisas de futebol
importadas e mais baladas!

GOSTA DE: quadrinhos, uísque, cinema, strogonoff, carne, balada, videoga-


mes, computador, música, jogar D&D, mulher, Guiness.

N ÃO GOSTA DE: maionese, aluguel, anime/mangá engraçadinho, música pop


japonesa, Corinthians, anos 80, acordar cedo, gente burra.

PERSONAGENS FAVORITOS: Jenny Sparks (Authority), Batman, Homem-


Aranha, Cassidy e Jesse Custer (Preacher), Capitão Ninja (é sério!), Lugi
Sortudo, Sckhar, Mestre Arsenal.

SONHO DE CONSUMO: um castelo na Escócia. De preferência assombrado.


Manias estranhas: sair pulando pela sala quando ganha um campeonato ou
gritar palavrões para o computador q uando perde Uogando Championship
Manager). Também tem a estranha mania de elaborar planos de conq uista
mundial sob o pseudônimo de Dr. Careca.

236
Rogerio "Katabrok" Saladino

DATA DE NASCTMENTO: 28 de abril de 197 1.

OCUPAÇÃO: editor assistente da revista de RPG Dragão Brasil; editor assis-


tente da revista de RPG Tormenta; e assiste nte de cinema e televisão nas
horas vagas.

ANTECEDENTES: Trabalhou como editor da Dragon Magazine, na Editora


Abril. Depois passou a colaborar como Editor-assistente na Dragão Brasil,
onde está até hoj e. Fez o roteiro da minissérie Mortal Kombat, desenhada
por Edu Francisco, além de diversas HQs. Seu personagem mais conhecido
no meio RPGístico é Katabrok, o Bárbaro, imortali zado no traço de André
Vazzios.

BASE DE OPERAÇÕES: Cidade de São Paulo, em esconderijos secretos perto


da Avenida Paulista.

EsCRJTOR: Terry Pratchet e Michael Moorcock.

ROTETRrSTAS: Alan Moore, Neil Gaiman, Grant Morrisson c Mark Millar.

DESENHISTAS: Simon Bisley, Rebecca Guay, Frank Q uil't ly l' .h-11 Easlcy.

237
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

FILME: As Aventuras do Barão Münchausen, Ladyhawke - O Feitiço de


Áquila e Doctor Phibbes (o primeiro e a contin uação).

LIVRO: Muitos mesmo, mas em especial toda a saga de Elric de Melniboné.

MúSTCA: Body and Soul (Sisters of Mercy), Seven (David Bowie); muitas,
muitas do Devo (Elas ficam mudando de tempos em tempos .. .).

PASSATEMPOS: Ler (quadrinhos ou livros ou bulas de remédio), jogos de


estratégia, cozinhar.

GOSTA DE: filmes "z" de terror, bons filmes de terror, sabores exóticos (tipo
agridoce, pizza Califórnia ... ), gatos, action figures (porque bonequinho é
coisa de criança) e de colocar coisas em ordem. De vez em quando um
pouco de paz e tranqüilidade.

NÃO GOSTA DE: dias com muito sol, alho, praia (apesar de tudo isso, fontes
garantem que ele não é um vampiro). Não consegue ver coisas desarruma-
das ou fora de ordem (possui uma compulsão semi-psicótica em arrumar o
que vê).

PERSONAGENS FAVORITOS: Corin ga, Elric de Melniboné (de Michael


Moorcock), Lobo (DC Comics), Deadpool (Marvel Comics) e Batman (DC
Comics, mas depende do roteirista).

PERSONAGENS QUE MAIS GOSTA EM HA: Tarso e Vladislav Tpish.

PERSONAGENS QUE MENOS GOSTA EM HA: Lisandra e Deenar.

MANIAS ESTRANHAS : Embora raramente admi ta, é fã incondicional do ator


Vincent Price.

SONHO DE CONSUMO: Todos os episódios do Monty Python Flying Circus.


Todos os episódios do Muppet Show e todos os episódios d€> Twilight Zone
(o primeiro). Ah, sim, o sonho de consumo é ter todos os episódios das
TRÊS séries! Sonho de consumo a lternativo: O Devastador, os Dinobots e
todos os Megatrons j á lançados.

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Caso não encontre este livro nas bancas e livrarias,
sol icite-o diretamente a:

Editora Talismã Ltda.


Rua Coronel Paulino Carlos, 176 - Paraíso
CEP 04006-040 - São Paulo - SP
Telefax: (11) 3052-2288
Correio eletrônico: dragaobrasil @uol.com.br
Na Internet: http://www.dragaobrasil.com.br

Atenção:
A Dragão Brasil não tem representantes
autorizados em nenhum lugar do país.

Dicas de Mestre II foi impresso na cidade de São Pau-


lo em maio de 2004 pela Gráfica Prol e distribu ído
pela Fernando Ch inaglia para a Editora Talismã Ltda.
A tiragem foi de 10.000 exemplares. O texto foi
composto em Times New Roman no corpo 11 / 13,5.

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