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ISSN 2318-647X volume 7, número 1/2019

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

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ECONOMIA E POLÍTICAS
PÚBLICAS Revista Eletrônica de Economia
ISSN 2318-647X

Economia e Políticas Públicas v. 7, n. 1 1º Semestre/2019 Semestral

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

COPIRRAITE©: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

REITOR PRÓ-REITOR DE PESQUISA


Antonio Alvimar Souza José Reinaldo Mendes Ruas
VICE-REITOR CHEFE DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
Ilva Ruas de Abreu Maria de Fátima Rocha Maia

CONSELHO CONSULTIVO:
O Conselho Consultivo está em processo de formação/ampliação e será totalmente
constituído por renomados professores externos à Unimontes, todos de conceituadas
universidades. Seu papel é fundamental para aprimorar a qualidade da publicação,
evitar a endogenia e dar maior repercussão à Revista. Os membros do conselho são
definidos e convidados pelos editores.
Antonio Cesar Ortega, IE/Universidade Federal de Uberlândia.
Henrique Dantas Neder, IE/ Universidade Federal de Uberlândia.
Marilena Chaves, Fundação João Pinheiro, Fundação João Pinheiro.
Wilson do Nascimento Barbosa, Universidade de São Paulo.

CONSELHO EDITORIAL:
Cassimiro Balsa (Universidade Nova Lisboa)
Ilva Ruas de Abreu (Unimontes)
Luciene Rodrigues (Unimontes)
Marcos Fábio Martins de Oliveira (Unimontes)
Murilo Fahel (Fundação João Pinheiro)

EDITORES:
Cassimiro Balsa (Universidade Nova Lisboa)
Luciene Rodrigues (Unimontes)
Marcos Fábio Martins de Oliveira (Unimontes)
Murilo Fahel (Fundação João Pinheiro)

DIAGRAMAÇÃO/CAPA:
Maria Rodrigues Mendes

REVISÃO ORTOGRÁFICA:
De responsabilidade dos autores.

Economia e políticas públicas : revista eletrônica de economia /


Unimontes. –
Vol. 7, n. 1, 2019 - . - Montes Claros, Universidade Estadual de Montes
Claros, 2014 -

v. : il. 17 x 25 cm.
Semestral
ISSN 2318-647X

1. Economia. 2. Políticas públicas. 3. Organização administrativa


municipal. I. Universidade Estadual de Montes Claros. lI. Título.

CDD: 330
Catalogação: Divisão de Biblioteca Central Prof. Antônio Jorge - Unimontes

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO............................................................................................ 7

O QUE É O ECONÔMICO? A PERSPECTIVA PLURAL DA ECONOMIA


SOLIDÁRIA E DA ECONOMIA FEMINISTA
Luciene Rodrigues........................................................................................... 9

DESIGUALDADES NA INFRAESTRUTURA ESCOLAR E QUALIDADE


NO ENSINO FUNDAMENTAL DAS MESORREGIÕES DE MINAS
GERAIS
Maria Elizete Gonçalves; Marília Borborema Rodrigues Cerqueira;
Daniel Brito Alves; Karine Rodrigues Araújo............................................. 29

A REGIONALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA DE MINAS


GERAIS E A ESTRATÉGIA LOGÍSTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO
DA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS BÁSICOS PARA O SUS
Cristian Correna Carlo................................................................................... 51

MUDANÇA DE PARADIGMA NA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA


BRASILEIRA A EXPERIÊNCIA DE MINAS GERAIS
Cleuber Vieira dos Santos da Silva.............................................................. 77

USOS DA INFORMAÇÃO CONTÁBIL POR AGENTES POLÍTICOS:


REVISITANDO A LITERATURA
João Paulo de Brito Nascimento; Fernanda FilgueirasSauerbronn;
Carla Leila Oliveira Campos; Denise Carneiro dos Reis Bernardo........... 101

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS................................. 121

Economia e Políticas Públicas v. 7, n. 1 1º Semestre/2019 Semestral

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

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APRESENTAÇÃO

Esta edição marca a regularização da periodicidade de nossa revista,


alcançando o ano de 2019 (a edição de 2018 foi publicada neste ano).

Ela é aberta com o artigo da Dra. Luciene Rodrigues, O QUE É O


ECONÔMICO? A PERSPECTIVA PLURAL DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E
DA ECONOMIA FEMINISTA. O tema é fruto de ampla reflexão da professo-
ra, unindo a questão da economia solidária e a perspectiva feminista. Re-
flexão esta que não se baseia apenas em sua sólida formação acadêmica e
atuação na universidade, especialmente na pesquisa e pós-graduação, mas
também em um verdadeiro compromisso de vida e interação com movi-
mentos sociais.

Sendo um dos temas foco da Revista, as políticas públicas são con-


templadas diretamente por dois artigos, DESIGUALDADES NA
INFRAESTRUTURA ESCOLAR E QUALIDADE NO ENSINO FUNDAMEN-
TAL DAS MESORREGIÕES DE MINAS GERAIS e A REGIONALIZAÇÃO
DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA DE MINAS GERAIS E A ESTRATÉ-
GIA LOGÍSTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE MEDICA-
MENTOS BÁSICOS PARA O SUS. O primeiro, uma contribuição da
Unimontes, aponta que “foram evidenciadas desigualdades na distribui-
ção da infraestrutura no sistema educacional do Estado (ensino funda-
mental), de forma que os alunos residentes em regiões menos desenvolvi-
das, e portanto, mais pobres, estão nas escolas com piores níveis de
infraestrutura”, ou seja, alerta para a necessidade de reformulação das
políticas para o setor, sob pena do Estado reforçar o processo de desigual-
dades. O segundo, uma contribuição vinda da FJP, Cristian Correna Carlo,
que apresenta uma nova estratégica logística na distribuição de medica-
mentos em Minas Gerais, com impacto positivo na redução dos custos.

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

A edição se completa com dois outros artigos ligados indiretamente


às políticas públicas, o primeiro, do Professor Cleuber Vieira dos Santos da
Silva, atualmente doutorando no ISEG, Universidade de Lisboa, MUDAN-
ÇA DE PARADIGMA NA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA BRASILEI-
RA A EXPERIÊNCIA DE MINAS GERAIS, trata da questão da “regulação”
do setor e da interação desta com as inovações, especialmente se questio-
nando como isto afetará os investimentos e a segurança no sistema.

O segundo, uma contribuição fruto da interação de diversas universi-


dades, Ufla, Unifal, Fgv, Ufrj, Ufmg e Ufsj, USOS DA INFORMAÇÃO
CONTÁBIL POR AGENTES POLÍTICOS: REVISITANDO A LITERATURA,
traz o importante problema do levantamento e uso das informações
contábeis, também de suas conceituações e a necessidade da atualização
do tema no Brasil vis a vis os avanços ocorridos em outras partes do mun-
do. Com certeza a maior transparência e qualidade destas informações,
bem como do aprimoramento das metodologias, são fundamentais para o
aprimoramento das políticas públicas.

Boa leitura!

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O QUE É O ECONÔMICO? A PERSPECTIVA PLURAL DA
ECONOMIA SOLIDÁRIA E DA ECONOMIA FEMINISTA

Luciene Rodrigues*

Resumo: A definição do campo “econômico” comporta uma dimensão formal


e outra substantiva, esta última quase sempre esquecida pelo mainstream
econômico. A noção dominante de economia considera apenas a dimensão
formal, reconhece como atividade econômica somente a produção de bens
e serviços com valor de troca. Polanyi oferece elementos para recuperar a
dimensão substantiva, mostrando a pluralidade do comportamento
econômico e que a finalidade última da atividade econômica é a satisfação
das necessidades. Neste sentido, a presente comunicação procura discutir
o processo de autonomização da esfera econômica assimilada ao mercado
e apresenta algumas ferramentas analíticas para a desconstrução do
conceito dominante a partir da noção de Economia Solidária. Mostra-se
como o conceito de Economia Solidária recupera a dimensão substantiva e
aponta, ainda, para a proximidade entre o conceito de economia solidária
e a abordagem feminista da economia.

Palavras-chave: economia solidária; mudança social; economia feminista.

Abstract: What constitutes the economic field comprises a formal dimension


and other substantive, the last one is forgotten by the economic mainstream.
The dominant notion of economics considers only the formal dimension,
as economic activity recognizes only the production of goods and services
with exchange value. Polanyi provides elements to retrieve the substantive
dimension, showing the diversity of economic behavior and that the purpose
of economic activity is the satisfaction of needs. In this regard, this

* Depto. de Economia - UNIMONTES. E-mail: luciene.rodrigues@pq.cnpq.br

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

communication aims to discuss the process of empowerment of the economic


sphere assimilated to the market and presents some analytical tools for the
deconstruction of the dominant concept from the notion of solidarity
economy. It is shown how the concept of solidarity economy retrieves the
substantive dimension. The study also points to the proximity of the concept
of solidarity economy and feminist approach to economics.

Keywords: solidarity economy; social change; feminist economy.

Introdução

A Economia compreende o estudo do conjunto de atividades de pro-


dução de bens e serviços e sua distribuição. Produção e distribuição preci-
sam de colaboração entre pessoas, assim como a política, a cultura, a eco-
nomia é uma atividade social. A definição do que é economia comporta
duas dimensões, sendo uma formal (a relação entre meios e fins) e outra
substantiva, relacionada às formas de cooperação estabelecidas entre os
atores sociais para produzir, circular e distribuir os bens e serviços.

A noção dominante de economia considera apenas a dimensão for-


mal, reconhece como atividade econômica somente a produção de bens e
serviços com valor de troca. Polanyi (2000) oferece elementos para recupe-
rar a dimensão substantiva, mostrando a pluralidade do comportamento
econômico. As abordagens teóricas da economia feminista e a economia
solidária são parte deste esforço de concepção de uma economia plural,
contribuem para a construção de uma economia mais humana, centrada
nas necessidades humanas. Neste sentido, a presente comunicação busca
destacar a aproximação entre essas duas concepções de economia, desen-
volve a hipótese de que a abordagem da economia solidária do que é o
econômico é muito próxima da perspectiva feminista da economia. Isso é
feito pela explicitação de valores comuns e princípios econômicos conver-
gentes nas duas perspectivas. O texto, organizado em três seções, busca
responder à questão: como a noção de economia de paradigmas econômi-
cos emergentes como a perspectiva da economia solidária e a abordagem
feminista da economia, colocam em xeque, tensionam, desconstroem o con-
ceito dominante de economia?

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RODRIGUES, L. O que é o econômico? A perspectiva plural...

Na primeira seção, mostra-se que as duas perspectivas buscam em


Polanyi a base conceitual para desconstruir a visão dominate de economia.
Para Polanyi as sociedades não modernas garantiam os meios materiais
para a satisfação das necessidades através de duas formas econômicas
básicas a reciprocidade e a redistribuição. Enquanto que na sociedade
contemporânea de mercado o objetivo é o acúmulo de ganhos monetários,
em outras economias o que se busca é a reprodução material da própria
vida. Entende Polanyi que devemos recuperar o significado substantivo de
“economia” e tanto a economia solidária quanto a abordagem feminista da
economia procuram com seu corpo conceitual fazer isso. Assim, a primeira
seção analisa a trajetória histórica de encastramento-desencastramento-
reencastramento da economia nas relações sociais de modo a perceber o
processo de autonomização da esfera econômica assimilada ao mercado o
que, não raro, acaba por gerar confusão entre a noção de economia,
associando-a à economia de mercado e à auto-regulação deste.

Na segunda seção, apresentam-se algumas ferramentas analíticas para


a desconstrução do conceito dominante a partir da noção de Economia
Solidária. Mostra-se que a economia possui um hemisfério luminoso e um
cinzento e que a noção dominante de economia capta apenas o primeiro
hemisfério, aquele que é mensurável e visível e que o conceito de Econo-
mia Solidária recupera a dimensão substantiva da economia, toda ativida-
de produtiva voltada para satisfação de necessidades sociais estabelecidas
democraticamente. A partir de seis critérios de diferenciação, o estudo
mostra algumas diferenças entre a economia capitalista, a economia pú-
blica e a economia solidária.

A terceira seção dedica-se a discutir convergências, pontos de aproxi-


mação, valores e princípios partilhados entre as abordagens do que é o eco-
nômico da economia solidária e da economia feminista. Por último, são
feitas algumas considerações finais.

1 Economia solidária e a noção dominante de economia

No campo teórico, o conceito dominante de economia difere do enten-


dimento da perspectiva da economia solidária com relação ao que é econô-
mico e ao que é atividade econômica.

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Em um dos manuais de Economia mais difundidos no mundo, Mankiw


(2014) define a economia como “o estudo de como a sociedade se organiza
para decidir a dinâmica de alocação dos recursos escassos”. Nesta mesma
obra, o autor sumariza os principais pressupostos que fundamentam o campo
disciplinar da economia em dez princípios. Os quatro primeiros procuram
tratam do processo pelo qual as pessoas tomam decisões; os três seguintes,
como as pessoas interagem; e, os três últimos, como a economia funciona
(ver Box 1).

Box 1: Dez princípios econômicos, segundo Mankiw (2014)

COMO AS PESSOAS TOMAM DECISÕES


Princípio 1 - As pessoas enfrentam tradeoffs
Tradeoff é o termo econômico para uma situação de escolha conflitante. Ao
conquistar o uso de um recurso escasso, se abre mão de outro.
Princípio 2 - O custo de alguma coisa é aquilo de que você desiste para
obtê-la (custo de oportunidade)
A partir do tradeoff, a tomada de decisões exige a comparação entre os cus-
tos e benefícios das possibilidades de ação.
Princípio 3 - As pessoas racionais pensam na margem
Um tomador de decisões racionais executa uma ação se, e somente se, o
benefício marginal ultrapassa o custo marginal.
Princípio 4 - As pessoas reagem a incentivos
As pessoas respondem a incentivos, a fatores externos que influenciam na
tomada de decisão.

COMO AS PESSOAS INTERAGEM


Principio 5 - O comércio pode ser bom para todos
A concorrência é um fator interessante.
Princípio 6 - Os mercados são geralmente uma boa maneira de organi-
zar a atividade econômica
Perseguindo os próprios interesses pessoais, as pessoas enobrecem e ele-
vam o mercado. Ao perseguir o próprio interesse, frequentemente se atinge
o interesse social.
Princípio 7 - As vezes os governos podem otimizar os mercados
Existem algumas exceções à regra em que os mercados são uma boa manei-
ra de se organizar a atividade econômica. Em alguns casos, pode não haver
uma alocação eficiente de recursos, o que é chamado de falha de Mercado.

COMO A ECONOMIA FUNCIONA


Princípio 8 - O padrão de vida de um país depende da sua capacidade
em produzir bens e serviços
Princípio 9 - Os preços sobem quando o governo emite moeda demais
Princípio 10 - A sociedade enfrenta um tradeoff de curto prazo entre
inflação e desemprego

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RODRIGUES, L. O que é o econômico? A perspectiva plural...

A esses dez princípios de economia estão associados conceitos de es-


cassez, eficiência, indivíduo racional, economia de mercado, assimetrias
de mercado, ciclo de negócios, entre outros. A idéia forte de que recursos
ou fatores de produção são escassos e que desejos e necessidades huma-
nas são ilimitadas e que sempre se renovam. Assim, a economia moderna
apresenta três traços (1) autonomia conferida à esfera econômica assimila-
da ao mercado, o que gera confusão entre economia e economia mercantil,
dos fisiocratas aos neoclássicos; (2) o mercado como auto-regulador; a es-
ses dois pontos de Polanyi, Laville (2013) identifica um terceiro, levantado
por Marx, Mauss e Weber (3) a identificação da empresa moder-na com a
empresa capitalista.

Um contrapondo a esta compreensão do que é a Economia tem sido


colocada pela perspectiva da Economia Solidária, tanto no campo teórico
quanto das práticas. Estas tem sido um fenômeno crescente em muitos
países desenvolvidos, subdesenvolvidos nos cinco continentes, com di-
versidade de formas econômicas onde as pessoas se associam para produ-
zir e reproduzir meios de vida com base em relações de reciprocidade e
igualdade. Essa práticas têm recebido diferentes denominações: Econo-
mia solidária, Economia popular, Economia popular solidária, Economia
social solidária, Economia social, Economia da dádiva, Sócio-economia
solidária, Economia do trabalho, Economia humana, Economia da recipro-
cidade, Privado social, Setor não lucrativo, Terceiro setor, entre outras.

A noção de Economia Solidária tensiona a teoria economica domi-


nante e o individualismo metodológico associado ao apresentar uma pers-
pectiva plural da economia e ao compreender que o agir humano pode ser
motivado bela busca do interesse comum, que a finalidade econômica pode
ser múltipla e não apenas mercantil; que a atividade econômica inclui
toda atividade voltada para a produção de bens e serviços com valor de uso
e não apenas com valor de troca. Propõe-se a crítica à estrutura de desejos
ou demandas de bens e serviços, a qual gera o imaginário do consumo
numa sociedade capitalista, e sim chegar a um acordo relativo às formas
de produção e consumo mais adequadas social e ambientalmente. Trata
de uma desconstrução de princípios individualistas e privatistas predomi-
nantes na maioria das relações econômicas, e de construção de uma cul-
tura pautada na solidariedade e no bem comum.

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

A Economia Solidária surge nos últimos 35 anos, corresponde a práti-


cas novas ou “renovadas”, nas vizinhanças do terreno da Economia Social.
Por vezes são termos complementares, por vezes opostos. A Economia soli-
dária não é uma simples continuação a nova denominação para a Econo-
mia social, mas antes, uma nova realidade com novas práticas e novas
teorizações. É um prolongamento e uma inflexão da teorização da Econo-
mia social. Segundo Roque Amaro (2009) uma das originalidades da Eco-
nomia solidária é de se inscrever iniciativas da sociedade civil num espa-
ço público de sociedades democráticas modernas.

Até o século XVII, não havia separação entre economia e moral (Lechart,
2002). Havia uma unidade entre o social, o econômico, o político e o religioso.
Segundo Polanyi (2000), a economia estava enraizada no sistema social,
sendo impossível separá-la mentalmente de outras atividades societárias.

Polanyi destaca que produzir e distribuir bens e serviços envolve tro-


ca, mercados, assim como relação social. Para ele, até a modernidade, as
atividades econômicas encontravam-se encastradas nas relações sociais.
Para Laville (2013), na modernidade democrática, a economia vai apresen-
tar um duplo movimento: o primeiro exprime a tendência ao
desencastramento da economia, de uma economia “com” mercado, passa-
se cada vez mais a uma economia “de” mercado, uma certa autonomização
da atividade econômica, possibilitada em grande parte pelo desenvolvi-
mento da economia monetária, pelo uso intenso do dinheiro na mediação
de todas as trocas.

Simmel (1987) mostra que o dinheiro tem suas virtudes em termos


econômicos: a primeira delas é que ele desvincula o produtor do consumi-
dor e cria uma relação entre possuidor e comprador, o que gera uma
impessoalidade, o que faz com que a desigualdade gerada pela relação pes-
soal deixe de existir. A segunda virtude é que o dinheiro torna tudo
intercambiável, permitido que tudo possa ser comprado e trocado basta ter
o dinheiro, que é uma forma abstrata que substitui qualquer coisa. Portan-
to todos os bens podem ser avaliados pelo mesmo fator. A terceira é que o
dinheiro aproxima o mundo, pois possibilita o contato indireto com diver-
sos lugares do mundo. Segundo Simmel quando o dinheiro serve como
mediador entre as relações econômicas, ele liberta, traz independência;
mas quando serve de mediador entre as relações sociais, acaba trazendo a

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RODRIGUES, L. O que é o econômico? A perspectiva plural...

elas uma superficialidade, leva a indiferença, corta a relação. Para Laville


(2013) o neoliberalismo ativa a tendência ao desencastramento da econo-
mia, com a utopia da sociedade de mercado.

O segundo movimento exprime a tendência inversa desencastramento,


o reencastramento democrático da economia, onde a referência à
solidariedade é aspecto fundamental. Dessa maneira, uma primeira chave
analítica seria perceber esse movimento de encastramento -
desencastramento - reencastramento da economia nas relações sociais,
ao longo da história, que pode ser mais intenso em determinadas
sociedades, mais fraco em outras, e assumir formas diferenciadas nos
diferentes espaços e tempos bem como a pluralidade do comportamento
econômico como assevera Polanyi (2000), com a atividade econômica voltada
não somente para o mercado como também para a redistribuição,
reciprocidade e administração doméstica (ver Quad. 1).

Antes do século XIX, todos os sistemas econômicos conhecidos tinham


lugar no princípio da reciprocidade, da redistribuição, da administração
doméstica senão numa combinação dos três. Estes princípios foram
institucionalizados sob a idéia de uma organização social que utilizava,
entre outros, os modelos da simetria, da centralidade e da auto-suficiên-
cia. Os mercados existiam mas estavam diferenciados e limitados a certos
espaços na europa ocidental.

Quadro 1 - Os quatro princípios do comportamento Econômico segundo


Polanyi

Até o século XVII, não havia separação entre economia e moral (Lechart,
2002). Havia uma unidade entre o social, o econômico, o político e o
religioso. Segundo Polanyi (2000), a economia estava enraizada no sistema
social, sendo impossível separá-la mentalmente de outras atividades
societárias. A definição de economia tem uma dimensão formal (relação
entre fins e meios) e uma relação substantiva (relações entre pessoas e
destas com a natureza). A definição neoclássica atém-se ao sentido formal

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

da economia. A ocultação do sentido substantivo da economia resulta na


con-fusão entre a economia e a economia mer-cantil, ao desencastramento
da economia. Na perspectiva da Economia Solidária, produzir, trabalhar e
consumir de forma solidária e autogestionária seria, ao mesmo tempo, voltar
a um princípio fundamental da relação humana e criar algo novo em relação
aos comportamentos e maneiras de pensar hegemônicos.

Contra a redução da economia ao mer-cado, mobilizou-se o princípio


da redis-tribuição e da reciprocidade. A tensão entre desencastramento e
encastra-mento pode ser considerada como consti-tutiva da economia mer-
cantil moderna. O serviço público define-se, pelo fornecimento de bens ou
prestação de serviços revestidos de uma dimensão de redistribuição (dos
ricos para os pobres, dos ativos para os inativos e assim por diante), cujas
regras são estabelecidas por uma autoridade pública submetida ao controle
democrático. A noção de solidariedade também constitui uma referência
para o estabelecimento de uma regula-ção democrática da economia.

2 Os hemisférios da atividade Econômica

Segundo Leroux (2013) a atividade econômica é conduzida em dois


grandes hemisférios, um cinzento, e outro luminoso (ver Fig. 1). O hemis-
fério cinzento Leroux chama de Economia informal, uma atividade
quantificável mas que foge à medida. O Hemisfério visível, denominado
economia oficial (deveria, mas não é necessariamente formal). É somente a
esse hemisfério que se pensa quando se fala em economia.

Figura 1: Hemisférios da Economia

Fonte: Elaboração própria com base em Leroux (2013)

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RODRIGUES, L. O que é o econômico? A perspectiva plural...

A Economia tem cinco grandes continentes, sendo dois situados no


campo cinzento (Economia Informal) e três no campo luminoso (economia
oficial), conforme Fig. 2. A Economia Social e Solidária faz hemisfério lu-
minoso, da economia oficial, podendo também, em alguns casos, estar
inserida no campo cinzento, junto com a economia doméstica. No primeiro
hemisfério (Informal) tem-se a economia sunterrânea e a economia domés-
tica. No segundo hemisférico (oficial) tem-se a economia pública, a econo-
mia capitalista e a Economia social/solidária.

Figura 2: Tipos de Economia e Princípios do Comportamento Econômico

Fonte: Elaboração própria

Para medir a importância de cada uma na produção de riqueza, a con-


tabilidade nacional usa o valor adicionado (que mede a riqueza criada pela
atividade) e o PIB (que mede o total da riqueza produzida pela economia
oficial). Portanto, só entram nas medidas da atividade econômica, a pro-
dução de bens e serviços que possuam correspondente valor de troca, que
passam pelo mercado e que são oficiais. Toda produção de bens destina-
dos ao consumo da família, do grupo ou comunidade ou a produção de
serviços reprodutivos e de cuidado não pagos, não são consideradas ativi-
dades econômicas, além das atividades ilegais, relacionadas ao delito e ao

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

crime. A economia solidária e a perspectiva feminista da economia desen-


volvem todo um arcabouço teórico/metodológico de modo a considerar as
atividades informais e domésticas como econômicas e para mensuração,
consideram aspectos como qualidade de vida, eficiência social, a realiza-
ção efetiva do potencial das pessoas interligadas por rela-ções de solidari-
edade, com justiça e paz, entre outros.

Entre Estado, comunidade e mercado existem economias pública e


privada, empresas e organizações lucrativas e não lucrativas, formais e in-
formais e uma diversidade de comportamentos econômicos na produção
de bens e serviços que não podem ser reduzidos a apenas um deles, qual
seja, o mercantil (Fig. 3).

Figura 3: Setores da atividade econômica entre Estado, Comunidade e Mercado

Fonte: Nyssens, M. (2014)

Para melhor compreensão das economias e dos comportamentos eco-


nômicos, apresentamos a seguir um modelo tipo ideal de modo a identifi-
car características dominantes de cada economia, mesmo sabendo que a
realidade é complexa e híbrida.

A despeito do fato de que situações concretas contenham elementos


de um e de outro tipo, o modelo tipo ideal permite distinguir algumas das
propriedades dominantes. Na Fig. 4, os T(i,j,n) referem-se às totalidades; A

18
RODRIGUES, L. O que é o econômico? A perspectiva plural...

e B a códigos disjuntivos para cada totalidade. A compreensão geral do


fenômeno advém da articulação das várias totalidades.

Figura 4: Formalização do modelo de análise estrutural

Fonte: Hierneaux (2007)

A Fig. 5, constitui um tipo ideal das economias capitalista, solidária e


pública, diferenciadas caracterizadas a partir dos critérios tipo de proprie-
dade, princípio de comportamento econômico dominante, forma de gestão
dos recursos, forma de poder, finalidade principal da atividade econômica
e modo do agir econômico.

A economia capitalista caracteriza-se, neste modelo pelas proprieda-


des: propriedade privada individual, princípio mercantil, heterogestão,
plutocracia, atividade voltada para a geração de lucro, para a reprodução e
ampliação do capital e comportamento econômico com base na utilidade
(homo economicus), nas preferências individuais de consumidores e firmas.

A economia pública tem como característica a propriedade coletiva,


o princípio da redistribuição, a gestão centralizada, a distribuição se-

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

gundo o mérito, a obrigação de redistribuição igualitária dos recursos


materiais.

A economia solidária tem como traços propriedade privada coletiva,


princípio reciprocitário, autogestão, democracia, atividades econômicas
voltadas para a produção de valor de uso, para a satisfação de necessida-
des sociais democraticamente determinadas, para a reprodução da vida e
do interesse comum, com base no princípio da cooperação, do homo
donator.

Figura 5 – Representação de concepções de Economia

Fonte: Elaboração própria.

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RODRIGUES, L. O que é o econômico? A perspectiva plural...

Autores latino-americanos como Razeto, Coraggio e Singer nos ofere-


cem pistas importantes à conceituação de Economia Solidária: “o conjun-
to das iniciativas econômicas associativas nas quais (a) o trabalho, (b) a
propriedade de seus meios de operação (de produção, de consumo, de cré-
dito etc.), (c) os resultados econômicos do empreendimento, (d) os conhe-
cimentos acerca de seu funcionamento e (e) o poder de decisão sobre as
questões a ele referentes são compartilhados por todos aqueles que dele
participam diretamente, buscando-se relações de igualdade e de solidari-
edade entre seus partícipes. (CRUZ: 2006, p. 69).

Cada tipo de economia, traz termos associados a elas, embora na prá-


tica, nenhuma delas exista de modo puro como no modelo tipo ideal. Elas
podem conjugar um “e” outro elemento, sem se restringir a ser isto “ou”
aquilo, isto é, sem as características disjuntivas necessárias elencadas na
inteligibilidade do modelo. A economia capitalista traz os termos concor-
rência, acumulação, eficiência, interesse individual. A economia solidá-
ria, por sua vez associa-se aos termos autogestão, solidariedade,
sustentabilidade, inclusão, interesse comum, emancipação social, com-
promisso com a vida, com a natureza, com a justiça social, relações hori-
zontais. Esses princípios da economia solidária são também os princípios
norteadores do paradigma feminista da economia.

3 O paradima feminista da economia e a economia solidária

As ciências econômicas foram um dos últimos campos do conheci-


mento a trazer a categoria gênero para seu corpo analítico embora tenha
contemplado questões relacionadas às mulheres com frequência, ainda
que não necessariamente sob uma ótica feminista. A ortodoxia hegemônica
resiste em trazer a categoria o gênero para a economia, para a desconstrução
cultural de modo a afetar a própria estrutura do conhecimento. A partir dos
anos setenta, algumas economistas principalmente de origem marxianas
e institucionalistas, mais aberta a visões interdisciplinares e à análise de
relações sociais de gênero e de desigualdades de poder, colocam ênfase
na exploração, nas desigualdades e na tendência sistemática do mercado
em gerar hierarquias sociais. O debate sobre trabalho doméstico tinha como
foco a natureza deste trabalho, assim como sua função enquanto aparato

21
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

de reprodução e manutenção da força de trabalho dentro do sistema eco-


nômico. O debate enfatizava como o trabalho doméstico não remunerado
contribui para reduzir os custos de manutenção e reprodução da força de
trabalho e para analisar as relações de gênero implícitas no trabalho do-
méstico e na divisão de trabalho. A abordagem marxista-feminista também
contribuiu para debates sobre assuntos mais sistêmicos – como as relações
entre capitalismo e patriarcado. Dentro da literatura sobre desenvolvimento,
as feministas elaboraram uma crítica da teoria da modernização, lembran-
do que tanto a divisão do trabalho baseada em relações de gênero
assimétricas quanto as estruturas hierárquicas geradas pelas instituições
capitalistas impossibilitavam que o desenvolvimento tivesse o mesmo im-
pacto sobre homens e mulheres (Benería, 2003). Da mesma forma, estudos
do mercado de trabalho que tinham como enfoque as questões de classe e
gênero contribuíram para trazer a lente de gênero para a análise econômi-
ca nas áreas de emprego, migração, mudança demográfica, dinâmica do-
méstica, mercado informal e crescente participação das mulheres no mer-
cado de trabalho, entre outros temas. Enfim, estes são apenas pequenos
exemplos para ilustrar que a perspectiva de gênero na economia contri-
buiu para mudar a concepção do que é o econômico e para mostrar como a
abordagem dominante da teoria econômica não considera as assimetrias
entre classes, gênero e raça/etnia, colocando o comportamento econômi-
co como universal independente de ser rico/pobre, homem/mulher, pre-
to/branco.

Cumpre destacar alguns princípios comuns às abordagens da econo-


mia feminista e da economia solidária relativas à centralidade do trabalho,
relações simétricas, tomada de decisão com base na democracia e desen-
volvimento da autonomia e emancipação social. Nesse sentido partilham
princípios comuns como autogestão, comércio justo, consumo ético, soli-
dariedade e bem comum.

A autogestão constitui um valor partilhado pelas duas abordagens,


por ser esta um projeto de organização que privilegia a democracia direta.
Fruto de grupos libertários, que buscam a emancipação, traz a idéia de
organização do trabalho e do processo decisório sem a presença de um
centro e com equilíbrio de poder. Trata-se de um esforço de criação de
novas práticas e vivências coletivas, espaço importante de combate con-

22
RODRIGUES, L. O que é o econômico? A perspectiva plural...

tra a formação de lideranças perenes, concentração de poder,


hierarquização das funções, centralização das decisões, alienação dos
sujeitos pela separação entre as instâncias decisórias e as de execução.
Para as economistas feministas, comportamentos não hierárquicos cons-
titue princípio fundamental, defendem o poder horizontal, o poder “com”
os outros e não um poder sobre os outros. Para ambas as perspectivas, as
relações horizontais são algo sempre em construção porque os mecanis-
mos de contradição estão sempre presentes, podem tender a
hierarquização. Autogestão não é igualdade plena, implica democracia
participativa no processo decisório.

Outro aspecto em comum entre as duas perspectivas é quanto ao co-


mércio internacional. O comércio internacional tradicional vem se desen-
volvendo sob relações de troca com base em um modelo que gera injustiça,
desigualdade e marginalidade. O comércio justo, com produtores respon-
sáveis e consumidores éticos, não se configura apenas como uma relação
comercial, procura estabelecer um vínculo de cooperação e parceria entre
os produtores do Sul e os importadores do Norte. Em sua base, está o traba-
lho por uma economia justa e solidária. Desenvolve uma “economia da
proximidade”, apesar das grandes distâncias geográficas.

Outro ponto em comum diz respeito à concepção de consumo como


ato econômico, ético e político isto é, o ato de consumo como um exercício
de poder. O consumo de produtos cuja produção é feita sob a exploração
humana ou depredação da natureza, é também co-responsável pelo efei-
tos. O ato de compra contribui para que os responsáveis pela opres-são eco-
nômica e pela agressão ambiental possam converter as mercadorias
produ-zidas daquela forma em capital a ser rein-vestido do mesmo modo,
reproduzindo práticas socialmente injustas e ecologi-camente danosas. O
consumo solidário é aquele praticado em função não apenas do bem-viver
pessoal, mas também do bem-viver coletivo, do equilíbrio dos ecossistemas.

A solidariedade e a cooperação são valores partilhados pelas duas pers-


pectivas. A ação coletiva com o intuito de partilhar o traba-lho necessário
para a produção da vida social, de grupos, institui-ções e/ou países atuam
de forma combina-da para atingir objetivos comuns ou afins. Devem haver
ações que não procedam somente do interesse material calculado ou de

23
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

uma obrigação, mas de uma lógica da aliança e de certa gratuidade. Nesse


ponto, existem controvérsias entre economistas feministas com relação ao
papel do trabalho não pago: dádiva ou exploração?

Todo um conjunto de bens e serviços circulam no mundo da dádiva.


(Godbout e Caillé, 1992) mostram que a característica da dádiva moderna é
o fato de ela se tornar também dádiva aos estranhos. Não é na racionalidade
individual que se deve buscar a chave das ações sociais, mas nas redes e
na confiança que liga e une os seus membros.

A centralidade no trabalho, base da economia solidária e da perspec-


tiva feminista contrapõe-se à economia do capital, na qual o conjunto da
economia é visto por um úni-co princípio de mercado, do qual partici-pam
indivíduos utilitaristas e calculistas. Nele, a capacidade de competir e ga-
nhar dá acesso desde a riqueza, até o potencial de autodesenvolvimento, e
sua orienta-ção geral baliza-se conforme a lógica da acumulação de capi-
tal. Os trabalhadores não são sujeitos, mas obje-tos, são “recursos huma-
nos”, aos quais se acrescentaram as noções de “capital humano”, “capital
social”. A economia solidária e a a perspectiva feminista da economia bus-
cam a construção consciente de outra economia, cuja base são certos va-
lores como a justiça social, a solidariedade e o respei-to à natureza. A eco-
nomia moral busca a socialização da riqueza, privilegiando as necessida-
des sociais e não o lucro, o valor de uso e não o valor de troca, a construção
de espaços públicos de proximidade, em que a eficiência com-preenda a
materialização de benefícios sociais e não meramente monetários e que a
eficácia seja avaliada com relação à satisfação de necessidades e a objeti-
vos materiais, socioculturais e ético-morais dos indivíduos e da coletivida-
de, imediatos ou de longo prazo.

Por fim, outro aspecto importante nas duas perspectivas é a autono-


mia e a emancipação social. Para Catani (2009) a emancipação social vin-
cula-se ao con-ceito de autonomia. Uma comunidade política é emancipa-
da, é livre, quando suas leis não são impostas por processos repres-sivos,
tutelares ou paternalísticos; é autô-noma quando não obedece a
regramentos subjetivos, adventícios ou arbitrários; é, verdadeiramente,
emancipada, quando a lei maior é o bem comum, objetivo e universalizador.

24
RODRIGUES, L. O que é o econômico? A perspectiva plural...

Considerações finais

Por associar a atividade econômica direta e indiretamente com o mer-


cado, a análise econômica tinha a tendência de tornar invisível uma gran-
de parte do trabalho feito com base no princípio reciprocidade e adminis-
tração doméstica, especialmente por mulheres. Uma ampla variedade de
atividades não remuneradas que produziam bens e serviços para o consu-
mo intra-familiar, entretanto, simplesmente não era consideradas “traba-
lho” em termos econômicos. Além da produção doméstica, figurava entre
as atividades excluídas o trabalho voluntário em instituições e comunida-
des e atividades agrícolas para autoconsumo. Como uma grande proporção
do trabalho de mulheres se dá nessas atividades, o trabalho feminino é
subestimado em estatísticas, permanecendo economicamente invisível e
toda a economia a ele relacionada.

Essa realidade tem mudado graças à novos paradimas emergentes como


a economia feminista e a economia solidária nos círculos acadêmicos, o
que tem contribuído para uma releitura da economia e para a visibilidade
tanto teórica e empirica de outros princípios econômicos. A economia fe-
minista aplicou critérios de mercado à alocação de tempo, ressaltando a
importância econômica da produção familiar e do trabalho das mulheres,
dando-lhes visibilidade nas estatísticas econômicas. A distinção conceitual
entre produção e reprodução – assim como a análise das relações entre as
duas – inaugurou novas possibilidades para compreender o papel das mu-
lheres e da reciprocidade na reprodução social.

O paradima feminista da economia traz uma literatura crítica com re-


lação ao paradigma econômico existente. Estas concepções (economia so-
lidária e economia feminista) rejeitam a separação entre as dimensões so-
cial e econômica, observando conforme Elson e Cagatay (2000) o conteúdo
social da esfera econômica. A nossa aposta é de que a economia solidária e
a economia feminista possam inspirar modelos distintos daquele centrado
no capital, que gera exclusão de ampla camada da população. Que econo-
mia social/solidária possa se enriquecer com os diálogos com a economia
feminista e vice-versa e se fortalecerem para enfrentar o poder do capital e
do patriarcalismo. No Brasil percebe-se um esforço teórico nos três cam-
pos. Quintela (2003) foi a primeira economista a discutir essa relação en-

25
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

tre economia solidária e feminismo e, atualmente, está na pauta das dis-


cussões da Rede de Economia e Feminismo. A discussão dos três temas
estavam presentes no FSM porém isoladas umas das outras, ou apenas
tangenciando umas às outras.

Ambas perspectivas, com suas abordagens plural da economia reenvia


a uma concepção de mudança num quadro democrático, incluem um de-
sejo de liberdade e de autodeterminação, fazem parte de um esforço de
construção de uma economia mais humana, centrada no fornecimento de
necessidades humanas e não em noções de escassez, eficiência e
maximização do crescimento econômico.

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27
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

28
DESIGUALDADES NA INFRAESTRUTURA ESCOLAR E
QUALIDADE NO ENSINO FUNDAMENTAL DAS
MESORREGIÕES DE MINAS GERAIS

Maria Elizete Gonçalves*


Marília Borborema Rodrigues Cerqueira**
Daniel Brito Alves***
Karine Rodrigues Araújo****

Resumo: Ao se discutir a educação vem à tona diversas abordagens, entre


elas, a que discorre sobre as desigualdades educacionais e sobre a qualidade
do ensino. Este estudo busca relacionar uma das dimensões das
desigualdades - a dimensão de tratamento (aqui medida pela infraestrutura
escolar) - à qualidade do ensino nas escolas de ensino fundamental do
Estado de Minas Gerais. Para a classificação das escolas segundo a
infraestrutura existente, foram utilizados o modelo logístico de dois
parâmetros e a Teoria da Resposta ao Item (TRI). Na análise de correlação,
foram utilizados os indicadores de infraestrutura construídos e o Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Entre os principais
resultados, foram evidenciadas desigualdades na distribuição da

**
Doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora do
Departamento de Economia/PPGDEE da Universidade Estadual de Montes Claros
(UNIMONTES). Minas Gerais. Brasil.
**
Doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora do
Departamento de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros
(UNIMONTES). Minas Gerais. Brasil.
***
Mestrando em Economia pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA). Foz do Iguaçu. Paraná.
****
Graduanda em Economia pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).
Minas Gerais. Brasil.

29
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

infraestrutura no sistema educacional do Estado (ensino fundamental), de


forma que os alunos residentes em regiões menos desenvolvidas, e portanto,
mais pobres, estão nas escolas com piores níveis de infraestrutura. Explicita-
se a necessidade de implementação de políticas públicas objetivando a
promoção de melhores condições de oferta do ensino focalizadas, sobretudo,
nas mesorregiões menos desenvolvidas de Minas Gerais.

Palavras-chave: Desigualdades Educacionais; Qualidade do Ensino; Minas


Gerais.

INEQUALITIES IN THE SCHOOL INFRASTRUCTURE AND QUALITY


IN THE ELEMENTARY SCHOOL OF THE MESORREGIÕES DE
MINAS GERAIS

Abstract: When discussing education emerge several approaches, among


them, that discusses educational inequalities and the quality of education.
This study seeks to relate one of the dimensions of inequalities - the
dimension of treatment (here measured by school infrastructure) - to the
quality of teaching in elementary schools in the State of Minas Gerais. For
the classification of schools according to the existing infrastructure, the
two parameter logistic model and the Item Response Theory (TRI) were used.
In the correlation analysis, the infrastructure indicators and the Basic
Education Development Index (IDEB) were used. Among the main results,
inequalities in the distribution of infrastructure in the state education
system (elementary education) were evidenced, so that students living in
less developed regions, and therefore poorer, are in schools with the worst
levels of infrastructure. The need for the implementation of public policies
is made explicit, aiming at promoting better conditions of educational
provision, focused mainly on the less developed mesoregions of Minas
Gerais.

Keywords: Educational Inequalities; Quality of Teaching; Minas Gerais.

DESIGUALDADES EN INFRAESTRUCTURA ESCOLAR Y CALIDAD


EN LA EDUCACIÓN FUNDAMENTAL DE MESOREGIONES DE
MINAS GERAIS

Resumen: Al analizar la educación, surgen varios enfoques, incluido el


que analiza las desigualdades educativas y la calidad de la enseñanza.
Este estudio busca relacionar una de las dimensiones de las desigualdades,
la dimensión del tratamiento (aquí medida por la infraestructura escolar),
con la calidad de la educación en las escuelas primarias del estado de

30
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

Minas Gerais. Para la clasificación de las escuelas de acuerdo con la


infraestructura existente, se utilizaron el modelo logístico de dos parámetros
y la Teoría de Respuesta al Ítem (TRI). En el análisis de correlación, se
utilizaron los indicadores de infraestructura construidos y el Índice de
Desarrollo de Educación Básica (IDEB). Entre los principales resultados,
se evidenciaron desigualdades en la distribución de infraestructura en el
sistema educativo del estado (escuela primaria), de modo que los
estudiantes que residen en regiones menos desarrolladas y, por lo tanto,
más pobres, están en escuelas con los peores niveles de infraestructura.
Es evidente la necesidad de implementar políticas públicas, con el objetivo
de promover mejores condiciones para la provisión de educación, enfocada
principalmente en las regiones menos desarrolladas de Minas Gerais.

Palabras clave: Desigualdades Educativas; Calidad Enseñanza; Minas


Gerais.

1 Introdução

Historicamente, a educação brasileira é marcada por fortes desigual-


dades, resultado do processo de construção do sistema educacional (com
suas normas, regras e valores), ancorado à estrutura social e econômica
do país. Trata-se de um sério problema a ser enfrentado, pois, entre os seus
efeitos mais perversos, destacam-se a (re)produção da pobreza, a desigual-
dade de renda e a exclusão social (JUNIOR, 2013; GARCIA e HILLESHEIM,
2017). Importante, pois, conceituar a igualdade educacional, para melhor
entendimento da temática.

O conceito de igualdade educacional é polissêmico, destacando-se


três concepções: igualdade de oportunidades; igualdade de tratamento e;
igualdade de conhecimento (CRAHAY, 2000). A primeira concepção está
associada à justiça meritocrática, segundo a qual todos devem receber ins-
trução, por parte do estado, segundo as potencialidades de formação,
desconsiderando-se a classe social, raça ou cor. A segunda está associada
à justiça distributiva, em que o ensino ofertado pelas escolas deve ser igual
para todos, pressupondo-se capacidades iguais relacionadas à aprendiza-
gem. A terceira concepção, isto é, a igualdade de conhecimento, relacio-

31
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

na-se à justiça corretiva, sendo que a organização do ensino deve conside-


rar os objetivos a serem alcançados por todos1.

Em contrapartida, nessa linha de argumentação de Crahay (2000), é


possível elencar as seguintes dimensões da desigualdade educacional:
desigualdade de acesso; desigualdade de tratamento e; desigualdade de
resultados. No tocante à primeira dimensão, depreende-se que há desi-
gualdade no tratamento dado a cada aluno, uma vez que aquele que tiver
maior potencialidade deve receber mais; podendo ser mensurada pela taxa
de acesso à unidade escolar. Na desigualdade de tratamento são admiti-
das desigualdades de resultados, pois diante do tratamento homogêneo
dado aos alunos, o sucesso escolar está relacionado ao mérito do aluno.
Este tipo de desigualdade pode ser avaliado por meio de indicadores de
infraestrutura escolar. Por último, tem-se a desigualdade de resultados,
que considera as desigualdades iniciais, cuja redução pode ocorrer atra-
vés de ações afirmativas e de compensação (OLIVEIRA et al., 2013;
THOMAZINHO, 2017).

Como pode-se depreender, as três dimensões da desigualdade educa-


cional são interrelacionadas. Por exemplo, as desigualdades de tratamen-
to e de conhecimento no ensino fundamental podem influenciar (a desi-
gualdade) no acesso ao nível superior. Dito de outra forma, alunos perten-
centes a escolas de ensino fundamental, com infraestrutura precária, po-
dem ter pior desempenho educacional, de forma a inviabilizar o acesso em
níveis de ensino superiores. Portanto, as medidas que visam a redução das
desigualdades educacionais devem contemplar as três dimensões
elencadas.

Não menos importante, neste debate, é a questão da qualidade do en-


sino. A educação deve ser ofertada com qualidade, para não se incorrer no
risco de perpetuar as desigualdades existentes no sistema educacional.
Assim, a qualidade do ensino tem sido objeto de estudos recorrente na
área educacional, existindo abordagens que incluem desde a conceituação
do termo até o apontamento dos fatores relacionados.

1
As concepções de justiça em educação e sua relação com o que se entende por
igualdade em educação podem ser acompanhadas na obra “Poderá a Escola ser Justa
e Eficaz? Da igualdade das oportunidades à igualdade dos conhecimentos” de autoria de
Marcel Crahay (2000).

32
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

Da mesma forma que o conceito de igualdade educacional é


polissêmico, o termo qualidade educacional também o é. Alguns autores
apontam os vários significados e o lado dinâmico do conceito (OLIVEIRA e
ARAÚJO, 2005; DOURADO et al. 2007; THOMAZINHO, 2017), que reflete o
contexto educacional de cada época; ou seja, a qualidade educacional está
vinculada tanto às demandas quanto às exigências sociais de um determi-
nado processo, em tempo e espaço definidos e definindo-a (MEC, 2009).

Ainda nesta perspectiva, a educação é considerada de qualidade, do


ponto de vista social, quando contribui para a redução da desigualdade; e
do ponto de vista econômico, quando está atrelada ao uso eficiente dos
recursos destinados à educação (DOURADO et al., 2007).

Em conformidade com o texto da “Reunião da Sociedade Civil”, que


ocorreu em Brasília, no ano de 2004, citado por Gadotti (2013), a qualida-
de é um processo que requer investimentos financeiros de longo prazo.
Além disso, exige a participação da sociedade e o reconhecimento das di-
versidades e desigualdades socioculturais e políticas. O texto prossegue
com a afirmação:

Queremos uma qualidade em educação que gere sujeitos de


direitos, inclusão cultural e social, qualidade de vida, contri-
bua para o respeito à diversidade, o avanço da sustentabilidade
e da democracia e a consolidação do Estado de Direito em
todo o planeta (REUNIÃO DA SOCIEDADE CIVIL, 2004:1).

Ou seja, o grande desafio, não só dos tempos atuais, mas que vigora a
décadas, é descobrir os meios para se atingir tal fim (a qualidade do ensino).
É fato que em termos de quantidade as metas propostas no Plano Nacional
de Educação (PNE) têm sido cumpridas. Por exemplo, no ensino fundamental,
que é o foco desse trabalho, os dados apontam que em 2015 a taxa de
atendimento2 nesse nível de ensino correspondeu a 98,5%. Contudo, não
basta ampliar o acesso. Necessário se faz que o acesso do aluno à escola seja
acompanhado por sua aprendizagem. Uma educação de qualidade gera
alunos com capacidade para pensar e agir com autonomia. Gera a arte do
saber-fazer!

2
A taxa de atendimento, no ensino fundamental, corresponde à porcentagem de crian-
ças de 6 a 14 anos que frequenta a escola, independentemente da etapa de ensino.

33
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Gadotti (2013) infere que uma escola precisa de pouco para ser consi-
derada de qualidade; o que não pode faltar nelas são as ideias. O autor
aponta três condições para que ela oferte uma educação de qualidade. A
primeira refere-se a uma boa formação dos professores. A segunda, é que
nela devam existir boas condições de trabalho e, por fim, deve haver um
projeto.

Conforme o Documento de Referência da Conferência Nacional de


Educação (MEC, 2009), há um conjunto de variáveis macroestruturais que
interferem na qualidade da educação; por exemplo, a concentração de ren-
da. Igualmente importante, é considerar as questões intra-escolares, como
a organização e a gestão do trabalho educativo, com destaque para as con-
dições de oferta do ensino e a dinâmica curricular, entre outros.

Especificamente com relação às condições de oferta do ensino, as es-


colas devem oferecer as condições físico-materiais, humanas e pedagógi-
cas que resultem em um ambiente favorável à aprendizagem. Ou seja, en-
tre outros fatores, a infraestrutura das escolas contribui para a aprendiza-
gem e, consequentemente, para a permanência do aluno na escola, em
função do bom desempenho obtido.

A partir desse contexto, emerge um importante questionamento: como


mensurar a qualidade do ensino? No Brasil, ela tem sido mensurada, prin-
cipalmente, por meio de testes padronizados de rendimento ou desempe-
nho. Ressalta-se que, no ano de 2007, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) criou um importante indi-
cador relacionado à qualidade da educação: o Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB). Trata-se de um indicador da educação básica,
que combina informações de desempenho em exames padronizados com
informações sobre o fluxo escolar.

Por meio do IDEB é possível o monitoramento do sistema de ensino do


País, identificando as escolas cujos alunos apresentam baixo rendimento
e fluxo escolar inadequado. Desse modo, as autoridades educacionais po-
dem atuar de forma a melhorar a qualidade educacional, através, por exem-
plo, de maiores investimentos nas instituições de ensino.

A literatura educacional é rica em estudos que visam a identificação


dos fatores determinantes da qualidade da educação, no ensino funda-

34
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

mental. Destes estudos, vários utilizaram como método de análise os mo-


delos de regressão, sobretudo os hierárquicos, cuja especificação inclui
tanto fatores relacionados ao aluno e respectiva família, como relaciona-
dos à escola, entre outros. Entre os resultados, constata-se geralmente uma
relação significativa entre os fatores intraescolares, associados às condi-
ções de ensino, e a qualidade do ensino. Mais especificamente, a
infraestrutura escolar aparece como uma variável relevante na explicação
do desempenho do aluno (GONÇALVES, 2008; OLIVEIRA, 2014;
ALEXANDRINO, 2017). Em outros estudos, os recursos escolares não
impactam o desempenho (MOREIRA, 2013; VERNIER, BAGOLIN, JACINTO,
2015). Os resultados podem divergir em função das especificações e tipos
de modelos de regressão utilizados, bem como da ineficiência do uso dos
recursos escolares.

Este artigo foca, entre as três dimensões da desigualdade educacio-


nal, a desigualdade de tratamento; que está relacionada às condições da
oferta de ensino que, a princípio, devem ser iguais para todos. Uma das
formas de avaliar a existência de igualdade ou desigualdade de tratamen-
to é por meio de indicadores de infraestrutura escolar.

Desta forma, as questões norteadoras desse estudo são as seguintes: i)


como classificar as escolas de acordo com suas condições de infraestrutura?
ii) as escolas com melhor infraestrutura ofertam uma educação de melhor
qualidade? iii) Essa associação – entre infraestrutura e qualidade – é váli-
da para todas as escolas, independente do grau de desenvolvimento da
região em que estão inseridas?

A pretensão deste artigo é responder a esses questionamentos, de for-


ma a verificar se há (des)igualdade de tratamento referente à distribuição
da infraestrutura nas escolas das mesorregiões do estado de Minas Gerais;
e em que medida a infraestrutura e a qualidade educacional estão relaci-
onadas.

Este trabalho está estruturado em quatro seções. A primeira consiste


dessa parte introdutória. A segunda refere-se aos procedimentos
metodológicos adotados. Na terceira são apresentados e discutidos os re-
sultados e; por último, são feitas as considerações finais.

35
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

2 Material e Métodos

Para o desenvolvimento deste estudo, foram realizadas a análise des-


critiva e a análise de correlação entre a qualidade do ensino e a
infraestrutura escolar. O coeficiente de correlação utilizado foi o proposto
por Pearson. A classificação das escolas segundo sua infraestrutura foi fei-
ta a partir do modelo logístico de dois parâmetros e da Teoria da Resposta
ao Item (TRI).

2.1 O Modelo Logístico de Dois Parâmetros e a Teoria da Resposta ao


Item (TRI)

Em medidas sociológicas, psicológicas ou educacionais algumas va-


riáveis podem não ser observáveis diretamente. Em psicometria, essas vari-
áveis são chamadas de habilidades ou traços latentes. Diferentemente de
variáveis como o peso ou a altura, as habilidades ou traços latentes, como
por exemplo, a inteligência, habilidade em executar uma tarefa, ansieda-
de, e etc., não podem ser medidas diretamente. Apesar disso, habilidades
ou traços latentes podem ser descritas e listadas.

Para medir tal traço latente, faz-se necessário criar uma escala de
medida segundo a qual essa variável assumirá seus valores. Também é
preciso admitir a hipótese de que cada examinando responda a um item de
acordo com habilidades implícitas. Por exemplo, no caso de testes
dicotômicos, cada nível de habilidade está associado a uma certa probabi-
lidade que o respondente j com esta habilidade dê uma resposta correta ao
item i. Esta probabilidade pode ser denotada por .

A curva que caracteriza essa tem, em geral, uma forma de “s”


(figura 1), conhecida como curva característica do item (CCI). Existem duas
propriedades técnicas da CCI que são usadas para descrevê-las: dificulda-
de do item e seu poder de discriminação.

36
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

Figura 1. Curva Característica do Item (CCI)

Fonte: site: <http://www.alfabetizario.caedufjf.net/relatorio-geral-do-alfabetiza-rio/tri-


e-curva-caracteristica.

Considerando o conceito de dificuldade em um contexto no qual as


respostas podem ser certas ou erradas, quanto maior a probabilidade de
resposta correta para uma habilidade baixa, mais fácil pode ser considera-
do o item ao qual a CCI representa. Quanto ao conceito de discriminação,
quanto maior for o seu formato em S maior é o seu nível de discriminação.
A CCI é a base da construção da Teoria da Resposta ao Item (TRI).

Conceitualmente, a TRI constitui-se a partir de modelos matemáticos


que tem como função representar a relação entre a probabilidade de um
indivíduo dar uma determinada resposta a um item como função dos
parâmetros do item e da habilidade do respondente, que é o caso paramétrico.
No caso dicotômico esta relação é sempre expressa de tal forma que quanto
maior a habilidade, maior a probabilidade de acertos ao item. O termo acer-
to é utilizado apenas devido à origem da TRI, associada a testes educacio-
nais.

No presente contexto, em que a variável latente que é objeto do estudo


representa uma característica da infraestrutura escolar, a resposta
dicotômica pode representar, por exemplo, o fato da escola possuir ou não
determinado atributo.

37
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Questões de resposta livre são de difícil uso na TRI. Consequentemente,


a maioria dos testes usados na TRI é de múltipla escolha e os itens podem
ser dicotômicos (certo ou errado) ou politômicos (incorporam variáveis ca-
tegóricas em suas respostas).

Diante disso, a TRI tem como base de todo o seu desenvolvimento dois
postulados: i) a performance de um respondente em um teste pode ser pre-
vista por um conjunto de fatores inerentes ao indivíduo, chamados de ha-
bilidade ou traço latente e; ii) a relação entre a habilidade do indivíduo e a
probabilidade de escolha no item pode ser descrita por uma função carac-
terística ou curva característica do item (CCI).

Deste modo, a TRI permite analisar cada item que constitui o instru-
mento de avaliação, considerando suas características na produção das
habilidades, facilitando, também, a interpretação da escala produzida. Além
disso, a TRI permite a compatibilidade dos resultados para grupos de indi-
víduos diferentes, mesmo quando são aplicados testes parcialmente dife-
rentes.

Teoricamente, podem existir vários modelos da TRI, porém, poucos são


utilizados na prática. Os modelos dependem fundamentalmente de três
fatores: i) da natureza do item – dicotômicos ou politômicos; ii) do número
de populações envolvidas e; iii) da quantidade de traços latentes que está
sendo medida.

Dentre os vários modelos, está o logístico de dois parâmetros, muito


utilizado no contexto de avaliação educacional, onde a variável latente é
identificada com a habilidade cognitiva do aluno, e as possibilidades de
escolha são acertar, ou não, o item.

Este modelo pressupõe a relação entre o valor da variável latente (a ser


estimada) do indivíduo e a sua probabilidade de escolha por uma das duas
alternativas segundo uma função de distribuição logística parametrizada
por coeficientes que representam determinadas características do item.

Assim, admita que Ui j seja uma variável aleatória dicotômica assumin-


do os valores 0 ou 1. O modelo de dois parâmetros expressa a relação entre
a variável latente e a resposta dada ao item da seguinte forma:

38
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

sendo ai o parâmetro de discriminação (ou de inclinação) do item i, com


valor proporcional à inclinação da curva característica do item no ponto bi.
D é um fator de escala constante e igual a 1. O índice i representa o núme-
ro do item e j o respondente.

Mesmo que o principal objetivo desse modelo seja o de sua utilização


em avaliação educacional3, pode-se empregá-lo com outras finalidades. É
o caso, por exemplo, de utilizá-lo para a construção de um índice que mede
a condição socioeconômica de indivíduos de uma população ou, no con-
texto desse artigo, de medir a infraestrutura das escolas. Podem ser consi-
deradas como variáveis indicadoras de infraestrutura, a existência ou não
de recursos como laboratório de informática, biblioteca, etc.

Por meio do modelo logístico de dois parâmetros e da Teoria da Res-


posta ao Item foram calculados os escores de infraestrutura escolar, com
valores padronizados para ter média 50 e desvio padrão 10, para viabilizar
a comparação entre as escolas.

2.2 Dados e Variáveis

Os dados do IDEB (medida da qualidade do ensino de cada escola)


foram coletados junto ao portal do INEP, para os anos iniciais do ensino
fundamental (1º ao 5º ano), referentes ao ano de 2013. Este indicador sin-
tetiza dois conceitos: aprovação e média de desempenho dos estudantes
em língua portuguesa e matemática. Seu cálculo considera os dados sobre
aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e as médias de desempenho
nas avaliações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB)
e na Prova Brasil.

A construção dos escores de infraestrutura foi baseada na metodologia


proposta por Neto et al (2013), por meio do software R, sendo utilizados os
microdados do SAEB. As variáveis relacionadas à infraestrutura escolar,
que constam no Quadro 1, foram dicotomizadas para assumir os valores 1 e

3
Nas últimas décadas, o uso da TRI tem se tornado predominante no contexto de
avaliações educacionais em vários países. No Brasil, a primeira experiência ocorreu
em 1995, na análise de dados do Sistema Nacional de Avaliação Básica (SAEB).

39
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

0, indicando a presença ou ausência de determinado item na escola, res-


pectivamente.

Quadro 1. Itens utilizados na análise da Teoria da Resposta ao Item (TRI)

Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados do INEP.

3 Resultados e Discussão

Os escores calculados representam o nível de infraestrutura de cada


escola, que foi classificado da seguinte forma, conforme Tabela 1:

40
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

Tabela 1: Critérios de classificação das escolas conforme o escore de


infraestrutura

Fonte: Elaboração dos autores com base em Neto et al. (2013).

Verifica-se que o nível elementar foi subdividido em quatro subníveis,


sendo o intervalo de 0 a 20 definido como elementar 1 e o intervalo de 40
a 50 definido como elementar 4. A infraestrutura foi definida como básica
para as escolas que apresentaram escores entre 50 e 60; e adequada para
aquelas com escores entre 60 e 70. As escolas com melhor infraestrutura,
definidas no nível avançada (subníveis 1 e 2) são as que possuem escores a
partir de 70.

A Tabela 2 apresenta o total e o percentual de escolas de acordo com a


classificação de infraestrutura, para as mesorregiões de Minas Gerais.

41
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Tabela 2. Total e distribuição percentual de escolas por nível da escala de


infraestrutura, mesorregiões de Minas Gerais, 2013

Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados do INEP.

Em Minas Gerais, das 16.996 escolas analisadas, 46% possuem


infraestrutura elementar e 39% infraestrutura básica. Somente 14% e 1%,
respectivamente, possuem infraestrutura adequada e avançada.

Apresentaram elevados percentuais de escolas no nível elementar as


mesorregiões do Jequitinhonha (69%), Norte de Minas (67%) e Vale do
Mucuri (65%); com valores bem superiores ao verificado no Estado (46%).
Essas três regiões são as menos desenvolvidas de Minas Gerais (com me-
nor Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, em 2010). Em contrapartida,
as regiões que apresentaram menores percentuais, para o nível elementar,
foram Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (29%), Metropolitana de Belo Ho-

42
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

rizonte e Oeste de Minas, ambas com 33%; caracterizadas por melhores


níveis de desenvolvimento.

Três mesorregiões dentre as de maior desenvolvimento no Estado (Cen-


tral Mineira, Sul/Sudoeste de Minas e Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba)
apresentaram maior proporção de escolas com infraestrutura básica em
relação à quantidade de escolas com infraestrutura elementar.

Os maiores percentuais de escolas no nível adequado foram verificados


nas mesorregiões Metropolitana de Belo Horizonte, Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba – ambas com 20% – e Oeste de Minas, com 18%. As regiões que
apresentaram os menores percentuais para esse nível foram Vale do Mucuri
(6%), Jequitinhonha (7%), Norte de Minas e Zona da Mata, ambas com 8%.
Estas quatro regiões se encontram entre as com menor nível de
desenvolvimento.

O percentual de escolas classificadas como tendo infraestrutura de


nível avançado foi muito baixo, tanto no Estado como nas mesorregiões,
sendo que cinco delas não tiveram nenhuma escola neste nível.

Das 12 mesorregiões mineiras, cinco possuem mais de 50% de suas


escolas classificadas no nível elementar de infraestrutura. De modo geral,
todas as mesorregiões do Estado concentraram maior número de escolas
nas classificações elementar e básica.

Feita essa classificação das escolas segundo o nível de infraestrutura,


o próximo passo é verificar se existe correlação entre a infraestrutura esco-
lar e a qualidade do ensino, mensurada pelo IDEB4. A Tabela 3 apresenta
os resultados para essa associação, nos anos iniciais do ensino fundamental,
além dos valores médios do IDEB e do IDH, por mesorregião.

4
Nessa análise, o total de escolas difere do total apresentado na tabela anterior, pois
foram consideradas apenas as escolas com informações para o IDEB (nos anos inici-
ais do ensino fundamental).

43
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Tabela 3. Valores do IDEB, IDH e correlação entre infraestrutura escolar e


IDEB, mesorregiões de Minas Gerais, 2013

Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados do INEP.


Notas: i) Na última coluna, os valores entre parênteses correspondem ao p-valor da
análise de correlação
ii) * indica significativo ao nível de significância de 1%; ** significativo ao nível
de 5% e *** significativo ao nível de 10%).
iii) Valores entre parênteses, na coluna IDH, refere-se ao ranking mesorregional.

Inicialmente, observa-se que as mesorregiões com maiores níveis de


desenvolvimento apresentaram um ensino de maior qualidade. Em
contrapartida, os valores médios do IDEB foram mais baixos para as
mesorregiões menos desenvolvidas.

44
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

A análise mesorregional revela que, nos anos iniciais, metade das


mesorregiões mineiras apresentou correlação positiva e significativa entre
o IDEB e os escores de infraestrutura escolar, sendo elas: Campo das Ver-
tentes, Noroeste de Minas, Norte de Minas, Sul/Sudoeste de Minas, Vale
do Mucuri e Vale do Rio Doce. Entre estas, constatou-se correlação mais
forte entre as variáveis para o Vale do Mucuri (r=0,2689), região com menor
IDH em 2010.

Considerando-se as três mesorregiões de maior desenvolvimento (Tri-


ângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Sul/Sudoeste de Minas e Oeste de Minas)
houve correlação significativa entre as variáveis apenas para a mesorregião
Sul/Sudoeste (ao nível de significância de 1%). Por outro lado, entre as
três mesorregiões menos desenvolvidas do Estado (Vale do Mucuri,
Jequitinhonha e Norte de Minas), a associação foi significativa somente
para as regiões Norte de Minas e Vale do Mucuri, cujos coeficientes de
correlação foram significativos ao nível de significância de 1%.

Os resultados obtidos não permitem inferir que pior infraestrutura


escolar esteja associada a pior qualidade educacional nas regiões menos
desenvolvidas; ou que melhor infraestrutura esteja associada a melhor
qualidade educacional, nas regiões de maior nível de desenvolvimento. É
possível que, independentemente do nível de desenvolvimento regional,
haja uma quantidade razoável de escolas com infraestrutura ruim, mas,
com boa qualidade do ensino (medida pelo IDEB); bem como escolas com
melhor dotação de recursos físicos, mas, com baixa qualidade do ensino.

4 Considerações finais

Foram estabelecidas três questões norteadoras para este artigo. A pri-


meira consistiu em apresentar o método da Teoria da Resposta ao Item, por
meio do modelo logístico de dois parâmetros, para a classificação das esco-
las de Minas Gerais que ofertam o ensino fundamental, segundo sua
infraestrutura. Foram definidas quatro categorias de escolas a partir dos
recursos físicos nelas existentes: elementar, básica, adequada e avançada.
Em uma análise agregada (Estado), a maioria das escolas mineiras se en-
quadrou nas categorias elementar e básica (85%). Esse resultado foi simi-
lar ao estudo realizado por Neto et. al (2013), para as escolas brasileiras

45
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

(84,5%), no ano de 2011. O recorte segundo as mesorregiões indicou que


metade delas possui a maior parte de suas escolas com infraestrutura ele-
mentar. As disparidades interregionais são alarmantes: se por um lado 1/
4 das mesorregiões tem entre 29% e 33% de suas escolas classificadas no
nível elementar, por outro, igual quantidade de mesorregiões (1/4) tem
entre 65% e 69% de suas escolas nessa mesma categoria.

Estes dados evidenciam as desigualdades educacionais (na concep-


ção tratamento) existentes no sistema educacional do Estado (ensino fun-
damental). Constatou-se uma distribuição desigual de recursos físicos entre
as escolas, sendo que os estabelecimentos escolares localizados em regi-
ões mais desenvolvidas mostraram-se melhor equipados, vis-à-vis aqueles
localizados nas regiões menos desenvolvidas. É verdade que o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB), instituído em 2006, possibilitou a
redistribuição horizontal de recursos financeiros (provenientes de impos-
tos e transferências) no âmbito do estado e respectivos municípios, uma
vez que estes são distribuídos considerando-se o total de matrículas em
cada rede de ensino. Contudo, urge a implementação de políticas públicas
com a finalidade de promover melhores condições de oferta do ensino e,
por consequência, melhores condições de aprendizagem, focalizadas so-
bretudo nas mesorregiões menos desenvolvidas de Minas Gerais.

As outras duas questões discutidas neste artigo corresponderam à


análise de associação entre a medida de desigualdade educacional utili-
zada - a infraestrutura escolar - e a qualidade da educação no ensino fun-
damental, segundo o nível de desenvolvimento regional. Somente para
metade das mesorregiões foi verificado a existência de associação entre as
variáveis. Para as demais mesorregiões, infere-se que ainda que suas esco-
las apresentem melhores (piores) condições de infraestrutura, não neces-
sariamente possuem maiores (menores) valores para o IDEB. Nesta análise,
não foram observados diferenciais segundo o nível de desenvolvimento
mesorregional.

Importante ressaltar que não foi pretensão deste artigo esgotar as ca-
racterísticas que permitem um delineamento de melhores condições de
infraestrutura escolar, até mesmo porque variáveis como a qualidade dos
equipamentos existentes não foram consideradas. Ademais, a preocupa-

46
GONÇALVES, M. E.; CERQUEIRA, M. B. R.; ALVES, D. B.; ARAÚJO, K. R. Desigualdades...

ção com a baixa qualidade do ensino não pode se restringir apenas a um


nível de ensino, como o fundamental, discutido neste estudo. Ela deve ser
considerada de forma sistêmica, englobando desde a etapa da matrícula
na creche até a pós-graduação. Assim, são diversos e abrangentes os desa-
fios relacionados à obtenção das igualdades educacionais e de uma edu-
cação de qualidade. Desafios esses que são maiores ainda em regiões com
menor nível de desenvolvimento econômico.

Para estudos futuros sugere-se a identificação, por meio de modelos


de regressão, dos reais fatores associados à qualidade educacional, para
além da infraestrutura escolar.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais


(FAPEMIG) pelo financiamento à pesquisa que deu origem a este artigo.

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49
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

50
A REGIONALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA DE
MINAS GERAIS E A ESTRATÉGIA LOGÍSTICA DE
DESCENTRALIZAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS
BÁSICOS PARA O SUS

Cristian Correna Carlo*

Resumo: Após 20 anos, desde as primeiras ações descentralizadoras da


assistência farmacêutica em Minas Gerais, os municípios mineiros terão
autonomia administrativa para gerir os recursos do SUS na aquisição de
medicamentos básicos. Em 2017 estendeu-se aos governos locais a auto-
nomia de gestão destes recursos segundo a estratégia de Regionalização,
sendo substituído o modelo de gestão centralizado no estado. Foi movido
por este contexto de reconfiguração institucional que se buscou com este
artigo avaliar o processo de Regionalização sob a ótica da gestão logística,
identificando possíveis avanços e/ou desafios do modelo descentralizado,
na busca de maior efetividade para a política pública de assistência farma-
cêutica do estado. A pesquisa fundamentou-se em levantamento biblio-
gráfico, entrevistas e consultas escritas a servidores-chave da administra-
ção pública mineira. Os resultados indicam possíveis ganhos de eficiência
pela redução do preço de compra dos medicamentos e pela redução consi-
derável do custo logístico. Porém, evidenciam também desafios significati-
vos quanto à capacidade de gestão dos governos locais e à integração entre
as esferas estadual e municipal na perspectiva de instituir-se, no novo
modelo, um estado mais gestor que operador do sistema.

Palavras-chave: assistência farmacêutica, SUS, descentralização, logística,


política pública.

* Mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (FJP). Professor do


Curso de Administração da Universidade Salgado de Oliveira em Belo Horizonte -
MG, Brasil. E-mail: cristian.carlo@ymail.com.br.

51
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

REGIONALIZATION OF THE PHARMACEUTICAL ASSISTANCE OF


MINAS GERAIS AND THE LOGISTICS STRATEGY FOR
DECENTRALIZATION OF THE ACQUISITION OF BASIC MEDICINES
FOR SUS

Summary: After 20 years, since the first decentralization actions for


pharmaceutical assistance in Minas Gerais, counties (municípios) of Mi-
nas Gerais will have administrative autonomy to manage SUS resources in
the acquisition of basic medicines. In 2017, the autonomy of management
of these resources was extended to local governments according to the
Regionalization strategy, replacing the centralized management model in
the state. It was driven by this context of institutional reconfiguration that
this article sought to evaluate the Regionalization process from the
perspective of logistical management, identifying possible advances and /
or challenges of the decentralized model, in the search for greater
effectiveness for the public policy of pharmaceutical care in the state. The
research was based on a bibliographic survey, interviews and written
consultations with key public administration employees in Minas Gerais.
The results indicate possible efficiency gains due to the reduction in the
purchase price of medicines and the considerable reduction in the logistics
cost. However, they also show significant challenges regarding the
management capacity of local governments and the integration between
the state and municipal spheres in the perspective of establishing, in the
new model, a state that is more a manager than an operator of the system.

Keywords: pharmaceutical assistance, SUS, decentralization, logistics,


public policy.

Resumen: Después de 20 años, desde las primeras acciones de


descentralización para asistencia farmacéutica en Minas Gerais, los
municipios de Minas Gerais tendrán autonomía administrativa para admi-
nistrar los recursos del SUS en la adquisición de medicamentos básicos.
En 2017, la autonomía de gestión de estos recursos se extendió a los
gobiernos locales de acuerdo con la estrategia de regionalización,
reemplazando el modelo de gestión centralizada en el estado. Fue
impulsado por este contexto de reconfiguración institucional que este ar-
tículo buscaba evaluar el proceso de regionalización desde la perspectiva
de la gestión logística, identificando posibles avances y / o desafíos del
modelo descentralizado, en la búsqueda de una mayor efectividad para la
política pública de atención farmacéutica en el estado La investigación se
basó en una encuesta bibliográfica, entrevistas y consultas escritas con
empleados clave de la administración pública en Minas Gerais. Los resul-
tados indican posibles ganancias de eficiencia debido a la reducción en el

52
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

precio de compra de medicamentos y la reducción considerable en el costo


logístico. Sin embargo, también muestran desafíos importantes con respecto
a la capacidad de gestión de los gobiernos locales y la integración entre
las esferas estatales y municipales en la perspectiva de establecer, en el
nuevo modelo, un estado que sea más gerencial que operador del sistema.

Palabras claves: asistencia farmacéutica, SUS, descentralización,


regionalización, logística, política pública.

1 Introdução

Ao final da década de 1960, o mercado brasileiro de medicamentos


era dominado pelas indústrias multinacionais e se caracterizava por ser
um setor, conforme Marquesini e Carmo (1980), “[...] dominado por capital
estrangeiro, de índole essencialmente oligopolista”. Como reação, o governo
brasileiro procedeu à criação da Central de Medicamentos (Ceme), autarquia
ligada diretamente à Presidência da República (Decretos no 68.806, de 25
de junho de 1971 e no 69.451, de 1º de novembro de 1971). Nestes, o obje-
tivo da Ceme é definido como o de “promover e organizar o fornecimento, por
preços acessíveis, de medicamentos de uso humano àqueles que, por suas
condições econômicas, não possam adquiri-los a preços comuns de merca-
do.”. Ao longo desta década, as atividades da Ceme se intensificavam e em
1977 sua cobertura atingia 3.339 municípios, aproximadamente 84% dos
municípios brasileiros. Já se constatava neste mesmo ano, forte participa-
ção das empresas privadas, fornecendo 53% do total de medicamentos dis-
tribuídos. (Marquesini e Carmo, 1980).

Em 1987, foi criado o programa Farmácia Básica visando racionalizar


a distribuição pelo uso do “módulo-padrão” de medicamentos. Este se tra-
tava de um conjunto de insumos capazes, em tese, de atender uma popula-
ção de 3 mil habitantes com um elenco de 48 medicamentos, todos cons-
tantes na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) vigen-
te à época. Buscava-se, desta forma, atender as doenças mais comuns, em
particular aquelas de nível ambulatorial. No entanto, o programa estruturado

53
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

com o “módulo-padrão” não contemplava a diversidade do território brasi-


leiro, com seus múltiplos perfis epidemiológicos. Logo saltaram aos olhos
necessidades de municípios não contempladas e desperdícios de medica-
mentos não utilizados. Em muitos casos, a ineficiência do sistema e as
constantes falhas de planejamento de produção e distribuição faziam com
que as unidades de saúde recebessem medicamentos com data de valida-
de próxima ao vencimento. (Cosendey, et al, 2000).

Em poucos anos os problemas com a assistência farmacêutica brasi-


leira foram se agravando. No governo de Fernando Collor de Mello, a Ceme
sofreu com problemas de desmanche de sua estrutura e em 1991 e 1992
viu sua participação no fornecimento reduzir-se a 20% da demanda para o
SUS. Em 1997, os escândalos de corrupção, ineficiência operacional e a
falta de medicamentos causaram a desativação da instituição. Pois foi exa-
tamente neste contexto de inoperância do sistema Ceme, que três estados
da federação, Paraná (1995), São Paulo (1997) e Minas Gerais (1997), ela-
boraram programas de distribuição de medicamentos para a atenção pri-
mária. Os programas de assistência farmacêutica destes estados objetivavam
garantir o fornecimento dos insumos para as patologias mais frequentes,
expandindo o acesso a medicamentos das camadas de baixa renda.
(Cosendey, et al., 2000).

No caso de Minas Gerais, o programa de distribuição de medicamen-


tos básicos foi sofrendo mudanças em seus arranjos institucionais, carac-
terizando momentos específicos segundo os avanços e desafios de cada
período. Nestes 20 anos, em contexto de vigoroso crescimento do volume e
variedade do elenco de medicamentos básicos, foram várias as estratégias
que visavam garantir a disponibilidade na rede pública, até o atual modelo
totalmente descentralizado preconizado pela estratégia de Regionalização.

Assim, a partir de 2017, excetuando-se um pequeno grupo de municí-


pios, os governos locais passaram a ser responsáveis pela gestão de com-
pra, armazenamento e transporte dos medicamentos básicos do Sistema
Único de Saúde (SUS), em um relacionamento mais direto com os diversos
fornecedores, na sua quase totalidade laboratórios privados.

54
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

A Regionalização, nome oficial utilizado pela Superintendência de


Assistência Farmacêutica (SAF) / Secretaria de Saúde (SES/MG), consti-
tuiu-se, do ponto de vista da gestão de disponibilidade do sistema e, por-
tanto, do ponto de vista da gestão logística, uma mudança institucional de
grande magnitude, tendo como cerne da estratégia a desativação da estru-
tura centralizada no estado e opção pela distribuição privada descentrali-
zada.

Diante do contexto de reconfiguração institucional que se apresenta-


va no período desta pesquisa, procurou-se com este trabalho analisar o pro-
cesso de Regionalização sob a ótica da gestão logística de distribuição de me-
dicamentos, identificando possíveis avanços e/ou desafios do modelo des-
centralizado integrante da política pública de assistência farmacêutica para o
SUS. Esta pesquisa lança um olhar para a gestão logística das políticas de
distribuição porque se acredita estar a assistência farmacêutica inserida
em um leque de políticas públicas que são intensivas em fluxo e guarda de
bens, no caso estudado, insumos para a assistência à saúde.

Os poucos estudos apresentados sobre o tema da gestão logística no


setor público concentram-se na utilização das Tecnologias de Informação
e Comunicação (as TICs) para, majoritariamente, reduzir custos por meio
de compras centralizadas. Como maior representante desta corrente apre-
sentam-se os pregões eletrônicos. Sobre estes dispomos de pesquisas aca-
dêmicas que ressaltam as vantagens decorrentes da redução dos preços
médios dos insumos adquiridos através desta modalidade. (Tridapalle,
Fernandes e Machado, 2011).

Vale lembrar, conforme ressaltam Vaz e Lotta (2011), que, mesmo di-
ante das diferenças entre setor público e privado, não se apagam as seme-
lhanças, uma vez que operações logísticas continuam sendo operações
logísticas. Assim, acredita-se que o fato de identificar e gerenciar estes
componentes operacionais e seus aspectos decisórios pode representar um
campo de evolução para o setor público, especialmente para a área da saú-
de.

55
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

2 Metodologia

O caminho metodológico adotado pela pesquisa procurou: a) delinear


a trajetória da gestão logística dos programas mineiros de assistência far-
macêutica, identificando suas principais etapas e características; b) anali-
sar o processo de Regionalização a luz das referências teóricas, dos dados
colhidos, informações e opiniões dos entrevistados, de forma a caracterizar
o novo modelo de assistência farmacêutica do estado de Minas Gerais.

Para tal, no decorrer da pesquisa (março de 2016 a abril de 2017) fo-


ram utilizados os seguintes instrumentos e métodos: a) entrevistas orais
semiestruturadas (gravadas e degravadas) realizadas com três membros e
ex-membros da Superintendência de Assistência Farmacêutica (SAF)
totalizando aproximadamente 300 minutos. Os três entrevistados formam
escolhidos por serem profissionais experientes que já serviram em cargos
de Superintendência e/ou Diretoria na SAF, tendo participação direta na
formulação e implementação dos programas ao longo da trajetória da as-
sistência farmacêutica mineira, são eles os Entrevistados 1, 2 e 3; b) entre-
vista-consulta aplicada a um representante do Tribunal de Contas do Es-
tado (TCE) a fim de avaliar uma possível estratégia de integração
institucional entre a SAF/SES e o TCE (Entrevistado 4); c) coleção sistemá-
tica de informações estatístico-quantitativas, fatos pertinentes, análises,
impressões e opiniões dos entrevistados (qualitativas) sobre o modelo cen-
tralizado no estado e o descentralizado nos municípios.

3 Fundamentação Teórica: Breve Resgate Histórico da Assistência


Farmacêutica do Estado de Minas Gerais

O estado de Minas Gerais foi o terceiro entre os estados brasileiros a


sistematizar sua política de assistência farmacêutica, instituindo em 1997
o programa Farmácia Essencial. Priorizou-se os pequenos municípios, aque-
les com população de até 20.000 habitantes. Iniciou-se pelos 250 municí-
pios mais carentes, selecionados com base no Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) da Fundação João Pinheiro. Em 1998 implantou-se em mais

56
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

300 municípios (sob os mesmos critérios) e, posteriormente, em 1999, em


mais 55, totalizando os 705 municípios com população inferior a 20.000
habitantes e alcançando um contingente de 6.000.000 de pessoas. Os
municípios integrantes do programa podiam contar com a supervisão téc-
nico-administrativa das Diretorias Regionais de Saúde (DRSs), Secretaria
da Saúde (SES) e Fundação Ezequiel Dias (FUNED). Neste arranjo, a distri-
buição de medicamentos era feita a cada 4 meses pela FUNED, diretamen-
te às Unidades Básicas de Saúde em veículo próprio e com motorista trei-
nado. No momento do recebimento, os medicamentos eram conferidos com
inspeção física e era feita a verificação da validade da mercadoria. (Cosendey,
et al., 2000).

Com o tempo, a relação de medicamentos distribuídos diversificou-se


e o volume cresceu significativamente. Diante da incapacidade estrutural
do sistema, reformulou-se o programa mineiro em 2008 com objetivos mais
ambiciosos de cobertura e maior foco nos serviços farmacêuticos para o
uso racional. Surgia, assim, o programa Farmácia de Minas (Minas Gerais,
2008).

3.1.1 O Programa Farmácia de Minas

O programa “Farmácia de Minas” buscava estruturar a rede de assis-


tência farmacêutica no estado de Minas Gerais como estratégia principal
para ampliar o acesso e o uso racional de medicamentos no SUS. Previa
maior qualificação da Assistência Farmacêutica nas Gerências Regionais
de Saúde (GRS) com a criação da Coordenação de Assistência Farmacêuti-
ca, a modernização das farmácias de medicamentos de alto custo (alta com-
plexidade) e a implantação de farmácias comunitárias públicas nos muni-
cípios do estado. Para isso, foram utilizados incentivos financeiros estadu-
ais para a montagem e custeio de profissionais de saúde, farmacêuticos e
atendentes, além de programas de qualificação de pessoal. (Minas Gerais,
2008).

Além do acesso, demonstrou-se preocupação com o uso racional dos


medicamentos, a consolidação da Assistência Farmacêutica nas Regio-

57
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

nais de Saúde e o seu papel junto aos municípios, a integração dos Progra-
mas de Saúde de Atenção Primária / Estratégicos e a humanização do aten-
dimento ao paciente-usuário. (Minas Gerais, 2008).

No entanto o caminho para a estruturação da rede não seria fácil. To-


mando-se uma rede de suprimentos com 1.248 farmácias presentes em
todos os 853 municípios (meta do programa original) e contando com 28
Gerências Regionais de Saúde (GRSs), percebe-se o esforço logístico que
os gestores deveriam realizar para garantir a disponibilidade do medica-
mento básico nos pontos de dispensação, ou seja, nos pontos de entrega do
medicamento ao usuário do sistema. Não por acaso, os gestores da SAF/
SES apresentavam a Figura 1 abaixo com o título honesto de “Problema
Logístico”.

Figura 1 – Sistema Logístico do programa Farmácia de Minas

Fonte: Minas Gerais, 2009.

Quando da estruturação do programa, percebeu-se a necessidade de


melhorar a gestão da informação para melhor controlar o fluxo de bens e
serviços, o que ensejou o desenvolvido do Sistema Integrado de
Gerenciamento da Assistência Farmacêutica (SIGAF). A melhoria da ges-
tão da informação do programa teria, principalmente, as funções de articu-
lar os serviços profissionais de saúde com o uso racional de medicamen-

58
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

tos, programar a aquisição de medicamentos (de acordo com dados


epidemiológicos), avaliar a cobertura e a demanda, garantir as boas práti-
cas do setor, manter cadastro de usuários e prescritores, visualizar a movi-
mentação financeira e realizar estudos fármaco-epidemiológicos e fármaco-
econômicos. (Minas Gerais, 2009).

O software Sistema Integrado de Gerenciamento da Assistência Far-


macêutica (SIGAF) destinava-se a todas as unidades em nível estadual e
municipal envolvidas com as atividades de Assistência Farmacêutica no
âmbito do SUS. (Minas Gerais, 2016). De concepção moderna, tornou-se o
principal recurso integrado de tecnologia de informação utilizado, permi-
tindo cadastrar pacientes, gerir estoques, realizar controle de dispensação,
programar medicamentos, realizar pedidos de aquisição via SES, visualizar
movimentações financeiras, produzir relatórios gerenciais, dentre outras
funções. (Minas Gerais, 2009).

3.1.2 O Programa Farmácia de Todos e o Modelo Descentralizado de


Assistência Farmacêutica

Foi lançado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-


MG) em 2016, o programa Farmácia de Todos, criado para garantir a Assis-
tência Farmacêutica no estado de Minas Gerais. É “[...] por meio dele que
os medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) chegam a todos os mi-
neiros.”. (Minas Gerais, 2016).

O programa Farmácia de Todos pretendia ir além do fornecimento de


medicamentos, abarcando também algumas ações voltadas para “a clínica
e também ao apoio aos municípios”. As estratégias principais envolviam 4
diretrizes: a) qualificar os serviços farmacêuticos vinculados à rede públi-
ca de farmácias; b) garantir o abastecimento regular de medicamentos es-
senciais por meio da Regionalização da Assistência Farmacêutica; c) ga-
rantir estrutura adequada para o armazenamento de medicamentos e aten-
dimento humanizado; d) fortalecer o Sistema de Informação em Assistên-
cia Farmacêutica (SIGAF). (Minas Gerais, 2016).

59
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Para promover a Regionalização, foram definidas na deliberação CIB-


SUS MG Nº 2.164, de 19 de agosto de 2015, três opções de adesão do muni-
cípio ao programa Farmácia de Todos:

I – Totalmente Centralizado no Município (TCM): Os recursos


financeiros dos gestores federal, estadual e municipal são
depositados no Fundo Municipal de Saúde e aplicados pelo
município na aquisição dos medicamentos e produtos defini-
dos no Anexo I da Relação Nacional de Medicamentos Es-
senciais (RENAME) vigente.
II – Parcialmente Centralizado no Município (PDM): Os recursos
dos gestores federal e municipal são depositados no Fundo
Municipal de Saúde, sendo aplicados pelo município na aqui-
sição dos medicamentos e produtos definidos no Anexo I da
RENAME vigente. O Estado fica responsável pela aplicação
dos recursos relativos à sua contrapartida na aquisição de
distribuição dos medicamentos e produtos, conforme defini-
do nos anexos I e II desta Deliberação.
III – Totalmente Centralizada no Estado (TCE): Os recursos fi-
nanceiros do gestor federal, estadual e municipal são depo-
sitados no Fundo Estadual de Saúde e aplicados pelo estado
na aquisição e distribuição dos medicamentos e produtos
definidos nos anexos I e II desta Deliberação. (Minas Ge-
rais, 2015b, p2).

A estratégia de Regionalização da Assistência Farmacêutica pode ser


vista como um sistema de cooperação técnica entre a SAF/SES e os muni-
cípios, a buscar melhorias na aquisição e distribuição, com ampliação do
elenco disponível e aumento do recurso financeiro para compra de medi-
camentos. (Minas Gerais, 2016).

4 Apresentação e Discussão dos Dados: a Evolução Institucional do


Sistema Logístico Mineiro e a Estratégia de Regionalização

Quando instituído em 1997, o programa Farmácia Essencial contava


com a coordenação do laboratório farmacêutico público Fundação Ezequiel
Dias (FUNED). Naquele momento, a FUNED precisou decidir entre um sis-
tema de distribuição de medicamentos centralizado ou descentralizado. O
arranjo centralizado da rede de distribuição foi o escolhido por Minas Ge-
rais porque a FUNED produzia a imensa maioria dos itens constantes no

60
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

elenco básico do programa. O que não provinha da Fundação era adquiri-


do de maneira centralizada para obter os benefícios da compra em grande
escala. Assim, foi pactuado que os recursos da União e dos municípios
seriam colocados à disposição do estado mineiro para a compra e distribui-
ção centralizadas. (Entrevistados 1 e 3).

Os medicamentos saíam de um único ponto que concentrava as ativi-


dades de gestão de armazenamento e transporte. O centro de
armazenamento ficava nas instalações da Fundação Ezequiel Dias (FUNED),
a qual administrava a guarda e o transporte direto às Unidades Básicas de
Saúde (UBS). (Cosendey, et al., 2000). (Entrevistados 1 e 3).

Com este modelo centralizado o programa obteve certo êxito, tendo


alcançado aproximadamente 250 municípios em 1997, 550 em 1998 e 705
em 1999, ou seja, 100% dos municípios mineiros com população inferior a
20.000 habitantes. (Cosendey, et al., 2000). No entanto, a partir do ano 2000,
em contexto de constante crescimento da demanda, o modelo do programa
de assistência farmacêutica mineiro foi, paulatinamente, mostrando-se
menos eficaz em atender em tempo e lugar as necessidades dos municípi-
os, com constantes rupturas de estoque e falta de medicamentos ao usuá-
rio. (Entrevistado 3).

Os ciclos de aquisição eram poucos, três por ano, o que, do ponto de


vista logístico, certamente não é boa característica, uma vez que longos
períodos de ressuprimento exigem maiores estoques para suportar o perío-
do até um novo abastecimento. Além dos longos ciclos de reposição, tam-
bém foram relatados problemas decorrentes da difícil relação com os forne-
cedores/distribuidores da rede. (Entrevistado 3).

Nesta primeira fase da política farmacêutica estadual, não havia um


sistema de informação que auxiliasse a gestão dos administradores públi-
cos. Eram utilizadas planilhas eletrônicas para enviar os pedidos dos mu-
nicípios e bancos de dados para consolidá-los. Assim, era difícil garantir a
confiabilidade das informações repassadas, uma vez que não existiam con-
troles tais como usuário e senha para garantir a autoridade ou mesmo a
autenticidade da fonte. (Entrevistado 1).

61
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

A gente recebia uma planilha de Excel de uns quarenta itens,


depois evoluiu para uns setenta, de um e-mail pessoal que a
gente não tinha certeza se trabalhava no município ou não, e
considerava isso para abastecer. (Entrevistado 1).

Com os recorrentes problemas de desabastecimento nos municípios


mineiros, reformulou-se o programa em 2008 e aceitou-se objetivos de co-
bertura mais ambiciosos, além de maior foco na dispensação qualificada e
melhoria dos serviços farmacêuticos para o uso racional. (Minas Gerais,
2008). (Entrevistados 1 e 2). Com isso, a trajetória da assistência farmacêu-
tica no estado de Minas Gerais entraria em nova fase.

4.1 O Programa Farmácia de Minas e a Estruturação da Rede de Distri-


buição

O programa de assistência farmacêutica mineiro foi “reestruturado”


em 2008, principalmente sob dois aspectos. O primeiro referia-se ao baixo
nível das boas práticas farmacêuticas existentes na rede de distribuição, a
ressaltar a baixa presença dos profissionais no SUS mineiro (pouco mais de
quatrocentos farmacêuticos para os 853 municípios), com grande parte
destes concentrados na capital. O segundo dizia respeito à estruturação
da rede de distribuição do programa. Neste período, o estado contava com
razoável estrutura para dispensação, mas os municípios, com raríssimas
exceções, não contavam. Assim, os gestores públicos buscaram resolver os
aspectos ligados à questão logística e às boas práticas, apoiando os municí-
pios dentro do modelo centralizado já existente. (Entrevistado 2).

Um fator importante para melhoria das boas práticas farmacêuticas foi


a implantação da rede de unidades de dispensação do programa. Neste
local, os medicamentos passaram a ser armazenados adequadamente e
dispensados aos cidadãos do município de forma orientada para a promo-
ção do uso racional. (Entrevistado 1 e 2). As unidades de dispensação do
programa tornaram-se pontos de referência ao centralizar o atendimento
farmacêutico, o que possibilitou racionalizar custos em municípios com
várias unidades de atendimento à saúde (UBS, Hospitais, etc.) ou garantir

62
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

a presença de pelo menos um profissional farmacêutico atuante em tempo


integral em cada município de Minas Gerais. (Entrevistado 2).

No entanto, com a melhoria da estrutura da rede de dispensação, a


demanda por medicamentos nos municípios aumentou novamente. Assim,
logo a gestão da rede de distribuição passou a ser vista como prioridade,
ensejando a adequação da estrutura operacional à nova realidade do pro-
grama. (Entrevistados 1, 2 e 3). As atividades de distribuição (que se inici-
aram nas instalações da FUNED) passaram para um armazém contratado
pela SES, que empregou os Correios no auxílio ao modelo. Mesmo assim, a
estrutura física não atendia às necessidades dos municípios. Neste mo-
mento, os gestores mineiros sofreram forte pressão para profissionalizar as
atividades logísticas e melhorar os serviços prestados. (Entrevistado 3).

Em 2011, o elenco de medicamentos básicos havia aumentado em


quase cinco vezes desde o início do programa e a FUNED já não mais forne-
cia medicamentos básicos por opção de seu plano estratégico. Do ponto de
vista operacional, a SES encontrava dificuldades de emitir alvarás de fun-
cionamento e buscava meios de conseguir maior flexibilidade na
contratação de serviços (como para a manutenção de equipamentos). As-
sim, somando-se os pontos citados à avaliação dos gestores de que a aqui-
sição descentralizada nos municípios seria muito menos eficiente, optou-
se pela manutenção do modelo centralizado com a inclusão na rede de
distribuição da figura do Operador Logístico. Foi, então, contratada uma
consultoria de mercado que elaborou o projeto (estudo e definição do mo-
delo) para, em seguida, ser realizada a licitação. O vencedor foi o consórcio
Saúde Logminas. (Entrevistado 3).

4.1.1 O Operador Logístico

A perspectiva que se apresentava a partir de 2011 deixava claro aos


gestores mineiros a impropriedade de um investimento público que susten-
tasse estrutura compatível com a crescente demanda de espaço, equipamen-
tos, máquinas e veículos. Por isso, decidiu-se pela terceirização das etapas
de armazenamento e distribuição e pela utilização de um operador logístico

63
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

contratado. No entanto, o operador logístico vencedor da licitação mostrou-


se incapaz de realizar as operações com eficácia. (Entrevistados 1 e 3).

Os problemas surgiram quando as empresas consorciadas, após um


período de seis meses de adaptação, não conseguiam operar o sistema. As
falhas de distribuição se multiplicavam e as soluções encontradas nem
sempre eram condizentes com as boas práticas de armazenagem e trans-
porte de medicamentos. Um exemplo relatado foi a adoção da estratégia de
entrepostos pelo operador logístico para manipular a carga e montar os pe-
didos dos municípios. (Entrevistado 1).

Em 2013, foi realizada uma auditoria pelo Tribunal de Contas do Esta-


do (TCE) que constatou vários problemas de desabastecimento, causados,
em grande maioria, pela incapacidade de gestão do consórcio criado ex-
clusivamente para prestar tais serviços ao estado de Minas Gerais. (Minas
Gerais, 2013). (Entrevistado 1 e 3).

Um ponto a merecer melhor investigação neste contexto é a influên-


cia dos editais de licitação na seleção do operador logístico. O primeiro
edital não permitia a participação de consórcios, e este critério, em segui-
da, foi questionado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Diante da
alegação de que o primeiro edital restringia por demais as opções e não
aumentava o leque concorrencial, elaborou-se outro edital permitindo a
associação de empresas logísticas de especialidades diferentes, desde que
comprovassem capacidade prévia. Foi então que o consórcio citado ganhou
a licitação para armazenar e distribuir os medicamentos do programa. (En-
trevistado 1 e 2).

O fato de o consórcio vencedor da licitação ter sido formado por duas


empresas de especialidades diferentes, uma realizava as atividades de ar-
mazenagem e a outra, as de transporte, poderia, segundo o entrevistado,
ter resultado em divergências na gestão, e estas teriam criado um
desalinhamento estratégico a prejudicar consideravelmente o desempe-
nho do consórcio. (Entrevistado 3).

Outro fato a destacar foi a falta de infraestrutura instalada no estado


de Minas Gerais para a prestação dos serviços na rede de distribuição do

64
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

programa, tendo o consórcio que adequá-la enquanto assumia as ativida-


des. O operador não tinha frota própria e contratava outras empresas no
mercado de fretes, de acordo com a característica do traslado e a necessi-
dade do momento. Constatou-se manipulação inadequada e desorganiza-
da da carga nos entrepostos e a perda, por conseguinte, da integridade e
rastreabilidade dos medicamentos a partir do depósito central da SES. Pode-
se ainda apontar a falta de integração entre o sistema de gestão de arma-
zéns do operador logístico e o Sistema Integrado de Gestão da Assistência
Farmacêutica (SIGAF) como possível fator negativo a contribuir para o de-
sempenho do operador logístico. (Entrevistado 1).

Para além da discussão sobre a licitação do operador logístico, é im-


portante destacar nesta análise a dificuldade intrínseca em operar o mo-
delo centralizado. O estado de Minas Gerais é a unidade da federação com
o maior número de municípios e a maior malha viária. Assim, uma estrutu-
ra que pudesse atender com eficiência e eficácia em uma lógica centrali-
zada seria extremamente complexa e exigente, opção fora das pretensões
das políticas públicas uma vez que operar esse modelo não representaria a
finalidade primordial da atuação do Estado. (Entrevistado 2 e 3).

4.2 O Programa Farmácia de Todos e a Regionalização da Assistência


Farmacêutica em Minas Gerais

Convencidos os gestores públicos dos limites do modelo centralizado


de distribuição, o programa estadual passou, em 2015, por uma nova con-
cepção administrativa e operacional, a Regionalização da assistência far-
macêutica. Os conceitos aplicados no processo de Regionalização visavam,
enquanto estratégia global, uma menor participação do estado como ope-
rador do modelo e maior como gestor da política pública (Entrevistado 3).

A deliberação CIB-SUS MG Nº 2.164 (Minas Gerais, 2015b) definiu


três formas de gestão dos recursos para a aquisição de medicamentos bási-
cos: Totalmente Centralizado no Município (TCM), Parcialmente Descen-
tralizado no Município (PDM) e Totalmente Centralizado no Estado (TCE).

65
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Esta foi a fase não compulsória do programa, quando o município optava


livremente entre as três alternativas.

Após o enquadramento inicial, foi possível elaborar uma análise da


preferência dos municípios. Constatou-se que 261 deles (31%) optaram
pelo TCM, 37 (4%) pelo PDM e 555 (65%) pelo TCE. Cabe ressaltar que em
2015 o índice de 31% de opção pelo TCM, 261 em 853 municípios, foi
considerado pelos gestores públicos mineiros com excelente, o que indi-
caria uma alta taxa de adesão ao modelo de gestão com mais autonomia
local.

Para uma melhor análise das características de adesão na fase não


compulsória da Regionalização, foram tabulados os dados pelo critério de
porte (Tabela 1). Os percentuais referem-se à frequência de escolha da op-
ção dentro das categorias de porte: GG – acima de um milhão de habitan-
tes; G – até 999.000 habitantes; M – até 120.000 habitantes; P – até 50.000
habitantes e PP até 20.000 habitantes.

Tabela 1 – As Opções dos Municípios por Porte (Quantidade)

Fonte: elaborado pelo autor com dados da CIB-SUS MG Nº 2.064. (Minas Gerais, 2015a).

66
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

O que se constata é que, com o aumento do porte do município, au-


menta também a preferência pelo modelo TCM em detrimento do TCE. As-
sim, os municípios de maior porte parecem mostrar maior interesse em
aderir ao modelo que mais atribui responsabilidades aos gestores munici-
pais, como sugere o Gráfico 1 abaixo.

Gráfico 1 – Preferência (%) dos Municípios Mineiros por Porte.

Fonte: elaborado pelo autor com dados da CIB-SUS MG Nº 2.064 (Minas Gerais, 2015a).

Por outro lado, municípios pequenos e médios com menor


infraestrutura e know-how poderiam estar receosos em assumir o processo
de compras de medicamentos básicos, o que justificaria uma opção de 71%
e 57% para a modalidade TCE entre municípios até 20 mil e até 50 mil
habitantes, respectivamente.

67
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

4.2.1 A Utilização da Ata de Registro de Preços

Para sistematizar a gestão das compras de medicamentos no modelo


regionalizado e, ao mesmo tempo, permitir que se utilizasse a logística pri-
vada, foi instituído um instrumento de gestão de aquisição de medicamentos
que os administradores públicos mineiros adaptaram de práticas observa-
das no programa de medicamentos básicos do estado do Espírito Santo, a
Ata de Registro de Preços. (Entrevistado 3).

As atas de registro de preços são um recurso usado na


contratação de bens e serviços, por meio de licitação na mo-
dalidade de concorrência ou pregão, em que as empresas
assumem o compromisso de fornecimento a preços e prazos
registrados previamente. A contratação só é realizada quan-
do melhor convier aos órgãos e às entidades que integram a
ata. (Fiocruz, 2017).

Efetivada a adesão do município às atas de registro de preços, bastaria


que a secretaria municipal de saúde fizesse um pedido e a entrega dos
medicamentos partiria do fornecedor diretamente para esse município.
Assim, a logística de distribuição utilizada no modelo é a da rede privada,
ou seja, do fornecedor. No entanto, pela diferença significativa das carac-
terísticas regionais, e como forma de não restringir as licitações às gran-
des empresas com atas globais de volume gigantesco, optou-se por incen-
tivar a concorrência com atas de preços regionalizadas. O que se observou
foi que, quando os lotes de aquisição eram muito grandes, a curva da eco-
nomia de escala se invertia ao restringir a concorrência nos certames, re-
duzindo a eficiência da aquisição. (Entrevistado 3).

Neste momento, foram avaliadas as localizações dos laboratórios for-


necedores em potencial. Percebeu-se, então, que se concentravam na re-
gião do Triângulo Mineiro e no sul do estado, com quase nenhuma pre-
sença nas regiões norte e nordeste. Diante da influência do custo
operacional de distribuição nos preços finais dos medicamentos coloca-
dos nos municípios, tomou-se a decisão de reunir uma região próxima a
outra distante dos centros produtores em uma mesma ata. (Entrevistado 3).

68
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

Esta estratégia de agrupamento de regiões para compor uma ata de


registro de preço (dentro de uma legítima política logística de “comeu o filé,
tem que roer o osso”) pode ser vista como uma forma de tratar com mais
equidade as regiões, uma vez que se minimizam as significativas diferen-
ças de custo logístico de entrega dentro do estado. Somente o município
de Belo Horizonte, pelo grande volume de demanda, teve ata exclusiva,
todas as outras atas foram compostas por associação de diferentes regiões.
Pelo edital, as empresas fornecedoras ficaram obrigadas a entregar pelo
mesmo preço em qualquer lugar das regiões da ata, independentemente
do local do município ou do volume do pedido. (Entrevistado 3).

Quanto ao número de ciclos de compra de medicamentos, passaram


de três por ano no modelo centralizado para cinco por ano, no descentrali-
zado, podendo ocorrer ciclos extraordinários de acordo com a necessidade
dos municípios, como para corrigir posições de estoque que flutuaram mais
que o esperado. (Entrevistado 3).

Foi pactuado em parceria com o TCE e o Ministério Público que o


município só poderia comprar “fora da ata” se conseguisse adquirir a um
preço inferior aos das atas do estado. Já em caso de inadimplência do mu-
nicípio, foi definido que o estado poderia suspender o acesso às atas, assim
como o repasse de recursos. (Entrevistado 3).

Com o decorrer da primeira fase da Regionalização, os administrado-


res públicos se convenceram da viabilidade de estender a opção TCM à
totalidade dos municípios mineiros de forma compulsória, o que foi reali-
zado em 2017. Assim, a partir deste ano, a exceção de pequeno grupo de 30
a 40 municípios (que, por terem optado pelo modo Parcialmente Descen-
tralizado no Município e por serem classificados como de Gestão Plena de
Fornecedores, não aderiram ao projeto da Regionalização), todos os outros
municípios mineiros passaram a administrar seus recursos financeiros no
formato Totalmente Centralizado no Município. (Entrevistado 3).

A partir de então, os municípios foram se adequando à nova realidade


e, aos poucos, foram aderindo na prática ao modelo descentralizado. Os
primeiros resultados apresentados pela Superintendência de Assistência

69
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Farmacêutica (SAF) indicaram grandes reduções nos custos médios dos


medicamentos e casos de demanda reprimida dos municípios, pois se veri-
ficou um forte aumento do volume comprado em ata, em comparação com o
volume adquirido no modelo centralizado. (Entrevistado 3).

Por fim, ainda de acordo com a avaliação da SAF, a elevação do volu-


me adquirido e o aumento no número de itens no elenco de medicamen-
tos básicos distribuídos pelo estado de Minas Gerais acabaram por atrair
vários laboratórios farmacêuticas (fornecedores) para o programa, o que
contribuiu para o aumento da concorrência e redução do custo médio do
insumo. (Entrevistado 3).

5 Considerações Finais

As mudanças institucionais preconizadas pela estratégia de gestão


logística empregada na Regionalização da assistência farmacêutica de
Minas Gerais romperam definitivamente com o sistema centralizado de
distribuição que vigorou de 1997 a 2014. Assim, para resumir a trajetória
logística, foi sistematizado no Quadro 1 os avanços e desafios da estratégia
de Regionalização, evidenciando o período, o foco de atuação do programa
e a estrutura logística de distribuição (centralizada ou descentralizada)
utilizada em cada fase caracterizada.

70
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

Quadro 1 – Histórico de Avanços e Desafios da Assistência Farmacêutica


Mineira

Fonte: elaborado pelo autor.

A Regionalização, do ponto de vista da gestão logística do programa,


caracteriza-se por descentralizar as atividades da rede, de forma a reduzir os
custos da estrutura pública centralizada de distribuição, além de tornar o es-
tado mineiro menos provedor e mais gestor do modelo. Na prática, ao descen-

71
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

tralizar a aquisição física por meio da utilização das atas de registro de


preços, a SAF/SES implantou um sistema que substitui a estrutura estatal
pela de mercado sem perder os benefícios da compra em grande escala, o
que, em tese, possibilitaria aos municípios efetuar compras mais vantajo-
sas de medicamentos.

Com a utilização da logística privada para a entrega aos municípios,


reduziu-se a necessidade de infraestrutura pública, que demandava gran-
de monta de recursos e, ainda sim, continuava a representar um gargalo
logístico. Na Regionalização, a capacidade de investimento em logística do
estado mineiro não representa um gargalo para o atendimento da deman-
da dos municípios.

Quando se avalia as mudanças ocorridas de acordo com a revisão his-


tórica elaborada, acredita-se que, ao longo dos últimos 20 anos (1997 a
2017), existiram três modelos de rede de distribuição. O primeiro modelo
foi o centralizado com predomínio de fornecimento público, que transcorreu
enquanto a FUNED foi fornecedora majoritária do programa. O segundo
modelo foi o centralizado com predomínio do fornecimento privado, quando o
estado de Minas Gerais centralizava a aquisição e repasse aos municípios.
Neste modelo a maior parte dos medicamentos básicos advinha de labora-
tórios privados, muitas vezes de grandes indústrias multinacionais. Por
fim temos o terceiro modelo, o descentralizado, que se iniciou quando as
atividades logísticas fornecidas pelo estado mineiro foram substituídas pe-
las atividades privadas. A partir de então, a entrega passou a ser realizada
pelos fornecedores diretamente ao município.

Outro ponto importante que caracteriza o novo modelo é a repactuação


de competências com a definição de novos papéis para os níveis estadual e
municipal. A Figura 2 ilustra a repactuação estratégica da Regionalização
com base no Ciclo da Assistência Farmacêutica revisitado. Destacou-se
com a letra “E” a competência do estado de Minas Gerais e com “M”, a dos
municípios. “U” simboliza o usuário do sistema.

72
CARLO, C. C. A regionalização da assistência farmacêutica de Minas Gerais...

Figura 2 – As Definições de Competências na Regionalização

Fonte: elaborado pelo autor.

Como indicado na figura (onde o ciclo de assistência farmacêutica é


apresentado como um processo) as etapas de aquisição, armazenamento e
distribuição, antes geridas pelo estado mineiro, agora são geridas pelos
municípios. Esta é uma das questões mais substanciais da Regionalização.
Vale ressaltar que as etapas de armazenamento e distribuição continuam
a existir fisicamente, no entanto, na prática, passam a ser operadas pelo
fornecedor.

Em um modelo de mais autonomia para os municípios, por visar um


contexto de um trabalho mais gestor que operador da rede de distribuição,
um ponto importante a ser mencionado é que os sistemas de informação e
instrumentos de controle precisariam de adaptações para melhor integrar
a gestão do estado mineiro à dos municípios.

Há necessidade de que o SIGAF sofra intervenções para adequar o


sistema informatizado aos novos processos de gestão da rede logística e
das atas de registro de preços. Já as atas, estas devem se manter competiti-

73
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

vas frente às negociações individuais dos municípios com seus fornecedo-


res. As atas de registro de preços são o mecanismo fundamental para o suces-
so do arranjo institucional da Regionalização.

Outro ponto relevante é que grande parte dos benefícios de gestão po-
dem vir da capacidade dos administradores públicos de manter uma agen-
da de integração em busca das boas práticas de gestão. Por isso há neces-
sidade de capacitação constante dos servidores dos municípios mineiros,
principalmente os de menor porte. Há necessidade de adequação da estru-
tura física, de pessoal e investimento em treinamento técnico, sob a pena
de representar uma barreira para o sucesso do modelo.

Também poderia ser aprimorada a capacidade de regulação e controle


do estado mineiro e dos municípios pelo Tribunal de Contas do Estado
(TCE). Deve-se lembrar que os municípios têm autonomia de compras e
não precisarão realizá-las apenas pelas atas de registro de preços. Podem
ser realizadas as compras “fora das atas” desde que em situação mais vantajo-
sa, bastando prestar contas da opção ao TCE. Assim, uma possível integração
do SIGAF com o sistema “Suricato” do TCE-MG poderia ajudar no cruza-
mento de dados de notas fiscais emitidas com as atas e informações de
preços da tabela da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos
(CMED), desta forma poderiam ser identificadas as aquisições de medica-
mentos com valores desvantajosos para os municípios.

Por fim, ressalte-se a necessidade de maiores avaliações acerca dos


resultados, sobre os níveis de eficiência e eficácia do novo modelo, especi-
almente no atual contexto de grave crise fiscal pela qual passa o estado
mineiro. Os resultados de futuras avaliações poderiam contribuir de forma
a corroborar, ou não, a Regionalização como estratégia viável na busca de
maior efetividade das políticas de assistências farmacêutica para o SUS.

Referências

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de saúde: a experiência de três estados brasileiros. Caderno de Saúde Pú-
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75
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

76
MUDANÇA DE PARADIGMA NA GERAÇÃO DE ENERGIA
ELÉTRICA BRASILEIRA A EXPERIÊNCIA DE MINAS GERAIS

Cleuber Vieira dos Santos da Silva*

Resumo: Este trabalho objetiva compreender a expansão da energi a


fotovoltaica no Brasil e em Minas Gerais, partindo da compreensão de
quatro drives importantes para o desenvolvimento econômico, bem
como para a construção da matriz energética que são: as condições inici-
as, isto é, o ponto de partida para alterar a matriz energética; segundo, a
inovação tecnológica que não é somente os novas tecnologias, mas tam-
bém as inovações gerencias que permitam a construção de novas fontes
energéticas; o terceiro são os marcos regulatórios que dão segurança jurí-
dica para novos empreendimentos e por fim, o quarto drive que são os in-
vestimentos para que sejam implantação da potência
instalada fotovoltaica. A metodologia pressupõe uma bibliografia teórica e
normativa pertinente, a consulta e registro dos dados da Agência Nacio-
nal de Energia Elétrica - ANEEL, com a finalidade de verificar o desempe-
nho da legislação e dos investimentos na fonte energética solar fotovoltaica.
Basicamente há dois documentos que regulamentam a geração de energia
no Brasil (a Resolução Normativa da ANEEL nº 482/2012 e Revisão da 482
em 2015, pela 687) e os dois que norteiam a geração em Minas Gerais (a Lei
20.824/31/07/2013 e a Lei 22.866/9/2018). Foram estes documentos que
possibilitaram a expansão da potência instalada, em energia fotovoltaica
no Brasil e em Minas Gerais, realizando em Dezembro de 2018, a meta
para ser alcançada em Dezembro de 2019, conforme dados da ANEEL. Os
resultados são robustos para o Brasil e Minas Gerais, sendo que em Mi-
nas, os resultados são mais destacados, devido a regulação que fora
construída pelo estado de Minas Gerais que estimulou a implantação desta

*
Professor da UNIMONTES e doutorando em Estudos do Desenvolvimento no ISEG,
Lisboa.

77
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

fonte energética e, pelo estado ter abundância solar, conforme o seu


mapa solarimétrico. Por isso que Minas Gerais contribui com 21,8% de
energia solar fotovoltaica na matriz energética nacional; o Rio Grande do
Sul contribui com 15,7%, São Paulo com 12,2%; o Paraná com 6,1%; San-
ta Catarina com 5,4% e o Rio de Janeiro com 4,2% em 2018. A conclusão é
que Minas Gerais em relação ao Brasil, no que se refere a fonte energética
solar fotovoltaica, se destaca, a partir de 2012, devido as suas condições
iniciais, a sua regulação atualizada e a implantação de plantas solares,
tornando o estado de Minas, a frente em termos de potência instalada,
comtemplado todos os elementos da teoria que suporta este trabalho: o
4 drives do desenvolvimento, elencados por Fatás e Mihov.

Palavras-chave: Desenvolvimento, Energia Solar, Inovação, Regulação,


Investimento.

Abstract: This work aims to understand the expansion of photovoltaic energy


in Brazil and Minas Gerais, starting from the understanding of four
important drives for economic development, as well as for the construction
of the energy matrix, which are: the initial conditions, that is, the point
starting point to change the energy matrix; second, technological innovation
that is not only new technologies, but also managerial innovations that
allow the construction of new energy sources; the third is the regulatory
frameworks that provide legal certainty for new ventures and, finally, the
fourth drive, which is the investment to implement the installed photovoltaic
power. The methodology presupposes a pertinent theoretical and normative
bibliography, consultation and recording of data from the National Electric
Energy Agency - ANEEL, in order to verify the performance of legislation
and investments in the photovoltaic solar energy source. There are basically
two documents that regulate energy generation in Brazil (ANEEL Normative
Resolution No. 482/2012 and Review of 482 in 2015, by 687) and the two
that guide generation in Minas Gerais (Law 20,824 / 31/07 / 2013 and
Law 22.866 / 9/2018). These documents enabled the expansion of installed
power in photovoltaic energy in Brazil and Minas Gerais, realizing in
December 2018, with goal to be reached in December 2019, according to
data from ANEEL. The results are robust for Brazil and Minas Gerais, and in
Minas, the results are more outstanding, due to the regulation that was
built by the state of Minas Gerais that stimulated the implantation of this
energy source and, because the state has solar abundance, according to
the solarimetric map. That is why Minas Gerais contributes 21.8% of
photovoltaic solar energy to the national energy matrix; Rio Grande do Sul
contributed with 15.7%, São Paulo with 12.2%; Paraná with 6.1%; Santa
Catarina with 5.4% and Rio de Janeiro with 4.2% in 2018. The conclusion
is that Minas Gerais, in relation to Brazil, as regards the photovoltaic solar
energy source, stands out, from 2012, due its initial conditions, its updated
regulation and the implantation of solar plants, making the state of Minas,

78
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

the front in terms of installed power, contemplating all the elements of the
theory that supports this work: the 4 development drives, listed by Fatás
and Mihov.

Keywords: Development, Solar Energy, Innovation, Regulation, Investment.

Resumen: Este trabajo tiene como objetivo comprender la expansión de la


energía fotovoltaica en Brasil y Minas Gerais, a partir de la comprensión de
cuatro impulsores importantes para el desarrollo económico, así como para
la construcción de la matriz energética, que son: las condiciones iniciales,
es decir, el punto punto de partida para cambiar la matriz energética; se-
gundo, innovación tecnológica que no es solo nuevas tecnologías, sino
también innovaciones gerenciales que permiten la construcción de nuevas
fuentes de energía; el tercero son los marcos regulatorios que brindan
seguridad jurídica para nuevas empresas y, finalmente, el cuarto impulsor,
que es la inversión para implementar la energía fotovoltaica instalada. La
metodología presupone una bibliografía teórica y normativa pertinente,
consulta y registro de datos de la Agencia Nacional de Energía Eléctrica -
ANEEL, para verificar el desempeño de la legislación y las inversiones en
la fuente de energía solar fotovoltaica. Básicamente, existen dos documen-
tos que regulan la generación de energía en Brasil (Resolución Normativa
ANEEL No. 482/2012 y Revisión de 482 en 2015, por 687) y los dos que
guían la generación en Minas Gerais (Ley 20.824 / 31/07 / 2013 y la Ley
22.866 / 9/2018). Fueron estos documentos los que permitieron la
expansión de la energía instalada, en energía fotovoltaica en Brasil y Mi-
nas Gerais, logrando en diciembre de 2018, el objetivo que se alcanzaría
en diciembre de 2019, según datos de ANEEL. Los resultados son sólidos
para Brasil y Minas Gerais, y en Minas, los resultados son más
sobresalientes, debido a la regulación que fue construida por el estado de
Minas Gerais que estimuló la implantación de esta fuente de energía y,
debido a que el estado tiene abundancia solar, según el Su mapa
solarimétrico. Es por eso que Minas Gerais aporta el 21.8% de la energía
solar fotovoltaica a la matriz energética nacional; Rio Grande do Sul
contribuyó con el 15.7%, São Paulo con el 12.2%; Paraná con 6.1%; Santa
Catarina con 5.4% y Río de Janeiro con 4.2% en 2018. La conclusión es
que Minas Gerais en relación con Brasil, en lo que respecta a la fuente de
energía solar fotovoltaica, se destaca, a partir de 2012, por sus condiciones
iniciales, su regulación actualizada y la implantación de plantas solares,
hacen del estado de Minas, el frente en términos de potencia instalada,
contemplando todos los elementos de la teoría que respalda este trabajo:
los 4 impulsos de desarrollo, enumerados por Fatás y Mihov.

Palabras clave: Desarrollo, Energía Solar, Innovación, Regulación,


Inversión.

79
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Introdução

A energia elétrica é um bem essencial a todos os setores


socioeconômicos, sendo seu fornecimento ininterrupto, com qualidade e
preços módicos, imprescindível para o desenvolvimento. Conforme desta-
ca Tolmasquim (2012), a capacidade de um país em prover energia para o
desenvolvimento de sua produção, com segurança e em condições compe-
titivas e ambientalmente sustentáveis, é um dos fundamentos para sua
sustentabilidade econômica. A energia é um insumo, entretanto, ele não é
diretamente estocável em grandes quantidades, implicando na necessi-
dade de que sua geração e consumo se deem simultaneamente de forma a
haver um equilíbrio instantâneo, segundo Pinto et al. (2007).

O Setor Elétrico vem passando por transformações expressivas, que es-


tão alterando o seu paradigma tradicional, marcado pelas alterações do pa-
pel passivo do consumidor final em um consumidor ativo, do fluxo
unidirecional de energia elétrica para o fluxo bidirecional e pela geração
centralizada à descentralizada.

Este artigo tem por objetivo demonstrar como o paradigma de geração


de energia elétrica tem se alterado disruptivamente à luz dos drivers que
determinam o desenvolvimento, bem como mostrar o comportamento das
instituições e dos estímulos aos investimentos em Minas Gerais em termos
de geração distribuída.

Segundo Fatás e Mihov (2009), alguns drivers para o desenvolvimento


são importantes e, a infraestrutura energética que é um dos suportes do
desenvolvimento, é muito impactada pelos drivers elencadas pelos autores
citados, sendo que o primeiro são as condições iniciais, isto é, o ponto de
partida em que se encontra a região observada das fronteiras mais avança-
das em termos de desenvolvimento; o segundo são as condições de absorção
de inovação tecnológica que a própria macro região tem; o terceiro, são as
condições institucionais e regulatórias que a região dispõe e, por fim a quar-
ta, são as condições de incentivo e investimento disponíveis.

É importante ressaltar, com base em Fatás e Mihov que as condições


institucionais e de investimento são fundamentais para a Oferta de Energia,
mas igualmente importante é o acesso as inovações tecnológicas, devido as

80
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

alterações climáticas que são manifestas em nosso tempo e que urge a mu-
dança na matriz energética nacional, principalmente na
complementariedade à fonte hídrica, devido à escassez hídrica.

1 Condições iniciais de ajuste do modelo de geração de energia no Brasil

Conceitualmente é importante considerar que quanto mais longe um


país estiver da fronteira de desenvolvimento dos mais avançados, maiores
serão as suas taxas de crescimento e quando um país se aproxima desta
fronteira de desenvolvimento, o seu crescimento desacelera e o aumento
acentuado modera-se para a mesma taxa daqueles países avançados. Assim,
os países pobres têm o potencial de recuperar o atraso, ou seja, crescer às
taxas muito mais rápidas que os países ricos, até convergirem para a mesma
renda per capita. Uma vez atingido esta convergência seu crescimento dimi-
nui. E, para que esta convergência ocorra, é necessário um ambiente em
que a tecnologia e os bens possam fluir livremente entre os países.

Cabe ressaltar que é a

combinação de um ambiente político internacional estável (pelo


menos entre esses países), o aumento do comércio e fluxos
de capital, com o surgimento de grandes corporações
multinacionais, além da redução no custo de transporte e co-
municação, (é o) que está por trás da forte convergência que
se obteve em vários países, após a década de 1950 (FATÁS, A.;
MIHOV I, 2009).

Seguindo a história recente do setor elétrico brasileiro, principalmente


ao longo da segunda metade da década de 1990 até 2002 vigorou no país
um modelo para o setor elétrico com tendências liberais. Conforme destaca-
do por Tolmasquim (2011), a reforma liberal dos anos de 1990 mostrou-se
ineficaz na garantia dos principais objetivos de um serviço público, como
confiabilidade de suprimento, a modicidade tarifária e a universalidade.
Ademais, nesse período o planejamento setorial foi relegado a segundo pla-
no, sendo transferido para responsabilidade dos agentes privados, conforme
Castro et al. (2012). A ausência de planejamento somada a questões técnicas
e ambientais culminaram em 2001, em uma grave crise de abastecimento
que gerou diversos questionamentos acerca dos rumos do Sistema Elétrico

81
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Brasileiro. Consequentemente iniciou-se a implantação de um novo mode-


lo que trouxe a retomada da coordenação e planejamento com atuação mais
ativa do Estado. E que foi instaurado entre os anos de 2003 e 2004. Este novo
modelo alterou o método de contratação de energia elétrica e trouxe a reto-
mada do planejamento centralizado ao setor.

Em contraste com o momento anterior de cunho mais liberal, o modelo


instaurado a partir de 2003 caracterizou-se por ser mais híbrido e marcado
por uma maior participação estatal através de parcerias público-privadas,
com o Estado tendo um papel de complementariedade e orientação em rela-
ção às empresas privadas. Este modelo foi construído com base em três gran-
des objetivos que fora a expansão da capacidade instalada para atender cres-
cimento da demanda, a modicidade tarifária e a universalização do acesso à
eletricidade, conforme destaca Castro et al. (2012).

Para atingir esses objetivos, uma das mudanças foi a criação de dois
ambientes de contratação de energia: sendo o primeiro o Ambiente de
Contratação Livre - ACL, com capacidade de negociação dos contratos de
suprimento; e o Ambiente de Contratação Regulada - ACR, no qual a compra
de energia se dá observando o critério de menor tarifa através de leilões. A
contratação de energia no ACR é formalizada por meio de contratos bilate-
rais regulados celebrados entre agentes vendedores e distribuidores que
participam desses leilões, como nos irá ensinar Costa (2016).

A partir do ano de 2004, passou a vigorar um novo modelo para o Setor


Elétrico Brasileiro, com base na garantia da expansão da capacidade insta-
lada, na modicidade tarifária e na universalização do acesso à eletricidade.
Para atingir estes objetivos, foi retomado o planejamento subordinado à res-
ponsabilidade do Estado, que havia sido transferido para os agentes privados
a partir dos anos 1990 e com a criação da Empresa de Pesquisa Energética
(EPE) buscou-se atender a esta finalidade e, através do Plano Decenal de
Expansão de Energia - PDE, procurou-se formular anualmente as previsões
de expansão de oferta, com base na demanda de energia para um período de
10 anos seguintes, transformando-se em importante instrumento de plane-
jamento para o setor elétrico brasileiro. A contratação de nova capacidade
instalada passa então a ser adquirida através de leilões de energia, através
dos quais é realizada a concessão de novas usinas e garante-se o atendi-
mento à totalidade da expansão da demanda prevista pelas distribuidoras
para os consumidores cativos como pontua Costa (2016).

82
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

Para um setor tão sensível à sociedade e a produção de bens e serviços,


como é o setor elétrico, o planejamento é indispensável à garantia da segu-
rança energética nacional, devendo considerar três aspectos centrais: eco-
nômico, social e ambiental. Com base nestes aspectos, no ano de 2004 foi
autorizada a criação da Empresa de Pesquisas Energética - EPE, como já
referida acima, com a finalidade de elaborar estudos e pesquisas destinados
a subsidiar o planejamento do setor energético, norteando o governo e de-
mais agentes em sua tomada de decisão e estabelecimento de diretrizes. Os
estudos desenvolvidos pela EPE abrangem horizontes diversos, realizando
projeções de cenários econômicos e energéticos de modo a garantir a oferta
futura segura e economicamente viável para a sociedade como um todo.
Dentre tais estudos destaca-se o Plano Decenal de Energia (PDE), com peri-
odicidade anual, que fórmula as previsões de expansão de oferta, com base
na demanda de energia para um período de 10 anos. Para tanto, são elabora-
dos cenários de oferta de energia sustentáveis dos pontos de vista econômi-
co, técnico e ambiental, através da análise de variáveis macroeconômicas,
ambientais, sociais e tecnológicas. Tais projeções são de suma importância
para um setor no qual os investimentos são intensivos em capital e com
longo prazo de maturação, ou seja, suas diretrizes devem ser determinadas
com responsabilidade e antecedência. Assim, o PDE se mostra como um
importante instrumento de planejamento para o setor elétrico.

Esta alteração institucional que ocorreu em 2004 foi importante para


dar previsibilidade e estimular os agentes econômicos interessados, tanto
nacionais como internacionais em gerar energia a se organizarem e pleite-
arem, através de leilões regulados ou livres, a sua participação no mercado
gerador de energia elétrica nacional.

2 Inovação tecnológica e seus impactos no paradigma tradicional

Outro fator importante quando se pensa o desenvolvimento é a Inova-


ção Tecnológica. Frequentemente, associamos a inovação as novas
tecnologias ou novos produtos, mas na realidade, uma quantidade signifi-
cativa de inovação também se refere a novas formas de produzir as mesmas
coisas antigas através de um melhor gerenciamento e uma melhor organi-
zação da produção.

83
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Usamos o termo inovação para significar invenções tecnológicas


e inovações gerenciais ou organizacionais (FATÁS, A.; MIHOV
I, 2009).

Nesta discussão é útil introduzir o conceito da fronteira tecnológica


mundial, pois um país cujas possibilidades de produção e estrutura
organizacional estão localizadas nessa fronteira, utiliza-se das tecnologias
mais avançadas, o capital mais avançado, a mão-de-obra mais qualificada e
implementa as melhores práticas gerenciais para produzir uma variedade
de bens e serviços.

Como o crescimento do PIB per capita é principalmente o resultado da


inovação e do investimento em tecnologia, a estabilidade da taxa de cresci-
mento indica que o progresso tecnológico foi um processo contínuo sem
pausa por mais de 130 anos nos países mais avançado na fronteira do de-
senvolvimento. A afirmação mais precisa é a de que “a adoção de inovações
tecnológicas e organizacionais ocorreu na proporção que implica uma taxa
de crescimento constante da economia de 1,85% ao ano”, como sustenta
Fatás (2009). Assim, embora possa haver surtos de inovação, a adoção de
novas tecnologias prossegue a um nível taxa relativamente estável.

Cabe destacar, no driver da inovação tecnológica para o desenvolvimento


que, a geração de energia, como pontua Castro (2017), seguia um fluxo uni-
lateral, no tradicional paradigma do setor elétrico, baseando-se no princípio
de que a geração segue a carga, ou seja, a produção é uma variável depen-
dente da demanda de energia elétrica. A energia é produzida em uma uni-
dade geradora e, através de linhas de transmissão e redes de distribuição,
segue um fluxo unidirecional até os centros de carga ou demanda, para
atender os consumidores finais, pois historicamente, as centrais geradoras
são grandes empreendimentos com alta capacidade instalada, conectadas
às linhas de transmissão e que se localizam longe dos centros de consumo.
O paradigma permanece sendo a geração centralizada, com a energia elétri-
ca seguindo um fluxo unidirecional de energia através de linhas de trans-
missão e da rede de distribuição, até chegar aos consumidores finais, ou
seja, o princípio é “a geração segue a carga”.

No entanto, como os reservatórios hidrelétrico brasileiros, principalmen-


te no período seco como se pode observar no Gráfico 01, a partir dos dados
dos reservatórios do Organizador Nacional do Sistema, que apresenta a Ener-

84
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

gia Natural Afluente, entre o período úmido do ano (Dezembro, Janeiro, Fe-
vereiro, Março e Abril) e, o período seco (Maio, Junho, Julho, Agosto, Setem-
bro e Outubro), permitiu que o Brasil atendesse sua demanda energética
através da hidroeletricidade através da construção de grandes reservatórios
capazes de estocar água no período úmido do ano e a conservação desta
reserva em energia elétrica no período seco do ano. Contudo, não se pode
abster da constatação que a oferta de energia hidroelétrica no médio e longo
prazo é em função das afluências verificadas e, neste sentido é preciso que a
capacidade instalada do sistema seja consideravelmente superior à deman-
da de ponta do sistema e que o sistema tenha centrais térmicas instaladas e
atuando como backup estrutural para o parque gerador. Como a construção
de grandes reservatórios não podendo ser mais possível construir devido o
potencial hidrelétrico atual está localizado em regiões de topografia suave,
com quedas pouco pronunciadas nas partes mais caudalosa, tornou-se ur-
gente pensar alternativas complementares ao Parque Hídrico como Térmi-
cas a Gás natural e Nuclear, Bioeletricidade, Eólica, Solar e Carvão, não
deixando de considerar a forte tradição renovável da matriz elétrica brasi-
leira.

Gráfico – 01 – Média Histórica dos Resevatórios do ONS

Fonte: ONS, 2008.

Assim, para atender esta circunstância, o advento das novas tecnologia,


principalmente na geração das energias renováveis - Eólica e Solar, provo-

85
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

cou a mudança do paradigma tradicional do setor elétrico, impulsionada


pelas diversas mudanças associadas, em grande medida, à difusão e partici-
pação dos Recursos Energéticos Distribuídos, que criou um processo de
mudança, determinando a necessidade de se estabelecer novos arcabouços
técnicos, econômicos e principalmente regulatório, capazes de recepcionar,
viabilizar e difundir as inovações tecnológicas.

Com a difusão da geração distribuída, a característica da geração cen-


tralizada tem se alterado e hoje é crescente o número de centrais geradoras
de capacidade reduzida, cujos proprietários são novos consumidores /
pressumidores, conectados diretamente à rede de distribuição, ou seja, a
tendência é que cada vez mais, a geração não esteja somente concentrada
em grandes centrais geradoras, mas descentralizada e localizada perto dos
centros de consumo o que, dentre os seus benefícios, tem o potencial de
reduzir as perdas técnicas associadas ao transporte de energia e a necessi-
dade de investimentos em linhas de transmissão.

Um dos vetores desta ruptura é o potencial de expansão dos


recursos energéticos distribuídos, impondo a tendência de
descentralização e acelerada difusão de sistemas de micro e
de minigeração distribuída em alguns países. Em paralelo,
observa-se que as políticas de demand response estão se tor-
nando cada vez mais relevantes, permitindo flexibilizar a de-
manda por energia elétrica (Castro, Nilvade et all (2017).

Quando se fala em micro geração distribuída, deve compreender que é


uma central geradora de energia elétrica com potência instalada menor ou
igual a 75 kW e que utiliza a cogeração qualificada ou fontes renováveis de
energia elétrica, conectada na rede de distribuição por meio de instalações
de unidades consumidoras, já a mini geração distribuída é uma central ge-
radora de energia elétrica, com potência instalada superior a 75 kW e me-
nor ou igual a 3 MW para fontes hídricas ou menor ou igual a 5 MW para
cogeração qualificada, conforme regulamentação da ANEEL, ou para as de-
mais fontes renováveis de energia elétrica, conectada na rede de distribui-
ção por meio de instalações de unidades consumidoras, conforme a redação
dada pela REN ANEEL 687, de 24.11.2015.

Neste contexto de mudança de paradigma de geração de energia elétri-


ca, destacamse os Recursos Energéticos Distribuídos, principalmente a ge-

86
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

ração solar fotovoltaica que é uma nova tecnologia que há dez anos o seu
impacto disruptivo era ínfimo na matriz energética brasileira.

No Brasil, a título de exemplo, a geração solar fotovoltaica é atualmente


a fonte predominante nos empreendimentos de micro e mini geração distri-
buída.

Se em março de 2016, os sistemas de micro e instalados no país


correspondiam a uma capacidade de 24,7 MW, este valor quadruplicou em
um ano, chegando a 107,6 MW, em março de 2017. Atualmente, a capacida-
de instalada somente da geração solar fotovoltaica atinge quase 1.000 MW.
Além disso, os registros de projetos desta fonte nos Leilões de Energia A-4 e
A-6, estruturados pelo MME, EPE e ANEEL, indicam claramente o vetor desta
tecnologia exponencial e disruptiva.

Ao observar o Gráfico 02, pode-se observar os estados brasileiros que


lideram o ranking: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e
Santa Catarina.

Gráfico 02: Ranking Nacional de Potência Instalada em Geração Distribuída


Fotovoltaica por UF – 2019

Fonte: ANEEL / ABSOLAR, Janeiro/2019.

Nota-se um crescimento exponencial da difusão da geração solar


fotovoltaica, justificada pelas políticas de incentivo adotadas, com destaque

87
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

para o sistema de compensação de energia, estabelecido no âmbito da Reso-


lução Normativa nº 482/2012, da ANEEL, as quais possibilitaram o desen-
volvimento de sua cadeia produtiva e, consequentemente, a redução do seu
custo. Deste modo, o desenvolvimento da geração solar fotovoltaica é um
vetor dinâmico e direto de alteração dos paradigmas do Setor Elétrico tradi-
cional centralizado.

Segundo a ANEEL, o Brasil ultrapassou a marca de 1 gigawatt de potên-


cia instalada em micro e minigeração distribuída de energia elétrica e, este
avanço foi proporcionado em grande medida pela regulação da ANEEL (Re-
soluções Normativas 482/2012 e 687/2015).

O impacto da inovação tecnológica da geração distribuída transformou


os antigos consumidores que somente recebiam energia de forma passiva da
rede de distribuição centralizada, em geradores de energia para atender parte
de sua demanda. Os eventuais excedentes passaram a ser injetados na rede
de distribuição e, este dinâmico e irreversível processo criou a categoria de
novos consumidores / prossumidores, abrindo um novo cenário de ação mais
ativa dos consumidores.

Outro elemento importante que emerge com estas novas tecnologias


são os medidores inteligentes pois, no que diz respeito ao papel ativo dos
consumidores de energia elétrica, os medidores inteligentes são fundamen-
tais no sentido de possibilitar o gerenciamento da carga pelo lado da de-
manda. Apesar de a demanda de energia elétrica ser tradicionalmente reco-
nhecida por sua baixa elasticidade, com os medidores inteligentes o consu-
midor passa a controlar e adaptar os seus hábitos de consumo de maneira
mais precisa e qualificada, dando condições e respaldo para a capacidade e
dinâmica de resposta dos consumidores aos sinais de preço. Neste sentido,
a variável demanda de energia elétrica, sob controle dos consumidores, ga-
nha uma flexibilidade inexistente no velho paradigma.

A ruptura das bases que marcam o paradigma tradicional, como é o


caso da transformação do consumidor passivo para um cliente “empoderado”
está diretamente relacionada às inovações tecnológicas introduzidas na
sociedade nos últimos anos. Como exemplo podem ser citadas a difusão dos
celulares, as interações através das redes sociais e a internet das coisas,
tornando os consumidores mais conectados e exigentes no que diz respeito

88
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

às prestações de serviços públicos e privados. Destaca-se que, com os Recur-


sos Energéticos Distribuídos, este paradigma está sendo diretamente
impactado. Como examinado anteriormente, na geração distribuída, os no-
vos consumidores com excedente de geração em relação ao seu consumo
podem injetar energia na rede de distribuição, o que rompe com a tradicio-
nal unidirecionalidade do fluxo de energia.

os consumidores terão um comportamento mais ativo, a de-


manda será flexível e os fluxos de energia serão
multidirecionais, é imperativa a utilização de tecnologias de
comunicação e de informação que possibilitem o estabeleci-
mento de redes inteligentes (Castro, 2017).

É importante ressalta que a alteração do comportamento dos consumi-


dores, pois as modificações prospectadas estão associadas a um comporta-
mento mais ativo e participativo por parte dos pressumidores. Neste sentido,
o interesse dos consumidores aumentará, na medida em que estas novas
tecnologias e comportamentos possibilitem reduções nos dispêndios com
energia elétrica e aumento da qualidade de fornecimento, a ponto de com-
pensar os investimentos necessários. Mas o processo não se resume a isso,
pois existe um desejo do consumidor em ser mais autossuficiente no que
concerne ao seu suprimento de energia elétrica e de posicionar-se na soci-
edade como um indivíduo adepto a práticas sustentáveis.

Um terceiro elemento, decorrente da inovação tecnológica, no caso da


geração distribuída, é o desenvolvimento de baterias com uma difusão
tecnológica ainda bem menos desenvolvida do que a geração distribuída,
mas o armazenamento de energia em baterias e em veículos elétricos, tam-
bém possui o condão de alterar o fluxo da energia, uma vez que as baterias
podem desempenhar as funções de fonte de geração, no cenário previsível
de implementação de tarifas horárias que irá dar mais flexibilidade ao siste-
ma elétrico. Neste sentido, haverá injeção de energia na rede em momentos,
por exemplo, de grande demanda, quando a tarifa de energia elétrica estiver
mais elevada, ou armazenamento de energia, quando esta for mais abun-
dante e barata. Como reforça Nilvade (2017) “o desenvolvimento de sistemas
de armazenamento de energia, tornandoos economicamente viáveis em um fu-
turo próximo, principalmente no âmbito dos veículos elétricos, pois, mais que o
acréscimo na demanda por energia elétrica que os mesmos podem ocasionar,

89
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

destaca-se a possibilidade do uso das baterias destes veículos para


armazenamento de energia e posterior injeção na rede”.

Como se pode observar, a mudança disruptiva das novas tecnologias,


principalmente na geração de energia fotovoltaica, tem permitido alterações
não somente no comportamento dos consumidores, mas também no modo
de produzir e consumir energia de modo mais elástico.

3 Instituições como ambiente adequado para favorecer o investimento

Uma pergunta muito recorrente é porque os investimentos que produ-


zem o desenvolvimento não se materializam nos países pobres?

A resposta está relacionada ao driver institucional e regulatório dos


países pobres, pois se pensarmos os porquês das empresas e indivíduos não
avaliarem ser atraente investir em países com oportunidades potenciais e
bons índices de retornos, verifica-se que é porque as taxas de retornos des-
ses investimentos agregam um risco elevado. O retorno e o risco são, em
última análise, determinados por uma longa lista de fatores que reunimos
sob o rótulo de instituições, como pontua Fatás (2009).

Podemos pensar em instituições legais (direitos de propriedade), insti-


tuições políticas (processos de tomada de decisão), instituições econômicas
(impostos e procedimentos aduaneiros), normas sociais (como a desigualda-
de será resolvida) e o espírito empreendedor (o comportamento de assumir
riscos). Em resumo, podemos pensar as instituições como o ambiente para
fazer negócios e é esse importante ambiente que chamamos de instituições
(Fatás e Mihov, 2009).

No entanto, existem outros indicadores que revelam um razoável ambi-


ente institucional, como por exemplo o acesso ao crédito, a observância dos
direitos de propriedade, a facilidade de fechamento de negócios, etc.

Mas é importante destacar que existe uma correlação muito forte entre
regulamentação e instituições e o desenvolvimento econômico, pois todos
os países ricos têm instituições de alta qualidade, enquanto o contrário tam-
bém é verdadeiro, para os países pobres. É essa medida de qualidade
institucional que fornece aos países e governos diretrizes claras sobre o que
fazer para acelerar as reformas e o crescimento, pois um dos objetivos do

90
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

governo deve ser o de estabelecer o ambiente certo para os negócios, em vez


de buscar gerenciar o investimento, pois uma vez que o ambiente existe,
uma vez que é previsível economizar e investir, tendo no horizonte que a
incerteza sobre pagamentos futuros se foi, tanto indivíduos e como empre-
sas passam a reservar mais recursos para investimentos e a retomada do
crescimento, torna-se viável.

Quando pensamos a questão da alteração da matriz energética brasilei-


ra dentro de um ambiente de alteração paradigmática temos que perguntar,
com as instituições e a regulação estão se comportando e configurando. Como
ressalta Castro (2009), a natureza regulada do setor elétrico, especialmente
dos segmentos geração, transmissão e distribuição, faz com que as mudan-
ças nas diretrizes regulatórias sejam tão ou mais importantes que as políti-
cas públicas em um sentido mais amplo, pois a necessidade de ajustes e
inovações regulatórias advém do descompasso entre as tradicionais diretri-
zes normativas frente às características e potencialidades das novas
tecnologias. Nota-se que o arcabouço regulatório vigente comumente incita
as empresas a optarem pela tecnologia convencional, em função da compa-
tibilidade entre a estrutura de custos destas tecnologias e os modelos
regulatórios tradicionais. Em paralelo, a modificação das relações entre os
agentes, conjugada com o surgimento de novos agentes, resulta na necessi-
dade de se examinar novas estruturas de mercado e de se regulamentar
novos modelos de negócios. E, é dentro deste contexto, que surge a Resolu-
ção Normativa ANEEL nº 482/2012 que define o Sistema de Compensação
de Energia Elétrica que possibilita benefícios aos consumidores que dese-
jam gerar energia elétrica para consumo próprio a partir de fontes de energia
renováveis e cogeração qualificada ou fornecer o excedente para a rede de
distribuição. A energia injetada por unidade consumidora com micro ou
minigeração distribuída é cedida, por meio de empréstimo gratuito, à distri-
buidora local e posteriormente compensada com o consumo de energia elé-
trica. Posteriormente alterada pela Revisão da 482 em 2015, pela 687, que
buscou prever novas modalidades de geração distribuída através de condo-
mínios e geração compartilhada por cooperativas e consórcios com potência
máxima de GD de até 5MW e com créditos disponíveis por 60 meses.

O estado de Minas Gerais, partindo da regulação da ANEEL 482/2012


buscou criar condições para estimular a Geração Distribuída com uma le-

91
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

gislação que prevê instrumentos específicos de fomento para pequenas cen-


trais geradoras. Em 09/01/18, foi publicado no Diário Oficial de Minas Ge-
rais a Lei 22.866, que altera a legislação estadual já existente de incentivo,
com o objetivo de estimular a energia fotovoltaica, acrescentando um pará-
grafo ao artigo 4º da Lei 11.396, de 1994, que cria o Fundo de Fomento e
Desenvolvimento Socioeconômico de Minas Gerais – Fundese. Esta altera-
ção permite que o fundo financiasse a implantação de sistemas de micro e
mini geração distribuída de energia elétrica de fonte solar fotovoltaica em
empresas de pequeno e médio porte, além de cooperativas.

Historicamente, no entanto, desde 2011/012 o Governo de Minas Ge-


rais criou um grupo de trabalho sobre energia renováveis e estimulou a Com-
panhia Energética do estado – a CEMIG a elaborar o mapa solarimétrico de
Minas Gerais / CEMIG. Em 2013, através da Lei 20.824/31/07/2013 se es-
timulou a desoneração do ICMS para equipamentos relacionados à geração,
bem como isenção do ICMS relativo ao seu fornecimento. Ainda no ano de
2013, através da Lei 20.849/08/08/2013 institui a política estadual de in-
centivo ao uso da energia solar onde no seu Art. 1, inciso IX, que propõe
estimular a implantação, em território mineiro, de indústrias de equipamen-
tos e materiais utilizados em sistemas de energia solar; no Art. 1, inciso X,
estimular o desenvolvimento e a capacitação de setores comerciais e de ser-
viços relativos a sistemas de energia solar e no Art. 2, inciso II, estabelece
instrumentos fiscais e creditícios que incentivem a produção e a aquisição
de equipamentos e materiais empregados em sistemas de energia solar. Já o
Decreto 46.296/14/08/2013, dispõe sobre o Programa Mineiro de Energia
Renovável e de medidas para incentivo à produção e uso de energia
renovável, com incentivos para o setor (solar, eólica, biomassas, biogás e
hídrica, além das provenientes de PCHs e CGHs). No seu Art. 2º diz que serão
concedidos incentivos fiscais e tratamento tributário diferenciado aos em-
preendimentos localizados em Minas Gerais, na forma da legislação tributá-
ria, nos seguintes casos: I – na produção de peças, partes, componentes e
ferramentas utilizados na geração de energia renovável; II – no material a
ser utilizado como insumo nas obras de construção civil necessárias aos
empreendimentos de geração de energia renovável; III – na infraestrutura
de conexão e de transmissão que se faça necessária aos empreendimentos
geradores de energia renovável para sua interligação no Sistema Interliga-

92
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

do Nacional; e IV – no fornecimento da energia elétrica produzida a partir de


usinas geradoras de energia de fonte solar, eólica, biogás, biomassa de reflo-
restamento, biomassa de resíduos urbanos, biomassa de resíduos animais
ou hidráulica de CGHs, por um prazo de quinze anos a contar da data de sua
entrada em operação. Já no seu Art. 3º, a empresa de geração de energia
renovável poderá solicitar ao Estado a implantação de infraestrutura de li-
nhas de transmissão, por meio de contrato de parceria, nos termos da Lei nº
18.038, de 12 de janeiro de 2009, nos casos em que se fizerem necessários.
Em 2015, através da Lei 21.713, 07/07/2015 se amplia o prazo para conces-
são de crédito de ICMS relativo à aquisição de energia solar no Estado, em
conformidade com linha de financiamento, de modo a estimular esse tipo
de energia e, a Lei 22.866/9/2018, passa a incentivar a produção de ener-
gia solar em Minas Gerais e incorpora a micro e minigeração distribuída
fotovoltaica ao Fundese, permitido na prática o desenvolvimento de novas
opções de financiamento para que microempresas, empresas de pequeno
porte, médias empresas e cooperativas tenham melhores condições para in-
vestir em sistemas solares fotovoltaicos. A lei altera a legislação do Fundo de
Fomento e Desenvolvimento Socioeconômico do Estado de Minas Gerais
(Fundese), permitindo que ele financie a implantação de sistemas de micro
e minigeração distribuída de energia solar em cooperativas e empresas de
pequeno porte. Esses sistemas produzem energia elétrica por consumidores
a partir de pequenas centrais, por meio de fontes renováveis de energia elé-
trica, como painéis fotovoltaicos e microturbinas eólicas. A lei também pre-
tende estimular a implantação, em Minas, de indústrias de equipamentos
para esses sistemas.

Como se pode observar, a legislação mineira ao tomar como referência a


Resolução Normativa da Aneel nº 482/17/04/2012, procurou estabelecer
condições também regulatórias para a geração distribuída, no estado de Mi-
nas Gerais.

Na Figura 01, podemos observar graficamente como o ambiente


regulatório em Minas Gerais se desenvolveu, bem como se processou os lei-
lões, que são a realização da legislação em termo de potência instalada.

93
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Figura 01: Histórico da Legislação para Geração Distribuída em Minas Gerais.

Outro dado importante, quando o Governo do estado de Minas Gerais


resolveu estimular a energia distribuída, foi quando constatou, através do
Atlas Solarimétrico do estado, produzido pela CEMIG, a forte incidência so-
lar no estado, principalmente nas regiões Norte, Noroeste, Triângulo e Sul
de Minas, conforme mapa da radiação solar média diária anual, conforme
Figura 02.

Figura 02 – Radiação Solar Média Diária Anual de Minas Gerais

Fonte: Atlas Solarimétrico/CEMIG.

94
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

4 Investimentos

Como se comportaram os investimento em geração distribuída em Mi-


nas Gerais, como preconiza Fatás e Mihov (2009) quando afirmam que so-
mente após um razoável ambiente institucional/regulatório que os investi-
mentos seja por parte de indivíduos e empresas são realizados?

Castro irá afirmar que este

conjunto de novas tecnologias inicialmente apresenta custos


superiores às tecnologias convencionais, tornando a
implementação de políticas públicas condição essencial para
a realização desta transformação do Setor Elétrico. Dentro
desta dinâmica, é importante que os investimentos em pes-
quisa e desenvolvimento possam garantir o equacionamento
de desafios técnicos, o aumento da eficiência e a redução dos
custos das novas tecnologias (Castro, 2017)

Como os investimentos no setor elétrico são também de capital inten-


sivo com longo prazo de maturação, como sustenta Siffert et al. (2009), a
combinação destas características imprime ao setor a necessidade de pla-
nejamento de médio e longo prazo, tornando-se uma atividade crucial e es-
tratégica para o setor elétrico brasileiro e exigindo profundo entendimento
de seu funcionamento, mecanismos e possíveis ajustes para garantir o equi-
líbrio entre oferta e demanda.

Efetivamente, nota-se robustos investimentos em projetos de recursos


energéticos distribuídos e de redes inteligentes no mundo, no Brasil e em
Minas Gerais, incluindo a implementação de projetos de demonstração que
buscam validar tecnicamente a tecnologia desenvolvida. Por sua vez, a in-
serção comercial destas novas tecnologias exige a criação de condições pro-
pícias. Embora a adoção de incentivos fiscais e desonerações tributárias con-
sistam em uma estratégia tipicamente utilizada com vistas a dotar as novas
tecnologias de competitividade, em muitos casos é necessário a criação de
nichos de mercado específicos.

Sabemos que crescimento deve vir de aumentos de produtividade ou


aumentos de insumos, no entanto, se imaginarmos um país como uma grande
fábrica (no final, é isso que o PIB mede, a produção de todos os bens e servi-

95
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

ços finais que as empresas produzem em um determinado país durante um


período de tempo), por produção por trabalhador para crescer, precisamos de
uma fábrica maior, mais máquinas, novas tecnologias, novas formas de or-
ganizar a produção, uma força de trabalho mais qualificada. Tudo isso vem
do investimento em infraestrutura, em capital humano, em conhecimento e
em equipamentos.

Assim, no contexto atual de redefinição da matriz energética nacional,


na direção do incremento de fontes de produção renováveis e sustentáveis
que representem alternativas à fonte hidráulica, demanda a criação de me-
canismos que possibilitem aumentar a participação da energia solar na ma-
triz energética do estado de Minas Gerais, que é um insumo estratégico para
o desenvolvimento.

Minas Gerais ao estimular um ambiente institucional e regulatório, fa-


vorável à Geração de Energia Distribuída, assumiu a liderança do ranking
em quantidade de usinas solares no Brasil e se tornou referência para os
demais estados e, de acordo com os dados da ANEEL, tem-se 32.622 unida-
des de usinas fotovoltaicas instaladas no país, sendo que Minas Gerais pos-
sui 6.595 sistemas, correspondendo a 20% do total, seguido por São Paulo e
Rio Grande do Sul com 6.238 e 3.973 sistemas respectivamente.

No que se refere a potência instalada, a diferença de Minas Gerais para


os demais estados da federação é considerável, pois segundo dados da ANEEL,
conforme o Gráfico 03, em Julho de 2018, Minas Gerais possuía uma potên-
cia instalada de 107.468,43 kW representando 27% da potência total de
393.968,88 kW, seguido por São Paulo com 49.352,43 kW e Rio Grande do
Sul com 40.043,67 kW, representando 12,5% e 10,1% da potência total ins-
talada, respectivamente.

96
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

Gráfico 03 - Potência Instalada em Minas Gerais em MW em 2018

Fonte:. ANEEL, em 2018.

Minas também se destaca na quantidade de unidades consumidoras


que recebem créditos, com 16.037 unidades, correspondendo a aproxima-
damente 35% do total de 45.917 unidades no país, segundo o Gráfico 04. A
diferença na quantidade de unidades consumidoras para unidades consu-
midoras que recebem créditos se dá através da Resolução Normativa da ANEEL
de n°687/2015 que possibilitou que uma única central geradora atendesse
mais de uma unidade consumidora através da geração compartilhada e o
autoconsumo remoto, Minas Gerais também tem um destaque acentuado
perante os demais estado da federação, sendo também seguido por São Pau-
lo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, conforme o Gráfico 04.

Gráfico 04: Quantidade e Qualidade de Unidade Geradoras e Unidades Consu-


midoras em Minas Gerais

Fonte: ANEEL, em 2018.

97
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

5 Conclusão e conclusões

Referenciando-se em Fatás e Mihov que estabelece as Condições Inici-


ais, a Inovação Tecnológica, o Ambiente Institucional e o Investimento como
drivers do desenvolvimento, pode-se concluir que estes quatro drivers estão
presentes no desenvolvimento da energia distribuída em Minas Gerais.

Em Minas Gerais, pode-se observar pelos marcos regulatórios, que foi o


primeiro estado do Brasil a criar as condições institucionais para que a ener-
gia distribuída se desenvolvesse e se alterasse de forma significativa o
paradigma tradicional e centralizado, para o distribuído.

O número que MW instalado em energia distribuída, cresceu através


dos incentivos proporcionados pelo estado de Minas Gerais à produção de
energia distribuída, tornando o estado líder, entre os demais estados do Bra-
sil.

Por fim, a matriz elétrica brasileira é uma das matrizes mais renováveis
do mundo. Mesmo assim, há em curso um processo de transição dentro do
conjunto das fontes renováveis. A incapacidade de o Brasil construir novas
usinas hidroelétricas por imposição da legislação ambiental determinou o
fim da hegemonia desta fonte no processo de expansão da capacidade pro-
dutiva, mas em paralelo, as fontes eólica e solar estão ampliando a sua parti-
cipação na matriz e as projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)
indicam que, para 2027, que estas três fontes vão representar 79% de toda a
capacidade instalada nacional. Ou seja, o padrão da matriz elétrica, de ca-
racterística renovável vai se manter graças ao aproveitamento do imenso
potencial eólico e solar que possuímos, configurando uma transição, da ge-
ração hidroelétrica, para estas fontes. Porém, dentro da perspectiva pragmá-
tica que sempre rege a política energética, serão necessárias novas usinas
térmica a gás natural, alavancadas pela grande oferta do pré-sal, para man-
ter a predominância da matriz de fontes renováveis, tendo em vista as suas
características de intermitência e sazonalidade. Assim para manter a matriz
renovável é preciso de uma fonte não renovável. Em suma, são distintos os
processos de transição elétrica mundial e brasileiro, mas, neste campo, o
Brasil tem uma posição privilegiada, que deverá ser mantida pela política e
planejamento energético que garantem um cenário de estabilidade essen-

98
SILVA, C. V. S. Mudança de paradigma na geração de energia elétrica...

cial e fundamental para dar segurança aos investimentos privados. Segun-


do a ANEEL, o Brasil ultrapassou a marca de 1 gigawatt de potência instala-
da em micro e minigeração distribuída de energia elétrica e, este avanço foi
proporcionado em grande medida pela regulação da ANEEL (Resoluções
Normativas 482/2012 e 687/2015).

Referências

ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica. Geração Distribuída. Unida-


des Consumidoras com Geração Distribuída. Disponível em: http://
www2.aneel.gov.br/scg/gd/GD_Fonte.asp.

ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica. Nota Técnica no 0056/2017-


SRD/ANEEL. Brasília, 2017.

ATLAS SOLARIMÉTRICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, CEMIG.

CASTRO, Nilvade et al. A Ruptura do paradigma tecnológico e os desafios


regulatórios do Setor Elétrico. Brasília: ANEEL. Revista de P&D. 7. ed. , 2017,
p. 10-12. ISBN 1981- 9803.

COSTA, Ana Thereza Carvalho et al. Análise dos determinantes da matriz


elétrica brasileira. X Congresso Brasileiro de Planejamento energético. Gra-
mado – RS, 2016.

FATÁS, A.; MIHOV I. The 4 I’s of Economic Growth. INSEAD, 2009.

SIFFERT, N. F. et al. O papel do BNDES na expansão do setor elétrico nacional


e o mecanismo de project finance. Rio de Janeiro: BNDES Setorial, n 29, 2009,
p. 3-36.

TOMASQUIM, Maurício. Matriz Energética Brasileira: uma perspectiva. 2012.

99
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

100
USOS DA INFORMAÇÃO CONTÁBIL POR AGENTES
POLÍTICOS: REVISITANDO A LITERATURA

João Paulo de Brito Nascimento*


Fernanda FilgueirasSauerbronn**
Carla Leila Oliveira Campos***
Denise Carneiro dos Reis Bernardo****

Resumo: Considerando os usos da informação contábil por agentes políti-


cos, este trabalho tem o objetivo de apresentar uma revisão de literatura so-
bre o tema. Para tanto, realizamos um levantamento no Portal de Periódicos
CAPES, utilizando palavras-chave relacionadas ao assunto. A partir dessa
pesquisa, encontramos 29 (vinte e nove) artigos em periódicos internacio-
nais que abordavam a temática. Os trabalhos investigaram os usos das infor-
mações contábeis em governos centrais e locais em países europeus,
estadunidenses e asiáticos, não sendo encontrado nenhum artigo no âmbi-
to brasileiro. Uma vez que as reformas contábeis que se iniciaram nos anos
2000 com as práticas gerencias da New Public Management (NPM) deman-
dam que o setor público adote esse tipo de informação como forma
deaccountability e governança, apontamos para a necessidade de definição

*
Mestre em Administração pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. Professor da
Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL-MG, Varginha/MG, Brasil, e Doutorando
em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de
Janeiro/RJ, Brasil. E-mail: joaopaulo.unifal@gmail.com.
**
Doutora em Administração pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, Professora da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-mail:
fernanda.sauerbronn@facc.ufrj.br.
***
Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
Professora da Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL-MG, Varginha/MG, Brasil.
E-mail: carlalcampos@globo.com.
****
Doutora em Administração pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. Professora
da Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ, São João del-Rei/MG, Brasil.
E-mail: denisecarneiroprof@gmail.com.

101
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

de uma agenda de pesquisa sobre o tema no cenário nacional. E, devido à


complexidade dos fenômenos políticos, entendemos que mix methods são os
mais recomendados para a abordagem dessas pesquisas, bem como métodos
advindos das teorias da linguagem e do discurso.

Palavras-chave: Informação contábil; agentes políticos; política; revisão de


literatura.

USES OF ACCOUNTING INFORMATION BY POLITICAL AGENTS:


REVISITING THE LITERATURE

Abstract: Considering the uses of accounting information by political


agents, this paper aims to present a literature review on the topic. For this,
we conducted a search on the CAPES Journal Portal, using keywords related
to the subject. From this research, we found 29 (twenty-nine) articles in
international jornals that addressed the theme. The papers investigated
the uses of accounting information in central and local governments in
European, American and Asian countries, and no article was found in the
Brazilian scope. The accounting reforms that began in the 2000s with the
management practices of New Public Management (NPM) demand that the
public sector adopt this type of information as a form of account ability and
governance. Sowe identified the need to define a research agenda on the
topic on the national scene And, due to the complexity of political
phenomena, weunder stand that mix methods are the mostre commended
for the approach of this research, as well as methods derived from the theories
of language and discourse.

Keywords: Accounting information; political agents; politics; literature


review.

Resumen: Considerando los usos de la información contable por parte de


los agentes políticos, este artículo tiene como objetivo presentar una revisión
de la literatura sobre el tema. Con este fin, realizamos una em cuesta en el
portal CAPES Journal, utilizando palabras clave relacionadas com el tema.
De esta investigación, encontramos 29 (veinti nueve) artículos en revistas
internacionales que abordaron el tema.Los trabajos investigaron los usos de
la información contable em gobiernos centrales y locales en países europeos,
americanos y asiáticos, y no se encontróningún artículo em el ámbito
brasileño. Dado que las reformas contables que comenzaron em la década
de 2000 com las prácticas de gestión de la Nueva Gestión Pública (NPM)
exigen que el sector público adopte este tipo de información como una forma
de rendición de cuentas y gobernanza, señalamoslanecesidad de definir
una agenda para investigación sobre el tema em la escena nacional.Y, debido
a la complejidad de los fenómenos políticos, entendemos que los métodos
mixtos son los más recomendados para el enfoque de esta investigación, así
como los métodos derivados de las teorias del lenguaje y el discurso.

Palabras clave: información contable; agentes políticos; política revisión


de literatura.
102
NASCIMENTO, J. P. B. et al. Usos da informação contábil por agentes políticos...

1 Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar uma revisão de literatura sobre


os usos da informação contábil por agentes políticos no âmbito do exercí-
cio das atividades de governo e legislativo.

A partir da implementação das práticas gerenciais daNew Public


Management – NPM, a demanda por informações de desempenho e contábil
no setor público foi alavancada pela necessidade de maior eficiência na
aplicação dos recursos públicos, accountability e governança. Motivados por
essa realidade contextual, os estudos acerca dos usos políticos dessas in-
formações passaram a ocupar um lugar de destaque na literatura do setor
público.

Desse modo, o interesse pelo tema dos usos da contabilidade no con-


texto político surgiu nos anos 2000. Essa constatação é corroborada por
van Helden (2016, p. 531) ao aduzir que as “pesquisas sobre o uso de infor-
mações financeiras/de desempenho pelos políticos e sua percepção de uti-
lidade surgiram na última década em periódicos internacionais de conta-
bilidade e administração pública”1.

E, por isso, trabalhos que envolvam os usos da informação contábil no


contexto político têm sido objeto de incentivos de pesquisas (VAN HELDEN,
2016, p. 531; VAN HELDEN et al., 2016, p. 473). Em editorial da edição
especial do periódico Public Money & Management, dedicada a essa temática,
van Heldenet al. (2016, p. 473) afirmam que, embora as decisões políticas
não sejam tomadas com base em informações contábeis e de desempenho,
essas informações têm se tornado mais presentes nas deliberações a partir
das quais essas decisões são tomadas.

De forma geral, os estudos que tratam essa temática têm sido focados
em duas questões principais: primeira, o uso ou não da informação contábil
por políticos e a intensidade quando ela é utilizada; e, segunda, o tipo ou
os propósitos do uso dessa informação pelos políticos (VAN HELDEN, 2016).

1
Tradução livre de: “Research on politicians’ use of financial/performance information
and its perceived use fulness has emerged over the past decade in international
accounting and public administration journals.”

103
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Para realização do levantamento bibliográfico, foram pesquisadas, em


periódicos nacionais e internacionais, as seguintes palavras-chave no Portal
de Periódico CAPES: accounting, accountinginformation,political,politicians,
performance information, limitando o ano de 2000 como marco inicial para
seleção dos trabalhos. A partir da leitura dos trabalhos encontrados, iden-
tificamos outros trabalhos sobre o tema, que foram adicionados a esta revi-
são.

Nesse levantamento foram encontrados 29 (vinte e nove) trabalhos,


todos internacionais, que serão apresentados a seguir subdivididos em três
categorias: a) usos da informação contábil em governos centrais; b) usos da
informação contábil em governos locais; e c) trabalhos que analisam o uso
da informação contábil como máquinas (BURCHELL et al., 1980) e/ou como
retórica, que correspondem às seções deste artigo. Ao final, realizamos al-
guns apontamentos gerais acerca das pesquisas sobre usos da informação
contábil por agentes políticos.

2 Usos da Informação Contábil em Governos Centrais

Em 2005, Ezzamelet al. desenvolveram um estudo sobre o surgimento,


o desenvolvimento e o uso de práticas contábeis em situação de conflito na
Irlanda do Norte, a partir de uma descentralização administrativa do parla-
mento do Reino Unido. O objetivo da pesquisa foi investigar até que ponto
as informações contábeis se relacionavam com as atividades dos políticos
na assembleia daquele país e até que ponto ela poderia mediar as tensões
políticas. Os autores concluíram que uma estrutura política instável difi-
culta o entendimento e o uso dos políticos dos dados contábeis, porque a
incerteza impede a possibilidade de treinamento e familiarização com a
informação. Observaram também a existência da sobrecarga de informa-
ções contábeis e que essas não eram utilizadas para a tomada de decisão
(EZZAMEL et al.,2005).

Ao incluírem, além da Irlanda do Norte, a Escócia e o País de Gales


em pesquisa realizada em 2007, os autores observaram que o desconheci-
mento de informações contábeis por parte dos políticos sem formação fi-
nanceira levou-os a uma maior aproximação dos políticos com expertise
na área, o que pode ter criado uma nova dinâmica de relações de poder nos

104
NASCIMENTO, J. P. B. et al. Usos da informação contábil por agentes políticos...

partidos e dado maior liderança a esses políticos nas deliberações. Contu-


do, os autores alegaram que suas descobertas tinham limitações, pois as
pesquisas foram realizadas num período de transição, quando os dados
orçamentários estavam sendo apresentados em novos formatos (EZZAMEL
et al., 2007).

No âmbito do governo central suíço, Flury e Schedler (2006), por meio


de entrevistas de livre resposta com 25 (vinte e cinco) especialistas (políti-
cos, gestores e consultores externos), argumentaram que, diferentemente
do setor privado, na administração pública, é impossível implementar a
contabilidade de custos e desempenho puramente como um instrumento
de gestão interna, pois tais informações nem sempre satisfazem as neces-
sidades internas dos gestores para a tomada de decisão. Entretanto, como
a responsabilidade democrática exige que os comitês de supervisão políti-
ca observem todas as informações disponíveis sobre a administração, a con-
tabilidade de custos e desempenho é organizada de forma a evitar inter-
venções políticas, perdendo seu status de base de informações e
gerenciamento internos e tornando-se politicamente estruturada. Além
disso, o estudo concluiu que políticos e gestores possuem expectativas di-
ferentes sobre a contabilidade de custos e desempenho, pois enquanto es-
tes preferem informações de custos variáveis aqueles exigem as de custos
de absorção, baseados em categorias de desempenho, como os custos to-
tais dos serviços (FLURY; SCHEDLER, 2006, p. 223).

Johnson e Talbot (2007) buscaram identificar, a partir da


implementação dos Public Service Agreements – PSA, uma ferramenta de
prestação de contas do executivo ao legislativo, como o parlamento britâ-
nico respondeu à disponibilização dos relatórios de alto nível sobre de-
sempenho: o parlamento utilizou esse novo recurso para desafiar o execu-
tivo ou foi desafiado a adaptar o seu próprio papel e atividades a este novo
regime? O trabalho concluiu que o parlamento, apesar das tentativas de
institucionalizar o exame minucioso do desempenho, tem sido mais desa-
fiado pelos relatórios, o que revela a necessidade de um esforço maior para
aumentar sua capacidade de análise de desempenho (JOHNSON; TALBOT,
2007).

Já nos Estados Unidos (EUA), estudo acerca do uso das informações


de desempenho nos processos orçamentários legislativos observaram que

105
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

a maioria dos estados do país mostrou uma falta de envolvimento do


legislativo na utilização dessas informações na formulação de políticas ou
orçamento, pois os legisladores consideram que a informação produzida
pelas agências executivas não é uma fonte confiável e importante
(BOURDEAUX, 2008).

Ainda nos EUA, Stalebrink e Frisco (2011), buscando compreender


as experiências pessoais e posições ideológicas que justifiquem a atitude
de hostilidade e indiferença dos membros do congresso sobre o PART –
Program Assessment Rating Tool, que se configura em um sistema de gestão
sustentável baseado em desempenho, alcançaram os seguintes resulta-
dos: os legisladores com nível mais alto de experiência empresarial apoia-
vam mais o PART e aqueles com maior tempo de serviço no congresso e que
receberam mais contribuição de campanha dos comitês políticos demons-
travam mais aversão ao programa, porque o viam como uma ameaça poten-
cial a sua capacidade de controlar a alocação de recursos com base em
interesses constituintes (STALEBRINK; FRISCO, 2011, p. 21).

Confirmando o uso limitado das informações de desempenho na to-


mada de decisão orçamentárias pelos legisladores, Raudla (2012), em es-
tudo desenvolvido na Estônia, verificou que os parlamentares que compu-
nham o Comitê de Finanças assim justificavam o baixo uso dessas infor-
mações: os relatórios de desempenho são muito longos e complexos e o
processo orçamentário legislativo é muito limitado, pois o parlamento tem
pouca influência na realização de mudanças substanciais no orçamento.
Assim como Stalebrink e Frisco (2011), os resultados obtidos por Raudla
(2012) verificaram que os políticos mais experientes têm menos interesse
em informações de desempenho. A autora também observou um menor uso
da informação de desempenho pelos legisladores da oposição, já que na
Estônia esses políticos se sentem impotentes quanto à realização de mu-
danças significativas no orçamento.

Ezzamelet al. (2014) estudaram a adoção pelo parlamento escocês do


Resource Accounting Budgeting (RAB), implementado no governo do Reino
Unido, a partir de 2001, e cujo foco principal foram os princípios de conta-
bilidade e orçamento por regime competência. Os resultados da pesquisa
demonstraram que os deputados não sentem confiança no tratamento das
informações pelo RAB. Os autores argumentaram que isso se deve ao gran-

106
NASCIMENTO, J. P. B. et al. Usos da informação contábil por agentes políticos...

de volume de informações a que esses políticos estão expostos, à incapaci-


dade dos comitês de influenciar o orçamento e ao fato de que os políticos
têm conhecimentos financeiros limitados.

Buscando responder à questão: “qual tipo de informação contábil (or-


çamentária e financeira) os políticos (parlamentares e membros do gover-
no) usam, qual a sua utilidade e com quais objetivos”2, Jorge, Jesus e No-
gueira (2016a, p. 36) identificaram que os políticos do governo central por-
tuguês privilegiam informações contábeis orçamentárias baseadas em re-
gime de caixa para o seu uso nos debates políticos e na formulação de
políticas, enquanto a contabilidade por competência não é bem compreen-
dida por esses agentes, tendo utilidade apenas para relatórios financeiros
supranacionais. Os políticos relacionaram a necessidade da informação
financeira com as finalidades das contas públicas nacionais, principal-
mente para avaliar o déficit e analisar a dívida pública (JORGE; JESUS;
NOGUEIRA, 2016a).

Também no âmbito português, as autoras, verificando o papel dos ór-


gãos técnicos (UTAO – Unidade Técnica de Apoio Orçamental, DGO – Dire-
ção-Geral do Orçamento e CFP – Comissão das Finanças Públicas) que dão
suporte aos políticos quanto ao uso de informações orçamentárias e finan-
ceiras, examinaram o uso real que os políticos fazem dessas informações.
Os resultados do estudo apontaram que os assessores técnicos têm um
papel central na preparação dessas informações para os políticos, tornan-
do-as mais simples e compreensíveis. Entretanto, mesmo que de forma não
intencional, essas informações podem ser apresentadas de modo tenden-
cioso e parcial, o que pode influenciar, principalmente, o trabalho dos po-
líticos sem experiência em contabilidade (JORGE; JESUS; NOGUEIRA,
2016b).

No contexto do parlamento de Malta, Caruana e Farrugia (2018)


pesquisaram o uso e não uso pelos políticos do relatório financeiro do go-
verno, embasados na teoria da sobrecarga de informação. Os autores con-
cluíram que os políticos se referem a dados financeiros para tomada de

2
Tradução livre de: What type of accounting (budget ary and financial) information
politicians (parliamentarians and members of government) use, what is its use fulness
and for what purposes?

107
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

decisões, mas não aos dados apresentados no relatório financeiro do go-


verno que, portanto, não cumpre o papel de utilidade decisória para os
parlamentares. Assim como estudos anteriores, o não uso da informação
contábil pelos políticos é ampliado pela dificuldade que a maioria deles
encontra para entender as informações financeiras. A maioria dos políti-
cos acredita que tais relatórios são produzidos para indivíduos com amplo
conhecimento em finanças ou contabilidade (CARUANA; FARRUGIA, 2018).

Considerando a fase de aprovação do orçamento, na qual se espera


que diferentes propósitos de uso de informações de desempenho sejam re-
velados, Salitereret al. (2019), por meio de uma análise de conteúdo, verifi-
caram como os políticos do governo central austríaco utilizaram informa-
ções de desempenho. O estudo identificou diferentes tipos e propósitos de
uso dessas informações entre os políticos de situação e oposição. Contrari-
amente aos resultados de Raudla (2012), Salitereret al. (2019) constataram
que os legisladores de oposição usam com mais frequência a informação
de desempenho do que os membros do partido do governo. Em relação às
dificuldades de interpretação das informações de desempenho ou a sua
inadequação, os legisladores austríacos criaram um subcomitê de orça-
mento cujo objetivo era auxiliar o comitê, buscando compensar questões
como falta de tempo ou possibilidade limitada de discussões.

Por meio de uma pesquisa que envolveu o governo central e governos


locais no Japão, Yamamoto (2008) investigou como os políticos usam os
relatórios financeiros de regime de caixa e de competência em suas toma-
das de decisão. A pesquisa concluiu que os políticos não reconheciam a
utilidade das informações por regime de competência e, por isso, elas eram
pouco utilizadas, diferentemente das informações de regime de caixa. Isso
se deve à dificuldade de entendimento do relatório financeiro com base no
regime de competência pelos parlamentares. Nesse sentido, a comunica-
ção direta com o público em geral, o grupo de interesse local e afiliados foi
mais influente na tomada de decisão por parte dos políticos do que os do-
cumentos formais (YAMAMOTO, 2008, p. 389).

108
NASCIMENTO, J. P. B. et al. Usos da informação contábil por agentes políticos...

3 Usos da Informação Contábil em Governos Locais

O estudo desenvolvido por ter Bogt (2001) nos municípios holande-


ses de Haia, Groningen e Leeuwarden pesquisou o valor que os políticos
eleitos atribuem às informações quantitativas sobre os resultados e a ma-
neira pela qual avaliavam o desempenho dos gestores de alto escalão do
executivo. A pesquisa verificou um baixo uso das informações contábeis
dos documentos de planejamento e controle. Os vereadores alegaram que
o desempenho dos gestores não pode ser definido apenas em termos quan-
titativos de saída, pois elementos subjetivos como sensibilidade política e
atitude cooperativa devem ser considerados. Percebe-se, desse modo, que
os políticos atribuíram um valor relativamente pequeno aos dados quanti-
tativos e não adotaram um estilo de avaliação com restrições de produção
ou resultado consciente (TER BOGT, 2001).

O baixo uso das informações formais contidas em orçamentos, relató-


rios anuais e relatórios intermediários, por parte dos vereadores também
foi confirmado em outra pesquisa conduzida por ter Bogt (2004), com 262
(duzentos e sessenta dois) vereadores de 140 (cento e quarenta) municípi-
os holandeses. Os dados obtidos pelo autor confirmaram o baixo valor atri-
buído às informações de desempenho orientadas para resultados por parte
dos vereadores e o uso de outras fontes de informação, como consultas
verbais informais e reuniões formais com os funcionários públicos (TER
BOGT, 2004, p. 241-242).

Ho (2006) analisou a importância da medição do desempenho a par-


tir da percepção de seu valor e impacto para prefeitos de cidades de peque-
no e médio porte do centro-oeste estadunidense. Os resultados da pesqui-
sa revelaram que os prefeitos percebiam o valor na medição de desempe-
nho, mas que o simples ato de reportar informações de desempenho no
orçamento ou nos relatórios públicos não é suficiente para garantir o êxito
em sua medição. No caso, mudanças no planejamento estratégico, no esta-
belecimento de metas e na governança eram necessárias.

Buscando também entender a maneira como os políticos utilizavam


informações de desempenho, Askim (2007) realizou uma pesquisa da ex-
periência de vereadores noruegueses acerca da importância dada por eles
a esse tipo de informação e do perfil daqueles vereadores que a usavam

109
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

mais. O artigo concluiu que os vereadores noruegueses apresentam altos


níveis de utilização da informação de desempenho e que essa utilização
era maior entre os agentes políticos que trabalhavam com idosos, assuntos
administrativos e educacionais (ASKIM, 2007, p. 453).

No contexto dos municípios italianos, Liguori, Sicilia e Steccolini


(2009) investigaram o modo como políticos e gestores públicos percebiam
suas relações e papéis acerca do ciclo contábil por meio de uma análise
em 5 (cinco) departamentos de 3 (três) governos locais. As autoras observa-
ram que, diferentemente do que prescreve a literatura da New Public
Management (NPM), não há nenhum modelo de separação precisa entre
políticos e gestores nos casos estudados.

Ampliando o escopo da pesquisa, as mesmas autoras desenvolveram


um estudo com 65 (sessenta e cinco) municípios italianos com pelo menos
80.000 (oitenta mil) habitantes para verificar a importância da informação
de desempenho para vereadores e gestores públicos. Os resultados corro-
boraram as conclusões de Liguori, Sicilia e Steccolini (2009) e revelaram
que políticos e gestores públicos consideravam a informação não financei-
ra mais importante do que os valores financeiros e concordavam também
sobre a maior importância da contabilidade orçamentária comparada à
contabilidade de competência (LIGUORI; SICILIA; STECCOLINI, 2012).

Estudando 308 (trezentos e oito) municípios portugueses, Nogueira,


Jorge e Oliver (2013) analisaram a percepção de usuários internos, políti-
cos e técnicos, sobre a utilidade do relatório financeiro municipal para a
tomada de decisão. As autoras obtiveram um resultado diferente dos estu-
dos italianos acerca das percepções de políticos e técnicos sobre a impor-
tância desses relatórios, pois os responsáveis pelas decisões técnicas da-
vam maior valor aos relatórios, apesar de ambos os grupos apresentarem
um alto grau de utilização da informação financeira para a tomada de de-
cisão. Assim como Liguori, Sicilia e Steccolini (2012), este estudo obser-
vou que políticos e técnicos demonstram preferência pelas informações
orçamentárias em detrimento das originárias da contabilidade por regime
competência (NOGUEIRA; JORGE; OLIVER, 2013, p. 178).

Identificar os usos da informação de desempenho por políticos e


gestores para fins de gestão interna e externa também foi o objetivo da pes-
quisa de Saliterer e Korac (2013). As autoras analisaram pequenos e médi-

110
NASCIMENTO, J. P. B. et al. Usos da informação contábil por agentes políticos...

os governos locais da Áustria e concluíram que ambos os grupos usavam


informações de desempenho em maior grau nas relações externas de
accountability. Quanto às diferenças nos fatores que impulsionavam o uso
dessas informações, Saliterer e Korac (2013) observaram que: o uso de in-
formação de desempenho para gerenciamento interno e para fins de pres-
tação de contas externa mostrou-se não significativo para os prefeitos; quan-
to aos gestores públicos, o uso das informações de desempenho para
gerenciamento interno era baixo, mas significativo nos processos de co-
municação com autoridades de fiscalização.

Buylen e Christiaens (2015) buscaram identificar a presença de in-


formações financeiras no discurso dos vereadores durante o debate orça-
mentário nos conselhos municipais da região de Flandres, na Bélgica. Os
autores avaliaram quantitativamente a presença de informações financei-
ras, orçamentárias e de competência nas falas dos vereadores e concluí-
ram que houve uma forte prevalência de informações orçamentárias base-
adas em regime de caixa do que aquelas oriundas de relatórios emitidos
por regime de competência.

A partir de uma perspectiva racional que a NPM apresenta para a to-


mada de decisão no contexto da administração pública, ter Bogt, van Helden
e van Der Kolk (2015) procuraram compreender se os políticos realmente
apreciavam e usavam as informações de desempenho disponíveis no pro-
cesso orçamentário. A pesquisa foi realizada por meio de um estudo de
caso intervencionista na província holandesa de Groningen, sendo os ve-
readores os sujeitos do estudo. Os resultados encontrados pelos autores
demonstraram que a maioria dos vereadores afirmavam que utilizavam a
informação de desempenho de modo intenso, porém nas reuniões oficiais
sua utilização formal revelou-se bastante limitada (TER BOGT; VAN HELDEN;
VAN DER KOLK, 2015, p. 287).

Em uma abordagem similar aplicada em municípios alemães e italia-


nos, Grossi, Reichard e Ruggiero (2016) tiveram como objetivo analisar a
adequação das informações de desempenho fornecidas nos orçamentos
municipais, bem como o interesse de políticos e gestores públicos do alto
escalão em usar essas informações para a tomada de decisões e
monitoramento orçamentário. Os autores chegaram às seguintes
constatações: as informações de desempenho foram mais utilizadas na fase

111
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

de planejamento orçamentário e pouco usadas na fase de monitoramento;


os gestores tinham mais interesse no uso dessas informações que os políti-
cos, que eram bastante céticos quanto a elas por não possuírem formação
técnica suficiente para a interpretação dessas informações e pela sobrecar-
ga de informações dos orçamentos (GROSSI; REICHARD; RUGGIERO, 2016).

Nogueira e Jorge (2016), por sua vez, estudaram a utilidade do relató-


rio financeiro na tomada de decisão por políticos e técnicos da área finan-
ceira em municípios portugueses. Concluíram que havia pressão das orga-
nizações de classe para o uso dos relatórios financeiros, contudo a falta de
conhecimento, de treinamento adequado e a carga de trabalho excessiva
dos tomadores de decisão foram fatores dificultadores da utilização desses
relatórios financeiros (NOGUEIRA; JORGE, 2016, p. 225).

4 Uso da Informação Contábil Como Máquinas e/ou Como Retórica

Fogarty e Dirsmith (2005), no caso da aprovação do governo dos EUA,


no final da década de 1970, de um programa de garantias em nome da
Chrysler, investigaram o uso da informação contábil nas discussões
conflitantes acerca do tema no Congresso dos EUA, a partir da perspectiva
de Burchellet al. (1980). Nesses debates a informação contábil foi utilizada
como máquina de munição e racionalização, sendo que os congressistas
bombardearam seus pares com um grande volume de fatos que, em sua
maioria, não podiam ser comprovados, mas que facilitaram a persuasão dos
indecisos. Nesse caso, a racionalização estava presente, pois o orador reu-
niu os fatos com a intenção de apoiar uma posição pré-existente (FOGARTY;
DIRSMITH, 2005). O episódio do resgate da Chrysler revelou que “a infor-
mação contábil não está no centro do universo. No mínimo, a informação
contábil entra na briga com uma parte poderosa da retórica”3 (FOGARTY;
DIRSMITH, 2005, p. 112), pois ainda que ela tenha tido um importante
papel como máquina de munição e racionalização nas discussões no Con-
gresso, a decisão pela intervenção do governo na Chrysler não foi susten-
tada apenas por aspectos contábeis.

3
Tradução livre de: “[...] accounting information is not at the centre of the universe. If
anything, accounting information enters in to the fray as a power fulpart of ther
hetoric”.

112
NASCIMENTO, J. P. B. et al. Usos da informação contábil por agentes políticos...

Considerando os usos da informação contábil por políticos recém-


eleitos de um governo local italiano, Guarini (2016) observou que esse uso
se deu com o propósito de influenciar a opinião pública e obter benefícios
políticos após as eleições quando houve mudança de partido no poder. Nesse
caso, a informação contábil foi utilizada como instrumental no forneci-
mento de munição (BURCHELL et al., 1980) para culpar os opositores políti-
cos e alcançar objetivos políticos específicos (GUARINI, 2016, p. 505).

O uso de informações contábeis por políticos locais foi o tema condu-


tor do trabalho de Giacomini, Sicilia e Steccolini (2016), que investigou o
papel dessas informações em decisões que envolveram três níveis diferen-
tes de conflitos: baixo conflito político, aumento do conflito político no es-
tágio de formulação de políticas e alto nível de conflito na etapa de tomada
de decisão. O baixo uso da informação contábil quando o conflito era igual-
mente baixo foi classificado como um problema, pois as possibilidades de
melhorias nos serviços ou de redução de custos poderiam ser perdidas
(GIACOMINI; SICILIA; STECCOLINI, 2016, p. 490). No contexto de formula-
ção de políticas, a informação contábil (como custos, eficiência e indica-
dores de eficácia) foi utilizada como máquina de resposta e aprendizado,
configurando-se como base para avaliar as diferentes opções disponíveis
ao conselho executivo e, simultaneamente, como máquina de munição
adotada pelos dois lados para apoiar sua própria posição e desafiar a opos-
ta. Já na etapa de tomada de decisão, na qual o nível de conflito político era
alto, as informações contábeis foram utilizadas em maior quantidade e di-
versidade, não só nas discussões internas, mas também no cenário exter-
no para atrair a atenção e aumentar a pressão dos cidadãos acerca da deci-
são. Nesse panorama, a informação contábil, como máquina de munição,
forneceu as bases para legitimar a posição majoritária e deslegitimar os
argumentos opostos. Em relação aos cidadãos, elas também foram usadas
pelos dois lados como forma de apelo às emoções positivas e negativas e
aos valores éticos (GIACOMINI; SICILIA; STECCOLINI, 2016).

Já o objetivo da pesquisa de Liguori e Steccolini (2018) foi analisar o


uso político da linguagem, buscando entender como os membros do parla-
mento italiano discutiram as reformas contábeis no setor público nas dé-
cadas de 1990 e 2000 e usaram diferentes estratégias retóricas para
legitimá-las ou contestá-las. Com isso as autoras pretendiam avaliar o uso

113
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

da linguagem como mecanismo do exercício do poder quando os políticos


discutiam a aprovavam reformas contábeis. As autoras observaram que na
década de 1990, os argumentos retóricos usados pelos parlamentares para
debater e justificar a adoção de reformas no setor público estavam mais
focados em questões internas, variando de referências a autoridades polí-
ticas italianas à necessidade de assegurar a justiça aos diferentes cida-
dãos e ao problema do desperdício dos recursos públicos. Tais argumentos
se sustentavam em uma visão da contabilidade como reflexo do poder so-
berano do Estado e das reformas contábeis como assuntos internos para
administrar o setor público ou manter as finanças públicas sob controle
(LIGUORI; STECCOLINI, 2018, p. 170). Nos anos 2000, a adoção do euro e a
emergência da zona do euro exerceram uma mudança fundamental nos
argumentos utilizados para legitimar as reformas contábeis. Nesse período,
os políticos lançavam mão de argumentos retóricos que buscavam disfar-
çar sua perda de poder para a União Europeia, apresentando suas ações e
propostas como necessárias e a favor do interesse público (LIGUORI;
STECCOLINI, 2018, p. 161).

5 Comentários Finais: apontamentos acerca da pesquisa sobre usos da


informação contábil no contexto político

Considerando o contexto geral de uso das informações contábeis e


de desempenho, observamos que a efetiva utilização dessas informações
no processo de tomada de decisão não se dá por um ato voluntário dos
agentes políticos, mas apenas quando as normas legais assim exigem ou
quando os problemas com que se deparam podem ser melhor justificados
por meio dessas informações.

Assim como constatado por Van Helden (2016, p. 538), os políticos


“precisam ser acionados por problemas para os quais informações contábeis
são necessárias ou habilitadas por procedimentos padrão para examinar
documentos contábeis”4.

4
Tradução livre de: “[...] need to be triggered by problems for which accounting information
is needed, or enabled by standard procedures for scrutinizing accounting documents”.

114
NASCIMENTO, J. P. B. et al. Usos da informação contábil por agentes políticos...

Como vimos, foi a introdução das reformas da NPM, no início dos anos
2000, que estimulou a prática da utilização de informações contábeis e de
desempenho por parte do setor público e, portanto, uma integração com as
atividades políticas nos poderes executivos e legislativos. Dessa forma, a
pesquisa em contabilidade aplicada ao setor público passou a direcionar
esforços para investigar os fenômenos relacionados a essa prática.

Destacamos que a maioria das pesquisas sobre o tema enfocam os


usos de informações contábeis de caráter gerencial para avaliação de de-
sempenho nos orçamentos. Além disso, observamos que grande parte des-
ses trabalhos se debruçam sobre análises dos usos intencionais da infor-
mação contábil, buscando respostas acerca dos usos, não usos e contextos
de usos dessa informação.

Acerca dos resultados das pesquisas, identificamos que a maior parte


delas são de caráter descritivo e objetivam compreender as justificativas
para o maior ou menor uso das informações contábeis e de desempenho
pelos políticos.

Os usos da informação contábil como máquinas (BURCHELL et al.,


1980) e/ou legitimadoras de posicionamentos, deliberações e tomada de
decisão políticos são pouco estudados (VAN HELDEN, 2016). Essa
constatação leva-nos a concluir que a maioria dos trabalhos desconsideram
o contexto circunstancial do uso das informações contábeis como estraté-
gia argumentativa dos agentes políticos no intuito de defenderem ou ata-
carem determinadas linhas de compreensão dos eventos, projetos de go-
verno e tomadas de decisão de acordo com seus posicionamentos político-
partidários.

Por fim, como contribuição deste trabalho, apontamos para a necessi-


dade de definição de uma agenda de pesquisa sobre os usos da informação
contábil no contexto político nacional, já que não encontramos trabalhos
com essa temática em periódicos brasileiros. E, devido à complexidade dos
fenômenos políticos, entendemos que mix methods são os mais recomen-
dados para a abordagem dessas pesquisas, bem como métodos advindos
das teorias do discurso.

115
Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

Referências

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political decision makers require? International Journal of Productivity and
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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS

Informações gerais
A Revista ECONOMIA E POLÍTICAS PÚBLICAS propõe-se a publicar tra-
balhos na área de economia, história econômica e políticas públicas, iné-
ditos, em português, espanhol, inglês e francês, de autores da UNIMONTES
ou outras Instituições na forma de:
. artigos;
. resenhas; Somente serão aceitas, quando houver, uma resenha, uma
tradução, uma comunicação e uma entrevista em cada edição.
. traduções de artigos recentes (prazo de 2 anos da primeira publica-
ção), de interesse relevante e acompanhadas de autorização do autor(es)
e da revista em que o mesmo foi originalmente publicado; e
. Comunicações.
Apresentação dos originais (PARA V.2.1 em diante)
Os trabalhos deverão ser entregues em duas vias, constando apenas
em uma delas a identificação do(s) autor(es), e em um CD; apresentados em
letra 12, fonte Times New Roman, espaço um e meio, folha A4, margens 2,5
cm, versão Word for Windows 7.0 ou inferior, de quinze a vinte laudas para
os artigos e traduções, até cinco para as resenhas e três para as comunica-
ções. A Revista aceita contribuições em fluxo contínuo.

Estrutura do trabalho
Os artigos e traduções deverão obedecer à seguinte seqüência:
. Título; (em português e em inglês)
. Nome do autor (somente em uma das cópias impressas) - deve vir à
direita da página, acompanhado das referências acadêmicas do autor
informadas em nota de rodapé.
. Resumo; (no máximo 200 palavras) (NECESSÁRIO EM TRÊS IDIOMAS,
obrigatoriamente português e ingles, o outro a escolha, preferencial-
mente espanhol)
. Palavras-chave;
. Abstract;
. Keyword;

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Economia e Políticas Públicas, v. 7, n. 1/2019

. Resumen
. Palabras clave
. Texto - usar para as citações, bem como para as referências a auto-
res, o sistema autor-data de acordo com as atuais normas da ABNT;
. Citação textual (caso haja) - até três linhas devem ser colocadas no
corpo do texto entre aspas; com mais de três linhas devem vir destaca-
das do texto, em espaço simples;
. Notas de rodapé (caso haja) - devem ser colocadas ao pé da página. As
remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha
superior;
. Tabelas, gráficos e figuras (caso hajam) - devem ser numeradas conse-
cutivamente, encabeçadas por título e conter legenda informando a
fonte;
. Fórmulas matemáticas, quando indispensáveis, deverão ser digitadas
no próprio texto e numeradas sequencialmente.
. Referências Bibliográficas - somente as que constarem do corpo do
texto, de acordo com as normas ABNT/última versão.
As resenhas e comunicações dispensam o resumo e palvras-chave.
Obs.: Trabalhos entregues fora das normas ou sem revisão de portu-
guês (de responsabilidade do autor) não serão analisados.

Da publicação
Os textos entregues à publicação serão apreciados por pareceristas
anônimos: membros do Conselho Consultivo e professores do corpo docen-
te da UNIMONTES ou de outra Instituição Universitária (especialista no
tema proposto pelo artigo, desde que não seja o autor do mesmo), convida-
do para este fim.
Os textos voltarão aos autores caso seja necessário alguma alteração.
Para tais casos, o trabalho final deverá ser novamente entregue em duas
vias e em um disquete, de acordo com as normas informadas anteriormen-
te. A Comissão Editorial, baseada nos pareceres recebidos, selecionará os
trabalhos que serão publicados; os que não forem selecionados podem ser
retirados pelo autor no Departamento de Economia da UNIMONTES, ou re-
quisitados por correspondência, no prazo de 02 (dois) meses após o recebi-
mento do parecer. Após tal prazo os mesmos serão destruídos.

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Normas para apresentação de originais

Critérios de Seleção
. Escolha do tema, no caso de edições temáticas.
. Relevância do tema
. Coerência do artigo
Os trabalhos devem ser enviados para o Departamento de ECONOMIA da
UNIMONTES.
Endereço:
Economia & Políticas Públicas (Revista do Departamento de Econo-
mia)
Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
Campus Universitário “Prof. Darcy Ribeiro”
Centro de Ciências Sociais Aplicadas - Depto de Economia
Av. Dr. Rui Braga, s/n - Vila Mauricéia
39401-089 - Montes Claros - MG

Direitos
Os trabalhos publicados não serão remunerados em hipótese alguma
O (s) autor (es), ao submeterem o trabalho à análise, automaticamente
cedem os direitos de publicação à Revista, em sua versão eletrônica. e/ou
impressa (A revista também será impressa e depositada em algumas biblio-
tecas de referência)
Os autores dos trabalhos aprovados NÃO terão direito a qualquer exem-
plar da edição em que constar sua publicação, pois trata-se de versão ele-
trônica.
Serão aceitos trabalhos com, no máximo, três autores.
Todos os casos não previstos serão analisados e decididos pelo Conse-
lho Editorial que, dentre outras atribuições, ficará encarregada de infor-
mar aos autores da possibilidade da publicação, contra os quais não cabe-
rá recurso.

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